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AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DEFENDEM VALORES E NÃO APENAS TERRITÓRIO: COMO A REVISTA "EM GUARDA" RETRATA A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL Iberê Moreno Rosário e Barros – POLITHICULT- PUC-SP [email protected] As Forças Armadas Brasileiras tiveram dois momentos de intensa estruturação e fortalecimento, pensando os processos pré-golpe de 1964. A guerra do Paraguai e a Segunda Guerra Mundial foram episódios de grandes investimentos e incentivo. Em ambos os casos, além do desenvolvimento técnico, houve movimentações políticas e conceituais. Os desdobramentos e impactos destes fatos reverberaram até 1964, e seguem reverberando até hoje. Mesmo que as intensidades e construções tenham se alterado, ainda é preciso pensar como o exército se entende responsável por uma construção nacional e não apenas a sua função de defesa das fronteiras. O presente texto irá trabalhar em 3 etapas distintas mas complementares. Primeiro iremos elencar, brevemente como o exército se estruturou durante a guerra do Paraguai, com atenção para como era vista a função das forças armadas neste período. O segundo momento iremos apresentar a revista “Em Guarda” e como ela retratou as Forças Armadas Brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. Por fim iremos amarrar a reflexão e indicar como compreendemos que as influências dos EUA impactaram nesse modo de

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AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DEFENDEM VALORES E

NÃO APENAS TERRITÓRIO: COMO A REVISTA "EM GUARDA"

RETRATA A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA SEGUNDA GUERRA

MUNDIAL

Iberê Moreno Rosário e Barros – POLITHICULT- PUC-SP

[email protected]

As Forças Armadas Brasileiras tiveram dois momentos de

intensa estruturação e fortalecimento, pensando os

processos pré-golpe de 1964. A guerra do Paraguai e a

Segunda Guerra Mundial foram episódios de grandes

investimentos e incentivo. Em ambos os casos, além do

desenvolvimento técnico, houve movimentações políticas e

conceituais. Os desdobramentos e impactos destes fatos

reverberaram até 1964, e seguem reverberando até hoje.

Mesmo que as intensidades e construções tenham se alterado,

ainda é preciso pensar como o exército se entende

responsável por uma construção nacional e não apenas a sua

função de defesa das fronteiras.

O presente texto irá trabalhar em 3 etapas distintas

mas complementares. Primeiro iremos elencar, brevemente

como o exército se estruturou durante a guerra do Paraguai,

com atenção para como era vista a função das forças armadas

neste período. O segundo momento iremos apresentar a

revista “Em Guarda” e como ela retratou as Forças Armadas

Brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. Por fim

iremos amarrar a reflexão e indicar como compreendemos que

as influências dos EUA impactaram nesse modo de

entendimento da função do Exército, que por sua vez

influenciou no Golpe de 64.

Não esperamos chegar a conclusões axiomáticas, mas sim

realizar um percurso alternativo de modo a enxergar a

história por rastros distintos dos já consagrados.

Esperamos mostrar como os processos se dão sob a influência

de matrizes muito distintas, de maneira que não se pode

descartar nenhum fator na construção da sociedade atual.

Sem almejar uma função de justificativa, temos como

objetivo trazer novas perguntas ao tema.

A guerra do Paraguai

O exército brasileiro tem na guerra do Paraguai sua

pedra angular de organização. Foi principalmente em Duque

de Caxias que se construiu o imaginário das forças armadas.

Com suas ações rígidas e precisas, transformou as tropas

antes difusas em um corpo coeso e meritocrático. Essas

medidas o fizeram, até hoje, o patrono do exército e por

sua vez um exemplo de como se espera que atue um militar.

O que nos interessa para este artigo é indicar

justamente o modo como Caxias lidou com o contexto, em

contraposição ao o que o Estado Monárquico queria. Já no

Tratado da Tríplice Aliança, de 1º de Maio de 1865, vê-se

que a intenção do Império era maior do que apenas

confrontar o Paraguai por questões geopolíticas. Havia,

somado a isso, a intenção de se posicionar ideologicamente,

indicando como o governo brasileiro entendia que deveriam

se organizar os demais países ao seu redor. Francisco

Doratioto nos trás em seu texto, parte da coletânea

“História das Guerras”, um trecho que corrobora esta

proposição:Esse tratado estabelecia a aliança militarcontra o Paraguai, mas afirmava que a guerraera contra Francisco Solano López e não o povoparaguaio. Determinava que a luta terminariasomente com a retirada do ditador do país, quea paz não seria tratada isoladamente, mas emconjunto pelos três países aliados, e somentecom o novo governo que se instalasse emAssunção. (DORATIOTO, 2009. P 261)

É interessante notar que, portanto, a guerra era mais

um combate simbólico à um modelo de governo e de política

do que contra um povo. Isso é importante, inclusive, para

justificar a duração da guerra e aumentar a importância de

que o combate não era de interesses simplórios, mas sim de

defesa do continente frente uma ameaça de um individuo. É

um movimento muito semelhante ao que ocorre na Segunda

Guerra Mundial, com a diferença do modo como o Estado Maior

assimila essa incumbência.

Devemos notar que a figura do Duque de Caxias não era

incólume ou nova no cenário político e militar do Brasil.

Era já no período da guerra o general de maior prestígio,

em função da sua atuação em outros conflitos internos, além

de um dos Senadores do partido Conservador. Era, portanto,

uma personalidade de destaque, tanto por suas ações como

pela sua função política.

Os combates no Paraguai foram muito impactantes e

desestabilizadores para as forças armadas de todos os

países. Não apenas o povo paraguaio foi desestruturado,

como as tropas brasileiras, argentinas e uruguaias,

posteriormente passaram por uma forte reorganização. Uma

vez que o Brasil havia desmantelado suas tropas

profissionais, passando para um corpo militar auto

financiado, através da Guarda Nacional, a preparação e o

empenho dos soldados eram muito baixos.

Mesmo no caso dos oficiais e praças advindos do Rio

Grande do Sul, que por questões históricas e políticas

estavam mais preparados e acostumados ao combate, ainda

eram condições um tanto precárias de manutenção. Como

indica a professora Francisca Carla Santos Ferrer, quanto à

estruturação do Exército no período pré conflito: Outrossim, o governo não investia no Exército,deixando de arcar com o fornecimento básicopara seu funcionamento, faltava-lhes homens,armamentos, víveres, ou seja, todas ascondições necessárias para formação emanutenção de uma força militar nacional capazde defender a pátria. (FERRER, 2005. P.123)

Por isso as ações e tomadas de decisão do Duque de

Caxias foram tão importantes para o desenrolar do conflito.

Mais do que mudanças totalmente decisórias o então Marquês,

empoderou as forças com a meritocracia e com a disciplina,

características pessoais do general e que inspiraram as

tropas. Esse impacto pode ser demonstrado inclusive em seu

misticismo enquanto líder, conforme apresentado no site do

exército brasileiro:Um efeito de sua liderança sobre a troparelatou Dionízio Cerqueira em suas"Reminiscências da Guerra do Paraguai", tendosido o autor testemunha da atuação de Caxias naconquista da ponte de Itororó: "Quando (Caxias)passava no seu uniforme de Marechal de

Exército, ereto e elegante, apesar da idade,todos nós nos perfilávamos reverentes e cheiosde fé. Não era somente respeito devido a suaalta posição hierárquica. Havia mais aveneração religiosa e a admiração sem limites.Ele poderia fazer dos seus soldados o quequisesse, desde um heroi até um mártir. Porisso, quando ele passou pela frente do 16 (deInfantaria), com as faces incendidas e a espadacurva desembainhada, foi preciso o nossocomandante comandar - Firme! - para que não oseguíssemos todos."(BRASIL, 2014)

Esse extremo respeito e reverência eram também fruto

do modo como o próprio general lidou com as tropas. A sua

primeira ação ao assumir o comando das tropas foi o de

“reorganizar a força terrestre brasileira, reequipando-a,

restabelecendo a disciplina, substituindo o critério

político pelo profissional ao nomear os comandantes de

tropas, e treinando, em plena frente de batalha, civis

recém-incorporados ao Exército.” (DORATIOTO, 2009. P.269)

É em função dessa visão pragmática e objetiva que para

Caxias o conflito se encerrou no momento que as tropas de

Solano Lopez estavam exauridas. Uma contraposição direta ao

que compreendia o Estado, que desde o tratado de 1865

mantinha a mesma posição quanto à “caça” ao ditador

paraguaio. Tanto que o próprio general se retira do fronte

de batalha e retorna ao Brasil, também sob justificativas

pessoais de saúde, uma vez que no período do Duque já

contava com mais de 60 anos.

Enquanto para os comandantes em chefe das forças

armadas brasileiras o conflito estava encerrado, para o

Estado ainda havia pelo que batalhar. Doratioto deixa clara

essa dicotomia ao colocar que:

Para o Estado Monárquico brasileiro, vencerLópez deixara de ser somente uma necessidademilitar, adquirindo significados políticos esimbólicos. Lendo-se a documentação e aimprensa dos países aliados, constata-se que nodiscurso guerreiro não havia rancor contra osparaguaios; o ódio era canalizado contra afigura de López. (DORATIOTO, 2009. P 274)

É importante também mostrar que a influência da

opinião pública assim como a mobilização. Neste caso,

citando Doratioto, “A febre anti-López se disseminou entre

os brasileiros e foi instrumento de mobilização popular no

esforço de guerra.” (DORATIOTO, 2009. P 274). Portanto um

encerramento da disputa sem esse resultado seria uma

derrota para o poder monárquico. Vê-se, portanto, a

disparidade entre os comandantes em chefe e o Estado.

A influência e a consequência da Guerra do Paraguai

foi muito grande em diversos pontos. “Criou, ainda, um

Exército forte, que adquiriu, nos campos de batalha,

identidade própria, desvinculada da Monarquia, depondo-a

com o golpe republicano de 15 de Novembro de 1889.”

(DORATIOTO, 2009. P 282).

Segunda Guerra Mundial

Tendo como pano de fundo comparativo este

contexto acima apresentado, dedicaremos esta seção para

podermos analisar o nosso objeto central. Entendemos que o

contato do exército brasileiro com um novo confronto

internacional, de proporções como a Segunda Guerra Mundial,

teve um impacto considerável nos valores e na moral do

oficialato.

Principalmente quando nos referimos aos Generais

Mascarenhas e Dutra, que tiveram contato direto com os

militares do Estado Maior dos EUA, a representação das

imagens das tropas e de seus comandantes sem dúvida criou

um precedente para a compreensão de missão nas turmas

posteriores. Principalmente em consequência do

estreitamento de laços acadêmicos e preparatórios que

desembocaram no aumento do anticomunismo entre os

militares.

O que queremos mostrar, com maior atenção, é o modo

como uma revista americana apresentou as forças armadas

brasileiras, para o Brasil, durante a Segunda Guerra

Mundial. Isso nos servirá para mostrar como os EUA

enxergavam o potencial militar brasileiro além do

convencional e como um parceiro preferencial na América.

Isso fez com que os americanos tivessem uma atenção ainda

maior ao Brasil, e incentivando a responsabilidade de

defesa de valores por parte do Exército.

A revista em questão é a “Em Guarda”. Publicada entre

os anos de 1941 e 1945, pelo governo americano através do

Office of the Coordinator of Interamerican Affais(OCIAA), a revista

tinha uma função muito específica: divulgar e difundir o

americanismo e facilitar a Política de Boa Vizinhança. O

responsável pelo OCIAA e peça fundamental nessa

estruturação foi Nelson Rockefeller, herdeiro da família

mais rica dos EUA e de grande influência política e

cultural.

A revista, através de matérias diversas que vão desde

a divulgação do desenvolvimento bélico americano até a

publicação de notícias sobre moda interamericana, tenta

criar esse laço de aproximação. Escrita em português para o

caso brasileiro, e com edições em espanhol e até em francês

para os demais países do continente, a revista tinha um

custo de compra muito baixo, mostrando que se esperava que

sua circulação fosse alta.

Inicialmente a revista tem um foco quase que

estritamente de informação sobre a evolução e o potencial

militar americano. Porém, com o passar das edições, a

publicação vai ganhando uma função mais noticiosa,

apresentando reportagens sobre o combate no front, assim

como matérias sobre os diferentes países do continente. É

interessante ainda chamar a atenção para o fato de a

revista em diversos momentos se preocupar em mostrar como é

o modo de vida americano, nas suas mais diferentes regiões,

como uma propaganda do american way of life.

A publicação conta com 788 matérias, no total dos 4

anos. Como parte da pesquisa que temos realizado,

categorizamos todos os textos em 7 temas, sendo um deles o

de “América Latina”. Nele foram colocadas matérias que se

referissem a qualquer país do continente, com exceção dos

anglófonos, sem subdividir em qual era o subtema. Dentro

dessa divisão encontramos 26 matérias que se referem às

forças armadas brasileiras, tanto o exército como a marinha

e a aeronáutica.

No primeiro ano encontramos 6 matérias sob a

categorização. Gostaríamos de chamar a atenção para a

edição número 12, na qual encontramos justamente o texto

que se refere à entrada do Brasil no conflito. O destaque é

tamanho que a matéria se inicia na contra capa e se estende

até a página 4. Sempre o texto exortando a capacidade e a

coragem brasileira com o ato. Tanto que Vargas é intitulado

“Líder do Brasil em guerra”, não apenas como presidente,

conforme vemos na reprodução abaixo.

Figura 1 - Getúlio Vargas

A imagem da primeira página apresenta uma manifestação

popular em apoio à participação do Brasil no conflito.

Podemos identificar com facilidade, em meio às bandeiras

brasileiras, uma bandeira dos EUA. E a legenda indica como

o desejo da entrada na guerra era de clamor público, e não

apenas uma motivação estratégica do governo: “Como era de

esperar, os protestos do povo brasileiro contra as

barbaridades alemães, fazem-se ouvir energicamente na praça

pública, clamando pela guerra” (EM GUARDA, 1942).

Figura 2 - Manifestação Popular em prol da Guerra

É interessante, nesse mesmo ano, ressaltar a matéria

“Programa de amizade” da edição número 11. Nela é relatada

uma troca de saudações entre os cadetes da Escola Militar

do Realengo e da Academia Militar de West Point. Há

predominantemente imagens de ambas as escolas e seus

cadetes e oficiais, mostrando como são semelhantes ambos os

espaços e os aspirantes. Na parte inferior das páginas 16 e

17 encontramos imagens que mostram cadetes de ambas as

instituições realizando adestramentos de precisão, e as

imagens, se não fossem pelas legendas, poderiam ser

facilmente confundidas.

No texto é exaltada diversas vezes a capacidade

militar brasileira e seu avanço técnico e tecnológico. Há

uma atenção especial, inclusive ao evento, por se tratar o

momento da mudança da escola brasileira para Rezende, onde

se localiza até hoje, sob o nome de Academia Militar das

Agulhas Negras. O texto adquire um tom romanceado ao falar

dessa mudança:Da antiga Escola Preparatória Tática e Práticado Realengo, onde iniciaram sua carreira tantos Figura 3 - Cadetes Brasileiros de Villegaignon

oficiais ilustres do exército, à escola modêlode Rezende, há um grande progresso no ensino daciência militar no Brasil. A inauguração dêssemoderno estabelecimento que, em muitos aspectosé o melhor aparelhado não somente nas Américascomo no mundo inteiro, vem coincidir com asituação de extraordinário destaque em que aguerra colocou o Brasil, como nação forçadapelas circunstâncias, a tornar-se verdadeirapotência militar (EM GUARDA, 1942, p.16)

Já no segundo ano são encontradas 6 matérias sobre o

tema. Três delas chamam atenção especial, sendo elas: sobre

a marinha brasileira, na edição número 1; sobre a Escola

Naval do Brasil, na edição número 2; e sobre as bases em

Natal e Recife, na edição número 11. Os textos, nos três

casos, sempre ressaltam a capacidade brasileira e o empenho

no desenvolvimento nacional, além de como se dá a relação

das Forças Armadas Brasileiras com as dos demais países.

No primeiro texto, que trata da Marinha, lemos que: “O

problema da marinha do Brasil prende-se aos seus recursos;

são pequenos, relativamente às proporções desta guerra.”

(EM GUARDA, 1942, p.23). Ou seja, o autor vê que o

treinamento e a capacidade são elevadas, porém a estrutura

é baixa. Vai mais a frente justificar que isso se deve à

falta de investimento em uma siderurgia. Vemos assim que a

revista compreende como uma força de grande potencial para

se responsabilizar pelo país, sendo que a falta de atenção

deste âmbito de investimento, por parte dos dirigentes,

levou a essa deterioração: Há cem anos, a esquadra brasileira era uma dasmaiores do mundo, mas a substituição do naviode madeira pelo de aço, ocorrida em meiados doséculo passado, veiu colocar os grandes países

fabricantes de aço na vanguarda em matéria desuperioridade naval. (EM GUARDA, 1942, p.23)

O segundo texto trata especificamente da Escola Naval

de Villegaignon. Mostra de maneira clara como a capacidade

de seus egressos é de grande excelência e qualidade. E

justifica isso em função de parcerias históricas com os

EUA, que também imbuíram estes de uma responsabilidade com

os ideias americanos. Vemos isso no seguinte trecho: A íntima cooperação que de há muito tempo temexistido entre as duas marinhas, a do Brasil ea dos Estados Unidos, torna-se neste históricomomento, uma das garantias para a realizaçãodefinitiva dos consagrados ideais americanosque as suas grandes nações têm animado comverdadeiros exemplos. (EM GUARDA, 1942, p.30)

Por fim, o terceiro texto trata da criação das bases

no Brasil. Fato que já foi tratado como um influenciador da

cultura brasileira pelo professor Tota no seu livro

“Imperialismo Sedutor”, como vemos aqui ao dizer desse

processo na base aérea de Parnamirim: “Quando o primeiro

tabaréu, observando os aviões e os pilotos americanos com

seus gestos, mimetizou o ‘positivo’, com o dedão pra cima,

o Brasil já estava americanizado”(TOTA, 2001, p.10).

Essa influencia, que repercute inclusive em atos

cotidianos, tem um impacto muito forte nas forças armadas.

Por ser o grupo social com o qual os americanos tiveram

maior contato, podemos compreender que foi o mais

influenciado também. Fazendo com que eles absorvessem o

dever proteger dos valores, e não apenas a sua função

original de proteger o espaço nacional. Essa convivência

pode ser mostrada com imagens como esta abaixo, na qual

mostra um sargento brasileiro aprendendo com um sargento

americano a manutenção de um motor.

Figura 5 - A relação entre brasileiros e americanos

Por sua vez, no terceiro ano são encontradas 8

matérias que tratam sobre o exército brasileiro. Três

matérias atraem nossa atenção em especial: uma sobre o

exército brasileiro, que se encontra na segunda edição, e

trata da expansão do exército brasileiro para integrar as

forças de guerra; uma sobre a chegada das tropas

brasileiras em solo europeu e seu impacto simbólico,

encontrada na edição número 11; e por fim, na edição número

12, aparece a primeira reportagem de Frank Norral, que foi

correspondente da OCIAA junto às Forças Expedicionárias do

Brasil (FEB).

Na primeira matéria destacada, a preocupação é de

mostrar como a preparação do exército brasileiro é algo

primoroso. Remete principalmente à aproximação com os

países das Nações Unidas, com destaque para os EUA, como

vemos aqui: No desenvolvimento de seu poder combativo temhavido um íntima cooperação entre o Exércitobrasileiro e dos Estados Unidos. Oficiaisbrasileiros têm visitado os Estados Unidos,percorrendo campos de provas e arsenais deguerra interessados na seleção de armas e deensinamentos mais aplicáveis às necessidadesmilitares de sua pátria. (EM GUARDA, 1943,p.29)

É interessante como a própria revista faz a

aproximação que fizemos no início do texto ao rememorar

Duque de Caxias enquanto modelo de militar, como podemos

ver no seguinte trecho: “Os oficiais, quer sejam os

oriundos da Escola Militar do Realengo ou dos Centros de

Preparação de Oficiais da Reserva, têm emulado o espírito

realizado de Duque de Caxias, que, há 122 anos, foi um

produto do ensino militar no Brasil” (EM GUARDA, 1943,

p.26).

Essa conexão nos indica, portanto, como os americanos

entendem no militar a responsabilidade maior do que

exclusivamente a defesa do território nacional. Assim como

fez Duque de Caxias, que encabeçou os movimento para a

criação da República, espera-se que os militares sigam

defendendo valores e modelos de governo. É neste ponto de

conexão que o artigo pretende desenvolver seus pontos

finais mais a frente.

A segunda matéria, que tem como título “As forças

brasileiras na Europa: e a grande significação que o fato

encerra para a História da América”, reconta agora da

atuação brasileira em solo europeu, dando atenção especial

para as diferentes manifestações pró essa participação, por

parte tanto de brasileiros como de estrangeiros.

Reproduzimos aqui a fala de Mascarenhas que consta no

texto: “Estamos ansiosos de entrar em combate ao lado dos

nossos irmãos de armas e lutar contra o nosso inimigo

comum.” (EM GUARDA, 1944, p.1)

Chama-nos atenção que a matéria dedica um parágrafo a

parte apenas para trazer a declaração de Nelson

Rockefeller, o Coordenador de Assuntos Interamericanos. É

interessante pois são poucas as outras vezes na qual ele é

citado ou referenciado diretamente, e essa fala mostra

justamente o alinhamento quanto à idéia de que o exército

brasileiro abarca maiores responsabilidades além da defesa

do território nacional. Segue: Para o Sr. Nelson A. Rockefeller, Coordenadorde Assuntos Interamericanos, o desembarque dastropas brasileiras foi “um símbolo dos supremossacrifícios que os nossos bons vizinhos eamigos já têm feito e estão prontos para fazerafim de derrotar nosso inimigo comum” (EMGUARDA, 1944, p.2)

O parágrafo final, que sumariza boa parte do que é

tratado ao longo do texto, fica um tanto deslocado, uma vez

que a imagem que segue logo abaixo contradiz, ao menos

parcialmente, a fala. Segue o texto: O exército que o Brasil envia para as frentesde combate na Europa é, portanto, um conjuntoperfeito de aparelhamento militar moderno. E natropa se refletem todas as qualidades decoragem, de iniciativa e de disciplina que bemcaracterizam a elite que compõe a suaoficialidade. (EM GUARDA, 1944, p.4)

A imagem, por sua vez, mostra apenas jovens soldados,

em sua maior parte franzinos, carregando os sacos com seus

pertences. É ainda mais patente o fato da foto ter em

destaque dois negros, que por questões históricas de

opressão e exclusão, não compunham a elite que o texto se

referencia. Isso, mesmo que indiretamente, mostra como

havia uma segregação entre o oficialato e os soldados. Mas

ao mesmo tempo trás a tona a idéia de que mesmo os corpos

mais baixos das forças teriam a mesma vocação de defensores

de ideais, e não apenas de territórios.

Figura 6 - uma contraposição com o textoPor fim, a terceira matéria do terceiro ano, tem um

destaque em especial por se tratar da primeira reportagem

feita por Frank V. Norral. O correspondente se torna

responsável por acompanhar e relatar sobre a participação

brasileira no front. Tem, portanto, mais três matérias

publicadas na revista, todas no quarto ano, nas quais narra

sobre a atuação e acomodação das tropas brasileiras. Na

primeira matéria, em especial, se ocupa em relatar sobre o

excelente preparo que as tropas já tinham antes do

desembarque e em como os soldados brasileiros são um

exemplo.Veteranos combatentes das forças dos EstadosUnidos, já experimentados nos campos de batalhada África e da Europa, são unânimes emconsiderar a Fôrça Expedicionária Brasileiracomo um conjunto de tropas que os nazistasterão que respeitar. Sua preparação tática noBrasil e aqui lhe tem aprimorado todas asqualidades indispensáveis a uma tropa deprimeira ordem. Por isso, os oficiais,inferiores e praças do Exército americano quevieram das frentes de batalha especialmentepara porem os soldados brasileiros ao par dosúltimos detalhes técnicos desta guerra devigoroso movimento sentem-se verdadeiramenteorgulhosos da honra que lhes foi conferida. (EMGUARDA, 1944, p.16)

Como vemos, o correspondente exalta a capacidade

brasileira de maneira fervorosa. Como parte da política de

boa vizinhança, na qual o Brasil teria um papel fundamental

por se tornar uma conexão entre os EUA e a América Latina,

essa representação da imagem de uma grande proximidade e de

uma similaridade é importante. Apesar de não podermos

comprovar como isso impacta diretamente na população,

podemos ver que a integração entre as tropas ocorreu, e

neste ponto podemos compreender uma influência que

posteriormente se torna um dos fatores para o Golpe de 64.

Por fim, no quarto ano, encontramos 6 matérias que

falam do exército brasileiro. Destacamos três fatos, três

das matérias foram escritas por Frank V. Norral e duas

delas, as quais daremos maior atenção neste texto, são

exaltações à FEB. A primeira é um texto sobre o General

Mascarenhas de Moraes, que se encontra na terceira edição

deste ano, e a segunda é análise do General Greely à

atuação brasileira, que se encontra na quinta edição do

mesmo ano.

No relato sobre o comandante brasileiro, são

constantemente ressaltadas as suas atitudes enquanto um

homem do front. Apesar de suas funções serem concentradas

em tomadas de decisão, o general, de acordo com o relato, é

um individuo que se preocupa com o bem estar e com a

manutenção do vigor das tropas. Essa imagem de liderança

que a revista passa é interessante pois reforça a idéia de

que os militares estariam preocupados com todos,

independentemente da patente ou da posição que ocupam, mas

que jamais ignoram a importância e a seriedade do que

fazem.

O seguinte parágrafo ilustra muito claramente essa

imagem de um comandante que se preocupa e cuida das suas

tropas: Afim de se certificar da situação entre a suatropa, o general, desde que chegaram as forçasbrasileiras à Itália, em Julho último, visitadiariamente as posições avançadas,frequentemente com grave risco pessoal. É deacordo com as suas próprias observações queentão decide quando as tropas de combate devemdescansar e serem substituídas por outras. (EMGUARDA, 1945, P.15)

Por fim, a última matéria que gostaríamos de destacar,

é a análise de Greely sobre as tropas brasileiras. É

interessante notar que o ufanismo exacerbado, apresentado

até então, nesta matéria é bem arrefecido. Uma vez que a

análise é mais técnica, o general se preocupa em indicar

inclusive as dificuldades com as roupas e as adaptações

climáticas. Mesmo ponderando essas questões e as colocando

como um empecilho brasileiro, fica claro que o comandante

americano acredita nas tropas da FEB.

No segundo parágrafo o autor já demonstra esse

respeito e admiração, mesmo que posteriormente ele passe a

ponderar e elencar as deficiências brasileiras. Segue:As forças brasileiras estão na Itália, e istoquer dizer que na Itália contamos com mais umrespeitável exército. Não se trata de umconjunto militar meramente simbólico que hajaatravessado o Atlântico para reunir aconstelação do emblema nacional brasileiro àsfaixas e estrelas do pavilhão norte-americanona Itália.[...] Porque com sua forçaexpedicionária na Europa o Brasil mostra aomundo inteiro que é uma potência com que sepode contar – em tempo de guerra e de paz. (EMGUARDA, 1945, p.34)

Avançando no texto o general vai então elencar que

todas as forças expedicionárias enfrentam grandes

problemas, tanto de comando como de adaptação. Fala então

da questão do baixo arsenal e da alimentação, que precisou

ser enviada do Brasil, uma vez que as rações americanas não

atendiam ao paladar brasileiro. É interessante que o autor

dedica um parágrafo inteiro para tratar da questão das

roupas, ressaltando que foi graças a uma ação do General

Clark que essa dificuldade foi suplantada: “Eram muito

leves para uma campanha de inverno nas montanhas da Itália.

Por isto, o General Clark Mandou fornecer roupas de baixo,

de lã, dos estoques do Quinto Exército dos Estados Unidos

[...]” (EM GUARDA, 1945, p.36)

Ou seja, apesar das forças receberem a chancela de

serem excelentes, ainda dependiam da ajuda americana. Isso

quando transplantado para o Golpe de 1964 nos faz

compreender por que havia a preocupação do governo

americano de se preparar e apoiar as movimentações dos

militares no Brasil. Mesmo tendo confiança na sua

interpretação do dever impedir uma ascensão comunista, os

EUA não tinham total segurança se o exército brasileiro

saberia lidar plenamente com a situação, enviando assim a

ajuda e mantendo a tutela.

Greely encerra seu texto mais uma vez trazendo às

tropas brasileiras a idéia de que eles devem defender não

apenas interesses pontuais ou de estadistas, mas sim um

conjunto de valores. O exército brasileiro é colocado como

uma das forças para alcançar o objetivo, conforme segue:

“[...] a impressão que me deixou esse contato traduz a

verdadeira significação da presença do numeroso exército

brasileiro na guerra: impulsionar a vitória.” (EM GUARDA,

1945, p.37)

Considerações Finais

Como pudemos ver desde a sua primeira movimentação de

maior organização, as forças armadas assumiram uma

responsabilidade que extrapolava apenas o dever de

proteger. Isso é reforçado pelo discurso apresentado pelo

governo americano na revista Em Guarda, que foi um recurso

oficial da política de Boa Vizinhança. Fica então

ressaltado que o exército, ao contrário do que deveríamos

esperar, assume responsabilidades morais e de valor.

Essa carga de responsabilidade, que extrapola a sua

função pragmática, tem seus dois momentos de destaque nas

principais guerras que o Brasil participou, a do Paraguai e

a Segunda Guerra. Esse movimento seria algo esperado, uma

vez que há um aumento considerável de contingente e de

investimento. Mas nos chama a atenção como os próprios

militares se vêem, posteriormente, imbuídos de

responsabilidades que não deveriam caber às forças armadas.

O Golpe de 1964, apesar da distância de 20 anos em

relação à participação do Brasil na Segunda Guerra, também

foi influenciado pela lógica implantada para o conflito. O

medo do comunismo já era algo concreto durante o embate,

mesmo sendo o inimigo em comum o nazismo. A disputa pelos

campos de influência ideológica já estavam sendo

arquitetados, e essa aproximação dos EUA com o Brasil

também tinha essa intenção.

Os discursos apresentados na revista, representando a

FEB e as forças armadas como exemplares e responsáveis, tem

uma função maior para a população brasileira do que para os

americanos. E essas falas ganham ainda maior destaque por

partirem de um emissor hegemônico e reconhecidamente

defensores das américas. O imperialismo sedutor queria

também mostrar como nossos militares também eram fortes e

preparados para nos defender.

Sabemos que uma pesquisa de um tema de tamanha

magnitude não pode se encerrar apenas a este artigo ou à

estas reflexões. Esperamos que os questionamentos aqui

levantados e as proposições colocadas levem a novos

trabalhos. Entendemos também que as fontes é que carregam

as reais informações, sendo as nossas interpretações

plausíveis de questionamento e de debate, pensando numa

lógica dialética de construção de conhecimento.

Bibliografia

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