Clínica de Grupos de Inspiração Psicanalítica
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Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: teoria, prática e pesquisa
Tales Vilela SanteiroBeatriz Silverio FernandesWaldemar Jose Fernandes
(Organizadores)
Clínica Psicólogica da Universidade Estadual de Londrina
Organizadores
Tales Vilela Santeiro
Beatriz Silverio Fernandes
Waldemar Jose Fernandes
Clínica de grupos de inspiração psicanalítica:
Teoria, prática e pesquisa
2021
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520
C641 Clínica de grupos de inspiração psicanalítica [livro eletrô-
nico] : teoria, prática e pesquisa /organizadores: Tales
Vilela Santeiro, Beatriz Silverio Fernandes, Waldemar
Jose Fernandes. – Londrina : Clínica Psicológica, 2021.
1 Livro digital : il.
Vários autores.
Inclui bibliografia e índice
Disponível em:
http://www.uel.br/clinicapsicologica/pages/publicaco
es.php
ISBN 978-65-994588-0-4
1. Psicoterapia de grupo. 2. Psicanálise. I. Santeiro,
Tales Vilela. II. Fernandes, Beatriz Silverio. III. Fer-
nandes, Waldemar Jose. IV. Universidade Estadual de
Londrina. Clínica Psicológica.
CDU 616.89-085
Comitê Editorial:
Amanda Lays Monteiro Inácio – Faculdade Tecnológica do Vale
do Ivaí, Ivaiporã, Paraná.
Ananda Kenney da Cunha Nascimento – Universidade Positivo -
Faculdade Positivo de Londrina (FPL), Londrina, Paraná.
Heloisa Aguetoni Cambuí – Centro Universitário Filadélfia,
Londrina, Paraná.
Maíra Bonafé Sei – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
Paraná.
Mary Yoko Okamoto – Universidade Estadual Paulista, Campus
Assis, Assis, São Paulo.
Equipe de criação de capa e design: Sara Santos Dias Costa, Renata Cristina
Ribeiro Leandro, Alícia Soares Siqueira e Vitória Aparecida Ferreira dos
Santos.
Criação de capa: Sara Santos Dias Costa.
Revisão técnica: Tales Vilela Santeiro, Waldemar José Fernandes e Beatriz
Silverio Fernandes.
Normalização textual: Tales Vilela Santeiro.
Tudo o que foi organizado nestes capítulos tem a ver com a vida
pessoal e profissional de cada um de nós, fundamentalmente nossos
familiares, analistas, supervisores e professores que tivemos pela vida,
os quais deixaram sementes importantes e nos ajudaram e ajudam a
pensar. A eles, nossa gratidão.
Agradecemos, ainda, a todos os autores dos capítulos, aos estudantes,
pesquisadores e pesquisados, aos que contribuíram para a
concretização do livro, especialmente à comissão editorial e à Editora
da Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, e a
todos os pacientes e demais pessoas atendidas por nós, que nos
propiciaram a oportunidade de refletir e produzir esta obra.
Somos igualmente gratos aos leitores, a quem esta produção se dirige,
que nos deram motivação para que funcionássemos como um grupo.
Os Organizadores
7
Prefácio
Caro leitor:
Em primeiro lugar quero parabenizá-lo por ter adquirido este livro.
Estou certo de que, ao lê-lo, sentir-se-á tão privilegiado quanto eu próprio
me senti quando o li.
Este livro é, ao mesmo tempo, um Tratado, um Manual e uma
obra de referência no panorama atual das psicoterapias de grupo.
O livro é completo. Não é apenas sobre teoria; não é apenas sobre
técnica; não é apenas sobre investigação – é sobre tudo isso e muito mais.
É um livro escrito a muitas mãos, uma verdadeira obra de grupo.
Os seus autores têm formações e experiências variadas e abordam temas
muito diversos, mas há uma linha comum e uma coerência que conferem
uma base consistente à obra. Para que tal fosse possível, foi fundamental
o trabalho de Tales Vilela Santeiro, Beatriz Silverio Fernandes e Waldemar
José Fernandes, que – como organizadores, editores e também autores –
conseguiram de forma harmoniosa dar corpo àquela coerência.
Os três primeiros capítulos mostram isso mesmo e, ainda,
constituem como que uma matriz no seio da qual se vão desenvolvendo
os diferentes temas que compõem o livro. Exemplifico: Beatriz Fernandes
(no capítulo 1, Psicoterapia de Grupo: sua origem, seus caminhos) mostra-nos,
com uma linguagem clara e acessível, as origens, os fundamentos teóricos
e práticos e o desenvolvimento das psicoterapias de grupo em todos os
países em que estas se implementaram. No sentido de proporcionar um
estudo mais aprofundado do tema, o capítulo termina com referências
bibliográficas e sugestões de leitura.
Waldemar Fernandes (em Conceitos introdutórios sobre grupalidade e
psicanálise vincular; capítulo 2) apresenta aos leitores uma série de conceitos
e noções básicas que facilitam a leitura e a compreensão dos restantes
capítulos. Waldemar Fernandes e Tales Santeiro (em Proposta introdutória de
classificação do trabalho grupal; capítulo 3) fazem uma exegese daquilo que é
um grupo, classificando os diferentes grupos existentes (em função da sua
8
natureza e finalidade) em operativos, psicoterapêuticos e de pesquisa,
numa sistematização muito clara e didática. Finalmente, os três autores
debruçam-se sobre o importantíssimo tema da formação – alicerce seguro
e fonte de renovado saber da identidade, do ofício e da arte de ser
psicoterapeuta (capítulo 4).
Ao longo do livro é dada ênfase à influência e aos contributos que
vários autores tiveram no desenvolvimento e na identidade dos grupos
analíticos. De entre os mais representativos, são abordados Freud (por
Rose Pompeu de Toledo; capítulo 5), Melanie Klein (por Waldemar
Fernandes; capítulo 6), Bion (também por Waldemar Fernandes, em dois
capítulos, com aprofundada fundamentação teórica e pertinentes
ilustrações clínicas; capítulos 7 e 12), Winnicott (por Betty Svartman;
capítulo 13) e Foulkes (por Alexandre Mantovani; capítulo 9).
São apresentadas, com fundamentação teórica e ilustrações
clínicas, várias modalidades de psicoterapia de grupo, das quais saliento os
grupos com finalidades operativas e psicoterapêuticas. Sobre os primeiros,
Ismenia de Camargo e Oliveira apresenta o tema de acordo com as
conceções de Pichon-Rivière (capítulo 8), e Solange Aparecida Emílio
apresenta os grupos operativos mais especificamente, em duas
modalidades, os grupos psicanalíticos de reflexão e os grupos
psicanalíticos de discussão, que são usados como dispositivos de
aprendizagem e intervenção em diferentes contextos, nomeadamente nos
eventos do NESME (capítulo 14).
Sobre os segundos, menciono a perspectiva psicanalítica de grupo
francesa, apresentada por Pablo Castanho, e a Grupanálise portuguesa
(capítulos 11 e 10, respectivamente). Esta é apresentada por Isaura Manso
Neto e César Vieira Dinis, ilustres representantes (e protagonistas) da
Escola Portuguesa de Grupanálise. No capítulo de sua autoria são
apresentados a história, os fundamentos, a evolução e as aplicações da
Grupanálise e da Psicoterapia Analítica de Grupo, tal como foram
concebidos por Eduardo Luís Cortesão e desenvolvidos e enriquecidos
pelos seus continuadores. É feita também menção à teoria da técnica e aos
mecanismos da acção terapêutica. Numa síntese muito bem elaborada, os
autores apresentam o conteúdo do capítulo de forma muito completa,
esclarecida e clara.
9
O livro contém outro interessante capítulo, muito enriquecido
com ilustrações clínicas, sobre a teoria da técnica das grupoterapias
psicanalíticas, de autoria de Beatriz Fernandes e Waldemar Fernandes
(capítulo 16), e outro, também sobre técnica, abordando o início e o
término da intervenção psicológica grupal, que tem como autores Cláudia
Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva (capítulo 17).
O conhecimento teórico e técnico, bem como a experiência clínica
dos autores do livro, permitiram a estes adaptar e aplicar os princípios da
psicoterapia analítica de grupo a uma vasta gama de situações e pessoas.
Esta nobre acção é da mais alta importância, pois permite ajudar uma
população mais ampla e necessitada. São vários os capítulos que, como
podemos ver a seguir, mostram isso mesmo. O capítulo 15, Grupos com
tempo e/ou objetivos limitados, da autoria de Beatriz Silverio Fernandes,
demonstra bem ao que me referi. A mesma autora apresenta outro texto
ilustrativo: Psicoterapia de grupo com crianças e adolescentes (capítulo 18).
Ainda na população infantil, Rose Pompeu de Toledo tem um
capítulo sobre grupos de crianças com transtornos mentais graves em
instituição (capítulo 20). E, ainda nesse contexto, Amaury Tadeu Rufatto
aborda a questão importantíssima dos grupos nas instituições (capítulo
23).
Marly Terra Verdi aborda uma outra questão, nem sempre
devidamente valorizada: o atendimento a famílias de crianças doentes,
neste caso com patologias do espectro autista (capítulo 19). Novamente
em relação a pacientes adultos, mas ainda com a preocupação focada nos
familiares, um grupo grande autores aborda o problema dos transtornos
do comportamento alimentar (anorexia e bulimia), com muito úteis e
esclarecedoras vinhetas clínicas: Manoel Antônio dos Santos, Érika
Arantes de Oliveira-Cardoso, Rosane Pilot Pessa, Raquel Borges de
Moraes, Wanderlei Abadio de Oliveira, Jeferson Santos Araújo, Rodrigo
Sanches Peres e Carolina Leonidas (capítulo 25).
Angela Hiluey, valorizando aportes da terapia familiar sistémica,
reflete sobre sua importância numa perspetiva integrativa de abordagem e
tratamento das famílias (capítulo 22). Numa abordagem diferente, Tânia
Aldrighi Flake escreve um interessante texto sobre psicoterapia
psicanalítica de casal (capítulo 21).
10
Ainda sobre a aplicação prática dos princípios da psicoterapia
analítica de grupo, dois capítulos versam sobre patologias específicas:
pacientes com dor crónica (Lazlo Antonio Ávila; capítulo 24), e alcoolistas
e drogaditos (Sílvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento,
Livia Maria Amaral de Brito e Patricia Ely; capítulo 26).
A questão da pesquisa em grupos (e a importância da sua dimensão
operativa) ocupa também um lugar relevante, como mostram Tales Vilela
Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda Caetano, Gabriela
Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes Coelho, Renata Cristina
Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza Peralta e Gláucia
Mitsuko Ataka da Rocha (capítulo 27).
Todos os capítulos referidos estão apresentados em uma
linguagem clara e acessível, bem fundamentados teoricamente e muitos
deles bem ilustrados com vinhetas clínicas.
Permita-me, caro leitor, uma nota pessoal, antes de finalizar. Fiquei
muito feliz com o convite que me foi endereçado pelos organizadores
desta excelente obra. À honra que me deram foi somada a oportunidade
de poder dar um pequeno contributo para o intercâmbio científico, a
cooperação e o convívio afetivo entre os colegas e leitores dos nossos
países, que começou há já muitos anos e culminou em três dias (16 a 18
de agosto) do ano de 1991, em São Paulo. Foi nessa altura que aconteceu
o I Encontro de Grupanálise, Psicoterapia de Grupo e Saúde Mental de Língua
Portuguesa, e, desde aí, não mais o intercâmbio parou – e em 2021 já vamos
ter oportunidade de participar no XV Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise
e Psicoterapia Analítica de Grupo.
A Tales Santeiro, Beatriz Fernandes e Waldemar Fernandes, o meu
mais profundo e sentido agradecimento.
Para finalizar, recomendo vivamente este livro a psicólogos,
psiquiatras e todos os técnicos de saúde mental. Todos ficaremos mais
enriquecidos por podermos aprender com os ensinamentos e a experiência
generosamente transmitidas pelos autores do livro.
Como todos os textos estão escritos de forma clara e didática, e
como os temas são de interesse universal, pais, educadores e público em
geral podem encontrar nesta excelente obra uma esperança e um alento
11
para ajudarem todos aqueles de quem cuidam e por quem nutrem genuína
dedicação.
João Carlos Melo
Médico psiquiatra, psicoterapeuta e grupanalista.
Membro titular didata da Sociedade Portuguesa
de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de
Grupo, full member da Group-Analytic Society
International e Assistente Graduado do Hospital
Fernando Fonseca, onde exerce as funções de
Coordenador do Hospital de Dia do Serviço de
Psiquiatria.
13
Apresentação: aprender, viver e pensar
grupos
Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José
Fernandes
Por um lado, a casualidade parece ser onipresente e poderosa no
dia a dia. Por outro lado, há quem diga que o acaso não existe. De qualquer
maneira, este livro nasceu em uma conversa com cafezinho no intervalo
do VI Congresso da SPAGESP, XII Jornada do NESME, e VI Encontro
de saúde mental da região de Ribeirão Preto, em agosto de 2018. O tema
do evento era Desafios do trabalho grupal – quem sabe, o disparador para a
concepção desta publicação.
Durante o cafezinho, refletimos que o livro Grupos e configurações
vinculares, coorganizado por Waldemar Fernandes, Betty Svartman e
Beatriz Fernandes, era muito utilizado no país, como fonte bibliográfica e
orientação para quem se interessava por grupos, principalmente em saúde
e educação. Entretanto, àquela época, o livro se encontrava esgotado;
afinal, havia sido editado há mais de 15 anos. Nessa conversa,
constatamos, ainda, que há carência de obras sobre pesquisas em grupos,
publicadas em livros de caráter didático e em língua portuguesa.
Com isso em mente, passamos a elaborar um projeto sobre o
trabalho e a pesquisa com grupos, que engendrou este volume. Miramos
desde o estudante de graduação, mas também procuramos contemplar
aquele mais familiarizado com esse campo. Convidamos clínicos da prática
privada e institucional que são referências em suas áreas de atuação e
pesquisa a colaborar, o que foi feito com empenho e espírito parceiro.
Dessa forma, tanto os iniciantes quanto os mais experientes poderiam
recuperar contribuições fundamentais que inspiram a prática e a
investigação no campo dos processos de grupo. Desde agora convidamos
o leitor a adentrar esta proposta e esperamos que isso provoque diálogos
que ponham a obra e seus autores em movimento.
14
Cabe dizer que de agosto de 2018 até os dias atuais muito
transcorreu. Não poderíamos deixar de mencionar a pandemia ocasionada
pelo novo coronavírus (COVID-19), que chegou e se alojou entre nós de
modo avassalador. Sem pedir licença, entrou em nossas casas e em nossas
instituições mundo afora. A humanidade toda passou e tem passado, desde
fevereiro de 2020, por um momento histórico inédito nos últimos 100
anos, no tocante à saúde pública mundial. E houve impactos dessa
situação na organização e na finalização desta obra, retardando-a em
relação ao projeto original. Imagináramos que ela seria publicada no
primeiro semestre de 2020. Entretanto, pausas, silêncios, vida e trabalho
na modalidade remota, mortes e violências – mais ou menos próximas de
cada um de nós – também atravessaram os caminhos dos autores e dos
organizadores.
Há incertezas e dores por serem compreendidas, porque a
pandemia não afetou ou afeta apenas os nossos pacientes ou os usuários
dos serviços que oferecemos; ela nos atinge tanto e quanto. Há revisões
em teorias e técnicas que estão a acontecer e deverão se manter em
andamento. Não seremos mais as mesmas pessoas, os mesmos pacientes
e psicoterapeutas.
O trabalho com grupos não passou ou tem passado ileso, portanto.
Se afastarmo-nos uns dos outros foi e é medida sanitária de segurança,
para preservação da vida, como propor encontros grupais? Assim,
esperamos que, por meio do livro, o leitor também possa problematizar
esse cenário inaugurado em 2020 e seus impactos sobre os processos
grupais. Muito há o que ser feito, discutido e (re)inventado.
Em termos estruturais, o livro foi desenhado para cobrir aspectos
fundamentais dos trabalhos grupais, desde os teóricos até os técnicos e
práticos. Cada capítulo foi organizado para ser lido em separado;
entretanto, em alguns momentos o exercício de revisitar certas
contribuições em capítulos distintos será inevitável. Esperamos que o livro
seja útil e que possa inspirar novas formas de aprender, viver e pensar
grupos.
15
Sumário
Sobre os Autores ........................................................................................... 19
1. Psicoterapia de grupo: sua origem, seus caminhos ....................... 31
Beatriz Silverio Fernandes
2. Conceitos introdutórios sobre grupalidade e Psicanálise
Vincular ........................................................................................................... 43
Waldemar José Fernandes
3. Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal .......... 53
Waldemar José Fernandes e Tales Vilela Santeiro
4. Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de
inspiração psicanalítica: Clínica de grupos na Saúde e na
Educação ........................................................................................................ 67
Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José
Fernandes
5. Freud: o mito da horda primitiva e o vínculo intersubjetivo do
grupo ................................................................................................................ 93
Rose Pompeu de Toledo
6. Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos
fenômenos grupais ..................................................................................... 107
Waldemar José Fernandes
7. Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos 125
Waldemar José Fernandes
8. Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique
Pichon-Rivière ............................................................................................. 141
Ismenia de Camargo e Oliveira
9. A grupanálise de Foulkes: fundamentos teóricos e técnicos .... 157
Alexandre Mantovani
10. Grupanálise e psicoterapia analítica de grupo: contribuições da
Escola Portuguesa ..................................................................................... 175
Isaura Manso Neto e César Vieira Dinis
16
11. Sobre a perspectiva psicanalítica de grupo francesa: três
importantes aportes ................................................................................... 205
Pablo Castanho
12. Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise
das configurações vinculares .................................................................. 225
Waldemar José Fernandes
13. Winnicott: estimulador da criatividade – o grupo como
fenômeno transicional .............................................................................. 261
Betty Svartman
14. Grupos Psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto
modalidades de Grupos Operativos ..................................................... 281
Solange Aparecida Emílio
15. Grupos com tempo e/ou objetivos limitados .............................. 305
Beatriz Silverio Fernandes
16. Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias
psicanalíticas ............................................................................................... 317
Beatriz Silvério Fernandes e Waldemar José Fernandes
17. O início e o término da intervenção psicológica grupal ........... 351
Cláudia Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva
18. Psicoterapia de grupo com crianças e adolescentes .................. 365
Beatriz Silverio Fernandes
19. Atendimento a famílias de crianças dentro dos Transtornos do
Espectro Autístico ...................................................................................... 383
Marly Terra Verdi
20. Grupos de crianças com transtornos mentais graves:
atendimentos em instituições públicas de saúde ............................. 399
Rose Pompeu de Toledo
21. Psicoterapia psicanalítica de casal: teoria, prática e pesquisa 415
Tânia Aldrighi Flake
22. Terapia familiar: pensamento sistêmico na perspectiva
integrativa ..................................................................................................... 437
Angela Hiluey
23. Grupos nas instituições ...................................................................... 461
Amaury Tadeu Rufatto
17
24. Dor e sofrimento: psicoterapia grupal para pacientes com dor
crônica ........................................................................................................... 483
Lazslo Antonio Avila
25. O que ela tem de ruim na cabeça dela? Processo grupal de
orientação psicanalítica com familiares de pacientes com anorexia
e bulimia ....................................................................................................... 493
Manoel Antônio dos Santos, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso,
Rosane Pilot Pessa, Raquel Borges de Moraes, Wanderlei Abadio de
Oliveira, Jeferson Santos Araújo, Rodrigo Sanches Peres, Carolina
Leonidas
26. Psicoterapia psicanalítica de grupo com alcoolistas e
drogaditos ..................................................................................................... 523
Silvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento, Livia Maria
Amaral de Brito, Patricia Ely
27. Processos de pesquisa e(m) grupos: ser ou não ser
operativo?...................................................................................................... 547
Tales Vilela Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda
Caetano, Gabriela Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes
Coelho, Renata C. Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza
Peralta, Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha
Índice remissivo ......................................................................................... 565
19
Sobre os Autores
Alexandre Mantovani. Graduação em Psicologia pela Universidade de São
Paulo (2002), mestrado em Psicologia pela Universidade de São Paulo
(2006), especialização em Psicologia Clínica pelo CFP (Conselho Federal
de Psicologia), 2009, doutorado em Ciências, área de concentração
Psicologia, pela FFCLRP-USP (2011). Atuou como docente colaborador
no Departamento de Serviço Social da UFSCar, onde realizou
atendimentos à população universitária. Também atuou como docente da
EERP-USP, onde ministrou disciplinas de Antropologia da Saúde e
Sociologia. De 2006 à 2011 dirigiu o curso de Especialização em
Psicoterapias Analíticas Grupais da SPAGESP. Atualmente exerce a
prática de psicoterapia psicanalítica com enfoque vincular (psicanálise das
configurações vinculares) em consultório particular, para adultos,
adolescentes e também atendimentos de casais e família. Realiza
supervisões de atendimentos individuais e de grupos e presta análise
institucional. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9679484817363669
Amaury Tadeu Rufatto. Graduação em Psicologia (1983). Professor do
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações
Vinculares (NESME). Interlocutor de Saúde Mental da Coordenadoria
Regional Sul de Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo
(1989 a 1990; e 2001 a 2004). Interlocutor de Saúde Mental da Supervisão
Técnica de Saúde de Santo Amaro, da Secretaria Municipal de Saúde de
São Paulo (2005). Coordenador do CAPS - IJ de Santo Amaro (1990 a
1995; e 2001 a 2006).
Angela Hiluey. Graduação em Psicologia, doutorado em Educação pela
Universidade de São Paulo (2004) e pós-doutorado em Terapia Familiar
(Barcelona, Espanha, 2007), psicoterapeuta de casal e família; Diretora,
docente e supervisora no Centro de Estudos da Família Itupeva, escola
associada à Rede Europeia e Latino-Americana das Escolas Sistêmicas e
20
parceira da Facon. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0312303585136907
Anna Beatriz Barbosa de Souza Peralta. Graduanda em Psicologia pela
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), membro do Grupo
de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos
de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) e estagiária do Serviço-Escola da UFTM (Centro
de Estudos e Pesquisa em Psicologia Aplicada- CEPPA). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7686713707212999
Beatriz Lacerda Caetano. Graduação em Psicologia pela Universidade de
Uberaba, Especialização em Psicologia Jurídica (2013) e em Regulação em
Saúde no Sistema Único de Saúde (2015). Mestrado em Psicologia (2020)
pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), membro do
Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos
Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico). Exerce função de Analista em Regulação e
Auditoria do SUS na Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba. Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4585395636872737
Beatriz Silverio Fernandes. Graduação em Psicologia pelo Instituto Metodista
de Ensino Superior de São Bernardo do Campo (1975). Supervisora pelo
CRP. Especialização em Técnicas Lúdicas, pelo Instituto Pieron de
Psicologia Aplicada (1981) e em Psicodiagnóstico, pelo Instituto Sedes
Sapientiae (1977). Fundadora e docente do Núcleo de Estudos em Saúde
Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e da
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo
(SPAGESP). Professora convidada pela Sociedade Portuguesa de
Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/7028840142731456
Betty Svartman. Graduação em Psicologia, pela USP (1974), formada em
Psicoterapia Analítica de Grupo, pela Sociedade Paulista de Psicoterapia
Analítica de Grupo (1999). Membro e docente do Núcleo de Estudos em
21
Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME), ex-
presidente do NESME, ex-presidente da Federação Latino-Americana de
Psicoterapia Analítica de Grupo (FLAPAG), membro fundador da
Sociedade de Psicoterapias Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP),
coorganizadora do livro Grupos, configurações vinculares. Docente das cadeiras
de Winnicott e Melanie Klein no Instituto de Psicanálise e Psicopatologia
de Brasília.
Carolina Leonidas. Graduação em Psicologia pela Universidade de Ribeirão
Preto (2009), mestrado em Psicologia (2012) e doutorado em Psicologia
(2016) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Professora Adjunta do
Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Pesquisadora sênior do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicologia
da Saúde (LEPPS-USP/CNPq) da FFCLRP-USP. Colaboradora de
pesquisa do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (GRATA – HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9829603751639934
César Vieira Dinis. Psiquiatra, Grupanalista didata da Sociedade Portuguesa
de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (SPGPAG), full member
da Group Analytic Society International, Consultor de Psiquiatria da carreira
hospitalar, chefe da equipe do Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do
Hospital de Santa Maria (1989-1999), Portugal.
Cláudia Alexandra Bolela Silveira. Graduação em Psicologia (1995);
graduação em Pedagogia (2002); mestrado em Ciências e Práticas
Educativas (2000) e doutorado em Promoção da Saúde (2016). Professora
Supervisora do Curso de Psicologia da Universidade de Franca. Professora
da FAPESF-Faculdades Pestalozzi de Franca. Membro e Docente da
SPAGESP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4295201246495689
22
Érika Arantes de Oliveira-Cardoso. Graduação em Psicologia pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo (FFCLRP-USP, 1998), mestrado em Psicologia (2001) e doutorado
em Psicologia (2004) pela FFCLRP-USP. Psicóloga do Departamento em
Psicologia da FFCLRP-USP. Professora Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Co-coordenadora do
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-
USP/CNPq) da FFCLRP-USP e do Grupo de Ação e Pesquisa em
Diversidade Sexual e de Gênero (VIDEVERSO-FFCLRP-USP).
Coordenadora da equipe de Psicologia do Grupo de Assistência em
Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2150850846796968
Felipe Santos da Silva. Graduação em Psicologia (2019) pela Universidade
de Franca. Graduando em Pedagogia (conclusão prevista para 2021) pela
Universidade Metodista de São Paulo. Realizou Estágio em Pesquisa no
Exterior (FAPESP: Processo: 2019/01494-3) pela Pontíficia Universidad
Del Perú. Mestrando no Programa de Pós Graduação em Ciências
Médicas na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Bolsista da CAPES, Processo:
88887.513352/2020-00. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1465504911620796
Gabriela Borges Carvalho. Graduação em Psicologia (2016), Especialização
em Hematologia e Hemoterapia (2019), mestranda em Psicologia no
Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM), membro do Grupo de Pesquisa Clínica
Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5232095464002792
Gabriella Oliveira Arantes Coelho. Graduação em Psicologia pela
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM, 2019), membro do
Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos
23
Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3914181345933095
Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha. Graduação em Psicologia pela
Universidade São Marcos (2000), mestrado em Psicologia Clínica (2002) e
doutorado em Psicologia (2006) pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de
Psicologia da USP (2018). Professora do Curso de Psicologia da
Universidade Federal do Tocantins, membro do Grupo de Pesquisa Clínica
Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2249428902860309\
Guilherme Faria Ribeiro. Graduação em Psicologia pela Faculdade Pitágoras
de Uberlândia (2012), psicanalista, especialização em Teoria Psicanalítica
pela Universidade de Uberaba (2016) e mestrado em Psicologia pela
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM, 2020), membro do
Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos
Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5004660817854381
Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento. Graduação em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica São Paulo (2014) e Especialista em Saúde Mental
com foco em Álcool e Drogas pela Escola de Enfermagem da USP (2017).
Pesquisador do CLIGIAP (Clínica de Grupos e Instituições: Abordagem
Psicanalítica) do IP-USP. Psicólogo do Programa da Mulher Dependente
Química (PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HC –
FMUSP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2676880398391307
Isaura Manso Neto. Psiquiatra. Grupanalista didata da SPGPAG, full member
da Group Analytic Society International, chefe de serviço da carreira
24
hospitalar, chefe da equipe do Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do
Hospital de Santa Maria (1999-2009), Portugal.
Ismenia de Camargo e Oliveira. Graduação em Psicologia no Instituto de
Psicologia da USP (1970). Psicóloga aposentada do Instituto de Psicologia
da USP. Professora e supervisora do Núcleo de Estudos em Saúde Mental
e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME).
Jeferson Santos Araújo. Graduação e Licenciatura em Enfermagem e
Obstetrícia (2011) pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
especialização em Enfermagem do Trabalho e Enfermagem em
Oncologia pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo (EERP-USP), doutorado direto em Enfermagem (2016) pela
EERP-USP. Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem da
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Chapecó.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7312465925645087
Lazslo Antônio Ávila. Graduação em Psicologia (1976), mestrado em
Psicologia Social (1983) e doutorado em Psicologia Clínica (1995) pela
Universidade de São Paulo, pós-doutorado na University of Cambridge
(2001). Professor Adjunto (Livre Docente) do Departamento de
Psiquiatria e Psicologia Médica e Professor Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Faculdade de Medicina de São
José do Rio Preto. Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental e
Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e da Sociedade de
Psicoterapias Analíticas do Estado de São Paulo (SPAGESP). Currículo
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1044104621580017
Livia Maria Amaral de Brito. Graduação em Psicologia pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2004) e Graduação em Geografia pela
Universidade de São Paulo (1987). Acompanhante Terapêutico,
Psicanalista (Membro do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise-Núcleo
São Paulo), Psicóloga do Programa da Mulher Dependente Química
(PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
25
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HC –
FMUSP).
Manoel Antônio dos Santos. Graduação em Psicologia (1986) pelo Instituto
de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), mestrado em
Psicologia Clínica (1992) e doutorado em Psicologia Clínica (1996) pelo
Instituto de Psicologia da USP, Livre-Docente em Psicoterapia
Psicanalítica (2016) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), Professor
Titular (2018) e docente (desde 1987) da FFCLRP-USP. Professor
Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-
USP. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, PQ-1A. Membro
Titular da Academia Paulista de Psicologia (cadeira 33). Coordenador do
Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-
USP/CNPq) da FFCLRP-USP e do Grupo de Ação e Pesquisa em
Diversidade Sexual e de Gênero (VIDEVERSO-FFCLRP-USP).
Coordenador da equipe de Psicologia do Grupo de Assistência em
Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1632921993169300
Marly Terra Verdi. Graduação em Psicologia e Psicanalista, Membro
Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo (SBPSP). Docente do Instituto de Psicanálise da SBPSP. Membro
do Grupo de Estudos de Psicanálise de São José do Rio Preto e Região.
Membro da International Psychoanalytical Association (IPA). Membro do
International Symposium for Psychoanalytic Interregional Research on
Autistic Disorders (INSPIRA). Especialista em Psicologia Clínica e
Educacional pelo Conselho Regional de Psicologia. Membro do Núcleo
de Estudos de Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
(NESME) e da Sociedade de Psicoterapias Analíticas de Grupo do Estado
de São Paulo (SPAGESP).
Pablo Castanho. Prof. Dr. do Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo. Co-coordenador da Rede interuniversitária Group et Liens
26
Intersubjectifs (criada e co-coordenada pela Université Lumière Lyon 2- França).
Membro da International Association for Group Psychotherapy and Group Processes
(IAGP) e do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das
Configurações Vinculares (NESME). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/4796465935271518
Patricia Ely, Graduação em Psicologia (2012), Especialista em Terapia
Familiar e de Casal pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo
(2015). Psicóloga do Programa da Mulher Dependente Química
(PROMUD) do Insttuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina de São Paulo (IPq – HC – HMUSP). Currículo
lattes: http://lattes.cnpq.br/1177896424431296
Raquel Borges de Moraes. Graduação em Psicologia (2018) pela Universidade
Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), mestranda em psicologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFTM. Psicóloga e
colaboradora de pesquisa do Grupo de Assistência em Transtornos
Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (GRATA – HC-FMRP-
USP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7057812797396900
Renata Cristina Ribeiro-Leandro. Graduanda em Psicologia pela Universidade
Federal do Triângulo (UFTM), membro do Grupo de Pesquisa Clínica
Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no
Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2412537837085689
Rodrigo Sanches Peres. Graduação em Psicologia (2001) pela Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), campus Assis,
mestrado em Psicologia (2004) e doutorado em Psicologia (2008) pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), especialista em Psicologia
Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Professor Associado
do Instituto de Psicologia e Professor Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
27
Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro, da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Bolsista de
Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), PQ-2. Pesquisador do Laboratório de
Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP/CNPq) da
FFCLRP-USP. Membro do grupo de trabalho Psicanálise e Clínica
Ampliada, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia (ANPEPP). Editor Adjunto da revista Tempo Psicanalítico.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9167312272004943
Rosane Pilot Pessa. Graduação em Nutrição (1984), mestrado em
Psicobiologia (1994) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), doutorado
em Saúde Mental (2000) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP-USP), pós-doutorado em Antropologia (2019) pela University of
Alabama, USA. Professora Associada do Departamento de Enfermagem
Materno-Infantil e Saúde Pública e Professora Permanente dos Programas
de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Nutrição
e Metabolismo da FMRP-USP. Vice-Coordenadora do Grupo de
Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das
Clínicas da FMRP-USP. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5372275432577010
Rose Pompeu de Toledo. Graduação em Psicologia (1978), mestrado em
Psicologia Clínica (1990), membro do Núcleo de Estudos em Saúde
Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e
coordenadora do Centro de Educação Permanente em Psicanálise dos
Vínculos (CEPPV) do NESME. CV:
http://lattes.cnpq.br/9797071673562098
Solange Aparecida Emílio. Graduação em Psicologia (1993), mestrado em
Distúrbios do Desenvolvimento (1998), doutorado em Psicologia Escolar
e do Desenvolvimento Humano (2004). Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Educacional (mestrado e
28
doutorado) do UNIFIEO. Vice-presidente do NESME (Núcleo de
Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares)
eleita pelo biênio 2019-2021. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1251220841282741
Silvia Brasiliano. Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (1979), especialista em Psicanálise Familiar pelo
Instituto Sedes Sapientiae, doutorado em Ciências pela Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (2005). Coordenadora do
Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (IPq – HC – FMUSP). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8217405135545459
Tales Vilela Santeiro. Graduação em Psicologia pela Universidade de Franca
(1998), mestrado em Psicologia Clínica (2000) e doutorado em Psicologia
como Ciência e Profissão (2005) pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Professor Associado do Departamento de Psicologia do
Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais;
Coordenador substituto e Professor Permanente do Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.
Líder do Grupo de Pesquisa Clínica psicanalítica: brincar aprender pensar
(Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5391944071281583
Tânia Aldrighi Flake. Graduação em Psicologia pela Universidade Paulista
(1980), Especialista em Psicoterapia de Família e Casal pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 1994), mestrado em
Psicologia Clínica (PUC-SP, 2001) e doutorado em Ciências da Saúde –
Medicina Preventiva (2013) pela Universidade de São Paulo. Docente no
curso de Psicologia da Universidade de Mogi das Cruzes (1994 – atual).
Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das
Configurações Vinculares (NESME), Professora do Curso de
29
Aprimoramento na Coordenação e Manejo de Grupos no NESME.
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4473590971958122
Waldemar José Fernandes. Graduação em Medicina pela Escola Paulista de
Medicina, hoje UNIFESP (1970). Especialização em psiquiatria, com área
de atuação em psicoterapia, pela Associação Brasileira de Psiquiatria
(1972). Professor Assistente nos cursos de Medicina e de Psicologia na
Universidade de Santo Amaro (1971 a 1985). Trabalhou em comunidade
terapêutica (Unidade Psiquiátrica de São Paulo, 1970 a 1980). Atualmente
trabalha em consultório particular, com psiquiatria dinâmica, psicoterapia
individual, de grupo e de casal, além de exercer atividades didáticas em
curso de formação de psicoterapeutas de grupo no Núcleo de Estudos em
Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME).
Membro fundador e docente do NESME. Membro fundador da
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo
(SPAGESP). Professor convidado pela Sociedade Portuguesa de
Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Currículo Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9843303741688415
Wanderlei Abadio de Oliveira. Graduação em Psicologia (2010) pela
Universidade de Uberaba, doutorado em Enfermagem em Saúde Pública
(2017), pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (EERP-USP), em cotutela com a Scuola di Dottorato di Ricerca
in Psicologia da Università Cattolica del Sacro Cuore (Milão-Itália), pós-
doutorado em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Professor Permanente do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5455601415853420
31
1 Psicoterapia de grupo: sua origem, seus
caminhos Beatriz Silverio Fernandes
A psicoterapia de grupo, em mais de um século de existência,
desenvolveu-se muito, notadamente depois da Segunda Guerra Mundial,
quando muitos psiquiatras e psicanalistas se interessaram por esse
processo, em virtude do grande número de pacientes para serem atendidos
e do pequeno grupo de profissionais aptos para atendê-los. É nos Estados
Unidos onde há maior emprego da técnica, muito embora tenha como
berço a Europa. As publicações sobre ela começaram em torno de 1900 e
triplicaram na década de 1930, culminando na década de 1950 com mais
de 1.400 publicações.
Europa e Estados Unidos
Encontramos em Ribeiro (1981) que Joseph H. Pratt, já em 1905,
em Boston, utilizava a psicoterapia de grupo para tratamento de
tuberculosos. Adler, em 1912, acreditava que o indivíduo seria movido em
primeiro lugar por instâncias sociais. Burrow, discípulo de Freud e Jung,
introduziu em 1920 o termo análise grupal. Outro pioneiro foi Paul
Schilder, na década de 30. Seus pacientes, antes de iniciarem o trabalho
grupal, eram preparados e sensibilizados quanto ao funcionamento do
grupo.
Em 1944 e 1945, principalmente na Europa, houve importantes
nomes que contribuíram para o fortalecimento da psicoterapia de grupo,
como Ackerman, Wolf, Grotjahn, Ezriel, Lazell, Burrow, Tigent, Kurt
Lewin, Foulkes e Bion, entre outros.
Foulkes se afastou do grupo de Melanie Klein e teve destaque,
aproximando-se cada vez mais dos grupos psicoterápicos e das
32
comunidades terapêuticas. Em 1948, apresentou a grupanálise,
aproximadamente na mesma época em que Bion se destacou por seus
estudos sobre grupos, que serão detalhados neste livro em capítulo
específico (capítulo 7).
Zimmermann (1957/1971) distingue quatro formas de
psicoterapia de grupo: repressiva, didática, psicodramática e psicanalítica.
Elas serão tratadas nos próximos itens.
Método repressivo
Pratt, fundador da psicoterapia de grupo e o primeiro a empregar
o método em 1905, partiu do convívio com tuberculosos enquanto
aguardavam atendimento numa sala de espera de um dispensário. Nesse
contexto, verificou que estabeleciam entre eles relações emocionais que os
tornavam mais animados. Isto o inspirou para reuni-los em uma sala para
aulas semanais para administração de um curso de higiene pessoal. Nessas
aulas, discutia com os doentes suas atitudes frente à tuberculose, à família
e aos amigos. Discutiam as diferentes maneiras de enfrentar a mesma
situação, diversas maneiras de enfrentar a doença. Invariavelmente os
doentes melhoravam, tornavam-se mais corajosos e otimistas. Mais tarde,
expandiram esse método para outros setores do hospital. Os resultados
eram atribuídos à confiança que os doentes depositavam no terapeuta.
Pratt fazia reunião com 20 pacientes, e os que se sentavam mais
perto do terapeuta tornaram-se os casos mais antigos e mais proveitosos.
Vez por outra, um antigo paciente vinha visitar o grupo e falar sobre os
benefícios do tratamento. Fazia chamada, distribuía papel para escreverem
as melhoras, as persistências e os agravamentos. Seguia com um
relaxamento muscular, um pequeno discurso sobre problemas emocionais
simples, ou leitura edificante. Foi denominada de Aula de Controle do
Pensamento.
Designam-se como operantes no método de Pratt as seguintes
questões:
desejo de aprovação do líder e promoção de rivalidades no
grupo no sentido de melhoras;
aumento do sentimento de importância;
33
apelo à correção de aspectos imaturos da vida emocional do
paciente;
testemunho de pessoas que aproveitavam o tratamento e de seu
entusiasmo pelo líder; e
fator sugestivo.
Nesse método não são levados em conta os aspectos
inconscientes.
Método didático
Utiliza como meio terapêutico conferências, leituras e discussão de
livros e artigos de revistas, bem como relatos de casos clínicos. Foi
empregado pela primeira vez por Lazell (1921), que reuniu diversos
esquizofrênicos e ministrou várias palestras sobre libido, masturbação,
homossexualidade e sentimentos de inferioridade. Obteve resultados
satisfatórios, pois pacientes inacessíveis passaram a fazer perguntas sobre
os temas.
Vantagens do método:
transferência positiva facilitada; e
melhor aceitação dos temas nas palestras do que no processo
psicoterápico.
Método psicodramático
Para Jacob Moreno (1921), a psicoterapia de grupo “viu-se forçada
a penetrar em todas as dimensões da existência, numa amplitude e
profundidade que os terapeutas de orientação verbal desconheciam”
(Camara, 1987, p. 25). A psicoterapia converteu-se em ação e em
psicodrama.
A base do psicodrama seria que o Ego infantil só se desenvolve
com a ajuda dos Egos auxiliares, que são mãe, pai, família, professores etc.
Os psicóticos e neuróticos não atingiram o estágio de desenvolvimento
completo, necessitando de ajuda de Egos auxiliares. Utiliza cinco
instrumentos:
34
cena (local e momento onde se realiza a produção, que pode ser
um sonho, um acontecimento do dia ou sentimentos);
paciente ou protagonista (o que vai direcionar a cena,
protagonizar seu próprio drama);
diretor (o psicoterapeuta, que vai propiciar e facilitar o
andamento da cena dramática);
Egos auxiliares (encarregados de encenar personagens, de
contracenar com o protagonista; podem ser um membro do grupo
ou os próprios colegas de grupo); e
público (os membros do grupo que participam assistindo à
cena).
Método psicanalítico
Com relação aos outros modelos, é o que terá menos participantes,
constituindo-se, atualmente, como pequenos grupos, de dois a três
pacientes até cerca de sete; na década de 50, a recomendação era de grupos
com 8 a 10 participantes. A frequência é de uma a duas vezes por semana,
com duração de 45 minutos a uma hora e 15 minutos. Alguns autores
fazem uma seleção prévia, outros não. O critério de agrupamento pode
variar entre diagnóstico de problemas, sexo, profissão ou etnia; o critério
mais aceito, por ser mais funcional, é o de agrupamento por contraste
(colocar no grupo pessoas com características diferentes; por exemplo, um
depressivo, um obsessivo e assim por diante). Os grupos podem ser
abertos (quando abre uma vaga entra um paciente novo) ou fechados.
Alguns autores só atendem o paciente no grupo. Mas há quem o faça
também fora do grupo.
Encontramos nessa modalidade duas orientações distintas:
a que focaliza o indivíduo e dirige as interpretações para ele ou
para as relações que se estabelecem entre um ou dois pacientes no
grupo; e
a que focaliza o grupo como um todo e para ele encaminha as
interpretações.
Slavson foi o autor que mais escreveu sobre psicoterapia de grupo.
Introduziu abundante terminologia para fatos conhecidos desde há muito
35
na psicanálise. Limitava-se a ver o paciente em grupo como se estivesse
em análise individual.
Foulkes afirma que a Psicoterapia Analítica de Grupo (PAG) é
uma forma de psicoterapia e não de psicanálise, com aplicação dos
conhecimentos psicanalíticos na análise do grupo (segundo Zimmermann)
e não na análise do psiquismo. Cita elementos de grupo como a reação de
espelho (o outro tem o que eu tenho, no tocante a ideias mórbidas,
angústias e impulsos), o que diminui a angústia e a culpa própria, mesmo
nos que se limitam a escutar.
Bion é um dos autores que têm contribuído no sentido de ver o
grupo como uma totalidade. Descreve tensões que se desenvolvem e
enfoca problemas resultantes em termos de “pressupostos básicos”:
dependência, luta e fuga e acasalamento1.
Em 1956, Eduardo Luís Cortesão vem de Londres, onde seguia os
ensinamentos de Foulkes, e inicia o movimento grupanalítico em Lisboa,
Portugal, e em 1981 finalmente funda a Sociedade Portuguesa de
Grupanálise.
A escola francesa (1962), corrente que assume seu conteúdo
político, tem um lugar de destaque na esfera mundial. Nela encontramos
Lourou (Socioanálise) e Deleuze e Guattari (Esquizoanálise), estudando a
instituição como lugar de reprodução das condições sociais.
Didier Anzieu (1966) destaca-se nesse cenário francês. Ele aborda
a ideia de que o grupo é um sonho. Para ele, a situação psicanalítica se
baseia nas regras fundamentais da não omissão e da abstinência, insistindo
nas definições de unidade de tempo, de espaço e de ação. Ao lado desse
conceito, agrega o conceito de ilusão grupal (Camara, 1987).
Alguns anos mais tarde surge René Kaës, que afirma que as
representações do grupo estão em condições de funcionar como
organizadoras das relações intersubjetivas grupais e intergrupais. Sua
principal obra é L’appareil psychique groupal: constructions du groupe (1976).
Na América Latina
1 Diversos autores e escolas de pensamento citados a partir deste ponto serão enfocados em capítulos específicos.
36
O emprego dos grupos na América Latina data de 1947, com o
trabalho pioneiro de Enrique Pichon-Rivière com enfermos internados no
Hospital de Neuropsiquiatria de Buenos Aires. A magnífica trajetória deste
pioneiro culminou com a fundação da Asociación Argentina de Psicología
y Psicoterapia de Grupo (AAPPG), em 1954.
Em 1988 a AAPPG começou a empregar e a estudar a psicanálise
das configurações vinculares, para abranger o trabalho psicanalítico com
casais, famílias e instituições, além de grupos terapêuticos propriamente
ditos.
A teoria psicanalítica relativa aos processos vinculares vem se
desenvolvendo muito. Aos poucos se tornou notório que a psicanálise era
insuficiente para dar conta das manifestações vinculares, já que fora
constituída a partir da clínica individual, tendo sido necessário desenvolver
conceitos pertinentes. Palavras-chave como vínculo, inter, intra e
transubjetivo tornaram-se termos imprescindíveis para a compreensão da
produção teórica dessa escola, como será descrito no capítulo 2, Conceitos
introdutórios sobre grupalidade e psicanálise vincular.
Em 1991, Marcos Bernard e colegas implementam essa teoria com
inúmeros trabalhos, juntamente com ilustres profissionais, como Janine
Puget, M. Cristina Rojas, Isidoro Berenstein e Ana Quiroga, entre outros.
Fundada em 1973, a Associação Internacional de Psicoterapia de
Grupo (IAGP) é uma rede mundial de profissionais envolvidos no
desenvolvimento de psicoterapia grupal e processos grupais, nas áreas de
teoria, prática clínica, treinamento, pesquisa educacional e consultoria.
Sabemos que a FLAPAG, Federação Latino-Americana de
Psicoterapia Analítica de Grupo, fundada há 53 anos, não tem membros
associados diretamente, pois é uma entidade científica que congrega
instituições de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia (grupo de estudos) e
México, das quais é órgão federativo, sem fins lucrativos, com o objetivo
principal de estimular o intercâmbio científico entre as sociedades que
trabalham com grupos no referencial psicanalítico dentro da América
Latina, promovendo e difundindo esses trabalhos da forma mais integrada
possível com Saúde Mental.
No México, as primeiras experiências de terapia grupal em hospital
iniciaram-se em 1949, com Ramón de la Fuente e Eleanor Torres. Em
37
1950, regressa da Argentina José Luiz González.
Em 1967, Luís Feder, José Luís González, Gustavo Quevedo e
Frida Zmud fundaram a Asociación Mexicana de Psicoanálisis de Grupo
(AC), que no ano seguinte passa a se chamar Asociación Mexicana de
Psicoterapia Analítica de Grupo (AMPAG).
Em 1943 regressa a Santiago do Chile Ignacio Matte Blanco,
depois de formação nos Estados Unidos e na Inglaterra, e encarrega seu
colega Ramón Ganzarain de estudar a PAG para ser aplicada no serviço
de psiquiatria. Agrupam-se vários colegas, entre eles Hernán Davanzo, que
depois viria para Ribeirão Preto, no Brasil. Na época, foi fundada a
Sociedad Chilena de Psicoterapia de Grupo.
O primeiro congresso de Psicoterapia Analítica de Grupo ocorreu
em Buenos Aires, 1957, presidido por Jorge M. Mom. Em 1960, no Chile,
foi presidido por Ramón Ganzaraín, e em 1962, no Rio de Janeiro, por
Walderedo Ismael de Oliveira.
Em outubro de 1964, realizou-se o IV Congresso Latino
Americano de PAG, em Porto Alegre, com David Zimmermann na
presidência. Neste evento, diferencia-se a Psicoterapia Analítica de Grupo
da Psicanálise.
Foram as seguintes as nove as associações copromotoras e seus
respectivos presidentes:
Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo,
David Zimmermann;
Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo,
Andrée Cuissard;
Sociedad Chilena de Psicología y Psicoterapia de Grupo,
Ramon Ganzaraín;
Sociedade de Grupoterapia Analítica de Rio de Janeiro, Werner
Kemper;
Sociedade Brasileira de Psicoterapia de Grupo, Walderedo I. de
Oliveira;
Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo, Luis
Miller de Paiva;
Sociedad Uruguaya de Psicoterapia de Grupo, Héctor
38
Garbarino; e
Sociedad Mexicana de Psicoterapia de Grupo, Luis Feder.
Em setembro de 1979, Carlos Castellar Pinto foi eleito presidente
da FLAPAG, no VIII Congresso. No IX Congresso, em Guarapari, foi
eleito Blay Neto, que se manteve no cargo até 1990, sem poder organizar
o X Congresso.
Em 1990, várias associações estimularam Blay Neto a promover
novas eleições. Nesse ano, várias associações brasileiras elegeram
Waldemar Fernandes para presidente da FLAPAG.
A FLAPAG, com energia renovada, entra em grande atividade e
produtividade. É publicada a Revista GrupAL, com dois números, e
iniciam-se os anais de congressos.
Em novembro de 1992, em Florianópolis, acontece o tão esperado
X Congresso da FLAPAG.
Dali para a frente, a cada dois anos acontece um congresso, e a cada
quatro anos a FLAPAG muda de endereço. De Florianópolis foi para a
Argentina, Uruguai, México, novamente Brasil, Argentina e Uruguai. Em
2017 acontece mais um congresso, mas não há passagem de endereço,
que fica para o ano de 2018. Atualmente chama-se Federação Latina das
Associações de Psicanálise de Grupo, alteração de nome devida a
mudanças burocráticas da legislação de cada país-sede.
No Brasil
O início do trabalho com grupos de inspiração psicanalítica no
Brasil teve forte influência da escola inglesa de psicanálise, que chegou até
nós pela convivência com psicanalistas argentinos que estudavam e
tentavam trabalhar com grupos com esse referencial.
A visão de grupo nessa época tinha um forte enfoque psicanalítico
bi-pessoal, em que o grupo era visto e trabalhado como uma unidade. A
obra Experiências com grupos, de Wilfred R. Bion, publicada em 1948,
forneceu o referencial analítico básico para o trabalho com grupos no
Brasil. A influência do trabalho de Bion nesse campo é muito forte até
hoje, e um desdobramento dessas raízes conceituais foi representado na
obra Psicoterapia del grupo, de León Grinberg et al. (1957/1976).
39
Alcyón Baer Bahía efetua a primeira experiência de psicoterapia
grupal no Serviço Nacional de Enfermidades Mentais, no Rio de Janeiro.
Em 1954, publica sua experiência, despertando interesse e polêmica entre
os colegas.
No mesmo ano, em São Paulo, organizam-se grupos autodidatas,
um deles encabeçados por Bernardo Blay Neto. Em Porto Alegre, David
Zimmermann investiga o tema da teoria de grupo e apresenta em 1956 um
Simpósio. Anos mais tarde, David Epelbaum Zimerman brinda-nos com
uma coletânea de livros e trabalhos sobre psicoterapia de grupo.
Em 1960 foi fundada a Sociedade Paulista de Psicologia e
Psicoterapia de Grupo, posteriormente Sociedade Paulista de Psicoterapia
Analítica de Grupo. Entre muitos psicanalistas conhecidos, destacaram-se
por terem permanecido mais tempo na instituição Odilon de Mello Franco
Filho, Oscar Rezende Filho, Luiz Miller de Paiva, Heládio Francisco
Capisano, Nelson Poci, Bernardo Blay Neto, Manoel Munhoz, Richard
Kanner e José Bockman de Faria, quase todos falecidos.
A década de 1960 foi aquela que marcou o boom da Psicoterapia
Analítica de Grupo em nosso meio; em São Paulo, grande parte dos
psicanalistas e psicoterapeutas de grupo atuais foi analisada ou
supervisionada ou teve cursos com esses profissionais.
Por essa época, nos anos 60 e 80, surge a Associação Brasileira de
Psicoterapia Analítica de Grupo (ABPAG). Compunham-na as seguintes
instituições: Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Estado do
Rio (SPAG E Rio), Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio
de Janeiro (SPAG RJ), Sociedade de Psicoterapia de Grupo de
Pernambuco (SPAG PE), Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de
Grupo (SPPAG), e dois grupos de estudos: um de Juiz de Fora/Barbacena
e outro do Mato Grosso do Sul.
Na década de 80/90 são fundadas as instituições Núcleo de
Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares
(NESME), em 1989, em São Paulo, e a Sociedade de Psicoterapias
Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP), em Ribeirão
Preto, em 1994. Ambas as instituições desenvolvem seus estudos sob
ampla influência da escola argentina.
Agregaram-se posteriormente a Sociedade de Psicoterapia
40
Analítica de Grupo de Campinas (SPAG-CAMP), o NESME e a
SPAGESP, já citados, e o Grupo de Estudos do Pará.
Atualmente presentes e em atividade encontram-se NESME,
SPAGESP, Grupo de Estudos de Psicoterapia Analítica de Grupo do
Pará e Instituto Abuchaim, de Porto Alegre. A Sociedade Brasileira
lamentavelmente extinguiu-se, por dificuldades internas de sustentação e
externas, por encerramento de filiadas.
O NESME, fundado em 1986, teve como participantes de sua
fundação, ou de seus primeiros tempos, Ana Margarida Cunha, Any
Trajber Weisbich, Beatriz Fernandes, Betty Svartman, Catalina Pagés,
Ceneide M. O. Cerveny, Elsa Vera Suhsemil, Marina Durand, Neusa M.
F. Marques de Oliveira, Ricardo M. Pelosi, Sueli Mozeika e Waldemar
Fernandes. O NESME está em franca atividade: promove congressos,
publica sua revista Vínculo: Revista do NESME e oferece atendimento em
sua clínica de grupos. Publicou em 2003 o livro Grupos e configurações
vinculares, juntamente com a SPAGESP.
Alguns membros do NESME se associaram com outros
profissionais de Ribeirão Preto, Marília, Sorocaba, Americana e Franca, e
colaboraram para que uma entidade que era apenas um pequeno grupo
de estudos, liderado por Fábio José Gonçalves da Luz, se transformasse
na SPAGESP em 1996, também mantendo um curso e a Revista da
SPAGESP. Hoje em dia, ambas as sociedades lideram a maior parte do
movimento grupal psicanalítico no Brasil, especialmente a denominada
psicanálise vincular ou psicanálise das configurações vinculares.
Referências
Camara, M. (1987). História da psicoterapia de grupo. Em: L. A. Py (Org.),
Grupo sobre grupo (pp. 21-36). Rio de Janeiro: Rocco.
Ferreira, I. B. (2002). Psicoterapia de grupo. Em: F. B. Assumpção Jr., &
D. Reale (2002), Práticas psicoterápicas na infância e na adolescência (pp.
179-200). São Paulo: Manole.
Grinberg, L., Langer, M., & Rodrigué, E. (1976). Psicoterapia del grupo: su
enfoque psicoanalítico (5ª ed.). Buenos Aires: Paidós.
Ribeiro, J. P. (1981). Psicoterapia grupo-analítica – Abordagem foulkiana: Teoria
e técnica. Petrópolis: Vozes.
41
Zimmermann, D. (1971). Estudos sobre psicoterapia analítica de grupo. São
Paulo: Mestre Jou. (Trabalho original publicado em 1957)
Sugestões de leitura
Portillo, I. D. (2000). Bases de la terapia de grupo. México: Editorial Pax
México.
Saidon, O. (Org.) (1983). Práticas grupais (pp. 16-23). Rio de Janeiro:
Editora Campos.
Scheidlinger, S (1996). História da psicoterapia de grupo. Em: H. I.
Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de psicoterapia de grupo (pp.
6-13). Porto Alegre: Artmed.
43
2 Conceitos introdutórios sobre grupalidade e
Psicanálise Vincular Waldemar José Fernandes
Neste capítulo serão apresentadas várias noções básicas para o
trabalho com grupos, que poderão facilitar a leitura e a reflexão sobre os
demais capítulos do livro. Abordaremos os temas: conceito de grupo,
agrupamento e vínculos; espaços ou dimensões do vínculo e comunicação
e vincularidade.
Introdução à psicanálise vincular – grupos, famílias, instituições, vínculo
Uma pergunta que frequentemente se faz é: ao utilizarmos o termo
Grupo ou o termo agrupamento, falaremos sobre os mesmos
dispositivos?
Na verdade, consideramos que há um agrupamento quando existe
um conjunto de pessoas que compartilham do mesmo espaço, com
objetivos comuns, como as que aguardam em fila a chegada de um ônibus
ou pessoas que entram em um curso, esperando aprender algo.
Apesar de elas não manterem qualquer vínculo, basta que exista
um incidente qualquer, como um pneu furado ou assalto, no caso do
ônibus; ou um sorriso, um olhar cúmplice, alegre ou enfezado para
transformar esse agrupamento em um grupo, pois haverá interação – uma
experiência emocional compartilhada. Esse grupo trabalhará junto para realizar
o que for preciso para sanar o problema. Assim, é fazendo vínculos – na
interação afetiva e comunicacional – que se configura o grupo.
Concluímos que Grupo é uma forma específica de
agrupamento em que ocorrem interações vinculares.
44
A psicanálise das configurações vinculares ou psicanálise vincular
é, ao mesmo tempo, uma forma de organizar conhecimentos psicanalíticos
já existentes, assim como de expandir o campo de estudo teórico e de
abordagem clínica, com respeito a ela, principalmente no terreno dos
grupos, famílias, casais e instituições.
Pichon-Rivière, um psicanalista com base kleiniana e muito
interessado no social foi o profissional que mais usou a conceituação de
vínculo, unindo seus conhecimentos psicanalíticos com outras
contribuições, especialmente da sociologia e da psiquiatria social. Ampliou
o conceito de relação de objeto, propondo uma estrutura mais complexa,
que inclui um sujeito e um objeto em interação, em movimento, com
expressões psicológicas internas e externas, que interferem uma com a
outra durante todo o tempo.
Bion foi outro autor que deu contribuições de grande valor a
respeito do campo vincular, enfatizando que nesse campo ocorre sempre
uma experiência emocional (Fernandes, 2003b). O binômio transferência-
contratransferência, o modelo continente-conteúdo (Bion) e o conceito de
ancoragem (Kaës), têm íntima relação com o conceito de vínculo.
É noção básica para o psicoterapeuta que trabalhe com psicanálise
vincular que “reconheça claramente, e possa discriminar a natureza dos
vínculos do trabalho analítico, os quais, acompanhados das emoções,
fantasias inconscientes, ansiedades e defesas, estão sempre presentes em
qualquer relacionamento” (Fernandes, 2003a, p. 44).
A palavra vínculo é extremamente utilizada, nem sempre com
sentido claro. Junto com outros autores, como Donato et al. (1995), assim
como Pichon-Rivière, Ana Quiroga, Bion, Zimerman, entre outros, “vejo
o vínculo como entidade interna e externa ao mesmo tempo” (Fernandes,
2003a, p. 44). Assim, nosso conceito de vínculo é abrangente e o leitor
precisará tê-lo em mente daqui em diante.
Vínculo é uma estrutura relacional em que ocorre
experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou
partes da mesma pessoa. Tem espaço ou dimensão
intrassubjetiva, intersubjetiva e transubjetiva.
45
Os Três Espaços Psíquicos
Janine Puget e Isidoro Berenstein propuseram um modelo de
aparelho psíquico no qual se organizam zonas diferenciáveis (dimensões
ou espaços psíquicos). Temos raízes em várias dessas zonas
simultaneamente, e, dependendo do estímulo recebido, que poderá vir de
dentro ou de fora dele, uma dessas dimensões ocupa a cena, entrelaçada
com as outras (Fernandes, 2003a).
Em nossa compreensão, o mundo interno compõe-se do sujeito,
com suas representações, fantasias, sonhos, representações do corpo e do
próprio funcionamento mental. Aí estão os vínculos que cada um tem
consigo mesmo, o inconsciente tal qual Freud o concebeu. Chamamos
esta dimensão ou espaço de intrassubjetivo ou intrapessoal.
Outro desses mundos é o interpessoal ou intersubjetivo, no qual
ocorre o relacionamento do sujeito com os demais. Aí experimentamos o
amor, o ódio e a experiência diretamente ligada ao conhecimento. É no
espaço intersubjetivo que se constitui o sentimento de pertença. Tal
experiência emocional é via de mão dupla, de nós para os outros e dos
outros para nós. Tais modelos de relações interpessoais primárias deixam
suas marcas e se estendem para os demais grupos que, ao longo da vida,
vão se constituindo, e nos quais estados emocionais primários vêm a se
manifestar.
Entretanto, nem todas as situações do passado emergirão tal e
qual, com grande importância, no presente, e, quando o fazem, virão na
forma de atualizações. De qualquer modo, é importante estarmos atentos
ao que encontramos no presente das sessões, no relacionamento
interpessoal do momento.
Quanto ao espaço ou à dimensão transubjetiva do vínculo, pode-
se entender como a que envolve as leis, a cultura, os mitos, o
macrocontexto, aquilo que nos transcende nos pequenos e grandes
grupos.
Questões da cultura de cada país pairam, qual uma nuvem, em
situações familiares e grupos em geral, e terão de ser consideradas sempre
que quisermos entender aquela configuração vincular. Nas empresas, não
é raro que exista um clima ruim para trabalhar, em que predomina a
sensação de que nada presta – todos falam mal de todos ou de algum setor
46
da empresa, e, muitas vezes, nada se faz para tentar mudar a situação.
Nesse caso, o clima de má vontade impera, e a impressão que se tem é de
inimigos que são obrigados a conviver, como se fossem condenados numa
prisão (Fernandes, 2007). Esse aspecto transubjetivo pode afetar a saúde
dos participantes e a produtividade da empresa.
A vincularidade – outras contribuições
Vimos até aqui o conceito de vínculo como entidade interna e
externa, a grande importância da experiência emocional nessa
conceituação e as dimensões ou espaços do vínculo.
Vamos agora trazer contribuições de Bion e de Zimerman e
discutir o que fazer na prática com esses conhecimentos. Será que o
vínculo é uma entidade visível por si só? Se é um modelo ou abstração, o
que fazer?
A psicanálise, tradicionalmente, tem demonstrado a existência de
dois vínculos, o Vínculo do Amor e o Vínculo do Ódio, que estão
francamente implicados com as pulsões de vida e de morte, tanto que o
enfoque do trabalho analítico de modo geral tem priorizado o conflito e a
ambivalência entre as duas pulsões e suas respectivas emoções.
O aporte bioniano, contudo, enriqueceu a questão vincular ao
mostrar que:
(...) na mente existe também uma função vinculadora que dá
sentido e significado às experiências emocionais, a que chamou
Vínculo K – Vínculo do Conhecimento. A partir dessa
contribuição, o eixo do conflito psíquico teve uma mudança,
sendo enfatizado como o indivíduo se vincula com a verdade, contida nas
relações amorosas e agressivas. (Fernandes, 2003c, p. 110)
Para Bion (1962/1991), no vínculo ocorre uma experiência
emocional em que existem três emoções básicas: conhecimento (Vínculo K),
entre um indivíduo que busca conhecer um objeto e um objeto que se
presta a ser conhecido; amor (Vínculo L), análogo ao anterior, mas
referente ao amor; e ódio (Vínculo H), também análogo ao anterior, mas
referente ao ódio.
47
O Vínculo K tem coloração emocional do tipo frustração ou dor
mental, emoções inerentes ao conhecer. K sempre está, de alguma forma,
associado aos vínculos do amor ou do ódio.
David E. Zimerman, experiente psicanalista e estudioso dos
grupos, acrescentou aos três vínculos anteriormente estudados por Bion
um quarto Vínculo: o do Reconhecimento (Vínculo R). Para o autor, o
termo reconhecimento tem os seguintes significados:
1. Reconhecimento de si próprio – o reconhecimento das
vinculações intrassubjetivas, possibilitando tomar consciência de
si.
2. Reconhecimento do outro – o reconhecimento das vinculações
intersubjetivas, isto é, dar-se conta que o outro é um ser autônomo,
diferente dele.
3. Ser reconhecido aos outros – possibilita consideração e
gratidão ao outro.
4. Ser reconhecido pelos outros – confirmando sua existência e
valor, auxiliando a manter a autoestima. (Zimerman, 2010, p. 192)
Esses quatro vínculos são indissociáveis, em estado de permanente
interação, embora, em determinadas situações, algum deles adquira certa
predominância. Eles tanto podem abrigar situações de normalidade, como
também patologias, como ensimesmamento narcísico, falso self etc.
Nos grupos, e mais acentuadamente ainda, nas instituições, o
Vínculo K costuma ser atacado toda vez que surge a figura de alguém que
seja portador de uma ideia nova, pois representa uma ameaça para o
establishment, como veremos no capítulo 12.
Tampouco podemos esquecer a presença do Vínculo R em
qualquer que seja o tipo de grupo, ou seja, sempre há certo grau de
necessidade de cada indivíduo vir a ser reconhecido pelos demais, o que inclui o
terapeuta.
O limite entre a necessidade de reconhecimento sadio e a carência
patológica de reforços constantes (falso self) é pouco nítido, envolvendo
um cuidado especial também para com o próprio terapeuta, que pode estar
movido por narcisismo, trabalhar para receber reconhecimento de que é alguém
muito especial, verdadeiro reasseguramento contra lacunas básicas.
48
Nos grupos, seja com finalidades operativas ou terapêuticas, o
Vínculo do Reconhecimento se processa num trânsito de mão dupla.
Além da necessidade vital de ser reconhecido pelos demais, o
reconhecimento que um indivíduo faz dos outros não pode ficar limitado
à percepção da presença física das outras pessoas do seu grupo.
Nesse caso, o que se espera é que as intervenções do coordenador
propiciem maior interação e comunicação aos participantes do grupo, e
que, ao mesmo tempo, estes possam reconhecer as peculiaridades entre si,
para desenvolver solidariedade e respeito à autonomia do outro, e, ao
mesmo tempo, fazer-se respeitar.
Há outros conceitos de vínculo. Por exemplo, há quem denomine
vínculo somente quando há um interlocutor externo de referência (o que
chamamos de vínculo intersubjetivo).
Quanto ao referencial externo, seja qual for o conceito de vínculo,
é fundamental enfatizar que a nossa vida é extremamente diferente, assim
como a nossa capacidade comunicativa, quando consideramos ou não a
presença do outro, que tem existência real e não é produto de nossas projeções,
fator esse que é um dos mais importantes no trabalho com grupos.
Em psicanálise vincular, o estudo e o trabalho clínico é feito a
partir da observação e da reflexão sobre a comunicação, pois o vínculo
não é uma entidade concreta, palpável, e assim, tal como ocorre com a
fantasia inconsciente, tem de ser inferido. Nesse caso, cada particularidade
da comunicação dá uma amostra de como pode estar o processo
comunicativo vincular.
O processo comunicativo e a grupalidade
A palavra processo, para Zimerman, “vem de processu (em latim =
movimento) + pro (= para a frente), assim indicando que existe algo,
alguma atividade, algum projeto que está em marcha” (2012, p. 208).
O processo comunicativo é muito dinâmico, sempre em evolução.
Seu estudo só se torna possível se primeiro pudermos paralisá-lo, congelar
sua dinâmica, como fazemos com uma fotografia, que paralisa o
movimento.
49
Comunicar significa compartilhar com o outro informações de
qualquer espécie, o que permite a ambos ter algo em comum, como vimos,
fazer um vínculo.
Na comunicação, os sentidos não estão tanto na mensagem; as
palavras, de fato, só ganham sentido de acordo com o momento e
dependendo de quem as utiliza, pois as significações estão nas pessoas. Os
sentidos são pessoais, são propriedade nossa, já que aprendemos
significados, acrescentando algo pessoal, causando transformações.
Boa parte das discussões entre as pessoas é baseada nas suposições
de que determinada palavra tenha um significado específico e de que
qualquer pessoa que empregue essa palavra pretenda exprimir esse
sentido.
Na psicopatologia atual há um “novo vocabulário” usado pelos
pacientes e também por muitos profissionais, como “tive pânico, tenho
TOC, você tem um transtorno depressivo ou ansioso, fulano é bipolar”, e
assim, os envolvidos pensam que estão se entendendo e se comunicando.
Costumo questionar tais jargões, pedindo esclarecimentos, pois não tenho
a menor ideia sobre o que estão falando. Na prática, recebo explicações e
exemplos que indicam os sentidos mais surpreendentes e inusitados que
cada um dá para essas palavras, o que permite indagar aos participantes do
grupo ou do casal se imaginavam o sentido a que a pessoa estava se
referindo.
Confundimos muito, em nosso trabalho, aquilo que vemos e
ouvimos com as teorias que estudamos, e ainda com o que captamos de
nosso mundo interno, que nos influencia o tempo todo e tende a distorcer
a compreensão.
Os estados da mente das posições esquizo-paranoide e depressiva,
as fantasias inconscientes, a inveja e o ciúme são alguns dos fatores que
interferem na comunicação2.
No processo comunicativo partimos de uma premissa: o emissor de
um ato comunicativo espera ser entendido. Nesse processo, um elemento
fundamental é aquilo que cada um leva em conta, o que depende de suas
2 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.
50
suscetibilidades individuais, do contexto grupal e do momento, enfim, de
aspectos intra, inter e transubjetivos.
Fato da maior importância é que toda comunicação contém uma
metacomunicação, ou seja, simultaneamente comunica algo além do
verbal, que muitas vezes é mais esclarecedora do que a comunicação
verbal.
A metacomunicação pode ser pesquisada durante a sessão do
grupo ou do casal, por exemplo, observando os atos comunicativos,
quando alguém fala em tom inaudível, ou age como se não tivesse ouvido
(dizendo: “hein?”), ou quando responde algo extremamente diferente do
que lhe foi perguntado. Por exemplo, um casal em terapia chega atrasado
à sessão, e logo ele diz: “ela não cumpre o prometido, para me sacanear”.
Indagada, ela explica que “tem dificuldade com a organização de seu
tempo” (e torce o nariz, fazendo pensar que poderia estar com nojo de
algo). Novamente indagada sobre essa comunicação não verbal, diz “não
adianta se explicar com ele, pois sempre irá deturpar o que ela diz”.
Teríamos muitos caminhos aí para trabalhar. Um deles poderia ser sobre
as contradições ao descreverem o(a) parceiro(a) como casos perdidos, e,
entretanto, vieram pedir ajuda.
Assim, pelo olhar que acompanha a fala, pelo tom de voz
empregado, pelos gestos que acompanham as palavras, pela postura
corporal, temos algo para pensar, para questionar, e, por vezes, até para
interpretar melhor o conteúdo de uma fala.
De qualquer forma, pela comunicação verbal e não verbal temos
uma ponta de fio de meada para trabalhar.
Assim, é importante procurar captar a comunicação com o outro
e consigo mesmo, estudando os vínculos nos processos comunicativos.
“É preciso aceitar e compreender que comportamentos diferentes podem
comunicar uma mesma coisa e que comportamentos iguais podem
comunicar coisas diferentes” (Fernandes, 2003a, p. 50). Da mesma forma,
a comunicação pode ter êxito e pode fracassar.
Em síntese, é fundamental que observemos a fonte da comunicação
(quem comunica o que, para quem, em que contexto e de que forma),
assim como verificar o receptor (como cada um recebe a comunicação
51
alheia, em que situação, com que grau de distorção, quais os possíveis mal-
entendidos etc.).
Todos nós já participamos de situações em que imperavam mal-
entendidos e ressentimentos, em que todos querem ter razão, mas não
existe altruísmo. Da mesma forma, o clima de colaboração, de coletivismo
e boa vontade contribui grandemente para os resultados desejados numa
família, instituição, empresa e em situações grupais em geral.
Referências
Bion, W. R. (1962/1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 1962)
Donato, A., Fernandes, B. S., Svartman, B., Oliveira, N. M. F. M., Toledo,
R. P., & Fernandes, W. J. (1995). Pensando sobre grupos e outras
configurações vinculares. Revista da ABPAG, 4, 118-126.
Fernandes, W. J. (2003a). O processo comunicativo vincular e a psicanálise
dos vínculos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes
(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 43-55). Porto Alegre:
Artmed.
Fernandes, W. J. (2003b). Bion: O conhecimento e a vincularidade –
vínculos K, L, H. R – os níveis de funcionamento grupal: O pensar e
os pensamentos. Em W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes
(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 109-127). Porto Alegre:
Artmed.
Fernandes, W. J. (2003c). Os diferentes objetivos do trabalho grupal. Em:
W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e
configurações vinculares (pp. 185-193). Porto Alegre: Artmed.
Fernandes, W. J. (2007). A má vontade e as possibilidades de crescimento
mental a partir do fortalecimento dos vínculos amorosos. Anais do XIII
Congresso Brasileiro de Psicoterapia de Grupo; IX Encontro Luso-Brasileiro de
Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (pp. 118-123).
Zimerman, D. E. (2010). Os quatro vínculos. Porto Alegre: Artmed.
Zimerman, D. E. (2012). Etimologia de termos psicanalíticos. Porto Alegre:
Artmed.
53
3 Proposta introdutória de classificação
do trabalho grupal Waldemar José Fernandes e Tales Vilela Santeiro
Para o estudo e o trabalho com grupos é necessário considerar que
qualquer grupo se movimenta em dois planos ou dois níveis de
funcionamento psicodinâmico, conforme descreveu Bion: o nível de
Grupo de trabalho, que opera no plano consciente e mantém contato com a
realidade – com características análogas às do funcionamento do Ego –, e
o nível de funcionamento grupal de Pressupostos básicos, que opera no plano
inconsciente. Entretanto, cada grupo terá suas necessidades e cada pessoa
terá suas próprias singularidades. Nesse âmbito de trabalhos, o que terá de
ser alvo de atenção e de investimentos constantes é a atitude do coordenador
(Fernandes, 2003b).
Há diversas possibilidades de classificação dos trabalhos com
grupos, realizados com inspiração psicanalítica. Ela pode ser feita a partir
de alguns critérios, que vão desde a forma como um grupo recebe um
integrante, até as próprias características do participante ou do local onde
o trabalho é desenvolvido. Isso será detalhado a seguir e ao longo do livro
haverá capítulos com ilustrações pormenorizadas dessas formas de
classificação. E por essa razão o título deste capítulo incorpora o vocábulo
introdutório: porque pretende introduzir eixos explorados pelos autores do
livro e porque pretende apresentar noções fundamentais sobre
organização de grupos.
A depender da fase do ciclo vital na qual os participantes se
encontram, o grupo pode ser classificado como de crianças, de
adolescentes, de adultos e de idosos. Muitas vezes é possível reunir num
grupo crianças e adolescentes. Por exemplo, quando tratamos
conjuntamente de crianças na puberdade e no início da adolescência ou de
adultos e idosos, e assim sucessivamente.
54
Quando a classificação destaca semelhanças ou diferenças entre
participantes, tratamos de grupos homogêneos e de grupos heterogêneos. Os
homogêneos são aqueles formados por pessoas com características
comuns. Por exemplo, um grupo pode ser homogeneamente constituído
por crianças (etapa do desenvolvimento), ou por mulheres (gênero), ou por
diabéticos (adoecimento crônico); e também pode ser homogêneo quando
essas mesmas pessoas exemplificadas constituiriam um grupo formado
por crianças e mulheres e diabéticas.
Os grupos heterogêneos, para prosseguirmos no mesmo exemplo,
seriam os formados pelo conjunto de pessoas com certas características:
por crianças e por adolescentes (momentos do ciclo vital distintos), por
meninos e por meninas (gênero misto), por portadores de diabetes e por
pessoas com sintomas depressivos (heterogeneidade de sintomatologia e
de “quadros de adoecimento”). Tal como no exemplo anterior, essas
pessoas poderiam reunir todas essas diversidades e serem atendidas em
um único grupo (crianças e adolescentes, meninos e meninas, diabéticos e
portadores de sintomatologia depressiva).
A partir da forma como a pessoa pode iniciar sua participação e
pelo tempo de permanência dela no grupo, podemos elencar os grupos
como abertos ou fechados, ou como semiabertos ou semifechados. Quando pode
haver entrada e saída de participantes a qualquer momento, estamos diante
de um grupo aberto. Esse tipo de grupo é mais comum de ser visto em
instituições que lidam com alta demanda numérica de atendimentos e que,
igualmente, precisam prestar contas acerca do fluxo desses atendimentos,
porque a quantidade de pacientes atendidos tem implicações
administrativo-financeiras para a manutenção do próprio serviço. Na
clínica privada, os grupos psicanalíticos também costumam ser abertos,
mesmo com demanda baixa, o que caracteriza uma das dificuldades desses
grupos: mantê-los, pois podem ir minguando numericamente, com risco de
extinção.
O grupo fechado seria aquele no qual os participantes
permanecem do começo ao término da sequência de sessões grupais
contratadas. Nele, novas entradas de pacientes/usuários não são
permitidas, o que inclui a impossibilidade de reposição: se alguém precisar
55
sair anteriormente ao que fora contratado, o grupo tem o número de
integrantes diminuído; nunca, porém, aumentado.
Grupos seriam semifechados ou semiabertos quando a entrada ou a
saída de novas pessoas pode ser flexibilizada. Por exemplo, o grupo se
inicia no formato aberto e após um tempo ele se fecha; também é cabível
o contrário.
Outra forma de categorização dos grupos tem relação com a
característica administrativa do local onde as intervenções ocorrem. Elas
podem acontecer em ambientes privados, como consultórios de médicos ou
estabelecimentos onde profissionais da saúde e da educação atuam. Isso
pode ser ilustrado com escolas, consultórios vinculados a convênios
médicos e outros. Os locais podem ser instituições públicas, como
equipamentos de saúde pública do Sistema Único de Saúde, do Sistema
Único de Assistência Social, do Ministério da Educação ou de outros
órgãos governamentais, estaduais ou municipais. Os grupos podem ser
desenvolvidos, ainda, em ambientes não governamentais ou do terceiro setor,
como seriam os casos de lares de acolhimento a menores em processo de
adoção e cursinhos de educação popular (pré-vestibulares).
Grupos também podem ser classificados conforme as diferentes
configurações vinculares que são alvo dos atendimentos. Esses casos
podem ser esclarecidos por psicoterapias desenvolvidas com famílias e
com casais, ou por abordagens grupais em geral (não psicoterapêuticas,
como os grupos operativos no ensino), ou, finalmente, por abordagens
grupais visando ao trabalho de demandas institucionais (por exemplo,
aprimoramento de comunicação intrainstitucional).
Trabalhos em grupo também podem ter focos distintos
delimitando suas classificações: grupos unifocais ou grupos multifocais. Um
grupo seria classificado como unifocal quando um trabalho específico for
desenvolvido sobre algum aspecto de interesse institucional, profissional
ou conforme demandado por aqueles que procuram por tais dispositivos.
Grupos para tratamento de transtornos alimentares ou para atenção a
dificuldades de aprendizagem estudantis seriam algumas possibilidades.
Grupos multifocais, por seu turno, visariam ao trabalho sobre
diversos aspectos; a obtenção de autoconhecimento, de modo amplo, seria
ilustração pertinente. Nesses casos, tão logo um foco tenha sido
56
explorado/trabalhado pelo grupo, outros focos passariam a nortear os
trabalhos, ou simplesmente diversos focos consecutivos poderiam ser
alvos de trabalhos e explorações.
Outro modo de classificar o trabalho grupal alinha-se diretamente
à duração temporal que ele considera. Nesse aspecto, um grupo pode ser
breve ou de prazo pré-determinado; de longo prazo ou de prazo
indeterminado. Como os próprios nomes sugerem, a ideia de que um
grupo possa ter caráter breve em seu funcionamento é usualmente
associada a processos que considerariam a predeterminação do fator
temporal como relevante e como critério.
Além disso, um trabalho grupal pode ser breve porque isso foi
planejado dessa maneira – e isso é o desejável quando se pensa num
processo grupal nomeado como “breve”. Ou o grupo pode ser breve
como uma espécie de “resposta”, emitida pelos participantes, quando
percebem, ainda que de forma inconsciente, que o proposto não lhes faz
sentido e se evadem dele. Neste segundo caso, o uso da nomenclatura
“breve” é, portanto, equivocado; ele não espelha o fato de um processo
psicoterapêutico breve ser alvo de criterioso planejamento, o que inclui
focalização e traçado de objetivos exequíveis dentro do escopo temporal
disponível.
Ao classificarmos o trabalho grupal conforme o foco dos trabalhos
e conforme o tempo de duração dele, registramos dois assinalamentos: (1)
é comum que um grupo breve seja unifocalizado e que, por outro lado,
um grupo de longo termo se ocupe de focos sucessivos, o que acontece
justamente porque o fator temporal pode não constituir preocupação
inerente ao contrato de trabalho e, também, ao planejamento do processo;
e (2) em um grupo planejado para ser executado como breve (e agora
pensamos em um grupo unifocal), é possível que haja recontratações e
replanejamentos, tal como cabe ocorrer em processos de longo prazo.
Outra maneira de classificar o trabalho grupal vincula-se à
constituição da sua equipe coordenadora ou executora. Ele pode ser
coordenado/executado por uma equipe uniprofissional (composta por
profissionais psicólogos ou por professores, por exemplo); ou por uma
equipe multiprofissional (formada por assistente social e por enfermeiro, por
exemplo). Em instituições de atenção à saúde, o trabalho grupal realizado
57
multiprofissionalmente costuma ser desejável e até mesmo fator
constituinte de políticas públicas.
Uma modalidade de classificação que tem sido engendrada a partir
da popularização da internet, ocorrida no novo século, e que propomos
agora é quanto à “presença” dos participantes do grupo. Os encontros
ocorrerão com as pessoas fisicamente juntas ou distanciadas?
Até o advento da pandemia do COVID-19, atendimentos com
mediação de tecnologias de informação e de comunicação propiciadas pela
internet, na modalidade remota, eram motivados por dois fatores gerais:
ou eles aconteciam em caráter experimental, não raro articulados a
finalidades de pesquisa acadêmica, ou ocorriam de modo informal,
conforme decisões particulares que cada psicoterapeuta poderia tomar, a
despeito de haver consolidação de conhecimentos que pudessem
comprovar sua eficácia. E, além disso, as próprias tecnologias não eram
acessíveis como o são agora, vinte anos depois de as primeiras delas virem
a público. Atualmente, programas e aplicativos como WhatsApp e Meet
permitem que pessoas possam se reunir em grupo, com boas condições
de privacidade, de som e imagem.
Após a pandemia ter se instalado e, como consequência, o
afastamento social ter sido normalizado, encontros psicoterapêuticos
desenvolvidos na modalidade remota passaram a ser preferenciais. Essa
movimentação tem alavancado debates, revisões em códigos de ética
profissionais e tem instigado novas descobertas, também no âmbito da
atuação profissional em coordenação de grupos psicanaliticamente
orientados. Pensarmos, assim, nessa nova forma de classificação dos
trabalhos em grupo nos parece imperativo, haja vista a modalidade remota,
além de ser alvo de antigos temores, vir sendo estabelecida como modo
promissor de trabalho.
Trabalhos grupais podem, finalmente, ser classificados quanto aos
objetivos ou às finalidades que têm. Nesse sentido, podem ter finalidades
operativas (não psicoterapêuticas), psicoterapêuticas e de pesquisa.
Todas as formas de classificação expostas são úteis, pois podem
auxiliar os profissionais no planejamento de seus fazeres e, em última
instância, podem contribuir para a qualidade do trabalho ofertado e para
a saúde mental dos atendidos. De todas as formas de classificação,
58
entretanto, consideramos essencial que fique bem definido se os grupos
têm finalidades operativas ou finalidades terapêuticas (Fernandes, 2003b). E por
que dizemos isso? Fundamentalmente porque podemos executar
pesquisas com sobreposição dos dois outros objetivos: pesquisas sobre
grupos operativos e pesquisas sobre grupos psicoterapêuticos. De toda
forma, cada uma dessas possibilidades será detalhada nos itens seguintes.
Grupos com finalidades operativas
Nesses grupos os objetivos podem ser vários, como esclarecer
temas, situações e, principalmente, proporcionar algum aprendizado que
favoreça o progresso das pessoas envolvidas, individualmente ou como
equipe. Eles também podem ser denominados como grupos centrados em
tarefas e, por serem inspirados nas propostas de Pichon-Rivière
(1983/2000), pensador e psicanalista argentino muito influente no modo
como processos grupais são concebidos e conduzidos no Brasil,
caracterizam-se como de inspiração teórica psicanalítica.3
Pichon-Rivière observa que, a despeito de um grupo ter finalidade
operativa ligada à aprendizagem, ele terá sempre algum resultado terapêutico,
semelhantemente ao que ocorre nos grupos terapêuticos, que proporcionam
graus de aprendizagem. Há uma relação dialética, dinâmica e vincular entre
aprendizagem e efeitos psicoterápicos. Nesse processo, aprendizagem sem
relações cristalizadas implica mudança, indica crescimento. Ao ocorrer em
grupo, ela abre novas possibilidades de aquisição de conhecimentos sobre
o mundo interno e externo.
Uma das marcas distintivas de um grupo operativo é a ênfase no
entendimento dos processos transferenciais que os participantes fazem
para com a tarefa propriamente dita, ao passo que o entendimento das
transferências para com os pares e para com o coordenador, ou
coordenadores, é menos objetivado. As posturas interpretativas destes,
por conseguinte, são acionadas para auxiliar o grupo a manter ou a retomar
o trabalho sobre a tarefa.
Alguns exemplos de grupos com finalidades operativas:
grupos temáticos (discussão de textos ou temas);
3 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.
59
grupos de orientação (gestantes, diabéticos, hipertensos,
alcoolistas e outros);
grupos Balint (discussão de casos em equipe, visando a auxiliar
o profissional em suas dificuldades ao atender pacientes);
grupos de diagnóstico (supervisão de casos atendidos por
aprendizes de processos grupais);
grupos de acolhimento (em salas de espera de serviços-escola e
de ambulatórios);
grupos de convivência (em instituições inseridas no nível de
atenção à saúde primário, como Unidades de Atenção ao Idoso,
com apenas uma sessão ou mais);
grupos de autoajuda (autogeridos entre pares, como alcoólicos
anônimos e psicóticos anônimos); e
grupos operativos propriamente ditos (em escolas, empresas e
hospitais), entre outros.
O contrato de trabalho a ser tecido com um grupo de finalidade
operativa deve esclarecer que ele visa à obtenção de conhecimentos mais
gerais sobre algo, sobre o grupo ou sobre si mesmo. Além disso, para o
grupo ser classificado como operativo no sentido criado e desenvolvido
por Pichon-Rivière, noções como as de tarefa (não apenas a que prevê
“execução racional de algo”, digamos) e de emergentes grupais são marcos
teóricos distintivos, entre outros que serão abordados em capítulo
específico (capítulo 8).
A partir dessa última consideração, há duas modalidades muito
importantes de grupos operativos inspirados no modelo pichoniano: os
grupos psicanalíticos de reflexão (em sociedades que congregam profissionais
que trabalham com grupos, institutos de formação ou de ensino psi,
universidades ou como vivências) e os Grupos Psicanalíticos de Discussão
(discussão em pequenos grupos sobre as mesas redondas que ocorrem em
congressos e jornadas, por exemplo).4
4 Devida à relevância desses temas e da influência dessas formas de conduzir grupos na realidade brasileira, eles serão tratados em pormenores no capítulo 14, Grupos Psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos.
60
Grupos com finalidades terapêuticas
São os grupos com objetivos que vão além do aprendizado
buscado por aqueles com finalidades operativas. Eles possibilitam
crescimento pessoal e grupal, no sentido de que a o trabalho a que eles se
propõem tem relação com o tratamento de questões existenciais e/ou com
a atenuação de sintomas, com o desenvolvimento de comportamentos
mais saudáveis e assim por diante. Se nos grupos operativos a transferência
para com a tarefa grupal era alvo prioritário de análises, aqui as
manifestações transferenciais para com os membros, para o grupo como
um todo e para com os coordenadores ganha acento.
Nos procedimentos grupais psicoterapêuticos de inspiração
psicanalítica, os pacientes costumam associar livremente, e aprendem a
aceitar sem censuras tais associações. Participantes do grupo, incluindo os
psicoterapeutas, podem trabalhar a comunicação e a vincularidade de
modo mais abrangente e ambicioso, em comparação ao que costuma ser
praticado nos grupos operativos, que normalmente não têm tal objetivo.
Geralmente é estimulado o pensar, o aprender com a experiência, assim
como a meta de cada um poder ser o que se é. Nesses grupos, quando bem
sucedidos, ocorre maior aceitação da impotência e da incerteza. Também
questões primitivas e não elaboradas, causadoras de sintomas, podem ser
trabalhadas. Encontramos aí as psicoterapias psicodinâmicas de grupo, de
modo geral, que serão enfocadas a seguir.
A psicoterapia psicodinâmica de grupo
A psicoterapia psicodinâmica de grupo é, no sentido do que vimos
dizendo, uma forma de psicoterapia grupal em que, além da meta
terapêutica, existe também a procura pelo autoconhecimento e pelo
desenvolvimento de aspectos menos maduros da personalidade e dos
modos como os vínculos se estabelecem e podem se estabelecer,
proporcionado pelo aprendizado que ocorre nas relações interpessoais e
na vivência com o grupo como um todo, entidade que reproduz a
sociedade em que vivemos.
A inspiração psicanalítica é uma das principais teorias que apoiam
esse tipo de trabalho, e há, ao longo da trajetória de estudos sobre grupos,
desde as contribuições de Pichon-Rivière até as de Bion, desde as de
61
Cortesão até as de Kaës, preocupação em pesquisar e procurar elaborar
teorias próprias de grupo. Há outras correntes importantes, como o
psicodrama de Moreno, já bem divulgado em publicações especializadas,
e que merece ser estudado, pois pode ajudar o psicanalista vincular e o
profissional que trabalha com outros tipos de grupo a enriquecer sua
prática clínica. Para dar um exemplo, encontramos no texto Psicoterapia da
relação, de José Fonseca (2000), bons elementos do psicodrama
contemporâneo em nosso meio, entre outros publicados também por
respeitáveis autores brasileiros e estrangeiros.5
Entre os exemplos de grupos de inspiração psicanalítica com
finalidades terapêuticas, temos: psicoterapia analítica de grupo,
grupanálise, psicanálise vincular (de grupo, casal, família, instituição),
psicodrama psicanalítico, grupoterapia breve psicanalítica. Apesar de tais
nomenclaturas serem de conhecimento geral, essa orientação teórica pode
abranger diversos tipos de estratégias, como grupos com pacientes
internados (comunidade terapêutica, centros de reabilitação, hospitais-
dia), grupoterapia com pacientes com queixas fortemente somáticas, entre
outros.
Grupos com finalidades de pesquisa
Anteriormente, dissemos que grupos com finalidades de pesquisa
eram um terceiro modo possível de classificarmos os trabalhos grupais e
que eles poderiam ser sobrepostos aos grupos operativos e aos
psicoterapêuticos. Além disso, eles são pouco focalizados pela literatura
da área das grupoterapias e dos processos grupais, razão pela qual
dispensaremos algumas palavras sobre eles.
Um grupo com finalidades de pesquisa requer ponderações sobre
a origem das demandas, para distingui-los dos demais tipos. Se uma
instituição ou grupo pode demandar um atendimento grupal, nem sempre
isso ocorre nos casos de pesquisas acadêmicas. Nestas, as demandas,
embora não exclusivamente, costumam ser dos pesquisadores. Estes, por
sua vez, desenvolvem projetos de pesquisa e respectivos trabalhos de
5 Além disso, existem outras importantes correntes que se ocupam das dinâmicas e dos processos de grupo, como a Gestalt-terapia, a psicologia analítica de Jung, a teoria sistêmica, a teoria cognitivo-comportamental, dentre outras.
62
conclusão/relatórios, atrelados a alguma instituição universitária,
especialmente a algum programa de pós-graduação. Nesse sentido, a origem
da demanda pela intervenção grupal sofre um tipo de “deslocamento” face
às demandas postas por instituições ou por grupos, ocorridas em cenários
não acadêmicos. Essa característica faz da classificação de grupos com
finalidades de pesquisa algo não apenas particularmente distinto, mas
também merecedor de ponderações específicas quando for uma opção de
trabalho.
Até aqui procuramos exemplificar diversidade de formas de
conceber o trabalho com grupos, conforme seus objetivos e/ou
características dos profissionais e pacientes/usuários envolvidos. Sabemos
o quanto isso pode soar complexo, em especial ao leitor iniciante nesse
campo. Nessa direção, precisamos retomar o que dizemos no início,
quando mencionamos a atitude do coordenador. A atitude clínica do
coordenador ou coordenadores é o pilar de quaisquer compreensões que
possamos fazer ou apresentar, e ela, para ser exercitada eticamente, requer
cuidados específicos.
Os coordenadores do grupo têm a missão de manter o foco nos
objetivos planejados para aquele grupo, utilizando seus conhecimentos da
teoria da técnica para que isso aconteça. Para cada situação, seja para
atender um grupo de adolescentes, seja para coordenar um grupo de
pesquisa, a postura e a ética profissionais são a argamassa que favorece
que elementos díspares e até mesmo desconexos, presentes em processos
psicoterapêuticos grupais, ganhem sentido mais genuíno e possam ser
verdadeiramente promotores de saúde mental. Daí a importância de uma
boa formação profissional.6
Importância de saber qual a finalidade e o contexto onde ocorrerá o grupo
Vejamos algumas situações grupais já ocorridas, como ilustração:
José Carlos é psiquiatra, com interesse em aprender sobre
grupos. Por isso, iniciou um curso de formação para
grupoterapeutas e coordenadores de grupo. Relatou em aula que
montou um grupo, no qual os pacientes queriam se tratar e
6 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação.
63
melhorar seus sintomas. Entretanto, o coordenador do grupo
queria testar suas interpretações e aprofundar o trabalho. Como
resultado houve a desintegração do grupo, faltas, desinteresse,
forte resistência, e em poucos meses não havia mais participantes,
deixando o terapeuta iniciante muito angustiado.
Júlia é uma assistente social em serviço de saúde mental. Foi
direcionada pela chefia para passar a atender grupos de
diagnósticos, de convivência e de psicoterapia. Inicialmente se
interessou e enfrentou o desafio, mesmo sem conhecimento sobre
grupos. Gostou dessa atividade, e foi trabalhando. Tempos depois,
sentiu necessidade de iniciar um curso de formação sobre grupos.
Surpreendentemente, no decorrer das aulas, ficou claro que Júlia,
que vinha atendendo determinado grupo há três anos, não havia
parado para pensar sobre as finalidades daquele trabalho, quais
seus objetivos, quais as necessidades daqueles pacientes e da
instituição.
Nesses dois exemplos, participantes do grupo e terapeuta não
conseguiram afinar seus objetivos, com sérias consequências, em grande
parte por falta de reflexão e tomada de decisão quanto ao que cada
profissional pretendia fazer em tais circunstâncias, se o trabalho seria
viável com aquele grupo e naquele contexto, entre outros aspectos. Temos
de levar em conta, portanto, que o processo comunicativo vincular terá
diferenças de abordagem, de acordo com os objetivos a serem alcançados.
A técnica precisará ser alvo de adaptações se o trabalho for realizado com
crianças ou adultos, se em instituição ou clínica privada, se ocorrer com
tempo limitado, se o grupo for homogêneo quanto a um ou mais fatores,
e assim sucessivamente.
Isso posto, é necessário buscarmos uma forma de discriminar os
diversos tipos de trabalho grupal, tarefa que consideramos fundamental,
pois grande parte dos insucessos terapêuticos provêm da confusão
provocada pelo não esclarecimento dos objetivos do trabalho aos
usuários/pacientes e, o que é pior, muitas vezes o profissional não parou
para pensar sobre o que está fazendo e sobre quais seriam suas intenções
nesse percurso (Fernandes, 2003a). Procuramos demonstrar, então, como
é valioso termos em mente as várias possibilidades de atendimentos
64
grupais, de acordo com as finalidades daquele grupo e do contexto em que
ele for desenvolvido, além, é claro, da essencial relevância de o profissional
ter adesão teórica que fundamente todo o processo interventivo, além de
outros itens implicados em uma boa formação.
Os coordenadores de grupo com finalidade operativa, terapêutica
ou de pesquisa terão, desse modo, de estar atentos à técnica utilizada, para
avaliar se as metas são compatíveis com o que pretendem, se são
compatíveis com as metas do público alvo e, acima de tudo, se ambos estão
em acordo mediante o que foi combinado.7 É vital, entretanto, que o interessado
em trabalhar com grupos faça sua formação em caráter continuado, pois
o bom atendimento dependerá do aproveitamento que tiver tido em sua
análise pessoal e demais itens da formação exigida para quem for trabalhar
com grupos.8
A título de considerações finais, frisamos que as classificações
listadas ao longo do texto podem se sobrepor umas às outras. Isso
aconteceu quando ponderamos, por exemplo, sobre grupos focais e
grupos de temporalidade breve, e sobre grupos heterogêneos e
homogêneos. Ou quando consideramos o local onde os trabalhos são
desenvolvidos: grupos com finalidades operativas ou psicoterapêuticas
podem acontecer em instituições de diversas naturezas e serem
coordenados por equipes multiprofissionais.
O dinamismo inerente a um processo grupal requer que a
classificação dos diversos tipos de grupos seja articulada ao que vivemos
em nossos trabalhos. Por exemplo, quando tratamos de grupos abertos ou
fechados, é preciso ter clareza de que, a cada momento do grupo,
negociações podem e devem ser feitas, a partir do que o próprio grupo
constrói coletivamente e a partir do que o coordenador (ou os
coordenadores) concebe como viável, conforme o modelo teórico que
direciona seu olhar e seu fazer, bem como em consideração aos limites
inerentes às suas formação e experiência profissionais.
Como se vê, compreender “como” um trabalho grupal pode ser
classificado é um exercício que visa a auxiliar aqueles que pensam nele ou
7 Ver o capítulo 16, Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas. 8 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação.
65
com ele trabalham a se encontrarem do ponto de vista profissional e, por
conseguinte, para evitar trabalhos “desnorteados” técnica e
filosoficamente, os quais podem ter sérias implicações no campo da ética
profissional e, sobretudo, na saúde mental das pessoas e dos grupos alvo
de nossas atenções. Assim como o que apresentamos pode implicar
sobreposições de classificações, precisamos alertar, ainda, que existiriam
outras maneiras de traçar os tipos de grupos. A que foi relatada é a que
nos parece mais adequada às nossas práticas clínicas, de ensino e de
pesquisa.
Referências
Fernandes, W. J. (2003a). Bion: O conhecimento e a vincularidade –
vínculos K, L, H. R – os níveis de funcionamento grupal: O pensar
e os pensamentos. Em W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.
Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 109-127).
Porto Alegre: Artmed.
Fernandes, W. J. (2003b). Os diferentes objetivos do trabalho grupal. Em
W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e
configurações vinculares (pp. 185-194). Porto Alegre: Artmed.
Fonseca, J. (2000). Psicoterapia da relação: Elementos de psicodrama
contemporâneo. São Paulo: Ágora.
Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (8ª ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)
67
4 Formação de psicoterapeutas e
coordenadores de grupo de inspiração
psicanalítica: Clínica de grupos
na Saúde e na Educação Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José
Fernandes
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
(...)
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
Murilo Mendes, em Reflexão n. 1
A redação deste capítulo foi feita a seis mãos, a partir de nossas
experiências na clínica privada e em instituições, ao trabalharmos com
grupos com finalidades operativas, psicoterapêuticas e de pesquisa. Nossas
experiências são diversificadas e espelham atuação de duas gerações
distintas de psicoterapeutas de grupo. Enfocaremos a formação para
coordenadores e psicoterapeutas de grupo, de modo geral, porque no
nosso entendimento ela tem linhas mestras a serem cuidadosamente
ponderadas e que independem desta ou daquela geração de trabalhador.
Nesse percurso, priorizaremos vivências que temos tido com
pacientes/usuários de serviços de saúde, profissionais da saúde e da
educação e estudantes de distintos níveis de ensino formal, do
fundamental ao da pós-graduação.
As sociedades formadoras, como visto no capítulo 1, Psicoterapia de
grupo: sua origem, seus caminhos, já foram numerosas em todo o mundo, o que
ocorreu também em nosso meio. Acreditamos, porém, que tem havido
mudanças nessa paisagem toda. Isso se deve a diversos fatores, dentre os
quais salientamos três: econômicos, certa tendência ao imediatismo e
68
transformações na formação em orientação psicanalítica. Trataremos
desses três fatores em seguida e nesse caminhar o leitor precisa considerar
que eles devem ser compreendidos de modo articulado.
O primeiro fator, o econômico, precisa ser contextualizado na
realidade latino-americana, distintamente do que poderia ocorrer em
outras realidades. De modo geral, as profissões que lidam com os cuidados
à saúde mental das pessoas têm sofrido impactos semelhantes aos vividos
por quaisquer profissionais inseridos num cenário político e econômico
neoliberal: tem havido precarização das condições de trabalho, incluindo
a precarização das remunerações, que em alguns casos chega a ser
aviltante. Por outro lado, como é sobejamente sabido, a formação na
orientação psicanalítica é um empreendimento custoso; a rigor, para ser
desenvolvida envolve o tripé estudo teórico, análise pessoal e prática
supervisionada, fatores que serão detalhados em tópicos específicos, além
de um quarto fator que proporemos, os grupos de reflexão, que, ao
integrar esse processo, torná-lo-ão um quadripé. Dessa forma, o aspecto
econômico incide sobre a base dos processos formativos: se tratamos de
um profissional não raro mal remunerado, como ele poderia priorizar o
tri/quadripé da formação?
Dessa forma, sustentar tal modelo de formação tem se tornado
inviável para muitos profissionais, especialmente – mas não
exclusivamente – para os que se encontram em início de carreira. Nesse
sentido, quando mencionamos a tendência ao imediatismo como um fator
explicativo das transformações no campo da formação, isso ganha melhor
sentido se associado ao fator econômico; todavia, precisa ser enquadrado
juntamente das características dos dias atuais, tempos de “alta velocidade”
e de “plena eficácia”. Cibercultura (Lévy, 1997/1999), Sociedade do desempenho
(Han, 2017) e Modernidade líquida (Bauman, 2000/2001) são algumas
metáforas que vêm à tona e nos ajudam a compreender o mundo no qual
estamos inseridos. Não somos ou seremos mais os mesmos após o
advento de popularização da internet e da intensificação dos movimentos
de globalização das economias e das culturas vividos nos últimos vinte
anos.
O fator atinente ao que nomeamos como transformação no
processo de formação psicanalítica para atuação em grupos articula-se
69
como uma extensão dos dois anteriores. E, como dito, os três fatores estão
imbricados. O paciente/usuário e o analista/psicoterapeuta não são nem
serão mais os mesmos. Então, a ideia de transformação contempla em si
a possibilidade de que ela própria seja vista de modo mais ou menos
negativo. Se olharmos para ela como algo que precisaria acontecer, como
o foi há alguns anos, provavelmente o modo de vê-la penderá para a
negatividade das mudanças inerentes. Se, contudo, pudermos acolhê-la no
que ela tem de instigante, formas positivas poderão tomar a cena, haja vista
momentos de crise também provocarem potenciais desenvolvimentos.
Dessa forma, o campo psicoterapêutico, assim como o campo do
aprendizado na vivência grupal, é produto de somatória de fatores de alta
complexidade. Além disso, atrelam-se a eles outros elementos, que até o
momento estavam implícitos: a participação interessada e ativa dos
participantes do grupo, as intervenções do coordenador e a atitude interna
da pessoa desse coordenador/psicoterapeuta. Frisamos, assim, que uma
boa formação para esse profissional poder exercer suas atividades deve
ocorrer e que isso é diretamente relacionado a seus conhecimentos,
habilidades e atitudes.
A importância dessas atitudes, que provêm do interior da pessoa
do terapeuta, reside no fato de que elas se constituem formas de
comunicação não verbal, que atingem um nível primitivo da organização
do self do paciente. Tais atitudes nos remetem ao que ocorre na interação
mãe-bebê, tal como ao aprendizado por identificação, que ocorre com os
filhos na convivência com os pais; mais do que seus conselhos, importa
como vivem e se comportam, dando “exemplos” que somente podem ser
absorvidos por meio do viver.
Concordamos com Zimerman (2000) quanto a que as atitudes do
grupoterapeuta/coordenador de grupos refletem como ele é como gente.
E elas resultam da combinação de uma série de fatores, muito importantes
de serem sublinhados: a estrutura de sua personalidade, o grau de
adiantamento de sua análise pessoal e o seu código de valores. Esse
assunto será retomado mais adiante. Agora vamos nos dedicar à formação
propriamente. Para tanto, alguns tópicos anteriormente mencionados
serão ampliados.
70
Os pilares que fundamentam a formação têm sido mantidos pelas
sociedades formadoras: análise pessoal, supervisão e estudo teórico.
Pensamos que devemos acrescentar os grupos psicanalíticos de reflexão9
ao tripé da formação clássica, chegando, portanto, a um “quadripé” como
sustentáculo da formação na contemporaneidade. Iniciaremos pela análise
pessoal, que julgamos ser o primeiro item em grau de importância nessa
área.
Análise pessoal
A análise pessoal é basilar na formação de qualquer psicoterapeuta,
não sendo exceção no caso do analista vincular. Tudo que vimos da teoria
e da prática com grupos parte do princípio de que o
coordenador/psicoterapeuta tenha capacidade para lidar com as questões
espinhosas que surgirão no trabalho diário, como as resistências, as
identificações projetivas que chegarão em grande quantidade, e lidar com
suas próprias questões transferenciais, sua onipotência, seu narcisismo etc.
Mesmo que a análise individual tenha sido bem conduzida, com
bons desenvolvimentos e em longo prazo, parece-nos imprescindível que
exista a experiência grupal, e a recíproca é verdadeira. Destarte, melhor ter
ambas as experiências, individual e grupal, em períodos diferentes, com
analistas diferentes, para melhor evolução pessoal.
Qual o tempo necessário para se submeter à grupoterapia, como
paciente, ao ingressar no processo de formação? Por absurdo que possa
parecer ao profissional já ambientado no campo da clínica, essa é uma
questão que aparece muito, advinda dos iniciantes, candidatos a coordenar
grupos.
Sabemos que tanto uma experiência de três a quatro anos pode ser
muito útil – e suficiente –, principalmente se a pessoa já fez análise
individual por alguns anos, assim como, em certos casos, 10 a 12 anos
ainda não foram satisfatórios para abrandar defesas importantes e
proporcionar mudanças significativas. Dessa forma, aquele que se
submeter ao próprio processo de autocuidado, que o faça com interesse,
9 Ver o capítulo 14, Grupos psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos.
71
que se envolva e procure não deixar que questões burocráticas atrapalhem
seu desenvolvimento.
É recomendável iniciar o processo analítico o quanto antes e só
interrompê-lo – preferencialmente como resposta acordada conjuntamente
com o grupo e com o analista – após anos de trabalho, se estiver evidente
que houve bom desenvolvimento e que está na hora de pensar em parar.
Todavia, o tema da alta é algo muito subjetivo e poderá demandar meses
de discussão com todos os participantes do grupo, ou com o analista, se o
processo for bi-pessoal.
Mais relevante que o tempo de duração da psicoterapia/análise
pessoal ou o quanto o término desse processo pode ser dialogado e
amadurecido, como fatores isolados, é a qualidade do que a pessoa em
formação puder fazer e o “quanto” ela pode investir nisso, fatores que
devem ser sopesados com cuidado. Afinal, “afinar-se”, como instrumento
de trabalho que somos, pode ser exercício prazeroso e gratificante. E se
esse processo de autoconhecimento for almejado, porque ele é
fundamental e genuíno integrante da identidade profissional do
psicoterapeuta, o tempo e o término passarão a figurar como elementos
de pano de fundo.
Por razões como essas, cabe-nos fazer um parêntese sobre o
analista/coordenador grupal, que atende pacientes que também são
estudantes em formação. A ele cabe posição amistosa, transparente e
autêntica, no intuito de ajudá-los a pensar e a desenvolver a função
psicanalítica da personalidade de cada um10, de modo semelhante ao que
seria almejado ocorrer com demais pacientes. Assumir uma postura
“pedagógica” e lançar-se a exibir seus conhecimentos àquele em processo
de formação pode incidir, em última instância, numa composição de
profissional equivalente a um pretenso erudito. Ademais, nesse exercício
que consideramos não ser o mais apropriado, o risco intrínseco de atuar
como livre atirador de interpretações pode se constituir em efeito colateral
indesejável. Em contrapartida, qualquer postura que fomente a
criatividade e a espontaneidade do estudante deveria ser priorizada.
10 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares.
72
Supervisão
Fernandes et al. (2004) expõem que o termo supervisão, segundo
vários dicionários, refere-se a dirigir, orientar, inspecionar. Se
pesquisarmos a origem da palavra, encontraremos o supervisor como
aquele que revisa, aquele que vê.
Supervisão, por sua vez, é uma atividade consolidada durante a
Idade Média. Referia-se ao trabalho do aprendiz junto ao mestre, que
transmitia seus conhecimentos para que o aprendiz realizasse a tarefa da
mesma forma, sem criatividade. Com o passar dos anos e o advento dos
tempos modernos, hoje essa noção apresenta-se um tanto ou quanto
modificada.
Atualmente, se compreendêssemos o termo supervisão de forma
literal, seria algo retrógrado e colaboraríamos para que o supervisionando
aumentasse sua dependência e seu medo frente ao novo processo.
Também seria falso não se levar em conta um saber maior do supervisor,
o qual poderá, então, lançar um novo olhar ao trabalho do aprendiz.
Feito esse preâmbulo, consideramos que a supervisão é o segundo
pilar na estrutura da formação de coordenadores e grupoterapeutas. Para
nós, ela é uma necessidade para quem trabalha com grupos. Há quem
considere tal necessidade como um sintoma de dependência
psicopatológica. Não pensamos assim, em definitivo. E a esse respeito
concordamos com Isaura Manso Neto: “Não sentir essa necessidade pela
vida e, sobretudo, nos primeiros anos de profissão é que me parece sinal
de psicopatologia” (Neto, 1999, p. 51).
Menosprezar a necessidade de dialogar com alguém mais
experiente no campo da clínica de grupos tangencia o tópico “necessidade
de o estudante investir(-se) num processo de psicoterapia/análise
pessoal”, anteriormente debatido: ele não teria compreendido “nada”, ou
teria compreendido muito pouco, das complexidades inerentes ao seu
fazer profissional. Isso, por seu turno, tem relação direta com a
onipotência e o narcisismo, que estariam ressoando como notas musicais
de instrumentos desafinados. Afinal, sermos onipotentes e narcisistas não
é um “problema” por si só, até porque estas são características humanas.
A questão que se coloca é mesmo o quanto essas características têm
podido, ou não, receber tempo e espaço no processo de formação do
73
principiante, principalmente em sua análise pessoal, pois amiúde
necessitamos abrir mão da onipotência e do narcisismo, altruisticamente,
em prol do aprendizado do futuro psicoterapeuta ou coordenador de
grupos.
A supervisão é vista, portanto, como uma necessidade nas
entidades formadoras de psicoterapeutas e faz parte do currículo das
sociedades analíticas internacionais, porque dela depende a qualidade do
serviço oferecido pelo profissional. Decidir por ela deveria ser decisão
pessoal, genuína e eticamente fundamentada, que se vincula, novamente,
à atitude clínica do psicoterapeuta/analista. Consideramos, pois, que sem
supervisão não haveria como avaliar a qualidade do trabalho, já que o
candidato poderia ser um excelente conhecedor de teorias e um mau
terapeuta.
Mas, o que seria supervisão, afinal? Para Grinberg (1997, p. 172), “é
uma experiência de ensino na qual o supervisor partilha com um colega os
seus conhecimentos clínicos”. O nome supervisão pode ter conotação
infeliz (Fernandes, 2003), pois não se trata de alguma fiscalização ou
inspeção, nem tampouco de uma visão melhor ou superior. Trata-se de
mais uma visão, de uma outra visão, pelo vértice de um profissional que não
estava lá na sessão terapêutica. Portanto, é um exercício mental onde se
pode cogitar o que poderia ocorrer numa situação, como aquela relatada
durante a supervisão, longe do aqui e agora terapêutico, situação sujeita a
diversas transformações11, desde que foi captada pelo aluno, também ao
passar para o papel e mais uma vez transformada ao relatar no Grupo de
Supervisão.
Uma das funções da supervisão é aliviar os alunos da dor mental,
do sofrimento que eles vivenciam na tarefa de atender seu primeiro grupo,
sua primeira família, tendo de lidar com as cobranças internas e externas.
Infelizmente, os questionamentos que surgem nessa atividade podem
deixar o supervisionando menos tranquilo ainda; não há como impedir
isso, mas tal desconforto poderá ser trabalhado na sua análise. E, por esse
tipo de razão, dissemos anteriormente que a análise/psicoterapia pessoal
11 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares.
74
seria o primeiro item em grau de importância, quando a formação na área
da clínica grupal é pensada.
No início do processo de supervisão é comum o terapeuta
iniciante necessitar de um supervisor que, além de fornecer subsídios
teóricos e técnicos para a atuação profissional, dê segurança, alivie o
sofrimento e o medo, principalmente o medo de errar, e amenize a grande
dúvida: o que dizer aos participantes do grupo? A responsabilidade e o
acolhimento do supervisor às angústias dos supervisionandos são, desse
modo, atitudes básicas e constituintes do processo formativo. O vínculo
supervisor/supervisionandos deve ser amoroso e libertador, permitindo o
desenvolvimento de todos os envolvidos.
Otto Kernberg nos auxilia a ampliar o que temos procurado dizer:
(...) supervisores podem desempenhar uma função crucial na
inibição da confiança dos candidatos no seu próprio trabalho e na
possibilidade de aprenderem por meio da sua própria experiência.
É importante que os supervisores falem o mínimo possível. Na
verdade, pode ser útil que o candidato sinta uma continuidade
natural entre ser um paciente em análise e o relacionamento com
o seu supervisor. A escuta cuidadosa e silenciosa do supervisor à
apresentação do trabalho do candidato com seus pacientes, com
um comentário esporádico ilustrando o que o candidato fez de
errado, pode manter o candidato numa saudável incerteza e
humildade em relação ao seu trabalho. (1996, p. 154)
Como podemos notar, o narcisismo e o sentimento de onipotência
– já aludidos quando o estudante esteve em pauta – também integram a
humanidade e podem rondar os processos de trabalho desempenhados
pelo supervisor. Eles podem levar a tentativas de “dar conta de tudo”,
num processo de identificação com seus supervisionandos, que
frequentemente também não aceitam seus limites, suas impotências
perante situações nas quais só puderam fazer a sua parte. É comum os
principiantes (não só) pretenderem ir além das possibilidades, entender o
que não dá para entender, captar, interpretar, curar etc.
As supervisões de processos grupais também podem ser feitas em
grupos de aprendizes. No próximo item trataremos dessa possibilidade.
75
Grupos de Supervisão
Supervisões individuais são recursos úteis e ricos. Porém,
preferimos aquelas realizadas em grupo de supervisionandos. Trata-se de
uma outra experiência, por meio da qual supervisor e supervisionados
podem compartilhar suas ideias e conhecimentos (Fernandes et al., 2004).
É um processo que reúne dificuldades e complexidades; porém, é
igualmente adorável, pois vivê-lo nos permite perceber o grupo crescer
como um todo, assim como seus participantes em particular. Poderemos
conversar e esclarecer tanto os fenômenos próprios à dinâmica do Grupo
de Supervisão, como os dos atendimentos grupais. Colocam-se e
compartilham-se dúvidas, conflitos, fatores que poderiam causar mal-estar
ou estancamento do trabalho e do processo de criatividade. Nos diálogos
coletivos, mal-entendidos podem ser desfeitos e há possibilidade de se
relacionar teoria e prática grupais.
O Grupo de Supervisão, se for eficiente, deve funcionar como um
grupo de cooperação mútua, que se reúne com a tarefa de aprimoramento
profissional, contando com a ajuda de um profissional escolhido por ter
maior experiência e com quem existe certa empatia e confiança. O que se
espera é que essa atividade possibilite que os supervisionandos
desenvolvam suas próprias capacidades de entendimento e sua
criatividade.
Achamos peculiar e estimulante observar que as conclusões às
quais os profissionais chegam em conjunto, no Grupo de Supervisão, a
partir de um fragmento único de uma sessão grupal, vêm dos próprios
supervisionandos. Elas foram extraídas de seus próprios conhecimentos, de
suas próprias falas, mas não necessariamente foram valorizadas por eles.
Não raro elas só chegam a ser valorizadas se forem referendadas na
supervisão.
Como em qualquer grupo, também no Grupo de Supervisão
poderá predominar o nível de funcionamento grupal chamado de Grupo de
Trabalho, mas teremos de conviver com as emoções primitivas dos Supostos
Básicos bionianos, como visto no capítulo sobre Bion12, e o sucesso do
trabalho dependerá, em grande parte, de o supervisor poder lidar com
todos esses aspectos e, por essa via, conseguir ajudar aos supervisionandos
12 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
76
a encontrarem seus próprios caminhos e a adquirirem identidade como
coordenadores de grupo/grupoterapeutas. Na posição de supervisor de
coletivo grupal, o ideal é que possamos ser claros, tolerantes e flexíveis,
respeitando, valorizando e apoiando o modo de trabalho dos
supervisionandos, sem impor nosso estilo de trabalho, de modo análogo
ao que foi exposto quando supervisões individuais foram enfocadas.
É necessário que a supervisão ocorra em clima emocional de
educação/aprendizagem. O supervisor é, habitualmente, idealizado e nele
são projetadas expectativas importantes, que possam justificar sua escolha,
tal como no processo analítico. Será um “modelo” para identificação dos
supervisionandos. Entretanto, a supervisão deve estar centrada no
material clínico trazido, incluindo aspectos contratransferenciais,
proporcionando criatividade e autonomia aos grupoterapeutas, que
poderão começar a pensar por si mesmos.
É desejável que a atividade de supervisão caminhe paralelamente à
de análise/terapia pessoal. Quando o supervisionando ainda não começou
sua análise pessoal, terá aumentadas as probabilidades de viver
dificuldades extras e de trazê-las para o Grupo de Supervisão. Enquanto
supervisores, não podemos nos omitir. “O supervisor deve dar a sua
perspectiva empática dos pacientes, chamando a atenção para os pontos
que parecem obscuros, confusos ou que provoquem reações violentas nos
grupanalistas; e evitar sofrimento excessivo e desnecessário aos
grupanalistas, jovens praticantes” (Neto, 1999, p. 95).
Um de nós teve interessante experiência em um Grupo de
Supervisão, tal como relatado por Fernandes et al. (2004). Uma das
supervisionandas que integravam o grupo compartilhou situações vividas
no âmbito da própria situação de supervisão e que eram acompanhadas de
desconforto. Ela indicou que isso acontecia quando:
a. o supervisor não levava em conta determinadas percepções do
supervisionando e, assim, colocava suas ideias como “verdade
absoluta”;
b. o terapeuta não conseguia expressar adequadamente suas
hipóteses a respeito dos pacientes e nessas situações notava existir
uma espécie de “lacuna” entre o que realmente aconteceu na
sessão terapêutica e o que era narrado no ambiente de supervisão;
77
isso, por sua vez, provocava um sentimento de “estranheza” diante
do que era dito pelo supervisor;
c. o supervisionando ou o supervisor acabavam distorcendo o real
sentido da supervisão, e o primeiro passava a sentir-se “avaliado”;
e, em decorrência dessa vivência,
d. o supervisionando receava relatar conteúdos, o que tornava o
resultado da supervisão limitado em suas potencialidades.
Fernandes et al. (2004) também relataram depoimentos sobre a
tarefa de supervisão realizada em grupo:
Carvalho: Tarefa útil e necessária, auxilia na percepção dos
processos inconscientes dos pacientes, ajudando assim a definir o rumo
da terapia. Propicia segurança ao terapeuta a ajudá-lo na compreensão das
reações transferenciais e contratransferenciais.
Abriata: Amplia a visão sobre o grupo em atendimento. Ajuda a
entender o processo terapêutico.
Jacomin: Favorece reconhecer as próprias falhas e dá
oportunidade de observar que não somos os únicos a cometê-las,
permitindo enxergar os pontos cegos do atendimento e da própria
supervisão.
Andrea: As percepções focadas e analisadas no Grupo de
Supervisão complementam a compreensão da sessão, a possibilidade de
crescimento e abrem portas para novas leituras.
Oliveira: Parece ser o ideal, desde que apresente a possibilidade de
uma boa interação e estabelecimento de “vínculos”, como no processo
terapêutico de um grupo.
De modo distinto do que esses psicoterapeutas relatam, nem
sempre os supervisionandos chegam facilmente ao reconhecimento de
suas dificuldades contratransferenciais. Isso ocorre seja por mecanismos
de defesa, seja por dificuldades no vínculo com o supervisor, o que pode
aumentar pontos cegos nos trabalhos que desenvolvem.
É importante orientar os alunos na seleção e no agrupamento dos
pacientes. Por vezes é necessário forte estímulo para que os
supervisionandos tenham coragem para iniciar seu primeiro grupo.
Lembramos de casos em que somente após um ano ou mais de convites é
que algum colega do grupo de supervisionandos conseguiu começar a
78
trabalhar com grupos, embora tivesse grande quantidade de clientes e
muita vontade de trabalhar dessa forma.
Devemos tentar mostrar outros aspectos que ainda não puderam
ser observados pelo supervisionando. Isso é relativamente mais fácil para
nós, que estamos afastados do “calor” da sessão de grupo e podemos
intuir algo mais, pela forma com que o material é apresentado, partes que
são omitidas e outros indícios, mostrando pontos cegos da atuação dos
aprendizes. Parece-nos essencial que fiquem demarcadas, no decurso dos
trabalhos de supervisão, as diferenças de intervenção de acordo com os
diferentes objetivos do trabalho grupal proposto, assim como o ambiente
de trabalho (hospital, universidade etc.).
É desejável que sejam mostradas vantagens e desvantagens nas
condutas relatadas pelos supervisionandos e verificar o que cada um do
Grupo de Supervisão faria na situação hipotética de estar numa sessão
grupal como a relatada. Da mesma forma, o supervisor poderá valorizar o
que identificar como corretamente observado, em sua maneira
profissional de “ver” a situação narrada.
O aprender coisas novas, o ser-se confrontado com erros e
incorreções são situações de potencial ameaça narcísica, embora
possam também ser sentidas com prazer pela satisfação da pulsão
epistemofílica. Penso, pois, que os supervisores devem ser gentis,
cuidadosos na forma como apontam as incorreções, sugerem
alterações, chamam a atenção para problemas
contratransferenciais etc. Ninguém aprende numa relação onde
domina o autoritarismo, o fanatismo, a humilhação. Pode-se,
quando muito, domesticar, silenciar a diferença, mas não penso
que seja isso que se pretenda numa supervisão. (Neto, 1999, p. 98)
Como o supervisor é um ser humano, não é nada fácil manter tal
procedimento, sobretudo porque, de um momento para outro, uma
relação amigável, de trocas de experiências, pode ceder lugar a agressões
intempestivas, deixando o supervisor desancorado.
A hora de parar com a supervisão
Percebe-se que os supervisionandos chegam até nós com duas
grandes angústias: a de aprender a trabalhar na nova identidade e a do
79
tempo que a tarefa de supervisão levará. Crescer é um processo e todo
processo necessita de certo tempo. Mas, qual será o tempo de cada um?
Acreditamos que a duração do tempo não é o fator primordial para
este tipo de aprendizado. Estamos sempre crescendo, nunca estamos
estáticos, prontos e acabados. A física quântica nos mostra que sempre
estamos em mudança, viajando pelo tempo. O que é necessário é
encontrar o equilíbrio nas três dimensões do tempo: passada (deixar de
ruminar antigas posturas que impedem o fluir do presente); futura (ver na
tarefa uma condição de felicidade e êxito dali para a frente, mágica); e
presente (quando não consegue se inscrever no futuro, o famoso “estar
parado no tempo”).
A maioria dos profissionais que trabalha com formação de
grupoterapeutas concorda em que o mais importante na decisão de
prosseguir ou parar uma supervisão é a vivência, partilhada por supervisor
e supervisionandos, de que ela já não é tão necessária para que o grupo
terapêutico e o terapeuta iniciante possam seguir em frente. Os
supervisionandos, ao evoluir, passam a perceber alguns erros e tentam
repará-los, com menor dependência do Grupo de Supervisão e menor
competição com o supervisor, já nem tão idealizado nem tão invejado.
Passam a resolver seus problemas, tanto quanto a aceitar que as incertezas
e as situações inesperadas e difíceis de lidar fazem parte do trabalho e da
vida.
Tal como na questão da análise pessoal, quanto antes a supervisão
for iniciada, melhor. Quanto ao tempo de supervisão, é errônea a ideia de
que muitos anos dessa prática tornarão o candidato um ótimo
grupoterapeuta. Não devemos ter pressa de encerrar o período de
atividade supervisionada, mas outros fatores, inclusive o dom e a arte que
cada um tem ou não tem para lidar com outros seres humanos, devem ser
considerados.
É preciso que o supervisor esteja atento e dirija o processo
avaliativo sobre como a supervisão evolui, que seja vigilante sobre o
quanto o supervisionando consegue realizar seu trabalho com criatividade,
aproveitando os apontamentos e as reflexões apresentadas pelo supervisor
e pelos colegas do Grupo de Supervisão. Ou se, pelo contrário, usa da
supervisão para não pensar e decorar receitas para serem usadas no futuro.
80
Mais algumas questões sobre a supervisão
Otto Kernberg, em Trinta métodos para destruir a criatividade dos
candidatos a psicanalistas, sugere, ironicamente, que, se o supervisor quiser
impedir o desenvolvimento do supervisionando, deve manter-se rígido e
estimular ser imitado pelo candidato:
Esse desenvolvimento irá impedir o perigoso processo pelo qual
o candidato poderia, de outra forma, integrar por si mesmo uma
teoria e um enquadre pessoal da técnica que evoluem e se
transformam criativamente à medida que ele testa seus pontos de
vista na situação de tratamento enquanto respeita o
desenvolvimento autônomo do paciente... serão necessários
muitos anos antes que possam dominar suficientemente a prática
psicanalítica para se arriscarem a contribuir com ela de forma
criativa. (Kernberg, 1996, p. 156)
Não devemos nos esquecer que um supervisor tem grande peso
na formação profissional. Ele pode levantar ou derrubar terapeutas iniciantes.
Os supervisionandos muitas vezes têm dificuldades com seu
percurso e podem se tornar querelantes, negando o próprio progresso e a
ajuda dos colegas e do supervisor, reagindo de modo injusto e com
ingratidão aos esforços para ajudá-lo: o supervisor desidealizado “já não é
tão bom assim”. Desistências podem ocorrer nesse momento (Fernandes,
2003, p. 287).
Contratransferencialmente, não é nada fácil para o supervisor que
coordena o grupo, no lugar da esperada gratidão e admiração, receber
ataques e suportar a desvalia e o não reconhecimento. Entretanto, há bons
momentos também, quando os supervisionandos conseguem reconhecer
o quanto as diferentes visões do Grupo de Supervisão podem enriquecê-
los e ajudá-los a pensar e a se tornarem melhores profissionais.
É desejável que os supervisionandos tolerem a própria ignorância
e que cada um se aceite como profissional e ser humano, portanto, falível,
passível de cometer erros. Semelhantemente, será importante para os
alunos em formação aprenderem a respeitar os limites dos seus pacientes,
dos colegas de supervisão e de seu supervisor. Afinal, como diria a poesia
de Murilo Mendes, nascer é muito comprido...
81
Finalmente, é importante que o supervisor esteja consciente de que
ele jamais saberá como se comportaria estando na sessão relatada pelo
supervisionando, quem sabe, até com maiores dificuldades do que o
psicoterapeuta iniciante? Por isso, melhor procurar controlar seu
narcisismo e não humilhar profissionais que já estão, de modo geral, em
atitude humilde e receptiva para aprender.
A supervisão ajudará na compreensão e simbolização: conhecer
seus recursos, encontrar a metáfora adequada para resgatar o amor dentro
de si com relação à perspectiva da nova identidade de grupoterapeuta. Tal
como ocorre no desenvolvimento infantil, no processo grupal de
supervisão encontrar-se-á um adulto (coordenador, mãe) visto como um
parceiro mais experiente, que vai estimular a caminhada entre o deixar de
ser aluno (filho), ou simplesmente psicoterapeuta de grupo (Fernandes et
al., 2004).
Estudo teórico
Nossa experiência tem mostrado que, apesar da prioridade quanto
à análise pessoal, supervisão, participação em grupos psicanalíticos de
reflexão e, eventualmente, ser observador de um grupo, é muito
importante também o conhecimento teórico. Como já dizia Castellar Pinto
(1986), a formação nas práticas grupais deve se pautar pelo estudo de
diversas disciplinas, como sociologia, antropologia, dinâmica de grupo,
teorias da comunicação, técnicas grupais diversas como Gestalt-terapia,
psicodrama e outras, além do estudo de psicopatologias.
Não temos dúvidas quanto à necessidade de – ao lado do
tradicional estudo da psicanálise e de suas principais correntes – estudar
as contribuições de autores que desenvolvem um trabalho original com
grupos, com finalidades operativas, terapêuticas ou de pesquisa. Além
disso, também é desejável fomentar a reflexão sobre temas de
antropologia, filosofia e do macrocontexto socioeconômico.
Ao lado dos autores clássicos da psicanálise, como Freud, Klein,
Bion e Winnicott, há textos escritos mais especificamente sobre a
grupalidade e as diversas configurações vinculares. Assim, Foulkes,
Anzieu, Kaës, Cortesão, Pichon-Rivière, M. Bernard, Puget, Zimerman,
Odilon de Melo Franco Filho, Osório, Júlio de Mello Filho e Lazslo A.
82
Ávila são alguns dos muitos autores cujos textos são fundamentais.
Também as publicações de instituições que estudam e trabalham com
psicanálise vincular, como NESME e SPAGESP (brasileiras), APPG
(argentina) e SPGPAG (portuguesa), são fontes de ricos conhecimentos
na área. Não porque tenham menos importância, mas por questão de
espaço, deixamos de enumerar outras importantes publicações existentes
no mundo todo referentes a grupos.
Leituras em Grupos Psicanalíticos de Discussão13 poderão ajudar
a refletir e a conectar a teoria com a prática. Um ponto que os alunos,
muitas vezes, não percebem, é a necessidade de ler e pensar nos textos
antes das aulas; pensar e discutir durante as aulas; e, finalmente, reler e pensar
após as aulas. Se possível, continuar relendo sempre que surgir
oportunidade, mais e mais vezes, até que o conhecimento relativo ao autor
passe a ser algo seu, elaborado, digerido e acrescido de sua experiência
pessoal, durante toda a vida profissional (Fernandes, 2003).
Nestes tempos de imediatismo e de correrias de uma atividade para
outra, o que é comum de vermos, de fato, é que alguns alunos vão para as
aulas, sem ter lido nem pensado sobre o tema, esperando absorver, como
que por osmose, a sabedoria do professor. Ao fazê-lo, acabam repetindo o
modelo fracassado adotado por alguns pacientes, que procuram milagres
em nossos consultórios, não usando o pensar nem a criatividade – são
eternos alunos e eternos pacientes, os quais, do ponto de vista da dinâmica
grupal, frequentemente contribuem para o nível de funcionamento grupal
de dependência14.
Cabe aos professores a responsabilidade de escolher se darão aulas
expositivas e repetitivas sobre autores tradicionais, apenas respondendo às
dúvidas dos alunos e, portanto, estimulando a dependência. Ou se também
valorizarão autores mais recentes e a livre discussão criativa entre todos os
participantes do processo de ensino-aprendizagem.
Grupos de Reflexão: proposição de um quadripé da formação do grupoterapeuta
13 Ver o capítulo 14, Grupos psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos. 14 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
83
Vimos no capítulo 15, Grupos psicanalíticos de reflexão e discussão,
enquanto modalidades de Grupos Operativos como os colegas argentinos, a partir
de Dellarossa, Marcos Bernard e outros, procuraram incluir na formação
algo que permitisse aos alunos viver a experiência de participar como membros de
um grupo.
A vivência dos Grupos de Reflexão no processo de
formação permite apreender o que ocorre na interação entre
muitos inconscientes. Favorece o surgimento de uma fantasia
grupal, de uma nova compreensão. Favorece o surgimento de
ideias novas, que não estavam presentes em cada um isoladamente.
Desta experiência intersubjetiva também brotam dúvidas,
questões importantes e o movimento para buscar respondê-las.
Brota, portanto, o conhecimento verdadeiro, fruto da interação
sujeito-mundo. (Svartman & Bonfim, 2001, p. 77)
Devemos ficar atentos a alguns pontos, nesses grupos. Se o grupo
psicanalítico de Reflexão se tornar o lugar de resolução de questões
administrativas, ou se o coordenador aderir ao papel de “professor” ou de
“terapeuta”, ter-se-á perdido o sentido de tal atividade. Porém, não
avançaremos nesse tema, pois no capítulo específico constarão
conhecimentos a respeito (capítulo 14).
Observação de grupo – ainda um item para complementar o quadripé da formação
A coordenação de grupos implica, afinal, que em algum momento
o candidato se disponha a iniciar um grupo, pensando nos objetivos, em
local e horário, e já ir buscando um supervisor. Tudo isso, se estiver seguro
e ciente de que esta será uma experiência tanto necessária quanto
gratificante. Para que se sinta com coragem para começar, muitas vezes
ser observador de um grupo coordenado por um colega pode ajudar e ser
situação inspiradora.
As publicações sobre o papel do observador no grupo são raras.
Apesar disso, nas décadas de 40 e 50, ser observador de um grupo
terapêutico fazia parte da formação da maioria dos terapeutas latino-
americanos, o que ocorria em grande parte por influência das teorias de
grupos propostas por Pichon-Rivière, quando ele enfatiza o papel do
copensor, por exemplo. Aos poucos, contudo, esse tipo de participação,
84
seja em grupos terapêuticos, seja com finalidades operativas, passou a ser
opcional.
Observador participante: o coterapeuta
Outro tipo de observador foi surgindo nas décadas de 50 e 60:
aquele que podia se manifestar quando solicitado pelo grupo. Aos poucos,
isso foi se transformando em coterapia, processo no qual dois
coordenadores participam em diferentes graus, podendo um deles ter um
papel secundário, como auxiliar, ou – mais frequentemente – ambos terem
papéis iguais, como terapeutas que se complementam. O mesmo tipo de
participação ocorre com duplas de coordenadores de Grupos
Psicanalíticos de Reflexão e Grupos Psicanalíticos de Discussão, duas
modalidades de grupos operativos já apresentadas neste livro.
Dificuldades de aceitação podem ocorrer, por parte de membros
do grupo, quando esse segundo terapeuta/coordenador inicia sua
participação num grupo em andamento, podendo ser visto como um
intruso, não escolhido pelos participantes. Melhor que o grupo se inicie já
com ambos participando e que o grupo esteja ciente disso desde o
primeiro dia, quando o enquadre dos trabalhos (o contrato) for iniciado.
Os coordenadores ou terapeutas devem se respeitar e manter
relações profissionais amigáveis. De todo modo, problemas ocorrem,
como já salientava Castellar Pinto, na década de 80:
O maior obstáculo a essa forma de ensino corre por conta
dos próprios terapeutas. A presença do outro ameaça o narcisismo
do terapeuta: é uma presença crítica. Em verdade a coterapia exige
entrosamento muito especial, uma relação de confiança, uma
afinidade ideológica, sem o que o casamento se dissolve, com
prejuízos para a prole [grupo]. (1986, p. 36)
No Brasil, faz parte do aprendizado de técnicas grupais a
participação de observadores no grupo, nem sempre no currículo
obrigatório, mas como opções úteis para complementar o treinamento.
Há casos em que o observador é mais experiente do que o terapeuta e na
discussão poderá utilizar exemplos do que ocorreu na sessão, para o
aprendizado do terapeuta iniciante. Em outros centros de formação, o
85
observador é menos experiente e poderá pensar e aprender com o
terapeuta, na discussão posterior sobre as vivências grupais.
Em nossa visão, distintamente, na coordenação dupla, cada um faz
o que acha que deve, e depois se discute, com aproveitamento mútuo, sem
destacar um eventual protagonista nesse processo. Aprendemos e
ensinamos, tendo como alvo principal auxiliar o grupo. Preferimos que
terapeuta e observador estejam dispostos a discutir livremente, visando ao
aprendizado recíproco, pois duas cabeças, com visões talvez até
semelhantes, mas possivelmente bem diferentes, poderão proporcionar
interessantes reflexões. Esse diálogo pode ser enriquecedor para ambos,
pois favorece uma observação mais ampla da dinâmica grupal, já que,
enquanto um dos coordenadores/terapeutas faz uma intervenção, o outro
talvez consiga detectar movimentos e atitudes que passam despercebidas
pelo que intervém. Nesse caso, um tom de voz ou um gesto poderão ser
indícios de algo a ser melhor estudado. Uma fala diferente da esperada
poderá ser ouvida como uma instigante colaboração, que amplia a
compreensão e complementa a visão da cena que foi apontada pelo outro.
Quando o grupo é muito grande, por exemplo, um grande grupo
psicanalítico de reflexão, com 100 pessoas ou mais – como acontece nos
congressos do NESME, à semelhança dos large groups europeus –, um
coordenador poderá, inclusive, observar uma parte do grupo pouco visível
para o outro.
Como visto no último Congresso Luso-brasileiro de Grupanálise
e Psicoterapia de Grupo, em outubro de 2019, a coordenação conjunta
pode ser eficaz (Neto & Fernandes, 2019). Se, mesmo com grupos
menores, podemos perder algo da comunicação verbal e não verbal, com
grupos de cerca de 50 pessoas, ou acima disso, a coordenação dupla já se
torna necessária, pois é impossível o coordenador se dar conta de todas as
falas e movimentos, assim como cuidar do tempo, além de poder dividir
com o colega as cargas projetadas sobre quem assume o protagonismo na
coordenação. Isso certamente contribuirá para a formação pela vida toda,
pois o processo de ensino-aprendizagem é infindável e o profissional,
disponível para aprender, se enriquece também com os grupos que
coordena.
86
A difícil posição do observador
Em nosso meio, geralmente o observador fica em silêncio e pode
ou não anotar dados da sessão, para discussão posterior. Entretanto, as
cargas de identificações projetivas que o atingem são numerosas. É
comum que o grupo ou parte dele sinta-se vigiado e perseguido pelo
observador, o qual, não dizendo o que pensa, dá margem a todo tipo de
fantasias, que não podem ser tiradas a limpo, com pedidos de
esclarecimento.
As cargas projetivas podem ser numerosas e primitivas, difíceis de
conter. Por razões como essa, não são raros os observadores que acabam
por responder a alguma pergunta, ou, enfim, dizer alguma coisa, pois o
desconforto e a angústia podem ser intoleráveis.
É muito importante, então, que o observador, tendo anotado
algum material, possa discuti-lo com o psicoterapeuta/coordenador
posteriormente, o que servirá para arejar a mente, rever seu entendimento
da dinâmica do grupo e, por conseguinte, aprimorar o conhecimento
sobre a teoria e a prática grupais. Ao mesmo tempo colaborará com o
grupoterapeuta com suas impressões a respeito da sessão, muitas vezes
alertando-o com relação a pontos cegos seus. Depreende-se daí que terão
de ter um contato amistoso, com disponibilidade para lidar com ideias
novas e inesperadas sobre como cada um vivenciou a sessão. E todo esse
empreendimento também pode ser alvo de supervisões (no caso de
atividades de pesquisa estarem em andamento, discussão com orientador).
A pessoa do grupoterapeuta/coordenador de grupos
Nem todos os tipos de pacientes têm indicação para tratamento
em grupoterapia. Da mesma forma, nem todos os terapeutas têm
indicação para serem grupoterapeutas.
A seguir, como sugere Zimerman (2000), estão arrolados os
principais requisitos em termos ideais, que são indispensáveis na formação
de um grupoterapeuta, “no entanto, sempre levando em conta a ressalva
de que a discriminação em separado dos diversos atributos que seguem
podem dar uma falsa impressão de que estamos pregando uma
enormidade de requisitos, uma espécie de Super-Homem” (p. 194). Para
esse autor, alguns dos requisitos são: gostar e acreditar em grupos;
87
paciência; capacidade de empatia, intuição e discriminação; capacidade de
manter-se íntegro em sua identidade pessoal e como grupoterapeuta;
senso de ética; constituir-se um novo modelo de identificação; respeito,
capacidade de se comunicar; senso de humor; capacidade de perceber o
denominador comum da tensão básica do grupo; amor às verdades; ser
coerente e continente; questões de personalidade; e outras, interligadas a
cada requisito mencionado.
O que vimos até aqui poderia desanimar o interessado em
trabalhar com grupos. Enfatizamos em nossas palavras, o que Zimerman
salientou acima: nada de pretender ser um super-herói! O principal é a
análise pessoal para incrementar a possibilidade de aceitar e se apropriar
das variedades e complexidades da dimensão humana – nossa e dos
outros!
Quais seriam as condições mais adequadas para um coordenador
de grupos psicanalíticos ser eficiente? Quais os traços de personalidade
necessários para tanto?
O psicoterapeuta, como pessoa, é uma variável importante no
processo grupal, tal como indicado por Zimerman. De modo semelhante,
acreditamos que a eficácia da coordenação psicanalítica de grupos reside
mais nos dotes humanos do coordenador do que no seu treinamento, o
qual é importante, mas não é tudo.
Uma das capacidades mais necessárias para esse profissional é saber
ouvir. O psicoterapeuta/coordenador de grupos deve ser confiável,
despertar confiança e esperança, tendo fé em si mesmo, em cada um e no
processo vincular.
O profissional que milita nessa área necessita ter certas condições
de personalidade, como, por exemplo: segurança, autoestima
razoavelmente estável, tolerância à frustração, certa limitação da
onipotência, do narcisismo, do sadismo e da inveja, gostar de pessoas,
desejo de ajudar (não de curar) e poder ser continente de aspectos
destrutivos, sem se deixar levar, em predomínio, por persecutoriedades.
No entanto, somos simplesmente seres humanos e na tarefa de ajudar os
pacientes, queiramos ou não, nossa personalidade está inapelavelmente
envolvida. Pode ser que, num certo momento, estejamos mesmo
88
querendo mostrar quão inteligentes nós somos, ou outras coisas do
gênero... Somos humanos!
Fazer uma formação adequada não é tarefa das mais simples e
envolve a busca de uma instituição saudável, que se preocupe realmente
com o processo de ensino-aprendizagem. Há anos esse processo vem
sendo estudado, seja por parte de professores, seja por parte de alunos,
procurando aperfeiçoá-lo, mas sempre se deparando com dificuldades,
como já mostraram Cerveny e Pelosi:
(...) a adolescência da Psicoterapia Analítica de Grupo está se
tornando crítica e patológica, como só acontece quando os pais
não conseguem vislumbrar o crescimento dos filhos. Urge, mais
que nunca, que com coragem e maturidade trabalhemos os liames
paralisadores de nossas instituições formadoras. (1989, p. 20)
Observações complementares sobre formação em situações acadêmicas
Situaremos o estudo e a formação para desempenho em grupos
em situações acadêmicas de graduação e de pós-graduação. Na graduação,
trata-se dos primeiros momentos nos quais os estudantes têm contato com
teorias e práticas grupais. Na pós, não necessariamente são apresentados
pela primeira vez, mas também temos notado que isso pode acontecer ou,
com estudantes que tiveram esse tipo de teor na graduação, ele foi
ministrado de forma esporádica e incipiente, haja vista a formação nesse
nível competir com inúmeras outras necessidades teórico-técnicas,
metodológicas e filosóficas (que visam ao perfil generalista).
Em quaisquer desses momentos formativos, teorias e práticas
grupais são conformadas pelos projetos pedagógicos e componentes
curriculares, e nem sempre a apresentação das práticas é prevista com
integração teórica e vice-versa. É possível, por exemplo, que a teoria seja
contemplada em uma disciplina e a prática, em estágios ou em pesquisas,
sem que necessariamente os professores que enfocam esses assuntos
sejam os mesmos, ou nem sempre o período letivo de enfoque da teoria é
o mesmo da prática e assim sucessivamente. Ademais, quando as práticas
grupais são exequíveis, elas são planejadas conforme calendários
acadêmicos, cujos cronogramas seguem as dinâmicas dos semestres ou
dos anos letivos e, portanto, permitem a execução de intervenções grupais
89
enquadradas sob claros limitadores temporais: de aproximadamente 10 a
20 encontros/sessões, conforme, respectivamente, um semestre ou um
ano letivo estejam em questão.
Quando o trabalho grupal é vinculado a alguma atividade no nível
da graduação, os formadores têm alto número de matriculados para
administrar. E isso gera a necessidade de haver instituições para onde
direcionar os estudantes (práticas grupais extramuros). Nesse âmbito, as
demandas pelas intervenções grupais costumam ser atreladas a projetos de
extensão universitária: há necessidades comunitárias e da instituição
universitária em confluência e os processos de grupo são coordenados por
estudantes, sob supervisão de professores (Oliveira et al., 2020; Siqueira et
al., 2019).
Conhecemos, ainda, trabalhos grupais que são desenvolvidos no
próprio campo formativo (práticas grupais intramuros) e que tomam
estudantes como participantes em vez de como coordenadores (Rossato
et al., 2020; Silveira & Ribeiro, 2015; Zanetti & Sei, 2017). Um segundo
tipo de trabalhos grupais desenvolvidos intramuros contempla estudantes
como participantes e como integrantes da equipe executora (Maireno et
al., 2016; Santeiro et al., 2014).
Sejam as atividades grupais visando à formação desenvolvidas
extra ou intramuros, um estudante afiliado a uma instituição universitária
“tem que” executar seu projeto de intervenção e/ou de pesquisa e “tem”,
portanto, cronograma estrito para cumprir, ou não será “aprovado” e/ou
não obterá titulação acadêmica. A despeito desse fator inerente à
obrigatoriedade, assinalamos, inspirados em ensinamentos pichonianos,
que a cisão entre formação para “a prática” e/ou para “a academia” é mais
artificial que real, na medida em que viver a clínica é lidar com o constante
processo de produção de conhecimentos, nos trabalhos que
desenvolvemos em/sobre grupos. E, nessa acepção, exceto pelo “pé” da
análise/psicoterapia pessoal, a qual não tem subsídio em políticas
educacionais que regem o mundo universitário, que a exijam do ponto de
vista formal, os demais itens do quadripé da formação permanecem viáveis
e desejáveis de constituírem o processo formativo para atuação em grupos.
Tenham os grupos finalidades operativas ou psicoterapêuticas
quando um processo de intervenção/pesquisa acadêmica for
90
planejado/executado, ao colocá-los em movimento – e ao nos
embrenharmos neles – problematizamos a realidade e o que fazemos,
coordenamos e produzimos vivências, estudamos teorias que subsidiam
nossos fazeres, numa espiral dialética interminável. Isso posto, a distinção
que vemos ser específica entre formar na academia e para a prática é que,
quando se debate formação universitária, há que haver produtos
acadêmicos concretos, decorrentes dos trabalhos (a aprovação, o feitio do
relatório etc.), ao passo que no cotidiano laboral esses produtos podem ter
caráter mais simbólico.
Estudantes universitários terem espaço e tempo reservados para
pensarem e aprenderem sobre grupos é um aspecto fundamental que
ocorra, haja vista a centralidade que os fenômenos grupais ocupam no
desenvolvimento de subjetividades e na constituição da sociedade como
um todo. Desse modo, formar universitários para atuar/investigar
processos de grupos também pode incluir formar futuros formadores. E
este, ao nosso ver, é um dos aspectos mais instigantes de tratar da
formação de coordenadores de trabalhos grupais em cenários acadêmicos.
Se o estudante compreende isso que dizemos num sentido mais
abrangente, o que é uma “obrigação” acadêmica pode ser convertido em
prazerosa peça de seu percurso formativo. Em última instância, ele poderá
nem trabalhar sob enfoque grupal, profissionalmente, quando
formado/titulado. Mas terá em sua bagagem essas experiências, que
poderão alimentá-lo em meio às demais, se assim ele se permitir fazê-lo,
naturalmente.
Finalizando...
Nesse conjunto de atividades que ocorrem durante a formação, o
coordenador/psicoterapeuta iniciante poderá desenvolver uma atitude
analítica, que permita sua vinculação aos membros do grupo e às suas
necessidades. Acreditamos que a somatória de atividades vistas permitirá
ao coordenador/psicoterapeuta em formação, maior desenvolvimento na
arte e na técnica de trabalhar com o dispositivo vincular.
Na verdade, atrás de um principiante em grupos, atrapalhado com
suas dificuldades e projeções dos pacientes, com sua inexperiência
e pontos cegos, há um terapeuta em potencial, um profissional
91
desabrochando e que necessita de reconhecimento acerca de sua
potencialidade e de suas realizações. (Fernandes, 2003, p. 289)
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93
5 Freud: o mito da horda primitiva e o vínculo
intersubjetivo do grupo Rose Pompeu de Toledo
Neste capítulo abordaremos as contribuições do pensamento
freudiano para a conceituação de grupos.
Freud não trabalhou especificamente com grupos; no entanto,
interessou-se teoricamente por eles. Deixou claro que não é possível
explicar a vida interior (intrassubjetiva) sem pensar na relação do indivíduo
com um outro, considerando que essas relações podem ser reconhecidas
como fenômenos sociais. Nesse sentido, suas concepções do psiquismo
individual poderiam ser estendidas para os fenômenos inter e
transubjetivos.
Neste capítulo abordaremos duas de suas obras, Totem e tabu:
Algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e dos neuróticos,
de 1913, e Psicologia das massas e análise do eu, de 1921.
Para orientar o percurso deste texto, selecionei algumas citações
que permitem refletir sobre o pensamento freudiano acerca do homem,
dos grupos, das instituições, da humanidade e da cultura, e escolhi quatro
questões levantadas por Freud nessas obras:
1. O que mantém os grupos unidos?
2. O que é uma massa?
3. De que maneira a massa adquire a capacidade de influir tão
decisivamente na vida psíquica do indivíduo?
4. Em que consiste a modificação psíquica que a massa impõe ao
indivíduo?
Totem e tabu: o mito da horda primitiva
A primeira tentativa de Freud de aplicar a psicanálise a problemas
da psicologia dos povos foi em Totem e tabu, uma de suas obras prediletas.
94
Nesse trabalho, que utiliza referências diversas como Frazer, Wundt e
Darwin, Freud propõe o mito da horda primitiva.
A horda primitiva está fundada numa dedução de Darwin, baseada
nos hábitos dos macacos superiores, segundo a qual o homem viveu
originalmente em pequenas hordas, dentro das quais o ciúme do macho
mais velho e mais forte impediu as relações sexuais dos mais jovens com
as suas várias esposas. Quando o macho jovem crescia, havia uma disputa
pelo domínio; o mais forte matava ou expulsava os outros e estabelecia-se
como líder. Os machos jovens, após a expulsão, poderiam fundar uma
horda semelhante com a mesma proibição de atos sexuais motivada pelo
ciúme do chefe. Para Freud, a repetição dessas circunstâncias resultaria na
lei que proibia relações sexuais entre companheiros de horda.
Buscando conhecer um estágio inicial e bem conservado da
história da humanidade, Freud estuda os aborígenes australianos;
descreve-os como canibais nus que não têm casas permanentes, não
trabalham o solo e não criam animais domésticos, exceto o cão.
Alimentam-se da carne dos animais que abatem e das raízes que
desenterram. Não têm reis ou chefes; suas questões comuns são decididas
por um grupo, a assembleia dos homens maduros. Não têm traços de
religião; em seu lugar têm o sistema do totemismo. Sua organização social
veda as relações sexuais incestuosas. Suas tribos dividem-se em clãs, cada
qual nomeado segundo seu totem.
Totemismo e exogamia
O totem é um animal, mais raramente uma planta ou uma força da
natureza, que tem relação com todo o clã. É considerado o ancestral
comum do clã e seu espírito protetor. Os membros do clã têm a obrigação
sagrada, e passível de punição automática se desobedecida, de não matar
o seu totem e não comer sua carne. O totemismo pode ser considerado
um sistema religioso em virtude das relações de respeito e proteção
mútuos entre um homem e seu totem.
O totemismo também é um sistema social, pois regula as relações
dos membros do clã entre si e com outros clãs. O caráter do totem é
transmitido hereditariamente. A relação com o totem se sobrepõe ao
pertencimento à tribo e ao parentesco sanguíneo e ele não se acha ligado
95
a um solo ou a um lugar. Os membros do mesmo totem não podem ter
relações sexuais entre si. A transgressão da proibição do incesto não é
sujeita a uma punição automática dos culpados, como no caso das outras
proibições relativas ao totem, mas é vingada por toda a tribo como se fosse
para afastar um perigo que ameaça toda a comunidade ou uma culpa que
a oprime. O totem é herdado pela linha materna e as regras impedem o
filho de ter relações com a mãe e com as irmãs (mas o pai, que é de outro
clã, poderia). A exogamia ligada ao totem torna impossível para um
homem a união sexual com todas as mulheres de seu clã. Nos clãs
totêmicos, os termos empregados para designar os diversos graus de
parentesco não denotam uma relação entre dois indivíduos, mas sim entre
um indivíduo e um grupo. Uma pessoa utiliza o termo pai não apenas para
seu verdadeiro genitor, mas também para todos os outros homens com
quem sua mãe poderia ter se casado; chama de mãe todas as mulheres que
lhe poderiam ter dado à luz sem transgredir a lei da tribo; e usa as
expressões irmão e irmã para os filhos de todas aquelas pessoas com quem
mantém uma relação parental.
As tribos australianas, além da proibição determinada pelo totem,
se dividem em duas partes denominadas fratrias e cada uma delas divide-
se em duas subfratrias. As subfratrias formam unidades exogâmicas às
quais se ligam os clãs totêmicos. Essas disposições restringem a
possibilidade de casamento entre os membros da tribo.
TRIBO
(Freud, 1913/2012, p. 28)
Supondo que cada clã possua um número igual de membros, se
existissem apenas doze clãs totêmicos, cada membro de um clã teria de
96
efetuar sua escolha entre 11/12 de todas as mulheres da tribo. A existência
de duas fratrias reduz sua escolha a 6/12, ou 1/2, porque um homem do
totem alfa só pode se casar com uma mulher dos totens 1 a 6. Com a
introdução das quatro subfratrias, sua escolha é ainda reduzida a 3/12, ou
1/4, porque, neste caso, um homem do totem alfa fica restrito, em sua
escolha de esposa, a uma mulher dos totens 4, 5 ou 6.
Tabu e ambivalência
Tabu é uma palavra polinésia que significa por um lado santo,
sagrado e por outro lado misterioso, perigoso, proibido. O oposto de tabu
em polinésio é “noa” que significa habitual, acessível. As proibições do
tabu são de origem desconhecida e são aceitas pelo grupo dominado por
elas como “coisa natural”. Acredita-se que qualquer transgressão será
punida automaticamente de forma severa. A maioria das proibições diz
respeito à liberdade de movimento e de comunicação. É o mais antigo
código de leis não escritas da humanidade, mais antigo que os deuses e
anterior às religiões.
Os tabus visam a proteger coisas e pessoas importantes (chefes e
sacerdotes) contra o mal; salvaguardar os fracos (mulheres, crianças e
pessoas comuns) em relação ao poderoso mana (influência mágica) de
chefes e sacerdotes; prevenir contra os perigos decorrentes da entrada em
contato com cadáveres, ingestão de certos alimentos etc.; guardar os
principais fatos da vida contra interferências (nascimento, iniciação,
casamento, funções sexuais, entre outras); e, numa fase posterior, proteger
os seres humanos contra a cólera ou o poder dos deuses e espíritos.
As proibições têm um caráter deslocável, ou seja, mudam de um
objeto para outro e tornam o novo objeto proibido. Freud traz um
exemplo encontrado na obra de Frazer: um chefe maori não aviva o fogo
com o seu sopro, pois seu alento sagrado comunicaria sua força ao fogo,
à panela e ao alimento, e a pessoa que comesse o alimento morreria.
Os tabus seriam proibições antiquíssimas, impostas violentamente
pela geração anterior aos homens primitivos, voltadas contra os desejos
mais fortes do ser humano. Aqueles que obedecem às restrições do tabu
têm uma postura ambivalente; inconscientemente, desejam infringi-las,
mas têm um enorme receio.
97
Examinando a relação da exogamia com o totemismo, Freud
observa que há uma grande semelhança entre a relação das crianças e a
dos povos primitivos com os animais; a criança vê o animal como seu igual
e identifica-se com ele.
Ocasionalmente, a relação das crianças com os animais sofre uma
perturbação, a zoofobia. Examinando fobias de animais em meninos,
Freud observa que o medo inicial relacionava-se ao pai e havia sido
deslocado para o animal. Um dos exemplos citados é do Pequeno Hans,
que vivia naquele momento, na relação com os pais, o Complexo de Édipo
(complexo nuclear das neuroses). Hans desejava a mãe, encarava o pai
como rival e nutria sentimentos ambivalentes em relação a ele; o conflito
de ambivalência foi aliviado pelo deslocamento para o animal dos
sentimentos hostis em relação ao pai; seu medo de cavalos dizia respeito
ao medo do pai.
Os povos primitivos também apresentam uma identificação com
o animal totêmico, descrevem o totem como seu ancestral comum e pai
primevo e têm uma atitude ambivalente em relação a ele.
Conclui:
Se o animal totêmico é o pai, o teor dos dois principais
mandamentos do totemismo – os dois preceitos que constituem
seu núcleo, não matar o totem e não ter relações sexuais com uma
mulher do mesmo totem – coincide com o dos dois crimes de
Édipo, que matou o pai e tomou a mãe por esposa, e com os dois
desejos primordiais da criança, desejos cuja repressão insuficiente
ou cujo redespertar forma o núcleo de talvez todas as
psiconeuroses. (Freud, 1913/2012, p. 203)
Para Freud, o Complexo de Édipo desempenha um papel
fundamental na estruturação da personalidade do sujeito, na história da
humanidade e de suas instituições.
Citando Smith, Freud cita uma cerimônia peculiar, a refeição
totêmica, como parte integrante do totemismo. O sacrifício animal foi a
mais antiga forma de sacrifício, onde o deus e seus adoradores
desfrutavam juntos a carne e o sangue. Era uma cerimônia pública, a festa
de todo o clã. Comer e beber com alguém era, ao mesmo tempo, um
98
símbolo e um fortalecimento do vínculo social e da adoção de obrigações
recíprocas.
Freud supõe, a partir de Smith, que “a morte sacramental e
devoração comum do animal totêmico, normalmente proibido, foi um
traço significativo da religião totêmica” (Freud, 1913/2012, p. 214).
A refeição totêmica
Articulando teoricamente a concepção que o animal totêmico é o
sucedâneo do pai, a postura afetiva ambivalente que caracteriza o
Complexo de Édipo, o fato do banquete totêmico e a hipótese de Darwin
sobre o estado inicial da sociedade humana, Freud propõe um mito para
pensar nossa história:
Certo dia, os irmãos expulsos se juntaram, abateram e
devoraram o pai, assim terminando com a horda primeva. Unidos,
ousaram fazer o que não seria possível individualmente... O
violento pai primevo era o modelo temido e invejado de cada um
dos irmãos. No ato de devorá-lo eles realizaram a identificação
com ele, e cada um apropriava-se de parte de sua força. A refeição
totêmica, talvez a primeira festa da humanidade, seria a repetição
desse ato memorável e criminoso, com o qual teve início tanta
coisa: as organizações sociais, as restrições morais, a religião.
(Freud, 1913/2012, pp. 216-217)
A malta de irmãos estava cheia de sentimentos contraditórios:
odiavam o pai, que representava um obstáculo ao seu anseio de poder e
aos seus desejos sexuais; mas o amavam e admiravam também. Depois do
assassinato, a afeição que havia sido recalcada retorna sob a forma de
consciência da culpa.
A partir da consciência da culpa, o morto tornou-se mais forte do
que havia sido o vivo: aquilo que o pai primitivo impedira, os irmãos
proibiram a si mesmos. Criaram, assim, os dois tabus fundamentais do
totemismo – não matar o pai e não cometer o incesto.
A proibição do incesto tinha uma motivação prática: os irmãos
eram rivais uns dos outros no tocante às mulheres. Para viver juntos e
evitar uma guerra fratricida, decidiram renunciar mutuamente tanto à
satisfação incestuosa quanto à violência como meio de consegui-la. Viram-
99
se, desse modo, obrigados a buscar em outras hordas mulheres com quem
se relacionarem, estabelecendo, assim, a exogamia. Somente nessas
circunstâncias foi possível pôr fim à horda selvagem e inaugurar o clã
fraterno, fundado sobre os lanços de sangue. Assim, os irmãos passaram de
uma relação de poder para uma relação de autoridade.
Para Freud, as proibições foram mantidas de geração em geração,
como parte do patrimônio psíquico herdado.
Se os processos psíquicos não continuassem de uma
geração para a seguinte... não haveria... quase nenhum
desenvolvimento...
Podemos supor que nenhuma geração é capaz de esconder
eventos psíquicos relevantes daquela que a sucede. Pois a
psicanálise nos ensina que cada qual possui, em sua atividade
mental inconsciente, um aparelho que lhe permite interpretar as
reações das outras pessoas, isto é, desfazer as deformações que o
outro realizou na expressão de seus sentimentos. (Freud,
1913/2012, pp. 240-241)
O indivíduo se constitui a partir de uma enorme cadeia de gerações
e herda proibições, desejos e uma espécie de aparelho analítico que lhe
permite interpretar outros psiquismos e fazer parte da cultura e da
humanidade.
Psicologia das massas e análise do eu: o grupo e o vínculo intersubjetivo
É certo que a psicologia individual se dirige ao ser humano
particular, investigando os caminhos pelos quais ele busca obter a
satisfação de seus impulsos instintuais, mas ela raramente, apenas
em condições excepcionais, pode abstrair das relações deste ser
particular com os outros indivíduos. Na vida psíquica do ser
individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo,
objeto, auxiliador e adversário, e, portanto, a psicologia individual
é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado,
mas inteiramente justificado. (Freud, 1921/2011, p. 14)
Como visto em Totem e tabu, Freud considera o Complexo de
Édipo, em sua dimensão estrutural, como núcleo da personalidade de cada
indivíduo. Aqui, Freud refere-se ao “Outro” que pode ser considerado o
100
pai como modelo de identificação, a mãe como objeto de amor, os irmãos
como auxiliares e o pai (ou a mãe) como adversário no amor edípico.
O grupo e o vínculo intersubjetivo são a origem da constituição
do Eu de cada indivíduo.
Massa
Freud faz referência à obra de Le Bon, Psicologia das massas, e
comenta que quaisquer que sejam os indivíduos que compõem a massa
psicológica, semelhantes ou diferentes, o simples fato de terem se
transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma
coletiva. Essa alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente
do que cada um faria isoladamente. A massa psicológica é um ser
provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se
soldaram. Na massa as aquisições próprias dos indivíduos se desvanecem,
e eles também mostram características que não possuíam antes.
Le Bon atribui essa ocorrência a três fatores: por considerações
numéricas, o indivíduo tem um sentimento de poder invencível; numa
massa, o indivíduo sacrifica o seu interesse pessoal ao interesse coletivo,
pelo contágio mental; e a exacerbação da sugestionabilidade, pois a
sugestão é a mesma para todos os indivíduos e a tendência é transformar
imediatamente em atos as ideias sugeridas.
Segundo sua descrição, a alma da massa é impulsiva, volúvel e
excitável. É guiada quase exclusivamente pelo inconsciente. Obedece a
impulsos imperiosos. Nada é premeditado. Não tolera demora entre o
desejo e a sua realização. Tem o sentimento de onipotência. É
influenciável, crédula e acrítica. Pensa em imagens como um indivíduo em
devaneio. Tem sentimentos muito simples e muito exagerados, não
conhece a dúvida nem a incerteza. É excitada apenas por estímulos
excessivos. “Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir
logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes,
exagerar e sempre repetir a mesma” (Freud, 1921/2011, p. 27).
É intolerante e obediente à autoridade. Exige de seus heróis a
fortaleza e até mesmo a violência. É inteiramente conservadora. É capaz
de elevadas provas de renúncia e devoção a um ideal. Sua capacidade
intelectual está abaixo daquela do indivíduo. As ideias opostas podem
101
coexistir sem conflito. Está sujeita ao poder mágico das palavras. Não tem
sede da verdade; precisa de ilusões. É um rebanho dócil, que não pode
viver sem um senhor.
Freud cita MacDougall, que faz uma distinção entre a massa
simples e desorganizada e a massa organizada. Sua descrição da massa
desorganizada é semelhante à de Le Bon. A massa organizada deve
obedecer a cinco condições: um certo grau de continuidade em sua
existência; que o indivíduo que dela participa tenha uma concepção de sua
natureza, funções, realizações e reivindicações; que a massa se coloque em
relação com outras para que haja alguma rivalidade entre elas; que a massa
tenha tradições, costumes e disposições; e que na massa existam
especialização e diferenciação entre o que cabe a cada indivíduo.
Para Freud a massa é uma revivescência da horda primeva. Assim
como o homem primitivo se acha virtualmente conservado em cada
indivíduo, a horda primeva pode ser restabelecida a partir de qualquer
agrupamento.
Libido
Freud considera que no interior de uma massa o indivíduo
experimenta uma mudança profunda de sua atividade anímica: sua
afetividade é intensificada e sua capacidade intelectual diminuída.
Então, utiliza o conceito de libido para entender a psicologia da
massa:
Libido é uma expressão proveniente da teoria da
afetividade. Assim denominamos a energia, tomada como
grandeza quantitativa – embora atualmente não mensurável –,
desses instintos relacionados com tudo aquilo que pode ser
abrangido pela palavra “amor”. O que constitui o âmago do que
chamamos amor é, naturalmente, o que em geral se designa como
amor e é cantado pelos poetas, o amor entre os sexos para fins de
união sexual. Mas não separamos disso o que partilha igualmente
o nome de amor, de um lado, o amor a si mesmo, do outro, o amor
aos pais e aos filhos, a amizade e o amor aos seres humanos em
geral, e também a dedicação a objetos concretos e a ideias
abstratas. Nossa justificativa é que a investigação psicanalítica nos
102
ensinou que todas essas tendências seriam expressão dos mesmos
impulsos instintuais que nas relações entre os sexos impelem à
união sexual, e que em outras circunstâncias são afastados dessa
meta sexual ou impedidos de alcançá-la, mas sempre conservam
bastante da sua natureza original, o suficiente para manter sua
identidade reconhecível (abnegação, busca de aproximação).
(Freud, 1921/201, p. 43)
Freud afirma então, que as relações de amor são a essência da alma
coletiva. Porque a massa se mantém unida graças a Eros e o indivíduo é
sugestionável por amor aos outros.
Freud faz menção a uma classificação das massas: efêmeras e
duradouras, homogêneas e heterogêneas, naturais e artificiais (que exigem
uma força externa para manter-se unidas), primitivas e organizadas, sem
líderes e com líderes.
Examina duas massas organizadas, duradouras e artificiais: a Igreja
e o Exército.
Na Igreja – podemos, com vantagem, tomar a Igreja
Católica como modelo – prevalece, tal como no Exército, por mais
diferentes que sejam de resto, a mesma simulação (ilusão) de que
há um chefe supremo – na Igreja Católica, Cristo, num Exército,
o general – que ama com o mesmo amor todos os indivíduos da
massa. Tudo depende dessa ilusão; se ela fosse abandonada,
imediatamente se dissolveriam tanto a Igreja como o Exército, na
medida em que a coerção externa o permitisse. Esse amor a todos
é formulado e expressamente enunciado por Cristo: “O que
fizestes a um desses meus pequenos irmãos, a mim o fizestes”. Ele
se relaciona com os indivíduos da massa crente como um bondoso
irmão mais velho, é um substituto paterno para eles. Todas as
exigências feitas aos indivíduos derivam desse amor de Cristo. Há
um traço democrático na Igreja, justamente porque diante de
Cristo são todos iguais e todos possuem parte igual de seu amor.
Não é sem profunda razão que se evoca a semelhança entre a
comunidade cristã e uma família, e que os crentes se denominam
irmãos em Cristo, isto é, irmãos pelo amor que Cristo lhes tem.
(Freud, 1921/2011, p. 47)
103
O laço que une cada indivíduo a Cristo é também a causa do laço
que os une uns aos outros. A mesma coisa se passa no Exército, onde o
general é um pai que ama todos os soldados igualmente, e por isso eles são
camaradas entre si.
Nessas duas massas artificiais cada indivíduo está ligado por laços
libidinais por um lado ao líder (Cristo, general) e, por outro, aos demais
indivíduos da massa. A massa exerce uma mudança tão grande no
indivíduo porque para cada um a ligação afetiva se dá nessas duas direções
(vertical e horizontal).
Grupo
Para Freud
Teríamos que partir da constatação de que um simples
grupamento não constitui ainda uma massa, enquanto aqueles
laços [afetivos] não se estabeleceram nele, mas também admitir
que em qualquer grupamento surge com facilidade a tendência
para a formação da massa psicológica. (Freud, 1921/2011, p. 55)
O que caracteriza o grupo são as ligações libidinais.
O modo como os seres se relacionam afetivamente lembra a
alegoria de Schopenhauer sobre os porcos-espinhos que sentem frio. Num
dia de muito frio, um grupo de porcos-espinhos se aconchegou para se
aquecerem mutuamente. Logo os animais sentiram os espinhos uns dos
outros, o que provocou um afastamento. Mas afastados continuavam com
frio; esse movimento se repetiu algumas vezes até encontrarem uma
distância ideal.
Então, faz uma consideração sobre a relação entre as pessoas e os
grupos:
Quase toda relação sentimental íntima e prolongada entre
duas pessoas – matrimônio, amizade, o vínculo entre pais e filhos
– contém um sedimento de afetos de aversão e hostilidade, que
apenas devido a repressão não é percebido. Isso é mais
transparente nas querelas entre sócios de uma firma, por exemplo,
ou nas queixas de um subordinado contra seu superior. O mesmo
ocorre quando as pessoas se juntam em unidades maiores. Toda
vez que duas famílias se unem por casamento, cada uma delas se
104
acha melhor ou mais nobre que a outra. Havendo duas cidades
vizinhas, cada uma se torna a maldosa concorrente da outra; cada
pequenino cantão olha com desdém para o outro. Etnias bastante
aparentadas se repelem, o alemão do sul não tolera o alemão do
norte, o inglês diz cobras e lagartos do escocês, o espanhol
despreza o português. Já não nos surpreende que diferenças
maiores resultem numa aversão difícil de superar, como a do
gaulês sente pelo germano, do ariano pelo semita, do branco pelos
homens de cor. (Freud, 1921/2011, p. 57)
Substituindo alguns componentes dessa equação, essa afirmação
poderá iluminar a dificuldade de diálogo e a intolerância às diferenças,
presentes em todos os tempos da história da humanidade, que produzem
efeitos importantes sobre os vínculos, os grupos e as instituições.
Quer dizer, a hostilidade sempre está presente. Quando ela se
dirige a pessoas que também são amadas, Freud fala em ambivalência
afetiva. Nas aversões a estranhos e antipatias identifica a expressão do
narcisismo. Quando se forma a massa, a intolerância perde força; ocorre
uma limitação do narcisismo produzida pelo laço libidinal com outras
pessoas. “Tal como no indivíduo, também no desenvolvimento da
humanidade inteira é o amor que atua como fator cultural, no sentido de
uma mudança do egoísmo em altruísmo” (Freud, 1921/2011, p. 59).
Identificação
Freud pergunta que tipo de ligação afetiva acontece no interior da
massa.
Inicia sua resposta dizendo que a identificação é a mais remota
expressão de uma ligação afetiva com outra pessoa; desempenha um papel
na história primitiva do Complexo de Édipo, já que o menino toma o pai
como seu ideal. O menino se identifica com o pai e faz um investimento
objetal na mãe.
A ligação recíproca dos indivíduos da massa ocorre pela
identificação comum com o líder.
Estamos preparados para oferecer uma fórmula relativa à
constituição libidinal de uma massa. Pelo menos de uma massa...
que tem um líder e não pôde adquirir secundariamente, através de
105
excessiva “organização” as características de um indivíduo. Uma
massa primária desse tipo é uma quantidade de indivíduos que
puseram um único objeto no lugar de seu ideal do Eu e, em
consequência, identificaram-se uns com os outros em seu Eu.
(Freud, 1921/2011, p. 76)
Diante de um objeto (uma pessoa, uma ideia, um projeto) comum
a todos, ocorre um trabalho psíquico grupal mediante a identificação de
uns com os outros que culmina com o objeto ocupando o lugar de ideal
do Eu para cada um dos participantes, que passam a compartilhar uma
instância psíquica; vem daí a força da ligação no interior de um grupo.
“Nossa contribuição para o esclarecimento da estrutura libidinal de um
grupo remonta à diferenciação entre Eu e ideal do Eu, e ao duplo tipo de
ligação por ela possibilitada – identificação e colocação do objeto no lugar
do ideal do Eu” (Freud, 1921/2011, p. 93).
Para encerrar, retomaremos e responderemos muito sucintamente
as questões de Freud:
1. O que mantém os grupos unidos? Para Freud são as relações
de amor, os laços libidinais; o laço que une cada indivíduo ao
106
líder ou à ideia ou ao projeto comum e o laço que liga cada um
aos demais componentes do grupo.
2. O que é uma massa? É uma revivescência da horda primeva.
Assim como o homem primitivo se acha virtualmente
conservado em cada indivíduo, a horda primeva pode ser
restabelecida a partir de qualquer agrupamento. Nesse sentido
os fenômenos descritos por Freud no estudo das massas
podem ser encontrados nos grupos que estudamos, nos
grupos que coordenamos e nos grupos dos quais participamos.
3. De que maneira a massa adquire a capacidade de influir tão
decisivamente na vida psíquica do indivíduo? A massa só se
constitui enquanto tal quando seus componentes estiverem
ligados por laços afetivos que promovem uma mudança do
narcisismo em altruísmo.
4. Em que consiste a modificação psíquica que ela impõe ao
indivíduo? Ocorre um compartilhamento de uma instância
psíquica, os componentes da massa colocam um objeto no
lugar do ideal do Eu e se identificam uns com os outros.
Referências
Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. Em: Obras
completas, vol. 15. São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho
original publicado em 1921)
Freud, S. (2012). Totem e tabu. Em: Obras completas, vol. 11. São Paulo:
Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1913)
107
6 Contribuições da teoria kleiniana para a
compreensão dos fenômenos grupais Waldemar José Fernandes
Em minha experiência, os fenômenos estudados por Gustav Le
Bon em grandes grupos, comentados por Freud, são encontrados também
em pequenos grupos, como são os grupos terapêuticos, fazendo pensar
no primitivismo da mente humana, no mundo psicótico que habita em nós
e que emerge do campo grupal. Há, assim, uma ligação entre os
conhecimentos freudianos, kleinianos, bionianos e, certamente, também
com os estudos da escola francesa de psicanálise de grupo.
Vejamos um pouco da teoria kleiniana, principalmente no que diz
respeito à importância clínica na mente e no grupo, apesar de essa autora
nem ter trabalhado com grupos, e ter procurado impedir o trabalho de
Bion com grupos. O que não pôde impedir é que utilizássemos seus
conhecimentos para inúmeras abordagens, como o fez Pichon-Rivière, na
psiquiatria social, e como fazemos na psicanálise vincular.
Melanie Klein nasceu em Viena em 1882, foi a quarta filha de uma
família pobre. Morreu em Londres, com 78 anos, em 1960. Encontramos
em Zimerman que “teve ruptura pública de sua filha, Mellita, também
psicanalista, contra ela. Teve verdadeira devoção por Freud, com o qual,
entretanto, nunca teve contato, porque ele a evitava, devido às querelas de
Anna Freud com Melanie Klein (...) Suas concepções possibilitaram uma
análise mais profunda de crianças e psicóticos” (Zimerman, 1999, p. 48).
A criatividade da teoria kleiniana, e a riqueza das ideias que
elaborou devem ser equiparadas à obra freudiana. Foi uma continuadora
da obra de Freud, tendo apresentado importante complementação à teoria
da mente humana, apesar de muitas controvérsias.
A despeito de alguns críticos, sua obra teve e ainda tem grande
importância, inclusive para entender a dinâmica grupal. Para Barros e
108
Barros, “A saúde mental na perspectiva de Klein está sempre ameaçada
em sua estabilidade. Desta forma tem que ser permanentemente
reconquistada” (2018, p. 15).
É comum, embora injusto, se atribuir a Melanie Klein uma
valorização apenas do intrapsíquico. Na verdade, mundo interno e externo
ocorrem ao mesmo tempo. Por exemplo, ao sentir frio ou fome, o
pequeno ser vivencia ambas as dimensões, a intrapsíquica e a corporal
dessa ocorrência, e a percepção do mundo externo, entre outros fatores, é
alterada pelo interno.
Na clínica diária, podemos observar participantes do grupo, da
instituição ou pacientes individuais se queixando da realidade externa, que
frequentemente é penosa mesmo. Entretanto, é importante sempre alertar
para a responsabilidade de cada um em administrar a situação, começando
por aceitar, conviver e, então, lidar com a situação, dentro das
possibilidades reais, da melhor forma possível. A própria Melanie Klein
nos ajuda nesse raciocínio: “até que ponto a realidade externa pode refutar
as angústias e o sofrimento relacionado à realidade interna varia de
indivíduo para indivíduo, mas esse fator pode ser tomado como um dos
seus critérios de normalidade” (Klein, 1940/1996, p. 389).
Noção de objeto
Embora essa expressão seja extremamente utilizada, é difícil se
encontrar nos textos qual a concepção de objeto. Tal como o vocábulo
vínculo, que sofre do mesmo mal, também se usa muito a palavra objeto,
sem defini-la. Para David Epelbaum Zimerman, “a etimologia desta
palavra designa uma aproximação, uma relação mais íntima e pessoal com
alguém que está na nossa frente” (2012, p. 190).
A palavra objeto, uma das mais mencionadas em psicanálise, fora
utilizada por Sigmund Freud, em Luto e melancolia: “Assim, a sombra do
objeto caiu sobre o ego” (Freud, 1917/1969, p. 281). Habitualmente, na
obra freudiana, ela significa o objetivo a que se dirige para a descarga das
cargas pulsionais.
Já em Melanie Klein seus significados são variáveis. “Os principais
usos do termo objeto em Melanie Klein estão sempre numa dicotomia,
109
como são os que seguem: objeto interno-externo, bom-mau, parcial-total,
persecutório-idealizado” (Zimerman, 2012, p. 190).
Falando em relação de objeto, e retomando sua crítica a respeito
de um estágio autoerótico independente das relações de objeto freudianas,
Melanie Klein enfatiza:
(...) a hipótese de que um estágio que se estende por vários meses
preceda as relações de objeto implica que, exceto para a libido
ligada ao próprio corpo do bebê, os impulsos, fantasias, angústias
e defesas ou não estão presentes no bebê ou não estão
relacionados a um objeto, ou seja, elas operariam in vácuo.
(1952/1975, p. 75)
Quanto à experiência emocional com o mundo interno e com o
mundo externo, para Melanie Klein, as relações iniciais de objeto são
ambivalentes.
A noção de objetos internos, dos sentimentos de amor e ódio,
assim como a noção de que as relações objetais estão presentes desde o
início da vida, revolucionaram a psicanálise, expandindo seus horizontes.
A análise de crianças muito pequenas ensinou-me que não existe
urgência pulsional, situações de angústia, processo mental que não
envolva objeto, externo ou interno; em outras palavras, as relações
de objeto estão no centro da vida emocional. (Klein, 1952/1975,
p. 75-76)
A crença nos objetos internos já se esboça a partir de experiências
somáticas que ocorrem com o bebê, experiências essas implicadas com o mundo
interno, principalmente com a presença dos instintos de vida e de morte que
ocasionam descargas de tensão emocional difíceis de lidar.
Ao enfatizar o universo dos objetos dos cenários de fantasia,
ampliou a compreensão dinâmica da psique, postulando que todos
os aspectos do funcionamento psíquico estão vinculados a objetos
internos e externos em constante transformação. (Ulhôa Cintra,
2018, p. 27)
Um pouco sobre fantasia inconsciente
110
As noções de objetos internos e de fantasias inconscientes
caminham lado a lado, implicadas em um conjunto de experiências
emocionais.
Para Melanie Klein, as fantasias inconscientes são a decorrência
natural da existência dos instintos biológicos que se revelam na mente e
constituem a primeira expressão do psiquismo separado do corpo
biológico. São inatas e consideradas a expressão mental dos instintos.
Representam, ainda, os mecanismos de defesa contra essas pulsões
instintivas.
O bebê já nasce com a fantasia do mamilo como algo que
procurará com a boca e que vai satisfazê-lo. Não existe impulso instintivo
que não seja experimentado como fantasia inconsciente. São “crenças na
atividade de objetos internos sentidos como se fossem concretos, como,
por exemplo, uma sensação desagradável podendo ser mentalmente
representada como um relacionamento com um objeto mau” (Zimerman,
2001, p. 142). Evidentemente, ocorrerá o mesmo com relação à
experiência agradável, experimentada como relacionamento com um
objeto bom.
Para Pedro Salem, “no sistema kleiniano de pensamento, a rigor,
não há experiência desvinculada de fantasias inconscientes. Na medida em
que qualificam e conferem sentido e valor afetivo a tudo que acomete o
sujeito, as fantasias alteram de modo inequívoco sua percepção e sua
relação com o mundo externo e interno” (2016, p. 33-44).
Não se pode lidar diretamente com as fantasias inconscientes,
assim como não se pode ver ou tocar o vínculo, apenas levantar hipóteses
e tentar deduzir algo. “As fantasias inconscientes são sempre inferidas, não
são observadas como tal” (Isaacs, 1952/1975, p. 81). São importantes
mecanismos psíquicos, implícitos no desenvolvimento normal da mente,
e base da criatividade.
As fantasias inconscientes sempre têm um roteiro, com
personagens e cenas. “Ao pensar a vida psíquica através das fantasias
inconscientes, dos cenários de fantasias e dos objetos internos, Melanie
Klein foi a primeira analista que enfatizou de forma tão nítida a dimensão
visual da vida psíquica, o que pode então ser comparada ao desenrolar das
imagens de um filme” (Ulhôa Cintra, 2018, p. 48).
111
Para quem trabalha com a grupalidade, as primeiras relações são
básicas. Salem (2016) ressalta como a obra kleiniana é importante para a
“complexidade dos primeiros vínculos com o outro e, paralelamente, a
enorme influência que [Melanie Klein] exerceu sobre autores que se
ocuparam – e ainda se ocupam – em examinar as vicissitudes da ligação
afetiva inicial com o meio e suas repercussões” (p. 9).
Podemos encontrar repercussões na clínica diária, principalmente
na clínica vincular, em que casais ou alguns membros do grupo se
comportam muitas vezes como que impedidos de agirem
independentemente dos primeiros vínculos que tiveram na vida.
Mezan entende a realidade, seja interior, seja exterior, como
constituída de modo colateral e ocorrendo praticamente ao mesmo tempo.
Para ele, Melanie Klein “descreve o modo pelo qual os diferentes aspectos
da vida interna se integram simultaneamente, pelo mesmo mecanismo
através dos quais a realidade externa fará sentido para a psique infantil”
(Mezan, 1988, p. 204).
As posições kleinianas
Sabemos que Freud denominou de fase oral o período aproximado
do primeiro ano de vida. Dentro da evolução da fase oral, Klein lançou o
conceito de posições, isto é, estruturas em evolução constante e sempre em
atividade na organização da personalidade.
Quando se refere à posição esquizo-paranoide, mostra que o
pequeno ser, incapaz de representar a ausência do seio que frustra sua
satisfação, preenche o seio ausente e a falta da mãe com a fantasia
inconsciente de um seio mau.
Segundo Klein:
(...) os impulsos destrutivos dirigidos contra o objeto incitam o
medo da retaliação. Esses sentimentos persecutórios a partir de
fontes internas são intensificados por experiências externas
dolorosas, pois, desde os primeiros dias, a frustração e o
desconforto despertam no bebê o sentimento de que está sendo
atacado por forças hostis. (1952/1975, p. 71)
112
Junto com as primeiras vivências de desprazer somático, o
pequeno ser é alvo de intensas forças pulsionais desde o início da vida, que
se manifestam como fantasias persecutórias de aniquilamento.
Considero que a angústia surge da operação do instinto de morte
dentro do organismo, que é sentida como medo de destruição e de
morte. Toma a forma de medo de perseguição. O medo do
impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto, ou
melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto
dominador. (Klein, 1946/1991, p. 24)
Na clínica, é comum os pacientes trazerem diagnósticos, dados por
eles próprios, por médicos ou por meio de pesquisas em mecanismos de
busca na Web. Surgem então as síndromes de pânico, fobias e sofrimentos horríveis,
que chamam de ansiedade, que vêm do nada, isto é, aparecem sem causa
aparente. Observo que grande parte desses sintomas significa medo de um
incontrolável objeto dominador, primitivo e destruidor, que assusta mais
ainda o sofredor, por não conseguir justificar o que sente com dados
concretos da realidade externa. Muitas vezes, parte das comunicações
defensivas do grupo ocorre sobre tais sintomas.
Klein (1940/1996) salienta que as fantasias inconscientes estão
presentes desde o início da vida nas relações de objeto. Em última
instância, todo objeto interno é revestido de valor, sentido e conteúdo
mental a partir de sua relação com as fantasias inconscientes.
A posição esquizo-paranoide e a posição depressiva são
psicodinâmicas que se formam a cada momento, e suscitam uma forma de
ser e de estar no mundo. Posições são verdadeiros estados mentais.
Passemos a uma visão na mente e no grupo das posições kleinianas e seus
mecanismos de defesa.
Posição Esquizo-paranoide (PEP) e Posição Depressiva (PD) como estados da mente
ou configurações mentais normais
Nas posições kleinianas temos sempre uma configuração em que,
momentaneamente, predomina um estado da mente com os seguintes
elementos: 1) um tipo de ansiedade; 2) certo tipo de relação de objeto; e
3) alguns mecanismos de defesa. É assim que gostaria de transmitir essa
noção, pois ela pode nos dizer algo de muito útil para entender a
113
comunicação, o vínculo, os membros de qualquer tipo de grupo e até o
grupo como um todo, se consideramos uma extensão do conceito para a
mente grupal.
Posição Esquizo-paranoide
No estado da mente da PEP, a ansiedade persecutória ou culpa
persecutória tem a ver com sentir-se ameaçado, perseguido, e o
funcionamento mental é tendencioso, pois a relação de objeto não abrange
realisticamente o total do objeto com quem ocorre a relação: é uma relação
parcial de objeto.
Por ser parcial, envolve uma ansiedade persecutória, sofrimento
inerente a essa parcialidade, pois ora o objeto é visto como apenas bom,
ora como apenas mau, como se isso fosse real, e não apenas um roteiro
fantasioso. Na verdade, é um cenário mental do tipo bruxas e fadas, ou de
vilões e vítimas. O problema maior é que a pessoa, quando nesse estado
da mente, acredita mesmo na bondade ou maldade, e nada mais vê,
causando mal-entendidos importantes, e até crimes. Os ingredientes que
conformam a PEP são da natureza de fantasias, que são utilizadas como
proteção, na organização da mente feita pelo Ego.
Para manter essa relação parcial de objeto e suas vicissitudes, são
necessários alguns mecanismos de defesa, no caso, típicos desse estado da
mente. Os mecanismos de defesa típicos da PEP são: cisão; idealização;
negação; identificação projetiva; e introjeção identificativa.
Cisão
Cisão (divisão, splitting, clivagem) é um mecanismo que pode cindir
o Ego em parte bom e em parte mau, e os objetos bons e maus. Melanie
Klein foi quem melhor estudou a clivagem de objetos.
No mecanismo de cisão ocorre a divisão drástica entre as
experiências boas (que provocam prazer) e as más experiências (que
causam desprazer e frustrações).
Na mente primitiva, as experiências de prazer e desprazer são
atribuídas ora a um objeto bom (idealizado), ora a um objeto mau e
perseguidor, numa visão parcial e maniqueísta, pois só concebe o bem ou
o mal em termos absolutos e onipotentes.
114
Na concepção kleiniana, as experiências de prazer e satisfação são
consideradas de responsabilidade da mãe que gratifica (a mãe boa),
enquanto as experiências más são de autoria da mãe que castiga, que não
a atende imediatamente (a mãe má), como se fossem duas entidades.
Para Ulhôa Cintra:
(...) o dinamismo que separa o bem purificado do mal
radical está presente na lógica do fundamentalismo, ao
pregar a absoluta bondade de Deus em contraste com a
maldade dos infiéis, que devem ser então sumariamente
aniquilados. Ao constituir um bem absoluto inalcançável,
este fica protegido de toda a possível contaminação, e
assim pode permanecer incorruptível, eternizando-se:
torna-se uma reserva imaginária de bem que pode durar
para sempre, o que responde a uma de nossas aspirações
mais profundas. (2018, p. 151)
Temos visto como isso é comum nos times de futebol, grupos
religiosos e políticos, onde ocorrem polarizações e generalizações
perigosas, consequência de visões distorcidas e parciais, mormente em
períodos eleitorais.
Na clínica vincular, a crença em um objeto absolutamente mau
justifica certos sintomas e mal-estares, deixando de lado a possibilidade de
o indivíduo assumir que tem alguma responsabilidade na causa ou na
resolução deles.
Pode ocorrer como defesa, proporcionando ilusória e passageira
tranquilidade ou comportamentos justificáveis (em sua lógica); exemplo:
bebo ou como demais, uso drogas, fico fissurado em games, por ter ansiedade,
causada por A ou B.
Partindo dessa visão tendenciosa, no que se refere ao pretenso
inimigo, só resta lutar ou fugir, o que se encontra com certa frequência em
grupos e casais.
Ao constituir um objeto como sendo plenamente mau, consigo
justificar quaisquer atos de violência contra ele. Sobretudo se o
estou aniquilando em nome do Supremo bem, então toda e
qualquer arbitrariedade será justificada, será considerada Santa e
Bendita: aquele sobre quem projetei minha concepção de mal
115
absoluto é completamente destituído de sua subjetividade, de seus
direitos de defesa. (Ulhôa Cintra, 2018, p. 151)
Idealização
Já vimos, na descrição do mecanismo de cisão, como ocorre
idealização onipotente ao dividir um objeto em bom e mau (caso em que
aparece também a negação).
Idealização é o mecanismo pelo qual as características indesejáveis
do objeto são negadas e a própria libido é projetada no objeto. Como diz
Zimerman, “nos primórdios do desenvolvimento emocional primitivo, e
nos inícios de muitas análises, [a idealização] é necessária e estruturante,
principalmente para fazer face às pulsões sádico-destrutivas” (2001, p.
202).
O mecanismo da idealização está diretamente ligado ao da
negação, pois ao idealizar o objeto, é necessário negar suas falhas, restando
ao objeto idealizado características da perfeição, divinas e onipotentes. O
líder de algumas configurações grupais, em nível inconsciente de
funcionamento, é visto com essas características.
Em algumas religiões e grupos políticos muito rígidos o
mecanismo da idealização aparece sempre: “Tornar-se muito poderoso, na
verdade onipotente, é a promessa mais sedutora do fundamentalismo, que
pode ser pensado como sendo sempre uma estratégia de resgatar poder e
triunfar sobre a fragilidade da existência humana” (Ulhôa Cintra, 2018, p.
152).
Negação
Esse mecanismo de defesa costuma acompanhar a cisão e a
idealização. De modo geral, se refere a não querer se tornar consciente de
algo, como citado na idealização. Em Laplanche e Pontalis encontra-se
que é um “processo em virtude do qual, o sujeito, apesar de formular um
de seus desejos, ideias ou sentimentos até então reprimidos, segue
defendendo-se, negando que lhe pertença” (1971, p. 243).
Ao considerar a importância dos processos de negação onipotente
num estágio que é caracterizado por medo persecutório e mecanismos
esquizoides, isso nos reporta aos delírios de grandeza e de perseguição nas
116
psicoses, em que tais mecanismos ganham força, são mais frequentes e
adquirem grau de certeza inquestionável.
Nessa fase inicial do desenvolvimento, os mecanismos de cisão e
de negação onipotente têm papel semelhante ao da repressão em estágio
posterior e da resistência ao processo analítico.
O mecanismo da negação se origina naquela fase muito inicial em
que o ego em desenvolvimento procura se defender da mais séria
e profunda de todas as ansiedades: o medo dos perseguidores
internalizados e do id. Em outras palavras, a primeira coisa a ser
negada é a realidade psíquica; depois disso, o ego pode negar boa parte
da realidade externa. (Klein, 1935/1996, p. 318)
Identificação projetiva
Já em Psicologia de grupo e análise do ego, Freud (1921/1969), sem
utilizar essa terminologia, levanta a ideia de que os integrantes das massas
se identificam efetivamente com seus líderes, por exemplo, os soldados
com seus superiores. Entretanto, Freud se referia à projeção em termos
de objetos totais, enquanto a teoria kleiniana afirma que tal fenômeno já
ocorre com objetos parciais.
Podemos dizer que a identificação projetiva é uma defesa básica
na infância. Tem pelo menos duas funções: controlar o objeto
persecutório na PEP e aliviar a ansiedade persecutória, expulsando-as da
mente.
Melanie Klein, em 1946, se referiu à identificação projetiva, tendo sua
conceituação se ampliado posteriormente, como salienta Zimerman (2001,
p. 206):
(...) em pelo menos 3 dimensões psíquicas distintas:
1) como uma necessária e estruturante defesa primitiva do ego
incipiente, através de uma expulsão que, desde sempre, o
sujeito faz de seus aspectos intoleráveis dentro da mente de
outra pessoa (a mãe, no caso do bebê; o analista no caso
do paciente).
2) como uma forma de penetrar no interior do corpo da mãe,
com a fantasia de controlar e apossar-se dos tesouros que,
117
em sua imaginação, a mãe possui sob a forma de fezes,
pênis, e, principalmente, os bebês imaginários.
3) no trabalho Sobre a identificação, em 1955, inspirada na
novela Se eu fosse você, de Julian Green, Melanie Klein ensaia
as primeiras concepções das identificações projetivas a
serviço da empatia.
A projeção é uma reação primitiva que ocorre automaticamente,
sendo posteriormente usada para fins defensivos pelo Ego. A identificação
projetiva é uma modalidade da projeção em que a própria pessoa é
projetada.
Na teoria kleiniana a identificação projetiva logo aparece ligada ao
instinto de morte. A ameaça de destruição interna é neutralizada, ao ser
expulsa para fora. Tal mecanismo ocorre durante toda a vida.
Nos estágios precoces de desenvolvimento ele é essencial, pois, em
fantasia, tudo o que é prazeroso é experimentado como pertencente a si,
e o que é não prazeroso e frustrador não é seu. Há expulsão para o exterior
daquilo que o sujeito recusa em si, do que é mau.
É um mecanismo pelo qual ocorrem projeções de partes do Ego
no objeto. São fantasias em que o sujeito introduz a si no interior do
objeto, para destruí-lo, controlá-lo ou possuí-lo.
Ricardo Pelosi resume assim:
(...) a Identificação Projetiva é um poderoso instrumento pelo qual
o bebê, cindindo seus objetos, protege-se de ansiedades e
impulsos, evitando a percepção de separação, dependência,
admiração e os seus consequentes sentimentos de perda, raiva e
inveja. A eficiência deste mecanismo não é completa (felizmente)
e deixa neste pequeno ser ansiedades persecutórias que se
manifestam por sensações de claustrofobia, pânico, medo de
retaliação, aniquilamento etc. (2003, p. 94)
Introjeção identificativa
É o resultado da introjeção do objeto no Ego, que então se
identifica com partes ou com o objeto todo. Pode ser vista como o oposto
da projeção, e busca pôr para dentro tudo que é prazeroso.
118
No desenvolvimento emocional, o bebê introjeta partes boas da
mãe e, na análise, faz isso com relação ao analista, o que o tranquiliza em
ambas as situações, e prepara para uma relação mais completa e realista no
futuro. Introjeção e projeção identificativas, para Melanie Klein
(1959/1991), operam desde o nascimento.
A identificação projetiva tem muitas efeitos, pois podemos tender
a atribuir ao outro algumas de nossas próprias emoções e pensamentos.
Segundo Melanie Klein, “(...) a natureza amistosa ou hostil desta projeção
dependerá de quão equilibrados ou perseguidos estivermos. Através da
atribuição de parte de nossos sentimentos a outra pessoa, compreendemos
os seus sentimentos, suas necessidades e satisfações, em outras palavras,
estamos nos colocando em sua pele” (1959/1991, p. 287). Há pessoas que
vão tão longe nessa direção que se perdem inteiramente nos outros e
tornam-se incapazes de julgamento objetivo.
Da mesma forma, a introjeção excessiva prejudica o Ego, que fica
completamente abafado pelo objeto introjetado. Quando a projeção é
muito hostil, fica quase anulada a empatia. Assim, o tipo e quantidade da
projeção é de grande importância em nossos vínculos intersubjetivos. O
interjogo introjeção-projeção precisa estar bem equilibrado, sem poder
estar dominado por excesso de hostilidade ou de dependência. Assim,
teremos melhor relacionamento interno e externo.
Em síntese:
Características da PEP: estado da mente em que existe
relação parcial com o objeto (maniqueísta: bom ou mau,
portanto tendenciosa) + ansiedade persecutória +
mecanismos de defesa típicos (cisão, idealização, negação,
identificação projetiva e introjeção identificativa).
Posição depressiva
É um estado da mente ou configuração mental em que a relação
de objeto não é parcial, mas sim total. O tipo de ansiedade é ansiedade
depressiva ou culpa depressiva e apresenta o característico mecanismo de
reparação.
119
A ansiedade depressiva implica um certo sofrimento (remorso) por ter
cometido uma injustiça, seja num julgamento, seja na fantasia ou mesmo
em atos destrutivos.
A reparação é a atividade do Ego que visa a restaurar o objeto amado
que foi atacado e danificado, na fantasia ou na realidade.
A reparação verdadeira é estruturante e permite que apareça a
gratidão, sinal de crescimento na mente e no grupo.
Efeitos benéficos e saudáveis dos mecanismos de defesa no dia a dia
Não devemos nos enganar com relação aos mecanismos de defesa,
achando que atrapalham nossa vida e seriam anormalidades. São normais
no desenvolvimento, se não forem excessivas. Mais que normais, são
essenciais em nossa vida. Por exemplo, necessitamos usar de cisões pela
impossibilidade de ver o todo.
É a cisão que permite ao Ego emergir do caos, estabelecendo
ordem onde havia desorganização.
Alguns elementos da ansiedade persecutória são importantes para se
reconhecer perigos externos, e para o sujeito se manter alerta, em vez de
ingênuo ou crédulo.
Da mesma forma, aspectos da idealização são importantes na crença
da bondade própria e alheia.
Na mesma linha de raciocínio, é bom enfatizar que a identificação
projetiva é a mais primitiva forma de empatia e de formação de símbolos.
Assim, os mecanismos de defesa da PEP não são apenas mecanismos
de defesa, pois, além de protegerem o Ego, são também etapas graduais do
desenvolvimento mental.
Tudo o que foi sucintamente descrito dependerá das experiências
boas terem predominado sobre as más nos primeiros tempos de vida do
bebê, e nada tem a ver com patologia.
Na posição depressiva, a visão total de objeto permite relações mais
verdadeiras com os demais e com a realidade.
Da mesma forma, o mecanismo de reparação, da posição
depressiva, permite o reconhecimento e a valorização do outro e o
sentimento de gratidão.
Em síntese:
120
Características da PD: estado da mente ou configuração
mental em que existe relação total com o objeto, ansiedade
depressiva e mecanismo de reparação.
As posições kleinianas são fundamentais para a compreensão do
processo bioniano de pensar os pensamentos, tanto no desenvolvimento
normal, como na psicopatologia (Fernandes et al., 2003).
Defesas maníacas no grupo e na vida
Não é fácil para ninguém dar o braço a torcer e reconhecer que
errou, pedir desculpas, valorizar o outro, sentir remorso por ter sido
injusto, e conviver com tal culpa depressiva. Por vezes, há uma tendência
a um estado mental intermediário, de reaproximação da PEP, em que
ocorrem as defesas maníacas.
As defesas maníacas protegem o Ego do desespero total,
enquanto, lentamente, o psiquismo se adapta ao crescimento e inerente
sofrimento. Tais defesas não são consideradas patológicas por si, mas
poderão formar pontos de fixação que interferem no desenvolvimento
futuro” (Segal, 1973/1975, p. 95).
As defesas maníacas são dirigidas contra a experiência da
ansiedade depressiva, que vem repleta de culpa. A primeira experiência do
tipo ocorre quando o bebê percebe a dependência que tem da mãe, a qual
teme perder.
A relação maníaca com objetos, na teoria kleiniana, se caracteriza
por um conjunto de sentimentos, principalmente controle, triunfo e desprezo.
O controle onipotente é um recurso em que o sujeito mantém a crença
mágica de que é o centro de tudo e que todos giram à sua volta,
defendendo-se das ansiedades persecutórias e depressivas.
O triunfo é o inverso da valorização, do se importar com o outro,
exatamente o que se pretende negar, de modo onipotente.
Da mesma forma, ocorre a desvalorização e negação da
importância do objeto, quando predomina o desprezo.
121
Ciúmes, inveja e gratidão
Para Melanie Klein, a inveja é mais primitiva do que o ciúme. Na
verdade, é uma das emoções mais básicas e primitivas que ocorrem no
desenvolvimento psíquico.
O ciúme visa à posse do objeto amado, e é baseado no amor. Faz
parte de uma relação a três, em que uma parte se sente excluída do
relacionamento das outras duas.
Já a inveja é baseada no ódio a alguma qualidade ou posse do outro,
que deve ser destruído. Na visão kleiniana, a inveja é considerada
derivação direta da pulsão de morte, algo inato, a serviço da destrutividade.
Entretanto, todos nós temos esse “ingrediente” em nosso psiquismo, e
temos de lidar com isso. Teremos de pensar em patologia apenas quando a
destrutividade e a inveja forem excessivas e persistentes.
Gratidão é o sentimento de poder reconhecer a qualidade, o valor
alheio; é saber que uma pessoa fez uma boa ação, prestou um auxílio, em
favor de outra, gerando uma espécie de dívida a alguém por ter feito algo
muito benéfico para ela.
David Epelbaum Zimerman ressalta, em seus estudos sobre
Melanie Klein, “a possibilidade de o indivíduo poder sentir gratidão pela
mesma pessoa que ele tanto pode ter atacado, mais ainda, poder vir a fazer
reparações verdadeiras” (Zimerman, 2001, p. 227).
Nos grupos com longa duração, os participantes terão
oportunidade de entrar em contato com a inveja, sua e dos colegas,
inclusive dirigida ao próprio terapeuta. Conluios e associações em duplas
ou subgrupos muitas vezes têm o objetivo de atacar as ideias e
interpretações que poderiam romper com certas estruturas defensivas,
proporcionando desenvolvimento, sim, mas com muito sofrimento.
Reação terapêutica negativa
Situação terapêutica já observada por Freud, quando o indivíduo
está indo muito bem na análise e em sua vida, e repentinamente, sem
motivo aparente, parece que regride brutalmente no progresso analítico.
Na raiz de reações terapêuticas negativas e de tratamentos
intermináveis, encontra-se, muitas vezes, uma poderosa inveja
122
inconsciente; trata-se de algo que pode ser observado em pacientes
que têm uma longa história de tratamentos anteriores fracassados.
(Segal, 1973/1975, p. 54)
Em minha experiência, isso tem sido muito frequente, geralmente
como fato comprovatório da minha incapacidade de ajudar o paciente, que, de
certo modo, “prefere” piorar do que reconhecer que foi ajudado. Pode-se dizer
que o sujeito piora porque melhora, pois não tolera o que essa melhora envolve.
Tive um caso em um grupo com tal agressividade no ataque à minha
capacidade de ajudar, que só permitiu melhor trabalho e aproveitamento
do grupo quando o referido paciente desistiu do tratamento.
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125
7 Contribuições de Bion para o estudo
e o trabalho com grupos Waldemar José Fernandes
Introdução
Bion considera que seu campo de trabalho é o que não se conhece.
Com ele, a clínica psicanalítica teve grandes possibilidades de se abrir para
o desconhecido. Nesse sentido, Gerber e Figueiredo descrevem assim o
pensamento de Bion, de 1967:
O que é conhecido sobre o paciente não tem maior consequência: ou
é falso ou irrelevante. Se é conhecido pelo paciente e pelo analista,
então é obsoleto (...) O único ponto importante em qualquer
sessão é o desconhecido. Nada deve ser permitido que nos distraia
dessa intuição. (2018, p. 68)
A contribuição revolucionária de Bion para a fundação de uma
psicanálise atual se alicerça não apenas em sua proposta de uma análise
sempre vincular como também no acréscimo de uma perspectiva não
sensorial como é a da intuição.
Um dos seus maiores méritos foi o de colocar a psicanálise dentro
de uma nova dimensão, conservando o mais valioso das contribuições
freudianas e kleinianas, mas encarando-as sob perspectivas diferentes, de
forma mais ampla e original, o que estimula uma atitude nova no analista
e em terapeutas em geral, ao promover a renúncia a esquemas rígidos,
assim como uma abertura para novas maneiras de pensar em psicanálise.
Para essa figura genial, inspirado muitas vezes pela filosofia, o importante
é a prática clínica e a atitude do analista: ser é mais importante do que
conhecer, entender ou dizer.
Os grupos
126
Em psicanálise vincular, as contribuições de Bion têm sido
extremamente proveitosas, seja no que diz respeito à reflexão sobre os
vínculos em quaisquer narrativas de pacientes, seja no trabalho direto com
famílias, instituições e grupos em geral.
Tal como Freud sugeriu, os grupos têm suas raízes no grupo
primordial selvagem. O grupo precede o indivíduo. Vimos em Psicologia das
massas como Freud (1921/1969) entendia a liderança: um indivíduo forte
que levaria as massas a seguir suas ideias. Para ele, haveria uma diminuição
da produção individual no grupo.
Bion, ao contrário de Freud, assegura haver um aumento de
possibilidades na grupalidade, tanto que os grandes descobrimentos e
contribuições são grupais e não produto de homens isolados. Da mesma
forma, o comportamento dos grupos é que faria emergir o líder grupal.
O homem Bion
Conforme Zimerman, em seu livro Bion – da Teoria à prática (1995),
Wilfred R. Bion nasceu na Índia, em 1897, no Panjab, uma colônia inglesa,
onde seu pai, engenheiro inglês, trabalhava na época. Passou a morar e
estudar na Inglaterra a partir dos oito anos de idade. Com 19 anos, entrou
nas forças armadas. Posteriormente fez medicina, com grande dedicação.
Na Universidade de Oxford, estudou história moderna, filosofia e
teologia. Ao ler Freud, ficou fascinado e resolveu se tornar médico
psiquiatra e psicanalista. Fez uma primeira análise com John Rickmann e
uma segunda, com Melanie Klein.
Bion apresenta uma produção inovadora que revela seus sólidos
conhecimentos científicos em diversas áreas. Propõe também uma
expansão sensível para o momento do encontro psicanalítico,
revelando a vivacidade envolvida nos fatos, com o objetivo de
apreender a realidade o quanto possível. (Gerber & Figueiredo,
2018, p. 141)
Durante a década de 40, deu uma contribuição das mais
importantes para o trabalho grupal, que descreveu em Experiências com
grupos (1948/1975). Nessa obra vemos que, partindo de sua vivência com
grupos de soldados no Hospital Northfield durante a Segunda Guerra
Mundial e posteriormente, na Tavistock Clinic, levantou hipóteses sobre
127
o campo grupal, criando assim conceitos originais sobre a psicodinâmica
psicanalítica dos grupos, até hoje objeto de estudo. Tornou-se, apesar da
desaprovação de Melanie Klein, uma referência no trabalho psicanalítico
com grupos.
Sua primeira iniciativa, na ala de reabilitação desse hospital
psiquiátrico, foi promover tarefas de interesse, acrescidas de seminários
terapêuticos avaliativos, pois, para haver um bom espírito de grupo, Bion
observou que seria necessário que o grupo tivesse um objetivo comum,
para alimentar um ideal. Por outro lado, chegar a um bom resultado
terapêutico incluiria a noção de identidade grupal por parte dos membros
(Fernandes, 2003).
Podemos distinguir na obra de Bion um importante aspecto
terapêutico, que é ampliar a possibilidade de adquirir conhecimento sobre
si mesmo e sobre os vínculos entre os membros do grupo. A experiência
na Clínica Tavistock permitiu a Bion observar que o grupo tinha reações
inesperadas ao viver uma situação não convencional, ou seja, com um
coordenador de grupo que se valia unicamente de seus conhecimentos
como psicanalista e de sua intuição.
Tal coordenador não correspondia às solicitações manifestas,
restringindo-se à interpretação do material latente. De forma não esperada,
o grupo passava então a evidenciar emoções primitivas que alteravam o
raciocínio crítico e a dinâmica grupal. A partir dessa experiência e
consequentes reflexões, Bion propôs que o objeto de estudo dos grupos
fosse a investigação dos fenômenos que produziam tais perturbações no
comportamento grupal (Fernandes, 2003).
No grupo, Bion verificou que a realização da vida mental
individual fica prejudicada, pois se o sujeito está esperando chegar, por
meio do grupo, a uma vida de prazeres, sem frustração, isso não será
alcançado, já que existe a presença grupal, com mentalidade própria e
primitiva, que muda tudo. A mentalidade primitiva e as vicissitudes do
crescimento podem ser encontradas no grupo e no indivíduo.
O crescimento mental nos reporta a um trabalho posterior de
Bion, publicado em 1977, referente à cesura do nascimento (Bion,
1977/1981). Para Freud, a vida intrauterina e a primeira infância
apresentam uma continuidade bem maior do que a cesura marcante do ato
128
do nascimento nos permite supor (1926/2014). Freud queria dizer com
isso que os primeiros cuidados psicológicos da mãe equivalem a
contribuições biológicas.
Bion empregou o termo cesura do nascimento em seus estudos
sobre a continuidade que existe entre a vida pré-natal e a pós-natal,
conhecimento que o fez refletir já nos primeiros trabalhos com grupos.
Na concepção bioniana, o crescimento mental ocorre por surtos,
em níveis de mudança repentinos, que causam angústia, e a origem desse
processo infinito está no corte biológico que o nascimento
irremediavelmente efetua. A cesura do nascimento é o equivalente
psíquico ao corte biológico do cordão umbilical (Bion, 1977/1981). As
partes pré-natais da personalidade, na cesura do nascimento, têm a
tendência à cisão, e deixam internalizado em todos nós algo de uma vida
tribal, atávica, registro de nosso passado animal, em que se formavam clãs,
famílias ou rebanhos.
A metáfora do nascimento psíquico permeia suas reflexões.
Segundo Bion (1977/1981), Freud enfatizava um dado objetivo: a
impotência do recém-nascido, que não é capaz de coordenar sua ação para
agir eficazmente, pois depende do seu meio, principalmente de sua mãe,
para absolutamente tudo. Tal imaturidade acarreta um estado de
desamparo mental, o que obriga o psiquismo a crescer completamente
dependente de outrem, experiência emocional que também ocorre na
multidão, como Freud mostrou em Psicologia de massa e análise do ego
(1921/1969). O mesmo fenômeno Bion observou nos pequenos grupos.
Habitualmente se usa a expressão “voltar à infância”. Ainda que
esteja consagrada, a expressão é inadequada. O que é possível, e
necessário, é se estudar e elaborar questões infantis ainda presentes no
adulto.
É impossível entender alguns sintomas se pensarmos que se
desenvolveram somente após o nascimento. É necessário considerar as
emoções que não puderam se tornar conscientes, nem verbalizadas.
Temos de procurar reconhecer os vestígios de um estado mental arcaico
na mente e no grupo.
Nenhum de nós ultrapassa totalmente essa fase primeva, tanto
que, nas afecções psicossomáticas, podemos encontrar um aniquilamento
129
do aspecto intelectual, com o ressurgimento do psicossomático, mais
primitivo, tal como no grupo (Fernandes, 2003).
O mundo primitivo e a cesura do nascimento basearam muitos dos
trabalhos de Bion, importantes para se conhecer sua forma de lidar com a
teoria da técnica psicanalítica, e importantes para nossa reflexão, como se
vê na declaração: “Investigar a Cesura; não o analista; não o analisando;
não o inconsciente; não o consciente; não a sanidade; não a insanidade.
Mas a Cesura, o vínculo, a sinapse, a contratrans(ferência), o humor
transitivo-intransitivo” (Bion, 1977/1981, p. 136).
Temos muitos textos de autores brasileiros sobre Bion, da maior
importância, inclusive sobre a cesura. Vejamos este trecho, do psicanalista
Edival A. L. Perrini:
É possível escrever um texto sobre cesura. Mas o novo que emerge
de nossas trevas não habita nossos vícios. O desconhecido não
cabe dentro do útero para sempre: ou o conforto é rompido ou
segue nos induzindo à repetição. E repetir é muito agradável.
Podemos fazer arranjos que parecem novidades. Geralmente são
armadilhas. A novidade é absolutamente incontrolável. De
repente, estamos dentro do solavanco, do medo, do sobressalto.
Nesses momentos podemos estar perto da experiência emocional
da cesura. (2009, p. 71)
Nas cogitações de Bion, vê-se que trabalhar com a cesura é lidar
com o imprevisto, com movimentos paradoxais, bruscos e inesperados,
de estados da mente, o que vale para pacientes e para terapeutas. Poder
conter e conviver contratransferencialmente com sensações de
momentâneo vazio de significado é fundamental.
Seja em grupos, casais ou instituições, seja no trabalho
psicanalítico bi-pessoal, muitas vezes não sabemos o que fazer com as
questões existenciais de nossos pacientes, devido às dificuldades ancestrais
com que temos de lidar.
Os maiores psicanalistas brasileiros têm se debruçado sobre o
primitivismo na mente e nos grupos, valorizando muito o tema da cesura,
como Manoel Munhoz, David Epelbaum Zimerman e Odilon de Melo
Franco Filho, entre outros.
130
Franco Filho (1997) teve muita experiência em psicoterapia
analítica de grupo e era profundo conhecedor da obra bioniana. Ele
mostrou que Bion considerava a cesura um acontecimento existencial e
sua investigação inerente ao método psicanalítico.
Mentalidade grupal e cultura de grupo
Bion, observando várias situações grupais, ponderou que, quando
agrupados, participamos, sem saber, da criação de um fundo comum, do
qual emergem contribuições inconscientes. Tais contribuições anônimas
constituem uma mentalidade de grupo em que há unanimidade de pensamento
e de vontade, o que impede qualquer possibilidade de vida privada e de
satisfação individual, provocando certo conflito de interesses.
A mentalidade grupal postulada por Bion parece ser de natureza
onírica-mítica (Munhoz, 1989). Na observação bioniana, algumas
interpretações utilizadas nas primeiras experiências com grupos não
provocavam o esperado insight nem a consequente mudança, persistindo
alguns modelos primitivos de comportamento grupal. Daí partiu a
conceituação dos supostos ou pressupostos básicos, isto é, os elementos
que estariam subjacentes à cultura de um grupo, expressando o conflito
entre os desejos individuais e a mentalidade do grupo.
A comunicação que existe nos supostos básicos, tal como nos
mitos, é de caráter coletivo, e de autoria anônima. A oposição entre a
necessidade individual e a mentalidade de grupo é a chamada cultura de
grupo. A cultura grupal é decorrência da permanente interação entre o
sujeito e o grupo, isto é, entre o narcisismo e o altruísmo, ou coletivismo.
Níveis de funcionamento grupal
Entre as importantes contribuições de Bion destaca-se a
observação de que qualquer grupo se movimenta em dois planos ou dois
níveis de funcionamento: o primeiro, que ele denomina grupo de trabalho,
opera no plano consciente e é um nível de funcionamento grupal voltado
para a execução de tarefas, em que é fundamental a cooperação entre os
indivíduos (Fernandes, 2003). Esse nível de funcionamento dos grupos
tem características análogas às do Ego e pressupõe um contato com a
131
realidade, dentro do processo secundário e, dependendo da tolerância à
frustração, será mais criativo ou menos criativo.
Concomitantemente a esse nível consciente de funcionamento
grupal, existe, no plano inconsciente, outro nível de funcionamento
grupal, implicado com outro clima emocional, o nível de grupo de pressupostos
básicos, que fica em estado latente. Suas manifestações clínicas
correspondem a um primitivo atavismo de pulsões e de fantasias
inconscientes.
De acordo com as configurações observadas, Bion propôs três
tipos de pressupostos ou supostos básicos:
1) O suposto básico de dependência, em que existe a fantasia grupal do
modelo mãe-bebê – isto é, o modelo kleiniano e freudiano da relação do
bebê com o seio, e depois, com a figura da mãe – da busca de um
provedor, um líder carismático que assume o papel de atender às
necessidades existenciais básicas infantis.
Nesse plano, o terapeuta, ou outro elemento do grupo, é revestido
de poderes mágicos, onipotentes, que na fantasia grupal satisfarão todas
as suas necessidades e desejos. É claro que nem sempre esse líder consegue
assumir tão bem o papel que lhe é atribuído, ou não quer assumir, como
é o caso do terapeuta.
2) O suposto básico de luta e fuga, que é de natureza persecutória.
Nesse nível de funcionamento grupal ocorre basicamente a fantasia
onipotente de que existe um inimigo, e que é necessário atacá-lo ou fugir
dele.
Tal expressão remete ao fisiologista Walter Cannon, que
investigou a influência de perturbações emocionais sobre a liberação de
substâncias químicas hormonais, posteriormente reconhecidas como
adrenalina e noradrenalina, e seus efeitos na fisiologia corporal. Sua
conclusão é hoje conhecida como reação de luta ou fuga: quando as
circunstâncias são ameaçadoras, há estímulo da secreção de adrenalina pela
glândula suprarrenal, que, agindo nos tecidos periféricos, prepara o
organismo para uma ação vigorosa em estados de emergência (Cannon,
1914). Tais reações nos preparam para a defesa e a luta pela vida, ou para
correr e fugir do perigo, enfim, para nos ajudar a sobreviver a uma situação
perigosa.
132
Pela concepção bioniana, no suposto básico de luta ou fuga, que é
implicado com a escola kleiniana, o objeto é mau e ameaçador, e as
atividades defensivas devem atacar e destruir o objeto perseguidor ou
procurar evitá-lo. O grupo receia se constituir como tal, predominando a
destrutividade e o sentimento de ódio, e exige uma liderança com
características paranoides de personalidade, de natureza tirânica, com
experiência suficiente para enfrentar o suposto inimigo ameaçador.
3) O suposto básico de acasalamento, que se refere à formação de pares
no grupo, que poderiam, em fantasia, se acasalar e gerar um messias
salvador ou uma ideia salvadora. Nesse caso, o líder teria de possuir
algumas características místicas. Acontece, entretanto, que esse líder não
nasceu ainda, e isso é o que mais caracteriza esse pressuposto, a esperança
messiânica. Um nome até mais fortemente adequado à situação seria suposto
básico de esperança messiânica.
Enfatizando:
O grupo de trabalho NÃO é um tipo de grupo.
O grupo de suposto básico NÃO é um tipo de grupo.
Ambos são níveis de funcionamento grupal.
Quaisquer que sejam os pressupostos básicos, estes são sempre
inconscientes, e, embora isoladamente, estão sempre presentes. Na
verdade, nada mais são do que estados emocionais que visam à evasão da
realidade e da frustração, inerentes ao aprendizado pela experiência, que
envolve aceitar e conviver amistosamente com novas ideias.
Como já visto num capítulo introdutório (capítulo 2), uma das
dimensões do vínculo é a transubjetiva. O espaço psíquico transubjetivo
ou dimensão transubjetiva de cada um tem a ver com a cultura, as leis e o
mundo sociocultural em que cada sujeito estabelece relações com os
valores, as crenças, os mitos, as ideologias e a própria História. Em minha
maneira de ver, isso ocorre também nos pequenos grupos, em que cada
um apresenta um jeito especial de funcionar, diferenciando um grupo de
outro, assim como o mesmo grupo em diferentes épocas.
Pelo que se depreende, o líder de suposto básico é aquele que pode
expressar melhor os processos da transubjetividade do pequeno grupo.
Além disso, o líder do grupo de trabalho mantém contato com a realidade
externa, o que não é exigido do líder do grupo de suposto básico.
133
Há algumas diferenças importantes – mormente no que diz
respeito aos temas grupais e sobre liderança – entre Freud e Bion. Freud
dizia que o líder era aquele de quem o grupo dependia, devido à sua
personalidade forte. Na visão bioniana, o líder é criação da suposição
básica e de cada membro do grupo.
Assim, o líder, na suposição básica, não cria o grupo em virtude de
sua adesão fanática a uma ideia, mas, pelo contrário, é um indivíduo cuja
personalidade o torna particularmente suscetível à obstrução da
individualidade pelos requisitos de liderança do grupo de suposição básica.
A perda da distintividade individual, de que falava Freud, aplica-se ao líder
do grupo, mas também a qualquer outro. Vejamos em Experiências com
grupos:
(...) isto difere da ideia de Le Bon, segundo a qual o líder deve
possuir uma vontade forte e imponente, e da ideia de Freud
segundo a qual ele corresponde a um hipnotizador. O poder que
tem deriva-se do fato de haver-se tornado, em comum com todos
os outros membros do grupo, aquilo que Le Bon descreve como
um autômato que deixou de ser guiado por sua vontade. Em resumo, ele é
líder em virtude de sua capacidade de combinação instantânea e
involuntária com qualquer outro membro do grupo (...). (Bion,
1948/1975, p. 164-165)
A capacidade instintiva dos indivíduos se vincularem em torno de
um suposto básico, contra a ideia nova que causa frustração, foi
denominada valência por Bion.
Alternância de supostos ou pressupostos básicos
Os supostos básicos nunca coexistem, nem conflitam entre si, mas se
alternam (Fernandes, 2003). O que promove a mudança de um pressuposto
para outro é o temor da ideia nova, que não pode ser manipulada na
cultura do grupo de trabalho nem neutralizada na cultura de pressupostos.
Em caso de conflito do suposto básico com a ideia nova, o grupo
pode reagir mudando de suposto básico, sempre concomitantemente com
o grupo de trabalho. Tal coexistência do grupo de trabalho com o de
134
suposto básico costuma causar um constante conflito no grupo: uma
tendência progressiva, ao lado de uma regressiva.
É importante ressaltar que não existe um grupo sem conflito entre
o nível de grupo de trabalho e o nível mais primitivo, de suposto básico,
conflito essencial e transformador, pois, para Bion, não existe um
verdadeiro crescimento sem a convivência simultânea do aspecto evoluído
com o aspecto primitivo. Só assim ambos os níveis de funcionamento
grupal, o primitivo e o evoluído, entram em ressonância, com
desenvolvimento do grupo e do sujeito.
O nível de funcionamento grupal dos supostos básicos é produto
de fantasias grupais onipotentes e mágicas a respeito de como realizar os
desejos; são fantasias primitivas e universais, que correspondem às
primeiras “matrizes vinculares” (Fernandes, 1994, p. 44) provenientes de
internalizações bebê-seio. Conceito análogo, com o nome de matriz
interna grupal, será visto no capítulo específico sobre a Escola Portuguesa
de Grupanálise (capítulo 10).
Tentando esclarecer situação tão complexa, podemos dizer que as
pessoas se relacionam a partir de modelos de vínculos intersubjetivos: as
matrizes vinculares. O bebê introjeta as estruturas vinculares inicialmente
vindas do mundo externo, principalmente dos pais. Tais matrizes
vinculares, verdadeiros grupos internos, são conservadas como padrão, e
são configuradas como fantasias inconscientes, tal como visto no capítulo
sobre Melanie Klein (capítulo 6), passando a constituir nosso caráter.
Analogamente, um pouco dos homens primitivos, um tipo de
conhecimento advindo do pensamento grupal, é colocado no primeiro
ano de vida dentro de cada um, como conhecimento mítico.
Um sistema anterior aos supostos básicos
Bion postula a existência de um sistema protomental, que
corresponde à fonte de onde se originam os fenômenos, sistema em que
predomina a indiferenciação. Ele propõe que o campo a ser atingido pela
investigação do terapeuta seja o das etapas protomentais das suposições
básicas e a relação dos sujeitos com uma determinada suposição.
Visualizo o sistema protomental como um sistema em que o físico
e o psicológico ou mental são indiferenciados. Trata-se de uma
135
matriz de onde se originam os fenômenos que a princípio parecem
– num nível psicológico e à luz da investigação psicológica – ser
sentimentos distintos, apenas frouxamente associados uns com os
outros. É desta matriz que as emoções próprias à suposição básica
fluem para reforçar, infiltrar e, ocasionalmente, dominar a vida
mental do grupo. (Bion, 1948/1975, p. 91)
Lazslo A. Ávila mostra que as contribuições de Bion sobre
fenômenos protomentais, que ocorrem num plano transubjetivo mítico, nos
auxiliam a compreender de modo transcendente os limites do corpo de cada
um, já que para ele alguns processos vivenciados pelo indivíduo não nascem
dele mesmo, e o grupo é o dispositivo ideal para se investigar tais
ocorrências. “Para Bion existem estados emocionais anteriores às
suposições básicas, que constituem os fenômenos protomentais (...) nesse
nível de funcionamento ocorrerá uma indiscriminação entre os planos
somático e psíquico” (Ávila, 2006, p. 37).
O nível de grupo de supostos ou pressupostos básicos é também
um ingrediente inerente aos indivíduos e se manifesta também no corpo.
“A fase protomental no indivíduo é apenas uma parte do sistema
protomental, porque os fenômenos protomentais são uma função do
grupo e, dessa maneira, devem ser estudados no grupo” (Bion, 1948/1975,
p. 93).
No sistema protomental existem as matrizes de três possibilidades
de direcionamento: o grupo, a realidade externa e o corpo.
Quando as emoções podem se configurar em suposição básica é
ao grupo que elas se dirigem... Quando as emoções não se dirigem
ao grupo, podem ser traduzidas em identificações projetivas e em
acting-outs no ambiente. Nesse nível de funcionamento (...) o
indivíduo pode vir a tomar consciência delas, se reconhecer os
processos internos que lhes deram origem. Finalmente, as
emoções podem acometer o corpo do indivíduo, na forma de
sintomas psicossomáticos, que expressam os fenômenos
protomentais que não encontraram formas mais elaboradas para
se converter em fenômenos psicológicos, acessíveis à análise
psicológica. (Ávila, 2006, p. 38)
136
Bion, ao relacionar o nível dos pressupostos básicos com o do
grupo de trabalho, vai se referir aos enunciados kleinianos sobre fantasias
primárias, as primeiras relações objetais, as ansiedades psicóticas e os
mecanismos de defesa, sendo que as ansiedades infantis seriam reativadas
nas situações adultas.
A pertença a grupos promove regressão, mantendo a linguagem
simbólica, mas em nível de suposto básico, predomina a ação. Na verdade,
“os supostos básicos parecem ser dramatizações de tentativas de solução
de crises vitais por modos arcaicos” (Munhoz, 1988, p. 87).
A dinâmica grupal que permeia a cultura de grupo pode ser vista
como a transubjetividade do pequeno grupo – aspectos subjetivos,
míticos, que eclodem em diversas configurações (Fernandes, 2003).
A simbolização mítica é um cálculo psicológico expresso em
linguagem de imagens, metafórica. Os mitos falam de temas universais do
conhecimento humano. Sua produção é grupal e intuitiva, sendo assim de
grande interesse para quem trabalha com grupos. “O mito é o eterno
presente do sempre, na mente humana, uma rede de significantes, de
conhecimentos arquivados, da experiência ancestral” (Munhoz, 1988, p.
127).
O tema inesgotável de que tratam os mitos é o desejo e suas
transformações energéticas, já que o desejo é o fenômeno central da vida.
Assim, o sonho, realização disfarçada de desejos, é a construção de um
mito individual, visando ao crescimento e ao aperfeiçoamento, enquanto
os mitos buscam realizar desejos grupais.
Os mitos são essencialmente sintéticos; são dramas humanos
condensados. Entre os mitos individuais que se confundem com as
fantasias inconscientes da teoria kleiniana e os mitos da espécie,
propriamente ditos, há os mitos dos pequenos grupos, as suposições
básicas, as quais Bion considerava interpretáveis, no trabalho grupal.
Os mitos podem ser considerados como modelos para se conhecer
o funcionamento do aparelho psíquico e dos mecanismos inconscientes
presentes em nosso grupo interno, pois os valores míticos têm grande
carga emocional.
Cogitações sobre a clínica vincular e a experiência bioniana
137
A contribuição bioniana evidencia que a reunião de um grupo só
é necessária para que as características dele se revelem, mas não para a
produção do fenômeno grupal.
Nos trabalhos sobre suas experiências com grupos, Bion
demonstrou tanto seu interesse pela realidade externa quanto pela
subjetividade. Contrariamente a Freud, afirmou a existência de um
aumento de possibilidades na grupalidade, tanto que os grandes
descobrimentos e contribuições são grupais, e não produto de homens
isolados.
A importante função do terapeuta e do coordenador de grupos,
entre outras, é promover o nível de grupo de trabalho, a criatividade e a
convivência salutar com as ideias novas.
Embora úteis, as observações de Bion sobre os grupos de supostos
básicos não devem ser usadas como fórmulas que explicam tudo o que se
passa nos grupos, muito menos algo concreto que tenhamos de procurar,
o que seria, inclusive, contrário a toda a filosofia de vida e toda a
proposição de Bion sobre a psicanálise. O que importa são os dois níveis
de funcionamento grupal.
Na visão de Bion, as duas mentalidades grupais estão presentes ao
mesmo tempo e contrapostas, ou seja, “a mentalidade primitiva ou do
homem regredido e a mentalidade de grupo de trabalho ou do homem
evoluído não representam uma sequência. Ambas estão presentes tanto no
habitante das cavernas, quanto no homem moderno” (Fernandes, 2003, p.
117).
Os níveis conscientes e inconscientes de funcionamento grupal
existem sempre, ocorrem em qualquer grupo e não dependem de serem
identificados e percebidos por nós.
As configurações grupais denominadas supostos básicos não se
esgotam com as três hipóteses de Bion; “muitas outras hipóteses básicas
têm sido levantadas, como Grupo de Pátio de Colégio, por exemplo, onde
todos só querem brincar, movidos pelo princípio do prazer, ou Grupo de
Diversão e Orgia: cuja fantasia grupal é a de que os indivíduos se reúnem em
grupos para satisfazer as suas necessidades de amor e alegria” (Munhoz,
1988, p. 128).
138
Algumas configurações grupais são mais difíceis de se lidar, pois
não têm estruturas tão bem organizadas e identificáveis, já que seus
conteúdos são muito primitivos. Nesses casos, contratransferencialmente,
o coordenador de grupo pode ficar muito impactado, aturdido,
dificultando seu entendimento. Há que conviver e conter tais sentimentos
até que algo se vislumbre, que possa ser apontado, quando isso for
possível, o que muitas vezes não acontece.
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141
8 Teoria e técnica dos grupos operativos
segundo Enrique Pichon-Rivière Ismenia de Camargo e Oliveira
Teoria
Quem foi Enrique Pichon-Rivière? (1907- 1977)
Para compreendermos os conceitos teóricos de Pichon-Rivière
sobre grupos, nada melhor que conhecer sua trajetória de vida.
Ele nasceu em 1907, na Suíça, de pais franceses. Quando tinha
quatro anos, sua família mudou-se para a região do Chaco, na Argentina.
Na fazenda do seu pai trabalhavam índios guaranis, cuja religião era o
Xamanismo. O Xamã, denominado Pajé, é a pessoa que lida com as
conexões entre seres humanos vivos e mortos. A convivência desde a
infância com os guaranis deixou-o fascinado com os rituais de vida e de
morte e as histórias cheias de magia e ocultismo. Este encontro de duas
culturas tão diferentes, a positivista, proveniente de seus pais franceses, e
a guarani, com fortes características mágico-animistas, cheias de mistérios
e mortes, despertou nele a curiosidade pelas diferenças e pelo inusitado.
Isso o levou a interessar-se pela psicose, na tentativa de conciliar as
concepções guarani e positivista, buscando entender cientificamente a
loucura. Essas articulações entre diferentes campos complexos podem ser
encontradas em toda sua obra. Esta marca sempre foi característica das
preocupações de Pichon-Rivière com a Saúde Mental.
Ainda estudante da escola secundária, teve seus primeiros contatos
com a obra de Freud. Nessa mesma época, interessou-se pela política,
tendo participado da fundação do Partido Socialista da cidade de Goya.
Como estudante de medicina, aos 18 anos, mudou-se para Rosário
e obteve seu primeiro emprego como instrutor de hábitos seguros em
prostíbulos, batalhando sempre pela melhoria da saúde pública.
142
Estes três pilares: a psicanálise, a saúde pública e a preocupação
com o social são constantes em toda a vida e a obra de Pichon-Rivière.
Após formar-se em psiquiatria, começou a trabalhar no Asilo de
Torres, que cuidava de menores oligofrênicos. Oligofrenia é uma doença
que compromete o desenvolvimento intelectual e é caracterizada pelo
retardo e dificuldade do falar e do caminhar. Observador arguto, ele
começou a reparar nas diferenças significativas entre as crianças. Havia
algumas que não tinham o desenvolvimento físico comprometido como a
maioria das crianças ali internadas. Qual seria a causa dessa diferença?
Começou a desenvolver uma reflexão, muito nova para a época, sobre a
possível influência da família sobre a doença. Formulou uma hipótese
básica para sua teoria: essas crianças sofriam de retardo intelectual por carências
afetivas sofridas na tenra infância. No começo da vida dessas crianças havia,
segundo ele, um vazio vincular, uma ausência de contato afetivo cuja
consequência é uma perturbação quase irreversível na maturação e na
aprendizagem.
Esboça-se aqui o que mais tarde iria constituir-se na teoria da
introjeção, não apenas de objetos, como pregava a psicanálise, mas também
de relações objetais. Elaborou o conceito de mundo interno, que consiste em
um cenário de relações afetivas, no qual se tenta reconstruir a realidade
externa, cenário esse sempre modificado pelas fantasias.
Começou a questionar o princípio psicanalítico de pulsão,
substituindo-o pelo de necessidade. Pulsão, segundo Laplanche e Pontalis
(2001, p. 394), é um:
(...) processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga
energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para
um objeto. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa
excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo é suprimir o
estado de tensão que reina na fonte pulsional; é graças ao objeto
que a pulsão pode atingir sua meta.
Ao questionar o conceito de pulsão, Pichon-Rivière ressaltou uma
contradição: na fome, por exemplo, o estado de tensão é no interior, mas
a satisfação, ou alívio da tensão, só pode ser alcançada pelo exterior.
Quando a criança chora, mobiliza qualquer adulto para aplacar o choro.
Então, o estímulo vem de dentro do organismo (pulsão) e sua satisfação
143
remete ao outro que satisfaz sua necessidade. Para ele a necessidade nos
impulsiona a estabelecer vínculos. Ao mesmo tempo em que a criança
modifica o meio (quando chora), ela é modificada pelo meio que a satisfaz.
A relação afetiva, que a princípio é externa, se transforma em referente
interno. A criança vai internalizando experiências. É dessa forma que o
sujeito de necessidade passa a ser sujeito de representações. O intrapsíquico seria
apenas um dos aspectos do processo interpsíquico.
Essa dialética do sujeito/meio permite uma compreensão maior
do sujeito como pertencente ao meio social e não desvinculado dele.
Então, para Pichon-Rivière, a experiência teve lugar fundante e eficaz na
constituição da subjetividade. Com essas reflexões percebemos que ele
estava fazendo a passagem dos eventos intrapsíquicos para os
interpsíquicos, ou seja, da psicanálise para a psicologia social.
Na medida em que o sujeito é constituído da relação com o outro,
sendo, portanto, um sujeito de relação, já deslumbramos a importância do
grupo na constituição da subjetividade e como um instrumento
privilegiado para a compreensão e possibilidade de transformação do
mundo interno do indivíduo.
A indagação analítica desse mundo interno levou-me a ampliar o
conceito de relação de objeto, formulando a noção de vínculo que
defino como estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto,
e sua mútua relação com processos de comunicação e
aprendizagem (…) por isso insistimos que em toda estrutura
vincular (e com o termo estrutura já indicamos a interdependência
dos elementos) o sujeito e o objeto interatuam, realimentando-se
mutuamente. Essas relações intersubjetivas são dirigidas e se
estabelecem sobre a base de necessidades, fundamento
motivacional do vínculo. (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. X).
A ideia de vínculo é mais abrangente do que a de relação objetal.
Taragano, na introdução do livro Teoria do vínculo de Pichon-Rivière, diz:
“ele concebe o paciente e o terapeuta como se formassem uma unidade
dialética na qual atuam um sobre o outro.” (Pichon-Rivière, 1980/1991, p.
13). O vínculo não se dá apenas entre duas pessoas, mas também no
contexto grupal, que na prática dos grupos operativos, vai ser estudado
como transferência grupal.
144
Voltemos à biografia de Pichon-Rivière. Na condição de médico
psiquiatra, trabalhou no Hospício de Las Mercedes (hoje
Neuropsiquiátrico José Tomás Borda), como chefe do setor de internação
de adolescentes psicóticos. Nessa função começou a observar as famílias
que traziam seus filhos para serem internados. Às vezes ficava confuso
sobre quem era, de fato, o doente. Percebeu que os familiares depositavam
no doente todo o mal da família: “ele é a ovelha negra”, “só nos dá
desgosto”, “é o louco da família,” e assim por diante. Ao mesmo tempo
percebeu que as famílias também atribuíam vários papéis aos outros
membros: “esse é o bonzinho”, “a mãe é a megera”, “o pai é o tirano”, “a
irmã é a promessa da família” etc. Construiu a hipótese de que “no grupo
familiar doente, o paciente é emergente e adquire a qualidade de porta-voz
da enfermidade grupal” (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 41). Desenvolveu
a Teoria dos três D (depositante, depósito, depositário); a família seria
depositante de todo o mal insuportável (depósito) em algum membro
(depositário).
Pichon-Rivière inferiu “que o paciente é o membro
dinamicamente mais forte (e não o mais frágil), já que sua estrutura pessoal
lhe permite tornar-se o portador da enfermidade grupal” (Pichon-Rivière,
1980/1988, p. 42). Por ser o mais forte, consegue manter por um certo
tempo o equilíbrio emocional da família. Pichon-Rivière, sempre
preocupado com o papel da família como responsável pela deflagração da
doença de um dos seus membros, acreditava que o doente é o porta-voz
da doença familiar. Ele carrega a ansiedade e os aspectos insuportáveis
existentes naquela família, mantendo assim o seu equilíbrio. Só quando são
muito intensas e frequentes as depositações que a família lhe faz é que ele
adoece de fato, pois vira bode expiatório. E para se livrar dele a família
geralmente tende a segregá-lo mandando-o para alguma instituição de
saúde mental. Só que, como a doença é da família, o mal não é afastado e
novas depositações são dirigidas a outro membro. Portanto, Pichon-
Rivière foi revolucionário porque se propunha a tratar não somente o
paciente, mas toda a família, contrariando o pensamento psiquiátrico da
época.
Ainda como chefe do setor de internação desse Hospital, deparou-
se com uma greve de seus enfermeiros, por melhores salários. De uma
145
hora para outra, viu-se com dezenas de adolescentes psicóticos sem seus
cuidadores. O que fazer? Propôs que os adolescentes que estivessem
menos doentes cuidassem dos seus colegas mais comprometidos.
Começou a formar grupos para orientá-los na nova função. Para sua
surpresa, houve melhora de todos os internados. Levantou a hipótese de
que ao mudar de papel de “ser cuidado” para “cuidador”, de passivo para
ativo, o doente pode adquirir novas representações de si e dos outros, com
significativa regressão de seus sintomas. Sentindo-se úteis, os novos
“enfermeiros” adquirem uma nova identidade social e os demais pacientes,
por sua vez, desenvolvem esperanças de melhora. Pichon-Rivière
percebeu que com a formação dos grupos operativos (no sentido de fazê-
los atuar sobre o meio ambiente, modificando-o), os pacientes passaram a
trazer atitudes, crenças, opiniões e preconceitos particulares (ECRO) que
com o tempo foram sendo modificados em novas representações.
O que significa ECRO? O “E” designa esquema, sendo este
entendido “como conjunto articulado de conhecimentos” (Pichon-Rivière
1984, p. 5). Significa que os fatos, ideias e fenômenos se estruturam de
uma certa forma. O “C” refere-se a um esquema conceitual: “Entendemos
por esquema conceitual um sistema de idéias que alcança uma vasta
generalização (...). Trata-se de um conjunto de conhecimentos que
proporciona linhas de trabalho e investigação” (...). Por isso, disse Kurt
Lewin: nada é mais prático que uma boa teoria” (Pichon-Rivière, 1984, p.
5). O “R” designa um esquema referencial que é
(...) inevitavelmente próprio de uma cultura em um momento
histórico-social determinado (...) Todo esquema referencial é ao
mesmo tempo produção social e produção individual. Constrói-se
através dos vínculos humanos e faz, por sua vez, que nos
constituamos como subjetividades (...) e transformemos a
sociedade em que vivemos. (Adamson, 2000, p. 5)
O “O” significa operativo e tem a ver com a possibilidade de
mudar uma situação de forma criativa, atendendo às condições de saúde.
E saúde, para Pichon-Rivière, é adaptação ativa à realidade. Esse esquema
referencial nos permite perceber, distinguir, sentir, organizar e operar na
realidade. Através das nossas redes vinculares construímos um esquema
referencial que estabiliza em nós uma certa maneira de conceber o mundo.
146
Mas como o sujeito, para Pichon-Rivière, está em constante interação
dialética com o meio, há inevitável modificação do marco referencial
durante todo o nosso desenvolvimento. É importante dizer que o ECRO
também está presente na dimensão grupal.
Resumindo: “caracterizamos o ECRO como conjunto organizado
de noções e conceitos gerais, teóricos, referidos a um setor do real, a um
universo do discurso, que permite uma aproximação instrumental do
objeto particular concreto” (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 173).
Para encerrar, façamos nossas as palavras de Gladys Adamson
(2000, p. 2):
Pichon foi fundador da APA (Associação Psicanalítica
Argentina). Com o desenvolvimento de sua teoria e prática
com grupos operativos, possibilitou a psicanálise de
crianças, a compreensão da psicose, a investigação de
enfermidades psicossomáticas, a psicanálise de grupo, a
análise institucional e desenvolvimento do trabalho
comunitário. Enrique Pichon-Rivière foi muito mais do
que um profissional especializado. Sua atividade pioneira e
sua produção teórica-prática influenciou o pensamento
científico e cultural da Argentina.
A isso acrescentamos: também do Brasil.
Processo grupal
Então, o que seria grupo para Pichon-Rivière? “Um grupo restrito
de pessoas, ligadas entre si por constante de tempo e espaço e articuladas
por sua mútua representação interna, que se propõem de forma explícita
ou implícita uma tarefa que constitui sua realidade” (Pichon-Rivière,
1980/1988, p. 177).
Grupo restrito de pessoas: ele não especifica o número ideal de
participantes para se trabalhar em grupo, mas supomos que seja um
número pequeno de pessoas, para diferenciar de processos de massa, que
têm outra estrutura interna.
Ligadas entre si por constante de tempo e espaço: isto significa que as
pessoas precisam reunir-se em lugares específicos e com frequência.
147
Que se propõem de forma explícita ou implícita uma tarefa: tarefa explícita
é aquela consciente pela qual o grupo se reúne. A implícita é a superação,
pelo grupo, dos obstáculos inconscientes que impedem a realização da
tarefa explícita.
O que seria o processo grupal para Pichon-Rivière?
Seria um caminho que os vários integrantes percorrem para
realizar a tarefa explícita. Isto significa que precisam superar o isolamento
e o individualismo, questionando as certezas. Isto é, a heterogeneidade de
pensamentos, emoções e ações dos integrantes de um grupo pode fazer
com que as informações recebidas alterem ou relativizem as convicções,
crenças e verdades, pondo em cheque o narcisismo de cada um.
Pichon-Rivière, trabalhando em grupo com seus companheiros,
alunos e pacientes, percebeu que cada indivíduo traz ao grupo seu ECRO
próprio. Em qualquer grupo podem aparecer situações novas ou
inusitadas, que podem provocar o que ele chamou de resistência à mudança.
Esta, por sua vez, desencadeia as ansiedades básicas, que são de dois tipos:
medo do ataque e medo da perda. O primeiro decorre da insegurança no
enfrentamento de situações novas. O segundo, do receio de perder as
referências conhecidas. Para a elaboração das ansiedades básicas há
necessidade de um trabalho psíquico. As resistências favorecem a
repetição de estereótipos. Quando permitimos a entrada do novo, há
possibilidade de aprendizagem e, para Pichon-Rivière, de uma vida
saudável. Permanecer no estereótipo é permanecer na doença.
Ao construir a hipótese de ansiedades básicas ele apoiou-se nos
conceitos de Melanie Klein de posição esquizo-paranoide e posição
depressiva. Esquizo significa divisão e paranoia, perseguição. Segundo
Melanie Klein, ao nascer, o bebê é inundado por estímulos físicos (frio,
calor, inspiração de ar dentro dos pulmões etc.) que são experimentados
como estímulos internos agressivos, e que portanto precisam ser
colocados para fora. Assim, o exterior passa a ser hostil e a angústia é de
perseguição. A posição depressiva desencadeia a preocupação com o
outro. A angústia predominante é a da culpa, porque se tem consciência
de que o outro pode ser prejudicado. Essa posição é importante na medida
em que a pessoa, ao causar o mal ao outro, pode também se
148
responsabilizar pelas próprias ações e, portanto, mudar internamente.
Essas posições vão-se alternando durante toda nossa vida, e por isso ela
as chamou de posições e não de fases.
Quando a resistência à mudança é intensa no grupo, há o aumento
das ansiedades básicas. Esse momento do grupo foi chamado por Pichon-
Rivière de Pré-tarefa. É o momento dos conflitos, no qual forças atuam em
sentidos contrários. Os polos dos conflitos são excludentes: ou é isso ou
é aquilo.
Nesse sentido, no âmbito da técnica, Pichon-Rivière introduziu a
função do coordenador. Por estar numa distância ótima, o coordenador
terá maiores condições de perceber e explicitar o que motiva a resistência,
e assim ajudar o grupo a superar os conflitos. A aprendizagem não será
apenas no campo do conhecimento, mas também, no campo emocional-
afetivo do sujeito. O coordenador ajuda a elaborar as angústias básicas e a
desenvolver transformações vinculares, permitindo que o outro possa
servir de base identificatória e de solidariedade.
Para ele, todo e qualquer grupo tem uma tarefa explícita. Mesmo
quando consideramos um grupo de amigos que se reúnem, há sempre um
objetivo conhecido: beber, conversar, conhecer etc. Então, grupo é
encontro ou desencontro de subjetividades vinculadas por uma tarefa.
Esse encontro pressupõe uma comunicação e a possibilidade de
aprendizagem. A tarefa explícita é a finalidade do grupo. É consciente. E
de acordo com o objetivo, os grupos podem ser terapêuticos ou não. Nos
grupos terapêuticos, os integrantes dão permissão ao coordenador para
poder trabalhar as resistências, transferências, angústias, fantasias etc. Nos
grupos não terapêuticos pode também haver resultados terapêuticos, na
medida em que o sujeito, através das vivências em grupo, possa mudar seu
campo de representação, sua mobilização de estruturas estereotipadas e
ampliar papéis sociais.
Ele usa também o termo tarefa para designar a tarefa implícita do
grupo, cujo objetivo é a superação dos obstáculos. Seria a ruptura de
estereótipos, a desnaturalização do natural. Para ele seria aprender a pensar
criticamente. É o momento da elaboração das ansiedades que a tarefa
explícita suscita. Diminuindo as ansiedades, há a possibilidade do trabalho
em conjunto para se alcançar a finalidade proposta. A tarefa implícita do
149
grupo, como conceito, é o estruturante grupal. Não pretende apenas
revelar o oculto, mas principalmente promover a construção de novas
estruturas vinculares. Para isso, há a necessidade de trabalho psíquico.
Qual? De desconstrução ou renúncia ao conhecido. É trabalho psíquico
para se lidar com o diferente, para sair da repetição. É constante o
questionamento sobre as fantasias, os desejos, as representações, as
ideologias etc.
À fase posterior à superação dos obstáculos pelo grupo, Pichon-
Rivière chamou projeto. Quando os integrantes do grupo aprendem a
observar os polos contraditórios e a superar as dificuldades, eles tornam-
se capazes de organizar outros projetos com outros grupos, isto é, ações
para o futuro. Só através das transformações psíquicas e das mudanças de
representação do mundo vivenciadas pelo grupo é que novos projetos
poderão surgir.
Em resumo: geralmente os grupos percorrem as fases de pré-
tarefa, tarefa e projeto. Mas, segundo Pichon-Rivière, a pré-tarefa não
antecede necessariamente a tarefa. O grupo pode perfeitamente estar em
tarefa e de repente, quando a tensão aumenta, ele pode entrar em pré-
tarefa. As fases podem alternar-se na própria sessão ou em diferentes
encontros.
Técnica do grupo operativo
Cada integrante de um grupo traz consigo seu ECRO, que é um
conjunto de experiências, conhecimentos, afetos e papéis sociais que
influenciam o modo de pensar e agir dos indivíduos. Na medida em que o
grupo se desenvolve, vai havendo a construção de um ECRO grupal
sustentado por um denominador comum.
Papel, nas peças teatrais, significa desempenho de um personagem
na história. Na vida social significa forma de sentir, pensar e agir. Os papéis
permitem certa liberdade no desempenho do personagem e isto quer dizer
que diferentes atores podem interpretar o mesmo personagem de forma
diferente. O papel social de pai, por exemplo, pode ser vivido como
austero, amoroso, autoritário etc. Quanto mais estereotipados os papéis
sociais, para Pichon-Rivière, maior a rigidez na interpretação dos
personagens, causando doença. Os papéis sociais são inconscientemente
150
adotados e impostos. Mas podem ser desempenhados diferentemente em
várias situações.
Pichon-Rivière entende por grupo operativo um conjunto de
pessoas que se reúnem com uma tarefa explícita. Para a sua execução
utiliza-se técnica específica, que:
(...) sejam quais forem os propósitos no grupo (diagnóstico
institucional, aprendizagem, criação artística etc.) tem como
finalidade que seus integrantes aprendam a pensar em uma
coparticipação do objeto de conhecimento, entendendo-se que
pensamento e conhecimento não são fatos individuais, mas
produções sociais. (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 179)
Podemos classificar os grupos em operativos e não operativos,
entre outras possibilidades de classificação, como visto em capítulo
introdutório neste livro (capítulo 3). Os grupos operativos são aqueles cuja
finalidade é que seus membros possam atuar de modo criativo e ter uma
adaptação ativa à realidade. Apesar desse propósito, nem todos alcançam
essa operatividade. Por outro lado, grupos não operativos podem ter
resultados operativos, causando mudanças internas significativas em seus
integrantes.
Grupos que utilizam a técnica do grupo operativo compõem-se de
papéis fixos (que são apenas três: coordenador, observador e integrante) e
papéis móveis (porta-voz, bode expiatório, boicotador, sabotador e
outros). Vamos descrever cada um desses papéis.
Papel do coordenador
Quais são as atribuições do coordenador? Investigar, através de
fantasias e defesas, o implícito do grupo, o qual pode ser consciente ou
inconsciente. Trabalhar as contradições e obstáculos que aparecem no
contexto grupal. Atuar no momento da pré-tarefa, ajudando na elaboração
das ansiedades básicas. Quando o grupo está no momento tarefa não há
necessidade de intervenção do coordenador. Na pré-tarefa, ao contrário, ele
precisa interferir. Nesse caso, de quais recursos dispõe? Vamos citar os
principais: assinalamento, interpretação, construção e interrogação.
151
Assinalamento. É uma intervenção preponderantemente verbal. É
dirigido àquilo que é explícito. Tem a finalidade de chamar à atenção para
o que está ocorrendo no momento e que pode passar despercebido.
Geralmente é curto e pretende aumentar a percepção dos integrantes.
Exemplos:
Um convite à reflexão em momento de longo silêncio no
grupo: “Há muitos silêncios, o que se passa?”
Quando uma pessoa ou um grupo monopoliza a conversa:
“Os outros, o que pensam?”
Quando todos falam ao mesmo tempo: “Vocês estão se
entendendo? Por que ninguém pode ouvir ninguém?”
Mostrando a confusão: “Entenderam o que ele está dizendo?
Por que não perguntam?”
Assinalando que o grupo vai transformando um integrante
em bode expiatório: “a questão é só dele? Existem outros
pensamentos em relação a esse tema?”
Interpretação. É uma explicitação do implícito, buscando um
significado do que está acontecendo. Trabalhamos sempre com hipóteses,
nunca com verdades. Para que a interpretação seja possível, é necessário
mostrar sempre a defesa e a angústia. Exemplo:
“Estão em silêncio (defesa) porque talvez estejam com receio
(hipótese) das críticas (que provocam angústias)?”
Construção. Consiste em recordar o caminho percorrido durante
os encontros, o que pode ser feito de duas maneiras: em forma de síntese,
no encerramento do grupo, ou no final de cada encontro. Em ambos os
modos, a finalidade é apontar quais foram os conflitos, as soluções, quais
as relações entre os integrantes do grupo, as relações entre os vários papéis
desempenhados etc.
Interrogação. Consiste em pedir dados mais precisos e solicitar
esclarecimentos em geral. As hipóteses construídas pelo coordenador
podem ser esclarecidas para evitar generalizações e abstrações fáceis, que
tenham mais a ver com o mundo interno do indivíduo do que com o
processo do grupo.
Papel do Observador
152
Qual o objetivo do observador? Ajudar o coordenador nas
observações do que acontece no processo grupal. Não sendo coordenador
nem integrante, pode observar na contratransferência o que fica oculto ao
coordenador. Também fica com o material escrito a ser analisado após os
encontros.
O observador pode ser passivo ou ativo. É passivo quando não
interage com os integrantes. Nesse caso, qualquer pergunta dirigida a ele é
respondida pelo coordenador. Sua função é transcrever o mais fielmente
possível o que se passa no encontro. Isso faz dele alvo de fantasias
persecutórias, pois fica depositário daquilo que é ocultado do grupo. Por
outro lado, quando o observador é ativo, ele acrescenta as tarefas de
observador passivo às de assinalar, interpretar, construir, ler os emergentes
e observar a temática e a dinâmica do momento, da mesma forma que o
coordenador.
Para algumas correntes de pensamento grupal, o coordenador
representa a figura principal, o líder, e o observador seria apenas um
ajudante. Para Pichon-Rivière não era assim: considerava o observador tão
importante quanto o coordenador e, por isso, sempre falou em dupla
coordenação, ou co-coordenação.
Para que a dupla coordenador e observador possa funcionar bem
é necessário que ambos conversem livremente a respeito dos sentimentos,
dúvidas e angústias suscitados entre eles nas sessões. É recomendável que
possam fazer supervisão da dupla. E o que se espera de ambos em relação
ao processo grupal? Que observem os emergentes, formulem hipóteses e
reflitam sobre a construção do acontecer grupal, sobre os papéis
distribuídos e assumidos, e sobre as contradições, conflitos, transferências
etc.
Citaremos agora, dentre os papéis móveis, apenas os mais
frequentes.
Porta-voz: é o indivíduo que em determinado momento diz algo a
respeito da sua própria experiência e ao mesmo tempo, sem o saber, está
dizendo algo latente daquele grupo. Pichon-Rivière chamou de verticalidade
a manifestação de um integrante a respeito da sua própria história e de
horizontalidade tudo que se refere ao grupo. Logo, quando a verticalidade
de um membro se articula com a horizontalidade do grupo, ele pode
153
tornar-se um porta-voz daquele grupo, naquele momento. A tarefa do
coordenador é decodificar a fala do porta-voz, assinalando o aspecto
grupal. O porta-voz realmente não sabe que fala pelo grupo, até que essa
decodificação seja feita.
Um porta-voz pode ser transformado em bode expiatório ou líder
de mudança.
Bode expiatório
Quando o porta-voz denuncia algo que o grupo não tem
condições de suportar ou elaborar, há a rejeição da denúncia pelos
membros. O porta-voz torna-se, então, bode expiatório. Esse fenômeno
pode ocorrer em qualquer grupo, cuja reação é a mesma que a da família
que eventualmente expulsa seu membro doente. Quando há expulsão, o
mal-estar permanece entre os membros e eles começam a escolher
inconscientemente um substituto, com novas depositações.
A expulsão de um bode expiatório impede a compreensão do
ocorrido pelos integrantes e, consequentemente, não haverá
transformações nas representações psíquicas. Pode permanecer somente
um sentimento de culpa que não acarreta nenhuma mudança interna. Pode
ocorrer expulsão de um subgrupo e pode até haver a dissolução do próprio
grupo. É fundamental, portanto, que o coordenador perceba e intervenha
antes da expulsão, explicitando o que se passa, interpretando o movimento
grupal e distribuindo o mal estar a todos os integrantes.
Líder de mudança
Quando o grupo tolera a denúncia do porta-voz ao perceber que
o sujeito está falando de todos, e não só dele, esse participante vira líder
de mudança. Aquilo que estava oculto e trazia mal-estar pode ser revelado
e aceito, e consequentemente torna-se possível a mudança no
comportamento dentro do grupo e na representação psíquica dos
integrantes.
Em resumo, o que faz um integrante ser líder de mudança ou bode
expiatório é a tolerância do grupo à frustração. Se o que o porta-voz
denuncia é algo intolerável e não pode ser trabalhado, o grupo repudia e
154
não há transformação. Mas se o grupo aceita a denúncia e aguenta a
descoberta do incômodo, poderá haver a mudança interna.
Boicotador
Quando um integrante cria embaraços às atividades do grupo, ele
passa a desempenhar o papel de boicotador. Como exemplo, podemos
citar o integrante de um grupo (de terapia, de trabalho etc.) que fica o
tempo todo no celular, ou lendo jornal.
Sabotador
Quando há, da parte de um integrante, intenção ou ação de danificar,
dificultar ou impedir qualquer serviço ou atividade do grupo, ele se torna
sabotador. Por exemplo, quando os alunos se recusam a fazer uma prova,
ou a assistir a determinada aula. Ou quando um participante de um grupo
incita os demais integrantes a não aceitarem as sugestões do coordenador.
Qual seria então a diferença entre boicotador e sabotador?
O boicotador, pela sua omissão em colaborar ou participar, pode
prejudicar a tarefa do grupo. O sabotador, ao contrário, justamente pelas
suas ações, pode impedir a realização da tarefa do grupo. É a liderança da
resistência à mudança. Faz de tudo para que os objetivos do grupo não
sejam alcançados.
Considerações finais
Ao criticar alguns conceitos da psicanálise freudiana, como por
exemplo o conceito de pulsão, Pichon-Rivière construiu uma psicologia
social na qual o sujeito é um ser de necessidades somente satisfeitas nas
relações cotidianas. Para esta concepção de sujeito não há nada que não
seja resultante da interação entre Indivíduo, Grupo e Sociedade. Nesse
sentido, o grupo seria um instrumento privilegiado para a compreensão
do interjogo entre o sujeito singular e os fenômenos sociais em que o
indivíduo está inserido. A razão é que quando estamos em grupo nossos
ECRO se confrontam e nossas verdades podem ser relativizadas, fazendo
com que ampliemos nossa percepção do mundo interno e externo. É
através dos grupos operativos que o coordenador pode fazer uma análise
no “aqui” e “agora” dos fenômenos de adjudicação e assunção de papéis,
155
das formas de comunicação em relação às fantasias, dos vínculos entre os
integrantes e da capacidade do grupo em realizar a tarefa proposta.
Por estar sempre preocupado com o social e por ser crítico severo
dos acontecimentos sócio-políticos da sua época, Pichon-Riviére
acreditava que modificando as concepções dos sujeitos inseridos em um
grupo poder-se-ia modificar a sociedade. Portanto, é enorme a
importância que o processo grupal ocupa em suas concepções teóricas e
práticas.
Referências
Adamson, G. (2000). O ECRO de Pichon-Rivière. Acesso em 5 de maio
de 2020, de:
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2100.pd
f
Laplanche, J., & Pontalis, J. B. (2001). Dicionário da Psicanálise (4.ed.). São
Paulo: Martins Fontes.
Pichon-Rivière, E. (1984). Concepto de ECRO. Temas de Psicologia Social,
7(6), 5-10.
Pichon-Rivière, E. (1988). O Processo grupal (3.ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)
Pichon-Rivière, E. (1991). Teoria do vínculo (4.ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)
157
9 A grupanálise de Foulkes: fundamentos
teóricos e técnicos Alexandre Mantovani
Para realizar o exercício criativo da psicanálise de grupos é preciso
refletir e retomar suas bases de fundação. Atualmente, o movimento
grupanalítico tem sofrido diversas modificações, tanto no que diz respeito
à atuação e ao formato do trabalho com grupos – no mundo inteiro – bem
como em relação ao ensino e à transmissão dessa prática.
Pela experiência da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais
do Estado de São Paulo (SPAGESP), onde realizei atividades no ensino e
na formação de grupanalistas, observei muitas mudanças tanto em relação
ao público que busca a formação em grupo, quanto nas estratégias de
atuação com grupos. A montagem de grupos em consultórios particulares
já não tem a mesma frequência e facilidade como teve em outros tempos,
dando lugar a outras práticas mais curtas e menos exigentes em termos de
investimento temporal e financeiro, diferentemente do exigido em um
trabalho psicanalítico.
Dessa forma, o público que busca esta formação tem se
diversificado e não se restringe tanto aos profissionais de psicologia e
psiquiatria que exercem a grupanálise como prática psicoterápica. Há
necessidade de se pensar em novas formas de atuação em situações
institucionais, principalmente, que possibilitem reconhecimento dos
fenômenos grupais, bem como manejo da situação de grupo, mas com
novas configurações, tanto de espaço físico, frequência de sessões, seleção
e número de participantes. Com base nessas modificações e a necessidade
de se repensar a prática psicanalítica com grupos, considero fundamental
a proposta de retomar as bases foulkesianas que delinearam o início da
grupanálise.
158
Neste capítulo farei algumas considerações sobre a obra do criador
da grupanálise Siegmund Foulkes, definindo três pontos: a fundação da
grupanálise; as bases práticas e conceitos fundamentais; e os fenômenos
característicos dos grupos. Terei como base principal os textos de S.
Foulkes publicados em língua portuguesa que contém muitas
contribuições úteis e profícuas para o entendimento da grupanálise e da
psicanálise contemporânea.
Psicoterapia de grupo e grupanálise
Um primeiro ponto a ser explorado na obra de Foulkes (Foulkes,
1976; Foulkes & Anthony, 1967) são suas concepções a respeito da
psicoterapia, da psicanálise e da psicanálise de grupo. Diferenciar essas três
práticas têm uma importância para se reconhecer o que há de específico
entre elas. Tal como Foulkes comenta, há diversas bases teóricas para a
psicoterapia, seja individual ou de grupo, que se diferem na forma de
abordar o tratamento em saúde mental, tendo como foco a compreensão
acerca dos sintomas e seu tratamento.
Para uma compreensão geral do trabalho com grupos, Foulkes
(Foulkes, 1976; Foulkes & Anthony, 1967) descreve os seguintes
princípios gerais:
1. alívio através da expressão (catarse): o aspecto catártico é um aspecto
básico e fundamental da psicoterapia, seja psicanalítica ou de outra
vertente técnica. A catarse é a expressão afetiva vivenciada pelo
participante do grupo (paciente) marcada pela erupção de afetos
relativos à situação de conflito experimentada pelo paciente. Esta
vivência é fundamental no trabalho com grupos e proporcionada
pelo grupo, pois o encontro humano é mobilizador de emoções;
2. restabelecimento através da participação e aceitação: no grupo a pessoa
tem a oportunidade de reconhecer e aceitar seus sintomas bem
como se sentir reconhecida por um determinado meio social, ou
seja, promove os sentimentos de pertencimento e de acolhimento,
mesmo que haja uma perturbação emocional que dificulte a
adaptação social; e
159
3. desnudamento dos processos perturbadores: esse ponto caracteriza o
princípio investigativo e diagnóstico das práticas psicoterápicas, a
elucidação da doença e dos conflitos que acometem o paciente.
Esses três pontos caracterizam a proposta do trabalho com
grupos. Basicamente, enfatiza-se o grupo como uma situação que colabora
com a expressão emocional dos sintomas e com a possibilidade do
participante reconhecer a si próprio – e sua angústia – pela interação com
outras pessoas. A prática psicanalítica com grupos também se caracterizará
por esses princípios, com a especificidade de reconhecer os sintomas
como sendo conflitos de origem inconsciente.
Na psicanálise a situação terapêutica se estabelece entre duas
pessoas e visa a elucidação da formação do sintoma. É um trabalho de
longa duração e que visa sair da periferia do sintoma, aquilo que é expresso
como queixa, para uma exploração genética acerca das origens do sintoma
enquanto um conflito de base inconsciente. Esse processo se dá por meio
do método estabelecido por Freud, cujo fundamento é a análise da
transferência e a técnica da livre-associação de ideias.
A transferência, fenômeno central reconhecido pela psicanálise,
originalmente foi compreendida como uma reedição dos conflitos
inconscientes do paciente reproduzidos simbolicamente no analista
(Freud, 1910/1976). A análise consiste em elucidar esses conflitos e assim
investigar as imagos, figuras introjetadas que compõe a realidade psíquica
do paciente. A transferência atualiza as questões conflitivas do sujeito em
análise, portanto é o eixo do processo terapêutico. A interpretação da
transferência que possibilita a elucidação do conflito inconsciente. Em
relação à prática, a psicanálise tem como base a livre-associação de ideias.
O analisando é convidado a falar sobre tudo que lhe ocorrer durante a
sessão, da forma mais livre possível. O analista se abstém de fazer
julgamentos ou prestar orientações relaxando a censura que pode inibir a
expressão afetiva do analisando. Como diz Foulkes (1976), o sintoma
resiste a uma mudança, logo, o tratamento proporciona um tipo de
aprendizagem sobre si que visa entender que a causa da perturbação não
é o sintoma e sim algo mais profundo. Caso o analista não tenha uma
atitude convidativa à liberdade de expressão, a psicoterapia psicanalítica
160
não servirá para ultrapassar tais resistências à mudança, por isso é preciso
diminuir a censura para que haja livre-associação de ideias.
A proposta do trabalho psicanalítico com grupos, que Foulkes
chama de grupanálise, terá como base esses mesmos princípios da
psicanálise, com a especificidade da situação de grupo. Para se estabelecer
as bases teórica e técnica da grupanálise é preciso levar em conta a
transferência nos grupos e a regra da livre-associação de ideias:
Os fenômenos da enfermidade neurótica, estudados pela
psicanálise na situação terapêutica individual, devem, por certo,
surgir também na situação de grupo. Temos, portanto, que mostrar
como eles parecem no grupo e anotar semelhanças e diferenças
entre a operação da análise individual e a análise de grupo. (Foulkes
& Anthony, 1967, p. 69)
Sendo a proposta da grupanálise o reconhecimento e tratamento
dos sintomas mentais no grupo, a base técnica deverá seguir os mesmos
princípios de modo a realizar um trabalho análogo ao da psicanálise
individual. Porém, a situação de grupo apresenta diferenças importantes
em relação à situação individual (ou bipessoal):
A situação de grupo revive e traz à luz as forças profundas e
centrais subjacentes no conflito mental. Elas surgem na maneira
pela qual os membros de um grupo analítico se dirigem, por um
lado ao condutor, e, por outro aos seus companheiros de
tratamento, individualmente e como grupo. No entanto a situação
de transferência ocorre numa frente muito mais ampla. A relação
de transferência do paciente com o condutor ou qualquer outro
membro do grupo a nada conduz no mesmo alcance da psicanálise,
nem pode ser analisada verticalmente (como dizemos) no mesmo
grau. Pelo contrário, a transferência, na profundidade e em seu
caráter regressivo, localiza-se mais no passado, e o plano horizontal
e contemporâneo coloca-se à vista para operações de
relacionamento. (Foulkes & Anthony, 1967, p. 70)
A interpretação da transferência no grupo é mais complexa que na
psicanálise individual, por conta das diversas relações que se estabelecem.
Ela se apresenta na relação dos participantes com o analista (condutor) e
nas relações dos participantes entre si. Kaës (2011) faz uma crítica à
161
Foulkes afirmando que ele não teria se atentado para a transferência entre
os membros do grupo, mas somente à transferência entre grupo e analista.
Porém, pela citação podemos ver que essa crítica procede parcialmente,
porque Foulkes reconhece a transferência entre participantes. Todavia,
não explora de modo aprofundado esse fenômeno, tal como faz Kaës
(2002, 2011), aprofundando o estudo do vínculo entre participantes.
Foulkes enfatiza mais a configuração do grupo em relação ao coordenador
e ressalta que uma das marcas pare se reconhecer o desenvolvimento do
grupo é a dependência em relação ao condutor. Quando mais o grupo
interage sem necessitar da participação direta do analista, mais o grupo
está coeso e favorecendo processos comunicacionais15.
Sobre esse caráter horizontal do grupo, Foulkes se refere
justamente ao aspecto interativo entre participantes e analista. Na
psicanálise individual, há um aprofundamento na investigação da história
e das memórias do sujeito, a recuperação da gênese de seus conflitos. Esse
seria um eixo vertical da análise, que favorece aspectos regressivos e a
transferência direta com o analista. O grupo não promove tanto esse
aprofundamento vertical, segundo Foulkes, por se ater a aspectos
imediatamente manifestados, as reações e comunicações desempenhadas
no momento do grupo, ou seja, no encontro. Promove, entretanto, o eixo
horizontal, que apesar de não aprofundar em questões individuais, acentua
as relações. Não significa que na grupanálise não se atinjam os sintomas e
os conflitos do indivíduo; pelo contrário, o objetivo é o tratamento do
indivíduo em grupo. Mas, será diferente da psicanálise individual. O grupo
promoverá mais a adaptação do sujeito às relações, reconhecendo bases
inconscientes de seus conflitos, mas não irá explorar tanto as suas
memórias e a origem central deles. Ressalta-se a importância do trabalho
no aqui-agora da sessão. Autores posteriores, tal como Anzieu (1993),
também ressaltam essa característica da interpretação no grupo. Ela não
visa a história do indivíduo, mas o momento presente.
Da livre-associação de ideias Foulkes irá propor o conceito de livre
participação circulante. Com a censura rebaixada, sem apresentar pautas ou
assuntos pré-determinados, os participantes são convidados a interagir
livremente sem uma preocupação acerca da conexão entre as falas dos
15 Ver o Capítulo 16, Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas.
162
participantes. O analista terá a tarefa de traduzir e interpretar a
comunicação de modo a elucidar aspectos inconscientes presentes no
grupo. Por tradução entende-se a interpretação dos conteúdos
inconscientes, implícitos, manifestos pelos participantes. Foulkes enfatiza
a necessidade de se criar condições para a comunicação aberta entre os
participantes e investigar o que ele chama de “inconsciente social”
(Foulkes & Anthony, 1967, p. 76), as relações sociais que comumente não
são reveladas pelo paciente e que se apresentam no grupo pela relação
formada com o analista e entre os participantes em si.
Dessa forma, entende-se a grupanálise como uma proposta de
trabalho com grupos que visa o entendimento do conflito com base nos
pressupostos psicanalíticos sobre o inconsciente e a formação dos
sintomas. Essa investigação do inconsciente no grupo terá como eixo a
análise da transferência e a regra da livre participação circulante um conceito
novo proposto por Foulkes como base técnica para a psicoterapia de
grupo.
A montagem de grupos
A respeito da montagem de grupos, Foulkes define algumas
condições para a grupanálise. A situação psicoterapêutica baseada na
análise da transferência e do material inconsciente é chamada por ele de
situação T. Ela inclui alguns pressupostos para a organização dos grupos
em relação à escolha dos participantes e o objetivo do trabalho.
Para Foulkes (Foulkes & Anthony, 1967) há grupos para diversas
finalidades: grupos de atividades, grupos terapêuticos e grupos
psicoterapêuticos. Um grupo esportivo, por exemplo, tem a finalidade de
desenvolver atividades de educação física e promover a saúde dos
participantes. Não é um grupo que tem finalidade psicoterapêutica, e sim
terapêutica. Uma instituição religiosa ou de apoio social não tem a
finalidade terapêutica, mas pode exercer cuidados e até proporcionar
efeitos terapêuticos, secundariamente às suas proposições. Os
participantes podem sentir efeitos terapêuticos ao participarem dessas
atividades, mas não é a proposta inicial do grupo.
O grupo psicoterapêutico e, mais especificamente, o grupo
psicanalítico é aquele, cuja proposta é exercer a psicoterapia, ou seja, o
163
tratamento de sintomas emocionais. Para Foulkes, o que determina o tipo
de grupo é a atividade proposta, o objetivo do grupo. Nos grupos
psicoterapêuticos, “visa-se o tratamento dos indivíduos participantes do
grupo” (Foulkes & Anthony, p. 48).
Os grupos podem ser classificados em abertos, intermediários e
fechados. Essa classificação se refere à entrada e saída de participantes
durante o processo terapêutico. Os grupos abertos são aqueles em que
participantes podem ser inseridos ao longo do processo, de acordo com
os objetivos do grupo e as limitações quanto ao número de participantes.
Enquanto houver “vagas” no grupo, podem ser inseridos participantes.
Os grupos fechados são aqueles em que há pouca mobilidade de entrada
de participantes durante o processo. O número de participantes pode ficar
restrito durante longo período de tempo para se manterem condições de
investigação de aspectos psicopatológicos sem interferências causadas pela
entrada e saída de membros. Os grupos intermediários, ou parcialmente
abertos se constituem em um formato entre os dois anteriores. De modo
geral, a escolha pelo formato estará determinada pelo objetivo do grupo e
pela característica dos participantes. Para Foulkes, os grupos abertos, por
exemplo, podem servir a pacientes que já teriam passado por outros
processos psicoterápicos, o que não exigiria atenção intensiva e que já
suportariam melhor o trabalho terapêutico.16
Para a constituição do grupo, Foulkes recomenda que os
participantes sejam estranhos entre si, ou seja, não se deve reunir em um
grupo psicanalítico pessoas que já tenham contato prévio anterior ao
grupo. Isso para favorecer o ambiente seguro e sigiloso, evitando-se
relações sociais prévias que podem interferir na interação entre os
membros. O grupo remete à mítica formação do “círculo mágico”
(Foulkes & Anthony, 1967, p. 86), uma unidade em que forças centrípetas
e centrífugas disputam. A coesão do grupo depende da força de união dos
seus participantes. Em função disso, o analista é reconhecido e convidado
a ser um dos participantes, um componente do grupo. Cabe a ele assumir
uma atitude participativa, de “mente aberta” de forma a ser permeado pelo
grupo e receptivo aos processos comunicacionais dele. Portanto, é
16 Ver o Capítulo 3, Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal.
164
importante que tanto o analista quanto os participantes não tenham
vínculos prévios.
A respeito do número de participantes, os coordenadores e
analistas de grupo acabam por colocar o número de participantes de
acordo com a proposta, contexto do grupo e por fatores particulares
(Mantovani, 2008). Foulkes é dos poucos autores que tentou sistematizar
esse número, ele propõe o número mínimo seria três, quatro com o
coordenador, pois apenas duas pessoas fazem um pareamento, uma dupla
e dessa configuração pode-se surgir impasses. É preciso um terceiro para
evitar o empate. A partir de três participantes as possibilidades de
comunicação e interações se ampliam. A isso é chamado modelo tripartipe
(Foulkes & Anthony, 1967).
A comunicação é um tema nuclear na obra de Foulkes, tal como
comenta Fernandes (2003). Quanto mais o grupo fala por si, sem a ênfase
no analista, mais o grupo está coeso e agindo como um todo:
A comunicação é tudo que ocorre nesta situação particular do
grupo e que pode ser constatado, tudo aquilo que se envia e se
recebe como reação, consciente ou inconscientemente. Essa
comunicação envolve muitos níveis mentais ao mesmo tempo e
dispõe de significado em todos eles. Em qualquer momento dado,
o nível no qual a comunicação se encontra, principalmente em
atuação, dependerá do transmissor e do receptor. (Foulkes &
Anthony, 1967, p. 360)
Nesse sentido, no grupo analítico os conflitos inconscientes serão
expressos em processos comunicacionais em que participantes são
emissores e receptores entre si. Cabe ao analista traduzir esses processos
e elucidar esses níveis de comunicação, sempre em direção aos conteúdos
mais profundos.
Diz Foulkes (Foulkes & Anthony, 1967, p. 361):
Depois de atingir o nível da plena comunicação, nada mais resta
fazer com o problema específico envolvido, exceto solucioná-lo,
caso isto já não tenha ocorrido ao se atingir aquele nível. Todavia,
o distúrbio neurótico – para não dizer o psicótico liga-se
estritamente à comunicabilidade deficiente, sendo portanto
bloqueado.
165
Ou seja, é pela comunicação que se observa e compreende o
grupo. O bloqueio da comunicação elucida a rigidez dos sintomas
neuróticos ou até psicóticos no grupo. Quanto maior a mobilidade
comunicativa, menor a rigidez e o bloqueio causado por esses sintomas.
Comunicação e Matriz Grupal
A comunicação nos grupos é o eixo central da investigação de
Foulkes. A partir desse tema que ele elabora seu conceito fundamental de
Matriz:
A Matriz de grupo pode ser tomada como base operacional para
todos os processos mentais no grupo, da mesma maneira que a
mente do indivíduo representa a base operacional de todos os
processos mentais no indivíduo. Suas linhas de força podem ser
concebidas passando exatamente através dos membros individuais,
sendo possível, portanto, denominá-la de rede transpessoal,
comparável a um campo magnético. O indivíduo é encarado como
ponto nodal nesta rede, como se nela estivesse suspenso. (Foulkes
& Anthony, 1967, p. 360)
Essa interessante metáfora mostra a ênfase de Foulkes no
processo interativo do grupo. A compreensão acerca do indivíduo
dependerá da observação do posicionamento dele nessa rede,
metaforicamente representada como campo magnético. A comunicação
se dará no cruzamento dessas linhas, de acordo com as variações entre os
indivíduos.
De um modo geral, a teoria de comunicação de Foulkes parte do
pressuposto de que em um grupo, os vários participantes podem narrar a
realidade a partir de sua experiência individual, o que mostra diferentes
realidades. Ele usa um exemplo simples: muitas pessoas conhecem uma
cidade como Paris. A cidade existe independentemente das pessoas que a
visitam, todos que por lá passam sabem onde é Paris, seus pontos
turísticos etc., mas a experiência de estar em Paris e o que ela é será descrita
de modo diferente pelas pessoas. Existe uma realidade compartilhada,
comum, mas a realidade narrada refere-se à experiência individual que só
pode ser conhecida, em profundidade, quando a pessoa se comunica.
166
Dessa forma, o grupo proporciona a chance de os participantes
expressarem algo particular, reagir e experimentar reações entre seus pares.
Dessa interação pode resultar o entendimento dos conflitos inconscientes,
a base dos sintomas e da angústia. Tais sintomas irão se manifestar pela
forma e pelo padrão de interação no grupo. Os comportamentos
repetitivos, às vezes estereotipados revelam aspectos conflitivos dos
sujeitos e ficam marcados por sua participação nos grupos.
A linguagem do sintoma, embora já representando uma forma de
comunicação, é autística. Mantém-se em completo murmúrio
consigo própria, na esperança de ser transmitida por acaso; seu
significado equivalente transmitido em palavras é social. Este
processo de comunicação serve de instrumento para todos os
demais agentes terapêuticos. Impulsiona o processo terapêutico e
permite que as catexias e conflitos, as dificuldades e aglutinações
nos níveis mentais inferiores sejam superados. Assim, verifica-se
uma passagem do sintoma para o problema, do sonho para o
conflito subjacente ao sonho. Trata-se de uma direção na qual o
processo de comunicação opera no sentido da expressão da
linguagem comum. (Foulkes & Anthony, 1967, p. 361)
Passar do sintoma ao problema e depois ao sonho é uma evolução
da comunicação que possibilita chegar à expressão de algo muito particular
e subjetivo, o sonho, de forma a ser compartilhado com o grupo em uma
linguagem comum. Do sintoma chega-se aos aspectos mais profundos,
implícitos dentro dessa rede comunicacional. É a proposta do trabalho
psicanalítico. Partir do sintoma conversivo, histérico, por exemplo, para a
análise dos conteúdos mais profundos revelando os significados do
conflito inconsciente que sustenta o sintoma.
Fenômenos e efeitos do grupo
Os grupos apresentam diversos fenômenos decorrentes da
interação entre os participantes e efeitos que são norteadores para o
entendimento da situação de grupo, ou para a situação T (Foulkes &
Anthony, 1967). A seguir, serão apresentados alguns desses fenômenos e
efeitos úteis para a compreensão da dinâmica grupanalítica.
167
Um primeiro fenômeno do grupo é o espelhamento: o grupo
funciona como um espelho para o indivíduo. Pode refletir tanto aspectos
reconhecidos em si mesmo, como pode confrontar a imagem social,
psicológica e corporal e assim expandir os limites de sua auto consciência.
Decorrente disso surge um efeito de socialização que favorece a diminuição
de sentimentos de exclusão e rejeição social, pois promove aceitação das
diferenças entre os participantes. Assim, colabora com a diminuição do
preconceito.
À medida que a interação se desenvolve livremente, o grupo
promove a ativação de conteúdos inconscientes acumulados tal como em
um “inconsciente coletivo” (Foulkes & Anthony, 1967, p. 209). Assim, ele
funciona como um condensador que agrupa os conteúdos psíquicos e o
investimento da energia psíquica circulante no grupo. Somam-se as
colaborações individuais do ponto de vista psíquico. Nos momentos de
tensão, por exemplo, pode surgir uma erupção dessa energia, na forma de
conteúdo afetivo ou atos catárticos que podem ser sentidos de forma
ameaçadora pelos participantes. Assim, surge um efeito de cadeia. Os
participantes tendem a vivenciar seus temores individuais despertados por
alguma ativação do grupo, por exemplo, a fala de um determinado
participante. Cabe ao analista explorar ou até amenizar esse efeito que
pode ser um acúmulo de energia. Esse tipo de efeito cadeia é percebido,
por exemplo, quando um participante faz uma comunicação e os outros
dão sequência a ela sem acrescentar um tema novo. Há uma uniformização
na interação, um efeito protetivo contra a manifestação de algum afeto ou
ideia perturbadora.
Outro efeito interessante é o de ressonância, termo utilizado na física
para comparar o efeito acústico da interação de ondas. No grupo, a
ressonância ocorre quando um indivíduo é afetado pela comunicação, ou
por alguma atividade do grupo. Cada indivíduo ressoa a partir de seus
aspectos particulares; por exemplo, uma pessoa pode reagir de acordo com
uma fase psicossexual fixada. É uma reação sintomática da qual o analista
pode utilizar para interpretar o participante, destacando aspectos
inconscientes particulares, e serve para interpretar o grupo que promove
esse tipo de efeito em determinado participante. Aí entra o trabalho de
tradução do analista, anteriormente explicado, que deverá entender o
168
fenômeno grupal pela elucidação de aspectos inconscientes. Será por
efeitos de ressonância, bem como pela possibilidade de tradução do analista
que o grupo se torna uma fonte de apoio, no sentido que Foulkes aplica ao
termo (Foulkes & Anthony, 1967). O apoio nos grupos é mais do que o
suporte emocional pela receptividade dos conteúdos conflitivos. O grupo,
enquanto espaço livre, possibilita a abertura para a descoberta dos
conflitos inconscientes e isso gera um apoio necessário para se atribuir
novos significados à experiência do sujeito. O apoio oferecido pelo grupo
é o da “luta fundamental consigo próprio a fim de enfrentar o significado
real de seu conflito neurótico” (Foulkes & Anthony, 1967, p. 213).
Além desses fenômenos e efeitos listados, há três outros que
considero úteis para o entendimento no grupo, pois referem-se a efeitos
manifestados pelos participantes como o desempenho de um papel no
grupo. Como primeiro deles, cito o fenômeno do bode expiatório que ocorre
quando um participante se torna alvo projetivo de ataques do grupo. O
propósito inconsciente é expiar sentimentos que não podem ser
abertamente manifestados, ao lado disso, há culpa por parte daquele que
assume esse lugar de recepção das projeções do grupo. É um jogo de
interações entre participantes, no qual uma pessoa fica destacada como
algo do grupo. Cabe ao analista investigar tanto a posição daqueles que
projetam quanto daquele que recebe os investimentos psíquicos.
Fenômeno parecido é o do estrangeiro em que um componente é
ressaltado pela sua diferença. Não é o mesmo que o bode expiatório, pois
o estrangeiro não recebe investimentos punitivos. O que acontece é o
destaque das diferenças, acentuando-se as dificuldades narcísicas dos
participantes aceitarem aspectos de si projetados uns nos outros. A
tolerância à diferença será um desafio para o grupo e também para aquele
que assume esse lugar, pois sustentar essas diferenças de forma rígida pode
indicar, justamente, uma dificuldade em se aplicar novos olhares para si e
para os outros.
Por último, cito o historiador, fenômeno que ocorre quando um
membro do grupo se “encarrega” inconscientemente de destacar e guardar
as lembranças, os eventos, as datas que marcaram o grupo. Acompanha
resistências às mudanças, sobretudo quando há algo novo no grupo como
um participante recém-ingresso. O historiador é usado para modular as
169
mobilidades emocionais e evitar que a novidade cause impactos no grupo.
É o medo neurótico do futuro, o apego à nostalgia de um passado de ouro
(Foulkes & Anthony, 1967).
Esses foram alguns fenômenos retratados por Foulkes como
sendo próprios dos grupos e que aparecem nos grupos psicanalíticos. Vale
notar como eles circulam o tema do preconceito e da assimilação à
novidade e às mudanças. Isso fica bem exemplificado nos fenômenos do
bode expiatório e do historiador, papéis assumidos por participantes do grupo.
Deixa clara a característica do grupo psicanalítico ser uma via de
investigação das formações inconscientes, tal como as projeções e como
os conflitos podem ser verificados pela rigidez que o grupo assume em
relação à possíveis mudanças. O analista de grupo atua, justamente, na
elucidação desses fenômenos, cuja compreensão revela aspectos
inconscientes mobilizados e explicitados pelo grupo.
Exemplo clínico
A título de esclarecer os conceitos tanto teóricos quanto técnicos
e ilustrá-los clinicamente, apresentarei um recorte de um atendimento de
grupo, cujo contexto está elucidado em Mantovani e Mantovani (2008). O
relato é referente a um encontro de grupo, com seis participantes, usuários
de uma Organização Não Governamental (ONG), cuja missão é oferecer
auxílio a pessoas que passam por tratamento de saúde e a seus familiares.
Este trabalho não consistiu em uma psicoterapia psicanalítica, mas sim em
apoio psicológico que, entretanto, permite investigar a comunicação nos
grupos.
Tal grupo tinha frequência semanal, era fechado, limitado aos
pacientes e familiares que se hospedavam na ONG, mas era aberto em
relação à entrada e saída de participantes, pois o número de pessoas
assistidas pela instituição era muito variável. Portanto, a configuração do
grupo se mantinha constante por longos períodos. Participavam os
pacientes e seus familiares, independentemente da idade, do sexo, e da
relação de parentesco; logo havia mães e filhos, cônjuges, irmãos etc. Era
coordenado por dois psicólogos.
Para esse relato foi selecionado o seguinte trecho:
170
Estávamos reunidos e Dona D. comenta sobre a dificuldade do
tratamento da filha:
– Vou te falar, tem horas que é difícil... Só por Deus, mesmo...
J., outro participante, intervém logo em seguida e diz:
– Mas a Senhora não pode desistir... Ela precisa de você.
É um trecho curto, com apenas duas falas, mas o suficiente para
se fazerem análises. Em primeiro lugar, uso a primeira pessoa do plural
para referir ao grupo. O “nós” indica algo que Foulkes ressalta; o
coordenador ou coordenadores, no caso, são participantes do grupo.
Sentam-se no “círculo mágico” olham e são olhados, sem a distância e a
assimetria do divã psicanalítico. Portanto, os coordenadores estão dentro
da circulação do grupo, todavia, se abstêm de propor assuntos e de fazer
julgamentos, tal como se preconiza na técnica grupanalítica. As
movimentações do grupo partem dos participantes e a comunicação é um
ato de manifestação deles. Comunicar, além de uma troca de mensagens,
é um ato de interação.
A primeira fala de Dona D. consiste justamente nisso. É a fala de
abertura do grupo, o mote emocional que abre a interação. O conteúdo da
fala é de uma lamentação, a expressão de suas dificuldades. É uma fala
recorrente da participante, a expressão “só por Deus” costumava ser usada
em cada encontro. Como diz Foulkes, a comunicação revela estereotipias,
conteúdos repetitivos e recorrentes que expressam os conflitos do sujeito.
Todavia, no grupo cabe investigar como a fala de um participante
repercute coletivamente. O que vemos quando J. intervém e diz: “A
Senhora não pode desistir”, é uma reação à fala inicial que estabelece uma
ordem. Em uma primeira leitura, poderia até ser entendida essa frase como
um incentivo a se perseverar no tratamento. Porém, na sequência, J. ainda
emenda dizendo: “ela precisa de você”, o que revela um sentido oposto à
fala de Dona D. Quando esta diz que “é só por Deus”, ressalta as
dificuldades do tratamento e a sua sensação de impotência, talvez cansaço.
Isso é tomado no grupo como uma frase a ser “abafada”, é preciso
enfatizar a necessidade do cuidado, da dependência da filha de Dona D. e
a atitude de esmorecimento não era bem vinda.
Essa oposição não se instala por uma relação hostil entre os
participantes. Pelo contrário, assume a função de apoio. Mas a
171
comunicação revela os aspectos inconscientes do grupo. Nesse caso
específico, há uma interdição em expressar-se as dores, o cansaço e as
dificuldades de se estar em um tratamento, sobretudo da parte dos
familiares, já que ambos, Dona D. e J., eram acompanhantes de pacientes.
O inconsciente grupal será revelado pelas nuances, pelos confrontos, pelas
colocações que filtram, balizam ou intermediam as relações. Isso se dá pelo
processo comunicativo. Nesse exemplo, é pela comunicação verbal, mas
no grupo toda a gama de gestos, ações, expressões verbais e não-verbais
entram no processo.
Nesse grupo havia uma tentativa de não ressaltar os aspectos
frágeis dos participantes em relação à doença, às expectativas em relação
ao tratamento e havia a ordem de se manterem firmes e resignados. Era
uma ordem grupal, estabelecida inconscientemente e manifestada diante
de alguma colocação que lhe opusesse. A tarefa do coordenador, ou do
analista, é traduzir isso e expressar aquilo que não é explicitado por essas
ordens implícitas que afetam, diretamente, a expressão de emoções e a
exploração de fantasias que podem ser sentidas como ameaçadoras ao
grupo.
A matriz grupal é essa fonte do qual surge uma colocação de
interdição à fala de determinado participante, por isso é caracterizada por
Foulkes como uma rede transpessoal (Foulkes & Anthony, 1967). Ela
afeta os participantes e modula os seus estados emocionais e a
possibilidade de expressão de seus conflitos, de forma mais ou menos
direta de acordo com os determinantes inconscientes da comunicação. Ou
seja, o grupo é composto por indivíduos, mas extrapola a livre vontade e
a consciência dos mesmos. Ele tem funcionamento e regras próprias.
Considerações finais
Neste capítulo fiz algumas apreciações acerca das ideias de
Foulkes, seus pressupostos e bases teóricas e técnicas, bem como da
importância que reconheço ter sua obra na grupanálise. Vale notar como
o autor aborda o tema do preconceito e da assimilação à novidade e às
mudanças. Também deixa claro como o grupo psicanalítico é uma via de
investigação das formações inconscientes, dos sintomas e conflitos como
uma linguagem cifrada que pode ser esclarecida pelos processos de
172
comunicação. Como diz Ávila (2016, p. 42), pensar sobre os grupos é estar
sintonizado com a psicanálise, uma forma “radical do pensar
psicanalítico”. Foulkes foi um dos pilares desse empreendimento.17
Ao comentar a apreciação estética, a interpretação da obra de arte,
Eco (1968) afirma que toda obra é fechada em si mesma, no sentido de
ser composta e fechada por seu autor, que a cria e define. “Porém, ela
também é aberta, no sentido de possibilitar diversas interpretações de
quem a usufrui, criando uma ‘relação fruitiva com seus receptores’” (Eco,
1968, p. 29). Comentar os escritos teóricos e técnicos de um autor não é
o mesmo que fazer uma apreciação estética, todavia, considero o estudo
de um autor como a leitura de uma obra aberta: seu conteúdo sempre pode
suscitar novas interpretações, especialmente para se pensar em novas
aplicações de seus conceitos.
Considero mais importante neste estudo, manter circulantes – e
livres – as ideias de Foulkes e pensar suas aplicações no contexto atual, de
modo a explorar o trabalho psicanalítico com grupos e as conexões que
podem ser feitas com a psicanálise nesse momento em que o estudo
vincular se torna mais focalizado e valorizado. É um exercício e uma
homenagem a um autor tão importante para o trabalho com grupos.
Referências
Anzieu, D. (1993) O grupo e o inconsciente: O imaginário grupal. São Paulo: Casa
do Psicólogo.
Ávila, L. A. (2016). Grupos: Uma perspectiva psicanalítica. São Paulo:
Zagodoni.
Eco, U. (1968). A obra aberta. Rio de Janeiro: Perspectiva.
Fernandes, W. J. (2003). A psicoterapia grupo-analítica de Foulkes e a
grupanálise de Cortesão. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.
Fernandes (Orgs), Grupos e configurações vinculares (pp. 145-149). Porto
Alegre: Artmed.
Foulkes, S. H. (1976). Psicoterapia e psicoterapia de grupo. Em: A. Kadis,
J. D. Krasner, C. Winick, & S. H. Foulkes (Orgs.), Psicoterapia de grupo
(pp. 11-21). São Paulo: IBRASA.
17 Ver o Capítulo 10, Grupanálise e psicoterapia analítica de grupo: contribuições da Escola Portuguesa.
173
Foulkes, S. H., & Anthony, E. J. (1967). Psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro:
BUP.
Freud, S. (1910). Cinco lições de psicanálise. Em: Edição Standard das Obras
Completas de S. Freud (pp. 3-51). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho
original publicado em 1976)
Kaës, R. (2002). O grupo e o sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Kaës, R. (2011). Um singular plural: A psicanálise à prova do grupo. São Paulo:
Loyola.
Mantovani, A. (2008). Grupos de apoio amplo: Ancoragem e apoio
psicológico nos grupos terapêuticos. Revista da SPAGESP, 9(2), 29-
38.
Mantovani, C., & Mantovani, A. (2008). Psico-oncologia e grupos:
Trabalhando vínculos em uma casa de apoio a pacientes com câncer.
Revista da SPAGESP, 9(1), 12-20.
175
10 Grupanálise e psicoterapia analítica de
grupo: contribuições da Escola Portuguesa Isaura Manso Neto e César Vieira Dinis
A grupanálise foi introduzida em Portugal por Eduardo Luís
Cortesão (1919-1991). Cortesão era psiquiatra, psicanalista, grupanalista e
professor catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade Nova de Lisboa, tendo a sua tese de Doutoramento sido sobre
Grupanálise – teoria e técnica, publicada numa 1ª edição em1989 e numa 2ª
edição em 2008.
Cortesão sofreu influências várias; entre 1950-1954 frequentou os
Seminários teóricos e clínicos da Asssociação Psicanalítica Argentina e do
Instituto Pichon-Rivière em Buenos-Aires. Posteriormente trabalhou em
Londres no Maudsley Hospital (Institute of Psychiatry, London University).
Fez, depois, o seu treino pessoal em grupanálise com S. H. Foulkes, tendo
sido um dos primeiros membros da Group Analytic Society – London.
Foulkes (1898-1976), por seu lado, sofreu também influência do americano
Trigant Burrow (1875-1950), que foi quem primeiro falou no termo Group
analysis (Pertegato & Pertegato, 2000).
É com S. Foulkes que a grupanálise – Group Analysis/Group-Analysis –
se transforma num método terapêutico e de investigação ligado aos
pequenos grupos, chamando-se-lhe também psicoterapia
grupanalítica/psicoterapia analítica de grupo. Foulkes começou a trabalhar com
grupos, no Hospital Militar de Northfield, nos anos 40, durante a Segunda
Guerra Mundial, tendo progressivamente alargado a concetualização de
grupanálise, sempre com enfoque de base psicanalítica. A grupanálise de
Foulkes incorporou a teoria clássica freudiana e contribuições da Gestalt e da
sociologia, aplicadas à situação de pequenos grupos, que culminaram com a
176
fundação da Sociedade de Grupanálise de Londres (GAS – London) na
década de 50 do séc. XX.
Cortesão introduziu o Movimento Grupanalítico em Portugal em
1956, através da constituição da Secção de Grupanálise da Sociedade
Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria. Desde o início, introduziu uma forte
conceptualização psicanalítica na grupanálise, mais explicitamente que
Foulkes. O próprio termo grupanálise foi uma forma que Cortesão usou
para equiparar a grupanálise à psicanálise, com métodos equivalentes de
terapêutica e investigação do funcionamento mental. Cortesão fez também
a sua formação psicanalítica em Londres, tendo-se tornado full member da
British Psychoanalytic Society em 1975 e, portanto, da International
Psychoanalytic Association (IPA); na sequência da carreira como psicanalista
passou a membro titular, supervisor e didata da Sociedade Portuguesa de
Psicanálise.
Dotado de grande inteligência e tendo uma personalidade
carismática e resiliente, lutou pela definição dos conceitos grupanalíticos
(matriz, padrão, processo grupanalítico, níveis de experiência, de
comunicação e de interpretação, transferência, neurose de transferência,
transferência hostil e contratransferência, perlaboração/working-through,
investigação e terapêutica de perturbações mentais e psicosssomáticas
agudas e crónicas com forte influência psicanalítica – Acção Terapêutica
Diferenciada).
Mas, aberto e atento aos novos aportes da psicanálise, tentou sempre
a sua integração, constituindo-se como modelo de investigador com uma
enorme preocupação de rigor e actualização. Assim, o movimento
grupanalítico continuou a desenvolver-se com a colaboração dos discípulos
que com ele aprendiam e trabalhavam ombro a ombro, tentando integrar
criticamente os aportes nacionais e internacionais, lançando as sementes
para o que hoje designamos por Escola Portuguesa de Grupanálise.
Sintetizando cronologicamente o movimento grupanalítico em
Portugal:
1956 – Secção de Grupanálise da Sociedade Portuguesa de
Neurologia e Psiquiatria.
1963 – 1º curso teórico de formação em grupanálise.
177
1981 – fundação/registo da Sociedade Portuguesa de Grupanálise
(SPG).
2012 – SPG e Psicoterapia Analítica de Grupo – SPGPAG.
2017 – Acreditação pela Ordem dos Psicólogos Portugueses
(OPP) e pela Direcção Geral do Emprego e das Relações de
Trabalho (DGERT).
Hoje em dia – 2019/2020 – os grupanalistas portugueses têm
desenvolvido os vários aspectos da grupanálise em continuidade com
Cortesão, mas procurando sempre integrar os novos aportes da psicanálise
e de outros grupanalistas/terapeutas de grupo de correntes teóricas e
culturas diferentes, estando atentos à evolução da ciência, mesmo noutras
áreas.
Na Escola Inglesa não há diferença entre Therapeutic Group
Analysis, Group-Analysis usado em 1964 (Foulkes, 1964a) e Group Analytic
Psychotherapy ou Group Psychotherapy, usado em 1948 (Foulkes,
1948/2005; Foulkes & Anthony, 1957/2003). Todos estes termos foram
usados quase indistintamente por Foulkes, como consequência, na nossa
opinião, da dificuldade de Foulkes18 em assumir a psicoterapia analítica de
grupo como um setting onde se poderá fazer um trabalho semelhante ao que
se pretende fazer em psicanálise.
Na Escola Portuguesa de Grupanálise, a principal diferença entre
grupanálise e psicoterapia analítica de grupo reside, em síntese, na
profundidade de análise de cada membro do grupo, o que implica que o
processo decorra com maior frequência na grupanálise, considerando a
nossa escola um mínimo de duas sessões semanais. A grupanálise é
equiparada à psicanálise nos objectivos, embora com diferenças decorrentes
dos settings individual e de grupo. Em grupanálise não trabalhamos em
coterapia. Em psicoterapia analítica de grupo, sobretudo quando decorre nas
instituições (Neto & Dinis, 2004), as coterapias têm uma função dupla: de
terapêutica e de formação (Neto, 2010; Neto et al., 2010a, 2010b).
A Sociedade Portuguesa de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo
(SPGPAG) é uma sociedade científica sem fins lucrativos, que se dedica ao
18 Ver o Capítulo 9, A grupanálise de Foulkes: fundamentos teóricos e técnicos.
178
estudo e ao desenvolvimento da grupanálise e da psicoterapia analítica de
grupo com objectivos essencialmente clínicos, terapêuticos, mas também
aplicada ao ensino e ao estudo dos processos grupais.
Os seus membros, maioritariamente médicos psiquiatras e
psicólogos clínicos, fazem a sua formação em 3 níveis:
1. formação pessoal em grupanálise duas ou três vezes por semana,
em pequenos grupos, com um máximo de 8 elementos, precedida de
um tempo variável de psicoterapia dual;
2. curso de formação teórica de quatro anos; e
3. supervisão do trabalho clínico nos primeiros quatro anos de
formação.
A SPGPAG tem um site www.grupanalise.pt. Publica revistas em
papel e on-line. Desenvolve uma formação pós-graduada constituída por um
seminário mensal Seminário Eduardo Luís Cortesão; organiza um congresso
nacional anual e um bienal Luso-Brasileiro. Tem relações privilegiadas e
parcerias com Sociedades nacionais: Ordem dos Psicólogos Portugueses,
Federação Portuguesa de Psicoterapias, Centro Hospitalar de Lisboa
Ocidental, Centro Hospitalar de Lisboa Norte. E com internacionais:
European Group Analytic Training Institutions, European Federation for
Psychoanalytic Psychotherapy, Group Analytic Society International,
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações
Vinculares, Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São
Paulo, tendo coorganizado vários congressos internacionais. De sublinhar
que o 1º Congresso da Group Analytic Society-London foi no Estoril em
1970, tal como o 16º, em Lisboa, em 2014.
Em termos de abordagem conceptual, o que é a grupanálise, hoje no
século XXI?
Em sentido estrito…
É uma forma de psicoterapia psicanalítica/dinâmica do indivíduo no
grupo e através do grupo, utilizando as múltiplas interacções e relações que
o setting grupal proporciona e, também, um método de investigação com
bases teóricas comuns à psicanálise, mas com procedimentos operatórios
diferentes que se relacionam com o novo setting – grupal – tendo por base
uma teoria e técnica grupanalíticas. Conceptualização de Foulkes –
modificada por E. Cortesão e muitos outros.
179
Em sentido lato…
A grupanálise é um método de utilizar os grupos – pequenos, médios
e grandes para a compreensão: do funcionamento individual, do impacto
dos grupos sobre o indivíduo, e de cada indivíduo sobre os grupos em que
se insere, estimulando a capacidade e a liberdade de pensamento e a
autonomia. Tem, pois, potencialidades de estimulação da aprendizagem e de
transformação pessoal. Experiencia-se a tão difícil atitude de estar em, e
respeitar o grupo sem perder a individualidade. Aplica-se às Organizações,
incluindo as de educação (Poppe, 2016).
Podemos, pois, considerar a existência de um espectro grupanalítico
(Neto & Centeno 2006, 2017a, no prelo), incluindo várias formas de usar a
conceptualização grupanalítica:
grupanálise;
psicoterapia grupanalítica: ambulatório institucional e privado;
em internamento completo e parcial (Neto, 2017);
grupanálise multifamiliar (Neto, 2017a; Neto & Centeno, 2014);
grupos terapêuticos baseados na mentalização (Allen & Fonagy,
2004; Kartrud, 2015);
grupos na internet (Weinberg, 2014, 2016);
coaching grupanalítico (Teixeira, 2012; Thornton, 2010);
grupos experienciais/de demonstração/T-groups; e
grupos de trabalho/operativos/centrados na tarefa/grupos
Balint/equipas (Fernandes et al., 2003; Zimerman, 2001).
Características comuns ao espectro grupanalítico
1. Importância decisiva dos processos inconscientes nos indivíduos
e nos grupos.
2. Importância da relação.
3. São desenvolvidos em grupo.
4. Os membros estão em círculo ou, nos casos dos grupos grandes,
em círculos concêntricos. Consideramos que os grupos on-line se
dispõem em círculos virtuais.
5. Condução não intrusiva e mediada pela empatia.
180
6. Ambiente de suporte e contenção, baseado na autenticidade,
coerência, empatia, confidencialidade, pontualidade e constância.
7. Criação da oportunidade de desenvolvimento de novas
aprendizagens e capacidades.
8. Serem conceptualizados por grupanalistas.
Vamos concentrar-nos neste capítulo sobre as formas mais
especificamente terapêuticas, que são a grupanálise e a psicoterapia analítica de
grupo e sobre o processo grupanalítico – “modo pelo qual as várias dimensões
teóricas e técnicas que contribuem para dar corpo e forma à terapia
grupanalítica são estruturadas, organizadas e desempenham uma função”
(Cortesão, 1989/2008b, p. 46).
As bases teóricas que utilizamos têm como objectivos essenciais
compreender:
Cada indivíduo (intra e intersubjectivo): conceptualização
psicanalítica actualizada (de Freud à chamada psicanálise relacional)
que adquire particularidades atendendo ao setting de grupo.
O grupo/a dinâmica grupal: conceitos especificamente
grupanalíticos: matriz, as defesas dos grupos, as resistências, a
importância do condutor, os factores terapêuticos especificamente
grupais, os objectivos, que incluem o que classicamente se designa
por cura e os benefícios terapêuticos e o processo grupanalítico.
As defesas dos grupos de pressupostos básicos (Bion, 1961).
As resistências aos grupos terapêuticos – fenómenos destrutivos e
factores paradoxais ubiquitários nos grupos (Neto, 2017b; Nitsun,
1996).
A importância da liderança na condução dos grupos: a personalidade
e a formação dos grupanalistas, conceptualizada pelo padrão
(Cortesão, 1989/2008a) e Escola Portuguesa de Grupanálise (Abreu-
Afonso et al., 2015; Brito, 1992; Filipe, 1992, 2000; Neto, 1990; Neto
& Dinis, no prelo).
Os factores terapêuticos – conceptualização de vários autores
grupanalistas, de Foulkes à actualidade (Dinis, 2003, 2006; Ferro,
2012; Foulkes, 1964b; Foulkes & Anthony, 1957/2003; Leal, 1990;
181
Lorentzen, 2014; Neto, 1999, 2010; Neto & David, 2017; Neto &
Dinis, 2004; Zimerman, 2001).
Os objectivos – a “cura”/os benefícios terapêuticos (Neto & Babo,
2000; Zimerman, 2001).
Coordenadas teóricas para compreender o indivíduo, que são
também válidas na psicanálise e psicoterapia analítica dual:
1. Importância decisiva das interações e relações precoces como factores
determinantes no desenvolvimento da personalidade e na etiologia
da psicopatologia.
2. Matriz inter-relacional interna ou matriz pessoal de grupo.
3. Importância do inconsciente e do não consciente:
no desenvolvimento da personalidade;
no funcionamento mental;
nas relações humanas em geral;
na formação dos sonhos; e
na formação de sintomas.
4. O narcisismo, a sexualidade, a epistemofilia, a libido, a
agressividade.
5. O conflito intra-psíquico.
6. Os mecanismos de defesa.
7. A transferência.
8. A contratransferência.
9. A relação terapêutica.
10. A aliança terapêutica.
11. A compulsão à repetição.
12. A interpretação.
13. A perlaboração.
14. A empatia.
15. O insight.
16. Momentos de encontro.
A partir de agora, vamos centrar-nos apenas nos conceitos que
adquirem uma configuração específica no contexto grupanalítico.
Matriz inter-relacional interna ou matriz pessoal de grupo
182
Rita Leal (1968) introduziu o conceito de matriz pessoal de grupo,
que também designou por matriz inter-relacional interna/matriz relacional
interna (Dinis, 1994), que está intimamente relacionado com a teoria das
relações de objecto e com o conceito de “grupo interno” desenvolvido por
Pichon-Rivière (Berstein, 1989). Este conceito postula a internalização de
objectos relacionais. Estrutura-se através do espelhamento na relação
precoce mãe-bebê e é progressivamente influenciado pelas outras relações
familiares e pelas relações noutros grupos. O grupo facilita a sua expressão
na transferência e posterior elaboração.
Transferência e contratransferência no grupo
Estes conceitos têm sido, na Escola Portuguesa, essencialmente
conceptualizados por Cortesão (1974, 1989/2008a), A. Guilherme Ferreira
(1980, 2004), César Dinis (1994, 2001, 2003, 2005, 2006), José Abreu-
Afonso et al. (2015, 2018) e por Dinis e Abreu-Afonso (no prelo).
Transferência no grupo
O grupanalista tem de estar atento a uma maior complexidade de
fenómenos transferenciais que na situação individual. A transferência é um
fenómeno ubiquitário para os seres humanos decorrente dos padrões
relacionais precocemente adquiridos mas que só se pode observar e
analisar/compreender em toda a sua complexidade num processo a que
chamamos terapêutico. Pode ocorrer com o grupanalista, com o grupo e
com os outros membros do grupo o que neste último caso, designamos por
Transferências Laterais (Dinis, 1994); as transferências laterais stricto senso
estão sempre presentes mas podem, por vezes, ser deslocamentos
defensivos da transferência em relação ao grupanalista.
Contratransferência no grupo
A contratransferência é um fenómeno complexo, mas também uma
ferramenta ao serviço do processo terapêutico.
Os sentimentos do analista fornecem importantes pistas sobre o que está
a passar-se no grupo.
Foulkes (1964a) e Dinis (1994) sublinham que a contratransferência
no grupo é mais complexa e mais visível que na terapia individual.
183
O grupanalista tem de interagir simultaneamente com pessoas
diferentes – a sua reacção será diferente do que seria em situação individual.
Grupos diferentes desencadeiam contratransferências diferentes.
Pensamos que nos grupos, tal como no contexto dual, teremos de
ter em atenção os riscos contratransferenciais:
um analista omnipotente, que não reconhece os seus sentimentos,
pode estar a cair na doutrinação do grupo, infantilizando-o;
o grupo não pode ser uma audiência para expressar e gratificar
carências narcísicas ou outras do analista;
perigo de favorecer um membro e rejeitar outro;
risco de, inconscientemente, usar o grupo ou um paciente para
preencher necessidades não satisfeitas, núcleos conflituais não
suficientemente trabalhados (Neto, 1999). Assim, na selecção dos
membros, o grupanalista pode ser interferido por estes factores,
criando condições para amplificar as resistências, dificultando a
estruturação dos factores terapêuticos. Na nossa opinião deverá
selecionar os membros do grupo tendo em conta um razoável
equilíbrio contratransferencial inicial em relação a todos eles (Dinis,
2005; Neto, 1999/2003), para evitar assimetrias potencialmente
patogénicas no grupo, que se poderão configurar como resistências
difíceis de trabalhar; e
facilitação dos fenómenos de bode expiatório com a conivência
do grupanalista.
A aliança terapêutica no grupo
Base indispensável do tratamento psicoterapêutico psicanalítico. Ela é
constituída pelos aspectos positivos e de estabilidade da relação terapêutica
que permitem a continuidade da relação nos momentos de frustração, que
necessariamente terão de ocorrer em qualquer relação terapêutica analítica.
Nos grupos, a aliança terapêutica (AT) é essencialmente com o
grupanalista.
O Grupanalista é que escolhe os membros do grupo e com eles
estabelece um contrato. Habitualmente não é o grupo que escolhe o
grupanalista. Progressivamente a aliança terapêutica estende-se ao grupo e a
184
todos os membros entre si; alguns grupanalistas, como Lorentzen (2014),
identificam este fortalecimento da aliança entre todos os membros do grupo
com o conceito de coesão grupal.
Será altura para enfatizarmos como uma questão fundamental qual a
posição e procedimento do grupanalista face ao conjunto grupal e a cada
analisando, na sua originalidade e especificidades próprias (Dinis, 2005).
Tentando exprimir numa síntese como lidamos com essa questão, diremos
que, para nós, o indivíduo é o alvo terapêutico e o grupo o meio relacional
para concretizar tal objectivo. Deontologicamente, não vemos como possa
ser de outro modo, visto que o contrato terapêutico foi celebrado com cada
analisando de per se e espera-se que se estabeleçam tantas alianças
terapêuticas com o grupanalista quantos os participantes no grupo.
Paralelamente, o grupanalista será o objecto de N neuroses de transferência,
tantas quanto o número de participantes no grupo. Embora o grupanalista
seja o destinatário electivo dos movimentos transferenciais em continuidade,
estes não se esgotam nele, pois qualquer membro do grupo pode ter para
qualquer outro ou outros, significado e representação transferenciais de
modo episódico ou até mais prolongado.
Para além das forças transferenciais, estabelecem-se entre os
membros do grupo movimentos relacionais conscientes (Dinis, 1994), quer
basicamente estratégicos, como os que têm por fundamento afinidades
várias (profissionais, ideológicas, culturais etc.), quer meramente tácticos,
configurando alianças de conveniência, necessariamente efémeros. A uns e
outros deverá o grupanalista estar particularmente atento para os distinguir
da genuinidade transferencial e para minimizar o risco de subgrupagem.
A interpretação no grupo
Como dissemos acima, não é objectivo deste capítulo definir
exaustivamente estes conceitos, mas sim apontar os aspectos que adquirem
características específicas nos grupos; apenas assinalaremos a nossa posição
teórica sintética sobre eles, como fizemos nos anteriores. Assim,
consideramos que o objectivo de qualquer interpretação é o de ampliar e
expandir a mente de cada membro do grupo e, simultaneamente, permitir
uma maior elaboração do self. Nos grupos terapêuticos, as interpretações
individuais são fundamentais, mas nos grupos de trabalho não devem existir.
185
Podem ser dirigidas para um indivíduo e/ou para o grupo como um todo.
As interpretações orientadas para o grupo ou para um dos seus elementos
ecoarão em cada membro do grupo de forma única, consoante, naquela fase,
o seu nível de regressão e fixação, o que corresponde ao conceito
especificamente grupanalítico de fenómeno de ressonância. Também cada
membro do grupo pode interpretar os outros, o que pode ser uma mais valia.
Recorremos à interpretação do grupo como um todo quando nos parece
haver, no conjunto das comunicações verbais e não verbais, fantasias ou
conflitos inconscientes que todos estão a viver num mesmo momento.
Privilegiamos as interpretações individuais que consideramos facilitadas
pelas potencialidades do setting grupal.
Momentos de encontro
Moments of meeting, conceptualizados pelo Boston Change Process
Study Group (Daniel Stern et al., 1998). São momentos dos processos
analíticos em que os analisandos se sentem particularmente compreendidos
e contidos. São momentos de adequação recíproca (terapeuta-analisando)
ocorrendo no campo da “relação implícita partilhada” e conduzirão a
mudanças no “conhecimento relacional implícito” (Stern et al., 1998),
estando altamente relacionados com a transformação no processo
terapêutico.
Num grupo grupanalítico, outros membros poderão também
participar na construção desses momentos raros, a partir da autenticidade
própria, ou ecoá-los genuinamente.
Num grupo, os momentos de encontro poderão ser momentos de
múltipla adequação empática, ilustrando o que costumamos designar por
caixa de ressonância empática que o grupo poderá proporcionar (Dinis, 2001).
Coordenadas teóricas para compreender o grupo e a sua dinâmica: conceitos especificamente
grupanalíticos
As coordenadas teóricas são as seguintes e serão tratadas,
separadamente, em sequência:
Matriz.
186
Níveis de comunicação e interpretação.
Discussão livre flutuante.
Treino do Ego em acção.
Espelhamento.
Ressonância.
Koinonia.
Defesas.
Formas de resistência.
Padrão do grupanalista/condutor do grupo/psicoterapeuta de
grupo.
Factores terapêuticos especificamente grupais.
Matriz
Conceito usado pela Escola Inglesa e Portuguesa de forma muito
semelhante.
Cortesão (2008c, p. 88) definiu-a “como a rede específica de
intercomunicação, inter-relação e interacção, a qual, pela integração do
padrão grupanalítico, fomenta a evolução do processo grupanalítico”.
Recentemente, este tema tem sido desenvolvido por Paulo Mota
Marques (2015).
Rita Leal (1968, 1981, 1994) desenvolveu o conceito de Matriz Inter-
Relacional/Relacional Interna ou Matriz Pessoal de Grupo, como acima
dissemos. Ela assume que esta estrutura determina os modelos de
comportamento e comunicação de cada indivíduo, que poderão mudar,
reexperienciando transferencialmente situações emocionais originadas num
passado mesmo pré-verbal, se acontecerem novas respostas, mais
adequadas, na matriz grupanalítica, conduzindo à evolução de cada
indivíduo. O emergir da matriz relacional interna na transferência é, pois,
uma pré-condição para o desenvolvimento do processo terapêutico.
Níveis de comunicação e interpretação
E. Cortesão (1989/2008d) refere três níveis de experiência que
emergem no grupo:
187
nível de experiência subjectiva individual – quando, por exemplo, um
elemento do grupo relata um acontecimento ou experiência que teve
no presente ou no passado, ou mesmo o conteúdo manifesto de um
sonho;
nível de experiência subjectiva múltipla – quando numa cadeia de
pensamentos outros membros do grupo vão também falar de
experiências suas; e
nível de comunicação associativa – quando um ou outro elemento do
grupo comenta sobre o que disseram os outros, questionando ou
dando sugestões ou informações. Este nível de comunicação está na
base de outros conceitos, como a ressonância, o espelhamento e a
discussão livre flutuante.
Discussão livre flutuante
Free floating discussion é o que deverá acontecer num grupo de
grupanálise/psicoterapia grupanalítica. Os membros do grupo são
encorajados a falar espontaneamente e a comunicar o que quer que lhes
ocorra, sem evitar nenhum pensamento ou tema que possa surgir.
Cada um comunica com os outros e com o grupanalista os seus
sentimentos, medos, fantasias, ansiedades e tudo o que possamos conceber
que um ser humano pode sentir.
Não há um tema específico para comunicar; cada um fala com os
outros acerca do que quer que seja, de acordo com as suas preocupações no
momento.
Este tipo de comunicação é o equivalente grupanalítico do
conhecido conceito Freudiano “livre-associação de ideias” e foi designado
por Foulkes, em 1948, por Free floating discussion – the basic rule of Group Analysis
(Foulkes, 1948/2005, p. 71).
Treino do Ego em acção
Ego training in action é característico da grupanálise e psicoterapia
analítica de grupo.
Foi descrito, pela primeira vez, por Foulkes (1964a): A grupanálise
visa fomentar a mobilidade do Ego e, neste sentido, a terapêutica grupo-
188
analítica poderia ser essencialmente descrita como um treino do Ego em
acção.
“Acção” não significa, aqui, executar ou literalmente actuar ou
desempenhar um papel; nem é o equivalente de “passagem ao acto” da
psicanálise.
O grupo favorece a ativação de capacidades várias, eventualmente
desconhecidas do indivíduo.
Espelhamento
Fenómenos de Mirroring, de espelho, são muito desenvolvidos pela
Escola Inglesa (Pines, 1998).
O conjunto de interacções e relações que um grupo disponibiliza
pode também ser assemelhado a um conjunto de espelhos que proporciona
imagens mais ou menos realistas. São uma das mais valias das terapias
grupais, através da qual os membros do grupo revelam várias facetas uns dos
outros, algumas inconscientes. São as bases psicológicas dos processos de
identificação.
Proporcionam o confronto com os vários aspetos da imagem social,
psicológica e corporal de cada um, contribuindo para a diferenciação self-
não-self.
Ver e ser visto é uma mais valia das psicoterapias face a face,
atingindo maior riqueza nos processos grupais (Neto, 2002).
O espelhamento, contudo, pode ser fortemente distorcido
transferencialmente, podendo atingir níveis de grande destrutividade.
Estamos a referir-nos ao Espelhar Maligno (Zinkin, 1983), tão frequente
entre humanos, com enorme poder destrutivo que resulta
predominantemente de projecções e identificações projectivas geradas na
matriz do grupo. Está na base dos mal-entendidos, por sua vez origem de
algumas formas de psicopatologia. Num grupo compreendido e conduzido
grupanaliticamente o espelhamento pode ser corrigido nas suas distorções
com consequências positivas em todas as áreas da vida.
Ressonância
189
É um conceito introduzido por Foulkes pela primeira vez em 1957
(Foulkes & Anthony, 1957/2003), referindo-se a este conceito de uma forma
freudiana recorrendo aos níveis de fixação e regressão. Assim, cada
comunicação ecoaria e reverberaria em cada membro do grupo de acordo
com o seu nível de regressão e os tipos de fixação predominantes.
Progressivamente, Foulkes (1964a) passa a uma descrição menos
aprisionada teoricamente, descrevendo-a como uma forma de resposta
inconsciente de um indivíduo, quando exposto a outro, usando mais uma
vez a Física como metáfora: todos temos cordas que vibram mais com certas
comunicações que com outras, de forma consciente e inconsciente. Cada
membro do grupo reage/ressoa a qualquer comunicação de acordo com a
sua estrutura de personalidade, os seus conflitos básicos, as suas fragilidades,
sendo, pois, um fenómeno extremamente útil na análise/compreensão de
cada indivíduo. Foulkes, novamente, fala deste conceito no seu último
escrito em 1977 (Foulkes, 1990).
Koinonia
Descrita por Patrick de Maré (1991) como uma atmosfera de
bonomia, camaradagem, de partilha e cumplicidade entre humanos,
diferente de amizade, em que se pode falar, ouvir, ver e pensar livremente,
fazendo emergir uma série de recursos e potencialidades.
Pensamos que poderemos ampliar este conceito, considerando que,
para se experienciar favoravelmente um processo grupanalítico, os
momentos de afectos positivos terão de ser predominantes.
Defesas
Bion (1961/1972) identifica três tipos de comportamento que os
grupos utilizam para evitar ou dificultar o processo de elaboração: dependência;
acasalamento; e luta-fuga. Estes tópicos são contemplados em capítulo
específico sobre contribuições de Bion e remetemos o leitor a ele (capítulo
7).
Pensamos que os pressupostos básicos são sobretudo formas de defesa
contra as capacidades de cada indivíduo e do grupo para pensar e sentir as
partes não conscientes e conflituais do self de cada membro. Esta perspectiva
190
é partilhada por outros autores, entre os quais queremos salientar Dennis
Brown (2006), um dos fundadores da grupanálise.
Bion (1978) refere claramente a sua preferência pela psicanálise,
como terapêutica, tendo desinvestido clinicamente os grupos.
Formas de resistência
Os fenómenos de “anti-grupo” (Nitsun, 1996).
Morris Nitsun quis chamar a atenção para a coexistência do grande
potencial construtivo dos grupos com forças destrutivas dos indivíduos,
subgrupos ou dos grupos como um todo.
O anti-grupo é o conjunto dos fenómenos agressivos e destrutivos latentes e
manifestos, potenciais e actuais de um grupo, manifestando-se como:
• faltas;
• atrasos repetidos;
• acting-outs;
• drop-outs;
• bode expiatório;
• espelhar maligno; e
• violência verbal.
Eles não eram, contudo, suficientemente valorizados e colocados
conceptualmente a par dos fenómenos de vinculação positiva.
Morris Nitsun introduziu-o na teoria grupanalítica em 1996, no seu
livro The anti group - Destructive forces in group and their creative potential; foi o autor
que mais nos tem ajudado a compreender este problema através das “10
características dos grupos que podem conter elementos paradoxais
escondidos que afligem os participantes dificultando sobretudo as fases
iniciais dos processos terapêuticos de grupo” (Nitsun, 1996, p. 47-48). Para
este autor, o grupo:
1. é uma colecção de estranhos;
2. não é estruturado;
3. é criado pelos seus membros;
4. é uma arena pública;
5. é uma entidade plural;
6. é uma experiência complexa;
191
7. cria tensões interpessoais;
8. é imprevisível;
9. flutua no seu progresso; e
10. é uma experiência incompleta.
Padrão do grupanalista/condutor do grupo/psicoterapeuta de grupo
O padrão foi introduzido por E. Cortesão (1974/2008e, p. 87-88),
que o definiu como “a natureza de atitudes específicas que o grupanalista
transmite e sustém na matriz grupanalítica com uma função interpretativa,
que fomenta e desenvolve o processo grupanalítico”. Tem sido muito
valorizado nas conceptualizações da Escola Portuguesa de Grupanálise,
como acima referimos. Tem teoricamente três vértices: Natureza, Função e
Propósito, havendo diferenças e especificidades consoante se trate de
grupanálise ou de psicoterapia analítica de grupo institucional. Não iremos
explicitar essas diferenças pela necessidade de síntese deste capítulo.
A Natureza corresponde às características do grupanalista. Como
pessoa/personalidade/carácter, representação internalizada de matrizes
familiar e sociocultural, treino analítico pessoal (maneira como internalizou
e se identificou com o seu grupanalista), capacidade de empatia, de estar em
grupo e estabelecer relações de autenticidade, de verdade e de honestidade.
Profissionalmente, como transmissor, implica o nível de sua
formação profissional: curso teórico de formação grupanalítica, supervisão,
contemporaneidade da informação científica.
A Função relaciona-se com o estabelecimento de regras e atitudes, que
serão tratadas a seguir.
Regras
• Selecção de pacientes de modo a ser possível o estabelecimento
do processo grupanalítico, tendo em conta o equilíbrio
contratransferencial em cada grupo, como já abordámos ao
referirmos os riscos da contratransferência.
• Estabelecimento de um contrato terapêutico que contemple
exigências de sigilo, desaconselhamento de contactos extra grupo
192
entre os pacientes, de ausência de contactos com os familiares do
paciente pelo grupanalista.
• Assegurar o setting – assegurar um espaço para a realização das
sessões terapêuticas, bem como assegurar a pontualidade e a
frequência das sessões pelo grupanalista.
• Privilegiar a comunicação verbal, não se permitindo a passagem
ao acto e o estabelecimento de ganhos secundários.
• Fomentar a comunicação associativa e a discussão livre flutuante.
Atitudes
• Intervenções técnicas – o grupanalista terá intervenções de
clarificação, de reformulação e de confrontação; fará interpretações
que irão de um nível genético evolutivo ao nível da transferência e
da transferência comutativa.
• As comunicações, subjectiva individual, subjectiva plural e
associativa surgem espontaneamente no grupo ou são estimuladas
pelo condutor do grupo ou outro membro da equipa em contexto
institucional, quando, na contratransferência deste(s), se sente haver
tensões dificilmente mobilizáveis espontaneamente.
• Os terapeutas fazem sugestões da explicitação das comunicações,
algumas confrontações facilitantes da mentalização das
comunicações com uma maior aproximação aos significados
latentes.
• Chamadas de atenção e sugestões de opiniões de todo o grupo,
sobre hipotéticas vivências de um ou mais membros que aparentem
um sofrimento expresso na mímica ou através do comportamento
que, na nossa contratransferência, sintamos como particularmente
intenso e desorganizado.
• Os grupanalistas ou terapeutas de grupo deverão abster-se de
falar de si próprios e de ter atitudes corriqueiras.
• Os grupanalistas devem manter-se atentos à compreensão do
binómio transferência/contratransferência, de modo a poder
estabelecer uma relação empática que se possa constituir como
factor terapêutico.
193
O Propósito exprime-se pela indução e manutenção (na matriz
grupanalítica) do processo grupanalítico através de intervenções que
produzam modificações do self, desenvolvendo o insight racional e emocional,
levando à estruturação diferenciada do funcionamento do self, que poderá
aceder a uma autonomia relativa e a uma dependência coerente e natural, ao
que podemos apelidar de benefícios terapêuticos e mesmo “cura”
(Zimerman, 2001, p. 94). Neto e Babo (2000) detalharam este aspecto da
conceptualização grupanalítica no artigo sobre o Fim de uma grupanálise:
• Cura/melhoria sintomática (sintomas Ego-distônicos).
• Alterações significativas dos comportamentos Ego-sintônicos –
sempre que reconhecidos como patológicos e patogénicos.
• Realização de objetivos e desejos.
• Capacidade para lidar com a ambivalência.
• Capacidade para reconhecer e expressar afetos intensos, sem
medo de erotizar ou destruir o próprio afeto ou o dos objetos.
• Aquisição e prazer na autonomia e na capacidade para estar
sozinho.
• Capacidade para tolerar separações e frustrações sem recorrer a
mecanismos de defesa primitivos.
• Capacidade e prazer no investimento da realidade, o que implica
o aumento da tolerância do Super-self e menos submissão a ideias do
self primitivo.
• Transformação das necessidades narcísicas primitivas/primárias.
• Acquisição da capacidade de insight e autoanálise.
Factores terapêuticos especificamente grupais
Pensamos que intimamente ligado aos factores do grupanalista estão
os factores especificamente grupais com funções terapêuticas, que têm sido
coceptualizados por vários autores desde Foulkes a muitos outros.
Foulkes, em 1948 (2005), escrevia que havia factores terapêuticos
específicos e inespecíficos em grupanálise. Dos específicos: 1 –
sociabilização, saída do isolamento, 2 – diminuição da ansiedade e culpa que
ele relaciona com o fenómeno de espelhamento; 3 – o material inconsciente
é mais rápida e claramente observado; 4 – as intervenções vindas dos outros
194
membros do grupo que não o terapeuta são mais facilmente aceites; 5 – o
grupo como um fórum simbolizando a comunidade, recondicionando o Ego
e o Superego; 6 – o grupo como suporte. Também são necessários uma
adequada selecção e um condutor bem treinado. Os factores inespecíficos
são semelhantes aos da psicanálise.
Acaba este livro com a seguinte formulação que enfatiza a íntima
relação indivíduo-grupo:
Quanto melhor o indivíduo for ou se tornar, quanto mais livre e
integrado estiver, melhor será como membro do grupo. Quanto
melhor estiverem os membros do grupo, melhor será o grupo. Um
bom grupo cria e desenvolve o precioso produto que é o humano
individual. (Foulkes, 1948/2005, p. 170; tradução dos autores)
Em 1957 (Foulkes & Anthony, 2003) escrevem, sobre alguns
factores específicos de grupo que não aparecem na situação de psicoterapia
individual: sociabilização, tolerância aos sintomas com diminuição da
ansiedade e culpa, fenómenos de espelho, fenómeno de condensação de que
resultam o surgir inesperado com grande carga emocional dos fenómenos
inconscientes mais profundos, discussão livre flutuante e a ressonância de
que já falámos.
Foulkes (1964b) acrescenta o treino do Ego em acção.
Steinar Lorentzen (2014) aponta os mesmos factores de forma
semelhante.
Poderemos verificar semelhanças e equivalências nos Factores
Terapêuticos dos Grupos segundo Yalom e Molyn Leszcz (2006):
Instilação de esperança.
Universalidade.
Partilha de informações.
Altruísmo.
Recapitulação correctiva do grupo familiar.
Desenvolvimento de técnicas de socialização.
Comportamento imitativo/novas identificações.
Aprendizagem interpessoal.
Coesão grupal.
195
Factores existenciais.
Estes factores têm sido aproveitados como base de investigação dos
resultados em grupanálise e psicoterapia analítica de grupo por vários
autores, entre os quais Tschuschke e Dies (1994).
Zimerman (2001, p. 176-177) fala também de dez factores como
favorecedores do processo grupanalítico e que são explicitados de forma
muito semelhante àquela como pensamos e trabalhamos:
1. “Visualização mais clara da inter-relação íntima entre os
indivíduos e os grupos”.
2. “todo o indivíduo é portador de um grupo interno”...
facilmente observável no processo transferencial dos grupos.
3. “ O grupo comporta-se como uma galeria de espelhos...”
4. O grupo possibilita a ressignificação e transformação de certos
papéis desadequados adquiridos na infância.
5. “O grupo, mais do que qualquer outra modalidade psicanalítica,
favorece a observação da normalidade e da patologia da
comunicação...” contribuindo para o esclarecimento dos mal-
entendidos que são considerados por Zimerman como “o grande
mal da humanidade”.
6. “O grupo, por si próprio, comporta-se como função
continente...”
7. “A terapia grupal favorece o assinalamento de como os
indivíduos estão executando as suas funções, nas quais o Ego
consciente tem grande participação activa...”
8. estimula o Vínculo do Reconhecimento.
9. “Mais do que na terapia individual a grupoterapia possibilita
evidenciar três aspectos: a) identificação colectiva; b) ocorrência
do complexo fraterno; c) existência de fantasias compartilhadas
entre as pessoas, um aspecto que está merecendo atenção da
psicanálise contemporânea”.
10. Em muitos aspectos a terapia analítica grupal apresenta
características singulares, em outros ambas se sobrepõem.
Pensamos que o grupo conduzido e compreendido
grupanaliticamente favorece a externalização transferencial dos grupos relacionais
196
internos de cada membro, tornando-se claro e consciente o que não estava
claro nem consciente. Assim, as projecções e identificações projectivas
surgem mais rapidamente que na situação dual, sendo esta uma das formas
de elaboração dos mal-entendidos, dos traços de carácter patogénicos e
patológicos, geralmente Ego-sintónicos, ou seja, geradores da patologia
relacional (Neto, 2014).
O grupo comporta-se como uma sala de espelhos cuja activação
fomenta as identificações estruturantes que, se adequadamente trabalhadas,
corrigem as auto-representações malignas decorrentes do funcionamento
em projecção e identificação projectiva patológica.
A terapia grupal favorece o assinalamento de como os indivíduos e
a totalidade do grupo estão a aproveitar as suas capacidades, potencialidades
e funções, nas quais o Ego consciente tem grande participação activa, como
são as que se referem à percepção, juízo crítico, pensamento, conhecimento,
criatividade, comunicação, discriminação, responsabilidade, acção motora
etc. Estamos a falar do conceito denominado acima como treino do Ego em
acção.
A grupanálise/psicoterapia analítica de grupo estimula a activação dos
self-objectos idealizados, especulares, de alter-ego e do Vínculo do
Reconhecimento gerando as transferências narcísicas (Kohut, 1984), cuja
elaboração é fundamental para a reconstrução narcísica, base da autoestima
e do sentimento de identidade.
A consciencialização e a elaboração da agressividade (Neto, 1999). Esta
surge com mais facilidade no grupo do que nas sessões individuais. Nestas,
a idealização do terapeuta ou o medo da sua retaliação aniquilante tendem a
protelar o surgir da agressividade. Esta surge com mais facilidade na relação
com os outros membros do grupo que não o terapeuta do grupo. A
identificação da agressividade e a eventual interpretação por qualquer
membro do grupo que não seja o terapeuta pode torná-la menos
culpabilizante.
O grupo facilita a explicitação da conflitualidade fraterna, muito
dificilmente vivenciada na relação individual.
Neto e David (2017) enfatizaram que os grupos facilitam a abordagem de
sentimentos difíceis como a raiva, inveja, o ciúme, os desejos de vingança e permitem
197
uma mais completa compreensão e elaboração destas emoções tão
culpabilizantes.
Pensamos que ser protegido, ser útil, ser parecido com outros,
diminuem a culpa, a inferioridade, a vergonha.
“Ser um membro respeitado e eficiente de um grupo, ser aceite,
capaz de partilhar e participar são experiências construtivas básicas na vida
humana. Não há saúde sem elas” (Foulkes & Anthony, 1957/2003, p. 27;
tradução dos autores).
Em complemento:
A grupanálise permite encenar, penso que de modo único, a viagem
de regresso ao grupo familiar. Espera-se que as condições por ela
proporcionadas ofereçam uma preciosa oportunidade para a
reformulação, talvez sobretudo, da memória implícita. Neste
sentido, poderá ser entendida também como a recuperação possível
do tempo malbaratado. (Dinis, 2003, p. 35)
Para finalizar, podemos dizer que na nossa experiência, a psicoterapia
analítica de grupo e a grupanálise tal como a pensamos, com forte influência
psicanalítica actualizada, e praticamos, são uma ferramenta de grande valor
na compreensão do funcionamento mental humano e do seu sofrimento,
podendo também aplicar-se a áreas não terapêuticas. São um poderoso
instrumento terapêutico das perturbações psíquicas e das inerentes
disfunções relacionais.
O contexto multi pessoal disponibilizado e a correspondente
pluralidade relacional constituir-se-ão como um cenário privilegiado para a
transposição da matriz pessoal de grupo de cada um, para o
desenvolvimento da autonomia, da empatia e da aquisição de padrões
relacionais mais autênticos e libertadores. Cientes da exigência de coerência
dos procedimentos técnicos com os conceitos teóricos que os enformam, a
nossa prática de décadas ensinou-nos, porém, que tal não é suficiente e que
a qualidade de relação que proporcionarmos será determinante para o bom
resultado terapêutico. Qualidade que terá de se adequar às diferenças entre
os elementos do grupo, tentando que cada um se sinta não um entre outros,
mas primus inter pares (Dinis, 2005).
Referências
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205
11 Sobre a perspectiva psicanalítica de grupo
francesa: três importantes aportes Pablo Castanho
Escrevo este texto durante a quarentena relativa ao COVID-19,
vendo memes que dizem “só saia de casa quem entende Lacan”. O chiste
com o psicanalista francês funciona pela dificuldade de entender este
autor, mas penso que nos conta de algo de um estilo hermético, de difícil
compreensão, comum a boa parte da psicanálise francesa, inclusive dos
autores que abordaremos aqui. Nossos autores neste capítulo possuem um
pensamento bastante distinto do pensamento de Lacan, mas podem ser
tão difíceis de ler quanto ele. Espero neste capítulo atravessar esta
dificuldade, mostrando a potência e as praticidades de três grandes eixos
do pensamento da perspectiva psicanalítica francesa sobre os grupos.
Estes três eixos, ao mesmo tempo em que caracterizam a
particularidade e a direção do pensamento francês, representam um aporte
muito significativo para a prática e a pesquisa sobre grupos em um cenário
global. Primeiramente abordarei o estudo sobre as crenças relativas ao
grupo, destacando, com Anzieu, o papel da ilusão grupal, seguirei então
para sublinhar a proximidade das produções francesas com o trabalho
com grupos em instituições socioassistenciais, enfocando tanto o uso de
objetos mediadores em grupo quanto sua afinidade com a problemática
das instituições. É talvez neste ponto que o caráter prático desta
perspectiva, tão frequentemente eclipsado pelo discurso acadêmico, se
mostra mais forte. Por fim, tratarei de uma questão bastante densa e
filosófica, mas de desdobramentos técnicos e teóricos importantes: a
206
articulação complexa e sui generis entre sujeito e grupo que nos faz pensar
o trabalho em grupo como uma forma de promover singularizações.
A origem destes três eixos pode ser claramente remetida ao
contexto no qual esta perspectiva se constituiu na França. Passarei então
a abordar este tema.
Primeiros passos da perspectiva psicanalítica de grupo na França e as demandas do
contexto sociocultural
Em seu livro O campo grupal, Ana Maria Fernández (2006) retoma
os estudos sobre grupo contrastando o contexto americano com o
argentino e identificando esta diferença como importante na compreensão
da obra de Kurt Lewin e de Pichon-Rivière. A autora aponta como cada
sociedade coloca problemas distintos a serem resolvidas pelos corpos
teóricos que nela se desenvolvem. Tentarei nesta seção apresentar como
os três eixos que creio caracterizarem a abordagem francesa de grupos
derivam do encontro das demandas do contexto histórico francês com o
lugar específico da psicanálise nele, bem como acidentes do percurso da
chegada das técnicas e do pensamento sobre os grupos na França.
Ao propor uma perspectiva de conjunto sobre a história do que
denomina teorias psicanalíticas de grupo, Kaës (2007) data a perspectiva
francesa da década de 60. Mas se é nesta década que se delimita o campo
e surgem os alicerces e as diretrizes que conduziram este trabalho, há
experiências significativas com o dispositivo de grupo desde a década de
50 (Castanho, 2013), notadamente através do uso da técnica do
psicodrama por psicanalistas, como o realizado por Didier Anzieu (1956).
Atentemos para que o uso da técnica do psicodrama, desenvolvida por
Moreno, não significa adesão nem tampouco convergência de modelos
teóricos. Seguindo Anzieu, esclarecemos que o interesse de psicanalistas
pela técnica do psicodrama de Moreno é acompanhado de um igual
desinteresse pelas teorizações do autor.
Esta relação inicial com o psicodrama é muito importante na
história do pensamento psicanalítico de grupo francês por dois motivos
que cabe sinalizar: primeiro porque diferentemente do que aconteceu
anteriormente na Inglaterra e na Argentina, a perspectiva francesa não
nasce propondo um dispositivo próprio, mas transformando dispositivos
207
de grupo pré-existentes. Os processos de transformação são pautados por
uma lógica psicanalítica, na qual o primado da não-diretividade é talvez o
operador mais claro (Anzieu, 1973). Em segundo lugar, sublinhemos
como pela via do psicodrama o uso de recursos para além do verbal se
insere no nascedouro mesmo do trabalho com grupos na França. Isso é
muito diferente do que ocorreu em outros lugares, notadamente na
Inglaterra, onde até hoje a identidade da psicanálise no trabalho com
grupos está ligada a exclusividade do recurso verbal.
Ora, esta retomada e reinvenção de dispositivos de grupo pré-
existentes está relacionada com o contexto histórico da França.
Interessante também que o nascimento psicanalítico do grupo na França
é contemporâneo do nascimento da “análise institucional” e com ela
dialoga e dela se nutre. Por isso, Rodrigues (2007) ao apresentar o campo
do surgimento da análise institucional na França nos apresenta,
simultaneamente, o contexto sociocultural do surgimento dos dispositivos
de grupo. De um lado, o legado da chamada resistência francesa (que lutou
contra a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial), de outro, a
chegada de dispositivos de grupo na França, oriundos dos EUA,
impulsionados pelo plano Marshall.
Igualdade, liberdade e fraternidades são valores fundamentes da
república francesa que de algum modo foram atualizados no contexto do
debate político do século 20. Rodrigues nos conta que a resistência
francesa teve ativo envolvimento de partidos de esquerda, o que teria
permitido uma associação entre este ideário e os valores nacionalistas e da
República Francesa. É assim que a autora explica o interesse muito
especial dos francesas na potência de transformação social que os
dispositivos de grupo oriundos dos EUA reivindicavam para si.
Lembremos que os EUA são considerados o berço da terapia de
grupo a partir dos grupos de tuberculosos realizados pelo Dr. Pratt a partir
de 1914 (Klapman, 1946) e que se desdobraram em diferentes estratégias
de cuidados de doentes somáticos, e posteriormente, de cuidado
psicológico. É também o epicentro das perspectivas humanistas de
trabalho com grupo, nutridas em diálogo com a contracultura, e não nos
esqueçamos da teoria sistêmica, tão importante no trabalho com casais e
famílias. Entretanto, neste momento histórico que analisamos, o mais
208
importante é o fato dos EUA terem operado como uma terra de destino
para Jacob Moreno e seu psicodrama, e Kurt Lewin e seus estudos em
psicologia social focada nos grupos. São estas duas tradições que farão
grande impacto em solo francês e serão objeto de crítica e reapropriação
mais intensas.
A psicologia social de Kurt Lewin entendia o pequeno grupo tanto
como um laboratório para o estudo sociedade como um veículo para sua
transformação e de suas instituições. No contexto da Segunda Guerra
Mundial, a implicação política da pesquisa e a atuação de Lewin com os
grupos se destacou. De outro lado, Moreno afirmava que através da
sociometria sua teoria de grupo constituía-se também como uma teoria
sociológica dotada ainda de um dispositivo de intervenção sobre o social.
Chegando na França, estas proposições empolgaram muitos franceses que
as tomaram em seu valor de face, mas tantos outros passaram a interrogar
seus fundamentos de modo que nunca haviam experimentado em outros
países.
Ora, figura central do institucionalíssimo francês, Lapassade
(1967/1970) fará uma crítica determinante aos herdeiros de Lewin
mostrando como o pequeno grupo não pode ser considerado como
independente de seu contexto. Os chamados training groups ou T-groups
eram o foco deste debate. Originados do pensamento de Lewin,
propunham um aprendizado vivencial do grupo marcado pela não
diretividade. As pessoas vinham ao grupo onde encontravam um
“monitor” silencioso no início. Invariavelmente os membros do grupo
interagiam de algum modo e então o monitor poderia ajudar na nomeação
dos processos grupais que emergiam. Falava-se destes grupos como se não
possuíssem constrangimentos, como se fossem espaços desconectados do
contexto social, mas Lapassade irá demonstrar como as instituições sociais
os atravessavam, por exemplo, em relação a estrutura de poder que
sustenta a função do monitor.
Neste mesmo livro Lapassade irá debater com o psicanalista Didier
Anzieu ilustrando esta interlocução entre o institucionalismo e a
perspectiva psicanalítica de grupos nascentes. Por caminhos diferentes,
ambos portarão alguns elementos comuns, notadamente a crítica à ideia
do grupo como totalidade, como algo que se basta e se fecha em si mesmo.
209
Grupos não podem ser compreendidos de forma desconectada de seus
contextos, nem pensados como espécies de blocos, frente aos quais a
singularidade de seus membros se esvazia.
O que se desenha na abordagem psicanalítica de grupo na França
é largamente um desdobramento destas questões. As vias específicas que
serão seguidas neste processo são bem definidas em três textos
fundamentais do psicanalista Pontalis, reunidos e publicados em 1968 em
Après Freud (Pontalis, 1968/1993).
No primeiro, Um novo curandeiro: J-L. Moreno (Um nouveau guérisseur:
J.-L Moreno), Pontalis identifica pontos muito ricos do pensamento e da
prática de Moreno, mas critica de forma embasada e aguda a crença de
Moreno no enorme poder de sua abordagem na resolução de grandes
problemas sociais. Fascismo, luta de classes, delinquência... todos os
problemas sociais estariam no escopo de resolução do arsenal de Moreno.
Mas o que mais surpreende na leitura deste capítulo é o contraste desta
visão com o caráter simplório da teoria sociológica que a acompanha. O
caso de sua intervenção na prisão americana de Hudson é ilustrativo.
Apresentado como mostra da potência de transformação social do
repertório de Moreno, a intervenção logrou que os presos fossem
reagrupados em celas, levando-se em conta suas preferências. Entretanto,
em nenhum momento, Moreno se pergunta sobre porque só havia negros
nesta prisão, sobre os interesses envolvidos na autorização que lhe foi dada
e tantas outras questões de grande importância para ampla gama de teorias
sociológicas e psicossociologicas. A experiência potente com o pequeno
grupo parece levar a eclipsar os atravessamentos e complexidades sociais
existentes.
O segundo texto As técnicas de grupo: da ideologia ao fenômeno (Les
techniques de groupe: de l´ideologie aux phénomènes) parte da herança de Lewin.
Novamente Pontalis sublinha importantes contribuições do campo, mas
introduz o termo “ideologia” para nomear certa autonomia das crenças
sobre o grupo em relação aos fenômenos. Perspectiva que, em sentido
amplo, já havia parecido em sua análise da dimensão sociológica do
pensamento de Moreno resumida no parágrafo anterior. Aqui, entretanto,
Pontalis se deterá mais nos pequenos grupos. A análise da formação para
o trabalho com dinâmica de grupo é um ponto importante e esclarecedor
210
de sua abordagem. Há algo de ácido em sua análise. Uma frase ilustra bem
o caminho de sua argumentação no capítulo. Ao comentar sobre o
percurso de formação, afirma: “(...) chega o momento no qual você para
de pensar em indivíduos e pensa em grupo. Mas será que realmente você
encontrou uma nova dimensão da existência? Houve aprendizagem ou
doutrinação?” (p. 246. Tradução do autor).
Ao analisar os herdeiros de Moreno e de Lewin, o que emerge do
trabalho de Pontalis é exatamente o caráter emocional e ilusório da crença
nos poderes do dispositivo de grupo. Em seu terceiro texto, Pontalis irá
propor este aspecto como objeto de pesquisa para a psicanálise. Avança
assim a ideia que há um patente exagero fantasioso ligado às experiências
com os pequenos grupos, mas que é justamente então como fantasia que
o pequeno grupo se qualifica como objeto para a psicanálise. Vejam que a
hipótese em obra é a de que por traz dos exageros dos grupalistas, há um
combustível do próprio fenômeno grupal que cabe ser estudado.
Articula-se a isto um outro problema fundamental dado o lugar
que a psicanálise ocupava no contexto sociocultural francês: frente aos
discursos sociologizantes, caberia à psicanálise preservar ou resgatar o
lugar do sujeito em sua singularidade. Kaës também tocará neste tema em
alguns momentos, pontuando como para instaurar o grupo como objeto
para a psicanálise na França era mister contrapor-se às visões correntes do
grupo que acabavam por opor o grupo ao sujeito singular. A resposta da
perspectiva francesa a esta demanda é sua maior proeza teórica: uma visão
de sujeito complexa que articula sujeito e grupo evitando reducionismos e
que abordaremos como nosso último eixo neste capítulo.
Grupo: idealizado e temido
A perspectiva de Pontalis do estudo do grupo para o psiquismo é
trilhada por Anzieu (1975), em sua analogia entre o grupo e o sonho e,
notadamente, em seu conceito de ilusão grupal. Para Anzieu, “Os sujeitos
humanos vão aos grupos do mesmo modo que em seu sono entram no
sonho. Do ponto de vista da dinâmica psíquica, o grupo é um sonho”
(Anzieu, 1975, p. 146. Tradução do autor). Como no sonho, Anzieu
entende o grupo como espaço de realização imaginária do desejo e por
isso mesmo- seguindo o pensamento freudiano- algo que assusta, ou
211
mesmo aterroriza. Daí o lugar do grupo na cultura: ora desejado, ora
temido.
Já o conceito de ilusão grupal tem como referência prática o
célebre grupo dito do Paraíso Perdido, vivência grupal realizada em
poucos dias, sob condução conjunta de Anzieu e Kaës, cujo relato
detalhado e comentado foi publicado em 1976 (Kaës & Anzieu, 1976).
Tanto Anzieu quanto Kaës retomam este relato em momentos
importantes de sua teorização como no conceito de ilusão grupal de
Anzieu. O autor teoriza com este conceito sobre algo prosaico nas
experiências com pequenos grupos: um pequeno grupo formado há pouco
tempo passará por um momento de hipervalorização de si mesmo em
detrimento do que lhe é exterior. Esta hipervalorização pode tomar a
forma de um enaltecimento do coordenador do grupo, dos colegas, do
grupo como um todo, de seus potenciais etc.
Desde Freud (1921/1999), a literatura psicanalítica aponta como o
narcisismo individual é abalado no encontro grupal. Para Anzieu, investe-
se em uma espécie de narcisismo do grupo como forma de compensar este
abalo. Mas se a ilusão grupal pode ser lida por uma perspectiva defensiva,
é fundamental reconhecer seu papel fundante da vida do grupo, pois para
Anzieu, este momento é necessário na constituição intersubjetiva do
grupo. Mesmo quando a desilusão chega, algo deste período mítico inicial
se mantém. Talvez esta ideia fique mais clara quando o autor discorre
sobre a ilusão do casal. Para Anzieu (1986), os pares românticos passam
por uma variação deste mesmo fenômeno que se apresenta como o
momento de apaixonamento inicial do casal. Anzieu argumenta que por
mais que a paixão inicial não tenha como perdurar em sua intensidade
característica por muito tempo, sua existência cria um registro e uma base
para o vínculo do casal, importante também ao longo prazo da relação.
Evidentemente Anzieu não usa o termo ilusão desconsiderando o
uso prévio do termo na psicanálise. Cabe aqui salientar a proximidade do
uso feito por Anzieu com o proposto por Winnicott. Lembremos que
Winnicott (1971/2001) coloca o fenômeno da ilusão como fundamental
para a constituição psíquica de todos os sujeitos. Para Winnicott é
importante que um bebê possa se experimentar onipotente, experimentar
que ele é capaz de criar aquilo de que precisa. A ilusão, quando tudo vai
212
suficientemente bem, será ultrapassada em seu desenvolvimento, mas a
experiência lhe permitirá apostar em sua existência no mundo, investir sua
relação com o entorno, enfrentar dores e dissabores, enfim, é condição
para que se possa sentir que, mesmo com todos seus dissabores, a vida
vale a pena. A constituição do ser humano e sua saúde dependem da
experiência da ilusão que pode então abrir caminho para a experiência da
desilusão, igualmente importante para o sujeito.
Destacarei aqui dois aportes muito relevantes do conceito de ilusão
grupal para o trabalho com grupos. O primeiro diz respeito a retomar o
caminho feito desde Pontalis para pensar que a relação que temos como
profissionais com os dispositivos de grupo pode ser marcada pela ilusão e
o segundo é apontar alguns elementos técnicos na condução de qualquer
grupo quando informados pelo conceito de ilusão grupal.
Verdade que muitas vezes os profissionais recorrem ao uso do
grupo por imposição da alta demanda ou de seus superiores. Começar a
utilizar um dispositivo de grupo sem acreditar nele é que nem começar um
relacionamento sem gostar da pessoa, as chances de dar certo são mínimas.
Neste sentido, há algo de muito positivo quando o profissional se encanta
com uma palestra, uma leitura, uma experiência de grupo. Acreditando ele
mesmo no recurso, há mais chances de seus pacientes acreditarem. Mas é
igualmente importante entender que a relação humana com os pequenos
grupos é marcada por este “a mais de idealização”. Podemos nos encantar
e é bom que isso ocorra, mas devemos estar cientes de que há aí um
componente de ilusão. Melhor encaramos esta relação apaixonada com a
técnica como parte do “brincar” profissional (estou me referindo aqui ao
brincar winnicottiano, evidentemente). Não é tão raro, ainda hoje, que
uma escola ou técnica de psicoterapia de grupo ou processo grupal encante
de tal modo seus adeptos que eles saiam professando-a em um
proselitismo perigoso. Ora, se cada técnica de grupo pode realmente ser
algo bem-vindo e contribuir com os trabalhos nas diferentes instituições
socioassistenciais, nas empresas, nas escolas e nos consultórios, só o será
com a condição de permitir espaço para outros saberes e para o confronto,
sempre doloroso em algum momento, com a realidade.
O segundo ponto concerne nossa técnica de trabalho. Psicanalistas
têm fama de pessimistas. Não sei se é verdade ou não, mas de fato Freud
213
nos advertiu muitas vezes sobre o caráter defensivo de muitas de nossas
crenças sobre a realidade e a necessidade de as atravessarmos. Mas quando
um coordenador de grupo se depara com um grupo em ilusão grupal, não
deve atacá-la diretamente. Seu papel não é “trazer o grupo para a
realidade”, mas acompanhar o grupo neste momento necessário, sabendo
que se trata de uma fase importante e, eventualmente, quando surgirem
sinais que pressionam o grupo pela também necessária desilusão, ajuda-lo
neste processo.
Não é, portanto, o coordenador do grupo que “introduz” a
realidade contra a ilusão grupal, mas ele entende que a ilusão grupal é um
fenômeno que gera um ajuste precário com as demandas do mundo e dos
sujeitos e que mais cedo ou mais tarde, a desilusão precisa ocorrer para
que se evite o adoecimento. Em ilusão grupal não se aceitam diferenças
dentro do grupo, se avaliam mal os próprios recursos e o contexto externo,
se rechaçam dores e a passagem do tempo. Quando qualquer um destes
aspectos começa a se impor, quando o preço para se manter a ilusão grupal
é o sofrimento de um membro, sua expulsão ou adoecimento, ou ainda a
perda de vista da tarefa do grupo (no sentido pichoniano), é hora do
processo de desilusão dar alguns passos. Por vezes, o coordenador precisa
ajudar o grupo neste processo, impedindo uma agressão a um membro,
evocando a razão de ser do grupo, e ao mesmo tempo formulando em
palavras a dificuldade do grupo com este ou aquele aspecto, ou seja,
oferecendo uma interpretação que relacione o vivido no aqui e agora do
grupo com algum aspecto da ilusão grupal.
Um ponto ainda relevante já presente neste conceito de Anzieu é
a articulação entre a análise do grupo como fantasia, na linhagem de
Pontalis, e a identificação de processos grupais aparentados à noção de
“dinâmicas de grupo”. De fato, se a trajetória francesa parte de uma crítica
intensa à Moreno e à Lewin, ao mesmo tempo neles se apoia, sem poder
assim se desembaraçar deles totalmente. A dívida a Lewin é importante e
complexa. Kaës endereçará este problema em 1976 com o conceito de
aparelho psíquico grupal como articulador do estudo das imagens e
fantasias sobre o grupo com os processos nele ocorrido. O conceito
proposto como resposta a este desafio, por sua vez, delimita um campo e
um modo para a abordagem da complexidade da relação entre sujeito e
214
grupo que será intensamente explorado na obra de Kaës, e ao qual
retornaremos em breve.
Grupos em instituições: o uso de objetos e a consideração do contexto institucional
Algo que despertou meu interesse pela perspectiva francesa no
início dos anos 2000 foi o diálogo que encontrava nela com a minha
prática profissional em saúde pública. Notadamente, os aportes desta
teoria sobre o uso de objetos em grupo me ajudavam a pensar minha
prática e a de colegas com suportes que não encontrava em outras teorias
psicanalíticas de grupo. Outro elemento importante foi a consideração
constante, nesta corrente de trabalho, do contexto institucional. Nestes
dois pontos remontamos ao histórico que apresentamos, com a
importância dos recursos psicodramáticos já nos anos 50 e o diálogo com
os institucionalistas nos anos 60.
Soma-se ainda uma preocupação sustentada com a condução de
pesquisas universitárias ligadas ao cotidiano das instituições
socioassistenciais. Esta perspectiva de pesquisar a partir da prática é
especialmente importante no caso do uso dos objetos mediadores em
grupo. Em uma palestra no Brasil, Kaës (2005) apresenta este campo
sublinhando que tais práticas são normalmente realizadas em contexto
institucional, reunindo um número restrito de pessoal em um grupo e
valendo-se de objetos variados que acionam a sensorialidade e portam
elementos da cultura. Estamos aqui na versão francesa daquilo que no
Brasil frequentemente nomeamos como oficina, mas que também pode
receber outros nomes. São práticas que teriam sido criadas pelos
trabalhadores da linha de frente dos atendimentos e somente depois
teriam se tornado objeto de pesquisas psicanalíticas, dentre as quais a da
própria equipe de Kaës merece destaque. Nas palavras do autor:
As práticas de grupos de mediação são, provavelmente, as técnicas
de grupo mais comumente utilizadas nos serviços psiquiátricos. As
pessoas que praticam esse tipo de grupo nas instituições
psiquiátricas não são normalmente nem psicólogos, nem médicos;
são enfermeiros, às vezes educadores ou assistentes sociais. São
eles que, essencialmente, inventaram essas técnicas, que, a seguir,
215
foram retrabalhadas pelos psicólogos (...). Essas técnicas
mantiveram-se empíricas por muito tempo, porém, recentemente,
esforço considerável foi feito para dotar essas práticas de acento
clínico mais preciso de enquadre metodológico mais rigoroso e de
bases teóricas mais sólidas. (Kaës, 2005, p. 47-48)
Por outro lado, constatamos que a teorização sobre os objetos
mediadores realizada por Kaës e colaboradores é muito diretamente ligada
à teorização anterior sobre o psicodrama psicanalítico de grupo. De fato,
esta experimentação com técnicas do psicodrama parece ter aberto não só
uma disponibilidade para a pesquisa sobre o uso de recursos diferentes da
fala em grupo, mas estabeleceu os alicerces teóricos que seriam
requisitados nesta empreitada.
Grosso modo, a teorização francesa sobre o psicodrama e os
objetos mediadores aponta para a mobilização das vias sensoriais como
forma de colocar em movimento registros psíquicos precários ou
primitivos. Uma forma ilustrativa de nos aproximarmos deste tema
complexo é lembrarmos que mesmo um animal, digamos um cachorro,
que passe por castigos físicos terá seus músculos retesados e pode disparar
em fuga se levantamos um braço subitamente em sua frente. De modo
semelhante, crianças pequenas que sofrem algum acidente ou abuso antes
mesmo da aquisição da linguagem, portam marcas destas experiências ao
longo da vida.
Estes exemplos mostram que há formas de registro da experiência
vivida que não passam pela linguagem verbal. Ao que tudo indica, há uma
“associatividade sensório motora” (Brun, 2013). Um braço levantado de
um adulto pode fazer uma criança fechar e apertar os olhos, o coração
acelerar etc. Uma percepção visual que pode disparar um movimento de
olhos e uma mudança no ritmo cardíaco sem necessariamente passar pelo
registro de memórias evocativas de espancamentos no passado, por
exemplo.
A teoria francesa do uso de objetos mediadores busca retirar o
máximo deste fenômeno. As teorizações são complexas e diversas
dividindo-se sobretudo em dois campos. De um lado aquele
protagonizado por Kaës (2005) e Vacheret (Vacheret, 2000). De outro,
com uma produção mais recente, René Roussillon, Anne Brun e
216
colaboradores (Brun et al., 2013). Bernard Chouvier deve ainda ser
mencionado como um pensador original que transita bem entre estas duas
vertentes. De modo introdutório, posso dizer que todos esses olhares
buscam maximizar e utilizar clinicamente algo da ordem do efeito do
braço levantado no exemplo acima. Ou seja, o uso de objetos mediadores
nos grupos seria pensado como modo de se trabalhar com estes registros
psíquicos precários, pouco simbolizados, muito próximos do corporal.
Por isso mesmo, seriam potentes na clínica do traumático e de
psicopatologias que remetem a falhas nos registros psíquicos, identificadas
normalmente como fora do campo da neurose.
Em uma linguagem psicologicamente rigorosa, mas ao mesmo
tempo poética, lemos em Kaës:
(...) as mediações utilizadas nos processos terapêuticos de grupos
de mediação são os herdeiros do sonho, elas são os meios de
restaurar a capacidade de sonhar. Elas lhes propõem equivalentes.
Quando a capacidade de sonhar e de brincar está falha, as
mediações de próteses são necessárias, pois restauram essas
capacidades. Sob este ângulo, as atividades dos grupos de
mediação têm função essencial: a de tornar possível a criação de
sintomas que poderão, então, ser situados, nomeados,
reapropriados e reconhecidos a partir do conflito que lhes
organizam. Isso tudo sob a condição de que a fala acompanhe a
experiência de mediação (Kaës, 2005, p. 50).
Se na seção anterior falamos da necessidade de interpretações para
ajudar um grupo a dar passos no sentido da desilusão grupal, podemos
agora entender que a proposição de objetos mediadores em um grupo
pode ajudar ali onde a dificuldade é chegar até a ilusão grupal. Não à toa,
o uso de objetos seja opção frequente nos equipamentos de saúde mental.
Mas notemos que, como afirma Kaës (2005), as mediações não
substituem a fala, elas devem puxar a fala! Só faz sentido um uso
psicanalítico de objetos compreendendo-se que o grupo repousa em regras
que são comunicadas pela fala (portanto é a fala que possibilita o grupo) e
que os ganhos pelo trabalho de simbolização que se almejam, demandam
tanto a ativação da sensorialidade pelo uso dos objetos, quanto espaços de
fala sobre a experiência com estes objetos.
217
Do ponto de vista da técnica, deve-se sublinhar a ideia de um
brincar junto com os membros do grupo e os objetos. Claro, o
coordenador (ou analista ou ainda animador, como preferem os franceses,
conforme o autor e o caso) não se confunde com os outros membros do
grupo. A ele ou a ela cabe garantir o enquadre da atividade, suas regras
constitutivas. Seu envolvimento também pode ser compreendido como
um facilitador do processo. Há, é bem verdade, diferenças no papel do
coordenador em uma contação de história, em uma atividade com fotos,
nas diversas técnicas presentes na literatura. Mas de modo geral, evitam-
se as interpretações em sentido clássico do termo, pois se desviam da
proposta de estimular a capacidade de sonhar, podendo inclusive criar
situações de inibição ao livre associar.
Se os estudos franceses se aprofundam no uso terapêutico das
mediações, eles não fecham a porta para outros usos. Nesta perspectiva,
os objetos mediadores ajudariam na formação de novos vínculos,
permitiriam a aproximação de novos objetos de estudo e o encerramento
de atividades de formação, o trabalho sobre dificuldades pontuais de um
grupo etc. (Castanho, 2018). No entanto, são raros os trabalhos nesta
literatura que investiguem o uso de grupos com objetos mediadores fora
do contexto estrito do atendimento psicoterapêutico e algumas de suas
variações mais próximas.
O grupo como espaço de singularização
É Ana María Fernández (2006) que fala de uma lógica disjuntiva
que opõe indivíduo à sociedade como característica do pensamento
ocidental. Esta lógica seria caracterizada por uma oscilação entre
extremos: uma redução dos fenômenos humanos ao indivíduo
redundando no psicologismo, ou sua redução à dimensão social.
Fernández irá encontrar no pensamento de Kaës um avanço significativo
nesta superação. Em diálogo com esta autora reafirmei este entendimento
da contribuição de Kaës, ainda que ao redor de outro aspecto de sua obra
(Castanho, 2015), caminho semelhante ao de Claudine Vacheret ao ver em
Kaës uma ruptura de paradigma no sentido do pensamento de Thomaz
Kuhn (Vacheret, 2010). O que se evidencia aqui é a potência do
pensamento do autor em renovar este debate clássico das Ciências
218
Humanas, potência que se concretiza na obra de Kaës, mas responde a
questões que atravessam de modo particularmente forte os autores da
perspectiva francesa de grupo desde sua origem.
Retomando a seção anterior, interessante notar que Vacheret
(2000) fala em sinergia entre o grupo e o objeto mediador ao indicá-los
para os casos mais graves. Ocorre justamente que a tradição francesa
entende o dispositivo de grupo (mesmo sem objetos mediadores) como
um recurso capaz de responder aos desafios da clínica frente a
problemáticas não neuróticas. Há um grande debate na psicanálise
contemporânea sobre os limites ou as dificuldades do dispositivo analítico
proposto por Freud no trato das chamadas patologias narcísicas, que
aparentemente vêm crescendo em nossa época, mas que remetem também
a certos públicos que tradicionalmente não frequentavam os consultórios
de psicanalistas. Assim, ao falarmos de grupo, estamos, na verdade, no
mesmo terreno da problemática que desenvolvemos em relação aos
pacientes que se beneficiariam do uso de objetos mediadores. Falamos de
pessoas cujas dificuldades nos remetem a falhas de seu ambiente que
ocorreram em fases precoces de seu desenvolvimento e/ou falhas
ambientais e culturais que dificultam ou impedem processos necessários à
constituição do sujeito.
Nesta perspectiva, o dispositivo de grupo seria um espaço onde se
reeditam estes processos mais primitivos, sendo, por isso mesmo, uma
estratégia promissora para abordá-los clinicamente. Esta especificidade
clínica do dispositivo de grupo remete a uma concepção na qual a
intersubjetividade, a presença humana múltipla, é constitutiva para o
sujeito. No linguajar winnicottiano poderíamos dizer que um bebê não
existe desde seu próprio ponto de vista. O ser humano emerge desta
relação inicial com a mãe ou com outra figura de cuidado, ou ainda, do
ambiente como um todo, quando tudo se passa suficientemente bem.
Trabalhar em grupo seria então se posicionar mais proximamente destes
processos constitutivos. Este tipo de olhar traz uma marca muito
importante para a corrente francesa: a perspectiva do grupo como berço
originário do psiquismo.
Verdade que o problema da lógica disjuntiva entre sujeito e
sociedade sempre foi endereçada pelas teorias psicanalíticas de grupo. Em
219
Pichon-Rivière (1985/2000, 1985/2007) vemos um grupalista que pensa a
relação entre sujeito singular e grupo de modo dialético. Ao dizer que este
autor latino-americano parte da psicanálise para a psicologia social já
temos uma ideia de como ele poderá encontrar apoio na dialética para
pensar a determinação mútua e recíproca entre o sujeito e seus grupos. A
categoria da dialética no pensamento psicanalítico francês de grupo
mereceria um capítulo especial, mas o que me parece importante aqui é
que ao mesmo tempo que os franceses reconhecem esta mútua e recíproca
determinação entre sujeito e grupo, apontam que ela não se dá entre
elementos de mesma natureza. Para eles, o grupo é anterior ao sujeito e se
relaciona com ele fortemente naquilo que diz respeito às suas origens, seus
processos mais fundamentais e vitais, sua existência e transcendência.
Tudo que é da ordem do grupo mobiliza aquilo que nos originou
como sujeitos, nos sustenta em nossa existência no presente e permite que
sigamos nosso processo de subjetivação. Os modelos vão se
multiplicando, complexificando e especificando, sobretudo em Kaës.
Desde o conceito de aparelho psíquico grupal, Kaës (1976/2000) postula
que uma parte da vida psíquica do sujeito ocorre fora dele, nos grupos. Os
espaços psíquicos comuns e partilhados do grupo são co-construídos
inconscientemente de modo complexo e mobilizam estratos profundos do
funcionamento psíquico de cada sujeito. Daí que uma interpretação ou
manejo dirigido a algo comum e partilhado no grupo possa ser
considerado como atingindo cada sujeito de modo potencialmente
diferente, convocando-os a mudanças e reequilíbrios psíquicos. O
trabalho com grupos, neste sentido, vai sendo menos percebido como o
trabalho com uma totalidade, “o grupo”, e mais como um transitar entre
espaços psíquicos comuns, partilhados e singulares que permitam relançar
esta potência do grupo como berço originário do psiquismo, visando
processos de subjetivação e singularização.
Esta visão, inovadora e complexa da relação entre sujeito e grupo
remete à problemática das alianças inconscientes (Castanho, 2015; Kaës,
2009) e implica uma visão do sujeito do inconsciente como sujeito do
vínculo (Castanho 2018; Kaës, 2007). Tema extremamente complexo que
não podemos mais do que assinalar no escopo deste capítulo. Ele implica
uma discussão filosófica densa sobre o que é o ser humano (ontológica),
220
sobre o que ele pode conhecer do mundo (epistemologia) e sobre o que é
saúde para ele. Discussões extremamente complexas que possuem
implicações práticas importantes a salientar neste capítulo.
Aportes importantes sobretudo em um mundo adoecido pelo que,
desde Lasch (1979/1983), chamamos de cultura do narcisismo e que
poderíamos referir sinteticamente hoje como uma sociedade que sofre e
faz sofrer do narcisismo. Nela, encontramos de um lado tendências
individualizantes e isolacionistas que encarceram sujeitos em sofrimentos
sem saída, de outro, movimentos homogeneizantes, que igualam todos e
impedem ou atrapalham singularizações. O olhar de grupo francês é
promissor no campo teórico e clínico para endereçarmos esses problemas.
Trabalhamos sobre as bases psíquicas comuns e partilhadas de todos os
sujeitos, para relançar de um lado a vida e a experiência de pertencimento
humano, de outro, abrir os processos de singularização e de subjetivação
incessantes.
Conclusão
Vimos ao longo deste capítulo como o contexto histórico do
nascimento da perspectiva francesa de grupos marca as opções iniciais
feitas pelos estudiosos desta área e como estas opções organizaram longas
e frutíferas trajetórias de pesquisa. Começamos abordando o estudo das
crenças relacionadas aos grupos e suas relações com o processo grupal.
Seguimos apresentando a proximidade com o trabalho em instituições pela
via do olhar institucional e do uso de objetos. Finalizamos apresentando a
perspectiva do dispositivo de grupo como aquele que promove processos
de singularização, indicando a relação desta perspectiva com questões
ontológicas e epistemológicas e sublinhando sua importância no
enfrentamento do sofrimento narcísico da atualidade.
Em sua trajetória histórica, a afirmação da centralidade do
referencial teórico psicanalítico e da prática clínica (em sentido ampliado)
ajudou a distinguir esta perspectiva em relação à análise institucional, com
a qual se unia em algumas posturas críticas comuns nos anos 60.Tais
opções também contribuíram para que a perspectiva psicanalítica de grupo
francesa se mantivesse próxima dos campos nos quais a psicanálise já
atuava, notadamente nas instituições de saúde e em algumas interfaces
221
com o Judiciário, como no trabalho com adolescentes em conflito com a
lei. Esta característica ganha nitidez ao ser comparada com o
desenvolvimento do trabalho com grupos na América Latina a partir do
grupo operativo.
O grupo operativo de Pichon-Rivière (2007/1985) foi
desenvolvido sob demandas sociais bem diferentes das demandas do
contexto Francês que analisamos. O contexto Argentino viu nascer um
dispositivo de grupo que transita elegantemente entre campos totalmente
distintos de atuação. A proposta do centramento na tarefa do grupo é o
que permite esta maleabilidade em relação aos campos de atuação. É por
esta característica que Pichon-Rivière afirma que “O grupo operativo é
universal (...)” (Pichon-Rivière, 2007/1985, p. 240. Tradução do autor).
Acredito que seja possível e frutífera a empreitada de retomar os
três eixos do pensamento francês aqui apresentados, utilizando-os em
grupos que sejam centrados na tarefa e ampliando assim seu escopo de
ação. Mas na finalização deste capítulo, não posso fazer mais do que
sugerir que esta empreitada é bem mais complexa e que o leitor poderá
encontrar mais sobre ela em outro texto (Castanho, 2018).
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225
12 Mais alguns conceitos bionianos
importantes para a psicanálise das
configurações vinculares Waldemar José Fernandes
Há inúmeros conceitos e reflexões trazidos por Bion, que
enriqueceram a psicanálise. Muito deles são de grande importância no
trabalho com grupos, casais, famílias e instituições. Discutiremos um
pouco mais sobre alguns desses conhecimentos neste capítulo, na intenção
de convidar o leitor a refletir conosco e avaliar se lhe parecem úteis, como
consideramos.
Selecionamos os seguintes itens para reflexão:
1) Função psicanalítica da personalidade;
2) Universo em expansão;
3) Conhecimento;
4) Mudança catastrófica – establishment;
5) O pensar e os pensamentos;
6) Teoria das Funções – Funções alfa () e beta () – Rêverie;
7) Teoria das Transformações – Realidade incognoscível;
8) Teoria dos Modelos;
9) Barreira de contato e sua deterioração; e
10) Psicopatologia da Posição Esquizo-paranoide –
Personalidade psicótica – Ataque aos vínculos – “Super”-ego.
1) Função psicanalítica da personalidade
É a atração que sentimos em direção à verdade e ao conhecimento de nós
mesmos. Entre os conceitos de Bion, esse é um dos mais significativos, e
refere-se ao fato de que a busca epistemológica é inata em cada um de nós.
226
A tendência a buscar a verdade deve ser desenvolvida no processo
psicanalítico, com a introjeção dessa função do analista. Num grupo bem
evoluído, essa busca é algo que se tornará parte do grupo. Sempre que
alguém distorce os fatos ou utiliza muito de mecanismos de defesa, outros
participantes tendem a fazer questionamentos que possam levar à verdade.
Chamamos de realidade psíquica à realidade interna do sujeito, forma
especial da existência que não deve ser confundida com a realidade
material. “O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua
natureza mais íntima é tão desconhecido quanto a realidade do mundo
externo” (Freud, 1900/1996, p. 33). Essa realidade interior é mais rica, e
geralmente preferida à realidade externa.
Para Melanie Klein e Bion, tal realidade psíquica está povoada por
fantasias inconscientes. “O objeto de conhecimento em psicanálise é a
realidade psíquica – de si mesmo e do outro... A busca da realidade psíquica
é inerente ao ser humano; é a chamada Função psicanalítica da personalidade”
(Bion, 1962/1991, p. 123).
Podemos entender tão importante função, como a que está
diretamente relacionada com a busca da verdade e do conhecimento da realidade psíquica
de si mesmo, desde o nascimento, antes e depois da análise, o que deixa para
o analista apenas a possibilidade de ajudar no seu desenvolvimento,
enquanto o processo analítico durar. Tal tendência a buscar a verdade deve
ser desenvolvida no processo psicanalítico, com a introjeção dessa função
do analista.
2) Universo em expansão
Esse conceito de Bion refere-se à meta do trabalho analítico: uma
ampliação do espaço interno e externo dos analisandos, que denominou
“um universo em expansão, o que envolve a conquista e o respeito à
liberdade, própria e do outro. Zimerman (1995, p. 66) reflete que, com
essa expressão, Bion costumava afirmar que “o processo psicanalítico não
deve procurar verdades acabadas e nem conclusões definitivas; pelo
contrário, ele deve se constituir em novas e progressivas aberturas numa
constante interrelação entre o sensorial e o abstrato (...)”.
Gostaria então de enfatizar o interesse de Bion pelo tema do
pensar, como sinal e fator de expansão do universo mental. Essa
227
abordagem deixa entrever que o movimento psicanalítico teve grande
impulso com Bion, no sentido de propor um alargamento das mentes do
analista e do paciente e, eu acrescentaria, dos participantes das
configurações vinculares, em geral.
Um universo em expansão implica alterações dos pontos de vista, que
terão de ser expandidos. É um processo interminável de constante
abertura e crescimento mental, que faz lembrar da “espiral dialética” de
Pichon-Rivière (1980/1982, p. 56). Esse projeto de abertura se aplica a
pacientes e a analistas, sendo de grande interesse para quem trabalha com
grupos.
No grupo terapêutico, não adianta o analista se manter no modo
universo em expansão, enquanto o grupo buscar algo diferente ou cada
paciente procurar a cura de todos os seus males ou mesmo uma orientação
sobre o que fazer em determinada situação. Há que encontrar um caminho
do meio, um acordo que viabilize o trabalho.
A meta universo em expansão exige disponibilidade para lidar com as
diferenças e com ideias novas, assim como autenticidade e flexibilidade do
analista. O processo psicanalítico grupal, tal como o familiar ou o
institucional, deve possibilitar novas aberturas, em constante crescimento
grupal e pessoal, com aprendizado pela experiência; verdadeiramente
aprender a pensar, no sentido bioniano, como veremos a seguir.
3) Conhecimento
O tema do conhecimento, como é visto por Bion, tem grande
importância no trabalho psicanalítico e, muito especialmente, na
psicanálise vincular.
Todos conhecemos, nos grupos, na atividade clínica e no dia a dia
de qualquer sujeito, como é difícil se encontrar pessoas que realmente
consigam aprender com a experiência. Tal ocorrência pode surpreender,
já que consideramos natural e esperada uma certa atração pela verdade,
pelo conhecimento. Qual a origem dessa dificuldade?
Como vimos na abordagem sobre o Vínculo K, o do
conhecimento, ele caminha sempre junto com o Vínculo do Amor, assim
como o não conhecimento caminha com o Vínculo do Ódio, H. Numa
evolução da teoria kleiniana, Bion colocou as dificuldades de
228
aprendizagem junto com a patologia da posição esquizo-paranoide, o que
fica bem claro na explicação de David Epelbaum Zimerman (1995, p. 110-
111): Se “prevalecer (...) uma admiração pelas capacidades criativas do
interior materno desenvolve-se uma progressiva e sadia capacidade
epistemofílica. Já os distúrbios de aprendizado e (...) psicóticos
relacionam-se à curiosidade destrutiva e invejosa com relação ao corpo da
mãe”.
A aprendizagem está diretamente relacionada à capacidade de lidar
com aquilo que é novo. O problema é que esse novo costuma incomodar,
assustar e, de certa forma, até agredir, ou seja, a ideia nova contém uma
força potencialmente disruptiva e ameaçadora, que pode despertar reações
violentamente contrárias por aqueles que são porta-vozes das velhas
estruturas, que não querem ver renovadas. Por exemplo, nos mitos do
Éden, de Édipo e de Babel vemos que a curiosidade de chegar ao
conhecimento é castigada, por ser um pecado. Tais mitos mostram as
vicissitudes do indivíduo e dos grupos na busca da verdade – proibida
pelos deuses.
Veremos que a função do pensar, na concepção bioniana, não é o
mesmo que possuir pensamentos ou adquirir informações, mas é
resultante de uma disponibilidade e desejo do sujeito para saber o que não
sabe.
No trabalho clínico, frequentemente as pessoas pretendem se
livrar do que as incomoda, fazer algo e, tal como numa cirurgia bem-
sucedida, o que estava doente seria extirpado. Por vezes, perdem o sono
e, como um cachorro perseguindo o próprio rabo, ficam compulsiva e
inutilmente querendo resolver o incômodo.
Em situações assim, dizem que ficaram pensando o tempo todo.
Mas o que me parece é que isso é exatamente o que não fizeram. Então,
acho pertinente a observação de Bleger: “muito do que se chama pensar é
somente um círculo vicioso e estereotipado (...), uma dissociação com a
tarefa, um pensar que não acontece nem segue à ação, mas que a substitui”
(Bleger, 1961/1979, p. 64).
Pode-se dizer que psicanalisar é pensar e estimular o pensar do
outro, assim como trabalhar psicanaliticamente com as configurações
229
vinculares é o mesmo que estimular o pensar nas vinculações intra e
intersubjetivas. Isso implica lidar com o pensamento e com a intuição.
Intuir vem do latim intuitus, formado de in (dentro) + tuere (olhar)
= olhar para dentro. Esse é nosso objetivo: ajudar aqueles que nos
procuram a olhar para dentro de si, para aprenderem a lidar com sua
afetividade, presente em todos os contextos. Nesse sentido, Zimerman
(2012, p. 167) expressa bem “(...) uma metáfora de Bion, que recomenda
que o analista lance sobre sua visão um facho de escuridão para que possa ver
melhor, da mesma forma como as estrelas ficam mais visíveis na escuridão da
noite”.
Os pacientes que nos procuram frequentemente querem soluções
para seus problemas e respostas para suas aflições, mas pensar tem a ver
com o desafio de tentar lidar com os problemas e com as aflições, em vez
de pretender exterminá-los como uma praga.
4) Mudança catastrófica
Bion queria indicar com essa expressão que “o crescimento exige
todo um processo de transformação que, às vezes, implica mudanças
muito significativas, como, por exemplo, a transição da posição esquizo-
paranoide para a posição depressiva” (Zimerman, 2012, p. 184). Essa
transição pode ocorrer acompanhada de intensa angústia, de tal modo que
a pessoa, mesmo num processo sadio de evolução, sofre muito e tem a
impressão de que vai enlouquecer ou morrer.
Como relatado em Fernandes (2003), esse é um conceito de Bion,
de 1966, que mostra que sempre encontramos uma conjunção constante
de fatos específicos nos mais diferentes contextos, como na mente, no
grupo ou nas instituições, com a tendência a se manterem estáveis. Sempre
que tal conjunção de fatos encontrar-se com a possibilidade iminente de
crescimento, de mudança, pode ocorrer o que ele chamou de mudança
catastrófica.
O clima emocional existente nesse caso é caracterizado pela
violência, invariância e subversão do sistema, o que pode acontecer, por exemplo,
nos grupos terapêuticos, quando um fato novo, uma nova ideia ou uma
intervenção eficaz pode promover mudança estrutural no grupo.
230
As vicissitudes da ideia nova dentro do grupo podem ocorrer para
evitar o nível de funcionamento grupal chamado de Grupo de Trabalho,
entrando parcialmente no nível de Supostos Básicos. São defesas contra a
mudança catastrófica. A crise psicótica, contida ou não nos limites da
situação analítica, é também um exemplo de mudança catastrófica. “A
mudança é catastrófica no sentido restrito de um acontecimento que
determina uma subversão da ordem ou sistema de coisas; é catastrófica
porque desperta sentimentos de desastre nos participantes e porque
aparece de forma brusca e violenta” (Grinberg et al., 1972/1973, p. 63).
Pela mesma razão é violenta, pois a ideia nova tende a promover a
subversão de sistemas com aspectos organizados, estáveis e rigidez
caracterológica, tipo casal, grupo institucional, familiar ou outra
configuração grupal – a mente inclusive. Bion denominou establishment a
essa organização rígida, que resiste ao crescimento vinculado à mudança.
4.1) Establishment
É a situação de poder, estabilidade e organização – mental ou
institucional – com tradições e normas estabelecidas, condizentes com a
época e a cultura. Essa estabilidade é ameaçada sempre que surge uma ideia
nova, que, para Bion, é trazida por alguém, que ele denominou “gênio”,
“místico” ou “herói”, como foram as ideias de Jesus para o poder romano,
por exemplo, ou de Giordano Bruno, que, tal como Copérnico, ousou
afirmar que a Terra não era o centro do universo, ideia que foi altamente
disruptiva, verdadeiro sacrilégio, para o establishment científico da época.
No grupo (Fernandes, 2003), o portador de uma ideia nova
provoca na parte estável e de nível mais evoluído do grupo (que é o nível
de grupo de trabalho) uma instabilidade, isto é, reações de evitamento e
hostilidade contra a mudança, sempre inerente a uma ideia nova.
O grupo pode expulsar o gênio ou endeusá-lo, e pode ser absorvido
pelo establishment, perdendo assim a força ameaçadora de suas ideias. Por
outro lado, o establishment torna a ideia nova mais acessível ao resto do
grupo, por exemplo, mediante dogmas religiosos, leis etc., o que provoca
limitação e controle da ideia nova, mas permite sua sobrevivência e
eventual transmissão.
231
Nas instituições de saúde pública conhecemos bem o papel
inovador daqueles que pensam criativamente, que oferecem espaços para
discussões em grupos e que aproveitam as brechas na estrutura rígida do
establishment para introduzir ideias e propostas, semeando mudanças;
conhecemos também as resistências a isso. O mesmo fenômeno ocorre
no campo da educação-aprendizagem na área psi.
Nas instituições educadoras, ou formadoras na área psi, a
necessidade de se ter abertura, questionar projetos e fazer constante
reavaliação do desempenho é vital, o que pode ocorrer com auxílio de
grupos psicanalíticos de reflexão.
Mecanismo análogo ao descrito até aqui também é encontrado nas
instituições psiquiátricas tradicionais, onde há um verdadeiro muro que
separa os profissionais dos pacientes. Já o relacionamento horizontal,
existente nas comunidades terapêuticas, é baseado na premissa de que os
loucos não são tão loucos, nem os sadios tão sadios.
Da mesma forma, quando propomos Grupos Psicanalíticos de
Discussão nos eventos científicos, o establishment, formado pelos que se
autopromovem e se regozijam com os aplausos, se organiza contra a ideia
de horizontalizar o conhecimento latente e suas possibilidades criativas.
Parece um bom modelo para uma reflexão: a divisão em castas pode ser
agradável enquanto pertencemos à casta superior, com suas vantagens,
mas, como seres humanos, seremos tão diferentes assim?
Vimos, então, como os conceitos de mudança catastrófica e de
establishment estão implicados. A mudança catastrófica está relacionada à
arrogância, mais um conceito de Bion, que, entre outros sentidos, refere-se
à tendência à negação, seja da realidade externa, seja da interna, geralmente
relacionada a uma ideia nova que ameaça induzir o participante do grupo,
ou o paciente de modo geral, a rever estruturas estabelecidas, tornando
mais frágeis suas defesas. Ela é inevitável na evolução. “(...) proponho
mudança catastrófica como uma passagem necessária pela posição
depressiva à superação da negação e aceitação do sofrimento no processo
positivo de mudança e de crescimento emocional” (Gerber & Figueiredo,
2018, p. 19).
É fundamental a repercussão clínica que a mudança catastrófica
pode provocar, como o ataque aos vínculos e o medo de enlouquecer, a
232
explosão de acting-outs, angústia, depressão, sentimentos de confusão etc.
É aí que o vínculo analista-analisando se vê mais ameaçado, e a capacidade
do analista é essencial.
Tanto o analista como os pacientes temem a mudança e o
crescimento, porque a ameaça do desconhecido é acompanhada de uma
dolorosa angústia catastrófica. Por isso usamos diversos caminhos para
tentar escapar de situação tão sofrida: “Assim, Bion alerta para o fato de
que os caminhos de fuga dessa tão temível mudança catastrófica são de
três modalidades: uma fuga para o passado (memória), para o futuro
(desejo) ou para o presente (compreensão intelectiva)” (Zimerman, 1995,
p. 173). Tendo refletido sobre o conhecimento e a mudança catastrófica,
podemos nos deter agora sobre o instigante tema do pensar.
5) O pensar e os pensamentos
Freud já havia aludido ao instinto do saber/de pesquisa. Melanie
Klein, em O desenvolvimento de uma criança (1921/1991), referiu-se à pulsão
epistemofílica, como meio de controlar a ansiedade, mencionando a
curiosidade inata da criança para conhecer o mistério do corpo da mãe.
O conhecimento é perigoso e penoso. É uma entrada no
desconhecido que está à frente e a necessidade de sair de um terreno que
parecia seguro até então. A tendência a buscar conhecimento desperta uma
defesa automática e inconsciente que contrabalança o medo ligado ao
recalque de aspirações, desejos e instintos.
Segundo Bion, os afetos são o alimento da mente. Os
pensamentos são formados por interações cognitivo-afetivas e têm
capacidade para promover o desenvolvimento mental, permitindo à mente
a comunicação e a expansão rumo ao intersubjetivo.
Freud (1936/1969) achava que o pensamento seria o processo
mais adequado para se suportar o adiamento da satisfação relacionada a
uma pulsão. O pensamento e o princípio da realidade seriam sincrônicos.
Ele enfatizou que o princípio da realidade vai se fortalecendo junto com a habilidade
para pensar, o que ocorreria da seguinte forma: entre uma necessidade não
satisfeita e uma ação que a satisfaça, há um vazio – de espera – com algum
grau de frustração. O pensar visa a preencher exatamente esse vazio.
233
A partir da experiência emocional primitiva da ausência do
objeto, formam-se os pensamentos, o conhecimento
cognitivo, o conhecimento intuitivo e o conhecimento de
si mesmo. Esse é o caminho da busca da verdade, utilizado
no referencial analítico.
No trabalho grupal buscamos a verdade que está por trás do
material latente. Para Bion, a realidade última do objeto é incognoscível.
Trabalhando psicanaliticamente com grupos – tanto quanto na situação
bi-pessoal – o objeto de conhecimento será a realidade psíquica, povoada
de amor, ódio e angústias as mais diversas, e tendência ao conhecimento,
sendo que todo conhecimento se origina de experiências primitivas de ordem emocional,
em que existe ausência de objeto.
A tolerância à frustração é uma condição sine qua non para o
processo do pensar, processo que ocorre com os encontros e com a
interação entre os diversos pensamentos.
O pensamento é um substituto da descarga motora. A capacidade
de pensar permite protelar e suportar a espera entre o momento do desejo
e o da ação para satisfazer a necessidade.
Bion sustentava que o princípio de realidade funcionaria sempre
simultaneamente com o princípio do prazer. Na medida em que ganha em
realismo, a psique vai substituindo a descarga motora pelo pensamento,
assim fazendo para modificar o meio ambiente.
Habitualmente as teorias se referem aos pensamentos como sendo
produzidos pelo ato de pensar. Bion revolucionou tais teorias.
É interessante e inédita a ideia bioniana de que os pensamentos
antecedem e independem do pensador. Quando o pensador vai pensá-los,
tais pensamentos deixam de ser verdadeiros, tornando-se falsos: “(...)
trata-se de um pensamento errante em busca de algum pensador, para se
alojar nele” (Bion, 1977/1992, p. 131). Na verdade, Bion “(...) sustentava
que a psique é obrigada a pensar pois se depara com pensamentos que
antecedem a própria existência dela” (Bléandonu, 1990/1993, p. 142).
Concepção e realização do desejo – Bion colocava certa cronologia nas
experiências que levam à capacidade de pensar, começando, antes de tudo,
com a preconcepção, cujo modelo é o conhecimento a priori do seio, uma
234
disposição inata do bebê quanto à expectativa de algo que certamente lhe
dará satisfação.
Quando uma preconcepção encontra uma realização positiva, como o
seio bom gratificador, delineia-se uma concepção, já com certa qualidade
perceptiva e sensorial. Em outras palavras, a preconcepção se transforma
numa concepção quando o lactente entra em contato com o seio mesmo.
A conscientização dessa realização vem acompanhada de
um desenvolvimento conceitual. Por conseguinte, “todas
as concepções estarão constantemente ligadas a uma
experiência emocional de satisfação” (Bléandonu,
1990/1993, p. 142).
Da correlação entre as concepções surgem os conceitos, que
posteriormente permitirão o julgar; e da avaliação das
diferentes formas de julgar emergirá a capacidade de
raciocinar.
Se a capacidade para tolerar frustrações for suficiente, a ausência
de satisfação do desejo (a ausência do seio, por exemplo) torna-se um
elemento primitivo do pensamento – um protopensamento. Desenvolve-se,
então, uma espécie de aparelho psíquico para pensá-lo – o Aparelho para
pensar os pensamentos.
Caso a tolerância à frustração seja muito pequena e não exista a
necessária continência materna, o seio ausente, internalizado como mau (o
não-seio) terá de ser evacuado por identificação projetiva, fator importante
na compreensão da personalidade psicótica, outro conceito bioniano que
veremos um pouco adiante.
Vimos um pouco do processo de pensar os pensamentos e suas
vicissitudes na mente, no grupo, nas famílias ou nas instituições, questões
que envolvem a criatividade, as possibilidades de comunicação e de
crescimento pessoal ou grupal.
Mas será que nossos pacientes sabem pensar? Esse foi o tema de
uma conversa com o saudoso David E. Zimerman, que provocou em mim
uma inquietação: será que nós, terapeutas, sabemos pensar?
235
Fragmento de sessão grupal
Mário: Estou muito deprimido. Meus filhos não se entendem entre
eles, nem comigo. Tenho de sustentá-los até hoje. Fico desolado.
Josefa: Oh, Mário, lá vem você! Já discutimos sobre isso diversas
vezes, e sempre alguém sugere que você deixe que eles vivam a
própria vida, trabalhem e gastem o próprio dinheiro. Não tem
cabimento você sustentar marmanjos de 30 anos de idade!
Renato: Estou cansado de vir aqui e não receber nenhuma
orientação. Me sinto embananado.
Comunicações como essas, em que a posição esquizo-paranoide
predomina individualmente ou prepondera na dinâmica grupal, torna
difícil o pensar, pois o grupo tenta se fixar na suposição básica de luta e
fuga, de dependência ou qualquer outra forma estereotipada de estar.
No exemplo citado, só uma participante do grupo tentava
argumentar e promover uma reflexão. No caso, a reação a essa
argumentação foi “mas o meu problema é que penso demais!”
Talvez se possa dizer para os participantes do grupo, então, que
estão pensando de menos, e que confundem pensar com reclamar.
Vimos anteriormente os níveis de funcionamento mental em que
o pensamento de grupo, em suas expressões primitivas e evoluídas,
coexistem na situação grupal. São os aspectos transubjetivo-míticos do
pequeno grupo.
Além desse pensamento grupal, os sujeitos ali presentes quando o
grupo está reunido estarão em busca de ajuda, de conhecimento e de
vislumbrar saídas para suas labirínticas confusões.
É importante, então, que façamos um estudo de um tema muito
caro para Bion: o processamento do pensar, que tem fortes componentes
intrassubjetivos e intersubjetivos e posicionamento ímpar na psicanálise
vincular.
Uma das formas de não se usar o pensar é gastar tempo tentando
convencer o interlocutor que nós é que temos a verdade, nós é que temos
razão, evento comum no dia a dia dos casais, das empresas etc.
236
A dinâmica grupal muitas vezes é: cada um tem a verdade, e o outro tem
de aceitá-la como única. Há outras possibilidades de o grupo evitar o pensar:
alguém que insiste em que é perseguido por algum personagem mau,
culpado de tudo – enquanto ele é bom e vítima dele, sem disponibilidade
de ouvir e pensar sobre qualquer intervenção do terapeuta ou dos demais.
Assim, a evasão do pensar é das defesas mais comuns, embora nem
sempre captadas por nós, um tipo de resistência, e como tal corresponde à
repressão, ao recalque de material que não foi elaborado.
Tal como Zimerman (1999), acreditamos que:
(...) a função de pensar não é o mesmo que possuir pensamentos
ou conhecimentos (saber), mas sim que ela resulta de uma
disposição do sujeito para saber o seu não saber; logo, pensar
consiste em ter problemas a solucionar, e não em ter soluções para
os problemas. (p. 18)
6) A Teoria das Funções – Funções alfa () e beta ()
Podem ser encontrados em Fernandes (2003) alguns temas para
dar sequência à reflexão que estamos fazendo. Inspirado na matemática,
Bion (1962/1991) criou as noções de função e fator como variáveis em
relação com outras variáveis psíquicas. O termo função não tem o mesmo
sentido que em matemática, nem faz parte da teoria psicanalítica. “São
instrumentos de trabalho para que o psicanalista praticante possa mais
facilmente pensar sobre o desconhecido” (Bion, 1962/1991, p. 121).
Para ele, fatores são elementos que fazem parte de uma função,
como, para exemplificar, o excesso de identificações projetivas e o excesso
de objetos maus são fatores da não satisfação dos desejos, das pulsões.
A função alfa () e a tela beta ()
Bion propôs uma função da personalidade, à qual
denominou função alfa (), que opera sobre as impressões
sensoriais e experiências emocionais percebidas, transformando-as em
elementos alfa ().
237
Os elementos , já transformados no plano mental em modelos
auditivos, olfativos e, principalmente, em imagens visuais, podem ser
utilizados para pensar, sonhar e simbolizar.
Ao conjunto organizado de elementos , Bion denominou barreira de
contato, que, tal como uma membrana semipermeável, separa e une o
consciente e o inconsciente. Com isso, impede que a fantasia prevaleça e
distorça a realidade. Da mesma forma, impede que a visão realista perturbe
a criatividade e interfira demais no mundo intrassubjetivo, assim como o
ato de sonhar protege o sono. A barreira de contato é a base do vínculo
consigo mesmo e com o outro, dentro da normalidade.
Quando o conjunto não é organizado – tela beta ()
Elementos beta () são as impressões sensoriais e as experiências
emocionais não transformadas, vividas como coisas em si, que serão evacuadas
por identificação projetiva patológica, como no acting-out, por exemplo, e
não servirão para pensar nem sonhar.
Como vimos, a limitação consciente-inconsciente advém da
barreira de contato formada por elementos alfa. Quando não ocorre a
discriminação consciente-inconsciente, quem sabe poderíamos pensar
numa barreira de contato composta de elementos beta? Mas, como falar em
composição, se os elementos beta não são capazes de uma vinculação
organizada?
A esse amontoado de elementos beta, incapazes de vinculação, Bion
chamou tela beta.
Clinicamente, esta tela de proteção dos elementos beta faz lembrar
de estados confusionais ou oníricos.
A comparação da tela de proteção, feita de elementos beta, com
os estados confusionais, semelhantes aos sonhos, permite
conjeturar sobre a finalidade desta tela. Pode muito bem acontecer
que o paciente extravase o seu fluxo de material com a única
finalidade de destruir a potência do analista, ou que prefira
conservar a informação a comunicá-la. A tela beta tem a
238
propriedade de suscitar justamente o tipo de resposta emocional
que um paciente deseja. (Bléandonu, 1990/1993, p. 150)
A tela é característica do mundo psicótico, seja no paciente
psicótico, seja no interior de todo ser humano, como uma parte psicótica
da personalidade de cada um. Mas veremos ainda, dentro da normalidade,
como transcorre o desenvolvimento da função alfa. Nada mais oportuno,
então, do que estudar o conceito de Rêverie.
Rêverie é um conceito bioniano fundamental, sobre o qual podemos
encontrar algum detalhamento em Fernandes (2003). Vejamos um pouco
mais a respeito.
Basicamente, é um estado de sonho da mãe, no qual ela pode captar
intuitivamente o que se passa com o seu bebê. Isso é possível devido à
função – que acolhe as identificações projetivas. É uma função de
continência, acolhimento e processamento.
Pode-se dizer que é a capacidade do analista, e
primeiramente da mãe, de receber e decodificar as
angústias do paciente ou do filho, devolvendo essas
angústias com menor carga destrutiva, já desintoxicadas.
No desenvolvimento normal, o bebê será cuidado e alimentado
pela mãe. Além disso, dependendo da Rêverie da mãe, o bebê será cuidado
emocionalmente, pelo olhar, pelo contato físico, sua voz e serenidade, ou
seja, ocorrerá também a comunicação por via empática entre mãe e bebê,
e entre analista e clientes, o que é essencial para o bom desenvolvimento
do bebê, do analisando e do grupo como um todo.
O termo Rêverie aplica-se a todos os conteúdos. Reservo-o entanto,
apenas àquele repleto de amor e ódio. Nesse sentido estrito, a
rêverie é estado mental aberto a receber quaisquer objetos do objeto
amado, e, portanto, acolher as identificações projetivas do bebê, se
boas ou más. Em suma, a rêverie é fator da função alfa da mãe.
(Bion, 1962/1991, p. 60)
O significado de Rêverie mostra certa analogia com outro conceito,
enunciado anos depois por Kaës (1984), o de ancoragem (etayage), que
podemos encontrar em Grupos e configurações vinculares (Fernandes, 2003).
239
Trata-se de uma forma ampla de apoio entre duas partes, como mãe e
bebê, por exemplo, havendo uma entreabertura entre essas partes,
suficiente para um processo de elaboração, de trocas.
O conceito de ancoragem, baseado em Freud e pós-freudianos, foi
retrabalhado por René Kaës, ampliando a compreensão vincular do
processo de formação do psiquismo, abrindo novas perspectivas,
principalmente no campo grupal.
Os conceitos de função alfa e de Rêverie têm importância também
para nossa própria capacidade de trabalhar. Para o analista interessado na
vincularidade, a Rêverie lhe possibilita dar livre curso às fantasias, devaneios
e emoções, em um estado da mente semelhante ao que Freud chamou
atenção flutuante, porém de forma mais ampliada. O vínculo analista-
pacientes e analista-grupo, tanto quanto o vínculo mãe-bebê, implica uma
ressonância profunda entre as partes.
Dissemos que Rêverie é uma função de continência, acolhimento e
processamento. Bem, podemos dizer também que Rêverie implica
comunicação.
Qual a real possibilidade de nos comunicarmos? Partindo do
princípio de que o emissor de uma mensagem pretende ser entendido pelo
receptor, o que importa é o quanto conseguimos transmitir e o quanto conseguimos
captar.
O tema comunicação é amplo e fundamental em nosso trabalho com
a grupalidade.
Fragmentos de um grupo terapêutico
Luiz, que predominantemente está quieto e com “cara fechada”,
dando a impressão de estar com raiva, conta sobre uma discussão que teve
com sua esposa. Esta se queixava de que ele não colaborava nas tarefas
domésticas.
Diz ele que na ocasião falou mais uma vez sobre seu horário abusivo
de trabalho e que chegava cansado, sendo que ela nem ligava para isso.
Luiz: Não sei por que ela ficou tão agressiva, não quis falar mais
nada, e saiu chorando e batendo portas!
Lúcia: Talvez seja o jeito de olhar e o tom em que você falou!
240
Armando (para Luiz): Você olha com raiva. É raiva da gente, de
alguém em especial?
Luiz: Não! Eu gosto daqui, de vocês e do doutor.
E conta que a mulher sempre diz que ele tem raiva, mas ele não
percebe. Concorda que se exaltou quando discutia com ela em tom áspero.
Foram discutidas outras questões, sendo abordadas formas de
sentar-se nas cadeiras, sobre os mais inquietos, os olhares e tons de voz.
Terapeuta: Vocês puderam confirmar o que imaginavam ou
corrigir impressões erradas que tiveram com relação aos colegas
do grupo, como ocorreu na conversa até agora. É possível que em
casa não façam o mesmo, ao ficarem presos nas “impressões”,
causando problemas e mal-entendidos.
Na mesma sessão:
Joana: Tenho prestado mais atenção em mim, e já consigo
perceber o jeito como falo com meus filhos, sempre aos gritos,
porque não me obedecem...
Maria José: Você diz que grita e que não obedecem. Então não
está adiantando gritar. Precisa experimentar algo diferente e ver se
funciona...
Temas da comunicação verbal e não verbal sempre aparecem nos
grupos. Costumo fazer apontamentos nesse sentido, o que tem permitido
que percebam as distorções existentes na comunicação, para que então
possam pensar nos significados que poderiam estar por trás disso. Quanto
a esse tema, há um importante trabalho de Bion, sobre as transformações que
todos nós fazemos. Vamos examinar a questão.
7) Teoria das Transformações
No texto de David Epelbaum Zimerman Etimologia de termos
psicanalíticos, encontramos:
Transformações – a etimologia dessa expressão procede do étimo
latino trans (= através do espaço e do tempo) + formações (=
novas formas). Na psicanálise, esse termo foi introduzido por
Bion, com o propósito de valorizar a importância continuada, no
processo analítico, de que haja uma sucessão de mudanças,
transformações grandes ou pequenas, na pessoa do paciente, mas
241
também na do analista, no vínculo entre ambos e também na
marcha do processo analítico. Bion estudou e descreveu uma série
de transformações distintas umas das outras. (Zimerman, 2012, p.
237)
Em Fernandes (2003) há diversas reflexões sobre o tema, que
procurarei sintetizar de acordo com o que me parece mais importante para
as finalidades deste livro.
Podemos dizer que transformar é formar para além de – mudar. O
conceito de transformações é prioritariamente clínico e auxilia a
compreender a evolução da experiência emocional do vínculo entre
analisandos e analista, entre as partes de cada um consigo mesmo e com o
grupo como um todo.
Esse texto de Bion (1965/1983) trouxe contribuição importante
para outros ramos das ciências, assim como para a psicanálise.
A elaboração onírica é o processo de transformação do conteúdo
latente de ideias em imagens visuais manifestas. Da mesma forma, o
processo transferencial é o resultado da transformação de matrizes
vinculares19 e de situações infantis reprimidas, em uma nova edição, já com
algumas diferenças, que vão ocorrer no vínculo com o analista ou demais
participantes do dispositivo vincular.
As importantes transformações que ocorrem no vínculo analítico,
seja na situação bi-pessoal, seja na grupal, podem provocar modificações
na configuração das capacidades afetivas e intelectivas dos participantes.
Na prática psicanalítica vincular ocorre o seguinte:
As associações dos pacientes, já formuladas em palavras, são o
produto de transformações de pensamentos e emoções, que se
referem a fatos passados ou presentes, externos ou internos, dos
quais também são transformações.
A interpretação psicanalítica é uma transformação verbal dos
pensamentos do analista, “e estes são parte de um processo de
transformação de uma experiência emocional em contato com o
paciente” (Grinberg et al., 1972/1973, p. 92).
19 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
242
Na transformação há um fato ou estado original desconhecido
(letra Ó), um processo de transformação e um produto, já transformado.
É importante sabermos em que meio foi realizada a
transformação: na mente, no corpo ou no mundo exterior. Além disso, a
técnica empregada – que Bion denominou grupos de transformações,
como as teorias psicanalíticas – influirá no processo, assim como o vértice
(ponto de vista) do observador.
Um mesmo fato, ao ser comunicado, pode ser transformado
diferentemente em momentos diversos, dependendo dos estados da mente20
de quem emite e de quem recebe a comunicação.
No que se refere ao esquema do processo comunicativo, já
utilizado anteriormente, temos:
Emissor (mensagem) receptor.
Devemos ressaltar que um mesmo produto, como, por exemplo,
uma palavra que chega ao receptor, poderá ser uma representação errônea
ou algo mais primitivo do que uma representação, mera evacuação
psicótica, por vezes, impossível de ser decifrada.
Há uma parcela que fica inalterada no processo de transformação:
o invariante. É o invariante que nos permite reconhecer algum aspecto do
fato original no produto já transformado.
A invariância pode ter grau de alteração maior ou menor,
dificultando a compreensão, quando a alteração for muito grande. Bion
classificou as transformações no plano mental em três tipos, de acordo
com esse grau de invariância: transformações de movimento rígido, projetivas e em
alucinose.
Transformações de movimento rígido: a invariância é pequena.
Podemos reconhecer o fato original com alguma facilidade.
Haverá pequenas deformações, devidas à repressão ou
mecanismos de defesa neuróticos do emissor e do receptor. Ainda
assim, os códigos utilizados podem não ser tão simples, como nos
sonhos ou em certos relatos de sessões. Necessitaremos de alguma
técnica, como a psicanalítica, por exemplo, para interpretar o
20 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais, item Posições.
243
sentido latente, contido na mensagem manifesta. Um exemplo de
transformações de movimento rígido acontece com as
transformações em pensamento, isto é, os pensamentos que já são
representados por palavras poderão ser verbalizados.
Transformações projetivas: as invariâncias são mais amplas, havendo
maior grau de deformação. Nesse caso, o conteúdo é mais
complexo, devido às identificações projetivas, e o que é dito
advém da parte psicótica da personalidade. Necessitaremos de
teorias mais elaboradas, como as kleinianas, para poder levantar
hipóteses sobre o que está sendo comunicado.
Transformações em alucinose: as invariâncias são mais amplas ainda,
com maiores deformações. O produto transformado poderá ser
até mesmo uma alucinação. Para Bion, é na área psicótica da
personalidade que ocorrem tais transformações, seja em pessoas
consideradas normais ou não.
Retomando a questão colocada anteriormente (qual a real
possibilidade de nos comunicarmos?), veremos um pouco sobre as
vicissitudes do processo comunicativo na vida e no grupo.
Há muitas formas de comunicação em que ocorre transformação
no processo comunicativo, como na elaboração onírica e nos sintomas
estudados em medicina psicossomática. Da mesma forma, a interpretação,
assim como todas as outras intervenções do terapeuta, são produto da
transformação verbal de suas ideias e sentimentos que, por sua vez, são
produtos de transformação da experiência emocional de cada participante
do grupo, e, de certo modo, do pensamento grupal estabelecido a cada
momento.
Podemos observar que, no processo comunicativo grupal, tanto
emissor como receptor fazem transformações o tempo todo. Desse modo,
comunicação completa e verdadeira é impossível.
Winnicott dizia que no centro de cada um de nós há sempre algo
não comunicável e digno de preservação. Por isso, embora as
pessoas normais se comuniquem e gostem de se comunicar, tendo
em vista esse núcleo não comunicável, também “(...) é igualmente
verdadeiro, que cada indivíduo é isolado, permanentemente sem
244
se comunicar, permanecendo desconhecido, e na realidade, nunca
encontrado” (Winnicott, 1963/1966, p. 192).
A realidade incognoscível – Nos três casos de transformações
classificados, o fato original Ó não pode ser alcançado inteiramente, pois
seria a realidade última, a coisa em si, a verdade absoluta, que não é passível
de ser conhecida. Assim, esse Ó, incognoscível, significa todo o desconhecido,
presente na realidade psíquica dos pacientes e dos analistas.
Há um quarto tipo de transformação – as transformações em Ó –
referentes a ser o que se é. Nesse caso, Bion está se referindo a um passo
além de saber acerca da personalidade do paciente, conhecimento esse que
não pode ser alcançado de fato – incognoscível, um vir a ser.
Vir a ser equivale ao indivíduo ser ele mesmo – ser o que ele é – o que
despertará forte resistência, porque nesse caminho se aproximará das
fantasias inconscientes mais primitivas, o que envolve sofrimento e
responsabilidade, inerentes ao amadurecimento mental e às mudanças
envolvidas.
8) Teoria dos Modelos
Embora talvez nunca tenhamos pensado nisso, sabemos que um
conjunto de dados pode parecer apenas um agrupamento heterogêneo até
o momento em que alguma imagem lhe dê sentido.
Para Bion, o modelo é uma espécie de abstração de uma
experiência emocional, que poderá ser mais bem captada se essa abstração,
provisoriamente, for vista de um modo concreto, como que materializada.
Bion, entretanto, discrimina o modelo de abstração:
(...) o termo modelo refere-se à estrutura de imagens concretas
combinando-se entre si. O vínculo entre elas dá frequentemente a
ideia de narrativa, implicando alguns elementos causarem outros.
Ele se constrói com elementos do passado individual, enquanto a
abstração impregna-se, digamos, de preconcepções do futuro do
indivíduo. (Bion, 1962/1991, p. 95)
Os modelos facilitam a investigação psicanalítica, permitindo o uso
de imagens concretas, apesar das abstrações teóricas que se faça, assim
como melhor integração teórico-clínica. Como os modelos são mais
245
flexíveis do que as teorias, seu uso pode ser efêmero, durando apenas
enquanto se mostrarem úteis para pensar a situação.
O vínculo entre analista e analisandos é uma forma de modelar as
abstrações existentes e facilitar a comunicação. O sucesso do trabalho
dependerá, em grande parte, de ambos os extremos do vínculo utilizarem
bem seus modelos.
Será importante para nós, que trabalhamos com dispositivos
vinculares, estarmos atentos não só aos nossos modelos, mas também aos
modelos utilizados pelas famílias e grupos com quem estivermos em
interação. O modelo deve estar um passo antes de nossas intervenções,
permitindo a necessária transformação que desembocará numa
intervenção geral ou numa interpretação.
Os modelos podem ser biológicos: Digestivos (engolir mal
determinado acontecimento, sentimento amargo, ficar atravessado na
garganta, digerir a ideia, o assunto me causou náusea etc.);
Respiratórios/olfativos (isso me cheira mal, essa ideia me sufoca); e muitos
outros.
Outro modelo: personalidade não cresce como se fosse distensível,
mas sim em camadas, como uma cebola. Nesse modelo bioniano,
podemos entender situações nos grupos nas quais os participantes passam
de um estado da mente a outro, conseguindo, por vezes, atravessar uma
camada que separa estados da mente ou tirar proveito de situações difíceis,
como indica o adágio “transformar um limão em limonada”.
Temos também modelos de identificação projetiva no
relacionamento mãe-bebê que podem ocorrer com sucesso ou não. Bion
dá como modelo de identificação projetiva fracassada, quando a mãe não
contém a angústia do bebê. Já no caso de boa continência, ocorre um
modelo de identificação projetiva com êxito.
Outra expressão utilizada por Bion é vértice, com significado de
ponto de vista, porém, dando um sentido mais amplo do que apenas
sensório.
Vértices e modelos podem ser vistos como conceitos de uso
sempre relativo, e com implicações relacionadas ao momento histórico;
passado e futuro sempre aparecem nas sessões, em quaisquer
configurações vinculares.
246
Participantes do grupo, no início do processo analítico, muitas
vezes respondem enfaticamente a algum apontamento, dizendo: isso eu já
falei! (parece, então, que nunca mais poderá ser repetido...). O fato é que
os modelos, por si mesmos, geram novas abstrações, que podem ser mais
bem elaboradas a partir de outros modelos, num processo ininterrupto.
Bion considera como um modelo de pensamento a sensação de
fome, que se associa à imagem visual de um seio que não satisfaz, embora
necessitado, e, portanto, mau. “Os pensamentos então, ou estes elementos
primitivos, que são os protopensamentos, são maus (...), um desafio ao
pensar (...)” (Bion, 1962/1991, p. 117).
Outro modelo usado por Bion é o da turbulência emocional, que
deve ser provocada pelo analista, para não permitir a estagnação do
processo investigativo. No dispositivo grupo, quando os comportamentos
estereotipados predominam – assim como os papéis fixos, e tudo se
encaminha para manter o establishment – muitas vezes uma intervenção
mais contundente, um questionamento individual ou a transmissão de
sensações contratransferenciais pode provocar a turbulência emocional
necessária para a evolução do processo grupal.
Antes de estudarmos o modelo continente-conteúdo, examinemos
melhor a questão do pensar e de seus mecanismos.
8.1) O modelo continente-conteúdo: a relação dinâmica entre as posições kleinianas e o
pensar
Com a expressão pensar, vimos que Bion considerava um pensar
que dava origem aos pensamentos e um processo de pensar os
pensamentos, epistemologicamente preexistentes. Nesse segundo caso,
propôs uma espécie de Aparelho para pensar os pensamentos, cujo
funcionamento depende de dois mecanismos; um deles envolve o conceito
de posições, de Melanie Klein, e o outro envolve o modelo continente-conteúdo,
de Bion.
Mecanismo I: a coexistência das posições kleinianas e sua importância – perspectiva
reversível e fato selecionado
247
Tudo o que vimos sobre Melanie Klein, até o momento, dependerá
das experiências boas terem predominado sobre as más nos primeiros
tempos de vida do bebê, e nada tem a ver com patologia.
Numa visão apenas kleiniana, poderíamos dizer que o
desenvolvimento ocorre no sentido: PEP PD, mas Bion aprofundou o
conceito, dizendo que na psique coexistem as posições esquizo-paranoide e
depressiva, em uma perspectiva reversível. Para Bion, há uma oscilação constante
entre as duas posições, que variam da desintegração à integração, da
desordem à ordem, dinâmica que pode ser simbolizada por: PEP
PD.
Esse é o primeiro dos mecanismos importantes no funcionamento
do Aparelho para pensar os pensamentos. Tal relação simboliza também a
descoberta do fato selecionado, um importante conceito, inspirado no
matemático Poincaré, sobre a relação entre fatos.
Poincaré mostrou que o fato selecionado pode ser uma ideia ou
emoção que coloca ordem na desordem e dá coerência ao que está
disperso. É um sentimento de descobrimento.
O fato selecionado foi considerado por Bion uma importante
conquista do psicanalista em seu trabalho, isto é, conseguir chegar a um
fato que possa integrar o que está disperso, dando coerência ao material
até então caótico.
Como vimos no estudo da teoria das transformações, espera-se
que o analista, observando os fatos com seus analisandos, possa fazer as
devidas transformações e chegar ao fato selecionado.
O fato selecionado possibilita o pensamento verbal do
analista, seguindo-se daí a transformação em interpretação,
processo que Bion denominou evolução – o que quer dizer
que há uma mudança na mente do analista de um estado de
paciência (correspondente à posição esquizo-paranoide)
para um estado de segurança (correspondente à posição
depressiva).
O nome paciência está relacionado com tolerância às frustrações.
Tal passagem de paciência para segurança, aliada à descoberta do fato
248
selecionado, possibilita ao analista uma ação eficaz, produto desses dois
fatores.
Considero a experiência de oscilação entre paciência e segurança a
indicação de que um trabalho valioso está sendo realizado. (Bion,
1970/1973, p. 137). No grupo, mais ainda, devido à complexidade das
comunicações multipessoais, é necessário se aguardar por algum
acontecimento, palavra, ato falho etc., que nos ajude a perceber o vínculo
entre as diversas comunicações, aquilo que dará nexo ao que estava
caótico.
Quando Bion diz que todo pensamento é verdadeiro até que seja
formulado por um pensador, temos de diferenciar falsidade de mentira, já
que sabemos que a verdade é essencial para o crescimento mental, o que,
aliás, Freud já afirmara em diversos momentos.
A capacidade humana para tolerar verdades a respeito de si mesmo
é pequena, pois as verdades são, de modo geral, dolorosas. Na mentira há
uma deliberada intenção, consciente ou pré-consciente, de distorcer a
verdade. Pode ter dimensão mais ampla e existencial, isto é, o sujeito pode
tornar-se uma mentira. Já na falsidade a distorção é inconsciente.
Bion ora concebeu a mentira como uma patologia, ora como uma
forma de criatividade, pois conferia aos mentirosos o papel de uma
contracultura, já que os mentirosos, de todas as épocas, puderam manter
“(...) uma ilusão que protegeu os contemporâneos de se confrontarem
com verdades científicas ou religiosas que eles não estavam preparados
para as encarar. Por isso, dizia jocosamente Bion, a humanidade deveria
reverenciar o túmulo do mentiroso desconhecido” (Zimerman, 1995, p.
161).
Zimerman (2012) relata que Bion mostrou, em diversos
momentos, a importância da verdade no vínculo com os pacientes, isto é
“a verdade sem amor é crueldade e o amor sem verdade não é mais do que
paixão” (p. 241). Entretanto, não nos esqueçamos de que se, por um lado,
a busca da verdade está no cerne do processo analítico, por outro lado, as
resistências também existem e devem ser respeitadas.
Dentro dessa linha de raciocínio, no trabalho psicanalítico com
grupos, famílias e instituições é necessário lidar sutilmente com o medo da
249
verdade, já que o medo de conhecê-la pode ser tão poderoso que faça mal
e cause sofrimento demais.
Mecanismo II: o modelo continente-conteúdo
O segundo mecanismo fundamental no funcionamento do
Aparelho para pensar os pensamentos é a relação dinâmica entre algo que
contém e algo que é contido, o modelo continente-conteúdo, simbolizado
por ♂♀. É um símbolo empregado para caracterizar a identificação
projetiva.
A partir da teoria kleiniana da identificação projetiva, em que o
bebê projeta parcialmente sua psique no seio bom e introjeta novamente
esse material modificado, Bion criou essa abstração teórica: o modelo
continente-conteúdo. Nesse modelo, ambas as partes se conjugam e
influenciam, podendo ou não proporcionar crescimento mútuo.
No Vínculo K, impregnado de amor e ódio, há uma projeção do
conteúdo dentro do continente. No caso da mãe com Rêverie, esta
“empresta” a função alfa ao bebê, que se beneficia e tem crescimento
mental.
“Os signos ♂♀, desenvolvendo-se, fornecem base do aparelho
para aprender com a experiência” (Bion, 1962/1991, p. 127). No processo
de integração e de pensar os pensamentos, os sistemas ♂♀ e PEP
PD operam em conjunto, ambos com essencial importância.
O pensar envolve um tipo de visão binocular, isto é, uma visão que
integra diferentes perspectivas como a imagem total, formada pelos dois
olhos.
Os problemas de comunicação e de percepção podem ser
entendidos prioritariamente em termos de mecanismos inconscientes, mas
Bion também se interessou pela percepção consciente, principalmente
pelos diferentes vértices de observação que se podem utilizar,
principalmente o modelo visual.
Bion ilustrou sua conceituação de vértice psicanalítico por meio
do fato, conhecido da psicologia da Gestalt, de que em um mesmo desenho
pode-se perceber um aspecto que se realça, mas, observando melhor,
percebe-se mais alguma coisa, como no desenho de um vaso que também
mostra perfis de rostos humanos. Na psicologia da Gestalt, o conceito de
250
percepção figura-fundo refere-se à tendência a facilitar a percepção do que salta
aos olhos numa cena, permanecendo o resto como fundo.
No caso da psicanálise vincular, é importante que os vértices
mútuos entre analista e analisandos mantenham uma distância adequada,
isto é, que não sejam tão distantes que impeçam a correlação entre os
vértices, mas tampouco próximos demais que impeçam a diferenciação,
podendo acarretar alguma estagnação na investigação do objeto
psicanalítico.
É somente através de uma distância adequada que será propiciada
a possibilidade de ambos fazerem correlações e confrontações
entre os recíprocos vértices, assim atingindo ao que Bion chama
de visão binocular (...) Da mesma forma, a conceituação de vértice
permite uma melhor compreensão do maior mal da humanidade,
que é o problema dos mal-entendidos, assim como também o
problema do vértice adotado por cada um, que adquire uma
importância fundamental na Comunicação do par analítico.
(Zimerman, 1995, p. 178 e 179)
Na perspectiva reversível, que é binocular, a parte não psicótica da
personalidade pode fazer flutuar figura e fundo, dando mais possibilidades
de crescimento mental e de contato com o todo. Isso mostra a necessidade
de o terapeuta, seja no grupo, seja na situação bipessoal, utilizar de técnicas
que favoreçam diferentes visões das partes e do todo, do direito e do
avesso das situações.
Já no predomínio da parte psicótica da personalidade ocorre o
oposto – a reversão da perspectiva, que torna imutável uma situação dinâmica,
impedindo o desenvolvimento psíquico, desvitalizando o trabalho
psicanalítico e distorcendo a comunicação. Dessa forma, “(...) o analisando
vê a interpretação em função de sua hipótese e rejeita sorrateiramente a do
analista” (Bléandonu, 1990/1993, p. 171).
O tema nos faz lembrar das vicissitudes da comunicação entre os
participantes do dispositivo vincular e o analista em suas intervenções
(Fernandes, 2003). Concluímos que os assuntos focalizados por ambas as
partes e os vértices deveriam ser os mesmos para um aproveitamento
analítico. Melhor dizendo, o progresso analítico só é possível se houver
uma sintonia entre os vértices dos pacientes e do analista: “(...) [já] na
251
reversão da perspectiva, há um mal-entendido da comunicação entre
analista e paciente, e entre as partes psicótica e neurótica dentro de um
mesmo analisando” (Zimerman, 1995, p. 191).
A reversão da perspectiva está impregnada de narcisismo. Pode
ocorrer, em alguns casos, verdadeiro impasse analítico, principalmente se
as reversões forem muito exageradas. Nesses casos há uma estagnação no
processo. É em situações assim que o terapeuta necessita provocar uma
turbulência emocional.
Os mecanismos PEP PD e ♂♀ intervêm nas sucessivas
experiências emocionais que estruturam a função psicanalítica da personalidade,
a qual permite conhecer o desenvolvimento dessa função em nossos
clientes.
9) Barreira de contato e sua deterioração
Em Etimologia de termos psicanalíticos, David Epelbaum Zimerman
(2012) enfatiza que os elementos alfa da mãe ou educadora podem
transformar as sensações e sentimentos dolorosos do bebê, sob a condição
de ela ter uma boa função alfa.
Para Zimerman, tal capacidade da mãe possibilitará que os
elementos beta do bebê se transformem em elementos alfa, processo que
recebeu de um discípulo de Bion, James Grotstein, a denominação de alfa-
betização, “à qual sugiro acrescentar a palavra emocional, porque essa
passagem é fundamental na formação das capacidades do ego da criança e
de seu desenvolvimento psicomotor” (Zimerman, 2012, p. 53).
Portanto, a partir da Rêverie da mãe, esta realiza verdadeira alfa-
betização emocional ao propiciar a transformação de elementos em – que
possibilitarão o crescimento da capacidade para pensar os pensamentos
do ser em desenvolvimento.
Quando o desenvolvimento não vai tão bem, a barreira de contato
pode se deteriorar. “Uma reversão na direção da função alfa acarreta uma
dispersão da barreira de contato. Os elementos alfa que a constituem
encontram-se despojados daquilo que os distingue dos elementos beta
(...)” (Bléandonu, 1990/1993, p. 150-151).
Se a barreira de contato chegar a se deteriorar, devido a tal
inversão, os elementos ficarão privados de suas características,
252
convertendo-se em elementos , com novas e complexas características,
como veremos logo adiante.
Assim, os pacientes com graves problemas de aprendizagem não
conseguem pensar os pensamentos porque a função não se desenvolveu
bem ou porque se deteriorou, prevalecendo então a tela beta, com as
consequentes transformações em alucinose. Já as transformações de
movimento rígido21, que ocorrem na barreira de contato, permitem o
aprender com a experiência.
Vimos que, no desenvolvimento normal da posição esquizo-
paranoide há uma divisão entre os objetos bons e os maus, e entre o Ego
que ama e o Ego que odeia, divisão em que as experiências boas
predominam sobre as más, o que é considerada precondição para a
integração nos estádios posteriores do desenvolvimento.
Entretanto, todos esses processos são perturbados quando, por
razões internas, externas, ou por uma combinação de ambas, a experiência
má predomina sobre a boa. Nesse caso, a identificação projetiva é usada de
modo diferente de como é usada no desenvolvimento normal.
10) Psicopatologia da Posição Esquizo-paranoide – Personalidade psicótica
A psicopatologia da PEP é um processo violento, que ocorre
quando a ansiedade e os impulsos hostis são muito intensos. A descrição
das características da identificação projetiva patológica, de Bion, é mostrada de
forma clara por Hanna Segal (1964/1973). Tentarei expor sinteticamente
como tais características foram assimiladas por mim, esperando não estar
cometendo excessivas transformações.
É importante ressaltar que, para Bion, se o complexo invejoso-
destrutivo for acentuado, a percepção do objeto ideal será tão penosa
quanto a percepção do objeto mau, pois o objeto ideal provoca agudos e
insuportáveis sentimentos de inveja. Dessa forma, as identificações
projetivas patológicas podem ser dirigidas tanto ao objeto ideal como ao
objeto perseguidor.
A parte projetada é estilhaçada e desintegrada em fragmentos
muito pequenos, e esses fragmentos são projetados no objeto,
21 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares, tópico Teoria das Transformações.
253
desintegrando-o, por sua vez, também em partes diminutas. Aos
elementos beta convertidos na deterioração da barreira de contato e
estilhaçados, se juntam vestígios do Ego e do Superego, configurando os
objetos bizarros que precisam ser evacuados ou projetados.
O objetivo dessa violenta identificação projetiva é duplo:
1) No desenvolvimento patológico, a experiência da realidade é
sentida primariamente como perseguição; por isso, há violento
ódio a qualquer experiência da realidade, externa ou interna. Como
tentativa de se desfazer de toda percepção, o aparelho da
percepção é atacado e destruído.
2) O objeto responsável pela percepção é igualmente odiado, e a
projeção visa também a destruí-lo.
Se as percepções do objeto ideal e do objeto mau são tão
dolorosas, na patologia da PEP as identificações projetivas podem ser
dirigidas tanto ao objeto ideal como ao objeto perseguidor.
Consequentemente, não há “divisão limpa” entre objeto ou
objetos ideais e objeto ou objetos maus, mas o objeto, em fantasia, é
percebido de forma fracionada, em pedaços minúsculos, cada um contendo
pequena parte hostil do Ego, que está algo desintegrado, aos quais se
juntam restos do Superego e do objeto. Tais pedaços foram descritos por
Bion como “objetos bizarros”.
10.1) Personalidade psicótica
Bion desenvolveu um conceito básico para a compreensão de
estados da mente em que o sujeito se mostra seriamente perturbado – a
personalidade psicótica. Fernandes (2003) lembra que Freud, já em 1900,
em sua obra sobre os sonhos, havia se referido à consciência como uma espécie
de órgão sensorial para a percepção das qualidades psíquicas. No mesmo texto,
vemos que Bion considerou que a referida consciência já existe – de forma
rudimentar – desde o início da vida, e todo o contato com a realidade externa
e interna dependerá da prevalência no sujeito de sua tendência a ter consciência
sobre a de não a ter.
Essa instância foi denominada parte não psicótica da personalidade, que
convive em permanente confronto com um funcionamento de evasão, de
intolerância ao contato consigo mesmo e com o outro – instância a que chamou
254
personalidade psicótica, ou “parte psicótica da personalidade”, como
denominaram Grinberg et al. (1972/1973), facilitando a compreensão do
conceito.
Dizemos, então, que personalidade psicótica ou parte psicótica da
personalidade é um estado da mente cujo funcionamento ocorre dentro
de características manifestadas na linguagem, na conduta e nos efeitos
sobre o observador. A existência dessa instância, que é um nível psicótico
de funcionamento mental, pressupõe uma disposição inata, com
predominância de alto grau de destrutividade e inveja. Quanto ao vínculo
mãe-bebê, pode carecer da Rêverie, capaz de conter e transformar o
violento conteúdo emocional do bebê em algo menos indigesto.
De certo modo, ninguém escapa de ter tido dificuldades em seu
desenvolvimento, em maior ou menor grau. Por isso, todos nós
apresentamos as duas instâncias, com a coexistência dos seus
funcionamentos característicos, ora com o predomínio de um, ora de
outro, desses estados da mente.
As principais características da personalidade psicótica ou parte
psicótica da personalidade são:
1. intolerância à frustração;
2. predominância dos impulsos destrutivos, manifestados com
ódio à realidade interna e externa e a todas as suas vinculações
(órgãos dos sentidos, percepção, juízo, pensamento etc.); e
3. medo de aniquilamento iminente, devido ao mecanismo de
identificação projetiva patológica, com muita inveja e voracidade.
As tentativas do Ego para se desfazer do sofrimento de tão
dolorosa percepção conduzem a um aumento de percepções penosas, seja
devido à mutilação do aparelho perceptual, seja pela natureza persecutória
dos “objetos bizarros”.
A vivência da realidade é cada vez mais persecutória. “Essa parte
da realidade que é afetada pelo processo é experimentada pelo bebê doente
como estando cheia de ‘objetos bizarros’ carregados de enorme
hostilidade, ameaçando um ego esvaziado e mutilado” (Segal, 1964/1973,
p. 68).
255
Fica estabelecido, então, um círculo vicioso, onde o sofrimento
produzido pela realidade leva à identificação projetiva patológica,
tornando a vivência da realidade cada vez mais persecutória.
No trabalho com psicóticos, quem já coordenou grupos em
comunidades terapêuticas, por exemplo, sabe que, por vezes é num
movimento muscular quase imperceptível que o psicótico se desembaraça
desses objetos bizarros hostis, de sentimentos de inveja e ódio – e isso
pode ocorrer por meio de uma alucinação, segundo Bion, numa tentativa
criativa de cura semelhante ao ato de sonhar.
10.2) Ataque aos vínculos
Na personalidade psicótica ou parte psicótica da
personalidade ocorre um ataque permanente aos vínculos
com o analista, ao vínculo entre os pais, ao pensar-sentir,
aos vínculos entre os diversos aspectos intrassubjetivos, à
realidade externa e à capacidade de percepção da realidade
em geral.
Basicamente, o que é atacado é nossa capacidade intuitiva, a
possibilidade de compreender os pacientes, sua linguagem e seu espaço
intrassubjetivo. Muitas vezes, o vínculo com o analista e o progresso em
qualquer direção é tão atacado, mesmo que veladamente, que o trabalho
pode se tornar inviável.
Quando um paciente muito comprometido, com predominância
da personalidade psicótica, se encontra em um grupo heterogêneo, com
participantes menos comprometidos, pode causar atraso no
desenvolvimento do processo grupal, mal-estar nos demais participantes
e grande desconforto contratransferencial.
Descobri a duras penas, há muitos anos, porque determinado
grupo não evoluía, e os pacientes entravam e, rapidamente, abandonavam
o trabalho grupal. Tanto nesse caso, como no de outros profissionais em
situação semelhante, o grau de patologia causava distúrbio tamanho, que
o abandono parecia ser a solução. Na ocasião, tentei mais de uma vez pôr
em discussão o que poderia estar acontecendo no grupo, mas, como esse
256
grupo não estava suficientemente forte em seus vínculos, nem muito
evoluído como configuração grupal, optei por remover o participante
causador do incômodo, convidando-o para um trabalho individual.
Com a predominância da parte psicótica da personalidade, as
relações que permanecem possuem apenas certa lógica (Fernandes, 2003).
Emocionalmente não parecem razoáveis, tendo caráter perverso e estéril,
associado à arrogância, estupidez e curiosidade.
No que se refere a esta última, embora Bion valorize a curiosidade
no estudo do Conhecimento, aqui ele se refere ao seu aspecto mais
estéril e invasivo.
Denomina arrogância ao orgulho extremamente exagerado,
impregnado de instinto de morte, que ocorre na personalidade
psicótica; já na personalidade não psicótica o orgulho se relaciona
com a autoestima e com o Vínculo R (do Reconhecimento),
conforme visto nas contribuições à psicanálise vincular, de Bion e
de Zimerman, neste livro.
Quanto à estupidez, é provocada pelo desconhecimento, e trata-
se de uma espécie de emburrecimento, a serviço da negação.
Quando o domínio da configuração mental da personalidade
psicótica ocorre na maior parte do tempo, podemos ter o funcionamento
patológico do psicótico, propriamente dito.
O psicótico tenta pensar utilizando os objetos bizarros, o que o
leva a confundir objetos reais com pensamentos muito primitivos.
Comprime e aglomera pensamentos confusos, tendo dificuldade de fazer
sínteses, de articular e integrar.
Bion diz que o paciente psicótico se move não em um mundo de
sonhos, mas em um mundo de objetos bizarros, que não servem para
pensar, pois “a personalidade psicótica carece dos meios essenciais para o
desenvolvimento do pensamento verbal” (Grinberg et al., 1972/1973, p.
59).
O paciente psicótico necessita da ilusão de ser superior, pois tal
superioridade é idealizada, ficando a onipotência e arrogância como a
origem de todo poder. Ataca então o Vínculo K – do conhecimento, que
traria reação desagradável e dolorosa. Utilizando –K, troca o enfoque
257
científico pelo enfoque moral, já sem poder discriminar entre verdadeiro
e falso.
10.3) “Super”-ego
Esse é um conceito de Bion, apresentado em 1962, em O aprender
com a experiência. É uma espécie de objeto concreto sem exterior, assim
como um tubo digestivo sem corpo, ou mesmo um Superego primitivo,
sem as características do Superego freudiano. Consiste em uma compulsão
invejosa, onde falta o poder de abstração e que, praticamente, ignora os
relacionamentos, acreditando ter uma superioridade moral “(...) que
apenas é a incapacidade de representar mentalmente; o objeto (...),
faltando-lhe as respectivas representações mentais (verdade, realidade) (...)
descamba em soberana aparência de superioridade moral (...)” (Bion,
1962/1991, p. 133).
Na predominância mais duradoura da parte psicótica da
personalidade, ou seja, no psicótico, organiza-se o “Super”-ego bioniano,
que se opõe ao processo de aprendizagem, ao crescimento com a
experiência, ao desenvolvimento científico etc., sendo regido por uma
moral própria. Tal moral é uma afirmação da superioridade destrutiva e a
determinação de possuir, para evitar que o possuído tenha existência
própria, tudo com a permanência de culpa persecutória extrema (Grinberg
et al., 1972/1973).
Zimerman chama a essa instância de “Super”-Superego ou
supraego, que está acima do bem e do mal.
Na vigência desse “Super”-ego, o espaço intrassubjetivo
permanece com autossuficiência narcisista, ingrediente extremamente
difícil de ser trabalhado no vínculo transferência-contratransferência.
Mexe com nosso narcisismo a perturbadora ponderação de Bion, ao
mostrar que tanto os indivíduos psicóticos, como os chamados neuróticos,
ou mesmo os que se pretendem muito saudáveis do ponto de vista
psíquico (nós?) têm partes psicóticas em sua personalidade. Por outro
lado, para quem se considera doente mental ou tem receio de enlouquecer,
pode ser tranquilizador perceber no grupo que, tal como Caetano Veloso
colocou na música Vaca Profana, “de perto ninguém é normal”.
Acrescento: tampouco alguém é 100% anormal, pois a parte não psicótica
258
da personalidade, o instinto de vida e o Vínculo L, do amor, nos
equilibram.
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Artes Médicas.
Winnicott, D. (1966). Explorações psicanalíticas de D. W. Winnicott. Porto
Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1963)
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13 Winnicott: estimulador da criatividade – o
grupo
como fenômeno transicional Betty Svartman
O propósito deste capítulo é dar a conhecer o dom criativo de
Winnicott, bem como o valor que o autor dá à criatividade e ao brincar.
Também traz um aprofundamento a respeito de temas como preocupação
materna primária, mãe suficientemente boa, holding, objetos e fenômenos transicionais.
Inclui um exemplo clínico de um grupo como fenômeno transicional e o
holding oferecido pela grupanalista.
Alguns comentários sobre Winnicott
Winnicott sempre evitou formar um grupo de seguidores. Suas
ideias foram, no entanto, formando um corpo teórico consistentemente
integrado. Este contém algumas posições antagônicas à psicanálise então
consagrada na Europa, onde as personalidades mais importantes eram
Freud e Melanie Klein.
É um psicanalista pós-freudiano que transita livremente entre
autores freudianos, kleinianos, kohutianos, lacanianos etc.
Foram 40 anos de vida produtiva dedicados à psicanálise.
Não queria sua teoria transformada numa doutrina. Queria, sim,
que suas ideias fossem conhecidas, mas valorizava a liberdade de
pensamento. Esperava que aqueles que utilizavam suas ideias, sempre
muito originais, brincassem com elas: as utilizassem de forma também
criativa.
Seus conceitos são complexos, embora às vezes apresentados de
maneira simples. Sua obra consiste numa coleção de livros, sem uma
organização que facilite o seu estudo. Entre eles podemos citar: O ambiente
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e os processos de maturação, O brincar e a realidade, A criança e seu mundo, O gesto
espontâneo, Textos selecionados: da Pediatria à psicanálise. Estudá-lo exige
navegar por toda sua obra e constituir uma organização própria.
Há psicanalistas que o criticam. Dizem que não se pode falar numa
teoria winnicottiana. Alguns também demonstram que entenderam mal
alguns conceitos.
Basearei o conteúdo deste capítulo em textos do próprio
Winnicott, bem como em alguns autores que estudaram, em
profundidade, sua obra. Entre eles: Outeiral e Graña, Elza Oliveira Dias,
Júlio de Mello Filho, Alfredo Painceira Plot, Leopoldo Fulgêncio e Peter
Giovacchini.
Cito o próprio Winnicott (1988/1990, p. 60), para ilustrar sua
maneira de pensar: “(...) o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas
questões, depois de estudá-las tanto quanto possível através do seu
desenvolvimento histórico, que é a única forma de uma teoria, num dado
momento de seu progresso, mostrar-se inteligível e interessante.”
Dados biográficos
São dados biográficos que tiveram forte influência em toda sua
criação:
Winnicott nasceu em 1896 e morreu em 1971, de problemas
cardíacos. Nasceu em Plymouth, na Inglaterra e viveu em contato com 2
irmãs mais velhas, vários primos, mãe, pai e babá. Sentia-se muito amado,
a família era alegre e esta experiência inicial tão positiva certamente
contribuiu para que ele se sentisse à vontade em todos os lugares. Assim,
na Sociedade Psicanalítica, tinha facilidade de expressar suas opiniões,
concordâncias e discordâncias. Correspondeu-se com muitos dos analistas
importantes, seus contemporâneos. Seu livro “O gesto espontâneo” é uma
coletânea de cartas que mandou para Melanie Klein, Bion, Rosenfeld,
Hanna Segal, James Strachey (seu primeiro analista), Money-Kirle, Joan
Rivière, Anna Freud e outros. Era sempre muito espontâneo e
transparente em relação aos seus pontos de vista. Foi analista do filho de
Melanie Klein.
Decidiu tornar-se médico, quando ficou internado devido a uma
fratura de clavícula. Foi médico na Marinha, durante a Primeira Guerra.
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Pretendia ser clínico geral, tornou-se pediatra. Quando entrou em contato
com a obra de Freud, descobriu a psicanálise e viu muito sentido no que
leu. Nunca, porém, abandonou a pediatria. Como pediatra, teve a
oportunidade de examinar milhares de crianças, na presença de suas mães.
Esta experiência teve forte influência na formulação de sua teoria. Foi para
Londres para iniciar sua própria análise. Tornou-se um estudioso de Freud
e especialmente de Melanie Klein, com quem fez supervisão.
Sua principal contribuição é o estudo profundo e original dos
relacionamentos iniciais da vida, Seu foco é a relação mãe-bebê. Formulou
uma Teoria do Amadurecimento, onde descreve seu entendimento das
origens do psiquismo, mas também produziu trabalhos interessantes e
alguns muito originais sobre a adolescência, delinquência, agressividade e
outros assuntos. Sua maior experiência na clínica psicanalítica foi com
adultos, mas apoia grande parte de suas formulações na sua experiência
como pediatra.
Reflexão de Winnicott
A análise é algo que nos tornamos capazes de fazer quando um
certo estágio na aquisição de uma técnica médica é atingido. O que
nos tornamos capazes de fazer permite que cooperemos com o
paciente no andamento do processo, aquilo que para cada paciente
tem seu próprio ritmo e segue seu próprio curso, todas as
características importantes desse processo derivam do paciente e
não de nós como analistas. (Winnicott, 1954/1988a, p. 459)
Quando atendemos um paciente ou um grupo, eles também têm
seu próprio ritmo. A livre-associação de ideias ou, quando se trata de um
grupo, a livre conversação flui e devemos respeitá-la. Os pacientes
precisam desta escuta atenciosa e respeitosa. As intervenções devem
facilitar sua expressão espontânea e interpretações devem ser reservadas
para quando estão preparados para ouvi-las. Winnicott se autocrítica por
ocasiões em que não soube esperar o momento certo, o que o levou a
gerar prejuízo ao processo analítico.
Ele também valorizava a criatividade e espontaneidade do analista.
Neste sentido, cito aqui um exemplo de uma ocasião em que uma paciente
do grupo contou uma situação em que se sentiu aprisionada e me ocorreu
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uma metáfora que continha o elemento porta. A paciente riu e
imediatamente se referiu a uma situação ocorrida na véspera, em que sua
filha se mostrara muito incomodada com a porta fechada do quarto dos
pais. A outra paciente do grupo logo associou com uma vivência sua que
também envolvia porta. Assim as associações foram fluindo num ritmo tal
que parecia que a sessão fosse durar infinitamente. Quando chegou o
momento de encerrarmos, eu disse: hoje falamos muito sobre portas que
se abriam, se fechavam, incomodavam, mas agora chegou o momento de
nós abrirmos uma porta: aquela. E apontei para a porta de nossa sala.
Todos rimos e a sessão terminou. Eu escolhi brincar, ao invés de elaborar
uma intervenção formal.
Escreve Elsa Oliveira Dias em seu livro sobre Winnicott:
A saúde inclui a capacidade de brincar, que é o protótipo do viver
criativo; diz respeito à possibilidade de habitar o espaço potencial
e entregar-se aí a uma experiência que está sustentada pela ilusão
básica. (...) abarca a capacidade de estabelecer relações com o
mundo objetivo sem muito sacrifício da espontaneidade pessoal.
(Dias, 2003, p. 85)
Winnicott enfatizou muito a criatividade, o brincar como
expressão de saúde. A espontaneidade e a sensação de estar vivo eram
consideradas fundamentais. Escreve, na introdução de seu livro Natureza
humana:
A noção básica de que saúde é uma relativa ausência de doenças
não é suficientemente boa. A palavra saúde possui seu próprio
significado positivo, fazendo com que a ausência de doenças não
seja mais que o ponto de partida para uma vida saudável.
(Winnicott, 1988/1990, p. 21)
Reflexão de Claire Winnicott
DWW [Donald Woods Winnicott] podia ficar excitado com as
idéias de outras pessoas, mas só podia utilizá-las e sobre elas erguer
algo, após haverem passado pela refinaria de sua própria
experiência (...). Embora as idéias de outra pessoa o enriquecessem
como clínico e como pessoa, era a elaboração de suas próprias
idéias que realmente o absorvia (...). DWW tomou como meta
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ingressar em todas as situações sem as defesas de seu saber, de
maneira a ficar tão exposto quanto possível ao impacto da própria
situação (...) esta era a única maneira pela qual a descoberta se
tornava possível, para si e para o paciente. (Winnicott, 1990/1995,
p. 13)
Esta é uma maneira sábia, a meu ver, de fazer uso das teorias que
estudamos. Também, cada um de nós, como clínicos, devemos
metabolizar o que absorvemos através de nossos estudos teóricos e
experiências clínicas, bem como vivências pessoais. Costumo dizer que os
conteúdos assim aprendidos passam a circular no nosso sangue (Winnicott
dizia: passam para os nossos ossos) e aí podemos empregá-los
criativamente.
Reflexão de Masud Khan
Nunca conheci nenhum outro analista mais inevitavelmente ele
mesmo. Foi esta qualidade que lhe permitiu ser tantas pessoas
diferentes para criaturas tão diversas. Cada um de nós, que o
conheceu, tem seu próprio Winnicott e ele jamais desrespeitou a
visão que o outro tinha dele, afirmando seu próprio estilo de ser.
E, contudo, permaneceu sempre e inexoravelmente Winnicott.
(Khan, 1988, p. 7)
Isto é compatível com a opinião de Winnicott de que o estudioso
de psicanálise, após estudar muito, levando em conta sua experiência
pessoal, forme uma opinião própria. Sempre defendeu a ideia de um
psicanalista criativo, inteligível e interessante.
Objeto transicional e espaço potencial
Para Winnicott, ao nascer, não existe o bebê, mas uma unidade
mãe-bebê. Só podemos considerar o indivíduo uma unidade, quando já
existe a noção de um dentro e um fora intermediados por uma membrana.
A chegada a esse estágio exige todo um processo que Winnicott estuda em
profundidade e que será exposto, futuramente, neste capítulo.
Porém ele postula que há algo, sim, que é inato: a tendência ao
amadurecimento Ele diz que o que põe a vida em movimento é o fato de
estar vivo. Estar vivo é estar dotado desta tendência inata ao
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amadurecimento. Embora, ao nascer, o bebê não seja ainda uma unidade
e não se possa pensar nele como um ser isolado, assim mesmo ele é
imediatamente lançado na tarefa de viver.
Como vimos, para Winnicott, ao nascer, não existe o bebê. Existe,
isto sim, uma unidade mãe-bebê. Este pequeno ser (mãe-bebê) muito
frequentemente leva à boca o polegar (observa-se isto ocasionalmente
ainda dentro do útero, através de ultrassom).
Já era formulada pela psicanálise da época a existência de um
mundo interno e um mundo externo. Winnicott, porém, postula a
existência de um terceiro reino, que não é nem o mundo interno, nem o
mundo externo.
Freud fala de uma primeira fase, a fase oral, em que há uma
excitação em torno da boca. Winnicott não discorda de que haja esta
excitação, mas vê muito mais complexidade neste gesto. Ele observa que,
enquanto chupa o polegar, o bebê acaricia o próprio rosto com os demais
dedinhos. Considera isto tão ou mais importante do que chupar o polegar.
É uma forma de o bebê ninar-se.
Muito cedo, vivendo a experiência de lhe serem apresentados os
objetos de que necessita no exato momento em que a necessidade
desponta, passam da fase: o “objeto sou eu”, para a ilusão onipotente de
serem criadores de tudo do que necessitam. Explico: bem no princípio o
objeto que se aproxima do bebê é percebido como uma parte sua e nesta
fase ganha o nome de objeto subjetivo. Muito rapidamente, porém, tudo
o que se apresenta a ele no exato momento em que precisa daquilo é por
ele interpretado como uma criação sua (por exemplo, o leite quando sente
fome, um agasalho quando sente frio, um colo, quando se sente
despedaçado). A observação de bebês nos ensina que chega um momento
no qual o bebê se afeiçoa a um paninho, um bonequinho de pano, um
bichinho de pelúcia etc. Winnicott propõe que esta situação é uma
evolução do estágio de dedo na boca. Essa passagem de uma fase a outra
se dá através de um processo muito rico, que pode ser chamado de
transicionalidade.
Até certo ponto, este objeto, esta criação, representa o seio, mas
isto não é tudo. O paninho, ou o bonequinho de pano ou de pelúcia,
chupeta, que mencionei anteriormente, todos estes são chamados por
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Winnicott de objetos transicionais. Às vezes há um murmurar, para se
acalmar, que também pode ser considerado um fenômeno transicional.
Esta utilização de objetos transicionais costuma surgir desde os 4, até os
12 meses. Tem a função de diminuir a ansiedade e pode se tornar
imprescindível na hora de dormir. Pode persistir na tenra infância e
reaparecer em momentos de depressão ou em momentos de solidão. O
adulto também pode fazer uso de objetos ou fenômenos transicionais. São
exemplos disto a utilização permanente de uma corrente ou pulseira, o
murmurar de uma prece, um cantarolar em momentos específicos.
Ressalto que não são objetos internos, tampouco, do ponto de vista da
própria pessoa, pertencem ao mundo externo mas sim ao que chamo de
terceiro reino, que Winnicott denomina de espaço potencial ou espaço
transicional.
Resumindo: os objetos transicionais, pertencem ao mundo
externo, do ponto de vista do observador, mas, do ponto de vista do bebê,
são percebidos como uma criação sua, É uma criação, não uma alucinação,
nem uma fantasia (para Winnicott só se pode falar em fantasia quando já
há a separação de mundo interno e mundo externo). Este conjunto de
objetos ilusoriamente criados, dão origem à área de ilusão, também
chamada de espaço transicional ou espaço potencial, como já foi dito. Sua
existência é fundamental para o desenvolvimento emocional saudável do
bebê. À mãe é imprescindível manter no bebê tal ilusão de onipotência,
até que se torne necessário que ela (a ilusão de onipotência) vá sendo
substituída pela noção de realidade. Até então ele precisa se sentir “um
criador de mundos” (Dias, 2003, p. 237). Este desenvolvimento será
apresentado a seguir, quando falarmos nas fases de dependência absoluta
e dependência relativa.
Vamos ver agora quais são as características da relação do bebê,
ou da criança maior, ou mesmo do adulto, com o objeto transicional:
1. É uma posse e há com ele uma relação de onipotência: faço
com ele o que quiser.
2. É acariciado, mas também mutilado.
3. Não deve mudar, a não ser por iniciativa do seu dono.
4. Deve sobreviver ao amor, mas também à agressividade.
5. Deve parecer como tendo vitalidade própria.
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6. Não é objeto externo, tampouco uma alucinação.
7. Tem um destino que descreveremos a seguir.
Diz Winnicott:
Seu destino é permitir que seja gradativamente ‘descatexizado’, de
maneira que com o curso dos anos, se torne não tanto esquecido
mas relegado ao limbo. Com isso quero dizer que, na saúde, o
objeto transicional não “vai para dentro”, tampouco o sentimento
a seu respeito necessariamente sofre repressão. Não é esquecido e
não é pranteado. Perde o significado e isto se deve ao fato de que
os fenômenos transicionais se tornaram difusos, espalharam-se
por todo o território intermediário entre a ‘realidade psíquica
interna’ e o ‘mundo externo tal como percebido por duas pessoas
em comum’, isto é, por todo o campo cultural. (Winnicott,
1951/1988b, p. 394)
Vale salientar que objetos transicionais adotados por adultos não
são os objetos originais da infância. São criações da fase adulta em
momentos de aumento de ansiedade, ou traumas, que afetam a sensação
de continuidade da existência. Volta a ilusão de onipotência se
necessidades despertadas na ocasião forem supridas por alguém. Sob o
efeito da ilusão de onipotência, ressurge a criatividade primitiva (crio o
objeto de que necessito) Isto quando não é o caso das produções culturais
que são a evolução normal e desejável do espaço potencial.
Vemos, assim, que a origem dos fenômenos culturais é o espaço
potencial. Podemos pensar em atividades tais quais brincar, fazer objetos
de tricot, escrever poesias ou quaisquer obras literárias, pintar, esculpir,
como resultados de um bom encaminhamento de objetos transicionais.
Podemos pensar nos objetos como transicionais, mas também no grupo
psicoterápico, como um todo, como um fenômeno transicional. Isto se
explica porque os pacientes de um grupo terapêutico chegam buscando
ajuda. Às vezes, durante a sessão, mergulham num estado de dependência
absoluta (ou relativa) Se o grupo estiver num bom momento, as
necessidades podem ser supridas ou pelo manejo ou interpretações do
analista, ou mesmo por intervenções sensíveis de outros integrantes do
grupo. O grupo, nestas condições, torna-se um fenômeno transicional, já
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que o que é recebido pelo paciente em questão é exatamente aquilo de que
necessita e alimenta sua área de ilusão onipotente.
Existem também exemplos de más evoluções: uso de drogas, jogo
aditivo, fetichismo. Eles, contudo, não serão tratados neste capítulo.
O objeto transicional está a meio caminho da simbolização. Só se
pode falar em simbolização quando há uma diferenciação clara entre
mundo subjetivo e objetivo, dentro e fora. Durante a utilização do objeto
transicional ou de um fenômeno transicional, como vimos, vigora um
terceiro espaço que não é interno e não é externo:
Bem no início, a tarefa de contato com a realidade é favorecida
pelo fato de a mãe apresentar o mundo ao bebê de tal maneira que
este, a princípio, não tem que saber que o objeto foi encontrado,
ao invés de ter sido criado por ele. Ele começa, portanto, a
relacionar-se com a realidade – externa, do ponto de vista do
observador – por via da criatividade e não da submissão. Num
momento posterior do amadurecimento – no estágio do – EU
SOU – ele terá de se haver com o fato da existência separada do
mundo, e o grande desafio será relacionar-se com a objetividade
do mundo externo, da realidade externa sem perda da
espontaneidade pessoal e da criatividade originária. (Dias, 2003, p.
233)
Mãe suficientemente boa
A visão winnicottiana enfatiza a importância do ambiente
favorável para a aquisição da capacidade de brincar, de ser espontâneo.
Isto será melhor visto quando detalharmos a relação mãe-bebê, a seguir.
Winnicott tinha uma profunda admiração por Darwin. Percebeu
que sua admiração por Darwin tinha a ver com o seguinte: pode-se
examinar o ser humano, mas esta investigação é sempre cheia de lacunas.
Essas lacunas não devem nos desesperar e nos desanimar. É preciso
aceitar este fato para diminuir a tensão e liberar energia para
experimentação e descobertas. Mas o que isto tem a ver com a teoria
winnicottiana? Tomemos a noção de mãe suficientemente boa, conceito tão
importante desenvolvido por Winnicott.
270
É que, segundo ele, nós não nascemos com esta capacidade de
suportar as lacunas, postura tão fundamental para toda a criação artística,
científica, profissional. Para o bebê as lacunas são insuportáveis. A mãe
deve estar junto dele, atenta para evitar a experiência excessiva de contato
com as mesmas.
Winnicott desenvolve o conceito de preocupação materna primária.
Trata-se de um estado da gestante que a habilita para a maternagem.
Como vimos anteriormente, fenômenos transicionais emergem da
área da ilusão da onipotência. Esta ilusão é possibilitada pela presença de
uma mãe suficientemente boa.
É hora de falarmos dela, também chamada por Winnicott de mãe
devotada comum. Ele está preocupado com o início da vida. Postula que já,
a partir dos meses finais de gestação, a mãe adquire uma condição
psicológica muito especial. A este estado ele chama de preocupação materna
primária. Dura até algumas semanas após o nascimento do bebê. Nele há
um grande aumento da sensibilidade. A capacidade de identificar-se com
o bebê é plena. Trata-se de uma condição psíquica tão especial que
Winnicott afirma que aproxima-se de uma psicose. Há uma exacerbação
do contato com o bebê em detrimento do contato com o resto do mundo.
Há um certo isolamento em relação a tudo que não se refere ao bebê. Isto
é, porém, plenamente desejável e necessário neste momento da vida A
mãe identifica-se com seu bebê e isto lhe possibilita praticamente
adivinhar do que ele precisa a cada momento. Este estado a habilita a
reconhecer se um desconforto se deve a fome, frio, necessidade de colo,
de ouvir sua voz, talvez. Tudo isto é necessário para o desenvolvimento
saudável do bebê. Falhas, nesta primeira etapa da vida acarretam uma
interrupção na sensação de estar vivo.
Nossos pacientes nos procuram por algum tipo de sofrimento.
Portam dentro de si falhas no seu processo de amadurecimento. Podem
reeditar suas experiências fracassadas nos cuidados iniciais. Reeditam, na
vivência da sessão de terapia, suas experiências primevas.
Do psicoterapeuta ou psicanalista também se espera que, no
momento em que está com seu paciente ou atendendo um grupo,
distancie-se de tudo o que se passa fora do âmbito da sessão e que ative
sua intuição para identificar do que o paciente ou o grupo necessitam a
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cada momento: uma postura que autoriza e estimula o fluir da conversa?
Uma fala que possa ser sentida como apoio? Silêncio? Um olhar
compenetrado? Um sorriso? Permissão para receber um presente de um
outro integrante do grupo? A nomeação de uma emoção que ele não está
sabendo identificar?
Winnicott postula que quando aquilo de que o bebê necessita lhe
é apresentado no exato momento em que ele o necessita, ele se ilude de
que criou aquele objeto. A apresentação do objeto com tal sincronicidade
depende da presença de uma mãe devotada, também. Isto gera a ilusão de
onipotência que mencionei anteriormente. Recebendo tal tratamento bem
no início da vida, o mundo do bebê vai se povoando de objetos que,
embora do ponto de vista do adulto pertençam ao mundo externo, do
ponto de vista do bebê são criações suas. Estes objetos, ilusoriamente
criados, povoam o espaço transicional. O destino saudável dos objetos
transicionais é transformarem-se em criações: culturais, científicas ou
mesmo atividades da vida cotidiana dotadas de criatividade. Aquilo a que
anteriormente denominei de terceiro reino, que não é o mundo interno
nem o mundo externo.
Esta ilusão de onipotência é indispensável. Pode ocorrer de falhas no
início da vida a terem impedido. Dela depende o desenvolvimento da
capacidade de criar. A adequação destes cuidados na infância precoce
evitam a ansiedade inicial, que, segundo Winnicott consiste em:
1. Desintegração: incapacidade de integrar as várias partes do
corpo: segurar adequadamente o bebê o ajuda a ir juntando seus
pedaços. A vivência de integração não é definitiva, mas alterna-se
com vivências de não integração. Isto é normal. Faz parte do
processo de amadurecimento. A desintegração é sentida como
uma ameaça.
2. Despersonalização: falta de relacionamento entre a psique e o
soma. Ser pego ao colo pela mãe, trocar as fraldas, dar banho
usando bastante as mãos para tocar o nenê, tudo isto é o que
permite ao bebê constituir a noção de que ele habita seu próprio
corpo. “Se for deixado longo tempo sem ser sustentado, o bebê
perde o contato com seu próprio corpo, que fica desrealizado, e é
272
isto que caracteriza os estados de despersonalização que estão na
base dos distúrbios psicossomáticos” (Dias, 2003, p. 205).
Falei em psique. Mas o que é psique para Winnicott?
A psique é a elaboração imaginativa de partes e funções do corpo.
É uma capacidade inata. As primeiras necessidades do recém-nascido são
somáticas. Ele é uma unidade psicossomática:
A primeira tarefa da psique é, como foi dito, a elaboração
imaginativa das funções corpóreas. O corpo elaborado
imaginativamente é o corpo vivo de alguém que respira, se move,
busca algo, mama, esperneia, chupa o polegar, descansa, é
acalentado, trocado, envolvido pela água do banho, etc. (...) a
experiência direta que o bebê faz do funcionamento, das sensações
e dos movimentos do corpo têm para ele um sentido, pelo fato de
estar sendo imaginativamente elaborada. (Dias, 2003, p. 106)
Elaborar imaginativamente não é fantasiar, embora em alguns
momentos da obra essas palavras sejam usadas como sinônimas. No meu
entendimento, fantasia é um processo mais elaborado que depende de
uma separação entre dentro e fora, que nesse iniciozinho da vida ainda
não há. Mas se tomarmos as palavras de Fulgêncio (2016/2018, p. 37):
No princípio a elaboração imaginativa é uma atividade inata que
registra, cataloga e diferencia os acontecimentos corporais
(elaboração imaginativa das funções corporais). No entanto, no
curso do processo de desenvolvimento emocional, torna-se cada
vez mais complexa, considerando-se elaborações imaginativas dos
acontecimentos existenciais desejar, sonhar, devanear, brincar,
bem como reagir aos problemas existenciais (o que classicamente
engloba os mecanismos de defesa).
Podemos ver aí uma equivalência dos termos. Já em outro texto
encontramos: “(...) a elaboração imaginativa das funções corpóreas é a
base necessária para que a fantasia, no sentido de mecanismo mental,
possa vir a ser uma aquisição posterior no desenvolvimento do indivíduo”
(Dias, 2003, p. 109).
Ou ainda:
Na perspectiva de Winnicott a fantasia, como operação mental que
se desenvolve no mundo interno já constituído, pertence a um
273
momento posterior do amadurecimento e não é, como a
imaginação, uma elaboração direta do real, mas uma criação a
partir da memória, requer portanto que uma certa temporalização
já tenha sido estabelecida, o que ainda não ocorreu no início da
vida. (Dias, 2003, p. 108)
Dependência absoluta, dependência relativa e rumo à independência
A etapa inicial da vida é chamada por Winnicott de dependência
absoluta. Depois disto vem a fase de dependência relativa e, por último,
rumo à independência, pois a independência absoluta nunca é alcançada.
No estágio de dependência absoluta o bebê não tem noção da
providência materna. Para ele, cria tudo de que necessita. Falhas nesta
provisão são vividas como invasões. Já o ambiente favorável viabiliza uma
vivência de continuidade. Neste processo o bebê vai adquirindo condições
de suportar as lacunas que, no início, eram insuportáveis, podendo chegar
a causar angústia de aniquilamento. Mudanças ocorrem tanto no bebê
quanto na mãe. O primeiro vai amadurecendo cognitivamente e a segunda
volta a ter sua atenção voltada para um mundo que extrapola as
necessidades do filho. Agora sua dependência é relativa. Ele já pode
esperar. Identifica cheiros, sons, sinais de que a mãe está a caminho. Tem
recursos para tolerar as falhas. E nesta fase espera-se da mãe suficientemente
boa que ela, de fato, falhe. Agora o exagero de cuidados é que é sentido
como invasão. O bebê começa a saber que depende da mãe. Pode suportar
que nem tudo está sob seu controle. Observa-se numa criança de 4, 5
meses que ela esperneia, grita, protesta. São, segundo Winnicott,
manifestações de ódio. É positivo que o meio, falhando em provisões
absolutas, dê motivos para esse novo sentimento:
Muitas vezes o crescimento da criança corresponde muito
precisamente à recuperação pela mãe de sua própria
independência, e se concordará que uma mãe que não pode
gradualmente falhar deste modo em uma adaptação sensível está
falhando de uma outra maneira; ela está falhando (por causa de sua
própria imaturidade ou suas próprias ansiedades) em dar ao
lactente razões para estrilar. Uma criança que não tem razão para
estrilar, mas que naturalmente tem em si a quantidade usual de
274
quaisquer ingredientes de agressividade, está em uma dificuldade
especial, uma dificuldade de fundir a agressão com o amor.
(Winnicott, 1963/1983, p. 82-83)
A percepção evolui. Passa a ter muita importância. Ocupa o lugar
da ilusão de onipotência. Através dela o novo indivíduo começa a ter
controle sobre o mundo externo e também sobre o mundo interno.
O autor continua: “Agora então o crescimento do lactente toma a
forma de um intercâmbio contínuo entre a realidade interna e a externa,
cada uma sendo enriquecida pela outra” (Winnicott, 1963/1983, p. 86).
A este respeito, Phillips (1988/2017, p. 154) diz:
Esse potencial agressivo (...) é equivalente ao potencial de
desenvolvimento. A agressão (...) é vista mais como evidência de
vida. Mas deve estar inclusa, fundida, com a capacidade do bebê
para o relacionamento pulsional que ele [Winnicott] iguala à vida
erótica do bebê (...). De outra forma esse potencial agressivo pode
ser dissociado ou experienciado como uma força estranha à
personalidade.
Da dependência relativa o ser humano segue rumo à
independência. Torna-se capaz de se defrontar com o mundo e suas
complexidades. Não há independência absoluta, mas o amadurecimento
saudável caracteriza-se por sentir-se vivo, ter preocupação, importar-se
com o outro e com a sociedade, às vezes por tornar-se capaz de se
identificar com pessoas significativas para seu próprio processo de
amadurecimento.
Holding
O holding é um termo introduzido por Winnicott que se tornou
muito conhecido. Existem algumas traduções portuguesas para ele, mas
creio que nenhuma tem sua força expressiva. Como vimos neste capítulo,
Winnicott enfatiza a importância da mãe suficientemente boa. Ela é
fundamental para o bom desenvolvimento do ser humano, desde a
origem.
O homem nasce imaturo, sob todos os pontos de vista: fisiológico
e psicológico. Nós não falamos, não andamos, não temos noção do nosso
corpo como uma unidade integrada, não temos recurso para identificar e
275
muito menos para nomear nossas sensações. Vivemos um período de
dependência absoluta. Dependemos para tudo isto de nossa mãe que,
segundo Winnicott, tem, já durante a gestação, alterações biológicas que
aumentam sua sensibilidade, favorecem sua identificação com ele para
adivinhar suas necessidades a cada momento. Holding é esta somatória de
cuidados. Mas Winnicott também inclui nos seus ensinamentos que uma
mãe adotiva ou um cuidador habilitado desenvolvem estas capacidades e
podem cumprir adequadamente o papel da mãe devotada. Assim, o bebê
é amamentado, aquecido, banhado, ninado com histórias e cantigas,
informado através de palavras a respeito do que está se passando consigo.
O bebê cresce e sua dependência vai se tornando relativa. Sua
percepção se desenvolve e também aumenta sua capacidade de esperar
pelas gratificações. O cuidador devotado dá-se conta disto e deixa o bebê
experimentar suas novas atividades. O bebê winnicottiano também tem
uma agressividade inata, que no princípio é sua própria força motriz e que
propicia estados agitados que precisam poder ser expressados.
Winnicott é muito claro na sua afirmação de que não existe um
estado de independência absoluta. Nossa vida se dá rumo à independência.
Precisamos de holding, em qualquer fase da vida. Precisamos de colo (às
vezes concreto, às vezes metafórico); precisamos, às vezes, ser
adivinhados naquilo de que necessitamos e sozinhos não damos conta de
suprir. Inventamos, ao longo da vida, novos objetos transicionais. Às
vezes não se trata de um simples objeto, mas de uma situação que cumpre
este papel.
É com base nisto que considero que um grupo terapêutico pode
ser um fenômeno transicional. Tanto os integrantes, quanto o grupanalista
podem intuir, se identificar, oferecer holding. No grupo aprende-se
identificar e nomear sentimentos, recebem-se manifestações carinhosas,
há lugar para expressar raiva e ciúmes. E o terapeuta está lá atento para
impedir destruições. Com base nestes argumentos, sigo para um caso
clínico.
Caso clínico
Vou incluir aqui um caso clínico que, a meu ver, ilustra a relação
com um grupo como fenômeno transicional, e a postura de acolhimento
276
do pedido do grupo como uma forma de conservar a ilusão do objeto
transicional como posse pelo tempo que se fez necessário.
Tratava-se de um grupo de 3 mulheres, todas com idades entre 55
e 60 anos, que já estavam juntas há mais de três anos e que tinham uma
interação muito boa. Suas angústias familiares eram compartilhadas com
muita liberdade e elas trocavam muitas opiniões. Muitas vezes
encontravam pontos coincidentes em suas famílias de origem e, trocando
ideias, faziam elaborações interessantes. Uma delas era um tipo muito
cômico e brincalhão, tornando mais leves as elaborações das angústias.
Era a mais recente no grupo. O entrosamento entre elas era muito sincero
e construtivo.
Vale dizer que a paciente acima citada me pagava pelas suas sessões
com bordados e objetos de tricô e crochê feitos por ela e que o valor dado
a estes objetos lhe possibilitou restaurar um reconhecimento de seu valor,
que tinha sido muito prejudicado pela improdutividade da aposentadoria.
Ela também presenteava eventualmente suas colegas de grupo, quase
sempre com cachecóis de lã fofinha. Tanto aceitar suas criações como
forma de pagamento, quanto permitir que ela presenteasse as colegas, eu
considerava estar dando holding à paciente, uma vez que a valorização de
seu potencial criativo era, naquele momento, aquilo de que ela precisava.
E o efeito de holding se difundia por todo o grupo.
Um dia, esta que era a mais recente no grupo, muito querida pelas
companheiras, ausentou-se por ter surgido um sintoma súbito no olho.
Antes que ela pudesse voltar, isto evoluiu para um acidente vascular
cerebral. Estando melhor anunciou sua volta. O grupo estava feliz.
Subitamente, no decorrer de uma sessão na qual esperávamos que ela
viesse, nos chega a notícia de seu falecimento.
Aqui retomo, com minhas palavras, o que citei anteriormente
sobre objeto transicional: pertence ao que chamei de terceiro espaço. Não
é do mundo externo, tampouco do interno. Sua utilização pode persistir
na tenra infância e pode reaparecer em momentos de depressão ou em
momentos de solidão. Também nos momentos em que a ilusão de
onipotência é abruptamente abalada.
Cabe esclarecer aqui que o grupo constitui-se num dispositivo que
pode se inserir na área de ilusão. Atendendo, através da postura do
277
terapeuta, as necessidades dos pacientes, com manejos ou intervenções
que suprem essas necessidades no momento exato em que se manifestam,
adquirem a característica de um objeto transicional. O falecimento
repentino de uma integrante é traumático É um momento em que ocorre
uma ruptura de continuidade de existir.
O grupo, vivenciado como uma unidade, devido ao holding
fornecido pelo terapeuta e também pelos próprios pacientes, sente que
perdeu um pedaço de si. É uma vivência de desintegração. Uma das
integrantes pôde falar do quanto as histórias de família desta paciente lhe
traziam recordação de sua própria família de imigrantes. A outra paciente
também referiu pontos de identificação. Ficamos todos muito tristes e
chocados com a rapidez dos fatos. Imediatamente surgiu um pedido das
pacientes de que evitássemos ao máximo que alguma delas viesse a ter
sessões sozinha quando uma delas precisasse faltar.
Identifiquei que o grupo era, naquele momento, uma posse delas;
concordei com o pedido. Entendi que aquele grupo, naquele momento,
passou a funcionar como um fenômeno transicional; e que a súbita perda
de um integrante correspondia a um contato brusco com uma realidade
desestruturante (mexeram no meu objeto). Que precisavam adquirir algum
controle sobre o grupo. Respeitei. Quando uma delas precisasse faltar, por
motivos plenamente justificáveis, dedicávamo-nos juntas a encontrar uma
alternativa. Elas sentiam assim que tinham um controle sobre o objeto
grupo. Eu acolhia, dava holding. Em nenhum momento mantive a rigidez
dos horários como a coisa mais importante. Considerava o mais
importante as duas estarem juntas na sessão e participarem juntas da
escolha de um horário possível. Era uma forma de vermos que tínhamos
sido impotentes em manter a integridade do grupo, mas podíamos ter
algum controle sobre aquele espaço potencial. Isto foi recebido pelo grupo
como um acolhimento. Considerava-me intuindo do que o grupo estava
precisando naquele momento, como é colocado por Winnicott, seguir o
ritmo do paciente e não nosso próprio ritmo, como terapeutas.
Passados vários meses a característica de transicionalidade do
grupo evoluiu para uma relação mais madura: grupo como fenômeno
objetivo, possibilitando trocas cheias de vitalidade e com um claro
discernimento entre dentro e fora sem haver perda da espontaneidade.
278
Retomamos o que diz Winnicott sobre isto:
O que nos tornamos capazes de fazer permite que cooperemos
com o paciente no andamento do processo, aquilo que para cada
paciente tem seu próprio ritmo e segue seu próprio curso, todas as
características importantes desse processo derivam do paciente e
não de nós como analistas. (Winnicott, 1954/1988a, p. 459)
Conclusão
Este capítulo contém uma pequena parte das ideias de Winnicott.
Minha intenção, ao escrevê-lo, foi dar ênfase ao aspecto da importância
da criatividade. Estou de acordo com ele quanto ao fato de que a
espontaneidade é uma das principais manifestações de saúde e que vem
dela o sentir-se vivo.
Winnicott discorre muito sobre os prejuízos das invasões
excessivas na relação mãe-bebê (e isto é válido também em muitas fases
da vida, por exemplo, na relação professor-aluno; na relação de um casal,
na relação terapeuta-paciente). Alerta-nos para o fato de que as invasões
decorrem de falhas e que essas falhas tanto podem corresponder a deixar
de oferecer ao sujeito humano aquilo que lhe é essencial em dados
momentos, quanto podem se tratar de experiências em que o cuidado, as
ofertas são excessivas, as capacidades do sujeito já evoluíram, e ele fica
sem oportunidade de exercitá-las. Isto vale para a percepção, para as
atividades motoras, para o aumento da tolerância à frustração. Considero
também importantes as posições de Winnicott quanto à necessidade de
um analista ser criativo, espontâneo, respeitar o ritmo do paciente
exercitando também a sua capacidade de esperar os momentos mais
adequados para intervir.
Winnicott foi uma pessoa exemplar e uma de suas grandes virtudes
foi se dirigir à população leiga (mães, pais, professores, adolescentes)
buscando numa linguagem simples, comunicar-lhes suas descobertas
sobre a natureza humana.
Referências
Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de
Janeiro: Imago.
279
Fulgêncio, L. (2018). Por que Winnicott? São Paulo: Zagodoni. (Trabalho
original publicado em 2016)
Khan, M. R. (1988). Prefácio. Em: D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da
pediatria à psicanálise (pp. 7-61). Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves.
Phillips, A. (2017). Winnicott. Aparecida: Idéias Letras. (Trabalho original
publicado em 1988)
Winnicott, C. (1995). DWW: Uma reflexão. Em: P. L. Giovacchini (Org),
Táticas e técnicas psicanalíticas (pp. 13-26). Porto Alegre: Artes Médicas
(Trabalho original publicado em 1990).
Winnicott, D. W. (1983). Da dependência à independência no
desenvolvimento do indivíduo. Em: O ambiente e os processos de maturação
(pp. 79-87). Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original
publicado em 1963)
Winnicott, D. W. (1988a). Aspectos clínicos e metapsicológicos da
regressão dentro do setting psicanalítico. Em: Textos selecionados da
pediatria à psicanálise (pp. 459-482). Rio de Janeiro: Livraria Francisco
Alves (Trabalho original publicado em 1954)
Winnicott, D. W. (1988b). Objetos transicionais e fenômenos
transicionais. Em: Textos selecionados da pediatria à psicanálise (pp. 389-
408). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves. (Trabalho original
publicado em 1951)
Winnicott, D. W. (1990). Relacionamentos interpessoais. Em: Natureza
humana (pp. 54-68). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original
publicado em 1988)
281
14 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e
Discussão enquanto modalidades de Grupos
Operativos Solange Aparecida Emílio
A importância de marcar o referencial psicanalítico no nome
Os Grupos Psicanalíticos de Discussão e de Reflexão são duas
modalidades de grupos que têm como referência os Grupos Operativos
desenvolvidos por Pichon-Rivière (1980/1994) e vêm sendo utilizados
como dispositivos de aprendizagem e intervenção em diferentes
contextos, em especial por nós, membros do NESME22, já há alguns
anos.
Inicialmente, os nomes adotados para os referidos dispositivos
raramente incluíam o termo “psicanalítico”, apesar do apoio no
referencial da psicanálise. Mas, fomos percebendo que havia um uso
indiscriminado e bastante genérico dos termos “grupo de discussão” e
“grupo de reflexão” para nomear os mais variados tipos de grupos, o que
incluía desde a utilização de diferentes abordagens psicológicas para a
leitura dos fenômenos grupais, como a total ausência de articulação
teórico-prática na apresentação dos grupos ou discussão dos resultados
obtidos por eles.
22 Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares – instituição sediada em São Paulo, que completou 30 anos de existência em 2019 e que congrega psicólogos, psiquiatras e profissionais de áreas afins que trabalham com grupos e outras configurações vinculares (como casais e famílias), tendo como principal referencial a psicanálise vincular. Faço parte da referida instituição há mais de vinte anos.
282
Há dez anos, fiz um rápido exercício em uma busca no Google23 e
encontrei quase 200.000 páginas na língua portuguesa que faziam
referência ao termo exato “grupo de discussão”. O acesso a alguns dos
materiais encontrados evidenciou que, sob este nome estavam grupos
com diferentes finalidades e formas de funcionamento e manejo, mas
tinham a promoção de discussão como eixo comum (Emílio, 2010).
Resolvi repetir o exercício acima mencionado24, ampliando a
consulta para verificar também as referências aos grupos de reflexão.
Então, recorri ao Google e ao Google Acadêmico25, usando as expressões
exatas: “grupo de discussão” e “grupo de reflexão”. Usei como filtro as
páginas publicadas no Brasil e em idioma português. O primeiro
resultado que chama atenção é o da quantidade de páginas e artigos
científicos que se referem tanto aos “grupos de discussão” quanto aos
“grupos de reflexão”, pois na consulta feita pelo buscador geral (Google)
foram localizadas mais de 1.750.000 páginas que contêm a expressão
exata “grupos de discussão” e 555.000 resultados para a expressão exata
“grupos de reflexão”. Mesmo em uma consulta um pouco mais
específica, ao optar pelo Google Acadêmico (que direciona para artigos
científicos), encontrei cerca de 23.500 referências para “grupos de
discussão” e cerca de 3.500 resultados para “grupos de reflexão”. A
leitura de todos os artigos não seria possível e nem interessante no
momento, mas a partir de uma pequena amostra de conveniência retirada
de alguns dos artigos mais recentes foi possível encontrar, por exemplo,
relatos e formulações sobre:
um grupo de discussão online, estudado para se compreender as
práticas de poder e resistência em uma organização pública e
presentes no próprio grupo (Bretas, 2019);
um grupo de discussão com mulheres jovens utilizado para a
coleta de dados em uma pesquisa sobre o feminismo (Vargas &
Saraiva, 2019);
23 Pesquisador geral Google: google.com 24 Realizada em 28/01/2020. 25 Pesquisador Google Acadêmico: scholar.google.com.br
283
um grupo para a recepção de calouros de um curso de
enfermagem, denominado ora como “grupo reflexivo” e ora como
“grupo de reflexão e discussão” (Rossato & Scorsolini-Comin,
2019, p. 1-2).
Um fato que também chama a atenção nos grupos apresentados
sob a denominação de grupo “de discussão” ou “de reflexão” é que muitas
vezes nos textos sobre eles, como, por exemplo, nos trabalhos de Gvozd
et al. (2016), Silva e Bernardo (2018) e Vieira et al. (2020), não há
explicação do que os caracteriza, como se os nomes já fossem
autoexplicativos, não ocorrendo, assim, o esclarecimento sobre o que
poderia diferenciar um do outro ou até mesmo de outras modalidades de
grupo, uma vez que a discussão e/ou debate de ideias ou a reflexão de seus
participantes podem estar bastante associadas e presentes nos mais
variados grupos.
Por outro lado, ainda no mesmo exercício acima mencionado,
quando inseri o termo “psicanalítico”, consultando a ocorrência de
referências às expressões exatas “grupo psicanalítico de discussão” e
“grupo psicanalítico de reflexão” encontrei, pelo buscador geral (o mesmo
que apresentou mais de um milhão de resultados para “grupo de
discussão”), em torno de 28 resultados para “grupo psicanalítico de
discussão” e 11 resultados para “grupo psicanalítico de reflexão” (tendo
sido apresentadas meio milhão de referências quando buscado somente
“grupo de reflexão”). Outro dado importante foi que todos os artigos
encontrados nesta última busca remetiam às definições de grupos que se
aproximam ou são inspiradas nos grupos que abordarei aqui. Assim,
pareceu importante nomeá-los incluindo o “psicanalítico”, de forma a
reconhecer as especificidades e características destes grupos, como já feito
anteriormente por Fernandes (2003) e por Emílio (2010).
Breve histórico dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de Discussão
Os Grupos Psicanalíticos de Discussão e de Reflexão são
definidos como modalidades de Grupos Operativos (Emílio, 2010;
Fernandes, 2003). Como este livro tem um capítulo dedicado aos Grupos
Operativos (capítulo 8), não vou me deter ao seu detalhamento. No
284
entanto, é importante resgatar uma comunicação feita pelo idealizador
dos Grupos Operativos no Primeiro Congresso Latino-americano de
Psicoterapia de Grupo, em 1951, publicada posteriormente em uma
coletânea de textos do autor (Pichon-Rivière, 1980/1994) com o título:
Aplicações da psicoterapia de grupo, na qual ele apresenta a importância do
grupo para o processo de aprendizagem, tendo como base sua
experiência no ensino para estudantes de psiquiatria. Ele relata a primeira
experiência que teve com um grupo de seis estudantes dos primeiros
anos de medicina, que já frequentavam o hospital psiquiátrico como
campo de estudo, na qual sugeriu que se aproximassem dos pacientes, a
partir daquele momento, sem retomar a teoria, para poderem elaborar a
experiência desse contato em sessões semanais de uma hora de duração.
O texto a seguir ilustra a proposta do autor:
(...) uma técnica que pouco a pouco foi surgindo – porque na
realidade aprendemos uma técnica com esse primeiro grupo – era
a seguinte: cada vez que aparecia um quadro clínico determinado,
eu solicitava aos alunos que cada um falasse sobre a vivência que
tinha em relação a um determinado distúrbio. Em uma aula sobre
esquizofrenia, por exemplo, cada um havia recebido um impacto
particular. Ou seja, para alguns chamou a atenção o isolamento,
para outros, a indiferença, ou a dissociação, ou o delírio, e assim
podíamos montar o quadro fragmentado através do grupo,
facilitando sua assimilação. (Pichon-Rivière, 1980/1994, p. 59-60)
O relato acima demonstra uma aposta incondicional de Pichon-
Rivière na potência do grupo para o processo de aprendizagem. Os
Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de Discussão trazem esta importante
marca desde o seu início.
O surgimento dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão, de acordo
com Fernandes (2003), está associado à formação de coordenadores de
grupo e grupoterapeutas, pela aplicação, por alguns dos membros do
Instituto de Técnicas Grupais da Associação Argentina de Psicologia e
Psicoterapia de Grupo (como Bernard, Ulhoa, Dellarossa, Ferschtut e
outros) da reflexão em grupo no processo formativo de coordenadores de
grupo e grupoterapeutas. Isso ocorreu nos anos setenta do século passado
e a estratégia utilizada replicou a experiência realizada alguns anos antes
285
por Marcos Bernard e F. Ulhoa junto a residentes em psiquiatria do
Instituto Borda, em Buenos Aires. O ponto em comum entre as
experiências com os residentes, os grupos de reflexão descritos por
Dellarossa e aquele primeiro grupo de Pichon-Rivière retomado acima é a
possibilidade de explicitação e elaboração de tensões oriundas da e pela
vivência em grupo. No entanto, Fernandes (2003) aponta uma
especificidade em relação aos Grupos Psicanalíticos de Reflexão, quando
comparados aos grupos operativos, em geral, que é a presença dos
questionamentos à instituição formadora, que já aparece nos relatos
presentes no texto de Dellarossa (1979, citado por Fernandes, 2003).
Apesar das dificuldades e resistências encontradas, o dispositivo,
nomeado em geral como “grupo de reflexão” (principalmente porque já
eram realizados em contextos em que o referencial teórico era a
psicanálise), foi sendo cada vez mais utilizado na Argentina, passando
também a ser considerado no Brasil, tanto na formação de médicos
(Zimerman, 2000), como em instituições de formação de coordenadores
de grupo e grupoterapeutas (Donato et al., 2002; Fernandes, 2003; Osório,
2002). Encontramos, também, mais recentemente, relatos de sua utilização
em escolas de Educação Básica (Mataresi & Emílio, 2011), em
universidades (Diniz & Aires, 2018; Donato et al., 2002; Franco & Volpi,
2011; Rossato & Scorsolini-Comin, 2019; Silva & Brandt, 2015) e até para
um grupo de jovens formandos em uma instituição religiosa (Peruzzo &
Rosa, 2015). Em todos os contextos descritos, percebemos como principal
característica o cumprimento da essência do que vem enunciado no
próprio nome do dispositivo: o retorno de cada um e do grupo (re) sobre
si mesmo (flexão), o espelhamento de uns nos outros como em uma
galeria de espelhos – como bem lembrado por Zimerman (2002) – e o
processo de aprendizagem, assim como proposto por Pichon-Rivière
(1980/1994).
Os Grupos Psicanalíticos de Discussão, apesar de, como já
mencionado, também serem considerados modalidades dos grupos
operativos, derivaram, conforme aponta Fernandes (2003), de uma
atividade que não tinha relação direta com tais grupos, mas,
gradativamente foram assumindo as características e o funcionamento que
veremos neste capítulo.
286
Segundo Fernandes (2000), na década de oitenta, era usual nos
congressos da Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo
(ABPAG)26 a organização de pequenos grupos em seguida às
apresentações de trabalhos em mesas-redondas, nos quais promovia-se a
discussão entre os participantes (realizada após a leitura do relatório que
sintetizava o que havia sido apresentado na mesa). No entanto, a atividade,
apesar de útil, tendia a ser cansativa quando o sintetizador era muito
prolixo.
A partir dos anos noventa, a experiência foi sendo aprimorada, em
especial pela promoção de eventos da ABPAG em parceria com o
NESME e também da ocorrência do I Encontro Luso-brasileiro de
Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (Fernandes, 2000, 2003),
nos quais mantinha-se a ideia de realização dos grupos após a apresentação
dos trabalhos nas mesas-redondas e optava-se por colocar coordenadores
de grupo experientes para auxiliar as discussões nos grupos e promover
maior participação dos envolvidos. Apesar de em alguns momentos ter
havido a utilização equivocada do termo “grupo de reflexão” para
referência a esta atividade (Donato et al., 2002), já que a reflexão também
era objetivada, optou-se pela formalização de seu nome como “grupo de
discussão”, uma vez que as características de constituição (ter sempre um
evento disparador) traziam especificidades ao funcionamento e
coordenação deste dispositivo. Cabe ressaltar que por um bom tempo
também não foi inserido o “psicanalítico” no nome, pois entendia-se que
estaria subentendido o seu referencial.
Os resultados de aprendizagem proporcionada pelos Grupos
Psicanalíticos de Discussão mobilizaram a sua utilização cada vez mais
presente, ao ponto de serem considerados na atualidade um diferencial
nos eventos científicos promovidos ou apoiados pelo NESME, além de
terem sido incorporados nos encontros mensais ocorridos na instituição
para o aprimoramento teórico-prático de seus membros.
Abro aqui um parêntese para relatar o meu primeiro contato com
estes grupos e com o NESME, pois é neste ponto que há um importante
entrelaçamento. Na ocasião, eu era professora de psicologia no curso de
26 Atualmente, extinta (nota da autora).
287
odontologia, estudante do mestrado e pesquisava o tema dos vínculos
(entre os profissionais de odontologia e seus pacientes com deficiência).
Já havia feito um curso de aprimoramento com enfoque dos grupos
operativos e tinha muito interesse em pesquisar mais sobre os fenômenos
grupais. Então, fui capturada pelo cartaz de divulgação de um congresso
que ocorreria em Serra Negra27, que trazia a abordagem dos vínculos e era
organizado por uma instituição da qual nunca havia ouvido falar, o
NESME, mas trazia a psicanálise em seu nome.
Então, fui para o evento, esperando encontrar o modelo de
congresso ao qual estava acostumada, em que o palestrante era
considerado o detentor do saber e o público estaria lá para aprender e
participar de forma silenciosa ou, no máximo, por meio de perguntas
direcionadas à mesa. Logo na primeira atividade, vi que tudo seria
diferente, pois, escolhi a mesa-redonda de interesse e escutei, com bastante
atenção, todas as falas, anotando freneticamente, as apresentações. No
entanto, ao final da mesa, ao invés de haver a abertura para perguntas,
estava prevista a participação de todos em um Grupo de Discussão com
uma hora de duração. Isso foi explicado pelo presidente da mesa, mas
demorei a entender o que significava. Fiquei sentada, um pouco atônita,
vendo as pessoas se levantarem e organizarem a sala em um grande círculo.
Cheguei a pensar que seria alguma atividade exclusiva para membros da
instituição, mas a pessoa que iria coordenar o grupo insistiu que todos
estavam convidados a participar e por isso eu fiquei.
Hoje, mais de vinte e dois anos depois, não consigo me lembrar
do tema da mesa, nem os autores das apresentações ou quais foram os
teóricos abordados (apesar de meus registros da ocasião). No entanto,
ainda me recordo de quem coordenou este primeiro Grupo de Discussão
do qual participei, de como me senti estimulada a compartilhar minhas
opiniões e sensações com pessoas que nunca havia visto e do profundo
contentamento em perceber, na prática, o que eu havia estudado na teoria
dos grupos operativos, pois o compartilhamento de ideias que ocorreu e
o aprendizado que se processou em mim foram fundamentais para acolher
27 II Congresso de Psicanálise das Configurações Vinculares/ I Encontro Paulista de Saúde Mental e Psiquiatria – Serra Negra, 1997.
288
algumas das inquietações teórico-práticas que eu vinha enfrentando na
escrita da minha dissertação de mestrado. Ao final do evento, quis saber
mais sobre a instituição que o havia organizado e fui convidada a visitar o
NESME em um de seus encontros mensais. Me encantei ainda mais com
o que vi e ouvi e resolvi me tornar membro. Nunca mais deixei de estudar
a psicanálise das configurações vinculares e tenho tentado, desde então,
contribuir para o aprimoramento dos dispositivos para intervenções
grupais, como o Grupo Psicanalítico de Discussão. Fecho o parêntese.
Vimos até o momento que há diferenças importantes nos
momentos e motivos de criação dos Grupos Psicanalíticos de Discussão
e de Reflexão, apesar das aproximações teóricas que são evidentes e da
clara herança nos grupos operativos. A seguir, abordarei cada um dos
dispositivos de forma separada, trazendo seus possíveis usos, suas
características, alguns dos fenômenos identificados e as especificidades da
coordenação.
Os Grupos Psicanalíticos de Reflexão
Definição e aplicações
O Grupo Psicanalítico de Reflexão é definido por Fernandes
(2003) como uma modalidade de grupo operativo, com ênfase na reflexão
e no conhecimento oriundo da vivência grupal. Como vimos acima, ele
vem sendo adotado, principalmente, na formação de psicoterapeutas de
grupo com orientação psicanalítica; no cuidado institucional às sociedades
que congregam grupoterapeutas e em congressos da área de grupos, como
vivência para promover o aprendizado sobre o dispositivo (Fernandes,
2003). No entanto, há registros de sua utilização para a supervisão de
psicanalistas no trabalho individual (Rosa, 1996) e em situações em que o
trabalho é realizado com um subgrupo da instituição, tendo como a
perspectiva a obtenção de transformações nas relações ocorridas na
instituição de forma mais ampla (Mataresi & Emílio, 2011; Peruzzo &
Rosa, 2015).
Nos relatos encontrados e na minha experiência, estes grupos
costumam ter uma hora ou uma hora e meia de duração. Quanto ao
número ideal de participantes para estes grupos, Dellarossa (1979, citado
289
por Coronel, 2002) sugere que seja entre dez e catorze. Parece um bom
número para permitir a circulação dos afetos e a aprendizagem, que se
aproxima do estabelecido para outros dispositivos grupais com o
referencial psicanalítico, como na Fotolinguagem, por exemplo, para a
qual recomenda-se o número de cinco a oito participantes nas aplicações
terapêuticas e doze a quinze participantes em processos de formação
(Vacheret, 2008). No entanto, já participei de grandes Grupos
Psicanalíticos de Reflexão em congressos, com mais de cinquenta pessoas
(até em torno de setenta) e tive a experiência de coordenar grupos muito
pequenos nesta modalidade (com quatro a seis componentes). Em ambas
as situações, o tamanho do grupo, inicialmente, chegou a aparecer como
um problema. Por exemplo: nos grupos muito grandes, surgiram
dificuldades na comunicação ou mesmo de organizar as cadeiras de forma
que parecesse satisfatório a todos; nos grupos muito pequenos, vinham as
queixas de que ocorre uma sobrecarga aos seus membros, que não se
sentem autorizados a se ausentarem ou que percebem o tempo de uma
hora e meia muito longo, com a fantasia de possibilidade de se esgotar o
“assunto”. No entanto, as intervenções dos coordenadores e as
associações que se seguiram evidenciaram que essas vivências não são
problemas; ao contrário, podem ser entendidas como emergentes, pois
permitiram, em movimentos dialéticos de esclarecimento, a explicitação
de conteúdo implícito dos grupos, das instituições, dos profissionais ou
mesmo das histórias e relações entre os países de origem dos participantes.
Apesar de ser um espaço muito potente de preparação e
transformação profissional, sustentá-lo nos processos formativos não é
algo simples. Foi feita uma compilação, pela Área de Grupos do
NESME28, das experiências relatadas por profissionais atuantes em
28 Durante um bom tempo dos mais de trinta anos de existência do NESME, alguns de seus membros se organizavam em áreas temáticas, a saber: Área de Grupos; Área de Família; Área de Instituições. Tal divisão objetivava promover estudos, organizar eventos e elaborar textos dentro do tema em questão para apresentação aos demais membros e contribuição à comunidade científica. Nos últimos dez anos, novas demandas institucionais surgiram e a organização por áreas deixou de fazer sentido, tendo ocorrido outra forma de organização dos membros para o aprofundamento nos estudos dos referidos temas.
290
diferentes instituições formadoras do estado de São Paulo (NESME,
SPAGESP29 e SPAG-CAMP30) com os grupos de reflexão realizados em
seus cursos. Destaco, abaixo, algumas das conclusões a que chegaram em
relação a este dispositivo de grupo:
Tem como objetivo favorecer um espaço para troca e
intercâmbio de experiências, para que possam ser conhecidos e
reconhecidos tanto os conceitos de fenômenos grupais, como seus
próprios participantes.
É como um vaso alquímico, pois permite que as coisas não se
percam e não se fragmentem, embora contenha o caos, além de
ter o objetivo de nutrir, promover saúde mental.
É um espaço transicional, ambiente que envolve o vínculo
como uma pele.
(...) as interpretações ocorrem num nível inter e transpsíquico.
Ruído é a realidade que tem a ver com o que vivemos hoje. A
instituição precisa acolher o fato de que os membros pertencem a
outros espaços e isso interfere em sua presença nele. (Donato et
al., 2002, p. 121-122)
Para Oliveira Jr. (2002), o Grupo de Reflexão dentro do
referencial psicanalítico é o espaço adequado para a livre-associação de
ideias, que promove um fenômeno chamado de ressonância afetiva,
caracterizada pela comunicação de inconsciente para inconsciente e que
resulta na manifestação de emoções. O autor sugere que as escolas em
geral organizem esta atividade com os alunos pelo menos uma vez por
mês, pois contribuiriam para o processo educativo, por “estimular a saída
de algo que vem de dentro, como, por exemplo, a capacidade de aprender,
de pensar, de ser criativo, ou mesmo estimular a saída de conflitos, queixas,
ódios, enfim o que tiver que sair deverá ou poderá sair” (Oliveira Jr., 2002,
p. 12). Sou favorável a tal sugestão, mas recomendo que ela seja realizada
por um coordenador que tenha preparo suficiente para auxiliar no
29 Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, sediada em Ribeirão Preto. 30 Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas.
291
aproveitamento da potência do grupo e na mobilização de transformações
institucionais.
Características e especificidades da coordenação
Quanto à coordenação dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão,
Bernard (1991) já destacava a importância de o coordenador de tais grupos
não realizar nenhuma outra atividade de docência junto aos participantes.
Nos textos de Oliveira Jr. (2002) e Fernandes (2003), há também a
recomendação de não haver envolvimento do coordenador do grupo nas
atividades acadêmicas e nos processos avaliativos, para permitir maior
liberdade no fluxo das associações livres aos participantes. No entanto, é
comum que o coordenador desse grupo seja membro da instituição
formadora ou tenha outras possibilidades de encontro ou de realização de
atividades com os participantes ou com pessoas com eles relacionadas.
Como o material trazido nestes grupos pode expor conteúdos sensíveis a
algum dos membros ou mesmo de pessoas de fora deste, considero que
deve ser garantido que o espaço utilizado não permita o vazamento das
falas no momento do grupo e que os participantes compreendam a
importância do sigilo e a reserva do que for tratado no grupo.
No que se refere aos cuidados a serem tomados pelo coordenador,
um conceito que tem ajudado é o da regra de abstinência. Para Laplanche
e Pontalis (1991), esta constitui a recusa do analista em satisfazer os
pedidos do paciente e de assumir os papéis impostos por ele. Considero
que, em um Grupo Psicanalítico de Reflexão, o coordenador precisa se
abster não somente de atender às solicitações dos membros do grupo, mas
também deve ficar atento às advindas de outros participantes da
instituição. Além disso, a regra serve para o analista ou coordenador, mas
não deveria ser utilizada como substituta à interpretação do pedido.
Vamos imaginar, como exemplo, um grupo de estudantes que está
vivenciando muitas dificuldades para comunicar a um determinado
professor do curso as suas insatisfações em relação às aulas, uma vez que
o professor é descrito como tendo reações agressivas com os estudantes.
Quando isso aparece no Grupo de Reflexão, é dito por um dos
participantes que no espaço do grupo eles se sentem escutados e acolhidos
e que gostariam que o mesmo ocorresse nas aulas; na sequência, outro
292
participante sugere que o coordenador do grupo converse com o
professor para tentar ajudá-lo a promover um espaço saudável de
aprendizagem, pois certamente o professor não iria ser agressivo com ele.
Então, apesar da clara convocação dos estudantes, é recomendável que o
coordenador do grupo não atenda ao pedido, mas também não se dedique
a negá-lo. Buscar a sua compreensão é mais importante do que responder
afirmativa ou negativamente à solicitação. Uma estratégia interessante é
tentar verificar, a partir da formulação do grupo, o que está sendo
comunicado no que se refere às fantasias inerentes ao processo de
aprendizagem, às relações entre os participantes, à instituição e ao macro
contexto, de forma a promover a compreensão do grupo acerca do pedido
formulado.
Um ponto que é muito importante em relação aos Grupos
Psicanalíticos de Reflexão é a sua proximidade com os grupos
psicoterapêuticos de orientação psicanalítica, uma vez que não há
direcionamento por parte do coordenador, não existem disparadores e não
há recursos mediadores, como fotos, textos, para os quais os participantes
possam direcionar suas projeções. É comum ocorrerem movimentos de
regressão, principalmente no início dos grupos, com ataques à
coordenação, fantasias persecutórias, tentativas de mudar o contrato,
como, por exemplo: solicitar alteração do tempo; propor uma discussão
temática; dizer que a atividade ocupa o lugar de outra mais importante e
pragmática (Donato et al., 2002). Assim, como estes ocorrem em
contextos institucionais nos quais as pessoas têm outras formas de
convivência, encontrando-se antes e depois dos grupos, cabe ao
coordenador ficar atento aos conteúdos institucionais e relacionados ao
aprendizado, na elaboração de suas hipóteses interpretativas e ao exercitar
sua função de pensar junto com o grupo.
Os Grupos Psicanalíticos de Discussão
Definição e aplicações
Em um trabalho elaborado por Fernandes e Fernandes (1999,
citado por Fernandes, 2000) e bastante utilizado em textos posteriores
(Emílio, 2010; Fernandes, 2003), os Grupos Psicanalíticos de Discussão
293
são descritos como modalidades de grupos operativos que têm como
tarefa a discussão de ideias, a circulação e a horizontalização de saberes, a
partir do contato com um disparador comum. Um pequeno ajuste na
descrição acima resultou em uma nova formulação que foi criada de forma
coletiva por membros do NESME e está presente no convite
encaminhado aos participantes dos grupos realizados nos encontros
mensais. Ela traz a ideia de ser um espaço de compartilhamento horizontal
de saberes para a construção coletiva de conhecimento, inspirado nos
grupos operativos de Pichon-Rivière e realizado após um disparador
comum, que pode, por exemplo, ser um texto, caso clínico, um filme ou
uma apresentação em um evento. No último congresso do NESME, a
explicação sobre tais grupos foi disponibilizada dentro do programa oficial
do evento com o seguinte texto:
(...) são grupos psicanalíticos realizados após as apresentações em
mesas redondas, mesas de comunicações temáticas e sessões de
pôsteres e coordenados por especialistas em grupos. Com isso,
procuramos quebrar, pelo menos parcialmente, o nível de
funcionamento grupal de dependência, tradicional nos
Congressos, partindo para uma discussão horizontal e criativa. De
maneira democrática, tais grupos estimulam a circulação do saber
de cada participante, despertam associações e constroem novo
conhecimento a partir do material exposto pelos
participantes/autores de trabalhos. (NESME, 2019, p. 4)
Como vimos, desde a sua criação, esta modalidade de grupos está
bastante associada aos congressos de grupo, em especial os promovidos
ou apoiados pelo NESME e mais recentemente ficou também vinculada
aos encontros mensais realizados na instituição. Assim, fica evidente a sua
importância como dispositivo de promoção de conhecimento e de
vivência para estudiosos de grupos. No entanto, seus usos não se
restringem a estes contextos, como veremos no próximo tópico.
As definições do dispositivo do Grupo Psicanalítico de Discussão
que apresentamos acima apresentam como ponto comum a importância
do compartilhamento de ideias e da construção coletiva do conhecimento.
Então, um ponto bastante relevante quando penso nos seus possíveis usos
é o fato de que ele pode ser utilizado sempre que o grupo objetivar a
294
promoção da discussão para a ampliação do conhecimento de todos, uma
vez que concordo com a afirmação de Fernandes (2003) de que ele pode
ser efetivo para estimular o pensamento horizontal e democrático, não
somente em eventos científicos.
Em minha experiência, tenho utilizado e supervisionado a
realização de Grupos Psicanalíticos de Discussão para intervenções em
contextos nos quais é importante a promoção de espaços de reflexão e
discussão de ideias, de aprendizagem, de sensibilização em relação a algum
tema e de promoção de saúde, principalmente quando a intervenção se dá
com pessoas que convivem cotidianamente, como: professores,
estudantes, membros da equipe pedagógica e administrativa em escolas;
usuários e membros da equipe técnica e de gestão de centros de
convivência, serviços de saúde, casas de acolhimento; entre outros. O uso
de textos, imagens, músicas, trechos de filmes como disparadores e a
condução de uma discussão que permite o surgimento de associações,
convergentes e divergentes, e o compartilhamento e acolhimento dos
diferentes saberes configura os Grupos Psicanalíticos de Discussão como
dispositivos interessantes de intervenção em instituições e podem ser
menos geradores de ansiedade e fantasias persecutórias do que os Grupos
Psicanalíticos de Reflexão. Tornam-se bastante recomendados, inclusive,
para atividades pontuais ou com populações que não estejam ainda tão
disponíveis para uma vivência emocional muito intensa.
Assim, considero que suas aplicações são as mais variadas, mas não
deve ser constituído com a finalidade de realização de tomadas de decisões
ou quando não for possível o respeito às diferentes ideias que surgirem,
uma vez que ele não prevê uma resolução final ou uma “moral da história”,
sendo importante que cada participante saia dele com sua própria síntese
pessoal, apesar de esta ser construída no e com o grupo.
Características e especificidades na coordenação
Quando penso na criação de um grupo como dispositivo de
intervenção, considero: a sua finalidade; os participantes; as condições
materiais (como a instituição ou contexto mais amplo, o espaço, o tempo
e os recursos disponíveis); além do preparo técnico de quem contribuirá
295
para a sua condução (terapeuta, coordenador, facilitador, animador,
observador, entre outros).
Como visto acima, os Grupos Psicanalíticos de Discussão podem
ser utilizados tanto com pessoas que têm convivência cotidiana (como
colegas de classe ou de trabalho, amigos, parentes, membros de uma
comunidade), como com pessoas que têm relações assimétricas de poder,
desde que estas concordem que no espaço do grupo tal assimetria deixará
de existir. Então, o critério para participação dos referidos grupos é a
concordância dos participantes com as “regras do jogo”, tomando de
empréstimo uma expressão utilizada por Zimerman (2000) quando fala do
enquadre dos grupos.
Em relação ao espaço, o fato de o Grupo Psicanalítico de
Discussão não ter finalidade psicoterapêutica permite que não seja
necessária a preservação do sigilo das falas o que possibilita, por exemplo,
que seja realizado em uma quadra ou pátio de uma escola ou empresa ou
em uma sala que tenha vazamento do som. No entanto, é muito
importante que as pessoas consigam se escutar e se ver durante a discussão
proporcionada. A organização das cadeiras em círculo contribui bastante
para isso, mas outras formas de organização podem ser necessárias, em
função do número de participantes e do formato da sala. Já percebi que se
a sala for muito pequena para o grupo, podem ser tentadas outras
estratégias de organização das cadeiras, desde que os participantes fiquem
confortáveis em compartilhar suas ideias e possa ser repensada a
organização, caso não funcione da forma como está.
No que se refere ao número de participantes, ao contrário do que
ocorre em relação a outras modalidades grupais, como as que têm
finalidades psicoterapêuticas (Fernandes, 2003; Zimerman, 2000), não
encontrei registros em relação ao número mínimo e máximo ideal para a
realização dos Grupos Psicanalíticos de Discussão. Em meu percurso
profissional, já coordenei, co-coordenei e supervisionei a realização de
grupos com esta finalidade com um número que considerei muito
pequeno (em torno de quatro participantes, incluindo o coordenador) e
com um número muito grande (aproximadamente 50 pessoas). O que
observei nas diferentes situações é que, para uma hora de discussão, a
presença de dez a vinte e cinco participantes tende a ser bastante viável,
296
não sendo um grupo tão pequeno que as pessoas se sintam muito expostas
e forçadas a falar mais do que gostariam, e nem tão grande que dificulte a
participação e a comunicação de todos os que desejam.
O tempo de realização do grupo pode variar em relação aos
objetivos, ao contexto e ao número de participantes. Bleger (1961/1980)
recomenda que os grupos operativos tenham sempre mais de uma hora de
duração, pois, considera que é a partir da primeira hora que o grupo tem
melhor rendimento. Sabemos, com Pichon-Rivière (1980/1994) e com
Bleger, que os primeiros momentos dos grupos operativos são marcados
por ansiedades decorrentes da quebra dos estereótipos na aprendizagem e
que estas vão diminuindo com o tempo e o movimento do grupo, de
forma a permitir que conteúdos difíceis possam emergir. Os Grupos
Psicanalíticos de Discussão não deixam de promover os mesmos
fenômenos. No entanto, em função de sua especificidade, os disparadores
que os antecedem fornecem um elemento de apoio às associações, o que
promove a proteção dos conteúdos de seus participantes e também a sua
evidenciação, em um interessante jogo de mostrar e esconder, permitindo,
assim, que o grupo possa operar desde o seu princípio, uma vez que tanto
as associações provocadas pelo disparador quanto a falta delas podem se
converter em elementos de compreensão do processo grupal e, portanto,
de aprendizagem.
Tenho observado que a duração de uma hora para a realização
de tais grupos funciona bem, quando considerado um número entre dez e
vinte e cinco participantes. Um ponto importante a ressaltar é que o
Grupo Psicanalítico de Discussão é sempre considerado um grupo breve
(Emílio, 2003), pois, cada grupo é único e o seu término já está previsto
desde o seu início (Emílio, 2010).
A coordenação dos Grupos Psicanalíticos de Discussão pode ser
feita por uma ou duas pessoas (a co-coordenação pode ser muito
recomendada em grupos maiores), mas é importante que estes
profissionais tenham preparo para isso (Fernandes, 2003). Alguns
cuidados precisam ser destacados na coordenação, como apontado em um
trabalho anterior, do qual pincelei alguns pontos para apresentar abaixo
(Emílio, 2010):
297
cuidar da organização do espaço e da configuração das cadeiras,
respeitando a quantidade de pessoas e as condições concretas, de
forma a garantir que todos os participantes se vejam e se escutem
durante a discussão;
em caso de co-coordenação, é importante estabelecer
combinados acerca dos papéis de cada um no manejo do enquadre
e nas pontuações e interpretações; combinar as possibilidades de
comunicação entre os coordenadores durante o grupo (alguns
preferem se posicionar no grupo de forma a se verem para
poderem se comunicar pelos olhares e expressões faciais e outros
optam por se sentar um ao lado do outro e poder se falar
rapidamente e em voz baixa, se necessário);
autorizar e estimular a participação de todos os presentes,
compreendendo que o silêncio também é uma forma legítima de
estar no grupo;
preparar para o término do grupo, pontuando sobre a
aproximação do fim e respeitar o tempo combinado para a
finalização do grupo. Isso exige bastante atenção e manejo técnico,
pela identificação dos movimentos de negação do fim ou de
transgressão da regra estabelecida;
evitar emitir opiniões pessoais sobre o conteúdo em discussão
pelo grupo, uma vez que sua concordância ou divergência em
relação às ideias de algum membro poderá conduzir mais à
estereotipia do que ao esclarecimento e à aprendizagem;
ficar atento à possibilidade de repetição no funcionamento do
grupo, de forma dramatizada e inconsciente, do tema presente no
disparador. Explicitar tal repetição pode auxiliar o grupo a sair da
estereotipia.
Um último ponto que pretendo abordar sobre o funcionamento
dos Grupos Psicanalíticos de Discussão é sobre a presença ou não de um
observador não participante nos referidos grupos. Para Pichon-Rivière
(1969), este seria recomendável nos grupos operativos, pois teria a função
de fornecer ao coordenador o material (verbal e pré-verbal) expresso no
grupo, para auxiliar a avaliação e reajuste da técnica. Nos Grupos
298
Psicanalíticos de Discussão, como visto acima, são pensadas estratégias de
co-coordenação, mas não encontrei registros da presença de observadores
nos grupos com esta denominação. No entanto, há alguns meses o
NESME vem adotando, nos Grupos Psicanalíticos de Discussão
realizados nos encontros mensais31, a função de leitor do grupo. Este é um
observador participante que fica designado (em geral, de forma voluntária)
para observar e registrar, por escrito, suas impressões e o movimento do
grupo, sem deixar, no entanto, de contribuir para as discussões realizadas
e sem intervir como co-coordenador no decorrer do grupo. As anotações
são convertidas posteriormente em um texto, que é enviado aos membros,
para que todos possam acompanhar a leitura realizada daquele grupo e
servem como uma espécie de aproximação e distanciamento do fenômeno
vivenciado.
Como ilustração, apresento a seguir um trecho do relato
elaborado por uma leitora32 observadora participante de um Grupo
Psicanalítico de Discussão realizado no NESME, que teve como
disparador o texto “O problema epistemológico do grupo na psicanálise”,
do livro de Kaës (2011)33, O grupo, na ocasião, estava constituído por
membros do NESME e convidados, sendo que alguns dos presentes já
eram mais familiarizados com as obras do autor e outros o haviam lido
pela primeira vez para a participação no grupo:
31 Uma vez por mês, os membros do NESME se reúnem para seu encontro mensal, que contempla atividades exclusivas aos membros, como a reunião administrativa e a supervisão institucional, mas também há espaço para uma hora de Grupo Psicanalítico de Discussão, com a possibilidade de participação de convidados externos. Os disparadores para os grupos são enviados por correio eletrônico, de forma antecipada aos convidados (junto com o convite) e são em forma de textos (capítulos de livros, artigos científicos, relatos de casos clínicos, livros infantis) ou vídeos (filmes, documentários), escolhidos conforme os interesses e necessidades do grupo. 32 O texto foi elaborado integralmente por Andréia Pereira Lopes, que autorizou sua publicação. 33 O texto utilizado como disparador aborda a extensão do campo da psicanálise e discute a realidade do grupo, considerando que esta tem estruturas, organizações e processos psíquicos específicos.
299
A coordenadora se apresenta em meio a burburinhos e
ruídos, informa como se dará o encontro, sobre o funcionamento
do grupo, seu objetivo, combinados e o horário de início e fim. A
partir desse momento, o silêncio começa a fazer parte do encontro;
são percebidas no ambiente diferentes emoções que se mesclam
entre ansiedades, curiosidades, inquietações, angústias,
serenidades... Até que começam as falas; estas surgem com
apontamentos sobrepostos, que vão chamando a atenção de todos
os presentes. É como se o grupo estivesse observando uma
pintura, uma obra de arte e cada um começasse a apontar o que
lhe chama a atenção. O momento é de colaboração, começamos a
construir nosso “texto/tela” e o mais interessante é que somos
criadores dessa “obra”.
A leitura que cada um faz é variada, mas impressiona a
importância de cada voz para resultar na elaboração e
compreensão do texto. O grupo reconhece a importância do autor,
mas assume a dificuldade para compreendê-lo. O acolhimento
dessa dificuldade se dá pelas falas que sugerem formas de amenizar
tamanha angústia. Então, o que é singular passa a ser comum e
partilhado, afinal todos mencionam suas incompreensões diante
do texto. Até que surge uma fala que aponta e evidencia a
importância das associações livres ali mencionadas, conclui-se que
estamos diante de um aparelho psíquico do grupo. É como se
nesse momento a pintura ganhasse um significado único para cada
um, mas ao mesmo tempo compartilhado (...).
Considerações gerais sobre ambos os dispositivos à guisa de conclusão
Como visto acima, tanto o Grupo Psicanalítico de Reflexão quanto
o Grupo Psicanalítico de Discussão buscam promover a explicitação do
que está implícito e as mudanças pessoais dos seus participantes pelo
processo de aprendizagem, resultando em mobilizações afetivas e tendo,
também, efeitos terapêuticos. No entanto, pelas suas próprias
características e limitações, eles não devem ser utilizados com a finalidade
psicoterapêutica, uma vez que existem dispositivos mais adequados para
isso.
300
A função dos coordenadores dos Grupos Psicanalíticos de
Reflexão e de Discussão é bem semelhante à prevista nos grupos
operativos, ou seja, de pensar com o grupo, realizando um processo
dialético de indagação e esclarecimento, que parte do que é explícito para
promover o surgimento de conteúdos implícitos. Assim, o conteúdo
manifesto, trazido pelos porta-vozes do grupo é integrado pelo
coordenador, que formula uma hipótese interpretativa, a qual provoca o
surgimento de outro emergente grupal (Pichon-Rivière, 1969). No
entanto, vale ressaltar que a hipótese a ser formulada pelo coordenador do
Grupo Psicanalítico de Reflexão deverá considerar o curso, a instituição e
o macro contexto, enquanto a hipótese do coordenador do Grupo
Psicanalítico de Discussão poderá se apoiar em elementos presentes no
disparador utilizado. Então, a atenção do coordenador é relativamente
flutuante, pois, na medida em que se permite associar livremente enquanto
acompanha o fluxo de associações dos demais membros do grupo, pode
se perguntar, por exemplo: “por que esta associação surgiu neste grupo,
neste momento?”; “que aspecto da dinâmica institucional está presente
nesta afirmação ou pergunta?”; “que elementos presentes no disparador
utilizado inspiraram esta associação?”.
Para finalizar, apresento, abaixo um trecho do relato enviado por
um convidado34 que participava pela primeira vez do Grupo Psicanalítico
de Discussão realizado no NESME35, pois é o registro da percepção de
alguém não familiarizado com o dispositivo e que parece ilustrar bem a
sua proposta e seus efeitos sobre os participantes. É importante esclarecer
que todos haviam recebido o texto por correio eletrônico uma semana
antes do grupo e que este teve como disparador uma breve apresentação
feita sobre o texto por sua autora, também convidada externa:
(...) impressionante como a matéria mental circulou (e acredito que
circule sempre…) naquele ambiente, a ponto de ser quase palpável.
34 Joaquim Pereira, psicanalista, em comunicação encaminhada por correio eletrônico aos membros do NESME, como devolutiva, após sua participação. Obs.: o uso da comunicação neste capítulo foi autorizado por seu autor. 35 Grupo Psicanalítico de Discussão, realizado na sede do NESME em 15/02, tendo como disparadores a leitura do texto "A terceira tópica" de Gislaine Varela Mayo de Dominicis,
301
Ou melhor, é palpável, na dimensão (limitada) onde a palavra e a
linguagem são instrumentos de apropriação dessa matéria mental
que, obviamente, escapa à possibilidade de encarnação completa
na palavra. Por isso somos o que somos... porque escapamos... e é
aí que escapamos, no prazer e na dor. Mas, dentro daquilo que a
palavra e a linguagem nos auxiliam nesse processo de encarnação,
nesse jogo entre o singular e o grupal, estávamos todos lá,
singulares, mas plurais na grupalidade. Heterogêneos pertencendo
a um Grupo. Impressionante capturar essa circulação de afetos e
palavras. Entre a demanda grupal pela garantia da receita pronta
da convidada-autora e a transgressão ampliada inclusiva, vocês me
incluíram.
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305
15 Grupos com tempo e/ou objetivos limitados
Beatriz Silverio Fernandes
O que são grupos com tempo e/ou objetivos limitados?
Acredito e concordo com Kesselman (1972) que as necessidades
atuais como tempo, deslocamento, dinheiro, pouco interesse em
tratamento em longo prazo e tempos modernos são incompatíveis com
tratamentos psicológicos individuais prolongados. Não vou repetir aqui os
conceitos de grupos e efeitos benéficos dos grupos, pois foram
brilhantemente descritos pelos colegas.
Segundo Small (1974), dois itens que justificam a procura por
métodos breves e eficazes se destacam: a necessidade de tratamento
psicológico em curto prazo, sem perda de horas de trabalho, e o limitado
número de psicoterapeutas especializados para o trabalho. Estamos
falando de um processo que teve início no pós-Guerra (1944-1945).
Em Small (1974) encontramos Grinker, que afirmava que a
psicoterapia breve derivada da psicanálise era o “único” tratamento novo
adequado àquele momento.36
No que se refere ao entendimento sobre grupos em geral, houve
nos últimos 35 anos uma expansão muito grande em seu emprego,
inclusive nos grupos com foco ou tempo limitado. A partir da década de
40, os clínicos passaram a utilizar esses tipos de grupo em ambulatórios e,
principalmente, em tratamentos hospitalares.
Os grupos breves, em geral, duram seis meses, ou 25 sessões, e
podem ser desenvolvidos em serviços públicos ou em consultórios
privados, com ou sem intermédio de serviços de saúde suplementares
(convênios médicos). Penso, assim como outros autores (Budman &
36 Detalhes sobre esses movimentos históricos serão vistos no capítulo 1, Psicoterapia de grupo: sua origem, seus caminhos.
306
Gurman, 1988; Klein, 1996), que os consideramos breves não só devido à
duração, mas por serem um tratamento realizado com cuidado e
responsabilidade, e que “utiliza o tempo que lhe é concedido de forma
eficaz, eficiente”, sempre mantendo o foco.
Onde e como são realizados
O espaço onde se reúne o grupo breve é igual ou semelhante aos
outros grupos descritos neste livro: uma sala mobiliada com cadeiras,
dispostas em círculo. A população do grupo poderá variar de oito a dez
elementos, no máximo. Em geral, são grupos fechados (que iniciam e
terminam com a mesma população), mas podem ocorrer também na
forma de grupos abertos (onde saem e entram pessoas novas). O tempo
destinado a cada sessão varia de 45 a 60 minutos, em geral, e os grupos
têm duração de seis meses em média, e o contrato pode ser renovado.
Como em outras modalidades, o objetivo do grupo breve é o alívio
dos sintomas e das angústias, visando a um maior equilíbrio emocional
dos seus integrantes e promover a utilização dos recursos sadios de cada
paciente para conseguir maior controle e domínio de si próprio. Mais
importante ainda é que colabore para o desenvolvimento e a compreensão
de cada participante sobre o mal que o aflige, para ajudá-lo a enfrentar e a
não negar, com as limitações que o tempo imporá.
Esses quesitos devem estar presentes sempre no coordenador,
assim como dentro do mundo psíquico de cada participante, para que o
tratamento possa florescer e tornar-se eficaz.
Manter sempre o foco do grupo, evitar a dispersão e sempre
chamar a atenção para esses aspectos é fundamental para o progresso do
grupo.
Quem poderá participar do grupo terapêutico breve?
Muito se lê e se fala, mas a literatura, por vezes, sugere que pessoas
com uma ou mais das características a seguir poderiam atender a critérios
para se beneficiarem desses grupos:
presença de uma queixa circunscrita;
presença de problemas de surgimento de crise súbita;
307
história de vida que mostre ajustes razoáveis anteriores às
crises;
história de relacionamentos mais ou menos estáveis;
capacidade de manifestar confiança no terapeuta e nos outros
membros;
capacidade de engajar-se num processo psicoterápico
(motivação positiva para o tratamento);
capacidade de relacionar-se consigo e com os outros de maneira
flexível pela vida afora;
disposição para abdicar de algo de sua vida para direcioná-lo ao
tratamento; e
prevalência da realidade em comparação ao mundo da fantasia.
As características mencionadas para a seleção de pacientes são
discutidas também por Sifneos (1987/1991), Mackenzie (1988/1991),
Strupp (1981) e no trabalho de Klein (1996).
Cada grupo será configurado de maneira diversa em termos de
tarefa, estrutura, papéis dos pacientes e de seu coordenador, conforme os
atendimentos forem acontecendo. Uma vez selecionados os pacientes e
decidido o foco do grupo, as sessões podem se iniciar.
Mas como chegar à conclusão de quem poderá participar do grupo
breve? Temos em mãos um instrumento relevante para obter os dados que
nos mostrarão se “João” tem ou não as características adequadas para
participar do grupo: de uma a três entrevistas iniciais, incluindo uma boa
investigação da história de vida pregressa ou anamnese; e conhecer seu
desenvolvimento, como foi seu crescimento físico, social e emocional.
Isso fornecerá um material riquíssimo para avaliar se “João” terá ou não
bons indicadores de aproveitamento no grupo. Mas ressalvo que ainda
assim podemos falhar, pois não somos infalíveis; não podemos abstrair
essa nossa incompetência natural.
Se “João” não tiver uma história de fidelidade relacional mínima,
condições de estabelecer uma relação de confiança e esperança de alcançar
lucros no tratamento, dificilmente conseguirá tirar proveito do tratamento,
e até poderá contribuir para o não desenvolvimento do grupo, desviando
constantemente o foco e a atenção do coordenador.
308
Deve-se esclarecer a todos o contrato do grupo: sua duração,
como serão as sessões, como fazer com faltas, pagamentos e reposição de
sessões, se atrasados poderão ou não entrar etc.
Yalom e Vinogradov (1985) ressaltam como tarefas importantes
dos terapeutas de grupos breves a manutenção do grupo e a construção
de uma cultura grupal. Esse trabalho incrementaria o processo
desenvolvido pelo grupo. Não parece uma tarefa possível. À medida que
o terapeuta consiga ater-se ao foco do grupo, utilize adequadamente dos
conteúdos contratransferenciais, deixe seus recursos narcísicos guardados
e tolere o que o grupo pode dar, ou desenvolver, o processo crescerá.
Uma alternativa é o meu desejo, a outra é o que o grupo poderá
construir com minha ajuda – em termos de esclarecimentos, informações,
clarificações dos conteúdos, apresentação de novos modelos de conduta
para antigos comportamentos, incentivo a todos para se colocarem nos
lugares dos outros e pensar como se sentiriam –, caso o próprio grupo,
por si só, não o trouxer. Por vezes nos deparamos com pacientes que são
“excelentes coterapeutas” sem terem consciência de que nos ajudam na
tarefa terapêutica.
Para um grupo breve funcionar, seus participantes precisam sentir-
se integrados, definir o problema ou a tarefa a realizar, para executarem
juntos o que lhes foi confiado. Os problemas, segundo Mailhiot (1985),
precisam da ajuda do líder, no sentido da sensibilização para certos fatores
da realidade, suas disponibilidades e os recursos que o grupo terá a seu
dispor.
Esse tipo de grupo continua a ser uma possibilidade de atenção à
saúde mental a expandir-se nos dias de hoje, cada vez mais. Observa-se
ser uma opção que vem sendo muito utilizada dentro das faixas sociais
menos favorecidas economicamente ao redor do mundo.
Alguns cuidados técnicos têm que ser adotados com esse tipo de
trabalho grupal. Não se pode conduzi-los com a técnica de longo prazo.
O terapeuta deve ser um pouco mais diretivo e focado, e muito eficaz,
conforme constatado em diversas pesquisas, como salienta Klein.
Vimos um pouco do que consideramos grupos breves. Atenhamo-
nos agora aos grupos realizados em comunidades terapêuticas.
309
Grupos em comunidades terapêuticas
Toda comunidade vive em grupos. Não há praticamente atividade
individual, com exceção das consultas. Esses grupos todos ocorrem numa
instituição, cuja definição pode ser “coisa instituída ou estabelecida. Leis
fundamentais de uma sociedade política e social” (Michaelis, 1998).
Segundo os conceitos sociológicos, a instituição é um complexo de ideias,
padrões de comportamento, relações inter-humanas que se organizam em
torno de um interesse reconhecido, conforme Fernandes (2003).
Assim, encontraremos as comunidades terapêuticas: um complexo
integrado de ideias e padrões comportamentais; uma organização
estruturada para dar conta do tratamento de pessoas com inúmeras
dificuldades dentro da esfera da vida, num grau elevado de patologias e
comprometimentos emocionais. Essa instituição terá que dar conta da
administração e do equilíbrio do princípio do prazer e da realidade, tanto
de seus pacientes como de seu staff, assim como dela própria.
A comunidade, segundo Fernandes e Fernandes (1998), possui um
conjunto de técnicas integradas, com normas conhecidas dos pacientes,
seus participantes mais ativos, e da equipe técnica, com um funcionamento
que poderá ser alterado em comum acordo com todos (Fernandes &
Fernandes, 1998).
Os grupos estão presentes em todos os locais e âmbitos da
comunidade. Tais grupos seguem o modelo dos grupos operativos37, cuja
tarefa primordial é a convivência das pessoas no dia a dia.
Um dos alicerces do trabalho em comunidades terapêuticas é
valorizar os aspectos saudáveis de pacientes, isto é, os aspectos não
psicóticos da personalidade38. Dar-se-á mais atenção aos vínculos
emocionais amorosos e atados ao desejo de crescimento. O ser humano
será valorizado em sua amplitude, quer dizer, em todos os aspectos, o que
poderá vislumbrar um crescimento pessoal no decorrer do tempo, de cada
integrante e, quiçá, da instituição.
37 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière. 38 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
310
A problemática dos grupos em comunidades terapêuticas muitas
vezes é uma extensão dos problemas institucionais, da convivência, dos
altos e baixos que espelharão as situações não resolvidas em qualquer área.
Nos grupos não poderemos deixar de cuidar do sigilo, dos
silêncios, da transferência e da contratransferência. O mundo primitivo
floresce a todo momento, e sempre encontraremos a distorção da
realidade. Nossa tarefa é continuamente fazer provas da realidade, isto é,
confrontar o que é falado com o que acontece, bem como facilitar os
intercâmbios entre as pessoas, reduzir ansiedades e tentar ajudar a
incrementar a autoestima dos integrantes, sem deixar de lado o grande
papel da compreensão maior de cada quadro diagnóstico.
Os grupos em comunidades terapêuticas são, em geral, recursos
permanentes na estrutura organizacional, mas a população é altamente
variável. Os grupos que acontecem na instituição são inúmeros. Eles serão
tratados no próximo item e ilustrados com vinhetas clínicas.
Algumas possibilidades, frutos de minha experiência
Relato como funcionava uma comunidade terapêutica em São
Paulo, na época em que lá trabalhei (Fernandes & Fernandes, 1998):
1. Grupo de terapia ocupacional: grupo semanal, com pacientes,
coordenador e funcionários, com duração de uma hora, cuja
atividade era planejar e operacionalizar tudo o que acontecia na
comunidade, como festas, churrascos, torneios, almoços,
trabalhos na oficina de criatividade. Neste grupo era decidido o
cronograma da semana, em termos do que fariam e como seriam
organizados os materiais para a semana seguinte.
2. Grupo da cozinha: grupo semanal com pacientes, coordenador
e funcionários, com duração de uma hora, cujo objetivo era a
divisão de trabalho para as atividades da cozinha. Por exemplo, se
o combinado fosse uma feijoada, seria determinado quem cortaria
as carnes, quem as colocaria de molho, quem escolheria o feijão,
quem picaria os temperos, quem faria o arroz e a couve, e assim
por diante.
3. Grupo da jardinagem: grupo semanal com pacientes,
coordenador e funcionários, com duração de uma hora, com o
311
propósito de organizar as tarefas do jardim, como quem ficaria
encarregado de regar os vasos internos e externos da casa, retirar
as ervas daninhas dos canteiros de flores, cortar as folhas secas,
recolher o material retirado e levá-lo para o local adequado, e quem
chamaria o funcionário para recolher o lixo.
4. Grupo da horta: grupo semanal com pacientes, coordenador e
funcionários, com duração de uma hora, cujo objetivo era
organizar as tarefas da horta, determinando quem prepararia o
canteiro, quem semearia, aguaria, retiraria ervas daninhas etc.
5. Grupo de boas-vindas: grupo semanal com pacientes,
coordenador e funcionários, com duração de uma hora, com a
finalidade de preparar uma comissão de pacientes e um atendente
para receber os pacientes novos, mostrar a clínica e suas
instalações, e contar um pouco como funciona a instituição e quais
as atividades de todos os dias.
O que ocorria como produto de cada atividade, correto ou não
(por exemplo, se o churrasco queimou), sempre era discutido nos grupos
diários coordenados pelo diretor clínico da instituição.
Breve vinheta de um grupo de terapia ocupacional
Osvaldo: Os botões da blusa, que você usava... [cantava olhando para o
alto].
Marcos: Seu Osvaldo, conta pra gente o que esta música tem a ver
com o planejamento do torneio de futebol.
Osvaldo: Bem... é que eu me lembrei de um momento erótico. É
uma festa.
Coordenador: Então, Seu Osvaldo, como poderia nos ajudar a
organizar o torneio? Já que o senhor gosta de festas.
Júlio: Assim não dá. Não vai sair nenhum jogo assim.
Carlos: Aqui é um bando de pernas de pau. Mentirosos. Dizem
que todos são iguais, mas cadê médico que joga? E se jogar, quem
vai marcar?
Osvaldo: É, você não entende mesmo. Claro que há jogos. Claro
que há marcações.
Cesar: Você joga, Osvaldo?
312
Osvaldo: Eu não, mas me divirto. Eu sou muito atrapalhado para
jogar, e tenho problemas graves de reumatismo. Mas ajudo a ver
as faltas.
Clara: Credo, até aqui tem futebol? Que saco!
Osvaldo: Aqui é muito engraçado.
Coordenador: Mas e aí, como vamos organizar o dia, a hora, quem
ataca, quem defende, goleiros etc.?
Marcos: Eu convido Júlio, Carlos, Antonio e Clara para jogarem.
Topam?
Osvaldo: Eu apito e convido o doutor Agnaldo para jogar, mas
quero a “Bunitinha” marcando o doutor.
Susana: Por que isso? Não entendo, você quer mandar no jogo?
[Osvaldo e Marcos sorriem]
Osvaldo: Não. É que você vai apreciar um espetáculo único. A
“Bunitinha” marca o médico, chuta, cai, levanta-se, deixa o cara
atordoado.
Susana: Tudo o que você gostaria de fazer com ele.
Osvaldo: Bem, não exatamente. Ele é meu médico. É engraçado,
e eu posso vê-lo em dificuldades. Mas o melhor mesmo é ver que
a “Bunitinha” encarna o jogador e não tem medo, ela vai... se
diverte, brinca... queria ser assim.
Esse fragmento retrata um pouco o mundo primitivo que
acompanha cada um dos pacientes, que foram internados depois de um
surto psicótico muito grande, ou, ainda, que são doentes mentais crônicos.
Como observamos, o Sr. Osvaldo parece estar fora de órbita, assoviando,
falando de festas, de um erotismo e depois consegue mostrar aos demais
que também pensa, quando fala que é bom ver o médico sentir dificuldade.
Caminhando com o grupo, o paciente saiu de um estado onde só
ele importava, para depois fazer colocações pertinentes à realidade. Com
a participação organizada no grupo, aspectos mais saudáveis emergem na
sessão. Essa estrutura funciona como um continente, que abrigará as
angústias dos participantes e propiciará condições para que se solucionem
problemas cotidianos.
Enquanto coordenadores desses grupos, precisamos facilitar a
redução dos níveis de angústia, ao permitir e dar condições aos integrantes
313
de falar e se colocar. Haverá flutuações de humor, que são frequentes em
todos os grupos e em todas as esferas. Devemos ter como meta
desenvolver as capacidades de cada um, estabelecer um relacionamento
razoável com o grupo e não nos prendermos a diagnósticos e
medicamentos. O foco é o ser humano, mais ou menos equilibrado, não
importa; aproveitar o que cada um tem de bom.
A evolução humana nos conduz a um aperfeiçoamento das
organizações. Podemos dizer que é como uma escada, e não podemos nos
esquecer que cada degrau é um degrau a mais. Devemos cuidar também
para não escorregarmos pelos degraus, o que também é possível.
O coordenador deverá também ajudar a esclarecer situações e
ideias, e facilitar a expressão dos desejos e pensamentos de cada elemento
que compõe o grupo hoje. Digo hoje, porque nesses grupos podemos ter
o mesmo participante por um mês ou mais, ou por apenas um ou dois
dias. Não cabe ao grupo discutir as ausências, mas o que se sente na falta
do outro.
Podemos citar algumas dificuldades para a condução de grupos
com pacientes internados, como descrevem Yalom e Vinogradov (1985):
1. hostilidade e ambivalência em relação ao líder, por causa da
ideação paranoide ou da incapacidade de diferenciar entre líder e
outras figuras que representam autoridade;
2. problemas para o desenvolvimento de autonomia e de coesão;
3. comunicação limitada e distorcida entre doentes mentais
crônicos.
Como mencionado em outras oportunidades neste livro, os grupos
evoluem, caminham junto com seus participantes, cada um em seu tempo
e ritmo. Ao viver ambivalências institucionais e conseguindo entrar no
trabalho grupal com dor, frustração e até, como Bernard (1996) ressaltava,
ao falarmos do imaginário e das fantasias, mostramos como esses fatores
operam papel importante como organizadores do grupo.
Segundo Hassan e Azim (1993), as fraquezas, por parte de todos,
aparecem à medida que as atividades amadurecem. Observamos, segundo
os autores, que os técnicos, assim como os pacientes, vão perdendo um
pouco sua onipotência, sua competição e a colaboração floresce.
314
Karterud (1993) nos mostra também que pacientes regredidos
intensificam conflitos latentes na esfera social, nos quais emerge, acima de
tudo, a necessidade de esclarecimento. Não devemos interpretá-los jamais;
mas coletar dados, confrontá-los e relacioná-los, isso parece funcionar.
Juntos, pacientes e terapeutas podem elaborar o que lhes foi confiado.
Observa-se que estar em grupo é uma oportunidade para a
exploração do que se pode denominar de inconsciente social. Sentimentos
e reações de cada indivíduo refletem as influências que sofre por parte de
outros indivíduos do grupo e do grupo como um todo, por menos
consciência que possa ter de que isso se passa.
Para finalizar, mencionarei algo que um dos pacientes, Jonas,
sempre falava nas reuniões: “Vou parafrasear Shakespeare – o mundo
inteiro é um cenário e todos homens e mulheres são meros atores”. O que
penso que podemos entender com os dizeres de nosso querido paciente:
cada grupo e cada indivíduo contém uma estrutura verbal e uma dramática.
O cenário é a comunidade e os atores são tanto os médicos quanto os
atendentes, os psicólogos, as faxineiras, e os pacientes. Assim poderemos
entender melhor os grupos realizados em comunidades terapêuticas.
Referências
Bernard, M. (1996). El trabajo psicoanalítico con pequeños grupos. Buenos Aires:
Lugar Editorial.
Fernandes, B. S. (2003). Grupos em comunidade terapêutica e hospital
psiquiátrico. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes
(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 261-268). Porto Alegre:
Artmed.
Fernandes, B. S., & Fernandes W. J (1998). Comunidade terapêutica. Em: S.
V. Bettarello (Org.), Perspectivas psicodinâmicas em psiquiatria (pp. 333-
346). São Paulo: Lemos.
Hassan, F. A., & Azim, H. F. A. (1996). Psicoterapia grupal no hospital
diurno. Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de
psicoterapia de grupo (pp. 215-225). Porto Alegre: Artmed.
Karterud, S. W. (1996). Reuniões comunitárias e a comunidade
terapêutica. Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de
psicoterapia de grupo (pp. 498-505). Porto Alegre: Artmed.
315
Kesselman, H. (1972). Psicoterapia breve. Buenos Aires: Ediciones
Kargieman.
Klein, H. R. (1996). Psicoterapia de curto prazo. Em: H. I. Kaplan, & B.
J. Sadock (Orgs.), Compêndio de psicoterapia de grupo (pp. 215-225). Porto
Alegre: Artmed.
Mailhiot, G. B. (1985). Dinâmica e gênese dos grupos. São Paulo: Livraria Duas
Cidades.
Michaelis (1998). Dicimax: Moderno dicionário da língua portuguesa (edição
eletrônica). São Paulo: Melhoramentos.
Small, L. (1974). As psicoterapias breves. Rio de Janeiro: Imago.
Yalom, I. J., & Vinogradov, S. (1985). Psicoterapia interpessoal de grupo.
Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock, (1996), Compêndio de psicoterapia de
grupo (pp. 156-163). Porto Alegre: Artmed.
317
16 Aspectos da teoria da técnica das
grupoterapias psicanalíticas Beatriz Silvério Fernandes e Waldemar José Fernandes
Introdução – alguns fenômenos do campo grupal
Já vimos no início deste livro, uma classificação possível do
trabalho grupal, visando a enfatizar a importância de o coordenador saber
o que pretende fazer e o que está fazendo (capítulo 3). Sinteticamente,
vimos algumas classes de grupos, como de crianças/adolescentes; grupo
da instituição/grupo que ocorre em ambiente institucional; psicoterapia
de família/de casal; entre outros. Todos esses grupos são muito
específicos e são visto em capítulos à parte39, em que são abordadas
diversas peculiaridades, inclusive sobre seu manejo.
Neste capítulo, exporemos algumas questões que envolvem
grupos abertos ou fechados, que ocorrem em ambiente preferencialmente
privado, mas não só, quer sejam homogêneos ou heterogêneos. Como
algumas abordagens grupais com finalidades operativas foram vistas em
capítulos sobre Pichon-Rivière e sobre Grupos Psicanalíticos de
Discussão e de Reflexão (capítulos 8 e 14, respectivamente), veremos aqui,
principalmente as abordagens grupais terapêuticas.
No dispositivo vincular convivem os membros do grupo ou do
casal, da instituição ou da família, nos quais existem vínculos entre si e
com o terapeuta. Partindo dessa premissa, alguns fenômenos ocorrerão,
como resistência, transferência, contratransferência e acting-outs (atuações).
Tais fenômenos costumam ocorrer durante as diferentes comunicações
nas sessões de grupo, seja por parte dos pacientes, seja por parte do
terapeuta.
39 Ver capítulos 18, 19, 21, 22 e 23.
318
O terapeuta, no seu trabalho, observa e faz intervenções diversas,
inclusive interpretações. Podem ocorrer insights e elaborações, ou não.
Veremos um pouco sobre tudo isso, que podemos enquadrar como aspectos
da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas.
Inicialmente, acompanhemos uma sessão de grupoterapia, para
reflexão.
Grupo de adultos
O grupo é composto por três homens e uma mulher (nomes
fictícios): Álvaro, 34 anos, técnico de informática; Bruno, 38 anos,
advogado; Carlos, 37 anos, economista; Maria Clara, 39 anos,
filósofa. O grupo se encontra uma vez por semana pelo período
de uma hora, e funciona há 8 meses.
Bruno [Havia faltado a duas sessões seguidas. Chega com cara de
irritado, senta-se “mudo”.]
Álvaro: Oi, bom dia, Cara, tudo bem?
Carlos: Olá, sou novo aqui.
[Silêncio]
Álvaro: Eu acho que nós precisamos ser mais cordiais, afinal temos
um colega novo e nem sabemos o que o aflige.
Carlos: Não se preocupem comigo. Com o tempo eu vou tomando
conhecimento de como as coisas acontecem.
Bruno: Vai se acostumando, Cara. Falam uma coisa e fazem com
a gente outra bem diferente.
Terapeuta: Pode explicar melhor, Bruno? Não entendi. Vocês
entenderam?
Álvaro: Credo, Cara, como você está irritado! O que aconteceu?
Bruno: Estou avisando que sairei do grupo. Vocês são uns
babacas. Hipócritas. Falam coisas aqui e depois fazem outra!
Álvaro: Posso saber do que você está falando?
Bruno: Faltei duas semanas e ninguém me ligou. Vocês se dizem
preocupados... Chego aqui e vejo que tem gente nova. Nem fui
consultado! É assim que funciona? [Olhando para a terapeuta]
Você manipula tudo, não é?
319
Álvaro: Credo, acho que está falando de algum outro grupo. Ou
enlouqueceu. Esqueceu de nossos combinados? Ou está
misturando com sua família? Parece que está falando de seu pai. É
a mesma história e parece a mesma raiva, Cara.
Terapeuta: O que acha, Bruno?
Bruno [Com cara de raiva, respira fundo.]
Terapeuta [Fico com a sensação que quer brigar comigo, no lugar
de seu pai, mas acho prematuro. Preciso respirar fundo e deixar
que o tempo me mostre algo.]
Álvaro: Bruno, como está sua vida com seu pai? Vocês fizeram as
pazes?
Bruno: Por que isto te interessa?
Carlos: Sou novato aqui, mas vou falar algo. Estou escutando... eu
não vim aqui para brigar. Vim porque quero melhorar de vida, me
conhecer e fazer menos besteiras. Me sinto incomodado. Estou
ficando com raiva, tem um negócio aqui dentro de mim.
Terapeuta: Conte mais, Carlos, o grupo é para isto, para que
possamos falar o que estamos sentindo.
Álvaro: Eu também quero falar, mas estou com medo. Medo que
vire briga. Também me dá raiva quando sinto o caminho fechado.
Quer dizer, quando se coloca um ponto final sem ser pensado.
Terapeuta [Também sinto muito medo neste momento, medo da
agressividade de Bruno, um pouco confusa, sem saber o que fazer.]
Carlos: Olha, como sou novo, vou falar, não sei se há alguma
proibição, mas acho que, se não quer ajuda, por que está aqui?
Bruno, por que você não esclarece as coisas? Seria tudo mais fácil.
Me ajudaria, sabia? Tô ficando muito angustiado.
Bruno: Pago ela [olhando para a terapeuta]... para ela resolver os
problemas.
Terapeuta: Parece-me que está claro, Bruno, que está com muita
raiva de mim. Talvez por que coloquei mais um no grupo? Talvez
porque entrou mais alguém na família? O que você pensa?
Bruno: Não quero falar disso.
Carlos: Lembrei da minha filha. Ficou muito brava porque
contamos a ela que um irmãozinho iria nascer. Dias depois nos
320
disse que não pedimos para ela se queria, e se podiam decidir sem
ela, dando as ordens. Não sei o que tem de comparável, mas foi o
que me veio na cabeça.
Álvaro: Crianças são espetaculares, mesmo longe podem nos
ajudar. Carlos, sabe que também revivi isto aqui? Mas eu queria
muito alguém no grupo para fazer o papel que eu sempre quis na
minha vida – um irmão.
Terapeuta: Considerando o que Carlos falou sobre a filha, estamos
enfrentando o mesmo problema aqui. Mas nos deram duas
versões: ruim e boa. Ruim porque a chegada do novo ameaça uma
situação que, bem ou mal, já era conhecida, e onde não houve o
controle, aqui no grupo, o controle de Bruno. E, no exemplo de
Carlos, o controle da sua filha. Boa porque abre a possibilidade do
novo, de ampliar relacionamentos, ampliar nosso mundo, se
pudermos aceitar o novo, a quebra do estabelecido anteriormente.
Acho que agora podemos seguir adiante, Carlos feliz, Bruno
angustiado, com a possibilidade de o irmão estar sendo mais
querido, e despertar o amor da mãe ou do pai. Infelizmente, assim
como nas famílias, os pais é que decidem quando virão os bebês,
e aqui, eu é que decido quando entram novos colegas de grupo.
Clara: Estou pensando e consultando aqui o meu pensamento.
Estou incomodada com a posição de Bruno. Mas, estou com medo
de que ele vá embora. Seria triste para mim. Bruno, gosto de você,
de suas contribuições e de suas maluquices. Mas, acho que você
pode usar seu lado bom aqui com a gente. O amor irá fluir, e você,
nesta postura, se afasta da gente.
Terapeuta: Bruno, parece que todos estão preocupados com você,
ora pelo que provoca nos outros, ora pelo que provoca em você
mesmo. O tempo está terminando, mas vamos pensando sobre o
assunto.
Comentários que nos ocorreram. Faremos uma reflexão sobre o que
poderia estar ocorrendo e sobre alternativas de intervenções. Para não nos
alongarmos, faremos tais reflexões nas pausas após cada fala da terapeuta:
Terapeuta (1): O grupo mostra uma divisão, em que três membros,
com atitude amorosa e construtiva, procuram ajudar o colega e
321
esclarecer o que estava ocorrendo. Por sua vez, um membro
mostra-se irredutível, em estado da mente francamente esquizo-
paranoide (Melanie Klein). Como dinâmica do grupo, há uma
tentativa de integração, que não teve sucesso. [Isso,
eventualmente, poderia ser apontado para o grupo.] A terapeuta
convida Bruno para esclarecimento. Poderia também, se quisesse,
perguntar o que o grupo estava achando da conversa. Poderia
aguardar em silêncio, também... Como ninguém perguntou ao
Bruno, a terapeuta eventualmente poderia perguntar: notamos suas
faltas, Bruno. Por que você não veio? (ou até: sentimos falta de você no
grupo; o que houve?) [São reflexões que ocorrem com mais
facilidade após o grupo, fora do calor da sessão.] Outra
possibilidade: elogiar Bruno por estar mostrando sua raiva, em vez
de guardá-la para si [e convidá-lo a dizer o motivo]. Uma
interpretação possível: Bruno mostra que tem um vínculo forte
com o grupo e que se decepcionou por não terem procurado por
ele, pensando até em abandonar o grupo. O grupo poderia
informar ao Bruno o que cada um sentiu com suas faltas.
Terapeuta (2): O grupo mantém-se na dinâmica anterior, mesmo
com alternativas fornecidas por alguns membros. A terapeuta se
dirige diretamente a Bruno, perguntando o que achou das falas,
sem sucesso. Chama a atenção que ninguém tenha dito algo do
tipo: estamos interessados porque gostamos de você. [Talvez
ninguém goste mesmo, ou o clima emocional de raiva e
persecutoriedade paralisasse tais sentimentos e pensamentos.]
Talvez a terapeuta, se tivesse lhe ocorrido, poderia ter perguntado:
Bruno, o que foi que eu fiz? A que manipulações você se refere? [Às vezes
não conseguimos pensar no grupo, pois a carga emocional causa
verdadeiro turbilhão mental.]
Terapeuta (3): Poderíamos pensar que Carlos esteja sendo porta-voz
dos sentimentos persecutórios do grupo, o que coloca Bruno
como bode expiatório. O risco que correm talvez seja que toda a
agressividade deles venha à tona. Uma possibilidade seria indagar
do grupo se apenas Bruno tem raiva e apenas Álvaro tem medo.
[A terapeuta percebeu contratransferencialmente seu medo.] É
322
interessante o que por vezes acontece nos grupos, e que pode ter
ocorrido aí: a terapeuta convida o grupo a participar, dirigindo-se
ao membro mais novo, Carlos. Quem responde, em nome do
grupo, é Álvaro, que traz a metáfora do beco sem saída [caminho
fechado]. Bruno aponta a contradição de “estar ali” e não querer
ajuda. Poderia ser apontado, sem criticar, como isso é interessante,
e que talvez já tenha ocorrido aos demais [vontade de não vir, de
não conversar, não pensar etc.]. Bruno mostra uma defesa maníaca
(Melanie Klein), quando despreza e desvaloriza a terapeuta, que
“não resolve” os problemas, mesmo sendo “paga para isso”.
Parece ser difícil para ele, e talvez para outros participantes,
reconhecerem o valor e o esforço da terapeuta, e serem gratos por
isso.
Terapeuta (4): Há um novo convite para Bruno pensar, mas ele não
renuncia a sua postura rígida. Carlos aceita o convite e associa
sobre as crianças serem espetaculares. Traz o desejo de ter um
irmão ali no grupo. [Poderíamos conjecturar que idealiza a
fraternidade, que viveria sem tensões nem agressões – um tema
que poderia ser levantado como hipótese.]
Terapeuta (5): O grupo, por meio de Clara, tenta uma aproximação
amorosa, e explicita que Bruno seria importante no grupo e declara
o receio de perdê-lo.
Terapeuta (6): A terapeuta encerrou a sessão com mais uma fala
sobre o grupo estar interessado e preocupado com Bruno.
Situação difícil: terminou o tempo da sessão, não se sabe como o
grupo poderá se desenvolver no futuro. Muitas vezes nos
encontramos em situação semelhante, e há terapeutas que
prolongam a sessão, inconformados com o que se passou. Boa
oportunidade, com essa sessão, para refletirmos sobre a
impotência humana, no caso, do terapeuta, e sobre a necessidade
de se lidar com a incerteza, assim como com ataques diretos que
recebemos frequentemente.
Realmente, às vezes ficamos impactados com a situação,
bloqueados, provavelmente por identificações projetivas, mas é evidente
que sofremos bloqueios, e o mais simples nos foge. Nessas ocasiões, às
323
vezes nossos pacientes são os que nos ajudam, quando estão fora do
bloqueio.
Antes de prosseguirmos com conceitos importantes da
grupalidade, vale a pena pensarmos sobre alguma forma de seleção, pois, há
classicamente contraindicações para grupoterapia, como, por exemplo, para
depressivos graves e para psicóticos graves (nesses casos, costumam se sair
melhor em grupos homogêneos, só com patologias mais graves). É
importante também estarmos atentos ao tipo de grupo, ou seja, com quem
agrupar aquela pessoa, pois alguém pode se sair mal num grupo e bem em
outro.
Quanto ao número de pessoas para se começar um grupo, em
nossa experiência, se tivermos quatro elementos, seria suficiente para
iniciar um trabalho com menos tropeços, pois poderá faltar alguém, e
ainda teremos três deles, número que possibilita certa interação,
importante no trabalho com grupos.
Entretanto, se o profissional acreditar mesmo no seu trabalho com
grupos e tiver o grupo já dentro de si, poderá decidir-se por dia e horário, e
começar sua atividade ainda que com um único elemento, o que já fizemos
por diversas vezes, e presenciamos colegas também agindo desse modo.
Aos poucos, o participante vai recebendo mais companheiros e o grupo
vai se instalando concretamente.
É importante, como já demonstrado em capítulo inicial (capítulo
3), termos muito claro se o grupo tem objetivo focal, se tem objetivos de
autoconhecimento etc., para imprimirmos ao grupo esse padrão desde o
início, evitando confusões sobre o que estamos fazendo ali.
Alguns conceitos
Resistência
Pode-se definir resistência como Zimerman (2000, p. 152): “tudo
o que – no decorrer do tratamento analítico, nos atos e palavras do
analisando – se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente”. Indica ainda
um desejo desesperado de busca de sobrevivência psíquica ante as
angústias que afligem o sujeito. Podemos refletir que, pior do que a
resistência, seria a desistência.
324
Resistência à análise é o correspondente da repressão atualizada. A
resistência revela o processo doloroso da repressão e mostra que houve
recalque de um desejo, sem metabolização. Segundo Burnier (2003):
(...) a resistência que comparece no processo psicanalítico, quer no
trabalho individual, quer em grupo, é uma defesa do analisando
contra a tentativa do analista de penetrar nos territórios proibidos
do inconsciente. É uma defesa paradoxal, pois o analisando busca
equilibrar-se pela análise e, ao mesmo tempo, procura fugir e
bloquear esta mesma busca. (p. 174)
No processo analítico grupal, trabalha-se a resistência de cada
paciente e a resistência à livre comunicação associativa entre os membros
do grupo. As resistências podem ocorrer sob forma de atuações, como
atrasos e faltas, silêncios longos, fala exageradamente monopolizadora,
não cumprimento de combinações como pagamentos, sigilo e muitas
outras. No grupo relatado, Bruno mostra grande resistência para sair de
sua posição rígida de vítima e de perseguido, bem como para aceitar a
ajuda que lhe oferecem.
Transferência
O constructo psíquico é o que vai engendrar a transferência.
Dentro do setting do dispositivo vincular, percebemos que os pacientes
buscam recriar, seja no vínculo com o terapeuta, seja com os demais
membros do grupo, um tipo de relacionamento que repete os primeiros
relacionamentos ao longo de seu desenvolvimento. Freud (1912/1969)
deu a esse processo o nome de transferência. Em nossas palavras, todo ser
humano, devido à disposição inata e influências da infância, adquire um
certo modo de conduzir sua vida amorosa, quer dizer, as condições que
estabelece para o amor, os instintos que satisfaz, e até seus objetivos,
podem se constituir em clichês, que no curso da vida são repetidos nas
suas vinculações.
Nós, terapeutas, também precisamos reconhecer restos de
relações, com as quais fomos fundados ou constituídos, e que repetimos
ao longo de nossa vida. Relembramos nossa concepção de vínculo, vista
em capítulo inicial (capítulo 2), que é compatível com a visão de
Zimerman, Pichon-Rivière e Bion: “estrutura relacional, em que ocorre
325
experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma
pessoa – engloba a transferência e a contratransferência” (Fernandes,
1994, p. 28). Assim, estaremos sempre pensando no conjunto
transferência-contratransferência, verdadeiro binômio de partes
implicadas entre si.
Entendemos transferência como o conjunto de emoções e configurações
mentais despertadas nos pacientes pela presença do analista. Na situação de grupo,
devemos ampliar o conceito para as reações despertadas também pela
presença dos outros membros do grupo.
A transferência tem a ver com o tempo, a memória e a repressão.
Através dela nos inteiramos de como não existe a noção de tempo
para o inconsciente, já que a lembrança reprimida tende a
reproduzir-se indefinidamente (...). O que o paciente vivencia diz
respeito a algo de uma natureza particular, porque tendo
acontecido há muito tempo, está incrivelmente presente. Este algo
(re)experimentado e que viaja no túnel do tempo do vínculo
transferencial é da mesma natureza do sonho. (Durand, 1995, p.
39)
Acrescentaríamos: as características desse sonho têm a ver,
também, com todo o grupo e com as especificidades de cada sessão.
Nos fenômenos transferenciais inerentes ao processo
comunicativo vincular não existe a noção de tempo; a lembrança reprimida
pode reproduzir-se indefinidamente. Matrizes vinculares40 e situações
passadas estão presentes.
O processo transferencial é o resultado da transformação de
matrizes vinculares e de situações infantis reprimidas em uma nova edição,
já com algumas diferenças, que vão ocorrer no vínculo com o analista ou
com os demais participantes do dispositivo vincular. Veremos adiante, o
instigante conceito de interferência, que complementará o que acabamos de
expor.
Vale acrescentar que Melanie Klein trouxe importantes
contribuições para o estudo do binômio transferência-contratransferência,
com o conceito de identificação projetiva, no relacionamento pacientes-
40 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
326
terapeuta41. No grupo relatado, a transferência fraterna fica evidente nas
comunicações de Carlos e de Álvaro. Bruno nos faz pensar na
transferência ligada à resistência.
Zimerman (2000) faz uma interessante indagação: “(...) a
transferência é meramente uma necessidade de repetição, ou antes, ela é a
repetição de necessidades (não satisfeitas no passado?)” (p. 160).
Quando desenvolvemos algumas ideias de Bion neste livro,
estudamos a Teoria das Transformações. Recordemos, então, que
transferência é a maneira de o paciente transformar em sua mente a relação
entre ele, o terapeuta e os demais participantes do grupo. É bom salientar
que a situação da transferência no grupo é muito intrincada, havendo as
transferências com o terapeuta e as transferências laterais entre os demais
participantes do grupo, todas entrelaçadas.
Contratransferência
Quando nos referimos àquilo que nasce do terapeuta, como
resposta psíquica advinda do relacionamento com os pacientes,
denominamos isso contratransferência, que constitui um assunto
controverso, mas envolvente.
No dicionário de psicanálise de Elizabeth Roudinesco e Michel
Plon (1997), encontramos uma carta de Freud a Binswanger sobre a
problemática da contratransferência: “é um dos aspectos mais difíceis da
técnica psicanalítica” (p. 133). O analista (e isso deve ser uma regra para
Freud) nunca deve dar ao analisando nada que tenha saído de seu próprio
inconsciente. Vez após outra, ele deve “reconhecer e ultrapassar sua
contratransferência, para que possa estar livre” (Roudinesco & Plon, 1997,
p. 133).
Esse conceito evoluiu. Há um estudo em Melanie Klein, sobre a
identificação projetiva, em que podemos encontrar um ponto de
referência para o tema da contratransferência. Klein, a partir das
observações sobre os bebês, dá importância aos processos de projeção e
identificação, onde se externalizam alguns conteúdos e se internalizam
41 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.
327
outros. O que é colocado para fora, portanto projetado, a princípio é o
ódio. Vai identificar o mundo externo como odioso (mãe/terapeuta) e
expulsá-lo, até mesmo para seu controle.42
Resumidamente, para Klein, a identificação projetiva pode ser uma
projeção no outro, de parte de si, tanto para se livrar de algo ruim, como
para poder controlá-lo. Sabemos pela literatura e pela experiência clínica
que a mãe não deve devolver a agressão aos filhos, mas sim ajudar a
introjetar essa parte expulsa, o que nem sempre é fácil. Com essa analogia,
podemos entender estranhas sensações que nos acometem enquanto
terapeutas.
A percepção contratransferencial por parte do analista é rica fonte
de informações a respeito dos conteúdos internos dos pacientes e um
importante instrumento, pois emergem sentimentos das pessoas que
compõem o grupo, e não há nada a fazer para evitar o surgimento desses
sentimentos.
Nossa autoanálise, enquanto terapeutas, é que possibilita
reconhecer sentimentos e fantasias que surgem dentro de nós, a partir dos
contatos na sessão grupal, e utilizá-los para levantar hipóteses sobre o
mundo interno de nossos pacientes, em vez de descartá-los. Seria desejável
que nunca os descarregássemos na sessão (embora sejamos humanos). É
o destino que nós, terapeutas, damos a esses sentimentos e fantasias que
potencializa nosso trabalho em vez de nos embargar.
O termo contratransferência foi utilizado pela primeira vez por
Freud, em 1910. Na época, era vista como obstáculo ao analista para sua
compreensão do paciente. Desde então, temos visto inúmeros significados
para essa palavra, conforme descreve com grande clareza Joseph Sandler:
“a resposta normal do analista ao paciente, base para a empatia”
(1973/1977, p. 55).
Até hoje é muita respeitada a visão de Paula Heimann (1950/1960)
sobre a contratransferência: “todos os sentimentos que o analista
experiencia para com seu paciente” (p. 82). No grupo, a situação
transferencial-contratransferencial é de extrema complexidade. Pichon-
42 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.
328
Rivière (1980/1983) usa, em vez desse termo, a expressão transferência
recíproca, que considera de valor inestimável para se estabelecer hipóteses
sobre o acontecer implícito do grupo.
A contratransferência resulta basicamente das contraidentificações
projetivas43. Por isso, tanto pode servir como um instrumento de empatia,
como, inversamente, para um reforço da patologia do paciente. Portanto,
é fundamental que percebamos o quanto estamos trabalhando a favor do
desenvolvimento dos pacientes ou se estamos procurando reforçar
narcisicamente tendências caracterológicas de autossatisfação.
Para Paula Heimann e H. Racker, a contratransferência se origina
das cargas de identificações projetivas que os pacientes depositam no
terapeuta. Zimerman (2000) comenta: “Assim, o prefixo contra ganhou um
claro significado de contraparte, ou seja, aquilo que o terapeuta sente é o
que o paciente o fez sentir” (p. 164). O mesmo autor alerta que tal
concepção permite certos exageros e abusos, porque tudo o que o analista
sentisse seria sempre da responsabilidade dos pacientes. Na verdade,
teríamos de ver as resistências, transferências, contrarresistências etc.
também do terapeuta.
Bion em alguns momentos considerou a contratransferência como
uma manifestação do inconsciente do analista, portanto potencialmente
prejudicial, já que não poderia ser percebida. Recomendava, nesse caso,
que o analista fizesse mais análise pessoal. Entretanto, para David
Epelbaum Zimerman, tal posição não deve ser interpretada literalmente, e
sim como uma tríplice advertência:
(...) a primeira é contra o risco de que os psicanalistas
supervalorizem a importância da contratransferência, e justifiquem
todas as deficiências da situação analítica como sendo unicamente
provenientes das projeções do paciente; a segunda é que ele nos
alerta contra o risco da banalização e perda do significado original
de um conceito tão importante; e a terceira advertência é no
sentido de que o psicanalista deixe sua onipotência de lado e tenha
43 Termo cunhado por León Grinberg para se referir à impregnação no analista de identificações projetivas do paciente, o que ele considera fundamental para a formação da contratransferência.
329
bem claro, incontestavelmente, que ele tem pontos cegos,
neuróticos ou psicóticos. (Zimerman, 1995, p. 199)
A essas considerações, adicionamos uma: não nos esqueçamos das
especificidades do trabalho analítico multipessoal, quando a complexidade
dos fenômenos transferenciais-contratransferenciais é infinitamente
maior.
Todavia, em nossa maneira de ver, seja o que for que o analista
traga para a sessão, deve ter alguma relação com o material discutido ou
com as pessoas ali presentes. Assim, preferirmos conceituar
contratransferência da seguinte forma: “é a totalidade de reações
emocionais e atitudes conscientes e inconscientes que experimentamos
com relação à parte dos membros ou ao grupo como um todo, inclusive
frente à transferência” (Fernandes, 1993, p. 173).
O tema da contratransferência é fascinante. É o jeito de o analista
participar vividamente, por meio de suas emoções, da análise de seus
pacientes, como diz Mello Filho (2006). Isso dá ao analista um sentimento
todo especial, de autenticidade, de verdade, no vínculo com os membros
do grupo.
No grupo somos constantemente postos à prova, e de modo
frontal. Os pacientes nos agridem face a face e a agressividade
grupal experimenta frequentes incrementos por situações de
ciúme, inveja ou rivalidade, vividas diretamente pelos participantes
entre si ou experimentadas em relação ao terapeuta. (Mello Filho,
2006, p. 3)
No grupo relatado, Bruno deu verdadeira exibição de sua
agressividade, o que deixou a terapeuta na necessidade de conter cargas
emocionais muito pesadas.
Muitas vezes, no frente a frente e na imersão no todo grupal, nós,
terapeutas, podemos acabar por dar respostas diretas, revidando a
agressão, pois a contratransferência pode ser brutal e intolerável, sem que
consigamos tempo para pensar em uma resposta que esclareça, em vez de
ser apenas reação atuada à contratransferência, tal o clima regressivo em
que transcorrem muitas sessões.
O binômio ransferência-contratransferência
330
Sabemos que indivíduos se relacionam a partir de modelos de
vínculos: as “matrizes vinculares” (Fernandes, 2003, p. 44). Conceito
relacionado com o de matriz vincular é o de matriz relacional interna, descrito
por Maria Rita Leal (1993):
Os grupanalistas (e alguns psicanalistas) afirmam que as relações
primitivas são sempre vividas numa rede de outros e, no contexto
psicoterapêutico, as relações poderão ser sempre focadas sob a
faceta grupal. A comunicação ocorre sempre numa matriz de
grupo, quer o tratamento se concretize numa situação a dois ou
numa situação de encontro entre seis a oito indivíduos... A vida
humana se processa num ciclo... em que as experiências se
encontram localizadas numa complexa rede de relações, que
podemos identificar e dar-lhe um nome: rede interna interpessoal...
ou matriz relacional interna. (p. 77)
No binômio transferência-contratransferência, é fato que cada
elemento do grupo traz, dentro de si, seu grupo de referência, suas
matrizes vinculares e o registro às diferentes formas de pertença à
grupalidade, em que já se inscreveu. Entretanto, no trabalho grupal
também há que se considerar todos os relacionamentos
extratransferenciais, o contato com a pessoa real do terapeuta e a força do
encontro no presente, entre todos os participantes do grupo.
Interferência – o impacto do presente
Janine Puget chama de interferência aos efeitos causados pela
presença do outro: “o presente impõe seus próprios significados, seus
próprios sinais – uma via de abordagem para o que não pode ser pensado
como repetição do passado. A isto poderíamos chamar a imposição de um
presente” (Puget, 2006, p. 252).
No grupo relatado inicialmente, fica evidente o impacto causado
em todos os participantes pela atitude agressiva de Bruno, utilizando-se de
defesas maníacas (controle, triunfo, desprezo), já vistas no capítulo sobre
Melanie Klein (capítulo 6).
Nesses casos, além do vínculo transferencial-contratransferencial,
ocorre a inevitável repercussão da presença real de um sujeito no mundo interno do
outro, o que nos leva a Bion. Para ele, em um vínculo intersubjetivo,
331
quando duas personalidades se encontram, cria-se uma tempestade
emocional, “(...) um estado emocional se produz, ocorrendo uma
perturbação, que produz um estado muito diferente daquele que ocorreria
se nunca tivessem se encontrado” (Bion, 1979/1983, p. 469).
Fica uma reflexão: dar valor ao presente tem implicações – o que
fazer com a experiência anterior, com a memória e com o desejo de que
ocorra novamente algo do tipo já conhecido e almejado para o futuro?
Atuações
Atuações ou actings são passagens aos atos, isto é, atitudes ou condutas
que ocorrem para substituir sentimentos ainda não claramente manifestos.
Para Zimerman (2000), servem para preencher vazios e comunicar algo
em situações em que é necessário acalmar ansiedades de vários tipos,
como podemos resumir: ansiedade de separação; intolerância à frustração;
ódio e vontade de revidar; pedido de socorro; busca de depositários para
desempenhar papéis complementares; ansiedade por não ocorrer a reação
desejada em um grupo, gerando uma atuação substituta em nome do
grupo.
As faltas, silêncios e algumas falas cheias de agressividade são bons
exemplos de actings. Freud dizia que ocorrem por fantasias reprimidas que
não podem ser recordadas – ou, como diria Bion, não podem ser pensadas,
nem contidas dentro de cada um, nem verbalizadas, e acabam por ser
atuadas.
Nos grupos, são frequentes as atuações, e estas podem ser de
vários tipos: quebra de sigilo, busca de privilégios, controle, tentativas de
relacionamento amoroso, convívio social exagerado, atrasos nas sessões
ou nos pagamentos, faltas, formação de pares que trocam informações
apenas fora do grupo, e outros. Frequentemente estão ligadas à resistência,
como ilustrado no grupo relatado inicialmente.
Atuações inevitáveis, geralmente inofensivas, são os momentos de
bate-papo em sala de espera ou no cafezinho pós-grupo. Todas as outras
podem ser trabalhadas, quando algum membro do grupo se decide por
comentá-las em sessões posteriores.
332
Intervindo no grupo – o trabalho do grupoterapeuta
Para facilitar a reflexão, vejamos mais alguns fragmentos de sessão
grupal, antes de entrar nas intervenções.
Sessão de grupoterapia semanal, com 1h de duração, com cinco
participantes (nomes fictícios): João Carlos, 43 anos, professor
universitário, há um mês no grupo; Carol, 62 anos, biomédica, há
quatro anos no grupo; Ricardo, 57 anos, psicólogo, há cinco anos
no grupo; Júlio, 26 anos, assistente social e estudante de direito, há
três meses no grupo; Manuela, 17 anos, estudante universitária e
estagiária, há dois anos no grupo e que, apesar da idade, foi aceita
experimentalmente no grupo por ser o único horário possível para
ela e para o terapeuta.
[Com poucos minutos para começar, após convite do terapeuta,
os participantes vão entrando na sala, se ajeitando nos lugares
habituais, desligando celulares e comentam sobre futebol,
brincando com colegas que torcem para o time que perdeu o
último jogo. O terapeuta, que estava finalizando coisas no
consultório, entra no horário combinado, sorri, fecha a porta e se
acomoda em sua poltrona.]
[Silêncio de uns três minutos, todos aparentando estar recolhidos
em seus pensamentos.]
Manuela [olha para todos, porém aparenta estar absorta, e talvez
triste] respira fundo, e nada diz.
João Carlos: Quero entender o que pode estar por trás de meus
sintomas, mas não consigo. Será que foi o acidente? Ou a
separação? [E repete o tema...]
Carol: Quando comecei também tinha muitíssima dificuldade,
João. Só lembrava do mesmo assunto – só falava da traição.
Enquanto isso, as alergias me pegavam cada vez que ficava irritada.
Ricardo: Uma coisa que aprendi aqui, nem sei como, é que eu vivia
corrigindo todo mundo, sempre exaltado, procurando erros nas
pessoas, reclamando, arrumando brigas. Isso diminuiu muito.
Parece que já não faço tanta questão e, às vezes, como na semana
passada, vi um sujeito jogar papel no chão e não perdi o controle,
fiquei na minha.
333
João Carlos: Queria mudar também. Isso de eu reclamar acontece
direto. Não me conformo de terem me tirado do setor do trabalho,
em que eu estava há anos. É evidente que irão ter problema com
as mudanças, e não percebem. Não é um jeito respeitoso de se
trabalhar. Eu não ajo assim com as pessoas. Podiam ter me
consultado antes. Será que conversar aqui vai me ajudar? Às vezes
tenho dúvidas...
Júlio: Também não me conformo com uma coisa. Estou há pouco
mais de três meses aqui, só fazia terapia individual, e estou
gostando. Só que ninguém vai me convencer de que meu pai não
foi negligente ou prepotente.
João Carlos: Do que você está gostando, Júlio?
Júlio [parece pensativo, em silêncio e se mexendo muito na
poltrona].
Terapeuta: Vocês notaram como Manuela e Júlio estão quietinhos?
Ricardo [olhando para Júlio]: Ele me faz lembrar de meu filho, que
já morreu. Tinha essa fisionomia de “bonzinho”, querendo agradar
a todos, mas era muito carente, por mais que eu tentasse me
aproximar dele. Tinha uma barreira entre nós.
Carol: Não deve ter sido fácil essa perda do Ricardo... Eu, que
quase perdi o marido, de tanto ódio que demonstrei por ele, acabei
por ter muito medo de perdê-lo.
Júlio: Bem... Eu gosto daqui porque parece que vocês se importam
e cuidam um do outro.
João Carlos: Estou me lembrando da separação de mais de seis
meses que tive, quando minha mulher me traiu. Eu não me
conformava por ela ter feito isso comigo.
Ricardo: Era seu orgulho de macho ferido, não era?
Manuela [parece tensa, e diz, com voz trêmula]: Estou achando
difícil, mas preciso dizer uma coisa. Terei de sair do grupo. Meus
pais têm de se mudar para o Canadá. Meu pai foi promovido, na
condição de viver no Canadá por alguns anos. Não me deram
opção. Tenho de ir com eles.
Carol: Quando será isso, Manuela?
334
Manuela: No final do mês que vem... daqui uns 40 dias. Não queria
me afastar dos amigos, da escola, de vocês!
Ricardo: Puxa! Você vai fazer falta. Quando você, Manuela, entrou
no grupo, estranhamos sua pouca idade, mas logo mostrou grande
participação. Diferente do que o João Carlos contou, neste caso
não dá para acharmos que não valoriza a gente. Ela sempre
reconheceu o quanto o grupo fez bem para ela, nesses dois anos.
João Carlos: Mas, se Manuela tem de ir, é pena, mas pode fazer
terapia lá no Canadá.
Júlio: E você não sente nada com essa saída? É tão racional assim?
O João não parece valorizar muito o grupo. Espera milagres.
João Carlos: Acho que sim, mas não sei o que fazer. Mesmo nessa
questão do orgulho. Tenho pensado nessa ideia. Não acham que
fui passado para segundo plano? Como ela pôde fazer isso?!
Júlio: Você parece se achar “o tal”, como meu pai. Ele engravidou
minha mãe e já tinha outra família. Achou que iria atrapalhar sua
vida ter um filho bastardo. Só me procurou dez anos depois!
Carol [para Júlio]: E você vem se vingando dele, se mantendo
longe... Não tem medo de perder seu pai? Ele ainda está vivo! Eu,
depois de um bom tempo aqui, acho que quase três anos, passei a
valorizar mais meu marido. Não é perfeito, me traiu e tal, mas,
como o doutor sempre diz, “é humano”. Realmente acho que me
traiu porque teve desejo e oportunidade, mas não foi nada contra
mim, nem é um monstro. Ele gosta de mim, demonstra isso, e é
uma boa pessoa.
[Certo silêncio]
Terapeuta: Ouvimos queixas do João Carlos, de que não percebe o
que causa suas dores. O grupo vem levantando a hipótese de seu
orgulho ferido ser importante. Júlio associa o orgulho com seu pai.
Mas, na verdade, ninguém sabe o que aconteceu de fato com as
traições e com a falta de aproximação do pai de Júlio. Carol traz
uma possibilidade: Será que dá para valorizar essas pessoas, aceitar
que talvez não tenham agido como agiram, para sacanear vocês?
Dá para ficar sem saber? Também não sabemos como Manuela irá
se comportar no Canadá, nem como o grupo irá reagir a essa
335
perda. O que dá para perceber é que temas como esse, dessa perda
anunciada, mexem com a maior parte do grupo, mas João Carlos,
pelo menos até hoje, tem respostas mais racionais. Podemos
aguardar para ver como isso tudo estará no futuro?
[Informações complementares: O grupo se reuniu mais quatro
vezes, nas quais o tema da saída de Manuela sempre voltava.
Enquanto isso, Júlio tinha tido pequena aproximação do pai, que
o procurou. Desta feita não tratou o pai com desprezo. João Carlos
estava começando a perceber como é autoritário e controlador. O
grupo parecia evoluir, todos se despediram de Manuela, que
realmente viajou. Durante todo o ano seguinte, vez por outra
lembravam dela, de suas falas e como tinham feito um vínculo
forte com ela. O grupo existiu por mais dez anos, com entradas e
saídas, e teve evidente progresso grupal e crescimento pessoal da
maioria dos membros, com exceção de João Carlos, que sempre
teve grande dificuldade com sua subjetividade. Mesmo assim,
quando saiu, três anos depois, estava com sintomas mais toleráveis
e muito menos frequentes.]
Comentários
Poderíamos pensar: Que grupo bonzinho! Essa hipótese pode
sugerir que o trabalho ficou muito no racional, mas pode não ter sido
assim. João Carlos parece estar muito bravo; entretanto, devido a seus
princípios, talvez ainda não possa reconhecer isso. Não pode falar
claramente que está com ódio porque não agiram como ele queria, e que
infelizmente o mundo é povoado de humanos. Embora possa realmente ter
sido vítima de interesses escusos ou pessoais, seria necessário ver também
sua parte da responsabilidade: Quem sabe ele mesmo não ajudou nesse
desfecho infeliz? (Mas não parece o momento de se mostrar isso para ele.
Tudo em seu tempo...) Em termos de fenômenos grupais, ele parece
resistir ao processo grupal. Ora calando-se, ora racionalizando. A
dificuldade de entrar em contato com seu mundo mais profundo parece
muito grande.
O grupo tenta mostrar para João Carlos um pouco do seu jeito de
ser e de se comportar, aparentemente com pouco sucesso. É visível que,
336
transferencialmente, Júlio o vê desfavoravelmente, como a seu pai – pensa que
é o tal! Reeditamos situações passadas, uma vez que não foram elaboradas,
e que se repetirão ao longo das sessões e quiçá ao longo da vida inteira, se
não pudermos entrar em contato com essa parte e ter alguma elaboração.
Na dinâmica da sessão grupal há elementos persecutórios,
primitivos e desintegrados, como cisão corpo-mente, identificações
projetivas e outros, mas também tentativas de mostrar em tom amigável
aspectos como por exemplo o orgulho ferido, que, trazidos para reflexão,
contribuem para a integração grupal.
A leitura da sessão mostra também que, na opinião do terapeuta,
houve crescimento e progresso pessoal, apesar das racionalizações. O
terapeuta está sempre no calor das comunicações grupais, vivenciando o
clima. Para ele, não estavam apenas racionalizando defensivamente, mas
conseguiram mesmo alguma integração do que fora cindido. Por outro
lado, nesse e em qualquer caso, devemos estar alertas, pois podemos não
nos dar conta que os participantes do grupo querem ser filhos bonzinhos. É
possível que Júlio, inicialmente idealizando o terapeuta, possa se
aproximar e reorganizar a figura paterna dentro de si.
Um alerta sobre a contratransferência: É sempre muito difícil
aceitar as dificuldades dentro de nós. A sensação de perseguição, de ser
vítima, sempre parece ser a primeira a aparecer, não só na sessão, mas
também no dia a dia. Quando não achamos algo, a primeira sensação é a
de que alguém pegou, alguém é culpado, não é mesmo? São comuns essas
fantasias e sensações, quando não estamos captando coisa alguma no
grupo ou quando somos agredidos verbalmente com muita intensidade,
como ocorreu no primeiro grupo citado.
Deixar o grupo fluir é sempre muito bom, mas não devemos
confundir tal postura com a liderança tipo laissez faire, em que o
coordenador deixa a sessão correr, sem maior vinculação com ela.
Podemos às vezes ter a sensação de perder a vez, perder o protagonismo,
mas, tal qual os pais que conseguem abrir mão desse protagonismo, e
permitir o crescimento dos filhos, pode ser uma experiência muito rica e
gratificante ver o grupo e seus participantes caminharem com suas pernas,
conseguirem crescimento e desenvolvimento.
337
É claro que no primeiro grupo citado isso deve demorar mais
tempo, pois não é um grupo tão antigo como o segundo. Os vínculos são
mais frágeis, crescimento pessoal e grupal são penosos, levam tempo e
exigem persistência.
Um aspecto ainda a comentar: Saídas do grupo após se discutir o
tema durante algumas sessões, seja por alta, seja por necessidades
concretas, como no caso de Manuela, são raras. Depende de o grupo estar
bastante evoluído e capaz de lidar com a perda iminente, com a tristeza se
houver, porém sem o sofrimento de uma perda irreparável. Há que
trabalhar seus sentimentos para a nova fase que virá e ajudar aquele que se
despede, valorizando o grupo e o que parte, num reconhecimento mútuo
de valores e de gratidão.
O mais comum é algum tipo de abandono, quando as resistências
estão muito fortes, gerando grande desconforto. Seria boa hora para
examinar isso no grupo, mas nem sempre acontece.
Como vimos, a resistência pode ser um fenômeno que atrapalha o
prosseguimento do grupo, mas é um instrumento muito útil para que
possamos esclarecer os fatos, conversar sobre eles e quem sabe conseguir
dar um passo além.
Com relação à transferência, quanto mais o grupo evolui, menos
frequentemente esse fenômeno ocorre, pelo menos não de maneira tão
dramática e ruidosa, como lembra Zimerman (2000).
Sobre a contratransferência, é o momento em que, nós, terapeutas,
recebemos uma enxurrada de identificações projetivas, que são
depositadas dentro de nós. Podem se tornar uma bússola para que
possamos identificar e interpretar o ocorrido, assim como podem nos
desorientar, se estivermos muito envolvidos emocionalmente, com pontos
cegos. Se o terapeuta não estiver atento, poderá ocorrer grande dificuldade
para o prosseguimento do trabalho.
Coordenar um grupo é uma arte. Assim como o jogador de xadrez
tem que estar alerta para as jogadas de seu oponente e não se deixar
envolver pelas jogadas inesperadas, o terapeuta também precisa estar
alerta, não no sentido de ganhar ou de ter razão, como poderia ocorrer no
xadrez, porém sem pretensão de esperar falas ou atitudes predeterminadas,
e observar o que elas dizem em seu interior e exterior. É um processo
338
empático, um entra e sai de emoções dentro de nós que devem flutuar e
não se enraizar.
Bem, após as sessões que foram apresentadas e parcialmente
comentadas, poderemos agora examinar alguns detalhes da teoria da
técnica.
O que fazer?
Tudo o que descrevemos, inclusive os fragmentos ilustrativos de
sessões, são úteis para nossa reflexão; para nossa compreensão, ótimo.
Mas o que fazer com tudo isso na sessão do grupo? Dizemos algo?
Calamo-nos? Fazemos o quê?
Como dissemos anteriormente, carregamos modelos anteriores
dentro de nós. E muito vai de nossas análises e de nossas supervisões para
conseguirmos montar nosso próprio modelo. A princípio copiamos
nossos mestres, mas, nem sempre isso dá bons frutos. Eram modelos
elaborados por eles e não reedições como as nossas.
Antes de, eventualmente, interpretar, pensamos ser muito útil
fazer perguntas para esclarecer o que vem ocorrendo, como relatado na
primeira vinheta. Esclarecer as situações é a ferramenta mais eficaz.
Depois de muito bem esclarecidas é que talvez seja possível dizer algo que
faça sentido, ou melhor ainda, quem sabe teremos algum elemento no
grupo que tenha captado alguma coisa inconscientemente? Isso costuma
ocorrer com frequência e trazer contribuições inovadoras, talvez melhores
do que alguma interpretação nossa.
Sabemos que existem profissionais que gostam muito de dar
interpretações. Nós preferimos aguardar os acontecimentos do grupo para
poder interpretar, e sempre o mínimo possível. O intuito é propiciar o
crescimento pessoal e grupal, além de não favorecer dependências.
Um dos autores relata experiência pessoal no início de sua
formação:
Certa feita, numa supervisão de profissionais, ouvíamos várias
interpretações, uma mais freudiana, outra mais kleiniana, outra
winnicottiana, sendo que cada uma parecia mais uma aula do que
algo contentor de alguma angústia. Pensei: Como sou burra, não
339
consigo ver estas coisas na hora do grupo. Será que preciso levar
o livro? E caminhei com esta sensação por dias.
Um dia, em minha própria análise grupal participei da seguinte
sessão (nomes fictícios):
Ana [dirigindo-se ao analista]: Nossa, não sei o que te dar no Natal
– perfume, bebida importada?
Jane [também dirigindo-se ao analista]: Ah, eu já sei, vou comprar
uma camisa linda que vi no shopping Iguatemi. Sim, porque tem que
ser muito fina para você. Você merece.
Bernardo [olhando para as mulheres, dá um sorriso.]
[Eu olhei para o Bernardo e pensei: Xi, somos os “únicos” duros
aqui no grupo.] Olhei para a Ana e falei: Sabe o que ele usa todos
os dias? Desodorante, está sempre cheirosinho. [Olhei para o
analista e ele parecia sorrir, seu bigode tremia, como quem prende
o sorriso.]
Ana: Credo, desodorante.
Terapeuta: Bia, por que lembrou do desodorante? [sorrindo]
Bia: Porque quando eu estiver triste poderei lembrar do seu
cheirinho. E lembrei nesse momento da galinha com os pintinhos
embaixo das asas.
Bernardo: Para não correr o risco de sentir cecê [rindo]. Eu vou te
dar uma surpresa.
Assim sucedeu a sessão. Sempre com esclarecimentos, perguntas.
Até que:
Joana: Sabe, estou achando isto aqui uma babaquice. Vocês
querem agradá-lo de qualquer maneira. Ah! Também querem saber
quem vai dar o melhor presente?
[Eu, quieta e entristecida, não falava. Apenas pensava... nossa, que
festival de conversa furada. Parece a supervisão de Dr. X.]
Analista: O que está pensando, Bia?
Bia: Por quê?
Analista: Você parece que ficou com a cara triste...
Bia: Me sinto um pouco pobre, perto dessa lista de presentes
comprados no Iguatemi [shopping de alto nível econômico].
Analista: Seria essa a única razão?
340
Não precisou falar mais nada. Lembrei-me imediatamente da
supervisão quando tive a mesma sensação – pobre, burra. Mas,
serviu-me para poder refletir e assimilar que aquele modelo
empregado na supervisão não me ajudava, mas me atrapalhava.
Interpretou? Não, apenas me fez pensar. Isso me ajudou, aos
poucos, a adotar minha maneira de trabalhar.
Ambos tentamos, no trabalho com grupos, esperar e armazenar o
máximo possível de material para não produzir na sessão o que
costumamos chamar de “interpretite” (assim como uma inflamação de um
processo interpretativo). Pelo contrário, podemos ouvir, acolher, armazenar,
digerir, conferir, organizar, filtrar e depois devolver, no intuito de sermos
esclarecedores, produtivos e, na medida do possível, contribuindo com
algo que faça sentido.
Interpretação e outras intervenções
O tema das transformações e transcrições, tão importante no
trabalho psicanalítico vincular, leva-nos às intervenções do coordenador
de grupos. O ato de interpretar é assunto polêmico e dos mais discutidos
nos congressos; além disso, atualmente trabalhamos de modo um tanto
diferente do que há anos. E cada terapeuta terá seu estilo próprio, baseado
em sua experiência de vida, na sua própria análise, supervisões e
experiência profissional em geral.
Na década de 50, como os grupoterapeutas vieram de experiência
com análise individual; era comum se considerar o grupo total como se
fosse um indivíduo, e interpretar tudo transferencialmente, com o
terapeuta no foco central das transferências.
Talvez o que mais tenha mudado com relação à teoria e à técnica
dos primeiros tempos do trabalho psicanalítico com grupos seja o fato de
procurarmos estudar teorias próprias de grupo, que satisfaçam o
entendimento vincular nos três espaços psíquicos, intra, inter e
transubjetivo.44
Como já dissemos, mudamos muito nossa forma de trabalhar. Isso
foi ocorrendo com a experiência (um de nós com 44 anos de trabalho,
44 Ver o capítulo 2, Conceitos introdutórios sobre grupalidade e Psicanálise Vincular.
341
outro com 50 anos de clínica). Hoje em dia estamos mais interessados em
comparar e estudar os vínculos comunicacionais no “laboratório grupal”.
Para tanto, intervenções individuais e grupais se alternam. Procuramos
ainda priorizar as intervenções próprias do grupo, em princípio mais
importantes do que as nossas.
O fato é que não há unanimidade até hoje com relação a questões
tipo: O que são interpretações? Quais suas finalidades? As interpretações
configuram uma psicoterapia analítica de grupo? Em grupo? Do grupo?
Devem ficar no aqui e agora, só com relação ao terapeuta? Quando são
efetivas?
Os autores entendem por intervenções tudo que se faz ou diz no
grupo, e que são inerentes ao processo psicodinâmico grupal. Parte das
funções do psicoterapeuta é fazer intervenções no sentido de auxiliar o
grupo em sua evolução. Preferimos separá-las em interpretações e outras
intervenções.
Gostamos da forma como Sigmund H. Foulkes conceituou a
interpretação, que tem afinidade com o que vimos sobre transformações45.
Podemos dizer que, para esse autor, como relata Jorge Ponciano Ribeiro,
interpretação é uma comunicação verbal, geralmente feita pelo condutor
do grupo, dirigida ao grupo todo ou a membros do grupo, esperando atrair
sua atenção para alguns significados a respeito dos quais ele julga que não
estão conscientes, mas que poderiam se tornar conscientes: “(...)
Interpretar, portanto, é transferir ou traduzir alguma coisa de um contexto
para outro” (Ribeiro, 1981, p. 138).
Concordamos com Janine Puget, quando diz que em um grupo
terapêutico se desenvolvem processos transferenciais múltiplos, os quais
permitirão ao terapeuta conhecer as modalidades vinculares dos pacientes,
assim como a organização de seus grupos internos. A interpretação
poderá, então, ser o veículo para a compreensão desses processos. Em
síntese, “(...) a observação das configurações grupais, o reconhecimento
da particular modalidade de cada integrante, a fina captação das mudanças
45 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares, tópico Teoria das Transformações.
342
e a capacidade de discriminar e tolerar a ansiedade são a base do exercício
da função analítica” (Puget, 1991/1993, p. 67).
Podemos interpretar a partir da transferência central e lateral, ou a
partir das ansiedades básicas, suas defesas, ou dos níveis de funcionamento
grupal de trabalho e de supostos básicos46, ou ainda a partir da teoria do
narcisismo, pois a interpretação visa à discriminação e à ruptura da fantasia
de fusão com objetos imaginários. Em nosso caso, costumamos
interpretar ou intervir, preponderantemente, a partir de deformações
comunicativas, que nos permitem estudar os vínculos intra e
intersubjetivos.
Concordamos então que interpretar é verbalizar a compreensão
dos fenômenos que ocorrem no grupo analítico. Entretanto, para nós, esse
não é o único fator de “cura”. Todos, no grupo, de certo modo têm a
função analítica e a capacidade de interpretar, o que enriquece e fomenta
o desenvolvimento grupal. Nessa situação, “o narcisismo do terapeuta
pode sentir-se atacado, já que perde a estruturação vertical na qual detém
o poder interpretativo” (Puget, 1991/1993, p. 66).
A interpretação é um instrumento de poder. É espantoso o quanto
estamos sujeitos a desviar o grupo de seu caminho, pois, devido à nossa
posição de realce, influenciamos os demais participantes. Isso cria uma
situação delicada, já que, mesmo dizendo algo equivocado, podemos
induzir o grupo a seguir “nossa orientação”, ainda que esteja distante de
suas reais necessidades.
Para aqueles que consideram verdadeira missão do psicoterapeuta
interpretar o tempo todo, “renovamos uma advertência: muitas vezes
atrapalhamos o desenvolvimento grupal” (Fernandes, 1993, p. 173). Nesse
caso, melhor faríamos se nos calássemos.
Pensamos que é muito fácil cairmos no que magistralmente
Zimerman (2000) chama “Patologia da Interpretação”. Damos alguns
exemplos, sucintamente: patologia de conteúdo – não interpretando o mais
relevante, ou desconsiderando o aspecto positivo; patologia de forma – como
instrumento de poder e doutrinação, ao preço da submissão dos pacientes,
utilizando forma intelectualizada demais ou abstrata demais, que não
46 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.
343
provoca aberturas; sistematicamente reducionista – tudo é aqui e agora-comigo, ou
só grupal, ou só individual, separadamente, sem conexão entre si; patologia
de quantidade – uso excessivo, o que pode configurar o que já chamamos
de furor interpretativo (Fernandes, 1989) ou de interpretite; patologia de estilo
(retórico) – dono da verdade (bloqueia a independência e a criatividade);
acusador – (se não aceitam a interpretação é resistência: não estão querendo
ver). A lista seria interminável.
Valorizamos a transferência com o terapeuta, transferências
laterais e aspectos extratransferenciais. Procuramos relacionar
interpretações individuais com os outros membros do grupo no contexto
da sessão e, eventualmente, até no contexto de sessões passadas.
Costumamos mostrar condutas estereotipadas individuais,
acontecidas na sessão grupal ou fora dela. Mostramos também alguma
estereotipia grupal, caso ocorra.
Procuramos jamais fazer algo que o grupo possa fazer por si.
Assim, valorizamos mais as interpretações surgidas do grupo, desde que
não sejam meras repetições de frases dos terapeutas, sem elaboração
própria.
Grande parte do que expusemos como patologia da interpretação
está relacionada com os temas candentes que são a onipotência e o
narcisismo, dos quais ninguém escapa. Muitas vezes já tivemos problemas
contratransferenciais de envolvimento e dificuldade para trabalhar. Por
exemplo, já sentimos grande incômodo quando recebemos julgamentos
desfavoráveis, capazes de abalar nossa autoestima, deixando-nos ora
perseguidos, ora deprimidos com a situação. Em muitas ocasiões,
acreditamos ter lidado bem com os aspectos contratransferenciais.
Noutras, a constante competição nos deixou irritados ou magoados.
Cada um de nós já teve pensamentos do tipo: como ousa desmerecer
meu trabalho! Logo eu que tanto me esforço para ajudá-los! Creio que todos já
passaram por isso, e, consequentemente, pelo sentimento de impotência.
Por menos que isso seja recomendável, todos nós ansiamos por
receber mostras de gratidão, de reconhecimento sobre nosso valor, e não
ataques de inveja. Temos evidentemente o desejo de curar e de propiciar
mudanças positivas, segundo nossos critérios, desejo que temos de conter,
refletir a respeito e evitar alimentar.
344
Acreditamos que das coisas mais difíceis e necessárias para o
terapeuta de grupo – devido à contratransferência – é poder conservar
para si mesmo, por algum tempo, o que pensa estar acontecendo com o
grupo, dessa forma dando oportunidade a que os demais participantes
utilizem seus próprios recursos e concluam algo sobre a experiência pela
qual estão passando.
É a atitude profissional de terapeuta que nos permite manter
alguma distância, alguma neutralidade, na medida do possível, sem renunciar
a certa pessoalidade também, e assim continuar em contato com nossos
próprios sentimentos e com os sentimentos dos participantes do grupo;
por exemplo, a uma pergunta direta e pessoal, não deixamos de responder,
mas mais importante será perguntamos o porquê da pergunta e qual a
finalidade dela. Daí respondemos.
Sempre que tivermos a disponibilidade e atenção necessárias,
poderemos aprender com nossos clientes sobre o que fazer e sobre o que
não fazer, pois, como seres humanos, têm certo saber, que é peculiar a
cada um. Valorizá-los como seres humanos, ter carinho por eles, é
desejável. Contudo, podemos, às vezes, ter raiva, sono, sensação de
emburrecimento, tensão muscular, dor de cabeça, entre outras
possibilidades contratransferenciais.
Para nós, o dispositivo grupal é um excelente instrumento de
trabalho. Se não atrapalharmos o grupo, já daremos boa contribuição.
Como o terapeuta é uma pessoa, chega, em alguns casos, a ser o motivo
principal da procura dos pacientes, tanto que, quando indicam alguém para
trabalhar conosco, é muito comum ouvirmos dos pacientes que vieram
porque lhes disseram: vai lá, são gente boa, eles te ouvem e podem colaborar com
você em qualquer sentido.
Abrindo mão do poder interpretativo a todo custo, pode ser mais
adequada a postura de observação ativa, complementada por intervenções
tais como questionamento, indagações e confrontações, seja em relação a
algum participante, seja ao grupo na sua totalidade, do que entrar
cegamente no estado mental de exageros interpretativos em que nos
consideramos iluminados e, portanto, únicos donos da verdade grupal.
Grande parte das interpretações que habitualmente se faz tem
muito a ver com a subjetividade do terapeuta, situações que foram
345
vivenciadas pessoalmente e outras reações de envolvimento
contratransferencial, no aqui e agora grupal.
Pensamos que o papel do terapeuta de grupo é de estar presente,
interpretar pouco e estar atento às possibilidades comunicativas do grupo.
Observar as faltas, os atrasos, os silêncios; ouvir o que é falado, como e
quando foi dito e em que contexto; do mesmo modo os gestos, olhares e
tons de voz dos participantes, incluindo o terapeuta, devem estar em nossa
mira. Com tudo isso em mente, falar pouco é o mais difícil, mas essencial,
e manter o bom humor.
Por isso, concordamos com algumas reflexões e recomendações
de Winnicott, expostas em diversos textos, quanto ao humor e à
capacidade de brincar, pois a psicoterapia implica que duas pessoas sejam
capazes de brincar juntas. Tal espaço lúdico tem maior importância do que
“argutas interpretações”. Brincar é ser criativo no trabalho analítico. Da
mesma forma, pensamos que a criatividade dos membros do grupo pode
ser embotada por um “terapeuta que saiba demais”, não importando, de
fato, quanto o terapeuta saiba, desde que possa “abster-se de anunciar o
que sabe” (Winnicott, 1971/1975).
Por outro lado, com as intervenções já mencionadas, podemos ir
clareando aqui e ali, dando tempo para o grupo ir associando e tirando
conclusões.
Dentre os acontecimentos grupais, são importantes as
comunicações, tais como: Quem fala o quê, para quem e quando? Como
cada um ouve?
No grupo, a todo momento surgem mal-entendidos,
comunicações distorcidas, que costumamos apontar. Quando são
percebidas proporcionam, por vezes, elaborações importantes. Temos nos
interessado especialmente pelo tom de voz, pelos gestos e olhares. “Nesse
sentido, o arrogante, o detalhista, o ambíguo, o dramático, o depressivo, o
hipomaníaco em sua exuberância, todos se mostram na comunicação
extraverbal” (Fernandes, 1993, p. 172).
O que é verbalizado frequentemente tem a finalidade de impedir a
comunicação, mantendo a situação em nível social, intelectualizado ou
prolixo, mera evacuação. No aspecto comunicacional, chama nossa
atenção também a posição autorreferente, as distorções e a pouca
346
disponibilidade para ouvir, além da patologia geral no processo
comunicativo. O fato é que terapeutas e clientes fazem transformações o
tempo todo. Desse modo, não estamos isentos de distorções
comunicativas, também em nossas interpretações.
Por tudo isso é que propomos para o terapeuta de grupo acreditar
mais no grupo, ouvir e observar muito, intervir só quando necessário,
interpretando apenas se os participantes não conseguirem fazê-lo por si,
como resultado do desenvolvimento natural da sessão.
Muitas vezes, entendemos mal ou não somos bem entendidos por
alguém, o que geralmente provoca irritação e fantasias persecutórias. Ou
seja, na vida e nos grupos, nem sempre o que se pretende com a pergunta
do emissor é captado pelo receptor da mesma forma, ocasionando os
citados mal-entendidos.
Há alguns itens que deixamos para o fim do capítulo, questões
simples, que ocorrem diariamente, mas que são muito importantes, as
quais procuramos apontar nas sessões, pois geralmente permitem
aprofundar os temas, verificar o grupo e a dinâmica de cada um.
Sobre o inesperado, o desejo e a memória
Bion propõe que “o analista deva estar na sessão sem desejo e sem
memória” (1967/1969, p. 679), frase que tem causado certa controvérsia,
no sentido de que não é possível perder a memória, simplesmente
tomando tal decisão.
Há grande interesse de nossa parte naquilo que não é esperado,
naquilo que é incerto (quase tudo, em nossa experiência psicanalítica, seja
individual, seja com casais e grupos). O tema da incerteza, para nós, está
implicado com sem memória e sem desejo..., assim como o do imprevisto e o
do inesperado, os quais aparecem nos grupos a todo momento.
Quanto a não exagerar no uso da memória e do desejo, tomamos
emprestado de David Epelbaum Zimerman o seguinte:
(...) essa proposição de Bion está fundamentada em Freud,
particularmente nos seguintes aspectos interligados entre si: o da
recomendação de que o analista deveria cegar-se artificialmente, para
poder ver melhor esses lugares obscuros (trecho de uma carta que, em
1916, Freud escreveu para Lou Andreas Salomé); o segundo
347
aspecto consiste na regra técnica que recomenda enfaticamente
um estado de atenção flutuante por parte do analista. (1995, p. 71-72)
Em nossa experiência, quase sempre a memória é altamente
influenciada pelo desejo, no presente. A memória raramente representa o
que aconteceu de fato, pois ocorrem transformações, desde a observação
do fato original, passando pela forma como aquilo fica registrado na
memória, seguindo-se por outras transformações no momento em que
recorremos a ela, para pensar e, mais ainda, ao comunicarmos o que foi
pensado.
No final, a mensagem terá algo a ver com os fatos originais, mas
nem sempre serão fidedignos. Para Bion, “(...) a memória sempre é
equívoca como registro de fatos, porquanto ela está distorcida pela
influência das forças inconscientes (...). Para o analista, cada uma das
sessões deve carecer de história e de futuro” (1967, p. 679). Assim, a
recomendação para o analista abolir sua memória, seus desejos e sua
compreensão intelectual refere-se ao risco de a mente do analista ficar
saturada com excessivo interesse em ter uma compreensão imediata,
repleta de lembranças e de ideias preconcebidas e, portanto, com pouca
receptividade para a intuição e para o vínculo com os pacientes, que é
basicamente afetivo.
Pensamos que o passado aparece no agora. O que é possível e
necessário, é estudar e elaborar questões infantis ainda presentes na sessão
grupal, que nos provocam e estimulam o pensar cognitivo e intuitivo, o
que é, de certa forma, bem difícil (Neto & Fernandes, 2019).
Finalizando
A produção conjunta deste capítulo foi um momento de pôr o
narcisismo à prova, reforçar a necessidade e dependência um(a) do(a)
outro(a), assim como poder aprender e reconhecer o valor e ser grato(a) e
reconhecido(a) a quem nos questiona e complementa. Momento também
de aceitação da diversidade, de que não existe uma verdade única, e de
valorizar a experiência, sem deixar de valorizar os autores clássicos que
colaboraram dando base às nossas reflexões. Da mesma forma,
acreditamos que não exista uma interpretação “certa”. Há muitas
348
possibilidades de intervenção e o terapeuta, no calor da sessão grupal, faz
o que lhe ocorre.
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351
17 O início e o término da intervenção
psicológica grupal Cláudia Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva
A intervenção psicológica grupal constitui-se como uma
modalidade de atuação profissional que favorece o acesso ao serviço de
psicologia a um número maior de pessoas principalmente nas instituições
de saúde, educação, públicas ou privadas, e organizações não
governamentais (ONGs). As áreas de intervenções grupais do psicólogo
podem ser a clínica ou as instituições. Na clínica, tal intervenção se dá por
meio da grupoterapia, já nas instituições, tal interação ocorre com os
grupos operativos, que possuem diversas modalidades de intervenção
(Fernandes et al., 2003). O início e o término das intervenções psicológicas
grupais ocorrem em decorrência da demanda apresentada e das
características específicas de cada modalidade grupal. Assim, o objetivo
deste capítulo é evidenciar os aspectos que envolvem o início e o término
dos grupos psicológicos tanto na clínica quanto nas instituições.
Breves considerações sobre a intervenção grupal
Para tratarmos mais especificamente do tema “início e término dos
grupos”, faz-se necessário realizarmos algumas considerações iniciais
sobre o campo teórico, no qual se inserem os estudos sobre grupos, para
em seguida, tratarmos com maior especificidade do foco proposto para
este capítulo.
O campo de estudos sobre grupos, relacionado à psicanálise, tem
sido discutido e disseminado por autores brasileiros desde 1951 como:
Bernardo Blay Neto, Alcyon Baer Bahía, David Epelbaum Zimerman,
352
Luis Carlos Osório, Odilon de Melo Franco Filho, Waldemar Fernandes,
Beatriz Fernandes, Betty Svartman, Solange Emílio, Laszlo Ávila (Ávila et
al., 2016), entre outros. Os estudos desses autores apontam um caminho
para se realizar uma árdua e difícil tarefa: estudar os fenômenos grupais,
respeitando sempre a subjetividade humana. Tais fatores são considerados
constituintes da obra prima dos estudos de grupo, na clínica psicanalítica.
A partir da concepção de que o ser humano é gregário mesmo
antes de seu nascimento, que ele sempre existiu e se constituiu por meio
dos grupos aos quais fez e faz parte, compreende-se que existe uma
demanda natural para o trabalho psicológico grupal, ou seja, estar em
grupo é algo inerente à condição humana. Portanto, participar de
intervenções psicológicas em grupo possibilita resgatar o outro em si e
compreender a própria existência.
Na perspectiva psicanalítica, o resgate do eu-plural está nas
diversas possibilidades de relações transferenciais que o estar em grupo
pode manifestar. O manejo destas manifestações está na identificação dos
papéis fixos representados pelos membros do grupo e da “situação
dramática vivenciada pelo grupo num dado momento” (Blay Neto, 2001,
p. 30), que possibilita ao grupoterapeuta a visão do grupo como um todo.
Em contrapartida, Neri (1999) ressaltou que nem sempre o discurso nos
grupos analíticos deve voltar-se para a síntese unitária, ou seja, no grupo,
podem estar presentes vários pontos de vistas que levam à identificação
entre seus membros.
Para Blay Neto (2001), quanto mais fixos os papéis representados
pelos membros do grupo, maior será a regressão, ao passo que, quanto
maior a capacidade de seus membros de representar papéis diversos no
grupo, maior a evolução de grupal. Assim, se um membro deixa o grupo,
ou se afasta por um tempo, a homeostase do grupo é retomada quando
outros membros assumem o papel daquele que saiu, o que denota a
flexibilidade de seus membros no desempenho de papéis no grupo.
Para Neri (1999), o grupo tem a capacidade de desintoxicar a
mente do indivíduo, ao eliminar as tensões excessivas que podem ter se
acumulado e ocupado a sua mente. Osório (2013) utiliza a metáfora do
lixo psíquico para esclarecer a função continente do grupo, que o autor
denomina ambiência, ou seja, espaços grupais recebem e metabolizam as
353
angústias produzidas pelas vivências do cotidiano ao reutilizar as energias
dispendidas em proveito dos membros.
A intervenção psicológica grupal
O início de uma intervenção psicológica em grupo constitui o
primeiro desafio para que o processo grupal ocorra e seja consolidado.
Assim, para o início de um grupo, bem como para seu encerramento é
preciso clareza. Tal clareza deve permear alguns fatores, como: sobre quais
serão os objetivos norteadores daquele grupo em específico; quais serão
os indivíduos que o irão compor; qual será a frequência de encontros; o
local onde serão realizados os encontros; a duração total dos encontros; e,
acima de tudo, a importância do contrato e do enquadre grupal entre o
coordenador e o grupo47.
Deve haver a instituição de um enquadre (setting) e o cumprimento
das combinações nele feitas. Assim, além de ter os objetivos
claramente definidos, o grupo deve levar em conta uma
estabilidade de espaço (local das reuniões), de tempo (horários,
férias...), algumas regras e outras variáveis equivalente que
delimitam e normatizam a atividade grupal proposta. (Zimerman,
2000, p. 83)
Dessa forma, no enquadre, precisa estar estabelecida a proposta da
intervenção, com seus objetivos de início e de término, ou seja, se
acontecerá a curto ou longo prazo, se o grupo será aberto ou fechado,
possibilitando ou não a entrada de novos membros durante o seu
percurso.
É considerado grupo aberto aquele em que, com a saída de um
participante, outro preenche o seu lugar. O grupo fechado
caracteriza-se por um contrato grupal, onde se estabelece o prazo
de vida do grupo, e, uma vez iniciado, já não há possibilidade da
entrada de novos elementos e, teoricamente, aqueles que
47 Ver capítulo 3, Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal para detalhamentos a esse respeito.
354
pertencem ao grupo não poderão sair até a data aprazada.
(Castilho, 2002, p. 16)
É importante destacar a necessidade do conhecimento do
coordenador a respeito de qual é a sua função no grupo, suas limitações e
responsabilidades. Trata-se, portanto, de um saber técnico, um know how,
de maneira que o coordenador se sinta seguro e convicto de que está
realizando algo com plena consciência, conseguindo avaliar riscos e
vislumbrar resultados positivos após a execução de seu desempenho
enquanto grupo analista.
É fundamental e imprescindível o acolhimento do grupo, para que
seus membros possam se sentir aceitos e amparados, ainda que,
inicialmente, tal tarefa apresente-se como um grande desafio, uma vez que
cada participante do grupo possui uma necessidade específica, recebe e
aporta o que sente de maneira singular. O coordenador deve atuar como
facilitador desse processo, em busca da solução e da resolução de conflitos
latentes e/ou manifestos. Trata-se de um espaço onde serão expostos
conteúdos que demandam cuidado, atenção e respeito por parte dos
membros participantes, sobretudo do coordenador do grupo.
O resultado mais notável e também o mais importante da
formação de um grupo é a ‘exaltação ou intensificação de emoção’
produzida em cada membro dele (ibid., 24). Segundo McDougall,
num grupo as emoções dos homens são excitadas até um grau que
elas raramente ou nunca atingem sob outras condições, e constitui
experiência agradável para os interessados entregar-se tão
irrestritamente às suas paixões, e assim fundirem-se no grupo e
perderem o senso dos limites de sua individualidade. A maneira
pela qual os indivíduos são assim arrastados por um impulso
comum é explicada por McDougall através do que chama de
‘princípio da indução direta da emoção por via da reação simpática
primitiva’ (ibid., 25), ou seja, através do contágio emocional com
que já estamos familiarizados. O fato é que a percepção dos sinais
de um estado emocional é automaticamente talhada para despertar
a mesma emoção na pessoa que os percebe. Quanto maior for o
número de pessoas em que a mesma emoção possa ser
simultaneamente observada, mais intensamente cresce essa
355
compulsão automática. O indivíduo perde seu poder de crítica e
deixa-se deslizar para a mesma emoção. Mas, ao assim proceder,
aumenta a excitação das outras pessoas que produziram esse
resultado nele, e assim a carga emocional dos indivíduos se
intensifica por interação mútua. (Freud, 1856/1996, p. 95) Ao mesmo tempo em que o clima contagiante pode permear e
afetar positivamente os membros do grupo e levá-los a uma coesão grupal,
os processos obstrutivos também surgem por meio das diversas reações
grupais, que podem, inclusive, fragmentar o grupo e levá-lo ao término
antecipadamente. Esse fenômeno ocorre em específico quando “(...) os
homens se agrupam para instrumentalizar seu domínio e poder sobre seus
pares (...)” (Osório, 2013, p. 46).
Portanto, o início e o término de um grupo estão associados,
primeiramente, aos seus objetivos e às suas propostas iniciais, explícitos
no enquadre grupal, assim como aos processos latentes, inconscientes, que
podem surgir durante o percurso, visando à disputa de poder entre seus
membros, sendo esse, mais um aspecto importante para lidar no manejo
de grupos. A identificação desse fenômeno pelo coordenador, bem como
o direcionamento de tal ocorrência ao grupo, para que seus participantes
reflitam sobre este conteúdo inconsciente que se manifesta, pode ser um
manejo favorável à manutenção, coesão e evolução do grupo.
A intervenção grupal em instituições
A princípio, grupos institucionais apresentam início e término pré-
determinados por seus objetivos e propostas, embora, estas não garantam
sua manutenção até o final. O ser humano é imprevisível, assim como suas
constituições grupais, ou seja, cada grupo constituído é único e tem a sua
dinâmica própria que vai sendo construída podendo se consolidar ou não.
Partindo de um referencial mais prático, os grupos constituídos
por meio de uma intervenção institucional, vivenciados pelos autores deste
capítulo nas áreas da educação, social e da saúde, realizadas nos estágios
de formação em psicologia, são propostos a partir de uma demanda da
instituição e com um prazo de início e de término determinado pelo
cumprimento da carga horária de estágio.
356
Desta forma, toda estruturação é realizada a partir desses requisitos
e no enquadre são estabelecidos início, término, número de encontros,
objetivos da proposta, o que, por sua vez, constitui as intervenções
psicológicas grupais que acontecem em ONGs, instituições públicas,
privadas, centros comunitários, espaços vinculados a religiões (mesmo que
a intervenção não professe nenhuma fé religiosa), pois os trabalhos estão
sempre relacionados à promoção de saúde, educação, desenvolvimento
intra e interpessoal, com objetivos mais amplos como os autores
Zimerman (2000), Fernandes et al. (2003) e Ávila (2016), citados
anteriormente, definiram os grupos institucionais.
Nas instituições, os grupos podem ser encerrados de forma
antecipada ao período previsto no contrato psicológico do trabalho por
diversos motivos, entre eles: a falta de identificação com a proposta; falta
de interesse; e as resistências, em função das relações transferenciais
múltiplas que ocorrem entre os membros e com o coordenador do grupo.
Dessa forma, fica evidente que processos obstrutivos podem e devem ser
trabalhados ao longo dos encontros do grupo, no entanto, em alguns
casos, por motivos de tempo – como nos grupos institucionais com prazo
pré-definido, o término pode ocorrer antes que tais fenômenos sejam
trabalhados e tratados.
Os grupos institucionais, realizados em empresas com
funcionários, como em fábricas e hospitais, por exemplo, por solicitação
das chefias, dificilmente terão o seu término antecipado, por ser uma
orientação vertical, ou seja, a gestão indica os membros para o grupo,
estando implícita uma imposição velada por todos. Nas instituições de
ensino, quando a equipe gestora direciona os estudantes para os grupos, a
mesma situação ocorre em função da relação hierárquica. O grupo chega
ao término conforme o período proposto inicialmente no enquadre, por
todo o contexto, determinação, contratação do serviço de intervenção,
porém, as relações estabelecidas entre os membros com o coordenador do
grupo podem ser bastante truncadas e de difícil manejo. Isto é, o grupo
vai a termo para cumprir o protocolo, no entanto, as vivências e os
objetivos grupais não alcançam suas propostas fixadas inicialmente de
maneira efetiva.
357
Experiências grupais vivenciadas pelos autores deste capítulo, na
formação em psicologia para estudantes de 5º semestre do curso, ilustram
esta situação, uma vez que tratam-se de intervenções psicológicas grupais
em uma instituição de ensino, cujo foco é o processo de ensino-
aprendizagem. Os estudantes são subdivididos em pequenos grupos,
denominados grupos vivenciais. Cada grupo é coordenado por um
estagiário, um estudante do 5º ano do curso de psicologia, porém, por
tratar-se da prática da disciplina de Teorias e Processos Grupais, mesmo
os coordenadores dos grupos não sendo o professor responsável pela
disciplina, ocorre uma relação hierárquica em que são manifestos
conteúdos latentes em função da obrigatoriedade na participação neste
grupo, por estar associada à disciplina.
Assim, enquanto alguns grupos vivenciam uma verdadeira
integração e usufruem do espaço do grupo vivencial para trabalhar as
angústias e o lixo psíquico que a formação produz em suas vidas enquanto
estudantes, pessoas, profissionais; outros grupos manifestam uma
resistência intensa que corrobora em processos obstrutivos ao
desenvolvimento do grupo como: boicotes, ataques ao facilitador,
fragmentação. Em decorrência disso, o grupo por resistir, não se
desintegra em função do vínculo com a disciplina e a obrigatoriedade.
Outro exemplo de grupos institucionais são aqueles realizados em
escolas de Educação Básica, por meio dos estágios em psicologia escolar,
voltados para as temáticas de promoção de saúde, prevenção e saúde nas
escolas ou habilidades de vida. Tais grupos constituem intervenções
solicitadas pela gestão escolar na figura do diretor, vice-diretor,
coordenador pedagógico ou mediador. Os grupos são oferecidos para
cerca de 15 a 20 estudantes, em horários específicos, com duração de 1
hora e 30 minutos, frequência semanal e sendo abertos, ou seja, os
estudantes são convidados, porém, a frequência e comparecimento não
são obrigatórios.
Neste contexto, o início e o término do grupo estão determinados
pelo contrato de estágio com a instituição de ensino, porém, os vínculos
que serão construídos ao longo dos encontros a partir da proposta,
diferenciam-se em cada realidade escolar e dependem da constituição
grupal que se forma. Comumente, os fenômenos grupais se manifestam
358
inicialmente com o vínculo de dependência messiânica em relação à figura
do coordenador como o Messias, salvador dos problemas da escola, dos
estudantes. Podendo também ocorrer o mesmo em relação ao grupo como
um todo, que é observado nas atitudes dos estudantes em relação à
importância daquele espaço grupal oferecido aos mesmos e a frequência
nos encontros do grupo.
Por outro lado, grupos neste formato são mobilizados por intensa
resistência de seus membros, que não compreendem a proposta e os
motivos de estarem ali. Muitas vezes, os participantes se veem como os
excluídos da escola e acreditam que a orientação de participarem desses
grupos está relacionada aos processos de exclusão. Quando o manejo se
torna difícil, os membros podem deixar de participar, uma vez que a
participação não é obrigatória. Desta feita, o término do grupo é
antecipado, uma vez permeado por conflitos e ataques ao facilitador.
Os grupos institucionais têm como pressupostos teóricos básicos
os grupos operativos, cujo expoente foi Pichon-Rivière, uma vez que os
encontros são estruturados a partir de tarefas que levam à discussão e à
reflexão acerca das temáticas levantadas na demanda das instituições dos
membros participantes. Assim, cabe ressaltar o caráter dessas tarefas que
funcionam como facilitadoras, precursoras, da reflexão que deverá
acontecer. Portanto, é no processo reflexivo que os conteúdos
inconscientes latentes vão se manifestando e, assim, possibilitam o
trabalho grupal em meio aos fenômenos grupais e processos obstrutivos
que vão se delineando nas relações entre os membros e destes com o
coordenador do grupo.
A intervenção em grupos na Clínica Psicológica
Os grupos na área clínica, cujos objetivos constituem, em essência,
o desenvolvimento pessoal dos membros por meio da interação que o
espaço grupal oferece, ocorrem de forma mais aprofundada, em termos
dos vínculos que vão se estabelecendo durante as sessões, e geralmente
são grupos de longo prazo, quando fogem da proposta de grupoterapia
breve, que possui um foco específico para ser trabalhado.
A constituição desses grupos se dá pela vontade própria de seus
membros, ou por indicação de psicólogos e/ou médicos que
359
compreendem uma demanda da pessoa para o trabalho psicológico em
grupo. Sempre se observa um preconceito das pessoas em relação à
intervenção psicológica grupal na clínica psicoterápica, havendo um
predomínio de discursos que afirmam que o objetivo é a redução de filas
de espera e atendimento de um público maior; e que as pessoas têm
dificuldade de confiar no sigilo dos membros, portanto, não conseguem
usufruir do espaço grupal plenamente como na psicoterapia individual.
Porém, o que se verifica é uma mudança de atitude em relação a quem
procura atendimento psicológico na clínica-escola, ou seja, uma procura
por atendimento em grupo em função de uma demanda para estar com o
outro, pela necessidade de estabelecer vínculo.
O início da grupoterapia está vinculado à proposta de atendimento
em grupo por parte do grupoterapeuta ou pela busca espontânea dos
membros por essa modalidade de atendimento psicológico. O término
está atrelado ao contrato psicológico estabelecido no início das sessões em
grupo. Sendo um grupo fechado, é vedada a entrada de novos membros
mediante a saída de algum, o que pode levar ao término do grupo se todos
os membros deixarem a grupoterapia. O estabelecimento no enquadre do
formato de grupo aberto, define um número máximo de membros,
mediante a saída de um membro, o grupoterapeuta pode indicar um novo
membro e o grupo vai se mantendo constante, mesmo com a possibilidade
de saída.
É importante destacar algumas das principais diferenças entre o
início do grupo fechado e do grupo aberto. Para o início do grupo fechado,
como dito anteriormente, são elencados critérios estabelecidos pelo
próprio psicoterapeuta, atrelados às demandas apresentadas pelos
pacientes. Assim, o contrato grupal deve discorrer sobre faltas, atrasos,
pagamentos (quando o serviço é oferecido na modalidade particular), o
sigilo das informações que serão apresentadas e compartilhadas ao longo
dos encontros grupais e a coesão grupal, para que a eficácia do trabalho
proposto seja possível, além da impossibilidade de entrada de novos
participantes, por estar definido no contrato que se trata de um grupo
fechado.
Faz-se fundamental que o psicoterapeuta tenha bem definido qual
será o objetivo central do grupo, e quais serão os alvos específicos sob os
360
quais o mesmo se fundamentará, de modo que o grupo como um todo,
mesmo composto por subjetividades distintas, possa ter clara qual será a
finalidade daquele espaço naquele momento. Já, no grupo aberto, há uma
flexibilidade no que concerne à entrada de novos participantes, que
também precisa estar clara no enquadre para todos os membros.
Na clínica-escola, o formato proposto é de grupo aberto com o
número máximo de seis membros. Uma vez que o estágio é realizado por
semestre, no contrato psicológico do grupo, já está estabelecido o período
de atendimento, que se encerra antes das férias (julho e dezembro),
tratando-se, portanto, de grupos breves. No caso da clínica-escola, o
término do grupo está atrelado ao semestre letivo do estágio.
A clínica grupoterápica no serviço-escola tem possibilitado
observar a permanência dos pacientes por mais de dois anos no grupo,
mesmo com a troca semestral de grupoterapeutas por força dos dois
semestres letivos de cada ano. Um grupo de adultos constituído pelos pais
de crianças, e de adolescentes também atendidos em grupo no mesmo
horário, vem se mantendo há mais de três anos e a cada período pós-férias,
o grupo é retomado e os pacientes esperam encontrar os membros que
participaram no semestre anterior, acolhem membros novos e
demonstram uma coesão grupal em relação às vivências relatadas nas
sessões.
Uma vez que a professora supervisora dos grupoterapeutas dessa
modalidade de atendimento se mantém a mesma, tem sido possível
acompanhar a evolução do grupo em relação às demandas emocionais
apresentadas no seu início, a ressonância mútua dos fatos compartilhados
por seus membros e as novas demandas que vão surgindo em função da
dinâmica da vida e dos acontecimentos que a permeiam. Assim, o grupo
de crianças e adolescentes vinculados a esse grupo de adultos/pais
também se mantém fortalecendo a intervenção psicológica grupal de
longo prazo.
No consultório, o grupoterapeuta não estabelecerá o término, tal
processo ocorrerá mediante a evolução do grupo e seus membros em
relação à compreensão afetiva, à relação de dependência do grupo e do
grupoterapeuta, diante da possibilidade de retomar a vida, trabalho,
estudos e família, com o Ego fortalecido, mais consciente de suas decisões
361
e a diminuição dos sintomas que levaram o sujeito a procurar a
grupoterapia.
Em relação ao término da grupoterapia, Luz (2003) afirma que o
tratamento deve durar o tempo que os pacientes precisarem dele e que as
ausências desses pacientes, após um período de tratamento, sinalizam que
suas necessidades foram atendidas. O autor ressalta que, por fenômeno
cultural, a população não finaliza o contrato de forma muito explícita, até
por envolver afeto, as ausências vão delineando o término.
Blay Neto (2001) destaca a relação de dependência no grupo, a
evolução da dinâmica grupal e o seu término. O autor descreve “a solidão
como a capacidade mental especial que conseguimos através de
experiências dolorosas, que nos permitem encarar a nós mesmos, sem
tentar escapar” (p. 88). Acredita-se que, terapeuta e grupo, ao agir de forma
livre sem o vínculo de dependência, abre-se espaço para o diálogo criativo
e o desaparecimento de sentimentos dolorosos como ideias persecutórias:
de ódio e de ansiedade, que culminam na capacidade de ficar só, de dar e
receber. Para Blay Neto, esse processo significa o princípio do fim da
relação terapêutica. “O término da terapia acontece espontaneamente,
independente do desejo do grupo ou do terapeuta. Esse fato representa a
prova real do crescimento grupal e é uma das mais evidentes provas da
eficiência terapêutica” (p. 89).
Considerações finais
A necessidade de conhecer diferentes trabalhos que retratassem a
temática da intervenção psicológica grupal em serviço-escola de psicologia
e/ou em instituição universitária, e assim ampliar possibilidades de atuação
do psicólogo recém-formado e daqueles que já atuam na prática grupal,
surgiu a partir das discussões realizadas durante supervisões de estágios
em grupo, nas quais identificamos a crescente demanda para o trabalho
grupal, sobretudo de instituições públicas e privadas, que possuem
demandas mais emergentes, quando pensadas as espacialidades e a
362
quantidade de trabalhos em grupo realizados anualmente pela clínica de
psicologia situada em uma universidade local do interior paulista48.
Retomando a proposta deste capítulo, de delinear o início e o
término das práticas grupais na clínica e nas instituições, considerando não
ser possível esgotar o tema neste espaço, foi possível refletir sobre
aspectos teóricos e práticos que envolvem a intervenção psicológica
grupal, em especial no que se refere ao início e término dos grupos.
Verificou-se a diversidade de modalidades grupais que constituem
o ponto de partida para iniciar as intervenções em grupo, compreendendo
o contexto em que são realizadas, os fenômenos e os processos
obstrutivos que podem emergir nos diferentes contextos e modalidades,
anunciando o término ou a continuidade.
A diferença dos processos grupais na clínica e nas instituições é
qualitativa, uma vez que o início e o término estão atrelados aos diferentes
objetivos do trabalho grupal, sendo nas instituições mais amplos, voltados
para o interesse das organizações por meio de sua gestão, e na clínica, mais
específicos e relacionados ao desenvolvimento pessoal.
Cabe ressaltar que as práticas grupais, tanto na clínica, quanto nas
instituições, constituem uma demanda futura intensa, tendo em vista o
isolamento em que as pessoas se encontram cada vez mais na
contemporaneidade, mesmo com tanta facilidade de comunicação num
mundo globalizado e com recursos tecnológicos sofisticados. A
dificuldade de estar com o outro tem evidenciado a necessidade de
aprender estar junto, face a face, e compreender os benefícios psíquicos
que esta relação oferece.
Referências
Ávila, L. A. (2016). Grupos: Uma perspectiva psicanalítica. São Paulo:
Zagodoni.
Ávila, L. A., Fernandes, W. J., Camargo, I., & Emílio, S. A. (2016). Grupos
em debate. Vínculo, 13(1), 3-19.
48Ver a análise qualitativa que realizamos, relacionada aos dados dos prontuários e relatórios do estágio de processos grupais a partir do referencial teórico na área (Costa et al., 2018).
363
Blay Neto, B. (2001). Psicanálise e psicoterapia de grupos: Contribuições. São
Paulo: Paulista.
Castilho, A. (2002). A dinâmica do trabalho de grupo. Rio de Janeiro:
Qualitymark.
Costa, J. T., Silva, F. S., & Silveira, C. A. B. (2018). As práticas grupais e a
atuação do psicólogo: Intervenções em grupo no Estágio de Processos
Grupais. Vínculo, 15(2), 57-81.
Fernandes, W. J., Svartman, B., & Fernandes, B. S. (Orgs.) (2003). Grupos
e configurações vinculares. Porto Alegre: Artes Médicas.
Freud, S. (1856/1996). Obras completas de Sigmund Freud: edição standard
brasileira (Trad. Jayme Salomão). Rio de Janeiro: Imago.
Luz, F. (2003). Como montar e manter os grupos. Em W. J. Fernandes, B.
Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.) (2003), Grupos e configurações
vinculares (pp. 185-193) Porto Alegre: Artes Médicas.
Neri, C. (1999). Grupo: Manual de psicanálise de grupo. Rio de Janeiro: Imago.
Osório, L. C. (2013). Como trabalhar com sistemas humanos: grupos, casais e
famílias, empresas. Porto Alegre: Artmed.
Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2.ed.). Porto
Alegre: Artmed.
365
18 Psicoterapia de grupo com crianças e
adolescentes Beatriz Silverio Fernandes
O objetivo deste capítulo é dar uma ideia sobre a técnica de
psicoterapia com crianças e adolescentes. Como disse Fernandes (2003a):
Uma experiência importante é o indivíduo ser
compreendido e aceito por um terapeuta; outra experiência,
consideravelmente mais poderosa, é a pessoa ser compreendida e
aceita pelo terapeuta e por diversos companheiros de grupo, que
também estão partilhando seus sentimentos em uma busca, em
conjunto, de um jeito de viver com mais satisfação. (p. 231)
Segundo Cruz (2018), o espaço psicanalítico provê uma matriz
relacional que difere de nosso cotidiano familiar, escolar e, apesar das
regras, de nem sempre a criança ou o adolescente poderem fazer o que
querem e de chorarem, eles aprendem a partilhar e reconhecer no outro,
ou outros, os mesmos sentimentos que experienciam, e onde podem surgir
novas formas de perceberem esses mesmos sentimentos.
Para mim, o grupo terapêutico mostra-se como um espaço de
identificações, de continuidade, de abolição de diferenças e também de
estabelecimento de diferenças, muito importante para o desenvolvimento
infantil e da adolescência, sempre dentro do referencial psicanalítico.
Os objetivos de uma psicoterapia de grupo, quer seja com crianças,
quer com adolescentes, é colaborar para que possa haver uma
reorganização das características psíquicas.
Mediante os fenômenos da elaboração, insight e sublimação, eles
construirão um contato novo com a realidade, tanto sua realidade interior
como a realidade externa, seu meio ambiente. Observar o grupo, observar
as diferenças e semelhanças com os companheiros possibilitará uma
ampliação de seu conhecimento e de seu autoconhecimento. É algo que
ajudará a construir ou a observar os limites que temos dentro de nós e ao
nosso redor, e o limite frente ao nosso companheiro.
366
É importante para ambos, crianças e adolescentes, que realizemos
uma ou duas entrevistas para anamnese, com rigor e cuidado, primeiro
com os pais, depois com a criança ou adolescente, para sabermos de
hábitos e costumes antigos e atuais que permitam criar um perfil da criança
ou adolescente e então saber com quais outros companheiros poderemos
compor o grupo.
Sempre que possível deve-se conversar com a família; mas se isso
se tornar um empecilho, faremos entrevistas com cada familiar
separadamente. Tais entrevistas ou reuniões são realizadas no início e
depois a cada dois ou três meses. É importante nessas entrevistas que se
fale das datas em que os grupos ocorrerão, como agirão quanto a férias,
feriados, faltas e também com relação aos pagamentos.
Os grupos de crianças, em geral, terminam com o advento das
férias; não que seja uma regra, mas é de fato o que venho registrando. As
crianças melhoram, ficam um tempo sem vir às sessões e, em 80% dos
casos, a família não retorna.
Grupo com crianças
O grupo se estabelece e vai acontecendo ao longo do tempo, sem
tarefas pré-fixadas. O brincar é espontâneo, pois esta é a linguagem da
criança. É a forma pela qual ela vai se exprimir, se expressar, agir. Essa
atividade infantil é uma maneira de se expressar simbolicamente.
A presença de várias crianças propicia uma qualidade diferente de
relacionamento. Surge nesse contexto o compartilhar, o divertir e, ao
mesmo tempo, é possível adicionar ao mundo interno novas formas de
ser e estar com o mundo.
No grupo conseguirão ser mais criativos, e diminuirão os
processos de repetição. Trocam experiências, empregam materiais
diferentes, conhecem novas formas de utilizar materiais e assim
empenham-se numa diversidade de atividades, estimulando de modo
plural sua criatividade.
Mas então... quem pode participar do grupo? Quem não pode?
Como agrupar crianças?
367
Quem pode?
No meu trabalho, qualquer criança pode participar de um grupo.
Ginot (1961) dizia que “crianças tímidas, imaturas, fóbicas, boazinhas,
com distúrbio de hábitos eram as que mais se beneficiavam” (p. 32).
Hoje, após 30 anos de prática clínica, posso afirmar que qualquer
criança ou adolescente, desde que no grupo certo, se beneficiará. Destaco
apenas que é preciso saber, por meio das entrevistas, se não há hábitos
familiares que ponham em choque as famílias dos demais participantes. O
que quero dizer é que, como temos contato direto com os pais das
crianças, que são menores de idade, precisamos estar atentos para que
comportamentos sexualizados não ocorram durante uma sessão de grupo.
Em geral, agrupamos crianças com uma diferença de no máximo
dois anos, com hábitos e síndromes diversas. Criança tímida, que não
dorme fora de casa, com criança extrovertida que sai com outras famílias;
crianças portadoras de doenças como asma ou bronquite e crianças sem
comprometimento físico; crianças com encoprese e outras. Um conjunto
diverso e, ao mesmo tempo, harmonioso.
Um fato importante, ao qual tenho dado valor ao longo do tempo,
é poder sentir o grupo dentro de mim, vislumbrar esse conjunto em minha
fantasia.
Quem não vai para o grupo?
Como já mencionei, deve sempre haver grupo certo para a criança
certa. Uma criança com distúrbio de comportamento pode se dar bem
num grupo com outras crianças com o mesmo diagnóstico. Não ponho
tímidos junto com crianças com essas características; muita agitação pode
intimidar as crianças mais quietinhas. Deve-se sempre mesclar, sem
exageros.
O grupo tem um certo nível de tolerância às tensões. Precisamos
estar alerta, mesmo depois da seleção, para que ele não se desintegre.
Um grupo pode conter de três a cinco crianças, se for num
consultório. Institucionalmente e com coterapia podemos chegar a oito.
368
Como trabalhar com o grupo de crianças?
Com crianças trabalhamos com sua linguagem e com sua
simbolização. Crianças brincam e expressam seus sentimentos por meio
da brincadeira.
Os brinquedos selecionados devem ou podem estar a serviço de
uma facilitação do relacionamento com a criança, bem como auxiliar no
insight e facilitar a prova de realidade (por exemplo: podem quebrar um
brinquedo e consertá-lo). Os brinquedos devem ser resistentes. Podem
quebrar, mas devem poder ser reconstruídos, colados, como os
brinquedos de madeira permitem fazer.
O que deixar à disposição das crianças?
No início dos grupos, ou dos atendimentos infantis, havia uma
caixa contendo todos os brinquedos, tanto dos atendimentos individuais
como grupais. Hoje em dia, isso seria quase que impossível; numa
instituição, então, impraticável. Um pequeno armário ou prateleiras com
brinquedos organizados será o suficiente. Numa instituição, uma caixa
plástica com os brinquedos para todos os grupos. Outra caixa para guardar
os materiais produzidos.
É essencial termos sempre papel, lápis preto e coloridos, borracha,
giz de cera, aquarela, tintas, pincéis, tesoura, cola, régua, barbante, palitos,
palitos de fósforo, tampas de garrafa, panos, argila, água, areia (se possível
numa caixa), carros, animais e uma família. Se pudermos ter uma casinha
e seu mobiliário é bom, mas se não for possível, apenas uma cama, cadeira,
mesa, panelas e alguns poucos jogos. Nunca ponho muitos jogos. Apenas
um jogo de damas, uno, jogo da vida, labirinto, baralhos e ludo. Pode-se
observar o lado competitivo das crianças, como lidam com frustrações,
como se relacionam frente às competições e como as vivenciam. Os papéis
e os lápis serão alguns dos elementos com os quais elas conseguirão
expressar seus sentimentos e emoções. Crianças que nunca puderam se
sujar em casa terão oportunidade de fazê-lo no grupo. A casinha e seus
elementos representarão seu mundo real. Na areia poderão vivenciar suas
fantasias de desaparecer e aparecer. Matar e ressuscitar.
Vimos quais as crianças que participarão do grupo, quais os
brinquedos que estarão à sua disposição, só não falamos do local onde
369
acontecerá o evento: uma sala arejada e protegida das peraltices infantis;
se houver janelas perigosas, que tenham grades.
Uma vez instalados no espaço, deve-se reforçar com as crianças
nossas regras. Podemos deixá-las explícitas num papel. São elas: dia, hora
e local dos encontros.
As crianças poderão brincar de qualquer coisa, desde que
compatível com a sala. Não poderão ficar nas janelas, não devem entrar e
sair da sala (devem ir ao banheiro e tomar água, sempre que possível, antes
ou depois do atendimento). Não podem bater no outro ou no terapeuta,
nem morder ou cuspir (Ginot, 1961).
O grupo está preparado para funcionar. Se for o primeiro dia do
grupo, sempre peço que as crianças se apresentem. Se o grupo já estiver
em funcionamento há algum tempo e entrar uma criança nova, também
será feita a apresentação. Quando temos crianças com três ou mais meses
de permanência no grupo, elas mesmas se encarregam de mostrar a sala,
as regras, nomes etc.
Outras vezes as crianças têm dificuldades de lidar com seu
sadismo, com repressão e, nesse contexto, podemos introduzir algum
material que permita a expressão do reprimido.
As crianças não têm seu mundo psíquico ainda formado. Requer
ser significado para que possa desenvolver mais seu psiquismo. Transitará
num caminho de formação e transformação. Para que isso ocorra, é
preciso que se fortaleçam vínculos. Será por meio desses vínculos e do vai
e vem das significações que construirá seu modo de vinculação com o
mundo.
Se pensarmos o grupo terapêutico como um espaço de
transicionalidade, conforme tratado no capítulo sobre as contribuições de
Winnicott (capítulo 13), ele será o terreno propício para maior
desenvolvimento e articulação de vínculos primários e secundários, dos
que já conhecia e dos novos, entre os espaços do mundo fantasioso e real.
As crianças necessitam de um tempo ímpar e singular para poder realizar
esse arcabouço de revoluções, transformações e novas configurações.
370
Fragmento de um grupo
Contexto geral
Grupo composto por duas meninas e dois meninos, entre sete e oito anos.
Rafael – Tem dificuldades de aprendizagem e quase não se comunica. Fala
apenas em casa.
Renato – É portador de asma, com internações sucessivas. É muito
distraído.
Rita – É portadora de bronquite e asma. Tem dificuldades de
aprendizagem.
Clara – Apresenta dificuldade de aprendizagem, é bastante agitada e tem
dificuldades para dormir.
Mantivemos encontros semanais. No início pouco falavam. Ficavam
olhando um para o outro e para o armário de brinquedos.
Grupo
Rita deu o primeiro passo para a brincadeira. Ficaram brincando
de algo que denominaram “detetive” (eu desconhecia a brincadeira, mas
no mundo escolar era hábito brincarem). Trata-se de um jogo onde
encontramos possibilidades de descobrir a vítima, o assassino, arma
utilizada e local do crime, jogado por meio de dados). Não demonstravam
preferência nem desagrado.
Em seguida, Renato pergunta se poderiam desenhar. Rita
responde: “claro que pode, a tia já falou que podemos fazer o que
queremos, veja o quadro” (há no consultório, numa porta de armário, um
quadro com a as regras de funcionamento, que são alteradas conforme o
tempo e as necessidades).
Todos ficam olhando.
Eu pergunto: “O que foi?” Sorrindo, dizem: “O que vamos
desenhar?”
Digo que podem desenhar o que quiserem. Mas ficou difícil. Com
o passar dos minutos começam a desenhar o óbvio (nuvens, para um; sol,
para outro; jogador de futebol, para outro; e para outra, uma grade).
Pareceu-me que nesse contexto fomos chamados para a realidade.
Como é difícil entrar em contato com nosso mundo interno, pensei eu. Daí para a
371
frente foram alternando desenhar e detetives. Tinham canetas, lápis, tintas,
armário de brinquedos, mas pareceu-me que tudo estava dentro de grades,
como Rita havia desenhado. Expresso isso para eles.
Depois de algumas sessões, puderam começar a desenhar com
maior fluidez. Eu não falava muito porque sentia um certo receio de
quebrar o movimento natural deles, de interromper algo que era claro para
mim que estava acontecendo. Já havia aprendido com outros grupos que,
às vezes, falar não resolve, atrapalha.
Poucas semanas depois, numa nova situação em que as crianças
escolheram desenhar, vi que o sol não estava mais no mesmo lugar do
desenho feito noutro dia e apenas mencionei o fato, assim como as nuvens
de outra criança haviam mudado de lugar.
Clara pega seu desenho e fala: “tomei chuva e não fui para o
hospital, eu só tossi e pude brincar com minha irmã”.
E, assim sucessivamente, cada um foi falando de seus desenhos.
Deram ideia de fazer um livro, que eu entendi que seria com a sucessão de
desenhos. Pensei: desenhariam o crescimento deles.
Cada um ia falando até que a grade do primeiro desenho foi
quebrada. Um buraco surgiu.
Rafael: “Tia, eu posso né?...”
Digo: “O quê?”
Rafael: “Posso quebrar? Abrir?”
Eu digo: “Para mim você pode abrir, quebrar.” (sorrindo, digo:
“Mas não a minha cabeça.”). Rafael abre um sorriso. E começa a verter
lágrimas dos olhos. Me abraça apertado e chora. Algo comove os demais.
Se abraçam, nos abraçamos e bem devagarzinho vamos conseguindo falar.
Falam do quanto estavam presos, amarrados, não conseguiam vencer os
limites, não conseguiam ficar livres de ideias pré-concebidas.
A partir desses fragmentos de sessões poderemos pensar nos
fenômenos grupais.
A transferência é a principal via por onde transitam os conflitos e,
segundo Grunspun (1997), “a criança não tem percepção consciente do
deslocamento dessas experiências altamente carregadas de emoções para
com a figura do terapeuta ou dos outros” (p. 131). Trazem para o grupo
aquilo que, sem perceberem, os incomoda, os angustia e devagar, em seu
372
tempo, vão colocando e revivendo, com a ajuda do terapeuta, seus
conflitos, e quem sabe bem lentamente também poderão solucionar alguns
deles.
A transferência nas crianças é a ferramenta principal para trabalhar
traumas do passado como objetos originais, que podem emergir no curso
do processo terapêutico e, assim, serem elaborados, ou pelo menos serem
expressos noutro contexto. No grupo elas terão, ainda, a participação de
seus companheiros.
Conforme encontramos em Grunspun (1997, p. 133), a
transferência é estabelecida muito facilmente com crianças pequenas, o
que poderia ocorrer por serem menores e mais dependentes e “nesta idade
(5 ou 6 anos) a dependência se torna prontamente transferível”. Assim, o
grupo se torna, por algum tempo, o paralelo psicológico da família.
Na criança tudo acontece precocemente, comparado ao adulto.
Estar em grupo, entrar no grupo, provoca uma situação de conflito, de
luto, pois ela vai se separar de outros relacionamentos, começar um novo
e terá oportunidade de criar novos modelos, muitos deles sem o conteúdo
reprimido dos episódios vividos no passado. Novos modelos para novos
comportamentos.
Por contratransferência, que também é mais acentuada com
crianças, vamos nos referir a fenômenos que ocorrem como resultado de
influências das crianças ou de qualquer outro paciente sobre nossos
sentimentos inconscientes. Necessitamos reconhecê-la, admiti-la e superá-
la. Mas temos também que estar alerta para respeitar nossos limites. Não
podemos ir além do que nossas precárias condições humanas nos
permitem.
Mais um fenômeno, entre outros, também muito importante, será
o insight, que nada mais é do que a súbita compreensão de algo. Em se
tratando de psicoterapia, diremos que é a compreensão de algo interno,
do mundo interno, inconsciente, que vem até o limite da consciência e que
desencadeia uma resposta emocional.
As crianças às vezes também resistem ao envolvimento no
processo terapêutico. Parecem não entender o que falamos, repetem
questões sem notarmos qualquer elaboração sobre a conversa, parecem
373
estar em outro “plano”, mas sempre negando algo que está ocorrendo no
momento. É preciso quebrar essas barreiras, quando possível.
Terapeuta infantil
E o psicoterapeuta de crianças como descrevê-lo? O que
esperamos dele?
O terapeuta de grupo deve ser portador de uma continência ampla,
conseguir aceitar as crianças como elas são. Ter dentro de si os
conhecimentos necessários sobre o desenvolvimento infantil, seus
processos normais e patológicos. Não se assustar com as variações dos
comportamentos, assim como aceitar que alguns fatos inusitados podem
ocorrer (por exemplo, necessidade de levar um pequeno ao banheiro e
fazer sua higiene).
Segundo Zimerman (2000, p. 213), a função de holding e de empatia
por parte do grupoterapeuta é condição sine qua non, e uma das razões para
uma possível contrarresistência prejudicial reside no fato de que as
manifestações das crianças surgem num estado mais bruto que as dos
adultos e, portanto, são mais ameaçadoras para o controle das repressões
do inconsciente do grupoterapeuta.
Grupo de adolescentes
Foi por volta de 1930 que Alfred Adler utilizou grupos para
trabalhar com adolescentes. Não eram grupos como fazemos hoje, mas já
era a técnica grupal. Mas foi em 1940 que Slavson deu um salto maior para
o desenvolvimento dessa técnica e, a partir daí, seu uso foi ininterrupto
(Fernandes, 2003b).
Assim como os bebês, após três meses, olham para todos os
lugares, e com seus dedinhos apontam para todos os horizontes
(observação de bebês), o adolescente repete esse processo. Quer crescer,
ser adulto, uma mescla dos estímulos anteriores com a vontade de “ser
gente grande” o invade, “tudo junto e misturado”. Vive um conflito, o
conflito do desenvolvimento.
Trata-se de um processo que sofre progressos e retrocessos,
produzidos de forma simultânea ou às vezes alternados; envolvendo seu
corpo, sua mente e o seu entorno. É um período em que se revive conflitos
374
edipianos, período de separação da criança, e um período de superação do
processo em que o adolescente terá de adequar seu Ego à realidade
circundante e interna. Ele enfrenta lutos, muitas perdas são vividas, e
mediante os mecanismos de sublimação e de novas simbolizações, vai
adequando sua mente à nova realidade. Para Fernandes (2003b), os
mesmos mecanismos descritos por M. Klein na infância serão ativados
(conforme tratado no capítulo sobre contribuições de Klein); porém,
vividos com outras características, instalam-se novamente.
Para isso, um tempo será necessário para essa nova instalação, que
variará de adolescente para adolescente. Nesse período haverá alguns
requisitos, bem como um ambiente que tolere e compreenda sua
instabilidade, assim como que aceite sua sexualidade, e também a busca de
um parceiro. Os mecanismos de projeção e introjeção alternam-se,
variando numa frequência muito grande.
Atualmente, vemos muitos adolescentes reclusos em seus mundos.
Os jogos eletrônicos dominam seu tempo, os amigos virtuais são os
substitutos dos amigos reais, de carne e osso. O isolamento afetivo é o
carro-chefe do mundo atual. Ao mesmo tempo que dominam e vivem
tecnologias e o mundo virtual, percebemos que a comunicação entre
familiares, amigos e colegas de grupo é ainda muito difícil.
Nesse período de suas vidas, surgem problemas o tempo todo:
mudanças, dificuldades, inovações, perdas, novas exigências, de maneira
muito acentuada do ponto de vista de cada um, ainda em formação,
passando da fase infantil para a adulta, sem muitas referências adquiridas.
Nem sempre os adolescentes enfrentam esse processo com facilidade.
Podem regredir ao ponto de se tornarem mais agressivos e abraçarem
drogas como um processo de alívio de sofrimento. “Uso maconha porque
me relaxa. É remédio.”
Necessitam nessa fase de suas vidas de um certo decodificador, e
nesse sentido um terapeuta desempenha bem tal papel. Está ali para ouvi-
lo, entendê-lo e tentar decodificar sua linguagem e esclarecer sua
comunicação. Como diz Waldemar Fernandes (2003): “As matrizes
vinculares, configuradas como fantasias inconscientes, vão construir o
nosso caráter” (p. 44). Códigos antigos, até mesmo milenares, são
colocados na tenra infância dentro de cada um de nós como conhecimento
375
mítico. Nesse período da adolescência, esse código se expande mais ainda,
acrescido de cobranças e de expectativas, o que aumenta ainda mais a
dificuldade de comunicação e de se colocar no mundo. “Não sou criança,
não sou gente grande. Quem sou? Me cobram responsabilidade, mas não
me dão liberdade para exercê-la.” são cogitações frequentes de
adolescentes.
Com essas características chegam nossos adolescentes para
tratamento. E o grupo é o melhor instrumento para que possam refletir,
criar e repetir seus conflitos.
Objetivos da psicoterapia de grupo com adolescentes
Buscar um equilíbrio intrapsíquico por meio dos relacionamentos,
do insight, da sublimação e da elaboração. Ajudá-los a enfrentar as
dificuldades do cotidiano, principalmente frente aos relacionamentos,
quaisquer que sejam. No grupo eles terão oportunidade de estabelecer
relacionamentos múltiplos e com isso produzir novos modelos.
Quem vai e quem não vai para o grupo?
Tal como para as crianças, vai todo mundo, desde que para o
grupo certo. Renovo a ideia de fazermos boas entrevistas, boas conversas
com os jovens e assim poder construir um grupo ou colocá-los num grupo
já em funcionamento.
As idades podem ter uma variação maior, mas é preciso cuidado
com distúrbios de conduta (roubo, álcool), grandes rivalidades e conduta
destrutiva acentuada, psicoses agudas e experiências com abuso sexual.
Sempre teremos que manter contato com os familiares, por meio
de reuniões grupais ou individuais para contato, acertar formas de
atualização do contrato terapêutico e poder sentir como os jovens se
apresentam no lar e na escola.
Como será a sala?
A sala não requer maiores cuidados: clara, limpa, com certo
conforto e certa leveza. Podemos até dispor de almofadas, de que, em
geral, os adolescentes gostam. Muita formalidade não combina com eles.
376
Uma vez agrupados, na sala, conversaremos sobre o contrato da
psicoterapia. Nessa ocasião combinaremos dia e hora dos nossos
encontros, como fazer com faltas (quando um falta o grupo segue
normalmente; podem avisar ou não no dia da falta, ou até mesmo propor
uma alternativa de troca, caso os demais possam). O pagamento deixo para
combinar com os pais. Sobre as regras de convivência e utilização do
espaço, costumo conversar com eles, decidir em conjunto e ver o que
pensam, daí partirmos para estabelecer as regras. Em geral são poucas, e
diferentes para cada grupo. Mostro os materiais e os deixo à vontade para
utilizá-los ou não. Peço que não mexam nos materiais de minha mesa, pois
pode causar problemas na minha organização. O restante fica à vontade
para que utilizem. Quanto ao celular, conversamos sempre sobre a
necessidade ou não de o utilizarmos, inclusive da minha necessidade.
Os adolescentes, em geral, já gostam de falar. Mas sempre deixo à
disposição lápis, papel, tinta, cola, tesoura, revista e música, pois algumas
vezes o bloqueio se instala e não conseguem falar de algo mais profundo,
e esses materiais podem ser úteis como facilitadores para a expressão de
seus conflitos.
Vamos ao grupo – uma vinheta
Contexto geral
Gabriel, 15 anos, com dificuldades na escola e que, segundo a família,
isola-se no quarto e briga pelo uso do computador.
Mari (Mariana), 14 anos, com dificuldades de aprendizagem e
relacionamento difícil em casa.
Juca, 14 anos, com dificuldades de aprendizagem e relacionamento difícil,
com dificuldade de conviver com seus familiares.
Grupo
Mari: “Oi, hoje estou muito brava. Que saco! Quanto mais estudo, mais
nota baixa tiro. Não entendo matemática.” [chora]
Gabriel: “Te entendo. Eu também. Já entrou na internet? Às vezes me
ajuda. Meus pais não querem pagar aula particular. E também, se pagarem,
vão me cobrar mais ainda.”
377
Mari: “Nem me fale. Será que eu consigo?”
Juca: “Meninas ...” [em tom de deboche]
Terapeuta: “O que quer dizer, Juca, com ‘meninas’?”
[Juca fica calado]
Gabriel: “Vou te dar o site ou o endereço do YouTube para você tentar. O
Juca não tem esses problemas, né?”
Juca: “Eu não preciso estudar muito. Entendo tudo.”
Mari: “Gênio... Por que está aqui?” [em tom de deboche]
Juca: “Não sei.”
Terapeuta: “Será, Juca, que não sabe?”
Gabriel: “Eu também penso sobre estar aqui. Se preciso. Mas a Bia
[referindo-se à terapeuta] me disse um dia que eu poderia estar aqui sem
ter problemas, apenas para me conhecer melhor. Me entender.”
Juca: “Que bobagem.”
Mari: “Juca, tenho vontade de te conhecer melhor. Você é parecido com
minha irmã.”
Gabriel: “Vixe. Nem me fale em irmã. A minha é um horror. Difícil é o
dia que não tenta me bater. É uma infeliz.”
Terapeuta: “Querem dizer com isso que cada um enfrenta dificuldades
diferentes. Como aqui?”
[Um mês depois. Gabriel contava como se sentia triste com as brigas
familiares.]
Juca: “Eu não suporto minha casa. Vim aqui para não enfrentar mais uma
briga shit.”
Terapeuta: “E como é aqui?”
Juca: “Medíocre, mas não me incomodam. Me sinto aceito. Mas, todos
vocês são ingênuos para mim.”
Terapeuta: “Pode nos aceitar?”
Mari: “Credo, Juca, me senti mais burra.”
Juca: “Para, vai... entende. Posso até te ajudar, mas no Skype.”
Em geral, os adolescentes sentem-se bem em grupo, pois
procuram agrupar-se nessa fase, formando turmas. Podem também isolar-
se. Hoje em dia, essas duas modalidades também acontecem virtualmente.
Os relacionamentos interpessoais que o grupo propicia permitem, com a
378
ajuda do terapeuta, um autoconhecimento e, concomitantemente,
percebemos um certo desenvolvimento.
Eles apoiam-se em suas necessidades, suas facilidades. A vergonha
reina, sobre o que eles chamam de “pagar mico”, como os pais me
cumprimentarem e me perguntarem como eles estão na sala de espera, ou
irem buscá-los na escola.
Vão vagarosamente percebendo o porquê de fazerem tudo isso.
Veem as diferenças, por exemplo. Mari gosta que a mãe a busque na
escola, sente-se querida e sabe que vai passear. Gabriel adoraria que isto
acontecesse. Chegou a chorar só de pensar da impossibilidade de ser como
Mariana. “Imagina eu tomar sorvete com meus pais, sem bronca, numa
terça-feira.” Já Juca jamais admite essa possibilidade. “Putz! Iria eu
aguentar essa babaquice? Moro perto da escola e não preciso de babás ou
de coisas de criança. Nunca meus pais foram na escola, só a minha tia, que
não é minha mãe”.
Alguns fenômenos
Os adolescentes repetem nas sessões impulsos e situações
amorosas que foram editadas primeiramente com as figuras parentais. No
grupo, tanto em relação aos colegas como ao terapeuta, repetem essas
situações inconscientemente, o que denominamos transferência.
Paralelamente, nós, psicoterapeutas, fazemos uma troca afetiva.
Sentimos algo que é projetado por um dos adolescentes ou pelo grupo e
que provocará reações em nós. Por mais que pretendamos estar imunes a
tal fator, é impossível evitá-lo. Ao mesmo tempo, trata-se de uma
ferramenta de trabalho, advinda de nosso inconsciente. Precisamos
aprender a decifrá-lo. Se não nos conscientizarmos de nossos sentimentos,
de nossas reações, o processo estará correndo certo risco de naufragar.
Trata-se de um conjunto de reações inconscientes nossas em relação ao
todo do grupo ou a partes dele, com adolescentes às vezes mais
acentuadas, pois eles nos desacatam a todo momento. Predomina nesse
contexto o mecanismo da projeção.
Segundo Segal (1975):
Pode ser subjacente e integrada com outras formas de
comunicação e dar-lhes profundidade e ressonância afetiva. Pode
379
ser a forma de comunicação predominante, provinda de
experiências pré-verbais que só podem ser comunicadas dessa
forma. Ou pode significar um ataque à comunicação; embora,
quando compreendidas, até isto pode converter-se em
comunicação. (p. 101)
Vamos falar também um pouco de outro fenômeno, a elaboração.
Compreendida como um processo psíquico inconsciente pelo qual as
ideias latentes de uma pessoa se manifestam sob forma condensada e vão
se tornando cada vez mais inteligíveis. Freud (1914/1969a) escreve:
(...) deve-se conceder tempo ao paciente para que se familiarize
mais com essa resistência, que agora veio a conhecer, para que a
elabore, para que a supere, continuando num desafio (...) faz parte
do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que
distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento
pela sugestão. (p. 202)
Este é o caminho para o maior desenvolvimento de nossos
pacientes e, ainda parafraseando Freud (1937/1969b, p. 312), pode-se
acreditar como critério de melhora quando o inconsciente se torna
consciente e faz com que possamos amar e trabalhar.
Cura ou alta
Posso revelar neste momento que poucas vezes dei alta. Convivi
mais com abandonos pós-férias do que com um trabalho de encerramento
do processo terapêutico propriamente dito.
Como cura entendo a solução ou resolução de alguns conflitos.
Digo alguns porque, como humanos que somos, sempre teremos conflitos
mais ou menos deglutíveis, conforme nossa saúde mental.
Há para qualquer idade índices que nos mostram crescimento,
entre eles maior tolerância à frustração, suportar desilusões, separações e
perdas, e conviver com a tristeza assim como com a alegria. Poder
comunicar, projetar menos e introjetar mais são outros índices de
crescimento.
Kaës (1993) se refere aos ganhos grupais como uma situação que
promove identificações, constituição de ideias e de imagem de si e dos
380
outros. Haverá elaboração de pontos críticos e dos pontos de repressão
de cada um.
A mim, acolhe muito minha compreensão algo que Ferenczi
(1926/1967) escreveu sobre o tema: ele comentava que deveríamos aceitar
o possível e renunciar ao impossível – árdua tarefa, mas muito promissora.
Mas, e o terapeuta de grupo de crianças e adolescentes?
David E. Zimerman, em várias de nossas conversas, quando eu
expressava meus desejos e medos de montar grupos diferenciados da
maioria (na época não era comum grupo de psicóticos em consultório)
dizia que “tu tens que gostar do que fazes”, “tu tens que aceitar e
compreender o que se passa, contigo e com os pacientes ou o grupo”.
Estas palavras sempre ficaram em minha mente, e percebi, durante
leituras, que as capacidades do terapeuta são sempre enfatizadas.
Precisamos ter uma capacidade de tolerância à frustração muito grande,
de aceitação do outro diferente de mim, do outro me provocando porque
precisa agir assim para poder se firmar como ser vivente.
Isso não quer dizer que eu não vá ficar com raiva, me entristecer,
ter vontade de “sumir” da sala, mas é preciso elaborar todos esses
sentimentos e todas essas emoções para que possamos ajudar nossos
pequenos. Caso contrário, o terapeuta é quem precisa de tratamento.
Referências
Ferenczi, S. (1967). Teoria y técnica del psicoanalisis. Buenos Aires: Paidós.
(Trabalho original publicado em 1926)
Fernandes, B. S. (2003a). Psicoterapia de grupo com crianças. Em: W. J.
Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e
configurações vinculares (pp. 231-240). Porto Alegre: Artmed.
Fernandes, B. S. (2003b). Psicoterapia de grupo com adolescentes. Em:
W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e
configurações vinculares (pp. 241-251). Porto Alegre: Artmed.
Fernandes, W. J. (1994). Tentativa de elaboração de alguns aspectos
teóricos em Psicanálise das Configurações Vinculares. Anais do XI
Congresso Latinoamericano de Psicoterapia Analítica de Grupo, Buenos Aires.
381
Fernandes, W. J. (2003). O processo comunicativo vincular e a psicanálise
dos vínculos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes
(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 43-55). Porto Alegre:
Artmed.
Freud, S. (1969a). Perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. Em:
Edição Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de
Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)
Freud, S. (1969b). Análise terminável e interminável. Em: Edição Standard
Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 1937)
Garbarino, M., & Macedo, I. M. (1992). Adolescência II. Montevideo: Roca
Viva.
Ginot, H. G. (1961). Psicoterapia de grupo com crianças. São Paulo: Interlivros.
Grunspun, H. (1997). Psicoterapia lúdica de grupo com crianças. São Paulo:
Atheneu.
Kaës, R. (1993). Le Groupe et le Sujet du groupe. Paris: Dunot.
Segal, H. (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.
Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre:
Artmed.
383
19 Atendimento a famílias de crianças dentro
dos Transtornos do Espectro Autístico Marly Terra Verdi
Faremos o relato e a discussão de atendimentos familiares
envolvendo risco de transtornos autísticos em crianças pequenas. O
primeiro caso é o de um menino, Augusto, de três anos e meio, cuja
família suspeitava de transtorno invasivo do desenvolvimento, mas após
as sessões familiares não se confirmaram essas suspeitas e o alívio dessa
tensão ajudou o início da aquisição da linguagem nessa criança. O
segundo caso é de Jorge de cinco anos, uma criança de cinco anos com
um quadro de transtorno autístico, dificuldades de linguagem, interação
social e desenvolvimento. O atendimento familiar levou à compreensão
de segredos familiares e problemas de interação que, após serem
trabalhados, ajudaram em sua evolução.
Gostaria de esclarecer que o fato de serem duas situações de
famílias com crianças gemelares não quer dizer da possibilidade maior de
incidência de autismo em casos de gêmeos, o que levaria a outras questões
e a outras interrogações. Suspeita-se que a gemelaridade pode ser uma das
situações de risco nestes casos, mas aqui não iremos abordar estas
questões e por isto gostaria de afirmar que foi apenas uma coincidência
este aspecto.
Sabe-se desde há muito que o desenvolvimento da subjetividade
se dá nos vínculos estabelecidos ao longo da vida toda, e que
predominantemente é na família que se constroem os vínculos
fundamentais. A criança muitas vezes depende do “olhar” que se tem
sobre ela (Alvarez, 1994; Mélega, 1997); crianças mais sensíveis aos
relacionamentos primários são muito susceptíveis de receber sobre si
qualquer projeção familiar (Verdi, 1996). A literatura psicanalítica e
grupanalítica é muita rica em demonstrar essas conexões (Lebovici, 1991;
Pichon-Rivière, 1976; Winnicott, 1961/1993). Neste trabalho familiar
adotamos a forma de intervenção precoce (Silva, 2003), oferecendo
384
observação e escuta psicanalítica para todo o grupo familiar, incluindo o
jogo lúdico como possibilitador da expressão das crianças. Nesse relato
objetivamos demonstrar o alcance dessa técnica clínica na produção de
mudanças significativas tanto nos vínculos familiares quanto nos sintomas
de transtorno autístico apresentados pelas crianças (Tustin, 1984/1991).
O atendimento familiar nos casos de crianças com suspeita dentro
do Espectro do Autismo, ou mesmo em casos onde severos sintomas
autísticos surgem precocemente, será sempre uma indicação, para prevenir
a piora destes sintomas ou mesmo buscar a remissão dos mesmos, além
de poder auxiliar em um diagnóstico feito juntamente com outros
especialistas.
A mais importante área afetada nestes transtornos é a área da
comunicação e interação social. Sendo a família o núcleo básico onde
estes aspectos se desenvolvem, é justamente aí que incidem estes
problemas e onde deverão ser compreendidos e minimizados.
Em minha experiência clínica de mais de 30 anos com o estudo e
o tratamento destes casos, percebi ao longo do tempo, que a interferência
clínica nos problemas vividos por estas famílias faz toda a diferença no
prognóstico destas crianças.
À medida que podemos compreender os fenômenos que incidem
inconscientemente nas relações familiares, tais como segredos, situações
não conscientes acerca desta criança, suas representações dentro do
contexto familiar, e mesmo formas de abordar seus sentimentos
expressos nas ações que antecedem a linguagem verbal, suas crises etc.,
podem ser aspectos que alterem significativamente a comunicação dentro
da família, o que leva necessariamente a melhora da comunicação da
própria criança e da família com ela.
A forma do analista compreender o que ocorre no setting e sua
verbalização destes aspectos funciona como um antídoto aos não ditos e
aos segredos. Muitas vezes as famílias não sabem como dizer das
situações traumáticas vividas (perdas e rejeições que envolvem esta
criança, por exemplo). Ao ouvirem do analista suas percepções, que
abordam estas questões quando surgem na situação analítica, e que
podem ser ditas sem o peso emocional traumático colocado pelos
385
familiares, pode tornar mais palatáveis, menos indigestos, podendo então
ser conversados e deles retirada a carga explosiva de afetos que contém.
Isto me lembra sempre a colocação da paciente Anna O. feita para
Breuer nos inícios da psicanálise (Freud & Breuer, 1893/1995) que
denominou a conversa psicanalítica (talking cure) como “limpeza da
chaminé”. Esta imagem aborda aquilo que acabo de dizer como uma
ilustração visual e correta dos fenômenos que vivemos numa sessão tanto
individual como grupal.
Podemos considerar o atendimento de famílias com crianças
dentro desta sintomatologia como um campo inconsciente comum, assim
como em todos os outros grupos, mas, nestes casos, com características
próprias. Na família, fenômenos inconscientes são profundamente
compartilhados pelos membros, ou seja, incidem produzindo inúmeros
problemas de comunicação, onde a linguagem verbal aparece dificultada
por questões inconscientes daqueles membros, o que impede um discurso
simbólico e fluido de ocorrer.
Muitas vezes aspectos transgeracionais estarão presentes nos
problemas familiares, impedindo a comunicação. É sempre importante
observarmos aspectos como a escolha do nome da criança, os sentimentos
que permearam sua gestação e puerpério, os sonhos que envolveram sua
vinda ao mundo e outros. Contar sobre os eventos que ocorreram traz à
tona sentimentos esquecidos e importantes.
A clínica de família
Iniciei atender famílias com crianças porque vinham me procurar
para opinar no diagnóstico ou oferecer tratamento às crianças com
quadros de Transtorno do Espectro Autista, por minha experiência nesta
área. A proposta de ver estas famílias surgiu para que a criança fosse
observada em seu conjunto familiar, o que me parecia trazer dados mais
fidedignos sobre sua interação social, dados estes fundamentais no
diagnóstico e mesmo prognóstico de questões de autismo.
A partir destas observações percebi que os problemas familiares se
apresentavam nestas sessões, que os pais envolvidos no processo pareciam
ávidos de compreender como lidar com seus filhos. Percebi que se
espelhavam nas interações que ali ocorriam. Podíamos também nomear
386
coisas importantes: projeções sobre a criança, tanto intergeracionais como
transgeracionais. Ou seja, as intergeracionais eram aquelas dentro da
geração ali presente na sessão, enquanto as transgeracionais, de muito
difícil apreensão, significavam a repercussão de aspectos inconscientes
familiares, de gerações passadas, sobre a criança. Em geral aparecem
quando propomos contar a história do nome da criança, ou sobre a família
dos pais, ou mesmo quando diziam que os sintomas lembravam pessoas
da família.
Segredos familiares nunca conversados emergiam nestes
contextos. Formas de compreensão do que era a interação significativa
entre pais e filhos. Aquilo que antes era inconscientemente transmitido
entre os familiares agora podia ser nomeado. Percebi também que estes
atendimentos tinham um profundo efeito em todos e auxiliavam muito
rapidamente a evolução das crianças e diminuição dos sintomas.
Tenho atendido famílias que buscam tratamento por questões
diversas: diagnóstico precoce, adoções, problemas de comportamento
disruptivo das crianças etc.
Hoje em dia o atendimento familiar, nestes Transtornos, é bastante
indicado e vários profissionais o fazem. Percebendo a eficácia deste
atendimento, com o passar do tempo o ampliei para famílias de crianças
de uma forma geral, sempre que noto a dinâmica familiar implicada na
produção de sintomas ou dificuldades de lidar com a criança em seu dia a
dia. Mantenho este atendimento até que sinto a criança liberada de ser o
portador da doença mental da família e só aí indico o atendimento
individual dela.
Vou relatar atendimentos que ilustram este tipo de situação, e uso
nomes fictícios para observar o sigilo em relação aos pacientes e suas
famílias.
Atendi uma família que tinha gêmeos que não eram idênticos e um
sofrera uma provável paralisa cerebral. Tinha tido anóxia e ficado na UTI
logo após seu nascimento.
Creio que nestas circunstâncias e por causa de seus atrasos no
desenvolvimento, que eram leves, mas que estavam impedindo a
linguagem, havia suspeita de autismo. Percebi logo que não se tratava deste
quadro, pois ele buscava bastante bem entrar em contato comigo, com os
387
pais e irmão. Não compreendia ou não reagia muito à linguagem e passou
a fazer isto durante o trabalho, quando começou a reagir, respondendo
corporalmente às minhas intervenções. Observei também que o irmão era
o centro das atenções familiares e que tudo fazia para ser o único ali. Fui
primeiro apontando que os dois haviam sentido bastante compartilhar o
pai e a mãe e o quanto o que era mais desenvolto se sentia chateado, tendo
que dividir o espaço. Como ele que já estava falando tinha dos pais toda a
atenção e quanto o irmão também precisava ter espaço próprio. Os pais
diziam que o único espaço exclusivo dele era para os atendimentos clínicos
que ele necessitava: fonoterapia, fisioterapia, equoterapia, médicos etc.
Acreditamos que quando fatos intrauterinos, ou no pós-parto,
provocam na mãe distintos sentimentos em relação aos gêmeos (risco de
vida na UTI neonatal, por exemplo, ou mesmo pouco espaço psíquico
para abarcar dois ou três bebês) é como se o investimento materno se
voltasse mais para um bebê e o outro se sentisse não um Ego individual,
mas um Ego-secundário. Um se torna o principal agente de ações e o outro
restringe suas ações, passando a ser quase a sombra do outro gêmeo. Este
seria um risco para o desenvolvimento de sintomas autísticos, de meu
ponto de vista.
Cito aqui Joyce McDougall (1987, p. 8), que propõe um corpo para
dois, neste caso proponho dois corpos para um:
Um corpo para dois: esta fantasia primordial, presente em todo ser
humano, visa fazer um, com a mãe-universo da pequena infância.
(…) A partir dessa matriz somatopsíquica, uma diferenciação
progressiva entre o corpo próprio e a primeira representação do
mundo externo, que é o seio materno, vai se desenvolver na psique
infantil. Paralelamente, o que é psíquico vai se distinguindo, aos
poucos, do que é somático.
Vou relatar aqui uma sessão deste atendimento, pois me pareceu
interessante para permitir visualizar o que é este trabalho.
Quando cheguei na sala de espera, estavam a mãe e os gêmeos,
Augusto e João, e uma menina, desconhecida para mim (babá?). O pai
estava chegando, e falando ao celular. Nas duas últimas sessões que eles
vieram (faltaram duas vezes após isso, porque o Augusto tinha machucado
o pé), a mãe viera com Augusto e o pai chegara com João, que estava no
388
colo e completamente adormecido. Ele permaneceu dormindo toda a
sessão, nas duas últimas ocasiões. Desta vez, como todas as outras sete
sessões que tivemos anteriores a esta, a configuração inicial foi como hoje,
a mãe com os dois na sala de espera, e o pai chegando depois, sempre ao
celular.
Logo que me encontram, as crianças começam a caminhar para a
sala. O pai chega e desta vez, diferente das anteriores, rapidamente desliga
o celular, e entramos todos.
A mãe comenta que não puderam vir no final do ano, e me conta
que foram passear, os dois com outras crianças num jipe, com um amigo
deles, e que Augusto enfiou o pé sob o acelerador, o cortou e teve que
receber pontos. A mãe diz a ele: – “Mostra o dodói para a Marly”. E ele
levanta a bermuda, onde há mesmo um outro machucado mais recente. A
mãe pede que ele me mostre o pé, mas ele não o faz, e ela interfere e
mostra o pé dele com uma cicatriz.
Comento que Augusto me havia mostrado um novo machucado,
porque aquele já havia sarado, e que ele estava entendendo e respondendo
muito bem ao que a mãe lhe dizia, diferente do começo de nosso trabalho,
quando parecia não ouvir ou não compreender aquilo que se dizia a ele.
A mãe concorda e diz: “Está entendendo tudo, e fazendo o que
falo para ele fazer, só não faz quando não quer mesmo”.
Ele vai até a pequena mesa, pega a cola (sempre se interessa pela
cola, e já brincamos muito com ela), se senta e diz: “Ab”. Eu entendo
“abre”, e digo: “Ele pediu para abrir”.
A mãe diz: “Eu ouvi também”. O pai olha com cara de descrença
e diz: “Ele não fala”.
Mas eu digo: “Mas se nós duas ouvimos, acho que ele falou sim”.
Augusto traz e me entrega a cola, e eu abro para ele dizendo:
“Acho que o papai não acreditou que você abriu a boca e falou ‘abre’”. O
pai se volta para ele e diz: “Fala papai”.
Eu digo: “O papai está pedindo para chamar papai e dizendo que
ele gostaria que você falasse, Augusto”. Ele começa a emitir muitos sons.
Eu falo: “Ouça como ele entendeu e quer falar”.
Enquanto isso, o João, logo que entramos, perguntou pela babá, e
a mãe respondeu: “Ela ficou na sala de espera.”
389
“Aqui só entrou sua família comigo, João: papai, mamãe, você e o
Augusto”, digo. Ele pega dois lagartos de borracha que eu tenho na mesa
e joga um na mãe, que brinca com ele de se assustar. Ele joga também para
o pai e vai pegando mais animais na mesa. Mostro a ele que está ali na
mesa, como ele havia feito, um papel com animais colados. E João diz:
“Eu lembro”. Digo: “Eu também lembro”. Comento que ele
dormiu as últimas duas vezes que eles vieram, que quis deixar o Augusto
brincar aqui sozinho. Ele não comenta nada sobre isso. Fica mexendo com
os animais, enquanto interagimos com a situação, se Augusto havia falado
ou não.
Augusto me traz uma folha, pega a tesoura e corta muito
rapidamente a folha que eu seguro para ele. Se diverte quando os pedaços
se separam. Depois traz a cola e vai colocando bastante cola e sobrepondo
os pedaços cortados do papel, enquanto nomeio: “Separando, agora são
dois, colando e ficando grudadinhos”.
Ele para essa atividade e vai para um nicho perto da porta, onde
se esconde e depois aparece, e eu brinco com ele de esconde-esconde.
Neste momento, João pega um caminhãozinho basculante e pergunta
porque aquela parte se levanta.
Digo-lhe que serve para colocar as coisas dentro e tirar. Pega um
lagarto e o introduz no espaço da carroceria do caminhão, e ao abrir o
lagarto sai. Eu digo: “Nasceu o lagarto”.
Ele tenta colocar os dois lagartos. Eu digo: “Nossa, ficou apertado
aí.”
Enquanto isso estou também brincando de esconde-esconde com
o Augusto, e os pais estão observando. A mãe interage com um ou com
outro, auxiliando, ou com gestos, por exemplo, brincando de achar
Augusto, ou auxiliando João com o caminhão e os lagartos. O pai, deitado
em um pufe do outro lado da sala, observa.
Vou interagindo com Augusto, brincando de achá-lo, e quando
também me acha, ele ri contente. Resolvo me esconder atrás do pufe que
está ao meu lado (não sei bem porque tive essa ideia, talvez para ver se ele
ou eles me procurariam). Todo o início dessa sessão, os senti evitando um
pouco o contato comigo, o que não ocorria mais nas últimas vezes que
nos vimos. Entro atrás do pufe e me sento, abaixada aí. Os dois vêm juntos
390
me procurar, e riem quando me acham. Vou colocando mais e mais o pufe
sobre mim, e na tentativa de me encontrar, sobem no pufe, que é grande.
Surge então um movimento de João, que diz: “É meu!” e empurra
o irmão. Digo: “O João quer o lugar só para ele”. Ele ri e diz: “É só meu!”.
O Augusto insiste e reclama, fazendo sons altos. O João diz: “É meu!” e
solta como um grito de guerra. O Augusto insiste.
Eu digo: “O João e o Augusto queriam um lugar só seu, e dentro
da mamãe era apertado para terem dois”.
O João empurra o Augusto e este “cai” para fora do pufe. Eu digo:
“Só quando nasceram ficaram cada um com seu lugar, e com seu nome,
Augusto e João”.
Augusto não para de insistir e a cena se repete várias vezes. Digo:
“Não dá para voltar para dentro da mamãe e ter lugar para um só. Mas
agora cada um tem seu lugar”.
O João grita: “É meu!” Digo: “Às vezes o João acha que tem que
ter só o lugar dele, mas agora o Augusto quer ter o lugar dele também,
quer falar também”.
O João grita “Eu que falo, ele não!”
A mãe diz: “Agora em casa é uma luta. O Augusto quer também
suas coisas e eu não sei o que fazer”.
Eu digo: “Para a mamãe, ter dois também não é fácil. Ela precisa
que o papai ajude”.
O pai pega o Augusto e o abraça, em um gesto que ele sempre fez
com o João, e diz: “Agora o Augusto tem o seu lugar”.
Digo: “O papai está dando espaço para o Augusto também, e quer
que ele fale”.
Augusto emite muitos sons, e vem para o pufe em que João ficou
deitado, e diz: “Papá”.
E João diz: “Ele falou papai”.
O pai diz: “É mesmo?”
Eu digo: “Nós ouvimos, o papai precisa ouvir também”.
A mãe diz que ele muitas vezes tem chamado “papá” quando o pai
chega. João pede bala e eu digo que estamos na hora.
Os meninos saem na frente, e os pais me perguntam o que eu
achei, se vi que Augusto evoluiu. Eu digo: “Eu sim, e vocês?”
391
A mãe diz: “Como o vemos todos os dias, não percebemos como
vocês, que o atendem”.
Penso que é uma ideia de que os terapeutas sabem ver melhor do
que ela. Digo: “É verdade, se estamos todos os dias, podemos não
conseguir ver as transformações. Eu vejo que aquilo que muitas vezes
conversamos (da questão de se tornarem dois, e o João querer o espaço
todo) hoje apareceu como brincadeira entre eles. Vocês viram, não é?”
Fazem sinal afirmativo e eu acrescento: “Para nós isso é um grande
avanço, poderem brincar e conversar sobre isso”.
Parecem satisfeitos, se despedem e também vão.
Quando saio, ainda estão na sala de espera. Eu espero eles irem,
para chamar minha próxima paciente.
Apesar de ter outros casos com outra configuração, me pareceu
mais interessante relatar a sessão, o que permite visualizar a complexa rede
de configurações vinculares no interior da família.
Aspectos traumáticos na constituição de sintomas autísticos
Relato aqui o segundo atendimento clínico familiar que gostaria de
apresentar.
Veio o casal à primeira entrevista e disse que seu filho havia sido
diagnosticado, por uma psiquiatra que o estava acompanhando, como
portador de transtorno invasivo de desenvolvimento, apesar de não
cumprir com todos os quesitos para fechar este diagnóstico.
Percebi que o pai tinha algum tipo de problema mental, mais tarde
me comunicaram que ele sofria uma depressão grave que já durava cerca
de oito anos.
Jorge tinha cinco anos, nascera de uma gravidez gemelar na qual o
outro gêmeo morrera no sexto mês de gravidez. O parto foi feito antes de
a gravidez chegar a termo, pois o feto morto colocava em risco a sua vida
e a de sua mãe, segundo o obstetra.
Esta gravidez havia sido indesejada por todos da família,
principalmente o avô materno. O pai de Jorge estava passando por essa
depressão desde o nascimento de sua primeira filha, três anos mais velha
do que Jorge. Em função disto havia abandonado a sua profissão e sua
392
família era mantida pela mãe, que trabalhava numa empresa de sua família
e pelo avô materno.
A mãe sentiu-se bastante culpada pela perda do bebê e temeu
muito pela vida de Jorge que ficou alguns dias numa UTI neonatal.
Seus problemas foram percebidos depois dos 18 meses pelo atraso
da linguagem, dificuldades de interação com crianças e pelo atraso do
desenvolvimento do brincar e, mais tarde, das atividades escolares. Jorge
possuía, nesta ocasião, linguagem, porém sem usar adequadamente certas
partes das frases, principalmente os pronomes.
Decidimos por fazer um atendimento conjunto com sua família e
realizamos no total dez sessões em seis meses, após as quais foi indicado
atendimento individual para a criança em sua cidade de origem.
As sessões familiares, nas quais em geral estavam seus pais e ele,
só contou com a presença da irmã em duas ocasiões. Parecia que os pais
tinham dificuldade de inseri-la no trabalho, como se a imagem dela
precisasse ser mantida como daquela que não tem problemas dentro da
família ou literalmente fica fora dos problemas.
Decidi conjuntamente com seus pais por atendê-los em família
para buscarmos compreender como esta dinâmica familiar afetava, e era
afetada pelos problemas de Jorge. As sessões ocorriam quinzenalmente e
isto foi resolvido em função da distância de sua cidade (150 Km).
Creio que muitas vezes as sessões quinzenais são mesmo indicadas,
pois as famílias necessitam de um tempo de elaboração mais extenso, que
favoreça à mudança ser incorporada e sentida como própria.
Nos primeiros dois encontros com Jorge e os pais, eles haviam
trazido dentro de uma pequena caixa alguns animais. No final da primeira
sessão, Jorge se aproxima e pega a caixa. Ele ainda não havia brincado com
os brinquedos que haviam sido colocados por mim em uma mesa baixa.
Mãe: “Trouxe esses bichinhos, pois Jorge gosta deles. Ele pode
brincar com eles aqui?”
Analista: “Sim, ele pode brincar se quiser.”
Ele pega a caixa, olha todos os animais, e pega dois pequenos e
idênticos. Os aproxima e olha na minha direção. Tinha evitado me olhar
até então.
393
Analista: “Jorge está me mostrando que os bebês são iguais, e que
são dois. Talvez queira que falemos desses dois bebês.”
Os pais de Jorge não dão continuidade ao assunto.
Na sessão seguinte, a certa altura, Jorge pega novamente os dois
bichinhos iguais, coloca-os como que escondendo, atrás de um objeto. Eu
me aproximo, brincando com ele de procurar. Ele ri, corre pela sala e
esconde em outros lugares. Eu continuo brincando de procurar e digo:
Analista: “Jorge está mostrando que isso dos dois bebês iguais está
escondido, e que eu preciso procurar para descobrir e ajudá-lo a descobrir
também.”
Novamente os pais não dão continuidade a esse assunto, dos
gêmeos, que só será abordado pela irmã de Jorge, ao vir pela primeira vez,
na quarta sessão.
Rapidamente Jorge respondeu às nossas sessões, com evolução de
sua linguagem e do relacionamento com outras crianças e adultos. Isto
gerou maior confiança dos pais e uma melhor adesão desta família ao
trabalho. No início podiam faltar e desmarcar as sessões sob qualquer
pretexto e depois se tornaram sempre presentes.
Inicialmente, Jorge, após pouco tempo na sala de atendimento
queria sair e insistia em ir ao banheiro ou expressava o desejo de ir para
casa. Depois ele não só permanecia a sessão toda na sala de atendimento
como, se o assunto era importante, permanecia atento e concentrado em
alguma atividade. Preferia as massinhas, e construía certas configurações
com os animais separando-os às vezes, os selvagens de um lado e os
domésticos de outro. Eu sempre apontava como eles estavam percebendo
e separando ali também, na sessão, o que era para ficar perto porque não
tinha perigo, e aquilo que precisavam afastar porque parecia perigoso e
eles achavam que podia atrapalhar a vida familiar.
No início os pais sempre falavam dos problemas que percebiam
em Jorge e perguntavam como poderiam lidar com ele, eu sempre incluía
Jorge nestas conversas e comentava como os pais às vezes também não
sabiam o que fazer com ele. A partir daí fomos descobrindo juntos formas
possíveis de manejar as situações. A mãe sentia diferente do pai, ela tinha
a expectativa de que Jorge pudesse ter amigos e se alfabetizar, por
394
exemplo, já o pai queria saber: Jorge seria feliz? Estava sofrendo com seus
sintomas, se casaria um dia e teria filhos?
Eu percebia nestas expectativas dos pais problemas que na verdade
eram deles, pois a mãe o levava à escola, que é bastante tradicional e não
costumava receber crianças com problemas. O pai, por sua vez, não se
sentia feliz, tinha dificuldades no casamento e ter filhos parece ter sido
bastante difícil.
Fomos conversando a respeito destas questões e devagar
começaram a falar sobre eles mesmos, seus medos, angústias em relação a
Jorge e sua irmã, um passou a ajudar o outro tanto a falar como a ver
melhor suas próprias dificuldades.
Com a vinda da irmã à sessão, ela trouxe o problema das
interferências do avô materno que, segundo ela, queria mandar em todos
da família. Foi ela quem introduziu também, pela primeira vez na presença
de Jorge, o tema de seu nascimento e da morte do irmão no útero.
Pudemos falar sobre isto em diversas ocasiões. No início tocar neste tema
fazia Jorge querer sair da sala como se ele soubesse que a família só falava
disto na sua ausência, fomos conversando com estes temas e falando do
medo dele e do segredo que talvez o atrapalhasse ao adquirir linguagem e
a falar sobre o que quisesse.
Fomos conversando também sobre a dificuldade deste pai ocupar
o seu lugar e me relatou que, ele próprio, ao nascer, teve um problema em
suas pernas e que passou por cirurgias e imobilizações longas. Daí a
própria mãe apontou que talvez o nascimento da primeira filha lhe
trouxesse de volta a memória destas dificuldades, o impedindo de “andar”
outra vez. Comentei então que tudo o que ocorreu, também depois no
nascimento de Jorge, teria sido muito pesado para ele, que ainda estava se
recuperando naquela época. Aí ele tinha ficado como que paralisado e não
podendo mais “caminhar” na sua vida.
Fomos aprofundando estas compreensões e me pareceu que, além
de Jorge, a família toda também foi caminhando. Vários sinais apareceram
de forma indireta. O pai tem estado muito presente e participante, muito
diferente do início, onde ele ficava como ausente em certas sessões; a mãe
é que falava e seu olhar era desvitalizado e ele só participava quando eu
lhe perguntava algo. Tanto ele como a mãe passaram a se arrumar muito
395
mais que no início de nosso trabalho, tendo tanto a sua postura corporal
como a forma de se vestir melhorado significativamente.
Um último e importante sinal surgiu quando a mãe me pediu se eu
poderia mudar os recibos e colocá-los em nome deles mesmos, e não do
avô, me pareceu um indicativo muito importante de apropriação do nosso
trabalho pela família.
Creio que Jorge viveu um trauma em seu contato com o irmão
morto no útero e com a repercussão desta estória em sua família que, pelas
vivências relatadas, já estava bastante fragilizada desde antes disto. A mãe
provavelmente não tinha espaço mental para abrigar um e muito menos
dois bebês. Esta falta de espaço mental da mãe e de espaço para Jorge na
família de origem da mãe o desprotegeu bastante. A mãe não pôde contar
com seu marido e no início também não contava com seu pai para lhe dar
suporte. O caso de Jorge nos remete a pensar na dimensão traumática
como um aspecto importante, pelo menos para alguns casos do espectro
autista.
Considerações finais
O atendimento familiar é uma estratégia clínica, desenvolvida a
partir da psicanálise e de outras perspectivas sobre o grupo familiar e visa
transformar as relações intersubjetivas entre os membros da família.
Através disso é possível remover da criança os aspectos conflitivos dos
membros da família nela projetados.
Nos casos aqui relatados, demonstramos como a intervenção
precoce, constando de uma escuta atenta às comunicações entre os pais e
os filhos, e uma intervenção interpretativa, pode promover mudanças nos
padrões vinculares. Nestes casos observaram-se evoluções significativas.
No primeiro caso, constatamos durante esse atendimento que
Augusto, de fato, não apresentava sintomas autísticos, mas que sim, sua
mãe temia e de alguma forma projetava sobre o filho seus temores
inconscientes. Durante a intervenção segredos sobre a configuração
familiar foram revelados, promovendo uma diminuição das tensões. Em
seguida essa criança iniciou o uso da linguagem verbal e após estes
atendimentos consideramos que essa situação e seus riscos estavam
superados.
396
No segundo caso, que demandou um atendimento familiar numa
situação já instalada e uma criança de mais idade, contendo também
sintomas autísticos já estruturados, tivemos como resultado uma melhora
da linguagem verbal e da interação social de Jorge a mudança para uma
classe de sua idade na escola e uma melhora nos vínculos familiares.
Consideramos de muita importância para os profissionais da saúde
e da educação que atendem crianças sob risco de desenvolvimento de
transtornos invasivos, que encaminhem precocemente essas crianças e
suas famílias para atendimento especializado. Consideramos, ainda, que
uma escuta psicanalítica e uma intervenção quanto mais precoce possível,
que aborde as histórias familiares, as projeções de segredos, temores e
conflitos sobre um membro frágil da família, pode ser fator
importantíssimo para a compreensão e a remissão da sintomatização.
É claro que os pais não têm consciência desses fatores vivenciados
pela família, que podem afetar qualquer membro, e sem dúvida eles são os
primeiros a contribuir nesse trabalho para a transformação dessa situação
e a retirada do peso inconsciente sobre seus filhos. Acredito ser esse um
fator fundamental para a rapidez de resultados nesse tipo de atendimento.
Outro aspecto importante é que o profissional envolvido nesse trabalho
seja continente para as angústias e demandas tanto da família, como do
entorno escolar e social desse grupo familiar.
Referências
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autistas, carentes ou maltratadas. Porto Alegre: Artes Médicas.
Freud, S., & Breuer, J. (1995). Sobre o mecanismo psíquico dos
fenômenos histéricos: Comunicação preliminar (Edição Standard
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.
7). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1893)
Lebovici, S. (Org.) (1991). Autismo e psicoses da criança (Leda M. F.
Bernardino, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
McDougall, J. (1987). “Um corpo para dois”. Boletim Científico da Sociedade
Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, 1(2), 8-33.
Mélega, M. P. (Org.) (1997). Observação da relação mãe-bebê:– Método Ester
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397
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Silva, M. C. P. (2003). A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo:
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Tustin, F. (1991). Estados autísticos em crianças. Rio de Janeiro: Imago.
(Trabalho original publicado em 1984)
Verdi, M. T. (1996). Continente devorado - Algumas considerações sobre
autismo a partir de questões emergentes em grupo familiar. Revista da
Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo, 3, 156-166.
Winnicott, D. W. (1993). A família e o desenvolvimento individual. Rio de
Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1961)
399
20 Grupos de crianças com transtornos mentais
graves: atendimentos em instituições
públicas de saúde Rose Pompeu de Toledo
Introdução
Minhas experiências com grupos tiveram início nos anos 1980,
quando comecei a trabalhar como psicóloga numa clínica da Prefeitura do
Município de São Paulo (PMSP) que atendia crianças da rede municipal de
ensino, cursando da pré-escola até a 2ª série. A opção preferencial era pelo
atendimento grupal; atendíamos as crianças em grupos psicoterápicos e os
familiares em grupos que chamávamos “grupos de orientação”.
Eu era recém-formada e praticamente sem noção sobre o
significado dos grupos, seu funcionamento e como trabalhar com eles.
Felizmente, não era a única nessas circunstâncias; outros colegas
estavam na mesma condição. Às sextas-feiras no período da manhã, nos
reuníamos para pequenos cursos, discussões de casos, planejamentos etc.
durante o horário de trabalho, o que nos auxiliou no sentido de criar um
Esquema Conceitual Referencial e Operativo (ECRO, cf. Pichon-Rivière,
1982/2009)49 próprio àquele grupo de trabalhadores.
Logo, minha questão pessoal começou a ser como trabalhar com
grupos em uma instituição de saúde, com crianças, com embasamento no
referencial psicanalítico, questão que foi sendo respondida no trabalho
prático e na formação continuada por meio de cursos, estudos e
supervisões.
O trabalho em instituição pública de saúde serviu como um grande
laboratório de grupos.
Breve histórico da atenção à saúde mental da criança na cidade de São Paulo
49 V capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.
400
Optei por trazer um histórico do trabalho com grupos de crianças
na saúde pública na cidade de São Paulo porque conhecer a história das
ideias e das práticas relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes
nos ajuda a compreender a importância que têm, ainda hoje, algumas
questões difíceis de mudar, de acolher transformações e a importância do
fazer criativo nessa área.
Na cidade de São Paulo, as primeiras propostas de ações em
higiene voltadas à infância se iniciaram no final do século XIX, com o
objetivo de inspeção das condições de salubridade dos locais de ensino e
a educação em saúde. A assistência à saúde era vista como uma atividade
complementar de apoio para garantir as condições de aprendizagem.
Em 1967, frente aos altos índices de fracasso escolar e com o
objetivo de oferecer aos escolares melhores condições de aprendizagem,
foi criado o Departamento de Assistência Escolar da Secretaria de
Educação da PMSP. Contava com serviços médicos, odontológicos,
psicológicos, fonoaudiológicos e de educação sanitária, além do programa
de merenda escolar. Os serviços psicológicos eram desenvolvidos em duas
clínicas (do Itaim e da Mooca) e os demais nas escolas.
Em 1981 foram criadas mais cinco clínicas na cidade de São Paulo,
que realizavam os seguintes atendimentos: psicodiagnósticos individuais e
grupais, psicoterapias breves, psicoterapias lúdicas grupais, terapias
psicomotoras grupais, grupos de mães, terapias fonoaudiológicas grupais,
psiquiatria e neurologia.
Grande parte das crianças era encaminhada por analfabetismo,
repetência e multirrepetência; violência e delinquência; dificuldades no
relacionamento interpessoal e desagregação familiar.
Apesar de existir uma preocupação com a atenção às
crianças/escolares, às famílias e uma possibilidade restrita de contato com
as escolas, algumas questões se levantavam:
a origem das clínicas se baseava numa tendência de buscar na
área da saúde respostas ao fracasso escolar, sem que houvesse um
questionamento efetivo quanto à participação da própria escola
nesse processo;
401
a demanda institucional de atendimento a essas crianças visava
a sua adaptação à escola muito mais do que ao seu processo de
aprendizagem; e
as crianças excluídas da escola ficavam também excluídas do
direito de assistência à saúde (Toledo, 1990).
Diante dessas considerações, em 1989 o Departamento de Saúde
Escolar foi extinto e as clínicas foram transferidas para a Secretaria de
Saúde. A maioria se transformou em Hospital-Dia em Saúde Mental
Infantil (HDI).
Os HDI, por sua vez, deram origem aos Centros de Atenção
Psicossocial Infanto-Juvenis (CAPSi), propostos a partir de 2002 como
serviços territoriais, de natureza pública, financiados integralmente com
recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), com a função de prover
atenção em saúde mental, baseados na integralidade do cuidado. Foram
propostos para as cidades com 200 mil habitantes ou mais, com o objetivo
de atender casos de maior gravidade e ordenar a demanda em saúde mental
infantil e juvenil no seu território de abrangência.
Os CAPSi são compostos por equipes multiprofissionais e devem
se responsabilizar pelo atendimento de um número limitado de pacientes
e de suas famílias, em regimes diferenciados de tratamento, segundo as
necessidades de cada caso (intensivo, semi-intensivo e não intensivo),
desenvolvendo diversas atividades terapêuticas. São prioritários os
atendimentos para todos aqueles cuja problemática implique diretamente
prejuízos psicossociais severos (na socialização, inclusão escolar,
familiar/comunitária, por exemplo).
Propõe-se que os CAPSi sejam protagonistas da construção de
estratégias para a articulação intersetorial da saúde mental com setores
historicamente envolvidos na assistência à infância e adolescência: saúde
geral, educação, assistência social, justiça e direitos, com vistas à
integralidade do cuidado.
O trabalho com grupos psicanalíticos com crianças com transtornos mentais graves
A opção pelo atendimento grupal baseia-se na concepção de que
o grupo funciona como um potencial de apoio e de contato e, além disso,
pode permitir uma experiência de re-apoio do desenvolvimento psíquico
402
àqueles cujos primeiros apoios foram insuficientes ou inadequados. Nas
instituições públicas de saúde onde trabalhei, os grupos de crianças com
transtornos graves eram atendidos em coterapia duas vezes por semana,
além de participarem de outras atividades grupais durante a semana. Uma
vez por semana era realizado um grupo de familiares no mesmo horário
do grupo de crianças.
Algumas considerações teórico-técnicas
Nos indivíduos com transtornos mentais graves, a ampla variação
da expressão sintomática requer informações que ultrapassem o
diagnóstico em si, tais como o nível de comunicação verbal e não verbal,
o grau de habilidades intelectuais, a extensão do campo de interesses, o
contexto familiar e educacional e a capacidade para uma vida autônoma.
As pessoas diagnosticadas com seus sofrimentos e suas
dificuldades bem concretas é que são inteiramente reais, e não as
categorias diagnósticas nas quais tais pessoas são abstratamente alocadas.
As classificações diagnósticas são mutáveis ao longo do tempo.
Afinal, elas refletem um retrato instantâneo, o “estado da arte” das
evidências e dos consensos acumulados em certo momento do tempo,
necessitando de um aperfeiçoamento constante à medida que surgem
novas evidências científicas e novos consensos sociais. (Brasil, 2015, p. 39)
As crianças com transtornos mentais graves apresentam
perturbações nos processos iniciais do desenvolvimento, denominados
por Winnicott (1945/1993a) de integração, personalização e realização.
Elas também têm deficiências na capacidade de simbolização e
severas dificuldades emocionais. Algumas não falam. As que falam, em sua
grande maioria, não utilizam o pronome eu e referem-se a si mesmas pelo
nome próprio, por não possuírem um senso de identidade. Muitas não
brincam e todas têm uma grande dificuldade nas relações interpessoais.
Seu atendimento deve lidar com “Os estádios primitivos do
desenvolvimento emocional, antes e até o estabelecimento da
personalidade como uma entidade, e antes da aquisição do status de
unidade espaço-tempo. A estrutura pessoal ainda não está fundada de
forma segura” (Winnicott, 1954/1993b, p. 460).
403
Para Winnicott, pacientes desse tipo requerem que o analista se
ajuste às suas necessidades e recorra ao setting e ao manejo, não ao trabalho
analítico comum próprio para pessoas totais cujas dificuldades principais
estão nas relações interpessoais.
Segundo essa perspectiva, a presença física dos profissionais, a sua
forma de estarem consigo próprios, com o outro e o ambiente que
oferecem criam uma atmosfera que é parte integrante do setting e que tem
grande importância para a configuração do seu vínculo com os pacientes.
A expectativa é que esses profissionais possam, ao menos em parte, prover
a adaptação ambiental que faltou aos pacientes em seu processo de
desenvolvimento.
Como isso pode ser realizado?
Em primeiro lugar é preciso gostar de gente e ter capacidade de
empatia. Depois, entender as necessidades dos pacientes e procurar criar
um ambiente terapêutico que os respeite e que possa promover o
desenvolvimento das suas possibilidades.
É importante dar atenção a qualquer tipo de comunicação expressa
pelas crianças, para que elas possam ter a experiência de serem aceitas,
contidas e significadas numa relação interpessoal.
Com essas crianças, muitas vezes “pensamos alto”, falamos o que
estamos observando, o que pensamos sobre isso e o que entendemos que
está acontecendo com elas, demonstrando às crianças que há um espaço
onde os conteúdos mentais podem ser registrados e possivelmente
adquirir algum valor de experiência integrada. Essa experiência favorece o
desenvolvimento do senso de self, o que facilita o processo de integração.
Também é importante oferecer um espaço para que os ritmos da
criança se desenvolvam sem invasão e sem expectativas narcísicas.
Acompanhando o seu ritmo, trabalhamos com noções de tempo e espaço,
elementos essenciais para o desenvolvimento da realização. Além disso, é
importante facilitar o processo de personalização, demonstrando que têm
um corpo único e articulado.
Faz parte do contrato que as crianças não podem se bater ou se
machucar, mas às vezes ocorrem brigas e ataques no grupo. Quanto a esse
aspecto é necessária muita atenção, porque em algumas ocasiões o ataque
pode ser uma forma tanto de constituir os objetos como de constituir os
404
sujeitos, uma possibilidade de integração da agressividade. O grupo precisa
ter um ambiente que permita o uso da agressividade não como mera
repetição, mas como oportunidade de organização psíquica.
Ilustração – 2004 – CAPSi de Santo Amaro
Participam desse grupo William e Tiago, de oito anos, e duas
terapeutas.
Ao serem chamados para o início do atendimento, Tiago vai
correndo na frente para se trancar sozinho na sala, como já havia feito por
duas vezes seguidas anteriormente; não consegue porque a fechadura está
quebrada. Ao entrar, Tiago começa a balançar o armário de brinquedos.
Tiago é contido por uma das terapeutas, que diz a ele do perigo do
armário cair e nos machucar.
Enquanto isso William permanece em pé olhando ao redor.
Tiago se dirige à porta do armário, onde na sessão anterior William
havia colado um desenho, o arranca e rasga, fazendo questão de mostrar
para William o que estava fazendo.
William vai à varanda contígua à sala e fecha a porta, diz que quer
ficar sozinho. Um pouco depois, William entra, emburrado, diz que
amanhã não vem mais; conversando a respeito dessa afirmação,
entendemos que ele ficou bravo com Tiago.
Tiago diz que matou Bruno – criança que estava nesse grupo e
abandonou o atendimento um mês atrás.
William diz que Bruno não vem mais.
Tiago começa a falar do grupo e diz que se William não vier mais,
ele (Tiago) irá à sua casa. Ou seja, não adiantaria William não vir aqui,
porque Tiago sentiria saudade e o encontraria.
Volta para o assunto de rasgar o desenho de William no início
desse atendimento – queria que ele chorasse. William diz que não vai
chorar, nunca mais.
Tiago pergunta para uma das terapeutas se ela é maior do que ele
e se é forte – associamos ao início da sessão – quer saber se pode contê-
lo e ajudá-lo a integrar seus aspectos agressivos.
405
Algumas considerações sobre a evolução dos grupos
Após muitos anos de trabalho em coterapia com grupos de
crianças com transtornos graves, observo que, inicialmente, os membros
do grupo estabelecem um vínculo privilegiado com um dos
psicoterapeutas, que exerce, na situação transferencial, a função materna
caracterizada por uma situação fusional na qual o bebê alucina o seio e tem
a ilusão de tê-lo criado; denotando um estágio grupal de não integração.
Essas crianças também mantêm entre si um aparente isolamento.
Entretanto, existe entre elas um tipo de comunicação pré-verbal difícil de
detectar, que só pode ser percebida posteriormente, quando alguma
criança fala o que observa nos outros e em si mesma, ou se dirige aos
outros utilizando seus nomes.
Bleger denomina este nível de sociabilidade grupal de sociabilidade
sincrética, diferenciando-a de um nível organizado de sociabilidade
(sociabilidade de interação). Define-a como “um tipo de relação que é,
paradoxalmente, uma não relação no sentido de uma não individualização
que se impõe como matriz ou como estrutura básica de todo grupo e que
persiste, de maneira variável, durante toda a vida deste” (Bleger,
1980/2011, p. 85).
Esse tipo de vínculo vai se transformando numa relação mais
diferenciada, que permite, em certa medida, o desenvolvimento da
identidade e do sentido de realidade. É um momento no qual as crianças
falam sobre si mesmas e suas relações de maneira mais discriminada, e
mostram um desenvolvimento da capacidade de pensar.
Ilustração – 1999 – Centro de Referência em Saúde da Criança
O grupo era constituído por meninos de dez a doze anos:
Américo, Roberto, Ricardo, Geraldo e Armando, uma psicoterapeuta e
um psicoterapeuta.
Nos primeiros encontros, esses meninos repetiam atividades
solitárias e não interagiam entre si.
Ricardo falava, quase ininterruptamente, como se estivesse
conversando com pessoas externas ao grupo; era como um monólogo,
onde não eram aceitos interlocutores.
406
Américo brincava com carrinhos, produzindo uma diversidade de
sons bastante altos. Ocasionalmente se dirigia a mim, com perguntas: “Por
que você tossiu?” “Você tem filha?” “Me dá um carrinho?”
Roberto mantinha-se a maior parte do tempo calado e fazia
caretas, quando falava dizia estar ficando quente e vermelho. Seu
interlocutor preferido era o psicoterapeuta do grupo.
Geraldo costumava derrubar os bonecos da família e perguntar a
qualquer dos psicoterapeutas se o boneco tinha se machucado.
Armando produzia desenhos que denotavam uma minuciosa
capacidade de observação e os mostrava, preferencialmente, para o
psicoterapeuta do grupo.
O momento no qual ocorreu outra possibilidade de comunicação
entre eles se iniciou com perguntas que Ricardo me dirigia: “Rose, você
tem pai? Vai se casar com ele?” E outras indagações, insistindo em saber
se eu tinha pênis. Respondi que ele estava tentando me conhecer e
entender, junto comigo, quais eram as nossas diferenças.
Roberto reagiu a essa situação comentando com o psicoterapeuta
que Ricardo estava dizendo coisas feias. Pedia claramente que ele
assumisse a função de interdição. Entretanto, o psicoterapeuta afirmou
que ali podíamos falar sobre essas coisas.
Imediatamente Ricardo se dirigiu a Roberto: “Sai fora, moleque!”
Então começou a fazer perguntas a todos: “Américo, seu pai fuma?”
“Armando, você tem pai, vai se casar com ele?” “Geraldo, você faz xixi na
cama?” Uns não respondiam, outros mandavam calar a boca. Ricardo
xingava e atirava objetos.
Roberto disse que Ricardo era louco. E aproveitou para expressar
sua opinião a respeito dos demais: “Américo tem barulho de carros na
cabeça e Geraldo é um palhaço”. Referiu gostar muito das suas
“amiguinhas letras”. Mas as pessoas não são tão amigas; aliás, nesse
momento eram ameaçadoras. Ele também começou a jogar coisas nos
outros.
Nesse momento os psicoterapeutas assumiram a função de
interdição solicitada um pouco antes: proibimos a agressão física.
Durante esses acontecimentos Geraldo se manteve agachado
movimentando ambos os braços, distante o máximo possível.
407
Américo trocou os carrinhos por uma espada que puxava das
costas gritando: “eu tenho a força!” Transformando-se em He-Man,
procurava se proteger de possíveis ataques.
Armando permanecia no mesmo lugar desenhando figuras
mínimas ou fazendo contas. Se lhe era dirigida alguma agressão, gritava:
“Não!” Perguntava: “Eu gritei? Eu disse que não quero?” E concluía: “Eu
defendi!”
O ataque, nessa situação, era uma forma tanto de constituir os
objetos como de constituir os sujeitos, uma possibilidade de integração da
agressividade.
Os integrantes do grupo falavam manifestamente do outro, mas
internamente estavam iniciando um processo de discriminação.
Começavam a se ver e a ser objetos para si próprios, já que reconhecer a
loucura do outro é também reconhecer seus próprios atributos.
Os grupos com familiares de crianças com transtornos mentais graves
Esses grupos constituem um espaço de escuta aos familiares, onde
podem aparecer as dificuldades com os filhos e que possibilitam aos
participantes, ao trazerem a si mesmos, construírem vínculos com a
instituição, com os profissionais e também com os outros pacientes.
O atendimento a grupos de familiares suscita algumas questões,
que serão retomadas ao final da ilustração:
Quanto à obrigatoriedade de participação: que repercussões
pode trazer?
Quanto à montagem do grupo: o fato de serem familiares de
crianças com transtornos mentais graves traz alguma característica
específica?
Ilustração – 2005 – CAPSi50
Abordarei um grupo de familiares de crianças de seis a oito anos,
com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, atendido desde
fevereiro de 2004 com a mesma configuração.
50 Parte do artigo Toledo (2006).
408
O grupo de crianças era atendido duas vezes por semana em
coterapia por duas profissionais do CAPSi, participava de oficinas e lanche
coletivo; o grupo de familiares era atendido uma vez por semana no
mesmo horário de um dos grupos das crianças. Usarei nomes fictícios que
serão apontados como participantes das sessões. O nome entre parênteses
refere-se aos filhos.
Iniciarei com uma sessão cuja dinâmica vinha sendo bastante
frequente. Quando um determinado membro do grupo trazia uma
questão, acontecia o seguinte com os outros: cada um falava do seu
próprio filho e não falava de si mesmo; pareciam concentrar-se no grupo
incapacidades, impotências e fracassos. A minha tentativa naquele
momento era legitimar as capacidades e incapacidades de cada um.
Sessão de fevereiro de 2005
Presentes: Sérgio (Nicolau), Rute (Marcos), Aparecida (Francisco),
Júlia (Ernesto). Ausente: Dalva (Alfredo).
Rute: “Vocês estão ouvindo? [Refere-se ao filho, que está gritando
desde que chegaram, há aproximadamente vinte minutos. Agora ele está
assim, grita sem parar; antes respeitava a minha filha, se ela mandava parar,
obedecia; agora nem ela. Eu não aguento mais!”
Júlia: “Nossa! O que está acontecendo com ele?”
Rute: “Quando ele quer alguma coisa e não consegue, começa a
gritar desse jeito. Ele quer mexer em tudo, não para nem para ver televisão.
Coloquei uma tramela na porta do quarto para ele não sair enquanto eu
estou na cozinha, porque tenho medo que mexa nas panelas e se queime;
quando estou cozinhando minha filha fica com ele no quarto. Outro dia,
ele levantou cedo, umas seis horas, ouvi o barulho e fiquei bem quieta, um
olho aberto, o outro fechado para ele não perceber que eu estava acordada,
ele ficou olhando para a porta, olhava para a porta e para a tramela, pensei
– ele quer sair, mas continuei lá quietinha, e ele lá, aí ele pegou uma cadeira,
encostou-a na porta e subiu para abrir a tramela, falei com ele, perguntei
o que estava fazendo, ele começou a gritar, desceu da cadeira, ficou ao
lado da porta gritando e chorando, só parou quando eu abri a porta. Ele
não é bobo, quando estou indo com a farinha já veio com o pão.”
409
Sérgio: “O Nicolau, depois que entrou na escola, está chorando
menos e está falando um pouco mais, ele repete as coisas que a gente fala.
Também chora quando não quer fazer alguma coisa, ele me obedece mais
do que obedece à mãe.”
Júlia: “O Ernesto também faz birra; antes eu brigava, ficava brava,
mandava parar e percebi que não adiantava, agora eu deixo, não dou nem
bola. E ele faz isso pra chamar a atenção, porque eu não faço nada e ele
fala: ‘fica quieto’ para ele mesmo.”
T: “Será que eles também choram, gritam e fazem birra para
comunicar alguma coisa que está acontecendo com eles?”
Rute: “Eu não tinha pensado nisso. O Marcos antes falava poucas
palavras, ele parou de falar, não fala mais nada, não quer mais falar, grita e
não sai uma lágrima, ele sabe que me irrita.”
Aparecida: “O Francisco também me deixa nervosa, ele não para,
mexe em tudo, aprendeu a mexer no som, ele canta e gosta de dançar.”
Júlia: “O Ernesto também gosta de som, mas ele não sabe falar
som; eu peço pra ele repetir e ele fala pria, não sei de onde tirou essa
palavra.”
Rute: “Eu acho que eles são muito inteligentes e vou defender uma
tese: o meu filho sabe o meu ponto fraco, resolveu na cabeça dele que vai
me deixar louca e não vai descansar enquanto não conseguir.”
T: “Você acha que pode fazer alguma coisa pra evitar que isso
aconteça?”
Rute: “Não sei.”
A próxima sessão é representativa de uma mudança nessa
dinâmica. Após uma mudança concreta, quando os membros do grupo
resolveram trocar os lugares que ocupavam regularmente na sala de
atendimento, passaram a falar de si mesmos; aparentemente, abrindo um
espaço para poder suportar as frustrações e o convívio com as diferenças.
Sessão de agosto de 2005
Presentes: Maria (Nicolau), Rute (Marcos), Aparecida (Francisco),
Júlia (Ernesto), Dalva (Alfredo).
Rute: “Vamos trocar de lugares? Não quero ser autista e
permanecer sempre no mesmo lugar.”
410
T: “O que vocês acham?”
Júlia: “Eu acho bom e já estou mudando de lugar.”
Eu e Aparecida permanecemos nos nossos lugares.
Aparecida: “Vamos ficar nos mesmos lugares?”
T: “Você quer mudar?”
Aparecida: “Quero!”
T: “Então vamos.”
T: “Como estão se sentindo nesses lugares?”
Rute: “Estranha.”
Júlia: “Diferente, mas é bom.”
Dalva: “Não sei.”
Aparecida: “Eu gosto, sempre gosto de agitação.”
T: “Estamos numa disposição diferente e vocês resolveram
experimentar isso aqui – mudar de lugar, vamos ver como será.”
[Breve silêncio]
Dalva: “Tenho medo de andar com o Alfredo e ele começar a
gritar pela rua.”
Rute: “Eu tenho medo de escada rolante, de elevador.”
Aparecida: “Tenho medo de morto.”
Júlia: “De morto? Já está morto! Eu tenho medo de vivo, pode me
ferrar, como a minha sogra.”
Maria: “Tenho medo dessa escada, sei que posso subir, mas
sempre desço com medo de cair.”
T: “Hoje vocês mudaram de lugares e mudou também outra coisa
neste grupo – vocês estão falando de vocês, dos medos que vocês sentem,
não só dos medos que os seus filhos sentem e do que eles provocam em
vocês.”
Rute: “Eu não sei se isso é medo, mas eu gosto de ficar sempre no
mesmo lugar, eu gosto de ficar sempre no mesmo cantinho na minha casa,
eu gosto sempre de ficar na mesma cadeira aqui, por isso quis mudar.”
Inicialmente, farei uma observação sobre a primeira sessão desse
grupo: ela não parece muito diferente das que ocorrem em outros grupos
de familiares de crianças. Quem trabalha com grupos em instituições de
saúde costuma mencionar que não falar de si, mas sim do próprio filho é
bastante frequente em grupos de pais.
411
Assim, entendo que ter um filho com Transtorno do Espectro
Autista é um fator aleatório – vêm pessoas muito diferentes. E bastante
diferentes daquelas descritas como “pais intelectuais” e “mães geladeiras”,
que povoam parte das representações culturais sobre o autismo.
Concordo com Cavalcanti e Rocha, quando afirmam que:
O pressuposto de que as mães [de crianças autistas] não eram
capazes de perceber o mal-estar do bebê... foi aos poucos abalado
pelos inúmeros relatos testemunhados ao longo de nossa
experiência clínica, que demonstraram como muitas vezes foram
as mães que deram o sinal de alerta. (2007, p. 61)
Quanto à obrigatoriedade da frequência ao grupo, considero um
fator pouco relevante – o que importa é a experiência que estão tendo no
grupo. Nesse grupo acontecem poucas faltas, indicando que seus
participantes aderiram à proposta de tratamento com abordagem grupal
às crianças e seus pais.
O grupo configura-se como um espaço para troca de informações,
reflexões, processos identificatórios e experiências emocionais com
potencial terapêutico.
As ilustrações apresentadas neste capítulo referem-se a grupos
psicoterápicos. É importante lembrar que vários outros tipos de grupos
podem ser desenvolvidos com crianças com transtornos mentais graves
em instituições públicas de saúde, tais como grupos operativos, atividades
comunitárias visando à integração da criança e do adolescente na família,
na escola, na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social;
terapia familiar; oficinas terapêuticas; grupos de familiares; atividades
culturais, entre outros.
Considerações finais
O trabalho aqui descrito fez parte de um contexto
histórico/institucional baseado no trabalho de equipes multiprofissionais,
com reuniões clínicas semanais e submetido à supervisão clínico-
institucional com alguma frequência, esta demandada intensamente pelas
equipes.
A última equipe da qual participei, o CAPSi, desenvolvia ações
com o objetivo de constituir parcerias com outras instituições implicadas
412
nos cuidados e atenção à infância, tais como fóruns e discussões clínicas
com profissionais da saúde e da educação e do Conselho Tutelar e
Judiciário. Os profissionais também participavam de reuniões de discussão
clínica em Saúde Mental no seu território e de um movimento de proteção
social que promovia atividades intersetoriais vinculadas à infância e à
adolescência.
Considero que o histórico do trabalho com crianças com
transtornos mentais na saúde pública da cidade de São Paulo dá uma ideia
das práticas relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes, nos
ajuda a entender suas transformações, suas permanências, seus desafios e
a importância do fazer criativo nessa área.
Atualmente, o trabalho com crianças com transtornos mentais
graves em instituições públicas de saúde vem sendo desenvolvido pelos
CAPSi, propostos a partir de 2002 e consolidados em 2010 na IV
Conferência Nacional de Saúde Mental – Saúde mental na infância,
adolescência e juventude: uma agenda prioritária para a atenção integral e
intersetorialidade. Os CAPSi, que acabaram de fazer 18 anos, têm uma
proposta focada na atenção efetiva, personalizada e promotora de vida à
população infantojuvenil, realizando acompanhamento clínico, reinserção
social e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Trata-se de um
equipamento onde o trabalho em grupo é essencial: os atendimentos são
realizados em grupo e os profissionais trabalham em grupo. Nesse sentido,
é importante o investimento na formação permanente dos profissionais
que trabalham nesse contexto, por meio de cursos de aprimoramento no
trabalho com grupos e de supervisões clínico-institucionais.
Referências
Bleger, J. (2011). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (4ª ed.). São Paulo:
WMF Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)
Brasil (2015). Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro
do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de
Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,
Departamento de Atenção Especializada e Temática.
Cavalcanti, A. E. & Rocha, P. S. (2007). Autismo: construções e desconstruções
(3ª ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.
413
Pichon-Rivière, E. (2009). O processo grupal. São Paulo: WMF Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1982)
Toledo, R. P. (1990). A incorporação do social na relação psicólogo-cliente em uma
instituição pública de saúde. Dissertação de Mestrado em Psicologia
Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP,
Brasil.
Toledo, R. P. (2006). A experiência de atendimento a um grupo de
familiares em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi).
Vínculo, 3(3), 71-78.
Winnicott, D. W. (1993a). Desenvolvimento emocional primitivo. Em:
Textos selecionados da pediatria à psicanálise (pp. 269-285). Rio de Janeiro:
Francisco Alves. (Trabalho original publicado em 1945)
Winnicott, D. W. (1993b). Aspectos clínicos e metapsicológicos da
regressão dentro do setting psicanalítico. Em: Textos selecionados da
pediatria à psicanálise (pp. 459-481). Rio de Janeiro: Francisco Alves.
(Trabalho original publicado em 1954)
415
21 Psicoterapia psicanalítica de casal:
teoria, prática e pesquisa Tânia Aldrighi Flake
Este capítulo apresenta o cenário da psicoterapia de casal na
prática clínica moderna, a partir dos fundamentos teóricos, das pesquisas
e dos desafios para esta modalidade de atendimento grupal.
Há uma diversidade de abordagens que foram desenvolvidas
recentemente e elas têm fortes impactos sobre a prática, a formação e a
pesquisa.
O capítulo está organizado de forma a oferecer uma noção clara
da história, do status atual, do processo de formação, juntamente com seus
fundamentos teóricos e práticos que atuam numa perspectiva de saúde,
com o recorte da psicoterapia de casal de base psicanalítica.
Para tanto, iniciamos com a conceituação da psicoterapia de casal,
da sua importância para a prática clínica e os motivadores para a busca de
psicoterapia de casal. Na sequência apresentamos a trajetória da
constituição desta prática tanto no cenário internacional como no Brasil e
de como a diversidade teórica permitiu a consolidação desta modalidade
psicoterápica. Com base neste conjunto, apresentamos os fundamentos da
psicoterapia de casal psicanalítica, com destaque ao referencial teórico da
psicanálise das configurações vinculares, seus principais representantes e
conceitos norteadores da prática. Por fim, finalizamos com o status atual
da pesquisa neste campo específico do conhecimento, seus desafios e a
formação do psicoterapeuta de casal e família.
Conceituação
O termo aconselhamento matrimonial, psicoterapia conjugal e
psicoterapia de casal são nomes diferentes utilizados para descrever o
mesmo processo, com a diferença geralmente baseada na perspectiva
416
teórica que fundamenta a prática ou do reflexo da história do processo de
consolidação desta modalidade.
Recentemente, o termo psicoterapia de casal substituiu o termo
historicamente mais familiar, psicoterapia conjugal, por causa de sua
ênfase no vínculo entre duas pessoas. O termo psicoterapia conjugal ainda
é comumente usado, e ambos os termos se destinam a se referir a casais
em processo de psicoterapia (Gurman, 2008).
Em linhas gerais, a psicoterapia de casais enfoca os problemas
existentes no relacionamento de intimidade, de longo prazo, entre duas
pessoas. A proposta central é ajudar os parceiros a identificar os conflitos
em seu relacionamento e a decidir quais mudanças são necessárias, na
convivência e no comportamento de cada parceiro, para que ambos se
sintam satisfeitos com a relação (Gurman, 2008).
Importância da psicoterapia de casal
Mudanças culturais nas últimas décadas têm um enorme impacto
no casamento, nas expectativas e na experiência de quem casa ou
permanece em relacionamentos de intimidade por um longo período.
A lei do divórcio, atitudes mais liberais em relação à expressão
sexual, maior disponibilidade de métodos contraceptivos e as mudanças
no papel da mulher impactaram no aumento das expectativas e nos
requisitos do casamento para além da procriação e da manutenção de um
poder econômico.
Por outro lado, se considerarmos da perspectiva do
desenvolvimento humano, para a maioria dos casais, que se encontra na
fase do adulto jovem, o casamento é uma fonte primária de apoio e
companheirismo, como também um contexto facilitador para o
crescimento pessoal.
Por que os casais procuram psicoterapia?
De acordo com Johnson e Denton (2002), a procura para a
psicoterapia de casal é motivada pela ameaça à segurança e estabilidade
nos relacionamentos com uma das figuras de vinculação mais significativa
da vida adulta. As razões mais comuns para a procura ou encaminhamento
de casais à psicoterapia estão aquelas que envolvem assuntos relacionais,
417
como dificuldades para resolução de problemas, relações e disputas de
poder, dificuldades de comunicação, ciúme, relação extraconjugal,
conflitos de valor, insatisfação sexual, violência, entre outros.
O caminho histórico
Compartilhamos da compreensão de que ter alguma exposição às
origens históricas e conceituações em evolução, no caso da psicoterapia
de casal, de maneira mais ampla é um componente importante para a
introdução de um aluno no campo de atuação.
Uma breve revisão da evolução da histórica da psicoterapia de
casal pode ajudar em grande parte a compreender a terminologia e a
própria diversidade teórica em que esta modalidade de psicoterapia se
apresenta.
A terapia conjunta, o formato quase universalmente dominante na
qual a psicoterapia de casal é praticada hoje em dia, não começa a ser
praticado regularmente até meados do final da década de 1960. No
entanto, é um movimento que tem períodos distintos, iniciando-se com
aproximações de um suporte teórico, sem uma proposta psicoterápica
(Gurman, 2008; Nichols & Schwartz, 2007).
O primeiro momento, entre 1930 a 1963, é caracterizado e
conhecido por aconselhamento matrimonial, praticado por muitos
profissionais, como ginecologistas, obstetras, pastores, que hoje não
seriam considerados “especialistas em saúde mental”. Esse
aconselhamento era tipicamente muito breve e bastante didático, focado
no presente e limitado à percepção da experiência, sobretudo pautado em
procedimentos adequados à adaptação da família a papéis conjugais e
valores da vida vigentes na época (Gurman, 2008; Nichols & Schwartz,
2007; Pignataro et al., 2019).
Gurman e Fraenkel (2002) denominam este período de
“experimentação psicanalítica”, uma vez que o aconselhamento matrimonial,
não tendo teoria ou técnica própria para falar, foi sendo desenvolvido a
partir de um conjunto frouxo e unido de ideias e intervenções do que era
então a única abordagem geral influente à intervenção psicoterápica, a
psicanálise, em suas muitas formas e variedades.
418
Além disso, neste período as primeiras tentativas do modelo
psicoterápico foi iniciado por alguns psicanalistas considerados ousados,
ao tentar ajudar casais disfuncionais, reunindo-se em conjunto com os
membros da mesma família, uma prática proibida na época, que os
colocaram numa posição marginalizada, não só do mundo da psicanálise,
como também da psicologia clínica, portanto, movimento fadado a
desaparecer.
Um segundo momento que vai dar suporte para um modelo de
psicoterapia é o surgimento do movimento psicoterápico revolucionário
conhecido como “terapia familiar”. A grande maioria dos pioneiros e
fundadores da terapia familiar, como Boszormenyi-Nagy, Bowen,
Jackson, Minuchin, Whitaker e Wynne, eram psiquiatras com formação
psicanalítica, que ficaram descontentes com o conservadorismo e não
exploração de novos modelos de compreensão de distúrbios psicológicos
e métodos para ajudar pessoas com dificuldades relacionais no grupo
familiar. Esses líderes criticaram o espírito de liderança
predominantemente individual de quase todo pensamento psicanalítico. E
assim, distanciando-se do círculo psicanalítico, eles inevitavelmente
abandonaram os conselheiros matrimoniais. À medida que a terapia
familiar ascendeu através de sua “era de ouro” de 1975 a 1985, o
aconselhamento e a psicoterapia matrimonial, embora certamente ainda
praticados, recuaram para o fim da linha (Gurman, 2008; Nichols &
Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).
Neste período alguns grupos começam a surgir e dar base para o
movimento, como, por exemplo, o grupo de fundadores do famoso
Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, Califórnia, criou conceitos
influentes como duplo vínculo, homeostase familiar, padrão familiar e libido
conjugal, tornando-se conceitos presentes em toda a psicoterapia de casal.
Virginia Satir foi uma figura clínica de grande destaque com ideias
que semeavam uma proposta com maior consistência para a prática,
específica, da psicoterapia de casal. Satir, única mulher, pioneira, logo foi
marginalizada por valores terapêuticos decididamente mais “masculinos”,
como racionalidade e atenção à dimensão de poder no relacionamento
íntimo, sendo referida por profissionais de expressão na época, como uma
“pensadora ingênua e confusa (Nichols & Schwartz, 2007).
419
Murray Bowen, a partir de uma base psicanalítica, foi o primeiro
teórico clínico em psicoterapia familiar a abordar questões
multigeracionais e transgeracionais. Suas contribuições mais duradouras se
concentram na díade conjugal, com ênfase no bloqueio de processos
patológicos de transmissão multigeracional. Deu muita atenção às
maneiras sutis pelas quais os casais angustiados, pareciam capazes de
triangular intuitivamente uma terceira força, seja um parceiro de negócios,
um membro da família ou até mesmo valores e padrões abstratos, para
estabilizar uma díade em risco de sair do controle (Gurman, 2008; Nichols
& Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).
Ao contrário de Satir, Bowen atuou intensamente como formador
criterioso, acreditando que o conflito entre duas pessoas se resolveria se
ambos permanecerem em contato emocional com uma terceira pessoa, no
caso a figura do psicoterapeuta, que pode se relacionar ativamente com
ambas sem tomar nenhum partido (Gurman, 2008).
O terapeuta familiar da “era de ouro”, cujo trabalho teve mais
impacto na prática da psicoterapia de casal, foi Jay Haley. Seu artigo de
1963, intitulado Terapia matrimonial, sem dúvida marcou o momento
decisivo no qual a terapia familiar incorporou e usurpou o pouco que
restava nos domínios do aconselhamento matrimonial e das bases iniciais
alicerçadas na psicodinâmica. O referencial sistêmico passa a ter um
grande domínio no desenvolvimento da psicoterapia familiar e,
consequentemente, no movimento que começa a propiciar as bases do que
mais tarde vai se constituir de forma consistente, a psicoterapia de casal
(Gurman, 2008, Nichols & Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).
Abordagens de orientação psicodinâmica tiveram seu espaço, por
vias diferentes. Primeira, a teoria das relações objetais, com um
desenvolvimento lento, mas consistente, tanto nos Estados Unidos
quanto no exterior. Segunda, os conceitos psicodinâmicos ressurgiram na
psicoterapia de casal por meio da incorporação em modelos de tratamento
integrativos mais recentes e pluralistas (Gurman, 2008).
A partir da década 1950, esforços para o trabalho com casais,
famílias, grupos e instituições emergiram do campo da psicanálise com
fortes influências das escolas inglesa, francesa e argentina (Bigliani, 2009;
Sei & Gomes, 2017).
420
Bion é sem dúvida um dos precursores mais importantes na
psicanálise do trabalho com grupo, com a descrição dos processos básicos
que operam neles, influenciando a pesquisa com grupos e famílias no
mundo todo. Já da escola francesa encontramos as contribuições de Didier
Anzieu e René Kaës, pioneiros em questionar sobre a possibilidade de o
grupo ser objeto de estudo da psicanálise (Bigliani, 2009).
Podemos dizer que as contribuições teóricas de Bion e Anzieu
permitiram considerar um novo construto teórico do pensamento, dando
origem à chamada "teoria dos grupos". Por sua vez, Kaës elabora sua
concepção de "aparelho psíquico de grupo" para designar atividade
psíquica do grupo, o sujeito com o grupo e a consistência da realidade
psíquica, relacionando o inconsciente e o espaço intrapsíquico (Bigliani,
2009; Sei & Gomes, 2017).
Das contribuições da escola argentina o grande destaque vem de
Pichon-Rivière que identifica a necessidade de estabelecer uma âncora
entre o social e psicanálise, a fim de desvendar a complexidade do vínculo,
Para tanto propõe entender o indivíduo como uma totalidade integrada
por três dimensões: a mente, o corpo e o mundo exterior, que estão
permanentemente em uma interação dialética. Baseado na prática
hospitalar com grupos formados por pacientes psicóticos, Pichon-Rivière
conceitua a chamada Teoria dos vínculos, que tem sido de grande relevância
para a teoria das configurações vinculares (Bigliani, 2009; Sei & Gomes,
2017).
Atualmente, novas concepções derivadas das propostas iniciais,
como Berenstein, Puget, Kaës propõem um aparato mental pensado em
termos de uma estrutura de vinculação que se desenrola em espaço
intrassubjetivo, interssubjetivo e transubjetivo sociocultural. Berenstein e
Puget irão focar na intersubjetividade e há décadas vieram se dedicando
ao estabelecimento das bases conceituais da psicanálise vincular (Bigliani,
2009; Sei & Gomes, 2017).
Tais contribuições serão exploradas adiante ao tratar
especificamente do referencial teórico da psicanálise das configurações
vinculares, como referencial importante no trabalho com casais e famílias.
Somente em meados da década de 1980, é que a psicoterapia de casal
421
começou a ressurgir com uma identidade bastante diferente daquela da
psicoterapia de família.
A fase de ascensão da psicoterapia de casal nos últimos anos refere-
se a esforços para ampliar seu alcance além de ajudar casais com
relacionamento conflituoso, concentrando-se no papel dos fatores
conjugais na etiologia e manutenção de tais problemas, por um lado, e no
uso da intervenção da psicoterapia de casais no tratamento e, por outro
lado, na redução da gravidade de tais dificuldades.
Outro ponto de destaque está nas amplas perspectivas trazidas
pelo feminismo, multiculturalismo e pós-modernismo. A perspectiva
feminista chamou a atenção de maneira convincente para as muitas
maneiras sutis e implícitas em que o processo de psicoterapia de casal é
influenciado pelos estereótipos de gênero de psicoterapeutas e pacientes.
O multiculturalismo forneceu a base para a compreensão mais
ampla aos profissionais da diversidade da experiência dos casais em função
das diferenças socioculturais, como etnia, religião, estrato social,
orientação sexual, idade e região geográfica. Uma perspectiva multicultural
moderna também enfatizou que as normas relativas à intimidade, ao papel
de várias outras pessoas na vida compartilhada do casal, à distribuição e
uso do poder variam tremendamente entre os casais, dependendo de
muitas das variáveis socioculturais apontadas acima (Gurman, 2008;
Nichols & Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).
O movimento no Brasil
No Brasil a trajetória não foi muito diferente. Na década de 1970,
ainda de forma tímida, vamos assistir a ascensão de forma gradativa deste
movimento em algumas regiões do Brasil e grupos distintos. A abordagem
sistêmica tem um espaço de destaque na inserção deste modelo, tanto nas
discussões, como na criação de institutos e centros de formação (Macedo,
2011).
É no final da década de 1970 e ao longo da década de 1980 que
este movimento se consolida, com início de grandes encontros
promovidos pelas entidades que se propunham a estudar a família. É
destes grupos que, na década de 1980, surgem os primeiros cursos de
formação em terapia familiar, no meio acadêmico, destacando-se os cursos
422
pioneiros na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul e na Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Mathilde Neder, Luis Carlos Osório, Rosa Maria Macedo,
Maria Elisabeth Pascual do Valle, Maria Amália Vitale, Sandra Fedullo
Colombo, Moises Groisman, Gladis Brum, Terezinha Féres-Carneiro, são
alguns destaques desde esta época e continuam atuantes até os dias de hoje
(Cunha et al., 2009; Hintz & Souza, 2009; Macedo, 2011).
A década de 1990 foi repleta de encontros promovidos pelos
grandes centros de formação, culminando em 1994 com a criação da
Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF).
Destacamos o referencial teórico da psicanálise das configurações
vinculares, resultante das repercussões nos meios psicanalíticos argentinos
e brasileiros, com contribuições das ideias das escolas inglesa, francesa e
argentina, mas especialmente com as ideias de Pichon-Rivière, que no seu
conjunto traziam referenciais para o trabalho com grupos, representado
na afirmação de Cunha et al. (2009):
(...) contribuiu muito ao propor uma metodologia de abordagem –
os grupos operativos – aplicável a diferentes propósitos que não
apenas aos grupos terapêuticos. Aqui vale lembrar que, para
Pichon, a “doença” constitui-se a partir do “estancamento do
processo de aprendizagem” e, que para ele qualquer processo
terapêutico produz aprendizagem e que qualquer aprendizagem é
terapêutica. Ao considerar a família como pano de fundo para os
problemas individuais, articulou a idéia de que o membro doente
de uma família é o emergente, o porta-voz da enfermidade familiar
cujo papel é se encarregar como depositário das ansiedades e tensões
– o depositado do grupo familiar – o depositante” (p. 121).
É deste diálogo entre referenciais de base psicanalítica que surge o
Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações
Vinculares – NESME, como o lugar de estudo e de formação para
profissionais que pensavam e atuavam nas diversas configurações do
grupo, entre as quais a de família e casal, surgindo:
(...) como uma ampliação da técnica psicanalítica individual e
grupal e tem na psicanálise de configurações de vínculos as
condições para desenvolver um arsenal teórico que contemple a
423
especificidade da família como elo de ligação entre a constituição
do sujeito biopsicossocial e contexto mais amplo: comunidade,
sociedade e cultura. (Cunha et al., 2009, p. 122)
Semelhante ao movimento da teoria sistêmica com a criação de
institutos e associações no Brasil, a abordagem psicanalítica está
representada pela criação recente da Associação Brasileira de Psicanálise
de Casal e Família (ABPCF) constituída em 2017, que tem sua história
iniciada nos primeiros movimentos da psicoterapia psicanalítica de família
e casal no Brasil. O movimento ganha força em 2004, quando acontece na
França o 1º Congresso Internacional de Psicanálise de Família e Casal, sob
a coordenação de Alberto Eiguer, surgindo a ideia precursora da formação
da Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família. Em 2006 a
ideia começa a ser pensada por um grupo de brasileiros, e desde então, o
processo foi amadurecendo até a sua constituição, quando sediou o VII
Congresso Internacional da AIPCF em 2016, em São Paulo. Nomes
expressivos no cenário nacional e internacional como David Léo Levisky,
Ruth Blay Levisky, Silvia Brasiliano, Magdalena Ramos, Terezinha Féres-
Carneiro, entre outros, estiveram e continuam à frente deste movimento
(ABPCF, s.d., Cunha et al., 2009; Macedo, 2011; Sei & Gomes, 2017).
Como podemos verificar, o movimento no Brasil foi semelhante à
trajetória internacional, a consolidação da psicoterapia de casal não foi
diferente, tendo o seu início partido dos movimentos religiosos que
começam se apropriando do modelo de aconselhamento matrimonial. A
partir da década de 1970, com a consolidação do movimento da
psicoterapia familiar, a psicoterapia de casal tem o seu lugar suportado por
referenciais teóricos, mas ainda à sombra do movimento da psicoterapia
familiar (Cunha et al., 2009; Macedo, 2011).
Nas últimas décadas os métodos de psicoterapia de casal
continuaram a crescer em número, consequentemente, as complexidades
metodológicas e éticas do campo também aumentaram. As questões
principais surgem de temas que envolvem diversidade cultural, como raça,
etnia, classe social, gênero, orientação sexual e religião, adaptando e
modificando suas atividades de avaliação e planejamento de tratamento,
além de perspectivas e estilos de intervenção considerados funcionalmente
adequados à situação em questão (Cunha et al., 2009; Macedo, 2011).
424
A psicoterapia de casal de base psicanalítica
As abordagens modernas da psicoterapia de casal incluem
conceitos importantes da teoria geral dos sistemas, como o estudo da
relação entre componentes de interação de um sistema que existe ao longo do
tempo; da cibernética, que é o estudo dos mecanismos reguladores que
operam nos sistemas por meio de loops de feedback; e a teoria do ciclo vital da
família, que corresponde ao estudo de como famílias, casais e seus
indivíduos se adaptam às mudanças, enquanto mantêm sua integridade
sistêmica ao longo do tempo.
A teoria psicanalítica embasou muito das propostas iniciais do
pensamento sistêmico, por influência de nomes como Ackerman, Bowen,
Minuchin, Selvini Palazzoli, Stierlin, Shapiro, Watzlawick, entre outros.
Nas décadas de 1960 e 1970 as contribuições de Haley, Bateson e
Weakland, os teóricos de comunicação e sistemas do Instituto de Pesquisa
Mental, Satir, Jackson e Riskin, integram a compreensão psicanalítica aos
modelos de sistemas e preservam a preocupação tanto com o indivíduo
quanto com o grupo familiar (Gurman, 2008; Nichols & Schwartz, 2007;
Pignataro et al., 2019).
Nichols e Schwartz (2008) apontam que Zilbach, influenciado por
Erickson, apresentou uma perspectiva de desenvolvimento ao ciclo de
vida da família e descreveu como as mudanças nas necessidades familiares
alteram o funcionamento dos pais como casal, mas o casamento não era
seu foco principal. Embora igualmente rara, a perspectiva de
desenvolvimento do casamento pode ser bastante reveladora para a
compreensão de padrões relacionais e das contribuições intergeracionais.
Gurman (2008) aponta a psicoterapia de casal de relações objetais
a partir do trabalho de Scharff e Scharff (2005), desenvolvida a partir da
teoria psicanalítica das relações objetais, aplicada à terapia familiar e
modificada por ideias da psicoterapia de grupo, depois integrada às
abordagens comportamentais da terapia sexual e inspirada pela teoria dos
sistemas (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002; Nichols & Schwartz,
2007; Pignataro et al., 2019).
Nesta perspectiva os conceitos de transferência e
contratransferência são tão centrais para a psicoterapia de casais quanto
425
são para psicoterapia individual. No tratamento de casais, a
contratransferência é utilizada para entender os déficits na participação
compartilhada do casal, que dificultam fornecer segurança, atender às
necessidades um do outro e conter ansiedade (Gurman, 2008; Gurman &
Fraenkel, 2002). Outro conceito central é a identificação projetiva que
oferece outra lente poderosa, através da qual é possível visualizar o
conflito do ponto de vista psicanalítico. Embora a identificação projetiva,
entendida como uma forma de defesa interpessoal, pela qual as pessoas
recrutam outras pessoas para ajudá-las a tolerar seus próprios estados
mentais intrapsíquicos dolorosos, a maioria das psicologias de base
analítica propõe que não apenas as pessoas percebem inconscientemente
outras com base em suas experiências passadas e necessidades atuais, mas
também tentam inconscientemente atualizar ou estabelecer
relacionamentos de papéis específicos com base nessas experiências e
necessidades (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002).
Essa forma de identificação projetiva ajuda a explicar alguns
“contratos de casamento” inconscientes em que as pessoas procuram
parceiros para elaborar “negócios inacabados”. Em qualquer uma de suas
formas, a identificação projetiva, ao forçar os parceiros a cumprir as
funções prescritas, interfere na intimidade, na solução de problemas e no
bem-estar do casal (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002).
No tocante às contribuições de outras escolas para o enfoque
psicanalítico, a perspectiva intergeracional é um dos pontos presentes na
compreensão das disfunções conjugais. Embora as ideias da transmissão
transgeracional permeiem a maioria das psicoterapias de casal, geralmente
não são reconhecidas como uma escola de pensamento (Andolfi, 2018).
As terapias intergeracionais foram pioneiras na década de 1950,
porém se consolidam a partir da década de 1990, com pensadores
influentes, muito deles vindos de uma formação psicanalítica, como, por
exemplo, Bowen, Boszormenyi-Nagy, Whitaker e Sager. Este grupo
propõe um conjunto de teorias que podem ser agrupadas e se baseiam em
processos familiares construídos entre gerações, a longo prazo, e podem
explicar os problemas enfrentados pelos casais (Andolfi, 2018; Gurman &
Fraenkel, 2002).
426
Na psicanálise esta temática é abordada por representantes da
escola francesa, com destaque para teóricos como Kaës, Eiguer e, mais
recentemente, com Pierre Benghozi. Essas concepções teóricas abordam
o conceito de transmissão psíquica entre as gerações, com discussões
específicas em suas proposições ao longo do tempo, nos permitindo
pensar em um sujeito que é constituído pelas identificações já cristalizadas
e por aquelas constituídas na relação com o outro (Scorsolini-Comin &
Santos, 2016).
Neste sentido Kaës (1998) afirma:
(...) o desenvolvimento de pesquisas sobre a transmissão da vida
psíquica a partir dos novos dispositivos psicanalíticos implica em
um novo modelo de inteligibilidade da formação dos aparatos
psíquicos e sua articulação entre os sujeitos do inconsciente. Essas
investigações criticam as concepções estritamente
intradeterminadas da formação do aparato psíquico e as formações
solipsísticas do indivíduo. (p. 18)
Os trabalhos destes autores possibilitam a compreensão de como
as heranças familiares são transmitidas, modificadas e atualizadas de uma
geração para outra, sendo essencial no trabalho psicanalítico com famílias
e casais, permitindo dialogar com os novos arranjos familiares, conforme
afirma Gomes (2007):
(...) a história familiar herdada das gerações anteriores faz-se
presente na formação do psiquismo do indivíduo. Dependendo do
modo como ele a recebe, pode-se tornar um prisioneiro dessa
herança ou pode-se tornar um herdeiro dela. Tudo dependera ́ da
possibilidade que o psiquismo desse indivíduo tem de elaborar as
heranças psíquicas recebidas. E ́ assim que também ocorre na
formação psíquica do casal, que tem, em sua origem ou
constituição, todos esses movimentos desencadeadores e
determinantes das escolhas e manutenção dos pares conjugais. (p.
57)
Em linhas gerais, tal perspectiva centra a leitura, do material
produzido no encontro terapêutico, na estrutura da família de origem que
envolve, apoia e mantém crenças, valores culturais, religiosos e pessoais,
identidade, legados e interpretações dos eventos vivenciados pelo grupo
427
familiar ao longo das gerações. Decorrente disso, muitas técnicas foram
formadas para permitir que um casal ou mesmo a pessoa no processo de
psicoterapia individual, refletisse sobre os contextos de família de origem,
sem que toda a família estivesse presente. O genograma é o um dos
recursos mais conhecidos e amplamente utilizado por profissionais de
diferentes abordagens, ao fornecer informações sobre as histórias, os
padrões de interação, os legados e as lealdades familiares (Andolfi, 2018;
Gurman, 2002; Scorsolini-Comin & Santos, 2016).
O trabalho de Pichon-Rivière, na Argentina, é igualmente
apontado como de grande influência para o desenvolvimento deste
campo, reconhecido até por autores do grupo francês, pelos “... conceitos
de bode expiatório e porta-voz do grupo anteciparam de certa forma o
conceito sistêmico de paciente identificado, assim como a sua teoria do
vínculo em tudo e por tudo relaciona-se com a visão sistêmica
interacional” (Osório, 2002, p. 55).
Por volta dos anos 1980, as maiores contribuições tanto para o
cenário internacional como nacional são provenientes da Argentina nas
figuras de Janine Puget e Isidoro Berenstein, conforme afirmação de Sei e
Gomes (2017):
(...) ambos os autores são unânimes em afirmar a forte
interferência que sofreram do pensamento de Bleger e,
fundamentalmente, de Pichon-Rivière. É no pensamento desse
último, desenvolvido prioritariamente entre as décadas de 1980 e
1990, que encontrávamos as bases para a compreensão da doença
mental na família através da noção de porta voz ou depositário da
patologia familiar, ou seja, um dos elementos do grupo familiar era
escolhido para ser o depositário de toda a doença daquele grupo,
o paciente identificado, já que a família como um todo dificilmente
se colocava na categoria de “paciente”. (p. 12)
As investigações desses autores respondem à pergunta para
entender o vínculo com o outro. Eles propõem entender a subjetividade
como a construção de três espaços psíquicos: o intersubjetivo,
intrasubjetivo e transobjetivo. Puget e Berenstein definem a relação
intrasubjetiva como aquela que é armazenada no mundo interno de
428
objetos com os quais o eu mantém certas conexões (Bigliani, 2009; Sei &
Gomes, 2017).
No que se refere ao intersubjetivo, a presença de outro é essencial
para que exista um vínculo, ou seja, haja uma bidirecionalidade em relação
ao eu, enquanto na relação intrasubjetiva o desejo segue um curso em uma
direção unidirecional. O objeto de estudo é o vínculo, que ocorre na
intersubjetividade, ou seja, no contato com o outro. No plano
intersubjetivo, ocorre bidirecionalidade, isto é do consciente ao
inconscientemente, há alguma interferência pela presença de outro
(Bigliani, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2016; Sei & Gomes, 2017).
A disseminação desta vertente está representada pela Associação
Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo (AAPPG) que, ao longo
de mais de 50 anos congrega um lugar para pensar e produzir
conhecimento sobre a psicanálise da configuração vincular. Uma
instituição, juntamente com tantas outras, com fortes laços com
instituições formadoras no Brasil, que se propõe a pensar e debater sobre
as questões que, atualmente, tornaram a psicanálise vincular mais
complexa (AAPPG, s/d).
Representantes deste movimento, como também de grupos
atuantes no Brasil, buscam atualizar e adequar a proposta clínica da
psicanálise da configuração vincular ao levar em conta não somente a
diversidade das configurações como as transformações inerentes a novas
formas de pensar, ditadas pelos novos paradigmas da ciência e por
concepções filosóficas próprias de nosso tempo. Podemos exemplificar
tais características na afirmação de Rojas (2000):
Caracterizar a la familia como organización abierta en constante
devenir, supone también situarla en el entramado sujeto-vínculo-
cultura. Constituye un profundo cambio para el psicoanálisis
concebir la conexión sujeto-vínculo-cultura como una red en la
cual las tres dimensiones se entretejen de modo indisociable y
carecen de extraterritorialidad unas respecto de las otras. Es
posible pensar estas dimensiones formando parte de un tejido,
cada una de ellas con su peculiar configuración abierta; de tal
manera no se indiscriminan ni se separan (p. 93).
429
Como podemos verificar, a conquista da psicanálise na
psicoterapia de casal tem um longo caminho percorrido, consolidando
grupos de profissionais e de formação nesta vertente do pensamento, com
a psicanálise da configuração vincular como referencial de destaque nas
práticas e pesquisas com casais e famílias (Bigliani, 2009; Scorsolini-Comin
& Santos, 2016; Sei & Gomes, 2017).
A estrutura do processo terapêutico
As três questões centrais envolvidas na estrutura da psicoterapia
de casal são: quem participa, por quanto tempo e com que frequência.
Muitas abordagens à psicoterapia de casal, com uma lógica muito
convincente e como uma questão de protocolo padrão, organizam
reuniões individuais com cada parceiro durante a fase inicial, de avaliação
do trabalho. Outras abordagens são muito abertas a reuniões individuais
intermitentes por razões muito focadas e claras, embora geralmente
apenas para fins estratégicos muito específicos, como, por exemplo, para
ajudar a apaziguar cada parceiro em um casamento instável e altamente
disfuncional.
No outro extremo, existem modelos de psicoterapia de casal que,
por razões igualmente convincentes, nunca, ou quase nunca, permitem
que o profissional se encontre com parceiros individuais. Esse aspecto
específico da estrutura da psicoterapia de casal em relação se podem
ocorrer ou não as sessões individuais é uma das decisões práticas mais
importantes a serem tomadas pelos psicoterapeutas de casal,
independentemente de suas orientações teóricas preferidas. Embora à
primeira vista pareça ser uma questão aparentemente simples, a
organização e os procedimentos do psicoterapeuta sobre como a decisão
é abordada e implementada podem ter implicações realmente profundas
no estabelecimento e manutenção de alianças terapêuticas e na
compreensão de posições básicas sobre o que, ou quem é (ou tem) o
problema (Cordioli & Gevet, 2018; Gurman, 2008).
Outras questões, recorrentes na prática clínica, como a inclusão ou
não da figura do coterapeuta, suas vantagens e desvantagens; a frequência
das sessões; a comunicação com outros terapeutas envolvidos nas terapias
individuais; como são definidos os contatos com o casal fora do processo,
430
são desafios daqueles que trabalham com casais para manter a consistência
na sua prática (Cordioli & Gevet, 2018).
Pesquisa
Apesar da crescente importância recente do estudo científico de
processos e resultados terapêuticos no trabalho com casais, a pesquisa
sobre os padrões de interação clinicamente relevantes dos casais e sobre a
própria intervenção clínica nem sempre foi uma marca registrada desse
domínio da psicoterapia.
Nas últimas décadas evidenciou-se atenção a ampla variedade de
questões muito mais sofisticadas e clinicamente relevantes sobre a
psicoterapia de casal, quando comparada com o início deste movimento.
Tais questões investigadas abordam temas como, a eficácia e a efetividade
dos diferentes métodos da psicoterapia de casal, os fatores que predizem
a capacidade de resposta ao tratamento, o impacto da psicoterapia de casal
no tratamento e distúrbios individuais, entre outras.
Podemos verificar um grande avanço desta modalidade na
produção de conhecimento na revisão sobre a história da terapia de casal
descrita por Gurman e Fraenkel (2002) na seguinte afirmação:
(...) nenhum outro método coletivo de intervenção psicossocial
demonstrou uma capacidade superior de efetuar mudanças
clinicamente significativas em tantas esferas da experiência
humana quanto as terapias de casal, e muitas ainda nem mostraram
uma capacidade comparável. Ironicamente, apesar de sua longa
história de lutas contra a marginalização e o empoderamento
profissional, a terapia de casal emergiu como uma das forças mais
vibrantes em todo o domínio da terapia familiar e da psicoterapia
em geral (p. 248).
Um grande desafio está na compreensão dos fatores envolvidos na
busca e escolha do cônjuge, pois implica num processo de negociação e
resolução das diferenças entre a necessidade individual e aquela de abrir-
se ao outro, em um movimento relacional. Consequentemente, a questão
da intimidade e de poder nos relacionamentos íntimos é crucial para
compreender os padrões de resolução de conflito e se a resolução
envolverá comportamento violento como parte deste padrão. Assim,
431
surpreendentemente, pouca pesquisa tem sido feita de forma a explicitar a
contribuição desses fatores para a conclusão bem-sucedida da intimidade
como uma tarefa central do desenvolvimento humano (Anton, 2012;
Aznar-Martínez et al., 2014; Consoli et al., 2018).
O mesmo pode ser dito em relação a namoro, etapa do
desenvolvimento do relacionamento romântico, quer da perspectiva do
desenvolvimento individual quer do desenvolvimento da família, tem sido
pouco explorado pelos pesquisadores e clínicos. Encontram-se referências
na literatura sobre a importância dessa etapa tanto para a constituição da
história da família e da inserção do jovem no mundo adulto, mas para por
aí (Anton, 2012; Consoli et al., 2018).
No Brasil, encontramos representatividade no meio acadêmico nas
pesquisas, referendadas pelo referencial teórico da psicanálise de casal e
família, realizadas pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), nos
últimos 20 anos, produzindo conhecimento na estreita relação entre
pesquisa e clínica, como também na contribuição para a discussão no
processo de formação do psicoterapeuta de casal e família (Sei & Gomes,
2017).
Atualmente, as questões mais atuais presentes na psicoterapia de
casal vêm ganhando espaço, mas precisamos investir mais para conhecer
a realidade brasileira, uma vez que muito do suporte que buscamos para
orientar a nossa prática, ainda, está alicerçado em pesquisas e
conhecimento da realidade de outras culturas.
Formação do psicoterapeuta de casal
De acordo com a trajetória histórica que consolidou a psicoterapia
de casal como uma modalidade de prática clínica, identifica-se que,
independente da concepção teórica adotada, os institutos e centros de
estudos de psicoterapia de casal e família passam a ser o lugar de estudo,
pesquisa, prática e de formação do profissional que se propõe a trabalhar
com famílias e casais.
No quesito formação do psicoterapeuta de família e casal, apesar
de todos compartilharem da importância e enfatizar a própria psicoterapia
como condição do processo de formação profissional, um ponto ainda
pouco explorado e aprofundado diz respeito à importância do trabalho
432
específico da família de origem do profissional que trabalhe com famílias
e casais (Aznar-Martínez et al., 2018).
Nichols e Schwartz (2007) apresentam as ideias Bowen que, desde
a década de 1970, inicia a pesquisa e a prática de formação do
psicoterapeuta de família, com foco na conscientização sobre as próprias
experiências e no manejo dos sentimentos sobre a própria família, para
evitar projetar os próprios sentimentos e experiências em seus pacientes.
Gurman (2008) faz referência a esta prática e aos resultados obtidos por
Bowen, ao apresentar a análise do processo de formação de estagiários que
concluíram os trabalhos a respeito das respectivas famílias de origem.
Estes pareciam possuir mais eficácia clínica do que aqueles que não o
fizeram. Em 1971, ele concluiu que o trabalho focado na criação de
relacionamentos individuais e bem delineados com os pais aumentava o
nível de diferenciação, aumentando a capacidade do terapeuta de
funcionar no casamento, na paternidade e na prática da psicoterapia.
Os profissionais da psicologia ainda prestam pouca atenção ao
efeito que sua profissão exerce sobre si mesmos, apesar de terem estudado
os efeitos de uma variedade de profissões nos profissionais como médicos,
militares de carreira, executivos de empresas, líderes políticos e artistas
estão entre os muitos que foram material de estudo por psicólogos. No
entanto, os psicólogos ainda estudam pouco o efeito que a psicoterapia
exerce sobre suas próprias vidas.
No caso do psicoterapeuta de família e de casal, existem vários
estudos sobre os efeitos de todo tipo concebível de dinâmica familiar
sobre o desenvolvimento das crianças, os filhos de alcoolistas e do
divórcio, entre outros. No entanto, se tem esquecido de investigar a
dinâmica de suas próprias famílias. Embora tenha sido dada atenção
limitada ao efeito da psicoterapia no praticante, menos ainda foi dado ao
efeito na família do praticante.
Explorar sua própria família de origem, como componente do
processo de formação, pode fornecer ideias valiosas para quem inicia nessa
prática.
Considerações finais
433
Conforme podemos constatar ao longo deste capítulo, houve uma
explosão no campo da psicoterapia de casal nas últimas décadas.
Os profissionais da psicoterapia de casal começaram a reunir um
corpo considerável de teoria, pesquisa e prática clínica que se concentram
na tarefa de mudar a natureza e a qualidade dos relacionamentos íntimos.
A psicoterapia de casal também emergiu das sombras da psicoterapia
individual e familiar e tornou-se uma disciplina em si mesma, sendo a
constituição do casal o principal elemento na construção da família.
Um exemplo da consolidação desta modalidade clínica pode ser
evidenciado pela nossa prática profissional a partir da fonte de
encaminhamento. Ao longo da década de 1990 e meados de 2000, os
casais, na sua maioria, chegavam aos consultórios e serviços de saúde, a
partir das orientações de profissionais. Nos últimos anos continuamos a
ter encaminhamentos por estes profissionais, ao mesmo tempo que
verificamos procura crescente pelo próprio casal, que identifica a área de
conflito e a psicoterapia de casal como uma possibilidade de ajuda.
A psicoterapia de casal, por ser ainda um campo novo, está
acumulando arsenal de recursos variados com o qual se propõe a mudar
relacionamentos e, uma vez que um conjunto de técnicas tenha provado
ser eficaz, isso pode subsidiar outras etapas da pesquisa para entender o
funcionamento dos casais.
Em outras palavras, a integração da teoria, da pesquisa e da
intervenção de forma sistemática terá muito a contribuir, não apenas na
facilitação de tecer relacionamentos adultos seguros e produtivos, mas
ampliando nossa compreensão das funções e relações humanas.
Referências
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Belo Horizonte: Artesã.
Anton, I.L. C. (2012). A escolha do cônjuge – um entendimento sistêmico e
psicodinâmico. Porto Alegre: Artmed.
Associación Argentina de Psicologia y Psicoterapia de Grupo. (s/d).
Histórico da AAPPG. Documento acessado em 28 de abril de 2020 em
http://www.aappg.org/historia/
434
Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família. (s/d).
Histórico da ABPCF. Disponível em
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Aznar-Martínez, B., Pérez-Testor, C., Davins-Pujols, M., Aramburu, I., &
Salamero, M. (2014). La alianza terapéutica en tratamiento conjunto
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437
22 Terapia familiar: pensamento sistêmico
na perspectiva integrativa Angela Hiluey
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Vicente de Carvalho
Quando ficamos curiosos, surge um caminho a ser explorado.
Ao se preparar para iniciar este capítulo, vieram à mente da autora
os versos da epígrafe acima, surgidos espontaneamente de sua memória
da infância, indicando o caminho que será aqui explorado.
A estrutura e o objetivo deste capítulo não é discorrer sobre
felicidade, mas sim olhar para situações conjugais e familiares que muitas
vezes levam a um intenso sofrimento, e diante das quais os profissionais
se angustiam e se perguntam: o que se passa que as intervenções propostas
não são eficientes?
Esse capítulo será redigido apoiado em diferentes autores,
estimulando os leitores a buscá-los por si mesmos enquanto acompanham
a autora no delineamento de seu projeto para estruturação de práticas
condizentes com os dias atuais. Ou seja, o objetivo da autora é incentivar
o leitor a refletir sobre os dados e resultados de sua prática, e não escrever
sobre o conhecimento teórico necessário para a prática com casais e
famílias, que é vastíssimo e pode ser buscado a partir de algumas diretrizes
que serão apresentadas ao longo deste capítulo.
Refletir ancorados em dados decorrentes da prática e nos
alinhamentos possíveis a partir dessa prática, poderá nos permitir
visualizar novas perspectivas para o fazer psicoterapêutico, assim como
438
poderá nos levar a nos darmos conta do que necessitamos para ter uma
atuação de melhor qualidade.
Na pós-modernidade já não se acredita que a responsabilidade
pelos resultados insatisfatórios seja somente do psicoterapeuta ou, ao
inverso, somente dos resistentes pacientes. Esse tempo foi ultrapassado e
atualmente acreditamos que tanto psicoterapeutas quanto casal e família
estão implicados na situação vivida, escrevem o enredo no caso de um
atendimento psicoterapêutico. O terapeuta assume a responsabilidade
advinda de sua especialização, assim como cada membro da família
assume sua responsabilidade de modo ponderado e proporcional a sua
posição na família. (Linares, 2014)
Vamos aqui apresentar um caso, considerado a partir do
referencial teórico do profissional que se ocupa do mesmo. No corpo
deste trabalho vamos oferecer algumas diretrizes sobre esse referencial
teórico bem como sobre o processo de formação do profissional, os quais
se refletem sobre os dados de seus atendimentos.
O caso que vai nos acompanhar nesses escritos vem do filme
Cruzeiro em família, que pode ser encontrado e assistido na Netflix.
Em um cruzeiro para celebrar o aniversário de 30 anos de
casamento dos pais, um casal de irmãos vai ter que lidar com o
impacto das decisões dessa família em suas vidas. Temos o pai
Kamal, sua esposa Neelam e os filhos Kabir e Ayesha. E não
se pode esquecer de Plutão, o cão que faz colocações precisas
sobre o que vive sua família. Trata-se de uma família indiana,
pela tradição uma mulher, ao se casar, passa a fazer parte da
família do marido, enquanto o marido segue fazendo parte de
sua própria família. No início do filme essa tradição já impede
que Ayesha tenha seu nome ao lado do nome do irmão no
convite para a comemoração do aniversário de casamento de
seus pais em um cruzeiro que a própria Ayesha organizou.
Ayesha não manifesta seu incômodo aos seus pais, apenas ao
seu irmão. Este é quem compartilha com seus pais o mal-estar
da irmã. Os pais entendem que tudo foi feito de acordo com os
costumes, e assim deve permanecer. Plutão, o cachorro-
narrador, informa que nos dias atuais “ser melhor” está
439
associado a “riqueza”. A tradição se encontra com os tempos
pós-modernos. Direção de Zoya Akhtar (2015).
Estabelecido o caso, faremos algumas considerações sobre a
formação do psicoterapeuta que atua na modalidade casal e família.
Para tanto, um pouco de história nos será muito útil.
Retomando a Eigner (1989), encontramos em seus escritos que: a
história da terapia familiar não é nem a história da escola analítica e de
grupo e nem tão pouco da escola sistêmica. Trata-se de uma história sem
bandeiras e sim fruto da preocupação dos clínicos que buscavam um
método mais eficaz frente as patologias mais inabordáveis.
Eigner já em 1989 (1987 na edição original em francês) escreveu
que os tempos modernos apenas enfatizaram a cronicidade dos pacientes
psicóticos, as crises da família atual, o aumento dos casos de toxicomania
e a delinquência juvenil.
Se passaram 33 anos desde 1987. Os dados confirmam tanto o
aumento das crises nas mais variadas formas como mostram que nós, os
profissionais, precisamos nos conscientizar da necessidade de nos unirmos
para nos ocuparmos dos males que afetam a humanidade de modo atroz.
Eigner (1989) escreveu que a terapia familiar foi uma resposta à
urgência.
Pode-se escrever que atualmente a união é a resposta à urgência.
Nos primeiros tempos do desenvolvimento da terapia familiar,
conforme registrou Moguillansky e Nussbaum (2011), viveu-se a
construção de dois paradigmas contraditórios: o psicanalítico e o
sistêmico. No entanto ambos os autores consideram que mesmo um
material escrito por psicanalistas tende a integrar conceitos dessas duas
perspectivas, assim como completam argumentando que uma concepção
que permita compreender o humano não deveria ignorar o que a
psicanálise mostrou sobre a realidade psíquica do ser humano. Ou seja,
argumentam sobre a necessidade da integração de diferentes saberes.
Bugliani et al. (2011) escrevem sobre um esforço para a construção
de pontes entre formas de pensar o sujeito e seu contexto, a psicanalítica
e a sistêmica, para se enriquecerem mutuamente desde que os modelos
não sejam tratados como fundamentalismos religiosos.
440
Bugliani et al. (2011) se dedicaram a essa proposta em sua obra:
Humilhação e Vergonha - um diálogo entre enfoques sistêmicos e
psicanalíticos.
Tendo-se em foco o paradigma psicanalítico, autores como
Fromm (2003), Sullivan (1959), Bowen, e outros, mostraram que a
natureza humana em parte resulta de um processo social e não apenas
intrapsíquico, como escreveu apud Fernández (2015) em um capítulo de
sua autoria no tópico Origens do paradigma sistêmico.
Expandindo o tema origens do paradigma sistêmico, Fernández
(2015) no mesmo capítulo da obra organizada por ela, coloca a fundação
do paradigma sistêmico entre os anos de 1952-1961 quando uma parte dos
psiquiatras observou a importância da família na etiologia da esquizofrenia
e de outras patologias graves. Tais profissionais consideravam insuficiente
o modelo psicodinâmico e se viram atraídos por um modelo que ampliava
suas possibilidades de intervenção incorporando a família ao tratamento.
As principais fontes inspiradoras do paradigma sistêmico foram a Teoria
Geral dos Sistemas de Von Bertalanffy, um biólogo, e a Cibernética,
fundada pelo matemático Wiener e pelo antropólogo Gregory Bateson,
com seu conceito de duplo vínculo.
Linares (2014) por sua vez escreve que o mérito de se usar a
denominação “modelo sistêmico” para esse novo modelo
psicoterapêutico da terapia familiar, se deve mesmo ao conceito de sistema
e a seu inventor Von Bertalanffy. Sistema é um conjunto de elementos
dotados de atributos e relacionados entre si.
Retornando aos escritos de Fernández (2015), encontra-se que a
Teoria Geral dos Sistemas permite estudar o circuito de retroalimentação
constituído pelos efeitos da conduta de um indivíduo sobre o outro, as
reações desse outro e o contexto onde isso se passa. No caso das ciências
humanas essa autora escreve que os seres humanos serão os elementos do
sistema, enquanto as propriedades específicas serão as pautas inter-
relacionais, sendo que a conexão se dá na comunicação. Sendo assim,
passamos de estudar o individual para estudar as relações entre as partes
de um sistema mais amplo. Fernández (2015) exemplifica tal definição
mostrando que, para compreender a posição periférica de um progenitor,
não é suficiente estudar apenas as características do indivíduo quer por
441
uma perspectiva intrapsíquica ou mesmo pela carência de habilidade, será
necessário colocar essa passividade, por exemplo, em relação com o papel
que ocupa frente ao seu par conjugal.
Torna-se relevante destacar que, conforme escrevem Serebrinsky
e Rodríguez (2014), a teoria sistêmica é uma teoria que possui
fundamentos epistemológicos que surgem das ciências modernas, e assim
não consiste simplesmente em um manejo de técnicas psicoterapêuticas.
Tal perspectiva permite articular áreas do conhecimento muito
diferentes, proporcionando uma linguagem comum e integrando os
conceitos originários dessas diferentes disciplinas.
A perspectiva sistêmica permite visualizar o que escreve Morin
(2005), quando nos alerta que, separando os objetos de seu contexto e as
disciplinas umas das outras, não se capta aquilo que está tecido em
conjunto: o complexo.
Por outro lado, é importante ressaltar que essa possibilidade da
compreensão da inter-relação fruto de uma intersecção entre disciplinas,
não é uma conquista tão simples. É mais simples explicar do que realizar.
Requer um sólido conhecimento da epistemologia, bem como sólidos
conhecimentos das teorias implicadas na prática do psicoterapeuta.
Fundamentadas no paradigma sistêmico, diferentes escolas
surgiram desde os primórdios, pois criaram suas abordagens teóricas e
terapêuticas que lhes permitiram ser reconhecidas como uma Escola,
dadas suas características próprias. Dentre os modelos de terapia sistêmica
com características próprias e que se modificaram com o passar do tempo,
encontram-se: terapia estrutural; terapia intergeracional; terapia da Escola
de Milão; terapia estratégica; terapia breve do MRI-Mental Research
Institute; terapia breve centrada em soluções; terapia narrativa. Uma
maneira de ter um conhecimento sobre tais terapias é através do Manual
de terapia sistêmica, organizado por Alicia Moreno Fernández (2015).
A partir dessa introdução histórica, poderemos recorrer ao filme
Cruzeiro em família para nos dedicarmos a utilizar a perspectiva sistêmica
para conhecer o funcionamento da família em foco. Lembrando que
necessitaremos conhecer a relevância do passado dos integrantes da
família expressos no presente, onde levaremos em conta os costumes e
crenças dessa família e o contexto atual. Ou seja, os anos de 2020, e os
442
psicoterapeutas envolvidos com suas características próprias, formação
teórico-técnica, costumes e crenças. Tem-se assim a oportunidade de
avaliar a relevância da pessoa do terapeuta no atendimento terapêutico.
Esse foco na pessoa do psicoterapeuta permite que esse ponto seja
aqui desenvolvido para tratar da formação do psicoterapeuta. Ceberio e
Linares (2005) escrevem que não se pode esquecer que um psicoterapeuta,
antes de conhecedor de teoria e técnica, é um ser humano. Uma vez que
as emoções possuem um lugar preponderante no vínculo interpessoal, a
eficácia das intervenções, bem como a possibilidade de mudança, se deve
em grande medida ao afeto desenvolvido na relação.
Segundo essa perspectiva, não paira dúvida sobre a necessidade de
um trabalho emocional na formação de um psicoterapeuta, os recursos
teóricos e técnicos então se integram com os fatores pessoais-emocionais,
dando sustentação ao psicoterapeuta em sua prática terapêutica (Ceberio
& Linares, 2005).
Esses autores, Ceberio e Linares (2005), consideram a confecção
de seu genograma pessoal como um dos mais valiosos recursos na
formação vivencial de um terapeuta.
Na atualidade, escreve Ceberio (2018), o genograma se converteu
num recurso de grande utilidade na terapia familiar. O genograma é uma
representação gráfica da família multigeracional que inclui: a família de
origem, aquela na qual fomos criados; a família extensa, que são os pais e
irmãos de nossos pais; e a família criada, ou seja, aquela que construímos
com nosso cônjuge e filhos. Sendo assim até 03 gerações estão
representadas graficamente em uma única folha onde se reúne a
informação sobre a família. Tal gráfico favorece que sejam pensadas
hipóteses e inferências a partir dessa informação.
Durante a Jornada Relates – Rede Europeia e Latino-americana
das Escolas Sistêmicas, organizada e realizada em São Paulo em 2015,
quando foi solicitado a Matteo Selvini que abordasse o futuro da terapia
familiar, ele enfatizou a necessidade de uma formação que focasse a pessoa
do psicoterapeuta. Até os dias atuais, em suas apresentações, Selvini segue
enfatizando tal relevância. Na Escola Mara Selvini Palazzoli da qual Selvini
é co-diretor, tal proposta é realizada: o foco da formação se faz na pessoa
do terapeuta.
443
Uma vez mencionada Relates – Rede Europeia e Latino-americana
das Escolas Sistêmicas, se faz necessário uma explanação a respeito dessa
rede que no momento reúne 47 escolas associadas, de 15 países. Relates
foi proposta originalmente por Juan Luis Linares da Escola de Terapia
Familiar do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau de Barcelona e por
Roberto Pereira da Escola Vasco Navarra de Terapia Familiar de Bilbao,
com o objetivo de agrupar os centros de formação sistêmica de ambos os
lados do Atlântico. Foi fundada em julho de 2005 em Guadalajara
(México). A rede Relates originalmente possuía apenas Centros de
Formação latino-americanos, mas se expandiu incluindo Centros da
Europa e Estados Unidos. Possui uma Junta diretiva que atualmente é
presidida pela Profa. Dra. Regina Giraldo (de Fundaterapia, Colômbia) e
os proponentes da Rede, Linares e Pereira são agora presidentes
honorários de Relates. Essa rede se dedica a difundir as ideias
desenvolvidas nos diferentes continentes na abordagem sistêmica e edita
a Revista Redes que está aberta a contribuição dos colegas. As escolas
associadas a Relates se comprometem, cada uma por sua vez, a organizar
um encontro científico que acontece uma vez por ano. Canevaro (2019)
escreveu, no prólogo da edição da obra O modelo sistêmico ante o mal-estar
contemporâneo, que Relates é um fenômeno que promete converter-se no
mais destacado da última década no panorama mundial da terapia familiar
sistêmica.
E assim retomamos ao Cruzeiro em família para imaginar como um
terapeuta familiar se perceberia atendendo uma família com os costumes
e crenças apresentados, quando está implicado num contexto que
historicamente corresponde ao período chamado de pós-modernidade.
Nesse sentido se faz necessário lembrar o que o mesmo Canevaro
(2019) escreveu nesse mesmo prólogo a respeito do tipo de vida atual:
(...) cuja mais pura expressão é a vida virtual das redes sociais, que
contribui para a criação de um falso self que foge da família, o ninho
ecológico do ser humano e do encontro íntimo e emocional com
o Outro, em busca de relacionamentos cada vez mais “líquidos”,
superficiais e fictícios. (Canevaro, 2019, p. 14, tradução livre)
Galimberti (2008) filósofo, sociólogo e psicanalista se une a
Canevaro para auxiliar essa autora a delinear o contexto atual no qual
444
vivemos. Galimberti (2008) se ocupa dos Vícios Capitais que Aristóteles
qualifica de hábitos do mal e enumera os novos vícios. Explica esse autor
que diferente dos vícios capitais que apontam para um desvio, ou
dependendo se tolerável numa dada época serão reconhecidos como uma
característica da personalidade, os novos vícios apontam, segundo ele,
para uma dissolução que nem mesmo é percebida, pois atinge a todos. São
tendências coletivas e não pessoais. Segundo Galimberti (2008) sequer se
pode opor resistência sob a pena de exclusão social. Galimberti se dispõe
a falar deles para que não os assumamos como valores da modernidade.
Dentre esses novos vícios a autora optou por destacar o intitulado
denegação, no qual o sujeito nega, das formas mais variadas, a existência
daquilo que existe e conhece. Galimberti (2008) propõe, como alternativa,
que nos tornemos responsáveis por aquilo que sabemos diante do traço
típico desses tempos atuais, onde há uma abundância de informação,
tornando-nos sensíveis à fraternidade para que não nos tornemos, sob o
peso da denegação, imorais.
Linares (2014) com seu conceito de nutrição relacional cujos
componentes são o reconhecimento, valorização e carinho, vem sendo
citado para sustentar as práticas terapêuticas de diferentes autores, e
favorece um alinhamento com a obra de Galimberti (2008) e Canevaro
(2019) à medida que argumenta sobre a relevância de se promover um
relacionamento onde vigore a consideração de um ser humano para com
outro ser humano.
No entanto, Berenstein (2008) auxilia a autora a explicitar que até
mesmo o pensamento científico está sujeito a ser infiltrado por crenças. O
pertencimento a uma dada comunidade social, econômica, religiosa ou
científica, permite que se receba certa imposição e assim não se pode dizer
“não” mesmo que uma certa singularidade possa estar incluída. Destaca-
se a força da infiltração da ideia coletiva.
A psicanálise vincular por sua parte, via os escritos de Puget
(2015), foca o espaço entre dois e auxilia a autora a se ocupar do desafio
que temos para fomentar conversas que, no caso da psicoterapia, serão
conversas terapêuticas.
Puget (2015) nos fala sobre o giro teórico e técnico necessário para
a psicanálise pensar as relações humanas. Essa autora sinaliza que, para
445
tanto, é necessário abandonar a ilusão da estabilidade, continuidade e
certeza de que se pode ter uma compreensão total do outro.
Abandonando-se essa ilusão, será possível incorporar o espaço da
alteridade, o efeito da presença e as descontinuidades entre outros.
Segundo Puget (2015) vamos precisar revisar nossas concepções de pensar
e de conhecer que, segundo ela, são atividades para nossa tarefa.
Berenstein e Puget (1999) dentre suas obras encontra-se Lo vincular – clínica
e técnica psicanalítica que pode nos auxiliar a termos uma aproximação a esses
conhecimentos teóricos e técnicos.
Cypel (2017) ao apresentar suas reflexões sobre a interpretação na
clínica contemporânea de psicanálise dos vínculos de família e casal,
permite que nesse trabalho a autora assinale qual a atitude dos analistas
atualmente. Cypel (2017) escreve em seu artigo que os analistas também
tem se reunido procurando intercambiar ideias com colegas de diferentes
referenciais, por reconhecerem a importância da pluri-interperspectiva,
buscando, não negar a incompatibilidade ou diferenças, mas convivendo
com as mesmas procurando se nutrir, até mesmo, de visões muito
divergentes.
Cypel (2017) ressalta que nesse contexto vincular como
perspectiva fundamental, o indivíduo segue sendo considerado. Sendo
assim, no setting vincular o indivíduo pode ser apreendido na dimensão
intrassubjetiva e intersubjetiva em contínua dialética, quando o psiquismo
é considerado extenso, aberto, em continuidade/descontinuidade com
o(s) outro(s) e com o mundo externo, sociocultural.
Poder-se-ia adentrar especificamente pela psicanálise vincular
onde temos todo um universo a conhecer.
Por outro lado, neste trabalho a autora se propôs a focar a
perspectiva sistêmica ao longo dos tempos, adentrando pelos dias atuais.
Linares (2014) escreve que a terapia familiar se firmou como um novo
modelo psicoterapêutico que aplicava o modelo sistêmico e que findou,
com o passar do tempo, por conectar o modelo sistêmico a uma visão
integradora com a implicação de outros modelos e por aprofundar sua
aplicação à clínica psiquiátrica. Linares (2014) versa sobre uma visão
integradora na terapia familiar sistêmica. Canevaro (2019) por sua vez nas
446
Jornadas Relates de 2019 em Barcelona, durante um diálogo explicitou que
essa integração se faz na prática terapêutica.
O mesmo Canevaro (2012) que cita Mara Selvini Palazzoli ao se
referir à decepção de muitos psicanalistas sobre os resultados da
psicoterapia individual no atendimento a psicóticos e crianças, dentre eles
Selvini Palazzoli, Bowen, Whitaker, Lidz, Framo, Ackerman,
Boszormenyi-Nagy, mostra que isso lançou a raiz para o nascimento da
terapia familiar desde os primórdios dos anos 50.
E assim as incursões de diferentes autores na busca por atingir
resultados mais significativos em suas práticas clínicas, levou-os à incursão
de outra ótica: a centrada na família, a qual favoreceu o desenvolvimento
do enfoque relacional-sistêmico que veio a enriquecer a compreensão e o
tratamento dos transtornos psiquiátricos, bem como o próprio enfoque
psicoterapêutico, completa Canevaro (2012).
Os trabalhos reitores que permitiram o desenvolvimento dos
constructos teóricos e técnicos da terapia familiar sistêmica já foram aqui
neste trabalho enfocados.
Sendo assim, antes de chegarmos aos idos de 2015 e conhecermos
algumas novas propostas, será apresentado um quadro mostrando como
os princípios que nortearam a terapia familiar sistêmica se modificaram ao
longo dos tempos, em função de novas percepções e conquistas, graças
aos escritos relativos a sua conferência cedidos à autora por Gianmarco
Manfrida nas Jornadas Relates 2019 em Barcelona.
Manfrida em sua fala em Barcelona durante as Jornadas Relates
2019, fez uma apresentação da terapia familiar sistêmica distribuída por
três fases nos termos que se segue:
Fase 1: uma abordagem pragmática e comportamental tendo como
referência a Teoria dos Sistemas. Nesta fase a terapia familiar desenvolveu
suas técnicas mais eficazes que seguiram sendo aplicadas: estratégicas,
prescritivas, estruturais, contra-paradoxais. Pode-se dizer, de modo geral,
que o terapeuta permaneceu alheio ao sistema familiar. Quando muito,
formava um grupo de observadores, mas o terapeuta agia sobre o paciente
e sua família com pouca atenção às suas respostas. A história de indivíduos
e famílias foi um elemento útil para o diagnóstico relacional em vez de um
campo para trabalhar: foi a intervenção mágica do terapeuta que causou a
447
mudança. Em 1980, o Manual de Diagnóstico Psiquiátrico, o DSM 3, foi
disseminado em todo o mundo, coincidindo com a comercialização dos
primeiros antidepressivos. As intervenções psicoterapêuticas de qualquer
tipo são desqualificadas. A comunidade de psicoterapeutas busca um
modelo de referência diferente quando a importância do contexto é
negada; a terapia é dita não funcionar por causa da inadequação do
terapeuta e os pais de pacientes se sentiam muitas vezes designados como
responsáveis pelos problemas psiquiátricos. E assim o modelo
comportamental é abandonado entre 1980 e o ano de 1995, a favor de um
modelo radical construtivista.
Fase 2: A cibernética e a teoria da comunicação abrem o caminho
para a biologia e a termodinâmica serem fontes de inspiração para os
terapeutas. Biólogos como Maturana e Varela e bioquímicos como
Prigogine tornam-se autores referência em nome de uma nova
epistemologia. Essa revolução constituiu basicamente na inclusão do
observador/terapeuta no sistema observado, enquanto na cibernética de
primeira ordem o foco era o paciente e sua família, na de segunda ordem
o terapeuta foi incluído ao sistema familiar e se constitui então o sistema
terapêutico. Outro aspecto inovador foi a abertura da caixa preta quando,
então, o terapeuta está autorizado a se ocupar de afetos e emoções.
Considera-se, segundo Manfrida, a partir dos escritos de Maturana e
Varela (1985, 1987), que cada sistema vivo é por definição hermético ao
meio ambiente e diferente dele. As interações com outros sistemas não
podem produzir mudanças em um sentido previsível, mas apenas
distúrbios aos quais cada sistema responde conforme sua estrutura
condicionada pela história de sua organização. Sendo assim, as mudanças
não acontecem graças a instruções. A consideração sobre essa fase a que
Manfrida se refere apoiado em escritos de Minuchin (1991), Speed (1991)
e Jones (1993), vai no sentido que esse aprofundamento teórico rejeitou
certos aspectos mecanicistas da fase anterior, porém não apresentou novas
técnicas terapêuticas específicas, mas sim um certo excesso de relativismo
e complexidade que dificultou o trabalho clínico.
As ideias, conceitos e realidades que emergem do intercâmbio
social são aprendidas através da linguagem e os valores são assumidos e
realizados por serem socialmente compartilhados. Nessa perspectiva, a
448
terapia torna-se um processo de reconstituição no qual pode ser que o
paciente e a família recuperem a capacidade de criar, na interação com o
terapeuta, novas histórias que os tornam mais fortes e que diminuem seu
sofrimento. Recomenda-se uma conversa na qual os terapeutas admitam
não saber mais do que a própria família e que todos expressam suas
opiniões de modo colaborativo. Aqui Manfrida traz Goolishan e Andersn
(1992).
Manfrida conclui que teoricamente os psicoterapeutas ficaram
menos ingênuos, mas que a gama de técnicas e instrumentos de trabalho
não mudou significativamente.
Fase 3: Muitos terapeutas estavam insatisfeitos com essa
abordagem radical construtivista, e então encontram uma nova via a partir
do construcionismo social que leva em conta como os seres humanos
conseguem construir uma realidade compartilhada.
Uma modalidade técnica é proposta para transformar no sentido
terapêutico as tramas narrativas onde a mudança terapêutica está alinhada
às intervenções do terapeuta. Recupera-se, então, tanto a possibilidade da
eficácia clínica como a responsabilidade do terapeuta nesse processo.
A abordagem narrativa auxilia os pacientes a reescreverem suas
próprias vidas (citado por Manfrida em texto cedido à autora; White &
Epson. 1990; Branco, 1995).
O terapeuta narrativo, segundo Manfrida, não só constrói
histórias, mas inicialmente é preciso desconstruir a realidade proposta para
permitir que outra história surja, socialmente compartilhada, mais
funcional e satisfatória, a partir dos elementos discordantes da história
principal que se encontra nos submundos compartilhados pela conversa
comum entre o paciente e sua esfera relacional significativa.
No artigo de Manfrida e Albertini (2015) cedido pelo autor e
intitulado: A última palavra entre autoridade e responsabilidade
terapêutica, a devolutiva segundo o modelo narrativo das Realidades
Compartilhadas, permite que se possa acompanhar de modo significativo
tal perspectiva, bem como consultando a obra de Manfrida (2019) relativa
a narração psicoterapêutica.
Tem-se um conhecimento acumulado que nos acompanha e
permite que se leve em conta algumas considerações que Linares (2014)
449
nos propõe, através do que ele reconhece ser uma provocação e não uma
nova proposta teórica-técnica, quando se refere a uma terapia familiar
ultramoderna. Linares (2014) descreve que nesse tipo de prática em terapia
familiar, o terapeuta aceita com naturalidade seu papel de expert.
Reconhece saber, mas que não vai se utilizar do seu saber para impor a
seus consultantes o que não estejam em condições de aceitar. Esse
terapeuta ultramoderno deve ser e se mostrar responsável, mas também
requisitar responsabilidade aos membros da família, de modo
proporcional e ponderado em relação a sua posição na família. O terapeuta
é responsável por sua especialização, o que exclui a onipotência, mas
significa que necessita reconhecer que existem limites em seu saber e sobre
a sua realização de um bom trabalho.
Todos os envolvidos no jogo disfuncional são responsáveis pelas
consequências de seus atos, mas de modo distinto. O terapeuta reconhece
que uma terapia bem sucedida implica em mudança, e que o terapeuta deve
guiar assimilando erros e maus entendidos.
Essa guinada ultramoderna implica na recuperação de um certo
objetivismo através da recuperação do diagnóstico psicopatológico.
Reivindica-se assim a linearidade, sem excluir a valiosa circularidade.
O terapeuta ultramoderno deve resgatar o que de melhor há na
tradição sistêmica, tanto a variedade de técnicas acumuladas, quanto o uso
de si mesmo. O terapeuta sente, e sua subjetividade emocional é um
importante recurso terapêutico.
E por fim Linares (2014) completa que com a recuperação do que
é relevante da tradição sistêmica, venha a abertura para o que há de bom
na tradição psicoterapêutica.
Selvini e Linares se encontram na obra O sofrimento psicológico e o
maltrato relacional como fontes de psicopatologia, publicada em 2015. Selvini
(2015) explicita que tanto ele quanto Linares permaneceram estudando as
raízes relacionadas à psicopatologia, pois ao caminhar no sentido da
despatologização, entra-se numa negativa sobre os limites do paciente e
consequentemente de seu sofrimento.
Selvini (2015) ao fazer comentários sobre os capítulos escritos por
Linares nessa obra, permite que aqui se evidencie essa visão sobre como a
perspectiva individual foi retomada na terapia familiar a partir dos anos de
450
1980. Selvini (2015) mostra de que modo diferentes autores retomaram a
perspectiva individual na terapia familiar. Evidencia, então, que uns
tornaram a fazer referência a psicanálise, tal como Cancrini (2006); Linares
(1996) estudou os conceitos de identidade e narrativa, bem como explicita
Selvini, que sua escolha e de sua Escola Mara Selvini Palazzoli foi a de
fazer referência a teoria de apego e aos seus desenvolvimentos (Lyons –
Ruth, 2009), às pesquisas de distúrbios de personalidade (Benjamin, 1996)
e aos estudos sobre estados pós-traumáticos (Herman, 1992). Ressaltando
que para ele e os integrantes de sua Escola, o passado deve ser conhecido
e estudado já que para eles terminou o extremismo do aqui e agora.
Linares (2019) publicou sua obra focando a terapia familiar nas
psicoses. Nessa ocasião pode mostrar o ponto central de sua teoria como
sendo conhecer as bases relacionais das patologias mais representativas
para vir a entendê-las, desconstruí-las e assim poder gerar dinâmicas para
a mudança terapêutica. Linares (2019) se ocupa exatamente do tema que
tanto ele como Selvini explicitaram, já que a despatologização, ao
contrário, acarretaria a desconsideração tanto dos limites de um ser
humano como do seu sofrimento.
Linares (2015) mostra sua preocupação que nos tempos pós-
modernos a terapia familiar sistêmica desconsidere aspectos tão relevantes
segundo a ótica tanto dele quanto de Selvini, em relação ao diagnóstico
psicopatológico e a intervenção terapêutica. Sem evidentemente
desconsiderar outras contribuições.
Selvini (2015) por sua vez evidencia que tanto os dados da história
do paciente como de sua família; a observação no aqui e agora de como a
família se relaciona tanto entre si como com o profissional, está implicada
para o diagnóstico sistêmico; ainda sendo úteis os testemunhos dos
profissionais envolvidos com cada um dos membros da família, tais como:
outros psicoterapeutas, médicos, educadores, professores, assistentes
sociais etc.
Selvini (2016) apresenta, em sua obra mais recente, as sete portas
utilizadas ao se entrar na terapia sistêmica: a análise do pedido de ajuda; a
sistêmica; a sintomatologia; o apego; a personalidade; o trigeracional; as
emoções do terapeuta. Tal obra nos permite conhecer como Cirillo; Selvini
e Sorrentino, co-diretores da Escola Mara Selvini Palazzoli, estão
451
pensando e intervindo segundo sua visão da terapia sistêmica. Esse livro
está sendo traduzido do italiano e em breve será publicado em português.
Nesse ponto, uma nova incursão pelo filme Cruzeiro em família
permite um recorte focando as interações entre os membros dessa família,
onde vale a pena observar as posturas, olhares, tom de voz, enfim uma
ocupação com o não-verbal, para acessar o sentido da relação no aqui-
agora, conforme explicitado por Selvini, para auxiliar no diagnóstico
relacional. Esse não-verbal nos fala nesse filme. Vale a pena conferir.
Essas colocações de Linares e Selvini (2015) permitem que a autora
inicie seu percurso nesse trabalho apresentando outros autores que
integram ao modelo sistêmico, outros modelos teóricos, assim como a
organização dos atendimentos terapêuticos envolvendo a equipe
interdisciplinar.
Dentre esses autores encontra-se Regina Giraldo (2017) que em
seu artigo Terapia de pais separados: uma forma de terapia baseada em vínculos,
explicita as bases teóricas que sustentam a sua prática terapêutica. São
essas bases teóricas: o vínculo de apego e a perda afetiva (Bowlby e
Ainsworth); a ruptura vincular na separação e divórcio; amor e desamor
no casal – ciclo vital alternativo. E em seu modelo terapêutico, consta a
terapia sistêmica do casal, com sessões individuais; a mediação a partir do
vínculo; psicoeducação terapêutica: o cuidado com os vínculos.
Regina Giraldo (2017) com essa proposta, avança na busca de
soluções para os conflitos graves em casos de custódia dos filhos, na
perspectiva relacional para a psicoterapia pois, segundo essa autora, os
programas existentes são mais numa perspectiva do tipo pedagógico.
Exemplificar as escolhas teóricas de Regina Giraldo permite que
se evidencie que novas constatações mostram a utilidade de conhecer mais
trabalhos de colegas.
Por exemplo os casos encaminhados por juízes representam a
situação de paciente involuntário. Sendo assim é fundamental conhecer
trabalhos focando tal situação. Encontra-se na obra de Relvas e Sotero
(2014) um conhecimento importante para quando se atua em contextos
coercitivos. Essas autoras argumentam sobre como, em tais situações, a
aliança terapêutica tem um lugar de destaque.
452
Pode-se constatar que tanto Linares (2014) como Giraldo (2017)
alertam sobre a necessidade de se possuir propostas interventivas que
efetivamente auxiliem na atividade psicoterapêutica. Dentre esses autores
que buscam encontrar propostas que permitam alcançar melhores
resultados, encontra-se Campo (2019) com seu modelo para diagnóstico e
intervenção na terapia de casal. Essa proposta decorreu da experiência
tanto prática como na docência, de Carmen Campo na Unidade de
Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria do Hospital de S. Pau de Barcelona.
Trabalhos como os de Regina Giraldo e Carmen Campo mostram a
importância de termos propostas práticas de atendimento decorrentes da
experiência acumulada, bem como que os casos atendidos devem passar
por um processo sistematizado para termos investigações que mostrem a
eficácia das propostas construídas.
As propostas tanto de Campo como de Giraldo mostram a
necessidade de um significativo conhecimento aliado ao modelo sistêmico
encadeando cada uma das etapas propostas em seus modelos para a prática
com casais e com pais separados. Um conhecimento teórico-técnico
intenso se faz presente em cada etapa dessas propostas. Sendo assim, as
propostas são um fio condutor para o psicoterapeuta e nessa medida pode
ser ensinada aos futuros psicoterapeutas como um guia aonde os
conhecimentos aprendidos serão inseridos em cada etapa. Norteiam o
psicoterapeuta, pois diante da gravidade dos casos apresentados e da
quantidade de material teórico e técnico produzido, possuir propostas
sobre como nortear e utilizar o conhecimento é extremamente importante
tanto para os menos experientes como para os mais experientes. Há tanto
o aspecto do menos experiente poder visualizar uma maneira de articular
os conhecimentos aprendidos, assim como podemos, tanto os menos
experientes como os mais experientes, termos a nossa disposição
propostas que já mostraram sua eficácia.
É natural a pergunta de um aprendiz de psicoterapia: eu sei tudo
isso, mas que faço com isso?
Nas propostas de atendimento, o conhecimento ganha sentido
numa articulação que tem como objetivo o que foi acordado entre
psicoterapeuta e consultantes.
453
Tendo como foco a importância de desenvolver propostas para
atendimentos de diferentes especificidades, se faz presente o objetivo que
a autora apresentou como sua proposta ao redigir esse capítulo: refletir
sobre os dados e resultados de sua prática.
O atendimento vai sendo construído como fruto dessa atitude
reflexiva sobre os dados.
A autora iniciou apresentando o desenvolvimento da abordagem
sistêmica numa perspectiva integrativa. Levando em conta a formação de
um psicoterapeuta, esse contexto é necessário tanto para evidenciar o que
permite a alguém se intitular psicoterapeuta quanto evidencia as bases que
fundamentam um trabalho responsável e anuncia que essa formação se dá
num processo continuado.
A partir dessa conscientização se pode adentrar pelo desafio que
os psicoterapeutas têm como fruto da produção de seus conhecimentos,
que permite a cada psicoterapeuta buscar oferecer suas próprias
contribuições.
Nesse sentido o desafio é a construção de propostas de
atendimento levando em conta diferentes serviços e/ou processos
terapêuticos.
Revisitemos o filme Cruzeiro em família quando o sábio Plutão narra
o que se segue: “Os seres humanos são abençoados com a capacidade de
falar. É um dom que lhes permite expressar claramente pensamentos,
ideias e emoções. No entanto apesar dessa capacidade, a falta de
compreensão entre eles não será encontrada entre os animais.”
Ironicamente, um ser humano é problema para outro ser humano.
Esse é o contexto de um terapeuta de família e o seu desafio.
Esclarecer os mal entendidos muitas vezes será fundamental.
Nessa película isso se realiza, os mal-entendidos se esclarecem em
função da determinação de Kabir que confronta sua mãe lhe questionando
por que ela não se separou de seu pai? E diante da relutância da família,
simplesmente puxa uma cadeira, se senta e os confronta. E um novo
caminho começa a ser trilhado a partir do questionamento incisivo,
mobilizando reflexão e novas considerações.
Nem sempre a vida irá permitir que uma nova narrativa seja
construída naturalmente assim como nem mesmo se pode afirmar que essa
454
nova narrativa vai depender exclusivamente de uma psicoterapia para
tanto. No entanto é a função de um psicoterapeuta se desenvolver para
enfrentar o desafio de buscar alternativas para acompanhar casais e/ou
famílias frente a suas demandas.
Hiluey (2018) propõe uma ferramenta para auxiliar a construir
novas narrativas dadas as dificuldades implicadas nesse contato de um ser
humano com outro ser humano ao longo de um processo
psicoterapêutico. Tal ferramenta é constituída pelas expressões artísticas e
o brincar. Essas atividades podem ser integradas ao atendimento com
casais e famílias na medida que são ferramentas que tanto permitem
favorecer o despontar da angústia com o rebaixamento das defesas como
integrar percepções e informações. Tais possibilidades também foram
constatadas por Hiluey (2004, 2007, 2008) no contexto de investigação
com alunos-médicos e com famílias.
Novamente se faz necessário enfatizar que o recurso lúdico
utilizado irá favorecer o diálogo terapêutico, mas o psicoterapeuta irá
auxiliar a família ao operar sobre os dados que despontam fazendo suas
intervenções, alinhando o material que desponta, para que não seja
somente uma atividade de expressão. Atividades expressivas sem dúvida
são importantes, mas em um atendimento psicoterapêutico precisam ser
utilizadas para estimular o pensar, ato não tão natural assim, a fim de
promover a construção de novas narrativas.
Hiluey (2018) apresenta um caso clínico onde descreve o
alinhamento dos recursos terapêuticos utilizados a partir do que era
mobilizado na família ao longo desse processo. Evidencia-se
explicitamente a atuação da psicoterapeuta refletindo sobre os dados do
atendimento envolvendo família e psicoterapeuta, para propor as
atividades lúdicas. Esse é um alinhamento fundamental na construção do
atendimento utilizando como recurso terapêutico o lúdico.
Nesse percurso de buscar as mais adequadas ferramentas para
atender as demandas, Hiluey (1999, 2004, 2007) realizou pesquisas que
evidenciaram a relevância do trabalho interdisciplinar. E assim seguiu ao
longo dos tempos se ocupando de trabalhos envolvendo equipes de
profissionais.
455
As considerações tecidas no corpo desse trabalho permitem que
se vislumbre o desafio de se conscientizar que é operando sobre o que se
vive num atendimento que se poderá vir a propor intervenções coerentes
com a situação-vivida. As intervenções estão por sua vez ancoradas num
referencial teórico que no caso desse trabalho é o sistêmico integrado a
outros ensinamentos.
Uma vez conscientes dessa necessidade, ela estará presente no
desafio de estabelecer conexões com outros serviços.
Tanto Alegret (s.d., em texto cedido pela autora) ao se ocupar da
intervenção psicoterapêutica para crianças e adolescentes se ocupa da
relação entre os diferentes serviços como Linares (em texto cedido pelo
autor) se ocupa da relação com o serviço de atenção ao menor mostrando
a relevância de tal parceria num trabalho que atenda efetivamente a
demanda.
A autora firmou, em 2020, um acordo de colaboração técnica entre
o Centro de Formação que ela dirige e o Centro de Saúde Mental de um
hospital psiquiátrico, visando não somente dar atendimento às famílias
dos pacientes como lançar as bases para um trabalho interdisciplinar que
permita potencializar as intervenções propostas para o atendimento de
cada paciente dadas suas especificidades.
Hiluey (2004, 2008) explicita nesses trabalhos, dados de sua
investigação focando alunos-médicos, mostrando a dimensão do medo
mobilizado diante da possibilidade da ampliação de seu enfoque para
incluir o manejo dos fatores psicológicos, vivida como questionamento de
sua atuação médica.
Pode-se considerar que tais dados auxiliam a que se considere
extremamente útil um contexto no qual tal medo não esteja presente.
A experiência da autora a leva a considerar a possibilidade de que
o fato da haver médicos na equipe do hospital psiquiátrico que não
vivenciem o temor da desqualificação da sua atuação médica na presença
de um enfoque ampliado incluindo o manejo dos fatores psicológicos
possa ser um fator bastante relevante. No entanto também se reconhece
que tal medo não apareceu porque a coordenadora da equipe médica havia
feito uma formação em terapia de casal e família. Sendo assim pode ser
sustentada em seus temores ao longo de seu processo de aprendizagem.
456
Tal situação foi constatada pela autora na aproximação entre o Hospital e
o Centro de Formação para Terapeutas de Casal e Família, diante do
anseio do Hospital poder incluir o atendimento a famílias: lhes parecia
necessário, não mostravam estar assustados, mas sim esperançosos.
A coordenadora da medicina e a coordenadora da psicologia
acompanharão os trabalhos com as famílias, tendo como objetivo virem a
trabalhar de modo mais efetivo em equipe, uma vez que já possuem outros
processos terapêuticos incluindo o atendimento individual e alguns outros
processos psicoeducativos.
Hiluey (2001) relatou sua investigação com casais que vivem uma
gravidez de alto risco onde se pode visualizar a relevância de uma equipe
interdisciplinar. Ou seja, esse recorte fruto do conhecimento teórico-
técnico, de pesquisas e vivência profissional, estimula para que se enfrente
o desafio da construção de propostas de trabalho interdisciplinar nas
ciências humanas e que se possa vir a ter dados para mostrar a eficácia das
mesmas.
Hiluey (2020) já vem se ocupando de assinalar aos colegas do
hospital psiquiátrico que numa atuação em equipe se faz necessário ter o
cuidado para não ficarem reféns de segredos, informando à família que,
como se trabalha em equipe, a informação obtida é compartilhada nos
diferentes espaços. Evidente que cabe ao profissional reconhecer os dados
oriundos de cada contexto que não precisam ser compartilhados. Por
exemplo, aquilo que cabe somente ao subsistema conjugal, não será
compartilhado.
Evidenciou-se até o momento as condições que garantiram a
possibilidade da organização de um projeto interdisciplinar visando
potencializar as intervenções em cada planejamento de atendimento a um
dado paciente, fruto desse acordo entre os centros citados.
O futuro permitirá que conheçamos como construir as diferentes
propostas de atendimento em equipe interdisciplinar.
Pode-se constatar que a disponibilidade dos integrantes da equipe
é fundamental para a construção do trabalho em equipe. Evidenciou-se,
assim, um relevante ponto a ser considerado para que venhamos cada vez
mais a trabalhar em equipe interdisciplinar e nos enriquecermos dentro de
nossas práticas específicas. Seguiremos sendo protagonistas das carreiras
457
que escolhemos: medicina, psicologia, fisioterapia, e muitas outras, mas
enriquecidos graças à colaboração de profissionais oriundos de outras
áreas do conhecimento e oferecendo um atendimento que responda de
modo mais eficaz às situações diversas que demandam práticas
psicológicas.
Retomando ao Cruzeiro em família pode-se afirmar, a partir dessas
considerações, que inicialmente temos as dificuldades entre os seres
humanos que são os próprios profissionais envolvidos num projeto
terapêutico.
Em função do caminho percorrido nesse trabalho, ao chegar ao
seu desfecho, a autora visualizou um alinhamento com a epígrafe inicial
que lhe permitiu concluir que: para colocar a felicidade onde estamos
necessitemos atingir o que preconizou Bettelheim (1979) quando escreveu
que:
“E viveram felizes para sempre” não engana a criança nem por um
momento quanto a possibilidade de vida eterna. Mas indica
realmente a única coisa que pode extrair o ferrão dos limites
reduzidos do nosso tempo nessa terra: construir uma ligação
verdadeiramente satisfatória com outra pessoa. (Bettelheim, 1979,
p. 19)
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461
23 Grupos nas instituições
Amaury Tadeu Rufatto
Algumas considerações introdutórias
Ao abordarmos o tema grupos nas instituições, nos vemos frente
a uma gama infinita de possibilidades, tanto pelos diferentes modelos de
instituições quanto aos de grupos possíveis. Podemos pensar em
instituições de saúde, educacionais, filantrópicas, de assistência social,
entre outras, cada uma com suas culturas e normas.
As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas
que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem
ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de
maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de
comportamentos. Alguns autores sustentam que leis, normas e
costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão
escritas; as normas e os códigos também. Mas uma instituição não
necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas
também têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou
praticamente, não figurando em nenhum documento. (Baremblitt,
2002, pp. 18-19)
Quanto aos grupos, podemos dizer que serão sempre operativos,
conforme definição de Pichon-Rivière51 (2005), visto que sempre haverá
uma tarefa, diferindo apenas de acordo com sua finalidade.
A instituição, entendida aqui como propõe Bleger (1980), se
apresenta atravessada por diferentes desejos e necessidades, desde sua
concepção enquanto “instituição” até a sua “organização”, dentro de um
determinado território, com seu quadro de funcionários e atendendo a
uma população alvo.
51 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.
462
As pessoas atendidas por essas instituições, por sua vez, também
estão atravessadas pela própria instituição família, tenha essas a
configuração que tiver, e se apresentam como sujeitos, com suas próprias
necessidades.
Assim, uma instituição nos remete a uma intrincada gama de
questões que precisam ser entendidas e, por fim, manejadas, para que o
profissional que se proponha a trabalhar principalmente atendendo grupos
alcance seus objetivos.
A partir desta introdução proponho que nos atenhamos primeiro
à própria instituição e, em seguida, à questão da formação de grupos.
O trabalho na instituição
As instituições têm suas origens na intenção de responder a
algumas demandas da sociedade. A instituição família é, assim, a primeira
a se formar, pela necessidade de proteção e pertença. Com a evolução das
sociedades e a complexidade da vida moderna, outras instituições vão
surgindo, se especializando, mas também assumindo funções sociais.
Podemos identificar instituições religiosas, que possivelmente surgiram
para dar conta do desamparo humano (os desvalidos, os carentes, os que
sofrem etc.), atuando também em instituições de educação, de saúde e
outras.
O que pode parecer mera formalidade de saber quem é o
mantenedor do serviço traz consigo insígnias do desejo constituinte, das
origens dessa instituição, portanto da forma pela qual ela se relaciona com
a sociedade, e os conflitos presentes entre o desejo fundante e a criação e
sustentação de um determinado serviço.
Assim, quando uma instituição passa a gerenciar uma unidade que
presta serviços à população, seja esse serviço da ordem que for, ele será
estruturado a partir das bases fundantes da instituição mantenedora. Por
exemplo, uma ONG, fundada a partir do voluntariado de um determinado
grupo de pessoas, valorizará que seus funcionários façam serviços de
voluntariado. Seria então normal ou esperado que os funcionários,
voluntariamente, participem da organização de eventos, fora do horário
de expediente, para a arrecadação de fundos.
É nesse cenário que o profissional desenvolverá as suas atividades.
463
Um acordo inconsciente é constituído e em certos casos imposto,
para que o vínculo se organize e se mantenha na
complementaridade convergente ou desigual dos interesses de
seus sujeitos, para que seja assegurada a continuidade dos
investimentos e dos benefícios ligados à subsistência da função
dos ideais comuns, do contrato e do pacto narcísico. O preço é o
desconhecimento do que está em jogo para cada um no vínculo.
(Kaës, 2009, citado por Castanho, 2012, p. 66)
Dessa forma, ao contratar um profissional para fazer parte da
equipe, a instituição buscará reconhecer as pessoas que valorizem o
trabalho do “voluntariado” e estimulará tal atuação. Da mesma forma, esse
deve ser um valor para o profissional contratado. Quanto mais
convergência houver nesses princípios, menor o conflito. Por não ser
explícito, e muitas vezes já desvinculado da própria origem da instituição,
ele se torna um pacto inconsciente, onde ambas as partes desconhecem a
origem e a natureza do pacto, e consequentemente o que está em jogo nos
vínculos ali estabelecidos.
Feitas essas considerações, passemos então a pensar os grupos
dentro das instituições.
Os grupos nas instituições
“A instituição de um setting apropriado para uma grupoterapia com
crianças é de fundamental importância. Deve haver uma estrita obediência
aos critérios de homogeneidade quanto aos limites da faixa etária e ao tipo
de patologia das crianças selecionadas” (Zimerman, 1993, p. 157).
Apesar de se referir ao grupo com crianças, o alerta que Zimerman
nos traz serve como norte para a instalação de todo e qualquer grupo, não
apenas com crianças. A formação de um novo grupo exige um cuidado
especial com a formatação do setting.
Os grupos, dentro das instituições, normalmente são formados
como “grupos homogêneos”, assim entendidos aqueles em que todos os
participantes apresentam uma mesma característica: de patologia, de faixa
etária, de sexo, de dificuldades pontuais ou outras. Porém, é importante
lembrar que todo grupo, mesmo que homogêneo em um ou mais aspectos,
será heterogêneo nas demais características que o compõem.
464
O enquadre e sua função de continência
Ao buscar cumprir sua missão, a instituição se depara com as
dificuldades inerentes do lidar com a população da qual se propôs a cuidar.
Quando atendemos populações vulneráveis, como as pessoas com
sofrimentos psíquico, usuários de drogas ou crianças, estamos implicados
diretamente com uma família, uma escola, o Conselho Tutelar, a Vara de
Justiça etc. Muitas vezes, no caso de crianças ou adolescentes, estes se
encontram abrigados, com restrições de visitas familiares, ou ainda em
processo para retornar à família. Sofreram ou sofrem de maus-tratos,
violências de todas as espécies, vivem em condições precárias de
subsistência, dentre outras. Deparar-nos-emos com famílias que são ou
aparentam ser negligentes em seus cuidados. Tais situações podem
provocar “atuações” da equipe e da instituição. É comum ouvirmos
membros da equipe, seja da recepção, seja da segurança ou até mesmo
integrantes da equipe técnica, se referir a uma determinada família de
forma pejorativa, o que evidencia os conflitos vividos pela equipe e por
cada um de seus membros, e dificulta o acolhimento e a continência
necessária, que o serviço deveria oferecer a essa população. Segundo Kaës,
“nas instituições, uma parte considerável dos investimentos psíquicos é
destinada a fazer coincidir numa unidade imaginária essas ordens lógicas
diferentes e complementares, a fim de fazer desaparecer o caráter
conflitante que contêm” (Kaës, 1987/1991, citado por Castanho, 2012, p.
94).
Esses ruídos podem ser reprimidos por representarem um ataque
à população e à própria instituição, ou serem entendidos como um alerta,
uma sinalização de aspectos que necessitam ser compreendidos para em
seguida serem cuidados.
O trabalho em equipe multiprofissional52 requer alguns cuidados,
na medida em que muda o paradigma da relação dos profissionais com o
fazer institucional. Nas instituições, principalmente as de saúde, o trabalho
52 Equipes multiprofissionais são formadas por profissionais com diferentes formações, portanto interdisciplinares, que atuam juntos, muitas vezes em coterapia, no fazer da instituição.
465
em equipe multiprofissional tem sido o de escolha, na medida em que
possibilita um olhar multifocal e caleidoscópico para a compreensão das
intervenções necessárias e a escolha do manejo dos projetos terapêuticos.
Se por um lado amplia a compreensão, por outro amplifica os ruídos e
explicita os conflitos profissionais, das diferentes áreas do saber e suas
abordagens e, por fim, da própria instituição, como foi dito anteriormente.
Nesse ponto é fundamental ressaltar a importância e a necessidade
de alguns dispositivos de apoio:
Reunião da equipe multiprofissional. Este é um dos espaços mais
importantes para a elaboração e manutenção dos projetos
desenvolvidos por uma equipe. Ela deveria contar com a
participação de todos os membros da equipe e ser coordenada pelo
gestor da unidade. Para tanto, seria desejável que se suspendessem
todas as agendas, internas e externas, num determinado período,
para permitir, na medida do possível, a participação de todos na
reunião. Na reunião se discutiriam não apenas aspectos técnicos e
burocráticos, mas sobretudo os aspectos da própria dinâmica
institucional e os conflitos que surgem no decorrer dos trabalhos.
A reunião da equipe multiprofissional pode ter seu tempo dividido
entre reunião administrativa e técnica. Vale ressaltar que a
elaboração de uma pauta prévia organiza e otimiza a reunião, assim
como a preparação dos casos que serão discutidos.
Supervisão institucional. Tem se mostrado como a ferramenta mais
adequada para dar suporte às equipes, auxiliando-as a
reconhecerem seus conflitos e a buscarem recursos internos e
externos para lidar com eles. Nessa modalidade é recomendável a
supervisão clínico-institucional, na qual o supervisor, a partir de
discussões de casos clínicos, faz também uma leitura dos conflitos
e da dinâmica da própria equipe.
Reuniões de miniequipe. Essas reuniões devem ser breves e servem
para que os profissionais discutam os casos atendidos naquele dia
ou período. Esse espaço é de fundamental importância para que
os profissionais que estão trabalhando com um determinado
projeto ou grupo reflitam sobre as dinâmicas observadas. Essas
466
reuniões possivelmente contribuirão para o material de discussão
com a equipe multiprofissional e para a supervisão.
A supervisão institucional cuida da saúde da própria instituição, a
reunião da equipe multiprofissional cuida dos profissionais, a reunião de
miniequipe cuida dos vínculos desses profissionais e os profissionais
cuidam da população.
A instituição é assim um organismo vivo, que responde ou ecoa
aos diferentes movimentos que vão acontecendo no seu dia a dia. A
concepção de metaenquadre, introduzida por Kaës, onde há um
encaixotamento dos diferentes níveis dentro de uma instituição e em que
eles funcionam em sistemas de comunicação e reverberação, pode nos
ajudar a entender e manejar a dinâmica institucional.
Recorri à noção de metaenquadre, ou de enquadre do
enquadre, para explicar o fato de que todo enquadre é enquadrado
por um enquadre que o contém, sustenta, atrapalha ou entrava.
Essa noção é bastante útil para compreender as relações entre
enquadre psicanalítico da cura, o enquadre psicanalítico da
supervisão e o enquadre psicanalítico da instituição psicanalítica.
(Kaës, 2007, citado por Castanho, 2018, p. 120)
Ao se definir o enquadre sob o qual o profissional trabalhará com
determinado grupo, os demais enquadres serão automaticamente
questionados, apontando diferenças de outros modelos e incongruências
institucionais. Como exemplo, podemos pensar numa instituição que
trabalha com metas de alta produtividade e que resolve utilizar o
dispositivo grupo, a partir das premissas de que implantar o trabalho com
grupos aumentaria a capacidade de atendimento, que qualquer profissional
estaria apto a coordenar um grupo, ou ainda que o grupo é um lugar que
aplaca os conflitos entre demanda e capacidade de acolhimento. Ao
implantar o dispositivo grupo nos moldes que estamos propondo, o fluxo
interno dos pacientes e a dinâmica da instituição sofrerão mudanças, seja
pelo estranhamento frente ao novo, seja pelas ressonâncias que o próprio
grupo produzirá. Como dispositivo de cuidar, requer um planejamento e
uma pactuação, com a própria equipe e com a instituição, como veremos
em seguida.
467
Enquadre
O enquadre é o resultado de todos os procedimentos que
organizam, normatizam e possibilitam o processo grupal, incluída aqui a
própria instituição. Resulta de uma conjunção de combinações, como, por
exemplo, o local onde acontecem os encontros, o horário de início e
término, a recepção dos membros do grupo, o tempo de duração da
sessão, o número de participantes, se o grupo é aberto ou fechado, entre
outras. É preciso delimitar e preservar as combinações feitas a priori, pois
servem como um cenário ativo da dinâmica grupal, que resulta do impacto
de múltiplas e constantes pressões.
Segundo Winnicott (1999), a função materna de holding, com o
crescimento da criança, passa a ser exercida também pela família. Desse
modo, a instituição também exerce essa função, holding, visto que acolhe o
paciente quando ele necessita e propicia um campo transferencial propício
para o estabelecimento dos cuidados necessários.
O enquadre, mais que normatizar procedimentos e espaços,
institui a função de continência para as demandas do grupo, assegura uma
distinção entre os indivíduos, reconhecendo-os em sua singularidade,
propicia uma segurança maior para lidar com conflitos interpessoais, e é
um lugar de apoio e sustentação, o que fortalece o sentimento de pertença,
de segurança e a própria identidade.
Dessa forma, o estabelecimento de um enquadre adequado ao
trabalho é uma das primeiras providências a que o profissional deve se ater
na contratação de um grupo. É fundamental negociar com a instituição a
constituição de um espaço que garanta uma sala de tamanho proporcional
ao número de pessoas que se pretende atender, e que deve ser ventilada e
iluminada adequadamente, estar adequadamente mobiliada e contar com
um isolamento acústico que garanta a privacidade e o sigilo que o trabalho
exige.
Se o grupo for com crianças, a sala deve ser equipada com mobília
específica. Nas instituições, pelo volume de atendimento e pela dificuldade
de organização, é comum o uso de armários coletivos com os materiais
lúdicos. Como os grupos de crianças produzem muito material e
468
principalmente material gráfico, são usadas pastas, uma por grupo, para
guardar essa produção. O trabalho em grupo com crianças será abordado
de forma mais detalhada num capítulo específico (capítulo 18).
Outra proposição que nos ajuda a entender a complexidade da
formação de um novo grupo dentro de uma instituição é o conceito de
“acoplamento de settings”, introduzido por Paulo Jeronymo P. Carvalho:
Chamamos de acoplamento de settings o processo pelo qual o setting
planejado de um dispositivo clínico grupal – desenhado para
desenvolver determinada tarefa demandada por uma instituição
que o conterá – será posto a funcionar dentro dessa instituição,
com a função de dar conta de fazer o dispositivo clínico grupal
funcionar para desenvolver sua tarefa. E, ao mesmo tempo, o
processo pelo qual toda uma estrutura funcional da instituição
continente, e especialmente uma certa parte mais próxima da
localização institucional onde se dará a implantação do dispositivo
clínico grupal, ou seja, aquilo que chamaremos de setting
institucional, aceitará e adaptar-se-á às exigências e necessidades
do setting grupal do dispositivo clínico que está sendo implantado.
(Carvalho, 2015, p. 159)
Segundo Carvalho (2015), ao criar e implantar um dispositivo
grupal numa determinada instituição, ela deverá se adaptar às novas
demandas e necessidades desse dispositivo, o que provocará uma
reverberação em cadeia em toda a estrutura institucional. O dispositivo
grupo, como recurso de trabalho, não pode aparecer como um apêndice.
Deverá ser incorporado enquanto dispositivo e, portanto, a instituição
deverá fazer os ajustes necessários para sua implantação. Entendemos,
porém, que se trata de uma questão dialética: ao mesmo tempo que a
instituição aceita e busca os recursos mínimos necessários para esse
acoplamento, não é difícil identificarmos os diferentes ataques que põem
em xeque tal propósito. São comuns relatos em que o espaço destinado
aos grupos é embaixo da escada, num canto do pátio, sem nenhuma
privacidade, ou, ainda, o espaço é requisitado para outras atividades,
ocorre a retirada de materiais para a utilização em outras salas sem sua
devida reposição, há entrada indiscriminada de pessoas durante a sessão
469
do grupo para dar recados, observar as atividades, “ajudar” nas atividades
etc.
Esses movimentos evidenciam as reverberações que a implantação
de um novo dispositivo pode provocar. Inconscientemente, ataca-se o
trabalho, visto que interferem de modo a criar uma instabilidade; ao
mesmo tempo, apontam para aspectos muitas vezes negligenciados pelos
profissionais na instituição, como a dificuldade da instituição em lidar com
as diferenças, bem como de compreender a importância de se instituir e
manter o setting grupal. Essas reverberações evidenciam a importância do
acoplamento de settings para que haja de fato uma mudança do paradigma
institucional. Há uma necessidade constante de desenvolver um trabalho
na instituição, nos diversos níveis hierárquicos, para esclarecer as
mudanças necessárias para a implantação do trabalho com grupos. Por
exemplo, na saúde a figura do médico que cura, que atende em uma relação
dual, está na gênese da instituição. Ao incorporar outras práticas e outros
profissionais, questiona-se a própria origem e sua estrutura.
Como dissemos anteriormente, toda e qualquer modificação no
setting interferirá na execução da tarefa e modificará o grupo, e por fim a
própria instituição.
O profissional e o setting na instituição
O estabelecimento dos parâmetros operacionais para a
implantação de um grupo é uma tarefa importante, bem como a garantia
de que o setting seja respeitado.
O setting de um grupo específico está interligado com toda a
instituição e, portanto, o coordenador do grupo estará entre essas
diferentes forças. Assim, preparar o espaço destinado ao grupo e estar
disponível para recebê-lo no horário marcado consolida toda uma
construção, tornando viável e factível a incorporação do dispositivo. Se
for, por exemplo, um grupo verbal, com dez participantes e dois
coordenadores, o esperado é que, no horário estipulado, os participantes
encontrem a sala já preparada, com doze cadeiras e os coordenadores à
espera.
Ao instituir o setting e ocupar o lugar de coordenador, desencadear-
se-á uma reverberação na instituição, uma caixa polifônica, onde as
470
diferentes vozes, aqui entendida como tensões, ecoarão. As tensões das
quais estamos tratando são facilmente identificadas nas “atuações” que
ocorrem nas equipes, como a criação de acordos e regras que minam o
próprio trabalho, tais como “só atendo o grupo se estiverem todos
presentes”, “se vier só um, não atendo”, “se chegar atrasado, não entra”,
entre outras.
A dinâmica que cada grupo desenvolve servirá de elemento para
entendermos os conflitos e as demandas que vão surgindo, bem como as
intervenções necessárias. Haverá sempre um conflito entre o grupo
idealizado e o grupo real que se forma. Esses fenômenos são decorrentes
do próprio trabalho grupal e deveriam servir de alerta para os
coordenadores. Aqui abre-se uma longa discussão, mas gostaria de fazer
apenas algumas observações: as faltas, os atrasos e os silêncios são
manifestações decorrentes da vivência grupal, e devem assim ser
manejadas adequadamente pelos coordenadores, sem que se criem regras
para se defenderem do processo grupal.
Mais do que normatizar, o setting cria um espaço de confiança e de
acolhimento. O grupo se inicia com os elementos presentes. A
interferência causada pela chegada de mais um elemento, a cadeira vazia
devido a uma falta, o silêncio são elementos a serem trabalhados como
emergentes do próprio grupo.
Definições mínimas para a constituição de um grupo institucional
Ao definirmos a criação de um novo grupo, é importante levar em
conta alguns quesitos:
Público alvo: A partir da demanda da instituição, interna ou
externa, deve-se identificar a necessidade de oferecer um novo
dispositivo grupal.
Espaço destinado ao grupo: É importante manter a mesma sala
e os mesmos objetos, bem como respeitar os horários pré-
determinados de início e fim. Nesse aspecto, o enquadre, como foi
dito anteriormente, tem função continente, organizadora, como
uma caixa de ressonância dos demais enquadres institucionais.
Número de participantes: Deve levar em conta o objetivo do
grupo. Uma assembleia é um grupo que congrega todos os
471
usuários de um serviço. Um grupo psicoterápico ou um grupo de
orientação ou temático comportarão diferentes participantes.
Assim, um grupo pode variar desde um pequeno grupo, com três
participantes (ou dois, no caso de terapia ou orientação de casal),
até um grande grupo. Se o objetivo do grupo é dar oportunidade
para que todos tenham a possibilidade de se expressar, um número
máximo recomendado é de 15 pessoas.
Frequência do grupo: De acordo com a proposta do trabalho e
a gravidade dos casos atendidos, os encontros podem ter
frequência diferenciada. Ao atendermos pacientes em sofrimento
emocional, a frequência semanal possibilita uma maior
continência, apoio e elaboração dos sofrimentos vividos. Os
demais grupos, de orientação ou temáticos, podem ter frequência
quinzenal ou mensal.
Tempo de duração da sessão: O tempo de duração das sessões
pode variar de 60 a 90 minutos. Nesse quesito, o número de
participantes e a proposta de trabalho são determinantes. Um
grupo que pretenda trabalhar com a subjetividade dos
participantes, um grupo verbal, com objetivo psicoterápico, deverá
oferecer um tempo de acolhimento maior para que todos possam
se expressar. Nos grupos com crianças pequenas, 60 minutos é um
tempo razoável para se manter o grupo trabalhando. Os grupos
educativos podem ter um tempo menor de trabalho.
Tempo de duração do grupo: Existem dois tipos de grupos: os
grupos breves53, com número pré-determinado de encontros,
geralmente grupos temáticos ou educativos, que normalmente são
fechados, ou seja, se iniciam com um número determinado de
pessoas, sem que seja possível a entrada de mais participantes no
decorrer do processo. E há os grupos abertos, sem previsão de
término (como nos grupos psicoterápicos, e os de ludoterapia),
nos quais a entrada de novos participantes ficará sempre a critério
do coordenador do grupo.
53 Tipo de grupo breve não deve ser confundido com “terapia breve”, que é uma técnica de intervenção.
472
Tipos de grupos
Grupos breves: As oficinas temáticas e os grupos de
acolhimento são as principais modalidades desse tipo de grupo.
Por exemplo, grupos de orientação de gestantes, onde são
estabelecidos o número de encontros necessários para a tarefa
proposta, o número máximo de participantes, bem como o perfil
da população. Nesse exemplo, poderíamos restringir o grupo a
gestantes que estejam entre o quinto e o sexto mês de gestação e
seus companheiros.
Grupos abertos: Os grupos abertos não têm tema predefinido;
trabalham com demandas que surgem do próprio encontro, sem
número pré-determinado de encontros. A entrada de novos
elementos deve ser pensada dentro do próprio contexto do grupo,
e avaliada por seu coordenador. Esses grupos podem ser
terapêuticos ou de reflexão54.
Oficinas terapêuticas: As oficinas terapêuticas, por sua própria
definição, trabalham a partir de projetos, como oficina de fuxico,
de música etc.; porém, com o intuito de trabalhar a dinâmica e os
emergentes emocionais que surgem no próprio fazer. Assim, as
oficinas terapêuticas se assemelham, no manejo, aos grupos
abertos, onde a entrada de novos participantes deve ser pensada
dentro do próprio contexto grupal.
O grupo na instituição
A formação de grupos pode se dar pela demanda interna da
instituição, mediante discussões de casos nas reuniões de equipe, onde se
identifica a necessidade da criação de novos serviços para atender a uma
determinada população, ou, então, pela demanda externa que chega à
54 O grupo de reflexão é uma modalidade mais utilizada para a formação de profissionais, visto que possibilita uma vivência grupal, com a possibilidade de observar o modelo de coordenação e compreensão dos fenômenos grupais vivenciados.
473
unidade de saúde, espontaneamente ou encaminhada por outros serviços
da região. Ou ainda, mais comumente por ambas as demandas.
O acolhimento ou triagem é um importante instrumento para a
identificação da demanda que chega ao serviço. É a partir desse primeiro
contato que podemos identificar se há uma sinergia entre as necessidades
locais e as propostas da instituição. Outro fator importante é identificar os
encaminhadores, e esclarecer com eles a missão da instituição, sua
proposta de atuação e seus limites de ação.
Para cumprir sua missão, a instituição deve trabalhar em rede55
com os demais atores sociais, dentro de seu território56. O matriciamento57
também tem se mostrado uma ferramenta importante na gestão dos casos.
Como sabemos, os usuários de um determinado serviço também serão
assistidos em outras instituições, como o Programa de Saúde da Família
(PSF), o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), os Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), escolas, abrigos, entre outras. Ao lançar
mão dessas estratégias, a instituição amplia seu olhar, bem como
corresponsabiliza os demais parceiros no cuidar integral daquela
população. Assim, também podemos perceber como a instituição está
representada no imaginário da comunidade, tanto de usuários como de
profissionais da região.
Na entrevista com os usuários e familiares é possível identificar
também as motivações para a procura por aquele serviço naquele
momento, qual a queixa ou demanda e como chegaram àquela instituição,
55 O conceito de rede pressupõe uma articulação entre os diferentes equipamentos sociais de um determinado território, de forma a estabelecer um vínculo de parceria e de sustentação. 56 Com suas singularidades, é um espaço com limites que podem ser político-administrativos ou de ação de um grupo de atores sociais. Internamente, é relativamente homogêneo, identificado pela história de sua construção e, sobretudo, é um local de poder, uma vez que nele se exercitam e se constroem os poderes de atuação do Estado, das organizações sociais e institucionais e de sua população (Gondim et al., 2002, citado em Colossi & Pereira, 2016). 57 O matriciamento deve proporcionar a retaguarda especializada da assistência, assim como um suporte técnico-pedagógico, um vínculo interpessoal e o apoio institucional no processo de construção coletiva de projetos terapêuticos junto à população (Chiaverini, 2011, p. 15).
474
se foi uma busca espontânea, uma indicação ou ainda por um
encaminhamento formal.
O atendimento em um determinado serviço muitas vezes não é
uma escolha pessoal, mas uma imposição institucional, bem como qual
profissional o atenderá. Assim, essa é uma oportunidade de esclarecer a
missão da instituição, o porquê aquele profissional foi designado para o
atendimento, a dinâmica da própria instituição, a proposta de trabalho em
grupos, os benefícios do grupo, assim como identificar as possíveis
resistências e idealizações quanto ao serviço procurado.
Para a formação de um grupo em uma instituição, entendemos que
deve-se levar em conta os aspectos psicodinâmicos de cada um dos
elementos:
Nos grupos de adultos, pelo menos uma entrevista prévia é
fundamental antes da inclusão no grupo, tanto para o profissional
conhecer o futuro integrante, como para se apresentar a ele; mas,
sobretudo, para identificar o funcionamento psíquico desse novo
elemento e sua compatibilidade com o atual momento do grupo.
Por exemplo, a inclusão de uma pessoa muito deprimida pode
trazer uma carga que o grupo não está apto a suportar,
desestruturando o próprio grupo.
Se o grupo for com crianças, esse processo demanda ainda mais
etapas, visto que implica procedimentos como anamnese com os
pais, familiares ou responsáveis, aplicação de testes,
principalmente os projetivos, observação lúdica etc. Para um
melhor manejo da situação grupal, é preciso compreender as
necessidades desse novo elemento, sua forma de vinculação, como
utiliza os brinquedos, sua capacidade de suportar frustrações etc.
Esse processo em geral conflita com uma certa pressão que a
instituição faz para que o profissional inclua a criança em um
grupo e, durante o processo, faça as investigações para esclarecer
os aspectos psicodinâmicos e fechar uma hipótese diagnóstica.
Essa prática é sempre arriscada, principalmente se estamos
trabalhando com uma população com graves comprometimentos
emocionais. Outro elemento importante a ser considerado na
constituição de um grupo de crianças é o envolvimento do
475
responsável pela criança, seu comprometimento com a proposta
de trabalho, e o quanto conhece e reconhece as necessidades da
criança.
Se o objetivo é facilitar a formação de um grupo, e não de um
agrupamento, é necessário que os elementos que comporão o grupo
tenham uma vivência de intimidade e que estabeleçam laços seguros.
Assim, uma alta rotatividade de pessoas no grupo, a inclusão de pessoas
aleatórias, sem perfil para aquele grupo, grupos muito grandes etc.,
dificultam ou mesmo impedem que se forme um grupo, e teríamos,
segundo Bleger, apenas um agrupamento.
No grupo, os vínculos são múltiplos e os fenômenos vinculares
que vão ocorrendo podem, com a chegada de um novo integrante, pôr
todo o trabalho em risco. Um novo componente, em virtude de suas
características, pode introduzir aspectos destrutivos, com o qual o grupo
não suporta lidar. Por exemplo, aceitar duas ou mais pessoas com
características de personalidade paranoide no mesmo grupo pode gerar
vivências de constante rivalidade e belicosidade nas sessões.
Os grupos realizados nos CAPS e Centro de Convivência e
Cooperativa (CECCO) merecem uma consideração à parte. O CAPS por
ser um serviço de tratamento em Saúde Mental, e o CECCO por atender
a mesma população, com a proposta de convivência, reinserção e geração
de renda através das cooperativas. Os grupos nessas unidades são
compostos por pessoas que apresentam grande sofrimento mental,
algumas em franco surto psicótico, depressão grave, crianças autistas etc.
Nesse sentido, podemos dizer que se tratam de grupos homogêneos, que
devem seguir as mesmas recomendações aqui expostas.
Composição de um novo grupo na instituição
Quando falamos em grupo, aparentemente estamos falando
somente de pessoas reunidas, sentadas em círculo e falando sobre
determinado assunto, ou crianças brincando juntas num mesmo espaço.
Ao abordarmos a questão grupo, estamos propondo o grupo como um
lugar que albergue pessoas com diferentes necessidades, capacidade de
interação e pertença, como visto mais amplamente em capítulo
introdutório neste livro (capítulo 2). Assim, podemos pensar em grupos
476
de crianças autistas, grupos de pacientes psicóticos, ou grupos de mulheres
que se reúnem para fazer artesanato.
A formação de um novo grupo pressupõe a alocação de vários
recursos físicos, materiais e humanos, e o estabelecimento de um fluxo de
recebimento de novos casos e de critérios de inserção ou não no serviço,
bem como a rediscussão dos casos já em acompanhamento.
Tomemos como exemplo um determinado CAPSi, que atende
crianças com quadros graves de saúde mental, como autismo, psicose,
esquizofrenia etc. A demanda do dia é acolhida por um profissional
designado, que fica responsável não apenas por receber, mas também
orientar e conduzir os casos. Essa função normalmente é rotativa entre os
profissionais da equipe técnica. Porém, por ser um lugar estratégico para
o bom funcionamento da unidade, é recomendável que não sejam
designados para essa função profissionais inexperientes, o que
possivelmente acarretaria a inclusão de casos não elegíveis, bem como a
não identificação de casos prioritários. Após o acolhimento, a
compreensão da demanda e, principalmente, a identificação da
necessidade de intervenção e a pertinência de que seja realizada pelo
próprio serviço, os casos acolhidos durante a semana são discutidos na
reunião da equipe multiprofissional, onde se reavalia a pertinência do
acompanhamento na instituição e se traça um plano terapêutico.
Num determinado período, começam a chegar casos de crianças
pequenas, na faixa de três a quatro anos, encaminhadas por pediatras da
região. Nas entrevistas surgem uma menina de três anos que, apesar de
afetiva, inteligente e sem comprometimento auditivo, não falava, mas se
comunicava muito bem por gestos; um menino de três anos que, apesar
de independente e com boa capacidade de se relacionar, busca a todo o
momento a mãe, para mamar; e um outro menino, de três anos, que é
encaminhado após uma crise de “agressividade”, na qual esfaqueia a tela
da televisão.
Os casos foram apresentados em reunião da equipe
multiprofissional e decidiu-se que seria importante compreender melhor
as necessidades dessas crianças e as dinâmicas de suas famílias. Iniciou-se,
assim, um processo de psicodiagnóstico, para melhor compreensão da
complexidade dos casos.
477
Após conclusão do processo psicodiagnóstico, os três casos foram
levados novamente para a discussão na equipe multiprofissional, onde se
entendeu que havia um sofrimento emocional, e que tanto as crianças
quanto os seus familiares apresentavam dificuldades em reconhecer e
suportar limites e expressar e/ou conter as demonstrações de
agressividade. E, em relação às mães, havia um vínculo simbiótico com
seus filhos.
Iniciar um atendimento com essas crianças implicaria estabelecer
uma prioridade em detrimento de outros casos, reservar um espaço físico
para a realização dos atendimentos, mobilizar os profissionais que
acompanhariam as crianças e suas famílias etc.
Após esse processo, ficou estabelecido que as crianças e seus
familiares frequentariam um grupo, uma vez por semana, e que um
técnico, no caso um psicólogo, acompanharia o grupo de crianças, em
coterapia com um estagiário, e outro profissional faria o acompanhamento
do grupo de familiares. O grupo de crianças seria composto por, no
máximo, quatro crianças, devido à faixa etária e aos aspectos agressivos e
regressivos observados.
Quanto ao grupo de pais e familiares, é possível, se respeitadas as
características das demandas das crianças envolvidas, trabalhar com um
grupo maior, abrangendo vários grupos de crianças. Por exemplo, num
determinado período, todas as crianças acompanhadas em diferentes
atividades, seus pais e familiares poderiam ser agrupados num mesmo
grupo de orientação. Cabe aqui a ressalva de que as demandas dos grupos
deveriam ser semelhantes. Orientar um grupo de pais ou familiares de
crianças autistas juntamente com um grupo de pais ou familiares de
adolescentes com quadro de tentativa de suicídio, por exemplo, não se
mostra apropriado, porque as necessidades e as demandas não são da
mesma ordem.
Os grupos de orientação de pais ou familiares em instituições que
atendem crianças, principalmente crianças pequenas, tendem a funcionar
melhor se realizados no mesmo horário do atendimento das próprias
crianças, visto que elas são trazidas pelos cuidadores, os quais devem
permanecer na unidade enquanto dura o atendimento.
478
Apesar de serem denominados grupo de orientação, tais grupos
não têm caráter pedagógico. Aproximam-se mais de grupos de reflexão,
na medida em que visam a compreender as dinâmicas familiares, esclarecer
o processo terapêutico da criança e identificar sofrimentos emocionais na
própria vivência grupal.
O grupo de orientação serve de suporte, de continente para as
pessoas que o compõem. Frente a todas as possíveis fantasias,
anseios e medos que um diagnóstico de doença mental pode trazer,
o grupo, a partir das diferentes vivências e possibilidades de seus
participantes, tem maior condição de criar um espaço de empatia,
pela troca horizontal que pode acontecer, onde as experiências vão
sendo divididas e servindo de suporte às angústias de todos.
(Rufatto, 2006)
Num determinado grupo de orientação, composto por mães de
crianças autistas, havia uma angústia frente às estereotipias apresentadas
pelas crianças, principalmente no transporte coletivo, visto que as mães se
sentiam julgadas e até mesmo recriminadas “por terem um filho
esquisito”. Somente quando se pôde, no seio do grupo, reconhecer e falar
das próprias “manias”, esquisitices aos olhos dos outros, é que foi possível
para essas mães reconhecer as estereotipias como manifestação dos
conflitos vividos por suas crianças, e não como bobeiras e esquisitices.
Seria recomendável que a formação de um novo grupo, ou mesmo
a alteração dos elementos que o compõem, ocorresse a partir das
discussões nas reuniões da equipe multiprofissional. Dessa forma, haveria
espaços para a discussão dos casos novos e a apresentação dos casos já em
acompanhamento, naquele momento, na instituição, considerado “caso”
como o de determinada pessoa, ou mesmo o funcionamento de um grupo.
Ao socializar o processo, compartilhar as dificuldades e pensar em
possíveis manejos que facilitariam o processo, permite-se a todos que
conheçam o trabalho que cada profissional desenvolve, bem como os
pacientes que estão em acompanhamento, criando assim um imaginário
coletivo sobre o próprio trabalho.
Ao mesmo tempo em que cria uma grande sinergia, essa vivência
nas reuniões de equipe multiprofissional também evidencia as diferenças
e os conflitos inerentes à vivência institucional, e conduz à compreensão
479
e ao manejo dos diferentes casos. Cabe ressaltar a importância da presença
e do acompanhamento de um(a) supervisor(a) institucional que ajude a
equipe a reconhecer, apesar de suas diferenças, um denominador comum,
possibilitando assim um diálogo e a construção de um projeto terapêutico
para o serviço.
Por exemplo, numa equipe multiprofissional onde as diferenças
teóricas e técnicas serviam de resistência para a implantação de um
trabalho grupal para crianças autistas ou com grande dificuldade de
expressão e contato, somente foi possível superar tais diferenças quando
foi reconhecido que as crianças precisavam de um lugar de maternagem.
Assim criaram-se os “grupos de maternagem”. Ao ser reconhecida e
nomeada pela equipe a maternagem como um manejo necessário aquela
população atendida, as questões teóricas e técnicas puderam ser superadas.
Grupo e instituição, considerações finais
Participar da dinâmica de uma instituição, quer como usuário, quer
como funcionário, implica ser atravessado pela cultura ali instituída.
Os grupos, apesar de acontecerem entre paredes e ter seu setting
preservado, serão sempre permeados pela cultura institucional.
Para um bom manejo do grupo, é preciso cuidar de vários aspectos
que antecedem a sala de atendimento. Desde a proposta da composição
do novo grupo, o perfil que ele deve ter e as discussões com a equipe até
as repercussões que haverá depois de ter sido instalado.
Trabalhando, por exemplo, em serviços como Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) com o conceito de ambiência terapêutica ou da clínica
ampliada, o próprio setting e os enquadres tomam conta de todo o campo
da instituição, e torna-se importante uma interlocução com os diferentes
atores que compõem o serviço.
Mas haverá também o momento quando a porta se fecha, um
grupo menor se reúne, uma tarefa é proposta, mesmo que seja a de
conversar, brincar, contar histórias, ou fazer algo a partir de alguns
materiais. O grupo se forma, se estrutura e passa a albergar a psique
daqueles que naquele momento ali convivem. Em seguida, se dispersa e se
recompõe em outros grupos, na hora do lanche, na roda de dança, nas
oficinas.
480
O trabalho em grupo em instituições passa, assim, por pensar as
diferentes inserções que os grupos podem ter e a compreensão de onde
ele se insere, o “furor curandis” da instituição e a real demanda que chega
aos profissionais.
O manejo necessário é aquele que inclui todos os aspectos e pode
produzir os significados e os significantes em cada uma das instâncias
envolvidas no processo.
Referências
Baremblitt, G. F. (2002). Compêndio de análise institucional e outras correntes:
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483
24 Dor e sofrimento: psicoterapia grupal
para pacientes com dor crônica Lazslo Antonio Avila
As dores, em todas as suas formas, seja dor física, dor emocional,
dor moral, dor psíquica etc., são sempre vividas como desagradáveis,
perigosas e perturbadoras. E dentre elas, a dor física vem sendo
considerada desde o início dos tempos históricos como algo a ser sempre
que possível evitado.
Em Aristóteles encontra-se formulado claramente: Dor e prazer
são as principais forças que movem a alma humana, são paixões que
arrastam o indivíduo e põem em risco o Logos, a Razão (Lebrun, 1987).
Freud, que bebeu abundantemente na fonte grega, também deu ampla
importância ao estudo da Dor. Porém, seu foco foi principalmente a dor
psíquica, que toma as formas da angústia, do sentimento de culpa
inconsciente e da dor moral que move a ação do Superego e determina, na
consciência, a atuação do mecanismo da repressão (Freud, 1895/1973a).
Quanto à dor física, propriamente, Freud a considerou em três
momentos principais: entre 1893 até 1915 (Primeira Tópica: Consciente e
Inconsciente), de 1915 a 1920 (metapsicologia) e entre 1920 e 1938
(Segunda Tópica: Id, Ego e Superego). Quando estava elaborando sua
primeira teoria do psiquismo, e já pensando em termos do permanente
dualismo dessas forças, o criador da psicanálise considerou que a oposição
entre as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação era o principal
móvel do psiquismo (Freud, 1917/1973c). Visando sua autopreservação,
o indivíduo escolheria reprimir suas tendências sexuais, mas esse
estrangulamento teria a consequência inevitável de gerar sintomas e,
portanto, novas formas de sofrimento psíquico.
Visando fugir das consequências do conflito entre a descarga de
suas pulsões sexuais, com a realidade e com os seus valores morais, a
consciência obrigaria à repressão e dessa forma buscaria proteger a
integridade do indivíduo. O reprimido, porém, sempre retornaria, e assim,
484
cedo ou tarde, o indivíduo se defrontaria novamente com o sofrimento
(Freud, 1922/1973e). Às vezes, esse conflito se manifestaria na forma de
dor física, e tratando analiticamente os pacientes que sofriam histerias de
conversão, Freud compreendeu que a dor física era o substituto de uma
dor moral que havia sido reprimida (Freud, 1895/1973a). No tratamento
analítico, essa dor moral reemergiria na consciência, e poderia então
encontrar um novo destino e ser aliviada.
Essa perspectiva sobre as dores físicas e emocionais, conectadas
às suas primeiras descobertas sobre o significado dos sintomas, dos
sonhos, dos atos falhos e dos atos sintomáticos prevaleceu até que a
psicanálise alcançou sua maturidade conceitual, por volta de 1915. Em
seus estudos metapsicológicos, Freud levantou a interessantíssima
hipótese de que a dor física poderia ser o protótipo da consciência
corporal, pois a dor nos alerta para a existência dos órgãos e diferentes
tecidos e partes do corpo, compondo a base da imagem corporal. No seu
texto sobre a Repressão (Freud, 1915/1973b), ele chegou a comparar a
dor a uma “pseudo-pulsão”, porque assim como as pulsões, a dor manteria
uma constante pressão sobre o psiquismo, buscando ser aliviada, e
representaria um perigo proveniente do interior do corpo, contra o qual o
Eu não conseguiria se defender.
Essa mesma ideia será aprofundada no Mais além do princípio do
prazer (Freud, 1920/1973d), quando investiga as origens profundas do
psiquismo inconsciente, refletindo sobre o princípio da descarga das
tensões e as forças entrópicas que conduzem todo ser vivo para a morte,
estágio final de resolução das tensões e conflitos que a vida acarreta e
implica. Nesse texto, a dor física vai ser pensada como modelo para os
movimentos de autoproteção e busca de equilibração que o psiquismo
continuamente deve efetuar. Em 1923, no O Ego e o Id, Freud (1923/1973f)
conclui que o Ego, de início, é sempre um Ego corporal, e portanto o que
vem do corpo está inevitavelmente na origem de tudo o que é psíquico.
Esses três momentos delimitam a contribuição de Freud para a
compreensão das dores físicas, dedicando-se Freud à expansão da
psicanálise enquanto processo de investigação do inconsciente, ou seja
uma forma profunda de psicoterapia, e também a todas as possíveis
extensões da compreensão psicanalítica para aspectos da realidade social e
485
da vida cultural. O enorme edifício conceitual que ele legou impactou
profundamente o pensamento científico desde então. Contudo, a sua
contribuição para o entendimento e o tratamento das dores físicas
permaneceu, basicamente, estabelecida nos pontos já mencionados.
Entretanto, esse tema da dor física voltou periodicamente à consideração
de outros autores psicanalíticos. Veja-se por exemplo, alguns dos textos
de Juan David Nasio (Nasio, 2008), de W. R. Bion (Bion, 1982, 1991), de
Joyce McDougall (McDougall, 1987, 1991), de D. W. Winnicott (1982,
2000) ou de C. Dejours (Dejours, 1991, 2005).
Após as grandes descobertas trazidas pelo próprio criador da
psicanálise, muitos autores exploraram as interconexões entre o domínio
somático e o domínio psíquico, ou seja a Psicossomática psicanalítica. As
ricas perspectivas dessa ampla área de estudo não podem ser aqui
descritas, dadas as limitações de espaço, e eu remeto os leitores
interessados para a vasta bibliografia sobre o assunto.
Contudo, como dissemos, a psicanálise enquanto forma de
psicoterapia, não tem sido muito empregada no auxílio às pessoas que
padecem principalmente de dores físicas. Em geral, os psicanalistas
consideram que a dor física, se não for de origem conversiva, estaria
atrelada a uma causa médica e portanto deveria ser tratada exclusivamente
por médicos clínicos. Claro, que se seus analisandos vierem a ser
acometidos por doenças eles continuarão em análise, e pode acontecer que
as repercussões psíquicas das dores físicas possam ser abordadas e
investigadas no setting. Mas, em geral, o que se vê, é que prevalece a forte
dissociação científica e cultural entre a Mente e o Corpo, vistas enquanto
domínios separados, e o psicanalista se preocupa centralmente das “dores
da alma”, as dores psíquicas.
Então, os pacientes com dores corporais recorrem aos médicos,
que os tratam com medicamentos analgésicos e técnicas cirúrgicas
diversas, que visam, sempre que possível, eliminar esse sintoma,
desagradável e opressivo, a dor. A Associação Internacional para o Estudo
da Dor (IASP) alerta que a dor sempre possui um componente emocional,
e sugere uma abordagem multidisciplinar para esses pacientes. (IASP,
2009). Em sua definição, que é muito interessante e pertinente, a IASP
assinala que a dor pode ser proveniente de um dano real, ou apenas
486
potencial, para os tecidos. Essa “potencialidade” abre todo o caminho para
as dimensões do imaginário e do simbólico, terreno e instrumentos da
mente.
Na área da saúde, de modo geral, e da saúde mental em particular,
já desde 1910 fazem-se experiências de tratamento utilizando-se como
recurso os grupos. Desde as pesquisas experimentais com grupos de
alcoolistas, passando pelo psicodrama de Jacob Levy Moreno e pela
dinâmica de grupo de Kurt Lewin, o grupo enquanto instrumento
terapêutico ganhou muitas contribuições da mais variadas áreas, como a
Gestalt, a psicanálise, a psicologia social, a teoria dos sistemas etc. Hoje uma
ampla gama de leituras e propostas terapêuticas são empregadas. A minha
formação prévia foi com a metodologia dos grupos operativos, de Pichon-
Rivière, e posteriormente com a abordagem da psicanálise das
configurações vinculares, que demonstrou-se como um potente recurso
para auxiliar indivíduos e grupos a alcançarem uma compreensão mais
profunda dos determinantes de seus pensamentos e suas ações e, assim,
meios para transformar suas próprias realidades.
Tratando a dor física em grupo terapêutico
Vou relatar aqui minha experiência como membro de uma equipe
multidisciplinar denominada Clínica da Dor, que atua junto ao
Ambulatório do Câncer do Hospital de Base, da Faculdade de Medicina
de São José do Rio Preto, SP. Neste ambulatório são atendidos pacientes
oncológicos e pacientes que sofrem de dores neuropáticas e não
neuropáticas, das quais se destaca o quadro reumatológico e psiquiátrico
denominado Fibromialgia.
Pacientes acidentados, que sofreram cirurgias, que já tentaram os
mais potentes remédios de controle da dor e que continuam a se queixar
persistentemente de dor física são encaminhados para a atenção
multiprofissional. Recebem a atenção de fisioterapeutas, de
acupunturistas, de educadores físicos, de assistentes sociais e de terapeutas
ocupacionais, assim como de psicólogos, além dos neurologistas,
ortopedistas, psiquiatras, fisiatras, anestesistas e outros da equipe médica.
Visando os casos mais difíceis, de dor mais intratável, aqueles
casos em que por exemplo, já se havia tentado tratamentos radicais, como
487
o corte de nervos para evitar a transmissão da mensagem de dor para o
cérebro, bem como os pacientes deprimidos e aquele grande conjunto de
pacientes com dificuldades no relacionamento com seus médicos, foram
encaminhados para esse grupo terapêutico de orientação analítica.
Formei um grupo inicial de oito pacientes, que hoje conta com dez
sujeitos, que frequentam com certa regularidade ao tratamento
psicoterapêutico grupal de frequência semanal. Deve-se frisar que eles não
interrompem o tratamento clínico e as outras formas de abordagem
enquanto mantêm a psicoterapia analítica grupal.
Vou utilizar pseudônimos. 1) Arlene é uma mulher de 52 anos,
diagnosticada como portadora de Transtorno Bipolar, e que frequenta a
Clínica da Dor há cinco anos devido a dores corporais generalizadas,
segundo ela decorrentes de uma cirurgia de coluna realizada para correção
de hérnias. Toma medicação psiquiátrica e opióides para controle da dor,
que se manifesta cotidianamente. 2) Ernesto é um homem de 48 anos que
sofreu um acidente motociclístico e teve que passar por cirurgias diversas,
mantendo sequelas significativas que o obrigam ao uso constante de
bengala. 3) Eliana é uma mulher de 63 anos, que vive conflito conjugal
permanente, que se mescla com suas dores corporais e inchaços devidos à
fibromialgia e artroses; os potentes remédios que ela toma não fazem
efeito, o que a torna “poliqueixosa” (termo um pouco depreciativo, mas
muito empregado em hospitais). 4) Ana tem 51 anos, também sofre de
fibromialgia e tem uma vida dedicada ao cuidado de familiares idosos,
sofrendo de forma branda de depressão; também se utiliza de opióides. 5)
Decio, 50 anos, trabalhava em metalúrgica e sofreu acidente de trabalho
que lhe causou lesões neurológicas. Os tratamentos todos a que se
submeteu, incluindo duas cirurgias, resultaram ineficazes. 6) Antonio tem
53 anos, e trabalhou como entregador a sua vida toda; sofreu
deformidades de coluna e de joelho que lhe causam dores contínuas e um
estado permanente de queixa emocional; toma grande número de
medicações. 7) Norma, 43 anos, tem dores de origem neurológica no
ombro e face, toma medicação constantemente, com alívio parcial das
dores, mas incapacitação para as atividades profissionais. 8) Helena tem
65 anos, dores neuropáticas nas pernas e sofre depressão severa, toma
analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos. 9) André sofreu traumatismo na
488
coluna, passou por duas cirurgias de correção e mais de dez tratamentos
locais no quadril, sem alívio de suas dores. 10) Dorival tem fortes dores
de cabeça, dores nas costas que irradiam para os membros, e já sofreu
diversas intervenções cirúrgicas, sem resultados palpáveis; faz uso
excessivo de analgésicos.
Em termos da Classificação Internacional de Doenças (CID), o
diagnóstico mais frequentemente atribuído a esses pacientes é o de dor
crônica, variando entre o R522 (Outra dor crônica), ao R 521 (Dor crônica
intratável), M545 (Dor lombar baixa), R529 (Dor não especificada), M796
(Dor em membro), M053 (Artrite reumatoide). Quanto aos diagnósticos
psiquiátricos, predomina a Depressão, moderada ou severa e o Transtorno
Afetivo Bipolar (todos da categoria F31), e a Personalidade Histriônica
(F604), além dos prevalentes Transtornos de Somatização (F45).
Observe-se como a classificação médica atual não deixa espaço a
uma indagação da origem e consequências sobre o sujeito do seu
padecimento, limitando-se a uma descrição “objetiva”, que visa mais o
controle epidemiológico e a busca por protocolos farmacológicos. O
trabalho de German Berrios (2015), que estabelece a crítica histórica e
epistemológica dos conceitos psiquiátricos, permite uma adequada
compreensão dos limites de uma abordagem apenas descritiva e
algorítmica da prática médica. A equipe médica da Clínica da Dor,
consciente dos limites de sua prática, recorre aos demais profissionais de
saúde para uma busca conjunta de quais tratamentos podem contribuir
com estes pacientes que sofrem, muitas vezes, de dores excruciantes por
toda sua vida.
A sessão ocorrida hoje (março de 2019) é um bom começo: todos
os seis pacientes que compareceram já frequentam o grupo há um certo
tempo, o mais recente há quatro sessões, e os outros há tempos variáveis,
oscilando entre três meses a um ano. Como de praxe, pergunto a todos
como passaram esses últimos dias. Um a um vão relatando o quanto
sofreram de suas dores: como doeu as costas de um, as pernas do outro, a
cabeça de diversos deles, entremeando no relato os desconfortos
cotidianos, dificuldades nas tarefas domésticas, noites mal dormidas, idas
a serviços de emergência em postos de saúde, pouco efeito de suas
medicações etc.
489
Os primeiros momentos de praticamente todas as sessões são
ocupados por queixas de ordem física. Onde doeu, como doeu, o que
fizeram para suportar, e como a vida de todos é permeada por um corpo
que dói, grita e geme. Pacientemente escuto o relato de todos, e aguardo
em silêncio para o que se segue a isso. Gradativamente cada um vai
incorporando a seu relato queixas de outro tipo: se conseguiram marcar
consulta com o neurologista ou o psiquiatra; se conseguiram audiência no
Instituto Nacional de Seguridade Social em busca de suas aposentadorias;
se tentaram evasão por diversas formas de distrações, quase sempre
precárias; e finalmente, emergem os relatos mais detalhados de
sofrimentos de ordem emocional.
Aqui, as queixas típicas se agrupam em quatro conjuntos,
relativamente compactos: 1) se seus familiares os compreendem ou não –
uma das formas principais de sofrimento desses pacientes é a
incompreensão que eles julgam existir por parte de seus familiares e
vizinhos. Queixam-se amargamente que os demais não avaliam a
intensidade de suas dores e, suprema dor, pensam e sentem que às vezes
os outros julgam que suas dores não seriam “reais”, “verdadeiras”, ou “tão
insuportáveis”. Um dos principais alívios que relatam sentir ao participar
desse grupo é que os outros integrantes conhecem a dor física e a dor
acompanhante do “não reconhecimento”.
2) O segundo conjunto de queixas diz respeito aos médicos, aos
tratamentos e aos remédios que tomam. Todos eles já passaram por
dezenas de consultas e intervenções e muitas vezes sentiram que não
tiveram a devida atenção, ou não receberam os cuidados que esperavam;
que não foram solicitados todos os exames que julgam deveriam ter sido
feitos e, principalmente, que os procedimentos cirúrgicos não surtiram os
efeitos desejados. Queixam-se muitas vezes que suas dores pioraram
muito após as cirurgias que sofreram. De fato, muitos deles podem ter
sofrido de intervenções iatrogênicas, pois sendo um grupo de pacientes
crônicos, com intensas demandas sobre os médicos, muitas vezes
receberam medicação em excesso, ou formas de atenção precárias, tais
como as consultas de muito curta duração. (Incidentalmente, devemos
salientar que os próprios médicos compartilham, às vezes, desses
julgamentos e também se sentem incompreendidos e atacados pelos
490
pacientes e familiares). O grupo terapêutico também parece representar a
possibilidade de identificações mútuas e suporte emocional nesse
momento.
3) O terceiro conjunto de queixas refere-se às grandes dificuldades
em conseguir aposentadoria, dados os rigorosos controles da Previdência,
que os submetem a perícias que eles sentem muitas vezes como difíceis e
humilhantes. Queixam-se amargamente tanto dos peritos, como da
demora em conseguir os afastamentos e aposentadorias. Quando
conseguem, isso em geral os alivia bastante, mas sempre reaparecem
queixas de que a vida econômico-financeira está difícil e que necessitariam
maior renda. Associado a isso vêm questões de como se empregarem
novamente, seja no trabalho formal ou informal. Para a maioria desses
pacientes o afastamento do trabalho, em si mesmo, também é fonte de
sofrimento. Finalmente,
4) O quarto conjunto diz respeito mais amplamente ao viver, à
existência em seu sentido psicológico e social. A doença e, em especial a
dor, modificou a vida de cada um deles. A dor invade quase todas as
esferas do cotidiano e do futuro. Alguns chegam a dizer que são só dor.
Quando a dor “ataca”, só querem se isolar, deitar, e esperar que passe. Os
relatos são pungentes, comovem, atraem empatia, piedade. Mas também,
às vezes, ganham tal insistência, constância e viscosidade, que chegam a
provocar a reação contrária, ou seja, desejo de afastamento, e crítica sub-
reptícia frente a essas manifestações e queixumes.
Percebe-se que familiares e médicos, assim como o terapeuta e
mesmo os demais membros do grupo, às vezes se enfastiam ao ouvir
certos relatos. Há uma forte reação contratransferencial, como se ouvir a
dor se manifestando de forma tão crua, levantasse o desejo de afastar a
dor e o seu sofredor. Há, sim, rejeição. Uma rejeição dolorosa, por parte
de quem deveria acolher a dor. Dor culposa de não querer compartilhar
de dores. Dor autocrítica. No grupo, o enfrentamento desse momento é
profundamente terapêutico para todos. Como solidarizar-se com quem
sofre profundamente – isso é alcançado em muitas sessões e é
transformador. Ao sentir-com, ao sair da dor própria e pensar-ouvir-
acolher a dor alheia, algo se eleva, algo engrandece, e entre pacientes poli-
queixosos e poli-sofridos, uma solidariedade comovente se estabelece.
491
O grupo terapêutico prossegue. Após esses momentos intensos de
troca e apoio, aos poucos vão surgindo as questões familiares, os conflitos
emocionais, a história de vida de cada um. Os casamentos fracassados, os
dramas vividos na criação e perda dos filhos, os eventos traumáticos, a
falta de realização pessoal-profissional e outros conflitos importantes
começam a aparecer e podem ser trabalhados no contexto terapêutico.
A dor é onipresente, e reaparecerá na próxima sessão, mas hoje, e
muitas vezes, um pedaço significativo da história de algum deles pode
emergir no contexto do grupo, receber atenção e contribuições de vários
dos participantes, alguma interpretação e construção por parte do
terapeuta e, muitas vezes, a possibilidade de elaboração psíquica, que
fortalecerá esse sujeito e lhe propiciará um viver menos afetado, menos
agredido e diminuído pela Dor.
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493
25 O que ela tem de ruim na cabeça dela?
Processo grupal de orientação psicanalítica
com familiares de pacientes com anorexia e
bulimia Manoel Antônio dos Santos, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso, Rosane
Pilot Pessa, Raquel Borges de Moraes, Wanderlei Abadio de Oliveira,
Jeferson Santos Araújo, Rodrigo Sanches Peres, Carolina Leonidas
Os transtornos alimentares (TAs), dentre os quais se destacam a
Anorexia Nervosa (AN) e a Bulimia Nervosa (BN), comprometem a
qualidade de vida não apenas dos pacientes acometidos, como também
de seus familiares (Costa & Santos, 2016; Oliveira-Cardoso et al., 2014).
No contexto brasileiro, os serviços especializados no tratamento dessas
psicopatologias são escassos e geralmente estão inseridos em hospitais
públicos universitários (Oliveira-Cardoso et al., 2018). O plano
terapêutico para os(as) pacientes inclui avaliação médica, nutricional
(Manochio et al., 2020; Sicchieri, Santos, Santos, & Ribeiro, 2007) e
psicológica (Oliveira & Santos, 2006; Oliveira-Cardoso & Santos, 2012,
2014; Peres & Santos, 2006, 2011), psicoterapia individual (Goulart &
Santos, 2015; Kreling & Santos, 2005; Rosa & Santos, 2011; Santos et al.,
2005; Scorsolini-Comin & Santos, 2012), grupo com finalidade
psicoterapêutica ou de apoio psicológico a pacientes (Goulart & Santos,
2012; Santos, 2006; Santos et al., 2014; Scorsolini-Comin et al., 2010;
Valdanha et al., 2014), grupo de apoio psicológico aos familiares (Santos
et al., 2016; Souza & Santos, 2007a, 2007b), grupo psicoeducativo
multifamiliar (Nicoletti et al., 2010), terapia familiar ou outras estratégias
de apoio e de assistência aos familiares.
Desde o trabalho pioneiro da psiquiatra e psicanalista
estadunidense de origem alemã Hilde Bruch, conhecida por seu trabalho
com TAs e obesidade, já se encontra bem documentado na literatura que
os aspectos familiares guardam um papel relevante no desenvolvimento e
494
curso dos TAs (Campos et al., 2012; Cobelo et al., 2004; Leonidas &
Santos, 2015a, 2015b; Leys et al., 2017; Lyke & Matsen, 2013; Mushquash
& Sherry, 2013; Santos et al., 2004; Souza & Santos, 2007a, 2007b).
Estudos de revisão sistematizaram as evidências disponíveis sobre a
influência familiar na AN (Valdanha et al., 2013b) e nos TAs de modo
geral (Siqueira et al., 2020). Pesquisas que mapearam as redes de apoio
social de pacientes com TAs apontam a família como a principal fonte de
suporte (Leonidas & Santos, 2013, 2014; Leonidas et al., 2013). Outro
flanco importante dos estudos familiares na interface com os TAs focaliza
o fenômeno da transmissão psíquica inter/transgeracional, sob diferentes
perspectivas e enfoques teóricos (Attili et al., 2018; Valdanha et al., 2013a;
Valdanha-Ornelas & Santos, 2016b, 2017).
Em virtude da parca disponibilidade de centros especializados de
tratamento e das dificuldades que os profissionais de saúde encontram
para reconhecerem os sintomas iniciais, familiares tendem a peregrinar
pelos serviços de saúde e consultórios médicos em busca de uma
compreensão diagnóstica do que se passa com seus/suas filhos(as).
Valdanha-Ornelas e Santos (2016a) investigaram o itinerário terapêutico
no contexto dos TAs e concluíram que o percurso das famílias é permeado
por inúmeros percalços, devido às dificuldades inerentes ao diagnóstico
de seus/suas filhos(as), ao não preparo dos profissionais de saúde para
identificar precocemente os sintomas e à escassez de serviços
especializados e com equipes interdisciplinares devidamente capacitadas.
Neste capítulo exploraremos as potencialidades das intervenções
psicológicas em grupo, destinadas ao acolhimento dos familiares de
pacientes que frequentam o serviço de TAs. O cenário institucional no
qual o grupo multifamiliar se insere é o Grupo de Assistência em
Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital de Clínicas da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-
USP). O GRATA foi criado nos anos 1980 e se notabilizou como o
serviço especializado pioneiro no país na assistência multiprofissional em
TAs (Oliveira-Cardoso et al., 2018; Sicchieri et al., 2007; Souza et al.,
2019). O atendimento é oferecido, preferencialmente, em regime
ambulatorial e o serviço acolhe pacientes e seus familiares, seguindo a
perspectiva do cuidado integral a cargo de equipe interdisciplinar (Palma
495
et al., 2013). As atividades assistenciais ocorrem semanalmente, às sextas-
feiras, coordenadas por uma equipe composta por profissionais de saúde
(em sua maioria voluntários, isto é, sem vínculo empregatício formal),
residentes e estagiários das áreas de psicologia, nutrição, nutrologia,
psiquiatria e terapia ocupacional.
Ao ser admitido no serviço, é traçado para cada paciente um plano
terapêutico apropriado às suas necessidades, o que inclui os cuidados às
necessidades psicoemocionais da família. Esse plano estratégico
contempla a participação regular em grupos de apoio psicológico – um
dos quais voltado exclusivamente ao cuidado de pacientes e outro, voltado
para os familiares, além de psicoterapia de apoio individual para pacientes,
grupo, consultas e acompanhamento individual com nutricionistas,
psiquiatras e nutrólogos.
Atualmente, existe uma gama de possíveis intervenções que
podem beneficiar os familiares que acompanham pacientes atendidos em
diferentes instituições de saúde. Estratégias grupais têm se mostrado
efetivas no oferecimento de suporte a cuidadores nos mais variados
contextos da saúde, especialmente porque os vínculos construídos no
contexto grupal podem prover aos participantes espaços de reflexão,
desenvolvimento de habilidades sociais, modelos de relacionamento e
estratégias de enfrentamento mais adaptativas e saudáveis (Narvaz, 2010).
O grupo de apoio psicológico, que tem como destinatário de suas ações
de cuidado os familiares de pacientes do GRATA com diagnóstico de
anorexia ou bulimia, consiste em uma estratégia baseada nos moldes da
psicoterapia de grupo de apoio multifamiliar (Contel & Villas-Boas,
1999).
O grupo multifamiliar do GRATA é oferecido com frequência
semanal (Santos et al., 2016; Souza & Santos, 2007a, 2007b, 2009, 2010).
De modo complementar, até há alguns anos era oferecido, no mesmo
serviço especializado, um grupo de orientação clínico-nutricional aos
familiares (Bighetti et al., 2006). O espaço para acolhimento dos familiares
foi introduzido de forma sistemática há duas décadas, a partir da
identificação de demandas relacionadas aos altos níveis de ansiedade
observados nos cuidadores, preocupados com a persistência dos
comportamentos disfuncionais de seus/suas filhos(as) e exauridos pela
496
tenacidade com que eles(as) se agarram aos seus sintomas. Por outro lado,
há evidências de que padrões de relações familiares disfuncionais estão
associados à gravidade da sintomatologia de pacientes adolescentes com
TAs (Anastasiadou et al., 2016).
O grupo multifamiliar é coordenado por profissionais da
psicologia e conta com o apoio de dois estagiários de psicologia no papel
de observadores. O referencial teórico-metodológico que sustenta a
intervenção grupal é de inspiração psicanalítica, lastreado no modelo da
psicanálise vincular (Oliveira-Cardoso et al., 2018). Apresentaremos, a
seguir, um recorte que privilegia a análise de alguns fenômenos grupais
emergentes, a partir da apreciação de duas situações clínicas, que
escolhemos com o propósito de ilustrar os fundamentos teórico-
conceituais das intervenções realizadas com foco nas configurações
vinculares.
Vinheta clínica 1: Acho que da minha boca só sai veneno
Um dos traços mais salientes na dinâmica das pessoas
diagnosticadas com TAs é a desesperança (Oliveira & Santos, 2006),
característica depressiva que pode também estar exacerbada em alguns
familiares frente à persistência do cortejo sintomatológico dos/das
filhos(as). Assim, ao identificar vislumbres do aparecimento de esperança
em uma sessão de grupo com os familiares, o coordenador necessita
evidenciar esse acontecimento clínico como um sinal alentador, apostando
que pode haver ali um recurso saudável, semente promissora ou sinal de
mudança. Ao reconhecer a necessidade de individualizar a participação
dos familiares, os encontros grupais são abertos com um ritual de
apresentação, considerando que se trata de um grupo aberto. Em uma
determinada sessão do grupo multifamiliar, o coordenador decidiu abrir o
encontro propondo uma estratégia lúdica para que os/as participantes se
apresentassem uns/umas aos/às outros/as na roda de conversa.
Coordenador: alguns e algumas de vocês a gente já conhece, outros
e outras não. E aí, para nos apresentarmos, deixa eu sugerir um
jeito diferente, mais criativo. Primeiro eu vou me apresentar e
depois vocês se apresentam, de acordo com o jeito que eu fizer.
Então, assim, na hora em que vocês se apresentarem, vocês vão
497
dizer: “Se eu fosse um animal, eu seria...” Aí vocês pensam em um
animal que vocês acham que combina com vocês e dizem uma
característica desse animal. Então, vou começar: meu nome é
Marcos, se eu fosse um animal eu seria um cachorro, porque o
cachorro é esperto, fica o dia todo atento e também porque é
companheiro.
Mãe da Ariela: será que o cachorro é companheiro, ultimamente?
[riso] Depende do cachorro. [riso] Meu nome é Maria das Graças,
eu sou mãe da Ariela, que faz tratamento aqui. Se eu fosse um
animal, eu seria uma pomba, um pássaro, né? Porque um pássaro
está sempre em contato com a natureza e está sempre em
liberdade. Que eu acho que, hoje, a gente está perdendo muito o
nosso espaço vital, né? E o pássaro ainda consegue manter esse
espaço. Então, enquanto minha filha é atendida, eu fico
observando os pássaros e sempre penso que, na próxima
encarnação, eu gostaria de ser um pássaro.
[Silêncio]
Coordenador: [dirige-se à mãe da paciente Gilmara] Janice, não dá
para falar? [ela acena com a cabeça, sinal de negação] Nem o seu
nome?
Mãe da Gilmara: [balbucia] para quê?
Coordenador: nem quer dizer o seu nome?
Mãe da Gilmara: porque hoje eu quero matar. [pausa] Eu vou ser
uma cobra. O que eu estou dizendo serve?
Coordenador: se é assim que você está sentindo, serve! É... então,
o seu nome é Janice e hoje você está se sentindo como uma cobra.
E eu acho que você pode sim se sentir como uma cobra.
Mãe da Ariela: é, uai.
Mãe da Gilmara: eu quero ser uma das mais bravas, aquelas com
dois guiseiros ainda. Conhece essa?
Coordenador: não.
Mãe da Gilmara: é daquelas... que têm 18 nós nos dentes, conhece?
Ela só te enrola. E se te enrolar, te mata.
Coordenador: vai cercando, vai cercando e crau! [onomatopeia do
que seria um bote e uma mordida de cobra].
498
Mãe da Gilmara: não! Vai só enrolando, só. Ela só vai te torcendo.
Enrolando você.
Mãe da Ariela: ela te quebra toda e depois te puxa.
Mãe da Gilmara: te quebra, depois pode te comer.
Observa-se que uma das participantes, Janice, mobiliza o grupo
com sua narrativa permeada por fantasias e temores persecutórios,
tecendo uma dinâmica de aproximação insidiosa do predador em busca da
presa, preparando a captura e o ataque canibalístico. Em um primeiro
momento, ela parece tentar conter seus impulsos canibalísticos
refugiando-se em seu mutismo: “Falar para quê?” Mais do que descrença
na possibilidade de aprendizagem de algo novo no grupo, vislumbra-se
nesse movimento uma tentativa de conter a própria impulsividade, como
se deixasse uma advertência pairando no ar: “me deixem quieta no meu
canto, não mexam comigo, não despertem minha fome, meus instintos
predatórios”. O que vai se confirmar no movimento seguinte, quando é
provocada pelo coordenador e por uma outra mãe do grupo a quebrar o
isolamento e a participar da interação proposta de forma lúdica.
O animal que essa participante escolhe para se autorrepresentar (e,
assim, entrar no jogo proposto) tem forte carga de hostilidade: uma cobra,
e a justificativa que ela apresenta não deixa margem à dúvida: “porque hoje
eu quero matar”. Não é qualquer cobra, mas “uma das mais bravas, aquelas
com dois guiseiros” e “que têm 18 nós nos dentes”. “Ela só te enrola. E
se te enrolar, te mata”. Depreende-se que, após dar o bote, a cobra mata
sua presa por asfixia. Lane (2002) descreve a mãe cuja filha desenvolveu
anorexia como “assassina”, “uma mãe-aranha aterrorizante e com muitas
pernas, e que arma emboscada, captura, envenena, paralisa e mata. Essas
mães oprimem, sufocam, esmagam, circundam, engolfam, espremem até
a morte, aniquilam e devoram suas vítimas” (p. 105).
Há notável semelhança entre esses conteúdos imagéticos: a “mãe-
aranha” de Lane e a “mãe-cobra” inventada por Janice. A intenção
mortífera e devoradora do outro com o qual se relaciona está igualmente
representada com requintes de crueldade. A comunicação inconsciente só
pode se efetivar por meio de identificação projetiva maciça. O reino da
natureza selvagem, onde impera o instinto básico de sobrevivência, é
utilizado como um repositório propício para representar o funcionamento
499
do inconsciente. Para se autorrepresentar, Janice recorre a um réptil
peçonhento e agressivo. Como se dissesse ao grupo: “Cuidado, não
cheguem perto de mim hoje, ou serão aniquilados”. Nas relações fusionais,
marcadas pelo narcisismo de morte, o Ego se vê diante de um dilema
paralisante: é matar ou morrer (Leonidas & Santos, 2020).
Também podemos ler nas entrelinhas: estou tão repleta de ódio e
de desconfiança que minha mente transborda veneno e eu posso “te
quebrar, depois posso te comer”. A oralidade tóxica, o réptil caviloso e a
fantasia de devoração do outro sem qualquer resquício de culpa sugere o
nível arcaico de relações objetais, com apagamento das fronteiras que dão
contorno ao Ego. A cobra que “enrola” sua presa, “retorce”, “quebra”
seus ossos, mata por asfixia e “depois te puxa” para dentro de si representa
a impossibilidade de manter sua integridade egoica em um relacionamento
genuíno com o outro. Estamos na natureza selvagem, transitamos em um
território desumanizado onde não há uma alteridade constituída. O outro
existe para ser sugado, tragado, engolfado, fagocitado, incorporado
sadicamente, colocado para dentro por meio de processos identificatórios
primitivos que pressupõem elidir a separação eu-outro.
Nesse registro primevo da organização pulsional, os impulsos
amorosos e destrutivos encontram-se fundidos e não permitem a
preservação do objeto como entidade claramente distinta do eu. Assim
também ocorre, provavelmente, na vinculação emocional entre a mãe e
sua filha, que desenvolveu sérios problemas alimentares, sintoma que
expressa o colapso no plano da constituição identitária. Prevalece uma
relação de autodevoramento, em que uma não pode se afastar da outra
sob pena de desabar o Ego materno debilmente organizado, o que evoca
o conceito proposto por Lane (2002) de mãe-aranha, a que lança sua teia e
cospe seu veneno paralisante, e depois “enrola” o outro em seu manto
mortífero.
As vicissitudes da mãe fálica e toda poderosa transparecem sob a
égide da destrutividade oral: “Eu vou ser uma cobra”. Uma mãe com
dificuldades de controlar seus impulsos filicidas e conter suas fantasias de
incorporação oral-canibalística: “Porque hoje eu quero matar.” Isto
poderia ser lido como: impulso incontrolável para dar o bote e
comer/engolir a presa/grupo, de forma análoga ao que faz com a filha,
500
em uma espécie de parto às avessas. Lembremos que na mitologia Saturno
engole os filhos por temer a rivalidade. Entretanto, além dessa óbvia
tendência ao assalto à identidade do outro, talvez também exista um outro
lado defensivo, menos perceptível: “Ela só te enrola”, isto é, ela vai
procurar te enganar, qual Sherazade que, com sua astúcia narrativa,
conseguiu “enrolar” o sultão que a mantinha cativa por mil e uma noites e,
assim, protelou sua morte e garantiu sua sobrevivência. Mas Janice, em um
certo sentido, parece já estar “morta” do ponto de vista psíquico.
Lane (2002) aponta que a “mãe morta” descrita por André Green
desinveste a criança, que por sua vez desinveste o objeto materno, ao
mesmo tempo em que se identifica com a mãe. Green afirma que a retirada
de catexia por parte da mãe é verdadeiro ato de assassinato. Esse desfecho
é resultado de uma falta de contato ou vazio de relacionamento. Já as
pacientes com anorexia seriam “assassinadas” por hiperinvestimento
materno, não por desinvestimento. Essas mães “assassinas aniquiladoras
e sádicas” ocupam literalmente todos os espaços psíquicos da criança. São
altamente intrusivas, excessivamente controladoras e emaranhadas com
suas filhas, de modo que os limites entre ambas ficam confusos e
embaçados: elas “são senhoras zangadas, que sugam o sangue de suas
filhas ou as espremem até a morte” (Lane, 2002, p. 106).
Continuemos acompanhando os movimentos do encontro grupal
em curso. A hostilidade manifesta por Janice encontra acolhida e
continência de uma outra mãe, que não se deixa intimidar:
Mãe da Ariela: e por que você, nesse momento, está se sentindo
como uma cobra? Você que é uma guerreira, que está fazendo esse
trabalho de acompanhar a sua filha, dando uma força tão grande
para ela por todo esse tempo! E hoje você está se sentindo assim
por quê? Se o grupo é de ajuda, eu acho que você deve...
Mãe da Gilmara: porque eu sou desprezada, eu não sou mãe de
ninguém. Sou mãe da Gilmara e do Marcelo. Eu fiz aniversário e
ninguém me deu os parabéns. Fiquei doente, fiquei mais de oito
horas no hospital, ninguém perguntou, sem ser a Gilmara e o
Marcelo, ninguém perguntou por mim. Para que existe eu, pra ficar
na solidão? Você disse que é uma falta para o ser humano. Eu? Eu
501
não senti nada. Hoje, se eu pudesse brincar de comemorar pelo
que eu sou...
Mãe da Ariela: então, Janice, mas só que você tem um.... eu posso
falar?
Mãe da Gilmara: pode!
Mãe da Ariela: pelo que eu estou vendo, hoje você tem um motivo,
porque você está com o seu coração ferido pelo que aconteceu.
Mas, na realidade, no dia-a-dia, você não é assim. Acontecem
outras coisas boas, né? [voltando-se para o coordenador] Ela está
magoada, ela está triste porque ela se sentiu decepcionada, ela esperava uma
coisa e não aconteceu. A vida não é feita só de maravilhas, as coisas
acontecem, né? As coisas acontecem. E a gente tem que estar
preparada para as coisas boas e as coisas ruins, porque às vezes...
[dirigindo-se diretamente à Janice] Olha o problema da sua filha,
que é um problema tão sério, e você tira de letra. Você é um
exemplo para nós aqui. Agora, porque não te cumprimentaram...
Mãe da Gilmara: que adianta eu tratar a Gilmara, se eu não tenho
valor dentro de casa?
Mãe da Ariela: adianta porque ela precisa de você e você é o escudo
dela.
O enunciado metafórico “você é o escudo dela” merece uma
atenção especial, pois permite refletir sobre a questão da função protetora
que é parte das tarefas maternas. Vários estudos se dedicaram a reconhecer
os aspectos maternos nesse contexto (Campos et al., 2012; Cobelo &
Gonzaga, 2012; Leonidas & Santos, 2014; Moura et al., 2015; Santos et al.,
2016; Sopezki & Vaz, 2008; Valdanha et al., 2013a, 2013b). As pesquisas
identificam certos elementos maternos que são reproduzidos nos cuidados
oferecidos pela equipe interdisciplinar. Como em todo tratamento em
saúde mental, a relação terapêutica é um elemento-chave nos TAs, todavia
pouco se conhece sobre como o contexto familiar pode participar dos
esforços de reabilitação psicológica e nutricional das/os pacientes
atendidas/os nos serviços especializados. Inspirado por esse pressuposto,
estudo realizado no Reino Unido investigou o modo como a relação
terapêutica é vivenciada entre profissionais de saúde e mulheres com
diagnóstico de anorexia no contexto de uma unidade de tratamento
502
especializado (Wright, 2015). Essa pesquisa fenomenológica interpretativa
focalizou as enfermeiras, que mencionaram cultivar durante o cuidado um
tipo de relacionamento que guarda semelhanças com o vínculo mãe-filha
em circunstância favorável de saúde. Para as profissionais entrevistadas, é
um vínculo terapêutico que está em conformidade com uma abordagem
profissional e compassiva da enfermagem. Esse padrão foi denominado
de maternalismo e definido como um relacionamento positivo, acolhedor e
transitório, que promove condições para que a pessoa adoecida se sinta
segura e possa alcançar gradualmente sua recuperação e transição para
eventual independência.
Com base nesses achados, podemos aventar a hipótese de que o
grupo multifamiliar favorece um tipo de aliança terapêutica que permite
aos membros ativar aspectos comuns à função parental de oferecer
holding58 e propiciar um ambiente permissivo e de aceitação plena que possa
favorecer a integração de partes cindidas do self.
Mãe da Gilmara: fia, eu ouço, eu sempre estou ouvindo vocês.
Você tem palavras bonitas, você sabe conversar e eu não sei.
Mãe da Ariela: sabe sim, você sempre soube.
Mãe da Gilmara: os outros sabem, os outros têm alegria. Fia, eu
perdi tudo, tudo.
Mãe da Ariela: mas nós estamos aqui para te dar a mão.
Mãe da Gilmara: a não ser a Gilmara e o Marcelo. Porque o resto
eu perdi tudo. Eu não vivo mais de família. Eu estou só na Terra
com a Gilmara e o Marcelo. Fia, marido eu não tenho. Ele me
bateu ontem. Eu estou aqui por quê? Para ver se eu... enfrento a
minha cabeça, mas eu estou ruim também. O quê que eu te falei
para você, que eu expliquei? Desde terça-feira da semana passada,
foi um filho que me bateu. Teu filho te bate? Teu filho, teve você
para bater na sua mãe, que a tua mãe é... fala que você é biscate?
Eu estou cansada. Minha filha, eu estou aqui fingindo para vocês.
Eu estou nessa luta hoje por causa da Gilmara.
58 Vide o Capítulo 13, Winnicott: estimulador da criatividade – o grupo como fenômeno transicional.
503
Mãe da Ariela: então, a partir de hoje, deixa o fingimento de lado
e põe à tona o que você está sentindo. Igual você falou que quer
ser uma cobra, né? Para a gente poder te ajudar...
A retomada, pela outra mãe, da imagem eloquente da cobra “que
te quebra, depois pode te comer”, é surpreendentemente isomórfica ao
sintoma de TA da filha, de 35 anos, um caso grave de AN do tipo bulímico.
Com um quadro crônico que se arrastava por mais de 20 anos, era a única
paciente do ambulatório que teve de ser submetida à gastrostomia,
procedimento no qual um tubo é colocado diretamente no estômago por
onde é administrado o suporte nutricional. Essa opção radical pela
nutrição enteral foi decidida em condições extremas, após fracassarem
todas as medidas terapêuticas tentadas por anos de tratamento e que se
mostraram ineficientes frente à tenaz recusa da paciente de admitir
qualquer tipo de ingestão via oral, inclusive de água. O tubo tem uma
abertura (uma “outra boca”, artificialmente construída e fechada por uma
lapela, que se assemelha a uma cicatriz umbilical, o que reatualiza a reunião
primeva com a mãe) por onde deve ser passada diariamente uma dieta
líquida que, normalmente, é indicada para pacientes debilitadas que
perderam a função de deglutição – por exemplo, em decorrência de
sequela de acidente vascular encefálico. Essa dieta especial tem custo
elevado, tendo que ser solicitada mensalmente junto à assistência social da
prefeitura da cidade de origem da paciente, que vive em condições de
extrema vulnerabilidade socioeconômica.
Leonidas e Santos (2015b) caracterizam a relação mãe-filha nas
patologias alimentares como uma configuração vincular fusionada e
conflituosa, que remete à dependência emocional mútua, na qual a dupla
vivencia dificuldades de se diferenciar e se relacionar de forma
individualizada. O padrão de relacionamento fusional é inevitavelmente
ambivalente e marcado por tensões. Nesse modelo de codependência, as
fronteiras individuais são porosas e as inconsistências do vínculo não
fornecem uma base de sustentação segura para o processo de
desenvolvimento emocional da filha.
Janice, a mãe-cobra-que-devora-a-cria com sua avidez, tem um
histórico de várias internações psiquiátricas. Vivendo nas brumas do
funcionamento psicótico, emerge indissoluvelmente unida com sua filha
504
por meio de um laço afetivo mortífero. Duas existências encerradas em
uma, amarradas pelo vínculo simbiótico (Leonidas & Santos, 2020). A
qualquer momento os estoques de veneno podem entornar o caldo. É
possível que essa mãe se sinta paralisada pelo temor de ser abatida pela
própria destrutividade. Como se advertisse, do fundo de seu alheamento
defensivo: eu vou me defender permanecendo paralisada na minha toca/boca, por
favor, não me provoque, senão te mordo; não perturbe minha letargia, não queira me
tirar de meu claustro protetor porque estou ferida [como se confirmará adiante].
Não queira me tirar do transe de minha dor. Não há lenitivo para o meu desamparo.
Por outro lado, a frase: “eu estou aqui fingindo para vocês” também faz
crer que talvez Janice estivesse apenas aparentemente inerte, paralisada
pela ameaça de aniquilamento originada da projeção de sua própria
hostilidade, podendo captar e permanecer sensível ao que se passa ao seu
redor.
A mãe da Ariela demonstra capacidade de continência, o que lhe
permite abraçar afetivamente Janice: “nós estamos aqui para te dar a mão”.
O auge da continência afetiva acontece quando ela enuncia, em
formulação com alta qualidade interpretativa: Ela está magoada, ela está triste
porque ela se sentiu decepcionada. Ao apontar o animal ferido, cujo
funcionamento mental se desintegra sob o peso da realidade, a mãe da
Ariela mostra que o grupo multifamiliar pode se tornar um dispositivo
potente de cuidado emocional quando agrupamos pessoas que
compartilham de uma condição comum – ter uma filha com diagnóstico
de anorexia ou bulimia. Porém, não é apenas isso que garantirá que ali,
necessariamente, vai se produzir um encontro mutativo. O valor
terapêutico da sessão vai depender da habilidade do coordenador de
manejar as emergências psíquicas desagregadoras que irrompem na cena
grupal sob o influxo da pulsão de morte. Dar contornos para essas
situações psicóticas, nas quais se percebe o trabalho insidioso e furtivo da
morte, depende também da capacidade de arregimentar o que há de
melhor nos demais membros, para tornar esses recursos curativos
disponíveis para uso no acontecer grupal (Goulart & Santos, 2012).
A inserção no grupo de membros que apresentam um nível de
funcionamento predominantemente psicótico pode representar um
especial desafio para o coordenador, pois eles podem arrastar o restante
505
do grupo para o abismo das cisões intransponíveis ou para um lugar de
paralisia, nivelando todos no nível mais regressivo. Frente a essas
vicissitudes, o coordenador deve criar uma dinâmica que permita acolher
a parte psicótica que por vezes se expressa com mais intensidade e
veemência em um dos membros do grupo, contando com a possibilidade,
como se viu na vinheta apresentada, de se dispor de outro membro com
funcionamento neurótico e que demonstre ter especial capacidade
empática e espírito colaborativo para ativar o movimento integrador.
Acompanhemos outros movimentos desse encontro grupal:
Mãe da Gilmara: que a Gilmara precisa de leite e eu não tenho. Os
outros me xingando, os outros me batendo, fia, comida, e o
homem me tira de dentro de casa. Olha, com comida dentro de
casa, sabe o que ele faz? O pão está na minha mão, ele tira da
minha mão e joga para o alto. Ele fala: “você não vai comer e você
não vai dormir aqui dentro”. Como é que você quer que eu viva?
Você quer que eu viva embaixo de uma ponte? Filha, se eu tenho
isso aqui, é porque os outros que me dão. Se eu tenho sapato, é
porque os outros me dão.
A essa altura, Janice já havia assumido o papel de monopolizador
do encontro grupal. Com seu narcisismo de morte, mostra-se exitosa em
ocupar o centro das atenções, e dessa posição subjetiva passa a reivindicar
maciçamente o que julga que o mundo lhe deve. A posição que adota, de
vítima das circunstâncias e dos grandes infortúnios da vida, é
particularmente desafiadora para a coordenação do grupo. A participante
posiciona-se como um bebê voraz com uma boca-vórtice escancarada,
buraco negro, sorvedouro e sumidouro prontos a sugar e exaurir todas as
energias do grupo na tentativa de atenuar seu colossal vazio interno. Mais
uma vez, a questão aqui é matar ou morrer. Como é que você quer que eu viva?
Mãe da Gilmara [para o coordenador]: não adianta, filho, eu já
estou com a minha cabeça hoje... Eu não vou entender nada. Hoje
eu não vou.
O ataque aos elos de ligação explicita o trabalho desagregador da
pulsão de morte: “Não adianta [...] Eu não vou entender nada hoje”. A
posição receptiva do coordenador será decisiva para que o grupo recupere
sua condição de pensar.
506
Coordenador: não, mas eu acho que aí, se a gente puder conversar
sobre alguma coisa que você falou... eu acho assim... primeiro, eu
queria valorizar isso que a Maria das Graças já valorizou e eu achei
importante. Que aqui no grupo você poder dizer realmente como
você é e como você está, né? “Então, estou uma cobra hoje, estou
uma cobra porque estou muito magoada, estou com muita raiva e
eu acho que da minha boca só sai veneno. Estou uma cobra
porque a minha língua está afiada e está envenenada. Porque eu
também estou muito envenenada por dentro. Estou muito
machucada, estou muito cansada, estou muito sozinha. E aí da
minha boca só sai um pouco de veneno.” Mas aí a gente pode
pensar que a cobra também é um animal muito forte e resistente.
E aí a Maria das Graças disse o seguinte. Que, para ela, você
representa ser uma guerreira, e até um exemplo de força e
obstinação. E aí eu estou pensando no seguinte, Janice, você está
dizendo que não tem nada, que está vazia, que só recebe desprezo
e não tem a consideração de ninguém, nem no próprio aniversário,
mas eu acho que, quando a Maria das Graças diz isso, aqui e agora,
ela está reconhecendo um valor seu. Ela está dizendo algo bom
que ela vê em você e que você está dizendo que não tem.
A fala integradora do coordenador do grupo sintetiza os
movimentos que animaram a dinâmica grupal até aquele momento,
enfatizando os aspectos reparatórios que podem favorecer uma
necessidade reduzida de fazer cisão/dissociação radical, de modo a dar
abrigo a um prenúncio de gratidão59. Esse sentimento, típico da integração
proporcionada pela aproximação da posição depressiva, pode ter
suavizado o veneno. O coordenador reconhece que esse movimento
reparatório foi gestado e instaurado pela fala generosa da mãe de Ariela.
Mãe da Ariela: você vê, desde quando eu venho aqui no GRATA,
eu acho que a única pessoa que nunca faltou, que está sempre
presente, é ela, com todas as dificuldades, né? E a menina dela,
pelo que a gente vê, pelos relatos, é a menina assim que está sendo
considerada como o problema mais grave, mais acentuado. E ela
59 Ver o Capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.
507
está sempre firme, está sempre forte, ao passo que muitas pessoas
já teriam, sabe, entregado os pontos.
O conceito de maternalismo, proposto por Wright (2015) como
um fenômeno que ocorre no âmbito da relação terapêutica cultivada em
unidades especializadas de TAs, considera que o papel do profissional de
saúde de proteger, preservar a vida e promover a saúde é análogo ao papel
materno. Embora reconheça que são estratégias aparentemente simplistas,
a autora constatou que o uso de técnicas reconfortantes, tranquilizadoras
e estimulantes pelas trabalhadoras da saúde, com o propósito de atenuar
o sofrimento e ajudar a pessoa a se sentir segura e bem cuidada, guarda
semelhanças com a maternagem. Por isso, uma abordagem maternalista
que ofereça uma sensação de segurança e carinho pode ser uma maneira
compassiva de favorecer a esperança, o que permitiria vislumbrar uma via
de saída da psicopatologia rumo à recuperação, da mesma maneira que
uma boa parentalidade pode facilitar o amadurecimento e aquisição de
recursos rumo à independência por pessoas com acentuadas dificuldades
de crescimento (Wright & Hacking, 2012).
Vinheta clínica 2: Não queremos que isso saia da nossa boca
Examinemos um outro encontro do grupo multifamiliar, no qual
compareceram: mãe da Gilmara, mãe de Paloma, mãe de Lucília, pai de
Maria e pais de Ariela, além da coordenadora (psicóloga) e de um
estudante do sexto ano de medicina no papel de observador do grupo. Em
outras palavras, estavam representados nesse encontro cinco núcleos
familiares, sendo um deles pelo casal parental, o que é incomum em nosso
contexto assistencial.
A mãe da Ariela tomou a dianteira e abriu a sessão contando que
participava do grupo apenas quando a filha tinha retorno ambulatorial,
justificando sua restrição por morar em outra cidade e não ter transporte
próprio.
Mãe da Ariela: normalmente, só venho quando é retorno. Da outra
vez, eu trouxe a Ariela, mas eu tinha que viajar, eu viajo... Não
tenho condição. Mas, durante esse período, eu estava falando para
a nutricionista, o comportamento da Ariela, eu estava achando
assim, um comportamento um pouco ansioso. Ela está um
508
pouquinho mais ansiosa, ela passou um período anterior a esses 90
dias um pouco melhor. Eu não sei se é porque vai aproximando
mais o final do ano e, como ela é extremamente ansiosa... É uma
coisa engraçada, como nós já conversamos aqui, ela sempre quer
ser a primeira em tudo, e isso parece que é comum a todas essas
meninas, assim, como sintoma. Parece que tem sempre essa coisa
de... em quase todas, sempre essas coisas de sobressair. Então, ela
se esforça demais, entendeu? Ela estuda demais... Como eu estava
falando com a nutricionista: a Ariela, tudo o que ela faz, ela entra
de cabeça, né?
Mãe de Lucília: com excesso!
Para alcançar a desejada adesão familiar ao plano terapêutico
traçado pela equipe, é necessário planejar estratégias de intervenção que se
mostrem exequíveis nas condições objetivas em que se organiza a
assistência interdisciplinar e que considerem também as possibilidades e
limites individuais dos próprios cuidadores (Santos et al., 2016). A inclusão
dos familiares no tratamento requer planejamento e supervisão constante.
No acompanhamento de uma condição crônica de saúde, a motivação
tende a ser oscilante, de acordo com o curso evolutivo do processo de
adoecimento. No GRATA a família é incorporada como recurso e agente
colaborador na efetivação do plano individual de tratamento, elaborado
por ocasião da admissão do(a) paciente no serviço. Para sistematização de
estratégias clínicas efetivas, são necessários estudos que se proponham a
contribuir para a produção de conhecimentos, por meio de abordagens
tanto quantitativas como qualitativas, sobre as necessidades específicas
dos familiares, de modo a otimizar sua participação, para que eles possam
se sentir fortalecidos e motivados a apoiar o tratamento do membro
acometido (Benninghoven et al., 2007; Rosa & Santos, 2011; Souza et al.,
2013).
Santos et al. (2016) argumentam que, em contextos familiares
frequentemente marcados por tensões e conflitos crônicos não
solucionados, umas das estratégias defensivas ativadas por mães e pais
consiste em manobras reiteradas de controle do comportamento do(a)
filho(a) acometido(a). Ocorre que, quanto mais intenso o controle
parental, maior a resistência dos(as) filhos(as) a se submeterem a tais
509
manobras coercitivas. Os cuidados parentais são sentidos e percebidos
como invasivos e limitadores da autonomia individual, justamente em um
momento evolutivo (transição adolescente) no qual o(a) filho(a) busca
reforçar sua independência e se livrar do desconforto da vigilância parental
(Costa & Santos, 2016). Os sintomas – recusa alimentar, vômito
autoinduzido, uso abusivo de laxantes, entre outros – expressam, em um
plano regressivo, o repúdio radical e agressivo a essas tentativas de
ingerência e controle sobre seus corpos, desejos e anseios de autonomia.
Os pais, com frequência, apresentam estilos de comunicação deficitários,
agravados por discrepâncias na fixação dos valores e normas familiares,
além de evidenciarem distorções e confusões nas interações cotidianas que
estabelecem com os demais membros da família. Nessa vertente, os
sintomas que configuram a anorexia e bulimia podem ser compreendidos
como o protesto mudo do(a) paciente, como uma espécie malograda de
comunicação que opera por meio do corpo em um registro emocional
arcaico (representação de coisas, típica dos processos primários de
pensamento) e que ainda não encontrou as palavras para modular os
“excessos” e dar contorno aos investimentos pulsionais.
Mãe da Ariela: é, com excesso! Exatamente! Sempre ela acaba
cometendo excessos demais, ela não tem aquele...
Mãe da Paloma: limite?
Pai da Ariela: é! Não tem aquele equilíbrio das coisas. Porque eu
sempre passo para elas o equilíbrio da vida, né? Tudo é bom desde
que seja dentro de uma normalidade, dentro de um equilíbrio. A
Ariela sempre entra de cabeça demais naquilo que ela faz. E, com
isso, eu acho que ela fica um pouco desgastada também, bastante
ansiosa e mais agressiva, né? Certo? Bem agressiva, principalmente
se ela está estudando. Se o telefone toca na minha casa, ela já xinga,
viu? Se a minha esposa atende o telefone, ela já xinga porque ela
não quer que ela fale ao telefone porque atrapalha a concentração
dela. Um negócio assim, incrível. Tem dia que ela está bastante
agressiva. Pode ser porque ela está fazendo prova nesses dias, pode
ser pela aproximação das provas que ela fica...
Em uma metassíntese de estudos qualitativos publicados entre
1990 e 2006, Espíndola e Blay (2009) investigaram a perspectiva de
510
familiares de pessoas com AN e BN. A revisão evidenciou a importância
do reconhecimento do transtorno e de suas repercussões no contexto
familiar, o que inclui a reorganização do núcleo familiar da pessoa
acometida. O sentimento de impotência foi predominante entre os
familiares. Os resultados indicaram a presença de comprometimento do
funcionamento familiar, que distorce a comunicação e modifica as atitudes
e comportamentos entre os membros da família.
Outro estudo de revisão, que incluiu 29 artigos publicados no
período de 2012 a 2018, corroborou a existência de estreita associação
entre sintomas de TAs e os padrões de relacionamento preponderantes
nas famílias. Os dados apontaram que a etiologia dos transtornos é
multifatorial, sendo a relação mãe-filha um dos aspectos mais
proeminentes, que parece atuar tanto como fator precipitador como
mantenedor dos sintomas nos quadros de anorexia. Padrões rígidos de
interação familiar representam risco potencial para manutenção dos TAs
e a síntese dos resultados destacados pelas pesquisas reforça a necessidade
de inclusão dos familiares e de outras redes de apoio social no contexto
do tratamento (Siqueira et al., 2020).
Coordenadora: e como vocês lidam com essa exacerbação da
agressividade dela nessa época de provas?
Pai da Ariela: normal, assim, como a gente lidava antes. Não tem
nada a mais, nada a menos do que a gente fazia anteriormente.
Como era feito? A gente está aprendendo, entendeu? É aquela coisa
assim de participar, estar junto, estar olhando. Mas tem que vigiar,
estar junto, mas ela tem que perceber que a gente está tentando
ajudar... Estar junto! Eu percebo que a Ariela tem uma necessidade
muito grande de conversar, entendeu? De contar as coisas, de
colocar, porque ela fala demais! Ela...
Mãe da Ariela: justamente! Eu nem te conto! [expressão de
cansaço] Acho que eu não preciso nem falar!
Pai da Ariela: ela está lá embaixo agora. Eu tenho a impressão de
que ela está conversando com todo mundo! Porque, agora, ela já
aprendeu a falar do problema, e aprendeu a falar, principalmente, para
as outras que estão começando, ela fala mesmo, entendeu? Até
para pessoas estranhas já está começando a conversar, quando tem
511
uma certa amizade. Ela só não conseguiu ainda falar para o
namorado dela, tá certo?
Coordenadora: ainda não conseguiu falar com o namorado?
Interessante aproximar essas duas falas, que parecem ser
complementares: “A gente [ele, pai, e a esposa] está aprendendo” e “Porque,
agora, ela [a filha] já aprendeu a falar do problema”. A experiência da
doença, a despeito do evidente sofrimento e dor que acarreta, involucra
também um aspecto de aprendizado, de aquisição de novas habilidades
socioemocionais, segundo a percepção dos pais cujas filhas encontram-se
em atendimento há mais tempo. Deve-se ressaltar que elas são percebidas
frequentemente como irascíveis, geniosas, indóceis, incorrigíveis, rebeldes
e impulsivas.
Mãe da Ariela: nós também não queremos que isso saia da nossa boca!
Não sei, o namorado deve ter percebido alguma coisa diferente,
mas não sabe a gravidade da coisa, nem os limites dela. Mas nesse
período está normal. Normal! Dentro da normalidade! Um dia a
mais, um dia normal! [expressão de alívio] Sem problema nenhum!
De certo, a gente procura, se for preciso, falar alguma coisinha,
falar, respeitar... Poxa, por que, né, é falta de educação a pessoa
estar no telefone, e a outra pessoa gritar no telefone [porque está
incomodada]! Esse é um tipo de coisa assim, né, que terminou a
gente falando pra ela, mas não adianta nada, porque na próxima
vai acontecer do mesmo jeito, e tudo bem. Então, você vê que ela
explode, né? Ela não consegue segurar aquele ímpeto de
nervosismo.
Segundo Oliveira-Cardoso e Santos (2014), a avaliação psicológica
de pacientes com TAs evidencia prejuízos no funcionamento emocional,
com uma desregulação dos mecanismos de controle eficiente dos
impulsos. Por não suportarem os estados de ansiedade decorrentes do
descontrole e da deficiência de modulação dos afetos, as pacientes
denegam seus impulsos, gerando uma instabilidade emocional que
dificulta a elaboração adequada dos conflitos. O comprometimento
psíquico evidenciado justifica a necessidade de acompanhamento
psicoterapêutico, conjugado com reabilitação nutricional.
512
Prosseguiremos acompanhando mais alguns movimentos do
encontro grupal:
Coordenadora: o Senhor...
Pai da Ariela: e na escola também... Outra coisa interessante, na
sala de aula também, as amigas, de vez em quando, e a gente
percebe que eles têm uma briguinha com ela lá porque eu acho que
ela excede, entendeu? Querendo mostrar que sabe mais, ou alguma
coisa assim. Sei lá o que que é. A gente percebe que existe. De vez
em quando ela chega perguntando para a mãe, né: “Ah, a fulana
falou que eu pergunto demais, outra falou que eu faço muita
pergunta!”. Porque, no fundo, eu acho que ela faz alguma
pergunta, já sabendo um pouco da resposta. Acho que ela faz só
para mostrar que sabe, imagino eu.
Mãe da Ariela: para testar o professor.
Pai da Ariela: não é testar, não. Eu acho que ela pergunta, mas ela
sabe exatamente o que poderia ser respondido. Então, eu percebo
isso nela, sabe?
Coordenadora: e vocês já pensaram que ela pode fazer isso para
compensar o problema? Porque os outros talvez não vejam que
ela tem...
Pai da Ariela: eu creio que sim. Eu creio que sim! Eu acho que isso
é uma compensação, uma maneira de se sobressair, por aquilo que
tem na cabeça dela, e que ela tem de ruim, entendeu? O que ela tem de ruim
na cabeça dela? Que ela imagina que ela é feia demais, imagina que é
gorda demais, então, sei lá. Eu acho que isso ela quer compensar,
por esse outro lado.
Para Lane (2002), os sintomas de TAs, que incluem jejum
prolongado, seguido ou não de manobras purgativas e comportamentos
de automutilação, teriam uma função catártica e autopurificadora, na
medida em que cumprem uma função de modular estados de ansiedade,
tensão sexual, raiva ou vazio interno, e de quebra provocam uma sensação
quase física de alívio imediato dos excessos pulsionais.
Mãe da Ariela: [O peso dela] está variando muito, porque ela gasta
muita energia, porque ela dança muito, ela anda muito a pé. Ela
não tem paciência de esperar o ônibus. Então, se ela tiver
513
esperando o ônibus e demora 10 minutos, ela já larga e vai embora
a pé. Então, não tem jeito de ela pegar peso, o pouquinho que ela
ingere, ela gasta! Ela perde muita energia, então, está difícil. [...]
quando ela toma a medicação, ela se alimenta melhor, então, ela
fica menos ansiosa.
No modelo de grupo multifamiliar apresentado, um dos
pressupostos que sustentam a intervenção é a valorização do contexto
familiar como agente promotor de práticas de cuidado e atenção à saúde.
Investir no acolhimento das necessidades emocionais dos familiares é
congruente com a literatura, que aponta que a qualidade dos
relacionamentos familiares é fator protetivo para os problemas de
comportamento alimentar (Lampis et al., 2014). Desse modo, a oferta de
um espaço de escuta aos familiares, além de fornecer amparo às angústias
e continência para os excessos produzidos pelas experiências aflitivas, tem
como propósito estratégico auxiliá-los a reorganizar seus papéis como
cuidadores, com a possibilidade de descobrirem maneiras mais saudáveis
de lidarem com os desafios de cuidar do membro familiar adoecido.
Também se torna uma arena propícia para compartihar recursos, debater
ideias e questionar padrões e estereótipos disseminados na cultura
contemporânea, que privilegiam determinados valores e crenças
associados à forma e peso corporal, como o culto ao corpo esbelto como
símbolo de felicidade e aceitação social (Santos et al., 2015).
A necessidade de pertencimento é acentuada na sociedade
contemporânea. A experiência de não se estar em conformidade com os
padrões valorizados gera processos de adoecimento, que agravam os
sentimentos de exclusão (Leonidas & Santos, 2017). Nessa perspectiva, a
instrumentalização dos grupos na saúde representa uma reserva de
atendimento humanizado que pode revigorar as condições facilitadoras
dos processos de cura. Tendo por horizonte a promoção da saúde mental,
a inclusão da família no cenário de cuidados de pacientes com TAs tem se
mostrado uma valiosa ferramenta terapêutica. Mas, para ser uma estratégia
realmente exitosa, deve possibilitar que o núcleo familiar se sinta
amparado e se torne verdadeiramente aliado da equipe interdisciplinar nos
esforços empreendidos na busca da reabilitação psicológica e nutricional
do(a) paciente.
514
Considerações finais
Neste relato buscamos destacar, com base nos resultados
decantados da experiência clínica de duas décadas de atendimento em um
serviço de TAs, o dispositivo grupal como epicentro de processos de
transformação psíquica, de abertura de novas perspectivas e possibilidades
de ressignificação de crenças e atitudes, de reinvenção de formas
cristalizadas de vinculação e de padrões tóxicos de convivência familiar.
No modelo apresentado, o manejo da intervenção grupal é baseado no
acolhimento e na potencialização dos cuidadores familiares como agentes
de mudança, considerando as possibilidades e limites do contexto
institucional no qual o grupo multifamiliar se desenvolve. Também
consideramos que, para que esse modelo seja bem-sucedido, os familiares
envolvidos devem se engajar em uma tarefa grupal comum: aprender
novas formas de cuidar das necessidades emocionais de seus/suas
filhos(as), ao mesmo tempo em que cuidam um do outro e de si próprios.
A literatura evidencia que o sistema familiar de pessoas
diagnosticadas com TAs é conturbado e que os cuidadores familiares se
sentem desmoralizados e descompensados frente à sobrecarga imposta
pelas exigências do cuidar. Como pudemos perceber nas vinhetas clínicas
apresentadas, é enorme o desgaste de lidar cotidianamente com um(a)
filho(a) com sintomas recorrentes e refratários a qualquer abordagem
razoável. Nesse sentido, o grupo também funciona como um espaço que
permite aos membros voltarem seu olhar para si próprios, buscando
(re)conhecer suas próprias necessidades de se cuidarem, o que pode
revigorar sua autoconfiança e fortalecer a autoestima abalada. Além do
compartilhamento do estoque de recursos pessoais, nota-se que para
alguns integrantes o grupo parece funcionar como espaço privilegiado
para a renovação de esperanças e melhoria da qualidade de vida. Nesse
contexto, o coordenador emerge como o fiador dos anseios e da esperança do
grupo, ao buscar, por meio do manejo das situações de conflito
emergentes, incrementar a coesão grupal e iluminar possibilidades de
desenvolver recursos criativos e fazer uso de defesas mais maduras e
integradoras do Ego.
515
Este capítulo focalizou uma experiência exitosa de intervenção
implementada há 20 anos junto a um serviço de referência nacional no
tratamento dos TAs. Desde o início de sua implementação, esse modelo
tem se mostrado apropriado para o propósito a que se destina,
contribuindo ainda com o processo de formação de estudantes de
psicologia e medicina, que atuam no serviço em diversas posições: como
estagiários, observadores e eventuais co-coordenadores do grupo, ou
inseridos no grupo de pacientes, que ocorre paralelamente ao dos
familiares, além de atuarem como psicoterapeutas e participarem das
reuniões de equipe. Importante frisar que esse trabalho é desenvolvido no
cenário de um hospital-escola, instituição pública de referência no país em
pesquisa e formação médica, vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Como tal, a experiência relatada pode inspirar o processo de formação
técnico-científica de novos profissionais de saúde, com o diferencial da
valorização da grupalidade.
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523
26 Psicoterapia psicanalítica de grupo
com alcoolistas e drogaditos Silvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento, Livia Maria
Amaral de Brito, Patricia Ely
Contexto histórico
A história da psicoterapia de grupo com alcoolistas e drogaditos
data de aproximadamente 100 anos atrás. Uma das primeiras iniciativas foi
a de Metzel, que desenvolveu um método de aconselhamento para
alcoolistas (Bechelli & Santos, 2004). Contudo, sem dúvida alguma, foi o
surgimento dos grupos de alcoólicos anônimos, em 1935, que impulsou e
popularizou essa forma de abordagem. Embora ligados ao Cristianismo e
consoantes com as tendências morais da época (ainda que o alcoolismo
tenha sido definido como doença em meados do século XVIII, nessa
época ainda havia relutância em encará-lo como pertencente ao campo da
saúde, percebendo-o como uma questão da moral e dos bons costumes),
sua conceituação do alcoolismo como doença e sua proposta baseada no
encontro, na troca de experiências e no respeito ao indivíduo introduziram
mudanças que vão influenciar o tratamento para os alcoolistas e
drogaditos até os dias de hoje. Ainda que sejam grupos de trabalho leigos,
o enorme sucesso alcançado com muitos pacientes no que diz respeito à
abstinência, teve como consequência sua rápida difusão no mundo e sua
progressiva incorporação aos programas terapêuticos. Em outras palavras,
podemos dizer que a clínica psicológica com alcoolistas e drogaditos
desenvolveu-se a partir do pressuposto que considerava fundamental a
dinâmica grupal na intervenção (Brasiliano, 2008).
Hoje em dia, a psicoterapia de grupo é uma das modalidades
terapêuticas mais amplamente utilizadas no tratamento de dependentes de
substâncias psicoativas. Mais além, costuma ser sugerida como terapêutica
de escolha para estes pacientes, independentemente de qual seja a
524
abordagem utilizada (Brasiliano, 1997; Lima & Fuks, 2006). Pode-se dizer
que as psicoterapias de grupo são tantas quantas são as formulações
teóricas existentes, os métodos grupais, as metas de trabalho e a orientação
de cada psicoterapeuta (Brasiliano, 1997).
O desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica de grupo com
alcoolistas e drogaditos foi marcado por inúmeros fatores e obstáculos que
atravessaram o seu caminho. Uma primeira barreira foi um clássico estudo
de Vaillant nos anos 80, cujos resultados apontaram que a psicanálise
convencional e intensiva era ineficaz, quando não contraindicada com
esses pacientes (Vaillant, 1981). Investigações posteriores que sustentaram
essa afirmativa, o progressivo abandono da psicanálise como base para a
psiquiatria e a sua substituição pela fundamentação objetiva
fenomenológica contribuíram para a pouca aplicabilidade da psicanálise
no campo da dependência de substâncias psicoativas.
Outra fonte de dificuldades foi a própria instituição psicanalítica
oficial. Até os anos 90 pode-se dizer que a psicanálise era a grande ausente
no campo das drogadições e os pacientes drogaditos eram os grandes
ausentes no campo da clínica psicanalítica (Brasiliano, 2008). É fato que
os grandes mestres da psicanálise se ocuparam muito pouco da
dependência de álcool e de outras drogas e que através dos anos a
relutância ou mesmo a recusa de muitos psicanalistas a aceitarem
drogaditos em análise dificultou muito a formulação de hipóteses sólidas
e consistentes sobre o tema. Durante muito tempo, a instituição
psicanalítica oficial mostrou-se bastante crítica, quando não cética, quanto
ao desenvolvimento de novas concepções advindas de sua teoria ou
quaisquer tentativas ou propostas de rearticulação de sua técnica, como as
requeridas por estes pacientes.
Uma barreira importante e que, em certo sentido, se mantém até
hoje é o questionamento de quais seriam os objetivos de uma psicoterapia
psicanalítica de grupo e se essa modalidade não seria meramente
adaptativa à realidade. De acordo com Lima e Fuks (2006), esse
questionamento baseia-se nos trabalhos iniciais com técnicas grupais
realizados em períodos críticos, como, por exemplo, as guerras, quando
era fundamental atender a muitos pacientes, com diferentes patologias e
havia necessidade de adaptar-se à realidade das situações emergentes e
525
curar rapidamente os soldados. Para esses autores a resposta a essas
indagações conduz à pergunta de por que trabalhamos com grupos: será
por que são muitos os pacientes, ou por que julgamos que seus resultados
sejam equivalentes aos da análise individual? Infelizmente não é raro
escutarmos teóricos e clínicos afirmando que a psicoterapia de grupo é
boa porque trata de muitas pessoas simultaneamente, com um só técnico,
barateando e otimizando os serviços de saúde mental. Além disso, entre
muitos psicanalistas parece persistir a ideia de que essa prática não tem o
status de uma “verdadeira análise” e que, portanto, seus resultados seriam
inferiores e só superficiais (Zimerman, 2000).
A prática psicanalítica dirige-se à singularidade do indivíduo e tem
como uma de suas premissas fundamentais o respeito à autonomia do
sujeito. Objetar que a abordagem psicanalítica seja adaptativa à realidade
somente por ser em grupo é desconhecer seus grandes eixos conceituais.
Essa atitude crítica parece ser fruto de preconceitos e da falta de
experiência clínica (e pessoal) de muitos autores e psicoterapeutas com
essa modalidade (Lima & Fuks, 2006). Em 1997, Zimerman já nos dizia
que, embora existam muitas diferenças entre a análise individual e grupal,
“Não me resta dúvida quanto à possibilidade relativa à obtenção de
resultados autenticamente psicanalíticos com evidentes transformações
caracterológicas e estruturais do psiquismo do sujeito [em psicoterapia
analítica de grupo]” (Zimerman, 1997, p. 127).
Anos mais tarde, esse mesmo autor elencou 13 tópicos que no
curso de uma psicanálise grupal podem representar alguma vantagem
sobre a individual (Zimerman, 2003). A saber: (1) perceber mais
claramente a íntima e indissociável interrelação entre indivíduo e grupo; (2)
observar mais nitidamente os fenômenos da especularidade resultantes da
identificações projetivas e introjetivas; (3) evidenciar os lugares, funções e
papéis que cada indivíduo assume em relação aos outros; (4) observar as
várias combinações entre papéis designados e assumidos; (5) reconhecer e
ressignificar a estereotipia de lugares e papéis; (6) observar a normalidade
e a patologia da comunicação; (7) função do grupo como continente para
pacientes com quadros mais graves, como, por exemplo, a drogadição; (8)
psicoterapeuta como modelo de identificação; (9) criar a oportunidade para
que o paciente possa ajudar o outro e assim fazer “reparações verdadeiras”;
526
(10) favorecer os distintos aspectos do vínculo de reconhecimento:
reconhecer em si próprio o reprimido e o latente, reconhecer o outro como
um sujeito diferente de si, ser reconhecido a outras pessoas, e aceitar que
todo indivíduo precisa ser reconhecido pelo outro; (11) observar de forma
mais clara: as identificações coletivas, o complexo fraterno e as fantasias
compartilhadas; (12) favorecer o desenvolvimento da “função psicanalítica
da personalidade”; e (13) desenvolver as funções de reconhecimento dos
significados da existência dos outros; possibilitar ressignificações, de
identificações, transformações no exercício de papéis, reconstrução do
desagregado familiar e favorecer as reparações recíprocas. Como veremos
a seguir, todas essas características são especialmente relevantes na
abordagem dos pacientes alcoolistas e drogaditos designando à
psicoterapia psicanalítica grupal um lugar de destaque na abordagem clínica
desses quadros.
A abordagem psicanalítica no contexto da drogadição
Para nos aprofundarmos na questão psicoterapêutica é necessário
incialmente pensarmos o que, a partir do referencial psicanalítico,
entendemos por drogadições.
A clínica das adições passou a ser muito prevalente no final do
século passado. As histéricas com suas conversões, os neuróticos
obsessivos com sua vida de dúvidas e culpas pareciam ter cedido lugar a
apresentações psicopatológicas diversas: drogadições, transtornos
alimentares (anorexia e bulimia), quadros psicossomáticos, entre outros.
Se é claro que essas não eram patologias novas, o que impressionava era o
enorme protagonismo social que elas estavam assumindo.
Na tentativa de entender essa quase epidemia, um primeiro olhar
volta-se para o social. Não há como pensar o ser humano fora da sua época
(Rojas & Sternbach, 1997). Embora a singularidade de cada indivíduo não
possa ser reduzida a uma cópia das relações que o incluem e o atravessam,
as manifestações sintomáticas não são alheias à cultura. A drogadição, os
transtornos alimentares, os quadros compulsivos são sintomas do nosso
tempo. Por mais intrigante que possam ser os drogaditos, as anoréxicas,
os obesos não são desviantes, mas sim emergentes do que se
527
convencionou chamar de sociedade pós-moderna (Brasiliano & Hochgraf,
2010).
No mundo contemporâneo ocidental testemunhamos a
emancipação do indivíduo em detrimento da vivência do coletivo. A
crença na autossuficiência, no direito de ser absolutamente si mesmo, de
aproveitar a vida ao máximo, são marcas de uma sociedade regulada pela
ideologia do individualismo (Lipovetsky, 2005). Essa exaltação ao
narcisismo, associada ao enfraquecimento da confiança nas instituições,
colocam em falência as funções intermediárias (Kaës, 2003), fundamentais
para a constituição das fronteiras do psiquismo e para a integração das
pulsões no espaço psíquico e social. A pane das instâncias de apoio
levaram o sujeito da modernidade à sensação de impotência e trazem
como efeito a confusão entre ação e representação.
Para combater esse sofrimento e estado de vulnerabilidade, o
indivíduo da atualidade é transformado em mero consumidor e obrigado,
para aliviar seu encontro com o insuportável, a recorrer a soluções rápidas
e que estão ao alcance das mãos como, por exemplo, drogas, compras e
alimentação. Esse expediente levou diversos autores a nomear essas novas
formas clínicas, entre elas as drogadições, os transtornos alimentares, os
quadros psicossomáticos e compulsivos, como patologias do narcisismo,
do desamparo ou do vazio (Rojas, 1996).
Além disso, o sistema capitalista, ao propor que seus consumidores
possam se relacionar com os objetos de desejo sem mediações ou
obstáculos, propaga a crença de que existe um meio concreto de alcançar
a felicidade. Ter e consumir passam a ser as palavras de ordem para atingir
a plenitude, o que é plenamente reforçado na atualidade por seus inúmeros
objetos à disposição, todos prometendo preencher o vazio e curar
qualquer sofrimento. A vivência é que qualquer mal-estar deve sempre ser
medicado ou eliminado e para isso a drogadição entra como esse recurso
mágico que alivia as dores da alma.
No entanto, essa dinâmica transforma a drogadição em uma
espécie de escravização. O próprio significado da palavra adição já
esclarece bem o que acontece. Adição provém do latim addcitum que, como
apontam Kalina e Kovadloff (1983, p. 24), “nos tempos da República
Romana designava o homem que, para pagar uma dívida, se convertia em
528
escravo por não dispor de outros recursos para cumprir o compromisso
contraído”. Addictum era, então, aquele que renunciava a sua identidade e
colocava-se como submisso, por não ter, por vontade própria ou por
causas fortuitas, sabido cuidar do que era seu. Ele era o homem que se
forçava e era forçado a assumir uma identidade inferior à sua,
absolutamente desconhecida, mas que lhe permitia um lugar social (Kalina
& Kovadloff, 1983).
Como as outras patologias do vazio, a drogadição não é derivada
dos conflitos entre as pulsões, as defesas e as ameaças do Superego, do
recalcado, mas sim daquilo que não pode ser constituído e simbolizado. O
que a caracteriza são falhas na constituição da subjetividade que não
encontra apoios e lugares de sustentação que permitam o seu
desenvolvimento. A relação com o objeto é da ordem da demanda, da
satisfação imediata de necessidades. Não há tolerância à frustração e à
espera, porque essas remetem a uma realidade sentida como insuportável,
já que sua marca é um enorme vazio. Como é grande a dificuldade de
suportar as representações ligadas aos afetos perturbadores, a descarga do
agir prevalece ali onde a linguagem falha. Como a angústia mobilizada só
pode ser expressa em atuações, a única garantia contra o desamparo é a
incorporação e o preenchimento, pois não há acesso à elaboração
(Brasiliano, 2003; Brasiliano & Hochgraf, 2010; Uchitel, 2002).
Compreendemos que angústias dessa ordem podem ser mais bem
colocadas em trabalho a partir da mobilização do aparelho psíquico do
outro, na restauração dessa dimensão intersubjetiva em pane, na qual o
sujeito se vê confrontado com o vazio. Ao funcionar como espaço de uma
nova modalidade de interrelação, o grupo pode trazer as experiências de
restauração destas instâncias de apoio em falência em nossa sociedade
(Kaës, 2003).
É importante termos claro que a drogadição se dá na relação que
o indivíduo estabelece com álcool ou com as drogas, ou seja, essas
substâncias sozinhas não são as responsáveis pela situação do paciente. Ao
contrário, pressupõe-se um sujeito ativo, que busca, usa e perde o controle
sobre as substâncias, tornando-se um alcoolista ou drogadito (Laufer,
1990). Dessa forma, o entendimento se dá a partir do sujeito em uma
relação dialética, onde se é verdade que não existe drogadição sem uma
529
droga, por um lado, não é essa dependência que vai definir o sujeito.
Assim, a droga não vai atacar qualquer indivíduo independentemente de
quem ele seja, o que deseja ou que conflitos tenha. A drogadição envolve
a globalidade do sujeito em um inter-relacionamento intricado e variável
para cada um que, se por um lado, não permite inferir necessariamente
uma psicopatologia subjacente a qualquer drogadição, por outro, aclara
que a categoria dos drogaditos como um grupo é composta por indivíduos
com realidades psíquicas muito diferentes entre si (Bittencourt, 1993;
Brasiliano, 1997; Inem, 1993; Silveira Filho, 1995).
Do ponto de vista psicanalítico a drogadição é um sintoma e cabe
a nós, enquanto psicanalistas, poder buscar e apreender o sentido da droga
na vida de cada indivíduo (Silveira Filho, 1995), para que ele possa “(...)
transmutar o que se manifesta na ordem do corpo em palavra, o que permite
inscrever o sofrimento no plano psíquico” (Santos, 2007, p. 6).
Objetivos da abordagem psicanalítica grupal no contexto da drogadição
O objetivo da abordagem psicanalítica grupal com alcoolistas e
drogaditos é o de criar um espaço de reflexão onde o indivíduo possa
buscar o sentido de suas próprias vivências para encontrar uma resposta
diferente, que não o uso de drogas, para transformar a sua realidade
(Brasiliano, 1997). Dessa forma, o terapeuta não se coloca como
autoridade sobre as drogas, que sabe, entende e conhece e está lá para
ensinar: sua meta não é simplesmente a remoção do sintoma. Ao
contrário, seu lugar é de quem não sabe, mas está aberto a escutar e
conhecer. O dependente também não é encarado como vítima do álcool
e das drogas, mas como um sujeito que pode tornar-se “agente da própria
‘cura’, ou seja, um sujeito ativo que assume sua necessidade de tratar-se e
passa a mobilizar recursos nessa direção” (Santos, 2007, p. 6).
Essa não é uma tarefa fácil, nem simples, pois é justamente da
vivência de sua realidade psíquica que a droga protege o dependente. Essa
realidade é sentida como frágil e dolorosa e a angústia é de aniquilamento,
destruição e morte. A droga funciona como uma garantia permanente de
que o sujeito não será confrontado com seu desamparo pela exaltação e
grandiosidade do Ego que seu uso provoca (Kalina & Kovadloff, 1983).
Abster-se dela remete o drogadito à sua problemática inicial e ao inevitável
530
confronto com a experiência do vazio, agora acrescida do desespero e da
impotência frente à constatação que a solução drogaditiva falhou
(Brasiliano, 1997; Silveira Filho, 1995).
A chegada ao tratamento ocorre em um momento em que algo da
ordem de um fracasso instala-se na relação do sujeito com a droga. Na
maior parte das vezes essa crise não é da natureza de um conflito
angustiado, de uma profunda reflexão sobre si mesmo e sua vida, o que
significa, portanto, que ainda não há lugar para muitas elaborações. Trata-
se somente de uma ameaça física (doença), psíquica (estado de desespero,
sensação de vazio ou abandono) ou social (exposição a situações de risco,
perda de emprego, violência doméstica, ameaça de perda da guarda dos
filhos) que mobiliza o dependente. Nesse sentido, nem sempre o desejo
do drogadito é de “curar-se” ou mesmo de reestruturar a sua vida, mas
sim de livrar-se da ameaça ou reequilibrar a relação prazerosa, a lua de mel
com a droga que foi perdida (Olievenstein, 1983). Geralmente
apresentam-se como vítima das circunstâncias e ainda não se dispõem a
procurar entender ou a modificar o sofrimento que o uso de drogas lhes
traz. A negação, a projeção e a racionalização funcionam como
mecanismos de defesa fundamentais, pois operam como uma forma de
proteção contra a percepção da dependência e de seus significados
(Brasiliano, 1997).
Na psicoterapia de grupo a experiência com outros indivíduos com
a mesma realidade permite o desmonte dessa forma de resistência.
“Inverdades”, como nomeiam Lima e Fuks (2006), que facilmente são
usadas com familiares, amigos e mesmo com os profissionais de saúde são
rapidamente decodificadas e confrontadas, o que permite mais facilmente
o acesso à vivência psíquica. Além disso, muitas vezes, o que o paciente
encontra muita dificuldade em expressar em uma análise individual (as
falas parecem se restringir a “eu uso e pronto!”, “fica vazio quando não se
usa”, “não me ocorre nada”, “não tenho o que falar”), flui livremente
quando ele está em grupo. Ouvir os outros falarem pode diminuir a
inibição e despertar associações favorecendo com que, mesmo pessoas
muito quietas, mostrem-se falantes e colaborativas, se dando a conhecer
mais facilmente (Silveira, 2013).
531
No início do trabalho de grupo, o tema que costuma tomar boa
parte das sessões ainda é sobre o uso das drogas, sem muito espaço para
um aprofundamento reflexivo. O discurso dominante ainda é reduzido ao
dueto abstinência versus recaída (Brasiliano, 1997). Nesse momento a
história pessoal ainda se confunde com a história do uso de drogas.
Percebe-se também um distanciamento defensivo da realidade como uma
negação parcial do sofrimento decorrente da relação alienante com a
droga.
A partir do momento em que um dependente passa a experimentar
outra relação com a droga, uma parte considerável do trabalho
psicoterapêutico será fornecer apoio e suporte narcísico. Reconhecer e
valorizar qualidades; avaliar positivamente pequenos passos; ajudar na
aprendizagem do autocuidado; auxiliar o lidar com situações críticas
protegendo-se, são tarefas essenciais que encontram muitas oportunidades
na psicoterapia de grupo. Além do terapeuta, o grupo também oferece um
ótimo espaço para que os pacientes possam se ajudar mutuamente. Como
diz Zimerman (2003), esse movimento é certamente importante,
especialmente para os indivíduos bastante regredidos, como é o caso de
muitos drogaditos, pois pode possibilitar uma verdadeira experiência de
reparação, através da consideração, da preocupação e do cuidado com os
outros.
A psicoterapia psicanalítica de grupo com alcoolistas e drogaditos
proporciona um espaço de interrelação e de co-associação, que favorece a
percepção de si, dos papéis que ocupa e dos traços identificatórios.
Simultaneamente, estar em grupo facilita a identificação recíproca e
funciona como uma espécie de espelho em que cada um pode se refletir e
se ver refletido nos outros integrantes, favorecendo a formulação de
alianças e os processos de apoio mútuo. Segundo Silveira (2013, p. 684),
“o retorno dos colegas (...) a respeito da própria imagem (...) estimula o
investimento próprio e propicia a reconstrução da alteridade ao colocar-
se no lugar do outro e do outro colocar-se em seu lugar”.
Lima e Fuks (2006, p. 244) afirmam que o “grupo funciona (...)
propondo ao drogado uma não-relação com a droga através da relação
com o outro”. Em outras palavras, é através da intersubjetividade que se
constrói uma nova subjetividade (Silveira, 2013).
532
Tendo em vista o quadro traçado, os objetivos da psicoterapia
psicanalítica de grupo com alcoolistas e drogaditos são, de forma mais
detalhada:
1. entendimento das vivências individuais com foco na
dependência;
2. identificação, nomeação e compreensão dos desencadeantes
internos para os comportamentos;
3. entendimento do alcance e das limitações da responsabilidade
pessoal;
4. busca de respostas alternativas para lidar com os sentimentos
de hostilidade, raiva e depressão;
5. separação do mundo interno do mundo externo;
6. ampliação dos recursos pessoais para lidar com os conflitos e
com a dor psíquica; e
7. transformação da linguagem sintomática em realidade psíquica
ou o agir em possibilidade de expressar com a palavra, pensar e
refletir.
As regras nos grupos de psicoterapia no contexto da drogadição
Como alcoolistas e drogaditos costumam distorcer a percepção
das situações vividas, estruturando mecanismos defensivos no sentido de
adequar a realidade às suas vivências, é essencial estabelecer um contrato
para a psicoterapia com regras claras e definidas (Brasiliano, 1997). As
regras, como um elemento que compõe o enquadre, podem efetuar uma
função de terceiro para o indivíduo e para o grupo, contribuindo para a
diferenciação entre o mundo interno e externo (Castanho, 2018) e
instaurando um espaço novo sobre o qual podemos ajudar o sujeito a se
debruçar.
Oferecer um tratamento com formato regular e estruturado em
um setting com o mesmo terapeuta, mesma frequência, horário e local,
pode ter uma importante função terapêutica ao servir de contraponto à
instabilidade psíquica que os drogaditos vivem. Eles costumam ter uma
vida sem compromissos ou rotinas, o que pode potencializar a sensação
de desorientação mental. Por conta disso a montagem do grupo
obedecendo alguns parâmetros, além de possibilitar a formação de
533
vínculos, também pode proporcionar um sentimento de continência e de
pertencimento, que a maioria desses pacientes não vivencia em nenhum
outro espaço de suas vidas. Além disso as regras também organizam
como essas relações podem se desenrolar, em oposição à desordem dos
vínculos que trazem em seus registros.
As regras principais são: (1) data, horário e local; (2) número de
participantes; (3) livre-associação de ideias; (4) sigilo; (5) uso de álcool
e/ou drogas; (6) tempo de duração do tratamento e alta; e (7) férias do
terapeuta.
O sigilo é um tema especialmente importante, principalmente nos
espaços institucionais em que atuam equipes multi ou interdisciplinares e
que dispõem de salas de espera com parentes que costumam interagir e
trocar informações sobre os pacientes. No caso de pacientes mulheres,
que na sua maioria absoluta são acompanhadas por mães ou filhas, esse
contato na sala de espera, seja motivado por curiosidade ou por tentativa
de controle, pode gerar situações delicadas, como interferências no que
se passa dentro dos grupos, ocasionando conflitos entre as participantes.
A regra do sigilo, se não for bem esclarecida no início do tratamento,
pode também dar margem a muitas atuações por parte dos próprios
pacientes. O sigilo dos assuntos falados dentro do grupo é diferente do
sigilo da equipe, uma vez que algumas questões levantadas durante as
sessões precisam ser retomadas e discutidas nas reuniões dos
profissionais. Muitos pacientes “esquecem” dessa regra e, através de
mecanismos transferenciais pluralizados com os membros da equipe, se
queixam dos outros profissionais, como se ignorassem a existência desse
momento em que toda a equipe se reúne para discutir os casos e o
andamento do ambulatório.
Em relação à composição dos grupos, é muito comum que na
instituição os grupos de alcoolistas e drogaditos sejam abertos, ou seja,
permitam a entrada e a saída dos pacientes em qualquer momento e que
a frequência seja flutuante. É fato que muitas instituições, como os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), estão sobrecarregadas com
muitas demandas e sofrem grande pressão para atendimento, o que
justifica a existência desse formato de grupos. No entanto, também é
possível constatar que os grupos psicoterapêuticos abertos dificultam o
534
aprofundamento na problemática individual e com frequência ficam
limitados às falas sobre uso, recaídas e fissuras. Uma maneira de lidar
com essa questão pode ser manter grupos abertos, mas assim que os
pacientes puderem formular questões sobre sua vida, ou demonstrarem
interesse na reflexão sobre si mesmos, apresentarem condições de se
beneficiar de uma psicoterapia analiticamente orientada, eles sejam
convidados a participar de grupos de psicoterapia fechados, que
certamente apresentam maior efetividade na abordagem da drogadição
como sintoma.
Outra questão associada a essa é o tempo de duração da
psicoterapia. Hoje em dia a relação custo/benefício em centros de
tratamentos públicos gratuitos ocupa um lugar de destaque na discussão
e nas ações de saúde mental. Como a pesquisa americana, principalmente,
tem se orientado no sentido de favorecer as abordagens objetivas e
mensuráveis, como, por exemplo, a teoria cognitivo-comportamental,
vários trabalhos têm sido realizados com intervenções breves e menos
custosas que a psicoterapia psicanalítica de grupo. As psicoterapias
breves de orientação cognitivo-comportamental são muito eficientes
para as situações de crise e na consecução do objetivo de abstinência e
de sua manutenção, contudo apresentam poucas repercussões efetivas a
longo prazo no que diz respeito a mudanças estruturais. A psicoterapia
psicanalítica de grupo certamente é mais onerosa, por ter que se
desenvolver a médio e longo prazo, mas tem uma efetividade maior ao
abordar as angústias, a reestruturação da personalidade e o
reposicionamento do indivíduo frente às suas próprias escolhas (Lima &
Fuks, 2006). Como forma de lidar com a questão do tempo, uma
alternativa que poderia ser muito importante é a psicoterapia breve de
orientação psicanalítica. Contudo, a literatura a esse respeito é muito
escassa e são raros os trabalhos breves nessa orientação com a população
de alcoolistas e drogaditos.
No caso de grupos de adolescentes e jovens adultas, essa questão
ganha outro destaque. Quando a terapeuta do grupo é uma mulher, é
comum que se estabeleça uma dinâmica transferencial para a qual se
deslocam representações e investimentos que revelam funcionamentos
hostis de abandono, rejeição e competitividade, oriundos das relações
535
com suas mães. Geralmente as mães dessas pacientes têm dificuldade de
se relacionar amorosamente com suas filhas e os percalços desse vínculo
costumam emergir com frequência nas sessões. Portanto, uma escuta
sintonizada para essa dinâmica familiar que é revivida no setting grupal é
imprescindível, tanto para ser aproveitada como material de elaboração,
como também para evitar cair em armadilhas transferenciais que podem
tornar o vínculo demasiadamente hostil e até inviabilizar o tratamento.
A falta de diálogo entre mães e filhas e com outros membros da
família da paciente dependente, além de ser fonte de muita angústia e
sofrimento, pode contribuir para o agravamento da dependência. Muitas
jovens tiveram envolvimento com as drogas precocemente, o que
também favoreceu a prática da prostituição para conseguir as drogas, o
envolvimento com tráfico e com pequenos delitos, o que gera uma
cascata de acontecimentos com relação direta entre si (Marangoni &
Oliveira, 2013).
De acordo com Paz e Colossi (2013), o contexto familiar pode
ser considerado como fator de risco e/ou de proteção em relação ao
abuso de drogas. Uma família acolhedora, com limites definidos,
comunicação adequada, promotora de afeto se apresenta como fator de
proteção ao uso de drogas. Ao contrário, uma família com
distanciamento afetivo, com dificuldade na comunicação e fronteiras
pouco definidas pode favorecer tanto o uso de substâncias, como a
manutenção do quadro de dependência. Diante dessas relações
conflituosas, dinâmicas familiares inadequadas, marcadas por violência
física e psicológica, a psicoterapia em grupo pode funcionar como um
dispositivo de resgate, aprendizado e reconstrução desses vínculos.
A questão da homogeneidade nos grupos
Os grupos de psicoterapia no contexto institucional costumam
ser semanais com uma hora ou uma hora e meia de duração. Como
ocorrem em centros de tratamento para dependência de substâncias
psicoativas, sejam em regime de internação ou nos CAPS, em geral, eles
são homogêneos quanto à patologia. A questão da homogeneidade que
tem sido muito discutida, nesse caso é obrigatória. Muitos críticos veem
nesses grupos uma forma de estigmatização, argumentando também que
536
muitas dificuldades do trabalho psicoterapêutico com esses pacientes
devem-se ao fato de todos os indivíduos partilharem a mesma
psicodinâmica. No nosso entender, do ponto de vista da psicanálise, a
drogadição é um sintoma e como tal deve ser tratado. Como sintoma,
não acreditamos que seja exclusivo de uma estrutura mental, ou que haja
uma estrutura que dê origem a comportamentos de dependência. O
sintoma drogadição pode aparecer em qualquer estrutura, seja ela
neurótica, psicótica ou perversa (Gurfinkel, 2014). Portanto, embora os
pacientes possuam semelhanças no que se refere à apresentação
psicopatológica, em cada um deles o sintoma terá um sentido singular.
Homogeneidade quanto à droga de escolha
Outra questão sobre a homogeneidade que não é consensual diz
respeito à junção ou à separação de pacientes alcoolistas e pacientes
dependentes de outras drogas. Alguns teóricos consideram que a
separação em dois grupos de psicoterapia diferentes é desejável, já que,
por um lado, o desenvolvimento lento e a cronicidade do alcoolismo
criariam obstáculos à identificação com a drogadição e, por outro, as
transgressões, tão comuns na vida de muitos drogaditos, são infrequentes
para os alcoolistas, o que tornaria a sua aceitação muito difícil (Lima &
Fuks, 2006).
Para outros teóricos, essa separação não é benéfica, pois pode
reforçar o estigma social que considera o álcool uma “não droga”. Além
disso, quando alcoolistas e drogaditos estão no mesmo grupo de
psicoterapia, a temática, que frequentemente fica restrita à substância, é
rapidamente transposta, já que o que fica evidente é que, apesar de ter
contornos diferentes, a relação de dependência que ambos os tipos de
pacientes estabelecem é a mesma.
Homogeneidade quanto ao gênero
No que diz respeito à homogeneidade em relação ao gênero,
julgamos fundamental a separação das mulheres em grupos específicos
para elas. Embora possamos dizer que qualquer dependência de
537
substâncias psicoativas é estigmatizada, a mulher sofre ainda mais
preconceito do que o homem. Estereótipos de maior agressividade,
tendência à promiscuidade sexual, falhas no cumprimento do papel
familiar ainda hoje são atribuídos à população feminina dependente de
álcool e drogas. As mulheres sofrem uma forte pressão quando não
correspondem à ideia ainda prevalente no imaginário social de uma
idealização do feminino associada a papéis pré-determinados a elas.
Percebemos em vários casos a dependência como um meio de escapar
desse comando e como uma tentativa, mesmo que patológica, do
exercício de uma certa liberdade de apropriação e afirmação do próprio
desejo. Mas, infelizmente, o estigma ainda prevalece e é considerado a
maior barreira de acesso da mulher aos centros de tratamento para
dependência de substâncias psicoativas. A mulher sente-se marcada para
sempre, sem crédito e sem confiança dos familiares e amigos. Além disso,
ela costuma ser, mais do que o homem, vítima do preconceito e da falta
de acolhimento de muitos profissionais de saúde nas instituições.
Homens e mulheres dependentes apresentam múltiplas
diferenças em relação ao padrão, aos fatores de risco, às razões para
iniciar o uso e à morbidade física e psiquiátrica, às experiências
psicológicas e sociais, que devem ser adequadamente manejadas
(Hochgraf & Brasiliano, no prelo). Além da progressão do alcoolismo ser
mais rápida nas mulheres, as complicações físicas aparecem mais cedo e
são mais graves para elas. Na maior parte das mulheres o uso é
desencadeado por um quadro depressivo, por isolamento social, por
pressão do ambiente profissional, por perdas provocadas por morte ou
separação e por violência. Já a maioria dos homens, além de não relatar
um desencadeante específico, costuma iniciar o uso motivada pelos
efeitos da intoxicação em si. Vale também destacar que as mulheres são,
na maioria dos casos, introduzidas ao uso de drogas pelos companheiros.
Por outro lado, elas estimulam e acompanham o tratamento dos cônjuges
e companheiros, mas o inverso não se verifica. O apoio ao tratamento
das mulheres costuma vir das mães e dos filhos.
A psicoterapia em grupo só para mulheres tem sido sugerida
como uma intervenção fundamental, pois aumenta a permanência em
tratamento e as chances prognósticas da população feminina. Questões
538
como maternidade, violência doméstica, abuso sexual, relacionamento
interpessoal raramente são compartilhadas em grupos mistos quanto ao
sexo, pois a predominância masculina, em geral, inibe a mulher e
determina um estilo de relação grupal baseado nas necessidades dos
homens. Os grupos só de mulheres dependentes favorecem a
participação integral da mulher, pois facilitam a identificação, a
intimidade e a livre troca afetiva (Hochgraf & Brasiliano, no prelo).
É um fenômeno comum nos grupos exclusivamente femininos a
criação espontânea de grupos fora do espaço de tratamento, onde as
mulheres cuidam e se preocupam umas com as outras, driblam a solidão
e, como consequência, podem ampliar seus laços sociais. Nesses espaços
elas podem se livrar do peso dos rótulos que carregam e do discurso
reducionista ao qual estão submetidas. Essa dinâmica acaba exercendo
uma importante função terapêutica e pode contribuir para acelerar o
progresso do tratamento.
Questões sobre o manejo do grupo e da transferência na drogadição
Há alguns pontos que são muito importantes que o
psicoterapeuta de grupo tenha em mente. Primeiramente, é a reflexão que
nem o drogadito, nem nós mesmos, renunciamos a algo a não ser em
troca de outro algo. Quando o alcoolista e o drogadito começam a se
tratar, há uma substituição da dependência à substância pela dependência
da relação terapêutica (Olievenstein, 1983). Assim, para eles o grupo e o
centro de tratamento passam a ser o espaço de todas as vivências, sejam
de amizade, amor, raiva, sejam de grandiosidade, perseguição ou de
defesa. O terapeuta, e muitas vezes o próprio grupo, é demandado
constantemente e passa a ser vivido como responsável por satisfazer toda
e qualquer necessidade do paciente. As instituições salvadoras e os
terapeutas milagrosos são os que se identificam com as projeções
idealizadas e passam a atuar reforçando a dependência. É por isso
também que o sucesso do “tratamento” dos Alcoólicos Anônimos e dos
Narcóticos Anônimos se baseia na participação diária dos pacientes aos
encontros grupais. Como esses grupos não abordam as questões
psíquicas, para que sejam bem-sucedidos eles substituem a dependência
ao álcool ou à droga pela dependência ao próprio grupo, que se torna por
si só símbolo da recuperação. Quando o terapeuta pode receber a
539
projeção da onipotência sem atuá-la, entendendo que esse é somente um
mecanismo para lidar com a angústia avassaladora do vazio
preenchendo-a com sua figura, os pacientes e o grupo podem progredir.
Assim, se, por um lado, o favorecimento da dependência do
grupo permite que o paciente encontre outros apoios para além da droga,
a busca por permanecer aditivamente aderido ao grupo funciona como
resistência à possibilidade de acessar as angústias insuportáveis que estão
na base da busca pela substância. Este aspecto é, simultaneamente, o que
possibilita a adesão ao tratamento e o maior empecilho ao seu
desenvolvimento, sendo o material mais precioso de elaboração, fazendo
do grupo um espaço controlado para a reedição de experiências de
dependência e para a progressiva autonomia.
Outra questão que o terapeuta deve estar ciente é em relação à
abstinência, uma vez que abster-se do uso de uma substância resolve
somente um aspecto da problemática individual. Se pensarmos que as
drogas podem ser usadas como uma forma de automedicação para as
angústias e os sentimentos de aniquilação e morte, parar de usá-las pode
resultar em uma crise de proporções assustadoras para o dependente.
As recaídas, quando ocorrem, não devem ser condenadas e sim
analisadas como parte do processo do tratamento. Precisam ser acolhidas
e aproveitadas para a elaboração, juntamente com as questões
subjacentes, ou seja, aquelas que levam os indivíduos a recorrer às drogas
como estratégia de alívio ou fuga. Além disso, as recaídas servem também
para sinalizar algo acerca do funcionamento grupal, não somente do
paciente. Costumam mobilizar o grupo e provocar muitas elaborações.
Constatamos que cessar o uso de drogas não só não resolve como
pode piorar muito a situação do paciente, já que aquilo que estava na base
no início do uso, os conflitos e as angústias mobilizadas no decorrer da
vida, manifestam-se cruamente e, em um primeiro momento, com
poucos recursos internos de contenção. Isso não significa deixar de
conduzir o trabalho para conseguir abstinência ou controle sobre as
drogas. Por outro lado, é preciso estar atento para não se identificar com
a solução mágica: “agora que você parou de usar, tudo vai ficar bem!”.
Quando o paciente atinge essa condição de abstinência pode
idealizar que sua vida vá irá mudar radicalmente e que seus problemas
540
irão desaparecer. Esse mecanismo de idealização e esse pensamento
mágico mostram como os dependentes funcionam na base do “tudo ou
nada”. Ou estão sob o efeito mágico das drogas, ou na idealização de
uma abstinência mágica, sob uma lógica de culpabilização. Essa dinâmica
reflete a racionalidade hegemônica da proposta terapêutica de muitas das
instituições de cuidado pelas quais os pacientes passam, que apresentam
a abstinência como a única meta possível para o tratamento e a recaída
como algo intrínseco à dependência. É nesse momento da conquista da
abstinência que o profissional precisa estar muito atento e preparado para
lidar com a emergência de novas angústias, oriundas do confronto,
inédito até então, com os limites da realidade, com a incompletude e com
o desamparo, fenômenos inerentes à condição humana, mas antes
impossíveis de ser enfrentados sem o “escudo” da droga.
Nas etapas finais do tratamento o psicoterapeuta pode
acompanhar a descoberta de novos prazeres e a ampliação de repertório
dos pacientes. É interessante observar que, lentamente e com a evolução
do trabalho grupal, a droga deixa de ser o assunto principal do grupo, já
que os pacientes não estão mais intoxicados ou alienados no seu
sofrimento. É nesse momento de conquista de abstinência que passam a
reconhecer suas limitações frente à droga e o perigo que o contato,
mesmo que ocasional, pode representar. Não dizem mais que podem usar
só no fim de semana e que vão ficar bem ou que estão no controle, como
afirmam quando chegam no tratamento. Nesses momentos finais
escolhem não usar porque sabem que não conseguem evitar.
Da mesma forma, os processos de dependência, insuficiência e
desamparo tendem a se repetir na relação dos drogaditos com o grupo.
Não à toa o processo de recuperação é tão dolorido e seus movimentos
tão diferentes da temporalidade experimentada nos grupos de
configuração mais neurótica. A intensidade dos movimentos de adesão,
urgência, raiva e rejeição aqui é altíssima, dirigidos muitas vezes
diretamente ao terapeuta, que se vê com a necessidade de suportar
ataques intensos. É por esta razão que indicamos que estes grupos sejam
conduzidos por mais de um terapeuta, o que favorece a sobrevivência
aos ataques e a possibilidade de colocá-los em análise em um segundo
momento.
541
É comum que, ao se encontrarem com mais de um terapeuta na
condução do grupo, os pacientes façam uma cisão de sua transferência
(Krystal, 1978). Dessa forma eles podem pôr em jogo simultaneamente
reações de desconfiança e raiva em direção a um terapeuta, enquanto
preservam uma relação amorosa com outro, o que traz um ganho em
termos de estratégia vincular inconsciente, mais difícil de se efetuar nas
relações bi pessoais. Ao se deparar com a força dos impulsos destrutivos
dirigidos ao terapeuta e ao grupo, não é raro que os pacientes fujam do
tratamento como forma de proteger uma boa relação. E muitas vezes a
resistência que alguns pacientes demonstram quando começam a
participar dos grupos terapêuticos fala desse receio de que o grupo não
sobreviva ao ataque.
Ora, serão estes movimentos de ataque que permitirão também
pôr em elaboração as ambivalências antes encenadas na relação de altos
e baixos com as substâncias, fazendo necessárias fissuras ao lugar
idealizado que o grupo e a instituição de tratamento devem ocupar num
primeiro momento, e abrindo caminho para a descoberta de uma posição
de autonomia, claro, sempre parcial. De uma forma ou de outra trata-se
de se utilizar da dependência como arma contra a dependência e no
sentido da autonomia (Olievenstein, 1989).
O importante é a construção de espaços suficientemente fortes
em que os pacientes possam reeditar e elaborar as ambivalências e
angústias fundamentais que habitam o seu mundo interno, e nesse
sentido o recurso da coterapia surge como um indicativo importante, mas
não incontornável. O fundamental é assegurar o suporte para que todas
essas experiências possam acontecer, o que pode ser garantido caso haja
um espaço externo de elaboração contínua destas transferências, por
exemplo, em uma supervisão do grupo ou em uma reunião clínica.
Retomamos aqui a importância que os enquadres podem oferecer de
suporte psíquico também para os terapeutas diante da intensidade dos
movimentos que se colocam em jogo.
O psicoterapeuta deve estar sempre atento a seus limites
emocionais e lembrar do perigo da contaminação decorrente do excesso
e do caos que as situações grupais podem atingir. É necessário preparar-
se para lidar com uma certa tensão, com uma relação forte, direta e muitas
542
vezes marcada por atuações, agressividade e até situações de violência. Se
o terapeuta não adotar uma postura atenta e firme, a sessão pode se
transformar em um despejo de aflições sem limite ou continência. Por
isso a importância de conduzir o grupo a produzir contornos para dar
formas e sentido ao emaranhado confusional, muitas vezes construído
justamente com a intenção de impossibilitar o contato com uma verdade
tão dolorosa.
A transferência que se estabelece nesse contexto tem uma marca
primitiva da ordem da necessidade e inscreve-se de um modo massivo.
O drogadito costuma vincular-se ao analista como faz com a droga ou a
bebida, pela via da necessidade e que está sempre ao alcance da mão.
Precisa sempre verificar sua presença e quando este falta pode provocar
acessos delirantes. A interrupção das sessões nos intervalos de férias, por
exemplo, pode ser vivida como ameaçadora e dolorosa. Daí a
importância de preparar o grupo com antecedência para esse momento e
esperar que junto com o retorno das férias venham atuações e ataques
dirigidos ao analista, que “abandonou o grupo” à sorte do convívio
familiar – geralmente fonte de seus conflitos.
Um outro aspecto importante para o terapeuta é saber que o
processo de dar sentido às vivências, que passa a ocorrer a partir do
avanço do trabalho nos grupos, é totalmente novo para o drogadito. Até
o momento ele sempre viveu como se seu mundo interno não existisse e
ele não soubesse o que tem que se perguntar ou mesmo se há alguma
pergunta a ser feita. Assim, a psicoterapia funciona também como um
longo processo de aprendizagem no qual é preciso trabalhar muito para
que a correlação entre o vivido possa ser percebida e experimentada
(Brasiliano, 2008).
Para terminar gostaríamos de frisar mais uma vez que quando se
trabalha com psicoterapia psicanalítica de grupo, a abordagem dirige-se
ao sujeito e às suas particularidades. Não cabe a nós enquanto
psicanalistas arbitrar, consentir, incentivar ou proibir o uso de álcool e
drogas. Não é nossa função tomar decisões sobre a vida dos nossos
pacientes. No entanto, sabemos que muitos alcoolistas e drogaditos
buscam nossa ajuda em intenso sofrimento físico e psíquico por um uso
de substância intenso, repetitivo e para eles notadamente destrutivo, que
543
não conseguem lidar ou conter. A abordagem em equipes
multidisciplinares que trabalhem de forma interdisciplinar é fundamental
para que possamos atuar nos diferentes aspectos da vida de nossos
pacientes, concedendo-lhes condições de liberdade para que eles possam
finalmente fazer as suas escolhas e não ser determinados por elas!
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547
27 Processos de pesquisa e(m) grupos:
ser ou não ser operativo?
Tales Vilela Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda
Caetano, Gabriela Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes
Coelho, Renata C. Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza
Peralta, Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha.
Em nossas práticas profissionais e de pesquisa desenvolvidas
com/em pequenos grupos, o desenho da estratégia utilizada para
construirmos e compartilharmos vivências tem exigido ponderação
cuidadosa. O que é observado e vivido no processo investigativo que
incide sobre processos grupais precisa ser alvo de análises e interpretações
que cumpram certos critérios, de forma que haja coerência teórica, técnica
e metodológica.
Nós, que nos inspiramos na proposta pichoniana de grupos
operativos, temos sido requeridos a pensar em estratégias que permitam o
uso desses dispositivos como via de acesso à realidade das pessoas
investigadas, em conjunção com processos de produção de conhecimento.
Essas duas facetas não são estanques uma em relação à outra e o leitor
precisa ter clareza quanto a elas.
Nesse sentido, este capítulo tem como objetivo dialogar sobre
como o conhecimento acadêmico pode ser produzido quando situações
grupais são objeto de investigação. Pensar sobre grupos operativos nesse
cenário pode ser útil a estudiosos e a pesquisadores, haja vista a escassez
de literatura que indique aproximações entre o fazer clínico grupal e a
produção de conhecimento60.
60 Quando assinalamos haver escassez de literatura, fazemos referência à escassez de pesquisas produzidas por brasileiros e latino-americanos, com tipologias
548
O insistente abismo que existe no país entre “praticar clínica” e
“produzir conhecimento” tem dificultado o desenvolvimento de
metodologias de pesquisa focadas em processos grupais. “Se eu pratico
grupos, não os pesquiso, porque isso é racional demais e engessa as
condições do livre pensamento”, dizem os práticos que seguem
orientações teóricas psicanalíticas. Os pesquisadores, por sua vez,
lamentam: “não consigo praticar grupos e ‘organizar’ o vivido, de modo
que a comunidade acadêmica valide o que produzo”. E práticos veem
aproximações com a academia com acentuada desconfiança, quando não
a negam em suas possibilidades.
Por essas razões, este texto foi concebido: para tratar dos grupos
operativos, embora de forma diversa do capítulo específico com esse teor
(capítulo 8). Nele se procura traçar potencialidades do uso desse
dispositivo em processos de produção de conhecimento, no intuito que
essa exposição possa servir de guia didático.
Nesse trajeto, o leitor precisa ter em mente que “processo de
produção de conhecimento” é empregado como sinônimo de “processo
de pesquisa academicamente situado”. Quando um processo de pesquisa
está em jogo, metodologias científicas são elementos utilizados para
articular formas de pensar “como” o pesquisar será pensado, para que haja
alcance de validade científica quando a atividade de investigação for
executada.
Desse modo, ao pensar uma pesquisa do ponto de vista
metodológico, há três tempos que precisam ser coordenados e, devido ao
escopo deste livro, eles serão tratados de modo sintético: (a) para uma
pesquisa acontecer, é fundamental que ela seja objeto de planejamento
cuidadoso; (b) após o planejamento ter sido feito, parte-se para a execução
da pesquisa propriamente dita; e, consolidando e articulando os momentos
anteriores, (c) o que foi executado precisa ser relatado.
O primeiro tempo é o tempo do planejamento (a). Nele o
pesquisador estuda, pensa – reestuda e repensa! – o que gostaria e poderia
fazer. Isso envolve fazer algumas “perguntas”, cada uma das quais
qualitativas e focadas na compreensão dos “processos grupais”, contrapondo-as àquelas realizadas com pessoas reunidas “em grupos”.
549
corresponde ao estudo do método da pesquisa (a metodologia científica).
Assim, pesquisar...
1. sobre o quê? – tema da pesquisa
2. para descobrir o quê em relação ao tema? – problemas da
pesquisa;
3. conforme quais fundamentos científicos? – enquadramento
teórico da pesquisa (para esclarecer o tema e o problema);
4. por quê? – justificativas da pesquisa(pessoal, científica, social
e institucional);
5. para quê? – objetivos da pesquisa (geral e específicos);
6. com ênfase em métodos qualitativos ou quantitativos? –
tipologia da pesquisa;
7. em curto ou longo prazo? – transversalidade ou
longitudinalidade da coleta de dados da pesquisa;
8. com quem? – participantes da pesquisa;
9. onde? – local onde a pesquisa será desenvolvida;
10. por quem? – recursos humanos que executarão a pesquisa;
11. com quais estratégias? – instrumentos a serem usados para
produzir experiências e constituir o banco de dados da pesquisa
(entrevistas, questionários, observação participante, diário de
campo, condução de grupos etc.);
12. com qual referencial teórico? – escopo teórico para ordenar,
analisar e interpretar as experiências produzidas (articulado ao
enquadramento teórico);
13. com qual verba? – orçamento da pesquisa;
14. em quanto tempo? – cronograma da pesquisa; e
15. com fundamento em quais fontes de informação? – lista de
referências citadas ao longo do texto do projeto (artigos
publicados em periódicos, livros, capítulos de livro, dissertações,
teses etc.).
As perguntas arroladas permitem estruturar o projeto. Elas são
guias que requerem, portanto, que respostas sejam dadas, ainda que
relativamente transitórias e passíveis de reposicionamentos no transcurso
de execução da pesquisa. Elas precisam ser formalizadas e,
550
academicamente, escritas e formatadas em conformidade com padrões
acadêmicos.
Retornando aos dois tempos restantes (b e c), o b é composto pelo
acontecer da pesquisa em si. Nele, todas as perguntas contempladas no
primeiro tempo (a) deixam o plano das ideias e passam a constituir a
concretude do processo. É o tempo de “arregaçar as mangas e pôr a mão
na massa”. Tudo o que foi arquitetado no planejamento é, então, testado
sob condições reais.
O terceiro tempo (c), por sua vez, é a hora de relatar o que foi
obtido à comunidade acadêmica. Ele é o coroamento do processo iniciado
quando o pesquisador planejou sua investigação e corresponde ao seu
relatório final. Finalmente, esse relatório fornecerá as bases para
submissão de manuscritos a editoras científicas, que podem ser publicados
em formato de livro, capítulo ou artigo, dentre outras possibilidades.
Até aqui foi desenhada a estrutura geral do processo de uma
pesquisa. Para compreendê-la, grupos não são, necessariamente, o critério
central. Com ela em mente, assim como o capítulo sobre grupos
operativos (capítulo 8), nossos propósitos serão desenvolvidos, narrando
estudos desenvolvidos com grupos operativos, como ilustrações. O que
foi exposto nos três tempos estará implícito neles: cada um foi planejado,
executado e relatado/publicado.
Grupos operativos e(m) pesquisa: ilustrações
O grupo é o lugar de um conhecimento que se produz no encontro
com o outro. Toda aprendizagem grupal implica um “processo de
apropriação instrumental da realidade para modificá-la” (Pichon-Rivière,
1983/2000, p. 116). Nesse entendimento há sempre uma relação dialética
entre o indivíduo e o grupo, ao ponto de não fazer sentido perguntar se
um certo ato comunicativo durante uma sessão de grupo é uma expressão
do indivíduo ou do grupo.
Os grupos operativos podem ser de inspiração teórico-técnica e
metodológica e, assim, constituírem modelo de compreensão para
quaisquer expressões grupais. Eles são centrados na realização de uma
tarefa, que pode ser de aprendizado, de cura (incluindo grupos
terapêuticos), de intervenção em algum campo da vida e de pesquisa. Por
551
tal razão, escolher esse dispositivo para abranger objetivos de uma
investigação científica, quando lidamos com grupos, é uma possibilidade.
Isso será melhor elucidado por meio de estudos que consideraram o grupo
operativo em diálogo com os campos da educação e da saúde, seguidos de
breves comentários.
Grupo operativo com indígenas
Estudantes indígenas na universidade: uma sessão de grupo operativo (Hur
et al., 2018) relata intervenção realizada com estudantes indígenas da
Universidade Federal de Goiás (UFG). Os autores inicialmente
contextualizaram a questão indígena no país e justificaram o interesse em
realizar o grupo operativo com essa população. A experiência aconteceu
em apenas uma sessão grupal e visou a promover debates, aproximar os
estudantes e fomentar vínculos e condições para a resolução coletiva dos
problemas enfrentados. A sessão única foi justificada pela dificuldade de
adesão dos participantes, embora a proposta tivesse previsto a realização
de cinco sessões.
Os pesquisadores analisaram diferentes elementos emergentes
diante da cadeia associativa grupal. A intervenção ocorreu, principalmente,
de forma interrogativa. A equipe foi composta pelo orientador da pesquisa
(coordenador do grupo) e uma aluna bolsista do projeto (observadora).
Quatro estudantes, de quatro cursos distintos e das etnias Atikum,
Xacriabá e Xavante aceitaram o convite para participação no estudo.
A sessão grupal teve a duração de uma hora e quarenta minutos.
A tarefa definida para o grupo foi de que eles falassem sobre sua trajetória
na UFG, as dificuldades vivenciadas e as boas experiências.
As falas emergentes foram divididas em três categorias:
estereótipos vivenciados dentro da universidade; dificuldade de
aprendizagem; e filiação à comunidade. Os autores consideraram que, por
ter acontecido apenas uma sessão do grupo, ela foi mais diagnóstica, para
entendimento das vicissitudes do estudante indígena na universidade.
A partir do exposto, pode-se elencar limitações e potencialidades
do estudo. Dentre as limitações está o fato de apenas uma sessão ter sido
conduzida, o que foi justificado pelos autores pela dificuldade de acesso a
essa população. Embora a teoria de base da produção tenha sido
552
expressamente pichoniana, ao ponto de o título incorporar o termo
“grupos operativos” nele, o encontro único – e, naturalmente, o que
resulta dele – dificulta identificar movimentações grupais que pudessem
ser classificadas como operativas. De tal sorte, o trabalho contribui para
pensar que o grupo operativo relatado engendrou algo que poderia ser
aproximado ao procedimento de “coleta de dados”, por razões que não
dependeram dos investigadores.
Grupo operativo com professores
O estudo Grupo operativo com professores do ensino fundamental: integrando
o pensar, o sentir e o agir (Santos et al., 2016) relata experiência de grupo
operativo realizado com professores do ensino fundamental, em escola
pública de um município do interior de São Paulo. O trabalho foi
coordenado por duas psicólogas voluntárias, como parte formativa em
nível de pós-graduação. As demandas apresentadas pelo grupo eram
referentes às barreiras na comunicação e à atuação isolada, fragmentada e
pouco disponível por parte dos professores da escola. Oito encontros
semanais foram realizados, com duração de uma hora cada e com a
participação de 25 professores.
Os resultados contemplaram a percepção do grupo acerca de sua
própria desunião e os problemas de relacionamento interpessoal
existentes. A complexidade com que o grupo lidava com atribuições de
papéis, bem como queixas em relação ao ambiente escolar, envolvendo
desde problemas de comunicação até a precariedade do exercício da
profissão, puderam ser manifestadas. Os autores concluíram, assim, que o
processo grupal permitiu aos docentes problematizarem as condições e as
relações escolares que viviam.
Esse trabalho escolhido agrega contrapontos ao exemplo
anteriormente apresentado: o número total de encontros facilita
identificação de informações sobre o processo. Outro aspecto que
podemos ressaltar é que o grupo relatado atrelou-se a uma atividade
acadêmica, ilustrando, assim, que atividades interventivas e de produção
de conhecimento não precisam ser estranhas uma em relação à outra.
De tal modo, lembramos que a teoria dos grupos operativos
propõe essa indissociabilidade como fundamento (pesquisa-ação), desde
553
os momentos iniciais de sua criação, tanto por Pichon-Rivière, quanto por
autores vinculados a ele, como José Bleger, Alejo Dellarossa e Marcos
Berstein.
Grupo operativo e educação alimentar
Em Possibilidades de atuação profissional em grupos educativos de
alimentação e nutrição, Vincha et al. (2020) analisaram a potencialidade do
grupo operativo em cenário de educação alimentar. Eles realizaram grupos
de educação, alimentação e nutrição em uma Unidade Básica de Saúde da
cidade de São Paulo.
Sete usuários, em média, participaram de cada um dos 15
encontros analisados; eles tinham média de idades de 59 anos, eram de
ambos os sexos, portadores de doenças crônicas alimentares e
nutricionais, triados pela equipe de Nutrição. Os grupos eram
coordenados por uma nutricionista, com apoio de uma observadora; e
tinham como objetivo fortalecer a autonomia dos usuários para realizarem
suas escolhas alimentares.
A pesquisa indicou que os grupos desenvolvidos favoreceram a
inclusão dos participantes e estimularam fortalecimento de vínculos (vetor
pertença). A comunicação (verbal e não verbal), a cooperação, a telê e a
aprendizagem também foram vetores observados e trabalhados.
As autoras relataram limitações na aplicação dos grupos operativos
na Atenção Básica, pois participar de um grupo implica que profissionais
de saúde e usuários apresentem disponibilidade para entrar em contato
consigo e com o outro. Além disso, como os vetores são indicadores
processuais, “objetivá-los” resvala na impossibilidade de avaliação de
resultado do cuidado nutricional e de implementação dos grupos no
contexto estudado.
Novamente, o estudo selecionado é um dos que trazem à baila
possibilidades de diálogo entre produção de conhecimento e processo
grupal. Ainda que seus autores tenham apresentado e debatido claramente
as limitações inerentes à empreita, conceberam um método rigoroso,
como raramente encontramos quando grupos operativos estão em apreço:
eles notaram dificuldades para lidar com a processualidade dos fenômenos
554
observados, mas utilizaram de recursos teóricos fundamentais na
concepção pichoniana para compreender os fenômenos observados.
Grupo operativo com primigestas
Em Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde,
Silva et al. (2018) desenvolveram trabalho que teve por objetivo a
promoção de ações de educação em saúde junto a primigestas usuárias de
equipamento de saúde pública (Estratégia Saúde da Família/ESF). Para
tanto, se pautaram no método de pesquisa-ação e utilizaram o referencial
teórico por Pichon-Rivière. As informações foram coletadas por meio de
observação participante e de diário de campo; e os resultados foram
analisados por meio da análise temática proposta pela pesquisadora
brasileira Maria Cecília Minayo.
A pesquisa foi dividida em três etapas. Na primeira, o problema de
pesquisa foi identificado; o primeiro contato individual com as
participantes foi feito, a fim de obter dados básicos (faixa etária, idade
gestacional); e, por fim, uma roda de conversa foi conduzida, para verificar
as necessidades de aprendizagem das gestantes e suas percepções sobre a
gestação. Na segunda etapa, cinco sessões semanais foram realizadas, com
duração de cerca de uma hora cada; nesses momentos, diversos temas
foram tratados (desenvolvimento fetal, mitos e verdades relacionados à
gestação, parto, amamentação, e cuidados com o recém-nascido). Na
terceira e última etapa houve avaliação do processo grupal.
As análises foram atinentes às expressões das primigestas; aos
papéis assumidos no grupo; aos vetores envolvidos no processo; e ao
alcance dos objetivos de promoção à saúde desse público alvo. Equipe
executora e gestantes avaliaram a ocorrência frutífera de processos de
ensino-aprendizagem.
A eleição desse estudo adensa os exemplos nos quais o número de
sessões grupais permitiu melhor visualização do modo como a teoria dos
grupos operativos pode ser integrada à produção de conhecimentos. Nele
pesquisa e intervenção clínica dialogam de modo proveitoso.
555
Articulando projetos e experiências grupais operativas
Após ler os estudos escolhidos como ilustrativos, esperamos ter
contribuído para instigar perguntas como: O que posso ou devo utilizar
para instruir procedimentos para, em âmbito de intervenções grupais,
produzir e compartilhar vivências e pensá-las com alinhamento ao mundo
acadêmico? O grupo operativo é bom ou ruim?
Como sempre está em cena quando metodologia científica está em
pauta, procedimentos para pensar-planejar pesquisa nem são bons, nem
ruins. Quaisquer que sejam os escolhidos, todos têm limitações e
potencialidades a serem sopesadas. Qualquer um deles pode ser útil, desde
que articulado a um enquadramento teórico-metodológico. No caso das
proposições pichonianas e em consideração ao que elas nos inspiram, essa
articulação concebe o homem enquanto ser psicossocial, em relação com
outros, potente para se modificar e modificar aos outros com os quais se
vincula, enquanto o processo grupal se estrutura e se consolida – e também após ele ter
acontecido.
Então posso utilizar grupo operativo em meus projetos e em
execuções de pesquisas? Na acepção que se procura apresentar, o uso de
grupos operativos requer ponderações cuidadosas, de modo semelhante a
quando se consideram quaisquer processos de pesquisa.
O planejamento do processo de pesquisa grupal desfrutaria de
boas condições para entrar em funcionamento, de fato, operativo, ou
estaríamos diante de situações que o dificultariam? Estaríamos cultivando
processos que perdem de vista a dinamicidade dialética proposta pela
teoria dos grupos operativos? Estaríamos mais interessados num
procedimento técnico de coleta de dados, ou, para além deles, também
estaríamos mobilizados para criar condições para encontros e trocas
subjetivas acontecerem e, por esse intermédio, para se promover a saúde?
O que parece elucidar melhor o quanto a escolha do dispositivo
do grupo operativo permite produzir e compreender experiências é o
quanto ele pode nos auxiliar a atingir objetivos de pesquisa, desde que
tenha havido sucesso em esclarecer que produzir experiências grupais e
compreendê-las academicamente são processos indissociáveis.
A título de visualização geral, ordenaremos algumas perguntas
complementares, para auxiliar o leitor a pensar sobre o quanto o uso do
556
grupo operativo seria apropriado quando a produção de conhecimentos
acadêmicos estivesse em questão (Quadro 1). Ao ler as perguntas que
estão dispostas em cada uma das colunas, procure refletir sobre o quanto
se identifica com elas. Nas primeiras linhas, concentramos alguns
requisitos que têm maior relação com o enquadramento teórico. Nas
demais, enfatizamos fatores mais achegados ao planejamento do método
que uma pesquisa pode seguir. Todavia, lembre-se que as informações que
constam do Quadro 1 são interdependentes.
557
Quadro 1. Perguntas a serem feitas pelo pesquisador visando a auxiliá-lo no pensar a escolha pelo dispositivo do
grupo operativo.
Pesquisar sobre grupos ou pesquisar em/sobre grupos?
Tenho interesse em pesquisa de natureza mais
objetiva (tipologia quantitativa)?
Tenho interesse em pesquisa de natureza mais subjetiva (tipologia
qualitativa)?
Não gosto ou gosto pouco da orientação
psicanalítica? Gosto bastante ou gosto muito da orientação psicanalítica?
Tenho pouco interesse por
fenômenos/processos grupais? Tenho maior interesse por fenômenos/processos grupais?
Não gosto de atendimentos grupais? Gosto de atendimentos grupais?
Tenho interesse em produzir dados? Tenho interesse em produzir e partilhar vivências?
Busco consolidar ou refutar hipóteses
previamente estabelecidas? Busco problematizar eventos surgidos durante o processo grupal?
Ter um título é o maior motivador e ele se
associa a desejos de aprimoramento
profissional?
Ter um título é o motivador associado a desejos de transformação
psicossocial e aprimoramento clínico-profissional?
Não tenho disponibilidade ou tenho pouca
disponibilidade interna para conduzir o trabalho
grupal?
Tenho disponibilidade interna para conduzir o trabalho grupal?
Conduziria o processo de grupo sozinho? Conduziria o processo de grupo com um parceiro?
Pretendo aplicar um roteiro de entrevista em
grupos? Pretendo dialogar em e com o grupo?
Pretendo enfatizar a técnica de coordenação do
trabalho grupal sobre tarefas explícitas?
Pretendo enfatizar a técnica de coordenação do trabalho grupal sobre
tarefas explícitas e implícitas?
558
Não tenho ou tenho pouca disponibilidade de
recursos materiais para estruturar e realizar o
trabalho grupal (coleta de dados de corte
transversal)?
Tenho disponibilidade de recursos materiais para estruturar e realizar o
trabalho grupal (produção de informações de corte longitudinal)?
Teria dificuldades para supervisionar processo
grupal? Teria facilidades para supervisionar o processo grupal?
Prefiro tratamento quantitativo de dados de
pesquisa? Prefiro tratamento qualitativo de vivências/partilhas subjetivas?
Compreendo que análises e interpretações
precisam ser estritamente aderentes aos
objetivos estipulados no projeto de pesquisa?
Compreendo que análises e interpretações precisam ser aderentes aos
objetivos estipulados no projeto de pesquisa, mas também precisam ser
consideradas mediante as produções grupais (emergentes)?
Buscarei priorizar conteúdos manifestos grupais
no entendimento dos resultados?
Buscarei priorizar conteúdos manifestos e latentes grupais no
entendimento dos resultados?
559
Embora tenhamos procurado demonstrar no Quadro 1 uma
proposta que almejamos pudesse ser facilitadora (ou provocadora?), ela
não é um teste em que você precisaria responder a cada questão com
exatidão. Ao indagar-se sobre o que gostaria (projeto) ou poderia fazer
(execução), ponderou que o trabalho grupal de orientação pichoniana lhe
soou como possível? Se não soou, não se preocupe. Existem outras formas
e orientações teóricas para você realizar pesquisas sobre grupos. Se, por
outro lado, a resposta foi positiva e se isso que assinalamos até aqui tiver
feito sentido para você e, especialmente, se você pendeu para a coluna
direita do Quadro, o grupo operativo seria uma escolha possível, como
guia teórico, técnico e metodológico subjacente ao processo de produção
de conhecimento que pretende planejar e executar.
Pesquisar sobre grupos e em grupos permite ao pesquisador assumir
lugares de clínico potente para “ouvir” e “cuidar” de questões demandadas
por pessoas reais, que vivem e estão inseridas em situações concretas de
vida, conjuntamente aos interesses acadêmicos em jogo. Nessa direção,
não haveria contrastes entre demandas psicossociais e objetivos
acadêmicos, porque estes se retroalimentam num interjogo incessante.
Por outro lado, também temos vivido situações, como
orientadores e pesquisadores, nas quais o estudante que escolhe o
dispositivo do grupo operativo se vê lançado na seara das “incertezas”, na
medida em que ele abriria mão de recursos mais estruturados para alcançar
os objetivos planejados, o que nem sempre é exequível no mundo
acadêmico. Afinal, aos seus interesses se articulam as linhas de pesquisa de
seu orientador e/ou as demais características de sua instituição
universitária, como as ênfases curriculares dos cursos de graduação ou as
linhas de concentração dos programas de pós-graduação.
Além do que foi dito até aqui, pensamos que a visão pichoniana
de grupos poderia ser usada em quatro cenários e isso deve ser grifado. O
primeiro envolve o planejamento e a execução da pesquisa, momentos nos
quais concepções grupais pichonianas podem tanto gerar as situações a
serem pensadas (planejamento e execução) quanto ser o instrumental que
permitiria organizar (analisar e interpretar) as vivências geradas pelo
próprio processo grupal. Neste caso, a interpretação dos processos vividos
560
seria amparada na orientação pichoniana, nas contribuições de Pichon-
Rivière e de outros autores inspirados na escola argentina de grupos.
O segundo cenário envolve pensar o dispositivo grupal
pichoniano, igualmente, no planejamento e na execução da pesquisa. Nele
as vivências grupais seriam as geradoras das situações a serem analisadas,
porém não seriam as priorizadas quando o pesquisador buscasse ordená-
las e compreendê-las. Para manutenção de coesão e coerência teórico-
metodológica, se ele assim o fizesse deveria optar por manter o vértice
teórico psicanalítico, e não necessariamente o pichoniano. Ele poderia, por
exemplo, adotar como norteadores o pensamento bioniano, o foulkesiano,
e assim sucessivamente, em consideração a outros pensadores que se
ocuparam e se ocupam do entendimento de processos grupais inspirados
psicanaliticamente.
O terceiro cenário compreende grupos operativos como
fundamento do enquadramento teórico-metodológico, durante o
planejamento e a execução. Ao ordenar as experiências produzidas, o
modelo pichoniano não seria priorizado, mas sim outras formas de
organização qualitativa de dados de pesquisa. Por exemplo, métodos de
análise temática, como os propostos por Minayo, seriam empregados (cf.
Silva et al., 2018). E, ao procurar compreender os resultados
(interpretação), contribuições de inspiração psicanalítica, incluindo
pichonianas, poderiam ser incorporadas.
O quarto e último cenário contempla uma situação na qual o
pesquisador planejaria, executaria e organizaria os resultados da pesquisa
por meio do arsenal teórico-metodológico do grupo operativo. Todavia,
ao procurar compreender e interpretar os resultados produzidos, faria
ancoragem em outros recursos teórico-metodológicos, distintos daqueles
inspirados no modelo pichoniano ou psicanalítico, ou amparados em
métodos qualitativos. Esta última via de trabalho deveria, em nossa visão,
ser evitada. Se todo o percurso foi inspirado na proposta pichoniana, seria
equivocado buscar entendê-lo fora dos parâmetros colocados por essa
escola ou por outra, de inspiração psicanalítica. Ou simplesmente
estaríamos diante de uma situação na qual o pesquisador “acha” que fez
um percurso com amparo na teoria dos grupos operativos, quando fez
outra coisa?
561
Assim, esperamos ter esclarecido que podemos utilizar grupo
operativo em projetos, em execuções e em relatórios/publicações
decorrentes de processos de pesquisas. Nossas experiências têm indicado
que ele seja o norteador do enquadramento do estudo, se for o dispositivo
escolhido. Dessa forma, a desejável coerência interna entre o pensar, o agir
e o sentir perpassará o trabalho como um todo, otimizando o rigor e a
unidade teórica, técnica e metodológica da pesquisa. Se retomarmos os
quatro cenários arrolados anteriormente, parece-nos que a adoção da
nomenclatura “grupos operativos” seria mais apropriada, em ordem
crescente, do primeiro ao terceiro cenários. Entretanto, no quarto cenário,
não. E grifamos que escolher o grupo operativo não sugere fechamentos
de campos dialógicos com outras correntes de pensamento. Porque isso não
seria pichoniano.
Prática de pesquisa sobre grupos e seus desdobramentos sobre a formação de recursos
humanos
Até este momento está subjacente neste texto a questão que
envolve o modo como podemos trabalhar quando pesquisamos sobre
grupos e, notadamente, sobre/em grupos operativos. Agora tentaremos
problematizar isso de outras formas, porque fazê-lo contempla pensarmos
em implicações sobre a formação de recursos humanos em pesquisa.
Seja qual for o nível de formação universitária em jogo (graduação
ou pós-graduação), grupos operativos são dispositivos que têm se
mostrado profícuos de serem estudados e vividos em ambientes
formativos de profissionais da saúde e da educação (Bleger, 1961/1971).
Esses grupos são marcados pela construção de uma realidade conjunta, na
qual a atuação em equipe pode ocorrer com unidade e coerência,
facilitando a construção de referenciais que são trabalhados, dialogados e
partilhados por seus membros.
Além disso, os participantes que constituirão os grupos a serem
investigados serão aqueles que aceitarem o convite feito e consentirem em
participar, após formalizado o trâmite ético-documental. Audiogravar
e/ou tomar notas sobre eventos vividos nos encontros é um recurso que
favorece análises futuras e as transcrições decorrentes podem ser atreladas
562
aos trabalhos de grupos de supervisão61 e constituírem base material dos
relatos a serem feitos.62 Se é assim, por que não associar experiências
grupais a processos formativos de coordenadores de processos de grupo?
Superado o momento de produção das vivências grupais a serem
investigadas, a base de dados estará constituída e sua ordenação e
interpretação precisará ser realizada. Nesse sentido, as experiências grupais
podem ser estudadas por meio de exercício processual e contínuo de busca
de compreensão dos emergentes grupais, articuladamente a atividades
desenvolvidas por determinado grupo de pesquisa, em grupo.
Nosso grupo de pesquisa tem percorrido esse caminho, ao
procurar lidar com os dados coletados em situações grupais. O
levantamento dos emergentes tem sido feito em encontros do Grupo de
Supervisão, com as transcrições das sessões grupais (o banco de dados)
em mãos. Nesse ambiente institucional, eles são expostos e podem ser
revisados, com as finalidades específicas de: (1) supervisionar a situação
grupal narrada; e, concomitantemente, (2) examinar “como” esses
mesmos emergentes permitem realizar análises qualitativas e compor o
relatório final de pesquisa, num percurso construído pelo coletivo,
composto por estudantes e líder do grupo.
A formação acadêmica do pesquisador/coordenador de grupos,
assim, tem características a serem examinadas. O pesquisador desenvolve
seu estudo em grupos. E também em grupo relata suas experiências e, por
esse intermédio, vivências grupais de diversas naturezas são
disponibilizadas ao próprio grupo de pesquisa: forma-se o pesquisador,
forma-se a equipe executora que pode lhe dar suporte, enquanto ele
coordena o processo de grupo investigado. Formam-se os integrantes do
grupo de pesquisa, que integram atividades do Grupo de Supervisão e
podem, a partir desse tipo de experiência, pensar novos projetos.
A proposta geral inerente a esse tipo de funcionamento busca
transformar o próprio espaço acadêmico em situação para “viver
61 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação. 62 Não porque o conteúdo verbalizado seja o mais importante, mas porque as gravações de interações verbais permite à equipe e ao coordenador dos trabalhos grupais “desonerar-se de reter informações”, justamente porque isso é “terceirizado” ao equipamento tecnológico.
563
processos de grupo”, em conformidade com o pensamento pichoniano.
Nesse sentido, estudar, investigar e viver a grupalidade em seus processos,
aprendendo com eles e por meio deles, também pode ser viável num grupo
de pesquisa. E alguns dos elementos constituintes do quadripé da
formação do grupoterapeuta/coordenador de processos de grupo podem
ser igualmente buscados. Entretanto, numa situação universitária, o item
“análise pessoal” não pode ser uma exigência institucionalizada, embora
os demais “pés” possam sê-lo, por meio do desempenho dos papéis do
supervisor acadêmico (professor e líder de grupo de pesquisa).
No caso de grupos montados para atendimento a objetivos de
pesquisa, retomamos o tópico do uso de audiogravadores ou da prática de
anotar acontecimentos para fomentar diários de campo. Essas opções
podem aguçar graus de persecutoriedade nos participantes do estudo, o
que costuma ser marca perene de quaisquer processos clínicos. “Afinal, o
que vocês farão com esses dados?”, eles costumam indagar (e nem sempre
o fazem de modo verbal).
Conversar abertamente sobre esse tipo de constatação, no aqui e
agora da vivência, tem demonstrado ser fator viabilizador da participação
na situação investigada e, ainda, tem favorecido que o participante sinta-
se compromissado com ela, sobretudo quando o sigilo profissional e o
anonimato são explicitados como condições do trabalho. Uma outra
medida que também tem sido notada como positiva no momento de
acolher os participantes em suas dificuldades manifestas, é demonstrar
claramente a eles que todo o material que eles ajudam a produzir pode ser
acessado por eles mesmos, a qualquer momento, porque eles são
coproprietários do banco de dados.
Em conclusão, o grupo operativo se constitui como um meio para
facilitação e produção de manifestações humanas, enquanto tarefas
grupais são operadas. O processo subjetivo que emerge disso é
atravessado por fenômenos defendidos pela psicanálise, como as noções
de transferência e de resistência, o que enquadra a pesquisa sobre e em
grupos operativos na orientação teórica psicanalítica.
Grupos operativos são solo onde conhecimentos, aprendizagens e
saúde podem ser edificados. E, se assim podem sê-lo, por que não
564
compartilhar resultados dessas experiências com os pares da academia e
da prática profissional?
Referências
Bleger, J. (1971). Temas de psicologia: Entrevista y grupos. Buenos Aires: Nueva
Visión. (Trabalho original publicado em 1961)
Hur, D. U., Couto, M. L., & Nascimento, J. S. (2018). Estudantes
indígenas na universidade: Uma sessão de grupo operativo. Vínculo,
15(2), 99-119.
Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6ª ed.). São Paulo: Martins
Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)
Santos, M. A., Scatena, L., Dias, M. G., Pillon, S. C., Miasso, A. I., Souza,
J., & Zanetti, M. L. (2016). Grupo operativo com professores do
Ensino Fundamental: Integrando o pensar, o sentir e o agir. Revista da
SPAGESP, 17(1), 39-50.
Silva, M. A., Marques, M. F., Brito, M. C., Viana, R. S., Mesquita, A. L.,
Silva, A. S., & Gomes, L. C. (2018). Grupo operativo com
primigestas: Uma estratégia de promoção à saúde. Revista Brasileira em
Promoção da Saúde, 31(1), 1-11.
Vincha, K. R., Bógus, C. M., & Cervato-Mancuso, A. M. (2020).
Possibilidades de atuação profissional em grupos educativos de
alimentação e nutrição. Interface (Botucatu), 24, 1-16.
565
Índice remissivo
“Super”-ego, 225, 257
AAPPG, 36
abandono, 255, 337, 379, 404,
524
abordagem clínica, 44, 526
abordagem francesa de grupos, 206 abordagem grupal às crianças e seus
pais, 411
abordagem maternalista, 507
abordagem multidisciplinar, 485
abordagem narrativa, 448 abordagem pragmática e
comportamental, 446
abordagem psicanalítica, 423, 525,
526
abordagem psicanalítica de grupo, 209
abordagem psicanalítica grupal, 529 abordagem psicanalítica grupal com
alcoolistas e drogaditos, 529
abordagem radical construtivista, 448
abordagem sistêmica, 421, 443, 453
abordagens grupais, 55 abordagens grupais com finalidades
operativas, 317
abordagens grupais terapêuticas, 317
ABPAG, 286
Abreu-Afonso, 180, 182
abuso de drogas, 535
abuso sexual, 375, 538
Ackerman, 31, 424, 446
ações de saúde mental, 534
acolhimento, 55, 74, 158, 238, 239,
275, 277, 294, 299, 354, 464,
471, 473, 476, 513, 514, 537
acolhimento dos familiares, 494
acompanhamento psicoterapêutico, 511
aconselhamento, 417, 418, 523
aconselhamento matrimonial, 415,
417, 419, 423
acoplamento de settings, 468, 469
acordo inconsciente, 463
acting-out, 237
acting-outs, 135, 190, 232, 317
actings, 331
acupunturistas, 486
Adamson, 145, 146
adaptação ativa à realidade, 145
Adler, 31, 373
adoecimento crônico, 54
adolescência, 53, 263, 365, 375,
412 adolescência da Psicoterapia Analítica
de Grupo, 88
adolescente, 365, 366, 367, 373,
374, 411, 509
adolescentes, 53, 54, 145, 278, 317,
360, 365, 366, 373, 374, 375,
376, 377, 378, 400, 412, 464
adolescentes com TAs, 496
adolescentes em conflito com a lei, 221
adolescentes psicóticos, 144, 145
adulto, 81, 128, 142, 215, 267,
271, 372, 373, 416, 431
adultos, 53, 63, 263, 268, 373,
393, 433
advogado, 318
agrupamento, 34, 43, 77, 101, 106,
244, 475
Ainsworth, 451
Aires, 285
Akhtar, 439
Albertini, 448
álcool, 375, 528, 529, 536
alcoólicos anônimos, 59
alcoolismo, 523, 536, 537
566
alcoolista e o drogadito, 538
alcoolista ou drogadito, 528
alcoolistas, 59, 523, 536
alcoolistas e drogaditos, 523, 532,
534, 536, 542
Alegret, 455
alfa-betização, 251
aliança terapêutica, 181, 183, 451,
502
alianças inconscientes, 219
alianças terapêuticas, 184, 429
Allen, 179
alta, 71, 337, 379, 533
Alternância de supostos, 133
altruísmo, 51, 104, 106, 130
alucinose, 242
aluno, 73, 81, 417
alunos, 73, 77, 80, 82, 83, 88,
147, 154, 284, 290
alunos-médicos, 454, 455
Alvarez, 383
amadurecimento, 269, 273, 274,
507
amadurecimento mental, 244
ambiência, 352
ambiência terapêutica, 479
ambivalência, 46, 96, 97, 193, 313
ambivalência afetiva, 104
ambivalências, 541
ambivalências institucionais, 313
ambivalente, 503
ambivalentes, 109
ambulatório, 179, 486, 503, 533 Ambulatório do Câncer do Hospital de
Base, 486
ambulatórios, 59, 305
amor, 45, 46, 81, 100, 101, 102,
104, 109, 121, 137, 233, 238,
249, 258, 267, 274, 320, 324,
451, 538
amor a si mesmo, 101
amor aos outros, 102
amor às verdades, 87
amor edípico, 100
amor sem verdade, 248
AN, 493, 494, 503, 510
analisando, 159, 185, 232, 250,
251
analisandos, 241, 245
análise, 35, 73, 74, 76, 89, 107,
109, 118, 121, 125, 126, 135,
154, 159, 160, 162, 166, 177,
189, 226, 263, 324, 329, 339,
340, 432, 485, 524, 525, 530,
540
análise de grupo, 160
análise do grupo, 35, 213
análise institucional, 146, 207, 220
análise pessoal, 64, 68, 69, 70, 71,
72, 73, 76, 79, 81, 87, 328,
563
análises, 115, 338, 547
analista, 69, 70, 71, 73, 110, 116,
118, 125, 129, 159, 160, 161,
162, 163, 164, 167, 168, 169,
171, 182, 183, 217, 226, 227,
229, 232, 237, 238, 239, 241,
245, 246, 247, 248, 250, 251,
255, 262, 263, 265, 268, 278,
291, 324, 325, 326, 327, 328,
329, 339, 346, 347, 384, 403,
542
Analista, 339, 392, 393
analistas, 70, 227, 244, 262, 263,
278, 445
anamnese, 307, 366, 474
Anastasiadou, 496
ancoragem, 44, 238, 239
Andersn, 448
Andolfi, 425, 427
anestesistas, 486
angústias fundamentais, 541
567
Anna Freud, 107, 262
Anna O., 385
anorexia, 498, 500, 504, 509, 510,
526
Anorexia Nervosa, 493
anoréxicas, 526
ansiedade de separação, 331
ansiedade depressiva, 118, 119, 120
ansiedade e fantasias persecutórias,
294
ansiedade persecutória, 113, 116,
118, 119
ansiedades básicas, 147, 148, 150,
342
ansiedades infantis, 136
ansiedades persecutórias, 117
ansiedades persecutórias e depressivas,
120
ansiedades psicóticas, 136
Anthony, 158, 160, 162, 163,
164, 165, 166, 167, 168, 169,
171, 177, 180, 189, 194, 197
anti-grupo, 190
Anton, 431
antropologia, 81
Anzieu, 35, 81, 161, 205, 206,
207, 208, 210, 211, 213, 420
APA, 146
aparelho, 99, 253, 254
aparelho analítico, 99 aparelho para aprender com a
experiência, 249
Aparelho para pensar os pensamentos,
234, 246, 247, 249
aparelho psíquico, 45, 136, 234,
528
aparelho psíquico de grupo, 420
aparelho psíquico do grupo, 299
aparelho psíquico grupal, 213, 219
apoio psicológico, 169, 493
APPG, 82
aprender, 60, 148, 227
aprender com a experiência, 227, 252
aprendizado, 288
aprendizagem, 58, 147, 148, 150,
159, 228, 231, 252, 257, 281,
284, 285, 286, 289, 292, 294,
296, 297, 299, 422, 498, 531,
542, 550, 553
aprofundamento vertical, 161
aproximação amorosa, 322
área psicótica da personalidade, 243
Aristóteles, 444, 483 Asociación Argentina de Psicología y
Psicoterapia de Grupo, 36, 37 Asociación Mexicana de Psicoanálisis
de Grupo, 37 Asociación Mexicana de Psicoterapia
Analítica de Grupo, 37
aspectos inconscientes do grupo, 171 aspectos não psicóticos da
personalidade, 309
aspectos psicodinâmicos, 474
assistência à infância e adolescência,
401
assistência à saúde, 400, 401
assistência aos familiares, 493
assistência interdisciplinar, 508
assistência multiprofissional em TAs,
494
assistência social, 401, 503
assistente social, 56, 63, 332
assistentes sociais, 214, 450, 486 Associação Argentina de Psicologia e
Psicoterapia de Grupo, 428 Associação Brasileira de Psicanálise de
Casal e Família, 423 Associação Brasileira de Psicoterapia
Analítica de Grupo, 37, 39, 286 Associação Brasileira de Terapia
Familiar, 422
568
Associação Internacional de Psicanálise
de Casal e Família, 423 Associação Internacional de
Psicoterapia de Grupo, 36 Associação Internacional para o
Estudo da Dor, 485
Associação Psicanalítica Argentina,
146
associações livres, 291, 299
associar livremente, 60, 300
Asssociação Psicanalítica Argentina,
175
ataque à comunicação, 379
ataque aos elos de ligação, 505
ataque aos vínculos, 231
Ataque aos vínculos, 225, 255
atenção à saúde, 513
atenção à saúde mental, 308
atenção à saúde mental da criança,
399
Atenção Básica, 553
atenção em saúde mental, 401
atenção flutuante, 239, 347
atenção multiprofissional, 486
atendente, 311, 314
atendidos em grupo, 360
atendimento clínico familiar, 391
atendimento familiar, 383, 384, 386,
395, 396
atendimento grupal, 61, 399, 401,
415
atendimentos clínicos, 387
atendimentos familiares, 383
atendimentos grupais, 64, 75
atendimentos infantis, 368
atitude ambivalente, 97
atitude amorosa e construtiva, 320
atitude clínica, 62, 73
atitude do analista, 125
Atitudes, 192
atividade clínica, 227
atividade grupal, 353
atividades grupais, 89, 402
atividades lúdicas, 454
atrasos, 190, 324, 331, 345, 359,
470
Attili, 494
atuação, 164, 331
atuação com grupos, 157
atuação em equipe, 456
atuação em grupos, 68, 89
atuação médica, 455
atuações, 317, 324, 331, 464, 470,
528, 533, 542
Atuações, 331
autismo, 383, 385, 386, 411, 476
autista, 409
autoanálise, 193, 327
avaliação psicológica, 511
Ávila, 82, 135, 172, 352, 356
Azim, 313
Aznar-Martínez, 431, 432
babá, 262, 387, 388
babás, 378
Babo, 181, 193
Bahía, 39, 351
Baremblitt, 461
barreira de contato, 237, 251, 252,
253
Barreira de contato, 225
barreiras na comunicação, 552
bases teórica e técnica da grupanálise,
160
bases teóricas e técnicas, 171
Bateson, 424, 440
Bauman, 68
Beatriz Fernandes, 40, 352
bebê, 109, 110, 111, 116, 117,
118, 119, 120, 131, 134, 147,
211, 218, 234, 238, 245, 247,
249, 251, 254, 265, 266, 267,
569
269, 270, 271, 272, 273, 274,
275, 387, 505
bebê alucina o seio, 405
bebê winnicottiano, 275
bebês, 320, 326, 373, 387, 393,
395
bebês imaginários, 117
Bechelli, 523
Benghozi, 426
Benjamin, 450
Benninghoven, 508
Berenstein, 36, 45, 420, 427, 444,
445
Bernard, 36, 81, 83, 284, 285,
291, 313
Bernardo, 283
Berrios, 488
Berstein, 182, 553
Bettelheim, 457
Bighetti, 495
Bigliani, 419, 420, 428, 429 binômio transferência-
contratransferência, 44
biologia, 447
biólogo, 440
Biólogos, 447
biomédica, 332
Bion, 31, 32, 35, 38, 44, 46, 47,
53, 60, 75, 81, 82, 107, 125,
126, 127, 128, 129, 130, 131,
133, 134, 135, 136, 137, 180,
189, 190, 225, 226, 227, 229,
230, 231, 232, 233, 235, 236,
237, 238, 240, 241, 242, 243,
244, 245, 246, 247, 248, 249,
250, 251, 252, 253, 255, 256,
257, 262, 309, 324, 325, 326,
328, 330, 331, 342, 346, 347,
420, 485
Bittencourt, 529
Blay, 509
Blay Neto, 38, 39, 351, 352, 361
Bléandonu, 233, 234, 238, 250,
251
Bleger, 228, 296, 405, 427, 461,
475, 553, 561
bloqueio da comunicação, 165
BN, 493, 510
bode expiatório, 144, 150, 151,
153, 168, 169, 183, 190, 321,
427
Bode expiatório, 153
Bonfim, 83
Boston Change Process Study Group,
185
Boszormenyi-Nagy, 418, 425, 446
Bowen, 418, 419, 424, 425, 446
Bowlby, 451
Branco, 448
Brandt, 285
Brasil, 402
Brasiliano, 423, 523, 524, 527,
528, 529, 530, 531, 532, 537,
538, 542
Bretas, 282
Breuer, 385
brincar, 137, 212, 217, 261, 262,
264, 268, 272, 345, 366, 369,
371, 389, 391, 392, 454, 479,
501
Brincar, 345
brinquedo, 368
brinquedos, 368, 370, 371, 392,
404, 474
British Psychoanalytic Society, 176
Brito, 180
Brown, 190
Bruch, 493
Brum, 422
Brun, 215, 216
Budman, 305
Bugliani, 439, 440
570
bulimia, 504, 509, 526
Bulimia Nervosa, 493
Burnier, 324
Burrow, 31, 175
Caetano Veloso, 257
caixa de ressonância, 470
caixa de ressonância empática, 185
Camara, 33, 35
Campo, 452
campo da clínica, 70
campo da clínica de grupos, 72
campo da clínica psicanalítica, 524
campo da instituição, 479
campo da psicanálise, 298, 419
campo da psicoterapia de casal, 433
campo de representação, 148
campo do aprendizado, 69
campo emocional-afetivo, 148
campo grupal, 107, 127, 239, 317
campo inconsciente comum, 385
campo psicoterapêutico, 69
campo transferencial, 467
campo vincular, 44
Campos, 494, 501
Cancrini, 450
Canevaro, 443, 444, 445, 446
Cannon, 131
capacidade comunicativa, 48
capacidade da mãe, 251
capacidade de acolhimento, 466
capacidade de ajudar, 122
capacidade de aprender, 290
capacidade de brincar, 264, 269, 345
capacidade de continência, 504
capacidade de criar, 271, 448
capacidade de desintoxicar a mente,
352
capacidade de empatia, 87, 191, 403 capacidade de esperar pelas
gratificações, 275
capacidade de falar, 453
capacidade de ficar só, 361
capacidade de identificar-se com o bebê,
270
capacidade de interação e pertença, 475
capacidade de interpretar, 342
capacidade de manter-se íntegro, 87
capacidade de observação, 406
capacidade de pensar, 233
capacidade de raciocinar, 234
capacidade de se comunicar, 87
capacidade de se relacionar, 476
capacidade de simbolização, 402
capacidade de sonhar, 216, 217
capacidade de sonhar e de brincar, 216
capacidade de suportar as lacunas, 270
capacidade de suportar frustrações, 474
capacidade de tolerância à frustração,
380
capacidade de trabalhar, 239
capacidade do grupo, 155
capacidade empática, 505
capacidade epistemofílica, 228
capacidade inata, 272
capacidade instintiva, 133
capacidade intuitiva, 255
capacidade mental, 361
capacidade para estar sozinho, 193
capacidade para pensar os pensamentos,
251
capacidade para tolerar frustrações,
234
capacidades criativas, 228
Capisano, 39
CAPS, 473, 475, 479, 533, 535
CAPSi, 401, 408, 411, 412, 476
caráter defensivo, 213
caráter horizontal do grupo, 161
caráter perverso, 256
caráter regressivo, 160
Carvalho, 468
571
casais, 36, 44, 55, 207, 225, 235,
281, 416, 421, 424, 431, 432,
437, 452, 454
casais e famílias, 429
casal, 61, 230, 278, 317, 415,
422, 423, 429, 431, 432, 438,
439, 445, 471, 507
casamento, 84, 95, 96, 103, 394,
416, 424, 425, 429, 432, 438
casamentos, 491
casas de acolhimento, 294
Castanho, 206, 219, 221, 463,
464, 466, 532
Castilho, 354
Cavalcanti, 411
Ceberio, 442
CECCO, 475
Centeno, 179
centrados na tarefa, 179, 221
Centro de Atenção Psicossocial, 479
Centro de Convivência e Cooperativa,
475 Centro de Formação para Terapeutas
de Casal e Família, 456
Centro de Saúde Mental, 455
Centro Hospitalar de Lisboa Norte,
178 Centro Hospitalar de Lisboa
Ocidental, 178
centros comunitários, 356
Centros de Atenção Psicossocial, 473,
533 Centros de Atenção Psicossocial
Infanto-Juvenis, 401
centros de convivência, 294
Cerveny, 40, 88
cesura, 127, 129, 130
Cesura, 129
cesura do nascimento, 127, 128, 129
Chiaverini, 473
Chouvier, 216
Cibercultura, 68
cibernética, 424, 447
Cibernética, 440
ciclo de vida da família, 424
ciclo vital, 451
CID, 488
Cirillo, 450
cisão, 89, 113, 115, 116, 118,
119, 128, 336, 506, 541
Cisão, 113
ciúme, 49, 94, 121, 196, 329, 417
ciúmes, 275
Ciúmes, 121
Claire Winnicott, 264
clãs totêmicos, 95
classificação do trabalho grupal, 163,
353
Classificação Internacional de Doenças,
488
clima emocional, 76, 131, 229, 321
clínica, 89, 107, 112, 218, 231,
311, 341, 351, 358, 359, 362,
384, 399, 418, 445, 548
clínica ampliada, 479
Clínica da Dor, 486, 487, 488 clínica da psicanálise da configuração
vincular, 428
clínica das adições, 526
clínica de grupos, 40, 62, 64, 562
clínica de psicologia, 362
clínica diária, 108, 111
clínica do traumático, 216
clínica e técnica psicanalítica, 445
clínica grupal, 74
clínica grupoterápica, 360
clínica individual, 36
clínica privada, 54, 63, 67
clínica psicanalítica, 125, 263, 352 clínica psicológica com alcoolistas e
drogaditos, 523
clínica psiquiátrica, 445
572
Clínica Tavistock, 127
clínica vincular, 111, 114, 136
clínica-escola, 359, 360
clínicas, 400, 401
clínicos, 431
clivagem, 113
coaching grupanalítico, 179
Cobelo, 494, 501
coesão, 355
coesão do grupo, 163
coesão grupal, 184, 355, 359, 360,
514
Coesão grupal, 194
coleta de dados, 282, 552, 555, 558
Colombo, 422
Colossi, 473, 535
Complexo de Édipo, 97, 98, 99, 104 componentes intrassubjetivos e
intersubjetivos, 235
comunicação, 43, 48, 49, 50, 60,
96, 113, 130, 148, 162, 164,
165, 166, 167, 170, 171, 176,
186, 187, 189, 196, 232, 234,
238, 239, 240, 242, 243, 245,
250, 290, 296, 297, 330, 345,
362, 374, 379, 384, 406, 429,
440, 509, 510, 535, 553
Comunicação, 165
comunicação associativa, 192
Comunicação do par analítico, 250
comunicação extraverbal, 345
comunicação inconsciente, 498
comunicação intrainstitucional, 55
comunicação limitada e distorcida, 313
comunicação não verbal, 50, 69
comunicação nos grupos, 169
comunicação verbal, 50, 171, 192,
341
comunicação verbal e não verbal, 50,
85, 240
comunicações, 161, 189, 192, 248,
317, 326, 345
Comunicações, 235
comunicações defensivas do grupo, 112
comunicações distorcidas, 345
comunicações entre os pais e os filhos,
395
comunicações grupais, 336
comunicações multipessoais, 248
comunicações verbais e não verbais,
185
comunidade, 411
comunidade terapêutica, 61
comunidades terapêuticas, 32, 231,
255, 308, 309, 310, 314
comunitária, 401
conceito de ilusão grupal, 35
concepções grupais, 559
condição crônica de saúde, 508
configuração familiar, 395
configuração grupal, 230, 256
configuração mental, 118, 120, 256 configuração vincular fusionada e
conflituosa, 503
configurações grupais, 115, 137, 138,
341
configurações mentais, 112, 325
configurações vinculares, 55, 81, 227,
229, 238, 245, 281, 391, 420,
496
conflito inconsciente, 159, 166
conflito intra-psíquico, 181
conflito mental, 160
conflito neurótico, 168
conflito no grupo, 134
conflito psíquico, 46
conflitos básicos, 189
conflitos edipianos, 374
conflitos emocionais, 491
conflitos inconscientes, 159, 164, 166,
168, 185
573
conflitos interpessoais, 467
conflitos latentes, 314, 354
Conhecimento, 227
conhecimento latente, 231
cônjuge, 430, 442
cônjuges, 169, 537
Conselho Tutelar, 412, 464
Consoli, 431
constituição grupal, 357
constituição intersubjetiva do grupo,
211
constituições grupais, 355
consultoria, 36
consultório, 332, 360, 367, 370,
380
consultórios, 55, 82, 212, 433
consultórios de psicanalistas, 218
consultórios médicos, 494
consultórios particulares, 157
consultórios privados, 305
Contel, 495
conteúdo latente, 241
conteúdo manifesto, 187, 300
conteúdos inconscientes, 162
conteúdos inconscientes latentes, 358
conteúdos latentes, 357
conteúdos latentes grupais, 558
conteúdos manifestos grupais, 558
conteúdos mentais, 403
continência, 245, 373, 464, 471,
500, 513, 533, 542
continência afetiva, 504
continência materna, 234
continente, 87, 249, 312, 396, 478
contraidentificações projetivas, 328
contraindicações, 323
contrato, 56, 59, 84, 183, 184,
191, 292, 306, 308, 353, 356,
359, 360, 361, 375, 376, 403,
532
contratransferência, 152, 176, 181,
182, 191, 192, 310, 317, 325,
326, 327, 328, 329, 330, 336,
337, 344, 372, 425
contratransferenciais, 76, 77, 78,
183, 246, 308, 329, 343, 344
contratransferencial, 183, 191, 255,
327, 345, 490
contratransferências, 183
controle, 120, 330
controle onipotente, 120
convênios médicos, 55, 305
cooperação, 130, 553
coordenadores de grupo, 64, 562
Cordioli, 429, 430
Coronel, 289
corpo da mãe, 228, 232
corpo do bebê, 109
Cortesão, 35, 61, 81, 175, 176,
177, 178, 180, 182, 186, 191
Costa, 362, 493, 509
coterapeuta, 84, 429
coterapeutas, 308
coterapia, 84, 177, 367, 402, 405,
408, 464, 477, 541
coterapias, 177
COVID-19, 57, 205
crescimento emocional, 231
crescimento mental, 127, 128, 227,
248, 249, 250
crescimento pessoal, 60, 234, 309,
335, 337, 338, 416
criança, 97, 142, 143, 215, 232,
251, 262, 267, 273, 365, 366,
367, 368, 369, 371, 372, 374,
375, 378, 383, 384, 385, 386,
392, 395, 396, 403, 404, 405,
411, 457, 467, 474, 475, 478,
500
crianças, 53, 54, 63, 96, 97, 109,
142, 263, 317, 322, 360, 365,
574
366, 367, 368, 369, 371, 372,
373, 375, 383, 384, 385, 386,
388, 392, 393, 394, 396, 399,
400, 401, 403, 405, 408, 412,
463, 464, 467, 474, 475, 476,
477, 478, 479
Crianças, 320, 368
crianças autistas, 411, 475
crianças com transtornos mentais, 412 crianças com transtornos mentais
graves, 401, 402, 411, 412
crianças e psicóticos, 107
crianças excluídas da escola, 401
crianças pequenas, 215, 477
criatividade, 71, 72, 75, 76, 79, 80,
82, 107, 110, 137, 196, 234,
237, 248, 261, 263, 264, 268,
269, 271, 278, 310, 343, 345,
366, 502
crise psicótica, 230
Cruz, 365
cuidador, 275
cuidadores, 145, 477, 495, 508,
513, 514
Cuissard, 37
cultura, 45, 93, 99, 130, 132, 133,
136, 145, 211, 214, 220, 230,
308, 423, 428, 479, 513, 526
cultura de grupo, 130
cultura de pressupostos, 133
cultura grupal, 130
culturais, 184, 218, 268, 271, 416,
426
cultural, 146, 361, 423, 485
culturas, 68, 141, 177, 431, 461
Cunha, 40, 422, 423
cura, 180, 181, 193, 227, 255,
342, 379, 469, 513, 529, 550
Cura, 193, 379
curso de enfermagem, 283
curso de odontologia, 287
curso de psicologia, 357
Cypel, 445
Darwin, 94, 98, 269
Davanzo, 37
David, 181, 196
de la Fuente, 36
defesa maníaca, 322
defesa primitiva, 116
Defesas, 186
defesas dos grupos, 180
defesas maníacas, 120, 330
Dejours, 485
Deleuze, 35
Dellarossa, 83, 284, 285, 288, 553
demanda, 54, 212, 351, 359, 361,
362, 455, 466, 473, 476, 480,
528
demanda da instituição, 355, 470
demanda das instituições, 358 demanda em saúde mental infantil e
juvenil, 401
demanda externa, 472
demanda grupal, 301
demanda institucional, 401
demanda interna da instituição, 472
demandas, 61, 62, 89, 359, 360,
361, 396, 454, 468, 470, 472,
473, 477, 489, 495, 533, 552
demandas das crianças, 477
demandas do grupo, 467
demandas dos grupos, 477
demandas emocionais, 360
demandas institucionais, 55
demandas psicossociais, 559
denegação, 444
Denton, 416 Departamento de Assistência Escolar
da Secretaria de Educação, 400
Departamento de Saúde Escolar, 401
dependência, 532
dependência à substância, 538
575
dependência absoluta, 267, 268, 273,
275
Dependência absoluta, 273
dependência ao álcool ou à droga, 538
dependência da relação terapêutica,
538 dependência de álcool e de outras
drogas, 524
dependência de substâncias psicoativas,
524, 535, 537
dependência do grupo, 539
dependência do Grupo de Supervisão,
79
dependência relativa, 267, 273, 274
dependente de álcool e drogas, 537
desejo de crescimento, 309
desejos grupais, 136
desenvolvimento da autonomia, 197 desenvolvimento da capacidade de
pensar, 405
desenvolvimento da família, 431 desenvolvimento da identidade e do
sentido de realidade, 405
desenvolvimento da personalidade, 181
desenvolvimento da realização, 403
desenvolvimento das crianças, 432 desenvolvimento de autonomia e de
coesão, 313
desenvolvimento de habilidades sociais,
495
desenvolvimento do bebê, 238
desenvolvimento do brincar, 392
desenvolvimento do grupo, 134, 161,
307, 357
desenvolvimento do indivíduo, 272
desenvolvimento emocional, 118, 503 desenvolvimento emocional saudável do
bebê, 267
desenvolvimento grupal, 342
desenvolvimento humano, 416
desenvolvimento intra e interpessoal,
356
desenvolvimento mental, 119, 232
desenvolvimento psíquico, 121
desenvolvimento saudável do bebê, 270
desprezo, 120, 330, 335, 506 determinantes inconscientes da
comunicação, 171
diabéticos, 54, 59
diagnóstico, 34, 310, 367, 384,
385, 391, 402, 407, 449, 450,
478, 488, 494
diagnóstico de anorexia, 501
diagnóstico de anorexia ou bulimia,
495
diagnóstico institucional, 150
diagnóstico precoce, 386
diagnóstico relacional, 446, 451
dialética, 58, 143, 146, 219, 420,
445, 468, 528, 550, 555
diário de campo, 549, 554
diários de campo, 563
Dias, 262, 264, 267, 269, 272,
273
dificuldade de comunicação, 375
dificuldade na comunicação, 535
dificuldades de comunicação, 417
dificuldades na comunicação, 289
dimensão estrutural, 99
dimensão intersubjetiva, 528 dimensão intrassubjetiva e
intersubjetiva, 445
dimensão transubjetiva, 132
dimensão transubjetiva do vínculo, 45
dimensões do vínculo, 43
dinâmica da instituição, 466
dinâmica de grupo, 81, 209, 486
dinâmica de uma instituição, 479
dinâmica familiar, 386, 392, 432,
535
576
dinâmica grupal, 82, 85, 107, 127,
136, 180, 235, 236, 361, 467,
506, 523
dinâmica grupanalítica, 166
dinâmica institucional, 465, 466
dinâmicas familiares, 478, 535
Dinis, 177, 180, 181, 182, 183,
184, 185, 197
Diniz, 285 Direcção Geral do Emprego e das
Relações de Trabalho, 177
discussão horizontal e criativa, 293
discussão livre flutuante, 187, 192,
194
Discussão livre flutuante, 186, 187
discussões clínicas, 412
dispositivo analítico, 218
dispositivo clínico, 468
dispositivo clínico grupal, 468
dispositivo de grupo, 206, 210, 212,
218, 220, 221, 290
dispositivo do grupo operativo, 555,
557, 559 dispositivo do Grupo Psicanalítico de
Discussão, 293
dispositivo grupal, 344, 468, 470,
514, 560
dispositivo grupo, 246, 466, 468
dispositivo vincular, 90, 241, 250,
317, 324, 325
dispositivos de grupo, 207, 212
dispositivos grupais, 289
dispositivos psicanalíticos, 426
dispositivos vinculares, 245
dissociação, 506
distúrbios psicossomáticos, 272
divórcio, 432, 451
doença familiar, 144
Donato, 44, 285, 286, 290, 292
Dor autocrítica, 490
dor crônica, 488
Dor culposa, 490
dor emocional, 483
dor física, 483, 484, 485, 486, 489
dor mental, 47, 73
dor moral, 483, 484
dor psíquica, 483, 532
dores corporais, 485
droga, 529, 530, 531, 536, 539,
540, 542
drogadição, 525, 526, 527, 528,
529, 532, 534, 536, 538
drogadições, 524, 526, 527
drogadito, 529, 530, 538, 542
drogaditos, 524, 526, 529, 531,
532, 536
drogas, 114, 374, 527, 528, 529,
535, 539, 540
DSM 3, 447
duplo vínculo, 440
Durand, 40, 325
Eco, 172
economista, 318
ECRO, 145, 146, 147, 149, 154,
399
Édipo, 97, 228
educação, 179, 231, 351, 355, 356,
551
Educação, 285
educação alimentar, 553
Educação Básica, 357
educação em saúde, 400, 554
educação física, 162
educação popular, 55
educação sanitária, 400
educadores, 214, 450
educadores físicos, 486
eficácia clínica, 432, 448
Egos auxiliares, 33, 34
Eigner, 439
Eiguer, 423, 426
eixo horizontal, 161
577
eixo vertical, 161
elaboração, 182, 184, 189, 196,
197, 239, 264, 273, 285, 292,
336, 343, 365, 372, 375, 379,
380, 392, 511, 528, 535, 539,
541
elaboração das ansiedades, 148
elaboração dos sofrimentos, 471
elaboração imaginativa, 272 elaboração imaginativa das funções
corpóreas, 272
elaboração onírica, 241, 243
elaboração psíquica, 491
elaborações, 276, 318, 345, 530,
539
elaborações das angústias, 276
elaborações imaginativas, 272
elemento primitivo do pensamento, 234
elementos , 237, 251, 252
elementos em , 251
elementos alfa, 236, 237, 251
elementos alfa da mãe, 251
elementos beta, 237, 251, 253
Elementos beta, 237
elementos beta do bebê, 251
elementos maternos, 501
elementos persecutórios, 336
elementos primitivos, 246
emergente, 144, 300, 422
emergentes, 152, 289, 470, 496,
551, 558, 562
emergentes grupais, 59, 562
Emílio, 282, 283, 285, 288, 292,
296, 352
empresa, 46, 51, 295, 392
empresas, 45, 59, 212, 235, 356,
432
encontros grupais, 496, 538
enfermagem, 502
enfermeiras, 502
enfermeiro, 56
enfermeiros, 214
enfermidade familiar, 422
enfoque psicanalítico, 425
enfoque relacional-sistêmico, 446
engenheiro, 126
enquadramento teórico, 549, 556
enquadramento teórico-metodológico,
555, 560
enquadre, 80, 84, 215, 217, 295,
297, 353, 356, 359, 360, 464,
466, 467, 470, 532
enquadre grupal, 355
enquadre psicanalítico da cura, 466 enquadre psicanalítico da instituição
psicanalítica, 466
enquadre psicanalítico da supervisão,
466
enquadres, 466, 470, 479, 541
ensino, 55, 59, 65, 67, 73, 84,
157, 178, 284, 399, 400, 552
ensino-aprendizagem, 82, 85, 88,
357, 554
entrevista, 391, 473, 474, 557
entrevistas, 307, 366, 367, 375,
476, 549
Epson, 448
equipamento de saúde pública, 554
equipamentos de saúde mental, 216
equipamentos de saúde pública, 55
equipe coordenadora ou executora, 56
equipe de Nutrição, 553
equipe do hospital psiquiátrico, 455
equipe e da instituição, 464
equipe executora, 89, 562
Equipe executora, 554
equipe gestora, 356
equipe interdisciplinar, 451, 456,
494, 501, 513
equipe médica, 455, 486, 488
equipe multidisciplinar, 486
578
equipe multiprofissional, 56, 464,
465, 466, 476, 477, 478, 479
equipe pedagógica e administrativa,
294
equipe técnica, 309, 464
equipe uniprofissional, 56
equipes de profissionais, 454
equipes interdisciplinares, 494
equipes multi ou interdisciplinares, 533
equipes multidisciplinares, 543
equipes multiprofissionais, 64, 401,
411
Equipes multiprofissionais, 464
equoterapia, 387
Erickson, 424
escola, 141, 295, 334, 358, 375,
376, 378, 394, 396, 400, 401,
409, 411, 464, 512, 552
escola argentina, 39, 420
escola argentina de grupos, 560 Escola de Terapia Familiar do
Hospital de la Santa Creu i Sant
Pau, 443
escola francesa, 35, 420, 426
escola francesa de psicanálise de grupo,
107
Escola Inglesa, 177, 188
escola inglesa de psicanálise, 38
Escola Inglesa e Portuguesa, 186
escola kleiniana, 132
Escola Mara Selvini Palazzoli, 442,
450
Escola Portuguesa, 172, 182
Escola Portuguesa de Grupanálise,
134, 176, 177, 180, 191
escola pública, 552
escola sistêmica, 439 Escola Vasco Navarra de Terapia
Familiar de Bilbao, 443
escolas, 55, 59, 212, 285, 290,
294, 357, 400, 473
escritos teóricos e técnicos, 172
escuta psicanalítica, 384
ESF, 554
espaço de compartilhamento horizontal,
293
espaço de confiança e de acolhimento,
470
espaço de empatia, 478
espaço de escuta aos familiares, 407,
513
espaço de interrelação, 531
espaço de reflexão, 529
espaço de transicionalidade, 369
espaço do grupo, 291, 295, 357
espaço grupal, 358, 359
espaço interno e externo, 226
espaço intersubjetivo, 45
espaço intrapsíquico, 420
espaço intrassubjetivo, 255, 257, 420
espaço lúdico, 345
espaço mental, 395
espaço mental da mãe, 395
espaço para acolhimento dos familiares,
495
espaço potencial, 264, 265, 267,
268, 277
espaço psicanalítico, 365
espaço psíquico, 387
espaço psíquico e social, 527
espaço psíquico transubjetivo, 132
espaço transicional, 267, 271, 290
espaços de reflexão, 495
espaços grupais, 352
espaços psíquicos, 45, 219, 340,
427, 500
espectro autista, 395
Espectro do Autismo, 384
espelhamento, 167, 182, 187, 188,
193, 285
Espelhamento, 186, 188
Espíndola, 509
579
espiral dialética, 90, 227
espontaneidade, 71, 263, 264, 269,
277, 278
Esquizoanálise, 35
establishment, 47, 225, 230, 231,
246
Establishment, 230
estado da mente, 113, 118
estado de sonho da mãe, 238
estado latente, 131
estado mental, 120, 128, 238, 344
estados da mente, 49, 112, 129,
242, 245, 253, 254
estados mentais, 425
estagiário, 357, 477
estagiários, 432, 495, 515
estagiários de psicologia, 496
estágio, 360
estágios, 88
estereótipo, 147, 148
estereótipos, 296, 421, 513, 551
Estereótipos, 537
estratégia clínica, 395
estratégia lúdica, 496
Estratégia Saúde da Família, 554
estratégias clínicas, 508
estratégias de apoio, 493
estratégias de intervenção, 508
estratégias defensivas, 508
Estratégias grupais, 495
estrutura, 44, 69, 143, 144, 146,
536
estrutura de personalidade, 189
estrutura de vinculação, 420
estrutura institucional, 468
estrutura mental, 536
estrutura organizacional, 310
estrutura relacional, 44, 324
estrutura vincular, 143
estruturação vertical, 342
estruturante grupal, 149
estruturas, 138, 298
estruturas defensivas, 121
estruturas vinculares, 134, 149
estudante, 71, 72, 74, 89, 90, 141,
357, 507, 559
estudante de direito, 332
estudante de medicina, 141
estudante do mestrado, 287
estudante indígena, 551
estudante universitária e estagiária,
332
estudantes, 67, 71, 88, 89, 284,
291, 292, 294, 356, 357, 358,
551, 562
estudantes de psicologia, 515
estudantes de psicologia e medicina,
515
estudantes de psiquiatria, 284
estudantes indígenas, 551
Estudantes universitários, 90
estudo teórico, 68, 70
estudos sobre grupos, 351
ética, 57, 62, 65 European Federation for
Psychoanalytic Psychotherapy, 178 European Group Analytic Training
Institutions, 178
evacuação psicótica, 242
execução da tarefa, 469
execução de tarefas, 130
Exército, 102, 103
exogamia, 94, 95, 97, 99
experiência clínica, 327, 384, 411,
514, 525
experiência de mediação, 216
experiência emocional, 44, 45, 46,
109, 128, 234, 241, 243, 244,
325
experiência emocional compartilhada,
43
experiência emocional da cesura, 129
580
experiência emocional primitiva, 233
experiências clínicas, 265
experiências com grupos, 130, 137,
399
Experiências com grupos, 38, 126,
133
experiências emocionais, 236, 251,
411
experiências grupais, 555, 562
Experiências grupais, 357
experiências grupais operativas, 555
experiências pré-verbais, 379
experiências primevas, 270
experiências primitivas, 233
expressões grupais, 550
expressões verbais e não-verbais, 171
extratransferenciais, 330, 343
Ezriel, 31
Factores terapêuticos, 186, 193 Faculdade de Medicina da
Universidade Nova de Lisboa, 175 Faculdade de Medicina de São José do
Rio Preto, 486
falso self, 47, 443
falta, 63, 308, 313, 321, 376,
470, 542
faltas, 63, 190, 321, 324, 331,
345, 359, 366, 376, 411, 470
família, 32, 33, 51, 61, 73, 102,
103, 107, 141, 142, 144, 153,
262, 277, 317, 319, 334, 360,
366, 368, 372, 376, 383, 384,
385, 386, 389, 391, 392, 393,
394, 395, 396, 401, 406, 411,
415, 417, 418, 419, 421, 422,
423, 426, 427, 431, 432, 433,
438, 439, 440, 441,442, 443,
445, 446, 447, 448, 449, 450,
451, 453, 454, 455, 456, 457,
464, 467, 494, 495, 502, 508,
509, 510, 513, 535
família de origem, 442
família extensa, 442
familiar, 227, 230, 365, 366, 383,
384, 385, 393, 400, 401, 402,
473, 494, 501, 508, 510, 513,
526, 535
familiares, 144, 169, 171, 192,
276, 367, 374, 375, 376, 377,
385, 386, 387, 399, 425, 427,
474, 477, 489, 490, 493, 494,
495, 496, 508, 509, 510, 513,
514, 515, 530, 537 familiares de crianças com transtornos
mentais graves, 407
familiares idosos, 487
famílias, 36, 43, 44, 55, 126, 128,
144, 207, 225, 234, 245, 248,
276, 281, 320, 367, 383, 384,
385, 386, 392, 396, 400, 419,
420, 424, 431, 432, 437, 446,
454, 455, 456, 464, 476, 477,
494, 510
fantasia, 109, 117, 119, 132, 210,
213, 237, 253, 267, 272, 289,
307, 367
fantasia de controlar, 116
fantasia de devoração, 499
fantasia de fusão, 342
fantasia do mamilo, 110
fantasia grupal, 83, 131, 137
fantasia inconsciente, 48, 109, 110,
111
fantasia onipotente, 131
fantasia primordial, 387
fantasiar, 272
fantasias, 45, 86, 109, 110, 113,
117, 142, 148, 149, 150, 155,
171, 185, 187, 213, 239, 292,
313, 327, 336, 368, 478
fantasias compartilhadas, 195, 526
fantasias de incorporação, 499
581
fantasias e temores persecutórios, 498
fantasias grupais, 134
fantasias inconscientes, 44, 49, 110,
112, 131, 134, 136, 226, 244,
374
fantasias persecutórias, 112, 152,
292, 346
fantasias primárias, 136
fantasias primitivas, 134
fantasias reprimidas, 331
Faria, 39
fase protomental, 135
fato selecionado, 246, 247, 248
fator de proteção, 535
fator de risco e/ou de proteção, 535
fatores de risco, 537
faxineiras, 314
Feder, 37, 38 Federação Latina das Associações de
Psicanálise de Grupo, 38 Federação Latino-Americana de
Psicoterapia Analítica de Grupo,
36
Federação Portuguesa de Psicoterapias,
178
feminismo, 282
fenômeno do grupo, 167
fenômeno grupal, 137, 168, 210
fenômeno transicional, 261, 267,
268, 269, 275, 277, 502
fenômenos grupais, 49, 90, 157, 242,
281, 287, 290, 326, 327, 335,
352, 357, 358, 371, 472, 496,
506
fenómenos inconscientes, 194
fenômenos protomentais, 135
fenômenos transicionais, 268, 270
Ferenczi, 380
Féres-Carneiro, 422, 423
férias, 353, 360, 366, 379, 533,
542
Fernandes, 44, 45, 46, 50, 53, 58,
63, 72, 73, 75, 76, 77, 80, 81,
82, 85, 91, 120, 127, 129,
130, 133, 134, 136, 137, 164,
179, 229, 230, 236, 238, 241,
250, 253, 256, 283, 284, 285,
286, 288, 291, 292, 294, 295,
296, 309, 310, 325, 329, 330,
342, 343, 345, 347, 351, 356,
365, 373, 374
Fernández, 217, 440, 441
Ferreira, 182
Ferro, 180
Ferschtut, 284
Figueiredo, 126, 231
figuras parentais, 378
filha, 107, 170, 264, 319, 320,
391, 394, 406, 408, 497, 498,
499, 500, 501, 502, 503, 504,
507, 511
Filha, 505
filhas, 500, 511, 533, 535
filho, 95, 238, 262, 273, 333,
334, 391, 395, 408, 409, 410,
411, 478, 502, 505
filho(a), 508, 509, 514
filhos, 69, 88, 95, 144, 235, 240,
327, 336, 385, 394, 396, 407,
408, 410, 438, 442, 451, 477,
491, 500, 537
filhos de alcoolistas, 432
filhos(as), 494, 495, 496, 508, 514
Filipe, 180
filósofa, 318
filosofia, 81, 125, 126
finalidade do grupo, 148
finalidade operativa, 58
finalidade psicoterapêutica, 295, 299,
493
finalidades operativas, 57, 58, 60,
81, 84
582
finalidades operativas ou
psicoterapêuticas, 64, 89
finalidades operativas ou terapêuticas,
48
finalidades psicoterapêuticas, 295
finalidades terapêuticas, 58, 61
fisiatras, 486
fisioterapeutas, 486
fisioterapia, 387, 457
FLAPAG, 36, 38
focal, 323
foco, 55, 56, 62, 158, 306, 307,
308, 358, 496, 532
focos, 56
Fonagy, 179
fonoterapia, 387
Fonseca, 61
fonte da comunicação, 50
forma de comunicação, 166
forma de comunicação predominante,
379
forma lúdica, 498
formação, 59, 62, 64, 67, 68, 69,
70, 71, 72, 74, 79, 80, 81, 83,
84, 85, 86, 88, 89, 90, 157,
176, 177, 178, 180, 191, 209,
217, 284, 285, 288, 289, 338,
355, 357, 399, 412, 415, 418,
421, 422, 423, 425, 429, 431,
432, 438, 439, 442, 453, 455,
515, 561
Formação, 64, 443, 455
formação acadêmica, 562
formação de recursos humanos, 561
formação do psicoterapeuta, 431
Formação do psicoterapeuta de casal,
431
formação do psiquismo, 239
formação médica, 515
formação pessoal, 178
formação profissional, 191
formação psicanalítica, 68
formação teórico-técnica, 442
formação universitária, 561
formas clínicas, 527
formas de comunicação, 155, 243,
378
Fotolinguagem, 289
Foulkes, 31, 35, 81, 158, 159,
160, 161, 162, 163, 164, 165,
166, 167, 168, 169, 170, 171,
172, 175, 176, 177, 178, 180,
182, 187, 189, 193, 194, 197,
200, 341
Fraenkel, 417, 424, 425, 430
Framo, 446
Franco, 285
Franco Filho, 39, 81, 129, 130,
352
Frazer, 94, 96
Freud, 31, 45, 81, 93, 94, 95, 96,
97, 98, 99, 100, 101, 102,
103, 104, 105, 106, 107, 108,
111, 116, 121, 126, 127, 128,
133, 137, 141, 142, 159, 180,
209, 211, 212, 218, 226, 232,
239, 248, 253, 261, 263, 266,
324, 326, 327, 331, 346, 355,
379, 385, 483, 484
Fromm, 440
frustração, 47, 111, 127, 132, 133,
183, 232, 313
Fuks, 524, 525, 530, 531, 534,
536
Fulgêncio, 262, 272
função, 236
Função, 191
função , 238, 252
função alfa, 236, 238, 239, 249,
251
função alfa da mãe, 238
função analítica, 342
583
função catártica, 512
função continente, 195, 470
função continente do grupo, 352
função da personalidade, 236
função de apoio, 170
função de continência, 238, 239, 464,
467
função de holding, 373
função de interdição, 406
função de leitor do grupo, 298
função de pensar, 236, 292
função de terceiro, 532
função de um psicoterapeuta, 454
função do analista, 226
função do coordenador, 148
função do grupo, 135
função do grupo como continente, 525
função do pensar, 228
função do terapeuta, 137
função do vínculo, 357
função dos coordenadores, 300
função interpretativa, 191
função materna, 405, 467
função no grupo, 354
função parental, 502
função protetora, 501
função psicanalítica da personalidade,
71, 251, 526
Função psicanalítica da personalidade,
225, 226
função terapêutica, 532, 538
função vinculadora, 46
funcionamento dos pais como casal,
424
funcionamento emocional, 511
funcionamento familiar, 510
funcionamento grupal, 137, 539
funcionamento mental, 181
funcionamento patológico do psicótico,
256
funcionamento predominantemente
psicótico, 504
funcionamento psicodinâmico, 53
funcionamento psicótico, 503
funções corporais, 272
funções corpóreas, 272
funções da supervisão, 73
funções do corpo, 272
funções do psicoterapeuta, 341
funções intermediárias, 527
funções terapêuticas, 193
Galimberti, 443, 444
Ganzaraín, 37
Garbarino, 38
gastrostomia, 503
gêmeo, 387, 391
gêmeos, 383, 386, 387, 393
gênero, 54, 421, 423, 536
genograma, 427, 442
Gerber, 126, 231
gestação, 270, 275, 385, 472, 554
Gestalt, 175, 249, 486
Gestalt-terapia, 61, 81
gestante, 270
gestantes, 59, 472, 554
Gevet, 429, 430
Ginot, 367, 369
Giovacchini, 262
Giraldo, 443, 451, 452
Gomes, 419, 420, 423, 426, 427,
428, 429, 431
Gondim, 473
Gonzaga, 501
González, 37
Goolishan, 448
Goulart, 493, 504
graduação, 88, 89, 559, 561
Graña, 262
GRATA, 494, 495, 506, 508
gratidão, 47, 80, 119, 121, 337,
343, 506
584
Gratidão, 121
gravidez, 391, 456
Green, 500
Grinberg, 38, 73, 230, 241, 254,
256, 257, 328
Grinker, 305
Groisman, 422
Grotjahn, 31
Group Analytic Society, 175
Group Analytic Society International,
178
Grunspun, 371, 372
grupalidade, 36, 48, 81, 111, 126,
137, 239, 301, 323, 330, 340,
515, 563
grupanálise, 32, 61, 157, 158, 160,
161, 162, 171, 175, 176, 177,
178, 179, 180, 187, 190, 191,
193, 195, 196, 197
Grupanálise, 172
Grupanálise – teoria e técnica, 175
grupanálise multifamiliar, 179
grupanalista, 175, 182, 183, 184,
187, 191, 192, 193, 261, 275
Grupanalista, 183
grupanalistas, 76, 157, 177, 180,
184, 192, 330
grupo aberto, 54, 353, 359, 360,
496
grupo analista, 354
grupo breve, 56, 306, 307, 308,
471
grupo com crianças, 463, 468
grupo com finalidade operativa, 64
grupo com finalidades de pesquisa, 61
grupo com os familiares, 496
grupo como dispositivo de intervenção,
294
grupo como espaço de singularização,
217
grupo como suporte, 194
Grupo da cozinha, 310
Grupo da horta, 311
grupo da instituição, 317
Grupo da jardinagem, 310
grupo de adolescentes, 62
Grupo de adolescentes, 373
grupo de adultos, 360
Grupo de adultos, 318
grupo de adultos/pais, 360
grupo de apoio psicológico, 493, 495 Grupo de Assistência em Transtornos
Alimentares, 494
Grupo de boas-vindas, 311
grupo de cooperação mútua, 75
grupo de crianças, 368, 402, 408,
474, 477
grupo de crianças e adolescentes, 360
grupo de discussão, 281, 282, 283,
286
Grupo de Discussão, 287
grupo de discussão online, 282
grupo de estudantes, 291
grupo de estudos, 36, 40 Grupo de Estudos de Psicoterapia
Analítica de Grupo do Pará, 40
Grupo de Estudos do Pará, 40
grupo de familiares, 402, 408, 477
grupo de familiares de crianças, 407
grupo de finalidade operativa, 59
grupo de inspiração psicanalítica, 62
grupo de jovens, 285
grupo de longo termo, 56
grupo de orientação, 477, 478 grupo de orientação clínico-nutricional
aos familiares, 495
grupo de orientação ou temático, 471
grupo de pacientes, 515
grupo de pacientes crônicos, 489
grupo de pais e familiares, 477 grupo de pais ou familiares de
adolescentes, 477
585
grupo de pais ou familiares de crianças
autistas, 477
grupo de pesquisa, 62, 562, 563
grupo de psicoterapia, 536
grupo de psicóticos, 380
grupo de referência, 330
grupo de reflexão, 281, 282, 283,
285, 286, 472
Grupo de Reflexão, 290, 291
grupo de reflexão e discussão, 283
Grupo de Supervisão, 73, 75, 76,
77, 78, 79, 80, 562
grupo de suposição básica, 133
grupo de suposto básico, 132
Grupo de terapia ocupacional, 310
grupo de trabalho, 130, 132, 133,
136
Grupo de Trabalho, 75, 230
grupo familiar, 144, 194, 197, 384,
395, 396, 418, 422, 424, 427
grupo fechado, 54, 353, 359
grupo idealizado, 470
grupo institucional, 230, 470
grupo interno, 136, 182, 195
grupo multifamiliar, 494, 495, 496,
502, 504, 507, 513, 514
grupo na instituição, 472, 475
grupo operativo, 58, 149, 150, 221,
288, 551, 552, 553, 555, 556,
559, 560, 561, 563
Grupo operativo, 551, 552, 553,
554
Grupo Psicanalítico de Discussão,
288, 295, 296, 298, 299, 300
grupo psicanalítico de reflexão, 283
Grupo Psicanalítico de Reflexão, 288,
291, 299, 300
grupo psicoeducativo multifamiliar,
493
grupo real, 470
grupo reflexivo, 283
grupo terapêutico, 365
grupos abertos, 163, 306, 471, 472,
534
Grupos abertos, 472
grupos abertos ou fechados, 64, 317
grupos Balint, 59, 179
grupos breves, 305, 308, 360, 471
Grupos breves, 472
grupos com crianças pequenas, 471
grupos com diferentes finalidades, 282 grupos com familiares de crianças com
transtornos mentais graves, 407
grupos com finalidades de pesquisa, 61,
62
Grupos com finalidades de pesquisa,
61
grupos com finalidades operativas, 58,
67
Grupos com finalidades operativas, 58
Grupos com finalidades terapêuticas,
60
grupos com foco ou tempo limitado,
305
grupos com longa duração, 121
grupos com pacientes internados, 61,
313 grupos com tempo e/ou objetivos
limitados, 305
grupos de acolhimento, 59, 472
grupos de adolescentes e jovens adultas,
534
grupos de adultos, 474
grupos de alcoólicos anônimos, 523
grupos de alcoolistas, 486
grupos de alcoolistas e drogaditos, 533
grupos de apoio psicológico, 495
grupos de autoajuda, 59
grupos de convivência, 59
grupos de crianças, 366, 467, 477
grupos de crianças autistas, 476
586
grupos de crianças com transtornos
graves, 402, 405
grupos de diagnóstico, 59
grupos de discussão, 282
grupos de educação, 553
grupos de familiares, 407, 411
grupos de familiares de crianças, 410
grupos de longo prazo, 358
grupos de mães, 400
grupos de maternagem, 479
grupos de mediação, 214, 216
grupos de mulheres, 476
grupos de orientação, 59, 399, 472 grupos de orientação de pais ou
familiares, 477
grupos de pacientes psicóticos, 476
grupos de pais, 410
grupos de pressupostos básicos, 180
grupos de psicoterapia, 534, 535, 536
grupos de reflexão, 68, 282, 285,
290, 478
Grupos de Reflexão, 83
grupos de supervisão, 562
grupos de supostos básicos, 137
grupos de trabalho, 179, 523
Grupos e configurações vinculares, 40
grupos educativos, 471
Grupos em comunidades terapêuticas,
309
Grupos em instituições, 214
grupos em instituições de saúde, 410
grupos experienciais, 179
grupos fechados, 163, 306
grupos focais, 64
grupos heterogêneos, 54
grupos homogêneos, 54, 323, 463,
475
grupos institucionais, 356, 357, 358
grupos internos, 134
grupos na internet, 179
grupos nas instituições, 461
grupos on-line, 179
grupos operativo, 58, 309, 399, 461
Grupos Operativo, 59, 70, 82
grupos operativos, 55, 58, 59, 60,
61, 84, 143, 145, 146, 150,
154, 285, 287, 288, 293, 296,
297, 300, 309, 351, 358, 411,
422, 486, 547, 548, 550, 552,
553, 555, 560, 561, 563
Grupos operativos, 563
Grupos Operativos, 83, 281, 283,
284
Grupos operativos e(m) pesquisa, 550 Grupos para tratamento de transtornos
alimentares, 55
Grupos Psicanalíticos de Discussão,
59, 82, 84, 231, 285, 286,
292, 294, 295, 296, 297, 298 Grupos Psicanalíticos de Discussão e de
Reflexão, 281, 283, 288, 317
grupos psicanalíticos de reflexão, 59,
70, 81, 231
Grupos Psicanalíticos de Reflexão, 84,
284, 285, 288, 289, 291, 292,
294 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de
Discussão, 283, 284, 300 Grupos psicanalíticos de reflexão e
discussão, 83 Grupos psicanalíticos de Reflexão e
Discussão, 70, 82 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e
Discussão, 59
grupos temáticos, 58
grupos terapêuticos, 107
grupos vivenciais, 357
grupoterapeuta, 69, 72, 79, 81, 86,
87, 332, 352, 359, 360, 373,
563
grupoterapeutas, 76, 79, 86, 284,
285, 288, 340, 360
587
grupoterapia, 61, 70, 86, 195, 318,
323, 332, 351, 359, 361, 463
grupoterapia breve, 61, 358
grupoterapias, 61
guarda dos filhos, 530
Guattari, 35
Gurfinkel, 536
Gurman, 306, 416, 417, 418, 419,
421, 424, 425, 427, 429, 430,
432
Gvozd, 283
Hacking, 507
Haley, 424
Han, 68
Hassan, 313
HDI, 401
Heimann, 327, 328
heranças familiares, 426
Herman, 450
Hiluey, 454, 455, 456
Hintz, 422
hipertensos, 59
história da terapia familiar, 439
história familiar, 426
história moderna, 126
histórias familiares, 396
Hochgraf, 527, 528, 537, 538
holding, 261, 274, 275, 276, 277,
467, 502
Holding, 274, 275
homem, 93, 94, 95, 137, 274, 487,
505, 527, 528, 537, 555
homem do totem alfa, 96
homem moderno, 137
homem primitivo, 101
homens, 95, 104, 126, 137, 318,
354, 355, 537, 538
homens e mulheres, 314
Homens e mulheres dependentes, 537
homens maduros, 94
homens primitivos, 93, 96, 134
homeostase do grupo, 352
homeostase familiar, 418
horda primeva, 98, 101, 106
horda primitiva, 94
horizontalidade, 152
horizontalização de saberes, 293
Hospício de Las Mercedes, 144
hospitais, 59, 356, 487
hospitais-dia, 61
hospital, 32, 36, 78, 371, 500
Hospital, 144, 456 Hospital de Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo, 494 Hospital de Neuropsiquiatria de
Buenos Aires, 36
Hospital Militar de Northfield, 175
Hospital Northfield, 126
hospital psiquiátrico, 127, 284, 455,
456 Hospital-Dia em Saúde Mental
Infantil, 401
hospital-escola, 515
hostil, 118, 147, 170, 253, 535
hostilidade, 103, 104, 118, 230,
254, 313, 498, 500, 504, 532
Hur, 551
IAGP, 36
IASP, 485
idealização, 113, 115, 118, 119,
196, 212, 540
Idealização, 115
ideias latentes, 379
ideias persecutórias, 361
identificação, 69, 74, 76, 87, 97,
98, 104, 105, 117, 188, 195,
275, 277, 326, 352, 525, 531,
538
Identificação, 104
identificação projectiva, 196
588
identificação projetiva, 113, 116,
117, 118, 119, 234, 237, 245,
249, 252, 253, 255, 325, 326,
327, 425, 498
Identificação projetiva, 116
Identificação Projetiva, 117
identificação projetiva patológica, 254
identificações, 196, 365, 379, 426,
490, 526
identificações projectivas, 188
identificações projetivas, 70, 86, 117,
236, 238, 322, 328, 336, 337,
525
identificações projetivas do bebê, 238
idosos, 53
Igreja, 102
ilusão de onipotência, 267, 276
ilusão grupal, 205, 210, 211, 212,
213, 216
ilusão onipotente, 266, 269
impedindo a comunicação, 385
impulsos amorosos e destrutivos, 499
inconsciente coletivo, 167
inconsciente do analista, 328
inconsciente do grupoterapeuta, 373
inconsciente grupal, 171
inconsciente no grupo, 162
inconsciente social, 162, 314
inconscientemente transmitido, 386
inconscientes familiares, 386
independência, 273, 343, 502, 509
independência absoluta, 273, 274,
275
indicação, 86, 358, 384, 474
Inem, 529
infância, 116, 127, 128, 141, 195,
268, 324, 374, 387, 400, 412,
437
infância precoce, 271
insight, 130, 181, 193, 365, 368,
372, 375
insights, 318
institucional, 220, 227
institucionalismo, 208
instituição, 35, 39, 51, 61, 63, 88,
108, 169, 281, 286, 287, 288,
290, 291, 292, 293, 294, 300,
309, 310, 311, 317, 368, 407,
428, 461, 462, 463, 464, 465,
466, 467, 468, 469, 473, 474,
476, 478, 480, 533
instituição continente, 468
instituição de ensino, 357
instituição de saúde, 399
instituição de saúde mental, 144
instituição de tratamento, 541
instituição família, 462
instituição formadora, 285, 291
instituição psicanalítica, 524
instituição pública, 515
instituição pública de saúde, 399
instituição religiosa, 162, 285
instituição universitária, 62, 89, 361,
559
instituições, 36, 39, 43, 44, 47, 54,
56, 59, 62, 64, 67, 82, 89, 93,
97, 104, 126, 129, 177, 205,
208, 212, 214, 220, 225, 229,
234, 248, 289, 294, 351, 356,
362, 411, 419, 461, 462, 463,
464, 467, 473, 477, 480, 527,
533, 537, 538, 540
instituições de ensino, 356
instituições de formação, 285
instituições de saúde, 220, 351, 495
instituições de saúde pública, 231
instituições educadoras, 231
instituições formadoras, 88, 290, 428
instituições psiquiátricas, 214
instituições psiquiátricas tradicionais,
231
instituições públicas, 55, 356
589
instituições públicas de saúde, 402,
411, 412
instituições públicas e privadas, 361
instituições religiosas, 462
Instituto Abuchaim, 40
Instituto Borda, 285
Instituto de Pesquisa Mental, 424 Instituto de Pesquisa Mental de Palo
Alto, 418
Instituto de Psicologia da USP, 431 Instituto de Técnicas Grupais da
Associação Argentina de Psicologia
e Psicoterapia de Grupo, 284
Instituto Pichon-Rivière, 175
integrantes da equipe, 456
interação mãe-bebê, 69
interações vinculares, 43
interdisciplinar, 543
interdisciplinares, 464
interferência, 325
interior do corpo da mãe, 116
internalizações bebê-seio, 134 International Psychoanalytic
Association, 176
internet, 57, 68, 376
interpretação, 127, 150, 151, 159,
161, 162, 176, 181, 184, 185,
186, 196, 213, 219, 241, 243,
245, 247, 250, 291, 321, 338,
341, 342, 343, 347, 445, 491,
559, 560, 562
Interpretação, 151, 340, 342
interpretação da transferência no grupo,
160
interpretações, 34, 63, 71, 121, 130,
172, 184, 185, 192, 216, 217,
263, 268, 290, 297, 318, 338,
341, 343, 344, 345, 346, 426,
547
intersubjetiva, 44
intersubjetividade, 218, 420, 428,
531
intersubjetivo, 232, 427, 428
intervenção clínica, 430
intervenção grupal, 62, 351, 496,
514
intervenção grupal em instituições, 355
intervenção institucional, 355
intervenção psicológica grupal, 359 intervenção psicológica grupal de longo
prazo, 360 intervenção psicoterapêutica para
crianças e adolescentes, 455
intervenção/pesquisa, 89
intervenções grupais, 88, 89, 288,
351, 555
intervenções psicológicas em grupo, 494
intervenções psicológicas grupais, 351,
356, 357
Intervenções técnicas, 192
intolerância à frustração, 254, 331
intolerância ao contato, 253
intolerância às diferenças, 104
intrasubjetiva, 44
intrasubjetivo, 427
introjeção, 117, 118, 142, 226, 374
Introjeção e projeção identificativas,
118
introjeção identificativa, 113, 118
Introjeção identificativa, 117
introjeção-projeção, 118
invariância, 229, 242
invariâncias, 243
inveja, 49, 87, 117, 121, 196, 252,
254, 255, 329, 343
investigação psicanalítica, 101
irmã, 95, 392, 393, 394, 438
irmão, 95, 102, 320, 322, 387,
390, 394, 395, 438
irmãos, 98, 99, 100, 102, 169,
438, 442
590
irmãs, 95, 262
Isaacs, 110
Jackson, 418, 424
Johnson, 416
Jones, 447
Jornada Relates, 442
Judiciário, 221, 412
Jung, 31, 61
Kaës, 35, 44, 61, 81, 160, 161,
206, 210, 211, 213, 214, 215,
216, 217, 218, 219, 238, 239,
298, 379, 420, 426, 463, 464,
466, 527, 528
Kalina, 527, 528, 529
Kanner, 39
Karterud, 314
Kartrud, 179
Kemper, 37
Kernberg, 74, 80
Kesselman, 305
Khan, 265
Klapman, 207
Klein, 31, 81, 107, 108, 109, 110,
111, 112, 113, 116, 117, 118,
121, 126, 127, 134, 147, 226,
232, 246, 247, 261, 262, 263,
306, 307, 308, 321, 322, 325,
326, 327, 330, 374
Kohut, 196
Koinonia, 186, 189
Kovadloff, 527, 528, 529
Kreling, 493
Krystal, 541
laços familiares e comunitários, 412
laços libidinais, 103, 105
Lampis, 513
Lane, 498, 499, 500, 512
Lapassade, 208
Laplanche, 115, 142, 291
latente, 152, 526
latentes, 190
Laufer, 528
Lazell, 31, 33
Le Bon, 100, 101, 133
Leal, 180, 182, 186, 330
Lebovici, 383
Lebrun, 483
lei do divórcio, 416
Leonidas, 494, 499, 501, 503,
504, 513
Leszcz, 194
Levisky, 423
Lévy, 68
Lewin, 31, 145, 206, 208, 209,
210, 213, 486
Leys, 494
líder, 32, 33, 94, 103, 104, 106,
115, 131, 132, 133, 152, 308,
313
líder carismático, 131
líder de grupo de pesquisa, 563
líder de mudança, 153
Líder de mudança, 153
líder de suposto básico, 132
líder do grupo, 133, 562
líder do grupo de suposto básico, 132
líder do grupo de trabalho, 132
líder grupal, 126
liderança, 126, 132, 133, 180, 418
liderança da resistência à mudança,
154
liderança tipo laissez faire, 336
líderes, 102, 116, 418, 432
Lidz, 446
Lima, 524, 525, 530, 531, 534,
536
Linares, 438, 440, 442, 443, 444,
445, 448, 449, 450, 451, 452,
455
linguagem simbólica, 136
linguagem verbal, 385
Lipovetsky, 527
591
livre comunicação associativa, 324
livre conversação, 263
livre participação circulante, 161, 162
livre-associação de ideias, 159, 160,
161, 187, 290, 533
lixo psíquico, 352
London University, 175
Lorentzen, 181, 194
Lourou, 35
lúdico, 384, 454
ludoterapia, 471
Luz, 40, 361
Lyke, 494
Lyons, 450
MacDougall, 101
Macedo, 421, 422, 423
Mackenzie, 307
mãe, 33, 81, 95, 97, 100, 104,
111, 114, 116, 117, 118, 120,
128, 131, 144, 218, 238, 245,
249, 262, 267, 269, 270, 271,
273, 275, 278, 320, 327, 334,
378, 387, 388, 389, 390, 391,
392, 393, 394, 395, 409, 411,
453, 476, 497, 498, 499, 500,
502, 503, 504, 506, 507, 512
Mãe, 392, 497, 498, 500, 501,
502, 503, 505, 506, 507, 508,
509, 510, 511, 512
mãe adotiva, 275
mãe boa, 114
mãe da paciente, 497
mãe devotada, 271, 275
mãe devotada comum, 270
mãe e bebê, 238, 239
mãe fálica, 499
mãe má, 114
mãe morta, 500
mãe suficientemente boa, 261, 269,
270, 273, 274
Mãe suficientemente boa, 269
mãe/terapeuta, 327
mãe-aranha, 498, 499
mãe-bebê, 266
mãe-cobra, 498, 503
mães, 263, 411, 477, 478, 498,
500, 533, 535, 537
mães de crianças autistas, 478
mães e filhas, 535
mães e filhos, 169
mães e pais, 508
mães geladeiras, 411
mãe-universo, 387
Mailhiot, 308
Maireno, 89
mal-entendido da comunicação, 251
mal-estar do bebê, 411
mamãe, 389, 390
manejo do grupo, 538
manejo técnico, 297
Manfrida, 446, 447, 448
manifestações clínicas, 131
manifestos, 162, 190, 331
Manochio, 493
Mantovani, 164, 169
Manual de Diagnóstico Psiquiátrico,
447
Marangoni, 535
Maré, 189
Marques, 186
massa, 93, 100, 101, 102, 103,
104, 106, 146
Massa, 100
massa primária, 105
massas, 102, 103, 106, 116, 126
Mataresi, 288
matemática, 236
materiais lúdicos, 467
material inconsciente, 162, 193
material latente, 127, 233
maternagem, 270, 479, 507
maternalismo, 507
592
maternidade, 538
matriz, 135, 176, 180, 405
Matriz, 165, 185, 186
matriz de grupo, 330
Matriz de grupo, 165
matriz do grupo, 188
matriz grupal, 171
Matriz Grupal, 165
matriz grupanalítica, 191, 193
matriz interna grupal, 134
matriz inter-relacional interna, 182
Matriz inter-relacional interna, 181 Matriz Inter-Relacional/Relacional
Interna, 186
matriz pessoal de grupo, 181, 182,
197
Matriz Pessoal de Grupo, 186
matriz relacional, 365
matriz relacional interna, 182, 186,
330
matriz somatopsíquica, 387
matriz vincular, 330
matrizes, 135
matrizes familiar e sociocultural, 191
matrizes vinculares, 134, 241, 325,
330, 374
Matrizes vinculares, 325
Matsen, 494
Maturana, 447
Maudsley Hospital, 175
McDougall, 354, 387, 485
mecanismo, 113, 115, 117, 249,
539
mecanismo de defesa, 115
mecanismo mental, 272
mecanismos, 116, 246, 247, 251,
374
mecanismos de defesa, 77, 110, 112,
113, 118, 119, 136, 181, 226,
242, 272, 530
mecanismos de defesa primitivos, 193
mecanismos defensivos, 532
mecanismos esquizoides, 115
mecanismos inconscientes, 136, 249
mecanismos psíquicos, 110
mecanismos transferenciais, 533
mediações, 216
mediações de próteses, 216
medicamentos, 313, 485
medicina, 284, 456, 457, 507
medicina psicossomática, 243
médico, 262, 469
médicos, 55, 214, 314, 358, 387,
450, 455, 485, 487, 489, 490
Mélega, 383
Mellita, 107
Mello Filho, 81, 262, 329
membros da equipe, 294, 464, 465,
533
mentalidade, 127
mentalidade de grupo, 130
mentalidade de grupo de trabalho, 137
mentalidade do grupo, 130
mentalidade grupal, 130
Mentalidade grupal, 130
mentalidade primitiva, 127, 137
mentalidades grupais, 137
mente do analista, 347
mente grupal, 113
metacomunicação, 50
metaenquadre, 466
metapsicologia, 483
método da pesquisa, 549
método de Pratt, 32
Método didático, 33
método psicanalítico, 130
Método psicanalítico, 34
Método psicodramático, 33
Método repressivo, 32
método terapêutico, 175
metodologia científica, 549, 555
593
metodologias científicas, 548
metodologias de pesquisa, 548
métodos grupais, 524
Mezan, 111
Michaelis, 309
Minayo, 554, 560
Ministério da Educação, 55
Minuchin, 418, 424, 447
mito, 45, 94, 98, 130, 132, 136,
554
mito da horda primitiva, 93
mitologia, 500
mitos, 228
modalidade clínica, 433
modalidade grupal, 351
modalidade técnica, 448
modalidades grupais, 295, 362
modelo comportamental, 447
modelo continente-conteúdo, 44, 246,
249
modelo de identificação, 100
modelo mãe-bebê, 131
modelo psicodinâmico, 440
modelo radical construtivista, 447
modelo terapêutico, 451
modelo tripartipe, 164
modelos de comportamento, 186
Modernidade líquida, 68
Moguillansky, 439
Mom, 37
Money-Kirle, 262
Moreno, 33, 61, 206, 208, 209,
210, 213, 486
Morin, 441
Moura, 501
Mozeika, 40
mudança catastrófica, 229, 230, 231,
232
Mudança catastrófica, 225, 229
mudança estrutural no grupo, 229
mudanças estruturais, 534
mudanças no “conhecimento relacional
implícito”, 185
mulher, 96, 97, 240, 318, 333,
416, 418, 438, 487, 534, 537,
538
mulheres, 54, 95, 96, 98, 99, 276,
339, 501, 536, 537, 538
mulheres da tribo, 96
mulheres dependentes, 538
mulheres jovens, 282
mundo do bebê, 271
mundo externo, 108, 109, 134, 226,
266, 267, 268, 269, 271, 274,
276, 327, 387, 445, 532
mundo externo e interno, 110
mundo interno, 45, 49, 109, 142,
143, 151, 266, 267, 271, 272,
274, 327, 330, 366, 370, 372,
427, 532, 541, 542
mundo interno e externo, 58, 108,
154, 532
mundo psicótico, 107, 238
Munhoz, 39, 129, 130, 136, 137
Mushquash, 494
narcisismo, 47, 70, 72, 73, 74, 81,
87, 104, 106, 130, 147, 181,
211, 220, 251, 257, 343, 347,
527
narcisismo de morte, 499, 505
narcisismo do grupo, 211
narcisismo do terapeuta, 84, 342
Narvaz, 495
nascimento do bebê, 270
Nasio, 485
Natureza, 191
natureza humana, 278
Natureza humana, 264
necessidades familiares, 424
Neder, 422
negação, 113, 115, 116, 118, 120,
231, 256, 297, 530, 531
594
Neri, 352
NESME, 39, 40, 82, 85, 281,
286, 287, 288, 289, 290, 293,
298, 300, 422
Neto, 72, 76, 78, 85, 177, 179,
180, 181, 183, 188, 193, 196,
347
neurologia, 400
neurologista, 489
neurologistas, 486
neurose, 216
neurose de transferência, 176
neuroses, 97
neuroses de transferência, 184
neurótica, 536
neuróticos, 329
Nichols, 417, 418, 419, 421, 424,
432
Nicoletti, 493
Nitsun, 180, 190
níveis de comunicação, 164
Níveis de comunicação, 186
níveis de funcionamento, 130
níveis de funcionamento grupal, 132,
134, 137
Níveis de funcionamento grupal, 130 níveis de funcionamento grupal de
trabalho e de supostos básicos, 342
níveis de funcionamento mental, 235 nível consciente de funcionamento
grupal, 131
nível de atenção à saúde, 59
nível de comunicação, 187
nível de comunicação associativa, 187 nível de comunicação verbal e não
verbal, 402 nível de experiência subjectiva
individual, 187
nível de experiência subjectiva múltipla,
187
nível de funcionamento, 135
nível de funcionamento dos grupos, 130
nível de funcionamento grupal, 75,
130, 131, 230 nível de funcionamento grupal de
dependência, 82, 293 nível de funcionamento grupal de
Pressupostos básicos, 53 nível de funcionamento grupal dos
supostos básicos, 134
nível de grupo de pressupostos básicos,
131 nível de grupo de supostos ou
pressupostos básicos, 135
nível de grupo de trabalho, 134, 137,
230
nível de Grupo de trabalho, 53
nível de sociabilidade grupal, 405
nível de suposto básico, 136
nível de Supostos Básicos, 230
nível dos pressupostos básicos, 136
nível inconsciente de funcionamento,
115
nível organizado de sociabilidade, 405
nível primitivo da organização do self,
69
nível psicótico de funcionamento mental,
254
no atendimento a psicóticos e crianças,
446
Núcleo de Apoio à Saúde da Família,
473 Núcleo de Estudos em Saúde Mental e
Psicanálise das Configurações
Vinculares, 39, 178, 281, 422
núcleo familiar, 510, 513
núcleos familiares, 507
Nussbaum, 439
nutrição, 495
nutrição relacional, 444
nutricionista, 553
nutricionistas, 495
595
nutrologia, 495
nutrólogos, 495
o amor aos pais e aos filhos, 101
O aprender com a experiência, 257
O campo grupal, 206
o homem primitivo, 106
obesos, 526
objetivos grupais, 356
objeto transicional, 267, 268, 269,
276, 277
Objeto transicional, 265
objetos bizarros, 253, 254, 255, 256
objetos e fenômenos transicionais, 261
objetos imaginários, 342
objetos maus, 236
objetos mediadores, 205, 215, 216,
217, 218
objetos originais, 268, 372
objetos transicionais, 267, 268, 271,
275
observação de bebês, 266, 373
observação lúdica, 474
observação participante, 549, 554
observador participante, 298
Observador participante, 84
obstetra, 391
ódio, 45, 46, 109, 121, 132, 233,
238, 249, 253, 254, 255, 273,
327, 331, 333, 335, 361, 499
ódios, 290
odontologia, 287
oficinas temáticas, 472
oficinas terapêuticas, 411, 472
Oficinas terapêuticas, 472
Olievenstein, 530, 538, 541
Oliveira, 37, 40, 89, 493, 496,
535
Oliveira Jr., 290, 291
Oliveira-Cardoso, 493, 494, 496,
511
oncológicos, 486
ONG, 169, 351, 356, 462
Ordem dos Psicólogos Portugueses,
177, 178
Organização Não Governamental,
169
orientação psicodinâmica, 419
origem da demanda, 62
ortopedistas, 486
Osório, 81, 285, 352, 355, 422,
427
Outeiral, 262
paciente, 32, 33, 34, 35, 69, 70,
74, 80, 116, 122, 125, 143,
144, 158, 159, 160, 162, 183,
192, 227, 231, 237, 238, 240,
241, 244, 251, 255, 263, 264,
265, 269, 270, 276, 277, 278,
291, 306, 312, 314, 324, 325,
326, 327, 328, 372, 379, 385,
391, 401, 403, 407, 427, 446,
447, 448, 449, 450, 451, 455,
456, 467, 495, 503, 508, 509,
513, 525, 528, 530, 535, 538,
539
paciente psicótico, 238, 256
pacientes, 31, 32, 33, 34, 49, 54,
59, 60, 61, 62, 63, 67, 71, 74,
76, 77, 80, 82, 86, 87, 90,
108, 112, 122, 126, 129, 145,
147, 163, 169, 171, 191, 192,
212, 218, 227, 229, 231, 232,
234, 239, 241, 244, 248, 250,
252, 255, 263, 268, 270, 277,
284, 287, 307, 308, 309, 310,
311, 312, 313, 314, 317, 323,
324, 325, 326, 327, 328, 329,
341, 342, 344, 347, 359, 360,
361, 379, 380, 386, 421, 432,
438, 448, 455, 466, 471, 478,
484, 485, 486, 487, 488, 489,
490, 493, 494, 495, 496, 500,
501, 503, 511, 513, 523, 524,
596
525, 531, 533, 534, 535, 536,
538, 539, 540, 541, 542, 543
Pacientes, 486
pacientes alcoolistas, 536
pacientes alcoolistas e drogaditos, 526
pacientes com TAs, 494
pacientes dependentes de outras drogas,
536
pacientes drogaditos, 524
pacientes mulheres, 533
pacientes psicóticos, 420, 439
pacto narcísico, 463
padrão, 180, 191
padrão de interação no grupo, 166
padrão de relacionamento fusional, 503
Padrão do grupanalista, 186, 191
padrão familiar, 418
padrão grupanalítico, 186
padrões comportamentais, 309
padrões de comportamento, 309
padrões de interação, 427, 430
padrões de relacionamento, 510
padrões de relações familiares, 496
padrões de resolução de conflito, 430
padrões relacionais, 182, 197, 424
Padrões rígidos de interação familiar,
510
padrões tóxicos de convivência familiar,
514
padrões vinculares, 395
pagamento, 276, 308, 324, 331,
359, 366, 376
Pagés, 40
pai, 33, 95, 97, 98, 100, 103,
104, 126, 141, 144, 149, 262,
319, 320, 333, 334, 335, 336,
387, 388, 389, 390, 391, 393,
394, 395, 406, 438, 453, 507,
511
Pai, 509, 510, 512
pai primevo, 97, 98
pai primitivo, 98
pais, 69, 88, 134, 141, 264, 278,
320, 333, 336, 360, 366, 376,
378, 385, 386, 387, 389, 390,
392, 393, 394, 396, 432, 438,
442, 451, 474, 507, 509, 511
pais das crianças, 367
pais de pacientes, 447
pais e familiares, 477
pais e filhos, 386
pais e irmão, 387
pais intelectuais, 411
pais separados, 452
Paiva, 37, 39
Palazzoli, 424, 446
Palma, 494
papai, 388, 389, 390
papel familiar, 537
parentalidade, 507
parte não psicótica da personalidade,
250, 253, 258
parte psicótica, 505
parte psicótica da personalidade, 238,
243, 250, 254, 255, 256, 257
partes psicótica e neurótica, 251
partes psicóticas, 257
partilhar vivências, 557
paternidade, 432
patologia da comunicação, 195, 525
patologia da posição esquizo-paranoide,
228
patologia de estilo, 343
patologia familiar, 427
patologias do narcisismo, 527
patologias do vazio, 528
Patrick, 189
Paz, 535
pediatra, 263
pediatria, 263
Pelosi, 40, 88, 117
597
pensamento horizontal e democrático,
294 pensamento psicanalítico francês de
grupo, 219
pensamento verbal, 256
pensar, 50, 60, 63, 71, 76, 79, 80,
82, 85, 107, 110, 120, 121,
125, 148, 149, 150, 157, 172,
189, 206, 210, 212, 214, 219,
225, 226, 227, 228, 229, 232,
233, 234, 235, 236, 237, 240,
245, 246, 249, 252, 255, 256,
262, 266, 268, 287, 290, 300,
308, 321, 322, 326, 329, 335,
340, 347, 371, 378, 395, 426,
428, 439, 444, 445, 454, 461,
463, 466, 475, 478, 480, 490,
505, 506, 526, 532, 547, 548,
552, 555, 557, 560, 561, 562
Pensar, 547
Pequeno Hans, 97
pequenos grupos, 34, 59, 107, 128,
132, 136, 175, 178, 209, 210,
211, 212, 286, 357, 547
percepção figura-fundo, 250
perda do bebê, 392
Pereira, 443, 473
Peres, 493
perlaboração, 176, 181
Perrini, 129
personalidade não psicótica, 256
personalidade psicótica, 234, 253,
254, 255, 256
Personalidade psicótica, 225, 252,
253
perspectiva de desenvolvimento, 424 perspectiva de desenvolvimento do
casamento, 424
perspectiva defensiva, 211
perspectiva do cuidado integral, 494
perspectiva do desenvolvimento
individual, 431 perspectiva do grupo como berço
originário do psiquismo, 218
perspectiva feminista, 421
perspectiva francesa de grupo, 218
perspectiva francesa de grupos, 220
perspectiva integrativa, 453
perspectiva intergeracional, 425
perspectiva intrapsíquica, 441
perspectiva multicultural, 421
perspectiva psicanalítica, 208, 352 perspectiva psicanalítica de grupo
francesa, 220 perspectiva psicanalítica de grupo na
França, 206 perspectiva psicanalítica francesa sobre
os grupos, 205
perspectiva relacional, 451
perspectiva reversível, 246, 247, 250
perspectiva sistêmica, 441, 445
Pertegato, 175
pertença, 45, 136, 330, 462, 467,
553
Peruzzo, 285, 288
perversa, 536
pesquisa, 57, 61, 64, 65, 67, 81,
86, 89, 208, 210, 215, 220,
232, 282, 415, 426, 430, 431,
432, 433, 502, 515, 534, 547,
548, 549, 550, 551, 553, 554,
555, 556, 557, 558, 559, 560,
561, 562, 563
Pesquisa, 430
pesquisa com grupos e famílias, 420
pesquisa e clínica, 431
pesquisa e intervenção clínica, 554
pesquisa e prática clínica, 433
pesquisa educacional, 36
pesquisa sobre grupos, 205, 561
pesquisa-ação, 552, 554
598
pesquisador, 548, 550, 557, 559,
560, 562
pesquisadora, 554
pesquisadores, 61, 431, 547, 548,
551, 559
Pesquisar sobre grupos, 557
Pesquisar sobre grupos e em grupos,
559
pesquisas, 58, 61, 88, 112, 214,
308, 415, 429, 431, 450, 454,
456, 486, 501, 510, 547, 561
Pesquisas, 494
pesquisas psicanalíticas, 214
pesquisas sobre grupos, 58, 559
Phillips, 274
Pichon-Riviére, 155
Pichon-Rivière, 36, 44, 58, 59, 60,
65, 81, 83, 107, 141, 142,
143, 144, 145, 146, 147, 148,
149, 150, 152, 154, 182, 206,
219, 221, 227, 281, 284, 285,
293, 296, 297, 300, 309, 317,
324, 328, 358, 383, 399, 420,
422, 427, 461, 486, 550, 553,
554, 560
Pignataro, 417, 418, 419, 421,
424
Pines, 188
Pinto, 38, 81, 84
plano horizontal, 160
plano intersubjetivo, 428
plano terapêutico, 476, 508
Plon, 326
Plot, 262
PMSP, 399, 400
Poci, 39
Poincaré, 247
Pontalis, 115, 142, 209, 210, 212,
213, 291 Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 422
Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, 422
Poppe, 179
porta-voz, 144, 150, 153, 321,
422, 427
Porta-voz, 152
porta-vozes, 228, 300
pós-graduação, 62, 67, 88, 552,
559, 561
pós-Guerra, 305
posição, 147
posição depressiva, 112, 119, 147,
229, 231, 247, 506
Posição depressiva, 118
Posição Depressiva, 112
posição esquizo-paranoide, 111, 112,
147, 229, 235, 247, 252
Posição Esquizo-paranoide, 112,
113, 225
posições, 111, 112, 120, 148, 246,
247
Posições, 112, 242
posições esquizo-paranoide e depressiva,
49, 247
posições kleinianas, 111, 246
possibilidades criativas, 231
postos de saúde, 488
postura afetiva ambivalente, 98
postura ambivalente, 96
prática clínica, 36, 61, 125, 220,
367, 415, 429, 431
prática grupais, 86
prática supervisionada, 68
prática terapêutica, 442, 446, 451
práticas clínicas, 65, 446
práticas grupais, 81, 88, 89, 362 práticas grupais na clínica e nas
instituições, 362
práticas terapêuticas, 444
Pratt, 31, 32, 207
599
Prefeitura do Município de São Paulo,
399
preocupação materna primária, 261,
270
pressupostos básicos, 35, 130, 132,
133, 189
pré-tarefa, 149, 150
Pré-tarefa, 148
prevenção e saúde nas escolas, 357
Primeira Guerra, 262
Primeira Tópica, 483
primigestas, 554
princípio da realidade, 232
princípio de realidade, 233
princípio do prazer, 137, 233, 484
princípio do prazer e da realidade, 309
problemas de comunicação, 385, 552 problemas de comunicação e de
percepção, 249
problemas familiares, 385
procedimentos grupais psicoterapêuticos,
60
processamento, 238, 239
processamento do pensar, 235
processo comunicativo, 346
processo comunicativo vincular, 48
processo de amadurecimento, 270,
271, 274
processo de comunicação, 166
processo de integração, 403
processo de personalização, 403
processo do pensar, 233
processo grupal, 56, 64, 87, 152,
155, 212, 220, 246, 255, 296,
335, 353, 467, 470, 552, 553,
554, 555, 557, 558, 559
Processo grupal, 146
processo grupal de supervisão, 81
processo grupanalítico, 176, 186
processo psicanalítico grupal, 227
processo psicodinâmico grupal, 341
processo psíquico inconsciente, 379
processo secundário, 131
processos comunicacionais, 163
processos de comunicação, 172 processos de comunicação e
aprendizagem, 143
processos de grupos, 90
processos grupais, 36, 58, 59, 61,
178, 188, 208, 213, 362, 547,
548, 557, 560
Processos Grupais, 357
processos grupais na clínica, 362
processos identificatórios, 411
processos latentes, 355
processos primários de pensamento,
509
processos psicoterapêuticos grupais, 62
produções grupais, 558
professor, 82, 83, 175, 291, 292,
357, 512, 563
professor universitário, 332
professora, 286, 360
professores, 33, 56, 82, 88, 89, 278,
294, 450, 552
profissionais da equipe técnica, 476
profissionais da psicologia, 496
profissionais da saúde e da educação,
55, 67, 396, 412, 561
profissionais de saúde, 488, 494,
495, 501, 515, 530, 537, 553
profissional de saúde, 507
Programa de Saúde da Família, 473
projeção, 249, 326, 374, 378, 539
projetivas, 242
projeto, 149, 227
projeto terapêutico, 457, 479
projetos, 149
projetos terapêuticos, 465, 473
promoção à saúde, 554
promoção da saúde mental, 513
promoção de discussão, 282
600
promoção de espaços de reflexão e
discussão, 294
promoção de saúde, 294, 356, 357
promotores de saúde mental, 62
promover a saúde, 162, 507, 555
promover mudança, 229
promover mudanças, 395
promover o desenvolvimento, 403
promover saúde mental, 290
Propósito, 191
protopensamento, 234
psicanálise, 35, 36, 46, 81, 93, 99,
108, 109, 125, 137, 142, 143,
154, 158, 159, 160, 161, 172,
176, 177, 178, 181, 188, 190,
194, 195, 205, 206, 207, 210,
211, 218, 219, 220, 225, 226,
240, 241, 261, 262, 263, 265,
266, 281, 285, 287, 298, 305,
326, 351, 385, 395, 417, 418,
420, 426, 429, 439, 444, 450,
483, 484, 485, 486, 524, 536,
563
Psicanálise, 37
psicanálise da configuração vincular,
428, 429
psicanálise das configurações vinculares,
36, 40, 44, 71, 73, 252, 288,
341, 415, 420, 422, 486
psicanálise de casal e família, 431
psicanálise de configurações de vínculos,
422
psicanálise de crianças, 146
psicanálise de grupo, 146, 158
psicanálise de grupos, 157
psicanálise do trabalho com grupo, 420
psicanálise dos vínculos, 445
psicanálise grupal, 525
psicanálise relacional, 180
psicanálise vincular, 36, 40, 43, 44,
48, 61, 82, 107, 126, 227,
235, 250, 256, 281, 420, 428,
444, 445, 496
Psicanálise Vincular, 340
psicanalista, 44, 47, 58, 107, 126,
127, 129, 175, 176, 205, 208,
209, 236, 247, 261, 265, 270,
300, 328, 443, 485, 493
psicanalista vincular, 61
psicanalistas, 31, 38, 39, 80, 129,
206, 262, 288, 328, 330, 418,
439, 446, 485, 524, 525, 529,
542
Psicanalistas, 212
psicodiagnóstico, 476, 477
psicodiagnósticos, 400
psicodinâmica, 419, 536
psicodinâmica psicanalítica dos grupos,
127
psicodinâmicas, 112
psicodrama, 33, 61, 81, 206, 207,
208, 215, 486
psicodrama psicanalítico, 61
psicodrama psicanalítico de grupo, 215
psicóloga, 399, 507
psicólogas voluntárias, 552
psicologia, 93, 99, 157, 286, 355,
357, 425, 432, 456, 457, 495
psicologia analítica, 61
psicologia clínica, 418
Psicologia das massas, 100, 126
Psicologia das massas e análise do eu,
93, 99
Psicologia de grupo e análise do ego,
116
Psicologia de massa e análise do ego,
128
psicologia escolar, 357
psicologia social, 99, 143, 154, 208,
219, 486
psicólogo, 332, 351, 361, 477
601
psicólogos, 56, 169, 214, 215, 281,
314, 358, 432, 486
psicólogos clínicos, 178
psiconeuroses, 97 Psicopatologia da Posição Esquizo-
paranoide, 252
psicose, 141, 146, 270, 476
psicoses, 116
psicoses agudas, 375
psicoterapeuta, 34, 44, 57, 69, 70,
71, 73, 81, 86, 87, 90, 270,
342, 359, 405, 406, 415, 419,
429, 431, 432, 438, 439, 441,
442, 452, 453, 454, 524, 538,
540, 541
Psicoterapeuta, 525
psicoterapeuta de casal e família, 431
psicoterapeuta de crianças, 373
psicoterapeuta de grupo, 186, 191
psicoterapeutas, 39, 60, 62, 64, 67,
73, 77, 288, 305, 378, 405,
406, 421, 429, 438, 442, 447,
448, 450, 452, 453, 515, 525,
562
psicoterapia, 33, 35, 55, 63, 71, 72,
158, 162, 178, 345, 372, 376,
416, 417, 418, 430, 431, 432,
444, 451, 452, 454, 484, 485,
532, 534, 542
psicoterapia analítica, 181
psicoterapia analítica de grupo, 61,
130, 172, 175, 177, 178, 180,
187, 195, 196, 197, 341, 525
Psicoterapia Analítica de Grupo, 35 psicoterapia analítica de grupo
institucional, 191
psicoterapia analítica grupal, 487
psicoterapia breve, 305, 534
psicoterapia conjugal, 415, 416
psicoterapia de apoio, 495
psicoterapia de casais, 416, 421, 424
psicoterapia de casal, 415, 416, 417,
418, 419, 420, 421, 423, 424,
429, 430, 431, 433
psicoterapia de família, 317, 421
psicoterapia de grupo, 31, 32, 33, 34,
39, 40, 41, 162, 284, 365,
424, 523, 525, 530, 531
Psicoterapia de grupo, 305
psicoterapia de grupo com adolescentes,
375 psicoterapia de grupo com alcoolistas e
drogaditos, 523 psicoterapia de grupo de apoio
multifamiliar, 495
psicoterapia em grupo, 535, 537
psicoterapia familiar, 419, 423
psicoterapia grupal, 36, 39, 60
psicoterapia grupanalítica, 175, 179,
187
psicoterapia individual, 194, 359,
425, 427, 446, 493
psicoterapia individual e familiar, 433
psicoterapia matrimonial, 418
psicoterapia pessoal, 73, 89
psicoterapia psicanalítica, 159, 169,
178, 423, 434, 524
psicoterapia psicanalítica de grupo,
534, 542 psicoterapia psicanalítica de grupo com
alcoolistas e drogaditos, 524, 531,
532
psicoterapia psicanalítica grupal, 526
psicoterapia psicodinâmica de grupo, 60
psicoterapias, 188
psicoterapias breves, 400, 534
psicoterapias de casal, 425
psicoterapias lúdicas grupais, 400
psicoterapias psicodinâmicas de grupo,
60
psicótica, 536
psicótico, 164, 228, 255, 256, 257
602
psicóticos, 323, 329
psicóticos anônimos, 59
psicóticos e neuróticos, 33
psicóticos no grupo, 165
psiquiatra, 62, 126, 144, 175, 391,
489, 493
psiquiatras, 31, 178, 281, 418,
440, 486, 495
psiquiatria, 142, 157, 175, 285,
400, 495, 524
psiquiatria social, 44, 107
Puget, 36, 45, 81, 330, 341, 342,
420, 427, 444, 445
quadripé, 68, 70
quadripé da formação, 68, 82, 83,
89, 563
quadros compulsivos, 526
quadros psicossomáticos, 526, 527
questionários, 549
questões familiares, 491
Quevedo, 37
Quiroga, 36, 44
Racker, 328
Ramos, 423
reabilitação psicológica e nutricional,
501, 513
reações grupais, 355
realidade compartilhada, 165, 448
realidade do grupo, 298
realidade externa, 108, 111, 112,
116, 132, 135, 137, 142, 226,
231, 255, 269, 365
realidade externa e interna, 253
realidade incognoscível, 244
Realidade incognoscível, 225
realidade interior, 226, 365
realidade interna, 108, 226, 274
realidade interna e externa, 254
realidade material, 226
realidade psíquica, 116, 159, 226,
233, 244, 268, 420, 439, 529,
532
recém-nascido, 128, 272, 554
recurso de trabalho, 468
recurso lúdico, 454
recurso saudável, 496
recurso terapêutico, 449, 454
recurso verbal, 207
recursos criativos, 514
recursos curativos, 504
recursos humanos, 549, 561
recursos internos, 539
recursos internos e externos, 465
recursos materiais, 558
recursos mediadores, 292
recursos narcísicos, 308
recursos pessoais, 514, 532
recursos sadios, 306
recursos tecnológicos, 362
recursos terapêuticos, 454 Rede Europeia e Latino-americana das
Escolas Sistêmicas, 442
redes de apoio social, 494, 510
referencial psicanalítico, 36, 281,
289, 290, 365, 399, 526
referencial sistêmico, 419
regra técnica, 347
regras, 35, 171, 191, 216, 217,
295, 353, 370, 376, 470, 532,
533
Regras, 191
regras nos grupos de psicoterapia, 532
relação amorosa, 541
relação com os pais, 97
relação de objeto, 44, 109, 112, 113,
118, 143
relação dos drogaditos com o grupo,
540
relação grupal, 538
relação implícita partilhada, 185
603
relação indivíduo-grupo, 194
relação intrasubjetiva, 428
relação mãe-bebê, 263, 269, 278
relação mãe-filha, 510 relação mãe-filha nas patologias
alimentares, 503
relação objetal, 143
relação parental, 95
relação precoce mãe-bebê, 182
relação professor-aluno, 278
relação terapeuta-paciente, 278
relacionamento amoroso, 331
relacionamento horizontal, 231
relacionamento interno e externo, 118
relacionamento mãe-bebê, 245
relacionamentos familiares, 513
relações amorosas, 46
relações de amor, 102, 105
relações familiares, 182, 384
relações interpessoais, 403
relações interpessoais primárias, 45
relações intersubjetivas, 143, 395 relações intersubjetivas grupais e
intergrupais, 35
relações objetais, 109, 136, 142,
424, 499
relações transferenciais múltiplas, 356
Relates, 443, 446
Relvas, 451
reparação, 118, 119, 120, 531
reparações, 121, 525, 526
representação interna, 146
repressão, 483
resistência, 63, 116, 148, 186, 190,
236, 244, 317, 323, 324, 326,
331, 337, 343, 357, 358, 379,
479, 530, 539, 541, 563
Resistência, 323, 324
resistência à mudança, 147, 148
resistências, 70, 147, 148, 180,
183, 248, 285, 324, 328, 337,
356, 474
resistências à mudança, 160
resistências às mudanças, 168
responsável pela criança, 475
ressonância, 134, 167, 168, 185,
187, 194, 239, 360
Ressonância, 186, 188
ressonância afetiva, 290, 378
ressonâncias, 466
reuniões grupais, 375
rêverie, 238
Rêverie, 225, 238, 239, 249, 254
Rêverie da mãe, 251
reversão da perspectiva, 250, 251
Revista da SPAGESP, 40
Revista GrupAL, 38
Revista Redes, 443
Rezende Filho, 39
Ribeiro, 31, 89, 341, 493
Rickmann, 126
Riskin, 424
Rivière, 262
Rocha, 411
Rodrigues, 207
Rodríguez, 441
Rojas, 36, 428, 526, 527
Rosa, 285, 288, 493, 508
Rosenfeld, 262
Rossato, 89, 283, 285
Roudinesco, 326
Roussillon, 215
Rufatto, 478
rumo à independência, 273, 274,
275, 507
ruptura vincular, 451
Ruth, 450
Sager, 425
Salem, 111
Salomé, 346
604
Santeiro, 89
Santos, 426, 427, 428, 429, 493,
494, 495, 496, 499, 501, 503,
504, 508, 509, 511, 513, 523,
529, 552
Saraiva, 282
Satir, 418, 419, 424
Saturno, 500
saúde, 145, 264, 278, 400, 464,
466, 486, 495, 502, 523, 551
saúde e educação, 13
saúde mental, 57, 65, 68, 108, 158,
379, 400, 401, 412, 417, 476,
486, 501
Saúde Mental, 36, 141, 412
saúde pública, 141, 142, 214, 400,
412
Scharff, 424
Schilder, 31
Schopenhauer, 103
Schwartz, 417, 418, 419, 421,
424, 432
Scorsolini-Comin, 283, 285, 426,
427, 428, 429, 493
Segal, 120, 122, 252, 254, 262,
378
segredos familiares, 383
Segredos familiares, 386
Segunda Guerra Mundial, 31, 126,
175, 207, 208
Segunda Tópica, 483
Sei, 89, 419, 420, 423, 427, 428,
429, 431
seio bom, 249
Selvini, 442, 449, 450, 451
senso de self, 403
sentido latente, 243
sentimentos ambivalentes, 97
separação, 332, 333, 451, 537
Serebrinsky, 441
serviço, 473, 479
serviço de atenção ao menor, 455
serviço de psicologia, 351
serviço de psiquiatria, 37 Serviço de Psiquiatria do Hospital de
S. Pau de Barcelona, 452
serviço de referência, 515
serviço de saúde mental, 63
serviço de TAs, 494, 514 serviço de tratamento em Saúde
Mental, 475 Serviço Nacional de Enfermidades
Mentais, 39
serviço-escola, 360
serviço-escola de psicologia, 361
serviços, 473
serviços de emergência, 488
serviços de saúde, 67, 294, 433, 494
serviços de saúde mental, 525
serviços de saúde suplementares, 305
serviços psicológicos, 400
serviços psiquiátricos, 214
serviços públicos, 305
serviços-escola, 59
sessões familiares, 383, 392
sessões grupais, 54, 554, 562
setting, 177, 178, 180, 185, 192,
324, 353, 384, 403, 445, 463,
468, 469, 470, 479, 485, 532,
535
settings, 177
Shapiro, 424
Sherry, 494
Sicchieri, 493, 494
Sifneos, 307
sigilo, 191, 291, 295, 310, 324,
331, 359, 386, 467, 533, 563
significados latentes, 192
silêncio, 86, 151, 297, 299, 310,
321, 324, 331, 333, 334, 345,
410, 470, 489
Silêncio, 271, 318, 332, 497
605
Silva, 283, 285, 383, 554, 560
Silveira, 89, 530, 531
Silveira Filho, 529, 530
singularização, 219, 220
singularizações, 206
Siqueira, 89, 494, 510
sistema, 440
sistema familiar, 446, 447, 514
sistema protomental, 134, 135
Sistema Único de Assistência Social,
55
Sistema Único de Saúde, 55, 401,
515
sistemas de comunicação, 466
situações grupais, 51, 62, 130, 541,
547, 562
situações psicóticas, 504
Slavson, 34, 373
Small, 305
Smith, 97
sociabilidade de interação, 405
sociabilidade sincrética, 405 Sociedad Chilena de Psicología y
Psicoterapia de Grupo, 37 Sociedad Chilena de Psicoterapia de
Grupo, 37 Sociedad Uruguaya de Psicoterapia de
Grupo, 37 Sociedade Brasileira de Psicoterapia de
Grupo, 37
Sociedade de Grupanálise de Londres,
176 Sociedade de Grupoterapia Analítica
de Rio de Janeiro, 37 Sociedade de Psicoterapia Analítica de
Grupo de Campinas, 40, 290 Sociedade de Psicoterapia Analítica de
Grupo do Estado do Rio, 39 Sociedade de Psicoterapia Analítica de
Grupo do Rio de Janeiro, 39
Sociedade de Psicoterapia de Grupo de
Pernambuco, 39 Sociedade de Psicoterapias Analíticas
Grupais do Estado de São Paulo,
157, 178, 290
Sociedade do desempenho, 68 Sociedade Paulista de Psicologia e
Psicoterapia de Grupo, 39 Sociedade Paulista de Psicoterapia
Analítica de Grupo, 37, 39
Sociedade Portuguesa de Grupanálise,
35, 177 Sociedade Portuguesa de Grupanálise e
Psicoterapia Analítica de Grupo,
177 Sociedade Portuguesa de Neurologia e
Psiquiatria, 176
Sociedade Portuguesa de Psicanálise,
176
sociedade pós-moderna, 527
Sociedade Psicanalítica, 262
Socioanálise, 35
socioculturais, 421
sociocultural, 132, 206, 207, 210,
420, 445
sociologia, 44, 81, 175
sociometria, 208
sonhar, 237, 255, 272
sonho, 34, 35, 136, 166, 187, 210,
216, 325
sonhos, 45, 181, 237, 242, 253,
256, 484
Sopezki, 501
Sorrentino, 450
Sotero, 451
Souza, 422, 493, 494, 495, 508
SPAG E Rio, 39
SPAG PE, 39
SPAGESP, 39, 40, 82, 138, 157,
173, 290, 521
Speed, 447
606
SPGPAG, 82, 178
SPPAG, 39
Stern, 185
Sternbach, 526
Stierlin, 424
Strachey, 262
Strupp, 307
subjetivação, 219, 220
subjetividade, 115, 137, 143, 335,
352, 383, 427, 449, 471, 528,
531
subjetividade do terapeuta, 344
subjetividades, 90, 145, 148, 360
sublimação, 365, 374, 375
subversão do sistema, 229
Suhsemil, 40
sujeito de relação, 143
sujeito do inconsciente, 219
sujeito do vínculo, 219
Sullivan, 440
supervisão, 59, 70, 72, 73, 74, 75,
76, 77, 78, 79, 80, 81, 89,
152, 178, 191, 263, 288, 298,
338, 339, 340, 465, 466, 508,
541
Supervisão, 72, 465
supervisão clínico-institucional, 411
supervisão institucional, 466
supervisionados, 75
supervisionandas, 76
supervisionando, 72, 73, 76, 77, 78,
79, 80, 81
supervisionandos, 74, 75, 76, 77,
78, 79, 80
supervisões, 338, 399, 412
Supervisões, 75
supervisões de processos grupais, 74
supervisor, 72, 73, 74, 75, 76, 77,
78, 79, 80, 81, 83, 465, 479,
563
supervisora, 360
supervisores, 74, 76, 78
suposição básica, 133, 135
suposição básica de luta e fuga, 235
suposições básicas, 134, 135, 136
suposto, 35
suposto básico, 133, 134
suposto básico de acasalamento, 132
suposto básico de dependência, 131
suposto básico de esperança messiânica,
132
suposto básico de luta e fuga, 131
suposto básico de luta ou fuga, 132
supostos básicos, 130, 131, 133,
134, 136, 137
Supostos Básicos, 75
surto psicótico, 312, 475
SUS, 401, 515
Svartman, 40, 83, 352
TA, 503
tabu, 96
Tabu, 96
tabus, 96
tabus fundamentais, 98
Taragano, 143
tarefa, 58, 59, 146, 147, 148, 149,
150, 154, 155, 162, 171, 221,
228, 293, 307, 309, 461, 468,
479, 550, 551
tarefa de supervisão, 77
tarefa do grupo, 154, 213
tarefa explícita, 147, 148, 150
tarefa grupal, 60, 514
tarefa implícita, 148
tarefa implícita do grupo, 148
tarefas, 58, 358, 557
tarefas grupais, 563
TAs, 493, 494, 496, 501, 507,
510, 511, 512, 513, 514
Tavistock Clinic, 126
técnica, 31, 63, 64, 80, 90, 148,
150, 158, 160, 162, 212, 217,
607
242, 284, 297, 340, 373, 417,
524
técnica clínica, 384 técnica de coordenação do trabalho
grupal, 557
técnica de grupo, 212
técnica de intervenção, 471
técnica de longo prazo, 308 técnica de psicoterapia com crianças e
adolescentes, 365
técnica de psicoterapia de grupo, 212
técnica do grupo operativo, 150
técnica do psicodrama, 206
técnica grupal, 373
técnica grupanalítica, 170
técnica médica, 263
técnica psicanalítica, 326, 422
técnicas, 206, 214, 215, 217, 250,
309, 427, 433, 446, 448, 449
técnicas cirúrgicas, 485
técnicas de grupo, 209, 214
técnicas de socialização, 194
técnicas do psicodrama, 215
técnicas grupais, 81, 84, 524
técnicas psicoterapêuticas, 441
técnicas terapêuticas, 447
técnico de informática, 318 tecnologias de informação e de
comunicação, 57
Teixeira, 179
telê, 553
tema do conhecimento, 227
temores inconscientes, 395
tendência ao amadurecimento, 265
tendência inata ao amadurecimento,
266
tenra infância, 142, 267, 276, 374
tensão básica do grupo, 87
teologia, 126
teoria da comunicação, 447
teoria da mente humana, 107
teoria da técnica, 62, 338 teoria da técnica das grupoterapias
psicanalíticas, 64, 161, 318
teoria da técnica psicanalítica, 129
Teoria das Funções, 225, 236
teoria das relações de objecto, 182
teoria das relações objetais, 419
teoria das transformações, 247
Teoria das Transformações, 225, 240,
252, 326, 341
teoria de apego, 450
teoria de comunicação, 165
teoria de grupo, 39, 208
Teoria do Amadurecimento, 263
teoria do ciclo vital da família, 424
teoria do narcisismo, 342
teoria do psiquismo, 483
teoria do vínculo, 427
Teoria do vínculo, 143
teoria dos grupos, 420
teoria dos grupos operativos, 287,
552, 555, 560
Teoria dos Modelos, 225, 244
teoria dos sistemas, 424, 486
Teoria dos Sistemas, 446
Teoria dos três D, 144
Teoria dos vínculos, 420
teoria e prática grupais, 75
teoria e técnica, 442
teoria e técnica grupanalíticas, 178
Teoria Geral dos Sistemas, 440
teoria psicanalítica, 236
teorias da comunicação, 81
teorias e práticas grupais, 88
teóricos de comunicação e sistemas, 424
terapeuta, 32, 47, 63, 69, 73, 74,
76, 77, 79, 83, 84, 85, 90,
121, 131, 134, 143, 185, 194,
196, 236, 243, 250, 251, 275,
277, 295, 307, 308, 317, 318,
319, 320, 321, 322, 324, 326,
608
328, 329, 330, 332, 336, 337,
340, 341, 343, 344, 345, 346,
348, 361, 365, 369, 371, 372,
374, 377, 378, 380, 432, 438,
442, 446, 447, 448, 449, 450,
453, 490, 491, 529, 531, 532,
533, 534, 538, 539, 540, 541,
542
Terapeuta, 240, 318, 319, 320,
321, 322, 333, 334, 339, 377
terapeuta de grupo, 345, 373 terapeuta de grupo de crianças e
adolescentes, 380
terapeuta familiar, 419, 443
Terapeuta infantil, 373
terapeutas, 33, 80, 83, 84, 85, 86,
125, 129, 177, 192, 234, 277,
308, 314, 322, 324, 327, 329,
337, 343, 346, 391, 429, 447,
448, 538, 541
terapeutas de grupo, 192
terapeutas ocupacionais, 486
terapia, 50, 77, 154, 270, 334,
361, 417, 447, 448, 449, 471
terapia analítica grupal, 195
terapia baseada em vínculos, 451
terapia breve, 471
terapia breve centrada em soluções, 441 terapia breve do MRI-Mental Research
Institute, 441
terapia da Escola de Milão, 441
terapia de casal, 430, 452, 455
terapia de grupo, 207
terapia estratégica, 441
terapia estrutural, 441
terapia familiar, 411, 418, 419,
421, 424, 430, 439, 440, 442,
445, 446, 449, 450, 493
terapia familiar nas psicoses, 450
terapia familiar sistêmica, 443, 445,
446, 450
terapia familiar ultramoderna, 449
terapia grupal, 36, 195, 196
terapia grupanalítica, 180
terapia individual, 182, 195, 333
terapia intergeracional, 441
terapia narrativa, 441
terapia ocupacional, 495
terapia pessoal, 76
terapia sistêmica, 441, 450, 451
terapia sistêmica do casal, 451
terapias, 441
terapias de casal, 430
terapias fonoaudiológicas grupais, 400
terapias grupais, 188
terapias individuais, 429
terapias psicomotoras grupais, 400
terceiro espaço, 269
termodinâmica, 447
T-groups, 179, 208
Thornton, 179
Tigent, 31
tipo de comunicação, 403
tipo de comunicação pré-verbal, 405
tipo de grupo, 47, 54, 113, 132,
163, 214, 308, 323, 472
tipos de grupo, 61, 305
tipos de grupos, 64, 65, 281, 411,
471
Tipos de grupos, 472
Toledo, 401
tolerância à diferença, 168
tolerância à frustração, 87, 131, 233,
234, 278, 379, 528
tolerância aos sintomas, 194
tolerância às frustrações, 247
tolerância às tensões, 367
tolerância do grupo à frustração, 153
Torres, 36
totem, 94, 95, 97
Totem e tabu, 93
totemismo, 94, 97, 98
609
Totemismo, 94
trabalhadoras da saúde, 507
trabalho analítico multipessoal, 329
trabalho clínico, 447
trabalho com casais, 430
trabalho com grupo, 207
trabalho com grupos, 38, 43, 48, 53,
62, 75, 82, 157, 158, 159,
162, 172, 207, 212, 219, 221,
225, 241, 309, 323, 325, 340,
342, 412, 422, 466, 469
trabalho com grupos de crianças, 400 trabalho com grupos em instituições
socioassistenciais, 205
trabalho com grupos psicanalíticos, 401
trabalho com psicóticos, 255
trabalho comunitário, 146
trabalho grupal, 31, 56, 63, 64, 78,
89, 126, 136, 233, 255, 308,
313, 317, 330, 358, 361, 362,
470, 540, 557, 558, 559
trabalho grupal para crianças autistas,
479
trabalho interdisciplinar, 454, 455,
456
trabalho psicanalítico, 36, 129, 157,
166, 227, 250 trabalho psicanalítico com famílias e
casais, 426
trabalho psicanalítico com grupos, 127,
160, 172, 248, 340
trabalho psicanalítico vincular, 340
trabalho psicológico grupal, 352
trabalho psíquico, 147
Trabalhos em grupo, 55
trabalhos grupais, 61, 89, 90, 562
Trabalhos grupais, 57
tradição sistêmica, 449
transferência, 33, 60, 143, 159,
160, 161, 162, 176, 181, 182,
186, 192, 310, 317, 324, 325,
326, 328, 329, 330, 337, 342,
343, 371, 372, 378, 538, 541,
542, 563
Transferência, 324
transferência e contratransferência, 424
transferência fraterna, 326
transferência hostil, 176
transferenciais, 58, 60, 70, 77, 182,
184, 325, 329, 341, 352, 535
transferencial, 184, 195, 241, 325,
327, 405, 534
transferências, 58, 148, 152, 182,
326, 328, 340, 541
transferências laterais, 343
Transferências Laterais, 182
transferências narcísicas, 196
transformações, 241
transformações de movimento rígido,
242, 243, 252
Transformações de movimento rígido,
242
transformações em alucinose, 252
Transformações em alucinose, 243
transformações em pensamento, 243
Transformações projetivas, 243
transmissão da vida psíquica, 426
transmissão multigeracional, 419
transmissão psíquica, 426 transmissão psíquica
inter/transgeracional, 494
transmissão transgeracional, 425
transmitido hereditariamente, 94
transobjetivo, 427
transtorno autístico, 384
Transtorno do Espectro Autista, 385,
407, 411
transtornos alimentares, 493, 526,
527
transtornos autísticos, 383
transtornos mentais graves, 402
transubjetiva, 44
610
transubjetividade do pequeno grupo,
132, 136
tratamento de saúde, 169
tratamento dos TAs, 515 tratamento para dependência de
substâncias psicoativas, 537
tratamentos hospitalares, 305
treinamento, 36
treino do Ego em acção, 188, 194,
196
Treino do Ego em acção, 186, 187
Três Espaços Psíquicos, 45
triagem, 473
tripé, 68
tripé da formação, 70
triunfo, 120, 330
troca horizontal, 478
Tustin, 384
Uchitel, 528
UFG, 551
Ulhoa, 284, 285
Ulhôa Cintra, 109, 110, 114, 115
Unidade Básica de Saúde, 553
unidade de saúde, 473
unidade mãe-bebê, 265, 266
unidade psicossomática, 272
Unidades de Atenção ao Idoso, 59
unidades exogâmicas, 95
universidade, 78, 285, 362, 551
Universidade de Oxford, 126
Universidade Federal de Goiás, 551 Universidade Federal do Rio de
Janeiro, 422
universidades, 59
universo em expansão, 226, 227
Universo em expansão, 225, 226
uso da agressividade, 404
uso da linguagem verbal, 395
uso das drogas, 531
uso das teorias, 265
uso de álcool e drogas, 542
uso de álcool e/ou drogas, 533
uso de defesas, 514
uso de drogas, 269, 529, 530, 531,
535, 537, 539
uso de grupos com objetos mediadores,
217
uso de imagens concretas, 244
uso de objetos, 214, 216, 220
uso de objetos em grupo, 214
uso de objetos mediadores, 215, 218
uso de objetos mediadores nos grupos,
216 uso de objetos ou fenômenos
transicionais, 267
uso de recursos, 215
uso de substância, 542
uso de substâncias, 535
uso de técnicas reconfortantes, 507
uso do grupo, 212
uso dos objetos, 216
uso dos objetos mediadores em grupo,
214
uso psicanalítico de objetos, 216
uso terapêutico das mediações, 217
usuários de drogas, 464
útero, 129, 266, 394, 395
Vacheret, 215, 217, 218, 289
Vaillant, 524
Valdanha, 493, 494, 501
Valdanha-Ornelas, 494
valência, 133
Valle, 422
Vara de Justiça, 464
Varela, 447
Vargas, 282
Vaz, 501
verdade sem amor, 248
Verdi, 383
verticalidade, 152
vetores, 553, 554
vicissitudes da comunicação, 250
611
vida amorosa, 324
vida erótica do bebê, 274
vida mental do grupo, 135
vida pré-natal, 128
Vieira, 283
Villas-Boas, 495
Vincha, 553
vinculações intra e intersubjetivas, 229
vincularidade, 43, 46, 60, 239
vínculo, 36, 43, 44, 46, 48, 49, 74,
77, 98, 104, 108, 110, 113,
129, 132, 143, 161, 232, 237,
239, 241, 244, 245, 248, 255,
290, 321, 324, 325, 329, 335,
347, 358, 359, 403, 405, 407,
416, 418, 420, 427, 428, 451,
463, 502, 503, 504, 526, 535
Vínculo, 44
vínculo de apego, 451
vínculo de dependência, 361
vínculo de parceria e de sustentação,
473
Vínculo do Amor, 46, 227
vínculo do casal, 211
Vínculo do Conhecimento, 46
Vínculo do Ódio, 46, 227
Vínculo do Reconhecimento, 48, 195,
196
vínculo entre os pais, 255
vínculo entre pais e filhos, 103
Vínculo H, 46
vínculo interpessoal, 442
vínculo intersubjetivo, 99, 100, 330
Vínculo K, 46, 47, 227, 249, 256
Vínculo L, 46, 258
vínculo mãe-bebê, 239, 254
vínculo mãe-filha, 502
Vínculo R, 47, 256
vínculo simbiótico, 477 vínculo transferência-
contratransferência, 257
vínculo transferencial-
contratransferencial, 330
Vínculo: Revista do NESME, 40
vínculos, 43, 44, 45, 46, 50, 77,
111, 126, 127, 143, 145, 155,
164, 217, 255, 256, 287, 317,
330, 337, 341, 357, 358, 369,
383, 451, 463, 466, 475, 495,
520, 533, 535, 551, 553
vínculos do amor ou do ódio, 47
vínculos emocionais amorosos, 309
vínculos familiares, 384, 396
vínculos intersubjetivos, 118, 134
vínculos intra e intersubjetivos, 342
Vinogradov, 308, 313
violência, 98, 100, 114, 229, 400,
417, 537, 542
violência doméstica, 530, 538
violência física e psicológica, 535
violência verbal, 190
violências, 464
visão binocular, 249, 250
visão sistêmica interacional, 427
Vitale, 422
vivência com grupos, 126
vivência de intimidade, 475
vivência do coletivo, 527
vivência em grupo, 285
vivência emocional, 294
vivência grupal, 69, 211, 288, 470,
472, 478
vivência institucional, 478
vivência psíquica, 530
vivências em grupo, 148
vivências grupais, 85, 560, 562
Volpi, 285
Von Bertalanffy, 440
Waldemar Fernandes, 38, 40, 352
Watzlawick, 424
Weakland, 424
Weinberg, 179
612
Weisbich, 40
Whitaker, 418, 425, 446
White, 448
Wiener, 440
Winnicott, 81, 211, 243, 244, 261,
262, 263, 264, 265, 266, 267,
268, 269, 270, 271, 272, 273,
274, 275, 277, 278, 345, 369,
383, 402, 403, 467, 485, 502
Wolf, 31
Wright, 502, 507
Wundt, 94
Wynne, 418
Yalom, 194, 308, 313
Zanetti, 89
Zilbach, 424
Zimerman, 39, 44, 46, 47, 48, 69,
81, 86, 87, 107, 108, 109,
110, 115, 116, 121, 126, 129,
139, 179, 181, 193, 195, 203,
226, 228, 229, 232, 234, 236,
240, 241, 248, 250, 251, 256,
257, 285, 295, 323, 324, 326,
328, 329, 331, 337, 342, 346,
351, 353, 356, 373, 380, 463,
525, 531
Zimmermann, 32, 35, 37, 39
Zinkin, 188
Zmud, 37