Brasil e África do Sul: reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo e regimentos...

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INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO Graduação em Relações Internacionais IOHANA DO NASCIMENTO CORRÊA BERTO BRASIL E ÁFRICA DO SUL NO RECONHECIMENTO LEGAL DA UNIÃO ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO: DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS SEXUAIS À MANUTENÇÃO DE SOCIEDADES HETERONORMATIVAS

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INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO

Graduação em Relações Internacionais

IOHANA DO NASCIMENTO CORRÊA BERTO

BRASIL E ÁFRICA DO SUL NO RECONHECIMENTO LEGAL DA UNIÃO ENTRE

PESSOAS DO MESMO SEXO: DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS SEXUAIS À

MANUTENÇÃO DE SOCIEDADES HETERONORMATIVAS

RIO DE JANEIRO

JUNHO, 2015

IOHANA DO NASCIMENTO CORRÊA BERTO

BRASIL E ÁFRICA DO SUL NO RECONHECIMENTO LEGAL DA UNIÃO ENTREPESSOAS DO MESMO SEXO: DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS SEXUAIS À

MANUTENÇÃO DE SOCIEDADES HETERONORMATIVAS

Monografia apresentada ao Curso

de Graduação em Relações

Internacionais do Instituto

Universitário de Pesquisas do

Rio de Janeiro, como requisito

parcial para obtenção de título

de Bacharel em Relações

Internacionais, sob orientação

da Prof. M.s. Ivi Vasconcelos

Elias.

RIO DE JANEIRO

JUNHO, 2015

IOHANA DO NASCIMENTO CORRÊA BERTO

BRASIL E ÁFRICA DO SUL NO RECONHECIMENTO LEGAL DA UNIÃO ENTRE

PESSOAS DO MESMO SEXO: DA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS SEXUAIS À

MANUTENÇÃO DE SOCIEDADES HETERONORMATIVAS

Monografia apresentada ao Curso

de Graduação em Relações

Internacionais do Instituto

Universitário de Pesquisas do

Rio de Janeiro, como requisito

parcial para obtenção de título

de Bacharel em Relações

Internacionais, sob orientação

da Prof. M.s. Ivi Vasconcelos

Elias.

______________________________________

Prof. Ms. IviVasconcelos Elias – IUPERJ

_______________________________________

Prof. Ms. João Ricardo Viegas – IUPERJ

Prof. Revisor

Aprovada em: ____/_____/_____ Conceito: ________

"O discurso não é simplesmente aquilo quetraduz as lutas ou os sistemas dedominação, mas aquilo porque, pelo que seluta, o poder do qual nos queremosapoderar." Michel Foucault

Iohana do Nascimento Corrêa BertoBrasil e África do Sul no reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo: da construção de direitos sexuais à manutenção de sociedades heteronormativas.2015Orientador: Ivi Vasconcelos EliasMonografia de conclusão de curso, Universidade Candido Mendes, Graduação em Relações Internacionais. 1 - O debate teórico sobre Gênero e Relações Internacionais2 - África do Sul: do "aniquilamento" negro à Nação arco-íris3 - Sociedades conservadoras e Regimentos sobre sexualidadeI - João Ricardo Viegas II - Universidade Candido Mendes III - Brasil e África do Sul no reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo: da construção de direitos sexuais à manutenção de sociedades heteronormativas.

Dedicatória

Gostaria de dedicar esta produção acadêmica a minha

querida e amada avó Lacy Maria (em memória), que sempre

esteve ao meu lado durante todo o meu caminhar e foi

responsável por grande parte do que eu sou hoje. Tenho

certeza que você estaria na primeira fila torcendo por mim e

por essa grande conquista. Te dedico com amor e saudade este

artigo.

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, que me permitiu chegar

até aqui e por guiar meus passos a cada amanhecer.

Aos meus amados pais e minha irmã Ana Clara, por me

darem todo apoio necessário ao longo da vida e por serem os

primeiros a desejar o meu sucesso profissional. Obrigada por

todo amor dedicado, por me apoiarem quando estava cansada e

principalmente, por nunca me deixarem desistir. Sem o apoio

de vocês, eu não estaria aqui.

Ao meu querido avô Sinval, que me ensinou que devemos

enfrentar as adversidades da vida sempre de cabeça erguida e

que nunca devemos desistir de quem amamos.

À minha querida orientadora Ivi Elias, a qual tenho

grande admiração e criei laços afetivos de amizade, que me

deu todo apoio necessário na condução deste trabalho. Por ter

sido um exemplo de profissional e principalmente, por sempre

ser gentil com o próximo. Obrigada pelo carinho e pela

paciência.

Às queridas amigas que fiz ao longo deste curso, que me

proporcionaram muitos momentos engraçados, dramáticos e

divertidos. Em especial, Gabriel, Gabriela de Bonis, Yven,

Ângela, Jéssica e Monique Lima. Obrigada por cada momento que

passamos juntas.

Aos meus amigos Thalles, Laissa e Beatriz. Obrigada

pelas manhãs e tardes adoráveis no Curto Café; por me

apoiarem e por me segurarem as diversas vezes que me

desestruturei com este artigo; obrigada pelo carinho, por

essa amizade reveladora e sincera.

Por fim, agradeço a todos os queridos professores do

IUPERJ, por serem grandes referenciais e responsáveis pela

minha formação acadêmica; aos meus familiares, amigos e

profissionais envolvidos, mesmo que indiretamente, por me

fortalecerem com palavras de conforto, motivação e por me

ajudarem na produção deste artigo.

SUMÁRIO Resumo ...........................................................

..................................................................

..09

Introdução .......................................................

..................................................................

.10

Capítulo 1: O debate teórico sobre Gênero e Relações

Internacionais ........................11

1.1 A luta feminista por direitos sexuais e

reprodutivos..........................................12

1.2 As retóricas do debate por direitos

sexuais......................................................

..15

1.3 Conferências internacionais sobre saúde, reprodução e

direitos sexuais........18

1.4 Princípios de Yogyakarta e a Comissão de Direitos

Humanos.........................21

Capítulo 2: África do Sul: do "aniquilamento" negro à Nação arco-

íris.....................23

2.1 A era Apartheid e a invisibilidade

negra........................................................

....24

2.2 O desejo que vai além da

"cor"........................................................

..................26

2.3 Enfim, o direito democrático ao

amor.........................................................

.......31

2.4 Brasil: ditadura militar e o ativismo pela livre

sexualidade...............................32

2.5 Década 1980 e a fragmentação do movimento

LGBT ......................................34

2.6 Vozes que se calam: a AIDS como "peste

gay".................................................35

2.7 Reinventando o movimento e a conquista por direito à

conjugalidade............36

Capítulo 3: Sociedades conservadoras e Regimentos sobre

sexualidade......................39

3.1 Nascidos livres e iguais: ONU e os regimentos

internacionais.........................40

3.2 O conservadorismo religioso e violência no

Brasil..........................................48

3.3 África do Sul e seus contrastes

sociais.......................................................

........52

Conclusão ........................................................

..................................................................

...55

Referências

Bibliográficas ....................................................

..............................................57

Resumo

A proposta de pesquisa tem como objetivo central

abordar a construção e a legalização dos direitos referentes

à conjugalidade de casais do mesmo sexo no Brasil e na África

do Sul. Tendo como ponto de partida suas raízes históricas

que contribuíram significativamente para as necessidades de

se reformular e firmar temas relativos à direitos humanos,

gênero, sexualidade e raça. E principalmente, os movimentos

transnacionais que nasceram destas raízes históricas e foram

de grande relevância para as conquistas e garantias legais

dos direitos sexuais.

14

Introdução

Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre a

construção e a legalização dos direitos sexuais referentes à

conjugalidade de casais do mesmo sexo na África do Sul e no

Brasil. Debater sobre o que o reconhecimento civil da união

homoafetiva nesses dois países representou na agenda de lutas

dos movimentos sociais da comunidade LGBTI e os motivos que

levam a identidade e a orientação sexual continuaram a ser

evocadas como direitos reconhecidos, porém, não aceitos

socialmente.

A importância de analisar África do Sul e Brasil no que

diz respeito à luta por direitos sexuais é evidenciar os

motivos que ambos os países tiveram para conquistar

constituições libertárias e em contextos históricos

semelhantes. África do Sul emergia com a construção de uma

democracia após o fim do regime de segregação racial do

Apartheid; sendo o primeiro país a dar espaço e voz aos

movimentos LGBTI, justamente com o intuito de se consolidar

como uma constituição livre de qualquer tipo de preconceito

devido às cicatrizes do passado. No Brasil, a passagem dos

anos 60 para a próxima década foi marcada pelo endurecimento

da ditadura militar. Neste período, nasceram as primeiras

organizações estudantis e feministas que passaram a levar as

reflexões de raça e sexualidade “às ruas”.

Os objetivos mais importantes deste estudo estão

15

vinculados à construção do ativismo transnacional no processo

de reconhecimento legal dos direitos sexuais e seus desafios

atuais frente ao patriarcado estatal e social na África do

Sul e no Brasil; provocar uma breve reflexão sobre a

igualdade de direitos relativos à conjugalidade e sexualidade

entre casais hetero e homossexuais; relatar os

posicionamentos dos dois Estados frente às reivindicações dos

movimentos e suas medidas relativas à legislação e segurança.

E por fim, evidenciar uma comparação cronológica das

conquistas referentes aos direitos sexuais e suas agendas

frente aos novos desafios.

1 - O debate teórico sobre Gênero e Relações Internacionais

A proposta deste capítulo é evidenciar o debate teórico

sobre a construção dos movimentos transnacionais que deram

origem às lutas de raça, gênero e sexualidade dentro do campo

da disciplina de Relações Iternacionais, utilizando o

movimento feminista como base central da corrente pós-

positivista para este estudo e consequentemente, fazer uma

breve reflexão sobre os agentes de mudanças nas raízes do

processo de libertação do Apartheid e pelas garantias dos

direitos sexuais em todo o mundo, assim como, suas

16

influências diretas nas construções de normas humanitárias.

Uma das muitas contribuições potenciais de uma

abordagem de gênero e relações internacionais poderia

mostrar como as relações de gênero na economia, na

política e na família são moldadas e modificadas por

processos externos à sociedade. A questão poderia ser,

portanto, parte de uma reorientação ampla das relações

internacionais em direção ao estudo não somente do

comportamento interestatal, mas também de como os

Estados e as sociedades interagem (Halliday, Fred. Repensando

as Relações Internacionais, 2007. pp. 182-183).

As discursões sobre as temáticas de gênero e pós-

modernidade revelam ao meio acadêmico algumas formas de

retraduzir e refletir sobre conceitos pré-definidos na

política internacional. O mais importante para essa reflexão

está relacionado à mulher e sua participação nas Relações

Internacionais e sua forma de enxergar temas sensíveis e

relevantes à política internacional (Tickner, 2006).

As premissas do viés feminista estão focadas em

evidenciar a predominância e dominação masculina nas análises

de temas relevantes para a disciplina de RI, como, poder,

segurança, guerra e paz, economia e soberania estatal. A

visão feminina é diferente, segundo a autora Tickner, na

forma que estes temas são repensados e traduzidos ao social,

não exclusivamente ao meio acadêmico, como também, na mídia e

nas redes socias. A autora ainda salienta que há divergencias

específicas nas análises femininas sobre a política

internacional em razão das diferentes formas de se perceber o

17

mundo (Tickner, 2006).

Ainda como tema emblemático em RI, as reflexões sobre

gênero passam a configurar sua relevância na agenda

internacional a partir dos anos 1990, segundo Tickner (2006).

Outra autora de grande relevância nesta reflexão é da

socióloga Raewyn Connell, em seu livro chamado Gender and

Power, publicado em 1987. Sua abordagem sobre poder e

dominação masculina nas esferas sociais agregou grande

relevância para um pensamento feminista compacto e coeso

direcionado à ciência política. Ainda sobre as contribuições

da autora, a mesma revela os grandes desafios a serem

enfrentados nesta agenda, principalmente, no âmbito do

conservadorismo secular e heteronormativo da política sexual.

Algumas conquistas, como, a participação na política

eleitoral, na primeira metade do século XX, em diversos

países democráticos, foi um grande primeiro passo para a

ascenção da mulher na política. O protagonismo do movimento

feminista durante a segunda metade do século XX trouxe

também, outros questionamentos de grande importância para

temas sensíveis ao que se chama de sociedade conservadora e

patriarcal. Neste livro, Connell reforça a necessidade da

reconfiguração do jeito de se pensar sobre relações

internacionais, evidenciando a importância do olhar feminino

para esta disciplina (Connell, 1987).

A corrente feminista é da vertente pós-positivista do

que os analistas de RI chamam de terceiro grande debate sobre

18

as correntes teóricas da disciplina. A escola feminista,

assim como a vertente construtivista, constrói críticas sobre

a epistemologia das ciências sociais como mecanismo de

tradução do funcionamento das relações sociais e políticas.

Tais correntes pós-positivistas vieram para desconstruir os

conceitos e arranjos pré-definidos pelos positivistas

clássicos (Tickner, 2006).

De acordo com Pontes Nogueira e Nizar Messari (2005), a

disciplina de Relações Internacionais é profundamente marcada

e influenciada pelo gênero. Desta forma, evidenciam discursos

e análises que possivelmente flexibilizaria um entendimento

entre masculino e feminino. Alguns temas sensíveis da

disciplina, como, segurança internacional e defesa nacional,

por exemplo, possuem um viés analítico e tendencioso de tom

masculino, ignorando por completo a visão feminina sobre as

temáticas.

1.1 - A luta feminista pelos direitos sexuais e reprodutivos

De acordo com o CFEMEA (2009), as articulações de

mulheres, em suas lutas políticas, tem caráter inclusivo e

tende a aprimorar os espaços onde as conquistas de direitos

são fundamentais. O objetivo, nessa temática, é tornar os

meios sociais e profissionais mais justos, onde todas e todos

possam ter futuro. Foca-se também, na luta contra políticas

de controle de natalidade onde o governo exerce discursos

autoritários, inclinado geralmente, em cima dos grupos mais

19

pobres a negação do direito à reprodução. Desta forma, as

feministas se articulam em defesa da autodeterminação

reprodutiva das mulheres; pela desconstrução da cultura

enraizada da maternidade como um destino obrigatório, por ter

o poder de decidir ter ou não ter filhos e como tê-los, sem

a obrigação normativa de idade para tê-los ou com quem tê-

los, pelo direito de decidir sobre seus corpos e ao aborto

legal e seguro, contra a discriminação por orientação sexual,

pelo direito ao prazer sexual, contra o patriarcado da

heteronormatividade, as articulações feministas configuraram

o que, no final dos anos 1980, se intitulou direitos sexuais

e direitos reprodutivos (CFEMEA, 2009).

Das articulações das mulheres surgiram também outras

lutas de apoio às minorias como, o racismo, a discriminação e

o preconceito, a exploração do trabalho pelo capital, e

contra os sistemas de dominação e discursos sobre o controle

dos corpos das mulheres. Fizeram críticas sobre as diferentes

formas de sobreposição aos corpos femininos, sendo, a partir

da sexualidade e da capacidade de gestar vidas e pari-las, o

movimento afirma que a ditadura machista sustenta e mantém a

hierarquia de dominação e subordinação de gênero, como

também, as hierarquias étnicas e raciais (CFEMEA, 2009).

De acordo com a visão feminista, a prática da

colonização teve como base estrutural de sua formação a

dominação e repressão sexual. Estas repressões foram feitas

de várias formas e desde então, se tornou um ciclo vicioso e

20

se sustenta até os dias de hoje. As articulações feministas,

em suas reivindicações, denunciam publicamente os diversos

meios de violação de direitos e do pleno exercício da

cidadania feminina, desta forma, lutam pela liberdade sexual

e pelo direito de decidir sobre seus corpos com plena

autonomia (CFEMEA, 2009).

A autora e socióloga Silvia Camurça em seu artigo “Nós

mulheres e nossa experiência comum”, publicado em 2007, revela

alguns questionamentos relevantes à temática. Um deles é de

que as mulheres são “subjetivamente oprimidas e objetivamente

exploradas”. A autora também defende que essas subordinações

são dão exclusivamente através das relações sociais. Desta

forma, a opressão não se faz do mesmo jeito sobre todas as

mulheres, onde varia por classe social e por identidade

étnica e racial. A mesma denuncia as ferramentas que

alimentam o sistema de dominação, de acordo com suas

palavras:

1. A prática da violência contra as mulheres para

subjulgá-las; 2. O controle sobre o corpo, a

sexualidade e a vida reprodutiva das mulheres; 3. A

manutenção das mulheres em situação de dependência

econômica e; 4. A manutenção, no âmbito do sistema

político e práticas sociais, de interdições à

participação política das mulheres. (...) é instrumento

de dominação o controle sobre o corpo das mulheres.

Este controle é expresso na negação de sua liberdade

sexual, na limitação a sua autodeterminação

reprodutiva, na criminalização da prática do aborto

(causa de milhares de mortes de mulheres, todos os

21

anos) na expropriação mercantil do corpo e imagem das

mulheres pela indústria da propaganda, da beleza, da

moda e do sexo.(...)Sobre esta base estruturadora,

articulam-se múltiplas outras desigualdades assentadas

em preconceitos e discriminação. A hegemonia da

perspectiva da heterossexualidade sobre a sexualidade

humana é uma delas. (2007, p. 19 e 20).

Finalizando este debate, pode-se dizer que esse é um

argumento feminista primordial que fomenta a luta por

liberdade sexual e pelo direito e autonomia das mulheres de

decidirem sobre seus corpos, não sendo exclusivo, pois as

articulações das mulheres possuem um papel fundamental em

todos os movimentos sociais com viés de transformação social.

Desta forma, fica evidente que o movimento feminista tem um

caráter muito importante quando se discorre sobre racismo,

direitos sexuais e reprodutivos (CFEMEA, 2009). Para tornar

mais evidente esta afirmação, será feita uma breve reflexão

sobre os marcos teóricos da construção dos direitos sexuais e

direitos reprodutivos nos tópicos a seguir.

22

1.2 - As retóricas sobre o debate por Direitos Sexuais

"Nada mais pessoal que o corpo e tampouco nada mais

político. O corpo político se situa não só atado ao

privado ou ao ser individual, mas também vinculado

integralmente ao lugar, ao local, ao social, ao espaço

público. Sobre o corpo atuam o Estado, a comunidade, a

família, a religião, o mercado, as forças

fundamentalistas. “É através de uma grande quantidade

de controles patriarcais que estas forças e

instituições transformam os corpos das mulheres em

expressões de relações de poder. Dessa maneira, os

corpos das mulheres e as diversidades sexuais estão no

centro de projetos autoritários ou democráticos2”. E

muitas vezes a linha divisória entre `democrático’ e

`autoritário’ se desvanece quando se trata do corpo"

(Manifesto por uma Convenção Interamericana dos Direitos Sexuais e dos

Direitos Reprodutivos, 2006, p. 6)

A história latino-americana é marcada por narrativas e

vivências de cunho pessoal e coletivo a cerca da sexualidade

e da reprodução, pautados em contextos históricos em que a

23

violência sempre esteve e se mantém presente com um

protagonismo ímpar nas relações sociais. Desde as

colonizações territoriais, de povos indígenas e africanos ao

empoderamento e dominação dos limites corporais das mulheres,

a violência é um elemento obscuro que sonda a história da

opressão feminina e do patriarcado (CFEMEA, 2009).

O território corporal passa a ser a temática principal

nas análises teóricas, discursos e práticas feministas de

acordo com as feministas da Articulação de Mulheres

Brasileiras, juntamente com as feministas guatemaltecas da

Batucada Feminista e outras latino-americanas no Fórum Social

Mundial em 2009. Desta articulação surge a ideia que vigora

até hoje em todas as correntes feministas, a de que “nosso

corpo é nosso território”. O corpo passa a ser visto como um

território autônomo e político para os movimentos (UNAIDS,

2009).

Quando se fala em exercício pleno da autonomia e

cidadania de forma livre e igual, significa falar de

direitos, ou seja, das diversas formas de expressar e

exercer, sem coerção, afetos, desejos, relações amorosas e

sexuais, sem discriminação e sem violência. Assim como

defende Sonia Corrêa (2001, p. 21), quando a mesma fala de

igualdade como uma autodeterminação e do exercício livre dos

direitos sexuais perante a lei, significa que:

“independentemente de como são os seres humanos, de que superfícies

anatômicas apresentam, de que práticas sexuais preferem ou exercem, eles e elas

24

devem receber o mesmo tratamento perante a lei (em casa, no local de trabalho e

nas demais instituições)”.

Betânia Ávila (2001, p. 8), Antropóloga e ativista,

defende alguns pontos importantes para se garantir direitos

no âmbito da sexualidade: "O que é muito novo nos direitos reprodutivos e sexuais

é o fato de serem inventados, pensados e reivindicados

pelas mulheres. As mulheres não são, por tradição,

inventoras de direitos; elas são guardiãs de normas. A

ideia de direitos no campo da sexualidade é algo

importante e muito novo, uma vez que a concepção de

direito está ligada à garantia de autonomia, de

liberdade e de igualdade. O próprio campo das fantasias

sexuais é baseado em desigualdade e em violência, está

baseado em pessoas desiguais – inclusive, como lugar de

atração, como lugar de realização de fantasias sexuais.

Então, pensar direitos é pensar uma mudança profunda,

também do ponto de vista da transformação cultural do

próprio exercício do erotismo. (...) Dito de outra

maneira: é necessário um exercício filosófico que nos

possibilite pensar novos símbolos de igualdade neste

campo."

De acordo com Ventura (2004, p. 10), falar sobre

‘direitos’ significa “reconhecer que o campo da sexualidade e da

reprodução são passíveis de construção de normativas jurídicas, visando

responsabilizar o Estado para a promoção e implementação desses direitos”.

Desta forma, o autor defende que quando se fala em direitos

sexuais e reprodutivos, sobre o âmbido dos direitos humanos,

é um reconhecimento formal de que esses direitos são

universais, pois são garantidos ao indivíduo desde seu

25

nascimento; que são interdependentes, à medida que se atrela

aos demais direitos humanos; e indivisíveis, pois atuam de

maneira conjunta e integral (Ventura, 2004, p. 10).

Tomando como ponto de partida a reflexão de Ventura

(2004), falar de direitos no âmbito da sexualidade, significa

que ainda que o tema ‘saúde’ tenha maior ênfase como o

principal pilar da construção dos direitos sexuais e

reprodutivos, a garantia dos mesmos deve acontecer de forma

conectada com outras temáticas da vivência plena da

cidadania, como por exemplo, no campo político, nos meios

culturais e sociais, além de normas legais; como

representação de autonomia e liberdade dos indivíduos nos

campos da sexualidade e reprodução (Ventura, 2004).

Sônia Corrêa (2006, p. 103), em sua reflexão sobre

Direitos Sexuais afirma que no início da era moderna o sexo

se converteu no motivo principal no qual todo o mecanismo da

vida se desenvolve: o “sexo é um meio de acesso tanto à vida do corpo,

quanto à vida da espécie; isto é, ele oferece um meio de regulação tanto dos

corpos individuais quanto do comportamento da população (o corpo político) com

um todo” ( citada por Weeks, 1999, p. 51). Nesse contexto, a

lei moderna desenhou os “sujeitos sexuais” tais como os

conhecemos. Ainda que se fale em heteronormatividade nos

sistemas jurídicos existentes, códigos, leis e normas se

mantém funcionando como sistemas de classificação,

hierarquização e, em alguns casos, criminalização de

identidades e práticas sexuais. E é no intuito de combater

26

esse cenário que, ativistas de todo o mundo a partir dos anos

de 1990, começam a defender os direitos sexuais.

As últimas duas décadas foram marcantes para o ativismo

político e teórico feminista, tanto no campo nacional quanto

no campo internacional. Importantes debates foram levantados

em defesa de vivências da sexualidade sem violência e de

forma livre, assim como, a liberdade sexual em relações

heterossexuais; combate à violência sexual e estupros.

Percebe-se que ainda há muito a se fazer e defender neste

campo de luta; ainda que importantes avanços já foram dados

como, as conquistas por leis não-discriminatórias, os

princípios debatidos e aprovados nas conferências

internacionais, como temática sobre a Mulher em Pequim 1995 e

sobre a População no Cairo em 1994. É necessário falar mais

sobre as políticas públicas de saúde reprodutiva, a gravidez

como um fator determinante e de responsabilidade das

mulheres; é necessário discutir os papéis dos homens diante

das lutas feministas, sobre a concepção de família, de

sociedade e o papel do Estado como regulador e ator

fundamental na garantia e no exercício de direitos (CFEMEA,

2006).

O debate mais relevante, neste sentido, é que o

enlaçamento entre “sexo” e política no cenário atual já não

provém exclusivamente de ações e discursos repressivos e

punitivos que partem dos Estados. É importante também

salientar a importância das lutas por direitos articuladas

27

por atrizes e atores da política sexual, que foram e são

fundamentais na garantia de leis e normas adotadas e vigentes

para proteger e respeitar a diversidade sexual. Os debates

que vem acontecendo junto à ONU ,e em outras arenas de

diálogos, sobre sexualidade e direitos humanos são exemplos e

reflexos importantes desses movimentos de libertação que

deram voz às minorias (Corrêa, 2008).

1.3 - Conferências internacionais sobre Saúde, reprodução e

direitos sexuais

É fundamental neste capítulo fazer uma breve reflexão

sobre as conquistas e contribuições que as conferências e

fóruns internacionais trouxeram para as temáticas de gênero,

saúde e sexualidade. Estas conferências representaram um

marco importante de amadurecimento político no comportamento

dos Estados e suas respectivas sociedades. Os movimentos

ativistas conquistaram um espaço político e teórico tão

relevantes que os atores estatais e internacionais não podem

mais avançar em debates de cunho social sem suas presenças

como atores relevantes.

De acordo com Sônia Corrêa (2008), o debate entre

população e desenvolvimento ficou mais intenso com a

28

participação de outros atores e temáticas, que começaram a

ter grande influência no cenário internacional,

principalmente, junto às Nações Unidas. A autora revela que

no decorrer dos anos 1990, a ONU articulou uma série de

conferências, que foram conhecidas como o Ciclo Social da

ONU, para debater temas sensíveis aos Estados. Começando com

a Cúpula da Infância (1990). Este Ciclo se deu por oito

conferências intergovernamentais, onde os resultados são

importantes para os debates que envolvem população,

desenvolvimento e direitos. Estas conferências foram: Meio

Ambiente e Desenvolvimento (Rio, 1992); Direitos Humanos

(Viena, 1993); População e Desenvolvimento (Cairo, 1994);

Cúpula do Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995); Mulheres

e Desenvolvimento (Pequim, 1995); Habitat (Istambul, 1996);

Alimentação (Roma, 1997); Racismo, Discriminação Racial,

Xenofobia e Discriminação Correlata (Durban, 2001).

Estas conferências foram fundamentais para a elaboração

e a divulgação dos Princípios de Yogyakarta para a aplicação

da Lei Internacional de Direitos Humanos em relação à

Orientação Sexual e Identidade de Gênero que se deu entre

2006 e 2007, este, considerado como o princípio mais

relevante no que tange direitos sexuais. No que se refere ao

trajeto sobre os debates de sexualidade e direitos humanos na

arena internacional, vale ressaltar que teve seu início em

1993, durante as organizações para a Conferência de População

e Desenvolvimento, no Cairo em 1994, quando no plano do

29

cronograma de ação em negociação foram incluídos os temas de

saúde sexual e direitos sexuais. Porém, os direitos sexuais

foram excluídos do texto final, mas voltaram a ser um tópico

importante um ano mais tarde no parágrafo 96 da Plataforma de

Ação de Pequim em 1995, que discorre sobre os direitos das

mulheres na esfera da sexualidade (Corrêa, 2008). Tal

parágrafo traz em seu texto original: "Os direitos humanos das mulheres incluem seus

direitos a ter controle e decidir livre e

responsavelmente sobre questões relacionadas à

sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e

reprodutiva, livre de coação, discriminação e

violência. Relacionamentos igualitários entre

homens e mulheres nas questões referentes às

relações sexuais e à reprodução, inclusive o

pleno respeito pela integridade da pessoa,

requerem respeito mútuo, consentimento e divisão

de responsabilidades sobre o comportamento

sexual e suas conseqüências." (Parágrafo 96 da

Plataforma de Ação de Pequim – 1995)

As discordâncias surgidas nos debates do Cairo e Pequim

se fortaleceram na revisão de cinco anos das duas

conferências e, a partir de 2001, se tornaram ainda mais

profundas. Na primeira Sessão Especial da Assembleia Geral da

ONU sobre AIDS em Durban (2001), diversos Estados foram

contrários à participação de redes que atuavam com direitos

LGBTI e saúde. Após um mês de ocorrido, o mesmo fato se

repetiu na elaboração da Conferência contra o Racismo,

Discriminação Racial e formas correlatas de discriminação

30

(Durban, 2001). Vale ressaltar que, nesta conferência o

Brasil propôs a inclusão de um parágrafo sobre discriminação

por razão de orientação sexual, que não foi aprovado. Dois

anos mais tarde, o governo brasileiro apresentou a mesma

proposta de resolução à Comissão de Direitos Humanos da ONU.

Porém, sua votação foi adiada para 2004, quando o país

retirou o texto por pressão dos países islâmicos (Pazello,

2005).

Outro ponto importante a ser revelado é a participação

e presença política das atrizes e dos atores da política

sexual nesses debates internacionais. O tema sexualidade e

direitos humanos não teria tais desdobramentos se a ONU não

estivesse aberto à participação de organizações da sociedade

civil, defende Sônia Corrêa (2008). A autora faz uma ressalva

quanto ao perfil desses movimentos que variou bastante no

tempo e no espaço. Na Conferência do Cairo em 1994, o tema

criou espaço pelas feministas envolvidas com saúde e direitos

reprodutivos. Já em Pequim (1995), as vozes vieram das redes

lésbicas. Mas a presença efetiva dos grupos gays só aconteceu

a partir de 2001 em Durban. Somente em 2003, os ativismos

trans e intersex ganharam espaço e “visibilidade” no contexto

da resolução brasileira junto à ONU (Corrêa, 2008).

No que diz respeito à resolução brasileira apresentada

à ONU, este processo envolveu desde o início um ativismo bem

mais plural de atrizes e atores políticos, além dos gays,

feministas e lésbicas. Ativistas e grupos trans pressionaram

31

para que fosse adicionada uma menção à identidade de gênero.

Tal fato gerou profunda perplexidade, pois muitos chefes de

estados, e até mesmo ativistas de direitos sexuais, não

conheciam por completo o universo e as comunidades travestis,

transexuais e intersex. Havia (e ainda há) quem não soubesse

as diferenças entre identidade de gênero, e gênero, em

sentido de masculino e feminino (Corrêa, 2008).

A África do Sul, emergindo das dores da saída do regime

do Apartheid, teve um protagonismo ímpar no desenrolar das

negociações e também em termos de influências a outros

países africanos. A Índia teve um posicionamento muito

positivo e o Egito, como país onde se realizava a conferência

(Cairo, 1994), teve papel importante para que houvesse um

entendimento final. Até mesmo o Irã jogou um papel crucial em

relação ao parágrafo dos direitos reprodutivos. Foram essas

mudanças nas posições dos Estados que vialibizou os consensos

do Cairo e Pequim (Corrêa, 2008).

Na conferência de Pequim (1995), ainda havia muita

relutância conservadora em se debater as temáticas relativas

a sexualidade. Neste contexto, grupos religiosos e

conservadores, Vaticano e alguns países islâmicos criticaram

fortemente o termo gênero. O argumento utilizado por eles foi

repassar entre os representantes de Estados e dos diversos

movimentos ativistas, trechos de um artigo da feminista Anne

Fausto-Sterling, em que, ao abordar sobre o binarismo de

sexo, ela supõe que entre o viés de interceção que vai da

32

mulher ao homem, existiriam cinco gêneros (Fausto-Sterling,

2001; Girard, 2008). Naquele contexto, grande parte das

mulheres, mesmo as feministas, não tinha conhecimento do

trabalho de Fausto-Sterling, assim como pouco se falava em

identidades sexuais (Corrêa, 2008).

A autora Girard (2008), que analisou esses marcos

paradigmáticos e difíceis de compreensão ou consenso, trouxe

reflexões muito agregadoras sobre os debates de direitos

sexuais, orientação sexual e identidade de gênero. De acordo

com a mesma, no que se refere a sexualidade, o termo direitos

sexuais pode, em determinados momentos, propiciar mais

barganhas de negociações e consenso do que orientação sexual.

A autora usa como ponto de partida desta análise a percepção

de Michel Foucault sobre biopoder como uma pluralidade de

relações já existente e pré-definidas que trascendem o corpo

social. Girard salienta que se o poder não está centralizado,

a resistência não virá de uma único campo ou, tampouco, focar

em num único ponto do debate. Finalizando esta reflexão, a

autora supõe que é preciso, ao mesmo tempo, ser capaz de

perceber que “dentro das estruturas, mas construir as respostas desde um

outro lugar” (Girard, 2008, p. 52).

1.4 - Princípios de Yogyakarta e a Comissão de Direitos

Humanos

Não se pode deixar de fazer uma breve passagem sobre as

reflexões de vinte e nove intelectuais sobre a questão da

33

sexualidade e Direitos Humanos, na universidade de Gadjah

Mada, em Yogyakarta (Indonésia, 2006). Essas reflexões que

deram origem aos Princípios de Yogyakarta tratam de um ponto

de extrema relevância no percurso global dos direitos

sexuais, pois trouxe a aplicação de uma legislação

internacional de Direitos Humanos em relação à orientação

sexual e identidade de gênero. Na realidade, essas reflexões,

não são novas em si. São um junção de princípios já

estabelecidos de Direitos Humanos, a maioria desde a

Declaração Universal dos Direitos Humanos, aplicados à

vertente da sexualidade. Desta forma, a criação desses

princípios traz uma nova diretriz aos Direitos Humanos já

positivados na esfera internacional (Corrêa, 2008).

A iniciativa de Yogyakarta foi o resultado das

divergências e regressões observados no desenrolar das

negociações da Comissão de Direitos Humanos entre os anos de

2003 e 2005. A Assembleia Geral da ONU aprovou em 2005 a

formulação do Conselho de Direitos Humanos (CHD-ONU), com o

intuito de substituir a Comissão, se igualando ao Conselho

Econômico e Social (ECOSOC) e ao do Conselho de Segurança da

ONU. A partir deste momento, os movimentos feministas e

LGBTI, juntamente com as organizações internacionais de

direitos humanos, vem alimentando e expandindo a pauta de

debate sobre direitos humanos e sexualidade nesta nova

percepção de direitos (Girard, 2008).

Desde os anos 2005, uma articulação de organizações de

34

direitos LGBTI e de direitos humanos, trouxe um projeto para

propagar as definições da lei internacional de direitos

humanos a fim de que elas fossem aplicadas com clareza às

violações por razões de orientação sexual e identidade de

gênero. Uma grande estratégia desta coalisão foi tornar

explícitas as obrigações dos Estados de forma a influenciar a

efetivação de normas gerais por eles aceitas e ratificadas

(Corrêa, 2008).

A ideia principal é evidenciar que não é necessário

produzir conceitos específicos para punir violações e

proteger os direitos dessas minorias. Se faz suficiente

aplicar os princípios gerais da lei internacional existente,

aprovada e ratificada por grande parte dos países membros da

ONU. Nesse sentido, o conteúdo dos Princípios se faz

eficiente, contemplando um caráter constitucionalista ou

melhor dizendo, de universalismo de normas no diz respeito à

garantia de exercer a livre sexualidade (Plummer, 2001).

Desta forma, Sônia Corrêa (2008) acredita que os

Princípios de Yogyakarta devem ser valorizados, pois abrem

espaços para amplos debates, em contextos diversos, até mesmo

no intuito de superar limites e premissas vigentes sobre os

documentos de direitos humanos e seu conteúdo de forma

centralizada . Uma dessas premissas se refere à temática da

concepção sobre uniões ou casamentos, visto que em todas as

convenções de direitos humanos articuladas, os artigos

limitavam-se às uniões heteroafetivas. Com o intuido de

35

desconstruir esse paradigma de gênero, os Princípios defendem

o direito de constituir família, seja ela de que gênero for.

A autora ainda defende que nos Estados em que o casamento ou

união civil entre pessoas do mesmo sexo já foi legalizado,

esse conceito de base familiar pode e deve ser revisto. Na

outra via, onde as restrições e discriminações ainda existem,

as reflexões de Yogyakarta permanecem válidas como

argumentos; assim como, traz reflexões importantes para o

social sobre o termo “Identidade de Gênero” (Corrêa, 2008).

2 - África do Sul: do "aniquilamento" negro à construção da

Nação Arco-íris

"O nosso povo foi privado da parte que lhe cabia da

riqueza do país. Corrigir as seculares injustiças

econômicas é ponto central de nossas aspirações

36

nacionais. Estamos conscientes da complexidade das

situações que se apresentarão a um governo popular no

período de transição e da magnitude dos problemas

acarretados pela satisfação das necessidades econômicas

das massas oprimidas. Mas uma coisa é certa: na nossa

terra nada será resolvido eficazmente se os recursos

básicos não forem postos à disposição de todo o povo,

em vez de continuarem a ser manipulados por pequenos

setores da população ou por indivíduos, sejam eles

brancos ou negros." Estratégia e tática do Congresso Nacional

Africano, 1969.

Panorama Histórico

Para iniciar este capítulo, é válido citar marcos

históricos emblemáticos que tiveram grande importância no

início dos estudos de gênero, raça e sexualidade. Como o

período que se segue à Segunda Guerra Mundial e foi muito

importante para a eclosão do capitalismo e ascensão do

chamado socialismo real (Hobsbawm, 1994; Wallerstein, 1999).

Este período foi marcado também por uma profunda reflexão

moral das sociedades industrializadas, como por exemplo, o

retorno das mulheres ao lar no pós-guerra europeu e norte-

americano, a perseguição aos homossexuais feita por

comunistas nos Estados Unidos e ainda, as concepções morais a

cerca da homossexualidade e prostituição no mundo socialista,

em que eram combatidos como reflexos da decadência burguesa

(Corrêa, 1999).

Durante os anos decorrentes entre 1960 e 1970, alguns

37

estados de Terceiro Mundo que emergiam do processo de

descolonização, ainda estavam impregnados pela perspectiva

anticolonialista e pautados em argumentos econômicos de corte

patriarcal e nacionalistas, incluindo as fortes influências

religiosas, que sequer ousariam intervir nas ordens de “sexo”

e gênero. Nas décadas seguintes, feministas do Sul e do Norte

do planeta iniciaram críticas levando à população a

necessidade de se falar sobre os temas e “desataram” os

paradoxos dos argumentos populacionais a partir de uma lógica

argumentativa baseada das análises e premissas de igualdade

entre homens e mulheres, da autodeterminação reprodutiva e da

liberdade sexual (Corrêa, 1999).

Não se pode afirmar, com precisão, o momento em que o

debate sobre conjugalidade de gays e lésbicas emergiu no

ativismo homossexual em nível internacional. Inicialmente, o

movimento gay lutava pela afirmação da identidade

homossexual, que era associada a uma suposta “patologia” ou

“transtorno sexual”. Lutava-se pela liberação da sexualidade

e criticava-se o machismo e o sexismo na cultura e nas

relações sociais. O foco principal da luta homossexual era

questionar os padrões socialmente definidos, não somente

restritos à sexualidade, como também, aos arranjos afetivos

conjugais (Engel, 2001; MacRae, 1990).

Na África do Sul, o início da mobilização a cerca da

38

questão da livre orientação sexual pode ser data a partir da

década de 1960. Este período foi notado pelo aparecimento de

uma subcultura gay, com bares e casas noturnas voltados ao

público homossexual, de maioria do sexo masculino, onde se

vivenciava a homossexualidade de forma relativamente livre na

conservadora e moralista sociedade sul-africana e

propriamente, durante o período de segregação racial do

Apartheid (Gevisser, 1995).

Para entender melhor o que foi o Apartheid, será

necessário fazer uma breve reflexão histórica sobre

colonização e construção da política de dominação dos

territórios sul-africanos e consequentemente, o processo de

segregação racial. Esta política de dominação foi responsável

pelo desenvolvimento econômico tardio da África do Sul e pela

perpetuação da cultura patriarcal e opressora que até hoje

paira sobre a sociedade africâner. Deve se levar em

consideração também, a grande mobilização internacional que

deu origem aos movimentos transnacionais pela desocupação,

libertação e fim da era Apartheid e que foi tema de grandes

debates junto à Organização das Nações Unidas (Saturnino

Braga, 2011).

2.1 - A era Apartheid e a invisibilidade negra

A colonização na África do Sul iniciou-se em 1652 com

uma dominação hegemônica holandesa e mercantil no cabo da Boa

Esperança, atual Cidade do Cabo. Neste contexto, os

39

colonizadores holandeses se depararam com nativos africanos

seminômades em bases sociais rudimentares, tribais e

fundamentadadas na atividade agropastoril (Ribeiro;

Visentini, 2010, p.18; Pereira, 1978, p. 27). A partir de

então, os holandeses inciaram políticas de dominação

territorial e infraestrutura básica do sistema colonial, em

que os nativos africâners eram obrigados a deixar suas terras

ou se tornavam servos dos holandeses (Thompson, 1990, p. 33).

A expansão da agropecuária na região formalizou a

subserviência dos nativos aos holandeses e determinava o modo

de vida precário e opressor, quase escravo, que os

colonizadores submetiam aos tribais. Os exploradores

desenvolveram uma economia de subsistência não capitalista da

economia de mercado pré estabelecida na Cidade do Cabo. Neste

período, o trabalho escravo era trazido de fora (importação)

e fora essencial para o crescimento e funcionamento do

sistema de plantation (Thompson, 1990, p. 46). Os nativos

tiveram seu meio de subsitência depredado e foram igualados

por seus "mestres" às políticas de controle aplicadas aos

escravos; o idioma holandês foi incorporado como meio de

comunicação entre colozinadores, escravos e servos; a

dominação holandesa se deu até 1795 e após este período, o

colonialismo britânico passou a ser o protagonista da

opressão sul-africana (Thompson, 1990, p. 52).

40

Figura 1: ('Nanny and child', foto tirada em Johannesburgo por PeterMagubane, em 1956)

A dominação inglesa iniciou-se em 1795, porém, a

política do Apartheid teve seu reconhecimento oficial em

1948. Durante este período transitório, se manteve a

subserviência do povo sul-africano e a economia continuava

pautada na agropecuária local. A política do Apartheid se

caracterizava por violentos e fortes regimentos de segregação

racial, onde a cor da pele era o ponto mais importante na

definição da classe social do sul-africano. Estas leis

limitavam os negros a permanência em zonas específicas do

subúrbio, reservava aos brancos os melhores empregos,

restringiu o direito da propriedade às terras reservadas para

habitação e o acesso a educação era limitado ao volk afrikâner

(branco africano). A contragosto deste regime, diversos

movimentos internos se formularam, incluindo brancos sul-

africanos, para derrubar o regime de segregação. Diversos

movimentos transnacionais aliaram-se a luta antiapartheid e

fortes pressões externas foram feitas por Estados

41

democráticos e pela ONU. Em 1994, este regime foi derrubado e

Nelson Mandela assume a liderança da África do Sul, pondo fim

a toda opressão e inciando o processo de construção de um

Estado democrático e progressista, ainda com sua economia

baseada na agricultura (Saturnino Braga, 2011).

2.2 - O desejo que vai além da "cor"

Década de 1960

Retomando o pensamento do movimento LGBT da década de

60, esta subcultura gay ganhou visibilidade pelos membros do

Partido Nacional (NP), implementadores das políticas de

Apartheid, que viam a homossexualidade como um “perigo” à

pureza racial do volk africâner (branco africano) e

consequentemente, provocaram um endurecimento da legislação

penal contra a homossexualidade, visto que no período em

questão, tais práticas eram consideradas crimes de sodomia.

Em respostas, diversos homossexuais fundaram, em 1968, o

grupo Homosexual Law Reform, que pode ser apontado como a

primeira organização de gays no país. Este era formado em sua

maioria por gays, brancos e de classe média, onde adotaram

uma postura discreta de reivindicação, com o intuito de

agregar possíveis aliados da causa homossexual dentro do

Partido Nacional (NP), sem questionar o status quo. Esta

iniciativa não teve sucesso em revogar a legislação penal

contrária à homossexualidade, em contrapartida, evitou maior

endurecimento da legislação existente (Gevisser, 1995).

42

Década de 1980

De acordo com Gomes da Costa Santos (2012), somente no

início da década de 1980 que se evidenciou o princípio de um

ativismo homossexual na África do Sul. Formou-se em 1982, a

Associação Gay da África do Sul (GASA) com o intuito de

acolher os homossexuais, promovendo espaços de sociabilidade

e oferecendo serviços de apoio e aconselhamento. Ainda de

maioria branca e de classe média e com uma postura claramente

conservadora e apolítica, evitaram vincular-se ao movimento

de libertação de maioria negra, onde os negros eram malvistos

por muitos membros e teria somente o intuito de demonstrar,

internacionalmente, um caráter “não racista” da associação.

Tão logo, este grupo apresentou diversas contradições

internas e foi expulso do grupo da Associação Internacional

de Lésbicas e Gays (ILGA).

Em meio a esses debates, é necessário lembrar que a

eclosão da AIDS teve grande influência e desencadeou uma

mudança radical nas premissas dos movimentos transnacionais

de libertação homossexual. Inicialmente, a maioria infectada

era homens gays e prostitutas; estes eram vistos como

“desviantes da norma sexual” e vetores de uma venereologia

letal. Com o advento da AIDS e a morte de diversos ativistas,

o movimento homossexual passou a trabalhar intensivamente em

campanhas de prevenção à doença e estas reforçavam que

relações sexuais com múltiplos parceiros aumentariam o risco

de contágio pelos vírus HIV. Este fator contribuiu de forma

43

significativa para que muitos homossexuais buscassem

relacionamentos monogâmicos e estáveis como uma forma de

proteção contra a doença. Neste sentido, é provável que a

AIDS tenha tido impacto fundamental e decisivo na importância

que as demandas por direitos à conjugalidade homossexual

obtiveram nos movimentos ativistas dos últimos anos a nível

internacional (Gomes da Costa Santos, 2012).

Após o fim da Associação Gay da África do Sul (GASA) em

1986, outras duas frentes de militância homossexual foram

fundadas no país. Uma denominada como Fundo para a Reforma

Legal Nacional (NLRF) e tentava repetir o modelo conservador

da Law Reform e GASA, focando suas atividades somente em prol

das reformas das leis contrárias aos homossexuais. Em outro

viés, a formação da GLOW (Gays e Lésbicas do Witwatersrand)

em 1988, tentou vincular as reivindicações homossexuais ao

fim do Apartheid e redemocratização. Este grupo, já com

características diferentes dos anteriores, tinha participação

predominantemente de ativistas negros sob a liderança de

Simon Nkoli que foi integrante do grupo GASA e condenado à

prisão por seu ativismo em 1982. Aliando-se à luta pelo fim

do Apartheid, a Organização de Ativistas Gays e Lésbicas

(OLGA) foi criada no mesmo ano, esta de maioria branca e

intelectual de classe média, reforçando a luta pelo fim da

segregação racial. Ambos os grupos vincularam-se à Frente

Democrática Unida (UDF) que agregava diversas organizações de

oposição ao regime de minoria branca e aliada ao ANC que

44

atuava de forma clandestina.

Década de 1990

Em 1990, o Congresso Nacional Africano foi legalizado e

subsequentemente, Nelson Mandela foi libertado. Neste

período, iniciou-se o processo de democratização do país. No

mesmo ano, a GLOW organiza a primeira Marcha do Orgulho de

Gays e Lésbicas em Johanesburgo que contou com a presença de

800 participantes (Gevisser, 1995). Em seu discurso sobre

liberdade, Nelson Mandela (1994) diz:

" Ser livre não é apenas livrar-se das próprias

grilhetas, mas viver de uma forma que respeite e

promova a liberdade dos outros. (...) Eu não tinha a

menor dúvida de que o opressor tinha de ser libertado

tanto quanto o oprimido. Um homem que tira a liberdade

de outro homem está prisioneiro do ódio, está fechado

atrás das grades do preconceito e da estreiteza de

vistas. Não sou verdadeiramente livre se estou a tirar

a liberdade a alguém, tão certamente quanto não sou

livre quando me é roubada a minha humanidade. Tanto o

oprimido quanto o opressor são espoliados da sua

humanidade". Nelson Mandela, em 'longo caminho da liberdade'

(1994)

Os anos de 1990 foram marcados por intensos e

necessários debates sobre “sexo” e gênero nas negociações da

ONU. Abriram-se espaços para que vozes daqueles prejudicados

pelas normas e políticas globais passassem a ser ouvidas e

seus corpos e “raças” fossem vistos. Inicialmente com as

mulheres, melhor dizendo, as feministas e em seguida,

45

incluindo ativistas do campo da AIDS, vozes do grupo LGBTQI

(Lesbian, Bisexual, Transgender, Queer and Intersex) e profissionais do

sexo. E é importante mencionar que já recorriam à linguagem

de Direitos Humanos para ancorar e defender suas posições

(Corrêa, 1999).

Em decorrência da abertura política, diversos ativistas

passaram a reivindicar a inclusão da luta homossexual nos

discursos de direitos humanos. Aliados ao ANC, lutavam pela

proibição da discriminação em razão da orientação sexual e

que o mesmo fosse incluído na Declaração de Direitos (Bill of

Rights). Ainda que muitos membros do Congresso Nacional

Africano fossem contrários a homossexualidade e a

considerarem como “anormal” e alheia à cultura africana

(Gevisser, 1995), os movimentos ganharam forças e garantiram

o sucesso deste trabalho. Desta forma, em 1992, o ANC foi o

primeiro partido africano a reconhecer legalmente o direito

de gays e lésbicas (Fine e Nicol, 1995; Croucher, 2002).

Em 1994, 43 organizações de todo o país se juntaram

para formar a Coalizão Nacional pela Equidade de Gays e

Lésbicas (NCGLE). Este grupo passou a militar junto à

Assembleia Constitucional, com o objetivo de garantir a

manutenção da proibição da discriminação em razão da

orientação sexual e tornou a África do Sul em 1996, o

primeiro país no mundo a proteger formalmente os direitos dos

46

homossexuais (Croucher, 2002). A partir daí, a NCGLE deu

início, junto aos tribunais, uma profunda contestação da

legislação vigente, contrária aos homossexuais (Louw, 2005).

Outras temáticas foram levadas aos tribunais como, a

revogação da lei antissodomia e até mesmo as mais polêmicas

como, casamento e adoção por casais do mesmo sexo (Berger,

2008).

Ficou claro que, na medida em que as jurisdições

internacionais se expandiam, as reivindicações sobre direitos

sexuais atravessavam limites territoriais, sinais fortes de

que o vocabulário dos direitos humanos em sexualidade, gênero

e raça se desprendia de controles Estatais e assumia

influências de caráter social e transnacional. A questão dos

same-sexmarriages passou a provocar constantes debates da

opinião pública de todo o mundo (Gomes da Costa Santos,

2012).

Finalmente, em 1997, o crime de Ofensas Sexuais (Sexual

Offences Act, 1957), que proíbibe a prostituição e práticas

sexuais entre adultos do mesmo sexo foi derrubado pela Corte

Constitucional, que declarou contrariedade ao princípio da

lei que proibia a discriminação por orientação sexual, visto

que criminalizava uma prática sexual, como imoral e

pecaminosa por parte da sociedade e reforçava o preconceito

existe contra homossexuais, em que os colocavam em posições

de vulnerabilidade. Esta decisão da Corte Constitucional foi

de grande relevância para a consolidação do princípio da

47

equidade entre homossexuais e heterossexuais previsto na

constituição sul-africana (Gomes da Costa Santos, 2012).

O debate sobre o reconhecimento legal dos casais do

mesmo sexo passou a ser tema principal nas agendas dos

ativistas LGBT em 1997. A NCGLE organizou diversos eventos

militantes para se discutir como o tema seria abordado e

defendido nos tribunais. Ainda que contrariados, os ativistas

concordaram em não levar a reivindicação à Corte

Constitucional devido a proximidade da segunda eleição

democrática no país em 1999. Havia o receio de que o tema

“casamento gay” seria usado para benefícios partidários e,

consequentemente, traria problemas para o ativismo LGBT. O

cuidado com as eleições não vigorou como esperado e diversos

casais homossexuais deram início a ações de litígio contra o

Departamento de Assuntos Internos (Department of Home Affairs) a

fim de garantir o direito ao visto de permanência de seus

parceiros estrangeiros no país (Gomes da Costa Santos, 2012).

Não demorou muito e estes litígios ganharam

visibilidade junto à Corte Superior do Cabo após os recursos

movidos pelo Departamento de Assuntos Internos e logo depois,

os casos chegaram à Corte Constitucional em 1999. A mesma

julgou que estes litígios visavam proteger o direito dos

parceiros sul-africanos de constituir família com seus

parceiros estrangeiros. Homossexuais teriam a mesma

capacidade que casais heterossexuais de firmar relações

conjugais e familiares. Desta forma, a lei vigente seria

48

discriminatória à medida que não se estendia aos casais

homossexuais o direito de seus parceiros ao visto de

permanência no país. E, por decisão da Corte, foi incluso e

reconhecido na legislação atual o termo “ou parceiro do mesmo

sexo em união não eventual” após o termo “cônjuge” (Gomes da

Costa Santos, 2012).

Esta decisão foi uma porta de entrada para que outras

reivindicações e demandas judiciais fossem levadas à Corte,

como po exemplo, extensão de pensões a parceiros do mesmo

sexo, indenização por morte do companheiro, etc. Porém,

somente em 2005 essas reivindicações foram julgadas pela

Corte Constitucional e a mesma declarou que a lei presente do

casamento (Marriage Act, 1961) como inconstitucional, visto que

não incluía os casais homossexuais a gozar do mesmo “status,

direitos e responsabilidades” garantidos aos casais

heterossexuais. E por determinação, a Corte ordenou ao

Parlamento a “corrigir” o defeito da inconstitucionalidade e

o mesmo deveria garantir “status, direitos e

responsabilidades” aos casais homossexuais (Gomes da Costa

Santos, 2012).

49

2.3 - Enfim, o direito democrático ao amor

Em setembro de 2006, a Comissão Parlamentar de Assuntos

Internos (Parliamentary Portfolio Committee on Home Affairs) apresentou

o projeto de lei de União Civil (Civil Union Bill) e a figura

jurídica da parceria civil (civil partnership) e, enfim, a

garantia aos casais do mesmo sexo os mesmos direitos

previstos na legislação via casamento aos casais

heterossexuais. Como também, o Parlamento iniciou uma

consulta popular sobre o tema e audiências públicas foram

realizadas em nove províncias do país. Muitas vozes foram

contrárias ao projeto. Muitos ativistas acreditavam que a lei

criava uma situação de “iguais, mas separados”, visto que

previa novo texto jurídico (parceria civil), restrito apenas

aos casais do mesmo sexo. O foco era na verdade, a alteração

da Lei do Casamento, já que todos os direitos relativos à

conjugalidade eram os mesmos para ambas as formas de união

(Gomes da Costa Santos, 2012).

Além da insatisfação dos ativistas, o projeto gerou

grande inquietação aos opositores dos direitos de LGBT.

Diversos argumentos religiosos e conservadores dominaram as

razões levantadas para o impedimento da lei de União Civil.

Entre estes argumentos, a condenação, por parte da Bíblia, à

livre orientação sexual como um comportamento pecaminoso e

imoral por partes de grupos religiosos e principalmente, a

homossexualidade feria a moral e os valores da tradicional

família africana onde se considerava como “família” a

50

composição por um pai, uma mãe e seus filhos (Epprecht,

2012). A alteração a definição tradicional de casamento

significaria destruir a instituição “sagrada” e milenar

pregada do Deus. As crianças deveriam ter “um pai e uma mãe”,

caso contrário, efeitos desastrosos às suas identidades

seriam causados pela criação perversa e imoral de pais do

mesmo sexo.

Para amenizar o clima hostil entre conservadores e

ativistas, a Comissão Permanente sugeriu uma alteração ao

projeto de lei da União Civil que, continuaria com o mesmo

termo, mas diferentemente da versão inicial, incluía tanto os

casais heterossexuais quanto aos casais do mesmo sexo.

Consequentemente, a lei deixaria a critério do casal escolher

sua nomenclatura como “casamento” ou “parceria civil”. Mesmo

diante da insatisfação, o novo projeto também previa a livre

escolha ao oficial de casamento o direito de se recusar

celebrar uma união homossexual, alegando questões de

consciência moral e religiosa (Gomes da Costa Santos, 2012).

Para finalizar, o Civil Union Act definiu duas formas de

relação conjugal, casamento e parceria civil, que possuíam o

mesmo efeito legal. Desta forma, este projeto proporcionou

aos casais definirem o significado pessoal e social que eles

desejariam atribuir às suas relações. O projeto representou

um grande avanço aos direitos de gays e lésbicas, já que

garantia o “livre status” a ambos os casais e descentralizou

o casamento como “a” instituição conjugal por excelência e

51

principalmente, seria a base para uma nova lei de família

mais inclusiva e diversa (Bilchitz e Judge, 2008).

O primeiro casamento homoafetivo sob vigência da Lei de

União Civil ocorreu em 2007, em Langebaan, Província do Cabo

Ocidental. Desde então, de acordo com o Departamento de

Estatísticas da África do Sul (Statistics South Africa), até

o fim de 2011, foram realizados 3.324 casamentos

homoafetivos. Quase metade (45,3%), entretanto, aconteceu na

província de Gauteng e outros 28% na do Cabo Ocidental

(Western Cape), o que reflete a desigualdade da realidade

social do país (Sagarra, 2015).

2.4 - Brasil: ditadura militar nasce o ativismo pela livre

sexualidade

"Jovem encantador, dize-me: por que, triste e

suspirante, erras nestes reinos aprazíveis? Peço-te,

dize-me: qual o teu verdadeiro nome? “Meu nome é o

Amor.” Então, o primeiro virou-se para mim, E gritou-

me: “Ele mente, porque o nome dele é a vergonha. Eu é

quem sou o Amor, e costumava estar aqui sozinho, neste

belo jardim, até que ele chegou como um intruso durante

a noite. Sou eu o verdadeiro Amor, que anima de uma

chama mútua os corações dos rapazes e das moças. Então,

suspirando, o outro disse: “Segue tua fantasia, porque

eu, eu sou o Amor que não ousa dizer seu nome”. Os dois

amores - Oscar Wilde (1895)

No Brasil, pode-se afirmar que os primeiros registros

52

indicam que o ativismo homossexual teve início em meados da

década de 60 e se caracterizou em três diferentes momentos. O

primeiro momento corresponde ao surgimento e expansão desse

movimento durante o período de "abertura" política do

processo de transição entre a Ditadura Militar e a volta do

regime democrático. Este primeiro movimento tinha como

característica principal o viés comunista e antiautoritário

devido ao contexto histórico em questão, pois fazia parte da

esquerda revolucionária estudantil, feminista e negra contra

o regime ditatorial e foi classificado como "alternativo" ou

"libertário" (MacRae, 1985, p.390).

O primeiro movimento homossexual independente se formou

em 1978, em São Paulo. O mesmo se chamava SOMOS e adquiriu

grande visibilidade no âmbito histórico, político e social

por sua grande representatividade ativista. Este primeiro

grupo foi de grande relevância e inspiração como modelo para

outros que se formaram posteriormente e até mesmo, para os

grupos LGBT da atualidade. Vale lembrar que, desde os

primeiros indícios de ativismo homossexual na década de 60

até a formação do primeiro grupo em 1978, algumas tentativas

de formulação de movimentos foram feitas e não obtiveram

sucesso devido as suas dissolvências em poucas semanas

(MacRae, 1985, p.220).

Inicialmente o movimento SOMOS era composto por homens

e teve sua primeira manifestação através de carta endereçada

ao sindicato dos jornalistas e foi convidado pelo mesmo a

53

participar de uma semana sobre debates de grupos

discriminados organizada pela Universidade de São Paulo (USP)

em 1979. A partir de então, o SOMOS adquiriu maior

visibilidade e novos integrantes se aliaram ao movimento,

incluindo mulheres homossexuais e simpatizantes da causa.

Neste mesmo ano, mais dois movimentos se formularam: o Eros e

o Libertos. Ainda com a polarização de novos grupos LGBT, o

SOMOS possuia maior abrangência ativista e passou a aliar-se

com outras minorias com o intuito de promover transformações

socias, como por exemplo, movimentos dos trabalhadores e

grupos de esquerda (MacRae, 1985, p.257).

Ao analisar com maior profundidade o grupo SOMOS, o

autor MacRae (1985) faz observações importantes sobre seus

ideários:

"O grupo SOMOS deveria ser exclusivamente formado por

homossexuais; as palavras "bicha" e "lésbica" ser

esvaizadas de seu conteúdo pejorativo; na análise das

relações de gênero, as assimetrias entre homens e

mulheres deveriam ser combatidas, bem como a

polarização ativo/passivo e os estereótipos

efeminado/masculinizada; enquanto identidade ou

subterfúgio para não assumir a homossexualidade, era

criticada, embora, em alguns momentos, a prática

bissexual fosse até mesmo glorificada como subversão de

todas as regras; a monogamia e a possessividade nos

relacionamentos eram questionados; o prazer era visto

como bem supremo e o autoritarismo devia ser combatido

em todas as suas manifestações, tanto fora, quanto

dentro do grupo". MacRae, 1985, p. 257

54

No dia 16 de dezembro de 1979, foi organizado no Rio de

Janeiro, o 1º Encontro de Homossexuais Militantes na

Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Este encontro contou

com a participação de 61 ativistas - 11 lésbicas e 50 gays -

e nove grupos compareceram ao evento: SOMOS, RJ; Auê, RJ;

SOMOS, SP; Eros, SP; SOMOS, Sorocaba, SP; Beijo Livre,

Brasília; Grupo Lésbico Feminista, SP; Libertos, SP; Grupo de

Afirmação Gay, RS e um ativista de Belo Horizonte, MG. As

diretrizes desse encontro se focaram em reivindicações em

defesa do respeito à "opção sexual" na Constituição Federal e

na luta pela discriminação da homossexualidade como uma

patologia mental (MacRae, 1985, p. 339).

2.5 - Década 1980 e a fragmentação do movimento LGBT

Em 1980 o grupo SOMOS se polarizou em suas vertentes

ideárias e foi dividido em três frentes: o SOMOS, o Grupo

Lésbico-Feminista e o Grupo de Ação Homossexualista. Neste

mesmo ano, as três frentes militantes se aliaram aos

movimentos negro e feminista e organizaram o primeiro ato

público em frente ao Teatro Municial seguindo em passeata

pelas ruas do Centro. Passado este ato, as frentes ideárias

permaneceram polarizadas e o grupo SOMOS volta a se

deteriorar (MacRae, 1985, p.339).

No âmbito internacional, o movimento homossexual passou

a considerar relações transnacionais no que foi definido como

"segundo momento" no Brasil. O ativista João Antônio

55

Mascarenhas esteve em uma conferência da International

Lesbian and Gay Association (ILGA) na Itália, em abril de

1980 e torna o grupo Triângulo Rosa filiado à organização.

Nesta mesma mão, há uma ruptura de comportamentos e ideários

entre o movimento LGBT da década de 1970 e a nova onda da

década de 1980 no Brasil (Silva, 1998).

A década de 1980 ficou conhecida como o segundo momento

do movimento gay no Brasil. Foi um período de profundas

transformações estruturais dos grupos militantes e muitos

deixaram de existir. O movimento homossexual perde

protagonismo ativista e sofre uma redução drástica de 22

grupos no Brasil no início dos anos 80 para 7 grupos

existentes entre os anos de 1984 e 1985. O surgimento da

epidemina da Aids como "peste gay" contribuiu de forma

pragmática para esta desmobilização, fazendo com que o foco

das reivindicações saísse da liberação sexual para

campanhanhas de prevenção ao vírus que, neste primeiro

momento, foi atrelado em âmbito internacional às relações

entre pessoas do mesmo sexo e prostitutas (Facchini, 2000).

2.6 - Vozes que se calam: a AIDS como "peste gay"

A "peste gay" trouxe rumores sobre um "fim da

homossexualidade". Como o autor Néstor Perlongher (1993)

discorre em seu texto "O desaparecimento da homossexualidade":

"É preciso esclarecer: o que desparece não é tanto a

prática das uniões dos corpos do mesmo sexo genital,

56

mas a festa do apogeu, o interminável festejo da

emergência à luz do dia, no que foi considerado o maior

acontecimento do século XX: a saída da homossexualidade

à luz resplandecente da cena pública, os clamores

esplêndidos do - diriam na época de Wilde - amor que

não se atreve a dizer seu nome. Não somente atreveu-se

a dizê-lo, mas o tem gritado na vozearia do excesso.

Acaba, poder-se ia dizer, a festa da orgia homossexual,

e com ela termina-se (não era, por sinal, sua expressão

mais chocante e radical?) a revolução sexual que

sacudiu o Ocidente no decorrer deste acidentado século.

Um declínio tão manso que se a gente não olha bem não

percebe: esse é o processo da homossexualidade

contemporânea. Ela abandona a cena fazendo uma cena

poética e desgarrada: a da sua morte.

Somados ao advento da Aids, outros fatores também

contribuíram para um declínio no movimento, como por exemplo,

o aumento da inflação e do desemprego dificultava a

mobilização dos ativistas; o desânimo frente a expectativa

frustrada de que a reinstauração da democracia traria mais

voz aos direitos dos homossexuais e o "falso" espaço que foi

dado aos movimentos LGBT que trouxeram uma sensação de

"liberdade" ao tão sonhado ideário ativista (Green, 1998).

A autora Cristina Silva (1993) relata um ponto

interessante da pesquisa do autor MacRae (1985) sobre uma

mudança na definição da homossexualidade de "opção" para

"orientação" sexual. Esta relação de definição da essência

homossexual gerava grande dúvida entre os movimentos e

diversos acadêmicos de várias áreas foram consultados até

57

chegarem a um consenso sobre a utilização da "orientação"

como uma explicação que permitia afirmar certa concretude

para a experiência da homossexualidade, sem entrar em

questões mais profundas e de caráter "essencial".

O segundo momento do movimento homossexual no Brasil

também foi marcado pela articulação dos militantes para

desconstruir a relação "marginal" entre Aids e homossexuais,

com a necessidade de reconstruir a imagem pública e

protagonista do grupos LGBT. Certamente, os movimentos

internacionais também tiveram grandes influências na luta

pela quebra do "tabu" da "peste gay" e foram fundamentais

para uma mudança de comportamento dos movimentos nacionais

frente às temáticas de saúde, direitos humanos e direitos

civis (Facchini, 2000).

2.7 - Reinventando o ativismo LGBT e a conquista por direito

à conjugalidade

Os anos de 1990 foram considerados como um

"reflorescimento" do movimento homossexual no Brasil o foi o

período conhecido como terceira onda ativista. Calcula-se que

o número de grupos militantes passou de 6 a 52, ao final da

década de 1990. Diversos Encontros Brasileiros de Lésbicas e

Gays foram realizados ao longo do período em outros estados e

inclusive, incluiram o tema da Aids em seus debates. O

movimento adquiriu tanto vigor de novas propostas quanto

58

novos desafios frente às questões da epidemia (Reis, 1995;

Rodrigues, 1997).

Foi no 2º Encontro Brasileiro Homossexual (1984) que os

militantes incluiram às reivindicações de lutas a legalização

do "casamento gay" e a inclusão da educação sexual nas

escolas. Nos encontros posteriores, outros temas foram

aprovados pelos ativistas, como, a questão da violência; a

discriminação religiosa contra homossexuais que estava cada

vez mais preocupante; a formação de um Conselho Brasileiro de

Entidades Organizadas de Homossexuais; a entrada de novos

atores aos movimentos - lésbicas, Organizações Não-

Governamentais (ONGs) e militantes do Partido dos

Trabalhadores (PT); a crianção de uma Comissão de Direitos

Humanos de Gays e Lésbicas; a fundação da Associação

Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT); a luta

contra a Aids - este teve grande relevância, pois trouxe a

presença de organizações de travestis e as discussões sobre

temas como religiosidade, transexualidade e articulação com

movimentos internacionais, como a ILGA (Facchini, 2000).

No final da década de 1990, a ABGLT contabilizava a

existência de 68 organizações do movimento homossexual no

país. Vale ressaltar no que tange o "reflorescimento" do

movimento, não só o número de grupos aumentou, como houve uma

59

grande participação de novos atores e formatos institucionais

e uma ampla diversificação nas diretrizes de atuação. Outras

conquistas como, aproximações com organismos inernacionais

que deram caráter transnacional à luta e alguns grupos

religiosos se mostraram mais flexíveis e ligados às questões

de sexualidade (Facchini, 2000).

O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo

sexo no Brasil como entidade familiar, por analogia à união

estável, foi declarado possível pelo Supremo Tribunal

Federal (STF) em maio de 2011 no julgamento conjunto da Ação

Direta de Inconstitucionalidade, apresentada pelo então

governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Desta

forma, no Brasil, são reconhecidos às uniões estáveis

homoafetivas todos os direitos conferidos às uniões estáveis

entre um homem e uma mulher. Em maio de 2013 o Conselho

Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma resolução que obriga

todos os cartórios do país a celebrar casamentos entre

pessoas do mesmo sexo. O presidente do CNJ afirmou que a

resolução remove "obstáculos administrativos à efetivação" da

decisão do Supremo, em 2011 (Gomes da Costa Santos, 2012).

Finalizando esse capítulo, vale ressaltar o pronunciamento do

STF sobre Direitos Matrimoniais. Em discurso sobre seu voto,

o Excelentíssimo Ministro Ayres Britto afirma:

"verbalizo que merecem guarida os pedidos

formulados pelos requerentes de ambas as ações.

Pedido de “interpretação conforme à Constituição”

60

do dispositivo legal impugnado (art. 1.723 do

Código Civil), porquanto nela mesma,

Constituição, é que se encontram as decisivas

respostas para o tratamento jurídico a ser

conferido às uniões homoafetivas que se

caracterizem por sua durabilidade, conhecimento

do público e continuidade, além do propósito ou

verdadeiro anseio de constituição de uma família.

Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil

interpretação conforme à Constituição para dele

excluir qualquer significado que impeça o

reconhecimento da união contínua, pública e

duradoura entre pessoas do mesmo sexo como

“entidade familiar”, entendida esta como sinônimo

perfeito de "família". Reconhecimento que é de

ser feito segundo as mesmas regras e com as

mesmas conseqüências da união estável

heteroafetiva. Desde que preenchidas, também por

evidente, as condições legalmente impostas aos

casais heteroafetivos. Inteligência que se

robustece com a proposição de que não se proíbe

nada a ninguém senão em face de um direito ou de

proteção de um interesse de outrem. E já vimos

que a contraparte específica ou o focado

contraponto jurídico dos sujeitos homoafetivos só

podem ser os indivíduos heteroafetivos, e o fato

é que a tais indivíduos não assiste o direito à

não-equiparação jurídica com os primeiros. Visto

que sua heteroafetividade em si não os torna

superiores em nada. Não os beneficia com a

titularidade exclusiva do direito à constituição

de uma família. Aqui, o reino é da igualdade pura

61

e simples, pois não se pode alegar que os

heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham.

E quanto à sociedade como um todo, sua

estruturação é de se dar, já o dissemos, com

fincas na fraternidade, no pluralismo e na

proibição do preconceito, conforme os expressos

dizeres do preâmbulo da nossa Constituição." (Voto

do Ministro Ayres Britto pelo reconhecimento legal da união entre

pessoas do mesmo sexo, 2011).

62

3 - Sociedades conservadoras e regimentos sobre sexualidade

Este capítulo é de grande importância a este

trabalho, pois visa revelar como se dá a construção de normas

internacionais sobre diversidade sexual, a partir dos

Princípios vistos no capítulo 1, o posicionamento dos Estados

frente a estas normas e as realidades sociais que África do

Sul e Brasil vivem, que não condizem com suas constituições

progressitas. Como também, será evidenciado a influência da

religião nos pilares dos mesmos, tornando muito mais

complexos os percursos para se garantir que todos exerçam sua

livre sexualidade.

A consagração dos direitos humanos impõe grandes

empasses a todas os povos, pois a garantia da efetividade

desses direitos exige um trabalho árduo e de comprometimento,

em especial, quando se refere a garanti-los para um grupo

minoritário. As vulnerabilidades são desenhadas através de

preconceitos e discriminações de toda as formas que se

direcionam às características pessoais dos indivíduos, estas

que são dadas pelo gênero, raça, orientação sexual,

identidade de gênero ou qualquer outra característica

atribuída ao “ser” tão singular e único, igualmente merecedor

de respeito como qualquer outro ser aos seus direitos

individuais (Corrêa, 2014).

As questões de identidade de gênero e orientação sexual

continuam a ser utilizadas como argumentos para sérias

violações dos direitos humanos em todas as nações. Ainda que

63

os Estados reconheçam as normas internacionais e domésticas

que devem por obrigação garantir a integridade do indivíduo

como um ser de plenos direitos, a comunidade LGBTI apresenta

uma vulnerabilidade ímpar, onde a discriminação, perseguição

e maus-tratos, continuam a ser perpetuadas e muitas vezes, se

chega a formas extremas de violência. Em diversos países, as

relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo são consideradas

crime e punidas com prisão e até mesmo, com a pena de morte

(Corrêa, 2014) .

Quando se diz que a violência é o grau extremado do

preconceito, da invisibilidade e da discriminação, reflexão

essa que representa vozes de todo o mundo, deve se chegar a

conclusão de que os Estados não estão cumprindo com suas

obrigações de proteger esses indivíduos e previnir qualquer

outro tipo de violência. Omissão essa que se dá pela ausência

de legislações igualitárias, pela falta de comprometimento

das forças de segurança, ou pelas vias mais comuns em que o

preconceito se perpetua, que é a manutenção de mentalides

heteronormativas e patriarcais (Corrêa, 2014).

3.1 - Nascidos livres e iguais: ONU e os regimentos

internacionais

Estados devem proteger “todas as pessoas,independente de orientação sexual (ou) identidadetransgênero, da tortura e de tratamento oucastigo cruel, desumano ou degradante”. (Comitê dasNações Unidas contra a Tortura, 2012)

64

Quando se fala em garantia do direito democrático à

livre sexualidade, deve-se salientar que não é um assunto

novo. Esta reflexão parte de dois pilares fundamentais que

são referenciais no regime internacional de direitos humanos:

igualdade e não discriminação. Desta forma, não há dúvidas e

possibilidades de outras interpretações da Declaração

Universal dos Direitos dos Humanos que, começa seu texto com

a seguinte afirmativa: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em

dignidade e direitos.”

Figura 5: (Love is a basic human right. ONU, 2014)

Ainda sim, graves violações a esses direitos estão

profundamente enraizadas, na maioria dos casos, somados à

falta de proteção jurídica específica contra a discriminação

em razão de identidade de gênero e orientação sexual,

65

vulnerabilizando os grupos LGBT, de todas as regiões do

mundo, a exposições, crimes e discuros de ódio, motivados por

suas características como ser . Esses grupos sofrem

discriminação no mercado de trabalho, nas escolas e nos

hospitais, e muitas vezes, renegadas por suas próprias

famílias. São vítimas nas ruas do ataque físico, sendo

espancadas, violentadas sexualmente, torturadas e mortas. E

mesmo diante dessa realidade deprimente, em aproximadamente

76 países, a relação homoafetiva é tida como ato criminoso e

de ofensa moral, expondo ainda mais esses grupos aos riscos

de serem presos, acusados e violentados (Pillay, 2012).

A Organização das Nações Unidas vem demonstrando

profundas preocupações com essas violações desde o início da

década de 1990. Em 2011, o Conselho de Direitos Humanos (CDH-

ONU) lançou nota e aprovou uma resolução expressando “grande

preocupação” com com os resultados dos relatórios que

indicavam uma quantidade assustadora de ataques contra

indivíduos em razão de sua orientação sexual e identidade de

gênero. De acordo com Navy Pillay (2012), se faz urgente a

adoção de medidas para eliminar essas violações e está cada

vez mais claro e universalmente aceita (Pillay, 2012).

Desta forma, a Alta Comissária das Nações Unidas para

os Direitos Humanos, Navi Pillay (2012), defende que eliminar

a violação e a discriminação contra pessoas em razão de sua

orientação sexual e identidade de gênero é um dos maiores

desafios dos direitos humanos hoje. Ainda sim, a Alta

66

Comissária afirma ser este um momento de esperança, pois uma

quantidade crescente de Estados passou a reconhecer

formalmente a gravidade dessas violações e a necessidade de

mudança. Assim, a ONU defende que com compromisso e empenho

conjunto dos Estados e de suas sociedades, os princípios de

igualdade e não discriminação serão verdadeiramente

garantidos para pessoas LGBT em todo o mundo (Pillay, 2012).

No ano de 2011, mais precisamente em julho, o Conselho

de Direitos Humanos aprovou a primeira resolução das Nações

Unidas sobre direitos humanos, orientação sexual e identidade

de gênero. A mesma foi aprovada por uma diferença pequena,

mas foi recebida com significativo comprometimento dos

membros do Conselho de diversas nações. Essa adoção rompeu

obstáculo para o primeiro relatório oficial das Nações Unidas

sobre a temática, preparado pelo Escritório do Alto

Comissariado para os Direitos Humanos (CIDH, 2012).

Este relatório apresentou um padrão evidente de

violência sistêmica e de discriminação direcionados às

pessoas em razão da sua orientação sexual e identidade de

gênero, desde discriminação em meios sociais à criminalização

e ataques físicos, chegando até a assassinatos. Este

documento anexou um conjunto de medidas dirigidas aos Estados

comprometidos com a proteção dos direitos humanos de

lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT). E através

deste relatório foi formada o ponto principal de um painel de

debates que ocorreu no Conselho em 7 de março de 2012, sendo

67

a primeira vez em que um corpo intergovernamental das Nações

Unidas liderou uma discussão formal sobre o tema (CIDH,

2012).

Relatando as graves violações sistêmicas apresentadas

no relatório, a Alta Comissária Navi Pillay (2012) apelou

para que os Estados tomem consciência de responsabilidade

sobre esses crimes e os recrutou a escrever um “novo

capítulo” na história das Nações Unidas, comprometido com fim

da violência e qualquer tipo de discriminação contra todas as

pessoas, independentemente de sua orientação sexual e

identidade de gênero. O Secretário Geral das Nações Unidas,

Ban Ki-moon, afirmou que a violência e discriminação contra

os grupos LGBT é como “uma monumental tragédia para os que se

preocupam e uma mancha na nossa consciência coletiva”. O Secretário

também alertou que se trata de uma violação do já existente

regime internacional de direitos humanos (CIDH, 2012).

As normas legais dos Estados para proteger os direitos

de pessoas LGBTI estão claramente estabelecidas no regime

internacional de direitos humanos baseado na Declaração

Universal dos Direitos Humanos e consequentemente, aprovados

nos tratados internacionais sobre a temática. Pillay (2012)

defende que “todas as pessoas, independente de sexo, orientação sexual ou

identidade de gênero, tem o direito de proteção pelo regime internacional dos

direitos humanos, sobretudo, em relação aos direitos à vida, à segurança e à

privacidade, o direito de ser livre de tortura, detenções e prisões arbitrárias, o

direito de ser livre de discriminação e o direito às liberdades de expressão, de

68

reunião e de associação pacífica” (Pillay, 2012).

Mais uma vez salientando que, a proteção de pessoas

LGBT não configura a necessidade de se formular novas leis ou

direitos especiais para os mesmos. Apenas, é necessário

propiciar a garantia da não discriminação para todos os

direitos. A proibição contra a discriminação com base na

orientação sexual e identidade de gênero não está limitada ao

regime internacional de direitos humanos e deve ser adotada

como princípio doméstico pelos Estados membros. Tribunais de

diversos países declararam que tal discriminação fere as

normas constitucionais domésticas, assim como o direito

internacional. Esse debate também foi levantado pelos

sistemas regionais de direitos humanos, em especial, pela

Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pelo Conselho

da Europa (Pillay, 2012).

Como a Alta Comissária afirma, “o princípio da universalidade

não admite exceção. Os direitos humanos são, verdadeiramente, direitos inatos de

todos os seres humanos.” Desta maneira, a Comissão Internacional

de Direitos Humanos estabeleceu cinco normas para os Estados

a fim de proteger e garantir tais direitos a todos os

indivíduos (CIDH, 2012).

Em seu texto fiel, são estas normas: 1. Proteger as

pessoas da violência homofóbica e transfóbica. Incluir a

orientação sexual e a identidade de gênero como

características protegidas por leis criminais contra o ódio.

Estabelecer sistemas efetivos para registrar e relatar atos

69

de violência motivados pelo ódio. Assegurar investigação

efetiva, instauração de processo contra os perpetradores e

reparação das vítimas de tal violência. Leis e políticas de

asilo devem reconhecer que a perseguição de alguém com base

em sua orientação sexual ou identidade de gênero pode ser um

motivo válido para um pedido de asilo. 2. Prevenir a tortura

e o tratamento cruel, desumano e degradante às pessoas LGBT

em detenção através da proibição e punição de tais atos,

garantindo que as vítimas sejam socorridas. Investigar todos

os atos de maus tratos por agentes do Estado e levar os

responsáveis à justiça. Prover treinamento apropriado aos

funcionários responsáveis pela aplicação da lei e garantir um

controle eficaz dos locais de detenção. 3. Revogar leis que

criminalizam a homossexualidade, incluindo todas as leis que

proíbem a conduta sexual privada entre adultos do mesmo sexo.

Assegurar que não sejam presos ou detidos em razão de sua

orientação sexual ou identidade de gênero, e não sejam

submetidos a exames físicos degradantes e desnecessários com

a finalidade de determinar sua orientação sexual. 4. Proibir

a discriminação com base na orientação sexual e identidade de

gênero. Promulgar leis abrangentes que incluam a orientação

sexual e identidade de gênero como motivos proibidos para

discriminação. Em especial, assegurar o acesso não

discriminatório a serviços básicos, inclusive no contextos de

emprego e assistência médica. Prover educação e treinamento

para prevenir a discriminação e estigmatização de pessoas

70

intersexo e LGBT. 5. Proteger as liberdades de expressão, de

associação e de reunião pacífica para as pessoas intersexo e

LBGT. Qualquer limitação destes direitos deve ser compatível

com o direito internacional e não deve ser discriminatória.

Proteger indivíduos que exercitam seus direitos de liberdade

de expressão, de associação e de reunião dos atos de

violência e intimidação por grupos privados (CIDH, 2012).

De acordo com a Comissão Internacional de Direitos

Humanos (2012), a violência como representação do ódio contra

pessoas LGBT é perpetrada por grupos conservadores não

ligados ao Estado, sendo indivíduos, grupos organizados ou

organizações extremistas. Porém, O estado falha em ser omisso

e investigar, aplicar as devidas punições aos infratores.

Pois parte do princípio que o Estado tem obrigação em

proteger os direitos à vida, à liberdade e à segurança, como

garante o artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos

Humanos e os artigos 6 e 9 do Pacto Internacional sobre

Direitos Civis e Políticos: Artigo 3: Todos têm direito à

vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo 6: O direito

à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser

protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente

privado de sua vida. Artigo 9: Toda pessoa tem direito à

liberdade e à segurança pessoal (CIDH, 2012).

De acordo com Navy Pillay (2012), os Estados tem

obrigações junto ao direito internacional a fim de investigar

tais violações e levar os responsáveis à justiça. A

71

Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou aos Estados que

“garantissem a proteção do direito à vida de todas as pessoas sob sua jurisdição”

e investigassem de forma rápida e comprometida tais

violações, inclusive, as que foram motivadas pela orientação

sexual da vítima. Assim sendo, se um Estado deixar de

investigar e punir uma violação, estará violantando também

suas obrigações perante a lei internacional (Pillay, 2012).

O relatório da CIDH também chama atenção para uma

denúncia grave de agressão direcionada às pessoas LGBT. Essas

violações também partem de pessoas da própria família e

membros da comunidade com o argumento de vergonha e desonra

familiar, por ferirem a “moral” de seus membros por conta do

comportamento sexual ou identidade de gênero. Ainda que as

mulheres sejam alvos mais frequentes deste tipo de discurso

punitivo, esses ataques podem ser direcionados a indivíduos

de qualquer sexo (Pillay, 2012).

Outra denúncia terrivelmente grave feita pela CIDH é a

de que lésbicas estão sendo atacadas, estupradas, forçadas a

engravidar e punidas de formas diversas com argumento de sua

orientação sexual, deve-se dizer que esse tipo de violência

contra a mulher vem acontecendo em diversas regiões do

planeta. O Comitê afirma que “as lésbicas enfrentam um risco

aumentado de se tornarem vítimas de violência, especialmente estupros, por

causa de mitos e do grande preconceito”, como por exemplo, que

lésbicas mudariam sua orientação sexual se estupradas por um

homem.” Nas suas observações finais, o Comitê pede atenção

72

especial para a África do Sul, onde salientou profunda

preocupação com relação às ofensas sexuais relatadas e os

homicídios contras as mulheres por causa de sua orientação

sexual. Levando a atenção para o que se chama “estupros

corretivos de lésbicas" (CIDH, 2012).

Para a CIDH (2012), leis que criminalizam a união

homoafefiva dão espaço a uma série de violações em massa

contra os LGBT. Estas leis violam o direito internacional do

indivíduo de ser livre de discriminação, estabelecido no

artigo 2 da Declaração Universal de Direitos Humanos e em

tratados internacionais de direitos humanos, assim como o

direito de ser protegido de tentativa contra sua integridade

e vida privada, protegidos pelos artigos 12 e 9 da Declaração

Universal e artigos 17 e 9 do Pacto Internacional sobre os

Direitos Civis e Políticos. Ressaltando ainda que, leis que

impõe a pena de morte para a conduta sexual, violam o direito

à vida, assegurado pelo artigo 3 da Declaração Universal e

artigo 6 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e

Políticos (CIDH, 2012).

Levando em consideração também que a criminalização da

prática sexual entre pessoas do mesmo sexo viola os direitos

à privacidade e à não discriminação, a implementação da pena

de morte é inaceitável e viola diretamente o artigo 6 do

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e artigo

3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Onde o artigo

6 prevê que, nos países que não aboliram a pena de morte, uma

73

“sentença de morte pode ser imposta apenas para os crimes mais graves.”

Ofensas sexuais não se enquadra como ‘os crimes mais graves’

(CIDH, 2012). Assim, a Comissão afirma:

"É motivo de grande preocupação que em alguns

Estados os relacionamentos homossexuais ainda

sejam punidos com a morte. Deve-se recordar que

nos termos do artigo 6 do Pacto Internacional

sobre Direitos Civis e Políticos, as sentenças de

morte só podem ser impostas para os crimes mais

graves, uma cláusula que exclui claramente as

questões de orientação sexual." (Comissão

Internacional de Direitos Humanos, 2012)

O Conselho de Direitos Humanos (2012) afirma que

criminalização das condutas sexuais com o mesmo sexo viola o

direito à saúde, pois impede que os indivíduos tenham acesso

à assistência média devido ao medo de que possam denunciar

‘condutas criminosas’, mediante sua orientação sexual.

Consequentemente, a criminalização da homossexualidade abre

margem para que planos de saúde e políticas nacionais não

consedere necessária medidas específicas de saúde das

comunidades LGBT. Em relatório de 2011, o Conselho de

Direitos Humanos, sobre o direito à saúde, afirmou:

"Leis penais acerca de condutas consensuais entre

pessoas do mesmo sexo, orientação sexual e identidade

74

de gênero frequentemente infringem vários direitos

humanos, incluindo o direito à saúde. Estas leis são

geralmente e inerentemente discriminatórias e, como

tal, violam as condições para se ter o direito à saúde,

que requer igualdade de acesso para todas as pessoas. O

impacto da discriminação baseada na conduta e na

orientação sexual na saúde é de longo alcance e impede

os indivíduos afetados de terem acesso a outros

direitos econômicos, sociais e culturais. A violação de

outros direitos humanos, por sua vez, tem impacto no

exercício do direito à saúde, tal como o impedimento no

acesso ao emprego e moradia." (Conselho de Direitos Humanos,

2011)

Em diversas nações, transgêneros enfrentam dificuldades

diárias no acesso à Saúde. O processo de mudança de sexo,

quando é permitido, depende de investimentos pessoais, onde

financiamentos estatais raramente estão disponíveis. Deixando

os profissionais da saúde, muitas vezes, inertes às

necessidades das pessoas transexuais e lhes falta, até mesmo,

treinamento profissional adequado. Além deste fato, crianças

intersexo, consideradas aquelas que nascem com

características sexuais deferentes de seus corpos biológicos,

frequentemente são alvos de discriminação e podem ser

submetidas a cirurgias inadequadas, realizadas sem o seu

consentimento ou de seus pais, na tentativa de corrigir o seu

sexo (CEDAW, 2012).

A discriminação nas escolas é outro ponto de

preocupação, pois pode prejudicar e inibir a capacidade de

jovens percebidos como gays, lésbicas, bissexuais,

75

transgêneros ou intersexo de gozar de seu direito à educação.

Em determinados casos, autoridades de educação e algumas

escolas discriminam claramente jovens em razão de sua

orientação sexual ou indentidade de gênero, levando-os à

recusa de admissão ou expulsão da instituição de ensino. Além

do fato de que, jovens LGBT sofrem frequentemente com

violência e assédio nas escolas, violações essas que vão do

bullying por parte de seus colegas e professores à agressões

físicas e discursos de ódio. Combater esse tipo de conduta e

requer comprometimento reforçado por parte da instituição e

de autoridades da educação a fim de adotarem os princípios de

não discriminação e diversidade nos discursos escolares

(CEDAW, 2012).

Para finalizar as reflexões desde tópico, vale

ressaltar a preocupação relacionada a educação sexual. O

princípio do direito à educação afirma que todos devem

receber informação completa e adequada à sua idade sobre

sexualidade humana, a fim de garantir que jovens tenham

informações necessárias para ter uma vida saudável, livre de

discriminação, tornar o sexo uma prática responsável e se

protegerem de doenças sexualmente transmissíveis (UNESCO,

2012).

Reconhecimento da união Civil entre pessoas do mesmo sexo

Muitos países já reconhecem a união civil entre pessoas

do mesmo sexo e garantem os mesmos direitos à benefícios que

76

os casais heterossexuais. Porém, em outros Estados, além de

rejeitarem a parceria civil, negam os mesmos direitos à

casais homossexuais não casados. Como por exemplo, os

direitos de pensão, herança de bens, cobertura extendida no

plano de saúde e seguro de vida, a chance de garantir

residência para o parceiro estrangeiro, entre outros direitos

relativos à conjugalidade, devidamente assegurados em uma

relação heterossexual. A falta de reconhecimento oficial dos

relacionamentos homoafetivos e a ausência de proibição legal

da discriminação também estimula o preconceito por parte de

atores privados, como, profissionais da assistência médica e

de companhias de seguro (CIDH, 2012).

De acordo com o regime internacional de direitos

humanos, as nações não são obrigadas a permitir que casais

homoafetivos se casem. Mas ainda sim, os Estados devem

cumprir com o dever de proteger seus indivíduos contra a

discriminação por razão sua orientação sexual e assegurar que

casais do mesmo sexo que não sejam casados possam ser

tratados com toda a integridade que lhes tem por direito,

igualmente assegurados aos casais heterossexuais não casados

(CIDH, 2012).

3.2 - O conservadorismo religioso e a violência no Brasil

O Brasil é um país em que o percurso da política sexual

tem sido amplamente debatido. Na realidade, as

77

características “progressistas” da constituição brasileira

nesse campo, principalmente, seu enganjamento na luta pela

prevenção ao HIV (AIDS), foram amplamente reconhecidos e

exaltados. Pode-se dizer que, o país teve grandes progressos

no que diz respeito aos direitos sexuais, porém, atualmente,

é arena de grandes batalhas político-religiosas que mantém e

até mesmo intensificaram uma concepção patriarcal por parte

da sociedade civil e da crescente influência da bancada

religiosa, sobre o que um dia ativistas LGBT e feministas

lutaram arduamente para conquistar (Kaoma; Queiroz, 2013;

Vital; Leite Lopes, 2013).

De acordo com o autor Miguel Vale de Almeida (2014), o

caso brasileiro, se constitui de uma federação, com estados e

municípios federados que possuem certos graus de autonomia

sobre as esferas legislativas e executivas. Alguns pontos a

serem observados no sistema eleitoral representativo e de

organizações partidárias é que, nos últimos anos, um cenário

político de crescentes empasses, de uma lado, os liberais,

com discursos inclusivos e de afinidade com a comunidade

LGBT; por outro, o aumento gradativo da dificuldade nos

avanços legislativos a nível nacional, devido à forte entrada

na arena política de representantes religiosos

ultraconservadores e, por muitas vezes, incitam o ódio e a

violência contra pessoas homossexuais. Esta realidade tem

provocado um retrocesso no plano de proteção dos direitos e

do combate à violência homofóbica, em que a mesma toma níveis

78

preocupantes sobre representação de violência física, em

alguns casos.

No que diz respeito ao âmbito nacional, em 2009 foi

criado na estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República a Coordenação-Geral de Promoção dos

Direitos de LGBT. Esta Coordenação foi criada após a

formulação da 1ª Conferência Nacional LGBT em 2008 e que teve

consequencia o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e

Direitos Humanos de LGBT em maio de 2009. Tendo como um de

seus objetivos, a garantia da promoção de direitos à

comunidade LGBT e combater qualquer tipo de discriminação

contra os mesmos. Agregado a este plano, foi criado o

Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos

Direitos de LGBT em 2010, um órgão integrante de estrutura da

Secretaria de Direitos Humanos, contando com representantes

do Poder Público Federal e representantes da sociedade civil

(Almeida, 2014).

Desde 2010, apesar de progressos legais terem sido

registrados, como, a decisão do Supremo Tribunal Federal

(STF) de legalizar uniões do mesmo sexo em 2011, o retrocesso

se mantém atenuante, como se viu no caso dos projetos

legislativos de proibição do aborto, a censura de materiais

educacionais relacionados à sexualidade e ao HIV, em 2013, a

entrada de um pastor evangélico bastante conservador como

presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da

Câmara dos Deputados (De La Dehesa, 2010).

79

Pedro Chequer (2014), que dirigiu o Programa Nacional

de HIV/AIDS na década de 1990 e início de 2000, analisou as

diretrizes das políticas sexuais no país como uma espécie

“era Bush” no Brasil, como um fato tardio que se repetiu nos

Estados Unidos. Chequer (2014) acredita que, a política

sexual vigente hoje, no Brasil, é representada por uma

‘subserviência’ ímpar do Governo Federal aos grupos

conservadores e consequentemente, conserva e aumenta, a

manutenção de mentalidade social heteronormativa e

preconceituosa. Em suas palavras:

"Tivemos campanhas suspensas, material educativo

proibido de ser utilizado no ambiente escolar ao lado

de uma agenda oficial quase silenciosa para evitar

irritar essas forças conservadoras organizadas. O país

perdeu a laicidade há algum tempo com a assinatura do

acordo com o Vaticano em 2009."

Violência contra LGBT

O Grupo Gay da Bahia (GGB) divulga anualmente um

Relatório de Assassinatos de Homossexuais no Brasil, de

acordo com as estatísticas apresentadas pelo Disque Denúncia

da Secretaria de Direitos Humanos da República do Brasil, que

era responsável por elaborar tal relatório. Porém, sua última

elaboração transparente à sociedade civil foi em 2012. No que

se refere a atualidade, em 2014 foram registrados 326 mortes

de gays, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo 9

80

suicídios. Um assassinato a cada 27 horas. Um aumento de 4,1

% em relação ao ano anterior que somava um total de 313

crimes (GGB, 2014). Conforme gráfico representado pelo Grupo:

Figura 2: (Quadro comparativo por ano de vítimas de violência homofóbica.

Por GGB, 2014)

O Brasil continua sendo um dos países com os maiores

índices de crimes motivados pela homofobia, segundo dados

apontados, 50% dos assassinatos de transexuais no ano de 2014

foram cometidos em território brasileiro. Dos 326 mortos, 163

eram gays, 134 travestis, 14 lésbicas, 3 bissexuais e 7

parceiros de travestis. Levando a reflexão que foram

assassinados 7 heterossexuais, por terem sido confundidos com

gays ou por estarem em contextos ou espaços reservados aos

LGBT (GGB, 2014).

Conforme gráfico abaixo, os estados onde a violência

homofóbica foram mais atenuantes, encontra-se São Paulo no

81

ranking com 50 assassinatos; e Minas Gerais com 30. porém em

termos parciais, Paraíba e Piauí e suas respectivas capitais,

são as regiões que mais oferecem riscos aos LGBT. De acordo

com o GGB (2014), por décadas, o Nordeste foi o espaço de

maior registro de crimes homofóbicos, mas pela primeira vez

em 2014, o Centro-Oeste surge como a região mais intolerante,

com 2,9 de homocídios para cada 1 milhão de habitantes,

seguido do Nordeste com 2,1, Norte 1,5 e Sudeste com 1,2

(GGB, 2014).

Figura 3: (Vítimas por Estado e por segmento LGBT. Por GGB, 2014)

82

Figura 4: (Vítimas de violência por segmento LGBT. Por GGB, 2014)

O Prof. Luiz Mott (2014) fundador do Grupo Gay da Bahia

e Coordenador desta pesquisa há mais de três décadas afirma

com propriedade que:

"99% destes homocídios contra LGBT têm como agravante

seja a homofobia individual, quando o assassino tem mal

resolvida sua própria sexualidade e quer lavar com o

sangue seu desejo reprimido; seja a homofobia cultural,

que pratica bullying contra lésbicas e gays, expulsando

as travestis para as margens da sociedade onde a

violência é endêmica; seja a homofobia institucional,

quando o Governo não garante a segurança dos espaços

frequentados pela comunidade lgbt ou como fez a

Presidente Dilma, ao vetar o kit anti-homofobia, que

deveria ter capacitado mais de 6 milhões de jovens no

respeito aos direitos humanos dos homossexuais e mais

recentemente, ao ter pressionado os senadores para que

83

não aprovassem o PLLC 122 que equiparava a homofobia ao

crime do racismo.”

Luiz Mott (2014) chega a conclusão que há quatro vias

emergenciais para se combater os crimes homofóbicos: a

educação sexual para instruir os jovens e a população em

geral o respeito sobre a diversidade sexual; consolidação de

leis afirmativas que asseguram a plena cidadania dos LGBT,

assim como, equiparar a homofobia e transfobia ao crime de

racismo; a sociedade deve exigir que a polícia e a Justiça

investiguem e punam com rigor os crimes de ódio contra as

minorias e principalmente, que os LGBT evitem situações de

que coloquem em risco sua integridade física, pois certeza da

impunidade alimentam a ação desses agressores.

3.3 - África do Sul e seus contrastes sociais

A África do Sul hoje é uma nação que conta com uma das

constituições mais progressistas do mundo. Sendo o primeiro

país a proibir constitucionalmente a discriminação em razão

de orientação sexual e o quinto de todo o mundo a reconhecer

e legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como

também, o primeiro do continente africano a garantir tais

direitos. Porém, sua realidade entra em contraste absoluto

com o cenário institucional, onde crimes e violência contra

as minorias permanecem configurando a realidade sul-africana.

Este cenário é gritante para a comunidade negra LGBT, que são

os que mais sofrem com essas violações. As diferenças

84

socioeconômicas são massacrantes e acompanham as vidas das

pessoas desde a era do Apartheid. Desta forma, tais

desigualdades levam ao isolamento social e exclusão do meio

cultura e consequentemente, impedem que a maioria tenha

garantia e acesso aos direitos legais e às liberdades que

foram proclamadas desde 1994, com o fim do regime repressor

(Sagarra, 2015).

Uma denúncia que reflete essa realidade é a alta

incidência de estupros das mulheres, pontualmente, os

estupros “corretivos” e assassinatos de lésbicas negras, além

do fato de que o Estado e a sociedade civil sul-africana não

se empenham para investigar e punir os culpados. Sagarra

(2015) também apontou que as comunidades LGBT e suas agendas

políticas estão presas na hierarquia dos velhos paradigmas de

desigualdades sociais, onde cita o exemplo da parada do

orgulho gay, que conta com maioria branca e intelectualmente

mais instruída.

A nação sul-africana continua como uma referência

importante no que diz respeito à conquista por direitos

sexuais, porém, exerce um papel incoerente ao que se viu nas

décadas anteriores, na promoção internacional dos direitos

humanos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Foi

veementemente contrária a aprovação de leis anti-LGBT na

Uganda, Nigéria e Gâmbia. Porém, na sessão do Conselho de

Direitos Humanos das Nações Unidas de junho de 2014, o país

adotou uma posição contrária às suas ideologia quando apoiou

85

uma resolução chamada de "Proteção da Família", colocando em

debate seu velho compromisso com a igualdade dos direitos

sexuais. Se já não bastasse sua posição retrógada frente a

esta resolução, a África do Sul apoiou um violento movimento

da Rússia para encerrar o debate sobre uma definição mais

justa de "família" (Corrêa, 2014).

No âmbito doméstico, a fim de amenizar a violência

generalizada, o país adotou algumas medidas punitivas mais

eficazes e de prevenção ao crimes contra as minorias. Em

abril de 2014, o Departamento de Justiça e Desenvolvimento

Constitucional iniciou uma campanha pública que acoplou uma

estratégia militar e de intervenção nacional para conter a

violência anti-LGBT e assegurar respostas institucionais para

as violações e crimes de ódio contra a comunidade LGBT sul-

africana (Corrêa, 2014).

A maior dificuldade enfrentada pela nação sul-africana

com relação à homofobia de uma forma geral é o grande

incidente nos números de “estupros corretivos” é certamente a

mentalidade cultural, uma herança moralista do apartheid e da

colonização calvinista, pode-se dizer que a cultura tribal

também alimenta este sentimento, pois condena qualquer que

seja a concepção diferente da cultura “africana” de família,

como também, a visão do estupro, como algo aceitável e

cultural, que “corrige” as mulheres (Middleton, 2014).

Sagarra (2015) defende que mudança de concepções nunca

é simples e é o principal desafio da África do Sul hoje,

86

ainda que tenha se passado vinte anos após a diversidade

sexual ser reconhecida ao nível constitucional, como um

direito fundamental à liberdade humana. Apesar dos esforços

conjuntos dos ativistas e do Estado em construir um Estado

livre de qualquer preconceito, status que foi conquistado

arduamente após a democratização do país, de nada talvez

tenha mudado ou sido feito para a maioria da população negra,

que vive acompanhada do medo e com a falta de segurança que o

governo deixou pairar como sensação (Sagarra, 2015).

87

Conclusão final

A importância de analisar África do Sul e Brasil no que

diz respeito à luta pelos direitos sexuais é evidenciar a

árdua batalha ativista que ambos os países sofreram para

obter constituições libertárias e em contextos históricos

relativamente parecidos. Por um lado, África do Sul emergia

como uma democracia após o fim do regime de segregação racial

do Apartheid; sendo o primeiro país a dar espaço e voz aos

movimentos LGBTs, justamente com o intuito de se consolidar

como uma constituição livre de qualquer tipo de preconceito

devido às suas cicatrizes do passado. Sendo, portanto, o

primeiro do mundo (2006) a defender a descriminalização por

orientação sexual. Por outro, Brasil, que inicia seu ativismo

durante o regime repressor da Ditadura Militar e

posteriormente, cede às pressões externas (principalmente dos

países europeus) a reconhecer e legalizar a união entre

pessoas do mesmo sexo (2011) e garantir todos os direitos

previstos por lei a esses casais.

Esse artigo visa contrastas a diferença entre

comportamentos sociais que não caminham nas mesmas vias que

as leis progressistas de seus países. Evidenciar que o

88

preconceito não diminuiu com a discriminalização da relação

homoafitiva, mas sim, se perpetua e se agrava à medida que

cresce o conservadorismo cultural e religioso manifestados

através de discursos de ódio, perseguições, violações dos

direitos relativos à conjugalidade e violências físicas e

verbais.

Apesar de serem Estados laicos (o poder do Estado é

oficialmente imparcial em relação às questões religiosas),

África do Sul e Brasil sofrem fortemente influências do

cristianismo em suas sociedades. Isto significa, que a

imparcialidade e o discurso de que todos são iguais perante a

lei é completamente violado a partir do momento em que um

grupo se comporta de maneira superior ao outro, ao ponto de

torna-lo invisível e excluido socialmente por sua conduta

incompatível com os princípios religiosos e conservadores que

regem e alimentam o patriarcado cultural.

Ainda que o reconhecimento legal da união homoafetiva

tenha garantido aos casais todos os direitos igualmente

assegurados à uma união heterossexual nos dois países, a

identidade e a orientação sexual continuaram a ser evocadas

como direitos reconhecidos, porém, não aceitos socialmente. O

grande desafio nos dois países de pesquisa é a mentalidade

patriarcal que ambas as sociedades possuem, que, além de

perpetrar o preconceito e a discriminação, não reconhecem em

cunho religioso e social a união homoafetiva, agravando os

índices de violências e crimes de ódio contra os LGBTs.

89

É interessante notar que argumentos de cunho

religioso/cristão são recorrentes nos debates acerca do

reconhecimento legal das uniões entre pessoas do mesmo sexo,

em países tão distintos como Brasil e África do Sul. O

intervencionismo evangélico é hoje objeto de crítica no mundo

inteiro, inclusive no Brasil. Contudo, a mesma cautela e

visão crítica não tem sido desenvolvidas em relação às

intervenções de direitos humanos mobilizadas por grupos LGTBs

e feministas também pautados em lógicas salvacionistas e na

imposição de "categorias" e discuros políticos não

compartilhados e muito menos negociados com aqueles

diretamente afetados pelas violações (Epprecht, 2012).

A elucidação de novas ideias acerca de direitos sexuais

revisitam e enriquecem críticas clássicas das visões

convencionais sobre cultura, nação e comunidade no centro da

política sexual. No Brasil, se vê um crescente número de

evangélicos na bancada parlamentar, o que tem dificultado

veementente o diálogo entre Estado e LGBTs, tornando cada vez

mais árduo o direito democrático à sexualidade. Mas também

por motivos de ordem política: os discursose diretrizes de

direitos humanos, inclusive em relação a gênero e

sexualidade, estão cada vez mais entrelaçados aos interesses

dos Estados e de lógicas geopolíticas (Corrêa, 2014).

Esses retrocessos frente à diversidade sexual não

deveriam efranquecer a luta, que trazem em suas realidades os

problemas que decorrem da configuração da presença cada vez

90

mais atenuante dos Estados e do conservadorismo nas políticas

de gênero, sexualidade e "raça". Há de ser enxergar que o

contexto atual assiste a volta de antigas e novas lógicas

soberanistas e heteronormativas. É por este motivo, que mais

do que nunca, talvez, tenha sido tão importante para a

sociedade civil persistir na luta para dar continuidade ao

trabalho árduo de desenvolvimento dos direitos à livre

sexualidade que foi severamente conquistado e não deve de

maneira alguma sofrer repressão em seu exercício (Corrêa,

2014).

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