Clauses Combining Grammaticalization - temporal clauses in Brazilian Portuguese

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MARIA CÉLIA PEREIRA LIMA-HERNANDES Gramaticalização de Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Filologia e Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo. Orientadora : Profa. Dra. Angela Cecília de S. Rodrigues Co-orientadora: Maria Luiza Braga (UFF/UNICAMP) São Paulo 1998

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MARIA CÉLIA PEREIRA LIMA-HERNANDES

Gramaticalização de Combinação de Cláusulas:

Orações de Tempo no Português do Brasil

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Filologia e Língua Portuguesa, do

Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo.

Orientadora: Profa. Dra. Angela Cecília de S. Rodrigues

Co-orientadora: Maria Luiza Braga (UFF/UNICAMP)

São Paulo

1998

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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AGRADECIMENTOS

À professora Dra. Angela Cecília de S. Rodrigues,

Aos professores Drs. Sandra Palomo, Elisa Guimarães, Ataliba

Castilho e Carlos Maciel, pelas sugestões e discussões no decorrer

dos cursos,

À Profa. Dra. Angelina Batista, da Unesp-Botucatu, pela

colaboração,

À Profa. Dra. Lygia Correia, pela paciência e colaboração nas

discussões sobre questões sintáticas,

A Carlos, Carla e Ingrid, por suportarem os vários momentos de

ausência,

A João, Abelita, Raphael e Maria, pelo constante suporte,

Ao CNPq, pela bolsa de estudos concedida entre 1996 e 1998,

À Profa. Dra. Maria Luiza Braga, pela disponibilidade, atenção,

cuidado constante e exemplo,

Agradeço.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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S U M Á R I O

RESUMO ABSTRACT Lista de Figuras Lista de Tabelas Lista de Contínuos Lista de Quadros Introdução Capítulo 1- Considerações Preliminares sobre Aspectos Teóricos Capítulo 2 - Processos de Combinação de Orações 2.1 Abordagem Tradicional 2.2 Abordagem Funcionalista 2.3 Perspectiva da Gramaticalização Capítulo 3 - Orações de Tempo 3.1 Abordagem Tradicional 3.2 Abordagem Funcionalista Capítulo 4 - Abordagem Metodológica 4.1 O Corpus 4.1.1 Corpus de Língua Popular de São Paulo 4.1.2 Corpus de Língua Carioca Capítulo 5 - Gramaticalização dos Processos de Combinação de Orações de Tempo: Hipóteses, Parâmetros e Resultados 5.1 Conexão das Orações de Tempo 5.1.1 Conectores na Justaposição 5.1.2 Conectores na Coordenação 5.1.3 Conectores na Hipotaxe 5.1.4 Conectores na Relativização 5.1.5 Conectores no Encaixamento 5.2 Explicitude do Sujeito da Oração de Tempo 5.2.1 Explicitude do Sujeito na Justaposição 5.2.2 Explicitude do Sujeito na Coordenação 5.2.3 Explicitude do Sujeito na Hipotaxe 5.2.4 Explicitude do Sujeito na Relativização 5.2.5 Explicitude do Sujeito no Encaixamento

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5.3 Ordem e Mobilidade das Orações de Tempo 5.3.1 Ordem na Justaposição 5.3.2 Ordem na Coordenação 5.3.3 Ordem na Hipotaxe 5.3.4 Ordem na Relativização 5.3.5 Ordem no Encaixamento 5.4 Inversão Potencial da Ordem 5.4.1 Inversão Potencial na Justaposição 5.4.2 Inversão Potencial na Coordenação 5.4.3 Inversão Potencial na Hipotaxe 5.4.4 Inversão Potencial na Relativização 5.4.5 Inversão Potencial no Encaixamento 5.5 Identidade entre Sujeitos das Orações Combinadas 5.5.1 Identidade entre Sujeitos na Justaposição 5.5.2 Identidade entre Sujeitos na Coordenação 5.5.3 Identidade entre Sujeitos na Hipotaxe 5.5.4 Identidade entre Sujeitos na Relativização 5.5.5 Identidade entre Sujeitos no Encaixamento 5.6 Traço [Animado] do Sujeito da Oração de Tempo 5.6.1 Traço [animado] do Sujeito na Justaposição 5.6.2 Traço [animado] do Sujeito na Coordenação 5.6.3 Traço [animado] do Sujeito na Hipotaxe 5.6.4 Traço [animado] do Sujeito na Relativização 5.6.5 Traço [animado] do Sujeito no Encaixamento 5.7 Identidade entre Tempos e Modos 5.7.1 Identidade modo-temporal na Justaposição 5.7.2 Identidade modo-temporal na Coordenação 5.7.3 Identidade modo-temporal na Hipotaxe 5.7.4 Identidade modo-temporal na Relativização 5.7.5 Identidade modo-temporal no Encaixamento 5.8 Correlação entre Processos e Noções Desencadeadas Conclusões Referências Bibliográficas

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I n t r o d u ç ã o

A proposta deste trabalho é realizar uma análise quantitativa de

sentenças complexas cuja noção estabelecida entre as unidades seja tempo, com

vistas a identificar uma graduação dos processos de combinação de orações, numa

perspectiva da gramaticalização.

A importância de se estudar os estágios de gramaticalização em que

estão os processos de combinação de orações reside na possibilidade de se buscar

evidências sobre uma estrutura ter derivado de outra e desvendar seu

direcionamento.

Detemo-nos especialmente na descrição do processo de

gramaticalização que resultou na emergência de marcadores temporais, embora

também tenhamos observado orações cuja partícula conectiva não estivesse

explícita.

O estudo da origem das subordinadas, em muitas línguas, enriqueceu o

conhecimento do desenvolvimento de seu sistema gramatical, como ocorreu com as

línguas Chadic (Frajzyngier 1996), razão pela qual julgamos importante a descrição

do comportamento das orações de tempo no Português do Brasil.

Alguns autores consideram Gramaticalização tão somente um processo

histórico, portanto diacrônico. Esse é o ponto de vista de Matsumoto (1988),

Matisoff (1991) e Lichtenberk (1991). Este último, embora exclua a sincronia,

considera que a variação (fenômeno sincrônico) é um conseqüência necessária de

uma graduação de mudança lingüística. Notamos que autor faz sutil exclusão de

variações estáveis e concentra sua atenção nas variações instáveis que culminam em

mudança.

Outros autores, em contrapartida, buscam cercar o processo de

gramaticalização tanto diacrônica quanto sincronicamente, por acreditarem que

estudos sincrônicos sistemáticos são uma necessidade (Myhill 1988; Hopper 1979,

1982; Givón 1979; Du Bois 1987; Herring 1988; Traugott & Heine 1991;

Frajzyngier 1996) na compreensão da evolução lingüística.

Essa discussão sobre a possibilidade de ser a gramaticalização um

fenômeno da sincronia ou da diacronia remete-nos à questão da definição do

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fenômeno em si. Nesse sentido, apresentamos e comentamos as definições de alguns

lingüistas que lidam com esse fenômeno.

Heine et al. (1991) consideram que, quando uma unidade lexical ou

estrutura maior assume função gramatical, ou ainda quando uma unidade gramatical

torna-se mais gramatical, fica caracterizada a ocorrência da Gramaticalização.

Traugott & König (1991) complementam essa caracterização, ao

agregarem ao processo histórico a noção de ‘unidirecionalidade’. Com o traço de

unidirecionalidade, esses autores querem expressar a direção única assumida por

um item lexical ‘menos gramatical’ que caminha em direção a um estatuto ‘mais

gramatical’, sem a possibilidade de percorrer o sentido contrário.

Hopper & Traugott (1993) definem gramaticalização de uma forma um

pouco diferenciada, uma vez que seguem assumem a conceituação apresentada por

Heine, entretanto imprimindo a noção evolutiva intrínseca, que valoriza a

dinamicidade do processo. Podemos perceber essa diferenciação quando eliminam a

disjunção e acrescentam que, uma vez gramaticalizados, esses itens continuam a

desenvolver novas funções gramaticais. Afora essa diferença, esses autores também

afirmam que gramaticalização pode ser processo, mas também pode ser paradigma,

e que pode ser um fenômeno diacrônico ou sincrônico. Esse tratamento de Hopper

& Traugott demonstra-se mais completo, por ser mais abrangente e englobar

também a definição proposta por Traugott & Köni.

A gramaticalização é considerada paradigma se observada num estudo

da língua que se preocupe em focalizar a maneira como formas gramaticais e

construções surgem e como são usadas. Em contrapartida, é considerada processo se

se detiver na identificação e análise de itens que se tornam mais gramaticais.

Entretanto, pode ser observada de duas perspectivas: diacrônica, se a preocupação

do estudo estiver voltada para a unidirecionalidade característica de subconjuntos de

mudanças lingüísticas ou sincrônica, se a preocupação estiver voltada para a análise

de ‘modelos fluidos’ do uso da língua, portanto, com enfoque sintático e

pragmático-discursivo.

Nosso trabalho pode ser situado no paradigma da gramaticalização,

numa perspectiva sincrônica, uma vez que analisa estruturas sintáticas em

sentenças complexas cuja relação semântica seja tempo, a fim de observar como

estruturas surgem e como são usadas, segundo um contínuo de gramaticalização.

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A metodologia usada segue os moldes da rotina adotada por

sociolingüistas da corrente laboviana, ou seja, selecionamos os dados a partir de

materiais de língua falada gravados, codificamo-los com base em grupos de fatores

arrolados num momento de maior ebulição do lingüista ou estudioso da língua, em

que vertem hipóteses a serem investigadas. Submetemos, então, esses dados ao

tratamento estatístico previsto no algorítmo da Sociolingüística Quantitativa e

interpretamos os resultados à luz das hipóteses levantadas.

As análises das orações certamente farão com que tentativas de

explicações baseadas na entonação lingüística ou nos processos cognitivos dos

falantes venham à tona, entretanto não enveredamos por esses caminhos ainda não

desbravados por nós.

Em verdade, nossos argumentos estão centrados nos resultados

numéricos e evidências lingüísticas propiciadas pela correlação estabelecida entre

usos e parâmetros. Neste trabalho, portanto, temos o objetivo de mostrar como a

configuração de orações, numa sentença complexa que codifique tempo, é feita,

estabelecendo uma tipologia em que não cabem categorias discretas para a

classificação dos períodos.

Este trabalho apresenta-se dividido em seis capítulos. O primeiro

capítulo é composto de esclarecimentos e considerações sobre aspectos teóricos do

Funcionalismo Lingüístico. Nesse capítulo, traçamos as diferenças de tratamento,

em especial na constituição dos dados, entre duas grandes correntes lingüísticas

contemporâneas: funcionalismo e formalismo.

No segundo capítulo, sintetizamos informações pertinentes aos

processos de gramaticalização de orações, explanadas em três núcleos: a gramática

tradicional, o modelo funcionalista e o processo de gramaticalização. A segmentação

efetuada reflete uma preocupação puramente metodológica, que permite uma clara

distinção entre os modos de tratamento de um mesmo fenômeno.

No terceiro capítulo, encontra-se a síntese das informações

relacionadas às orações de tempo, especificamente na língua portuguesa, também

segmentadas em dois núcleos: abordagem tradicional e abordagem funcionalista.

No quarto capítulo, apresentamos informações sobre a abordagem

metodológica, incluindo esclarecimentos sobre os corpora dos quais retiramos os

dados para a constituição da amostra, bem como critérios adotados.

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No quinto capítulo, encontram-se os frutos e os resultados de toda a

reflexão desenvolvida com a fundamentação teórica e metodológica oferecida nos

capítulos iniciais. É nesse capítulo que apresentamos as hipóteses surgidas no

levantamento dos dados, além da correlação desses com os parâmetros utilizados.

Na terminologia da sociolingüística variacionista, esses parâmetros são

representados pelos grupos de fatores: tipo de conector, explicitude do sujeito,

ordem, inversão potencial da ordem, identidade entre sujeitos, identidade entre

tempos e modos e traço animado do sujeito da oração de tempo. Na correlação

desses critérios com os dados selecionados, argumentaremos sobre a adequação ou

inadequação desses critérios na apreensão dos estágios de gramaticalização dos

tipos de processos de combinação de orações investigados.

No último capítulo, faremos uma breve retomada de resultados

relevantes para o paradigma da gramaticalização, bem como de alguns aspectos

teóricos específicos e pertinentes para explicar a gradiência das estruturas

analisadas num contínuo que evidencie o maior ou menor estágio de

gramaticalização.

1. Considerações Preliminares sobre Aspectos Teóricos

Ao elaborarmos o presente estudo a partir de dados de língua falada,

partimos do pressuposto de que todo estudo que trate dos usos lingüísticos, tendo

em vista a comunicação entre os indivíduos falantes de uma língua natural, não pode

prescindir da teoria funcionalista, porque esta é a abordagem que assume claramente

o uso da língua no seu contexto.

Muitas vertentes há no Funcionalismo, assim como muitas questões

para serem observadas, estudadas, e muitos aspectos para serem estabelecidos

teoricamente. Apesar das discrepâncias, a idéia recorrente é traduzida na associação

entre forma e função.

Tendo em vista o estágio atual em que se encontra o Funcionalismo

Lingüístico, Neves (1994:112) listou alguns aspectos que resumem as preocupações

daqueles que caminham nessa estrada ainda tão pouco sinalizada, por isso

aparentemente insegura, da ciência lingüística. Todos esses problemas relacionam-

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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se à terminologia da área e à adequação do emprego desses termos derivados da

palavra função, tais como: funcional e funcionalismo.

Nichols (1984, apud Neves 1994a:72) acha possível considerar a

existência de três tipos de Funcionalismo, segundo a evolução dos estudos. O

primeiro, conservador, admite o tratamento formalista e estruturalista como

ineficientes, sem, contudo, apresentar soluções. O segundo, moderado, caminha um

pouco mais, uma vez que, além de apontar as ineficiências, apresenta uma proposta

de análise das estruturas. O terceiro, chamado extremo, “nega a realidade da

estrutura como estrutura, e considera que as regras se baseiam internamente na

função, não havendo, pois, restrições sintáticas”.

Halliday (1978:126) discute as preocupações da corrente funcionalista

a partir da questão de o funcionamento social da língua estar refletido na estrutura

lingüística e, pelo próprio teor da pergunta, conduz o leitor ao entendimento de que

o funcionalismo parte de preocupações e observações da língua em uso e analisa a

estrutura, enquanto representação da organização da língua em funcionamento. Essa

idéia pode ser lida em Comrie (1988:277), que observa que a sintaxe não pode ser

reduzida a facetas da língua, especialmente na mescla de fatos pragmáticos com

semânticos, porque “many syntactic phenomena only make sense against a

background of pragmatic and semantic correlates”.

Resumindo as idéias de Halliday, Souza (1996:41) afirma que o texto é

composto de estruturação gramatical e de estruturação semântica. Nesse sentido, a

primeira é refletida desde a unidade mínima (fonema, morfema) até o limite superior

(a frase complexa) e a segunda reflete relações entre porções maiores do que a frase

complexa.

A gramática funcional de Halliday (apud Neves 1994:117; 1994a:70;

1997:48) tem orientação paradigmática, uma vez que a língua é interpretada como

uma rede de relações. Para ele, a língua é um sistema semântico, razão pela qual

uma gramática dita funcional deve destinar-se ao estudo do desvendamento das

codificações semânticas, carreadas pelas seqüências lingüísticas.

Dik (1989, apud Souza 1996:42) apresenta as unidades estruturais

divididas em quatro níveis ou camadas. No primeiro nível, estariam o predicador e

seus termos, remetendo à entidade; no segundo, a predicação, que remete ao estado-

de-coisas; no terceiro nível, a proposição, representando um fato possível; e no

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quarto, a cláusula, designando atos de fala. Todos esses rótulos remetem a uma

tipologia que procura dar conta da apreensão do texto em sua totalidade, sem deixar

escapar aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos.

Interessa-nos o tratamento dado por Dik aos constituintes adverbiais.

Diz ele que esses constituintes são geralmente tratados como satélites. Por essa

caracterização, nota-se que satélites são diferenciados de argumentos, no sentido de

que estes não são opcionais, enquanto os satélites são acréscimos opcionais.

Com relação ao estudo da língua, Dik (1989:1) afirma que, numa

abordagem funcional, a preocupação central deve estar voltada à análise de como

opera um usuário da língua natural. Na tentativa de dar conta dessa questão, o

investigador deve observar como os interlocutores se comunicam entre si por meio

de expressões lingüísticas, como se fazem entender e como se influenciam. Por

conseguinte, a língua não deve ser observada desvinculada do contexto de uso.

Em suma, a língua é concebida por Dik enquanto sistema não-

autônomo, vinculado a uma estrutura pragmática geral em que a relação entre

instrumentalidade e sistematicidade escapa à arbitrariedade do usuário da língua.

Preocupado por estabelecer a distinção entre gramática funcional e

gramática formal, Dik apresenta oito aspectos relevantes, que podem ser observados

no quadro 11:

Quadro 1: Paradigma Formal X Paradigma Funcional

Paradigma Formal Paradigma Funcional

Como definir a língua

Conjunto de orações

Instrumento de interação social.

Principal função da língua

Expressão do pensamento Comunicação

Correlato Psicológico

Competência: capacidade de produzir, interpretar e julgar orações.

Competência comunicativa: habilidade de interagir socialmente com a língua.

O sistema e seu uso

O estudo da competência tem prioridade sobre o da atuação.

O estudo do sistema deve fazer-se dentro do quadro de usos.

Língua e contexto/ situação

As orações da língua devem descrever-se independentemente do contexto/situação.

A descrição das expressões deve fornecer dados para a descrição de seu funcionamento num dado contexto.

Aquisição da

Faz-se com uso de propriedades inatas, com base em um input

Faz-se com a ajuda de um input extenso e estruturado de dados apresentado no

1 Esse quadro foi montado a partir do elaborado por Neves (1996:46).

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linguagem

restrito e não-estruturado de dados.

contexto natural.

Universais Lingüísticos

Propriedades inatas do organismo humano.

Explicados em função de restrições: comunicativas, biológicas ou psicológicas e contextuais.

Relação entre a sintaxe, a semântica e a pragmática

A sintaxe é autônoma em relação à semântica; as duas são autônomas em relação à pragmática; as prioridades vão da sintaxe à pragmática, via semântica.

A pragmática é o quadro dentro do qual a semântica e a sintaxe devem ser estudadas; as prioridades vão da pragmática à sintaxe, via semântica.

Para Leech (apud Souza 1996; Neves 1997:49), a distinção entre

formalismo e funcionalismo, proposta tanto por Halliday quanto por Dik, não é o

melhor caminho para se tratar a linguagem, uma vez que não se pode tratar do

aspecto psicológico sem que se leve em conta o aspecto social. Nesse sentido,

estabelece uma ligação entre as duas correntes, conforme quadro 22.

Quadro 2: Aproximação entre Formalismo e Funcionalismo

Formalismo Funcionalismo

Linguagem fenômeno mental fenômeno social

Universais lingüísticos

herança genética

derivação da universalidade de usos na sociedade

Aquisição da Linguagem

capacidade inata humana para aprender

desenvolvimento das neces- sidades e habilidades comuni- cativas

Língua é Estudada

sistema autônomo

relação com função social

Aliar forma a função constitui objetivo de todas as vertentes

funcionalistas. Entretanto, ainda que se utilizem, na maioria das vezes, dos mesmos

critérios e elementos que proporcionem como medir os efeitos desses usos, diferem

os funcionalistas na interpretação do conjunto de parâmetros que cada um

estabelece.

2. Processos de Combinação de Orações

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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Partimos do princípio de que o discurso não é constituído de unidades

isoladas, mas de unidades informacionais ligadas de modos diferenciados. Essas

unidades são chamadas, na literatura, de cláusulas ou orações, que são ligadas umas

às outras, estruturalmente ou semanticamente, de forma mais ou menos lassa,

constituindo, numa seqüência maior, períodos compostos ou sentenças complexas.

Para a explanação dos processos de combinação de orações em

Português, optamos por apresentá-los em três partes, cada uma delas diferenciada

pelos pressupostos teóricos. Dessa maneira, nesta seção, teremos três subseções,

correspondentes, respectivamente, a: abordagem tradicional, abordagem

funcionalista e perspectiva da gramaticalização.

Na seção correspondente à abordagem tradicional, apresentamos

concepções de alguns gramáticos quanto aos processos de combinação de orações

em Português: dois deles representam o período que antecede a NGB3 e seis outros

refletem o período posterior à divulgação dessa nova norma. Alguns destes,

entretanto, embora utilizem a referida nomenclatura, incluem observações sobre

incongruências nela verificadas.

Incluímos também as idéias do pesquisador sintaticista Clóvis Barleta

de Morais, que, embora faça um estudo histórico-comparativo, portanto com

objetivos distintos dos nossos, apresenta proposta muito interessante, que faz

pensar sobre as saídas encontradas pelos lingüistas e influências advindas da

gramática tradicional.

O recorte feito permitirá observar a trajetória dos estudos da gramática

tradicional quanto aos processos de combinação de orações, mais comumente

tratados de processos sintáticos. A demarcação dos períodos foi determinada, como

vimos, pelo advento da Nomenclatura Gramatical Brasileira, e essa decisão se

deveu a dois motivos. O primeiro está relacionado com o estatuto regulamentador de

nomenclaturas proporcionado, pois “o recorte de campo por ela fixado normalizou

em muito o modo de consideração das entidades” (Neves 1990:188),

2 Quadro formulado a partir da síntese de leitura de Leech (1983), por Neves (1997:49). 3 No ano de 1958, foi publicada a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB).

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desencadeando a revisão de muitas obras. O segundo deve-se ao fato de que o tema

processos sintáticos ficou bastante afetado com a NGB.

Ainda que não seja propriamente um trabalho de sintaxe, incluímos

Garcia (1967) em nossa revisão bibliográfica, por crermos que muitas de suas

percepções acerca da língua são procedentes, pois se mostram coerentes e bem

fundamentadas, além de muitos dos casos discutidos pelo autor serem atualmente

foco de investigações dos teóricos funcionalistas.

Consultamos Rocha Lima (1958), Garcia (1967), Said Ali (1964;

19714), Morais (1972), Luft (1978)5, Cunha (1962; 1983), Mira Mateus et al.

(1983), Cunha & Cintra (1985) e Bechara (1992), a fim de observar o tratamento

dado aos processos de combinação de orações e buscar informações sobre a

importância dos parâmetros explicitação, identidade e traço animado do sujeito,

ordem e correlação tempo/modo, na abordagem desses autores. A síntese dessas

informações apresentamos na seção 1.2.1.

Na seção 1.2.2, apresentamos a síntese de alguns pontos de vista sobre

a teoria funcionalista no que tange aos processos de combinação de orações. Para

tanto, selecionamos os seguintes autores: Halliday (1985), Matthiessen &

Thompson (1988) e Lehmann (1988).

A relevância dos trabalhos arrolados pode ser observada no tratamento

que dão aos processos de combinação de orações, diverso da tradicional divisão

entre coordenação e subordinação. Esse tratamento reconheceu, numa graduação

menos discreta, a existência de tipos oracionais, anteriormente incluídos num dos

dois extremos de dependência, ainda que discrepantes em traços e comportamento.

Em especial, citamos a contribuição de Lehmann, porque o desenvolvimento de suas

idéias e argumentos neutralizam as influências do modelo de análise tradicional.

Por último, na seção 1.2.3, apresentamos a questão da combinação de

orações nas suas relações com o processo de Gramaticalização. Apresentamos uma

síntese das idéias sobre tal processo, fundamentada em Hopper & Traugott (1993),

Harris & Campbell (1995) e Frajzyngier(1996). Dessa perspectiva, os autores 4 A primeira edição desse livro foi feita em dois volumes: em 1921, sob o título Lexeologia do Português Histórico, pela Companhia Melhoramentos; e em 1923, sob o título Formação de Palavras e Sintaxe do Português Histórico. A segunda edição, publicada em único volume, recebeu o título Gramática Histórica, com prólogo de 1931. Portanto, embora edição utilizada para pesquisa seja de 1971, as idéias veiculadas podem ser associadas ao período antecedente à NGB. 5 A publicação desse trabalho foi feita em consonância com as recomendações da NGB e sua primeira edição data de 1960.

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analisam os processos de combinação de orações quanto ao estágio mais ou menos

avançado de gramaticalização.

2.1 Abordagem Tradicional

Como nos propusemos na seção 2, apresentamos a seguir uma síntese

das concepções de alguns autores sobre os processos de combinação de orações.

Said Ali (1971:273), observando os rótulos dados aos diferentes

processos, nota que “a coordenação e subordinação prefere a lingüística moderna

as expressões parataxe e hipotaxe”, sendo as paratáticas equivalentes às

copulativas, adversativas ou disjuntivas. Com relação às hipotáticas, o autor afirma

que à tradicional divisão em orações substantivas, adjetivas e adverbiais falta rigor,

pois não existem adverbiais equivalentes a toda a tipologia de advérbios: “Esta é

divisão geral de caráter prático, mas convém notar que não é extremamente

rigorosa; as adverbiais, se bem abrangem as espécies tempo, lugar, modo e outras,

como na divisão do advérbio, compreendem também algumas que não se

enquadram nesta categoria léxica.” (p.272-§1357).

Rocha Lima6 (1958:251) distingue quatro processos sintáticos como

fundamentais: coordenação, subordinação, correlação e justaposição, segundo o

grau de dependência entre as orações. Na coordenação, teríamos, segundo o autor,

orações independentes; na subordinação, interdependentes; na correlação,

paradependentes; e na justaposição, independentes formalmente e dependentes

semanticamente.

Segundo esse autor, o termo coordenação remete à sucessão de orações

ligadas por conjunções coordenativas ou separadas por pausa, razão pela qual

apresentam o mesmo valor sintático. Trata-se de sentidos independentes ordenados

segundo a sucessão lógica dos fatos. Ao comentar um exemplo de João Ribeiro,

Rocha Lima (1958:252) enfatiza que a inversão da ordem desse tipo de oração seria

impossível, por resultar em ruptura da ordem histórica, à exceção dos casos em que

6 Clóvis B. de Morais (1972), também fazendo revisão da literatura sobre os processos de sintáticos, afirma que José Oiticica (1953:244-5 e 248), em seu Manual de Análise e em Teoria da Correlação (1952) mostra-se defensor da divisão em quatro processos, como Rocha Lima. Morais (1972:168), consultando Gladstone Chaves de Melo, notou que esse autor admite a correlação como processo ao lado de subordinação e coordenação.

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fossem empregadas conjunções disjuntivas (alternativas), por haver, nesse caso, a

exclusão de um dos dois fatos citados.

O termo subordinação, por sua vez, remete à noção de oração principal

somada aos vários desdobres dos termos que a constituem na função de substantivo,

adjetivo ou advérbio. Daí a distribuição das orações em substantivas, adjetivas e

adverbiais. Leva-se em conta a função sintática desempenhada pela oração

subordinada enquanto termo da principal.

A justaposição, segundo o autor, é um processo a meio caminho da

coordenação e da subordinação, por crer que as orações sejam independentes

formalmente, entretanto com profundo comprometimento semântico. Para ele, seria

a justaposição “o processo em que mais se sente a frase, o todo completo, apesar de

as orações conservarem relativa integridade formal” (Rocha Lima 1958:262). É,

segundo o autor, diferente de subordinação e de coordenação pela ausência da

conjunção, e diferente da correlativa pela ausência dos termos correlatos. Dividem-

se as justapostas, segundo Rocha Lima, em quatro tipos: intercaladas, apositivas,

objetivas diretas e adverbiais.

As correlativas diferem-se das demais pela presença de pares

correlativos, que integram profundamente as duas orações combinadas. Assim, dois

termos correlativos indicam uma relação de dependência entre uma oração, dita

principal, e a oração subordinada.

Garcia (1967:16) observa que os processos sintáticos restringem-se à

coordenação e à subordinação. Na coordenação, ocorreria “um paralelismo de

funções ou valores sintáticos idênticos”, uma vez que as orações, tendo a mesma

natureza e função, deveriam ter a mesma estrutura sintática. O próprio autor

menciona, em forma de nota, que a correspondência citada deriva de um conceito

tradicional e positivista, merecedor de uma revisão. Na subordinação, ocorreria a

desigualdade de funções e de valores sintáticos.

O travamento sintático resultante do uso de conjunções coordenativas,

segundo Garcia (1967:17), é mais frouxo do que aquele proveniente do uso das

subordinativas. Por outro lado, salienta esse autor que existem orações somente

aparentemente coordenadas, fato utilizado como evidência para sustentar seu ponto

de vista sobre a pouca importância do conectivo no processo de encadeamento do

discurso. Os exemplos (1) e (2) ilustram os casos de aparente coordenação citados.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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(1) chega aqui...bate a bola treis veze [pop1] (2) tu começa a jogar, todo mundo começa a gritar teu nome [peul19]

Tanto em (1) quanto em (2), não há conectivos expressos, somente

ocorre a pausa entre duas porções. Tradicionalmente, esses exemplos poderiam ser

considerados casos típicos de coordenação, se não fosse a dependência, o alto

entrelaçamento semântico entre essas duas porções. Nos dois exemplos, a oração

anteposta carrega o tempo do evento assinalado na oração posposta.

Morais (1972:168) prefere não usar o termo ‘processos’, porque não

acredita que ‘coordenação’ e ‘subordinação’ sejam nomenclaturas atribuídas a

fenômenos afins: “o termo coordenação é usado em dois sentidos: pode referir-se à

natureza de uma oração ou ao modo de ligação das orações”. Para esse autor, a

coordenação tanto pode indicar a presença de orações independentes quanto a

presença de orações justapostas ou conectivas. Sua grande contribuição patenteia-se

nos vários momentos de análise em que deixa evidenciada a fragilidade do modelo

tradicional. Segundo o autor, “o conceito de subordinação é de essência, e se

refere à natureza da oração; o de coordenação, no sentido de modo de ligação das

orações, é acidental, e não interfere na natureza das orações” (p.168). Para

entender esse raciocínio, observemos que orações subordinadas que estão

coordenadas entre si podem ocorrer, mas o inverso não é admissível. Logo, os

rótulos coordenação e subordinação, para o autor, não podem ser usados como

relacionados a um mesmo fenômeno lingüístico.

Luft7 (1978) apresenta dois processos de combinação de orações:

coordenação e subordinação. As coordenadas são orações de igual função, ligadas

entre si, enquanto as subordinadas são orações que dependem de outra, chamada

principal.

A subordinação inclui, segundo Luft, orações substantivas, adjetivas e

adverbiais. As substantivas podem ser, quanto ao verbo e conexão, reduzidas ou

desenvolvidas, estas conectadas por conjunção (que, se, como) ou por pronome (

quem, como, quanto). O autor inova no sentido de incluir dentre as substantivas as

7 Luft (1978:145) afirma que Parataxe e Hipotaxe seriam nomenclaturas correspondentes aos processos de coordenação e subordinação em outras línguas, estando, portanto, em relação de sinonímia. Em relação a esses termos, Said Ali (1971:273) alerta que são preferidos pela Lingüística moderna, em lugar dos sistematicamente utilizados nas gramáticas tradicionais, coordenação e subordinação.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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de adjunto adnominal e as de agente da passiva, para as quais serviriam de exemplo

as orações introduzidas por pronomes relativos sem antecedente. Com o fim de

manter o paralelismo entre advérbios e orações adverbiais, também propõe as

adverbiais modais e as adverbiais locativas.

Luft (1978:46) argumenta contra a quádrupla classificação dos

processos de estruturação sintática, como concebe Rocha Lima, por entender que

correlação e justaposição são fenômenos correntes tanto em coordenação quanto em

subordinação. Oferece, contudo, duas outras explicações para justificar a não-

inclusão de justaposição e correlação no rol dos processos sintáticos. A primeira

aparece em forma de transcrição8 da opinião de Antenor Nascentes: “uma oração

ligada a outra só pode estar ou em situação de igualdade, de independência, ou em

situação de subordinação, de dependência”. A segunda justificativa é dada pelo

próprio Luft, ao concluir que a inclusão de correlação e justaposição somente

sobrecarregaria a nomenclatura.

Cunha (1962;1983), depois retomado por Cunha & Cintra (1985),

defende que existem dois processos de junção de orações: coordenação e

subordinação. O primeiro caracteriza-se pela independência semântico-sintática das

orações que podem estar justapostas (assindéticas) ou ligadas por conectivos

(sindéticas); o segundo caracteriza-se pela não-autonomia gramatical das orações. A

diferença entre esses processos manifesta-se no fato de subordinadas

desempenharem função como termo essencial, integrante ou acessório de outra

oração.

Cunha e Cunha & Cintra mantêm a divisão em três tipos de

subordinadas com algumas ressalvas. As substantivas também podem ser

justapostas, com verbos que expressem ordem, desejo e súplica; além disso, como

observação, é sugerida a inclusão das substantivas de agente da passiva.

Com o objetivo de fornecer elementos para a descrição da estrutura,

funcionamento e uso do português, Mira Mateus et al. (1983) identificam as

estruturas gramaticais possíveis no português, e as dividem em dois tipos: estruturas

de coordenação e estruturas de subordinação.

8 A citada transcrição encontra-se originalmente publicada na NGB, pela qual Antenor Nascentes foi co-responsável.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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Embora a apresentação das autoras siga um tom diferenciado quanto à

orientação teórico-metodológica das demais gramáticas incluídas neste estudo,

ainda assim as definições dos processos são equivalentes. Caracterizam como

coordenadas estruturas em que as orações, ligadas por conectores ou pausas, não

desempenhem funções dentro de outras orações. Com relação ao nexo semântico,

essas orações se coordenariam por conjunção, disjunção, contrajunção e condição-

conseqüência.

Mira Mateus et al. (1983:405) reúnem as construções de subordinação

em três grupos distintos a partir do critério ‘encaixamento’: encaixamento, não-

encaixamento, encaixamento por graduação. No primeiro grupo, estão as

complementizadoras e as relativas; no segundo, as condicionais, as finais, as

contrastivas e as de ordenação temporal; no terceiro grupo, as comparativas e as

consecutivas.

Bechara (s/data:266; 1992:216) classifica coordenadas e intercaladas

como independentes, por não exercerem função sintática dentro de outra oração a

que se ligam, e as subordinadas como dependentes, por exercerem função sintática

em outra e equivalerem a um substantivo, adjetivo ou advérbio.

O tratamento dado por Bechara (1992) aos processos de junção de

orações é baseado no tipo de conexão. Ele mostra que as subordinadas substantivas

(subjetivas, objetivas diretas e indiretas, predicativas, completivas nominais e

apositivas), adjetivas e adverbiais podem apresentar-se tanto encadeadas por

justaposição quanto por conectivos.

Ao tratar das ambigüidades interpretativas ou possível acúmulo de

noções em um único tipo de oração, traça comentários sobre as adjetivas e

adverbiais (condicionais e finais). Segundo o autor, as adjetivas podem acumular

outros sentidos: adversativo, final, condicional, conseqüência, concessão; as

condicionais podem encerrar também noções de hipótese, eventualidade, concessão

e tempo; e as finais podem desencadear interpretação consecutiva, quando a

conseqüência denota efeito ou resultado intencional. Embora o autor não cite,

temos, em nossos dados, evidências de que adjetivas possam acumular a função de

tempo, como em (3) e (4):

(3) antigamente...quando um cara falava assim...ela já pensava que era verdade mesmo [pop236] (4) sexta-feira, quando eu apanhar meu filho no colégio, eu vou

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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pra lá [peul148]

As intercaladas, para Bechara, não trariam, em geral, conectivos

expressos e seriam independentes, entretanto temos evidência em (7) e (8) de que

esse critério é insuficiente para a classificação dessas orações, uma vez que se aplica

somente a intercaladas que funcionam como apêndices, esclarecimentos. Com isso,

queremos chamar a atenção para o fato de que o conjunto das intercaladas pode ser

seccionado em subconjuntos peculiares, e isso pode ser visto em alguns dos nossos

dados de língua falada.

A classificação proposta para as independentes - coordenadas e

intercaladas - não nos parece satisfatória por entendermos que nela ocorre mescla de

critérios, uma vez que o autor inclui num mesmo grupo rótulo destinado a marcar a

ordem das orações - intercalação - e rótulos destinados a marcar processos de

combinação sintática - coordenação. A amostra analisada possibilitou observar que

nem todas as intercaladas são justapostas, isto é, as orações introduzidas por

conectivo também podem ocorrer no interior de outra oração. Alguns desses

exemplos podem ser observados de (5) a (10).

(5) mas ele...quando era garotinho...pegou lá - uma vez pegou - ganhou um copo lá...sabe? [Peul28] (6) aí a professora...quando chega em sala...não sabe o que faz [Peul61] (7) mas...a hora que eu entendê de i lá...eu vô [Pop94] (8) porque quando eu vim de lá...eu era melhor [Pop107] (9) ela põe eles pa me ajudá (risos) porque eu...chego lá...ela fica “ô Iara vem vê a tartaruga [Pop267] (10) mas...na hora de voltar...ela não dá para correr [Peul266]

Bechara, portanto, classifica as intercaladas como independentes9 sem

levar em conta que esse é o traço distintivo de apenas um dos tipos de intercalada.

As orações intercaladas de Bechara nada têm a ver com as que, neste

estudo, consideramos intercaladas. Os exemplos apresentados por esse autor são,

atualmente, vistos como unidades discursivas modernamente nomeadas de

afterthought, a exemplo do rótulo utilizado em estudos mais recentes de orientação

funcionalista.

9 Luft (1981:178) concorda com esse traço distintivo, entretanto ressalta que o termo “intercalada” não é registrado na NGB.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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Com relação às orações reduzidas, observamos um maior consenso

entre os autores. Rocha Lima (1958:264) apresenta as orações reduzidas como

forma peculiar em que podem aparecer as subordinadas, as correlatas e as

justapostas. Elas são identificadas pela forma nominal do verbo empregado:

infinitivo, gerúndio, particípio presente e particípio passado.

Segundo esse autor, à exceção de adjetivas e justapostas adverbiais,

todas as demais podem ser codificadas pelo infinitivo; as gerundivas, ao contrário,

seriam, pela própria formação histórica, exclusivamente adverbiais. Essa afirmação

categórica faz com que o autor discuta a ‘aparente’ feição gerundiva da oração

adjetiva, como em (11).

(11) Vi dois homens brigando na rua

Para Rocha Lima (1958:267), a interpretação da relação sintática

dessas orações pode ser equivocada, pois “tem-se, à primeira vista, a impressão de

que o gerúndio se refere claramente a um substantivo ou pronome da oração

principal, e neste caso, corresponderia ele a uma oração subordinada adjetiva”.

Completa sua análise afirmando que uma observação mais detida do período

mostra-nos “que se trata de mera impressão, pois nelas o gerúndio é apenas

remanescente de uma oração adjetiva cujo verbo figura numa construção

progressiva com o verbo estar”.

Portanto, não seria esse caso, para Rocha Lima, um exemplo de

redução e sim de elipse de dois termos: pronome relativo e verbo auxiliar, com a

seguinte reconstrução recuperada em (11a).

(11a) Vi dois homens que estavam brigando na rua

As reduzidas de particípio presente, usadas normalmente como

substantivos e adjetivos (Said Ali, 1971) seriam, segundo Rocha Lima, quando

desenvolvidas, tipicamente subordinadas adjetivas, como mostra o exemplo (12) e

(12a).

(12) Este é o caminho conducente à glória (p.268) (12a) Este é o caminho que conduz à glória.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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Por fim, as de particípio passado (p.268) aparecem associadas às

adjetivas e às adverbiais, como vemos nos exemplos (13) e (14).

(13) Ficarão em minha casa os parentes chegados ontem do interior. (13a) Ficarão em minha casa os parentes que chegaram ontem do interior. (14) Acabada a festa, retiraram-se os músicos. (14a) Quando acabou a festa, retiraram-se os músicos.

As escolhas interpretativas apresentadas em (13a) e (14a) foram feitas

pelo gramático, mas outras possibilidades descortinam-se em (14b), (14c) e (14d),

não excluindo com essas as nuanças semânticas decorrentes da troca de conectivo

por outro que encerra a mesma noção. Em outras palavras, não apresentamos

exemplos de outras equivalências nocionais que se abrem como leques sem

ultrapassar os limites de classificações tradicionais, como é caso de se trocar quando

por logo que, em que a noção maior de tempo não se modifica, somente a nuança

aspectual.

(14b) Porque acabou a festa, retiraram-se os músicos. (14c) Já que acabou a festa, retiraram-se os músicos. (14d) Acabou a festa, retiraram-se os músicos.

Segundo Luft (1978), excetuando as substantivas de agente da passiva,

todas as outras podem ser reduzidas de infinitivo; as adjetivas podem apresentar-se

nas três formas reduzidas: de infinitivo, de gerúndio e de particípio. Com relação às

adverbiais, causais e modais, podem ser infinitivas e gerundivas; as concessivas,

condicionais e temporais podem assumir as três formas reduzidas e a final somente

pode assumir a forma infinitiva. Já as comparativas, conformativas, consecutivas,

locativas e proporcionais não aparecem de forma reduzida em nenhuma hipótese.

Cunha & Cintra (1985:594) definem as orações reduzidas como

aquelas em que não são utilizados os conectivos, mas, mais do que isso, aquelas que

têm seus verbos nas formas nominais: infinitivo, gerúndio e particípio.

Segundo Cunha (1962:303; 1983:416) e Cunha & Cintra (1985:598),

todas as substantivas, adjetivas e adverbiais, excetuando-se entre essas últimas as

comparativas, conformativas, consecutivas e proporcionais, podem-se apresentar

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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sob forma reduzida de infinitivo. Com relação às gerundivas e participiais, somente

aparecem nessas formas verbais as adjetivas e algumas adverbiais (causais,

concessivas e condicionais).

Esses autores, em forma de nota, incluem as adjetivas no rol das

orações reduzidas de infinitivo, diversamente de Rocha Lima, acrescentando ser

esse uso menos comum no português do Brasil do que no português europeu.

Acrescem ainda que, embora alguns gramáticos considerem galicismo o uso das

adjetivas gerundivas, esse é uso muito antigo no Português (Cunha 1983:416; Cunha

& Cintra 1985:599), fato ilustrado com exemplos dos séculos XIV e XVIII.

Mira Mateus et al. (1983:479), por sua vez, afirmam que “as orações

infinitivas, gerundivas e participiais ordenam temporalmente um determinado

estado de coisas por referência ao intervalo de tempo do estado de coisas descrito

pela outra oração”. Com objetivos descritivos, faz análises pontuais de cada

estrutura recorrente na língua portuguesa, mencionando o uso de formas verbais

infinitivas, gerundivas e participiais em orações adverbiais. Há, entretanto,

referência às orações reduzidas de infinitivo substantivas e relativas.

Bechara (1992:235) enfatiza que não é a falta do conectivo que

caracteriza as reduzidas, mas sim a forma nominal do verbo. Além disso, para o

autor, o emprego dessas orações constituiria um dos recursos que, quando

empregado com arte e bom gosto, emprestaria ao discurso elegância e eficiência.

Essas orações, segundo Bechara (s/data:290; 1992:236), podem ser

independentes (coordenadas) ou dependentes (subordinadas); além disso, a maioria

delas pode ser desdobrada numa correspondente, ainda que existam também as

fixas, que não podem ser desdobradas. As coordenadas são construídas com as

formas verbais infinitivo e gerúndio, em apenas dois casos10 citados pelo autor. As

reduzidas dependentes, se com verbo na forma infinitiva, podem ser desenvolvidas

em causais, concessivas, condicionais, consecutivas, finais, locativas, de meio e

instrumento, modais ou temporais; se na forma gerundiva, podem desencadear

orações desenvolvidas causais, concessivas, condicionais, consecutivas, de meio e

instrumento e temporais; se na forma participial, podem ser desenvolvidas em

causais, concessivas, condicionais e temporais. O terceiro tipo de reduzida, as fixas,

10 Bechara inclui nesses usos o infinitivo precedido da preposição sobre em situações de ênfase e o gerúndio para a expressão de fato imediato.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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são aquelas para as quais não encontramos formas desenvolvidas correspondentes

(Bechara s/data:298; 1992:242). Esses casos refletem as seguintes estruturas:

orações que contêm verbos seguidos de sujeito oracional; orações construídas com

os verbos agradecer, perdoar e haver, seguidos de objeto direto oracional; orações

coordenadas na estrutura sobre ou além de + infinitivo, com sentido aditivo

enfático; orações circunstanciais que denotam exceção, exclusão e meio ou

instrumento.

Em síntese, os rótulos mais comumente empregados para designar os

processos de combinação de orações, na literatura investigada, são coordenação e

subordinação (Said Ali, Garcia, Luft, Cunha, Cunha & Cintra, Mira Mateus et al. e

Bechara). Somente Rocha Lima concebe quatro tipos de processos, por incluir

também a correlação e a justaposição e Morais não considera que coordenação

possa ser usada ao lado de subordinação, enquanto processo. Consenso também

pode ser observado na mistura de critérios utilizados pelos autores para definirem os

processos de combinação de orações por eles arrolados.

Neste estudo, partimos da pergunta: quais são as formas de se

combinarem orações cuja noção relacional seja tempo? Buscamos, assim, identificar

estruturas compostas por duas orações, em que uma oração reflete o tempo de

realização do evento de outra oração. Como partimos do critério semântico para

seleção dos dados, será necessário levar em conta os processos de combinação de

oração numa abordagem funcionalista.

2.2 Abordagem funcionalista

A natureza da combinação de cláusulas tem sido objeto de estudo de

funcionalistas, os quais buscam apresentar modelos que dêem conta das estruturas

lingüísticas correntes. Invariavelmente, criticam o ponto de vista tradicional por

crerem que esse modelo não possa abarcar todas as frases complexas das línguas.

Apresentamos, por isso, um resumo das idéias contidas em alguns trabalhos de

orientação funcionalista, a fim de verificar como esses pesquisadores concebem os

processos de combinação de orações.

Ao tratar da frase complexa, Halliday & Hasan (1983:227) tratam

conjunção como uma relação coesiva que entendem como “a different type of

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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semantic relation, one which is no longer any kind of a search instruction, but a

specification of the way in which what is to follow is systematically connected to

what has gone before”.

Por julgarem que o termo ‘encaixamento’ não tem sido claramente

distinguido de hipotaxe em muitos dos estudos prévios, Halliday & Hasan

(1983:136) preferem o termo ‘rankshifted’, pois esse termo deixa evidente que uma

oração pode ser dependente de outra sem, contudo, estar integrada a ela, não sendo

constituinte da oração-núcleo, portanto.

Halliday (1985:195) divide os processos de combinação de orações em

dois tipos: parataxe e hipotaxe. Segundo ele, na hipotaxe, a inversão de ordem não

muda a interpretação de qual seja a secundária; na parataxe, a que vier anteposta

será a primeira da seqüência, ou seja, a ordem das orações reflete a ordenação dos

eventos, conforme quadro apresentado a seguir.

Quadro 3: Orações Primárias e Secundárias11

Primary Secondary

Parataxis 1 (initiating) 2 (continuing)

Hipotaxis α (dominant) ß

Se essa afirmação é válida para o inglês, no português não pode ser

aceita, porque exemplos como (15), (16) e (17) demonstram que o tempo pode vir

expresso em justapostas intercaladas e pospostas.

(15) isso, eles vive dizendo isso, eu nem sonhava em ter filho ainda [peul143] (16) tem tanta gente aí que sofre tanto, né? em pequeno, que, no entanto, cresce, vai ser um grande homem [peul198] (17) qué dizê que o padre abria a porta...nóis era os primero a entrá [pop286]

Casos em que o tempo vem expresso em ambas as orações combinadas

também ficam à margem da afirmação de Halliday. E esses casos podem ser vistos

em (18) a (20).

(18) comecei aprendê.. eu era pequeno [pop341] (19) minha mãe morreu...eu tinha oito ano [pop343]

11 Reprodução da tabela 7(1): “Primary and Secondary Clauses”, In: Halliday (1985:195).

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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(20) eu fui sabê meu nome...eu tinha vinte e três para vinte e quatro ano [pop364]

Para Halliday (p.198), hipotaxe é o processo de ligação de elementos

de estatuto sintático diferente, ao passo que parataxe representa a combinação de

elementos com o mesmo estatuto. Seria, portanto, a parataxe uma relação lógica

simétrica e transitiva, ao contrário da relação lógica implementada pela hipotaxe.

Há, em Halliday, a distinção entre os processos de combinação de

orações e o encaixamento. Assim, enquanto os processos combinatórios oracionais

são vários em termos de graus de interdependência, o encaixamento é mais restrito

por determinar unicamente casos em que uma oração funciona como constituinte de

outra oração. As relações que implicam combinação de orações podem ser

apreciadas no quadro 4, formulado originalmente por Halliday (1985:197)12.

Quadro 4: Tipos Básicos de Combinação de Orações

PROJECTION Parataxis Hipotaxis

(a) elaboration -------------------- ----------------

(b) extension -------------------- ----------------

(c) enhancement -------------------- ----------------

EXPANSION (a) locution ----------------- ----------------

(b) idea ------------------ ----------------

Halliday, como podemos observar no quadro 4, faz a distinção entre os

tipos de interdependência com base em dois critérios: projeção e expansão. Lendo

as informações contidas no quadro, apreendemos que, de um lado, elaboração,

extensão e realce são três tipos de projeção, e, de outro, que locução e idéia são

dois tipos de expansão.

Na elaboração, uma oração elabora o sentido da outra, na medida em

que a informação já apresentada é retomada ou especificada. Na extensão, uma

oração amplia o significado da outra, trazendo um acréscimo em relação à primeira

informação. No realce, uma oração imprime relevo circunstancial à informação da

oração à qual se combina.

O encaixamento, no modelo de Halliday, como dissemos

anteriormente, não faz parte da combinação de orações, por ter intrinsecamente

12 Reprodução parcial da tabela 7(2): “Basic Types of Clause Complex”.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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estatuto sintático diverso. Enquanto o encaixamento inclui restritivas e completivas

subjetivas e objetivas, a parataxe inclui casos de coordenação, justaposição e

citação. A hipotaxe, por sua vez, remete a relativas não-restritivas, ‘reported speech’

e adverbiais em geral.

Thompson (1984:86) afirma que não há, normalmente, critérios

razoáveis que dêem conta de tudo o que, na língua, se encaixa em ‘subordinação’:

“So the term ‘subordination’ seems to be at best a negative term which lumps

together all deviations from some ‘main clause’ norm, which means that it treats as

unified a set of facts which we think is not a single phenomenon”.

A autora distingue entre dois tipos de orações que normalmente são

consideradas ‘subordinadas’. O primeiro tipo congrega um grupo de orações

governadas por princípios gramaticais e o segundo tipo, um grupo cuja

independência organizacional é traço marcante.

No primeiro grupo, as orações estão em constituição com um nome, um

verbo ou uma preposição. Se em constituição com um nome, são reconhecidas

como orações relativas; se em constituição com um verbo ou preposição, são

orações-complemento. Os exemplos apresentados por Thompson sugerem que,

considerando a terminologia da gramática tradicional, as primeiras seriam

equivalentes às orações adjetivas restritivas, as segundas, às substantivas objetivas

diretas, e as últimas, às reduzidas de infinitivo.

No segundo grupo, são incluídas as chamadas adverbiais, participiais e

relativas não-restritivas. Essas orações são diferentes daquelas do primeiro grupo

por não desempenharem função dentro da outra oração e serem apresentadas como

não-dependentes.

A autora prefere o rótulo não-dependente a independente, por crer que

não haja orações plenamente independentes no discurso: “Pragmatically, of course,

almost every utterance we use is dependent, since it requires context for its

interpretation, but what grammarians have been concerned about when they use the

‘dependent’ has generally been grammatical dependency, not this kind of pragmatic

dependency” (p.88).

Haiman & Thompson (1984, apud Decat, 1993:95 e Koch, 1995:13)

propõem, como solução para essa abordagem inadequada das combinações de

orações, alguns critérios para dar conta dos tipos classificados como ‘subordinação’:

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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identidade de sujeito, tempo e modo das orações combinadas; redução de uma das

orações; incorporação gramatical da oração; ligação entonacional; inclusão de uma

oração como escopo da outra; ausência de iconicidade; e identidade de atos de fala.

Portanto, os processos de combinação de orações em Thompson e

Haiman & Thompson passam longe de uma classificação tradicional, uma vez que

vinculam sua análise a outros critérios que não ao tipo de conector. Dessa forma,

rejeitam o critério de dependência utilizado para algumas orações ‘subordinadas’,

numa acepção gramatical, e fragilizam o rótulo ‘subordinação’ enquanto abarcador

de tipos diversos de construções oracionais.

Matthiessen & Thompson (1988:285) afirmam não haver consenso

entre os estudiosos quanto à terminologia utilizada para nomear processos de

combinação de orações. Não aceitam o rótulo ‘adverbial’ nem ‘subordinada’ por

sinalizarem invariavelmente encaixamento que, para esses autores, não é verdadeiro.

Seguindo esse raciocínio, distinguem, a exemplo de Halliday (1985), entre

combinação de orações e encaixamento, por entenderem que há uma mistura de

critérios ao se juntarem orações do tipo circunstancial com aquelas que

desempenham função sintática dentro de outra oração, casos em que funcionam

como constituinte da oração a que se subordinam.

A visão dos autores é diversa da tradicional já que vêem a gramática de

combinação de orações como reflexo da organização do discurso. Para que essa

organização seja apreendida, Matthiessen & Thompson(1988:289) apresentam a

distinção entre relação núcleo-satélite e relação lista: “we have also seen that two

types of relations can be distinguished: those in which one member of the related

pair is ancillary to the other (diagrammed with an arc from the ancillary portion to

the central portion), and one in which neither member of the pair is ancillary to the

other (diagrammed as descendents from a List node). This distinction is crucial. The

first type we might call a ‘Nucleus-Sattelite’ relation, the second a ‘List’ relation.”.

Segundo eles, em um texto convivem porções textuais nucleares e

porções suplementares aos objetivos centrais do texto. O satélite é um elemento

periférico na relação núcleo-satélite, ou seja, a função organizacional da oração dita

satélite é secundária, mas não menos importante ou dependente, em relação à

oração- núcleo. Em contrapartida, na relação lista, não ocorre essa vinculação de um

elemento em relação a outro, ou seja, não ocorre hierarquização.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

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Matthiessen & Thompson (1988:301) defendem que a combinação de

orações constitui gramaticalização de unidades retóricas no discurso, mais

especificamente, “enhancing hypotactic clause combining has evolved as a

grammaticalization of rhetorical relations in text of the enhancing Nucleus-Satellite

kind”. Como Halliday, esses autores apresentam dois tipos de marcas gramaticais

que viriam sinalizando as orações satélite: conectivo e natureza finita, neste último

incluídas as infinitivas e participiais.

Eles descrevem as hipotáticas circunstanciais a partir de algumas

propriedades, dentre as quais citamos marcas gramaticais e ordem. Por marcas

gramaticais, entende-se que unidades formais devem sinalizar a diferença entre

núcleo e satélite e, por ordenação, apreendemos a seqüência de porções envolvidas

na relação núcleo+satélite.

Ainda com relação à ordem, Matthiessen & Thompson negam que

exista variação livre, pois, na verdade, a seqüência da relação núcleo-satélite é

altamente determinada pelo discurso. Esse fato pode ser justificado, segundo os

autores, com as diferenças no estatuto temático proveniente da inversão. Nesse

sentido, se a hipotática é ‘guia’ virá anteposta à núcleo, por exigência de sua função

orientadora. Os autores seguem o que postulou Chafe (1984) ao chamá-la de

‘guidepost’.

Para Matthiessen & Thompson (1988), as coordenadas e hipotáticas

estão próximas entre si e distantes do encaixamento, pois as hipotáticas partilhariam

um maior número de traços com as coordenadas do que com as encaixadas. Num

contínuo, teríamos a seguinte figura.

Contínuo 1: Aproximação dos Processos segundo Traços

Coordenadas >>>hipotáticas>>>>>>>>>>>>>>>>> encaixamento

Lehmann (1988:214) classifica os processos de combinação de orações

a partir de seis parâmetros: hierarquia gradual de orações subordinadas, nível

sintático da oração principal e da oração subordinada, dessentencialização da oração

subordinada, gramaticalização do verbo principal, entrelaçamento das duas orações

e explicitude do elo conectivo.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

29

A partir da combinação desses seis parâmetros, cria o autor vários

contínuos que são expressos entre dois pólos: elaboração e condensação, conforme

quadro 513. Segundo o autor, tal fato significa que duas forças opostas atuam no

processo de ligação de orações, formando dois pólos extremos. Entre esses

extremos, existe uma gama de variedades e tipos intermediários e concomitantes de

combinação de orações.

Quadro 5: Paralelismo de contínuos de ligação de orações

elaboration -------------------------------------- compression Downgrading of subordinate clause weak ------------------------------------------------------ strong parataxis embedding Syntactic level high --------------------------------------------------------- low sentence word Dessententialization weak --------------------------------------------------------- strong clause noun Grammaticalization of main predicate weak ------------------------------------------------------- strong lexical verb grammatical affix Interlacing weak --------------------------------------------------------- strong clauses disjunct clauses overlapping Explicitness of linking maximal ---------------------------------------------------- minimal syndesis asyndesis

Observando o quadro acima, verificamos que Lehmann polariza

elaboração e condensação para sinalizar os graus de conexão das orações. Do ponto

de vista da gradiência de orações subordinadas, a parataxe representa fraco grau de

vinculação na elaboração, enquanto o encaixamento, o mais forte grau. Levando em

conta o nível sintático, a sentença estaria num alto grau de elaboração e a palavra,

no mais baixo grau, no pólo oposto. A dessentencialização é mais fraca em orações,

entretanto mais forte no nome, porque representa o processo pelo qual uma oração

perde características oracionais e torna-se constituinte de outra oração. A 13 Reprodução fiel ao original apresentado na Figura 6: “Parallelism of clause linkage continua”, In:

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

30

gramaticalização é fraca em itens lexicais verbais, contudo muito forte em afixos

gramaticais. O entrelaçamento das orações possui seu grau mínimo na disjunção de

orações e grau máximo na sobreposição de orações. A explicitude da conexão é

máxima nas sindéticas e mínima nas assindéticas.

Todos os contínuos, segundo Lehmann(1988:216), partem de um pólo

de máxima elaboração em direção a um pólo de máxima condensação do léxico e da

informação gramatical, podendo ser explicado por meio da atuação de forças

opostas: “this means that two opposing forces are at work in clause linkage. The

first acts towards the elaboration of a phrase into a more fully developed

construction which contains its own predication with all the accessories.(...) The

opposing force acts towards the compression of a full-fledged clause to a nominal

or adverbial constituent of a matrix clause”. Com base na atuação dessas duas

forças antagônicas, mas complementares, Lehmann estabelece um modelo funcional

de junção de orações

Em resumo, as idéias discutidas nesta seção evidenciaram um

distanciamento maior ou menor da visão positivista da gramática. Embora Halliday

faça distinção entre processos de combinação de orações (parataxe e hipotaxe) e

encaixamento, neste trabalho o rótulo combinação de orações abrange todas as

construções que estão ligadas semanticamente pela relação de tempo.

2.3 Perspectiva da Gramaticalização

Hopper & Traugott (1993:170) propõem a combinação de dois critérios

para o estabelecimento de um contínuo de orações: dependência e encaixamento.

Dividem, então, os processos de combinação oracional em três tipos: parataxe,

hipotaxe e subordinação.

Parataxe evidencia independência entre as orações que compõem a

seqüência. Hipotaxe vem expressa pela interdependência entre as orações

combinadas, havendo uma oração-núcleo e uma ou mais orações com relativa

dependência. Subordinação apresenta-se com grau máximo de dependência, por

servir como constituinte da oração-núcleo.

Lehmann (1988: 217).

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

31

Esses autores também representam, em forma de quadro de contínuos,

os processos de combinação de orações, incluindo, a exemplo de Lehmann (1988), o

critério da integração sintática, apresentado na seção anterior. A representação

desses critérios em contínuos pode ser observada no quadro 6.

Com base nesses critérios, afirmam que adverbiais e relativas

apositivas podem ser menos dependentes do que relativas restritivas e orações-

complemento em algumas línguas ou em estágios de uma língua.

Segundo as informações apresentadas por Hopper & Traugott, a

Parataxe, como processo de ligação, envolve tanto as justapostas, quanto as

coordenadas. As primeiras aparecem lado a lado sem a presença de um conector e a

relação semântica é estabelecida somente por inferência. As segundas, ao contrário,

trazem o conectivo explícito e apresentam as orações num mesmo contorno

entonacional. A Hipotaxe representa a seqüência de orações que surgem da

reanálise de sintagmas adverbiais, portanto, como já mostrado por Mathiessen &

Thompson (1988), com status semântico diferente das encaixadas: “they have not

reached the level of incorporation that, for example, complements have done”

(Hopper & Traugott 1993:176). A Subordinação identifica orações com força

elocucionária idêntica à da matriz e é equivalente ao constituinte que expressa.

Essas orações exemplificam o que Lehmann chama de interlaced, por isso mesmo

são completamente dependentes de sua matriz.

Quadro 6: Propriedades relevantes para o contínuo de Combinação de Orações14 parataxis------------------------hypotaxis-----------------subordination (independence) (interdependence) (dependence) nucleus ----------------------------------------------------------- margin minimal integration ------------------------------ maximal integration maximal overt linking ---------------------------minimal overt linking

14 Reprodução integral da figura 7.1: “Properties relevant to the cline of clause combining”, In: Hopper & Traugott 1993:171.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

32

Harris & Campbell (1995) discutem os processos de junção das

orações, questionam a unidirecionalidade da mudança e examinam como as

estruturas renovam-se na língua.

As autoras apresentam duas razões para a crença de que hipotaxe é

derivada de parataxe, idéia consensual na visão mais tradicional (cf. Said Ali 1971).

A primeira razão advém de que a parataxe é mais comum nos estágios mais recentes

de uma língua escrita do que encaixamento; e a segunda é baseada na idéia de que

subordinadores em muitas línguas surgiram a partir dos pronomes interrogativos. A

segunda hipótese, segundo estudos das autoras, não se sustenta por falta de

evidências lingüísticas.

Para Harris & Campbell, a mais aceitável explicação para o surgimento

das construções complexas estaria baseada na reanálise de estruturas. Como

evidência, apresentam o caso do pronome thaβ (das) que, já no alemão antigo, foi

usado para marcar subordinadas, sendo reanalisado, então, como

complementizador. Essa reanálise explicaria uma forma gráfica que distinguisse o

pronome demonstrativo das do complementizador dass (daβ). Evidência disso

também pode ser encontrada, segundo as autoras, no inglês com a reanálise de “the

while that” em while e, no francês, de “par ce que” em parce que.

Quanto à unidirecionalidade, essas autoras consideram bastante

questionável que se conceba uma mudança lingüística sempre da estrutura menos

complexa para a mais complexa. A evidência apresentada pode ser observada em

qualquer língua viva, uma vez que nelas continuam a existir estruturas simplificadas

e não apenas as mais complexas.

Com relação à renovação, as autoras remetem ao processo contínuo de

substituição ou revisão dos tipos de construções utilizadas, não sem antes desmontar

o consenso de que a hipotaxe é um recurso mais sofisticado, enquanto parataxe,

primitivo. As autoras assentem que esse consenso pode ser aceito, parcialmente, se

restringirmos hipotaxe a orações finitas; entretanto temos hipotáticas não-finitas.

Essa afirmação prende-se ao fato de que resultados do estudo de Chafe (1982)

apontaram para um maior índice de subordinadas finitas na escrita do que na fala.

Ainda que a produtividade seja evidenciada, questionam as autoras a aproximação

entre freqüência e primitividade. Ou seja, a alta produtividade não é evidência de

primitividade.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

33

Harris & Campbell (1995:310), portanto, refutam a hipótese Parataxe,

mas aceitam o Princípio do Uniformitarismo, que prevê que um processo que opera

num tempo pré-histórico é o mesmo que opera no tempo histórico. Entretanto, para

que um processo tenha ocorrido, evidências são necessárias.

Todos os argumentos construídos pelas autoras envolvem a reanálise

em alguma instância. Reanálise, aliás, é a explicação mais aceitável para o

surgimento das hipotáticas, porque as autoras crêem que nenhum mecanismo

especial é necessário para a explicação de como surgiram essas orações. Segundo

elas, toda língua que tenha formas verbais não-finitas tem o potencial para

introduzir uma oração subordinada finita. Portanto, a etimologia de um conectivo

não poderia explicar a estrutura original do tipo oracional, pois a subjunção pode ser

extensiva a um tipo diferente de oração, por reanálise.

Harris & Campbell (1995:304) estabelecem uma tipologia de orações,

aplicável somente às subordinadas, baseada no tipo de asserção; daí os rótulos:

asserções do falante, asserções indiretas e não-asserções. As orações com que

trabalhamos estão incluídas nas não-asserções, uma vez que adverbiais em geral

fazem parte desse grupo.

Paiva (1998:62), por outro lado, analisando as expressões da relação de

causalidade no Português de Contato do Alto Xingu, fez observações que

confirmaram a Hipótese Parataxe. Notou que, com o avanço do aprendizado do

português, a relação de causa fica mais gramaticalizada, pois, se inicialmente a

parataxe predomina, com o domínio mais acentuado da língua, a hipotaxe aumenta

expressivamente. Esta é uma evidência de que mudanças lingüísticas na combinação

de orações estão atreladas aos estágios de aquisição de L2. Nesse sentido, a

Hipótese Parataxe é aplicável ao Português de Contato.

Franjzyngier (1996) investigou construções complexas nas línguas

Chadic, e propôs uma tipologia oracional baseada em três tipos: ligação assindética,

seqüencial e subordinada. Nesse modelo, muitas estruturas complexas subordinadas

naquela língua são identificadas com base no tipo de verbo da principal:

complementos de verbos de dizer, interrogativas encaixadas, complementos de

verbos de volição, complementos de verbos de percepção, complementos de verbos

de cognição, orações temporais, orações condicionais e orações relativas.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

34

Novamente, a maioria das explicações dadas para o surgimento das orações baseia-

se na reanálise.

Em síntese, nesta seção, apresentamos notícias sobre os trabalhos de

Hopper & Traugott, Harris & Campbell, Paiva e Franjzyngier, a fim de enfatizar que

a reanálise, enquanto processo que implica a mudança de percepção de uma dada

estrutura por abdução (inferência), é explicação recorrente na literatura sobre

gramaticalização.

Voltaremos a este tema na análise de nossos dados, uma vez que

apresentaremos evidências de que estruturas emergentes da combinação de orações

podem ser explicadas por reanálise.

3. Orações de Tempo

Este capítulo é destinado a tratar especificamente das orações de tempo

no português, em duas perspectivas: tradicional e funcionalista.

É consenso entre os autores de gramáticas tradicionais que as orações

adverbiais funcionam como adjuntos adverbiais de outras orações. De modo geral, o

que encontramos na bibliografia consultada é uma apresentação bastante superficial

do comportamento dessas orações. As temporais, objeto de nossa investigação,

invariavelmente aparecem incorporadas a um conjunto “homogêneo” de orações,

nomeado subordinadas adverbiais.

Pela homogeneização dos tipos oracionais, pouco espaço é dado à

discussão de peculiaridades comportamentais das orações e isso pode ser observado

em Said Ali (1964), Rocha Lima (1958), Cunha (1962, 1983), Luft (1978, 1981),

Cunha & Cintra (1985) e Bechara (1992). Quando encontramos algum comentário,

este remete o leitor ao capítulo sobre as respectivas conjunções. Por outro lado, há

autores (Morais 1972; Mira Mateus et alii 1983) que, embora façam observações

que levem em conta o uso dos conectores, fazem-no de forma a dar evidências de

noções desencadeadas, portanto com orientação semântica.

Em resumo, embora partamos do princípio de que o tipo do conector

não seja crucial para a depreensão da noção de tempo, dois motivos impelem-nos a

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

35

recuperar algumas informações sobre o assunto: a ênfase dada por alguns autores

consultados e a busca de evidências para nossas hipóteses.

Na segunda seção, apresentaremos trabalhos de lingüistas

funcionalistas que têm construído hipóteses e análises bastante profundas de orações

de tempo, especificamente em português. Portanto, farão parte desta seção os

resultados das principais pesquisas desta década sobre as orações de tempo no

Português: Decat (1993), Braga (1995, 1996), Souza (1996) e Neves & Braga (no

prelo).

3.1 Abordagem da Gramática Tradicional

Segundo a abordagem tradicional, as orações de tempo, no português

padrão, podem ser introduzidas por conjunções subordinativas ou locuções

conjuntivas, também chamadas orações desenvolvidas. Essas orações podem ser,

ainda, construídas com verbos na forma não-finita, sendo chamadas reduzidas.

Said Ali (1964:142), tratando da noção de tempo, discute o papel das

conjunções e defende a idéia de a palavra que ter valor de conjunção temporal. A

interpretação temporal seria lícita à palavra que, “quando se segue às expressões

hoje, agora, então, há tempo, faz anos, a primeira vez, a última vez, e outras do

mesmo gênero”.

Rocha Lima (1958:257; 1962:173) comenta genericamente as

adverbiais, limitando-se a nomear os tipos de adverbiais, dentre elas as temporais,

sem entrar na discussão de cada uma delas. Dessa forma, lista algumas conjunções

temporais (apenas, mal, quando, até que, assim que, antes que, depois que, logo

que, tanto que), sem fazer referência ao seu uso.

O espaço dedicado por Rocha Lima às temporais é muito restrito.

Enquanto, na edição de 1958 (p.257), são citadas algumas adverbiais por tipo de

relação semântica, incluindo as temporais, na edição de 1962 (p.258), as temporais

sequer são mencionadas.

Cunha (1962:282; 1983:396) e Cunha & Cintra (1985:573), ao

focalizarem as temporais, também apresentam um rol de conjunções similar ao de

Rocha Lima, acrescentando alguns outros conectores (sempre que, desde que, todas

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

36

as vezes que, cada vez que, que= desde que). Cunha & Cintra, entretanto, alertam

que, quanto ao emprego desses conectivos, “o seu valor está condicionado ao

contexto em que se inserem, nem sempre isento de ambigüidade, pois que há

circunstâncias fronteiriças”(p.576). Tais casos são rotulados de polissemia

conjuncional.

Luft (1978:157; 1981:177) apresenta lista semelhante a de Rocha

Lima, observando que, embora alguns autores considerem justapostas as orações de

seqüências como Sei quando isso aconteceu, de fato a segunda é introduzida por

pronomes relativos sem antecedente, ou interrogativos (em interrogações indiretas);

esses pronomes acumulariam função de conectivo, denotando um sincretismo.

Bechara (s/data:200; 1992:164) apresenta as orações temporais por

meio de alguns exemplos e o peso maior novamente é dado ao capítulo que trata

das conjunções e das noções por elas expressas. Segundo o autor, as conjunções

temporais iniciam a oração que exprime o tempo da realização do fato enunciado na

oração principal, podendo indicar tempo anterior (antes que, primeiro que),

posterior (depois que, quando), posterior imediato (logo que, tanto que, assim que,

desde que, apenas, mal, eis que, senão quando, eis senão que), freqüentativo

(quando, todas as vezes que, cada vez que, sempre que), concomitante (enquanto, no

entretanto que) ou terminal (até que).

Morais (1972), com base em textos escritos, trata de outros valores

expressos por conectivos, normalmente deixados de lado nas gramáticas

tradicionais. Como justificativa, o autor afirma que a ocorrência de superposição de

noções gera uma confusão, de tal modo que não é possível ao analista dizer qual

dessas noções é predominante. Muito provavelmente seja nesse sentido que “talvez

se possa dizer que há ambigüidade ou polissemia” (p.173). No primeiro caso,

haveria sobreposição de sentidos, descobrindo-se o predominante, em muitos casos,

pelo contexto, mas em alguns casos persistindo a noção ambígua. No segundo caso,

o da polissemia: uma mesma conjunção ou locução conjuntiva em contextos

diversos pode desencadear mais de uma noção.

Um caso evidente dessa acumulação de noções pode ser observado,

segundo o autor, em orações reduzidas de gerúndio, que, à leitura, fazem com que

um leque se abra e nele se encontrem as noções de tempo/causa ou

tempo/causa/modo, simultaneamente.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

37

Fato similar ocorre na locução mesmo quando, pois o falante comum é

capaz, segundo Morais (p.174), de notar que há duas partículas que compõem a

noção, e essas partículas poderiam ser decompostas e utilizadas de outra maneira15.

Duas noções se percebem com a apresentação da locução mesmo quando:

inclusão/tempo, as quais resultam, em combinação, na noção de concessão.

Morais propõe que as orações adverbiais como um todo, tendo em vista

a noção expressa, e não o conectivo utilizado, sejam classificadas de forma diferente

da tradicional. Passamos, então, a apresentar algumas considerações sobre esses

rótulos, no que tange tão somente às temporais. Essas considerações serão

apresentadas em dois sentidos: conjunções tidas como temporais que figuram com

outro sentido e conjunções de outros tipos que figuram como temporais.

Há orações subordinadas adverbiais que podem, pelo conector

utilizado, desencadear a noção de adição. Nesse sentido, propõe o autor a

classificação de orações subordinadas adverbiais aditivas, as quais encerram um

fato a que se acrescenta outro, apresentado na oração principal. Para exemplificar, o

autor apresenta a expressão “en même temps que”, do francês, mas acrescenta que

essa noção pode manifestar-se no português pelo uso das partículas também e ainda

que funcionam como reforço da noção de acréscimo expressa pela subordinada.

Existem algumas conjunções que são tradicionalmente classificadas

como temporais (quando, enquanto, enquanto que, ao passo que), as quais podem

carrear noções de contraste e oposição, como fazem as adversativas. Contudo,

segundo Morais (p.194), somente esse fato não satisfaz a necessidade de se criar um

novo tipo de oração16.

Esses tipos conjuncionais, claramente temporais na origem, evidenciam

uma derivação das orações temporais, “em algumas construções - as que indicavam

simultaneidade -, foi-se insinuando a idéia de contraste, a qual não chegou a

predominar e excluir qualquer noção de tempo”(p.195). Para o autor, essas orações

devem ser chamadas de comparativas contrastivas, que não devem ser confundidas

com as temporais, mesmo porque a presença do conectivo não é determinante na

noção expressa. Fenômeno similar ocorre com “desde que”, que pode indicar

15 Morais (1972:174) diz que, nesse caso em que as partículas podem ser decompostas, não ocorreu a gramaticalização. Quando esse fenômeno é realidade, o falante comum não consegue decompor a conjunção, como ocorre com embora. 16 O autor refere-se às orações subordinadas adversativas, estudadas por Renzo Cristiani (1941) e Regula e Jernej (1965) no italiano e Kr. Sandfeld, no francês.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

38

tempo/causa/condição, e com “enquanto que”, que pode sugerir

contraste/oposição/tempo.

As comparativas constrastivas podem ser iniciadas, ainda segundo

Morais, por quando, enquanto, enquanto que17, entretanto que, entanto que e ao

passo que. Ainda que quando seja preponderantemente empregado com a noção de

tempo, há raros casos em que é empregado para indicar contraste também.

Para diferenciar os usos de “enquanto que” e “enquanto”, Morais faz

um estudo da ordenação desses tipos de orações, chegando à conclusão de que, se a

noção expressa é contrastividade, a oração “enquanto que” virá anteposta à

principal. Se o conector for “enquanto” e estiver associado à noção de tempo, a

ordem mais recorrente será a posposição da temporal em relação à principal.

Enquanto Bechara (apud Morais 1972:203) diz que a locução “ao

passo que” pode ser empregada sem a noção de proporção, Morais, com base em

seus dados de língua escrita, é mais incisivo, afirmando que ‘raramente’ esse uso

ocorre com noção de proporção. Segundo ele, sua maior incidência é decorrente da

noção de contraste e esse uso é muito recente na língua, contudo não condenado

pelos gramáticos como ocorreu com “enquanto que”.

Morais discute o estatuto das orações locativas e mostra que é

perfeitamente possível encontrarmos a locução “antes que” despontando a noção de

lugar, apresentando o seguinte exemplo18:

(21) Nos baixios da Jussara, antes que comece o riacho, viu a fumaça cegando (Adonias Filho, Corpo Vivo, pp.13-4)

Mira Mateus et al. (1983:474) consideram, em separado, os aspectos

semânticos da ordenação temporal e os aspectos sintáticos das construções

temporais. Com relação ao aspecto semântico, a ordenação de tempo pode ser

expressa por coordenação ou subordinação. Por coordenação, o tempo seria

expresso pela sucessão das orações, enquanto por subordinação, teríamos um

sentido explicitamente temporal.

Quanto ao período de tempo do evento, “os dois estados de coisas

podem ser homo ou hetero-temporais; no primeiro caso são simultâneos, no

17 Segundo Morais (1972:201), os autores que primeiro se deram conta desse uso do enquanto que foram Leite de Vasconcelos e Epifânio Dias em Portugal; no Brasil, foram Mário Barreto e Evanildo Bechara. 18 Exemplo oferecido por Morais (1972:214).

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

39

segundo caso são sucessivos” (Mira Mateus et al.: 1983:475). As conjunções

quando, enquanto, ao mesmo tempo que aparecem em construções simultâneas e as

conjunções antes que/de, depois que/de, em construções sucessivas.

Com relação ao aspecto sintático, as autoras focalizam os conectores

usados e os distribuem em cinco grupos: 1.conectores quando ou enquanto; 2.

conectores de base adverbial (agora que, logo que, sempre que, assim que, antes

que/de, depois que/de); 3. conectores de base prepositiva (desde que, até que); 4.

conectores implícita ou explicitamente correlativos (mal, apenas); 5. conectores de

base nominal (no momento em que, na altura em que, todas as vezes que, cada vez

que, à medida que).

Ao considerarem problemas relacionados às orações infinitivas,

gerundivas e participiais de sentido temporal, Mira Mateus et al. (1983:479) frisam

que nelas ocorre uma profunda integração, pela possibilidade de se inferir o tempo

dessas orações a partir do tempo expresso na oração-núcleo.

Ainda segundo essas autoras, as infinitivas podem exprimir

simultaneidade, se iniciadas por ao, ou sucessividade, se iniciadas por antes de,

depois de; mas também podem ser iniciadas por até. As gerundivas exprimem

simultaneidade de eventos, entretanto, se o gerúndio for expresso em locução

verbal, indicará a anterioridade do evento. As participiais, por sua vez, exprimem a

anterioridade do evento.

Quanto à posição, tanto as gerundivas quanto as participiais são

antepostas; se infinitiva flexionada ou qualquer outra forma finita, poderá

apresentar-se anteposta ou posposta à outra oração. Ainda com relação à ordem,

Mira Mateus et al. (p.482) afirmam que a posposição demonstra-se mais usual em

duas situações: depois de expressão comparativa e como reforço de oposições de

caráter aspectual.

Quanto à explicitude do sujeito nas orações reduzidas, o sujeito nulo da

oração temporal é interpretado como co-referente do sujeito da oração-núcleo. Com

a oração infinitiva e gerundiva, os sujeitos podem ter o traço [-identidade]. Já, a

oração participial nunca tem sujeito próprio, categoricamente tem sujeito co-

referente da outra oração. Entretanto, se tiver objeto, estabelece relação de

concordância em gênero e número com esse objeto, que pode ser interpretado

equivocadamente como sujeito.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

40

Dois outros comentários acerca das reduzidas temporais apresentam-se

em Bechara (1992:242) e dizem respeito à formação das gerundivas e das

participiais. As primeiras, quando utilizam preposição em, fazem com que o verbo

da oração núcleo expresse futuro, conforme exemplo (22). Já as últimas podem vir

acompanhadas do pronome relativo que + verbo ser, conforme exemplo (23).

(22) Em havendo paz, a vida será melhor. (23) Esgotado que foi o prazo para entrega do plano, o fracasso imperou.

Em síntese, as conjunções são privilegiadas nas discussões de cada

autor enfocado, tanto como elementos que desencadeiam a noção de tempo quanto

como elementos que evidenciam o surgimento de uma semântica ‘nova’ no uso de

ferramentas lingüísticas antigas. Esse e outros aspectos sobre estruturas emergentes

serão mais concretamente trabalhados na seção 5, quando analisaremos os materiais

de língua falada.

3.2 Abordagem Funcionalista Nesta seção, serão apresentadas e discutidas idéias desenvolvidas em

estudos de lingüistas contemporâneos na observação do Português do Brasil.

Decat (1993) investiga o modo como cada oração de realce no

Português do Brasil se articula, usando corpus de língua falada e escrita. Numa

perspectiva funcional-discursiva, analisa as orações adverbiais conectivas e

justapostas, nas formas plena e reduzida de infinitivo, buscando correlacionar as

modalidades oral e escrita aos gêneros narrativo e dissertativo no português.

A autora admite a hipótese de que o uso da hipotaxe adverbial seja

influenciado por três fatores: o gênero de discurso, a modalidade e a variação

individual. Com relação às orações de tempo, conclui que tanto no narrativo oral

quanto escrito, das relações básicas de realce, a de tempo é a mais recorrente.

Na correlação entre o narrativo oral e o dissertativo oral, Decat

observou que o narrativo privilegia a relação de tempo e que o favorecimento dessa

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

41

relação no narrativo se sobrepõe ao dissertativo, na modalidade escrita. Esses

resultados foram representados por Decat (p.216) em um contínuo crescente que

mostra, de forma mais clara, como foi a distribuição, com a relação de tempo:

Contínuo 2: Distribuição de Orações de Tempo: Dissertativo x Narrativo

DO ------- NE ------ DE ------ NO

31,25% 40,4% 59,6% 68,75%

Os resultados apurados pela autora levaram-na a afirmar que discursos

narrativos privilegiam a relação de tempo, enquanto os discursos dissertativos

privilegiam a relação de motivo. À exceção do narrativo escrito, os três demais

discursos favorecem a anteposição de orações hipotáticas em formas plenas:

“tendem a se antepor as cláusulas adverbiais que funcionam como orientação no

narrativo ou encaminhamento no dissertativo; e a tendência à posposição está

ligada à função avaliativa ou argumentativa a que elas se prestam no narrativo e

no dissertativo” (Decat 1993:272).

Braga (1995) comparou orações de tempo reduzidas de gerúndio,

coordenadas e as chamadas adverbiais, segundo os parâmetros mobilidade

posicional e explicitação do sujeito. Seu objetivo era verificar se as orações

reduzidas se comportavam como as coordenadas ou como as adverbiais. Seus

resultados mostraram que as orações subordinadas desenvolvidas assumiram a

maior recorrência no corpus analisado pela autora (67,5%), ocupando

preponderantemente a margem esquerda. As orações coordenadas foram

construídas, com predominância, em anteposição, justificada pela iconicidade que

rege esse tipo de oração. As reduzidas, por sua vez, assumem uma distribuição mais

equilibrada quanto à posição em relação à matriz.

Com relação à explicitação do sujeito na oração de tempo, Braga

(1995:92) observou que, enquanto as desenvolvidas e as coordenadas detêm uma

marca de realização de sujeitos na casa dos 70%, as reduzidas caminham em sentido

contrário, pois, embora com diferença pequena (6%), a maior recorrência é de

sujeitos não-explícitos.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

42

A autora chega à conclusão de que as reduzidas são orações a meio

caminho das demais, quanto aos critérios em que foi avaliada, uma vez que possuem

mobilidade posicional como as desenvolvidas, mas comportam-se diferentemente

na explicitação do sujeito.

Uma vez que as orações reduzidas, nesse estudo de Braga, revelaram-

se orações surpreendentes quanto ao comportamento, Braga (1996) retoma o tema,

desta vez isolando essas orações e analisando-as no corpus do Projeto da Gramática

do Português Falado, formado a partir de materiais de língua falada do Projeto

NURC.

Braga (1996) retoma, com maior profundidade, o estudo das orações

reduzidas com noção de tempo, a fim de buscar respostas sobre serem as reduzidas

estratégias de subordinação ou de coordenação. Para tanto, a autora elege quatro

critérios para investigar o estatuto sintático desse tipo de oração: posição,

explicitude do sujeito, identidade entre sujeitos e nível sintático do constituinte ao

qual a oração se articula.

Segundo a autora, a oração reduzida é um tipo bastante diferente da

desenvolvida e da coordenada no aspecto das proposições relacionais licenciadas,

porque “o encobertamento do tempo-modo verbal, a apenas ocasional explicitude

do elemento conectivo favorecem a diversidade de leituras”(p.235). Dessa forma,

os resultados de Braga (1996) envolvem as orações que favoreçam a inferência de

duas proposições relacionais: tempo/condição.

Os resultados a que chegou confirmaram a alta produtividade de

orações desenvolvidas em relação às de gerúndio e coordenadas, anteriormente

demonstrada em Braga (1995). Da mesma forma, houve a confirmação dos

resultados quanto à posição das orações, uma vez que tanto desenvolvidas quanto

reduzidas detêm mobilidade posicional, enquanto a coordenada é categoricamente

fixada à margem esquerda.

Quanto à explicitude do sujeito e sua correlação com a posição, Braga

obteve os seguintes resultados: o sujeito da oração de tempo anteposta é menos

realizado na reduzida. Em contrapartida, o sujeito é altamente explicitado na oração

desenvolvida, seguida de perto pela coordenada. A taxa de [+identidade] entre

sujeitos mostrou-se mais alta nas orações reduzidas, o que explica a alta taxa de

apagamento de sujeitos nesse tipo de oração, em que a integração com a oração-

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

43

núcleo parece deter o mais alto grau, ou seja, somente a partir da leitura da oração-

núcleo, pode-se estabelecer a interpretação do tempo-modo da oração reduzida.

Dos critérios eleitos por Braga para estudo das orações reduzidas de

tempo, somente o nível do constituinte sintático a que se vincula a oração não se

demonstrou determinante nas diferenças, já que todas elas se vinculam a uma outra

oração.

Também focalizando orações de tempo, entretanto em materiais de

língua escrita, Souza (1996) explicita, baseada em pressupostos teóricos

funcionalistas de Halliday (1985) e Dik (1989), as relações sintático-semântico-

pragmáticas envolvidas na articulação das orações.

Embora com pressupostos teóricos funcionalistas, adotou caminho

diferenciado para a seleção dos dados. Seu ponto de partida para a constituição dos

dados foi a presença da conjunção. Dessa maneira, utilizando um programa

informático de busca de dados, a autora definiu três alvos: conjunções temporais,

conjunções proporcionais, locuções conjuntivas.

Com base nesse levantamento de dados, Souza apurou os seguintes

resultados percentuais: 72,9% de quando, 19,3% de enquanto e 7,8% de outros usos

(locuções e conjunções proporcionais), o que a fez concluir ser “quando” temporal

por excelência.

A autora apresenta um quadro em que correlaciona outros conectivos

menos recorrentes no corpus à posição da oração. Essa estratégia evidenciou o fato

de que alguns conectivos temporais aparecem sistematicamente introduzindo

orações que ocupam posição categórica. Chama a atenção naquele quadro a posição

categórica de mal, assim que, logo que, à medida que, a proporção que e cada vez

que; entretanto, devido à baixa representatividade no corpus (8%), não se pode

generalizar, mas pode-se pensar sobre o comportamento dessas conjunções e nas

noções desencadeadas. Entretanto, pela baixa recorrência, a autora abandona a

análise dessas conjunções, detendo-se nas mais recorrentes em seu corpus: quando

(73%) e enquanto (19%).

Apesar dessa aparente preocupação em selecionar conjunções, Souza,

após o levantamento preliminar mencionado, faz a seleção dos dados a partir da

noção expressa. Assume em seu trabalho, portanto, que “a par de seu significado

básico, elas (as conjunções) adquiram outras significações no contexto lingüístico

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

44

em que se inserem, passando a significar juntamente com as orações com as quais

se relacionam, ou melhor, a co-significar” (p.82). Dessa maneira, a autora fez um

levantamento baseado nos valores assumidos pelo conector de acordo com o

contexto.

Como vimos na seção 1 e a própria Souza (p.169) esclarece, o modelo

funcionalista adotado parte da noção em uso, buscando explicações lingüísticas e

extralingüísticas como resultado de uma análise sintática, semântica e pragmática,

verificando superposições ocorrentes e efeitos decorrentes, com vistas ao

estabelecimento de um continuum.

Os resultados a que Souza chegou mostraram que, no português

escrito, houve a predominância da ordem posposta (47,3%), seguida de antepostas

(38,6%) e intercaladas (14,1%). Esses resultados diferem daqueles encontrados por

Braga (1995:90), uma vez que esta última trabalhou com materiais de língua falada.

Os resultados desses estudos complementam-se, pelas modalidades diferenciadas e,

somados, confirmam os resultados a que chegou Decat, quando mostrou que as

adverbiais seguem duas tendências: da orientação e da argumentação. Seguindo a

primeira tendência, ela virá expressa na ordem anteposta e, seguindo a tendência da

argumentação, ela virá expressa na ordem posposta.

Quanto à correlação das temporais com o escopo, houve a

predominância de incidência sobre a oração núcleo (80,2%), seguido de sintagma

adverbial (19,4%). Essa predominância de posposição pode ser observada

tanto em orações iniciadas por quando (47,4%) quanto por enquanto (63,7%), sendo

que, na maioria, as primeiras não obedecem ao princípio da iconicidade na ordem da

representação experiencial, o que foi associado, pela autora, ao caráter mais

elaborado da linguagem em investigação.

Neves & Braga (no prelo) fizeram um estudo das orações hipotáticas

temporais e condicionais, a fim de examinar em que estágio de gramaticalização

estavam. Para tanto, trabalharam com a hipótese de que quanto maior o grau de

entrelaçamento ou integração entre a oração-núcleo e a hipotática mais

gramaticalizada estaria a construção na língua portuguesa.

Para medir o grau de integração entre as orações combinadas, Neves &

Braga trabalham com a mesma hipótese de Hopper & Traugott (1993), qual seja,

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

45

quanto maior o grau de integração entre essas orações, mais elevado é o estágio de

gramaticalização dessa relação sintático-semântico na língua.

Como índices utilizados para medir essa integração, foram

selecionados os seguintes parâmetros: anáfora pronominal ou zero na posição de

sujeito da hipotática; determinação do tempo e modo da hipotática pelos tempo e

modo da oração-núcleo; e ordenação das orações.

O último parâmetro, a ordem, pode, segundo Lehmann, denunciar

também o grau de gramaticalização de um item, tendo em vista a restrição à sua

mobilidade. Nesse sentido, Neves & Braga (no prelo) submeteram as orações a mais

esse critério, por ampliação da hipótese relativa a itens lexicais.

Os resultados alcançados apontaram para a competição entre

motivações, ou seja, o resultado da análise das variáveis ora caminha em uma dada

direção, ora caminha em sentido contrário. Contudo, as condicionais demonstraram-

se mais gramaticalizadas do que as de tempo. Passamos a relatar os resultados da

correlação entre os parâmetros estabelecidos a partir das hipóteses apresentadas,

restringindo-nos aos resultados relativos às temporais.

As orações de tempo apresentaram-se predominantemente antepostas à

oração-núcleo (73%), embora também ocorressem pospostas (25,5%) e intercaladas

(1,5%). Quanto ao parâmetro explicitação do sujeito, as orações de tempo obtiveram

índice de 75,5% de anáfora pronominal e somente 24,6% de anáfora zero. Com base

nesses resultados, Neves & Braga mostram que pode haver conflito de motivações,

uma vez que posição da oração e identidade entre sujeitos são fortes

condicionadores de sujeitos anafóricos.

Estabelecendo a correlação modo-temporal entre as orações

combinadas, as autoras observaram que os falantes combinam as orações com

tempos e modos idênticos. Embora seja um resultado bastante categórico, alertam as

autoras para o fato de que a maioria das orações analisadas foram introduzidas pelo

conector quando, favorecedor de indicativo.

Com base nos dados investigados e resultados apurados, as autoras

montaram um quadro das correlações tempo-modo encontradas, o qual

reproduzimos parcialmente19 a seguir:

19 A reprodução parcial refere-se à exclusão dos resultados sobre correlações tempo/modo nas orações condicionais.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

46

Quadro 7: Correlações Tempo-Modo nas Orações de Tempo

Oração Núcleo Oração Hipotática presente indicativo presente indicativo futuro subjuntivo futuro presente perifrástico pretérito imperfeito indicativo imperfeito indicativo perfeito indicativo pretérito perfeito indicativo presente indicativo pretérito perfeito indicativo pretérito imperfeito indicativo futuro presente perifrástico futuro subjuntivo futuro pretérito indicativo presente indicativo presente subjuntivo presente do indicativo

Segundo as autoras, os resultados expostos nesse quadro deixam claro

que o tempo/modo da oração-núcleo não determina a configuração modo-temporal

da hipotática.

Em síntese, os estudos apresentados ratificaram a posição habitual e o

conector prototípico, como características mais recorrentes nas orações de tempo.

Outros fatores como explicitação e identidade do sujeito mostraram-se importantes

na evidência de que motivações lingüísticas estão em competição no Português do

Brasil.

Uma vez que muitos dos parâmetros adotados, pelas autoras que

compõem esta seção, mostraram-se relevantes para a caracterização do

comportamento das orações de tempo no português, serão retomadas, na seção 5,

como critérios de investigação na identificação dos estágios de gramaticalização de

sentenças complexas, identificadas no corpus com a relação de tempo.

4. Abordagem Metodológica

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

47

Neste estudo, fazemos uso do aparato metodológico da Sociolingüística

Quantitativa, porque, além de fornecer a possibilidade de tratamento estatístico dos

dados por meio do pacote de programas computacionais conhecido por Varbrul

(Variable Rules), a utilização dos grupos de fatores permite um tratamento

exaustivo e coerente de todos os dados, segundo as mesmas categorias lingüísticas.

Todavia, é importante que se perceba a não-inclusão do fato gramatical

em estudo no rol dos fenômenos em variação. Não é objetivo ou preocupação nossa

investigar se há variação de uso em jogo, mas estabelecer ou dar conta de estratégias

comunicativas que codifiquem tempo no corpus investigado.

Segundo Braga20, a teoria da variação visa a dar conta especificamente

dos fenômenos variáveis. Pode, no entanto, ser utilizada como um instrumental

heurístico para a análise de outros fenômenos. É este o uso que fazem alguns

pesquisadores do Projeto da Gramática do Português Falado, como Kato et al.

(1996), dentre outros e alguns trabalhos funcionalistas, como Neves & Braga (no

prelo), ao trabalharem com correlações de parâmetros.

Quanto aos critérios de seleção de dados, levamos em conta a noção de

tempo, que pode ser efetivamente codificada por uma oração em relação à outra, não

importando se o conectivo é prototipicamente uma conjunção temporal ou qualquer

outra, ou ainda se a partícula conectora não está expressa. Portanto, a seleção dos

dados partiu de uma perspectiva funcionalista, no sentido de buscar dados com base

na relação semântica estabelecida no momento da fala. O ponto de partida para

nossa análise é a maneira como funciona determinada seqüência de valor temporal

no momento de fala. Dessa maneira, orações que seriam tradicionalmente

classificadas como adjetivas ou substantivas podem fazer parte deste rol de

ocorrências, porque a perspectiva para a seleção dos dados é semântica. Assim,

identificamos a relação proposicional de tempo, independentemente da codificação

estrutural.

É certo que, ao tratarmos das unidades coexistentes de mesmo sentido,

estaremos basicamente abordando o princípio rotulado de layering, que pode ser

entendido como camadas de uso, sentido esse muito próximo ao de ‘variantes’

20 Essa explicação de Maria Luiza Braga foi obtida em colóquio.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

48

utilizado por Labov. A diferença é que no caso da gramaticalização, estamos sempre

pensando em ‘contínuos’, e isso não é preocupação no variacionismo.

O trabalho de identificar em layering as estratégias temporais não

pressupõe o rastreamento histórico de conectivos ou idade de cada estratégia

empregada, embora em alguns momentos seja necessário que recuemos no tempo

para evidenciar o fenômeno como possível ou recorrente na história do português,

portanto, passível de ocorrer atualmente.

A descoberta dos usos e suas tendências pressupõe uma abordagem

quantitativa do fenômeno em foco, entretanto, podemos, a partir dos resultados da

correlação entre as variáveis, fazer uma leitura mais calcada em postulações,

hipóteses e interpretá-los à luz de alguns princípios da gramaticalização. Essa é

nossa proposta: aliar teorias que, na prática, já convivem com êxito e, na teoria,

complementam-se.

Para análise dos dados, portanto, procedemos inicialmente a um

tratamento quantitativo a fim de determinar a freqüência de uso das diferentes

construções, depois seguimos rumo ao tratamento qualitativo de casos que seriam

irrelevantes estatisticamente, mas altamente importantes num estudo que procura

detectar estruturas emergentes, como é o caso do nosso.

4.1 O Corpus

O material utilizado para constituição do corpus foi separado em dois

arquivos de dados. Cada arquivo possui suas características e especificidades,

entretanto foram utilizados como forma de verificar a abrangência do fenômeno

investigado.

Cada arquivo é representante típico de um uso lingüístico. O arquivo 1

(Português Popular de São Paulo) reflete o uso de uma variedade de língua menos

presa a normas convencionais da gramática, por isso mesmo o grande celeiro de

novidades e tradições. O arquivo 2 (Português Carioca - PEUL) reflete o uso de uma

variedade de língua mais presa a normas gramaticais, porque os falantes já foram

submetidos, desde cedo, à variedade padrão: mesmo as crianças vêm de família de

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

49

classe média, buscando ascensão social. Portanto, buscam a linguagem da elite,

como forma de inclusão social.

4.1.1 Corpus de Língua Popular de São Paulo

O material objeto de análise foi extraído de um corpus formado por 20

horas de língua falada gravada com 40 informantes adultos, moradores em favelas

da periferia da cidade de São Paulo. Esse material corresponde a entrevistas que

deverão ser retranscritas para constituir o Banco de Dados do Português Popular

Falado na Cidade de São Paulo, a fim de que se tornem acessíveis a pesquisadores.

A descrição detalhada da composição do Banco de Dados do

Português Popular Falado na Cidade de São Paulo e a caracterização

pormenorizada da amostra foram feitas por Rodrigues (1987) que o constituiu e o

analisou quanto à concordância verbal em sua tese de doutoramento.

Ao iniciar a coleta de dados, Rodrigues decidiu estratificar a amostra

dos 40 falantes adultos de acordo com os seguintes fatores extralingüísticos: faixa

etária, escolarização, sexo e procedência.

Com relação à faixa etária, ficaram estabelecidas três faixas: (1) de 20

a 35 anos, (2) de 36 a 50 anos e (3) mais de 51 anos. Para essa divisão em faixas,

Rodrigues (1987:130) levou em conta critérios sociais: “a partir dos 20 anos, a

população de baixa renda pode ser considerada economicamente ativa,

perfeitamente inserida no mercado de trabalho. Por outro lado, os falantes de mais

de 50 anos já se consideram velhos, aposentados ou próximos da aposentadoria,

portanto, aquém do ponto máximo de realização quanto às suas perspectivas de

trabalho”.

Quanto à escolarização, dois recortes foram feitos: analfabetos e semi-

alfabetizados, sendo que estes refletem a caracterização de falantes que tivessem

cursado em parte ou totalmente o antigo primário, equivalente às quatro primeiras

séries do atual ensino fundamental. Rodrigues entrevistou somente aqueles

informantes que não estavam freqüentando escola, “portanto, não sujeitos à pressão

contínua da norma escolar” (p.131).

A amostra, separada para análise nesta pesquisa, conta com um total de

14 informantes, reclassificados em quatro faixas etárias. Somente se diferencia do

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

50

critério original adotado por Rodrigues o fato de termos incluído uma quarta faixa

etária, para identificar os idosos a partir de setenta anos. A representação da

distribuição dos informantes pode ser vista abaixo:

Quadro 8: Distribuição dos informantes - Português Popular de São Paulo 1a faixa > 2 Mulher 2a faixa > 2 3a faixa > 2 4a faixa > 1 1a faixa > 2 Homem 2a faixa > 2 3a faixa > 2 4a faixa > 1

O esquema acima representa os informantes das entrevistas utilizadas

para a seleção, codificação e estatística dos dados. Dessa amostra, levantamos um

total de 363 ocorrências de orações com valor temporal.

4.1.2 Corpus de Língua Carioca

O material utilizado para compor a amostra do português carioca foi

retirado do corpus do “Programa de Estudos sobre o Uso da Língua” (PEUL)21 e a

amostra foi composta tendo em vista os seguintes recortes: sexo e faixa etária.

Os falantes adultos que compõem o corpus citado, quanto à origem,

são cariocas ou moram no Rio de Janeiro desde os cinco anos de idade, e nunca se

ausentaram da cidade por mais de dois anos consecutivos. Todos os falantes

crianças nasceram e foram criados no Rio de Janeiro e estudam em escolas públicas.

Em termos de idade, foram estabelecidos três recortes: de 7 a 10 anos;

de 15 a 25 anos e de 26 a 49 anos. O total de entrevistas que compõem a amostra é

nove, e os informantes estão distribuídos da seguinte maneira:

Quadro 9: Distribuição dos Informantes - Português Carioca faixa 0 - 2

21 Para uma caracterização mais detalhada dos informantes e para informações sobre os critérios utilizados para a composição do Corpus, consultar Scherre (1988) e Oliveira e Silva & Scherre (1996).

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

51

Mulher 2a faixa - 2

faixa 0 - 2 Homem 1a faixa - 1 2a faixa - 2

Embora com distribuição em desequilíbrio, faremos a análise dos dados

segundo os mesmos critérios aplicados aos demais materiais de língua falada. Dessa

maneira, esperamos não incorrer no erro de generalizar o que é individual. A partir

dessas entrevistas, constituímos uma amostra com 296 ocorrências de orações

temporais.

5. Gramaticalização dos processos de combinação de orações

de tempo: hipóteses, parâmetros e resultados

Dos aspectos discutidos sobre os processos de combinação de orações,

na seção 2.1, a possibilidade de distribuí-los em dois tipos - coordenação e

subordinação - aparece como uma idéia corrente. Essa é a tradicional classificação

encontrada nas gramáticas e a mais difundida nos ensinos fundamental e médio,

ainda que problemática, por não dar conta de todos os casos surpreendidos na língua

em uso.

Na visão dos funcionalistas, apresentada na seção 2.2, não é concebível

a divisão em dois processos e o maior problema por eles apontado diz respeito à

classificação das subordinadas. A explicação para a não-aceitação é calcada na idéia

de que esse rótulo funciona como um guarda-chuva acolhedor de tipos oracionais

diversificados - substantivas, adjetivas e adverbiais - que, num conjunto

aparentemente harmônico, mostram suas diferenças comportamentais.

Pensamos que a proposta de análise que parece dar conta dos usos

observados é a de Lehmann que, se não explicita todos tipos oracionais que podem

ser encontrados, não exclui a possibilidade de existirem outras orações no contínuo

por ele estabelecido.

Na perspectiva da gramaticalização de estruturas oracionais, Hopper &

Traugott, como Lehmann, também mostram os diferentes tipos de combinações de

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

52

orações dispostos em forma de contínuo. Oferecem também critérios que justificam

a redistribuição dos tipos oracionais arrolados na gramática tradicional, como pôde

ser observado no quadro 6, da seção 2.3.

É na perspectiva sincrônica da gramaticalização em que se insere esta

investigação, uma vez que buscamos traçar o contínuo de estágios de

gramaticalização das orações complexas que codificam tempo. Assumimos, para

tanto, o contínuo de Hopper & Traugott, como realidade no português do Brasil,

com a ressalva de que, a fim de evitar a confusão de rótulos decorrente do emprego

do termo ‘subordinação’, procedemos à substituição do mesmo pelo termo

‘encaixamento’.

Contínuo 3: Gramaticalização de Processos de Combinação Oracional P A R A T A X E > H I P O T A X E > ENCAIXAMENTO

As setas da representação acima visam a reproduzir em processos

estruturas oracionais do menor estágio de gramaticalização para o maior estágio de

gramaticalização. Essa representação não esgota os tipos de estruturas que podem

emergir nos intervalos, como ocorre com as focalizações que serão objeto de

algumas observações num momento posterior (vide p.176). Explica-se tal fato

porque a gramaticalização de estruturas prevê estágios intermediários de usos e é

influenciada, segundo Heine et al. (1991:150), por vários fatores não-estruturais,

tais como contato entre línguas, interferência entre a forma escrita e a forma falada,

contexto sócio-cultural, dentre outros.

Após o tratamento dos dados, identificamos os processos de

combinação de orações citados em que a noção de tempo foi codificada: parataxe,

hipotaxe e encaixamento e estudamos as estruturas complexas que os compunham.

Uma vez que algumas estruturas complexas estudadas não

correspondiam, de fato, a nenhum dos processos citados, fizemos uma tentativa de

classificação por aproximação aos processos já citados, e os chamamos de

‘estruturação22 intermediária’.

22 O rótulo estruturação está sendo usado como sinônimo de ‘camada’, como um dos princípios de gramaticização de Hopper, aqui aplicado à sintaxe da frase.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

53

(a) Parataxe Foram consideradas orações de tempo por parataxe as estruturações justapostas e as estruturações intermediárias 1.

a. 1 Estruturação Justaposta

A justaposição constitui o processo pelo qual o falante apresenta

orações lado a lado, sem o emprego de conectivos explícitos, portanto numa

seqüência formalmente desconexa. A interpretação de tempo é resultado da leitura

da seqüência das duas orações justapostas, com entonação especial23.

(24) isso, eles vive dizendo isso, eu nem sonhava em ter filho ainda[peul143] (25) ela...o cachorrinho morreu...ela enterrô encostadinho na parede nossa aí [pop18] (26) porque...cheguei...já tinha passado a reunião [pop52]

a.2 Estruturação Intermediária 1

Classificamos como estruturas intermediárias 1 as ocorrências em que

as orações estivessem acompanhadas de seqüenciadores narrativos do tipo e , então,

aí e depois.

(27) aí eu estava jogando bola, ele me chamou para mim ir [peul62] (28) então eu acabava o meu/ a minhas coisas de casa...lição...tudo...corria pra casa da dona [pop90] (29) e eu chego...tá tudo em orde [pop211] (30) depois chegá na hora...não é da gente [pop300]

23 Segundo Dubois et al. (1973:217), elementos de informação afetivos, conotativos, estéticos estão contidos na entonação e unem-se à expressão de idéias. Com base nessas informações, nos resultados dos testes não sistemáticos de leitura dos exemplos encontrados e na audição das gravações do Português Popular de São Paulo, observamos a diferença entonacional citada.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

54

Numa seqüência coordenada prototípica, as orações

apresentam o conector entre as duas orações, diferentemente das orações com que

trabalhamos. Em todos os exemplos analisados, o elemento coordenativo aparece no

início da primeira oração, o que nos impede que classificá-las como coordenada.

Detemo-nos, portanto, na análise de orações cuja relação

seja tempo, numa estruturação não-prototípica, daí o rótulo ‘estruturação

intermediária’.

(b) Hipotaxe As orações que indicam circunstancialmente o tempo da

oração-núcleo foram classificadas como hipotáticas de realce. Essas orações

equivalem às subordinadas adverbiais temporais, numa perspectiva tradicional, e

aparecem no corpus sob duas formas: orações finitas e orações não-finitas.

b.1 Orações Finitas

As orações de tempo rotuladas de hipotáticas de realce correspondem

àquelas ocorrências em que o processo sintático consistiu no explicitamento do

elemento conector por uma conjunção subordinativa. Essas orações equivalem,

numa perspectiva tradicional, às subordinadas adverbiais temporais desenvolvidas.

Estão, portanto, incluídas nessa classificação as orações hipotáticas de

realce cujo conectivo, amplamente aceito como conector temporal, esteja explícito.

(31) ela fica apavorada quando a gente sai [peul56] (32) depois que teve essa briga com a minha mãe e meu pai, eu, sei lá, tomei pavor do lugar [peul147] (33) quando eu tava fazendo isso... as coisas aqui era pió [pop154] (34) enquanto o vizinho aí do lado tá falando...você não consegue dormi [pop184]

b.1 Orações Não-Finitas

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

55

Essas orações têm por característica o emprego de verbos em suas

formas nominais e, quando transformadas em desenvolvidas, equivalem a uma

oração temporal, com conectivo prototípico presente na estrutura de superfície.

Compõem o grupo das hipotáticas não-finitas orações introduzidas por verbos na

forma nominal.

(35) fica todo mundo pacato, vendo aquele filme que aparece de Natal [peul53] (36) passando o cemitério...o ônibus faz aquelas voltinha [pop36]

Não foi encontrada qualquer ocorrência de oração reduzida de

particípio ou de infinitivo, que fossem interpretadas como orações hipotáticas de

tempo, que, na estrutura desenvolvida, tivessem um conectivo prototipicamente

temporal.

(c) Encaixamento

O rótulo aplicado ao conjunto das orações apresentadas a seguir remete

às estruturas que reclamam um complemento, que será fornecido em outra estrutura

oracional. A seqüência que integra como complemento a outra oração é chamada

matriz e a oração integrada àquela é chamada oração constituinte ou encaixada.

Seguindo esse raciocínio, consideramos estruturas de encaixamento as seguintes:

estruturação intermediária 2 e estruturação de encaixamento prototípico.

c.1 Estruturação Intermediária 2

Fazem parte deste conjunto de estruturas aquelas orações

que são compostas por oração matriz e oração de tempo numa noção de

encaixamento próxima ao da formação por relativização da gramática gerativa24. A

24 Segundo Dubois et al. (1973:519), na gramática gerativa, a relativização remete à formação de uma relativa por transformação. Nessa formação incluem-se o pronome relativo que e um sintagma nominal ao qual vai se encaixar aquele pronome, gerando o apagamento de elementos idênticos.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

56

diferença resume-se em dois aspectos: ao tipo de pronome relativo empregado e à

equivalência morfológica da oração.

Naquelas estruturas analisadas pela gramática gerativa, o pronome

relativo que é invariavelmente empregado e produz na oração a equivalência de um

adjetivo. Nestas estruturas intermediárias, analisadas por nós, a partícula quando faz

as vezes do pronome relativo e produz na oração a equivalência morfológica de um

advérbio.

Tanto em uma estrutura quanto em outra, o rótulo é aplicável a

construções que podem desempenhar funções sintáticas de adjunto adnominal e de

aposto.

Em nossos dados, encontramos exemplares de orações combinadas

num processo muito próximo da ‘relativização’ em dois níveis: um nível mais

encaixado, mais integrado, mais necessário para o sentido da oração matriz e outro

nível menos encaixado, mais independente, menos necessário para o sentido da

oração matriz. Esses dois níveis de encaixamento com o emprego do conectivo

quando resultaram em dois tipos de orações, que apresentamos a seguir.

• Determinativa

Chamamos de determinativa a estrutura oracional que contém na

oração encaixada a palavra quando desempenhando a função sintática de relacionar

a proposição posterior ao termo antecedente, restringindo ou especificando. É,

assim, uma informação imprescindível ao sentido pretendido pelo falante. Essas

orações aproximam-se das adjetivas restritivas da gramática tradicional.

(37) antigamente...quando um cara falava assim...ela já pensava que era verdade mesmo [pop236] (38) porque eu sempre, quando eu era pequeno, não é? eu ficava lá [peul70] (39) sexta-feira, quando eu apanhar meu filho no colégio, eu vou para lá [peul148]

• Apositiva

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

57

Foram chamadas de apositivas as estruturas oracionais que contêm na

oração encaixada a palavra quando desempenhando a função sintática de relacionar

a proposição posterior ao termo antecedente. O relativo quando, neste tipo de

oração, introduz uma informação acessória.

As orações apositivas representam, portanto, uma informação

prescindível em relação ao termo antecedente, parte da oração matriz. Nesse

sentido, as orações apositivas funcionam como conteúdo dispensável, como

elemento facultativo, uma seqüência acessória. Essas orações desempenham função

similar à da adjetiva explicativa da gramática tradicional.

(40) antigamente...quando eu vim pra São Paulo...naquele tempo os campeonato era só sábado e domingo né? e era só no Pacaembu...eu ia todo sábado e domingo[pop347] (41) naquele tempo...quando a gente criô lá na roça...eles não registrava os filho home...só as mulhé né? [pop365] (42) em 80, quando eu cheguei aqui, foi o papai noel no Maracanã [peul105]

Esse comportamento relativizador das orações de tempo pode ser

explicado, em parte, pelo Princípio da Informatividade (Atlas & Levinson 1981),

segundo o qual o falante é tão informativo quanto possível, dada a necessidade da

situação. Traugott & König (1991:192) discutem esse princípio de uma perspectiva

histórica e afirmam que “the principle of informativeness and relevance presumably

drives speakers to attempt to be more and more specific throught grammatical

coding, and most specially to invite hearers to select the most informative

interpretation”. Assim, se o falante observa, ao falar, que a marcação do tempo pelo

advérbio conferiu ao enunciado baixa informatividade, esse falante intercala uma

oração que restrinja ou explique o sentido temporal pretendido.

c.2 Estruturação de encaixamento prototípico

As orações consideradas encaixadas representam parcialmente as

chamadas subordinadas na gramática tradicional, uma vez que identificam, em

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

58

nossos dados, as orações que desempenham funções de substantivo e de adjetivo

dentro de outras orações.

c.2.1 Encaixamento prototípico com função substantiva

Todas as orações que funcionam como constituinte

sintático substantivo da oração matriz fazem parte deste conjunto de encaixamento

prototípico.

• Subjetiva

As orações encaixadas prototípicas subjetivas desempenham função

sintática de sujeito da oração matriz e são introduzidas por conjunção não

integrante, cuja noção seja tempo.

(43) mas é ruim demais quando a gente descobre [pop152] (44) ainda mais, quando tu marca um gol, que tu vê aquele pessoal todo gritando o seu nome, é um desespero [peul118]

• Objetiva

Estão incluídas sob o rótulo de orações encaixadas prototípicas

objetivas as orações que desempenham a função sintática de objeto direto da oração

matriz e que são introduzidas por conectivo típico de orações temporais.

(45) eu reconheço quando estou errada [peul37] (46) Adorava quando a gente ia pra fazenda [pop97]

c.2.2 Encaixamento prototípico com função adjetiva Fazem parte deste conjunto todas as orações combinadas

pela noção de tempo, mas que tradicionalmente seriam classificadas como orações

adjetivas. Em nossos dados, essas orações foram identificadas sob duas formas:

finitas e não-finitas.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

59

• Adjetivas Finitas

Essas orações foram agrupadas num mesmo conjunto por

serem introduzidas por pronome relativo que, antecedido por um sintagma nominal.

A diferença entre estas orações e aquelas classificadas

anteriormente como ‘relativas’ (vide item c.1 - Estruturação intermediária 2) está na

palavra empregada como conectora, ou seja, naquelas, o conector é a palavra

quando funcionando como pronome relativo e, nestas, o conector é a partícula

polifuncional que.

(47) a hora que eles chega...aí eles roba [pop20]

No exemplo apresentado, a partícula conectora que é interpretada como

parte de uma oração intercalada, entretanto à pergunta “quando eles roubam?”

obtém-se como resposta toda seqüência anterior à pausa.

(48) quando eles roubam? a hora que eles chegam (49) quando eles roubam? * a hora

Dessa maneira, a resposta apresentada em (49) é incompleta e somente

a seqüência apresentada em (48) é satisfatória. Essa aproximação do sintagma

nominal à partícula que sugere a possibilidade de interpretar a seqüência como uma

locução, tal é o grau de integração de seus componentes.

• Adjetivas não-finitas

Todas as orações que compõem este conjunto apresentam seus verbos

na forma infinitiva precedidos por uma seqüência de advérbio de tempo +

preposição.

(50) na hora de dormir...aquela sirene ali fica tocando [peul165]

De posse dessas informações, é possível construir um quadro que contenha todas as

estruturações contidas nos processos de combinação de orações analisados neste

trabalho:

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

60

Quadro 10: Estruturações identificadas nos processos de combinações de orações Parataxe Estruturação Justaposta

Estruturação intermediária 1

Hipotaxe Estruturação finita

Estruturação não-finita

Estruturação

determinativa

intermediária 2

apositiva

Encaixamento

função

subjetiva

Encaixamento Prototípico

substantiva objetiva

função

finita

adjetiva

não-finita

Com base no exposto, esses três processos de combinação serão

explorados de acordo com os seguintes parâmetros: ordem, explicitude do sujeito da

oração de tempo, identidade entre sujeitos, traço animado do sujeito da oração de

tempo, tipo de conector e identidade entre tempos e modos.

Esses parâmetros funcionarão como índices de maior ou menor grau de

gramaticalização dos processos de combinação de orações identificados.

Ao analisar os dados, ficou evidente que o processo mais produtivo

para expressar a noção de tempo através de orações complexas é a hipotaxe de realce,

tanto na amostra do português popular quanto na amostra do português carioca. Esses

resultados podem ser examinados na tabela 1:

Tabela 1: Processos de Combinação de Orações x Variedade Lingüística

P a r a t a x e H i p o t a x e E n c a i x a m T o t a l

N % N % N % N %

PEUL 37 12,5 215 72,5 44 15 296 45

POP 98 27 233 64 32 9 363 55

Total 135 20,5 448 68 76 11,5 659

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

61

O corpus analisado é composto de 659 ocorrências, que

apareceram distribuídas da seguinte maneira quanto aos processos de combinação

de orações identificados: 68% das orações de tempo hipotáticas, 20,5% orações de

tempo paratáticas e 11,5% de orações de tempo encaixadas.

Quanto ao uso, os falantes de ambos os corpora tendem a usar as

hipotáticas em maior freqüência. A diferença, ainda que irrelevante estatisticamente,

fica por conta de maior uso de paratáticas (27%) pelos falantes do português popular

de São Paulo e de maior uso de encaixadas (15%) pelos falantes do português

carioca.

Na fundamentação teórica deste trabalho, pudemos apresentar

argumentos de autores que confirmam ou refutam a Hipótese Parataxe. A feição

paratática das línguas primitivas e o processo de aquisição de línguagem são fatos

que confirmariam ser a parataxe um processo de encadeamento de orações menos

complexo do que a hipotaxe.

Com base nos argumentos favoráveis à Hipótese Parataxe, deveríamos

poder afirmar que, sendo os informantes que nos forneceram o corpus pessoas que

já dominam o uso lingüístico, o índice de estruturas paratáticas seria relativamente

baixo. Entretanto, essa afirmação é invalidada pelos dados. Logo, assumimos que a

parataxe é apenas mais um processo de se combinarem orações, o qual pode estar

associado ao grau de escolaridade do falante. Dessa maneira, teríamos um maior

índice de paratáticas nos dados de falantes analfabetos. De fato, esse índice mais

elevado se comprova com os resultados, entretanto a diferença, como já dissemos

anteriormente, é pouco significativa estatisticamente.

Uma vez que fazem parte do processo Parataxe duas estruturações

diferenciadas (justaposta e intermediária 1), reapresentaremos os resultados,

especificando o comportamento de cada uma dessas estruturações.

Combinação por Parataxe

De um total de 135 orações paratáticas, 109

(81%)ocorrências foram estruturadas por justaposição e somente 26 (19%)

ocorrências foram estruturadas com seqüenciadores narrativos, portanto,

consideradas exemplares de estruturação intermediária 1.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

62

Por variedade de língua, essa distribuição, que parecia conter

diferenças irrelevantes, reverte-se em números percentuais significativos para indicar

as diferenças de usos entre os falantes de cada variedade de língua falada analisada.

Tabela 2: Estruturas Paratáticas x Variedades Lingüísticas

Estrutura justaposta Estrutura intermediária 1 Total Port.popular SP 82 (83,5%) 16 (16,5%) 98 (72,5%) Port. Carioca 27 (73,5%) 10 (26,5%) 37 (27,5%) Total 109 (81%) 26 (19%) 135

Com base nos resultados da tabela anterior, observamos que os

falantes do português popular de São Paulo (72,5%) fazem maior uso de orações

combinadas pelo processo da Parataxe, se compararmos com o percentual dessas

orações utilizado pelo falante do português carioca (27,5%).

As ocorrências referentes às estruturas intermediárias 1 formam

células de freqüência muito baixa, portanto não confiáveis num tratamento

estatístico. Por esse motivo, serão deixadas de lado nas correlações que serão

estabelecidas no decorrer deste capítulo, contudo, num momento posterior do

trabalho, serão retomadas para uma análise qualitativa.

Pelo número de justapostas no corpus, podemos, com segurança,

afirmar que a presença dos conectivos não é imprescindível para o estabelecimento

de relações temporais entre orações no português falado. Por outro lado, o conectivo

é importante parâmetro de observação, como mostraremos no item 5.1, pois alguns

casos encontrados não se enquadram nas classificações tradicionais. Um desses

casos é a combinação de conectivos numa seqüência temporal, com estrutura típica

que impede sua inserção tanto no grupo das conjunções quanto no das locuções

conjuntivas tradicionais.

Combinação por Hipotaxe

As estruturações que compõem o processo de

combinação de orações por hipotaxe somam um total de 448 ocorrências, distribuídos

em dois tipos: finitas e não-finitas.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

63

Tabela 3 : Estruturações hipotáticas

Finitas Não-finitas Total Port.Popular SP 220 (94,5%) 13 (5,5%) 233 (52%) Port.carioca 205 (95,5%) 10 (4,5%) 215 (48%) Total 425 (95%) 13 (5%) 448

Apesar de serem as hipotáticas as mais recorrentes do

corpus, na separação por tipo de estruturação, apresentada acima, as

freqüencialmente mais recorrentes são somente as finitas.

Uma vez que o conjunto das orações encaixadas também

congrega vários tipos de encaixamento, já explanados no início deste capítulo,

apresentamos, a seguir, uma explanação pormenorizada que privilegia os tipos de

estruturas.

Combinação por Encaixamento

O número de estruturas classificáveis, na visão tradicional, tanto como

subordinada adverbial, quanto como encaixamento, nos faz entender que não se

trata de usos equivocados e, sim, de estruturas em situação fronteiriça, do ponto de

vista da gramaticalização. Com base, então, na tipologia de estruturações por

encaixamento, apresentada no início deste capítulo, submetemos os dados ao pacote

Varbrul e chegamos aos seguintes resultados:

Tabela 4: Distribuição das Ocorrências por tipo de Encaixamento

Estruturação Intermediária 2 24 (31,5%) Estruturação por Encaixamento Prototípico Substantivo 11 (14,5%) Estruturação por Encaixamento prototípico Adjetivo 41 (54%) Total 76

Do total de 76 orações de tempo encaixadas,

praticamente a metade delas esteve estruturada por encaixamento prototípico adjetivo

(54%). As orações restantes estiveram atreladas, em maioria, à estruturação

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

64

intermediária 2 (31,5%) e somente 14,5% dos dados apresentaram-se em

encaixamento prototípico substantivo.

Cada uma dessas estruturas foi inicialmente apresentada

como acolhedora de dois subtipos, que merecem explanação pormenorizada.

A estruturação intermediária 2, como já dissemos

anteriormente, representa as orações que, num processo muito próximo da

relativização, têm a palavra quando introduzindo a oração encaixada e, ao mesmo

tempo, remetendo o leitor à recuperação da informação antecedente, encaixando uma

informação de forma prescindível ou imprescindível.

Tabela 5: Estruturação Intermediária 2

Apositiva Determinativa Total POP 2 (14%) 12 (86%) 14 (59%) PEUL 1 (10%) 9 (90%) 10 (41%) Total 3 (12,5%) 21 (87,5%) 24

Na tabela 4, observamos que, apesar do número muito baixo de

ocorrências, as estruturas determinativas são mais recorrentes do que as apositivas,

entretanto, a fim de evitarmos conclusões tendenciosas, reservaremos esses dados

para uma análise qualitativa, a exemplo do que faremos com as estruturas

intermediárias 1.

Estruturas desse tipo, chamadas emergentes, não são novidade nas

línguas. Givón (1981:261) observou exemplos de orações de tempo e de lugar em

hewa, língua da Papua-Nova Guiné, e em hebreu bíblico. Essas orações seguiam o

modelo das relativas. Esse mesmo autor apresentou evidências de que a função de

marcadores de cláusulas relativas é desenvolvida por partículas QU- em francês, em

krio (crioulo de base inglesa) e em grego moderno.

Essas sobreposições são, segundo Heine et al. (1991:162), fatores

comuns do processo de gramaticalização e o seu efeito, sincronicamente, é a

ambigüidade. Alguns autores explicam este fenômeno através do princípio chamado

de ‘divergence’ (Hopper 1991) ou split (Heine & Reh 1984).

Um novo uso para uma palavra antiga ou a aproximação de duas

palavras, originalmente distantes, aparecem como fatos associados a sobreposições

de sentidos e ainda em alguns casos de estruturas tidas como emergentes. Em se

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

65

tratando de combinação de orações, esses aspectos podem ser associados ao conector,

razão pela qual julgamos fundamental sua análise.

5.1 Conexão das Orações de Tempo

Os conectivos, segundo Halliday & Hasan (1983), não são

fundamentais para o estabelecimento de relações de sentido entre orações: “he is

aware that certain types of phenomena are likely to be linked to one another by

certain types of meaning relation.” (p.229). A explicação para o fato prende-se à

capacidade que o falante de uma língua tem de reconhecer que uma mesma relação

pode ser desencadeada sob mais de uma forma diferenciada. Assim, as relações de

significação podem ser estabelecidas entre duas orações por outros meios que não o

emprego de conectores e, nas palavras de Halliday & Hasan, essas relações

conjuntivas não são lógicas, mas, sim textuais. Dessa forma, quando ouvimos dois

blocos informacionais, tendemos a interpretá-los como um todo. Esse aspecto será

também elaborado por Mann & Thompson (1986), ao postularem as proposições

relacionais.

Hopper & Thompson (1993:178), apoiados em Halliday & Hasan

(1976), afirmam que os conectores são originalmente motivados pelo desejo que o

falante tem de ser claro e informativo, com vistas à interpretação das orações

construídas por ele.

Concordamos com esses autores quanto a não ser a conjunção um

elemento imprescindível para o estabelecimento da combinação de orações numa

sentença complexa, ou seja, a relação sintática entre as orações pode ser

estabelecida mesmo em orações justapostas. Por outro lado, a escolha do tipo do

conectivo para expressar determinada relação pode ser crucial na gramaticalização

da noção que carreia. O conector ‘quando’, numa construção complexa em que mais

de uma relação semântica aflora, ratifica nossa afirmação:

(51) quando eu falá pra você que eu vô batê...você tem que obedecê...entende? [pop117] (51a) se eu falá pra você que eu vô batê...você tem que

obedecê...entende?

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

66

Nesse sentido, uma conjunção, tradicionalmente temporal, desencadeia

a relação de condição e nos permite considerar um novo uso para uma velha

conjunção. Esse fenômeno não pode ser desprezado nos estudos funcionalistas, uma

vez que pode envolver explicações de mudança histórica, tais como explicações

fundamentadas na gramaticalização.

Já que a mudança lingüística se concretiza de forma lenta e gradual,

num estudo sincrônico, como é o caso deste, é possível observar as variações de uso

que podem ou não desencadear mudanças lingüísticas. Em outras palavras, em

sincronia, podemos identificar layerings25, camadas de usos que convivem, mas

com idades diferentes.

Para identificar essas camadas ou graus de gramaticalização, a

observação das conjunções é essencial como índice de uma gramática que está

sempre em construção, sempre se renovando, embora, conforme Harris & Campbell

(1995), valendo-se dos recursos já existentes na língua.

Uma vez que gramaticalização também é processo evolutivo pelo qual

itens gramaticais surgem (Craig 1991:45), a observação do elemento articulador das

orações não pode ser desprezada. A forma desse elo pode facilitar a identificação

das novas camadas que continuamente surgem e passam a ‘funcionar’ ao lado de

camadas mais antigas.

Segundo Hopper (1991), essas camadas podem ser analisadas segundo

parâmetros de recorrência, pois podem ser especializadas26 em determinados itens

lexicais, em classes particulares de construções ou em registros sociolingüísticos.

Com este estudo, observaremos em que medida a recorrência pode ser utilizada

como parâmetro para analisar os processos de combinação de orações e respectivas

estruturações.

Quanto ao tipo de conector, procedemos ao agrupamento dos

elementos conectivos, segundo características estruturais partilhadas. Assim,

sintetizamos os usos encontrados em cinco grandes subconjuntos: conectivos 25 Segundo Hopper & Traugott (1993:124), layering é o resultado sincrônico de gramaticalização sucessiva de formas as quais contribuem para um mesmo domínio. Equivale, portanto, à coexistência de camadas.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

67

prototípicos, locuções conjuntivas, pronomes relativos, locuções híbridas,

seqüenciadores narrativos e ausência do conectivo.

(a) Conectivos Prototípicos

Foram reunidos no conjunto dos conectivos prototípicos aqueles

tradicionalmente reconhecidos como temporais e que são formados por um único

item lexical (quando, enquanto, mal):

(51) depois...quando eu completei dezessete ano...eu saí...entrei numa oficina de costura [pop157] (53) quando cheguei em casa...estava com ele...apagando [peul269] (54) enquanto o vizinho aí do lado tá falando...você não consegue dormi [pop184] (55) o futebol tem(...)aquele que nasce com a sorte de entrar num clube...(...)enquanto o outro(...)está ainda por baixo [peul109] (56) mal vem ao centro da cidade(...) volta para Campo Grande[peul194]

(b) Locuções Conjuntivas

Como resultado da leitura de alguns trabalhos sobre a conexão de

orações, resolvemos separar as locuções conjuntivas dos conectores prototípicos.

Tal procedimento encontrou sustentação nos autores, cujos argumentos passo a

sintetizar.

Bechara (1976:139) e Kehdi (1982:204) afirmam que o amplo

emprego da palavra que fez com que se desencadeasse um esvaziamento do valor do

relativo, instaurando-se uma interpretação de locução conjuncional temporal. Além

disso, a ausência de pausa entre os termos teria solidificado a locução, por isso foi

possível interpretar, por exemplo a seqüência agora que, como locução

conjuncional temporal.

Câmara Jr. (1976), por sua vez, afirma haver duas motivações para a

formação de locuções conjuncionais: deslocamento de advérbios e amplo emprego

26 Em sendo especializadas, remetem ao princípio de gramaticalização, chamado especialização. Por esse princípio, entende-se que uma forma começa a ser obrigatória, logo o poder de escolha desaparece, conforme Hopper 1991.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

68

da palavra que. A primeira evidência reflete a aproximação de um advérbio de

reforço originariamente presente na oração principal para a oração secundária,

surgindo daí as locuções. Seria, portanto, uma evidência sincrônica de deslocamento

de partículas, com resultados observáveis diacronicamente.

Explicação baseada em estudo diacrônico também é oferecida por

Mattos e Silva (1993:116). Essa autora observou que, já no português arcaico, a

construção de locuções temporais era um processo produtivo na língua portuguesa.

A explicação para essa produtividade é apoiada no mesmo argumento dos autores

citados: expansão de uso da palavra que.

Com base nos argumentos apresentados, agrupamos, no conjunto das

locuções conjuntivas, as expressões formadas por um item lexical (preposição ou

advérbio), seguido da conjunção que (sempre que, até que, assim que, depois que,

logo que, desde que):

(57) assim que nós terminamo o serviço...passamo um telegrama pra cá...né? [pop65] (58) despois que ele foi no Bem Estar...eles ajudô...né? [pop33] (59) logo que nós chegamos...não era perigoso...sabe? [pop85] (60) aí...até que fizeru um abaxo-assinado...aí foru na rua [pop164] (61) há anos...desde que era garoto...está no mesmo emprego ainda [peul46] (62) depois que eu soube daquilo...cheguei pra ela e disse assim...[peul50] (63) eu fui reprovado no Pedro II...assim que eu entrei [peul279] (64)desde que eu tomei gosto pelo estudo...o ano mais difícil que eu tive foi o segundo [peul282]

(c) Pronome Relativo

Câmara Jr. (1976:184), ao analisar o surgimento da

palavra que, homônima ao pronome relativo que, afirma que esse fato fez com que,

num primeiro momento, houvesse o esvaziamento da significação pronominal da

forma neutra quid e, num segundo momento, a expansão de uso do que, resultando,

dessa maneira, uma partícula multifuncional.

As explicações de Bechara (1976), Kehdi (1982),

Câmara Jr. (1976) e Mattos e Silva (1993) para o surgimento das locuções

conjuncionais, apresentadas no item anterior, aplicam-se ao surgimento das

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

69

expressões relativas, uma vez que toda locução conjuntiva deve ter proporcionado

inicialmente uma interpretação relativa. O deslocamento de um advérbio de reforço

originariamente presente na oração principal em direção à oração secundária teria

como resultado a locução. Os condicionadores dessa aproximação seriam o uso

excessivo da palavra que posposta ao advérbio e o desaparecimento da pausa entre

os dois elementos. O que era relativo vai aos poucos sendo reanalisado como

conjunção. Generalizando, toda locução conjuntiva é uma estrutura mais

gramaticalizada de expressões relativas.

Este fator, como podemos verificar nos exemplos que seguem,

representa as estruturas de tempo que trazem como conector o pronome relativo que

.

(65) mas...um dia que ela me pegou colando...ela não falou muito não [peul34] (66) depois de três ano que eu tava aqui...aconteceu um acidente com meu irmão caçula em Belo Horizonte [pop75] (67)porque ele...naquela vez que estava o Zico e o Serginho...aí ele...ele instruiu o Serginho...[peul64] (68) desde o momento que estuda num colégio católico...é obrigado a participar...mesmo sendo crente...sabe? [peul206] (69) a hora que eles chegá...aí eles roba [pop20]

(d) Locuções Híbridas

Estão agrupadas neste conjunto de locuções as expressões com

formação similar àquelas encontradas no grupo das locuções conjuntivas. Estas

diferem daquelas por conterem um item lexical - quando -, interpretado por falantes

nativos do português como conjunção temporal, desempenhando função original de

relativo. Na perspectiva da gramaticalização, essa manutenção de traços

característicos de determinada forma gramatical recebe, segundo Hopper (1991), o

nome de persistência.

Dessa maneira, esse tipo de locução é construído com um advérbio de

tempo seguido pelo relativo não-prototípico “quando”. Nessas estruturas

locucionais, chamadas híbridas, encontramos o conector temporal quando

fortemente ligado a um advérbio de tempo, ou seja, sem a ocorrência de pausa entre

esses dois elementos.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

70

Numa gradação da gramaticalização, encaixamos as

locuções híbridas num estágio mais tenro do que as expressões relativas, uma vez que

falantes nativos da língua reconhecem essa forma como ambígua.

(70) porque logo quando meu marido/fiquei sem marido...eu cuidava deles no cabo do/aqui da enxada né? [pop7] (71) sempre quando eu tô no ponto de ônibus...eu peço à pessoa pra avisar [pop34] (72) porque eu...as vezes quando eu fui lá...também não andei né? [pop258] (73) não comparecia, sabe? nos ensaio...as vezes quando tinha[peul204]

(e) Seqüenciadores Narrativos

Seqüenciadores narrativos do tipo: e, então, depois e aí são também

instrumentos utilizados para ligar orações com noção de tempo.

O uso desses conectores pode ser interpretado como uma tendência de

mudança histórica que evidencia a bidirecionalidade das mudanças formais,

contrariando a teoria de unidirecionalidade da gramaticalização, sustentada por

Lehmann e Heine & Reh. Essa evidência se mostra no uso de uma conjunção

coordenativa, que originalmente ligaria orações coordenadas, assumindo funções

discursivas, ou seja, funcionando como seqüenciador numa macro-estrutura

discursiva.

(74) depois eu levo lá...eles me dão cinqüenta por cento [pop25] (75) aí chega lá...tá tudo fracassado [pop66] (76 )então eu acabava o meu/ a minhas coisas de casa...lição...tudo...corria pra casa da dona [pop90] (77) aí eu estava jogando bola, ele me chamou para mim ir [peul62]

O que vemos nesses exemplos são categorias gramaticais que

acumulam função. Deixam de apenas relacionar orações e assumem função

discursiva de seqüenciador. Dessa maneira, esses seqüenciadores desenvolvem a

característica de marcadores discursivos, aparecendo em posição categórica inicial e

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

71

conservam resquícios de sua função original, ou seja, a de coordenar. Configura-se,

assim, o princípio da persistência.

A função original é desenvolvida agora na sintaxe de uma unidade

maior, o texto. A esse fenômeno de migração de planos lingüísticos, a teoria da

gramaticalização dá o nome de decategorização, conforme Hopper (1991).

Matsumoto (1988) observou esse mesmo fenômeno no japonês, o que o

teria levado a distinguir partículas conectivas dos conectivos. As primeiras, usadas

para ligar duas orações numa sentença, ocorrem no final da primeira oração,

enquanto os últimos, usados como morfemas livres, ocorrem no início de turnos

discursivos com acento entonacional específico. Notamos, então, a atuação da

pragmaticalização que representa uma direção típica de mudança semântica.

(f) Ausência de Conectivos

Este é o fato que se verifica em seqüências de orações sem nenhum

item conector que as ligue. Nesse sentido, teremos incluídas nesse grupo tanto as

orações justapostas quanto as orações reduzidas. É importante esclarecer que,

embora recebam o mesmo rótulo quanto à ausência do elemento conector, terão um

tratamento diferenciado no conjunto das orações: as justapostas compõem um grupo

específico e as reduzidas, por sua vez, compõem, o grupo das orações não-finitas

hipotáticas e não-finitas encaixadas.

Esse agrupamento proposto contraria a visão de Rocha Lima

(1958:262) que aponta ser o conectivo a diferença entre justaposição e

subordinação. Também contraria a visão de Matthiessen & Thompson (1988),

quando afirmam ser o conectivo, ao lado da natureza finita, as marcas gramaticais

de orações satélites, uma vez que, dentre os exemplos abaixo, temos algumas

orações-satélite com verbos nas formas não-finitas e também sem conectivos

explícitos.

A inclusão de algumas não-finitas no conjunto das hipotáticas também

contraria a concepção de orações reduzidas apresentadas por Hopper & Traugott.

Esses autores apresentam todas as reduzidas como encaixadas, tendo em vista o

grau de integração dessas orações com a outra oração com que estão combinadas.

Entretanto, na análise de nossos dados, optamos por separá-las semanticamente, o

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

72

que nos fez encontrar diferenças que não justificaria a inclusão delas num único

grupo.

(78) fica todo mundo pacato...vendo aquele filme...que apareceu de natal [peul53] (79) mas na hora de voltar...ela não dá pra correr [peul80] (81) a pessoa...de vê a gente com a bengala...já vem a pessoa [pop24]

O resultado dos cálculos de freqüência de uso dos

conectores é apresentado na tabela a seguir.

Tabela 4: Tipo de Conectivo e Processos de Combinação de Orações

Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total s/conectivo 109 (81%) 23 (5%) 2 (2,5%) 134 (20%) seq. .narrativo 26 (19%) 0 0 26 (4%) conj.prototípica 0 385 (86%) 28 (37%) 413 (62,5%) loc.híbrida 0 5 (1%) 4 (5%) 9 (1,5%) pron.relativo 0 0 40 (53%) 40 (6%) loc.conjuntiva 0 35 (8%) 2 (2,5%) 37 (6%) Total 135 448 76 659

Os resultados referentes ao processo de parataxe aparecem, na tabela

acima, circulares, porque foi condição para inclusão no referido processo a ausência

de conectivo (estruturação justaposta) e a presença de seqüenciadores narrativos

(estruturação intermediária 1). Já que estamos levando em conta nesta análise o tipo

de conector, os dados referentes à estruturação justaposta serão retomados em outro

momento de nosso estudo.

A estruturação intermediária 1, por sua vez, é estratégia utilizada nos

dois materiais que compõem o corpus e equivale a 4% do total das estratégias sob

análise. Enquanto os falantes do português popular de São Paulo utilizam formas

mais diversificadas de seqüenciadores narrativos (e, então, aí, depois), os falantes do

português carioca utilizam categoricamente a partícula aí.

Supondo que tanto locução híbrida quanto expressões relativas sejam,

dentre os tipos de conectores aqui arrolados, os ainda não reconhecidos pela

gramática tradicional, hipotetizamos que eles seriam estruturas emergentes da

língua, portanto usos mais recentes do que os demais. Com base nessa hipótese, a

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

73

correlação entre o tipo de conector e a faixa etária dos falantes pode facilitar a

identificação de novas estruturações lingüísticas.

Tabela 5 : Correlação tipo de conector x faixa etária

Faixa etária

sem conectivo

Conect. Prototípico

Locução híbrida

pronome relativo

locução conjunt.

Seqüenc. Narrativo

Total

0 5 (5%) 88 (84%) 0 7 (6%) 4 (4%) 1 (1%) 105 (16%)

1 43(26%) 97 (58,5%) 3 (2%) 7 ( 4%) 10 (6%) 6 (3,5%) 166 (25%)

2 46 (17,5%) 162 (62%) 3 (1%) 20 (7,5%)

17 (6,5%) 14(5,5%) 262 (40%)

3 28(34,5%) 36 (45%) 2 (2,5%)

5 (6%) 5 (6%) 5 (6%) 81 (12%)

4 12(27%) 30 (67%) 1 (2%) 1(2%) 1 (2%) 0 45 (7%)

Total 134 (20,5%)

413 (62,5%)

9 (1,5%)

40 (6%) 37 (5,5%) 26 (4%) 659

Na tabela anterior, verificamos que todos os falantes,

independentemente da faixa etária, fazem maior uso de conectivos prototípicos na

combinação de orações que codificam tempo. Outro fato que nos chama a atenção é

o uso aproximado de conectivos prototípicos e estruturas sem conector na faixa

etária 3 (51-69 anos), diferentemente das demais faixas etárias.

A locução híbrida, por sua vez, foi empregada por falantes de todas as

faixas etárias, exceto por falantes da faixa 0 (7 a 10 anos), o que nos impede de

traçar qualquer correlação entre o uso e a faixa etária. Esses dados podem ser

melhor visualizados na figura que segue.

Figura 1: Tipo de Conector por faixa etária

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

74

sem conectivo

conectivo prototípico

locução híbrida

expressão relativa

locução conjuntiva

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

sem conectivo

conectivo prototípico

locução híbrida

expressão relativa

locução conjuntiva

faixa 4faixa 3faixa 2faixa 1faixa 0

Na próxima seção, passamos a estudar cada processo de combinação de

oração, traçando, sempre que possível, correlações com o tipo de conectivo

utilizado.

5.1.1 Conectores na Hipotaxe

De um total de 448 ocorrências de hipotáticas, 86% (385 dados) das

orações estiveram ligadas por conectivos prototípicos temporais e 8% foram ligadas

por locuções conjuntivas. Os índices mais baixos ficaram associados ao uso de

orações reduzidas (5%) e locuções híbridas (1%). Em ambos os corpora,

verificamos que a hipotaxe é a estratégia mais rica em formas conectoras, uma vez

que as orações são combinadas por meio de conjunções prototípicas, de locuções

conjuntivas, de locuções híbridas e também sem a presença formal do conector.

A distribuição por tipo de conectivo empregado evidencia diferenças

muito pequenas entre os dois tipos de falantes, como podemos observar na figura

apresentada a seguir, o que justificou o tratamento unificado dos dados.

O uso de hipotáticas, como podemos observar na figura que segue,

aparece combinado com as conjunções temporais prototípicas. Esses resultados

ratificam os achados por Souza (1996) que encontrou um percentual de 92% de

conjunções deste tipo e 8% de não-prototípicas.

Figura 2: Conexão das hipotáticas

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

75

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

locu

ção

híbr

ida

s/co

nect

ivo

locu

ção

conj

untiv

a

cone

ct.p

roto

típic

o

Port.Popular

Port.Carioca

Hopper, como já dissemos anteriormente, atrela a recorrência ao grau

de gramaticalização, referindo-se, entretanto, a outras unidades menores do que a

frase. Certamente, o critério da recorrência poderia ser vinculado à alta freqüência

de temporais com conectivos prototípicos, contudo não poderia ser aplicado, como

notamos nos resultados apurados, ao processo de combinação de orações.

Explicamos: as orações em mais alto estágio de gramaticalização são as orações

encaixadas. Contudo, os exemplares de encaixamento não detêm alta recorrência no

corpus.

Parece que esse critério pode ser aplicado a estruturas resultantes dos

processos, mas não aos processos de combinação de orações em si. Se esse fato se

comprovar em todos dados, poderemos afirmar que a hipotaxe combinada às

conjunções prototípicas é a estratégia de tempo mais gramaticalizada. Em

contrapartida, as locuções híbridas representam as menos gramaticalizadas, por

constituírem estruturas emergentes na língua. Essa emergência, por outro lado, não

significa uma ‘novidade’ na língua, pois, diacronicamente, alguns autores deram

evidências de que todas as palavras QU- tinham função relativizadora. É o mesmo

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

76

que afirmar que os resultados apontam para uma reanálise da seqüência formada por

advérbio + quando enquanto locução conjuntiva.

Ainda quanto ao critério da recorrência, os percentuais de locuções

conjuntivas (8%), assim como os casos sem conectivo (5%) apresentam mínimas

diferenças.

Podemos, também, com base na distribuição de dados por tipo de

conectivo apresentar o seguinte contínuo de freqüência:

Contínuo 6: Distribuição de hipotáticas por tipo de conectivo

locução híbrida > sem conectivo > locução conjuntiva >

prototípica

1% 5% 8% 86%

Com esse contínuo, novamente voltamos a questionar a

vinculação do parâmetro da recorrência ao grau de gramaticalização dos processos

de combinação de orações, porque as orações reduzidas alcançaram um índice muito

baixo e são consideradas as mais gramaticalizadas. Ainda assim, esse contínuo de

freqüência permite, sem dúvida, afirmar que os conectivos quando e enquanto são

não-marcados na conexão das orações temporais hipotáticas.

5.1.2 Conectores no Encaixamento

No processo de combinação de orações por encaixamento, as

ocorrências são em número muito baixo, não permitindo, pois um tratamento

estatístico apropriado. Dessa maneira, iniciamos a explanação com números

percentuais globais do processo e, ao discutirmos cada tipo de estruturação do

processo, procederemos à análise qualitativa.

Quanto aos conectivos utilizados, os pronomes relativos foram mais

recorrentes (40 ocorrências - 52,5%), seguidos pelas conjunções prototípicas (28

ocorrências - 37%). As demais ocorrências são estatisticamente irrelevantes:

locuções híbridas (4 ocorrências - 5,5%), locução conjuntiva (2 ocorrências - 2,5%)

e sem conectivo (2 ocorrências - 2,5%).

Figura 3: Tipos de conectivo no encaixamento

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

77

s/conectivo

conj.prototípica

loc.híbrida

expr.relativas

loc.conjuntiva

0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00%

s/conectivo

conj.prototípica

loc.híbrida

expr.relativas

loc.conjuntiva

Sendo os pronomes relativos e a conjunção prototípica as mais

recorrentes nas estruturações por encaixamento, seria um erro considerar que a

conjunção prototípica estaria somente vinculada à oração prototipicamente temporal.

Na tabela 6, notamos que o número de orações de tempo encaixadas é

muito baixo para que as tratemos estatisticamente. Limitamo-nos, assim, à

apresentação de um resumo das ocorrências.

Tabela 6: Tipos de conectivos no encaixamento

Intermediária 2 Substantivas Adjetivas

determin aposit. objetiva subjetiva finita ñ/finita Total conjunção prototípica

14 3 8 3 0 0 28 (37%)

Pronome Relativo

1 0 1 1 37 0 40 (53%)

locução conjuntiva

2 0 0 0 0 0 2 (2,5%)

locução híbrida

4 0 0 0 0 0 4 (5%)

s/conectivo 0 0 0 0 0 2 2 (2,5%)

Total 21(27,5%) 3 (4%) 9 (12%) 4 (5%) 37 (49%) 2 (2,5%) 76

Na estruturação intermediária 2, a oração determinativa, aparece

conectada por intermédio da conjunção prototípica na maioria dos casos (14 dados),

embora também apareçam conexões por meio de locução híbrida (4 dados), locução

conjuntiva (2 dados) e pronome relativo (1 dado). A oração apositiva, por sua vez,

aparece no corpus somente conectada por conjunções prototípicas (3 dados).

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

78

Dos tipos de conectivos encontrados na estruturação intermediária 2, o

mais freqüente, portanto não-marcado, é a conjunção prototípica quando. O fato de

esse conectivo não especificar a localização temporal do evento citado pelo falante

faz com que esse mesmo falante adicione, explique, informe ao seu interlocutor qual

o momento específico do evento. Foi com base nessa função de quando, que, ao

caracterizarmos os tipos de estruturações, chamamos a atenção para o fato de ela ser

muito próxima da relativização.

Notamos, então, que o sentido gramatical, como Bybee (1988:262)

também observou, pode incluir traços variados: “grammatical meaning also

involves a certain richness of detail, especially as it combines with lexical meaning

and world knowledge, and this can only be understood by considering that grams

encode a meaning that is at once abstract and general, but in addition contains

traces of its former lexical meaning and thus can convey a richness of nuance and

implication that leads to much variety in interpretation”.

Mattos e Silva (1993:116) elaborou estudo diacrônico cujo resultado

contribui sobremaneira para a compreensão da relativização em sincronia. Segundo

a autora, de todas as circunstâncias expressas pela subordinação adverbial, e aqui

ela faz uso da nomenclatura encontrada na NGB, é a temporal a que dispõe de maior

número de juntores, dentre eles sobressaindo-se quando, o menos marcado, o mais

freqüente em uso, embora não especifique por si só a localização temporal do

evento.

Com base nessas informações, compreendemos que, enquanto os

demais conectivos são mais específicos e sinalizam os vários momentos, inclusive

em suas nuanças aspectuais, quando é vazio em tempo específico. Dado esse

esvaziamento de tempo específico, é compreensível que funcione como um

pronome relativo, necessitando, portanto, de um referente em que possa ancorar sua

significação mais específica ou marcar a temporalidade de um evento.

Quanto às estruturações de encaixamento prototípico, apuramos um

total de 50 ocorrências, distribuídas em dois tipos de orações: substantivas e

adjetivas.

Num total de 13 ocorrências, as orações substantivas estiveram, na

maioria, associadas ao conectivo prototípico (11 dados) e à expressão relativa (2

dados). As orações objetivas apareceram introduzidas por conectivos prototípicos

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

79

(8 dados) e por pronome relativo (1 dado); e as orações subjetivas apareceram

ligadas à oração matriz por meio de conectivos prototípicos (3 dados) e de pronome

relativo (1 dado). Os números são muito baixos e não nos permitem qualquer tipo de

generalização, motivo pelo qual nos detivemos numa tarefa apenas descritiva desses

dados.

Num total de 37 orações, as orações encaixadas adjetivas

foram as mais recorrentes do processo de encaixamento. Todas essas orações

apresentaram-se ligadas por expressões relativas. Aliás, essa era a condição sine qua

non para a inclusão de orações neste conjunto, o que nos limita a observações

derivadas da tipologia em si, pois qualquer argumento baseado na recorrência

tornar-se-ia circular.

5.2 Explicitude do Sujeito da Oração de Tempo

Em vários momentos precedentes, enfatizamos que estamos estudando

os processos de combinação de orações sob a perspectiva da gramaticalização. Daí

termos investigado a realização do sujeito enquanto um dos parâmetros aferidores

do grau de gramaticalização, ainda que seja discutível sua atuação enquanto índice

de gramaticalização no Português do Brasil.

Alguns autores crêem que o uso acentuado de zeros pode ser atrelado

ao grau máximo de gramaticalização, enquanto o preenchimento por SNs seria

indicativo de menor grau. Essas hipóteses podem funcionar na análise de uma língua

não-pro-drop, embora pareçam irrelevantes numa língua como o Português do

Brasil. É indiscutível , porém, que uma oração que funciona como argumento

interno ou externo da oração ‘principal’ pode ser considerada mais gramaticalizada

do que outra que não tenha essas funções.

Ademais, a observação de como o sujeito é explicitado nas orações

combinadas pode auxiliar no entendimento dos processos de combinação de orações

e respectivas estruturações.

Com vistas a atingir esse objetivo e seguindo os passos de outros

investigadores, a exemplo de Neves & Braga, que se preocuparam com o fenômeno

da gramaticalização, analisamos a configuração do sujeito da oração de tempo com

base na forma de expressão e encontramos, em nossos dados, ocorrências cujos

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

80

sujeitos foram representados por sintagma nominal pleno e pronome. Também

encontramos casos de sujeitos não explícitos, que foram classificados em dois tipos

distintos: elipse e zero, caracterizados a seguir.

(a) Sintagma Nominal Pleno

Recebem o rótulo “sintagma nominal pleno” os sujeitos constituídos

por nome ou determinante + nome, seguidos ou não de modificadores. São,

portanto, considerados sintagmas nominais plenos, neste estudo, quaisquer

seqüências de sujeito que contenham como núcleo um nome, englobando seus

adjuntos adnominais porventura co-ocorrentes. Podemos observar alguns exemplos

de (82) a (85).

(82) ali...quando o nego não tem nada pra fazer, fica ali [peul262] (83) quando a mãe da minha cunhada morreu, ela disse que não queria ninguém chorando [peul58] (84) aí...quando chegou o tempo de fazê o serviço militar...eu fui procurá o meu registro [pop366] (85) o dono chegô...mandô nóis embora [pop340]

(b) Pronome

Incluímos neste conjunto sujeitos de orações temporais que são expressos por

pronomes pessoais27, indefinidos ou demonstrativos.

(86) inclusivemente...eu chegava ali...o gerente me conhecia[pop327] (87) pai, quando você acabar de comprar a máquina, vai lá na seção de brinquedos [peul13] (88) então, quando a gente vamos jogar uma bola, o técnico arma um time[peul108] (89) o futebol tem aquele que nasce com a sorte de entrar num clube,

enquanto o outro, que é craque de bola, está ainda por baixo[peul109]

(c) Elipse

As orações temporais cujos sujeitos são, na ótica da gramática tradicional,

ocultos recebem a classificação de elípticos.

27 Consideramos pronomes pessoais você e a gente, formas gramaticalizadas de segunda pessoa do singular e primeira pessoa do plural respectivamente.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

81

(90) a primera vez que fui, né? tava morrendo de medo [peul87] (91) cheguei lá, ele já tinha tomado injeção[peul146] (92) quando começá plantá uns pé de eucalipe grande lá...talvez eles enxerga pá tirá [pop319] (93) chegava ali pra comê...comia bem[pop329]

(d) Zero

Quando, na oração temporal, os sujeitos não puderam ser identificados, por

não remeterem a informação recuperável no texto, foram incluídos no conjunto de

sujeito zero. Estão incluídos neste grupo, também, os sujeitos classificados, na

perspectiva da gramática tradicional, como inexistentes. Alguns exemplos de sujeito

zero podem ser observados a seguir:

(94) quando foi de noite...nós tava vendo aquele mau chero aqui [pop14] (95) quando era domingo...a casa enchia de mulherada e rapazeada junto com os menino [pop17] (96) mas, quando é de manhã, é lindo [peul20] (97) depois que teve essa briga com a minha mãe e meu pai, eu, sei lá, tomei pavor do lugar [peul147]

Não fazem parte dessa classificação os sujeitos indeterminados que,

embora não possam ser identificados por recuperação informativa do texto, podem

ser inferidos pelo conhecimento de mundo. Mesmo porque há, em nossos dados,

sujeitos indeterminados por pronome na terceira pessoa, por elipse e ainda por SN,

como é o caso de (82).

Para análise dos dados, levamos em conta as hipóteses sugeridas nos

trabalhos de Givón (1983) e de Hopper & Traugott (1993). No primeiro trabalho,

Givón (1983:67) afirma que a continuidade/predizibilidade de um sujeito torna sua

explicitação desnecessária. Com base nessa afirmação, esperamos que em seqüências

de orações paratáticas, sujeitos sejam elididos com maior freqüência do que em

outras orações combinadas, pelo paralelismo intrínseco daquele tipo de oração. No

segundo trabalho, Hopper & Traugott estabelecem um contínuo de gramaticalização,

reproduzido no início deste capítulo, o qual levamos em conta, a fim de observar se, à

medida que os dados fossem analisados em direção ao extremo direito daquele

contínuo, o número de sujeitos elípticos aumentaria.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

82

Os resultados apurados apontaram para o uso predominante de sujeitos

pronominais e de sujeitos elípticos, como podemos observar pelos números

apresentados na tabela 7.

Tabela 7: Explicitude do Sujeito nas Orações de Tempo

J Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total Elipse 56 (41,5%) 112 (25%) 15 (20%) 183 (28%) SN 21 (15,5%) 69 (15,5%) 8 (10%) 98 (15%) Zero 1 (1%) 34 (7,5%) 2 (3%) 37 (5%) Pronome 57 (42%) 233 (52%) 51 (67%) 341 (52%) TOTAL 135 (20,5%) 448 (68%) 76 (11,5%) 659

No processo por parataxe, os sujeitos das orações de tempo apareceram

distribuídos da seguinte maneira: pronome (42%), elipse (41,5%), SN (15,5%) e

zero (1%). No processo por hipotaxe, a explicitação do sujeito da oração de tempo

demonstrou-se também variada: pronome (52%), elipse (25%), SN (15,5%) e zero

(7,5%). No processo de combinação de oração por encaixamento, as orações de

tempo apresentaram seus sujeitos assim distribuídos: pronome (67%), elipse (20%),

SN (10%) e zero (3%).

Para testar a hipótese levantada anteriormente, apresentamos a

distribuição dos sujeitos elípticos, em forma de contínuo:

Contínuo 7: Distribuição dos sujeitos elípticos nos processos

20% 25% 41,5% encaixamento hipotaxe parataxe Observando o contínuo estabelecido, chegamos à conclusão de que,

comparativamente ao contínuo de Hopper & Traugott, houve uma reversão dos

estágios de gramaticalização das estruturas analisadas, o que nos leva a questionar a

utilização desse parâmetro como adequado para aferir graus de gramaticalização.

Duas explicações poderiam ser levantadas para tal incongruência: erro

na leitura dos dados e competição de motivações. A primeira explicação não se

sustenta, uma vez que os mesmos resultados confirmam a hipótese levantada com

base no trabalho de Givón: o maior índice de sujeitos elididos estaria correlacionado

à parataxe. A segunda explicação nos parece aceitável, haja vista as conclusões a

que chegaram Neves & Braga (no prelo), quanto a outras forças estarem atuando

com relação ao parâmetro da explicitação do sujeito.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

83

Uma vez que cada processo de combinação de orações inclui

estruturações diversas, apresentaremos a seguir a explanação dos resultados,

estabelecendo correlações com as citadas estruturações.

5.2.1 Explicitação do Sujeito na Parataxe

No processo de combinação de orações por parataxe, como já vimos,

duas estruturações foram consideradas: justaposição e estruturação intermediária 1,

as quais serão explanadas em relação à explicitação do sujeito.

Tabela 8: Explicitação do sujeito nas estruturações paratáticas

Elipse SN Zero Pronome Total justapostas 50 (46%) 18 (17%) 0 41 (37%) 109 (81%) Intermediária 1

6 (23%) 3 (11,5%) 1 (4%) 16 (81,5%) 26 (19%)

Total 56 (41%) 21 (15,5%) 1 (0,5%) 57 (42,5%) 135

De um total de 109 dados de estruturações justapostas, 46% (50

ocorrências) representam dos sujeitos são elípticos, 37% (41 ocorrências)

representam sujeitos pronominais e 17% (18 ocorrências) representam sujeitos em

forma de sintagmas nominais plenos.

Da estruturação intermediária 1, incluída também na parataxe,

apuramos um total de 26 ocorrências, número muito baixo para qualquer tipo de

generalização. Entretanto, uma vez que pretendemos observar somente a

distribuição dos sujeitos elípticos, a fim de constatar uma possível inversão do

contínuo apresentado nos dados gerais, os números percentuais não podem ser

interpretados como decorrentes de células confiáveis.

Os sujeitos das orações temporais na estruturação intermediária 1

mostraram-se interessantes, mas devem ser vistos com cuidado, haja vista o número

baixo de ocorrências: pronome (61,5% - 16 ocorrências), elipse (23% - 6

ocorrências), SN (11,5%- 3 ocorrências) e zero (4% - 1 ocorrência). Nesse tipo de

oração de tempo, os sujeitos pronominais são maioria.

5.2.2 Explicitação do Sujeito na Hipotaxe

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

84

O processo de combinação de orações por hipotaxe engloba dois tipos

de orações de tempo: orações finitas e orações não-finitas.

As orações finitas somaram um total de 425 ocorrências e são maioria

dentre as hipotáticas (95%). Como se vê na tabela 9, a explicitação dos sujeitos

dessas orações deu-se da seguinte maneira: pronome (225 ocorrências - 53%),

elipse (102 ocorrências - 24%), SN (64 ocorrências - 15%) e zero (34 ocorrências -

8%).

Tabela 9: Explicitação do Sujeito nas Orações Hipotáticas

Elipse Sn Zero Pronome Total

finitas 102 (24%) 64 (15%) 34 (8%) 225 (53%) 425 (95%)

não-finitas 10 (43,5%) 5 (21,5%) 0 8 (35%) 23 (5%)

Total 112 (25%) 69 (15,5%) 34 (7,5%) 233 (52%) 448

As hipotáticas não-finitas somam um número baixo de ocorrências (23

dados), equivalente a 5% do total de hipotáticas. Também nessas orações, devemos

ter o cuidado de não generalizar o resultado apurado: elipse (10 ocorrências -

43,5%), pronome (8 ocorrências - 35%) e SN (5 ocorrências - 21,5%). Embora as

células sejam insuficientes para sustentar conclusões definitivas, cremos que os

resultados refletem o comportamento normalmente esperado de uma oração

reduzida, ou seja, os sujeitos elípticos com traço [+identidade], questão que será

discutida na seção 5.5.

Com os dados globais, havíamos notado que a hipotaxe alcança

maiores índices de freqüência se correlacionada a sujeitos pronominais e elípticos,

ainda que sujeitos nulos e explicitados por SN também sejam utilizados, em índices

menores. Com a análise dos subtipos oracionais, comportamentos divergentes

especificaram as diferenças na interpretação dos resultados (ver tabela 9).

Esses comportamentos diferenciados, como o das orações não-finitas,

podem estar mostrando que essas orações estão em estágios de gramaticalização

diferenciado.

5.2.3. Explicitação do Sujeito no Encaixamento

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

85

As orações combinadas por encaixamento somaram um total de 76

ocorrências, que equivalem a somente 11,5% do total de orações analisadas neste

trabalho.

O encaixamento, como já expusemos no início do capítulo 5, engloba

dois tipos de orações de tempo: estruturação intermediária 2 e estruturação de

encaixamento prototípico.

As estruturações intermediárias 2 incluem as orações determinativas

(21 ocorrências) e as apositivas (3 ocorrências). As orações determinativas são mais

integradas à matriz do que as apositivas, por isso esperamos que os resultados

apresentem sujeitos elípticos, em maior número, nas orações determinativas.

Tabela 10:Explicitação do Sujeito na Estruturação Intermediária 2

Elipse SN Zero Pronome Total determinativa 3 4 1 13 21 apositiva 0 0 0 3 3 Total 3 4 1 16 24

Esses subtipos são diferenciados, como se vê na literatura tradicional

com relação às adjetivas, pela pausa e pelos laços semânticos em relação ao

elemento antecedente. Na perspectiva da gramaticalização, uma é mais integrada à

outra com a qual se combina, havendo, portanto, um maior ou menor laço sintático-

semântico.

Pelos resultados, não podemos seguramente afirmar que há grandes

diferenças quanto aos sujeitos dessas orações, porque as células são pouco

confiáveis estatisticamente, embora notemos que, na oração mais dependente ou

determinativa, há maior riqueza de formas para a explicitação do sujeito.

Entretanto, na grande maioria dos dados, é o pronome a forma eleita para

representar o sujeito. Portanto, se há diferença, essa não pode ser apreendida

somente pela análise do sujeito da oração de tempo.

São 52 casos de encaixamento prototípico correspondentes a 68,5% das

orações encaixadas dos corpora. É característica distintiva dessas orações o fato de

desempenharem função sintática de substantivo ou adjetivo dentro da oração matriz.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

86

As orações com funções substantivas são as menos recorrentes dentre

as encaixadas e somam um total de 13 ocorrências, assim distribuídas quanto à

explicitude do sujeito:

Tabela 11: Explicitude do Sujeito nas orações encaixadas com funções substantivas. Elipse Sn Zero Pronome Total subjetiva 1 0 0 3 4 objetiva 3 0 1 5 9 Total 4 0 1 8 13

Os números são muito baixos para uma análise estatística

confiável, o que nos impede de estabelecer paralelos percentuais, mas, de qualquer

forma, ratificam a distribuição mais geral apresentada para o encaixamento.

Ainda que as encaixadas possam acumular funções

subjetivas e objetivas, a distribuição da explicitação do sujeito não se mostra variada.

Em outras palavras, as orações analisadas funcionam como argumentos de dois tipos

da oração-núcleo, mas essa diferença, em dados, parece não atuar na configuração do

sujeito.

As orações com função adjetivas somam 39 dados,

equivalentes a 51,5% das encaixadas e são predominantemente adjetivas finitas,

como podemos ver na tabela 11a:

Tabela 11a: Explicitação do Sujeito nas orações encaixadas com funções adjetivas Elipse Sn Zero Pronome Total finita 6 4 0 27 37 não-finita 2 0 0 0 2 Total 8 4 0 27 39

Uma vez que orações não-finitas aparecem em pequeno

número no corpus analisado, não poderão ser alvo de quaisquer elucubrações, ainda

que esperássemos que elas trouxessem sujeito elíptico com maior freqüência, pelo

comportamento típico dessa oração.

As orações finitas não alteram a tendência observada

nos dados gerais, ou seja, trazem um número elevado (73%) de sujeitos pronominais.

As estratégias de tempo, exceto estruturações justapostas

e orações não-finitas, trazem um índice acentuado de sujeitos expressos por pronome.

Esses resultados, entretanto, não apontam com segurança para a não-integração das

orações nem seguem contra o princípio da economia lingüística. Outros fatores

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

87

podem estar atuando, como coadjuvantes, na explicação desse comportamento, tais

como mudança de referência discursiva, tendência ao preenchimento do sujeito

sintático no PB, ou mesmo a ordem.

A tendência ao preenchimento do sujeito foi observada

por Paredes da Silva (1988) ao investigar os pronomes sujeitos em cartas cariocas.

Segundo a autora, os falantes mais jovens tendem a preencher a casa do sujeito por

pronomes.

Embora os objetivos da autora fossem diversos dos nossos, resolvemos

considerar a hipótese de a faixa etária atuar na baixa taxa de sujeitos elípticos

observado em orações de todos os processos de combinação analisados. Dessa forma,

estabelecemos a correlação entre faixas etárias e preenchimento dos sujeitos e

chegamos aos resultados expostos na tabela seguinte:

Tabela 12: Explicitude Sujeito e Faixa Etária do Falante

SN Elipse Pronome Zero Total Faixa 0 16 (15%) 28 (26,5%) 56 (53,5%) 5 (5%) 105 (16%) Faixa 1 26 (15,5%) 47 (28) 85 (51%) 9 (5,5%) 167 (25%) Faixa 2 37 (14%) 67 (25,5%) 140 (54%) 17 (6,5%) 261 (39,5%) Faixa 3 12 (15%) 24 (29,5%) 43 (53,5%) 2 (2%) 81 (12%) Faixa 4 7 (15,5%) 17 (37,5%) 17 (38%) 4 (9%) 45 (68%) Total 98 (15%) 183 (28%) 341 (52%) 37 (5%) 659

Tendo em vista os resultados apresentados na tabela

acima, vemos que a idade não se mostrou fator condicionador do preenchimento do

sujeito, a não ser na faixa etária 4 (acima de 70 anos de idade). Os idosos, então,

apresentaram os sujeitos da orações de tempo com menor taxa de preenchimento por

pronome do que os falantes das demais faixas etárias e também apresentaram um

maior uso, ainda que em pequena diferença, de sujeitos elípticos.

Em relação à ordenação das orações, pensamos que esse parâmetro

pode atuar fortemente na explicitude do sujeito, uma vez que funções discursivas,

estrategicamente utilizadas para dar conta da intenção do falante, neutralizariam

outros critérios que não viessem a colaborar para o objetivo do discurso, como

observado por Decat (1993:272), já apresentado e discutido na seção 1.3.2. Como

somente a explicitude do sujeito não dá conta de responder a nossas hipóteses,

torna-se importante observar como a explicitude do sujeito comporta-se tendo em

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

88

vista a correlação de processos de combinação de oração e ordem, o que faremos na

seção 5.3.

5.3 Ordem e Mobilidade das Orações de Tempo

Parece haver consenso entre os autores quanto à apresentação do

parâmetro ordem como critério relevante na caracterização e análise das orações

temporais. Essa afirmação é válida tanto para gramáticos quanto lingüistas

contemporâneos e reflete a observação da ordem variável das orações temporais.

Para medir o estágio de gramaticalização, a ordem também é fator levado em conta,

ou seja, quanto mais gramaticalizada é a oração, menor será sua mobilidade no

complexo sintático temporal.

Com base nessas informações, fizemos um levantamento das

ordenações apresentadas no corpus investigado e apuramos que, em textos orais, em

três posições podem aparecer as temporais com relação à oração-núcleo:

anteposição, posposição e intercalação.

(a) Anteposição

O grupo das antepostas corresponde às orações temporais construídas à

margem esquerda da oração-núcleo, como ocorre em (98) e (101).

(98) quando eu falá pra você que eu vou batê...você tem que obedecê...entende? [pop117] (99) quando ela falou isso, eu - meu olho encheu d’água [peul42] (100) aí quando acabava...a gente ia embora[pop19] (101) ela...o cachorrinho morreu...ela enterrô encostadinho na parede nossa aí [pop18]

Segundo Matthiessen & Thompson (1988), a oração anteposta possui

um caráter ‘guia’, que funciona como orientação para o interlocutor.

(b) Posposição

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

89

Orações de tempo construídas à margem direita da oração com que se

combina, como ocorre em (102) e (103), foram incluídas no grupo de orações

pospostas.

(102) mas eu não lembro quando eu adoeci...né? [pop26] (103) a imagem não é boa, quando vai dar o desenho do

Pinóquio [peul7]

Segundo Paredes da Silva (1988), essa posição oracional denota caráter

secundário, evidenciando uma circunstância acessória.

(c) Intercalação

Orações de tempo construídas de forma a quebrar a fluidez da idéia

apresentada na oração-núcleo, vindo, assim, realizadas no interior da núcleo, são

intercaladas, pois, somente após a inserção total da circunstância de tempo, será dada

continuidade à idéia-núcleo.

(104) muitas hora...quando uma pessoa fala uma coisa que a gente não acha bom...a gente cala a boca [pop46] (105) mas...a hora que eu entendê de i lá...eu vô [pop94] (106) porque...quando eu vim de lá...eu era melhor do que quando eu fiquei aqui [pop107] (107) inclusive...quando eu vim pra cá...minha menina tinha o quê? um ano e poco [pop224]

É importante esclarecer que marcadores conversacionais e

topicalizações não devem ser considerados elementos desencadeadores de

intercalação. São, neste estudo, considerados elementos co-ocorrentes. Esses

elementos precedem a oração anteposta, como em (100) e (101).

Ao levarmos em conta a questão da ordem dos constituintes de um

período complexo, temos em mente a hipótese de que, observando as estratégias

proposicionais, as hipotáticas admitiriam maior mobilidade, como o advérbio. Além

do mais, tendo em vista o contínuo proposto por Hopper & Traugott (1993),

hipotetizamos que a mobilidade característica das adverbiais diminuiria à medida que

analisamos os dados inclusos no extremo direito, representado pelo processo de

encaixamento.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

90

Essa hipótese pode ser explicada pelo comportamento típico das

orações encaixadas, porque a gramaticalização da noção de tempo representada numa

encaixada com funções substantivas faria com que a ordem fosse obrigatória, ou seja,

a oração de tempo ocuparia a posição habitual da função sintática que desempenha na

matriz. Assim, se subjetiva, virá anteposta ao verbo, como viria o sujeito em sua

ordem canônica e, se objetiva, virá posposta, tal como apareceria um objeto em sua

ordem habitual.

Após submetermos os dados à análise segundo o parâmetro ordem,

chegamos aos resultados apresentados na tabela 13.

Tabela 13: Ordem e Processos de Combinação de Orações

Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total Anteposta 115 (85%) 341 (76%) 12 (16%) 468 (71%) Intercalada 15 (11%) 48 (11%) 54 (71%) 117 (18%) Posposta 5 (4%) 59 (13%) 10 (13%) 74 (11%) Total 135 (20,5%) 448 (68%) 76 (11,5%) 659

Os resultados apresentados na tabela mostram que tanto no processo de

parataxe quanto no processo de hipotaxe a anteposição é ordem não-marcada. No

processo de encaixamento, a ordem não-marcada é a intercalação.

Ainda que em algumas estruturações o número de dados seja muito

pequeno, o tratamento do parâmetro ordem só será válido se for observado em cada

tipo de estruturação.

5.3.1 Ordem na Parataxe

Do total de 135 dados de construções paratáticas, apuramos 109

ocorrências (81%) de estruturações justapostas e 26 ocorrências (19%) de

estruturações intermediárias 1, assim distribuídas quanto à ordem:

Tabela 14: Ordem nas estruturações paratáticas

anteposta intercalada posposta Total Justaposta 89 (82%) 15 (13,5%) 5 (4,5%) 109 Intermediária 1 26 (100%) 0 0 26 Total 115 15 5 135

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

91

Com a separação das paratáticas em tipos de

estruturações, vemos que as justapostas são preponderantemente antepostas, embora

também sejam construídas intercaladas e pospostas, posições tradicionalmente não

admitidas para esse tipo de oração. As estruturações intermediárias 1, por terem

estrutura similar às orações coordenadas, comportam-se como tal, ou seja, são

categoricamente antepostas.

5.3.2 Ordem na Hipotaxe

As orações hipotáticas apareceram nas três posições consideradas,

como podemos observar nos resultados abaixo:

Tabela 15: Ordem das Hipotáticas

Anteposta Intercalada Posposta Total finitas 325 (76,5%) 44 (10,5%) 56 (13%) 425 (95%) não-finitas 16 (69,5%) 4 (17%) 3 (14%) 23 (5%) Total 341 (76%) 48 (11%) 59 (13%) 448

Sabendo que os graus de gramaticalização são muito

tênues e que podem atuar mesmo dentro de um grupo aparentemente coeso, como é o

caso das hipotáticas, demo-nos conta de que o tipo de conector certamente poderia

condicionar o comportamento das hipotáticas desenvolvidas. Para tanto,

estabelecemos a correlação entre tipo de conector e ordem das hipotáticas.

Tabela 16: Correlação Tipo de Conector X Ordem

Anteposta Intercalada Posposta Total Prototípico 299 40 46 385 Loc. Conjuntiva 25 3 7 35 Locução híbrida 2 1 2 5 sem conector 15 4 4 23 Total 341 48 59 448

Os resultados mostram que a ordem não-marcada independe do tipo de conectivo

utilizado, embora o comportamento das locuções híbridas seja pouco diferenciado

dos demais pelo baixo número de ocorrências analisadas.

5.3.3. Ordem no Encaixamento

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

92

Com base no raciocínio desenvolvido na análise dos conectivos usados

no processo de encaixamento por estruturações intermediárias 2, apresentadas em

5.1, postulamos que todas as orações temporais, cuja função seja especificar

anaforicamente o tempo expresso por uma palavra ou expressão na oração núcleo,

devem seguir ordem similar às subordinadas adjetivas, ou seja, serão orações

pospostas ou intercaladas e o referente virá instalado imediatamente antes do

conector que faz as vezes do pronome relativizador.

Ainda que os números sejam muito pequenos para dar conta de

confirmar, com segurança, as hipóteses formulados, cremos que a distribuição desses

números indique a validade do raciocínio desenvolvido.

Observando a tabela 13, que contém os dados gerais dos processos de

combinação de orações quanto à ordem, chegamos à conclusão de que o

comportamento das estruturações encaixadas é diferenciado, já que o mais alto índice

de freqüência encontra-se relacionado à intercalação. Essa distribuição atípica

permite o estabelecimento de um contínuo que parte de um uso menos recorrente das

estruturas que se localizam nas margens extremas e mais freqüente na intercalação.

Contudo, a apresentação dos resultados deve contemplar as diferenças

comportamentais existentes entre as várias estruturações que compuseram esse

panorama.

Tabela 17: Ordem nas estruturações intermediárias 2

Anteposta Intercalada Posposta Total Determinativa 6 12 3 21 Apositiva 0 3 0 3 Total 6 15 3 24

Nas estruturações intermediárias 2, a intercalação foi

ratificada como ordem não-marcada nas encaixadas, ainda que os números

constituam células muito pequenas.

Conforme tipologia apresentada na seção 5, o encaixamento

prototípico com funções substantivas remete a tipos diversificados de orações que

devem ser submetidos individualmente ao parâmetro ordem. Esperamos que as

orações subjetivas estejam, em maioria, antepostas, enquanto as orações objetivas

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

93

apresentem-se, em maioria, pospostas à oração-núcleo, por serem essas posições

reflexo da ordem habitual dos termos na frase do Português do Brasil.

Tabela 18: Ordem nas estruturações com funções substantivas

Anteposta Intercalada Posposta Total subjetiva 1 1 2 4 objetiva 3 1 5 9 Total 4 2 7 13

Uma vez que, no corpus analisado, o número desse tipo de orações é

pequeno, qualquer consideração que generalize o comportamento poderá ser

considerada leviana, razão pela qual nos detivemos na leitura dos dados brutos

apurados.

Das estruturações de encaixamento com funções substantivas, em

nossos dados, apuramos um total de 4 orações subjetivas (31% do total) e nove em

função objetiva (69% do total).

As subjetivas foram construídas nas três ordenações possíveis, o que

mostra que nossas hipóteses acerca da aproximação feita ao comportamento de um

sujeito em ordem prototípica, portanto anteposto, não se sustentam. Sustentar-se-iam

caso o número de orações subjetivas construídas à margem esquerda se constituísse

numa maioria esmagadora de orações.

No caso das orações objetivas, os resultados, embora deixem ver uma

pequena tendência à posposição, não confirmam uma hipótese tão genérica como foi

a traçada inicialmente. Essa tendência justifica-se se estabelecermos um paralelo com

a ordem habitual desses termos no Português do Brasil. O sujeito, na língua falada,

tende a ocupar a margem esquerda, sendo anteposto ao verbo, enquanto o objeto

ocupa a margem direita e vem posposto ao verbo. Portanto, a ordem dos termos pode

refletir, em parte, a ordem dos termos nas orações. É um paralelismo que poderia

denunciar o elevado grau de gramaticalização das orações encaixadas. Entretanto,

essa tendência não se confirma de forma tão evidente, como se esperava.

De qualquer maneira, essas orações não podem ser agrupadas às demais

encaixadas para uma análise global, pois evidenciam diferenças que só podem ser

averiguadas numa amostra maior.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

94

O último grupo de orações refere-se às orações

combinadas por encaixamento prototípico com funções adjetivas, distribuídas em

dois grupos: finitas e não-finitas.

Tabela 19: Ordem nas estruturações com funções adjetivas

Anteposta Intercalada Posposta Total Finita 0 37 0 37 não-finita 1 1 0 2 Total 1 38 0 39

A característica das orações adjetivas quanto à ordem é diferenciada

das demais orações. Esse tipo oração, por vir especificando um termo da matriz, é

construída invariavelmente intercalada naquela oração, embora também possa vir

posposta.

Nossos dados mostraram que as orações temporais adjetivas finitas são

categoricamente intercaladas, pois, sem a intercalação dificilmente poderiam

estabelecer laços com o nome que detém a noção de tempo, como ocorre nos

exemplos que seguem. No exemplo (108), a oração de tempo aparece intercalada e

produz a acumulação de função adjetiva, enquanto o exemplo (108a) mostra que o

deslocamento é inviável.

(108) no dia que o outro tava esperando a resposta... que era pra mim dá a resposta ...o menino pa dá a resposta pra ele...aí a gente começamo conversá de novo...né? [pop70] (108a) que o outro tava esperando a resposta...que era pra mim dá a resposta...o menino pa dá a resposta pra ele...no dia a gente começamo conversá de novo...né?

Na seção que tratamos da explicitude do sujeito, levantamos a hipótese

de a ordem funcionar como parâmetro atuante no apagamento do sujeito da oração de

tempo.

A explicitação do sujeito pode ser influenciada por alguns fatores, tais

como a ordem e a identidade entre sujeitos. Um sujeito que aparece realizado na

primeira oração de uma seqüência e que fosse o mesmo da subseqüente tenderia a

ser apagado numa segunda oração. O sujeito tende a ser explicitado, entretanto, em

casos de ambigüidade, contraste ou introdução de novo sujeito.

Seguindo esse raciocínio, a importância de se correlacionar os

parâmetros explicitude e identidade dos sujeitos da oração de tempo com a ordem

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

95

torna-se notória. Estabelecemos, assim, a correlação da ordem com a explicitação

do sujeito e os resultados podem ser vistos na tabela 20. Correlação entre os

processos de combinação de orações e o traço [identidade] dos sujeitos será alvo de

análise na seção 5.5.

Outrossim, os dados referentes às estruturações intermediárias 1 e

estruturações encaixadas serão deixados de lado nesta correlação. As primeiras, por

serem categóricas quanto à ordem na frase e as segundas, por não se constituírem um

conjunto homogêneo e por somarem um número muito baixo de ocorrências, como

pudemos observar no decorrer da análise. Com base no exposto, os resultados que

apresentamos a seguir retratam o comportamento de dois tipos de orações:

estruturações justapostas e hipotáticas.

Tabela 20: Ordem e explicitação do sujeito da oração justaposta

anteposta intercalada posposta Total SN 17 (19%) 1 (6,5%) 0 18 elipse 44 (49,5%) 5 (33,5%) 1 (20%) 50 pronome 28 (31,5%) 9 (60%) 4 (80%) 41 Total 89 (81,5%) 15 (14%) 5 (4,5%) 109

Do total de 89 orações justapostas antepostas, 49,5% apresentam seus

sujeitos elípticos, 31,5% apresentam sujeitos pronominais e 19% trouxeram

explicitados os sujeitos por meio de sintagma nominal. As intercaladas compõem

um total de 15 orações que tiveram seus sujeitos, na maioria (60%), expressos por

pronomes. Nessa posição, também encontramos sujeitos elípticos (33,5%) e sujeitos

formados por SNs (6,5%). As orações pospostas somaram 5 ocorrências, na maioria

com sujeitos pronominais (80%), embora também houvesse a ocorrência de um

sujeito elíptico.

Comparando o número de sujeitos elípticos em cada posição,

verificamos que a anteposição favorece o apagamento do sujeito, confirmando, em

parte nossa hipótese. Outras informações advirão da correlação com o traço

[identidade], dos sujeitos das orações combinadas, como já dissemos, na seção 5.5.

Tabela 21: Ordem e explicitação do sujeito da oração hipotática

anteposta intercalada posposta Total SN 46 (13,5%) 10 (21%) 13 (22%) 69 (15%)

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

96

elipse 83 (24,5%) 13 (27%) 16 (27%) 112 (25%) pronome 184 (54%) 22 (46%) 27 (46%) 233 (52%) zero 28 (8%) 3 (6%) 3 (5%) 34 (8%) Total 341 48 59 448

Nas orações hipotáticas antepostas, os sujeitos pronominais são

maioria, independentemente da posição em que a oração é construída, o que nos faz

supor que o traço identidade deve atuar fortemente nesse tipo de oração.

Outro fenômeno que explicaria o comportamento dessas orações com

relação ao sujeito seria a tendência ao preenchimento do sujeito no Português do

Brasil. Por outro lado, se essa tendência serve para explicar o comportamento das

hipotáticas, essa mesma tendência não propicia uma resposta coerente para o

comportamento das justapostas. Provavelmente, outros parâmetros devam ser

investigados, pois a competição de motivações internas e externas do sistema pode

estar ocorrendo, como observaram Du Bois (1984:344) e Neves & Braga (no prelo).

5.4 Inversão Potencial da Ordem

Com relação aos processos de combinação de orações, gramáticos e

funcionalistas partilham a idéia de que paratáticas não admitem inversão, porque são

regidas pelo princípio da iconicidade lingüística. Esse princípio, não regendo

hipotáticas, faz com que o comportamento posicional dessas orações seja mais

flexível. Pela falta do conectivo, a combinação por justaposição seria restrita à ordem

realizada, pois esta falta do conectivo não permitiria a inversão.

Tendo em vista o contínuo de gramaticalização de combinação de

orações, uma oração num estágio mais avançado teria restrições quanto à alteração da

ordem, ou seja, ocorreria uma fixação da posição dessas orações. Nesse sentido,

esperamos encontrar menor mobilidade das orações encaixadas, pois são mais

integradas à oração matriz. Em resumo, a gramaticalização da noção de tempo

representada numa encaixada faria com que a ordem fosse mais rígida.

Nas seções 2.1 e 2.2, a afirmação de que as hipotáticas distinguem-se

das demais subordinadas pela mobilidade é uma idéia defendida por muitos autores.

Aqui, propomos que se faça a distinção entre mudança potencial da ordem e

mobilidade de fato. Em outras palavras, as orações podem, se submetidas ao teste de

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

97

inversão de ordem, manter sua integridade semântica, entretanto não necessariamente

são construídas em outra posição que não aquela encontrada. Nesse caso, essas

orações teriam um comportamento posicional mais rígido, o que evidenciaria um

estágio mais adiantado de gramaticalização.

Por questões metodológicas, apresentamos, em forma de

tipologia, as possibilidades de inversão posicional das orações temporais. Cremos

que esse tratamento facilita a apresentação e compreensão do fenômeno, uma vez

que possibilita uma visão quase discreta da atuação de critério tão abstrato quanto é a

‘rigidez’ da ordem na graduação até o momento enfatizada.

(a) Inversão Irrestrita

Inserem-se no conjunto das orações cuja inversão é irrestrita, todas as

orações que, submetidas ao teste da inversão potencial da ordem, reagiram

positivamente. Com isso, queremos dizer que, com a mudança da ordem, não

ocorrem equívocos ou alterações semânticas e o sentido original é preservado.

Os casos de inversão incondicional refletem ocorrências mais flexíveis

quanto à ordem, podendo ocorrer em anteposição, posposição ou intercalação. Nos

casos de anteposição, as orações admitem assumir a posposição; nos casos de

posposição, as orações podem, sem problemas, deslocar-se para antes da oração-

núcleo; e os casos de intercalação evidenciam orações que tanto podem deslocar-se

para a margem direita quanto para a margem esquerda, sem prejuízos para a

ordenação cronológica dos eventos. Esses casos podem ser observados de (109) a

(115).

(109) quando dá tempo deu limpar as prata, eu limpo[peul172] (110) ele chegô...o rapais tava vendendo limão[pop299] (111) comecei aprendê...eu era pequeno [pop341] (112) minha mãe morreu...eu tinha oito ano [pop343] (113) eu fui sabê meu nome...eu tinha vinte e três para vinte quatro ano [pop364]

(114) quando o pai deles morreu...eles ficaru pequeno [pop8] (115) quando chega na sala, dona Manoelina dá um fora na gente

[peul32]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

98

Os exemplos (110) a (113), se submetidos ao teste de inversão, não

alteram a ordenação de acontecimento dos eventos, entretanto altera a classificação

de qual seja a temporal. Esse fato ocorre porque, não havendo marcas formais de qual

seja a temporal, a primeira da seqüência será interpretada como tal. Além disso, o

lapso de tempo representado pela forma verbal de imperfeito contém o momento de

realização do evento representado pela forma de pretérito perfeito.

(b) Inversão Restrita ou Parcial

Estão reunidas no grupo de inversão restrita ou parcial as orações

intercaladas que puderam ser deslocadas em direção a um dos extremos apenas,

embora pudesse, em tese, aparecer tanto anteposta quanto posposta. É o caso das

orações intercaladas, que, em tese, podem ser deslocadas tanto para a direita quanto

para a esquerda; exemplares desse tipo de oração podem ser observados em (116) a

(119).

(116) porque...logo quando meu marido/ fiquei sem o marido... eu

cuidava deles no cabo da enxada...né? [pop7] (117) mas quando eu chego humilhar aquela pessoa, eu gosto de botar a pessoa abaixo de vagabundo [peul41] (118) mas na hora de voltar, ela não dá para correr [peul80] (119) eu acho que sim... porque quando ela tava no prezinho lá

embaxo...ela mais brincava [pop186]

(c) Inversão Impossível

Fazem parte deste conjunto todas as orações que se demonstraram insensíveis ao

teste da inversão potencial da ordem. Todas essas orações, portanto, admitem

unicamente a ordem realizada. O critério para o impedimento é semântico, uma vez

que a inversão virtual resultaria na desordenação cronológica dos eventos. Os

exemplos que seguem evidenciam casos desse tipo.

(120) só deixa quando é aqui perto [peul48] (121) mas eu não gosto de ser mágico não, quando crescer [peul77] (122) aí quando meu marido começô namorá comigo...ele

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

99

falava assim [peul170] (123) o futebol tem aquele que nasce com o dom de jogar e aquele

que nasce com a sorte de entrar num clube, subir muito rápido, ser profissional, enquanto o outro que é craque de bola, malicioso, está ainda por baixo, esperando uma vez para subir. [peul109]

(124) o dia que eu vô na casa dela...eu sei que eu vô dá risada o dia intero...viu? [pop204]

(125) a última vez que os cara foram, eu não fui não [peul266]

Após submeter os dados ao tratamento estatístico,

obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 22: Inversão Potencial das orações nos processos de combinação Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total

Inversão

irrestrita

13 (9,5%) 388 (86,5%) 27 (35,5%) 428 (65%)

Inversão

impossível

118 (87,5%) 27 (6%) 42 (55%) 187 (28%)

inversão parcial para direita

0 33 (7,5%) 6 (8%) 39 (6%)

inversão parcial para esquerda

4 (3%) 0 1 (1,5%) 5 (1%)

Total 135 (20,5%) 448 (68%) 76 (11,5%) 659

Os percentuais apresentados, na tabela acima referem-se ao cálculo na

linha vertical, pois está-se levando em conta o processo de combinação de oração.

As paratáticas, na maioria, não aceitam a inversão das orações (87,5%),

diferentemente das hipotáticas que admitem a inversão de forma irrestrita na maioria

das ocorrências analisadas (86,5%). Das orações encaixadas, 55% dos nossos dados

não admitem inversão em hipótese alguma.

Quanto à inversão virtual, a mobilidade das orações comprova as

nossas expectativas quanto à mobilidade característica das orações adverbiais, que as

aproxima do comportamento do advérbio, como defendem lingüistas e gramáticos.

As paratáticas, embora no contínuo de gramaticalização estejam

situadas no pólo esquerdo, indicando um menor estágio de gramaticalização,

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

100

aproximam-se do comportamento esperado para as encaixadas, que, num estágio

maior de gramaticalização, teriam menor mobilidade.

Uma vez que parataxe e encaixamento são processos que englobam

diversas estruturações em nosso trabalho, a análise por tipo é conveniente para que se

evitem incongruências possíveis de ocorrer num tratamento geral.

5.4.1 Inversão potencial da ordem na Parataxe

Inicialmente, com a leitura dos textos sobre o assunto, acreditávamos

que as justapostas seriam as orações de menor mobilidade, fato que se confirmou na

análise dos dados.

As justapostas não só aparecem construídas em ordem variada, mas

também admitem em alguns casos uma inversão potencial da ordem.

Tabela 23: Inversão potencial da ordem nas estruturações justapostas

anteposta intercalada posposta Total inversão irrestrita

6 2 4 12 (11%)

inversão impossível

83 9 1 93 (85%)

inversão parcial para esquerda

0 4 0 4 (4%)

Total 89 (81,5%) 15 (14%) 5 (4,5%) 109

A inversão potencial da ordem não se consuma em 85% das orações

justapostas. Quanto aos demais números, embora os tenhamos apresentado no quadro

anterior, não traçaremos qualquer comentário devido ao número insignificante de

ocorrências.

Algumas orações de tempo combinadas por justaposição tiveram sua

ordem virtualmente alterada, sem que nenhum problema ocorresse quanto à

informação que veiculavam. Esses casos somaram um total de doze ocorrências

(11%), sendo a maioria delas originariamente anteposta (6 casos).

Observemos quais são esses casos e o que justificaria a inversão de

ordem numa combinação de oração teoricamente regida pelo princípio de

iconicidade.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

101

(126) isso, eles vive dizendo isso, eu nem sonhava em ter filho ainda [peul143] (127) cheguei lá, ele já tinha tomado injeção [peul146] (128) eu cheguei aí, já estava terminando o primeiro tempo [peul168] (129) minha mãe morreu, eu tinha seis anos [peul180] (130) eu fui um cinema, a primeira vez,(...) já estava com dezoito ano [peul183]

Os exemplos (127) a (130) mostram que as orações, se submetidas ao

teste de inversão potencial, não têm alterada a ordenação dos eventos, mas este fato

interfere na classificação de qual seja a temporal. Isto ocorre porque, não havendo

conectivos explícitos, a primeira oração da seqüência será interpretada como a

temporal.

O exemplo (126) é um pouco diferente daqueles analisados

anteriormente, porque a oração temporal se encontra originariamente posposta à

oração-núcleo e não aceita, interpretativamente, o conectivo neutro quando.

Parafraseando aquele exemplo, teríamos a seguinte construção.

(126a) isso, eles vive dizendo isso, desde quando eu nem sonhava em ter filho ainda.

Em outras palavras, essa oração, se submetida ao teste de inversão, cria

a necessidade de um conectivo específico de ponto inicial na cadeia temporal. Esse

fenômeno ocorre devido à correlação modo-temporal pouco comum

(presente/imperfeito).

As orações que fazem parte do grupo caracterizado por inversão

impossível são também as mais recorrentes, o que depõe a favor da hipótese de serem

elas as justapostas prototípicas.

Outras orações justapostas somente podem ser

deslocadas em direção à margem esquerda, não admitindo anteposição, portanto.

Alguns desses casos são apresentados a seguir:

(127) cê sabe que...a gente trabalha assim por dia...tem que fazê tudo num dia só...né? [pop195]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

102

(128) as veis...dia de domingo...eu vô no serviço do meu marido...

levo as criança lá [pop218] (129) inclusivemente...eu chegava ali...o gerente me conhecia [pop327]

As estruturações intermediárias 1 representam orações que têm

comportamento semelhante às orações coordenadas.

É esperado que coordenadas não admitam inversão de ordem, caso

contrário a ordem cronológica dos eventos pode ser alterada. Submetemos, então, os

dados ao teste de inversão potencial e notamos que um dos casos analisados admitia

a inversão, sem mudar a ordenação original dos eventos. Esse caso pode ser

observado a seguir.

(130) aí eu estava jogando bola...ele me chamou para mim ir [peul62]

Nesse exemplo, a inversão é plenamente aceitável devido à marcação

do aspecto durativo na primeira oração, o que o torna concomitante ao evento da

segunda oração. Essa concomitância licencia a inversão da ordem. Do ponto de vista

da fixação da ordem, portanto, podemos afirmar que casos com eventos

concomitantes permitem a inversão de ordem na coordenação. Entretanto, embora a

inversão não altere a ordem histórica, altera a interpretação de qual seja a temporal,

conforme já observado por Rocha Lima (1958) e também Halliday (1985).

Os resultados apurados no processo de parataxe, na

estruturação intermediária 1 foram os seguintes:

Tabela 24: Inversão potencial da ordem na estruturação intermediária 1

Anteposta Intercalada Posposta Total Inversão irrestrita

1 0 0 1(4%)

Inversão impossível

25 0 0 25(96%)

Total 26 0 0 26

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

103

As estruturações intermediárias 1, além de serem construídas

categoricamente à margem esquerda da oração com a qual se combina, não admitem

a inversão virtual da ordem na maioria dos dados.

A não mobilidade da ordem pode denunciar o maior ou

menor grau de gramaticalização das orações. Sendo assim, as estruturações

intermediárias 1 encontram-se em estágio maior de gramaticalização em relação às

estruturações justapostas, como podemos observar na figura que segue:

Figura 4 : Mobilidade Potencial das estruturações paratáticas

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

inversão irrestrita inversão impossível inversão parcial

JustapostaIntermediária 1

5.4.2 Inversão potencial da ordem na Hipotaxe

Submetidas ao teste da inversão potencial de ordem, notamos que as

hipotáticas formam o conjunto de orações de maior mobilidade dentro da construção

complexa temporal.

A análise dos resultados permitiu observar que as hipotáticas podem

ser dispostas numa gradação que parte da estrutura mais flexível para a mais rígida.

Tabela 25: Inversão Potencial da ordem na oração hipotática

anteposta intercalada posposta Total inversão irrestrita

330 14 44 388 (87%)

inversão impossível

11 1 15 27 (6%)

inversão parcial para direita

0 33 0 33 (7%)

Total 341 48 59 448

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

104

87% das hipotáticas admitem a reversão da ordem. Deste total, 85%

são antepostas.

Algumas hipotáticas intercaladas, embora admitam a inversão,

condicionam a direção do deslocamento desta. Esse conjunto soma um total de 7,5%

das hipotáticas e permite inversão restrita em direção à margem direita, ou seja,

somente aceitam o teste se caminharem em direção à posposição. Alguns desses

casos podem ser apreciados nos exemplos que seguem:

(131) você vê que...quando eu tava no segundo ano...eu já sabia de cor a tabuada todinha [pop125] (132) qué dizê que...quando não tinha serviço pra nóis... dentro dali do sítio tinha poco...procurava trabalhá por dia [pop274] (133) eu acho que depois que a mulher tem um marido, que se casa ou que arruma um rapaz, sei lá, ela tem que dar o respeito, né? [peul155] (134) porque antes deles ir embora, ela falou [ peul173] (135) ela disse que, quando chegasse, que ela ia me procurar de novo [peul77] (136) na frente, eu largo aquela que vocês quando chegaru eu botei pra dentro [peul228] (137) vamos dizer que eu acreditando em mim, estou acreditando no meu Deus [peul252]

Todas essas orações apresentadas estão num estágio mais elevado de

gramaticalização do que as antepostas, porque são intercaladas e porque estão mais

integradas à oração-núcleo.

Nos dados de português popular, a grande maioria dos elementos

restritores da mobilidade é constituída pela conjunção porque; nos de português

carioca, essa função restritiva é desempenhada, na grande maioria, pelo conectivo

mas.

Na teoria sobre gramaticalização, as orações reduzidas estariam no

extremo direito do contínuo, indicando que são as estruturas mais gramaticalizadas.

Quando elaboramos este trabalho, sentimos dificuldade em assumir esse tratamento

de dados, por encontrarmos comportamentos discrepantes, mesmo dentre as

reduzidas. Portanto, o critério de separar as orações unicamente pelo tipo de forma

verbal não foi adotado neste trabalho.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

105

As orações reduzidas são mais gramaticalizadas,

concordamos, porque estão mais entrelaçadas às orações com que se combinam. A

justificativa é simples: seu tempo/modo e muitas vezes seu sujeito são inferidos a

partir da leitura da outra oração.

Evitamos, como se pode notar, o uso dos rótulos ‘oração-

núcleo’ e ‘oração matriz’ nas discussões acima. O fato é que, em nossos dados,

encontramos orações reduzidas que, quando desenvolvidas, assumiam a forma de

uma hipotática, mas também encontramos orações reduzidas que se desenvolviam em

orações adjetivas, portanto encaixadas. Na análise que segue, detivemo-nos nos casos

de orações reduzidas, cuja forma desenvolvida agrupava-se ao conjunto das

estruturações hipotáticas.

Segundo Lehmann28 (1991:524), a ordem dos constituintes é mais

rígida nas subordinadas não-finitas do que nas finitas. Este seria um critério para

afirmar que as reduzidas são mais gramaticalizadas do que as desenvolvidas. Para

testar essa hipótese, submetemos os dados ao teste da inversão potencial da ordem e

os resultados estão expostos na tabela abaixo.

Tabela 26: Inversão Potencial nas estruturações hipotáticas

finita não-finita Total inversão irrestrita 369 (87%) 19 (82,5%) 388 (87%) inversão impossível 27 (6%) 0 27 (6%) inversão parcial para direita 29 (7%) 4 (17,5%) 33 (7%) Total 425 23 448

Toda oração hipotática, pela própria condição de um advérbio de

tempo, deveria ser potencialmente móvel. Todavia, analisando os dados, observamos

que uma minoria não reage como o esperado, quando submetida ao teste de inversão

potencial.

O conjunto das orações que não admite inversão de ordem representa o

total de 6% (27 ocorrências) das hipotáticas. Esse comportamento atípico esteve

correlacionado à posposição em sua grande maioria, embora também pudesse ocorrer

em anteposição e intercalação esporadicamente.

28 Ilustra com esse fato o Princípio de Penthouse (Ross 1973), segundo o qual a diversidade sintática é reduzida aos mais baixos níveis gramaticais.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

106

As estruturações hipotáticas finitas, somando índices de mobilidade

irrestrita e mobilidade parcial, são móveis em 94% das ocorrências, entretanto não-

finitas mostraram-se categoricamente móveis. Como a diferença é pequena, cremos

que as reduzidas a que se refere Lehmann são as não-finitas por nós incluídas no

processo de encaixamento. Essas orações serão observadas com detalhe com na seção

5.4.3. A observação dos resultados apurados é favorecida no gráfico que segue.

Figura 5: Mobilidade das estruturações hipotáticas

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

inversão irrestrita inversão impossível inversão parcial paradireita

finitanão-finita

Uma vez que 6% das hipotáticas finitas não podem ter

sua ordem revertida, contrariando as expectativas e evidenciando um comportamento

atípico no conjunto, julgamos importante investigar as causas. Procedemos, então, à

análise qualitativa desse conjunto em busca de fatos que possam provocar essa

alteração de comportamento.

5.4.2.1. Impedimento de inversão das temporais antepostas

Quando analisamos o conjunto das antepostas que não admitem

inversão, observamos que o fenômeno que atua impedindo a inversão é

fundamentalmente o mesmo: a anáfora. À exceção do exemplo (140), todos os outros,

se em ordem inversa, teriam o rompimento da referência anafórica.

(138) quando, assim, dizem que está pifado, eu lembro, porque já pensei naquele dia, não é? [peul10] (139) quando a mãe da minha cunhada morreu, ela disse que não queria ninguém chorando [peul58] (140) quando chegar lá em cima, o king kong está segurando

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

107

uma mulher [peul75] (141) ali, quando o nego não tem nada pra fazer, fica ali [peul262]

(142) quando meu marido chegô...falei pra ele [pop226] (143) quando a professora saía de dentro da classe...

assim...ela não gostava que levantava dali [pop248]

O exemplo (144), se em ordem inversa, teria afetada a nuança temporal

originalmente expressa. Explicamos: se, na oração original, o item lexical até produz

noção de ponto inicial na linha do tempo, com a inversão essa mesma partícula

produziria a nuança aspectual de ponto terminal e mudaria toda a informação

expressa. Essa inversão pode ser vista em (144a).

(144) até que chegô um moço aí... matô todo mundo [pop221] (144a) matô todo mundo, até que chegô um moço aí.

Um outro viés de análise pode ser adotado para explicar a não-inversão

do exemplo anterior: o valor temporal das formas verbais. O tempo envolvido na

seqüência analisada é o pretérito perfeito que inclui um evento encerrado no passado.

A seqüência de formas tempos verbais de pretérito perfeito reflete a seqüência dos

eventos, nesse caso a ordem é icônica: “as formas de perfeito tendem a formar uma

série que indica os fatos ou eventos que se sucedem e compõem o núcleo da

narrativa; se se inverte a ordem das orações narrativas sem que o ouvinte seja

alertado sobre tal inversão, os eventos passam a ser interpretados como ocorridos

na nova ordem” (Rodrigues et al., 1996:427).

5.4.2.2. Impedimento de inversão das temporais pospostas

Na posposição, quatro fatos explicam a não-inversão de ordem:

relativo sem antecedente, uso da partícula só, uso da partícula até e inserção

circunstancial em porção textual contrastiva.

a) relativo sem antecedente

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

108

Os exemplos (145) e (146) ilustram orações de tempo inseridas no

primeiro caso. Em (145), a oração-núcleo funciona como complemento de outra

oração que está fora do processo de combinação da relação temporal. Nesse sentido,

se a oração de tempo for deslocada para a esquerda, para antes da oração núcleo, o

pronome relativo se distanciará do seu antecedente, fato que compromete o

significado do enunciado. Portanto, o deslocamento para a esquerda não pode ser

efetivamente realizado.

Esse mesmo fenômeno ocorre em (146), entretanto com uma oração de

outro estatuto sintático.

(145) sei o que que eu vou ser quando eu crescer [peul15] (146) no festival de cinema, não é? que eu ia falar com você,

quando estava na cozinha [peul22]

b) uso da partícula ‘só’

A grande maioria das orações reunidas no segundo grupo representa

orações que estão em processo de gramaticalização já nos limites de outra relação

circunstancial, a condição. Todas elas trazem na oração-núcleo a partícula só, que

forma par correlativo com o conectivo quando na oração de tempo, como nos

exemplos abaixo. A noção desencadeada mostra-se muito próxima à condição,

embora ainda seja interpretada, pelos falantes nativos, também como tempo. Essas

partículas, portanto, funcionam nas orações apresentadas como elementos fixadores

da ordem.

(147) eu só vou assim quando vai o Barramares [peul83] (148) a vida não pára, só pára depois que a gente morre [peul131] (149)o bicho morde, só larga depois que morre [peul268] (150) eu só ia quando o seu Benjamin ia pra lá de carro [pop94] (151) só vai no banhero quando dá o recreio [pop307]

c) uso da partícula ‘até’

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

109

Quando submetemos a seqüência (152) ao teste da inversão potencial

da ordem, dois caminhos mostraram-se conflitantes. Se consideramos a partícula aí

como elemento interno da oração-núcleo, o resultado será a inversão completa dos

eventos ocorridos. Entretanto, se a consideramos um seqüenciador discursivo, preso à

margem esquerda textual, portanto independente da sintaxe de orações, o resultado

será a movimentação parcial da hipotática.

(152) aí a gente dançava... dançava... dançava...até que saía briga [pop261]

d) inserção circunstancial em porção textual contrastiva

Alguns casos recorrentes apresentaram um comportamento atípico.

As orações-núcleo não estavam apenas em relação de tempo com a hipotática que a

sucedia, mas também em relação de contraste com a porção que a antecedia. Nesses

casos, a inversão torna-se inconcebível, pois o contraste praticamente desaparece,

promovendo uma nova semântica de mas, agora como reforço, ênfase, próprios da

oralidade.

(153) mas eu sinto muito quando eu não vô na reunião [pop53]

5.4.2.3. Impedimento de Inversão das temporais intercaladas

Somente um caso não admitiu inversão, ou seja, somente uma oração

não pôde ser deslocada nem para a direita nem para a esquerda. Essa oração, numa

perspectiva de gramaticalização, está em estágio mais gramaticalizado do que as que

caminham em alguma das direções.

No exemplo (154), o pronome anafórico da oração-núcleo remete ao

referente na temporal anteposta, pois ocorre a dissociação da identidade entre os

sujeitos.

(154) porque quando o homem gosta, a gente consegue mudar ele [peul207]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

110

Com relação aos conectores, pensamos que eles podem mostrar

alguma tendência a ocupar margens específicas; por isso, julgamos importante

observar se essa tendência significaria uma fixação de ordem. Para tanto,

submetemos somente os dados de hipotáticas finitas à análise da inversão potencial e

esses resultados podem ser vistos na tabela que segue:

Tabela 27: Tipo de Conector X Inversão potencial

Prototípico Loc.conjuntiva Loc.híbrida Total inversão irrestrita 337 (87,5%) 28 (80%) 4 (80%) 369 (87%)

inversão parcial para direita

25 (6,5%) 3 (8,5%) 1 (20%) 29 (7%)

inversão impossível 23 (6%) 4 (11,5%) 0 27 (6%)

Total 385 (90,5%) 35 (8,5%) 5 (1%) 425

Os resultados da tabela 27 levam-nos a observar que o tipo de

conector não atua na fixação da ordem, uma vez que todos detêm um índice alto de

inversão irrestrita.

5.4.3 Inversão potencial da ordem no encaixamento

O encaixamento é considerado o processo de combinação de orações

mais gramaticalizado, por esse motivo aparece representado no extremo direito do

contínuo.

Como já dissemos na seção anterior, o grupo de estruturações que

compõe o encaixamento neste trabalho foge um pouco ao proposto por Hopper &

Traugott, porque identificamos orações não-finitas que se comportam como

hipotáticas finitas e também encontramos orações não-finitas, que desempenham

função sintática adjetiva na oração matriz.

As orações temporais encaixadas com função substantiva passariam a

ser considerada uma oração temporal típica, se a casa do sujeito ou do objeto fosse

preenchida por um nome, fato que impediria a sua interpretação como substantiva,

como no exemplo que segue:

(155) mas é ruim demais quando a gente descobre [pop152] (155a) mas X é ruim demais quando a gente descobre Y.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

111

(155b) mas X é ruim demais quando a gente descobre X.

As orações que codificam tempo e são introduzidas por conjunções

prototípicas normalmente permitem inversão da ordem. Por outro lado, com as

orações que desempenham função substantiva, uma inversão pode gerar confusões de

interpretação, por serem ambíguas.

Tabela 28: Inversão potencial nas orações encaixadas

Anteposta Intercalada Posposta Total inversão irrestrita

10 9 8 27 (35,5%)

inversão parcial para direita

0 6 0 6 (8%)

inversão parcial para esquerda

0 1 0 1 (1,5%)

inversão impossível

1 39 2 42 (55%)

Total 11 (14,5%) 55 (72,5%) 10 (13%) 76

As orações encaixadas tendem a não admitir a inversão da ordem

(55%). Por outro lado, as orações que permitiram a inversão correspondem a um

percentual de 45%, que, comparado ao de inversão irrestrita, resulta numa diferença

pequena.

Como no grupo das encaixadas estão incluídas estruturações de

variados tipos, o ideal para o entendimento do comportamento dessas orações é que a

analisemos segundo o tipo de encaixamento.

Tabela 29: Inversão potencial da ordem nas estruturações encaixadas29

Estruturação Intemediária 2

Estruturação com função substantiva

Estruturação com função adjetiva

determ aposit subjet objet finita ñ-finita Total sim 14 2 2 7 1 1 27 direita 5 0 0 1 0 0 6 esquerda 0 1 0 0 0 0 1 não 2 0 1 0 37 2 42 Total 21 3 3 8 38 3 76

29 Os ró tu los da t abe la 28 , inversão i r res t r i ta , inversão parc ia l para a d i re i ta , inversão parc ia l para a esquerda e inversão imposs íve l fo ram subs t i tu ídos , na t abe la 29 , por , r e spec t ivamente : s im, d i re i ta , e squerda e não .

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

112

Não incluímos os percentuais por considerarmos baixo o número e de

dados correspondentes às diferentes estruturas. Ainda assim, podemos notar uma

tendência à mobilidade nos dois primeiros tipos de estruturações e a não-mobilidade

categórica das orações adjetivas.

5.5 Identidade dos Sujeitos das Orações

Um critério que pode ser usado para medir a integração sintática entre

orações é o traço identidade dos sujeitos da orações combinadas.

A identidade dos sujeitos desencadeia o fortalecimento da integração

sintática, uma vez que duas orações combinadas partilham alguns termos que

desempenham as mesmas funções e, pela coincidência de função sintática, o

apagamento é licenciado. Esse fenômeno é bastante comum nas orações

coordenadas e reduzidas temporais, conforme já observou Braga (1995, 1996).

Quanto à identidade entre sujeitos, três classificações foram

estabelecidas.

(a) [+identidade]

Esse fator inclui orações cujos sujeitos sejam os mesmos, embora sua

codificação possa ser diferente.

(156) quando eu cheguei em casa, joguei fora o chinelo, sabia? [peul18] (157) quando ele voltou, falou assim [peul24] (158) nego chega ali...roba a casa da pessoa [pop314]

(159) eu considero vivê enquanto eu posso tocá minha vida por minha conta [pop346]

(b) [-identidade]

Essa classificação foi atribuída à combinação de orações cujos sujeitos

são diferentes.

(160) depois, quando ele falou: “<ma-> <-ma-> - <ma->”, apareceu a mãe dele, né? [peul6]

(161) eu brinco quando eles vêm aqui [peul49]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

113

(162) e quando acharu esse home...que retiraru ele...nós não pôde comê nada [pop16] (163) quando assim a gente já tá já mais...ela fica de parte olhando [pop23]

( c) Não se aplica

Esse rótulo foi atribuído aos casos em que o sujeito da oração de

tempo não pôde ser identificado e, por esse motivo, quanto à sua explicitude, recebe a

classificação de ‘zero’. Os exemplos podem ser vistos em (164) a (167).

(164) quando foi de noite...nós tava vendo aquele mau chero aqui [pop14] (165) quando era domingo...a casa enchia de mulherada e rapazeada junto com os menino [pop17] (166) mas, quando é de manhã, é lindo [peul20] (167) depois que teve essa briga com minha mãe e meu pai, eu, sei lá, tomei pavor do lugar [peul147]

Após correlação dos processos de combinação de orações com o traço

identidade, obtivemos os seguintes resultados:

Tabela 30: Identidade dos Sujeitos x Processos de Combinação de Oração Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total [+identidade] 76 (56%) 209 (46,5%) 34 (45%) 319 (48,5%) [-identidade] 57 (42%) 204 (45,5%) 37 (48,5%) 298 (45%) não se aplica 2 (2%) 35 (8%) 5 (6,5%) 42 (6,5%) Total 135 (20,5%) 448 (68%) 76 (11,5%) 659

A hipótese inicial, à luz dos resultados globais, confirma-se, uma vez

que paratáticas detém o maior índice de sujeitos idênticos. Hipotáticas e encaixadas

apresentam resultados semelhantes de sujeitos idênticos e não-idênticos. Esses

resultados aparentam distorção, já que a integração de reduzidas é altamente

marcada, o que nos faz analisar cada processo de combinação de orações em

separado.

5.5.1 Identidade entre sujeitos nas estruturações paratáticas

O conjunto das paratáticas, que engloba estruturação justaposta e

estruturação intermediária 1, apresentou os seguintes resultados:

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

114

Tabela 31: Identidade dos sujeitos nas paratáticas

Justaposta Intermediária 1 Total [+ identidade] 62 (57%) 14 (54%) 76 (56%) [- identidade] 46 (42%) 11 (42%) 57 (42%) não se aplica 1 (1%) 1 (4%) 2 (2%) Total 109 (81%) 26 (19%) 135

As justapostas e intermediárias 1 comportam-se de forma similar

quanto à identidade dos sujeitos, o que comprova terem um alto índice de integração

sintática.

5.5.2 Identidade de sujeitos nas estruturações hipotáticas

O processo de combinação por hipotaxe concentra dois tipos de

estruturações: orações finitas e não-finitas; buscamos correlacioná-las com o fator

‘identidade de sujeitos’ e apuramos os seguintes resultados.

Tabela 32: Identidade dos sujeitos nas hipotáticas

Finitas Não-finitas Total [+identidade] 196 (46%) 13 (56,5%) 209 (46,5%) [-identidade] 194 (46%) 10 (43,5%) 204 (45,5%) não se aplica 35 (8%) 0 35 (8%) Total 425 (95%) 23 (5%) 448

Os resultados comprovam que finitas trazem sujeitos

idênticos e não idênticos nos mesmos índices, representando o equilíbrio de usos. As

não-finitas, por sua vez, apresentam ligeiro aumento do traço [+identidade],

ratificando os resultados a que chegou Braga (1996).

5.5.3 Identidade entre sujeitos nas estruturações encaixadas

A função específica de algumas orações encaixadas pode ser

determinante no entendimento do traço [identidade], uma vez que as orações podem

desempenhar a função sintática de sujeito, não recebendo, portanto, traço de

identidade.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

115

Outras estruturações, incluídas por nós no encaixamento, comportam-

se tal como uma temporal prototípica se comportaria, razão pela qual apresentamos

os resultados por tipo de encaixamento.

Tabela 33: Identidade dos sujeitos nas encaixadas

Estruturação Intemediária 2

Estruturação com função substantiva

Estruturação com função adjetiva

determ aposit subjet objet finita ñ-finita Total [+ident] 11 1 0 2 19 1 34 [-ident] 9 2 1 6 18 1 37 ñ se apl. 1 0 3 1 0 0 5 Total 21 3 4 9 37 2 76

Pelos resultados, nenhuma relação podemos estabelecer entre

identidade do sujeito e integração, dada a pequena quantidade de dados, que não

mostram quantitativamente diferenças significativas.

Esperávamos, com base na bibliografia consultada, um alto índice de

integração entre orações em complexos sintáticos em que a temporal é uma oração

encaixada, o que, de fato, não ocorreu.

Os resultados dispostos no quadro anterior fez-nos perceber que a

integração das orações, sob o prisma dos sujeitos, torna a distribuição conflituosa

com o contínuo inicial de integração de orações. Esse comportamento das orações

poderia traduzir-se na inadequação da utilização do parâmetro da integração de

sujeito para se determinar o estágio de gramaticalização de orações. Três argumentos

sobressaem desse contínuo e sustentam essa suspeita.

O primeiro parte do comportamento das encaixadas que, em estágio

mais adiantado de gramaticalização, revelam baixo índice de integração na

perspectiva analisada. Esse comportamento explica-se pelo fato de ela própria

assumir a função do sujeito, tal é o estágio de gramaticalização.

O segundo argumento decorre do tipo de oração que ocupa o extremo

direito do contínuo de Hopper & Traugott. Naquele contínuo, as orações encaixadas

estão no extremo direito. Se o critério identidade entre sujeitos fosse adequado para

avaliar graus de gramaticalização das orações, afirmaríamos, com base nos

resultados apurados, que as paratáticas apresentaria o mais alto grau. Explicamos: as

orações paratáticas apresentaram alto índice de sujeitos idênticos, contudo não podem

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

116

estar dispostas no extremo direito do contínuo de gramaticalização, uma vez que o

traço [-dependência] formal atua fortemente nessas orações.

O terceiro argumento é baseado principalmente em Du Bois (1984) e

Neves & Braga (no prelo), que chamaram a atenção para o fato de motivações

estarem atuando em direções contrárias, configurando-se a competição de

motivações, que “it is not only the competition between semantics and pragmatics

which leads to invoking grammar as arbiter, but also, perhaps, the competition

between one speaker, one segment of society, or one generation, and the next” (Du

Bois, 1984:361).

5.6 Traço [animicidade] do Sujeito da Oração de Tempo

Na literatura consultada, o traço semântico [animacidade] do sujeito é

muito pouco usado para caracterizar processos de combinação de orações.

Heine, Claudi & Hünnemeyer (1991) afirmam que o alto índice de

sujeitos com traço [-animado] evidenciam maior grau de gramaticalização. Com base

nessa afirmação, podemos supor que as orações com grau mais elevado de

gramaticalização comportarão um maior índice de sujeitos inanimados. Em

contrapartida, se menos gramaticalizadas, tenderão a apresentar sujeitos com o traço

[+animado].

Com base no exposto, então, analisamos os dados selecionados,

codificando-os de acordo com os seguintes critérios:

(a) [ - animado]

Foram classificados nesse grupo os sujeitos das orações de tempo que

tivessem o traço inanimado, que é pertinente à terceira pessoa. Exemplos de sujeitos

com esse traço podem ser observados a seguir:

(168) antes de vencê o tempo do acordo que eu fiz...mandaru me chamá no otro serviço [pop82] (169) quando tava pra vingá...o sol vinha e castigava [pop30] (170) passando o cemitério...o ônibus faz aquelas voltinha [pop36] (171) quando some um troço lá de outra pessoa, eles querem revistar nossas pastas [peul38]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

117

(172) me diz quando isso acabar [peul60] (173) quando estava dois a dois, ele - a Itália saiu a bola, ele foi para cima em vez de ficar na retranca [peul63]

(b) [ + animado]

Receberam essa classificação os sujeitos correspondentes a seres vivos,

humanos e não-humanos. Ainda são incluídos nesse rótulo sujeitos correspondentes a

seres dotados de vida, no imaginário da comunidade de fala investigada, ainda que

abstratos. Exemplos de sujeitos animados podem ser vistos a seguir.

(174) quando os filho vai preso...os pai vai atrás [pop138] (175) quando eu pagava aluguel...tinha dia de não tê dinhero nem pá comê [pop227] (176) quando eu aposentei...o último serviço meu no metrô foi no pátio de Itaquera...né? [pop353] (177)quando ela olha pra mim manda eu separar carteira [peul33] (178) quando o nego não tem nada pra fazer, fica ali [peul262] (179) aí quando voltou, aí, é sim, quase matou a mulher, sabe por quê? [peul23]

(c) Não se aplica

Foram incluídos nesse rótulo sujeitos cujo referente pôde ser identificado,

sujeitos inexistentes, sujeitos oracionais, como observamos em (188) a (193).

(180) quando é no outro dia...já amanheço doida pra vim embora [pop6] (181) quando foi de noite...nós tava vendo aquele mau chero aqui [pop14] (182) quando tem bazar...quermesse...essas coisa...eu vô [pop166] (183) mas, quando é de manhã, é lindo; fica tudo brilhando [peul20] (184) quando tem qualquer festa na casa da minha tia, seja onde for, eu tenho que fazer [peul151] (185) quando foi umas duas e meia, eu estava cansado já de ficar na cama, eu levantei [peul288]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

118

Feita a análise dos dados, segundo os critérios acima apresentados,

estabelecemos a correlação do parâmetro [+animacidade] com os processos de

combinação de orações e obtivemos os seguintes resultados.

Tabela 34: Processos de Combinação de Orações x Traço Animacidade

Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total [-anim] 11 (8%) 46 (10%) 8 (10,5%) 65 (10%) [+anim] 122 (90,5%) 365 (81,5%) 66 (87%) 553 (84%) Ñ se aplica 2 (1,5%) 37 (8,5%) 2 (2,5%) 41 (6%) Total 135 (20,5%) 448 (68%) 76 (11,5%) 659

Os resultados não evidenciam nenhuma relação entre sujeito [-

animado] e gramaticalização, pois todos processos apresentam praticamente os

mesmos índices de sujeitos com esse traço. Apesar disso, estabelecemos a correlação

com cada tipo de estruturação incluída nos processos.

5.6.1 Traço animado do sujeito das estruturações paratáticas

Na estruturação justaposta, o traço [+animado] dos sujeitos alcançou

um percentual de 91%, contra 8% de sujeitos [-animados]; o saldo restante (2%)

refere-se aos casos em que essa análise semântica não se aplica, como sujeitos

oracionais ou sujeitos inexistentes.

Na estruturação intermediária 1, o traço [+animado] alcançou um

percentual de 88,5%. O traço [-animado] somou apenas dois dados (7,5%) e o

restante (4%) era formado por orações sem sujeitos, em que esse traço não se aplica.

Tabela 35: Traço animado dos sujeitos das orações paratáticas

Justaposta Intermediária 1 Total [-anim] 9 (8%) 2 (7%) 11 (8%) [+anim] 99 (91%) 23 (89%) 122 (90,5%) ñ se aplica 1 (1%) 1 (4%) 2 (1,5%) Total 109 (81%) 26 (19%) 135

Portanto, estruturações justapostas e intermediárias 1 comportam-se da

mesma forma.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

119

5.6.2 Traço animado do sujeito nas estruturações hipotáticas

As hipotáticas finitas mostraram comportamento

diferente das não-finitas quando analisadas segundo o traço animacidade do sujeito.

Tabela 36: Traço animado dos sujeitos das estruturações hipotáticas

finitas não-finitas Total [-anim] 41 (9,5%) 5 (22%) 46 (10%) [+anim] 347 (81,5%) 18 (78%) 365 (82%) ñ se aplica 37 (9%) 0 37 (8%) Total 425 (95%) 23 (5%) 448

Ambas as estruturações têm sujeitos prototipicamente

animados, contudo, há um aumento pequeno do traço [-animado] nos sujeitos das

orações não-finitas.

5.6.3 Traço animado do sujeito nas estruturações encaixadas

Na realidade, não há diferença de comportamento entre estruturações

encaixadas e os demais processos analisados quanto ao traço [animado] do sujeito.

As encaixadas detêm o percentual de 10,5% de sujeitos com traço [-animado], como

apresentamos abaixo:

Tabela 37: Traço animado dos sujeitos nas orações encaixadas

Estruturação Intemediária 2

Estruturação com função substantiva

Estruturação com função adjetiva

determ aposit subjet objet finita ñ-finita Total [-anim] 2 0 0 3 3 0 8 (10,5%) [+anim] 18 3 4 5 34 2 66 (87%) ñ se apl. 1 0 0 1 0 0 2 (2,5%) Total 21 3 4 9 37 2 76

Com base nessa tabela, apresentamos a figura que apresenta, com

nitidez, que há maior índice de sujeito [-animado] no encaixamento e menor índice

nas coordenadas, o que pode justificar as hipóteses de Heine et al. quanto a esse traço

estar correlacionado a estruturas em maior estágio de gramaticalização.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

120

Figura 6: Distribuição dos Sujeitos [-Animados]

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

parataxe hipotaxe encaixamento

5.7 Identidade entre Tempos e Modos

A correlação modo-temporal aparece tanto na literatura tradicional

quanto na da lingüística contemporânea (Harris & Campbell 1995; Neves & Braga,

no prelo) como critério importante na descrição de fenômenos lingüísticos.

No artigo de Neves & Braga, as autoras investigaram, na perspectiva

da gramaticalização, construções de tempo e de condição e elegeram como um dos

critérios de integração a correlação tempo-modo. A maneira como as autoras

analisaram esses dados e os resultados a que chegaram nos levaram a postular que a

integração das estruturações poderia ser aferida pela correlação tempo-modo.

A maneira como estabelecemos as correlações foge ao modelo de

análise tradicional, por buscarmos indícios da gramaticalização da noção de tempo

em orações combinadas.

Codificamos os dados segundo esta variável, obedecendo

aos seguintes fatores:

a) [-identidade] de tempo e [+identidade] de modo;

b) [+identidade] de tempo e [-identidade] de modo;

c) [-identidade] de tempo e de modo;

d) [+identidade] de tempo e de modo;

e) [+identidade] por inferência.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

121

Os parâmetros arrolados acima, com exceção do último,

explicam-se por si mesmos. O parâmetro [+identidade] por inferência foi incluído

para abranger as orações que originalmente são introduzidas por formas nominais dos

verbos, as quais, desenvolvidas, têm seu tempo e modo inferido a partir da forma

verbal da oração com que se combina.

Tabela 38: Processos de Combinação de Orações X Identidade entre Tempos e Modos.

Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total fator a 25 (18,5%) 71 (16%) 17 (22,5%) 113 (17%) fator b 0 18 (4%) 4 (5,5%) 22 (3,5%) fator c 4 (3%) 25 (5,5%) 4 (5,5%) 33 (5%) fator d 106 (78,5%) 312 (69,5%) 49 (64,5%) 467 (71%) fator e 0 22 (5%) 2 (2%) 24 (3,5%) Total 135 448 76 659

O fator d refere-se ao conjunto das orações que apresentam maior grau

de integração por terem na correlação modo-temporal o traço de [+identidade].

Nossos resultados aproximam-se, assim, dos apresentados por Neves & Braga (no

prelo).

O interessante desses resultados é que revertem totalmente o contínuo

de gramaticalização de combinação de orações, estabelecido por Hopper &

Traugott, o que prova, mais uma vez, que esse parâmetro sozinho não revela os

graus de gramaticalização das orações.

Figura 7: Integração das Orações pelo tempo/modo [+idêntico]

[+identidade] tempo/modo

0,00%

20,00%

40,00%

60,00%

80,00%

Parataxe Hipotaxe Encaixamento

A figura anterior apresenta distribuição inversa da esperada para

indicar os graus de gramaticalização dos processos de combinação de orações.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

122

Outra correlação que indicaria a maior integração das orações é o fator

e, que se refere a orações reduzidas. Ocorre que o tratamento, da forma que foi

planejado, produziu resultados circulares, razão pela qual nos abstemos de fazer

considerações sobre o entrelaçamento dessas orações.

5.8 Correlação entre Processos e Noções Desencadeadas

Nos trabalhos sobre gramaticalização, a noção de polissemia aparece

associada, em geral, a itens lexicais. Neste trabalho, a noção polissêmica estará

associada a unidades maiores do que a palavra: as sentenças complexas.

Alguns autores, a exemplo de Sweetser, preocupam-se com essa

questão de polissemia e sobreposições de sentidos. A abordagem de Sweetser, de

orientação cognitiva, remete-nos à capacidade que o falante tem de compreender

sentidos que são estabelecidos a partir de sua experiência cognitiva humana,

incluindo o mundo cultural, social, mental, físico. Cada um desses domínios

cognitivos influenciam a compreensão, fazendo emergir a polissemia, usos

sintáticos diferenciados e ambigüidade pragmática.

Sweetser defende o mesmo ponto de vista que os semanticistas que

consideram que os sentidos sejam enraizados nas experiências cognitivas humanas e

que a cognição seja organizada. Nesse sentido, crê que “cognition is structured, not

chaotic - and the apparently domain of linguistic meaning can often be shown to be

structured around speakers’ understanding of a given cognitive domain” (p.12).

A autora discute o uso das conjunções no sentido de que elas, enquanto

partículas polifuncionais, podem ser interpretadas em três domínios (domínio do

conteúdo, domínio epistêmico e domínio dos atos de fala). O primeiro reflete a

modalidade raiz, deôntica, do mundo real; o segundo, a epistêmica, do mundo

textual, das unidades lógicas; o terceiro, a pragmática.

Com base no exposto, Sweetser afirma que a escolha interpretativa não é

aleatória: “the choice of a ‘correct’ interpretation depends not on form, but on a

pragmatically motivated choice between viewing the conjoined clauses” (p.78).

Para ilustrar, a autora apresenta exemplos de construções que incluem conjunções

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

123

adversativas e causativas, por crer que a ambigüidade é mais evidente nesses itens

gramaticais.

Ainda que o objetivo da autora não seja investigar processos de

combinação de orações, seu trabalho traz idéias significativas para o presente

estudo, porque ressalta que alguns fatores podem interferir na interpretação ou

desambiguação dos elementos conectores numa sentença, como a ordem e o tipo de

entonação os quais, para a autora, seriam evidências a favor da existência dos três

domínios.

Além disso, a idéia de que as conjunções funcionam em níveis

diferentes leva-nos a pensar em diferentes graus de vinculação entre as orações,

tendo em vista o conectivo empregado, ou ainda se um mesmo conectivo não

possibilitaria inferências de relações diferenciadas.

Assim como Sweetser, Mithun (1991:159) observou que dois fatores

manifestaram-se determinantes na gramaticalização de noções, por atuarem como

forças motivadoras: cognição e comunicação.

Frajzyngier (1996), também do ponto de vista da gramaticalização,

trabalhou com construções complexas nas línguas chádicas e chegou à conclusão de

que o surgimento dessas construções são explicáveis por processos cognitivos e que

muito pouco do que obteve como resultado era teoricamente predizível.

Portanto, os três pesquisadores acreditam que a mudança das línguas é

motivada por processos cognitivos ativados por seus usuários. A partir dessas

idéias, retomamos os dados analisados e estabelecemos nova correlação, desta vez

entre os processos de combinação de orações e a noção desencadeada, além de

levarmos em conta, como critérios complementares, o tipo de conectivo e a ordem.

As noções desencadeadas que encontramos no texto foram as seguintes:

(a) Exclusivamente Tempo

As orações combinadas que estabeleciam uma unicamente a relação de

tempo fazem parte deste grupo.

(186) aí quando foi a dança, sabe? ele - um garoto, ele sobrou [peul2] (187) quando cheguei em casa, estava com ele, apagando [peul3] (188) quando eu saí dessas pedra...sabe qual era a minha

profissão?[pop13] (189) quando foi de noite...nós tava vendo aquele mau chero aqui

[pop14]

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

124

(b) Tempo/Condição/Causa

Fazem parte desse conjunto orações relacionadas que suscitam três

interpretações possíveis: tempo, condição e causa. Exemplos de orações com

comportamento desse tipo podem ser vistas abaixo.

(190) eu conheço algumas pessoa dali e jogo uma pelada ali, quando vou à praia [peul106] (191) quando chegava...chegava doidinha caçando onde ele tava [pop10] (192) quando era domingo...aquilo/a casa enchia de mulherada e rapazeada junto com os menino [pop17]

(c) Tempo/Causa

As orações que, em relação com a núcleo, fazem emergir dupla

interpretação (tempo e causa) fazem parte deste conjunto e podem ser observadas nos

exemplos seguintes.

(193) Até cortei o dedo! Fazendo um deles.[peul95] (194) quando os menino desandô pra i...ele queria i...mais a calça não tava pronta [pop4] (195) chegô aqui...eu comprei [pop11] (196) ela...quando o cachorrinho morreu...ela enterrô encostadinho na parede nossa aí [pop18]

(d) Tempo/Condição

Orações que, conjugadas à oração-núcleo, fazem emergir uma

interpretação ambígua temporal e condicional estão arroladas neste conjunto.

Orações que ilustram esse tipo de ambigüidade semântica encontram-se nos

exemplos que seguem:

(197) quando eu entro, eu entro cedo [peul29] (198) quando eu vejo, eu digo quem é bonito, eu digo quem é feio para ele [peul44]

(e) Tempo Combinado

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

125

Recebem o rótulo de ‘tempo combinado’ casos de orações cuja relação

seja exclusivamente tempo, entretanto sem ficar claro qual seja a oração-núcleo. O

que vemos, nesses casos, são orações de tempo combinadas, ou seja, uma é tempo da

outra, portanto as duas podem ser classificadas como orações de tempo, assim como

as duas podem assumir a função de oração-núcleo. Enfim, uma oração é escopo da

outra, numa relação de tempo muito estreita. Exemplos desse tipo podem ser

observados nos exemplos listados abaixo.

(199) apesar que ela entrô lá...ela tinha cinco ano [pop188] (200) eu fui sabê meu nome...eu tinha vinte e três para vinte e quatro ano [pop364]

(f) Tempo Restringido

As orações que compõem esse grupo remetem especificamente a um

termo da oração-núcleo, ou seja, seu escopo é, na maioria das vezes, uma expressão

que funciona como advérbio de tempo, com noções muito amplas, portanto pouco

precisas, que serão especificadas e restringidas pela oração de tempo. Casos desse

tipo podem ser observados nos exemplos apresentados a seguir.

(201) vou de vez em quanto, quando eu tenho tempo [peul136] (202) Sexta-feira, quando eu apanhar meu filho do colégio eu vou para lá [peul148] (203) aí voltei pra São Paulo e trabalhei em obra até...até agora...quando aposentei [pop344] (204) antigamente quando um cara falava assim “ah, minha filha, eu lhe amo, isso, aquilo outro”...ela já pensava que era de verdade mesmo [pop236]

(g) Tempo Retomado

Orações de tempo agregadas a esse conjunto têm a característica

peculiar de acrescentar uma informação adicional àquela de tempo do antecedente,

ou seja, a noção principal de tempo já está expressa na oração-núcleo e é retomada,

em sua totalidade, na oração de tempo. Algumas dessas orações podem ser lidas a

seguir.

(205) Em 80, quando eu cheguei aqui, foi o Papai Noel no

Maracanã [peul105] (206) há anos, desde que era garoto, está no mesmo emprego

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

126

ainda [peul46] (207) naquele tempo...quando a gente criô lá na roça...eles não registrava os filho home só as mulhé...né? [pop365]

Detectadas essas noções nas orações de tempo analisadas,

estabelecemos uma correlação entre elas e os processos sob análise. Chegamos aos

seguintes resultados.

Tabela 39: Função Sintático-semântica da oração x processos de combinação de orações x conectivo Parataxe Hipotaxe Encaixamento Total Exclusivamente Tempo 16 (12%) 194 (43%) 41 (54%) 251(38%) Tempo Retomado 0 1 (0,5%) 7 (9%) 8 (1%) Tempo/Condição 12 (9%) 66 (15%) 6 (8%) 84 (13%) Tempo Restringido 0 0 14 (18,5%) 14 (2%) Tempo/Causa 27 (20%) 48 (11%) 0 75 (11,5%) Tempo/Causa/Condição 73 (54%) 137 (30%) 8 (10,5%) 218 (33%) Tempo Combinado 7 (5%) 2 (0,5%) 0 9 (1,5%) Total 135 448 76 659

No processo de parataxe, 54% das orações de tempo têm o mais alto

grau de ambigüidade: sua interpretação permite a interpretação das noções de

tempo, causa e condição concomitantemente.

No processo de hipotaxe as orações estão, na maioria, distribuídas em

dois tipos: orações que passam exclusivamente a noção de tempo (43%) e as

orações que possibilitam a interpretação de tempo, modo e condição (30%).

No processo de encaixamento, as orações possibilitam a interpretação

de uma única noção: tempo.

Os resultados até aqui apresentados coincidem com a afirmação de

Braga (1996) sobre serem as temporais orações caracteristicamente ambíguas. O que

vimos nos percentuais foi a ratificação do que já observara Braga, entretanto de

forma mais pormenorizada, uma vez que incluímos outros processos de combinação

de orações.

Cada noção observada, por exemplo na hipotaxe, remete às

estruturações identificadas que denunciam os vários tipos de estratégias para

combinar orações cuja relação seja tempo, as quais podem conjugar noções

pragmaticamente muito próximas, como é o caso de tempo/condição.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

127

As noções identificadas podem ser compreendidas como exemplos de

polissemia, uma vez que existem vários sentidos associados a uma estrutura formal.

Nesse sentido, seguimos a proposta de Sweetser (1990) que propõe acréscimos

semânticos em decorrência dos usos. O tempo, segundo a autora, seria uma noção

mais concreta do que condição e causa.

A sobreposição semântica observada nos casos descritos pode ser

explicada pela tendência de se dizer não mais do que o necessário, ditada pelo

princípio da economia lingüística. Esse princípio, como observou Traugott &

König, faria com que uma forma assumisse vários significados.

No caso das estruturações intermediárias 2, por exemplo, o que ocorre

é a aproximação de dois itens que, pela alta recorrência, são reanalisados como uma

seqüência única: uma locução temporal. A fusão em locução é o efeito da reanálise e

a emergência de um novo uso.

Tendo em vista os resultados da tabela anterior e o contínuo de

gramaticalização de Hopper & Traugott, parece que o traço [-ambíguo] relaciona-se

com orações cuja interpretação é exclusivamente tempo. Os resultados que

permitiram essa análise podem ser observados no seguinte contínuo:

Contínuo 8: Ambigüidade das orações de tempo

Parataxe Hipotaxe Encaixamento

12% > 43% > 54% [-ambígua]

[+ambígua] 54% < 30% < 10,5%

Para compor o traço [-ambigüidade], utilizamos os

resultados pertinentes às orações que somente possibilitavam a interpretação de

tempo e, para compor o traço [+ambigüidade], incluímos orações que possibilitavam

a interpretação de tempo, condição e causa, simultaneamente.

6. Considerações finais

Nossa proposta inicial foi analisar os estágios de gramaticalização,

envolvendo unidades maiores do que o item lexical. Dessa maneira, analisamos,

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

128

segundo um grupo específico de parâmetros, os processos de combinação de

orações que estabelecem a relação de tempo.

No capítulo 1, expusemos alguns princípios da teoria funcionalista,

referência teórica adotada.

No capítulo 2, apresentamos uma síntese da revisão bibliográfica sobre

os processos de combinação de orações. Restringimo-nos a duas abordagens

(tradicional e funcionalista) que orientam, de uma maneira ou outra, este trabalho, e

à questão da gramaticalização. Da abordagem tradicional, mostramos a evolução

do tratamento de questões relativas às orações de tempo por gramáticos

representantes de dois períodos, delimitados pelo advento da NGB. Da abordagem

funcionalista, sintetizamos as discussões em torno de um modelo que desse conta de

abarcar os vários tipos oracionais possíveis nas línguas. Dos estudos sobre a

gramaticalização, trouxemos informações sobre outro modo de se investigar os

processos, que não se encerra na estrutura fixa, mas se baseia num tratamento

evolutivo, dinâmico dos processos, levando em conta a atuação de fatores dia-

sincrônicos que fazem desencadear estruturas emergentes.

No capítulo 3, discutimos, nas abordagens já apresentadas, trabalhos

desenvolvidos ao longo de uma década. Todos os trabalhos tiveram como objeto a

língua portuguesa e foram ponto de partida para as hipóteses e discussões levantadas

no decorrer desta investigação.

No capítulo 4, apresentamos a metodologia adotada para o tratamento

dos dados, bem como especificidades sobre os materiais de língua falada que

serviram de base para a análise.

O capítulo 5, efetivamente o mais denso, contém a análise dos dados,

segundo os parâmetros ordem, conexão, inversão potencial, explicitude e traço

[animado] do sujeito, identidade de sujeito e de tempos e modos.

Os resultados a que chegamos, na maioria das vezes, forneceram

elementos para a discussão das hipóteses sobre a adequação dos parâmetros eleitos

para esta investigação, bem como para algumas explicações dadas.

Identificamos, a partir de 659 ocorrências de orações de tempo, três

processos pelos quais essas orações foram combinadas: parataxe, hipotaxe e

encaixamento.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

129

Dentro de cada processo identificado, observamos diferentes estratégias

ou maneiras de se construir o período, a que nomeamos de estruturações. Essas

estruturações funcionariam, tendo em vista o contínuo de gramaticalização de

orações, como as várias camadas intermediárias que permitiriam a ligação dos dois

extremos do contínuo citado.

No processo de parataxe, observamos a existência de duas

estruturações: justapostas e intermediárias 1. As justapostas se manifestam pela

junção de duas orações, sem a presença formal de um conector. As intermediárias 1

poderiam ser nomeadas de coordenadas, com base em dois argumentos: primeiro,

porque se aproximavam daquelas em vários aspectos, tais como conector e ordem;

segundo, porque esse rótulo não ofereceria dúvidas sobre o seu papel dentro do

contínuo de gramaticalização: estrutura em estágio de gramaticalização maior do que

as justapostas e menor do que as hipotáticas. Entretanto, optamos por um termo mais

neutro que não gerasse confusões com os rótulos da gramática tradicional.

No processo de hipotaxe, encontramos também orações com dois graus

diferentes de gramaticalização: estruturações finitas e estruturações não-finitas. As

finitas trouxeram conectores explicitados e mostraram-se menos integradas do que as

não-finitas, que dependiam de informações expressas na oração-núcleo para que

alguns vazios semânticos pudessem ser inferidos em sua estrutura. Essas últimas

funcionariam como estrutura intermediária, mais integrada do que as finitas e menos

integrada do que as encaixadas.

No processo de encaixamento, observamos o maior número de

estruturações que poderiam ser umas mais integradas do que as outras. Distribuímos

essas estruturas em dois grandes conjuntos. No primeiro conjunto reunimos orações

que partilhassem características do processo anterior, hipotaxe, mas também

mostrasse características de encaixamento: foram chamadas estruturas intermediárias

2. Os motivos que nos levaram a rotulá-las assim foram os mesmos apresentados

como explicações para as estruturas intermediárias 1, contudo em relação à hipotaxe

e encaixamento.

O segundo tipo de encaixamento identificado foi aquele em que as

orações temporais desempenhavam função sintática de orações substantivas ou

adjetivas dentro da oração matriz. Essas estruturas foram rotuladas de ‘estruturação

de encaixamento prototípico’. As funções substantivas conjugadas à noção de tempo

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

130

foram a de sujeito e de objeto direto. A única função adjetiva identificada foi a de

adjunto adnominal, apresentada em orações sob duas formas: finita e não-finita.

Identificados as orações de tempo, segundo os processos e respectivas

estruturações, procedemos, a fim de buscar evidências quanto aos seus graus de

gramaticalização, à correlação com os parâmetros arrolados para análise.

O primeiro critério que observamos não funcionar adequadamente para

medir graus de gramaticalização foi a recorrência. Esperávamos poder associar a alta

recorrência de estruturas a estágios elevados de gramaticalização, mas, com base nos

resultados apurados, observamos que as hipotáticas eram as mais recorrentes e as

encaixadas, as menos recorrentes. Esses resultados, associados ao grau de

gramaticalização, fariam com que disséssemos que hipotáticas são mais

gramaticalizadas do que encaixadas, o que seria um erro. Assim, se a recorrência

funciona para itens lexicais, como observou Hopper, dentre outros pesquisadores, não

funciona para a gramaticalização de processos de combinação de orações.

Quanto à conexão, vimos, na seção 5.1, que conjunções prototípicas são

as mais recorrentes nos processos de hipotaxe enquanto expressões relativas são as

mais recorrentes no processo de encaixamento. Vimos também que esses usos não

são influenciados pela faixa etária do falante, embora a faixa etária 3 (51-69 anos)

esteja correlacionada com o alto índice de pronomes relativos na oração de tempo.

O estudo dos conectores não se mostrou relevante para a inserção das

orações no contínuo de gramaticalização, se levarmos em conta o critério da

integração, entretanto são esses elementos que melhor evidenciam o aparecimento de

locuções e de novos usos para antigos conectores, período em que a ambigüidade se

mostra. Explicamos: muitos dos usos novos geram dificuldades de classificação das

respectivas orações, devido à interpretação ambígua.

Partindo da noção não-ambígua de tempo, teríamos um exemplo do

tipo “eu vou quando tenho tempo”, com a correlação modo-temporal mais recorrente

presente/presente; ao passar pela estruturação intermediária 2, essa estrutura se

alteraria para “vou hoje, quando der tempo”, em que o tempo expresso na oração de

tempo é perfeitamente dispensável, uma vez que o advérbio na oração principal já

mantém o interlocutor informado do tempo de ocorrência do verbo ‘ir’ e a correlação

modo-temporal possui traço [-identidade]: presente/futuro subjuntivo.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

131

Para que a oração possa assumir nova noção no contínuo estabelecido,

passa por um processo de clivagem com a partícula ‘só’. O acréscimo de ‘só’ à

conjunção temporal faz emergir a noção condicional: “vou só quando der tempo” .

Para chegar ao final do contínuo, essa estrutura volta a deter [+identidade] de tempo,

entretanto [-identidade] de modos e conjuga novamente uma conjunção temporal

seguida de uma partícula polifuncional QU-: “vou desde que dê tempo”.

É um jogo muito interessante em que se envolvem itens gramaticais

que sozinhos não podem dar conta de fazer emergir a noção, mas que, conjugados a

outros parâmetros, promovem desde a ambigüidade até a reanálise pelos falantes da

língua.

A explicitude do sujeito é tida como um dos bons critérios para se

mensurar a integração entre orações. Iniciamos nossa análise com a idéia equivocada

de que somente a elipse daria conta de evidenciar a integração, esperando, dessa

maneira, alta taxa de elipse nas coordenadas. Na verdade houve a atuação de forças

nesse processo, no mesmo sentido que Du Bois chamou de competição de

motivações. Essas forças puderam ser observadas em duas tendências de nossa

língua: a de se apagar sujeitos idênticos em estruturas coordenadas e, ao mesmo

tempo, a de se preencher sujeitos no PB.

As estruturações intermediárias 1 provaram, pelo seu comportamento,

partilhar, ao mesmo tempo, características de hipotaxe e de justaposição: como a

maioria das justapostas, essa oração não admite inversão de ordem e, como as

hipotáticas, traz o sujeito preenchido por pronome, contrariando também a visão

tradicional de que a coordenação, por ser processo sintático de encadeamento de

orações de mesmo valor, favoreceria a omissão do sujeito, conforme resultados de

Lira (1982, apud Paredes da Silva 1988). É certo que a estrutura analisada por Lira

era a coordenada prototípica, diferentemente da que trabalhamos que possibilita a

inferência de tempo com a marca formal no início da primeira oração.

Com base nos resultados e discussões levantadas, chegamos à

conclusão de que o parâmetro explicitude do sujeito parece não atuar para o maior ou

menor grau de gramaticalização. Outra evidência disso seria que orações encaixadas,

por serem mais gramaticalizadas, deveriam trazer alto índice de sujeitos elípticos, o

que não se confirmou. Novamente a tendência ao preenchimento do sujeito mostrou-

se.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

132

Na seção 5.3, tratamos da ordem e mobilidade. Esse parâmetro é tido

por alguns autores como forte indicador de gramaticalização. Crêem alguns

pesquisadores que, num estágio de gramaticalização mais avançado, a mobilidade

seja restringida. Com base no comportamento das orações de tempo, notamos que

cada processo se comporta de uma maneira diferente quanto à posição. Na parataxe,

as justapostas demonstraram-se mais móveis do que as estruturações intermediárias

1, que se apresentaram categoricamente construídas na anteposição. Na hipotaxe,

tanto finitas quanto não-finitas apresentaram-se com grande mobilidade e essa

mobilidade não é influenciada pelo tipo de conector empregado na construção, como

pudemos verificar nos resultados da tabela 16. No encaixamento, a posição não-

marcada é a intercalação, mesmo porque o número de dados de encaixadas com

funções adjetivas é mais expressivo que o das demais orações. Pelos resultados,

pudemos verificar que a ordem é um parâmetro adequado para se aferir o grau de

gramaticalização das estruturações.

A ordem também se mostrou como um dos condicionadores que

fortemente atuam no apagamento do sujeito nas estruturas paratáticas, como vimos

tabela 20, mas não nas hipotáticas (vide tabela 21).

Em referência às orações hipotáticas, notamos que

algumas delas (78 ocorrências - 16%) vinham acompanhadas de um seqüenciador,

tal como ocorre com as intermediárias 1, e ocupavam a posição anteposta à oração-

núcleo.

Esse achado serve de argumento para a posição das hipotáticas no

contínuo de gramaticalização, uma vez que elas funcionariam como elo entre a

estrutura anterior (estruturação intermediária 1) e a posterior (hipotática não-finita).

A evidência para essa afirmação baseia-se no comportamento posicional dessas

orações, que estão, em maioria, antepostas à outra oração – comportamento similar

ao das intermediárias 1-- e não permitem inversão.

A co-ocorrência de alguns termos pode tornar a oração de tempo mais

integrada à oração-núcleo. Esse é o caso do seqüenciador discutido no parágrafo

anterior e das partículas ‘só’ e ‘até’, discutidas na seção 5.4.3.

Fizemos a distinção entre mobilidade de fato e mobilidade potencial.

Consideramos que a mobilidade de fato pode ser aferida quando analisamos a

freqüência de determinada estrutura nas posições em que efetivamente foram

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

133

construídas pelo falante e a mobilidade potencial pode observada por meio de testes

de inversão virtual da ordem em que aparecem. Com base nessa distinção,

identificamos, na seção 5.4, três graus de mobilidade: inversão irrestrita, parcial e

impossível.

Quanto à mobilidade potencial, apuramos que as justapostas

apresentaram 85% de não-mobilidade e as intermediárias 1, 96% de não-

mobilidade. Dessa maneira, as estruturações que compõem o processo de parataxe

são, em índices muito altos, pouco móveis. As hipotáticas, tanto finitas quanto

infinitas, novamente mostraram grande mobilidade. Entretanto, ao contrário do que

esperávamos, também apresentaram 6% de ocorrências que não admitiram inversão.

Esses casos puderam ser explicadas por quatro fatos: relativos sem antecedente, uso

da partícula só, uso da partícula até e inserção circunstancial em porção textual

contrastiva. As encaixadas mostraram-se com tendência à não- reversão da ordem.

Os resultados apurados, quanto à mobilidade potencial, nas hipotáticas

e nas encaixadas ratificaram o contínuo de Hopper & Traugott, adotado neste

trabalho. Por outro lado, as paratáticas mostraram-se muito próximas de um

encaixamento quanto à mobilidade. Assim, se o teste da inversão potencial da ordem

é um bom aferidor para hipotáticas e encaixadas, não desencadeia boa compreensão

do comportamento das paratáticas.

Outro parâmetro adotado neste trabalho foi o traço [identidade].

Postulamos que a identidade de sujeitos e de tempos e modos possibilitaria a aferição

dos graus de gramaticalização dos processos analisados. Tal hipótese é fundada

também no parâmetro da integração de Lehmann.

Quanto à identidade entre sujeitos, observamos que paratáticas

(justapostas e intermediárias 1) têm sujeitos com traço [+identidade] em 56% das

ocorrências. As hipotáticas trazem um uso equilibrado de sujeitos com traço

[+identidade] e [-identidade]. Já, nas encaixadas, tanto as estruturações

intermediárias 2 quanto estruturações com função adjetiva trazem sujeitos em

distribuição equilibrada entre os traços de identidade. Nas estruturações com função

substantiva, o sujeito possui quase categoricamente o traço [-identidade], mas o

número de ocorrências é baixo para que qualquer tipo de generalização seja feita.

Com relação à identidade entre tempos e modos, os resultados

reverteram totalmente o contínuo proposto por Hopper & Traugott. Pelos resultados,

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

134

seria possível afirmar que quanto maior o índice de identidade entre tempos e modos,

menor seria o grau de gramaticalização das orações.

O último parâmetro analisado foi o traço animado do sujeito da oração

de tempo e, após a correlação estabelecida, chegamos à conclusão de que esse é um

parâmetro adequado para se medir o grau de gramaticalização dos processos de

combinação de orações. A evidência que apresentamos, na tabela 34, esteve baseada

no aumento de sujeitos [-animados] quanto mais gramaticalizado era o processo.

Nesse sentido, ratificamos as hipóteses de Heine et al.

Na seção 5.8, estabelecemos a correlação entre as orações analisadas e

as noções desencadeadas, identificando as seguintes noções conjugadas à noção de

tempo: tempo/condição/causa, tempo/causa e tempo/condição. Também

identificamos a noção de tempo que vinha conjugada a outra noção de tempo de dois

modos: restringido e retomado. Os resultados provaram ser a análise desse grupo de

fatores apropriada para medir graus de gramaticalização dos processos analisados.

Dessa maneira, apuramos que, quanto maior o grau de gramaticalização do processo,

tanto menor será o índice de ambigüidade.

As construções de tópico feitas nas estruturas analisadas

não constituiram objeto de análise mais apurada neste trabalho. O mesmo aconteceu

às construções clivadas e orações com verbos ‘haver’ e ‘fazer’. Apesar de terem sido

descartados no início da pesquisa, estes dados mostram-se muito interessantes como

estruturações possivelmente intermediárias no contínuo de gramaticalização.

Entretanto, não puderam ser analisadas satisfatoriamente sob os mesmos parâmetros.

Eis alguns exemplos desses tipos:

(208) então quando eles iam i que eu ia junto né? [pop21a] (209) vou lá, como bolo, aí depois que eu vou lá brincar [peul] (210)teve um tempo que nós brigamo tanto eu e ele [pop13b] (211) há tanto tempo que eu não fui lá [peul]

Após a análise feita e os resultados apresentados, podemos, com

segurança, afirmar que nem sempre os critérios ‘bons’ para a análise de itens

gramaticais, como é o caso da recorrência, são bons para a análise dos processos de

combinação de orações. Apresentamos evidências de que é um mito crer que uma

estrutura não-marcada seja necessariamente sinônima de mais gramaticalizada.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

135

Apresentamos, também, evidências de que nem sempre a integração

pode ser entendida como sinônimo de gramaticalização. Muitos autores acabam por

fazer essa associação e não pudemos deixar de fazer também, porém nem sempre

tivemos respostas adequadas. Foi o que ocorreu com a explicitude e a identidade do

sujeito.

Outro fator a se levar em conta neste trabalho remete ao conflito de

motivações presente em vários momentos da análise. Esses conflitos poderiam ser

minimizados numa análise que levasse em conta outros fatores, tais como o gênero

do discurso e critérios relativos à lingüística cognitiva. O ideal é que outros critérios

sejam conjugados aos já tradicionalmente correlacionados, tais como os fonéticos, a

fim de que se delineie um caminho de descobertas em torno dos processos de

combinação de orações e de como se gramaticalizam nas línguas.

Além disso, a ampliação do corpus com mais falantes de outras regiões

do Brasil possibilitariam também um panorama mais abrangente de como esses

processos se gramaticalizam.

Gramaticalização da Combinação de Cláusulas: Orações de Tempo no Português do Brasil

136

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