Clínica de Grupos de Inspiração Psicanalítica

614

Transcript of Clínica de Grupos de Inspiração Psicanalítica

Clínica de grupos de inspiração psicanalítica: teoria, prática e pesquisa

Tales Vilela SanteiroBeatriz Silverio FernandesWaldemar Jose Fernandes

(Organizadores)

Clínica Psicólogica da Universidade Estadual de Londrina

Organizadores

Tales Vilela Santeiro

Beatriz Silverio Fernandes

Waldemar Jose Fernandes

Clínica de grupos de inspiração psicanalítica:

Teoria, prática e pesquisa

2021

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da

Universidade Estadual de Londrina

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520

C641 Clínica de grupos de inspiração psicanalítica [livro eletrô-

nico] : teoria, prática e pesquisa /organizadores: Tales

Vilela Santeiro, Beatriz Silverio Fernandes, Waldemar

Jose Fernandes. – Londrina : Clínica Psicológica, 2021.

1 Livro digital : il.

Vários autores.

Inclui bibliografia e índice

Disponível em:

http://www.uel.br/clinicapsicologica/pages/publicaco

es.php

ISBN 978-65-994588-0-4

1. Psicoterapia de grupo. 2. Psicanálise. I. Santeiro,

Tales Vilela. II. Fernandes, Beatriz Silverio. III. Fer-

nandes, Waldemar Jose. IV. Universidade Estadual de

Londrina. Clínica Psicológica.

CDU 616.89-085

Clínica de grupos de inspiração psicanalítica:

Teoria, prática e pesquisa

Comitê Editorial:

Amanda Lays Monteiro Inácio – Faculdade Tecnológica do Vale

do Ivaí, Ivaiporã, Paraná.

Ananda Kenney da Cunha Nascimento – Universidade Positivo -

Faculdade Positivo de Londrina (FPL), Londrina, Paraná.

Heloisa Aguetoni Cambuí – Centro Universitário Filadélfia,

Londrina, Paraná.

Maíra Bonafé Sei – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,

Paraná.

Mary Yoko Okamoto – Universidade Estadual Paulista, Campus

Assis, Assis, São Paulo.

Equipe de criação de capa e design: Sara Santos Dias Costa, Renata Cristina

Ribeiro Leandro, Alícia Soares Siqueira e Vitória Aparecida Ferreira dos

Santos.

Criação de capa: Sara Santos Dias Costa.

Revisão técnica: Tales Vilela Santeiro, Waldemar José Fernandes e Beatriz

Silverio Fernandes.

Normalização textual: Tales Vilela Santeiro.

Tudo o que foi organizado nestes capítulos tem a ver com a vida

pessoal e profissional de cada um de nós, fundamentalmente nossos

familiares, analistas, supervisores e professores que tivemos pela vida,

os quais deixaram sementes importantes e nos ajudaram e ajudam a

pensar. A eles, nossa gratidão.

Agradecemos, ainda, a todos os autores dos capítulos, aos estudantes,

pesquisadores e pesquisados, aos que contribuíram para a

concretização do livro, especialmente à comissão editorial e à Editora

da Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, e a

todos os pacientes e demais pessoas atendidas por nós, que nos

propiciaram a oportunidade de refletir e produzir esta obra.

Somos igualmente gratos aos leitores, a quem esta produção se dirige,

que nos deram motivação para que funcionássemos como um grupo.

Os Organizadores

7

Prefácio

Caro leitor:

Em primeiro lugar quero parabenizá-lo por ter adquirido este livro.

Estou certo de que, ao lê-lo, sentir-se-á tão privilegiado quanto eu próprio

me senti quando o li.

Este livro é, ao mesmo tempo, um Tratado, um Manual e uma

obra de referência no panorama atual das psicoterapias de grupo.

O livro é completo. Não é apenas sobre teoria; não é apenas sobre

técnica; não é apenas sobre investigação – é sobre tudo isso e muito mais.

É um livro escrito a muitas mãos, uma verdadeira obra de grupo.

Os seus autores têm formações e experiências variadas e abordam temas

muito diversos, mas há uma linha comum e uma coerência que conferem

uma base consistente à obra. Para que tal fosse possível, foi fundamental

o trabalho de Tales Vilela Santeiro, Beatriz Silverio Fernandes e Waldemar

José Fernandes, que – como organizadores, editores e também autores –

conseguiram de forma harmoniosa dar corpo àquela coerência.

Os três primeiros capítulos mostram isso mesmo e, ainda,

constituem como que uma matriz no seio da qual se vão desenvolvendo

os diferentes temas que compõem o livro. Exemplifico: Beatriz Fernandes

(no capítulo 1, Psicoterapia de Grupo: sua origem, seus caminhos) mostra-nos,

com uma linguagem clara e acessível, as origens, os fundamentos teóricos

e práticos e o desenvolvimento das psicoterapias de grupo em todos os

países em que estas se implementaram. No sentido de proporcionar um

estudo mais aprofundado do tema, o capítulo termina com referências

bibliográficas e sugestões de leitura.

Waldemar Fernandes (em Conceitos introdutórios sobre grupalidade e

psicanálise vincular; capítulo 2) apresenta aos leitores uma série de conceitos

e noções básicas que facilitam a leitura e a compreensão dos restantes

capítulos. Waldemar Fernandes e Tales Santeiro (em Proposta introdutória de

classificação do trabalho grupal; capítulo 3) fazem uma exegese daquilo que é

um grupo, classificando os diferentes grupos existentes (em função da sua

8

natureza e finalidade) em operativos, psicoterapêuticos e de pesquisa,

numa sistematização muito clara e didática. Finalmente, os três autores

debruçam-se sobre o importantíssimo tema da formação – alicerce seguro

e fonte de renovado saber da identidade, do ofício e da arte de ser

psicoterapeuta (capítulo 4).

Ao longo do livro é dada ênfase à influência e aos contributos que

vários autores tiveram no desenvolvimento e na identidade dos grupos

analíticos. De entre os mais representativos, são abordados Freud (por

Rose Pompeu de Toledo; capítulo 5), Melanie Klein (por Waldemar

Fernandes; capítulo 6), Bion (também por Waldemar Fernandes, em dois

capítulos, com aprofundada fundamentação teórica e pertinentes

ilustrações clínicas; capítulos 7 e 12), Winnicott (por Betty Svartman;

capítulo 13) e Foulkes (por Alexandre Mantovani; capítulo 9).

São apresentadas, com fundamentação teórica e ilustrações

clínicas, várias modalidades de psicoterapia de grupo, das quais saliento os

grupos com finalidades operativas e psicoterapêuticas. Sobre os primeiros,

Ismenia de Camargo e Oliveira apresenta o tema de acordo com as

conceções de Pichon-Rivière (capítulo 8), e Solange Aparecida Emílio

apresenta os grupos operativos mais especificamente, em duas

modalidades, os grupos psicanalíticos de reflexão e os grupos

psicanalíticos de discussão, que são usados como dispositivos de

aprendizagem e intervenção em diferentes contextos, nomeadamente nos

eventos do NESME (capítulo 14).

Sobre os segundos, menciono a perspectiva psicanalítica de grupo

francesa, apresentada por Pablo Castanho, e a Grupanálise portuguesa

(capítulos 11 e 10, respectivamente). Esta é apresentada por Isaura Manso

Neto e César Vieira Dinis, ilustres representantes (e protagonistas) da

Escola Portuguesa de Grupanálise. No capítulo de sua autoria são

apresentados a história, os fundamentos, a evolução e as aplicações da

Grupanálise e da Psicoterapia Analítica de Grupo, tal como foram

concebidos por Eduardo Luís Cortesão e desenvolvidos e enriquecidos

pelos seus continuadores. É feita também menção à teoria da técnica e aos

mecanismos da acção terapêutica. Numa síntese muito bem elaborada, os

autores apresentam o conteúdo do capítulo de forma muito completa,

esclarecida e clara.

9

O livro contém outro interessante capítulo, muito enriquecido

com ilustrações clínicas, sobre a teoria da técnica das grupoterapias

psicanalíticas, de autoria de Beatriz Fernandes e Waldemar Fernandes

(capítulo 16), e outro, também sobre técnica, abordando o início e o

término da intervenção psicológica grupal, que tem como autores Cláudia

Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva (capítulo 17).

O conhecimento teórico e técnico, bem como a experiência clínica

dos autores do livro, permitiram a estes adaptar e aplicar os princípios da

psicoterapia analítica de grupo a uma vasta gama de situações e pessoas.

Esta nobre acção é da mais alta importância, pois permite ajudar uma

população mais ampla e necessitada. São vários os capítulos que, como

podemos ver a seguir, mostram isso mesmo. O capítulo 15, Grupos com

tempo e/ou objetivos limitados, da autoria de Beatriz Silverio Fernandes,

demonstra bem ao que me referi. A mesma autora apresenta outro texto

ilustrativo: Psicoterapia de grupo com crianças e adolescentes (capítulo 18).

Ainda na população infantil, Rose Pompeu de Toledo tem um

capítulo sobre grupos de crianças com transtornos mentais graves em

instituição (capítulo 20). E, ainda nesse contexto, Amaury Tadeu Rufatto

aborda a questão importantíssima dos grupos nas instituições (capítulo

23).

Marly Terra Verdi aborda uma outra questão, nem sempre

devidamente valorizada: o atendimento a famílias de crianças doentes,

neste caso com patologias do espectro autista (capítulo 19). Novamente

em relação a pacientes adultos, mas ainda com a preocupação focada nos

familiares, um grupo grande autores aborda o problema dos transtornos

do comportamento alimentar (anorexia e bulimia), com muito úteis e

esclarecedoras vinhetas clínicas: Manoel Antônio dos Santos, Érika

Arantes de Oliveira-Cardoso, Rosane Pilot Pessa, Raquel Borges de

Moraes, Wanderlei Abadio de Oliveira, Jeferson Santos Araújo, Rodrigo

Sanches Peres e Carolina Leonidas (capítulo 25).

Angela Hiluey, valorizando aportes da terapia familiar sistémica,

reflete sobre sua importância numa perspetiva integrativa de abordagem e

tratamento das famílias (capítulo 22). Numa abordagem diferente, Tânia

Aldrighi Flake escreve um interessante texto sobre psicoterapia

psicanalítica de casal (capítulo 21).

10

Ainda sobre a aplicação prática dos princípios da psicoterapia

analítica de grupo, dois capítulos versam sobre patologias específicas:

pacientes com dor crónica (Lazlo Antonio Ávila; capítulo 24), e alcoolistas

e drogaditos (Sílvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento,

Livia Maria Amaral de Brito e Patricia Ely; capítulo 26).

A questão da pesquisa em grupos (e a importância da sua dimensão

operativa) ocupa também um lugar relevante, como mostram Tales Vilela

Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda Caetano, Gabriela

Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes Coelho, Renata Cristina

Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza Peralta e Gláucia

Mitsuko Ataka da Rocha (capítulo 27).

Todos os capítulos referidos estão apresentados em uma

linguagem clara e acessível, bem fundamentados teoricamente e muitos

deles bem ilustrados com vinhetas clínicas.

Permita-me, caro leitor, uma nota pessoal, antes de finalizar. Fiquei

muito feliz com o convite que me foi endereçado pelos organizadores

desta excelente obra. À honra que me deram foi somada a oportunidade

de poder dar um pequeno contributo para o intercâmbio científico, a

cooperação e o convívio afetivo entre os colegas e leitores dos nossos

países, que começou há já muitos anos e culminou em três dias (16 a 18

de agosto) do ano de 1991, em São Paulo. Foi nessa altura que aconteceu

o I Encontro de Grupanálise, Psicoterapia de Grupo e Saúde Mental de Língua

Portuguesa, e, desde aí, não mais o intercâmbio parou – e em 2021 já vamos

ter oportunidade de participar no XV Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise

e Psicoterapia Analítica de Grupo.

A Tales Santeiro, Beatriz Fernandes e Waldemar Fernandes, o meu

mais profundo e sentido agradecimento.

Para finalizar, recomendo vivamente este livro a psicólogos,

psiquiatras e todos os técnicos de saúde mental. Todos ficaremos mais

enriquecidos por podermos aprender com os ensinamentos e a experiência

generosamente transmitidas pelos autores do livro.

Como todos os textos estão escritos de forma clara e didática, e

como os temas são de interesse universal, pais, educadores e público em

geral podem encontrar nesta excelente obra uma esperança e um alento

11

para ajudarem todos aqueles de quem cuidam e por quem nutrem genuína

dedicação.

João Carlos Melo

Médico psiquiatra, psicoterapeuta e grupanalista.

Membro titular didata da Sociedade Portuguesa

de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de

Grupo, full member da Group-Analytic Society

International e Assistente Graduado do Hospital

Fernando Fonseca, onde exerce as funções de

Coordenador do Hospital de Dia do Serviço de

Psiquiatria.

13

Apresentação: aprender, viver e pensar

grupos

Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José

Fernandes

Por um lado, a casualidade parece ser onipresente e poderosa no

dia a dia. Por outro lado, há quem diga que o acaso não existe. De qualquer

maneira, este livro nasceu em uma conversa com cafezinho no intervalo

do VI Congresso da SPAGESP, XII Jornada do NESME, e VI Encontro

de saúde mental da região de Ribeirão Preto, em agosto de 2018. O tema

do evento era Desafios do trabalho grupal – quem sabe, o disparador para a

concepção desta publicação.

Durante o cafezinho, refletimos que o livro Grupos e configurações

vinculares, coorganizado por Waldemar Fernandes, Betty Svartman e

Beatriz Fernandes, era muito utilizado no país, como fonte bibliográfica e

orientação para quem se interessava por grupos, principalmente em saúde

e educação. Entretanto, àquela época, o livro se encontrava esgotado;

afinal, havia sido editado há mais de 15 anos. Nessa conversa,

constatamos, ainda, que há carência de obras sobre pesquisas em grupos,

publicadas em livros de caráter didático e em língua portuguesa.

Com isso em mente, passamos a elaborar um projeto sobre o

trabalho e a pesquisa com grupos, que engendrou este volume. Miramos

desde o estudante de graduação, mas também procuramos contemplar

aquele mais familiarizado com esse campo. Convidamos clínicos da prática

privada e institucional que são referências em suas áreas de atuação e

pesquisa a colaborar, o que foi feito com empenho e espírito parceiro.

Dessa forma, tanto os iniciantes quanto os mais experientes poderiam

recuperar contribuições fundamentais que inspiram a prática e a

investigação no campo dos processos de grupo. Desde agora convidamos

o leitor a adentrar esta proposta e esperamos que isso provoque diálogos

que ponham a obra e seus autores em movimento.

14

Cabe dizer que de agosto de 2018 até os dias atuais muito

transcorreu. Não poderíamos deixar de mencionar a pandemia ocasionada

pelo novo coronavírus (COVID-19), que chegou e se alojou entre nós de

modo avassalador. Sem pedir licença, entrou em nossas casas e em nossas

instituições mundo afora. A humanidade toda passou e tem passado, desde

fevereiro de 2020, por um momento histórico inédito nos últimos 100

anos, no tocante à saúde pública mundial. E houve impactos dessa

situação na organização e na finalização desta obra, retardando-a em

relação ao projeto original. Imagináramos que ela seria publicada no

primeiro semestre de 2020. Entretanto, pausas, silêncios, vida e trabalho

na modalidade remota, mortes e violências – mais ou menos próximas de

cada um de nós – também atravessaram os caminhos dos autores e dos

organizadores.

Há incertezas e dores por serem compreendidas, porque a

pandemia não afetou ou afeta apenas os nossos pacientes ou os usuários

dos serviços que oferecemos; ela nos atinge tanto e quanto. Há revisões

em teorias e técnicas que estão a acontecer e deverão se manter em

andamento. Não seremos mais as mesmas pessoas, os mesmos pacientes

e psicoterapeutas.

O trabalho com grupos não passou ou tem passado ileso, portanto.

Se afastarmo-nos uns dos outros foi e é medida sanitária de segurança,

para preservação da vida, como propor encontros grupais? Assim,

esperamos que, por meio do livro, o leitor também possa problematizar

esse cenário inaugurado em 2020 e seus impactos sobre os processos

grupais. Muito há o que ser feito, discutido e (re)inventado.

Em termos estruturais, o livro foi desenhado para cobrir aspectos

fundamentais dos trabalhos grupais, desde os teóricos até os técnicos e

práticos. Cada capítulo foi organizado para ser lido em separado;

entretanto, em alguns momentos o exercício de revisitar certas

contribuições em capítulos distintos será inevitável. Esperamos que o livro

seja útil e que possa inspirar novas formas de aprender, viver e pensar

grupos.

15

Sumário

Sobre os Autores ........................................................................................... 19

1. Psicoterapia de grupo: sua origem, seus caminhos ....................... 31

Beatriz Silverio Fernandes

2. Conceitos introdutórios sobre grupalidade e Psicanálise

Vincular ........................................................................................................... 43

Waldemar José Fernandes

3. Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal .......... 53

Waldemar José Fernandes e Tales Vilela Santeiro

4. Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de

inspiração psicanalítica: Clínica de grupos na Saúde e na

Educação ........................................................................................................ 67

Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José

Fernandes

5. Freud: o mito da horda primitiva e o vínculo intersubjetivo do

grupo ................................................................................................................ 93

Rose Pompeu de Toledo

6. Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos

fenômenos grupais ..................................................................................... 107

Waldemar José Fernandes

7. Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos 125

Waldemar José Fernandes

8. Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique

Pichon-Rivière ............................................................................................. 141

Ismenia de Camargo e Oliveira

9. A grupanálise de Foulkes: fundamentos teóricos e técnicos .... 157

Alexandre Mantovani

10. Grupanálise e psicoterapia analítica de grupo: contribuições da

Escola Portuguesa ..................................................................................... 175

Isaura Manso Neto e César Vieira Dinis

16

11. Sobre a perspectiva psicanalítica de grupo francesa: três

importantes aportes ................................................................................... 205

Pablo Castanho

12. Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise

das configurações vinculares .................................................................. 225

Waldemar José Fernandes

13. Winnicott: estimulador da criatividade – o grupo como

fenômeno transicional .............................................................................. 261

Betty Svartman

14. Grupos Psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto

modalidades de Grupos Operativos ..................................................... 281

Solange Aparecida Emílio

15. Grupos com tempo e/ou objetivos limitados .............................. 305

Beatriz Silverio Fernandes

16. Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias

psicanalíticas ............................................................................................... 317

Beatriz Silvério Fernandes e Waldemar José Fernandes

17. O início e o término da intervenção psicológica grupal ........... 351

Cláudia Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva

18. Psicoterapia de grupo com crianças e adolescentes .................. 365

Beatriz Silverio Fernandes

19. Atendimento a famílias de crianças dentro dos Transtornos do

Espectro Autístico ...................................................................................... 383

Marly Terra Verdi

20. Grupos de crianças com transtornos mentais graves:

atendimentos em instituições públicas de saúde ............................. 399

Rose Pompeu de Toledo

21. Psicoterapia psicanalítica de casal: teoria, prática e pesquisa 415

Tânia Aldrighi Flake

22. Terapia familiar: pensamento sistêmico na perspectiva

integrativa ..................................................................................................... 437

Angela Hiluey

23. Grupos nas instituições ...................................................................... 461

Amaury Tadeu Rufatto

17

24. Dor e sofrimento: psicoterapia grupal para pacientes com dor

crônica ........................................................................................................... 483

Lazslo Antonio Avila

25. O que ela tem de ruim na cabeça dela? Processo grupal de

orientação psicanalítica com familiares de pacientes com anorexia

e bulimia ....................................................................................................... 493

Manoel Antônio dos Santos, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso,

Rosane Pilot Pessa, Raquel Borges de Moraes, Wanderlei Abadio de

Oliveira, Jeferson Santos Araújo, Rodrigo Sanches Peres, Carolina

Leonidas

26. Psicoterapia psicanalítica de grupo com alcoolistas e

drogaditos ..................................................................................................... 523

Silvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento, Livia Maria

Amaral de Brito, Patricia Ely

27. Processos de pesquisa e(m) grupos: ser ou não ser

operativo?...................................................................................................... 547

Tales Vilela Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda

Caetano, Gabriela Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes

Coelho, Renata C. Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza

Peralta, Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha

Índice remissivo ......................................................................................... 565

19

Sobre os Autores

Alexandre Mantovani. Graduação em Psicologia pela Universidade de São

Paulo (2002), mestrado em Psicologia pela Universidade de São Paulo

(2006), especialização em Psicologia Clínica pelo CFP (Conselho Federal

de Psicologia), 2009, doutorado em Ciências, área de concentração

Psicologia, pela FFCLRP-USP (2011). Atuou como docente colaborador

no Departamento de Serviço Social da UFSCar, onde realizou

atendimentos à população universitária. Também atuou como docente da

EERP-USP, onde ministrou disciplinas de Antropologia da Saúde e

Sociologia. De 2006 à 2011 dirigiu o curso de Especialização em

Psicoterapias Analíticas Grupais da SPAGESP. Atualmente exerce a

prática de psicoterapia psicanalítica com enfoque vincular (psicanálise das

configurações vinculares) em consultório particular, para adultos,

adolescentes e também atendimentos de casais e família. Realiza

supervisões de atendimentos individuais e de grupos e presta análise

institucional. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9679484817363669

Amaury Tadeu Rufatto. Graduação em Psicologia (1983). Professor do

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações

Vinculares (NESME). Interlocutor de Saúde Mental da Coordenadoria

Regional Sul de Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

(1989 a 1990; e 2001 a 2004). Interlocutor de Saúde Mental da Supervisão

Técnica de Saúde de Santo Amaro, da Secretaria Municipal de Saúde de

São Paulo (2005). Coordenador do CAPS - IJ de Santo Amaro (1990 a

1995; e 2001 a 2006).

Angela Hiluey. Graduação em Psicologia, doutorado em Educação pela

Universidade de São Paulo (2004) e pós-doutorado em Terapia Familiar

(Barcelona, Espanha, 2007), psicoterapeuta de casal e família; Diretora,

docente e supervisora no Centro de Estudos da Família Itupeva, escola

associada à Rede Europeia e Latino-Americana das Escolas Sistêmicas e

20

parceira da Facon. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/0312303585136907

Anna Beatriz Barbosa de Souza Peralta. Graduanda em Psicologia pela

Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), membro do Grupo

de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos

de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico) e estagiária do Serviço-Escola da UFTM (Centro

de Estudos e Pesquisa em Psicologia Aplicada- CEPPA). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/7686713707212999

Beatriz Lacerda Caetano. Graduação em Psicologia pela Universidade de

Uberaba, Especialização em Psicologia Jurídica (2013) e em Regulação em

Saúde no Sistema Único de Saúde (2015). Mestrado em Psicologia (2020)

pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), membro do

Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos

Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico). Exerce função de Analista em Regulação e

Auditoria do SUS na Secretaria Municipal de Saúde de Uberaba. Currículo

Lattes: http://lattes.cnpq.br/4585395636872737

Beatriz Silverio Fernandes. Graduação em Psicologia pelo Instituto Metodista

de Ensino Superior de São Bernardo do Campo (1975). Supervisora pelo

CRP. Especialização em Técnicas Lúdicas, pelo Instituto Pieron de

Psicologia Aplicada (1981) e em Psicodiagnóstico, pelo Instituto Sedes

Sapientiae (1977). Fundadora e docente do Núcleo de Estudos em Saúde

Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e da

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo

(SPAGESP). Professora convidada pela Sociedade Portuguesa de

Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/7028840142731456

Betty Svartman. Graduação em Psicologia, pela USP (1974), formada em

Psicoterapia Analítica de Grupo, pela Sociedade Paulista de Psicoterapia

Analítica de Grupo (1999). Membro e docente do Núcleo de Estudos em

21

Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME), ex-

presidente do NESME, ex-presidente da Federação Latino-Americana de

Psicoterapia Analítica de Grupo (FLAPAG), membro fundador da

Sociedade de Psicoterapias Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP),

coorganizadora do livro Grupos, configurações vinculares. Docente das cadeiras

de Winnicott e Melanie Klein no Instituto de Psicanálise e Psicopatologia

de Brasília.

Carolina Leonidas. Graduação em Psicologia pela Universidade de Ribeirão

Preto (2009), mestrado em Psicologia (2012) e doutorado em Psicologia

(2016) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Professora Adjunta do

Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em

Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

Pesquisadora sênior do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicologia

da Saúde (LEPPS-USP/CNPq) da FFCLRP-USP. Colaboradora de

pesquisa do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares do

Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo (GRATA – HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9829603751639934

César Vieira Dinis. Psiquiatra, Grupanalista didata da Sociedade Portuguesa

de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (SPGPAG), full member

da Group Analytic Society International, Consultor de Psiquiatria da carreira

hospitalar, chefe da equipe do Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do

Hospital de Santa Maria (1989-1999), Portugal.

Cláudia Alexandra Bolela Silveira. Graduação em Psicologia (1995);

graduação em Pedagogia (2002); mestrado em Ciências e Práticas

Educativas (2000) e doutorado em Promoção da Saúde (2016). Professora

Supervisora do Curso de Psicologia da Universidade de Franca. Professora

da FAPESF-Faculdades Pestalozzi de Franca. Membro e Docente da

SPAGESP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4295201246495689

22

Érika Arantes de Oliveira-Cardoso. Graduação em Psicologia pela Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São

Paulo (FFCLRP-USP, 1998), mestrado em Psicologia (2001) e doutorado

em Psicologia (2004) pela FFCLRP-USP. Psicóloga do Departamento em

Psicologia da FFCLRP-USP. Professora Permanente do Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da FFCLRP-USP. Co-coordenadora do

Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-

USP/CNPq) da FFCLRP-USP e do Grupo de Ação e Pesquisa em

Diversidade Sexual e de Gênero (VIDEVERSO-FFCLRP-USP).

Coordenadora da equipe de Psicologia do Grupo de Assistência em

Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade

de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2150850846796968

Felipe Santos da Silva. Graduação em Psicologia (2019) pela Universidade

de Franca. Graduando em Pedagogia (conclusão prevista para 2021) pela

Universidade Metodista de São Paulo. Realizou Estágio em Pesquisa no

Exterior (FAPESP: Processo: 2019/01494-3) pela Pontíficia Universidad

Del Perú. Mestrando no Programa de Pós Graduação em Ciências

Médicas na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP). Bolsista da CAPES, Processo:

88887.513352/2020-00. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/1465504911620796

Gabriela Borges Carvalho. Graduação em Psicologia (2016), Especialização

em Hematologia e Hemoterapia (2019), mestranda em Psicologia no

Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal do

Triângulo Mineiro (UFTM), membro do Grupo de Pesquisa Clínica

Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no

Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5232095464002792

Gabriella Oliveira Arantes Coelho. Graduação em Psicologia pela

Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM, 2019), membro do

Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos

23

Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/3914181345933095

Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha. Graduação em Psicologia pela

Universidade São Marcos (2000), mestrado em Psicologia Clínica (2002) e

doutorado em Psicologia (2006) pela Pontifícia Universidade Católica de

Campinas, pós-doutorado em Psicologia Clínica pelo Instituto de

Psicologia da USP (2018). Professora do Curso de Psicologia da

Universidade Federal do Tocantins, membro do Grupo de Pesquisa Clínica

Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no

Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2249428902860309\

Guilherme Faria Ribeiro. Graduação em Psicologia pela Faculdade Pitágoras

de Uberlândia (2012), psicanalista, especialização em Teoria Psicanalítica

pela Universidade de Uberaba (2016) e mestrado em Psicologia pela

Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM, 2020), membro do

Grupo de Pesquisa Clínica Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos

Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/5004660817854381

Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento. Graduação em Psicologia pela Pontifícia

Universidade Católica São Paulo (2014) e Especialista em Saúde Mental

com foco em Álcool e Drogas pela Escola de Enfermagem da USP (2017).

Pesquisador do CLIGIAP (Clínica de Grupos e Instituições: Abordagem

Psicanalítica) do IP-USP. Psicólogo do Programa da Mulher Dependente

Química (PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas

da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HC –

FMUSP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2676880398391307

Isaura Manso Neto. Psiquiatra. Grupanalista didata da SPGPAG, full member

da Group Analytic Society International, chefe de serviço da carreira

24

hospitalar, chefe da equipe do Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do

Hospital de Santa Maria (1999-2009), Portugal.

Ismenia de Camargo e Oliveira. Graduação em Psicologia no Instituto de

Psicologia da USP (1970). Psicóloga aposentada do Instituto de Psicologia

da USP. Professora e supervisora do Núcleo de Estudos em Saúde Mental

e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME).

Jeferson Santos Araújo. Graduação e Licenciatura em Enfermagem e

Obstetrícia (2011) pela Universidade Federal do Pará (UFPA),

especialização em Enfermagem do Trabalho e Enfermagem em

Oncologia pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade

de São Paulo (EERP-USP), doutorado direto em Enfermagem (2016) pela

EERP-USP. Professor Adjunto da Faculdade de Enfermagem da

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), campus Chapecó.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7312465925645087

Lazslo Antônio Ávila. Graduação em Psicologia (1976), mestrado em

Psicologia Social (1983) e doutorado em Psicologia Clínica (1995) pela

Universidade de São Paulo, pós-doutorado na University of Cambridge

(2001). Professor Adjunto (Livre Docente) do Departamento de

Psiquiatria e Psicologia Médica e Professor Permanente do Programa de

Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Faculdade de Medicina de São

José do Rio Preto. Membro do Núcleo de Estudos de Saúde Mental e

Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e da Sociedade de

Psicoterapias Analíticas do Estado de São Paulo (SPAGESP). Currículo

Lattes: http://lattes.cnpq.br/1044104621580017

Livia Maria Amaral de Brito. Graduação em Psicologia pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (2004) e Graduação em Geografia pela

Universidade de São Paulo (1987). Acompanhante Terapêutico,

Psicanalista (Membro do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise-Núcleo

São Paulo), Psicóloga do Programa da Mulher Dependente Química

(PROMUD) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da

25

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HC –

FMUSP).

Manoel Antônio dos Santos. Graduação em Psicologia (1986) pelo Instituto

de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), mestrado em

Psicologia Clínica (1992) e doutorado em Psicologia Clínica (1996) pelo

Instituto de Psicologia da USP, Livre-Docente em Psicoterapia

Psicanalítica (2016) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), Professor

Titular (2018) e docente (desde 1987) da FFCLRP-USP. Professor

Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP-

USP. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, PQ-1A. Membro

Titular da Academia Paulista de Psicologia (cadeira 33). Coordenador do

Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-

USP/CNPq) da FFCLRP-USP e do Grupo de Ação e Pesquisa em

Diversidade Sexual e de Gênero (VIDEVERSO-FFCLRP-USP).

Coordenador da equipe de Psicologia do Grupo de Assistência em

Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade

de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/1632921993169300

Marly Terra Verdi. Graduação em Psicologia e Psicanalista, Membro

Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São

Paulo (SBPSP). Docente do Instituto de Psicanálise da SBPSP. Membro

do Grupo de Estudos de Psicanálise de São José do Rio Preto e Região.

Membro da International Psychoanalytical Association (IPA). Membro do

International Symposium for Psychoanalytic Interregional Research on

Autistic Disorders (INSPIRA). Especialista em Psicologia Clínica e

Educacional pelo Conselho Regional de Psicologia. Membro do Núcleo

de Estudos de Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares

(NESME) e da Sociedade de Psicoterapias Analíticas de Grupo do Estado

de São Paulo (SPAGESP).

Pablo Castanho. Prof. Dr. do Instituto de Psicologia da Universidade de São

Paulo. Co-coordenador da Rede interuniversitária Group et Liens

26

Intersubjectifs (criada e co-coordenada pela Université Lumière Lyon 2- França).

Membro da International Association for Group Psychotherapy and Group Processes

(IAGP) e do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das

Configurações Vinculares (NESME). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/4796465935271518

Patricia Ely, Graduação em Psicologia (2012), Especialista em Terapia

Familiar e de Casal pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo

(2015). Psicóloga do Programa da Mulher Dependente Química

(PROMUD) do Insttuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da

Faculdade de Medicina de São Paulo (IPq – HC – HMUSP). Currículo

lattes: http://lattes.cnpq.br/1177896424431296

Raquel Borges de Moraes. Graduação em Psicologia (2018) pela Universidade

Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), mestranda em psicologia pelo

Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFTM. Psicóloga e

colaboradora de pesquisa do Grupo de Assistência em Transtornos

Alimentares do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (GRATA – HC-FMRP-

USP). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7057812797396900

Renata Cristina Ribeiro-Leandro. Graduanda em Psicologia pela Universidade

Federal do Triângulo (UFTM), membro do Grupo de Pesquisa Clínica

Psicanalítica: brincar aprender pensar (Diretório dos Grupos de Pesquisa no

Brasil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2412537837085689

Rodrigo Sanches Peres. Graduação em Psicologia (2001) pela Universidade

Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), campus Assis,

mestrado em Psicologia (2004) e doutorado em Psicologia (2008) pela

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), especialista em Psicologia

Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Professor Associado

do Instituto de Psicologia e Professor Permanente do Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

27

Bolsista do Programa Pesquisador Mineiro, da Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Bolsista de

Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq), PQ-2. Pesquisador do Laboratório de

Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS-USP/CNPq) da

FFCLRP-USP. Membro do grupo de trabalho Psicanálise e Clínica

Ampliada, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em

Psicologia (ANPEPP). Editor Adjunto da revista Tempo Psicanalítico.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9167312272004943

Rosane Pilot Pessa. Graduação em Nutrição (1984), mestrado em

Psicobiologia (1994) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), doutorado

em Saúde Mental (2000) pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

(FMRP-USP), pós-doutorado em Antropologia (2019) pela University of

Alabama, USA. Professora Associada do Departamento de Enfermagem

Materno-Infantil e Saúde Pública e Professora Permanente dos Programas

de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública da Escola de

Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e Nutrição

e Metabolismo da FMRP-USP. Vice-Coordenadora do Grupo de

Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das

Clínicas da FMRP-USP. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/5372275432577010

Rose Pompeu de Toledo. Graduação em Psicologia (1978), mestrado em

Psicologia Clínica (1990), membro do Núcleo de Estudos em Saúde

Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME) e

coordenadora do Centro de Educação Permanente em Psicanálise dos

Vínculos (CEPPV) do NESME. CV:

http://lattes.cnpq.br/9797071673562098

Solange Aparecida Emílio. Graduação em Psicologia (1993), mestrado em

Distúrbios do Desenvolvimento (1998), doutorado em Psicologia Escolar

e do Desenvolvimento Humano (2004). Coordenadora do Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Educacional (mestrado e

28

doutorado) do UNIFIEO. Vice-presidente do NESME (Núcleo de

Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares)

eleita pelo biênio 2019-2021. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/1251220841282741

Silvia Brasiliano. Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo (1979), especialista em Psicanálise Familiar pelo

Instituto Sedes Sapientiae, doutorado em Ciências pela Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo (2005). Coordenadora do

Programa da Mulher Dependente Química (PROMUD) do Instituto de

Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

Universidade de São Paulo (IPq – HC – FMUSP). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/8217405135545459

Tales Vilela Santeiro. Graduação em Psicologia pela Universidade de Franca

(1998), mestrado em Psicologia Clínica (2000) e doutorado em Psicologia

como Ciência e Profissão (2005) pela Pontifícia Universidade Católica de

Campinas. Professor Associado do Departamento de Psicologia do

Instituto de Educação, Letras, Artes, Ciências Humanas e Sociais;

Coordenador substituto e Professor Permanente do Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

Líder do Grupo de Pesquisa Clínica psicanalítica: brincar aprender pensar

(Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/5391944071281583

Tânia Aldrighi Flake. Graduação em Psicologia pela Universidade Paulista

(1980), Especialista em Psicoterapia de Família e Casal pela Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 1994), mestrado em

Psicologia Clínica (PUC-SP, 2001) e doutorado em Ciências da Saúde –

Medicina Preventiva (2013) pela Universidade de São Paulo. Docente no

curso de Psicologia da Universidade de Mogi das Cruzes (1994 – atual).

Membro do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das

Configurações Vinculares (NESME), Professora do Curso de

29

Aprimoramento na Coordenação e Manejo de Grupos no NESME.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4473590971958122

Waldemar José Fernandes. Graduação em Medicina pela Escola Paulista de

Medicina, hoje UNIFESP (1970). Especialização em psiquiatria, com área

de atuação em psicoterapia, pela Associação Brasileira de Psiquiatria

(1972). Professor Assistente nos cursos de Medicina e de Psicologia na

Universidade de Santo Amaro (1971 a 1985). Trabalhou em comunidade

terapêutica (Unidade Psiquiátrica de São Paulo, 1970 a 1980). Atualmente

trabalha em consultório particular, com psiquiatria dinâmica, psicoterapia

individual, de grupo e de casal, além de exercer atividades didáticas em

curso de formação de psicoterapeutas de grupo no Núcleo de Estudos em

Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares (NESME).

Membro fundador e docente do NESME. Membro fundador da

Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo

(SPAGESP). Professor convidado pela Sociedade Portuguesa de

Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/9843303741688415

Wanderlei Abadio de Oliveira. Graduação em Psicologia (2010) pela

Universidade de Uberaba, doutorado em Enfermagem em Saúde Pública

(2017), pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de

São Paulo (EERP-USP), em cotutela com a Scuola di Dottorato di Ricerca

in Psicologia da Università Cattolica del Sacro Cuore (Milão-Itália), pós-

doutorado em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de

Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Professor Permanente do Programa de

Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de

Campinas. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5455601415853420

31

1 Psicoterapia de grupo: sua origem, seus

caminhos Beatriz Silverio Fernandes

A psicoterapia de grupo, em mais de um século de existência,

desenvolveu-se muito, notadamente depois da Segunda Guerra Mundial,

quando muitos psiquiatras e psicanalistas se interessaram por esse

processo, em virtude do grande número de pacientes para serem atendidos

e do pequeno grupo de profissionais aptos para atendê-los. É nos Estados

Unidos onde há maior emprego da técnica, muito embora tenha como

berço a Europa. As publicações sobre ela começaram em torno de 1900 e

triplicaram na década de 1930, culminando na década de 1950 com mais

de 1.400 publicações.

Europa e Estados Unidos

Encontramos em Ribeiro (1981) que Joseph H. Pratt, já em 1905,

em Boston, utilizava a psicoterapia de grupo para tratamento de

tuberculosos. Adler, em 1912, acreditava que o indivíduo seria movido em

primeiro lugar por instâncias sociais. Burrow, discípulo de Freud e Jung,

introduziu em 1920 o termo análise grupal. Outro pioneiro foi Paul

Schilder, na década de 30. Seus pacientes, antes de iniciarem o trabalho

grupal, eram preparados e sensibilizados quanto ao funcionamento do

grupo.

Em 1944 e 1945, principalmente na Europa, houve importantes

nomes que contribuíram para o fortalecimento da psicoterapia de grupo,

como Ackerman, Wolf, Grotjahn, Ezriel, Lazell, Burrow, Tigent, Kurt

Lewin, Foulkes e Bion, entre outros.

Foulkes se afastou do grupo de Melanie Klein e teve destaque,

aproximando-se cada vez mais dos grupos psicoterápicos e das

32

comunidades terapêuticas. Em 1948, apresentou a grupanálise,

aproximadamente na mesma época em que Bion se destacou por seus

estudos sobre grupos, que serão detalhados neste livro em capítulo

específico (capítulo 7).

Zimmermann (1957/1971) distingue quatro formas de

psicoterapia de grupo: repressiva, didática, psicodramática e psicanalítica.

Elas serão tratadas nos próximos itens.

Método repressivo

Pratt, fundador da psicoterapia de grupo e o primeiro a empregar

o método em 1905, partiu do convívio com tuberculosos enquanto

aguardavam atendimento numa sala de espera de um dispensário. Nesse

contexto, verificou que estabeleciam entre eles relações emocionais que os

tornavam mais animados. Isto o inspirou para reuni-los em uma sala para

aulas semanais para administração de um curso de higiene pessoal. Nessas

aulas, discutia com os doentes suas atitudes frente à tuberculose, à família

e aos amigos. Discutiam as diferentes maneiras de enfrentar a mesma

situação, diversas maneiras de enfrentar a doença. Invariavelmente os

doentes melhoravam, tornavam-se mais corajosos e otimistas. Mais tarde,

expandiram esse método para outros setores do hospital. Os resultados

eram atribuídos à confiança que os doentes depositavam no terapeuta.

Pratt fazia reunião com 20 pacientes, e os que se sentavam mais

perto do terapeuta tornaram-se os casos mais antigos e mais proveitosos.

Vez por outra, um antigo paciente vinha visitar o grupo e falar sobre os

benefícios do tratamento. Fazia chamada, distribuía papel para escreverem

as melhoras, as persistências e os agravamentos. Seguia com um

relaxamento muscular, um pequeno discurso sobre problemas emocionais

simples, ou leitura edificante. Foi denominada de Aula de Controle do

Pensamento.

Designam-se como operantes no método de Pratt as seguintes

questões:

desejo de aprovação do líder e promoção de rivalidades no

grupo no sentido de melhoras;

aumento do sentimento de importância;

33

apelo à correção de aspectos imaturos da vida emocional do

paciente;

testemunho de pessoas que aproveitavam o tratamento e de seu

entusiasmo pelo líder; e

fator sugestivo.

Nesse método não são levados em conta os aspectos

inconscientes.

Método didático

Utiliza como meio terapêutico conferências, leituras e discussão de

livros e artigos de revistas, bem como relatos de casos clínicos. Foi

empregado pela primeira vez por Lazell (1921), que reuniu diversos

esquizofrênicos e ministrou várias palestras sobre libido, masturbação,

homossexualidade e sentimentos de inferioridade. Obteve resultados

satisfatórios, pois pacientes inacessíveis passaram a fazer perguntas sobre

os temas.

Vantagens do método:

transferência positiva facilitada; e

melhor aceitação dos temas nas palestras do que no processo

psicoterápico.

Método psicodramático

Para Jacob Moreno (1921), a psicoterapia de grupo “viu-se forçada

a penetrar em todas as dimensões da existência, numa amplitude e

profundidade que os terapeutas de orientação verbal desconheciam”

(Camara, 1987, p. 25). A psicoterapia converteu-se em ação e em

psicodrama.

A base do psicodrama seria que o Ego infantil só se desenvolve

com a ajuda dos Egos auxiliares, que são mãe, pai, família, professores etc.

Os psicóticos e neuróticos não atingiram o estágio de desenvolvimento

completo, necessitando de ajuda de Egos auxiliares. Utiliza cinco

instrumentos:

34

cena (local e momento onde se realiza a produção, que pode ser

um sonho, um acontecimento do dia ou sentimentos);

paciente ou protagonista (o que vai direcionar a cena,

protagonizar seu próprio drama);

diretor (o psicoterapeuta, que vai propiciar e facilitar o

andamento da cena dramática);

Egos auxiliares (encarregados de encenar personagens, de

contracenar com o protagonista; podem ser um membro do grupo

ou os próprios colegas de grupo); e

público (os membros do grupo que participam assistindo à

cena).

Método psicanalítico

Com relação aos outros modelos, é o que terá menos participantes,

constituindo-se, atualmente, como pequenos grupos, de dois a três

pacientes até cerca de sete; na década de 50, a recomendação era de grupos

com 8 a 10 participantes. A frequência é de uma a duas vezes por semana,

com duração de 45 minutos a uma hora e 15 minutos. Alguns autores

fazem uma seleção prévia, outros não. O critério de agrupamento pode

variar entre diagnóstico de problemas, sexo, profissão ou etnia; o critério

mais aceito, por ser mais funcional, é o de agrupamento por contraste

(colocar no grupo pessoas com características diferentes; por exemplo, um

depressivo, um obsessivo e assim por diante). Os grupos podem ser

abertos (quando abre uma vaga entra um paciente novo) ou fechados.

Alguns autores só atendem o paciente no grupo. Mas há quem o faça

também fora do grupo.

Encontramos nessa modalidade duas orientações distintas:

a que focaliza o indivíduo e dirige as interpretações para ele ou

para as relações que se estabelecem entre um ou dois pacientes no

grupo; e

a que focaliza o grupo como um todo e para ele encaminha as

interpretações.

Slavson foi o autor que mais escreveu sobre psicoterapia de grupo.

Introduziu abundante terminologia para fatos conhecidos desde há muito

35

na psicanálise. Limitava-se a ver o paciente em grupo como se estivesse

em análise individual.

Foulkes afirma que a Psicoterapia Analítica de Grupo (PAG) é

uma forma de psicoterapia e não de psicanálise, com aplicação dos

conhecimentos psicanalíticos na análise do grupo (segundo Zimmermann)

e não na análise do psiquismo. Cita elementos de grupo como a reação de

espelho (o outro tem o que eu tenho, no tocante a ideias mórbidas,

angústias e impulsos), o que diminui a angústia e a culpa própria, mesmo

nos que se limitam a escutar.

Bion é um dos autores que têm contribuído no sentido de ver o

grupo como uma totalidade. Descreve tensões que se desenvolvem e

enfoca problemas resultantes em termos de “pressupostos básicos”:

dependência, luta e fuga e acasalamento1.

Em 1956, Eduardo Luís Cortesão vem de Londres, onde seguia os

ensinamentos de Foulkes, e inicia o movimento grupanalítico em Lisboa,

Portugal, e em 1981 finalmente funda a Sociedade Portuguesa de

Grupanálise.

A escola francesa (1962), corrente que assume seu conteúdo

político, tem um lugar de destaque na esfera mundial. Nela encontramos

Lourou (Socioanálise) e Deleuze e Guattari (Esquizoanálise), estudando a

instituição como lugar de reprodução das condições sociais.

Didier Anzieu (1966) destaca-se nesse cenário francês. Ele aborda

a ideia de que o grupo é um sonho. Para ele, a situação psicanalítica se

baseia nas regras fundamentais da não omissão e da abstinência, insistindo

nas definições de unidade de tempo, de espaço e de ação. Ao lado desse

conceito, agrega o conceito de ilusão grupal (Camara, 1987).

Alguns anos mais tarde surge René Kaës, que afirma que as

representações do grupo estão em condições de funcionar como

organizadoras das relações intersubjetivas grupais e intergrupais. Sua

principal obra é L’appareil psychique groupal: constructions du groupe (1976).

Na América Latina

1 Diversos autores e escolas de pensamento citados a partir deste ponto serão enfocados em capítulos específicos.

36

O emprego dos grupos na América Latina data de 1947, com o

trabalho pioneiro de Enrique Pichon-Rivière com enfermos internados no

Hospital de Neuropsiquiatria de Buenos Aires. A magnífica trajetória deste

pioneiro culminou com a fundação da Asociación Argentina de Psicología

y Psicoterapia de Grupo (AAPPG), em 1954.

Em 1988 a AAPPG começou a empregar e a estudar a psicanálise

das configurações vinculares, para abranger o trabalho psicanalítico com

casais, famílias e instituições, além de grupos terapêuticos propriamente

ditos.

A teoria psicanalítica relativa aos processos vinculares vem se

desenvolvendo muito. Aos poucos se tornou notório que a psicanálise era

insuficiente para dar conta das manifestações vinculares, já que fora

constituída a partir da clínica individual, tendo sido necessário desenvolver

conceitos pertinentes. Palavras-chave como vínculo, inter, intra e

transubjetivo tornaram-se termos imprescindíveis para a compreensão da

produção teórica dessa escola, como será descrito no capítulo 2, Conceitos

introdutórios sobre grupalidade e psicanálise vincular.

Em 1991, Marcos Bernard e colegas implementam essa teoria com

inúmeros trabalhos, juntamente com ilustres profissionais, como Janine

Puget, M. Cristina Rojas, Isidoro Berenstein e Ana Quiroga, entre outros.

Fundada em 1973, a Associação Internacional de Psicoterapia de

Grupo (IAGP) é uma rede mundial de profissionais envolvidos no

desenvolvimento de psicoterapia grupal e processos grupais, nas áreas de

teoria, prática clínica, treinamento, pesquisa educacional e consultoria.

Sabemos que a FLAPAG, Federação Latino-Americana de

Psicoterapia Analítica de Grupo, fundada há 53 anos, não tem membros

associados diretamente, pois é uma entidade científica que congrega

instituições de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia (grupo de estudos) e

México, das quais é órgão federativo, sem fins lucrativos, com o objetivo

principal de estimular o intercâmbio científico entre as sociedades que

trabalham com grupos no referencial psicanalítico dentro da América

Latina, promovendo e difundindo esses trabalhos da forma mais integrada

possível com Saúde Mental.

No México, as primeiras experiências de terapia grupal em hospital

iniciaram-se em 1949, com Ramón de la Fuente e Eleanor Torres. Em

37

1950, regressa da Argentina José Luiz González.

Em 1967, Luís Feder, José Luís González, Gustavo Quevedo e

Frida Zmud fundaram a Asociación Mexicana de Psicoanálisis de Grupo

(AC), que no ano seguinte passa a se chamar Asociación Mexicana de

Psicoterapia Analítica de Grupo (AMPAG).

Em 1943 regressa a Santiago do Chile Ignacio Matte Blanco,

depois de formação nos Estados Unidos e na Inglaterra, e encarrega seu

colega Ramón Ganzarain de estudar a PAG para ser aplicada no serviço

de psiquiatria. Agrupam-se vários colegas, entre eles Hernán Davanzo, que

depois viria para Ribeirão Preto, no Brasil. Na época, foi fundada a

Sociedad Chilena de Psicoterapia de Grupo.

O primeiro congresso de Psicoterapia Analítica de Grupo ocorreu

em Buenos Aires, 1957, presidido por Jorge M. Mom. Em 1960, no Chile,

foi presidido por Ramón Ganzaraín, e em 1962, no Rio de Janeiro, por

Walderedo Ismael de Oliveira.

Em outubro de 1964, realizou-se o IV Congresso Latino

Americano de PAG, em Porto Alegre, com David Zimmermann na

presidência. Neste evento, diferencia-se a Psicoterapia Analítica de Grupo

da Psicanálise.

Foram as seguintes as nove as associações copromotoras e seus

respectivos presidentes:

Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo,

David Zimmermann;

Asociación Argentina de Psicología y Psicoterapia de Grupo,

Andrée Cuissard;

Sociedad Chilena de Psicología y Psicoterapia de Grupo,

Ramon Ganzaraín;

Sociedade de Grupoterapia Analítica de Rio de Janeiro, Werner

Kemper;

Sociedade Brasileira de Psicoterapia de Grupo, Walderedo I. de

Oliveira;

Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo, Luis

Miller de Paiva;

Sociedad Uruguaya de Psicoterapia de Grupo, Héctor

38

Garbarino; e

Sociedad Mexicana de Psicoterapia de Grupo, Luis Feder.

Em setembro de 1979, Carlos Castellar Pinto foi eleito presidente

da FLAPAG, no VIII Congresso. No IX Congresso, em Guarapari, foi

eleito Blay Neto, que se manteve no cargo até 1990, sem poder organizar

o X Congresso.

Em 1990, várias associações estimularam Blay Neto a promover

novas eleições. Nesse ano, várias associações brasileiras elegeram

Waldemar Fernandes para presidente da FLAPAG.

A FLAPAG, com energia renovada, entra em grande atividade e

produtividade. É publicada a Revista GrupAL, com dois números, e

iniciam-se os anais de congressos.

Em novembro de 1992, em Florianópolis, acontece o tão esperado

X Congresso da FLAPAG.

Dali para a frente, a cada dois anos acontece um congresso, e a cada

quatro anos a FLAPAG muda de endereço. De Florianópolis foi para a

Argentina, Uruguai, México, novamente Brasil, Argentina e Uruguai. Em

2017 acontece mais um congresso, mas não há passagem de endereço,

que fica para o ano de 2018. Atualmente chama-se Federação Latina das

Associações de Psicanálise de Grupo, alteração de nome devida a

mudanças burocráticas da legislação de cada país-sede.

No Brasil

O início do trabalho com grupos de inspiração psicanalítica no

Brasil teve forte influência da escola inglesa de psicanálise, que chegou até

nós pela convivência com psicanalistas argentinos que estudavam e

tentavam trabalhar com grupos com esse referencial.

A visão de grupo nessa época tinha um forte enfoque psicanalítico

bi-pessoal, em que o grupo era visto e trabalhado como uma unidade. A

obra Experiências com grupos, de Wilfred R. Bion, publicada em 1948,

forneceu o referencial analítico básico para o trabalho com grupos no

Brasil. A influência do trabalho de Bion nesse campo é muito forte até

hoje, e um desdobramento dessas raízes conceituais foi representado na

obra Psicoterapia del grupo, de León Grinberg et al. (1957/1976).

39

Alcyón Baer Bahía efetua a primeira experiência de psicoterapia

grupal no Serviço Nacional de Enfermidades Mentais, no Rio de Janeiro.

Em 1954, publica sua experiência, despertando interesse e polêmica entre

os colegas.

No mesmo ano, em São Paulo, organizam-se grupos autodidatas,

um deles encabeçados por Bernardo Blay Neto. Em Porto Alegre, David

Zimmermann investiga o tema da teoria de grupo e apresenta em 1956 um

Simpósio. Anos mais tarde, David Epelbaum Zimerman brinda-nos com

uma coletânea de livros e trabalhos sobre psicoterapia de grupo.

Em 1960 foi fundada a Sociedade Paulista de Psicologia e

Psicoterapia de Grupo, posteriormente Sociedade Paulista de Psicoterapia

Analítica de Grupo. Entre muitos psicanalistas conhecidos, destacaram-se

por terem permanecido mais tempo na instituição Odilon de Mello Franco

Filho, Oscar Rezende Filho, Luiz Miller de Paiva, Heládio Francisco

Capisano, Nelson Poci, Bernardo Blay Neto, Manoel Munhoz, Richard

Kanner e José Bockman de Faria, quase todos falecidos.

A década de 1960 foi aquela que marcou o boom da Psicoterapia

Analítica de Grupo em nosso meio; em São Paulo, grande parte dos

psicanalistas e psicoterapeutas de grupo atuais foi analisada ou

supervisionada ou teve cursos com esses profissionais.

Por essa época, nos anos 60 e 80, surge a Associação Brasileira de

Psicoterapia Analítica de Grupo (ABPAG). Compunham-na as seguintes

instituições: Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Estado do

Rio (SPAG E Rio), Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo do Rio

de Janeiro (SPAG RJ), Sociedade de Psicoterapia de Grupo de

Pernambuco (SPAG PE), Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de

Grupo (SPPAG), e dois grupos de estudos: um de Juiz de Fora/Barbacena

e outro do Mato Grosso do Sul.

Na década de 80/90 são fundadas as instituições Núcleo de

Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares

(NESME), em 1989, em São Paulo, e a Sociedade de Psicoterapias

Analíticas Grupais do Estado de São Paulo (SPAGESP), em Ribeirão

Preto, em 1994. Ambas as instituições desenvolvem seus estudos sob

ampla influência da escola argentina.

Agregaram-se posteriormente a Sociedade de Psicoterapia

40

Analítica de Grupo de Campinas (SPAG-CAMP), o NESME e a

SPAGESP, já citados, e o Grupo de Estudos do Pará.

Atualmente presentes e em atividade encontram-se NESME,

SPAGESP, Grupo de Estudos de Psicoterapia Analítica de Grupo do

Pará e Instituto Abuchaim, de Porto Alegre. A Sociedade Brasileira

lamentavelmente extinguiu-se, por dificuldades internas de sustentação e

externas, por encerramento de filiadas.

O NESME, fundado em 1986, teve como participantes de sua

fundação, ou de seus primeiros tempos, Ana Margarida Cunha, Any

Trajber Weisbich, Beatriz Fernandes, Betty Svartman, Catalina Pagés,

Ceneide M. O. Cerveny, Elsa Vera Suhsemil, Marina Durand, Neusa M.

F. Marques de Oliveira, Ricardo M. Pelosi, Sueli Mozeika e Waldemar

Fernandes. O NESME está em franca atividade: promove congressos,

publica sua revista Vínculo: Revista do NESME e oferece atendimento em

sua clínica de grupos. Publicou em 2003 o livro Grupos e configurações

vinculares, juntamente com a SPAGESP.

Alguns membros do NESME se associaram com outros

profissionais de Ribeirão Preto, Marília, Sorocaba, Americana e Franca, e

colaboraram para que uma entidade que era apenas um pequeno grupo

de estudos, liderado por Fábio José Gonçalves da Luz, se transformasse

na SPAGESP em 1996, também mantendo um curso e a Revista da

SPAGESP. Hoje em dia, ambas as sociedades lideram a maior parte do

movimento grupal psicanalítico no Brasil, especialmente a denominada

psicanálise vincular ou psicanálise das configurações vinculares.

Referências

Camara, M. (1987). História da psicoterapia de grupo. Em: L. A. Py (Org.),

Grupo sobre grupo (pp. 21-36). Rio de Janeiro: Rocco.

Ferreira, I. B. (2002). Psicoterapia de grupo. Em: F. B. Assumpção Jr., &

D. Reale (2002), Práticas psicoterápicas na infância e na adolescência (pp.

179-200). São Paulo: Manole.

Grinberg, L., Langer, M., & Rodrigué, E. (1976). Psicoterapia del grupo: su

enfoque psicoanalítico (5ª ed.). Buenos Aires: Paidós.

Ribeiro, J. P. (1981). Psicoterapia grupo-analítica – Abordagem foulkiana: Teoria

e técnica. Petrópolis: Vozes.

41

Zimmermann, D. (1971). Estudos sobre psicoterapia analítica de grupo. São

Paulo: Mestre Jou. (Trabalho original publicado em 1957)

Sugestões de leitura

Portillo, I. D. (2000). Bases de la terapia de grupo. México: Editorial Pax

México.

Saidon, O. (Org.) (1983). Práticas grupais (pp. 16-23). Rio de Janeiro:

Editora Campos.

Scheidlinger, S (1996). História da psicoterapia de grupo. Em: H. I.

Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de psicoterapia de grupo (pp.

6-13). Porto Alegre: Artmed.

43

2 Conceitos introdutórios sobre grupalidade e

Psicanálise Vincular Waldemar José Fernandes

Neste capítulo serão apresentadas várias noções básicas para o

trabalho com grupos, que poderão facilitar a leitura e a reflexão sobre os

demais capítulos do livro. Abordaremos os temas: conceito de grupo,

agrupamento e vínculos; espaços ou dimensões do vínculo e comunicação

e vincularidade.

Introdução à psicanálise vincular – grupos, famílias, instituições, vínculo

Uma pergunta que frequentemente se faz é: ao utilizarmos o termo

Grupo ou o termo agrupamento, falaremos sobre os mesmos

dispositivos?

Na verdade, consideramos que há um agrupamento quando existe

um conjunto de pessoas que compartilham do mesmo espaço, com

objetivos comuns, como as que aguardam em fila a chegada de um ônibus

ou pessoas que entram em um curso, esperando aprender algo.

Apesar de elas não manterem qualquer vínculo, basta que exista

um incidente qualquer, como um pneu furado ou assalto, no caso do

ônibus; ou um sorriso, um olhar cúmplice, alegre ou enfezado para

transformar esse agrupamento em um grupo, pois haverá interação – uma

experiência emocional compartilhada. Esse grupo trabalhará junto para realizar

o que for preciso para sanar o problema. Assim, é fazendo vínculos – na

interação afetiva e comunicacional – que se configura o grupo.

Concluímos que Grupo é uma forma específica de

agrupamento em que ocorrem interações vinculares.

44

A psicanálise das configurações vinculares ou psicanálise vincular

é, ao mesmo tempo, uma forma de organizar conhecimentos psicanalíticos

já existentes, assim como de expandir o campo de estudo teórico e de

abordagem clínica, com respeito a ela, principalmente no terreno dos

grupos, famílias, casais e instituições.

Pichon-Rivière, um psicanalista com base kleiniana e muito

interessado no social foi o profissional que mais usou a conceituação de

vínculo, unindo seus conhecimentos psicanalíticos com outras

contribuições, especialmente da sociologia e da psiquiatria social. Ampliou

o conceito de relação de objeto, propondo uma estrutura mais complexa,

que inclui um sujeito e um objeto em interação, em movimento, com

expressões psicológicas internas e externas, que interferem uma com a

outra durante todo o tempo.

Bion foi outro autor que deu contribuições de grande valor a

respeito do campo vincular, enfatizando que nesse campo ocorre sempre

uma experiência emocional (Fernandes, 2003b). O binômio transferência-

contratransferência, o modelo continente-conteúdo (Bion) e o conceito de

ancoragem (Kaës), têm íntima relação com o conceito de vínculo.

É noção básica para o psicoterapeuta que trabalhe com psicanálise

vincular que “reconheça claramente, e possa discriminar a natureza dos

vínculos do trabalho analítico, os quais, acompanhados das emoções,

fantasias inconscientes, ansiedades e defesas, estão sempre presentes em

qualquer relacionamento” (Fernandes, 2003a, p. 44).

A palavra vínculo é extremamente utilizada, nem sempre com

sentido claro. Junto com outros autores, como Donato et al. (1995), assim

como Pichon-Rivière, Ana Quiroga, Bion, Zimerman, entre outros, “vejo

o vínculo como entidade interna e externa ao mesmo tempo” (Fernandes,

2003a, p. 44). Assim, nosso conceito de vínculo é abrangente e o leitor

precisará tê-lo em mente daqui em diante.

Vínculo é uma estrutura relacional em que ocorre

experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou

partes da mesma pessoa. Tem espaço ou dimensão

intrassubjetiva, intersubjetiva e transubjetiva.

45

Os Três Espaços Psíquicos

Janine Puget e Isidoro Berenstein propuseram um modelo de

aparelho psíquico no qual se organizam zonas diferenciáveis (dimensões

ou espaços psíquicos). Temos raízes em várias dessas zonas

simultaneamente, e, dependendo do estímulo recebido, que poderá vir de

dentro ou de fora dele, uma dessas dimensões ocupa a cena, entrelaçada

com as outras (Fernandes, 2003a).

Em nossa compreensão, o mundo interno compõe-se do sujeito,

com suas representações, fantasias, sonhos, representações do corpo e do

próprio funcionamento mental. Aí estão os vínculos que cada um tem

consigo mesmo, o inconsciente tal qual Freud o concebeu. Chamamos

esta dimensão ou espaço de intrassubjetivo ou intrapessoal.

Outro desses mundos é o interpessoal ou intersubjetivo, no qual

ocorre o relacionamento do sujeito com os demais. Aí experimentamos o

amor, o ódio e a experiência diretamente ligada ao conhecimento. É no

espaço intersubjetivo que se constitui o sentimento de pertença. Tal

experiência emocional é via de mão dupla, de nós para os outros e dos

outros para nós. Tais modelos de relações interpessoais primárias deixam

suas marcas e se estendem para os demais grupos que, ao longo da vida,

vão se constituindo, e nos quais estados emocionais primários vêm a se

manifestar.

Entretanto, nem todas as situações do passado emergirão tal e

qual, com grande importância, no presente, e, quando o fazem, virão na

forma de atualizações. De qualquer modo, é importante estarmos atentos

ao que encontramos no presente das sessões, no relacionamento

interpessoal do momento.

Quanto ao espaço ou à dimensão transubjetiva do vínculo, pode-

se entender como a que envolve as leis, a cultura, os mitos, o

macrocontexto, aquilo que nos transcende nos pequenos e grandes

grupos.

Questões da cultura de cada país pairam, qual uma nuvem, em

situações familiares e grupos em geral, e terão de ser consideradas sempre

que quisermos entender aquela configuração vincular. Nas empresas, não

é raro que exista um clima ruim para trabalhar, em que predomina a

sensação de que nada presta – todos falam mal de todos ou de algum setor

46

da empresa, e, muitas vezes, nada se faz para tentar mudar a situação.

Nesse caso, o clima de má vontade impera, e a impressão que se tem é de

inimigos que são obrigados a conviver, como se fossem condenados numa

prisão (Fernandes, 2007). Esse aspecto transubjetivo pode afetar a saúde

dos participantes e a produtividade da empresa.

A vincularidade – outras contribuições

Vimos até aqui o conceito de vínculo como entidade interna e

externa, a grande importância da experiência emocional nessa

conceituação e as dimensões ou espaços do vínculo.

Vamos agora trazer contribuições de Bion e de Zimerman e

discutir o que fazer na prática com esses conhecimentos. Será que o

vínculo é uma entidade visível por si só? Se é um modelo ou abstração, o

que fazer?

A psicanálise, tradicionalmente, tem demonstrado a existência de

dois vínculos, o Vínculo do Amor e o Vínculo do Ódio, que estão

francamente implicados com as pulsões de vida e de morte, tanto que o

enfoque do trabalho analítico de modo geral tem priorizado o conflito e a

ambivalência entre as duas pulsões e suas respectivas emoções.

O aporte bioniano, contudo, enriqueceu a questão vincular ao

mostrar que:

(...) na mente existe também uma função vinculadora que dá

sentido e significado às experiências emocionais, a que chamou

Vínculo K – Vínculo do Conhecimento. A partir dessa

contribuição, o eixo do conflito psíquico teve uma mudança,

sendo enfatizado como o indivíduo se vincula com a verdade, contida nas

relações amorosas e agressivas. (Fernandes, 2003c, p. 110)

Para Bion (1962/1991), no vínculo ocorre uma experiência

emocional em que existem três emoções básicas: conhecimento (Vínculo K),

entre um indivíduo que busca conhecer um objeto e um objeto que se

presta a ser conhecido; amor (Vínculo L), análogo ao anterior, mas

referente ao amor; e ódio (Vínculo H), também análogo ao anterior, mas

referente ao ódio.

47

O Vínculo K tem coloração emocional do tipo frustração ou dor

mental, emoções inerentes ao conhecer. K sempre está, de alguma forma,

associado aos vínculos do amor ou do ódio.

David E. Zimerman, experiente psicanalista e estudioso dos

grupos, acrescentou aos três vínculos anteriormente estudados por Bion

um quarto Vínculo: o do Reconhecimento (Vínculo R). Para o autor, o

termo reconhecimento tem os seguintes significados:

1. Reconhecimento de si próprio – o reconhecimento das

vinculações intrassubjetivas, possibilitando tomar consciência de

si.

2. Reconhecimento do outro – o reconhecimento das vinculações

intersubjetivas, isto é, dar-se conta que o outro é um ser autônomo,

diferente dele.

3. Ser reconhecido aos outros – possibilita consideração e

gratidão ao outro.

4. Ser reconhecido pelos outros – confirmando sua existência e

valor, auxiliando a manter a autoestima. (Zimerman, 2010, p. 192)

Esses quatro vínculos são indissociáveis, em estado de permanente

interação, embora, em determinadas situações, algum deles adquira certa

predominância. Eles tanto podem abrigar situações de normalidade, como

também patologias, como ensimesmamento narcísico, falso self etc.

Nos grupos, e mais acentuadamente ainda, nas instituições, o

Vínculo K costuma ser atacado toda vez que surge a figura de alguém que

seja portador de uma ideia nova, pois representa uma ameaça para o

establishment, como veremos no capítulo 12.

Tampouco podemos esquecer a presença do Vínculo R em

qualquer que seja o tipo de grupo, ou seja, sempre há certo grau de

necessidade de cada indivíduo vir a ser reconhecido pelos demais, o que inclui o

terapeuta.

O limite entre a necessidade de reconhecimento sadio e a carência

patológica de reforços constantes (falso self) é pouco nítido, envolvendo

um cuidado especial também para com o próprio terapeuta, que pode estar

movido por narcisismo, trabalhar para receber reconhecimento de que é alguém

muito especial, verdadeiro reasseguramento contra lacunas básicas.

48

Nos grupos, seja com finalidades operativas ou terapêuticas, o

Vínculo do Reconhecimento se processa num trânsito de mão dupla.

Além da necessidade vital de ser reconhecido pelos demais, o

reconhecimento que um indivíduo faz dos outros não pode ficar limitado

à percepção da presença física das outras pessoas do seu grupo.

Nesse caso, o que se espera é que as intervenções do coordenador

propiciem maior interação e comunicação aos participantes do grupo, e

que, ao mesmo tempo, estes possam reconhecer as peculiaridades entre si,

para desenvolver solidariedade e respeito à autonomia do outro, e, ao

mesmo tempo, fazer-se respeitar.

Há outros conceitos de vínculo. Por exemplo, há quem denomine

vínculo somente quando há um interlocutor externo de referência (o que

chamamos de vínculo intersubjetivo).

Quanto ao referencial externo, seja qual for o conceito de vínculo,

é fundamental enfatizar que a nossa vida é extremamente diferente, assim

como a nossa capacidade comunicativa, quando consideramos ou não a

presença do outro, que tem existência real e não é produto de nossas projeções,

fator esse que é um dos mais importantes no trabalho com grupos.

Em psicanálise vincular, o estudo e o trabalho clínico é feito a

partir da observação e da reflexão sobre a comunicação, pois o vínculo

não é uma entidade concreta, palpável, e assim, tal como ocorre com a

fantasia inconsciente, tem de ser inferido. Nesse caso, cada particularidade

da comunicação dá uma amostra de como pode estar o processo

comunicativo vincular.

O processo comunicativo e a grupalidade

A palavra processo, para Zimerman, “vem de processu (em latim =

movimento) + pro (= para a frente), assim indicando que existe algo,

alguma atividade, algum projeto que está em marcha” (2012, p. 208).

O processo comunicativo é muito dinâmico, sempre em evolução.

Seu estudo só se torna possível se primeiro pudermos paralisá-lo, congelar

sua dinâmica, como fazemos com uma fotografia, que paralisa o

movimento.

49

Comunicar significa compartilhar com o outro informações de

qualquer espécie, o que permite a ambos ter algo em comum, como vimos,

fazer um vínculo.

Na comunicação, os sentidos não estão tanto na mensagem; as

palavras, de fato, só ganham sentido de acordo com o momento e

dependendo de quem as utiliza, pois as significações estão nas pessoas. Os

sentidos são pessoais, são propriedade nossa, já que aprendemos

significados, acrescentando algo pessoal, causando transformações.

Boa parte das discussões entre as pessoas é baseada nas suposições

de que determinada palavra tenha um significado específico e de que

qualquer pessoa que empregue essa palavra pretenda exprimir esse

sentido.

Na psicopatologia atual há um “novo vocabulário” usado pelos

pacientes e também por muitos profissionais, como “tive pânico, tenho

TOC, você tem um transtorno depressivo ou ansioso, fulano é bipolar”, e

assim, os envolvidos pensam que estão se entendendo e se comunicando.

Costumo questionar tais jargões, pedindo esclarecimentos, pois não tenho

a menor ideia sobre o que estão falando. Na prática, recebo explicações e

exemplos que indicam os sentidos mais surpreendentes e inusitados que

cada um dá para essas palavras, o que permite indagar aos participantes do

grupo ou do casal se imaginavam o sentido a que a pessoa estava se

referindo.

Confundimos muito, em nosso trabalho, aquilo que vemos e

ouvimos com as teorias que estudamos, e ainda com o que captamos de

nosso mundo interno, que nos influencia o tempo todo e tende a distorcer

a compreensão.

Os estados da mente das posições esquizo-paranoide e depressiva,

as fantasias inconscientes, a inveja e o ciúme são alguns dos fatores que

interferem na comunicação2.

No processo comunicativo partimos de uma premissa: o emissor de

um ato comunicativo espera ser entendido. Nesse processo, um elemento

fundamental é aquilo que cada um leva em conta, o que depende de suas

2 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.

50

suscetibilidades individuais, do contexto grupal e do momento, enfim, de

aspectos intra, inter e transubjetivos.

Fato da maior importância é que toda comunicação contém uma

metacomunicação, ou seja, simultaneamente comunica algo além do

verbal, que muitas vezes é mais esclarecedora do que a comunicação

verbal.

A metacomunicação pode ser pesquisada durante a sessão do

grupo ou do casal, por exemplo, observando os atos comunicativos,

quando alguém fala em tom inaudível, ou age como se não tivesse ouvido

(dizendo: “hein?”), ou quando responde algo extremamente diferente do

que lhe foi perguntado. Por exemplo, um casal em terapia chega atrasado

à sessão, e logo ele diz: “ela não cumpre o prometido, para me sacanear”.

Indagada, ela explica que “tem dificuldade com a organização de seu

tempo” (e torce o nariz, fazendo pensar que poderia estar com nojo de

algo). Novamente indagada sobre essa comunicação não verbal, diz “não

adianta se explicar com ele, pois sempre irá deturpar o que ela diz”.

Teríamos muitos caminhos aí para trabalhar. Um deles poderia ser sobre

as contradições ao descreverem o(a) parceiro(a) como casos perdidos, e,

entretanto, vieram pedir ajuda.

Assim, pelo olhar que acompanha a fala, pelo tom de voz

empregado, pelos gestos que acompanham as palavras, pela postura

corporal, temos algo para pensar, para questionar, e, por vezes, até para

interpretar melhor o conteúdo de uma fala.

De qualquer forma, pela comunicação verbal e não verbal temos

uma ponta de fio de meada para trabalhar.

Assim, é importante procurar captar a comunicação com o outro

e consigo mesmo, estudando os vínculos nos processos comunicativos.

“É preciso aceitar e compreender que comportamentos diferentes podem

comunicar uma mesma coisa e que comportamentos iguais podem

comunicar coisas diferentes” (Fernandes, 2003a, p. 50). Da mesma forma,

a comunicação pode ter êxito e pode fracassar.

Em síntese, é fundamental que observemos a fonte da comunicação

(quem comunica o que, para quem, em que contexto e de que forma),

assim como verificar o receptor (como cada um recebe a comunicação

51

alheia, em que situação, com que grau de distorção, quais os possíveis mal-

entendidos etc.).

Todos nós já participamos de situações em que imperavam mal-

entendidos e ressentimentos, em que todos querem ter razão, mas não

existe altruísmo. Da mesma forma, o clima de colaboração, de coletivismo

e boa vontade contribui grandemente para os resultados desejados numa

família, instituição, empresa e em situações grupais em geral.

Referências

Bion, W. R. (1962/1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1962)

Donato, A., Fernandes, B. S., Svartman, B., Oliveira, N. M. F. M., Toledo,

R. P., & Fernandes, W. J. (1995). Pensando sobre grupos e outras

configurações vinculares. Revista da ABPAG, 4, 118-126.

Fernandes, W. J. (2003a). O processo comunicativo vincular e a psicanálise

dos vínculos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes

(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 43-55). Porto Alegre:

Artmed.

Fernandes, W. J. (2003b). Bion: O conhecimento e a vincularidade –

vínculos K, L, H. R – os níveis de funcionamento grupal: O pensar e

os pensamentos. Em W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes

(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 109-127). Porto Alegre:

Artmed.

Fernandes, W. J. (2003c). Os diferentes objetivos do trabalho grupal. Em:

W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e

configurações vinculares (pp. 185-193). Porto Alegre: Artmed.

Fernandes, W. J. (2007). A má vontade e as possibilidades de crescimento

mental a partir do fortalecimento dos vínculos amorosos. Anais do XIII

Congresso Brasileiro de Psicoterapia de Grupo; IX Encontro Luso-Brasileiro de

Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (pp. 118-123).

Zimerman, D. E. (2010). Os quatro vínculos. Porto Alegre: Artmed.

Zimerman, D. E. (2012). Etimologia de termos psicanalíticos. Porto Alegre:

Artmed.

53

3 Proposta introdutória de classificação

do trabalho grupal Waldemar José Fernandes e Tales Vilela Santeiro

Para o estudo e o trabalho com grupos é necessário considerar que

qualquer grupo se movimenta em dois planos ou dois níveis de

funcionamento psicodinâmico, conforme descreveu Bion: o nível de

Grupo de trabalho, que opera no plano consciente e mantém contato com a

realidade – com características análogas às do funcionamento do Ego –, e

o nível de funcionamento grupal de Pressupostos básicos, que opera no plano

inconsciente. Entretanto, cada grupo terá suas necessidades e cada pessoa

terá suas próprias singularidades. Nesse âmbito de trabalhos, o que terá de

ser alvo de atenção e de investimentos constantes é a atitude do coordenador

(Fernandes, 2003b).

Há diversas possibilidades de classificação dos trabalhos com

grupos, realizados com inspiração psicanalítica. Ela pode ser feita a partir

de alguns critérios, que vão desde a forma como um grupo recebe um

integrante, até as próprias características do participante ou do local onde

o trabalho é desenvolvido. Isso será detalhado a seguir e ao longo do livro

haverá capítulos com ilustrações pormenorizadas dessas formas de

classificação. E por essa razão o título deste capítulo incorpora o vocábulo

introdutório: porque pretende introduzir eixos explorados pelos autores do

livro e porque pretende apresentar noções fundamentais sobre

organização de grupos.

A depender da fase do ciclo vital na qual os participantes se

encontram, o grupo pode ser classificado como de crianças, de

adolescentes, de adultos e de idosos. Muitas vezes é possível reunir num

grupo crianças e adolescentes. Por exemplo, quando tratamos

conjuntamente de crianças na puberdade e no início da adolescência ou de

adultos e idosos, e assim sucessivamente.

54

Quando a classificação destaca semelhanças ou diferenças entre

participantes, tratamos de grupos homogêneos e de grupos heterogêneos. Os

homogêneos são aqueles formados por pessoas com características

comuns. Por exemplo, um grupo pode ser homogeneamente constituído

por crianças (etapa do desenvolvimento), ou por mulheres (gênero), ou por

diabéticos (adoecimento crônico); e também pode ser homogêneo quando

essas mesmas pessoas exemplificadas constituiriam um grupo formado

por crianças e mulheres e diabéticas.

Os grupos heterogêneos, para prosseguirmos no mesmo exemplo,

seriam os formados pelo conjunto de pessoas com certas características:

por crianças e por adolescentes (momentos do ciclo vital distintos), por

meninos e por meninas (gênero misto), por portadores de diabetes e por

pessoas com sintomas depressivos (heterogeneidade de sintomatologia e

de “quadros de adoecimento”). Tal como no exemplo anterior, essas

pessoas poderiam reunir todas essas diversidades e serem atendidas em

um único grupo (crianças e adolescentes, meninos e meninas, diabéticos e

portadores de sintomatologia depressiva).

A partir da forma como a pessoa pode iniciar sua participação e

pelo tempo de permanência dela no grupo, podemos elencar os grupos

como abertos ou fechados, ou como semiabertos ou semifechados. Quando pode

haver entrada e saída de participantes a qualquer momento, estamos diante

de um grupo aberto. Esse tipo de grupo é mais comum de ser visto em

instituições que lidam com alta demanda numérica de atendimentos e que,

igualmente, precisam prestar contas acerca do fluxo desses atendimentos,

porque a quantidade de pacientes atendidos tem implicações

administrativo-financeiras para a manutenção do próprio serviço. Na

clínica privada, os grupos psicanalíticos também costumam ser abertos,

mesmo com demanda baixa, o que caracteriza uma das dificuldades desses

grupos: mantê-los, pois podem ir minguando numericamente, com risco de

extinção.

O grupo fechado seria aquele no qual os participantes

permanecem do começo ao término da sequência de sessões grupais

contratadas. Nele, novas entradas de pacientes/usuários não são

permitidas, o que inclui a impossibilidade de reposição: se alguém precisar

55

sair anteriormente ao que fora contratado, o grupo tem o número de

integrantes diminuído; nunca, porém, aumentado.

Grupos seriam semifechados ou semiabertos quando a entrada ou a

saída de novas pessoas pode ser flexibilizada. Por exemplo, o grupo se

inicia no formato aberto e após um tempo ele se fecha; também é cabível

o contrário.

Outra forma de categorização dos grupos tem relação com a

característica administrativa do local onde as intervenções ocorrem. Elas

podem acontecer em ambientes privados, como consultórios de médicos ou

estabelecimentos onde profissionais da saúde e da educação atuam. Isso

pode ser ilustrado com escolas, consultórios vinculados a convênios

médicos e outros. Os locais podem ser instituições públicas, como

equipamentos de saúde pública do Sistema Único de Saúde, do Sistema

Único de Assistência Social, do Ministério da Educação ou de outros

órgãos governamentais, estaduais ou municipais. Os grupos podem ser

desenvolvidos, ainda, em ambientes não governamentais ou do terceiro setor,

como seriam os casos de lares de acolhimento a menores em processo de

adoção e cursinhos de educação popular (pré-vestibulares).

Grupos também podem ser classificados conforme as diferentes

configurações vinculares que são alvo dos atendimentos. Esses casos

podem ser esclarecidos por psicoterapias desenvolvidas com famílias e

com casais, ou por abordagens grupais em geral (não psicoterapêuticas,

como os grupos operativos no ensino), ou, finalmente, por abordagens

grupais visando ao trabalho de demandas institucionais (por exemplo,

aprimoramento de comunicação intrainstitucional).

Trabalhos em grupo também podem ter focos distintos

delimitando suas classificações: grupos unifocais ou grupos multifocais. Um

grupo seria classificado como unifocal quando um trabalho específico for

desenvolvido sobre algum aspecto de interesse institucional, profissional

ou conforme demandado por aqueles que procuram por tais dispositivos.

Grupos para tratamento de transtornos alimentares ou para atenção a

dificuldades de aprendizagem estudantis seriam algumas possibilidades.

Grupos multifocais, por seu turno, visariam ao trabalho sobre

diversos aspectos; a obtenção de autoconhecimento, de modo amplo, seria

ilustração pertinente. Nesses casos, tão logo um foco tenha sido

56

explorado/trabalhado pelo grupo, outros focos passariam a nortear os

trabalhos, ou simplesmente diversos focos consecutivos poderiam ser

alvos de trabalhos e explorações.

Outro modo de classificar o trabalho grupal alinha-se diretamente

à duração temporal que ele considera. Nesse aspecto, um grupo pode ser

breve ou de prazo pré-determinado; de longo prazo ou de prazo

indeterminado. Como os próprios nomes sugerem, a ideia de que um

grupo possa ter caráter breve em seu funcionamento é usualmente

associada a processos que considerariam a predeterminação do fator

temporal como relevante e como critério.

Além disso, um trabalho grupal pode ser breve porque isso foi

planejado dessa maneira – e isso é o desejável quando se pensa num

processo grupal nomeado como “breve”. Ou o grupo pode ser breve

como uma espécie de “resposta”, emitida pelos participantes, quando

percebem, ainda que de forma inconsciente, que o proposto não lhes faz

sentido e se evadem dele. Neste segundo caso, o uso da nomenclatura

“breve” é, portanto, equivocado; ele não espelha o fato de um processo

psicoterapêutico breve ser alvo de criterioso planejamento, o que inclui

focalização e traçado de objetivos exequíveis dentro do escopo temporal

disponível.

Ao classificarmos o trabalho grupal conforme o foco dos trabalhos

e conforme o tempo de duração dele, registramos dois assinalamentos: (1)

é comum que um grupo breve seja unifocalizado e que, por outro lado,

um grupo de longo termo se ocupe de focos sucessivos, o que acontece

justamente porque o fator temporal pode não constituir preocupação

inerente ao contrato de trabalho e, também, ao planejamento do processo;

e (2) em um grupo planejado para ser executado como breve (e agora

pensamos em um grupo unifocal), é possível que haja recontratações e

replanejamentos, tal como cabe ocorrer em processos de longo prazo.

Outra maneira de classificar o trabalho grupal vincula-se à

constituição da sua equipe coordenadora ou executora. Ele pode ser

coordenado/executado por uma equipe uniprofissional (composta por

profissionais psicólogos ou por professores, por exemplo); ou por uma

equipe multiprofissional (formada por assistente social e por enfermeiro, por

exemplo). Em instituições de atenção à saúde, o trabalho grupal realizado

57

multiprofissionalmente costuma ser desejável e até mesmo fator

constituinte de políticas públicas.

Uma modalidade de classificação que tem sido engendrada a partir

da popularização da internet, ocorrida no novo século, e que propomos

agora é quanto à “presença” dos participantes do grupo. Os encontros

ocorrerão com as pessoas fisicamente juntas ou distanciadas?

Até o advento da pandemia do COVID-19, atendimentos com

mediação de tecnologias de informação e de comunicação propiciadas pela

internet, na modalidade remota, eram motivados por dois fatores gerais:

ou eles aconteciam em caráter experimental, não raro articulados a

finalidades de pesquisa acadêmica, ou ocorriam de modo informal,

conforme decisões particulares que cada psicoterapeuta poderia tomar, a

despeito de haver consolidação de conhecimentos que pudessem

comprovar sua eficácia. E, além disso, as próprias tecnologias não eram

acessíveis como o são agora, vinte anos depois de as primeiras delas virem

a público. Atualmente, programas e aplicativos como WhatsApp e Meet

permitem que pessoas possam se reunir em grupo, com boas condições

de privacidade, de som e imagem.

Após a pandemia ter se instalado e, como consequência, o

afastamento social ter sido normalizado, encontros psicoterapêuticos

desenvolvidos na modalidade remota passaram a ser preferenciais. Essa

movimentação tem alavancado debates, revisões em códigos de ética

profissionais e tem instigado novas descobertas, também no âmbito da

atuação profissional em coordenação de grupos psicanaliticamente

orientados. Pensarmos, assim, nessa nova forma de classificação dos

trabalhos em grupo nos parece imperativo, haja vista a modalidade remota,

além de ser alvo de antigos temores, vir sendo estabelecida como modo

promissor de trabalho.

Trabalhos grupais podem, finalmente, ser classificados quanto aos

objetivos ou às finalidades que têm. Nesse sentido, podem ter finalidades

operativas (não psicoterapêuticas), psicoterapêuticas e de pesquisa.

Todas as formas de classificação expostas são úteis, pois podem

auxiliar os profissionais no planejamento de seus fazeres e, em última

instância, podem contribuir para a qualidade do trabalho ofertado e para

a saúde mental dos atendidos. De todas as formas de classificação,

58

entretanto, consideramos essencial que fique bem definido se os grupos

têm finalidades operativas ou finalidades terapêuticas (Fernandes, 2003b). E por

que dizemos isso? Fundamentalmente porque podemos executar

pesquisas com sobreposição dos dois outros objetivos: pesquisas sobre

grupos operativos e pesquisas sobre grupos psicoterapêuticos. De toda

forma, cada uma dessas possibilidades será detalhada nos itens seguintes.

Grupos com finalidades operativas

Nesses grupos os objetivos podem ser vários, como esclarecer

temas, situações e, principalmente, proporcionar algum aprendizado que

favoreça o progresso das pessoas envolvidas, individualmente ou como

equipe. Eles também podem ser denominados como grupos centrados em

tarefas e, por serem inspirados nas propostas de Pichon-Rivière

(1983/2000), pensador e psicanalista argentino muito influente no modo

como processos grupais são concebidos e conduzidos no Brasil,

caracterizam-se como de inspiração teórica psicanalítica.3

Pichon-Rivière observa que, a despeito de um grupo ter finalidade

operativa ligada à aprendizagem, ele terá sempre algum resultado terapêutico,

semelhantemente ao que ocorre nos grupos terapêuticos, que proporcionam

graus de aprendizagem. Há uma relação dialética, dinâmica e vincular entre

aprendizagem e efeitos psicoterápicos. Nesse processo, aprendizagem sem

relações cristalizadas implica mudança, indica crescimento. Ao ocorrer em

grupo, ela abre novas possibilidades de aquisição de conhecimentos sobre

o mundo interno e externo.

Uma das marcas distintivas de um grupo operativo é a ênfase no

entendimento dos processos transferenciais que os participantes fazem

para com a tarefa propriamente dita, ao passo que o entendimento das

transferências para com os pares e para com o coordenador, ou

coordenadores, é menos objetivado. As posturas interpretativas destes,

por conseguinte, são acionadas para auxiliar o grupo a manter ou a retomar

o trabalho sobre a tarefa.

Alguns exemplos de grupos com finalidades operativas:

grupos temáticos (discussão de textos ou temas);

3 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.

59

grupos de orientação (gestantes, diabéticos, hipertensos,

alcoolistas e outros);

grupos Balint (discussão de casos em equipe, visando a auxiliar

o profissional em suas dificuldades ao atender pacientes);

grupos de diagnóstico (supervisão de casos atendidos por

aprendizes de processos grupais);

grupos de acolhimento (em salas de espera de serviços-escola e

de ambulatórios);

grupos de convivência (em instituições inseridas no nível de

atenção à saúde primário, como Unidades de Atenção ao Idoso,

com apenas uma sessão ou mais);

grupos de autoajuda (autogeridos entre pares, como alcoólicos

anônimos e psicóticos anônimos); e

grupos operativos propriamente ditos (em escolas, empresas e

hospitais), entre outros.

O contrato de trabalho a ser tecido com um grupo de finalidade

operativa deve esclarecer que ele visa à obtenção de conhecimentos mais

gerais sobre algo, sobre o grupo ou sobre si mesmo. Além disso, para o

grupo ser classificado como operativo no sentido criado e desenvolvido

por Pichon-Rivière, noções como as de tarefa (não apenas a que prevê

“execução racional de algo”, digamos) e de emergentes grupais são marcos

teóricos distintivos, entre outros que serão abordados em capítulo

específico (capítulo 8).

A partir dessa última consideração, há duas modalidades muito

importantes de grupos operativos inspirados no modelo pichoniano: os

grupos psicanalíticos de reflexão (em sociedades que congregam profissionais

que trabalham com grupos, institutos de formação ou de ensino psi,

universidades ou como vivências) e os Grupos Psicanalíticos de Discussão

(discussão em pequenos grupos sobre as mesas redondas que ocorrem em

congressos e jornadas, por exemplo).4

4 Devida à relevância desses temas e da influência dessas formas de conduzir grupos na realidade brasileira, eles serão tratados em pormenores no capítulo 14, Grupos Psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos.

60

Grupos com finalidades terapêuticas

São os grupos com objetivos que vão além do aprendizado

buscado por aqueles com finalidades operativas. Eles possibilitam

crescimento pessoal e grupal, no sentido de que a o trabalho a que eles se

propõem tem relação com o tratamento de questões existenciais e/ou com

a atenuação de sintomas, com o desenvolvimento de comportamentos

mais saudáveis e assim por diante. Se nos grupos operativos a transferência

para com a tarefa grupal era alvo prioritário de análises, aqui as

manifestações transferenciais para com os membros, para o grupo como

um todo e para com os coordenadores ganha acento.

Nos procedimentos grupais psicoterapêuticos de inspiração

psicanalítica, os pacientes costumam associar livremente, e aprendem a

aceitar sem censuras tais associações. Participantes do grupo, incluindo os

psicoterapeutas, podem trabalhar a comunicação e a vincularidade de

modo mais abrangente e ambicioso, em comparação ao que costuma ser

praticado nos grupos operativos, que normalmente não têm tal objetivo.

Geralmente é estimulado o pensar, o aprender com a experiência, assim

como a meta de cada um poder ser o que se é. Nesses grupos, quando bem

sucedidos, ocorre maior aceitação da impotência e da incerteza. Também

questões primitivas e não elaboradas, causadoras de sintomas, podem ser

trabalhadas. Encontramos aí as psicoterapias psicodinâmicas de grupo, de

modo geral, que serão enfocadas a seguir.

A psicoterapia psicodinâmica de grupo

A psicoterapia psicodinâmica de grupo é, no sentido do que vimos

dizendo, uma forma de psicoterapia grupal em que, além da meta

terapêutica, existe também a procura pelo autoconhecimento e pelo

desenvolvimento de aspectos menos maduros da personalidade e dos

modos como os vínculos se estabelecem e podem se estabelecer,

proporcionado pelo aprendizado que ocorre nas relações interpessoais e

na vivência com o grupo como um todo, entidade que reproduz a

sociedade em que vivemos.

A inspiração psicanalítica é uma das principais teorias que apoiam

esse tipo de trabalho, e há, ao longo da trajetória de estudos sobre grupos,

desde as contribuições de Pichon-Rivière até as de Bion, desde as de

61

Cortesão até as de Kaës, preocupação em pesquisar e procurar elaborar

teorias próprias de grupo. Há outras correntes importantes, como o

psicodrama de Moreno, já bem divulgado em publicações especializadas,

e que merece ser estudado, pois pode ajudar o psicanalista vincular e o

profissional que trabalha com outros tipos de grupo a enriquecer sua

prática clínica. Para dar um exemplo, encontramos no texto Psicoterapia da

relação, de José Fonseca (2000), bons elementos do psicodrama

contemporâneo em nosso meio, entre outros publicados também por

respeitáveis autores brasileiros e estrangeiros.5

Entre os exemplos de grupos de inspiração psicanalítica com

finalidades terapêuticas, temos: psicoterapia analítica de grupo,

grupanálise, psicanálise vincular (de grupo, casal, família, instituição),

psicodrama psicanalítico, grupoterapia breve psicanalítica. Apesar de tais

nomenclaturas serem de conhecimento geral, essa orientação teórica pode

abranger diversos tipos de estratégias, como grupos com pacientes

internados (comunidade terapêutica, centros de reabilitação, hospitais-

dia), grupoterapia com pacientes com queixas fortemente somáticas, entre

outros.

Grupos com finalidades de pesquisa

Anteriormente, dissemos que grupos com finalidades de pesquisa

eram um terceiro modo possível de classificarmos os trabalhos grupais e

que eles poderiam ser sobrepostos aos grupos operativos e aos

psicoterapêuticos. Além disso, eles são pouco focalizados pela literatura

da área das grupoterapias e dos processos grupais, razão pela qual

dispensaremos algumas palavras sobre eles.

Um grupo com finalidades de pesquisa requer ponderações sobre

a origem das demandas, para distingui-los dos demais tipos. Se uma

instituição ou grupo pode demandar um atendimento grupal, nem sempre

isso ocorre nos casos de pesquisas acadêmicas. Nestas, as demandas,

embora não exclusivamente, costumam ser dos pesquisadores. Estes, por

sua vez, desenvolvem projetos de pesquisa e respectivos trabalhos de

5 Além disso, existem outras importantes correntes que se ocupam das dinâmicas e dos processos de grupo, como a Gestalt-terapia, a psicologia analítica de Jung, a teoria sistêmica, a teoria cognitivo-comportamental, dentre outras.

62

conclusão/relatórios, atrelados a alguma instituição universitária,

especialmente a algum programa de pós-graduação. Nesse sentido, a origem

da demanda pela intervenção grupal sofre um tipo de “deslocamento” face

às demandas postas por instituições ou por grupos, ocorridas em cenários

não acadêmicos. Essa característica faz da classificação de grupos com

finalidades de pesquisa algo não apenas particularmente distinto, mas

também merecedor de ponderações específicas quando for uma opção de

trabalho.

Até aqui procuramos exemplificar diversidade de formas de

conceber o trabalho com grupos, conforme seus objetivos e/ou

características dos profissionais e pacientes/usuários envolvidos. Sabemos

o quanto isso pode soar complexo, em especial ao leitor iniciante nesse

campo. Nessa direção, precisamos retomar o que dizemos no início,

quando mencionamos a atitude do coordenador. A atitude clínica do

coordenador ou coordenadores é o pilar de quaisquer compreensões que

possamos fazer ou apresentar, e ela, para ser exercitada eticamente, requer

cuidados específicos.

Os coordenadores do grupo têm a missão de manter o foco nos

objetivos planejados para aquele grupo, utilizando seus conhecimentos da

teoria da técnica para que isso aconteça. Para cada situação, seja para

atender um grupo de adolescentes, seja para coordenar um grupo de

pesquisa, a postura e a ética profissionais são a argamassa que favorece

que elementos díspares e até mesmo desconexos, presentes em processos

psicoterapêuticos grupais, ganhem sentido mais genuíno e possam ser

verdadeiramente promotores de saúde mental. Daí a importância de uma

boa formação profissional.6

Importância de saber qual a finalidade e o contexto onde ocorrerá o grupo

Vejamos algumas situações grupais já ocorridas, como ilustração:

José Carlos é psiquiatra, com interesse em aprender sobre

grupos. Por isso, iniciou um curso de formação para

grupoterapeutas e coordenadores de grupo. Relatou em aula que

montou um grupo, no qual os pacientes queriam se tratar e

6 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação.

63

melhorar seus sintomas. Entretanto, o coordenador do grupo

queria testar suas interpretações e aprofundar o trabalho. Como

resultado houve a desintegração do grupo, faltas, desinteresse,

forte resistência, e em poucos meses não havia mais participantes,

deixando o terapeuta iniciante muito angustiado.

Júlia é uma assistente social em serviço de saúde mental. Foi

direcionada pela chefia para passar a atender grupos de

diagnósticos, de convivência e de psicoterapia. Inicialmente se

interessou e enfrentou o desafio, mesmo sem conhecimento sobre

grupos. Gostou dessa atividade, e foi trabalhando. Tempos depois,

sentiu necessidade de iniciar um curso de formação sobre grupos.

Surpreendentemente, no decorrer das aulas, ficou claro que Júlia,

que vinha atendendo determinado grupo há três anos, não havia

parado para pensar sobre as finalidades daquele trabalho, quais

seus objetivos, quais as necessidades daqueles pacientes e da

instituição.

Nesses dois exemplos, participantes do grupo e terapeuta não

conseguiram afinar seus objetivos, com sérias consequências, em grande

parte por falta de reflexão e tomada de decisão quanto ao que cada

profissional pretendia fazer em tais circunstâncias, se o trabalho seria

viável com aquele grupo e naquele contexto, entre outros aspectos. Temos

de levar em conta, portanto, que o processo comunicativo vincular terá

diferenças de abordagem, de acordo com os objetivos a serem alcançados.

A técnica precisará ser alvo de adaptações se o trabalho for realizado com

crianças ou adultos, se em instituição ou clínica privada, se ocorrer com

tempo limitado, se o grupo for homogêneo quanto a um ou mais fatores,

e assim sucessivamente.

Isso posto, é necessário buscarmos uma forma de discriminar os

diversos tipos de trabalho grupal, tarefa que consideramos fundamental,

pois grande parte dos insucessos terapêuticos provêm da confusão

provocada pelo não esclarecimento dos objetivos do trabalho aos

usuários/pacientes e, o que é pior, muitas vezes o profissional não parou

para pensar sobre o que está fazendo e sobre quais seriam suas intenções

nesse percurso (Fernandes, 2003a). Procuramos demonstrar, então, como

é valioso termos em mente as várias possibilidades de atendimentos

64

grupais, de acordo com as finalidades daquele grupo e do contexto em que

ele for desenvolvido, além, é claro, da essencial relevância de o profissional

ter adesão teórica que fundamente todo o processo interventivo, além de

outros itens implicados em uma boa formação.

Os coordenadores de grupo com finalidade operativa, terapêutica

ou de pesquisa terão, desse modo, de estar atentos à técnica utilizada, para

avaliar se as metas são compatíveis com o que pretendem, se são

compatíveis com as metas do público alvo e, acima de tudo, se ambos estão

em acordo mediante o que foi combinado.7 É vital, entretanto, que o interessado

em trabalhar com grupos faça sua formação em caráter continuado, pois

o bom atendimento dependerá do aproveitamento que tiver tido em sua

análise pessoal e demais itens da formação exigida para quem for trabalhar

com grupos.8

A título de considerações finais, frisamos que as classificações

listadas ao longo do texto podem se sobrepor umas às outras. Isso

aconteceu quando ponderamos, por exemplo, sobre grupos focais e

grupos de temporalidade breve, e sobre grupos heterogêneos e

homogêneos. Ou quando consideramos o local onde os trabalhos são

desenvolvidos: grupos com finalidades operativas ou psicoterapêuticas

podem acontecer em instituições de diversas naturezas e serem

coordenados por equipes multiprofissionais.

O dinamismo inerente a um processo grupal requer que a

classificação dos diversos tipos de grupos seja articulada ao que vivemos

em nossos trabalhos. Por exemplo, quando tratamos de grupos abertos ou

fechados, é preciso ter clareza de que, a cada momento do grupo,

negociações podem e devem ser feitas, a partir do que o próprio grupo

constrói coletivamente e a partir do que o coordenador (ou os

coordenadores) concebe como viável, conforme o modelo teórico que

direciona seu olhar e seu fazer, bem como em consideração aos limites

inerentes às suas formação e experiência profissionais.

Como se vê, compreender “como” um trabalho grupal pode ser

classificado é um exercício que visa a auxiliar aqueles que pensam nele ou

7 Ver o capítulo 16, Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas. 8 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação.

65

com ele trabalham a se encontrarem do ponto de vista profissional e, por

conseguinte, para evitar trabalhos “desnorteados” técnica e

filosoficamente, os quais podem ter sérias implicações no campo da ética

profissional e, sobretudo, na saúde mental das pessoas e dos grupos alvo

de nossas atenções. Assim como o que apresentamos pode implicar

sobreposições de classificações, precisamos alertar, ainda, que existiriam

outras maneiras de traçar os tipos de grupos. A que foi relatada é a que

nos parece mais adequada às nossas práticas clínicas, de ensino e de

pesquisa.

Referências

Fernandes, W. J. (2003a). Bion: O conhecimento e a vincularidade –

vínculos K, L, H. R – os níveis de funcionamento grupal: O pensar

e os pensamentos. Em W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.

Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 109-127).

Porto Alegre: Artmed.

Fernandes, W. J. (2003b). Os diferentes objetivos do trabalho grupal. Em

W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e

configurações vinculares (pp. 185-194). Porto Alegre: Artmed.

Fonseca, J. (2000). Psicoterapia da relação: Elementos de psicodrama

contemporâneo. São Paulo: Ágora.

Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (8ª ed.). São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)

67

4 Formação de psicoterapeutas e

coordenadores de grupo de inspiração

psicanalítica: Clínica de grupos

na Saúde e na Educação Beatriz Silverio Fernandes, Tales Vilela Santeiro e Waldemar José

Fernandes

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho

Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio

(...)

Ainda não estamos habituados com o mundo

Nascer é muito comprido.

Murilo Mendes, em Reflexão n. 1

A redação deste capítulo foi feita a seis mãos, a partir de nossas

experiências na clínica privada e em instituições, ao trabalharmos com

grupos com finalidades operativas, psicoterapêuticas e de pesquisa. Nossas

experiências são diversificadas e espelham atuação de duas gerações

distintas de psicoterapeutas de grupo. Enfocaremos a formação para

coordenadores e psicoterapeutas de grupo, de modo geral, porque no

nosso entendimento ela tem linhas mestras a serem cuidadosamente

ponderadas e que independem desta ou daquela geração de trabalhador.

Nesse percurso, priorizaremos vivências que temos tido com

pacientes/usuários de serviços de saúde, profissionais da saúde e da

educação e estudantes de distintos níveis de ensino formal, do

fundamental ao da pós-graduação.

As sociedades formadoras, como visto no capítulo 1, Psicoterapia de

grupo: sua origem, seus caminhos, já foram numerosas em todo o mundo, o que

ocorreu também em nosso meio. Acreditamos, porém, que tem havido

mudanças nessa paisagem toda. Isso se deve a diversos fatores, dentre os

quais salientamos três: econômicos, certa tendência ao imediatismo e

68

transformações na formação em orientação psicanalítica. Trataremos

desses três fatores em seguida e nesse caminhar o leitor precisa considerar

que eles devem ser compreendidos de modo articulado.

O primeiro fator, o econômico, precisa ser contextualizado na

realidade latino-americana, distintamente do que poderia ocorrer em

outras realidades. De modo geral, as profissões que lidam com os cuidados

à saúde mental das pessoas têm sofrido impactos semelhantes aos vividos

por quaisquer profissionais inseridos num cenário político e econômico

neoliberal: tem havido precarização das condições de trabalho, incluindo

a precarização das remunerações, que em alguns casos chega a ser

aviltante. Por outro lado, como é sobejamente sabido, a formação na

orientação psicanalítica é um empreendimento custoso; a rigor, para ser

desenvolvida envolve o tripé estudo teórico, análise pessoal e prática

supervisionada, fatores que serão detalhados em tópicos específicos, além

de um quarto fator que proporemos, os grupos de reflexão, que, ao

integrar esse processo, torná-lo-ão um quadripé. Dessa forma, o aspecto

econômico incide sobre a base dos processos formativos: se tratamos de

um profissional não raro mal remunerado, como ele poderia priorizar o

tri/quadripé da formação?

Dessa forma, sustentar tal modelo de formação tem se tornado

inviável para muitos profissionais, especialmente – mas não

exclusivamente – para os que se encontram em início de carreira. Nesse

sentido, quando mencionamos a tendência ao imediatismo como um fator

explicativo das transformações no campo da formação, isso ganha melhor

sentido se associado ao fator econômico; todavia, precisa ser enquadrado

juntamente das características dos dias atuais, tempos de “alta velocidade”

e de “plena eficácia”. Cibercultura (Lévy, 1997/1999), Sociedade do desempenho

(Han, 2017) e Modernidade líquida (Bauman, 2000/2001) são algumas

metáforas que vêm à tona e nos ajudam a compreender o mundo no qual

estamos inseridos. Não somos ou seremos mais os mesmos após o

advento de popularização da internet e da intensificação dos movimentos

de globalização das economias e das culturas vividos nos últimos vinte

anos.

O fator atinente ao que nomeamos como transformação no

processo de formação psicanalítica para atuação em grupos articula-se

69

como uma extensão dos dois anteriores. E, como dito, os três fatores estão

imbricados. O paciente/usuário e o analista/psicoterapeuta não são nem

serão mais os mesmos. Então, a ideia de transformação contempla em si

a possibilidade de que ela própria seja vista de modo mais ou menos

negativo. Se olharmos para ela como algo que precisaria acontecer, como

o foi há alguns anos, provavelmente o modo de vê-la penderá para a

negatividade das mudanças inerentes. Se, contudo, pudermos acolhê-la no

que ela tem de instigante, formas positivas poderão tomar a cena, haja vista

momentos de crise também provocarem potenciais desenvolvimentos.

Dessa forma, o campo psicoterapêutico, assim como o campo do

aprendizado na vivência grupal, é produto de somatória de fatores de alta

complexidade. Além disso, atrelam-se a eles outros elementos, que até o

momento estavam implícitos: a participação interessada e ativa dos

participantes do grupo, as intervenções do coordenador e a atitude interna

da pessoa desse coordenador/psicoterapeuta. Frisamos, assim, que uma

boa formação para esse profissional poder exercer suas atividades deve

ocorrer e que isso é diretamente relacionado a seus conhecimentos,

habilidades e atitudes.

A importância dessas atitudes, que provêm do interior da pessoa

do terapeuta, reside no fato de que elas se constituem formas de

comunicação não verbal, que atingem um nível primitivo da organização

do self do paciente. Tais atitudes nos remetem ao que ocorre na interação

mãe-bebê, tal como ao aprendizado por identificação, que ocorre com os

filhos na convivência com os pais; mais do que seus conselhos, importa

como vivem e se comportam, dando “exemplos” que somente podem ser

absorvidos por meio do viver.

Concordamos com Zimerman (2000) quanto a que as atitudes do

grupoterapeuta/coordenador de grupos refletem como ele é como gente.

E elas resultam da combinação de uma série de fatores, muito importantes

de serem sublinhados: a estrutura de sua personalidade, o grau de

adiantamento de sua análise pessoal e o seu código de valores. Esse

assunto será retomado mais adiante. Agora vamos nos dedicar à formação

propriamente. Para tanto, alguns tópicos anteriormente mencionados

serão ampliados.

70

Os pilares que fundamentam a formação têm sido mantidos pelas

sociedades formadoras: análise pessoal, supervisão e estudo teórico.

Pensamos que devemos acrescentar os grupos psicanalíticos de reflexão9

ao tripé da formação clássica, chegando, portanto, a um “quadripé” como

sustentáculo da formação na contemporaneidade. Iniciaremos pela análise

pessoal, que julgamos ser o primeiro item em grau de importância nessa

área.

Análise pessoal

A análise pessoal é basilar na formação de qualquer psicoterapeuta,

não sendo exceção no caso do analista vincular. Tudo que vimos da teoria

e da prática com grupos parte do princípio de que o

coordenador/psicoterapeuta tenha capacidade para lidar com as questões

espinhosas que surgirão no trabalho diário, como as resistências, as

identificações projetivas que chegarão em grande quantidade, e lidar com

suas próprias questões transferenciais, sua onipotência, seu narcisismo etc.

Mesmo que a análise individual tenha sido bem conduzida, com

bons desenvolvimentos e em longo prazo, parece-nos imprescindível que

exista a experiência grupal, e a recíproca é verdadeira. Destarte, melhor ter

ambas as experiências, individual e grupal, em períodos diferentes, com

analistas diferentes, para melhor evolução pessoal.

Qual o tempo necessário para se submeter à grupoterapia, como

paciente, ao ingressar no processo de formação? Por absurdo que possa

parecer ao profissional já ambientado no campo da clínica, essa é uma

questão que aparece muito, advinda dos iniciantes, candidatos a coordenar

grupos.

Sabemos que tanto uma experiência de três a quatro anos pode ser

muito útil – e suficiente –, principalmente se a pessoa já fez análise

individual por alguns anos, assim como, em certos casos, 10 a 12 anos

ainda não foram satisfatórios para abrandar defesas importantes e

proporcionar mudanças significativas. Dessa forma, aquele que se

submeter ao próprio processo de autocuidado, que o faça com interesse,

9 Ver o capítulo 14, Grupos psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos.

71

que se envolva e procure não deixar que questões burocráticas atrapalhem

seu desenvolvimento.

É recomendável iniciar o processo analítico o quanto antes e só

interrompê-lo – preferencialmente como resposta acordada conjuntamente

com o grupo e com o analista – após anos de trabalho, se estiver evidente

que houve bom desenvolvimento e que está na hora de pensar em parar.

Todavia, o tema da alta é algo muito subjetivo e poderá demandar meses

de discussão com todos os participantes do grupo, ou com o analista, se o

processo for bi-pessoal.

Mais relevante que o tempo de duração da psicoterapia/análise

pessoal ou o quanto o término desse processo pode ser dialogado e

amadurecido, como fatores isolados, é a qualidade do que a pessoa em

formação puder fazer e o “quanto” ela pode investir nisso, fatores que

devem ser sopesados com cuidado. Afinal, “afinar-se”, como instrumento

de trabalho que somos, pode ser exercício prazeroso e gratificante. E se

esse processo de autoconhecimento for almejado, porque ele é

fundamental e genuíno integrante da identidade profissional do

psicoterapeuta, o tempo e o término passarão a figurar como elementos

de pano de fundo.

Por razões como essas, cabe-nos fazer um parêntese sobre o

analista/coordenador grupal, que atende pacientes que também são

estudantes em formação. A ele cabe posição amistosa, transparente e

autêntica, no intuito de ajudá-los a pensar e a desenvolver a função

psicanalítica da personalidade de cada um10, de modo semelhante ao que

seria almejado ocorrer com demais pacientes. Assumir uma postura

“pedagógica” e lançar-se a exibir seus conhecimentos àquele em processo

de formação pode incidir, em última instância, numa composição de

profissional equivalente a um pretenso erudito. Ademais, nesse exercício

que consideramos não ser o mais apropriado, o risco intrínseco de atuar

como livre atirador de interpretações pode se constituir em efeito colateral

indesejável. Em contrapartida, qualquer postura que fomente a

criatividade e a espontaneidade do estudante deveria ser priorizada.

10 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares.

72

Supervisão

Fernandes et al. (2004) expõem que o termo supervisão, segundo

vários dicionários, refere-se a dirigir, orientar, inspecionar. Se

pesquisarmos a origem da palavra, encontraremos o supervisor como

aquele que revisa, aquele que vê.

Supervisão, por sua vez, é uma atividade consolidada durante a

Idade Média. Referia-se ao trabalho do aprendiz junto ao mestre, que

transmitia seus conhecimentos para que o aprendiz realizasse a tarefa da

mesma forma, sem criatividade. Com o passar dos anos e o advento dos

tempos modernos, hoje essa noção apresenta-se um tanto ou quanto

modificada.

Atualmente, se compreendêssemos o termo supervisão de forma

literal, seria algo retrógrado e colaboraríamos para que o supervisionando

aumentasse sua dependência e seu medo frente ao novo processo.

Também seria falso não se levar em conta um saber maior do supervisor,

o qual poderá, então, lançar um novo olhar ao trabalho do aprendiz.

Feito esse preâmbulo, consideramos que a supervisão é o segundo

pilar na estrutura da formação de coordenadores e grupoterapeutas. Para

nós, ela é uma necessidade para quem trabalha com grupos. Há quem

considere tal necessidade como um sintoma de dependência

psicopatológica. Não pensamos assim, em definitivo. E a esse respeito

concordamos com Isaura Manso Neto: “Não sentir essa necessidade pela

vida e, sobretudo, nos primeiros anos de profissão é que me parece sinal

de psicopatologia” (Neto, 1999, p. 51).

Menosprezar a necessidade de dialogar com alguém mais

experiente no campo da clínica de grupos tangencia o tópico “necessidade

de o estudante investir(-se) num processo de psicoterapia/análise

pessoal”, anteriormente debatido: ele não teria compreendido “nada”, ou

teria compreendido muito pouco, das complexidades inerentes ao seu

fazer profissional. Isso, por seu turno, tem relação direta com a

onipotência e o narcisismo, que estariam ressoando como notas musicais

de instrumentos desafinados. Afinal, sermos onipotentes e narcisistas não

é um “problema” por si só, até porque estas são características humanas.

A questão que se coloca é mesmo o quanto essas características têm

podido, ou não, receber tempo e espaço no processo de formação do

73

principiante, principalmente em sua análise pessoal, pois amiúde

necessitamos abrir mão da onipotência e do narcisismo, altruisticamente,

em prol do aprendizado do futuro psicoterapeuta ou coordenador de

grupos.

A supervisão é vista, portanto, como uma necessidade nas

entidades formadoras de psicoterapeutas e faz parte do currículo das

sociedades analíticas internacionais, porque dela depende a qualidade do

serviço oferecido pelo profissional. Decidir por ela deveria ser decisão

pessoal, genuína e eticamente fundamentada, que se vincula, novamente,

à atitude clínica do psicoterapeuta/analista. Consideramos, pois, que sem

supervisão não haveria como avaliar a qualidade do trabalho, já que o

candidato poderia ser um excelente conhecedor de teorias e um mau

terapeuta.

Mas, o que seria supervisão, afinal? Para Grinberg (1997, p. 172), “é

uma experiência de ensino na qual o supervisor partilha com um colega os

seus conhecimentos clínicos”. O nome supervisão pode ter conotação

infeliz (Fernandes, 2003), pois não se trata de alguma fiscalização ou

inspeção, nem tampouco de uma visão melhor ou superior. Trata-se de

mais uma visão, de uma outra visão, pelo vértice de um profissional que não

estava lá na sessão terapêutica. Portanto, é um exercício mental onde se

pode cogitar o que poderia ocorrer numa situação, como aquela relatada

durante a supervisão, longe do aqui e agora terapêutico, situação sujeita a

diversas transformações11, desde que foi captada pelo aluno, também ao

passar para o papel e mais uma vez transformada ao relatar no Grupo de

Supervisão.

Uma das funções da supervisão é aliviar os alunos da dor mental,

do sofrimento que eles vivenciam na tarefa de atender seu primeiro grupo,

sua primeira família, tendo de lidar com as cobranças internas e externas.

Infelizmente, os questionamentos que surgem nessa atividade podem

deixar o supervisionando menos tranquilo ainda; não há como impedir

isso, mas tal desconforto poderá ser trabalhado na sua análise. E, por esse

tipo de razão, dissemos anteriormente que a análise/psicoterapia pessoal

11 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares.

74

seria o primeiro item em grau de importância, quando a formação na área

da clínica grupal é pensada.

No início do processo de supervisão é comum o terapeuta

iniciante necessitar de um supervisor que, além de fornecer subsídios

teóricos e técnicos para a atuação profissional, dê segurança, alivie o

sofrimento e o medo, principalmente o medo de errar, e amenize a grande

dúvida: o que dizer aos participantes do grupo? A responsabilidade e o

acolhimento do supervisor às angústias dos supervisionandos são, desse

modo, atitudes básicas e constituintes do processo formativo. O vínculo

supervisor/supervisionandos deve ser amoroso e libertador, permitindo o

desenvolvimento de todos os envolvidos.

Otto Kernberg nos auxilia a ampliar o que temos procurado dizer:

(...) supervisores podem desempenhar uma função crucial na

inibição da confiança dos candidatos no seu próprio trabalho e na

possibilidade de aprenderem por meio da sua própria experiência.

É importante que os supervisores falem o mínimo possível. Na

verdade, pode ser útil que o candidato sinta uma continuidade

natural entre ser um paciente em análise e o relacionamento com

o seu supervisor. A escuta cuidadosa e silenciosa do supervisor à

apresentação do trabalho do candidato com seus pacientes, com

um comentário esporádico ilustrando o que o candidato fez de

errado, pode manter o candidato numa saudável incerteza e

humildade em relação ao seu trabalho. (1996, p. 154)

Como podemos notar, o narcisismo e o sentimento de onipotência

– já aludidos quando o estudante esteve em pauta – também integram a

humanidade e podem rondar os processos de trabalho desempenhados

pelo supervisor. Eles podem levar a tentativas de “dar conta de tudo”,

num processo de identificação com seus supervisionandos, que

frequentemente também não aceitam seus limites, suas impotências

perante situações nas quais só puderam fazer a sua parte. É comum os

principiantes (não só) pretenderem ir além das possibilidades, entender o

que não dá para entender, captar, interpretar, curar etc.

As supervisões de processos grupais também podem ser feitas em

grupos de aprendizes. No próximo item trataremos dessa possibilidade.

75

Grupos de Supervisão

Supervisões individuais são recursos úteis e ricos. Porém,

preferimos aquelas realizadas em grupo de supervisionandos. Trata-se de

uma outra experiência, por meio da qual supervisor e supervisionados

podem compartilhar suas ideias e conhecimentos (Fernandes et al., 2004).

É um processo que reúne dificuldades e complexidades; porém, é

igualmente adorável, pois vivê-lo nos permite perceber o grupo crescer

como um todo, assim como seus participantes em particular. Poderemos

conversar e esclarecer tanto os fenômenos próprios à dinâmica do Grupo

de Supervisão, como os dos atendimentos grupais. Colocam-se e

compartilham-se dúvidas, conflitos, fatores que poderiam causar mal-estar

ou estancamento do trabalho e do processo de criatividade. Nos diálogos

coletivos, mal-entendidos podem ser desfeitos e há possibilidade de se

relacionar teoria e prática grupais.

O Grupo de Supervisão, se for eficiente, deve funcionar como um

grupo de cooperação mútua, que se reúne com a tarefa de aprimoramento

profissional, contando com a ajuda de um profissional escolhido por ter

maior experiência e com quem existe certa empatia e confiança. O que se

espera é que essa atividade possibilite que os supervisionandos

desenvolvam suas próprias capacidades de entendimento e sua

criatividade.

Achamos peculiar e estimulante observar que as conclusões às

quais os profissionais chegam em conjunto, no Grupo de Supervisão, a

partir de um fragmento único de uma sessão grupal, vêm dos próprios

supervisionandos. Elas foram extraídas de seus próprios conhecimentos, de

suas próprias falas, mas não necessariamente foram valorizadas por eles.

Não raro elas só chegam a ser valorizadas se forem referendadas na

supervisão.

Como em qualquer grupo, também no Grupo de Supervisão

poderá predominar o nível de funcionamento grupal chamado de Grupo de

Trabalho, mas teremos de conviver com as emoções primitivas dos Supostos

Básicos bionianos, como visto no capítulo sobre Bion12, e o sucesso do

trabalho dependerá, em grande parte, de o supervisor poder lidar com

todos esses aspectos e, por essa via, conseguir ajudar aos supervisionandos

12 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

76

a encontrarem seus próprios caminhos e a adquirirem identidade como

coordenadores de grupo/grupoterapeutas. Na posição de supervisor de

coletivo grupal, o ideal é que possamos ser claros, tolerantes e flexíveis,

respeitando, valorizando e apoiando o modo de trabalho dos

supervisionandos, sem impor nosso estilo de trabalho, de modo análogo

ao que foi exposto quando supervisões individuais foram enfocadas.

É necessário que a supervisão ocorra em clima emocional de

educação/aprendizagem. O supervisor é, habitualmente, idealizado e nele

são projetadas expectativas importantes, que possam justificar sua escolha,

tal como no processo analítico. Será um “modelo” para identificação dos

supervisionandos. Entretanto, a supervisão deve estar centrada no

material clínico trazido, incluindo aspectos contratransferenciais,

proporcionando criatividade e autonomia aos grupoterapeutas, que

poderão começar a pensar por si mesmos.

É desejável que a atividade de supervisão caminhe paralelamente à

de análise/terapia pessoal. Quando o supervisionando ainda não começou

sua análise pessoal, terá aumentadas as probabilidades de viver

dificuldades extras e de trazê-las para o Grupo de Supervisão. Enquanto

supervisores, não podemos nos omitir. “O supervisor deve dar a sua

perspectiva empática dos pacientes, chamando a atenção para os pontos

que parecem obscuros, confusos ou que provoquem reações violentas nos

grupanalistas; e evitar sofrimento excessivo e desnecessário aos

grupanalistas, jovens praticantes” (Neto, 1999, p. 95).

Um de nós teve interessante experiência em um Grupo de

Supervisão, tal como relatado por Fernandes et al. (2004). Uma das

supervisionandas que integravam o grupo compartilhou situações vividas

no âmbito da própria situação de supervisão e que eram acompanhadas de

desconforto. Ela indicou que isso acontecia quando:

a. o supervisor não levava em conta determinadas percepções do

supervisionando e, assim, colocava suas ideias como “verdade

absoluta”;

b. o terapeuta não conseguia expressar adequadamente suas

hipóteses a respeito dos pacientes e nessas situações notava existir

uma espécie de “lacuna” entre o que realmente aconteceu na

sessão terapêutica e o que era narrado no ambiente de supervisão;

77

isso, por sua vez, provocava um sentimento de “estranheza” diante

do que era dito pelo supervisor;

c. o supervisionando ou o supervisor acabavam distorcendo o real

sentido da supervisão, e o primeiro passava a sentir-se “avaliado”;

e, em decorrência dessa vivência,

d. o supervisionando receava relatar conteúdos, o que tornava o

resultado da supervisão limitado em suas potencialidades.

Fernandes et al. (2004) também relataram depoimentos sobre a

tarefa de supervisão realizada em grupo:

Carvalho: Tarefa útil e necessária, auxilia na percepção dos

processos inconscientes dos pacientes, ajudando assim a definir o rumo

da terapia. Propicia segurança ao terapeuta a ajudá-lo na compreensão das

reações transferenciais e contratransferenciais.

Abriata: Amplia a visão sobre o grupo em atendimento. Ajuda a

entender o processo terapêutico.

Jacomin: Favorece reconhecer as próprias falhas e dá

oportunidade de observar que não somos os únicos a cometê-las,

permitindo enxergar os pontos cegos do atendimento e da própria

supervisão.

Andrea: As percepções focadas e analisadas no Grupo de

Supervisão complementam a compreensão da sessão, a possibilidade de

crescimento e abrem portas para novas leituras.

Oliveira: Parece ser o ideal, desde que apresente a possibilidade de

uma boa interação e estabelecimento de “vínculos”, como no processo

terapêutico de um grupo.

De modo distinto do que esses psicoterapeutas relatam, nem

sempre os supervisionandos chegam facilmente ao reconhecimento de

suas dificuldades contratransferenciais. Isso ocorre seja por mecanismos

de defesa, seja por dificuldades no vínculo com o supervisor, o que pode

aumentar pontos cegos nos trabalhos que desenvolvem.

É importante orientar os alunos na seleção e no agrupamento dos

pacientes. Por vezes é necessário forte estímulo para que os

supervisionandos tenham coragem para iniciar seu primeiro grupo.

Lembramos de casos em que somente após um ano ou mais de convites é

que algum colega do grupo de supervisionandos conseguiu começar a

78

trabalhar com grupos, embora tivesse grande quantidade de clientes e

muita vontade de trabalhar dessa forma.

Devemos tentar mostrar outros aspectos que ainda não puderam

ser observados pelo supervisionando. Isso é relativamente mais fácil para

nós, que estamos afastados do “calor” da sessão de grupo e podemos

intuir algo mais, pela forma com que o material é apresentado, partes que

são omitidas e outros indícios, mostrando pontos cegos da atuação dos

aprendizes. Parece-nos essencial que fiquem demarcadas, no decurso dos

trabalhos de supervisão, as diferenças de intervenção de acordo com os

diferentes objetivos do trabalho grupal proposto, assim como o ambiente

de trabalho (hospital, universidade etc.).

É desejável que sejam mostradas vantagens e desvantagens nas

condutas relatadas pelos supervisionandos e verificar o que cada um do

Grupo de Supervisão faria na situação hipotética de estar numa sessão

grupal como a relatada. Da mesma forma, o supervisor poderá valorizar o

que identificar como corretamente observado, em sua maneira

profissional de “ver” a situação narrada.

O aprender coisas novas, o ser-se confrontado com erros e

incorreções são situações de potencial ameaça narcísica, embora

possam também ser sentidas com prazer pela satisfação da pulsão

epistemofílica. Penso, pois, que os supervisores devem ser gentis,

cuidadosos na forma como apontam as incorreções, sugerem

alterações, chamam a atenção para problemas

contratransferenciais etc. Ninguém aprende numa relação onde

domina o autoritarismo, o fanatismo, a humilhação. Pode-se,

quando muito, domesticar, silenciar a diferença, mas não penso

que seja isso que se pretenda numa supervisão. (Neto, 1999, p. 98)

Como o supervisor é um ser humano, não é nada fácil manter tal

procedimento, sobretudo porque, de um momento para outro, uma

relação amigável, de trocas de experiências, pode ceder lugar a agressões

intempestivas, deixando o supervisor desancorado.

A hora de parar com a supervisão

Percebe-se que os supervisionandos chegam até nós com duas

grandes angústias: a de aprender a trabalhar na nova identidade e a do

79

tempo que a tarefa de supervisão levará. Crescer é um processo e todo

processo necessita de certo tempo. Mas, qual será o tempo de cada um?

Acreditamos que a duração do tempo não é o fator primordial para

este tipo de aprendizado. Estamos sempre crescendo, nunca estamos

estáticos, prontos e acabados. A física quântica nos mostra que sempre

estamos em mudança, viajando pelo tempo. O que é necessário é

encontrar o equilíbrio nas três dimensões do tempo: passada (deixar de

ruminar antigas posturas que impedem o fluir do presente); futura (ver na

tarefa uma condição de felicidade e êxito dali para a frente, mágica); e

presente (quando não consegue se inscrever no futuro, o famoso “estar

parado no tempo”).

A maioria dos profissionais que trabalha com formação de

grupoterapeutas concorda em que o mais importante na decisão de

prosseguir ou parar uma supervisão é a vivência, partilhada por supervisor

e supervisionandos, de que ela já não é tão necessária para que o grupo

terapêutico e o terapeuta iniciante possam seguir em frente. Os

supervisionandos, ao evoluir, passam a perceber alguns erros e tentam

repará-los, com menor dependência do Grupo de Supervisão e menor

competição com o supervisor, já nem tão idealizado nem tão invejado.

Passam a resolver seus problemas, tanto quanto a aceitar que as incertezas

e as situações inesperadas e difíceis de lidar fazem parte do trabalho e da

vida.

Tal como na questão da análise pessoal, quanto antes a supervisão

for iniciada, melhor. Quanto ao tempo de supervisão, é errônea a ideia de

que muitos anos dessa prática tornarão o candidato um ótimo

grupoterapeuta. Não devemos ter pressa de encerrar o período de

atividade supervisionada, mas outros fatores, inclusive o dom e a arte que

cada um tem ou não tem para lidar com outros seres humanos, devem ser

considerados.

É preciso que o supervisor esteja atento e dirija o processo

avaliativo sobre como a supervisão evolui, que seja vigilante sobre o

quanto o supervisionando consegue realizar seu trabalho com criatividade,

aproveitando os apontamentos e as reflexões apresentadas pelo supervisor

e pelos colegas do Grupo de Supervisão. Ou se, pelo contrário, usa da

supervisão para não pensar e decorar receitas para serem usadas no futuro.

80

Mais algumas questões sobre a supervisão

Otto Kernberg, em Trinta métodos para destruir a criatividade dos

candidatos a psicanalistas, sugere, ironicamente, que, se o supervisor quiser

impedir o desenvolvimento do supervisionando, deve manter-se rígido e

estimular ser imitado pelo candidato:

Esse desenvolvimento irá impedir o perigoso processo pelo qual

o candidato poderia, de outra forma, integrar por si mesmo uma

teoria e um enquadre pessoal da técnica que evoluem e se

transformam criativamente à medida que ele testa seus pontos de

vista na situação de tratamento enquanto respeita o

desenvolvimento autônomo do paciente... serão necessários

muitos anos antes que possam dominar suficientemente a prática

psicanalítica para se arriscarem a contribuir com ela de forma

criativa. (Kernberg, 1996, p. 156)

Não devemos nos esquecer que um supervisor tem grande peso

na formação profissional. Ele pode levantar ou derrubar terapeutas iniciantes.

Os supervisionandos muitas vezes têm dificuldades com seu

percurso e podem se tornar querelantes, negando o próprio progresso e a

ajuda dos colegas e do supervisor, reagindo de modo injusto e com

ingratidão aos esforços para ajudá-lo: o supervisor desidealizado “já não é

tão bom assim”. Desistências podem ocorrer nesse momento (Fernandes,

2003, p. 287).

Contratransferencialmente, não é nada fácil para o supervisor que

coordena o grupo, no lugar da esperada gratidão e admiração, receber

ataques e suportar a desvalia e o não reconhecimento. Entretanto, há bons

momentos também, quando os supervisionandos conseguem reconhecer

o quanto as diferentes visões do Grupo de Supervisão podem enriquecê-

los e ajudá-los a pensar e a se tornarem melhores profissionais.

É desejável que os supervisionandos tolerem a própria ignorância

e que cada um se aceite como profissional e ser humano, portanto, falível,

passível de cometer erros. Semelhantemente, será importante para os

alunos em formação aprenderem a respeitar os limites dos seus pacientes,

dos colegas de supervisão e de seu supervisor. Afinal, como diria a poesia

de Murilo Mendes, nascer é muito comprido...

81

Finalmente, é importante que o supervisor esteja consciente de que

ele jamais saberá como se comportaria estando na sessão relatada pelo

supervisionando, quem sabe, até com maiores dificuldades do que o

psicoterapeuta iniciante? Por isso, melhor procurar controlar seu

narcisismo e não humilhar profissionais que já estão, de modo geral, em

atitude humilde e receptiva para aprender.

A supervisão ajudará na compreensão e simbolização: conhecer

seus recursos, encontrar a metáfora adequada para resgatar o amor dentro

de si com relação à perspectiva da nova identidade de grupoterapeuta. Tal

como ocorre no desenvolvimento infantil, no processo grupal de

supervisão encontrar-se-á um adulto (coordenador, mãe) visto como um

parceiro mais experiente, que vai estimular a caminhada entre o deixar de

ser aluno (filho), ou simplesmente psicoterapeuta de grupo (Fernandes et

al., 2004).

Estudo teórico

Nossa experiência tem mostrado que, apesar da prioridade quanto

à análise pessoal, supervisão, participação em grupos psicanalíticos de

reflexão e, eventualmente, ser observador de um grupo, é muito

importante também o conhecimento teórico. Como já dizia Castellar Pinto

(1986), a formação nas práticas grupais deve se pautar pelo estudo de

diversas disciplinas, como sociologia, antropologia, dinâmica de grupo,

teorias da comunicação, técnicas grupais diversas como Gestalt-terapia,

psicodrama e outras, além do estudo de psicopatologias.

Não temos dúvidas quanto à necessidade de – ao lado do

tradicional estudo da psicanálise e de suas principais correntes – estudar

as contribuições de autores que desenvolvem um trabalho original com

grupos, com finalidades operativas, terapêuticas ou de pesquisa. Além

disso, também é desejável fomentar a reflexão sobre temas de

antropologia, filosofia e do macrocontexto socioeconômico.

Ao lado dos autores clássicos da psicanálise, como Freud, Klein,

Bion e Winnicott, há textos escritos mais especificamente sobre a

grupalidade e as diversas configurações vinculares. Assim, Foulkes,

Anzieu, Kaës, Cortesão, Pichon-Rivière, M. Bernard, Puget, Zimerman,

Odilon de Melo Franco Filho, Osório, Júlio de Mello Filho e Lazslo A.

82

Ávila são alguns dos muitos autores cujos textos são fundamentais.

Também as publicações de instituições que estudam e trabalham com

psicanálise vincular, como NESME e SPAGESP (brasileiras), APPG

(argentina) e SPGPAG (portuguesa), são fontes de ricos conhecimentos

na área. Não porque tenham menos importância, mas por questão de

espaço, deixamos de enumerar outras importantes publicações existentes

no mundo todo referentes a grupos.

Leituras em Grupos Psicanalíticos de Discussão13 poderão ajudar

a refletir e a conectar a teoria com a prática. Um ponto que os alunos,

muitas vezes, não percebem, é a necessidade de ler e pensar nos textos

antes das aulas; pensar e discutir durante as aulas; e, finalmente, reler e pensar

após as aulas. Se possível, continuar relendo sempre que surgir

oportunidade, mais e mais vezes, até que o conhecimento relativo ao autor

passe a ser algo seu, elaborado, digerido e acrescido de sua experiência

pessoal, durante toda a vida profissional (Fernandes, 2003).

Nestes tempos de imediatismo e de correrias de uma atividade para

outra, o que é comum de vermos, de fato, é que alguns alunos vão para as

aulas, sem ter lido nem pensado sobre o tema, esperando absorver, como

que por osmose, a sabedoria do professor. Ao fazê-lo, acabam repetindo o

modelo fracassado adotado por alguns pacientes, que procuram milagres

em nossos consultórios, não usando o pensar nem a criatividade – são

eternos alunos e eternos pacientes, os quais, do ponto de vista da dinâmica

grupal, frequentemente contribuem para o nível de funcionamento grupal

de dependência14.

Cabe aos professores a responsabilidade de escolher se darão aulas

expositivas e repetitivas sobre autores tradicionais, apenas respondendo às

dúvidas dos alunos e, portanto, estimulando a dependência. Ou se também

valorizarão autores mais recentes e a livre discussão criativa entre todos os

participantes do processo de ensino-aprendizagem.

Grupos de Reflexão: proposição de um quadripé da formação do grupoterapeuta

13 Ver o capítulo 14, Grupos psicanalíticos de Reflexão e Discussão enquanto modalidades de Grupos Operativos. 14 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

83

Vimos no capítulo 15, Grupos psicanalíticos de reflexão e discussão,

enquanto modalidades de Grupos Operativos como os colegas argentinos, a partir

de Dellarossa, Marcos Bernard e outros, procuraram incluir na formação

algo que permitisse aos alunos viver a experiência de participar como membros de

um grupo.

A vivência dos Grupos de Reflexão no processo de

formação permite apreender o que ocorre na interação entre

muitos inconscientes. Favorece o surgimento de uma fantasia

grupal, de uma nova compreensão. Favorece o surgimento de

ideias novas, que não estavam presentes em cada um isoladamente.

Desta experiência intersubjetiva também brotam dúvidas,

questões importantes e o movimento para buscar respondê-las.

Brota, portanto, o conhecimento verdadeiro, fruto da interação

sujeito-mundo. (Svartman & Bonfim, 2001, p. 77)

Devemos ficar atentos a alguns pontos, nesses grupos. Se o grupo

psicanalítico de Reflexão se tornar o lugar de resolução de questões

administrativas, ou se o coordenador aderir ao papel de “professor” ou de

“terapeuta”, ter-se-á perdido o sentido de tal atividade. Porém, não

avançaremos nesse tema, pois no capítulo específico constarão

conhecimentos a respeito (capítulo 14).

Observação de grupo – ainda um item para complementar o quadripé da formação

A coordenação de grupos implica, afinal, que em algum momento

o candidato se disponha a iniciar um grupo, pensando nos objetivos, em

local e horário, e já ir buscando um supervisor. Tudo isso, se estiver seguro

e ciente de que esta será uma experiência tanto necessária quanto

gratificante. Para que se sinta com coragem para começar, muitas vezes

ser observador de um grupo coordenado por um colega pode ajudar e ser

situação inspiradora.

As publicações sobre o papel do observador no grupo são raras.

Apesar disso, nas décadas de 40 e 50, ser observador de um grupo

terapêutico fazia parte da formação da maioria dos terapeutas latino-

americanos, o que ocorria em grande parte por influência das teorias de

grupos propostas por Pichon-Rivière, quando ele enfatiza o papel do

copensor, por exemplo. Aos poucos, contudo, esse tipo de participação,

84

seja em grupos terapêuticos, seja com finalidades operativas, passou a ser

opcional.

Observador participante: o coterapeuta

Outro tipo de observador foi surgindo nas décadas de 50 e 60:

aquele que podia se manifestar quando solicitado pelo grupo. Aos poucos,

isso foi se transformando em coterapia, processo no qual dois

coordenadores participam em diferentes graus, podendo um deles ter um

papel secundário, como auxiliar, ou – mais frequentemente – ambos terem

papéis iguais, como terapeutas que se complementam. O mesmo tipo de

participação ocorre com duplas de coordenadores de Grupos

Psicanalíticos de Reflexão e Grupos Psicanalíticos de Discussão, duas

modalidades de grupos operativos já apresentadas neste livro.

Dificuldades de aceitação podem ocorrer, por parte de membros

do grupo, quando esse segundo terapeuta/coordenador inicia sua

participação num grupo em andamento, podendo ser visto como um

intruso, não escolhido pelos participantes. Melhor que o grupo se inicie já

com ambos participando e que o grupo esteja ciente disso desde o

primeiro dia, quando o enquadre dos trabalhos (o contrato) for iniciado.

Os coordenadores ou terapeutas devem se respeitar e manter

relações profissionais amigáveis. De todo modo, problemas ocorrem,

como já salientava Castellar Pinto, na década de 80:

O maior obstáculo a essa forma de ensino corre por conta

dos próprios terapeutas. A presença do outro ameaça o narcisismo

do terapeuta: é uma presença crítica. Em verdade a coterapia exige

entrosamento muito especial, uma relação de confiança, uma

afinidade ideológica, sem o que o casamento se dissolve, com

prejuízos para a prole [grupo]. (1986, p. 36)

No Brasil, faz parte do aprendizado de técnicas grupais a

participação de observadores no grupo, nem sempre no currículo

obrigatório, mas como opções úteis para complementar o treinamento.

Há casos em que o observador é mais experiente do que o terapeuta e na

discussão poderá utilizar exemplos do que ocorreu na sessão, para o

aprendizado do terapeuta iniciante. Em outros centros de formação, o

85

observador é menos experiente e poderá pensar e aprender com o

terapeuta, na discussão posterior sobre as vivências grupais.

Em nossa visão, distintamente, na coordenação dupla, cada um faz

o que acha que deve, e depois se discute, com aproveitamento mútuo, sem

destacar um eventual protagonista nesse processo. Aprendemos e

ensinamos, tendo como alvo principal auxiliar o grupo. Preferimos que

terapeuta e observador estejam dispostos a discutir livremente, visando ao

aprendizado recíproco, pois duas cabeças, com visões talvez até

semelhantes, mas possivelmente bem diferentes, poderão proporcionar

interessantes reflexões. Esse diálogo pode ser enriquecedor para ambos,

pois favorece uma observação mais ampla da dinâmica grupal, já que,

enquanto um dos coordenadores/terapeutas faz uma intervenção, o outro

talvez consiga detectar movimentos e atitudes que passam despercebidas

pelo que intervém. Nesse caso, um tom de voz ou um gesto poderão ser

indícios de algo a ser melhor estudado. Uma fala diferente da esperada

poderá ser ouvida como uma instigante colaboração, que amplia a

compreensão e complementa a visão da cena que foi apontada pelo outro.

Quando o grupo é muito grande, por exemplo, um grande grupo

psicanalítico de reflexão, com 100 pessoas ou mais – como acontece nos

congressos do NESME, à semelhança dos large groups europeus –, um

coordenador poderá, inclusive, observar uma parte do grupo pouco visível

para o outro.

Como visto no último Congresso Luso-brasileiro de Grupanálise

e Psicoterapia de Grupo, em outubro de 2019, a coordenação conjunta

pode ser eficaz (Neto & Fernandes, 2019). Se, mesmo com grupos

menores, podemos perder algo da comunicação verbal e não verbal, com

grupos de cerca de 50 pessoas, ou acima disso, a coordenação dupla já se

torna necessária, pois é impossível o coordenador se dar conta de todas as

falas e movimentos, assim como cuidar do tempo, além de poder dividir

com o colega as cargas projetadas sobre quem assume o protagonismo na

coordenação. Isso certamente contribuirá para a formação pela vida toda,

pois o processo de ensino-aprendizagem é infindável e o profissional,

disponível para aprender, se enriquece também com os grupos que

coordena.

86

A difícil posição do observador

Em nosso meio, geralmente o observador fica em silêncio e pode

ou não anotar dados da sessão, para discussão posterior. Entretanto, as

cargas de identificações projetivas que o atingem são numerosas. É

comum que o grupo ou parte dele sinta-se vigiado e perseguido pelo

observador, o qual, não dizendo o que pensa, dá margem a todo tipo de

fantasias, que não podem ser tiradas a limpo, com pedidos de

esclarecimento.

As cargas projetivas podem ser numerosas e primitivas, difíceis de

conter. Por razões como essa, não são raros os observadores que acabam

por responder a alguma pergunta, ou, enfim, dizer alguma coisa, pois o

desconforto e a angústia podem ser intoleráveis.

É muito importante, então, que o observador, tendo anotado

algum material, possa discuti-lo com o psicoterapeuta/coordenador

posteriormente, o que servirá para arejar a mente, rever seu entendimento

da dinâmica do grupo e, por conseguinte, aprimorar o conhecimento

sobre a teoria e a prática grupais. Ao mesmo tempo colaborará com o

grupoterapeuta com suas impressões a respeito da sessão, muitas vezes

alertando-o com relação a pontos cegos seus. Depreende-se daí que terão

de ter um contato amistoso, com disponibilidade para lidar com ideias

novas e inesperadas sobre como cada um vivenciou a sessão. E todo esse

empreendimento também pode ser alvo de supervisões (no caso de

atividades de pesquisa estarem em andamento, discussão com orientador).

A pessoa do grupoterapeuta/coordenador de grupos

Nem todos os tipos de pacientes têm indicação para tratamento

em grupoterapia. Da mesma forma, nem todos os terapeutas têm

indicação para serem grupoterapeutas.

A seguir, como sugere Zimerman (2000), estão arrolados os

principais requisitos em termos ideais, que são indispensáveis na formação

de um grupoterapeuta, “no entanto, sempre levando em conta a ressalva

de que a discriminação em separado dos diversos atributos que seguem

podem dar uma falsa impressão de que estamos pregando uma

enormidade de requisitos, uma espécie de Super-Homem” (p. 194). Para

esse autor, alguns dos requisitos são: gostar e acreditar em grupos;

87

paciência; capacidade de empatia, intuição e discriminação; capacidade de

manter-se íntegro em sua identidade pessoal e como grupoterapeuta;

senso de ética; constituir-se um novo modelo de identificação; respeito,

capacidade de se comunicar; senso de humor; capacidade de perceber o

denominador comum da tensão básica do grupo; amor às verdades; ser

coerente e continente; questões de personalidade; e outras, interligadas a

cada requisito mencionado.

O que vimos até aqui poderia desanimar o interessado em

trabalhar com grupos. Enfatizamos em nossas palavras, o que Zimerman

salientou acima: nada de pretender ser um super-herói! O principal é a

análise pessoal para incrementar a possibilidade de aceitar e se apropriar

das variedades e complexidades da dimensão humana – nossa e dos

outros!

Quais seriam as condições mais adequadas para um coordenador

de grupos psicanalíticos ser eficiente? Quais os traços de personalidade

necessários para tanto?

O psicoterapeuta, como pessoa, é uma variável importante no

processo grupal, tal como indicado por Zimerman. De modo semelhante,

acreditamos que a eficácia da coordenação psicanalítica de grupos reside

mais nos dotes humanos do coordenador do que no seu treinamento, o

qual é importante, mas não é tudo.

Uma das capacidades mais necessárias para esse profissional é saber

ouvir. O psicoterapeuta/coordenador de grupos deve ser confiável,

despertar confiança e esperança, tendo fé em si mesmo, em cada um e no

processo vincular.

O profissional que milita nessa área necessita ter certas condições

de personalidade, como, por exemplo: segurança, autoestima

razoavelmente estável, tolerância à frustração, certa limitação da

onipotência, do narcisismo, do sadismo e da inveja, gostar de pessoas,

desejo de ajudar (não de curar) e poder ser continente de aspectos

destrutivos, sem se deixar levar, em predomínio, por persecutoriedades.

No entanto, somos simplesmente seres humanos e na tarefa de ajudar os

pacientes, queiramos ou não, nossa personalidade está inapelavelmente

envolvida. Pode ser que, num certo momento, estejamos mesmo

88

querendo mostrar quão inteligentes nós somos, ou outras coisas do

gênero... Somos humanos!

Fazer uma formação adequada não é tarefa das mais simples e

envolve a busca de uma instituição saudável, que se preocupe realmente

com o processo de ensino-aprendizagem. Há anos esse processo vem

sendo estudado, seja por parte de professores, seja por parte de alunos,

procurando aperfeiçoá-lo, mas sempre se deparando com dificuldades,

como já mostraram Cerveny e Pelosi:

(...) a adolescência da Psicoterapia Analítica de Grupo está se

tornando crítica e patológica, como só acontece quando os pais

não conseguem vislumbrar o crescimento dos filhos. Urge, mais

que nunca, que com coragem e maturidade trabalhemos os liames

paralisadores de nossas instituições formadoras. (1989, p. 20)

Observações complementares sobre formação em situações acadêmicas

Situaremos o estudo e a formação para desempenho em grupos

em situações acadêmicas de graduação e de pós-graduação. Na graduação,

trata-se dos primeiros momentos nos quais os estudantes têm contato com

teorias e práticas grupais. Na pós, não necessariamente são apresentados

pela primeira vez, mas também temos notado que isso pode acontecer ou,

com estudantes que tiveram esse tipo de teor na graduação, ele foi

ministrado de forma esporádica e incipiente, haja vista a formação nesse

nível competir com inúmeras outras necessidades teórico-técnicas,

metodológicas e filosóficas (que visam ao perfil generalista).

Em quaisquer desses momentos formativos, teorias e práticas

grupais são conformadas pelos projetos pedagógicos e componentes

curriculares, e nem sempre a apresentação das práticas é prevista com

integração teórica e vice-versa. É possível, por exemplo, que a teoria seja

contemplada em uma disciplina e a prática, em estágios ou em pesquisas,

sem que necessariamente os professores que enfocam esses assuntos

sejam os mesmos, ou nem sempre o período letivo de enfoque da teoria é

o mesmo da prática e assim sucessivamente. Ademais, quando as práticas

grupais são exequíveis, elas são planejadas conforme calendários

acadêmicos, cujos cronogramas seguem as dinâmicas dos semestres ou

dos anos letivos e, portanto, permitem a execução de intervenções grupais

89

enquadradas sob claros limitadores temporais: de aproximadamente 10 a

20 encontros/sessões, conforme, respectivamente, um semestre ou um

ano letivo estejam em questão.

Quando o trabalho grupal é vinculado a alguma atividade no nível

da graduação, os formadores têm alto número de matriculados para

administrar. E isso gera a necessidade de haver instituições para onde

direcionar os estudantes (práticas grupais extramuros). Nesse âmbito, as

demandas pelas intervenções grupais costumam ser atreladas a projetos de

extensão universitária: há necessidades comunitárias e da instituição

universitária em confluência e os processos de grupo são coordenados por

estudantes, sob supervisão de professores (Oliveira et al., 2020; Siqueira et

al., 2019).

Conhecemos, ainda, trabalhos grupais que são desenvolvidos no

próprio campo formativo (práticas grupais intramuros) e que tomam

estudantes como participantes em vez de como coordenadores (Rossato

et al., 2020; Silveira & Ribeiro, 2015; Zanetti & Sei, 2017). Um segundo

tipo de trabalhos grupais desenvolvidos intramuros contempla estudantes

como participantes e como integrantes da equipe executora (Maireno et

al., 2016; Santeiro et al., 2014).

Sejam as atividades grupais visando à formação desenvolvidas

extra ou intramuros, um estudante afiliado a uma instituição universitária

“tem que” executar seu projeto de intervenção e/ou de pesquisa e “tem”,

portanto, cronograma estrito para cumprir, ou não será “aprovado” e/ou

não obterá titulação acadêmica. A despeito desse fator inerente à

obrigatoriedade, assinalamos, inspirados em ensinamentos pichonianos,

que a cisão entre formação para “a prática” e/ou para “a academia” é mais

artificial que real, na medida em que viver a clínica é lidar com o constante

processo de produção de conhecimentos, nos trabalhos que

desenvolvemos em/sobre grupos. E, nessa acepção, exceto pelo “pé” da

análise/psicoterapia pessoal, a qual não tem subsídio em políticas

educacionais que regem o mundo universitário, que a exijam do ponto de

vista formal, os demais itens do quadripé da formação permanecem viáveis

e desejáveis de constituírem o processo formativo para atuação em grupos.

Tenham os grupos finalidades operativas ou psicoterapêuticas

quando um processo de intervenção/pesquisa acadêmica for

90

planejado/executado, ao colocá-los em movimento – e ao nos

embrenharmos neles – problematizamos a realidade e o que fazemos,

coordenamos e produzimos vivências, estudamos teorias que subsidiam

nossos fazeres, numa espiral dialética interminável. Isso posto, a distinção

que vemos ser específica entre formar na academia e para a prática é que,

quando se debate formação universitária, há que haver produtos

acadêmicos concretos, decorrentes dos trabalhos (a aprovação, o feitio do

relatório etc.), ao passo que no cotidiano laboral esses produtos podem ter

caráter mais simbólico.

Estudantes universitários terem espaço e tempo reservados para

pensarem e aprenderem sobre grupos é um aspecto fundamental que

ocorra, haja vista a centralidade que os fenômenos grupais ocupam no

desenvolvimento de subjetividades e na constituição da sociedade como

um todo. Desse modo, formar universitários para atuar/investigar

processos de grupos também pode incluir formar futuros formadores. E

este, ao nosso ver, é um dos aspectos mais instigantes de tratar da

formação de coordenadores de trabalhos grupais em cenários acadêmicos.

Se o estudante compreende isso que dizemos num sentido mais

abrangente, o que é uma “obrigação” acadêmica pode ser convertido em

prazerosa peça de seu percurso formativo. Em última instância, ele poderá

nem trabalhar sob enfoque grupal, profissionalmente, quando

formado/titulado. Mas terá em sua bagagem essas experiências, que

poderão alimentá-lo em meio às demais, se assim ele se permitir fazê-lo,

naturalmente.

Finalizando...

Nesse conjunto de atividades que ocorrem durante a formação, o

coordenador/psicoterapeuta iniciante poderá desenvolver uma atitude

analítica, que permita sua vinculação aos membros do grupo e às suas

necessidades. Acreditamos que a somatória de atividades vistas permitirá

ao coordenador/psicoterapeuta em formação, maior desenvolvimento na

arte e na técnica de trabalhar com o dispositivo vincular.

Na verdade, atrás de um principiante em grupos, atrapalhado com

suas dificuldades e projeções dos pacientes, com sua inexperiência

e pontos cegos, há um terapeuta em potencial, um profissional

91

desabrochando e que necessita de reconhecimento acerca de sua

potencialidade e de suas realizações. (Fernandes, 2003, p. 289)

Referências

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

(Trabalho original publicado em 2000)

Castellar Pinto, C. (1986). Formação de psicoterapeutas de grupo. Em L.

C. Osório (Org.), Grupoterapia hoje (pp. 31-40). Porto Alegre: Artmed.

Cerveny, C. M. O., & Pelosi, R. M. (1989). A formação do grupanalista.

REV ABPAG, 2, 10-21.

Fernandes, B. S., Andréa, M. A., Oliveira, M. A. B., Jacomin, D., Abriata,

N. P. S., & Carvalho, B. A. (2004). A supervisão, o supervisor e os

supervisionandos. Revista da SPAGESP, 5(5), 16-23.

Fernandes, W. J. (2003). A importância da formação em psicanálise dos

vínculos. In W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.),

Grupos e configurações vinculares (pp. 281-289). Porto Alegre: Artmed.

Grinberg, L. (1997). On transference and coutertransference and the

technique of supervision. Em B. Martindale, M. Morner, M. E. C.

Rodriguez, & J. P. Vidit. (Eds.), Supervision and its vicissitudes (pp. 152-

172). London: Karnac Books.

Han, B-C. (2017). Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes.

Kernberg, O. (1996). Trinta Métodos para destruir a criatividade dos

candidatos a psicanalistas. Em Livro Anual de Psicanálise, XII (pp. 151-

160). São Paulo: Escuta.

Lévy, P. (1999). Cibercultura. São Paulo: 34. (Trabalho original publicado

em 1997)

Maireno, D. P., Sei, M. B., & Zanetti, S. A. S. (2016). O ensino da técnica

grupal na graduação em Psicologia. Vínculo, 13(1), 20-32.

Neto, M. I. (1999). A supervisão – Outra visão sobre os pacientes, o

grupanalista e o supervisor: Um caminho para o inconsciente. Anais

do X Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Grupo e V Encontro

Luso-Brasileiro de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo. Rio de

Janeiro.

Neto, M. I., & Fernandes, W. J. (2019). Reflexões luso-brasileiras sobre o

trabalho com grupos terapêuticos. Conferência de abertura do XIV

92

Encontro Luso-Brasileiro/XIX Congresso Nacional da SPGPAG. Lisboa:

Grupanálise.

Oliveira, M. C., Santeiro, T. V., Ferreira, C. B., & Sousa, A. A. (2020).

Promoção de saúde de trabalhadores da Atenção Básica: Relato de

experiência extensionista. Revista da SPAGESP, 21(2), 139-153.

Rossato, L., Santeiro, T. V., & Barbieri, V. (2020). Pensando famílias na

formação em Psicologia: Experiência grupo-operativa com calouros.

Psicologia: Ciência e Profissão, 40, e208770, 1-13.

Santeiro, T. V., Santeiro, F. R. M., Souza, A. M. O., Juiz, A. P. M., &

Rossato, L. (2014). Processo grupal mediado por filmes: Espaço e

tempo para pensar a Psicologia. Revista da SPAGESP, 15(1), 95-111.

Silveira, C. A. B., & Ribeiro, E. F. (2015). Grupos operativos e a formação

de psicólogos: Relato de experiência na graduação. Em: T. V. Santeiro

& G. M. A. Rocha (Orgs.), Clínica de orientação psicanalítica:

Compromissos, sonhos e inspirações no processo de formação (pp. 81-95). São

Paulo: Vetor.

Siqueira, A. B. R., Ferreira, C. S., Veríssimo, L. P., Cecelotti, A. C.,

Santeiro, T. V., Oliveira, M. C., & Ferreira, C. B. (2019). Oficinas

grupais para promoção de saúde: Experiência com trabalhadoras da

Atenção Primária. Vínculo, 16(2), 1-22.

Svartman, B., & Bonfim, R. C. M. (2001). Grupos de Reflexão: Uma

experiência que dá frutos. Anais do IV Congresso de Psicanálise das

Configurações Vinculares e III Encontro Paulista de Psiquiatria e Saúde Mental.

Serra Negra.

Zanetti, S. A. S., & Sei, M. B. (2017). Terapia em grupo com estudantes de

Psicologia: Uma via de formação para a prática clínica com famílias.

Em T. S. Emidio, & M. Y. Okamoto (Orgs.), Perspectivas psicanalíticas

atuais para o trabalho com famílias e grupos na universidade (pp. 102-113).

São Paulo: Cultura Acadêmica.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre:

Artmed.

93

5 Freud: o mito da horda primitiva e o vínculo

intersubjetivo do grupo Rose Pompeu de Toledo

Neste capítulo abordaremos as contribuições do pensamento

freudiano para a conceituação de grupos.

Freud não trabalhou especificamente com grupos; no entanto,

interessou-se teoricamente por eles. Deixou claro que não é possível

explicar a vida interior (intrassubjetiva) sem pensar na relação do indivíduo

com um outro, considerando que essas relações podem ser reconhecidas

como fenômenos sociais. Nesse sentido, suas concepções do psiquismo

individual poderiam ser estendidas para os fenômenos inter e

transubjetivos.

Neste capítulo abordaremos duas de suas obras, Totem e tabu:

Algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e dos neuróticos,

de 1913, e Psicologia das massas e análise do eu, de 1921.

Para orientar o percurso deste texto, selecionei algumas citações

que permitem refletir sobre o pensamento freudiano acerca do homem,

dos grupos, das instituições, da humanidade e da cultura, e escolhi quatro

questões levantadas por Freud nessas obras:

1. O que mantém os grupos unidos?

2. O que é uma massa?

3. De que maneira a massa adquire a capacidade de influir tão

decisivamente na vida psíquica do indivíduo?

4. Em que consiste a modificação psíquica que a massa impõe ao

indivíduo?

Totem e tabu: o mito da horda primitiva

A primeira tentativa de Freud de aplicar a psicanálise a problemas

da psicologia dos povos foi em Totem e tabu, uma de suas obras prediletas.

94

Nesse trabalho, que utiliza referências diversas como Frazer, Wundt e

Darwin, Freud propõe o mito da horda primitiva.

A horda primitiva está fundada numa dedução de Darwin, baseada

nos hábitos dos macacos superiores, segundo a qual o homem viveu

originalmente em pequenas hordas, dentro das quais o ciúme do macho

mais velho e mais forte impediu as relações sexuais dos mais jovens com

as suas várias esposas. Quando o macho jovem crescia, havia uma disputa

pelo domínio; o mais forte matava ou expulsava os outros e estabelecia-se

como líder. Os machos jovens, após a expulsão, poderiam fundar uma

horda semelhante com a mesma proibição de atos sexuais motivada pelo

ciúme do chefe. Para Freud, a repetição dessas circunstâncias resultaria na

lei que proibia relações sexuais entre companheiros de horda.

Buscando conhecer um estágio inicial e bem conservado da

história da humanidade, Freud estuda os aborígenes australianos;

descreve-os como canibais nus que não têm casas permanentes, não

trabalham o solo e não criam animais domésticos, exceto o cão.

Alimentam-se da carne dos animais que abatem e das raízes que

desenterram. Não têm reis ou chefes; suas questões comuns são decididas

por um grupo, a assembleia dos homens maduros. Não têm traços de

religião; em seu lugar têm o sistema do totemismo. Sua organização social

veda as relações sexuais incestuosas. Suas tribos dividem-se em clãs, cada

qual nomeado segundo seu totem.

Totemismo e exogamia

O totem é um animal, mais raramente uma planta ou uma força da

natureza, que tem relação com todo o clã. É considerado o ancestral

comum do clã e seu espírito protetor. Os membros do clã têm a obrigação

sagrada, e passível de punição automática se desobedecida, de não matar

o seu totem e não comer sua carne. O totemismo pode ser considerado

um sistema religioso em virtude das relações de respeito e proteção

mútuos entre um homem e seu totem.

O totemismo também é um sistema social, pois regula as relações

dos membros do clã entre si e com outros clãs. O caráter do totem é

transmitido hereditariamente. A relação com o totem se sobrepõe ao

pertencimento à tribo e ao parentesco sanguíneo e ele não se acha ligado

95

a um solo ou a um lugar. Os membros do mesmo totem não podem ter

relações sexuais entre si. A transgressão da proibição do incesto não é

sujeita a uma punição automática dos culpados, como no caso das outras

proibições relativas ao totem, mas é vingada por toda a tribo como se fosse

para afastar um perigo que ameaça toda a comunidade ou uma culpa que

a oprime. O totem é herdado pela linha materna e as regras impedem o

filho de ter relações com a mãe e com as irmãs (mas o pai, que é de outro

clã, poderia). A exogamia ligada ao totem torna impossível para um

homem a união sexual com todas as mulheres de seu clã. Nos clãs

totêmicos, os termos empregados para designar os diversos graus de

parentesco não denotam uma relação entre dois indivíduos, mas sim entre

um indivíduo e um grupo. Uma pessoa utiliza o termo pai não apenas para

seu verdadeiro genitor, mas também para todos os outros homens com

quem sua mãe poderia ter se casado; chama de mãe todas as mulheres que

lhe poderiam ter dado à luz sem transgredir a lei da tribo; e usa as

expressões irmão e irmã para os filhos de todas aquelas pessoas com quem

mantém uma relação parental.

As tribos australianas, além da proibição determinada pelo totem,

se dividem em duas partes denominadas fratrias e cada uma delas divide-

se em duas subfratrias. As subfratrias formam unidades exogâmicas às

quais se ligam os clãs totêmicos. Essas disposições restringem a

possibilidade de casamento entre os membros da tribo.

TRIBO

(Freud, 1913/2012, p. 28)

Supondo que cada clã possua um número igual de membros, se

existissem apenas doze clãs totêmicos, cada membro de um clã teria de

96

efetuar sua escolha entre 11/12 de todas as mulheres da tribo. A existência

de duas fratrias reduz sua escolha a 6/12, ou 1/2, porque um homem do

totem alfa só pode se casar com uma mulher dos totens 1 a 6. Com a

introdução das quatro subfratrias, sua escolha é ainda reduzida a 3/12, ou

1/4, porque, neste caso, um homem do totem alfa fica restrito, em sua

escolha de esposa, a uma mulher dos totens 4, 5 ou 6.

Tabu e ambivalência

Tabu é uma palavra polinésia que significa por um lado santo,

sagrado e por outro lado misterioso, perigoso, proibido. O oposto de tabu

em polinésio é “noa” que significa habitual, acessível. As proibições do

tabu são de origem desconhecida e são aceitas pelo grupo dominado por

elas como “coisa natural”. Acredita-se que qualquer transgressão será

punida automaticamente de forma severa. A maioria das proibições diz

respeito à liberdade de movimento e de comunicação. É o mais antigo

código de leis não escritas da humanidade, mais antigo que os deuses e

anterior às religiões.

Os tabus visam a proteger coisas e pessoas importantes (chefes e

sacerdotes) contra o mal; salvaguardar os fracos (mulheres, crianças e

pessoas comuns) em relação ao poderoso mana (influência mágica) de

chefes e sacerdotes; prevenir contra os perigos decorrentes da entrada em

contato com cadáveres, ingestão de certos alimentos etc.; guardar os

principais fatos da vida contra interferências (nascimento, iniciação,

casamento, funções sexuais, entre outras); e, numa fase posterior, proteger

os seres humanos contra a cólera ou o poder dos deuses e espíritos.

As proibições têm um caráter deslocável, ou seja, mudam de um

objeto para outro e tornam o novo objeto proibido. Freud traz um

exemplo encontrado na obra de Frazer: um chefe maori não aviva o fogo

com o seu sopro, pois seu alento sagrado comunicaria sua força ao fogo,

à panela e ao alimento, e a pessoa que comesse o alimento morreria.

Os tabus seriam proibições antiquíssimas, impostas violentamente

pela geração anterior aos homens primitivos, voltadas contra os desejos

mais fortes do ser humano. Aqueles que obedecem às restrições do tabu

têm uma postura ambivalente; inconscientemente, desejam infringi-las,

mas têm um enorme receio.

97

Examinando a relação da exogamia com o totemismo, Freud

observa que há uma grande semelhança entre a relação das crianças e a

dos povos primitivos com os animais; a criança vê o animal como seu igual

e identifica-se com ele.

Ocasionalmente, a relação das crianças com os animais sofre uma

perturbação, a zoofobia. Examinando fobias de animais em meninos,

Freud observa que o medo inicial relacionava-se ao pai e havia sido

deslocado para o animal. Um dos exemplos citados é do Pequeno Hans,

que vivia naquele momento, na relação com os pais, o Complexo de Édipo

(complexo nuclear das neuroses). Hans desejava a mãe, encarava o pai

como rival e nutria sentimentos ambivalentes em relação a ele; o conflito

de ambivalência foi aliviado pelo deslocamento para o animal dos

sentimentos hostis em relação ao pai; seu medo de cavalos dizia respeito

ao medo do pai.

Os povos primitivos também apresentam uma identificação com

o animal totêmico, descrevem o totem como seu ancestral comum e pai

primevo e têm uma atitude ambivalente em relação a ele.

Conclui:

Se o animal totêmico é o pai, o teor dos dois principais

mandamentos do totemismo – os dois preceitos que constituem

seu núcleo, não matar o totem e não ter relações sexuais com uma

mulher do mesmo totem – coincide com o dos dois crimes de

Édipo, que matou o pai e tomou a mãe por esposa, e com os dois

desejos primordiais da criança, desejos cuja repressão insuficiente

ou cujo redespertar forma o núcleo de talvez todas as

psiconeuroses. (Freud, 1913/2012, p. 203)

Para Freud, o Complexo de Édipo desempenha um papel

fundamental na estruturação da personalidade do sujeito, na história da

humanidade e de suas instituições.

Citando Smith, Freud cita uma cerimônia peculiar, a refeição

totêmica, como parte integrante do totemismo. O sacrifício animal foi a

mais antiga forma de sacrifício, onde o deus e seus adoradores

desfrutavam juntos a carne e o sangue. Era uma cerimônia pública, a festa

de todo o clã. Comer e beber com alguém era, ao mesmo tempo, um

98

símbolo e um fortalecimento do vínculo social e da adoção de obrigações

recíprocas.

Freud supõe, a partir de Smith, que “a morte sacramental e

devoração comum do animal totêmico, normalmente proibido, foi um

traço significativo da religião totêmica” (Freud, 1913/2012, p. 214).

A refeição totêmica

Articulando teoricamente a concepção que o animal totêmico é o

sucedâneo do pai, a postura afetiva ambivalente que caracteriza o

Complexo de Édipo, o fato do banquete totêmico e a hipótese de Darwin

sobre o estado inicial da sociedade humana, Freud propõe um mito para

pensar nossa história:

Certo dia, os irmãos expulsos se juntaram, abateram e

devoraram o pai, assim terminando com a horda primeva. Unidos,

ousaram fazer o que não seria possível individualmente... O

violento pai primevo era o modelo temido e invejado de cada um

dos irmãos. No ato de devorá-lo eles realizaram a identificação

com ele, e cada um apropriava-se de parte de sua força. A refeição

totêmica, talvez a primeira festa da humanidade, seria a repetição

desse ato memorável e criminoso, com o qual teve início tanta

coisa: as organizações sociais, as restrições morais, a religião.

(Freud, 1913/2012, pp. 216-217)

A malta de irmãos estava cheia de sentimentos contraditórios:

odiavam o pai, que representava um obstáculo ao seu anseio de poder e

aos seus desejos sexuais; mas o amavam e admiravam também. Depois do

assassinato, a afeição que havia sido recalcada retorna sob a forma de

consciência da culpa.

A partir da consciência da culpa, o morto tornou-se mais forte do

que havia sido o vivo: aquilo que o pai primitivo impedira, os irmãos

proibiram a si mesmos. Criaram, assim, os dois tabus fundamentais do

totemismo – não matar o pai e não cometer o incesto.

A proibição do incesto tinha uma motivação prática: os irmãos

eram rivais uns dos outros no tocante às mulheres. Para viver juntos e

evitar uma guerra fratricida, decidiram renunciar mutuamente tanto à

satisfação incestuosa quanto à violência como meio de consegui-la. Viram-

99

se, desse modo, obrigados a buscar em outras hordas mulheres com quem

se relacionarem, estabelecendo, assim, a exogamia. Somente nessas

circunstâncias foi possível pôr fim à horda selvagem e inaugurar o clã

fraterno, fundado sobre os lanços de sangue. Assim, os irmãos passaram de

uma relação de poder para uma relação de autoridade.

Para Freud, as proibições foram mantidas de geração em geração,

como parte do patrimônio psíquico herdado.

Se os processos psíquicos não continuassem de uma

geração para a seguinte... não haveria... quase nenhum

desenvolvimento...

Podemos supor que nenhuma geração é capaz de esconder

eventos psíquicos relevantes daquela que a sucede. Pois a

psicanálise nos ensina que cada qual possui, em sua atividade

mental inconsciente, um aparelho que lhe permite interpretar as

reações das outras pessoas, isto é, desfazer as deformações que o

outro realizou na expressão de seus sentimentos. (Freud,

1913/2012, pp. 240-241)

O indivíduo se constitui a partir de uma enorme cadeia de gerações

e herda proibições, desejos e uma espécie de aparelho analítico que lhe

permite interpretar outros psiquismos e fazer parte da cultura e da

humanidade.

Psicologia das massas e análise do eu: o grupo e o vínculo intersubjetivo

É certo que a psicologia individual se dirige ao ser humano

particular, investigando os caminhos pelos quais ele busca obter a

satisfação de seus impulsos instintuais, mas ela raramente, apenas

em condições excepcionais, pode abstrair das relações deste ser

particular com os outros indivíduos. Na vida psíquica do ser

individual, o Outro é via de regra considerado enquanto modelo,

objeto, auxiliador e adversário, e, portanto, a psicologia individual

é também, desde o início, psicologia social, num sentido ampliado,

mas inteiramente justificado. (Freud, 1921/2011, p. 14)

Como visto em Totem e tabu, Freud considera o Complexo de

Édipo, em sua dimensão estrutural, como núcleo da personalidade de cada

indivíduo. Aqui, Freud refere-se ao “Outro” que pode ser considerado o

100

pai como modelo de identificação, a mãe como objeto de amor, os irmãos

como auxiliares e o pai (ou a mãe) como adversário no amor edípico.

O grupo e o vínculo intersubjetivo são a origem da constituição

do Eu de cada indivíduo.

Massa

Freud faz referência à obra de Le Bon, Psicologia das massas, e

comenta que quaisquer que sejam os indivíduos que compõem a massa

psicológica, semelhantes ou diferentes, o simples fato de terem se

transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma

coletiva. Essa alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente

do que cada um faria isoladamente. A massa psicológica é um ser

provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se

soldaram. Na massa as aquisições próprias dos indivíduos se desvanecem,

e eles também mostram características que não possuíam antes.

Le Bon atribui essa ocorrência a três fatores: por considerações

numéricas, o indivíduo tem um sentimento de poder invencível; numa

massa, o indivíduo sacrifica o seu interesse pessoal ao interesse coletivo,

pelo contágio mental; e a exacerbação da sugestionabilidade, pois a

sugestão é a mesma para todos os indivíduos e a tendência é transformar

imediatamente em atos as ideias sugeridas.

Segundo sua descrição, a alma da massa é impulsiva, volúvel e

excitável. É guiada quase exclusivamente pelo inconsciente. Obedece a

impulsos imperiosos. Nada é premeditado. Não tolera demora entre o

desejo e a sua realização. Tem o sentimento de onipotência. É

influenciável, crédula e acrítica. Pensa em imagens como um indivíduo em

devaneio. Tem sentimentos muito simples e muito exagerados, não

conhece a dúvida nem a incerteza. É excitada apenas por estímulos

excessivos. “Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir

logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes,

exagerar e sempre repetir a mesma” (Freud, 1921/2011, p. 27).

É intolerante e obediente à autoridade. Exige de seus heróis a

fortaleza e até mesmo a violência. É inteiramente conservadora. É capaz

de elevadas provas de renúncia e devoção a um ideal. Sua capacidade

intelectual está abaixo daquela do indivíduo. As ideias opostas podem

101

coexistir sem conflito. Está sujeita ao poder mágico das palavras. Não tem

sede da verdade; precisa de ilusões. É um rebanho dócil, que não pode

viver sem um senhor.

Freud cita MacDougall, que faz uma distinção entre a massa

simples e desorganizada e a massa organizada. Sua descrição da massa

desorganizada é semelhante à de Le Bon. A massa organizada deve

obedecer a cinco condições: um certo grau de continuidade em sua

existência; que o indivíduo que dela participa tenha uma concepção de sua

natureza, funções, realizações e reivindicações; que a massa se coloque em

relação com outras para que haja alguma rivalidade entre elas; que a massa

tenha tradições, costumes e disposições; e que na massa existam

especialização e diferenciação entre o que cabe a cada indivíduo.

Para Freud a massa é uma revivescência da horda primeva. Assim

como o homem primitivo se acha virtualmente conservado em cada

indivíduo, a horda primeva pode ser restabelecida a partir de qualquer

agrupamento.

Libido

Freud considera que no interior de uma massa o indivíduo

experimenta uma mudança profunda de sua atividade anímica: sua

afetividade é intensificada e sua capacidade intelectual diminuída.

Então, utiliza o conceito de libido para entender a psicologia da

massa:

Libido é uma expressão proveniente da teoria da

afetividade. Assim denominamos a energia, tomada como

grandeza quantitativa – embora atualmente não mensurável –,

desses instintos relacionados com tudo aquilo que pode ser

abrangido pela palavra “amor”. O que constitui o âmago do que

chamamos amor é, naturalmente, o que em geral se designa como

amor e é cantado pelos poetas, o amor entre os sexos para fins de

união sexual. Mas não separamos disso o que partilha igualmente

o nome de amor, de um lado, o amor a si mesmo, do outro, o amor

aos pais e aos filhos, a amizade e o amor aos seres humanos em

geral, e também a dedicação a objetos concretos e a ideias

abstratas. Nossa justificativa é que a investigação psicanalítica nos

102

ensinou que todas essas tendências seriam expressão dos mesmos

impulsos instintuais que nas relações entre os sexos impelem à

união sexual, e que em outras circunstâncias são afastados dessa

meta sexual ou impedidos de alcançá-la, mas sempre conservam

bastante da sua natureza original, o suficiente para manter sua

identidade reconhecível (abnegação, busca de aproximação).

(Freud, 1921/201, p. 43)

Freud afirma então, que as relações de amor são a essência da alma

coletiva. Porque a massa se mantém unida graças a Eros e o indivíduo é

sugestionável por amor aos outros.

Freud faz menção a uma classificação das massas: efêmeras e

duradouras, homogêneas e heterogêneas, naturais e artificiais (que exigem

uma força externa para manter-se unidas), primitivas e organizadas, sem

líderes e com líderes.

Examina duas massas organizadas, duradouras e artificiais: a Igreja

e o Exército.

Na Igreja – podemos, com vantagem, tomar a Igreja

Católica como modelo – prevalece, tal como no Exército, por mais

diferentes que sejam de resto, a mesma simulação (ilusão) de que

há um chefe supremo – na Igreja Católica, Cristo, num Exército,

o general – que ama com o mesmo amor todos os indivíduos da

massa. Tudo depende dessa ilusão; se ela fosse abandonada,

imediatamente se dissolveriam tanto a Igreja como o Exército, na

medida em que a coerção externa o permitisse. Esse amor a todos

é formulado e expressamente enunciado por Cristo: “O que

fizestes a um desses meus pequenos irmãos, a mim o fizestes”. Ele

se relaciona com os indivíduos da massa crente como um bondoso

irmão mais velho, é um substituto paterno para eles. Todas as

exigências feitas aos indivíduos derivam desse amor de Cristo. Há

um traço democrático na Igreja, justamente porque diante de

Cristo são todos iguais e todos possuem parte igual de seu amor.

Não é sem profunda razão que se evoca a semelhança entre a

comunidade cristã e uma família, e que os crentes se denominam

irmãos em Cristo, isto é, irmãos pelo amor que Cristo lhes tem.

(Freud, 1921/2011, p. 47)

103

O laço que une cada indivíduo a Cristo é também a causa do laço

que os une uns aos outros. A mesma coisa se passa no Exército, onde o

general é um pai que ama todos os soldados igualmente, e por isso eles são

camaradas entre si.

Nessas duas massas artificiais cada indivíduo está ligado por laços

libidinais por um lado ao líder (Cristo, general) e, por outro, aos demais

indivíduos da massa. A massa exerce uma mudança tão grande no

indivíduo porque para cada um a ligação afetiva se dá nessas duas direções

(vertical e horizontal).

Grupo

Para Freud

Teríamos que partir da constatação de que um simples

grupamento não constitui ainda uma massa, enquanto aqueles

laços [afetivos] não se estabeleceram nele, mas também admitir

que em qualquer grupamento surge com facilidade a tendência

para a formação da massa psicológica. (Freud, 1921/2011, p. 55)

O que caracteriza o grupo são as ligações libidinais.

O modo como os seres se relacionam afetivamente lembra a

alegoria de Schopenhauer sobre os porcos-espinhos que sentem frio. Num

dia de muito frio, um grupo de porcos-espinhos se aconchegou para se

aquecerem mutuamente. Logo os animais sentiram os espinhos uns dos

outros, o que provocou um afastamento. Mas afastados continuavam com

frio; esse movimento se repetiu algumas vezes até encontrarem uma

distância ideal.

Então, faz uma consideração sobre a relação entre as pessoas e os

grupos:

Quase toda relação sentimental íntima e prolongada entre

duas pessoas – matrimônio, amizade, o vínculo entre pais e filhos

– contém um sedimento de afetos de aversão e hostilidade, que

apenas devido a repressão não é percebido. Isso é mais

transparente nas querelas entre sócios de uma firma, por exemplo,

ou nas queixas de um subordinado contra seu superior. O mesmo

ocorre quando as pessoas se juntam em unidades maiores. Toda

vez que duas famílias se unem por casamento, cada uma delas se

104

acha melhor ou mais nobre que a outra. Havendo duas cidades

vizinhas, cada uma se torna a maldosa concorrente da outra; cada

pequenino cantão olha com desdém para o outro. Etnias bastante

aparentadas se repelem, o alemão do sul não tolera o alemão do

norte, o inglês diz cobras e lagartos do escocês, o espanhol

despreza o português. Já não nos surpreende que diferenças

maiores resultem numa aversão difícil de superar, como a do

gaulês sente pelo germano, do ariano pelo semita, do branco pelos

homens de cor. (Freud, 1921/2011, p. 57)

Substituindo alguns componentes dessa equação, essa afirmação

poderá iluminar a dificuldade de diálogo e a intolerância às diferenças,

presentes em todos os tempos da história da humanidade, que produzem

efeitos importantes sobre os vínculos, os grupos e as instituições.

Quer dizer, a hostilidade sempre está presente. Quando ela se

dirige a pessoas que também são amadas, Freud fala em ambivalência

afetiva. Nas aversões a estranhos e antipatias identifica a expressão do

narcisismo. Quando se forma a massa, a intolerância perde força; ocorre

uma limitação do narcisismo produzida pelo laço libidinal com outras

pessoas. “Tal como no indivíduo, também no desenvolvimento da

humanidade inteira é o amor que atua como fator cultural, no sentido de

uma mudança do egoísmo em altruísmo” (Freud, 1921/2011, p. 59).

Identificação

Freud pergunta que tipo de ligação afetiva acontece no interior da

massa.

Inicia sua resposta dizendo que a identificação é a mais remota

expressão de uma ligação afetiva com outra pessoa; desempenha um papel

na história primitiva do Complexo de Édipo, já que o menino toma o pai

como seu ideal. O menino se identifica com o pai e faz um investimento

objetal na mãe.

A ligação recíproca dos indivíduos da massa ocorre pela

identificação comum com o líder.

Estamos preparados para oferecer uma fórmula relativa à

constituição libidinal de uma massa. Pelo menos de uma massa...

que tem um líder e não pôde adquirir secundariamente, através de

105

excessiva “organização” as características de um indivíduo. Uma

massa primária desse tipo é uma quantidade de indivíduos que

puseram um único objeto no lugar de seu ideal do Eu e, em

consequência, identificaram-se uns com os outros em seu Eu.

(Freud, 1921/2011, p. 76)

Diante de um objeto (uma pessoa, uma ideia, um projeto) comum

a todos, ocorre um trabalho psíquico grupal mediante a identificação de

uns com os outros que culmina com o objeto ocupando o lugar de ideal

do Eu para cada um dos participantes, que passam a compartilhar uma

instância psíquica; vem daí a força da ligação no interior de um grupo.

“Nossa contribuição para o esclarecimento da estrutura libidinal de um

grupo remonta à diferenciação entre Eu e ideal do Eu, e ao duplo tipo de

ligação por ela possibilitada – identificação e colocação do objeto no lugar

do ideal do Eu” (Freud, 1921/2011, p. 93).

Para encerrar, retomaremos e responderemos muito sucintamente

as questões de Freud:

1. O que mantém os grupos unidos? Para Freud são as relações

de amor, os laços libidinais; o laço que une cada indivíduo ao

106

líder ou à ideia ou ao projeto comum e o laço que liga cada um

aos demais componentes do grupo.

2. O que é uma massa? É uma revivescência da horda primeva.

Assim como o homem primitivo se acha virtualmente

conservado em cada indivíduo, a horda primeva pode ser

restabelecida a partir de qualquer agrupamento. Nesse sentido

os fenômenos descritos por Freud no estudo das massas

podem ser encontrados nos grupos que estudamos, nos

grupos que coordenamos e nos grupos dos quais participamos.

3. De que maneira a massa adquire a capacidade de influir tão

decisivamente na vida psíquica do indivíduo? A massa só se

constitui enquanto tal quando seus componentes estiverem

ligados por laços afetivos que promovem uma mudança do

narcisismo em altruísmo.

4. Em que consiste a modificação psíquica que ela impõe ao

indivíduo? Ocorre um compartilhamento de uma instância

psíquica, os componentes da massa colocam um objeto no

lugar do ideal do Eu e se identificam uns com os outros.

Referências

Freud, S. (2011). Psicologia das massas e análise do Eu. Em: Obras

completas, vol. 15. São Paulo: Companhia das Letras. (Trabalho

original publicado em 1921)

Freud, S. (2012). Totem e tabu. Em: Obras completas, vol. 11. São Paulo:

Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1913)

107

6 Contribuições da teoria kleiniana para a

compreensão dos fenômenos grupais Waldemar José Fernandes

Em minha experiência, os fenômenos estudados por Gustav Le

Bon em grandes grupos, comentados por Freud, são encontrados também

em pequenos grupos, como são os grupos terapêuticos, fazendo pensar

no primitivismo da mente humana, no mundo psicótico que habita em nós

e que emerge do campo grupal. Há, assim, uma ligação entre os

conhecimentos freudianos, kleinianos, bionianos e, certamente, também

com os estudos da escola francesa de psicanálise de grupo.

Vejamos um pouco da teoria kleiniana, principalmente no que diz

respeito à importância clínica na mente e no grupo, apesar de essa autora

nem ter trabalhado com grupos, e ter procurado impedir o trabalho de

Bion com grupos. O que não pôde impedir é que utilizássemos seus

conhecimentos para inúmeras abordagens, como o fez Pichon-Rivière, na

psiquiatria social, e como fazemos na psicanálise vincular.

Melanie Klein nasceu em Viena em 1882, foi a quarta filha de uma

família pobre. Morreu em Londres, com 78 anos, em 1960. Encontramos

em Zimerman que “teve ruptura pública de sua filha, Mellita, também

psicanalista, contra ela. Teve verdadeira devoção por Freud, com o qual,

entretanto, nunca teve contato, porque ele a evitava, devido às querelas de

Anna Freud com Melanie Klein (...) Suas concepções possibilitaram uma

análise mais profunda de crianças e psicóticos” (Zimerman, 1999, p. 48).

A criatividade da teoria kleiniana, e a riqueza das ideias que

elaborou devem ser equiparadas à obra freudiana. Foi uma continuadora

da obra de Freud, tendo apresentado importante complementação à teoria

da mente humana, apesar de muitas controvérsias.

A despeito de alguns críticos, sua obra teve e ainda tem grande

importância, inclusive para entender a dinâmica grupal. Para Barros e

108

Barros, “A saúde mental na perspectiva de Klein está sempre ameaçada

em sua estabilidade. Desta forma tem que ser permanentemente

reconquistada” (2018, p. 15).

É comum, embora injusto, se atribuir a Melanie Klein uma

valorização apenas do intrapsíquico. Na verdade, mundo interno e externo

ocorrem ao mesmo tempo. Por exemplo, ao sentir frio ou fome, o

pequeno ser vivencia ambas as dimensões, a intrapsíquica e a corporal

dessa ocorrência, e a percepção do mundo externo, entre outros fatores, é

alterada pelo interno.

Na clínica diária, podemos observar participantes do grupo, da

instituição ou pacientes individuais se queixando da realidade externa, que

frequentemente é penosa mesmo. Entretanto, é importante sempre alertar

para a responsabilidade de cada um em administrar a situação, começando

por aceitar, conviver e, então, lidar com a situação, dentro das

possibilidades reais, da melhor forma possível. A própria Melanie Klein

nos ajuda nesse raciocínio: “até que ponto a realidade externa pode refutar

as angústias e o sofrimento relacionado à realidade interna varia de

indivíduo para indivíduo, mas esse fator pode ser tomado como um dos

seus critérios de normalidade” (Klein, 1940/1996, p. 389).

Noção de objeto

Embora essa expressão seja extremamente utilizada, é difícil se

encontrar nos textos qual a concepção de objeto. Tal como o vocábulo

vínculo, que sofre do mesmo mal, também se usa muito a palavra objeto,

sem defini-la. Para David Epelbaum Zimerman, “a etimologia desta

palavra designa uma aproximação, uma relação mais íntima e pessoal com

alguém que está na nossa frente” (2012, p. 190).

A palavra objeto, uma das mais mencionadas em psicanálise, fora

utilizada por Sigmund Freud, em Luto e melancolia: “Assim, a sombra do

objeto caiu sobre o ego” (Freud, 1917/1969, p. 281). Habitualmente, na

obra freudiana, ela significa o objetivo a que se dirige para a descarga das

cargas pulsionais.

Já em Melanie Klein seus significados são variáveis. “Os principais

usos do termo objeto em Melanie Klein estão sempre numa dicotomia,

109

como são os que seguem: objeto interno-externo, bom-mau, parcial-total,

persecutório-idealizado” (Zimerman, 2012, p. 190).

Falando em relação de objeto, e retomando sua crítica a respeito

de um estágio autoerótico independente das relações de objeto freudianas,

Melanie Klein enfatiza:

(...) a hipótese de que um estágio que se estende por vários meses

preceda as relações de objeto implica que, exceto para a libido

ligada ao próprio corpo do bebê, os impulsos, fantasias, angústias

e defesas ou não estão presentes no bebê ou não estão

relacionados a um objeto, ou seja, elas operariam in vácuo.

(1952/1975, p. 75)

Quanto à experiência emocional com o mundo interno e com o

mundo externo, para Melanie Klein, as relações iniciais de objeto são

ambivalentes.

A noção de objetos internos, dos sentimentos de amor e ódio,

assim como a noção de que as relações objetais estão presentes desde o

início da vida, revolucionaram a psicanálise, expandindo seus horizontes.

A análise de crianças muito pequenas ensinou-me que não existe

urgência pulsional, situações de angústia, processo mental que não

envolva objeto, externo ou interno; em outras palavras, as relações

de objeto estão no centro da vida emocional. (Klein, 1952/1975,

p. 75-76)

A crença nos objetos internos já se esboça a partir de experiências

somáticas que ocorrem com o bebê, experiências essas implicadas com o mundo

interno, principalmente com a presença dos instintos de vida e de morte que

ocasionam descargas de tensão emocional difíceis de lidar.

Ao enfatizar o universo dos objetos dos cenários de fantasia,

ampliou a compreensão dinâmica da psique, postulando que todos

os aspectos do funcionamento psíquico estão vinculados a objetos

internos e externos em constante transformação. (Ulhôa Cintra,

2018, p. 27)

Um pouco sobre fantasia inconsciente

110

As noções de objetos internos e de fantasias inconscientes

caminham lado a lado, implicadas em um conjunto de experiências

emocionais.

Para Melanie Klein, as fantasias inconscientes são a decorrência

natural da existência dos instintos biológicos que se revelam na mente e

constituem a primeira expressão do psiquismo separado do corpo

biológico. São inatas e consideradas a expressão mental dos instintos.

Representam, ainda, os mecanismos de defesa contra essas pulsões

instintivas.

O bebê já nasce com a fantasia do mamilo como algo que

procurará com a boca e que vai satisfazê-lo. Não existe impulso instintivo

que não seja experimentado como fantasia inconsciente. São “crenças na

atividade de objetos internos sentidos como se fossem concretos, como,

por exemplo, uma sensação desagradável podendo ser mentalmente

representada como um relacionamento com um objeto mau” (Zimerman,

2001, p. 142). Evidentemente, ocorrerá o mesmo com relação à

experiência agradável, experimentada como relacionamento com um

objeto bom.

Para Pedro Salem, “no sistema kleiniano de pensamento, a rigor,

não há experiência desvinculada de fantasias inconscientes. Na medida em

que qualificam e conferem sentido e valor afetivo a tudo que acomete o

sujeito, as fantasias alteram de modo inequívoco sua percepção e sua

relação com o mundo externo e interno” (2016, p. 33-44).

Não se pode lidar diretamente com as fantasias inconscientes,

assim como não se pode ver ou tocar o vínculo, apenas levantar hipóteses

e tentar deduzir algo. “As fantasias inconscientes são sempre inferidas, não

são observadas como tal” (Isaacs, 1952/1975, p. 81). São importantes

mecanismos psíquicos, implícitos no desenvolvimento normal da mente,

e base da criatividade.

As fantasias inconscientes sempre têm um roteiro, com

personagens e cenas. “Ao pensar a vida psíquica através das fantasias

inconscientes, dos cenários de fantasias e dos objetos internos, Melanie

Klein foi a primeira analista que enfatizou de forma tão nítida a dimensão

visual da vida psíquica, o que pode então ser comparada ao desenrolar das

imagens de um filme” (Ulhôa Cintra, 2018, p. 48).

111

Para quem trabalha com a grupalidade, as primeiras relações são

básicas. Salem (2016) ressalta como a obra kleiniana é importante para a

“complexidade dos primeiros vínculos com o outro e, paralelamente, a

enorme influência que [Melanie Klein] exerceu sobre autores que se

ocuparam – e ainda se ocupam – em examinar as vicissitudes da ligação

afetiva inicial com o meio e suas repercussões” (p. 9).

Podemos encontrar repercussões na clínica diária, principalmente

na clínica vincular, em que casais ou alguns membros do grupo se

comportam muitas vezes como que impedidos de agirem

independentemente dos primeiros vínculos que tiveram na vida.

Mezan entende a realidade, seja interior, seja exterior, como

constituída de modo colateral e ocorrendo praticamente ao mesmo tempo.

Para ele, Melanie Klein “descreve o modo pelo qual os diferentes aspectos

da vida interna se integram simultaneamente, pelo mesmo mecanismo

através dos quais a realidade externa fará sentido para a psique infantil”

(Mezan, 1988, p. 204).

As posições kleinianas

Sabemos que Freud denominou de fase oral o período aproximado

do primeiro ano de vida. Dentro da evolução da fase oral, Klein lançou o

conceito de posições, isto é, estruturas em evolução constante e sempre em

atividade na organização da personalidade.

Quando se refere à posição esquizo-paranoide, mostra que o

pequeno ser, incapaz de representar a ausência do seio que frustra sua

satisfação, preenche o seio ausente e a falta da mãe com a fantasia

inconsciente de um seio mau.

Segundo Klein:

(...) os impulsos destrutivos dirigidos contra o objeto incitam o

medo da retaliação. Esses sentimentos persecutórios a partir de

fontes internas são intensificados por experiências externas

dolorosas, pois, desde os primeiros dias, a frustração e o

desconforto despertam no bebê o sentimento de que está sendo

atacado por forças hostis. (1952/1975, p. 71)

112

Junto com as primeiras vivências de desprazer somático, o

pequeno ser é alvo de intensas forças pulsionais desde o início da vida, que

se manifestam como fantasias persecutórias de aniquilamento.

Considero que a angústia surge da operação do instinto de morte

dentro do organismo, que é sentida como medo de destruição e de

morte. Toma a forma de medo de perseguição. O medo do

impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto, ou

melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto

dominador. (Klein, 1946/1991, p. 24)

Na clínica, é comum os pacientes trazerem diagnósticos, dados por

eles próprios, por médicos ou por meio de pesquisas em mecanismos de

busca na Web. Surgem então as síndromes de pânico, fobias e sofrimentos horríveis,

que chamam de ansiedade, que vêm do nada, isto é, aparecem sem causa

aparente. Observo que grande parte desses sintomas significa medo de um

incontrolável objeto dominador, primitivo e destruidor, que assusta mais

ainda o sofredor, por não conseguir justificar o que sente com dados

concretos da realidade externa. Muitas vezes, parte das comunicações

defensivas do grupo ocorre sobre tais sintomas.

Klein (1940/1996) salienta que as fantasias inconscientes estão

presentes desde o início da vida nas relações de objeto. Em última

instância, todo objeto interno é revestido de valor, sentido e conteúdo

mental a partir de sua relação com as fantasias inconscientes.

A posição esquizo-paranoide e a posição depressiva são

psicodinâmicas que se formam a cada momento, e suscitam uma forma de

ser e de estar no mundo. Posições são verdadeiros estados mentais.

Passemos a uma visão na mente e no grupo das posições kleinianas e seus

mecanismos de defesa.

Posição Esquizo-paranoide (PEP) e Posição Depressiva (PD) como estados da mente

ou configurações mentais normais

Nas posições kleinianas temos sempre uma configuração em que,

momentaneamente, predomina um estado da mente com os seguintes

elementos: 1) um tipo de ansiedade; 2) certo tipo de relação de objeto; e

3) alguns mecanismos de defesa. É assim que gostaria de transmitir essa

noção, pois ela pode nos dizer algo de muito útil para entender a

113

comunicação, o vínculo, os membros de qualquer tipo de grupo e até o

grupo como um todo, se consideramos uma extensão do conceito para a

mente grupal.

Posição Esquizo-paranoide

No estado da mente da PEP, a ansiedade persecutória ou culpa

persecutória tem a ver com sentir-se ameaçado, perseguido, e o

funcionamento mental é tendencioso, pois a relação de objeto não abrange

realisticamente o total do objeto com quem ocorre a relação: é uma relação

parcial de objeto.

Por ser parcial, envolve uma ansiedade persecutória, sofrimento

inerente a essa parcialidade, pois ora o objeto é visto como apenas bom,

ora como apenas mau, como se isso fosse real, e não apenas um roteiro

fantasioso. Na verdade, é um cenário mental do tipo bruxas e fadas, ou de

vilões e vítimas. O problema maior é que a pessoa, quando nesse estado

da mente, acredita mesmo na bondade ou maldade, e nada mais vê,

causando mal-entendidos importantes, e até crimes. Os ingredientes que

conformam a PEP são da natureza de fantasias, que são utilizadas como

proteção, na organização da mente feita pelo Ego.

Para manter essa relação parcial de objeto e suas vicissitudes, são

necessários alguns mecanismos de defesa, no caso, típicos desse estado da

mente. Os mecanismos de defesa típicos da PEP são: cisão; idealização;

negação; identificação projetiva; e introjeção identificativa.

Cisão

Cisão (divisão, splitting, clivagem) é um mecanismo que pode cindir

o Ego em parte bom e em parte mau, e os objetos bons e maus. Melanie

Klein foi quem melhor estudou a clivagem de objetos.

No mecanismo de cisão ocorre a divisão drástica entre as

experiências boas (que provocam prazer) e as más experiências (que

causam desprazer e frustrações).

Na mente primitiva, as experiências de prazer e desprazer são

atribuídas ora a um objeto bom (idealizado), ora a um objeto mau e

perseguidor, numa visão parcial e maniqueísta, pois só concebe o bem ou

o mal em termos absolutos e onipotentes.

114

Na concepção kleiniana, as experiências de prazer e satisfação são

consideradas de responsabilidade da mãe que gratifica (a mãe boa),

enquanto as experiências más são de autoria da mãe que castiga, que não

a atende imediatamente (a mãe má), como se fossem duas entidades.

Para Ulhôa Cintra:

(...) o dinamismo que separa o bem purificado do mal

radical está presente na lógica do fundamentalismo, ao

pregar a absoluta bondade de Deus em contraste com a

maldade dos infiéis, que devem ser então sumariamente

aniquilados. Ao constituir um bem absoluto inalcançável,

este fica protegido de toda a possível contaminação, e

assim pode permanecer incorruptível, eternizando-se:

torna-se uma reserva imaginária de bem que pode durar

para sempre, o que responde a uma de nossas aspirações

mais profundas. (2018, p. 151)

Temos visto como isso é comum nos times de futebol, grupos

religiosos e políticos, onde ocorrem polarizações e generalizações

perigosas, consequência de visões distorcidas e parciais, mormente em

períodos eleitorais.

Na clínica vincular, a crença em um objeto absolutamente mau

justifica certos sintomas e mal-estares, deixando de lado a possibilidade de

o indivíduo assumir que tem alguma responsabilidade na causa ou na

resolução deles.

Pode ocorrer como defesa, proporcionando ilusória e passageira

tranquilidade ou comportamentos justificáveis (em sua lógica); exemplo:

bebo ou como demais, uso drogas, fico fissurado em games, por ter ansiedade,

causada por A ou B.

Partindo dessa visão tendenciosa, no que se refere ao pretenso

inimigo, só resta lutar ou fugir, o que se encontra com certa frequência em

grupos e casais.

Ao constituir um objeto como sendo plenamente mau, consigo

justificar quaisquer atos de violência contra ele. Sobretudo se o

estou aniquilando em nome do Supremo bem, então toda e

qualquer arbitrariedade será justificada, será considerada Santa e

Bendita: aquele sobre quem projetei minha concepção de mal

115

absoluto é completamente destituído de sua subjetividade, de seus

direitos de defesa. (Ulhôa Cintra, 2018, p. 151)

Idealização

Já vimos, na descrição do mecanismo de cisão, como ocorre

idealização onipotente ao dividir um objeto em bom e mau (caso em que

aparece também a negação).

Idealização é o mecanismo pelo qual as características indesejáveis

do objeto são negadas e a própria libido é projetada no objeto. Como diz

Zimerman, “nos primórdios do desenvolvimento emocional primitivo, e

nos inícios de muitas análises, [a idealização] é necessária e estruturante,

principalmente para fazer face às pulsões sádico-destrutivas” (2001, p.

202).

O mecanismo da idealização está diretamente ligado ao da

negação, pois ao idealizar o objeto, é necessário negar suas falhas, restando

ao objeto idealizado características da perfeição, divinas e onipotentes. O

líder de algumas configurações grupais, em nível inconsciente de

funcionamento, é visto com essas características.

Em algumas religiões e grupos políticos muito rígidos o

mecanismo da idealização aparece sempre: “Tornar-se muito poderoso, na

verdade onipotente, é a promessa mais sedutora do fundamentalismo, que

pode ser pensado como sendo sempre uma estratégia de resgatar poder e

triunfar sobre a fragilidade da existência humana” (Ulhôa Cintra, 2018, p.

152).

Negação

Esse mecanismo de defesa costuma acompanhar a cisão e a

idealização. De modo geral, se refere a não querer se tornar consciente de

algo, como citado na idealização. Em Laplanche e Pontalis encontra-se

que é um “processo em virtude do qual, o sujeito, apesar de formular um

de seus desejos, ideias ou sentimentos até então reprimidos, segue

defendendo-se, negando que lhe pertença” (1971, p. 243).

Ao considerar a importância dos processos de negação onipotente

num estágio que é caracterizado por medo persecutório e mecanismos

esquizoides, isso nos reporta aos delírios de grandeza e de perseguição nas

116

psicoses, em que tais mecanismos ganham força, são mais frequentes e

adquirem grau de certeza inquestionável.

Nessa fase inicial do desenvolvimento, os mecanismos de cisão e

de negação onipotente têm papel semelhante ao da repressão em estágio

posterior e da resistência ao processo analítico.

O mecanismo da negação se origina naquela fase muito inicial em

que o ego em desenvolvimento procura se defender da mais séria

e profunda de todas as ansiedades: o medo dos perseguidores

internalizados e do id. Em outras palavras, a primeira coisa a ser

negada é a realidade psíquica; depois disso, o ego pode negar boa parte

da realidade externa. (Klein, 1935/1996, p. 318)

Identificação projetiva

Já em Psicologia de grupo e análise do ego, Freud (1921/1969), sem

utilizar essa terminologia, levanta a ideia de que os integrantes das massas

se identificam efetivamente com seus líderes, por exemplo, os soldados

com seus superiores. Entretanto, Freud se referia à projeção em termos

de objetos totais, enquanto a teoria kleiniana afirma que tal fenômeno já

ocorre com objetos parciais.

Podemos dizer que a identificação projetiva é uma defesa básica

na infância. Tem pelo menos duas funções: controlar o objeto

persecutório na PEP e aliviar a ansiedade persecutória, expulsando-as da

mente.

Melanie Klein, em 1946, se referiu à identificação projetiva, tendo sua

conceituação se ampliado posteriormente, como salienta Zimerman (2001,

p. 206):

(...) em pelo menos 3 dimensões psíquicas distintas:

1) como uma necessária e estruturante defesa primitiva do ego

incipiente, através de uma expulsão que, desde sempre, o

sujeito faz de seus aspectos intoleráveis dentro da mente de

outra pessoa (a mãe, no caso do bebê; o analista no caso

do paciente).

2) como uma forma de penetrar no interior do corpo da mãe,

com a fantasia de controlar e apossar-se dos tesouros que,

117

em sua imaginação, a mãe possui sob a forma de fezes,

pênis, e, principalmente, os bebês imaginários.

3) no trabalho Sobre a identificação, em 1955, inspirada na

novela Se eu fosse você, de Julian Green, Melanie Klein ensaia

as primeiras concepções das identificações projetivas a

serviço da empatia.

A projeção é uma reação primitiva que ocorre automaticamente,

sendo posteriormente usada para fins defensivos pelo Ego. A identificação

projetiva é uma modalidade da projeção em que a própria pessoa é

projetada.

Na teoria kleiniana a identificação projetiva logo aparece ligada ao

instinto de morte. A ameaça de destruição interna é neutralizada, ao ser

expulsa para fora. Tal mecanismo ocorre durante toda a vida.

Nos estágios precoces de desenvolvimento ele é essencial, pois, em

fantasia, tudo o que é prazeroso é experimentado como pertencente a si,

e o que é não prazeroso e frustrador não é seu. Há expulsão para o exterior

daquilo que o sujeito recusa em si, do que é mau.

É um mecanismo pelo qual ocorrem projeções de partes do Ego

no objeto. São fantasias em que o sujeito introduz a si no interior do

objeto, para destruí-lo, controlá-lo ou possuí-lo.

Ricardo Pelosi resume assim:

(...) a Identificação Projetiva é um poderoso instrumento pelo qual

o bebê, cindindo seus objetos, protege-se de ansiedades e

impulsos, evitando a percepção de separação, dependência,

admiração e os seus consequentes sentimentos de perda, raiva e

inveja. A eficiência deste mecanismo não é completa (felizmente)

e deixa neste pequeno ser ansiedades persecutórias que se

manifestam por sensações de claustrofobia, pânico, medo de

retaliação, aniquilamento etc. (2003, p. 94)

Introjeção identificativa

É o resultado da introjeção do objeto no Ego, que então se

identifica com partes ou com o objeto todo. Pode ser vista como o oposto

da projeção, e busca pôr para dentro tudo que é prazeroso.

118

No desenvolvimento emocional, o bebê introjeta partes boas da

mãe e, na análise, faz isso com relação ao analista, o que o tranquiliza em

ambas as situações, e prepara para uma relação mais completa e realista no

futuro. Introjeção e projeção identificativas, para Melanie Klein

(1959/1991), operam desde o nascimento.

A identificação projetiva tem muitas efeitos, pois podemos tender

a atribuir ao outro algumas de nossas próprias emoções e pensamentos.

Segundo Melanie Klein, “(...) a natureza amistosa ou hostil desta projeção

dependerá de quão equilibrados ou perseguidos estivermos. Através da

atribuição de parte de nossos sentimentos a outra pessoa, compreendemos

os seus sentimentos, suas necessidades e satisfações, em outras palavras,

estamos nos colocando em sua pele” (1959/1991, p. 287). Há pessoas que

vão tão longe nessa direção que se perdem inteiramente nos outros e

tornam-se incapazes de julgamento objetivo.

Da mesma forma, a introjeção excessiva prejudica o Ego, que fica

completamente abafado pelo objeto introjetado. Quando a projeção é

muito hostil, fica quase anulada a empatia. Assim, o tipo e quantidade da

projeção é de grande importância em nossos vínculos intersubjetivos. O

interjogo introjeção-projeção precisa estar bem equilibrado, sem poder

estar dominado por excesso de hostilidade ou de dependência. Assim,

teremos melhor relacionamento interno e externo.

Em síntese:

Características da PEP: estado da mente em que existe

relação parcial com o objeto (maniqueísta: bom ou mau,

portanto tendenciosa) + ansiedade persecutória +

mecanismos de defesa típicos (cisão, idealização, negação,

identificação projetiva e introjeção identificativa).

Posição depressiva

É um estado da mente ou configuração mental em que a relação

de objeto não é parcial, mas sim total. O tipo de ansiedade é ansiedade

depressiva ou culpa depressiva e apresenta o característico mecanismo de

reparação.

119

A ansiedade depressiva implica um certo sofrimento (remorso) por ter

cometido uma injustiça, seja num julgamento, seja na fantasia ou mesmo

em atos destrutivos.

A reparação é a atividade do Ego que visa a restaurar o objeto amado

que foi atacado e danificado, na fantasia ou na realidade.

A reparação verdadeira é estruturante e permite que apareça a

gratidão, sinal de crescimento na mente e no grupo.

Efeitos benéficos e saudáveis dos mecanismos de defesa no dia a dia

Não devemos nos enganar com relação aos mecanismos de defesa,

achando que atrapalham nossa vida e seriam anormalidades. São normais

no desenvolvimento, se não forem excessivas. Mais que normais, são

essenciais em nossa vida. Por exemplo, necessitamos usar de cisões pela

impossibilidade de ver o todo.

É a cisão que permite ao Ego emergir do caos, estabelecendo

ordem onde havia desorganização.

Alguns elementos da ansiedade persecutória são importantes para se

reconhecer perigos externos, e para o sujeito se manter alerta, em vez de

ingênuo ou crédulo.

Da mesma forma, aspectos da idealização são importantes na crença

da bondade própria e alheia.

Na mesma linha de raciocínio, é bom enfatizar que a identificação

projetiva é a mais primitiva forma de empatia e de formação de símbolos.

Assim, os mecanismos de defesa da PEP não são apenas mecanismos

de defesa, pois, além de protegerem o Ego, são também etapas graduais do

desenvolvimento mental.

Tudo o que foi sucintamente descrito dependerá das experiências

boas terem predominado sobre as más nos primeiros tempos de vida do

bebê, e nada tem a ver com patologia.

Na posição depressiva, a visão total de objeto permite relações mais

verdadeiras com os demais e com a realidade.

Da mesma forma, o mecanismo de reparação, da posição

depressiva, permite o reconhecimento e a valorização do outro e o

sentimento de gratidão.

Em síntese:

120

Características da PD: estado da mente ou configuração

mental em que existe relação total com o objeto, ansiedade

depressiva e mecanismo de reparação.

As posições kleinianas são fundamentais para a compreensão do

processo bioniano de pensar os pensamentos, tanto no desenvolvimento

normal, como na psicopatologia (Fernandes et al., 2003).

Defesas maníacas no grupo e na vida

Não é fácil para ninguém dar o braço a torcer e reconhecer que

errou, pedir desculpas, valorizar o outro, sentir remorso por ter sido

injusto, e conviver com tal culpa depressiva. Por vezes, há uma tendência

a um estado mental intermediário, de reaproximação da PEP, em que

ocorrem as defesas maníacas.

As defesas maníacas protegem o Ego do desespero total,

enquanto, lentamente, o psiquismo se adapta ao crescimento e inerente

sofrimento. Tais defesas não são consideradas patológicas por si, mas

poderão formar pontos de fixação que interferem no desenvolvimento

futuro” (Segal, 1973/1975, p. 95).

As defesas maníacas são dirigidas contra a experiência da

ansiedade depressiva, que vem repleta de culpa. A primeira experiência do

tipo ocorre quando o bebê percebe a dependência que tem da mãe, a qual

teme perder.

A relação maníaca com objetos, na teoria kleiniana, se caracteriza

por um conjunto de sentimentos, principalmente controle, triunfo e desprezo.

O controle onipotente é um recurso em que o sujeito mantém a crença

mágica de que é o centro de tudo e que todos giram à sua volta,

defendendo-se das ansiedades persecutórias e depressivas.

O triunfo é o inverso da valorização, do se importar com o outro,

exatamente o que se pretende negar, de modo onipotente.

Da mesma forma, ocorre a desvalorização e negação da

importância do objeto, quando predomina o desprezo.

121

Ciúmes, inveja e gratidão

Para Melanie Klein, a inveja é mais primitiva do que o ciúme. Na

verdade, é uma das emoções mais básicas e primitivas que ocorrem no

desenvolvimento psíquico.

O ciúme visa à posse do objeto amado, e é baseado no amor. Faz

parte de uma relação a três, em que uma parte se sente excluída do

relacionamento das outras duas.

Já a inveja é baseada no ódio a alguma qualidade ou posse do outro,

que deve ser destruído. Na visão kleiniana, a inveja é considerada

derivação direta da pulsão de morte, algo inato, a serviço da destrutividade.

Entretanto, todos nós temos esse “ingrediente” em nosso psiquismo, e

temos de lidar com isso. Teremos de pensar em patologia apenas quando a

destrutividade e a inveja forem excessivas e persistentes.

Gratidão é o sentimento de poder reconhecer a qualidade, o valor

alheio; é saber que uma pessoa fez uma boa ação, prestou um auxílio, em

favor de outra, gerando uma espécie de dívida a alguém por ter feito algo

muito benéfico para ela.

David Epelbaum Zimerman ressalta, em seus estudos sobre

Melanie Klein, “a possibilidade de o indivíduo poder sentir gratidão pela

mesma pessoa que ele tanto pode ter atacado, mais ainda, poder vir a fazer

reparações verdadeiras” (Zimerman, 2001, p. 227).

Nos grupos com longa duração, os participantes terão

oportunidade de entrar em contato com a inveja, sua e dos colegas,

inclusive dirigida ao próprio terapeuta. Conluios e associações em duplas

ou subgrupos muitas vezes têm o objetivo de atacar as ideias e

interpretações que poderiam romper com certas estruturas defensivas,

proporcionando desenvolvimento, sim, mas com muito sofrimento.

Reação terapêutica negativa

Situação terapêutica já observada por Freud, quando o indivíduo

está indo muito bem na análise e em sua vida, e repentinamente, sem

motivo aparente, parece que regride brutalmente no progresso analítico.

Na raiz de reações terapêuticas negativas e de tratamentos

intermináveis, encontra-se, muitas vezes, uma poderosa inveja

122

inconsciente; trata-se de algo que pode ser observado em pacientes

que têm uma longa história de tratamentos anteriores fracassados.

(Segal, 1973/1975, p. 54)

Em minha experiência, isso tem sido muito frequente, geralmente

como fato comprovatório da minha incapacidade de ajudar o paciente, que, de

certo modo, “prefere” piorar do que reconhecer que foi ajudado. Pode-se dizer

que o sujeito piora porque melhora, pois não tolera o que essa melhora envolve.

Tive um caso em um grupo com tal agressividade no ataque à minha

capacidade de ajudar, que só permitiu melhor trabalho e aproveitamento

do grupo quando o referido paciente desistiu do tratamento.

Referências

Fernandes, W. J., Svartman, B., & Fernandes, B. S. (Orgs.) (2003). Grupos

e configurações vinculares. Porto Alegre: Artmed.

Freud, S. (1969). Luto e melancolia. Em: Edição standard brasileira das obras

psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1917)

Freud, S. (1969). Psicologia de grupo e análise do Ego. Em: Edição standard

brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio

de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1921)

Isaacs, S. (1978). A natureza e função da fantasia. Em: M. Klein, P.

Heimann, S. Isaacs, & J. Riviere (Orgs.), Os progressos da psicanálise (pp.

79-135). Rio de Janeiro: Zahar. (Trabalho original publicado em 1952)

Klein, M. (1975). As origens da transferência. Em: Inveja e gratidão e outros

trabalhos. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em

1952)

Klein, M. (1991). Notas sobre alguns mecanismos esquizoides. Em: Inveja

e gratidão e outros trabalhos. Obras completas de Melanie Klein, vol. 3,

Rio de Janeiro, Imago. (Trabalho original publicado em 1946)

Klein, M. (1991). Nosso mundo adulto e suas raízes na infância. Em: Inveja

e gratidão e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original

publicado em 1959)

Klein, M. (1996). Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-

depressivos. Em: Amor, culpa e reparação, e outros trabalhos. Rio de

Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1935)

123

Klein, M, (1996). Amor, culpa e reparação, e outros trabalhos. Rio de Janeiro:

Imago. (Trabalho original publicado em 1940)

Laplanche, J., & Pontalis, B. (1971). Diccionario de psicoanálisis. Barcelona:

Editorial Labor.

Mezan, R. (1988). Visitando a velha senhora. Em: J.-M. Petot (Org.),

Melanie Klein II: O Ego e o bom objeto – 1932-1960. São Paulo:

Perspectiva.

Pelosi, R. (2003) A introjeção e projeção dos objetos: Posições kleinianas

e defesas maníacas – conhecimento. Em: W. J. Fernandes, B.

Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares

(pp. 93-108). Porto Alegre: Artmed.

Salem, P. (2016). Objeto e fantasia inconsciente na psicanálise de Melanie

Klein. Primórdios, 4(4), 33-44.

Segal, H. (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1973)

Ulhôa Cintra, E. M., & M. F. Ribeiro (Orgs.) (2018). Por que Klein? São

Paulo: Zagodoni.

Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos psicanalíticos. Porto Alegre: Artmed.

Zimerman, D. E. (2001). Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto

Alegre: Artmed.

Zimerman, D. E. (2012). Etimologia de termos psicanalíticos. Porto Alegre:

Artmed.

125

7 Contribuições de Bion para o estudo

e o trabalho com grupos Waldemar José Fernandes

Introdução

Bion considera que seu campo de trabalho é o que não se conhece.

Com ele, a clínica psicanalítica teve grandes possibilidades de se abrir para

o desconhecido. Nesse sentido, Gerber e Figueiredo descrevem assim o

pensamento de Bion, de 1967:

O que é conhecido sobre o paciente não tem maior consequência: ou

é falso ou irrelevante. Se é conhecido pelo paciente e pelo analista,

então é obsoleto (...) O único ponto importante em qualquer

sessão é o desconhecido. Nada deve ser permitido que nos distraia

dessa intuição. (2018, p. 68)

A contribuição revolucionária de Bion para a fundação de uma

psicanálise atual se alicerça não apenas em sua proposta de uma análise

sempre vincular como também no acréscimo de uma perspectiva não

sensorial como é a da intuição.

Um dos seus maiores méritos foi o de colocar a psicanálise dentro

de uma nova dimensão, conservando o mais valioso das contribuições

freudianas e kleinianas, mas encarando-as sob perspectivas diferentes, de

forma mais ampla e original, o que estimula uma atitude nova no analista

e em terapeutas em geral, ao promover a renúncia a esquemas rígidos,

assim como uma abertura para novas maneiras de pensar em psicanálise.

Para essa figura genial, inspirado muitas vezes pela filosofia, o importante

é a prática clínica e a atitude do analista: ser é mais importante do que

conhecer, entender ou dizer.

Os grupos

126

Em psicanálise vincular, as contribuições de Bion têm sido

extremamente proveitosas, seja no que diz respeito à reflexão sobre os

vínculos em quaisquer narrativas de pacientes, seja no trabalho direto com

famílias, instituições e grupos em geral.

Tal como Freud sugeriu, os grupos têm suas raízes no grupo

primordial selvagem. O grupo precede o indivíduo. Vimos em Psicologia das

massas como Freud (1921/1969) entendia a liderança: um indivíduo forte

que levaria as massas a seguir suas ideias. Para ele, haveria uma diminuição

da produção individual no grupo.

Bion, ao contrário de Freud, assegura haver um aumento de

possibilidades na grupalidade, tanto que os grandes descobrimentos e

contribuições são grupais e não produto de homens isolados. Da mesma

forma, o comportamento dos grupos é que faria emergir o líder grupal.

O homem Bion

Conforme Zimerman, em seu livro Bion – da Teoria à prática (1995),

Wilfred R. Bion nasceu na Índia, em 1897, no Panjab, uma colônia inglesa,

onde seu pai, engenheiro inglês, trabalhava na época. Passou a morar e

estudar na Inglaterra a partir dos oito anos de idade. Com 19 anos, entrou

nas forças armadas. Posteriormente fez medicina, com grande dedicação.

Na Universidade de Oxford, estudou história moderna, filosofia e

teologia. Ao ler Freud, ficou fascinado e resolveu se tornar médico

psiquiatra e psicanalista. Fez uma primeira análise com John Rickmann e

uma segunda, com Melanie Klein.

Bion apresenta uma produção inovadora que revela seus sólidos

conhecimentos científicos em diversas áreas. Propõe também uma

expansão sensível para o momento do encontro psicanalítico,

revelando a vivacidade envolvida nos fatos, com o objetivo de

apreender a realidade o quanto possível. (Gerber & Figueiredo,

2018, p. 141)

Durante a década de 40, deu uma contribuição das mais

importantes para o trabalho grupal, que descreveu em Experiências com

grupos (1948/1975). Nessa obra vemos que, partindo de sua vivência com

grupos de soldados no Hospital Northfield durante a Segunda Guerra

Mundial e posteriormente, na Tavistock Clinic, levantou hipóteses sobre

127

o campo grupal, criando assim conceitos originais sobre a psicodinâmica

psicanalítica dos grupos, até hoje objeto de estudo. Tornou-se, apesar da

desaprovação de Melanie Klein, uma referência no trabalho psicanalítico

com grupos.

Sua primeira iniciativa, na ala de reabilitação desse hospital

psiquiátrico, foi promover tarefas de interesse, acrescidas de seminários

terapêuticos avaliativos, pois, para haver um bom espírito de grupo, Bion

observou que seria necessário que o grupo tivesse um objetivo comum,

para alimentar um ideal. Por outro lado, chegar a um bom resultado

terapêutico incluiria a noção de identidade grupal por parte dos membros

(Fernandes, 2003).

Podemos distinguir na obra de Bion um importante aspecto

terapêutico, que é ampliar a possibilidade de adquirir conhecimento sobre

si mesmo e sobre os vínculos entre os membros do grupo. A experiência

na Clínica Tavistock permitiu a Bion observar que o grupo tinha reações

inesperadas ao viver uma situação não convencional, ou seja, com um

coordenador de grupo que se valia unicamente de seus conhecimentos

como psicanalista e de sua intuição.

Tal coordenador não correspondia às solicitações manifestas,

restringindo-se à interpretação do material latente. De forma não esperada,

o grupo passava então a evidenciar emoções primitivas que alteravam o

raciocínio crítico e a dinâmica grupal. A partir dessa experiência e

consequentes reflexões, Bion propôs que o objeto de estudo dos grupos

fosse a investigação dos fenômenos que produziam tais perturbações no

comportamento grupal (Fernandes, 2003).

No grupo, Bion verificou que a realização da vida mental

individual fica prejudicada, pois se o sujeito está esperando chegar, por

meio do grupo, a uma vida de prazeres, sem frustração, isso não será

alcançado, já que existe a presença grupal, com mentalidade própria e

primitiva, que muda tudo. A mentalidade primitiva e as vicissitudes do

crescimento podem ser encontradas no grupo e no indivíduo.

O crescimento mental nos reporta a um trabalho posterior de

Bion, publicado em 1977, referente à cesura do nascimento (Bion,

1977/1981). Para Freud, a vida intrauterina e a primeira infância

apresentam uma continuidade bem maior do que a cesura marcante do ato

128

do nascimento nos permite supor (1926/2014). Freud queria dizer com

isso que os primeiros cuidados psicológicos da mãe equivalem a

contribuições biológicas.

Bion empregou o termo cesura do nascimento em seus estudos

sobre a continuidade que existe entre a vida pré-natal e a pós-natal,

conhecimento que o fez refletir já nos primeiros trabalhos com grupos.

Na concepção bioniana, o crescimento mental ocorre por surtos,

em níveis de mudança repentinos, que causam angústia, e a origem desse

processo infinito está no corte biológico que o nascimento

irremediavelmente efetua. A cesura do nascimento é o equivalente

psíquico ao corte biológico do cordão umbilical (Bion, 1977/1981). As

partes pré-natais da personalidade, na cesura do nascimento, têm a

tendência à cisão, e deixam internalizado em todos nós algo de uma vida

tribal, atávica, registro de nosso passado animal, em que se formavam clãs,

famílias ou rebanhos.

A metáfora do nascimento psíquico permeia suas reflexões.

Segundo Bion (1977/1981), Freud enfatizava um dado objetivo: a

impotência do recém-nascido, que não é capaz de coordenar sua ação para

agir eficazmente, pois depende do seu meio, principalmente de sua mãe,

para absolutamente tudo. Tal imaturidade acarreta um estado de

desamparo mental, o que obriga o psiquismo a crescer completamente

dependente de outrem, experiência emocional que também ocorre na

multidão, como Freud mostrou em Psicologia de massa e análise do ego

(1921/1969). O mesmo fenômeno Bion observou nos pequenos grupos.

Habitualmente se usa a expressão “voltar à infância”. Ainda que

esteja consagrada, a expressão é inadequada. O que é possível, e

necessário, é se estudar e elaborar questões infantis ainda presentes no

adulto.

É impossível entender alguns sintomas se pensarmos que se

desenvolveram somente após o nascimento. É necessário considerar as

emoções que não puderam se tornar conscientes, nem verbalizadas.

Temos de procurar reconhecer os vestígios de um estado mental arcaico

na mente e no grupo.

Nenhum de nós ultrapassa totalmente essa fase primeva, tanto

que, nas afecções psicossomáticas, podemos encontrar um aniquilamento

129

do aspecto intelectual, com o ressurgimento do psicossomático, mais

primitivo, tal como no grupo (Fernandes, 2003).

O mundo primitivo e a cesura do nascimento basearam muitos dos

trabalhos de Bion, importantes para se conhecer sua forma de lidar com a

teoria da técnica psicanalítica, e importantes para nossa reflexão, como se

vê na declaração: “Investigar a Cesura; não o analista; não o analisando;

não o inconsciente; não o consciente; não a sanidade; não a insanidade.

Mas a Cesura, o vínculo, a sinapse, a contratrans(ferência), o humor

transitivo-intransitivo” (Bion, 1977/1981, p. 136).

Temos muitos textos de autores brasileiros sobre Bion, da maior

importância, inclusive sobre a cesura. Vejamos este trecho, do psicanalista

Edival A. L. Perrini:

É possível escrever um texto sobre cesura. Mas o novo que emerge

de nossas trevas não habita nossos vícios. O desconhecido não

cabe dentro do útero para sempre: ou o conforto é rompido ou

segue nos induzindo à repetição. E repetir é muito agradável.

Podemos fazer arranjos que parecem novidades. Geralmente são

armadilhas. A novidade é absolutamente incontrolável. De

repente, estamos dentro do solavanco, do medo, do sobressalto.

Nesses momentos podemos estar perto da experiência emocional

da cesura. (2009, p. 71)

Nas cogitações de Bion, vê-se que trabalhar com a cesura é lidar

com o imprevisto, com movimentos paradoxais, bruscos e inesperados,

de estados da mente, o que vale para pacientes e para terapeutas. Poder

conter e conviver contratransferencialmente com sensações de

momentâneo vazio de significado é fundamental.

Seja em grupos, casais ou instituições, seja no trabalho

psicanalítico bi-pessoal, muitas vezes não sabemos o que fazer com as

questões existenciais de nossos pacientes, devido às dificuldades ancestrais

com que temos de lidar.

Os maiores psicanalistas brasileiros têm se debruçado sobre o

primitivismo na mente e nos grupos, valorizando muito o tema da cesura,

como Manoel Munhoz, David Epelbaum Zimerman e Odilon de Melo

Franco Filho, entre outros.

130

Franco Filho (1997) teve muita experiência em psicoterapia

analítica de grupo e era profundo conhecedor da obra bioniana. Ele

mostrou que Bion considerava a cesura um acontecimento existencial e

sua investigação inerente ao método psicanalítico.

Mentalidade grupal e cultura de grupo

Bion, observando várias situações grupais, ponderou que, quando

agrupados, participamos, sem saber, da criação de um fundo comum, do

qual emergem contribuições inconscientes. Tais contribuições anônimas

constituem uma mentalidade de grupo em que há unanimidade de pensamento

e de vontade, o que impede qualquer possibilidade de vida privada e de

satisfação individual, provocando certo conflito de interesses.

A mentalidade grupal postulada por Bion parece ser de natureza

onírica-mítica (Munhoz, 1989). Na observação bioniana, algumas

interpretações utilizadas nas primeiras experiências com grupos não

provocavam o esperado insight nem a consequente mudança, persistindo

alguns modelos primitivos de comportamento grupal. Daí partiu a

conceituação dos supostos ou pressupostos básicos, isto é, os elementos

que estariam subjacentes à cultura de um grupo, expressando o conflito

entre os desejos individuais e a mentalidade do grupo.

A comunicação que existe nos supostos básicos, tal como nos

mitos, é de caráter coletivo, e de autoria anônima. A oposição entre a

necessidade individual e a mentalidade de grupo é a chamada cultura de

grupo. A cultura grupal é decorrência da permanente interação entre o

sujeito e o grupo, isto é, entre o narcisismo e o altruísmo, ou coletivismo.

Níveis de funcionamento grupal

Entre as importantes contribuições de Bion destaca-se a

observação de que qualquer grupo se movimenta em dois planos ou dois

níveis de funcionamento: o primeiro, que ele denomina grupo de trabalho,

opera no plano consciente e é um nível de funcionamento grupal voltado

para a execução de tarefas, em que é fundamental a cooperação entre os

indivíduos (Fernandes, 2003). Esse nível de funcionamento dos grupos

tem características análogas às do Ego e pressupõe um contato com a

131

realidade, dentro do processo secundário e, dependendo da tolerância à

frustração, será mais criativo ou menos criativo.

Concomitantemente a esse nível consciente de funcionamento

grupal, existe, no plano inconsciente, outro nível de funcionamento

grupal, implicado com outro clima emocional, o nível de grupo de pressupostos

básicos, que fica em estado latente. Suas manifestações clínicas

correspondem a um primitivo atavismo de pulsões e de fantasias

inconscientes.

De acordo com as configurações observadas, Bion propôs três

tipos de pressupostos ou supostos básicos:

1) O suposto básico de dependência, em que existe a fantasia grupal do

modelo mãe-bebê – isto é, o modelo kleiniano e freudiano da relação do

bebê com o seio, e depois, com a figura da mãe – da busca de um

provedor, um líder carismático que assume o papel de atender às

necessidades existenciais básicas infantis.

Nesse plano, o terapeuta, ou outro elemento do grupo, é revestido

de poderes mágicos, onipotentes, que na fantasia grupal satisfarão todas

as suas necessidades e desejos. É claro que nem sempre esse líder consegue

assumir tão bem o papel que lhe é atribuído, ou não quer assumir, como

é o caso do terapeuta.

2) O suposto básico de luta e fuga, que é de natureza persecutória.

Nesse nível de funcionamento grupal ocorre basicamente a fantasia

onipotente de que existe um inimigo, e que é necessário atacá-lo ou fugir

dele.

Tal expressão remete ao fisiologista Walter Cannon, que

investigou a influência de perturbações emocionais sobre a liberação de

substâncias químicas hormonais, posteriormente reconhecidas como

adrenalina e noradrenalina, e seus efeitos na fisiologia corporal. Sua

conclusão é hoje conhecida como reação de luta ou fuga: quando as

circunstâncias são ameaçadoras, há estímulo da secreção de adrenalina pela

glândula suprarrenal, que, agindo nos tecidos periféricos, prepara o

organismo para uma ação vigorosa em estados de emergência (Cannon,

1914). Tais reações nos preparam para a defesa e a luta pela vida, ou para

correr e fugir do perigo, enfim, para nos ajudar a sobreviver a uma situação

perigosa.

132

Pela concepção bioniana, no suposto básico de luta ou fuga, que é

implicado com a escola kleiniana, o objeto é mau e ameaçador, e as

atividades defensivas devem atacar e destruir o objeto perseguidor ou

procurar evitá-lo. O grupo receia se constituir como tal, predominando a

destrutividade e o sentimento de ódio, e exige uma liderança com

características paranoides de personalidade, de natureza tirânica, com

experiência suficiente para enfrentar o suposto inimigo ameaçador.

3) O suposto básico de acasalamento, que se refere à formação de pares

no grupo, que poderiam, em fantasia, se acasalar e gerar um messias

salvador ou uma ideia salvadora. Nesse caso, o líder teria de possuir

algumas características místicas. Acontece, entretanto, que esse líder não

nasceu ainda, e isso é o que mais caracteriza esse pressuposto, a esperança

messiânica. Um nome até mais fortemente adequado à situação seria suposto

básico de esperança messiânica.

Enfatizando:

O grupo de trabalho NÃO é um tipo de grupo.

O grupo de suposto básico NÃO é um tipo de grupo.

Ambos são níveis de funcionamento grupal.

Quaisquer que sejam os pressupostos básicos, estes são sempre

inconscientes, e, embora isoladamente, estão sempre presentes. Na

verdade, nada mais são do que estados emocionais que visam à evasão da

realidade e da frustração, inerentes ao aprendizado pela experiência, que

envolve aceitar e conviver amistosamente com novas ideias.

Como já visto num capítulo introdutório (capítulo 2), uma das

dimensões do vínculo é a transubjetiva. O espaço psíquico transubjetivo

ou dimensão transubjetiva de cada um tem a ver com a cultura, as leis e o

mundo sociocultural em que cada sujeito estabelece relações com os

valores, as crenças, os mitos, as ideologias e a própria História. Em minha

maneira de ver, isso ocorre também nos pequenos grupos, em que cada

um apresenta um jeito especial de funcionar, diferenciando um grupo de

outro, assim como o mesmo grupo em diferentes épocas.

Pelo que se depreende, o líder de suposto básico é aquele que pode

expressar melhor os processos da transubjetividade do pequeno grupo.

Além disso, o líder do grupo de trabalho mantém contato com a realidade

externa, o que não é exigido do líder do grupo de suposto básico.

133

Há algumas diferenças importantes – mormente no que diz

respeito aos temas grupais e sobre liderança – entre Freud e Bion. Freud

dizia que o líder era aquele de quem o grupo dependia, devido à sua

personalidade forte. Na visão bioniana, o líder é criação da suposição

básica e de cada membro do grupo.

Assim, o líder, na suposição básica, não cria o grupo em virtude de

sua adesão fanática a uma ideia, mas, pelo contrário, é um indivíduo cuja

personalidade o torna particularmente suscetível à obstrução da

individualidade pelos requisitos de liderança do grupo de suposição básica.

A perda da distintividade individual, de que falava Freud, aplica-se ao líder

do grupo, mas também a qualquer outro. Vejamos em Experiências com

grupos:

(...) isto difere da ideia de Le Bon, segundo a qual o líder deve

possuir uma vontade forte e imponente, e da ideia de Freud

segundo a qual ele corresponde a um hipnotizador. O poder que

tem deriva-se do fato de haver-se tornado, em comum com todos

os outros membros do grupo, aquilo que Le Bon descreve como

um autômato que deixou de ser guiado por sua vontade. Em resumo, ele é

líder em virtude de sua capacidade de combinação instantânea e

involuntária com qualquer outro membro do grupo (...). (Bion,

1948/1975, p. 164-165)

A capacidade instintiva dos indivíduos se vincularem em torno de

um suposto básico, contra a ideia nova que causa frustração, foi

denominada valência por Bion.

Alternância de supostos ou pressupostos básicos

Os supostos básicos nunca coexistem, nem conflitam entre si, mas se

alternam (Fernandes, 2003). O que promove a mudança de um pressuposto

para outro é o temor da ideia nova, que não pode ser manipulada na

cultura do grupo de trabalho nem neutralizada na cultura de pressupostos.

Em caso de conflito do suposto básico com a ideia nova, o grupo

pode reagir mudando de suposto básico, sempre concomitantemente com

o grupo de trabalho. Tal coexistência do grupo de trabalho com o de

134

suposto básico costuma causar um constante conflito no grupo: uma

tendência progressiva, ao lado de uma regressiva.

É importante ressaltar que não existe um grupo sem conflito entre

o nível de grupo de trabalho e o nível mais primitivo, de suposto básico,

conflito essencial e transformador, pois, para Bion, não existe um

verdadeiro crescimento sem a convivência simultânea do aspecto evoluído

com o aspecto primitivo. Só assim ambos os níveis de funcionamento

grupal, o primitivo e o evoluído, entram em ressonância, com

desenvolvimento do grupo e do sujeito.

O nível de funcionamento grupal dos supostos básicos é produto

de fantasias grupais onipotentes e mágicas a respeito de como realizar os

desejos; são fantasias primitivas e universais, que correspondem às

primeiras “matrizes vinculares” (Fernandes, 1994, p. 44) provenientes de

internalizações bebê-seio. Conceito análogo, com o nome de matriz

interna grupal, será visto no capítulo específico sobre a Escola Portuguesa

de Grupanálise (capítulo 10).

Tentando esclarecer situação tão complexa, podemos dizer que as

pessoas se relacionam a partir de modelos de vínculos intersubjetivos: as

matrizes vinculares. O bebê introjeta as estruturas vinculares inicialmente

vindas do mundo externo, principalmente dos pais. Tais matrizes

vinculares, verdadeiros grupos internos, são conservadas como padrão, e

são configuradas como fantasias inconscientes, tal como visto no capítulo

sobre Melanie Klein (capítulo 6), passando a constituir nosso caráter.

Analogamente, um pouco dos homens primitivos, um tipo de

conhecimento advindo do pensamento grupal, é colocado no primeiro

ano de vida dentro de cada um, como conhecimento mítico.

Um sistema anterior aos supostos básicos

Bion postula a existência de um sistema protomental, que

corresponde à fonte de onde se originam os fenômenos, sistema em que

predomina a indiferenciação. Ele propõe que o campo a ser atingido pela

investigação do terapeuta seja o das etapas protomentais das suposições

básicas e a relação dos sujeitos com uma determinada suposição.

Visualizo o sistema protomental como um sistema em que o físico

e o psicológico ou mental são indiferenciados. Trata-se de uma

135

matriz de onde se originam os fenômenos que a princípio parecem

– num nível psicológico e à luz da investigação psicológica – ser

sentimentos distintos, apenas frouxamente associados uns com os

outros. É desta matriz que as emoções próprias à suposição básica

fluem para reforçar, infiltrar e, ocasionalmente, dominar a vida

mental do grupo. (Bion, 1948/1975, p. 91)

Lazslo A. Ávila mostra que as contribuições de Bion sobre

fenômenos protomentais, que ocorrem num plano transubjetivo mítico, nos

auxiliam a compreender de modo transcendente os limites do corpo de cada

um, já que para ele alguns processos vivenciados pelo indivíduo não nascem

dele mesmo, e o grupo é o dispositivo ideal para se investigar tais

ocorrências. “Para Bion existem estados emocionais anteriores às

suposições básicas, que constituem os fenômenos protomentais (...) nesse

nível de funcionamento ocorrerá uma indiscriminação entre os planos

somático e psíquico” (Ávila, 2006, p. 37).

O nível de grupo de supostos ou pressupostos básicos é também

um ingrediente inerente aos indivíduos e se manifesta também no corpo.

“A fase protomental no indivíduo é apenas uma parte do sistema

protomental, porque os fenômenos protomentais são uma função do

grupo e, dessa maneira, devem ser estudados no grupo” (Bion, 1948/1975,

p. 93).

No sistema protomental existem as matrizes de três possibilidades

de direcionamento: o grupo, a realidade externa e o corpo.

Quando as emoções podem se configurar em suposição básica é

ao grupo que elas se dirigem... Quando as emoções não se dirigem

ao grupo, podem ser traduzidas em identificações projetivas e em

acting-outs no ambiente. Nesse nível de funcionamento (...) o

indivíduo pode vir a tomar consciência delas, se reconhecer os

processos internos que lhes deram origem. Finalmente, as

emoções podem acometer o corpo do indivíduo, na forma de

sintomas psicossomáticos, que expressam os fenômenos

protomentais que não encontraram formas mais elaboradas para

se converter em fenômenos psicológicos, acessíveis à análise

psicológica. (Ávila, 2006, p. 38)

136

Bion, ao relacionar o nível dos pressupostos básicos com o do

grupo de trabalho, vai se referir aos enunciados kleinianos sobre fantasias

primárias, as primeiras relações objetais, as ansiedades psicóticas e os

mecanismos de defesa, sendo que as ansiedades infantis seriam reativadas

nas situações adultas.

A pertença a grupos promove regressão, mantendo a linguagem

simbólica, mas em nível de suposto básico, predomina a ação. Na verdade,

“os supostos básicos parecem ser dramatizações de tentativas de solução

de crises vitais por modos arcaicos” (Munhoz, 1988, p. 87).

A dinâmica grupal que permeia a cultura de grupo pode ser vista

como a transubjetividade do pequeno grupo – aspectos subjetivos,

míticos, que eclodem em diversas configurações (Fernandes, 2003).

A simbolização mítica é um cálculo psicológico expresso em

linguagem de imagens, metafórica. Os mitos falam de temas universais do

conhecimento humano. Sua produção é grupal e intuitiva, sendo assim de

grande interesse para quem trabalha com grupos. “O mito é o eterno

presente do sempre, na mente humana, uma rede de significantes, de

conhecimentos arquivados, da experiência ancestral” (Munhoz, 1988, p.

127).

O tema inesgotável de que tratam os mitos é o desejo e suas

transformações energéticas, já que o desejo é o fenômeno central da vida.

Assim, o sonho, realização disfarçada de desejos, é a construção de um

mito individual, visando ao crescimento e ao aperfeiçoamento, enquanto

os mitos buscam realizar desejos grupais.

Os mitos são essencialmente sintéticos; são dramas humanos

condensados. Entre os mitos individuais que se confundem com as

fantasias inconscientes da teoria kleiniana e os mitos da espécie,

propriamente ditos, há os mitos dos pequenos grupos, as suposições

básicas, as quais Bion considerava interpretáveis, no trabalho grupal.

Os mitos podem ser considerados como modelos para se conhecer

o funcionamento do aparelho psíquico e dos mecanismos inconscientes

presentes em nosso grupo interno, pois os valores míticos têm grande

carga emocional.

Cogitações sobre a clínica vincular e a experiência bioniana

137

A contribuição bioniana evidencia que a reunião de um grupo só

é necessária para que as características dele se revelem, mas não para a

produção do fenômeno grupal.

Nos trabalhos sobre suas experiências com grupos, Bion

demonstrou tanto seu interesse pela realidade externa quanto pela

subjetividade. Contrariamente a Freud, afirmou a existência de um

aumento de possibilidades na grupalidade, tanto que os grandes

descobrimentos e contribuições são grupais, e não produto de homens

isolados.

A importante função do terapeuta e do coordenador de grupos,

entre outras, é promover o nível de grupo de trabalho, a criatividade e a

convivência salutar com as ideias novas.

Embora úteis, as observações de Bion sobre os grupos de supostos

básicos não devem ser usadas como fórmulas que explicam tudo o que se

passa nos grupos, muito menos algo concreto que tenhamos de procurar,

o que seria, inclusive, contrário a toda a filosofia de vida e toda a

proposição de Bion sobre a psicanálise. O que importa são os dois níveis

de funcionamento grupal.

Na visão de Bion, as duas mentalidades grupais estão presentes ao

mesmo tempo e contrapostas, ou seja, “a mentalidade primitiva ou do

homem regredido e a mentalidade de grupo de trabalho ou do homem

evoluído não representam uma sequência. Ambas estão presentes tanto no

habitante das cavernas, quanto no homem moderno” (Fernandes, 2003, p.

117).

Os níveis conscientes e inconscientes de funcionamento grupal

existem sempre, ocorrem em qualquer grupo e não dependem de serem

identificados e percebidos por nós.

As configurações grupais denominadas supostos básicos não se

esgotam com as três hipóteses de Bion; “muitas outras hipóteses básicas

têm sido levantadas, como Grupo de Pátio de Colégio, por exemplo, onde

todos só querem brincar, movidos pelo princípio do prazer, ou Grupo de

Diversão e Orgia: cuja fantasia grupal é a de que os indivíduos se reúnem em

grupos para satisfazer as suas necessidades de amor e alegria” (Munhoz,

1988, p. 128).

138

Algumas configurações grupais são mais difíceis de se lidar, pois

não têm estruturas tão bem organizadas e identificáveis, já que seus

conteúdos são muito primitivos. Nesses casos, contratransferencialmente,

o coordenador de grupo pode ficar muito impactado, aturdido,

dificultando seu entendimento. Há que conviver e conter tais sentimentos

até que algo se vislumbre, que possa ser apontado, quando isso for

possível, o que muitas vezes não acontece.

Referências

Ávila, L. A. (2006). A secreta simetria: Grupo e corpo na compreensão

psicanalítica. Revista da SPAGESP, 7(1), 17-27. Recuperado em 25 de

agosto de 2019, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?

script=sci_arttext&pid=S1677-29702006000100004

Bion, W. R. (1975). Experiências com grupos. São Paulo: EDUSP; Rio de

Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1948)

Bion, W. R. (1981). Cesura. Revista Brasileira de Psicanálise, 15, 123-136.

(Trabalho original publicado em 1977)

Cannon, W. B. (1914). The emergency function of the adrenal medulla in

pain and the major emotions. American Journal of Physiology, 33: 356-

372.

Fernandes, W. J. (1994). Tentativa de elaboração de alguns aspectos

teóricos em psicanálise das configurações vinculares. Anais do

XI Congresso da FLAPAG, Buenos Aires.

Fernandes, W. J. (2003). Bion: O conhecimento e a vincularidade –

vínculos K, L, H, R – os níveis de funcionamento grupal: O pensar e

os pensamentos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.

Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 109-127). Porto

Alegre: Artmed.

Franco Filho, O. M. (1997). Psicanálise: Evolução e ruptura. Em: M. O.

A. F. França (Org.), Bion em São Paulo: Ressonâncias (pp. 365-376). São

Paulo: Sociedade Brasileira de Psicanálise.

Freud, S. (1969). Psicologia de grupo e análise do Ego. Em: Edição standard

brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio

de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1921)

139

Freud, S. (2014). Inibição, sintoma e angústia. Em: Inibição, sintoma e

angústia, o futuro de uma ilusão e outros textos, vol. XVII. São Paulo:

Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1926)

Gerber, I., & Figueiredo. L. C. (2018). Por que Bion? São Paulo: Zagodoni.

Munhoz, M. (1988). Elaboração onírica no indivíduo e no grupo.

Conferência publicada nos Anais da II Jornada da ABPAG, São Paulo.

Munhoz, M. (1989). Visão evolutiva na psicoterapia analítica de grupo.

Revista da ABPAG, 1(1), 84-91.

Perrini, E. A. L. (2009). Uma aproximação ao mundo dos conteúdos

oníricos e a cesura. Revista Brasileira de Psicanálise, 43(3), 71-79.

Zimerman, D. E. (1995). Bion: Da teoria à prática – uma leitura didática.

Porto Alegre: Artmed.

141

8 Teoria e técnica dos grupos operativos

segundo Enrique Pichon-Rivière Ismenia de Camargo e Oliveira

Teoria

Quem foi Enrique Pichon-Rivière? (1907- 1977)

Para compreendermos os conceitos teóricos de Pichon-Rivière

sobre grupos, nada melhor que conhecer sua trajetória de vida.

Ele nasceu em 1907, na Suíça, de pais franceses. Quando tinha

quatro anos, sua família mudou-se para a região do Chaco, na Argentina.

Na fazenda do seu pai trabalhavam índios guaranis, cuja religião era o

Xamanismo. O Xamã, denominado Pajé, é a pessoa que lida com as

conexões entre seres humanos vivos e mortos. A convivência desde a

infância com os guaranis deixou-o fascinado com os rituais de vida e de

morte e as histórias cheias de magia e ocultismo. Este encontro de duas

culturas tão diferentes, a positivista, proveniente de seus pais franceses, e

a guarani, com fortes características mágico-animistas, cheias de mistérios

e mortes, despertou nele a curiosidade pelas diferenças e pelo inusitado.

Isso o levou a interessar-se pela psicose, na tentativa de conciliar as

concepções guarani e positivista, buscando entender cientificamente a

loucura. Essas articulações entre diferentes campos complexos podem ser

encontradas em toda sua obra. Esta marca sempre foi característica das

preocupações de Pichon-Rivière com a Saúde Mental.

Ainda estudante da escola secundária, teve seus primeiros contatos

com a obra de Freud. Nessa mesma época, interessou-se pela política,

tendo participado da fundação do Partido Socialista da cidade de Goya.

Como estudante de medicina, aos 18 anos, mudou-se para Rosário

e obteve seu primeiro emprego como instrutor de hábitos seguros em

prostíbulos, batalhando sempre pela melhoria da saúde pública.

142

Estes três pilares: a psicanálise, a saúde pública e a preocupação

com o social são constantes em toda a vida e a obra de Pichon-Rivière.

Após formar-se em psiquiatria, começou a trabalhar no Asilo de

Torres, que cuidava de menores oligofrênicos. Oligofrenia é uma doença

que compromete o desenvolvimento intelectual e é caracterizada pelo

retardo e dificuldade do falar e do caminhar. Observador arguto, ele

começou a reparar nas diferenças significativas entre as crianças. Havia

algumas que não tinham o desenvolvimento físico comprometido como a

maioria das crianças ali internadas. Qual seria a causa dessa diferença?

Começou a desenvolver uma reflexão, muito nova para a época, sobre a

possível influência da família sobre a doença. Formulou uma hipótese

básica para sua teoria: essas crianças sofriam de retardo intelectual por carências

afetivas sofridas na tenra infância. No começo da vida dessas crianças havia,

segundo ele, um vazio vincular, uma ausência de contato afetivo cuja

consequência é uma perturbação quase irreversível na maturação e na

aprendizagem.

Esboça-se aqui o que mais tarde iria constituir-se na teoria da

introjeção, não apenas de objetos, como pregava a psicanálise, mas também

de relações objetais. Elaborou o conceito de mundo interno, que consiste em

um cenário de relações afetivas, no qual se tenta reconstruir a realidade

externa, cenário esse sempre modificado pelas fantasias.

Começou a questionar o princípio psicanalítico de pulsão,

substituindo-o pelo de necessidade. Pulsão, segundo Laplanche e Pontalis

(2001, p. 394), é um:

(...) processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga

energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para

um objeto. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa

excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo é suprimir o

estado de tensão que reina na fonte pulsional; é graças ao objeto

que a pulsão pode atingir sua meta.

Ao questionar o conceito de pulsão, Pichon-Rivière ressaltou uma

contradição: na fome, por exemplo, o estado de tensão é no interior, mas

a satisfação, ou alívio da tensão, só pode ser alcançada pelo exterior.

Quando a criança chora, mobiliza qualquer adulto para aplacar o choro.

Então, o estímulo vem de dentro do organismo (pulsão) e sua satisfação

143

remete ao outro que satisfaz sua necessidade. Para ele a necessidade nos

impulsiona a estabelecer vínculos. Ao mesmo tempo em que a criança

modifica o meio (quando chora), ela é modificada pelo meio que a satisfaz.

A relação afetiva, que a princípio é externa, se transforma em referente

interno. A criança vai internalizando experiências. É dessa forma que o

sujeito de necessidade passa a ser sujeito de representações. O intrapsíquico seria

apenas um dos aspectos do processo interpsíquico.

Essa dialética do sujeito/meio permite uma compreensão maior

do sujeito como pertencente ao meio social e não desvinculado dele.

Então, para Pichon-Rivière, a experiência teve lugar fundante e eficaz na

constituição da subjetividade. Com essas reflexões percebemos que ele

estava fazendo a passagem dos eventos intrapsíquicos para os

interpsíquicos, ou seja, da psicanálise para a psicologia social.

Na medida em que o sujeito é constituído da relação com o outro,

sendo, portanto, um sujeito de relação, já deslumbramos a importância do

grupo na constituição da subjetividade e como um instrumento

privilegiado para a compreensão e possibilidade de transformação do

mundo interno do indivíduo.

A indagação analítica desse mundo interno levou-me a ampliar o

conceito de relação de objeto, formulando a noção de vínculo que

defino como estrutura complexa que inclui um sujeito, um objeto,

e sua mútua relação com processos de comunicação e

aprendizagem (…) por isso insistimos que em toda estrutura

vincular (e com o termo estrutura já indicamos a interdependência

dos elementos) o sujeito e o objeto interatuam, realimentando-se

mutuamente. Essas relações intersubjetivas são dirigidas e se

estabelecem sobre a base de necessidades, fundamento

motivacional do vínculo. (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. X).

A ideia de vínculo é mais abrangente do que a de relação objetal.

Taragano, na introdução do livro Teoria do vínculo de Pichon-Rivière, diz:

“ele concebe o paciente e o terapeuta como se formassem uma unidade

dialética na qual atuam um sobre o outro.” (Pichon-Rivière, 1980/1991, p.

13). O vínculo não se dá apenas entre duas pessoas, mas também no

contexto grupal, que na prática dos grupos operativos, vai ser estudado

como transferência grupal.

144

Voltemos à biografia de Pichon-Rivière. Na condição de médico

psiquiatra, trabalhou no Hospício de Las Mercedes (hoje

Neuropsiquiátrico José Tomás Borda), como chefe do setor de internação

de adolescentes psicóticos. Nessa função começou a observar as famílias

que traziam seus filhos para serem internados. Às vezes ficava confuso

sobre quem era, de fato, o doente. Percebeu que os familiares depositavam

no doente todo o mal da família: “ele é a ovelha negra”, “só nos dá

desgosto”, “é o louco da família,” e assim por diante. Ao mesmo tempo

percebeu que as famílias também atribuíam vários papéis aos outros

membros: “esse é o bonzinho”, “a mãe é a megera”, “o pai é o tirano”, “a

irmã é a promessa da família” etc. Construiu a hipótese de que “no grupo

familiar doente, o paciente é emergente e adquire a qualidade de porta-voz

da enfermidade grupal” (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 41). Desenvolveu

a Teoria dos três D (depositante, depósito, depositário); a família seria

depositante de todo o mal insuportável (depósito) em algum membro

(depositário).

Pichon-Rivière inferiu “que o paciente é o membro

dinamicamente mais forte (e não o mais frágil), já que sua estrutura pessoal

lhe permite tornar-se o portador da enfermidade grupal” (Pichon-Rivière,

1980/1988, p. 42). Por ser o mais forte, consegue manter por um certo

tempo o equilíbrio emocional da família. Pichon-Rivière, sempre

preocupado com o papel da família como responsável pela deflagração da

doença de um dos seus membros, acreditava que o doente é o porta-voz

da doença familiar. Ele carrega a ansiedade e os aspectos insuportáveis

existentes naquela família, mantendo assim o seu equilíbrio. Só quando são

muito intensas e frequentes as depositações que a família lhe faz é que ele

adoece de fato, pois vira bode expiatório. E para se livrar dele a família

geralmente tende a segregá-lo mandando-o para alguma instituição de

saúde mental. Só que, como a doença é da família, o mal não é afastado e

novas depositações são dirigidas a outro membro. Portanto, Pichon-

Rivière foi revolucionário porque se propunha a tratar não somente o

paciente, mas toda a família, contrariando o pensamento psiquiátrico da

época.

Ainda como chefe do setor de internação desse Hospital, deparou-

se com uma greve de seus enfermeiros, por melhores salários. De uma

145

hora para outra, viu-se com dezenas de adolescentes psicóticos sem seus

cuidadores. O que fazer? Propôs que os adolescentes que estivessem

menos doentes cuidassem dos seus colegas mais comprometidos.

Começou a formar grupos para orientá-los na nova função. Para sua

surpresa, houve melhora de todos os internados. Levantou a hipótese de

que ao mudar de papel de “ser cuidado” para “cuidador”, de passivo para

ativo, o doente pode adquirir novas representações de si e dos outros, com

significativa regressão de seus sintomas. Sentindo-se úteis, os novos

“enfermeiros” adquirem uma nova identidade social e os demais pacientes,

por sua vez, desenvolvem esperanças de melhora. Pichon-Rivière

percebeu que com a formação dos grupos operativos (no sentido de fazê-

los atuar sobre o meio ambiente, modificando-o), os pacientes passaram a

trazer atitudes, crenças, opiniões e preconceitos particulares (ECRO) que

com o tempo foram sendo modificados em novas representações.

O que significa ECRO? O “E” designa esquema, sendo este

entendido “como conjunto articulado de conhecimentos” (Pichon-Rivière

1984, p. 5). Significa que os fatos, ideias e fenômenos se estruturam de

uma certa forma. O “C” refere-se a um esquema conceitual: “Entendemos

por esquema conceitual um sistema de idéias que alcança uma vasta

generalização (...). Trata-se de um conjunto de conhecimentos que

proporciona linhas de trabalho e investigação” (...). Por isso, disse Kurt

Lewin: nada é mais prático que uma boa teoria” (Pichon-Rivière, 1984, p.

5). O “R” designa um esquema referencial que é

(...) inevitavelmente próprio de uma cultura em um momento

histórico-social determinado (...) Todo esquema referencial é ao

mesmo tempo produção social e produção individual. Constrói-se

através dos vínculos humanos e faz, por sua vez, que nos

constituamos como subjetividades (...) e transformemos a

sociedade em que vivemos. (Adamson, 2000, p. 5)

O “O” significa operativo e tem a ver com a possibilidade de

mudar uma situação de forma criativa, atendendo às condições de saúde.

E saúde, para Pichon-Rivière, é adaptação ativa à realidade. Esse esquema

referencial nos permite perceber, distinguir, sentir, organizar e operar na

realidade. Através das nossas redes vinculares construímos um esquema

referencial que estabiliza em nós uma certa maneira de conceber o mundo.

146

Mas como o sujeito, para Pichon-Rivière, está em constante interação

dialética com o meio, há inevitável modificação do marco referencial

durante todo o nosso desenvolvimento. É importante dizer que o ECRO

também está presente na dimensão grupal.

Resumindo: “caracterizamos o ECRO como conjunto organizado

de noções e conceitos gerais, teóricos, referidos a um setor do real, a um

universo do discurso, que permite uma aproximação instrumental do

objeto particular concreto” (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 173).

Para encerrar, façamos nossas as palavras de Gladys Adamson

(2000, p. 2):

Pichon foi fundador da APA (Associação Psicanalítica

Argentina). Com o desenvolvimento de sua teoria e prática

com grupos operativos, possibilitou a psicanálise de

crianças, a compreensão da psicose, a investigação de

enfermidades psicossomáticas, a psicanálise de grupo, a

análise institucional e desenvolvimento do trabalho

comunitário. Enrique Pichon-Rivière foi muito mais do

que um profissional especializado. Sua atividade pioneira e

sua produção teórica-prática influenciou o pensamento

científico e cultural da Argentina.

A isso acrescentamos: também do Brasil.

Processo grupal

Então, o que seria grupo para Pichon-Rivière? “Um grupo restrito

de pessoas, ligadas entre si por constante de tempo e espaço e articuladas

por sua mútua representação interna, que se propõem de forma explícita

ou implícita uma tarefa que constitui sua realidade” (Pichon-Rivière,

1980/1988, p. 177).

Grupo restrito de pessoas: ele não especifica o número ideal de

participantes para se trabalhar em grupo, mas supomos que seja um

número pequeno de pessoas, para diferenciar de processos de massa, que

têm outra estrutura interna.

Ligadas entre si por constante de tempo e espaço: isto significa que as

pessoas precisam reunir-se em lugares específicos e com frequência.

147

Que se propõem de forma explícita ou implícita uma tarefa: tarefa explícita

é aquela consciente pela qual o grupo se reúne. A implícita é a superação,

pelo grupo, dos obstáculos inconscientes que impedem a realização da

tarefa explícita.

O que seria o processo grupal para Pichon-Rivière?

Seria um caminho que os vários integrantes percorrem para

realizar a tarefa explícita. Isto significa que precisam superar o isolamento

e o individualismo, questionando as certezas. Isto é, a heterogeneidade de

pensamentos, emoções e ações dos integrantes de um grupo pode fazer

com que as informações recebidas alterem ou relativizem as convicções,

crenças e verdades, pondo em cheque o narcisismo de cada um.

Pichon-Rivière, trabalhando em grupo com seus companheiros,

alunos e pacientes, percebeu que cada indivíduo traz ao grupo seu ECRO

próprio. Em qualquer grupo podem aparecer situações novas ou

inusitadas, que podem provocar o que ele chamou de resistência à mudança.

Esta, por sua vez, desencadeia as ansiedades básicas, que são de dois tipos:

medo do ataque e medo da perda. O primeiro decorre da insegurança no

enfrentamento de situações novas. O segundo, do receio de perder as

referências conhecidas. Para a elaboração das ansiedades básicas há

necessidade de um trabalho psíquico. As resistências favorecem a

repetição de estereótipos. Quando permitimos a entrada do novo, há

possibilidade de aprendizagem e, para Pichon-Rivière, de uma vida

saudável. Permanecer no estereótipo é permanecer na doença.

Ao construir a hipótese de ansiedades básicas ele apoiou-se nos

conceitos de Melanie Klein de posição esquizo-paranoide e posição

depressiva. Esquizo significa divisão e paranoia, perseguição. Segundo

Melanie Klein, ao nascer, o bebê é inundado por estímulos físicos (frio,

calor, inspiração de ar dentro dos pulmões etc.) que são experimentados

como estímulos internos agressivos, e que portanto precisam ser

colocados para fora. Assim, o exterior passa a ser hostil e a angústia é de

perseguição. A posição depressiva desencadeia a preocupação com o

outro. A angústia predominante é a da culpa, porque se tem consciência

de que o outro pode ser prejudicado. Essa posição é importante na medida

em que a pessoa, ao causar o mal ao outro, pode também se

148

responsabilizar pelas próprias ações e, portanto, mudar internamente.

Essas posições vão-se alternando durante toda nossa vida, e por isso ela

as chamou de posições e não de fases.

Quando a resistência à mudança é intensa no grupo, há o aumento

das ansiedades básicas. Esse momento do grupo foi chamado por Pichon-

Rivière de Pré-tarefa. É o momento dos conflitos, no qual forças atuam em

sentidos contrários. Os polos dos conflitos são excludentes: ou é isso ou

é aquilo.

Nesse sentido, no âmbito da técnica, Pichon-Rivière introduziu a

função do coordenador. Por estar numa distância ótima, o coordenador

terá maiores condições de perceber e explicitar o que motiva a resistência,

e assim ajudar o grupo a superar os conflitos. A aprendizagem não será

apenas no campo do conhecimento, mas também, no campo emocional-

afetivo do sujeito. O coordenador ajuda a elaborar as angústias básicas e a

desenvolver transformações vinculares, permitindo que o outro possa

servir de base identificatória e de solidariedade.

Para ele, todo e qualquer grupo tem uma tarefa explícita. Mesmo

quando consideramos um grupo de amigos que se reúnem, há sempre um

objetivo conhecido: beber, conversar, conhecer etc. Então, grupo é

encontro ou desencontro de subjetividades vinculadas por uma tarefa.

Esse encontro pressupõe uma comunicação e a possibilidade de

aprendizagem. A tarefa explícita é a finalidade do grupo. É consciente. E

de acordo com o objetivo, os grupos podem ser terapêuticos ou não. Nos

grupos terapêuticos, os integrantes dão permissão ao coordenador para

poder trabalhar as resistências, transferências, angústias, fantasias etc. Nos

grupos não terapêuticos pode também haver resultados terapêuticos, na

medida em que o sujeito, através das vivências em grupo, possa mudar seu

campo de representação, sua mobilização de estruturas estereotipadas e

ampliar papéis sociais.

Ele usa também o termo tarefa para designar a tarefa implícita do

grupo, cujo objetivo é a superação dos obstáculos. Seria a ruptura de

estereótipos, a desnaturalização do natural. Para ele seria aprender a pensar

criticamente. É o momento da elaboração das ansiedades que a tarefa

explícita suscita. Diminuindo as ansiedades, há a possibilidade do trabalho

em conjunto para se alcançar a finalidade proposta. A tarefa implícita do

149

grupo, como conceito, é o estruturante grupal. Não pretende apenas

revelar o oculto, mas principalmente promover a construção de novas

estruturas vinculares. Para isso, há a necessidade de trabalho psíquico.

Qual? De desconstrução ou renúncia ao conhecido. É trabalho psíquico

para se lidar com o diferente, para sair da repetição. É constante o

questionamento sobre as fantasias, os desejos, as representações, as

ideologias etc.

À fase posterior à superação dos obstáculos pelo grupo, Pichon-

Rivière chamou projeto. Quando os integrantes do grupo aprendem a

observar os polos contraditórios e a superar as dificuldades, eles tornam-

se capazes de organizar outros projetos com outros grupos, isto é, ações

para o futuro. Só através das transformações psíquicas e das mudanças de

representação do mundo vivenciadas pelo grupo é que novos projetos

poderão surgir.

Em resumo: geralmente os grupos percorrem as fases de pré-

tarefa, tarefa e projeto. Mas, segundo Pichon-Rivière, a pré-tarefa não

antecede necessariamente a tarefa. O grupo pode perfeitamente estar em

tarefa e de repente, quando a tensão aumenta, ele pode entrar em pré-

tarefa. As fases podem alternar-se na própria sessão ou em diferentes

encontros.

Técnica do grupo operativo

Cada integrante de um grupo traz consigo seu ECRO, que é um

conjunto de experiências, conhecimentos, afetos e papéis sociais que

influenciam o modo de pensar e agir dos indivíduos. Na medida em que o

grupo se desenvolve, vai havendo a construção de um ECRO grupal

sustentado por um denominador comum.

Papel, nas peças teatrais, significa desempenho de um personagem

na história. Na vida social significa forma de sentir, pensar e agir. Os papéis

permitem certa liberdade no desempenho do personagem e isto quer dizer

que diferentes atores podem interpretar o mesmo personagem de forma

diferente. O papel social de pai, por exemplo, pode ser vivido como

austero, amoroso, autoritário etc. Quanto mais estereotipados os papéis

sociais, para Pichon-Rivière, maior a rigidez na interpretação dos

personagens, causando doença. Os papéis sociais são inconscientemente

150

adotados e impostos. Mas podem ser desempenhados diferentemente em

várias situações.

Pichon-Rivière entende por grupo operativo um conjunto de

pessoas que se reúnem com uma tarefa explícita. Para a sua execução

utiliza-se técnica específica, que:

(...) sejam quais forem os propósitos no grupo (diagnóstico

institucional, aprendizagem, criação artística etc.) tem como

finalidade que seus integrantes aprendam a pensar em uma

coparticipação do objeto de conhecimento, entendendo-se que

pensamento e conhecimento não são fatos individuais, mas

produções sociais. (Pichon-Rivière, 1980/1988, p. 179)

Podemos classificar os grupos em operativos e não operativos,

entre outras possibilidades de classificação, como visto em capítulo

introdutório neste livro (capítulo 3). Os grupos operativos são aqueles cuja

finalidade é que seus membros possam atuar de modo criativo e ter uma

adaptação ativa à realidade. Apesar desse propósito, nem todos alcançam

essa operatividade. Por outro lado, grupos não operativos podem ter

resultados operativos, causando mudanças internas significativas em seus

integrantes.

Grupos que utilizam a técnica do grupo operativo compõem-se de

papéis fixos (que são apenas três: coordenador, observador e integrante) e

papéis móveis (porta-voz, bode expiatório, boicotador, sabotador e

outros). Vamos descrever cada um desses papéis.

Papel do coordenador

Quais são as atribuições do coordenador? Investigar, através de

fantasias e defesas, o implícito do grupo, o qual pode ser consciente ou

inconsciente. Trabalhar as contradições e obstáculos que aparecem no

contexto grupal. Atuar no momento da pré-tarefa, ajudando na elaboração

das ansiedades básicas. Quando o grupo está no momento tarefa não há

necessidade de intervenção do coordenador. Na pré-tarefa, ao contrário, ele

precisa interferir. Nesse caso, de quais recursos dispõe? Vamos citar os

principais: assinalamento, interpretação, construção e interrogação.

151

Assinalamento. É uma intervenção preponderantemente verbal. É

dirigido àquilo que é explícito. Tem a finalidade de chamar à atenção para

o que está ocorrendo no momento e que pode passar despercebido.

Geralmente é curto e pretende aumentar a percepção dos integrantes.

Exemplos:

Um convite à reflexão em momento de longo silêncio no

grupo: “Há muitos silêncios, o que se passa?”

Quando uma pessoa ou um grupo monopoliza a conversa:

“Os outros, o que pensam?”

Quando todos falam ao mesmo tempo: “Vocês estão se

entendendo? Por que ninguém pode ouvir ninguém?”

Mostrando a confusão: “Entenderam o que ele está dizendo?

Por que não perguntam?”

Assinalando que o grupo vai transformando um integrante

em bode expiatório: “a questão é só dele? Existem outros

pensamentos em relação a esse tema?”

Interpretação. É uma explicitação do implícito, buscando um

significado do que está acontecendo. Trabalhamos sempre com hipóteses,

nunca com verdades. Para que a interpretação seja possível, é necessário

mostrar sempre a defesa e a angústia. Exemplo:

“Estão em silêncio (defesa) porque talvez estejam com receio

(hipótese) das críticas (que provocam angústias)?”

Construção. Consiste em recordar o caminho percorrido durante

os encontros, o que pode ser feito de duas maneiras: em forma de síntese,

no encerramento do grupo, ou no final de cada encontro. Em ambos os

modos, a finalidade é apontar quais foram os conflitos, as soluções, quais

as relações entre os integrantes do grupo, as relações entre os vários papéis

desempenhados etc.

Interrogação. Consiste em pedir dados mais precisos e solicitar

esclarecimentos em geral. As hipóteses construídas pelo coordenador

podem ser esclarecidas para evitar generalizações e abstrações fáceis, que

tenham mais a ver com o mundo interno do indivíduo do que com o

processo do grupo.

Papel do Observador

152

Qual o objetivo do observador? Ajudar o coordenador nas

observações do que acontece no processo grupal. Não sendo coordenador

nem integrante, pode observar na contratransferência o que fica oculto ao

coordenador. Também fica com o material escrito a ser analisado após os

encontros.

O observador pode ser passivo ou ativo. É passivo quando não

interage com os integrantes. Nesse caso, qualquer pergunta dirigida a ele é

respondida pelo coordenador. Sua função é transcrever o mais fielmente

possível o que se passa no encontro. Isso faz dele alvo de fantasias

persecutórias, pois fica depositário daquilo que é ocultado do grupo. Por

outro lado, quando o observador é ativo, ele acrescenta as tarefas de

observador passivo às de assinalar, interpretar, construir, ler os emergentes

e observar a temática e a dinâmica do momento, da mesma forma que o

coordenador.

Para algumas correntes de pensamento grupal, o coordenador

representa a figura principal, o líder, e o observador seria apenas um

ajudante. Para Pichon-Rivière não era assim: considerava o observador tão

importante quanto o coordenador e, por isso, sempre falou em dupla

coordenação, ou co-coordenação.

Para que a dupla coordenador e observador possa funcionar bem

é necessário que ambos conversem livremente a respeito dos sentimentos,

dúvidas e angústias suscitados entre eles nas sessões. É recomendável que

possam fazer supervisão da dupla. E o que se espera de ambos em relação

ao processo grupal? Que observem os emergentes, formulem hipóteses e

reflitam sobre a construção do acontecer grupal, sobre os papéis

distribuídos e assumidos, e sobre as contradições, conflitos, transferências

etc.

Citaremos agora, dentre os papéis móveis, apenas os mais

frequentes.

Porta-voz: é o indivíduo que em determinado momento diz algo a

respeito da sua própria experiência e ao mesmo tempo, sem o saber, está

dizendo algo latente daquele grupo. Pichon-Rivière chamou de verticalidade

a manifestação de um integrante a respeito da sua própria história e de

horizontalidade tudo que se refere ao grupo. Logo, quando a verticalidade

de um membro se articula com a horizontalidade do grupo, ele pode

153

tornar-se um porta-voz daquele grupo, naquele momento. A tarefa do

coordenador é decodificar a fala do porta-voz, assinalando o aspecto

grupal. O porta-voz realmente não sabe que fala pelo grupo, até que essa

decodificação seja feita.

Um porta-voz pode ser transformado em bode expiatório ou líder

de mudança.

Bode expiatório

Quando o porta-voz denuncia algo que o grupo não tem

condições de suportar ou elaborar, há a rejeição da denúncia pelos

membros. O porta-voz torna-se, então, bode expiatório. Esse fenômeno

pode ocorrer em qualquer grupo, cuja reação é a mesma que a da família

que eventualmente expulsa seu membro doente. Quando há expulsão, o

mal-estar permanece entre os membros e eles começam a escolher

inconscientemente um substituto, com novas depositações.

A expulsão de um bode expiatório impede a compreensão do

ocorrido pelos integrantes e, consequentemente, não haverá

transformações nas representações psíquicas. Pode permanecer somente

um sentimento de culpa que não acarreta nenhuma mudança interna. Pode

ocorrer expulsão de um subgrupo e pode até haver a dissolução do próprio

grupo. É fundamental, portanto, que o coordenador perceba e intervenha

antes da expulsão, explicitando o que se passa, interpretando o movimento

grupal e distribuindo o mal estar a todos os integrantes.

Líder de mudança

Quando o grupo tolera a denúncia do porta-voz ao perceber que

o sujeito está falando de todos, e não só dele, esse participante vira líder

de mudança. Aquilo que estava oculto e trazia mal-estar pode ser revelado

e aceito, e consequentemente torna-se possível a mudança no

comportamento dentro do grupo e na representação psíquica dos

integrantes.

Em resumo, o que faz um integrante ser líder de mudança ou bode

expiatório é a tolerância do grupo à frustração. Se o que o porta-voz

denuncia é algo intolerável e não pode ser trabalhado, o grupo repudia e

154

não há transformação. Mas se o grupo aceita a denúncia e aguenta a

descoberta do incômodo, poderá haver a mudança interna.

Boicotador

Quando um integrante cria embaraços às atividades do grupo, ele

passa a desempenhar o papel de boicotador. Como exemplo, podemos

citar o integrante de um grupo (de terapia, de trabalho etc.) que fica o

tempo todo no celular, ou lendo jornal.

Sabotador

Quando há, da parte de um integrante, intenção ou ação de danificar,

dificultar ou impedir qualquer serviço ou atividade do grupo, ele se torna

sabotador. Por exemplo, quando os alunos se recusam a fazer uma prova,

ou a assistir a determinada aula. Ou quando um participante de um grupo

incita os demais integrantes a não aceitarem as sugestões do coordenador.

Qual seria então a diferença entre boicotador e sabotador?

O boicotador, pela sua omissão em colaborar ou participar, pode

prejudicar a tarefa do grupo. O sabotador, ao contrário, justamente pelas

suas ações, pode impedir a realização da tarefa do grupo. É a liderança da

resistência à mudança. Faz de tudo para que os objetivos do grupo não

sejam alcançados.

Considerações finais

Ao criticar alguns conceitos da psicanálise freudiana, como por

exemplo o conceito de pulsão, Pichon-Rivière construiu uma psicologia

social na qual o sujeito é um ser de necessidades somente satisfeitas nas

relações cotidianas. Para esta concepção de sujeito não há nada que não

seja resultante da interação entre Indivíduo, Grupo e Sociedade. Nesse

sentido, o grupo seria um instrumento privilegiado para a compreensão

do interjogo entre o sujeito singular e os fenômenos sociais em que o

indivíduo está inserido. A razão é que quando estamos em grupo nossos

ECRO se confrontam e nossas verdades podem ser relativizadas, fazendo

com que ampliemos nossa percepção do mundo interno e externo. É

através dos grupos operativos que o coordenador pode fazer uma análise

no “aqui” e “agora” dos fenômenos de adjudicação e assunção de papéis,

155

das formas de comunicação em relação às fantasias, dos vínculos entre os

integrantes e da capacidade do grupo em realizar a tarefa proposta.

Por estar sempre preocupado com o social e por ser crítico severo

dos acontecimentos sócio-políticos da sua época, Pichon-Riviére

acreditava que modificando as concepções dos sujeitos inseridos em um

grupo poder-se-ia modificar a sociedade. Portanto, é enorme a

importância que o processo grupal ocupa em suas concepções teóricas e

práticas.

Referências

Adamson, G. (2000). O ECRO de Pichon-Rivière. Acesso em 5 de maio

de 2020, de:

https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2100.pd

f

Laplanche, J., & Pontalis, J. B. (2001). Dicionário da Psicanálise (4.ed.). São

Paulo: Martins Fontes.

Pichon-Rivière, E. (1984). Concepto de ECRO. Temas de Psicologia Social,

7(6), 5-10.

Pichon-Rivière, E. (1988). O Processo grupal (3.ed.). São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

Pichon-Rivière, E. (1991). Teoria do vínculo (4.ed.). São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

157

9 A grupanálise de Foulkes: fundamentos

teóricos e técnicos Alexandre Mantovani

Para realizar o exercício criativo da psicanálise de grupos é preciso

refletir e retomar suas bases de fundação. Atualmente, o movimento

grupanalítico tem sofrido diversas modificações, tanto no que diz respeito

à atuação e ao formato do trabalho com grupos – no mundo inteiro – bem

como em relação ao ensino e à transmissão dessa prática.

Pela experiência da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais

do Estado de São Paulo (SPAGESP), onde realizei atividades no ensino e

na formação de grupanalistas, observei muitas mudanças tanto em relação

ao público que busca a formação em grupo, quanto nas estratégias de

atuação com grupos. A montagem de grupos em consultórios particulares

já não tem a mesma frequência e facilidade como teve em outros tempos,

dando lugar a outras práticas mais curtas e menos exigentes em termos de

investimento temporal e financeiro, diferentemente do exigido em um

trabalho psicanalítico.

Dessa forma, o público que busca esta formação tem se

diversificado e não se restringe tanto aos profissionais de psicologia e

psiquiatria que exercem a grupanálise como prática psicoterápica. Há

necessidade de se pensar em novas formas de atuação em situações

institucionais, principalmente, que possibilitem reconhecimento dos

fenômenos grupais, bem como manejo da situação de grupo, mas com

novas configurações, tanto de espaço físico, frequência de sessões, seleção

e número de participantes. Com base nessas modificações e a necessidade

de se repensar a prática psicanalítica com grupos, considero fundamental

a proposta de retomar as bases foulkesianas que delinearam o início da

grupanálise.

158

Neste capítulo farei algumas considerações sobre a obra do criador

da grupanálise Siegmund Foulkes, definindo três pontos: a fundação da

grupanálise; as bases práticas e conceitos fundamentais; e os fenômenos

característicos dos grupos. Terei como base principal os textos de S.

Foulkes publicados em língua portuguesa que contém muitas

contribuições úteis e profícuas para o entendimento da grupanálise e da

psicanálise contemporânea.

Psicoterapia de grupo e grupanálise

Um primeiro ponto a ser explorado na obra de Foulkes (Foulkes,

1976; Foulkes & Anthony, 1967) são suas concepções a respeito da

psicoterapia, da psicanálise e da psicanálise de grupo. Diferenciar essas três

práticas têm uma importância para se reconhecer o que há de específico

entre elas. Tal como Foulkes comenta, há diversas bases teóricas para a

psicoterapia, seja individual ou de grupo, que se diferem na forma de

abordar o tratamento em saúde mental, tendo como foco a compreensão

acerca dos sintomas e seu tratamento.

Para uma compreensão geral do trabalho com grupos, Foulkes

(Foulkes, 1976; Foulkes & Anthony, 1967) descreve os seguintes

princípios gerais:

1. alívio através da expressão (catarse): o aspecto catártico é um aspecto

básico e fundamental da psicoterapia, seja psicanalítica ou de outra

vertente técnica. A catarse é a expressão afetiva vivenciada pelo

participante do grupo (paciente) marcada pela erupção de afetos

relativos à situação de conflito experimentada pelo paciente. Esta

vivência é fundamental no trabalho com grupos e proporcionada

pelo grupo, pois o encontro humano é mobilizador de emoções;

2. restabelecimento através da participação e aceitação: no grupo a pessoa

tem a oportunidade de reconhecer e aceitar seus sintomas bem

como se sentir reconhecida por um determinado meio social, ou

seja, promove os sentimentos de pertencimento e de acolhimento,

mesmo que haja uma perturbação emocional que dificulte a

adaptação social; e

159

3. desnudamento dos processos perturbadores: esse ponto caracteriza o

princípio investigativo e diagnóstico das práticas psicoterápicas, a

elucidação da doença e dos conflitos que acometem o paciente.

Esses três pontos caracterizam a proposta do trabalho com

grupos. Basicamente, enfatiza-se o grupo como uma situação que colabora

com a expressão emocional dos sintomas e com a possibilidade do

participante reconhecer a si próprio – e sua angústia – pela interação com

outras pessoas. A prática psicanalítica com grupos também se caracterizará

por esses princípios, com a especificidade de reconhecer os sintomas

como sendo conflitos de origem inconsciente.

Na psicanálise a situação terapêutica se estabelece entre duas

pessoas e visa a elucidação da formação do sintoma. É um trabalho de

longa duração e que visa sair da periferia do sintoma, aquilo que é expresso

como queixa, para uma exploração genética acerca das origens do sintoma

enquanto um conflito de base inconsciente. Esse processo se dá por meio

do método estabelecido por Freud, cujo fundamento é a análise da

transferência e a técnica da livre-associação de ideias.

A transferência, fenômeno central reconhecido pela psicanálise,

originalmente foi compreendida como uma reedição dos conflitos

inconscientes do paciente reproduzidos simbolicamente no analista

(Freud, 1910/1976). A análise consiste em elucidar esses conflitos e assim

investigar as imagos, figuras introjetadas que compõe a realidade psíquica

do paciente. A transferência atualiza as questões conflitivas do sujeito em

análise, portanto é o eixo do processo terapêutico. A interpretação da

transferência que possibilita a elucidação do conflito inconsciente. Em

relação à prática, a psicanálise tem como base a livre-associação de ideias.

O analisando é convidado a falar sobre tudo que lhe ocorrer durante a

sessão, da forma mais livre possível. O analista se abstém de fazer

julgamentos ou prestar orientações relaxando a censura que pode inibir a

expressão afetiva do analisando. Como diz Foulkes (1976), o sintoma

resiste a uma mudança, logo, o tratamento proporciona um tipo de

aprendizagem sobre si que visa entender que a causa da perturbação não

é o sintoma e sim algo mais profundo. Caso o analista não tenha uma

atitude convidativa à liberdade de expressão, a psicoterapia psicanalítica

160

não servirá para ultrapassar tais resistências à mudança, por isso é preciso

diminuir a censura para que haja livre-associação de ideias.

A proposta do trabalho psicanalítico com grupos, que Foulkes

chama de grupanálise, terá como base esses mesmos princípios da

psicanálise, com a especificidade da situação de grupo. Para se estabelecer

as bases teórica e técnica da grupanálise é preciso levar em conta a

transferência nos grupos e a regra da livre-associação de ideias:

Os fenômenos da enfermidade neurótica, estudados pela

psicanálise na situação terapêutica individual, devem, por certo,

surgir também na situação de grupo. Temos, portanto, que mostrar

como eles parecem no grupo e anotar semelhanças e diferenças

entre a operação da análise individual e a análise de grupo. (Foulkes

& Anthony, 1967, p. 69)

Sendo a proposta da grupanálise o reconhecimento e tratamento

dos sintomas mentais no grupo, a base técnica deverá seguir os mesmos

princípios de modo a realizar um trabalho análogo ao da psicanálise

individual. Porém, a situação de grupo apresenta diferenças importantes

em relação à situação individual (ou bipessoal):

A situação de grupo revive e traz à luz as forças profundas e

centrais subjacentes no conflito mental. Elas surgem na maneira

pela qual os membros de um grupo analítico se dirigem, por um

lado ao condutor, e, por outro aos seus companheiros de

tratamento, individualmente e como grupo. No entanto a situação

de transferência ocorre numa frente muito mais ampla. A relação

de transferência do paciente com o condutor ou qualquer outro

membro do grupo a nada conduz no mesmo alcance da psicanálise,

nem pode ser analisada verticalmente (como dizemos) no mesmo

grau. Pelo contrário, a transferência, na profundidade e em seu

caráter regressivo, localiza-se mais no passado, e o plano horizontal

e contemporâneo coloca-se à vista para operações de

relacionamento. (Foulkes & Anthony, 1967, p. 70)

A interpretação da transferência no grupo é mais complexa que na

psicanálise individual, por conta das diversas relações que se estabelecem.

Ela se apresenta na relação dos participantes com o analista (condutor) e

nas relações dos participantes entre si. Kaës (2011) faz uma crítica à

161

Foulkes afirmando que ele não teria se atentado para a transferência entre

os membros do grupo, mas somente à transferência entre grupo e analista.

Porém, pela citação podemos ver que essa crítica procede parcialmente,

porque Foulkes reconhece a transferência entre participantes. Todavia,

não explora de modo aprofundado esse fenômeno, tal como faz Kaës

(2002, 2011), aprofundando o estudo do vínculo entre participantes.

Foulkes enfatiza mais a configuração do grupo em relação ao coordenador

e ressalta que uma das marcas pare se reconhecer o desenvolvimento do

grupo é a dependência em relação ao condutor. Quando mais o grupo

interage sem necessitar da participação direta do analista, mais o grupo

está coeso e favorecendo processos comunicacionais15.

Sobre esse caráter horizontal do grupo, Foulkes se refere

justamente ao aspecto interativo entre participantes e analista. Na

psicanálise individual, há um aprofundamento na investigação da história

e das memórias do sujeito, a recuperação da gênese de seus conflitos. Esse

seria um eixo vertical da análise, que favorece aspectos regressivos e a

transferência direta com o analista. O grupo não promove tanto esse

aprofundamento vertical, segundo Foulkes, por se ater a aspectos

imediatamente manifestados, as reações e comunicações desempenhadas

no momento do grupo, ou seja, no encontro. Promove, entretanto, o eixo

horizontal, que apesar de não aprofundar em questões individuais, acentua

as relações. Não significa que na grupanálise não se atinjam os sintomas e

os conflitos do indivíduo; pelo contrário, o objetivo é o tratamento do

indivíduo em grupo. Mas, será diferente da psicanálise individual. O grupo

promoverá mais a adaptação do sujeito às relações, reconhecendo bases

inconscientes de seus conflitos, mas não irá explorar tanto as suas

memórias e a origem central deles. Ressalta-se a importância do trabalho

no aqui-agora da sessão. Autores posteriores, tal como Anzieu (1993),

também ressaltam essa característica da interpretação no grupo. Ela não

visa a história do indivíduo, mas o momento presente.

Da livre-associação de ideias Foulkes irá propor o conceito de livre

participação circulante. Com a censura rebaixada, sem apresentar pautas ou

assuntos pré-determinados, os participantes são convidados a interagir

livremente sem uma preocupação acerca da conexão entre as falas dos

15 Ver o Capítulo 16, Aspectos da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas.

162

participantes. O analista terá a tarefa de traduzir e interpretar a

comunicação de modo a elucidar aspectos inconscientes presentes no

grupo. Por tradução entende-se a interpretação dos conteúdos

inconscientes, implícitos, manifestos pelos participantes. Foulkes enfatiza

a necessidade de se criar condições para a comunicação aberta entre os

participantes e investigar o que ele chama de “inconsciente social”

(Foulkes & Anthony, 1967, p. 76), as relações sociais que comumente não

são reveladas pelo paciente e que se apresentam no grupo pela relação

formada com o analista e entre os participantes em si.

Dessa forma, entende-se a grupanálise como uma proposta de

trabalho com grupos que visa o entendimento do conflito com base nos

pressupostos psicanalíticos sobre o inconsciente e a formação dos

sintomas. Essa investigação do inconsciente no grupo terá como eixo a

análise da transferência e a regra da livre participação circulante um conceito

novo proposto por Foulkes como base técnica para a psicoterapia de

grupo.

A montagem de grupos

A respeito da montagem de grupos, Foulkes define algumas

condições para a grupanálise. A situação psicoterapêutica baseada na

análise da transferência e do material inconsciente é chamada por ele de

situação T. Ela inclui alguns pressupostos para a organização dos grupos

em relação à escolha dos participantes e o objetivo do trabalho.

Para Foulkes (Foulkes & Anthony, 1967) há grupos para diversas

finalidades: grupos de atividades, grupos terapêuticos e grupos

psicoterapêuticos. Um grupo esportivo, por exemplo, tem a finalidade de

desenvolver atividades de educação física e promover a saúde dos

participantes. Não é um grupo que tem finalidade psicoterapêutica, e sim

terapêutica. Uma instituição religiosa ou de apoio social não tem a

finalidade terapêutica, mas pode exercer cuidados e até proporcionar

efeitos terapêuticos, secundariamente às suas proposições. Os

participantes podem sentir efeitos terapêuticos ao participarem dessas

atividades, mas não é a proposta inicial do grupo.

O grupo psicoterapêutico e, mais especificamente, o grupo

psicanalítico é aquele, cuja proposta é exercer a psicoterapia, ou seja, o

163

tratamento de sintomas emocionais. Para Foulkes, o que determina o tipo

de grupo é a atividade proposta, o objetivo do grupo. Nos grupos

psicoterapêuticos, “visa-se o tratamento dos indivíduos participantes do

grupo” (Foulkes & Anthony, p. 48).

Os grupos podem ser classificados em abertos, intermediários e

fechados. Essa classificação se refere à entrada e saída de participantes

durante o processo terapêutico. Os grupos abertos são aqueles em que

participantes podem ser inseridos ao longo do processo, de acordo com

os objetivos do grupo e as limitações quanto ao número de participantes.

Enquanto houver “vagas” no grupo, podem ser inseridos participantes.

Os grupos fechados são aqueles em que há pouca mobilidade de entrada

de participantes durante o processo. O número de participantes pode ficar

restrito durante longo período de tempo para se manterem condições de

investigação de aspectos psicopatológicos sem interferências causadas pela

entrada e saída de membros. Os grupos intermediários, ou parcialmente

abertos se constituem em um formato entre os dois anteriores. De modo

geral, a escolha pelo formato estará determinada pelo objetivo do grupo e

pela característica dos participantes. Para Foulkes, os grupos abertos, por

exemplo, podem servir a pacientes que já teriam passado por outros

processos psicoterápicos, o que não exigiria atenção intensiva e que já

suportariam melhor o trabalho terapêutico.16

Para a constituição do grupo, Foulkes recomenda que os

participantes sejam estranhos entre si, ou seja, não se deve reunir em um

grupo psicanalítico pessoas que já tenham contato prévio anterior ao

grupo. Isso para favorecer o ambiente seguro e sigiloso, evitando-se

relações sociais prévias que podem interferir na interação entre os

membros. O grupo remete à mítica formação do “círculo mágico”

(Foulkes & Anthony, 1967, p. 86), uma unidade em que forças centrípetas

e centrífugas disputam. A coesão do grupo depende da força de união dos

seus participantes. Em função disso, o analista é reconhecido e convidado

a ser um dos participantes, um componente do grupo. Cabe a ele assumir

uma atitude participativa, de “mente aberta” de forma a ser permeado pelo

grupo e receptivo aos processos comunicacionais dele. Portanto, é

16 Ver o Capítulo 3, Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal.

164

importante que tanto o analista quanto os participantes não tenham

vínculos prévios.

A respeito do número de participantes, os coordenadores e

analistas de grupo acabam por colocar o número de participantes de

acordo com a proposta, contexto do grupo e por fatores particulares

(Mantovani, 2008). Foulkes é dos poucos autores que tentou sistematizar

esse número, ele propõe o número mínimo seria três, quatro com o

coordenador, pois apenas duas pessoas fazem um pareamento, uma dupla

e dessa configuração pode-se surgir impasses. É preciso um terceiro para

evitar o empate. A partir de três participantes as possibilidades de

comunicação e interações se ampliam. A isso é chamado modelo tripartipe

(Foulkes & Anthony, 1967).

A comunicação é um tema nuclear na obra de Foulkes, tal como

comenta Fernandes (2003). Quanto mais o grupo fala por si, sem a ênfase

no analista, mais o grupo está coeso e agindo como um todo:

A comunicação é tudo que ocorre nesta situação particular do

grupo e que pode ser constatado, tudo aquilo que se envia e se

recebe como reação, consciente ou inconscientemente. Essa

comunicação envolve muitos níveis mentais ao mesmo tempo e

dispõe de significado em todos eles. Em qualquer momento dado,

o nível no qual a comunicação se encontra, principalmente em

atuação, dependerá do transmissor e do receptor. (Foulkes &

Anthony, 1967, p. 360)

Nesse sentido, no grupo analítico os conflitos inconscientes serão

expressos em processos comunicacionais em que participantes são

emissores e receptores entre si. Cabe ao analista traduzir esses processos

e elucidar esses níveis de comunicação, sempre em direção aos conteúdos

mais profundos.

Diz Foulkes (Foulkes & Anthony, 1967, p. 361):

Depois de atingir o nível da plena comunicação, nada mais resta

fazer com o problema específico envolvido, exceto solucioná-lo,

caso isto já não tenha ocorrido ao se atingir aquele nível. Todavia,

o distúrbio neurótico – para não dizer o psicótico liga-se

estritamente à comunicabilidade deficiente, sendo portanto

bloqueado.

165

Ou seja, é pela comunicação que se observa e compreende o

grupo. O bloqueio da comunicação elucida a rigidez dos sintomas

neuróticos ou até psicóticos no grupo. Quanto maior a mobilidade

comunicativa, menor a rigidez e o bloqueio causado por esses sintomas.

Comunicação e Matriz Grupal

A comunicação nos grupos é o eixo central da investigação de

Foulkes. A partir desse tema que ele elabora seu conceito fundamental de

Matriz:

A Matriz de grupo pode ser tomada como base operacional para

todos os processos mentais no grupo, da mesma maneira que a

mente do indivíduo representa a base operacional de todos os

processos mentais no indivíduo. Suas linhas de força podem ser

concebidas passando exatamente através dos membros individuais,

sendo possível, portanto, denominá-la de rede transpessoal,

comparável a um campo magnético. O indivíduo é encarado como

ponto nodal nesta rede, como se nela estivesse suspenso. (Foulkes

& Anthony, 1967, p. 360)

Essa interessante metáfora mostra a ênfase de Foulkes no

processo interativo do grupo. A compreensão acerca do indivíduo

dependerá da observação do posicionamento dele nessa rede,

metaforicamente representada como campo magnético. A comunicação

se dará no cruzamento dessas linhas, de acordo com as variações entre os

indivíduos.

De um modo geral, a teoria de comunicação de Foulkes parte do

pressuposto de que em um grupo, os vários participantes podem narrar a

realidade a partir de sua experiência individual, o que mostra diferentes

realidades. Ele usa um exemplo simples: muitas pessoas conhecem uma

cidade como Paris. A cidade existe independentemente das pessoas que a

visitam, todos que por lá passam sabem onde é Paris, seus pontos

turísticos etc., mas a experiência de estar em Paris e o que ela é será descrita

de modo diferente pelas pessoas. Existe uma realidade compartilhada,

comum, mas a realidade narrada refere-se à experiência individual que só

pode ser conhecida, em profundidade, quando a pessoa se comunica.

166

Dessa forma, o grupo proporciona a chance de os participantes

expressarem algo particular, reagir e experimentar reações entre seus pares.

Dessa interação pode resultar o entendimento dos conflitos inconscientes,

a base dos sintomas e da angústia. Tais sintomas irão se manifestar pela

forma e pelo padrão de interação no grupo. Os comportamentos

repetitivos, às vezes estereotipados revelam aspectos conflitivos dos

sujeitos e ficam marcados por sua participação nos grupos.

A linguagem do sintoma, embora já representando uma forma de

comunicação, é autística. Mantém-se em completo murmúrio

consigo própria, na esperança de ser transmitida por acaso; seu

significado equivalente transmitido em palavras é social. Este

processo de comunicação serve de instrumento para todos os

demais agentes terapêuticos. Impulsiona o processo terapêutico e

permite que as catexias e conflitos, as dificuldades e aglutinações

nos níveis mentais inferiores sejam superados. Assim, verifica-se

uma passagem do sintoma para o problema, do sonho para o

conflito subjacente ao sonho. Trata-se de uma direção na qual o

processo de comunicação opera no sentido da expressão da

linguagem comum. (Foulkes & Anthony, 1967, p. 361)

Passar do sintoma ao problema e depois ao sonho é uma evolução

da comunicação que possibilita chegar à expressão de algo muito particular

e subjetivo, o sonho, de forma a ser compartilhado com o grupo em uma

linguagem comum. Do sintoma chega-se aos aspectos mais profundos,

implícitos dentro dessa rede comunicacional. É a proposta do trabalho

psicanalítico. Partir do sintoma conversivo, histérico, por exemplo, para a

análise dos conteúdos mais profundos revelando os significados do

conflito inconsciente que sustenta o sintoma.

Fenômenos e efeitos do grupo

Os grupos apresentam diversos fenômenos decorrentes da

interação entre os participantes e efeitos que são norteadores para o

entendimento da situação de grupo, ou para a situação T (Foulkes &

Anthony, 1967). A seguir, serão apresentados alguns desses fenômenos e

efeitos úteis para a compreensão da dinâmica grupanalítica.

167

Um primeiro fenômeno do grupo é o espelhamento: o grupo

funciona como um espelho para o indivíduo. Pode refletir tanto aspectos

reconhecidos em si mesmo, como pode confrontar a imagem social,

psicológica e corporal e assim expandir os limites de sua auto consciência.

Decorrente disso surge um efeito de socialização que favorece a diminuição

de sentimentos de exclusão e rejeição social, pois promove aceitação das

diferenças entre os participantes. Assim, colabora com a diminuição do

preconceito.

À medida que a interação se desenvolve livremente, o grupo

promove a ativação de conteúdos inconscientes acumulados tal como em

um “inconsciente coletivo” (Foulkes & Anthony, 1967, p. 209). Assim, ele

funciona como um condensador que agrupa os conteúdos psíquicos e o

investimento da energia psíquica circulante no grupo. Somam-se as

colaborações individuais do ponto de vista psíquico. Nos momentos de

tensão, por exemplo, pode surgir uma erupção dessa energia, na forma de

conteúdo afetivo ou atos catárticos que podem ser sentidos de forma

ameaçadora pelos participantes. Assim, surge um efeito de cadeia. Os

participantes tendem a vivenciar seus temores individuais despertados por

alguma ativação do grupo, por exemplo, a fala de um determinado

participante. Cabe ao analista explorar ou até amenizar esse efeito que

pode ser um acúmulo de energia. Esse tipo de efeito cadeia é percebido,

por exemplo, quando um participante faz uma comunicação e os outros

dão sequência a ela sem acrescentar um tema novo. Há uma uniformização

na interação, um efeito protetivo contra a manifestação de algum afeto ou

ideia perturbadora.

Outro efeito interessante é o de ressonância, termo utilizado na física

para comparar o efeito acústico da interação de ondas. No grupo, a

ressonância ocorre quando um indivíduo é afetado pela comunicação, ou

por alguma atividade do grupo. Cada indivíduo ressoa a partir de seus

aspectos particulares; por exemplo, uma pessoa pode reagir de acordo com

uma fase psicossexual fixada. É uma reação sintomática da qual o analista

pode utilizar para interpretar o participante, destacando aspectos

inconscientes particulares, e serve para interpretar o grupo que promove

esse tipo de efeito em determinado participante. Aí entra o trabalho de

tradução do analista, anteriormente explicado, que deverá entender o

168

fenômeno grupal pela elucidação de aspectos inconscientes. Será por

efeitos de ressonância, bem como pela possibilidade de tradução do analista

que o grupo se torna uma fonte de apoio, no sentido que Foulkes aplica ao

termo (Foulkes & Anthony, 1967). O apoio nos grupos é mais do que o

suporte emocional pela receptividade dos conteúdos conflitivos. O grupo,

enquanto espaço livre, possibilita a abertura para a descoberta dos

conflitos inconscientes e isso gera um apoio necessário para se atribuir

novos significados à experiência do sujeito. O apoio oferecido pelo grupo

é o da “luta fundamental consigo próprio a fim de enfrentar o significado

real de seu conflito neurótico” (Foulkes & Anthony, 1967, p. 213).

Além desses fenômenos e efeitos listados, há três outros que

considero úteis para o entendimento no grupo, pois referem-se a efeitos

manifestados pelos participantes como o desempenho de um papel no

grupo. Como primeiro deles, cito o fenômeno do bode expiatório que ocorre

quando um participante se torna alvo projetivo de ataques do grupo. O

propósito inconsciente é expiar sentimentos que não podem ser

abertamente manifestados, ao lado disso, há culpa por parte daquele que

assume esse lugar de recepção das projeções do grupo. É um jogo de

interações entre participantes, no qual uma pessoa fica destacada como

algo do grupo. Cabe ao analista investigar tanto a posição daqueles que

projetam quanto daquele que recebe os investimentos psíquicos.

Fenômeno parecido é o do estrangeiro em que um componente é

ressaltado pela sua diferença. Não é o mesmo que o bode expiatório, pois

o estrangeiro não recebe investimentos punitivos. O que acontece é o

destaque das diferenças, acentuando-se as dificuldades narcísicas dos

participantes aceitarem aspectos de si projetados uns nos outros. A

tolerância à diferença será um desafio para o grupo e também para aquele

que assume esse lugar, pois sustentar essas diferenças de forma rígida pode

indicar, justamente, uma dificuldade em se aplicar novos olhares para si e

para os outros.

Por último, cito o historiador, fenômeno que ocorre quando um

membro do grupo se “encarrega” inconscientemente de destacar e guardar

as lembranças, os eventos, as datas que marcaram o grupo. Acompanha

resistências às mudanças, sobretudo quando há algo novo no grupo como

um participante recém-ingresso. O historiador é usado para modular as

169

mobilidades emocionais e evitar que a novidade cause impactos no grupo.

É o medo neurótico do futuro, o apego à nostalgia de um passado de ouro

(Foulkes & Anthony, 1967).

Esses foram alguns fenômenos retratados por Foulkes como

sendo próprios dos grupos e que aparecem nos grupos psicanalíticos. Vale

notar como eles circulam o tema do preconceito e da assimilação à

novidade e às mudanças. Isso fica bem exemplificado nos fenômenos do

bode expiatório e do historiador, papéis assumidos por participantes do grupo.

Deixa clara a característica do grupo psicanalítico ser uma via de

investigação das formações inconscientes, tal como as projeções e como

os conflitos podem ser verificados pela rigidez que o grupo assume em

relação à possíveis mudanças. O analista de grupo atua, justamente, na

elucidação desses fenômenos, cuja compreensão revela aspectos

inconscientes mobilizados e explicitados pelo grupo.

Exemplo clínico

A título de esclarecer os conceitos tanto teóricos quanto técnicos

e ilustrá-los clinicamente, apresentarei um recorte de um atendimento de

grupo, cujo contexto está elucidado em Mantovani e Mantovani (2008). O

relato é referente a um encontro de grupo, com seis participantes, usuários

de uma Organização Não Governamental (ONG), cuja missão é oferecer

auxílio a pessoas que passam por tratamento de saúde e a seus familiares.

Este trabalho não consistiu em uma psicoterapia psicanalítica, mas sim em

apoio psicológico que, entretanto, permite investigar a comunicação nos

grupos.

Tal grupo tinha frequência semanal, era fechado, limitado aos

pacientes e familiares que se hospedavam na ONG, mas era aberto em

relação à entrada e saída de participantes, pois o número de pessoas

assistidas pela instituição era muito variável. Portanto, a configuração do

grupo se mantinha constante por longos períodos. Participavam os

pacientes e seus familiares, independentemente da idade, do sexo, e da

relação de parentesco; logo havia mães e filhos, cônjuges, irmãos etc. Era

coordenado por dois psicólogos.

Para esse relato foi selecionado o seguinte trecho:

170

Estávamos reunidos e Dona D. comenta sobre a dificuldade do

tratamento da filha:

– Vou te falar, tem horas que é difícil... Só por Deus, mesmo...

J., outro participante, intervém logo em seguida e diz:

– Mas a Senhora não pode desistir... Ela precisa de você.

É um trecho curto, com apenas duas falas, mas o suficiente para

se fazerem análises. Em primeiro lugar, uso a primeira pessoa do plural

para referir ao grupo. O “nós” indica algo que Foulkes ressalta; o

coordenador ou coordenadores, no caso, são participantes do grupo.

Sentam-se no “círculo mágico” olham e são olhados, sem a distância e a

assimetria do divã psicanalítico. Portanto, os coordenadores estão dentro

da circulação do grupo, todavia, se abstêm de propor assuntos e de fazer

julgamentos, tal como se preconiza na técnica grupanalítica. As

movimentações do grupo partem dos participantes e a comunicação é um

ato de manifestação deles. Comunicar, além de uma troca de mensagens,

é um ato de interação.

A primeira fala de Dona D. consiste justamente nisso. É a fala de

abertura do grupo, o mote emocional que abre a interação. O conteúdo da

fala é de uma lamentação, a expressão de suas dificuldades. É uma fala

recorrente da participante, a expressão “só por Deus” costumava ser usada

em cada encontro. Como diz Foulkes, a comunicação revela estereotipias,

conteúdos repetitivos e recorrentes que expressam os conflitos do sujeito.

Todavia, no grupo cabe investigar como a fala de um participante

repercute coletivamente. O que vemos quando J. intervém e diz: “A

Senhora não pode desistir”, é uma reação à fala inicial que estabelece uma

ordem. Em uma primeira leitura, poderia até ser entendida essa frase como

um incentivo a se perseverar no tratamento. Porém, na sequência, J. ainda

emenda dizendo: “ela precisa de você”, o que revela um sentido oposto à

fala de Dona D. Quando esta diz que “é só por Deus”, ressalta as

dificuldades do tratamento e a sua sensação de impotência, talvez cansaço.

Isso é tomado no grupo como uma frase a ser “abafada”, é preciso

enfatizar a necessidade do cuidado, da dependência da filha de Dona D. e

a atitude de esmorecimento não era bem vinda.

Essa oposição não se instala por uma relação hostil entre os

participantes. Pelo contrário, assume a função de apoio. Mas a

171

comunicação revela os aspectos inconscientes do grupo. Nesse caso

específico, há uma interdição em expressar-se as dores, o cansaço e as

dificuldades de se estar em um tratamento, sobretudo da parte dos

familiares, já que ambos, Dona D. e J., eram acompanhantes de pacientes.

O inconsciente grupal será revelado pelas nuances, pelos confrontos, pelas

colocações que filtram, balizam ou intermediam as relações. Isso se dá pelo

processo comunicativo. Nesse exemplo, é pela comunicação verbal, mas

no grupo toda a gama de gestos, ações, expressões verbais e não-verbais

entram no processo.

Nesse grupo havia uma tentativa de não ressaltar os aspectos

frágeis dos participantes em relação à doença, às expectativas em relação

ao tratamento e havia a ordem de se manterem firmes e resignados. Era

uma ordem grupal, estabelecida inconscientemente e manifestada diante

de alguma colocação que lhe opusesse. A tarefa do coordenador, ou do

analista, é traduzir isso e expressar aquilo que não é explicitado por essas

ordens implícitas que afetam, diretamente, a expressão de emoções e a

exploração de fantasias que podem ser sentidas como ameaçadoras ao

grupo.

A matriz grupal é essa fonte do qual surge uma colocação de

interdição à fala de determinado participante, por isso é caracterizada por

Foulkes como uma rede transpessoal (Foulkes & Anthony, 1967). Ela

afeta os participantes e modula os seus estados emocionais e a

possibilidade de expressão de seus conflitos, de forma mais ou menos

direta de acordo com os determinantes inconscientes da comunicação. Ou

seja, o grupo é composto por indivíduos, mas extrapola a livre vontade e

a consciência dos mesmos. Ele tem funcionamento e regras próprias.

Considerações finais

Neste capítulo fiz algumas apreciações acerca das ideias de

Foulkes, seus pressupostos e bases teóricas e técnicas, bem como da

importância que reconheço ter sua obra na grupanálise. Vale notar como

o autor aborda o tema do preconceito e da assimilação à novidade e às

mudanças. Também deixa claro como o grupo psicanalítico é uma via de

investigação das formações inconscientes, dos sintomas e conflitos como

uma linguagem cifrada que pode ser esclarecida pelos processos de

172

comunicação. Como diz Ávila (2016, p. 42), pensar sobre os grupos é estar

sintonizado com a psicanálise, uma forma “radical do pensar

psicanalítico”. Foulkes foi um dos pilares desse empreendimento.17

Ao comentar a apreciação estética, a interpretação da obra de arte,

Eco (1968) afirma que toda obra é fechada em si mesma, no sentido de

ser composta e fechada por seu autor, que a cria e define. “Porém, ela

também é aberta, no sentido de possibilitar diversas interpretações de

quem a usufrui, criando uma ‘relação fruitiva com seus receptores’” (Eco,

1968, p. 29). Comentar os escritos teóricos e técnicos de um autor não é

o mesmo que fazer uma apreciação estética, todavia, considero o estudo

de um autor como a leitura de uma obra aberta: seu conteúdo sempre pode

suscitar novas interpretações, especialmente para se pensar em novas

aplicações de seus conceitos.

Considero mais importante neste estudo, manter circulantes – e

livres – as ideias de Foulkes e pensar suas aplicações no contexto atual, de

modo a explorar o trabalho psicanalítico com grupos e as conexões que

podem ser feitas com a psicanálise nesse momento em que o estudo

vincular se torna mais focalizado e valorizado. É um exercício e uma

homenagem a um autor tão importante para o trabalho com grupos.

Referências

Anzieu, D. (1993) O grupo e o inconsciente: O imaginário grupal. São Paulo: Casa

do Psicólogo.

Ávila, L. A. (2016). Grupos: Uma perspectiva psicanalítica. São Paulo:

Zagodoni.

Eco, U. (1968). A obra aberta. Rio de Janeiro: Perspectiva.

Fernandes, W. J. (2003). A psicoterapia grupo-analítica de Foulkes e a

grupanálise de Cortesão. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.

Fernandes (Orgs), Grupos e configurações vinculares (pp. 145-149). Porto

Alegre: Artmed.

Foulkes, S. H. (1976). Psicoterapia e psicoterapia de grupo. Em: A. Kadis,

J. D. Krasner, C. Winick, & S. H. Foulkes (Orgs.), Psicoterapia de grupo

(pp. 11-21). São Paulo: IBRASA.

17 Ver o Capítulo 10, Grupanálise e psicoterapia analítica de grupo: contribuições da Escola Portuguesa.

173

Foulkes, S. H., & Anthony, E. J. (1967). Psicoterapia de grupo. Rio de Janeiro:

BUP.

Freud, S. (1910). Cinco lições de psicanálise. Em: Edição Standard das Obras

Completas de S. Freud (pp. 3-51). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho

original publicado em 1976)

Kaës, R. (2002). O grupo e o sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Kaës, R. (2011). Um singular plural: A psicanálise à prova do grupo. São Paulo:

Loyola.

Mantovani, A. (2008). Grupos de apoio amplo: Ancoragem e apoio

psicológico nos grupos terapêuticos. Revista da SPAGESP, 9(2), 29-

38.

Mantovani, C., & Mantovani, A. (2008). Psico-oncologia e grupos:

Trabalhando vínculos em uma casa de apoio a pacientes com câncer.

Revista da SPAGESP, 9(1), 12-20.

175

10 Grupanálise e psicoterapia analítica de

grupo: contribuições da Escola Portuguesa Isaura Manso Neto e César Vieira Dinis

A grupanálise foi introduzida em Portugal por Eduardo Luís

Cortesão (1919-1991). Cortesão era psiquiatra, psicanalista, grupanalista e

professor catedrático de psiquiatria da Faculdade de Medicina da

Universidade Nova de Lisboa, tendo a sua tese de Doutoramento sido sobre

Grupanálise – teoria e técnica, publicada numa 1ª edição em1989 e numa 2ª

edição em 2008.

Cortesão sofreu influências várias; entre 1950-1954 frequentou os

Seminários teóricos e clínicos da Asssociação Psicanalítica Argentina e do

Instituto Pichon-Rivière em Buenos-Aires. Posteriormente trabalhou em

Londres no Maudsley Hospital (Institute of Psychiatry, London University).

Fez, depois, o seu treino pessoal em grupanálise com S. H. Foulkes, tendo

sido um dos primeiros membros da Group Analytic Society – London.

Foulkes (1898-1976), por seu lado, sofreu também influência do americano

Trigant Burrow (1875-1950), que foi quem primeiro falou no termo Group

analysis (Pertegato & Pertegato, 2000).

É com S. Foulkes que a grupanálise – Group Analysis/Group-Analysis –

se transforma num método terapêutico e de investigação ligado aos

pequenos grupos, chamando-se-lhe também psicoterapia

grupanalítica/psicoterapia analítica de grupo. Foulkes começou a trabalhar com

grupos, no Hospital Militar de Northfield, nos anos 40, durante a Segunda

Guerra Mundial, tendo progressivamente alargado a concetualização de

grupanálise, sempre com enfoque de base psicanalítica. A grupanálise de

Foulkes incorporou a teoria clássica freudiana e contribuições da Gestalt e da

sociologia, aplicadas à situação de pequenos grupos, que culminaram com a

176

fundação da Sociedade de Grupanálise de Londres (GAS – London) na

década de 50 do séc. XX.

Cortesão introduziu o Movimento Grupanalítico em Portugal em

1956, através da constituição da Secção de Grupanálise da Sociedade

Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria. Desde o início, introduziu uma forte

conceptualização psicanalítica na grupanálise, mais explicitamente que

Foulkes. O próprio termo grupanálise foi uma forma que Cortesão usou

para equiparar a grupanálise à psicanálise, com métodos equivalentes de

terapêutica e investigação do funcionamento mental. Cortesão fez também

a sua formação psicanalítica em Londres, tendo-se tornado full member da

British Psychoanalytic Society em 1975 e, portanto, da International

Psychoanalytic Association (IPA); na sequência da carreira como psicanalista

passou a membro titular, supervisor e didata da Sociedade Portuguesa de

Psicanálise.

Dotado de grande inteligência e tendo uma personalidade

carismática e resiliente, lutou pela definição dos conceitos grupanalíticos

(matriz, padrão, processo grupanalítico, níveis de experiência, de

comunicação e de interpretação, transferência, neurose de transferência,

transferência hostil e contratransferência, perlaboração/working-through,

investigação e terapêutica de perturbações mentais e psicosssomáticas

agudas e crónicas com forte influência psicanalítica – Acção Terapêutica

Diferenciada).

Mas, aberto e atento aos novos aportes da psicanálise, tentou sempre

a sua integração, constituindo-se como modelo de investigador com uma

enorme preocupação de rigor e actualização. Assim, o movimento

grupanalítico continuou a desenvolver-se com a colaboração dos discípulos

que com ele aprendiam e trabalhavam ombro a ombro, tentando integrar

criticamente os aportes nacionais e internacionais, lançando as sementes

para o que hoje designamos por Escola Portuguesa de Grupanálise.

Sintetizando cronologicamente o movimento grupanalítico em

Portugal:

1956 – Secção de Grupanálise da Sociedade Portuguesa de

Neurologia e Psiquiatria.

1963 – 1º curso teórico de formação em grupanálise.

177

1981 – fundação/registo da Sociedade Portuguesa de Grupanálise

(SPG).

2012 – SPG e Psicoterapia Analítica de Grupo – SPGPAG.

2017 – Acreditação pela Ordem dos Psicólogos Portugueses

(OPP) e pela Direcção Geral do Emprego e das Relações de

Trabalho (DGERT).

Hoje em dia – 2019/2020 – os grupanalistas portugueses têm

desenvolvido os vários aspectos da grupanálise em continuidade com

Cortesão, mas procurando sempre integrar os novos aportes da psicanálise

e de outros grupanalistas/terapeutas de grupo de correntes teóricas e

culturas diferentes, estando atentos à evolução da ciência, mesmo noutras

áreas.

Na Escola Inglesa não há diferença entre Therapeutic Group

Analysis, Group-Analysis usado em 1964 (Foulkes, 1964a) e Group Analytic

Psychotherapy ou Group Psychotherapy, usado em 1948 (Foulkes,

1948/2005; Foulkes & Anthony, 1957/2003). Todos estes termos foram

usados quase indistintamente por Foulkes, como consequência, na nossa

opinião, da dificuldade de Foulkes18 em assumir a psicoterapia analítica de

grupo como um setting onde se poderá fazer um trabalho semelhante ao que

se pretende fazer em psicanálise.

Na Escola Portuguesa de Grupanálise, a principal diferença entre

grupanálise e psicoterapia analítica de grupo reside, em síntese, na

profundidade de análise de cada membro do grupo, o que implica que o

processo decorra com maior frequência na grupanálise, considerando a

nossa escola um mínimo de duas sessões semanais. A grupanálise é

equiparada à psicanálise nos objectivos, embora com diferenças decorrentes

dos settings individual e de grupo. Em grupanálise não trabalhamos em

coterapia. Em psicoterapia analítica de grupo, sobretudo quando decorre nas

instituições (Neto & Dinis, 2004), as coterapias têm uma função dupla: de

terapêutica e de formação (Neto, 2010; Neto et al., 2010a, 2010b).

A Sociedade Portuguesa de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo

(SPGPAG) é uma sociedade científica sem fins lucrativos, que se dedica ao

18 Ver o Capítulo 9, A grupanálise de Foulkes: fundamentos teóricos e técnicos.

178

estudo e ao desenvolvimento da grupanálise e da psicoterapia analítica de

grupo com objectivos essencialmente clínicos, terapêuticos, mas também

aplicada ao ensino e ao estudo dos processos grupais.

Os seus membros, maioritariamente médicos psiquiatras e

psicólogos clínicos, fazem a sua formação em 3 níveis:

1. formação pessoal em grupanálise duas ou três vezes por semana,

em pequenos grupos, com um máximo de 8 elementos, precedida de

um tempo variável de psicoterapia dual;

2. curso de formação teórica de quatro anos; e

3. supervisão do trabalho clínico nos primeiros quatro anos de

formação.

A SPGPAG tem um site www.grupanalise.pt. Publica revistas em

papel e on-line. Desenvolve uma formação pós-graduada constituída por um

seminário mensal Seminário Eduardo Luís Cortesão; organiza um congresso

nacional anual e um bienal Luso-Brasileiro. Tem relações privilegiadas e

parcerias com Sociedades nacionais: Ordem dos Psicólogos Portugueses,

Federação Portuguesa de Psicoterapias, Centro Hospitalar de Lisboa

Ocidental, Centro Hospitalar de Lisboa Norte. E com internacionais:

European Group Analytic Training Institutions, European Federation for

Psychoanalytic Psychotherapy, Group Analytic Society International,

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações

Vinculares, Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São

Paulo, tendo coorganizado vários congressos internacionais. De sublinhar

que o 1º Congresso da Group Analytic Society-London foi no Estoril em

1970, tal como o 16º, em Lisboa, em 2014.

Em termos de abordagem conceptual, o que é a grupanálise, hoje no

século XXI?

Em sentido estrito…

É uma forma de psicoterapia psicanalítica/dinâmica do indivíduo no

grupo e através do grupo, utilizando as múltiplas interacções e relações que

o setting grupal proporciona e, também, um método de investigação com

bases teóricas comuns à psicanálise, mas com procedimentos operatórios

diferentes que se relacionam com o novo setting – grupal – tendo por base

uma teoria e técnica grupanalíticas. Conceptualização de Foulkes –

modificada por E. Cortesão e muitos outros.

179

Em sentido lato…

A grupanálise é um método de utilizar os grupos – pequenos, médios

e grandes para a compreensão: do funcionamento individual, do impacto

dos grupos sobre o indivíduo, e de cada indivíduo sobre os grupos em que

se insere, estimulando a capacidade e a liberdade de pensamento e a

autonomia. Tem, pois, potencialidades de estimulação da aprendizagem e de

transformação pessoal. Experiencia-se a tão difícil atitude de estar em, e

respeitar o grupo sem perder a individualidade. Aplica-se às Organizações,

incluindo as de educação (Poppe, 2016).

Podemos, pois, considerar a existência de um espectro grupanalítico

(Neto & Centeno 2006, 2017a, no prelo), incluindo várias formas de usar a

conceptualização grupanalítica:

grupanálise;

psicoterapia grupanalítica: ambulatório institucional e privado;

em internamento completo e parcial (Neto, 2017);

grupanálise multifamiliar (Neto, 2017a; Neto & Centeno, 2014);

grupos terapêuticos baseados na mentalização (Allen & Fonagy,

2004; Kartrud, 2015);

grupos na internet (Weinberg, 2014, 2016);

coaching grupanalítico (Teixeira, 2012; Thornton, 2010);

grupos experienciais/de demonstração/T-groups; e

grupos de trabalho/operativos/centrados na tarefa/grupos

Balint/equipas (Fernandes et al., 2003; Zimerman, 2001).

Características comuns ao espectro grupanalítico

1. Importância decisiva dos processos inconscientes nos indivíduos

e nos grupos.

2. Importância da relação.

3. São desenvolvidos em grupo.

4. Os membros estão em círculo ou, nos casos dos grupos grandes,

em círculos concêntricos. Consideramos que os grupos on-line se

dispõem em círculos virtuais.

5. Condução não intrusiva e mediada pela empatia.

180

6. Ambiente de suporte e contenção, baseado na autenticidade,

coerência, empatia, confidencialidade, pontualidade e constância.

7. Criação da oportunidade de desenvolvimento de novas

aprendizagens e capacidades.

8. Serem conceptualizados por grupanalistas.

Vamos concentrar-nos neste capítulo sobre as formas mais

especificamente terapêuticas, que são a grupanálise e a psicoterapia analítica de

grupo e sobre o processo grupanalítico – “modo pelo qual as várias dimensões

teóricas e técnicas que contribuem para dar corpo e forma à terapia

grupanalítica são estruturadas, organizadas e desempenham uma função”

(Cortesão, 1989/2008b, p. 46).

As bases teóricas que utilizamos têm como objectivos essenciais

compreender:

Cada indivíduo (intra e intersubjectivo): conceptualização

psicanalítica actualizada (de Freud à chamada psicanálise relacional)

que adquire particularidades atendendo ao setting de grupo.

O grupo/a dinâmica grupal: conceitos especificamente

grupanalíticos: matriz, as defesas dos grupos, as resistências, a

importância do condutor, os factores terapêuticos especificamente

grupais, os objectivos, que incluem o que classicamente se designa

por cura e os benefícios terapêuticos e o processo grupanalítico.

As defesas dos grupos de pressupostos básicos (Bion, 1961).

As resistências aos grupos terapêuticos – fenómenos destrutivos e

factores paradoxais ubiquitários nos grupos (Neto, 2017b; Nitsun,

1996).

A importância da liderança na condução dos grupos: a personalidade

e a formação dos grupanalistas, conceptualizada pelo padrão

(Cortesão, 1989/2008a) e Escola Portuguesa de Grupanálise (Abreu-

Afonso et al., 2015; Brito, 1992; Filipe, 1992, 2000; Neto, 1990; Neto

& Dinis, no prelo).

Os factores terapêuticos – conceptualização de vários autores

grupanalistas, de Foulkes à actualidade (Dinis, 2003, 2006; Ferro,

2012; Foulkes, 1964b; Foulkes & Anthony, 1957/2003; Leal, 1990;

181

Lorentzen, 2014; Neto, 1999, 2010; Neto & David, 2017; Neto &

Dinis, 2004; Zimerman, 2001).

Os objectivos – a “cura”/os benefícios terapêuticos (Neto & Babo,

2000; Zimerman, 2001).

Coordenadas teóricas para compreender o indivíduo, que são

também válidas na psicanálise e psicoterapia analítica dual:

1. Importância decisiva das interações e relações precoces como factores

determinantes no desenvolvimento da personalidade e na etiologia

da psicopatologia.

2. Matriz inter-relacional interna ou matriz pessoal de grupo.

3. Importância do inconsciente e do não consciente:

no desenvolvimento da personalidade;

no funcionamento mental;

nas relações humanas em geral;

na formação dos sonhos; e

na formação de sintomas.

4. O narcisismo, a sexualidade, a epistemofilia, a libido, a

agressividade.

5. O conflito intra-psíquico.

6. Os mecanismos de defesa.

7. A transferência.

8. A contratransferência.

9. A relação terapêutica.

10. A aliança terapêutica.

11. A compulsão à repetição.

12. A interpretação.

13. A perlaboração.

14. A empatia.

15. O insight.

16. Momentos de encontro.

A partir de agora, vamos centrar-nos apenas nos conceitos que

adquirem uma configuração específica no contexto grupanalítico.

Matriz inter-relacional interna ou matriz pessoal de grupo

182

Rita Leal (1968) introduziu o conceito de matriz pessoal de grupo,

que também designou por matriz inter-relacional interna/matriz relacional

interna (Dinis, 1994), que está intimamente relacionado com a teoria das

relações de objecto e com o conceito de “grupo interno” desenvolvido por

Pichon-Rivière (Berstein, 1989). Este conceito postula a internalização de

objectos relacionais. Estrutura-se através do espelhamento na relação

precoce mãe-bebê e é progressivamente influenciado pelas outras relações

familiares e pelas relações noutros grupos. O grupo facilita a sua expressão

na transferência e posterior elaboração.

Transferência e contratransferência no grupo

Estes conceitos têm sido, na Escola Portuguesa, essencialmente

conceptualizados por Cortesão (1974, 1989/2008a), A. Guilherme Ferreira

(1980, 2004), César Dinis (1994, 2001, 2003, 2005, 2006), José Abreu-

Afonso et al. (2015, 2018) e por Dinis e Abreu-Afonso (no prelo).

Transferência no grupo

O grupanalista tem de estar atento a uma maior complexidade de

fenómenos transferenciais que na situação individual. A transferência é um

fenómeno ubiquitário para os seres humanos decorrente dos padrões

relacionais precocemente adquiridos mas que só se pode observar e

analisar/compreender em toda a sua complexidade num processo a que

chamamos terapêutico. Pode ocorrer com o grupanalista, com o grupo e

com os outros membros do grupo o que neste último caso, designamos por

Transferências Laterais (Dinis, 1994); as transferências laterais stricto senso

estão sempre presentes mas podem, por vezes, ser deslocamentos

defensivos da transferência em relação ao grupanalista.

Contratransferência no grupo

A contratransferência é um fenómeno complexo, mas também uma

ferramenta ao serviço do processo terapêutico.

Os sentimentos do analista fornecem importantes pistas sobre o que está

a passar-se no grupo.

Foulkes (1964a) e Dinis (1994) sublinham que a contratransferência

no grupo é mais complexa e mais visível que na terapia individual.

183

O grupanalista tem de interagir simultaneamente com pessoas

diferentes – a sua reacção será diferente do que seria em situação individual.

Grupos diferentes desencadeiam contratransferências diferentes.

Pensamos que nos grupos, tal como no contexto dual, teremos de

ter em atenção os riscos contratransferenciais:

um analista omnipotente, que não reconhece os seus sentimentos,

pode estar a cair na doutrinação do grupo, infantilizando-o;

o grupo não pode ser uma audiência para expressar e gratificar

carências narcísicas ou outras do analista;

perigo de favorecer um membro e rejeitar outro;

risco de, inconscientemente, usar o grupo ou um paciente para

preencher necessidades não satisfeitas, núcleos conflituais não

suficientemente trabalhados (Neto, 1999). Assim, na selecção dos

membros, o grupanalista pode ser interferido por estes factores,

criando condições para amplificar as resistências, dificultando a

estruturação dos factores terapêuticos. Na nossa opinião deverá

selecionar os membros do grupo tendo em conta um razoável

equilíbrio contratransferencial inicial em relação a todos eles (Dinis,

2005; Neto, 1999/2003), para evitar assimetrias potencialmente

patogénicas no grupo, que se poderão configurar como resistências

difíceis de trabalhar; e

facilitação dos fenómenos de bode expiatório com a conivência

do grupanalista.

A aliança terapêutica no grupo

Base indispensável do tratamento psicoterapêutico psicanalítico. Ela é

constituída pelos aspectos positivos e de estabilidade da relação terapêutica

que permitem a continuidade da relação nos momentos de frustração, que

necessariamente terão de ocorrer em qualquer relação terapêutica analítica.

Nos grupos, a aliança terapêutica (AT) é essencialmente com o

grupanalista.

O Grupanalista é que escolhe os membros do grupo e com eles

estabelece um contrato. Habitualmente não é o grupo que escolhe o

grupanalista. Progressivamente a aliança terapêutica estende-se ao grupo e a

184

todos os membros entre si; alguns grupanalistas, como Lorentzen (2014),

identificam este fortalecimento da aliança entre todos os membros do grupo

com o conceito de coesão grupal.

Será altura para enfatizarmos como uma questão fundamental qual a

posição e procedimento do grupanalista face ao conjunto grupal e a cada

analisando, na sua originalidade e especificidades próprias (Dinis, 2005).

Tentando exprimir numa síntese como lidamos com essa questão, diremos

que, para nós, o indivíduo é o alvo terapêutico e o grupo o meio relacional

para concretizar tal objectivo. Deontologicamente, não vemos como possa

ser de outro modo, visto que o contrato terapêutico foi celebrado com cada

analisando de per se e espera-se que se estabeleçam tantas alianças

terapêuticas com o grupanalista quantos os participantes no grupo.

Paralelamente, o grupanalista será o objecto de N neuroses de transferência,

tantas quanto o número de participantes no grupo. Embora o grupanalista

seja o destinatário electivo dos movimentos transferenciais em continuidade,

estes não se esgotam nele, pois qualquer membro do grupo pode ter para

qualquer outro ou outros, significado e representação transferenciais de

modo episódico ou até mais prolongado.

Para além das forças transferenciais, estabelecem-se entre os

membros do grupo movimentos relacionais conscientes (Dinis, 1994), quer

basicamente estratégicos, como os que têm por fundamento afinidades

várias (profissionais, ideológicas, culturais etc.), quer meramente tácticos,

configurando alianças de conveniência, necessariamente efémeros. A uns e

outros deverá o grupanalista estar particularmente atento para os distinguir

da genuinidade transferencial e para minimizar o risco de subgrupagem.

A interpretação no grupo

Como dissemos acima, não é objectivo deste capítulo definir

exaustivamente estes conceitos, mas sim apontar os aspectos que adquirem

características específicas nos grupos; apenas assinalaremos a nossa posição

teórica sintética sobre eles, como fizemos nos anteriores. Assim,

consideramos que o objectivo de qualquer interpretação é o de ampliar e

expandir a mente de cada membro do grupo e, simultaneamente, permitir

uma maior elaboração do self. Nos grupos terapêuticos, as interpretações

individuais são fundamentais, mas nos grupos de trabalho não devem existir.

185

Podem ser dirigidas para um indivíduo e/ou para o grupo como um todo.

As interpretações orientadas para o grupo ou para um dos seus elementos

ecoarão em cada membro do grupo de forma única, consoante, naquela fase,

o seu nível de regressão e fixação, o que corresponde ao conceito

especificamente grupanalítico de fenómeno de ressonância. Também cada

membro do grupo pode interpretar os outros, o que pode ser uma mais valia.

Recorremos à interpretação do grupo como um todo quando nos parece

haver, no conjunto das comunicações verbais e não verbais, fantasias ou

conflitos inconscientes que todos estão a viver num mesmo momento.

Privilegiamos as interpretações individuais que consideramos facilitadas

pelas potencialidades do setting grupal.

Momentos de encontro

Moments of meeting, conceptualizados pelo Boston Change Process

Study Group (Daniel Stern et al., 1998). São momentos dos processos

analíticos em que os analisandos se sentem particularmente compreendidos

e contidos. São momentos de adequação recíproca (terapeuta-analisando)

ocorrendo no campo da “relação implícita partilhada” e conduzirão a

mudanças no “conhecimento relacional implícito” (Stern et al., 1998),

estando altamente relacionados com a transformação no processo

terapêutico.

Num grupo grupanalítico, outros membros poderão também

participar na construção desses momentos raros, a partir da autenticidade

própria, ou ecoá-los genuinamente.

Num grupo, os momentos de encontro poderão ser momentos de

múltipla adequação empática, ilustrando o que costumamos designar por

caixa de ressonância empática que o grupo poderá proporcionar (Dinis, 2001).

Coordenadas teóricas para compreender o grupo e a sua dinâmica: conceitos especificamente

grupanalíticos

As coordenadas teóricas são as seguintes e serão tratadas,

separadamente, em sequência:

Matriz.

186

Níveis de comunicação e interpretação.

Discussão livre flutuante.

Treino do Ego em acção.

Espelhamento.

Ressonância.

Koinonia.

Defesas.

Formas de resistência.

Padrão do grupanalista/condutor do grupo/psicoterapeuta de

grupo.

Factores terapêuticos especificamente grupais.

Matriz

Conceito usado pela Escola Inglesa e Portuguesa de forma muito

semelhante.

Cortesão (2008c, p. 88) definiu-a “como a rede específica de

intercomunicação, inter-relação e interacção, a qual, pela integração do

padrão grupanalítico, fomenta a evolução do processo grupanalítico”.

Recentemente, este tema tem sido desenvolvido por Paulo Mota

Marques (2015).

Rita Leal (1968, 1981, 1994) desenvolveu o conceito de Matriz Inter-

Relacional/Relacional Interna ou Matriz Pessoal de Grupo, como acima

dissemos. Ela assume que esta estrutura determina os modelos de

comportamento e comunicação de cada indivíduo, que poderão mudar,

reexperienciando transferencialmente situações emocionais originadas num

passado mesmo pré-verbal, se acontecerem novas respostas, mais

adequadas, na matriz grupanalítica, conduzindo à evolução de cada

indivíduo. O emergir da matriz relacional interna na transferência é, pois,

uma pré-condição para o desenvolvimento do processo terapêutico.

Níveis de comunicação e interpretação

E. Cortesão (1989/2008d) refere três níveis de experiência que

emergem no grupo:

187

nível de experiência subjectiva individual – quando, por exemplo, um

elemento do grupo relata um acontecimento ou experiência que teve

no presente ou no passado, ou mesmo o conteúdo manifesto de um

sonho;

nível de experiência subjectiva múltipla – quando numa cadeia de

pensamentos outros membros do grupo vão também falar de

experiências suas; e

nível de comunicação associativa – quando um ou outro elemento do

grupo comenta sobre o que disseram os outros, questionando ou

dando sugestões ou informações. Este nível de comunicação está na

base de outros conceitos, como a ressonância, o espelhamento e a

discussão livre flutuante.

Discussão livre flutuante

Free floating discussion é o que deverá acontecer num grupo de

grupanálise/psicoterapia grupanalítica. Os membros do grupo são

encorajados a falar espontaneamente e a comunicar o que quer que lhes

ocorra, sem evitar nenhum pensamento ou tema que possa surgir.

Cada um comunica com os outros e com o grupanalista os seus

sentimentos, medos, fantasias, ansiedades e tudo o que possamos conceber

que um ser humano pode sentir.

Não há um tema específico para comunicar; cada um fala com os

outros acerca do que quer que seja, de acordo com as suas preocupações no

momento.

Este tipo de comunicação é o equivalente grupanalítico do

conhecido conceito Freudiano “livre-associação de ideias” e foi designado

por Foulkes, em 1948, por Free floating discussion – the basic rule of Group Analysis

(Foulkes, 1948/2005, p. 71).

Treino do Ego em acção

Ego training in action é característico da grupanálise e psicoterapia

analítica de grupo.

Foi descrito, pela primeira vez, por Foulkes (1964a): A grupanálise

visa fomentar a mobilidade do Ego e, neste sentido, a terapêutica grupo-

188

analítica poderia ser essencialmente descrita como um treino do Ego em

acção.

“Acção” não significa, aqui, executar ou literalmente actuar ou

desempenhar um papel; nem é o equivalente de “passagem ao acto” da

psicanálise.

O grupo favorece a ativação de capacidades várias, eventualmente

desconhecidas do indivíduo.

Espelhamento

Fenómenos de Mirroring, de espelho, são muito desenvolvidos pela

Escola Inglesa (Pines, 1998).

O conjunto de interacções e relações que um grupo disponibiliza

pode também ser assemelhado a um conjunto de espelhos que proporciona

imagens mais ou menos realistas. São uma das mais valias das terapias

grupais, através da qual os membros do grupo revelam várias facetas uns dos

outros, algumas inconscientes. São as bases psicológicas dos processos de

identificação.

Proporcionam o confronto com os vários aspetos da imagem social,

psicológica e corporal de cada um, contribuindo para a diferenciação self-

não-self.

Ver e ser visto é uma mais valia das psicoterapias face a face,

atingindo maior riqueza nos processos grupais (Neto, 2002).

O espelhamento, contudo, pode ser fortemente distorcido

transferencialmente, podendo atingir níveis de grande destrutividade.

Estamos a referir-nos ao Espelhar Maligno (Zinkin, 1983), tão frequente

entre humanos, com enorme poder destrutivo que resulta

predominantemente de projecções e identificações projectivas geradas na

matriz do grupo. Está na base dos mal-entendidos, por sua vez origem de

algumas formas de psicopatologia. Num grupo compreendido e conduzido

grupanaliticamente o espelhamento pode ser corrigido nas suas distorções

com consequências positivas em todas as áreas da vida.

Ressonância

189

É um conceito introduzido por Foulkes pela primeira vez em 1957

(Foulkes & Anthony, 1957/2003), referindo-se a este conceito de uma forma

freudiana recorrendo aos níveis de fixação e regressão. Assim, cada

comunicação ecoaria e reverberaria em cada membro do grupo de acordo

com o seu nível de regressão e os tipos de fixação predominantes.

Progressivamente, Foulkes (1964a) passa a uma descrição menos

aprisionada teoricamente, descrevendo-a como uma forma de resposta

inconsciente de um indivíduo, quando exposto a outro, usando mais uma

vez a Física como metáfora: todos temos cordas que vibram mais com certas

comunicações que com outras, de forma consciente e inconsciente. Cada

membro do grupo reage/ressoa a qualquer comunicação de acordo com a

sua estrutura de personalidade, os seus conflitos básicos, as suas fragilidades,

sendo, pois, um fenómeno extremamente útil na análise/compreensão de

cada indivíduo. Foulkes, novamente, fala deste conceito no seu último

escrito em 1977 (Foulkes, 1990).

Koinonia

Descrita por Patrick de Maré (1991) como uma atmosfera de

bonomia, camaradagem, de partilha e cumplicidade entre humanos,

diferente de amizade, em que se pode falar, ouvir, ver e pensar livremente,

fazendo emergir uma série de recursos e potencialidades.

Pensamos que poderemos ampliar este conceito, considerando que,

para se experienciar favoravelmente um processo grupanalítico, os

momentos de afectos positivos terão de ser predominantes.

Defesas

Bion (1961/1972) identifica três tipos de comportamento que os

grupos utilizam para evitar ou dificultar o processo de elaboração: dependência;

acasalamento; e luta-fuga. Estes tópicos são contemplados em capítulo

específico sobre contribuições de Bion e remetemos o leitor a ele (capítulo

7).

Pensamos que os pressupostos básicos são sobretudo formas de defesa

contra as capacidades de cada indivíduo e do grupo para pensar e sentir as

partes não conscientes e conflituais do self de cada membro. Esta perspectiva

190

é partilhada por outros autores, entre os quais queremos salientar Dennis

Brown (2006), um dos fundadores da grupanálise.

Bion (1978) refere claramente a sua preferência pela psicanálise,

como terapêutica, tendo desinvestido clinicamente os grupos.

Formas de resistência

Os fenómenos de “anti-grupo” (Nitsun, 1996).

Morris Nitsun quis chamar a atenção para a coexistência do grande

potencial construtivo dos grupos com forças destrutivas dos indivíduos,

subgrupos ou dos grupos como um todo.

O anti-grupo é o conjunto dos fenómenos agressivos e destrutivos latentes e

manifestos, potenciais e actuais de um grupo, manifestando-se como:

• faltas;

• atrasos repetidos;

• acting-outs;

• drop-outs;

• bode expiatório;

• espelhar maligno; e

• violência verbal.

Eles não eram, contudo, suficientemente valorizados e colocados

conceptualmente a par dos fenómenos de vinculação positiva.

Morris Nitsun introduziu-o na teoria grupanalítica em 1996, no seu

livro The anti group - Destructive forces in group and their creative potential; foi o autor

que mais nos tem ajudado a compreender este problema através das “10

características dos grupos que podem conter elementos paradoxais

escondidos que afligem os participantes dificultando sobretudo as fases

iniciais dos processos terapêuticos de grupo” (Nitsun, 1996, p. 47-48). Para

este autor, o grupo:

1. é uma colecção de estranhos;

2. não é estruturado;

3. é criado pelos seus membros;

4. é uma arena pública;

5. é uma entidade plural;

6. é uma experiência complexa;

191

7. cria tensões interpessoais;

8. é imprevisível;

9. flutua no seu progresso; e

10. é uma experiência incompleta.

Padrão do grupanalista/condutor do grupo/psicoterapeuta de grupo

O padrão foi introduzido por E. Cortesão (1974/2008e, p. 87-88),

que o definiu como “a natureza de atitudes específicas que o grupanalista

transmite e sustém na matriz grupanalítica com uma função interpretativa,

que fomenta e desenvolve o processo grupanalítico”. Tem sido muito

valorizado nas conceptualizações da Escola Portuguesa de Grupanálise,

como acima referimos. Tem teoricamente três vértices: Natureza, Função e

Propósito, havendo diferenças e especificidades consoante se trate de

grupanálise ou de psicoterapia analítica de grupo institucional. Não iremos

explicitar essas diferenças pela necessidade de síntese deste capítulo.

A Natureza corresponde às características do grupanalista. Como

pessoa/personalidade/carácter, representação internalizada de matrizes

familiar e sociocultural, treino analítico pessoal (maneira como internalizou

e se identificou com o seu grupanalista), capacidade de empatia, de estar em

grupo e estabelecer relações de autenticidade, de verdade e de honestidade.

Profissionalmente, como transmissor, implica o nível de sua

formação profissional: curso teórico de formação grupanalítica, supervisão,

contemporaneidade da informação científica.

A Função relaciona-se com o estabelecimento de regras e atitudes, que

serão tratadas a seguir.

Regras

• Selecção de pacientes de modo a ser possível o estabelecimento

do processo grupanalítico, tendo em conta o equilíbrio

contratransferencial em cada grupo, como já abordámos ao

referirmos os riscos da contratransferência.

• Estabelecimento de um contrato terapêutico que contemple

exigências de sigilo, desaconselhamento de contactos extra grupo

192

entre os pacientes, de ausência de contactos com os familiares do

paciente pelo grupanalista.

• Assegurar o setting – assegurar um espaço para a realização das

sessões terapêuticas, bem como assegurar a pontualidade e a

frequência das sessões pelo grupanalista.

• Privilegiar a comunicação verbal, não se permitindo a passagem

ao acto e o estabelecimento de ganhos secundários.

• Fomentar a comunicação associativa e a discussão livre flutuante.

Atitudes

• Intervenções técnicas – o grupanalista terá intervenções de

clarificação, de reformulação e de confrontação; fará interpretações

que irão de um nível genético evolutivo ao nível da transferência e

da transferência comutativa.

• As comunicações, subjectiva individual, subjectiva plural e

associativa surgem espontaneamente no grupo ou são estimuladas

pelo condutor do grupo ou outro membro da equipa em contexto

institucional, quando, na contratransferência deste(s), se sente haver

tensões dificilmente mobilizáveis espontaneamente.

• Os terapeutas fazem sugestões da explicitação das comunicações,

algumas confrontações facilitantes da mentalização das

comunicações com uma maior aproximação aos significados

latentes.

• Chamadas de atenção e sugestões de opiniões de todo o grupo,

sobre hipotéticas vivências de um ou mais membros que aparentem

um sofrimento expresso na mímica ou através do comportamento

que, na nossa contratransferência, sintamos como particularmente

intenso e desorganizado.

• Os grupanalistas ou terapeutas de grupo deverão abster-se de

falar de si próprios e de ter atitudes corriqueiras.

• Os grupanalistas devem manter-se atentos à compreensão do

binómio transferência/contratransferência, de modo a poder

estabelecer uma relação empática que se possa constituir como

factor terapêutico.

193

O Propósito exprime-se pela indução e manutenção (na matriz

grupanalítica) do processo grupanalítico através de intervenções que

produzam modificações do self, desenvolvendo o insight racional e emocional,

levando à estruturação diferenciada do funcionamento do self, que poderá

aceder a uma autonomia relativa e a uma dependência coerente e natural, ao

que podemos apelidar de benefícios terapêuticos e mesmo “cura”

(Zimerman, 2001, p. 94). Neto e Babo (2000) detalharam este aspecto da

conceptualização grupanalítica no artigo sobre o Fim de uma grupanálise:

• Cura/melhoria sintomática (sintomas Ego-distônicos).

• Alterações significativas dos comportamentos Ego-sintônicos –

sempre que reconhecidos como patológicos e patogénicos.

• Realização de objetivos e desejos.

• Capacidade para lidar com a ambivalência.

• Capacidade para reconhecer e expressar afetos intensos, sem

medo de erotizar ou destruir o próprio afeto ou o dos objetos.

• Aquisição e prazer na autonomia e na capacidade para estar

sozinho.

• Capacidade para tolerar separações e frustrações sem recorrer a

mecanismos de defesa primitivos.

• Capacidade e prazer no investimento da realidade, o que implica

o aumento da tolerância do Super-self e menos submissão a ideias do

self primitivo.

• Transformação das necessidades narcísicas primitivas/primárias.

• Acquisição da capacidade de insight e autoanálise.

Factores terapêuticos especificamente grupais

Pensamos que intimamente ligado aos factores do grupanalista estão

os factores especificamente grupais com funções terapêuticas, que têm sido

coceptualizados por vários autores desde Foulkes a muitos outros.

Foulkes, em 1948 (2005), escrevia que havia factores terapêuticos

específicos e inespecíficos em grupanálise. Dos específicos: 1 –

sociabilização, saída do isolamento, 2 – diminuição da ansiedade e culpa que

ele relaciona com o fenómeno de espelhamento; 3 – o material inconsciente

é mais rápida e claramente observado; 4 – as intervenções vindas dos outros

194

membros do grupo que não o terapeuta são mais facilmente aceites; 5 – o

grupo como um fórum simbolizando a comunidade, recondicionando o Ego

e o Superego; 6 – o grupo como suporte. Também são necessários uma

adequada selecção e um condutor bem treinado. Os factores inespecíficos

são semelhantes aos da psicanálise.

Acaba este livro com a seguinte formulação que enfatiza a íntima

relação indivíduo-grupo:

Quanto melhor o indivíduo for ou se tornar, quanto mais livre e

integrado estiver, melhor será como membro do grupo. Quanto

melhor estiverem os membros do grupo, melhor será o grupo. Um

bom grupo cria e desenvolve o precioso produto que é o humano

individual. (Foulkes, 1948/2005, p. 170; tradução dos autores)

Em 1957 (Foulkes & Anthony, 2003) escrevem, sobre alguns

factores específicos de grupo que não aparecem na situação de psicoterapia

individual: sociabilização, tolerância aos sintomas com diminuição da

ansiedade e culpa, fenómenos de espelho, fenómeno de condensação de que

resultam o surgir inesperado com grande carga emocional dos fenómenos

inconscientes mais profundos, discussão livre flutuante e a ressonância de

que já falámos.

Foulkes (1964b) acrescenta o treino do Ego em acção.

Steinar Lorentzen (2014) aponta os mesmos factores de forma

semelhante.

Poderemos verificar semelhanças e equivalências nos Factores

Terapêuticos dos Grupos segundo Yalom e Molyn Leszcz (2006):

Instilação de esperança.

Universalidade.

Partilha de informações.

Altruísmo.

Recapitulação correctiva do grupo familiar.

Desenvolvimento de técnicas de socialização.

Comportamento imitativo/novas identificações.

Aprendizagem interpessoal.

Coesão grupal.

195

Factores existenciais.

Estes factores têm sido aproveitados como base de investigação dos

resultados em grupanálise e psicoterapia analítica de grupo por vários

autores, entre os quais Tschuschke e Dies (1994).

Zimerman (2001, p. 176-177) fala também de dez factores como

favorecedores do processo grupanalítico e que são explicitados de forma

muito semelhante àquela como pensamos e trabalhamos:

1. “Visualização mais clara da inter-relação íntima entre os

indivíduos e os grupos”.

2. “todo o indivíduo é portador de um grupo interno”...

facilmente observável no processo transferencial dos grupos.

3. “ O grupo comporta-se como uma galeria de espelhos...”

4. O grupo possibilita a ressignificação e transformação de certos

papéis desadequados adquiridos na infância.

5. “O grupo, mais do que qualquer outra modalidade psicanalítica,

favorece a observação da normalidade e da patologia da

comunicação...” contribuindo para o esclarecimento dos mal-

entendidos que são considerados por Zimerman como “o grande

mal da humanidade”.

6. “O grupo, por si próprio, comporta-se como função

continente...”

7. “A terapia grupal favorece o assinalamento de como os

indivíduos estão executando as suas funções, nas quais o Ego

consciente tem grande participação activa...”

8. estimula o Vínculo do Reconhecimento.

9. “Mais do que na terapia individual a grupoterapia possibilita

evidenciar três aspectos: a) identificação colectiva; b) ocorrência

do complexo fraterno; c) existência de fantasias compartilhadas

entre as pessoas, um aspecto que está merecendo atenção da

psicanálise contemporânea”.

10. Em muitos aspectos a terapia analítica grupal apresenta

características singulares, em outros ambas se sobrepõem.

Pensamos que o grupo conduzido e compreendido

grupanaliticamente favorece a externalização transferencial dos grupos relacionais

196

internos de cada membro, tornando-se claro e consciente o que não estava

claro nem consciente. Assim, as projecções e identificações projectivas

surgem mais rapidamente que na situação dual, sendo esta uma das formas

de elaboração dos mal-entendidos, dos traços de carácter patogénicos e

patológicos, geralmente Ego-sintónicos, ou seja, geradores da patologia

relacional (Neto, 2014).

O grupo comporta-se como uma sala de espelhos cuja activação

fomenta as identificações estruturantes que, se adequadamente trabalhadas,

corrigem as auto-representações malignas decorrentes do funcionamento

em projecção e identificação projectiva patológica.

A terapia grupal favorece o assinalamento de como os indivíduos e

a totalidade do grupo estão a aproveitar as suas capacidades, potencialidades

e funções, nas quais o Ego consciente tem grande participação activa, como

são as que se referem à percepção, juízo crítico, pensamento, conhecimento,

criatividade, comunicação, discriminação, responsabilidade, acção motora

etc. Estamos a falar do conceito denominado acima como treino do Ego em

acção.

A grupanálise/psicoterapia analítica de grupo estimula a activação dos

self-objectos idealizados, especulares, de alter-ego e do Vínculo do

Reconhecimento gerando as transferências narcísicas (Kohut, 1984), cuja

elaboração é fundamental para a reconstrução narcísica, base da autoestima

e do sentimento de identidade.

A consciencialização e a elaboração da agressividade (Neto, 1999). Esta

surge com mais facilidade no grupo do que nas sessões individuais. Nestas,

a idealização do terapeuta ou o medo da sua retaliação aniquilante tendem a

protelar o surgir da agressividade. Esta surge com mais facilidade na relação

com os outros membros do grupo que não o terapeuta do grupo. A

identificação da agressividade e a eventual interpretação por qualquer

membro do grupo que não seja o terapeuta pode torná-la menos

culpabilizante.

O grupo facilita a explicitação da conflitualidade fraterna, muito

dificilmente vivenciada na relação individual.

Neto e David (2017) enfatizaram que os grupos facilitam a abordagem de

sentimentos difíceis como a raiva, inveja, o ciúme, os desejos de vingança e permitem

197

uma mais completa compreensão e elaboração destas emoções tão

culpabilizantes.

Pensamos que ser protegido, ser útil, ser parecido com outros,

diminuem a culpa, a inferioridade, a vergonha.

“Ser um membro respeitado e eficiente de um grupo, ser aceite,

capaz de partilhar e participar são experiências construtivas básicas na vida

humana. Não há saúde sem elas” (Foulkes & Anthony, 1957/2003, p. 27;

tradução dos autores).

Em complemento:

A grupanálise permite encenar, penso que de modo único, a viagem

de regresso ao grupo familiar. Espera-se que as condições por ela

proporcionadas ofereçam uma preciosa oportunidade para a

reformulação, talvez sobretudo, da memória implícita. Neste

sentido, poderá ser entendida também como a recuperação possível

do tempo malbaratado. (Dinis, 2003, p. 35)

Para finalizar, podemos dizer que na nossa experiência, a psicoterapia

analítica de grupo e a grupanálise tal como a pensamos, com forte influência

psicanalítica actualizada, e praticamos, são uma ferramenta de grande valor

na compreensão do funcionamento mental humano e do seu sofrimento,

podendo também aplicar-se a áreas não terapêuticas. São um poderoso

instrumento terapêutico das perturbações psíquicas e das inerentes

disfunções relacionais.

O contexto multi pessoal disponibilizado e a correspondente

pluralidade relacional constituir-se-ão como um cenário privilegiado para a

transposição da matriz pessoal de grupo de cada um, para o

desenvolvimento da autonomia, da empatia e da aquisição de padrões

relacionais mais autênticos e libertadores. Cientes da exigência de coerência

dos procedimentos técnicos com os conceitos teóricos que os enformam, a

nossa prática de décadas ensinou-nos, porém, que tal não é suficiente e que

a qualidade de relação que proporcionarmos será determinante para o bom

resultado terapêutico. Qualidade que terá de se adequar às diferenças entre

os elementos do grupo, tentando que cada um se sinta não um entre outros,

mas primus inter pares (Dinis, 2005).

Referências

198

Abreu-Afonso, J., Dinis, C.V., Ferreira, G., Ferro, S., Marques, P. M., Melo,

J. C., Neto, I. M., & Rodrigues, T. B. (2015). Group analysis: Other

sights of the conscious and the unconscious. Psychology Research, 5(1), 10-

22.

Abreu-Afonso, J., & Neto, I. M. (2018). Grupanálise e psicoterapia analítica

de grupo. Em I. Leal (Org.), Psicoterapias (pp. 203-220). Lisboa: Edição

Pactor. Distribuição Lidel.

Allen, J. G., & Fonagy, P. (Orgs.) (2006). Handbook of mentalization-based

treatment. West Sussex, England: John Wiley & Sons.

Berstein , M. (1989). Contribuições de Pichon-Rivière à psicoterapia de

grupo. Em L. C. Osório (Org.), Grupoterapia hoje (pp. 108-132) (2. ed.).

Porto Alegre: Artes Médicas.

Bion, W. R. (1972). Experiences in groups and other papers. London; Sydney;

Toronto; Wellington: Tavistock publications. (Trabalho original

publicado em 1961)

Bion, W. R. (1976). Four discussions with W. R. Bion. Scotland: Clunie Press;

The Roland Harris Educational Trust.

Brito, M. E. (1992). Padrão grupanalítico. Revista Portuguesa de Grupanálise, 4,

7-21.

Brown, D. (2006). Bion and Foulkes, basic assumptions and beyond. Em J.

Maratos (Ed), Resonance and reciprocity: Selected papers by Dennis Brown (pp.

208-231. London: Routledge.

Cortesão, E. L. (1974). Transference neurosis and the group-analytic process. Paper

read at the London Workshop 1974. British GAS.

Cortesão, E. L. (1991). Group analysis and aesthetic equilibrium. Group

Analysis, 24(3), 271-77.

Cortesão, E.L. (2008a). Processo Grupanalítico. Definição. In Grupanálise.

Teoria e Técnica (2ª ed.). SPG. Fundação Calouste Gulbenkian (Trabalho

original publicado em 1989)

Cortesão, E.L. (2008b). Processo Grupanalítico. Definição. In Grupanálise.

Teoria e Técnica (2ª ed.). SPG.

Cortesão, E. L. (2008c). Matriz. Em Grupanálise: Teoria e técnica (2ª ed.). SPG.

Fundação Calouste Gulbenkian (Trabalho original publicado em 1989)

199

Cortesão, E.L. (2008d). Níveis de comunicação. In Grupanálise: Teoria e técnica

(2ª ed.). SPG. Fundação Calouste Gulbenkian (Trabalho original

publicado em 1989)

Cortesão, E. L. (2008e). Grupanálise: Teoria e técnica (2.ed. ). SPG. Fundação

Calouste Gulbenkian (Trabalho original publicado em 1989)

De Maré, P., Piper, R., & Thompson, S. (1991). Koinonia: From hate through

dialogue, to culture in the large group. London: Karnac.

Dinis, C. V. (1994). Algumas reflexões a propósito da neurose de

transferência em grupanálise. Grupanálise, 5, 7-18.

Dinis, C. V. (2001). Existir na net e ser na matriz grupanalítica. Revista

Portuguesa de Grupanálise, 3, 15-26.

Dinis, C. V. (2003). O tempo e a mudança. Revista Portuguesa de Grupanálise,

5, 35.

Dinis, C. V. (2006). Le temps et le changement. Em: L. Michel & J.-N.

Despland (Orgs.), Temps et psychothérapie (pp. 27-37). Press Éditions.

Collection Explorations Psychanalytiques.

Dinis, C. V. (2005). “Um entre outros“ ou “primus inter pares”. Revista

Portuguesa de Grupanálise, 9-16.

Dinis, C. V., & Abreu-Afonso, J. (no prelo). Transference and

countertransference. Em I. M. Neto, & M. França (Eds.), The Portuguese

School of Groupanalysis: Towards a unified and integrated approach to theory

research and clinical work. London: Routledge.

Ezquerro, A. (2010). Cohesion and coherency in group analysis. Group

Analysis, 43(4), 496-504.

Fernandes, W. J., Svartman, B., Fernandes, B. S. (2003). Grupos e configurações

vinculares. Porto Alegre: Artmed.

Ferreira, A.G. (1980). Transference and transference neurosis in group-

analysis. Group Analysis, 13(2), 93-99.

Ferreira, A. G. (2004). O problema e a procura duma metateoria em

grupanálise. Revista Portuguesa de Grupanálise, 17-30.

Ferro, S. (2012). A acção terapêutica em grupanálise: Interpretação e outros

elementos de mudança. Revista Portuguesa de Grupanálise, 19-26.

Filipe, E. C. (1992). Padrão grupanalítico. Revista Portuguesa de Grupanálise, 4,

23-37.

200

Filipe, E. C. (2000). Padrão grupanalítico. Em E. M. C. Filipe (Ed.), Reflexões

pontuais sobre grupanálise, psicanálise e música (pp. 87-99). Lisboa: Editora.

Foulkes, S. H. (1964a). Therapeutic Group Analysis. Ed. London George Allen

& Unwin LTD.

Foulkes, S. H. (1964d). Therapeutic factors. Em S. H. Foulkes, Therapeutic

group analysis. London: George Allen & Unwin 33-34, 76-82.

Foulkes, S. H. (1990). Notes on the concept of resonance. Em S. H. Foulkes,

Selected papers: Psychoanalysis and group analysis (pp. 297-305). London:

Karnac Books.

Foulkes, S. H. (2005). Introduction to group analytic psychotherapy (4. ed.). London:

Karnac Classics; William Heineman Medical Books. (Trabalho original

publicado em 1948)

Foulkes, S. H., & Anthony, E. J. (2003). Group psychotherapy and group-

analysis: Basic considerations. In S. H. Foulkes, & E. J. Anthony, Group

psychotherapy: – The psychoanalytic approach (pp. 15-30). London; New York:

Karnac Classics. (Trabalho original publicado em 1957)

Kartrud, S. (2015). Mentalization-Based Group Therapy (MBT-G), a theoretical,

clinical, and research manual. UK: Oxford University Press.

Kohut, H. (1984). How does analysis cure? The self-object transferences and

interpretation. Chicago: University of Chicago Press.

Leal, M. R. M. (1968). Transference neurosis in Group Analytic treatment.

Group Analysis, 1(2), 99-109.

Leal, M. R. M. (1981). Resistances and the group-analytic process. Group

Analysis, 15(2), 97-110.

Leal, M. R. (1990). Porque resulta a Grupanálise? Revista Grupanálise, 2, 41-

54.

Leal, M. R. M. (1994). A neurose de transferência no tratamento

grupanalítico. Em: Sociedade Portuguesa de Grupanálise (Ed.),

Grupanálise, um percurso (pp. 77-89). Portugal: SPG.

Lorentzen, S. (2014). Methodology. Em: Group Analytic Psychotherapy: Working

with affective, anxiety and personality disorders (pp. 46-56). London:

Routledge.

Marques, P. M. (2015). O conceito de matriz grupanalítica na Escola Portuguesa de

Grupanálise. Dissertação de doutoramento em Psicologia, ISPA-

Instituto Universitário, Lisboa.

201

Neto, I. M. (1990). O padrão. Trabalho para a candidatura a Membro Titular

da SPG. Lisboa, SPG.

Neto, I. M. (1999). The freedom and the capacity to say NO and its healing

potential. EFPP II European Conference on Group Analytic Psychotherapy.

May 1999. Barcelona.

Neto, I. M. (1999). Selection in groupanalysis: Similarities and differences -

Some risks we take in group analysis. Paper presented at the 11th GAS

Symposium in Group Analysis. Budapest, August 1999. Ano I, Nov-

2003, https://grupanalise.pt/wp-

content/uploads/2015/07/revistaonline1.pdf, 24-28.

Neto, I. M. (2002). To see and be seen: One of the “added values” of group

analysis – 12nd European Symposium in Group Analysis – Bologne, 26-31

Agosto de 2002.

Neto, I. M. (2010). Moving groupwork into the day hospital setting. Em J.

Radcliffe, K. Hajek, J. Carson, & O. Manor (Eds.), Psychological groupwork

with acute psychiatric inpatients (pp. 325-342). London: Whiting & Birch;

Forest Hill.

Neto, I. M. (2014). Psicopatologia relacional: Os grupos grupanalíticos como

situações de eleição para o seu diagnóstico e tratamento. Revista

Portuguesa de Grupanálise, 69-76..

Neto, I. M. (2017a). Multifamily group analysis. Current Psychiatry Reviews, 13,

165-170.

Neto, I. M. (2017b). Quem tem medo dos grupos terapêuticos? Paradoxos

e mais valias. Conferência. XIII Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise e

Psicoterapia Analítica de Grupo. Serra Negra, São Paulo, 18-21 de Maio de

2017.

Neto, I., & Babo, T. (2000). O termo de uma Grupanálise e a elaboração

estética do conflito. Revista Portuguesa de Grupanálise, 1, 59-73.

Neto, I. M., & Centeno, M. J. (2006). Is there a crisis in psychoanalysis and

group analysis? Essence and Preconceptions. Conference. 34th. GAS

Winter Workshop. Lisboa, 12-15 Janeiro.

Neto, I. M., & Centeno, M. J. (2017a). Reflectindo sobre Grupanálise e suas

várias aplicações. Lisboa, Seminário Eduardo Luís Cortesão, 4 de Fevereiro

de 2017.

202

Neto, I. M., & Centeno, M. J. (2017b). Multifamily group analysis. Poster.

16th. GASi Symposium in Group Analysis. Lisbon, Agosto 2014.

Neto, I. M., & Centeno, M. J. (no prelo). Group Analysis: A cluster identity

- Redefining/Rethinking group analysis. Em I. M. Neto, & M. França

(Eds.), The Portuguese School of Groupanalysis: Towards a unified and integrated

approach to theory, research and clinical work. London: Routledge.

Neto, I. M., & David, M. (2017). Dealing with conflicts, rage, anger and

aggression in group analysis. Em G. Ofer (Ed.), A bridge over troubled

water – Conflicts and reconciliation in groups and society (pp. 91-105). London:

Karnac for the European Federation for Psychoanalytic Psychotherapy.

Neto, I. M., & Dinis, C. V. (no prelo). The pattern. Em I. M. Neto, & M.

França (Eds.), The Portuguese School of Groupanalysis - Towards a unified and

integrated approach to theory research and clinical work. London: Routledge.

Neto, I. M., & Dinis, C. V. (2004). A liberdade de pensamento e o

crescimento psíquico em grupos de psicoterapia institucional:

Experiência de uma equipa de formação grupanalítica num Hospital de

Dia Psiquiátrico. Revista Portuguesa de Grupanálise, 77-89.

Neto, I. M.; Fialho, T.; Godinho, P. & Centeno, M. J. (2010a). Treating and

training: A 30 year experience of a team with a group-analytic

framework - Part I. Group Analysis, 43(1): 50-64.

Neto, I. M., Fialho, T., Godinho, P. & Centeno, M. J. (2010b). Treating and

training: A 30 year experience of a team with a group-analytic

framework - Part II. Group Analysis, 43(2): 107-126.

Nitsun, M. (1996). The Anti- Group: Destructive forces in the group and their creative

potential. London: Routledge.

Pertegato, E. G., & Pertegato, G. O. (2000). Trigant Burrow’s eight

propositions of Group Analysis: From conflict to cooperation. 14th

International Congress of the International Association of Group

psychotherapy (IAGP). Jerusalem, Israel, 20-25 August 2000.

Pines, M. (1998). Reflections on mirroring. Em: M. Pines, Circular reflections -

Selected papers on Group Analysis and Psychoanalysis (pp. 17-39). London;

Philadelphia: Jessica Kingsley Publishers.

Poppe, P. (2016). Escola de Pais – Abordagem grupanalítica em grupos de

pais. Apresentação oral, XVI Congresso Nacional da Sociedade Portuguesa de

Grupanálise e Psicoterapia de Grupo, Outubro, Lisboa.

203

Stern, D. N. et al. (1998). Non-interpretative mechanisms in

psychoanalytic therapy. International Journal of Psycho-Analysis, 79, 903-

921.

Teixeira, A. (2012). Aplicação da Grupanálise ao coaching: Estudo de um grupo

com problemática centrada na área profissional dos seus membros. Tese de

mestrado para obtenção do grau de Mestre em Psicologia,

Especialidade em Psicologia Clínica, não publicada, Instituto Superior

de Psicologia Aplicada, Lisboa.

Thornton, C. (2010). Group and team coaching: The essential guide. London; New

York: Routledge.

Tschuschke, V., & Dies, R. R. (1994). Intensive analysis of therapeutic

factors and outcome in long-term inpatient groups. International Journal

of Group Psychotherapy, 44(2), 185-208.

Weinberg, H. (2014). The paradox of internet groups: Alone in the presence of virtual

others. London: Karnac.

Weinberg, H., (2016) Impossible Groups that Flourish in Leaking

Containers – Challenging Group Analytic Theory? Group Analysis. 49(4),

330-349.

Zimerman, D. E. (2001). Vocabulário contemporâneo de Psicanálise. Porto Alegre:

Artmed.

Zinkin, L. (1983). Malignant mirroring. Group Analysis, 16, 113-126.

Yalom, I., & Leszcz, M. (2006). Psicoterapia de grupo: Teoria e prática. Porto

Alegre: Artmed.

205

11 Sobre a perspectiva psicanalítica de grupo

francesa: três importantes aportes Pablo Castanho

Escrevo este texto durante a quarentena relativa ao COVID-19,

vendo memes que dizem “só saia de casa quem entende Lacan”. O chiste

com o psicanalista francês funciona pela dificuldade de entender este

autor, mas penso que nos conta de algo de um estilo hermético, de difícil

compreensão, comum a boa parte da psicanálise francesa, inclusive dos

autores que abordaremos aqui. Nossos autores neste capítulo possuem um

pensamento bastante distinto do pensamento de Lacan, mas podem ser

tão difíceis de ler quanto ele. Espero neste capítulo atravessar esta

dificuldade, mostrando a potência e as praticidades de três grandes eixos

do pensamento da perspectiva psicanalítica francesa sobre os grupos.

Estes três eixos, ao mesmo tempo em que caracterizam a

particularidade e a direção do pensamento francês, representam um aporte

muito significativo para a prática e a pesquisa sobre grupos em um cenário

global. Primeiramente abordarei o estudo sobre as crenças relativas ao

grupo, destacando, com Anzieu, o papel da ilusão grupal, seguirei então

para sublinhar a proximidade das produções francesas com o trabalho

com grupos em instituições socioassistenciais, enfocando tanto o uso de

objetos mediadores em grupo quanto sua afinidade com a problemática

das instituições. É talvez neste ponto que o caráter prático desta

perspectiva, tão frequentemente eclipsado pelo discurso acadêmico, se

mostra mais forte. Por fim, tratarei de uma questão bastante densa e

filosófica, mas de desdobramentos técnicos e teóricos importantes: a

206

articulação complexa e sui generis entre sujeito e grupo que nos faz pensar

o trabalho em grupo como uma forma de promover singularizações.

A origem destes três eixos pode ser claramente remetida ao

contexto no qual esta perspectiva se constituiu na França. Passarei então

a abordar este tema.

Primeiros passos da perspectiva psicanalítica de grupo na França e as demandas do

contexto sociocultural

Em seu livro O campo grupal, Ana Maria Fernández (2006) retoma

os estudos sobre grupo contrastando o contexto americano com o

argentino e identificando esta diferença como importante na compreensão

da obra de Kurt Lewin e de Pichon-Rivière. A autora aponta como cada

sociedade coloca problemas distintos a serem resolvidas pelos corpos

teóricos que nela se desenvolvem. Tentarei nesta seção apresentar como

os três eixos que creio caracterizarem a abordagem francesa de grupos

derivam do encontro das demandas do contexto histórico francês com o

lugar específico da psicanálise nele, bem como acidentes do percurso da

chegada das técnicas e do pensamento sobre os grupos na França.

Ao propor uma perspectiva de conjunto sobre a história do que

denomina teorias psicanalíticas de grupo, Kaës (2007) data a perspectiva

francesa da década de 60. Mas se é nesta década que se delimita o campo

e surgem os alicerces e as diretrizes que conduziram este trabalho, há

experiências significativas com o dispositivo de grupo desde a década de

50 (Castanho, 2013), notadamente através do uso da técnica do

psicodrama por psicanalistas, como o realizado por Didier Anzieu (1956).

Atentemos para que o uso da técnica do psicodrama, desenvolvida por

Moreno, não significa adesão nem tampouco convergência de modelos

teóricos. Seguindo Anzieu, esclarecemos que o interesse de psicanalistas

pela técnica do psicodrama de Moreno é acompanhado de um igual

desinteresse pelas teorizações do autor.

Esta relação inicial com o psicodrama é muito importante na

história do pensamento psicanalítico de grupo francês por dois motivos

que cabe sinalizar: primeiro porque diferentemente do que aconteceu

anteriormente na Inglaterra e na Argentina, a perspectiva francesa não

nasce propondo um dispositivo próprio, mas transformando dispositivos

207

de grupo pré-existentes. Os processos de transformação são pautados por

uma lógica psicanalítica, na qual o primado da não-diretividade é talvez o

operador mais claro (Anzieu, 1973). Em segundo lugar, sublinhemos

como pela via do psicodrama o uso de recursos para além do verbal se

insere no nascedouro mesmo do trabalho com grupos na França. Isso é

muito diferente do que ocorreu em outros lugares, notadamente na

Inglaterra, onde até hoje a identidade da psicanálise no trabalho com

grupos está ligada a exclusividade do recurso verbal.

Ora, esta retomada e reinvenção de dispositivos de grupo pré-

existentes está relacionada com o contexto histórico da França.

Interessante também que o nascimento psicanalítico do grupo na França

é contemporâneo do nascimento da “análise institucional” e com ela

dialoga e dela se nutre. Por isso, Rodrigues (2007) ao apresentar o campo

do surgimento da análise institucional na França nos apresenta,

simultaneamente, o contexto sociocultural do surgimento dos dispositivos

de grupo. De um lado, o legado da chamada resistência francesa (que lutou

contra a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial), de outro, a

chegada de dispositivos de grupo na França, oriundos dos EUA,

impulsionados pelo plano Marshall.

Igualdade, liberdade e fraternidades são valores fundamentes da

república francesa que de algum modo foram atualizados no contexto do

debate político do século 20. Rodrigues nos conta que a resistência

francesa teve ativo envolvimento de partidos de esquerda, o que teria

permitido uma associação entre este ideário e os valores nacionalistas e da

República Francesa. É assim que a autora explica o interesse muito

especial dos francesas na potência de transformação social que os

dispositivos de grupo oriundos dos EUA reivindicavam para si.

Lembremos que os EUA são considerados o berço da terapia de

grupo a partir dos grupos de tuberculosos realizados pelo Dr. Pratt a partir

de 1914 (Klapman, 1946) e que se desdobraram em diferentes estratégias

de cuidados de doentes somáticos, e posteriormente, de cuidado

psicológico. É também o epicentro das perspectivas humanistas de

trabalho com grupo, nutridas em diálogo com a contracultura, e não nos

esqueçamos da teoria sistêmica, tão importante no trabalho com casais e

famílias. Entretanto, neste momento histórico que analisamos, o mais

208

importante é o fato dos EUA terem operado como uma terra de destino

para Jacob Moreno e seu psicodrama, e Kurt Lewin e seus estudos em

psicologia social focada nos grupos. São estas duas tradições que farão

grande impacto em solo francês e serão objeto de crítica e reapropriação

mais intensas.

A psicologia social de Kurt Lewin entendia o pequeno grupo tanto

como um laboratório para o estudo sociedade como um veículo para sua

transformação e de suas instituições. No contexto da Segunda Guerra

Mundial, a implicação política da pesquisa e a atuação de Lewin com os

grupos se destacou. De outro lado, Moreno afirmava que através da

sociometria sua teoria de grupo constituía-se também como uma teoria

sociológica dotada ainda de um dispositivo de intervenção sobre o social.

Chegando na França, estas proposições empolgaram muitos franceses que

as tomaram em seu valor de face, mas tantos outros passaram a interrogar

seus fundamentos de modo que nunca haviam experimentado em outros

países.

Ora, figura central do institucionalíssimo francês, Lapassade

(1967/1970) fará uma crítica determinante aos herdeiros de Lewin

mostrando como o pequeno grupo não pode ser considerado como

independente de seu contexto. Os chamados training groups ou T-groups

eram o foco deste debate. Originados do pensamento de Lewin,

propunham um aprendizado vivencial do grupo marcado pela não

diretividade. As pessoas vinham ao grupo onde encontravam um

“monitor” silencioso no início. Invariavelmente os membros do grupo

interagiam de algum modo e então o monitor poderia ajudar na nomeação

dos processos grupais que emergiam. Falava-se destes grupos como se não

possuíssem constrangimentos, como se fossem espaços desconectados do

contexto social, mas Lapassade irá demonstrar como as instituições sociais

os atravessavam, por exemplo, em relação a estrutura de poder que

sustenta a função do monitor.

Neste mesmo livro Lapassade irá debater com o psicanalista Didier

Anzieu ilustrando esta interlocução entre o institucionalismo e a

perspectiva psicanalítica de grupos nascentes. Por caminhos diferentes,

ambos portarão alguns elementos comuns, notadamente a crítica à ideia

do grupo como totalidade, como algo que se basta e se fecha em si mesmo.

209

Grupos não podem ser compreendidos de forma desconectada de seus

contextos, nem pensados como espécies de blocos, frente aos quais a

singularidade de seus membros se esvazia.

O que se desenha na abordagem psicanalítica de grupo na França

é largamente um desdobramento destas questões. As vias específicas que

serão seguidas neste processo são bem definidas em três textos

fundamentais do psicanalista Pontalis, reunidos e publicados em 1968 em

Après Freud (Pontalis, 1968/1993).

No primeiro, Um novo curandeiro: J-L. Moreno (Um nouveau guérisseur:

J.-L Moreno), Pontalis identifica pontos muito ricos do pensamento e da

prática de Moreno, mas critica de forma embasada e aguda a crença de

Moreno no enorme poder de sua abordagem na resolução de grandes

problemas sociais. Fascismo, luta de classes, delinquência... todos os

problemas sociais estariam no escopo de resolução do arsenal de Moreno.

Mas o que mais surpreende na leitura deste capítulo é o contraste desta

visão com o caráter simplório da teoria sociológica que a acompanha. O

caso de sua intervenção na prisão americana de Hudson é ilustrativo.

Apresentado como mostra da potência de transformação social do

repertório de Moreno, a intervenção logrou que os presos fossem

reagrupados em celas, levando-se em conta suas preferências. Entretanto,

em nenhum momento, Moreno se pergunta sobre porque só havia negros

nesta prisão, sobre os interesses envolvidos na autorização que lhe foi dada

e tantas outras questões de grande importância para ampla gama de teorias

sociológicas e psicossociologicas. A experiência potente com o pequeno

grupo parece levar a eclipsar os atravessamentos e complexidades sociais

existentes.

O segundo texto As técnicas de grupo: da ideologia ao fenômeno (Les

techniques de groupe: de l´ideologie aux phénomènes) parte da herança de Lewin.

Novamente Pontalis sublinha importantes contribuições do campo, mas

introduz o termo “ideologia” para nomear certa autonomia das crenças

sobre o grupo em relação aos fenômenos. Perspectiva que, em sentido

amplo, já havia parecido em sua análise da dimensão sociológica do

pensamento de Moreno resumida no parágrafo anterior. Aqui, entretanto,

Pontalis se deterá mais nos pequenos grupos. A análise da formação para

o trabalho com dinâmica de grupo é um ponto importante e esclarecedor

210

de sua abordagem. Há algo de ácido em sua análise. Uma frase ilustra bem

o caminho de sua argumentação no capítulo. Ao comentar sobre o

percurso de formação, afirma: “(...) chega o momento no qual você para

de pensar em indivíduos e pensa em grupo. Mas será que realmente você

encontrou uma nova dimensão da existência? Houve aprendizagem ou

doutrinação?” (p. 246. Tradução do autor).

Ao analisar os herdeiros de Moreno e de Lewin, o que emerge do

trabalho de Pontalis é exatamente o caráter emocional e ilusório da crença

nos poderes do dispositivo de grupo. Em seu terceiro texto, Pontalis irá

propor este aspecto como objeto de pesquisa para a psicanálise. Avança

assim a ideia que há um patente exagero fantasioso ligado às experiências

com os pequenos grupos, mas que é justamente então como fantasia que

o pequeno grupo se qualifica como objeto para a psicanálise. Vejam que a

hipótese em obra é a de que por traz dos exageros dos grupalistas, há um

combustível do próprio fenômeno grupal que cabe ser estudado.

Articula-se a isto um outro problema fundamental dado o lugar

que a psicanálise ocupava no contexto sociocultural francês: frente aos

discursos sociologizantes, caberia à psicanálise preservar ou resgatar o

lugar do sujeito em sua singularidade. Kaës também tocará neste tema em

alguns momentos, pontuando como para instaurar o grupo como objeto

para a psicanálise na França era mister contrapor-se às visões correntes do

grupo que acabavam por opor o grupo ao sujeito singular. A resposta da

perspectiva francesa a esta demanda é sua maior proeza teórica: uma visão

de sujeito complexa que articula sujeito e grupo evitando reducionismos e

que abordaremos como nosso último eixo neste capítulo.

Grupo: idealizado e temido

A perspectiva de Pontalis do estudo do grupo para o psiquismo é

trilhada por Anzieu (1975), em sua analogia entre o grupo e o sonho e,

notadamente, em seu conceito de ilusão grupal. Para Anzieu, “Os sujeitos

humanos vão aos grupos do mesmo modo que em seu sono entram no

sonho. Do ponto de vista da dinâmica psíquica, o grupo é um sonho”

(Anzieu, 1975, p. 146. Tradução do autor). Como no sonho, Anzieu

entende o grupo como espaço de realização imaginária do desejo e por

isso mesmo- seguindo o pensamento freudiano- algo que assusta, ou

211

mesmo aterroriza. Daí o lugar do grupo na cultura: ora desejado, ora

temido.

Já o conceito de ilusão grupal tem como referência prática o

célebre grupo dito do Paraíso Perdido, vivência grupal realizada em

poucos dias, sob condução conjunta de Anzieu e Kaës, cujo relato

detalhado e comentado foi publicado em 1976 (Kaës & Anzieu, 1976).

Tanto Anzieu quanto Kaës retomam este relato em momentos

importantes de sua teorização como no conceito de ilusão grupal de

Anzieu. O autor teoriza com este conceito sobre algo prosaico nas

experiências com pequenos grupos: um pequeno grupo formado há pouco

tempo passará por um momento de hipervalorização de si mesmo em

detrimento do que lhe é exterior. Esta hipervalorização pode tomar a

forma de um enaltecimento do coordenador do grupo, dos colegas, do

grupo como um todo, de seus potenciais etc.

Desde Freud (1921/1999), a literatura psicanalítica aponta como o

narcisismo individual é abalado no encontro grupal. Para Anzieu, investe-

se em uma espécie de narcisismo do grupo como forma de compensar este

abalo. Mas se a ilusão grupal pode ser lida por uma perspectiva defensiva,

é fundamental reconhecer seu papel fundante da vida do grupo, pois para

Anzieu, este momento é necessário na constituição intersubjetiva do

grupo. Mesmo quando a desilusão chega, algo deste período mítico inicial

se mantém. Talvez esta ideia fique mais clara quando o autor discorre

sobre a ilusão do casal. Para Anzieu (1986), os pares românticos passam

por uma variação deste mesmo fenômeno que se apresenta como o

momento de apaixonamento inicial do casal. Anzieu argumenta que por

mais que a paixão inicial não tenha como perdurar em sua intensidade

característica por muito tempo, sua existência cria um registro e uma base

para o vínculo do casal, importante também ao longo prazo da relação.

Evidentemente Anzieu não usa o termo ilusão desconsiderando o

uso prévio do termo na psicanálise. Cabe aqui salientar a proximidade do

uso feito por Anzieu com o proposto por Winnicott. Lembremos que

Winnicott (1971/2001) coloca o fenômeno da ilusão como fundamental

para a constituição psíquica de todos os sujeitos. Para Winnicott é

importante que um bebê possa se experimentar onipotente, experimentar

que ele é capaz de criar aquilo de que precisa. A ilusão, quando tudo vai

212

suficientemente bem, será ultrapassada em seu desenvolvimento, mas a

experiência lhe permitirá apostar em sua existência no mundo, investir sua

relação com o entorno, enfrentar dores e dissabores, enfim, é condição

para que se possa sentir que, mesmo com todos seus dissabores, a vida

vale a pena. A constituição do ser humano e sua saúde dependem da

experiência da ilusão que pode então abrir caminho para a experiência da

desilusão, igualmente importante para o sujeito.

Destacarei aqui dois aportes muito relevantes do conceito de ilusão

grupal para o trabalho com grupos. O primeiro diz respeito a retomar o

caminho feito desde Pontalis para pensar que a relação que temos como

profissionais com os dispositivos de grupo pode ser marcada pela ilusão e

o segundo é apontar alguns elementos técnicos na condução de qualquer

grupo quando informados pelo conceito de ilusão grupal.

Verdade que muitas vezes os profissionais recorrem ao uso do

grupo por imposição da alta demanda ou de seus superiores. Começar a

utilizar um dispositivo de grupo sem acreditar nele é que nem começar um

relacionamento sem gostar da pessoa, as chances de dar certo são mínimas.

Neste sentido, há algo de muito positivo quando o profissional se encanta

com uma palestra, uma leitura, uma experiência de grupo. Acreditando ele

mesmo no recurso, há mais chances de seus pacientes acreditarem. Mas é

igualmente importante entender que a relação humana com os pequenos

grupos é marcada por este “a mais de idealização”. Podemos nos encantar

e é bom que isso ocorra, mas devemos estar cientes de que há aí um

componente de ilusão. Melhor encaramos esta relação apaixonada com a

técnica como parte do “brincar” profissional (estou me referindo aqui ao

brincar winnicottiano, evidentemente). Não é tão raro, ainda hoje, que

uma escola ou técnica de psicoterapia de grupo ou processo grupal encante

de tal modo seus adeptos que eles saiam professando-a em um

proselitismo perigoso. Ora, se cada técnica de grupo pode realmente ser

algo bem-vindo e contribuir com os trabalhos nas diferentes instituições

socioassistenciais, nas empresas, nas escolas e nos consultórios, só o será

com a condição de permitir espaço para outros saberes e para o confronto,

sempre doloroso em algum momento, com a realidade.

O segundo ponto concerne nossa técnica de trabalho. Psicanalistas

têm fama de pessimistas. Não sei se é verdade ou não, mas de fato Freud

213

nos advertiu muitas vezes sobre o caráter defensivo de muitas de nossas

crenças sobre a realidade e a necessidade de as atravessarmos. Mas quando

um coordenador de grupo se depara com um grupo em ilusão grupal, não

deve atacá-la diretamente. Seu papel não é “trazer o grupo para a

realidade”, mas acompanhar o grupo neste momento necessário, sabendo

que se trata de uma fase importante e, eventualmente, quando surgirem

sinais que pressionam o grupo pela também necessária desilusão, ajuda-lo

neste processo.

Não é, portanto, o coordenador do grupo que “introduz” a

realidade contra a ilusão grupal, mas ele entende que a ilusão grupal é um

fenômeno que gera um ajuste precário com as demandas do mundo e dos

sujeitos e que mais cedo ou mais tarde, a desilusão precisa ocorrer para

que se evite o adoecimento. Em ilusão grupal não se aceitam diferenças

dentro do grupo, se avaliam mal os próprios recursos e o contexto externo,

se rechaçam dores e a passagem do tempo. Quando qualquer um destes

aspectos começa a se impor, quando o preço para se manter a ilusão grupal

é o sofrimento de um membro, sua expulsão ou adoecimento, ou ainda a

perda de vista da tarefa do grupo (no sentido pichoniano), é hora do

processo de desilusão dar alguns passos. Por vezes, o coordenador precisa

ajudar o grupo neste processo, impedindo uma agressão a um membro,

evocando a razão de ser do grupo, e ao mesmo tempo formulando em

palavras a dificuldade do grupo com este ou aquele aspecto, ou seja,

oferecendo uma interpretação que relacione o vivido no aqui e agora do

grupo com algum aspecto da ilusão grupal.

Um ponto ainda relevante já presente neste conceito de Anzieu é

a articulação entre a análise do grupo como fantasia, na linhagem de

Pontalis, e a identificação de processos grupais aparentados à noção de

“dinâmicas de grupo”. De fato, se a trajetória francesa parte de uma crítica

intensa à Moreno e à Lewin, ao mesmo tempo neles se apoia, sem poder

assim se desembaraçar deles totalmente. A dívida a Lewin é importante e

complexa. Kaës endereçará este problema em 1976 com o conceito de

aparelho psíquico grupal como articulador do estudo das imagens e

fantasias sobre o grupo com os processos nele ocorrido. O conceito

proposto como resposta a este desafio, por sua vez, delimita um campo e

um modo para a abordagem da complexidade da relação entre sujeito e

214

grupo que será intensamente explorado na obra de Kaës, e ao qual

retornaremos em breve.

Grupos em instituições: o uso de objetos e a consideração do contexto institucional

Algo que despertou meu interesse pela perspectiva francesa no

início dos anos 2000 foi o diálogo que encontrava nela com a minha

prática profissional em saúde pública. Notadamente, os aportes desta

teoria sobre o uso de objetos em grupo me ajudavam a pensar minha

prática e a de colegas com suportes que não encontrava em outras teorias

psicanalíticas de grupo. Outro elemento importante foi a consideração

constante, nesta corrente de trabalho, do contexto institucional. Nestes

dois pontos remontamos ao histórico que apresentamos, com a

importância dos recursos psicodramáticos já nos anos 50 e o diálogo com

os institucionalistas nos anos 60.

Soma-se ainda uma preocupação sustentada com a condução de

pesquisas universitárias ligadas ao cotidiano das instituições

socioassistenciais. Esta perspectiva de pesquisar a partir da prática é

especialmente importante no caso do uso dos objetos mediadores em

grupo. Em uma palestra no Brasil, Kaës (2005) apresenta este campo

sublinhando que tais práticas são normalmente realizadas em contexto

institucional, reunindo um número restrito de pessoal em um grupo e

valendo-se de objetos variados que acionam a sensorialidade e portam

elementos da cultura. Estamos aqui na versão francesa daquilo que no

Brasil frequentemente nomeamos como oficina, mas que também pode

receber outros nomes. São práticas que teriam sido criadas pelos

trabalhadores da linha de frente dos atendimentos e somente depois

teriam se tornado objeto de pesquisas psicanalíticas, dentre as quais a da

própria equipe de Kaës merece destaque. Nas palavras do autor:

As práticas de grupos de mediação são, provavelmente, as técnicas

de grupo mais comumente utilizadas nos serviços psiquiátricos. As

pessoas que praticam esse tipo de grupo nas instituições

psiquiátricas não são normalmente nem psicólogos, nem médicos;

são enfermeiros, às vezes educadores ou assistentes sociais. São

eles que, essencialmente, inventaram essas técnicas, que, a seguir,

215

foram retrabalhadas pelos psicólogos (...). Essas técnicas

mantiveram-se empíricas por muito tempo, porém, recentemente,

esforço considerável foi feito para dotar essas práticas de acento

clínico mais preciso de enquadre metodológico mais rigoroso e de

bases teóricas mais sólidas. (Kaës, 2005, p. 47-48)

Por outro lado, constatamos que a teorização sobre os objetos

mediadores realizada por Kaës e colaboradores é muito diretamente ligada

à teorização anterior sobre o psicodrama psicanalítico de grupo. De fato,

esta experimentação com técnicas do psicodrama parece ter aberto não só

uma disponibilidade para a pesquisa sobre o uso de recursos diferentes da

fala em grupo, mas estabeleceu os alicerces teóricos que seriam

requisitados nesta empreitada.

Grosso modo, a teorização francesa sobre o psicodrama e os

objetos mediadores aponta para a mobilização das vias sensoriais como

forma de colocar em movimento registros psíquicos precários ou

primitivos. Uma forma ilustrativa de nos aproximarmos deste tema

complexo é lembrarmos que mesmo um animal, digamos um cachorro,

que passe por castigos físicos terá seus músculos retesados e pode disparar

em fuga se levantamos um braço subitamente em sua frente. De modo

semelhante, crianças pequenas que sofrem algum acidente ou abuso antes

mesmo da aquisição da linguagem, portam marcas destas experiências ao

longo da vida.

Estes exemplos mostram que há formas de registro da experiência

vivida que não passam pela linguagem verbal. Ao que tudo indica, há uma

“associatividade sensório motora” (Brun, 2013). Um braço levantado de

um adulto pode fazer uma criança fechar e apertar os olhos, o coração

acelerar etc. Uma percepção visual que pode disparar um movimento de

olhos e uma mudança no ritmo cardíaco sem necessariamente passar pelo

registro de memórias evocativas de espancamentos no passado, por

exemplo.

A teoria francesa do uso de objetos mediadores busca retirar o

máximo deste fenômeno. As teorizações são complexas e diversas

dividindo-se sobretudo em dois campos. De um lado aquele

protagonizado por Kaës (2005) e Vacheret (Vacheret, 2000). De outro,

com uma produção mais recente, René Roussillon, Anne Brun e

216

colaboradores (Brun et al., 2013). Bernard Chouvier deve ainda ser

mencionado como um pensador original que transita bem entre estas duas

vertentes. De modo introdutório, posso dizer que todos esses olhares

buscam maximizar e utilizar clinicamente algo da ordem do efeito do

braço levantado no exemplo acima. Ou seja, o uso de objetos mediadores

nos grupos seria pensado como modo de se trabalhar com estes registros

psíquicos precários, pouco simbolizados, muito próximos do corporal.

Por isso mesmo, seriam potentes na clínica do traumático e de

psicopatologias que remetem a falhas nos registros psíquicos, identificadas

normalmente como fora do campo da neurose.

Em uma linguagem psicologicamente rigorosa, mas ao mesmo

tempo poética, lemos em Kaës:

(...) as mediações utilizadas nos processos terapêuticos de grupos

de mediação são os herdeiros do sonho, elas são os meios de

restaurar a capacidade de sonhar. Elas lhes propõem equivalentes.

Quando a capacidade de sonhar e de brincar está falha, as

mediações de próteses são necessárias, pois restauram essas

capacidades. Sob este ângulo, as atividades dos grupos de

mediação têm função essencial: a de tornar possível a criação de

sintomas que poderão, então, ser situados, nomeados,

reapropriados e reconhecidos a partir do conflito que lhes

organizam. Isso tudo sob a condição de que a fala acompanhe a

experiência de mediação (Kaës, 2005, p. 50).

Se na seção anterior falamos da necessidade de interpretações para

ajudar um grupo a dar passos no sentido da desilusão grupal, podemos

agora entender que a proposição de objetos mediadores em um grupo

pode ajudar ali onde a dificuldade é chegar até a ilusão grupal. Não à toa,

o uso de objetos seja opção frequente nos equipamentos de saúde mental.

Mas notemos que, como afirma Kaës (2005), as mediações não

substituem a fala, elas devem puxar a fala! Só faz sentido um uso

psicanalítico de objetos compreendendo-se que o grupo repousa em regras

que são comunicadas pela fala (portanto é a fala que possibilita o grupo) e

que os ganhos pelo trabalho de simbolização que se almejam, demandam

tanto a ativação da sensorialidade pelo uso dos objetos, quanto espaços de

fala sobre a experiência com estes objetos.

217

Do ponto de vista da técnica, deve-se sublinhar a ideia de um

brincar junto com os membros do grupo e os objetos. Claro, o

coordenador (ou analista ou ainda animador, como preferem os franceses,

conforme o autor e o caso) não se confunde com os outros membros do

grupo. A ele ou a ela cabe garantir o enquadre da atividade, suas regras

constitutivas. Seu envolvimento também pode ser compreendido como

um facilitador do processo. Há, é bem verdade, diferenças no papel do

coordenador em uma contação de história, em uma atividade com fotos,

nas diversas técnicas presentes na literatura. Mas de modo geral, evitam-

se as interpretações em sentido clássico do termo, pois se desviam da

proposta de estimular a capacidade de sonhar, podendo inclusive criar

situações de inibição ao livre associar.

Se os estudos franceses se aprofundam no uso terapêutico das

mediações, eles não fecham a porta para outros usos. Nesta perspectiva,

os objetos mediadores ajudariam na formação de novos vínculos,

permitiriam a aproximação de novos objetos de estudo e o encerramento

de atividades de formação, o trabalho sobre dificuldades pontuais de um

grupo etc. (Castanho, 2018). No entanto, são raros os trabalhos nesta

literatura que investiguem o uso de grupos com objetos mediadores fora

do contexto estrito do atendimento psicoterapêutico e algumas de suas

variações mais próximas.

O grupo como espaço de singularização

É Ana María Fernández (2006) que fala de uma lógica disjuntiva

que opõe indivíduo à sociedade como característica do pensamento

ocidental. Esta lógica seria caracterizada por uma oscilação entre

extremos: uma redução dos fenômenos humanos ao indivíduo

redundando no psicologismo, ou sua redução à dimensão social.

Fernández irá encontrar no pensamento de Kaës um avanço significativo

nesta superação. Em diálogo com esta autora reafirmei este entendimento

da contribuição de Kaës, ainda que ao redor de outro aspecto de sua obra

(Castanho, 2015), caminho semelhante ao de Claudine Vacheret ao ver em

Kaës uma ruptura de paradigma no sentido do pensamento de Thomaz

Kuhn (Vacheret, 2010). O que se evidencia aqui é a potência do

pensamento do autor em renovar este debate clássico das Ciências

218

Humanas, potência que se concretiza na obra de Kaës, mas responde a

questões que atravessam de modo particularmente forte os autores da

perspectiva francesa de grupo desde sua origem.

Retomando a seção anterior, interessante notar que Vacheret

(2000) fala em sinergia entre o grupo e o objeto mediador ao indicá-los

para os casos mais graves. Ocorre justamente que a tradição francesa

entende o dispositivo de grupo (mesmo sem objetos mediadores) como

um recurso capaz de responder aos desafios da clínica frente a

problemáticas não neuróticas. Há um grande debate na psicanálise

contemporânea sobre os limites ou as dificuldades do dispositivo analítico

proposto por Freud no trato das chamadas patologias narcísicas, que

aparentemente vêm crescendo em nossa época, mas que remetem também

a certos públicos que tradicionalmente não frequentavam os consultórios

de psicanalistas. Assim, ao falarmos de grupo, estamos, na verdade, no

mesmo terreno da problemática que desenvolvemos em relação aos

pacientes que se beneficiariam do uso de objetos mediadores. Falamos de

pessoas cujas dificuldades nos remetem a falhas de seu ambiente que

ocorreram em fases precoces de seu desenvolvimento e/ou falhas

ambientais e culturais que dificultam ou impedem processos necessários à

constituição do sujeito.

Nesta perspectiva, o dispositivo de grupo seria um espaço onde se

reeditam estes processos mais primitivos, sendo, por isso mesmo, uma

estratégia promissora para abordá-los clinicamente. Esta especificidade

clínica do dispositivo de grupo remete a uma concepção na qual a

intersubjetividade, a presença humana múltipla, é constitutiva para o

sujeito. No linguajar winnicottiano poderíamos dizer que um bebê não

existe desde seu próprio ponto de vista. O ser humano emerge desta

relação inicial com a mãe ou com outra figura de cuidado, ou ainda, do

ambiente como um todo, quando tudo se passa suficientemente bem.

Trabalhar em grupo seria então se posicionar mais proximamente destes

processos constitutivos. Este tipo de olhar traz uma marca muito

importante para a corrente francesa: a perspectiva do grupo como berço

originário do psiquismo.

Verdade que o problema da lógica disjuntiva entre sujeito e

sociedade sempre foi endereçada pelas teorias psicanalíticas de grupo. Em

219

Pichon-Rivière (1985/2000, 1985/2007) vemos um grupalista que pensa a

relação entre sujeito singular e grupo de modo dialético. Ao dizer que este

autor latino-americano parte da psicanálise para a psicologia social já

temos uma ideia de como ele poderá encontrar apoio na dialética para

pensar a determinação mútua e recíproca entre o sujeito e seus grupos. A

categoria da dialética no pensamento psicanalítico francês de grupo

mereceria um capítulo especial, mas o que me parece importante aqui é

que ao mesmo tempo que os franceses reconhecem esta mútua e recíproca

determinação entre sujeito e grupo, apontam que ela não se dá entre

elementos de mesma natureza. Para eles, o grupo é anterior ao sujeito e se

relaciona com ele fortemente naquilo que diz respeito às suas origens, seus

processos mais fundamentais e vitais, sua existência e transcendência.

Tudo que é da ordem do grupo mobiliza aquilo que nos originou

como sujeitos, nos sustenta em nossa existência no presente e permite que

sigamos nosso processo de subjetivação. Os modelos vão se

multiplicando, complexificando e especificando, sobretudo em Kaës.

Desde o conceito de aparelho psíquico grupal, Kaës (1976/2000) postula

que uma parte da vida psíquica do sujeito ocorre fora dele, nos grupos. Os

espaços psíquicos comuns e partilhados do grupo são co-construídos

inconscientemente de modo complexo e mobilizam estratos profundos do

funcionamento psíquico de cada sujeito. Daí que uma interpretação ou

manejo dirigido a algo comum e partilhado no grupo possa ser

considerado como atingindo cada sujeito de modo potencialmente

diferente, convocando-os a mudanças e reequilíbrios psíquicos. O

trabalho com grupos, neste sentido, vai sendo menos percebido como o

trabalho com uma totalidade, “o grupo”, e mais como um transitar entre

espaços psíquicos comuns, partilhados e singulares que permitam relançar

esta potência do grupo como berço originário do psiquismo, visando

processos de subjetivação e singularização.

Esta visão, inovadora e complexa da relação entre sujeito e grupo

remete à problemática das alianças inconscientes (Castanho, 2015; Kaës,

2009) e implica uma visão do sujeito do inconsciente como sujeito do

vínculo (Castanho 2018; Kaës, 2007). Tema extremamente complexo que

não podemos mais do que assinalar no escopo deste capítulo. Ele implica

uma discussão filosófica densa sobre o que é o ser humano (ontológica),

220

sobre o que ele pode conhecer do mundo (epistemologia) e sobre o que é

saúde para ele. Discussões extremamente complexas que possuem

implicações práticas importantes a salientar neste capítulo.

Aportes importantes sobretudo em um mundo adoecido pelo que,

desde Lasch (1979/1983), chamamos de cultura do narcisismo e que

poderíamos referir sinteticamente hoje como uma sociedade que sofre e

faz sofrer do narcisismo. Nela, encontramos de um lado tendências

individualizantes e isolacionistas que encarceram sujeitos em sofrimentos

sem saída, de outro, movimentos homogeneizantes, que igualam todos e

impedem ou atrapalham singularizações. O olhar de grupo francês é

promissor no campo teórico e clínico para endereçarmos esses problemas.

Trabalhamos sobre as bases psíquicas comuns e partilhadas de todos os

sujeitos, para relançar de um lado a vida e a experiência de pertencimento

humano, de outro, abrir os processos de singularização e de subjetivação

incessantes.

Conclusão

Vimos ao longo deste capítulo como o contexto histórico do

nascimento da perspectiva francesa de grupos marca as opções iniciais

feitas pelos estudiosos desta área e como estas opções organizaram longas

e frutíferas trajetórias de pesquisa. Começamos abordando o estudo das

crenças relacionadas aos grupos e suas relações com o processo grupal.

Seguimos apresentando a proximidade com o trabalho em instituições pela

via do olhar institucional e do uso de objetos. Finalizamos apresentando a

perspectiva do dispositivo de grupo como aquele que promove processos

de singularização, indicando a relação desta perspectiva com questões

ontológicas e epistemológicas e sublinhando sua importância no

enfrentamento do sofrimento narcísico da atualidade.

Em sua trajetória histórica, a afirmação da centralidade do

referencial teórico psicanalítico e da prática clínica (em sentido ampliado)

ajudou a distinguir esta perspectiva em relação à análise institucional, com

a qual se unia em algumas posturas críticas comuns nos anos 60.Tais

opções também contribuíram para que a perspectiva psicanalítica de grupo

francesa se mantivesse próxima dos campos nos quais a psicanálise já

atuava, notadamente nas instituições de saúde e em algumas interfaces

221

com o Judiciário, como no trabalho com adolescentes em conflito com a

lei. Esta característica ganha nitidez ao ser comparada com o

desenvolvimento do trabalho com grupos na América Latina a partir do

grupo operativo.

O grupo operativo de Pichon-Rivière (2007/1985) foi

desenvolvido sob demandas sociais bem diferentes das demandas do

contexto Francês que analisamos. O contexto Argentino viu nascer um

dispositivo de grupo que transita elegantemente entre campos totalmente

distintos de atuação. A proposta do centramento na tarefa do grupo é o

que permite esta maleabilidade em relação aos campos de atuação. É por

esta característica que Pichon-Rivière afirma que “O grupo operativo é

universal (...)” (Pichon-Rivière, 2007/1985, p. 240. Tradução do autor).

Acredito que seja possível e frutífera a empreitada de retomar os

três eixos do pensamento francês aqui apresentados, utilizando-os em

grupos que sejam centrados na tarefa e ampliando assim seu escopo de

ação. Mas na finalização deste capítulo, não posso fazer mais do que

sugerir que esta empreitada é bem mais complexa e que o leitor poderá

encontrar mais sobre ela em outro texto (Castanho, 2018).

Referências

Anzieu, D. (1956). Le psychodrame analytique chez l’enfant. Paris: PUF.

Anzieu, D. (Org.). (1973). Le travail psychanalytique dans les groupes I. Paris:

Dunod.

Anzieu, D. (1975). Le groupe et l’inconscient. Paris: Dunod.

Anzieu, D. (1986). Introduction à l’étude des fonctions du Moi-peau dans

le couple. Gruppo, 2, 75-81.

Brun, A. (2013). Spécificité de la symbolisation dans les médiations Em: A. Brun,

B. Chouvier, & R. Roussillon. Manuel des médiations thérapeutiques

(pp.122-158). Paris: Dunod.

Brun, A., Chouvier, B., & Roussillon, R. (2013). Manuel des médiations

thérapeutiques. Paris: Dunod

Castanho, P. (2013). Dispositivos grupais utilizados por René Kaës:

Apontamentos para o estudo de sua arqueologia e gênese. Vínculo, 10,

14-25.

222

Castanho, P. (2015). O conceito de alianças inconscientes como

fundamento ao trabalho vincular em psicanálise. Estudos

Interdisciplinares em Psicologia, 6, 92.

Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos em

instituições. São Paulo: Linear A-barca.

Fernández, A. M. (2006). El campo grupal: Notas para uma genealogia. Buenos

Aires: Nueva Visión.

Freud, S. (1999). Massenpsychologie und Ich-Analyse. Em: S. Freud,

Gesammelte Werke (v. 13; pp. 72-161). Frankfurt am Main: Fischer

Taschenbuch Verlag. (Trabalho original publicado em 1921)

Kaës, R. (2000). L’appareil psychique groupal. Paris: Dunod. (Trabalho

original publicado em 1976)

Kaës, R (2005). Os espaços psíquicos comuns e partilhados: Transmissão e

negatividade. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.

Kaës, R. (2007). Un singulier pluriel: La psychanalyse à l´épreuve du groupe. Paris:

Dunod.

Kaës, R. (2009). Les alliances inconscient. Paris: Dunod.

Kaës, R., & Anzieu, D. (1976). Chronique d’un groupe. Paris: Dunod.

Klapman, J. W. (1946). Group psychotherapy: Theory and practice. New York:

Grune & Stratton.

Lapassade, G. (1970). Groups, organisations et instituitions (2. ed.). Paris:

Gauthier-Villars. (Trabalho original publicado em 1967)

Lasch, C. (1983). A cultura do narcisismo: A vida americana numa era de

esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original

publicado em 1979)

Pichon-Rivière, E. (2000). Teoria del vínculo (21 edição). Buenos Aires:

Nueva Visión. (Trabalho original publicado em 1985)

Pichon-Rivière, E. (2007). El processo grupal: Del psicoanálisis a la psicología

social (1) (2. ed.). Buenos Aires: Nueva Visión. (Trabalho original

publicado em 1985)

Pontalis, J.-B. (1993). Après Freud. Saint-Amand: Gallimard. (Trabalho

original publicado em 1968)

Rodrigues, H, B, C. (2007). “Sejamos realistas, tentemos o impossível!”

Desencaminhando a Psicologia através da análise institucional. Em:

A. M. Jacó-Vilela, A. A. L. FEREIRA, & F. T. Portugal, (Orgs.),

223

Histórias da Psicologia: Rumos e percursos (pp. 515-563). Rio de Janeiro:

Nau.

Vacheret, C. (Org.) (2000). Photo, groupe et soin psychique. Lyon: PUL.

Vacheret, C. (2010). L´appareil psychique groupal: Révolution et

évolution. Em M. Pichon, H. Vermorel, & R. Kaës (Orgs.),

L´experience du groupe (pp. 43-69). Paris: Dunod.

Winnicott, D. W. (2001). Playing and reality. East Sussex: Brunner-

Routledge. (Trabalho original publicado em 1971)

225

12 Mais alguns conceitos bionianos

importantes para a psicanálise das

configurações vinculares Waldemar José Fernandes

Há inúmeros conceitos e reflexões trazidos por Bion, que

enriqueceram a psicanálise. Muito deles são de grande importância no

trabalho com grupos, casais, famílias e instituições. Discutiremos um

pouco mais sobre alguns desses conhecimentos neste capítulo, na intenção

de convidar o leitor a refletir conosco e avaliar se lhe parecem úteis, como

consideramos.

Selecionamos os seguintes itens para reflexão:

1) Função psicanalítica da personalidade;

2) Universo em expansão;

3) Conhecimento;

4) Mudança catastrófica – establishment;

5) O pensar e os pensamentos;

6) Teoria das Funções – Funções alfa () e beta () – Rêverie;

7) Teoria das Transformações – Realidade incognoscível;

8) Teoria dos Modelos;

9) Barreira de contato e sua deterioração; e

10) Psicopatologia da Posição Esquizo-paranoide –

Personalidade psicótica – Ataque aos vínculos – “Super”-ego.

1) Função psicanalítica da personalidade

É a atração que sentimos em direção à verdade e ao conhecimento de nós

mesmos. Entre os conceitos de Bion, esse é um dos mais significativos, e

refere-se ao fato de que a busca epistemológica é inata em cada um de nós.

226

A tendência a buscar a verdade deve ser desenvolvida no processo

psicanalítico, com a introjeção dessa função do analista. Num grupo bem

evoluído, essa busca é algo que se tornará parte do grupo. Sempre que

alguém distorce os fatos ou utiliza muito de mecanismos de defesa, outros

participantes tendem a fazer questionamentos que possam levar à verdade.

Chamamos de realidade psíquica à realidade interna do sujeito, forma

especial da existência que não deve ser confundida com a realidade

material. “O inconsciente é a verdadeira realidade psíquica; em sua

natureza mais íntima é tão desconhecido quanto a realidade do mundo

externo” (Freud, 1900/1996, p. 33). Essa realidade interior é mais rica, e

geralmente preferida à realidade externa.

Para Melanie Klein e Bion, tal realidade psíquica está povoada por

fantasias inconscientes. “O objeto de conhecimento em psicanálise é a

realidade psíquica – de si mesmo e do outro... A busca da realidade psíquica

é inerente ao ser humano; é a chamada Função psicanalítica da personalidade”

(Bion, 1962/1991, p. 123).

Podemos entender tão importante função, como a que está

diretamente relacionada com a busca da verdade e do conhecimento da realidade psíquica

de si mesmo, desde o nascimento, antes e depois da análise, o que deixa para

o analista apenas a possibilidade de ajudar no seu desenvolvimento,

enquanto o processo analítico durar. Tal tendência a buscar a verdade deve

ser desenvolvida no processo psicanalítico, com a introjeção dessa função

do analista.

2) Universo em expansão

Esse conceito de Bion refere-se à meta do trabalho analítico: uma

ampliação do espaço interno e externo dos analisandos, que denominou

“um universo em expansão, o que envolve a conquista e o respeito à

liberdade, própria e do outro. Zimerman (1995, p. 66) reflete que, com

essa expressão, Bion costumava afirmar que “o processo psicanalítico não

deve procurar verdades acabadas e nem conclusões definitivas; pelo

contrário, ele deve se constituir em novas e progressivas aberturas numa

constante interrelação entre o sensorial e o abstrato (...)”.

Gostaria então de enfatizar o interesse de Bion pelo tema do

pensar, como sinal e fator de expansão do universo mental. Essa

227

abordagem deixa entrever que o movimento psicanalítico teve grande

impulso com Bion, no sentido de propor um alargamento das mentes do

analista e do paciente e, eu acrescentaria, dos participantes das

configurações vinculares, em geral.

Um universo em expansão implica alterações dos pontos de vista, que

terão de ser expandidos. É um processo interminável de constante

abertura e crescimento mental, que faz lembrar da “espiral dialética” de

Pichon-Rivière (1980/1982, p. 56). Esse projeto de abertura se aplica a

pacientes e a analistas, sendo de grande interesse para quem trabalha com

grupos.

No grupo terapêutico, não adianta o analista se manter no modo

universo em expansão, enquanto o grupo buscar algo diferente ou cada

paciente procurar a cura de todos os seus males ou mesmo uma orientação

sobre o que fazer em determinada situação. Há que encontrar um caminho

do meio, um acordo que viabilize o trabalho.

A meta universo em expansão exige disponibilidade para lidar com as

diferenças e com ideias novas, assim como autenticidade e flexibilidade do

analista. O processo psicanalítico grupal, tal como o familiar ou o

institucional, deve possibilitar novas aberturas, em constante crescimento

grupal e pessoal, com aprendizado pela experiência; verdadeiramente

aprender a pensar, no sentido bioniano, como veremos a seguir.

3) Conhecimento

O tema do conhecimento, como é visto por Bion, tem grande

importância no trabalho psicanalítico e, muito especialmente, na

psicanálise vincular.

Todos conhecemos, nos grupos, na atividade clínica e no dia a dia

de qualquer sujeito, como é difícil se encontrar pessoas que realmente

consigam aprender com a experiência. Tal ocorrência pode surpreender,

já que consideramos natural e esperada uma certa atração pela verdade,

pelo conhecimento. Qual a origem dessa dificuldade?

Como vimos na abordagem sobre o Vínculo K, o do

conhecimento, ele caminha sempre junto com o Vínculo do Amor, assim

como o não conhecimento caminha com o Vínculo do Ódio, H. Numa

evolução da teoria kleiniana, Bion colocou as dificuldades de

228

aprendizagem junto com a patologia da posição esquizo-paranoide, o que

fica bem claro na explicação de David Epelbaum Zimerman (1995, p. 110-

111): Se “prevalecer (...) uma admiração pelas capacidades criativas do

interior materno desenvolve-se uma progressiva e sadia capacidade

epistemofílica. Já os distúrbios de aprendizado e (...) psicóticos

relacionam-se à curiosidade destrutiva e invejosa com relação ao corpo da

mãe”.

A aprendizagem está diretamente relacionada à capacidade de lidar

com aquilo que é novo. O problema é que esse novo costuma incomodar,

assustar e, de certa forma, até agredir, ou seja, a ideia nova contém uma

força potencialmente disruptiva e ameaçadora, que pode despertar reações

violentamente contrárias por aqueles que são porta-vozes das velhas

estruturas, que não querem ver renovadas. Por exemplo, nos mitos do

Éden, de Édipo e de Babel vemos que a curiosidade de chegar ao

conhecimento é castigada, por ser um pecado. Tais mitos mostram as

vicissitudes do indivíduo e dos grupos na busca da verdade – proibida

pelos deuses.

Veremos que a função do pensar, na concepção bioniana, não é o

mesmo que possuir pensamentos ou adquirir informações, mas é

resultante de uma disponibilidade e desejo do sujeito para saber o que não

sabe.

No trabalho clínico, frequentemente as pessoas pretendem se

livrar do que as incomoda, fazer algo e, tal como numa cirurgia bem-

sucedida, o que estava doente seria extirpado. Por vezes, perdem o sono

e, como um cachorro perseguindo o próprio rabo, ficam compulsiva e

inutilmente querendo resolver o incômodo.

Em situações assim, dizem que ficaram pensando o tempo todo.

Mas o que me parece é que isso é exatamente o que não fizeram. Então,

acho pertinente a observação de Bleger: “muito do que se chama pensar é

somente um círculo vicioso e estereotipado (...), uma dissociação com a

tarefa, um pensar que não acontece nem segue à ação, mas que a substitui”

(Bleger, 1961/1979, p. 64).

Pode-se dizer que psicanalisar é pensar e estimular o pensar do

outro, assim como trabalhar psicanaliticamente com as configurações

229

vinculares é o mesmo que estimular o pensar nas vinculações intra e

intersubjetivas. Isso implica lidar com o pensamento e com a intuição.

Intuir vem do latim intuitus, formado de in (dentro) + tuere (olhar)

= olhar para dentro. Esse é nosso objetivo: ajudar aqueles que nos

procuram a olhar para dentro de si, para aprenderem a lidar com sua

afetividade, presente em todos os contextos. Nesse sentido, Zimerman

(2012, p. 167) expressa bem “(...) uma metáfora de Bion, que recomenda

que o analista lance sobre sua visão um facho de escuridão para que possa ver

melhor, da mesma forma como as estrelas ficam mais visíveis na escuridão da

noite”.

Os pacientes que nos procuram frequentemente querem soluções

para seus problemas e respostas para suas aflições, mas pensar tem a ver

com o desafio de tentar lidar com os problemas e com as aflições, em vez

de pretender exterminá-los como uma praga.

4) Mudança catastrófica

Bion queria indicar com essa expressão que “o crescimento exige

todo um processo de transformação que, às vezes, implica mudanças

muito significativas, como, por exemplo, a transição da posição esquizo-

paranoide para a posição depressiva” (Zimerman, 2012, p. 184). Essa

transição pode ocorrer acompanhada de intensa angústia, de tal modo que

a pessoa, mesmo num processo sadio de evolução, sofre muito e tem a

impressão de que vai enlouquecer ou morrer.

Como relatado em Fernandes (2003), esse é um conceito de Bion,

de 1966, que mostra que sempre encontramos uma conjunção constante

de fatos específicos nos mais diferentes contextos, como na mente, no

grupo ou nas instituições, com a tendência a se manterem estáveis. Sempre

que tal conjunção de fatos encontrar-se com a possibilidade iminente de

crescimento, de mudança, pode ocorrer o que ele chamou de mudança

catastrófica.

O clima emocional existente nesse caso é caracterizado pela

violência, invariância e subversão do sistema, o que pode acontecer, por exemplo,

nos grupos terapêuticos, quando um fato novo, uma nova ideia ou uma

intervenção eficaz pode promover mudança estrutural no grupo.

230

As vicissitudes da ideia nova dentro do grupo podem ocorrer para

evitar o nível de funcionamento grupal chamado de Grupo de Trabalho,

entrando parcialmente no nível de Supostos Básicos. São defesas contra a

mudança catastrófica. A crise psicótica, contida ou não nos limites da

situação analítica, é também um exemplo de mudança catastrófica. “A

mudança é catastrófica no sentido restrito de um acontecimento que

determina uma subversão da ordem ou sistema de coisas; é catastrófica

porque desperta sentimentos de desastre nos participantes e porque

aparece de forma brusca e violenta” (Grinberg et al., 1972/1973, p. 63).

Pela mesma razão é violenta, pois a ideia nova tende a promover a

subversão de sistemas com aspectos organizados, estáveis e rigidez

caracterológica, tipo casal, grupo institucional, familiar ou outra

configuração grupal – a mente inclusive. Bion denominou establishment a

essa organização rígida, que resiste ao crescimento vinculado à mudança.

4.1) Establishment

É a situação de poder, estabilidade e organização – mental ou

institucional – com tradições e normas estabelecidas, condizentes com a

época e a cultura. Essa estabilidade é ameaçada sempre que surge uma ideia

nova, que, para Bion, é trazida por alguém, que ele denominou “gênio”,

“místico” ou “herói”, como foram as ideias de Jesus para o poder romano,

por exemplo, ou de Giordano Bruno, que, tal como Copérnico, ousou

afirmar que a Terra não era o centro do universo, ideia que foi altamente

disruptiva, verdadeiro sacrilégio, para o establishment científico da época.

No grupo (Fernandes, 2003), o portador de uma ideia nova

provoca na parte estável e de nível mais evoluído do grupo (que é o nível

de grupo de trabalho) uma instabilidade, isto é, reações de evitamento e

hostilidade contra a mudança, sempre inerente a uma ideia nova.

O grupo pode expulsar o gênio ou endeusá-lo, e pode ser absorvido

pelo establishment, perdendo assim a força ameaçadora de suas ideias. Por

outro lado, o establishment torna a ideia nova mais acessível ao resto do

grupo, por exemplo, mediante dogmas religiosos, leis etc., o que provoca

limitação e controle da ideia nova, mas permite sua sobrevivência e

eventual transmissão.

231

Nas instituições de saúde pública conhecemos bem o papel

inovador daqueles que pensam criativamente, que oferecem espaços para

discussões em grupos e que aproveitam as brechas na estrutura rígida do

establishment para introduzir ideias e propostas, semeando mudanças;

conhecemos também as resistências a isso. O mesmo fenômeno ocorre

no campo da educação-aprendizagem na área psi.

Nas instituições educadoras, ou formadoras na área psi, a

necessidade de se ter abertura, questionar projetos e fazer constante

reavaliação do desempenho é vital, o que pode ocorrer com auxílio de

grupos psicanalíticos de reflexão.

Mecanismo análogo ao descrito até aqui também é encontrado nas

instituições psiquiátricas tradicionais, onde há um verdadeiro muro que

separa os profissionais dos pacientes. Já o relacionamento horizontal,

existente nas comunidades terapêuticas, é baseado na premissa de que os

loucos não são tão loucos, nem os sadios tão sadios.

Da mesma forma, quando propomos Grupos Psicanalíticos de

Discussão nos eventos científicos, o establishment, formado pelos que se

autopromovem e se regozijam com os aplausos, se organiza contra a ideia

de horizontalizar o conhecimento latente e suas possibilidades criativas.

Parece um bom modelo para uma reflexão: a divisão em castas pode ser

agradável enquanto pertencemos à casta superior, com suas vantagens,

mas, como seres humanos, seremos tão diferentes assim?

Vimos, então, como os conceitos de mudança catastrófica e de

establishment estão implicados. A mudança catastrófica está relacionada à

arrogância, mais um conceito de Bion, que, entre outros sentidos, refere-se

à tendência à negação, seja da realidade externa, seja da interna, geralmente

relacionada a uma ideia nova que ameaça induzir o participante do grupo,

ou o paciente de modo geral, a rever estruturas estabelecidas, tornando

mais frágeis suas defesas. Ela é inevitável na evolução. “(...) proponho

mudança catastrófica como uma passagem necessária pela posição

depressiva à superação da negação e aceitação do sofrimento no processo

positivo de mudança e de crescimento emocional” (Gerber & Figueiredo,

2018, p. 19).

É fundamental a repercussão clínica que a mudança catastrófica

pode provocar, como o ataque aos vínculos e o medo de enlouquecer, a

232

explosão de acting-outs, angústia, depressão, sentimentos de confusão etc.

É aí que o vínculo analista-analisando se vê mais ameaçado, e a capacidade

do analista é essencial.

Tanto o analista como os pacientes temem a mudança e o

crescimento, porque a ameaça do desconhecido é acompanhada de uma

dolorosa angústia catastrófica. Por isso usamos diversos caminhos para

tentar escapar de situação tão sofrida: “Assim, Bion alerta para o fato de

que os caminhos de fuga dessa tão temível mudança catastrófica são de

três modalidades: uma fuga para o passado (memória), para o futuro

(desejo) ou para o presente (compreensão intelectiva)” (Zimerman, 1995,

p. 173). Tendo refletido sobre o conhecimento e a mudança catastrófica,

podemos nos deter agora sobre o instigante tema do pensar.

5) O pensar e os pensamentos

Freud já havia aludido ao instinto do saber/de pesquisa. Melanie

Klein, em O desenvolvimento de uma criança (1921/1991), referiu-se à pulsão

epistemofílica, como meio de controlar a ansiedade, mencionando a

curiosidade inata da criança para conhecer o mistério do corpo da mãe.

O conhecimento é perigoso e penoso. É uma entrada no

desconhecido que está à frente e a necessidade de sair de um terreno que

parecia seguro até então. A tendência a buscar conhecimento desperta uma

defesa automática e inconsciente que contrabalança o medo ligado ao

recalque de aspirações, desejos e instintos.

Segundo Bion, os afetos são o alimento da mente. Os

pensamentos são formados por interações cognitivo-afetivas e têm

capacidade para promover o desenvolvimento mental, permitindo à mente

a comunicação e a expansão rumo ao intersubjetivo.

Freud (1936/1969) achava que o pensamento seria o processo

mais adequado para se suportar o adiamento da satisfação relacionada a

uma pulsão. O pensamento e o princípio da realidade seriam sincrônicos.

Ele enfatizou que o princípio da realidade vai se fortalecendo junto com a habilidade

para pensar, o que ocorreria da seguinte forma: entre uma necessidade não

satisfeita e uma ação que a satisfaça, há um vazio – de espera – com algum

grau de frustração. O pensar visa a preencher exatamente esse vazio.

233

A partir da experiência emocional primitiva da ausência do

objeto, formam-se os pensamentos, o conhecimento

cognitivo, o conhecimento intuitivo e o conhecimento de

si mesmo. Esse é o caminho da busca da verdade, utilizado

no referencial analítico.

No trabalho grupal buscamos a verdade que está por trás do

material latente. Para Bion, a realidade última do objeto é incognoscível.

Trabalhando psicanaliticamente com grupos – tanto quanto na situação

bi-pessoal – o objeto de conhecimento será a realidade psíquica, povoada

de amor, ódio e angústias as mais diversas, e tendência ao conhecimento,

sendo que todo conhecimento se origina de experiências primitivas de ordem emocional,

em que existe ausência de objeto.

A tolerância à frustração é uma condição sine qua non para o

processo do pensar, processo que ocorre com os encontros e com a

interação entre os diversos pensamentos.

O pensamento é um substituto da descarga motora. A capacidade

de pensar permite protelar e suportar a espera entre o momento do desejo

e o da ação para satisfazer a necessidade.

Bion sustentava que o princípio de realidade funcionaria sempre

simultaneamente com o princípio do prazer. Na medida em que ganha em

realismo, a psique vai substituindo a descarga motora pelo pensamento,

assim fazendo para modificar o meio ambiente.

Habitualmente as teorias se referem aos pensamentos como sendo

produzidos pelo ato de pensar. Bion revolucionou tais teorias.

É interessante e inédita a ideia bioniana de que os pensamentos

antecedem e independem do pensador. Quando o pensador vai pensá-los,

tais pensamentos deixam de ser verdadeiros, tornando-se falsos: “(...)

trata-se de um pensamento errante em busca de algum pensador, para se

alojar nele” (Bion, 1977/1992, p. 131). Na verdade, Bion “(...) sustentava

que a psique é obrigada a pensar pois se depara com pensamentos que

antecedem a própria existência dela” (Bléandonu, 1990/1993, p. 142).

Concepção e realização do desejo – Bion colocava certa cronologia nas

experiências que levam à capacidade de pensar, começando, antes de tudo,

com a preconcepção, cujo modelo é o conhecimento a priori do seio, uma

234

disposição inata do bebê quanto à expectativa de algo que certamente lhe

dará satisfação.

Quando uma preconcepção encontra uma realização positiva, como o

seio bom gratificador, delineia-se uma concepção, já com certa qualidade

perceptiva e sensorial. Em outras palavras, a preconcepção se transforma

numa concepção quando o lactente entra em contato com o seio mesmo.

A conscientização dessa realização vem acompanhada de

um desenvolvimento conceitual. Por conseguinte, “todas

as concepções estarão constantemente ligadas a uma

experiência emocional de satisfação” (Bléandonu,

1990/1993, p. 142).

Da correlação entre as concepções surgem os conceitos, que

posteriormente permitirão o julgar; e da avaliação das

diferentes formas de julgar emergirá a capacidade de

raciocinar.

Se a capacidade para tolerar frustrações for suficiente, a ausência

de satisfação do desejo (a ausência do seio, por exemplo) torna-se um

elemento primitivo do pensamento – um protopensamento. Desenvolve-se,

então, uma espécie de aparelho psíquico para pensá-lo – o Aparelho para

pensar os pensamentos.

Caso a tolerância à frustração seja muito pequena e não exista a

necessária continência materna, o seio ausente, internalizado como mau (o

não-seio) terá de ser evacuado por identificação projetiva, fator importante

na compreensão da personalidade psicótica, outro conceito bioniano que

veremos um pouco adiante.

Vimos um pouco do processo de pensar os pensamentos e suas

vicissitudes na mente, no grupo, nas famílias ou nas instituições, questões

que envolvem a criatividade, as possibilidades de comunicação e de

crescimento pessoal ou grupal.

Mas será que nossos pacientes sabem pensar? Esse foi o tema de

uma conversa com o saudoso David E. Zimerman, que provocou em mim

uma inquietação: será que nós, terapeutas, sabemos pensar?

235

Fragmento de sessão grupal

Mário: Estou muito deprimido. Meus filhos não se entendem entre

eles, nem comigo. Tenho de sustentá-los até hoje. Fico desolado.

Josefa: Oh, Mário, lá vem você! Já discutimos sobre isso diversas

vezes, e sempre alguém sugere que você deixe que eles vivam a

própria vida, trabalhem e gastem o próprio dinheiro. Não tem

cabimento você sustentar marmanjos de 30 anos de idade!

Renato: Estou cansado de vir aqui e não receber nenhuma

orientação. Me sinto embananado.

Comunicações como essas, em que a posição esquizo-paranoide

predomina individualmente ou prepondera na dinâmica grupal, torna

difícil o pensar, pois o grupo tenta se fixar na suposição básica de luta e

fuga, de dependência ou qualquer outra forma estereotipada de estar.

No exemplo citado, só uma participante do grupo tentava

argumentar e promover uma reflexão. No caso, a reação a essa

argumentação foi “mas o meu problema é que penso demais!”

Talvez se possa dizer para os participantes do grupo, então, que

estão pensando de menos, e que confundem pensar com reclamar.

Vimos anteriormente os níveis de funcionamento mental em que

o pensamento de grupo, em suas expressões primitivas e evoluídas,

coexistem na situação grupal. São os aspectos transubjetivo-míticos do

pequeno grupo.

Além desse pensamento grupal, os sujeitos ali presentes quando o

grupo está reunido estarão em busca de ajuda, de conhecimento e de

vislumbrar saídas para suas labirínticas confusões.

É importante, então, que façamos um estudo de um tema muito

caro para Bion: o processamento do pensar, que tem fortes componentes

intrassubjetivos e intersubjetivos e posicionamento ímpar na psicanálise

vincular.

Uma das formas de não se usar o pensar é gastar tempo tentando

convencer o interlocutor que nós é que temos a verdade, nós é que temos

razão, evento comum no dia a dia dos casais, das empresas etc.

236

A dinâmica grupal muitas vezes é: cada um tem a verdade, e o outro tem

de aceitá-la como única. Há outras possibilidades de o grupo evitar o pensar:

alguém que insiste em que é perseguido por algum personagem mau,

culpado de tudo – enquanto ele é bom e vítima dele, sem disponibilidade

de ouvir e pensar sobre qualquer intervenção do terapeuta ou dos demais.

Assim, a evasão do pensar é das defesas mais comuns, embora nem

sempre captadas por nós, um tipo de resistência, e como tal corresponde à

repressão, ao recalque de material que não foi elaborado.

Tal como Zimerman (1999), acreditamos que:

(...) a função de pensar não é o mesmo que possuir pensamentos

ou conhecimentos (saber), mas sim que ela resulta de uma

disposição do sujeito para saber o seu não saber; logo, pensar

consiste em ter problemas a solucionar, e não em ter soluções para

os problemas. (p. 18)

6) A Teoria das Funções – Funções alfa () e beta ()

Podem ser encontrados em Fernandes (2003) alguns temas para

dar sequência à reflexão que estamos fazendo. Inspirado na matemática,

Bion (1962/1991) criou as noções de função e fator como variáveis em

relação com outras variáveis psíquicas. O termo função não tem o mesmo

sentido que em matemática, nem faz parte da teoria psicanalítica. “São

instrumentos de trabalho para que o psicanalista praticante possa mais

facilmente pensar sobre o desconhecido” (Bion, 1962/1991, p. 121).

Para ele, fatores são elementos que fazem parte de uma função,

como, para exemplificar, o excesso de identificações projetivas e o excesso

de objetos maus são fatores da não satisfação dos desejos, das pulsões.

A função alfa () e a tela beta ()

Bion propôs uma função da personalidade, à qual

denominou função alfa (), que opera sobre as impressões

sensoriais e experiências emocionais percebidas, transformando-as em

elementos alfa ().

237

Os elementos , já transformados no plano mental em modelos

auditivos, olfativos e, principalmente, em imagens visuais, podem ser

utilizados para pensar, sonhar e simbolizar.

Ao conjunto organizado de elementos , Bion denominou barreira de

contato, que, tal como uma membrana semipermeável, separa e une o

consciente e o inconsciente. Com isso, impede que a fantasia prevaleça e

distorça a realidade. Da mesma forma, impede que a visão realista perturbe

a criatividade e interfira demais no mundo intrassubjetivo, assim como o

ato de sonhar protege o sono. A barreira de contato é a base do vínculo

consigo mesmo e com o outro, dentro da normalidade.

Quando o conjunto não é organizado – tela beta ()

Elementos beta () são as impressões sensoriais e as experiências

emocionais não transformadas, vividas como coisas em si, que serão evacuadas

por identificação projetiva patológica, como no acting-out, por exemplo, e

não servirão para pensar nem sonhar.

Como vimos, a limitação consciente-inconsciente advém da

barreira de contato formada por elementos alfa. Quando não ocorre a

discriminação consciente-inconsciente, quem sabe poderíamos pensar

numa barreira de contato composta de elementos beta? Mas, como falar em

composição, se os elementos beta não são capazes de uma vinculação

organizada?

A esse amontoado de elementos beta, incapazes de vinculação, Bion

chamou tela beta.

Clinicamente, esta tela de proteção dos elementos beta faz lembrar

de estados confusionais ou oníricos.

A comparação da tela de proteção, feita de elementos beta, com

os estados confusionais, semelhantes aos sonhos, permite

conjeturar sobre a finalidade desta tela. Pode muito bem acontecer

que o paciente extravase o seu fluxo de material com a única

finalidade de destruir a potência do analista, ou que prefira

conservar a informação a comunicá-la. A tela beta tem a

238

propriedade de suscitar justamente o tipo de resposta emocional

que um paciente deseja. (Bléandonu, 1990/1993, p. 150)

A tela é característica do mundo psicótico, seja no paciente

psicótico, seja no interior de todo ser humano, como uma parte psicótica

da personalidade de cada um. Mas veremos ainda, dentro da normalidade,

como transcorre o desenvolvimento da função alfa. Nada mais oportuno,

então, do que estudar o conceito de Rêverie.

Rêverie é um conceito bioniano fundamental, sobre o qual podemos

encontrar algum detalhamento em Fernandes (2003). Vejamos um pouco

mais a respeito.

Basicamente, é um estado de sonho da mãe, no qual ela pode captar

intuitivamente o que se passa com o seu bebê. Isso é possível devido à

função – que acolhe as identificações projetivas. É uma função de

continência, acolhimento e processamento.

Pode-se dizer que é a capacidade do analista, e

primeiramente da mãe, de receber e decodificar as

angústias do paciente ou do filho, devolvendo essas

angústias com menor carga destrutiva, já desintoxicadas.

No desenvolvimento normal, o bebê será cuidado e alimentado

pela mãe. Além disso, dependendo da Rêverie da mãe, o bebê será cuidado

emocionalmente, pelo olhar, pelo contato físico, sua voz e serenidade, ou

seja, ocorrerá também a comunicação por via empática entre mãe e bebê,

e entre analista e clientes, o que é essencial para o bom desenvolvimento

do bebê, do analisando e do grupo como um todo.

O termo Rêverie aplica-se a todos os conteúdos. Reservo-o entanto,

apenas àquele repleto de amor e ódio. Nesse sentido estrito, a

rêverie é estado mental aberto a receber quaisquer objetos do objeto

amado, e, portanto, acolher as identificações projetivas do bebê, se

boas ou más. Em suma, a rêverie é fator da função alfa da mãe.

(Bion, 1962/1991, p. 60)

O significado de Rêverie mostra certa analogia com outro conceito,

enunciado anos depois por Kaës (1984), o de ancoragem (etayage), que

podemos encontrar em Grupos e configurações vinculares (Fernandes, 2003).

239

Trata-se de uma forma ampla de apoio entre duas partes, como mãe e

bebê, por exemplo, havendo uma entreabertura entre essas partes,

suficiente para um processo de elaboração, de trocas.

O conceito de ancoragem, baseado em Freud e pós-freudianos, foi

retrabalhado por René Kaës, ampliando a compreensão vincular do

processo de formação do psiquismo, abrindo novas perspectivas,

principalmente no campo grupal.

Os conceitos de função alfa e de Rêverie têm importância também

para nossa própria capacidade de trabalhar. Para o analista interessado na

vincularidade, a Rêverie lhe possibilita dar livre curso às fantasias, devaneios

e emoções, em um estado da mente semelhante ao que Freud chamou

atenção flutuante, porém de forma mais ampliada. O vínculo analista-

pacientes e analista-grupo, tanto quanto o vínculo mãe-bebê, implica uma

ressonância profunda entre as partes.

Dissemos que Rêverie é uma função de continência, acolhimento e

processamento. Bem, podemos dizer também que Rêverie implica

comunicação.

Qual a real possibilidade de nos comunicarmos? Partindo do

princípio de que o emissor de uma mensagem pretende ser entendido pelo

receptor, o que importa é o quanto conseguimos transmitir e o quanto conseguimos

captar.

O tema comunicação é amplo e fundamental em nosso trabalho com

a grupalidade.

Fragmentos de um grupo terapêutico

Luiz, que predominantemente está quieto e com “cara fechada”,

dando a impressão de estar com raiva, conta sobre uma discussão que teve

com sua esposa. Esta se queixava de que ele não colaborava nas tarefas

domésticas.

Diz ele que na ocasião falou mais uma vez sobre seu horário abusivo

de trabalho e que chegava cansado, sendo que ela nem ligava para isso.

Luiz: Não sei por que ela ficou tão agressiva, não quis falar mais

nada, e saiu chorando e batendo portas!

Lúcia: Talvez seja o jeito de olhar e o tom em que você falou!

240

Armando (para Luiz): Você olha com raiva. É raiva da gente, de

alguém em especial?

Luiz: Não! Eu gosto daqui, de vocês e do doutor.

E conta que a mulher sempre diz que ele tem raiva, mas ele não

percebe. Concorda que se exaltou quando discutia com ela em tom áspero.

Foram discutidas outras questões, sendo abordadas formas de

sentar-se nas cadeiras, sobre os mais inquietos, os olhares e tons de voz.

Terapeuta: Vocês puderam confirmar o que imaginavam ou

corrigir impressões erradas que tiveram com relação aos colegas

do grupo, como ocorreu na conversa até agora. É possível que em

casa não façam o mesmo, ao ficarem presos nas “impressões”,

causando problemas e mal-entendidos.

Na mesma sessão:

Joana: Tenho prestado mais atenção em mim, e já consigo

perceber o jeito como falo com meus filhos, sempre aos gritos,

porque não me obedecem...

Maria José: Você diz que grita e que não obedecem. Então não

está adiantando gritar. Precisa experimentar algo diferente e ver se

funciona...

Temas da comunicação verbal e não verbal sempre aparecem nos

grupos. Costumo fazer apontamentos nesse sentido, o que tem permitido

que percebam as distorções existentes na comunicação, para que então

possam pensar nos significados que poderiam estar por trás disso. Quanto

a esse tema, há um importante trabalho de Bion, sobre as transformações que

todos nós fazemos. Vamos examinar a questão.

7) Teoria das Transformações

No texto de David Epelbaum Zimerman Etimologia de termos

psicanalíticos, encontramos:

Transformações – a etimologia dessa expressão procede do étimo

latino trans (= através do espaço e do tempo) + formações (=

novas formas). Na psicanálise, esse termo foi introduzido por

Bion, com o propósito de valorizar a importância continuada, no

processo analítico, de que haja uma sucessão de mudanças,

transformações grandes ou pequenas, na pessoa do paciente, mas

241

também na do analista, no vínculo entre ambos e também na

marcha do processo analítico. Bion estudou e descreveu uma série

de transformações distintas umas das outras. (Zimerman, 2012, p.

237)

Em Fernandes (2003) há diversas reflexões sobre o tema, que

procurarei sintetizar de acordo com o que me parece mais importante para

as finalidades deste livro.

Podemos dizer que transformar é formar para além de – mudar. O

conceito de transformações é prioritariamente clínico e auxilia a

compreender a evolução da experiência emocional do vínculo entre

analisandos e analista, entre as partes de cada um consigo mesmo e com o

grupo como um todo.

Esse texto de Bion (1965/1983) trouxe contribuição importante

para outros ramos das ciências, assim como para a psicanálise.

A elaboração onírica é o processo de transformação do conteúdo

latente de ideias em imagens visuais manifestas. Da mesma forma, o

processo transferencial é o resultado da transformação de matrizes

vinculares19 e de situações infantis reprimidas, em uma nova edição, já com

algumas diferenças, que vão ocorrer no vínculo com o analista ou demais

participantes do dispositivo vincular.

As importantes transformações que ocorrem no vínculo analítico,

seja na situação bi-pessoal, seja na grupal, podem provocar modificações

na configuração das capacidades afetivas e intelectivas dos participantes.

Na prática psicanalítica vincular ocorre o seguinte:

As associações dos pacientes, já formuladas em palavras, são o

produto de transformações de pensamentos e emoções, que se

referem a fatos passados ou presentes, externos ou internos, dos

quais também são transformações.

A interpretação psicanalítica é uma transformação verbal dos

pensamentos do analista, “e estes são parte de um processo de

transformação de uma experiência emocional em contato com o

paciente” (Grinberg et al., 1972/1973, p. 92).

19 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

242

Na transformação há um fato ou estado original desconhecido

(letra Ó), um processo de transformação e um produto, já transformado.

É importante sabermos em que meio foi realizada a

transformação: na mente, no corpo ou no mundo exterior. Além disso, a

técnica empregada – que Bion denominou grupos de transformações,

como as teorias psicanalíticas – influirá no processo, assim como o vértice

(ponto de vista) do observador.

Um mesmo fato, ao ser comunicado, pode ser transformado

diferentemente em momentos diversos, dependendo dos estados da mente20

de quem emite e de quem recebe a comunicação.

No que se refere ao esquema do processo comunicativo, já

utilizado anteriormente, temos:

Emissor (mensagem) receptor.

Devemos ressaltar que um mesmo produto, como, por exemplo,

uma palavra que chega ao receptor, poderá ser uma representação errônea

ou algo mais primitivo do que uma representação, mera evacuação

psicótica, por vezes, impossível de ser decifrada.

Há uma parcela que fica inalterada no processo de transformação:

o invariante. É o invariante que nos permite reconhecer algum aspecto do

fato original no produto já transformado.

A invariância pode ter grau de alteração maior ou menor,

dificultando a compreensão, quando a alteração for muito grande. Bion

classificou as transformações no plano mental em três tipos, de acordo

com esse grau de invariância: transformações de movimento rígido, projetivas e em

alucinose.

Transformações de movimento rígido: a invariância é pequena.

Podemos reconhecer o fato original com alguma facilidade.

Haverá pequenas deformações, devidas à repressão ou

mecanismos de defesa neuróticos do emissor e do receptor. Ainda

assim, os códigos utilizados podem não ser tão simples, como nos

sonhos ou em certos relatos de sessões. Necessitaremos de alguma

técnica, como a psicanalítica, por exemplo, para interpretar o

20 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais, item Posições.

243

sentido latente, contido na mensagem manifesta. Um exemplo de

transformações de movimento rígido acontece com as

transformações em pensamento, isto é, os pensamentos que já são

representados por palavras poderão ser verbalizados.

Transformações projetivas: as invariâncias são mais amplas, havendo

maior grau de deformação. Nesse caso, o conteúdo é mais

complexo, devido às identificações projetivas, e o que é dito

advém da parte psicótica da personalidade. Necessitaremos de

teorias mais elaboradas, como as kleinianas, para poder levantar

hipóteses sobre o que está sendo comunicado.

Transformações em alucinose: as invariâncias são mais amplas ainda,

com maiores deformações. O produto transformado poderá ser

até mesmo uma alucinação. Para Bion, é na área psicótica da

personalidade que ocorrem tais transformações, seja em pessoas

consideradas normais ou não.

Retomando a questão colocada anteriormente (qual a real

possibilidade de nos comunicarmos?), veremos um pouco sobre as

vicissitudes do processo comunicativo na vida e no grupo.

Há muitas formas de comunicação em que ocorre transformação

no processo comunicativo, como na elaboração onírica e nos sintomas

estudados em medicina psicossomática. Da mesma forma, a interpretação,

assim como todas as outras intervenções do terapeuta, são produto da

transformação verbal de suas ideias e sentimentos que, por sua vez, são

produtos de transformação da experiência emocional de cada participante

do grupo, e, de certo modo, do pensamento grupal estabelecido a cada

momento.

Podemos observar que, no processo comunicativo grupal, tanto

emissor como receptor fazem transformações o tempo todo. Desse modo,

comunicação completa e verdadeira é impossível.

Winnicott dizia que no centro de cada um de nós há sempre algo

não comunicável e digno de preservação. Por isso, embora as

pessoas normais se comuniquem e gostem de se comunicar, tendo

em vista esse núcleo não comunicável, também “(...) é igualmente

verdadeiro, que cada indivíduo é isolado, permanentemente sem

244

se comunicar, permanecendo desconhecido, e na realidade, nunca

encontrado” (Winnicott, 1963/1966, p. 192).

A realidade incognoscível – Nos três casos de transformações

classificados, o fato original Ó não pode ser alcançado inteiramente, pois

seria a realidade última, a coisa em si, a verdade absoluta, que não é passível

de ser conhecida. Assim, esse Ó, incognoscível, significa todo o desconhecido,

presente na realidade psíquica dos pacientes e dos analistas.

Há um quarto tipo de transformação – as transformações em Ó –

referentes a ser o que se é. Nesse caso, Bion está se referindo a um passo

além de saber acerca da personalidade do paciente, conhecimento esse que

não pode ser alcançado de fato – incognoscível, um vir a ser.

Vir a ser equivale ao indivíduo ser ele mesmo – ser o que ele é – o que

despertará forte resistência, porque nesse caminho se aproximará das

fantasias inconscientes mais primitivas, o que envolve sofrimento e

responsabilidade, inerentes ao amadurecimento mental e às mudanças

envolvidas.

8) Teoria dos Modelos

Embora talvez nunca tenhamos pensado nisso, sabemos que um

conjunto de dados pode parecer apenas um agrupamento heterogêneo até

o momento em que alguma imagem lhe dê sentido.

Para Bion, o modelo é uma espécie de abstração de uma

experiência emocional, que poderá ser mais bem captada se essa abstração,

provisoriamente, for vista de um modo concreto, como que materializada.

Bion, entretanto, discrimina o modelo de abstração:

(...) o termo modelo refere-se à estrutura de imagens concretas

combinando-se entre si. O vínculo entre elas dá frequentemente a

ideia de narrativa, implicando alguns elementos causarem outros.

Ele se constrói com elementos do passado individual, enquanto a

abstração impregna-se, digamos, de preconcepções do futuro do

indivíduo. (Bion, 1962/1991, p. 95)

Os modelos facilitam a investigação psicanalítica, permitindo o uso

de imagens concretas, apesar das abstrações teóricas que se faça, assim

como melhor integração teórico-clínica. Como os modelos são mais

245

flexíveis do que as teorias, seu uso pode ser efêmero, durando apenas

enquanto se mostrarem úteis para pensar a situação.

O vínculo entre analista e analisandos é uma forma de modelar as

abstrações existentes e facilitar a comunicação. O sucesso do trabalho

dependerá, em grande parte, de ambos os extremos do vínculo utilizarem

bem seus modelos.

Será importante para nós, que trabalhamos com dispositivos

vinculares, estarmos atentos não só aos nossos modelos, mas também aos

modelos utilizados pelas famílias e grupos com quem estivermos em

interação. O modelo deve estar um passo antes de nossas intervenções,

permitindo a necessária transformação que desembocará numa

intervenção geral ou numa interpretação.

Os modelos podem ser biológicos: Digestivos (engolir mal

determinado acontecimento, sentimento amargo, ficar atravessado na

garganta, digerir a ideia, o assunto me causou náusea etc.);

Respiratórios/olfativos (isso me cheira mal, essa ideia me sufoca); e muitos

outros.

Outro modelo: personalidade não cresce como se fosse distensível,

mas sim em camadas, como uma cebola. Nesse modelo bioniano,

podemos entender situações nos grupos nas quais os participantes passam

de um estado da mente a outro, conseguindo, por vezes, atravessar uma

camada que separa estados da mente ou tirar proveito de situações difíceis,

como indica o adágio “transformar um limão em limonada”.

Temos também modelos de identificação projetiva no

relacionamento mãe-bebê que podem ocorrer com sucesso ou não. Bion

dá como modelo de identificação projetiva fracassada, quando a mãe não

contém a angústia do bebê. Já no caso de boa continência, ocorre um

modelo de identificação projetiva com êxito.

Outra expressão utilizada por Bion é vértice, com significado de

ponto de vista, porém, dando um sentido mais amplo do que apenas

sensório.

Vértices e modelos podem ser vistos como conceitos de uso

sempre relativo, e com implicações relacionadas ao momento histórico;

passado e futuro sempre aparecem nas sessões, em quaisquer

configurações vinculares.

246

Participantes do grupo, no início do processo analítico, muitas

vezes respondem enfaticamente a algum apontamento, dizendo: isso eu já

falei! (parece, então, que nunca mais poderá ser repetido...). O fato é que

os modelos, por si mesmos, geram novas abstrações, que podem ser mais

bem elaboradas a partir de outros modelos, num processo ininterrupto.

Bion considera como um modelo de pensamento a sensação de

fome, que se associa à imagem visual de um seio que não satisfaz, embora

necessitado, e, portanto, mau. “Os pensamentos então, ou estes elementos

primitivos, que são os protopensamentos, são maus (...), um desafio ao

pensar (...)” (Bion, 1962/1991, p. 117).

Outro modelo usado por Bion é o da turbulência emocional, que

deve ser provocada pelo analista, para não permitir a estagnação do

processo investigativo. No dispositivo grupo, quando os comportamentos

estereotipados predominam – assim como os papéis fixos, e tudo se

encaminha para manter o establishment – muitas vezes uma intervenção

mais contundente, um questionamento individual ou a transmissão de

sensações contratransferenciais pode provocar a turbulência emocional

necessária para a evolução do processo grupal.

Antes de estudarmos o modelo continente-conteúdo, examinemos

melhor a questão do pensar e de seus mecanismos.

8.1) O modelo continente-conteúdo: a relação dinâmica entre as posições kleinianas e o

pensar

Com a expressão pensar, vimos que Bion considerava um pensar

que dava origem aos pensamentos e um processo de pensar os

pensamentos, epistemologicamente preexistentes. Nesse segundo caso,

propôs uma espécie de Aparelho para pensar os pensamentos, cujo

funcionamento depende de dois mecanismos; um deles envolve o conceito

de posições, de Melanie Klein, e o outro envolve o modelo continente-conteúdo,

de Bion.

Mecanismo I: a coexistência das posições kleinianas e sua importância – perspectiva

reversível e fato selecionado

247

Tudo o que vimos sobre Melanie Klein, até o momento, dependerá

das experiências boas terem predominado sobre as más nos primeiros

tempos de vida do bebê, e nada tem a ver com patologia.

Numa visão apenas kleiniana, poderíamos dizer que o

desenvolvimento ocorre no sentido: PEP PD, mas Bion aprofundou o

conceito, dizendo que na psique coexistem as posições esquizo-paranoide e

depressiva, em uma perspectiva reversível. Para Bion, há uma oscilação constante

entre as duas posições, que variam da desintegração à integração, da

desordem à ordem, dinâmica que pode ser simbolizada por: PEP

PD.

Esse é o primeiro dos mecanismos importantes no funcionamento

do Aparelho para pensar os pensamentos. Tal relação simboliza também a

descoberta do fato selecionado, um importante conceito, inspirado no

matemático Poincaré, sobre a relação entre fatos.

Poincaré mostrou que o fato selecionado pode ser uma ideia ou

emoção que coloca ordem na desordem e dá coerência ao que está

disperso. É um sentimento de descobrimento.

O fato selecionado foi considerado por Bion uma importante

conquista do psicanalista em seu trabalho, isto é, conseguir chegar a um

fato que possa integrar o que está disperso, dando coerência ao material

até então caótico.

Como vimos no estudo da teoria das transformações, espera-se

que o analista, observando os fatos com seus analisandos, possa fazer as

devidas transformações e chegar ao fato selecionado.

O fato selecionado possibilita o pensamento verbal do

analista, seguindo-se daí a transformação em interpretação,

processo que Bion denominou evolução – o que quer dizer

que há uma mudança na mente do analista de um estado de

paciência (correspondente à posição esquizo-paranoide)

para um estado de segurança (correspondente à posição

depressiva).

O nome paciência está relacionado com tolerância às frustrações.

Tal passagem de paciência para segurança, aliada à descoberta do fato

248

selecionado, possibilita ao analista uma ação eficaz, produto desses dois

fatores.

Considero a experiência de oscilação entre paciência e segurança a

indicação de que um trabalho valioso está sendo realizado. (Bion,

1970/1973, p. 137). No grupo, mais ainda, devido à complexidade das

comunicações multipessoais, é necessário se aguardar por algum

acontecimento, palavra, ato falho etc., que nos ajude a perceber o vínculo

entre as diversas comunicações, aquilo que dará nexo ao que estava

caótico.

Quando Bion diz que todo pensamento é verdadeiro até que seja

formulado por um pensador, temos de diferenciar falsidade de mentira, já

que sabemos que a verdade é essencial para o crescimento mental, o que,

aliás, Freud já afirmara em diversos momentos.

A capacidade humana para tolerar verdades a respeito de si mesmo

é pequena, pois as verdades são, de modo geral, dolorosas. Na mentira há

uma deliberada intenção, consciente ou pré-consciente, de distorcer a

verdade. Pode ter dimensão mais ampla e existencial, isto é, o sujeito pode

tornar-se uma mentira. Já na falsidade a distorção é inconsciente.

Bion ora concebeu a mentira como uma patologia, ora como uma

forma de criatividade, pois conferia aos mentirosos o papel de uma

contracultura, já que os mentirosos, de todas as épocas, puderam manter

“(...) uma ilusão que protegeu os contemporâneos de se confrontarem

com verdades científicas ou religiosas que eles não estavam preparados

para as encarar. Por isso, dizia jocosamente Bion, a humanidade deveria

reverenciar o túmulo do mentiroso desconhecido” (Zimerman, 1995, p.

161).

Zimerman (2012) relata que Bion mostrou, em diversos

momentos, a importância da verdade no vínculo com os pacientes, isto é

“a verdade sem amor é crueldade e o amor sem verdade não é mais do que

paixão” (p. 241). Entretanto, não nos esqueçamos de que se, por um lado,

a busca da verdade está no cerne do processo analítico, por outro lado, as

resistências também existem e devem ser respeitadas.

Dentro dessa linha de raciocínio, no trabalho psicanalítico com

grupos, famílias e instituições é necessário lidar sutilmente com o medo da

249

verdade, já que o medo de conhecê-la pode ser tão poderoso que faça mal

e cause sofrimento demais.

Mecanismo II: o modelo continente-conteúdo

O segundo mecanismo fundamental no funcionamento do

Aparelho para pensar os pensamentos é a relação dinâmica entre algo que

contém e algo que é contido, o modelo continente-conteúdo, simbolizado

por ♂♀. É um símbolo empregado para caracterizar a identificação

projetiva.

A partir da teoria kleiniana da identificação projetiva, em que o

bebê projeta parcialmente sua psique no seio bom e introjeta novamente

esse material modificado, Bion criou essa abstração teórica: o modelo

continente-conteúdo. Nesse modelo, ambas as partes se conjugam e

influenciam, podendo ou não proporcionar crescimento mútuo.

No Vínculo K, impregnado de amor e ódio, há uma projeção do

conteúdo dentro do continente. No caso da mãe com Rêverie, esta

“empresta” a função alfa ao bebê, que se beneficia e tem crescimento

mental.

“Os signos ♂♀, desenvolvendo-se, fornecem base do aparelho

para aprender com a experiência” (Bion, 1962/1991, p. 127). No processo

de integração e de pensar os pensamentos, os sistemas ♂♀ e PEP

PD operam em conjunto, ambos com essencial importância.

O pensar envolve um tipo de visão binocular, isto é, uma visão que

integra diferentes perspectivas como a imagem total, formada pelos dois

olhos.

Os problemas de comunicação e de percepção podem ser

entendidos prioritariamente em termos de mecanismos inconscientes, mas

Bion também se interessou pela percepção consciente, principalmente

pelos diferentes vértices de observação que se podem utilizar,

principalmente o modelo visual.

Bion ilustrou sua conceituação de vértice psicanalítico por meio

do fato, conhecido da psicologia da Gestalt, de que em um mesmo desenho

pode-se perceber um aspecto que se realça, mas, observando melhor,

percebe-se mais alguma coisa, como no desenho de um vaso que também

mostra perfis de rostos humanos. Na psicologia da Gestalt, o conceito de

250

percepção figura-fundo refere-se à tendência a facilitar a percepção do que salta

aos olhos numa cena, permanecendo o resto como fundo.

No caso da psicanálise vincular, é importante que os vértices

mútuos entre analista e analisandos mantenham uma distância adequada,

isto é, que não sejam tão distantes que impeçam a correlação entre os

vértices, mas tampouco próximos demais que impeçam a diferenciação,

podendo acarretar alguma estagnação na investigação do objeto

psicanalítico.

É somente através de uma distância adequada que será propiciada

a possibilidade de ambos fazerem correlações e confrontações

entre os recíprocos vértices, assim atingindo ao que Bion chama

de visão binocular (...) Da mesma forma, a conceituação de vértice

permite uma melhor compreensão do maior mal da humanidade,

que é o problema dos mal-entendidos, assim como também o

problema do vértice adotado por cada um, que adquire uma

importância fundamental na Comunicação do par analítico.

(Zimerman, 1995, p. 178 e 179)

Na perspectiva reversível, que é binocular, a parte não psicótica da

personalidade pode fazer flutuar figura e fundo, dando mais possibilidades

de crescimento mental e de contato com o todo. Isso mostra a necessidade

de o terapeuta, seja no grupo, seja na situação bipessoal, utilizar de técnicas

que favoreçam diferentes visões das partes e do todo, do direito e do

avesso das situações.

Já no predomínio da parte psicótica da personalidade ocorre o

oposto – a reversão da perspectiva, que torna imutável uma situação dinâmica,

impedindo o desenvolvimento psíquico, desvitalizando o trabalho

psicanalítico e distorcendo a comunicação. Dessa forma, “(...) o analisando

vê a interpretação em função de sua hipótese e rejeita sorrateiramente a do

analista” (Bléandonu, 1990/1993, p. 171).

O tema nos faz lembrar das vicissitudes da comunicação entre os

participantes do dispositivo vincular e o analista em suas intervenções

(Fernandes, 2003). Concluímos que os assuntos focalizados por ambas as

partes e os vértices deveriam ser os mesmos para um aproveitamento

analítico. Melhor dizendo, o progresso analítico só é possível se houver

uma sintonia entre os vértices dos pacientes e do analista: “(...) [já] na

251

reversão da perspectiva, há um mal-entendido da comunicação entre

analista e paciente, e entre as partes psicótica e neurótica dentro de um

mesmo analisando” (Zimerman, 1995, p. 191).

A reversão da perspectiva está impregnada de narcisismo. Pode

ocorrer, em alguns casos, verdadeiro impasse analítico, principalmente se

as reversões forem muito exageradas. Nesses casos há uma estagnação no

processo. É em situações assim que o terapeuta necessita provocar uma

turbulência emocional.

Os mecanismos PEP PD e ♂♀ intervêm nas sucessivas

experiências emocionais que estruturam a função psicanalítica da personalidade,

a qual permite conhecer o desenvolvimento dessa função em nossos

clientes.

9) Barreira de contato e sua deterioração

Em Etimologia de termos psicanalíticos, David Epelbaum Zimerman

(2012) enfatiza que os elementos alfa da mãe ou educadora podem

transformar as sensações e sentimentos dolorosos do bebê, sob a condição

de ela ter uma boa função alfa.

Para Zimerman, tal capacidade da mãe possibilitará que os

elementos beta do bebê se transformem em elementos alfa, processo que

recebeu de um discípulo de Bion, James Grotstein, a denominação de alfa-

betização, “à qual sugiro acrescentar a palavra emocional, porque essa

passagem é fundamental na formação das capacidades do ego da criança e

de seu desenvolvimento psicomotor” (Zimerman, 2012, p. 53).

Portanto, a partir da Rêverie da mãe, esta realiza verdadeira alfa-

betização emocional ao propiciar a transformação de elementos em – que

possibilitarão o crescimento da capacidade para pensar os pensamentos

do ser em desenvolvimento.

Quando o desenvolvimento não vai tão bem, a barreira de contato

pode se deteriorar. “Uma reversão na direção da função alfa acarreta uma

dispersão da barreira de contato. Os elementos alfa que a constituem

encontram-se despojados daquilo que os distingue dos elementos beta

(...)” (Bléandonu, 1990/1993, p. 150-151).

Se a barreira de contato chegar a se deteriorar, devido a tal

inversão, os elementos ficarão privados de suas características,

252

convertendo-se em elementos , com novas e complexas características,

como veremos logo adiante.

Assim, os pacientes com graves problemas de aprendizagem não

conseguem pensar os pensamentos porque a função não se desenvolveu

bem ou porque se deteriorou, prevalecendo então a tela beta, com as

consequentes transformações em alucinose. Já as transformações de

movimento rígido21, que ocorrem na barreira de contato, permitem o

aprender com a experiência.

Vimos que, no desenvolvimento normal da posição esquizo-

paranoide há uma divisão entre os objetos bons e os maus, e entre o Ego

que ama e o Ego que odeia, divisão em que as experiências boas

predominam sobre as más, o que é considerada precondição para a

integração nos estádios posteriores do desenvolvimento.

Entretanto, todos esses processos são perturbados quando, por

razões internas, externas, ou por uma combinação de ambas, a experiência

má predomina sobre a boa. Nesse caso, a identificação projetiva é usada de

modo diferente de como é usada no desenvolvimento normal.

10) Psicopatologia da Posição Esquizo-paranoide – Personalidade psicótica

A psicopatologia da PEP é um processo violento, que ocorre

quando a ansiedade e os impulsos hostis são muito intensos. A descrição

das características da identificação projetiva patológica, de Bion, é mostrada de

forma clara por Hanna Segal (1964/1973). Tentarei expor sinteticamente

como tais características foram assimiladas por mim, esperando não estar

cometendo excessivas transformações.

É importante ressaltar que, para Bion, se o complexo invejoso-

destrutivo for acentuado, a percepção do objeto ideal será tão penosa

quanto a percepção do objeto mau, pois o objeto ideal provoca agudos e

insuportáveis sentimentos de inveja. Dessa forma, as identificações

projetivas patológicas podem ser dirigidas tanto ao objeto ideal como ao

objeto perseguidor.

A parte projetada é estilhaçada e desintegrada em fragmentos

muito pequenos, e esses fragmentos são projetados no objeto,

21 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares, tópico Teoria das Transformações.

253

desintegrando-o, por sua vez, também em partes diminutas. Aos

elementos beta convertidos na deterioração da barreira de contato e

estilhaçados, se juntam vestígios do Ego e do Superego, configurando os

objetos bizarros que precisam ser evacuados ou projetados.

O objetivo dessa violenta identificação projetiva é duplo:

1) No desenvolvimento patológico, a experiência da realidade é

sentida primariamente como perseguição; por isso, há violento

ódio a qualquer experiência da realidade, externa ou interna. Como

tentativa de se desfazer de toda percepção, o aparelho da

percepção é atacado e destruído.

2) O objeto responsável pela percepção é igualmente odiado, e a

projeção visa também a destruí-lo.

Se as percepções do objeto ideal e do objeto mau são tão

dolorosas, na patologia da PEP as identificações projetivas podem ser

dirigidas tanto ao objeto ideal como ao objeto perseguidor.

Consequentemente, não há “divisão limpa” entre objeto ou

objetos ideais e objeto ou objetos maus, mas o objeto, em fantasia, é

percebido de forma fracionada, em pedaços minúsculos, cada um contendo

pequena parte hostil do Ego, que está algo desintegrado, aos quais se

juntam restos do Superego e do objeto. Tais pedaços foram descritos por

Bion como “objetos bizarros”.

10.1) Personalidade psicótica

Bion desenvolveu um conceito básico para a compreensão de

estados da mente em que o sujeito se mostra seriamente perturbado – a

personalidade psicótica. Fernandes (2003) lembra que Freud, já em 1900,

em sua obra sobre os sonhos, havia se referido à consciência como uma espécie

de órgão sensorial para a percepção das qualidades psíquicas. No mesmo texto,

vemos que Bion considerou que a referida consciência já existe – de forma

rudimentar – desde o início da vida, e todo o contato com a realidade externa

e interna dependerá da prevalência no sujeito de sua tendência a ter consciência

sobre a de não a ter.

Essa instância foi denominada parte não psicótica da personalidade, que

convive em permanente confronto com um funcionamento de evasão, de

intolerância ao contato consigo mesmo e com o outro – instância a que chamou

254

personalidade psicótica, ou “parte psicótica da personalidade”, como

denominaram Grinberg et al. (1972/1973), facilitando a compreensão do

conceito.

Dizemos, então, que personalidade psicótica ou parte psicótica da

personalidade é um estado da mente cujo funcionamento ocorre dentro

de características manifestadas na linguagem, na conduta e nos efeitos

sobre o observador. A existência dessa instância, que é um nível psicótico

de funcionamento mental, pressupõe uma disposição inata, com

predominância de alto grau de destrutividade e inveja. Quanto ao vínculo

mãe-bebê, pode carecer da Rêverie, capaz de conter e transformar o

violento conteúdo emocional do bebê em algo menos indigesto.

De certo modo, ninguém escapa de ter tido dificuldades em seu

desenvolvimento, em maior ou menor grau. Por isso, todos nós

apresentamos as duas instâncias, com a coexistência dos seus

funcionamentos característicos, ora com o predomínio de um, ora de

outro, desses estados da mente.

As principais características da personalidade psicótica ou parte

psicótica da personalidade são:

1. intolerância à frustração;

2. predominância dos impulsos destrutivos, manifestados com

ódio à realidade interna e externa e a todas as suas vinculações

(órgãos dos sentidos, percepção, juízo, pensamento etc.); e

3. medo de aniquilamento iminente, devido ao mecanismo de

identificação projetiva patológica, com muita inveja e voracidade.

As tentativas do Ego para se desfazer do sofrimento de tão

dolorosa percepção conduzem a um aumento de percepções penosas, seja

devido à mutilação do aparelho perceptual, seja pela natureza persecutória

dos “objetos bizarros”.

A vivência da realidade é cada vez mais persecutória. “Essa parte

da realidade que é afetada pelo processo é experimentada pelo bebê doente

como estando cheia de ‘objetos bizarros’ carregados de enorme

hostilidade, ameaçando um ego esvaziado e mutilado” (Segal, 1964/1973,

p. 68).

255

Fica estabelecido, então, um círculo vicioso, onde o sofrimento

produzido pela realidade leva à identificação projetiva patológica,

tornando a vivência da realidade cada vez mais persecutória.

No trabalho com psicóticos, quem já coordenou grupos em

comunidades terapêuticas, por exemplo, sabe que, por vezes é num

movimento muscular quase imperceptível que o psicótico se desembaraça

desses objetos bizarros hostis, de sentimentos de inveja e ódio – e isso

pode ocorrer por meio de uma alucinação, segundo Bion, numa tentativa

criativa de cura semelhante ao ato de sonhar.

10.2) Ataque aos vínculos

Na personalidade psicótica ou parte psicótica da

personalidade ocorre um ataque permanente aos vínculos

com o analista, ao vínculo entre os pais, ao pensar-sentir,

aos vínculos entre os diversos aspectos intrassubjetivos, à

realidade externa e à capacidade de percepção da realidade

em geral.

Basicamente, o que é atacado é nossa capacidade intuitiva, a

possibilidade de compreender os pacientes, sua linguagem e seu espaço

intrassubjetivo. Muitas vezes, o vínculo com o analista e o progresso em

qualquer direção é tão atacado, mesmo que veladamente, que o trabalho

pode se tornar inviável.

Quando um paciente muito comprometido, com predominância

da personalidade psicótica, se encontra em um grupo heterogêneo, com

participantes menos comprometidos, pode causar atraso no

desenvolvimento do processo grupal, mal-estar nos demais participantes

e grande desconforto contratransferencial.

Descobri a duras penas, há muitos anos, porque determinado

grupo não evoluía, e os pacientes entravam e, rapidamente, abandonavam

o trabalho grupal. Tanto nesse caso, como no de outros profissionais em

situação semelhante, o grau de patologia causava distúrbio tamanho, que

o abandono parecia ser a solução. Na ocasião, tentei mais de uma vez pôr

em discussão o que poderia estar acontecendo no grupo, mas, como esse

256

grupo não estava suficientemente forte em seus vínculos, nem muito

evoluído como configuração grupal, optei por remover o participante

causador do incômodo, convidando-o para um trabalho individual.

Com a predominância da parte psicótica da personalidade, as

relações que permanecem possuem apenas certa lógica (Fernandes, 2003).

Emocionalmente não parecem razoáveis, tendo caráter perverso e estéril,

associado à arrogância, estupidez e curiosidade.

No que se refere a esta última, embora Bion valorize a curiosidade

no estudo do Conhecimento, aqui ele se refere ao seu aspecto mais

estéril e invasivo.

Denomina arrogância ao orgulho extremamente exagerado,

impregnado de instinto de morte, que ocorre na personalidade

psicótica; já na personalidade não psicótica o orgulho se relaciona

com a autoestima e com o Vínculo R (do Reconhecimento),

conforme visto nas contribuições à psicanálise vincular, de Bion e

de Zimerman, neste livro.

Quanto à estupidez, é provocada pelo desconhecimento, e trata-

se de uma espécie de emburrecimento, a serviço da negação.

Quando o domínio da configuração mental da personalidade

psicótica ocorre na maior parte do tempo, podemos ter o funcionamento

patológico do psicótico, propriamente dito.

O psicótico tenta pensar utilizando os objetos bizarros, o que o

leva a confundir objetos reais com pensamentos muito primitivos.

Comprime e aglomera pensamentos confusos, tendo dificuldade de fazer

sínteses, de articular e integrar.

Bion diz que o paciente psicótico se move não em um mundo de

sonhos, mas em um mundo de objetos bizarros, que não servem para

pensar, pois “a personalidade psicótica carece dos meios essenciais para o

desenvolvimento do pensamento verbal” (Grinberg et al., 1972/1973, p.

59).

O paciente psicótico necessita da ilusão de ser superior, pois tal

superioridade é idealizada, ficando a onipotência e arrogância como a

origem de todo poder. Ataca então o Vínculo K – do conhecimento, que

traria reação desagradável e dolorosa. Utilizando –K, troca o enfoque

257

científico pelo enfoque moral, já sem poder discriminar entre verdadeiro

e falso.

10.3) “Super”-ego

Esse é um conceito de Bion, apresentado em 1962, em O aprender

com a experiência. É uma espécie de objeto concreto sem exterior, assim

como um tubo digestivo sem corpo, ou mesmo um Superego primitivo,

sem as características do Superego freudiano. Consiste em uma compulsão

invejosa, onde falta o poder de abstração e que, praticamente, ignora os

relacionamentos, acreditando ter uma superioridade moral “(...) que

apenas é a incapacidade de representar mentalmente; o objeto (...),

faltando-lhe as respectivas representações mentais (verdade, realidade) (...)

descamba em soberana aparência de superioridade moral (...)” (Bion,

1962/1991, p. 133).

Na predominância mais duradoura da parte psicótica da

personalidade, ou seja, no psicótico, organiza-se o “Super”-ego bioniano,

que se opõe ao processo de aprendizagem, ao crescimento com a

experiência, ao desenvolvimento científico etc., sendo regido por uma

moral própria. Tal moral é uma afirmação da superioridade destrutiva e a

determinação de possuir, para evitar que o possuído tenha existência

própria, tudo com a permanência de culpa persecutória extrema (Grinberg

et al., 1972/1973).

Zimerman chama a essa instância de “Super”-Superego ou

supraego, que está acima do bem e do mal.

Na vigência desse “Super”-ego, o espaço intrassubjetivo

permanece com autossuficiência narcisista, ingrediente extremamente

difícil de ser trabalhado no vínculo transferência-contratransferência.

Mexe com nosso narcisismo a perturbadora ponderação de Bion, ao

mostrar que tanto os indivíduos psicóticos, como os chamados neuróticos,

ou mesmo os que se pretendem muito saudáveis do ponto de vista

psíquico (nós?) têm partes psicóticas em sua personalidade. Por outro

lado, para quem se considera doente mental ou tem receio de enlouquecer,

pode ser tranquilizador perceber no grupo que, tal como Caetano Veloso

colocou na música Vaca Profana, “de perto ninguém é normal”.

Acrescento: tampouco alguém é 100% anormal, pois a parte não psicótica

258

da personalidade, o instinto de vida e o Vínculo L, do amor, nos

equilibram.

Referências

Bion, W. R. (1973). Atenção e interpretação. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho

original publicado em 1970)

Bion, W. R. (1983). Transformações. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho

original publicado em 1965)

Bion, W. R. (1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1962)

Bion, W. R. (1992). Conversando com Bion (4ª Conferência de Nova Iorque). Rio

de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1977)

Bléandonu, G. (1993). Bion, 1897–1979: A vida e a obra. Rio de Janeiro:

Imago. (Trabalho original publicado em 1990)

Bleger, J. (1979). Temas de psicologia: Entrevistas e grupos. São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1961)

Fernandes, W. J. (2003). Bion: O conhecimento e a vincularidade –

vínculos K, L, H, R. Os níveis de funcionamento grupal: O pensar e

os pensamentos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S.

Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 129-144). Porto

Alegre: Artmed.

Freud, S. (1969). Novas conferências introdutórias sobre a psicanálise: a

dissecção da personalidade psíquica. Em: Edição Standard Brasileira,

vol.XXII (pp. 75-102). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original

publicado em 1936)

Freud, S. (1996). A interpretação dos sonhos. Em: Edição Standard

Brasileira, vol. IV (p. 33). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original

publicado em 1900)

Gerber, I., & Figueiredo, L. C. (2018). Por que Bion? São Paulo: Zagodoni.

Grinberg, L., Sor, D., & Bianchedi, E. T. (1972/1973). Introdução às ideias

de Bion. Rio de Janeiro: Imago.

Kaës, R. (1984). Etayage et estructuration du psychisme. Connexions, 44,

11-48.

259

Klein, M. (1991). O desenvolvimento de uma criança. Em: Obras completas

de Melanie Klein, vol. I (pp. 22-75). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho

original publicado em 1921)

Pichon-Rivière, E. (1982). Teoria do vínculo. São Paulo: Livraria Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

Segal, H. (1973). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1964)

Zimerman, D. E. (1995) Bion: Da teoria à prática – uma leitura didática. Porto

Alegre: Artes Médicas.

Zimerman, D. E. (2012). Etimologia de termos psicanalíticos. Porto Alegre:

Artes Médicas.

Winnicott, D. (1966). Explorações psicanalíticas de D. W. Winnicott. Porto

Alegre: Artmed. (Trabalho original publicado em 1963)

261

13 Winnicott: estimulador da criatividade – o

grupo

como fenômeno transicional Betty Svartman

O propósito deste capítulo é dar a conhecer o dom criativo de

Winnicott, bem como o valor que o autor dá à criatividade e ao brincar.

Também traz um aprofundamento a respeito de temas como preocupação

materna primária, mãe suficientemente boa, holding, objetos e fenômenos transicionais.

Inclui um exemplo clínico de um grupo como fenômeno transicional e o

holding oferecido pela grupanalista.

Alguns comentários sobre Winnicott

Winnicott sempre evitou formar um grupo de seguidores. Suas

ideias foram, no entanto, formando um corpo teórico consistentemente

integrado. Este contém algumas posições antagônicas à psicanálise então

consagrada na Europa, onde as personalidades mais importantes eram

Freud e Melanie Klein.

É um psicanalista pós-freudiano que transita livremente entre

autores freudianos, kleinianos, kohutianos, lacanianos etc.

Foram 40 anos de vida produtiva dedicados à psicanálise.

Não queria sua teoria transformada numa doutrina. Queria, sim,

que suas ideias fossem conhecidas, mas valorizava a liberdade de

pensamento. Esperava que aqueles que utilizavam suas ideias, sempre

muito originais, brincassem com elas: as utilizassem de forma também

criativa.

Seus conceitos são complexos, embora às vezes apresentados de

maneira simples. Sua obra consiste numa coleção de livros, sem uma

organização que facilite o seu estudo. Entre eles podemos citar: O ambiente

262

e os processos de maturação, O brincar e a realidade, A criança e seu mundo, O gesto

espontâneo, Textos selecionados: da Pediatria à psicanálise. Estudá-lo exige

navegar por toda sua obra e constituir uma organização própria.

Há psicanalistas que o criticam. Dizem que não se pode falar numa

teoria winnicottiana. Alguns também demonstram que entenderam mal

alguns conceitos.

Basearei o conteúdo deste capítulo em textos do próprio

Winnicott, bem como em alguns autores que estudaram, em

profundidade, sua obra. Entre eles: Outeiral e Graña, Elza Oliveira Dias,

Júlio de Mello Filho, Alfredo Painceira Plot, Leopoldo Fulgêncio e Peter

Giovacchini.

Cito o próprio Winnicott (1988/1990, p. 60), para ilustrar sua

maneira de pensar: “(...) o leitor deve formar uma opinião pessoal dessas

questões, depois de estudá-las tanto quanto possível através do seu

desenvolvimento histórico, que é a única forma de uma teoria, num dado

momento de seu progresso, mostrar-se inteligível e interessante.”

Dados biográficos

São dados biográficos que tiveram forte influência em toda sua

criação:

Winnicott nasceu em 1896 e morreu em 1971, de problemas

cardíacos. Nasceu em Plymouth, na Inglaterra e viveu em contato com 2

irmãs mais velhas, vários primos, mãe, pai e babá. Sentia-se muito amado,

a família era alegre e esta experiência inicial tão positiva certamente

contribuiu para que ele se sentisse à vontade em todos os lugares. Assim,

na Sociedade Psicanalítica, tinha facilidade de expressar suas opiniões,

concordâncias e discordâncias. Correspondeu-se com muitos dos analistas

importantes, seus contemporâneos. Seu livro “O gesto espontâneo” é uma

coletânea de cartas que mandou para Melanie Klein, Bion, Rosenfeld,

Hanna Segal, James Strachey (seu primeiro analista), Money-Kirle, Joan

Rivière, Anna Freud e outros. Era sempre muito espontâneo e

transparente em relação aos seus pontos de vista. Foi analista do filho de

Melanie Klein.

Decidiu tornar-se médico, quando ficou internado devido a uma

fratura de clavícula. Foi médico na Marinha, durante a Primeira Guerra.

263

Pretendia ser clínico geral, tornou-se pediatra. Quando entrou em contato

com a obra de Freud, descobriu a psicanálise e viu muito sentido no que

leu. Nunca, porém, abandonou a pediatria. Como pediatra, teve a

oportunidade de examinar milhares de crianças, na presença de suas mães.

Esta experiência teve forte influência na formulação de sua teoria. Foi para

Londres para iniciar sua própria análise. Tornou-se um estudioso de Freud

e especialmente de Melanie Klein, com quem fez supervisão.

Sua principal contribuição é o estudo profundo e original dos

relacionamentos iniciais da vida, Seu foco é a relação mãe-bebê. Formulou

uma Teoria do Amadurecimento, onde descreve seu entendimento das

origens do psiquismo, mas também produziu trabalhos interessantes e

alguns muito originais sobre a adolescência, delinquência, agressividade e

outros assuntos. Sua maior experiência na clínica psicanalítica foi com

adultos, mas apoia grande parte de suas formulações na sua experiência

como pediatra.

Reflexão de Winnicott

A análise é algo que nos tornamos capazes de fazer quando um

certo estágio na aquisição de uma técnica médica é atingido. O que

nos tornamos capazes de fazer permite que cooperemos com o

paciente no andamento do processo, aquilo que para cada paciente

tem seu próprio ritmo e segue seu próprio curso, todas as

características importantes desse processo derivam do paciente e

não de nós como analistas. (Winnicott, 1954/1988a, p. 459)

Quando atendemos um paciente ou um grupo, eles também têm

seu próprio ritmo. A livre-associação de ideias ou, quando se trata de um

grupo, a livre conversação flui e devemos respeitá-la. Os pacientes

precisam desta escuta atenciosa e respeitosa. As intervenções devem

facilitar sua expressão espontânea e interpretações devem ser reservadas

para quando estão preparados para ouvi-las. Winnicott se autocrítica por

ocasiões em que não soube esperar o momento certo, o que o levou a

gerar prejuízo ao processo analítico.

Ele também valorizava a criatividade e espontaneidade do analista.

Neste sentido, cito aqui um exemplo de uma ocasião em que uma paciente

do grupo contou uma situação em que se sentiu aprisionada e me ocorreu

264

uma metáfora que continha o elemento porta. A paciente riu e

imediatamente se referiu a uma situação ocorrida na véspera, em que sua

filha se mostrara muito incomodada com a porta fechada do quarto dos

pais. A outra paciente do grupo logo associou com uma vivência sua que

também envolvia porta. Assim as associações foram fluindo num ritmo tal

que parecia que a sessão fosse durar infinitamente. Quando chegou o

momento de encerrarmos, eu disse: hoje falamos muito sobre portas que

se abriam, se fechavam, incomodavam, mas agora chegou o momento de

nós abrirmos uma porta: aquela. E apontei para a porta de nossa sala.

Todos rimos e a sessão terminou. Eu escolhi brincar, ao invés de elaborar

uma intervenção formal.

Escreve Elsa Oliveira Dias em seu livro sobre Winnicott:

A saúde inclui a capacidade de brincar, que é o protótipo do viver

criativo; diz respeito à possibilidade de habitar o espaço potencial

e entregar-se aí a uma experiência que está sustentada pela ilusão

básica. (...) abarca a capacidade de estabelecer relações com o

mundo objetivo sem muito sacrifício da espontaneidade pessoal.

(Dias, 2003, p. 85)

Winnicott enfatizou muito a criatividade, o brincar como

expressão de saúde. A espontaneidade e a sensação de estar vivo eram

consideradas fundamentais. Escreve, na introdução de seu livro Natureza

humana:

A noção básica de que saúde é uma relativa ausência de doenças

não é suficientemente boa. A palavra saúde possui seu próprio

significado positivo, fazendo com que a ausência de doenças não

seja mais que o ponto de partida para uma vida saudável.

(Winnicott, 1988/1990, p. 21)

Reflexão de Claire Winnicott

DWW [Donald Woods Winnicott] podia ficar excitado com as

idéias de outras pessoas, mas só podia utilizá-las e sobre elas erguer

algo, após haverem passado pela refinaria de sua própria

experiência (...). Embora as idéias de outra pessoa o enriquecessem

como clínico e como pessoa, era a elaboração de suas próprias

idéias que realmente o absorvia (...). DWW tomou como meta

265

ingressar em todas as situações sem as defesas de seu saber, de

maneira a ficar tão exposto quanto possível ao impacto da própria

situação (...) esta era a única maneira pela qual a descoberta se

tornava possível, para si e para o paciente. (Winnicott, 1990/1995,

p. 13)

Esta é uma maneira sábia, a meu ver, de fazer uso das teorias que

estudamos. Também, cada um de nós, como clínicos, devemos

metabolizar o que absorvemos através de nossos estudos teóricos e

experiências clínicas, bem como vivências pessoais. Costumo dizer que os

conteúdos assim aprendidos passam a circular no nosso sangue (Winnicott

dizia: passam para os nossos ossos) e aí podemos empregá-los

criativamente.

Reflexão de Masud Khan

Nunca conheci nenhum outro analista mais inevitavelmente ele

mesmo. Foi esta qualidade que lhe permitiu ser tantas pessoas

diferentes para criaturas tão diversas. Cada um de nós, que o

conheceu, tem seu próprio Winnicott e ele jamais desrespeitou a

visão que o outro tinha dele, afirmando seu próprio estilo de ser.

E, contudo, permaneceu sempre e inexoravelmente Winnicott.

(Khan, 1988, p. 7)

Isto é compatível com a opinião de Winnicott de que o estudioso

de psicanálise, após estudar muito, levando em conta sua experiência

pessoal, forme uma opinião própria. Sempre defendeu a ideia de um

psicanalista criativo, inteligível e interessante.

Objeto transicional e espaço potencial

Para Winnicott, ao nascer, não existe o bebê, mas uma unidade

mãe-bebê. Só podemos considerar o indivíduo uma unidade, quando já

existe a noção de um dentro e um fora intermediados por uma membrana.

A chegada a esse estágio exige todo um processo que Winnicott estuda em

profundidade e que será exposto, futuramente, neste capítulo.

Porém ele postula que há algo, sim, que é inato: a tendência ao

amadurecimento Ele diz que o que põe a vida em movimento é o fato de

estar vivo. Estar vivo é estar dotado desta tendência inata ao

266

amadurecimento. Embora, ao nascer, o bebê não seja ainda uma unidade

e não se possa pensar nele como um ser isolado, assim mesmo ele é

imediatamente lançado na tarefa de viver.

Como vimos, para Winnicott, ao nascer, não existe o bebê. Existe,

isto sim, uma unidade mãe-bebê. Este pequeno ser (mãe-bebê) muito

frequentemente leva à boca o polegar (observa-se isto ocasionalmente

ainda dentro do útero, através de ultrassom).

Já era formulada pela psicanálise da época a existência de um

mundo interno e um mundo externo. Winnicott, porém, postula a

existência de um terceiro reino, que não é nem o mundo interno, nem o

mundo externo.

Freud fala de uma primeira fase, a fase oral, em que há uma

excitação em torno da boca. Winnicott não discorda de que haja esta

excitação, mas vê muito mais complexidade neste gesto. Ele observa que,

enquanto chupa o polegar, o bebê acaricia o próprio rosto com os demais

dedinhos. Considera isto tão ou mais importante do que chupar o polegar.

É uma forma de o bebê ninar-se.

Muito cedo, vivendo a experiência de lhe serem apresentados os

objetos de que necessita no exato momento em que a necessidade

desponta, passam da fase: o “objeto sou eu”, para a ilusão onipotente de

serem criadores de tudo do que necessitam. Explico: bem no princípio o

objeto que se aproxima do bebê é percebido como uma parte sua e nesta

fase ganha o nome de objeto subjetivo. Muito rapidamente, porém, tudo

o que se apresenta a ele no exato momento em que precisa daquilo é por

ele interpretado como uma criação sua (por exemplo, o leite quando sente

fome, um agasalho quando sente frio, um colo, quando se sente

despedaçado). A observação de bebês nos ensina que chega um momento

no qual o bebê se afeiçoa a um paninho, um bonequinho de pano, um

bichinho de pelúcia etc. Winnicott propõe que esta situação é uma

evolução do estágio de dedo na boca. Essa passagem de uma fase a outra

se dá através de um processo muito rico, que pode ser chamado de

transicionalidade.

Até certo ponto, este objeto, esta criação, representa o seio, mas

isto não é tudo. O paninho, ou o bonequinho de pano ou de pelúcia,

chupeta, que mencionei anteriormente, todos estes são chamados por

267

Winnicott de objetos transicionais. Às vezes há um murmurar, para se

acalmar, que também pode ser considerado um fenômeno transicional.

Esta utilização de objetos transicionais costuma surgir desde os 4, até os

12 meses. Tem a função de diminuir a ansiedade e pode se tornar

imprescindível na hora de dormir. Pode persistir na tenra infância e

reaparecer em momentos de depressão ou em momentos de solidão. O

adulto também pode fazer uso de objetos ou fenômenos transicionais. São

exemplos disto a utilização permanente de uma corrente ou pulseira, o

murmurar de uma prece, um cantarolar em momentos específicos.

Ressalto que não são objetos internos, tampouco, do ponto de vista da

própria pessoa, pertencem ao mundo externo mas sim ao que chamo de

terceiro reino, que Winnicott denomina de espaço potencial ou espaço

transicional.

Resumindo: os objetos transicionais, pertencem ao mundo

externo, do ponto de vista do observador, mas, do ponto de vista do bebê,

são percebidos como uma criação sua, É uma criação, não uma alucinação,

nem uma fantasia (para Winnicott só se pode falar em fantasia quando já

há a separação de mundo interno e mundo externo). Este conjunto de

objetos ilusoriamente criados, dão origem à área de ilusão, também

chamada de espaço transicional ou espaço potencial, como já foi dito. Sua

existência é fundamental para o desenvolvimento emocional saudável do

bebê. À mãe é imprescindível manter no bebê tal ilusão de onipotência,

até que se torne necessário que ela (a ilusão de onipotência) vá sendo

substituída pela noção de realidade. Até então ele precisa se sentir “um

criador de mundos” (Dias, 2003, p. 237). Este desenvolvimento será

apresentado a seguir, quando falarmos nas fases de dependência absoluta

e dependência relativa.

Vamos ver agora quais são as características da relação do bebê,

ou da criança maior, ou mesmo do adulto, com o objeto transicional:

1. É uma posse e há com ele uma relação de onipotência: faço

com ele o que quiser.

2. É acariciado, mas também mutilado.

3. Não deve mudar, a não ser por iniciativa do seu dono.

4. Deve sobreviver ao amor, mas também à agressividade.

5. Deve parecer como tendo vitalidade própria.

268

6. Não é objeto externo, tampouco uma alucinação.

7. Tem um destino que descreveremos a seguir.

Diz Winnicott:

Seu destino é permitir que seja gradativamente ‘descatexizado’, de

maneira que com o curso dos anos, se torne não tanto esquecido

mas relegado ao limbo. Com isso quero dizer que, na saúde, o

objeto transicional não “vai para dentro”, tampouco o sentimento

a seu respeito necessariamente sofre repressão. Não é esquecido e

não é pranteado. Perde o significado e isto se deve ao fato de que

os fenômenos transicionais se tornaram difusos, espalharam-se

por todo o território intermediário entre a ‘realidade psíquica

interna’ e o ‘mundo externo tal como percebido por duas pessoas

em comum’, isto é, por todo o campo cultural. (Winnicott,

1951/1988b, p. 394)

Vale salientar que objetos transicionais adotados por adultos não

são os objetos originais da infância. São criações da fase adulta em

momentos de aumento de ansiedade, ou traumas, que afetam a sensação

de continuidade da existência. Volta a ilusão de onipotência se

necessidades despertadas na ocasião forem supridas por alguém. Sob o

efeito da ilusão de onipotência, ressurge a criatividade primitiva (crio o

objeto de que necessito) Isto quando não é o caso das produções culturais

que são a evolução normal e desejável do espaço potencial.

Vemos, assim, que a origem dos fenômenos culturais é o espaço

potencial. Podemos pensar em atividades tais quais brincar, fazer objetos

de tricot, escrever poesias ou quaisquer obras literárias, pintar, esculpir,

como resultados de um bom encaminhamento de objetos transicionais.

Podemos pensar nos objetos como transicionais, mas também no grupo

psicoterápico, como um todo, como um fenômeno transicional. Isto se

explica porque os pacientes de um grupo terapêutico chegam buscando

ajuda. Às vezes, durante a sessão, mergulham num estado de dependência

absoluta (ou relativa) Se o grupo estiver num bom momento, as

necessidades podem ser supridas ou pelo manejo ou interpretações do

analista, ou mesmo por intervenções sensíveis de outros integrantes do

grupo. O grupo, nestas condições, torna-se um fenômeno transicional, já

269

que o que é recebido pelo paciente em questão é exatamente aquilo de que

necessita e alimenta sua área de ilusão onipotente.

Existem também exemplos de más evoluções: uso de drogas, jogo

aditivo, fetichismo. Eles, contudo, não serão tratados neste capítulo.

O objeto transicional está a meio caminho da simbolização. Só se

pode falar em simbolização quando há uma diferenciação clara entre

mundo subjetivo e objetivo, dentro e fora. Durante a utilização do objeto

transicional ou de um fenômeno transicional, como vimos, vigora um

terceiro espaço que não é interno e não é externo:

Bem no início, a tarefa de contato com a realidade é favorecida

pelo fato de a mãe apresentar o mundo ao bebê de tal maneira que

este, a princípio, não tem que saber que o objeto foi encontrado,

ao invés de ter sido criado por ele. Ele começa, portanto, a

relacionar-se com a realidade – externa, do ponto de vista do

observador – por via da criatividade e não da submissão. Num

momento posterior do amadurecimento – no estágio do – EU

SOU – ele terá de se haver com o fato da existência separada do

mundo, e o grande desafio será relacionar-se com a objetividade

do mundo externo, da realidade externa sem perda da

espontaneidade pessoal e da criatividade originária. (Dias, 2003, p.

233)

Mãe suficientemente boa

A visão winnicottiana enfatiza a importância do ambiente

favorável para a aquisição da capacidade de brincar, de ser espontâneo.

Isto será melhor visto quando detalharmos a relação mãe-bebê, a seguir.

Winnicott tinha uma profunda admiração por Darwin. Percebeu

que sua admiração por Darwin tinha a ver com o seguinte: pode-se

examinar o ser humano, mas esta investigação é sempre cheia de lacunas.

Essas lacunas não devem nos desesperar e nos desanimar. É preciso

aceitar este fato para diminuir a tensão e liberar energia para

experimentação e descobertas. Mas o que isto tem a ver com a teoria

winnicottiana? Tomemos a noção de mãe suficientemente boa, conceito tão

importante desenvolvido por Winnicott.

270

É que, segundo ele, nós não nascemos com esta capacidade de

suportar as lacunas, postura tão fundamental para toda a criação artística,

científica, profissional. Para o bebê as lacunas são insuportáveis. A mãe

deve estar junto dele, atenta para evitar a experiência excessiva de contato

com as mesmas.

Winnicott desenvolve o conceito de preocupação materna primária.

Trata-se de um estado da gestante que a habilita para a maternagem.

Como vimos anteriormente, fenômenos transicionais emergem da

área da ilusão da onipotência. Esta ilusão é possibilitada pela presença de

uma mãe suficientemente boa.

É hora de falarmos dela, também chamada por Winnicott de mãe

devotada comum. Ele está preocupado com o início da vida. Postula que já,

a partir dos meses finais de gestação, a mãe adquire uma condição

psicológica muito especial. A este estado ele chama de preocupação materna

primária. Dura até algumas semanas após o nascimento do bebê. Nele há

um grande aumento da sensibilidade. A capacidade de identificar-se com

o bebê é plena. Trata-se de uma condição psíquica tão especial que

Winnicott afirma que aproxima-se de uma psicose. Há uma exacerbação

do contato com o bebê em detrimento do contato com o resto do mundo.

Há um certo isolamento em relação a tudo que não se refere ao bebê. Isto

é, porém, plenamente desejável e necessário neste momento da vida A

mãe identifica-se com seu bebê e isto lhe possibilita praticamente

adivinhar do que ele precisa a cada momento. Este estado a habilita a

reconhecer se um desconforto se deve a fome, frio, necessidade de colo,

de ouvir sua voz, talvez. Tudo isto é necessário para o desenvolvimento

saudável do bebê. Falhas, nesta primeira etapa da vida acarretam uma

interrupção na sensação de estar vivo.

Nossos pacientes nos procuram por algum tipo de sofrimento.

Portam dentro de si falhas no seu processo de amadurecimento. Podem

reeditar suas experiências fracassadas nos cuidados iniciais. Reeditam, na

vivência da sessão de terapia, suas experiências primevas.

Do psicoterapeuta ou psicanalista também se espera que, no

momento em que está com seu paciente ou atendendo um grupo,

distancie-se de tudo o que se passa fora do âmbito da sessão e que ative

sua intuição para identificar do que o paciente ou o grupo necessitam a

271

cada momento: uma postura que autoriza e estimula o fluir da conversa?

Uma fala que possa ser sentida como apoio? Silêncio? Um olhar

compenetrado? Um sorriso? Permissão para receber um presente de um

outro integrante do grupo? A nomeação de uma emoção que ele não está

sabendo identificar?

Winnicott postula que quando aquilo de que o bebê necessita lhe

é apresentado no exato momento em que ele o necessita, ele se ilude de

que criou aquele objeto. A apresentação do objeto com tal sincronicidade

depende da presença de uma mãe devotada, também. Isto gera a ilusão de

onipotência que mencionei anteriormente. Recebendo tal tratamento bem

no início da vida, o mundo do bebê vai se povoando de objetos que,

embora do ponto de vista do adulto pertençam ao mundo externo, do

ponto de vista do bebê são criações suas. Estes objetos, ilusoriamente

criados, povoam o espaço transicional. O destino saudável dos objetos

transicionais é transformarem-se em criações: culturais, científicas ou

mesmo atividades da vida cotidiana dotadas de criatividade. Aquilo a que

anteriormente denominei de terceiro reino, que não é o mundo interno

nem o mundo externo.

Esta ilusão de onipotência é indispensável. Pode ocorrer de falhas no

início da vida a terem impedido. Dela depende o desenvolvimento da

capacidade de criar. A adequação destes cuidados na infância precoce

evitam a ansiedade inicial, que, segundo Winnicott consiste em:

1. Desintegração: incapacidade de integrar as várias partes do

corpo: segurar adequadamente o bebê o ajuda a ir juntando seus

pedaços. A vivência de integração não é definitiva, mas alterna-se

com vivências de não integração. Isto é normal. Faz parte do

processo de amadurecimento. A desintegração é sentida como

uma ameaça.

2. Despersonalização: falta de relacionamento entre a psique e o

soma. Ser pego ao colo pela mãe, trocar as fraldas, dar banho

usando bastante as mãos para tocar o nenê, tudo isto é o que

permite ao bebê constituir a noção de que ele habita seu próprio

corpo. “Se for deixado longo tempo sem ser sustentado, o bebê

perde o contato com seu próprio corpo, que fica desrealizado, e é

272

isto que caracteriza os estados de despersonalização que estão na

base dos distúrbios psicossomáticos” (Dias, 2003, p. 205).

Falei em psique. Mas o que é psique para Winnicott?

A psique é a elaboração imaginativa de partes e funções do corpo.

É uma capacidade inata. As primeiras necessidades do recém-nascido são

somáticas. Ele é uma unidade psicossomática:

A primeira tarefa da psique é, como foi dito, a elaboração

imaginativa das funções corpóreas. O corpo elaborado

imaginativamente é o corpo vivo de alguém que respira, se move,

busca algo, mama, esperneia, chupa o polegar, descansa, é

acalentado, trocado, envolvido pela água do banho, etc. (...) a

experiência direta que o bebê faz do funcionamento, das sensações

e dos movimentos do corpo têm para ele um sentido, pelo fato de

estar sendo imaginativamente elaborada. (Dias, 2003, p. 106)

Elaborar imaginativamente não é fantasiar, embora em alguns

momentos da obra essas palavras sejam usadas como sinônimas. No meu

entendimento, fantasia é um processo mais elaborado que depende de

uma separação entre dentro e fora, que nesse iniciozinho da vida ainda

não há. Mas se tomarmos as palavras de Fulgêncio (2016/2018, p. 37):

No princípio a elaboração imaginativa é uma atividade inata que

registra, cataloga e diferencia os acontecimentos corporais

(elaboração imaginativa das funções corporais). No entanto, no

curso do processo de desenvolvimento emocional, torna-se cada

vez mais complexa, considerando-se elaborações imaginativas dos

acontecimentos existenciais desejar, sonhar, devanear, brincar,

bem como reagir aos problemas existenciais (o que classicamente

engloba os mecanismos de defesa).

Podemos ver aí uma equivalência dos termos. Já em outro texto

encontramos: “(...) a elaboração imaginativa das funções corpóreas é a

base necessária para que a fantasia, no sentido de mecanismo mental,

possa vir a ser uma aquisição posterior no desenvolvimento do indivíduo”

(Dias, 2003, p. 109).

Ou ainda:

Na perspectiva de Winnicott a fantasia, como operação mental que

se desenvolve no mundo interno já constituído, pertence a um

273

momento posterior do amadurecimento e não é, como a

imaginação, uma elaboração direta do real, mas uma criação a

partir da memória, requer portanto que uma certa temporalização

já tenha sido estabelecida, o que ainda não ocorreu no início da

vida. (Dias, 2003, p. 108)

Dependência absoluta, dependência relativa e rumo à independência

A etapa inicial da vida é chamada por Winnicott de dependência

absoluta. Depois disto vem a fase de dependência relativa e, por último,

rumo à independência, pois a independência absoluta nunca é alcançada.

No estágio de dependência absoluta o bebê não tem noção da

providência materna. Para ele, cria tudo de que necessita. Falhas nesta

provisão são vividas como invasões. Já o ambiente favorável viabiliza uma

vivência de continuidade. Neste processo o bebê vai adquirindo condições

de suportar as lacunas que, no início, eram insuportáveis, podendo chegar

a causar angústia de aniquilamento. Mudanças ocorrem tanto no bebê

quanto na mãe. O primeiro vai amadurecendo cognitivamente e a segunda

volta a ter sua atenção voltada para um mundo que extrapola as

necessidades do filho. Agora sua dependência é relativa. Ele já pode

esperar. Identifica cheiros, sons, sinais de que a mãe está a caminho. Tem

recursos para tolerar as falhas. E nesta fase espera-se da mãe suficientemente

boa que ela, de fato, falhe. Agora o exagero de cuidados é que é sentido

como invasão. O bebê começa a saber que depende da mãe. Pode suportar

que nem tudo está sob seu controle. Observa-se numa criança de 4, 5

meses que ela esperneia, grita, protesta. São, segundo Winnicott,

manifestações de ódio. É positivo que o meio, falhando em provisões

absolutas, dê motivos para esse novo sentimento:

Muitas vezes o crescimento da criança corresponde muito

precisamente à recuperação pela mãe de sua própria

independência, e se concordará que uma mãe que não pode

gradualmente falhar deste modo em uma adaptação sensível está

falhando de uma outra maneira; ela está falhando (por causa de sua

própria imaturidade ou suas próprias ansiedades) em dar ao

lactente razões para estrilar. Uma criança que não tem razão para

estrilar, mas que naturalmente tem em si a quantidade usual de

274

quaisquer ingredientes de agressividade, está em uma dificuldade

especial, uma dificuldade de fundir a agressão com o amor.

(Winnicott, 1963/1983, p. 82-83)

A percepção evolui. Passa a ter muita importância. Ocupa o lugar

da ilusão de onipotência. Através dela o novo indivíduo começa a ter

controle sobre o mundo externo e também sobre o mundo interno.

O autor continua: “Agora então o crescimento do lactente toma a

forma de um intercâmbio contínuo entre a realidade interna e a externa,

cada uma sendo enriquecida pela outra” (Winnicott, 1963/1983, p. 86).

A este respeito, Phillips (1988/2017, p. 154) diz:

Esse potencial agressivo (...) é equivalente ao potencial de

desenvolvimento. A agressão (...) é vista mais como evidência de

vida. Mas deve estar inclusa, fundida, com a capacidade do bebê

para o relacionamento pulsional que ele [Winnicott] iguala à vida

erótica do bebê (...). De outra forma esse potencial agressivo pode

ser dissociado ou experienciado como uma força estranha à

personalidade.

Da dependência relativa o ser humano segue rumo à

independência. Torna-se capaz de se defrontar com o mundo e suas

complexidades. Não há independência absoluta, mas o amadurecimento

saudável caracteriza-se por sentir-se vivo, ter preocupação, importar-se

com o outro e com a sociedade, às vezes por tornar-se capaz de se

identificar com pessoas significativas para seu próprio processo de

amadurecimento.

Holding

O holding é um termo introduzido por Winnicott que se tornou

muito conhecido. Existem algumas traduções portuguesas para ele, mas

creio que nenhuma tem sua força expressiva. Como vimos neste capítulo,

Winnicott enfatiza a importância da mãe suficientemente boa. Ela é

fundamental para o bom desenvolvimento do ser humano, desde a

origem.

O homem nasce imaturo, sob todos os pontos de vista: fisiológico

e psicológico. Nós não falamos, não andamos, não temos noção do nosso

corpo como uma unidade integrada, não temos recurso para identificar e

275

muito menos para nomear nossas sensações. Vivemos um período de

dependência absoluta. Dependemos para tudo isto de nossa mãe que,

segundo Winnicott, tem, já durante a gestação, alterações biológicas que

aumentam sua sensibilidade, favorecem sua identificação com ele para

adivinhar suas necessidades a cada momento. Holding é esta somatória de

cuidados. Mas Winnicott também inclui nos seus ensinamentos que uma

mãe adotiva ou um cuidador habilitado desenvolvem estas capacidades e

podem cumprir adequadamente o papel da mãe devotada. Assim, o bebê

é amamentado, aquecido, banhado, ninado com histórias e cantigas,

informado através de palavras a respeito do que está se passando consigo.

O bebê cresce e sua dependência vai se tornando relativa. Sua

percepção se desenvolve e também aumenta sua capacidade de esperar

pelas gratificações. O cuidador devotado dá-se conta disto e deixa o bebê

experimentar suas novas atividades. O bebê winnicottiano também tem

uma agressividade inata, que no princípio é sua própria força motriz e que

propicia estados agitados que precisam poder ser expressados.

Winnicott é muito claro na sua afirmação de que não existe um

estado de independência absoluta. Nossa vida se dá rumo à independência.

Precisamos de holding, em qualquer fase da vida. Precisamos de colo (às

vezes concreto, às vezes metafórico); precisamos, às vezes, ser

adivinhados naquilo de que necessitamos e sozinhos não damos conta de

suprir. Inventamos, ao longo da vida, novos objetos transicionais. Às

vezes não se trata de um simples objeto, mas de uma situação que cumpre

este papel.

É com base nisto que considero que um grupo terapêutico pode

ser um fenômeno transicional. Tanto os integrantes, quanto o grupanalista

podem intuir, se identificar, oferecer holding. No grupo aprende-se

identificar e nomear sentimentos, recebem-se manifestações carinhosas,

há lugar para expressar raiva e ciúmes. E o terapeuta está lá atento para

impedir destruições. Com base nestes argumentos, sigo para um caso

clínico.

Caso clínico

Vou incluir aqui um caso clínico que, a meu ver, ilustra a relação

com um grupo como fenômeno transicional, e a postura de acolhimento

276

do pedido do grupo como uma forma de conservar a ilusão do objeto

transicional como posse pelo tempo que se fez necessário.

Tratava-se de um grupo de 3 mulheres, todas com idades entre 55

e 60 anos, que já estavam juntas há mais de três anos e que tinham uma

interação muito boa. Suas angústias familiares eram compartilhadas com

muita liberdade e elas trocavam muitas opiniões. Muitas vezes

encontravam pontos coincidentes em suas famílias de origem e, trocando

ideias, faziam elaborações interessantes. Uma delas era um tipo muito

cômico e brincalhão, tornando mais leves as elaborações das angústias.

Era a mais recente no grupo. O entrosamento entre elas era muito sincero

e construtivo.

Vale dizer que a paciente acima citada me pagava pelas suas sessões

com bordados e objetos de tricô e crochê feitos por ela e que o valor dado

a estes objetos lhe possibilitou restaurar um reconhecimento de seu valor,

que tinha sido muito prejudicado pela improdutividade da aposentadoria.

Ela também presenteava eventualmente suas colegas de grupo, quase

sempre com cachecóis de lã fofinha. Tanto aceitar suas criações como

forma de pagamento, quanto permitir que ela presenteasse as colegas, eu

considerava estar dando holding à paciente, uma vez que a valorização de

seu potencial criativo era, naquele momento, aquilo de que ela precisava.

E o efeito de holding se difundia por todo o grupo.

Um dia, esta que era a mais recente no grupo, muito querida pelas

companheiras, ausentou-se por ter surgido um sintoma súbito no olho.

Antes que ela pudesse voltar, isto evoluiu para um acidente vascular

cerebral. Estando melhor anunciou sua volta. O grupo estava feliz.

Subitamente, no decorrer de uma sessão na qual esperávamos que ela

viesse, nos chega a notícia de seu falecimento.

Aqui retomo, com minhas palavras, o que citei anteriormente

sobre objeto transicional: pertence ao que chamei de terceiro espaço. Não

é do mundo externo, tampouco do interno. Sua utilização pode persistir

na tenra infância e pode reaparecer em momentos de depressão ou em

momentos de solidão. Também nos momentos em que a ilusão de

onipotência é abruptamente abalada.

Cabe esclarecer aqui que o grupo constitui-se num dispositivo que

pode se inserir na área de ilusão. Atendendo, através da postura do

277

terapeuta, as necessidades dos pacientes, com manejos ou intervenções

que suprem essas necessidades no momento exato em que se manifestam,

adquirem a característica de um objeto transicional. O falecimento

repentino de uma integrante é traumático É um momento em que ocorre

uma ruptura de continuidade de existir.

O grupo, vivenciado como uma unidade, devido ao holding

fornecido pelo terapeuta e também pelos próprios pacientes, sente que

perdeu um pedaço de si. É uma vivência de desintegração. Uma das

integrantes pôde falar do quanto as histórias de família desta paciente lhe

traziam recordação de sua própria família de imigrantes. A outra paciente

também referiu pontos de identificação. Ficamos todos muito tristes e

chocados com a rapidez dos fatos. Imediatamente surgiu um pedido das

pacientes de que evitássemos ao máximo que alguma delas viesse a ter

sessões sozinha quando uma delas precisasse faltar.

Identifiquei que o grupo era, naquele momento, uma posse delas;

concordei com o pedido. Entendi que aquele grupo, naquele momento,

passou a funcionar como um fenômeno transicional; e que a súbita perda

de um integrante correspondia a um contato brusco com uma realidade

desestruturante (mexeram no meu objeto). Que precisavam adquirir algum

controle sobre o grupo. Respeitei. Quando uma delas precisasse faltar, por

motivos plenamente justificáveis, dedicávamo-nos juntas a encontrar uma

alternativa. Elas sentiam assim que tinham um controle sobre o objeto

grupo. Eu acolhia, dava holding. Em nenhum momento mantive a rigidez

dos horários como a coisa mais importante. Considerava o mais

importante as duas estarem juntas na sessão e participarem juntas da

escolha de um horário possível. Era uma forma de vermos que tínhamos

sido impotentes em manter a integridade do grupo, mas podíamos ter

algum controle sobre aquele espaço potencial. Isto foi recebido pelo grupo

como um acolhimento. Considerava-me intuindo do que o grupo estava

precisando naquele momento, como é colocado por Winnicott, seguir o

ritmo do paciente e não nosso próprio ritmo, como terapeutas.

Passados vários meses a característica de transicionalidade do

grupo evoluiu para uma relação mais madura: grupo como fenômeno

objetivo, possibilitando trocas cheias de vitalidade e com um claro

discernimento entre dentro e fora sem haver perda da espontaneidade.

278

Retomamos o que diz Winnicott sobre isto:

O que nos tornamos capazes de fazer permite que cooperemos

com o paciente no andamento do processo, aquilo que para cada

paciente tem seu próprio ritmo e segue seu próprio curso, todas as

características importantes desse processo derivam do paciente e

não de nós como analistas. (Winnicott, 1954/1988a, p. 459)

Conclusão

Este capítulo contém uma pequena parte das ideias de Winnicott.

Minha intenção, ao escrevê-lo, foi dar ênfase ao aspecto da importância

da criatividade. Estou de acordo com ele quanto ao fato de que a

espontaneidade é uma das principais manifestações de saúde e que vem

dela o sentir-se vivo.

Winnicott discorre muito sobre os prejuízos das invasões

excessivas na relação mãe-bebê (e isto é válido também em muitas fases

da vida, por exemplo, na relação professor-aluno; na relação de um casal,

na relação terapeuta-paciente). Alerta-nos para o fato de que as invasões

decorrem de falhas e que essas falhas tanto podem corresponder a deixar

de oferecer ao sujeito humano aquilo que lhe é essencial em dados

momentos, quanto podem se tratar de experiências em que o cuidado, as

ofertas são excessivas, as capacidades do sujeito já evoluíram, e ele fica

sem oportunidade de exercitá-las. Isto vale para a percepção, para as

atividades motoras, para o aumento da tolerância à frustração. Considero

também importantes as posições de Winnicott quanto à necessidade de

um analista ser criativo, espontâneo, respeitar o ritmo do paciente

exercitando também a sua capacidade de esperar os momentos mais

adequados para intervir.

Winnicott foi uma pessoa exemplar e uma de suas grandes virtudes

foi se dirigir à população leiga (mães, pais, professores, adolescentes)

buscando numa linguagem simples, comunicar-lhes suas descobertas

sobre a natureza humana.

Referências

Dias, E. O. (2003). A teoria do amadurecimento de D. W. Winnicott. Rio de

Janeiro: Imago.

279

Fulgêncio, L. (2018). Por que Winnicott? São Paulo: Zagodoni. (Trabalho

original publicado em 2016)

Khan, M. R. (1988). Prefácio. Em: D. W. Winnicott, Textos selecionados: Da

pediatria à psicanálise (pp. 7-61). Rio de Janeiro: Livraria Francisco

Alves.

Phillips, A. (2017). Winnicott. Aparecida: Idéias Letras. (Trabalho original

publicado em 1988)

Winnicott, C. (1995). DWW: Uma reflexão. Em: P. L. Giovacchini (Org),

Táticas e técnicas psicanalíticas (pp. 13-26). Porto Alegre: Artes Médicas

(Trabalho original publicado em 1990).

Winnicott, D. W. (1983). Da dependência à independência no

desenvolvimento do indivíduo. Em: O ambiente e os processos de maturação

(pp. 79-87). Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original

publicado em 1963)

Winnicott, D. W. (1988a). Aspectos clínicos e metapsicológicos da

regressão dentro do setting psicanalítico. Em: Textos selecionados da

pediatria à psicanálise (pp. 459-482). Rio de Janeiro: Livraria Francisco

Alves (Trabalho original publicado em 1954)

Winnicott, D. W. (1988b). Objetos transicionais e fenômenos

transicionais. Em: Textos selecionados da pediatria à psicanálise (pp. 389-

408). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves. (Trabalho original

publicado em 1951)

Winnicott, D. W. (1990). Relacionamentos interpessoais. Em: Natureza

humana (pp. 54-68). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original

publicado em 1988)

281

14 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e

Discussão enquanto modalidades de Grupos

Operativos Solange Aparecida Emílio

A importância de marcar o referencial psicanalítico no nome

Os Grupos Psicanalíticos de Discussão e de Reflexão são duas

modalidades de grupos que têm como referência os Grupos Operativos

desenvolvidos por Pichon-Rivière (1980/1994) e vêm sendo utilizados

como dispositivos de aprendizagem e intervenção em diferentes

contextos, em especial por nós, membros do NESME22, já há alguns

anos.

Inicialmente, os nomes adotados para os referidos dispositivos

raramente incluíam o termo “psicanalítico”, apesar do apoio no

referencial da psicanálise. Mas, fomos percebendo que havia um uso

indiscriminado e bastante genérico dos termos “grupo de discussão” e

“grupo de reflexão” para nomear os mais variados tipos de grupos, o que

incluía desde a utilização de diferentes abordagens psicológicas para a

leitura dos fenômenos grupais, como a total ausência de articulação

teórico-prática na apresentação dos grupos ou discussão dos resultados

obtidos por eles.

22 Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares – instituição sediada em São Paulo, que completou 30 anos de existência em 2019 e que congrega psicólogos, psiquiatras e profissionais de áreas afins que trabalham com grupos e outras configurações vinculares (como casais e famílias), tendo como principal referencial a psicanálise vincular. Faço parte da referida instituição há mais de vinte anos.

282

Há dez anos, fiz um rápido exercício em uma busca no Google23 e

encontrei quase 200.000 páginas na língua portuguesa que faziam

referência ao termo exato “grupo de discussão”. O acesso a alguns dos

materiais encontrados evidenciou que, sob este nome estavam grupos

com diferentes finalidades e formas de funcionamento e manejo, mas

tinham a promoção de discussão como eixo comum (Emílio, 2010).

Resolvi repetir o exercício acima mencionado24, ampliando a

consulta para verificar também as referências aos grupos de reflexão.

Então, recorri ao Google e ao Google Acadêmico25, usando as expressões

exatas: “grupo de discussão” e “grupo de reflexão”. Usei como filtro as

páginas publicadas no Brasil e em idioma português. O primeiro

resultado que chama atenção é o da quantidade de páginas e artigos

científicos que se referem tanto aos “grupos de discussão” quanto aos

“grupos de reflexão”, pois na consulta feita pelo buscador geral (Google)

foram localizadas mais de 1.750.000 páginas que contêm a expressão

exata “grupos de discussão” e 555.000 resultados para a expressão exata

“grupos de reflexão”. Mesmo em uma consulta um pouco mais

específica, ao optar pelo Google Acadêmico (que direciona para artigos

científicos), encontrei cerca de 23.500 referências para “grupos de

discussão” e cerca de 3.500 resultados para “grupos de reflexão”. A

leitura de todos os artigos não seria possível e nem interessante no

momento, mas a partir de uma pequena amostra de conveniência retirada

de alguns dos artigos mais recentes foi possível encontrar, por exemplo,

relatos e formulações sobre:

um grupo de discussão online, estudado para se compreender as

práticas de poder e resistência em uma organização pública e

presentes no próprio grupo (Bretas, 2019);

um grupo de discussão com mulheres jovens utilizado para a

coleta de dados em uma pesquisa sobre o feminismo (Vargas &

Saraiva, 2019);

23 Pesquisador geral Google: google.com 24 Realizada em 28/01/2020. 25 Pesquisador Google Acadêmico: scholar.google.com.br

283

um grupo para a recepção de calouros de um curso de

enfermagem, denominado ora como “grupo reflexivo” e ora como

“grupo de reflexão e discussão” (Rossato & Scorsolini-Comin,

2019, p. 1-2).

Um fato que também chama a atenção nos grupos apresentados

sob a denominação de grupo “de discussão” ou “de reflexão” é que muitas

vezes nos textos sobre eles, como, por exemplo, nos trabalhos de Gvozd

et al. (2016), Silva e Bernardo (2018) e Vieira et al. (2020), não há

explicação do que os caracteriza, como se os nomes já fossem

autoexplicativos, não ocorrendo, assim, o esclarecimento sobre o que

poderia diferenciar um do outro ou até mesmo de outras modalidades de

grupo, uma vez que a discussão e/ou debate de ideias ou a reflexão de seus

participantes podem estar bastante associadas e presentes nos mais

variados grupos.

Por outro lado, ainda no mesmo exercício acima mencionado,

quando inseri o termo “psicanalítico”, consultando a ocorrência de

referências às expressões exatas “grupo psicanalítico de discussão” e

“grupo psicanalítico de reflexão” encontrei, pelo buscador geral (o mesmo

que apresentou mais de um milhão de resultados para “grupo de

discussão”), em torno de 28 resultados para “grupo psicanalítico de

discussão” e 11 resultados para “grupo psicanalítico de reflexão” (tendo

sido apresentadas meio milhão de referências quando buscado somente

“grupo de reflexão”). Outro dado importante foi que todos os artigos

encontrados nesta última busca remetiam às definições de grupos que se

aproximam ou são inspiradas nos grupos que abordarei aqui. Assim,

pareceu importante nomeá-los incluindo o “psicanalítico”, de forma a

reconhecer as especificidades e características destes grupos, como já feito

anteriormente por Fernandes (2003) e por Emílio (2010).

Breve histórico dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de Discussão

Os Grupos Psicanalíticos de Discussão e de Reflexão são

definidos como modalidades de Grupos Operativos (Emílio, 2010;

Fernandes, 2003). Como este livro tem um capítulo dedicado aos Grupos

Operativos (capítulo 8), não vou me deter ao seu detalhamento. No

284

entanto, é importante resgatar uma comunicação feita pelo idealizador

dos Grupos Operativos no Primeiro Congresso Latino-americano de

Psicoterapia de Grupo, em 1951, publicada posteriormente em uma

coletânea de textos do autor (Pichon-Rivière, 1980/1994) com o título:

Aplicações da psicoterapia de grupo, na qual ele apresenta a importância do

grupo para o processo de aprendizagem, tendo como base sua

experiência no ensino para estudantes de psiquiatria. Ele relata a primeira

experiência que teve com um grupo de seis estudantes dos primeiros

anos de medicina, que já frequentavam o hospital psiquiátrico como

campo de estudo, na qual sugeriu que se aproximassem dos pacientes, a

partir daquele momento, sem retomar a teoria, para poderem elaborar a

experiência desse contato em sessões semanais de uma hora de duração.

O texto a seguir ilustra a proposta do autor:

(...) uma técnica que pouco a pouco foi surgindo – porque na

realidade aprendemos uma técnica com esse primeiro grupo – era

a seguinte: cada vez que aparecia um quadro clínico determinado,

eu solicitava aos alunos que cada um falasse sobre a vivência que

tinha em relação a um determinado distúrbio. Em uma aula sobre

esquizofrenia, por exemplo, cada um havia recebido um impacto

particular. Ou seja, para alguns chamou a atenção o isolamento,

para outros, a indiferença, ou a dissociação, ou o delírio, e assim

podíamos montar o quadro fragmentado através do grupo,

facilitando sua assimilação. (Pichon-Rivière, 1980/1994, p. 59-60)

O relato acima demonstra uma aposta incondicional de Pichon-

Rivière na potência do grupo para o processo de aprendizagem. Os

Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de Discussão trazem esta importante

marca desde o seu início.

O surgimento dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão, de acordo

com Fernandes (2003), está associado à formação de coordenadores de

grupo e grupoterapeutas, pela aplicação, por alguns dos membros do

Instituto de Técnicas Grupais da Associação Argentina de Psicologia e

Psicoterapia de Grupo (como Bernard, Ulhoa, Dellarossa, Ferschtut e

outros) da reflexão em grupo no processo formativo de coordenadores de

grupo e grupoterapeutas. Isso ocorreu nos anos setenta do século passado

e a estratégia utilizada replicou a experiência realizada alguns anos antes

285

por Marcos Bernard e F. Ulhoa junto a residentes em psiquiatria do

Instituto Borda, em Buenos Aires. O ponto em comum entre as

experiências com os residentes, os grupos de reflexão descritos por

Dellarossa e aquele primeiro grupo de Pichon-Rivière retomado acima é a

possibilidade de explicitação e elaboração de tensões oriundas da e pela

vivência em grupo. No entanto, Fernandes (2003) aponta uma

especificidade em relação aos Grupos Psicanalíticos de Reflexão, quando

comparados aos grupos operativos, em geral, que é a presença dos

questionamentos à instituição formadora, que já aparece nos relatos

presentes no texto de Dellarossa (1979, citado por Fernandes, 2003).

Apesar das dificuldades e resistências encontradas, o dispositivo,

nomeado em geral como “grupo de reflexão” (principalmente porque já

eram realizados em contextos em que o referencial teórico era a

psicanálise), foi sendo cada vez mais utilizado na Argentina, passando

também a ser considerado no Brasil, tanto na formação de médicos

(Zimerman, 2000), como em instituições de formação de coordenadores

de grupo e grupoterapeutas (Donato et al., 2002; Fernandes, 2003; Osório,

2002). Encontramos, também, mais recentemente, relatos de sua utilização

em escolas de Educação Básica (Mataresi & Emílio, 2011), em

universidades (Diniz & Aires, 2018; Donato et al., 2002; Franco & Volpi,

2011; Rossato & Scorsolini-Comin, 2019; Silva & Brandt, 2015) e até para

um grupo de jovens formandos em uma instituição religiosa (Peruzzo &

Rosa, 2015). Em todos os contextos descritos, percebemos como principal

característica o cumprimento da essência do que vem enunciado no

próprio nome do dispositivo: o retorno de cada um e do grupo (re) sobre

si mesmo (flexão), o espelhamento de uns nos outros como em uma

galeria de espelhos – como bem lembrado por Zimerman (2002) – e o

processo de aprendizagem, assim como proposto por Pichon-Rivière

(1980/1994).

Os Grupos Psicanalíticos de Discussão, apesar de, como já

mencionado, também serem considerados modalidades dos grupos

operativos, derivaram, conforme aponta Fernandes (2003), de uma

atividade que não tinha relação direta com tais grupos, mas,

gradativamente foram assumindo as características e o funcionamento que

veremos neste capítulo.

286

Segundo Fernandes (2000), na década de oitenta, era usual nos

congressos da Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo

(ABPAG)26 a organização de pequenos grupos em seguida às

apresentações de trabalhos em mesas-redondas, nos quais promovia-se a

discussão entre os participantes (realizada após a leitura do relatório que

sintetizava o que havia sido apresentado na mesa). No entanto, a atividade,

apesar de útil, tendia a ser cansativa quando o sintetizador era muito

prolixo.

A partir dos anos noventa, a experiência foi sendo aprimorada, em

especial pela promoção de eventos da ABPAG em parceria com o

NESME e também da ocorrência do I Encontro Luso-brasileiro de

Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo (Fernandes, 2000, 2003),

nos quais mantinha-se a ideia de realização dos grupos após a apresentação

dos trabalhos nas mesas-redondas e optava-se por colocar coordenadores

de grupo experientes para auxiliar as discussões nos grupos e promover

maior participação dos envolvidos. Apesar de em alguns momentos ter

havido a utilização equivocada do termo “grupo de reflexão” para

referência a esta atividade (Donato et al., 2002), já que a reflexão também

era objetivada, optou-se pela formalização de seu nome como “grupo de

discussão”, uma vez que as características de constituição (ter sempre um

evento disparador) traziam especificidades ao funcionamento e

coordenação deste dispositivo. Cabe ressaltar que por um bom tempo

também não foi inserido o “psicanalítico” no nome, pois entendia-se que

estaria subentendido o seu referencial.

Os resultados de aprendizagem proporcionada pelos Grupos

Psicanalíticos de Discussão mobilizaram a sua utilização cada vez mais

presente, ao ponto de serem considerados na atualidade um diferencial

nos eventos científicos promovidos ou apoiados pelo NESME, além de

terem sido incorporados nos encontros mensais ocorridos na instituição

para o aprimoramento teórico-prático de seus membros.

Abro aqui um parêntese para relatar o meu primeiro contato com

estes grupos e com o NESME, pois é neste ponto que há um importante

entrelaçamento. Na ocasião, eu era professora de psicologia no curso de

26 Atualmente, extinta (nota da autora).

287

odontologia, estudante do mestrado e pesquisava o tema dos vínculos

(entre os profissionais de odontologia e seus pacientes com deficiência).

Já havia feito um curso de aprimoramento com enfoque dos grupos

operativos e tinha muito interesse em pesquisar mais sobre os fenômenos

grupais. Então, fui capturada pelo cartaz de divulgação de um congresso

que ocorreria em Serra Negra27, que trazia a abordagem dos vínculos e era

organizado por uma instituição da qual nunca havia ouvido falar, o

NESME, mas trazia a psicanálise em seu nome.

Então, fui para o evento, esperando encontrar o modelo de

congresso ao qual estava acostumada, em que o palestrante era

considerado o detentor do saber e o público estaria lá para aprender e

participar de forma silenciosa ou, no máximo, por meio de perguntas

direcionadas à mesa. Logo na primeira atividade, vi que tudo seria

diferente, pois, escolhi a mesa-redonda de interesse e escutei, com bastante

atenção, todas as falas, anotando freneticamente, as apresentações. No

entanto, ao final da mesa, ao invés de haver a abertura para perguntas,

estava prevista a participação de todos em um Grupo de Discussão com

uma hora de duração. Isso foi explicado pelo presidente da mesa, mas

demorei a entender o que significava. Fiquei sentada, um pouco atônita,

vendo as pessoas se levantarem e organizarem a sala em um grande círculo.

Cheguei a pensar que seria alguma atividade exclusiva para membros da

instituição, mas a pessoa que iria coordenar o grupo insistiu que todos

estavam convidados a participar e por isso eu fiquei.

Hoje, mais de vinte e dois anos depois, não consigo me lembrar

do tema da mesa, nem os autores das apresentações ou quais foram os

teóricos abordados (apesar de meus registros da ocasião). No entanto,

ainda me recordo de quem coordenou este primeiro Grupo de Discussão

do qual participei, de como me senti estimulada a compartilhar minhas

opiniões e sensações com pessoas que nunca havia visto e do profundo

contentamento em perceber, na prática, o que eu havia estudado na teoria

dos grupos operativos, pois o compartilhamento de ideias que ocorreu e

o aprendizado que se processou em mim foram fundamentais para acolher

27 II Congresso de Psicanálise das Configurações Vinculares/ I Encontro Paulista de Saúde Mental e Psiquiatria – Serra Negra, 1997.

288

algumas das inquietações teórico-práticas que eu vinha enfrentando na

escrita da minha dissertação de mestrado. Ao final do evento, quis saber

mais sobre a instituição que o havia organizado e fui convidada a visitar o

NESME em um de seus encontros mensais. Me encantei ainda mais com

o que vi e ouvi e resolvi me tornar membro. Nunca mais deixei de estudar

a psicanálise das configurações vinculares e tenho tentado, desde então,

contribuir para o aprimoramento dos dispositivos para intervenções

grupais, como o Grupo Psicanalítico de Discussão. Fecho o parêntese.

Vimos até o momento que há diferenças importantes nos

momentos e motivos de criação dos Grupos Psicanalíticos de Discussão

e de Reflexão, apesar das aproximações teóricas que são evidentes e da

clara herança nos grupos operativos. A seguir, abordarei cada um dos

dispositivos de forma separada, trazendo seus possíveis usos, suas

características, alguns dos fenômenos identificados e as especificidades da

coordenação.

Os Grupos Psicanalíticos de Reflexão

Definição e aplicações

O Grupo Psicanalítico de Reflexão é definido por Fernandes

(2003) como uma modalidade de grupo operativo, com ênfase na reflexão

e no conhecimento oriundo da vivência grupal. Como vimos acima, ele

vem sendo adotado, principalmente, na formação de psicoterapeutas de

grupo com orientação psicanalítica; no cuidado institucional às sociedades

que congregam grupoterapeutas e em congressos da área de grupos, como

vivência para promover o aprendizado sobre o dispositivo (Fernandes,

2003). No entanto, há registros de sua utilização para a supervisão de

psicanalistas no trabalho individual (Rosa, 1996) e em situações em que o

trabalho é realizado com um subgrupo da instituição, tendo como a

perspectiva a obtenção de transformações nas relações ocorridas na

instituição de forma mais ampla (Mataresi & Emílio, 2011; Peruzzo &

Rosa, 2015).

Nos relatos encontrados e na minha experiência, estes grupos

costumam ter uma hora ou uma hora e meia de duração. Quanto ao

número ideal de participantes para estes grupos, Dellarossa (1979, citado

289

por Coronel, 2002) sugere que seja entre dez e catorze. Parece um bom

número para permitir a circulação dos afetos e a aprendizagem, que se

aproxima do estabelecido para outros dispositivos grupais com o

referencial psicanalítico, como na Fotolinguagem, por exemplo, para a

qual recomenda-se o número de cinco a oito participantes nas aplicações

terapêuticas e doze a quinze participantes em processos de formação

(Vacheret, 2008). No entanto, já participei de grandes Grupos

Psicanalíticos de Reflexão em congressos, com mais de cinquenta pessoas

(até em torno de setenta) e tive a experiência de coordenar grupos muito

pequenos nesta modalidade (com quatro a seis componentes). Em ambas

as situações, o tamanho do grupo, inicialmente, chegou a aparecer como

um problema. Por exemplo: nos grupos muito grandes, surgiram

dificuldades na comunicação ou mesmo de organizar as cadeiras de forma

que parecesse satisfatório a todos; nos grupos muito pequenos, vinham as

queixas de que ocorre uma sobrecarga aos seus membros, que não se

sentem autorizados a se ausentarem ou que percebem o tempo de uma

hora e meia muito longo, com a fantasia de possibilidade de se esgotar o

“assunto”. No entanto, as intervenções dos coordenadores e as

associações que se seguiram evidenciaram que essas vivências não são

problemas; ao contrário, podem ser entendidas como emergentes, pois

permitiram, em movimentos dialéticos de esclarecimento, a explicitação

de conteúdo implícito dos grupos, das instituições, dos profissionais ou

mesmo das histórias e relações entre os países de origem dos participantes.

Apesar de ser um espaço muito potente de preparação e

transformação profissional, sustentá-lo nos processos formativos não é

algo simples. Foi feita uma compilação, pela Área de Grupos do

NESME28, das experiências relatadas por profissionais atuantes em

28 Durante um bom tempo dos mais de trinta anos de existência do NESME, alguns de seus membros se organizavam em áreas temáticas, a saber: Área de Grupos; Área de Família; Área de Instituições. Tal divisão objetivava promover estudos, organizar eventos e elaborar textos dentro do tema em questão para apresentação aos demais membros e contribuição à comunidade científica. Nos últimos dez anos, novas demandas institucionais surgiram e a organização por áreas deixou de fazer sentido, tendo ocorrido outra forma de organização dos membros para o aprofundamento nos estudos dos referidos temas.

290

diferentes instituições formadoras do estado de São Paulo (NESME,

SPAGESP29 e SPAG-CAMP30) com os grupos de reflexão realizados em

seus cursos. Destaco, abaixo, algumas das conclusões a que chegaram em

relação a este dispositivo de grupo:

Tem como objetivo favorecer um espaço para troca e

intercâmbio de experiências, para que possam ser conhecidos e

reconhecidos tanto os conceitos de fenômenos grupais, como seus

próprios participantes.

É como um vaso alquímico, pois permite que as coisas não se

percam e não se fragmentem, embora contenha o caos, além de

ter o objetivo de nutrir, promover saúde mental.

É um espaço transicional, ambiente que envolve o vínculo

como uma pele.

(...) as interpretações ocorrem num nível inter e transpsíquico.

Ruído é a realidade que tem a ver com o que vivemos hoje. A

instituição precisa acolher o fato de que os membros pertencem a

outros espaços e isso interfere em sua presença nele. (Donato et

al., 2002, p. 121-122)

Para Oliveira Jr. (2002), o Grupo de Reflexão dentro do

referencial psicanalítico é o espaço adequado para a livre-associação de

ideias, que promove um fenômeno chamado de ressonância afetiva,

caracterizada pela comunicação de inconsciente para inconsciente e que

resulta na manifestação de emoções. O autor sugere que as escolas em

geral organizem esta atividade com os alunos pelo menos uma vez por

mês, pois contribuiriam para o processo educativo, por “estimular a saída

de algo que vem de dentro, como, por exemplo, a capacidade de aprender,

de pensar, de ser criativo, ou mesmo estimular a saída de conflitos, queixas,

ódios, enfim o que tiver que sair deverá ou poderá sair” (Oliveira Jr., 2002,

p. 12). Sou favorável a tal sugestão, mas recomendo que ela seja realizada

por um coordenador que tenha preparo suficiente para auxiliar no

29 Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, sediada em Ribeirão Preto. 30 Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo de Campinas.

291

aproveitamento da potência do grupo e na mobilização de transformações

institucionais.

Características e especificidades da coordenação

Quanto à coordenação dos Grupos Psicanalíticos de Reflexão,

Bernard (1991) já destacava a importância de o coordenador de tais grupos

não realizar nenhuma outra atividade de docência junto aos participantes.

Nos textos de Oliveira Jr. (2002) e Fernandes (2003), há também a

recomendação de não haver envolvimento do coordenador do grupo nas

atividades acadêmicas e nos processos avaliativos, para permitir maior

liberdade no fluxo das associações livres aos participantes. No entanto, é

comum que o coordenador desse grupo seja membro da instituição

formadora ou tenha outras possibilidades de encontro ou de realização de

atividades com os participantes ou com pessoas com eles relacionadas.

Como o material trazido nestes grupos pode expor conteúdos sensíveis a

algum dos membros ou mesmo de pessoas de fora deste, considero que

deve ser garantido que o espaço utilizado não permita o vazamento das

falas no momento do grupo e que os participantes compreendam a

importância do sigilo e a reserva do que for tratado no grupo.

No que se refere aos cuidados a serem tomados pelo coordenador,

um conceito que tem ajudado é o da regra de abstinência. Para Laplanche

e Pontalis (1991), esta constitui a recusa do analista em satisfazer os

pedidos do paciente e de assumir os papéis impostos por ele. Considero

que, em um Grupo Psicanalítico de Reflexão, o coordenador precisa se

abster não somente de atender às solicitações dos membros do grupo, mas

também deve ficar atento às advindas de outros participantes da

instituição. Além disso, a regra serve para o analista ou coordenador, mas

não deveria ser utilizada como substituta à interpretação do pedido.

Vamos imaginar, como exemplo, um grupo de estudantes que está

vivenciando muitas dificuldades para comunicar a um determinado

professor do curso as suas insatisfações em relação às aulas, uma vez que

o professor é descrito como tendo reações agressivas com os estudantes.

Quando isso aparece no Grupo de Reflexão, é dito por um dos

participantes que no espaço do grupo eles se sentem escutados e acolhidos

e que gostariam que o mesmo ocorresse nas aulas; na sequência, outro

292

participante sugere que o coordenador do grupo converse com o

professor para tentar ajudá-lo a promover um espaço saudável de

aprendizagem, pois certamente o professor não iria ser agressivo com ele.

Então, apesar da clara convocação dos estudantes, é recomendável que o

coordenador do grupo não atenda ao pedido, mas também não se dedique

a negá-lo. Buscar a sua compreensão é mais importante do que responder

afirmativa ou negativamente à solicitação. Uma estratégia interessante é

tentar verificar, a partir da formulação do grupo, o que está sendo

comunicado no que se refere às fantasias inerentes ao processo de

aprendizagem, às relações entre os participantes, à instituição e ao macro

contexto, de forma a promover a compreensão do grupo acerca do pedido

formulado.

Um ponto que é muito importante em relação aos Grupos

Psicanalíticos de Reflexão é a sua proximidade com os grupos

psicoterapêuticos de orientação psicanalítica, uma vez que não há

direcionamento por parte do coordenador, não existem disparadores e não

há recursos mediadores, como fotos, textos, para os quais os participantes

possam direcionar suas projeções. É comum ocorrerem movimentos de

regressão, principalmente no início dos grupos, com ataques à

coordenação, fantasias persecutórias, tentativas de mudar o contrato,

como, por exemplo: solicitar alteração do tempo; propor uma discussão

temática; dizer que a atividade ocupa o lugar de outra mais importante e

pragmática (Donato et al., 2002). Assim, como estes ocorrem em

contextos institucionais nos quais as pessoas têm outras formas de

convivência, encontrando-se antes e depois dos grupos, cabe ao

coordenador ficar atento aos conteúdos institucionais e relacionados ao

aprendizado, na elaboração de suas hipóteses interpretativas e ao exercitar

sua função de pensar junto com o grupo.

Os Grupos Psicanalíticos de Discussão

Definição e aplicações

Em um trabalho elaborado por Fernandes e Fernandes (1999,

citado por Fernandes, 2000) e bastante utilizado em textos posteriores

(Emílio, 2010; Fernandes, 2003), os Grupos Psicanalíticos de Discussão

293

são descritos como modalidades de grupos operativos que têm como

tarefa a discussão de ideias, a circulação e a horizontalização de saberes, a

partir do contato com um disparador comum. Um pequeno ajuste na

descrição acima resultou em uma nova formulação que foi criada de forma

coletiva por membros do NESME e está presente no convite

encaminhado aos participantes dos grupos realizados nos encontros

mensais. Ela traz a ideia de ser um espaço de compartilhamento horizontal

de saberes para a construção coletiva de conhecimento, inspirado nos

grupos operativos de Pichon-Rivière e realizado após um disparador

comum, que pode, por exemplo, ser um texto, caso clínico, um filme ou

uma apresentação em um evento. No último congresso do NESME, a

explicação sobre tais grupos foi disponibilizada dentro do programa oficial

do evento com o seguinte texto:

(...) são grupos psicanalíticos realizados após as apresentações em

mesas redondas, mesas de comunicações temáticas e sessões de

pôsteres e coordenados por especialistas em grupos. Com isso,

procuramos quebrar, pelo menos parcialmente, o nível de

funcionamento grupal de dependência, tradicional nos

Congressos, partindo para uma discussão horizontal e criativa. De

maneira democrática, tais grupos estimulam a circulação do saber

de cada participante, despertam associações e constroem novo

conhecimento a partir do material exposto pelos

participantes/autores de trabalhos. (NESME, 2019, p. 4)

Como vimos, desde a sua criação, esta modalidade de grupos está

bastante associada aos congressos de grupo, em especial os promovidos

ou apoiados pelo NESME e mais recentemente ficou também vinculada

aos encontros mensais realizados na instituição. Assim, fica evidente a sua

importância como dispositivo de promoção de conhecimento e de

vivência para estudiosos de grupos. No entanto, seus usos não se

restringem a estes contextos, como veremos no próximo tópico.

As definições do dispositivo do Grupo Psicanalítico de Discussão

que apresentamos acima apresentam como ponto comum a importância

do compartilhamento de ideias e da construção coletiva do conhecimento.

Então, um ponto bastante relevante quando penso nos seus possíveis usos

é o fato de que ele pode ser utilizado sempre que o grupo objetivar a

294

promoção da discussão para a ampliação do conhecimento de todos, uma

vez que concordo com a afirmação de Fernandes (2003) de que ele pode

ser efetivo para estimular o pensamento horizontal e democrático, não

somente em eventos científicos.

Em minha experiência, tenho utilizado e supervisionado a

realização de Grupos Psicanalíticos de Discussão para intervenções em

contextos nos quais é importante a promoção de espaços de reflexão e

discussão de ideias, de aprendizagem, de sensibilização em relação a algum

tema e de promoção de saúde, principalmente quando a intervenção se dá

com pessoas que convivem cotidianamente, como: professores,

estudantes, membros da equipe pedagógica e administrativa em escolas;

usuários e membros da equipe técnica e de gestão de centros de

convivência, serviços de saúde, casas de acolhimento; entre outros. O uso

de textos, imagens, músicas, trechos de filmes como disparadores e a

condução de uma discussão que permite o surgimento de associações,

convergentes e divergentes, e o compartilhamento e acolhimento dos

diferentes saberes configura os Grupos Psicanalíticos de Discussão como

dispositivos interessantes de intervenção em instituições e podem ser

menos geradores de ansiedade e fantasias persecutórias do que os Grupos

Psicanalíticos de Reflexão. Tornam-se bastante recomendados, inclusive,

para atividades pontuais ou com populações que não estejam ainda tão

disponíveis para uma vivência emocional muito intensa.

Assim, considero que suas aplicações são as mais variadas, mas não

deve ser constituído com a finalidade de realização de tomadas de decisões

ou quando não for possível o respeito às diferentes ideias que surgirem,

uma vez que ele não prevê uma resolução final ou uma “moral da história”,

sendo importante que cada participante saia dele com sua própria síntese

pessoal, apesar de esta ser construída no e com o grupo.

Características e especificidades na coordenação

Quando penso na criação de um grupo como dispositivo de

intervenção, considero: a sua finalidade; os participantes; as condições

materiais (como a instituição ou contexto mais amplo, o espaço, o tempo

e os recursos disponíveis); além do preparo técnico de quem contribuirá

295

para a sua condução (terapeuta, coordenador, facilitador, animador,

observador, entre outros).

Como visto acima, os Grupos Psicanalíticos de Discussão podem

ser utilizados tanto com pessoas que têm convivência cotidiana (como

colegas de classe ou de trabalho, amigos, parentes, membros de uma

comunidade), como com pessoas que têm relações assimétricas de poder,

desde que estas concordem que no espaço do grupo tal assimetria deixará

de existir. Então, o critério para participação dos referidos grupos é a

concordância dos participantes com as “regras do jogo”, tomando de

empréstimo uma expressão utilizada por Zimerman (2000) quando fala do

enquadre dos grupos.

Em relação ao espaço, o fato de o Grupo Psicanalítico de

Discussão não ter finalidade psicoterapêutica permite que não seja

necessária a preservação do sigilo das falas o que possibilita, por exemplo,

que seja realizado em uma quadra ou pátio de uma escola ou empresa ou

em uma sala que tenha vazamento do som. No entanto, é muito

importante que as pessoas consigam se escutar e se ver durante a discussão

proporcionada. A organização das cadeiras em círculo contribui bastante

para isso, mas outras formas de organização podem ser necessárias, em

função do número de participantes e do formato da sala. Já percebi que se

a sala for muito pequena para o grupo, podem ser tentadas outras

estratégias de organização das cadeiras, desde que os participantes fiquem

confortáveis em compartilhar suas ideias e possa ser repensada a

organização, caso não funcione da forma como está.

No que se refere ao número de participantes, ao contrário do que

ocorre em relação a outras modalidades grupais, como as que têm

finalidades psicoterapêuticas (Fernandes, 2003; Zimerman, 2000), não

encontrei registros em relação ao número mínimo e máximo ideal para a

realização dos Grupos Psicanalíticos de Discussão. Em meu percurso

profissional, já coordenei, co-coordenei e supervisionei a realização de

grupos com esta finalidade com um número que considerei muito

pequeno (em torno de quatro participantes, incluindo o coordenador) e

com um número muito grande (aproximadamente 50 pessoas). O que

observei nas diferentes situações é que, para uma hora de discussão, a

presença de dez a vinte e cinco participantes tende a ser bastante viável,

296

não sendo um grupo tão pequeno que as pessoas se sintam muito expostas

e forçadas a falar mais do que gostariam, e nem tão grande que dificulte a

participação e a comunicação de todos os que desejam.

O tempo de realização do grupo pode variar em relação aos

objetivos, ao contexto e ao número de participantes. Bleger (1961/1980)

recomenda que os grupos operativos tenham sempre mais de uma hora de

duração, pois, considera que é a partir da primeira hora que o grupo tem

melhor rendimento. Sabemos, com Pichon-Rivière (1980/1994) e com

Bleger, que os primeiros momentos dos grupos operativos são marcados

por ansiedades decorrentes da quebra dos estereótipos na aprendizagem e

que estas vão diminuindo com o tempo e o movimento do grupo, de

forma a permitir que conteúdos difíceis possam emergir. Os Grupos

Psicanalíticos de Discussão não deixam de promover os mesmos

fenômenos. No entanto, em função de sua especificidade, os disparadores

que os antecedem fornecem um elemento de apoio às associações, o que

promove a proteção dos conteúdos de seus participantes e também a sua

evidenciação, em um interessante jogo de mostrar e esconder, permitindo,

assim, que o grupo possa operar desde o seu princípio, uma vez que tanto

as associações provocadas pelo disparador quanto a falta delas podem se

converter em elementos de compreensão do processo grupal e, portanto,

de aprendizagem.

Tenho observado que a duração de uma hora para a realização

de tais grupos funciona bem, quando considerado um número entre dez e

vinte e cinco participantes. Um ponto importante a ressaltar é que o

Grupo Psicanalítico de Discussão é sempre considerado um grupo breve

(Emílio, 2003), pois, cada grupo é único e o seu término já está previsto

desde o seu início (Emílio, 2010).

A coordenação dos Grupos Psicanalíticos de Discussão pode ser

feita por uma ou duas pessoas (a co-coordenação pode ser muito

recomendada em grupos maiores), mas é importante que estes

profissionais tenham preparo para isso (Fernandes, 2003). Alguns

cuidados precisam ser destacados na coordenação, como apontado em um

trabalho anterior, do qual pincelei alguns pontos para apresentar abaixo

(Emílio, 2010):

297

cuidar da organização do espaço e da configuração das cadeiras,

respeitando a quantidade de pessoas e as condições concretas, de

forma a garantir que todos os participantes se vejam e se escutem

durante a discussão;

em caso de co-coordenação, é importante estabelecer

combinados acerca dos papéis de cada um no manejo do enquadre

e nas pontuações e interpretações; combinar as possibilidades de

comunicação entre os coordenadores durante o grupo (alguns

preferem se posicionar no grupo de forma a se verem para

poderem se comunicar pelos olhares e expressões faciais e outros

optam por se sentar um ao lado do outro e poder se falar

rapidamente e em voz baixa, se necessário);

autorizar e estimular a participação de todos os presentes,

compreendendo que o silêncio também é uma forma legítima de

estar no grupo;

preparar para o término do grupo, pontuando sobre a

aproximação do fim e respeitar o tempo combinado para a

finalização do grupo. Isso exige bastante atenção e manejo técnico,

pela identificação dos movimentos de negação do fim ou de

transgressão da regra estabelecida;

evitar emitir opiniões pessoais sobre o conteúdo em discussão

pelo grupo, uma vez que sua concordância ou divergência em

relação às ideias de algum membro poderá conduzir mais à

estereotipia do que ao esclarecimento e à aprendizagem;

ficar atento à possibilidade de repetição no funcionamento do

grupo, de forma dramatizada e inconsciente, do tema presente no

disparador. Explicitar tal repetição pode auxiliar o grupo a sair da

estereotipia.

Um último ponto que pretendo abordar sobre o funcionamento

dos Grupos Psicanalíticos de Discussão é sobre a presença ou não de um

observador não participante nos referidos grupos. Para Pichon-Rivière

(1969), este seria recomendável nos grupos operativos, pois teria a função

de fornecer ao coordenador o material (verbal e pré-verbal) expresso no

grupo, para auxiliar a avaliação e reajuste da técnica. Nos Grupos

298

Psicanalíticos de Discussão, como visto acima, são pensadas estratégias de

co-coordenação, mas não encontrei registros da presença de observadores

nos grupos com esta denominação. No entanto, há alguns meses o

NESME vem adotando, nos Grupos Psicanalíticos de Discussão

realizados nos encontros mensais31, a função de leitor do grupo. Este é um

observador participante que fica designado (em geral, de forma voluntária)

para observar e registrar, por escrito, suas impressões e o movimento do

grupo, sem deixar, no entanto, de contribuir para as discussões realizadas

e sem intervir como co-coordenador no decorrer do grupo. As anotações

são convertidas posteriormente em um texto, que é enviado aos membros,

para que todos possam acompanhar a leitura realizada daquele grupo e

servem como uma espécie de aproximação e distanciamento do fenômeno

vivenciado.

Como ilustração, apresento a seguir um trecho do relato

elaborado por uma leitora32 observadora participante de um Grupo

Psicanalítico de Discussão realizado no NESME, que teve como

disparador o texto “O problema epistemológico do grupo na psicanálise”,

do livro de Kaës (2011)33, O grupo, na ocasião, estava constituído por

membros do NESME e convidados, sendo que alguns dos presentes já

eram mais familiarizados com as obras do autor e outros o haviam lido

pela primeira vez para a participação no grupo:

31 Uma vez por mês, os membros do NESME se reúnem para seu encontro mensal, que contempla atividades exclusivas aos membros, como a reunião administrativa e a supervisão institucional, mas também há espaço para uma hora de Grupo Psicanalítico de Discussão, com a possibilidade de participação de convidados externos. Os disparadores para os grupos são enviados por correio eletrônico, de forma antecipada aos convidados (junto com o convite) e são em forma de textos (capítulos de livros, artigos científicos, relatos de casos clínicos, livros infantis) ou vídeos (filmes, documentários), escolhidos conforme os interesses e necessidades do grupo. 32 O texto foi elaborado integralmente por Andréia Pereira Lopes, que autorizou sua publicação. 33 O texto utilizado como disparador aborda a extensão do campo da psicanálise e discute a realidade do grupo, considerando que esta tem estruturas, organizações e processos psíquicos específicos.

299

A coordenadora se apresenta em meio a burburinhos e

ruídos, informa como se dará o encontro, sobre o funcionamento

do grupo, seu objetivo, combinados e o horário de início e fim. A

partir desse momento, o silêncio começa a fazer parte do encontro;

são percebidas no ambiente diferentes emoções que se mesclam

entre ansiedades, curiosidades, inquietações, angústias,

serenidades... Até que começam as falas; estas surgem com

apontamentos sobrepostos, que vão chamando a atenção de todos

os presentes. É como se o grupo estivesse observando uma

pintura, uma obra de arte e cada um começasse a apontar o que

lhe chama a atenção. O momento é de colaboração, começamos a

construir nosso “texto/tela” e o mais interessante é que somos

criadores dessa “obra”.

A leitura que cada um faz é variada, mas impressiona a

importância de cada voz para resultar na elaboração e

compreensão do texto. O grupo reconhece a importância do autor,

mas assume a dificuldade para compreendê-lo. O acolhimento

dessa dificuldade se dá pelas falas que sugerem formas de amenizar

tamanha angústia. Então, o que é singular passa a ser comum e

partilhado, afinal todos mencionam suas incompreensões diante

do texto. Até que surge uma fala que aponta e evidencia a

importância das associações livres ali mencionadas, conclui-se que

estamos diante de um aparelho psíquico do grupo. É como se

nesse momento a pintura ganhasse um significado único para cada

um, mas ao mesmo tempo compartilhado (...).

Considerações gerais sobre ambos os dispositivos à guisa de conclusão

Como visto acima, tanto o Grupo Psicanalítico de Reflexão quanto

o Grupo Psicanalítico de Discussão buscam promover a explicitação do

que está implícito e as mudanças pessoais dos seus participantes pelo

processo de aprendizagem, resultando em mobilizações afetivas e tendo,

também, efeitos terapêuticos. No entanto, pelas suas próprias

características e limitações, eles não devem ser utilizados com a finalidade

psicoterapêutica, uma vez que existem dispositivos mais adequados para

isso.

300

A função dos coordenadores dos Grupos Psicanalíticos de

Reflexão e de Discussão é bem semelhante à prevista nos grupos

operativos, ou seja, de pensar com o grupo, realizando um processo

dialético de indagação e esclarecimento, que parte do que é explícito para

promover o surgimento de conteúdos implícitos. Assim, o conteúdo

manifesto, trazido pelos porta-vozes do grupo é integrado pelo

coordenador, que formula uma hipótese interpretativa, a qual provoca o

surgimento de outro emergente grupal (Pichon-Rivière, 1969). No

entanto, vale ressaltar que a hipótese a ser formulada pelo coordenador do

Grupo Psicanalítico de Reflexão deverá considerar o curso, a instituição e

o macro contexto, enquanto a hipótese do coordenador do Grupo

Psicanalítico de Discussão poderá se apoiar em elementos presentes no

disparador utilizado. Então, a atenção do coordenador é relativamente

flutuante, pois, na medida em que se permite associar livremente enquanto

acompanha o fluxo de associações dos demais membros do grupo, pode

se perguntar, por exemplo: “por que esta associação surgiu neste grupo,

neste momento?”; “que aspecto da dinâmica institucional está presente

nesta afirmação ou pergunta?”; “que elementos presentes no disparador

utilizado inspiraram esta associação?”.

Para finalizar, apresento, abaixo um trecho do relato enviado por

um convidado34 que participava pela primeira vez do Grupo Psicanalítico

de Discussão realizado no NESME35, pois é o registro da percepção de

alguém não familiarizado com o dispositivo e que parece ilustrar bem a

sua proposta e seus efeitos sobre os participantes. É importante esclarecer

que todos haviam recebido o texto por correio eletrônico uma semana

antes do grupo e que este teve como disparador uma breve apresentação

feita sobre o texto por sua autora, também convidada externa:

(...) impressionante como a matéria mental circulou (e acredito que

circule sempre…) naquele ambiente, a ponto de ser quase palpável.

34 Joaquim Pereira, psicanalista, em comunicação encaminhada por correio eletrônico aos membros do NESME, como devolutiva, após sua participação. Obs.: o uso da comunicação neste capítulo foi autorizado por seu autor. 35 Grupo Psicanalítico de Discussão, realizado na sede do NESME em 15/02, tendo como disparadores a leitura do texto "A terceira tópica" de Gislaine Varela Mayo de Dominicis,

301

Ou melhor, é palpável, na dimensão (limitada) onde a palavra e a

linguagem são instrumentos de apropriação dessa matéria mental

que, obviamente, escapa à possibilidade de encarnação completa

na palavra. Por isso somos o que somos... porque escapamos... e é

aí que escapamos, no prazer e na dor. Mas, dentro daquilo que a

palavra e a linguagem nos auxiliam nesse processo de encarnação,

nesse jogo entre o singular e o grupal, estávamos todos lá,

singulares, mas plurais na grupalidade. Heterogêneos pertencendo

a um Grupo. Impressionante capturar essa circulação de afetos e

palavras. Entre a demanda grupal pela garantia da receita pronta

da convidada-autora e a transgressão ampliada inclusiva, vocês me

incluíram.

Referências

Bernard, M. E. (1991). Grupos Psicoanalíticos de Reflexión en la

Formación de Analistas Grupales. GrupAl: Revista de la Federación

Latinoamericana de Psicoterapia Analítica de Grupo, 1, 41-46.

Bleger, J. (1961). Grupos Operativos no ensino. Em J. Bleger, Temas de

psicologia: Entrevista e grupos (pp. 53-82). São Paulo: Martins Fontes.

(Trabalho original publicado em 1980)

Bretas, P. F. F. (2019). De servidores públicos marajás a profissionais

eficientes: Uma genealogia das práticas de poder e resistência a partir

de um Grupo de Discussão. Administração Pública e Gestão Social, 11(1),

28-44.

Coronel, L. C. I. (2002). Grupo de Reflexão na formação de

grupoterapeutas. Em J. F. Oliveira Jr. (Org.), Grupo de Reflexão no Brasil:

Grupos e Educação (pp.137-154). Taubaté, SP: Cabral Universitária.

Diniz, N. F. P. S., & Aires, S. (2018). Grupo de escuta e reflexão com

estudantes universitários. Vínculo, 15(1), 61-75.

Donato, A., Fernandes, B. S., Oliveira, N. M., Emílio, S. A., Galli, V. L.,

& Fernandes, W. J. (2002). Grupos de Reflexão: Uma modalidade dos

Grupos Operativos, uma técnica a ser utilizada, um “tipo” diferente de

grupo? Em J. F. Oliveira Jr. (Org.), Grupo de Reflexão no Brasil: Grupos e

Educação (pp. 117-124). Taubaté, SP: Cabral Universitária.

302

Emílio, S. A. (2003). Grupos breves em clínicas-escolas. Em W. J.

Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.) (2003), Grupos e

configurações vinculares (pp. 269-277). Porto Alegre: Artmed.

Emílio, S. A. (2010). O Grupo Psicanalítico de Discussão como

dispositivo de aprendizagem e compartilhamento. Vínculo, 7(2), 35-43.

Fernandes, W. J. (2000). Alguns aspectos do trabalho psicanalítico com

grupos de discussão. Revista da SPAGESP, 1(1), 61-69.

Fernandes, W. J. (2003). Grupos de reflexão e grupos de discussão. Em

W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.) (2003), Grupos

e configurações vinculares (pp. 205-214). Porto Alegre: Artmed.

Franco, E. M.; Volpe, A. J. (2011) Sentidos para a formação em um grupo

de reflexão. Psicol. Ensino & Form., 2(1), p. 33-42.

Gvozd, R., Garcia, S. D., Haddad, M. C. L., Vannuchi, M. T. O. &

Garanhani, M. L. (2016). Teoria Tornar-se Humano: Prática em grupo

de pré-aposentadoria. Revista de Enfermagem da UFSM, 6(1), 40-49.

Kaës, R. (2011). Um singular plural: A psicanálise à prova do grupo. São Paulo:

Loyola.

Laplanche, J., & Pontalis, J. B. P. (1991). Vocabulário da Psicanálise. São

Paulo: Martins Fontes.

Mataresi, A., & Emílio, S. A. (2011). Grupos de reflexão no contexto

escolar: A vez e a voz dos alunos. Vínculo, 8(2), 31-36.

NESME (2019). Programa do XII Congresso Brasileiro de Psicanálise das

Configurações Vinculares e X Encontro Paulista De Saúde Mental.

Serra Negra/SP.

Oliveira Jr., J. F. (2002). Observações introdutórias do organizador. Em J.

F. Oliveira Jr. (Org.), Grupo de Reflexão no Brasil: Grupos e Educação (pp.

x-y). Taubaté, SP: Cabral Universitária.

Osório, L. C. (2002). Prefácio. Em J. F. Oliveira Jr. (Org.), Grupo de Reflexão

no Brasil: Grupos e Educação (pp. 5-10). Taubaté, SP: Cabral Universitária.

Peruzzo, M. O. S., & Rosa, M. F. R. (2015). O complexo diálogo entre

uma instituição religiosa, um grupo e seus sujeitos. Em S. A. Emílio

(Org.), Anais do X Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações

Vinculares; VIII Encontro Paulista de Saúde Mental; XII Jornada da

SPAGESP. Serra Negra, SP: Núcleo de Estudos em Saúde Mental e

Psicanálise das Configurações Vinculares.

303

Pichon-Rivière, E. (1969). Estrutura de uma escola destinada à formação

de psicólogos sociais. Em E. Pichon-Rivière (1994), O processo grupal

(5.ed.) (pp. 121-130). São Paulo: Martins Fontes.

Pichon-Rivière, E. (1977). Concepto de ECRO. Temas de psicologia social,

1(1), x-x.

Pichon-Rivière, E. (1994). O processo grupal (5.ed.). São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

Rosa, J. T. (1996). Grupo Psicanalítico de Reflexão em supervisão de

psicoterapia individual. Em I. F. D. M. Catafesta (Org.), D.W. Winnicott

na Universidade de São Paulo: O Verdadeiro e o Falso (pp. 253-276). São

Paulo: Lemos.

Rossato, L., & Scorsolini-Comin, F. S. (2019). “Chega mais”: O grupo

reflexivo como espaço de acolhimento para ingressantes no ensino

superior. Revista da SPAGESP, 20(1), 1-8.

Silva, D., & Brandt, R. (2015). A influência do Grupo de Reflexão na

formação profissional. Em S. A. Emílio (Org.), Anais do X Congresso

Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares; VIII Encontro Paulista

de Saúde Mental; XII Jornada da SPAGESP. Serra Negra, SP: Núcleo de

Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares.

Silva, M. P., & Bernardo, M. H. (2018). Grupo de Reflexão em saúde

mental relacionada ao trabalho: Uma contribuição da psicologia social

do trabalho. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 43(Suppl. 1), e11s.

Epub, dezembro 03, 2018.https://doi.org/10.1590/2317-

6369000005018

Vacheret, C. (2008). A Fotolinguagem©: Um método grupal com

perspectiva terapêutica ou formativa. Psicologia: Teoria e Prática, 10(2),

180-191.

Vargas, J., & Saraiva, K. (2019). Feminismos e redes sociais: (In)ações e

(im)possibilidades de jovens de periferia urbana. Revista Práxis

Educativa, 14(3), 1188-1209.

Vieira, C., Nascimento, A., & Urquiza, A. (2020). O currículo e a produção

das identidades/diferenças de crianças indígenas em espaço escolar.

Reflexão e Ação, 28(1), 21-33.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2.ed.). Porto

Alegre: Artes Médicas Sul.

304

Zimerman, D. E. (2002). A minha prática com grupos de reflexão. Em J.

F. Oliveira Jr. (Org.), Grupo de reflexão no Brasil: Grupos e Educação (pp.

63-78). Taubaté, SP: Cabral Universitária.

305

15 Grupos com tempo e/ou objetivos limitados

Beatriz Silverio Fernandes

O que são grupos com tempo e/ou objetivos limitados?

Acredito e concordo com Kesselman (1972) que as necessidades

atuais como tempo, deslocamento, dinheiro, pouco interesse em

tratamento em longo prazo e tempos modernos são incompatíveis com

tratamentos psicológicos individuais prolongados. Não vou repetir aqui os

conceitos de grupos e efeitos benéficos dos grupos, pois foram

brilhantemente descritos pelos colegas.

Segundo Small (1974), dois itens que justificam a procura por

métodos breves e eficazes se destacam: a necessidade de tratamento

psicológico em curto prazo, sem perda de horas de trabalho, e o limitado

número de psicoterapeutas especializados para o trabalho. Estamos

falando de um processo que teve início no pós-Guerra (1944-1945).

Em Small (1974) encontramos Grinker, que afirmava que a

psicoterapia breve derivada da psicanálise era o “único” tratamento novo

adequado àquele momento.36

No que se refere ao entendimento sobre grupos em geral, houve

nos últimos 35 anos uma expansão muito grande em seu emprego,

inclusive nos grupos com foco ou tempo limitado. A partir da década de

40, os clínicos passaram a utilizar esses tipos de grupo em ambulatórios e,

principalmente, em tratamentos hospitalares.

Os grupos breves, em geral, duram seis meses, ou 25 sessões, e

podem ser desenvolvidos em serviços públicos ou em consultórios

privados, com ou sem intermédio de serviços de saúde suplementares

(convênios médicos). Penso, assim como outros autores (Budman &

36 Detalhes sobre esses movimentos históricos serão vistos no capítulo 1, Psicoterapia de grupo: sua origem, seus caminhos.

306

Gurman, 1988; Klein, 1996), que os consideramos breves não só devido à

duração, mas por serem um tratamento realizado com cuidado e

responsabilidade, e que “utiliza o tempo que lhe é concedido de forma

eficaz, eficiente”, sempre mantendo o foco.

Onde e como são realizados

O espaço onde se reúne o grupo breve é igual ou semelhante aos

outros grupos descritos neste livro: uma sala mobiliada com cadeiras,

dispostas em círculo. A população do grupo poderá variar de oito a dez

elementos, no máximo. Em geral, são grupos fechados (que iniciam e

terminam com a mesma população), mas podem ocorrer também na

forma de grupos abertos (onde saem e entram pessoas novas). O tempo

destinado a cada sessão varia de 45 a 60 minutos, em geral, e os grupos

têm duração de seis meses em média, e o contrato pode ser renovado.

Como em outras modalidades, o objetivo do grupo breve é o alívio

dos sintomas e das angústias, visando a um maior equilíbrio emocional

dos seus integrantes e promover a utilização dos recursos sadios de cada

paciente para conseguir maior controle e domínio de si próprio. Mais

importante ainda é que colabore para o desenvolvimento e a compreensão

de cada participante sobre o mal que o aflige, para ajudá-lo a enfrentar e a

não negar, com as limitações que o tempo imporá.

Esses quesitos devem estar presentes sempre no coordenador,

assim como dentro do mundo psíquico de cada participante, para que o

tratamento possa florescer e tornar-se eficaz.

Manter sempre o foco do grupo, evitar a dispersão e sempre

chamar a atenção para esses aspectos é fundamental para o progresso do

grupo.

Quem poderá participar do grupo terapêutico breve?

Muito se lê e se fala, mas a literatura, por vezes, sugere que pessoas

com uma ou mais das características a seguir poderiam atender a critérios

para se beneficiarem desses grupos:

presença de uma queixa circunscrita;

presença de problemas de surgimento de crise súbita;

307

história de vida que mostre ajustes razoáveis anteriores às

crises;

história de relacionamentos mais ou menos estáveis;

capacidade de manifestar confiança no terapeuta e nos outros

membros;

capacidade de engajar-se num processo psicoterápico

(motivação positiva para o tratamento);

capacidade de relacionar-se consigo e com os outros de maneira

flexível pela vida afora;

disposição para abdicar de algo de sua vida para direcioná-lo ao

tratamento; e

prevalência da realidade em comparação ao mundo da fantasia.

As características mencionadas para a seleção de pacientes são

discutidas também por Sifneos (1987/1991), Mackenzie (1988/1991),

Strupp (1981) e no trabalho de Klein (1996).

Cada grupo será configurado de maneira diversa em termos de

tarefa, estrutura, papéis dos pacientes e de seu coordenador, conforme os

atendimentos forem acontecendo. Uma vez selecionados os pacientes e

decidido o foco do grupo, as sessões podem se iniciar.

Mas como chegar à conclusão de quem poderá participar do grupo

breve? Temos em mãos um instrumento relevante para obter os dados que

nos mostrarão se “João” tem ou não as características adequadas para

participar do grupo: de uma a três entrevistas iniciais, incluindo uma boa

investigação da história de vida pregressa ou anamnese; e conhecer seu

desenvolvimento, como foi seu crescimento físico, social e emocional.

Isso fornecerá um material riquíssimo para avaliar se “João” terá ou não

bons indicadores de aproveitamento no grupo. Mas ressalvo que ainda

assim podemos falhar, pois não somos infalíveis; não podemos abstrair

essa nossa incompetência natural.

Se “João” não tiver uma história de fidelidade relacional mínima,

condições de estabelecer uma relação de confiança e esperança de alcançar

lucros no tratamento, dificilmente conseguirá tirar proveito do tratamento,

e até poderá contribuir para o não desenvolvimento do grupo, desviando

constantemente o foco e a atenção do coordenador.

308

Deve-se esclarecer a todos o contrato do grupo: sua duração,

como serão as sessões, como fazer com faltas, pagamentos e reposição de

sessões, se atrasados poderão ou não entrar etc.

Yalom e Vinogradov (1985) ressaltam como tarefas importantes

dos terapeutas de grupos breves a manutenção do grupo e a construção

de uma cultura grupal. Esse trabalho incrementaria o processo

desenvolvido pelo grupo. Não parece uma tarefa possível. À medida que

o terapeuta consiga ater-se ao foco do grupo, utilize adequadamente dos

conteúdos contratransferenciais, deixe seus recursos narcísicos guardados

e tolere o que o grupo pode dar, ou desenvolver, o processo crescerá.

Uma alternativa é o meu desejo, a outra é o que o grupo poderá

construir com minha ajuda – em termos de esclarecimentos, informações,

clarificações dos conteúdos, apresentação de novos modelos de conduta

para antigos comportamentos, incentivo a todos para se colocarem nos

lugares dos outros e pensar como se sentiriam –, caso o próprio grupo,

por si só, não o trouxer. Por vezes nos deparamos com pacientes que são

“excelentes coterapeutas” sem terem consciência de que nos ajudam na

tarefa terapêutica.

Para um grupo breve funcionar, seus participantes precisam sentir-

se integrados, definir o problema ou a tarefa a realizar, para executarem

juntos o que lhes foi confiado. Os problemas, segundo Mailhiot (1985),

precisam da ajuda do líder, no sentido da sensibilização para certos fatores

da realidade, suas disponibilidades e os recursos que o grupo terá a seu

dispor.

Esse tipo de grupo continua a ser uma possibilidade de atenção à

saúde mental a expandir-se nos dias de hoje, cada vez mais. Observa-se

ser uma opção que vem sendo muito utilizada dentro das faixas sociais

menos favorecidas economicamente ao redor do mundo.

Alguns cuidados técnicos têm que ser adotados com esse tipo de

trabalho grupal. Não se pode conduzi-los com a técnica de longo prazo.

O terapeuta deve ser um pouco mais diretivo e focado, e muito eficaz,

conforme constatado em diversas pesquisas, como salienta Klein.

Vimos um pouco do que consideramos grupos breves. Atenhamo-

nos agora aos grupos realizados em comunidades terapêuticas.

309

Grupos em comunidades terapêuticas

Toda comunidade vive em grupos. Não há praticamente atividade

individual, com exceção das consultas. Esses grupos todos ocorrem numa

instituição, cuja definição pode ser “coisa instituída ou estabelecida. Leis

fundamentais de uma sociedade política e social” (Michaelis, 1998).

Segundo os conceitos sociológicos, a instituição é um complexo de ideias,

padrões de comportamento, relações inter-humanas que se organizam em

torno de um interesse reconhecido, conforme Fernandes (2003).

Assim, encontraremos as comunidades terapêuticas: um complexo

integrado de ideias e padrões comportamentais; uma organização

estruturada para dar conta do tratamento de pessoas com inúmeras

dificuldades dentro da esfera da vida, num grau elevado de patologias e

comprometimentos emocionais. Essa instituição terá que dar conta da

administração e do equilíbrio do princípio do prazer e da realidade, tanto

de seus pacientes como de seu staff, assim como dela própria.

A comunidade, segundo Fernandes e Fernandes (1998), possui um

conjunto de técnicas integradas, com normas conhecidas dos pacientes,

seus participantes mais ativos, e da equipe técnica, com um funcionamento

que poderá ser alterado em comum acordo com todos (Fernandes &

Fernandes, 1998).

Os grupos estão presentes em todos os locais e âmbitos da

comunidade. Tais grupos seguem o modelo dos grupos operativos37, cuja

tarefa primordial é a convivência das pessoas no dia a dia.

Um dos alicerces do trabalho em comunidades terapêuticas é

valorizar os aspectos saudáveis de pacientes, isto é, os aspectos não

psicóticos da personalidade38. Dar-se-á mais atenção aos vínculos

emocionais amorosos e atados ao desejo de crescimento. O ser humano

será valorizado em sua amplitude, quer dizer, em todos os aspectos, o que

poderá vislumbrar um crescimento pessoal no decorrer do tempo, de cada

integrante e, quiçá, da instituição.

37 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière. 38 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

310

A problemática dos grupos em comunidades terapêuticas muitas

vezes é uma extensão dos problemas institucionais, da convivência, dos

altos e baixos que espelharão as situações não resolvidas em qualquer área.

Nos grupos não poderemos deixar de cuidar do sigilo, dos

silêncios, da transferência e da contratransferência. O mundo primitivo

floresce a todo momento, e sempre encontraremos a distorção da

realidade. Nossa tarefa é continuamente fazer provas da realidade, isto é,

confrontar o que é falado com o que acontece, bem como facilitar os

intercâmbios entre as pessoas, reduzir ansiedades e tentar ajudar a

incrementar a autoestima dos integrantes, sem deixar de lado o grande

papel da compreensão maior de cada quadro diagnóstico.

Os grupos em comunidades terapêuticas são, em geral, recursos

permanentes na estrutura organizacional, mas a população é altamente

variável. Os grupos que acontecem na instituição são inúmeros. Eles serão

tratados no próximo item e ilustrados com vinhetas clínicas.

Algumas possibilidades, frutos de minha experiência

Relato como funcionava uma comunidade terapêutica em São

Paulo, na época em que lá trabalhei (Fernandes & Fernandes, 1998):

1. Grupo de terapia ocupacional: grupo semanal, com pacientes,

coordenador e funcionários, com duração de uma hora, cuja

atividade era planejar e operacionalizar tudo o que acontecia na

comunidade, como festas, churrascos, torneios, almoços,

trabalhos na oficina de criatividade. Neste grupo era decidido o

cronograma da semana, em termos do que fariam e como seriam

organizados os materiais para a semana seguinte.

2. Grupo da cozinha: grupo semanal com pacientes, coordenador

e funcionários, com duração de uma hora, cujo objetivo era a

divisão de trabalho para as atividades da cozinha. Por exemplo, se

o combinado fosse uma feijoada, seria determinado quem cortaria

as carnes, quem as colocaria de molho, quem escolheria o feijão,

quem picaria os temperos, quem faria o arroz e a couve, e assim

por diante.

3. Grupo da jardinagem: grupo semanal com pacientes,

coordenador e funcionários, com duração de uma hora, com o

311

propósito de organizar as tarefas do jardim, como quem ficaria

encarregado de regar os vasos internos e externos da casa, retirar

as ervas daninhas dos canteiros de flores, cortar as folhas secas,

recolher o material retirado e levá-lo para o local adequado, e quem

chamaria o funcionário para recolher o lixo.

4. Grupo da horta: grupo semanal com pacientes, coordenador e

funcionários, com duração de uma hora, cujo objetivo era

organizar as tarefas da horta, determinando quem prepararia o

canteiro, quem semearia, aguaria, retiraria ervas daninhas etc.

5. Grupo de boas-vindas: grupo semanal com pacientes,

coordenador e funcionários, com duração de uma hora, com a

finalidade de preparar uma comissão de pacientes e um atendente

para receber os pacientes novos, mostrar a clínica e suas

instalações, e contar um pouco como funciona a instituição e quais

as atividades de todos os dias.

O que ocorria como produto de cada atividade, correto ou não

(por exemplo, se o churrasco queimou), sempre era discutido nos grupos

diários coordenados pelo diretor clínico da instituição.

Breve vinheta de um grupo de terapia ocupacional

Osvaldo: Os botões da blusa, que você usava... [cantava olhando para o

alto].

Marcos: Seu Osvaldo, conta pra gente o que esta música tem a ver

com o planejamento do torneio de futebol.

Osvaldo: Bem... é que eu me lembrei de um momento erótico. É

uma festa.

Coordenador: Então, Seu Osvaldo, como poderia nos ajudar a

organizar o torneio? Já que o senhor gosta de festas.

Júlio: Assim não dá. Não vai sair nenhum jogo assim.

Carlos: Aqui é um bando de pernas de pau. Mentirosos. Dizem

que todos são iguais, mas cadê médico que joga? E se jogar, quem

vai marcar?

Osvaldo: É, você não entende mesmo. Claro que há jogos. Claro

que há marcações.

Cesar: Você joga, Osvaldo?

312

Osvaldo: Eu não, mas me divirto. Eu sou muito atrapalhado para

jogar, e tenho problemas graves de reumatismo. Mas ajudo a ver

as faltas.

Clara: Credo, até aqui tem futebol? Que saco!

Osvaldo: Aqui é muito engraçado.

Coordenador: Mas e aí, como vamos organizar o dia, a hora, quem

ataca, quem defende, goleiros etc.?

Marcos: Eu convido Júlio, Carlos, Antonio e Clara para jogarem.

Topam?

Osvaldo: Eu apito e convido o doutor Agnaldo para jogar, mas

quero a “Bunitinha” marcando o doutor.

Susana: Por que isso? Não entendo, você quer mandar no jogo?

[Osvaldo e Marcos sorriem]

Osvaldo: Não. É que você vai apreciar um espetáculo único. A

“Bunitinha” marca o médico, chuta, cai, levanta-se, deixa o cara

atordoado.

Susana: Tudo o que você gostaria de fazer com ele.

Osvaldo: Bem, não exatamente. Ele é meu médico. É engraçado,

e eu posso vê-lo em dificuldades. Mas o melhor mesmo é ver que

a “Bunitinha” encarna o jogador e não tem medo, ela vai... se

diverte, brinca... queria ser assim.

Esse fragmento retrata um pouco o mundo primitivo que

acompanha cada um dos pacientes, que foram internados depois de um

surto psicótico muito grande, ou, ainda, que são doentes mentais crônicos.

Como observamos, o Sr. Osvaldo parece estar fora de órbita, assoviando,

falando de festas, de um erotismo e depois consegue mostrar aos demais

que também pensa, quando fala que é bom ver o médico sentir dificuldade.

Caminhando com o grupo, o paciente saiu de um estado onde só

ele importava, para depois fazer colocações pertinentes à realidade. Com

a participação organizada no grupo, aspectos mais saudáveis emergem na

sessão. Essa estrutura funciona como um continente, que abrigará as

angústias dos participantes e propiciará condições para que se solucionem

problemas cotidianos.

Enquanto coordenadores desses grupos, precisamos facilitar a

redução dos níveis de angústia, ao permitir e dar condições aos integrantes

313

de falar e se colocar. Haverá flutuações de humor, que são frequentes em

todos os grupos e em todas as esferas. Devemos ter como meta

desenvolver as capacidades de cada um, estabelecer um relacionamento

razoável com o grupo e não nos prendermos a diagnósticos e

medicamentos. O foco é o ser humano, mais ou menos equilibrado, não

importa; aproveitar o que cada um tem de bom.

A evolução humana nos conduz a um aperfeiçoamento das

organizações. Podemos dizer que é como uma escada, e não podemos nos

esquecer que cada degrau é um degrau a mais. Devemos cuidar também

para não escorregarmos pelos degraus, o que também é possível.

O coordenador deverá também ajudar a esclarecer situações e

ideias, e facilitar a expressão dos desejos e pensamentos de cada elemento

que compõe o grupo hoje. Digo hoje, porque nesses grupos podemos ter

o mesmo participante por um mês ou mais, ou por apenas um ou dois

dias. Não cabe ao grupo discutir as ausências, mas o que se sente na falta

do outro.

Podemos citar algumas dificuldades para a condução de grupos

com pacientes internados, como descrevem Yalom e Vinogradov (1985):

1. hostilidade e ambivalência em relação ao líder, por causa da

ideação paranoide ou da incapacidade de diferenciar entre líder e

outras figuras que representam autoridade;

2. problemas para o desenvolvimento de autonomia e de coesão;

3. comunicação limitada e distorcida entre doentes mentais

crônicos.

Como mencionado em outras oportunidades neste livro, os grupos

evoluem, caminham junto com seus participantes, cada um em seu tempo

e ritmo. Ao viver ambivalências institucionais e conseguindo entrar no

trabalho grupal com dor, frustração e até, como Bernard (1996) ressaltava,

ao falarmos do imaginário e das fantasias, mostramos como esses fatores

operam papel importante como organizadores do grupo.

Segundo Hassan e Azim (1993), as fraquezas, por parte de todos,

aparecem à medida que as atividades amadurecem. Observamos, segundo

os autores, que os técnicos, assim como os pacientes, vão perdendo um

pouco sua onipotência, sua competição e a colaboração floresce.

314

Karterud (1993) nos mostra também que pacientes regredidos

intensificam conflitos latentes na esfera social, nos quais emerge, acima de

tudo, a necessidade de esclarecimento. Não devemos interpretá-los jamais;

mas coletar dados, confrontá-los e relacioná-los, isso parece funcionar.

Juntos, pacientes e terapeutas podem elaborar o que lhes foi confiado.

Observa-se que estar em grupo é uma oportunidade para a

exploração do que se pode denominar de inconsciente social. Sentimentos

e reações de cada indivíduo refletem as influências que sofre por parte de

outros indivíduos do grupo e do grupo como um todo, por menos

consciência que possa ter de que isso se passa.

Para finalizar, mencionarei algo que um dos pacientes, Jonas,

sempre falava nas reuniões: “Vou parafrasear Shakespeare – o mundo

inteiro é um cenário e todos homens e mulheres são meros atores”. O que

penso que podemos entender com os dizeres de nosso querido paciente:

cada grupo e cada indivíduo contém uma estrutura verbal e uma dramática.

O cenário é a comunidade e os atores são tanto os médicos quanto os

atendentes, os psicólogos, as faxineiras, e os pacientes. Assim poderemos

entender melhor os grupos realizados em comunidades terapêuticas.

Referências

Bernard, M. (1996). El trabajo psicoanalítico con pequeños grupos. Buenos Aires:

Lugar Editorial.

Fernandes, B. S. (2003). Grupos em comunidade terapêutica e hospital

psiquiátrico. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes

(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 261-268). Porto Alegre:

Artmed.

Fernandes, B. S., & Fernandes W. J (1998). Comunidade terapêutica. Em: S.

V. Bettarello (Org.), Perspectivas psicodinâmicas em psiquiatria (pp. 333-

346). São Paulo: Lemos.

Hassan, F. A., & Azim, H. F. A. (1996). Psicoterapia grupal no hospital

diurno. Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de

psicoterapia de grupo (pp. 215-225). Porto Alegre: Artmed.

Karterud, S. W. (1996). Reuniões comunitárias e a comunidade

terapêutica. Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock (Orgs.), Compêndio de

psicoterapia de grupo (pp. 498-505). Porto Alegre: Artmed.

315

Kesselman, H. (1972). Psicoterapia breve. Buenos Aires: Ediciones

Kargieman.

Klein, H. R. (1996). Psicoterapia de curto prazo. Em: H. I. Kaplan, & B.

J. Sadock (Orgs.), Compêndio de psicoterapia de grupo (pp. 215-225). Porto

Alegre: Artmed.

Mailhiot, G. B. (1985). Dinâmica e gênese dos grupos. São Paulo: Livraria Duas

Cidades.

Michaelis (1998). Dicimax: Moderno dicionário da língua portuguesa (edição

eletrônica). São Paulo: Melhoramentos.

Small, L. (1974). As psicoterapias breves. Rio de Janeiro: Imago.

Yalom, I. J., & Vinogradov, S. (1985). Psicoterapia interpessoal de grupo.

Em: H. I. Kaplan, & B. J. Sadock, (1996), Compêndio de psicoterapia de

grupo (pp. 156-163). Porto Alegre: Artmed.

317

16 Aspectos da teoria da técnica das

grupoterapias psicanalíticas Beatriz Silvério Fernandes e Waldemar José Fernandes

Introdução – alguns fenômenos do campo grupal

Já vimos no início deste livro, uma classificação possível do

trabalho grupal, visando a enfatizar a importância de o coordenador saber

o que pretende fazer e o que está fazendo (capítulo 3). Sinteticamente,

vimos algumas classes de grupos, como de crianças/adolescentes; grupo

da instituição/grupo que ocorre em ambiente institucional; psicoterapia

de família/de casal; entre outros. Todos esses grupos são muito

específicos e são visto em capítulos à parte39, em que são abordadas

diversas peculiaridades, inclusive sobre seu manejo.

Neste capítulo, exporemos algumas questões que envolvem

grupos abertos ou fechados, que ocorrem em ambiente preferencialmente

privado, mas não só, quer sejam homogêneos ou heterogêneos. Como

algumas abordagens grupais com finalidades operativas foram vistas em

capítulos sobre Pichon-Rivière e sobre Grupos Psicanalíticos de

Discussão e de Reflexão (capítulos 8 e 14, respectivamente), veremos aqui,

principalmente as abordagens grupais terapêuticas.

No dispositivo vincular convivem os membros do grupo ou do

casal, da instituição ou da família, nos quais existem vínculos entre si e

com o terapeuta. Partindo dessa premissa, alguns fenômenos ocorrerão,

como resistência, transferência, contratransferência e acting-outs (atuações).

Tais fenômenos costumam ocorrer durante as diferentes comunicações

nas sessões de grupo, seja por parte dos pacientes, seja por parte do

terapeuta.

39 Ver capítulos 18, 19, 21, 22 e 23.

318

O terapeuta, no seu trabalho, observa e faz intervenções diversas,

inclusive interpretações. Podem ocorrer insights e elaborações, ou não.

Veremos um pouco sobre tudo isso, que podemos enquadrar como aspectos

da teoria da técnica das grupoterapias psicanalíticas.

Inicialmente, acompanhemos uma sessão de grupoterapia, para

reflexão.

Grupo de adultos

O grupo é composto por três homens e uma mulher (nomes

fictícios): Álvaro, 34 anos, técnico de informática; Bruno, 38 anos,

advogado; Carlos, 37 anos, economista; Maria Clara, 39 anos,

filósofa. O grupo se encontra uma vez por semana pelo período

de uma hora, e funciona há 8 meses.

Bruno [Havia faltado a duas sessões seguidas. Chega com cara de

irritado, senta-se “mudo”.]

Álvaro: Oi, bom dia, Cara, tudo bem?

Carlos: Olá, sou novo aqui.

[Silêncio]

Álvaro: Eu acho que nós precisamos ser mais cordiais, afinal temos

um colega novo e nem sabemos o que o aflige.

Carlos: Não se preocupem comigo. Com o tempo eu vou tomando

conhecimento de como as coisas acontecem.

Bruno: Vai se acostumando, Cara. Falam uma coisa e fazem com

a gente outra bem diferente.

Terapeuta: Pode explicar melhor, Bruno? Não entendi. Vocês

entenderam?

Álvaro: Credo, Cara, como você está irritado! O que aconteceu?

Bruno: Estou avisando que sairei do grupo. Vocês são uns

babacas. Hipócritas. Falam coisas aqui e depois fazem outra!

Álvaro: Posso saber do que você está falando?

Bruno: Faltei duas semanas e ninguém me ligou. Vocês se dizem

preocupados... Chego aqui e vejo que tem gente nova. Nem fui

consultado! É assim que funciona? [Olhando para a terapeuta]

Você manipula tudo, não é?

319

Álvaro: Credo, acho que está falando de algum outro grupo. Ou

enlouqueceu. Esqueceu de nossos combinados? Ou está

misturando com sua família? Parece que está falando de seu pai. É

a mesma história e parece a mesma raiva, Cara.

Terapeuta: O que acha, Bruno?

Bruno [Com cara de raiva, respira fundo.]

Terapeuta [Fico com a sensação que quer brigar comigo, no lugar

de seu pai, mas acho prematuro. Preciso respirar fundo e deixar

que o tempo me mostre algo.]

Álvaro: Bruno, como está sua vida com seu pai? Vocês fizeram as

pazes?

Bruno: Por que isto te interessa?

Carlos: Sou novato aqui, mas vou falar algo. Estou escutando... eu

não vim aqui para brigar. Vim porque quero melhorar de vida, me

conhecer e fazer menos besteiras. Me sinto incomodado. Estou

ficando com raiva, tem um negócio aqui dentro de mim.

Terapeuta: Conte mais, Carlos, o grupo é para isto, para que

possamos falar o que estamos sentindo.

Álvaro: Eu também quero falar, mas estou com medo. Medo que

vire briga. Também me dá raiva quando sinto o caminho fechado.

Quer dizer, quando se coloca um ponto final sem ser pensado.

Terapeuta [Também sinto muito medo neste momento, medo da

agressividade de Bruno, um pouco confusa, sem saber o que fazer.]

Carlos: Olha, como sou novo, vou falar, não sei se há alguma

proibição, mas acho que, se não quer ajuda, por que está aqui?

Bruno, por que você não esclarece as coisas? Seria tudo mais fácil.

Me ajudaria, sabia? Tô ficando muito angustiado.

Bruno: Pago ela [olhando para a terapeuta]... para ela resolver os

problemas.

Terapeuta: Parece-me que está claro, Bruno, que está com muita

raiva de mim. Talvez por que coloquei mais um no grupo? Talvez

porque entrou mais alguém na família? O que você pensa?

Bruno: Não quero falar disso.

Carlos: Lembrei da minha filha. Ficou muito brava porque

contamos a ela que um irmãozinho iria nascer. Dias depois nos

320

disse que não pedimos para ela se queria, e se podiam decidir sem

ela, dando as ordens. Não sei o que tem de comparável, mas foi o

que me veio na cabeça.

Álvaro: Crianças são espetaculares, mesmo longe podem nos

ajudar. Carlos, sabe que também revivi isto aqui? Mas eu queria

muito alguém no grupo para fazer o papel que eu sempre quis na

minha vida – um irmão.

Terapeuta: Considerando o que Carlos falou sobre a filha, estamos

enfrentando o mesmo problema aqui. Mas nos deram duas

versões: ruim e boa. Ruim porque a chegada do novo ameaça uma

situação que, bem ou mal, já era conhecida, e onde não houve o

controle, aqui no grupo, o controle de Bruno. E, no exemplo de

Carlos, o controle da sua filha. Boa porque abre a possibilidade do

novo, de ampliar relacionamentos, ampliar nosso mundo, se

pudermos aceitar o novo, a quebra do estabelecido anteriormente.

Acho que agora podemos seguir adiante, Carlos feliz, Bruno

angustiado, com a possibilidade de o irmão estar sendo mais

querido, e despertar o amor da mãe ou do pai. Infelizmente, assim

como nas famílias, os pais é que decidem quando virão os bebês,

e aqui, eu é que decido quando entram novos colegas de grupo.

Clara: Estou pensando e consultando aqui o meu pensamento.

Estou incomodada com a posição de Bruno. Mas, estou com medo

de que ele vá embora. Seria triste para mim. Bruno, gosto de você,

de suas contribuições e de suas maluquices. Mas, acho que você

pode usar seu lado bom aqui com a gente. O amor irá fluir, e você,

nesta postura, se afasta da gente.

Terapeuta: Bruno, parece que todos estão preocupados com você,

ora pelo que provoca nos outros, ora pelo que provoca em você

mesmo. O tempo está terminando, mas vamos pensando sobre o

assunto.

Comentários que nos ocorreram. Faremos uma reflexão sobre o que

poderia estar ocorrendo e sobre alternativas de intervenções. Para não nos

alongarmos, faremos tais reflexões nas pausas após cada fala da terapeuta:

Terapeuta (1): O grupo mostra uma divisão, em que três membros,

com atitude amorosa e construtiva, procuram ajudar o colega e

321

esclarecer o que estava ocorrendo. Por sua vez, um membro

mostra-se irredutível, em estado da mente francamente esquizo-

paranoide (Melanie Klein). Como dinâmica do grupo, há uma

tentativa de integração, que não teve sucesso. [Isso,

eventualmente, poderia ser apontado para o grupo.] A terapeuta

convida Bruno para esclarecimento. Poderia também, se quisesse,

perguntar o que o grupo estava achando da conversa. Poderia

aguardar em silêncio, também... Como ninguém perguntou ao

Bruno, a terapeuta eventualmente poderia perguntar: notamos suas

faltas, Bruno. Por que você não veio? (ou até: sentimos falta de você no

grupo; o que houve?) [São reflexões que ocorrem com mais

facilidade após o grupo, fora do calor da sessão.] Outra

possibilidade: elogiar Bruno por estar mostrando sua raiva, em vez

de guardá-la para si [e convidá-lo a dizer o motivo]. Uma

interpretação possível: Bruno mostra que tem um vínculo forte

com o grupo e que se decepcionou por não terem procurado por

ele, pensando até em abandonar o grupo. O grupo poderia

informar ao Bruno o que cada um sentiu com suas faltas.

Terapeuta (2): O grupo mantém-se na dinâmica anterior, mesmo

com alternativas fornecidas por alguns membros. A terapeuta se

dirige diretamente a Bruno, perguntando o que achou das falas,

sem sucesso. Chama a atenção que ninguém tenha dito algo do

tipo: estamos interessados porque gostamos de você. [Talvez

ninguém goste mesmo, ou o clima emocional de raiva e

persecutoriedade paralisasse tais sentimentos e pensamentos.]

Talvez a terapeuta, se tivesse lhe ocorrido, poderia ter perguntado:

Bruno, o que foi que eu fiz? A que manipulações você se refere? [Às vezes

não conseguimos pensar no grupo, pois a carga emocional causa

verdadeiro turbilhão mental.]

Terapeuta (3): Poderíamos pensar que Carlos esteja sendo porta-voz

dos sentimentos persecutórios do grupo, o que coloca Bruno

como bode expiatório. O risco que correm talvez seja que toda a

agressividade deles venha à tona. Uma possibilidade seria indagar

do grupo se apenas Bruno tem raiva e apenas Álvaro tem medo.

[A terapeuta percebeu contratransferencialmente seu medo.] É

322

interessante o que por vezes acontece nos grupos, e que pode ter

ocorrido aí: a terapeuta convida o grupo a participar, dirigindo-se

ao membro mais novo, Carlos. Quem responde, em nome do

grupo, é Álvaro, que traz a metáfora do beco sem saída [caminho

fechado]. Bruno aponta a contradição de “estar ali” e não querer

ajuda. Poderia ser apontado, sem criticar, como isso é interessante,

e que talvez já tenha ocorrido aos demais [vontade de não vir, de

não conversar, não pensar etc.]. Bruno mostra uma defesa maníaca

(Melanie Klein), quando despreza e desvaloriza a terapeuta, que

“não resolve” os problemas, mesmo sendo “paga para isso”.

Parece ser difícil para ele, e talvez para outros participantes,

reconhecerem o valor e o esforço da terapeuta, e serem gratos por

isso.

Terapeuta (4): Há um novo convite para Bruno pensar, mas ele não

renuncia a sua postura rígida. Carlos aceita o convite e associa

sobre as crianças serem espetaculares. Traz o desejo de ter um

irmão ali no grupo. [Poderíamos conjecturar que idealiza a

fraternidade, que viveria sem tensões nem agressões – um tema

que poderia ser levantado como hipótese.]

Terapeuta (5): O grupo, por meio de Clara, tenta uma aproximação

amorosa, e explicita que Bruno seria importante no grupo e declara

o receio de perdê-lo.

Terapeuta (6): A terapeuta encerrou a sessão com mais uma fala

sobre o grupo estar interessado e preocupado com Bruno.

Situação difícil: terminou o tempo da sessão, não se sabe como o

grupo poderá se desenvolver no futuro. Muitas vezes nos

encontramos em situação semelhante, e há terapeutas que

prolongam a sessão, inconformados com o que se passou. Boa

oportunidade, com essa sessão, para refletirmos sobre a

impotência humana, no caso, do terapeuta, e sobre a necessidade

de se lidar com a incerteza, assim como com ataques diretos que

recebemos frequentemente.

Realmente, às vezes ficamos impactados com a situação,

bloqueados, provavelmente por identificações projetivas, mas é evidente

que sofremos bloqueios, e o mais simples nos foge. Nessas ocasiões, às

323

vezes nossos pacientes são os que nos ajudam, quando estão fora do

bloqueio.

Antes de prosseguirmos com conceitos importantes da

grupalidade, vale a pena pensarmos sobre alguma forma de seleção, pois, há

classicamente contraindicações para grupoterapia, como, por exemplo, para

depressivos graves e para psicóticos graves (nesses casos, costumam se sair

melhor em grupos homogêneos, só com patologias mais graves). É

importante também estarmos atentos ao tipo de grupo, ou seja, com quem

agrupar aquela pessoa, pois alguém pode se sair mal num grupo e bem em

outro.

Quanto ao número de pessoas para se começar um grupo, em

nossa experiência, se tivermos quatro elementos, seria suficiente para

iniciar um trabalho com menos tropeços, pois poderá faltar alguém, e

ainda teremos três deles, número que possibilita certa interação,

importante no trabalho com grupos.

Entretanto, se o profissional acreditar mesmo no seu trabalho com

grupos e tiver o grupo já dentro de si, poderá decidir-se por dia e horário, e

começar sua atividade ainda que com um único elemento, o que já fizemos

por diversas vezes, e presenciamos colegas também agindo desse modo.

Aos poucos, o participante vai recebendo mais companheiros e o grupo

vai se instalando concretamente.

É importante, como já demonstrado em capítulo inicial (capítulo

3), termos muito claro se o grupo tem objetivo focal, se tem objetivos de

autoconhecimento etc., para imprimirmos ao grupo esse padrão desde o

início, evitando confusões sobre o que estamos fazendo ali.

Alguns conceitos

Resistência

Pode-se definir resistência como Zimerman (2000, p. 152): “tudo

o que – no decorrer do tratamento analítico, nos atos e palavras do

analisando – se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente”. Indica ainda

um desejo desesperado de busca de sobrevivência psíquica ante as

angústias que afligem o sujeito. Podemos refletir que, pior do que a

resistência, seria a desistência.

324

Resistência à análise é o correspondente da repressão atualizada. A

resistência revela o processo doloroso da repressão e mostra que houve

recalque de um desejo, sem metabolização. Segundo Burnier (2003):

(...) a resistência que comparece no processo psicanalítico, quer no

trabalho individual, quer em grupo, é uma defesa do analisando

contra a tentativa do analista de penetrar nos territórios proibidos

do inconsciente. É uma defesa paradoxal, pois o analisando busca

equilibrar-se pela análise e, ao mesmo tempo, procura fugir e

bloquear esta mesma busca. (p. 174)

No processo analítico grupal, trabalha-se a resistência de cada

paciente e a resistência à livre comunicação associativa entre os membros

do grupo. As resistências podem ocorrer sob forma de atuações, como

atrasos e faltas, silêncios longos, fala exageradamente monopolizadora,

não cumprimento de combinações como pagamentos, sigilo e muitas

outras. No grupo relatado, Bruno mostra grande resistência para sair de

sua posição rígida de vítima e de perseguido, bem como para aceitar a

ajuda que lhe oferecem.

Transferência

O constructo psíquico é o que vai engendrar a transferência.

Dentro do setting do dispositivo vincular, percebemos que os pacientes

buscam recriar, seja no vínculo com o terapeuta, seja com os demais

membros do grupo, um tipo de relacionamento que repete os primeiros

relacionamentos ao longo de seu desenvolvimento. Freud (1912/1969)

deu a esse processo o nome de transferência. Em nossas palavras, todo ser

humano, devido à disposição inata e influências da infância, adquire um

certo modo de conduzir sua vida amorosa, quer dizer, as condições que

estabelece para o amor, os instintos que satisfaz, e até seus objetivos,

podem se constituir em clichês, que no curso da vida são repetidos nas

suas vinculações.

Nós, terapeutas, também precisamos reconhecer restos de

relações, com as quais fomos fundados ou constituídos, e que repetimos

ao longo de nossa vida. Relembramos nossa concepção de vínculo, vista

em capítulo inicial (capítulo 2), que é compatível com a visão de

Zimerman, Pichon-Rivière e Bion: “estrutura relacional, em que ocorre

325

experiência emocional entre duas ou mais pessoas ou partes da mesma

pessoa – engloba a transferência e a contratransferência” (Fernandes,

1994, p. 28). Assim, estaremos sempre pensando no conjunto

transferência-contratransferência, verdadeiro binômio de partes

implicadas entre si.

Entendemos transferência como o conjunto de emoções e configurações

mentais despertadas nos pacientes pela presença do analista. Na situação de grupo,

devemos ampliar o conceito para as reações despertadas também pela

presença dos outros membros do grupo.

A transferência tem a ver com o tempo, a memória e a repressão.

Através dela nos inteiramos de como não existe a noção de tempo

para o inconsciente, já que a lembrança reprimida tende a

reproduzir-se indefinidamente (...). O que o paciente vivencia diz

respeito a algo de uma natureza particular, porque tendo

acontecido há muito tempo, está incrivelmente presente. Este algo

(re)experimentado e que viaja no túnel do tempo do vínculo

transferencial é da mesma natureza do sonho. (Durand, 1995, p.

39)

Acrescentaríamos: as características desse sonho têm a ver,

também, com todo o grupo e com as especificidades de cada sessão.

Nos fenômenos transferenciais inerentes ao processo

comunicativo vincular não existe a noção de tempo; a lembrança reprimida

pode reproduzir-se indefinidamente. Matrizes vinculares40 e situações

passadas estão presentes.

O processo transferencial é o resultado da transformação de

matrizes vinculares e de situações infantis reprimidas em uma nova edição,

já com algumas diferenças, que vão ocorrer no vínculo com o analista ou

com os demais participantes do dispositivo vincular. Veremos adiante, o

instigante conceito de interferência, que complementará o que acabamos de

expor.

Vale acrescentar que Melanie Klein trouxe importantes

contribuições para o estudo do binômio transferência-contratransferência,

com o conceito de identificação projetiva, no relacionamento pacientes-

40 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

326

terapeuta41. No grupo relatado, a transferência fraterna fica evidente nas

comunicações de Carlos e de Álvaro. Bruno nos faz pensar na

transferência ligada à resistência.

Zimerman (2000) faz uma interessante indagação: “(...) a

transferência é meramente uma necessidade de repetição, ou antes, ela é a

repetição de necessidades (não satisfeitas no passado?)” (p. 160).

Quando desenvolvemos algumas ideias de Bion neste livro,

estudamos a Teoria das Transformações. Recordemos, então, que

transferência é a maneira de o paciente transformar em sua mente a relação

entre ele, o terapeuta e os demais participantes do grupo. É bom salientar

que a situação da transferência no grupo é muito intrincada, havendo as

transferências com o terapeuta e as transferências laterais entre os demais

participantes do grupo, todas entrelaçadas.

Contratransferência

Quando nos referimos àquilo que nasce do terapeuta, como

resposta psíquica advinda do relacionamento com os pacientes,

denominamos isso contratransferência, que constitui um assunto

controverso, mas envolvente.

No dicionário de psicanálise de Elizabeth Roudinesco e Michel

Plon (1997), encontramos uma carta de Freud a Binswanger sobre a

problemática da contratransferência: “é um dos aspectos mais difíceis da

técnica psicanalítica” (p. 133). O analista (e isso deve ser uma regra para

Freud) nunca deve dar ao analisando nada que tenha saído de seu próprio

inconsciente. Vez após outra, ele deve “reconhecer e ultrapassar sua

contratransferência, para que possa estar livre” (Roudinesco & Plon, 1997,

p. 133).

Esse conceito evoluiu. Há um estudo em Melanie Klein, sobre a

identificação projetiva, em que podemos encontrar um ponto de

referência para o tema da contratransferência. Klein, a partir das

observações sobre os bebês, dá importância aos processos de projeção e

identificação, onde se externalizam alguns conteúdos e se internalizam

41 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.

327

outros. O que é colocado para fora, portanto projetado, a princípio é o

ódio. Vai identificar o mundo externo como odioso (mãe/terapeuta) e

expulsá-lo, até mesmo para seu controle.42

Resumidamente, para Klein, a identificação projetiva pode ser uma

projeção no outro, de parte de si, tanto para se livrar de algo ruim, como

para poder controlá-lo. Sabemos pela literatura e pela experiência clínica

que a mãe não deve devolver a agressão aos filhos, mas sim ajudar a

introjetar essa parte expulsa, o que nem sempre é fácil. Com essa analogia,

podemos entender estranhas sensações que nos acometem enquanto

terapeutas.

A percepção contratransferencial por parte do analista é rica fonte

de informações a respeito dos conteúdos internos dos pacientes e um

importante instrumento, pois emergem sentimentos das pessoas que

compõem o grupo, e não há nada a fazer para evitar o surgimento desses

sentimentos.

Nossa autoanálise, enquanto terapeutas, é que possibilita

reconhecer sentimentos e fantasias que surgem dentro de nós, a partir dos

contatos na sessão grupal, e utilizá-los para levantar hipóteses sobre o

mundo interno de nossos pacientes, em vez de descartá-los. Seria desejável

que nunca os descarregássemos na sessão (embora sejamos humanos). É

o destino que nós, terapeutas, damos a esses sentimentos e fantasias que

potencializa nosso trabalho em vez de nos embargar.

O termo contratransferência foi utilizado pela primeira vez por

Freud, em 1910. Na época, era vista como obstáculo ao analista para sua

compreensão do paciente. Desde então, temos visto inúmeros significados

para essa palavra, conforme descreve com grande clareza Joseph Sandler:

“a resposta normal do analista ao paciente, base para a empatia”

(1973/1977, p. 55).

Até hoje é muita respeitada a visão de Paula Heimann (1950/1960)

sobre a contratransferência: “todos os sentimentos que o analista

experiencia para com seu paciente” (p. 82). No grupo, a situação

transferencial-contratransferencial é de extrema complexidade. Pichon-

42 Ver o capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.

328

Rivière (1980/1983) usa, em vez desse termo, a expressão transferência

recíproca, que considera de valor inestimável para se estabelecer hipóteses

sobre o acontecer implícito do grupo.

A contratransferência resulta basicamente das contraidentificações

projetivas43. Por isso, tanto pode servir como um instrumento de empatia,

como, inversamente, para um reforço da patologia do paciente. Portanto,

é fundamental que percebamos o quanto estamos trabalhando a favor do

desenvolvimento dos pacientes ou se estamos procurando reforçar

narcisicamente tendências caracterológicas de autossatisfação.

Para Paula Heimann e H. Racker, a contratransferência se origina

das cargas de identificações projetivas que os pacientes depositam no

terapeuta. Zimerman (2000) comenta: “Assim, o prefixo contra ganhou um

claro significado de contraparte, ou seja, aquilo que o terapeuta sente é o

que o paciente o fez sentir” (p. 164). O mesmo autor alerta que tal

concepção permite certos exageros e abusos, porque tudo o que o analista

sentisse seria sempre da responsabilidade dos pacientes. Na verdade,

teríamos de ver as resistências, transferências, contrarresistências etc.

também do terapeuta.

Bion em alguns momentos considerou a contratransferência como

uma manifestação do inconsciente do analista, portanto potencialmente

prejudicial, já que não poderia ser percebida. Recomendava, nesse caso,

que o analista fizesse mais análise pessoal. Entretanto, para David

Epelbaum Zimerman, tal posição não deve ser interpretada literalmente, e

sim como uma tríplice advertência:

(...) a primeira é contra o risco de que os psicanalistas

supervalorizem a importância da contratransferência, e justifiquem

todas as deficiências da situação analítica como sendo unicamente

provenientes das projeções do paciente; a segunda é que ele nos

alerta contra o risco da banalização e perda do significado original

de um conceito tão importante; e a terceira advertência é no

sentido de que o psicanalista deixe sua onipotência de lado e tenha

43 Termo cunhado por León Grinberg para se referir à impregnação no analista de identificações projetivas do paciente, o que ele considera fundamental para a formação da contratransferência.

329

bem claro, incontestavelmente, que ele tem pontos cegos,

neuróticos ou psicóticos. (Zimerman, 1995, p. 199)

A essas considerações, adicionamos uma: não nos esqueçamos das

especificidades do trabalho analítico multipessoal, quando a complexidade

dos fenômenos transferenciais-contratransferenciais é infinitamente

maior.

Todavia, em nossa maneira de ver, seja o que for que o analista

traga para a sessão, deve ter alguma relação com o material discutido ou

com as pessoas ali presentes. Assim, preferirmos conceituar

contratransferência da seguinte forma: “é a totalidade de reações

emocionais e atitudes conscientes e inconscientes que experimentamos

com relação à parte dos membros ou ao grupo como um todo, inclusive

frente à transferência” (Fernandes, 1993, p. 173).

O tema da contratransferência é fascinante. É o jeito de o analista

participar vividamente, por meio de suas emoções, da análise de seus

pacientes, como diz Mello Filho (2006). Isso dá ao analista um sentimento

todo especial, de autenticidade, de verdade, no vínculo com os membros

do grupo.

No grupo somos constantemente postos à prova, e de modo

frontal. Os pacientes nos agridem face a face e a agressividade

grupal experimenta frequentes incrementos por situações de

ciúme, inveja ou rivalidade, vividas diretamente pelos participantes

entre si ou experimentadas em relação ao terapeuta. (Mello Filho,

2006, p. 3)

No grupo relatado, Bruno deu verdadeira exibição de sua

agressividade, o que deixou a terapeuta na necessidade de conter cargas

emocionais muito pesadas.

Muitas vezes, no frente a frente e na imersão no todo grupal, nós,

terapeutas, podemos acabar por dar respostas diretas, revidando a

agressão, pois a contratransferência pode ser brutal e intolerável, sem que

consigamos tempo para pensar em uma resposta que esclareça, em vez de

ser apenas reação atuada à contratransferência, tal o clima regressivo em

que transcorrem muitas sessões.

O binômio ransferência-contratransferência

330

Sabemos que indivíduos se relacionam a partir de modelos de

vínculos: as “matrizes vinculares” (Fernandes, 2003, p. 44). Conceito

relacionado com o de matriz vincular é o de matriz relacional interna, descrito

por Maria Rita Leal (1993):

Os grupanalistas (e alguns psicanalistas) afirmam que as relações

primitivas são sempre vividas numa rede de outros e, no contexto

psicoterapêutico, as relações poderão ser sempre focadas sob a

faceta grupal. A comunicação ocorre sempre numa matriz de

grupo, quer o tratamento se concretize numa situação a dois ou

numa situação de encontro entre seis a oito indivíduos... A vida

humana se processa num ciclo... em que as experiências se

encontram localizadas numa complexa rede de relações, que

podemos identificar e dar-lhe um nome: rede interna interpessoal...

ou matriz relacional interna. (p. 77)

No binômio transferência-contratransferência, é fato que cada

elemento do grupo traz, dentro de si, seu grupo de referência, suas

matrizes vinculares e o registro às diferentes formas de pertença à

grupalidade, em que já se inscreveu. Entretanto, no trabalho grupal

também há que se considerar todos os relacionamentos

extratransferenciais, o contato com a pessoa real do terapeuta e a força do

encontro no presente, entre todos os participantes do grupo.

Interferência – o impacto do presente

Janine Puget chama de interferência aos efeitos causados pela

presença do outro: “o presente impõe seus próprios significados, seus

próprios sinais – uma via de abordagem para o que não pode ser pensado

como repetição do passado. A isto poderíamos chamar a imposição de um

presente” (Puget, 2006, p. 252).

No grupo relatado inicialmente, fica evidente o impacto causado

em todos os participantes pela atitude agressiva de Bruno, utilizando-se de

defesas maníacas (controle, triunfo, desprezo), já vistas no capítulo sobre

Melanie Klein (capítulo 6).

Nesses casos, além do vínculo transferencial-contratransferencial,

ocorre a inevitável repercussão da presença real de um sujeito no mundo interno do

outro, o que nos leva a Bion. Para ele, em um vínculo intersubjetivo,

331

quando duas personalidades se encontram, cria-se uma tempestade

emocional, “(...) um estado emocional se produz, ocorrendo uma

perturbação, que produz um estado muito diferente daquele que ocorreria

se nunca tivessem se encontrado” (Bion, 1979/1983, p. 469).

Fica uma reflexão: dar valor ao presente tem implicações – o que

fazer com a experiência anterior, com a memória e com o desejo de que

ocorra novamente algo do tipo já conhecido e almejado para o futuro?

Atuações

Atuações ou actings são passagens aos atos, isto é, atitudes ou condutas

que ocorrem para substituir sentimentos ainda não claramente manifestos.

Para Zimerman (2000), servem para preencher vazios e comunicar algo

em situações em que é necessário acalmar ansiedades de vários tipos,

como podemos resumir: ansiedade de separação; intolerância à frustração;

ódio e vontade de revidar; pedido de socorro; busca de depositários para

desempenhar papéis complementares; ansiedade por não ocorrer a reação

desejada em um grupo, gerando uma atuação substituta em nome do

grupo.

As faltas, silêncios e algumas falas cheias de agressividade são bons

exemplos de actings. Freud dizia que ocorrem por fantasias reprimidas que

não podem ser recordadas – ou, como diria Bion, não podem ser pensadas,

nem contidas dentro de cada um, nem verbalizadas, e acabam por ser

atuadas.

Nos grupos, são frequentes as atuações, e estas podem ser de

vários tipos: quebra de sigilo, busca de privilégios, controle, tentativas de

relacionamento amoroso, convívio social exagerado, atrasos nas sessões

ou nos pagamentos, faltas, formação de pares que trocam informações

apenas fora do grupo, e outros. Frequentemente estão ligadas à resistência,

como ilustrado no grupo relatado inicialmente.

Atuações inevitáveis, geralmente inofensivas, são os momentos de

bate-papo em sala de espera ou no cafezinho pós-grupo. Todas as outras

podem ser trabalhadas, quando algum membro do grupo se decide por

comentá-las em sessões posteriores.

332

Intervindo no grupo – o trabalho do grupoterapeuta

Para facilitar a reflexão, vejamos mais alguns fragmentos de sessão

grupal, antes de entrar nas intervenções.

Sessão de grupoterapia semanal, com 1h de duração, com cinco

participantes (nomes fictícios): João Carlos, 43 anos, professor

universitário, há um mês no grupo; Carol, 62 anos, biomédica, há

quatro anos no grupo; Ricardo, 57 anos, psicólogo, há cinco anos

no grupo; Júlio, 26 anos, assistente social e estudante de direito, há

três meses no grupo; Manuela, 17 anos, estudante universitária e

estagiária, há dois anos no grupo e que, apesar da idade, foi aceita

experimentalmente no grupo por ser o único horário possível para

ela e para o terapeuta.

[Com poucos minutos para começar, após convite do terapeuta,

os participantes vão entrando na sala, se ajeitando nos lugares

habituais, desligando celulares e comentam sobre futebol,

brincando com colegas que torcem para o time que perdeu o

último jogo. O terapeuta, que estava finalizando coisas no

consultório, entra no horário combinado, sorri, fecha a porta e se

acomoda em sua poltrona.]

[Silêncio de uns três minutos, todos aparentando estar recolhidos

em seus pensamentos.]

Manuela [olha para todos, porém aparenta estar absorta, e talvez

triste] respira fundo, e nada diz.

João Carlos: Quero entender o que pode estar por trás de meus

sintomas, mas não consigo. Será que foi o acidente? Ou a

separação? [E repete o tema...]

Carol: Quando comecei também tinha muitíssima dificuldade,

João. Só lembrava do mesmo assunto – só falava da traição.

Enquanto isso, as alergias me pegavam cada vez que ficava irritada.

Ricardo: Uma coisa que aprendi aqui, nem sei como, é que eu vivia

corrigindo todo mundo, sempre exaltado, procurando erros nas

pessoas, reclamando, arrumando brigas. Isso diminuiu muito.

Parece que já não faço tanta questão e, às vezes, como na semana

passada, vi um sujeito jogar papel no chão e não perdi o controle,

fiquei na minha.

333

João Carlos: Queria mudar também. Isso de eu reclamar acontece

direto. Não me conformo de terem me tirado do setor do trabalho,

em que eu estava há anos. É evidente que irão ter problema com

as mudanças, e não percebem. Não é um jeito respeitoso de se

trabalhar. Eu não ajo assim com as pessoas. Podiam ter me

consultado antes. Será que conversar aqui vai me ajudar? Às vezes

tenho dúvidas...

Júlio: Também não me conformo com uma coisa. Estou há pouco

mais de três meses aqui, só fazia terapia individual, e estou

gostando. Só que ninguém vai me convencer de que meu pai não

foi negligente ou prepotente.

João Carlos: Do que você está gostando, Júlio?

Júlio [parece pensativo, em silêncio e se mexendo muito na

poltrona].

Terapeuta: Vocês notaram como Manuela e Júlio estão quietinhos?

Ricardo [olhando para Júlio]: Ele me faz lembrar de meu filho, que

já morreu. Tinha essa fisionomia de “bonzinho”, querendo agradar

a todos, mas era muito carente, por mais que eu tentasse me

aproximar dele. Tinha uma barreira entre nós.

Carol: Não deve ter sido fácil essa perda do Ricardo... Eu, que

quase perdi o marido, de tanto ódio que demonstrei por ele, acabei

por ter muito medo de perdê-lo.

Júlio: Bem... Eu gosto daqui porque parece que vocês se importam

e cuidam um do outro.

João Carlos: Estou me lembrando da separação de mais de seis

meses que tive, quando minha mulher me traiu. Eu não me

conformava por ela ter feito isso comigo.

Ricardo: Era seu orgulho de macho ferido, não era?

Manuela [parece tensa, e diz, com voz trêmula]: Estou achando

difícil, mas preciso dizer uma coisa. Terei de sair do grupo. Meus

pais têm de se mudar para o Canadá. Meu pai foi promovido, na

condição de viver no Canadá por alguns anos. Não me deram

opção. Tenho de ir com eles.

Carol: Quando será isso, Manuela?

334

Manuela: No final do mês que vem... daqui uns 40 dias. Não queria

me afastar dos amigos, da escola, de vocês!

Ricardo: Puxa! Você vai fazer falta. Quando você, Manuela, entrou

no grupo, estranhamos sua pouca idade, mas logo mostrou grande

participação. Diferente do que o João Carlos contou, neste caso

não dá para acharmos que não valoriza a gente. Ela sempre

reconheceu o quanto o grupo fez bem para ela, nesses dois anos.

João Carlos: Mas, se Manuela tem de ir, é pena, mas pode fazer

terapia lá no Canadá.

Júlio: E você não sente nada com essa saída? É tão racional assim?

O João não parece valorizar muito o grupo. Espera milagres.

João Carlos: Acho que sim, mas não sei o que fazer. Mesmo nessa

questão do orgulho. Tenho pensado nessa ideia. Não acham que

fui passado para segundo plano? Como ela pôde fazer isso?!

Júlio: Você parece se achar “o tal”, como meu pai. Ele engravidou

minha mãe e já tinha outra família. Achou que iria atrapalhar sua

vida ter um filho bastardo. Só me procurou dez anos depois!

Carol [para Júlio]: E você vem se vingando dele, se mantendo

longe... Não tem medo de perder seu pai? Ele ainda está vivo! Eu,

depois de um bom tempo aqui, acho que quase três anos, passei a

valorizar mais meu marido. Não é perfeito, me traiu e tal, mas,

como o doutor sempre diz, “é humano”. Realmente acho que me

traiu porque teve desejo e oportunidade, mas não foi nada contra

mim, nem é um monstro. Ele gosta de mim, demonstra isso, e é

uma boa pessoa.

[Certo silêncio]

Terapeuta: Ouvimos queixas do João Carlos, de que não percebe o

que causa suas dores. O grupo vem levantando a hipótese de seu

orgulho ferido ser importante. Júlio associa o orgulho com seu pai.

Mas, na verdade, ninguém sabe o que aconteceu de fato com as

traições e com a falta de aproximação do pai de Júlio. Carol traz

uma possibilidade: Será que dá para valorizar essas pessoas, aceitar

que talvez não tenham agido como agiram, para sacanear vocês?

Dá para ficar sem saber? Também não sabemos como Manuela irá

se comportar no Canadá, nem como o grupo irá reagir a essa

335

perda. O que dá para perceber é que temas como esse, dessa perda

anunciada, mexem com a maior parte do grupo, mas João Carlos,

pelo menos até hoje, tem respostas mais racionais. Podemos

aguardar para ver como isso tudo estará no futuro?

[Informações complementares: O grupo se reuniu mais quatro

vezes, nas quais o tema da saída de Manuela sempre voltava.

Enquanto isso, Júlio tinha tido pequena aproximação do pai, que

o procurou. Desta feita não tratou o pai com desprezo. João Carlos

estava começando a perceber como é autoritário e controlador. O

grupo parecia evoluir, todos se despediram de Manuela, que

realmente viajou. Durante todo o ano seguinte, vez por outra

lembravam dela, de suas falas e como tinham feito um vínculo

forte com ela. O grupo existiu por mais dez anos, com entradas e

saídas, e teve evidente progresso grupal e crescimento pessoal da

maioria dos membros, com exceção de João Carlos, que sempre

teve grande dificuldade com sua subjetividade. Mesmo assim,

quando saiu, três anos depois, estava com sintomas mais toleráveis

e muito menos frequentes.]

Comentários

Poderíamos pensar: Que grupo bonzinho! Essa hipótese pode

sugerir que o trabalho ficou muito no racional, mas pode não ter sido

assim. João Carlos parece estar muito bravo; entretanto, devido a seus

princípios, talvez ainda não possa reconhecer isso. Não pode falar

claramente que está com ódio porque não agiram como ele queria, e que

infelizmente o mundo é povoado de humanos. Embora possa realmente ter

sido vítima de interesses escusos ou pessoais, seria necessário ver também

sua parte da responsabilidade: Quem sabe ele mesmo não ajudou nesse

desfecho infeliz? (Mas não parece o momento de se mostrar isso para ele.

Tudo em seu tempo...) Em termos de fenômenos grupais, ele parece

resistir ao processo grupal. Ora calando-se, ora racionalizando. A

dificuldade de entrar em contato com seu mundo mais profundo parece

muito grande.

O grupo tenta mostrar para João Carlos um pouco do seu jeito de

ser e de se comportar, aparentemente com pouco sucesso. É visível que,

336

transferencialmente, Júlio o vê desfavoravelmente, como a seu pai – pensa que

é o tal! Reeditamos situações passadas, uma vez que não foram elaboradas,

e que se repetirão ao longo das sessões e quiçá ao longo da vida inteira, se

não pudermos entrar em contato com essa parte e ter alguma elaboração.

Na dinâmica da sessão grupal há elementos persecutórios,

primitivos e desintegrados, como cisão corpo-mente, identificações

projetivas e outros, mas também tentativas de mostrar em tom amigável

aspectos como por exemplo o orgulho ferido, que, trazidos para reflexão,

contribuem para a integração grupal.

A leitura da sessão mostra também que, na opinião do terapeuta,

houve crescimento e progresso pessoal, apesar das racionalizações. O

terapeuta está sempre no calor das comunicações grupais, vivenciando o

clima. Para ele, não estavam apenas racionalizando defensivamente, mas

conseguiram mesmo alguma integração do que fora cindido. Por outro

lado, nesse e em qualquer caso, devemos estar alertas, pois podemos não

nos dar conta que os participantes do grupo querem ser filhos bonzinhos. É

possível que Júlio, inicialmente idealizando o terapeuta, possa se

aproximar e reorganizar a figura paterna dentro de si.

Um alerta sobre a contratransferência: É sempre muito difícil

aceitar as dificuldades dentro de nós. A sensação de perseguição, de ser

vítima, sempre parece ser a primeira a aparecer, não só na sessão, mas

também no dia a dia. Quando não achamos algo, a primeira sensação é a

de que alguém pegou, alguém é culpado, não é mesmo? São comuns essas

fantasias e sensações, quando não estamos captando coisa alguma no

grupo ou quando somos agredidos verbalmente com muita intensidade,

como ocorreu no primeiro grupo citado.

Deixar o grupo fluir é sempre muito bom, mas não devemos

confundir tal postura com a liderança tipo laissez faire, em que o

coordenador deixa a sessão correr, sem maior vinculação com ela.

Podemos às vezes ter a sensação de perder a vez, perder o protagonismo,

mas, tal qual os pais que conseguem abrir mão desse protagonismo, e

permitir o crescimento dos filhos, pode ser uma experiência muito rica e

gratificante ver o grupo e seus participantes caminharem com suas pernas,

conseguirem crescimento e desenvolvimento.

337

É claro que no primeiro grupo citado isso deve demorar mais

tempo, pois não é um grupo tão antigo como o segundo. Os vínculos são

mais frágeis, crescimento pessoal e grupal são penosos, levam tempo e

exigem persistência.

Um aspecto ainda a comentar: Saídas do grupo após se discutir o

tema durante algumas sessões, seja por alta, seja por necessidades

concretas, como no caso de Manuela, são raras. Depende de o grupo estar

bastante evoluído e capaz de lidar com a perda iminente, com a tristeza se

houver, porém sem o sofrimento de uma perda irreparável. Há que

trabalhar seus sentimentos para a nova fase que virá e ajudar aquele que se

despede, valorizando o grupo e o que parte, num reconhecimento mútuo

de valores e de gratidão.

O mais comum é algum tipo de abandono, quando as resistências

estão muito fortes, gerando grande desconforto. Seria boa hora para

examinar isso no grupo, mas nem sempre acontece.

Como vimos, a resistência pode ser um fenômeno que atrapalha o

prosseguimento do grupo, mas é um instrumento muito útil para que

possamos esclarecer os fatos, conversar sobre eles e quem sabe conseguir

dar um passo além.

Com relação à transferência, quanto mais o grupo evolui, menos

frequentemente esse fenômeno ocorre, pelo menos não de maneira tão

dramática e ruidosa, como lembra Zimerman (2000).

Sobre a contratransferência, é o momento em que, nós, terapeutas,

recebemos uma enxurrada de identificações projetivas, que são

depositadas dentro de nós. Podem se tornar uma bússola para que

possamos identificar e interpretar o ocorrido, assim como podem nos

desorientar, se estivermos muito envolvidos emocionalmente, com pontos

cegos. Se o terapeuta não estiver atento, poderá ocorrer grande dificuldade

para o prosseguimento do trabalho.

Coordenar um grupo é uma arte. Assim como o jogador de xadrez

tem que estar alerta para as jogadas de seu oponente e não se deixar

envolver pelas jogadas inesperadas, o terapeuta também precisa estar

alerta, não no sentido de ganhar ou de ter razão, como poderia ocorrer no

xadrez, porém sem pretensão de esperar falas ou atitudes predeterminadas,

e observar o que elas dizem em seu interior e exterior. É um processo

338

empático, um entra e sai de emoções dentro de nós que devem flutuar e

não se enraizar.

Bem, após as sessões que foram apresentadas e parcialmente

comentadas, poderemos agora examinar alguns detalhes da teoria da

técnica.

O que fazer?

Tudo o que descrevemos, inclusive os fragmentos ilustrativos de

sessões, são úteis para nossa reflexão; para nossa compreensão, ótimo.

Mas o que fazer com tudo isso na sessão do grupo? Dizemos algo?

Calamo-nos? Fazemos o quê?

Como dissemos anteriormente, carregamos modelos anteriores

dentro de nós. E muito vai de nossas análises e de nossas supervisões para

conseguirmos montar nosso próprio modelo. A princípio copiamos

nossos mestres, mas, nem sempre isso dá bons frutos. Eram modelos

elaborados por eles e não reedições como as nossas.

Antes de, eventualmente, interpretar, pensamos ser muito útil

fazer perguntas para esclarecer o que vem ocorrendo, como relatado na

primeira vinheta. Esclarecer as situações é a ferramenta mais eficaz.

Depois de muito bem esclarecidas é que talvez seja possível dizer algo que

faça sentido, ou melhor ainda, quem sabe teremos algum elemento no

grupo que tenha captado alguma coisa inconscientemente? Isso costuma

ocorrer com frequência e trazer contribuições inovadoras, talvez melhores

do que alguma interpretação nossa.

Sabemos que existem profissionais que gostam muito de dar

interpretações. Nós preferimos aguardar os acontecimentos do grupo para

poder interpretar, e sempre o mínimo possível. O intuito é propiciar o

crescimento pessoal e grupal, além de não favorecer dependências.

Um dos autores relata experiência pessoal no início de sua

formação:

Certa feita, numa supervisão de profissionais, ouvíamos várias

interpretações, uma mais freudiana, outra mais kleiniana, outra

winnicottiana, sendo que cada uma parecia mais uma aula do que

algo contentor de alguma angústia. Pensei: Como sou burra, não

339

consigo ver estas coisas na hora do grupo. Será que preciso levar

o livro? E caminhei com esta sensação por dias.

Um dia, em minha própria análise grupal participei da seguinte

sessão (nomes fictícios):

Ana [dirigindo-se ao analista]: Nossa, não sei o que te dar no Natal

– perfume, bebida importada?

Jane [também dirigindo-se ao analista]: Ah, eu já sei, vou comprar

uma camisa linda que vi no shopping Iguatemi. Sim, porque tem que

ser muito fina para você. Você merece.

Bernardo [olhando para as mulheres, dá um sorriso.]

[Eu olhei para o Bernardo e pensei: Xi, somos os “únicos” duros

aqui no grupo.] Olhei para a Ana e falei: Sabe o que ele usa todos

os dias? Desodorante, está sempre cheirosinho. [Olhei para o

analista e ele parecia sorrir, seu bigode tremia, como quem prende

o sorriso.]

Ana: Credo, desodorante.

Terapeuta: Bia, por que lembrou do desodorante? [sorrindo]

Bia: Porque quando eu estiver triste poderei lembrar do seu

cheirinho. E lembrei nesse momento da galinha com os pintinhos

embaixo das asas.

Bernardo: Para não correr o risco de sentir cecê [rindo]. Eu vou te

dar uma surpresa.

Assim sucedeu a sessão. Sempre com esclarecimentos, perguntas.

Até que:

Joana: Sabe, estou achando isto aqui uma babaquice. Vocês

querem agradá-lo de qualquer maneira. Ah! Também querem saber

quem vai dar o melhor presente?

[Eu, quieta e entristecida, não falava. Apenas pensava... nossa, que

festival de conversa furada. Parece a supervisão de Dr. X.]

Analista: O que está pensando, Bia?

Bia: Por quê?

Analista: Você parece que ficou com a cara triste...

Bia: Me sinto um pouco pobre, perto dessa lista de presentes

comprados no Iguatemi [shopping de alto nível econômico].

Analista: Seria essa a única razão?

340

Não precisou falar mais nada. Lembrei-me imediatamente da

supervisão quando tive a mesma sensação – pobre, burra. Mas,

serviu-me para poder refletir e assimilar que aquele modelo

empregado na supervisão não me ajudava, mas me atrapalhava.

Interpretou? Não, apenas me fez pensar. Isso me ajudou, aos

poucos, a adotar minha maneira de trabalhar.

Ambos tentamos, no trabalho com grupos, esperar e armazenar o

máximo possível de material para não produzir na sessão o que

costumamos chamar de “interpretite” (assim como uma inflamação de um

processo interpretativo). Pelo contrário, podemos ouvir, acolher, armazenar,

digerir, conferir, organizar, filtrar e depois devolver, no intuito de sermos

esclarecedores, produtivos e, na medida do possível, contribuindo com

algo que faça sentido.

Interpretação e outras intervenções

O tema das transformações e transcrições, tão importante no

trabalho psicanalítico vincular, leva-nos às intervenções do coordenador

de grupos. O ato de interpretar é assunto polêmico e dos mais discutidos

nos congressos; além disso, atualmente trabalhamos de modo um tanto

diferente do que há anos. E cada terapeuta terá seu estilo próprio, baseado

em sua experiência de vida, na sua própria análise, supervisões e

experiência profissional em geral.

Na década de 50, como os grupoterapeutas vieram de experiência

com análise individual; era comum se considerar o grupo total como se

fosse um indivíduo, e interpretar tudo transferencialmente, com o

terapeuta no foco central das transferências.

Talvez o que mais tenha mudado com relação à teoria e à técnica

dos primeiros tempos do trabalho psicanalítico com grupos seja o fato de

procurarmos estudar teorias próprias de grupo, que satisfaçam o

entendimento vincular nos três espaços psíquicos, intra, inter e

transubjetivo.44

Como já dissemos, mudamos muito nossa forma de trabalhar. Isso

foi ocorrendo com a experiência (um de nós com 44 anos de trabalho,

44 Ver o capítulo 2, Conceitos introdutórios sobre grupalidade e Psicanálise Vincular.

341

outro com 50 anos de clínica). Hoje em dia estamos mais interessados em

comparar e estudar os vínculos comunicacionais no “laboratório grupal”.

Para tanto, intervenções individuais e grupais se alternam. Procuramos

ainda priorizar as intervenções próprias do grupo, em princípio mais

importantes do que as nossas.

O fato é que não há unanimidade até hoje com relação a questões

tipo: O que são interpretações? Quais suas finalidades? As interpretações

configuram uma psicoterapia analítica de grupo? Em grupo? Do grupo?

Devem ficar no aqui e agora, só com relação ao terapeuta? Quando são

efetivas?

Os autores entendem por intervenções tudo que se faz ou diz no

grupo, e que são inerentes ao processo psicodinâmico grupal. Parte das

funções do psicoterapeuta é fazer intervenções no sentido de auxiliar o

grupo em sua evolução. Preferimos separá-las em interpretações e outras

intervenções.

Gostamos da forma como Sigmund H. Foulkes conceituou a

interpretação, que tem afinidade com o que vimos sobre transformações45.

Podemos dizer que, para esse autor, como relata Jorge Ponciano Ribeiro,

interpretação é uma comunicação verbal, geralmente feita pelo condutor

do grupo, dirigida ao grupo todo ou a membros do grupo, esperando atrair

sua atenção para alguns significados a respeito dos quais ele julga que não

estão conscientes, mas que poderiam se tornar conscientes: “(...)

Interpretar, portanto, é transferir ou traduzir alguma coisa de um contexto

para outro” (Ribeiro, 1981, p. 138).

Concordamos com Janine Puget, quando diz que em um grupo

terapêutico se desenvolvem processos transferenciais múltiplos, os quais

permitirão ao terapeuta conhecer as modalidades vinculares dos pacientes,

assim como a organização de seus grupos internos. A interpretação

poderá, então, ser o veículo para a compreensão desses processos. Em

síntese, “(...) a observação das configurações grupais, o reconhecimento

da particular modalidade de cada integrante, a fina captação das mudanças

45 Ver o capítulo 12, Mais alguns conceitos bionianos importantes para a psicanálise das configurações vinculares, tópico Teoria das Transformações.

342

e a capacidade de discriminar e tolerar a ansiedade são a base do exercício

da função analítica” (Puget, 1991/1993, p. 67).

Podemos interpretar a partir da transferência central e lateral, ou a

partir das ansiedades básicas, suas defesas, ou dos níveis de funcionamento

grupal de trabalho e de supostos básicos46, ou ainda a partir da teoria do

narcisismo, pois a interpretação visa à discriminação e à ruptura da fantasia

de fusão com objetos imaginários. Em nosso caso, costumamos

interpretar ou intervir, preponderantemente, a partir de deformações

comunicativas, que nos permitem estudar os vínculos intra e

intersubjetivos.

Concordamos então que interpretar é verbalizar a compreensão

dos fenômenos que ocorrem no grupo analítico. Entretanto, para nós, esse

não é o único fator de “cura”. Todos, no grupo, de certo modo têm a

função analítica e a capacidade de interpretar, o que enriquece e fomenta

o desenvolvimento grupal. Nessa situação, “o narcisismo do terapeuta

pode sentir-se atacado, já que perde a estruturação vertical na qual detém

o poder interpretativo” (Puget, 1991/1993, p. 66).

A interpretação é um instrumento de poder. É espantoso o quanto

estamos sujeitos a desviar o grupo de seu caminho, pois, devido à nossa

posição de realce, influenciamos os demais participantes. Isso cria uma

situação delicada, já que, mesmo dizendo algo equivocado, podemos

induzir o grupo a seguir “nossa orientação”, ainda que esteja distante de

suas reais necessidades.

Para aqueles que consideram verdadeira missão do psicoterapeuta

interpretar o tempo todo, “renovamos uma advertência: muitas vezes

atrapalhamos o desenvolvimento grupal” (Fernandes, 1993, p. 173). Nesse

caso, melhor faríamos se nos calássemos.

Pensamos que é muito fácil cairmos no que magistralmente

Zimerman (2000) chama “Patologia da Interpretação”. Damos alguns

exemplos, sucintamente: patologia de conteúdo – não interpretando o mais

relevante, ou desconsiderando o aspecto positivo; patologia de forma – como

instrumento de poder e doutrinação, ao preço da submissão dos pacientes,

utilizando forma intelectualizada demais ou abstrata demais, que não

46 Ver o capítulo 7, Contribuições de Bion para o estudo e o trabalho com grupos.

343

provoca aberturas; sistematicamente reducionista – tudo é aqui e agora-comigo, ou

só grupal, ou só individual, separadamente, sem conexão entre si; patologia

de quantidade – uso excessivo, o que pode configurar o que já chamamos

de furor interpretativo (Fernandes, 1989) ou de interpretite; patologia de estilo

(retórico) – dono da verdade (bloqueia a independência e a criatividade);

acusador – (se não aceitam a interpretação é resistência: não estão querendo

ver). A lista seria interminável.

Valorizamos a transferência com o terapeuta, transferências

laterais e aspectos extratransferenciais. Procuramos relacionar

interpretações individuais com os outros membros do grupo no contexto

da sessão e, eventualmente, até no contexto de sessões passadas.

Costumamos mostrar condutas estereotipadas individuais,

acontecidas na sessão grupal ou fora dela. Mostramos também alguma

estereotipia grupal, caso ocorra.

Procuramos jamais fazer algo que o grupo possa fazer por si.

Assim, valorizamos mais as interpretações surgidas do grupo, desde que

não sejam meras repetições de frases dos terapeutas, sem elaboração

própria.

Grande parte do que expusemos como patologia da interpretação

está relacionada com os temas candentes que são a onipotência e o

narcisismo, dos quais ninguém escapa. Muitas vezes já tivemos problemas

contratransferenciais de envolvimento e dificuldade para trabalhar. Por

exemplo, já sentimos grande incômodo quando recebemos julgamentos

desfavoráveis, capazes de abalar nossa autoestima, deixando-nos ora

perseguidos, ora deprimidos com a situação. Em muitas ocasiões,

acreditamos ter lidado bem com os aspectos contratransferenciais.

Noutras, a constante competição nos deixou irritados ou magoados.

Cada um de nós já teve pensamentos do tipo: como ousa desmerecer

meu trabalho! Logo eu que tanto me esforço para ajudá-los! Creio que todos já

passaram por isso, e, consequentemente, pelo sentimento de impotência.

Por menos que isso seja recomendável, todos nós ansiamos por

receber mostras de gratidão, de reconhecimento sobre nosso valor, e não

ataques de inveja. Temos evidentemente o desejo de curar e de propiciar

mudanças positivas, segundo nossos critérios, desejo que temos de conter,

refletir a respeito e evitar alimentar.

344

Acreditamos que das coisas mais difíceis e necessárias para o

terapeuta de grupo – devido à contratransferência – é poder conservar

para si mesmo, por algum tempo, o que pensa estar acontecendo com o

grupo, dessa forma dando oportunidade a que os demais participantes

utilizem seus próprios recursos e concluam algo sobre a experiência pela

qual estão passando.

É a atitude profissional de terapeuta que nos permite manter

alguma distância, alguma neutralidade, na medida do possível, sem renunciar

a certa pessoalidade também, e assim continuar em contato com nossos

próprios sentimentos e com os sentimentos dos participantes do grupo;

por exemplo, a uma pergunta direta e pessoal, não deixamos de responder,

mas mais importante será perguntamos o porquê da pergunta e qual a

finalidade dela. Daí respondemos.

Sempre que tivermos a disponibilidade e atenção necessárias,

poderemos aprender com nossos clientes sobre o que fazer e sobre o que

não fazer, pois, como seres humanos, têm certo saber, que é peculiar a

cada um. Valorizá-los como seres humanos, ter carinho por eles, é

desejável. Contudo, podemos, às vezes, ter raiva, sono, sensação de

emburrecimento, tensão muscular, dor de cabeça, entre outras

possibilidades contratransferenciais.

Para nós, o dispositivo grupal é um excelente instrumento de

trabalho. Se não atrapalharmos o grupo, já daremos boa contribuição.

Como o terapeuta é uma pessoa, chega, em alguns casos, a ser o motivo

principal da procura dos pacientes, tanto que, quando indicam alguém para

trabalhar conosco, é muito comum ouvirmos dos pacientes que vieram

porque lhes disseram: vai lá, são gente boa, eles te ouvem e podem colaborar com

você em qualquer sentido.

Abrindo mão do poder interpretativo a todo custo, pode ser mais

adequada a postura de observação ativa, complementada por intervenções

tais como questionamento, indagações e confrontações, seja em relação a

algum participante, seja ao grupo na sua totalidade, do que entrar

cegamente no estado mental de exageros interpretativos em que nos

consideramos iluminados e, portanto, únicos donos da verdade grupal.

Grande parte das interpretações que habitualmente se faz tem

muito a ver com a subjetividade do terapeuta, situações que foram

345

vivenciadas pessoalmente e outras reações de envolvimento

contratransferencial, no aqui e agora grupal.

Pensamos que o papel do terapeuta de grupo é de estar presente,

interpretar pouco e estar atento às possibilidades comunicativas do grupo.

Observar as faltas, os atrasos, os silêncios; ouvir o que é falado, como e

quando foi dito e em que contexto; do mesmo modo os gestos, olhares e

tons de voz dos participantes, incluindo o terapeuta, devem estar em nossa

mira. Com tudo isso em mente, falar pouco é o mais difícil, mas essencial,

e manter o bom humor.

Por isso, concordamos com algumas reflexões e recomendações

de Winnicott, expostas em diversos textos, quanto ao humor e à

capacidade de brincar, pois a psicoterapia implica que duas pessoas sejam

capazes de brincar juntas. Tal espaço lúdico tem maior importância do que

“argutas interpretações”. Brincar é ser criativo no trabalho analítico. Da

mesma forma, pensamos que a criatividade dos membros do grupo pode

ser embotada por um “terapeuta que saiba demais”, não importando, de

fato, quanto o terapeuta saiba, desde que possa “abster-se de anunciar o

que sabe” (Winnicott, 1971/1975).

Por outro lado, com as intervenções já mencionadas, podemos ir

clareando aqui e ali, dando tempo para o grupo ir associando e tirando

conclusões.

Dentre os acontecimentos grupais, são importantes as

comunicações, tais como: Quem fala o quê, para quem e quando? Como

cada um ouve?

No grupo, a todo momento surgem mal-entendidos,

comunicações distorcidas, que costumamos apontar. Quando são

percebidas proporcionam, por vezes, elaborações importantes. Temos nos

interessado especialmente pelo tom de voz, pelos gestos e olhares. “Nesse

sentido, o arrogante, o detalhista, o ambíguo, o dramático, o depressivo, o

hipomaníaco em sua exuberância, todos se mostram na comunicação

extraverbal” (Fernandes, 1993, p. 172).

O que é verbalizado frequentemente tem a finalidade de impedir a

comunicação, mantendo a situação em nível social, intelectualizado ou

prolixo, mera evacuação. No aspecto comunicacional, chama nossa

atenção também a posição autorreferente, as distorções e a pouca

346

disponibilidade para ouvir, além da patologia geral no processo

comunicativo. O fato é que terapeutas e clientes fazem transformações o

tempo todo. Desse modo, não estamos isentos de distorções

comunicativas, também em nossas interpretações.

Por tudo isso é que propomos para o terapeuta de grupo acreditar

mais no grupo, ouvir e observar muito, intervir só quando necessário,

interpretando apenas se os participantes não conseguirem fazê-lo por si,

como resultado do desenvolvimento natural da sessão.

Muitas vezes, entendemos mal ou não somos bem entendidos por

alguém, o que geralmente provoca irritação e fantasias persecutórias. Ou

seja, na vida e nos grupos, nem sempre o que se pretende com a pergunta

do emissor é captado pelo receptor da mesma forma, ocasionando os

citados mal-entendidos.

Há alguns itens que deixamos para o fim do capítulo, questões

simples, que ocorrem diariamente, mas que são muito importantes, as

quais procuramos apontar nas sessões, pois geralmente permitem

aprofundar os temas, verificar o grupo e a dinâmica de cada um.

Sobre o inesperado, o desejo e a memória

Bion propõe que “o analista deva estar na sessão sem desejo e sem

memória” (1967/1969, p. 679), frase que tem causado certa controvérsia,

no sentido de que não é possível perder a memória, simplesmente

tomando tal decisão.

Há grande interesse de nossa parte naquilo que não é esperado,

naquilo que é incerto (quase tudo, em nossa experiência psicanalítica, seja

individual, seja com casais e grupos). O tema da incerteza, para nós, está

implicado com sem memória e sem desejo..., assim como o do imprevisto e o

do inesperado, os quais aparecem nos grupos a todo momento.

Quanto a não exagerar no uso da memória e do desejo, tomamos

emprestado de David Epelbaum Zimerman o seguinte:

(...) essa proposição de Bion está fundamentada em Freud,

particularmente nos seguintes aspectos interligados entre si: o da

recomendação de que o analista deveria cegar-se artificialmente, para

poder ver melhor esses lugares obscuros (trecho de uma carta que, em

1916, Freud escreveu para Lou Andreas Salomé); o segundo

347

aspecto consiste na regra técnica que recomenda enfaticamente

um estado de atenção flutuante por parte do analista. (1995, p. 71-72)

Em nossa experiência, quase sempre a memória é altamente

influenciada pelo desejo, no presente. A memória raramente representa o

que aconteceu de fato, pois ocorrem transformações, desde a observação

do fato original, passando pela forma como aquilo fica registrado na

memória, seguindo-se por outras transformações no momento em que

recorremos a ela, para pensar e, mais ainda, ao comunicarmos o que foi

pensado.

No final, a mensagem terá algo a ver com os fatos originais, mas

nem sempre serão fidedignos. Para Bion, “(...) a memória sempre é

equívoca como registro de fatos, porquanto ela está distorcida pela

influência das forças inconscientes (...). Para o analista, cada uma das

sessões deve carecer de história e de futuro” (1967, p. 679). Assim, a

recomendação para o analista abolir sua memória, seus desejos e sua

compreensão intelectual refere-se ao risco de a mente do analista ficar

saturada com excessivo interesse em ter uma compreensão imediata,

repleta de lembranças e de ideias preconcebidas e, portanto, com pouca

receptividade para a intuição e para o vínculo com os pacientes, que é

basicamente afetivo.

Pensamos que o passado aparece no agora. O que é possível e

necessário, é estudar e elaborar questões infantis ainda presentes na sessão

grupal, que nos provocam e estimulam o pensar cognitivo e intuitivo, o

que é, de certa forma, bem difícil (Neto & Fernandes, 2019).

Finalizando

A produção conjunta deste capítulo foi um momento de pôr o

narcisismo à prova, reforçar a necessidade e dependência um(a) do(a)

outro(a), assim como poder aprender e reconhecer o valor e ser grato(a) e

reconhecido(a) a quem nos questiona e complementa. Momento também

de aceitação da diversidade, de que não existe uma verdade única, e de

valorizar a experiência, sem deixar de valorizar os autores clássicos que

colaboraram dando base às nossas reflexões. Da mesma forma,

acreditamos que não exista uma interpretação “certa”. Há muitas

348

possibilidades de intervenção e o terapeuta, no calor da sessão grupal, faz

o que lhe ocorre.

Referências

Bion, W. R. (1969). Notas sobre la memoria y el deseo. Revista de

Psicoanálisis, 26, 679-692. (Trabalho original publicado em 1967)

Bion, W. R. (1983). Como tornar proveitoso um mau negócio. Revista

Brasileira de Psicanálise, 13, 467-478. (Trabalho original publicado em

1979)

Burnier, T. (2003). Lidando com a resistência. In W. J. Fernandes, B.

Svartman, B., & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e configurações vinculares

(pp. 171-176). Porto Alegre: Artmed.

Durand, M. (1995). Transferência no consultório e na instituição. Revista

ABPAG, 4, 35-39.

Fernandes, W. J. (1989). O terapeuta, o narcisismo e o grupo analítico.

Revista ABPAG, 1, 59-65.

Fernandes, W. J. (1993). La interpretación puede estar a servicio del narcisismo del

psicoterapeuta? Memorias del V Congreso de AMPAG – Cuernavaca:

AMPAG.

Fernandes, W. J. (1994). Tentativa de elaboração de alguns aspectos teóricos em

psicanálise das configurações vinculares: Memorias del XI Congreso

Latinoamericano de Psicoterapia Analítica de Grupo. Buenos Aires:

AAPPG.

Fernandes, W. J. (2003). O processo comunicativo vincular e a psicanálise

dos vínculos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes

(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 43-55). Porto Alegre:

Artmed.

Freud, S. (1969). A dinâmica da transferência. Em: Obras completas, vol. XII

– O caso de Schreber. Artigos sobre técnica e outros trabalhos (pp. 133-143).

São Paulo: Imago. (Trabalho original publicado em 1912)

Heimann, P. (1960). On countertransference. International Journal of

Psychoanalysis, 31, 81-84. (Trabalho original publicado em 1950)

Leal, M. R. M. (1993). A neurose de transferência no tratamento

grupanalítico. Em: Grupanálise: Um Percurso; 1963-1993 (pp. 77-89).

Lisboa: SPG.

349

Mello Filho, J. (2006). Sobre o manejo da contratransferência na

psicoterapia analítica grupal. Grupanálise Online.pt, 4(4), 17-20.

Neto, I., & Fernandes, W. J. (2019). Reflexões luso-brasileiras sobre o trabalho

com grupos terapêuticos. Lisboa: Conferência proferida no XIV Encontro

Luso-Brasileiro de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo, 14-

16 de novembro de 2019.

Pichon-Rivière, E. (1983). Transferência e contratransferência na situação

grupal (com a colaboração de Ana P. de Quiroga). Em: E. Pichon-

Rivière, O processo grupal (pp. 161-166). São Paulo: Livraria Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

Puget, J. (1993). Modelo de interpretación. Em: J. Puget, M. Bernard, G.

Chaves, & E. Romano (Orgs.), El Grupo y sus configuraciones: Terapía

psicoanalítica. Buenos Aires: Lugar Editorial. (Trabalho original

publicado em 1991)

Puget, J. (2006). El presente de la historia, la historia del presente. Em L.

G. Fiorini (Org.), Tiempo, historia y estructura: Su impacto en el psicoanálisis

contemporáneo (pp. 241-264). Buenos Aires: Lugar Editorial; APA

Editorial.

Ribeiro, P. J. (1981). Psicoterapia grupo-analítica: Abordagem foulkiana – Teoria

e Técnica. Petrópolis: Vozes.

Roudinesco E., & Plon, M. (1997). Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar.

Sandler, J. (1977). O paciente e o analista. Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho

original publicado em 1973)

Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1971)

Zimerman, D. E. (1995). Bion – Da teoria à prática: Um estudo didático. Porto

Alegre: Artmed.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto

Alegre: Artmed.

351

17 O início e o término da intervenção

psicológica grupal Cláudia Alexandra Bolela Silveira e Felipe Santos da Silva

A intervenção psicológica grupal constitui-se como uma

modalidade de atuação profissional que favorece o acesso ao serviço de

psicologia a um número maior de pessoas principalmente nas instituições

de saúde, educação, públicas ou privadas, e organizações não

governamentais (ONGs). As áreas de intervenções grupais do psicólogo

podem ser a clínica ou as instituições. Na clínica, tal intervenção se dá por

meio da grupoterapia, já nas instituições, tal interação ocorre com os

grupos operativos, que possuem diversas modalidades de intervenção

(Fernandes et al., 2003). O início e o término das intervenções psicológicas

grupais ocorrem em decorrência da demanda apresentada e das

características específicas de cada modalidade grupal. Assim, o objetivo

deste capítulo é evidenciar os aspectos que envolvem o início e o término

dos grupos psicológicos tanto na clínica quanto nas instituições.

Breves considerações sobre a intervenção grupal

Para tratarmos mais especificamente do tema “início e término dos

grupos”, faz-se necessário realizarmos algumas considerações iniciais

sobre o campo teórico, no qual se inserem os estudos sobre grupos, para

em seguida, tratarmos com maior especificidade do foco proposto para

este capítulo.

O campo de estudos sobre grupos, relacionado à psicanálise, tem

sido discutido e disseminado por autores brasileiros desde 1951 como:

Bernardo Blay Neto, Alcyon Baer Bahía, David Epelbaum Zimerman,

352

Luis Carlos Osório, Odilon de Melo Franco Filho, Waldemar Fernandes,

Beatriz Fernandes, Betty Svartman, Solange Emílio, Laszlo Ávila (Ávila et

al., 2016), entre outros. Os estudos desses autores apontam um caminho

para se realizar uma árdua e difícil tarefa: estudar os fenômenos grupais,

respeitando sempre a subjetividade humana. Tais fatores são considerados

constituintes da obra prima dos estudos de grupo, na clínica psicanalítica.

A partir da concepção de que o ser humano é gregário mesmo

antes de seu nascimento, que ele sempre existiu e se constituiu por meio

dos grupos aos quais fez e faz parte, compreende-se que existe uma

demanda natural para o trabalho psicológico grupal, ou seja, estar em

grupo é algo inerente à condição humana. Portanto, participar de

intervenções psicológicas em grupo possibilita resgatar o outro em si e

compreender a própria existência.

Na perspectiva psicanalítica, o resgate do eu-plural está nas

diversas possibilidades de relações transferenciais que o estar em grupo

pode manifestar. O manejo destas manifestações está na identificação dos

papéis fixos representados pelos membros do grupo e da “situação

dramática vivenciada pelo grupo num dado momento” (Blay Neto, 2001,

p. 30), que possibilita ao grupoterapeuta a visão do grupo como um todo.

Em contrapartida, Neri (1999) ressaltou que nem sempre o discurso nos

grupos analíticos deve voltar-se para a síntese unitária, ou seja, no grupo,

podem estar presentes vários pontos de vistas que levam à identificação

entre seus membros.

Para Blay Neto (2001), quanto mais fixos os papéis representados

pelos membros do grupo, maior será a regressão, ao passo que, quanto

maior a capacidade de seus membros de representar papéis diversos no

grupo, maior a evolução de grupal. Assim, se um membro deixa o grupo,

ou se afasta por um tempo, a homeostase do grupo é retomada quando

outros membros assumem o papel daquele que saiu, o que denota a

flexibilidade de seus membros no desempenho de papéis no grupo.

Para Neri (1999), o grupo tem a capacidade de desintoxicar a

mente do indivíduo, ao eliminar as tensões excessivas que podem ter se

acumulado e ocupado a sua mente. Osório (2013) utiliza a metáfora do

lixo psíquico para esclarecer a função continente do grupo, que o autor

denomina ambiência, ou seja, espaços grupais recebem e metabolizam as

353

angústias produzidas pelas vivências do cotidiano ao reutilizar as energias

dispendidas em proveito dos membros.

A intervenção psicológica grupal

O início de uma intervenção psicológica em grupo constitui o

primeiro desafio para que o processo grupal ocorra e seja consolidado.

Assim, para o início de um grupo, bem como para seu encerramento é

preciso clareza. Tal clareza deve permear alguns fatores, como: sobre quais

serão os objetivos norteadores daquele grupo em específico; quais serão

os indivíduos que o irão compor; qual será a frequência de encontros; o

local onde serão realizados os encontros; a duração total dos encontros; e,

acima de tudo, a importância do contrato e do enquadre grupal entre o

coordenador e o grupo47.

Deve haver a instituição de um enquadre (setting) e o cumprimento

das combinações nele feitas. Assim, além de ter os objetivos

claramente definidos, o grupo deve levar em conta uma

estabilidade de espaço (local das reuniões), de tempo (horários,

férias...), algumas regras e outras variáveis equivalente que

delimitam e normatizam a atividade grupal proposta. (Zimerman,

2000, p. 83)

Dessa forma, no enquadre, precisa estar estabelecida a proposta da

intervenção, com seus objetivos de início e de término, ou seja, se

acontecerá a curto ou longo prazo, se o grupo será aberto ou fechado,

possibilitando ou não a entrada de novos membros durante o seu

percurso.

É considerado grupo aberto aquele em que, com a saída de um

participante, outro preenche o seu lugar. O grupo fechado

caracteriza-se por um contrato grupal, onde se estabelece o prazo

de vida do grupo, e, uma vez iniciado, já não há possibilidade da

entrada de novos elementos e, teoricamente, aqueles que

47 Ver capítulo 3, Proposta introdutória de classificação do trabalho grupal para detalhamentos a esse respeito.

354

pertencem ao grupo não poderão sair até a data aprazada.

(Castilho, 2002, p. 16)

É importante destacar a necessidade do conhecimento do

coordenador a respeito de qual é a sua função no grupo, suas limitações e

responsabilidades. Trata-se, portanto, de um saber técnico, um know how,

de maneira que o coordenador se sinta seguro e convicto de que está

realizando algo com plena consciência, conseguindo avaliar riscos e

vislumbrar resultados positivos após a execução de seu desempenho

enquanto grupo analista.

É fundamental e imprescindível o acolhimento do grupo, para que

seus membros possam se sentir aceitos e amparados, ainda que,

inicialmente, tal tarefa apresente-se como um grande desafio, uma vez que

cada participante do grupo possui uma necessidade específica, recebe e

aporta o que sente de maneira singular. O coordenador deve atuar como

facilitador desse processo, em busca da solução e da resolução de conflitos

latentes e/ou manifestos. Trata-se de um espaço onde serão expostos

conteúdos que demandam cuidado, atenção e respeito por parte dos

membros participantes, sobretudo do coordenador do grupo.

O resultado mais notável e também o mais importante da

formação de um grupo é a ‘exaltação ou intensificação de emoção’

produzida em cada membro dele (ibid., 24). Segundo McDougall,

num grupo as emoções dos homens são excitadas até um grau que

elas raramente ou nunca atingem sob outras condições, e constitui

experiência agradável para os interessados entregar-se tão

irrestritamente às suas paixões, e assim fundirem-se no grupo e

perderem o senso dos limites de sua individualidade. A maneira

pela qual os indivíduos são assim arrastados por um impulso

comum é explicada por McDougall através do que chama de

‘princípio da indução direta da emoção por via da reação simpática

primitiva’ (ibid., 25), ou seja, através do contágio emocional com

que já estamos familiarizados. O fato é que a percepção dos sinais

de um estado emocional é automaticamente talhada para despertar

a mesma emoção na pessoa que os percebe. Quanto maior for o

número de pessoas em que a mesma emoção possa ser

simultaneamente observada, mais intensamente cresce essa

355

compulsão automática. O indivíduo perde seu poder de crítica e

deixa-se deslizar para a mesma emoção. Mas, ao assim proceder,

aumenta a excitação das outras pessoas que produziram esse

resultado nele, e assim a carga emocional dos indivíduos se

intensifica por interação mútua. (Freud, 1856/1996, p. 95) Ao mesmo tempo em que o clima contagiante pode permear e

afetar positivamente os membros do grupo e levá-los a uma coesão grupal,

os processos obstrutivos também surgem por meio das diversas reações

grupais, que podem, inclusive, fragmentar o grupo e levá-lo ao término

antecipadamente. Esse fenômeno ocorre em específico quando “(...) os

homens se agrupam para instrumentalizar seu domínio e poder sobre seus

pares (...)” (Osório, 2013, p. 46).

Portanto, o início e o término de um grupo estão associados,

primeiramente, aos seus objetivos e às suas propostas iniciais, explícitos

no enquadre grupal, assim como aos processos latentes, inconscientes, que

podem surgir durante o percurso, visando à disputa de poder entre seus

membros, sendo esse, mais um aspecto importante para lidar no manejo

de grupos. A identificação desse fenômeno pelo coordenador, bem como

o direcionamento de tal ocorrência ao grupo, para que seus participantes

reflitam sobre este conteúdo inconsciente que se manifesta, pode ser um

manejo favorável à manutenção, coesão e evolução do grupo.

A intervenção grupal em instituições

A princípio, grupos institucionais apresentam início e término pré-

determinados por seus objetivos e propostas, embora, estas não garantam

sua manutenção até o final. O ser humano é imprevisível, assim como suas

constituições grupais, ou seja, cada grupo constituído é único e tem a sua

dinâmica própria que vai sendo construída podendo se consolidar ou não.

Partindo de um referencial mais prático, os grupos constituídos

por meio de uma intervenção institucional, vivenciados pelos autores deste

capítulo nas áreas da educação, social e da saúde, realizadas nos estágios

de formação em psicologia, são propostos a partir de uma demanda da

instituição e com um prazo de início e de término determinado pelo

cumprimento da carga horária de estágio.

356

Desta forma, toda estruturação é realizada a partir desses requisitos

e no enquadre são estabelecidos início, término, número de encontros,

objetivos da proposta, o que, por sua vez, constitui as intervenções

psicológicas grupais que acontecem em ONGs, instituições públicas,

privadas, centros comunitários, espaços vinculados a religiões (mesmo que

a intervenção não professe nenhuma fé religiosa), pois os trabalhos estão

sempre relacionados à promoção de saúde, educação, desenvolvimento

intra e interpessoal, com objetivos mais amplos como os autores

Zimerman (2000), Fernandes et al. (2003) e Ávila (2016), citados

anteriormente, definiram os grupos institucionais.

Nas instituições, os grupos podem ser encerrados de forma

antecipada ao período previsto no contrato psicológico do trabalho por

diversos motivos, entre eles: a falta de identificação com a proposta; falta

de interesse; e as resistências, em função das relações transferenciais

múltiplas que ocorrem entre os membros e com o coordenador do grupo.

Dessa forma, fica evidente que processos obstrutivos podem e devem ser

trabalhados ao longo dos encontros do grupo, no entanto, em alguns

casos, por motivos de tempo – como nos grupos institucionais com prazo

pré-definido, o término pode ocorrer antes que tais fenômenos sejam

trabalhados e tratados.

Os grupos institucionais, realizados em empresas com

funcionários, como em fábricas e hospitais, por exemplo, por solicitação

das chefias, dificilmente terão o seu término antecipado, por ser uma

orientação vertical, ou seja, a gestão indica os membros para o grupo,

estando implícita uma imposição velada por todos. Nas instituições de

ensino, quando a equipe gestora direciona os estudantes para os grupos, a

mesma situação ocorre em função da relação hierárquica. O grupo chega

ao término conforme o período proposto inicialmente no enquadre, por

todo o contexto, determinação, contratação do serviço de intervenção,

porém, as relações estabelecidas entre os membros com o coordenador do

grupo podem ser bastante truncadas e de difícil manejo. Isto é, o grupo

vai a termo para cumprir o protocolo, no entanto, as vivências e os

objetivos grupais não alcançam suas propostas fixadas inicialmente de

maneira efetiva.

357

Experiências grupais vivenciadas pelos autores deste capítulo, na

formação em psicologia para estudantes de 5º semestre do curso, ilustram

esta situação, uma vez que tratam-se de intervenções psicológicas grupais

em uma instituição de ensino, cujo foco é o processo de ensino-

aprendizagem. Os estudantes são subdivididos em pequenos grupos,

denominados grupos vivenciais. Cada grupo é coordenado por um

estagiário, um estudante do 5º ano do curso de psicologia, porém, por

tratar-se da prática da disciplina de Teorias e Processos Grupais, mesmo

os coordenadores dos grupos não sendo o professor responsável pela

disciplina, ocorre uma relação hierárquica em que são manifestos

conteúdos latentes em função da obrigatoriedade na participação neste

grupo, por estar associada à disciplina.

Assim, enquanto alguns grupos vivenciam uma verdadeira

integração e usufruem do espaço do grupo vivencial para trabalhar as

angústias e o lixo psíquico que a formação produz em suas vidas enquanto

estudantes, pessoas, profissionais; outros grupos manifestam uma

resistência intensa que corrobora em processos obstrutivos ao

desenvolvimento do grupo como: boicotes, ataques ao facilitador,

fragmentação. Em decorrência disso, o grupo por resistir, não se

desintegra em função do vínculo com a disciplina e a obrigatoriedade.

Outro exemplo de grupos institucionais são aqueles realizados em

escolas de Educação Básica, por meio dos estágios em psicologia escolar,

voltados para as temáticas de promoção de saúde, prevenção e saúde nas

escolas ou habilidades de vida. Tais grupos constituem intervenções

solicitadas pela gestão escolar na figura do diretor, vice-diretor,

coordenador pedagógico ou mediador. Os grupos são oferecidos para

cerca de 15 a 20 estudantes, em horários específicos, com duração de 1

hora e 30 minutos, frequência semanal e sendo abertos, ou seja, os

estudantes são convidados, porém, a frequência e comparecimento não

são obrigatórios.

Neste contexto, o início e o término do grupo estão determinados

pelo contrato de estágio com a instituição de ensino, porém, os vínculos

que serão construídos ao longo dos encontros a partir da proposta,

diferenciam-se em cada realidade escolar e dependem da constituição

grupal que se forma. Comumente, os fenômenos grupais se manifestam

358

inicialmente com o vínculo de dependência messiânica em relação à figura

do coordenador como o Messias, salvador dos problemas da escola, dos

estudantes. Podendo também ocorrer o mesmo em relação ao grupo como

um todo, que é observado nas atitudes dos estudantes em relação à

importância daquele espaço grupal oferecido aos mesmos e a frequência

nos encontros do grupo.

Por outro lado, grupos neste formato são mobilizados por intensa

resistência de seus membros, que não compreendem a proposta e os

motivos de estarem ali. Muitas vezes, os participantes se veem como os

excluídos da escola e acreditam que a orientação de participarem desses

grupos está relacionada aos processos de exclusão. Quando o manejo se

torna difícil, os membros podem deixar de participar, uma vez que a

participação não é obrigatória. Desta feita, o término do grupo é

antecipado, uma vez permeado por conflitos e ataques ao facilitador.

Os grupos institucionais têm como pressupostos teóricos básicos

os grupos operativos, cujo expoente foi Pichon-Rivière, uma vez que os

encontros são estruturados a partir de tarefas que levam à discussão e à

reflexão acerca das temáticas levantadas na demanda das instituições dos

membros participantes. Assim, cabe ressaltar o caráter dessas tarefas que

funcionam como facilitadoras, precursoras, da reflexão que deverá

acontecer. Portanto, é no processo reflexivo que os conteúdos

inconscientes latentes vão se manifestando e, assim, possibilitam o

trabalho grupal em meio aos fenômenos grupais e processos obstrutivos

que vão se delineando nas relações entre os membros e destes com o

coordenador do grupo.

A intervenção em grupos na Clínica Psicológica

Os grupos na área clínica, cujos objetivos constituem, em essência,

o desenvolvimento pessoal dos membros por meio da interação que o

espaço grupal oferece, ocorrem de forma mais aprofundada, em termos

dos vínculos que vão se estabelecendo durante as sessões, e geralmente

são grupos de longo prazo, quando fogem da proposta de grupoterapia

breve, que possui um foco específico para ser trabalhado.

A constituição desses grupos se dá pela vontade própria de seus

membros, ou por indicação de psicólogos e/ou médicos que

359

compreendem uma demanda da pessoa para o trabalho psicológico em

grupo. Sempre se observa um preconceito das pessoas em relação à

intervenção psicológica grupal na clínica psicoterápica, havendo um

predomínio de discursos que afirmam que o objetivo é a redução de filas

de espera e atendimento de um público maior; e que as pessoas têm

dificuldade de confiar no sigilo dos membros, portanto, não conseguem

usufruir do espaço grupal plenamente como na psicoterapia individual.

Porém, o que se verifica é uma mudança de atitude em relação a quem

procura atendimento psicológico na clínica-escola, ou seja, uma procura

por atendimento em grupo em função de uma demanda para estar com o

outro, pela necessidade de estabelecer vínculo.

O início da grupoterapia está vinculado à proposta de atendimento

em grupo por parte do grupoterapeuta ou pela busca espontânea dos

membros por essa modalidade de atendimento psicológico. O término

está atrelado ao contrato psicológico estabelecido no início das sessões em

grupo. Sendo um grupo fechado, é vedada a entrada de novos membros

mediante a saída de algum, o que pode levar ao término do grupo se todos

os membros deixarem a grupoterapia. O estabelecimento no enquadre do

formato de grupo aberto, define um número máximo de membros,

mediante a saída de um membro, o grupoterapeuta pode indicar um novo

membro e o grupo vai se mantendo constante, mesmo com a possibilidade

de saída.

É importante destacar algumas das principais diferenças entre o

início do grupo fechado e do grupo aberto. Para o início do grupo fechado,

como dito anteriormente, são elencados critérios estabelecidos pelo

próprio psicoterapeuta, atrelados às demandas apresentadas pelos

pacientes. Assim, o contrato grupal deve discorrer sobre faltas, atrasos,

pagamentos (quando o serviço é oferecido na modalidade particular), o

sigilo das informações que serão apresentadas e compartilhadas ao longo

dos encontros grupais e a coesão grupal, para que a eficácia do trabalho

proposto seja possível, além da impossibilidade de entrada de novos

participantes, por estar definido no contrato que se trata de um grupo

fechado.

Faz-se fundamental que o psicoterapeuta tenha bem definido qual

será o objetivo central do grupo, e quais serão os alvos específicos sob os

360

quais o mesmo se fundamentará, de modo que o grupo como um todo,

mesmo composto por subjetividades distintas, possa ter clara qual será a

finalidade daquele espaço naquele momento. Já, no grupo aberto, há uma

flexibilidade no que concerne à entrada de novos participantes, que

também precisa estar clara no enquadre para todos os membros.

Na clínica-escola, o formato proposto é de grupo aberto com o

número máximo de seis membros. Uma vez que o estágio é realizado por

semestre, no contrato psicológico do grupo, já está estabelecido o período

de atendimento, que se encerra antes das férias (julho e dezembro),

tratando-se, portanto, de grupos breves. No caso da clínica-escola, o

término do grupo está atrelado ao semestre letivo do estágio.

A clínica grupoterápica no serviço-escola tem possibilitado

observar a permanência dos pacientes por mais de dois anos no grupo,

mesmo com a troca semestral de grupoterapeutas por força dos dois

semestres letivos de cada ano. Um grupo de adultos constituído pelos pais

de crianças, e de adolescentes também atendidos em grupo no mesmo

horário, vem se mantendo há mais de três anos e a cada período pós-férias,

o grupo é retomado e os pacientes esperam encontrar os membros que

participaram no semestre anterior, acolhem membros novos e

demonstram uma coesão grupal em relação às vivências relatadas nas

sessões.

Uma vez que a professora supervisora dos grupoterapeutas dessa

modalidade de atendimento se mantém a mesma, tem sido possível

acompanhar a evolução do grupo em relação às demandas emocionais

apresentadas no seu início, a ressonância mútua dos fatos compartilhados

por seus membros e as novas demandas que vão surgindo em função da

dinâmica da vida e dos acontecimentos que a permeiam. Assim, o grupo

de crianças e adolescentes vinculados a esse grupo de adultos/pais

também se mantém fortalecendo a intervenção psicológica grupal de

longo prazo.

No consultório, o grupoterapeuta não estabelecerá o término, tal

processo ocorrerá mediante a evolução do grupo e seus membros em

relação à compreensão afetiva, à relação de dependência do grupo e do

grupoterapeuta, diante da possibilidade de retomar a vida, trabalho,

estudos e família, com o Ego fortalecido, mais consciente de suas decisões

361

e a diminuição dos sintomas que levaram o sujeito a procurar a

grupoterapia.

Em relação ao término da grupoterapia, Luz (2003) afirma que o

tratamento deve durar o tempo que os pacientes precisarem dele e que as

ausências desses pacientes, após um período de tratamento, sinalizam que

suas necessidades foram atendidas. O autor ressalta que, por fenômeno

cultural, a população não finaliza o contrato de forma muito explícita, até

por envolver afeto, as ausências vão delineando o término.

Blay Neto (2001) destaca a relação de dependência no grupo, a

evolução da dinâmica grupal e o seu término. O autor descreve “a solidão

como a capacidade mental especial que conseguimos através de

experiências dolorosas, que nos permitem encarar a nós mesmos, sem

tentar escapar” (p. 88). Acredita-se que, terapeuta e grupo, ao agir de forma

livre sem o vínculo de dependência, abre-se espaço para o diálogo criativo

e o desaparecimento de sentimentos dolorosos como ideias persecutórias:

de ódio e de ansiedade, que culminam na capacidade de ficar só, de dar e

receber. Para Blay Neto, esse processo significa o princípio do fim da

relação terapêutica. “O término da terapia acontece espontaneamente,

independente do desejo do grupo ou do terapeuta. Esse fato representa a

prova real do crescimento grupal e é uma das mais evidentes provas da

eficiência terapêutica” (p. 89).

Considerações finais

A necessidade de conhecer diferentes trabalhos que retratassem a

temática da intervenção psicológica grupal em serviço-escola de psicologia

e/ou em instituição universitária, e assim ampliar possibilidades de atuação

do psicólogo recém-formado e daqueles que já atuam na prática grupal,

surgiu a partir das discussões realizadas durante supervisões de estágios

em grupo, nas quais identificamos a crescente demanda para o trabalho

grupal, sobretudo de instituições públicas e privadas, que possuem

demandas mais emergentes, quando pensadas as espacialidades e a

362

quantidade de trabalhos em grupo realizados anualmente pela clínica de

psicologia situada em uma universidade local do interior paulista48.

Retomando a proposta deste capítulo, de delinear o início e o

término das práticas grupais na clínica e nas instituições, considerando não

ser possível esgotar o tema neste espaço, foi possível refletir sobre

aspectos teóricos e práticos que envolvem a intervenção psicológica

grupal, em especial no que se refere ao início e término dos grupos.

Verificou-se a diversidade de modalidades grupais que constituem

o ponto de partida para iniciar as intervenções em grupo, compreendendo

o contexto em que são realizadas, os fenômenos e os processos

obstrutivos que podem emergir nos diferentes contextos e modalidades,

anunciando o término ou a continuidade.

A diferença dos processos grupais na clínica e nas instituições é

qualitativa, uma vez que o início e o término estão atrelados aos diferentes

objetivos do trabalho grupal, sendo nas instituições mais amplos, voltados

para o interesse das organizações por meio de sua gestão, e na clínica, mais

específicos e relacionados ao desenvolvimento pessoal.

Cabe ressaltar que as práticas grupais, tanto na clínica, quanto nas

instituições, constituem uma demanda futura intensa, tendo em vista o

isolamento em que as pessoas se encontram cada vez mais na

contemporaneidade, mesmo com tanta facilidade de comunicação num

mundo globalizado e com recursos tecnológicos sofisticados. A

dificuldade de estar com o outro tem evidenciado a necessidade de

aprender estar junto, face a face, e compreender os benefícios psíquicos

que esta relação oferece.

Referências

Ávila, L. A. (2016). Grupos: Uma perspectiva psicanalítica. São Paulo:

Zagodoni.

Ávila, L. A., Fernandes, W. J., Camargo, I., & Emílio, S. A. (2016). Grupos

em debate. Vínculo, 13(1), 3-19.

48Ver a análise qualitativa que realizamos, relacionada aos dados dos prontuários e relatórios do estágio de processos grupais a partir do referencial teórico na área (Costa et al., 2018).

363

Blay Neto, B. (2001). Psicanálise e psicoterapia de grupos: Contribuições. São

Paulo: Paulista.

Castilho, A. (2002). A dinâmica do trabalho de grupo. Rio de Janeiro:

Qualitymark.

Costa, J. T., Silva, F. S., & Silveira, C. A. B. (2018). As práticas grupais e a

atuação do psicólogo: Intervenções em grupo no Estágio de Processos

Grupais. Vínculo, 15(2), 57-81.

Fernandes, W. J., Svartman, B., & Fernandes, B. S. (Orgs.) (2003). Grupos

e configurações vinculares. Porto Alegre: Artes Médicas.

Freud, S. (1856/1996). Obras completas de Sigmund Freud: edição standard

brasileira (Trad. Jayme Salomão). Rio de Janeiro: Imago.

Luz, F. (2003). Como montar e manter os grupos. Em W. J. Fernandes, B.

Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.) (2003), Grupos e configurações

vinculares (pp. 185-193) Porto Alegre: Artes Médicas.

Neri, C. (1999). Grupo: Manual de psicanálise de grupo. Rio de Janeiro: Imago.

Osório, L. C. (2013). Como trabalhar com sistemas humanos: grupos, casais e

famílias, empresas. Porto Alegre: Artmed.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2.ed.). Porto

Alegre: Artmed.

365

18 Psicoterapia de grupo com crianças e

adolescentes Beatriz Silverio Fernandes

O objetivo deste capítulo é dar uma ideia sobre a técnica de

psicoterapia com crianças e adolescentes. Como disse Fernandes (2003a):

Uma experiência importante é o indivíduo ser

compreendido e aceito por um terapeuta; outra experiência,

consideravelmente mais poderosa, é a pessoa ser compreendida e

aceita pelo terapeuta e por diversos companheiros de grupo, que

também estão partilhando seus sentimentos em uma busca, em

conjunto, de um jeito de viver com mais satisfação. (p. 231)

Segundo Cruz (2018), o espaço psicanalítico provê uma matriz

relacional que difere de nosso cotidiano familiar, escolar e, apesar das

regras, de nem sempre a criança ou o adolescente poderem fazer o que

querem e de chorarem, eles aprendem a partilhar e reconhecer no outro,

ou outros, os mesmos sentimentos que experienciam, e onde podem surgir

novas formas de perceberem esses mesmos sentimentos.

Para mim, o grupo terapêutico mostra-se como um espaço de

identificações, de continuidade, de abolição de diferenças e também de

estabelecimento de diferenças, muito importante para o desenvolvimento

infantil e da adolescência, sempre dentro do referencial psicanalítico.

Os objetivos de uma psicoterapia de grupo, quer seja com crianças,

quer com adolescentes, é colaborar para que possa haver uma

reorganização das características psíquicas.

Mediante os fenômenos da elaboração, insight e sublimação, eles

construirão um contato novo com a realidade, tanto sua realidade interior

como a realidade externa, seu meio ambiente. Observar o grupo, observar

as diferenças e semelhanças com os companheiros possibilitará uma

ampliação de seu conhecimento e de seu autoconhecimento. É algo que

ajudará a construir ou a observar os limites que temos dentro de nós e ao

nosso redor, e o limite frente ao nosso companheiro.

366

É importante para ambos, crianças e adolescentes, que realizemos

uma ou duas entrevistas para anamnese, com rigor e cuidado, primeiro

com os pais, depois com a criança ou adolescente, para sabermos de

hábitos e costumes antigos e atuais que permitam criar um perfil da criança

ou adolescente e então saber com quais outros companheiros poderemos

compor o grupo.

Sempre que possível deve-se conversar com a família; mas se isso

se tornar um empecilho, faremos entrevistas com cada familiar

separadamente. Tais entrevistas ou reuniões são realizadas no início e

depois a cada dois ou três meses. É importante nessas entrevistas que se

fale das datas em que os grupos ocorrerão, como agirão quanto a férias,

feriados, faltas e também com relação aos pagamentos.

Os grupos de crianças, em geral, terminam com o advento das

férias; não que seja uma regra, mas é de fato o que venho registrando. As

crianças melhoram, ficam um tempo sem vir às sessões e, em 80% dos

casos, a família não retorna.

Grupo com crianças

O grupo se estabelece e vai acontecendo ao longo do tempo, sem

tarefas pré-fixadas. O brincar é espontâneo, pois esta é a linguagem da

criança. É a forma pela qual ela vai se exprimir, se expressar, agir. Essa

atividade infantil é uma maneira de se expressar simbolicamente.

A presença de várias crianças propicia uma qualidade diferente de

relacionamento. Surge nesse contexto o compartilhar, o divertir e, ao

mesmo tempo, é possível adicionar ao mundo interno novas formas de

ser e estar com o mundo.

No grupo conseguirão ser mais criativos, e diminuirão os

processos de repetição. Trocam experiências, empregam materiais

diferentes, conhecem novas formas de utilizar materiais e assim

empenham-se numa diversidade de atividades, estimulando de modo

plural sua criatividade.

Mas então... quem pode participar do grupo? Quem não pode?

Como agrupar crianças?

367

Quem pode?

No meu trabalho, qualquer criança pode participar de um grupo.

Ginot (1961) dizia que “crianças tímidas, imaturas, fóbicas, boazinhas,

com distúrbio de hábitos eram as que mais se beneficiavam” (p. 32).

Hoje, após 30 anos de prática clínica, posso afirmar que qualquer

criança ou adolescente, desde que no grupo certo, se beneficiará. Destaco

apenas que é preciso saber, por meio das entrevistas, se não há hábitos

familiares que ponham em choque as famílias dos demais participantes. O

que quero dizer é que, como temos contato direto com os pais das

crianças, que são menores de idade, precisamos estar atentos para que

comportamentos sexualizados não ocorram durante uma sessão de grupo.

Em geral, agrupamos crianças com uma diferença de no máximo

dois anos, com hábitos e síndromes diversas. Criança tímida, que não

dorme fora de casa, com criança extrovertida que sai com outras famílias;

crianças portadoras de doenças como asma ou bronquite e crianças sem

comprometimento físico; crianças com encoprese e outras. Um conjunto

diverso e, ao mesmo tempo, harmonioso.

Um fato importante, ao qual tenho dado valor ao longo do tempo,

é poder sentir o grupo dentro de mim, vislumbrar esse conjunto em minha

fantasia.

Quem não vai para o grupo?

Como já mencionei, deve sempre haver grupo certo para a criança

certa. Uma criança com distúrbio de comportamento pode se dar bem

num grupo com outras crianças com o mesmo diagnóstico. Não ponho

tímidos junto com crianças com essas características; muita agitação pode

intimidar as crianças mais quietinhas. Deve-se sempre mesclar, sem

exageros.

O grupo tem um certo nível de tolerância às tensões. Precisamos

estar alerta, mesmo depois da seleção, para que ele não se desintegre.

Um grupo pode conter de três a cinco crianças, se for num

consultório. Institucionalmente e com coterapia podemos chegar a oito.

368

Como trabalhar com o grupo de crianças?

Com crianças trabalhamos com sua linguagem e com sua

simbolização. Crianças brincam e expressam seus sentimentos por meio

da brincadeira.

Os brinquedos selecionados devem ou podem estar a serviço de

uma facilitação do relacionamento com a criança, bem como auxiliar no

insight e facilitar a prova de realidade (por exemplo: podem quebrar um

brinquedo e consertá-lo). Os brinquedos devem ser resistentes. Podem

quebrar, mas devem poder ser reconstruídos, colados, como os

brinquedos de madeira permitem fazer.

O que deixar à disposição das crianças?

No início dos grupos, ou dos atendimentos infantis, havia uma

caixa contendo todos os brinquedos, tanto dos atendimentos individuais

como grupais. Hoje em dia, isso seria quase que impossível; numa

instituição, então, impraticável. Um pequeno armário ou prateleiras com

brinquedos organizados será o suficiente. Numa instituição, uma caixa

plástica com os brinquedos para todos os grupos. Outra caixa para guardar

os materiais produzidos.

É essencial termos sempre papel, lápis preto e coloridos, borracha,

giz de cera, aquarela, tintas, pincéis, tesoura, cola, régua, barbante, palitos,

palitos de fósforo, tampas de garrafa, panos, argila, água, areia (se possível

numa caixa), carros, animais e uma família. Se pudermos ter uma casinha

e seu mobiliário é bom, mas se não for possível, apenas uma cama, cadeira,

mesa, panelas e alguns poucos jogos. Nunca ponho muitos jogos. Apenas

um jogo de damas, uno, jogo da vida, labirinto, baralhos e ludo. Pode-se

observar o lado competitivo das crianças, como lidam com frustrações,

como se relacionam frente às competições e como as vivenciam. Os papéis

e os lápis serão alguns dos elementos com os quais elas conseguirão

expressar seus sentimentos e emoções. Crianças que nunca puderam se

sujar em casa terão oportunidade de fazê-lo no grupo. A casinha e seus

elementos representarão seu mundo real. Na areia poderão vivenciar suas

fantasias de desaparecer e aparecer. Matar e ressuscitar.

Vimos quais as crianças que participarão do grupo, quais os

brinquedos que estarão à sua disposição, só não falamos do local onde

369

acontecerá o evento: uma sala arejada e protegida das peraltices infantis;

se houver janelas perigosas, que tenham grades.

Uma vez instalados no espaço, deve-se reforçar com as crianças

nossas regras. Podemos deixá-las explícitas num papel. São elas: dia, hora

e local dos encontros.

As crianças poderão brincar de qualquer coisa, desde que

compatível com a sala. Não poderão ficar nas janelas, não devem entrar e

sair da sala (devem ir ao banheiro e tomar água, sempre que possível, antes

ou depois do atendimento). Não podem bater no outro ou no terapeuta,

nem morder ou cuspir (Ginot, 1961).

O grupo está preparado para funcionar. Se for o primeiro dia do

grupo, sempre peço que as crianças se apresentem. Se o grupo já estiver

em funcionamento há algum tempo e entrar uma criança nova, também

será feita a apresentação. Quando temos crianças com três ou mais meses

de permanência no grupo, elas mesmas se encarregam de mostrar a sala,

as regras, nomes etc.

Outras vezes as crianças têm dificuldades de lidar com seu

sadismo, com repressão e, nesse contexto, podemos introduzir algum

material que permita a expressão do reprimido.

As crianças não têm seu mundo psíquico ainda formado. Requer

ser significado para que possa desenvolver mais seu psiquismo. Transitará

num caminho de formação e transformação. Para que isso ocorra, é

preciso que se fortaleçam vínculos. Será por meio desses vínculos e do vai

e vem das significações que construirá seu modo de vinculação com o

mundo.

Se pensarmos o grupo terapêutico como um espaço de

transicionalidade, conforme tratado no capítulo sobre as contribuições de

Winnicott (capítulo 13), ele será o terreno propício para maior

desenvolvimento e articulação de vínculos primários e secundários, dos

que já conhecia e dos novos, entre os espaços do mundo fantasioso e real.

As crianças necessitam de um tempo ímpar e singular para poder realizar

esse arcabouço de revoluções, transformações e novas configurações.

370

Fragmento de um grupo

Contexto geral

Grupo composto por duas meninas e dois meninos, entre sete e oito anos.

Rafael – Tem dificuldades de aprendizagem e quase não se comunica. Fala

apenas em casa.

Renato – É portador de asma, com internações sucessivas. É muito

distraído.

Rita – É portadora de bronquite e asma. Tem dificuldades de

aprendizagem.

Clara – Apresenta dificuldade de aprendizagem, é bastante agitada e tem

dificuldades para dormir.

Mantivemos encontros semanais. No início pouco falavam. Ficavam

olhando um para o outro e para o armário de brinquedos.

Grupo

Rita deu o primeiro passo para a brincadeira. Ficaram brincando

de algo que denominaram “detetive” (eu desconhecia a brincadeira, mas

no mundo escolar era hábito brincarem). Trata-se de um jogo onde

encontramos possibilidades de descobrir a vítima, o assassino, arma

utilizada e local do crime, jogado por meio de dados). Não demonstravam

preferência nem desagrado.

Em seguida, Renato pergunta se poderiam desenhar. Rita

responde: “claro que pode, a tia já falou que podemos fazer o que

queremos, veja o quadro” (há no consultório, numa porta de armário, um

quadro com a as regras de funcionamento, que são alteradas conforme o

tempo e as necessidades).

Todos ficam olhando.

Eu pergunto: “O que foi?” Sorrindo, dizem: “O que vamos

desenhar?”

Digo que podem desenhar o que quiserem. Mas ficou difícil. Com

o passar dos minutos começam a desenhar o óbvio (nuvens, para um; sol,

para outro; jogador de futebol, para outro; e para outra, uma grade).

Pareceu-me que nesse contexto fomos chamados para a realidade.

Como é difícil entrar em contato com nosso mundo interno, pensei eu. Daí para a

371

frente foram alternando desenhar e detetives. Tinham canetas, lápis, tintas,

armário de brinquedos, mas pareceu-me que tudo estava dentro de grades,

como Rita havia desenhado. Expresso isso para eles.

Depois de algumas sessões, puderam começar a desenhar com

maior fluidez. Eu não falava muito porque sentia um certo receio de

quebrar o movimento natural deles, de interromper algo que era claro para

mim que estava acontecendo. Já havia aprendido com outros grupos que,

às vezes, falar não resolve, atrapalha.

Poucas semanas depois, numa nova situação em que as crianças

escolheram desenhar, vi que o sol não estava mais no mesmo lugar do

desenho feito noutro dia e apenas mencionei o fato, assim como as nuvens

de outra criança haviam mudado de lugar.

Clara pega seu desenho e fala: “tomei chuva e não fui para o

hospital, eu só tossi e pude brincar com minha irmã”.

E, assim sucessivamente, cada um foi falando de seus desenhos.

Deram ideia de fazer um livro, que eu entendi que seria com a sucessão de

desenhos. Pensei: desenhariam o crescimento deles.

Cada um ia falando até que a grade do primeiro desenho foi

quebrada. Um buraco surgiu.

Rafael: “Tia, eu posso né?...”

Digo: “O quê?”

Rafael: “Posso quebrar? Abrir?”

Eu digo: “Para mim você pode abrir, quebrar.” (sorrindo, digo:

“Mas não a minha cabeça.”). Rafael abre um sorriso. E começa a verter

lágrimas dos olhos. Me abraça apertado e chora. Algo comove os demais.

Se abraçam, nos abraçamos e bem devagarzinho vamos conseguindo falar.

Falam do quanto estavam presos, amarrados, não conseguiam vencer os

limites, não conseguiam ficar livres de ideias pré-concebidas.

A partir desses fragmentos de sessões poderemos pensar nos

fenômenos grupais.

A transferência é a principal via por onde transitam os conflitos e,

segundo Grunspun (1997), “a criança não tem percepção consciente do

deslocamento dessas experiências altamente carregadas de emoções para

com a figura do terapeuta ou dos outros” (p. 131). Trazem para o grupo

aquilo que, sem perceberem, os incomoda, os angustia e devagar, em seu

372

tempo, vão colocando e revivendo, com a ajuda do terapeuta, seus

conflitos, e quem sabe bem lentamente também poderão solucionar alguns

deles.

A transferência nas crianças é a ferramenta principal para trabalhar

traumas do passado como objetos originais, que podem emergir no curso

do processo terapêutico e, assim, serem elaborados, ou pelo menos serem

expressos noutro contexto. No grupo elas terão, ainda, a participação de

seus companheiros.

Conforme encontramos em Grunspun (1997, p. 133), a

transferência é estabelecida muito facilmente com crianças pequenas, o

que poderia ocorrer por serem menores e mais dependentes e “nesta idade

(5 ou 6 anos) a dependência se torna prontamente transferível”. Assim, o

grupo se torna, por algum tempo, o paralelo psicológico da família.

Na criança tudo acontece precocemente, comparado ao adulto.

Estar em grupo, entrar no grupo, provoca uma situação de conflito, de

luto, pois ela vai se separar de outros relacionamentos, começar um novo

e terá oportunidade de criar novos modelos, muitos deles sem o conteúdo

reprimido dos episódios vividos no passado. Novos modelos para novos

comportamentos.

Por contratransferência, que também é mais acentuada com

crianças, vamos nos referir a fenômenos que ocorrem como resultado de

influências das crianças ou de qualquer outro paciente sobre nossos

sentimentos inconscientes. Necessitamos reconhecê-la, admiti-la e superá-

la. Mas temos também que estar alerta para respeitar nossos limites. Não

podemos ir além do que nossas precárias condições humanas nos

permitem.

Mais um fenômeno, entre outros, também muito importante, será

o insight, que nada mais é do que a súbita compreensão de algo. Em se

tratando de psicoterapia, diremos que é a compreensão de algo interno,

do mundo interno, inconsciente, que vem até o limite da consciência e que

desencadeia uma resposta emocional.

As crianças às vezes também resistem ao envolvimento no

processo terapêutico. Parecem não entender o que falamos, repetem

questões sem notarmos qualquer elaboração sobre a conversa, parecem

373

estar em outro “plano”, mas sempre negando algo que está ocorrendo no

momento. É preciso quebrar essas barreiras, quando possível.

Terapeuta infantil

E o psicoterapeuta de crianças como descrevê-lo? O que

esperamos dele?

O terapeuta de grupo deve ser portador de uma continência ampla,

conseguir aceitar as crianças como elas são. Ter dentro de si os

conhecimentos necessários sobre o desenvolvimento infantil, seus

processos normais e patológicos. Não se assustar com as variações dos

comportamentos, assim como aceitar que alguns fatos inusitados podem

ocorrer (por exemplo, necessidade de levar um pequeno ao banheiro e

fazer sua higiene).

Segundo Zimerman (2000, p. 213), a função de holding e de empatia

por parte do grupoterapeuta é condição sine qua non, e uma das razões para

uma possível contrarresistência prejudicial reside no fato de que as

manifestações das crianças surgem num estado mais bruto que as dos

adultos e, portanto, são mais ameaçadoras para o controle das repressões

do inconsciente do grupoterapeuta.

Grupo de adolescentes

Foi por volta de 1930 que Alfred Adler utilizou grupos para

trabalhar com adolescentes. Não eram grupos como fazemos hoje, mas já

era a técnica grupal. Mas foi em 1940 que Slavson deu um salto maior para

o desenvolvimento dessa técnica e, a partir daí, seu uso foi ininterrupto

(Fernandes, 2003b).

Assim como os bebês, após três meses, olham para todos os

lugares, e com seus dedinhos apontam para todos os horizontes

(observação de bebês), o adolescente repete esse processo. Quer crescer,

ser adulto, uma mescla dos estímulos anteriores com a vontade de “ser

gente grande” o invade, “tudo junto e misturado”. Vive um conflito, o

conflito do desenvolvimento.

Trata-se de um processo que sofre progressos e retrocessos,

produzidos de forma simultânea ou às vezes alternados; envolvendo seu

corpo, sua mente e o seu entorno. É um período em que se revive conflitos

374

edipianos, período de separação da criança, e um período de superação do

processo em que o adolescente terá de adequar seu Ego à realidade

circundante e interna. Ele enfrenta lutos, muitas perdas são vividas, e

mediante os mecanismos de sublimação e de novas simbolizações, vai

adequando sua mente à nova realidade. Para Fernandes (2003b), os

mesmos mecanismos descritos por M. Klein na infância serão ativados

(conforme tratado no capítulo sobre contribuições de Klein); porém,

vividos com outras características, instalam-se novamente.

Para isso, um tempo será necessário para essa nova instalação, que

variará de adolescente para adolescente. Nesse período haverá alguns

requisitos, bem como um ambiente que tolere e compreenda sua

instabilidade, assim como que aceite sua sexualidade, e também a busca de

um parceiro. Os mecanismos de projeção e introjeção alternam-se,

variando numa frequência muito grande.

Atualmente, vemos muitos adolescentes reclusos em seus mundos.

Os jogos eletrônicos dominam seu tempo, os amigos virtuais são os

substitutos dos amigos reais, de carne e osso. O isolamento afetivo é o

carro-chefe do mundo atual. Ao mesmo tempo que dominam e vivem

tecnologias e o mundo virtual, percebemos que a comunicação entre

familiares, amigos e colegas de grupo é ainda muito difícil.

Nesse período de suas vidas, surgem problemas o tempo todo:

mudanças, dificuldades, inovações, perdas, novas exigências, de maneira

muito acentuada do ponto de vista de cada um, ainda em formação,

passando da fase infantil para a adulta, sem muitas referências adquiridas.

Nem sempre os adolescentes enfrentam esse processo com facilidade.

Podem regredir ao ponto de se tornarem mais agressivos e abraçarem

drogas como um processo de alívio de sofrimento. “Uso maconha porque

me relaxa. É remédio.”

Necessitam nessa fase de suas vidas de um certo decodificador, e

nesse sentido um terapeuta desempenha bem tal papel. Está ali para ouvi-

lo, entendê-lo e tentar decodificar sua linguagem e esclarecer sua

comunicação. Como diz Waldemar Fernandes (2003): “As matrizes

vinculares, configuradas como fantasias inconscientes, vão construir o

nosso caráter” (p. 44). Códigos antigos, até mesmo milenares, são

colocados na tenra infância dentro de cada um de nós como conhecimento

375

mítico. Nesse período da adolescência, esse código se expande mais ainda,

acrescido de cobranças e de expectativas, o que aumenta ainda mais a

dificuldade de comunicação e de se colocar no mundo. “Não sou criança,

não sou gente grande. Quem sou? Me cobram responsabilidade, mas não

me dão liberdade para exercê-la.” são cogitações frequentes de

adolescentes.

Com essas características chegam nossos adolescentes para

tratamento. E o grupo é o melhor instrumento para que possam refletir,

criar e repetir seus conflitos.

Objetivos da psicoterapia de grupo com adolescentes

Buscar um equilíbrio intrapsíquico por meio dos relacionamentos,

do insight, da sublimação e da elaboração. Ajudá-los a enfrentar as

dificuldades do cotidiano, principalmente frente aos relacionamentos,

quaisquer que sejam. No grupo eles terão oportunidade de estabelecer

relacionamentos múltiplos e com isso produzir novos modelos.

Quem vai e quem não vai para o grupo?

Tal como para as crianças, vai todo mundo, desde que para o

grupo certo. Renovo a ideia de fazermos boas entrevistas, boas conversas

com os jovens e assim poder construir um grupo ou colocá-los num grupo

já em funcionamento.

As idades podem ter uma variação maior, mas é preciso cuidado

com distúrbios de conduta (roubo, álcool), grandes rivalidades e conduta

destrutiva acentuada, psicoses agudas e experiências com abuso sexual.

Sempre teremos que manter contato com os familiares, por meio

de reuniões grupais ou individuais para contato, acertar formas de

atualização do contrato terapêutico e poder sentir como os jovens se

apresentam no lar e na escola.

Como será a sala?

A sala não requer maiores cuidados: clara, limpa, com certo

conforto e certa leveza. Podemos até dispor de almofadas, de que, em

geral, os adolescentes gostam. Muita formalidade não combina com eles.

376

Uma vez agrupados, na sala, conversaremos sobre o contrato da

psicoterapia. Nessa ocasião combinaremos dia e hora dos nossos

encontros, como fazer com faltas (quando um falta o grupo segue

normalmente; podem avisar ou não no dia da falta, ou até mesmo propor

uma alternativa de troca, caso os demais possam). O pagamento deixo para

combinar com os pais. Sobre as regras de convivência e utilização do

espaço, costumo conversar com eles, decidir em conjunto e ver o que

pensam, daí partirmos para estabelecer as regras. Em geral são poucas, e

diferentes para cada grupo. Mostro os materiais e os deixo à vontade para

utilizá-los ou não. Peço que não mexam nos materiais de minha mesa, pois

pode causar problemas na minha organização. O restante fica à vontade

para que utilizem. Quanto ao celular, conversamos sempre sobre a

necessidade ou não de o utilizarmos, inclusive da minha necessidade.

Os adolescentes, em geral, já gostam de falar. Mas sempre deixo à

disposição lápis, papel, tinta, cola, tesoura, revista e música, pois algumas

vezes o bloqueio se instala e não conseguem falar de algo mais profundo,

e esses materiais podem ser úteis como facilitadores para a expressão de

seus conflitos.

Vamos ao grupo – uma vinheta

Contexto geral

Gabriel, 15 anos, com dificuldades na escola e que, segundo a família,

isola-se no quarto e briga pelo uso do computador.

Mari (Mariana), 14 anos, com dificuldades de aprendizagem e

relacionamento difícil em casa.

Juca, 14 anos, com dificuldades de aprendizagem e relacionamento difícil,

com dificuldade de conviver com seus familiares.

Grupo

Mari: “Oi, hoje estou muito brava. Que saco! Quanto mais estudo, mais

nota baixa tiro. Não entendo matemática.” [chora]

Gabriel: “Te entendo. Eu também. Já entrou na internet? Às vezes me

ajuda. Meus pais não querem pagar aula particular. E também, se pagarem,

vão me cobrar mais ainda.”

377

Mari: “Nem me fale. Será que eu consigo?”

Juca: “Meninas ...” [em tom de deboche]

Terapeuta: “O que quer dizer, Juca, com ‘meninas’?”

[Juca fica calado]

Gabriel: “Vou te dar o site ou o endereço do YouTube para você tentar. O

Juca não tem esses problemas, né?”

Juca: “Eu não preciso estudar muito. Entendo tudo.”

Mari: “Gênio... Por que está aqui?” [em tom de deboche]

Juca: “Não sei.”

Terapeuta: “Será, Juca, que não sabe?”

Gabriel: “Eu também penso sobre estar aqui. Se preciso. Mas a Bia

[referindo-se à terapeuta] me disse um dia que eu poderia estar aqui sem

ter problemas, apenas para me conhecer melhor. Me entender.”

Juca: “Que bobagem.”

Mari: “Juca, tenho vontade de te conhecer melhor. Você é parecido com

minha irmã.”

Gabriel: “Vixe. Nem me fale em irmã. A minha é um horror. Difícil é o

dia que não tenta me bater. É uma infeliz.”

Terapeuta: “Querem dizer com isso que cada um enfrenta dificuldades

diferentes. Como aqui?”

[Um mês depois. Gabriel contava como se sentia triste com as brigas

familiares.]

Juca: “Eu não suporto minha casa. Vim aqui para não enfrentar mais uma

briga shit.”

Terapeuta: “E como é aqui?”

Juca: “Medíocre, mas não me incomodam. Me sinto aceito. Mas, todos

vocês são ingênuos para mim.”

Terapeuta: “Pode nos aceitar?”

Mari: “Credo, Juca, me senti mais burra.”

Juca: “Para, vai... entende. Posso até te ajudar, mas no Skype.”

Em geral, os adolescentes sentem-se bem em grupo, pois

procuram agrupar-se nessa fase, formando turmas. Podem também isolar-

se. Hoje em dia, essas duas modalidades também acontecem virtualmente.

Os relacionamentos interpessoais que o grupo propicia permitem, com a

378

ajuda do terapeuta, um autoconhecimento e, concomitantemente,

percebemos um certo desenvolvimento.

Eles apoiam-se em suas necessidades, suas facilidades. A vergonha

reina, sobre o que eles chamam de “pagar mico”, como os pais me

cumprimentarem e me perguntarem como eles estão na sala de espera, ou

irem buscá-los na escola.

Vão vagarosamente percebendo o porquê de fazerem tudo isso.

Veem as diferenças, por exemplo. Mari gosta que a mãe a busque na

escola, sente-se querida e sabe que vai passear. Gabriel adoraria que isto

acontecesse. Chegou a chorar só de pensar da impossibilidade de ser como

Mariana. “Imagina eu tomar sorvete com meus pais, sem bronca, numa

terça-feira.” Já Juca jamais admite essa possibilidade. “Putz! Iria eu

aguentar essa babaquice? Moro perto da escola e não preciso de babás ou

de coisas de criança. Nunca meus pais foram na escola, só a minha tia, que

não é minha mãe”.

Alguns fenômenos

Os adolescentes repetem nas sessões impulsos e situações

amorosas que foram editadas primeiramente com as figuras parentais. No

grupo, tanto em relação aos colegas como ao terapeuta, repetem essas

situações inconscientemente, o que denominamos transferência.

Paralelamente, nós, psicoterapeutas, fazemos uma troca afetiva.

Sentimos algo que é projetado por um dos adolescentes ou pelo grupo e

que provocará reações em nós. Por mais que pretendamos estar imunes a

tal fator, é impossível evitá-lo. Ao mesmo tempo, trata-se de uma

ferramenta de trabalho, advinda de nosso inconsciente. Precisamos

aprender a decifrá-lo. Se não nos conscientizarmos de nossos sentimentos,

de nossas reações, o processo estará correndo certo risco de naufragar.

Trata-se de um conjunto de reações inconscientes nossas em relação ao

todo do grupo ou a partes dele, com adolescentes às vezes mais

acentuadas, pois eles nos desacatam a todo momento. Predomina nesse

contexto o mecanismo da projeção.

Segundo Segal (1975):

Pode ser subjacente e integrada com outras formas de

comunicação e dar-lhes profundidade e ressonância afetiva. Pode

379

ser a forma de comunicação predominante, provinda de

experiências pré-verbais que só podem ser comunicadas dessa

forma. Ou pode significar um ataque à comunicação; embora,

quando compreendidas, até isto pode converter-se em

comunicação. (p. 101)

Vamos falar também um pouco de outro fenômeno, a elaboração.

Compreendida como um processo psíquico inconsciente pelo qual as

ideias latentes de uma pessoa se manifestam sob forma condensada e vão

se tornando cada vez mais inteligíveis. Freud (1914/1969a) escreve:

(...) deve-se conceder tempo ao paciente para que se familiarize

mais com essa resistência, que agora veio a conhecer, para que a

elabore, para que a supere, continuando num desafio (...) faz parte

do trabalho que efetua as maiores mudanças no paciente e que

distingue o tratamento analítico de qualquer tipo de tratamento

pela sugestão. (p. 202)

Este é o caminho para o maior desenvolvimento de nossos

pacientes e, ainda parafraseando Freud (1937/1969b, p. 312), pode-se

acreditar como critério de melhora quando o inconsciente se torna

consciente e faz com que possamos amar e trabalhar.

Cura ou alta

Posso revelar neste momento que poucas vezes dei alta. Convivi

mais com abandonos pós-férias do que com um trabalho de encerramento

do processo terapêutico propriamente dito.

Como cura entendo a solução ou resolução de alguns conflitos.

Digo alguns porque, como humanos que somos, sempre teremos conflitos

mais ou menos deglutíveis, conforme nossa saúde mental.

Há para qualquer idade índices que nos mostram crescimento,

entre eles maior tolerância à frustração, suportar desilusões, separações e

perdas, e conviver com a tristeza assim como com a alegria. Poder

comunicar, projetar menos e introjetar mais são outros índices de

crescimento.

Kaës (1993) se refere aos ganhos grupais como uma situação que

promove identificações, constituição de ideias e de imagem de si e dos

380

outros. Haverá elaboração de pontos críticos e dos pontos de repressão

de cada um.

A mim, acolhe muito minha compreensão algo que Ferenczi

(1926/1967) escreveu sobre o tema: ele comentava que deveríamos aceitar

o possível e renunciar ao impossível – árdua tarefa, mas muito promissora.

Mas, e o terapeuta de grupo de crianças e adolescentes?

David E. Zimerman, em várias de nossas conversas, quando eu

expressava meus desejos e medos de montar grupos diferenciados da

maioria (na época não era comum grupo de psicóticos em consultório)

dizia que “tu tens que gostar do que fazes”, “tu tens que aceitar e

compreender o que se passa, contigo e com os pacientes ou o grupo”.

Estas palavras sempre ficaram em minha mente, e percebi, durante

leituras, que as capacidades do terapeuta são sempre enfatizadas.

Precisamos ter uma capacidade de tolerância à frustração muito grande,

de aceitação do outro diferente de mim, do outro me provocando porque

precisa agir assim para poder se firmar como ser vivente.

Isso não quer dizer que eu não vá ficar com raiva, me entristecer,

ter vontade de “sumir” da sala, mas é preciso elaborar todos esses

sentimentos e todas essas emoções para que possamos ajudar nossos

pequenos. Caso contrário, o terapeuta é quem precisa de tratamento.

Referências

Ferenczi, S. (1967). Teoria y técnica del psicoanalisis. Buenos Aires: Paidós.

(Trabalho original publicado em 1926)

Fernandes, B. S. (2003a). Psicoterapia de grupo com crianças. Em: W. J.

Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e

configurações vinculares (pp. 231-240). Porto Alegre: Artmed.

Fernandes, B. S. (2003b). Psicoterapia de grupo com adolescentes. Em:

W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e

configurações vinculares (pp. 241-251). Porto Alegre: Artmed.

Fernandes, W. J. (1994). Tentativa de elaboração de alguns aspectos

teóricos em Psicanálise das Configurações Vinculares. Anais do XI

Congresso Latinoamericano de Psicoterapia Analítica de Grupo, Buenos Aires.

381

Fernandes, W. J. (2003). O processo comunicativo vincular e a psicanálise

dos vínculos. Em: W. J. Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes

(Orgs.), Grupos e configurações vinculares (pp. 43-55). Porto Alegre:

Artmed.

Freud, S. (1969a). Perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. Em:

Edição Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de

Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)

Freud, S. (1969b). Análise terminável e interminável. Em: Edição Standard

Brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1937)

Garbarino, M., & Macedo, I. M. (1992). Adolescência II. Montevideo: Roca

Viva.

Ginot, H. G. (1961). Psicoterapia de grupo com crianças. São Paulo: Interlivros.

Grunspun, H. (1997). Psicoterapia lúdica de grupo com crianças. São Paulo:

Atheneu.

Kaës, R. (1993). Le Groupe et le Sujet du groupe. Paris: Dunot.

Segal, H. (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre:

Artmed.

383

19 Atendimento a famílias de crianças dentro

dos Transtornos do Espectro Autístico Marly Terra Verdi

Faremos o relato e a discussão de atendimentos familiares

envolvendo risco de transtornos autísticos em crianças pequenas. O

primeiro caso é o de um menino, Augusto, de três anos e meio, cuja

família suspeitava de transtorno invasivo do desenvolvimento, mas após

as sessões familiares não se confirmaram essas suspeitas e o alívio dessa

tensão ajudou o início da aquisição da linguagem nessa criança. O

segundo caso é de Jorge de cinco anos, uma criança de cinco anos com

um quadro de transtorno autístico, dificuldades de linguagem, interação

social e desenvolvimento. O atendimento familiar levou à compreensão

de segredos familiares e problemas de interação que, após serem

trabalhados, ajudaram em sua evolução.

Gostaria de esclarecer que o fato de serem duas situações de

famílias com crianças gemelares não quer dizer da possibilidade maior de

incidência de autismo em casos de gêmeos, o que levaria a outras questões

e a outras interrogações. Suspeita-se que a gemelaridade pode ser uma das

situações de risco nestes casos, mas aqui não iremos abordar estas

questões e por isto gostaria de afirmar que foi apenas uma coincidência

este aspecto.

Sabe-se desde há muito que o desenvolvimento da subjetividade

se dá nos vínculos estabelecidos ao longo da vida toda, e que

predominantemente é na família que se constroem os vínculos

fundamentais. A criança muitas vezes depende do “olhar” que se tem

sobre ela (Alvarez, 1994; Mélega, 1997); crianças mais sensíveis aos

relacionamentos primários são muito susceptíveis de receber sobre si

qualquer projeção familiar (Verdi, 1996). A literatura psicanalítica e

grupanalítica é muita rica em demonstrar essas conexões (Lebovici, 1991;

Pichon-Rivière, 1976; Winnicott, 1961/1993). Neste trabalho familiar

adotamos a forma de intervenção precoce (Silva, 2003), oferecendo

384

observação e escuta psicanalítica para todo o grupo familiar, incluindo o

jogo lúdico como possibilitador da expressão das crianças. Nesse relato

objetivamos demonstrar o alcance dessa técnica clínica na produção de

mudanças significativas tanto nos vínculos familiares quanto nos sintomas

de transtorno autístico apresentados pelas crianças (Tustin, 1984/1991).

O atendimento familiar nos casos de crianças com suspeita dentro

do Espectro do Autismo, ou mesmo em casos onde severos sintomas

autísticos surgem precocemente, será sempre uma indicação, para prevenir

a piora destes sintomas ou mesmo buscar a remissão dos mesmos, além

de poder auxiliar em um diagnóstico feito juntamente com outros

especialistas.

A mais importante área afetada nestes transtornos é a área da

comunicação e interação social. Sendo a família o núcleo básico onde

estes aspectos se desenvolvem, é justamente aí que incidem estes

problemas e onde deverão ser compreendidos e minimizados.

Em minha experiência clínica de mais de 30 anos com o estudo e

o tratamento destes casos, percebi ao longo do tempo, que a interferência

clínica nos problemas vividos por estas famílias faz toda a diferença no

prognóstico destas crianças.

À medida que podemos compreender os fenômenos que incidem

inconscientemente nas relações familiares, tais como segredos, situações

não conscientes acerca desta criança, suas representações dentro do

contexto familiar, e mesmo formas de abordar seus sentimentos

expressos nas ações que antecedem a linguagem verbal, suas crises etc.,

podem ser aspectos que alterem significativamente a comunicação dentro

da família, o que leva necessariamente a melhora da comunicação da

própria criança e da família com ela.

A forma do analista compreender o que ocorre no setting e sua

verbalização destes aspectos funciona como um antídoto aos não ditos e

aos segredos. Muitas vezes as famílias não sabem como dizer das

situações traumáticas vividas (perdas e rejeições que envolvem esta

criança, por exemplo). Ao ouvirem do analista suas percepções, que

abordam estas questões quando surgem na situação analítica, e que

podem ser ditas sem o peso emocional traumático colocado pelos

385

familiares, pode tornar mais palatáveis, menos indigestos, podendo então

ser conversados e deles retirada a carga explosiva de afetos que contém.

Isto me lembra sempre a colocação da paciente Anna O. feita para

Breuer nos inícios da psicanálise (Freud & Breuer, 1893/1995) que

denominou a conversa psicanalítica (talking cure) como “limpeza da

chaminé”. Esta imagem aborda aquilo que acabo de dizer como uma

ilustração visual e correta dos fenômenos que vivemos numa sessão tanto

individual como grupal.

Podemos considerar o atendimento de famílias com crianças

dentro desta sintomatologia como um campo inconsciente comum, assim

como em todos os outros grupos, mas, nestes casos, com características

próprias. Na família, fenômenos inconscientes são profundamente

compartilhados pelos membros, ou seja, incidem produzindo inúmeros

problemas de comunicação, onde a linguagem verbal aparece dificultada

por questões inconscientes daqueles membros, o que impede um discurso

simbólico e fluido de ocorrer.

Muitas vezes aspectos transgeracionais estarão presentes nos

problemas familiares, impedindo a comunicação. É sempre importante

observarmos aspectos como a escolha do nome da criança, os sentimentos

que permearam sua gestação e puerpério, os sonhos que envolveram sua

vinda ao mundo e outros. Contar sobre os eventos que ocorreram traz à

tona sentimentos esquecidos e importantes.

A clínica de família

Iniciei atender famílias com crianças porque vinham me procurar

para opinar no diagnóstico ou oferecer tratamento às crianças com

quadros de Transtorno do Espectro Autista, por minha experiência nesta

área. A proposta de ver estas famílias surgiu para que a criança fosse

observada em seu conjunto familiar, o que me parecia trazer dados mais

fidedignos sobre sua interação social, dados estes fundamentais no

diagnóstico e mesmo prognóstico de questões de autismo.

A partir destas observações percebi que os problemas familiares se

apresentavam nestas sessões, que os pais envolvidos no processo pareciam

ávidos de compreender como lidar com seus filhos. Percebi que se

espelhavam nas interações que ali ocorriam. Podíamos também nomear

386

coisas importantes: projeções sobre a criança, tanto intergeracionais como

transgeracionais. Ou seja, as intergeracionais eram aquelas dentro da

geração ali presente na sessão, enquanto as transgeracionais, de muito

difícil apreensão, significavam a repercussão de aspectos inconscientes

familiares, de gerações passadas, sobre a criança. Em geral aparecem

quando propomos contar a história do nome da criança, ou sobre a família

dos pais, ou mesmo quando diziam que os sintomas lembravam pessoas

da família.

Segredos familiares nunca conversados emergiam nestes

contextos. Formas de compreensão do que era a interação significativa

entre pais e filhos. Aquilo que antes era inconscientemente transmitido

entre os familiares agora podia ser nomeado. Percebi também que estes

atendimentos tinham um profundo efeito em todos e auxiliavam muito

rapidamente a evolução das crianças e diminuição dos sintomas.

Tenho atendido famílias que buscam tratamento por questões

diversas: diagnóstico precoce, adoções, problemas de comportamento

disruptivo das crianças etc.

Hoje em dia o atendimento familiar, nestes Transtornos, é bastante

indicado e vários profissionais o fazem. Percebendo a eficácia deste

atendimento, com o passar do tempo o ampliei para famílias de crianças

de uma forma geral, sempre que noto a dinâmica familiar implicada na

produção de sintomas ou dificuldades de lidar com a criança em seu dia a

dia. Mantenho este atendimento até que sinto a criança liberada de ser o

portador da doença mental da família e só aí indico o atendimento

individual dela.

Vou relatar atendimentos que ilustram este tipo de situação, e uso

nomes fictícios para observar o sigilo em relação aos pacientes e suas

famílias.

Atendi uma família que tinha gêmeos que não eram idênticos e um

sofrera uma provável paralisa cerebral. Tinha tido anóxia e ficado na UTI

logo após seu nascimento.

Creio que nestas circunstâncias e por causa de seus atrasos no

desenvolvimento, que eram leves, mas que estavam impedindo a

linguagem, havia suspeita de autismo. Percebi logo que não se tratava deste

quadro, pois ele buscava bastante bem entrar em contato comigo, com os

387

pais e irmão. Não compreendia ou não reagia muito à linguagem e passou

a fazer isto durante o trabalho, quando começou a reagir, respondendo

corporalmente às minhas intervenções. Observei também que o irmão era

o centro das atenções familiares e que tudo fazia para ser o único ali. Fui

primeiro apontando que os dois haviam sentido bastante compartilhar o

pai e a mãe e o quanto o que era mais desenvolto se sentia chateado, tendo

que dividir o espaço. Como ele que já estava falando tinha dos pais toda a

atenção e quanto o irmão também precisava ter espaço próprio. Os pais

diziam que o único espaço exclusivo dele era para os atendimentos clínicos

que ele necessitava: fonoterapia, fisioterapia, equoterapia, médicos etc.

Acreditamos que quando fatos intrauterinos, ou no pós-parto,

provocam na mãe distintos sentimentos em relação aos gêmeos (risco de

vida na UTI neonatal, por exemplo, ou mesmo pouco espaço psíquico

para abarcar dois ou três bebês) é como se o investimento materno se

voltasse mais para um bebê e o outro se sentisse não um Ego individual,

mas um Ego-secundário. Um se torna o principal agente de ações e o outro

restringe suas ações, passando a ser quase a sombra do outro gêmeo. Este

seria um risco para o desenvolvimento de sintomas autísticos, de meu

ponto de vista.

Cito aqui Joyce McDougall (1987, p. 8), que propõe um corpo para

dois, neste caso proponho dois corpos para um:

Um corpo para dois: esta fantasia primordial, presente em todo ser

humano, visa fazer um, com a mãe-universo da pequena infância.

(…) A partir dessa matriz somatopsíquica, uma diferenciação

progressiva entre o corpo próprio e a primeira representação do

mundo externo, que é o seio materno, vai se desenvolver na psique

infantil. Paralelamente, o que é psíquico vai se distinguindo, aos

poucos, do que é somático.

Vou relatar aqui uma sessão deste atendimento, pois me pareceu

interessante para permitir visualizar o que é este trabalho.

Quando cheguei na sala de espera, estavam a mãe e os gêmeos,

Augusto e João, e uma menina, desconhecida para mim (babá?). O pai

estava chegando, e falando ao celular. Nas duas últimas sessões que eles

vieram (faltaram duas vezes após isso, porque o Augusto tinha machucado

o pé), a mãe viera com Augusto e o pai chegara com João, que estava no

388

colo e completamente adormecido. Ele permaneceu dormindo toda a

sessão, nas duas últimas ocasiões. Desta vez, como todas as outras sete

sessões que tivemos anteriores a esta, a configuração inicial foi como hoje,

a mãe com os dois na sala de espera, e o pai chegando depois, sempre ao

celular.

Logo que me encontram, as crianças começam a caminhar para a

sala. O pai chega e desta vez, diferente das anteriores, rapidamente desliga

o celular, e entramos todos.

A mãe comenta que não puderam vir no final do ano, e me conta

que foram passear, os dois com outras crianças num jipe, com um amigo

deles, e que Augusto enfiou o pé sob o acelerador, o cortou e teve que

receber pontos. A mãe diz a ele: – “Mostra o dodói para a Marly”. E ele

levanta a bermuda, onde há mesmo um outro machucado mais recente. A

mãe pede que ele me mostre o pé, mas ele não o faz, e ela interfere e

mostra o pé dele com uma cicatriz.

Comento que Augusto me havia mostrado um novo machucado,

porque aquele já havia sarado, e que ele estava entendendo e respondendo

muito bem ao que a mãe lhe dizia, diferente do começo de nosso trabalho,

quando parecia não ouvir ou não compreender aquilo que se dizia a ele.

A mãe concorda e diz: “Está entendendo tudo, e fazendo o que

falo para ele fazer, só não faz quando não quer mesmo”.

Ele vai até a pequena mesa, pega a cola (sempre se interessa pela

cola, e já brincamos muito com ela), se senta e diz: “Ab”. Eu entendo

“abre”, e digo: “Ele pediu para abrir”.

A mãe diz: “Eu ouvi também”. O pai olha com cara de descrença

e diz: “Ele não fala”.

Mas eu digo: “Mas se nós duas ouvimos, acho que ele falou sim”.

Augusto traz e me entrega a cola, e eu abro para ele dizendo:

“Acho que o papai não acreditou que você abriu a boca e falou ‘abre’”. O

pai se volta para ele e diz: “Fala papai”.

Eu digo: “O papai está pedindo para chamar papai e dizendo que

ele gostaria que você falasse, Augusto”. Ele começa a emitir muitos sons.

Eu falo: “Ouça como ele entendeu e quer falar”.

Enquanto isso, o João, logo que entramos, perguntou pela babá, e

a mãe respondeu: “Ela ficou na sala de espera.”

389

“Aqui só entrou sua família comigo, João: papai, mamãe, você e o

Augusto”, digo. Ele pega dois lagartos de borracha que eu tenho na mesa

e joga um na mãe, que brinca com ele de se assustar. Ele joga também para

o pai e vai pegando mais animais na mesa. Mostro a ele que está ali na

mesa, como ele havia feito, um papel com animais colados. E João diz:

“Eu lembro”. Digo: “Eu também lembro”. Comento que ele

dormiu as últimas duas vezes que eles vieram, que quis deixar o Augusto

brincar aqui sozinho. Ele não comenta nada sobre isso. Fica mexendo com

os animais, enquanto interagimos com a situação, se Augusto havia falado

ou não.

Augusto me traz uma folha, pega a tesoura e corta muito

rapidamente a folha que eu seguro para ele. Se diverte quando os pedaços

se separam. Depois traz a cola e vai colocando bastante cola e sobrepondo

os pedaços cortados do papel, enquanto nomeio: “Separando, agora são

dois, colando e ficando grudadinhos”.

Ele para essa atividade e vai para um nicho perto da porta, onde

se esconde e depois aparece, e eu brinco com ele de esconde-esconde.

Neste momento, João pega um caminhãozinho basculante e pergunta

porque aquela parte se levanta.

Digo-lhe que serve para colocar as coisas dentro e tirar. Pega um

lagarto e o introduz no espaço da carroceria do caminhão, e ao abrir o

lagarto sai. Eu digo: “Nasceu o lagarto”.

Ele tenta colocar os dois lagartos. Eu digo: “Nossa, ficou apertado

aí.”

Enquanto isso estou também brincando de esconde-esconde com

o Augusto, e os pais estão observando. A mãe interage com um ou com

outro, auxiliando, ou com gestos, por exemplo, brincando de achar

Augusto, ou auxiliando João com o caminhão e os lagartos. O pai, deitado

em um pufe do outro lado da sala, observa.

Vou interagindo com Augusto, brincando de achá-lo, e quando

também me acha, ele ri contente. Resolvo me esconder atrás do pufe que

está ao meu lado (não sei bem porque tive essa ideia, talvez para ver se ele

ou eles me procurariam). Todo o início dessa sessão, os senti evitando um

pouco o contato comigo, o que não ocorria mais nas últimas vezes que

nos vimos. Entro atrás do pufe e me sento, abaixada aí. Os dois vêm juntos

390

me procurar, e riem quando me acham. Vou colocando mais e mais o pufe

sobre mim, e na tentativa de me encontrar, sobem no pufe, que é grande.

Surge então um movimento de João, que diz: “É meu!” e empurra

o irmão. Digo: “O João quer o lugar só para ele”. Ele ri e diz: “É só meu!”.

O Augusto insiste e reclama, fazendo sons altos. O João diz: “É meu!” e

solta como um grito de guerra. O Augusto insiste.

Eu digo: “O João e o Augusto queriam um lugar só seu, e dentro

da mamãe era apertado para terem dois”.

O João empurra o Augusto e este “cai” para fora do pufe. Eu digo:

“Só quando nasceram ficaram cada um com seu lugar, e com seu nome,

Augusto e João”.

Augusto não para de insistir e a cena se repete várias vezes. Digo:

“Não dá para voltar para dentro da mamãe e ter lugar para um só. Mas

agora cada um tem seu lugar”.

O João grita: “É meu!” Digo: “Às vezes o João acha que tem que

ter só o lugar dele, mas agora o Augusto quer ter o lugar dele também,

quer falar também”.

O João grita “Eu que falo, ele não!”

A mãe diz: “Agora em casa é uma luta. O Augusto quer também

suas coisas e eu não sei o que fazer”.

Eu digo: “Para a mamãe, ter dois também não é fácil. Ela precisa

que o papai ajude”.

O pai pega o Augusto e o abraça, em um gesto que ele sempre fez

com o João, e diz: “Agora o Augusto tem o seu lugar”.

Digo: “O papai está dando espaço para o Augusto também, e quer

que ele fale”.

Augusto emite muitos sons, e vem para o pufe em que João ficou

deitado, e diz: “Papá”.

E João diz: “Ele falou papai”.

O pai diz: “É mesmo?”

Eu digo: “Nós ouvimos, o papai precisa ouvir também”.

A mãe diz que ele muitas vezes tem chamado “papá” quando o pai

chega. João pede bala e eu digo que estamos na hora.

Os meninos saem na frente, e os pais me perguntam o que eu

achei, se vi que Augusto evoluiu. Eu digo: “Eu sim, e vocês?”

391

A mãe diz: “Como o vemos todos os dias, não percebemos como

vocês, que o atendem”.

Penso que é uma ideia de que os terapeutas sabem ver melhor do

que ela. Digo: “É verdade, se estamos todos os dias, podemos não

conseguir ver as transformações. Eu vejo que aquilo que muitas vezes

conversamos (da questão de se tornarem dois, e o João querer o espaço

todo) hoje apareceu como brincadeira entre eles. Vocês viram, não é?”

Fazem sinal afirmativo e eu acrescento: “Para nós isso é um grande

avanço, poderem brincar e conversar sobre isso”.

Parecem satisfeitos, se despedem e também vão.

Quando saio, ainda estão na sala de espera. Eu espero eles irem,

para chamar minha próxima paciente.

Apesar de ter outros casos com outra configuração, me pareceu

mais interessante relatar a sessão, o que permite visualizar a complexa rede

de configurações vinculares no interior da família.

Aspectos traumáticos na constituição de sintomas autísticos

Relato aqui o segundo atendimento clínico familiar que gostaria de

apresentar.

Veio o casal à primeira entrevista e disse que seu filho havia sido

diagnosticado, por uma psiquiatra que o estava acompanhando, como

portador de transtorno invasivo de desenvolvimento, apesar de não

cumprir com todos os quesitos para fechar este diagnóstico.

Percebi que o pai tinha algum tipo de problema mental, mais tarde

me comunicaram que ele sofria uma depressão grave que já durava cerca

de oito anos.

Jorge tinha cinco anos, nascera de uma gravidez gemelar na qual o

outro gêmeo morrera no sexto mês de gravidez. O parto foi feito antes de

a gravidez chegar a termo, pois o feto morto colocava em risco a sua vida

e a de sua mãe, segundo o obstetra.

Esta gravidez havia sido indesejada por todos da família,

principalmente o avô materno. O pai de Jorge estava passando por essa

depressão desde o nascimento de sua primeira filha, três anos mais velha

do que Jorge. Em função disto havia abandonado a sua profissão e sua

392

família era mantida pela mãe, que trabalhava numa empresa de sua família

e pelo avô materno.

A mãe sentiu-se bastante culpada pela perda do bebê e temeu

muito pela vida de Jorge que ficou alguns dias numa UTI neonatal.

Seus problemas foram percebidos depois dos 18 meses pelo atraso

da linguagem, dificuldades de interação com crianças e pelo atraso do

desenvolvimento do brincar e, mais tarde, das atividades escolares. Jorge

possuía, nesta ocasião, linguagem, porém sem usar adequadamente certas

partes das frases, principalmente os pronomes.

Decidimos por fazer um atendimento conjunto com sua família e

realizamos no total dez sessões em seis meses, após as quais foi indicado

atendimento individual para a criança em sua cidade de origem.

As sessões familiares, nas quais em geral estavam seus pais e ele,

só contou com a presença da irmã em duas ocasiões. Parecia que os pais

tinham dificuldade de inseri-la no trabalho, como se a imagem dela

precisasse ser mantida como daquela que não tem problemas dentro da

família ou literalmente fica fora dos problemas.

Decidi conjuntamente com seus pais por atendê-los em família

para buscarmos compreender como esta dinâmica familiar afetava, e era

afetada pelos problemas de Jorge. As sessões ocorriam quinzenalmente e

isto foi resolvido em função da distância de sua cidade (150 Km).

Creio que muitas vezes as sessões quinzenais são mesmo indicadas,

pois as famílias necessitam de um tempo de elaboração mais extenso, que

favoreça à mudança ser incorporada e sentida como própria.

Nos primeiros dois encontros com Jorge e os pais, eles haviam

trazido dentro de uma pequena caixa alguns animais. No final da primeira

sessão, Jorge se aproxima e pega a caixa. Ele ainda não havia brincado com

os brinquedos que haviam sido colocados por mim em uma mesa baixa.

Mãe: “Trouxe esses bichinhos, pois Jorge gosta deles. Ele pode

brincar com eles aqui?”

Analista: “Sim, ele pode brincar se quiser.”

Ele pega a caixa, olha todos os animais, e pega dois pequenos e

idênticos. Os aproxima e olha na minha direção. Tinha evitado me olhar

até então.

393

Analista: “Jorge está me mostrando que os bebês são iguais, e que

são dois. Talvez queira que falemos desses dois bebês.”

Os pais de Jorge não dão continuidade ao assunto.

Na sessão seguinte, a certa altura, Jorge pega novamente os dois

bichinhos iguais, coloca-os como que escondendo, atrás de um objeto. Eu

me aproximo, brincando com ele de procurar. Ele ri, corre pela sala e

esconde em outros lugares. Eu continuo brincando de procurar e digo:

Analista: “Jorge está mostrando que isso dos dois bebês iguais está

escondido, e que eu preciso procurar para descobrir e ajudá-lo a descobrir

também.”

Novamente os pais não dão continuidade a esse assunto, dos

gêmeos, que só será abordado pela irmã de Jorge, ao vir pela primeira vez,

na quarta sessão.

Rapidamente Jorge respondeu às nossas sessões, com evolução de

sua linguagem e do relacionamento com outras crianças e adultos. Isto

gerou maior confiança dos pais e uma melhor adesão desta família ao

trabalho. No início podiam faltar e desmarcar as sessões sob qualquer

pretexto e depois se tornaram sempre presentes.

Inicialmente, Jorge, após pouco tempo na sala de atendimento

queria sair e insistia em ir ao banheiro ou expressava o desejo de ir para

casa. Depois ele não só permanecia a sessão toda na sala de atendimento

como, se o assunto era importante, permanecia atento e concentrado em

alguma atividade. Preferia as massinhas, e construía certas configurações

com os animais separando-os às vezes, os selvagens de um lado e os

domésticos de outro. Eu sempre apontava como eles estavam percebendo

e separando ali também, na sessão, o que era para ficar perto porque não

tinha perigo, e aquilo que precisavam afastar porque parecia perigoso e

eles achavam que podia atrapalhar a vida familiar.

No início os pais sempre falavam dos problemas que percebiam

em Jorge e perguntavam como poderiam lidar com ele, eu sempre incluía

Jorge nestas conversas e comentava como os pais às vezes também não

sabiam o que fazer com ele. A partir daí fomos descobrindo juntos formas

possíveis de manejar as situações. A mãe sentia diferente do pai, ela tinha

a expectativa de que Jorge pudesse ter amigos e se alfabetizar, por

394

exemplo, já o pai queria saber: Jorge seria feliz? Estava sofrendo com seus

sintomas, se casaria um dia e teria filhos?

Eu percebia nestas expectativas dos pais problemas que na verdade

eram deles, pois a mãe o levava à escola, que é bastante tradicional e não

costumava receber crianças com problemas. O pai, por sua vez, não se

sentia feliz, tinha dificuldades no casamento e ter filhos parece ter sido

bastante difícil.

Fomos conversando a respeito destas questões e devagar

começaram a falar sobre eles mesmos, seus medos, angústias em relação a

Jorge e sua irmã, um passou a ajudar o outro tanto a falar como a ver

melhor suas próprias dificuldades.

Com a vinda da irmã à sessão, ela trouxe o problema das

interferências do avô materno que, segundo ela, queria mandar em todos

da família. Foi ela quem introduziu também, pela primeira vez na presença

de Jorge, o tema de seu nascimento e da morte do irmão no útero.

Pudemos falar sobre isto em diversas ocasiões. No início tocar neste tema

fazia Jorge querer sair da sala como se ele soubesse que a família só falava

disto na sua ausência, fomos conversando com estes temas e falando do

medo dele e do segredo que talvez o atrapalhasse ao adquirir linguagem e

a falar sobre o que quisesse.

Fomos conversando também sobre a dificuldade deste pai ocupar

o seu lugar e me relatou que, ele próprio, ao nascer, teve um problema em

suas pernas e que passou por cirurgias e imobilizações longas. Daí a

própria mãe apontou que talvez o nascimento da primeira filha lhe

trouxesse de volta a memória destas dificuldades, o impedindo de “andar”

outra vez. Comentei então que tudo o que ocorreu, também depois no

nascimento de Jorge, teria sido muito pesado para ele, que ainda estava se

recuperando naquela época. Aí ele tinha ficado como que paralisado e não

podendo mais “caminhar” na sua vida.

Fomos aprofundando estas compreensões e me pareceu que, além

de Jorge, a família toda também foi caminhando. Vários sinais apareceram

de forma indireta. O pai tem estado muito presente e participante, muito

diferente do início, onde ele ficava como ausente em certas sessões; a mãe

é que falava e seu olhar era desvitalizado e ele só participava quando eu

lhe perguntava algo. Tanto ele como a mãe passaram a se arrumar muito

395

mais que no início de nosso trabalho, tendo tanto a sua postura corporal

como a forma de se vestir melhorado significativamente.

Um último e importante sinal surgiu quando a mãe me pediu se eu

poderia mudar os recibos e colocá-los em nome deles mesmos, e não do

avô, me pareceu um indicativo muito importante de apropriação do nosso

trabalho pela família.

Creio que Jorge viveu um trauma em seu contato com o irmão

morto no útero e com a repercussão desta estória em sua família que, pelas

vivências relatadas, já estava bastante fragilizada desde antes disto. A mãe

provavelmente não tinha espaço mental para abrigar um e muito menos

dois bebês. Esta falta de espaço mental da mãe e de espaço para Jorge na

família de origem da mãe o desprotegeu bastante. A mãe não pôde contar

com seu marido e no início também não contava com seu pai para lhe dar

suporte. O caso de Jorge nos remete a pensar na dimensão traumática

como um aspecto importante, pelo menos para alguns casos do espectro

autista.

Considerações finais

O atendimento familiar é uma estratégia clínica, desenvolvida a

partir da psicanálise e de outras perspectivas sobre o grupo familiar e visa

transformar as relações intersubjetivas entre os membros da família.

Através disso é possível remover da criança os aspectos conflitivos dos

membros da família nela projetados.

Nos casos aqui relatados, demonstramos como a intervenção

precoce, constando de uma escuta atenta às comunicações entre os pais e

os filhos, e uma intervenção interpretativa, pode promover mudanças nos

padrões vinculares. Nestes casos observaram-se evoluções significativas.

No primeiro caso, constatamos durante esse atendimento que

Augusto, de fato, não apresentava sintomas autísticos, mas que sim, sua

mãe temia e de alguma forma projetava sobre o filho seus temores

inconscientes. Durante a intervenção segredos sobre a configuração

familiar foram revelados, promovendo uma diminuição das tensões. Em

seguida essa criança iniciou o uso da linguagem verbal e após estes

atendimentos consideramos que essa situação e seus riscos estavam

superados.

396

No segundo caso, que demandou um atendimento familiar numa

situação já instalada e uma criança de mais idade, contendo também

sintomas autísticos já estruturados, tivemos como resultado uma melhora

da linguagem verbal e da interação social de Jorge a mudança para uma

classe de sua idade na escola e uma melhora nos vínculos familiares.

Consideramos de muita importância para os profissionais da saúde

e da educação que atendem crianças sob risco de desenvolvimento de

transtornos invasivos, que encaminhem precocemente essas crianças e

suas famílias para atendimento especializado. Consideramos, ainda, que

uma escuta psicanalítica e uma intervenção quanto mais precoce possível,

que aborde as histórias familiares, as projeções de segredos, temores e

conflitos sobre um membro frágil da família, pode ser fator

importantíssimo para a compreensão e a remissão da sintomatização.

É claro que os pais não têm consciência desses fatores vivenciados

pela família, que podem afetar qualquer membro, e sem dúvida eles são os

primeiros a contribuir nesse trabalho para a transformação dessa situação

e a retirada do peso inconsciente sobre seus filhos. Acredito ser esse um

fator fundamental para a rapidez de resultados nesse tipo de atendimento.

Outro aspecto importante é que o profissional envolvido nesse trabalho

seja continente para as angústias e demandas tanto da família, como do

entorno escolar e social desse grupo familiar.

Referências

Alvarez, A. (1994). Companhia viva: Psicoterapia psicanalítica para crianças

autistas, carentes ou maltratadas. Porto Alegre: Artes Médicas.

Freud, S., & Breuer, J. (1995). Sobre o mecanismo psíquico dos

fenômenos histéricos: Comunicação preliminar (Edição Standard

Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol.

7). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1893)

Lebovici, S. (Org.) (1991). Autismo e psicoses da criança (Leda M. F.

Bernardino, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.

McDougall, J. (1987). “Um corpo para dois”. Boletim Científico da Sociedade

Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, 1(2), 8-33.

Mélega, M. P. (Org.) (1997). Observação da relação mãe-bebê:– Método Ester

Bick: Tendências. São Paulo: Unimarco.

397

Pichon-Rivière, E. (1976). El proceso grupal. Buenos Aires: Paidós.

Silva, M. C. P. (2003). A herança psíquica na clínica psicanalítica. São Paulo:

Casa do Psicólogo; FAPESP.

Tustin, F. (1991). Estados autísticos em crianças. Rio de Janeiro: Imago.

(Trabalho original publicado em 1984)

Verdi, M. T. (1996). Continente devorado - Algumas considerações sobre

autismo a partir de questões emergentes em grupo familiar. Revista da

Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo, 3, 156-166.

Winnicott, D. W. (1993). A família e o desenvolvimento individual. Rio de

Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1961)

399

20 Grupos de crianças com transtornos mentais

graves: atendimentos em instituições

públicas de saúde Rose Pompeu de Toledo

Introdução

Minhas experiências com grupos tiveram início nos anos 1980,

quando comecei a trabalhar como psicóloga numa clínica da Prefeitura do

Município de São Paulo (PMSP) que atendia crianças da rede municipal de

ensino, cursando da pré-escola até a 2ª série. A opção preferencial era pelo

atendimento grupal; atendíamos as crianças em grupos psicoterápicos e os

familiares em grupos que chamávamos “grupos de orientação”.

Eu era recém-formada e praticamente sem noção sobre o

significado dos grupos, seu funcionamento e como trabalhar com eles.

Felizmente, não era a única nessas circunstâncias; outros colegas

estavam na mesma condição. Às sextas-feiras no período da manhã, nos

reuníamos para pequenos cursos, discussões de casos, planejamentos etc.

durante o horário de trabalho, o que nos auxiliou no sentido de criar um

Esquema Conceitual Referencial e Operativo (ECRO, cf. Pichon-Rivière,

1982/2009)49 próprio àquele grupo de trabalhadores.

Logo, minha questão pessoal começou a ser como trabalhar com

grupos em uma instituição de saúde, com crianças, com embasamento no

referencial psicanalítico, questão que foi sendo respondida no trabalho

prático e na formação continuada por meio de cursos, estudos e

supervisões.

O trabalho em instituição pública de saúde serviu como um grande

laboratório de grupos.

Breve histórico da atenção à saúde mental da criança na cidade de São Paulo

49 V capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.

400

Optei por trazer um histórico do trabalho com grupos de crianças

na saúde pública na cidade de São Paulo porque conhecer a história das

ideias e das práticas relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes

nos ajuda a compreender a importância que têm, ainda hoje, algumas

questões difíceis de mudar, de acolher transformações e a importância do

fazer criativo nessa área.

Na cidade de São Paulo, as primeiras propostas de ações em

higiene voltadas à infância se iniciaram no final do século XIX, com o

objetivo de inspeção das condições de salubridade dos locais de ensino e

a educação em saúde. A assistência à saúde era vista como uma atividade

complementar de apoio para garantir as condições de aprendizagem.

Em 1967, frente aos altos índices de fracasso escolar e com o

objetivo de oferecer aos escolares melhores condições de aprendizagem,

foi criado o Departamento de Assistência Escolar da Secretaria de

Educação da PMSP. Contava com serviços médicos, odontológicos,

psicológicos, fonoaudiológicos e de educação sanitária, além do programa

de merenda escolar. Os serviços psicológicos eram desenvolvidos em duas

clínicas (do Itaim e da Mooca) e os demais nas escolas.

Em 1981 foram criadas mais cinco clínicas na cidade de São Paulo,

que realizavam os seguintes atendimentos: psicodiagnósticos individuais e

grupais, psicoterapias breves, psicoterapias lúdicas grupais, terapias

psicomotoras grupais, grupos de mães, terapias fonoaudiológicas grupais,

psiquiatria e neurologia.

Grande parte das crianças era encaminhada por analfabetismo,

repetência e multirrepetência; violência e delinquência; dificuldades no

relacionamento interpessoal e desagregação familiar.

Apesar de existir uma preocupação com a atenção às

crianças/escolares, às famílias e uma possibilidade restrita de contato com

as escolas, algumas questões se levantavam:

a origem das clínicas se baseava numa tendência de buscar na

área da saúde respostas ao fracasso escolar, sem que houvesse um

questionamento efetivo quanto à participação da própria escola

nesse processo;

401

a demanda institucional de atendimento a essas crianças visava

a sua adaptação à escola muito mais do que ao seu processo de

aprendizagem; e

as crianças excluídas da escola ficavam também excluídas do

direito de assistência à saúde (Toledo, 1990).

Diante dessas considerações, em 1989 o Departamento de Saúde

Escolar foi extinto e as clínicas foram transferidas para a Secretaria de

Saúde. A maioria se transformou em Hospital-Dia em Saúde Mental

Infantil (HDI).

Os HDI, por sua vez, deram origem aos Centros de Atenção

Psicossocial Infanto-Juvenis (CAPSi), propostos a partir de 2002 como

serviços territoriais, de natureza pública, financiados integralmente com

recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), com a função de prover

atenção em saúde mental, baseados na integralidade do cuidado. Foram

propostos para as cidades com 200 mil habitantes ou mais, com o objetivo

de atender casos de maior gravidade e ordenar a demanda em saúde mental

infantil e juvenil no seu território de abrangência.

Os CAPSi são compostos por equipes multiprofissionais e devem

se responsabilizar pelo atendimento de um número limitado de pacientes

e de suas famílias, em regimes diferenciados de tratamento, segundo as

necessidades de cada caso (intensivo, semi-intensivo e não intensivo),

desenvolvendo diversas atividades terapêuticas. São prioritários os

atendimentos para todos aqueles cuja problemática implique diretamente

prejuízos psicossociais severos (na socialização, inclusão escolar,

familiar/comunitária, por exemplo).

Propõe-se que os CAPSi sejam protagonistas da construção de

estratégias para a articulação intersetorial da saúde mental com setores

historicamente envolvidos na assistência à infância e adolescência: saúde

geral, educação, assistência social, justiça e direitos, com vistas à

integralidade do cuidado.

O trabalho com grupos psicanalíticos com crianças com transtornos mentais graves

A opção pelo atendimento grupal baseia-se na concepção de que

o grupo funciona como um potencial de apoio e de contato e, além disso,

pode permitir uma experiência de re-apoio do desenvolvimento psíquico

402

àqueles cujos primeiros apoios foram insuficientes ou inadequados. Nas

instituições públicas de saúde onde trabalhei, os grupos de crianças com

transtornos graves eram atendidos em coterapia duas vezes por semana,

além de participarem de outras atividades grupais durante a semana. Uma

vez por semana era realizado um grupo de familiares no mesmo horário

do grupo de crianças.

Algumas considerações teórico-técnicas

Nos indivíduos com transtornos mentais graves, a ampla variação

da expressão sintomática requer informações que ultrapassem o

diagnóstico em si, tais como o nível de comunicação verbal e não verbal,

o grau de habilidades intelectuais, a extensão do campo de interesses, o

contexto familiar e educacional e a capacidade para uma vida autônoma.

As pessoas diagnosticadas com seus sofrimentos e suas

dificuldades bem concretas é que são inteiramente reais, e não as

categorias diagnósticas nas quais tais pessoas são abstratamente alocadas.

As classificações diagnósticas são mutáveis ao longo do tempo.

Afinal, elas refletem um retrato instantâneo, o “estado da arte” das

evidências e dos consensos acumulados em certo momento do tempo,

necessitando de um aperfeiçoamento constante à medida que surgem

novas evidências científicas e novos consensos sociais. (Brasil, 2015, p. 39)

As crianças com transtornos mentais graves apresentam

perturbações nos processos iniciais do desenvolvimento, denominados

por Winnicott (1945/1993a) de integração, personalização e realização.

Elas também têm deficiências na capacidade de simbolização e

severas dificuldades emocionais. Algumas não falam. As que falam, em sua

grande maioria, não utilizam o pronome eu e referem-se a si mesmas pelo

nome próprio, por não possuírem um senso de identidade. Muitas não

brincam e todas têm uma grande dificuldade nas relações interpessoais.

Seu atendimento deve lidar com “Os estádios primitivos do

desenvolvimento emocional, antes e até o estabelecimento da

personalidade como uma entidade, e antes da aquisição do status de

unidade espaço-tempo. A estrutura pessoal ainda não está fundada de

forma segura” (Winnicott, 1954/1993b, p. 460).

403

Para Winnicott, pacientes desse tipo requerem que o analista se

ajuste às suas necessidades e recorra ao setting e ao manejo, não ao trabalho

analítico comum próprio para pessoas totais cujas dificuldades principais

estão nas relações interpessoais.

Segundo essa perspectiva, a presença física dos profissionais, a sua

forma de estarem consigo próprios, com o outro e o ambiente que

oferecem criam uma atmosfera que é parte integrante do setting e que tem

grande importância para a configuração do seu vínculo com os pacientes.

A expectativa é que esses profissionais possam, ao menos em parte, prover

a adaptação ambiental que faltou aos pacientes em seu processo de

desenvolvimento.

Como isso pode ser realizado?

Em primeiro lugar é preciso gostar de gente e ter capacidade de

empatia. Depois, entender as necessidades dos pacientes e procurar criar

um ambiente terapêutico que os respeite e que possa promover o

desenvolvimento das suas possibilidades.

É importante dar atenção a qualquer tipo de comunicação expressa

pelas crianças, para que elas possam ter a experiência de serem aceitas,

contidas e significadas numa relação interpessoal.

Com essas crianças, muitas vezes “pensamos alto”, falamos o que

estamos observando, o que pensamos sobre isso e o que entendemos que

está acontecendo com elas, demonstrando às crianças que há um espaço

onde os conteúdos mentais podem ser registrados e possivelmente

adquirir algum valor de experiência integrada. Essa experiência favorece o

desenvolvimento do senso de self, o que facilita o processo de integração.

Também é importante oferecer um espaço para que os ritmos da

criança se desenvolvam sem invasão e sem expectativas narcísicas.

Acompanhando o seu ritmo, trabalhamos com noções de tempo e espaço,

elementos essenciais para o desenvolvimento da realização. Além disso, é

importante facilitar o processo de personalização, demonstrando que têm

um corpo único e articulado.

Faz parte do contrato que as crianças não podem se bater ou se

machucar, mas às vezes ocorrem brigas e ataques no grupo. Quanto a esse

aspecto é necessária muita atenção, porque em algumas ocasiões o ataque

pode ser uma forma tanto de constituir os objetos como de constituir os

404

sujeitos, uma possibilidade de integração da agressividade. O grupo precisa

ter um ambiente que permita o uso da agressividade não como mera

repetição, mas como oportunidade de organização psíquica.

Ilustração – 2004 – CAPSi de Santo Amaro

Participam desse grupo William e Tiago, de oito anos, e duas

terapeutas.

Ao serem chamados para o início do atendimento, Tiago vai

correndo na frente para se trancar sozinho na sala, como já havia feito por

duas vezes seguidas anteriormente; não consegue porque a fechadura está

quebrada. Ao entrar, Tiago começa a balançar o armário de brinquedos.

Tiago é contido por uma das terapeutas, que diz a ele do perigo do

armário cair e nos machucar.

Enquanto isso William permanece em pé olhando ao redor.

Tiago se dirige à porta do armário, onde na sessão anterior William

havia colado um desenho, o arranca e rasga, fazendo questão de mostrar

para William o que estava fazendo.

William vai à varanda contígua à sala e fecha a porta, diz que quer

ficar sozinho. Um pouco depois, William entra, emburrado, diz que

amanhã não vem mais; conversando a respeito dessa afirmação,

entendemos que ele ficou bravo com Tiago.

Tiago diz que matou Bruno – criança que estava nesse grupo e

abandonou o atendimento um mês atrás.

William diz que Bruno não vem mais.

Tiago começa a falar do grupo e diz que se William não vier mais,

ele (Tiago) irá à sua casa. Ou seja, não adiantaria William não vir aqui,

porque Tiago sentiria saudade e o encontraria.

Volta para o assunto de rasgar o desenho de William no início

desse atendimento – queria que ele chorasse. William diz que não vai

chorar, nunca mais.

Tiago pergunta para uma das terapeutas se ela é maior do que ele

e se é forte – associamos ao início da sessão – quer saber se pode contê-

lo e ajudá-lo a integrar seus aspectos agressivos.

405

Algumas considerações sobre a evolução dos grupos

Após muitos anos de trabalho em coterapia com grupos de

crianças com transtornos graves, observo que, inicialmente, os membros

do grupo estabelecem um vínculo privilegiado com um dos

psicoterapeutas, que exerce, na situação transferencial, a função materna

caracterizada por uma situação fusional na qual o bebê alucina o seio e tem

a ilusão de tê-lo criado; denotando um estágio grupal de não integração.

Essas crianças também mantêm entre si um aparente isolamento.

Entretanto, existe entre elas um tipo de comunicação pré-verbal difícil de

detectar, que só pode ser percebida posteriormente, quando alguma

criança fala o que observa nos outros e em si mesma, ou se dirige aos

outros utilizando seus nomes.

Bleger denomina este nível de sociabilidade grupal de sociabilidade

sincrética, diferenciando-a de um nível organizado de sociabilidade

(sociabilidade de interação). Define-a como “um tipo de relação que é,

paradoxalmente, uma não relação no sentido de uma não individualização

que se impõe como matriz ou como estrutura básica de todo grupo e que

persiste, de maneira variável, durante toda a vida deste” (Bleger,

1980/2011, p. 85).

Esse tipo de vínculo vai se transformando numa relação mais

diferenciada, que permite, em certa medida, o desenvolvimento da

identidade e do sentido de realidade. É um momento no qual as crianças

falam sobre si mesmas e suas relações de maneira mais discriminada, e

mostram um desenvolvimento da capacidade de pensar.

Ilustração – 1999 – Centro de Referência em Saúde da Criança

O grupo era constituído por meninos de dez a doze anos:

Américo, Roberto, Ricardo, Geraldo e Armando, uma psicoterapeuta e

um psicoterapeuta.

Nos primeiros encontros, esses meninos repetiam atividades

solitárias e não interagiam entre si.

Ricardo falava, quase ininterruptamente, como se estivesse

conversando com pessoas externas ao grupo; era como um monólogo,

onde não eram aceitos interlocutores.

406

Américo brincava com carrinhos, produzindo uma diversidade de

sons bastante altos. Ocasionalmente se dirigia a mim, com perguntas: “Por

que você tossiu?” “Você tem filha?” “Me dá um carrinho?”

Roberto mantinha-se a maior parte do tempo calado e fazia

caretas, quando falava dizia estar ficando quente e vermelho. Seu

interlocutor preferido era o psicoterapeuta do grupo.

Geraldo costumava derrubar os bonecos da família e perguntar a

qualquer dos psicoterapeutas se o boneco tinha se machucado.

Armando produzia desenhos que denotavam uma minuciosa

capacidade de observação e os mostrava, preferencialmente, para o

psicoterapeuta do grupo.

O momento no qual ocorreu outra possibilidade de comunicação

entre eles se iniciou com perguntas que Ricardo me dirigia: “Rose, você

tem pai? Vai se casar com ele?” E outras indagações, insistindo em saber

se eu tinha pênis. Respondi que ele estava tentando me conhecer e

entender, junto comigo, quais eram as nossas diferenças.

Roberto reagiu a essa situação comentando com o psicoterapeuta

que Ricardo estava dizendo coisas feias. Pedia claramente que ele

assumisse a função de interdição. Entretanto, o psicoterapeuta afirmou

que ali podíamos falar sobre essas coisas.

Imediatamente Ricardo se dirigiu a Roberto: “Sai fora, moleque!”

Então começou a fazer perguntas a todos: “Américo, seu pai fuma?”

“Armando, você tem pai, vai se casar com ele?” “Geraldo, você faz xixi na

cama?” Uns não respondiam, outros mandavam calar a boca. Ricardo

xingava e atirava objetos.

Roberto disse que Ricardo era louco. E aproveitou para expressar

sua opinião a respeito dos demais: “Américo tem barulho de carros na

cabeça e Geraldo é um palhaço”. Referiu gostar muito das suas

“amiguinhas letras”. Mas as pessoas não são tão amigas; aliás, nesse

momento eram ameaçadoras. Ele também começou a jogar coisas nos

outros.

Nesse momento os psicoterapeutas assumiram a função de

interdição solicitada um pouco antes: proibimos a agressão física.

Durante esses acontecimentos Geraldo se manteve agachado

movimentando ambos os braços, distante o máximo possível.

407

Américo trocou os carrinhos por uma espada que puxava das

costas gritando: “eu tenho a força!” Transformando-se em He-Man,

procurava se proteger de possíveis ataques.

Armando permanecia no mesmo lugar desenhando figuras

mínimas ou fazendo contas. Se lhe era dirigida alguma agressão, gritava:

“Não!” Perguntava: “Eu gritei? Eu disse que não quero?” E concluía: “Eu

defendi!”

O ataque, nessa situação, era uma forma tanto de constituir os

objetos como de constituir os sujeitos, uma possibilidade de integração da

agressividade.

Os integrantes do grupo falavam manifestamente do outro, mas

internamente estavam iniciando um processo de discriminação.

Começavam a se ver e a ser objetos para si próprios, já que reconhecer a

loucura do outro é também reconhecer seus próprios atributos.

Os grupos com familiares de crianças com transtornos mentais graves

Esses grupos constituem um espaço de escuta aos familiares, onde

podem aparecer as dificuldades com os filhos e que possibilitam aos

participantes, ao trazerem a si mesmos, construírem vínculos com a

instituição, com os profissionais e também com os outros pacientes.

O atendimento a grupos de familiares suscita algumas questões,

que serão retomadas ao final da ilustração:

Quanto à obrigatoriedade de participação: que repercussões

pode trazer?

Quanto à montagem do grupo: o fato de serem familiares de

crianças com transtornos mentais graves traz alguma característica

específica?

Ilustração – 2005 – CAPSi50

Abordarei um grupo de familiares de crianças de seis a oito anos,

com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, atendido desde

fevereiro de 2004 com a mesma configuração.

50 Parte do artigo Toledo (2006).

408

O grupo de crianças era atendido duas vezes por semana em

coterapia por duas profissionais do CAPSi, participava de oficinas e lanche

coletivo; o grupo de familiares era atendido uma vez por semana no

mesmo horário de um dos grupos das crianças. Usarei nomes fictícios que

serão apontados como participantes das sessões. O nome entre parênteses

refere-se aos filhos.

Iniciarei com uma sessão cuja dinâmica vinha sendo bastante

frequente. Quando um determinado membro do grupo trazia uma

questão, acontecia o seguinte com os outros: cada um falava do seu

próprio filho e não falava de si mesmo; pareciam concentrar-se no grupo

incapacidades, impotências e fracassos. A minha tentativa naquele

momento era legitimar as capacidades e incapacidades de cada um.

Sessão de fevereiro de 2005

Presentes: Sérgio (Nicolau), Rute (Marcos), Aparecida (Francisco),

Júlia (Ernesto). Ausente: Dalva (Alfredo).

Rute: “Vocês estão ouvindo? [Refere-se ao filho, que está gritando

desde que chegaram, há aproximadamente vinte minutos. Agora ele está

assim, grita sem parar; antes respeitava a minha filha, se ela mandava parar,

obedecia; agora nem ela. Eu não aguento mais!”

Júlia: “Nossa! O que está acontecendo com ele?”

Rute: “Quando ele quer alguma coisa e não consegue, começa a

gritar desse jeito. Ele quer mexer em tudo, não para nem para ver televisão.

Coloquei uma tramela na porta do quarto para ele não sair enquanto eu

estou na cozinha, porque tenho medo que mexa nas panelas e se queime;

quando estou cozinhando minha filha fica com ele no quarto. Outro dia,

ele levantou cedo, umas seis horas, ouvi o barulho e fiquei bem quieta, um

olho aberto, o outro fechado para ele não perceber que eu estava acordada,

ele ficou olhando para a porta, olhava para a porta e para a tramela, pensei

– ele quer sair, mas continuei lá quietinha, e ele lá, aí ele pegou uma cadeira,

encostou-a na porta e subiu para abrir a tramela, falei com ele, perguntei

o que estava fazendo, ele começou a gritar, desceu da cadeira, ficou ao

lado da porta gritando e chorando, só parou quando eu abri a porta. Ele

não é bobo, quando estou indo com a farinha já veio com o pão.”

409

Sérgio: “O Nicolau, depois que entrou na escola, está chorando

menos e está falando um pouco mais, ele repete as coisas que a gente fala.

Também chora quando não quer fazer alguma coisa, ele me obedece mais

do que obedece à mãe.”

Júlia: “O Ernesto também faz birra; antes eu brigava, ficava brava,

mandava parar e percebi que não adiantava, agora eu deixo, não dou nem

bola. E ele faz isso pra chamar a atenção, porque eu não faço nada e ele

fala: ‘fica quieto’ para ele mesmo.”

T: “Será que eles também choram, gritam e fazem birra para

comunicar alguma coisa que está acontecendo com eles?”

Rute: “Eu não tinha pensado nisso. O Marcos antes falava poucas

palavras, ele parou de falar, não fala mais nada, não quer mais falar, grita e

não sai uma lágrima, ele sabe que me irrita.”

Aparecida: “O Francisco também me deixa nervosa, ele não para,

mexe em tudo, aprendeu a mexer no som, ele canta e gosta de dançar.”

Júlia: “O Ernesto também gosta de som, mas ele não sabe falar

som; eu peço pra ele repetir e ele fala pria, não sei de onde tirou essa

palavra.”

Rute: “Eu acho que eles são muito inteligentes e vou defender uma

tese: o meu filho sabe o meu ponto fraco, resolveu na cabeça dele que vai

me deixar louca e não vai descansar enquanto não conseguir.”

T: “Você acha que pode fazer alguma coisa pra evitar que isso

aconteça?”

Rute: “Não sei.”

A próxima sessão é representativa de uma mudança nessa

dinâmica. Após uma mudança concreta, quando os membros do grupo

resolveram trocar os lugares que ocupavam regularmente na sala de

atendimento, passaram a falar de si mesmos; aparentemente, abrindo um

espaço para poder suportar as frustrações e o convívio com as diferenças.

Sessão de agosto de 2005

Presentes: Maria (Nicolau), Rute (Marcos), Aparecida (Francisco),

Júlia (Ernesto), Dalva (Alfredo).

Rute: “Vamos trocar de lugares? Não quero ser autista e

permanecer sempre no mesmo lugar.”

410

T: “O que vocês acham?”

Júlia: “Eu acho bom e já estou mudando de lugar.”

Eu e Aparecida permanecemos nos nossos lugares.

Aparecida: “Vamos ficar nos mesmos lugares?”

T: “Você quer mudar?”

Aparecida: “Quero!”

T: “Então vamos.”

T: “Como estão se sentindo nesses lugares?”

Rute: “Estranha.”

Júlia: “Diferente, mas é bom.”

Dalva: “Não sei.”

Aparecida: “Eu gosto, sempre gosto de agitação.”

T: “Estamos numa disposição diferente e vocês resolveram

experimentar isso aqui – mudar de lugar, vamos ver como será.”

[Breve silêncio]

Dalva: “Tenho medo de andar com o Alfredo e ele começar a

gritar pela rua.”

Rute: “Eu tenho medo de escada rolante, de elevador.”

Aparecida: “Tenho medo de morto.”

Júlia: “De morto? Já está morto! Eu tenho medo de vivo, pode me

ferrar, como a minha sogra.”

Maria: “Tenho medo dessa escada, sei que posso subir, mas

sempre desço com medo de cair.”

T: “Hoje vocês mudaram de lugares e mudou também outra coisa

neste grupo – vocês estão falando de vocês, dos medos que vocês sentem,

não só dos medos que os seus filhos sentem e do que eles provocam em

vocês.”

Rute: “Eu não sei se isso é medo, mas eu gosto de ficar sempre no

mesmo lugar, eu gosto de ficar sempre no mesmo cantinho na minha casa,

eu gosto sempre de ficar na mesma cadeira aqui, por isso quis mudar.”

Inicialmente, farei uma observação sobre a primeira sessão desse

grupo: ela não parece muito diferente das que ocorrem em outros grupos

de familiares de crianças. Quem trabalha com grupos em instituições de

saúde costuma mencionar que não falar de si, mas sim do próprio filho é

bastante frequente em grupos de pais.

411

Assim, entendo que ter um filho com Transtorno do Espectro

Autista é um fator aleatório – vêm pessoas muito diferentes. E bastante

diferentes daquelas descritas como “pais intelectuais” e “mães geladeiras”,

que povoam parte das representações culturais sobre o autismo.

Concordo com Cavalcanti e Rocha, quando afirmam que:

O pressuposto de que as mães [de crianças autistas] não eram

capazes de perceber o mal-estar do bebê... foi aos poucos abalado

pelos inúmeros relatos testemunhados ao longo de nossa

experiência clínica, que demonstraram como muitas vezes foram

as mães que deram o sinal de alerta. (2007, p. 61)

Quanto à obrigatoriedade da frequência ao grupo, considero um

fator pouco relevante – o que importa é a experiência que estão tendo no

grupo. Nesse grupo acontecem poucas faltas, indicando que seus

participantes aderiram à proposta de tratamento com abordagem grupal

às crianças e seus pais.

O grupo configura-se como um espaço para troca de informações,

reflexões, processos identificatórios e experiências emocionais com

potencial terapêutico.

As ilustrações apresentadas neste capítulo referem-se a grupos

psicoterápicos. É importante lembrar que vários outros tipos de grupos

podem ser desenvolvidos com crianças com transtornos mentais graves

em instituições públicas de saúde, tais como grupos operativos, atividades

comunitárias visando à integração da criança e do adolescente na família,

na escola, na comunidade ou quaisquer outras formas de inserção social;

terapia familiar; oficinas terapêuticas; grupos de familiares; atividades

culturais, entre outros.

Considerações finais

O trabalho aqui descrito fez parte de um contexto

histórico/institucional baseado no trabalho de equipes multiprofissionais,

com reuniões clínicas semanais e submetido à supervisão clínico-

institucional com alguma frequência, esta demandada intensamente pelas

equipes.

A última equipe da qual participei, o CAPSi, desenvolvia ações

com o objetivo de constituir parcerias com outras instituições implicadas

412

nos cuidados e atenção à infância, tais como fóruns e discussões clínicas

com profissionais da saúde e da educação e do Conselho Tutelar e

Judiciário. Os profissionais também participavam de reuniões de discussão

clínica em Saúde Mental no seu território e de um movimento de proteção

social que promovia atividades intersetoriais vinculadas à infância e à

adolescência.

Considero que o histórico do trabalho com crianças com

transtornos mentais na saúde pública da cidade de São Paulo dá uma ideia

das práticas relacionadas à saúde mental de crianças e adolescentes, nos

ajuda a entender suas transformações, suas permanências, seus desafios e

a importância do fazer criativo nessa área.

Atualmente, o trabalho com crianças com transtornos mentais

graves em instituições públicas de saúde vem sendo desenvolvido pelos

CAPSi, propostos a partir de 2002 e consolidados em 2010 na IV

Conferência Nacional de Saúde Mental – Saúde mental na infância,

adolescência e juventude: uma agenda prioritária para a atenção integral e

intersetorialidade. Os CAPSi, que acabaram de fazer 18 anos, têm uma

proposta focada na atenção efetiva, personalizada e promotora de vida à

população infantojuvenil, realizando acompanhamento clínico, reinserção

social e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Trata-se de um

equipamento onde o trabalho em grupo é essencial: os atendimentos são

realizados em grupo e os profissionais trabalham em grupo. Nesse sentido,

é importante o investimento na formação permanente dos profissionais

que trabalham nesse contexto, por meio de cursos de aprimoramento no

trabalho com grupos e de supervisões clínico-institucionais.

Referências

Bleger, J. (2011). Temas de psicologia: Entrevista e grupos (4ª ed.). São Paulo:

WMF Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1980)

Brasil (2015). Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro

do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de

Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde,

Departamento de Atenção Especializada e Temática.

Cavalcanti, A. E. & Rocha, P. S. (2007). Autismo: construções e desconstruções

(3ª ed.). São Paulo: Casa do Psicólogo.

413

Pichon-Rivière, E. (2009). O processo grupal. São Paulo: WMF Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1982)

Toledo, R. P. (1990). A incorporação do social na relação psicólogo-cliente em uma

instituição pública de saúde. Dissertação de Mestrado em Psicologia

Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP,

Brasil.

Toledo, R. P. (2006). A experiência de atendimento a um grupo de

familiares em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi).

Vínculo, 3(3), 71-78.

Winnicott, D. W. (1993a). Desenvolvimento emocional primitivo. Em:

Textos selecionados da pediatria à psicanálise (pp. 269-285). Rio de Janeiro:

Francisco Alves. (Trabalho original publicado em 1945)

Winnicott, D. W. (1993b). Aspectos clínicos e metapsicológicos da

regressão dentro do setting psicanalítico. Em: Textos selecionados da

pediatria à psicanálise (pp. 459-481). Rio de Janeiro: Francisco Alves.

(Trabalho original publicado em 1954)

415

21 Psicoterapia psicanalítica de casal:

teoria, prática e pesquisa Tânia Aldrighi Flake

Este capítulo apresenta o cenário da psicoterapia de casal na

prática clínica moderna, a partir dos fundamentos teóricos, das pesquisas

e dos desafios para esta modalidade de atendimento grupal.

Há uma diversidade de abordagens que foram desenvolvidas

recentemente e elas têm fortes impactos sobre a prática, a formação e a

pesquisa.

O capítulo está organizado de forma a oferecer uma noção clara

da história, do status atual, do processo de formação, juntamente com seus

fundamentos teóricos e práticos que atuam numa perspectiva de saúde,

com o recorte da psicoterapia de casal de base psicanalítica.

Para tanto, iniciamos com a conceituação da psicoterapia de casal,

da sua importância para a prática clínica e os motivadores para a busca de

psicoterapia de casal. Na sequência apresentamos a trajetória da

constituição desta prática tanto no cenário internacional como no Brasil e

de como a diversidade teórica permitiu a consolidação desta modalidade

psicoterápica. Com base neste conjunto, apresentamos os fundamentos da

psicoterapia de casal psicanalítica, com destaque ao referencial teórico da

psicanálise das configurações vinculares, seus principais representantes e

conceitos norteadores da prática. Por fim, finalizamos com o status atual

da pesquisa neste campo específico do conhecimento, seus desafios e a

formação do psicoterapeuta de casal e família.

Conceituação

O termo aconselhamento matrimonial, psicoterapia conjugal e

psicoterapia de casal são nomes diferentes utilizados para descrever o

mesmo processo, com a diferença geralmente baseada na perspectiva

416

teórica que fundamenta a prática ou do reflexo da história do processo de

consolidação desta modalidade.

Recentemente, o termo psicoterapia de casal substituiu o termo

historicamente mais familiar, psicoterapia conjugal, por causa de sua

ênfase no vínculo entre duas pessoas. O termo psicoterapia conjugal ainda

é comumente usado, e ambos os termos se destinam a se referir a casais

em processo de psicoterapia (Gurman, 2008).

Em linhas gerais, a psicoterapia de casais enfoca os problemas

existentes no relacionamento de intimidade, de longo prazo, entre duas

pessoas. A proposta central é ajudar os parceiros a identificar os conflitos

em seu relacionamento e a decidir quais mudanças são necessárias, na

convivência e no comportamento de cada parceiro, para que ambos se

sintam satisfeitos com a relação (Gurman, 2008).

Importância da psicoterapia de casal

Mudanças culturais nas últimas décadas têm um enorme impacto

no casamento, nas expectativas e na experiência de quem casa ou

permanece em relacionamentos de intimidade por um longo período.

A lei do divórcio, atitudes mais liberais em relação à expressão

sexual, maior disponibilidade de métodos contraceptivos e as mudanças

no papel da mulher impactaram no aumento das expectativas e nos

requisitos do casamento para além da procriação e da manutenção de um

poder econômico.

Por outro lado, se considerarmos da perspectiva do

desenvolvimento humano, para a maioria dos casais, que se encontra na

fase do adulto jovem, o casamento é uma fonte primária de apoio e

companheirismo, como também um contexto facilitador para o

crescimento pessoal.

Por que os casais procuram psicoterapia?

De acordo com Johnson e Denton (2002), a procura para a

psicoterapia de casal é motivada pela ameaça à segurança e estabilidade

nos relacionamentos com uma das figuras de vinculação mais significativa

da vida adulta. As razões mais comuns para a procura ou encaminhamento

de casais à psicoterapia estão aquelas que envolvem assuntos relacionais,

417

como dificuldades para resolução de problemas, relações e disputas de

poder, dificuldades de comunicação, ciúme, relação extraconjugal,

conflitos de valor, insatisfação sexual, violência, entre outros.

O caminho histórico

Compartilhamos da compreensão de que ter alguma exposição às

origens históricas e conceituações em evolução, no caso da psicoterapia

de casal, de maneira mais ampla é um componente importante para a

introdução de um aluno no campo de atuação.

Uma breve revisão da evolução da histórica da psicoterapia de

casal pode ajudar em grande parte a compreender a terminologia e a

própria diversidade teórica em que esta modalidade de psicoterapia se

apresenta.

A terapia conjunta, o formato quase universalmente dominante na

qual a psicoterapia de casal é praticada hoje em dia, não começa a ser

praticado regularmente até meados do final da década de 1960. No

entanto, é um movimento que tem períodos distintos, iniciando-se com

aproximações de um suporte teórico, sem uma proposta psicoterápica

(Gurman, 2008; Nichols & Schwartz, 2007).

O primeiro momento, entre 1930 a 1963, é caracterizado e

conhecido por aconselhamento matrimonial, praticado por muitos

profissionais, como ginecologistas, obstetras, pastores, que hoje não

seriam considerados “especialistas em saúde mental”. Esse

aconselhamento era tipicamente muito breve e bastante didático, focado

no presente e limitado à percepção da experiência, sobretudo pautado em

procedimentos adequados à adaptação da família a papéis conjugais e

valores da vida vigentes na época (Gurman, 2008; Nichols & Schwartz,

2007; Pignataro et al., 2019).

Gurman e Fraenkel (2002) denominam este período de

“experimentação psicanalítica”, uma vez que o aconselhamento matrimonial,

não tendo teoria ou técnica própria para falar, foi sendo desenvolvido a

partir de um conjunto frouxo e unido de ideias e intervenções do que era

então a única abordagem geral influente à intervenção psicoterápica, a

psicanálise, em suas muitas formas e variedades.

418

Além disso, neste período as primeiras tentativas do modelo

psicoterápico foi iniciado por alguns psicanalistas considerados ousados,

ao tentar ajudar casais disfuncionais, reunindo-se em conjunto com os

membros da mesma família, uma prática proibida na época, que os

colocaram numa posição marginalizada, não só do mundo da psicanálise,

como também da psicologia clínica, portanto, movimento fadado a

desaparecer.

Um segundo momento que vai dar suporte para um modelo de

psicoterapia é o surgimento do movimento psicoterápico revolucionário

conhecido como “terapia familiar”. A grande maioria dos pioneiros e

fundadores da terapia familiar, como Boszormenyi-Nagy, Bowen,

Jackson, Minuchin, Whitaker e Wynne, eram psiquiatras com formação

psicanalítica, que ficaram descontentes com o conservadorismo e não

exploração de novos modelos de compreensão de distúrbios psicológicos

e métodos para ajudar pessoas com dificuldades relacionais no grupo

familiar. Esses líderes criticaram o espírito de liderança

predominantemente individual de quase todo pensamento psicanalítico. E

assim, distanciando-se do círculo psicanalítico, eles inevitavelmente

abandonaram os conselheiros matrimoniais. À medida que a terapia

familiar ascendeu através de sua “era de ouro” de 1975 a 1985, o

aconselhamento e a psicoterapia matrimonial, embora certamente ainda

praticados, recuaram para o fim da linha (Gurman, 2008; Nichols &

Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).

Neste período alguns grupos começam a surgir e dar base para o

movimento, como, por exemplo, o grupo de fundadores do famoso

Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, Califórnia, criou conceitos

influentes como duplo vínculo, homeostase familiar, padrão familiar e libido

conjugal, tornando-se conceitos presentes em toda a psicoterapia de casal.

Virginia Satir foi uma figura clínica de grande destaque com ideias

que semeavam uma proposta com maior consistência para a prática,

específica, da psicoterapia de casal. Satir, única mulher, pioneira, logo foi

marginalizada por valores terapêuticos decididamente mais “masculinos”,

como racionalidade e atenção à dimensão de poder no relacionamento

íntimo, sendo referida por profissionais de expressão na época, como uma

“pensadora ingênua e confusa (Nichols & Schwartz, 2007).

419

Murray Bowen, a partir de uma base psicanalítica, foi o primeiro

teórico clínico em psicoterapia familiar a abordar questões

multigeracionais e transgeracionais. Suas contribuições mais duradouras se

concentram na díade conjugal, com ênfase no bloqueio de processos

patológicos de transmissão multigeracional. Deu muita atenção às

maneiras sutis pelas quais os casais angustiados, pareciam capazes de

triangular intuitivamente uma terceira força, seja um parceiro de negócios,

um membro da família ou até mesmo valores e padrões abstratos, para

estabilizar uma díade em risco de sair do controle (Gurman, 2008; Nichols

& Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).

Ao contrário de Satir, Bowen atuou intensamente como formador

criterioso, acreditando que o conflito entre duas pessoas se resolveria se

ambos permanecerem em contato emocional com uma terceira pessoa, no

caso a figura do psicoterapeuta, que pode se relacionar ativamente com

ambas sem tomar nenhum partido (Gurman, 2008).

O terapeuta familiar da “era de ouro”, cujo trabalho teve mais

impacto na prática da psicoterapia de casal, foi Jay Haley. Seu artigo de

1963, intitulado Terapia matrimonial, sem dúvida marcou o momento

decisivo no qual a terapia familiar incorporou e usurpou o pouco que

restava nos domínios do aconselhamento matrimonial e das bases iniciais

alicerçadas na psicodinâmica. O referencial sistêmico passa a ter um

grande domínio no desenvolvimento da psicoterapia familiar e,

consequentemente, no movimento que começa a propiciar as bases do que

mais tarde vai se constituir de forma consistente, a psicoterapia de casal

(Gurman, 2008, Nichols & Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).

Abordagens de orientação psicodinâmica tiveram seu espaço, por

vias diferentes. Primeira, a teoria das relações objetais, com um

desenvolvimento lento, mas consistente, tanto nos Estados Unidos

quanto no exterior. Segunda, os conceitos psicodinâmicos ressurgiram na

psicoterapia de casal por meio da incorporação em modelos de tratamento

integrativos mais recentes e pluralistas (Gurman, 2008).

A partir da década 1950, esforços para o trabalho com casais,

famílias, grupos e instituições emergiram do campo da psicanálise com

fortes influências das escolas inglesa, francesa e argentina (Bigliani, 2009;

Sei & Gomes, 2017).

420

Bion é sem dúvida um dos precursores mais importantes na

psicanálise do trabalho com grupo, com a descrição dos processos básicos

que operam neles, influenciando a pesquisa com grupos e famílias no

mundo todo. Já da escola francesa encontramos as contribuições de Didier

Anzieu e René Kaës, pioneiros em questionar sobre a possibilidade de o

grupo ser objeto de estudo da psicanálise (Bigliani, 2009).

Podemos dizer que as contribuições teóricas de Bion e Anzieu

permitiram considerar um novo construto teórico do pensamento, dando

origem à chamada "teoria dos grupos". Por sua vez, Kaës elabora sua

concepção de "aparelho psíquico de grupo" para designar atividade

psíquica do grupo, o sujeito com o grupo e a consistência da realidade

psíquica, relacionando o inconsciente e o espaço intrapsíquico (Bigliani,

2009; Sei & Gomes, 2017).

Das contribuições da escola argentina o grande destaque vem de

Pichon-Rivière que identifica a necessidade de estabelecer uma âncora

entre o social e psicanálise, a fim de desvendar a complexidade do vínculo,

Para tanto propõe entender o indivíduo como uma totalidade integrada

por três dimensões: a mente, o corpo e o mundo exterior, que estão

permanentemente em uma interação dialética. Baseado na prática

hospitalar com grupos formados por pacientes psicóticos, Pichon-Rivière

conceitua a chamada Teoria dos vínculos, que tem sido de grande relevância

para a teoria das configurações vinculares (Bigliani, 2009; Sei & Gomes,

2017).

Atualmente, novas concepções derivadas das propostas iniciais,

como Berenstein, Puget, Kaës propõem um aparato mental pensado em

termos de uma estrutura de vinculação que se desenrola em espaço

intrassubjetivo, interssubjetivo e transubjetivo sociocultural. Berenstein e

Puget irão focar na intersubjetividade e há décadas vieram se dedicando

ao estabelecimento das bases conceituais da psicanálise vincular (Bigliani,

2009; Sei & Gomes, 2017).

Tais contribuições serão exploradas adiante ao tratar

especificamente do referencial teórico da psicanálise das configurações

vinculares, como referencial importante no trabalho com casais e famílias.

Somente em meados da década de 1980, é que a psicoterapia de casal

421

começou a ressurgir com uma identidade bastante diferente daquela da

psicoterapia de família.

A fase de ascensão da psicoterapia de casal nos últimos anos refere-

se a esforços para ampliar seu alcance além de ajudar casais com

relacionamento conflituoso, concentrando-se no papel dos fatores

conjugais na etiologia e manutenção de tais problemas, por um lado, e no

uso da intervenção da psicoterapia de casais no tratamento e, por outro

lado, na redução da gravidade de tais dificuldades.

Outro ponto de destaque está nas amplas perspectivas trazidas

pelo feminismo, multiculturalismo e pós-modernismo. A perspectiva

feminista chamou a atenção de maneira convincente para as muitas

maneiras sutis e implícitas em que o processo de psicoterapia de casal é

influenciado pelos estereótipos de gênero de psicoterapeutas e pacientes.

O multiculturalismo forneceu a base para a compreensão mais

ampla aos profissionais da diversidade da experiência dos casais em função

das diferenças socioculturais, como etnia, religião, estrato social,

orientação sexual, idade e região geográfica. Uma perspectiva multicultural

moderna também enfatizou que as normas relativas à intimidade, ao papel

de várias outras pessoas na vida compartilhada do casal, à distribuição e

uso do poder variam tremendamente entre os casais, dependendo de

muitas das variáveis socioculturais apontadas acima (Gurman, 2008;

Nichols & Schwartz, 2007; Pignataro et al., 2019).

O movimento no Brasil

No Brasil a trajetória não foi muito diferente. Na década de 1970,

ainda de forma tímida, vamos assistir a ascensão de forma gradativa deste

movimento em algumas regiões do Brasil e grupos distintos. A abordagem

sistêmica tem um espaço de destaque na inserção deste modelo, tanto nas

discussões, como na criação de institutos e centros de formação (Macedo,

2011).

É no final da década de 1970 e ao longo da década de 1980 que

este movimento se consolida, com início de grandes encontros

promovidos pelas entidades que se propunham a estudar a família. É

destes grupos que, na década de 1980, surgem os primeiros cursos de

formação em terapia familiar, no meio acadêmico, destacando-se os cursos

422

pioneiros na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Pontifícia

Universidade Católica do Rio Grande do Sul e na Universidade Federal do

Rio de Janeiro. Mathilde Neder, Luis Carlos Osório, Rosa Maria Macedo,

Maria Elisabeth Pascual do Valle, Maria Amália Vitale, Sandra Fedullo

Colombo, Moises Groisman, Gladis Brum, Terezinha Féres-Carneiro, são

alguns destaques desde esta época e continuam atuantes até os dias de hoje

(Cunha et al., 2009; Hintz & Souza, 2009; Macedo, 2011).

A década de 1990 foi repleta de encontros promovidos pelos

grandes centros de formação, culminando em 1994 com a criação da

Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF).

Destacamos o referencial teórico da psicanálise das configurações

vinculares, resultante das repercussões nos meios psicanalíticos argentinos

e brasileiros, com contribuições das ideias das escolas inglesa, francesa e

argentina, mas especialmente com as ideias de Pichon-Rivière, que no seu

conjunto traziam referenciais para o trabalho com grupos, representado

na afirmação de Cunha et al. (2009):

(...) contribuiu muito ao propor uma metodologia de abordagem –

os grupos operativos – aplicável a diferentes propósitos que não

apenas aos grupos terapêuticos. Aqui vale lembrar que, para

Pichon, a “doença” constitui-se a partir do “estancamento do

processo de aprendizagem” e, que para ele qualquer processo

terapêutico produz aprendizagem e que qualquer aprendizagem é

terapêutica. Ao considerar a família como pano de fundo para os

problemas individuais, articulou a idéia de que o membro doente

de uma família é o emergente, o porta-voz da enfermidade familiar

cujo papel é se encarregar como depositário das ansiedades e tensões

– o depositado do grupo familiar – o depositante” (p. 121).

É deste diálogo entre referenciais de base psicanalítica que surge o

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações

Vinculares – NESME, como o lugar de estudo e de formação para

profissionais que pensavam e atuavam nas diversas configurações do

grupo, entre as quais a de família e casal, surgindo:

(...) como uma ampliação da técnica psicanalítica individual e

grupal e tem na psicanálise de configurações de vínculos as

condições para desenvolver um arsenal teórico que contemple a

423

especificidade da família como elo de ligação entre a constituição

do sujeito biopsicossocial e contexto mais amplo: comunidade,

sociedade e cultura. (Cunha et al., 2009, p. 122)

Semelhante ao movimento da teoria sistêmica com a criação de

institutos e associações no Brasil, a abordagem psicanalítica está

representada pela criação recente da Associação Brasileira de Psicanálise

de Casal e Família (ABPCF) constituída em 2017, que tem sua história

iniciada nos primeiros movimentos da psicoterapia psicanalítica de família

e casal no Brasil. O movimento ganha força em 2004, quando acontece na

França o 1º Congresso Internacional de Psicanálise de Família e Casal, sob

a coordenação de Alberto Eiguer, surgindo a ideia precursora da formação

da Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família. Em 2006 a

ideia começa a ser pensada por um grupo de brasileiros, e desde então, o

processo foi amadurecendo até a sua constituição, quando sediou o VII

Congresso Internacional da AIPCF em 2016, em São Paulo. Nomes

expressivos no cenário nacional e internacional como David Léo Levisky,

Ruth Blay Levisky, Silvia Brasiliano, Magdalena Ramos, Terezinha Féres-

Carneiro, entre outros, estiveram e continuam à frente deste movimento

(ABPCF, s.d., Cunha et al., 2009; Macedo, 2011; Sei & Gomes, 2017).

Como podemos verificar, o movimento no Brasil foi semelhante à

trajetória internacional, a consolidação da psicoterapia de casal não foi

diferente, tendo o seu início partido dos movimentos religiosos que

começam se apropriando do modelo de aconselhamento matrimonial. A

partir da década de 1970, com a consolidação do movimento da

psicoterapia familiar, a psicoterapia de casal tem o seu lugar suportado por

referenciais teóricos, mas ainda à sombra do movimento da psicoterapia

familiar (Cunha et al., 2009; Macedo, 2011).

Nas últimas décadas os métodos de psicoterapia de casal

continuaram a crescer em número, consequentemente, as complexidades

metodológicas e éticas do campo também aumentaram. As questões

principais surgem de temas que envolvem diversidade cultural, como raça,

etnia, classe social, gênero, orientação sexual e religião, adaptando e

modificando suas atividades de avaliação e planejamento de tratamento,

além de perspectivas e estilos de intervenção considerados funcionalmente

adequados à situação em questão (Cunha et al., 2009; Macedo, 2011).

424

A psicoterapia de casal de base psicanalítica

As abordagens modernas da psicoterapia de casal incluem

conceitos importantes da teoria geral dos sistemas, como o estudo da

relação entre componentes de interação de um sistema que existe ao longo do

tempo; da cibernética, que é o estudo dos mecanismos reguladores que

operam nos sistemas por meio de loops de feedback; e a teoria do ciclo vital da

família, que corresponde ao estudo de como famílias, casais e seus

indivíduos se adaptam às mudanças, enquanto mantêm sua integridade

sistêmica ao longo do tempo.

A teoria psicanalítica embasou muito das propostas iniciais do

pensamento sistêmico, por influência de nomes como Ackerman, Bowen,

Minuchin, Selvini Palazzoli, Stierlin, Shapiro, Watzlawick, entre outros.

Nas décadas de 1960 e 1970 as contribuições de Haley, Bateson e

Weakland, os teóricos de comunicação e sistemas do Instituto de Pesquisa

Mental, Satir, Jackson e Riskin, integram a compreensão psicanalítica aos

modelos de sistemas e preservam a preocupação tanto com o indivíduo

quanto com o grupo familiar (Gurman, 2008; Nichols & Schwartz, 2007;

Pignataro et al., 2019).

Nichols e Schwartz (2008) apontam que Zilbach, influenciado por

Erickson, apresentou uma perspectiva de desenvolvimento ao ciclo de

vida da família e descreveu como as mudanças nas necessidades familiares

alteram o funcionamento dos pais como casal, mas o casamento não era

seu foco principal. Embora igualmente rara, a perspectiva de

desenvolvimento do casamento pode ser bastante reveladora para a

compreensão de padrões relacionais e das contribuições intergeracionais.

Gurman (2008) aponta a psicoterapia de casal de relações objetais

a partir do trabalho de Scharff e Scharff (2005), desenvolvida a partir da

teoria psicanalítica das relações objetais, aplicada à terapia familiar e

modificada por ideias da psicoterapia de grupo, depois integrada às

abordagens comportamentais da terapia sexual e inspirada pela teoria dos

sistemas (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002; Nichols & Schwartz,

2007; Pignataro et al., 2019).

Nesta perspectiva os conceitos de transferência e

contratransferência são tão centrais para a psicoterapia de casais quanto

425

são para psicoterapia individual. No tratamento de casais, a

contratransferência é utilizada para entender os déficits na participação

compartilhada do casal, que dificultam fornecer segurança, atender às

necessidades um do outro e conter ansiedade (Gurman, 2008; Gurman &

Fraenkel, 2002). Outro conceito central é a identificação projetiva que

oferece outra lente poderosa, através da qual é possível visualizar o

conflito do ponto de vista psicanalítico. Embora a identificação projetiva,

entendida como uma forma de defesa interpessoal, pela qual as pessoas

recrutam outras pessoas para ajudá-las a tolerar seus próprios estados

mentais intrapsíquicos dolorosos, a maioria das psicologias de base

analítica propõe que não apenas as pessoas percebem inconscientemente

outras com base em suas experiências passadas e necessidades atuais, mas

também tentam inconscientemente atualizar ou estabelecer

relacionamentos de papéis específicos com base nessas experiências e

necessidades (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002).

Essa forma de identificação projetiva ajuda a explicar alguns

“contratos de casamento” inconscientes em que as pessoas procuram

parceiros para elaborar “negócios inacabados”. Em qualquer uma de suas

formas, a identificação projetiva, ao forçar os parceiros a cumprir as

funções prescritas, interfere na intimidade, na solução de problemas e no

bem-estar do casal (Gurman, 2008; Gurman & Fraenkel, 2002).

No tocante às contribuições de outras escolas para o enfoque

psicanalítico, a perspectiva intergeracional é um dos pontos presentes na

compreensão das disfunções conjugais. Embora as ideias da transmissão

transgeracional permeiem a maioria das psicoterapias de casal, geralmente

não são reconhecidas como uma escola de pensamento (Andolfi, 2018).

As terapias intergeracionais foram pioneiras na década de 1950,

porém se consolidam a partir da década de 1990, com pensadores

influentes, muito deles vindos de uma formação psicanalítica, como, por

exemplo, Bowen, Boszormenyi-Nagy, Whitaker e Sager. Este grupo

propõe um conjunto de teorias que podem ser agrupadas e se baseiam em

processos familiares construídos entre gerações, a longo prazo, e podem

explicar os problemas enfrentados pelos casais (Andolfi, 2018; Gurman &

Fraenkel, 2002).

426

Na psicanálise esta temática é abordada por representantes da

escola francesa, com destaque para teóricos como Kaës, Eiguer e, mais

recentemente, com Pierre Benghozi. Essas concepções teóricas abordam

o conceito de transmissão psíquica entre as gerações, com discussões

específicas em suas proposições ao longo do tempo, nos permitindo

pensar em um sujeito que é constituído pelas identificações já cristalizadas

e por aquelas constituídas na relação com o outro (Scorsolini-Comin &

Santos, 2016).

Neste sentido Kaës (1998) afirma:

(...) o desenvolvimento de pesquisas sobre a transmissão da vida

psíquica a partir dos novos dispositivos psicanalíticos implica em

um novo modelo de inteligibilidade da formação dos aparatos

psíquicos e sua articulação entre os sujeitos do inconsciente. Essas

investigações criticam as concepções estritamente

intradeterminadas da formação do aparato psíquico e as formações

solipsísticas do indivíduo. (p. 18)

Os trabalhos destes autores possibilitam a compreensão de como

as heranças familiares são transmitidas, modificadas e atualizadas de uma

geração para outra, sendo essencial no trabalho psicanalítico com famílias

e casais, permitindo dialogar com os novos arranjos familiares, conforme

afirma Gomes (2007):

(...) a história familiar herdada das gerações anteriores faz-se

presente na formação do psiquismo do indivíduo. Dependendo do

modo como ele a recebe, pode-se tornar um prisioneiro dessa

herança ou pode-se tornar um herdeiro dela. Tudo dependera ́ da

possibilidade que o psiquismo desse indivíduo tem de elaborar as

heranças psíquicas recebidas. E ́ assim que também ocorre na

formação psíquica do casal, que tem, em sua origem ou

constituição, todos esses movimentos desencadeadores e

determinantes das escolhas e manutenção dos pares conjugais. (p.

57)

Em linhas gerais, tal perspectiva centra a leitura, do material

produzido no encontro terapêutico, na estrutura da família de origem que

envolve, apoia e mantém crenças, valores culturais, religiosos e pessoais,

identidade, legados e interpretações dos eventos vivenciados pelo grupo

427

familiar ao longo das gerações. Decorrente disso, muitas técnicas foram

formadas para permitir que um casal ou mesmo a pessoa no processo de

psicoterapia individual, refletisse sobre os contextos de família de origem,

sem que toda a família estivesse presente. O genograma é o um dos

recursos mais conhecidos e amplamente utilizado por profissionais de

diferentes abordagens, ao fornecer informações sobre as histórias, os

padrões de interação, os legados e as lealdades familiares (Andolfi, 2018;

Gurman, 2002; Scorsolini-Comin & Santos, 2016).

O trabalho de Pichon-Rivière, na Argentina, é igualmente

apontado como de grande influência para o desenvolvimento deste

campo, reconhecido até por autores do grupo francês, pelos “... conceitos

de bode expiatório e porta-voz do grupo anteciparam de certa forma o

conceito sistêmico de paciente identificado, assim como a sua teoria do

vínculo em tudo e por tudo relaciona-se com a visão sistêmica

interacional” (Osório, 2002, p. 55).

Por volta dos anos 1980, as maiores contribuições tanto para o

cenário internacional como nacional são provenientes da Argentina nas

figuras de Janine Puget e Isidoro Berenstein, conforme afirmação de Sei e

Gomes (2017):

(...) ambos os autores são unânimes em afirmar a forte

interferência que sofreram do pensamento de Bleger e,

fundamentalmente, de Pichon-Rivière. É no pensamento desse

último, desenvolvido prioritariamente entre as décadas de 1980 e

1990, que encontrávamos as bases para a compreensão da doença

mental na família através da noção de porta voz ou depositário da

patologia familiar, ou seja, um dos elementos do grupo familiar era

escolhido para ser o depositário de toda a doença daquele grupo,

o paciente identificado, já que a família como um todo dificilmente

se colocava na categoria de “paciente”. (p. 12)

As investigações desses autores respondem à pergunta para

entender o vínculo com o outro. Eles propõem entender a subjetividade

como a construção de três espaços psíquicos: o intersubjetivo,

intrasubjetivo e transobjetivo. Puget e Berenstein definem a relação

intrasubjetiva como aquela que é armazenada no mundo interno de

428

objetos com os quais o eu mantém certas conexões (Bigliani, 2009; Sei &

Gomes, 2017).

No que se refere ao intersubjetivo, a presença de outro é essencial

para que exista um vínculo, ou seja, haja uma bidirecionalidade em relação

ao eu, enquanto na relação intrasubjetiva o desejo segue um curso em uma

direção unidirecional. O objeto de estudo é o vínculo, que ocorre na

intersubjetividade, ou seja, no contato com o outro. No plano

intersubjetivo, ocorre bidirecionalidade, isto é do consciente ao

inconscientemente, há alguma interferência pela presença de outro

(Bigliani, 2009; Scorsolini-Comin & Santos, 2016; Sei & Gomes, 2017).

A disseminação desta vertente está representada pela Associação

Argentina de Psicologia e Psicoterapia de Grupo (AAPPG) que, ao longo

de mais de 50 anos congrega um lugar para pensar e produzir

conhecimento sobre a psicanálise da configuração vincular. Uma

instituição, juntamente com tantas outras, com fortes laços com

instituições formadoras no Brasil, que se propõe a pensar e debater sobre

as questões que, atualmente, tornaram a psicanálise vincular mais

complexa (AAPPG, s/d).

Representantes deste movimento, como também de grupos

atuantes no Brasil, buscam atualizar e adequar a proposta clínica da

psicanálise da configuração vincular ao levar em conta não somente a

diversidade das configurações como as transformações inerentes a novas

formas de pensar, ditadas pelos novos paradigmas da ciência e por

concepções filosóficas próprias de nosso tempo. Podemos exemplificar

tais características na afirmação de Rojas (2000):

Caracterizar a la familia como organización abierta en constante

devenir, supone también situarla en el entramado sujeto-vínculo-

cultura. Constituye un profundo cambio para el psicoanálisis

concebir la conexión sujeto-vínculo-cultura como una red en la

cual las tres dimensiones se entretejen de modo indisociable y

carecen de extraterritorialidad unas respecto de las otras. Es

posible pensar estas dimensiones formando parte de un tejido,

cada una de ellas con su peculiar configuración abierta; de tal

manera no se indiscriminan ni se separan (p. 93).

429

Como podemos verificar, a conquista da psicanálise na

psicoterapia de casal tem um longo caminho percorrido, consolidando

grupos de profissionais e de formação nesta vertente do pensamento, com

a psicanálise da configuração vincular como referencial de destaque nas

práticas e pesquisas com casais e famílias (Bigliani, 2009; Scorsolini-Comin

& Santos, 2016; Sei & Gomes, 2017).

A estrutura do processo terapêutico

As três questões centrais envolvidas na estrutura da psicoterapia

de casal são: quem participa, por quanto tempo e com que frequência.

Muitas abordagens à psicoterapia de casal, com uma lógica muito

convincente e como uma questão de protocolo padrão, organizam

reuniões individuais com cada parceiro durante a fase inicial, de avaliação

do trabalho. Outras abordagens são muito abertas a reuniões individuais

intermitentes por razões muito focadas e claras, embora geralmente

apenas para fins estratégicos muito específicos, como, por exemplo, para

ajudar a apaziguar cada parceiro em um casamento instável e altamente

disfuncional.

No outro extremo, existem modelos de psicoterapia de casal que,

por razões igualmente convincentes, nunca, ou quase nunca, permitem

que o profissional se encontre com parceiros individuais. Esse aspecto

específico da estrutura da psicoterapia de casal em relação se podem

ocorrer ou não as sessões individuais é uma das decisões práticas mais

importantes a serem tomadas pelos psicoterapeutas de casal,

independentemente de suas orientações teóricas preferidas. Embora à

primeira vista pareça ser uma questão aparentemente simples, a

organização e os procedimentos do psicoterapeuta sobre como a decisão

é abordada e implementada podem ter implicações realmente profundas

no estabelecimento e manutenção de alianças terapêuticas e na

compreensão de posições básicas sobre o que, ou quem é (ou tem) o

problema (Cordioli & Gevet, 2018; Gurman, 2008).

Outras questões, recorrentes na prática clínica, como a inclusão ou

não da figura do coterapeuta, suas vantagens e desvantagens; a frequência

das sessões; a comunicação com outros terapeutas envolvidos nas terapias

individuais; como são definidos os contatos com o casal fora do processo,

430

são desafios daqueles que trabalham com casais para manter a consistência

na sua prática (Cordioli & Gevet, 2018).

Pesquisa

Apesar da crescente importância recente do estudo científico de

processos e resultados terapêuticos no trabalho com casais, a pesquisa

sobre os padrões de interação clinicamente relevantes dos casais e sobre a

própria intervenção clínica nem sempre foi uma marca registrada desse

domínio da psicoterapia.

Nas últimas décadas evidenciou-se atenção a ampla variedade de

questões muito mais sofisticadas e clinicamente relevantes sobre a

psicoterapia de casal, quando comparada com o início deste movimento.

Tais questões investigadas abordam temas como, a eficácia e a efetividade

dos diferentes métodos da psicoterapia de casal, os fatores que predizem

a capacidade de resposta ao tratamento, o impacto da psicoterapia de casal

no tratamento e distúrbios individuais, entre outras.

Podemos verificar um grande avanço desta modalidade na

produção de conhecimento na revisão sobre a história da terapia de casal

descrita por Gurman e Fraenkel (2002) na seguinte afirmação:

(...) nenhum outro método coletivo de intervenção psicossocial

demonstrou uma capacidade superior de efetuar mudanças

clinicamente significativas em tantas esferas da experiência

humana quanto as terapias de casal, e muitas ainda nem mostraram

uma capacidade comparável. Ironicamente, apesar de sua longa

história de lutas contra a marginalização e o empoderamento

profissional, a terapia de casal emergiu como uma das forças mais

vibrantes em todo o domínio da terapia familiar e da psicoterapia

em geral (p. 248).

Um grande desafio está na compreensão dos fatores envolvidos na

busca e escolha do cônjuge, pois implica num processo de negociação e

resolução das diferenças entre a necessidade individual e aquela de abrir-

se ao outro, em um movimento relacional. Consequentemente, a questão

da intimidade e de poder nos relacionamentos íntimos é crucial para

compreender os padrões de resolução de conflito e se a resolução

envolverá comportamento violento como parte deste padrão. Assim,

431

surpreendentemente, pouca pesquisa tem sido feita de forma a explicitar a

contribuição desses fatores para a conclusão bem-sucedida da intimidade

como uma tarefa central do desenvolvimento humano (Anton, 2012;

Aznar-Martínez et al., 2014; Consoli et al., 2018).

O mesmo pode ser dito em relação a namoro, etapa do

desenvolvimento do relacionamento romântico, quer da perspectiva do

desenvolvimento individual quer do desenvolvimento da família, tem sido

pouco explorado pelos pesquisadores e clínicos. Encontram-se referências

na literatura sobre a importância dessa etapa tanto para a constituição da

história da família e da inserção do jovem no mundo adulto, mas para por

aí (Anton, 2012; Consoli et al., 2018).

No Brasil, encontramos representatividade no meio acadêmico nas

pesquisas, referendadas pelo referencial teórico da psicanálise de casal e

família, realizadas pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), nos

últimos 20 anos, produzindo conhecimento na estreita relação entre

pesquisa e clínica, como também na contribuição para a discussão no

processo de formação do psicoterapeuta de casal e família (Sei & Gomes,

2017).

Atualmente, as questões mais atuais presentes na psicoterapia de

casal vêm ganhando espaço, mas precisamos investir mais para conhecer

a realidade brasileira, uma vez que muito do suporte que buscamos para

orientar a nossa prática, ainda, está alicerçado em pesquisas e

conhecimento da realidade de outras culturas.

Formação do psicoterapeuta de casal

De acordo com a trajetória histórica que consolidou a psicoterapia

de casal como uma modalidade de prática clínica, identifica-se que,

independente da concepção teórica adotada, os institutos e centros de

estudos de psicoterapia de casal e família passam a ser o lugar de estudo,

pesquisa, prática e de formação do profissional que se propõe a trabalhar

com famílias e casais.

No quesito formação do psicoterapeuta de família e casal, apesar

de todos compartilharem da importância e enfatizar a própria psicoterapia

como condição do processo de formação profissional, um ponto ainda

pouco explorado e aprofundado diz respeito à importância do trabalho

432

específico da família de origem do profissional que trabalhe com famílias

e casais (Aznar-Martínez et al., 2018).

Nichols e Schwartz (2007) apresentam as ideias Bowen que, desde

a década de 1970, inicia a pesquisa e a prática de formação do

psicoterapeuta de família, com foco na conscientização sobre as próprias

experiências e no manejo dos sentimentos sobre a própria família, para

evitar projetar os próprios sentimentos e experiências em seus pacientes.

Gurman (2008) faz referência a esta prática e aos resultados obtidos por

Bowen, ao apresentar a análise do processo de formação de estagiários que

concluíram os trabalhos a respeito das respectivas famílias de origem.

Estes pareciam possuir mais eficácia clínica do que aqueles que não o

fizeram. Em 1971, ele concluiu que o trabalho focado na criação de

relacionamentos individuais e bem delineados com os pais aumentava o

nível de diferenciação, aumentando a capacidade do terapeuta de

funcionar no casamento, na paternidade e na prática da psicoterapia.

Os profissionais da psicologia ainda prestam pouca atenção ao

efeito que sua profissão exerce sobre si mesmos, apesar de terem estudado

os efeitos de uma variedade de profissões nos profissionais como médicos,

militares de carreira, executivos de empresas, líderes políticos e artistas

estão entre os muitos que foram material de estudo por psicólogos. No

entanto, os psicólogos ainda estudam pouco o efeito que a psicoterapia

exerce sobre suas próprias vidas.

No caso do psicoterapeuta de família e de casal, existem vários

estudos sobre os efeitos de todo tipo concebível de dinâmica familiar

sobre o desenvolvimento das crianças, os filhos de alcoolistas e do

divórcio, entre outros. No entanto, se tem esquecido de investigar a

dinâmica de suas próprias famílias. Embora tenha sido dada atenção

limitada ao efeito da psicoterapia no praticante, menos ainda foi dado ao

efeito na família do praticante.

Explorar sua própria família de origem, como componente do

processo de formação, pode fornecer ideias valiosas para quem inicia nessa

prática.

Considerações finais

433

Conforme podemos constatar ao longo deste capítulo, houve uma

explosão no campo da psicoterapia de casal nas últimas décadas.

Os profissionais da psicoterapia de casal começaram a reunir um

corpo considerável de teoria, pesquisa e prática clínica que se concentram

na tarefa de mudar a natureza e a qualidade dos relacionamentos íntimos.

A psicoterapia de casal também emergiu das sombras da psicoterapia

individual e familiar e tornou-se uma disciplina em si mesma, sendo a

constituição do casal o principal elemento na construção da família.

Um exemplo da consolidação desta modalidade clínica pode ser

evidenciado pela nossa prática profissional a partir da fonte de

encaminhamento. Ao longo da década de 1990 e meados de 2000, os

casais, na sua maioria, chegavam aos consultórios e serviços de saúde, a

partir das orientações de profissionais. Nos últimos anos continuamos a

ter encaminhamentos por estes profissionais, ao mesmo tempo que

verificamos procura crescente pelo próprio casal, que identifica a área de

conflito e a psicoterapia de casal como uma possibilidade de ajuda.

A psicoterapia de casal, por ser ainda um campo novo, está

acumulando arsenal de recursos variados com o qual se propõe a mudar

relacionamentos e, uma vez que um conjunto de técnicas tenha provado

ser eficaz, isso pode subsidiar outras etapas da pesquisa para entender o

funcionamento dos casais.

Em outras palavras, a integração da teoria, da pesquisa e da

intervenção de forma sistemática terá muito a contribuir, não apenas na

facilitação de tecer relacionamentos adultos seguros e produtivos, mas

ampliando nossa compreensão das funções e relações humanas.

Referências

Andolfi, M. (2018). A terapia multigeracional: Instrumentos e recursos do terapeuta.

Belo Horizonte: Artesã.

Anton, I.L. C. (2012). A escolha do cônjuge – um entendimento sistêmico e

psicodinâmico. Porto Alegre: Artmed.

Associación Argentina de Psicologia y Psicoterapia de Grupo. (s/d).

Histórico da AAPPG. Documento acessado em 28 de abril de 2020 em

http://www.aappg.org/historia/

434

Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família. (s/d).

Histórico da ABPCF. Disponível em

https://www.abpcf.com.br/sobre

Aznar-Martínez, B., Pérez-Testor, C., Davins-Pujols, M., Aramburu, I., &

Salamero, M. (2014). La alianza terapéutica en tratamiento conjunto

de parejas: Evaluación de la alianza y análisis de los factores

influyentes en el triángulo terapéutico. Subjetividad y Procesos Cognitivos,

18(1), 17-52.

Bigliani, C. G. (2009). Glinica de la familia. Em M. B. Sei, & Gomes,

(Orgs.) (2017). Formação, pesquisa e a clínica psicanalítica de casais e famílias

(pp. 22-32). Londrina: UEL.

Consoli, N., Bernardes, J. W., & Marin, A. H. (2018). Laços de afeto: As

repercussões do estilo de apego primário e estabelecido entre casais

no ajustamento conjugal. Avances en Psicología Latinoamericana, 36(2),

315-329.

Cordioli, A. V., & Gevet, E. H. (2018). Psicoterapia: Abordagens atuais (3. ed).

Porto Alegre: Artmed.

Cunha, A. M. T. R., Silva, M. C., Goldfeder, M., & Levisky, R. B. (2009).

A psicanálise da configuração familiar e a terapia familiar. Em L. C.

Osório, & M E. P. Valle (Orgs.), Manual de terapia familiar (pp. 119-

138). Porto Alegre: Artmed.

Gomes, I. C. (2007). Uma clínica específica com casais: Considerações teóricas e

clínicas. São Paulo: Escuta/Fapesp.

Gomes, I. C. (2017). Panorama sobre a psicoterapia psicanalítica de casal

e família no cenário nacional: Pesquisa e clínica. Em M.B Sei, & I. C.

Gomes (Orgs.) (2017). Formação, pesquisa e a clínica psicanalítica de casais

e famílias (pp. 9-19). Londrina: UEL.

Gurman, A. S. (2008). Clinical handbook of couple therapy (4.ed.). New York:

The Guilford Press.

Gurman, A. S., & Fraenkel, P. (2002). The history of couple therapy: A

millennial review. Family Process, 41, 199-260.

Hintz, H. C., & Souza, M. O. (2009). A terapia familiar no Brasil. Em L.

C. Osório, & M E. P. Valle (Orgs.), Manual de terapia familiar (pp. 91-

103). Porto Alegre, RS: Artmed.

435

Johnson, S. M., & Denton, W. (2002). Emotionally focused couple

therapy: Creating secure connections. Em A. S. Gurman, & N. S.

Jacobson (Eds.), Clinical handbook of couple therapy (4.ed.). (pp. 221-250).

New York: Guilford Press.

Kaës, R. (1998). Os dispositivos psicanalíticos e as incidências da geração.

Em A. A. Eiguer (Org.), Transmissão do psiquismo entre gerações (p. 18).

São Paulo: EdUnimarco.

Macedo, R. M. (2011). Terapia familiar no Brasil na última década. São Paulo:

Roca.

Nichols, M., & Schwartz, R.C. (2007). Terapia familiar: Conceitos e métodos.

Porto Alegre: Artmed.

Osorio, L. C. (2002). Da psicanálise à teoria sistêmica... e mais além. Em:

L. C. Osorio, & M. E. P. Valle (Orgs.), Terapia de famílias: Novas

tendências (pp. 53-73). Porto Alegre: Artmed.

Pignataro, M. B., Féres-Carneiro, T., & Mello, R. (2019). A formação do

casal conjugal: Um enfoque psicanalítico. Pensando famílias, 23(1), 34-

46.

Rojas, M. C. (2000). Modelizaciones en psicoanálisis familiar:

Aproximación teóricoclínica a la familia de hoy. Revista de Psicoanálisis

de las Configuraciones Vinculares, 2(2), 86-104.

Scharff, J. S., & Scharff, D. E. (2005). The primer of object relations (2. ed.).

Lanham, MD: Jason Aronson.

Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2016). Construir, organizar,

transformar: Considerações teóricas sobre a transmissão psíquica

entre gerações. Psicologia Clínica, 28(1), 141-159.

Sei, M. B., & Gomes, I. C. (Orgs.) (2017). Formação, pesquisa e a clínica

psicanalítica de casais e famílias. Londrina: UEL.

437

22 Terapia familiar: pensamento sistêmico

na perspectiva integrativa Angela Hiluey

Essa felicidade que supomos,

Árvore milagrosa que sonhamos

Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos

Porque está sempre onde a pomos

E nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho

Quando ficamos curiosos, surge um caminho a ser explorado.

Ao se preparar para iniciar este capítulo, vieram à mente da autora

os versos da epígrafe acima, surgidos espontaneamente de sua memória

da infância, indicando o caminho que será aqui explorado.

A estrutura e o objetivo deste capítulo não é discorrer sobre

felicidade, mas sim olhar para situações conjugais e familiares que muitas

vezes levam a um intenso sofrimento, e diante das quais os profissionais

se angustiam e se perguntam: o que se passa que as intervenções propostas

não são eficientes?

Esse capítulo será redigido apoiado em diferentes autores,

estimulando os leitores a buscá-los por si mesmos enquanto acompanham

a autora no delineamento de seu projeto para estruturação de práticas

condizentes com os dias atuais. Ou seja, o objetivo da autora é incentivar

o leitor a refletir sobre os dados e resultados de sua prática, e não escrever

sobre o conhecimento teórico necessário para a prática com casais e

famílias, que é vastíssimo e pode ser buscado a partir de algumas diretrizes

que serão apresentadas ao longo deste capítulo.

Refletir ancorados em dados decorrentes da prática e nos

alinhamentos possíveis a partir dessa prática, poderá nos permitir

visualizar novas perspectivas para o fazer psicoterapêutico, assim como

438

poderá nos levar a nos darmos conta do que necessitamos para ter uma

atuação de melhor qualidade.

Na pós-modernidade já não se acredita que a responsabilidade

pelos resultados insatisfatórios seja somente do psicoterapeuta ou, ao

inverso, somente dos resistentes pacientes. Esse tempo foi ultrapassado e

atualmente acreditamos que tanto psicoterapeutas quanto casal e família

estão implicados na situação vivida, escrevem o enredo no caso de um

atendimento psicoterapêutico. O terapeuta assume a responsabilidade

advinda de sua especialização, assim como cada membro da família

assume sua responsabilidade de modo ponderado e proporcional a sua

posição na família. (Linares, 2014)

Vamos aqui apresentar um caso, considerado a partir do

referencial teórico do profissional que se ocupa do mesmo. No corpo

deste trabalho vamos oferecer algumas diretrizes sobre esse referencial

teórico bem como sobre o processo de formação do profissional, os quais

se refletem sobre os dados de seus atendimentos.

O caso que vai nos acompanhar nesses escritos vem do filme

Cruzeiro em família, que pode ser encontrado e assistido na Netflix.

Em um cruzeiro para celebrar o aniversário de 30 anos de

casamento dos pais, um casal de irmãos vai ter que lidar com o

impacto das decisões dessa família em suas vidas. Temos o pai

Kamal, sua esposa Neelam e os filhos Kabir e Ayesha. E não

se pode esquecer de Plutão, o cão que faz colocações precisas

sobre o que vive sua família. Trata-se de uma família indiana,

pela tradição uma mulher, ao se casar, passa a fazer parte da

família do marido, enquanto o marido segue fazendo parte de

sua própria família. No início do filme essa tradição já impede

que Ayesha tenha seu nome ao lado do nome do irmão no

convite para a comemoração do aniversário de casamento de

seus pais em um cruzeiro que a própria Ayesha organizou.

Ayesha não manifesta seu incômodo aos seus pais, apenas ao

seu irmão. Este é quem compartilha com seus pais o mal-estar

da irmã. Os pais entendem que tudo foi feito de acordo com os

costumes, e assim deve permanecer. Plutão, o cachorro-

narrador, informa que nos dias atuais “ser melhor” está

439

associado a “riqueza”. A tradição se encontra com os tempos

pós-modernos. Direção de Zoya Akhtar (2015).

Estabelecido o caso, faremos algumas considerações sobre a

formação do psicoterapeuta que atua na modalidade casal e família.

Para tanto, um pouco de história nos será muito útil.

Retomando a Eigner (1989), encontramos em seus escritos que: a

história da terapia familiar não é nem a história da escola analítica e de

grupo e nem tão pouco da escola sistêmica. Trata-se de uma história sem

bandeiras e sim fruto da preocupação dos clínicos que buscavam um

método mais eficaz frente as patologias mais inabordáveis.

Eigner já em 1989 (1987 na edição original em francês) escreveu

que os tempos modernos apenas enfatizaram a cronicidade dos pacientes

psicóticos, as crises da família atual, o aumento dos casos de toxicomania

e a delinquência juvenil.

Se passaram 33 anos desde 1987. Os dados confirmam tanto o

aumento das crises nas mais variadas formas como mostram que nós, os

profissionais, precisamos nos conscientizar da necessidade de nos unirmos

para nos ocuparmos dos males que afetam a humanidade de modo atroz.

Eigner (1989) escreveu que a terapia familiar foi uma resposta à

urgência.

Pode-se escrever que atualmente a união é a resposta à urgência.

Nos primeiros tempos do desenvolvimento da terapia familiar,

conforme registrou Moguillansky e Nussbaum (2011), viveu-se a

construção de dois paradigmas contraditórios: o psicanalítico e o

sistêmico. No entanto ambos os autores consideram que mesmo um

material escrito por psicanalistas tende a integrar conceitos dessas duas

perspectivas, assim como completam argumentando que uma concepção

que permita compreender o humano não deveria ignorar o que a

psicanálise mostrou sobre a realidade psíquica do ser humano. Ou seja,

argumentam sobre a necessidade da integração de diferentes saberes.

Bugliani et al. (2011) escrevem sobre um esforço para a construção

de pontes entre formas de pensar o sujeito e seu contexto, a psicanalítica

e a sistêmica, para se enriquecerem mutuamente desde que os modelos

não sejam tratados como fundamentalismos religiosos.

440

Bugliani et al. (2011) se dedicaram a essa proposta em sua obra:

Humilhação e Vergonha - um diálogo entre enfoques sistêmicos e

psicanalíticos.

Tendo-se em foco o paradigma psicanalítico, autores como

Fromm (2003), Sullivan (1959), Bowen, e outros, mostraram que a

natureza humana em parte resulta de um processo social e não apenas

intrapsíquico, como escreveu apud Fernández (2015) em um capítulo de

sua autoria no tópico Origens do paradigma sistêmico.

Expandindo o tema origens do paradigma sistêmico, Fernández

(2015) no mesmo capítulo da obra organizada por ela, coloca a fundação

do paradigma sistêmico entre os anos de 1952-1961 quando uma parte dos

psiquiatras observou a importância da família na etiologia da esquizofrenia

e de outras patologias graves. Tais profissionais consideravam insuficiente

o modelo psicodinâmico e se viram atraídos por um modelo que ampliava

suas possibilidades de intervenção incorporando a família ao tratamento.

As principais fontes inspiradoras do paradigma sistêmico foram a Teoria

Geral dos Sistemas de Von Bertalanffy, um biólogo, e a Cibernética,

fundada pelo matemático Wiener e pelo antropólogo Gregory Bateson,

com seu conceito de duplo vínculo.

Linares (2014) por sua vez escreve que o mérito de se usar a

denominação “modelo sistêmico” para esse novo modelo

psicoterapêutico da terapia familiar, se deve mesmo ao conceito de sistema

e a seu inventor Von Bertalanffy. Sistema é um conjunto de elementos

dotados de atributos e relacionados entre si.

Retornando aos escritos de Fernández (2015), encontra-se que a

Teoria Geral dos Sistemas permite estudar o circuito de retroalimentação

constituído pelos efeitos da conduta de um indivíduo sobre o outro, as

reações desse outro e o contexto onde isso se passa. No caso das ciências

humanas essa autora escreve que os seres humanos serão os elementos do

sistema, enquanto as propriedades específicas serão as pautas inter-

relacionais, sendo que a conexão se dá na comunicação. Sendo assim,

passamos de estudar o individual para estudar as relações entre as partes

de um sistema mais amplo. Fernández (2015) exemplifica tal definição

mostrando que, para compreender a posição periférica de um progenitor,

não é suficiente estudar apenas as características do indivíduo quer por

441

uma perspectiva intrapsíquica ou mesmo pela carência de habilidade, será

necessário colocar essa passividade, por exemplo, em relação com o papel

que ocupa frente ao seu par conjugal.

Torna-se relevante destacar que, conforme escrevem Serebrinsky

e Rodríguez (2014), a teoria sistêmica é uma teoria que possui

fundamentos epistemológicos que surgem das ciências modernas, e assim

não consiste simplesmente em um manejo de técnicas psicoterapêuticas.

Tal perspectiva permite articular áreas do conhecimento muito

diferentes, proporcionando uma linguagem comum e integrando os

conceitos originários dessas diferentes disciplinas.

A perspectiva sistêmica permite visualizar o que escreve Morin

(2005), quando nos alerta que, separando os objetos de seu contexto e as

disciplinas umas das outras, não se capta aquilo que está tecido em

conjunto: o complexo.

Por outro lado, é importante ressaltar que essa possibilidade da

compreensão da inter-relação fruto de uma intersecção entre disciplinas,

não é uma conquista tão simples. É mais simples explicar do que realizar.

Requer um sólido conhecimento da epistemologia, bem como sólidos

conhecimentos das teorias implicadas na prática do psicoterapeuta.

Fundamentadas no paradigma sistêmico, diferentes escolas

surgiram desde os primórdios, pois criaram suas abordagens teóricas e

terapêuticas que lhes permitiram ser reconhecidas como uma Escola,

dadas suas características próprias. Dentre os modelos de terapia sistêmica

com características próprias e que se modificaram com o passar do tempo,

encontram-se: terapia estrutural; terapia intergeracional; terapia da Escola

de Milão; terapia estratégica; terapia breve do MRI-Mental Research

Institute; terapia breve centrada em soluções; terapia narrativa. Uma

maneira de ter um conhecimento sobre tais terapias é através do Manual

de terapia sistêmica, organizado por Alicia Moreno Fernández (2015).

A partir dessa introdução histórica, poderemos recorrer ao filme

Cruzeiro em família para nos dedicarmos a utilizar a perspectiva sistêmica

para conhecer o funcionamento da família em foco. Lembrando que

necessitaremos conhecer a relevância do passado dos integrantes da

família expressos no presente, onde levaremos em conta os costumes e

crenças dessa família e o contexto atual. Ou seja, os anos de 2020, e os

442

psicoterapeutas envolvidos com suas características próprias, formação

teórico-técnica, costumes e crenças. Tem-se assim a oportunidade de

avaliar a relevância da pessoa do terapeuta no atendimento terapêutico.

Esse foco na pessoa do psicoterapeuta permite que esse ponto seja

aqui desenvolvido para tratar da formação do psicoterapeuta. Ceberio e

Linares (2005) escrevem que não se pode esquecer que um psicoterapeuta,

antes de conhecedor de teoria e técnica, é um ser humano. Uma vez que

as emoções possuem um lugar preponderante no vínculo interpessoal, a

eficácia das intervenções, bem como a possibilidade de mudança, se deve

em grande medida ao afeto desenvolvido na relação.

Segundo essa perspectiva, não paira dúvida sobre a necessidade de

um trabalho emocional na formação de um psicoterapeuta, os recursos

teóricos e técnicos então se integram com os fatores pessoais-emocionais,

dando sustentação ao psicoterapeuta em sua prática terapêutica (Ceberio

& Linares, 2005).

Esses autores, Ceberio e Linares (2005), consideram a confecção

de seu genograma pessoal como um dos mais valiosos recursos na

formação vivencial de um terapeuta.

Na atualidade, escreve Ceberio (2018), o genograma se converteu

num recurso de grande utilidade na terapia familiar. O genograma é uma

representação gráfica da família multigeracional que inclui: a família de

origem, aquela na qual fomos criados; a família extensa, que são os pais e

irmãos de nossos pais; e a família criada, ou seja, aquela que construímos

com nosso cônjuge e filhos. Sendo assim até 03 gerações estão

representadas graficamente em uma única folha onde se reúne a

informação sobre a família. Tal gráfico favorece que sejam pensadas

hipóteses e inferências a partir dessa informação.

Durante a Jornada Relates – Rede Europeia e Latino-americana

das Escolas Sistêmicas, organizada e realizada em São Paulo em 2015,

quando foi solicitado a Matteo Selvini que abordasse o futuro da terapia

familiar, ele enfatizou a necessidade de uma formação que focasse a pessoa

do psicoterapeuta. Até os dias atuais, em suas apresentações, Selvini segue

enfatizando tal relevância. Na Escola Mara Selvini Palazzoli da qual Selvini

é co-diretor, tal proposta é realizada: o foco da formação se faz na pessoa

do terapeuta.

443

Uma vez mencionada Relates – Rede Europeia e Latino-americana

das Escolas Sistêmicas, se faz necessário uma explanação a respeito dessa

rede que no momento reúne 47 escolas associadas, de 15 países. Relates

foi proposta originalmente por Juan Luis Linares da Escola de Terapia

Familiar do Hospital de la Santa Creu i Sant Pau de Barcelona e por

Roberto Pereira da Escola Vasco Navarra de Terapia Familiar de Bilbao,

com o objetivo de agrupar os centros de formação sistêmica de ambos os

lados do Atlântico. Foi fundada em julho de 2005 em Guadalajara

(México). A rede Relates originalmente possuía apenas Centros de

Formação latino-americanos, mas se expandiu incluindo Centros da

Europa e Estados Unidos. Possui uma Junta diretiva que atualmente é

presidida pela Profa. Dra. Regina Giraldo (de Fundaterapia, Colômbia) e

os proponentes da Rede, Linares e Pereira são agora presidentes

honorários de Relates. Essa rede se dedica a difundir as ideias

desenvolvidas nos diferentes continentes na abordagem sistêmica e edita

a Revista Redes que está aberta a contribuição dos colegas. As escolas

associadas a Relates se comprometem, cada uma por sua vez, a organizar

um encontro científico que acontece uma vez por ano. Canevaro (2019)

escreveu, no prólogo da edição da obra O modelo sistêmico ante o mal-estar

contemporâneo, que Relates é um fenômeno que promete converter-se no

mais destacado da última década no panorama mundial da terapia familiar

sistêmica.

E assim retomamos ao Cruzeiro em família para imaginar como um

terapeuta familiar se perceberia atendendo uma família com os costumes

e crenças apresentados, quando está implicado num contexto que

historicamente corresponde ao período chamado de pós-modernidade.

Nesse sentido se faz necessário lembrar o que o mesmo Canevaro

(2019) escreveu nesse mesmo prólogo a respeito do tipo de vida atual:

(...) cuja mais pura expressão é a vida virtual das redes sociais, que

contribui para a criação de um falso self que foge da família, o ninho

ecológico do ser humano e do encontro íntimo e emocional com

o Outro, em busca de relacionamentos cada vez mais “líquidos”,

superficiais e fictícios. (Canevaro, 2019, p. 14, tradução livre)

Galimberti (2008) filósofo, sociólogo e psicanalista se une a

Canevaro para auxiliar essa autora a delinear o contexto atual no qual

444

vivemos. Galimberti (2008) se ocupa dos Vícios Capitais que Aristóteles

qualifica de hábitos do mal e enumera os novos vícios. Explica esse autor

que diferente dos vícios capitais que apontam para um desvio, ou

dependendo se tolerável numa dada época serão reconhecidos como uma

característica da personalidade, os novos vícios apontam, segundo ele,

para uma dissolução que nem mesmo é percebida, pois atinge a todos. São

tendências coletivas e não pessoais. Segundo Galimberti (2008) sequer se

pode opor resistência sob a pena de exclusão social. Galimberti se dispõe

a falar deles para que não os assumamos como valores da modernidade.

Dentre esses novos vícios a autora optou por destacar o intitulado

denegação, no qual o sujeito nega, das formas mais variadas, a existência

daquilo que existe e conhece. Galimberti (2008) propõe, como alternativa,

que nos tornemos responsáveis por aquilo que sabemos diante do traço

típico desses tempos atuais, onde há uma abundância de informação,

tornando-nos sensíveis à fraternidade para que não nos tornemos, sob o

peso da denegação, imorais.

Linares (2014) com seu conceito de nutrição relacional cujos

componentes são o reconhecimento, valorização e carinho, vem sendo

citado para sustentar as práticas terapêuticas de diferentes autores, e

favorece um alinhamento com a obra de Galimberti (2008) e Canevaro

(2019) à medida que argumenta sobre a relevância de se promover um

relacionamento onde vigore a consideração de um ser humano para com

outro ser humano.

No entanto, Berenstein (2008) auxilia a autora a explicitar que até

mesmo o pensamento científico está sujeito a ser infiltrado por crenças. O

pertencimento a uma dada comunidade social, econômica, religiosa ou

científica, permite que se receba certa imposição e assim não se pode dizer

“não” mesmo que uma certa singularidade possa estar incluída. Destaca-

se a força da infiltração da ideia coletiva.

A psicanálise vincular por sua parte, via os escritos de Puget

(2015), foca o espaço entre dois e auxilia a autora a se ocupar do desafio

que temos para fomentar conversas que, no caso da psicoterapia, serão

conversas terapêuticas.

Puget (2015) nos fala sobre o giro teórico e técnico necessário para

a psicanálise pensar as relações humanas. Essa autora sinaliza que, para

445

tanto, é necessário abandonar a ilusão da estabilidade, continuidade e

certeza de que se pode ter uma compreensão total do outro.

Abandonando-se essa ilusão, será possível incorporar o espaço da

alteridade, o efeito da presença e as descontinuidades entre outros.

Segundo Puget (2015) vamos precisar revisar nossas concepções de pensar

e de conhecer que, segundo ela, são atividades para nossa tarefa.

Berenstein e Puget (1999) dentre suas obras encontra-se Lo vincular – clínica

e técnica psicanalítica que pode nos auxiliar a termos uma aproximação a esses

conhecimentos teóricos e técnicos.

Cypel (2017) ao apresentar suas reflexões sobre a interpretação na

clínica contemporânea de psicanálise dos vínculos de família e casal,

permite que nesse trabalho a autora assinale qual a atitude dos analistas

atualmente. Cypel (2017) escreve em seu artigo que os analistas também

tem se reunido procurando intercambiar ideias com colegas de diferentes

referenciais, por reconhecerem a importância da pluri-interperspectiva,

buscando, não negar a incompatibilidade ou diferenças, mas convivendo

com as mesmas procurando se nutrir, até mesmo, de visões muito

divergentes.

Cypel (2017) ressalta que nesse contexto vincular como

perspectiva fundamental, o indivíduo segue sendo considerado. Sendo

assim, no setting vincular o indivíduo pode ser apreendido na dimensão

intrassubjetiva e intersubjetiva em contínua dialética, quando o psiquismo

é considerado extenso, aberto, em continuidade/descontinuidade com

o(s) outro(s) e com o mundo externo, sociocultural.

Poder-se-ia adentrar especificamente pela psicanálise vincular

onde temos todo um universo a conhecer.

Por outro lado, neste trabalho a autora se propôs a focar a

perspectiva sistêmica ao longo dos tempos, adentrando pelos dias atuais.

Linares (2014) escreve que a terapia familiar se firmou como um novo

modelo psicoterapêutico que aplicava o modelo sistêmico e que findou,

com o passar do tempo, por conectar o modelo sistêmico a uma visão

integradora com a implicação de outros modelos e por aprofundar sua

aplicação à clínica psiquiátrica. Linares (2014) versa sobre uma visão

integradora na terapia familiar sistêmica. Canevaro (2019) por sua vez nas

446

Jornadas Relates de 2019 em Barcelona, durante um diálogo explicitou que

essa integração se faz na prática terapêutica.

O mesmo Canevaro (2012) que cita Mara Selvini Palazzoli ao se

referir à decepção de muitos psicanalistas sobre os resultados da

psicoterapia individual no atendimento a psicóticos e crianças, dentre eles

Selvini Palazzoli, Bowen, Whitaker, Lidz, Framo, Ackerman,

Boszormenyi-Nagy, mostra que isso lançou a raiz para o nascimento da

terapia familiar desde os primórdios dos anos 50.

E assim as incursões de diferentes autores na busca por atingir

resultados mais significativos em suas práticas clínicas, levou-os à incursão

de outra ótica: a centrada na família, a qual favoreceu o desenvolvimento

do enfoque relacional-sistêmico que veio a enriquecer a compreensão e o

tratamento dos transtornos psiquiátricos, bem como o próprio enfoque

psicoterapêutico, completa Canevaro (2012).

Os trabalhos reitores que permitiram o desenvolvimento dos

constructos teóricos e técnicos da terapia familiar sistêmica já foram aqui

neste trabalho enfocados.

Sendo assim, antes de chegarmos aos idos de 2015 e conhecermos

algumas novas propostas, será apresentado um quadro mostrando como

os princípios que nortearam a terapia familiar sistêmica se modificaram ao

longo dos tempos, em função de novas percepções e conquistas, graças

aos escritos relativos a sua conferência cedidos à autora por Gianmarco

Manfrida nas Jornadas Relates 2019 em Barcelona.

Manfrida em sua fala em Barcelona durante as Jornadas Relates

2019, fez uma apresentação da terapia familiar sistêmica distribuída por

três fases nos termos que se segue:

Fase 1: uma abordagem pragmática e comportamental tendo como

referência a Teoria dos Sistemas. Nesta fase a terapia familiar desenvolveu

suas técnicas mais eficazes que seguiram sendo aplicadas: estratégicas,

prescritivas, estruturais, contra-paradoxais. Pode-se dizer, de modo geral,

que o terapeuta permaneceu alheio ao sistema familiar. Quando muito,

formava um grupo de observadores, mas o terapeuta agia sobre o paciente

e sua família com pouca atenção às suas respostas. A história de indivíduos

e famílias foi um elemento útil para o diagnóstico relacional em vez de um

campo para trabalhar: foi a intervenção mágica do terapeuta que causou a

447

mudança. Em 1980, o Manual de Diagnóstico Psiquiátrico, o DSM 3, foi

disseminado em todo o mundo, coincidindo com a comercialização dos

primeiros antidepressivos. As intervenções psicoterapêuticas de qualquer

tipo são desqualificadas. A comunidade de psicoterapeutas busca um

modelo de referência diferente quando a importância do contexto é

negada; a terapia é dita não funcionar por causa da inadequação do

terapeuta e os pais de pacientes se sentiam muitas vezes designados como

responsáveis pelos problemas psiquiátricos. E assim o modelo

comportamental é abandonado entre 1980 e o ano de 1995, a favor de um

modelo radical construtivista.

Fase 2: A cibernética e a teoria da comunicação abrem o caminho

para a biologia e a termodinâmica serem fontes de inspiração para os

terapeutas. Biólogos como Maturana e Varela e bioquímicos como

Prigogine tornam-se autores referência em nome de uma nova

epistemologia. Essa revolução constituiu basicamente na inclusão do

observador/terapeuta no sistema observado, enquanto na cibernética de

primeira ordem o foco era o paciente e sua família, na de segunda ordem

o terapeuta foi incluído ao sistema familiar e se constitui então o sistema

terapêutico. Outro aspecto inovador foi a abertura da caixa preta quando,

então, o terapeuta está autorizado a se ocupar de afetos e emoções.

Considera-se, segundo Manfrida, a partir dos escritos de Maturana e

Varela (1985, 1987), que cada sistema vivo é por definição hermético ao

meio ambiente e diferente dele. As interações com outros sistemas não

podem produzir mudanças em um sentido previsível, mas apenas

distúrbios aos quais cada sistema responde conforme sua estrutura

condicionada pela história de sua organização. Sendo assim, as mudanças

não acontecem graças a instruções. A consideração sobre essa fase a que

Manfrida se refere apoiado em escritos de Minuchin (1991), Speed (1991)

e Jones (1993), vai no sentido que esse aprofundamento teórico rejeitou

certos aspectos mecanicistas da fase anterior, porém não apresentou novas

técnicas terapêuticas específicas, mas sim um certo excesso de relativismo

e complexidade que dificultou o trabalho clínico.

As ideias, conceitos e realidades que emergem do intercâmbio

social são aprendidas através da linguagem e os valores são assumidos e

realizados por serem socialmente compartilhados. Nessa perspectiva, a

448

terapia torna-se um processo de reconstituição no qual pode ser que o

paciente e a família recuperem a capacidade de criar, na interação com o

terapeuta, novas histórias que os tornam mais fortes e que diminuem seu

sofrimento. Recomenda-se uma conversa na qual os terapeutas admitam

não saber mais do que a própria família e que todos expressam suas

opiniões de modo colaborativo. Aqui Manfrida traz Goolishan e Andersn

(1992).

Manfrida conclui que teoricamente os psicoterapeutas ficaram

menos ingênuos, mas que a gama de técnicas e instrumentos de trabalho

não mudou significativamente.

Fase 3: Muitos terapeutas estavam insatisfeitos com essa

abordagem radical construtivista, e então encontram uma nova via a partir

do construcionismo social que leva em conta como os seres humanos

conseguem construir uma realidade compartilhada.

Uma modalidade técnica é proposta para transformar no sentido

terapêutico as tramas narrativas onde a mudança terapêutica está alinhada

às intervenções do terapeuta. Recupera-se, então, tanto a possibilidade da

eficácia clínica como a responsabilidade do terapeuta nesse processo.

A abordagem narrativa auxilia os pacientes a reescreverem suas

próprias vidas (citado por Manfrida em texto cedido à autora; White &

Epson. 1990; Branco, 1995).

O terapeuta narrativo, segundo Manfrida, não só constrói

histórias, mas inicialmente é preciso desconstruir a realidade proposta para

permitir que outra história surja, socialmente compartilhada, mais

funcional e satisfatória, a partir dos elementos discordantes da história

principal que se encontra nos submundos compartilhados pela conversa

comum entre o paciente e sua esfera relacional significativa.

No artigo de Manfrida e Albertini (2015) cedido pelo autor e

intitulado: A última palavra entre autoridade e responsabilidade

terapêutica, a devolutiva segundo o modelo narrativo das Realidades

Compartilhadas, permite que se possa acompanhar de modo significativo

tal perspectiva, bem como consultando a obra de Manfrida (2019) relativa

a narração psicoterapêutica.

Tem-se um conhecimento acumulado que nos acompanha e

permite que se leve em conta algumas considerações que Linares (2014)

449

nos propõe, através do que ele reconhece ser uma provocação e não uma

nova proposta teórica-técnica, quando se refere a uma terapia familiar

ultramoderna. Linares (2014) descreve que nesse tipo de prática em terapia

familiar, o terapeuta aceita com naturalidade seu papel de expert.

Reconhece saber, mas que não vai se utilizar do seu saber para impor a

seus consultantes o que não estejam em condições de aceitar. Esse

terapeuta ultramoderno deve ser e se mostrar responsável, mas também

requisitar responsabilidade aos membros da família, de modo

proporcional e ponderado em relação a sua posição na família. O terapeuta

é responsável por sua especialização, o que exclui a onipotência, mas

significa que necessita reconhecer que existem limites em seu saber e sobre

a sua realização de um bom trabalho.

Todos os envolvidos no jogo disfuncional são responsáveis pelas

consequências de seus atos, mas de modo distinto. O terapeuta reconhece

que uma terapia bem sucedida implica em mudança, e que o terapeuta deve

guiar assimilando erros e maus entendidos.

Essa guinada ultramoderna implica na recuperação de um certo

objetivismo através da recuperação do diagnóstico psicopatológico.

Reivindica-se assim a linearidade, sem excluir a valiosa circularidade.

O terapeuta ultramoderno deve resgatar o que de melhor há na

tradição sistêmica, tanto a variedade de técnicas acumuladas, quanto o uso

de si mesmo. O terapeuta sente, e sua subjetividade emocional é um

importante recurso terapêutico.

E por fim Linares (2014) completa que com a recuperação do que

é relevante da tradição sistêmica, venha a abertura para o que há de bom

na tradição psicoterapêutica.

Selvini e Linares se encontram na obra O sofrimento psicológico e o

maltrato relacional como fontes de psicopatologia, publicada em 2015. Selvini

(2015) explicita que tanto ele quanto Linares permaneceram estudando as

raízes relacionadas à psicopatologia, pois ao caminhar no sentido da

despatologização, entra-se numa negativa sobre os limites do paciente e

consequentemente de seu sofrimento.

Selvini (2015) ao fazer comentários sobre os capítulos escritos por

Linares nessa obra, permite que aqui se evidencie essa visão sobre como a

perspectiva individual foi retomada na terapia familiar a partir dos anos de

450

1980. Selvini (2015) mostra de que modo diferentes autores retomaram a

perspectiva individual na terapia familiar. Evidencia, então, que uns

tornaram a fazer referência a psicanálise, tal como Cancrini (2006); Linares

(1996) estudou os conceitos de identidade e narrativa, bem como explicita

Selvini, que sua escolha e de sua Escola Mara Selvini Palazzoli foi a de

fazer referência a teoria de apego e aos seus desenvolvimentos (Lyons –

Ruth, 2009), às pesquisas de distúrbios de personalidade (Benjamin, 1996)

e aos estudos sobre estados pós-traumáticos (Herman, 1992). Ressaltando

que para ele e os integrantes de sua Escola, o passado deve ser conhecido

e estudado já que para eles terminou o extremismo do aqui e agora.

Linares (2019) publicou sua obra focando a terapia familiar nas

psicoses. Nessa ocasião pode mostrar o ponto central de sua teoria como

sendo conhecer as bases relacionais das patologias mais representativas

para vir a entendê-las, desconstruí-las e assim poder gerar dinâmicas para

a mudança terapêutica. Linares (2019) se ocupa exatamente do tema que

tanto ele como Selvini explicitaram, já que a despatologização, ao

contrário, acarretaria a desconsideração tanto dos limites de um ser

humano como do seu sofrimento.

Linares (2015) mostra sua preocupação que nos tempos pós-

modernos a terapia familiar sistêmica desconsidere aspectos tão relevantes

segundo a ótica tanto dele quanto de Selvini, em relação ao diagnóstico

psicopatológico e a intervenção terapêutica. Sem evidentemente

desconsiderar outras contribuições.

Selvini (2015) por sua vez evidencia que tanto os dados da história

do paciente como de sua família; a observação no aqui e agora de como a

família se relaciona tanto entre si como com o profissional, está implicada

para o diagnóstico sistêmico; ainda sendo úteis os testemunhos dos

profissionais envolvidos com cada um dos membros da família, tais como:

outros psicoterapeutas, médicos, educadores, professores, assistentes

sociais etc.

Selvini (2016) apresenta, em sua obra mais recente, as sete portas

utilizadas ao se entrar na terapia sistêmica: a análise do pedido de ajuda; a

sistêmica; a sintomatologia; o apego; a personalidade; o trigeracional; as

emoções do terapeuta. Tal obra nos permite conhecer como Cirillo; Selvini

e Sorrentino, co-diretores da Escola Mara Selvini Palazzoli, estão

451

pensando e intervindo segundo sua visão da terapia sistêmica. Esse livro

está sendo traduzido do italiano e em breve será publicado em português.

Nesse ponto, uma nova incursão pelo filme Cruzeiro em família

permite um recorte focando as interações entre os membros dessa família,

onde vale a pena observar as posturas, olhares, tom de voz, enfim uma

ocupação com o não-verbal, para acessar o sentido da relação no aqui-

agora, conforme explicitado por Selvini, para auxiliar no diagnóstico

relacional. Esse não-verbal nos fala nesse filme. Vale a pena conferir.

Essas colocações de Linares e Selvini (2015) permitem que a autora

inicie seu percurso nesse trabalho apresentando outros autores que

integram ao modelo sistêmico, outros modelos teóricos, assim como a

organização dos atendimentos terapêuticos envolvendo a equipe

interdisciplinar.

Dentre esses autores encontra-se Regina Giraldo (2017) que em

seu artigo Terapia de pais separados: uma forma de terapia baseada em vínculos,

explicita as bases teóricas que sustentam a sua prática terapêutica. São

essas bases teóricas: o vínculo de apego e a perda afetiva (Bowlby e

Ainsworth); a ruptura vincular na separação e divórcio; amor e desamor

no casal – ciclo vital alternativo. E em seu modelo terapêutico, consta a

terapia sistêmica do casal, com sessões individuais; a mediação a partir do

vínculo; psicoeducação terapêutica: o cuidado com os vínculos.

Regina Giraldo (2017) com essa proposta, avança na busca de

soluções para os conflitos graves em casos de custódia dos filhos, na

perspectiva relacional para a psicoterapia pois, segundo essa autora, os

programas existentes são mais numa perspectiva do tipo pedagógico.

Exemplificar as escolhas teóricas de Regina Giraldo permite que

se evidencie que novas constatações mostram a utilidade de conhecer mais

trabalhos de colegas.

Por exemplo os casos encaminhados por juízes representam a

situação de paciente involuntário. Sendo assim é fundamental conhecer

trabalhos focando tal situação. Encontra-se na obra de Relvas e Sotero

(2014) um conhecimento importante para quando se atua em contextos

coercitivos. Essas autoras argumentam sobre como, em tais situações, a

aliança terapêutica tem um lugar de destaque.

452

Pode-se constatar que tanto Linares (2014) como Giraldo (2017)

alertam sobre a necessidade de se possuir propostas interventivas que

efetivamente auxiliem na atividade psicoterapêutica. Dentre esses autores

que buscam encontrar propostas que permitam alcançar melhores

resultados, encontra-se Campo (2019) com seu modelo para diagnóstico e

intervenção na terapia de casal. Essa proposta decorreu da experiência

tanto prática como na docência, de Carmen Campo na Unidade de

Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria do Hospital de S. Pau de Barcelona.

Trabalhos como os de Regina Giraldo e Carmen Campo mostram a

importância de termos propostas práticas de atendimento decorrentes da

experiência acumulada, bem como que os casos atendidos devem passar

por um processo sistematizado para termos investigações que mostrem a

eficácia das propostas construídas.

As propostas tanto de Campo como de Giraldo mostram a

necessidade de um significativo conhecimento aliado ao modelo sistêmico

encadeando cada uma das etapas propostas em seus modelos para a prática

com casais e com pais separados. Um conhecimento teórico-técnico

intenso se faz presente em cada etapa dessas propostas. Sendo assim, as

propostas são um fio condutor para o psicoterapeuta e nessa medida pode

ser ensinada aos futuros psicoterapeutas como um guia aonde os

conhecimentos aprendidos serão inseridos em cada etapa. Norteiam o

psicoterapeuta, pois diante da gravidade dos casos apresentados e da

quantidade de material teórico e técnico produzido, possuir propostas

sobre como nortear e utilizar o conhecimento é extremamente importante

tanto para os menos experientes como para os mais experientes. Há tanto

o aspecto do menos experiente poder visualizar uma maneira de articular

os conhecimentos aprendidos, assim como podemos, tanto os menos

experientes como os mais experientes, termos a nossa disposição

propostas que já mostraram sua eficácia.

É natural a pergunta de um aprendiz de psicoterapia: eu sei tudo

isso, mas que faço com isso?

Nas propostas de atendimento, o conhecimento ganha sentido

numa articulação que tem como objetivo o que foi acordado entre

psicoterapeuta e consultantes.

453

Tendo como foco a importância de desenvolver propostas para

atendimentos de diferentes especificidades, se faz presente o objetivo que

a autora apresentou como sua proposta ao redigir esse capítulo: refletir

sobre os dados e resultados de sua prática.

O atendimento vai sendo construído como fruto dessa atitude

reflexiva sobre os dados.

A autora iniciou apresentando o desenvolvimento da abordagem

sistêmica numa perspectiva integrativa. Levando em conta a formação de

um psicoterapeuta, esse contexto é necessário tanto para evidenciar o que

permite a alguém se intitular psicoterapeuta quanto evidencia as bases que

fundamentam um trabalho responsável e anuncia que essa formação se dá

num processo continuado.

A partir dessa conscientização se pode adentrar pelo desafio que

os psicoterapeutas têm como fruto da produção de seus conhecimentos,

que permite a cada psicoterapeuta buscar oferecer suas próprias

contribuições.

Nesse sentido o desafio é a construção de propostas de

atendimento levando em conta diferentes serviços e/ou processos

terapêuticos.

Revisitemos o filme Cruzeiro em família quando o sábio Plutão narra

o que se segue: “Os seres humanos são abençoados com a capacidade de

falar. É um dom que lhes permite expressar claramente pensamentos,

ideias e emoções. No entanto apesar dessa capacidade, a falta de

compreensão entre eles não será encontrada entre os animais.”

Ironicamente, um ser humano é problema para outro ser humano.

Esse é o contexto de um terapeuta de família e o seu desafio.

Esclarecer os mal entendidos muitas vezes será fundamental.

Nessa película isso se realiza, os mal-entendidos se esclarecem em

função da determinação de Kabir que confronta sua mãe lhe questionando

por que ela não se separou de seu pai? E diante da relutância da família,

simplesmente puxa uma cadeira, se senta e os confronta. E um novo

caminho começa a ser trilhado a partir do questionamento incisivo,

mobilizando reflexão e novas considerações.

Nem sempre a vida irá permitir que uma nova narrativa seja

construída naturalmente assim como nem mesmo se pode afirmar que essa

454

nova narrativa vai depender exclusivamente de uma psicoterapia para

tanto. No entanto é a função de um psicoterapeuta se desenvolver para

enfrentar o desafio de buscar alternativas para acompanhar casais e/ou

famílias frente a suas demandas.

Hiluey (2018) propõe uma ferramenta para auxiliar a construir

novas narrativas dadas as dificuldades implicadas nesse contato de um ser

humano com outro ser humano ao longo de um processo

psicoterapêutico. Tal ferramenta é constituída pelas expressões artísticas e

o brincar. Essas atividades podem ser integradas ao atendimento com

casais e famílias na medida que são ferramentas que tanto permitem

favorecer o despontar da angústia com o rebaixamento das defesas como

integrar percepções e informações. Tais possibilidades também foram

constatadas por Hiluey (2004, 2007, 2008) no contexto de investigação

com alunos-médicos e com famílias.

Novamente se faz necessário enfatizar que o recurso lúdico

utilizado irá favorecer o diálogo terapêutico, mas o psicoterapeuta irá

auxiliar a família ao operar sobre os dados que despontam fazendo suas

intervenções, alinhando o material que desponta, para que não seja

somente uma atividade de expressão. Atividades expressivas sem dúvida

são importantes, mas em um atendimento psicoterapêutico precisam ser

utilizadas para estimular o pensar, ato não tão natural assim, a fim de

promover a construção de novas narrativas.

Hiluey (2018) apresenta um caso clínico onde descreve o

alinhamento dos recursos terapêuticos utilizados a partir do que era

mobilizado na família ao longo desse processo. Evidencia-se

explicitamente a atuação da psicoterapeuta refletindo sobre os dados do

atendimento envolvendo família e psicoterapeuta, para propor as

atividades lúdicas. Esse é um alinhamento fundamental na construção do

atendimento utilizando como recurso terapêutico o lúdico.

Nesse percurso de buscar as mais adequadas ferramentas para

atender as demandas, Hiluey (1999, 2004, 2007) realizou pesquisas que

evidenciaram a relevância do trabalho interdisciplinar. E assim seguiu ao

longo dos tempos se ocupando de trabalhos envolvendo equipes de

profissionais.

455

As considerações tecidas no corpo desse trabalho permitem que

se vislumbre o desafio de se conscientizar que é operando sobre o que se

vive num atendimento que se poderá vir a propor intervenções coerentes

com a situação-vivida. As intervenções estão por sua vez ancoradas num

referencial teórico que no caso desse trabalho é o sistêmico integrado a

outros ensinamentos.

Uma vez conscientes dessa necessidade, ela estará presente no

desafio de estabelecer conexões com outros serviços.

Tanto Alegret (s.d., em texto cedido pela autora) ao se ocupar da

intervenção psicoterapêutica para crianças e adolescentes se ocupa da

relação entre os diferentes serviços como Linares (em texto cedido pelo

autor) se ocupa da relação com o serviço de atenção ao menor mostrando

a relevância de tal parceria num trabalho que atenda efetivamente a

demanda.

A autora firmou, em 2020, um acordo de colaboração técnica entre

o Centro de Formação que ela dirige e o Centro de Saúde Mental de um

hospital psiquiátrico, visando não somente dar atendimento às famílias

dos pacientes como lançar as bases para um trabalho interdisciplinar que

permita potencializar as intervenções propostas para o atendimento de

cada paciente dadas suas especificidades.

Hiluey (2004, 2008) explicita nesses trabalhos, dados de sua

investigação focando alunos-médicos, mostrando a dimensão do medo

mobilizado diante da possibilidade da ampliação de seu enfoque para

incluir o manejo dos fatores psicológicos, vivida como questionamento de

sua atuação médica.

Pode-se considerar que tais dados auxiliam a que se considere

extremamente útil um contexto no qual tal medo não esteja presente.

A experiência da autora a leva a considerar a possibilidade de que

o fato da haver médicos na equipe do hospital psiquiátrico que não

vivenciem o temor da desqualificação da sua atuação médica na presença

de um enfoque ampliado incluindo o manejo dos fatores psicológicos

possa ser um fator bastante relevante. No entanto também se reconhece

que tal medo não apareceu porque a coordenadora da equipe médica havia

feito uma formação em terapia de casal e família. Sendo assim pode ser

sustentada em seus temores ao longo de seu processo de aprendizagem.

456

Tal situação foi constatada pela autora na aproximação entre o Hospital e

o Centro de Formação para Terapeutas de Casal e Família, diante do

anseio do Hospital poder incluir o atendimento a famílias: lhes parecia

necessário, não mostravam estar assustados, mas sim esperançosos.

A coordenadora da medicina e a coordenadora da psicologia

acompanharão os trabalhos com as famílias, tendo como objetivo virem a

trabalhar de modo mais efetivo em equipe, uma vez que já possuem outros

processos terapêuticos incluindo o atendimento individual e alguns outros

processos psicoeducativos.

Hiluey (2001) relatou sua investigação com casais que vivem uma

gravidez de alto risco onde se pode visualizar a relevância de uma equipe

interdisciplinar. Ou seja, esse recorte fruto do conhecimento teórico-

técnico, de pesquisas e vivência profissional, estimula para que se enfrente

o desafio da construção de propostas de trabalho interdisciplinar nas

ciências humanas e que se possa vir a ter dados para mostrar a eficácia das

mesmas.

Hiluey (2020) já vem se ocupando de assinalar aos colegas do

hospital psiquiátrico que numa atuação em equipe se faz necessário ter o

cuidado para não ficarem reféns de segredos, informando à família que,

como se trabalha em equipe, a informação obtida é compartilhada nos

diferentes espaços. Evidente que cabe ao profissional reconhecer os dados

oriundos de cada contexto que não precisam ser compartilhados. Por

exemplo, aquilo que cabe somente ao subsistema conjugal, não será

compartilhado.

Evidenciou-se até o momento as condições que garantiram a

possibilidade da organização de um projeto interdisciplinar visando

potencializar as intervenções em cada planejamento de atendimento a um

dado paciente, fruto desse acordo entre os centros citados.

O futuro permitirá que conheçamos como construir as diferentes

propostas de atendimento em equipe interdisciplinar.

Pode-se constatar que a disponibilidade dos integrantes da equipe

é fundamental para a construção do trabalho em equipe. Evidenciou-se,

assim, um relevante ponto a ser considerado para que venhamos cada vez

mais a trabalhar em equipe interdisciplinar e nos enriquecermos dentro de

nossas práticas específicas. Seguiremos sendo protagonistas das carreiras

457

que escolhemos: medicina, psicologia, fisioterapia, e muitas outras, mas

enriquecidos graças à colaboração de profissionais oriundos de outras

áreas do conhecimento e oferecendo um atendimento que responda de

modo mais eficaz às situações diversas que demandam práticas

psicológicas.

Retomando ao Cruzeiro em família pode-se afirmar, a partir dessas

considerações, que inicialmente temos as dificuldades entre os seres

humanos que são os próprios profissionais envolvidos num projeto

terapêutico.

Em função do caminho percorrido nesse trabalho, ao chegar ao

seu desfecho, a autora visualizou um alinhamento com a epígrafe inicial

que lhe permitiu concluir que: para colocar a felicidade onde estamos

necessitemos atingir o que preconizou Bettelheim (1979) quando escreveu

que:

“E viveram felizes para sempre” não engana a criança nem por um

momento quanto a possibilidade de vida eterna. Mas indica

realmente a única coisa que pode extrair o ferrão dos limites

reduzidos do nosso tempo nessa terra: construir uma ligação

verdadeiramente satisfatória com outra pessoa. (Bettelheim, 1979,

p. 19)

Referências

Alegret, J. (s.d.). La perspectiva sistémica en la intervención psicoterapéutica para

niños y adolescentes. Texto cedido pela autora. Acesso em

www.abrap.org, em artigos.

Berenstein, I. (2008). Devenir otro con otro(s): Ajenidad, presencia, interferencia.

Buenos Aires: Paidós.

Berenstein, I., & Puget, J. (1999). Lo Vincular: Clínica y técnica psicoanalítica.

Buenos Aires/Barcelona/México: Paidós.

Bettelheim, I. (1979). A Psicanálise dos contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e

Terra.

Bion, W. (1992). Conversando com Bion. Rio de Janeiro: Imago.

458

Bugliani, C. G., Moguillansky, R., & Sluzki, C. E. (2011). Humilhação e

vergonha: Um diálogo entre enfoques sistêmicos e psicanalíticos. São Paulo:

Zagodoni.

Campos, C. (2019). La terapia de pareja en la práctica clínica: Un modelo

de diagnóstico e intervención. Em R. Medina, E. Laso, & E.

Hernández (Coords.), El modelo sistémico ante el malestar contemporáneo

(pp.277-307). Madrid: Ediciones Morata.

Canevaro, A. (2012). Terapia individual sistémica con la participación de familiares

significativos. Madrid: Ediciones Morata, S.L.

Canevaro, A. (2019). Prólogo a la presente edición. Em R. Medina, E.

Laso, & E. Hernández (Coords.), El modelo sistémico ante el malestar

contemporáneo (pp. 13-16). Madrid: Ediciones Morata.

Ceberio, M. R. (2018). El genograma: Un viaje por las interacciones y juegos

familiares. Madrid: Ediciones Novata.

Ceberio, M. R., & Linares, J. L. (2005). Ser y hacer em terapia sistémica: La

construcción del estilo terapéutico. Barcelona: Paidós Terapia Familiar.

Cirillo, S., Selvini, M., & Sorrentino, A. M. (2016). Entrare in terapia: Le sette

porte della terapia sistemica. Milano: Raffaello Cortina Editore.

Cypel, L. R. C. (2017). Reflexões sobre a interpretação na clínica

contemporânea de Psicanálise dos Vínculos de Família e Casal. Revista

Brasileira de Psicanálise, 51(2).

Eigner, A. (1989). El parentesco fantasmático: Transferência y contratrasferencia en

terapia familiar psicoanalítica. Buenos Aires; Barcelona; México:

Amorrortu Editores.

Fernández, A. M. (2015). Manual de terapia sistémica: Princípios y herramientas

de intervención. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer.

Galimberti, U. (2008). Os vícios capitais e os novos vícios. São Paulo: Paulus.

Giraldo, R. (2017). Terapia de padres separados: Una forma de terapia en pareja

basada en los vínculos. Redes 36, Diciembre de 2017

www.redesdigital.com.mx [p. 103-125].

Hiluey, A. A. G. S. (1999). Gravidez de alto risco: Expectativas dos pais durante

a gestação – uma análise fenomenológica. 229p Dissertação (Mestrado em

Distúrbios do Desenvolvimento). Universidade Presbiteriana

Mackenzie. São Paulo.

459

Hiluey, A. A. G. S. (2001). Embarazo de alto riesgo: Expectativas de los

padres durante la gestación – Un análise fenomenológico. Redes, 8, 59.

Barcelona; Spain: Paidós.

Hiluey, A. A. G. S. (2004). Uma experiência de aprendizagem no serviço de

Medicina Fetal. 305p. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de

Educação da Universidade de São Paulo.

Hiluey, A. A. G. S. (2007). Doença de Alzheimer: Histórias de família e análise

dos relatos. 285p. Tese (Pós-Doutorado em Terapia Familiar). Escola

de Terapia Familiar do Hospital de La Santa Creu I Sant Pau.

Universidade Autônoma de Barcelona.

Hiluey, A. A. G. S. (2008). O aprender do médico-obstetra em um serviço de

medicina fetal. Em E. Masini, M. A., Moreira (Orgs.), Aprendizagem

significativa: Condições para a ocorrência e lacunas que levam a comprometimentos

(pp. 255-283). São Paulo: Vetor.

Hiluey, A. A. G. S. (2018). Abrir a possibilidade para novas narrativas: Um

desafio. Vínculo, 15(1), 1-7.

Linares, J. L. (2014). Terapia familiar ultramoderna: A inteligência terapêutica.

São Paulo: Ideias & Letras.

Linares, J. L. (s.d.). Proteción o maltrato institucional? Una encrucijada en las

políticas de atención al menor. (texto cedido pelo autor) acesso

www.abrap.org, em artigos.

Linares, J. L., & Selvini, M. (2015). O sofrimento psicológico e o maltrato relacional

como fontes de psicopatologia. São Paulo: Zagodoni.

Manfrida, G. (2019). La narración psicoterapéutica: Invención, persuasión y técnicas

retóricas en terapia relacional sistémica. Madrid: Ediciones Morata.

Manfrida, G., & Albertina, V. (2015). La última palabra, entre autoridad y

responsabilidad terapéutica: La devolución según el modelo narrativo de las

Realidades Compartidas. Texto cedido pelo autor. Acesso em

www.abrap.org, em artigos.

Moguillansky, R., & Nussbaum, S. L. (2011). Psicanálise vincular: Teoria e

clínica (vol. 1: Fundamentos teóricos e abordagem clínica do casal e da

família). São Paulo: Zagodoni.

Morin, E. (2000). Educação e complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. São

Paulo: Cortez.

460

Puget, J. (2015). Subjetivacion discontínua y psicoanálisis. Incertidumbre y certezas.

Buenos Aires: Lugar Editorial.

Relvas, A. P., & Sotero, L. (2014) Familias obligadas, terapeutas forzosos: La

alianza terapéutica en contextos coercitivos. Madrid: Ediciones Morata.

Serebrinsky, H. A., & Rodríguez, S. E. (2014). Diagnóstico sistémico: El

diagnóstico de los sistemas humanos. Buenos Aires: Psicolibro Ediciones.

461

23 Grupos nas instituições

Amaury Tadeu Rufatto

Algumas considerações introdutórias

Ao abordarmos o tema grupos nas instituições, nos vemos frente

a uma gama infinita de possibilidades, tanto pelos diferentes modelos de

instituições quanto aos de grupos possíveis. Podemos pensar em

instituições de saúde, educacionais, filantrópicas, de assistência social,

entre outras, cada uma com suas culturas e normas.

As instituições são lógicas, são árvores de composições lógicas

que, segundo a forma e o grau de formalização que adotem, podem

ser leis, podem ser normas e, quando não estão enunciadas de

maneira manifesta, podem ser hábitos ou regularidades de

comportamentos. Alguns autores sustentam que leis, normas e

costumes são objetificações de valores. As leis, em geral, estão

escritas; as normas e os códigos também. Mas uma instituição não

necessita de tal formalização por escrito: as sociedades ágrafas

também têm códigos, só que eles são transmitidos verbal ou

praticamente, não figurando em nenhum documento. (Baremblitt,

2002, pp. 18-19)

Quanto aos grupos, podemos dizer que serão sempre operativos,

conforme definição de Pichon-Rivière51 (2005), visto que sempre haverá

uma tarefa, diferindo apenas de acordo com sua finalidade.

A instituição, entendida aqui como propõe Bleger (1980), se

apresenta atravessada por diferentes desejos e necessidades, desde sua

concepção enquanto “instituição” até a sua “organização”, dentro de um

determinado território, com seu quadro de funcionários e atendendo a

uma população alvo.

51 Ver o capítulo 8, Teoria e técnica dos grupos operativos segundo Enrique Pichon-Rivière.

462

As pessoas atendidas por essas instituições, por sua vez, também

estão atravessadas pela própria instituição família, tenha essas a

configuração que tiver, e se apresentam como sujeitos, com suas próprias

necessidades.

Assim, uma instituição nos remete a uma intrincada gama de

questões que precisam ser entendidas e, por fim, manejadas, para que o

profissional que se proponha a trabalhar principalmente atendendo grupos

alcance seus objetivos.

A partir desta introdução proponho que nos atenhamos primeiro

à própria instituição e, em seguida, à questão da formação de grupos.

O trabalho na instituição

As instituições têm suas origens na intenção de responder a

algumas demandas da sociedade. A instituição família é, assim, a primeira

a se formar, pela necessidade de proteção e pertença. Com a evolução das

sociedades e a complexidade da vida moderna, outras instituições vão

surgindo, se especializando, mas também assumindo funções sociais.

Podemos identificar instituições religiosas, que possivelmente surgiram

para dar conta do desamparo humano (os desvalidos, os carentes, os que

sofrem etc.), atuando também em instituições de educação, de saúde e

outras.

O que pode parecer mera formalidade de saber quem é o

mantenedor do serviço traz consigo insígnias do desejo constituinte, das

origens dessa instituição, portanto da forma pela qual ela se relaciona com

a sociedade, e os conflitos presentes entre o desejo fundante e a criação e

sustentação de um determinado serviço.

Assim, quando uma instituição passa a gerenciar uma unidade que

presta serviços à população, seja esse serviço da ordem que for, ele será

estruturado a partir das bases fundantes da instituição mantenedora. Por

exemplo, uma ONG, fundada a partir do voluntariado de um determinado

grupo de pessoas, valorizará que seus funcionários façam serviços de

voluntariado. Seria então normal ou esperado que os funcionários,

voluntariamente, participem da organização de eventos, fora do horário

de expediente, para a arrecadação de fundos.

É nesse cenário que o profissional desenvolverá as suas atividades.

463

Um acordo inconsciente é constituído e em certos casos imposto,

para que o vínculo se organize e se mantenha na

complementaridade convergente ou desigual dos interesses de

seus sujeitos, para que seja assegurada a continuidade dos

investimentos e dos benefícios ligados à subsistência da função

dos ideais comuns, do contrato e do pacto narcísico. O preço é o

desconhecimento do que está em jogo para cada um no vínculo.

(Kaës, 2009, citado por Castanho, 2012, p. 66)

Dessa forma, ao contratar um profissional para fazer parte da

equipe, a instituição buscará reconhecer as pessoas que valorizem o

trabalho do “voluntariado” e estimulará tal atuação. Da mesma forma, esse

deve ser um valor para o profissional contratado. Quanto mais

convergência houver nesses princípios, menor o conflito. Por não ser

explícito, e muitas vezes já desvinculado da própria origem da instituição,

ele se torna um pacto inconsciente, onde ambas as partes desconhecem a

origem e a natureza do pacto, e consequentemente o que está em jogo nos

vínculos ali estabelecidos.

Feitas essas considerações, passemos então a pensar os grupos

dentro das instituições.

Os grupos nas instituições

“A instituição de um setting apropriado para uma grupoterapia com

crianças é de fundamental importância. Deve haver uma estrita obediência

aos critérios de homogeneidade quanto aos limites da faixa etária e ao tipo

de patologia das crianças selecionadas” (Zimerman, 1993, p. 157).

Apesar de se referir ao grupo com crianças, o alerta que Zimerman

nos traz serve como norte para a instalação de todo e qualquer grupo, não

apenas com crianças. A formação de um novo grupo exige um cuidado

especial com a formatação do setting.

Os grupos, dentro das instituições, normalmente são formados

como “grupos homogêneos”, assim entendidos aqueles em que todos os

participantes apresentam uma mesma característica: de patologia, de faixa

etária, de sexo, de dificuldades pontuais ou outras. Porém, é importante

lembrar que todo grupo, mesmo que homogêneo em um ou mais aspectos,

será heterogêneo nas demais características que o compõem.

464

O enquadre e sua função de continência

Ao buscar cumprir sua missão, a instituição se depara com as

dificuldades inerentes do lidar com a população da qual se propôs a cuidar.

Quando atendemos populações vulneráveis, como as pessoas com

sofrimentos psíquico, usuários de drogas ou crianças, estamos implicados

diretamente com uma família, uma escola, o Conselho Tutelar, a Vara de

Justiça etc. Muitas vezes, no caso de crianças ou adolescentes, estes se

encontram abrigados, com restrições de visitas familiares, ou ainda em

processo para retornar à família. Sofreram ou sofrem de maus-tratos,

violências de todas as espécies, vivem em condições precárias de

subsistência, dentre outras. Deparar-nos-emos com famílias que são ou

aparentam ser negligentes em seus cuidados. Tais situações podem

provocar “atuações” da equipe e da instituição. É comum ouvirmos

membros da equipe, seja da recepção, seja da segurança ou até mesmo

integrantes da equipe técnica, se referir a uma determinada família de

forma pejorativa, o que evidencia os conflitos vividos pela equipe e por

cada um de seus membros, e dificulta o acolhimento e a continência

necessária, que o serviço deveria oferecer a essa população. Segundo Kaës,

“nas instituições, uma parte considerável dos investimentos psíquicos é

destinada a fazer coincidir numa unidade imaginária essas ordens lógicas

diferentes e complementares, a fim de fazer desaparecer o caráter

conflitante que contêm” (Kaës, 1987/1991, citado por Castanho, 2012, p.

94).

Esses ruídos podem ser reprimidos por representarem um ataque

à população e à própria instituição, ou serem entendidos como um alerta,

uma sinalização de aspectos que necessitam ser compreendidos para em

seguida serem cuidados.

O trabalho em equipe multiprofissional52 requer alguns cuidados,

na medida em que muda o paradigma da relação dos profissionais com o

fazer institucional. Nas instituições, principalmente as de saúde, o trabalho

52 Equipes multiprofissionais são formadas por profissionais com diferentes formações, portanto interdisciplinares, que atuam juntos, muitas vezes em coterapia, no fazer da instituição.

465

em equipe multiprofissional tem sido o de escolha, na medida em que

possibilita um olhar multifocal e caleidoscópico para a compreensão das

intervenções necessárias e a escolha do manejo dos projetos terapêuticos.

Se por um lado amplia a compreensão, por outro amplifica os ruídos e

explicita os conflitos profissionais, das diferentes áreas do saber e suas

abordagens e, por fim, da própria instituição, como foi dito anteriormente.

Nesse ponto é fundamental ressaltar a importância e a necessidade

de alguns dispositivos de apoio:

Reunião da equipe multiprofissional. Este é um dos espaços mais

importantes para a elaboração e manutenção dos projetos

desenvolvidos por uma equipe. Ela deveria contar com a

participação de todos os membros da equipe e ser coordenada pelo

gestor da unidade. Para tanto, seria desejável que se suspendessem

todas as agendas, internas e externas, num determinado período,

para permitir, na medida do possível, a participação de todos na

reunião. Na reunião se discutiriam não apenas aspectos técnicos e

burocráticos, mas sobretudo os aspectos da própria dinâmica

institucional e os conflitos que surgem no decorrer dos trabalhos.

A reunião da equipe multiprofissional pode ter seu tempo dividido

entre reunião administrativa e técnica. Vale ressaltar que a

elaboração de uma pauta prévia organiza e otimiza a reunião, assim

como a preparação dos casos que serão discutidos.

Supervisão institucional. Tem se mostrado como a ferramenta mais

adequada para dar suporte às equipes, auxiliando-as a

reconhecerem seus conflitos e a buscarem recursos internos e

externos para lidar com eles. Nessa modalidade é recomendável a

supervisão clínico-institucional, na qual o supervisor, a partir de

discussões de casos clínicos, faz também uma leitura dos conflitos

e da dinâmica da própria equipe.

Reuniões de miniequipe. Essas reuniões devem ser breves e servem

para que os profissionais discutam os casos atendidos naquele dia

ou período. Esse espaço é de fundamental importância para que

os profissionais que estão trabalhando com um determinado

projeto ou grupo reflitam sobre as dinâmicas observadas. Essas

466

reuniões possivelmente contribuirão para o material de discussão

com a equipe multiprofissional e para a supervisão.

A supervisão institucional cuida da saúde da própria instituição, a

reunião da equipe multiprofissional cuida dos profissionais, a reunião de

miniequipe cuida dos vínculos desses profissionais e os profissionais

cuidam da população.

A instituição é assim um organismo vivo, que responde ou ecoa

aos diferentes movimentos que vão acontecendo no seu dia a dia. A

concepção de metaenquadre, introduzida por Kaës, onde há um

encaixotamento dos diferentes níveis dentro de uma instituição e em que

eles funcionam em sistemas de comunicação e reverberação, pode nos

ajudar a entender e manejar a dinâmica institucional.

Recorri à noção de metaenquadre, ou de enquadre do

enquadre, para explicar o fato de que todo enquadre é enquadrado

por um enquadre que o contém, sustenta, atrapalha ou entrava.

Essa noção é bastante útil para compreender as relações entre

enquadre psicanalítico da cura, o enquadre psicanalítico da

supervisão e o enquadre psicanalítico da instituição psicanalítica.

(Kaës, 2007, citado por Castanho, 2018, p. 120)

Ao se definir o enquadre sob o qual o profissional trabalhará com

determinado grupo, os demais enquadres serão automaticamente

questionados, apontando diferenças de outros modelos e incongruências

institucionais. Como exemplo, podemos pensar numa instituição que

trabalha com metas de alta produtividade e que resolve utilizar o

dispositivo grupo, a partir das premissas de que implantar o trabalho com

grupos aumentaria a capacidade de atendimento, que qualquer profissional

estaria apto a coordenar um grupo, ou ainda que o grupo é um lugar que

aplaca os conflitos entre demanda e capacidade de acolhimento. Ao

implantar o dispositivo grupo nos moldes que estamos propondo, o fluxo

interno dos pacientes e a dinâmica da instituição sofrerão mudanças, seja

pelo estranhamento frente ao novo, seja pelas ressonâncias que o próprio

grupo produzirá. Como dispositivo de cuidar, requer um planejamento e

uma pactuação, com a própria equipe e com a instituição, como veremos

em seguida.

467

Enquadre

O enquadre é o resultado de todos os procedimentos que

organizam, normatizam e possibilitam o processo grupal, incluída aqui a

própria instituição. Resulta de uma conjunção de combinações, como, por

exemplo, o local onde acontecem os encontros, o horário de início e

término, a recepção dos membros do grupo, o tempo de duração da

sessão, o número de participantes, se o grupo é aberto ou fechado, entre

outras. É preciso delimitar e preservar as combinações feitas a priori, pois

servem como um cenário ativo da dinâmica grupal, que resulta do impacto

de múltiplas e constantes pressões.

Segundo Winnicott (1999), a função materna de holding, com o

crescimento da criança, passa a ser exercida também pela família. Desse

modo, a instituição também exerce essa função, holding, visto que acolhe o

paciente quando ele necessita e propicia um campo transferencial propício

para o estabelecimento dos cuidados necessários.

O enquadre, mais que normatizar procedimentos e espaços,

institui a função de continência para as demandas do grupo, assegura uma

distinção entre os indivíduos, reconhecendo-os em sua singularidade,

propicia uma segurança maior para lidar com conflitos interpessoais, e é

um lugar de apoio e sustentação, o que fortalece o sentimento de pertença,

de segurança e a própria identidade.

Dessa forma, o estabelecimento de um enquadre adequado ao

trabalho é uma das primeiras providências a que o profissional deve se ater

na contratação de um grupo. É fundamental negociar com a instituição a

constituição de um espaço que garanta uma sala de tamanho proporcional

ao número de pessoas que se pretende atender, e que deve ser ventilada e

iluminada adequadamente, estar adequadamente mobiliada e contar com

um isolamento acústico que garanta a privacidade e o sigilo que o trabalho

exige.

Se o grupo for com crianças, a sala deve ser equipada com mobília

específica. Nas instituições, pelo volume de atendimento e pela dificuldade

de organização, é comum o uso de armários coletivos com os materiais

lúdicos. Como os grupos de crianças produzem muito material e

468

principalmente material gráfico, são usadas pastas, uma por grupo, para

guardar essa produção. O trabalho em grupo com crianças será abordado

de forma mais detalhada num capítulo específico (capítulo 18).

Outra proposição que nos ajuda a entender a complexidade da

formação de um novo grupo dentro de uma instituição é o conceito de

“acoplamento de settings”, introduzido por Paulo Jeronymo P. Carvalho:

Chamamos de acoplamento de settings o processo pelo qual o setting

planejado de um dispositivo clínico grupal – desenhado para

desenvolver determinada tarefa demandada por uma instituição

que o conterá – será posto a funcionar dentro dessa instituição,

com a função de dar conta de fazer o dispositivo clínico grupal

funcionar para desenvolver sua tarefa. E, ao mesmo tempo, o

processo pelo qual toda uma estrutura funcional da instituição

continente, e especialmente uma certa parte mais próxima da

localização institucional onde se dará a implantação do dispositivo

clínico grupal, ou seja, aquilo que chamaremos de setting

institucional, aceitará e adaptar-se-á às exigências e necessidades

do setting grupal do dispositivo clínico que está sendo implantado.

(Carvalho, 2015, p. 159)

Segundo Carvalho (2015), ao criar e implantar um dispositivo

grupal numa determinada instituição, ela deverá se adaptar às novas

demandas e necessidades desse dispositivo, o que provocará uma

reverberação em cadeia em toda a estrutura institucional. O dispositivo

grupo, como recurso de trabalho, não pode aparecer como um apêndice.

Deverá ser incorporado enquanto dispositivo e, portanto, a instituição

deverá fazer os ajustes necessários para sua implantação. Entendemos,

porém, que se trata de uma questão dialética: ao mesmo tempo que a

instituição aceita e busca os recursos mínimos necessários para esse

acoplamento, não é difícil identificarmos os diferentes ataques que põem

em xeque tal propósito. São comuns relatos em que o espaço destinado

aos grupos é embaixo da escada, num canto do pátio, sem nenhuma

privacidade, ou, ainda, o espaço é requisitado para outras atividades,

ocorre a retirada de materiais para a utilização em outras salas sem sua

devida reposição, há entrada indiscriminada de pessoas durante a sessão

469

do grupo para dar recados, observar as atividades, “ajudar” nas atividades

etc.

Esses movimentos evidenciam as reverberações que a implantação

de um novo dispositivo pode provocar. Inconscientemente, ataca-se o

trabalho, visto que interferem de modo a criar uma instabilidade; ao

mesmo tempo, apontam para aspectos muitas vezes negligenciados pelos

profissionais na instituição, como a dificuldade da instituição em lidar com

as diferenças, bem como de compreender a importância de se instituir e

manter o setting grupal. Essas reverberações evidenciam a importância do

acoplamento de settings para que haja de fato uma mudança do paradigma

institucional. Há uma necessidade constante de desenvolver um trabalho

na instituição, nos diversos níveis hierárquicos, para esclarecer as

mudanças necessárias para a implantação do trabalho com grupos. Por

exemplo, na saúde a figura do médico que cura, que atende em uma relação

dual, está na gênese da instituição. Ao incorporar outras práticas e outros

profissionais, questiona-se a própria origem e sua estrutura.

Como dissemos anteriormente, toda e qualquer modificação no

setting interferirá na execução da tarefa e modificará o grupo, e por fim a

própria instituição.

O profissional e o setting na instituição

O estabelecimento dos parâmetros operacionais para a

implantação de um grupo é uma tarefa importante, bem como a garantia

de que o setting seja respeitado.

O setting de um grupo específico está interligado com toda a

instituição e, portanto, o coordenador do grupo estará entre essas

diferentes forças. Assim, preparar o espaço destinado ao grupo e estar

disponível para recebê-lo no horário marcado consolida toda uma

construção, tornando viável e factível a incorporação do dispositivo. Se

for, por exemplo, um grupo verbal, com dez participantes e dois

coordenadores, o esperado é que, no horário estipulado, os participantes

encontrem a sala já preparada, com doze cadeiras e os coordenadores à

espera.

Ao instituir o setting e ocupar o lugar de coordenador, desencadear-

se-á uma reverberação na instituição, uma caixa polifônica, onde as

470

diferentes vozes, aqui entendida como tensões, ecoarão. As tensões das

quais estamos tratando são facilmente identificadas nas “atuações” que

ocorrem nas equipes, como a criação de acordos e regras que minam o

próprio trabalho, tais como “só atendo o grupo se estiverem todos

presentes”, “se vier só um, não atendo”, “se chegar atrasado, não entra”,

entre outras.

A dinâmica que cada grupo desenvolve servirá de elemento para

entendermos os conflitos e as demandas que vão surgindo, bem como as

intervenções necessárias. Haverá sempre um conflito entre o grupo

idealizado e o grupo real que se forma. Esses fenômenos são decorrentes

do próprio trabalho grupal e deveriam servir de alerta para os

coordenadores. Aqui abre-se uma longa discussão, mas gostaria de fazer

apenas algumas observações: as faltas, os atrasos e os silêncios são

manifestações decorrentes da vivência grupal, e devem assim ser

manejadas adequadamente pelos coordenadores, sem que se criem regras

para se defenderem do processo grupal.

Mais do que normatizar, o setting cria um espaço de confiança e de

acolhimento. O grupo se inicia com os elementos presentes. A

interferência causada pela chegada de mais um elemento, a cadeira vazia

devido a uma falta, o silêncio são elementos a serem trabalhados como

emergentes do próprio grupo.

Definições mínimas para a constituição de um grupo institucional

Ao definirmos a criação de um novo grupo, é importante levar em

conta alguns quesitos:

Público alvo: A partir da demanda da instituição, interna ou

externa, deve-se identificar a necessidade de oferecer um novo

dispositivo grupal.

Espaço destinado ao grupo: É importante manter a mesma sala

e os mesmos objetos, bem como respeitar os horários pré-

determinados de início e fim. Nesse aspecto, o enquadre, como foi

dito anteriormente, tem função continente, organizadora, como

uma caixa de ressonância dos demais enquadres institucionais.

Número de participantes: Deve levar em conta o objetivo do

grupo. Uma assembleia é um grupo que congrega todos os

471

usuários de um serviço. Um grupo psicoterápico ou um grupo de

orientação ou temático comportarão diferentes participantes.

Assim, um grupo pode variar desde um pequeno grupo, com três

participantes (ou dois, no caso de terapia ou orientação de casal),

até um grande grupo. Se o objetivo do grupo é dar oportunidade

para que todos tenham a possibilidade de se expressar, um número

máximo recomendado é de 15 pessoas.

Frequência do grupo: De acordo com a proposta do trabalho e

a gravidade dos casos atendidos, os encontros podem ter

frequência diferenciada. Ao atendermos pacientes em sofrimento

emocional, a frequência semanal possibilita uma maior

continência, apoio e elaboração dos sofrimentos vividos. Os

demais grupos, de orientação ou temáticos, podem ter frequência

quinzenal ou mensal.

Tempo de duração da sessão: O tempo de duração das sessões

pode variar de 60 a 90 minutos. Nesse quesito, o número de

participantes e a proposta de trabalho são determinantes. Um

grupo que pretenda trabalhar com a subjetividade dos

participantes, um grupo verbal, com objetivo psicoterápico, deverá

oferecer um tempo de acolhimento maior para que todos possam

se expressar. Nos grupos com crianças pequenas, 60 minutos é um

tempo razoável para se manter o grupo trabalhando. Os grupos

educativos podem ter um tempo menor de trabalho.

Tempo de duração do grupo: Existem dois tipos de grupos: os

grupos breves53, com número pré-determinado de encontros,

geralmente grupos temáticos ou educativos, que normalmente são

fechados, ou seja, se iniciam com um número determinado de

pessoas, sem que seja possível a entrada de mais participantes no

decorrer do processo. E há os grupos abertos, sem previsão de

término (como nos grupos psicoterápicos, e os de ludoterapia),

nos quais a entrada de novos participantes ficará sempre a critério

do coordenador do grupo.

53 Tipo de grupo breve não deve ser confundido com “terapia breve”, que é uma técnica de intervenção.

472

Tipos de grupos

Grupos breves: As oficinas temáticas e os grupos de

acolhimento são as principais modalidades desse tipo de grupo.

Por exemplo, grupos de orientação de gestantes, onde são

estabelecidos o número de encontros necessários para a tarefa

proposta, o número máximo de participantes, bem como o perfil

da população. Nesse exemplo, poderíamos restringir o grupo a

gestantes que estejam entre o quinto e o sexto mês de gestação e

seus companheiros.

Grupos abertos: Os grupos abertos não têm tema predefinido;

trabalham com demandas que surgem do próprio encontro, sem

número pré-determinado de encontros. A entrada de novos

elementos deve ser pensada dentro do próprio contexto do grupo,

e avaliada por seu coordenador. Esses grupos podem ser

terapêuticos ou de reflexão54.

Oficinas terapêuticas: As oficinas terapêuticas, por sua própria

definição, trabalham a partir de projetos, como oficina de fuxico,

de música etc.; porém, com o intuito de trabalhar a dinâmica e os

emergentes emocionais que surgem no próprio fazer. Assim, as

oficinas terapêuticas se assemelham, no manejo, aos grupos

abertos, onde a entrada de novos participantes deve ser pensada

dentro do próprio contexto grupal.

O grupo na instituição

A formação de grupos pode se dar pela demanda interna da

instituição, mediante discussões de casos nas reuniões de equipe, onde se

identifica a necessidade da criação de novos serviços para atender a uma

determinada população, ou, então, pela demanda externa que chega à

54 O grupo de reflexão é uma modalidade mais utilizada para a formação de profissionais, visto que possibilita uma vivência grupal, com a possibilidade de observar o modelo de coordenação e compreensão dos fenômenos grupais vivenciados.

473

unidade de saúde, espontaneamente ou encaminhada por outros serviços

da região. Ou ainda, mais comumente por ambas as demandas.

O acolhimento ou triagem é um importante instrumento para a

identificação da demanda que chega ao serviço. É a partir desse primeiro

contato que podemos identificar se há uma sinergia entre as necessidades

locais e as propostas da instituição. Outro fator importante é identificar os

encaminhadores, e esclarecer com eles a missão da instituição, sua

proposta de atuação e seus limites de ação.

Para cumprir sua missão, a instituição deve trabalhar em rede55

com os demais atores sociais, dentro de seu território56. O matriciamento57

também tem se mostrado uma ferramenta importante na gestão dos casos.

Como sabemos, os usuários de um determinado serviço também serão

assistidos em outras instituições, como o Programa de Saúde da Família

(PSF), o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), os Centros de

Atenção Psicossocial (CAPS), escolas, abrigos, entre outras. Ao lançar

mão dessas estratégias, a instituição amplia seu olhar, bem como

corresponsabiliza os demais parceiros no cuidar integral daquela

população. Assim, também podemos perceber como a instituição está

representada no imaginário da comunidade, tanto de usuários como de

profissionais da região.

Na entrevista com os usuários e familiares é possível identificar

também as motivações para a procura por aquele serviço naquele

momento, qual a queixa ou demanda e como chegaram àquela instituição,

55 O conceito de rede pressupõe uma articulação entre os diferentes equipamentos sociais de um determinado território, de forma a estabelecer um vínculo de parceria e de sustentação. 56 Com suas singularidades, é um espaço com limites que podem ser político-administrativos ou de ação de um grupo de atores sociais. Internamente, é relativamente homogêneo, identificado pela história de sua construção e, sobretudo, é um local de poder, uma vez que nele se exercitam e se constroem os poderes de atuação do Estado, das organizações sociais e institucionais e de sua população (Gondim et al., 2002, citado em Colossi & Pereira, 2016). 57 O matriciamento deve proporcionar a retaguarda especializada da assistência, assim como um suporte técnico-pedagógico, um vínculo interpessoal e o apoio institucional no processo de construção coletiva de projetos terapêuticos junto à população (Chiaverini, 2011, p. 15).

474

se foi uma busca espontânea, uma indicação ou ainda por um

encaminhamento formal.

O atendimento em um determinado serviço muitas vezes não é

uma escolha pessoal, mas uma imposição institucional, bem como qual

profissional o atenderá. Assim, essa é uma oportunidade de esclarecer a

missão da instituição, o porquê aquele profissional foi designado para o

atendimento, a dinâmica da própria instituição, a proposta de trabalho em

grupos, os benefícios do grupo, assim como identificar as possíveis

resistências e idealizações quanto ao serviço procurado.

Para a formação de um grupo em uma instituição, entendemos que

deve-se levar em conta os aspectos psicodinâmicos de cada um dos

elementos:

Nos grupos de adultos, pelo menos uma entrevista prévia é

fundamental antes da inclusão no grupo, tanto para o profissional

conhecer o futuro integrante, como para se apresentar a ele; mas,

sobretudo, para identificar o funcionamento psíquico desse novo

elemento e sua compatibilidade com o atual momento do grupo.

Por exemplo, a inclusão de uma pessoa muito deprimida pode

trazer uma carga que o grupo não está apto a suportar,

desestruturando o próprio grupo.

Se o grupo for com crianças, esse processo demanda ainda mais

etapas, visto que implica procedimentos como anamnese com os

pais, familiares ou responsáveis, aplicação de testes,

principalmente os projetivos, observação lúdica etc. Para um

melhor manejo da situação grupal, é preciso compreender as

necessidades desse novo elemento, sua forma de vinculação, como

utiliza os brinquedos, sua capacidade de suportar frustrações etc.

Esse processo em geral conflita com uma certa pressão que a

instituição faz para que o profissional inclua a criança em um

grupo e, durante o processo, faça as investigações para esclarecer

os aspectos psicodinâmicos e fechar uma hipótese diagnóstica.

Essa prática é sempre arriscada, principalmente se estamos

trabalhando com uma população com graves comprometimentos

emocionais. Outro elemento importante a ser considerado na

constituição de um grupo de crianças é o envolvimento do

475

responsável pela criança, seu comprometimento com a proposta

de trabalho, e o quanto conhece e reconhece as necessidades da

criança.

Se o objetivo é facilitar a formação de um grupo, e não de um

agrupamento, é necessário que os elementos que comporão o grupo

tenham uma vivência de intimidade e que estabeleçam laços seguros.

Assim, uma alta rotatividade de pessoas no grupo, a inclusão de pessoas

aleatórias, sem perfil para aquele grupo, grupos muito grandes etc.,

dificultam ou mesmo impedem que se forme um grupo, e teríamos,

segundo Bleger, apenas um agrupamento.

No grupo, os vínculos são múltiplos e os fenômenos vinculares

que vão ocorrendo podem, com a chegada de um novo integrante, pôr

todo o trabalho em risco. Um novo componente, em virtude de suas

características, pode introduzir aspectos destrutivos, com o qual o grupo

não suporta lidar. Por exemplo, aceitar duas ou mais pessoas com

características de personalidade paranoide no mesmo grupo pode gerar

vivências de constante rivalidade e belicosidade nas sessões.

Os grupos realizados nos CAPS e Centro de Convivência e

Cooperativa (CECCO) merecem uma consideração à parte. O CAPS por

ser um serviço de tratamento em Saúde Mental, e o CECCO por atender

a mesma população, com a proposta de convivência, reinserção e geração

de renda através das cooperativas. Os grupos nessas unidades são

compostos por pessoas que apresentam grande sofrimento mental,

algumas em franco surto psicótico, depressão grave, crianças autistas etc.

Nesse sentido, podemos dizer que se tratam de grupos homogêneos, que

devem seguir as mesmas recomendações aqui expostas.

Composição de um novo grupo na instituição

Quando falamos em grupo, aparentemente estamos falando

somente de pessoas reunidas, sentadas em círculo e falando sobre

determinado assunto, ou crianças brincando juntas num mesmo espaço.

Ao abordarmos a questão grupo, estamos propondo o grupo como um

lugar que albergue pessoas com diferentes necessidades, capacidade de

interação e pertença, como visto mais amplamente em capítulo

introdutório neste livro (capítulo 2). Assim, podemos pensar em grupos

476

de crianças autistas, grupos de pacientes psicóticos, ou grupos de mulheres

que se reúnem para fazer artesanato.

A formação de um novo grupo pressupõe a alocação de vários

recursos físicos, materiais e humanos, e o estabelecimento de um fluxo de

recebimento de novos casos e de critérios de inserção ou não no serviço,

bem como a rediscussão dos casos já em acompanhamento.

Tomemos como exemplo um determinado CAPSi, que atende

crianças com quadros graves de saúde mental, como autismo, psicose,

esquizofrenia etc. A demanda do dia é acolhida por um profissional

designado, que fica responsável não apenas por receber, mas também

orientar e conduzir os casos. Essa função normalmente é rotativa entre os

profissionais da equipe técnica. Porém, por ser um lugar estratégico para

o bom funcionamento da unidade, é recomendável que não sejam

designados para essa função profissionais inexperientes, o que

possivelmente acarretaria a inclusão de casos não elegíveis, bem como a

não identificação de casos prioritários. Após o acolhimento, a

compreensão da demanda e, principalmente, a identificação da

necessidade de intervenção e a pertinência de que seja realizada pelo

próprio serviço, os casos acolhidos durante a semana são discutidos na

reunião da equipe multiprofissional, onde se reavalia a pertinência do

acompanhamento na instituição e se traça um plano terapêutico.

Num determinado período, começam a chegar casos de crianças

pequenas, na faixa de três a quatro anos, encaminhadas por pediatras da

região. Nas entrevistas surgem uma menina de três anos que, apesar de

afetiva, inteligente e sem comprometimento auditivo, não falava, mas se

comunicava muito bem por gestos; um menino de três anos que, apesar

de independente e com boa capacidade de se relacionar, busca a todo o

momento a mãe, para mamar; e um outro menino, de três anos, que é

encaminhado após uma crise de “agressividade”, na qual esfaqueia a tela

da televisão.

Os casos foram apresentados em reunião da equipe

multiprofissional e decidiu-se que seria importante compreender melhor

as necessidades dessas crianças e as dinâmicas de suas famílias. Iniciou-se,

assim, um processo de psicodiagnóstico, para melhor compreensão da

complexidade dos casos.

477

Após conclusão do processo psicodiagnóstico, os três casos foram

levados novamente para a discussão na equipe multiprofissional, onde se

entendeu que havia um sofrimento emocional, e que tanto as crianças

quanto os seus familiares apresentavam dificuldades em reconhecer e

suportar limites e expressar e/ou conter as demonstrações de

agressividade. E, em relação às mães, havia um vínculo simbiótico com

seus filhos.

Iniciar um atendimento com essas crianças implicaria estabelecer

uma prioridade em detrimento de outros casos, reservar um espaço físico

para a realização dos atendimentos, mobilizar os profissionais que

acompanhariam as crianças e suas famílias etc.

Após esse processo, ficou estabelecido que as crianças e seus

familiares frequentariam um grupo, uma vez por semana, e que um

técnico, no caso um psicólogo, acompanharia o grupo de crianças, em

coterapia com um estagiário, e outro profissional faria o acompanhamento

do grupo de familiares. O grupo de crianças seria composto por, no

máximo, quatro crianças, devido à faixa etária e aos aspectos agressivos e

regressivos observados.

Quanto ao grupo de pais e familiares, é possível, se respeitadas as

características das demandas das crianças envolvidas, trabalhar com um

grupo maior, abrangendo vários grupos de crianças. Por exemplo, num

determinado período, todas as crianças acompanhadas em diferentes

atividades, seus pais e familiares poderiam ser agrupados num mesmo

grupo de orientação. Cabe aqui a ressalva de que as demandas dos grupos

deveriam ser semelhantes. Orientar um grupo de pais ou familiares de

crianças autistas juntamente com um grupo de pais ou familiares de

adolescentes com quadro de tentativa de suicídio, por exemplo, não se

mostra apropriado, porque as necessidades e as demandas não são da

mesma ordem.

Os grupos de orientação de pais ou familiares em instituições que

atendem crianças, principalmente crianças pequenas, tendem a funcionar

melhor se realizados no mesmo horário do atendimento das próprias

crianças, visto que elas são trazidas pelos cuidadores, os quais devem

permanecer na unidade enquanto dura o atendimento.

478

Apesar de serem denominados grupo de orientação, tais grupos

não têm caráter pedagógico. Aproximam-se mais de grupos de reflexão,

na medida em que visam a compreender as dinâmicas familiares, esclarecer

o processo terapêutico da criança e identificar sofrimentos emocionais na

própria vivência grupal.

O grupo de orientação serve de suporte, de continente para as

pessoas que o compõem. Frente a todas as possíveis fantasias,

anseios e medos que um diagnóstico de doença mental pode trazer,

o grupo, a partir das diferentes vivências e possibilidades de seus

participantes, tem maior condição de criar um espaço de empatia,

pela troca horizontal que pode acontecer, onde as experiências vão

sendo divididas e servindo de suporte às angústias de todos.

(Rufatto, 2006)

Num determinado grupo de orientação, composto por mães de

crianças autistas, havia uma angústia frente às estereotipias apresentadas

pelas crianças, principalmente no transporte coletivo, visto que as mães se

sentiam julgadas e até mesmo recriminadas “por terem um filho

esquisito”. Somente quando se pôde, no seio do grupo, reconhecer e falar

das próprias “manias”, esquisitices aos olhos dos outros, é que foi possível

para essas mães reconhecer as estereotipias como manifestação dos

conflitos vividos por suas crianças, e não como bobeiras e esquisitices.

Seria recomendável que a formação de um novo grupo, ou mesmo

a alteração dos elementos que o compõem, ocorresse a partir das

discussões nas reuniões da equipe multiprofissional. Dessa forma, haveria

espaços para a discussão dos casos novos e a apresentação dos casos já em

acompanhamento, naquele momento, na instituição, considerado “caso”

como o de determinada pessoa, ou mesmo o funcionamento de um grupo.

Ao socializar o processo, compartilhar as dificuldades e pensar em

possíveis manejos que facilitariam o processo, permite-se a todos que

conheçam o trabalho que cada profissional desenvolve, bem como os

pacientes que estão em acompanhamento, criando assim um imaginário

coletivo sobre o próprio trabalho.

Ao mesmo tempo em que cria uma grande sinergia, essa vivência

nas reuniões de equipe multiprofissional também evidencia as diferenças

e os conflitos inerentes à vivência institucional, e conduz à compreensão

479

e ao manejo dos diferentes casos. Cabe ressaltar a importância da presença

e do acompanhamento de um(a) supervisor(a) institucional que ajude a

equipe a reconhecer, apesar de suas diferenças, um denominador comum,

possibilitando assim um diálogo e a construção de um projeto terapêutico

para o serviço.

Por exemplo, numa equipe multiprofissional onde as diferenças

teóricas e técnicas serviam de resistência para a implantação de um

trabalho grupal para crianças autistas ou com grande dificuldade de

expressão e contato, somente foi possível superar tais diferenças quando

foi reconhecido que as crianças precisavam de um lugar de maternagem.

Assim criaram-se os “grupos de maternagem”. Ao ser reconhecida e

nomeada pela equipe a maternagem como um manejo necessário aquela

população atendida, as questões teóricas e técnicas puderam ser superadas.

Grupo e instituição, considerações finais

Participar da dinâmica de uma instituição, quer como usuário, quer

como funcionário, implica ser atravessado pela cultura ali instituída.

Os grupos, apesar de acontecerem entre paredes e ter seu setting

preservado, serão sempre permeados pela cultura institucional.

Para um bom manejo do grupo, é preciso cuidar de vários aspectos

que antecedem a sala de atendimento. Desde a proposta da composição

do novo grupo, o perfil que ele deve ter e as discussões com a equipe até

as repercussões que haverá depois de ter sido instalado.

Trabalhando, por exemplo, em serviços como Centro de Atenção

Psicossocial (CAPS) com o conceito de ambiência terapêutica ou da clínica

ampliada, o próprio setting e os enquadres tomam conta de todo o campo

da instituição, e torna-se importante uma interlocução com os diferentes

atores que compõem o serviço.

Mas haverá também o momento quando a porta se fecha, um

grupo menor se reúne, uma tarefa é proposta, mesmo que seja a de

conversar, brincar, contar histórias, ou fazer algo a partir de alguns

materiais. O grupo se forma, se estrutura e passa a albergar a psique

daqueles que naquele momento ali convivem. Em seguida, se dispersa e se

recompõe em outros grupos, na hora do lanche, na roda de dança, nas

oficinas.

480

O trabalho em grupo em instituições passa, assim, por pensar as

diferentes inserções que os grupos podem ter e a compreensão de onde

ele se insere, o “furor curandis” da instituição e a real demanda que chega

aos profissionais.

O manejo necessário é aquele que inclui todos os aspectos e pode

produzir os significados e os significantes em cada uma das instâncias

envolvidas no processo.

Referências

Baremblitt, G. F. (2002). Compêndio de análise institucional e outras correntes:

Teoria e prática. Belo Horizonte: Instituto Felix Guattari. (Trabalho

original publicado em 1992)

Bleger, J. (1980). Grupos operativos no ensino: Temas de psicologia. São Paulo:

Martins Fontes.

Carvalho, P. J. P. (2015). A subjetividade nos grupos e instituições. São Paulo:

Chiado.

Castanho, P. C. G. (2012). Um modelo psicanalítico para pensar e fazer grupos em

instituições. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, SP.

Castanho, P. C. G. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos

em instituições. São Paulo: Linear aBarca.

Chiaverini, D. H. (2011). Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental.

Brasília, Ministério da Saúde.

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_pratico_matricia

mento_saudemental.pdf

Colossi, C. F., & Pereira, K. G. (2016). Territorialização como instrumento do

planejamento local na Atenção Básica. Florianópolis: Universidade Federal

de Santa Catarina.

https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/13957/1/TERRIT

ORIALIZACAO_LIVRO.pdf

Pichon-Rivière, E. (2005). O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes.

Rufatto, A. T. (2006). Reflexões sobre o trabalho de orientação em grupo

para pais e/ou familiares em uma instituição que atende crianças com

graves comprometimentos emocionais. Revista da SPAGESP, 7(2),

18-22.

481

Winnicott, D. W. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.

Winnicott, D. W. (1978). Textos selecionados da pediatria à psicanálise. Rio de

Janeiro: Francisco Alves.

Winnicott, D. W. (1999). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes.

Zimerman, D. E. (1993). Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre:

Artes Médicas.

483

24 Dor e sofrimento: psicoterapia grupal

para pacientes com dor crônica Lazslo Antonio Avila

As dores, em todas as suas formas, seja dor física, dor emocional,

dor moral, dor psíquica etc., são sempre vividas como desagradáveis,

perigosas e perturbadoras. E dentre elas, a dor física vem sendo

considerada desde o início dos tempos históricos como algo a ser sempre

que possível evitado.

Em Aristóteles encontra-se formulado claramente: Dor e prazer

são as principais forças que movem a alma humana, são paixões que

arrastam o indivíduo e põem em risco o Logos, a Razão (Lebrun, 1987).

Freud, que bebeu abundantemente na fonte grega, também deu ampla

importância ao estudo da Dor. Porém, seu foco foi principalmente a dor

psíquica, que toma as formas da angústia, do sentimento de culpa

inconsciente e da dor moral que move a ação do Superego e determina, na

consciência, a atuação do mecanismo da repressão (Freud, 1895/1973a).

Quanto à dor física, propriamente, Freud a considerou em três

momentos principais: entre 1893 até 1915 (Primeira Tópica: Consciente e

Inconsciente), de 1915 a 1920 (metapsicologia) e entre 1920 e 1938

(Segunda Tópica: Id, Ego e Superego). Quando estava elaborando sua

primeira teoria do psiquismo, e já pensando em termos do permanente

dualismo dessas forças, o criador da psicanálise considerou que a oposição

entre as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação era o principal

móvel do psiquismo (Freud, 1917/1973c). Visando sua autopreservação,

o indivíduo escolheria reprimir suas tendências sexuais, mas esse

estrangulamento teria a consequência inevitável de gerar sintomas e,

portanto, novas formas de sofrimento psíquico.

Visando fugir das consequências do conflito entre a descarga de

suas pulsões sexuais, com a realidade e com os seus valores morais, a

consciência obrigaria à repressão e dessa forma buscaria proteger a

integridade do indivíduo. O reprimido, porém, sempre retornaria, e assim,

484

cedo ou tarde, o indivíduo se defrontaria novamente com o sofrimento

(Freud, 1922/1973e). Às vezes, esse conflito se manifestaria na forma de

dor física, e tratando analiticamente os pacientes que sofriam histerias de

conversão, Freud compreendeu que a dor física era o substituto de uma

dor moral que havia sido reprimida (Freud, 1895/1973a). No tratamento

analítico, essa dor moral reemergiria na consciência, e poderia então

encontrar um novo destino e ser aliviada.

Essa perspectiva sobre as dores físicas e emocionais, conectadas

às suas primeiras descobertas sobre o significado dos sintomas, dos

sonhos, dos atos falhos e dos atos sintomáticos prevaleceu até que a

psicanálise alcançou sua maturidade conceitual, por volta de 1915. Em

seus estudos metapsicológicos, Freud levantou a interessantíssima

hipótese de que a dor física poderia ser o protótipo da consciência

corporal, pois a dor nos alerta para a existência dos órgãos e diferentes

tecidos e partes do corpo, compondo a base da imagem corporal. No seu

texto sobre a Repressão (Freud, 1915/1973b), ele chegou a comparar a

dor a uma “pseudo-pulsão”, porque assim como as pulsões, a dor manteria

uma constante pressão sobre o psiquismo, buscando ser aliviada, e

representaria um perigo proveniente do interior do corpo, contra o qual o

Eu não conseguiria se defender.

Essa mesma ideia será aprofundada no Mais além do princípio do

prazer (Freud, 1920/1973d), quando investiga as origens profundas do

psiquismo inconsciente, refletindo sobre o princípio da descarga das

tensões e as forças entrópicas que conduzem todo ser vivo para a morte,

estágio final de resolução das tensões e conflitos que a vida acarreta e

implica. Nesse texto, a dor física vai ser pensada como modelo para os

movimentos de autoproteção e busca de equilibração que o psiquismo

continuamente deve efetuar. Em 1923, no O Ego e o Id, Freud (1923/1973f)

conclui que o Ego, de início, é sempre um Ego corporal, e portanto o que

vem do corpo está inevitavelmente na origem de tudo o que é psíquico.

Esses três momentos delimitam a contribuição de Freud para a

compreensão das dores físicas, dedicando-se Freud à expansão da

psicanálise enquanto processo de investigação do inconsciente, ou seja

uma forma profunda de psicoterapia, e também a todas as possíveis

extensões da compreensão psicanalítica para aspectos da realidade social e

485

da vida cultural. O enorme edifício conceitual que ele legou impactou

profundamente o pensamento científico desde então. Contudo, a sua

contribuição para o entendimento e o tratamento das dores físicas

permaneceu, basicamente, estabelecida nos pontos já mencionados.

Entretanto, esse tema da dor física voltou periodicamente à consideração

de outros autores psicanalíticos. Veja-se por exemplo, alguns dos textos

de Juan David Nasio (Nasio, 2008), de W. R. Bion (Bion, 1982, 1991), de

Joyce McDougall (McDougall, 1987, 1991), de D. W. Winnicott (1982,

2000) ou de C. Dejours (Dejours, 1991, 2005).

Após as grandes descobertas trazidas pelo próprio criador da

psicanálise, muitos autores exploraram as interconexões entre o domínio

somático e o domínio psíquico, ou seja a Psicossomática psicanalítica. As

ricas perspectivas dessa ampla área de estudo não podem ser aqui

descritas, dadas as limitações de espaço, e eu remeto os leitores

interessados para a vasta bibliografia sobre o assunto.

Contudo, como dissemos, a psicanálise enquanto forma de

psicoterapia, não tem sido muito empregada no auxílio às pessoas que

padecem principalmente de dores físicas. Em geral, os psicanalistas

consideram que a dor física, se não for de origem conversiva, estaria

atrelada a uma causa médica e portanto deveria ser tratada exclusivamente

por médicos clínicos. Claro, que se seus analisandos vierem a ser

acometidos por doenças eles continuarão em análise, e pode acontecer que

as repercussões psíquicas das dores físicas possam ser abordadas e

investigadas no setting. Mas, em geral, o que se vê, é que prevalece a forte

dissociação científica e cultural entre a Mente e o Corpo, vistas enquanto

domínios separados, e o psicanalista se preocupa centralmente das “dores

da alma”, as dores psíquicas.

Então, os pacientes com dores corporais recorrem aos médicos,

que os tratam com medicamentos analgésicos e técnicas cirúrgicas

diversas, que visam, sempre que possível, eliminar esse sintoma,

desagradável e opressivo, a dor. A Associação Internacional para o Estudo

da Dor (IASP) alerta que a dor sempre possui um componente emocional,

e sugere uma abordagem multidisciplinar para esses pacientes. (IASP,

2009). Em sua definição, que é muito interessante e pertinente, a IASP

assinala que a dor pode ser proveniente de um dano real, ou apenas

486

potencial, para os tecidos. Essa “potencialidade” abre todo o caminho para

as dimensões do imaginário e do simbólico, terreno e instrumentos da

mente.

Na área da saúde, de modo geral, e da saúde mental em particular,

já desde 1910 fazem-se experiências de tratamento utilizando-se como

recurso os grupos. Desde as pesquisas experimentais com grupos de

alcoolistas, passando pelo psicodrama de Jacob Levy Moreno e pela

dinâmica de grupo de Kurt Lewin, o grupo enquanto instrumento

terapêutico ganhou muitas contribuições da mais variadas áreas, como a

Gestalt, a psicanálise, a psicologia social, a teoria dos sistemas etc. Hoje uma

ampla gama de leituras e propostas terapêuticas são empregadas. A minha

formação prévia foi com a metodologia dos grupos operativos, de Pichon-

Rivière, e posteriormente com a abordagem da psicanálise das

configurações vinculares, que demonstrou-se como um potente recurso

para auxiliar indivíduos e grupos a alcançarem uma compreensão mais

profunda dos determinantes de seus pensamentos e suas ações e, assim,

meios para transformar suas próprias realidades.

Tratando a dor física em grupo terapêutico

Vou relatar aqui minha experiência como membro de uma equipe

multidisciplinar denominada Clínica da Dor, que atua junto ao

Ambulatório do Câncer do Hospital de Base, da Faculdade de Medicina

de São José do Rio Preto, SP. Neste ambulatório são atendidos pacientes

oncológicos e pacientes que sofrem de dores neuropáticas e não

neuropáticas, das quais se destaca o quadro reumatológico e psiquiátrico

denominado Fibromialgia.

Pacientes acidentados, que sofreram cirurgias, que já tentaram os

mais potentes remédios de controle da dor e que continuam a se queixar

persistentemente de dor física são encaminhados para a atenção

multiprofissional. Recebem a atenção de fisioterapeutas, de

acupunturistas, de educadores físicos, de assistentes sociais e de terapeutas

ocupacionais, assim como de psicólogos, além dos neurologistas,

ortopedistas, psiquiatras, fisiatras, anestesistas e outros da equipe médica.

Visando os casos mais difíceis, de dor mais intratável, aqueles

casos em que por exemplo, já se havia tentado tratamentos radicais, como

487

o corte de nervos para evitar a transmissão da mensagem de dor para o

cérebro, bem como os pacientes deprimidos e aquele grande conjunto de

pacientes com dificuldades no relacionamento com seus médicos, foram

encaminhados para esse grupo terapêutico de orientação analítica.

Formei um grupo inicial de oito pacientes, que hoje conta com dez

sujeitos, que frequentam com certa regularidade ao tratamento

psicoterapêutico grupal de frequência semanal. Deve-se frisar que eles não

interrompem o tratamento clínico e as outras formas de abordagem

enquanto mantêm a psicoterapia analítica grupal.

Vou utilizar pseudônimos. 1) Arlene é uma mulher de 52 anos,

diagnosticada como portadora de Transtorno Bipolar, e que frequenta a

Clínica da Dor há cinco anos devido a dores corporais generalizadas,

segundo ela decorrentes de uma cirurgia de coluna realizada para correção

de hérnias. Toma medicação psiquiátrica e opióides para controle da dor,

que se manifesta cotidianamente. 2) Ernesto é um homem de 48 anos que

sofreu um acidente motociclístico e teve que passar por cirurgias diversas,

mantendo sequelas significativas que o obrigam ao uso constante de

bengala. 3) Eliana é uma mulher de 63 anos, que vive conflito conjugal

permanente, que se mescla com suas dores corporais e inchaços devidos à

fibromialgia e artroses; os potentes remédios que ela toma não fazem

efeito, o que a torna “poliqueixosa” (termo um pouco depreciativo, mas

muito empregado em hospitais). 4) Ana tem 51 anos, também sofre de

fibromialgia e tem uma vida dedicada ao cuidado de familiares idosos,

sofrendo de forma branda de depressão; também se utiliza de opióides. 5)

Decio, 50 anos, trabalhava em metalúrgica e sofreu acidente de trabalho

que lhe causou lesões neurológicas. Os tratamentos todos a que se

submeteu, incluindo duas cirurgias, resultaram ineficazes. 6) Antonio tem

53 anos, e trabalhou como entregador a sua vida toda; sofreu

deformidades de coluna e de joelho que lhe causam dores contínuas e um

estado permanente de queixa emocional; toma grande número de

medicações. 7) Norma, 43 anos, tem dores de origem neurológica no

ombro e face, toma medicação constantemente, com alívio parcial das

dores, mas incapacitação para as atividades profissionais. 8) Helena tem

65 anos, dores neuropáticas nas pernas e sofre depressão severa, toma

analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos. 9) André sofreu traumatismo na

488

coluna, passou por duas cirurgias de correção e mais de dez tratamentos

locais no quadril, sem alívio de suas dores. 10) Dorival tem fortes dores

de cabeça, dores nas costas que irradiam para os membros, e já sofreu

diversas intervenções cirúrgicas, sem resultados palpáveis; faz uso

excessivo de analgésicos.

Em termos da Classificação Internacional de Doenças (CID), o

diagnóstico mais frequentemente atribuído a esses pacientes é o de dor

crônica, variando entre o R522 (Outra dor crônica), ao R 521 (Dor crônica

intratável), M545 (Dor lombar baixa), R529 (Dor não especificada), M796

(Dor em membro), M053 (Artrite reumatoide). Quanto aos diagnósticos

psiquiátricos, predomina a Depressão, moderada ou severa e o Transtorno

Afetivo Bipolar (todos da categoria F31), e a Personalidade Histriônica

(F604), além dos prevalentes Transtornos de Somatização (F45).

Observe-se como a classificação médica atual não deixa espaço a

uma indagação da origem e consequências sobre o sujeito do seu

padecimento, limitando-se a uma descrição “objetiva”, que visa mais o

controle epidemiológico e a busca por protocolos farmacológicos. O

trabalho de German Berrios (2015), que estabelece a crítica histórica e

epistemológica dos conceitos psiquiátricos, permite uma adequada

compreensão dos limites de uma abordagem apenas descritiva e

algorítmica da prática médica. A equipe médica da Clínica da Dor,

consciente dos limites de sua prática, recorre aos demais profissionais de

saúde para uma busca conjunta de quais tratamentos podem contribuir

com estes pacientes que sofrem, muitas vezes, de dores excruciantes por

toda sua vida.

A sessão ocorrida hoje (março de 2019) é um bom começo: todos

os seis pacientes que compareceram já frequentam o grupo há um certo

tempo, o mais recente há quatro sessões, e os outros há tempos variáveis,

oscilando entre três meses a um ano. Como de praxe, pergunto a todos

como passaram esses últimos dias. Um a um vão relatando o quanto

sofreram de suas dores: como doeu as costas de um, as pernas do outro, a

cabeça de diversos deles, entremeando no relato os desconfortos

cotidianos, dificuldades nas tarefas domésticas, noites mal dormidas, idas

a serviços de emergência em postos de saúde, pouco efeito de suas

medicações etc.

489

Os primeiros momentos de praticamente todas as sessões são

ocupados por queixas de ordem física. Onde doeu, como doeu, o que

fizeram para suportar, e como a vida de todos é permeada por um corpo

que dói, grita e geme. Pacientemente escuto o relato de todos, e aguardo

em silêncio para o que se segue a isso. Gradativamente cada um vai

incorporando a seu relato queixas de outro tipo: se conseguiram marcar

consulta com o neurologista ou o psiquiatra; se conseguiram audiência no

Instituto Nacional de Seguridade Social em busca de suas aposentadorias;

se tentaram evasão por diversas formas de distrações, quase sempre

precárias; e finalmente, emergem os relatos mais detalhados de

sofrimentos de ordem emocional.

Aqui, as queixas típicas se agrupam em quatro conjuntos,

relativamente compactos: 1) se seus familiares os compreendem ou não –

uma das formas principais de sofrimento desses pacientes é a

incompreensão que eles julgam existir por parte de seus familiares e

vizinhos. Queixam-se amargamente que os demais não avaliam a

intensidade de suas dores e, suprema dor, pensam e sentem que às vezes

os outros julgam que suas dores não seriam “reais”, “verdadeiras”, ou “tão

insuportáveis”. Um dos principais alívios que relatam sentir ao participar

desse grupo é que os outros integrantes conhecem a dor física e a dor

acompanhante do “não reconhecimento”.

2) O segundo conjunto de queixas diz respeito aos médicos, aos

tratamentos e aos remédios que tomam. Todos eles já passaram por

dezenas de consultas e intervenções e muitas vezes sentiram que não

tiveram a devida atenção, ou não receberam os cuidados que esperavam;

que não foram solicitados todos os exames que julgam deveriam ter sido

feitos e, principalmente, que os procedimentos cirúrgicos não surtiram os

efeitos desejados. Queixam-se muitas vezes que suas dores pioraram

muito após as cirurgias que sofreram. De fato, muitos deles podem ter

sofrido de intervenções iatrogênicas, pois sendo um grupo de pacientes

crônicos, com intensas demandas sobre os médicos, muitas vezes

receberam medicação em excesso, ou formas de atenção precárias, tais

como as consultas de muito curta duração. (Incidentalmente, devemos

salientar que os próprios médicos compartilham, às vezes, desses

julgamentos e também se sentem incompreendidos e atacados pelos

490

pacientes e familiares). O grupo terapêutico também parece representar a

possibilidade de identificações mútuas e suporte emocional nesse

momento.

3) O terceiro conjunto de queixas refere-se às grandes dificuldades

em conseguir aposentadoria, dados os rigorosos controles da Previdência,

que os submetem a perícias que eles sentem muitas vezes como difíceis e

humilhantes. Queixam-se amargamente tanto dos peritos, como da

demora em conseguir os afastamentos e aposentadorias. Quando

conseguem, isso em geral os alivia bastante, mas sempre reaparecem

queixas de que a vida econômico-financeira está difícil e que necessitariam

maior renda. Associado a isso vêm questões de como se empregarem

novamente, seja no trabalho formal ou informal. Para a maioria desses

pacientes o afastamento do trabalho, em si mesmo, também é fonte de

sofrimento. Finalmente,

4) O quarto conjunto diz respeito mais amplamente ao viver, à

existência em seu sentido psicológico e social. A doença e, em especial a

dor, modificou a vida de cada um deles. A dor invade quase todas as

esferas do cotidiano e do futuro. Alguns chegam a dizer que são só dor.

Quando a dor “ataca”, só querem se isolar, deitar, e esperar que passe. Os

relatos são pungentes, comovem, atraem empatia, piedade. Mas também,

às vezes, ganham tal insistência, constância e viscosidade, que chegam a

provocar a reação contrária, ou seja, desejo de afastamento, e crítica sub-

reptícia frente a essas manifestações e queixumes.

Percebe-se que familiares e médicos, assim como o terapeuta e

mesmo os demais membros do grupo, às vezes se enfastiam ao ouvir

certos relatos. Há uma forte reação contratransferencial, como se ouvir a

dor se manifestando de forma tão crua, levantasse o desejo de afastar a

dor e o seu sofredor. Há, sim, rejeição. Uma rejeição dolorosa, por parte

de quem deveria acolher a dor. Dor culposa de não querer compartilhar

de dores. Dor autocrítica. No grupo, o enfrentamento desse momento é

profundamente terapêutico para todos. Como solidarizar-se com quem

sofre profundamente – isso é alcançado em muitas sessões e é

transformador. Ao sentir-com, ao sair da dor própria e pensar-ouvir-

acolher a dor alheia, algo se eleva, algo engrandece, e entre pacientes poli-

queixosos e poli-sofridos, uma solidariedade comovente se estabelece.

491

O grupo terapêutico prossegue. Após esses momentos intensos de

troca e apoio, aos poucos vão surgindo as questões familiares, os conflitos

emocionais, a história de vida de cada um. Os casamentos fracassados, os

dramas vividos na criação e perda dos filhos, os eventos traumáticos, a

falta de realização pessoal-profissional e outros conflitos importantes

começam a aparecer e podem ser trabalhados no contexto terapêutico.

A dor é onipresente, e reaparecerá na próxima sessão, mas hoje, e

muitas vezes, um pedaço significativo da história de algum deles pode

emergir no contexto do grupo, receber atenção e contribuições de vários

dos participantes, alguma interpretação e construção por parte do

terapeuta e, muitas vezes, a possibilidade de elaboração psíquica, que

fortalecerá esse sujeito e lhe propiciará um viver menos afetado, menos

agredido e diminuído pela Dor.

Referências

Berrios, G. E. (2015). Rumo a uma nova Epistemologia da Psiquiatria. São

Paulo: Escuta.

Bion, W. R. (1982). Pensamentos psicanalíticos revisados. Rio de Janeiro: Imago.

Bion, W. R. (1991). O aprender com a experiência. Rio de Janeiro: Imago.

Dejours, C. (1991). Repressão e subversão em psicossomática: Pesquisas

psicanalíticas sobre o Corpo. Rio de janeiro: Jorge Zahar.

Dejours, C. (2005). O corpo da Psicossomática. Psicologia Revista, 14(2),

245-256. Disponível em:

https://revistas.pucsp.br/index.php/psicorevista/article/view/1810

3

Freud, S. (1973a). Estudios sobre la histeria. Em: Obras Completas (pp. 39-

168). Madrid: Biblioteca Nueva (Trabalho original publicado em

1895)

Freud, S. (1973b). Los instintos y sus destinos. Em: Obras Completas (pp.

2039-2052). Madrid: Biblioteca Nueva. (Trabalho original publicado

em 1915)

Freud, S. (1973c). Conferencias introductorias al psicoanálisis. Em: Obras

Completas (pp. 2123-2412). Madrid: Biblioteca Nueva. (Trabalho

original publicado em 1917)

492

Freud, S. (1973d). Más alla del principio del placer. Em: Obras Completas (pp.

2507-2541). Madrid: Biblioteca Nueva. (Trabalho original publicado

em 1920)

Freud, S. (1973e). Psicoanálisis y teoria de la libido. Em: Obras Completas

(pp. 2661-2676). Madrid: Biblioteca Nueva. (Trabalho original

publicado em 1922)

Freud, S. (1973f). El Yo y el Ello. Em: Obras Completas (pp. 2701-2778).

Madrid: Biblioteca Nueva. (Trabalho original publicado em 1923)

International Association for the Study of Pain [IASP] (2009). Global year

against musculoskeletal pain. Disponível em https://www.iasp-

pain.org/GlobalYear/MusculoskeletalPain

Lebrun, G. (1987). O conceito de paixão. Em: S. Cardoso (Org.), Os

sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras.

McDougall, J. (1987). Um corpo para dois. Boletim Científico da Sociedade

Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro, 1(2), 8-33.

McDougall, J. (1991). Teatros do corpo. São Paulo: Martins Fontes.

Nasio, J. D. (2008). A dor física: Uma teoria psicanalítica da dor corporal. Rio de

Janeiro: Zahar.

Winnicott, D.W. (1982). La enfermedad psico-somática en sus aspectos

positivos y negativos. Revista Uruguaya de Psicoanálisis, 61, 11-22.

Winnicott, D. W. (2000). A mente e sua relação com o psique-soma. Em:

D. W. Winnicott, Da pediatria à psicanálise: Obras escolhidas (pp. 332-346.

Rio de Janeiro: Imago.

493

25 O que ela tem de ruim na cabeça dela?

Processo grupal de orientação psicanalítica

com familiares de pacientes com anorexia e

bulimia Manoel Antônio dos Santos, Érika Arantes de Oliveira-Cardoso, Rosane

Pilot Pessa, Raquel Borges de Moraes, Wanderlei Abadio de Oliveira,

Jeferson Santos Araújo, Rodrigo Sanches Peres, Carolina Leonidas

Os transtornos alimentares (TAs), dentre os quais se destacam a

Anorexia Nervosa (AN) e a Bulimia Nervosa (BN), comprometem a

qualidade de vida não apenas dos pacientes acometidos, como também

de seus familiares (Costa & Santos, 2016; Oliveira-Cardoso et al., 2014).

No contexto brasileiro, os serviços especializados no tratamento dessas

psicopatologias são escassos e geralmente estão inseridos em hospitais

públicos universitários (Oliveira-Cardoso et al., 2018). O plano

terapêutico para os(as) pacientes inclui avaliação médica, nutricional

(Manochio et al., 2020; Sicchieri, Santos, Santos, & Ribeiro, 2007) e

psicológica (Oliveira & Santos, 2006; Oliveira-Cardoso & Santos, 2012,

2014; Peres & Santos, 2006, 2011), psicoterapia individual (Goulart &

Santos, 2015; Kreling & Santos, 2005; Rosa & Santos, 2011; Santos et al.,

2005; Scorsolini-Comin & Santos, 2012), grupo com finalidade

psicoterapêutica ou de apoio psicológico a pacientes (Goulart & Santos,

2012; Santos, 2006; Santos et al., 2014; Scorsolini-Comin et al., 2010;

Valdanha et al., 2014), grupo de apoio psicológico aos familiares (Santos

et al., 2016; Souza & Santos, 2007a, 2007b), grupo psicoeducativo

multifamiliar (Nicoletti et al., 2010), terapia familiar ou outras estratégias

de apoio e de assistência aos familiares.

Desde o trabalho pioneiro da psiquiatra e psicanalista

estadunidense de origem alemã Hilde Bruch, conhecida por seu trabalho

com TAs e obesidade, já se encontra bem documentado na literatura que

os aspectos familiares guardam um papel relevante no desenvolvimento e

494

curso dos TAs (Campos et al., 2012; Cobelo et al., 2004; Leonidas &

Santos, 2015a, 2015b; Leys et al., 2017; Lyke & Matsen, 2013; Mushquash

& Sherry, 2013; Santos et al., 2004; Souza & Santos, 2007a, 2007b).

Estudos de revisão sistematizaram as evidências disponíveis sobre a

influência familiar na AN (Valdanha et al., 2013b) e nos TAs de modo

geral (Siqueira et al., 2020). Pesquisas que mapearam as redes de apoio

social de pacientes com TAs apontam a família como a principal fonte de

suporte (Leonidas & Santos, 2013, 2014; Leonidas et al., 2013). Outro

flanco importante dos estudos familiares na interface com os TAs focaliza

o fenômeno da transmissão psíquica inter/transgeracional, sob diferentes

perspectivas e enfoques teóricos (Attili et al., 2018; Valdanha et al., 2013a;

Valdanha-Ornelas & Santos, 2016b, 2017).

Em virtude da parca disponibilidade de centros especializados de

tratamento e das dificuldades que os profissionais de saúde encontram

para reconhecerem os sintomas iniciais, familiares tendem a peregrinar

pelos serviços de saúde e consultórios médicos em busca de uma

compreensão diagnóstica do que se passa com seus/suas filhos(as).

Valdanha-Ornelas e Santos (2016a) investigaram o itinerário terapêutico

no contexto dos TAs e concluíram que o percurso das famílias é permeado

por inúmeros percalços, devido às dificuldades inerentes ao diagnóstico

de seus/suas filhos(as), ao não preparo dos profissionais de saúde para

identificar precocemente os sintomas e à escassez de serviços

especializados e com equipes interdisciplinares devidamente capacitadas.

Neste capítulo exploraremos as potencialidades das intervenções

psicológicas em grupo, destinadas ao acolhimento dos familiares de

pacientes que frequentam o serviço de TAs. O cenário institucional no

qual o grupo multifamiliar se insere é o Grupo de Assistência em

Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital de Clínicas da Faculdade

de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-

USP). O GRATA foi criado nos anos 1980 e se notabilizou como o

serviço especializado pioneiro no país na assistência multiprofissional em

TAs (Oliveira-Cardoso et al., 2018; Sicchieri et al., 2007; Souza et al.,

2019). O atendimento é oferecido, preferencialmente, em regime

ambulatorial e o serviço acolhe pacientes e seus familiares, seguindo a

perspectiva do cuidado integral a cargo de equipe interdisciplinar (Palma

495

et al., 2013). As atividades assistenciais ocorrem semanalmente, às sextas-

feiras, coordenadas por uma equipe composta por profissionais de saúde

(em sua maioria voluntários, isto é, sem vínculo empregatício formal),

residentes e estagiários das áreas de psicologia, nutrição, nutrologia,

psiquiatria e terapia ocupacional.

Ao ser admitido no serviço, é traçado para cada paciente um plano

terapêutico apropriado às suas necessidades, o que inclui os cuidados às

necessidades psicoemocionais da família. Esse plano estratégico

contempla a participação regular em grupos de apoio psicológico – um

dos quais voltado exclusivamente ao cuidado de pacientes e outro, voltado

para os familiares, além de psicoterapia de apoio individual para pacientes,

grupo, consultas e acompanhamento individual com nutricionistas,

psiquiatras e nutrólogos.

Atualmente, existe uma gama de possíveis intervenções que

podem beneficiar os familiares que acompanham pacientes atendidos em

diferentes instituições de saúde. Estratégias grupais têm se mostrado

efetivas no oferecimento de suporte a cuidadores nos mais variados

contextos da saúde, especialmente porque os vínculos construídos no

contexto grupal podem prover aos participantes espaços de reflexão,

desenvolvimento de habilidades sociais, modelos de relacionamento e

estratégias de enfrentamento mais adaptativas e saudáveis (Narvaz, 2010).

O grupo de apoio psicológico, que tem como destinatário de suas ações

de cuidado os familiares de pacientes do GRATA com diagnóstico de

anorexia ou bulimia, consiste em uma estratégia baseada nos moldes da

psicoterapia de grupo de apoio multifamiliar (Contel & Villas-Boas,

1999).

O grupo multifamiliar do GRATA é oferecido com frequência

semanal (Santos et al., 2016; Souza & Santos, 2007a, 2007b, 2009, 2010).

De modo complementar, até há alguns anos era oferecido, no mesmo

serviço especializado, um grupo de orientação clínico-nutricional aos

familiares (Bighetti et al., 2006). O espaço para acolhimento dos familiares

foi introduzido de forma sistemática há duas décadas, a partir da

identificação de demandas relacionadas aos altos níveis de ansiedade

observados nos cuidadores, preocupados com a persistência dos

comportamentos disfuncionais de seus/suas filhos(as) e exauridos pela

496

tenacidade com que eles(as) se agarram aos seus sintomas. Por outro lado,

há evidências de que padrões de relações familiares disfuncionais estão

associados à gravidade da sintomatologia de pacientes adolescentes com

TAs (Anastasiadou et al., 2016).

O grupo multifamiliar é coordenado por profissionais da

psicologia e conta com o apoio de dois estagiários de psicologia no papel

de observadores. O referencial teórico-metodológico que sustenta a

intervenção grupal é de inspiração psicanalítica, lastreado no modelo da

psicanálise vincular (Oliveira-Cardoso et al., 2018). Apresentaremos, a

seguir, um recorte que privilegia a análise de alguns fenômenos grupais

emergentes, a partir da apreciação de duas situações clínicas, que

escolhemos com o propósito de ilustrar os fundamentos teórico-

conceituais das intervenções realizadas com foco nas configurações

vinculares.

Vinheta clínica 1: Acho que da minha boca só sai veneno

Um dos traços mais salientes na dinâmica das pessoas

diagnosticadas com TAs é a desesperança (Oliveira & Santos, 2006),

característica depressiva que pode também estar exacerbada em alguns

familiares frente à persistência do cortejo sintomatológico dos/das

filhos(as). Assim, ao identificar vislumbres do aparecimento de esperança

em uma sessão de grupo com os familiares, o coordenador necessita

evidenciar esse acontecimento clínico como um sinal alentador, apostando

que pode haver ali um recurso saudável, semente promissora ou sinal de

mudança. Ao reconhecer a necessidade de individualizar a participação

dos familiares, os encontros grupais são abertos com um ritual de

apresentação, considerando que se trata de um grupo aberto. Em uma

determinada sessão do grupo multifamiliar, o coordenador decidiu abrir o

encontro propondo uma estratégia lúdica para que os/as participantes se

apresentassem uns/umas aos/às outros/as na roda de conversa.

Coordenador: alguns e algumas de vocês a gente já conhece, outros

e outras não. E aí, para nos apresentarmos, deixa eu sugerir um

jeito diferente, mais criativo. Primeiro eu vou me apresentar e

depois vocês se apresentam, de acordo com o jeito que eu fizer.

Então, assim, na hora em que vocês se apresentarem, vocês vão

497

dizer: “Se eu fosse um animal, eu seria...” Aí vocês pensam em um

animal que vocês acham que combina com vocês e dizem uma

característica desse animal. Então, vou começar: meu nome é

Marcos, se eu fosse um animal eu seria um cachorro, porque o

cachorro é esperto, fica o dia todo atento e também porque é

companheiro.

Mãe da Ariela: será que o cachorro é companheiro, ultimamente?

[riso] Depende do cachorro. [riso] Meu nome é Maria das Graças,

eu sou mãe da Ariela, que faz tratamento aqui. Se eu fosse um

animal, eu seria uma pomba, um pássaro, né? Porque um pássaro

está sempre em contato com a natureza e está sempre em

liberdade. Que eu acho que, hoje, a gente está perdendo muito o

nosso espaço vital, né? E o pássaro ainda consegue manter esse

espaço. Então, enquanto minha filha é atendida, eu fico

observando os pássaros e sempre penso que, na próxima

encarnação, eu gostaria de ser um pássaro.

[Silêncio]

Coordenador: [dirige-se à mãe da paciente Gilmara] Janice, não dá

para falar? [ela acena com a cabeça, sinal de negação] Nem o seu

nome?

Mãe da Gilmara: [balbucia] para quê?

Coordenador: nem quer dizer o seu nome?

Mãe da Gilmara: porque hoje eu quero matar. [pausa] Eu vou ser

uma cobra. O que eu estou dizendo serve?

Coordenador: se é assim que você está sentindo, serve! É... então,

o seu nome é Janice e hoje você está se sentindo como uma cobra.

E eu acho que você pode sim se sentir como uma cobra.

Mãe da Ariela: é, uai.

Mãe da Gilmara: eu quero ser uma das mais bravas, aquelas com

dois guiseiros ainda. Conhece essa?

Coordenador: não.

Mãe da Gilmara: é daquelas... que têm 18 nós nos dentes, conhece?

Ela só te enrola. E se te enrolar, te mata.

Coordenador: vai cercando, vai cercando e crau! [onomatopeia do

que seria um bote e uma mordida de cobra].

498

Mãe da Gilmara: não! Vai só enrolando, só. Ela só vai te torcendo.

Enrolando você.

Mãe da Ariela: ela te quebra toda e depois te puxa.

Mãe da Gilmara: te quebra, depois pode te comer.

Observa-se que uma das participantes, Janice, mobiliza o grupo

com sua narrativa permeada por fantasias e temores persecutórios,

tecendo uma dinâmica de aproximação insidiosa do predador em busca da

presa, preparando a captura e o ataque canibalístico. Em um primeiro

momento, ela parece tentar conter seus impulsos canibalísticos

refugiando-se em seu mutismo: “Falar para quê?” Mais do que descrença

na possibilidade de aprendizagem de algo novo no grupo, vislumbra-se

nesse movimento uma tentativa de conter a própria impulsividade, como

se deixasse uma advertência pairando no ar: “me deixem quieta no meu

canto, não mexam comigo, não despertem minha fome, meus instintos

predatórios”. O que vai se confirmar no movimento seguinte, quando é

provocada pelo coordenador e por uma outra mãe do grupo a quebrar o

isolamento e a participar da interação proposta de forma lúdica.

O animal que essa participante escolhe para se autorrepresentar (e,

assim, entrar no jogo proposto) tem forte carga de hostilidade: uma cobra,

e a justificativa que ela apresenta não deixa margem à dúvida: “porque hoje

eu quero matar”. Não é qualquer cobra, mas “uma das mais bravas, aquelas

com dois guiseiros” e “que têm 18 nós nos dentes”. “Ela só te enrola. E

se te enrolar, te mata”. Depreende-se que, após dar o bote, a cobra mata

sua presa por asfixia. Lane (2002) descreve a mãe cuja filha desenvolveu

anorexia como “assassina”, “uma mãe-aranha aterrorizante e com muitas

pernas, e que arma emboscada, captura, envenena, paralisa e mata. Essas

mães oprimem, sufocam, esmagam, circundam, engolfam, espremem até

a morte, aniquilam e devoram suas vítimas” (p. 105).

Há notável semelhança entre esses conteúdos imagéticos: a “mãe-

aranha” de Lane e a “mãe-cobra” inventada por Janice. A intenção

mortífera e devoradora do outro com o qual se relaciona está igualmente

representada com requintes de crueldade. A comunicação inconsciente só

pode se efetivar por meio de identificação projetiva maciça. O reino da

natureza selvagem, onde impera o instinto básico de sobrevivência, é

utilizado como um repositório propício para representar o funcionamento

499

do inconsciente. Para se autorrepresentar, Janice recorre a um réptil

peçonhento e agressivo. Como se dissesse ao grupo: “Cuidado, não

cheguem perto de mim hoje, ou serão aniquilados”. Nas relações fusionais,

marcadas pelo narcisismo de morte, o Ego se vê diante de um dilema

paralisante: é matar ou morrer (Leonidas & Santos, 2020).

Também podemos ler nas entrelinhas: estou tão repleta de ódio e

de desconfiança que minha mente transborda veneno e eu posso “te

quebrar, depois posso te comer”. A oralidade tóxica, o réptil caviloso e a

fantasia de devoração do outro sem qualquer resquício de culpa sugere o

nível arcaico de relações objetais, com apagamento das fronteiras que dão

contorno ao Ego. A cobra que “enrola” sua presa, “retorce”, “quebra”

seus ossos, mata por asfixia e “depois te puxa” para dentro de si representa

a impossibilidade de manter sua integridade egoica em um relacionamento

genuíno com o outro. Estamos na natureza selvagem, transitamos em um

território desumanizado onde não há uma alteridade constituída. O outro

existe para ser sugado, tragado, engolfado, fagocitado, incorporado

sadicamente, colocado para dentro por meio de processos identificatórios

primitivos que pressupõem elidir a separação eu-outro.

Nesse registro primevo da organização pulsional, os impulsos

amorosos e destrutivos encontram-se fundidos e não permitem a

preservação do objeto como entidade claramente distinta do eu. Assim

também ocorre, provavelmente, na vinculação emocional entre a mãe e

sua filha, que desenvolveu sérios problemas alimentares, sintoma que

expressa o colapso no plano da constituição identitária. Prevalece uma

relação de autodevoramento, em que uma não pode se afastar da outra

sob pena de desabar o Ego materno debilmente organizado, o que evoca

o conceito proposto por Lane (2002) de mãe-aranha, a que lança sua teia e

cospe seu veneno paralisante, e depois “enrola” o outro em seu manto

mortífero.

As vicissitudes da mãe fálica e toda poderosa transparecem sob a

égide da destrutividade oral: “Eu vou ser uma cobra”. Uma mãe com

dificuldades de controlar seus impulsos filicidas e conter suas fantasias de

incorporação oral-canibalística: “Porque hoje eu quero matar.” Isto

poderia ser lido como: impulso incontrolável para dar o bote e

comer/engolir a presa/grupo, de forma análoga ao que faz com a filha,

500

em uma espécie de parto às avessas. Lembremos que na mitologia Saturno

engole os filhos por temer a rivalidade. Entretanto, além dessa óbvia

tendência ao assalto à identidade do outro, talvez também exista um outro

lado defensivo, menos perceptível: “Ela só te enrola”, isto é, ela vai

procurar te enganar, qual Sherazade que, com sua astúcia narrativa,

conseguiu “enrolar” o sultão que a mantinha cativa por mil e uma noites e,

assim, protelou sua morte e garantiu sua sobrevivência. Mas Janice, em um

certo sentido, parece já estar “morta” do ponto de vista psíquico.

Lane (2002) aponta que a “mãe morta” descrita por André Green

desinveste a criança, que por sua vez desinveste o objeto materno, ao

mesmo tempo em que se identifica com a mãe. Green afirma que a retirada

de catexia por parte da mãe é verdadeiro ato de assassinato. Esse desfecho

é resultado de uma falta de contato ou vazio de relacionamento. Já as

pacientes com anorexia seriam “assassinadas” por hiperinvestimento

materno, não por desinvestimento. Essas mães “assassinas aniquiladoras

e sádicas” ocupam literalmente todos os espaços psíquicos da criança. São

altamente intrusivas, excessivamente controladoras e emaranhadas com

suas filhas, de modo que os limites entre ambas ficam confusos e

embaçados: elas “são senhoras zangadas, que sugam o sangue de suas

filhas ou as espremem até a morte” (Lane, 2002, p. 106).

Continuemos acompanhando os movimentos do encontro grupal

em curso. A hostilidade manifesta por Janice encontra acolhida e

continência de uma outra mãe, que não se deixa intimidar:

Mãe da Ariela: e por que você, nesse momento, está se sentindo

como uma cobra? Você que é uma guerreira, que está fazendo esse

trabalho de acompanhar a sua filha, dando uma força tão grande

para ela por todo esse tempo! E hoje você está se sentindo assim

por quê? Se o grupo é de ajuda, eu acho que você deve...

Mãe da Gilmara: porque eu sou desprezada, eu não sou mãe de

ninguém. Sou mãe da Gilmara e do Marcelo. Eu fiz aniversário e

ninguém me deu os parabéns. Fiquei doente, fiquei mais de oito

horas no hospital, ninguém perguntou, sem ser a Gilmara e o

Marcelo, ninguém perguntou por mim. Para que existe eu, pra ficar

na solidão? Você disse que é uma falta para o ser humano. Eu? Eu

501

não senti nada. Hoje, se eu pudesse brincar de comemorar pelo

que eu sou...

Mãe da Ariela: então, Janice, mas só que você tem um.... eu posso

falar?

Mãe da Gilmara: pode!

Mãe da Ariela: pelo que eu estou vendo, hoje você tem um motivo,

porque você está com o seu coração ferido pelo que aconteceu.

Mas, na realidade, no dia-a-dia, você não é assim. Acontecem

outras coisas boas, né? [voltando-se para o coordenador] Ela está

magoada, ela está triste porque ela se sentiu decepcionada, ela esperava uma

coisa e não aconteceu. A vida não é feita só de maravilhas, as coisas

acontecem, né? As coisas acontecem. E a gente tem que estar

preparada para as coisas boas e as coisas ruins, porque às vezes...

[dirigindo-se diretamente à Janice] Olha o problema da sua filha,

que é um problema tão sério, e você tira de letra. Você é um

exemplo para nós aqui. Agora, porque não te cumprimentaram...

Mãe da Gilmara: que adianta eu tratar a Gilmara, se eu não tenho

valor dentro de casa?

Mãe da Ariela: adianta porque ela precisa de você e você é o escudo

dela.

O enunciado metafórico “você é o escudo dela” merece uma

atenção especial, pois permite refletir sobre a questão da função protetora

que é parte das tarefas maternas. Vários estudos se dedicaram a reconhecer

os aspectos maternos nesse contexto (Campos et al., 2012; Cobelo &

Gonzaga, 2012; Leonidas & Santos, 2014; Moura et al., 2015; Santos et al.,

2016; Sopezki & Vaz, 2008; Valdanha et al., 2013a, 2013b). As pesquisas

identificam certos elementos maternos que são reproduzidos nos cuidados

oferecidos pela equipe interdisciplinar. Como em todo tratamento em

saúde mental, a relação terapêutica é um elemento-chave nos TAs, todavia

pouco se conhece sobre como o contexto familiar pode participar dos

esforços de reabilitação psicológica e nutricional das/os pacientes

atendidas/os nos serviços especializados. Inspirado por esse pressuposto,

estudo realizado no Reino Unido investigou o modo como a relação

terapêutica é vivenciada entre profissionais de saúde e mulheres com

diagnóstico de anorexia no contexto de uma unidade de tratamento

502

especializado (Wright, 2015). Essa pesquisa fenomenológica interpretativa

focalizou as enfermeiras, que mencionaram cultivar durante o cuidado um

tipo de relacionamento que guarda semelhanças com o vínculo mãe-filha

em circunstância favorável de saúde. Para as profissionais entrevistadas, é

um vínculo terapêutico que está em conformidade com uma abordagem

profissional e compassiva da enfermagem. Esse padrão foi denominado

de maternalismo e definido como um relacionamento positivo, acolhedor e

transitório, que promove condições para que a pessoa adoecida se sinta

segura e possa alcançar gradualmente sua recuperação e transição para

eventual independência.

Com base nesses achados, podemos aventar a hipótese de que o

grupo multifamiliar favorece um tipo de aliança terapêutica que permite

aos membros ativar aspectos comuns à função parental de oferecer

holding58 e propiciar um ambiente permissivo e de aceitação plena que possa

favorecer a integração de partes cindidas do self.

Mãe da Gilmara: fia, eu ouço, eu sempre estou ouvindo vocês.

Você tem palavras bonitas, você sabe conversar e eu não sei.

Mãe da Ariela: sabe sim, você sempre soube.

Mãe da Gilmara: os outros sabem, os outros têm alegria. Fia, eu

perdi tudo, tudo.

Mãe da Ariela: mas nós estamos aqui para te dar a mão.

Mãe da Gilmara: a não ser a Gilmara e o Marcelo. Porque o resto

eu perdi tudo. Eu não vivo mais de família. Eu estou só na Terra

com a Gilmara e o Marcelo. Fia, marido eu não tenho. Ele me

bateu ontem. Eu estou aqui por quê? Para ver se eu... enfrento a

minha cabeça, mas eu estou ruim também. O quê que eu te falei

para você, que eu expliquei? Desde terça-feira da semana passada,

foi um filho que me bateu. Teu filho te bate? Teu filho, teve você

para bater na sua mãe, que a tua mãe é... fala que você é biscate?

Eu estou cansada. Minha filha, eu estou aqui fingindo para vocês.

Eu estou nessa luta hoje por causa da Gilmara.

58 Vide o Capítulo 13, Winnicott: estimulador da criatividade – o grupo como fenômeno transicional.

503

Mãe da Ariela: então, a partir de hoje, deixa o fingimento de lado

e põe à tona o que você está sentindo. Igual você falou que quer

ser uma cobra, né? Para a gente poder te ajudar...

A retomada, pela outra mãe, da imagem eloquente da cobra “que

te quebra, depois pode te comer”, é surpreendentemente isomórfica ao

sintoma de TA da filha, de 35 anos, um caso grave de AN do tipo bulímico.

Com um quadro crônico que se arrastava por mais de 20 anos, era a única

paciente do ambulatório que teve de ser submetida à gastrostomia,

procedimento no qual um tubo é colocado diretamente no estômago por

onde é administrado o suporte nutricional. Essa opção radical pela

nutrição enteral foi decidida em condições extremas, após fracassarem

todas as medidas terapêuticas tentadas por anos de tratamento e que se

mostraram ineficientes frente à tenaz recusa da paciente de admitir

qualquer tipo de ingestão via oral, inclusive de água. O tubo tem uma

abertura (uma “outra boca”, artificialmente construída e fechada por uma

lapela, que se assemelha a uma cicatriz umbilical, o que reatualiza a reunião

primeva com a mãe) por onde deve ser passada diariamente uma dieta

líquida que, normalmente, é indicada para pacientes debilitadas que

perderam a função de deglutição – por exemplo, em decorrência de

sequela de acidente vascular encefálico. Essa dieta especial tem custo

elevado, tendo que ser solicitada mensalmente junto à assistência social da

prefeitura da cidade de origem da paciente, que vive em condições de

extrema vulnerabilidade socioeconômica.

Leonidas e Santos (2015b) caracterizam a relação mãe-filha nas

patologias alimentares como uma configuração vincular fusionada e

conflituosa, que remete à dependência emocional mútua, na qual a dupla

vivencia dificuldades de se diferenciar e se relacionar de forma

individualizada. O padrão de relacionamento fusional é inevitavelmente

ambivalente e marcado por tensões. Nesse modelo de codependência, as

fronteiras individuais são porosas e as inconsistências do vínculo não

fornecem uma base de sustentação segura para o processo de

desenvolvimento emocional da filha.

Janice, a mãe-cobra-que-devora-a-cria com sua avidez, tem um

histórico de várias internações psiquiátricas. Vivendo nas brumas do

funcionamento psicótico, emerge indissoluvelmente unida com sua filha

504

por meio de um laço afetivo mortífero. Duas existências encerradas em

uma, amarradas pelo vínculo simbiótico (Leonidas & Santos, 2020). A

qualquer momento os estoques de veneno podem entornar o caldo. É

possível que essa mãe se sinta paralisada pelo temor de ser abatida pela

própria destrutividade. Como se advertisse, do fundo de seu alheamento

defensivo: eu vou me defender permanecendo paralisada na minha toca/boca, por

favor, não me provoque, senão te mordo; não perturbe minha letargia, não queira me

tirar de meu claustro protetor porque estou ferida [como se confirmará adiante].

Não queira me tirar do transe de minha dor. Não há lenitivo para o meu desamparo.

Por outro lado, a frase: “eu estou aqui fingindo para vocês” também faz

crer que talvez Janice estivesse apenas aparentemente inerte, paralisada

pela ameaça de aniquilamento originada da projeção de sua própria

hostilidade, podendo captar e permanecer sensível ao que se passa ao seu

redor.

A mãe da Ariela demonstra capacidade de continência, o que lhe

permite abraçar afetivamente Janice: “nós estamos aqui para te dar a mão”.

O auge da continência afetiva acontece quando ela enuncia, em

formulação com alta qualidade interpretativa: Ela está magoada, ela está triste

porque ela se sentiu decepcionada. Ao apontar o animal ferido, cujo

funcionamento mental se desintegra sob o peso da realidade, a mãe da

Ariela mostra que o grupo multifamiliar pode se tornar um dispositivo

potente de cuidado emocional quando agrupamos pessoas que

compartilham de uma condição comum – ter uma filha com diagnóstico

de anorexia ou bulimia. Porém, não é apenas isso que garantirá que ali,

necessariamente, vai se produzir um encontro mutativo. O valor

terapêutico da sessão vai depender da habilidade do coordenador de

manejar as emergências psíquicas desagregadoras que irrompem na cena

grupal sob o influxo da pulsão de morte. Dar contornos para essas

situações psicóticas, nas quais se percebe o trabalho insidioso e furtivo da

morte, depende também da capacidade de arregimentar o que há de

melhor nos demais membros, para tornar esses recursos curativos

disponíveis para uso no acontecer grupal (Goulart & Santos, 2012).

A inserção no grupo de membros que apresentam um nível de

funcionamento predominantemente psicótico pode representar um

especial desafio para o coordenador, pois eles podem arrastar o restante

505

do grupo para o abismo das cisões intransponíveis ou para um lugar de

paralisia, nivelando todos no nível mais regressivo. Frente a essas

vicissitudes, o coordenador deve criar uma dinâmica que permita acolher

a parte psicótica que por vezes se expressa com mais intensidade e

veemência em um dos membros do grupo, contando com a possibilidade,

como se viu na vinheta apresentada, de se dispor de outro membro com

funcionamento neurótico e que demonstre ter especial capacidade

empática e espírito colaborativo para ativar o movimento integrador.

Acompanhemos outros movimentos desse encontro grupal:

Mãe da Gilmara: que a Gilmara precisa de leite e eu não tenho. Os

outros me xingando, os outros me batendo, fia, comida, e o

homem me tira de dentro de casa. Olha, com comida dentro de

casa, sabe o que ele faz? O pão está na minha mão, ele tira da

minha mão e joga para o alto. Ele fala: “você não vai comer e você

não vai dormir aqui dentro”. Como é que você quer que eu viva?

Você quer que eu viva embaixo de uma ponte? Filha, se eu tenho

isso aqui, é porque os outros que me dão. Se eu tenho sapato, é

porque os outros me dão.

A essa altura, Janice já havia assumido o papel de monopolizador

do encontro grupal. Com seu narcisismo de morte, mostra-se exitosa em

ocupar o centro das atenções, e dessa posição subjetiva passa a reivindicar

maciçamente o que julga que o mundo lhe deve. A posição que adota, de

vítima das circunstâncias e dos grandes infortúnios da vida, é

particularmente desafiadora para a coordenação do grupo. A participante

posiciona-se como um bebê voraz com uma boca-vórtice escancarada,

buraco negro, sorvedouro e sumidouro prontos a sugar e exaurir todas as

energias do grupo na tentativa de atenuar seu colossal vazio interno. Mais

uma vez, a questão aqui é matar ou morrer. Como é que você quer que eu viva?

Mãe da Gilmara [para o coordenador]: não adianta, filho, eu já

estou com a minha cabeça hoje... Eu não vou entender nada. Hoje

eu não vou.

O ataque aos elos de ligação explicita o trabalho desagregador da

pulsão de morte: “Não adianta [...] Eu não vou entender nada hoje”. A

posição receptiva do coordenador será decisiva para que o grupo recupere

sua condição de pensar.

506

Coordenador: não, mas eu acho que aí, se a gente puder conversar

sobre alguma coisa que você falou... eu acho assim... primeiro, eu

queria valorizar isso que a Maria das Graças já valorizou e eu achei

importante. Que aqui no grupo você poder dizer realmente como

você é e como você está, né? “Então, estou uma cobra hoje, estou

uma cobra porque estou muito magoada, estou com muita raiva e

eu acho que da minha boca só sai veneno. Estou uma cobra

porque a minha língua está afiada e está envenenada. Porque eu

também estou muito envenenada por dentro. Estou muito

machucada, estou muito cansada, estou muito sozinha. E aí da

minha boca só sai um pouco de veneno.” Mas aí a gente pode

pensar que a cobra também é um animal muito forte e resistente.

E aí a Maria das Graças disse o seguinte. Que, para ela, você

representa ser uma guerreira, e até um exemplo de força e

obstinação. E aí eu estou pensando no seguinte, Janice, você está

dizendo que não tem nada, que está vazia, que só recebe desprezo

e não tem a consideração de ninguém, nem no próprio aniversário,

mas eu acho que, quando a Maria das Graças diz isso, aqui e agora,

ela está reconhecendo um valor seu. Ela está dizendo algo bom

que ela vê em você e que você está dizendo que não tem.

A fala integradora do coordenador do grupo sintetiza os

movimentos que animaram a dinâmica grupal até aquele momento,

enfatizando os aspectos reparatórios que podem favorecer uma

necessidade reduzida de fazer cisão/dissociação radical, de modo a dar

abrigo a um prenúncio de gratidão59. Esse sentimento, típico da integração

proporcionada pela aproximação da posição depressiva, pode ter

suavizado o veneno. O coordenador reconhece que esse movimento

reparatório foi gestado e instaurado pela fala generosa da mãe de Ariela.

Mãe da Ariela: você vê, desde quando eu venho aqui no GRATA,

eu acho que a única pessoa que nunca faltou, que está sempre

presente, é ela, com todas as dificuldades, né? E a menina dela,

pelo que a gente vê, pelos relatos, é a menina assim que está sendo

considerada como o problema mais grave, mais acentuado. E ela

59 Ver o Capítulo 6, Contribuições da teoria kleiniana para a compreensão dos fenômenos grupais.

507

está sempre firme, está sempre forte, ao passo que muitas pessoas

já teriam, sabe, entregado os pontos.

O conceito de maternalismo, proposto por Wright (2015) como

um fenômeno que ocorre no âmbito da relação terapêutica cultivada em

unidades especializadas de TAs, considera que o papel do profissional de

saúde de proteger, preservar a vida e promover a saúde é análogo ao papel

materno. Embora reconheça que são estratégias aparentemente simplistas,

a autora constatou que o uso de técnicas reconfortantes, tranquilizadoras

e estimulantes pelas trabalhadoras da saúde, com o propósito de atenuar

o sofrimento e ajudar a pessoa a se sentir segura e bem cuidada, guarda

semelhanças com a maternagem. Por isso, uma abordagem maternalista

que ofereça uma sensação de segurança e carinho pode ser uma maneira

compassiva de favorecer a esperança, o que permitiria vislumbrar uma via

de saída da psicopatologia rumo à recuperação, da mesma maneira que

uma boa parentalidade pode facilitar o amadurecimento e aquisição de

recursos rumo à independência por pessoas com acentuadas dificuldades

de crescimento (Wright & Hacking, 2012).

Vinheta clínica 2: Não queremos que isso saia da nossa boca

Examinemos um outro encontro do grupo multifamiliar, no qual

compareceram: mãe da Gilmara, mãe de Paloma, mãe de Lucília, pai de

Maria e pais de Ariela, além da coordenadora (psicóloga) e de um

estudante do sexto ano de medicina no papel de observador do grupo. Em

outras palavras, estavam representados nesse encontro cinco núcleos

familiares, sendo um deles pelo casal parental, o que é incomum em nosso

contexto assistencial.

A mãe da Ariela tomou a dianteira e abriu a sessão contando que

participava do grupo apenas quando a filha tinha retorno ambulatorial,

justificando sua restrição por morar em outra cidade e não ter transporte

próprio.

Mãe da Ariela: normalmente, só venho quando é retorno. Da outra

vez, eu trouxe a Ariela, mas eu tinha que viajar, eu viajo... Não

tenho condição. Mas, durante esse período, eu estava falando para

a nutricionista, o comportamento da Ariela, eu estava achando

assim, um comportamento um pouco ansioso. Ela está um

508

pouquinho mais ansiosa, ela passou um período anterior a esses 90

dias um pouco melhor. Eu não sei se é porque vai aproximando

mais o final do ano e, como ela é extremamente ansiosa... É uma

coisa engraçada, como nós já conversamos aqui, ela sempre quer

ser a primeira em tudo, e isso parece que é comum a todas essas

meninas, assim, como sintoma. Parece que tem sempre essa coisa

de... em quase todas, sempre essas coisas de sobressair. Então, ela

se esforça demais, entendeu? Ela estuda demais... Como eu estava

falando com a nutricionista: a Ariela, tudo o que ela faz, ela entra

de cabeça, né?

Mãe de Lucília: com excesso!

Para alcançar a desejada adesão familiar ao plano terapêutico

traçado pela equipe, é necessário planejar estratégias de intervenção que se

mostrem exequíveis nas condições objetivas em que se organiza a

assistência interdisciplinar e que considerem também as possibilidades e

limites individuais dos próprios cuidadores (Santos et al., 2016). A inclusão

dos familiares no tratamento requer planejamento e supervisão constante.

No acompanhamento de uma condição crônica de saúde, a motivação

tende a ser oscilante, de acordo com o curso evolutivo do processo de

adoecimento. No GRATA a família é incorporada como recurso e agente

colaborador na efetivação do plano individual de tratamento, elaborado

por ocasião da admissão do(a) paciente no serviço. Para sistematização de

estratégias clínicas efetivas, são necessários estudos que se proponham a

contribuir para a produção de conhecimentos, por meio de abordagens

tanto quantitativas como qualitativas, sobre as necessidades específicas

dos familiares, de modo a otimizar sua participação, para que eles possam

se sentir fortalecidos e motivados a apoiar o tratamento do membro

acometido (Benninghoven et al., 2007; Rosa & Santos, 2011; Souza et al.,

2013).

Santos et al. (2016) argumentam que, em contextos familiares

frequentemente marcados por tensões e conflitos crônicos não

solucionados, umas das estratégias defensivas ativadas por mães e pais

consiste em manobras reiteradas de controle do comportamento do(a)

filho(a) acometido(a). Ocorre que, quanto mais intenso o controle

parental, maior a resistência dos(as) filhos(as) a se submeterem a tais

509

manobras coercitivas. Os cuidados parentais são sentidos e percebidos

como invasivos e limitadores da autonomia individual, justamente em um

momento evolutivo (transição adolescente) no qual o(a) filho(a) busca

reforçar sua independência e se livrar do desconforto da vigilância parental

(Costa & Santos, 2016). Os sintomas – recusa alimentar, vômito

autoinduzido, uso abusivo de laxantes, entre outros – expressam, em um

plano regressivo, o repúdio radical e agressivo a essas tentativas de

ingerência e controle sobre seus corpos, desejos e anseios de autonomia.

Os pais, com frequência, apresentam estilos de comunicação deficitários,

agravados por discrepâncias na fixação dos valores e normas familiares,

além de evidenciarem distorções e confusões nas interações cotidianas que

estabelecem com os demais membros da família. Nessa vertente, os

sintomas que configuram a anorexia e bulimia podem ser compreendidos

como o protesto mudo do(a) paciente, como uma espécie malograda de

comunicação que opera por meio do corpo em um registro emocional

arcaico (representação de coisas, típica dos processos primários de

pensamento) e que ainda não encontrou as palavras para modular os

“excessos” e dar contorno aos investimentos pulsionais.

Mãe da Ariela: é, com excesso! Exatamente! Sempre ela acaba

cometendo excessos demais, ela não tem aquele...

Mãe da Paloma: limite?

Pai da Ariela: é! Não tem aquele equilíbrio das coisas. Porque eu

sempre passo para elas o equilíbrio da vida, né? Tudo é bom desde

que seja dentro de uma normalidade, dentro de um equilíbrio. A

Ariela sempre entra de cabeça demais naquilo que ela faz. E, com

isso, eu acho que ela fica um pouco desgastada também, bastante

ansiosa e mais agressiva, né? Certo? Bem agressiva, principalmente

se ela está estudando. Se o telefone toca na minha casa, ela já xinga,

viu? Se a minha esposa atende o telefone, ela já xinga porque ela

não quer que ela fale ao telefone porque atrapalha a concentração

dela. Um negócio assim, incrível. Tem dia que ela está bastante

agressiva. Pode ser porque ela está fazendo prova nesses dias, pode

ser pela aproximação das provas que ela fica...

Em uma metassíntese de estudos qualitativos publicados entre

1990 e 2006, Espíndola e Blay (2009) investigaram a perspectiva de

510

familiares de pessoas com AN e BN. A revisão evidenciou a importância

do reconhecimento do transtorno e de suas repercussões no contexto

familiar, o que inclui a reorganização do núcleo familiar da pessoa

acometida. O sentimento de impotência foi predominante entre os

familiares. Os resultados indicaram a presença de comprometimento do

funcionamento familiar, que distorce a comunicação e modifica as atitudes

e comportamentos entre os membros da família.

Outro estudo de revisão, que incluiu 29 artigos publicados no

período de 2012 a 2018, corroborou a existência de estreita associação

entre sintomas de TAs e os padrões de relacionamento preponderantes

nas famílias. Os dados apontaram que a etiologia dos transtornos é

multifatorial, sendo a relação mãe-filha um dos aspectos mais

proeminentes, que parece atuar tanto como fator precipitador como

mantenedor dos sintomas nos quadros de anorexia. Padrões rígidos de

interação familiar representam risco potencial para manutenção dos TAs

e a síntese dos resultados destacados pelas pesquisas reforça a necessidade

de inclusão dos familiares e de outras redes de apoio social no contexto

do tratamento (Siqueira et al., 2020).

Coordenadora: e como vocês lidam com essa exacerbação da

agressividade dela nessa época de provas?

Pai da Ariela: normal, assim, como a gente lidava antes. Não tem

nada a mais, nada a menos do que a gente fazia anteriormente.

Como era feito? A gente está aprendendo, entendeu? É aquela coisa

assim de participar, estar junto, estar olhando. Mas tem que vigiar,

estar junto, mas ela tem que perceber que a gente está tentando

ajudar... Estar junto! Eu percebo que a Ariela tem uma necessidade

muito grande de conversar, entendeu? De contar as coisas, de

colocar, porque ela fala demais! Ela...

Mãe da Ariela: justamente! Eu nem te conto! [expressão de

cansaço] Acho que eu não preciso nem falar!

Pai da Ariela: ela está lá embaixo agora. Eu tenho a impressão de

que ela está conversando com todo mundo! Porque, agora, ela já

aprendeu a falar do problema, e aprendeu a falar, principalmente, para

as outras que estão começando, ela fala mesmo, entendeu? Até

para pessoas estranhas já está começando a conversar, quando tem

511

uma certa amizade. Ela só não conseguiu ainda falar para o

namorado dela, tá certo?

Coordenadora: ainda não conseguiu falar com o namorado?

Interessante aproximar essas duas falas, que parecem ser

complementares: “A gente [ele, pai, e a esposa] está aprendendo” e “Porque,

agora, ela [a filha] já aprendeu a falar do problema”. A experiência da

doença, a despeito do evidente sofrimento e dor que acarreta, involucra

também um aspecto de aprendizado, de aquisição de novas habilidades

socioemocionais, segundo a percepção dos pais cujas filhas encontram-se

em atendimento há mais tempo. Deve-se ressaltar que elas são percebidas

frequentemente como irascíveis, geniosas, indóceis, incorrigíveis, rebeldes

e impulsivas.

Mãe da Ariela: nós também não queremos que isso saia da nossa boca!

Não sei, o namorado deve ter percebido alguma coisa diferente,

mas não sabe a gravidade da coisa, nem os limites dela. Mas nesse

período está normal. Normal! Dentro da normalidade! Um dia a

mais, um dia normal! [expressão de alívio] Sem problema nenhum!

De certo, a gente procura, se for preciso, falar alguma coisinha,

falar, respeitar... Poxa, por que, né, é falta de educação a pessoa

estar no telefone, e a outra pessoa gritar no telefone [porque está

incomodada]! Esse é um tipo de coisa assim, né, que terminou a

gente falando pra ela, mas não adianta nada, porque na próxima

vai acontecer do mesmo jeito, e tudo bem. Então, você vê que ela

explode, né? Ela não consegue segurar aquele ímpeto de

nervosismo.

Segundo Oliveira-Cardoso e Santos (2014), a avaliação psicológica

de pacientes com TAs evidencia prejuízos no funcionamento emocional,

com uma desregulação dos mecanismos de controle eficiente dos

impulsos. Por não suportarem os estados de ansiedade decorrentes do

descontrole e da deficiência de modulação dos afetos, as pacientes

denegam seus impulsos, gerando uma instabilidade emocional que

dificulta a elaboração adequada dos conflitos. O comprometimento

psíquico evidenciado justifica a necessidade de acompanhamento

psicoterapêutico, conjugado com reabilitação nutricional.

512

Prosseguiremos acompanhando mais alguns movimentos do

encontro grupal:

Coordenadora: o Senhor...

Pai da Ariela: e na escola também... Outra coisa interessante, na

sala de aula também, as amigas, de vez em quando, e a gente

percebe que eles têm uma briguinha com ela lá porque eu acho que

ela excede, entendeu? Querendo mostrar que sabe mais, ou alguma

coisa assim. Sei lá o que que é. A gente percebe que existe. De vez

em quando ela chega perguntando para a mãe, né: “Ah, a fulana

falou que eu pergunto demais, outra falou que eu faço muita

pergunta!”. Porque, no fundo, eu acho que ela faz alguma

pergunta, já sabendo um pouco da resposta. Acho que ela faz só

para mostrar que sabe, imagino eu.

Mãe da Ariela: para testar o professor.

Pai da Ariela: não é testar, não. Eu acho que ela pergunta, mas ela

sabe exatamente o que poderia ser respondido. Então, eu percebo

isso nela, sabe?

Coordenadora: e vocês já pensaram que ela pode fazer isso para

compensar o problema? Porque os outros talvez não vejam que

ela tem...

Pai da Ariela: eu creio que sim. Eu creio que sim! Eu acho que isso

é uma compensação, uma maneira de se sobressair, por aquilo que

tem na cabeça dela, e que ela tem de ruim, entendeu? O que ela tem de ruim

na cabeça dela? Que ela imagina que ela é feia demais, imagina que é

gorda demais, então, sei lá. Eu acho que isso ela quer compensar,

por esse outro lado.

Para Lane (2002), os sintomas de TAs, que incluem jejum

prolongado, seguido ou não de manobras purgativas e comportamentos

de automutilação, teriam uma função catártica e autopurificadora, na

medida em que cumprem uma função de modular estados de ansiedade,

tensão sexual, raiva ou vazio interno, e de quebra provocam uma sensação

quase física de alívio imediato dos excessos pulsionais.

Mãe da Ariela: [O peso dela] está variando muito, porque ela gasta

muita energia, porque ela dança muito, ela anda muito a pé. Ela

não tem paciência de esperar o ônibus. Então, se ela tiver

513

esperando o ônibus e demora 10 minutos, ela já larga e vai embora

a pé. Então, não tem jeito de ela pegar peso, o pouquinho que ela

ingere, ela gasta! Ela perde muita energia, então, está difícil. [...]

quando ela toma a medicação, ela se alimenta melhor, então, ela

fica menos ansiosa.

No modelo de grupo multifamiliar apresentado, um dos

pressupostos que sustentam a intervenção é a valorização do contexto

familiar como agente promotor de práticas de cuidado e atenção à saúde.

Investir no acolhimento das necessidades emocionais dos familiares é

congruente com a literatura, que aponta que a qualidade dos

relacionamentos familiares é fator protetivo para os problemas de

comportamento alimentar (Lampis et al., 2014). Desse modo, a oferta de

um espaço de escuta aos familiares, além de fornecer amparo às angústias

e continência para os excessos produzidos pelas experiências aflitivas, tem

como propósito estratégico auxiliá-los a reorganizar seus papéis como

cuidadores, com a possibilidade de descobrirem maneiras mais saudáveis

de lidarem com os desafios de cuidar do membro familiar adoecido.

Também se torna uma arena propícia para compartihar recursos, debater

ideias e questionar padrões e estereótipos disseminados na cultura

contemporânea, que privilegiam determinados valores e crenças

associados à forma e peso corporal, como o culto ao corpo esbelto como

símbolo de felicidade e aceitação social (Santos et al., 2015).

A necessidade de pertencimento é acentuada na sociedade

contemporânea. A experiência de não se estar em conformidade com os

padrões valorizados gera processos de adoecimento, que agravam os

sentimentos de exclusão (Leonidas & Santos, 2017). Nessa perspectiva, a

instrumentalização dos grupos na saúde representa uma reserva de

atendimento humanizado que pode revigorar as condições facilitadoras

dos processos de cura. Tendo por horizonte a promoção da saúde mental,

a inclusão da família no cenário de cuidados de pacientes com TAs tem se

mostrado uma valiosa ferramenta terapêutica. Mas, para ser uma estratégia

realmente exitosa, deve possibilitar que o núcleo familiar se sinta

amparado e se torne verdadeiramente aliado da equipe interdisciplinar nos

esforços empreendidos na busca da reabilitação psicológica e nutricional

do(a) paciente.

514

Considerações finais

Neste relato buscamos destacar, com base nos resultados

decantados da experiência clínica de duas décadas de atendimento em um

serviço de TAs, o dispositivo grupal como epicentro de processos de

transformação psíquica, de abertura de novas perspectivas e possibilidades

de ressignificação de crenças e atitudes, de reinvenção de formas

cristalizadas de vinculação e de padrões tóxicos de convivência familiar.

No modelo apresentado, o manejo da intervenção grupal é baseado no

acolhimento e na potencialização dos cuidadores familiares como agentes

de mudança, considerando as possibilidades e limites do contexto

institucional no qual o grupo multifamiliar se desenvolve. Também

consideramos que, para que esse modelo seja bem-sucedido, os familiares

envolvidos devem se engajar em uma tarefa grupal comum: aprender

novas formas de cuidar das necessidades emocionais de seus/suas

filhos(as), ao mesmo tempo em que cuidam um do outro e de si próprios.

A literatura evidencia que o sistema familiar de pessoas

diagnosticadas com TAs é conturbado e que os cuidadores familiares se

sentem desmoralizados e descompensados frente à sobrecarga imposta

pelas exigências do cuidar. Como pudemos perceber nas vinhetas clínicas

apresentadas, é enorme o desgaste de lidar cotidianamente com um(a)

filho(a) com sintomas recorrentes e refratários a qualquer abordagem

razoável. Nesse sentido, o grupo também funciona como um espaço que

permite aos membros voltarem seu olhar para si próprios, buscando

(re)conhecer suas próprias necessidades de se cuidarem, o que pode

revigorar sua autoconfiança e fortalecer a autoestima abalada. Além do

compartilhamento do estoque de recursos pessoais, nota-se que para

alguns integrantes o grupo parece funcionar como espaço privilegiado

para a renovação de esperanças e melhoria da qualidade de vida. Nesse

contexto, o coordenador emerge como o fiador dos anseios e da esperança do

grupo, ao buscar, por meio do manejo das situações de conflito

emergentes, incrementar a coesão grupal e iluminar possibilidades de

desenvolver recursos criativos e fazer uso de defesas mais maduras e

integradoras do Ego.

515

Este capítulo focalizou uma experiência exitosa de intervenção

implementada há 20 anos junto a um serviço de referência nacional no

tratamento dos TAs. Desde o início de sua implementação, esse modelo

tem se mostrado apropriado para o propósito a que se destina,

contribuindo ainda com o processo de formação de estudantes de

psicologia e medicina, que atuam no serviço em diversas posições: como

estagiários, observadores e eventuais co-coordenadores do grupo, ou

inseridos no grupo de pacientes, que ocorre paralelamente ao dos

familiares, além de atuarem como psicoterapeutas e participarem das

reuniões de equipe. Importante frisar que esse trabalho é desenvolvido no

cenário de um hospital-escola, instituição pública de referência no país em

pesquisa e formação médica, vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Como tal, a experiência relatada pode inspirar o processo de formação

técnico-científica de novos profissionais de saúde, com o diferencial da

valorização da grupalidade.

Referências

Anastasiadou, D., Sepulveda, A. R., Parks, M., Cuellar-Flores, I., & Graell,

M. (2016). The relationship between dysfunctional family patterns

and symptom severity among adolescent patients with eating

disorders: A gender-specific approach. Women & Health, 56(6), 695-

712.

Attili, G., Di Pentima, L., Toni, A., & Roazzi, A. (2018). High anxiety

attachment in eating disorders: intergenerational transmission by

mothers and fathers. Paidéia (Ribeirão Preto), 28, e2813.

Benninghoven, D., Tetsch, N., Kunzendorf, S., & Jantscheck, G. (2007).

Body image in patients with eating disorders and their mothers, and the

role of family functioning. Comprehensive Psychiatry, 48(2), 118-123.

Bighetti, F., Santos, J. E., & Ribeiro, R. P. P. (2006). Grupo de orientação

clínico-nutricional a familiares de portadores de transtornos

alimentares: Uma experiência “GRATA”. Medicina (Ribeirão Preto),

39(3), 410-414.

Campos, L. K. S., Sampaio, A. B. R. F., Garcia Jr., C., Magdaleno Jr., M.,

Battistoni, M. M. M., & Turato, E. R. (2012). Psychological

characteristics of mothers of patients with anorexia nervosa:

516

Implications for treatment and prognosis. Trends in Psychiatry and

Psychotherapy, 34(1), 13-18.

Cobelo, A. W., & Gonzaga, A. P. (2012). The mother-daughter

relationship in eating disorders: the psychotherapy group of mothers.

Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 15(3), 657-667.

Cobelo, A. W., Saikali, M. O., & Schomer, E. Z. (2004). A abordagem

familiar no tratamento da anorexia e bulimia nervosa. Revista de

Psiquiatria Clínica, 31(4), 184-187.

Contel, J. O. B., & Villas-Boas, M. A. (1999). Psicoterapia de grupo de

apoio multifamiliar (PGA) em hospital-dia (HD) psiquiátrico. Revista

Brasileira de Psiquiatria, 21(4), 225-230.

Costa, L. R. S., & Santos, M. A. (2016). Cuidado paterno e relações

familiares no enfrentamento da anorexia e bulimia. Em: D.

Bartholomeu, J. M. Montiel, A. A. Machado, A. R. Gomes, G.

Couto, & V. Cassep-Borges (Orgs.), Relações interpessoais: Concepções

e contextos de intervenção e avaliação (pp. 253-279). São Paulo: Vetor.

Espíndola, C. R., & Blay, S. L. (2009). Percepção de familiares sobre

a anorexia e a bulimia: Revisão sistemática. Revista de Saúde Pública,

43(4), 707-716.

Goulart, D. M., & Santos, M. A. (2012). Corpo e palavra: Grupo

terapêutico para pessoas com transtornos alimentares. Psicologia em

Estudo (Maringá), 17(4), 607-617.

Goulart, D. M., & Santos, M. A. (2015). Psicoterapia individual em um

caso grave de anorexia nervosa: A construção da narrativa clínica.

Psicologia Clínica, 27(2), 201-227.

Kreling, D. B., & Santos, M. A. (2005). Anorexia nervosa: Um relato de

atendimento clínico realizado em contexto multidisciplinar. Em: M.

A. Santos, C. P. Simon, & L. L. Melo-Silva (Orgs.), Formação em

Psicologia: Processos clínicos (pp. 143-161). São Paulo: Vetor.

Lane, R. C. (2002). Anorexia, masochism, self-mutilation and autoerotism:

The spider mother. The Psychoanalytic Review, 89(1), 101-123.

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2013). Redes sociais significativas de

mulheres com transtornos alimentares. Psicologia: Reflexão e Crítica,

26(3), 561-571.

517

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2014). Social support networks and eating

disorders: An integrative review of the literature. Neuropsychiatric

Disease and Treatment, 10, 915-927.

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2015a). Relacionamentos afetivo-familiares

em mulheres com anorexia e bulimia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(2),

181-191.

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2015b). Family relations in eating disorders:

The Genogram as instrument of assessment. Ciência & Saúde Coletiva,

20(5), 1435-1447.

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2017). Emotional meanings assigned to

eating disorders: Narratives of women with anorexia and bulimia

nervosa. Universitas Psychologica, 16(4), 1-13.

Leonidas, C., & Santos, M. A. (2020). Symbiotic illusion and female

identity construction in eating disorders: A psychoanalytical

psychosomatics’ perspective. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica,

23(1), 84-93.

Leys, C., Kotsou, I., Goemanne, M., & Fossion, P. (2017). The influence

of family dynamics on eating disorders and their consequence on

resilience: A mediation model. The American Journal of Family Therapy,

45(2), 123-132.

Lyke, J., & Matsen, J. (2013). Family functioning and risk factors for

disordered eating. Eating Behaviors, 14(4), 497-499.

Manochio, M. G., Santos, M. A., Valdanha-Ornelas, É. D., Santos, J. E.,

Dressler, W., & Pessa, R. P. (2020). Significados atribuídos ao

alimento por pacientes com Anorexia Nervosa e por mulheres jovens

eutróficas. Fractal: Revista de Psicologia, 32(2), 120-131.

Moura, F. E. G. A., Santos, M. A., & Ribeiro, R. P. P. (2015). A

constituição da relação mãe-filha e o desenvolvimento dos

transtornos alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 32(2), 233-

247.

Mushquash, A. R., & Sherry, S. B. (2013). Testing the perfectionism model

of binge eating in mother-daughter dyads: A mixed longitudinal and

daily diary study. Eating Behaviors, 14(2), 171-179.

Narvaz, M. G. (2010). Grupos multifamiliares: História e conceitos.

Contextos Clínicos, 3(1), 1-9.

518

Nicoletti, M., Gonzaga, A. P., Modesto, S. E. F., & Cobelo, A. W. (2010).

Grupo psicoeducativo multifamiliar no tratamento dos transtornos

alimentares na adolescência. Psicologia em Estudo, 15(1), 217-223.

Oliveira, E. A., & Santos, M. A. (2006). Perfil psicológico de pacientes

com anorexia e bulimia nervosas: A ótica do psicodiagnóstico.

Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 353-360.

Oliveira-Cardoso, E. A., & Santos, M. A. (2012). Avaliação psicológica de

pacientes com anorexia e bulimia nervosas: Indicadores do método

de Rorschach. Fractal: Revista de Psicologia, 24(1), 159-174.

Oliveira-Cardoso, E. A., & Santos, M. A. (2014). Psicodinâmica dos

transtornos alimentares: Indicadores do Teste das Pirâmides

Coloridas de Pfister. Psico-USF, 19(2), 209-220.

Oliveira-Cardoso, E. A., Von Zuben, B. V., & Santos, M. A. (2014).

Quality of life of patients with anorexia and bulimia nervosa. Demetra:

Food, Nutrition and Health, 9(Supl. 1), 329-340.

Oliveira-Cardoso, E. A., Valdanha-Ornelas, E. D., Leonidas, C., Pessa, R.

P., Santos, J. E., & Santos, M. A. (2018). Assistência em transtornos

alimentares como parte do itinerário formativo do aluno de

Psicologia: Aprendizado em equipe interdisciplinar. In L. C. S. Elias,

C. M. Corradi-Webster, E. A. Oliveira-Cardoso, S. D. Barreira, & M.

A. Santos (Orgs.), Formação profissional em psicologia: Práticas

comprometidas com a comunidade (pp. 82-108). Ribeirão Preto: Sociedade

Brasileira de Psicologia.

Palma, R. F. M., Santos, J. E., & Ribeiro, R. P. P. (2013). Hospitalização

integral para tratamento dos transtornos alimentares: A experiência

de um serviço especializado. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 62(1), 31-37.

Peres, R. S., & Santos, M. A. (2006). Contribuições do Desenho da Figura

Humana para a avaliação da imagem corporal na anorexia nervosa.

Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 361-370.

Peres, R. S., & Santos, M. A. (2011). Técnicas projetivas na avaliação de

aspectos psicopatológicos da anorexia e bulimia. Psico-USF, 16(2),

185-192.

Rosa, B. P., & Santos, M. A. (2011). Comorbidade entre bulimia nervosa

e transtorno de personalidade borderline: Implicações para o

519

tratamento. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 14(2),

268-282.

Santos, M. A. (2006). Sofrimento e esperança: Grupo de pacientes com

anorexia e bulimia nervosas. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 386-402.

Santos, M. A., Garcia, R. W. D., & Liotino-Santos, M. (2015). A sujeição

aos padrões corporais culturalmente construídos em mulheres de

baixa renda. Demetra, 10(4), 761-774.

Santos, M. A., Leonidas, C., & Costa, L. R. S. (2016). Grupo multifamiliar

no contexto dos transtornos alimentares: A experiência

compartilhada. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 68(3), 43-58.

Santos, M. A., Oliveira, E. A., Moscheta, M. S., Ribeiro, R. P. P., &

Santos, J. E. (2004). Mulheres plenas de vazio: Os aspectos familiares

da anorexia nervosa. Vínculo, 1(1), 46-51.

Santos, M. A., Oliveira, V. H., Peres, R. S., Risk, E. N., Leonidas, C., &

Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Corpo, saúde e sociedade de

consumo: A construção social do corpo saudável. Saúde & Sociedade,

28(3), 239-252.

Santos, M. A., Scorsolini-Comin, F., & Gazignato, E. C. S. (2014).

Aconselhamento em saúde: Fatores terapêuticos em grupo de apoio

psicológico para transtornos alimentares. Estudos de Psicologia

(Campinas), 31(3), 393-403.

Santos, M. A., Silva, L. M., Oliveira, E. A., Ribeiro, R. P. P., & Santos, J.

E. (2005). Psicoterapia de apoio como instrumento auxiliar de

atendimento a pacientes com anorexia nervosa. Em: M. A. Santos, C.

P. Simon, & L. L. Melo-Silva (Orgs.), Formação em Psicologia: Processos

clínicos (pp. 333-350). São Paulo: Vetor.

Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2012). Psicoterapia como

estratégia de tratamento dos transtornos alimentares: Análise crítica

do conhecimento produzido. Estudos de Psicologia (Campinas), 29(Supl.),

851-863.

Scorsolini-Comin, F., Souza, L. V. E., & Santos, M. A. (2010). A

construção de si em um grupo de apoio para pessoas com transtornos

alimentares. Estudos de Psicologia (Campinas), 27(4), 467-478.

520

Sicchieri, J. M. F., Santos, M. A., Santos, J. E., & Ribeiro, R. P. P. (2007).

Avaliação nutricional de portadores de transtornos alimentares:

Resultados após a alta hospitalar. Ciência, Cuidado e Saúde, 6(1), 68-75.

Siqueira, A. B. R., Santos, M. A., & Leonidas, C. (2020). Confluências das

relações familiares e transtornos alimentares: Revisão integrativa da

literatura. Psicologia Clínica, 32(1), 123-149.

Sopezki, D., & Vaz, C. E. (2008). O impacto da relação mãe-filha no

desenvolvimento da autoestima e nos transtornos alimentares.

Interação em Psicologia, 12(2), 267-275.

Souza, A. P. L., Valdanha-Ornelas, É. D., Santos, M. A., & Pessa, R. P.

(2019). Significados do abandono do tratamento para pacientes com

transtornos alimentares. Psicologia: Ciência e Profissão, 39, e188749, 1-16.

Souza, L. V., & Santos, M. A. (2007a). A família e os transtornos

alimentares. Medicina (Ribeirão Preto), 39(3), 403-409.

Souza, L. V., & Santos, M. A. (2007b). Anorexia e bulimia: Conversando com

as famílias. São Paulo: Vetor.

Souza, L. V., & Santos, M. A. (2009). A construção social de um grupo

multifamiliar no tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia:

Reflexão e Crítica, 22(3), 317-326.

Souza, L. V., & Santos, M. A. (2010). A participação da família no

tratamento dos transtornos alimentares. Psicologia em Estudo (Maringá),

15(2), 285-294.

Souza, L. V., Moura, F. E. G. A., Nascimento, P. C. B. D., Lauand, C. B.

A., & Santos, M. A. (2013). O atendimento à família no tratamento

dos transtornos alimentares: Um relato de experiência. Nova Perspectiva

Sistêmica, 22(45), 47-57.

Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., & Santos, M. A. (2013a). Anorexia

nervosa e transmissão psíquica transgeracional. Revista Latinoamericana

de Psicopatologia Fundamental, 16(1), 71-88.

Valdanha, E. D., Scorsolini-Comin, F., Peres, R. S., & Santos, M. A.

(2013b). Influência familiar na anorexia nervosa: Em busca das

melhores evidências científicas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 62(3),

225-233.

Valdanha, E. D., Oliveira-Cardoso, E. A. D., Ribeiro, R. P. P., Miasso, A.

I., Pillon, S. C., & Santos, M. A. (2014). A arte de nutrir vínculos:

521

Psicoterapia de grupo nos transtornos alimentares. Revista da

SPAGESP, 15(2), 94-108.

Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016a). O percurso e seus

percalços: Itinerário terapêutico nos transtornos alimentares.

Psicologia: Teoria e Pesquisa, 32(1), 169-179.

Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2016b). Family psychic

transmission and anorexia nervosa. Psico-USF, 21(3), 635-649.

Valdanha-Ornelas, E. D., & Santos, M. A. (2017). Transtorno alimentar e

transmissão psíquica transgeracional em um adolescente do sexo

masculino. Psicologia: Ciência e Profissão, 37(1), 176-191.

Wright, K. M. (2015). Maternalism: A healthy alliance for recovery and

transition in eating disorder services. Journal of Psychiatric and Mental

Health Nursing, 22(6), 431-439.

Wright, K. M., & Hacking, S. (2012). An angel on my shoulder: A study

of relationships between women with anorexia and healthcare

professionals. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, 19(2), 107-

115.

523

26 Psicoterapia psicanalítica de grupo

com alcoolistas e drogaditos Silvia Brasiliano, Gustavo Chiesa Gouveia Nascimento, Livia Maria

Amaral de Brito, Patricia Ely

Contexto histórico

A história da psicoterapia de grupo com alcoolistas e drogaditos

data de aproximadamente 100 anos atrás. Uma das primeiras iniciativas foi

a de Metzel, que desenvolveu um método de aconselhamento para

alcoolistas (Bechelli & Santos, 2004). Contudo, sem dúvida alguma, foi o

surgimento dos grupos de alcoólicos anônimos, em 1935, que impulsou e

popularizou essa forma de abordagem. Embora ligados ao Cristianismo e

consoantes com as tendências morais da época (ainda que o alcoolismo

tenha sido definido como doença em meados do século XVIII, nessa

época ainda havia relutância em encará-lo como pertencente ao campo da

saúde, percebendo-o como uma questão da moral e dos bons costumes),

sua conceituação do alcoolismo como doença e sua proposta baseada no

encontro, na troca de experiências e no respeito ao indivíduo introduziram

mudanças que vão influenciar o tratamento para os alcoolistas e

drogaditos até os dias de hoje. Ainda que sejam grupos de trabalho leigos,

o enorme sucesso alcançado com muitos pacientes no que diz respeito à

abstinência, teve como consequência sua rápida difusão no mundo e sua

progressiva incorporação aos programas terapêuticos. Em outras palavras,

podemos dizer que a clínica psicológica com alcoolistas e drogaditos

desenvolveu-se a partir do pressuposto que considerava fundamental a

dinâmica grupal na intervenção (Brasiliano, 2008).

Hoje em dia, a psicoterapia de grupo é uma das modalidades

terapêuticas mais amplamente utilizadas no tratamento de dependentes de

substâncias psicoativas. Mais além, costuma ser sugerida como terapêutica

de escolha para estes pacientes, independentemente de qual seja a

524

abordagem utilizada (Brasiliano, 1997; Lima & Fuks, 2006). Pode-se dizer

que as psicoterapias de grupo são tantas quantas são as formulações

teóricas existentes, os métodos grupais, as metas de trabalho e a orientação

de cada psicoterapeuta (Brasiliano, 1997).

O desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica de grupo com

alcoolistas e drogaditos foi marcado por inúmeros fatores e obstáculos que

atravessaram o seu caminho. Uma primeira barreira foi um clássico estudo

de Vaillant nos anos 80, cujos resultados apontaram que a psicanálise

convencional e intensiva era ineficaz, quando não contraindicada com

esses pacientes (Vaillant, 1981). Investigações posteriores que sustentaram

essa afirmativa, o progressivo abandono da psicanálise como base para a

psiquiatria e a sua substituição pela fundamentação objetiva

fenomenológica contribuíram para a pouca aplicabilidade da psicanálise

no campo da dependência de substâncias psicoativas.

Outra fonte de dificuldades foi a própria instituição psicanalítica

oficial. Até os anos 90 pode-se dizer que a psicanálise era a grande ausente

no campo das drogadições e os pacientes drogaditos eram os grandes

ausentes no campo da clínica psicanalítica (Brasiliano, 2008). É fato que

os grandes mestres da psicanálise se ocuparam muito pouco da

dependência de álcool e de outras drogas e que através dos anos a

relutância ou mesmo a recusa de muitos psicanalistas a aceitarem

drogaditos em análise dificultou muito a formulação de hipóteses sólidas

e consistentes sobre o tema. Durante muito tempo, a instituição

psicanalítica oficial mostrou-se bastante crítica, quando não cética, quanto

ao desenvolvimento de novas concepções advindas de sua teoria ou

quaisquer tentativas ou propostas de rearticulação de sua técnica, como as

requeridas por estes pacientes.

Uma barreira importante e que, em certo sentido, se mantém até

hoje é o questionamento de quais seriam os objetivos de uma psicoterapia

psicanalítica de grupo e se essa modalidade não seria meramente

adaptativa à realidade. De acordo com Lima e Fuks (2006), esse

questionamento baseia-se nos trabalhos iniciais com técnicas grupais

realizados em períodos críticos, como, por exemplo, as guerras, quando

era fundamental atender a muitos pacientes, com diferentes patologias e

havia necessidade de adaptar-se à realidade das situações emergentes e

525

curar rapidamente os soldados. Para esses autores a resposta a essas

indagações conduz à pergunta de por que trabalhamos com grupos: será

por que são muitos os pacientes, ou por que julgamos que seus resultados

sejam equivalentes aos da análise individual? Infelizmente não é raro

escutarmos teóricos e clínicos afirmando que a psicoterapia de grupo é

boa porque trata de muitas pessoas simultaneamente, com um só técnico,

barateando e otimizando os serviços de saúde mental. Além disso, entre

muitos psicanalistas parece persistir a ideia de que essa prática não tem o

status de uma “verdadeira análise” e que, portanto, seus resultados seriam

inferiores e só superficiais (Zimerman, 2000).

A prática psicanalítica dirige-se à singularidade do indivíduo e tem

como uma de suas premissas fundamentais o respeito à autonomia do

sujeito. Objetar que a abordagem psicanalítica seja adaptativa à realidade

somente por ser em grupo é desconhecer seus grandes eixos conceituais.

Essa atitude crítica parece ser fruto de preconceitos e da falta de

experiência clínica (e pessoal) de muitos autores e psicoterapeutas com

essa modalidade (Lima & Fuks, 2006). Em 1997, Zimerman já nos dizia

que, embora existam muitas diferenças entre a análise individual e grupal,

“Não me resta dúvida quanto à possibilidade relativa à obtenção de

resultados autenticamente psicanalíticos com evidentes transformações

caracterológicas e estruturais do psiquismo do sujeito [em psicoterapia

analítica de grupo]” (Zimerman, 1997, p. 127).

Anos mais tarde, esse mesmo autor elencou 13 tópicos que no

curso de uma psicanálise grupal podem representar alguma vantagem

sobre a individual (Zimerman, 2003). A saber: (1) perceber mais

claramente a íntima e indissociável interrelação entre indivíduo e grupo; (2)

observar mais nitidamente os fenômenos da especularidade resultantes da

identificações projetivas e introjetivas; (3) evidenciar os lugares, funções e

papéis que cada indivíduo assume em relação aos outros; (4) observar as

várias combinações entre papéis designados e assumidos; (5) reconhecer e

ressignificar a estereotipia de lugares e papéis; (6) observar a normalidade

e a patologia da comunicação; (7) função do grupo como continente para

pacientes com quadros mais graves, como, por exemplo, a drogadição; (8)

psicoterapeuta como modelo de identificação; (9) criar a oportunidade para

que o paciente possa ajudar o outro e assim fazer “reparações verdadeiras”;

526

(10) favorecer os distintos aspectos do vínculo de reconhecimento:

reconhecer em si próprio o reprimido e o latente, reconhecer o outro como

um sujeito diferente de si, ser reconhecido a outras pessoas, e aceitar que

todo indivíduo precisa ser reconhecido pelo outro; (11) observar de forma

mais clara: as identificações coletivas, o complexo fraterno e as fantasias

compartilhadas; (12) favorecer o desenvolvimento da “função psicanalítica

da personalidade”; e (13) desenvolver as funções de reconhecimento dos

significados da existência dos outros; possibilitar ressignificações, de

identificações, transformações no exercício de papéis, reconstrução do

desagregado familiar e favorecer as reparações recíprocas. Como veremos

a seguir, todas essas características são especialmente relevantes na

abordagem dos pacientes alcoolistas e drogaditos designando à

psicoterapia psicanalítica grupal um lugar de destaque na abordagem clínica

desses quadros.

A abordagem psicanalítica no contexto da drogadição

Para nos aprofundarmos na questão psicoterapêutica é necessário

incialmente pensarmos o que, a partir do referencial psicanalítico,

entendemos por drogadições.

A clínica das adições passou a ser muito prevalente no final do

século passado. As histéricas com suas conversões, os neuróticos

obsessivos com sua vida de dúvidas e culpas pareciam ter cedido lugar a

apresentações psicopatológicas diversas: drogadições, transtornos

alimentares (anorexia e bulimia), quadros psicossomáticos, entre outros.

Se é claro que essas não eram patologias novas, o que impressionava era o

enorme protagonismo social que elas estavam assumindo.

Na tentativa de entender essa quase epidemia, um primeiro olhar

volta-se para o social. Não há como pensar o ser humano fora da sua época

(Rojas & Sternbach, 1997). Embora a singularidade de cada indivíduo não

possa ser reduzida a uma cópia das relações que o incluem e o atravessam,

as manifestações sintomáticas não são alheias à cultura. A drogadição, os

transtornos alimentares, os quadros compulsivos são sintomas do nosso

tempo. Por mais intrigante que possam ser os drogaditos, as anoréxicas,

os obesos não são desviantes, mas sim emergentes do que se

527

convencionou chamar de sociedade pós-moderna (Brasiliano & Hochgraf,

2010).

No mundo contemporâneo ocidental testemunhamos a

emancipação do indivíduo em detrimento da vivência do coletivo. A

crença na autossuficiência, no direito de ser absolutamente si mesmo, de

aproveitar a vida ao máximo, são marcas de uma sociedade regulada pela

ideologia do individualismo (Lipovetsky, 2005). Essa exaltação ao

narcisismo, associada ao enfraquecimento da confiança nas instituições,

colocam em falência as funções intermediárias (Kaës, 2003), fundamentais

para a constituição das fronteiras do psiquismo e para a integração das

pulsões no espaço psíquico e social. A pane das instâncias de apoio

levaram o sujeito da modernidade à sensação de impotência e trazem

como efeito a confusão entre ação e representação.

Para combater esse sofrimento e estado de vulnerabilidade, o

indivíduo da atualidade é transformado em mero consumidor e obrigado,

para aliviar seu encontro com o insuportável, a recorrer a soluções rápidas

e que estão ao alcance das mãos como, por exemplo, drogas, compras e

alimentação. Esse expediente levou diversos autores a nomear essas novas

formas clínicas, entre elas as drogadições, os transtornos alimentares, os

quadros psicossomáticos e compulsivos, como patologias do narcisismo,

do desamparo ou do vazio (Rojas, 1996).

Além disso, o sistema capitalista, ao propor que seus consumidores

possam se relacionar com os objetos de desejo sem mediações ou

obstáculos, propaga a crença de que existe um meio concreto de alcançar

a felicidade. Ter e consumir passam a ser as palavras de ordem para atingir

a plenitude, o que é plenamente reforçado na atualidade por seus inúmeros

objetos à disposição, todos prometendo preencher o vazio e curar

qualquer sofrimento. A vivência é que qualquer mal-estar deve sempre ser

medicado ou eliminado e para isso a drogadição entra como esse recurso

mágico que alivia as dores da alma.

No entanto, essa dinâmica transforma a drogadição em uma

espécie de escravização. O próprio significado da palavra adição já

esclarece bem o que acontece. Adição provém do latim addcitum que, como

apontam Kalina e Kovadloff (1983, p. 24), “nos tempos da República

Romana designava o homem que, para pagar uma dívida, se convertia em

528

escravo por não dispor de outros recursos para cumprir o compromisso

contraído”. Addictum era, então, aquele que renunciava a sua identidade e

colocava-se como submisso, por não ter, por vontade própria ou por

causas fortuitas, sabido cuidar do que era seu. Ele era o homem que se

forçava e era forçado a assumir uma identidade inferior à sua,

absolutamente desconhecida, mas que lhe permitia um lugar social (Kalina

& Kovadloff, 1983).

Como as outras patologias do vazio, a drogadição não é derivada

dos conflitos entre as pulsões, as defesas e as ameaças do Superego, do

recalcado, mas sim daquilo que não pode ser constituído e simbolizado. O

que a caracteriza são falhas na constituição da subjetividade que não

encontra apoios e lugares de sustentação que permitam o seu

desenvolvimento. A relação com o objeto é da ordem da demanda, da

satisfação imediata de necessidades. Não há tolerância à frustração e à

espera, porque essas remetem a uma realidade sentida como insuportável,

já que sua marca é um enorme vazio. Como é grande a dificuldade de

suportar as representações ligadas aos afetos perturbadores, a descarga do

agir prevalece ali onde a linguagem falha. Como a angústia mobilizada só

pode ser expressa em atuações, a única garantia contra o desamparo é a

incorporação e o preenchimento, pois não há acesso à elaboração

(Brasiliano, 2003; Brasiliano & Hochgraf, 2010; Uchitel, 2002).

Compreendemos que angústias dessa ordem podem ser mais bem

colocadas em trabalho a partir da mobilização do aparelho psíquico do

outro, na restauração dessa dimensão intersubjetiva em pane, na qual o

sujeito se vê confrontado com o vazio. Ao funcionar como espaço de uma

nova modalidade de interrelação, o grupo pode trazer as experiências de

restauração destas instâncias de apoio em falência em nossa sociedade

(Kaës, 2003).

É importante termos claro que a drogadição se dá na relação que

o indivíduo estabelece com álcool ou com as drogas, ou seja, essas

substâncias sozinhas não são as responsáveis pela situação do paciente. Ao

contrário, pressupõe-se um sujeito ativo, que busca, usa e perde o controle

sobre as substâncias, tornando-se um alcoolista ou drogadito (Laufer,

1990). Dessa forma, o entendimento se dá a partir do sujeito em uma

relação dialética, onde se é verdade que não existe drogadição sem uma

529

droga, por um lado, não é essa dependência que vai definir o sujeito.

Assim, a droga não vai atacar qualquer indivíduo independentemente de

quem ele seja, o que deseja ou que conflitos tenha. A drogadição envolve

a globalidade do sujeito em um inter-relacionamento intricado e variável

para cada um que, se por um lado, não permite inferir necessariamente

uma psicopatologia subjacente a qualquer drogadição, por outro, aclara

que a categoria dos drogaditos como um grupo é composta por indivíduos

com realidades psíquicas muito diferentes entre si (Bittencourt, 1993;

Brasiliano, 1997; Inem, 1993; Silveira Filho, 1995).

Do ponto de vista psicanalítico a drogadição é um sintoma e cabe

a nós, enquanto psicanalistas, poder buscar e apreender o sentido da droga

na vida de cada indivíduo (Silveira Filho, 1995), para que ele possa “(...)

transmutar o que se manifesta na ordem do corpo em palavra, o que permite

inscrever o sofrimento no plano psíquico” (Santos, 2007, p. 6).

Objetivos da abordagem psicanalítica grupal no contexto da drogadição

O objetivo da abordagem psicanalítica grupal com alcoolistas e

drogaditos é o de criar um espaço de reflexão onde o indivíduo possa

buscar o sentido de suas próprias vivências para encontrar uma resposta

diferente, que não o uso de drogas, para transformar a sua realidade

(Brasiliano, 1997). Dessa forma, o terapeuta não se coloca como

autoridade sobre as drogas, que sabe, entende e conhece e está lá para

ensinar: sua meta não é simplesmente a remoção do sintoma. Ao

contrário, seu lugar é de quem não sabe, mas está aberto a escutar e

conhecer. O dependente também não é encarado como vítima do álcool

e das drogas, mas como um sujeito que pode tornar-se “agente da própria

‘cura’, ou seja, um sujeito ativo que assume sua necessidade de tratar-se e

passa a mobilizar recursos nessa direção” (Santos, 2007, p. 6).

Essa não é uma tarefa fácil, nem simples, pois é justamente da

vivência de sua realidade psíquica que a droga protege o dependente. Essa

realidade é sentida como frágil e dolorosa e a angústia é de aniquilamento,

destruição e morte. A droga funciona como uma garantia permanente de

que o sujeito não será confrontado com seu desamparo pela exaltação e

grandiosidade do Ego que seu uso provoca (Kalina & Kovadloff, 1983).

Abster-se dela remete o drogadito à sua problemática inicial e ao inevitável

530

confronto com a experiência do vazio, agora acrescida do desespero e da

impotência frente à constatação que a solução drogaditiva falhou

(Brasiliano, 1997; Silveira Filho, 1995).

A chegada ao tratamento ocorre em um momento em que algo da

ordem de um fracasso instala-se na relação do sujeito com a droga. Na

maior parte das vezes essa crise não é da natureza de um conflito

angustiado, de uma profunda reflexão sobre si mesmo e sua vida, o que

significa, portanto, que ainda não há lugar para muitas elaborações. Trata-

se somente de uma ameaça física (doença), psíquica (estado de desespero,

sensação de vazio ou abandono) ou social (exposição a situações de risco,

perda de emprego, violência doméstica, ameaça de perda da guarda dos

filhos) que mobiliza o dependente. Nesse sentido, nem sempre o desejo

do drogadito é de “curar-se” ou mesmo de reestruturar a sua vida, mas

sim de livrar-se da ameaça ou reequilibrar a relação prazerosa, a lua de mel

com a droga que foi perdida (Olievenstein, 1983). Geralmente

apresentam-se como vítima das circunstâncias e ainda não se dispõem a

procurar entender ou a modificar o sofrimento que o uso de drogas lhes

traz. A negação, a projeção e a racionalização funcionam como

mecanismos de defesa fundamentais, pois operam como uma forma de

proteção contra a percepção da dependência e de seus significados

(Brasiliano, 1997).

Na psicoterapia de grupo a experiência com outros indivíduos com

a mesma realidade permite o desmonte dessa forma de resistência.

“Inverdades”, como nomeiam Lima e Fuks (2006), que facilmente são

usadas com familiares, amigos e mesmo com os profissionais de saúde são

rapidamente decodificadas e confrontadas, o que permite mais facilmente

o acesso à vivência psíquica. Além disso, muitas vezes, o que o paciente

encontra muita dificuldade em expressar em uma análise individual (as

falas parecem se restringir a “eu uso e pronto!”, “fica vazio quando não se

usa”, “não me ocorre nada”, “não tenho o que falar”), flui livremente

quando ele está em grupo. Ouvir os outros falarem pode diminuir a

inibição e despertar associações favorecendo com que, mesmo pessoas

muito quietas, mostrem-se falantes e colaborativas, se dando a conhecer

mais facilmente (Silveira, 2013).

531

No início do trabalho de grupo, o tema que costuma tomar boa

parte das sessões ainda é sobre o uso das drogas, sem muito espaço para

um aprofundamento reflexivo. O discurso dominante ainda é reduzido ao

dueto abstinência versus recaída (Brasiliano, 1997). Nesse momento a

história pessoal ainda se confunde com a história do uso de drogas.

Percebe-se também um distanciamento defensivo da realidade como uma

negação parcial do sofrimento decorrente da relação alienante com a

droga.

A partir do momento em que um dependente passa a experimentar

outra relação com a droga, uma parte considerável do trabalho

psicoterapêutico será fornecer apoio e suporte narcísico. Reconhecer e

valorizar qualidades; avaliar positivamente pequenos passos; ajudar na

aprendizagem do autocuidado; auxiliar o lidar com situações críticas

protegendo-se, são tarefas essenciais que encontram muitas oportunidades

na psicoterapia de grupo. Além do terapeuta, o grupo também oferece um

ótimo espaço para que os pacientes possam se ajudar mutuamente. Como

diz Zimerman (2003), esse movimento é certamente importante,

especialmente para os indivíduos bastante regredidos, como é o caso de

muitos drogaditos, pois pode possibilitar uma verdadeira experiência de

reparação, através da consideração, da preocupação e do cuidado com os

outros.

A psicoterapia psicanalítica de grupo com alcoolistas e drogaditos

proporciona um espaço de interrelação e de co-associação, que favorece a

percepção de si, dos papéis que ocupa e dos traços identificatórios.

Simultaneamente, estar em grupo facilita a identificação recíproca e

funciona como uma espécie de espelho em que cada um pode se refletir e

se ver refletido nos outros integrantes, favorecendo a formulação de

alianças e os processos de apoio mútuo. Segundo Silveira (2013, p. 684),

“o retorno dos colegas (...) a respeito da própria imagem (...) estimula o

investimento próprio e propicia a reconstrução da alteridade ao colocar-

se no lugar do outro e do outro colocar-se em seu lugar”.

Lima e Fuks (2006, p. 244) afirmam que o “grupo funciona (...)

propondo ao drogado uma não-relação com a droga através da relação

com o outro”. Em outras palavras, é através da intersubjetividade que se

constrói uma nova subjetividade (Silveira, 2013).

532

Tendo em vista o quadro traçado, os objetivos da psicoterapia

psicanalítica de grupo com alcoolistas e drogaditos são, de forma mais

detalhada:

1. entendimento das vivências individuais com foco na

dependência;

2. identificação, nomeação e compreensão dos desencadeantes

internos para os comportamentos;

3. entendimento do alcance e das limitações da responsabilidade

pessoal;

4. busca de respostas alternativas para lidar com os sentimentos

de hostilidade, raiva e depressão;

5. separação do mundo interno do mundo externo;

6. ampliação dos recursos pessoais para lidar com os conflitos e

com a dor psíquica; e

7. transformação da linguagem sintomática em realidade psíquica

ou o agir em possibilidade de expressar com a palavra, pensar e

refletir.

As regras nos grupos de psicoterapia no contexto da drogadição

Como alcoolistas e drogaditos costumam distorcer a percepção

das situações vividas, estruturando mecanismos defensivos no sentido de

adequar a realidade às suas vivências, é essencial estabelecer um contrato

para a psicoterapia com regras claras e definidas (Brasiliano, 1997). As

regras, como um elemento que compõe o enquadre, podem efetuar uma

função de terceiro para o indivíduo e para o grupo, contribuindo para a

diferenciação entre o mundo interno e externo (Castanho, 2018) e

instaurando um espaço novo sobre o qual podemos ajudar o sujeito a se

debruçar.

Oferecer um tratamento com formato regular e estruturado em

um setting com o mesmo terapeuta, mesma frequência, horário e local,

pode ter uma importante função terapêutica ao servir de contraponto à

instabilidade psíquica que os drogaditos vivem. Eles costumam ter uma

vida sem compromissos ou rotinas, o que pode potencializar a sensação

de desorientação mental. Por conta disso a montagem do grupo

obedecendo alguns parâmetros, além de possibilitar a formação de

533

vínculos, também pode proporcionar um sentimento de continência e de

pertencimento, que a maioria desses pacientes não vivencia em nenhum

outro espaço de suas vidas. Além disso as regras também organizam

como essas relações podem se desenrolar, em oposição à desordem dos

vínculos que trazem em seus registros.

As regras principais são: (1) data, horário e local; (2) número de

participantes; (3) livre-associação de ideias; (4) sigilo; (5) uso de álcool

e/ou drogas; (6) tempo de duração do tratamento e alta; e (7) férias do

terapeuta.

O sigilo é um tema especialmente importante, principalmente nos

espaços institucionais em que atuam equipes multi ou interdisciplinares e

que dispõem de salas de espera com parentes que costumam interagir e

trocar informações sobre os pacientes. No caso de pacientes mulheres,

que na sua maioria absoluta são acompanhadas por mães ou filhas, esse

contato na sala de espera, seja motivado por curiosidade ou por tentativa

de controle, pode gerar situações delicadas, como interferências no que

se passa dentro dos grupos, ocasionando conflitos entre as participantes.

A regra do sigilo, se não for bem esclarecida no início do tratamento,

pode também dar margem a muitas atuações por parte dos próprios

pacientes. O sigilo dos assuntos falados dentro do grupo é diferente do

sigilo da equipe, uma vez que algumas questões levantadas durante as

sessões precisam ser retomadas e discutidas nas reuniões dos

profissionais. Muitos pacientes “esquecem” dessa regra e, através de

mecanismos transferenciais pluralizados com os membros da equipe, se

queixam dos outros profissionais, como se ignorassem a existência desse

momento em que toda a equipe se reúne para discutir os casos e o

andamento do ambulatório.

Em relação à composição dos grupos, é muito comum que na

instituição os grupos de alcoolistas e drogaditos sejam abertos, ou seja,

permitam a entrada e a saída dos pacientes em qualquer momento e que

a frequência seja flutuante. É fato que muitas instituições, como os

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), estão sobrecarregadas com

muitas demandas e sofrem grande pressão para atendimento, o que

justifica a existência desse formato de grupos. No entanto, também é

possível constatar que os grupos psicoterapêuticos abertos dificultam o

534

aprofundamento na problemática individual e com frequência ficam

limitados às falas sobre uso, recaídas e fissuras. Uma maneira de lidar

com essa questão pode ser manter grupos abertos, mas assim que os

pacientes puderem formular questões sobre sua vida, ou demonstrarem

interesse na reflexão sobre si mesmos, apresentarem condições de se

beneficiar de uma psicoterapia analiticamente orientada, eles sejam

convidados a participar de grupos de psicoterapia fechados, que

certamente apresentam maior efetividade na abordagem da drogadição

como sintoma.

Outra questão associada a essa é o tempo de duração da

psicoterapia. Hoje em dia a relação custo/benefício em centros de

tratamentos públicos gratuitos ocupa um lugar de destaque na discussão

e nas ações de saúde mental. Como a pesquisa americana, principalmente,

tem se orientado no sentido de favorecer as abordagens objetivas e

mensuráveis, como, por exemplo, a teoria cognitivo-comportamental,

vários trabalhos têm sido realizados com intervenções breves e menos

custosas que a psicoterapia psicanalítica de grupo. As psicoterapias

breves de orientação cognitivo-comportamental são muito eficientes

para as situações de crise e na consecução do objetivo de abstinência e

de sua manutenção, contudo apresentam poucas repercussões efetivas a

longo prazo no que diz respeito a mudanças estruturais. A psicoterapia

psicanalítica de grupo certamente é mais onerosa, por ter que se

desenvolver a médio e longo prazo, mas tem uma efetividade maior ao

abordar as angústias, a reestruturação da personalidade e o

reposicionamento do indivíduo frente às suas próprias escolhas (Lima &

Fuks, 2006). Como forma de lidar com a questão do tempo, uma

alternativa que poderia ser muito importante é a psicoterapia breve de

orientação psicanalítica. Contudo, a literatura a esse respeito é muito

escassa e são raros os trabalhos breves nessa orientação com a população

de alcoolistas e drogaditos.

No caso de grupos de adolescentes e jovens adultas, essa questão

ganha outro destaque. Quando a terapeuta do grupo é uma mulher, é

comum que se estabeleça uma dinâmica transferencial para a qual se

deslocam representações e investimentos que revelam funcionamentos

hostis de abandono, rejeição e competitividade, oriundos das relações

535

com suas mães. Geralmente as mães dessas pacientes têm dificuldade de

se relacionar amorosamente com suas filhas e os percalços desse vínculo

costumam emergir com frequência nas sessões. Portanto, uma escuta

sintonizada para essa dinâmica familiar que é revivida no setting grupal é

imprescindível, tanto para ser aproveitada como material de elaboração,

como também para evitar cair em armadilhas transferenciais que podem

tornar o vínculo demasiadamente hostil e até inviabilizar o tratamento.

A falta de diálogo entre mães e filhas e com outros membros da

família da paciente dependente, além de ser fonte de muita angústia e

sofrimento, pode contribuir para o agravamento da dependência. Muitas

jovens tiveram envolvimento com as drogas precocemente, o que

também favoreceu a prática da prostituição para conseguir as drogas, o

envolvimento com tráfico e com pequenos delitos, o que gera uma

cascata de acontecimentos com relação direta entre si (Marangoni &

Oliveira, 2013).

De acordo com Paz e Colossi (2013), o contexto familiar pode

ser considerado como fator de risco e/ou de proteção em relação ao

abuso de drogas. Uma família acolhedora, com limites definidos,

comunicação adequada, promotora de afeto se apresenta como fator de

proteção ao uso de drogas. Ao contrário, uma família com

distanciamento afetivo, com dificuldade na comunicação e fronteiras

pouco definidas pode favorecer tanto o uso de substâncias, como a

manutenção do quadro de dependência. Diante dessas relações

conflituosas, dinâmicas familiares inadequadas, marcadas por violência

física e psicológica, a psicoterapia em grupo pode funcionar como um

dispositivo de resgate, aprendizado e reconstrução desses vínculos.

A questão da homogeneidade nos grupos

Os grupos de psicoterapia no contexto institucional costumam

ser semanais com uma hora ou uma hora e meia de duração. Como

ocorrem em centros de tratamento para dependência de substâncias

psicoativas, sejam em regime de internação ou nos CAPS, em geral, eles

são homogêneos quanto à patologia. A questão da homogeneidade que

tem sido muito discutida, nesse caso é obrigatória. Muitos críticos veem

nesses grupos uma forma de estigmatização, argumentando também que

536

muitas dificuldades do trabalho psicoterapêutico com esses pacientes

devem-se ao fato de todos os indivíduos partilharem a mesma

psicodinâmica. No nosso entender, do ponto de vista da psicanálise, a

drogadição é um sintoma e como tal deve ser tratado. Como sintoma,

não acreditamos que seja exclusivo de uma estrutura mental, ou que haja

uma estrutura que dê origem a comportamentos de dependência. O

sintoma drogadição pode aparecer em qualquer estrutura, seja ela

neurótica, psicótica ou perversa (Gurfinkel, 2014). Portanto, embora os

pacientes possuam semelhanças no que se refere à apresentação

psicopatológica, em cada um deles o sintoma terá um sentido singular.

Homogeneidade quanto à droga de escolha

Outra questão sobre a homogeneidade que não é consensual diz

respeito à junção ou à separação de pacientes alcoolistas e pacientes

dependentes de outras drogas. Alguns teóricos consideram que a

separação em dois grupos de psicoterapia diferentes é desejável, já que,

por um lado, o desenvolvimento lento e a cronicidade do alcoolismo

criariam obstáculos à identificação com a drogadição e, por outro, as

transgressões, tão comuns na vida de muitos drogaditos, são infrequentes

para os alcoolistas, o que tornaria a sua aceitação muito difícil (Lima &

Fuks, 2006).

Para outros teóricos, essa separação não é benéfica, pois pode

reforçar o estigma social que considera o álcool uma “não droga”. Além

disso, quando alcoolistas e drogaditos estão no mesmo grupo de

psicoterapia, a temática, que frequentemente fica restrita à substância, é

rapidamente transposta, já que o que fica evidente é que, apesar de ter

contornos diferentes, a relação de dependência que ambos os tipos de

pacientes estabelecem é a mesma.

Homogeneidade quanto ao gênero

No que diz respeito à homogeneidade em relação ao gênero,

julgamos fundamental a separação das mulheres em grupos específicos

para elas. Embora possamos dizer que qualquer dependência de

537

substâncias psicoativas é estigmatizada, a mulher sofre ainda mais

preconceito do que o homem. Estereótipos de maior agressividade,

tendência à promiscuidade sexual, falhas no cumprimento do papel

familiar ainda hoje são atribuídos à população feminina dependente de

álcool e drogas. As mulheres sofrem uma forte pressão quando não

correspondem à ideia ainda prevalente no imaginário social de uma

idealização do feminino associada a papéis pré-determinados a elas.

Percebemos em vários casos a dependência como um meio de escapar

desse comando e como uma tentativa, mesmo que patológica, do

exercício de uma certa liberdade de apropriação e afirmação do próprio

desejo. Mas, infelizmente, o estigma ainda prevalece e é considerado a

maior barreira de acesso da mulher aos centros de tratamento para

dependência de substâncias psicoativas. A mulher sente-se marcada para

sempre, sem crédito e sem confiança dos familiares e amigos. Além disso,

ela costuma ser, mais do que o homem, vítima do preconceito e da falta

de acolhimento de muitos profissionais de saúde nas instituições.

Homens e mulheres dependentes apresentam múltiplas

diferenças em relação ao padrão, aos fatores de risco, às razões para

iniciar o uso e à morbidade física e psiquiátrica, às experiências

psicológicas e sociais, que devem ser adequadamente manejadas

(Hochgraf & Brasiliano, no prelo). Além da progressão do alcoolismo ser

mais rápida nas mulheres, as complicações físicas aparecem mais cedo e

são mais graves para elas. Na maior parte das mulheres o uso é

desencadeado por um quadro depressivo, por isolamento social, por

pressão do ambiente profissional, por perdas provocadas por morte ou

separação e por violência. Já a maioria dos homens, além de não relatar

um desencadeante específico, costuma iniciar o uso motivada pelos

efeitos da intoxicação em si. Vale também destacar que as mulheres são,

na maioria dos casos, introduzidas ao uso de drogas pelos companheiros.

Por outro lado, elas estimulam e acompanham o tratamento dos cônjuges

e companheiros, mas o inverso não se verifica. O apoio ao tratamento

das mulheres costuma vir das mães e dos filhos.

A psicoterapia em grupo só para mulheres tem sido sugerida

como uma intervenção fundamental, pois aumenta a permanência em

tratamento e as chances prognósticas da população feminina. Questões

538

como maternidade, violência doméstica, abuso sexual, relacionamento

interpessoal raramente são compartilhadas em grupos mistos quanto ao

sexo, pois a predominância masculina, em geral, inibe a mulher e

determina um estilo de relação grupal baseado nas necessidades dos

homens. Os grupos só de mulheres dependentes favorecem a

participação integral da mulher, pois facilitam a identificação, a

intimidade e a livre troca afetiva (Hochgraf & Brasiliano, no prelo).

É um fenômeno comum nos grupos exclusivamente femininos a

criação espontânea de grupos fora do espaço de tratamento, onde as

mulheres cuidam e se preocupam umas com as outras, driblam a solidão

e, como consequência, podem ampliar seus laços sociais. Nesses espaços

elas podem se livrar do peso dos rótulos que carregam e do discurso

reducionista ao qual estão submetidas. Essa dinâmica acaba exercendo

uma importante função terapêutica e pode contribuir para acelerar o

progresso do tratamento.

Questões sobre o manejo do grupo e da transferência na drogadição

Há alguns pontos que são muito importantes que o

psicoterapeuta de grupo tenha em mente. Primeiramente, é a reflexão que

nem o drogadito, nem nós mesmos, renunciamos a algo a não ser em

troca de outro algo. Quando o alcoolista e o drogadito começam a se

tratar, há uma substituição da dependência à substância pela dependência

da relação terapêutica (Olievenstein, 1983). Assim, para eles o grupo e o

centro de tratamento passam a ser o espaço de todas as vivências, sejam

de amizade, amor, raiva, sejam de grandiosidade, perseguição ou de

defesa. O terapeuta, e muitas vezes o próprio grupo, é demandado

constantemente e passa a ser vivido como responsável por satisfazer toda

e qualquer necessidade do paciente. As instituições salvadoras e os

terapeutas milagrosos são os que se identificam com as projeções

idealizadas e passam a atuar reforçando a dependência. É por isso

também que o sucesso do “tratamento” dos Alcoólicos Anônimos e dos

Narcóticos Anônimos se baseia na participação diária dos pacientes aos

encontros grupais. Como esses grupos não abordam as questões

psíquicas, para que sejam bem-sucedidos eles substituem a dependência

ao álcool ou à droga pela dependência ao próprio grupo, que se torna por

si só símbolo da recuperação. Quando o terapeuta pode receber a

539

projeção da onipotência sem atuá-la, entendendo que esse é somente um

mecanismo para lidar com a angústia avassaladora do vazio

preenchendo-a com sua figura, os pacientes e o grupo podem progredir.

Assim, se, por um lado, o favorecimento da dependência do

grupo permite que o paciente encontre outros apoios para além da droga,

a busca por permanecer aditivamente aderido ao grupo funciona como

resistência à possibilidade de acessar as angústias insuportáveis que estão

na base da busca pela substância. Este aspecto é, simultaneamente, o que

possibilita a adesão ao tratamento e o maior empecilho ao seu

desenvolvimento, sendo o material mais precioso de elaboração, fazendo

do grupo um espaço controlado para a reedição de experiências de

dependência e para a progressiva autonomia.

Outra questão que o terapeuta deve estar ciente é em relação à

abstinência, uma vez que abster-se do uso de uma substância resolve

somente um aspecto da problemática individual. Se pensarmos que as

drogas podem ser usadas como uma forma de automedicação para as

angústias e os sentimentos de aniquilação e morte, parar de usá-las pode

resultar em uma crise de proporções assustadoras para o dependente.

As recaídas, quando ocorrem, não devem ser condenadas e sim

analisadas como parte do processo do tratamento. Precisam ser acolhidas

e aproveitadas para a elaboração, juntamente com as questões

subjacentes, ou seja, aquelas que levam os indivíduos a recorrer às drogas

como estratégia de alívio ou fuga. Além disso, as recaídas servem também

para sinalizar algo acerca do funcionamento grupal, não somente do

paciente. Costumam mobilizar o grupo e provocar muitas elaborações.

Constatamos que cessar o uso de drogas não só não resolve como

pode piorar muito a situação do paciente, já que aquilo que estava na base

no início do uso, os conflitos e as angústias mobilizadas no decorrer da

vida, manifestam-se cruamente e, em um primeiro momento, com

poucos recursos internos de contenção. Isso não significa deixar de

conduzir o trabalho para conseguir abstinência ou controle sobre as

drogas. Por outro lado, é preciso estar atento para não se identificar com

a solução mágica: “agora que você parou de usar, tudo vai ficar bem!”.

Quando o paciente atinge essa condição de abstinência pode

idealizar que sua vida vá irá mudar radicalmente e que seus problemas

540

irão desaparecer. Esse mecanismo de idealização e esse pensamento

mágico mostram como os dependentes funcionam na base do “tudo ou

nada”. Ou estão sob o efeito mágico das drogas, ou na idealização de

uma abstinência mágica, sob uma lógica de culpabilização. Essa dinâmica

reflete a racionalidade hegemônica da proposta terapêutica de muitas das

instituições de cuidado pelas quais os pacientes passam, que apresentam

a abstinência como a única meta possível para o tratamento e a recaída

como algo intrínseco à dependência. É nesse momento da conquista da

abstinência que o profissional precisa estar muito atento e preparado para

lidar com a emergência de novas angústias, oriundas do confronto,

inédito até então, com os limites da realidade, com a incompletude e com

o desamparo, fenômenos inerentes à condição humana, mas antes

impossíveis de ser enfrentados sem o “escudo” da droga.

Nas etapas finais do tratamento o psicoterapeuta pode

acompanhar a descoberta de novos prazeres e a ampliação de repertório

dos pacientes. É interessante observar que, lentamente e com a evolução

do trabalho grupal, a droga deixa de ser o assunto principal do grupo, já

que os pacientes não estão mais intoxicados ou alienados no seu

sofrimento. É nesse momento de conquista de abstinência que passam a

reconhecer suas limitações frente à droga e o perigo que o contato,

mesmo que ocasional, pode representar. Não dizem mais que podem usar

só no fim de semana e que vão ficar bem ou que estão no controle, como

afirmam quando chegam no tratamento. Nesses momentos finais

escolhem não usar porque sabem que não conseguem evitar.

Da mesma forma, os processos de dependência, insuficiência e

desamparo tendem a se repetir na relação dos drogaditos com o grupo.

Não à toa o processo de recuperação é tão dolorido e seus movimentos

tão diferentes da temporalidade experimentada nos grupos de

configuração mais neurótica. A intensidade dos movimentos de adesão,

urgência, raiva e rejeição aqui é altíssima, dirigidos muitas vezes

diretamente ao terapeuta, que se vê com a necessidade de suportar

ataques intensos. É por esta razão que indicamos que estes grupos sejam

conduzidos por mais de um terapeuta, o que favorece a sobrevivência

aos ataques e a possibilidade de colocá-los em análise em um segundo

momento.

541

É comum que, ao se encontrarem com mais de um terapeuta na

condução do grupo, os pacientes façam uma cisão de sua transferência

(Krystal, 1978). Dessa forma eles podem pôr em jogo simultaneamente

reações de desconfiança e raiva em direção a um terapeuta, enquanto

preservam uma relação amorosa com outro, o que traz um ganho em

termos de estratégia vincular inconsciente, mais difícil de se efetuar nas

relações bi pessoais. Ao se deparar com a força dos impulsos destrutivos

dirigidos ao terapeuta e ao grupo, não é raro que os pacientes fujam do

tratamento como forma de proteger uma boa relação. E muitas vezes a

resistência que alguns pacientes demonstram quando começam a

participar dos grupos terapêuticos fala desse receio de que o grupo não

sobreviva ao ataque.

Ora, serão estes movimentos de ataque que permitirão também

pôr em elaboração as ambivalências antes encenadas na relação de altos

e baixos com as substâncias, fazendo necessárias fissuras ao lugar

idealizado que o grupo e a instituição de tratamento devem ocupar num

primeiro momento, e abrindo caminho para a descoberta de uma posição

de autonomia, claro, sempre parcial. De uma forma ou de outra trata-se

de se utilizar da dependência como arma contra a dependência e no

sentido da autonomia (Olievenstein, 1989).

O importante é a construção de espaços suficientemente fortes

em que os pacientes possam reeditar e elaborar as ambivalências e

angústias fundamentais que habitam o seu mundo interno, e nesse

sentido o recurso da coterapia surge como um indicativo importante, mas

não incontornável. O fundamental é assegurar o suporte para que todas

essas experiências possam acontecer, o que pode ser garantido caso haja

um espaço externo de elaboração contínua destas transferências, por

exemplo, em uma supervisão do grupo ou em uma reunião clínica.

Retomamos aqui a importância que os enquadres podem oferecer de

suporte psíquico também para os terapeutas diante da intensidade dos

movimentos que se colocam em jogo.

O psicoterapeuta deve estar sempre atento a seus limites

emocionais e lembrar do perigo da contaminação decorrente do excesso

e do caos que as situações grupais podem atingir. É necessário preparar-

se para lidar com uma certa tensão, com uma relação forte, direta e muitas

542

vezes marcada por atuações, agressividade e até situações de violência. Se

o terapeuta não adotar uma postura atenta e firme, a sessão pode se

transformar em um despejo de aflições sem limite ou continência. Por

isso a importância de conduzir o grupo a produzir contornos para dar

formas e sentido ao emaranhado confusional, muitas vezes construído

justamente com a intenção de impossibilitar o contato com uma verdade

tão dolorosa.

A transferência que se estabelece nesse contexto tem uma marca

primitiva da ordem da necessidade e inscreve-se de um modo massivo.

O drogadito costuma vincular-se ao analista como faz com a droga ou a

bebida, pela via da necessidade e que está sempre ao alcance da mão.

Precisa sempre verificar sua presença e quando este falta pode provocar

acessos delirantes. A interrupção das sessões nos intervalos de férias, por

exemplo, pode ser vivida como ameaçadora e dolorosa. Daí a

importância de preparar o grupo com antecedência para esse momento e

esperar que junto com o retorno das férias venham atuações e ataques

dirigidos ao analista, que “abandonou o grupo” à sorte do convívio

familiar – geralmente fonte de seus conflitos.

Um outro aspecto importante para o terapeuta é saber que o

processo de dar sentido às vivências, que passa a ocorrer a partir do

avanço do trabalho nos grupos, é totalmente novo para o drogadito. Até

o momento ele sempre viveu como se seu mundo interno não existisse e

ele não soubesse o que tem que se perguntar ou mesmo se há alguma

pergunta a ser feita. Assim, a psicoterapia funciona também como um

longo processo de aprendizagem no qual é preciso trabalhar muito para

que a correlação entre o vivido possa ser percebida e experimentada

(Brasiliano, 2008).

Para terminar gostaríamos de frisar mais uma vez que quando se

trabalha com psicoterapia psicanalítica de grupo, a abordagem dirige-se

ao sujeito e às suas particularidades. Não cabe a nós enquanto

psicanalistas arbitrar, consentir, incentivar ou proibir o uso de álcool e

drogas. Não é nossa função tomar decisões sobre a vida dos nossos

pacientes. No entanto, sabemos que muitos alcoolistas e drogaditos

buscam nossa ajuda em intenso sofrimento físico e psíquico por um uso

de substância intenso, repetitivo e para eles notadamente destrutivo, que

543

não conseguem lidar ou conter. A abordagem em equipes

multidisciplinares que trabalhem de forma interdisciplinar é fundamental

para que possamos atuar nos diferentes aspectos da vida de nossos

pacientes, concedendo-lhes condições de liberdade para que eles possam

finalmente fazer as suas escolhas e não ser determinados por elas!

Referências

Bechelli, L. P. C, & Santos, M. A. (2004). Psicoterapia de grupo: Como

surgiu e evoluiu. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 12(2), 242-

249.

Bittencourt, I. (1993). Algumas considerações sobre a neurose e a psicose

na toxicomania. Em: C. L. Inem, & G. Acserald (Orgs.), Drogas: Uma

visão contemporânea (pp. 81-91). Rio de Janeiro: Imago.

Brasiliano, S. (1997). Grupos com drogaditos. Em: D. E. Zimerman, & L.

C. Osório (Orgs.), Como trabalhamos com grupos (pp. 229-239). Porto

Alegre: Artes Médicas Sul.

Brasiliano, S. (2003). Psicoterapia psicanalítica de grupo pra mulheres

drogadictas: O que há do feminino? Em: M. Baptista, M. S. Cruz, &

R. Matias (Orgs.), Drogas e pós-modernidade: Prazer, sofrimento e tabu (v.1,

pp. 199-205). Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Rio de

Janeiro.

Brasiliano, S. (2008). Psicoterapia analítica de grupos com drogaditos: Há

uma especificidade afinal? Contribuições para uma discussão. Vínculo,

2(5), 172-185.

Brasiliano, S., & Hochgraf, P. (2010). Comorbidade com transtornos

alimentares. Em: S. D. Seibel, & A. Toscano Jr. (Orgs.), Dependência de

drogas (2a ed., pp. 727-747). São Paulo: Atheneu.

Castanho, P. (2018). Uma introdução psicanalítica ao trabalho com grupos

em instituições. São Paulo: Linear a-Barca.

Gurfinkel, D. (2014). Adicções: Paixão e vício. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Hochgraf, P. B., & Brasiliano, S. (no prelo). Mulheres e substâncias

psicoativas. Em: S. D. Seibel, J. M. Neves Filho, & F. M. Corregiari

(Orgs.), Dependência de drogas: Abordagem interdisciplinar. São Paulo:

Atheneu.

544

Inem, C. L. (1993). O sintoma e a particularidade do sujeito. Em: C. L.

Inem, & G. Acserald (Orgs.), Drogas: Uma visão contemporânea (pp. 134-

138). Rio de Janeiro: Imago.

Kaës, R. (2003). O intermediário na abordagem psicanalítica da cultura.

Psicologia USP, 14(3), 15-33.

Krystal, H. (1997). Self-representation and the capacity for self-care. Em:

D. L Yalisove (Org.), Essential papers in psychoanalysis: Essential papers on

addiction (pp.109-146). New York University Press. (Reprinted from

“Annual of Psychoanalysis” 6, 1978, pp. 209-246)

Kalina, E., & Kovadloff, S. (1983). Drogadição: Indivíduo, família e

sociedade (3a ed.). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves.

Laufer, J. (1990). Drogas y toxicomania. Revista Sociedad, Juventud y Droga,

2, 5-71.

Lima, S. A., & Fuks, J. (2006). Grupo: Uma alternativa viável? Em: D. X.

Silveira, & F. G. Moreira (Orgs.), Panorama atual de drogas e dependências

(pp. 240-248). São Paulo: Atheneu.

Lipovetsky, G. (2005). A era do vazio, ensaios sobre o individualismo

contemporâneo. Barueri, SP: Manole.

Marangoni, S. R., Oliveira, M. L. F. (2013). Fatores desencadeantes do uso

de drogas de abuso em mulheres. Texto Contexto Enfermagem, 22(3),

662-670.

Olievenstein, C. (1983). A vida do toxicômano. Rio de Janeiro: Zahar.

Olievenstein, C. (Org.) (1989). A clínica do toxicômano: A falta da falta. Porto

Alegre: Artes Médicas.

Paz, F. M., & Colossi, P. M. (2013). Aspectos da dinâmica da família com

dependência química. Estudos de Psicologia, 18(4), 551-558.

Rojas, M. C. (1996). Grupos: Terapêutica e prevenção – Os dispositivos

vinculares na clínica do fim do milênio. Revista da Associação Brasileira

de Psicoterapia Analítica de Grupo, 03, 181-195.

Rojas, M. C., & Sternbach, S. (1997). Entre dos siglos: Una lectura psicoanalítica

de la posmodernidad. Buenos Aires: Lugar Editorial.

Santos, M. A. (2007). Psicoterapia psicanalítica: Aplicações no tratamento

de pacientes com problemas relacionados ao uso de álcool e outras

drogas. SMAD Revista Eletrônica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas,

3(1), 1-15.

545

Silveira, E. R. (2013). Clínica das toxicomanias: Recortes de uma

experiência em CAPS-Ad. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 12(3-4),

665-686.

Silveira Filho, D. X. (1995). Drogas: Uma compreensão psicodinâmica das

farmacodependências. São Paulo: Casa do Psicólogo.

Uchitel, M. (2002). Novos tempos, novos sintomas: Novo lugar para a

transferência. Percurso Revista de Psicanálise, 29, 21-26.

Vaillant, G. (1981). Dangers of psychotherapy in the treatment of

alcoholism. Em: M. H. Bean, & N. E. Zimberg (Eds.), Dynamic

approaches to the understanding and treatment of alcoholism (pp. 36-54). New

York: Macmillan.

Zimerman, D. E. (1997). Grupoterapia psicanalítica. Em: D. E.

Zimerman, & L. C. Osório (Orgs.), Como trabalhamos com grupos (pp.

127-142). Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

Zimerman, D. E. (2000). Fundamentos básicos das grupoterapias (2a ed.). Porto

Alegre: Artes Médicas Sul.

Zimerman, D. E. (2003). Repensando a prática de grupoterapia

psicanalítica a partir da minha experiência de 40 anos. Em: W. J.

Fernandes, B. Svartman, & B. S. Fernandes (Orgs.), Grupos e

configurações vinculares (pp. 291-303). Porto Alegre: Artmed.

547

27 Processos de pesquisa e(m) grupos:

ser ou não ser operativo?

Tales Vilela Santeiro, Guilherme Faria Ribeiro, Beatriz Lacerda

Caetano, Gabriela Borges Carvalho, Gabriella Oliveira Arantes

Coelho, Renata C. Ribeiro-Leandro, Anna Beatriz Barbosa de Souza

Peralta, Glaucia Mitsuko Ataka da Rocha.

Em nossas práticas profissionais e de pesquisa desenvolvidas

com/em pequenos grupos, o desenho da estratégia utilizada para

construirmos e compartilharmos vivências tem exigido ponderação

cuidadosa. O que é observado e vivido no processo investigativo que

incide sobre processos grupais precisa ser alvo de análises e interpretações

que cumpram certos critérios, de forma que haja coerência teórica, técnica

e metodológica.

Nós, que nos inspiramos na proposta pichoniana de grupos

operativos, temos sido requeridos a pensar em estratégias que permitam o

uso desses dispositivos como via de acesso à realidade das pessoas

investigadas, em conjunção com processos de produção de conhecimento.

Essas duas facetas não são estanques uma em relação à outra e o leitor

precisa ter clareza quanto a elas.

Nesse sentido, este capítulo tem como objetivo dialogar sobre

como o conhecimento acadêmico pode ser produzido quando situações

grupais são objeto de investigação. Pensar sobre grupos operativos nesse

cenário pode ser útil a estudiosos e a pesquisadores, haja vista a escassez

de literatura que indique aproximações entre o fazer clínico grupal e a

produção de conhecimento60.

60 Quando assinalamos haver escassez de literatura, fazemos referência à escassez de pesquisas produzidas por brasileiros e latino-americanos, com tipologias

548

O insistente abismo que existe no país entre “praticar clínica” e

“produzir conhecimento” tem dificultado o desenvolvimento de

metodologias de pesquisa focadas em processos grupais. “Se eu pratico

grupos, não os pesquiso, porque isso é racional demais e engessa as

condições do livre pensamento”, dizem os práticos que seguem

orientações teóricas psicanalíticas. Os pesquisadores, por sua vez,

lamentam: “não consigo praticar grupos e ‘organizar’ o vivido, de modo

que a comunidade acadêmica valide o que produzo”. E práticos veem

aproximações com a academia com acentuada desconfiança, quando não

a negam em suas possibilidades.

Por essas razões, este texto foi concebido: para tratar dos grupos

operativos, embora de forma diversa do capítulo específico com esse teor

(capítulo 8). Nele se procura traçar potencialidades do uso desse

dispositivo em processos de produção de conhecimento, no intuito que

essa exposição possa servir de guia didático.

Nesse trajeto, o leitor precisa ter em mente que “processo de

produção de conhecimento” é empregado como sinônimo de “processo

de pesquisa academicamente situado”. Quando um processo de pesquisa

está em jogo, metodologias científicas são elementos utilizados para

articular formas de pensar “como” o pesquisar será pensado, para que haja

alcance de validade científica quando a atividade de investigação for

executada.

Desse modo, ao pensar uma pesquisa do ponto de vista

metodológico, há três tempos que precisam ser coordenados e, devido ao

escopo deste livro, eles serão tratados de modo sintético: (a) para uma

pesquisa acontecer, é fundamental que ela seja objeto de planejamento

cuidadoso; (b) após o planejamento ter sido feito, parte-se para a execução

da pesquisa propriamente dita; e, consolidando e articulando os momentos

anteriores, (c) o que foi executado precisa ser relatado.

O primeiro tempo é o tempo do planejamento (a). Nele o

pesquisador estuda, pensa – reestuda e repensa! – o que gostaria e poderia

fazer. Isso envolve fazer algumas “perguntas”, cada uma das quais

qualitativas e focadas na compreensão dos “processos grupais”, contrapondo-as àquelas realizadas com pessoas reunidas “em grupos”.

549

corresponde ao estudo do método da pesquisa (a metodologia científica).

Assim, pesquisar...

1. sobre o quê? – tema da pesquisa

2. para descobrir o quê em relação ao tema? – problemas da

pesquisa;

3. conforme quais fundamentos científicos? – enquadramento

teórico da pesquisa (para esclarecer o tema e o problema);

4. por quê? – justificativas da pesquisa(pessoal, científica, social

e institucional);

5. para quê? – objetivos da pesquisa (geral e específicos);

6. com ênfase em métodos qualitativos ou quantitativos? –

tipologia da pesquisa;

7. em curto ou longo prazo? – transversalidade ou

longitudinalidade da coleta de dados da pesquisa;

8. com quem? – participantes da pesquisa;

9. onde? – local onde a pesquisa será desenvolvida;

10. por quem? – recursos humanos que executarão a pesquisa;

11. com quais estratégias? – instrumentos a serem usados para

produzir experiências e constituir o banco de dados da pesquisa

(entrevistas, questionários, observação participante, diário de

campo, condução de grupos etc.);

12. com qual referencial teórico? – escopo teórico para ordenar,

analisar e interpretar as experiências produzidas (articulado ao

enquadramento teórico);

13. com qual verba? – orçamento da pesquisa;

14. em quanto tempo? – cronograma da pesquisa; e

15. com fundamento em quais fontes de informação? – lista de

referências citadas ao longo do texto do projeto (artigos

publicados em periódicos, livros, capítulos de livro, dissertações,

teses etc.).

As perguntas arroladas permitem estruturar o projeto. Elas são

guias que requerem, portanto, que respostas sejam dadas, ainda que

relativamente transitórias e passíveis de reposicionamentos no transcurso

de execução da pesquisa. Elas precisam ser formalizadas e,

550

academicamente, escritas e formatadas em conformidade com padrões

acadêmicos.

Retornando aos dois tempos restantes (b e c), o b é composto pelo

acontecer da pesquisa em si. Nele, todas as perguntas contempladas no

primeiro tempo (a) deixam o plano das ideias e passam a constituir a

concretude do processo. É o tempo de “arregaçar as mangas e pôr a mão

na massa”. Tudo o que foi arquitetado no planejamento é, então, testado

sob condições reais.

O terceiro tempo (c), por sua vez, é a hora de relatar o que foi

obtido à comunidade acadêmica. Ele é o coroamento do processo iniciado

quando o pesquisador planejou sua investigação e corresponde ao seu

relatório final. Finalmente, esse relatório fornecerá as bases para

submissão de manuscritos a editoras científicas, que podem ser publicados

em formato de livro, capítulo ou artigo, dentre outras possibilidades.

Até aqui foi desenhada a estrutura geral do processo de uma

pesquisa. Para compreendê-la, grupos não são, necessariamente, o critério

central. Com ela em mente, assim como o capítulo sobre grupos

operativos (capítulo 8), nossos propósitos serão desenvolvidos, narrando

estudos desenvolvidos com grupos operativos, como ilustrações. O que

foi exposto nos três tempos estará implícito neles: cada um foi planejado,

executado e relatado/publicado.

Grupos operativos e(m) pesquisa: ilustrações

O grupo é o lugar de um conhecimento que se produz no encontro

com o outro. Toda aprendizagem grupal implica um “processo de

apropriação instrumental da realidade para modificá-la” (Pichon-Rivière,

1983/2000, p. 116). Nesse entendimento há sempre uma relação dialética

entre o indivíduo e o grupo, ao ponto de não fazer sentido perguntar se

um certo ato comunicativo durante uma sessão de grupo é uma expressão

do indivíduo ou do grupo.

Os grupos operativos podem ser de inspiração teórico-técnica e

metodológica e, assim, constituírem modelo de compreensão para

quaisquer expressões grupais. Eles são centrados na realização de uma

tarefa, que pode ser de aprendizado, de cura (incluindo grupos

terapêuticos), de intervenção em algum campo da vida e de pesquisa. Por

551

tal razão, escolher esse dispositivo para abranger objetivos de uma

investigação científica, quando lidamos com grupos, é uma possibilidade.

Isso será melhor elucidado por meio de estudos que consideraram o grupo

operativo em diálogo com os campos da educação e da saúde, seguidos de

breves comentários.

Grupo operativo com indígenas

Estudantes indígenas na universidade: uma sessão de grupo operativo (Hur

et al., 2018) relata intervenção realizada com estudantes indígenas da

Universidade Federal de Goiás (UFG). Os autores inicialmente

contextualizaram a questão indígena no país e justificaram o interesse em

realizar o grupo operativo com essa população. A experiência aconteceu

em apenas uma sessão grupal e visou a promover debates, aproximar os

estudantes e fomentar vínculos e condições para a resolução coletiva dos

problemas enfrentados. A sessão única foi justificada pela dificuldade de

adesão dos participantes, embora a proposta tivesse previsto a realização

de cinco sessões.

Os pesquisadores analisaram diferentes elementos emergentes

diante da cadeia associativa grupal. A intervenção ocorreu, principalmente,

de forma interrogativa. A equipe foi composta pelo orientador da pesquisa

(coordenador do grupo) e uma aluna bolsista do projeto (observadora).

Quatro estudantes, de quatro cursos distintos e das etnias Atikum,

Xacriabá e Xavante aceitaram o convite para participação no estudo.

A sessão grupal teve a duração de uma hora e quarenta minutos.

A tarefa definida para o grupo foi de que eles falassem sobre sua trajetória

na UFG, as dificuldades vivenciadas e as boas experiências.

As falas emergentes foram divididas em três categorias:

estereótipos vivenciados dentro da universidade; dificuldade de

aprendizagem; e filiação à comunidade. Os autores consideraram que, por

ter acontecido apenas uma sessão do grupo, ela foi mais diagnóstica, para

entendimento das vicissitudes do estudante indígena na universidade.

A partir do exposto, pode-se elencar limitações e potencialidades

do estudo. Dentre as limitações está o fato de apenas uma sessão ter sido

conduzida, o que foi justificado pelos autores pela dificuldade de acesso a

essa população. Embora a teoria de base da produção tenha sido

552

expressamente pichoniana, ao ponto de o título incorporar o termo

“grupos operativos” nele, o encontro único – e, naturalmente, o que

resulta dele – dificulta identificar movimentações grupais que pudessem

ser classificadas como operativas. De tal sorte, o trabalho contribui para

pensar que o grupo operativo relatado engendrou algo que poderia ser

aproximado ao procedimento de “coleta de dados”, por razões que não

dependeram dos investigadores.

Grupo operativo com professores

O estudo Grupo operativo com professores do ensino fundamental: integrando

o pensar, o sentir e o agir (Santos et al., 2016) relata experiência de grupo

operativo realizado com professores do ensino fundamental, em escola

pública de um município do interior de São Paulo. O trabalho foi

coordenado por duas psicólogas voluntárias, como parte formativa em

nível de pós-graduação. As demandas apresentadas pelo grupo eram

referentes às barreiras na comunicação e à atuação isolada, fragmentada e

pouco disponível por parte dos professores da escola. Oito encontros

semanais foram realizados, com duração de uma hora cada e com a

participação de 25 professores.

Os resultados contemplaram a percepção do grupo acerca de sua

própria desunião e os problemas de relacionamento interpessoal

existentes. A complexidade com que o grupo lidava com atribuições de

papéis, bem como queixas em relação ao ambiente escolar, envolvendo

desde problemas de comunicação até a precariedade do exercício da

profissão, puderam ser manifestadas. Os autores concluíram, assim, que o

processo grupal permitiu aos docentes problematizarem as condições e as

relações escolares que viviam.

Esse trabalho escolhido agrega contrapontos ao exemplo

anteriormente apresentado: o número total de encontros facilita

identificação de informações sobre o processo. Outro aspecto que

podemos ressaltar é que o grupo relatado atrelou-se a uma atividade

acadêmica, ilustrando, assim, que atividades interventivas e de produção

de conhecimento não precisam ser estranhas uma em relação à outra.

De tal modo, lembramos que a teoria dos grupos operativos

propõe essa indissociabilidade como fundamento (pesquisa-ação), desde

553

os momentos iniciais de sua criação, tanto por Pichon-Rivière, quanto por

autores vinculados a ele, como José Bleger, Alejo Dellarossa e Marcos

Berstein.

Grupo operativo e educação alimentar

Em Possibilidades de atuação profissional em grupos educativos de

alimentação e nutrição, Vincha et al. (2020) analisaram a potencialidade do

grupo operativo em cenário de educação alimentar. Eles realizaram grupos

de educação, alimentação e nutrição em uma Unidade Básica de Saúde da

cidade de São Paulo.

Sete usuários, em média, participaram de cada um dos 15

encontros analisados; eles tinham média de idades de 59 anos, eram de

ambos os sexos, portadores de doenças crônicas alimentares e

nutricionais, triados pela equipe de Nutrição. Os grupos eram

coordenados por uma nutricionista, com apoio de uma observadora; e

tinham como objetivo fortalecer a autonomia dos usuários para realizarem

suas escolhas alimentares.

A pesquisa indicou que os grupos desenvolvidos favoreceram a

inclusão dos participantes e estimularam fortalecimento de vínculos (vetor

pertença). A comunicação (verbal e não verbal), a cooperação, a telê e a

aprendizagem também foram vetores observados e trabalhados.

As autoras relataram limitações na aplicação dos grupos operativos

na Atenção Básica, pois participar de um grupo implica que profissionais

de saúde e usuários apresentem disponibilidade para entrar em contato

consigo e com o outro. Além disso, como os vetores são indicadores

processuais, “objetivá-los” resvala na impossibilidade de avaliação de

resultado do cuidado nutricional e de implementação dos grupos no

contexto estudado.

Novamente, o estudo selecionado é um dos que trazem à baila

possibilidades de diálogo entre produção de conhecimento e processo

grupal. Ainda que seus autores tenham apresentado e debatido claramente

as limitações inerentes à empreita, conceberam um método rigoroso,

como raramente encontramos quando grupos operativos estão em apreço:

eles notaram dificuldades para lidar com a processualidade dos fenômenos

554

observados, mas utilizaram de recursos teóricos fundamentais na

concepção pichoniana para compreender os fenômenos observados.

Grupo operativo com primigestas

Em Grupo operativo com primigestas: uma estratégia de promoção à saúde,

Silva et al. (2018) desenvolveram trabalho que teve por objetivo a

promoção de ações de educação em saúde junto a primigestas usuárias de

equipamento de saúde pública (Estratégia Saúde da Família/ESF). Para

tanto, se pautaram no método de pesquisa-ação e utilizaram o referencial

teórico por Pichon-Rivière. As informações foram coletadas por meio de

observação participante e de diário de campo; e os resultados foram

analisados por meio da análise temática proposta pela pesquisadora

brasileira Maria Cecília Minayo.

A pesquisa foi dividida em três etapas. Na primeira, o problema de

pesquisa foi identificado; o primeiro contato individual com as

participantes foi feito, a fim de obter dados básicos (faixa etária, idade

gestacional); e, por fim, uma roda de conversa foi conduzida, para verificar

as necessidades de aprendizagem das gestantes e suas percepções sobre a

gestação. Na segunda etapa, cinco sessões semanais foram realizadas, com

duração de cerca de uma hora cada; nesses momentos, diversos temas

foram tratados (desenvolvimento fetal, mitos e verdades relacionados à

gestação, parto, amamentação, e cuidados com o recém-nascido). Na

terceira e última etapa houve avaliação do processo grupal.

As análises foram atinentes às expressões das primigestas; aos

papéis assumidos no grupo; aos vetores envolvidos no processo; e ao

alcance dos objetivos de promoção à saúde desse público alvo. Equipe

executora e gestantes avaliaram a ocorrência frutífera de processos de

ensino-aprendizagem.

A eleição desse estudo adensa os exemplos nos quais o número de

sessões grupais permitiu melhor visualização do modo como a teoria dos

grupos operativos pode ser integrada à produção de conhecimentos. Nele

pesquisa e intervenção clínica dialogam de modo proveitoso.

555

Articulando projetos e experiências grupais operativas

Após ler os estudos escolhidos como ilustrativos, esperamos ter

contribuído para instigar perguntas como: O que posso ou devo utilizar

para instruir procedimentos para, em âmbito de intervenções grupais,

produzir e compartilhar vivências e pensá-las com alinhamento ao mundo

acadêmico? O grupo operativo é bom ou ruim?

Como sempre está em cena quando metodologia científica está em

pauta, procedimentos para pensar-planejar pesquisa nem são bons, nem

ruins. Quaisquer que sejam os escolhidos, todos têm limitações e

potencialidades a serem sopesadas. Qualquer um deles pode ser útil, desde

que articulado a um enquadramento teórico-metodológico. No caso das

proposições pichonianas e em consideração ao que elas nos inspiram, essa

articulação concebe o homem enquanto ser psicossocial, em relação com

outros, potente para se modificar e modificar aos outros com os quais se

vincula, enquanto o processo grupal se estrutura e se consolida – e também após ele ter

acontecido.

Então posso utilizar grupo operativo em meus projetos e em

execuções de pesquisas? Na acepção que se procura apresentar, o uso de

grupos operativos requer ponderações cuidadosas, de modo semelhante a

quando se consideram quaisquer processos de pesquisa.

O planejamento do processo de pesquisa grupal desfrutaria de

boas condições para entrar em funcionamento, de fato, operativo, ou

estaríamos diante de situações que o dificultariam? Estaríamos cultivando

processos que perdem de vista a dinamicidade dialética proposta pela

teoria dos grupos operativos? Estaríamos mais interessados num

procedimento técnico de coleta de dados, ou, para além deles, também

estaríamos mobilizados para criar condições para encontros e trocas

subjetivas acontecerem e, por esse intermédio, para se promover a saúde?

O que parece elucidar melhor o quanto a escolha do dispositivo

do grupo operativo permite produzir e compreender experiências é o

quanto ele pode nos auxiliar a atingir objetivos de pesquisa, desde que

tenha havido sucesso em esclarecer que produzir experiências grupais e

compreendê-las academicamente são processos indissociáveis.

A título de visualização geral, ordenaremos algumas perguntas

complementares, para auxiliar o leitor a pensar sobre o quanto o uso do

556

grupo operativo seria apropriado quando a produção de conhecimentos

acadêmicos estivesse em questão (Quadro 1). Ao ler as perguntas que

estão dispostas em cada uma das colunas, procure refletir sobre o quanto

se identifica com elas. Nas primeiras linhas, concentramos alguns

requisitos que têm maior relação com o enquadramento teórico. Nas

demais, enfatizamos fatores mais achegados ao planejamento do método

que uma pesquisa pode seguir. Todavia, lembre-se que as informações que

constam do Quadro 1 são interdependentes.

557

Quadro 1. Perguntas a serem feitas pelo pesquisador visando a auxiliá-lo no pensar a escolha pelo dispositivo do

grupo operativo.

Pesquisar sobre grupos ou pesquisar em/sobre grupos?

Tenho interesse em pesquisa de natureza mais

objetiva (tipologia quantitativa)?

Tenho interesse em pesquisa de natureza mais subjetiva (tipologia

qualitativa)?

Não gosto ou gosto pouco da orientação

psicanalítica? Gosto bastante ou gosto muito da orientação psicanalítica?

Tenho pouco interesse por

fenômenos/processos grupais? Tenho maior interesse por fenômenos/processos grupais?

Não gosto de atendimentos grupais? Gosto de atendimentos grupais?

Tenho interesse em produzir dados? Tenho interesse em produzir e partilhar vivências?

Busco consolidar ou refutar hipóteses

previamente estabelecidas? Busco problematizar eventos surgidos durante o processo grupal?

Ter um título é o maior motivador e ele se

associa a desejos de aprimoramento

profissional?

Ter um título é o motivador associado a desejos de transformação

psicossocial e aprimoramento clínico-profissional?

Não tenho disponibilidade ou tenho pouca

disponibilidade interna para conduzir o trabalho

grupal?

Tenho disponibilidade interna para conduzir o trabalho grupal?

Conduziria o processo de grupo sozinho? Conduziria o processo de grupo com um parceiro?

Pretendo aplicar um roteiro de entrevista em

grupos? Pretendo dialogar em e com o grupo?

Pretendo enfatizar a técnica de coordenação do

trabalho grupal sobre tarefas explícitas?

Pretendo enfatizar a técnica de coordenação do trabalho grupal sobre

tarefas explícitas e implícitas?

558

Não tenho ou tenho pouca disponibilidade de

recursos materiais para estruturar e realizar o

trabalho grupal (coleta de dados de corte

transversal)?

Tenho disponibilidade de recursos materiais para estruturar e realizar o

trabalho grupal (produção de informações de corte longitudinal)?

Teria dificuldades para supervisionar processo

grupal? Teria facilidades para supervisionar o processo grupal?

Prefiro tratamento quantitativo de dados de

pesquisa? Prefiro tratamento qualitativo de vivências/partilhas subjetivas?

Compreendo que análises e interpretações

precisam ser estritamente aderentes aos

objetivos estipulados no projeto de pesquisa?

Compreendo que análises e interpretações precisam ser aderentes aos

objetivos estipulados no projeto de pesquisa, mas também precisam ser

consideradas mediante as produções grupais (emergentes)?

Buscarei priorizar conteúdos manifestos grupais

no entendimento dos resultados?

Buscarei priorizar conteúdos manifestos e latentes grupais no

entendimento dos resultados?

559

Embora tenhamos procurado demonstrar no Quadro 1 uma

proposta que almejamos pudesse ser facilitadora (ou provocadora?), ela

não é um teste em que você precisaria responder a cada questão com

exatidão. Ao indagar-se sobre o que gostaria (projeto) ou poderia fazer

(execução), ponderou que o trabalho grupal de orientação pichoniana lhe

soou como possível? Se não soou, não se preocupe. Existem outras formas

e orientações teóricas para você realizar pesquisas sobre grupos. Se, por

outro lado, a resposta foi positiva e se isso que assinalamos até aqui tiver

feito sentido para você e, especialmente, se você pendeu para a coluna

direita do Quadro, o grupo operativo seria uma escolha possível, como

guia teórico, técnico e metodológico subjacente ao processo de produção

de conhecimento que pretende planejar e executar.

Pesquisar sobre grupos e em grupos permite ao pesquisador assumir

lugares de clínico potente para “ouvir” e “cuidar” de questões demandadas

por pessoas reais, que vivem e estão inseridas em situações concretas de

vida, conjuntamente aos interesses acadêmicos em jogo. Nessa direção,

não haveria contrastes entre demandas psicossociais e objetivos

acadêmicos, porque estes se retroalimentam num interjogo incessante.

Por outro lado, também temos vivido situações, como

orientadores e pesquisadores, nas quais o estudante que escolhe o

dispositivo do grupo operativo se vê lançado na seara das “incertezas”, na

medida em que ele abriria mão de recursos mais estruturados para alcançar

os objetivos planejados, o que nem sempre é exequível no mundo

acadêmico. Afinal, aos seus interesses se articulam as linhas de pesquisa de

seu orientador e/ou as demais características de sua instituição

universitária, como as ênfases curriculares dos cursos de graduação ou as

linhas de concentração dos programas de pós-graduação.

Além do que foi dito até aqui, pensamos que a visão pichoniana

de grupos poderia ser usada em quatro cenários e isso deve ser grifado. O

primeiro envolve o planejamento e a execução da pesquisa, momentos nos

quais concepções grupais pichonianas podem tanto gerar as situações a

serem pensadas (planejamento e execução) quanto ser o instrumental que

permitiria organizar (analisar e interpretar) as vivências geradas pelo

próprio processo grupal. Neste caso, a interpretação dos processos vividos

560

seria amparada na orientação pichoniana, nas contribuições de Pichon-

Rivière e de outros autores inspirados na escola argentina de grupos.

O segundo cenário envolve pensar o dispositivo grupal

pichoniano, igualmente, no planejamento e na execução da pesquisa. Nele

as vivências grupais seriam as geradoras das situações a serem analisadas,

porém não seriam as priorizadas quando o pesquisador buscasse ordená-

las e compreendê-las. Para manutenção de coesão e coerência teórico-

metodológica, se ele assim o fizesse deveria optar por manter o vértice

teórico psicanalítico, e não necessariamente o pichoniano. Ele poderia, por

exemplo, adotar como norteadores o pensamento bioniano, o foulkesiano,

e assim sucessivamente, em consideração a outros pensadores que se

ocuparam e se ocupam do entendimento de processos grupais inspirados

psicanaliticamente.

O terceiro cenário compreende grupos operativos como

fundamento do enquadramento teórico-metodológico, durante o

planejamento e a execução. Ao ordenar as experiências produzidas, o

modelo pichoniano não seria priorizado, mas sim outras formas de

organização qualitativa de dados de pesquisa. Por exemplo, métodos de

análise temática, como os propostos por Minayo, seriam empregados (cf.

Silva et al., 2018). E, ao procurar compreender os resultados

(interpretação), contribuições de inspiração psicanalítica, incluindo

pichonianas, poderiam ser incorporadas.

O quarto e último cenário contempla uma situação na qual o

pesquisador planejaria, executaria e organizaria os resultados da pesquisa

por meio do arsenal teórico-metodológico do grupo operativo. Todavia,

ao procurar compreender e interpretar os resultados produzidos, faria

ancoragem em outros recursos teórico-metodológicos, distintos daqueles

inspirados no modelo pichoniano ou psicanalítico, ou amparados em

métodos qualitativos. Esta última via de trabalho deveria, em nossa visão,

ser evitada. Se todo o percurso foi inspirado na proposta pichoniana, seria

equivocado buscar entendê-lo fora dos parâmetros colocados por essa

escola ou por outra, de inspiração psicanalítica. Ou simplesmente

estaríamos diante de uma situação na qual o pesquisador “acha” que fez

um percurso com amparo na teoria dos grupos operativos, quando fez

outra coisa?

561

Assim, esperamos ter esclarecido que podemos utilizar grupo

operativo em projetos, em execuções e em relatórios/publicações

decorrentes de processos de pesquisas. Nossas experiências têm indicado

que ele seja o norteador do enquadramento do estudo, se for o dispositivo

escolhido. Dessa forma, a desejável coerência interna entre o pensar, o agir

e o sentir perpassará o trabalho como um todo, otimizando o rigor e a

unidade teórica, técnica e metodológica da pesquisa. Se retomarmos os

quatro cenários arrolados anteriormente, parece-nos que a adoção da

nomenclatura “grupos operativos” seria mais apropriada, em ordem

crescente, do primeiro ao terceiro cenários. Entretanto, no quarto cenário,

não. E grifamos que escolher o grupo operativo não sugere fechamentos

de campos dialógicos com outras correntes de pensamento. Porque isso não

seria pichoniano.

Prática de pesquisa sobre grupos e seus desdobramentos sobre a formação de recursos

humanos

Até este momento está subjacente neste texto a questão que

envolve o modo como podemos trabalhar quando pesquisamos sobre

grupos e, notadamente, sobre/em grupos operativos. Agora tentaremos

problematizar isso de outras formas, porque fazê-lo contempla pensarmos

em implicações sobre a formação de recursos humanos em pesquisa.

Seja qual for o nível de formação universitária em jogo (graduação

ou pós-graduação), grupos operativos são dispositivos que têm se

mostrado profícuos de serem estudados e vividos em ambientes

formativos de profissionais da saúde e da educação (Bleger, 1961/1971).

Esses grupos são marcados pela construção de uma realidade conjunta, na

qual a atuação em equipe pode ocorrer com unidade e coerência,

facilitando a construção de referenciais que são trabalhados, dialogados e

partilhados por seus membros.

Além disso, os participantes que constituirão os grupos a serem

investigados serão aqueles que aceitarem o convite feito e consentirem em

participar, após formalizado o trâmite ético-documental. Audiogravar

e/ou tomar notas sobre eventos vividos nos encontros é um recurso que

favorece análises futuras e as transcrições decorrentes podem ser atreladas

562

aos trabalhos de grupos de supervisão61 e constituírem base material dos

relatos a serem feitos.62 Se é assim, por que não associar experiências

grupais a processos formativos de coordenadores de processos de grupo?

Superado o momento de produção das vivências grupais a serem

investigadas, a base de dados estará constituída e sua ordenação e

interpretação precisará ser realizada. Nesse sentido, as experiências grupais

podem ser estudadas por meio de exercício processual e contínuo de busca

de compreensão dos emergentes grupais, articuladamente a atividades

desenvolvidas por determinado grupo de pesquisa, em grupo.

Nosso grupo de pesquisa tem percorrido esse caminho, ao

procurar lidar com os dados coletados em situações grupais. O

levantamento dos emergentes tem sido feito em encontros do Grupo de

Supervisão, com as transcrições das sessões grupais (o banco de dados)

em mãos. Nesse ambiente institucional, eles são expostos e podem ser

revisados, com as finalidades específicas de: (1) supervisionar a situação

grupal narrada; e, concomitantemente, (2) examinar “como” esses

mesmos emergentes permitem realizar análises qualitativas e compor o

relatório final de pesquisa, num percurso construído pelo coletivo,

composto por estudantes e líder do grupo.

A formação acadêmica do pesquisador/coordenador de grupos,

assim, tem características a serem examinadas. O pesquisador desenvolve

seu estudo em grupos. E também em grupo relata suas experiências e, por

esse intermédio, vivências grupais de diversas naturezas são

disponibilizadas ao próprio grupo de pesquisa: forma-se o pesquisador,

forma-se a equipe executora que pode lhe dar suporte, enquanto ele

coordena o processo de grupo investigado. Formam-se os integrantes do

grupo de pesquisa, que integram atividades do Grupo de Supervisão e

podem, a partir desse tipo de experiência, pensar novos projetos.

A proposta geral inerente a esse tipo de funcionamento busca

transformar o próprio espaço acadêmico em situação para “viver

61 Ver o capítulo 4, Formação de psicoterapeutas e coordenadores de grupo de inspiração psicanalítica: clínica de grupos na Saúde e na Educação. 62 Não porque o conteúdo verbalizado seja o mais importante, mas porque as gravações de interações verbais permite à equipe e ao coordenador dos trabalhos grupais “desonerar-se de reter informações”, justamente porque isso é “terceirizado” ao equipamento tecnológico.

563

processos de grupo”, em conformidade com o pensamento pichoniano.

Nesse sentido, estudar, investigar e viver a grupalidade em seus processos,

aprendendo com eles e por meio deles, também pode ser viável num grupo

de pesquisa. E alguns dos elementos constituintes do quadripé da

formação do grupoterapeuta/coordenador de processos de grupo podem

ser igualmente buscados. Entretanto, numa situação universitária, o item

“análise pessoal” não pode ser uma exigência institucionalizada, embora

os demais “pés” possam sê-lo, por meio do desempenho dos papéis do

supervisor acadêmico (professor e líder de grupo de pesquisa).

No caso de grupos montados para atendimento a objetivos de

pesquisa, retomamos o tópico do uso de audiogravadores ou da prática de

anotar acontecimentos para fomentar diários de campo. Essas opções

podem aguçar graus de persecutoriedade nos participantes do estudo, o

que costuma ser marca perene de quaisquer processos clínicos. “Afinal, o

que vocês farão com esses dados?”, eles costumam indagar (e nem sempre

o fazem de modo verbal).

Conversar abertamente sobre esse tipo de constatação, no aqui e

agora da vivência, tem demonstrado ser fator viabilizador da participação

na situação investigada e, ainda, tem favorecido que o participante sinta-

se compromissado com ela, sobretudo quando o sigilo profissional e o

anonimato são explicitados como condições do trabalho. Uma outra

medida que também tem sido notada como positiva no momento de

acolher os participantes em suas dificuldades manifestas, é demonstrar

claramente a eles que todo o material que eles ajudam a produzir pode ser

acessado por eles mesmos, a qualquer momento, porque eles são

coproprietários do banco de dados.

Em conclusão, o grupo operativo se constitui como um meio para

facilitação e produção de manifestações humanas, enquanto tarefas

grupais são operadas. O processo subjetivo que emerge disso é

atravessado por fenômenos defendidos pela psicanálise, como as noções

de transferência e de resistência, o que enquadra a pesquisa sobre e em

grupos operativos na orientação teórica psicanalítica.

Grupos operativos são solo onde conhecimentos, aprendizagens e

saúde podem ser edificados. E, se assim podem sê-lo, por que não

564

compartilhar resultados dessas experiências com os pares da academia e

da prática profissional?

Referências

Bleger, J. (1971). Temas de psicologia: Entrevista y grupos. Buenos Aires: Nueva

Visión. (Trabalho original publicado em 1961)

Hur, D. U., Couto, M. L., & Nascimento, J. S. (2018). Estudantes

indígenas na universidade: Uma sessão de grupo operativo. Vínculo,

15(2), 99-119.

Pichon-Rivière, E. (2000). O processo grupal (6ª ed.). São Paulo: Martins

Fontes. (Trabalho original publicado em 1983)

Santos, M. A., Scatena, L., Dias, M. G., Pillon, S. C., Miasso, A. I., Souza,

J., & Zanetti, M. L. (2016). Grupo operativo com professores do

Ensino Fundamental: Integrando o pensar, o sentir e o agir. Revista da

SPAGESP, 17(1), 39-50.

Silva, M. A., Marques, M. F., Brito, M. C., Viana, R. S., Mesquita, A. L.,

Silva, A. S., & Gomes, L. C. (2018). Grupo operativo com

primigestas: Uma estratégia de promoção à saúde. Revista Brasileira em

Promoção da Saúde, 31(1), 1-11.

Vincha, K. R., Bógus, C. M., & Cervato-Mancuso, A. M. (2020).

Possibilidades de atuação profissional em grupos educativos de

alimentação e nutrição. Interface (Botucatu), 24, 1-16.

565

Índice remissivo

“Super”-ego, 225, 257

AAPPG, 36

abandono, 255, 337, 379, 404,

524

abordagem clínica, 44, 526

abordagem francesa de grupos, 206 abordagem grupal às crianças e seus

pais, 411

abordagem maternalista, 507

abordagem multidisciplinar, 485

abordagem narrativa, 448 abordagem pragmática e

comportamental, 446

abordagem psicanalítica, 423, 525,

526

abordagem psicanalítica de grupo, 209

abordagem psicanalítica grupal, 529 abordagem psicanalítica grupal com

alcoolistas e drogaditos, 529

abordagem radical construtivista, 448

abordagem sistêmica, 421, 443, 453

abordagens grupais, 55 abordagens grupais com finalidades

operativas, 317

abordagens grupais terapêuticas, 317

ABPAG, 286

Abreu-Afonso, 180, 182

abuso de drogas, 535

abuso sexual, 375, 538

Ackerman, 31, 424, 446

ações de saúde mental, 534

acolhimento, 55, 74, 158, 238, 239,

275, 277, 294, 299, 354, 464,

471, 473, 476, 513, 514, 537

acolhimento dos familiares, 494

acompanhamento psicoterapêutico, 511

aconselhamento, 417, 418, 523

aconselhamento matrimonial, 415,

417, 419, 423

acoplamento de settings, 468, 469

acordo inconsciente, 463

acting-out, 237

acting-outs, 135, 190, 232, 317

actings, 331

acupunturistas, 486

Adamson, 145, 146

adaptação ativa à realidade, 145

Adler, 31, 373

adoecimento crônico, 54

adolescência, 53, 263, 365, 375,

412 adolescência da Psicoterapia Analítica

de Grupo, 88

adolescente, 365, 366, 367, 373,

374, 411, 509

adolescentes, 53, 54, 145, 278, 317,

360, 365, 366, 373, 374, 375,

376, 377, 378, 400, 412, 464

adolescentes com TAs, 496

adolescentes em conflito com a lei, 221

adolescentes psicóticos, 144, 145

adulto, 81, 128, 142, 215, 267,

271, 372, 373, 416, 431

adultos, 53, 63, 263, 268, 373,

393, 433

advogado, 318

agrupamento, 34, 43, 77, 101, 106,

244, 475

Ainsworth, 451

Aires, 285

Akhtar, 439

Albertini, 448

álcool, 375, 528, 529, 536

alcoólicos anônimos, 59

alcoolismo, 523, 536, 537

566

alcoolista e o drogadito, 538

alcoolista ou drogadito, 528

alcoolistas, 59, 523, 536

alcoolistas e drogaditos, 523, 532,

534, 536, 542

Alegret, 455

alfa-betização, 251

aliança terapêutica, 181, 183, 451,

502

alianças inconscientes, 219

alianças terapêuticas, 184, 429

Allen, 179

alta, 71, 337, 379, 533

Alternância de supostos, 133

altruísmo, 51, 104, 106, 130

alucinose, 242

aluno, 73, 81, 417

alunos, 73, 77, 80, 82, 83, 88,

147, 154, 284, 290

alunos-médicos, 454, 455

Alvarez, 383

amadurecimento, 269, 273, 274,

507

amadurecimento mental, 244

ambiência, 352

ambiência terapêutica, 479

ambivalência, 46, 96, 97, 193, 313

ambivalência afetiva, 104

ambivalências, 541

ambivalências institucionais, 313

ambivalente, 503

ambivalentes, 109

ambulatório, 179, 486, 503, 533 Ambulatório do Câncer do Hospital de

Base, 486

ambulatórios, 59, 305

amor, 45, 46, 81, 100, 101, 102,

104, 109, 121, 137, 233, 238,

249, 258, 267, 274, 320, 324,

451, 538

amor a si mesmo, 101

amor aos outros, 102

amor às verdades, 87

amor edípico, 100

amor sem verdade, 248

AN, 493, 494, 503, 510

analisando, 159, 185, 232, 250,

251

analisandos, 241, 245

análise, 35, 73, 74, 76, 89, 107,

109, 118, 121, 125, 126, 135,

154, 159, 160, 162, 166, 177,

189, 226, 263, 324, 329, 339,

340, 432, 485, 524, 525, 530,

540

análise de grupo, 160

análise do grupo, 35, 213

análise institucional, 146, 207, 220

análise pessoal, 64, 68, 69, 70, 71,

72, 73, 76, 79, 81, 87, 328,

563

análises, 115, 338, 547

analista, 69, 70, 71, 73, 110, 116,

118, 125, 129, 159, 160, 161,

162, 163, 164, 167, 168, 169,

171, 182, 183, 217, 226, 227,

229, 232, 237, 238, 239, 241,

245, 246, 247, 248, 250, 251,

255, 262, 263, 265, 268, 278,

291, 324, 325, 326, 327, 328,

329, 339, 346, 347, 384, 403,

542

Analista, 339, 392, 393

analistas, 70, 227, 244, 262, 263,

278, 445

anamnese, 307, 366, 474

Anastasiadou, 496

ancoragem, 44, 238, 239

Andersn, 448

Andolfi, 425, 427

anestesistas, 486

angústias fundamentais, 541

567

Anna Freud, 107, 262

Anna O., 385

anorexia, 498, 500, 504, 509, 510,

526

Anorexia Nervosa, 493

anoréxicas, 526

ansiedade de separação, 331

ansiedade depressiva, 118, 119, 120

ansiedade e fantasias persecutórias,

294

ansiedade persecutória, 113, 116,

118, 119

ansiedades básicas, 147, 148, 150,

342

ansiedades infantis, 136

ansiedades persecutórias, 117

ansiedades persecutórias e depressivas,

120

ansiedades psicóticas, 136

Anthony, 158, 160, 162, 163,

164, 165, 166, 167, 168, 169,

171, 177, 180, 189, 194, 197

anti-grupo, 190

Anton, 431

antropologia, 81

Anzieu, 35, 81, 161, 205, 206,

207, 208, 210, 211, 213, 420

APA, 146

aparelho, 99, 253, 254

aparelho analítico, 99 aparelho para aprender com a

experiência, 249

Aparelho para pensar os pensamentos,

234, 246, 247, 249

aparelho psíquico, 45, 136, 234,

528

aparelho psíquico de grupo, 420

aparelho psíquico do grupo, 299

aparelho psíquico grupal, 213, 219

apoio psicológico, 169, 493

APPG, 82

aprender, 60, 148, 227

aprender com a experiência, 227, 252

aprendizado, 288

aprendizagem, 58, 147, 148, 150,

159, 228, 231, 252, 257, 281,

284, 285, 286, 289, 292, 294,

296, 297, 299, 422, 498, 531,

542, 550, 553

aprofundamento vertical, 161

aproximação amorosa, 322

área psicótica da personalidade, 243

Aristóteles, 444, 483 Asociación Argentina de Psicología y

Psicoterapia de Grupo, 36, 37 Asociación Mexicana de Psicoanálisis

de Grupo, 37 Asociación Mexicana de Psicoterapia

Analítica de Grupo, 37

aspectos inconscientes do grupo, 171 aspectos não psicóticos da

personalidade, 309

aspectos psicodinâmicos, 474

assistência à infância e adolescência,

401

assistência à saúde, 400, 401

assistência aos familiares, 493

assistência interdisciplinar, 508

assistência multiprofissional em TAs,

494

assistência social, 401, 503

assistente social, 56, 63, 332

assistentes sociais, 214, 450, 486 Associação Argentina de Psicologia e

Psicoterapia de Grupo, 428 Associação Brasileira de Psicanálise de

Casal e Família, 423 Associação Brasileira de Psicoterapia

Analítica de Grupo, 37, 39, 286 Associação Brasileira de Terapia

Familiar, 422

568

Associação Internacional de Psicanálise

de Casal e Família, 423 Associação Internacional de

Psicoterapia de Grupo, 36 Associação Internacional para o

Estudo da Dor, 485

Associação Psicanalítica Argentina,

146

associações livres, 291, 299

associar livremente, 60, 300

Asssociação Psicanalítica Argentina,

175

ataque à comunicação, 379

ataque aos elos de ligação, 505

ataque aos vínculos, 231

Ataque aos vínculos, 225, 255

atenção à saúde, 513

atenção à saúde mental, 308

atenção à saúde mental da criança,

399

Atenção Básica, 553

atenção em saúde mental, 401

atenção flutuante, 239, 347

atenção multiprofissional, 486

atendente, 311, 314

atendidos em grupo, 360

atendimento clínico familiar, 391

atendimento familiar, 383, 384, 386,

395, 396

atendimento grupal, 61, 399, 401,

415

atendimentos clínicos, 387

atendimentos familiares, 383

atendimentos grupais, 64, 75

atendimentos infantis, 368

atitude ambivalente, 97

atitude amorosa e construtiva, 320

atitude clínica, 62, 73

atitude do analista, 125

Atitudes, 192

atividade clínica, 227

atividade grupal, 353

atividades grupais, 89, 402

atividades lúdicas, 454

atrasos, 190, 324, 331, 345, 359,

470

Attili, 494

atuação, 164, 331

atuação com grupos, 157

atuação em equipe, 456

atuação em grupos, 68, 89

atuação médica, 455

atuações, 317, 324, 331, 464, 470,

528, 533, 542

Atuações, 331

autismo, 383, 385, 386, 411, 476

autista, 409

autoanálise, 193, 327

avaliação psicológica, 511

Ávila, 82, 135, 172, 352, 356

Azim, 313

Aznar-Martínez, 431, 432

babá, 262, 387, 388

babás, 378

Babo, 181, 193

Bahía, 39, 351

Baremblitt, 461

barreira de contato, 237, 251, 252,

253

Barreira de contato, 225

barreiras na comunicação, 552

bases teórica e técnica da grupanálise,

160

bases teóricas e técnicas, 171

Bateson, 424, 440

Bauman, 68

Beatriz Fernandes, 40, 352

bebê, 109, 110, 111, 116, 117,

118, 119, 120, 131, 134, 147,

211, 218, 234, 238, 245, 247,

249, 251, 254, 265, 266, 267,

569

269, 270, 271, 272, 273, 274,

275, 387, 505

bebê alucina o seio, 405

bebê winnicottiano, 275

bebês, 320, 326, 373, 387, 393,

395

bebês imaginários, 117

Bechelli, 523

Benghozi, 426

Benjamin, 450

Benninghoven, 508

Berenstein, 36, 45, 420, 427, 444,

445

Bernard, 36, 81, 83, 284, 285,

291, 313

Bernardo, 283

Berrios, 488

Berstein, 182, 553

Bettelheim, 457

Bighetti, 495

Bigliani, 419, 420, 428, 429 binômio transferência-

contratransferência, 44

biologia, 447

biólogo, 440

Biólogos, 447

biomédica, 332

Bion, 31, 32, 35, 38, 44, 46, 47,

53, 60, 75, 81, 82, 107, 125,

126, 127, 128, 129, 130, 131,

133, 134, 135, 136, 137, 180,

189, 190, 225, 226, 227, 229,

230, 231, 232, 233, 235, 236,

237, 238, 240, 241, 242, 243,

244, 245, 246, 247, 248, 249,

250, 251, 252, 253, 255, 256,

257, 262, 309, 324, 325, 326,

328, 330, 331, 342, 346, 347,

420, 485

Bittencourt, 529

Blay, 509

Blay Neto, 38, 39, 351, 352, 361

Bléandonu, 233, 234, 238, 250,

251

Bleger, 228, 296, 405, 427, 461,

475, 553, 561

bloqueio da comunicação, 165

BN, 493, 510

bode expiatório, 144, 150, 151,

153, 168, 169, 183, 190, 321,

427

Bode expiatório, 153

Bonfim, 83

Boston Change Process Study Group,

185

Boszormenyi-Nagy, 418, 425, 446

Bowen, 418, 419, 424, 425, 446

Bowlby, 451

Branco, 448

Brandt, 285

Brasil, 402

Brasiliano, 423, 523, 524, 527,

528, 529, 530, 531, 532, 537,

538, 542

Bretas, 282

Breuer, 385

brincar, 137, 212, 217, 261, 262,

264, 268, 272, 345, 366, 369,

371, 389, 391, 392, 454, 479,

501

Brincar, 345

brinquedo, 368

brinquedos, 368, 370, 371, 392,

404, 474

British Psychoanalytic Society, 176

Brito, 180

Brown, 190

Bruch, 493

Brum, 422

Brun, 215, 216

Budman, 305

Bugliani, 439, 440

570

bulimia, 504, 509, 526

Bulimia Nervosa, 493

Burnier, 324

Burrow, 31, 175

Caetano Veloso, 257

caixa de ressonância, 470

caixa de ressonância empática, 185

Camara, 33, 35

Campo, 452

campo da clínica, 70

campo da clínica de grupos, 72

campo da clínica psicanalítica, 524

campo da instituição, 479

campo da psicanálise, 298, 419

campo da psicoterapia de casal, 433

campo de representação, 148

campo do aprendizado, 69

campo emocional-afetivo, 148

campo grupal, 107, 127, 239, 317

campo inconsciente comum, 385

campo psicoterapêutico, 69

campo transferencial, 467

campo vincular, 44

Campos, 494, 501

Cancrini, 450

Canevaro, 443, 444, 445, 446

Cannon, 131

capacidade comunicativa, 48

capacidade da mãe, 251

capacidade de acolhimento, 466

capacidade de ajudar, 122

capacidade de aprender, 290

capacidade de brincar, 264, 269, 345

capacidade de continência, 504

capacidade de criar, 271, 448

capacidade de desintoxicar a mente,

352

capacidade de empatia, 87, 191, 403 capacidade de esperar pelas

gratificações, 275

capacidade de falar, 453

capacidade de ficar só, 361

capacidade de identificar-se com o bebê,

270

capacidade de interação e pertença, 475

capacidade de interpretar, 342

capacidade de manter-se íntegro, 87

capacidade de observação, 406

capacidade de pensar, 233

capacidade de raciocinar, 234

capacidade de se comunicar, 87

capacidade de se relacionar, 476

capacidade de simbolização, 402

capacidade de sonhar, 216, 217

capacidade de sonhar e de brincar, 216

capacidade de suportar as lacunas, 270

capacidade de suportar frustrações, 474

capacidade de tolerância à frustração,

380

capacidade de trabalhar, 239

capacidade do grupo, 155

capacidade empática, 505

capacidade epistemofílica, 228

capacidade inata, 272

capacidade instintiva, 133

capacidade intuitiva, 255

capacidade mental, 361

capacidade para estar sozinho, 193

capacidade para pensar os pensamentos,

251

capacidade para tolerar frustrações,

234

capacidades criativas, 228

Capisano, 39

CAPS, 473, 475, 479, 533, 535

CAPSi, 401, 408, 411, 412, 476

caráter defensivo, 213

caráter horizontal do grupo, 161

caráter perverso, 256

caráter regressivo, 160

Carvalho, 468

571

casais, 36, 44, 55, 207, 225, 235,

281, 416, 421, 424, 431, 432,

437, 452, 454

casais e famílias, 429

casal, 61, 230, 278, 317, 415,

422, 423, 429, 431, 432, 438,

439, 445, 471, 507

casamento, 84, 95, 96, 103, 394,

416, 424, 425, 429, 432, 438

casamentos, 491

casas de acolhimento, 294

Castanho, 206, 219, 221, 463,

464, 466, 532

Castilho, 354

Cavalcanti, 411

Ceberio, 442

CECCO, 475

Centeno, 179

centrados na tarefa, 179, 221

Centro de Atenção Psicossocial, 479

Centro de Convivência e Cooperativa,

475 Centro de Formação para Terapeutas

de Casal e Família, 456

Centro de Saúde Mental, 455

Centro Hospitalar de Lisboa Norte,

178 Centro Hospitalar de Lisboa

Ocidental, 178

centros comunitários, 356

Centros de Atenção Psicossocial, 473,

533 Centros de Atenção Psicossocial

Infanto-Juvenis, 401

centros de convivência, 294

Cerveny, 40, 88

cesura, 127, 129, 130

Cesura, 129

cesura do nascimento, 127, 128, 129

Chiaverini, 473

Chouvier, 216

Cibercultura, 68

cibernética, 424, 447

Cibernética, 440

ciclo de vida da família, 424

ciclo vital, 451

CID, 488

Cirillo, 450

cisão, 89, 113, 115, 116, 118,

119, 128, 336, 506, 541

Cisão, 113

ciúme, 49, 94, 121, 196, 329, 417

ciúmes, 275

Ciúmes, 121

Claire Winnicott, 264

clãs totêmicos, 95

classificação do trabalho grupal, 163,

353

Classificação Internacional de Doenças,

488

clima emocional, 76, 131, 229, 321

clínica, 89, 107, 112, 218, 231,

311, 341, 351, 358, 359, 362,

384, 399, 418, 445, 548

clínica ampliada, 479

Clínica da Dor, 486, 487, 488 clínica da psicanálise da configuração

vincular, 428

clínica das adições, 526

clínica de grupos, 40, 62, 64, 562

clínica de psicologia, 362

clínica diária, 108, 111

clínica do traumático, 216

clínica e técnica psicanalítica, 445

clínica grupal, 74

clínica grupoterápica, 360

clínica individual, 36

clínica privada, 54, 63, 67

clínica psicanalítica, 125, 263, 352 clínica psicológica com alcoolistas e

drogaditos, 523

clínica psiquiátrica, 445

572

Clínica Tavistock, 127

clínica vincular, 111, 114, 136

clínica-escola, 359, 360

clínicas, 400, 401

clínicos, 431

clivagem, 113

coaching grupanalítico, 179

Cobelo, 494, 501

coesão, 355

coesão do grupo, 163

coesão grupal, 184, 355, 359, 360,

514

Coesão grupal, 194

coleta de dados, 282, 552, 555, 558

Colombo, 422

Colossi, 473, 535

Complexo de Édipo, 97, 98, 99, 104 componentes intrassubjetivos e

intersubjetivos, 235

comunicação, 43, 48, 49, 50, 60,

96, 113, 130, 148, 162, 164,

165, 166, 167, 170, 171, 176,

186, 187, 189, 196, 232, 234,

238, 239, 240, 242, 243, 245,

250, 290, 296, 297, 330, 345,

362, 374, 379, 384, 406, 429,

440, 509, 510, 535, 553

Comunicação, 165

comunicação associativa, 192

Comunicação do par analítico, 250

comunicação extraverbal, 345

comunicação inconsciente, 498

comunicação intrainstitucional, 55

comunicação limitada e distorcida, 313

comunicação não verbal, 50, 69

comunicação nos grupos, 169

comunicação verbal, 50, 171, 192,

341

comunicação verbal e não verbal, 50,

85, 240

comunicações, 161, 189, 192, 248,

317, 326, 345

Comunicações, 235

comunicações defensivas do grupo, 112

comunicações distorcidas, 345

comunicações entre os pais e os filhos,

395

comunicações grupais, 336

comunicações multipessoais, 248

comunicações verbais e não verbais,

185

comunidade, 411

comunidade terapêutica, 61

comunidades terapêuticas, 32, 231,

255, 308, 309, 310, 314

comunitária, 401

conceito de ilusão grupal, 35

concepções grupais, 559

condição crônica de saúde, 508

configuração familiar, 395

configuração grupal, 230, 256

configuração mental, 118, 120, 256 configuração vincular fusionada e

conflituosa, 503

configurações grupais, 115, 137, 138,

341

configurações mentais, 112, 325

configurações vinculares, 55, 81, 227,

229, 238, 245, 281, 391, 420,

496

conflito inconsciente, 159, 166

conflito intra-psíquico, 181

conflito mental, 160

conflito neurótico, 168

conflito no grupo, 134

conflito psíquico, 46

conflitos básicos, 189

conflitos edipianos, 374

conflitos emocionais, 491

conflitos inconscientes, 159, 164, 166,

168, 185

573

conflitos interpessoais, 467

conflitos latentes, 314, 354

Conhecimento, 227

conhecimento latente, 231

cônjuge, 430, 442

cônjuges, 169, 537

Conselho Tutelar, 412, 464

Consoli, 431

constituição grupal, 357

constituição intersubjetiva do grupo,

211

constituições grupais, 355

consultoria, 36

consultório, 332, 360, 367, 370,

380

consultórios, 55, 82, 212, 433

consultórios de psicanalistas, 218

consultórios médicos, 494

consultórios particulares, 157

consultórios privados, 305

Contel, 495

conteúdo latente, 241

conteúdo manifesto, 187, 300

conteúdos inconscientes, 162

conteúdos inconscientes latentes, 358

conteúdos latentes, 357

conteúdos latentes grupais, 558

conteúdos manifestos grupais, 558

conteúdos mentais, 403

continência, 245, 373, 464, 471,

500, 513, 533, 542

continência afetiva, 504

continência materna, 234

continente, 87, 249, 312, 396, 478

contraidentificações projetivas, 328

contraindicações, 323

contrato, 56, 59, 84, 183, 184,

191, 292, 306, 308, 353, 356,

359, 360, 361, 375, 376, 403,

532

contratransferência, 152, 176, 181,

182, 191, 192, 310, 317, 325,

326, 327, 328, 329, 330, 336,

337, 344, 372, 425

contratransferenciais, 76, 77, 78,

183, 246, 308, 329, 343, 344

contratransferencial, 183, 191, 255,

327, 345, 490

contratransferências, 183

controle, 120, 330

controle onipotente, 120

convênios médicos, 55, 305

cooperação, 130, 553

coordenadores de grupo, 64, 562

Cordioli, 429, 430

Coronel, 289

corpo da mãe, 228, 232

corpo do bebê, 109

Cortesão, 35, 61, 81, 175, 176,

177, 178, 180, 182, 186, 191

Costa, 362, 493, 509

coterapeuta, 84, 429

coterapeutas, 308

coterapia, 84, 177, 367, 402, 405,

408, 464, 477, 541

coterapias, 177

COVID-19, 57, 205

crescimento emocional, 231

crescimento mental, 127, 128, 227,

248, 249, 250

crescimento pessoal, 60, 234, 309,

335, 337, 338, 416

criança, 97, 142, 143, 215, 232,

251, 262, 267, 273, 365, 366,

367, 368, 369, 371, 372, 374,

375, 378, 383, 384, 385, 386,

392, 395, 396, 403, 404, 405,

411, 457, 467, 474, 475, 478,

500

crianças, 53, 54, 63, 96, 97, 109,

142, 263, 317, 322, 360, 365,

574

366, 367, 368, 369, 371, 372,

373, 375, 383, 384, 385, 386,

388, 392, 393, 394, 396, 399,

400, 401, 403, 405, 408, 412,

463, 464, 467, 474, 475, 476,

477, 478, 479

Crianças, 320, 368

crianças autistas, 411, 475

crianças com transtornos mentais, 412 crianças com transtornos mentais

graves, 401, 402, 411, 412

crianças e psicóticos, 107

crianças excluídas da escola, 401

crianças pequenas, 215, 477

criatividade, 71, 72, 75, 76, 79, 80,

82, 107, 110, 137, 196, 234,

237, 248, 261, 263, 264, 268,

269, 271, 278, 310, 343, 345,

366, 502

crise psicótica, 230

Cruz, 365

cuidador, 275

cuidadores, 145, 477, 495, 508,

513, 514

Cuissard, 37

cultura, 45, 93, 99, 130, 132, 133,

136, 145, 211, 214, 220, 230,

308, 423, 428, 479, 513, 526

cultura de grupo, 130

cultura de pressupostos, 133

cultura grupal, 130

culturais, 184, 218, 268, 271, 416,

426

cultural, 146, 361, 423, 485

culturas, 68, 141, 177, 431, 461

Cunha, 40, 422, 423

cura, 180, 181, 193, 227, 255,

342, 379, 469, 513, 529, 550

Cura, 193, 379

curso de enfermagem, 283

curso de odontologia, 287

curso de psicologia, 357

Cypel, 445

Darwin, 94, 98, 269

Davanzo, 37

David, 181, 196

de la Fuente, 36

defesa maníaca, 322

defesa primitiva, 116

Defesas, 186

defesas dos grupos, 180

defesas maníacas, 120, 330

Dejours, 485

Deleuze, 35

Dellarossa, 83, 284, 285, 288, 553

demanda, 54, 212, 351, 359, 361,

362, 455, 466, 473, 476, 480,

528

demanda da instituição, 355, 470

demanda das instituições, 358 demanda em saúde mental infantil e

juvenil, 401

demanda externa, 472

demanda grupal, 301

demanda institucional, 401

demanda interna da instituição, 472

demandas, 61, 62, 89, 359, 360,

361, 396, 454, 468, 470, 472,

473, 477, 489, 495, 533, 552

demandas das crianças, 477

demandas do grupo, 467

demandas dos grupos, 477

demandas emocionais, 360

demandas institucionais, 55

demandas psicossociais, 559

denegação, 444

Denton, 416 Departamento de Assistência Escolar

da Secretaria de Educação, 400

Departamento de Saúde Escolar, 401

dependência, 532

dependência à substância, 538

575

dependência absoluta, 267, 268, 273,

275

Dependência absoluta, 273

dependência ao álcool ou à droga, 538

dependência da relação terapêutica,

538 dependência de álcool e de outras

drogas, 524

dependência de substâncias psicoativas,

524, 535, 537

dependência do grupo, 539

dependência do Grupo de Supervisão,

79

dependência relativa, 267, 273, 274

dependente de álcool e drogas, 537

desejo de crescimento, 309

desejos grupais, 136

desenvolvimento da autonomia, 197 desenvolvimento da capacidade de

pensar, 405

desenvolvimento da família, 431 desenvolvimento da identidade e do

sentido de realidade, 405

desenvolvimento da personalidade, 181

desenvolvimento da realização, 403

desenvolvimento das crianças, 432 desenvolvimento de autonomia e de

coesão, 313

desenvolvimento de habilidades sociais,

495

desenvolvimento do bebê, 238

desenvolvimento do brincar, 392

desenvolvimento do grupo, 134, 161,

307, 357

desenvolvimento do indivíduo, 272

desenvolvimento emocional, 118, 503 desenvolvimento emocional saudável do

bebê, 267

desenvolvimento grupal, 342

desenvolvimento humano, 416

desenvolvimento intra e interpessoal,

356

desenvolvimento mental, 119, 232

desenvolvimento psíquico, 121

desenvolvimento saudável do bebê, 270

desprezo, 120, 330, 335, 506 determinantes inconscientes da

comunicação, 171

diabéticos, 54, 59

diagnóstico, 34, 310, 367, 384,

385, 391, 402, 407, 449, 450,

478, 488, 494

diagnóstico de anorexia, 501

diagnóstico de anorexia ou bulimia,

495

diagnóstico institucional, 150

diagnóstico precoce, 386

diagnóstico relacional, 446, 451

dialética, 58, 143, 146, 219, 420,

445, 468, 528, 550, 555

diário de campo, 549, 554

diários de campo, 563

Dias, 262, 264, 267, 269, 272,

273

dificuldade de comunicação, 375

dificuldade na comunicação, 535

dificuldades de comunicação, 417

dificuldades na comunicação, 289

dimensão estrutural, 99

dimensão intersubjetiva, 528 dimensão intrassubjetiva e

intersubjetiva, 445

dimensão transubjetiva, 132

dimensão transubjetiva do vínculo, 45

dimensões do vínculo, 43

dinâmica da instituição, 466

dinâmica de grupo, 81, 209, 486

dinâmica de uma instituição, 479

dinâmica familiar, 386, 392, 432,

535

576

dinâmica grupal, 82, 85, 107, 127,

136, 180, 235, 236, 361, 467,

506, 523

dinâmica grupanalítica, 166

dinâmica institucional, 465, 466

dinâmicas familiares, 478, 535

Dinis, 177, 180, 181, 182, 183,

184, 185, 197

Diniz, 285 Direcção Geral do Emprego e das

Relações de Trabalho, 177

discussão horizontal e criativa, 293

discussão livre flutuante, 187, 192,

194

Discussão livre flutuante, 186, 187

discussões clínicas, 412

dispositivo analítico, 218

dispositivo clínico, 468

dispositivo clínico grupal, 468

dispositivo de grupo, 206, 210, 212,

218, 220, 221, 290

dispositivo do grupo operativo, 555,

557, 559 dispositivo do Grupo Psicanalítico de

Discussão, 293

dispositivo grupal, 344, 468, 470,

514, 560

dispositivo grupo, 246, 466, 468

dispositivo vincular, 90, 241, 250,

317, 324, 325

dispositivos de grupo, 207, 212

dispositivos grupais, 289

dispositivos psicanalíticos, 426

dispositivos vinculares, 245

dissociação, 506

distúrbios psicossomáticos, 272

divórcio, 432, 451

doença familiar, 144

Donato, 44, 285, 286, 290, 292

Dor autocrítica, 490

dor crônica, 488

Dor culposa, 490

dor emocional, 483

dor física, 483, 484, 485, 486, 489

dor mental, 47, 73

dor moral, 483, 484

dor psíquica, 483, 532

dores corporais, 485

droga, 529, 530, 531, 536, 539,

540, 542

drogadição, 525, 526, 527, 528,

529, 532, 534, 536, 538

drogadições, 524, 526, 527

drogadito, 529, 530, 538, 542

drogaditos, 524, 526, 529, 531,

532, 536

drogas, 114, 374, 527, 528, 529,

535, 539, 540

DSM 3, 447

duplo vínculo, 440

Durand, 40, 325

Eco, 172

economista, 318

ECRO, 145, 146, 147, 149, 154,

399

Édipo, 97, 228

educação, 179, 231, 351, 355, 356,

551

Educação, 285

educação alimentar, 553

Educação Básica, 357

educação em saúde, 400, 554

educação física, 162

educação popular, 55

educação sanitária, 400

educadores, 214, 450

educadores físicos, 486

eficácia clínica, 432, 448

Egos auxiliares, 33, 34

Eigner, 439

Eiguer, 423, 426

eixo horizontal, 161

577

eixo vertical, 161

elaboração, 182, 184, 189, 196,

197, 239, 264, 273, 285, 292,

336, 343, 365, 372, 375, 379,

380, 392, 511, 528, 535, 539,

541

elaboração das ansiedades, 148

elaboração dos sofrimentos, 471

elaboração imaginativa, 272 elaboração imaginativa das funções

corpóreas, 272

elaboração onírica, 241, 243

elaboração psíquica, 491

elaborações, 276, 318, 345, 530,

539

elaborações das angústias, 276

elaborações imaginativas, 272

elemento primitivo do pensamento, 234

elementos , 237, 251, 252

elementos em , 251

elementos alfa, 236, 237, 251

elementos alfa da mãe, 251

elementos beta, 237, 251, 253

Elementos beta, 237

elementos beta do bebê, 251

elementos maternos, 501

elementos persecutórios, 336

elementos primitivos, 246

emergente, 144, 300, 422

emergentes, 152, 289, 470, 496,

551, 558, 562

emergentes grupais, 59, 562

Emílio, 282, 283, 285, 288, 292,

296, 352

empresa, 46, 51, 295, 392

empresas, 45, 59, 212, 235, 356,

432

encontros grupais, 496, 538

enfermagem, 502

enfermeiras, 502

enfermeiro, 56

enfermeiros, 214

enfermidade familiar, 422

enfoque psicanalítico, 425

enfoque relacional-sistêmico, 446

engenheiro, 126

enquadramento teórico, 549, 556

enquadramento teórico-metodológico,

555, 560

enquadre, 80, 84, 215, 217, 295,

297, 353, 356, 359, 360, 464,

466, 467, 470, 532

enquadre grupal, 355

enquadre psicanalítico da cura, 466 enquadre psicanalítico da instituição

psicanalítica, 466

enquadre psicanalítico da supervisão,

466

enquadres, 466, 470, 479, 541

ensino, 55, 59, 65, 67, 73, 84,

157, 178, 284, 399, 400, 552

ensino-aprendizagem, 82, 85, 88,

357, 554

entrevista, 391, 473, 474, 557

entrevistas, 307, 366, 367, 375,

476, 549

Epson, 448

equipamento de saúde pública, 554

equipamentos de saúde mental, 216

equipamentos de saúde pública, 55

equipe coordenadora ou executora, 56

equipe de Nutrição, 553

equipe do hospital psiquiátrico, 455

equipe e da instituição, 464

equipe executora, 89, 562

Equipe executora, 554

equipe gestora, 356

equipe interdisciplinar, 451, 456,

494, 501, 513

equipe médica, 455, 486, 488

equipe multidisciplinar, 486

578

equipe multiprofissional, 56, 464,

465, 466, 476, 477, 478, 479

equipe pedagógica e administrativa,

294

equipe técnica, 309, 464

equipe uniprofissional, 56

equipes de profissionais, 454

equipes interdisciplinares, 494

equipes multi ou interdisciplinares, 533

equipes multidisciplinares, 543

equipes multiprofissionais, 64, 401,

411

Equipes multiprofissionais, 464

equoterapia, 387

Erickson, 424

escola, 141, 295, 334, 358, 375,

376, 378, 394, 396, 400, 401,

409, 411, 464, 512, 552

escola argentina, 39, 420

escola argentina de grupos, 560 Escola de Terapia Familiar do

Hospital de la Santa Creu i Sant

Pau, 443

escola francesa, 35, 420, 426

escola francesa de psicanálise de grupo,

107

Escola Inglesa, 177, 188

escola inglesa de psicanálise, 38

Escola Inglesa e Portuguesa, 186

escola kleiniana, 132

Escola Mara Selvini Palazzoli, 442,

450

Escola Portuguesa, 172, 182

Escola Portuguesa de Grupanálise,

134, 176, 177, 180, 191

escola pública, 552

escola sistêmica, 439 Escola Vasco Navarra de Terapia

Familiar de Bilbao, 443

escolas, 55, 59, 212, 285, 290,

294, 357, 400, 473

escritos teóricos e técnicos, 172

escuta psicanalítica, 384

ESF, 554

espaço de compartilhamento horizontal,

293

espaço de confiança e de acolhimento,

470

espaço de empatia, 478

espaço de escuta aos familiares, 407,

513

espaço de interrelação, 531

espaço de reflexão, 529

espaço de transicionalidade, 369

espaço do grupo, 291, 295, 357

espaço grupal, 358, 359

espaço interno e externo, 226

espaço intersubjetivo, 45

espaço intrapsíquico, 420

espaço intrassubjetivo, 255, 257, 420

espaço lúdico, 345

espaço mental, 395

espaço mental da mãe, 395

espaço para acolhimento dos familiares,

495

espaço potencial, 264, 265, 267,

268, 277

espaço psicanalítico, 365

espaço psíquico, 387

espaço psíquico e social, 527

espaço psíquico transubjetivo, 132

espaço transicional, 267, 271, 290

espaços de reflexão, 495

espaços grupais, 352

espaços psíquicos, 45, 219, 340,

427, 500

espectro autista, 395

Espectro do Autismo, 384

espelhamento, 167, 182, 187, 188,

193, 285

Espelhamento, 186, 188

Espíndola, 509

579

espiral dialética, 90, 227

espontaneidade, 71, 263, 264, 269,

277, 278

Esquizoanálise, 35

establishment, 47, 225, 230, 231,

246

Establishment, 230

estado da mente, 113, 118

estado de sonho da mãe, 238

estado latente, 131

estado mental, 120, 128, 238, 344

estados da mente, 49, 112, 129,

242, 245, 253, 254

estados mentais, 425

estagiário, 357, 477

estagiários, 432, 495, 515

estagiários de psicologia, 496

estágio, 360

estágios, 88

estereótipo, 147, 148

estereótipos, 296, 421, 513, 551

Estereótipos, 537

estratégia clínica, 395

estratégia lúdica, 496

Estratégia Saúde da Família, 554

estratégias clínicas, 508

estratégias de apoio, 493

estratégias de intervenção, 508

estratégias defensivas, 508

Estratégias grupais, 495

estrutura, 44, 69, 143, 144, 146,

536

estrutura de personalidade, 189

estrutura de vinculação, 420

estrutura institucional, 468

estrutura mental, 536

estrutura organizacional, 310

estrutura relacional, 44, 324

estrutura vincular, 143

estruturação vertical, 342

estruturante grupal, 149

estruturas, 138, 298

estruturas defensivas, 121

estruturas vinculares, 134, 149

estudante, 71, 72, 74, 89, 90, 141,

357, 507, 559

estudante de direito, 332

estudante de medicina, 141

estudante do mestrado, 287

estudante indígena, 551

estudante universitária e estagiária,

332

estudantes, 67, 71, 88, 89, 284,

291, 292, 294, 356, 357, 358,

551, 562

estudantes de psicologia, 515

estudantes de psicologia e medicina,

515

estudantes de psiquiatria, 284

estudantes indígenas, 551

Estudantes universitários, 90

estudo teórico, 68, 70

estudos sobre grupos, 351

ética, 57, 62, 65 European Federation for

Psychoanalytic Psychotherapy, 178 European Group Analytic Training

Institutions, 178

evacuação psicótica, 242

execução da tarefa, 469

execução de tarefas, 130

Exército, 102, 103

exogamia, 94, 95, 97, 99

experiência clínica, 327, 384, 411,

514, 525

experiência de mediação, 216

experiência emocional, 44, 45, 46,

109, 128, 234, 241, 243, 244,

325

experiência emocional compartilhada,

43

experiência emocional da cesura, 129

580

experiência emocional primitiva, 233

experiências clínicas, 265

experiências com grupos, 130, 137,

399

Experiências com grupos, 38, 126,

133

experiências emocionais, 236, 251,

411

experiências grupais, 555, 562

Experiências grupais, 357

experiências grupais operativas, 555

experiências pré-verbais, 379

experiências primevas, 270

experiências primitivas, 233

expressões grupais, 550

expressões verbais e não-verbais, 171

extratransferenciais, 330, 343

Ezriel, 31

Factores terapêuticos, 186, 193 Faculdade de Medicina da

Universidade Nova de Lisboa, 175 Faculdade de Medicina de São José do

Rio Preto, 486

falso self, 47, 443

falta, 63, 308, 313, 321, 376,

470, 542

faltas, 63, 190, 321, 324, 331,

345, 359, 366, 376, 411, 470

família, 32, 33, 51, 61, 73, 102,

103, 107, 141, 142, 144, 153,

262, 277, 317, 319, 334, 360,

366, 368, 372, 376, 383, 384,

385, 386, 389, 391, 392, 393,

394, 395, 396, 401, 406, 411,

415, 417, 418, 419, 421, 422,

423, 426, 427, 431, 432, 433,

438, 439, 440, 441,442, 443,

445, 446, 447, 448, 449, 450,

451, 453, 454, 455, 456, 457,

464, 467, 494, 495, 502, 508,

509, 510, 513, 535

família de origem, 442

família extensa, 442

familiar, 227, 230, 365, 366, 383,

384, 385, 393, 400, 401, 402,

473, 494, 501, 508, 510, 513,

526, 535

familiares, 144, 169, 171, 192,

276, 367, 374, 375, 376, 377,

385, 386, 387, 399, 425, 427,

474, 477, 489, 490, 493, 494,

495, 496, 508, 509, 510, 513,

514, 515, 530, 537 familiares de crianças com transtornos

mentais graves, 407

familiares idosos, 487

famílias, 36, 43, 44, 55, 126, 128,

144, 207, 225, 234, 245, 248,

276, 281, 320, 367, 383, 384,

385, 386, 392, 396, 400, 419,

420, 424, 431, 432, 437, 446,

454, 455, 456, 464, 476, 477,

494, 510

fantasia, 109, 117, 119, 132, 210,

213, 237, 253, 267, 272, 289,

307, 367

fantasia de controlar, 116

fantasia de devoração, 499

fantasia de fusão, 342

fantasia do mamilo, 110

fantasia grupal, 83, 131, 137

fantasia inconsciente, 48, 109, 110,

111

fantasia onipotente, 131

fantasia primordial, 387

fantasiar, 272

fantasias, 45, 86, 109, 110, 113,

117, 142, 148, 149, 150, 155,

171, 185, 187, 213, 239, 292,

313, 327, 336, 368, 478

fantasias compartilhadas, 195, 526

fantasias de incorporação, 499

581

fantasias e temores persecutórios, 498

fantasias grupais, 134

fantasias inconscientes, 44, 49, 110,

112, 131, 134, 136, 226, 244,

374

fantasias persecutórias, 112, 152,

292, 346

fantasias primárias, 136

fantasias primitivas, 134

fantasias reprimidas, 331

Faria, 39

fase protomental, 135

fato selecionado, 246, 247, 248

fator de proteção, 535

fator de risco e/ou de proteção, 535

fatores de risco, 537

faxineiras, 314

Feder, 37, 38 Federação Latina das Associações de

Psicanálise de Grupo, 38 Federação Latino-Americana de

Psicoterapia Analítica de Grupo,

36

Federação Portuguesa de Psicoterapias,

178

feminismo, 282

fenômeno do grupo, 167

fenômeno grupal, 137, 168, 210

fenômeno transicional, 261, 267,

268, 269, 275, 277, 502

fenômenos grupais, 49, 90, 157, 242,

281, 287, 290, 326, 327, 335,

352, 357, 358, 371, 472, 496,

506

fenómenos inconscientes, 194

fenômenos protomentais, 135

fenômenos transicionais, 268, 270

Ferenczi, 380

Féres-Carneiro, 422, 423

férias, 353, 360, 366, 379, 533,

542

Fernandes, 44, 45, 46, 50, 53, 58,

63, 72, 73, 75, 76, 77, 80, 81,

82, 85, 91, 120, 127, 129,

130, 133, 134, 136, 137, 164,

179, 229, 230, 236, 238, 241,

250, 253, 256, 283, 284, 285,

286, 288, 291, 292, 294, 295,

296, 309, 310, 325, 329, 330,

342, 343, 345, 347, 351, 356,

365, 373, 374

Fernández, 217, 440, 441

Ferreira, 182

Ferro, 180

Ferschtut, 284

Figueiredo, 126, 231

figuras parentais, 378

filha, 107, 170, 264, 319, 320,

391, 394, 406, 408, 497, 498,

499, 500, 501, 502, 503, 504,

507, 511

Filha, 505

filhas, 500, 511, 533, 535

filho, 95, 238, 262, 273, 333,

334, 391, 395, 408, 409, 410,

411, 478, 502, 505

filho(a), 508, 509, 514

filhos, 69, 88, 95, 144, 235, 240,

327, 336, 385, 394, 396, 407,

408, 410, 438, 442, 451, 477,

491, 500, 537

filhos de alcoolistas, 432

filhos(as), 494, 495, 496, 508, 514

Filipe, 180

filósofa, 318

filosofia, 81, 125, 126

finalidade do grupo, 148

finalidade operativa, 58

finalidade psicoterapêutica, 295, 299,

493

finalidades operativas, 57, 58, 60,

81, 84

582

finalidades operativas ou

psicoterapêuticas, 64, 89

finalidades operativas ou terapêuticas,

48

finalidades psicoterapêuticas, 295

finalidades terapêuticas, 58, 61

fisiatras, 486

fisioterapeutas, 486

fisioterapia, 387, 457

FLAPAG, 36, 38

focal, 323

foco, 55, 56, 62, 158, 306, 307,

308, 358, 496, 532

focos, 56

Fonagy, 179

fonoterapia, 387

Fonseca, 61

fonte da comunicação, 50

forma de comunicação, 166

forma de comunicação predominante,

379

forma lúdica, 498

formação, 59, 62, 64, 67, 68, 69,

70, 71, 72, 74, 79, 80, 81, 83,

84, 85, 86, 88, 89, 90, 157,

176, 177, 178, 180, 191, 209,

217, 284, 285, 288, 289, 338,

355, 357, 399, 412, 415, 418,

421, 422, 423, 425, 429, 431,

432, 438, 439, 442, 453, 455,

515, 561

Formação, 64, 443, 455

formação acadêmica, 562

formação de recursos humanos, 561

formação do psicoterapeuta, 431

Formação do psicoterapeuta de casal,

431

formação do psiquismo, 239

formação médica, 515

formação pessoal, 178

formação profissional, 191

formação psicanalítica, 68

formação teórico-técnica, 442

formação universitária, 561

formas clínicas, 527

formas de comunicação, 155, 243,

378

Fotolinguagem, 289

Foulkes, 31, 35, 81, 158, 159,

160, 161, 162, 163, 164, 165,

166, 167, 168, 169, 170, 171,

172, 175, 176, 177, 178, 180,

182, 187, 189, 193, 194, 197,

200, 341

Fraenkel, 417, 424, 425, 430

Framo, 446

Franco, 285

Franco Filho, 39, 81, 129, 130,

352

Frazer, 94, 96

Freud, 31, 45, 81, 93, 94, 95, 96,

97, 98, 99, 100, 101, 102,

103, 104, 105, 106, 107, 108,

111, 116, 121, 126, 127, 128,

133, 137, 141, 142, 159, 180,

209, 211, 212, 218, 226, 232,

239, 248, 253, 261, 263, 266,

324, 326, 327, 331, 346, 355,

379, 385, 483, 484

Fromm, 440

frustração, 47, 111, 127, 132, 133,

183, 232, 313

Fuks, 524, 525, 530, 531, 534,

536

Fulgêncio, 262, 272

função, 236

Função, 191

função , 238, 252

função alfa, 236, 238, 239, 249,

251

função alfa da mãe, 238

função analítica, 342

583

função catártica, 512

função continente, 195, 470

função continente do grupo, 352

função da personalidade, 236

função de apoio, 170

função de continência, 238, 239, 464,

467

função de holding, 373

função de interdição, 406

função de leitor do grupo, 298

função de pensar, 236, 292

função de terceiro, 532

função de um psicoterapeuta, 454

função do analista, 226

função do coordenador, 148

função do grupo, 135

função do grupo como continente, 525

função do pensar, 228

função do terapeuta, 137

função do vínculo, 357

função dos coordenadores, 300

função interpretativa, 191

função materna, 405, 467

função no grupo, 354

função parental, 502

função protetora, 501

função psicanalítica da personalidade,

71, 251, 526

Função psicanalítica da personalidade,

225, 226

função terapêutica, 532, 538

função vinculadora, 46

funcionamento dos pais como casal,

424

funcionamento emocional, 511

funcionamento familiar, 510

funcionamento grupal, 137, 539

funcionamento mental, 181

funcionamento patológico do psicótico,

256

funcionamento predominantemente

psicótico, 504

funcionamento psicodinâmico, 53

funcionamento psicótico, 503

funções corporais, 272

funções corpóreas, 272

funções da supervisão, 73

funções do corpo, 272

funções do psicoterapeuta, 341

funções intermediárias, 527

funções terapêuticas, 193

Galimberti, 443, 444

Ganzaraín, 37

Garbarino, 38

gastrostomia, 503

gêmeo, 387, 391

gêmeos, 383, 386, 387, 393

gênero, 54, 421, 423, 536

genograma, 427, 442

Gerber, 126, 231

gestação, 270, 275, 385, 472, 554

Gestalt, 175, 249, 486

Gestalt-terapia, 61, 81

gestante, 270

gestantes, 59, 472, 554

Gevet, 429, 430

Ginot, 367, 369

Giovacchini, 262

Giraldo, 443, 451, 452

Gomes, 419, 420, 423, 426, 427,

428, 429, 431

Gondim, 473

Gonzaga, 501

González, 37

Goolishan, 448

Goulart, 493, 504

graduação, 88, 89, 559, 561

Graña, 262

GRATA, 494, 495, 506, 508

gratidão, 47, 80, 119, 121, 337,

343, 506

584

Gratidão, 121

gravidez, 391, 456

Green, 500

Grinberg, 38, 73, 230, 241, 254,

256, 257, 328

Grinker, 305

Groisman, 422

Grotjahn, 31

Group Analytic Society, 175

Group Analytic Society International,

178

Grunspun, 371, 372

grupalidade, 36, 48, 81, 111, 126,

137, 239, 301, 323, 330, 340,

515, 563

grupanálise, 32, 61, 157, 158, 160,

161, 162, 171, 175, 176, 177,

178, 179, 180, 187, 190, 191,

193, 195, 196, 197

Grupanálise, 172

Grupanálise – teoria e técnica, 175

grupanálise multifamiliar, 179

grupanalista, 175, 182, 183, 184,

187, 191, 192, 193, 261, 275

Grupanalista, 183

grupanalistas, 76, 157, 177, 180,

184, 192, 330

grupo aberto, 54, 353, 359, 360,

496

grupo analista, 354

grupo breve, 56, 306, 307, 308,

471

grupo com crianças, 463, 468

grupo com finalidade operativa, 64

grupo com finalidades de pesquisa, 61

grupo com os familiares, 496

grupo como dispositivo de intervenção,

294

grupo como espaço de singularização,

217

grupo como suporte, 194

Grupo da cozinha, 310

Grupo da horta, 311

grupo da instituição, 317

Grupo da jardinagem, 310

grupo de adolescentes, 62

Grupo de adolescentes, 373

grupo de adultos, 360

Grupo de adultos, 318

grupo de adultos/pais, 360

grupo de apoio psicológico, 493, 495 Grupo de Assistência em Transtornos

Alimentares, 494

Grupo de boas-vindas, 311

grupo de cooperação mútua, 75

grupo de crianças, 368, 402, 408,

474, 477

grupo de crianças e adolescentes, 360

grupo de discussão, 281, 282, 283,

286

Grupo de Discussão, 287

grupo de discussão online, 282

grupo de estudantes, 291

grupo de estudos, 36, 40 Grupo de Estudos de Psicoterapia

Analítica de Grupo do Pará, 40

Grupo de Estudos do Pará, 40

grupo de familiares, 402, 408, 477

grupo de familiares de crianças, 407

grupo de finalidade operativa, 59

grupo de inspiração psicanalítica, 62

grupo de jovens, 285

grupo de longo termo, 56

grupo de orientação, 477, 478 grupo de orientação clínico-nutricional

aos familiares, 495

grupo de orientação ou temático, 471

grupo de pacientes, 515

grupo de pacientes crônicos, 489

grupo de pais e familiares, 477 grupo de pais ou familiares de

adolescentes, 477

585

grupo de pais ou familiares de crianças

autistas, 477

grupo de pesquisa, 62, 562, 563

grupo de psicoterapia, 536

grupo de psicóticos, 380

grupo de referência, 330

grupo de reflexão, 281, 282, 283,

285, 286, 472

Grupo de Reflexão, 290, 291

grupo de reflexão e discussão, 283

Grupo de Supervisão, 73, 75, 76,

77, 78, 79, 80, 562

grupo de suposição básica, 133

grupo de suposto básico, 132

Grupo de terapia ocupacional, 310

grupo de trabalho, 130, 132, 133,

136

Grupo de Trabalho, 75, 230

grupo familiar, 144, 194, 197, 384,

395, 396, 418, 422, 424, 427

grupo fechado, 54, 353, 359

grupo idealizado, 470

grupo institucional, 230, 470

grupo interno, 136, 182, 195

grupo multifamiliar, 494, 495, 496,

502, 504, 507, 513, 514

grupo na instituição, 472, 475

grupo operativo, 58, 149, 150, 221,

288, 551, 552, 553, 555, 556,

559, 560, 561, 563

Grupo operativo, 551, 552, 553,

554

Grupo Psicanalítico de Discussão,

288, 295, 296, 298, 299, 300

grupo psicanalítico de reflexão, 283

Grupo Psicanalítico de Reflexão, 288,

291, 299, 300

grupo psicoeducativo multifamiliar,

493

grupo real, 470

grupo reflexivo, 283

grupo terapêutico, 365

grupos abertos, 163, 306, 471, 472,

534

Grupos abertos, 472

grupos abertos ou fechados, 64, 317

grupos Balint, 59, 179

grupos breves, 305, 308, 360, 471

Grupos breves, 472

grupos com crianças pequenas, 471

grupos com diferentes finalidades, 282 grupos com familiares de crianças com

transtornos mentais graves, 407

grupos com finalidades de pesquisa, 61,

62

Grupos com finalidades de pesquisa,

61

grupos com finalidades operativas, 58,

67

Grupos com finalidades operativas, 58

Grupos com finalidades terapêuticas,

60

grupos com foco ou tempo limitado,

305

grupos com longa duração, 121

grupos com pacientes internados, 61,

313 grupos com tempo e/ou objetivos

limitados, 305

grupos de acolhimento, 59, 472

grupos de adolescentes e jovens adultas,

534

grupos de adultos, 474

grupos de alcoólicos anônimos, 523

grupos de alcoolistas, 486

grupos de alcoolistas e drogaditos, 533

grupos de apoio psicológico, 495

grupos de autoajuda, 59

grupos de convivência, 59

grupos de crianças, 366, 467, 477

grupos de crianças autistas, 476

586

grupos de crianças com transtornos

graves, 402, 405

grupos de diagnóstico, 59

grupos de discussão, 282

grupos de educação, 553

grupos de familiares, 407, 411

grupos de familiares de crianças, 410

grupos de longo prazo, 358

grupos de mães, 400

grupos de maternagem, 479

grupos de mediação, 214, 216

grupos de mulheres, 476

grupos de orientação, 59, 399, 472 grupos de orientação de pais ou

familiares, 477

grupos de pacientes psicóticos, 476

grupos de pais, 410

grupos de pressupostos básicos, 180

grupos de psicoterapia, 534, 535, 536

grupos de reflexão, 68, 282, 285,

290, 478

Grupos de Reflexão, 83

grupos de supervisão, 562

grupos de supostos básicos, 137

grupos de trabalho, 179, 523

Grupos e configurações vinculares, 40

grupos educativos, 471

Grupos em comunidades terapêuticas,

309

Grupos em instituições, 214

grupos em instituições de saúde, 410

grupos experienciais, 179

grupos fechados, 163, 306

grupos focais, 64

grupos heterogêneos, 54

grupos homogêneos, 54, 323, 463,

475

grupos institucionais, 356, 357, 358

grupos internos, 134

grupos na internet, 179

grupos nas instituições, 461

grupos on-line, 179

grupos operativo, 58, 309, 399, 461

Grupos Operativo, 59, 70, 82

grupos operativos, 55, 58, 59, 60,

61, 84, 143, 145, 146, 150,

154, 285, 287, 288, 293, 296,

297, 300, 309, 351, 358, 411,

422, 486, 547, 548, 550, 552,

553, 555, 560, 561, 563

Grupos operativos, 563

Grupos Operativos, 83, 281, 283,

284

Grupos operativos e(m) pesquisa, 550 Grupos para tratamento de transtornos

alimentares, 55

Grupos Psicanalíticos de Discussão,

59, 82, 84, 231, 285, 286,

292, 294, 295, 296, 297, 298 Grupos Psicanalíticos de Discussão e de

Reflexão, 281, 283, 288, 317

grupos psicanalíticos de reflexão, 59,

70, 81, 231

Grupos Psicanalíticos de Reflexão, 84,

284, 285, 288, 289, 291, 292,

294 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e de

Discussão, 283, 284, 300 Grupos psicanalíticos de reflexão e

discussão, 83 Grupos psicanalíticos de Reflexão e

Discussão, 70, 82 Grupos Psicanalíticos de Reflexão e

Discussão, 59

grupos temáticos, 58

grupos terapêuticos, 107

grupos vivenciais, 357

grupoterapeuta, 69, 72, 79, 81, 86,

87, 332, 352, 359, 360, 373,

563

grupoterapeutas, 76, 79, 86, 284,

285, 288, 340, 360

587

grupoterapia, 61, 70, 86, 195, 318,

323, 332, 351, 359, 361, 463

grupoterapia breve, 61, 358

grupoterapias, 61

guarda dos filhos, 530

Guattari, 35

Gurfinkel, 536

Gurman, 306, 416, 417, 418, 419,

421, 424, 425, 427, 429, 430,

432

Gvozd, 283

Hacking, 507

Haley, 424

Han, 68

Hassan, 313

HDI, 401

Heimann, 327, 328

heranças familiares, 426

Herman, 450

Hiluey, 454, 455, 456

Hintz, 422

hipertensos, 59

história da terapia familiar, 439

história familiar, 426

história moderna, 126

histórias familiares, 396

Hochgraf, 527, 528, 537, 538

holding, 261, 274, 275, 276, 277,

467, 502

Holding, 274, 275

homem, 93, 94, 95, 137, 274, 487,

505, 527, 528, 537, 555

homem do totem alfa, 96

homem moderno, 137

homem primitivo, 101

homens, 95, 104, 126, 137, 318,

354, 355, 537, 538

homens e mulheres, 314

Homens e mulheres dependentes, 537

homens maduros, 94

homens primitivos, 93, 96, 134

homeostase do grupo, 352

homeostase familiar, 418

horda primeva, 98, 101, 106

horda primitiva, 94

horizontalidade, 152

horizontalização de saberes, 293

Hospício de Las Mercedes, 144

hospitais, 59, 356, 487

hospitais-dia, 61

hospital, 32, 36, 78, 371, 500

Hospital, 144, 456 Hospital de Clínicas da Faculdade de

Medicina de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo, 494 Hospital de Neuropsiquiatria de

Buenos Aires, 36

Hospital Militar de Northfield, 175

Hospital Northfield, 126

hospital psiquiátrico, 127, 284, 455,

456 Hospital-Dia em Saúde Mental

Infantil, 401

hospital-escola, 515

hostil, 118, 147, 170, 253, 535

hostilidade, 103, 104, 118, 230,

254, 313, 498, 500, 504, 532

Hur, 551

IAGP, 36

IASP, 485

idealização, 113, 115, 118, 119,

196, 212, 540

Idealização, 115

ideias latentes, 379

ideias persecutórias, 361

identificação, 69, 74, 76, 87, 97,

98, 104, 105, 117, 188, 195,

275, 277, 326, 352, 525, 531,

538

Identificação, 104

identificação projectiva, 196

588

identificação projetiva, 113, 116,

117, 118, 119, 234, 237, 245,

249, 252, 253, 255, 325, 326,

327, 425, 498

Identificação projetiva, 116

Identificação Projetiva, 117

identificação projetiva patológica, 254

identificações, 196, 365, 379, 426,

490, 526

identificações projectivas, 188

identificações projetivas, 70, 86, 117,

236, 238, 322, 328, 336, 337,

525

identificações projetivas do bebê, 238

idosos, 53

Igreja, 102

ilusão de onipotência, 267, 276

ilusão grupal, 205, 210, 211, 212,

213, 216

ilusão onipotente, 266, 269

impedindo a comunicação, 385

impulsos amorosos e destrutivos, 499

inconsciente coletivo, 167

inconsciente do analista, 328

inconsciente do grupoterapeuta, 373

inconsciente grupal, 171

inconsciente no grupo, 162

inconsciente social, 162, 314

inconscientemente transmitido, 386

inconscientes familiares, 386

independência, 273, 343, 502, 509

independência absoluta, 273, 274,

275

indicação, 86, 358, 384, 474

Inem, 529

infância, 116, 127, 128, 141, 195,

268, 324, 374, 387, 400, 412,

437

infância precoce, 271

insight, 130, 181, 193, 365, 368,

372, 375

insights, 318

institucional, 220, 227

institucionalismo, 208

instituição, 35, 39, 51, 61, 63, 88,

108, 169, 281, 286, 287, 288,

290, 291, 292, 293, 294, 300,

309, 310, 311, 317, 368, 407,

428, 461, 462, 463, 464, 465,

466, 467, 468, 469, 473, 474,

476, 478, 480, 533

instituição continente, 468

instituição de ensino, 357

instituição de saúde, 399

instituição de saúde mental, 144

instituição de tratamento, 541

instituição família, 462

instituição formadora, 285, 291

instituição psicanalítica, 524

instituição pública, 515

instituição pública de saúde, 399

instituição religiosa, 162, 285

instituição universitária, 62, 89, 361,

559

instituições, 36, 39, 43, 44, 47, 54,

56, 59, 62, 64, 67, 82, 89, 93,

97, 104, 126, 129, 177, 205,

208, 212, 214, 220, 225, 229,

234, 248, 289, 294, 351, 356,

362, 411, 419, 461, 462, 463,

464, 467, 473, 477, 480, 527,

533, 537, 538, 540

instituições de ensino, 356

instituições de formação, 285

instituições de saúde, 220, 351, 495

instituições de saúde pública, 231

instituições educadoras, 231

instituições formadoras, 88, 290, 428

instituições psiquiátricas, 214

instituições psiquiátricas tradicionais,

231

instituições públicas, 55, 356

589

instituições públicas de saúde, 402,

411, 412

instituições públicas e privadas, 361

instituições religiosas, 462

Instituto Abuchaim, 40

Instituto Borda, 285

Instituto de Pesquisa Mental, 424 Instituto de Pesquisa Mental de Palo

Alto, 418

Instituto de Psicologia da USP, 431 Instituto de Técnicas Grupais da

Associação Argentina de Psicologia

e Psicoterapia de Grupo, 284

Instituto Pichon-Rivière, 175

integrantes da equipe, 456

interação mãe-bebê, 69

interações vinculares, 43

interdisciplinar, 543

interdisciplinares, 464

interferência, 325

interior do corpo da mãe, 116

internalizações bebê-seio, 134 International Psychoanalytic

Association, 176

internet, 57, 68, 376

interpretação, 127, 150, 151, 159,

161, 162, 176, 181, 184, 185,

186, 196, 213, 219, 241, 243,

245, 247, 250, 291, 321, 338,

341, 342, 343, 347, 445, 491,

559, 560, 562

Interpretação, 151, 340, 342

interpretação da transferência no grupo,

160

interpretações, 34, 63, 71, 121, 130,

172, 184, 185, 192, 216, 217,

263, 268, 290, 297, 318, 338,

341, 343, 344, 345, 346, 426,

547

intersubjetiva, 44

intersubjetividade, 218, 420, 428,

531

intersubjetivo, 232, 427, 428

intervenção clínica, 430

intervenção grupal, 62, 351, 496,

514

intervenção grupal em instituições, 355

intervenção institucional, 355

intervenção psicológica grupal, 359 intervenção psicológica grupal de longo

prazo, 360 intervenção psicoterapêutica para

crianças e adolescentes, 455

intervenção/pesquisa, 89

intervenções grupais, 88, 89, 288,

351, 555

intervenções psicológicas em grupo, 494

intervenções psicológicas grupais, 351,

356, 357

Intervenções técnicas, 192

intolerância à frustração, 254, 331

intolerância ao contato, 253

intolerância às diferenças, 104

intrasubjetiva, 44

intrasubjetivo, 427

introjeção, 117, 118, 142, 226, 374

Introjeção e projeção identificativas,

118

introjeção identificativa, 113, 118

Introjeção identificativa, 117

introjeção-projeção, 118

invariância, 229, 242

invariâncias, 243

inveja, 49, 87, 117, 121, 196, 252,

254, 255, 329, 343

investigação psicanalítica, 101

irmã, 95, 392, 393, 394, 438

irmão, 95, 102, 320, 322, 387,

390, 394, 395, 438

irmãos, 98, 99, 100, 102, 169,

438, 442

590

irmãs, 95, 262

Isaacs, 110

Jackson, 418, 424

Johnson, 416

Jones, 447

Jornada Relates, 442

Judiciário, 221, 412

Jung, 31, 61

Kaës, 35, 44, 61, 81, 160, 161,

206, 210, 211, 213, 214, 215,

216, 217, 218, 219, 238, 239,

298, 379, 420, 426, 463, 464,

466, 527, 528

Kalina, 527, 528, 529

Kanner, 39

Karterud, 314

Kartrud, 179

Kemper, 37

Kernberg, 74, 80

Kesselman, 305

Khan, 265

Klapman, 207

Klein, 31, 81, 107, 108, 109, 110,

111, 112, 113, 116, 117, 118,

121, 126, 127, 134, 147, 226,

232, 246, 247, 261, 262, 263,

306, 307, 308, 321, 322, 325,

326, 327, 330, 374

Kohut, 196

Koinonia, 186, 189

Kovadloff, 527, 528, 529

Kreling, 493

Krystal, 541

laços familiares e comunitários, 412

laços libidinais, 103, 105

Lampis, 513

Lane, 498, 499, 500, 512

Lapassade, 208

Laplanche, 115, 142, 291

latente, 152, 526

latentes, 190

Laufer, 528

Lazell, 31, 33

Le Bon, 100, 101, 133

Leal, 180, 182, 186, 330

Lebovici, 383

Lebrun, 483

lei do divórcio, 416

Leonidas, 494, 499, 501, 503,

504, 513

Leszcz, 194

Levisky, 423

Lévy, 68

Lewin, 31, 145, 206, 208, 209,

210, 213, 486

Leys, 494

líder, 32, 33, 94, 103, 104, 106,

115, 131, 132, 133, 152, 308,

313

líder carismático, 131

líder de grupo de pesquisa, 563

líder de mudança, 153

Líder de mudança, 153

líder de suposto básico, 132

líder do grupo, 133, 562

líder do grupo de suposto básico, 132

líder do grupo de trabalho, 132

líder grupal, 126

liderança, 126, 132, 133, 180, 418

liderança da resistência à mudança,

154

liderança tipo laissez faire, 336

líderes, 102, 116, 418, 432

Lidz, 446

Lima, 524, 525, 530, 531, 534,

536

Linares, 438, 440, 442, 443, 444,

445, 448, 449, 450, 451, 452,

455

linguagem simbólica, 136

linguagem verbal, 385

Lipovetsky, 527

591

livre comunicação associativa, 324

livre conversação, 263

livre participação circulante, 161, 162

livre-associação de ideias, 159, 160,

161, 187, 290, 533

lixo psíquico, 352

London University, 175

Lorentzen, 181, 194

Lourou, 35

lúdico, 384, 454

ludoterapia, 471

Luz, 40, 361

Lyke, 494

Lyons, 450

MacDougall, 101

Macedo, 421, 422, 423

Mackenzie, 307

mãe, 33, 81, 95, 97, 100, 104,

111, 114, 116, 117, 118, 120,

128, 131, 144, 218, 238, 245,

249, 262, 267, 269, 270, 271,

273, 275, 278, 320, 327, 334,

378, 387, 388, 389, 390, 391,

392, 393, 394, 395, 409, 411,

453, 476, 497, 498, 499, 500,

502, 503, 504, 506, 507, 512

Mãe, 392, 497, 498, 500, 501,

502, 503, 505, 506, 507, 508,

509, 510, 511, 512

mãe adotiva, 275

mãe boa, 114

mãe da paciente, 497

mãe devotada, 271, 275

mãe devotada comum, 270

mãe e bebê, 238, 239

mãe fálica, 499

mãe má, 114

mãe morta, 500

mãe suficientemente boa, 261, 269,

270, 273, 274

Mãe suficientemente boa, 269

mãe/terapeuta, 327

mãe-aranha, 498, 499

mãe-bebê, 266

mãe-cobra, 498, 503

mães, 263, 411, 477, 478, 498,

500, 533, 535, 537

mães de crianças autistas, 478

mães e filhas, 535

mães e filhos, 169

mães e pais, 508

mães geladeiras, 411

mãe-universo, 387

Mailhiot, 308

Maireno, 89

mal-entendido da comunicação, 251

mal-estar do bebê, 411

mamãe, 389, 390

manejo do grupo, 538

manejo técnico, 297

Manfrida, 446, 447, 448

manifestações clínicas, 131

manifestos, 162, 190, 331

Manochio, 493

Mantovani, 164, 169

Manual de Diagnóstico Psiquiátrico,

447

Marangoni, 535

Maré, 189

Marques, 186

massa, 93, 100, 101, 102, 103,

104, 106, 146

Massa, 100

massa primária, 105

massas, 102, 103, 106, 116, 126

Mataresi, 288

matemática, 236

materiais lúdicos, 467

material inconsciente, 162, 193

material latente, 127, 233

maternagem, 270, 479, 507

maternalismo, 507

592

maternidade, 538

matriz, 135, 176, 180, 405

Matriz, 165, 185, 186

matriz de grupo, 330

Matriz de grupo, 165

matriz do grupo, 188

matriz grupal, 171

Matriz Grupal, 165

matriz grupanalítica, 191, 193

matriz interna grupal, 134

matriz inter-relacional interna, 182

Matriz inter-relacional interna, 181 Matriz Inter-Relacional/Relacional

Interna, 186

matriz pessoal de grupo, 181, 182,

197

Matriz Pessoal de Grupo, 186

matriz relacional, 365

matriz relacional interna, 182, 186,

330

matriz somatopsíquica, 387

matriz vincular, 330

matrizes, 135

matrizes familiar e sociocultural, 191

matrizes vinculares, 134, 241, 325,

330, 374

Matrizes vinculares, 325

Matsen, 494

Maturana, 447

Maudsley Hospital, 175

McDougall, 354, 387, 485

mecanismo, 113, 115, 117, 249,

539

mecanismo de defesa, 115

mecanismo mental, 272

mecanismos, 116, 246, 247, 251,

374

mecanismos de defesa, 77, 110, 112,

113, 118, 119, 136, 181, 226,

242, 272, 530

mecanismos de defesa primitivos, 193

mecanismos defensivos, 532

mecanismos esquizoides, 115

mecanismos inconscientes, 136, 249

mecanismos psíquicos, 110

mecanismos transferenciais, 533

mediações, 216

mediações de próteses, 216

medicamentos, 313, 485

medicina, 284, 456, 457, 507

medicina psicossomática, 243

médico, 262, 469

médicos, 55, 214, 314, 358, 387,

450, 455, 485, 487, 489, 490

Mélega, 383

Mellita, 107

Mello Filho, 81, 262, 329

membros da equipe, 294, 464, 465,

533

mentalidade, 127

mentalidade de grupo, 130

mentalidade de grupo de trabalho, 137

mentalidade do grupo, 130

mentalidade grupal, 130

Mentalidade grupal, 130

mentalidade primitiva, 127, 137

mentalidades grupais, 137

mente do analista, 347

mente grupal, 113

metacomunicação, 50

metaenquadre, 466

metapsicologia, 483

método da pesquisa, 549

método de Pratt, 32

Método didático, 33

método psicanalítico, 130

Método psicanalítico, 34

Método psicodramático, 33

Método repressivo, 32

método terapêutico, 175

metodologia científica, 549, 555

593

metodologias científicas, 548

metodologias de pesquisa, 548

métodos grupais, 524

Mezan, 111

Michaelis, 309

Minayo, 554, 560

Ministério da Educação, 55

Minuchin, 418, 424, 447

mito, 45, 94, 98, 130, 132, 136,

554

mito da horda primitiva, 93

mitologia, 500

mitos, 228

modalidade clínica, 433

modalidade grupal, 351

modalidade técnica, 448

modalidades grupais, 295, 362

modelo comportamental, 447

modelo continente-conteúdo, 44, 246,

249

modelo de identificação, 100

modelo mãe-bebê, 131

modelo psicodinâmico, 440

modelo radical construtivista, 447

modelo terapêutico, 451

modelo tripartipe, 164

modelos de comportamento, 186

Modernidade líquida, 68

Moguillansky, 439

Mom, 37

Money-Kirle, 262

Moreno, 33, 61, 206, 208, 209,

210, 213, 486

Morin, 441

Moura, 501

Mozeika, 40

mudança catastrófica, 229, 230, 231,

232

Mudança catastrófica, 225, 229

mudança estrutural no grupo, 229

mudanças estruturais, 534

mudanças no “conhecimento relacional

implícito”, 185

mulher, 96, 97, 240, 318, 333,

416, 418, 438, 487, 534, 537,

538

mulheres, 54, 95, 96, 98, 99, 276,

339, 501, 536, 537, 538

mulheres da tribo, 96

mulheres dependentes, 538

mulheres jovens, 282

mundo do bebê, 271

mundo externo, 108, 109, 134, 226,

266, 267, 268, 269, 271, 274,

276, 327, 387, 445, 532

mundo externo e interno, 110

mundo interno, 45, 49, 109, 142,

143, 151, 266, 267, 271, 272,

274, 327, 330, 366, 370, 372,

427, 532, 541, 542

mundo interno e externo, 58, 108,

154, 532

mundo psicótico, 107, 238

Munhoz, 39, 129, 130, 136, 137

Mushquash, 494

narcisismo, 47, 70, 72, 73, 74, 81,

87, 104, 106, 130, 147, 181,

211, 220, 251, 257, 343, 347,

527

narcisismo de morte, 499, 505

narcisismo do grupo, 211

narcisismo do terapeuta, 84, 342

Narvaz, 495

nascimento do bebê, 270

Nasio, 485

Natureza, 191

natureza humana, 278

Natureza humana, 264

necessidades familiares, 424

Neder, 422

negação, 113, 115, 116, 118, 120,

231, 256, 297, 530, 531

594

Neri, 352

NESME, 39, 40, 82, 85, 281,

286, 287, 288, 289, 290, 293,

298, 300, 422

Neto, 72, 76, 78, 85, 177, 179,

180, 181, 183, 188, 193, 196,

347

neurologia, 400

neurologista, 489

neurologistas, 486

neurose, 216

neurose de transferência, 176

neuroses, 97

neuroses de transferência, 184

neurótica, 536

neuróticos, 329

Nichols, 417, 418, 419, 421, 424,

432

Nicoletti, 493

Nitsun, 180, 190

níveis de comunicação, 164

Níveis de comunicação, 186

níveis de funcionamento, 130

níveis de funcionamento grupal, 132,

134, 137

Níveis de funcionamento grupal, 130 níveis de funcionamento grupal de

trabalho e de supostos básicos, 342

níveis de funcionamento mental, 235 nível consciente de funcionamento

grupal, 131

nível de atenção à saúde, 59

nível de comunicação, 187

nível de comunicação associativa, 187 nível de comunicação verbal e não

verbal, 402 nível de experiência subjectiva

individual, 187

nível de experiência subjectiva múltipla,

187

nível de funcionamento, 135

nível de funcionamento dos grupos, 130

nível de funcionamento grupal, 75,

130, 131, 230 nível de funcionamento grupal de

dependência, 82, 293 nível de funcionamento grupal de

Pressupostos básicos, 53 nível de funcionamento grupal dos

supostos básicos, 134

nível de grupo de pressupostos básicos,

131 nível de grupo de supostos ou

pressupostos básicos, 135

nível de grupo de trabalho, 134, 137,

230

nível de Grupo de trabalho, 53

nível de sociabilidade grupal, 405

nível de suposto básico, 136

nível de Supostos Básicos, 230

nível dos pressupostos básicos, 136

nível inconsciente de funcionamento,

115

nível organizado de sociabilidade, 405

nível primitivo da organização do self,

69

nível psicótico de funcionamento mental,

254

no atendimento a psicóticos e crianças,

446

Núcleo de Apoio à Saúde da Família,

473 Núcleo de Estudos em Saúde Mental e

Psicanálise das Configurações

Vinculares, 39, 178, 281, 422

núcleo familiar, 510, 513

núcleos familiares, 507

Nussbaum, 439

nutrição, 495

nutrição relacional, 444

nutricionista, 553

nutricionistas, 495

595

nutrologia, 495

nutrólogos, 495

o amor aos pais e aos filhos, 101

O aprender com a experiência, 257

O campo grupal, 206

o homem primitivo, 106

obesos, 526

objetivos grupais, 356

objeto transicional, 267, 268, 269,

276, 277

Objeto transicional, 265

objetos bizarros, 253, 254, 255, 256

objetos e fenômenos transicionais, 261

objetos imaginários, 342

objetos maus, 236

objetos mediadores, 205, 215, 216,

217, 218

objetos originais, 268, 372

objetos transicionais, 267, 268, 271,

275

observação de bebês, 266, 373

observação lúdica, 474

observação participante, 549, 554

observador participante, 298

Observador participante, 84

obstetra, 391

ódio, 45, 46, 109, 121, 132, 233,

238, 249, 253, 254, 255, 273,

327, 331, 333, 335, 361, 499

ódios, 290

odontologia, 287

oficinas temáticas, 472

oficinas terapêuticas, 411, 472

Oficinas terapêuticas, 472

Olievenstein, 530, 538, 541

Oliveira, 37, 40, 89, 493, 496,

535

Oliveira Jr., 290, 291

Oliveira-Cardoso, 493, 494, 496,

511

oncológicos, 486

ONG, 169, 351, 356, 462

Ordem dos Psicólogos Portugueses,

177, 178

Organização Não Governamental,

169

orientação psicodinâmica, 419

origem da demanda, 62

ortopedistas, 486

Osório, 81, 285, 352, 355, 422,

427

Outeiral, 262

paciente, 32, 33, 34, 35, 69, 70,

74, 80, 116, 122, 125, 143,

144, 158, 159, 160, 162, 183,

192, 227, 231, 237, 238, 240,

241, 244, 251, 255, 263, 264,

265, 269, 270, 276, 277, 278,

291, 306, 312, 314, 324, 325,

326, 327, 328, 372, 379, 385,

391, 401, 403, 407, 427, 446,

447, 448, 449, 450, 451, 455,

456, 467, 495, 503, 508, 509,

513, 525, 528, 530, 535, 538,

539

paciente psicótico, 238, 256

pacientes, 31, 32, 33, 34, 49, 54,

59, 60, 61, 62, 63, 67, 71, 74,

76, 77, 80, 82, 86, 87, 90,

108, 112, 122, 126, 129, 145,

147, 163, 169, 171, 191, 192,

212, 218, 227, 229, 231, 232,

234, 239, 241, 244, 248, 250,

252, 255, 263, 268, 270, 277,

284, 287, 307, 308, 309, 310,

311, 312, 313, 314, 317, 323,

324, 325, 326, 327, 328, 329,

341, 342, 344, 347, 359, 360,

361, 379, 380, 386, 421, 432,

438, 448, 455, 466, 471, 478,

484, 485, 486, 487, 488, 489,

490, 493, 494, 495, 496, 500,

501, 503, 511, 513, 523, 524,

596

525, 531, 533, 534, 535, 536,

538, 539, 540, 541, 542, 543

Pacientes, 486

pacientes alcoolistas, 536

pacientes alcoolistas e drogaditos, 526

pacientes com TAs, 494

pacientes dependentes de outras drogas,

536

pacientes drogaditos, 524

pacientes mulheres, 533

pacientes psicóticos, 420, 439

pacto narcísico, 463

padrão, 180, 191

padrão de interação no grupo, 166

padrão de relacionamento fusional, 503

Padrão do grupanalista, 186, 191

padrão familiar, 418

padrão grupanalítico, 186

padrões comportamentais, 309

padrões de comportamento, 309

padrões de interação, 427, 430

padrões de relacionamento, 510

padrões de relações familiares, 496

padrões de resolução de conflito, 430

padrões relacionais, 182, 197, 424

Padrões rígidos de interação familiar,

510

padrões tóxicos de convivência familiar,

514

padrões vinculares, 395

pagamento, 276, 308, 324, 331,

359, 366, 376

Pagés, 40

pai, 33, 95, 97, 98, 100, 103,

104, 126, 141, 144, 149, 262,

319, 320, 333, 334, 335, 336,

387, 388, 389, 390, 391, 393,

394, 395, 406, 438, 453, 507,

511

Pai, 509, 510, 512

pai primevo, 97, 98

pai primitivo, 98

pais, 69, 88, 134, 141, 264, 278,

320, 333, 336, 360, 366, 376,

378, 385, 386, 387, 389, 390,

392, 393, 394, 396, 432, 438,

442, 451, 474, 507, 509, 511

pais das crianças, 367

pais de pacientes, 447

pais e familiares, 477

pais e filhos, 386

pais e irmão, 387

pais intelectuais, 411

pais separados, 452

Paiva, 37, 39

Palazzoli, 424, 446

Palma, 494

papai, 388, 389, 390

papel familiar, 537

parentalidade, 507

parte não psicótica da personalidade,

250, 253, 258

parte psicótica, 505

parte psicótica da personalidade, 238,

243, 250, 254, 255, 256, 257

partes psicótica e neurótica, 251

partes psicóticas, 257

partilhar vivências, 557

paternidade, 432

patologia da comunicação, 195, 525

patologia da posição esquizo-paranoide,

228

patologia de estilo, 343

patologia familiar, 427

patologias do narcisismo, 527

patologias do vazio, 528

Patrick, 189

Paz, 535

pediatra, 263

pediatria, 263

Pelosi, 40, 88, 117

597

pensamento horizontal e democrático,

294 pensamento psicanalítico francês de

grupo, 219

pensamento verbal, 256

pensar, 50, 60, 63, 71, 76, 79, 80,

82, 85, 107, 110, 120, 121,

125, 148, 149, 150, 157, 172,

189, 206, 210, 212, 214, 219,

225, 226, 227, 228, 229, 232,

233, 234, 235, 236, 237, 240,

245, 246, 249, 252, 255, 256,

262, 266, 268, 287, 290, 300,

308, 321, 322, 326, 329, 335,

340, 347, 371, 378, 395, 426,

428, 439, 444, 445, 454, 461,

463, 466, 475, 478, 480, 490,

505, 506, 526, 532, 547, 548,

552, 555, 557, 560, 561, 562

Pensar, 547

Pequeno Hans, 97

pequenos grupos, 34, 59, 107, 128,

132, 136, 175, 178, 209, 210,

211, 212, 286, 357, 547

percepção figura-fundo, 250

perda do bebê, 392

Pereira, 443, 473

Peres, 493

perlaboração, 176, 181

Perrini, 129

personalidade não psicótica, 256

personalidade psicótica, 234, 253,

254, 255, 256

Personalidade psicótica, 225, 252,

253

perspectiva de desenvolvimento, 424 perspectiva de desenvolvimento do

casamento, 424

perspectiva defensiva, 211

perspectiva do cuidado integral, 494

perspectiva do desenvolvimento

individual, 431 perspectiva do grupo como berço

originário do psiquismo, 218

perspectiva feminista, 421

perspectiva francesa de grupo, 218

perspectiva francesa de grupos, 220

perspectiva integrativa, 453

perspectiva intergeracional, 425

perspectiva intrapsíquica, 441

perspectiva multicultural, 421

perspectiva psicanalítica, 208, 352 perspectiva psicanalítica de grupo

francesa, 220 perspectiva psicanalítica de grupo na

França, 206 perspectiva psicanalítica francesa sobre

os grupos, 205

perspectiva relacional, 451

perspectiva reversível, 246, 247, 250

perspectiva sistêmica, 441, 445

Pertegato, 175

pertença, 45, 136, 330, 462, 467,

553

Peruzzo, 285, 288

perversa, 536

pesquisa, 57, 61, 64, 65, 67, 81,

86, 89, 208, 210, 215, 220,

232, 282, 415, 426, 430, 431,

432, 433, 502, 515, 534, 547,

548, 549, 550, 551, 553, 554,

555, 556, 557, 558, 559, 560,

561, 562, 563

Pesquisa, 430

pesquisa com grupos e famílias, 420

pesquisa e clínica, 431

pesquisa e intervenção clínica, 554

pesquisa e prática clínica, 433

pesquisa educacional, 36

pesquisa sobre grupos, 205, 561

pesquisa-ação, 552, 554

598

pesquisador, 548, 550, 557, 559,

560, 562

pesquisadora, 554

pesquisadores, 61, 431, 547, 548,

551, 559

Pesquisar sobre grupos, 557

Pesquisar sobre grupos e em grupos,

559

pesquisas, 58, 61, 88, 112, 214,

308, 415, 429, 431, 450, 454,

456, 486, 501, 510, 547, 561

Pesquisas, 494

pesquisas psicanalíticas, 214

pesquisas sobre grupos, 58, 559

Phillips, 274

Pichon-Riviére, 155

Pichon-Rivière, 36, 44, 58, 59, 60,

65, 81, 83, 107, 141, 142,

143, 144, 145, 146, 147, 148,

149, 150, 152, 154, 182, 206,

219, 221, 227, 281, 284, 285,

293, 296, 297, 300, 309, 317,

324, 328, 358, 383, 399, 420,

422, 427, 461, 486, 550, 553,

554, 560

Pignataro, 417, 418, 419, 421,

424

Pines, 188

Pinto, 38, 81, 84

plano horizontal, 160

plano intersubjetivo, 428

plano terapêutico, 476, 508

Plon, 326

Plot, 262

PMSP, 399, 400

Poci, 39

Poincaré, 247

Pontalis, 115, 142, 209, 210, 212,

213, 291 Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo, 422

Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, 422

Poppe, 179

porta-voz, 144, 150, 153, 321,

422, 427

Porta-voz, 152

porta-vozes, 228, 300

pós-graduação, 62, 67, 88, 552,

559, 561

pós-Guerra, 305

posição, 147

posição depressiva, 112, 119, 147,

229, 231, 247, 506

Posição depressiva, 118

Posição Depressiva, 112

posição esquizo-paranoide, 111, 112,

147, 229, 235, 247, 252

Posição Esquizo-paranoide, 112,

113, 225

posições, 111, 112, 120, 148, 246,

247

Posições, 112, 242

posições esquizo-paranoide e depressiva,

49, 247

posições kleinianas, 111, 246

possibilidades criativas, 231

postos de saúde, 488

postura afetiva ambivalente, 98

postura ambivalente, 96

prática clínica, 36, 61, 125, 220,

367, 415, 429, 431

prática grupais, 86

prática supervisionada, 68

prática terapêutica, 442, 446, 451

práticas clínicas, 65, 446

práticas grupais, 81, 88, 89, 362 práticas grupais na clínica e nas

instituições, 362

práticas terapêuticas, 444

Pratt, 31, 32, 207

599

Prefeitura do Município de São Paulo,

399

preocupação materna primária, 261,

270

pressupostos básicos, 35, 130, 132,

133, 189

pré-tarefa, 149, 150

Pré-tarefa, 148

prevenção e saúde nas escolas, 357

Primeira Guerra, 262

Primeira Tópica, 483

primigestas, 554

princípio da realidade, 232

princípio de realidade, 233

princípio do prazer, 137, 233, 484

princípio do prazer e da realidade, 309

problemas de comunicação, 385, 552 problemas de comunicação e de

percepção, 249

problemas familiares, 385

procedimentos grupais psicoterapêuticos,

60

processamento, 238, 239

processamento do pensar, 235

processo comunicativo, 346

processo comunicativo vincular, 48

processo de amadurecimento, 270,

271, 274

processo de comunicação, 166

processo de integração, 403

processo de personalização, 403

processo do pensar, 233

processo grupal, 56, 64, 87, 152,

155, 212, 220, 246, 255, 296,

335, 353, 467, 470, 552, 553,

554, 555, 557, 558, 559

Processo grupal, 146

processo grupal de supervisão, 81

processo grupanalítico, 176, 186

processo psicanalítico grupal, 227

processo psicodinâmico grupal, 341

processo psíquico inconsciente, 379

processo secundário, 131

processos comunicacionais, 163

processos de comunicação, 172 processos de comunicação e

aprendizagem, 143

processos de grupos, 90

processos grupais, 36, 58, 59, 61,

178, 188, 208, 213, 362, 547,

548, 557, 560

Processos Grupais, 357

processos grupais na clínica, 362

processos identificatórios, 411

processos latentes, 355

processos primários de pensamento,

509

processos psicoterapêuticos grupais, 62

produções grupais, 558

professor, 82, 83, 175, 291, 292,

357, 512, 563

professor universitário, 332

professora, 286, 360

professores, 33, 56, 82, 88, 89, 278,

294, 450, 552

profissionais da equipe técnica, 476

profissionais da psicologia, 496

profissionais da saúde e da educação,

55, 67, 396, 412, 561

profissionais de saúde, 488, 494,

495, 501, 515, 530, 537, 553

profissional de saúde, 507

Programa de Saúde da Família, 473

projeção, 249, 326, 374, 378, 539

projetivas, 242

projeto, 149, 227

projeto terapêutico, 457, 479

projetos, 149

projetos terapêuticos, 465, 473

promoção à saúde, 554

promoção da saúde mental, 513

promoção de discussão, 282

600

promoção de espaços de reflexão e

discussão, 294

promoção de saúde, 294, 356, 357

promotores de saúde mental, 62

promover a saúde, 162, 507, 555

promover mudança, 229

promover mudanças, 395

promover o desenvolvimento, 403

promover saúde mental, 290

Propósito, 191

protopensamento, 234

psicanálise, 35, 36, 46, 81, 93, 99,

108, 109, 125, 137, 142, 143,

154, 158, 159, 160, 161, 172,

176, 177, 178, 181, 188, 190,

194, 195, 205, 206, 207, 210,

211, 218, 219, 220, 225, 226,

240, 241, 261, 262, 263, 265,

266, 281, 285, 287, 298, 305,

326, 351, 385, 395, 417, 418,

420, 426, 429, 439, 444, 450,

483, 484, 485, 486, 524, 536,

563

Psicanálise, 37

psicanálise da configuração vincular,

428, 429

psicanálise das configurações vinculares,

36, 40, 44, 71, 73, 252, 288,

341, 415, 420, 422, 486

psicanálise de casal e família, 431

psicanálise de configurações de vínculos,

422

psicanálise de crianças, 146

psicanálise de grupo, 146, 158

psicanálise de grupos, 157

psicanálise do trabalho com grupo, 420

psicanálise dos vínculos, 445

psicanálise grupal, 525

psicanálise relacional, 180

psicanálise vincular, 36, 40, 43, 44,

48, 61, 82, 107, 126, 227,

235, 250, 256, 281, 420, 428,

444, 445, 496

Psicanálise Vincular, 340

psicanalista, 44, 47, 58, 107, 126,

127, 129, 175, 176, 205, 208,

209, 236, 247, 261, 265, 270,

300, 328, 443, 485, 493

psicanalista vincular, 61

psicanalistas, 31, 38, 39, 80, 129,

206, 262, 288, 328, 330, 418,

439, 446, 485, 524, 525, 529,

542

Psicanalistas, 212

psicodiagnóstico, 476, 477

psicodiagnósticos, 400

psicodinâmica, 419, 536

psicodinâmica psicanalítica dos grupos,

127

psicodinâmicas, 112

psicodrama, 33, 61, 81, 206, 207,

208, 215, 486

psicodrama psicanalítico, 61

psicodrama psicanalítico de grupo, 215

psicóloga, 399, 507

psicólogas voluntárias, 552

psicologia, 93, 99, 157, 286, 355,

357, 425, 432, 456, 457, 495

psicologia analítica, 61

psicologia clínica, 418

Psicologia das massas, 100, 126

Psicologia das massas e análise do eu,

93, 99

Psicologia de grupo e análise do ego,

116

Psicologia de massa e análise do ego,

128

psicologia escolar, 357

psicologia social, 99, 143, 154, 208,

219, 486

psicólogo, 332, 351, 361, 477

601

psicólogos, 56, 169, 214, 215, 281,

314, 358, 432, 486

psicólogos clínicos, 178

psiconeuroses, 97 Psicopatologia da Posição Esquizo-

paranoide, 252

psicose, 141, 146, 270, 476

psicoses, 116

psicoses agudas, 375

psicoterapeuta, 34, 44, 57, 69, 70,

71, 73, 81, 86, 87, 90, 270,

342, 359, 405, 406, 415, 419,

429, 431, 432, 438, 439, 441,

442, 452, 453, 454, 524, 538,

540, 541

Psicoterapeuta, 525

psicoterapeuta de casal e família, 431

psicoterapeuta de crianças, 373

psicoterapeuta de grupo, 186, 191

psicoterapeutas, 39, 60, 62, 64, 67,

73, 77, 288, 305, 378, 405,

406, 421, 429, 438, 442, 447,

448, 450, 452, 453, 515, 525,

562

psicoterapia, 33, 35, 55, 63, 71, 72,

158, 162, 178, 345, 372, 376,

416, 417, 418, 430, 431, 432,

444, 451, 452, 454, 484, 485,

532, 534, 542

psicoterapia analítica, 181

psicoterapia analítica de grupo, 61,

130, 172, 175, 177, 178, 180,

187, 195, 196, 197, 341, 525

Psicoterapia Analítica de Grupo, 35 psicoterapia analítica de grupo

institucional, 191

psicoterapia analítica grupal, 487

psicoterapia breve, 305, 534

psicoterapia conjugal, 415, 416

psicoterapia de apoio, 495

psicoterapia de casais, 416, 421, 424

psicoterapia de casal, 415, 416, 417,

418, 419, 420, 421, 423, 424,

429, 430, 431, 433

psicoterapia de família, 317, 421

psicoterapia de grupo, 31, 32, 33, 34,

39, 40, 41, 162, 284, 365,

424, 523, 525, 530, 531

Psicoterapia de grupo, 305

psicoterapia de grupo com adolescentes,

375 psicoterapia de grupo com alcoolistas e

drogaditos, 523 psicoterapia de grupo de apoio

multifamiliar, 495

psicoterapia em grupo, 535, 537

psicoterapia familiar, 419, 423

psicoterapia grupal, 36, 39, 60

psicoterapia grupanalítica, 175, 179,

187

psicoterapia individual, 194, 359,

425, 427, 446, 493

psicoterapia individual e familiar, 433

psicoterapia matrimonial, 418

psicoterapia pessoal, 73, 89

psicoterapia psicanalítica, 159, 169,

178, 423, 434, 524

psicoterapia psicanalítica de grupo,

534, 542 psicoterapia psicanalítica de grupo com

alcoolistas e drogaditos, 524, 531,

532

psicoterapia psicanalítica grupal, 526

psicoterapia psicodinâmica de grupo, 60

psicoterapias, 188

psicoterapias breves, 400, 534

psicoterapias de casal, 425

psicoterapias lúdicas grupais, 400

psicoterapias psicodinâmicas de grupo,

60

psicótica, 536

psicótico, 164, 228, 255, 256, 257

602

psicóticos, 323, 329

psicóticos anônimos, 59

psicóticos e neuróticos, 33

psicóticos no grupo, 165

psiquiatra, 62, 126, 144, 175, 391,

489, 493

psiquiatras, 31, 178, 281, 418,

440, 486, 495

psiquiatria, 142, 157, 175, 285,

400, 495, 524

psiquiatria social, 44, 107

Puget, 36, 45, 81, 330, 341, 342,

420, 427, 444, 445

quadripé, 68, 70

quadripé da formação, 68, 82, 83,

89, 563

quadros compulsivos, 526

quadros psicossomáticos, 526, 527

questionários, 549

questões familiares, 491

Quevedo, 37

Quiroga, 36, 44

Racker, 328

Ramos, 423

reabilitação psicológica e nutricional,

501, 513

reações grupais, 355

realidade compartilhada, 165, 448

realidade do grupo, 298

realidade externa, 108, 111, 112,

116, 132, 135, 137, 142, 226,

231, 255, 269, 365

realidade externa e interna, 253

realidade incognoscível, 244

Realidade incognoscível, 225

realidade interior, 226, 365

realidade interna, 108, 226, 274

realidade interna e externa, 254

realidade material, 226

realidade psíquica, 116, 159, 226,

233, 244, 268, 420, 439, 529,

532

recém-nascido, 128, 272, 554

recurso de trabalho, 468

recurso lúdico, 454

recurso saudável, 496

recurso terapêutico, 449, 454

recurso verbal, 207

recursos criativos, 514

recursos curativos, 504

recursos humanos, 549, 561

recursos internos, 539

recursos internos e externos, 465

recursos materiais, 558

recursos mediadores, 292

recursos narcísicos, 308

recursos pessoais, 514, 532

recursos sadios, 306

recursos tecnológicos, 362

recursos terapêuticos, 454 Rede Europeia e Latino-americana das

Escolas Sistêmicas, 442

redes de apoio social, 494, 510

referencial psicanalítico, 36, 281,

289, 290, 365, 399, 526

referencial sistêmico, 419

regra técnica, 347

regras, 35, 171, 191, 216, 217,

295, 353, 370, 376, 470, 532,

533

Regras, 191

regras nos grupos de psicoterapia, 532

relação amorosa, 541

relação com os pais, 97

relação de objeto, 44, 109, 112, 113,

118, 143

relação dos drogaditos com o grupo,

540

relação grupal, 538

relação implícita partilhada, 185

603

relação indivíduo-grupo, 194

relação intrasubjetiva, 428

relação mãe-bebê, 263, 269, 278

relação mãe-filha, 510 relação mãe-filha nas patologias

alimentares, 503

relação objetal, 143

relação parental, 95

relação precoce mãe-bebê, 182

relação professor-aluno, 278

relação terapeuta-paciente, 278

relacionamento amoroso, 331

relacionamento horizontal, 231

relacionamento interno e externo, 118

relacionamento mãe-bebê, 245

relacionamentos familiares, 513

relações amorosas, 46

relações de amor, 102, 105

relações familiares, 182, 384

relações interpessoais, 403

relações interpessoais primárias, 45

relações intersubjetivas, 143, 395 relações intersubjetivas grupais e

intergrupais, 35

relações objetais, 109, 136, 142,

424, 499

relações transferenciais múltiplas, 356

Relates, 443, 446

Relvas, 451

reparação, 118, 119, 120, 531

reparações, 121, 525, 526

representação interna, 146

repressão, 483

resistência, 63, 116, 148, 186, 190,

236, 244, 317, 323, 324, 326,

331, 337, 343, 357, 358, 379,

479, 530, 539, 541, 563

Resistência, 323, 324

resistência à mudança, 147, 148

resistências, 70, 147, 148, 180,

183, 248, 285, 324, 328, 337,

356, 474

resistências à mudança, 160

resistências às mudanças, 168

responsável pela criança, 475

ressonância, 134, 167, 168, 185,

187, 194, 239, 360

Ressonância, 186, 188

ressonância afetiva, 290, 378

ressonâncias, 466

reuniões grupais, 375

rêverie, 238

Rêverie, 225, 238, 239, 249, 254

Rêverie da mãe, 251

reversão da perspectiva, 250, 251

Revista da SPAGESP, 40

Revista GrupAL, 38

Revista Redes, 443

Rezende Filho, 39

Ribeiro, 31, 89, 341, 493

Rickmann, 126

Riskin, 424

Rivière, 262

Rocha, 411

Rodrigues, 207

Rodríguez, 441

Rojas, 36, 428, 526, 527

Rosa, 285, 288, 493, 508

Rosenfeld, 262

Rossato, 89, 283, 285

Roudinesco, 326

Roussillon, 215

Rufatto, 478

rumo à independência, 273, 274,

275, 507

ruptura vincular, 451

Ruth, 450

Sager, 425

Salem, 111

Salomé, 346

604

Santeiro, 89

Santos, 426, 427, 428, 429, 493,

494, 495, 496, 499, 501, 503,

504, 508, 509, 511, 513, 523,

529, 552

Saraiva, 282

Satir, 418, 419, 424

Saturno, 500

saúde, 145, 264, 278, 400, 464,

466, 486, 495, 502, 523, 551

saúde e educação, 13

saúde mental, 57, 65, 68, 108, 158,

379, 400, 401, 412, 417, 476,

486, 501

Saúde Mental, 36, 141, 412

saúde pública, 141, 142, 214, 400,

412

Scharff, 424

Schilder, 31

Schopenhauer, 103

Schwartz, 417, 418, 419, 421,

424, 432

Scorsolini-Comin, 283, 285, 426,

427, 428, 429, 493

Segal, 120, 122, 252, 254, 262,

378

segredos familiares, 383

Segredos familiares, 386

Segunda Guerra Mundial, 31, 126,

175, 207, 208

Segunda Tópica, 483

Sei, 89, 419, 420, 423, 427, 428,

429, 431

seio bom, 249

Selvini, 442, 449, 450, 451

senso de self, 403

sentido latente, 243

sentimentos ambivalentes, 97

separação, 332, 333, 451, 537

Serebrinsky, 441

serviço, 473, 479

serviço de atenção ao menor, 455

serviço de psicologia, 351

serviço de psiquiatria, 37 Serviço de Psiquiatria do Hospital de

S. Pau de Barcelona, 452

serviço de referência, 515

serviço de saúde mental, 63

serviço de TAs, 494, 514 serviço de tratamento em Saúde

Mental, 475 Serviço Nacional de Enfermidades

Mentais, 39

serviço-escola, 360

serviço-escola de psicologia, 361

serviços, 473

serviços de emergência, 488

serviços de saúde, 67, 294, 433, 494

serviços de saúde mental, 525

serviços de saúde suplementares, 305

serviços psicológicos, 400

serviços psiquiátricos, 214

serviços públicos, 305

serviços-escola, 59

sessões familiares, 383, 392

sessões grupais, 54, 554, 562

setting, 177, 178, 180, 185, 192,

324, 353, 384, 403, 445, 463,

468, 469, 470, 479, 485, 532,

535

settings, 177

Shapiro, 424

Sherry, 494

Sicchieri, 493, 494

Sifneos, 307

sigilo, 191, 291, 295, 310, 324,

331, 359, 386, 467, 533, 563

significados latentes, 192

silêncio, 86, 151, 297, 299, 310,

321, 324, 331, 333, 334, 345,

410, 470, 489

Silêncio, 271, 318, 332, 497

605

Silva, 283, 285, 383, 554, 560

Silveira, 89, 530, 531

Silveira Filho, 529, 530

singularização, 219, 220

singularizações, 206

Siqueira, 89, 494, 510

sistema, 440

sistema familiar, 446, 447, 514

sistema protomental, 134, 135

Sistema Único de Assistência Social,

55

Sistema Único de Saúde, 55, 401,

515

sistemas de comunicação, 466

situações grupais, 51, 62, 130, 541,

547, 562

situações psicóticas, 504

Slavson, 34, 373

Small, 305

Smith, 97

sociabilidade de interação, 405

sociabilidade sincrética, 405 Sociedad Chilena de Psicología y

Psicoterapia de Grupo, 37 Sociedad Chilena de Psicoterapia de

Grupo, 37 Sociedad Uruguaya de Psicoterapia de

Grupo, 37 Sociedade Brasileira de Psicoterapia de

Grupo, 37

Sociedade de Grupanálise de Londres,

176 Sociedade de Grupoterapia Analítica

de Rio de Janeiro, 37 Sociedade de Psicoterapia Analítica de

Grupo de Campinas, 40, 290 Sociedade de Psicoterapia Analítica de

Grupo do Estado do Rio, 39 Sociedade de Psicoterapia Analítica de

Grupo do Rio de Janeiro, 39

Sociedade de Psicoterapia de Grupo de

Pernambuco, 39 Sociedade de Psicoterapias Analíticas

Grupais do Estado de São Paulo,

157, 178, 290

Sociedade do desempenho, 68 Sociedade Paulista de Psicologia e

Psicoterapia de Grupo, 39 Sociedade Paulista de Psicoterapia

Analítica de Grupo, 37, 39

Sociedade Portuguesa de Grupanálise,

35, 177 Sociedade Portuguesa de Grupanálise e

Psicoterapia Analítica de Grupo,

177 Sociedade Portuguesa de Neurologia e

Psiquiatria, 176

Sociedade Portuguesa de Psicanálise,

176

sociedade pós-moderna, 527

Sociedade Psicanalítica, 262

Socioanálise, 35

socioculturais, 421

sociocultural, 132, 206, 207, 210,

420, 445

sociologia, 44, 81, 175

sociometria, 208

sonhar, 237, 255, 272

sonho, 34, 35, 136, 166, 187, 210,

216, 325

sonhos, 45, 181, 237, 242, 253,

256, 484

Sopezki, 501

Sorrentino, 450

Sotero, 451

Souza, 422, 493, 494, 495, 508

SPAG E Rio, 39

SPAG PE, 39

SPAGESP, 39, 40, 82, 138, 157,

173, 290, 521

Speed, 447

606

SPGPAG, 82, 178

SPPAG, 39

Stern, 185

Sternbach, 526

Stierlin, 424

Strachey, 262

Strupp, 307

subjetivação, 219, 220

subjetividade, 115, 137, 143, 335,

352, 383, 427, 449, 471, 528,

531

subjetividade do terapeuta, 344

subjetividades, 90, 145, 148, 360

sublimação, 365, 374, 375

subversão do sistema, 229

Suhsemil, 40

sujeito de relação, 143

sujeito do inconsciente, 219

sujeito do vínculo, 219

Sullivan, 440

supervisão, 59, 70, 72, 73, 74, 75,

76, 77, 78, 79, 80, 81, 89,

152, 178, 191, 263, 288, 298,

338, 339, 340, 465, 466, 508,

541

Supervisão, 72, 465

supervisão clínico-institucional, 411

supervisão institucional, 466

supervisionados, 75

supervisionandas, 76

supervisionando, 72, 73, 76, 77, 78,

79, 80, 81

supervisionandos, 74, 75, 76, 77,

78, 79, 80

supervisões, 338, 399, 412

Supervisões, 75

supervisões de processos grupais, 74

supervisor, 72, 73, 74, 75, 76, 77,

78, 79, 80, 81, 83, 465, 479,

563

supervisora, 360

supervisores, 74, 76, 78

suposição básica, 133, 135

suposição básica de luta e fuga, 235

suposições básicas, 134, 135, 136

suposto, 35

suposto básico, 133, 134

suposto básico de acasalamento, 132

suposto básico de dependência, 131

suposto básico de esperança messiânica,

132

suposto básico de luta e fuga, 131

suposto básico de luta ou fuga, 132

supostos básicos, 130, 131, 133,

134, 136, 137

Supostos Básicos, 75

surto psicótico, 312, 475

SUS, 401, 515

Svartman, 40, 83, 352

TA, 503

tabu, 96

Tabu, 96

tabus, 96

tabus fundamentais, 98

Taragano, 143

tarefa, 58, 59, 146, 147, 148, 149,

150, 154, 155, 162, 171, 221,

228, 293, 307, 309, 461, 468,

479, 550, 551

tarefa de supervisão, 77

tarefa do grupo, 154, 213

tarefa explícita, 147, 148, 150

tarefa grupal, 60, 514

tarefa implícita, 148

tarefa implícita do grupo, 148

tarefas, 58, 358, 557

tarefas grupais, 563

TAs, 493, 494, 496, 501, 507,

510, 511, 512, 513, 514

Tavistock Clinic, 126

técnica, 31, 63, 64, 80, 90, 148,

150, 158, 160, 162, 212, 217,

607

242, 284, 297, 340, 373, 417,

524

técnica clínica, 384 técnica de coordenação do trabalho

grupal, 557

técnica de grupo, 212

técnica de intervenção, 471

técnica de longo prazo, 308 técnica de psicoterapia com crianças e

adolescentes, 365

técnica de psicoterapia de grupo, 212

técnica do grupo operativo, 150

técnica do psicodrama, 206

técnica grupal, 373

técnica grupanalítica, 170

técnica médica, 263

técnica psicanalítica, 326, 422

técnicas, 206, 214, 215, 217, 250,

309, 427, 433, 446, 448, 449

técnicas cirúrgicas, 485

técnicas de grupo, 209, 214

técnicas de socialização, 194

técnicas do psicodrama, 215

técnicas grupais, 81, 84, 524

técnicas psicoterapêuticas, 441

técnicas terapêuticas, 447

técnico de informática, 318 tecnologias de informação e de

comunicação, 57

Teixeira, 179

telê, 553

tema do conhecimento, 227

temores inconscientes, 395

tendência ao amadurecimento, 265

tendência inata ao amadurecimento,

266

tenra infância, 142, 267, 276, 374

tensão básica do grupo, 87

teologia, 126

teoria da comunicação, 447

teoria da mente humana, 107

teoria da técnica, 62, 338 teoria da técnica das grupoterapias

psicanalíticas, 64, 161, 318

teoria da técnica psicanalítica, 129

Teoria das Funções, 225, 236

teoria das relações de objecto, 182

teoria das relações objetais, 419

teoria das transformações, 247

Teoria das Transformações, 225, 240,

252, 326, 341

teoria de apego, 450

teoria de comunicação, 165

teoria de grupo, 39, 208

Teoria do Amadurecimento, 263

teoria do ciclo vital da família, 424

teoria do narcisismo, 342

teoria do psiquismo, 483

teoria do vínculo, 427

Teoria do vínculo, 143

teoria dos grupos, 420

teoria dos grupos operativos, 287,

552, 555, 560

Teoria dos Modelos, 225, 244

teoria dos sistemas, 424, 486

Teoria dos Sistemas, 446

Teoria dos três D, 144

Teoria dos vínculos, 420

teoria e prática grupais, 75

teoria e técnica, 442

teoria e técnica grupanalíticas, 178

Teoria Geral dos Sistemas, 440

teoria psicanalítica, 236

teorias da comunicação, 81

teorias e práticas grupais, 88

teóricos de comunicação e sistemas, 424

terapeuta, 32, 47, 63, 69, 73, 74,

76, 77, 79, 83, 84, 85, 90,

121, 131, 134, 143, 185, 194,

196, 236, 243, 250, 251, 275,

277, 295, 307, 308, 317, 318,

319, 320, 321, 322, 324, 326,

608

328, 329, 330, 332, 336, 337,

340, 341, 343, 344, 345, 346,

348, 361, 365, 369, 371, 372,

374, 377, 378, 380, 432, 438,

442, 446, 447, 448, 449, 450,

453, 490, 491, 529, 531, 532,

533, 534, 538, 539, 540, 541,

542

Terapeuta, 240, 318, 319, 320,

321, 322, 333, 334, 339, 377

terapeuta de grupo, 345, 373 terapeuta de grupo de crianças e

adolescentes, 380

terapeuta familiar, 419, 443

Terapeuta infantil, 373

terapeutas, 33, 80, 83, 84, 85, 86,

125, 129, 177, 192, 234, 277,

308, 314, 322, 324, 327, 329,

337, 343, 346, 391, 429, 447,

448, 538, 541

terapeutas de grupo, 192

terapeutas ocupacionais, 486

terapia, 50, 77, 154, 270, 334,

361, 417, 447, 448, 449, 471

terapia analítica grupal, 195

terapia baseada em vínculos, 451

terapia breve, 471

terapia breve centrada em soluções, 441 terapia breve do MRI-Mental Research

Institute, 441

terapia da Escola de Milão, 441

terapia de casal, 430, 452, 455

terapia de grupo, 207

terapia estratégica, 441

terapia estrutural, 441

terapia familiar, 411, 418, 419,

421, 424, 430, 439, 440, 442,

445, 446, 449, 450, 493

terapia familiar nas psicoses, 450

terapia familiar sistêmica, 443, 445,

446, 450

terapia familiar ultramoderna, 449

terapia grupal, 36, 195, 196

terapia grupanalítica, 180

terapia individual, 182, 195, 333

terapia intergeracional, 441

terapia narrativa, 441

terapia ocupacional, 495

terapia pessoal, 76

terapia sistêmica, 441, 450, 451

terapia sistêmica do casal, 451

terapias, 441

terapias de casal, 430

terapias fonoaudiológicas grupais, 400

terapias grupais, 188

terapias individuais, 429

terapias psicomotoras grupais, 400

terceiro espaço, 269

termodinâmica, 447

T-groups, 179, 208

Thornton, 179

Tigent, 31

tipo de comunicação, 403

tipo de comunicação pré-verbal, 405

tipo de grupo, 47, 54, 113, 132,

163, 214, 308, 323, 472

tipos de grupo, 61, 305

tipos de grupos, 64, 65, 281, 411,

471

Tipos de grupos, 472

Toledo, 401

tolerância à diferença, 168

tolerância à frustração, 87, 131, 233,

234, 278, 379, 528

tolerância aos sintomas, 194

tolerância às frustrações, 247

tolerância às tensões, 367

tolerância do grupo à frustração, 153

Torres, 36

totem, 94, 95, 97

Totem e tabu, 93

totemismo, 94, 97, 98

609

Totemismo, 94

trabalhadoras da saúde, 507

trabalho analítico multipessoal, 329

trabalho clínico, 447

trabalho com casais, 430

trabalho com grupo, 207

trabalho com grupos, 38, 43, 48, 53,

62, 75, 82, 157, 158, 159,

162, 172, 207, 212, 219, 221,

225, 241, 309, 323, 325, 340,

342, 412, 422, 466, 469

trabalho com grupos de crianças, 400 trabalho com grupos em instituições

socioassistenciais, 205

trabalho com grupos psicanalíticos, 401

trabalho com psicóticos, 255

trabalho comunitário, 146

trabalho grupal, 31, 56, 63, 64, 78,

89, 126, 136, 233, 255, 308,

313, 317, 330, 358, 361, 362,

470, 540, 557, 558, 559

trabalho grupal para crianças autistas,

479

trabalho interdisciplinar, 454, 455,

456

trabalho psicanalítico, 36, 129, 157,

166, 227, 250 trabalho psicanalítico com famílias e

casais, 426

trabalho psicanalítico com grupos, 127,

160, 172, 248, 340

trabalho psicanalítico vincular, 340

trabalho psicológico grupal, 352

trabalho psíquico, 147

Trabalhos em grupo, 55

trabalhos grupais, 61, 89, 90, 562

Trabalhos grupais, 57

tradição sistêmica, 449

transferência, 33, 60, 143, 159,

160, 161, 162, 176, 181, 182,

186, 192, 310, 317, 324, 325,

326, 328, 329, 330, 337, 342,

343, 371, 372, 378, 538, 541,

542, 563

Transferência, 324

transferência e contratransferência, 424

transferência fraterna, 326

transferência hostil, 176

transferenciais, 58, 60, 70, 77, 182,

184, 325, 329, 341, 352, 535

transferencial, 184, 195, 241, 325,

327, 405, 534

transferências, 58, 148, 152, 182,

326, 328, 340, 541

transferências laterais, 343

Transferências Laterais, 182

transferências narcísicas, 196

transformações, 241

transformações de movimento rígido,

242, 243, 252

Transformações de movimento rígido,

242

transformações em alucinose, 252

Transformações em alucinose, 243

transformações em pensamento, 243

Transformações projetivas, 243

transmissão da vida psíquica, 426

transmissão multigeracional, 419

transmissão psíquica, 426 transmissão psíquica

inter/transgeracional, 494

transmissão transgeracional, 425

transmitido hereditariamente, 94

transobjetivo, 427

transtorno autístico, 384

Transtorno do Espectro Autista, 385,

407, 411

transtornos alimentares, 493, 526,

527

transtornos autísticos, 383

transtornos mentais graves, 402

transubjetiva, 44

610

transubjetividade do pequeno grupo,

132, 136

tratamento de saúde, 169

tratamento dos TAs, 515 tratamento para dependência de

substâncias psicoativas, 537

tratamentos hospitalares, 305

treinamento, 36

treino do Ego em acção, 188, 194,

196

Treino do Ego em acção, 186, 187

Três Espaços Psíquicos, 45

triagem, 473

tripé, 68

tripé da formação, 70

triunfo, 120, 330

troca horizontal, 478

Tustin, 384

Uchitel, 528

UFG, 551

Ulhoa, 284, 285

Ulhôa Cintra, 109, 110, 114, 115

Unidade Básica de Saúde, 553

unidade de saúde, 473

unidade mãe-bebê, 265, 266

unidade psicossomática, 272

Unidades de Atenção ao Idoso, 59

unidades exogâmicas, 95

universidade, 78, 285, 362, 551

Universidade de Oxford, 126

Universidade Federal de Goiás, 551 Universidade Federal do Rio de

Janeiro, 422

universidades, 59

universo em expansão, 226, 227

Universo em expansão, 225, 226

uso da agressividade, 404

uso da linguagem verbal, 395

uso das drogas, 531

uso das teorias, 265

uso de álcool e drogas, 542

uso de álcool e/ou drogas, 533

uso de defesas, 514

uso de drogas, 269, 529, 530, 531,

535, 537, 539

uso de grupos com objetos mediadores,

217

uso de imagens concretas, 244

uso de objetos, 214, 216, 220

uso de objetos em grupo, 214

uso de objetos mediadores, 215, 218

uso de objetos mediadores nos grupos,

216 uso de objetos ou fenômenos

transicionais, 267

uso de recursos, 215

uso de substância, 542

uso de substâncias, 535

uso de técnicas reconfortantes, 507

uso do grupo, 212

uso dos objetos, 216

uso dos objetos mediadores em grupo,

214

uso psicanalítico de objetos, 216

uso terapêutico das mediações, 217

usuários de drogas, 464

útero, 129, 266, 394, 395

Vacheret, 215, 217, 218, 289

Vaillant, 524

Valdanha, 493, 494, 501

Valdanha-Ornelas, 494

valência, 133

Valle, 422

Vara de Justiça, 464

Varela, 447

Vargas, 282

Vaz, 501

verdade sem amor, 248

Verdi, 383

verticalidade, 152

vetores, 553, 554

vicissitudes da comunicação, 250

611

vida amorosa, 324

vida erótica do bebê, 274

vida mental do grupo, 135

vida pré-natal, 128

Vieira, 283

Villas-Boas, 495

Vincha, 553

vinculações intra e intersubjetivas, 229

vincularidade, 43, 46, 60, 239

vínculo, 36, 43, 44, 46, 48, 49, 74,

77, 98, 104, 108, 110, 113,

129, 132, 143, 161, 232, 237,

239, 241, 244, 245, 248, 255,

290, 321, 324, 325, 329, 335,

347, 358, 359, 403, 405, 407,

416, 418, 420, 427, 428, 451,

463, 502, 503, 504, 526, 535

Vínculo, 44

vínculo de apego, 451

vínculo de dependência, 361

vínculo de parceria e de sustentação,

473

Vínculo do Amor, 46, 227

vínculo do casal, 211

Vínculo do Conhecimento, 46

Vínculo do Ódio, 46, 227

Vínculo do Reconhecimento, 48, 195,

196

vínculo entre os pais, 255

vínculo entre pais e filhos, 103

Vínculo H, 46

vínculo interpessoal, 442

vínculo intersubjetivo, 99, 100, 330

Vínculo K, 46, 47, 227, 249, 256

Vínculo L, 46, 258

vínculo mãe-bebê, 239, 254

vínculo mãe-filha, 502

Vínculo R, 47, 256

vínculo simbiótico, 477 vínculo transferência-

contratransferência, 257

vínculo transferencial-

contratransferencial, 330

Vínculo: Revista do NESME, 40

vínculos, 43, 44, 45, 46, 50, 77,

111, 126, 127, 143, 145, 155,

164, 217, 255, 256, 287, 317,

330, 337, 341, 357, 358, 369,

383, 451, 463, 466, 475, 495,

520, 533, 535, 551, 553

vínculos do amor ou do ódio, 47

vínculos emocionais amorosos, 309

vínculos familiares, 384, 396

vínculos intersubjetivos, 118, 134

vínculos intra e intersubjetivos, 342

Vinogradov, 308, 313

violência, 98, 100, 114, 229, 400,

417, 537, 542

violência doméstica, 530, 538

violência física e psicológica, 535

violência verbal, 190

violências, 464

visão binocular, 249, 250

visão sistêmica interacional, 427

Vitale, 422

vivência com grupos, 126

vivência de intimidade, 475

vivência do coletivo, 527

vivência em grupo, 285

vivência emocional, 294

vivência grupal, 69, 211, 288, 470,

472, 478

vivência institucional, 478

vivência psíquica, 530

vivências em grupo, 148

vivências grupais, 85, 560, 562

Volpi, 285

Von Bertalanffy, 440

Waldemar Fernandes, 38, 40, 352

Watzlawick, 424

Weakland, 424

Weinberg, 179

612

Weisbich, 40

Whitaker, 418, 425, 446

White, 448

Wiener, 440

Winnicott, 81, 211, 243, 244, 261,

262, 263, 264, 265, 266, 267,

268, 269, 270, 271, 272, 273,

274, 275, 277, 278, 345, 369,

383, 402, 403, 467, 485, 502

Wolf, 31

Wright, 502, 507

Wundt, 94

Wynne, 418

Yalom, 194, 308, 313

Zanetti, 89

Zilbach, 424

Zimerman, 39, 44, 46, 47, 48, 69,

81, 86, 87, 107, 108, 109,

110, 115, 116, 121, 126, 129,

139, 179, 181, 193, 195, 203,

226, 228, 229, 232, 234, 236,

240, 241, 248, 250, 251, 256,

257, 285, 295, 323, 324, 326,

328, 329, 331, 337, 342, 346,

351, 353, 356, 373, 380, 463,

525, 531

Zimmermann, 32, 35, 37, 39

Zinkin, 188

Zmud, 37