Artigo 146 A CF versao final autor data

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Universidade Católica de Brasília Mestrado em Direito Disciplina: Direito Constitucional Tributário Professor Dr. Marcos Aurélio P. Valadão Artigo 146-A da Constituição Federal: uma abordagem preliminar Pricilla Maria Santana

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Universidade Católica de BrasíliaMestrado em DireitoDisciplina: Direito Constitucional TributárioProfessor Dr. Marcos Aurélio P. Valadão

Artigo 146-A daConstituiçãoFederal: umaabordagempreliminar

Pricilla Maria Santana

Brasília, 23 de maio de 2014

Sumário

1. Introdução........................................................................................................

2. Contexto histórico da edição do Artigo 146-A: oprocesso legislativo.............

3. Diálogo entre o art. 146-A, alguns princípiosconstitucionais e outros ramos doconhecimento.............................................................................................

3.1. O caráter extrafiscal do art. 146-A............................................

3.2. O art. 146-A CF e os princípios daneutralidade tributária, da livreconcorrência e da livreiniciativa.......................................

3.3. O art. 146-A, a Economia e a Defesa daConcorrência..............

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4. Entendendo o art. 146-A..........................................................................

4.1. Possíveis interpretações do art. 146-A..............................................

5. Algumas hipóteses de aplicação do art. 146-A................................................

5.1. Descumprimento da legislaçãotributária.................................

5.2. Imposto sobre lucros nãodistribuídos......................................

5.3. CIDE sobre atos deconcentração..............................................

5.4. Indução à Internalização de Custos deAtividades Poluidoras..

5.5. Indução às Boas PráticasConcorrenciais...................................

6. Propostas de regulamentação do art. 146-A...................................................

7. Conclusão........................................................................................................

8. Referênciasbibliográficas.....................................

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1. Introdução

Introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela

Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, o

art. 146-A, cuja literalidade é apresentada abaixo, em que

pese contar com mais de dez anos de sua publicação, ainda

não apresenta uma bibliografia consolidada, justificando-se

assim a necessidade do uso “preliminar” no presente estudo.

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecercritérios especiais de tributação, com o objetivode prevenir desequilíbrios da concorrência, semprejuízo da competência de a União, por lei,estabelecer normas de igual objetivo.

Nesse sentido, não há, na presente análise,

qualquer pretensão de exaurir a matéria tampouco proceder a

estudo minucioso acerca de seu entendimento nas cortes

nacionais, até porque, como é sabido, a matéria carece

ainda de norma regulamentadora e, em consulta às Cortes

Superiores pátria, não foi localizada a interposição de

quaisquer questionamentos. Nem mesmo, como muito bem aponta

Souza (2011, p. 1), o instrumento do direito comparado se

presta a socorrer o presente estudo. Isso porque se trata

de tema inédito, não havendo precedentes nas Cartas Magnas

anteriores, tampouco em jurisdições alienígenas.

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Assim, trata-se de estudo preliminar que visa

analisar o material bibliográfico disponível, tendo por

obra de referência principal o livro de José Luiz Ribeiro

Brazuna, denominado Defesa da Concorrência e Tributação à Luz do Artigo

146-A da Constituição, bem como discorrer sobre os principais

elementos constitutivos do dispositivo, buscando entender

sua natureza jurídica, o diálogo que realiza com outros

princípios constitucionais, notadamente o da neutralidade

tributária, o da livre iniciativa e o da livre

concorrência.

Grosso modo, a análise está estruturada em cinco

seções principais, a começar pelo estudo do contexto

histórico no qual se insere o art. 146-A e o processo

legislativo de sua gênese. A seção seguinte se dedica à

elaboração de comentários acerca do modo como o art. 146-A

dialoga com outros princípios constitucionais e outros

ramos do conhecimento, em especial, a Ciências Econômicas e

mais especificamente a Defesa da Concorrência e seu

referencial teórico-normativo.

Apresentados os principais diálogos travados pelo

art. 146-A, a análise se volta para o estudo dos principais

elementos normativos do art. 146-A, de sorte a permitir seu

melhor entendimento. Para tanto, após uma pequena digressão

acerca de seus aspectos essenciais, serão apresentadas as

possíveis interpretações que o art. 146-A vem suscitando

nos debates doutrinários.

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A próxima seção abandona os aspectos teóricos do

art. 146-A e propõe um alinhamento entre a prática e a

teoria, apresentando, para tanto, as principais

possibilidades, vislumbradas pela doutrina, para aplicação

do art. 146-A. Dentre elas, destaca-se a possibilidade de a

norma tributária indutora atuar na coibição às condutas

delituosas de agentes que praticam inadimplemento fiscal

contumaz.

A quinta seção dedica-se ao estudo dos projetos

de lei complementar atualmente em tramitação no Congresso

Nacional e que se dispõem a regulamentar o art. 146-A.

Foram identificados três projetos de lei complementar. Dois

se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados,

respectivamente, Projeto de Lei Complementar nº 73, de

2007, e Projeto de Lei Complementar nº 121, de 2011; e um é

de iniciativa do Senado Federal, Projeto de Lei

Complementar nº 161, de 2013, de autoria do Senador

Delcídio do Amaral.

Por fim, são apresentadas as principais

conclusões do trabalho, no qual se reconhece, a partir da

análise do disposto no art. 146-A, a inquestionável

legitimidade e, por que não dizer, dever de o Estado,

enquanto agente normativo e regulador, intervir sobre o

domínio econômico para realinhar a atividade dos agentes

econômicos aos limites pretendidos e defendidos pela

Constituição da República, materializados pela observância

ao princípio da livre concorrência.

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2. Contexto histórico da edição do Artigo 146-A: o

processo legislativo

Em face da escassez de material bibliográfico

acerca da matéria, entender o contexto no qual surgiu o

art. 146-A da Carta Magna constitui-se, salvo melhor juízo,

no primeiro passo a ser trilhado. Para tanto, a análise do

respectivo processo legislativo pode ser entendida como

condição necessária, porém não suficiente, para uma

primeira abordagem do tema.

O art. 146-A é introduzido no texto

constitucional por intermédio da Emenda Constitucional nº

42, de 2003. Originariamente, a EC nº 42/03 foi veiculada

pela Proposta de Emenda Constitucional nº 41, de 2003,tendo sido submetida à apreciação do Congresso Nacional

mediante a Exposição de Motivos Interministerial nº

84/MF/C.Civil, de 30 de abril de 2003. Essa Proposta

representou mais uma tentativa do Poder Executivo de

realizar a sonhada reforma estrutural do Sistema Tributário

Nacional. Foram objeto da PEC nº 41, de 2003, as seguintes

matérias tributárias:

i) Imposto sobre grandes fortunas – eliminação

da necessidade de lei complementar;

ii) ITR – manutenção da regulamentação por

lei complementar; transferência da competência para

cobrança dos Municípios para os Estados e o

Distrito Federal, destinando aos Municípios parte

da arrecadação; e estabelecimento da

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progressividade, como forma de desincentivar a

manutenção de terras improdutivas;

iii) ITCMD – estabelecimento da

progressividade;

iv) ICMS – uniformização da legislação (lei

complementar e regulamento por órgão colegiado dos

representantes das fazendas públicas estaduais e

distrital – Conselho Nacional de Política

Fazendária - CONFAZ), com o objetivo de apaziguar

problemas econômicos gerados pela multiplicidade de

regras, que, em última instância, causariam

desequilíbrios concorrenciais e insegurança na

definição de investimentos; uniformização das

alíquotas, em até cinco anos, pelo Senado Federal,

cabendo ao CONFAZ definir as mercadorias, os bens e

os serviços a que trais alíquotas seriam aplicadas;

definição da “origem” como regra de cobrança do

ICMS; proibição de concessão de benefícios e

incentivos fiscais ou financeiros, como forma de

eliminar a competição predatória e entre os estados

e aumentar a eficiência da arrecadação do imposto;

desoneração das operações de exportação do ICMS,

permitindo o aproveitamento ou manutenção dos

créditos advindos dos insumos utilizados nos

produtos a serem exportados;

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v) ITBI – permissão de aplicação de alíquotas

diferenciadas em função da localização e/ou uso dos

imóveis;

vi) Criação de contribuição sobre

movimentação ou transmissão de valores e de

créditos e direitos de natureza financeira

semelhante à extinta CPMF;

vii) Encargos sobre a folha de salários –

possibilidade de substituição, parcial ou completa,

da contribuição social incidente sobre a folha de

salários por uma contribuição que incidiria sobre o

faturamento de forma não-cumulativa;

viii) Outras medidas de ordem financeira,

pertinentes às regras de distribuição dos tributos

arrecadados, bem como a instituição, pela União, de

um programa de renda mínima, destinada a assegurar

e manter a dignidade das famílias de baixa renda,

mediante financiamento solidário e realização de

convênios com os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios.

Interessante destacar que, da leitura da PEC

nº 41/03 e da Exposição de Motivos Interministerial nº

84/MF/C.Civil, não foi possível identificar qualquer

referência ao que passou a ser denominado art. 146-A da

Constituição. De fato, a única referência encontrada na

E.M.I. nº 84/MF/C.Civil que remetesse a desequilíbrios

concorrenciais se deu por ocasião da justificativa

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adotada pelo Poder Executivo para propor a uniformização

da legislação e alíquotas do ICMS:

Tais circunstâncias trazem prejuízos ao cumprimentodas obrigações tributárias pelos contribuintes,dificultam a administração, a arrecadação e afiscalização do imposto e remetem, ainda, a gravesproblemas econômicos, pois os diferentestratamentos estabelecidos provocam, muitas vezes,desequilíbrios concorrenciais e insegurança nadefinição de investimentos. (E.M.I nº 84, 2003, p.55).

Também nas discussões ocorridas no bojo do

processo legislativo dentro da Câmara dos Deputados não é

possível encontrar nada mais do que escassas remissões ao

tema concorrencial. Como muito bem aponta Brazuna (2009, p.

57), nenhuma das 466 emendas apresentadas ao texto original

da PEC nº 41/03 trouxe, na sua literalidade, o art. 146-A.

Em verdade, como ensina Brazuna, o art. 146-A só tomou

forma em 3 de setembro de 2003 durante a discussão e

votação, em primeiro turno, na Câmara dos Deputados da

Emenda Aglutinativa Substitutiva Global de Plenário nº 27,

concluída às duas horas e dez minutos do dia seguinte. A

Emenda Aglutinativa foi elaborada pelas lideranças dos

partidos PMDB, PP, PPS, PCdoB, PDT, PV, PL/PSL, PT e PTB

desacompanhada de qualquer justificativa. Aparentemente, a

redação do art. 146-A surge como um maná, caída do céu, sem

que quaisquer debates mais profundos tenham sido travados

sobre ela.

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A leitura da transcrição dos debates daquela

seção é surpreendentemente elucidativa no sentido de que,

de fato, os senhores parlamentares desconheciam

completamente o conteúdo do art. 146-A. Alguns trechos dos

debates são transcritos na obra de Brazuna (2009, p. 58) e

é assustador constatar que deputados como José Carlos

Aleluia, Juíza Denise Frossard, Antônio Carlos Mendes Thame

e Eduardo Paes não dispunham sequer da minuta do texto

apresentado. Não obstante, a matéria é votada e aprovada na

Câmara dos Deputados vinte dias depois.

Submetida ao processo de debate no âmbito do

Senado Federal, a reforma tributária foi objeto de parecer

da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que, ao

se debruçar sobre a redação do atual art. 146-A, limitou-se

apenas a identificar seu conteúdo, não acrescentando

qualquer comentário/justificativa.

Assim, diferentemente das expectativas iniciais,

a análise do debate do processo legislativo, gênese do art.

146-A, não chega a ser muito esclarecedora. Portanto, as

seções seguintes dedicar-se-ão a apresentar, ainda que de

modo sucinto e preliminar, alguns dos raros debates que

esse dispositivo tem suscitado na academia.

3. Diálogo entre o art. 146-A, alguns princípios

constitucionais e outros ramos do conhecimento

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Independentemente do fato de o art. 146-A ter

carecido do merecido debate, que teria tido, sem dúvida,

forte caráter propedêutico, tem-se que o art. 146-A traz em

si duas importantes características: a primeira, apresenta-

se como um novo instrumento de utilização da tributação,

qual seja, o de prevenir desequilíbrios concorrenciais. A

segunda, por seu turno, representa a positivação do

princípio da neutralidade tributária1.

3.1. O caráter extrafiscal do art. 146-A

A tributação extrafiscal, ou seja, “aquela

orientada para fins outros que não a captação de dinheiro

para o Erário” (OLIVEIRA, 1998, p. 207), não chega a ser

novidade. Historicamente, a tributação tem sido utilizada

para efeitos de política fiscal, orientação de

investimentos setoriais, redistribuição de renda, isso para

ficarmos apenas em alguns exemplos. A essa característica

da tributação dá-se o nome de extrafiscalidade.

1 Embora não haja unanimidade entre os doutrinadores acerca do fato deo art. 146-A ter sido o primeiro dispositivo constitucional aconsagrar o princípio da neutralidade tributária, não há dúvidas deque esse dispositivo é o primeiro a trazê-lo de modo tão expresso epositivado. Se é verdade que doutrinadores como Diego Bomfim e IvesGandra Martins entendem que a necessidade de o Estado observar oprincípio da neutralidade tributária pré-existe à edição da EC nº42/2003, na medida em que este é um corolário dos princípios da livreconcorrência e da livre iniciativa - “Mesmo antes de 2003, quando aemenda constitucional foi editada, o Estado não poderia se portar comofomentador de desequilíbrios concorrenciais, inclusive mediante atributação” (BOMFIM, Diego, 2011, p. 186) -, é igualmente verdadeiroque o art. 146-A foi, de fato, o responsável pela positivação expressado princípio da neutralidade tributária. Nesse sentido, são asopiniões de José Luiz Ribeiro Brazuna e Misabel Derzi.

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Como bem lembra Klaus Tipke e Douglas Yamashita

(2002, p. 61-62), a finalidade primeira do tributo é a

obtenção de recursos para as despesas gerais do Estado.

Porém, a conjuntura econômica ou mesmo a necessidade de

elaboração das mais diversas políticas públicas, sejam elas

para promover redistribuição de renda ou desenvolvimento

regional, podem levar os tributos a atuarem como veículos

dessas políticas.

Quando os tributos são determinados em função de

sua finalidade precípua, qual seja, arrecadar, classifica-

os em fiscal. Por outro lado, se há outros interesses ou

objetivos distintos do meramente arrecadatório, os tributos

são classificados de extrafiscal.

De fato e para utilizar uma compreensão de Luiz

Mélega (1987/1988, p. 1771-1813), quando o Estado utiliza

seu poder de tributar como instrumento de intervenção ou de

regulação, está-se diante do predomínio da característica

extrafiscal do tributo.

Eduardo Schoueri (2005, p. 30-31), ao analisar a

estrutura da norma tributária comum, também identifica seu

caráter extrafiscal. Para esse autor, a norma tributária

comum teria duas ordens de expressão, uma primária,

vinculada essencialmente à arrecadação de recursos para o

Estado, e uma secundária, na qual o legislador vincula um

tratamento tributário que induzirá o contribuinte a adotar

o comportamento desejado pelo legislador. É o que Schoueri

denomina de norma tributária indutora.

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A simples leitura do art. 146-A parece deixar

claro o interesse do legislador de, mediante a fixação de

um conjunto de critérios, estimular um comportamento nos

agentes econômicos que os induza a não adotar condutas ou

modelos de negócios que possam de algum modo provocar

desequilíbrios concorrenciais. Assim, resta evidente haver

no citado dispositivo um permissivo constitucional para que

a tributação, na forma de critérios, possa ser utilizada

para corrigir ou mitigar eventuais distorções

concorrenciais. A forma como esse permissivo será utilizado

é que ainda carece de complementação.

3.2. O art. 146-A CF e os princípios da

neutralidade tributária, da livre concorrência

e da livre iniciativa

Além, da ideia inerente de extrafiscalidade, o

art. 146-A positiva ainda o princípio da neutralidade

tributária e, nesse sentido, estabelece um diálogo com

outros princípios constitucionais, notadamente o da livre

iniciativa e o da livre concorrência.

Como ensina Sacha Calmon

Não menos importante que as definições legais sãoos princípios que, na maioria das vezes, nãopossuem o status de lei, mas são aplicados pelosintérpretes e julgadores com intensidade, fazendoparte do Direito enquanto ato regular da vida emsociedade.

(...)

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O que caracteriza os princípios é que nãoestabelecem um comportamento específico, mas umameta, um padrão. Tampouco exigem condições para quese apliquem. Antes, enunciam uma razão para ainterpretação dos casos. Servem, outrossim, comopauta para a interpretação das leis, a elas sesobrepondo. (COELHO, p. 94-95).

Brazuna (2009, p. 60) e Derzi (2005, p. 14-22)

entendem que o art. 146-A traz consigo tanto uma regra

constitucional, expressa pela competência legislativa de

fixar critérios de tributação destinados a prevenir

desequilíbrios concorrenciais, quanto um princípio, o da

neutralidade tributária, explicitando o fato de que a

tributação pode ser usada para prevenir distorções

concorrenciais.

A começar pelo princípio da neutralidade

tributária, pode-se afirmar que o art. 146-A deu forma a

ideia de que a ação arrecadadora do Estado não pode

provocar desequilíbrios na concorrência. Em outras

palavras, a análise do dispositivo permite concluir que há

um evidente reconhecimento de que o Estado, ao estabelecer

tributos, deve fazê-lo de sorte a interferir minimamente na

vida econômica dos contribuintes. Contudo, em uma acepção

relativa da ideia da neutralidade tributária, é possível

que o tributo altere as preferências de consumidores e

produtores e, portanto, atue como agente indutor de

determinado setor ou segmento.

Implicitamente o art. 146-A, em associação com

outros dispositivos da Carta Magna de 1988, reconhece que a

crença no mercado como um sistema livre, no qual a

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interação entre produtores e demandantes, dotados de

comportamento racional e informação irrestrita,

determinaria, de modo objetivo e impessoal, os preços dos

produtos e serviços comercializados (posição adotada pela

chamada Escola Clássica de Economia2) é um equívoco.

Não há dúvidas de que o art. 146-A incorpora a

visão hoje dominante entre os economistas de que o modelo

conceitual chamado de concorrência perfeita representa,

nada mais, nada menos, do que isso: um modelo teórico. As

experiências históricas, a mais recente é a crise

financeira de 2008, demonstraram que as leis de mercado e a

“mão invisível” de Adam Smith não foram suficientes para

assegurar uma justa distribuição de riquezas e adequada

alocação de recursos. É cediço que a interferência do

2 Economia Clássica (ou Escola Clássica de Economia) – tem porexpoentes principais Adam Smith e John Stuart Mill, Jean Baptiste Say,David Ricardo e Robert Malthus. A ideia central da economia clássica éa de concorrência. Embora os indivíduos ajam apenas em proveitopróprio, os mercados em que vigora a concorrência funcionamespontaneamente, de modo a garantir (por um mecanismo abstratodesignado por Smith como "a mão invisível" que ordena o mercado) aalocação mais eficiente dos recursos e da produção, sem que hajaexcesso de lucros. Por essa razão, o único papel econômico do Estado(além do básico, que é garantir a lei e a ordem) é a intervenção naeconomia quando o mercado não existe ou quando deixa de funcionar emcondições satisfatórias, ou seja, quando não há livre concorrência.Segundo a teoria clássica, na economia concorrencial, a oferta de cadabem e de cada fator de produção tende sempre a igualar a procura. Emtodos os mercados, o elemento que determina esse equilíbrio entreoferta e procura são os preços. 

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Estado, seja por absorção3, seja como agente indutor4,

participativo5 ou diretivo6, é vital para a correção das

imperfeições do mercado.

Dado esse novo contexto, nada mais razoável

admitir que também a tributação se preste à implantação de

políticas públicas do Estado. Assim, se era verdade que, à

época do império das ideias econômicas clássicas (modelo de

concorrência perfeita) a imposição de um tributo deveria

ser necessariamente neutra sob o prisma concorrencial, ou

seja, os tributos não deveriam distorcer os preços

praticados pelas empresas dentro de um dado mercado (SCAFF,

2006, p. 78) denomina essa característica de Princípio da

Neutralidade Econômica dos Tributos), hodiernamente e à luz

do art. 146-A, admite-se a tributação atuando de modo mais

contundente no mercado, seja para corrigir distorções, seja

para preveni-las.

Isso se torna mais verdadeiro se se tem em mente

o caráter extrafiscal dos tributos discutido há pouco. Como

3 A classificação por absorção, por participação, por direção e porindução é defendida por Eros Grau na obra A ordem econômica na Constituiçãode 1998: interpretação e crítica. pp. 148-149. Por intervenção por absorção(art. 177 CF): “o Estado assume integralmente o controle dos meios deprodução e/ou troca de determinado setor da atividade econômica emsentido estrito; atua em regime e monopólio”, (GRAU, 2006, p. 148).4 Intervenção por indução “o Estado manipula os instrumentos deintervenção em consonância e na conformidade das leis que regem ofuncionamento dos mercados”, (GRAU, 2006, p. 149). 5 Intervenção por participação (art. 173 CF): “o Estado assume ocontrole de parcela dos meios de produção e/ou troca de determinadosetor da atividade econômica em sentido estrito”, (GRAU, 2006, p.148).6 Intervenção por direção (art. 174 CF): “o Estado exerce pressão sobrea economia estabelecendo mecanismos e normas de comportamentocompulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentidoestrito”, (GRAU, 2006, p. 148).

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aponta Brazuna (2009, p. 142), em nossa realidade, é

constante o uso da tributação com efeitos indutores, onde a

decorrência lógica dessa tendência é o afastamento em

definitivo da ideia de uma neutralidade fiscal absoluta,

pois a extrafiscalidade necessariamente conduziria à

interferência do tributo na economia. O autor prossegue

afirmando:

De fato, se partimos da ideia de neutralidade comoabsoluta ausência de interferência da tributaçãosobre o funcionamento dos mercados, será impossívelfalar em neutralidade tributária no caso da CF de1988, que é pródiga em permissões para a tributaçãoextrafiscal ou indutora (BRAZUNA, 2009, p. 142).

Silveira (2009, p. 117-118) ensina que o objetivo

essencial do princípio da neutralidade fiscal é propor um

diálogo entre os antagônicos preceitos de equidade e

eficiência. Para ele:

a busca da neutralidade fiscal pretende ser umaforma de manutenção geral do equilíbrio da economiaou, dito de outra forma, da menor afetação possívelque a tributação possa realizar em uma economiaimperfeita.

(...)

O sentido da neutralidade fiscal está na ideia de quea tributação tem essencialmente um sentido cidadãode estabelecer a correta contribuição à manutençãoda esfera pública e não um mecanismo de intervençãoeconômica. A tributação deve ser o mais neutrapossível, ou seja, não deve se constituir em um elementofundamental de decisão do agente econômico nas suas escolhas deinvestimento. Desse modo, a tributação não pode seconstituir em um elemento de distorção do sistemaeconômico, de diminuição geral da eficiência eobstáculo ao desenvolvimento.

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A utilização da função extrafiscal do direitotributário deve ser residual, motivada e, sepossível, temporária. O tributo não pode serentendido como elemento fundamental de direçãoeconômica, mas tão-somente como meio de regulaçãoexcepcional, limitado e justificado.

Fritz Neumark (1974, p. 317) trata com bastante

propriedade o que deve ser a neutralidade perante o

fenômeno concorrencial. Para o autor, se deve evitar que a

tributação interfira onde houver concorrência

aproximadamente perfeita e cujos resultados não se

contraponham às políticas econômicas e sociais do país. De

outro modo, se a concorrência for imperfeita, se deve

lançar mão de políticas fiscais de estímulo à concorrência,

de sorte a mitigar efeitos indesejados, tanto econômicos

quanto sociais.

Para Schoueri (2007, p. 247-248), a conciliação

entre o amplo sistema extrafiscal previsto pela CF e o

princípio da livre concorrência passa necessariamente pelo

entendimento de que a neutralidade deve ser vista de

maneira relativa, interagindo com os demais princípios da

ordem econômica. Logo, a neutralidade não é absoluta

ausência de interferência estatal na ordem econômica por

meio dos tributos, mas sim deve ser entendida como a

intervenção estatal realizada por meio da tributação com a

finalidade de corrigir as deficiências das leis do mercado

ou desvios de comportamento.

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No mesmo sentido são as palavras de Ricardo

Seibel Freitas Lima:

A neutralidade tributária, desse modo, pode serentendida, em primeiro plano, como um devernegativo, ou de omissão ao Estado, de nãointerferir na concorrência por meio da tributação,e, em segundo plano, como um dever positivo ou deação, de prevenir ou restaurar, quando for o caso,a igualdade de condições na concorrência, quandoesta se encontre ameaçada por ações de particularesou outros fatores relevantes, sempre objetivando apreservação da igualdade de condições competitivasno mercado. (LIMA, 2005, p. 73).

A professora Mizabel Abreu Machado Derzi defende

a ideia de que o art. 146-A, ao trazer em sua essência o

princípio da neutralidade tributária, constitui-se em uma

autêntica garantia do contribuinte e integra o rol das

limitações constitucionais ao poder de tributa:

Essa norma (o art. 146-A da CR/1988) estabelece umaimportante diretriz: não devem ser tolerados osdesequilíbrios da concorrência provocados pelostributos.

(...) Finalmente o importante art. 146-A,introduzido pela mesma Emenda, consagra claramenteo princípio da neutralidade, que deverá nortear nãoapenas o legislador mais ainda a interpretação dasleis em face da Constituição.

(...)

O artigo 146-A apresenta-se, desse modo, comoexemplo de dispositivo que serve de ponto departida tanto para construção de uma regra (normade competência que autoriza o estabelecimento decritérios especiais de tributação para prevenirdesequilíbrios da concorrência), quanto de umprincípio (da neutralidade tributária, limitandoque a atividade estatal de cobrança e arrecadação

20

de tributos crie, ela própria, distúrbios na livreconcorrência) (DERZI, 2004, p. 354).

Além de positivar o princípio da neutralidade

tributária (em uma acepção relativa) e de acordo com os

doutrinadores pesquisados, o art. 146-A deixou cristalino a

vontade constitucional de utilização da tributação para a

realização dos princípios da livre concorrência e da livre

iniciativa. Como lembra Hamilton Dias de Souza:

O objetivo da norma é o de deixar clara, aolegislador (quanto à União Federal, basta leiordinária, enquanto se exige quórum complementarpara os demais entes públicos), a possibilidade defixação de critérios especiais de tributação adeterminados setores, como forma de assegurar amanutenção do regime de livre concorrência, que seerige como princípio fundamental da ordem econômica(SOUZA, 2011, p. 2).

Previsto no parágrafo único do art. 170 da Carta

Magna, o princípio constitucional da livre iniciativa

assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização dos órgãos

públicos, salvo nos casos previstos em lei. Nesses termos,

a liberdade de iniciativa compreende tanto o direito de

acesso ao mercado - início de atividade econômica – quanto

o de término da atividade econômica. Por esse princípio, os

agentes econômicos devem ser livres para produzir e colocar

seus produtos no mercado, bem como para encerrar suas

atividades.

Já por livre concorrência podemos entender como a

possibilidade de os agentes econômicos atuarem sem

21

embaraços juridicamente plausíveis, em um dado mercado,

visando à produção, à circulação e ao consumo de bens e

serviços, isto é, a livre concorrência procura garantir que

os agentes econômicos tenham oportunidade de competir de

forma justa no mercado. De certo modo, pode-se afirmar que

a liberdade de concorrência é corolário da liberdade de

iniciativa, constituindo mesmo a espinha dorsal de uma

economia de mercado.

De acordo com Eros Grau (1997), a positivação da

livre concorrência decorreu de três motivos essenciais:

econômico (necessidade de promover a eficiência econômica e

o bem-estar social, a partir de uma adequada alocação de

recursos, evitando-se distorções na distribuição do produto

nacional, à medida que se garante o livre funcionamento dos

mercados, sem necessidade de intervenção direta do Estado

na economia); sociológico (necessidade de legitimar a

liberdade das decisões econômicas dos consumidores,

empresários e trabalhadores. Aos consumidores, a

concorrência propicia as necessárias condições para

exercer, de forma livre e racional, o poder de decidir

sobre as suas reais necessidades, escolhendo o que adquirir

e a que preço; aos empresários, a liberdade de alocarem os

recursos de que dispõem; e aos trabalhadores, a ampliação

de oportunidades de emprego); e político (necessidade de

submeter o poder econômico a um controle legal/normativo. A

estreita correlação entre o poder econômico e poder

político, muitas vezes reunidas em prol de interesses

privados, pode vir a atentar contra a ordem política, em

22

detrimento do interesse coletivo maior, daí a necessidade

de se tutelar o poder econômico, que, no limite, pode vir a

atentar até mesmo contra regime democrático de direito).

Para o autor, a concorrência tem a função de preservar a

forma democrática de governo, assegurando a independência

do Poder Público em relação ao poder econômico.

O art. 146-A, ao positivar o princípio tributário

da neutralidade fiscal, dialoga fortemente com o princípio

da livre concorrência, isso porque ele promove uma

verdadeira blindagem dos agentes econômicos em relação ao

poder estatal de tributar, assegurando que o Estado “(...)

não crie condições de desigualdade entre os agentes

econômicos, inibindo o acesso de alguns deles ao livre

mercado, em benefício de outros” (BRAZUNA, 2009, p. 141).

Nessa mesma linha também é o entendimento de

Fernando Scaff:

Um dos requisitos para o exercício da livre-concorrência(...) é que os tributos sejam economicamente neutrospara que não venham a distorcer os preçospraticados pelas empresas, dentro de um mesmomercado relevante. Trata-se do Princípio daNeutralidade Econômica dos Tributos, que impede queeste tipo de “intervenção econômica” do Estadocause desequilíbrios concorrenciais.

O Princípio da Neutralidade Econômica dos Tributospode ser encontrado em nosso sistema jurídico apartir do Princípio da Isonomia Fiscal (art. 150,II da CF/88) que veda ao Poder Público o tratamentodesigual entre os contribuintes que se encontrem emsituação equivalente, o que alcança, sem a menorsombra de dúvida, os aspectos concorrenciais(SCAFF, 2006, p. 70-80).

23

Brazuna, por seu turno, defende a

complementariedade entre os princípios da neutralidade

tributária, livre concorrência, livre iniciativa e

isonomia), onde o art. 146-A, de certa maneira, asseguraria

a coesão entre os diferentes princípios.

Quando se entende a neutralidade tributária sob oenfoque da ausência de efeitos contrários à livreconcorrência, percebe-se que se trata de princípiocoerente com a realidade de indução eextrafiscalidade impregnada no textoconstitucional.

Assim, as normas de promoção da neutralidadetributária serão, em conclusão, realizadoras dopróprio princípio da isonomia, pois implícita naprópria livre concorrência estará também a garantiade igualdade de oportunidades aos agenteseconômicos.

É para a realização do princípio da igualdade,dessa maneira, que a neutralidade tributária deveráser buscada, sendo importante instrumento, para talpropósito, o uso das normas indutorasexplicitamente referidas no art. 146-A daConstituição Federal de 1988, que poderão provocarcomportamentos dos agentes econômicos para corrigiras distorções naturais dos mecanismos de mercado oucorrigir desvios de comportamento dos agentes queatentem contra a livre concorrência (BRAZUNA, 2009,p. 143-144).

3.3. O art. 146-A, a Economia e a Defesa daConcorrência

Não é intenção do presente estudo analisar

minudentemente todo o intenso relacionamento entre o

Direito e a Economia. De humilde ambição, esta seção

24

pretende apresentar apenas uma ligeira digressão entre dois

campos do conhecimento vital para a compreensão da vida

moderna: o Direito e a Economia.

É reconhecida a interdisciplinaridade entre

Direito e Economia, sendo que esta última vem espraiando

sua influência por diversos outros ramos do saber, por

exemplo, a Sociologia, a Filosofia, a Ciência Política, a

Geografia, a História etc. Especificamente no Direito, a

cada dia que passa, ganha mais adeptos a chamada análise

econômica do direito.

Luciano Benetti Timm assim entende a atração que

há entre o Direito e a Economia:

Como a Economia tem caráter distributivo enormativo (como gerar o máximo de eficiência nadistribuição de recursos escassos para necessidadesilimitadas), o subsistema econômico pode e deve“irritar” o sistema jurídico em busca de eficiência(abertura para informações provenientes da “análiseeconômica do direito”, ou seja, acerca daeficiência econômica das decisões legais ejudiciais sobre relações contratuais – direitocontratual) (TIMM, 2005, p. 115).

Zylberstajn e Sztan também defende a interação

entre Direito e Economia:

A análise econômica deve (...) considerar oambiente normativo no qual os agentes atuam, paranão correr o risco de chegar a conclusõesequivocadas ou imprecisas, por desconsiderar osconstrangimentos impostos pelo Direito aocomportamento dos agentes econômicos.

O Direito, por sua vez, ao estabelecer regras deconduta que modelam as relações entre pessoas,deverá levar em conta os impactos econômicos que

25

delas derivarão, os efeitos sobre a distribuição oualocação dos recursos e os incentivos queinfluenciam o comportamento dos agentes econômicosprivados. Assim, o Direito influencia e éinfluenciado pela Economia (...) (ZYLBERSTAJN eSZTAN, 2005, p. 3).

Mais contundente ainda é o entendimento de

Veljanovski:

Uma combinação letal: Direito sem Economia.

Um advogado que não estudou economia (...) pode bemtornar-se um inimigo público. Juiz Brandeis (1916);

(...) todos os advogados deveriam procurarcompreender a economia. Com sua ajuda aprendemos aconsiderar e a pesar os fins da legislação, osmeios de alcançá-los e o custo envolvido.Aprendemos que para obter algo é necessário abrirmão de outra coisa, aprendemos a comparar avantagem obtida com a vantagem a que renunciamos ea saber o que estamos fazendo quando escolhemos.Juiz O. W. Holmes (1897).

(A economia) é um poderoso e abrangente instrumentode análise que todos aqueles que pensam e escrevemsobre o direito e legislação usam, conscientementeou não, (...) ela oferece um ponto de partidaconveniente para uma teoria geral do direito nasociedade. Além disso – e esse aspecto deve serrealçado – ela possui uma forte base empírica, bemcomo boa dose de sensatez. Em torno de nós existemmuitas evidências de que o sistema usa o mecanismode preços (no seu sentido mais amplo) paramanipular o comportamento, e de forma difusa.Professor L. Friedman (1984).

Para o estudo racional do direito, o homem de togapreta pode ser o homem do presente, mas o homem dofuturo é o homem da estatística e o mestre daeconomia. Juiz O. W. Holmes (1897) (VELJANOVSKI,1994, p. 19).

É em dispositivos como o art. 146-A que podemos

identificar com maior nitidez essa reconhecida interação.

26

Em verdade, o citado dispositivo estabelece uma norma

indutora de conduta humana a partir de um referencial

teórico econômico por excelência, que é a ideia de que o

mercado, a economia deve, preferencialmente, comportar-se

como em um cenário de concorrência perfeita7. Ocorre que

reconhecidamente a concorrência perfeita não existe. A

realidade mostra que se não houver uma relativa intervenção

do Estado, via regulação ou via indução, como é o caso da

regra do art. 146-A, a economia tende a se comportar de

modo bastante distinto da concorrência perfeita.

Monopólios, mercados concentrados, abusos de

poder de mercado são estruturas de mercado e condutas

bastante corriqueiras nos dias atuais. Deixado livremente,

a experiência histórica demonstra que a tendência natural

dos agentes econômicos é se concentrarem, crescerem

7 Conforme já mencionado a ideia de concorrência perfeita representa ummodelo teórico das ciências econômicas, no qual nenhum dos agenteseconômicos teria poder de mercado suficiente para ditarunilateralmente preços e quantidades a serem ofertadas. Esses preços equantidades seriam determinados naturalmente pelas forças do mercado(oferta e procura). As características essenciais de um modelo deconcorrência perfeita seriam: atomização dos agentes, ou seja,multiplicidade de vendedores e compradores no mercado; automatismo, ouseja, os fatores de produção são dotados de razoável mobilidade, a fimde poderem reagir aos sinais indicativos, representados pelos preços,os quais promoveriam em curto tempo os deslocamentos necessários a fimde se reverterem automaticamente certas situações indesejáveis(NUSDEO, 2001, p. 139 – p.67); homogeneidade de produtos, isto é, nãopode haver diferenciação de produtos em função de embalagens, marcasetc. Apenas os preços determinariam as escolhas dos consumidores;acesso pleno às informações: todos os agentes teriam informaçõessuficientes para determinar os preços e fixar as escolhas, promovendoo salutar encontro entre oferta e demanda; ausência de economias deescala, isto é, à medida que o volume de produção aumentasse os custosunitários iriam se reduzindo proporcionalmente; e ausência deexternalidades, ou seja, inexistência de custos ou benefíciosdistintos daqueles que viriam da ordinária exploração da atividadeeconômica.

27

adquirirem poder de mercado e, eventualmente, abusarem do

poder de mercado adquirido, impondo a consumidores preços

altos e produtos de baixa qualidade e a outros competidores

inúmeras dificuldades, que, em geral, levam seus

competidores a se retirarem do mercado, comprometendo ainda

mais as condições de competição do mercado.

É para evitar situações como essa que o princípio

da livre concorrência encontra abrigo no texto da Carta

Magna. A Carta de 1988, ao mesmo tempo que reconhece a

utopia liberal e aceita a possibilidade de que haja

concentração econômica e a presença de poder econômico,

impõe ao Estado a obrigação de reprimir o abuso no seu

exercício8. Nesse sentido, o Estado Brasileiro se

apresenta como o primeiro garantidor da livre concorrência,

assumindo um papel de redistribuidor e garantidor da

igualdade de condições nas relações econômicas, em prol dos

interesses dos consumidores, dos concorrentes e do

interesse institucional da ordem concorrencial (SALOMÃO

FILHO, 2003, p. 51-61).

Materialmente esse papel é desempenhado pelo

chamado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

(SBDC), disciplinado pela Lei nº 12.529, de 30 de novembro8 O abuso do poder econômico pode ocorrer quando: o agente econômicovisa dominar o mercado, utilizando-se de meios ardilosos, ele bloqueiaa renovação do mercado e impede o ingresso de novos agentes e/ou aexpansão dos já existentes; o agente elimina a concorrência, namedida, em que determinado agente procura seus concorrentes paracombinar preços ou dividir mercados, tornando a concorrência merosimulacro; e o agente aumenta arbitrariamente seus lucros - em claroprejuízo aos consumidores e à sociedade como um todo, o agente impõepreços desproporcionais a seus custos e investimentos só porque possuiuma posição de dominância no mercado.

28

de 2011. O SBDC é formado pelo Conselho Administrativo de

Defesa Econômica - CADE e pela Secretaria de Acompanhamento

Econômico do Ministério da Fazenda. Ao CADE, enquanto órgão

judicante com jurisdição em todo o território nacional,

compete: i) decidir sobre a existência de infração à ordem

econômica e aplicar as penalidades previstas em lei; ii)

decidir os processos administrativos para imposição de

sanções administrativas por infrações à ordem econômica;

iii) ordenar providências que conduzam à cessação de

infração à ordem econômica, dentro do prazo que determinar;

iv) aprovar os termos do compromisso de cessação de prática

e do acordo em controle de concentrações; v) apreciar

processos administrativos de atos de concentração

econômica, na forma desta Lei, fixando, quando entender

conveniente e oportuno, acordos em controle de atos de

concentração, dentre outros.

À Secretaria de Acompanhamento Econômico, por sua

vez, compete a função de exercer a advocacia da

concorrência. O exercício da advocacia da concorrência ou

da competition advocacy, para usar a referência teórica

anglicana, pode ser entendida como um conjunto de ações

empreendidas pelas autoridades concorrenciais para divulgar

a cultura, a filosofia da concorrência na sociedade. Nesse

sentido, a advocacia da concorrência serve para esclarecer

as melhores práticas para atuação competitiva no mercado,

agir preventivamente no controle de condutas, indicar

efeitos anticompetitivos nas regras regulatórias e atos

normativos produzidos pelos órgãos públicos, bem como

29

elucidar a sociedade civil sobre como reconhecer práticas

anticompetitivas.

Além da atividade de advocacia, a defesa da

concorrência no Brasil, enquanto garantia da livre

concorrência, é exercida por intermédio de dois grandes

tipos de controle, o controle preventivo (também chamado de

controle de estruturas), que é exercido no âmbito dos

processos administrativos que tratam dos atos de

concentração, e o controle repressivo, que são os processos

sancionadores decorrentes da constatação de que determinado

agente, em condutas específicas, abusou de posição

dominante de mercado.

Grosso modo, atos de concentração são

compreendidos como os atos, sob quaisquer formas

manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma

prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação

de mercados relevantes de bens ou serviços. Conforme a Lei

nº 12.529, de 2011, realiza-se um ato de concentração

quando: i) 2 (duas) ou mais empresas anteriormente

independentes se fundem; ii) 1 (uma) ou mais empresas

adquirem, direta ou indiretamente, por compra ou permuta de

ações, quotas, títulos ou valores mobiliários conversíveis

em ações, ou ativos, tangíveis ou intangíveis, por via

contratual ou por qualquer outro meio ou forma, o controle

ou partes de uma ou outras empresas; iii) 1 (uma) ou mais

empresas incorporam outra ou outras empresas; ou iv) 2

(duas) ou mais empresas celebram contrato associativo,

consórcio ou joint venture. 

30

De acordo com o art. 88 da Lei nº 12.529, de

2011, serão submetidos ao CADE pelas partes envolvidas na

operação os atos de concentração econômica em que,

cumulativamente: i) pelo menos um dos grupos envolvidos na

operação tenha registrado, no último balanço, faturamento

bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano

anterior à operação, equivalente ou superior a R$

400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais); e ii) pelo

menos um outro grupo envolvido na operação tenha

registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou

volume de negócios total no País, no ano anterior à

operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00

(trinta milhões de reais). 

Ainda consoante com a Lei nº 12.529, de 2011,

serão proibidos os atos de concentração que impliquem

eliminação da concorrência em parte substancial de mercado

relevante, que possam criar ou reforçar uma posição

dominante ou que possam resultar na dominação de mercado

relevante de bens ou serviços. Nessas circunstâncias e

excepcionalmente, a operação de concentração poderá ser

autorizada se forem observados os limites estritamente

necessários para atingir os seguintes objetivos:  

I - cumulada ou alternativamente:  

a) aumentar a produtividade ou acompetitividade; 

b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou 

31

c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento

tecnológico ou econômico; e  

II - sejam repassados aos consumidores parte

relevante dos benefícios decorrentes (§ 6º, art. 88, Lei nº

12.529, de 2011).

O controle repressivo, por sua vez, ocorre

quando reprime, em concreto, as condutas de concorrência

desleal, mediante a imposição de penalidades

administrativas. Essas condutas estão previstas no art. 36

da Lei nº 12.529, de 2011, e são puníveis,

independentemente de culpa. O art. 36 define as condutas

anticoncorrenciais como sendo os atos sob qualquer forma

manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os

seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: i)

limite, falseie ou de qualquer forma prejudique a livre

concorrência ou a livre iniciativa; ii) domine mercado

relevante de bens ou serviços; iii) aumente arbitrariamente

os lucros; e iv) exerça de forma abusiva posição

dominante.  Presume-se posição dominante sempre que uma

empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar

unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou

quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado

relevante.

A conquista de mercado resultante de processo

natural fundado na maior eficiência de agente econômico em

relação a seus competidores não caracteriza dominação de

mercado relevante de bens ou serviços.

32

O § 3o do art. 36 exemplifica algumas das

condutas que possam vir a caracterizar infração da ordem

econômica. Dentre elas, a formação de cartel, a prática de

preços predatórios, a criação de barreiras à entrada, a

imposição de acordos de exclusividade e a divisão de

mercado.

Assim como se dá por ocasião da análise dos atos

de concentração (controle de estruturas), a verificação de

condutas consideradas anticompetitivas é feita por

intermédio da análise econômica dos efeitos reais ou

potenciais gerados pelos atos investigados. O CADE, ao

proceder sua avaliação, pauta-se pelo princípio da

razoabilidade, avaliando os efeitos anticoncorrenciais

gerados pela conduta e ponderando-os com os possíveis

benefícios compensatórios.

Salvo melhor juízo, o art. 146-A é mais um

instrumento autorizado pelo legislador constituinte a

auxiliar o Estado a promover a observância da livre

concorrência e da livre iniciativa, além de todos aqueles

autorizados pela Lei nº 12. 529, de 2011. A tributação,

graças a sua função extrafiscal, também poderá ser

utilizada no combate e prevenção aos desequilíbrios

concorrenciais.

Assim, e para usar as palavras de Pereira (2011,

p. 76-77), o art.146-A se constitui em verdadeiro ponto de

confluência entre os subsistemas econômico e jurídico-

tributário, onde o exercício da atividade legiferante e,

33

posteriormente, a aplicação no caso concreto, além de

atenderem ao conteúdo finalístico/teleológico do

dispositivo constitucional, devem concomitantemente

respeitar os objetivos fundamentais do Estado brasileiro,

os princípios do modelo econômico adotados pelo

Constituinte de 1988, as limitações constitucionais ao

poder de tributar, bem como os princípios sacramentados na

Carta Política e que norteiam toda a base do arcabouço

normativo.

4. Entendendo o art. 146-A

Entender o conteúdo normativo do art. 146-A se

constitui, salvo melhor entendimento, verdadeiro desafio,

isso porque a pouca bibliografia disponível e a ausência de

referências jurisprudenciais tornam essa uma difícil

tarefa, mas não impossível.

Para tanto, cumpre reapresentar a literalidade do

dispositivo:

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecercritérios especiais de tributação, com o objetivode prevenir desequilíbrios da concorrência, semprejuízo da competência de a União, por lei,estabelecer normas de igual objetivo.

Brazuna (2009, p. 128) nos ensina que o primeiro

elemento normativo do art. 146-A é o fato de que se trata

de norma de competência, ou seja, regra que outorga poder

ao legislador, autorizando-o a estabelecer normas em um

determinado sentido. Isso é claramente perceptível da

34

leitura da seguinte parte do dispositivo: “(...)estabelecer

critérios especiais de tributação, com o objetivo de

prevenir desequilíbrios da concorrência (...)”. Do ponto de

vista formal, a materialização dessa competência dar-se-ia

pela edição de uma lei complementar, conforme determina o

próprio positivo. Ocorre que, embora seja claro a

necessidade de lei complementar, salvo melhor entendimento,

não está claro, no texto constitucional, a quem competiria

editar a citada lei complementar.

De fato, os doutrinadores pesquisados parecem

divergir. Por exemplo, Pereira (2011, p. 98) é do

entendimento que a competência para edição da lei

complementar é concorrente, isso porque o art. 24, inciso

I, da Carta de 1988, estabelece haver competência

concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para

legislar sobre Direito Econômico. Para esse autor, a

leitura dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º do art. 24 da CF/88

deixa claro que compete à União editar uma norma geral

sobre a matéria, sendo reservada aos Estados a competência

legislativa suplementar ou plena, neste último caso, na

existência de norma editada pela União. Aos Município, por

sua vez, remanesceria a competência prevista no art. 30,

incisos I e II, da CF/88, ou seja, legislar sobre assuntos

de interesse local e para suplementar a legislação federal

e estadual, quando for o caso.

Brazuna (2009, p. 157), por seu turno, tem um

entendimento diferente. Para ele, “(...) no que diz

respeito à intervenção do Estado sobre a economia com o

35

objetivo de defender a concorrência, preventiva e

repressivamente, a competência para legislar sobre o tema

sempre esteve centralizada na União”. Nesse sentido, vale a

pena colacionar a seguinte transcrição:

(...) o CADE foi originalmente instituído sob aégide da Constituição de 1946 (atrigo 148), queassim como a Constituição atual (artigo 173, § 4º),não era expressa em afirmar qual entidade fechadacabia editar a lei de repressão ao abuso do podereconômico. Além disso, a Constituição de 1946também outorgava competência concorrente paralegislar sobre a matéria econômica, na medida emque autorizava os Estados a legislarem supletiva oucomplementarmente sobre produção e consumo (artigo5º, inc. XV, alínea “c”, c/c artigo 6º).

(...)

Não obstante seja objetivo de toda a Federaçãoassegurar o valor constitucional da livreconcorrência, os instrumentos de prevenção erepressão em defesa da concorrência, além de já seencontrarem concentrados na União, parecem fazermais sentido quando assim centralizados, tendo emvista ser essa a pessoa política com autoridadesobre todo o território nacional, capaz de, seja nocontrole estrutural, seja no controle de condutasdos agentes econômicos, avaliar o mercado relevantesobre o qual determinado tipo de intervenção se faznecessário.

De fato, faz sentido concentrar esse poder nas mãosda pessoa política capaz de identificar se aabrangência do mercado nacional, regional, localou, até mesmo, internacional, tomando as medidascabíveis para a defesa eficaz da concorrênciadiante da realidade concreta.

Em favor dessa conclusão, parece militar o chamadoprincípio da predominância do interesse, segundo oqual, como regra, as competências constitucionaistendem a ser divididas entre as pessoas políticasde acordo com os interesses envolvidos, de talforma que matérias de predominante interesse geral

36

ou nacional tendem a ser outorgadas à União;matérias de predominante interesse regional, aosEstados; e, finalmente, matérias de interesse localfazem, necessariamente, mais sentido quandoentregues pelo Constituinte aos poderes dosMunicípios (BRAZUNA, 2009, p. 158-159).

Particularmente, parece assistir razão a

doutrinadores que acompanham a posição de Pereira, isso

porque, não há dúvidas de que o uso da tributação para fins

extrafiscais notadamente o de prevenir desequilíbrios

concorrenciais é matéria de Direito Econômico e, enquanto

tal, por força dos dispositivos previstos nos arts. 24, I,

e 30, I e II, da Carta Magna, deve ser objeto de

competência concorrente ou, para usar uma expressão de

Schoueri “concomitância de competências”.

Superada a questão da competência para a edição

da lei complementar, um segundo ponto a chamar a atenção

refere-se à natureza da outorga contida no art. 146-A. A

grande dúvida que permeia a mente dos doutrinadores é se a

outorga ali referida é para edição de uma lei complementar

de caráter geral, que conteria alguns parâmetros e

diretrizes para a definição dos critérios ou se a lei

complementar poderia, ela mesma, já enunciar/veicular os

critérios?

Brazuna (2009, p. 128-129) entende, posição

compartilhada por nós, que a outorga em questão é direta,

ou seja, o legislador, caso queira, poderá ele próprio

37

fixar os tais critérios especiais de tributação9. Nesse

sentido, não é necessária uma lei que defina normas gerais

sobre a forma de definição desses critérios especiais. A

princípio, não faz muito sentido entender que estamos

diante de uma lei destinada a outros legisladores. O melhor

entendimento é que deverá ele próprio instituir as normas

de conduta com o objetivo de prevenir desequilíbrios da

concorrência.

Um terceiro aspecto a ser analisado para uma boa

compreensão do conteúdo do art. 146-A relaciona-se ao tipo

de intervenção estatal autorizada pelo dispositivo. É

inequívoco o fato de que o dispositivo autoriza uma

intervenção estatal; a literalidade da norma advoga essa

tese. Mas qual seria a natureza dessa intervenção? Seria

uma intervenção direta, por absorção, por participação ou

por indução? Brazuna (2009, p. 131) é categórico ao afirmar

que se trata de uma autorização para uma intervenção por

indução, vinculada ao estrito objetivo de prevenir

9 Para justificar sua posição, Brazuna faz um estudo comparado deoutros dispositivos constitucionais. Para ele, quando o constituinteentende se tratar de uma norma com caráter geral, ou seja, uma normadestinada a outros legisladores, ele utiliza expressões como: “Leicomplementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questõesespecíficas das matérias relacionadas neste artigo” (art. 22,parágrafo único, CF/88); “Lei complementar disporá sobre a elaboração,redação, alteração e consolidação das leis” (art. 59, parágrafoúnico); e “Lei complementar estabelecerá as normas gerais a seremadotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas”(art. 142, § 1º). De outro modo, quando o constituinte entende queestamos diante de uma outorga direta, ele utilizar uma redaçãosemelhante à adotada no art. 146-A. Por exemplo: “(...) a leiestabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ouutilidade pública, ou por interesse social” (art. 5º, inc. XXIV); “Leicomplementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazosde sua cessação” (art. 14, § 9º).

38

desequilíbrios concorrências, mediante a fixação de

critérios especiais de tributação. “Ou seja, trata-se de

autorização para o legislador infraconstitucional utilizar

normas tributárias indutoras, com o objetivo de prevenir

tais desequilíbrios”. Nessa esteira e nos fazendo

acompanhar do entendimento de Schoueri10, a autorização em

questão é para a definição de formas de tributação e não de

um novo tributo. Logo, a princípio, não poderia ser criado

um novo tributo com base no art. 146-A para fins de

prevenir desequilíbrios concorrenciais.

Não obstante, trata-se de entendimento sobre o

qual há divergência. Brazuna (2009, p. 132), por exemplo,

entende (que a Constituição já autoriza a instituição de

certas espécies tributárias com a explícita finalidade de

intervir sobre a economia, como é o caso das contribuições

para intervenção no domínio econômico.

O quarto aspecto de interessante intelecção no

art. 146-A relaciona-se à ideia de definição de “critério

especial de tributação”. O dicionário Aurélio define

“critério” como sendo “um modo de apreciar coisas e/ou

pessoas”, “especial”, por sua vez, é entendido como algo

“fora do comum, distinto” e, por fim, “tributação” é o “ato

ou efeito de tributar(-se)”. Analisando o art. 146-A à luz

desse entendimento, pode-se dizer que “critério especial de

tributação” é um modo distinto de cobrar tributos.

10 “Com efeito, a expressão critérios especiais de tributação implica uma formadiferenciada para a tributação, não um novo tributo” (SCHOUERI, 2007,p. 268).

39

Como Hamilton Dias de Souza (2006) pontua, a lei

complementar de que trata o art. 146-A poderá autorizar os

entes tributantes a instituir não apenas formas diferencias

de exigir os tributos em relação àquelas preconizadas no

Código Tributário Nacional, mas também poderá alcançar as

chamadas obrigações acessórias especiais, desde que

observada a finalidade precípua que é assegurar a livre

concorrência11. Há, desse modo, uma quebra da igualdade

formal entre os sujeitos passivos do tributo, justificada

pela necessidade de proporcionar, materialmente falando,

tratamento uniforme a agentes econômicos que atuem em

ambientes propícios a desequilíbrios competitivos em

virtude, por exemplo, da alta carga tributária.

Ainda consoante o Dias de Souza, os critérios

especiais de tributação poderiam ser de duas espécies: i)

critérios materiais – aqueles que interferem com os

elementos estruturais da obrigação tributária. À guisa de

exemplo, o autor menciona a tributação monofásica, a

cobrança de tributo em momento anterior ao fato gerador,

dentre outros; e ii) critérios formais – aqueles que, sem

interferir no regime normal de recolhimento do tributo,

criam deveres instrumentais adicionais para acompanhamento

específico de determinados contribuintes. Por exemplo, a

adoção de medidores de peso, volume e vazão; registro

11 A possibilidade de as obrigações acessórias serem utilizadas comonorma tributária indutora, nos termos do art. 146-A, não é consensoentre os doutrinadores. Para Brazuna (2009, p. 140), as obrigaçõesacessórias não são o meio apropriado para a indução de comportamentosoutros que não apenas o próprio cumprimento da chamada obrigaçãoprincipal. Já Ricardo Seibel de Freitas Lima (2005, p. 111) admite.

40

especial para fabricantes de cigarros; condicionamento de

créditos tributários à comprovação de pagamento na etapa

anterior etc.

Brazuna (2009, p. 133-135) entende que quaisquer

dos elementos constitutivos do fato gerador do tributo pode

ser enquadrado em determinado critério especial de

tributação. Logo, tanto o elemento objetivo (situação

descrita em lei), quanto o subjetivo (sujeitos ativo e

passivo) podem ser escolhidos e gravados com algum critério

especial de tributação. Da mesma forma, os elementos

espacial (lugar), temporal (momento) e quantitativo (base

de cálculo e alíquota) também podem ser eleitos para serem

objetos de alteração e se transmutarem para atuar em prol

do combate a desequilíbrios anticompetitivos.

Ao falar na utilização de critérios especiais detributação, o Constituinte Derivado parece terautorizado o legislador infraconstitucional a, emface dos critérios normalmente utilizados no ato detributar (isto é, de instruir a imposição dotributo), tornar alguns deles diferenciados,criando normas especiais de incidência capazes deinduzir comportamentos por parte dos agenteseconômicos, com o objetivo de prevenirdesequilíbrios na concorrência (BRAZUNA, 2009, p.134).

Por fim, Schoueri (2005, p. 207) identifica nas

isenções tributárias uma das principais formas de se

construir normas de indução tributária, ou seja, de motivar

o contribuinte a adotar o comportamento desejado pelo

legislador.

41

4.1. Possíveis interpretações do art. 146-A

Apresentados os aspectos determinantes para a

compreensão do art. 146-A, cumpre agora analisar as

principais interpretações que a doutrina vem construindo

acerca desse dispositivo constitucional.

Brazuna (2009, p. 148-149) defende ser possível

elaborar quatro interpretações acerca do art. 146-A. A

primeira interpretação é no sentido de que o Congresso

Nacional poderia estabelecer os tais critérios especiais de

tributação incidindo sobre todos os tributos. Se forem

tributos de competência de Estados, Distrito Federal e

Municípios, deveria fazê-lo por meio de lei complementar.

Se forem tributos da União, é suficiente a adoção de lei

ordinária.

Quais são os problemas com essa interpretação? O

primeiro deles é o fato de que, a vigorar esse

entendimento, o art. 146-A seria inconstitucional, isso

porque uma lei federal, ainda que lei complementar, não

pode interferir no exercício do poder de tributar dos

demais entes federativos. Um segundo impedimento a essa

interpretação apresentado por Brazuna está contido na

vedação às isenções heterônomas12 (art. 151, III, CF/88).

12 Isenções heterônomas: O instituto da isenção heterônoma estáprevisto no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988. Trata-sede medida protetiva que visa assegurar o pacto federativo e evitarinterferências indevidas por ente federativo no âmbito da competênciatributária que não possui.Em outras palavras, é a vedaçãoconstitucional destinada a um determinado ente federativo, diferentedaquele que detém a competência para instituir o tributo, conceda o

42

Considerando que o art. 146-A não é capaz de alterar a

tributação de competência de outros entes políticos, parece

óbvio que ele também não poderá ser manejado para aumentar

ou reduzir a carga de tributária inerente a tributos não

instituídos pela União, ainda que tenha por objetivo

reequilibrar as condições de concorrência. Entender

diversamente pode significar forte gravame ao pacto

federativo.

A segunda interpretação advoga a tese de que lei

complementar dos Estados, Distrito Federal ou Municípios

poderia estabelecer os critérios especiais de tributação

destinados a prevenir os desequilíbrios concorrenciais, sem

prejuízo de a União, via lei ordinária, fazer o mesmo com

os tributos de sua competência.

Por óbvio, essa interpretação não merece ser

acolhida. Imagine o custo de compliance que se imporia aos

agentes econômicos, isso porque, a prevalecer essa

interpretação, cada Estado e cada Município, no limite,

poderia estabelecer uma lei complementar com seus critérios

especiais de tributação para os mais diversos setores

econômicos. Embora preserve a competência de todos os entes

da Federação, essa interpretação impõe à sociedade um ônus

demasiado alto do ponto de vista da administração da

burocracia tributária.

A terceira possibilidade de interpretação

ventilada por Brazuna admite que o Congresso Nacional

benefício fiscal da isenção tributária.

43

poderia, por lei complementar, estabelecer parâmetros para

Estados, Distrito Federal e Municípios fixarem por leis

próprias os critérios especiais de tributação para prevenir

desequilíbrios competitivos, o que também poderia ser feito

pela União, por meio de lei ordinária e independentemente

da edição de lei complementar.

Brazuna (2009, p. 164) refuta a prevalência dessa

interpretação com os seguintes argumentos: i) “a norma do

art. 146-A contém uma outorga de competência direta ao

legislador, determinando ao destinatário dessa competência

que, caso queira, estabeleça ele próprio os critérios

especiais de tributação, necessários à construção da norma

tributária indutora”; ii) Estados, Distrito Federal e

Municípios não têm competência para legislar sobre direito

da concorrência. A análise histórica das Constituições

ulteriores aponta para o fato de costumeiramente compete à

União legislar sobre esse tema, visto os interesses

nacionais envolvidos; e iii) se cada Estado, Distrito

Federal e Município puder legislar sobre concorrência

haverá um inchaço normativo, “ainda que as normas dos

Estados, Distrito Federal e Municípios estivessem sujeitas

a parâmetros fixados em lei complementar, continuaria

havendo o risco de uma multiplicidade caótica de normas

indutoras estaduais, distritais e municipais”(BRAZUNA,

2009, p. 242).

A quarta interpretação possível defende a ideia

de que, por meio de lei complementar, o Congresso Nacional

poderia estabelecer critérios especiais de tributação, com

44

o objetivo de prevenir desequilíbrios de concorrência,

apenas quanto aos tributos de competência da União, que

continuaria, por meio de lei ordinária, a poder utilizar

outros instrumentos preventivos de defesa da livre

concorrência.

Esse entendimento, como se percebe da leitura

acima, preserva a competência da União para legislar sobre

concorrência, sem afastar a possibilidade de que outros

instrumentos sejam adotados na intervenção estatal no

domínio econômico, além de ter a vantagem de obstar a

edição de uma infinidade de normas indutoras estaduais,

municipais e distrital.

Os doutrinadores pesquisados divergem acerca de

qual seria a melhor interpretação. Brazuna, por exemplo,

advoga claramente em prol da quarta intepretação. Já

Pereira (2011, p. 107-111) e Bomfim (2011, p. 187-189)

defendem a terceira interpretação, ou seja, acreditam que

Estados, Municípios e Distrito Federal podem, por leis

próprias, estabelecer critérios especiais de tributação

destinados a mitigar ou impedir desequilíbrios

concorrenciais.

A matéria é complexa e vem gerando debates

acadêmicos. Contudo, particularmente, e se tivéssemos que

esposar uma interpretação, acreditamos que quarta seria a

mais adequada. Os conceitos, econômicos e jurídicos,

relacionados à defesa da concorrência não são de fácil

compreensão. Em geral, envolve o desenvolvimento de estudos

45

econômicos complexos. Não é tarefa trivial a identificar se

determinado agente, ou grupo de agentes econômicos, está

provocando desequilíbrio concorrencial em determinado

mercado relevante ou se está sendo simplesmente mais

eficiente e, por conseguinte, obtendo maior participação de

mercado. Um mal diagnóstico acerca da conduta do agente ou

da estrutura do mercado pode provocar perda de bem-estar,

redução na qualidade dos serviços e perda de inovação

naquele mercado. Em outras palavras, ao invés de corrigir

os possíveis desequilíbrios concorrenciais, os tais

critérios diferenciados de tributação poderão, na verdade,

piorar a situação de determinado mercado local e afugentar

investimentos.

Não se trata de menosprezar a capacidade de

Estados e Municípios de diagnosticar o fenômeno

concorrencial, mas sim de reconhecer a sua complexidade,

além do fato de que, no mais das vezes, o desequilíbrio

concorrencial tem caráter transfronteiriço. Em um cenário

econômico no qual as empresas/os grupos econômicos

espraiam-se por diversos estados, é necessária uma

legislação que alcance as distintas jurisdições: nem sempre

o desequilíbrio concorrencial sentido em uma localidade

pode ser corrigido apenas ali; às vezes, é necessário

alcançar a origem do desequilíbrio.

Por fim, não se pode esquecer que, de fato, uma

multiplicidade de normas indutoras de tributação pode

comprometer significativamente o ambiente de negócios, na

medida em que o excesso de burocracia poderá levar os

46

agentes econômicos à informalidade ou até mesmo à

ilegalidade (sonegação fiscal). Como bem coloca Hamilton

Dias:

De fato, se cada Estado ou Município, tendo emvista interesses dos que atuam em seus territórios,tivesse competência para criar tributaçãodiferenciada para determinados setores, adiscriminação de rendas tributárias e as normasgerais que lhe dão consistência poderiam serseriamente afetadas. Imaginem-se, a propósito,regimes especiais em matéria de ISS ou até de ICMSintroduzidos pelas legislações locais sob aalegação de evitar problemas concorrenciais. Issoinviabilizaria o trato uniforme dessas questões noterritório nacional, prejudicando a lógica internado sistema e possibilitando o surgimento deinúmeros conflitos federativos, sobretudo quando asoperações realizadas repercutem em mais de umterritório (SOUZA, 2005, p. 38-39).

5. Algumas hipóteses de aplicação do art. 146-A

Sem pretender esgotar as hipóteses possíveis de

aplicação do art. 146-A, Brazuna (2009, p. 206-223) enumera

cinco delas, a saber:

5.1. Descumprimento da legislação tributária

Aplicável à mais corriqueira das situações e

consiste na possibilidade de se utilizar o art. 146-A, por

intermédio, por exemplo, da imposição de obrigações

tributárias acessórias, para coibir as condutas delituosas

dos agentes que praticam o crime de sonegação fiscal ou

47

ainda que praticam inadimplemento fiscal contumaz ou evasão

fiscal.

O descumprimento reiterado de obrigações

tributárias é, talvez, o problema mais contundente de

repercussão econômica no setor produtivo; seu reflexo se

espraia por toda a sociedade, que acaba por pagar um alto

preço pelo retardo no adimplemento destas obrigações.

Como já realçamos, as teorias econômicas liberaisdefenderam o desenvolvimento livre de uma economiainformal ou paralela. F. Hayek preconizou uma ordemsocial espontânea, contra uma ordem “decretada”(Droit, Législation et Liberté). Tais teorias, quetiveram o mérito de trazer considerações maisracionais e transparentes para o seio do DireitoTributário, e ajudaram a criar uma mentalidade maisexigente de eficiência nos gastos e na prestaçãodos serviços públicos, por outro lado desencadearamum antifiscalismo nocivo que fortaleceu a economiainformal. Ademais, o mercado livre é incapaz dereduzir o desemprego e solucionar os gravesproblemas sociais. A economia, segundo alguns,deveria se afastar inteiramente da política, mas asgraves questões sociais tornaram-se políticas ademandar soluções econômico-políticas. O mercado serevelou impotente para assegurar o crescimento, opleno emprego e, com isso, a segurança e aliberdade. Os problemas econômicos, com ocrescimento da pobreza, tornaram-se gravesproblemas sociais e, com isso, políticos. O corteque se pretendeu dar entre política e economiaficou assim prejudicado, como alerta MichelBouvier.

Assim, o crescimento da informalidade e dasonegação não é fenômeno setorial ougeograficamente localizado, mas se revelouexistente em toda parte. Tal fenômeno, além dedeformar a livre concorrência, reduz a arrecadaçãoda receita tributária, comprometendo a qualidadedos serviços públicos e, sobretudo, a

48

sustentabilidade da previdência social (DERZI,2005, p. 115-116).

5.2. Imposto sobre lucros não distribuídos

Brazuna (2009, p. 217-219) traz essa

possibilidade de aplicação tendo em mente a experiência

norte-americana, que, no passado, empregou os chamados

undistributed-profit tax para combater a concentração de poder

econômico nas mãos dos grandes trusts. Era uma espécie uma

espécie de adicional de imposto de renda das pessoas

jurídicas, onde tributava-se progressivamente de 7% a 27%

os lucros não distribuídos aos sócios.

Ao forçar a distribuição de lucros e reservas,

combate-se a formação de monopólios, visto que não haveria

previamente a presença de grandes reservas financeiras que

pudessem facilitar as eventuais aquisições.

BRAZUNA (2009, p. 218-219), ao comentar essa

ideia, alerta para os cuidados que se deve ter ao adotar

tal proposta. Para o autor, é necessário um profundo

conhecimento da realidade específica de cada mercado para

só então se definir a partir de que nível lucratividade se

começaria a exigir o adicional. A falha de mercado que se

pretende corrigir seria efetivamente influenciada pelo

adicional?

Além disso, haveria de se verificar previamente sea realidade do mercado não implicaria, ao contráriodo pretendido, a pura e simples repercussão

49

econômica do tributo por parte dos agenteseconômicos sobre-taxados, reação essa que dependede uma série de variáveis, dentre as quais o nívelde elasticidade de oferta e demanda (BRAZUNA, 2009,p. 201).

5.3. CIDE sobre atos de concentração

Mesmo antes da edição do art. 146-A a doutrina,

em especial Hugo de Brito Machado13, já cogitava da

possibilidade de se instituir uma contribuição de

intervenção no domínio econômico quando da fusão ou

incorporação de empresas concorrentes, cujo capital

superasse algum valor a ser definido na lei de instituição

da CIDE. A base de cálculo seria justamente o valor da

operação de fusão.

De acordo com essa doutrina, na medida em que a

União pudesse cobrar essa contribuição de determinados

setores, setores esses considerados sensíveis a problemas

concorrenciais, estar-se-ia, desse modo, prestando

homenagem ao princípio da livre concorrência, bem como

reduzindo os incentivos econômicos dos agentes a se

concentrarem de maneira indiscriminada.

Brazuna entende que melhor que uma CIDE seria a

introdução de outra espécie tributária: o empréstimo

compulsório:

Em vez da cobrança indiscriminada de uma CIDE sobreatos de concentração, poder-se-ia cogitar, em

13 É possível encontrar sugestão semelhante em seu artigo: PerfilConstitucional das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico,2001.

50

mercados de elevado nível de concentraçãoeconômica, na imposição de um empréstimocompulsório sobre agentes oligopolistas oumonopolistas, cujos recursos fossem utilizados, emum primeiro momento, nos moldes do artigo 148, inc.II, da Constituição, para o financiamento deinvestimentos públicos no setor econômicorespectivo, intervindo a União, nos moldes doartigo 173, caput, mediante participação direta nomercado.

Para induzir a entrada de novos agentes privadosnesse mercado, a referida cobrança poderiaestabelecer determinados critérios de isenção, comrespaldo no artigo 146-A (BRAZUNA, 2009, p. 220-221).

Para o autor, o empréstimo compulsório, associado

à fixação de isenção, seria a espécie tributária mais

adequada; em especial porque ele permitiria o ingresso, via

investimento estatal direto, de outros agentes econômicos

(o próprio Estado), que, paulatinamente, iriam rivalizar

com os monopolistas/oligopolistas instalados e, aos poucos,

um ambiente competitivo iria se instalando. Além do que, a

presença agente novo (ainda que estatal) no mercado

funcionaria como um fator impeditivo para o

monopolista/oligopolista repassar os efeitos do empréstimo

compulsório para os consumidores. Por fim, verificada a

presença de concorrência, o Estado poderia se retirar,

restituindo o valor do empréstimo compulsório e deixando o

mercado funcionar normalmente.

Particularmente, entendemos que a imposição de

normas tributárias indutoras dessa natureza, seja CIDE,

seja empréstimo compulsório, se não calibrada com o devido

51

rigor, pode, sob o prisma econômico, conturbar o ambiente

de negócios, bem como desestimular os agentes econômicos a

realizar investimentos. Não se pode esquecer que, do ponto

de vista econômico, a presença de posição dominante ou de

elevado market share não representa per se uma ineficiência

econômica. De fato, alguns setores econômicos, como por

exemplo, os monopólios naturais, não comportam mais de uma

agente econômico.

5.4. Indução à Internalização de Custos de

Atividades Poluidoras

Trata da possibilidade de que seja introduzida

norma tributária indutora para premiar setores econômicos

não poluentes ou, o que seria mais adequado, punir as

empresas que apresentassem maior potencial de degradação

ambiental, fazendo que esses agentes internalizem, via

tributação, o custo ambiental a que sujeitam a população.

Como se verá na próxima seção existe atualmente o

Projeto de Lei Complementar de autoria de Antônio Carlos

Mendes Thame e Luiz Carlos Hauly (Câmara dos Deputados,

2007) que vai justamente nesse sentido.

5.5. Indução às Boas Práticas Concorrenciais

Por essa proposta haveria uma espécie de

certificação das empresas sob o prisma concorrrencial, ou

52

seja, as empresas possuiriam certificados de bom

comportamento concorrencial,

“os quais, assim como os selos que atestam a

qualidade de produtos, poderiam corroborar a

responsabilidade concorrencial da empresa,

estimulando efetivamente tais espécies de

comportamento por parte dos agentes econômicos se,

em razão da emissão do certificado, pudessem ser

auferidas vantagens diversas, inclusive de natureza

tributária.”(BRAZUNA, 2009, p. 223). 14

6. Propostas de regulamentação do art. 146-A

Como mencionado, embora inserido no texto

constitucional desde 2003, o art. 146-A ainda não foi

regulamentado, ou seja, lei complementar ainda não definiu

quais critérios especiais de tributação poderiam ser

utilizados para prevenir desequilíbrios concorrenciais.

Em consulta ao Poder Legislativo, foi possível

localizar três projetos de lei complementar que visam

regulamentar a matéria. Dois se encontram em tramitação na

Câmara dos Deputados e um no Senado Federal.

São de iniciativa da Câmara dos Deputados o

Projeto de Lei Complementar nº 73, de 2007, de autoria dos

Senhores Antônio Carlos Mendes Thame e Luiz Carlos Hauly, e

o Projeto de Lei Complementar nº 121, de 2011, de

14 Quem primeiro cogitou dessa proposta foi Leandro Alexi Franco naobra Os limites operativos do direito e a regulação jurídica por incentivos para a redução daconcorrência desleal (FRANCO, 2005).

53

propositura do Senhor Anthony Garotinho. No Senado Federal,

encontra-se o Projeto de Lei do Senado nº 161, de 2013

(Complementar), do Senador Delcídio do Amaral.

O Projeto de Lei Complementar nº 73 se diferencia

dos outros dois pelo fato de propor uma reformulação

tributária ecológica, onde por intermédio da regulamentação

do art. 146-A, os deputados Mendes Thame e Hauly pretendem

instituir os princípios da essencialidade e do diferencial

tributário pela sustentabilidade ambiental e oneração das

emissões de gases de efeito estufa. Para tanto, a proposta

passa pela criação de uma taxação incidente sobre as

emissões de carbono lançadas na atmosfera (carbon tax), na

forma de uma Contribuição de Intervenção no Domínio

Econômico, bem como institui um redutor tributário a ser

aplicado aos tributos e contribuições daqueles setores

considerados menos poluentes:

Art. 2º. Todo produto, mercadoria e serviços, emcuja produção, uso e consumo, o balanço de emissõesde gases de efeito estufa for mais favorável, ouquando causem menor degradação ambiental em razãodos processos produtivos ou dos insumos utilizados,mercadorias e serviços concorrentes ou que se lhespossam substituir, farão jus à redução nasalíquotas dos tributos e contribuições sociais eeconômicas incidentes no seu processo produtivo deno mínimo 30% (trinta por cento) em relação à cargatributária incidente sobre os produtos, mercadoriase serviços similares ou concorrentes, inclusive oimposto sobre renda e outros tributos econtribuições incidentes sobre o faturamento ou areceita da linha de produtos, mercadorias eserviços comercializados e que se enquadrem naprevisão desse artigo, redução esta que seráestabelecida em patamares segundo a redução obtidana degradação da qualidade ambiental que sua

54

produção ou prestação proporcione, conformeestabelecido em regulamento.

Parágrafo único. Caberá ao Senado Federalestabelecer, para os impostos previstos no artigo155, da Constituição Federal, as alíquotasreduzidas em função da essencialidade decorrente damenor degradação da qualidade ambiental e dobalanço de emissões de gases de efeito estufa, bemcomo a alíquota máxima para aqueles impostos, a sercobrada nesses casos (BRASIL, Câmara dos Deputados,2007).

Por escapar ao objetivo precípuo desse trabalho,

não analisaremos com maior profundidade a questão da

instituição de um carbon tax no Brasil. Não obstante,

remanesce a dúvida se o art. 146-A seria o melhor

dispositivo para veicular a adoção dessa Contribuição.

Conforme mencionado anteriormente, a doutrina oscila

sobremaneira acerca da possibilidade de se poder, com base

e fundamento no art. 146-A, introduzir um novo tributo.

Embora não possamos falar em uma doutrina dominante, até

porque a matéria ainda se encontra em construção, o fato é

que até o momento parece haver uma preponderância daqueles

que advogam pela impossibilidade de o art. 146-A introduzir

novo tributo. Como bem coloca Schoueri (2007, p. 268) a

expressão critérios especiais de tributação implica uma forma

diferenciada para a tributação, não um novo tributo,

conforme se abstrai da presente proposta.

As emissões de carbono representam

inquestionavelmente uma externalidade negativa de uma

determinada indústria e, seguramente, merecem a atenção do

55

Estado regulador, seja estreitando a fiscalização ambiental

sobre essas empresas, seja alterando os incentivos

econômicos desses agentes, no sentido de induzi-los a

adotar comportamentos que mitiguem o aquecimento global.

Não se questiona se as externalidades negativas podem

causar desequilíbrio concorrencial, especialmente, quando

seus custos não são devidamente internalizados pelos

agentes poluidores – há extensa literatura acerca do tema

-, a ressalva que se faz aqui é mais no sentido de se

verificar se efetivamente é o art. 146-A o que melhor se

presta a veicular um carbon tax. Além da questão de

acreditarmos que o art. 146-A não deve ser utilizado para

instituir tributos novos, resta ainda aspecto importante a

ser ponderado que se refere à possibilidade de um excesso

de legislações, estaduais e/ou municipais, que poderiam

surgir desse entendimento. Não se pode olvidar que não se

encontra pacificada a matéria relativa à competência

concorrente (ou não) prevista no art. 146-A. Nesses termos,

melhor seria justificar a adoção do carbon tax com base na

competência residual da União, conforme dispõe o art. 154,

I, CF/88, sem buscar pegar “carona” no art. 146-A.

Particularmente, entendemos que melhor do que

pegar “carona” no art. 146-A, a instituição de uma taxação

sobre carbono deveria ter por justificativa normativo-

constitucional o disposto no inc. VI do art. 170 da CF/88,

também introduzido pela EC nº42, de 2003, que autoriza o

“tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos

56

produtos e serviços e de seus processos de elaboração e

prestação”.

No que tange especificamente ao redutor

tributário proposto – art. 2º do PLP nº 73/2007, salta aos

olhos alguns aspectos: i) a falta de precisão na

identificação de quais tributos aplicar-se-ia o redutor. (É

aplicável até mesmo aos tributos de competência estadual e

municipal?); ii) a dificuldade de operacionalização, sob o

prisma da administração tributária, da medida, visto que

seria necessário um órgão, hoje inexistente, capaz de

definir qual indústria é poluente e em que nível. Quem será

o responsável pela elaboração do balanço dos gases de

efeito estufa? Como será feito o acompanhamento das

emissões e como ele será refletido nas alíquotas redutoras?

Iii) por fim, a possível inconstitucionalidade contida no

parágrafo único do citado dispositivo, uma vez que permite

ao Senado Federal proceder à fixação de alíquotas a serem

cobradas por Estados e o Distrito Federal de modo diverso

àquele previsto no art. 155, § 2º, inc. V, alíneas “a” e

“b”.

Reitere-se, não é que as normas tributárias não

possam ter papel fundamental (no âmbito da atuação estatal)

de intervenção no processo econômico, de modo a garantir o

direito fundamental ao meio ambiente de forma mais eficaz e

com menor prejuízo e custo ao Poder Público e dano aos

57

direitos individuais atinentes à livre iniciativa15, apenas

entendemos que o art. 146-A deva ser regulamentado de modo

mais amplo e abrangente; efetivamente, definindo critérios

e regimes diferenciados de tributação.

Resta ainda analisar as outras propostas em

debate no Parlamento: o Projeto de Lei Complementar nº 121,

de 2011, e o Projeto de Lei do Senado nº 161, de 2013. O

Projeto de Lei Complementar nº 121 principia por definir

quais situações poderiam causar desequilíbrios

concorrenciais. Grosso modo, são identificadas 4 situações:

i) a dominância do mercado por uma determinada empresa ou

por um pequeno grupo de empresas, seja a dominância por si

só, seja o exercício abusivo; ii) o inadimplemento

sistemático e isolado no cumprimento das obrigações

tributárias, no caso de bens ou serviços em que o pagamento

dos tributos incidentes sobre eles, inclusive os estaduais

e municipais, represente parcela significativa na estrutura

de custos; iii) a importação ou exportação de bens e

serviços, que, pelas quantidades envolvidas ou

características, impliquem dificuldades adicionais ao

controle aduaneiro e/ou que, pela procedência, destino ou

outra característica qualquer, possa permitir o

subfaturamento ou superfaturamento do seu valor ou fraudes15 “Constitui a defesa do meio ambiente campo fértil para o emprego denormas tributárias indutoras. Como já foi mencionado acima, o tributoserve de mecanismo para internalizar os custos ambientais, gerando oque Gawel denomina uma correção na alocação (Allokationskorrektur),que ele apresenta como uma mudança comportamental no emprego de bensambientais, sendo tal objetivo alcançado mediante uma retiradadirigida de recursos no setor privado” (SCHOUERI, 2005, p; 97).

58

à legislação referente às regras de origem e aos direitos

antidumping e compensatórios, desde que apurados em prévio

processo administrativo; e iv) a concessão irregular de

incentivo fiscal a empresa ou grupo econômico ou atuação da

administração tributária que privilegie determinada empresa

ou grupo econômico.

Será considerada concessão irregular de incentivo

fiscal, o subsídio, a isenção, a redução de base de

cálculo, a concessão de crédito presumido, a anistia ou a

remissão estabelecidos em desacordo com os arts. 150, §6º,

155, § 2º, XII, “g”, e § 6º, I, 156, § 3º, I e III, da

Constituição Federal; o art. 88 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias; ou a Lei Complementar nº 24,

de 7 de janeiro de 1975.

O Projeto de Lei excetua aquelas circunstâncias

em que a conquista de mercado tenha sido resultado de

processo natural fundado na maior eficiência do agente

econômico; em que a dominância do mercado seja em função da

magnitude dos ganhos em economia de escala, por conta das

próprias características do mercado, onde o aumento do

número de competidores seja inviável (casos de monopólio

natural); e naquelas em que foi observada a concessão

regular de incentivo fiscal.

O PLP prevê ainda a possibilidade de cobrança de

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e de

59

estabelecimento de regimes especiais de controle. A CIDE

proposta poderia incidir sobre bens e serviços ou sobre a

lucratividade obtida com sua produção, comercialização ou

prestação; seria aplicada a determinada empresa ou grupo

econômico, com vistas a evitar a ocorrência de dominância

de mercado injustificada e/ou a concessão irregular de

incentivos fiscais; poderia ter alíquotas ad valorem ou

específicas, fixas ou variáveis; bem como, estabelecer

reduções, isenções ou não incidências de acordo com os

preços praticados ou quantidades ofertadas.

A lei que instituir in concreto a CIDE deverá

prever, em seu fato gerador, parâmetros objetivos

destinados à exata caracterização dos desequilíbrios

concorrenciais provocados por dominância de mercado

injustificada. Para o PLP nº 121, esses parâmetros poderão

ser fixados em função dos seguintes aspectos: i) da parcela

do mercado relevante dominada pela empresa ou grupo de

empresas, como fornecedor, intermediário, adquirente ou

financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele

relativa; ii) do preço praticado; iii) da quantidade

ofertada em relação à capacidade de produção da empresa; e

iv) da lucratividade obtida na produção ou comercialização

do bem ou na prestação de serviços.

De acordo com o PLP nº 121, verificada a cessação

ou a mitigação do desequilíbrio da concorrência, a lei

poderá prever a suspensão ou isenção do pagamento da

60

contribuição. Especialmente para os casos em que o

desequilíbrio concorrencial foi provocado pela presença de

posição dominante injustificada, caberá aos órgãos federais

de defesa da concorrência atestar a cessação do

desequilíbrio e propor a suspensão ou isenção da

Contribuição.

Já para os desequilíbrios concorrenciais

provocados pela concessão irregular de incentivos fiscais,

é necessário que essa situação seja reconhecida previamente

pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter

liminar, ou pelo Senado Federal nos termos do art. 52, XV,

da CF/88. Apenas para exemplificar, podemos utilizar o ICMS

e a “guerra fiscal” que se trava em torno desse imposto.

Pelo PLP nº 121, quando houver a concessão de benefício

irregular do ICMS, o Senado poderá propor, em substituição

à CIDE, a autorização para que os Estados prejudicados

efetuem a glosa de créditos relativos ao incentivo

inconstitucional, o que, além de recompor os cofres dos

entes federativos afetados pela “guerra fiscal”,

restabeleceria também o equilíbrio concorrencial. A glosa

de créditos seria decidida no âmbito do Conselho Nacional

de Política Fazendária, com o quórum de maioria absoluta,

com participação de pelo menos um Estado de cada região.

Além da CIDE, outra forma de prevenir, nesse caso

seria mais apropriado dizer, mitigar desequilíbrios

concorrenciais prevista no PLP nº 121 é a possibilidade de

61

que a lei possa estabelecer regimes especiais de controle,

que, obrigue, por exemplo, determinada empresa a utilizar

selos de controle, equipamentos de controle de produção,

inclusive medidores de vazão, condutivímetros, aparelhos de

controle, registro, gravação e transmissão dos

quantitativos medidos, nota fiscal eletrônica ou sistema

público de escrituração digital, dentre outros. O

descumprimento do regime especial poderá implicar a

interdição do estabelecimento ou mesmo a suspensão ou baixa

compulsória do cadastro da pessoa jurídica na administração

tributária.

Analisando o PLP nº 121, de 2011, algumas

considerações merecem ser apresentadas. A primeira delas

refere-se ao fato de, a princípio, a opção do legislador

foi por elaborar uma norma geral, dando contorno a

possíveis critérios, que mediante lei ordinária posterior,

seriam mais bem esmiuçados. Assim, diferentemente do que

preconiza a doutrina, BRAZUNA é um deles, o entendimento

aqui proposto é no sentido de que se abriria mão da outorga

direta autorizada pelo art. 146-A, deixando a lei

complementar, por ela própria, de elencar quais os

critérios especiais de tributação poderiam ser utilizados

para prevenir os desequilíbrios concorrenciais.

Outro aspecto refere-se ao importante tema da

“concomitância de competências”. O PLP nº 121 determina que

caberá ao Poder Executivo elaborar e divulgar a lista dos

62

bens ou serviços, cujos ônus impostos pela legislação

tributária representem uma parcela significativa dos

custos, e no qual o não pagamento dos tributos devidos

confira uma vantagem insuperável ao sonegador em relação

aos rivais. Interessante destacar que a lista em questão

contemplará inclusive os tributos de competência estadual e

municipal. Assim, a princípio e em uma leitura bastante

superficial do PLP nº 121, a opção do legislador é pela não

observância da competência concorrente, defendida, por

exemplo, na terceira interpretação possível de que trata a

seção 3.1 deste trabalho. Salvo melhor juízo, centraliza-

se, no Poder Executivo, a obrigação de elencar os critérios

especiais de tributação.

O Projeto de Lei do Senado nº 161, de 2013

(BRASIL, Senado Federal, 2013), por sua vez, diverge do PLP

nº 121, da Câmara dos Deputados, primeiro porque logo em

seu início deixa claro o respeito à ideia da “concomitância

de competências”. O art. 1º do projeto de lei complementar

delimita a competência dos entes tributantes, ao exigir lei

específica para a adoção de critérios especiais de

tributação, bem como restringe o campo de atuação do

legislador aos critérios definidos em lei complementar que

ora se pretende aprovar. Adicionalmente, esse dispositivo

condicionar a instituição dos critérios especiais de

tributação à ocorrência de desequilíbrios concorrenciais.

Assim, as leis ordinárias que disponham sobre a matéria só

serão legítimas se adotarem critérios especiais de

63

tributação previstos na lei complementar e visarem prevenir

desequilíbrios concorrenciais; do contrário, não.

O parágrafo único do art. 1°, por sua vez,

ressalva a competência suplementar da União para adotar

critérios diferenciados em relação aos tributos de sua

alçada, quando insuficiente o regramento da lei

complementar (lacuna normativa). Os demais entes políticos

ficam integralmente sujeitos às disposições da lei

complementar proposta.

O art. 2° do projeto define os critérios

especiais de tributação e os desequilíbrios concorrenciais

causados por tributos (denominados desequilíbrios

concorrenciais tributários), de modo a melhor permitir a

identificação das situações fáticas sujeitas a controle e

do tipo de medida passível de ser adotada para possibilitar

o correto cumprimento das obrigações tributárias legalmente

previstas. Assim, esse dispositivo conceitua critério

especial de tributação como sendo a forma diferenciada de

tributação, em relação ao regime aplicável aos

contribuintes em geral, para cumprimento de obrigação

tributária principal ou acessória. Perceba que pela simples

definição do que venha a ser o critério especial de

tributação, o projeto de lei complementar nº 161 já

endereçou dois importantes temas que vinham suscitando

debates na doutrina. O primeiro deles é a questão de o art.

146-A se prestar, ou não, para justificar a criação de

64

imposto para combater desequilíbrio concorrencial. Pela

leitura da definição apresentada, fica claro que os

critérios especiais de tributação não se prestam à criação

de tributos, mas sim para definir regimes diferenciados de

tributação. O segundo trata da possibilidade de os

critérios especiais de tributação alcançarem as obrigações

acessórias. Mais uma vez, fica evidente que até mesmo as

obrigações acessórias poderão ser objeto de práticas

diferenciadas voltadas à prevenção dos desequilíbrios

concorrenciais.

O art. 3º do projeto estabelece os instrumentos

materiais e formais passíveis de serem adotados para

prevenir desequilíbrios concorrenciais tributários.

Materiais são aqueles que interferem nos elementos

estruturais de obrigação tributária (incisos I a IV).

Formais são os deveres instrumentais adicionais aos já

existentes, instituídos no interesse da arrecadação ou da

fiscalização de tributos (incisos V e VI).

Como critérios materiais, o PLC nº 161 elenca: i)

a antecipação do fato gerador, inclusive mediante a

substituição tributária; ii) a concentração da incidência

do tributo em determinada fase do ciclo econômico; iii)

pauta de valores mínimos na determinação da base de cálculo

para fins de incidência de alíquota ad valorem, tendo em

vista o preço normal do produto ou serviço, em condições de

65

livre concorrência; e iv) a alíquota específica, tendo por

base unidade de medida adotada.

Os critérios formais são: i) a instalação

obrigatória de medidores de peso, volume ou vazão; e ii) o

regime especial de fiscalização e apuração de tributos.

Além disso, são admitidas sanções específicas

(inciso VII e § 2° do art. 3º), respectivamente, a

suspensão ou cassação de registro especial para

funcionamento de empresa cujas atividades estejam sujeitas

a autorização governamental e a imposição de penas pelo

descumprimento das obrigações acessórias que redundarem em

conduta anticompetitiva.

Os §§ 1º e 3º do art. 3º estabelecem requisitos

destinados à correta aplicação dos critérios previstos nos

seus incisos, especialmente quanto à necessidade de

atualização da pauta de valores mínimos e à observância do

contraditório previamente aos atos que imponham a

antecipação do fato gerador, a observância de regime

especial de fiscalização, ou a cassação de registro

especial para funcionamento de empresa.

O art. 4º do projeto regula a adoção dos

critérios especiais de tributação pelos entes tributantes.

O inciso I reitera a exigência de lei específica,

facultando ao Poder Executivo executar medidas de

66

acompanhamento específico dos agentes econômicos

identificados como autores de desequilíbrios

concorrenciais. O inciso II esclarece que pode haver

combinação de vários critérios, o que é comum. O inciso III

ressalva a possibilidade de utilização das técnicas de

tributação previstas no art. 3º por razões meramente

fiscais, quando autorizado na Constituição ou em lei

complementar, como é o caso, por exemplo, das alíquotas

específicas das contribuições previstas no art. 149, § 2º,

III, "b", da Constituição. O inciso IV exige acordo

específico para a adoção de critérios especiais de

tributação, nas situações que envolvam interesses de mais

de um ente federado, seguindo a fórmula do art. 9º da Lei

Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. O inciso V

esclarece que os critérios especiais de tributação não

interferem nas demais normas tributárias, salvo no que

conflitarem.

O art. 5º do projeto faculta às entidades que

congregam as diferentes categorias econômicas o direito de

representar ao ente público competente, inclusive perante o

Ministério Público, para que seja requerida em juízo a

suspensão dos efeitos de decisão que, afastando a obrigação

de recolhimento de tributos, proporcione vantagem

competitiva ao litigante que possa afetar o funcionamento

do mercado. A atribuição do direito às entidades

representativas de cada setor econômico, em vez de garanti-

lo aos particulares em geral, é reputada pelo legislador

67

como forma preferencial, visto que restringiria o número de

legitimados a formular o requerimento, bem como evitaria o

uso da medida para fins eminentemente pessoais.

O art. 6º do projeto trata da vigência dos

critérios especiais de tributação propostos, condicionando

a duração dos mesmos à existência de desequilíbrios

concorrenciais tributários que os justifique. Embora a lei

complementar tenha eficácia permanente, a legislação

ordinária deve, a princípio, ter eficácia condicionada à

subsistência dos fatos que justificaram a adoção de

determinado critério. Para possibilitar o controle dos atos

normativos editados com base na lei complementar, o inciso

I exige motivação expressa que torne públicas as

respectivas causas. Admite-se ainda a possibilidade de os

regimes especiais vigorarem por tempo indeterminado, em

especial, para os setores potencialmente mais vulneráveis

aos desequilíbrios concorrenciais. O projeto considera como

setores vulneráveis aqueles em que a tributação constitua

fator relevante na composição de preços de produtos ou

serviços, de modo que o não recolhimento de tributos possa

exercer influência preponderante sobre o respectivo

comportamento concorrencial; bem como aqueles em que as

condições estruturais de mercado dificultem o controle

eficiente das diferentes formas de evasão fiscal como causa

recorrente de desequilíbrios concorrenciais e aqueles em

que a vantagem competitiva proporcionada pelo não

68

recolhimento de tributo conduza ou reforce situações de

posição dominante na estrutura do mercado (inciso II)

O art. 7º do projeto prevê que os órgãos de

defesa da concorrência devem examinar os efeitos

concorrenciais das práticas tributárias. Verificada a

existência de uma situação que possa configurar

desequilíbrio concorrencial tributário, o CADE deverá

comunicar a administração tributária do ente competente,

para que adote as providências de sua alçada.

Além disso, o parágrafo único deixa claro que os

desequilíbrios concorrenciais tributários estão sujeitos ao

controle do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência

(SBDC), podendo ensejar a aplicação das penalidades

previstas para a repressão ao abuso de poder econômico.

Dessa maneira, além da possibilidade de resolver

os desequilíbrios decorrentes de práticas tributárias

mediante instrumentos criados pela legislação tributária (o

que depende de vontade política do Legislativo), poderão as

empresas afetadas recorrer aos órgãos de defesa da

concorrência para que sejam adotadas as providências de sua

alçada no sentido de cessar os procedimentos causadores dos

desvios de mercado.

O art. 8º do projeto excetua da aplicação dos

critérios especiais de tributação, os tributos incidentes

69

sobre a renda, o lucro, a movimentação financeira e o

patrimônio. Faz sentido a exceção proposta pelo legislador,

isso porque as características desses tributos faz com que

eles não apresentem potencial de criar desequilíbrios

concorrenciais, visto que são tributos geralmente

suportados pelo próprio sujeito passivo. Daí porque os

sistemas tradicionais de combate a práticas tributárias

lesivas à concorrência são direcionados aos tributos cujo

ônus repercute com maior facilidade durante o ciclo de

circulação de mercadorias e serviços (por exemplo, PIS,

COFINS, ICMS). Não obstante, caso se verifique a ocorrência

de eventuais desequilíbrios motivados pelos tributos a

princípio excetuados, esses desequilíbrios poderão ser

combatidos por mecanismos de tributação peculiares,

veiculados por lei ordinária, com base na competência

suplementar da União, até porque se trata de tributos

federais.

Por fim, o art. 9º do projeto recepciona as

normas tributárias produzidas pela União anteriormente à

edição da lei complementar, com o objetivo primordial de

prevenir desequilíbrios concorrenciais tributários. Após a

entrada em vigor da nova lei complementar, as leis federais

devem conformar-se às suas disposições, ficando revogadas

no que as contrariar.

7. Conclusão

70

A partir do estudo empreendido, é possível tecer

algumas considerações finais. A primeira delas está no fato

de a literalidade do art. 146-A da Carta de 1988 apontar

para uma inquestionável legitimidade e, por que não dizer,

dever de o Estado, enquanto agente normativo e regulador,

intervir sobre o domínio econômico e realinhar a atividade

dos agentes econômicos aos limites pretendidos e defendidos

pela Constituição da República, valendo-se, para essa

finalidade, inclusive de uma de suas principais

ferramentas, que é o poder de cobrar tributos. Nesses

termos, o Estado se apresenta como primeiro garantidor da

livre concorrência.

O art. 146-A explora ainda a faceta extrafiscal

da tributação e busca realizar os princípios da livre

iniciativa e da livre concorrência, estabelecendo a

possibilidade de que sejam aplicados regimes/formas

diferenciadas de tributação com o estrito objetivo de

mitigar, até mesmo de corrigir, as falhas de mercado, que

impedem o exercício da livre concorrência. Em outras

palavras, o art. 146-A ao mesmo tempo em que propõe a

coexistência de princípios constitucionais relevantes,

neutralidade tributária, livre iniciativa, livre

concorrência, justiça fiscal, isonomia, dentre outros,

pleiteia pelo sopesamento dos valores inerentes a cada um

deles, para só assim permitir a intervenção estatal na

exata medida do desequilíbrio identificado. A intervenção

autorizada pelo art. 146-A também deve ser vista como algo

71

temporário, isto é, cessado o desequilíbrio concorrencial

impõe-se de imediato o término dos efeitos na norma

indutora validada pelo art. 146-A.

Outra conclusão importante relaciona-se com a

ideia da neutralidade dos tributos. Se é verdade que o

princípio da neutralidade tributária podia ser extraído da

exegese de outros dispositivos constitucionais pré-

existentes à Emenda Constitucional nº 42/2003, é igualmente

verdadeiro que o art. 146-A foi o responsável por sua

positivação expressa, passando a se constituir em mais uma

garantia do contribuinte, integrando o rol das limitações

constitucionais ao poder de tributar.

Embora existam doutrinadores de grande estirpe

defendendo a “concomitância das competências”, a

complexidade da matéria relativa ao direito econômico-

concorrencial, em especial, quando se busca diagnosticar o

fenômeno do desequilíbrio concorrencial, que, no mais das

vezes, tem caráter transfronteiriço, entende-se como mais

adequada a posição daqueles que advogam pela preservação e

concentração da competência para legislar sobre direito

econômico na União.

A partir das quatro possíveis interpretações para

o art. 146-A desenvolvidas por Brazuna, entende-se

necessário abandonar algumas delas e defender a que o autor

denomina quarta interpretação, onde caberia ao Congresso

72

Nacional, por meio de lei complementar, estabelecer os

critérios especiais de tributação, que seriam destinados à

prevenção dos desequilíbrios da concorrência, apenas quanto

aos tributos de competência da União, que continuará, por

meio de lei ordinária, a poder utilizar outros instrumentos

preventivos de defesa da livre concorrência. Esse

entendimento preserva a competência da União para legislar

sobre concorrência, sem afastar a possibilidade de que

outros instrumentos sejam adotados na intervenção estatal

no domínio econômico, além de ter a vantagem de obstar a

edição de uma infinidade de normas indutoras estaduais,

municipais e distrital.

Das propostas de regulamentação do art. 146-A que

se encontram em debate no Congresso Nacional, o Projeto de

Lei Complementar nº 161, de 2013, é, em nosso entender,

aquele que melhor endereça os debates aqui propostos. Ainda

que preserve a competência de Estados e Municípios, ele o

faz de modo bastante restritivo, delimitando a competência

dos entes tributantes. Nos arts. 1º, 2º e 3º, por exemplo,

apresentam-se os critérios especiais de tributação

passíveis de serem utilizados para prevenir os

desequilíbrios concorrenciais, bem como deixa claro que

Estados, Distrito Federal e Municípios só podem legislar

com estrita observância ao conteúdo da lei complementar. O

parágrafo único do art. 1° ressalva a competência

suplementar da União para adotar critérios diferenciados em

relação aos tributos de sua alçada, quando insuficiente o

73

regramento da lei complementar (lacuna normativa). Os

demais entes políticos ficam integralmente sujeitos às

disposições da lei complementar proposta.

Por fim, é mister reconhecer que o art. 146-A

encontra-se em pleno processo de construção. Há uma

ebulição de ideias e propostas de leitura e interpretações,

sendo imperativo, em homenagem à transparência normativo-

regulatória e à segurança jurídica, que o Congresso

Nacional, representante maior dos interesses da sociedade,

dedique algum tempo de sua agenda para regulamentar o

dispositivo.

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