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AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DEFENDEM VALORES E NÃO APENAS TERRITÓRIO: COMO A REVISTA "EM...
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AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DEFENDEM VALORES E
NÃO APENAS TERRITÓRIO: COMO A REVISTA "EM GUARDA"
RETRATA A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL
Iberê Moreno Rosário e Barros – POLITHICULT- PUC-SP
As Forças Armadas Brasileiras tiveram dois momentos de
intensa estruturação e fortalecimento, pensando os
processos pré-golpe de 1964. A guerra do Paraguai e a
Segunda Guerra Mundial foram episódios de grandes
investimentos e incentivo. Em ambos os casos, além do
desenvolvimento técnico, houve movimentações políticas e
conceituais. Os desdobramentos e impactos destes fatos
reverberaram até 1964, e seguem reverberando até hoje.
Mesmo que as intensidades e construções tenham se alterado,
ainda é preciso pensar como o exército se entende
responsável por uma construção nacional e não apenas a sua
função de defesa das fronteiras.
O presente texto irá trabalhar em 3 etapas distintas
mas complementares. Primeiro iremos elencar, brevemente
como o exército se estruturou durante a guerra do Paraguai,
com atenção para como era vista a função das forças armadas
neste período. O segundo momento iremos apresentar a
revista “Em Guarda” e como ela retratou as Forças Armadas
Brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. Por fim
iremos amarrar a reflexão e indicar como compreendemos que
as influências dos EUA impactaram nesse modo de
entendimento da função do Exército, que por sua vez
influenciou no Golpe de 64.
Não esperamos chegar a conclusões axiomáticas, mas sim
realizar um percurso alternativo de modo a enxergar a
história por rastros distintos dos já consagrados.
Esperamos mostrar como os processos se dão sob a influência
de matrizes muito distintas, de maneira que não se pode
descartar nenhum fator na construção da sociedade atual.
Sem almejar uma função de justificativa, temos como
objetivo trazer novas perguntas ao tema.
A guerra do Paraguai
O exército brasileiro tem na guerra do Paraguai sua
pedra angular de organização. Foi principalmente em Duque
de Caxias que se construiu o imaginário das forças armadas.
Com suas ações rígidas e precisas, transformou as tropas
antes difusas em um corpo coeso e meritocrático. Essas
medidas o fizeram, até hoje, o patrono do exército e por
sua vez um exemplo de como se espera que atue um militar.
O que nos interessa para este artigo é indicar
justamente o modo como Caxias lidou com o contexto, em
contraposição ao o que o Estado Monárquico queria. Já no
Tratado da Tríplice Aliança, de 1º de Maio de 1865, vê-se
que a intenção do Império era maior do que apenas
confrontar o Paraguai por questões geopolíticas. Havia,
somado a isso, a intenção de se posicionar ideologicamente,
indicando como o governo brasileiro entendia que deveriam
se organizar os demais países ao seu redor. Francisco
Doratioto nos trás em seu texto, parte da coletânea
“História das Guerras”, um trecho que corrobora esta
proposição:Esse tratado estabelecia a aliança militarcontra o Paraguai, mas afirmava que a guerraera contra Francisco Solano López e não o povoparaguaio. Determinava que a luta terminariasomente com a retirada do ditador do país, quea paz não seria tratada isoladamente, mas emconjunto pelos três países aliados, e somentecom o novo governo que se instalasse emAssunção. (DORATIOTO, 2009. P 261)
É interessante notar que, portanto, a guerra era mais
um combate simbólico à um modelo de governo e de política
do que contra um povo. Isso é importante, inclusive, para
justificar a duração da guerra e aumentar a importância de
que o combate não era de interesses simplórios, mas sim de
defesa do continente frente uma ameaça de um individuo. É
um movimento muito semelhante ao que ocorre na Segunda
Guerra Mundial, com a diferença do modo como o Estado Maior
assimila essa incumbência.
Devemos notar que a figura do Duque de Caxias não era
incólume ou nova no cenário político e militar do Brasil.
Era já no período da guerra o general de maior prestígio,
em função da sua atuação em outros conflitos internos, além
de um dos Senadores do partido Conservador. Era, portanto,
uma personalidade de destaque, tanto por suas ações como
pela sua função política.
Os combates no Paraguai foram muito impactantes e
desestabilizadores para as forças armadas de todos os
países. Não apenas o povo paraguaio foi desestruturado,
como as tropas brasileiras, argentinas e uruguaias,
posteriormente passaram por uma forte reorganização. Uma
vez que o Brasil havia desmantelado suas tropas
profissionais, passando para um corpo militar auto
financiado, através da Guarda Nacional, a preparação e o
empenho dos soldados eram muito baixos.
Mesmo no caso dos oficiais e praças advindos do Rio
Grande do Sul, que por questões históricas e políticas
estavam mais preparados e acostumados ao combate, ainda
eram condições um tanto precárias de manutenção. Como
indica a professora Francisca Carla Santos Ferrer, quanto à
estruturação do Exército no período pré conflito: Outrossim, o governo não investia no Exército,deixando de arcar com o fornecimento básicopara seu funcionamento, faltava-lhes homens,armamentos, víveres, ou seja, todas ascondições necessárias para formação emanutenção de uma força militar nacional capazde defender a pátria. (FERRER, 2005. P.123)
Por isso as ações e tomadas de decisão do Duque de
Caxias foram tão importantes para o desenrolar do conflito.
Mais do que mudanças totalmente decisórias o então Marquês,
empoderou as forças com a meritocracia e com a disciplina,
características pessoais do general e que inspiraram as
tropas. Esse impacto pode ser demonstrado inclusive em seu
misticismo enquanto líder, conforme apresentado no site do
exército brasileiro:Um efeito de sua liderança sobre a troparelatou Dionízio Cerqueira em suas"Reminiscências da Guerra do Paraguai", tendosido o autor testemunha da atuação de Caxias naconquista da ponte de Itororó: "Quando (Caxias)passava no seu uniforme de Marechal de
Exército, ereto e elegante, apesar da idade,todos nós nos perfilávamos reverentes e cheiosde fé. Não era somente respeito devido a suaalta posição hierárquica. Havia mais aveneração religiosa e a admiração sem limites.Ele poderia fazer dos seus soldados o quequisesse, desde um heroi até um mártir. Porisso, quando ele passou pela frente do 16 (deInfantaria), com as faces incendidas e a espadacurva desembainhada, foi preciso o nossocomandante comandar - Firme! - para que não oseguíssemos todos."(BRASIL, 2014)
Esse extremo respeito e reverência eram também fruto
do modo como o próprio general lidou com as tropas. A sua
primeira ação ao assumir o comando das tropas foi o de
“reorganizar a força terrestre brasileira, reequipando-a,
restabelecendo a disciplina, substituindo o critério
político pelo profissional ao nomear os comandantes de
tropas, e treinando, em plena frente de batalha, civis
recém-incorporados ao Exército.” (DORATIOTO, 2009. P.269)
É em função dessa visão pragmática e objetiva que para
Caxias o conflito se encerrou no momento que as tropas de
Solano Lopez estavam exauridas. Uma contraposição direta ao
que compreendia o Estado, que desde o tratado de 1865
mantinha a mesma posição quanto à “caça” ao ditador
paraguaio. Tanto que o próprio general se retira do fronte
de batalha e retorna ao Brasil, também sob justificativas
pessoais de saúde, uma vez que no período do Duque já
contava com mais de 60 anos.
Enquanto para os comandantes em chefe das forças
armadas brasileiras o conflito estava encerrado, para o
Estado ainda havia pelo que batalhar. Doratioto deixa clara
essa dicotomia ao colocar que:
Para o Estado Monárquico brasileiro, vencerLópez deixara de ser somente uma necessidademilitar, adquirindo significados políticos esimbólicos. Lendo-se a documentação e aimprensa dos países aliados, constata-se que nodiscurso guerreiro não havia rancor contra osparaguaios; o ódio era canalizado contra afigura de López. (DORATIOTO, 2009. P 274)
É importante também mostrar que a influência da
opinião pública assim como a mobilização. Neste caso,
citando Doratioto, “A febre anti-López se disseminou entre
os brasileiros e foi instrumento de mobilização popular no
esforço de guerra.” (DORATIOTO, 2009. P 274). Portanto um
encerramento da disputa sem esse resultado seria uma
derrota para o poder monárquico. Vê-se, portanto, a
disparidade entre os comandantes em chefe e o Estado.
A influência e a consequência da Guerra do Paraguai
foi muito grande em diversos pontos. “Criou, ainda, um
Exército forte, que adquiriu, nos campos de batalha,
identidade própria, desvinculada da Monarquia, depondo-a
com o golpe republicano de 15 de Novembro de 1889.”
(DORATIOTO, 2009. P 282).
Segunda Guerra Mundial
Tendo como pano de fundo comparativo este
contexto acima apresentado, dedicaremos esta seção para
podermos analisar o nosso objeto central. Entendemos que o
contato do exército brasileiro com um novo confronto
internacional, de proporções como a Segunda Guerra Mundial,
teve um impacto considerável nos valores e na moral do
oficialato.
Principalmente quando nos referimos aos Generais
Mascarenhas e Dutra, que tiveram contato direto com os
militares do Estado Maior dos EUA, a representação das
imagens das tropas e de seus comandantes sem dúvida criou
um precedente para a compreensão de missão nas turmas
posteriores. Principalmente em consequência do
estreitamento de laços acadêmicos e preparatórios que
desembocaram no aumento do anticomunismo entre os
militares.
O que queremos mostrar, com maior atenção, é o modo
como uma revista americana apresentou as forças armadas
brasileiras, para o Brasil, durante a Segunda Guerra
Mundial. Isso nos servirá para mostrar como os EUA
enxergavam o potencial militar brasileiro além do
convencional e como um parceiro preferencial na América.
Isso fez com que os americanos tivessem uma atenção ainda
maior ao Brasil, e incentivando a responsabilidade de
defesa de valores por parte do Exército.
A revista em questão é a “Em Guarda”. Publicada entre
os anos de 1941 e 1945, pelo governo americano através do
Office of the Coordinator of Interamerican Affais(OCIAA), a revista
tinha uma função muito específica: divulgar e difundir o
americanismo e facilitar a Política de Boa Vizinhança. O
responsável pelo OCIAA e peça fundamental nessa
estruturação foi Nelson Rockefeller, herdeiro da família
mais rica dos EUA e de grande influência política e
cultural.
A revista, através de matérias diversas que vão desde
a divulgação do desenvolvimento bélico americano até a
publicação de notícias sobre moda interamericana, tenta
criar esse laço de aproximação. Escrita em português para o
caso brasileiro, e com edições em espanhol e até em francês
para os demais países do continente, a revista tinha um
custo de compra muito baixo, mostrando que se esperava que
sua circulação fosse alta.
Inicialmente a revista tem um foco quase que
estritamente de informação sobre a evolução e o potencial
militar americano. Porém, com o passar das edições, a
publicação vai ganhando uma função mais noticiosa,
apresentando reportagens sobre o combate no front, assim
como matérias sobre os diferentes países do continente. É
interessante ainda chamar a atenção para o fato de a
revista em diversos momentos se preocupar em mostrar como é
o modo de vida americano, nas suas mais diferentes regiões,
como uma propaganda do american way of life.
A publicação conta com 788 matérias, no total dos 4
anos. Como parte da pesquisa que temos realizado,
categorizamos todos os textos em 7 temas, sendo um deles o
de “América Latina”. Nele foram colocadas matérias que se
referissem a qualquer país do continente, com exceção dos
anglófonos, sem subdividir em qual era o subtema. Dentro
dessa divisão encontramos 26 matérias que se referem às
forças armadas brasileiras, tanto o exército como a marinha
e a aeronáutica.
No primeiro ano encontramos 6 matérias sob a
categorização. Gostaríamos de chamar a atenção para a
edição número 12, na qual encontramos justamente o texto
que se refere à entrada do Brasil no conflito. O destaque é
tamanho que a matéria se inicia na contra capa e se estende
até a página 4. Sempre o texto exortando a capacidade e a
coragem brasileira com o ato. Tanto que Vargas é intitulado
“Líder do Brasil em guerra”, não apenas como presidente,
conforme vemos na reprodução abaixo.
Figura 1 - Getúlio Vargas
A imagem da primeira página apresenta uma manifestação
popular em apoio à participação do Brasil no conflito.
Podemos identificar com facilidade, em meio às bandeiras
brasileiras, uma bandeira dos EUA. E a legenda indica como
o desejo da entrada na guerra era de clamor público, e não
apenas uma motivação estratégica do governo: “Como era de
esperar, os protestos do povo brasileiro contra as
barbaridades alemães, fazem-se ouvir energicamente na praça
pública, clamando pela guerra” (EM GUARDA, 1942).
Figura 2 - Manifestação Popular em prol da Guerra
É interessante, nesse mesmo ano, ressaltar a matéria
“Programa de amizade” da edição número 11. Nela é relatada
uma troca de saudações entre os cadetes da Escola Militar
do Realengo e da Academia Militar de West Point. Há
predominantemente imagens de ambas as escolas e seus
cadetes e oficiais, mostrando como são semelhantes ambos os
espaços e os aspirantes. Na parte inferior das páginas 16 e
17 encontramos imagens que mostram cadetes de ambas as
instituições realizando adestramentos de precisão, e as
imagens, se não fossem pelas legendas, poderiam ser
facilmente confundidas.
No texto é exaltada diversas vezes a capacidade
militar brasileira e seu avanço técnico e tecnológico. Há
uma atenção especial, inclusive ao evento, por se tratar o
momento da mudança da escola brasileira para Rezende, onde
se localiza até hoje, sob o nome de Academia Militar das
Agulhas Negras. O texto adquire um tom romanceado ao falar
dessa mudança:Da antiga Escola Preparatória Tática e Práticado Realengo, onde iniciaram sua carreira tantos Figura 3 - Cadetes Brasileiros de Villegaignon
oficiais ilustres do exército, à escola modêlode Rezende, há um grande progresso no ensino daciência militar no Brasil. A inauguração dêssemoderno estabelecimento que, em muitos aspectosé o melhor aparelhado não somente nas Américascomo no mundo inteiro, vem coincidir com asituação de extraordinário destaque em que aguerra colocou o Brasil, como nação forçadapelas circunstâncias, a tornar-se verdadeirapotência militar (EM GUARDA, 1942, p.16)
Já no segundo ano são encontradas 6 matérias sobre o
tema. Três delas chamam atenção especial, sendo elas: sobre
a marinha brasileira, na edição número 1; sobre a Escola
Naval do Brasil, na edição número 2; e sobre as bases em
Natal e Recife, na edição número 11. Os textos, nos três
casos, sempre ressaltam a capacidade brasileira e o empenho
no desenvolvimento nacional, além de como se dá a relação
das Forças Armadas Brasileiras com as dos demais países.
No primeiro texto, que trata da Marinha, lemos que: “O
problema da marinha do Brasil prende-se aos seus recursos;
são pequenos, relativamente às proporções desta guerra.”
(EM GUARDA, 1942, p.23). Ou seja, o autor vê que o
treinamento e a capacidade são elevadas, porém a estrutura
é baixa. Vai mais a frente justificar que isso se deve à
falta de investimento em uma siderurgia. Vemos assim que a
revista compreende como uma força de grande potencial para
se responsabilizar pelo país, sendo que a falta de atenção
deste âmbito de investimento, por parte dos dirigentes,
levou a essa deterioração: Há cem anos, a esquadra brasileira era uma dasmaiores do mundo, mas a substituição do naviode madeira pelo de aço, ocorrida em meiados doséculo passado, veiu colocar os grandes países
fabricantes de aço na vanguarda em matéria desuperioridade naval. (EM GUARDA, 1942, p.23)
O segundo texto trata especificamente da Escola Naval
de Villegaignon. Mostra de maneira clara como a capacidade
de seus egressos é de grande excelência e qualidade. E
justifica isso em função de parcerias históricas com os
EUA, que também imbuíram estes de uma responsabilidade com
os ideias americanos. Vemos isso no seguinte trecho: A íntima cooperação que de há muito tempo temexistido entre as duas marinhas, a do Brasil ea dos Estados Unidos, torna-se neste históricomomento, uma das garantias para a realizaçãodefinitiva dos consagrados ideais americanosque as suas grandes nações têm animado comverdadeiros exemplos. (EM GUARDA, 1942, p.30)
Por fim, o terceiro texto trata da criação das bases
no Brasil. Fato que já foi tratado como um influenciador da
cultura brasileira pelo professor Tota no seu livro
“Imperialismo Sedutor”, como vemos aqui ao dizer desse
processo na base aérea de Parnamirim: “Quando o primeiro
tabaréu, observando os aviões e os pilotos americanos com
seus gestos, mimetizou o ‘positivo’, com o dedão pra cima,
o Brasil já estava americanizado”(TOTA, 2001, p.10).
Essa influencia, que repercute inclusive em atos
cotidianos, tem um impacto muito forte nas forças armadas.
Por ser o grupo social com o qual os americanos tiveram
maior contato, podemos compreender que foi o mais
influenciado também. Fazendo com que eles absorvessem o
dever proteger dos valores, e não apenas a sua função
original de proteger o espaço nacional. Essa convivência
pode ser mostrada com imagens como esta abaixo, na qual
mostra um sargento brasileiro aprendendo com um sargento
americano a manutenção de um motor.
Figura 5 - A relação entre brasileiros e americanos
Por sua vez, no terceiro ano são encontradas 8
matérias que tratam sobre o exército brasileiro. Três
matérias atraem nossa atenção em especial: uma sobre o
exército brasileiro, que se encontra na segunda edição, e
trata da expansão do exército brasileiro para integrar as
forças de guerra; uma sobre a chegada das tropas
brasileiras em solo europeu e seu impacto simbólico,
encontrada na edição número 11; e por fim, na edição número
12, aparece a primeira reportagem de Frank Norral, que foi
correspondente da OCIAA junto às Forças Expedicionárias do
Brasil (FEB).
Na primeira matéria destacada, a preocupação é de
mostrar como a preparação do exército brasileiro é algo
primoroso. Remete principalmente à aproximação com os
países das Nações Unidas, com destaque para os EUA, como
vemos aqui: No desenvolvimento de seu poder combativo temhavido um íntima cooperação entre o Exércitobrasileiro e dos Estados Unidos. Oficiaisbrasileiros têm visitado os Estados Unidos,percorrendo campos de provas e arsenais deguerra interessados na seleção de armas e deensinamentos mais aplicáveis às necessidadesmilitares de sua pátria. (EM GUARDA, 1943,p.29)
É interessante como a própria revista faz a
aproximação que fizemos no início do texto ao rememorar
Duque de Caxias enquanto modelo de militar, como podemos
ver no seguinte trecho: “Os oficiais, quer sejam os
oriundos da Escola Militar do Realengo ou dos Centros de
Preparação de Oficiais da Reserva, têm emulado o espírito
realizado de Duque de Caxias, que, há 122 anos, foi um
produto do ensino militar no Brasil” (EM GUARDA, 1943,
p.26).
Essa conexão nos indica, portanto, como os americanos
entendem no militar a responsabilidade maior do que
exclusivamente a defesa do território nacional. Assim como
fez Duque de Caxias, que encabeçou os movimento para a
criação da República, espera-se que os militares sigam
defendendo valores e modelos de governo. É neste ponto de
conexão que o artigo pretende desenvolver seus pontos
finais mais a frente.
A segunda matéria, que tem como título “As forças
brasileiras na Europa: e a grande significação que o fato
encerra para a História da América”, reconta agora da
atuação brasileira em solo europeu, dando atenção especial
para as diferentes manifestações pró essa participação, por
parte tanto de brasileiros como de estrangeiros.
Reproduzimos aqui a fala de Mascarenhas que consta no
texto: “Estamos ansiosos de entrar em combate ao lado dos
nossos irmãos de armas e lutar contra o nosso inimigo
comum.” (EM GUARDA, 1944, p.1)
Chama-nos atenção que a matéria dedica um parágrafo a
parte apenas para trazer a declaração de Nelson
Rockefeller, o Coordenador de Assuntos Interamericanos. É
interessante pois são poucas as outras vezes na qual ele é
citado ou referenciado diretamente, e essa fala mostra
justamente o alinhamento quanto à idéia de que o exército
brasileiro abarca maiores responsabilidades além da defesa
do território nacional. Segue: Para o Sr. Nelson A. Rockefeller, Coordenadorde Assuntos Interamericanos, o desembarque dastropas brasileiras foi “um símbolo dos supremossacrifícios que os nossos bons vizinhos eamigos já têm feito e estão prontos para fazerafim de derrotar nosso inimigo comum” (EMGUARDA, 1944, p.2)
O parágrafo final, que sumariza boa parte do que é
tratado ao longo do texto, fica um tanto deslocado, uma vez
que a imagem que segue logo abaixo contradiz, ao menos
parcialmente, a fala. Segue o texto: O exército que o Brasil envia para as frentesde combate na Europa é, portanto, um conjuntoperfeito de aparelhamento militar moderno. E natropa se refletem todas as qualidades decoragem, de iniciativa e de disciplina que bemcaracterizam a elite que compõe a suaoficialidade. (EM GUARDA, 1944, p.4)
A imagem, por sua vez, mostra apenas jovens soldados,
em sua maior parte franzinos, carregando os sacos com seus
pertences. É ainda mais patente o fato da foto ter em
destaque dois negros, que por questões históricas de
opressão e exclusão, não compunham a elite que o texto se
referencia. Isso, mesmo que indiretamente, mostra como
havia uma segregação entre o oficialato e os soldados. Mas
ao mesmo tempo trás a tona a idéia de que mesmo os corpos
mais baixos das forças teriam a mesma vocação de defensores
de ideais, e não apenas de territórios.
Figura 6 - uma contraposição com o textoPor fim, a terceira matéria do terceiro ano, tem um
destaque em especial por se tratar da primeira reportagem
feita por Frank V. Norral. O correspondente se torna
responsável por acompanhar e relatar sobre a participação
brasileira no front. Tem, portanto, mais três matérias
publicadas na revista, todas no quarto ano, nas quais narra
sobre a atuação e acomodação das tropas brasileiras. Na
primeira matéria, em especial, se ocupa em relatar sobre o
excelente preparo que as tropas já tinham antes do
desembarque e em como os soldados brasileiros são um
exemplo.Veteranos combatentes das forças dos EstadosUnidos, já experimentados nos campos de batalhada África e da Europa, são unânimes emconsiderar a Fôrça Expedicionária Brasileiracomo um conjunto de tropas que os nazistasterão que respeitar. Sua preparação tática noBrasil e aqui lhe tem aprimorado todas asqualidades indispensáveis a uma tropa deprimeira ordem. Por isso, os oficiais,inferiores e praças do Exército americano quevieram das frentes de batalha especialmentepara porem os soldados brasileiros ao par dosúltimos detalhes técnicos desta guerra devigoroso movimento sentem-se verdadeiramenteorgulhosos da honra que lhes foi conferida. (EMGUARDA, 1944, p.16)
Como vemos, o correspondente exalta a capacidade
brasileira de maneira fervorosa. Como parte da política de
boa vizinhança, na qual o Brasil teria um papel fundamental
por se tornar uma conexão entre os EUA e a América Latina,
essa representação da imagem de uma grande proximidade e de
uma similaridade é importante. Apesar de não podermos
comprovar como isso impacta diretamente na população,
podemos ver que a integração entre as tropas ocorreu, e
neste ponto podemos compreender uma influência que
posteriormente se torna um dos fatores para o Golpe de 64.
Por fim, no quarto ano, encontramos 6 matérias que
falam do exército brasileiro. Destacamos três fatos, três
das matérias foram escritas por Frank V. Norral e duas
delas, as quais daremos maior atenção neste texto, são
exaltações à FEB. A primeira é um texto sobre o General
Mascarenhas de Moraes, que se encontra na terceira edição
deste ano, e a segunda é análise do General Greely à
atuação brasileira, que se encontra na quinta edição do
mesmo ano.
No relato sobre o comandante brasileiro, são
constantemente ressaltadas as suas atitudes enquanto um
homem do front. Apesar de suas funções serem concentradas
em tomadas de decisão, o general, de acordo com o relato, é
um individuo que se preocupa com o bem estar e com a
manutenção do vigor das tropas. Essa imagem de liderança
que a revista passa é interessante pois reforça a idéia de
que os militares estariam preocupados com todos,
independentemente da patente ou da posição que ocupam, mas
que jamais ignoram a importância e a seriedade do que
fazem.
O seguinte parágrafo ilustra muito claramente essa
imagem de um comandante que se preocupa e cuida das suas
tropas: Afim de se certificar da situação entre a suatropa, o general, desde que chegaram as forçasbrasileiras à Itália, em Julho último, visitadiariamente as posições avançadas,frequentemente com grave risco pessoal. É deacordo com as suas próprias observações queentão decide quando as tropas de combate devemdescansar e serem substituídas por outras. (EMGUARDA, 1945, P.15)
Por fim, a última matéria que gostaríamos de destacar,
é a análise de Greely sobre as tropas brasileiras. É
interessante notar que o ufanismo exacerbado, apresentado
até então, nesta matéria é bem arrefecido. Uma vez que a
análise é mais técnica, o general se preocupa em indicar
inclusive as dificuldades com as roupas e as adaptações
climáticas. Mesmo ponderando essas questões e as colocando
como um empecilho brasileiro, fica claro que o comandante
americano acredita nas tropas da FEB.
No segundo parágrafo o autor já demonstra esse
respeito e admiração, mesmo que posteriormente ele passe a
ponderar e elencar as deficiências brasileiras. Segue:As forças brasileiras estão na Itália, e istoquer dizer que na Itália contamos com mais umrespeitável exército. Não se trata de umconjunto militar meramente simbólico que hajaatravessado o Atlântico para reunir aconstelação do emblema nacional brasileiro àsfaixas e estrelas do pavilhão norte-americanona Itália.[...] Porque com sua forçaexpedicionária na Europa o Brasil mostra aomundo inteiro que é uma potência com que sepode contar – em tempo de guerra e de paz. (EMGUARDA, 1945, p.34)
Avançando no texto o general vai então elencar que
todas as forças expedicionárias enfrentam grandes
problemas, tanto de comando como de adaptação. Fala então
da questão do baixo arsenal e da alimentação, que precisou
ser enviada do Brasil, uma vez que as rações americanas não
atendiam ao paladar brasileiro. É interessante que o autor
dedica um parágrafo inteiro para tratar da questão das
roupas, ressaltando que foi graças a uma ação do General
Clark que essa dificuldade foi suplantada: “Eram muito
leves para uma campanha de inverno nas montanhas da Itália.
Por isto, o General Clark Mandou fornecer roupas de baixo,
de lã, dos estoques do Quinto Exército dos Estados Unidos
[...]” (EM GUARDA, 1945, p.36)
Ou seja, apesar das forças receberem a chancela de
serem excelentes, ainda dependiam da ajuda americana. Isso
quando transplantado para o Golpe de 1964 nos faz
compreender por que havia a preocupação do governo
americano de se preparar e apoiar as movimentações dos
militares no Brasil. Mesmo tendo confiança na sua
interpretação do dever impedir uma ascensão comunista, os
EUA não tinham total segurança se o exército brasileiro
saberia lidar plenamente com a situação, enviando assim a
ajuda e mantendo a tutela.
Greely encerra seu texto mais uma vez trazendo às
tropas brasileiras a idéia de que eles devem defender não
apenas interesses pontuais ou de estadistas, mas sim um
conjunto de valores. O exército brasileiro é colocado como
uma das forças para alcançar o objetivo, conforme segue:
“[...] a impressão que me deixou esse contato traduz a
verdadeira significação da presença do numeroso exército
brasileiro na guerra: impulsionar a vitória.” (EM GUARDA,
1945, p.37)
Considerações Finais
Como pudemos ver desde a sua primeira movimentação de
maior organização, as forças armadas assumiram uma
responsabilidade que extrapolava apenas o dever de
proteger. Isso é reforçado pelo discurso apresentado pelo
governo americano na revista Em Guarda, que foi um recurso
oficial da política de Boa Vizinhança. Fica então
ressaltado que o exército, ao contrário do que deveríamos
esperar, assume responsabilidades morais e de valor.
Essa carga de responsabilidade, que extrapola a sua
função pragmática, tem seus dois momentos de destaque nas
principais guerras que o Brasil participou, a do Paraguai e
a Segunda Guerra. Esse movimento seria algo esperado, uma
vez que há um aumento considerável de contingente e de
investimento. Mas nos chama a atenção como os próprios
militares se vêem, posteriormente, imbuídos de
responsabilidades que não deveriam caber às forças armadas.
O Golpe de 1964, apesar da distância de 20 anos em
relação à participação do Brasil na Segunda Guerra, também
foi influenciado pela lógica implantada para o conflito. O
medo do comunismo já era algo concreto durante o embate,
mesmo sendo o inimigo em comum o nazismo. A disputa pelos
campos de influência ideológica já estavam sendo
arquitetados, e essa aproximação dos EUA com o Brasil
também tinha essa intenção.
Os discursos apresentados na revista, representando a
FEB e as forças armadas como exemplares e responsáveis, tem
uma função maior para a população brasileira do que para os
americanos. E essas falas ganham ainda maior destaque por
partirem de um emissor hegemônico e reconhecidamente
defensores das américas. O imperialismo sedutor queria
também mostrar como nossos militares também eram fortes e
preparados para nos defender.
Sabemos que uma pesquisa de um tema de tamanha
magnitude não pode se encerrar apenas a este artigo ou à
estas reflexões. Esperamos que os questionamentos aqui
levantados e as proposições colocadas levem a novos
trabalhos. Entendemos também que as fontes é que carregam
as reais informações, sendo as nossas interpretações
plausíveis de questionamento e de debate, pensando numa
lógica dialética de construção de conhecimento.
Bibliografia
DORATIOTO, Francisco. Guerra do Paraguai. In: MAGNOLI,Demátrio. História das Guerras. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2009. Cap. 11. p. 253-285.
TOTA, Antonio Pedro. Imperialismo Sedutor: A americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 235 p.
EM GUARDA. Washington, D.C.: Business Publishers International Corporation, 1941-1945, Mensal.
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