As Macroalgas e a Biotecnologia – Companheiros Inseparáveis

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Leonel Pereira (2009) monografias.com As Macroalgas e a Biotecnologia Companheiros Inseparáveis 1 As Macroalgas e a Biotecnologia Companheiros Inseparáveis Leonel Pereira Department of Life Sciences IMAR-CMA University of Coimbra Coimbra - Portugal e-mail [email protected] Web www.uc.pt/seaweeds Introdução Hoje as algas marinhas são usadas em muitos países para fins diversos: directamente na alimentação, extracção de ficocolóides (entre os quais, as carragenanas), na extracção de compostos com acção antivírica, antibacteriana ou antitumoral e como biofertilizantes. No entanto, é necessário potenciar os escassos recursos tecnológicos e financeiros e, sobretudo, coordenar os esforços, quer em áreas ligadas à utilização das algas, quer da investigação fundamental. Tal como Bernard Kloareg (Director de pesquisa da estação biológica do CNRS em Roscoff, França) afirmou “podemos continuar a descobrir novos usos para as algas mas, na realidade, as pesquisas fundamentais são necessárias se pretendermos aproveitar plenamente as suas propriedades”. O objectivo a seguir será o de aplicar às macroalgas todas as abordagens da genética e biologia molecular utilizadas com os vegetais superiores. “Para conhecer melhor as enzimas que actuam na formação de certos produtos úteis (em especial os famosos polissacarídeos) é preciso descobrir a estrutura das paredes celulares, onde se forma o essencial dessas substâncias e, também, a estrutura dos seus genomas”. Então o homem poderá manipular à vontade os genes e as enzimas das algas a fim de melhorar a qualidade e a quantidade das suas aplicações. Cerca de quatro milhões de toneladas de algas são colhidos anualmente em todo o mundo. Os principais produtores são os chineses e os japoneses, seguidos pelos americanos e noruegueses. A França, que na década de 70 importava algas japonesas, dez anos depois passou a produzir algas para a indústria alimentar e para os adeptos de produtos biológicos. Ao contrário do que acontece na Ásia oriental, o ocidente interessa-se mais pelas propriedades gelificantes e espessantes das algas. Assim, a França é o segundo produtor mundial de carragenanas e quinto de alginatos (E407 e E400). No entender dos mais fervorosos partidários das “plantas” aquáticas, todo o nosso quotidiano deveria mergulhar nas algas marinhas, não apenas em benefício da pele mas, tal como acontecia na Bretanha, durante a Idade Média, na preparação de verdadeiros festins para qualquer “Neptuno vegetariano”. Longe de ser insípida ou muito iodada, as algas marinhas acentuam o sabor das substâncias que acompanham: é o que os especialistas chamam de um eficiente potenciador do sabor. Mais do que a sua natureza vegetal, as algas constituem, devido à conjunção da sua variedade de cores (e formas) e do azul do oceano, um formidável argumento de venda, tanto para os produtos alimentares, como para os cosméticos, sobretudo depois de certas substâncias de origem animal se terem tornado suspeitas de transmitir vírus como os do ‘prurigo lombar’ dos carneiros e da ‘encefalopatia bovina’, tal como Patrick Durand (Investigador do Departamento de Valorização do IFREMER, França) refere. Segundo os ficologistas, as algas são uma rica mina de saúde oligoelementos e

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As Macroalgas e a Biotecnologia – Companheiros Inseparáveis

Leonel Pereira

Department of Life Sciences

IMAR-CMA

University of Coimbra

Coimbra - Portugal

e-mail [email protected]

Web www.uc.pt/seaweeds

Introdução

Hoje as algas marinhas são usadas em muitos países para fins diversos:

directamente na alimentação, extracção de ficocolóides (entre os quais, as

carragenanas), na extracção de compostos com acção antivírica, antibacteriana ou

antitumoral e como biofertilizantes. No entanto, é necessário potenciar os escassos

recursos tecnológicos e financeiros e, sobretudo, coordenar os esforços, quer em áreas

ligadas à utilização das algas, quer da investigação fundamental. Tal como Bernard

Kloareg (Director de pesquisa da estação biológica do CNRS em Roscoff, França)

afirmou “podemos continuar a descobrir novos usos para as algas mas, na realidade, as

pesquisas fundamentais são necessárias se pretendermos aproveitar plenamente as suas

propriedades”. O objectivo a seguir será o de aplicar às macroalgas todas as abordagens

da genética e biologia molecular utilizadas com os vegetais superiores. “Para conhecer

melhor as enzimas que actuam na formação de certos produtos úteis (em especial os

famosos polissacarídeos) é preciso descobrir a estrutura das paredes celulares, onde se

forma o essencial dessas substâncias e, também, a estrutura dos seus genomas”. Então o

homem poderá manipular à vontade os genes e as enzimas das algas a fim de melhorar a

qualidade e a quantidade das suas aplicações.

Cerca de quatro milhões de toneladas de algas são colhidos anualmente em todo

o mundo. Os principais produtores são os chineses e os japoneses, seguidos pelos

americanos e noruegueses. A França, que na década de 70 importava algas japonesas,

dez anos depois passou a produzir algas para a indústria alimentar e para os adeptos de

produtos biológicos. Ao contrário do que acontece na Ásia oriental, o ocidente

interessa-se mais pelas propriedades gelificantes e espessantes das algas. Assim, a

França é o segundo produtor mundial de carragenanas e quinto de alginatos (E407 e

E400).

No entender dos mais fervorosos partidários das “plantas” aquáticas, todo o

nosso quotidiano deveria mergulhar nas algas marinhas, não apenas em benefício da

pele mas, tal como acontecia na Bretanha, durante a Idade Média, na preparação de

verdadeiros festins para qualquer “Neptuno vegetariano”. Longe de ser insípida ou

muito iodada, as algas marinhas acentuam o sabor das substâncias que acompanham: é

o que os especialistas chamam de um eficiente potenciador do sabor.

Mais do que a sua natureza vegetal, as algas constituem, devido à conjunção da

sua variedade de cores (e formas) e do azul do oceano, um formidável argumento de

venda, tanto para os produtos alimentares, como para os cosméticos, sobretudo depois

de certas substâncias de origem animal se terem tornado suspeitas de transmitir vírus

como os do ‘prurigo lombar’ dos carneiros e da ‘encefalopatia bovina’, tal como Patrick

Durand (Investigador do Departamento de Valorização do IFREMER, França) refere.

Segundo os ficologistas, as algas são uma rica mina de saúde – oligoelementos e

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vitaminas – oferecendo também uma estonteante variedade de sabores, perfumes e

texturas.

Nos E.U.A., sempre à frente nas práticas higienistas, o “McDonald’s” lançou os

“McLean”, um hambúrguer de baixas calorias, à base de Eucheuma, uma

Rhodophyceae cultivada em grande escala nas Filipinas. De facto, as macroalgas para

além de constituírem um tesouro de minerais e vitaminas, são pobres em lípidos,

característica essencial para o “negociante” de regimes de emagrecimento. E mais, são

ricas em fibras alimentares, o que pode facilitar o trânsito intestinal, baixar a taxa de

colesterol no sangue e reduzir certas afecções como o cancro do cólon (García et al.,

1993).

As potencialidades alimentares das macroalgas são enormes. À mesa, os

franceses consomem-nas em quantidade mil vezes menor que os japoneses. E embora

em plena expansão (o mercado totalizou em 1992 cerca de 210 milhões de Euros), a sua

viabilidade económica ainda não foi comprovada. As macroalgas não estão a salvo de

uma reviravolta de opinião; basta que as marés verdes ou vermelhas venham a aumentar

ou que as algas tóxicas comecem a proliferar nos locais de ostreicultura e a bela imagem

de pureza dessas “plantas” aquáticas poderá muito bem “desbotar”. Uma possibilidade

que sem dúvida justifica a cautelosa política de contemporização adoptada pelas

grandes companhias agroalimentares.

Biotecnologia e Algas Marinhas

Os maiores avanços na moderna biotecnologia não teriam sido possíveis sem a

utilização dos polissacarídeos extraídos das macroalgas marinhas (agarose, agar,

carragenanas).

Para a separação e fragmentação dos genes é indispensável a electroforese, não

só à base de agarose mas também com recurso aos seus derivados hidroxietílicos com

baixas temperaturas de gelificação/fusão. A agarose também é indispensável na cultura

de protoplastos e na regeneração celular. A insulina recombinante, o activador

plasmogénico tecidular, o Factor VIII, os interferões, etc., todos eles foram

desenvolvidas usando, pelo menos numa etapa do seu desenvolvimento, os géis de

agarose. É questionável se as recentes descobertas nas áreas de investigação médica, em

particular na investigação do cancro (na descoberta e na compreensão dos oncogenes) e

da SIDA, teriam sido possíveis sem a agarose e/ou os seus derivados (Renn, 1990).

O agar continua a ser o meio ideal para a cultura e selecção de hospedeiros

microbiológicos na engenharia genética, assim como na cultura de tecidos in vitro. A

bioconversão mais eficaz é resultado da tecnologia de encapsulação com base em sais

insolúveis de ácido algínico e de carragenana.

O termo ‘biotecnologia’ tem significados diferentes consoante o autor – desde o

“modificar e cultivar sistemas vivos de forma a fornecerem produtos úteis”, até aos

“clones humanos”, tudo pode ser considerado ‘biotecnologia’. Como definição geral, a

biotecnologia é “a manipulação e/ou utilização de parte ou de todo um sistema

biológico específico com o fim de fornecer um determinado produto”.

A biotecnologia não é uma ciência em si mesma, mas tão-somente o conjunto de

instrumentos e técnicas que podem ser usados na resolução de problemas, criar produtos

e/ou processos. Esses instrumentos incluem a engenharia genética, a tecnologia de

recombinação de ADN, a cultura de tecidos, as enzimas, as fermentações, os

bioreactores imobilizados, a bioquímica e a imunologia. A biotecnologia não é nada de

novo, pois já se utiliza desde há milhares de anos nos processos de fermentação (na

fabricação da cerveja e do pão, entre outros) e na produção de vinho. De facto, a

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biotecnologia nasceu quando o homem primitivo tentou, pela primeira vez, entender os

processos da vida. As recentes descobertas catapultaram a biotecnologia para uma

posição proeminente no panorama científico actual (Renn, 1990).

Extracção e Caracterização das Carregenanas

As carragenanas são substâncias mucilaginosas presentes na parede das algas

vermelhas pertencentes à ordem das Gigartinales. As galactanas (isto é, polímeros de

galactose) diferenciam-se do agar pelo seu carácter francamente iónico, consequência

do elevado teor em radicais OSO-3. As galactanas diferem também dos alginatos, pois

estes últimos devem o seu carácter iónico aos grupos carboxílicos COO-.

A denominação “carragenana” provém da palavra “carraigeen” que significa

“alga” em gálico, ou do nome “carraghen”, distrito irlandês onde, desde há cinco

séculos se colhe a alga vermelha Chondrus crispus (devido à sua característica

particular que lhe permite coagular o leite).

Na França, país com grande tradição na colheita de algas, o C. crispus é

denominado por “lichen blanchi” (líquene branco) no norte da Bretanha, “picot”

(esgalho) no sul e “goemon blanc” na Vendée. Numa das receitas tradicionais francesas,

uma mistura de leite com C. crispus é aquecida, durante cinco minutos, até os 80 ºC; ao

arrefecer, o leite gelifica e dá origem a um flan chamado “blanc mange” (Gayral &

Cosson, 1986; Perez et al., 1992).

Na língua portuguesa o Chondrus crispus é conhecido por botelha, cuspelho,

musgo e limo-folha (Oliveira, 1995). Noutras partes do mundo é conhecida sob

diferentes nomes: “pearl moss”, “irish moss”, “lichen curly moss”, “jelly moss” e

“lichen” (Ribier & Godineau, 1984; Gayral & Cosson, 1986).

A extracção industrial das carragenanas iniciou-se em 1930, em Nova-Inglaterra,

a partir de talos de Chondrus crispus e Mastocarpus stellatus, para a preparação de leite

achocolatado. A interrupção das importações de agar durante a II Guerra Mundial, levou

à sua substituição pela carragenana; esta situação constituiu o ponto de partida duma

indústria florescente (Ribier & Godineau, 1984).

O produto extraído no seu estado puro é denominado “carragenina”, mas é

extremamente instável e difícil de obter; consequentemente, a carragenina liga-se a um

ou mais catiões, para constituir diversos sais de carragenina: as “carragenanas”. Por

recomendação do “comité sobre a nomenclatura da divisão ‘química orgânica’ ” (ACS),

deve ser usada a terminação “ana” em vez da terminação “ato”, pois esta última diz

respeito a sais cristalizáveis; ora, os sais de carragenina nunca cristalizam (Perez et al.,

1992).

Estrutura Química das Carragenanas

Aspecto: As carragenanas, em estado puro seco, apresentam-se sob a forma de um pó,

inodoro e sem sabor. A solução e o gel de carragenana apresentam-se, normalmente,

translúcidos e a sua incorporação noutras soluções não modifica nem o gosto nem a

coloração original destas. Em solução, os polímeros de carragenana comportam-se

como colóides hidrófilos aniónicos (Ribier & Godineau, 1984; Craigie, 1990).

Formulação Química de Base: As cadeias moleculares destes polissacarídeos

apresentam duas características fundamentais: são constituídas a partir dum monómero

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(a galactose) e contêm uma forte proporção de radicais OSO-3 (24 a 26%), aos quais se

deve a carga negativa apresentada pelo composto.

A galactose (a), em solução aquosa, fixa uma molécula de água ao carbono 1, o

que conduz a uma estrutura (b) instável, que se autociclisa em forma de piranose, para

formar uma ponte de oxigénio entre o carbono 1 e o carbono 5 (c). A ciclisação pode-se

efectuar de três maneiras distintas: sob a forma de -D-galactopiranose (d), ou sob a

forma de -D-galacto-piranose (e), ou então, sob a forma de 3,6 anidro--D-

galactopiranose (f), por intermédio da criação duma ponte de oxigénio entre C3 e C6 da

-D-galactopiranose (Fig. 1).

Figura 1 – Carragenanas - formulação química de base: a) galactose desidratada; b) a galactose liga-se a

uma molécula de água em C1; C) ciclisação da molécula (formação de uma ponte entre o oxigénio, C1 e

C5); d) -D-galactopiranose; e) -D-galacto-piranose; f) 3,6 anidro--D-galactopiranose (Segundo Perez et al., 1992).

As duas unidades -D-galactopiranose--D-galactopiranose (ou -D-

galactopiranose-3,6 anidro--D-galactopiranose) ligam-se por intermédio duma ponte

de oxigénio, entre o carbono 1 da -D-galactopiranose e o carbono 4 da -D-

galactopiranose, sob a forma duma ligação do tipo (ou da 3,6 anidrogalactopiranose),

com a libertação duma molécula de água. O conjunto -D-galactopiranose--D-

galactopiranose (ou -D-galactopira-nose-3,6 anidro--D-galactopiranose) constitui um

“dímero” ou uma “sequência”. A cadeia de carragenana é formada pela sucessão de

sequências deste tipo. Uma sequência está ligada à seguinte por uma ponte de oxigénio,

entre o C1 duma e o C3 da seguinte, com a libertação duma molécula de água (Fig. 2),

segundo uma ligação do tipo (McCandless, 1981; Perez et al., 1992).

Num trabalho realizado em 1954, Smith & Cook constataram que, ao juntar-se

cloreto de potássio a uma solução de carragenana, havia a separação de duas fases: uma

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solúvel (lambda carragenana) e outra insolúvel (kappa carragenana). A solução de

kappa carragenana ( carragenana) conduz, após aquecimento, à formação dum gel,

enquanto a solução de lambda carragenana ( carragenana) não permite nunca a

formação dum gel aquoso.

Figura 2 – Formação de uma cadeia de carragenana (Segundo Perez et al., 1992).

Lambda Carragenana: a hidrólise ácida da carragenana revela a sua constituição

química: esta carragenana é constituída por -D-galactopiranose, sulfatada em C2 e por

-D-galactopiranose, sulfatada em C2 e em C6, o que conduz à formulação do dímero

seguinte:

-D-galactopiranose-2-sulfato-O--D-galactopiranose-2,6-sulfato

Numa representação no espaço, em razão do ângulo de valência do carbono,

cada monómero toma uma disposição espacial dita “em cadeira”.

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A presença de três substituições ésteres sulfúrica (-O-SO3-), responsáveis pela

forte electronegatividade dos dímeros, provoca a repulsão das cadeias umas em relação

às outras. Por outro lado, a disposição no espaço em forma de “zig-zag” não permite a

formação duma estrutura em hélice. As cadeias de carragenana permanecem dispersas

na água, qualquer que seja o catião que entre na sua constituição. Esta é a razão porque

a carragenana não forma nunca um gel em solução aquosa, mas eleva, em

contrapartida, a sua viscosidade. Esta carragenana é solúvel a frio ou a baixas

temperaturas (15 - 20º C) (McCandless, 1981; Perez et al., 1992).

Kappa Carragenana: A hidrólise da carragenana revela a presença de -D-

galactopiranose-4-sulfato e de 3,6 anidro--D-galactopiranose:

-D-galactopiranose-4-sulfato-O-3,6 anidro--D-galactopiranose

Cada monómero apresenta, no espaço, uma disposição “em cadeira” e, a

sequência, apresenta uma estrutura em hélice.

A presença da ponte de oxigénio (CH2-O-C) entre o carbono 3 e o carbono 6 da

3,6 anidro--D-galactopiranose constitui uma formação hidrófoba. Esta tendência é

compensada pela presença do radical OSO3- da -D-galactopiranose. A cadeia de

carragenana dispõe-se, no espaço, numa sucessão de hélices. Cada cadeia aproxima-se

da vizinha para proteger os grupos hidrófobos das moléculas de água. Em consequência,

a carragenana, em certas condições, gelifica a solução onde se encontra (McCandless,

1981; Perez et al., 1992).

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Outras Carragenanas Obtidas por Extracção Alcalina

A carragenana iota () é vizinha da carragenana kappa (), mas possui um éster

sulfúrico suplementar substituído, situado ao nível do carbono 2 da 3,6 anidro--D-

galactopiranose. A presença de dois ésteres sulfatados reduz o carácter hidrófobo da

carragenana: o gel produzido por esta carragenana é mais brando e não tem sinérese.

A beta carragenana beta (), extraída da Betaphycus gelatinum (anteriormente

denominada Eucheuma gelatinae), difere da carragenana devido à ausência do radical

éster sulfúrico OSO3- no carbono 4 da -D-galactopiranose. Esta ausência acentua o

carácter hidrófobo da molécula, no que se traduz na produção de um gel mais duro do

que o induzido pela carragenana e com uma sinérese mais pronunciada.

A estrutura espacial destas duas carragenanas é idêntica à da carragenana

(cadeias em hélice). No processo de gelificação, as cadeias estão mais próximas na

carragenana do que na carragenana e mais alongadas na carragenana (McCandless,

1981; Perez et al., 1992).

Carragenanas intratecidulares

O estudo das carragenófitas por espectroscopia RMN, as modificações químicas

por acção do periodato e as análises por espectroscopia de infravermelhos, revelaram a

existência, nas algas, de outros tipos de carragenana cuja fórmula química é parente do:

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- Tipo kappa: carragenana mu;

- Tipo iota: carragenana nu;

- Tipo beta: carragenana gamma.

Estas carragenanas diferem das primeiras, pois o segundo elemento da sequência

que, nas carragenanas do tipo kappa, iota e beta, é o 3,6 anidro--D-galactopiranose,

encontra-se entre a -D-galactopiranose-6-sulfato. Os tipos mu, nu e gamma

carragenanas são os percursores metabólicos dos, respectivamente, tipos kappa, iota e

beta. A transformação dá-se pelo desaparecimento do grupo éster sulfato do C6 e pela

formação duma ponte de oxigénio entre o C3 e o C6. Esta “mutação” é provocada, no

interior da célula, pela acção da enzima “dekinkase” ou, exteriormente, pela extracção

alcalina. Devido a este facto não é possível encontrar as mu, nu e gamma carragenanas

em soluções provenientes duma extracção alcalina.

Foi possível identificar um outro tipo de carragenana: o tipo xi ( carragenana).

Esta carragenana resulta, sem dúvida, da evolução metabólica da carragenana e

encontra-se tanto na célula como nas soluções resultantes da extracção alcalina,

representando, no entanto, uma percentagem muito reduzida.

Nalgumas espécies do género Gigartina a carragenana extraída difere da

carragenana típica devido à presença dum radical piruvato em vez do sulfato do

primeiro monómero da sequência; alguns autores designaram esta carragenana por “pi

carragenana” ( carragenana).

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A natureza de cada carragenana pode ser determinada pelo estudo em

espectroscopia de infravermelhos (Fig. 3 e Tabela 1), de Raman (Fig. 4 e Tabela 2) e

RMN (Fig. 5).

(a)

(b)

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(c)

Figura 3 - Espectros característicos da kappa (a), iota (b) e lambda (c) carragenana.

(Segundo Genu Ltd., 1985).

Tabela 1 – Grupos funcionais característicos de cada carragenana e as respectivas absorvâncias

(Espectroscopia de Infravermelho) (Adaptado de McCandless et al. 1983 e Genu, 1985).

Comprimento

de

onda (cm -1

)

Grupo

Funcional

Absorvância

kappa

iota

lambda

1210 - 1260 Éster Sulfato muito elevada muito elevada muito elevada

1010 - 1080 Ligação

Glicosídica

muito elevada muito elevada muito elevada

928 - 933 3,6-anidro-D-

galactose

elevada elevada nula ou

reduzida

840 - 850 D-galactose-4-

sulfato

média média nula

820 - 830 D-galactose-2-

sulfato

nula nula média

810 - 820 D-galactose-6-

sulfato

nula nula média

800 - 805 3,6-anidro-D-

galactose-2-

sulfato

nula ou

reduzida

média nula

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IR

Raman

600 1400 Wavenumber / cm

-1

1081

1258

852

805

931

Figura 4 – Espectros de IR e Raman da lambda carragenana (a) e de uma mistura de iota e kappa

carragenana (b).

b

925

IR

Raman

600 1400 Wavenumber / cm

-1

850

1075

1268

815

a

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Tabela 2 – Grupos funcionais característicos de cada carragenana e as respectivas intensidades

(Espectroscopia de Raman).

Comprimento

de onda (cm -1

)

Grupo

Funcional

Intensidade de Raman

Kappa Iota Lambda

1250 - 1268 Ester sulfato elevada elevada elevada

1075 - 1081 Ligação

Glicosídica

muito

elevada

muito

elevada

muito

elevada

920 - 930 3,6 anidro-D-

galactose

reduzida -

média

reduzida -

média

nula

845 - 852 D-galactose-4-

sulfato

muito

elevada

muito

elevada

nula - reduzida

830 - 840 D-galactose-2-

sulfato

nula nula reduzida -

média

810 - 815 D-galactose-6-

sulfato

nula nula média

800 - 805 3,6 anhydro-D-

galactose-2-

sulfato

nula média nula

O Papel das Carragenanas na Alga

As carragenanas são os constituintes principais da parede esquelética e da

matéria intercelular das macroalgas da ordem Gigartinales. O teor e a qualidade deste

ficocolóide variam de acordo com a estação do ano, a espécie, o meio e a idade da

planta (Figs. 6 e 7). Na Bretanha (França), as plantas infralitorais de Chondrus crispus

contêm mais carragenanas do que os talos médiolitorais. Existe para esta espécie uma

variação significativa da quantidade total entre o Inverno e o Verão: a alga produz mais

Figura 5 – Espectro RMN de uma mistura de iota e kappa carragenana (Segundo Pereira & Mesquita,

2000).

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ficocolóides durante o Inverno. Paradoxalmente, a recolha desta alga é feita, sobretudo,

entre Maio e Setembro. Para as outras espécies, a variação quantitativa, de acordo com a

estação do ano, é pouco acentuada.

Durante o período de crescimento da alga, a cadeia molecular permanece

relativamente pouco polimerizada; neste período a carragenana produzida é de

qualidade média. A sua qualidade aumenta no período de Inverno, quando o

crescimento dos talos é reduzido ou nulo.

Figura 6 - Evolução do teor em carragenanas no decurso do ano (C. crispus): a - talos femininos; b - esporófitos; c - talos não frutificados; d - no conjunto da população. (Segundo Kopp & Perez, 1979).

Para a mesma planta, a carragenana obtida a partir das partes jovens (ramos

terminais), submetidas a um grande crescimento, apresenta-se com menor qualidade do

que a contida nas outras porções mais velhas (na base da planta). A organização da

colheita das Eucheuma na Ásia toma em conta esta particularidade.

Qual é o papel das carragenanas no interior da alga? Constituem uma reserva de

glícidos? São elementos de suporte que só se polimerizam no fim do alongamento

celular? São permutadoras de iões? São reguladoras do cálcio ou do potássio? São

percursores metabólico? Percival (1968) afirma que as carragenanas mantêm a “força

flexível” da planta. Para Fuller (1972), se a hipótese anterior tivesse correcta, deveria

constatar-se um teor em carragenanas maior nas plantas das zonas expostas à ondulação.

Ora, não é esse o caso, pois a taxa de polímeros é mais elevado nas zonas calmas do que

nas zonas expostas. Sugeriu-se, igualmente, que as propriedades hidroscópicas das

carragenanas permitiriam, ao Chondrus crispus e às outras carragenófitas, resistir à

dessecação, aquando da sua emersão na baixa-mar. Neste caso, o teor de polissacarídeos

deveria variar inversamente à profundidade das algas. Na realidade passa-se o contrário:

as populações litorais têm um teor em carragenana inferior ao das populações

sublitorais.

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Figura 7 – Evolução do teor em carragenanas kappa e lambda nos gametófitos femininos e nos

esporófitos de C. crispus. As plantas designadas como “neutras” ou “não frutificadas” são plantas que

nunca foram observadas frutificadas, que correspondem sobretudo a gametófitos masculinos. (Segundo

Perez et al., 1992).

Admite-se, hoje em dia, após os trabalhos de Christiaen (1986) sobre o agar de

Gracialria gracilis (anteriormente denominada G. verrucosa), que todos os ficocolóides

têm um papel fundamental no metabolismo da célula algal, na regulação das relações,

mais ou menos abertas, com meio exterior. A síntese das carragenanas foi estudada por

MacCandless & Richter (1971) por intermédio (da técnica) do carbono 14, introduzido

no meio nutritivo sob a forma de NaH14

CO3. A sua incorporação é muito mais rápida na

lambda carragenana do que na kappa carragenana. Com 24 H de intervalo, a

radioactividade da carragenana lambda é dez vezes maior do que a da kappa

carragenana; é possível concluir então, pela análise dos resultados obtidos, que estas

duas carragenanas têm vias de síntese distintas (Craigie, 1990).

Extracção das Carragenanas

Extracção laboratorial (extracção alcalina)

As amostras de algas são lavadas em água doce destilada, para as libertar do sal

e de outros detritos, sendo em seguida secas numa estufa a 60 ºC durante um período

mínimo de 24 horas. Para a extracção são necessárias 2x1 g de alga (peso seco). O

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material algal (1 g) é depois colocado num copo (200 mL), juntamente com 150 mL de

água destilada, durante 12 horas a 4 ºC. As algas são depois submetidas a uma mistura

de metanol com acetona (75 mL de metanol e 75 mL de acetona), durante 12 horas à

temperatura ambiente, para as libertar da fracção organosolúvel. A extracção

propriamente dita é feita numa solução de NaOH (1M), em banho-maria, (80 ºC)

durante 3 horas. A mistura é filtrada através de um funil com poros largos, provido de

um filtro de tecido branco, para um frasco, sob sucção pelo vácuo. Filtra-se tudo

novamente através de um filtro de papel Watman e um funil de sílica, para o interior de

um frasco, sob sucção pelo vácuo.

A mistura é recuperada para o interior do balão de um evaporador rotativo (100

ºC, no vácuo), no qual se procede à evaporação de 50 mL de água. As carragenanas

precipitam sob a forma duma teia de fibrosa branca pela adição de 200 mL de álcool

etílico absoluto (etanol 100%). Com o auxílio de uma vareta de vidro retiram-se as

carragenanas para o interior de um copo limpo e espremem-se, de forma escorrer o

líquido embebido; juntam-se 100 mL de álcool etílico absoluto (12/24 horas).

Finalmente retira-se o álcool e colocam-se as carragenanas numa estufa a 50/60 ºC

durante 24 horas, para esta secarem (Pereira & Mesquita, 2004).

Extracção industrial

A extracção das carragenanas é feita, sobretudo, a partir de algas secas. Antes de

se iniciar a operação de extracção propriamente dita é necessário determinar as

características do material algal: a taxa de humidade, o teor em areia, os sais presentes,

as algas epífitas, o teor em carragenana e a qualidade do extracto. Estes elementos

permitem ajustar os processos de extracção.

Extracção clássica: A primeira etapa consiste na depuração da matéria-prima. As algas

(sobretudo as algas secas já há algum tempo) são mergulhadas e agitadas de forma a se

desembaraçarem da areia, das conchas, dos peixes mortos e de outros detritos. Durante

esta operação poderá haver a dissolução duma pequena parte das carragenanas, que se

perderá com as lavagens. É possível evitar este inconveniente administrando às algas

uma solução de cloreto de cálcio, que torna as carragenanas insolúveis. Após a primeira

lavagem, procede-se à descoloração pela adição de hipoclorito de sódio, que será

eliminado por um ligeiro excedente de hidrogenosulfito de sódio (Genu, 1985; Perez et

al., 1992).

Extracção da solução de carragenanas: As algas são em seguida mergulhadas numa

solução alcalina de C2(OH)2 ou de NaOH a 0,1 N, à razão de 100 L por Kg; a matéria

vegetal desagrega-se progressivamente sob a pressão de um martelo pilão.

Junta-se, habitualmente, uma pequena quantidade de fosfato solúvel (cerca de 1

kg para cada 10.000 l), afim de aumentar o rendimento final em carragenanas. O

tratamento alcalino tem por objectivo “inchar” e amolecer as algas, para que se

desagreguem com maior facilidade. Para além disso, o tratamento alcalino visa a

transformação dos monómeros de -D-galactopiranose-6-sulfato em unidades

hidrófobas de 3,6 anidro--D-galactopiranose, que eleva a força do gel e a reactividade

das carragenanas.

A carragenana lambda dissolve-se a baixas temperaturas (15 a 20º C), enquanto

a carragenana kappa e a iota só se dissolvem a temperaturas mais elevadas (60 a 95 ºC).

A temperatura superior poderá haver a dissolução doutros polissacarídeos, tal como o

amido florídeo (Genu, 1985; Perez et al., 1992).

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Isolamento da Solução de Carragenanas: É extremamente difícil separar a solução de

carragenanas das partículas sólidas de reduzida dimensão. O método correntemente

usado pelas indústrias de extracção consiste numa filtração feita no interior de cilindros,

a quente e sob pressão; a mistura, á qual se adicionou, previamente, terra de

diatomácaes, é filtrada através de sacos de tela com malha muito fina. A mistura obtida

contém de 1 a 2% de carragenanas (Genu, 1985; Perez et al., 1992).

Isolamento das Carragenanas: O maior problema do isolamento consiste na separação

das carragenanas a partir da mistura aquosa (1 a 2 g de carragenana por cada 48 g de

água). Alguns produtores reduzem a quantidade de água, por evaporação parcial,

fazendo passar a solução por cilindros aquecidos, até obterem uma concentração de 4%

em carragenanas.

Na maior parte dos casos, a solução de carragenanas é vertida numa bacia com

álcool isopropílico. As carragenanas precipitam sob a forma de um aglomerado fibroso

e esbranquiçado. O álcool isopropílico e os coágulos formados são, em seguida,

projectados por uma bomba em direcção a um crivo vibrador, que deixa passar o álcool

mas retém os coágulos de carragenana; estes são depois submetidos a uma série de

lavagens em álcool. Neste estado, a cadeia polissacarídica é extremamente frágil.

Alguns produtores submetem o coágulo a uma centrifugação, numa máquina de

secagem provida de grandes cestos; outros, para obterem uma melhor qualidade final,

procedem a uma desidratação da pasta de carragenanas, por intermédio de baixas

temperaturas (entre os 0 e os 5 ºC), ou de microondas.

O álcool utilizado, durante as diferentes fases de extracção, é recuperado e

enviado para uma coluna de destilação, com vista á sua purificação; de qualquer modo,

perde-se, em cada ciclo de utilização, 10 a 15% do volume inicial.

A pasta fibrosa (seca) de carragenanas, assim obtida, é moída em partículas de

80 a 270, embalada e submetida a um controle que verifica a sua composição e as suas

propriedades funcionais: humidade, pureza, viscosidade e força do gel (Genu, 1985;

Perez et al., 1992).

As Indústrias de Transformação e de Extracção

A maior parte das operações relacionadas com a extracção das carragenanas

necessitam de muita água; assim, a unidade industrial deve dispor de:

- Uma fonte de água de boa qualidade (pouco túrbida);

- Uma fonte de energia abundante e com o menor custo possível;

- Uma fonte de produtos filtrantes: terra de diatomáceas ou rochas vulcânicas

micro-moídas;

- Um sistema de depuração eficaz.

Uma fábrica só é rentável se produzir mais de 500 toneladas de carragenanas por

ano, o que corresponde ao tratamento de 1.400 a 2.100 toneladas de algas secas por ano.

O investimento para a instalação dos equipamentos de base situa-se em torno dos 4,7

milhões de Euros, a preços de 1992 (Perez et al., 1992).

Propriedades das Carragenanas

Solubilidade: A carragenana exibe a solubilidade característica dos colóides

hidrofílicos: é solúvel na água e insolúvel na maioria dos solventes orgânicos.

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Os alcoois e as acetonas, apesar de serem miscíveis em água, não são solventes

da carragenanas, no entanto, são tolerados em misturas com soluções de carragenana

superiores a 40%. Alguns solventes muito polares, como por exemplo a formamida e a

N, N-dimetilformamida, são tolerados, quando misturados com soluções de

carragenana, em elevadas proporções, mas promovem uma nítida tumefacção do

polímero (Genu, 1985; Perez et al., 1992).

A solubilidade das carragenanas na água é influenciada por diversos factores,

entre os quais se destacam:

a) Tipo de carragenana;

b) Iões presentes;

c) Outros solutos;

d) Temperatura;

e) pH.

A solubilidade dos diferentes tipos de carragenana: Graças à variação de alguns

detalhes da estrutura das carragenanas, existe também uma grande variabilidade em

relação à sua solubilidade. No entanto, para fins práticos, é conveniente estudar este

fenómeno só em relação aos principais tipos de carragenana.

Assim, a carragenana que, por definição, não apresenta unidades 3,6-anidro-D-

galactopiranose, é facilmente solúvel, na maior parte das condições, desde que se

apresente bem sulfatada. A carragenana é menos solúvel pois apresenta na sua

estrutura unidades de 3,6-anidro-D-galactopiranose (unidades de carácter hidrófobo) e

alguns grupos sulfato. Com características intermédias, surge a carragenana, mais

hidrofílica do que a carragenana, devido à posição dos resíduos de 3,6-anidro-D-

galactopiranose e à presença de grupos 2-sulfato (Genu Ltd., 1985; Perez et al., 1992).

Efeito da presença de iões: A solubilidade é afectada também pela natureza do sal, dos

grupos éster sulfatados, particularmente no caso da carragenana. As formas com sódio

são geralmente mais solúveis do que as formas cujo catião é o potássio. Assim sendo, a

carragenana de sódio é mais apropriada para situações em que é necessária

solubilidade em água fria.

O sal de potássio de carragenana é também insolúvel em água fria, embora

dilate marcadamente. O sal de carragenana é solúvel qualquer que seja a sua natureza

(Genu, 1985; Perez et al., 1992).

Outros Solutos: A solubilidade das carragenanas é afectada pela presença de outros

solutos; este efeito deve-se principalmente à competição entre os solutos e a água

disponível, da qual resulta uma alteração do estado de hidratação do polissacarídeo. De

todas as carragenanas, a do tipo , é a mais sensível à presença de solutos.

Os sais orgânicos são mais efectivos na alteração da hidratação das

carragenanas, particularmente aqueles cujo catião é o potássio: 1,5 a 2% de cloreto de

potássio é o suficiente para impedir a dissolução da carragenana, à temperatura

ambiente; soluções de 4 a 4,6% (ou valores superiores) de cloreto de sódio têm

exactamente o mesmo efeito.

A hidratação da carragenana é pouco afectada na presença de sacarose em

concentrações iguais a 50%; mesmo para valores superiores é necessária a presença de

glicerol em grandes quantidades para que efeitos apreciáveis possam ser observados.

Nos casos em que haja mais de um soluto presente, o seu efeito combinado, na

hidratação, é geralmente aditivo e pode ser previsto pelo conhecimento dos respectivos

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efeitos separados. Por exemplo, na presença de grandes quantidades de glicerol, a

solubilidade é muito influenciada pela presença de vestígios de iões potássio.

A carragenana dissolve-se, após aquecimento, em soluções com altas

concentrações de sais, sendo possível, em consequência, promover a gelificação em

situações em que as grandes quantidades de sais impossibilitam automaticamente a

utilização de carragenana (Genu Ltd., 1985).

Dispersão (ver Tabela 3): Apesar da carragenana ser um polissacarídeo solúvel em água

é, no entanto, de difícil dispersão, devido à formação de uma membrana em torno de

cada partícula de carragenana, que leva à formação de grandes aglomerados.

Quanto menos solúvel for a carragenana mais fácil será a sua dispersão. Por

exemplo, a carragenana de potássio (insolúvel em água fria) é muito mais fácil de

dispersar em água fria do que a carragenana de sódio.

Todos os factores que diminuam/aumentem a solubilidade da carragenana têm o

efeito opostos em relação à sua dispersão.

Na maior parte das aplicações a carragenana tem de ser previamente misturada

com outros ingredientes, como por exemplo o açúcar (1 parte de carragenana para 10

partes de açúcar), de forma a facilitar a sua dispersão. Em aplicações onde a

carragenana não possa ser previamente misturada com outros ingredientes, é necessário

utilizar um misturador rotativo de alta velocidade, de forma a romper os aglomerados

entretanto formados pela adição da carragenana à água. A dispersão mecânica, por

intermédio de misturadores de alta velocidade, reduz em cerca de 3% a força (vigor) da

dispersão.

Embora as carragenanas de potássio e de cálcio se apresentem pouco solúveis

(ou insolúveis), estas dilatam em água fria, produzindo dispersões viscosas.

Em água quente (60-75º C) a carragenana pode dissolver-se até formar soluções

de 7 - 8% (Tab. 3) (Genu, 1985).

Tabela 3 - Solubilidade das diferentes carragenanas. (Segundo Genu, 1985).

Meio kappa carragenana iota carragenana lambda carragenana

Água quente Solúvel acima dos 60º C Solúvel acima dos 60º C Solúvel

Água fria Sais de sódio solúveis.

Sais de potássio e de cálcio,

insolúveis

Sais de sódio solúveis.

Os sais de cálcio originam

dispersões tixotrópicas

Solúvel

Leite quente Solúvel Solúvel Solúvel

Leite frio Sais de sódio, cálcio e

potássio, insolúveis, mas

apresentando uma dilatação

marcada

Insolúvel Solúvel

Soluções concentradas de

açúcar

Solúvel a quente Dificilmente solúvel Solúvel a quente

Soluções concentradas de

sais

Insolúvel Solúvel a quente Solúvel a quente

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Reacções

Estabilidade em solução: Os agentes ácidos e oxidantes podem hidrolizar as

carragenanas em solução, levando à perda das suas propriedades físicas, devido à

clivagem de ligações glicosídicas. A hidrólise ácida depende:

- do pH;

- da temperatura;

- do período de tempo.

Para que a degradação, durante o processo, seja reduzida ao mínimo, é

necessário utilizar altas temperaturas e processos curtos. A carragenana em solução tem

máxima estabilidade a um pH=9, não sendo possível o seu processamento a quente para

valores de pH inferiores a 3,5. Para valores de pH iguais ou superiores a 6, as soluções

de carragenana apresentam-se estáveis, tal como acontece nos processos de esterilização

de peixe e na manufactura de produtos à base de carne, como é o caso da preparação de

comida para animais.

A hidrólise ácida ocorre quando a carragenana se encontra dissolvida e a

temperatura e/ou tempo de processamento são elevados. No entanto, quando a

carragenana se encontra sob a forma de gel, a hidrólise ácida não ocorre (Genu, 1985).

Reacção com outros hidrocolóides carregados electricamente

A carragenana é uma galactana sulfatada com uma forte carga negativa, em toda

a amplitude de pH encontrada nos produtos alimentares.

A carragenana pode interagir com outras macromoléculas electricamente

carregadas, tais como as proteínas, para se obterem variações ao nível da viscosidade,

da gelificação, da estabilização e da precipitação. O resultado da interacção

carragenana/proteína depende do pH do sistema e do ponto isoeléctrico da proteína. Por

exemplo, quando se mistura a carragenana à gelatina, num sistema com um valor de pH

superior ao do ponto isoeléctrico da gelatina, a carragenana promove o aumento da

temperatura de fusão do gel, não influenciando significativamente a textura do mesmo

(Genu Ltd., 1985; Craigie, 1990).

Mecanismos da Gelificação

kappa carragenana iota carragenana lambda carragenana

Efeito dos catiões Gel mais forte com iões

de potássio

Gel mais forte com iões

de cálcio

Não gelifica

Tipo de gel Forte e quebradiço com

sinérese

Elástico e coesivo sem

sinérese

Não gelifica

Efeito sinergético com

a farinha de alfarroba

Elevado Elevado Não tem

Estabilidade na congelação/descongela

ção

Não tem Estável Não tem

(Segundo Genu, 1985)

A estrutura da e carragenana apresenta-se sob a forma de hélices duplas, que

ao se associarem formam uma cadeia molecular tridimensional - o gel (Fig. 8). A

carragenana possui uma estrutura que não permite a formação de hélices duplas.

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Gelificação da e carragenana: Se estiverem presentes catiões gelificantes, a e a

carragenana forma géis aquosos termo-reversíveis, em concentrações iguais ou

superiores a 0,5%. O gel apresenta algumas propriedades de sólido e outras de líquido;

assim, fica com o formato do recipiente mas mantém a pressão de vapor e a

conductividade do líquido de que é feito. A rigidez, a temperatura de fusão e de

gelificação do gel de carragenana aumentam com concentrações crescentes do ião

potássio (Smidsrod & Grasdalen, 1984; Genu, 1985; Rees, 1963, 1981 in Perez et al.,

1992).

Fig. 8 - Representação esquemática da gelificação das carragenanas (Segundo Genu, 1985).

Na prática, o uso do cloreto de potássio (para aumentar a consistência do gel e

modificar a temperatura de gelificação) é limitado, pois adiciona à solução um gosto

“amargo”. O percentagem máxima de cloreto de potássio, a adicionar a produtos

alimentares com sabor delicado, é de 0,1 a 0,2%. Em comidas salgadas (produtos à base

de carne) o cloreto de potássio pode ser substituído, com vantagem, pelo cloreto de

sódio.

O gel de carragenana mais consistente é produzido na presença de iões de

potássio e de cálcio. No entanto, a presença de iões de cálcio tornam o gel quebradiço,

enquanto que o gel com iões de potássio é elástico, transparente e coeso.

A adição de grandes quantidades de iões de sódio perturba a gelificação da

carragenana e reduz a consistência do gel, facto que deve ser levado em conta quando se

trata de produtos gelificados à base de carne, pois é usual adicionar-se cloreto de sódio,

como aditivo, a estes produtos.

A consistência, a textura e a temperatura de gelificação são influenciadas pela

presença de outros solutos, como por exemplo a sacarose. Este soluto aumenta a

temperatura de gelificação e de fusão do gel. A adição de sacarose implica a utilização

de altas temperaturas, para que a carragenana se dissolva e, em casos de pH ácido,

existe a possibilidade da carragenana se degradar. Por conseguinte, em misturas com

sacarose, as substâncias ácidas devem ser adicionadas o mais tarde possível. Na prática,

não é possível usar a carragenana em produtos alimentares cujo conteúdo em açúcar

(sacarose) seja superior a 60% (Genu, 1985).

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Ao contrário da carragenana, o gel de carragenana apresenta a sua maior

consistência na presença de iões de cálcio. O gel formado é elástico, coeso e não exuda

água.

A carragenana é o único tipo de carragenana cujo processo de

congelação/descongelação é estável, ao contrário do que se passa com o gel de

carragenana, pois este forma um gel quebradiço e com sinérese (exuda água).

Interacções com outras “gomas”: Em situações onde a gelatina era tradicionalmente

preferida em relação às carragenanas (particularmente em sobremesas gelatinosas) a

indústria introduziu combinações de carragenana com outras gomas, de forma a

simular a textura produzida pela gelatina.

Reacção das Carragenanas com o Leite

A carragenana reage com uma fracção proteica do leite, chamada caseína, da

qual resulta a formação de uma rede tridimensional, onde a água, sais e partículas ficam

aprisionados. A interacção entre a caseína e a carragenana não é, no entanto,

responsável pela gelificação dos produtos lácteos. Aquando do arrefecimento da

carragenana (a temperaturas abaixo do ponto de gelificação), vários sectores das

moléculas de carragenana formam hélices duplas, como acontece nos sistemas aquosos.

A interacção caseína-carragenana manifesta-se na diminuição da quantidade de

carragenana necessária para a gelificação do leite: a quantidade de carragenana

necessária para gelificar o leite é muito menor (aproximadamente 1/5) da necessária

para gelificar um sistema aquoso.

Por outro lado, a carragenana aumenta a viscosidade do leite, em

concentrações de 0,05 a 0,1%. Para se obter um efeito similar num sistema aquoso seria

necessária uma concentração de 0,5 a 1% (Genu, 1985).

Utilização das Carragenanas na Alimentação

A primeira menção do uso de carragenana na indústria alimentar é de meados do

século XIX, como agente clarificante da cerveja (Booth, 1975). A extensa lista de

características que as carragenanas apresentam, levara ao aparecimento e à expansão da

indústria de derivados lácteos.

Estandardização das Carragenanas: A carragenana é usada numa extensa gama de

produtos, em concentrações que variam entre os 0,005% e os 3,0%. Os vários tipos de

carragenana estandardizada são usados sobretudo como agentes gelificantes em

sistemas aquosos e lácteos.

A estandardização obtém-se pela combinação de diferentes quantidades de

carragenana e/ou pela combinação com uma substância inerte, como por exemplo a

sacarose e a dextrose. A estandardização das misturas de carragenana com açúcares é

reconhecida e autorizada pela Comunidade Europeia e pela FAO/WHD. Um sumário

das especificações de pureza é apresentado na Tabela 4.

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Tabela 4 - Especificações da pureza das carragenanas - E407

Especificações FAO FCC CE

Matéria volátil max. 12% máx. 12% máx. 12%

Sulfato 15-40% 18-40% 15-40%

Cinzas 15-40% máx. 35% 15-40%

Cinza ácida insolúvel - máx. 1% máx. 2%

Resíduo ácido

insolúvel

máx. 2% - -

Metil-, Etil-, e Isopro-

panilalcool

- - máx. 1%

Viscosidade (1,5% sol.) min. 5 cP min. 5 cP min. 5cP

As, ppm máx. 3 máx. 3 máx. 3

Pb, ppm máx. 10 máx. 10 máx. 10

Cu + Zn, ppm - - máx. 50

Zn, ppm - - máx. 25

Total de metais

pesados ppm

máx. 40 máx. 40 -

FAO - FOOD AND NUTRITION 31/2

JECFA specifications for identity and puritty of food additives, 1984; (anticaking agents, buffering

agents, salts, emulsifiers, enzymes, extraction solvents, flavouring agents, and miscellaneous food

additives)

FCC - FOOD CHEMICAL CODEX, Third Edition, Washington, D.C., 1981

EC - ECONOMIC COMUNITY, Council Directive of 25 July 1978 laying down specific criteria of

purity for emulsifiers, stabilizers, thickeners, and gelling agents for use in foodstufs (78/663/EC)

Devido à sua reactividade específica com o leite, da qual resulta um gel suave e

agradável às papilas, 52% das aplicações das carragenanas são referentes à indústria de

lacticínios (indústria do leite e seus derivados). Em sobremesas lácteas gelificadas, o

agente gelificante usado é normalmente a carragenana, devido ao seu baixo custo: esta

carragenana é normalmente usada na preparação dos flans em pó. Nos flans “prontos a

comer”, a carragenana é insuficiente para manter a sua estrutura gelatinosa durante

várias semanas, pelo que, por vezes, é combinada com a carragenana ou com a LM-

pectina. Assim, é possível produzir, com o auxílio das carragenanas, sobremesas lácteas

e flans de consistência gelatinosa, sem recorrer ao uso de farinhas e ovos, levando à

criação de uma alimentação mais ligeira e com fins dietéticos (Tab. 5) (Morand et al.,

1991).

A utilização da iota carragenana em sobremesas oferece a vantagem de produzir

um gel de estrutura comparável à da gelatina, mas com um ponto de fusão mais elevado.

As sobremesas podem então ser comercializadas e consumidas em países de clima

tropical ou em locais sem sistemas de refrigeração (frigoríficos, etc.).

A estabilização de partículas de cacau e de suspensões gordas no leite

achocolatado, obtém-se com a adição de 0,02% - 0,03% de carragenana. O controlo

da viscosidade e da estabilidade do creme em preparações lácteas para pequenos-

almoços é obtida pela incorporação de carragenana.

Nos gelados, a presença de baixas concentrações de carragenana (0,01 -

0,02%) permite a formação de um delicado gel que evita a separação da mistura

(aromas, nata, etc.).

A lista de utilizações na indústria dos derivados lácteos é longa: síntese de

diversos leites espessos, concentrados, achocolatados, aromatizados, produção de

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cremes espessos, batidos de longa duração, flans de preparação a frio ou a quente,

mousses instantâneas, leites gelificados, flans de longa duração, iogurtes gelificados,

sobremesas ácidas e gelados industriais.

A estas aplicações, ligadas ao leite, é necessário juntar os géis aquosos

intervenientes na formação de coberturas ou na preparação de bebidas em pó, na

preparação de produtos reestruturados, tais como os frutos, legumes, salsichas (onde

substitui, com vantagem, os lípidos), peixes, crustáceos, na criação de novos produtos

para alimentação infantil, molhos emulsionados, para consumir a frio ou a quente, sopas

e caldos, preparações à base de frutos (bombons, compotas, marmeladas, patês, bebidas

e néctares) e, finalmente, como clarificante de vinhos e cervejas (Ribier & Godineau,

1984; Genu, 1985; Gayral & Cosson, 1986; Morand et al., 1991; Perez et al., 1992;

Jensen, 1993; Tardieu, 1993).

Tabela 5 - Principais funções das carragenanas na indústria alimentar

(Segundo Morand et al., 1991)

Produto Estabilizante/Emulsificante Agente Gelificante

Alimentos enlatados

Gelados

Pudins lácteos instantâneos

Leite achocolatado

Sobremesas gelatinosas

Geleias pouco calóricas

Alimentos enlatados para animais

Xaropes

Imitações de “coffee creams”

Pudins

Coberturas artificiais de nata

Molhos

Alimentos reestruturados

Receitas Culinárias

Geleia de carragenana: Pó de carragenana (40g); açúcar amarelo (20g); água

(100g); água de flor de laranjeira (5g). Obtém-se assim 125g de geleia (Saury, 1984).

Leite de carragenana: Leite de vaca (1 l); pó de carragenana (5g); açúcar amarelo

(30 g); canela (1,5 g). Ferver durante 10 minutos e passar (Saury, 1984).

Aplicação na Cosmética

A elevada taxa de difusão dos géis aquosos e a aptidão para formar películas são

algumas das propriedades que possibilitam a utilização das carragenanas em várias

aplicações não alimentares.

As carragenanas podem ser usadas na estabilização de pastas dentífricas. Neste

domínio entram em directa competição com a carboximetilcelulose, mas a carragenana

é normalmente preferida pois resiste às enzimas que atacam os colóides celulósicos. A

sua capacidade de formar géis aquosos altamente estáveis contra a degradação

enzimática, torna a carragenana única como agente espessante nesse tipo de pastas. A

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sua estrutura permite, nestas circunstâncias, a libertação dos sabores e aromas durante a

lavagem dos dentes.

A indústria de cosméticos tem feito uso crescente das carragenanas na fabricação

de loções, cremes e géis perfumados. A aptidão para formar finas películas torna a

carragenana um excelente acondicionador de “shampoos” (Booth, 1975; Stanley, 1987;

Roeck-Holtzhauer, 1991; Indergaard & Ostgaard, 1991).

Uma das mais interessantes aplicações das carragenanas é feita em cremes de

beleza, pois a rápida evaporação da fase aquosa da emulsão, liberta, sobre a pele, um

microfilme oleoso, protector e medicinal (Blunden, 1991).

A utilização de carragenanas na impressão (estampagem) de tecidos tem vindo a

declinar desde 1970, devido á sua substituição por alginatos. No entanto, as

carragenanas impuseram-se, a partir de 1975, no domínio dos géis desodorizantes

(ambientadores sólidos), mercado que não cessa de progredir (Booth, 1975; Stanley,

1987; Roeck-Holtzhauer, 1991; Indergaard & Ostgaard, 1991).

Aplicação na Medicina, Investigação Científica e Indústria Farmacêutica

Podemos considerar que actualmente a alimentação representa cerca de 78% das

aplicações das carragenanas, onde:

- 52% são aplicadas em derivados do leite;

- 16% são aplicadas em géis aquosos;

- 10% são aplicadas noutros produtos alimentares.

Os 22% restantes são aplicados na indústria cosmética, de higiene pessoal, na indústria

farmacêutica (cerca de 10%) e na medicina (Smidsrod & Christensen, 1991; Morand et

al., 1991).

A indústria farmacêutica utiliza as carragenanas em especialidades laxativas e

em preparações com compostos insolúveis. Devido à sua viscosidade, estes ficocolóides

são usados no tratamento das úlceras do trato digestivo. Esta última propriedade resulta

da reacção carragenana-proteína: a dificuldade na cicatrização das úlceras gástricas

resulta do facto de, uma vez lesada a parede estomática, a pepsina (enzima gástrica

destinada a hidrolizar as proteínas) ataca também as células que constituem a parede;

tudo isto é agravado pela acidez do suco gástrico (García et al. 1993). A utilização de

sódio-carragenana desencadeia duas acções:

- a reacção carragenana-pepsina (proteína com carga positiva, num pH ácido)

conduz a uma neutralização da enzima;

- redução do ácido gástrico pela actuação do sódio.

Segundo o médico Alain Saury (Saury, 1984) as carragenanas têm as seguintes

indicações:

Uso interno: enterite, desinterite, diarreias, prisão de ventre crónica,

insuficiências glandulares, obesidade, linfatismo, escrofulose, raquitismo,

emagrecimento, bronquites e pneumonias.

Uso externo: vaginite, metrite, conjuntivite e blefarite.

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Modo de aplicação (uso interno): Decocação: uma colher de sopa de talo (de

carragenófitas) por litro de água; faz-se ferver até obter uma geleia; Leite fortificante:

leite (1 l), carragenana (5 g); açúcar (30 g), canela (1,5 g).

Modo de aplicação (uso externo): Decocação: em cataplasmas nos olhos

(conjuntivite, blefarite); em injecções vaginais (vaginite, metrite).

É de assinalar que, recentemente, se evidenciou uma acção antiviral dos

extractos de carragenana (Neushul, 1990; Carlucci et al., 1999). Após separação dos

diferentes tipos, por intermédio da cromatografia líquida (numa coluna PL5) de alta

temperatura e de alta pressão, demonstrou-se que a e carragenana, quando aplicadas

em pequenas concentrações, provocam uma simulação linfocitária capaz de inibir 80%

( carragenana) e 100% ( carragenana) o desenvolvimento do vírus da herpes simplex

(HSV). As carragenanas também interferem na fusão das células infectadas com o vírus

da imunodeficiência humana (HIV) e inibem a enzima retroviral específica

“transcriptase reversa” (“specific retroviral enzyme reverse transcriptase”) (Neushul,

1990). Trabalhos recentes (Neushul, 1990) sugerem que as moléculas de carragenana

inibem as infecções por DNA- e RNA-vírus. Vários autores (Thomson & Fowler, 1981,

Abraham et al., 1985, Sellin & Oyarzabal, 1988 in Neushul, 1990) estão de acordo que

as carragenanas constituem um potente anti-inflamatório e produzem efeitos

prolongados no sistema imunitário.

Para além da actividade antiviral (Carlucci et al., 1999), os extractos de algas

(Gigartinaceae) e as carragenanas apresentam também actividade antitumoral (Noda et

al., 1990) (Tab. 6), anticolesterol, anticoagulante do sangue (Briones et al., 2000) e

efeito espermicida (Zacharopoulos et al., 1997; Maguire et al., 1998).

Tabela 6 - Actividade antitumoral do extracto de algas (Gigartinaceae) e das carragenanas no rato

(Segundo Noda et al., 1990).

Espécie Carragenana Percentagem máxima de

inibição do “Ehrlich

carcioma”

Percentagem máxima de

inibição do “Meth-A

fibrosarcoma”

Gigartina intermedia - 12,5 % (1) -

Chondrus ocellatus f.

crispus

- - 34,7 % (2)

- carragenana 22,2 % (3) 40,1 % (4)

- carragenana 49,0 % (5) 54,0 % (4)

- carragenana 63,2% (6) 45,8 % (4)

(1) administração de 1600 mg de pó de alga por Kg de rato, por dia, num período de 28 dias;

(2) administração de 50 mg Kg -1 d-1, num período de 7 dias;

(3) administração de 150 mg Kg -1 d-1, num período de 28 dias;

(4) administração de 40 mg Kg -1 d-1, num período de 5 dias (7 dias para a carragenana); (5) administração de 200 mg Kg -1 d-1, num período de 28 dias;

(6) administração de 100 mg Kg -1 d-1, num período de 28 dias.

Outras Aplicações das Carragenanas

A carragenana, devido à natureza rígida do gel que origina, tem uma aplicação

significativa nas novas áreas biotecnológicas.

A capacidade de formar géis fortes, transparentes e termo-reversíveis na

presença de sais de potássio, torna a carragenana num possível agente gelificante de

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enzimas e células vivas: as células bacterianas e as leveduras podem ser encapsuladas

ou imobilizadas em pequenas esferas. Estas pequenas esferas podem depois ser usadas,

directa ou indirectamente (modificadas), em bio-conversões (Tab. 7) (Guiseley, 1989 in

Renn, 1990; Skjak-Braek & Martinsen, 1991).

Tabela 7 - Exemplos de células imobilizadas em carragenana (juntamente com outros produtos). (Segundo Skjak-BraeK & Martinsen, 1991).

CÉLULAS PRODUTO ADICIONADO

Bactérias

Acetobacter aceti Vinegar

Bacillus subtilis -Amilase B. polymyxa Butano-2,3-diol

Brevibacterium flavum L-Ácido Málico

Brevibacterium flavum L-Glutamato

Clostridium acetobutylicum Acetona/Butanol

Escherichia coli L-Ácido Aspártico

Lactobacillus sp. Vinho

Pseudomonas dacunhae L-Alanina P. putida L-Ácido Aspártico

Zymonas mobilis Etanol

Fungos

Candida tropicalis Ácido Cítrico

Conidiobolus sp. Proteases

Saccharomyces cerevisae Etanol

Penicllium chrysogenum Penicilina-G

Pichia farinosa Glicerol

Algas

Scenedesmus sp. Água

Células Vegetais

Daucus carota -

Actualmente estuda-se a possibilidade de se usarem células vegetais,

imobilizadas em carragenana, na produção comercial de metabolitos secundários (Renn,

1990). Carragenanas especiais, que gelificam quimicamente, sem aplicação de calor,

podem ser usadas como agentes gelificantes para meios bacteriológicos sólidos (Genu

Ltd., 1985).

Novas aplicações surgem sem cessar: os americanos conservam o peixe, no

interior de barcos de pesca, através da administração de antibióticos; a adição de

carragenanas, antes da congelação, permite uma melhor repartição do antibiótico e um

consequente aumento da sua eficácia (Ribier, 1984).

Mercado Mundial de Carragenanas

O mercado mundial de carragenanas baseia-se, fundamentalmente, nos tipos

kappa (), lambda () e iota (). A partir destes, por mistura com outros colóides e

substâncias (sacarose, glicose, guar, caruba, pectina, alginatos, agar, etc.), é possível

criar mais de 200 variedades e, cada uma, pode ser modificada de modo a se adaptar a

cada necessidade.

A produção mundial situa-se ao redor das 12.300 toneladas. Após uma

progressão espectacular entre 1975 e 1984, a produção actual tem crescido de forma

moderada. Entre 1975 e 1980 os fornecedores foram surpreendidos pelo brusco aumento

da qualidade da matéria-prima ligada ao desenvolvimento da cultura de Eucheuma nas

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Filipinas (Tab. 8). A produção passou então a ser superior à procura, o preço das algas

caiu e o mercado tornou-se instável. A situação evoluiu rapidamente, pois novas

aplicações para estes colóides foram criadas; de 1.200 utilizações passou-se, em dois

anos, para 4.200.

O mercado actual é caracterizado por uma procura superior à produção, o que

levou à implantação de novas culturas marinhas e à introdução de culturas em bacias.

Após os sobressaltos dos últimos 10 anos a procura deverá progredir mais lentamente (4

a 5% por ano) do que entre 1970 e 1985.

Perto de metade das carragenanas extraídas são utilizadas na Europa (45%),

enquanto que a América do Norte consome 23%, a América do Sul 12% e a Ásia

(sobretudo o Japão) 20%. O Japão decidiu em 1991 construir as suas próprias fábricas

para a extracção de carragenanas, o que deverá modificar, a curto e médio prazo, as

estruturas do mercado mundial (Perez et al., 1992).

Tabela 8 - Macroalgas usadas na extracção de carragenanas.

(Segundo Jensen, 1979, Michanek, 1975, FAO, 1978 in Tseng, 1981)

MACROALGAS

(Géneros)

Quantidade usada

(toneladas/ano - peso

fresco)

Carragenanas

(toneladas/ano - peso

seco)

Chondrus 45.200

Gigartina 4.500 20.000

Iridaea 6.500

Eucheuma 200.000

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