APÊNDICES e ANEXOS - Repositório da Universidade Nova ...

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APÊNDICES e ANEXOS

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APÊNDICES

e

ANEXOS

Apêndice 1. (Ap.) Formulário da Entrevista.

ENTREVISTA LIVRE E INDIVIDUAL

"GOSTARIA QUE ME FALASSE O MAIS LIVREMENTE

POSSÍVEL E DURANTE O TEMPO QUE QUISER SOBRE

A SUA RELAÇÃO COM ESTA CASA E COM A

VIZINHANÇA NESTE BAIRRO.

DE ONDE VEIO, QUANDO E PORQUÊ, DE COMO SE

SENTIU INICIALMENTE NESTA CASA E NESTE BAIRRO,

E COMO SE SENTE AGORA, EM 2010/1, PASSADO

ESSE TEMPO. E, TAMBÉM, DE COMO ADAPTOU A

CASA PARA A TORNAR SUA E DA SUA FAMÍLIA, E DE

COMO PROCEDEU (E PROCEDE) PARA SE DAR, OU

NÃO, COM A VIZINHANÇA..."

1

Ap. 2. INQUÉRITO À SATISFAÇÃO RESIDENCIAL NO BAIRRO DA MALAGUEIRA RESPONDA DE 1 A 5 CONFORME O NÍVEL DE SATISFAÇÃO CONSIDERANDO: 1 - NADA SATISFEITO; 2 - POUCO SATISFEITO; 3 - SATISFEITO; 4 - BASTANTE SATISFEITO; 5 - MUITO SATISFEITO NADA POUCO SATISFEITO BASTANTE MUITO SATISFEITO SATISFEITO SATISFEITO SATISFEITO 1 - Satisfação geral com o Bairro 1.1 - Satisfação com a Segurança no Bairro 1.2 - Satisfação com a Envolvente/Rua/Paisagem 1.3 - Satisfação com a Limpeza 1.4 - Satisfação com os Espaços Públicos 1.5 - Satisfação com as Condutas 1.6 - Satisfação com os Equipamentos e Serviços 1.7 - Satisfação com a Circulação Automóvel 1.8 - Satisfação com as Garagens 1.9 - Satisfação com os Estacionamentos 1.10-Satisfação com as Acessibilidades 2 - Satisfação geral com a Casa 2.1 - Satisfação com a Segurança em sua Casa 2.2 - Satisfação com os Espaços Comuns 2.3 - Satisfação com a Cozinha 2.4 - Satisfação com os Quartos 2.5 - Satisfação com o Pátio 2.6 - Satisfação com a Garagem 2.7 - Satisfação com as Coberturas/Isolamentos 2.8 - Satisfação com a Luz 2.9 - Satisfação com a Ventilação 2.10 -Satisfação com Materiais/Acabamentos 2.11-Satisfação com Caixilharias originais 2.12-Satisfação com Saneamento 3 - Satisfação geral com a Vizinhança 3.1 - Satisfação com a Tranquilidade/Ruído 3.2 - Satisfação com a Privacidade 3.3 - Satisfação com Tempos Livres/Convivialidade 3.4 - Satisfação com a Interajuda IDADE: _____ SEXO: _________ ESTADO CIVIL:______________PROFISSÃO: ________________________________ ESCOLARIDADE:________________________________ RENDIMENTO MENSAL FAMILIAR _________________ GASTOS MENSAIS COM A CASA NO QUE RESPEITA A RENDA/EMPRÉSTIMOS E/OU MANUTENÇÃO (CONSIDERE ÁGUA, GÁS, ELECTRICIDADE) _______________ E COM A ALIMENTAÇÃO DO AGREGADO FAMILIAR______________________ QUANTAS ZONAS DA MALAGUEIRA É QUE EXISTEM, DO SEU PONTO DE VISTA? ___________________________ EM QUAL DELAS VIVE? ____________________________________________________________ SE QUISER ACRESCENTAR ALGO QUE ACHE IMPORTANTE E NÃO TENHA SIDO ABORDADO NO INQUÉRITO/ /ENTREVISTA, FICAMOS AGRADECIDOS SE USAR O ESPAÇO QUE FALTA USAR PARA NOS ESCLARECER O QUE, DO SEU PONTO DE VISTA, SERIA AINDA MAIS IMPORTANTE TRATAR_______________________________

2

Ap. 3. Satisfação Residencial (SR): Totais das três áreas: Cooperativas, Habévora, Privados

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

3

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops - totalidades de masc+fem, todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

4

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops-masc-totais todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

5

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops – masc >65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

6

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops – masc 31-65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

7

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops masc 15-30

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Coops fem totais de todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

9

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops fem >65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

10

Resultado dos Inquéritos à SR: Coops fem 31-65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Coops fem 15-30

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Ap. 3B. Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – totalidades masc+fem, todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – masc totais todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – masc >65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – masc 31-65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – masc 15-30

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – fem totais de todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – fem >65

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – fem 31-65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Habévora – fem 15-30

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Ap. 3C. Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – totalidades de masc+fem, todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – masc-totais de todas as idades

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – masc >65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – masc 31-65

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – masc 15-30

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Resultado dos Inquéritos à SR: Privados – fem totais (todas entre 31 e 65)

Satisfação Geral com o Bairro Satisfação Geral com a Casa

Satisfação Geral com a Vizinhança

Satisfação Geral c/Materiais/acabamentos

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Ap. 4. Caracterização sociográfica da população entrevistada

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Ap. 4A.: Caracterização da população das cooperativas:

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Ap. 4B: Caracterização da população da Habévora:

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Ap. 4C: Caracterização da população dos privados:

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Entrevista – Arquitecto Álvaro Siza Vieira, 12 de Julho de 2011

As perguntas aqui presentes, foram escritas previamente, depois na própria entrevista elas foram simplificadas ou acrescentadas de acordo com a necessidade do entrevistador esclarecer pormenores que considerou importantes. Algumas não foram feitas porque a resposta foi dada anteriormente.

1. Como era trabalhar em Portugal a seguir ao 25 de Novembro (para um Arquitecto envolvido com o SAAL, nomeadamente para si)? Tinha muito trabalho…

Não. Na cidade do Porto nenhum, o que motivou duplamente o meu começo do trabalho fora, foi por um lado não haver trabalho, porque houve um corte completo com os arquitectos que (de um modo geral) tinham trabalhado no SAAL. Que incluía aspectos que não eram aceites pelos anteriores controladores da Cidade. Outra razão foi que fui chamado, porque houve um reconhecimento internacional do trabalho do SAAL, portanto, na altura, o tema “participação” estava na ordem do dia, hoje já não é bem assim, fui chamado primeiro para a Alemanha e depois para a Holanda exactamente para projectos que incluíam uma relação de diálogo com as populações. Depois tive uma certa dificuldade em livrar-me desta… (1’40” – “etiqueta”/designação?) tendência de especialidades, fui quase considerado um especialista da “participação”, tive até que concorrer (apresentar-me a concursos) para defender-me desta “etiqueta” de especialista [em participação]… Mas é engraçado que toda a actividade do SAAL motivou uma atenção para a arquitectura portuguesa que na altura não existia.

2. Como nasceu a Malagueira? Quem lhe fez a encomenda? Como foi feita? Do que se tratava?

A Câmara de Évora [mais à frente diria que o Dr. Abílio Fernandes integrava um grupo que se deslocou ao Porto, não mencionou o arqº. Jorge Silva, mas nada disto ficou gravado]… tratava-se do seguinte, no sítio da Malagueira … havia uma brigada SAAL. Quando foi dissolvido o SAAL era necessário a criação de Cooperativas – e eu fui convidado para essa zona e os moradores da antiga Associação que se tornou em Cooperativa, porque era indispensável, e convidaram-me para que eu construísse as casas para eles. Era a primeira fase, isso teve um efeito bom para o trabalho porque eu pude desenvolver simultaneamente o Plano [de Expansão Oeste com a Câmara] e a arquitectura da habitação para as cooperativas. [Em 1977?] … as datas… deve ter sido por aí…

3. Quais foram os seus primeiros passos quando aceitou a encomenda? Como procedeu para criar (“inventar”) a Malagueira? Que tipo de investigação e pesquisa desenvolveu?

A encomenda era muito clara, existia um Plano para a Malagueira que de resto se construiu uma pequena parte[Cruz da Picada], com casas do Fundo de Fomento da Habitação (FFH), que eram edifícios em altura, julgo que 7 pisos. Esse Plano que era pensado para toda a zona da Malagueira foi suspenso pela Câmara de então e eu fui chamado com um programa preciso, não se pretendia casas em altura, porque elas iriam cobrir o perfil da Cidade, queria-se habitação baixa, máximo dois pisos, para manter essa relação da paisagem com a colina da Cidade, por um lado, e por outro lado, porque estava a ser feito um Plano para toda a Cidade de Évora, definia-se para esta zona um certo número de princípios. Um deles era a manutenção da linha de água que atravessa o terreno e a criação de zonas verdes em torno dessa linha de água; outra, era, como disse já, a construção [na horizontal].

4. Trabalhou sozinho ou constituiu uma equipa? Como se se processou esse trabalho? Teve estadias na Malagueira?

Eu tinha colaboradores aqui no escritório [no Porto]; na Malagueira foi o Nuno Ribeiro Lopes que eu convidei, em força, para ir viver para Évora porque vi, com o tema da participação e não só que havia necessidade da presença, portanto o Nuno com alguma relutância lá foi para a Malagueira – convidei-o por um ano e ficou lá até hoje. Foi uma pessoa importante… entre os… [cooperativas, cooperantes, agentes???]… e na execução. Para além disso havia uma

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colaboração/participação dos GAT – foi na altura em que se criaram os GAT – no que se refere sobretudo a infra-estruturas e também tive um grande apoio da Câmara. [E arquitectos estrangeiros?] Ah! Sim. Do meu escritório já não lhe posso precisar quem era, já foram uns anos bons e a memória já não é o que era, mas houve também arquitectos estrangeiros. [Collová?] Não o Collová não participou, eu trabalhei com ele num projecto na Sicília e ele era visita frequente e portanto quase sempre que vinha ia à Malagueira – ele estava muito interessado pela Malagueira e fotografava, ele tem uma colecção de fotografias desde os primeiros tempos (dos espaços e até à construção da própria habitação).

[Podemos dizer que havia um grande interesse dos arquitectos estrangeiros e dos urbanistas sobre o que se passava ali?] Como lhe digo, esse interesse começou pelo interesse pela Revolução portuguesa, e vieram muitos arquitectos que são hoje velhos amigos que vieram ver o que se passava (tinham o maior interesse) e depois, esses mesmos, descobriram que havia uma arquitectura portuguesa, que era uma coisa quase desconhecida, e depois passou a haver relacionamento (publicação em revista[s]). Ouve um primeiro número especificamente sobre o SAAL publicado pela Architecture d’Aujourd’hui (uma revista muito importante porque é distribuída em todo o Mundo. E depois houve muitas publicações em Itália, em França sobretudo e em Espanha também. Bom depois isso estendeu-se, praticamente o SAAL começou a ser conhecido no Mundo inteiro. E muito estudado e de resto em relação à Malagueira também, e não só, e também muitas áreas do saber [se interessaram e estudaram a Malagueira, não só arquitectos-urbanistas.].

5. Qual a sua relação com os construtores/produtores e futuros habitantes da Malagueira? Estabeleceu-se um debate com a população?

Com a população sim! Aliás a população estava habituada a isso e exigia-o porque vinha de um Programa SAAL onde isso era ponto assente. Debate do Projecto e a discussão dos projectos em assembleias, onde às vezes estavam muitas pessoas, muito vivas, a tentar criar consensos, não é pacífico, qualquer solução não era aceite imediatamente, era debatida, aspectos do projecto das casas que teve que ser ajustado para criar consensos. Muitas vezes porque até a informação que vinha [dos futuros habitantes] era útil [ao projecto].

Quanto aos construtores havia uma grande dificuldade – tanto de construtores como de materiais – porque a seguir ao 25 de Abril houve um boom da construção; lembro por exemplo de que na altura não se arranjava tijolo, teve que se fazer as primeiras casas e quase todas com blocos de cimento, mas para isso foi preciso que a Câmara apoiasse uma fábrica local; houve uma fábrica que começou a produzir materiais para a construção das casas. Empreiteiros havia uma imensa dificuldade provavelmente pelo mesmo boom de construção e porque não era muito apetecível uma construção barata a custos muito baixos como era na época. Não cativava muito porque havia muita construção em Lisboa no Porto, etc. E logo o primeiro programa que foi para a tal Associação de Moradores [S. Sebastião] – foi com uma cooperativa recém-formada [a Geraldo Sem Pavor] de que muitos dos operários [portanto os cooperantes eram sobretudo operários da construção civil] nunca tinham sido operários de adobe o que causou simultaneamente uma dificuldade…

[As casas estavam previstas em autoconstrução?] Sim todo o projecto era em sistema… de… NÃO!... Não. Autoconstrução nunca pegou, não pegou no Alentejo como não pegou no Porto, que eu saiba só houve programas do SAAL com autoconstrução no Algarve. Isso porque o trabalho não era durante o ano inteiro, pescadores [portanto podiam dedicar um tempo razoável à construção das suas casas]. Aqui não, porque os activistas da Associação trabalhavam. Portanto não tinham tempo nem possibilidades para construírem eles próprios as suas casas. O que houve foi um projecto que previa a ampliação das casas, portanto o mesmo projecto que começava com um T2 (dois quartos, sala, cozinha, etc.) podia ser essa primeira unidade ampliada com um segundo piso e até com um desenvolvimento em planta [portanto a ampliação podia ser

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“estrutural” e exponencial, todos os espaços podiam evoluir?!]. E isso aconteceu, foi muito útil porque houve famílias que melhoraram a condição económica ou o agregado familiar cresceu e foram ampliando as casas. Sucedeu em muitas delas. O tipo de casa estudado foi uma casa de pátio, aberto para a rua.

6. Qual a relação entre o Bairro da Malagueira e a Cidade Património Mundial – Évora?

A relação é boa, foi uma das coisas que me entusiasmou neste Projecto, é que na Malagueira existia já uma rua com casas de um lado e doutro que atravessava uma linha de água onde nós fizemos depois um pequeno… [dique??] e que se prolongava pela zona seguinte também com bairros com casas construídas clandestinamente. O que é que se passava? Antes do 25 de Abril, Évora crescia pouco, mas o que crescia, portanto a população trabalhadora pobre, era escondido porque Évora era a menina dos olhos daquela gente, enfim daquela região, pessoas que tinham dinheiro e portanto não queriam estragar Évora e de resto há que verificar que Évora manteve-se íntegra – mas a outra face da moeda é que Évora não se desenvolvia. E as construções para essas famílias e trabalhadores pobres eram como que escondidas [até quando eram planificadas, dizemos nós, pense-se nos quarteirões pobres em pracetas das traseiras dos quarteirões ricos, na Zona de Urbanização nº.1 do de Groer]. Repare que estavam entre a estrada de ligação a Lisboa e uma estrada municipal, onde entretanto se tinham construído umas piscinas e estavam no centro desse terreno, com casas de 1 e 2 pisos já com os seus equipamentos surgidos espontaneamente – mercearia, correio, não sei que mais – mas o turista ou o proprietário que entrava na Cidade não viam essas casas que estavam lá no meio, portanto mantinha essa imagem pura da colina de Évora. Mas o que é facto é que quando eu chego à Malagueira vi que era preciosa essa presença, bem vê, não ia trabalhar numa folha branca, mas existia já uma população, com muitas dificuldades é certo, alguns equipamentos frágeis, mas sobretudo um percurso contínuo que ligava à muralha e a distância é pequena. Portanto já existia como que uma estrutura elementar no terreno para apoio do desenvolvimento do projecto. [Existia uma continuidade Cidade-Malagueira?] Existia, existia, hoje está reforçada. Hoje a população é maior e apesar de todas as dificuldades que houve com a construção da Malagueira as condições são melhores. E sempre se fez a rede viária, etc., etc. Repare que o eixo principal – o Plano estabelece como que uma cruz que é um sistema antiquíssimo de construir cidade – e o eixo longitudinal é paralelo a esse eixo da Rua principal das construções clandestinas: a minha ideia foi: elevação da qualidade de vida e das condições das populações dessa área pré-existente, em paralelo com o lançamento de um novo programa para a zona. O outro eixo transversal liga a estrada que vai para Lisboa à outra estrada municipal a Norte. Esse percurso não foi completo, porque uma coisa que estava prevista como uma parte do Plano, que era uma casa agrícola aqui existente foi entretanto desviada a sua posse, e deu uma polémica entre a Câmara e o Ministério da Agricultura (MA). De maneira que há aqui uma impossibilidade de estabelecer os dois eixos – embora o eixo transversal tivesse um final para peões, porque o jardim não se ia destruir. É um jardim com muito interesse. No fundo há um T muito claro, depois havia uma ligação pedonal a Norte que depois não se realizou, passou a ser propriedade do MA.

7. Qual foi a sua maior preocupação/atenção – o espaço urbano (público e colectivo) ou o espaço doméstico?

Os dois! [Ri-se] São igualmente importantes e são complementares até na sua definição. Mas a opção do Plano foi de não construir “zonas” [zonamento], a zona habitacional, a zona comercial, concentradas. A minha intenção era, tal como acontece na cidade antiga de Évora, era de fazer um contínuo onde habitação, comércio, escritórios e o resto dos programas não fossem coisas sectorizáveis. E portanto, uma coisa que ainda hoje é dificilmente compreensível: o Plano tem alguns espaços abertos, porque existem, se deve a que o Plano previa essa disseminação, nalguns casos em continuidade, dos comércios e dos equipamentos e portanto não concentrar

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numa zona. Há terrenos ali que estavam, e ainda estão, uma parte deles, à espera da construção de equipamentos (de partes do programa) dos quais muitos estão projectados. Mas que fez parte do verdadeiro, acho que posso usar a palavra, boicote à Malagueira: foi de que nunca havia dinheiro para construir os equipamentos – projectados uma série deles e, portanto, o desempenho de cidade ainda não é integral. E espero que um dia seja. Eu lembro-me de ter projectado as sedes para as cooperativas, que na altura estavam em pleno, em desenvolvimento, as duas sedes. Edifícios de escritórios, uma clínica, uma escola, uma igreja que poderia ter uma função muito importante socialmente. Porque era uma igreja com centro paroquial e na altura a Igreja pretendia ter ali um centro de apoio IMPORTANTÍSSIMO [sublinhou bem] porque está na confluência entre a tal zona anteriormente construída em altura, o bairro dos clandestinos, de Sta. Maria que se chama, e as construções em altura. Era um apoio social de convergência dessas várias zonas. Muito importante porque ali foi concentrada a população cigana, como muitas vezes se faz – sem os devidos cuidados. Havia conflitos que ainda hoje existem exactamente porque não foram realizados ao mesmo tempo os equipamentos que eram fundamentais e sobretudo o apoio social [ausente] que era necessário e que chegou a existir. Eu lembro-me de uma belíssima festa que assisti e o Presidente da Câmara e toda a população num pequeno anfiteatro [junto ao lago] e a inauguração foi feita com uma festa de música e dança cigana. A população começou a vir, desconfiada porque a relação era difícil como sempre vem acontecendo, mas acabou por entusiasmar-se e tornou-se uma festa deslumbrante.

Bom, o que é que acontecia, havia um grupo de uma Universidade [ISCTE, Alexandra Castro, etc.] que no trabalho universitário estabeleceu um programa de apoio às populações ciganas. Apoio social e portanto criou um clima, pouco a pouco, de diálogo entre a população não-cigana e os ciganos e aquilo melhorou, depois houve uma medida que eu procurei contrariar que acho que foi desastrosa de fazer numa parte do Bairro, na extremidade mesmo, o realojamento dos ciganos. Outros já estavam aqui em construções más, construção em altura [Cruz da Picada]. As casas projectadas para toda a Malagueira mostraram-se apropriadas para as famílias ciganas, porque tinham um pátio, faziam tudo lá. Pois foi quando esse grupo [ISCTE] que fazia assistência como trabalho universitário acabou a situação começou a deteriorar-se, sobretudo pela acção terrível da marginalização. Foi um erro colocar os ciganos concentrados é uma zona abandonada onde [os serviços camarários] fazem os trabalhos do espaço público. O pouco que se fez foi destruído entretanto, é um problema latente.

8. Como caracterizaria as casas da Malagueira? Inspirou-se em algum modelo/tipologia conhecida? São casas do “Modernismo” e da Carta de Atenas? Que associações e diferenças se podem estabelecer entre estas casas e a região cultural onde se inscrevem?

Ah… Essa tal tendência de simplificar esquematizando É TERRÍVEL. Eu já tenho ouvido comentar por críticos, particularmente à arquitectura da Malagueira como Neo-Racionalista, no seguimento do Movimento Moderno, como vernacular e até como Expressionista, veja lá, e tudo isso, todas essas componentes que estão atrás da formação de um arquitecto estão presentes no trabalho de um arquitecto. ASSIM, a associação ao vernacular, é certo que tem razões paisagísticas de inserção nesse tal desejo de continuidade entre o novo em redor da Cidade e a Cidade antiga que é branca, com toques de cor, mas basicamente é branca. Mas esse branco também tem uma razão de protecção por causa dos rigores do Clima num caso, não só porque é uma componente do Sul da Europa, do Mediterrâneo, tem muito a ver com aspectos práticos, nomeadamente a protecção dos raios solares.

O pátio também é um elemento que existe bastante na arquitectura vernacular, no Alentejo, e não só no Alentejo. E não é só por uma referência formal é porque havendo o [dinheiro] que havia para estas casas, e os regulamentos não permitiam usar elementos (que fariam aumentar as verbas) de isolamento térmico, por exemplo, como existem. A verba e a própria possibilidade de dispêndio em energias das famílias não permitia uma solução como se

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usa nas cidades, normalmente, bem ou mal. Este pátio funciona como uma transição entre a rua e a casa e que cria uma espécie de microclima – sobretudo como foi recomendado – mas nem todas as pessoas adoptaram, por razões diversas, quando se faz uma parreira ou uma árvore que produz a sombra. É como que um filtro em relação aos rigores do clima. Outros aspectos, como por exemplo o facto das casas estarem encostadas. São duas fiadas com uma parede comum, são exactamente para não haver tanta exposição aos rigores da atmosfera exterior. A largura das ruas, que na altura me disseram que nem era regulamentar, eu acho que era mas, de qualquer modo, era para que se produza sombra [porque são relativamente estreitas] e diminua o rigor do clima [estio].

Portanto há muitas razões formais relativas à formação de um arquitecto – económicas, práticas, de ajustamento ao contexto e às condições – e por aí fora não se pode esquematizar e dizer é isto ou é aquilo, é muito mais do que isso [tradicional ou “Moderno”] e ainda há a considerar o debate com a população. Não esquecer que era ponto assente os projectos serem aprovados pelas cooperativas. Foram aprovados por vezes com cedências, arte, mantendo sempre um clima de ligação entre o projectista e a população – a um ponto que quando os ataques à Malagueira eram mais [cerrados] não foi suspensa a obra por causa do apoio da população. Sem dúvida, sem haver o apoio da própria população não tinha sido possível chegar onde sse chegou. Esse apoio manteve-se sempre, pela Câmara não! quando a Câmara mudou. [o bold é meu, sempre]

9. O que é para o Arquitecto Siza Vieira o essencial destas casas? Muito sinteticamente.

Acho que é a flexibilidade – essa possibilidade de na mesma casa a pessoa, um dia, encontrar meios de a aumentar, quando a família cresce. Esse é um aspecto, o outro é um apoio, a dependência, a vida comunitária. Eu podia dizer que o antípoda da Malagueira será o que agora tanto se faz que são os condomínios que significa a destruição da cidade. Aqui a intenção – tendo nos olhos e no espírito o próprio exemplo da cidade [de Évora] – era a possibilidade de criação de comunidades consolidadas, sólidas, o que eu acho que aconteceu, senão tivesse acontecido não tinha chegado ao ponto a que chegou, e isso também muito apoiado pelo facto de ainda existirem cooperativas. Para mim são os aspectos mais importantes. E por outro lado a manutenção que era obrigatória de um amplo espaço verde. A solução dos problemas das infra-estruturas e dos espaços públicos também favorável ao ambiente. Para lhe dar um exemplo, não existem tubos de recolha de água, de drenagem [dos pátios por exemplo], subterrâneos. Aproveitando as ondulações do terreno há uma drenagem natural de superfície conduzindo ao ribeiro, linha de água central que era obrigatório conservar. Toda a água que cai ali converge e utiliza as ondulações do terreno e portanto isso ajuda o ambiente, também. Para além da economia [de meios]… por outro lado em determinada altura decidiu-se recolher a água que periodicamente é esvaziada das piscinas e essa recolha das águas de drenagem fazendo um lago, também criou condições climáticas melhores.

[E o que pensa das apropriações por parte dos habitantes?] As apropriações são mais ou menos marcantes, não interessa saber se são do meu agrado, previa que isso acontecesse. Anima-me que isso aconteça, porque significa uma relação de cada um com a casa, não uma submissão [ao projecto]. Mas o facto é que o carácter da Malagueira resistiu perfeitamente às intervenções no aspecto da cor, no aspecto da mudança de caixilharias, etc. Não que eu esteja de acordo com todas essas modificações. Para mim são um índice de vitalidade, por um lado, e por outro contava com essas. Fui criticadíssimo porque fiz as casas todas brancas, não havia cor a não ser nas caixilharias. Muitas dessas críticas desconhecem que havia um Regulamento que estabelecia, tal como é aí sim no aspecto “tradicional”, que em torno das janelas, nos vãos e no embasamento era possível aplicar a cor. E porque é que não apliquei eu mesmo? Porque achava ilegítimo, e condenado ao fracasso, estar a inventar as cores ou a cor a 1200 famílias. Havia um regulamento

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que lhes permitia intervir, é claro que certos aspectos desse Regulamento não foram cumpridos, porque o que estava aconselhado era a pintura natural – cal – mas houve casos que preferiram a tinta plástica (enfim, ela depois começa a descascar). Mas é um facto que tudo isso tem a ver com a evolução de vida que não pode ser ignorada. É claro que hoje as mulheres de Évora trabalham [fora de casa], não como era antigamente, no século passado e antes, até aos anos 40 [do Século XX], que as mulheres caiavam elas próprias as casas; nem vemos uma mulher com um pau enorme a pintar o segundo piso da balaustrada isso acabou. Hoje a mulher trabalha [fora de casa].

10. O que é para o Arquitecto Siza Vieira o essencial deste projecto urbano? Muito sinteticamente.

Em termos de desenho em termos de realização? [Quais eram os seus objectivos para aqueles 27 hectares?] O meu objectivo era uma grande clareza para a distribuição das construções, dos espaços livres, para o que havia indicativos muito seguros em torno da linha de água que tinha que ser respeitada [Ele está a responder-me em termos nem de arquitectura doméstica, nem em termos de desenho urbano, mas pura e simplesmente, em termos morfológico-espaciais, como um geógrafo…]. Depois, não podendo fazer construção em altura, concentrar as construções de modo a atingir a mesma densidade habitacional, que era também uma condição de trabalho. Que nós conseguimos com 1 e 2 pisos e espaços verdes a mesma densidade conseguida nas construções com 7 pisos. É fácil de entender baixa, aperta. Sobe, alarga, tem mais espaço. Essa concentração queria favorecer aspectos de partilha e aspectos económicos. E também numa racional distribuição das infra-estruturas – como deve ter visto, há quem lhe chame “aqueduto”, mas não é um aqueduto, também é… É uma conduta elevada na qual estão as infra-estruturas: gás, electricidade, telefones, distribuição de água, etc.

[Era um projecto de habitação social?] Toda a habitação é social. E esta também era e a habitação social é um projecto urbano. Uma das coisas trágicas que acontece é essa discriminação, que está no espírito de muitos, ERA HABITAÇÃO SOCIAL E BASTA! Eu lembro-me que uma das críticas, mas não sinceras, verdadeiros ataques ao que era a Malagueira – que isto não era habitação social e a par disso dizia-se que eram caríssimas. Até que na entrega de um grupo de casas ou o IGAPHE ou o Secretário de Estado da Habitação disse que eram as casas mais baratas que se tinham construído. Mas quase que eu noto às vezes que a habitação social quando não é feia e cria cidade, que acho que é o caso aqui, é mal vista. Já ouvi dizer a pessoas com responsabilidade “isto não é habitação social” porque não era suficientemente feio.

11. O que nos pode dizer sobre os muros das casas? Como já referi como a criação de um microclima, um filtro, noutro sentido. Foi um dos

aspectos polémicos no debate com a população porque para muitos isto dava um ar pobre às casas. Diziam “não tenho fachada”! E também um hábito, um desejo, que se foi instalando de criar maior relação com a rua, entre o interior e a rua. É que é um tema sempre permanente é que é a defesa da rua, dos ruídos, “ah! Os ruídos da rua” ou o que é um convívio com a rua. Este foi um caso muito discutido, uma grande parte dos habitantes não queria o muro alto, quando eu vi qual era a divisão de opiniões eu decidi que quem quisesse o muro baixo tinha o muro baixo, as pessoas optaram. Interessante nisso é que com o correr do tempo, muitos dos que tinham o muro baixo o levantaram porque se aperceberam das vantagens que daí vinham – porque ficaram com mais uma sala ao ar livre. Foi uma coisa muito debatida e muito utilizada como ATAQUE à Malagueira porque foi constante, agudizando-se nos períodos eleitorais. Outro ataque grande foi de que não havia telhado. Uma das razões de não haver telhado é de ordem económica. Tão pouco havia fornecimento de telha, tal como o tijolo, e pelo custo [elevado, igualmente no transporte, se viesse de fora]. Portanto a solução que estudou o Engº. Sobreira, um grande engenheiro que na altura trabalhava comigo, é um sistema extraordinariamente económico – era a própria construção e a própria estrutura, que são os tais blocos de cimento com alguns ferros enfiados nos ocos [buracos] do cimento para um bom comportamento e com “invenções” (enfim)

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ou com outras intervenções para melhorar a resposta dos materiais, como seja, encher de areia os ocos [buracos] do bloco de cimento para aumentar o isolamento acústico, enfim uma série de estudos que foram feitos sobretudo pelos engenheiros. Outra coisa muito atacada não tem telha, dizia-se, e Évora tem telha. É verdade que muitas das casas de Évora têm telha mas não todas, e aqui havia um imperativo económico – e também visual, paisagístico – de maneira que há essa transformação no que se refere à altura dos muros que tem muito a ver com a população, a variação começou [na origem da população]. A seguir ao 25 de Abril Évora começou a aumentar, aumentaram os serviços, de maneira que a páginas tantas a população não era só – como no primeiro núcleo de trabalhadores, muitos [ex-]trabalhadores da terra – mas começou a haver gente dos serviços já com outra ideia diferente da casa. Eu lembro-me que quando se discutiu o pátio havia de início uma reacção (grande) contra. Era uma coisa campesina. Entrem em Évora e vejam como tem esses muros… Mas havia essa reacção e no fim dessas reuniões, onde essa opinião era maioritária, vinham alguns puxar-me pelo braço e dizer-me “eu gosto do pátio” porque lembro-me que em casa da minha avó… – era gente rural que vinha do campo – havia esta mistura de sectores que afluíam inclusivamente de Évora. Portanto o caminho a seguir, e os consensos a encontrar, era no meio dessas tensões. Embora houvesse uma grande coesão. Eu lembro-me, a propósito dos muros, de um dos directores da cooperativa um dia aparecer com uma fotografia de uma rua de Évora e dizer-me “ó! arquitecto! Isto é a Malagueira”! Pois é, pensei. Mas o desenvolvimento da capacidade de VER é uma coisa lenta. As pessoas podem ter coisas dentro dos olhos – quotidianamente – e não se apercebem delas, de resto o arquitecto, como o fotógrafo por exemplo, tem de aprender a VER, é uma coisa que se aprende, não é espontâneo em toda a sua capacidade.

[E as garagens] Das garagens há vários aspectos curiosos – quando se começou a construir quem é que pensava que aquelas populações iriam ter automóvel. De maneira que foi uma das razões porque eu pude fazer as ruas estreitas, bastante estreitas, e para uma pequena porção da população que viria a ter automóvel, criaram-se uns núcleos de garagens para automóveis [está escrito algures que o IGAPHE não quis garagens para os seus arrendatários] alguns construíram-se: Simplesmente, é preciso não esquecer isso em relação aos dias de hoje, as condições de vida dessas populações melhorou extraordinariamente e começaram a aparecer os automóveis. As pessoas queriam o automóvel – talvez porque era uma experiência nova – ao pé da porta de casa, alguns ao pé do vão da cama [ri-se, ele e nós] e começou a gerar-se uma regra colectiva espontânea que era “em frente à minha casa guardo eu o meu carro, mais ninguém põe o carro aí”, como as casas têm oito metros dava para isso. Começam a surgir carros encostadinhos às casas dum lado e doutro [mas não simultaneamente; registe-se que antigamente a estreiteza das ruas era sobretudo atribuída a espaços de sociabilidade e não de mobilidade automóvel] e o caminho passou a ser muito estreito. No meu espírito inicialmente essas ruas são curtas – são umas ruas de ligação e são ruas curtas – eram pedonais. E esta mudança levou a que tivessem que passar a ser – isto é uma evolução real – vamos permitir que os carros… [que as ruas se tornem espaços de circulação e de estacionamento]. Por isso se criou [um complemento] ao sistema viário existente e o resultado foi muito bom: porque não há acidentes ali, como as ruas ficam muito estreitas os carros vão com cuidado nestes pequenos lances há segurança. E faz muito pensar nestes aspectos “místicos” da segurança (…)

[Pergunto – que tal na Broadway 2, nos espaços expectantes, fazer-se alguns estacionamentos?] Há alguns estacionamentos aí… Agora todo o sentido deste Plano é uma estrutura capaz de aceitar as mudanças no tempo. E as naturais, quase espontâneas, soluções encontradas dentro de um núcleo de uma dimensão que o permite e com uma relação com os outros núcleos que essa é firme. Isto é o essencial das intenções do Plano da Malagueira. Não é segmentar rigidamente “isto é assim, assim, assado”, mas sim encontrar soluções capazes de absorver as naturais mudanças. Por exemplo, neste momento existe uma transformação notória é

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que já chegou à Malagueira a mobilidade [residencial] das cidades modernas, isto é, já há quem venda a sua casa porque vai para outro lado e quem venha para aqui, porque lhe convém, alguém dos Serviços do MA por exemplo. Isto é um passo muito importante e que tem acontecido sem sobressaltos (acho eu) que é o chegar da mobilidade [já há casas do ex-IGAPHE a serem revendidas…] – isso é muito positivo. E destrói aquela ideia do… local. Agora o grande problema da Malagueira é o boicote à construção dos equipamentos.

12. E sobre as condutas? Estão como as imaginou ou hoje preferia-as de outro modo, a tijolo burro por exemplo, ou doutra forma ainda?

Isso foi feito com extremo [cuidado] tinha que ser muito barata, aliás havia uma obstrução, não havia aprovação, era considerada uma extravagância [pelos poderes públicos, IGAPHE…]. Foi muito complicado fazer aprovar isso e também o financiamento era muito parco. É uma solução extraordinária do Engº. Sobreira. Foi feito por tuta e meia… As pessoas diziam “isto vai cair”… e com meios técnicos que não eram correntes na altura – todas as [lajes] eram pré-fabricadas e colocadas lá. As paredes de travamento, blocos reforçados, é dum engenho extraordinário e a condição era o custo. É interessante que o desbloquear da obstrução à conduta e deve-se ao Presidente da República General Eanes numa visita que fez a Évora e à Malagueira – aquilo estava mesmo reprovado em Lisboa e o Presidente foi às piscinas dar uma vista geral, estava tudo em construção, e chamou-me.. “então como é que vai isto?” – a verdade é que com as infra-estruturas está a haver problemas para a aprovação.. e estava lá um funcionário superior [do IGAPHE?] que veio apressadamente e disse “não, não, já está aprovado!” O interessante é que não estava... há dias estive com o General Ramalho Eanes e ele lembrava-se desse episódio… Bom. A conduta tem aspectos económicos e há aspectos de “aconselhável uso” porque o acesso a essas condutas é fácil [lá fora atribui-se a estes aspectos uma referência de “qualidade”], e também como elemento da paisagem. Eu apercebi-me desde o início da dificuldade que haveria para construir os equipamentos, só havia financiamentos para casas pelo Fundo de Fomento. Eu tinha um problema que era ficar uma vastíssima zona só assente na escala da casa. Nós pensámos que a complexidade, que a riqueza, da paisagem urbana seria um desastre – foi uma das razões que me levou a pensar num elemento forte que percorresse todas as suas derivadas, todos esses núcleos de casas, que garantisse desde o início a introdução de uma outra escala de construção. Essa complementaridade aguenta-as [ao doméstico e ao urbano numa mesma linha de leitura]. [Não as imagina de outra maneira, o tijolo burro?] Se houvesse dinheiro para fazer de outra maneira, naturalmente, teria feito de outra maneira, não me pergunte como, porque na altura não se punha… Agora, há já uns anos, eu fui chamado no princípio [desta edilidade?], para fazer uma limpeza nas condutas. Limpeza que iria ter uma pintura com aditivo, para não deixar sujar – seria imperceptível [fica a ideia no ar que só podia ser branco; aliás o Paulo Fanha dos Serv.Técºs CME tinha dito que era a única solução aceitável]… Neste momento pode dizer-se que tudo quanto está construído na Malagueira está referido àquela expressão da conduta, imagine que se enriquecia a conduta [tudo ficaria desequilibrado, depreende-se da expressão e do silêncio, igualmente se fosse branco não desequilibraria e daria muito maior auto-estima à população que requer isso mesmo].

13. Hoje as cooperativas já não fornecem a televisão por cabo. E vão despontando algumas antenas, o que acha disto? Não se pôs esta questão.

14. Está satisfeito com as funcionalidades da casa e a sua distribuição? Porque razão criou uma casa evolutiva?

Bom, isso é melhor perguntar à população… [respondo que entrevistei 90 famílias] e deve haver como sempre há ideias diferentes, eu acho que com os condicionamentos que existiam que as casas estão o bem possível [O Carlos pede para não mexer o braço e não repisar as perguntas… Siza diz uma graça, então se fosse italiano… rimo-nos e continuamos] [o tamanho dos quartos?] acho que sim, a casa favorece, o projecto favorece a boa dimensão dos espaços [dos quartos e

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restantes espaços] através de uma redução dos espaços distributivos, alguns podem ser um problema – o caso da escada para ir ao segundo piso está dentro da sala comum, outros prefeririam ter uma escada independente – tudo são opções com razões fortes, também poderia ter reduzido um pouco as divisões, nalguns casos para aumentar os espaços de distribuição, é claro que havia um Regulamento. Outra coisa é perceber também que a área da casa era obrigatória, o FFH quando apoiava financiamentos dizia taxativamente quanto pode ter no total a casa e as áreas das diferentes secções, etc. e ainda foi possível fazer o que ali está porque os regulamentos não eram os de hoje. Hoje não sei como se vai poder construir habitação económica. Não sei. A comunidade europeia já está a aplicar nalguns países… todas as casas têm que ser preparadas para pessoas com dificuldade motora, TODAS, faz-se um bloco de apartamento – todos os apartamentos – isso implica num aumento de área muito grande nos quartos de banho e nas escadas e a área aumenta cerca de 30%. Em França está a fazer-se uma coisa delirante que é o aumento dessas áreas (porque são todas casas para pessoas com dificuldades motoras) implicarem diminuir o tamanho dos quartos – estou a fazer um projecto em França onde verifico com espanto que o Regulamento obriga à existência de um quarto com 1,60m de largura e 3m de fundo, isto significa uma cama encostada à cabeceira e 1m de espaço disponível. Isto para se cumprir com a tal regra comunitária (tenho ali um projecto aprovado e aponta para uma fotografia). Actualmente as casas da Malagueira, e todas as feitas na época, é tudo não regulamentar à luz dos Regulamentos de hoje.

15. Grande parte dos habitantes elimina a lavandaria e aumenta a copa, sacrificando parte do pátio, o que nos diz sobre isto? E sobre o pátio? E sobre os terraços? Não se fez esta pergunta, devido ao tempo se estar a prolongar.

16. Está satisfeito com a disposição, forma e tamanho dos quartos, da sala comum, das casas de banho e dos espaços de arrumos? Também não se pôs esta questão.

17. Quanto a coberturas/isolamentos, ventilação/materiais e acabamentos o que nos pode dizer sobre o assunto?

De novo, dentro dos condicionamentos que havia – Sim! Acho que sim. Porque os isolamentos… porque se quiser – há uma coisa que favorece que é as casas estarem encostadas umas às outras, o que faz uma frente, só uma frente, estar em contacto com o exterior, nos lados e na parede de fundo tem as casas vizinhas. Por outro lado há ventilações nos quartos de banho [porque não há ventilação transversal, registe-se]; o isolamento acústico está favorecido pelo tal sistema [da areia dentro dos buracos dos blocos de cimento? Mas isso só foi feito nas primeiras 100 casas, creio, em todas as casas a referência à ausência de isolamento acústico e/ou térmico (a areia servia para os dois casos, ou o facto de ele ser muito fraco era uma constante – na maioria dos casos, porque se conhecia relativamente bem a família do lado, a condescendência imperava – provavelmente porque se punham na posição dos vizinhos… REGISTE-SE IGUALMENTE que estes factores de isolamentos são bem menos referidos nas construções mais recentes da Malagueira]. Dentro do possível acho que são boas casas. Eu aliás, em determinada altura – havia uns lotes, há aqui uma zona em que os lotes são para privados – eu construí lá uma pequena casa para mim, está lá, não vou lá porque não tenho muitas razões para isso. Eu construí para fazer ver que algumas coisas que eu queria, e não eram aceites pelas cooperativas, não eram decisões más. Porque eu ia muito a Évora e para não ir para um Hotel e para mostrar certas coisas, uma delas é que, como as paredes não são muito espessas, são sólidas mas não são a construção mais sólida que há, eu não queria abrir roços para introduzir canalizações dentro das paredes, portanto propus fazer a canalização à vista, em cobre ou em inox [?] por fora para não ferir as paredes que são estruturais. Mas não foi aceite porque era feio, porque era pobre, então fiz na minha casa e no programa seguinte já foi adoptado. Porque aquilo bem feito não é mais caro e o aspecto é muito bom.

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18. Qual o papel que a luz joga nestas casas? Para quem vir este documentário o que lhes pode dizer sobre este aspecto das casas e a qualidade de vida que elas podem oferecer. É um aspecto tão importante como a privacidade, nos dias de hoje, ou é um aspecto secundário?

Em qualquer caso a luz é um dos elementos exigentes num projecto. E ali, primeiro, a luz de Évora é muita [muita e muito forte], segundo, um vão é um ponto fraco para a tal defesa dos rigores do clima. A minha ideia era fazer aberturas pequenas, de novo, não por razões não só de referência ao vernacular/arquitectura tradicional, mas também por razões muito concretas –– e aí encontrei uma grande resistência! [Diziam…] Quanto mais luz melhor! [em Conferência na Lusíada, há 12 anos, disse que os futuros habitantes, nos debates com a população, queriam os muros baixos e muitos envidraçados, porque queriam uma casa como a dos ricos, que se pudesse ver e mostrar! Como as cantareiras do Silva Picão?] que é um erro. Por isso eu criei as condições de um consenso; as janelas que eu queria pôr eram mais estreitas (o que tinha a oposição das pessoas). Outros aspectos têm a ver com a dimensão dos vãos com a arrumação interna – as janelas tornam mais difícil arrumar os móveis. E também os dispositivos de controlo da luz são muito importantes e extremamente caros. Veja que os vãos com a abertura que têm além do caixilho com o vidro têm uma portada interior que permite o controlo, cria um “colchão” de transição, são portadas não sei se viu que dobram em quatro [macho-fêmea, não é?] Sim! muito importante, que permite o controlo da luz, pode-se abrir só um bocadinho ou tudo. E permite a intimidade. [Se bem percebi, as janelas do interior foram imposição da população?] Não! Essas dentro do pátio estão mais protegidas pelo próprio pátio, o tal filtro de que eu falava [portanto, essas são ideia do Siza, digo eu]. Mas correspondeu [também] a um forte empenho nas discussões com a população – janelas grandes. Provavelmente não teria feito as janelas tão grandes [sobretudo, no piso superior, percebe-se, no pátio sim]. Está a ver: o desenvolvimento do projecto é sempre uma negociação. O arquitecto só muito raramente faz uma casa para si, faz uma casa para outros, mas tem também a obrigação moral de explicar o que é conveniente e o que é inconveniente, mas num projecto que envolve 1200 famílias é necessário encontrar consensos.

19. Os espaços verdes e lúdicos estão como desejava? E os equipamentos? A Malagueira está concluída? O que falta para concluir e, hoje, qual é a sua relação com o Bairro?

Os equipamentos não estão feitos, os espaços verdes foram feitos em conjunto com um paisagista formado na Universidade de Évora e que de resto, como trabalho de tese, apresentou um estudo para a Malagueira – foi ele que teve a ideia de aproveitar as águas fazendo aquele lago. Agora nem tudo está bem tratado. Não vou lá já há bastante tempo mas as coisas estão maltratadas. Em determinada altura a CME recuperou uma casa agrícola antiga no sentido de instalar lá os Serviços de Jardinagem que eu não sei se está a funcionar? [está, está] isso garante uma proximidade [aos espaços verdes] agora as outras não estão bem tratadas de todo, como por exemplo a zona onde se concentram as famílias ciganas. Com a marginalização sei que é difícil a manutenção, houve um caminho nesse sentido que foi abandonado.

20. Na sua perspectiva o que será o futuro deste Bairro? O facto de ter sido atribuído o Prémio Prince of Wales da Harvard University, ser parte da História do Urbanismo/Arquitectura Mundial e como isso estudada no Mundo inteiro fará alguma diferença?

Eu creio que por cá [não]… De um modo geral criou-se a imagem de um péssimo projecto, em relação a tudo o que se fez no SAAL, que é muito difícil de desmontar, tal foi a concentração em criar essa imagem. Portanto criou-se um clima em que a Malagueira é um desastre, por outro lado, casos muito curiosos – por exemplo o caso da Bouça considerada a vergonha das vergonhas, como diziam os jornais na época, foi abandonada e interrompida a construção, num momento da construção em que era incompreensível parar, para criar essa imagem que foi um desastre completo. Mas recentemente houve um movimento, uma iniciativa por parte da Câmara do Porto, e da Associação Nacional de Cooperativas, e foi concluída e recuperada ao fim de 35 anos – chamaram-me para isso, o que me deu muito gosto, concluir e provar que aquilo não era

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“repugnante”!... e depois fez-se uma inauguração em glória e eu acho que vieram algumas das pessoas que chamavam aquilo de “monstro”… [venderam todos os apartamentos novos numa semana, digo eu…] é verdade! Quanto à Malagueira sobretudo por essa mobilidade numa parte consolidada [porque extractos mais escolarizados procuram a Malagueira], hoje, a mobilidade é um dos mais importantes aspectos, por outro lado a discriminação [dos ciganos] pede a continuidade de um processo interrompido [de integração]… quando houve uma mudança de partido no governo da Cidade – nunca mais eu fui chamado – por razões de mudança política, que aliás pautam a vida de um arquitecto, em Portugal e no resto do Mundo… Entrevista ao Arqº. Nuno Ribeiro Lopes, 2001 – Inf.06 (O que foi o projecto da Malagueira?) Um projecto urbanístico... (Para quem foi construído aquilo?) Eu diria que não havia especificação nenhuma, o que havia era uma situação pós-25 de Abril [mais do que migrações das aldeias para as cooperativas e dessas para a rua e por fim para a Malagueira não é de considerar, mas é de considerar os jovens das aldeias e, sobretudo, do centro da Cidade de Évora (a densidade por fogo era muito elevada), chegarem à idade adulta e não quererem, ou não poderem por sobrelotação, viver com os pais] (Quem veio para a Malagueira?) A malta que veio fazer a Malagueira... essa malta, os serventes de pedreiro... eles moram ainda nas aldeias e vêm trabalhar para Évora [Há quem acuse de fraca definição do projecto do Siza em contacto com as populações na discussão] discute-se em determinados limites, há regras a cumprir, os regulamentos do INH (Instituto Nacional de Habitação) [o projecto já está na cabeça do Siza, ele só cede no que quer, foi a ideia dele que ficou – no que não altera a essência, cede] o pessoal queria gastar o dinheiro em azulejos e retretes de cor... os armários de cozinha não aceitaram os desenhos do Siza ... as pessoas discutiam os materiais dos acabamentos, os que Siza considerava que não eram essenciais ... o mesmo projecto foi-se adaptando em função de cada tipo... [mas] em 89 [já] não há moradores para discutir... porque as cooperativas por lei foram transformadas em empresas, até por questões políticas, para as conduzir à situação de um empreiteiro que faz construção bonificada ... a custos controlados ... só se discute com as direcções das cooperativas [Acabando a discussão utente/projectista nasce a ilegalidade – as obras clandestinas -, a discussão estabelece-se entre a fiscalização e a direcção da cooperativa] nasce a situação clandestina exactamente quando se perde essa discussão com as pessoas; as pessoas discutem o projecto, as pessoas compreendem o projecto, discutem com o Siza, o Siza dá resposta às questões deles, quando não dá, explica porque não dá – toda essa participação significa que os edifícios se aguentam muito melhor após a saída do arquitecto e a entrada do morador... com pequenas alterações, mas sem pôr em causa o projecto, quando se entra [pelo contrário] no campo do que era o Fundo de Fomento depois IGAPHE ... que as casas foram feitas para o IGAPHE segundo fórmulas que toda a gente sabia que existiam... [sugere que eram feitas a metro] mas depois quando as pessoas entram o IGAPHE tem uma espécie de polícia... a pessoa não pode pregar um prego (Como foi projectada a Malagueira?) Eu diria que foi projectado de uma só vez, no sentido que o Siza tinha um projecto tipo base ... depois é que o foi aplicar à Malagueira ... o esqueleto... ficaram sempre definidos à partida lotes de remate... [outros] que não estavam estruturados... o Siza deixou sempre margem de manobra para que outro arquitecto [tivesse outro projecto, aqui, para que] houvesse discussão de maneira a não fazer cada um o seu pequeno... [para não criar] a manta de retalhos. O esqueleto era um projecto único mas que se foi alterando, houve entretanto mudança de regras, de financiamentos,

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de população, novas tecnologias que apareciam (também a percepção) que foram mostrando onde é que o projecto tinha problemas na sua execução. O projecto foi-se desenvolvendo noutros projectos. O próprio projecto é ele e o útil (?), tudo estava desenhado e o que não estava foi deixado voluntariamente por desenhar esperando uma nova definição do programa ... e de convivências ... o projecto é absolutamente [aberto, recorda-me uma memória visual de braços abertos], já vamos na centésima versão da Malagueira e nunca sabemos se é a definitiva, nunca sabemos se aquilo vai acontecer assim. (A Malagueira levou dez anos a construir?) Dez não, vinte, a nossa programação era dez anos, cada lote ou grupos de lotes em dois anos. O programa municipal...é óbvio que é um programa que ultrapassa em muito as possibilidades municipais, houve um momento que havia três entidades a dirigir o processo: o IGAPHE que tinha 418 casas e o resto das cooperativas (primeiro 3, depois 2) e a Câmara que vendia lotes em auto-construção ... nunca foi possível planear a construção ... o Siza tinha um projecto e a assistência técnica, muitas vezes não tinha a fiscalização ... A Malagueira era o retrato do país ... corrupção [entendi, não sei se bem, sobretudo do IGAPHE] ... havia tudo o que era possível imaginar ... o país em miniatura, o retratozinho, o que no país acontecia na Malagueira havia tudo... três entidades com três programas, com três lógicas de construção absolutamente diferentes e incompatíveis. Se havia financiamento do Governo (na altura estávamos com governos sucessivos, parecia Itália, cada governo não durava mais que um mês)... vinha um primeiro ministro que apoiava a habitação, vinha outro que não, os financiamentos foram sempre intermitentes, nunca foi possível planear ... os dez anos... uma construção contínua e programada, nunca foi possível planear em termos de timmings, foi sempre assim aos soluços. Também nunca foi possível planear em termos de construção: fazer o espaço exterior, fechar aquele sector para ir para o sector seguinte. Tínhamos planeado – 100 fogos eram 2 anos. Agora, houve uns que demoraram 4 [iam-se degradando] depois ficam prontos e não estavam prontas as infra-estruturas... outros sítios as casas ficaram a meio porque o empreiteiro faliu ... os 418 fogos do IGAPHE ficaram abandonados ... parecia uma cidade do farwest. (Podemos falar em Malagueiras?) Isso é verdade no sentido em que há três comunidades, isso tem a ver com a génese: cooperativa por um lado, auto construção/lote municipal vendido em hasta pública por outro e IGAPHE. Três realidades quer de execução quer até de comunidades que ainda hoje corresponde à ausência de uma entidade, aliás, este é o problema da Malagueira. Não há uma estrutura representativa dos moradores da Malagueira há três, portanto ainda não há uma mistura. Quem veio pela cooperativa tem determinado estatuto, quem veio pelo IGAPHE é de arrendamento social – tem determinado estatuto, embora não seja verdade. Quem fez, então, habitação por conta própria proclama-se o estatuto mais sofisticado e mais nobre do que as cooperativas ou os de habitação social, esta consciência tem a ver com as origens do processo de ter acesso à casa. É uma questão de tempo que a arquitectura possa atenuar estas diferenças. Nós tentamos sempre misturar as cooperativa com o IGAPHE e a habitação promovida pela Câmara, não há zonas demarcadas, fizemos mistura, há quarteirões de uns que estão no meio dos outros, já nessa lógica de não criar guettos, por outro lado, a questão da Cúpula central da Malagueira é uma coisa que a arquitectura pode unificar dando a centralidade quase geométrica dessas três comunidades. E os equipamentos obviamente serem alternáveis, darem energia a esses sítios, levarem à mobilidade das populações, para que uma vá para o território da outra. Mas isso há limites ao que a arquitectura possa fazer: a miscenização é muito mais o tempo e o que os próprios miúdos que já nasceram na Malagueira, os filhos que se encontram na Escola e que estabelecem relações transversais: que não tem nada a ver com se o pai é... se tem habitação arrendada?, se comprou a casa?, com que dinheiro? ou se foi a pronto ou se paga a prestações. Crianças que estabelecem

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esses laços e no fundo compreendem e vão tentando criar uma comunidade única que se identificará. Entrevista ao Arq. Nuno Lopes – Inf.30 – 23.07.2010 M …e lembra-se que quando eu aqui cheguei há dez anos tínhamos este projecto social integrador, digamos, mas era o centro de tudo. Faz-se um Congresso da ordem dos Arquitectos com a Malagueira como centro…o tal patinho feio que uns não gostam e outros gostam muito… NL …a malta não gosta, dizem que gostam mas não gostam… parece mal dizer que não gostam. NL …vem demonstrar a força que o projecto tem, aguenta tudo, o bom o mau, o mais ou menos… A variante A, B, C, só com meia dúzia de linhas mas apesar de tudo gera milhões de hipóteses; … mostra a maneira como ele desenhava com base na sua experiência. O Siza racionaliza, os outros a seguir teorizam. É um projecto que não se esgota na Mª. Isto para dizer que se pensava a Malagueira como parte da cidade. E para esta ser aceite pela população como parte da cidade.) Fora da cidade já existia uma cara a dos bairros clandestinos. Não podia ter duas caras, podia ter as duas faces mas não era dicotómica. Era cada vez menos apesar de tudo, mas a cidade não era um modelo que se pudesse repetir. Pode ser pensada como uma complementaridade do CHE, mas não pode ser cópia de nada (Quanto à Mª ser um projecto social integrador) Primeiro tinham que resolver as suas próprias questões… A Mª tentava resolver este problema deste universo mais restrito da zona Oeste e um planeamento parcial. (E essa Mª que tentava resolver os problemas dos grupos sociais, essa nova centralidade ainda existe?, pergunto) (NL: Se ainda existe como – se foi absorvido pela cidade, ou se hoje ainda funciona? (M: Se as três partes ainda funcionam??) Hoje os ocupantes originais já cá não estão mas não tanto por se cumprirem por outras vendas mas a segunda geração… a arquitectura sedimentou as pessoas pode não ter resolvido directamente [os problemas sociais e integrativos] nem a Igreja… o arquitecto não pode fazer grande coisa … os ciganos não foram absorvidos … o estado das casas mostra isso, segregação, muitas vezes auto-segregação… [dá-me os textos que publicou] (M: como é que aconteceu as casas de ciganos entaipadas e em que ano?) Era o Mário Soares Pres. República e o Cavaco 1º Ministro. Há dez anos já estavam entaipadas, foi um processo lento que fez com que algumas pessoas saíssem da Malagueira… a CME Évora tinha feito uma lista, foi um problema do IGAPHE, a lista estava feita há 4 ou 5 anos, houve problemas com os empreiteiros, as casas estiveram fechadas… na altura que assumiu o IGAPHE o homem quis desprestigiar a Mª e assumiu a gestão do processo feito até aqui pela cme – onde havia regras definidas em função dos rendimentos … (M: foi o processo desencadeado em 1987 pelo Ab. Fernandes?) … é a sequência disso, as casas foram recuperadas mas quando iam ser entregues o Governo através do Governo Civil denuncia o contrato [com a CME] e retira unilateralmente à CME a capacidade de entregar as casas e remete para o IGAPHE… houve episódios tão caricatos como pessoas a fugir de dentro das casas que entretanto tinham sido atribuídas a outros… houve um êxodo de ciganos para a cidade porque sabiam que se ia dar casas, muitos que nunca cá estavam… foi efectivamente uma maneira de desprestigiar a Mª de tal maneira que as Cooperativas em determinada altura desistiram, pediram ao Siza ajustes, os ciganos … fizeram feiras, acamparam na Mª, mas a partir de determinada altura… havia tiros à noite, mas o negócio da droga continuou através desses túneis à noite… (mas eu li um texto da Alexandra que diziam que os ciganos se apropriavam muito bem) mas não era esse grupo. Ela viveu com a comunidade integrada dos ciganos da Rua das Doze Casas, essa é o conjunto mais pequenino os problemas eram na rua logo acima. Mas as “doze casas” também estão entaipadas agora. Mas houve um momento em que a comunidade se dava muito bem, funcionava impecavelmente. Fizemos uma espécie de espaço público para aqui [o sítio da fonte que o Siza se diz disponível a reconstruir?] fizemos uma festa de

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ciganos, funcionou muito bem, depois a situação degradou-se (o que é que acha que se deve fazer a esse espaço?) [depois lê o seu texto da Mª] O Siza não há-de estar interessado em recuperar esse espaço porquê? Mas qual interlocutor? Agora não há um projecto de arquitectura sem um projecto social de intervenção… A Mª precisava de uma intervenção do género da que a Bouça teve. Agora não há interlocutor, nem as cooperativas, a malta não se quer misturar, a malta não quer participar em nada. As pessoas tornaram-se impotentes, ninguém acredita. (Para licenciar as obras na Mª qualquer dos grupos vai ao seu lugar/instituição. O espaço e as instituições serem fragmentadas para o NL não é problema.) E nem vejo uma visão global de nada em Évora. (A Cúpula está desenhada mas ninguém sente a sua necessidade.) Cada um vive a sua vida, o pessoal não sente aquilo como um projecto capaz de lhes mudar a vida. Não tem uma carga funcional, não se pode dizer que é um edifício feito para determinada função – que as pessoas utilizem. (a cúpula é um processo de centralização importante pergunto) não acredito nisso. Vivem sozinhos e a Mª neste momento é igual a qualquer outra sociedade, neste sentido. A Mª está no mesmo patamar [ser classificado?] que o CHE que é uma vantagem. (Pergunto: o processo está liquidado?) Nesta fase, morto ou moribundo, pode ser que um dia ressuscite. É um projecto de alta valia para fora, para dentro não. Quando saiu o Abílio os técnicos acabaram com tudo, foi desde o princípio uma guerra contínua. O Ernesto foi muito envenenado. Mas sejamos justos a guerra à Malagueira não vem da mudança política. (pensou fazer um Congresso pelos 30 anos do começo da obra…) A Malagueira está datada, na sua arquitectura, enquanto imagem, no seu desenho e metodologia, mas é preciso pensar que estamos a trabalhar em zonas problemáticas e complicadas e na sua dimensão. (Isto não é tão urbano assim.) E então considera-se parolo a tradição de estar à soleira de casa, por exemplo. Évora deixou de ser rural, mas ainda não é urbano, e … todos queremos ser europeus… e urbanos… mas quando um gajo dá por ela ainda aparecem uns resquícios de coisas que não estão totalmente digeridas do contemporâneo … Siza discutia tudo, mas com um colectivo… foi um processo que se perdeu. [Só quando a malta bater no fundo da crise é que se vão unir outra vez.] Eu só queria saber se a Mª tinha possibilidade, pergunto eu, e o NL responde no sistema actual não!

Aqr. Jorge Silva - 21dez2010 – Inf.22 … (existia um Plano da Direcção Geral dos Serviços Urbanísticos (DGSU) entre a interdição

do Conceição Silva e o Siza? O do Campos Matos?) … É!! [existiu portanto!!] vamos lá ver, o Plano de Évora não é feito na época do Conceição Silva, é muito mais tarde, que era de facto a alteração do Plano de Urbanização que havia anteriormente do Arq. De Gröer – e haveria a ideia peregrina do Arq. Taveira, penso, de fazer a renovação do plano alterando significativamente a altura… mas isso não teve muito peso nesta situação, o que teve é que… a seguir ao 25 de Abril, quando o secretário de estado Nuno Portas assumiu o papel, assumiu um Programa de intervenção urbana que previa uma tendência que na altura era muito forte de municipalização de solo e desenvolveu para Ev uma ideia que se concretizou de… em 1969 tinha 23 anos… estava a acabar o curso e estava a trabalhar no atelier do Arq. Conceição Silva… era um atelier muito importante… tenho o conhecimento que existiu um Projecto da DGSU porque antes de ir para a CME – depois do 25 de Abril – fui para o GAT em 1975 e é nessa altura que nós tomámos conta de todas as iniciativas urbanísticas possíveis, a existência de técnicos era muito restrita, na CME não havia praticamente técnicos, não havia arquitectos, havia consultorias, mas não havia arquitectos, e dos vários assuntos que estavam em cima da mesa é feito é a Expansão Oeste de Évora e nessa situação

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tomámos conhecimento da existência desse Plano [da DGSU]… não sei se existem ainda os dossiers, na altura existiam e vários, lembro-me de os ter visto … era da autoria do arquitecto Campos Matos.

… (apresento-lhe o texto do Borges Coelho com o regulamento para o CHE do Campos Matos)… não me lembro de ter visto isto… aqui tem Março de 1974… lembro-me de ver alguns inquéritos na (ou da) DGSU que eles andavam a fazer, havia lá uma pessoa que se interessava muito por esta área que era o Arq. Padrão … sim não conheço a relação entre eles, mas é possível que sim que fossem amigos … não me lembro disto, mas lembro-me dos estudos feitos para a Zona [Oeste]… pode existir uma relação entre a CME e esses arquitectos mas eu não a posso confirmar, ela existe aqui [nos documentos] mas eu não tive conhecimento dela, não não me confrontei nunca com isso, mas isso não me admira … naquela altura era um período de intensa modificação das estruturas e os estudos que existiam grande parte deles perderam-se em nome de outros que apareceram, portanto, não me admiro que ninguém tenha ido desenterrar isto, que isto não tinha formalidade[não teria carácter de contrato legal] … as pessoas… a fase do tribunal com o Conceição Silva também não apanhei essa fase, não tenho respostas para as suas perguntas…

… sim são todos ligados ao Partido Comunista, de certa forma e em certos períodos da vida sim.

… No GAT era esse Plano de Expansão Prioritária, suponho… eu tive acesso a elementos desenhos do Arq. Campos Matos para esta Zona [reconhece-lhe a autoria deste Plano] … era uma orientação, não sei se já conformava um Plano definitivo ou se era um estudo prévio já não me lembro, mas lembro-me de ter visto, aquilo que eu me lembro melhor, onde incidi, porque eu tive de trabalhar para uma cooperativa de habitação – foi o meu trabalho de desenvolvimento nessa altura para o GAT – portanto, era uma parte do terreno [será por isso que ele diz que o Siza foi contratado para 100 casas?] em que … (para o SAAL?) – não, para as cooperativas… isto tudo era simultâneo, só que não era o SAAL eram cooperativas … e havia o sistema das associações de moradores… o SAAL estava associado à Associação Moradores de S. Sebastião… e era a Cooperativa Boa Vontade…

… eu confrontei-me na altura com os desenhos de implantação que o Campos Matos tinha e – na minha opinião – aqueles (desenhos) não se adequavam àquele contexto, às iniciativas que estavam em curso e obviamente era um contexto completamente diferente [construir em altura e com zonamento] e é um modo de fazer a cidade aleatório, eu próprio subscrevi a ideia que se tinha que adaptar a um contexto completamente diferente que era o que se vivia na altura … as torres da Cruz da Picada são do Arquitecto Justino que aliás tem projectos muito semelhantes noutros sítios, aquilo era mesmo via de FFH – não sei se é Justino Morais, era… você está a falar de pessoas quase todas falecidas… ele trabalhava para a o FFH tinha quase um projecto tipo para resolver os problemas de habitação social com uma certa densidade que ele aplicou na CP … não, não, ele não era de Ev e tanto quanto me lembro também não cumpria … uma zona que se isolou para fazer aquilo, mas não acompanhei, são reflexos mais, fez-se aquela zona em função de um programa imediato de habitação que era preciso fazer [a CP só se justifica por haver uma grande necessidade de casas e o imperativo de responder com rapidez?]… não, eu julgo que não está no Plano de Expansão Prioritária [do pós 25 de Abril e que antecedeu o PEO]… sim de certa maneira as iniciativas trabalhavam todos ao mesmo tempo (e separadamente disse eu e ele não contrariou), repare, o Justino e as torres da CP é anterior a este processo que depois se gerou [de PEO]… (antes de 74?) – eu suponho que sim, pouco tempo antes – eu quando cheguei para ir trabalhar em Ev, em 1975, elas já eram um facto… eu julgo que as torres já estão construídas em 75 – não sou capaz de precisar com rigor – (provavelmente umas construídas e outras em fase de construção?) … provavelmente… há uma falta de acolhimento daquela solução, sim, sim… por acaso ali na zona havia vários ciganos, mas não era isso, é a primeira vez que se introduz

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construção em altura ali em Évora, e ainda são pessoas de um extracto social acabado de sair do rural, eram aquelas migrações para a cidade – vinham do rural tinham uma grande dificuldade de adaptação a um modelo mais urbano… não se sentem bem … (e não vinham de dentro da cidade?) – não sei não tenho informação para isso… estamos a falar da CP… há uma contestação da população e há de facto uma mistura de grupos étnicos, sociais que não sei se foi bem cuidada, enfim, naquela altura os principais objectivos não passavam por grandes integrações – havia outros objectivos que se sobrepunham a esses, aquilo não correu muito bem nesse ponto de vista… a questão era dar habitação a quem precisava, tentar responder às formas organizadas da população…

… (o Nuno Portas queria baixa altura e alta densidade?) – não serei tão peremptório em dizer que era uma orientação política, eu admito que possa ter havido uma orientação técnica, forte, e com o peso que o Nuno Portas tinha na altura, mas não me lembro de isso ser uma orientação política, mas havia um consenso geral na sociedade, político também, que não se queria casas em altura. Se essa afirmação do Nuno Portas, que eu não me lembro, mas é provável… [ele nunca refere ter trabalhado com o Nuno Portas] vem na sequência da discussão que se fazia na altura, encaixa muito bem, agora o Nuno Portas não tinha todo o domínio daquela situação, nessa altura ele tinha alguma influência na parte técnica mas já tinha sido transferida para os GAT na altura… e outros gabinetes que estavam a apoiar… autonomia das Câmaras?… porque não havia praticamente técnicos nas Câmaras, se há um grande contributo, que tem efeito político, também, nessa altura, é a organização de Gabinetes para agrupamentos de municípios que passam a ter a possibilidade de ter projectos de engenharia, projectos de urbanismo, projectos de arquitectura de borla… porque eles apenas fazem uma pequena contribuição para que existam os gabinetes que começam a ter uma interferência grande, muitas vezes até conflituosa com os municípios, tudo o que esses gabinetes tecnicamente sugerem nem sempre é o que as comissões administrativas, os municípios, desejam .. Gabinete de Apoio Técnico… (veio substituir o SAAL?) – não, não, eram autónomos vinham das funções – não bem regionais porque na altura não havia ainda claramente uma função – mas havia uma Junta Distrital que depois foi substituída por uma organização que era do Ministério da Administração Interna que juntava os Concelhos em agrupamentos de 4, 5 e dotava-os de técnicos – desenhadores, orçamentistas, engenheiros, arquitectos, urbanistas – para poder fazer face aos problemas que se punham na altura, e os SAAL era apoiados por outros mecanismos da Habitação [havia uma Secretaria] com outros fundos do Fomento, que subsidiavam, davam dinheiro para a construção e apoiavam técnicos ou conjuntos de técnicos que trabalhassem com a população para resolver problemas específicos na altura, eram problemas locais, não era abrangente [a todo o território], era para aquele caso e aquele caso e aquele… e não tinha esta visão mais… (regionalista?) – sim, eram grupos por regiões… esta era a Região Alentejo Norte, porque também havia em Beja, em Grândola, em Elvas… 5, 6, 7 concelhos que tinham…

… (então, quando nasce o PEO?) – pelo Siza Vieira?... o que se passa é que há uma proposta de utilização de um terreno municipal… de um terreno que já não era privado [mas também não era municipal, presume-se] e que servia os objectivos de expansão urbana, eu tomo posse em 1976 [como vereador] e nessa altura põe-se a necessidade de encontrar um programa adequado aos programas habitacionais que nessa altura se punham, que eram muito agarrados às cooperativas de habitação, muito agarrados – alguns – à autoconstrução, era preciso fazer rapidamente um Plano para fazer desenvolver todas essas zonas e eu – em reunião de Câmara – dada a minha formação de arquitecto, eu assumi desde o princípio que fui para a Câmara, utilizei os meus conhecimentos técnicos de urbanista e de arquitecto – de urbanista não havia formação – a minha experiência, as minhas preocupações a esse nível da formação, para propor à Câmara uma solução de desenvolver um projecto para aquela zona e propus para o desenvolver o Arquitecto Siza Vieira – foi uma proposta minha na altura, porque que eu escolhi o Siza, porque o

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conhecia… nessa necessidade, aquilo era de facto a grande possibilidade, a grande expansão – até como alternativa aos crescimentos clandestinos que estavam neste momento possantes, à volta de Évora, era preciso reconduzir e recanalizar… portanto era preciso fazer um Plano muito rápido que respondesse a essas situações e permitisse à Câmara controlar o crescimento clandestino, foi nessa estratégia que foi escolhido, que eu o escolhi e propus – é uma proposta muito minha, assumo nesse caso toda a responsabilidade porque o Siza Vieira na altura não era praticamente conhecido em Portugal, era muito pouco, era no Porto onde ele tinha tentado fazer actividade… eu tinha-o conhecido, tinha estado em casa da irmã dele porque fiz a tropa com um cunhado dele – ele na altura era historiador e só depois tirou o curso de arquitectura, tive com ele muitas conversas e percebi que ele era uma pessoa com muitas potencialidades e estava perfeitamente acantonado numa situação e achava que ele perfeitamente… [fazia isto] e tinha bastante mérito e pronto, consegui, e nem sequer foi muito difícil convencer a CME - lembro-me perfeitamente, usei como argumento a recolha de revistas estrangeiras que na altura existiam que referiam a obra de Siza Vieira – não havia nada de revistas portuguesas – levei a uma sessão de Câmara e … proponho escolher este senhor para desenvolver o plano nos pressupostos de fazer a Comissão de Moradores, procurar uma integração formal com a cidade, etc. foi aceite, nós não tínhamos a maioria na altura, mas foi aceite e eu fui com o vereador que na altura tinha mais força que era do Partido Socialista e fomos os dois ao Porto convidar o Siza Vieira… Vitor Sax (Saque? Sate?) – ele aceitou, ele fez uma proposta bastante aceitável, ele na altura estava a precisar, precisava mesmo. Felizmente aceitou, porque acho que foi bom para ele, foi bom para a Cidade, e foi bom para a Arquitectura. É a minha… [posição sobre o assunto, depreende-se, este senhor foi mesmo o responsável por tudo e sente-se de todo o discurso – já deve ter ouvido barbaridades sobre a Malagueira – e está a falar perante a História]…

… (ser construção baixa mas de alta densidade e unifamiliar partiu?) isso já partia de pressupostos nossos da Câmara… não sou capaz de individualizar … (entregaram um caderno de encargos?) – muito perto disso, muito perto disso… mas eu tenho a ideia que a encomenda foi mais… foi muito informal… foi mais “abalizada” (??)… o documento, é a ideia que eu tenho… (devo levar em linha de conta o que ele escreve no Jornal dos Arquitectos?) – provavelmente sim… por aí… havia esta ideia e havia a integração [dos bairros clandestinos]… não me lembro de ter escrito sobre isso, mas de facto havia ali uma questão chave que era um bairro pré-existente, que fazia a ligação com a Cruz da Picada, que existia e no qual foi um bairro do qual o Siza Vieira partiu para, conceptualmente, encontrar uma linha conceptual para desenvolver a Malagueira … (Santa Maria, a Senhora da Glória?) – sim, mas sobretudo aquela zona mais próxima…

… (É um processo maldito?) – talvez seja. MAS, eu vou-lhe dizer (enfatiza). Eu vou-lhe dizer que a minha opinião, na altura, não era o desenvolvimento global, total, daquela maneira, não era aquela extensão. Quando fui falar com o Siza a minha ideia era pegar-se numa primeira fase em que já havia projecto concreto da Cooperativa [só podia ser a Giraldo]… e que ele agarrasse logo esse, admitindo que, depois a expansão pudesse variar… No entanto, o Siza Vieira conhecendo melhor … ele agarrou logo tudo [há algum desconforto e algum ligeiro ressentimento]… com toda aquela zona de expansão e desenhou aquilo tudo e não houve ninguém que dissesse que não, Hoje a crítica que se pode fazer é, digamos, da extensão da solução – eu acho que a extensão, penso que… não havia também muita oportunidade para mudar muito aquilo e ele conseguiu dar unidade àquilo, porque ele depois agarrou, uma das preocupações dele foi agarrar a unidade do bairro, de todo o conjunto urbano, como ele conseguiu dar unidade depois já não havia também motivos para que aquilo fosse diferente. eu penso que aí foi a única zona [no sentido de questão?] que por falta de variabilidade deu origem a muita contestação.

(A questão da expropriação não foi também um problema?) – Não! aquilo foi perfeitamente pacífico, aquilo era um dado adquirido, eu nunca senti que houvesse… de vez em quando passo por lá, aquilo tem riscos de degradação por falta de amor ao património, há ali falta

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de valorização da situação … pelos dois lados, pelo proprietário e pelo habitante e não se vê [solução]… há proprietários que não estimam e a edilidade também nunca levou o projecto até ao fim, e aquele projecto tem princípio meio e fim, requer [a conclusão dos equipamentos]… e não tem possibilidade que estes tipos não têm meios para aquilo… deve ser apaixonante ver o que cada um faz com as casas… aquilo é “cidade”… exacto. O diálogo com a Cidade património Universal é fundamental… o Jorge Carvalho já entrou na CME depois de isso estar decidido, a decisão foi anterior à vinda dele… ele entrou bem, também foi convidado por mim, aliás, nessa altura fui eu que andei a procurar pessoas… O Jorge Carvalho entrou muito para resolver o outro grande problema que era os clandestinos, aquilo [Malagueira] era a zona de contenção de escape para poder ter controlo sobre os clandestinos… o Jorge Gaspar nunca o senti no processo, não sei… ele também era um dos que trabalhava com o Conceição Silva, era um geógrafo, mas depois nunca se pronunciou sobre isto, foi nessa altura completamente omisso…

… eu na altura não era do partido, depois de sair de Évora é que eu entrei… com uma posição muito pouco participante… 1200 habitações, Europa, provavelmente não há mesmo, não… (Boa Vontade era o Partido?) – sim senhor… isso que está a dizer (da extrema esquerda e dos conflitos que se estabeleceram e ainda não se sanaram) tem muita expressão dessa forma que está a dizer, as cooperativas tinham de facto cariz político [recordo agora uma coisa que não ficou registado na entrevista ao Minguéns – ele disse off the record que realmente aquilo era tudo político mas foi graças a isso que ele pôde compreender os seus problemas socio-económicos mais pragmáticos] partidos ou grupos de opinião política e havia a HabitÉvora que estava ligada ao Partido Socialista , havia a Boa Vontade que tinha aquele papel muito importante – porque eles tinham apoio político também da Câmara e houve o SAAL – S. Sebastião – que não teve acolhimento e apoio em Évora … houve, fizeram-se estudos… ao nível municipal … naquela altura havia uma dinâmica de grande recorte político e uma politização muito maior das coisas em que os partidos representavam correntes de opinião e dinâmicas que estavam associados aos temas da altura, era a Reforma Agrária, as terras, da parte do Partido Comunista, a habitação, a autoconstrução, era uma frente de trabalho do PC – já a questão dos clandestinos surgiu mais tarde, quando eu introduzi a questão dos clandestinos, aquilo ainda não estava na agenda do PC… (o problema dos partidos e das eleições 4 em 4 anos) – ouça, a dimensão do problema que está a pôr é uma situação genérica que não respeita só à Mª e às questões urbanísticas… não sei se o S quer ou não quer dar cabo daquilo, hoje tenho mais dificuldades em atribuir intencionalidades a essas coisas, agora a Mª é um símbolo e fácil de utilizar em campanha leitoral, é mais fácil … mas as pessoas da CDU vieram-me perguntar – se o fizeram é porque não estavam muito convencidas sobre a Mª… não vejo que haja organização partidária suficientemente forte para veicular este tipo de informação às pessoas [e ficou sempre no ar que nem teriam meios para o fazer mesmo que quisessem, mais que uma vez esteve para concluir assim mas não acabava a frase]… que da parte do PS querem acara com aquilo isso é outra coisa … o Zé Ernesto é incomodado pela persistência de uma memória de uma gestão que ele substituiu, está incomodado e não se sente motivado, nem as pessoas que o envolvem para a defesa da Mª… o José Ernesto mudou muito… é preciso ser inteligente para perceber que aquilo é um trunfo e ele não o usa… estamos perante tecido urbano vivo que se protege ou não que se defende como património, como um valor ou se lhe dá o valor adequado ou não… senão começam a surgir processos de transformação, uns serão bons outros não, são maus e aquilo passará à história… e passa para outros – para outras situações – eu penso como valor histórico se não foi preservado perde-se para a história … tem esse risco, deveria ter uma visão mais proactiva em defesa daquilo, não há e como toda a cidade se transforma pelos mais diversos – pelas mais variadas situações – é normal… quando o filho não é bem amado deixam-no sozinho e o filho que se desenrasque… eu não estou á espera que seja a Câmara a defender aquilo, acho que não… não vêm naquilo motivos, mas se aquilo desse votos eles defendiam – eles estão venais… as Câmaras… venais… o que dá votos… para pegar naquilo

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tinha que ser uma Câmara forte e determinada e cada vez há menos disso… os temas da Cultura em Évora são temas de uma grande gravidade, eles deixaram estragar e perderam imensas oportunidades para a Cultura e para a valorização de Évora mais por inépcia política, por incapacidade, por falta de inteligência, eu não vejo nisto um complot para destruir vejo muito mais a inépcia – a incapacidade de perceber a estratégia de defesa dos elementos essenciais… os 4 ou 4 anos é um problema do país… aquilo devia ser ganho por gerações mais novas com outras capacidades, criatividade… a organização política do P está completamente em causa por muitos motivos de ordem cultural e económica por isso não podemos retomar as formas e os conceitos de outros tempos… AAM32 – R. Fundadores … a Associação de Moradores nasceu, é reflexo, do 25 de Abril, em 1976 (para aí) e nasceu da conjugação da união de alguns bairros – o Bairro do Gancho, o bairro Nª Sª do Carmo, e Sanches de Miranda salvo erro, isto era uma intervenção do SAAL – que foi um departamento que foi criado na altura de apoio às comissões de moradores e às cooperativas, nasceu assim… trabalhava com o Arqº Calado, eram mais, mas fundamentalmente esse… aquilo nunca [desenvolveu]… era um processo muito politizado, a política naquela altura era bastante instável as coisas não podiam ser diferentes, avançava-se um bocado recuava-se outro, mas aquilo aqui em Ev nunca teve aplicação prática. Eles aqui em Ev ajudaram-nos apenas … tomaram-se algumas iniciativas juntamente com a CME, despertaram-nos ao fim ao cabo para esta situação, não foi mais do que isso… fomos nós a despertar pela necessidade, eles ajudaram-nos tecnicamente, trouxeram-nos coisas que nós na altura não dominávamos, porque antes do 25 de Abril essas coisas estavam todas muito fechadas, havia coisas que nem se imaginava para onde é que iriam depois, o cooperativismo, o associativismo, eles ajudaram-nos ao fim ao cabo… (porque é que se chamava Associação de Moradores de S. Sebastião?) porque a primeira sede, as primeiras instalações foram cedidas pela CME e estavam juntas à Igreja de S. Sebastião, é aqui muito próximo, e do Bairro do gancho, não me lembro se aquilo era freguesia… daí o nome da Associação… é um nicho… isto pega com o Bairro da Vila Lusitano … eram todos bairros chegados… tudo bairros clandestinos (ruralizantes as populações?) sim, sim, eram populações que vinham do campo, era, já residiam nos bairros antes do 25 de Abril, mas eram bairros clandestinos que não tinham as infra-estruturas básicas necessárias e a intervenção do SAAL era mais de recuperação desses bairros – procurou-se que fosse através dessa associação de moradores, depois descambou [??] e que se transformou em cooperativa – éramos 50 ou 60 pessoas, estava mais associada à esquerda, era um movimento político que… a política fez despertar, era um movimento social que as pessoas precisavam de habitação, note-se, a política fez despertar para a necessidade de criar coisas novas que aqueles bairros na altura não tinham nada, não tinham as infra-estruturas mínimas necessárias… e eu nem sequer era morador desses bairros (eu falei dos pátios), nunca morei nesses bairros, apareci nisto por “achega”, não morava naqueles bairros (ri-se)… eu nasci numa zona rural, nasci em Guadalupe, é aqui próximo 10, 12 Kms de Ev, onde vivi até aos 13 ou 14 anos com os meus pais… até essa idade, depois andei a passear os livros e depois comecei a trabalhar com 14 anos numa tipografia, eu era gráfico, procurámos estar sempre à margem, um pouco, dos partidos, os que nos podiam apoiar era a CM por força disso, a força política que lá estaca instalada (CDU)… procurámos sempre que não houvesse influência dos partidos dentro da medida do possível… fui presidente da cooperativa, mais tarde, fazia parte dessa comissão e como pessoa mais aberta, até por força da minha actividade profissional, fui um bocado empurrado para assumir algumas coisas [responsabilidades] – mas inicialmente não era director de nada – só mais tarde é que passei a director e funcionário da cooperativa… [o SAAL] tinham um programa ideológico,

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fundamentalmente, acho que aquilo nunca passou dali, em muitos poucos lados passou, na Figueira da Foz, salvo erro, muito poucas coisas… no Norte, em Matosinhos, a Bouça… (e o Plano de Expansão Oeste [PEO]?) – nós estivemos nessa origem… com o Arq. Jorge Silva tive centenas de reuniões com ele, e o Abílio Fernandes já era Presidente da CME, mas nós começámos antes com aquelas Comissões Administrativas da CME antes das primeiras eleições, em que se apontava já um bocado para este desenvolvimento, com o Arq. Bagulho … não nunca tive reuniões com ele, sabia de reuniões em que ele estava envolvido, mas nunca tive reuniões com ele… isto nasceu no tempo dele, ele apoiava um bocado a CME, ou a CME apoiava-se um bocado nele, em algumas coisas, porque de facto ele era uma fonte de referência, na altura, depois, muito cedo, politicamente tomou outro caminho diferente da tendência política aqui da CME, mas sei que ele era uma fonte de referência … a passagem da associação para cooperativa é a necessidade de se criarem uma instituição… O PEO e o resto funcionaram todos em simultâneo, ao mesmo tempo que estavam a formar a associação de moradores, houve outras entidades que criaram, nasceram logo como cooperativas de habitação que eram… a Boavontade… a HabitÉvora… e o PEO nasceu tudo em simultâneo, houve dezenas e dezenas de reuniões com o Siza Vieira e com outros intervenientes políticos aqui da zona para o desenvolvimento da Mª… a expropriação causou alguma polémica, mas a nós passou tudo ao lado, passou-nos muito ao lado, a CME sei que teve muitas dificuldades na expropriação, nessas coisas, mas essa parte nunca me inteirei como funcionava… o Nuno Portas nunca o conheci… não me recordo, sinceramente… conheci o Jorge Silva como vereador aqui na CME, ele trabalhava em Lisboa num gabinete de arquitectura, mas com quem não faço ideia… esse Nuno Portas acho que não esteve muito relacionado aqui com isto… (quem é que faz o PEO?) – é o gabinete do Siza Vieira [???], não tenho muitas dúvidas em relação a isso, o Siza Vieira foi chamado a participar no desenvolvimento desta expansão… fui várias vezes ao gabinete do arq Siza no Porto… ele foi convidado para desenvolver este processo – pode-se chamar muita coisa, querer dar muitos nomes mas fundamentalmente foi isso [portanto era o projecto global da Mª ou estará aa confundir o PEO com a própria Mª, ou será que um e outro acabaram por ser a mesma coisa, quando a Mª foi posta de parte o PEO deixou de ser referido], ele era uma pessoa com influência, com peso político e técnico e o grande objectivo da CME foi esse não tenho a mais pequenina dúvida disso… o SAAL queria fazer recuperação daqueles bairros existentes (remendinhos, perguntei) e não uma intervenção a este nível. Se tinha a noção que isto, 27 ha, era gigante? Tinha, eu tinha, e creio que os outros também tinham que era de facto uma coisa grande, muito grande (o Siza foi contratado para esses 27 ha e para as 1200 casas?) se eram 1200 ou não, não sabíamos, as 1200 casas surgiram em função do trabalho que ele desenvolveu … o dr. Filipe Marchante era técnico desses estudos urbanísticos, socio-económicos, é dessa área da Economia, da Sociologia, nessa altura tinha alguma influência porque era um suporte que a ME tinha, naquela altura a CME e ele o Jorge Silva, era mais ou menos o mesmo… … (de ass.morad. a coop?) passa pela necessidade de se criar uma estrutura que pudesse ser apoiada financeiramente pelas instituições que o faziam na altura que era o Fundo Fomento da Habitação (FFH), às comissões de moradores era extremamente difícil – pelo menos a partir de uma dada fase – eles financiarem alguma coisa e apontavam mesmo para a necessidade da criação de cooperativas de habitação, a razão foi essa, como associação o SAAL não tinha dado o resultado que se pretendia que era a recuperação dos bairros clandestinos e havia necessidade de se partir para uma outra frente – que era a integração neste Plano de Expansão e criar coisas novas que eram financiadas pelo FFH… o FFH aqui em Ev nunca apoiou a recuperação das casas degradadas [portanto tornava-se inevitável que se juntasse a este Plano um edificado novo] que era o espírito do SAAL, mas apoiava a construção de habitações novas criadas pelas cooperativas. Ao fim ao cabo acabavam por transferir as pessoas desses bairros sem condições para estas cooperativas… (as solidariedades de vizinhança dos bairros pobres) … vão-se perdendo, e muitos

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desses também não conseguiram acompanhar a evolução das coisas, nunca conseguiram transferir-se daqueles bairros, continuaram a viver naqueles bairros degradados, a cooperativa formou-se para tentar resolver uma parte do problema, mas houve outra parte do problema que ficou sempre por resolver. Ainda hoje existe, que são as casas degradadas … na associação pagava-se uma quota simbólica, na cooperativa também era igual, pagar , pagou-se a partir do momento em que há valores envolvidos e atribuição de casas… basicamente era igual (até a atribuição da casa) os custos eram muito muito baixos.. (as primeiras 100 casas) há volta de 2 mil contos, há volta disso… na altura a questão da escritura (10% antes e 90% na escritura) isso não funcionava, o FFH financiava em 90% [a construção das casas] ou mais, ou mais… quando esta cooperativa foi criada (a Giraldo) e veio da associação de moradores foi formada e a constituição era feita … falta-me o termo… as pessoas não eram proprietárias da casa… só tinham o direito de superfície, habitavam as casas com direito de superfície por um período de 30, 40 anos e que depois se iam renovando automaticamente por aí fora… [automaticamente? Mas não havia direitos de herança], só mais tarde é que se abandonou essa questão do direito de superfície e as cooperativas passaram a vender [acentua o “vender”] e a pagar ao FFH… ao fim dos 30 anos eram renovados automaticamente, ninguém, ninguém passou por isso, acho que ainda há cooperativas no Norte do país que ainda funcionam assim, mas assim nunca poderia vender [re-vender]… era um modelo um pouco importado dos países de Leste … como é que funcionava a habitação e o desenvolvimento da habitação na nião Soviética, não havia proprietários individuais e aqui pretendia-se isso… não tenho dúvidas disso… mas mudou logo passados poucos anos, e passou rapidamente para a propriedade plena, em 83, 84, já funcionava assim… houve alguma [grande que eu sei] a volta disso, estas coisas têm sempre os prós e os contras… (rupturas?) – como? Se houve passou-me ao lado, mas é natural que tenha havido algumas coisas dessas, pertenço à primeira direcção eleita, éramos 70/90 pessoas, os directivos éramos 8 ou 9, assembleia geral, talvez 11 ou 12 pessoas… as pessoas eram das mais diferentes áreas… na Boavontade houve um núcleo que formou a cooperativa que eram da rodoviária nacional… a Giraldo Sem pavor era um bocadito mais à esquerda que a Boavontade, um bocadito… havia alguns debates, era uma animação a vida faz-se destas coisas (ri-se)… a relação da Cooperativa com o Siza foi sempre muito boa, entretanto esse Plano estava aprovado e havia necessidade de lhe dar corpo e a Cooperativa Giraldo Sem Pavor esteve na origem do arranque deste Plano [PEO, pressupõe-se], da materialização deste Plano, porque era um Plano, na altura, algo concertado por algumas forças políticas, nomeadamente afectos a outras cooperativas [mas não refere os partidos, que estavam de certeza comprometidos no processso]… a Habitévora [que depois não apareceu, mas na reunião da véspera de tudo começar tinha aderido] e a Associação de Moradores de S. Sebastião tinha conseguido um subsídio a fundo perdido de 9 mil contos, salvo erro, já não me recordo, ainda como Associação de Moradores e que ao transformar-se em Cooperativa, conseguiu que esse subsídio a fundo perdido se mantivesse pelo FFH e com isso comprometemos o Plano de Expansão Oeste… (enfatiza, TUDO COMEÇOU AQUI, VERDADEIRAMENTE, senão nunca teria saído do papel) porque fizemos, avançámos com estas 100 casas fazendo o máximo de fundações de edifícios possíveis, para não comprometer [o Plano]… para darmos corpo ao Plano… mais tarde a obra acabou por ser financiada e executada e a Malagueira nasceu a partir daí, efectivamente… [eu não percebi logo o alcance do que ele dizia]… (a casa foi discutida entre o Siza e a população?) – sim, sim, muito, muito… (de que é que não gostava?) – de algumas condicionantes, condicionalismos que se colocam sempre nestas coisas e que se põem sobretudo ao nível de acabamentos interiores, das caixilharias, por exemplo, lembro-me de haver uma grande discussão á volta do tamanho dos muros dos quintais, que tem a ver com o exterior. A Mª era toda de muros altos, os quintais eram todos com muros altos e as pessoas não aceitaram bem isso – daí que haja zonas distintas da Mª que são as zonas das cooperativas que são fundamentalmente casas com os quintais com os muros mais baixos, enquanto que as outras que foram por contratos de

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desenvolvimento e empreitadas da CME todas cumpriram integralmente o projecto do Siza que era com os muros altos… as discussões eram mais à volta dos acabamentos, e dos azulejos, as pessoas contestavam os azulejos brancos… (auto-construção?) não me recordo disso… entregámos aqui lo a uma cooperativa de construção, um empreiteiro que era uma cooperativa também … eu não participava, mudei mas já muito posteriormente, na construção da casa não intervim absolutamente nada… mais tarde fizeram-se pequenas alterações… esta casa foi um projecto, a necessidade de ter uma casa – porque eu estava inserido no movimento cooperativo – pronto, foi esta casa porque era aqui que eu estava, nada mais do que isso – (é a casa dos seus sonhos?) … a partir de uma determinada altura passou a ser, senão já tinha saído daqui, sinto-me bem, sinto que está alguma coisa minha, também, neste bairro, para quê mudar? … estamos aqui desde 1983, estas são as primeiras 100 casas da Mª, estas casas é que comprometeram [no sentido que ao avançarem com as 100 casas não deixaram margem de manobra a qualquer recuo] a Mª, a Mª provavelmente não existiria hoje se nós não tivéssemos apostado desta forma e apoiámos a CME e a CME apoiou-nos a nós e isto a partir daí passou a ser um dado adquirido, é que não havia volta a dar-lhe, porque houve muita oposição em relação à construção da Mª… (o objectivo era o Socialismo?) – na altura apontava para isso, o objectivo era esse, e o apoio à construção, inicialmente, às associações de moradores e às cooperativas apontava fundamentalmente para isso; para a construção da habitação mas não para a propriedade plena. Não tenho dúvidas disso… hoje já ninguém defende isto, na altura havia o movimento cooperativo habitacional era o movimento cooperativo [de produção e distribuição??], as vantagens disso eram as que estavam subjacentes aos movimentos políticos… da força dominante da região … o Partido Comunista e a sua doutrina apontava e aponta ainda hoje para a colectivização da propriedade, e a habitação não era diferente – porque é que se desenvolveu mais aqui e menos noutros sítios, precisamente porque esta força política estava mais implantada – a riqueza da doutrina do PC assentava precisamente na experiência dos países de Leste, países de Leste nessa altura… a Rússia, Alemanha… na Roménia ainda hoje existe… o país não apontou para aí, a direcção do país acabou por não apontar para aí INQUÉRITO … SEGURANça… é difícil generalizar, eu estou situado numa zona do bairro em que a gente não sabe muito bem o que se está a passar na zona central do bairro e na zona em que eu estou inserido posso dizer que estou muito satisfeito, globalmente tenho algumas dúvidas porque sei que há diversos pontos que não funcionam tão bem, por isso é difícil responder… tem alguns problemas. Com as condutas nem por isso. Com os estacionamentos, ou não estacionamentos… falta estacionamentos, é uma das partes mais negativas deste bairro porque não foram criadas zonas de estacionamento, ninguém se pode dissociar hoje dos carros, quer se queira quer não, e os carros estacionam sempre em transgressão porque não há parques de estacionamento na Mª, com excepção daquelas vias principais – na Avenida principal – não há parques de estacionamento na Mª, é uma falha. Estou satisfeito com a cozinha depois de a ter alterado, esta não é a cozinha original, avançou um bocadinho, sim, sim… os isolamentos são muito maus, as coberturas são um desastre – foi sempre um dos grandes pontos de discussão com o Arq. Siza Vieira foram as coberturas deste bairro e nunca funcionaram em pleno – a solução… foi mal pensada para a época porque não havia materiais disponíveis no mercado como há hoje e procurou-se fazer estas coberturas com os materiais que eram economicamente suportáveis, mas que nunca tiveram qualidade – (lusalite?) – exactamente, nunca tiveram qualidade – inicialmente não tinham isolamento, não tinham e não têm, as que entretanto não foram arranjadas não têm isolamento, foi sempre um aspecto muito negativo… a luz é um dos bons aspectos desta casa… os acabamentos iniciais eram assim, assim… dou-me bem com toda a gente… (convívios?) não tenho razão de queixa, estou aqui no limite … (dizem – tenho amigos mas não entro em casa de ninguém) – ah! mas eu entro, eu entro… tenho muitos amigos, daquele tempo praticamente todos, são tudo pessoas que 90, 80% dos moradores ainda são os iniciais que vieram para cá [é a

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rua dos fundadores] sentamo-nos numas cadeirinhas na rua? Claro! Aliás a minha porta até é concorrida no verão, eu gosto de me sentar ali á porta no verão e tenho aqui pessoas, meus vizinhos … muda de rua sim… esta rua aqui na altura muitos dos fundadores desta cooperativa, ou alguns que andavam próximo, vivem todos nesta rua e daí que tenham ficado sempre boas relações de amizade com as pessoas – enquanto que noutras ruas pode estar um ou outro situado e as outras pessoas eram apenas sócios e não partilhavam do convívio, aqui não, são todos na mesma rua de forma que as pessoas ainda hoje se dão bem, eu entro em casa dos meus vizinhos quase todos, e eles na minha… se calhar essa é uma das razões porque ainda aqui estamos, damo-nos bem com as pessoas que vieram para aqui na mesma altura que nós, eu tenho 62 [portanto está ali há 30 anos tinha na altura outros 30]… agora sou construtor civil… deixei a tipografia para assumir um trabalho profissional na cooperativa, de 80 a… 7 ou 8 anos como profissional da cooperativa e depois já não ia voltar para a tipografia já não me sentia vocacionado para isso e parti para outra coisa… (era do PC?) … não nunca fui filiado em lado nenhum … alguns eram filiados no partido… e outros mais à esquerda mas a esmagadora maioria não, e eu muito menos nunca estive filiado em nenhum, dou-me bem com quase toda a gente… tenho muitos amigos na esquerda mas dou-me bem com toda a gente… aqui vamos ao casamento dos filhos uns dos outros … áreas sociais eu diria pelo menos duas e que se destrinçam por isto, uma onde estão inseridos as pessoas que vieram das cooperativas e a outra de pessoas que nunca tiveram nenhum tipo de relacionamento em termos de associação de alguma coisa e que se conheceram aqui há relativamente poucos anos – pelo menos esses dois grupos e podia dizer outros – podia haver outro que era a área social dos ciganos porque havia muitas casas atribuídas a ciganos, aqui na Mª, que a CME atribuiu e estavam muito concentrados numa zona específica que aquilo era uma zona estanque praticamente – poderíamos dizer que havia estas três … a gente por hábito atribui essas coisas à CME … (juntar os ciganos só podia ter o objectivo de dar cabo disto) … foi o que fizeram, foi o que fizeram… (tenho que registar aqui que nos bibelots e quadrinhos das paredes há muitas ofertas dos vizinhos e recordações dos casamentos dos filhos desses vizinhos) (não ficou gravado mas o dinheiro que veio do FFH e foi desviado para as fundações das primeiras 100 casas se destinava a construir 4 casas protótipo e era cerca de 4 mil contos, se não me falha a memória) (e a entrevista acabou porque a mulher começou a chamar a atenção do marido que não devia falar contra os ciganos e lembro-me de não ter percebido se era por solidariedade étnica ou por não querer que o marido se comprometesse em declarações para o gravador, registo). Abílio Fernandes (ex-Pres.CME) – Inf.18

… (em 1987 quem era o Governador Civil?) – nessa altura entregaram as casas ao IGAPHE … foi o Branquinho, era do PSD … (Siza… Diário do Alentejo, bairro árabe, isso é elogio?) – um antropólogo … é uma visão muito mais abrangente de tudo quanto se analisa… a Malagueira começou para nós, logo a seguir ao 25 de Abril, nós fomos a primeira Câmara eleita no pós-25 ed Abril, fomos eleitos em Dezembro de 1976 e começámos a trabalhar em 1977, mesmo, na nossa equipa existia, éramos 7 como são hoje, existia um vereador eleito, na altura era a APU, que era arquitecto, o Jorge Silva, isto … daí decorre toda uma visão de trabalho que tem que se desenvolver na área de urbanismo – e o nosso arquitecto apresenta uma visão de ordenamento do território cujo poder está na mão da CME deve ser utilizado duma forma estruturada defendendo o urbanismo que interessa às populações vindouras – porquê que esta preocupação é predominante, porque vivíamos numa altura pós-25 de Abril em que as solicitações à CME por parte das populações que nos elegeram eram tão diversificadas e duma dimensão tão alargada – que ia desde a luz de candeeiro, o buraco na rua, o arranjo da rua, a necessidade de

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equipamentos, uma visão geral das infra-estruturas… água, esgotos, eram milhentos problemas que naquele momento caíram todos … pequenos, médios, grandes, enormes… todos ao mesmo tempo, o que aconteceu connosco aconteceu com todas as Câmaras de Portugal – por isto considero de uma importância extrema termos tido um arquitecto, porque nenhum de nós (em Évora em qualquer lado do país) percebia alguma coisa de administração autárquica, uma vez que foi depois do 25 de Abril que a gente surgiu, o arquitecto que estava saiu e depois as pessoas que vieram tinham boa vontade… mas cada um tinha a sua especialidade [urbanismo é que não], nós na CME tínhamos variadíssimas especialidades, e felizmente, também arquitectura – o arquitecto Jorge Silva avançou imediatamente perante este quadro e a necessidade de dar resposta – de ter um Plano Director Municipal – fomos a primeira Câmara a elaborar um PDM, ainda não havia Lei, no nosso trabalho criámos as condições para o próprio Estado, o próprio Governo, perceber as necessidades e as realidades de um PDM – nós estávamos a avançar no terreno – estudávamos a evolução e avançamos com um Concurso Internacional duma equipa para ser contratada para elaborar o PDM de Évora – essa equipa que ganhou foi uma equipa portuguesa polivalente que aceitou uma condição que a CME impôs a equipa que viesse trabalhar para elaborar o Plano Director nunca se poderia afastar das reuniões com a população e ser acompanhada por um eleito da CME – revelámos logo ali uma questão de fundo do trabalho técnico e do trabalho político e dissemos que para satisfazer as populações de uma forma correcta é necessário capacidade técnica e é preciso presença política para fazer um acerto entre as necessidades técnicas e as necessidades políticas. A equipa aceitou e fomos todos envolvidos… com os eleitos… e a equipa toda trabalhámos em conjunto… foi uma fase demorada, levou dois anos, estávamos ainda no início quando nos deparámos com a urgência de satisfazer as populações … com a necessidade imperiosa de habitação social, essa foi, de todas as milhentas necessidades que surgiram aquela que parecia ter uma dimensão que tinha que se resolver imediatamente, e era de alguma monta [a necessidade de habitação social] – era necessário construir habitação social porque havia muitas famílias sem casas, é bom lembrar que antes da primeira eleição, a comissão administrativa de Évora já sentindo essa pressão muito forte tinha avançado com a construção de habitação social que se chamou Cruz da Picada, do FFH … (as casas desenhadas pelo Conceição Silva?) – não! … o FFH … a mesma configuração apareceu em Beja e em vários sítios… eram 144 casas – portanto, já tinham dado uma primeira resposta, nós tínhamos de continuar a dar essa resposta, tínhamos de avançar para habitação social, mas (enfatiza) tínhamos um problema muito difícil de resolver – é que construir habitação social é o primeiro passo de monta para essa preocupação de urbanismo, de futuro, de desenvolvimento, nessa perspectiva de gerir um património com regras – com uma visão de futuro – se vamos construir casas – como é que vamos fazer e onde? – o terreno que se nos oferecia era na Malagueira, ao lado da Cruz da Picada, havia lá terreno grande, estava disponível, era próximo da cidade, achámos que era esse o local de desenvolvimento – e agora punha-se o problema – Arquitectura? Urbanismo? Que linhas é que nós vamos traçar com a preocupação de uma visão futura? Qual será a arquitectura do futuro do Município de Évora? A resposta a isso assentou não na definição feita por nós mas … na procura de uma pessoa que tivesse condições … que tivesse dado provas que era uma pessoa que fosse capaz de conciliar as duas grandes preocupações da Cidade de Évora – era construir habitação social [enfatiza o social], portanto não podia ser habitação de luxo para satisfazer essas necessidades e em segundo lugar ter em atenção que a construção tem que ter em conta que temos um património do qual nada se pode afastar dele – que é o património herdado do Centro Histórico de Évora – tem uma estrutura, tem uma herança, tem uma História, tem dimensão, tem uma visão firmada, consagrada, e que devia merecer muita, muita, muita, consideração na elaboração da urbanização à volta da Cidade de Évora, portanto tinha que ter esta… ligar a necessidade de habitação social, ligar o CHE e idealizar um projecto que correspondesse a estas duas linhas – portanto vamos à procura de um arquitecto que seja capaz … de estudar, na base

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destes elementos, fazer-nos uma proposta para nós tomarmos uma decisão, surgiu-nos logo um conflito muito grande na CME – nós não tínhamos maioria absoluta – a APU tinha 3 membros, o presidente e dois vereadores, um deles era o arquitecto Jorge Silva, o Partido Socialista tinha 3 membros e o PSD tinha um. E surgiu logo um grande conflito porque o PSD e o PS, sobretudo o PS, levantou a questão de não aceitar – agora que iniciamos os primeiros passos da democracia se vá escolher uma pessoa para se fazer um projecto, tinha que ser mesmo em concurso público, não aceitavam poder escolher um arquitecto – nós argumentámos na base do Arquitecto Jorge Silva – que um concurso público, na altura que estávamos a viver, para um projecto implicava pessoas com uma grande dimensão, com uma visão histórica e essa coisa toda – em concurso público iríamos ter uma quantidade de arquitectos e íamos correr um risco de não encontrarmos essa dimensão consagrada de pessoa que nos dava garantias que era capaz de fazer este trabalho, levou muito tempo, não era aceite, até que perante o Curriculum apresentado pelo Arquitecto Jorge Silva do Arquitecto Siza Vieira, da sua dimensão, do trabalho feito, da estrutura, a sua capacidade pedagógica, a idade, depois c o currículo aprofundado, etc, etc… o PS acabou por aceitar; então, vamos desafiá-lo … que eu nunca falei com o homem, só sei que ele tem este curriculum (diria o J.Silva)… o PS aceitou que fosse um do PS e um nosso. Os dois foram ao Porto e fizeram-lhe a proposta para ver se ele aceitava o projecto, a partir daí o processo andou … o arquitecto veio a Évora, e aceitou idealizar um projecto para a Malagueira, desde visitas de avião para ver a cidade toda para ter a completa dimensão, um estudo aprofundado, acabou por fazer a proposta da Malagueira [aqui não há distinção entre as 100 ou 200 casas para a Giraldo Sem Pavor e um Plano de urbanização para os 27 ha], foi aprovado. Ora a proposta da Malagueira tinha várias vertentes, habitação social da parte do IGAPHE, outra são as cooperativas, cederam-se terrenos para as cooperativas construírem e construção privada, era um programa que tinha que satisfazer responsáveis da construção – o mais importante de tudo era o FFH – era habitação social era o que tinha maior projecção e dimensão e era mais urgente e estava condicionado ao FH por causa das infra-estruturas, o Arq. Siza Vieira apresenta-nos um projecto em que todas as infra-estruturas são aéreas, levantou aqui um problema inédito em Portugal, excepto os esgotos, o FFH disse não, isso não é possível, porque nós temos um X de financiamento para infra-estruturas e uma coisa destas pode ser muito interessante… mas … o Arq. Siza Vieira tinha uma razão muito grande para as infra-estruturas serem aéreas porque fazia uma transposição do velho aqueduto de Évora, que é uma grande marca do CHE, o Aqueduto entra pelo CE, e ele queria transpor para uma nova urbanização essa imagem de que também aqui [Malagueira] há uma marca que é um pouco, passados 500 anos, de uma realidade, mas que teve em conta que havia uma outra muito muito determinante para a imagem de Évora – então imaginou uma galeria aérea por onde passavam todas as infra-estruturas, água, electricidade, telefone, televisão, então levou muito tempo a dirimir este litígio com o FFH, não era possível avançar sem o acordo deles. A coisa acabou por … porque essa coisa muito apertada de diálogo com as estruturas do estado eram fluidas e fazia-se e o próprio Presidente da Câmara ia ter reunião com o Presidente do FFH e chegámos à conclusão de fazer estudos económicos para saber se as infra-estruturas são mais caras que as enterradas, as contas feitas davam ele por ela, o custo de lançamento das infra-estruturas todas aéreas excepto os esgotos iriam custar o mesmo valor que sendo todas enterradas como era tradicional. A partir daí foi um ganho, foi uma evidência deste tipo de proposta, porque a partir daí a conservação não tem comparação [não teria se as condutas tivessem sido impermeabilizadas] porque não é preciso fazer buracos cada rotura que há, a rapidez com que se conserta uma linha eléctrica entrando na galeria, imediatamente chega-se lá e faz-se o conserto, a defesa de todos estes fios que não precisam de ser tão caros porque estão resguardados, quando estão enterrados têm que ter uma estrutura de resguardo muito forte, é tudo um conjunto de economias a favor das estruturas aéreas e em desfavor das enterradas – acabaram por aceitar e fazer o financiamento da Malagueira…

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… o problema daa construção também era um problema difícil porque os empreiteiros não estão habituados a este tipo de construção. Casas em que as infra-estruturas entram por cima, é uma modalidade que os empreiteiros não estavam acostumados, o revestimento das casas, o isolamento das casas – as casas todas tinham um terraço, lá está, é a construção árabe, o terraço veio dar um grande problema porque não tinha a telha, esses problemas existiram o arquitecto Siza Vieira era obrigado a estar com uma grande assistência, muita permanência, para poder acompanhar e acompanhou, foi um período com muitas presença dele e deu-se uma discussão com os moradores, de cordo com os nossos princípios que ele encarnou particularmente bem, com todos os moradores que queriam ser candidatos ao bairro da Malagueira – e deu-se um impasse que era a questão dos muros altos – foi um impasse muito forte em que o Siza Vieira não aceitava que as casas tivessem um muro baixo, mas todas as casas deviam ter um muro alto porque era um espaço reservado no interior da casa que era muito útil e muito necessário para uma intimidade e para a própria evolução, as casas eram evolutivas, de um T2 a um T5, e esse pátio era um complemento indispensável para tudo se desenrolar e a família ter autonomia e independência dentro de casa – e como o espaço era curto, aquele pátio era um complemento para a pequena dimensão que a casa tinha. Tudo sito estava condicionado ao facto de isto serem habitações sociais. Alguns moradores fizeram finca-pé que queriam o muro baixo para estar dentro de casa e poder olhar para a rua, que era uma tradição, as pessoas estão nas casas, estão nas janelas, e estão sempre a olhar para a rua – e nas janelas de baixo, se o muro fosse alto não tinham essas vistas só no terraço, mas no terraço já eles são visto também, na jaanela é uma maneira de ver muito mais discreta [querem ver e não ser vistos] – então foi uma guerra pesadíssima por que o arquitecto não queria ceder a essa coisa que era contrária a toda a visão da estrutura da casa, e depois de vários meses desta discussão que os moradores também não cediam ,quase deu um murro na mesa e disse – pronto! Acabou-se, não vamos perder mais tempo com isso, quem quer muros baixos constrói muros baixos e quem constrói muros altos é que fica satisfeito porque essa é que é a estrutura, mas depois concluiu com uma fase sarcástica – todos aqueles que querem muros baixos com os anos vão subi-los de certeza… acertou, já estão trepadeiras e mais … [e realmente levantaram]… … o problema da telha, a casa para ter mais autonomia, vistas, aproveitamento da casa, o terraço foi a forma que o Siza encontrou e que correspondi às construções árabes [???] a coisa ainda é como hoje é mas começou logo em 1977-78 quando se começou a construir a Malagueira – o Partido Socialista resolveu demarcar-se e daí decorrem todo o conjunto de atitudes – a primeira atitude do PS para se demarcar deste grande projecto de Évora que era a construção de habitação social para toda a gente … existia uma cooperativa constituída que já estava a apoiar e a desenvolver a transformação dos antigos SAAL e da população que se tinham transfomado em cooperativas de habitação – com toda uma estrutura aberta … com participação, que encaminhava as discussões que acompanhava e criava as condições todas do projecto ser correcta e organicamente discutido – o PS resolveu criar uma cooperativa de habitação em Évora que se chamava Habitévora … agora já se percebe bem qual foi o caminho que o PS chegou a ponto de conseguir ganhar as eleições até hoje – usou sempre este método que é criar estruturas apoiadas pelo Estado – mas que têm sempre á frente pessoas do PS e são feudos do PS … fez essa habitação cooperativa, fez Associações de Desenvolvimento regional… estamos ainda no período do Mário Soares… criaram a cooperativa quando havia o peso alargado, sem marcação partidária [do projecto da Malagueira], mas que participava activamente… o PS começa com uma acto correcto [???] que é pede a demissão da Câmara, faz cair a Câmara, arrasta o PSD para eleições para ver se tomava conta da CME… isto foi em 1978… foram as primeiras eleições intercalares realizadas em Portugal.. ganhámos com a maioria absoluta!!... eles lançam então a cooperativa… temos vindo a perder as eleições nas zonas rurais…

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… pediram à CME apoio para a cooperativa mas nós negámos porque não dávamos apoio a cooperativas partidárias … só unitárias… eles iam inscrever-se na cooperativa na sede do PS… contestavam a Malagueira porque não tinha telha e portanto não era alentejano, levantaram uma campanha contra a Malagueira porque não tinha uma estrutura alentejana… e então vem aquele artigo do jornal que ainda agora falou… era de 1987, mas isso continuou sempre… porque essa cooperativa resolveu criar um projecto novo havia [na Mª] terreno mais que suficiente para construir para todas as necessidades da população – pediram então um novo terreno que foi o Alto dos Cucos para fazer uma nova urbanização – nós vendo todo o jogo, mas agora já não podíamos dizer que era partidário, porque já estavam fora do PS e trouxeram o projecto e nós sim senhor… o Alto dos Cucos foi feito pela HabitÉvora e nasceu desta ruptura político-partidária do PS… tem aqui o quadro… A Malagueira avançou, continuou com muitas dificuldades de financiamento, de estruturas, de construções – daquelas 3 partes o FFH tinha também as suas dificuldades e avançava com um ritmo lento, a parte das cooperativas é que avançou bastante e a parte dos privados tinha um problema, é que só se vendia a um privado um lote para construir uma casa com um muro construído pela CME, porquê? Porque esse muro é que era a garantia de todas as infra-estruturas – era mais um encargo ter que construir os muros [da conduta de serviços, era parte do FFH] para os lotes individuais, foram construídos, foram vendidos… a Malagueira avançou durante muitos anos, foi sendo construída e emperrou por volta do ano 200 sem estar concluído o fecho da Malagueira, o Arq. Siza apresentou um projecto com um fecho, equipamentos para a Malagueira e uma Cúpula… entretanto a CME caiu, perdemos as eleições em 2000 e ficou por construir uma questão fundamental para a Malagueira que sem aquela Cúpula falta-lhe ali qualquer coisa - o centro de toda aquela idealização que ali foi feita – conseguiu-se arranjar um lago, conseguiu-se arranjar um espaço de actividades culturais ao ar livre, um Anfiteatro ao ar livre… falta a Cúpula que com grande mágoa nossa o Ps nunca deu resposta… … se nós voltarmos a ganhar é para acabar mesmo e todo aquele projecto é aceite por nós… aquilo foi feito para o equilíbrio social… todos convivem no espaço que ali está [mas não respondeu à minha pergunta sobre a habitação de luxo prevista pelo Siza para a Malagueira]… tudo que seja fazer qualquer coisa fora do Plano do Siza, vai contra – não vai bater certo… são abortos que ali se vão colocar, é um grande perigo que se está a correr este tipo de gestão pontual da CME é preciso constrói-se… agora é a lei dos solos … é só tiros ao lado para distrair … é que já existe uma lei em Portugal que nunca foi cumprida que é a lei da perequação [inventada em EV]… o Ps abandonou isso… não há rei nem roque, os princípios fundamentais… fala-se da lei dos solos e ninguém fala da perequação…se não se pode construir, avalia-se a o valor do terreno e paga-se o valor médio…(… retirei tudo o que respeitava a este problema dos solos …) … assim que voltarmos a ganhar a CME é acabar todo este projecto, é uma grande marca, este projecto ganhou uma dimensão mundial, logo no princípio houve aqui uma reunião de cerca de 100 arquitectos, nacionais e estrangeiros, têm visitado milhares e milhares de arquitectos de todo o mundo vêm visitar este projecto do Siza Vieira e quanto mais tempo passa e o Siza é mais considerado internacionalmente mais importância isto tem e há muita gente com os olhos postos nisto – o Siza sempre considerou este projecto de uma envergadura, de uma dimensão – onde ele apostou muito da sua Arte e da sua capacidade… como centros de habitação social…A Malagueira como bairro social tem uma dimensão, um valor… essa coisa de cada casa ter a sua independência, de o SAAL (ou o Sol?) acompanhar a construção toda, em que as pessoas têm o seu terraço, o seu … e têm uma estrutura de rua para conviver uns com os outros, como no CHE, tudo isso são traços … excepcionais… … o problema dos males … um projecto inicial quando depois é truncado, os males que surgem não é do projecto inicial mas dos abortos que se cometeram posteriormente, portanto dizer mal da Malagueira é porque ela ficou parada e depois surgem os vícios [as aberrações]...

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… a entrega das casas aos ciganos, isso teve uma importância muito grande na degradação da Malagueira – na altura era primeiro ministro o dr. Cavaco Silva e o IGAPHE decidiu tirar à CME a distribuição das casas de habitação social, nós montámos todo um serviço de distribuição de casas com critérios muito muito transparentes e muito objectivados e durante anos desde 1977, tínhamos um critério e um processo em que o Presidente da Câmara pudesse receber toda a gente que se sentisse discriminada na entrega da casa e esclarecíamos com cada um individualmente o critério que tinha levado a que essa família não tivesse ficado contemplada em ralação a outras que se apresentavam em relação a outras que vivessem em melhores condições … deram casa ao fulano e não me deram a mim que vivo pior que ele … e comparavam ponto a ponto e explicavam… numa próxima oportunidade, nunca tivemos problemas … não havia favores aos amigos, todas as informações eram do conhecimento de toda a gente – o estado retirou a entrega e queis ser ele a fazer a entrega das casas – o IGAPHE – o que aconteceu foi que o grande lote de casa que havia para distribuir o IGAPHE pegou nelas e fez uma inscrição e entregou aos que estavam com mais dificuldades sem nenhum cuidado que nós tínhamos portanto o lote todo que o Cavaco Silva veio entregar era quase todos ciganos, tudo no mesmo sítio, quando nós tínhamos o cuidado de não segregar os ciganos mas não embandeirar de qualquer maneira – eles – eu não tenho dinheiro, ah! mas então é o rendimento mínimo que a gente considera, você vive, portanto tem que ter [qualquer rendimento]… uns entravam outros não entravam, havia a entrada dos ciganos mas de uma forma criteriosa, e então batia certo que eram os ciganos que entravam… sem discriminar os ciganos também não fizemos uma abertura de qualquer maneira passando à frente de toda a gente os ciganos porque não têm dados, elementos… foi o que aconteceu com o IGAPHE não criou nenhum critério, nem pediu à CME e meteu-os todos num núcleo que depois deu eu drogas e deu uma série de problemas complicados… criou-se ali um grande foco infeccioso… Eduardo SANTOS – 2001 [inf.08] lembra que a casa tinha que ter não mais que 102 m2 de área coberta, sugerindo que o recorte do corredor recuado onde Siza instala a área de refeições na tipologia T3 mais comum à Malagueira, em L, se deve a essa exigência rigorosa dos 102 m2. O lote tem 96 m2, 6 de frente e 12 de profundidade. «…posteriormente assisti a uma coisa que nunca acontece!, Siza ao explicar a Malagueira diz que não pode ser o centro da cidade de Évora, a Malagueira é um bairro que deve ser visto só cá dentro… não a queria tornar no centro da cidade – e tinha a hipótese de o fazer, isto era uma área bastante grande – fora da Malagueira não era para ser visto só cá dentro, acreditei mas não fiquei convencido: pedi ao ACR para me fazer umas vistas da Malagueira… três dias depois o ACR chegou aqui e disse: eu não consigo fotografar a Malagueira toda, já me pus nas pranchas da piscina, não dá… e eu pensei, cá está o que o Siza dizia – isto é uma coisa para se ver cá de dentro só – não é uma estátua que tem aquele símbolo ali… cá está o que o Siza dizia…» A ideia era mais do que a impossibilidade de se visionar o todo, dada a sua fragmentação exclusivamente contrariada pelo plano global da circulação da conduta, dar uma resposta a um problema de um determinado espaço a partir de dentro dele mesmo. Não trazer soluções exteriores, mas resolver os problemas a partir de dentro. E quando diz que não é uma escultura, sugere-nos que entende a Malagueira não como objecto, mas como processo. «Eu penso que o Siza começa a projectar de fora para dentro, e depois começa a ver o interior do que está a construir e é aí que de facto a Malagueira tem simultaneamente uma beleza exterior [como interior]… e ter as habitações que tem em 96 m2… nada do que lá está é por acaso, aquilo não foi acaso, foi muito pensado… ele foi muito à cidade buscar… [ideias]»

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«… as coberturas da primeira fase têm problemas, a insuficiente inclinação dada ao fibrocimento… hoje o problema não se põe porque a cobertura invertida com as telas de pvc resolvem o problema.» «… a casa tem um problema logo á partida que é a falta de arrecadação.» «… as condutas são uma solução que me parece a mim com algum interesse, embora o tempo de vida das condutas não vai acompanhar o tempo de vida das casas… só o tempo o dirá…» «[sobre o Regimento de Edificação Urbana] isto tem a ver com o legislador, uma pessoa que determina que no Alentejo uma janela deve ocupar 10% da área da habitação… não pensam muito bem nisto, a luminosidade que temos aqui não é igual à do Porto.» «… se para a CME para resolver problemas foi conseguido? – penso que sim!, se foi criando um projecto social? – claramente que sim!» «… aquela coisa horrível… ainda não percebi porque é que uma casa de telha tem de ser mais bonita que esta, ainda não consegui entender.» «… sob o ponto de vista da ilegalidade ter venezianas é o mesmo que ter um pátio coberto para a CME…» «… o Siza para nós já tem muito pouco tempo, porque o Siza quando chega à Malagueira apanha grandes sustos e fica muito desiludido… mas sempre disse que a casa da Malagueira não era um projecto estanque, era um projecto onde o utente podia intervir também – de uma forma controlada. Há quem já tenha feito a cobertura do pátio… há quem consiga estragar a casa toda… os leões e as águias… etc… já pedi ao Siza para fazer um caderninho pedagógico: permite isto, permite aquilo…» «… isto vai lá sem cúpula ou com cúpula…» Eduardo SANTOS_AAM18_ 2010 [este senhor fez várias propostas de alteração às casas, que o Siza aceitou – o corrimão a substituir uma parede na escada parece-me a mais conseguida, dá uma abertura e luminosidade e outra dimensão estética à casa que o Siza aceitou, é há muitos anos um dos responsáveis da Cooperativa Boa Vontade] … nasci a 9 Abril de 1952, em Évora dentro da cidade na rua do Torres, depois passei por várias casas em Évora, com os meus pais, entretanto casei-me… eram térreas todas elas, vivi na rua do torres até aos 7 anos, 6, 7 anos… não tinha quintal, era uma casa extremamente pequena, uma casa com uma pia de despejos na cozinha… a nossa casa de banho… era uma casa muito pobre, muito rudimentar, depois, entretanto, saímos dali para outras casa já com outro tipo de condições… a primeira a seguir foi para o chamado bairro novo, era o bairro ao pé da Nau, já era uma habitação unifamiliar com todas as condições, já era um bairro de gente mais abastada, o meu pai era pasteleiro e tinha uma pastelaria em Évora a minha mãe era doméstica, tenho uma irmã… aquela casa já tinha um pequeno quintal em frente e um logradouro atrás, já era uma casa… há aí um bairro dessas [casas do de Gröer]… um bairro social, mas não foi para aí que … depois morei aí também… mas antes… era um bairro perfeitamente projectado… era um bairro de gente… era onde vivia a gente com capacidade financeira desta cidade, depois houve aí outro bairro que essa gente [a elite, assim parece querer comunicar] também veio, que foi o bairro do Alto do Ramalho – mas o bairro novo era de facto e até as casas que lá existem são completamente diferentes… vivi uma parte da adolescência ainda ali, andei na escola primária dos salesianos… isto era tudo quintas, onde agora é a piscina era quase em Montemor… era uma aventura vir até aqui, vínhamos em grupos e eu atravessava a muralha onde, curiosamente, hoje existe uma passagem… havia uma passagem mas era por falta de pedras, foi aquilo que caiu e nós aproveitávamos e vínhamos por ali que era muito mais perto, sim, sim, era uma cowboyada… a relação com a natureza na minha vida é constante, é constante… eu por acaso tinha uma hortinha, era o meu cunhado que tratava dela, que ele é do Norte e tinha esse hábito, nós não

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comprávamos tudo feito … o meu pai era empregado do irmão e acabou por ficar com a pastelaria para ele e foi quando a nossa vida mudou … era a Pastelaria Alabaça, existe, hoje, curiosamente, foi comprada por uma família que sempre admirou a pastelaria e até já me pediu a fotografia do meu pai, porque querem lá meter… e era de facto o melhor fabrico que havia aí em Évora era o nosso, era uma coisa pequenina mas fabricava-se muito bem, aquilo era muito bom, além de ser a única pastelaria que tinha forno de lenha, era a única pastelaria que fazia folhado de banha, em vez de ser de margarina, por um erro do meu pai, enganou-se, porque ele julgava que eles punham banha… porque ele ia ver para o recado (mercado?), ele pensava que era banha e era margarina, e ele não conseguia dar conta daquilo, começava a experimentar, ele era padeiro do irmão, entretanto enganou-se e fez um folhado de banha… aquilo era uma loucura… já não existe… tenho um tio e um ex-empregado… que nem sei se fazem assim… se não… sei que o fabrico deles é bom, mas naquela altura também se fazia de forma diferente, nesta altura [do ano] andava com um Renault 5 que eu tinha à procura de ovos, para trazer 5 ovos de S. Mansos, 6 ovos da Azaruja… pois… porque não havia ovos e o meu pai recusou-se sempre a pôr os pós de ovos lá na casa… eu zangava-me com o meu pai quando era miúdo – PORQUE todos tinham suspiros e nós só tínhamos lá de vez em quando, um dia o meu pai disse nós não temos claras não podemos fazer, só fazíamos suspiros uma vez por semana que era – juntavam-se as claras todas no frigorífico – fazia-se uma vez, e um dia chega-se lá um indivíduo a vender… e claro num instante havia claras em castelo por todo o lado, e o meu pai disse para o empregado – ó Fernando faça aí para nós vermos e assim que provámos aquilo – NÃO – não obrigado, mas não estamos interessados… era açúcar, aquilo não sabia a nada… era apenas o feitio [a forma do suspiro] … como são hoje… pois… aliás há coisas que já não se conseguem fazer : a queijada de Évora, as melhores queijadas eram feitas na minha casa, mas aquilo era feito com queijo, de facto aquilo eram bichas até ao café Arcada … aí a uns 50 metros debaixo da mesma arcada para a esquerda… ajudava o meu pai mas pouco, pouco… eu era muito jovem, o meu pai morreu quando eu fui para a tropa, um pouco antes disso é que eu fazia essas incursões porque quem nos fornecia de ovos era aqui o Convento da Cartuxa e nessa altura também não tinha… havia falta [pelo Natal e festas]… sabe que a experiência da pastelaria foi muito negativa, é muito mais interessante ouvir aquele indivíduo que lá está que quer recuperar a receita da pastelaria, coisa que nunca me interessou, quer recuperar uma data de coisas quer pôr a fotografia do fundador da pastelaria que de facto foi o meu pai, coisa que nunca me interessou, e não me interessou porque quando eu tinha 7 anos, 7 anos, já os meus pais não podiam trabalhar nem um nem o outro e eu fui dar com um senhor na minha casa, como disse tínhamos forno de lenha e por baixo do fogo era colocada um bidon onde se punha a cinza e os arames e esse senhor deu tudo como aproveitado, as “feichas” (?) e os arames… eu ainda lhe disse que ele havia de comer um bolo com aquilo que era eu que lho dava … porque ele estava mesmo feito para fechar a casa aos meus pais, por encomenda de outras pastelarias aí mais poderosas da cidade e eu a partir daí, aquilo … os meus pais não podiam trabalhar, fechavam-lhes a casa, aquilo… foi que um nosso vizinho, na nossa frente, ainda na rua de torres, um vizinho nosso que era da intendência – a senhora só assina quando tiver um frasco com aquelas coisas na sua posse, antes não assina nada, que ele sabia o que se estava a passar mas também não podia dizer nada… os outros indivíduos andaram para ali a recolher coisas e quando foram á minha mãe para assinar – não, então dêem-me a minha amostra que eu depois assino e eles não tinham a amostra, foi a sorte… eram as amostras para análises e contra-análises dos proprietários… isto tinha eu 7 anos, mais tarde, já era eu que estava a gerir a cooperativa, tinha conseguido bons resultados e estava a dar aulas na piscina e telefona-me a minha mãe a dizer que não podia vender bolos, estava um polícia na pastelaria a dizer que não podia vender bolos, eu fui imediatamente lá acima … 14minutos… mandei chamar o Delegado de Saúde imediatamente… o delegado e o chefe da Intendência disseram logo : isto é impossível ser dos bolos… podia ser de salmonelas … que era um vírus que se infiltrava no ovo que nem o

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fogo o matava, aconselharam-me a queimar tudo o que tinha feito nesse dia – tinha feito uma despesa de sete contos e quinhentos diários na altura, estava a fazer vinte, vinte e dois, passei a fazer quatro e meio… foi o resto tudo o que era pastelaria e bolos e não sei quê… comidas, comigo, acabou… nem pó!!... isto já foi em 1974… entretanto depois vem-se a saber… que havia uma criança de 20 meses e… eram oito pessoas que estavam no Hospital a dizer que tinham comido bolos na Alabaça, depois viemos a saber que também tinham comido marisco aqui em baixo [não nomeia a casa], mas a Alabaça é que pagou e eu deixar a minha vida nas mãos de uma qualquer coisa desta, foi uma… eu podia ser preso, o senhor pode ser preso… e depois não se provava nada, eu é que tinha que provar que não tinha os bolos estragados, era assim… então deixei-me daquilo, nunca mais liguei à pastelaria, ainda paguei dívidas que os meus empregados … eu passei-lhes aquilo e ainda me deixaram cheio de dívidas… até que me vi livre daquilo… aos 24, 25 anos… trespassei também numa situação complicada, foi à pressa, porque o chefe das finanças disse que me perdoava uma multa… isto é assim… a seguir ao 25 de Abril aumentaram as matérias primas em 200%, o imposto de transacções aumentou 100%, de 7 para 15%, os bolos aumentaram 20%, quando foi para aumentar os funcionários já não havia dinheiro… eles sabiam isto, só havia uma forma de fazer face a isto tudo, era fugir aos impostos e eles sabiam disto perfeitamente, portanto o professor cavaco silva, segundo eu sei mandou fazer uma experiência no Alentejo, ou seja, apertar mesmo, e eu fui uma das casas que fui apanhado, quando comecei a explicar ao fiscal que já ia com 50 contos negativos por mês se fosse a pagar tudo… ele disse, escusa de explicar que a gente sabe, sempre soubemos, mas isto são ordens… aquilo era um imposto de 700 contos mais uma multa de 1400 contos – mas como vinha cá o Papa havia amnistia, mas como em todas as coisas a amnistia foi para quem tinha dinheiro e tinha fugido de facto ::::::: (conta depois situações rocambolescas com as finanças de quase chegar à violência física) :::::::::::::: … de 59 a 74 no bairro novo a vida não foi nada complicada, não, é uma vida com estes problemas todos mas é uma vida belíssima, primeiro eu não queria ir ao Ultramar e não estudei, não estudei por opção, isto porquê? – para vir para aqui para a música, fui músico-militar aqui em Évora, nunca entrei em nenhuma banda militar, nunca fiz nada, mas fui músico militar aqui durante 3 anos… quando estive na tropa, porque nunca tinha sequer habilitações para ficar… eu tenho uma actividade para além desta que é cantar… em vésperas disso fez-se uma festa no Garcia de Resende com o de Infantaria 16 onde eu cantei as músicas todas … o Comandante do 16 é que dizia vamos comer sandes nem que seja com bocados de farda… ele era assim bruto… entrei para a Tropa assim… com sorte também, porque eu precisava de entrar voluntário e faltavam 3 dias para ir à inspecção e eu tinha que entrar dentro desses 3 dias… fui à CME pedir um atestado de bom comportamento moral e civil… isto foi em 72… e eles disseram-me que com urgência era um mês, e eu precisava daquilo no dia a seguir, quem é que vinha a sair do gabinete do chefe da secretaria? – o comandante do 16 com o chefe da secretaria, olhe já não posso ir lá para a sua guerra… e o chefe da secretaria… então você teve algum problema com a PIDE… eu não… então venha cá às 5 e meia buscar isso… a minha vida foi sempre assim… pequenas coisinhas… e também pratiquei natação, fui campeão nacional no Porto, tinha uns grupos de baile, isto para ocupar o meu tempo, não estudava, fui estudar depois de casado… naquela altura era complicado ir para o Ultramar, e eu tinha duas opções ou ia para a música ou desertava, porque muitos amigos meus desertaram… discos gravados só dá trabalho … faço umas festas, o fim-de-semana passado estive a cantar em Badajoz… faço uma coisas… … uma juventude cheia… em 77 quando começa o processo eu ainda não estava na Malagueira – eu trabalhava num gabinete de estudos e projectos aqui em Évora e tinha aqui um amigo meu, o -- que trabalhava aqui na cooperativa, que um dia me levou a ver umas casas ali em baixo que eram da então Associação de Moradores e ele dizia : olha as casas que vamos fazer, o Manel Russo era aqui da Boa Vontade, mas como entretanto a Associação de Moradores já tinha uma casa feita eu fui lá ver a casa do Siza Vieira… foi aquela primeira casa … isto já foi em 1980 … e qualquer coisa …

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aquela primeira casa que lá está… não sei se é na rua dos Fundadores… é uma rua que tem garagens de um lado e … que vai para a Cruz da Picada, foi aquela a primeira casa que eu visitei… e foi nessa altura que, então, eu ao visitar essa casa, coloquei-me na posição de morador e comecei a alterar aquilo tudo… tudo o que eu achava que devia ser alterado e fiz ali 16 observações, eu trabalhava num Gabinete de Estudos e Projectos de Engenharia… eu era muito bom em desenho, e em desenho técnico também, olhe o marido da dona Aurélia foi o meu primeiro professor de desenho, e devo-lhe a ele muito do que sou hoje, porque eu era o melhor aluno de desenho e uma vez a fazer um óvulo – na Escola dos Salesianos – aquilo não estava bem, mas como eu sabia que estava melhor que os outros todos fui entregar – levei um chapadão – e eu digo… então os outros estão piores que os meus e ele disse-me … pois, mas os outros não sabem fazer melhor!! a partir daí NUNCA MAIS FACILITEI… mas eu sabia que aquilo não estava bem… eu era bom a desenho e depois tirei uns cursos e comecei a trabalhar no Gabinete, fui colega do Manuel Esteves num Curso mais tarde num Curso de Agente Técnico de Arquitectura e Engenharia e… claro eu era o melhor aluno daquilo, porque tudo o que era matemáticas, físicas, não admitia ter menos de 20, não admitia… não quis estudar porque isso imediatamente me atirava para o curso de sargentos e imediatamente me atirava para tropa… isso foi sempre uma opção minha, porque há muita gente minha que… o Manel Russo desertou como o Couvinha, como uma data de pessoal da minha idade que na altura desertaram, se foram embora, aquela malta quase toda daquela idade deu ao slide … nós não concordávamos, ir para a tropa daquela forma não dava… … fui ver as casas e comecei a fazer as minhas alterações e o Manuel Russo disse-me assim : tu tens razão e se tu fosses ao Porto falar com o Siza Vieira… nós… ainda eu não trabalhava aqui… fui falar com o Siza Vieira que, pelos vistos, era um papão para esta gente toda porque quando eu de lá vim perguntaram-me : como é que eu tive coragem de lhe propor as alterações… e eu disse : falando com o homem, porque o homem não me bateu … a coragem que eu tive foi chegar lá… senhor arquitecto … eu acho… eu aqui fazia assim, aqui fazia assado – tirava o muro do corrimão e punha um corrimão [na escada] que abre mais o espaço, tirava … do outro lado da sua rua há uma arrecadação na sala… aquela escada por onde o senhor entra [e se sobe para o primeiro andar] na altura tinha um muro – o que tornava aquilo um bocado acanhado e eu propus ao Siza pôr um corrimão aberto como lá está… e a última alteração que eu lhe queria propor e não consegui, porque nem eu nem ele fizemos as constas, foi daquele quarto de baixo … qual era a minha proposta, mudar a porta de sítio e avançar a casa-de-banho até ali… o Siza disse que não porque o quarto ficava com área inferior a 9 metros e eu depois em Évora verifiquei que ficava rigorosamente com 9 metros quadrados [a proposta era comer o mini-hall que separa a casa-de-banho do quarto e podia resultar, pelo menos as portas incomodavam menos e a área útil crescia] … na rua do Chiado houve uma casa que foi feita assim… a porta ficava mesmo em frente à porta da casa de banho [onde estava o armário dos meus livros e dossiers e pode ser vito nas fotografias]… a casa de banho que está um pouco acanhada ficava mais larga, mais desafogada, por acaso a mim faz-me falta, houve uma altura que eu tinha lá o meu estirador, mas em geral o espaço em frente a esta porta [do quarto] é um espaço morto [o tal do armário, é verdade]… e a porta também podia abrir para fora sem problema nenhum, foi a única alteração que ele não aceitou, de resto aceitou-as todas, mais tarde estávamos na casa desse meu amigo Manel Russo e o Siza Vieira estava a olhar em volta e eu digo-lhe assim : então Mestre está a gostar e ele virou-se para mim e disse-me : você tinha razão [quanto ás escadas decerto]… e depois houve uma festa de Homenagem ao Siza Vieira e num almoço onde estavam 40 e tal pessoas o Siza Vieira teceu um elogio ás alterações que eu lhe propus, o que foi muito bonito porque eu não estava à espera, nem pouco mais ou menos que ele falasse de mim, porque ele acha que o projecto melhorou bastante com aquelas alterações propostas por mim, óptimo!!! (satisfeito)… … a escada ao fundo já é da segunda fase mas a culpa aí já não é do Siza, o grande projecto para mim do Siza é a primeira fase… depois mais tarde tive uma conversa com o secretário de estado

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da Habitação, Elias Garcia da Costa, e ele um dia veio a Évora – nós só podíamos fazer casas até 100 metros quadrados a custos controlados – ele veio a Évora e eu mostrei-lhe uma casa com cave com 85 m2 e o piso térreo tinha os 100m2 e ele disse é pá, isto é bestial, digo eu : sabe porquê, porque nós enganámos toda a gente – porque para fazermos mais barato, porque não faz sentido estarmos a aterrar 2m60 de desnível de um lote, nós deixámos esta laje de pavimento e fomos fazer esta cave … para o senhor ter em atenção que isto é uma mais valia para a casa – a casa lá em cima custo 6.500 contos e a cave 430 contos… mas a cave tem 85 metros e aquilo lá em cima tem 100, portanto… e o senhor tem no seu INH gente em qualidade e em quantidade suficiente para poder informá-lo quando é que é que estas coisas poderão ser feitas, mas tarde, passados uns tempos telefona-me o dito a dizer Eduardo já viu a nova portaria … e lá vinha que a casa podia ter àquela +área até mais ou menos 5%... eu telefonei-lhe e disse olhe isto é a diferença entre desviar uma cadeira para eu passar ou não… porque isto de fazer casas com 100m2 é tudo muito bonito, mas quando aumentamos para os 103 ou 104 não quer dizer que o preço por metro quadrado se multiplique pelos metros que vêm a seguir, porque há uma economia de escala que se consegue diluir na habitação toda… ora se a casa foi vendida a 100 contos o metro2 mais 5 metros não custam mais 500 (??) contos… poderão custar mais 150 ou 200… se o Siza na altura tivesse essa possibilidade não tinha necessidade de mexer no primeiro projecto, porque o primeiro projecto cumpria aquilo que veio a seguir … ele teve que fazer uma segunda fase que… pronto… foi o que se conseguiu … fez uma terceira, mas para mim o grande projecto é a primeira fase… … em 1985 estávamos a fazer a primeira fase, a acabar, e nós estávamos a fazer isto por administração directa na altura, porque a empresa que estava a fazer estes 60 fogos faliu, e entretanto eu vim para cá como director de obra – dirigir a obra das habitações pela Boa Vontade – a cooperativa Boa Vontade teve de pegar na empresa falida, ficar com as máquinas e … A Mosaico, precisamente… a Coópe já existia lá em baixo … aqui não fizemos nada [um pouco contrariado], quer dizer, pegámos nos funcionários, nos empregados da Mosaico… penso eu que foi assim, porque quando eu vim para aqui já estava tudo resolvido com os carros, com as máquinas da Mosaico e aquilo acabou-se desta forma, a cooperativa ficou como fiel depositário desse material todo e concluímos as casas da Malagueira dessa forma, a primeira fase, são as 60 do lado de cá [ao cimo da rua??], aquela que a Dona -- comprou são 40 e foram feitas pela Coóp … venho habitar as primeiras 100, entretanto eu casei e fui morar para a CP, eu casei em 75, não sei quando para aqui vim, o -- morava por cima de mim, veio para cá morar … entretanto houve uma desistência de uma sócia e o sócio a seguir era eu, o primeiro sócio que apanhou uma casa de desistência foi o Arq. -- e o segundo fui eu… mas uma casa que já tinha 5 anos de habitada e a dele também já tinha uns anos [registe-se esta primeira partida de habitantes]… pois, eu venho para aqui em 90… [e qualquer coisa]… eu trabalhava aqui desde 1982… na Boa Vontade … conheço as pessoas que para aqui vêm.. [de uma modo] … geral… mas isto aqui nunca funcionou assim muito bem, isto é assim, enquanto a cooperativa pôde desenvolver algumas actividades, as pessoas ainda se encontravam naquele espaço ali em frente ao bar, faziam-se ali á noite, às vezes, umas cantigas e umas coisas… a partir do momento que a cooperativa deixou de promover essas coisas as pessoas nunca mais se encontraram, e é difícil, é bom-dia, boa-tarde e acabou… tinha dois filhos já na altura, havia crianças, havia a necessidade inclusive de fazer uma escola infantil, tinha um com 9 e outro com 12… nomeadamente o meu mais novo e a Leonor são muito amigos porque o meu filho ia lá muito para casa dela e passavam muito tempo juntos… (isso faz comunidade?) – faz!! A nível de crianças sim, existia [uma comunidade], existia porque os vizinhos … eu tinha uma boa relação com a dona -- e com o marido até porque ele depois era presidente do Juventude, clube pelo qual eu fui campeão nacional de natação… o -- era um grande jogador do Juventude, só um aparte, vi-o num jogo marcar cinco golos de canto directo, num jogo… com o olívio tenho uma relação… mas é daqui, ali na rua com quem é que eu me dou mais… dou-me com a vizinha da

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frente, mas é bom-dia, boa-tarde, com a -- somos amigos, mas já é do tempo da escola… mas ali, relação entre nós existe muito pouca… ela coitada vem do trabalho… quanto à vizinha da frente criámos amizade por causa dos filhos, a filha dela mais nova e o meu filho mais novo davam-se, depois isso passou e agora é bom-dia, boa-tarde… de qualquer forma também não passava disso… … era a Dona --, depois era lá em cima o --… as cantorias era sempre fora daqui… ah! as cantorias da Sobreira, ah! aí nunca fui!!! Aquilo ali nunca funcionou muito bem, era aqui em frente ao bar, foi um espaço que nós dinamizámos para … sócios… que por acaso vinham mais do bairro António Sérgio que daqui… 45 minutos … foi o primeiro bairro que fizemos, é do arq. Jorge Silva … dei-me bem na CP, bem… bem … [dúvida e incerteza, está a pensar]… o bairro da CP é um bairro pouco… é um bairro com problemas… (era um bairro popular, houve professores que viveram lá) – olhe que não, olhe qua não, é evidente o bairro da CP existe lá de tudo, mas era um bairro problemático, um bairro com muitos problemas … aquilo foi um bairro social… as vagas daquilo eram feitas através de concurso [quer dizer ninguém sabia quem lá iria parar] … ao princípio penso que resultou, resultou, a CP veio colmatar um problema de falta de habitação em Évora, aliás, só por isso é que tem aquela altura, porque aquilo é um projecto [de iniciativa] nacional [do FFH], e como projecto nacional conseguiu, não sei qual é a regra que determina isto porque em Évora é proibido construir em altura, e então na altura… lembro-me que uma vez o Siza Vieira foi lá à minha casa, á minha ou do Manel Russo e achou o projecto interessantíssimo, a casa da CP era de facto uma casa interessantíssima, para uma casa social era uma casa interessantíssima… as técnicas [de construção] era modernas, mas os materiais é que eram um problema, são as tais modas que não são testadas… eu durante a escola tinha um professor de betão e de materiais e processos que um dia começou a falar no itong, olhe professor não ponha isso no teste que eu vou responder tudo ao contrário… isso é lá o que dizem os suecos, mas eu moro n uma casa dessas e quando cai uma moeda de 25 tostões no terceiro andar, cá em baixo parece que caiu um tacho … nada daquilo é bom como se diz, se calhar é bom para lá … é pá o itong… [é uma desgraça]… e depois tiveram que forrar por fora tudo aquilo, porque aquelas paredes estavam seguras no reboco… a primeira vez que tive um bloco daqueles na mão, aquilo ia-me voando da mão… quando a gente em determinado volume de qualquer coisa [associa um determinado peso]… e dispõe-se a usar uma determinada força … só me apercebo [que aquilo é muito leve] quando ia quase a voar… … (em 1990 já não havia comunidade, mas ali em baixo na Giraldo, era gente mais pobre) – vamos lá a ver, talvez não esteja a ver mal [que os de baixo eram mais unidos e eram uma comunidade], mas também não é líquido que houvesse comunidade [nos da Associação]… porque a Associação, a Giraldo sem Pavor até há muito pouco tempo promovia muito mais encontros… situações em que os sócios se encontravam do que nós aqui [na Giraldo no Natal davam prendas caras às crianças filhas dos sócios], porque eles tinham uma sede ali feita e nós estávamos aqui em construção e depois houve aqui [boavontade] algumas coisas que correram menos bem e… pronto… eles iam sempre conseguindo uns subsídios para fazer… (as cisões?)… a outra cooperativa criada, foi criada por mim… é a CHC (Construção e Habitação Cooperativa)... foi criada por mim porque esta cooperativa estava impedida de construir fora de Évora… era uma cooperativa na qual eu pensava poder emprestar o meu trabalho e ganhar o meu dinheiro como é óbvio… e passei a ser o presidente da cooperativa e o desta era o gerente da outra… e houve aqui uma situação que não correu muito bem… e eu optei por sair da cooperativa em boa hora, o outro era o snr José Caraça… um tipo muito interessante mas que às vezes sonha mais do que aquilo que pode… e precisamos de dosear muito bem o esforço… … (modestamente) … eu não corrigi a casa do Siza, fiz as minhas propostas na óptica do morador… eu ao longo destes anos tenho estudado muito… neste momento para fazer um loteamento, até parece mal eu dizer, só preciso de um engenheiro electrotécnico, não preciso de mais nada,

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porque desde as infra-estruturas até á estrutura da habitação, água, esgotos, etc… eu faço tudo – já fiz, loteamentos, vários – agora estou a fazer 24 casas lá para baixo, mas fiz as infra-estruturas… espero ter uma reunião com o arq da CME para poder alterar o que lá está, uns armazéns, para podermos fazer habitação… … não entro em casa das pessoas mas tenho uma boa relação, aqui acho que é mais falta das cooperativas, mas porquê… porque aas cooperativas não tinham possibilidades, era bom que pudessem promover [encontros]… eles por exemplo criaram, até foi o arqº Nuno Lopes que fez ali o projecto do anfiteatro e eles faziam ali concertos, exposições, como vê a gente não temos condições para fazer nada disso… aqui em Évora habitação social foi mesmo a CP – assim como no dito daquele bairro novo [as indicações parecem indicar a ZU1] há um bairro social que esse foi da CME – também já me disseram que isto aqui com a Malagueira é de modas … isto é uma loucura, agora já nem tanto, mas vinha gente de todo o lado e não nenhuma faculdade que não mande cá pessoas… a habitação da Malagueira é a custos controlados, não é propriamente habitação social … é um bocadinho mais que a social e um bocadinho menos que a normal… embora esse menos seja uma questão com muitas aspas, porque chamar boa habitação a uma habitação que tem uns azulejos mais bonitos que os outros e bonitos entre aspas também… não é correcto [portanto isto não é social nem normal, e não sabe definir muito bem o que seja uma e outra]… (os ciganos?) – sabe que o secretário de estado da habitação, Elias da Costa, dos anos 90 e tal mandou fazer um estudo, nunca vi o estudo, mas ele contou-nos que provou uma teoria que tinha que a habitação promovida pelas cooperativas tinha relativamente a droga e a delinquência tinha 10 a 20% do que tinham os outros bairros… eu digo se aqui havia 100 nas cooperativas havia 10 a 15%... as cooperativas de um modo geral, nós aqui não tivemos essa possibilidade, isto é rasteiro, mas no Porto, o que é que faziam? – fazem a partir do primeiro piso e depois em baixo é lojas, jardins de infância da própria cooperativa, aproveitam aquele piso térreo para essas coisas todas e aquilo depois promove muita coisa a nível cooperativo – as pessoas encontram-se e tudo aquilo é uma mais valia … … isto é cidade, isto é cidade… o senhor sabe o que é que se passou com a vinda do Cavaco Silva aqui? Para fazermos casas, foi nesta zona aqui, desde a decapagem (?) até ao fim tínhamos 3.696 contos… para vender … o Cavaco veio cá deixar ao IGAPHE 4.500 contos para recuperar fogos que já tinham sanitas e mobílias de cozinha e não tinham gastos financeiros nem administrativos… nós tivemos para começar e fazer 3.696 e fizemos e eles receberam com as casas feitas 4.500… o problema é visível, é notório, quando chega ao final das nossas casas e passa para as outras nota logo, onde é que acabou a cooperativa e começa o IGAPHE, isto fruto do sistema … que aprova ou não aprova … os ciganos e aquela gente toda … eles nunca têm habitação, eles não moram em lado nenhum… são maus hábitos… o problema da Malagueira, é um erro porquê?? INQUÉRITO:::: O DITO pátio, é a tal questão, há uma designação do Siza Vieira interessantíssima sobre o pátio… ele sempre chamou àquilo sala de ar livre, que é como eu a utilizo, de facto, não tenho lá uma árvore, não tenho lá nada, porque não tenho lá espaço – eu gostava de ter lá… são 24 metrozinhos quadrados eu quero lá ter a piscinazinha, quero ter a mesa não dá… mas aquilo é a minha sala de ar livre não tenha dúvida… as coberturas é que … e a ventilação, materiais e acabamentos tem tudo problemas… caixilharias originais já não tenho… as que lá estavam eram boas, mas estragavam-se ee a manutenção daquilo era cara… porque tem muitas [janelas]… o Siza não quer venezianas [a CME agora quer estores] – um dia disse-lhe aqui, Mestre, das duas uma, ou aceita já as caixilharias de alumínio com regras ou qualquer dias tem-as aí sem regras, e ele aceitou… com o desenho mais ou menos como o que está… é o que se tem feito, mais coisa menos coisa, venezianas não quer… eu na minha casa tenho uma asneira porque entretanto falei com o arquitecto e não tenho nada, e fiz obras e devia ter posto ou uma coisa ou outra … mas estava à espera daas venezianas que permitissem porque a minha mulher gosta mais, e agora não tenho nem uma coisa nem outra, o que me faz falta… é complicado por causa da segurança e do calor…

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AAF1 …hum hum então… repetir é bom que eu posso esquecer ou entusiasmar-me em algumas das partes, então nós comprámos esta casa há12 anos eu e o meu marido, antes de nos casarmos, depois pensámos logo em fazer algumas obras para fazer adaptar a casa porque tinha uma cozinha muito pequenina e tinha uma casa das máquinas (lavandaria) uma porta de correr esta janela e depois pensámos logo em ampliá-la em algumas das divisões [também não mexeram nos quartos, como é costume, nem na estrutura da sala] um bocadinho e foi o que fizemos, esses meses a seguir de casar fizemos obras, com algumas ajudas de pessoas de família e alguns amigos [foi tudo auto-construção] para tornar mais nossa, mais acolhedora, e da maneira como nós a imaginámos. Escolhemos esta casa devido a vários factores, o preço, devido à localização, por estar aqui perto do lago. Víamos que esta primeira fase era mais sossegadinha que lá em cima. Eu vivi sempre na cidade, para mim foi um bocadinho difícil ao princípio… era a ideia de mudar para um bairro, mas era qualquer bairro, a gente via as casas e não gostava de bairro nenhum porque eu estava habituada ao centro da cidade, eu vivia perto da Praça do Giraldo, e então para mim era assim … [difícil] a cidade é sempre a cidade, mas pronto escolhemos esta casa e o que é facto é que me adaptei até bastante bem, para aquilo que eu estava à espera, à casa, ao espaço, ao local, ao bairro. Em termos de vizinhanças pronto não é bem o que a gente gostaria porque é bem um … a rua aqui um bocado envelhecida, a pouco e pouco começou como a ordem natural das coisas, as pessoas começaram a morrer aqui à nossa volta, de um lado do outro, em frente foi uma coisa assim [assustadora, parece, em 9 anos morreram quatro vizinhos de quatro casas diferentes, e outros venderam] um bocadinho triste e então as pessoas têm-se mudado para aqui, mais novas, mais da nossa idade, e então algumas já mais novas que nós, com crianças pequeninas que era uma coisa que achava um bocadinho triste não havia ninguém para brincar com o Tiago [tem agora 8 anos] … o -- intervém e diz há ali um vizinho que também é pequenino, é o --zinho… pois é diz a mãe. Agora já há aqui alguns meninos mais pequeninos, mas pronto, integrámo-nos bem com a vizinhança, embora as pessoas mais idosas. Correu bem com a vizinhança, apesar de eu saber que há aí alguns litígios. As pessoas não se falam umas com as outras. Já vivem aqui há muitos anos e se calhar também isso é normal acontecer. É um bocadinho por todo o lado. O que é que falta responder… Posso dizer o que nós fizemos, não é, as remodelações… a cozinha, tirámos a casinha das máquinas, derrubámos aquela parede ali, mudámos toda a canalização. O sítio do lava-loiças, pusemos o gás na rua. O quintal também. Tirámos o cilindro da casa de banho, tirámos esta porta de correr que não gostávamos aqui, também acrescentámos a placa em cima no terraço que fazia aqui este recortezinho, nós ampliámos e daí fazer esse hall de entrada, porque queríamos também que desse um bocadinho de mais privacidade a esta sala. A porta da entrada era ali onde é a janela. E tapámos esta parede aqui, de qualquer modo com o hall de entrada iria ficar sem luz. A sala ficou realmente um bocadinho mais escura. Mas gostamos, gostamos do projecto em si, gostamos das áreas, gostamos da sala que é muito agradável, acolhedora. A disposição da casa também foi uma coisa que me agradou muito, a privacidade dos quartos lá em cima [registe-se que a entrevistada ainda não tinha visto o Inquérito, onde muitos destes itens são tratados], porque vimos algumas casas, por acaso não vimos muitas muitas casas, antes de comprarmos esta; mas vimos algumas casas que a disposição em si não me era, não era aquilo que nós gostaríamos e então esta casa por acaso a disposição é uma coisa que – e já tivemos para mudar e estivemos a ver outras casas, aí há 4 ou 5 anos e depois desistimos de vender esta – e daquei só para uma que nos agradasse mais que esta e não é fácil, não é fácil. E devido ao preço… E seria

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aonde? O sítio não é o mais importante são os preços e são as casas em si, gostaríamos de uma garagem e ter outro tipo de arrumações que esta não tem porque não temos garagem [por observação dos muitos melões empilhados numa parte do terraço, mas não à vista da rua, e por saber a origem do marido, imagino que precisavam de arrecadação para frutas, alimentos, etc]. Nós não temos garagem, mas outras pessoas têm. Mas gostamos da casa em si, do terraço, do quintal, gostávamos um bocadinho maior. O quintal também já tinha ali aquela obra [um anexo algo volumoso, onde agora está um cão de caça e outros materiais] aquele bocadinho tapado torna-se mais pequeno, mas agrada-nos e gostamos, gostamos e não sei, a gente apega-se sempre um bocado às coisas que temos, às casas, depois é difícil mudar e escolher e agora também já estamos mais selectivos, a partir daqui só alguma coisa que nos entusiasme bastante. Tenho que fazer uma pausasinha que tenho que ir ali à cozinha… Reconhece-se o espaço antigo, nós visitámos algumas casas destas antes de fazer a obra e à casas muito diferentes, muitas pessoas fazem obras devido às janelas, pronto, já são muito antigas. Nós lá em cima ainda temos as antigas e pronto estas são muito melhores, e aqui até, deste lado … as casas aqui deste lado são muito mais quentes que as da frente porque bate aqui o Sol de Verão a tarde toda… de Verão e de Inverno, mas de Verão torna-se muito quente, este ano ater pusemos um ar condicionada lá em cima no nosso quarto… porque aqueles dias em que estão 40 graus… mesmo há meia-noite está um calor no quarto horrível… deve ser muito mais agradável daquele lado [onde eu vivo, mas o calor … é igual nos quartos de cima de Verão], pelo menos um bocado melhor, não sabe não é [em resposta à minha cara que dava a entender que o calor nos meus quartos era igualmente insuportável] também não experimentou, não é?, e eu não sou muito encalorada, mas aqui é muito quente, é muito quente. Por acaso tenho um irmão que tem uma casa lá em cima da terceira fase e também é assim deste lado como a nossa, só que tem o muro alto, e são muito quentes também lá em cima, porque aqui em baixo são mais fresquinhas [não é a experiência que tenho, pois na estada de terreno exploratória vivi exactamente nessa área e com os muros altos são mais fresquinhas…] e nós temos os vidros duplos cá em baixo [na sala] e torna-se mais fresco… aliás houve aí um Verão que a gente dormia aqui na sala, em Agosto estava tanto calor que pusemos aqui um colchão e dormíamos aqui, aqui está-se bem, mas lá em cima é um bocado quente. Que parte é que quer que eu desenvolva mais… Amigos assim que a gente vá a casa frequente não, isso não tenho não [diz tudo com um sorriso, como se fosse impensável o contrário] – entrei na casa da vizinha porque ela estava doente e foi uma única vez. Também veio cá visitar o Tiago quando ele nasceu, veio cá trazer uma prendinha. Aqui os vizinhos do lado, é um casal novo, por acaso quem morava eram os avós dele, antes de irem para o lar. Moraram aqui ainda em simultâneo connosco, eles eram idosos, eram doentes ainda fui ali ajudar uma vez. O velhote caiu do sofá, fui ali ajudar, entrei ali uma vez ou duas mas pronto, não frequentávamos a casa. Este vizinho do lado era um senhor capitão, faleceu estava eu grávida dele [aponta o Tiago] fomos ao velório e também já era assim idoso, ainda um dia fui lá a casa… não me lembro porquê, eu nunca entrava lá em casa… depois veio para aqui um senhor, também não gostou da casa, vendeu e agora está aqui outro casal, até acho que agora só o senhor… um casal novo e também nunca entrei ali em casa… e o miúdo esteve aqui em nossa casa, [mas] também não frequento. Nós levamos a nossa vida … apesar de ser mais calma, trabalhamos durante o dia e quando chegamos não vamos muito a casa da vizinhança. Devido à idade tem havido muitas mudanças das pessoas, nos últimos 9 anos… o capitão foi o primeiro a falecer, estava eu grávida dele, a vizinha da frente faleceu com um cancro em poucos meses, estávamos na praia, aconteceu em Agosto, os vizinhos já tinham muita idade depois um deles piorou, tinha muitas complicações, um tinha Alzheimer o outro tinha diabetes, não via, estava quase cega, mal ouvia. Depois o filho ainda meteu aqui uma senhora a tomar conta dos dois… mas aquilo não correu assim bem, meteu-os num lar. Ela entretanto faleceu, também fui ao

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velório e tudo; entretanto veio para aqui este casal. A outra casa antes também era de uns senhores que alugaram e já venderam ao casal que vivia lá com o miúdo. Pronto como a população é um bocado envelhecida… dá-se estas mudanças assim das pessoas aqui mais perto. Eu a maior parte das pessoas nem conheço o nome, algumas … apesar de já morar aqui há 12 anos nem sei quem mora no princípio da rua, do lado detrás então pior ainda porque nós passamos quando não vemos as pessoas a entrar em casa, nem sei quem mora ali. Nalgumas casas é, mas aqui na rua basicamente conheço quase todos pelo menos de vista apesar de alguns nem saber o nome. Depois por baixo da conduta, do lado de lá, a rua vai mesmo até a essa ponta… Já nem somos sócios da cooperativa, já comprámos em segunda mão… Eles compraram à cooperativa e depois nós comprámos já usada. Pronto e tem sido assim a nossa vida aqui nesta rua. Na cidade era um bocadinho diferente, havia mais proximidade do que aqui, pelo menos enquanto eu lá vivi. E o meu marido também diz um bocado isso… viveu ali na Torregela, onde morou antes de vir para aqui, no bairro das Espadas, um bairro muito pequenino ali à entrada de Évora. Também era tudo, os vizinhos andavam sempre na casa uns dos outros, mas ainda se vive um bocadinho assim ali no bairro das Espadas. Aqui é uma vida mais à parte… mas vou ao café, vou quase todos os dias; aqui há 3 cafés, diz o Tiago, vamos à Sobreira, vamos à mercearia ao princípio da rua, dantes era do snr. Chaveiro. Alguma coisa que seja preciso de repente, aguentamos aqui algum comércio tradicional, pois temos. [ri-se] É suficiente, o que mais falta faz vamos ao supermercado, que aqui ao pé já sabemos que é sempre mais caro. Há pessoas que se abastecem, aliás ali a senhora da mercearia no início da rua tem uma conta-corrente para alguns clientes. É uma coisa que já não se faz em muitos sítios. É que há pessoas mais velhas que dificuldade de ir ali ao Pingo Doce, apesar de ser perto, não é?, têm dificuldade de se deslocar e compram ali muita coisa, que as coisas até são de qualidade ali. Mas a gente sabe que nestes pequeninos sítios é tudo muito mais caro, então basicamente compro ali o pão; uma emergência só. É, é. [A casa é um ninho...] E já pensámos que como nós a adaptámos tão à nossa maneira e por termos sido nós a fazermos as obras. O Joaquim é que teve as ideias da cozinha e da chaminé, talvez por isso a gente se apegou tanto à casa. Mesmo se comprássemos outra não a venderíamos, que a alugaríamos para não nos desfazermos dela – é assim uma relação… Agora se nos perguntarmos se achamos que é a casa ideal, a casa dos nossos sonhos nem a casa ideal é … tem alguns problemas também tivemos que fazer obras nas casas de banho o ano passado, tínhamos alguns problemas na canalização e então tivemos que fazer umas obras drásticas, também na casa de banho que muita gente também já fez aqui no bairro. As canalizações não eram as mais adequadas e nós tivemos um cano que se rompeu, nestes 12 anos rompeu-se três vezes um cano de água quente que ia da cozinha até à casa de banho cá de baixo e então tivemos mesmo que fazer uma obra de emergência… e para não partirmos este chão todo da sala que já tinha posto pelos anteriores proprietários, fizemos pelo quintal, ainda temos ali o chão… uma mistura de chão… partimos… e fomos pelo quarto dos hóspedes até à casa de banho, mudámos esses canos de água quente. Eram muito antigos, eram muito finos e estavam corroídos pela ferrugem e o canalizador… tivemos de fazer “rapaces” também na parede aqui da sala [tem a ver com infiltrações?] tivemos que partir o chão da cozinha também, das primeiras vezes… não tínhamos dinheiro, não estávamos a querer mudar tudo. Foi complicado connosco cá a morar e ainda foi muito dinheiro as obras que fizemos… na casa de banho acabámos por pôr coisas novas porque também estava a precisar. E Mudámos azulejos, chão, tudo, tudo, tudo… as loiças. Não é a casa ideal para nós devido ao calor lá em cima, no Verão, devido a um rapace que tivemos lá em cima, a conduta passa pelo nosso quarto… O que é que gostávamos mais que fosse melhor… FALTAVA-NOS a garagem, um bocadinho mais de espaço só, um quintal mais amplo. Depois tem outras coisas que nos agrada muito: as áreas, a área da cozinha, a sala para nós é uma … excelente… muitas casas novas que vimos não eram com estas dimensões, da nossa cozinha

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também não, hoje em dia, as cozinhas são muito pequeninas… quer sejam casas de cooperativa quer não. Casas de banho podiam ser um bocadinho maiores (está a passar um diapositivo de fotos na sala num pequeno écrân, diz o Tiago: olha quando eu nasci…) (rimo-nos todos) quando fizemos obras lá em cima a casa de banho ficou um bocadinho maior [por uma outra disposição]… tem um tamanho, não são más as casas de banho… podiam ser maiores e o nosso quarto tem uma dimensão excelente… ´foi uma coisa que nos agradou, o nosso quarto é enorme [os antigos proprietários devem ter deitado a baixo a parede que separava de uma casa de arrumações] – a maior parte das casas também não tem um quarto do tamanho do nosso… a casa onde o senhor está até tem um guarda-fato, um roupeiro, uma coisa assim que tira uma parte do espaço ao quarto [na minha casa ainda existe a casa de arrumos ao lado do quarto], e o nosso quarto lá em cima é muito grande… A casa dos meu sonhos seria uma casa, ora, seria uma casa com mais luz, mais janelas em baixo, MENOS QUENTE, portanto, fosse fresca, arejada, bastante luminosidade, com a sala que desse para um quintal e a cozinha também [era assim no campo alentejano de antigamente… mas a entrevistada sempre viveu na cidade…] … com umas áreas consideráveis, não é?, um pouco maior que esta – também não gosto de casas muito grandes… tornam-se pouco acolhedoras e às vezes também muito frias de Inverno… que tivesse uma garagem… uma dispensa também boa que a minha é … está um bocadinho atafulhada… as casas de banho também um bocadinho maiores… pronto, um bocadinho mais de espaço basicamente e mais luz porque a sala está um bocadinho… escura… a minha irmã cada vez que cá vem passa o tempo… EE!! Tão escuro aqui nesta sala… como era antigamente tinha mais janelas, e a casinha das máquinas era toda envidraçada, entrava mais luz. De tarde com o Sol, acaba por entrar mais luz, mas se estiver nebulado já se torna muito escura… temos que acender a luz muito cedo (toca um gongo de um relógio de parede… diz o Tiago e a minha prima acha que isto parece uma igreja por causa do relógio…) depois de Inverno naquela janela tipo porta, dali também vem muito frio às costas, tenho que fechar a portada daquela janela à noite porque vem muito frio dali, para aqui para as costas e depois como a sala também é… pronto… não temos porta para a cozinha… [levantamo-nos todos e vamos ver] e depois como para cima não temos porta, também se torna um bocadinho… o calor espalha-se muito, a salamandra foi uma herança deixada pelos antigos donos… é um espectáculo, a gente adora a nossa salamandra… dá um quentinho bem agradável… Os espaços verdes usamos bastante até porque o nosso cão utiliza todos os dias [é um spaniel-breton que apesar de ladrar com alguma frequência não ouvi ninguém queixar-se] o espaço verde, vai dar o seu passeio, nós também vamos levar as coisas ao eco-ponto, damos uma voltinha, saímos imensas vezes os dois (com o Tiago?!) às vezes os três ou vamos dar uma volta de bicicleta no Verão, perto do lago, é uma zona muito agradável. Às vezes pode não cheirar muito bem ali [há dez anos quando aqui cheguei, descobri lixo e detergentes no princípio do que seria uma ribeira. Interrogada a CMÉvora respondeu que os esgotos pluviais estavam ligados a essa ribeira… mais tarde explicaram-ne na Junta de Freguesia que era o esgoto da Quinta da Malagueirinha (outros serviços do estado) que rebentava todos os Invernos, não quiseram comentar os esgotos pluviais, mas afirmaram que era uma obra não muito difícil de fazer para impedir esse “acto de vandalismo”, como alguns classificam] é agradável para dar ali uma voltinha, as árvores, é uma zona agradável e calma. É aprazível aquele espaço ali. Também o espaço do outro lado, às vezes vamos daqui até à zona das piscinas. É uma zona agradável para se viver, sim … (sorri e diz tirando o meu cão, não é?, que continua a ladrar porque está a dar pela entrada no quintal do dono). [Eu acho que estou satisfeito, depois no fim… mas a entrevistada como se verá, mesmo depois da chegada do marido, continuará a dar a sua opinião sobre as coisas…] [Quando está a responder ao Inquérito, diz:] Agora vi aqui esta parte e lembrei-me: sinto falta de privacidade quando estou cá fora, nesse aspecto só, os muros são pequenos, depois de resto não,

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só quando estou no quintal, gostava de estar mais recatada, não é?, de estar mais à minha vontade… … agora deram-me umas florinhas e pela falta de luz elas têm estado a morrer… aquela já não tem quase folhas e a outra que tenho ali também está a ficar cada vez… está a definhar. Não sei se é água a mais ou a menos… Eu acho que as duas coisas são muito importantes, eu gostava de ter a privacidade [dada pelos muros altos da casa da Malagueira do irmão] e a luz… é claro a privacidade já estou um bocadinho mais habituada, também como é mais nas ocasiões em que estou ali fora a fazer alguma coisa… e se por exemplo estiver a lavar um tapete estou baixa, ninguém me vê a não ser que esteja no terraço e como só duas casas é que me vêem para aqui e esta está desabitada [só eu tenho um terraço que a pode ver…], ali também nem sempre é habitada, onde está o senhor, pronto, acaba por não me incomodar assim muito e já estou um bocadinho mais indiferente a essa falta de privacidade, de resto quando estou a estender a roupa, não estou muito preocupada… o meu marido está a chegar… [apresentamo-nos…] AAM1 A relação que tenho com a casa… tem que ver também com o valor… escolhemos esta casa também pelos valores, o projecto em si, mas teve a ver também com os valores… vimos várias dentro destes valores e achámos que esta nos satisfazia, pelo valor, tinha as condições básicas digamos assim para nós podermos habitar, além de termos de fazer algumas alterações, algumas melhorias em termos de canalizações, de aspecto também, mas as canalizações. Algumas infiltrações já tinha, depois essas questões tiveram que ser melhoradas e algumas mesmo alteradas. Em relação com a vizinhança, ora, inicialmente quando chegámos a este bairro, portanto os vizinhos tinham já alguma idade, portanto eram pessoas com uma certa idade, mas facilmente, com os de baixo, em frente, as pessoas mais velhas que nós, os casais, mas que houve integração absolutamente normal e que… saudável… Estes vizinhos mais próximos, os que estão mais afastados a relação já não é assim tão próxima, mas isso tem que ver com os hábitos da nossa sociedade, infelizmente em todo o lado é assim. E eu até estranho um bocadinho porque é assim, eu quando vim, ela não que vivia na cidade, vivia num bairro na Torregela e a relação que eu tinha com os vizinhos, mesmo com os que estavam mais afastados, era uma relação mais próxima, mais convívio, havia uma proximidade muito maior, apesar destes vizinhos mais próximos, aqui, termos essa relação [de proximidade, não andando sempre lá em casa… como eu vejo]. Foi basicamente assim a nossa chegada ao bairro, quer que lhe conte… As obras que nós fizemos foram internas, basicamente, as externas foi só em termos de conter as infiltrações e repasse… as internas criámos aqui um espaço que não existia que tinha que ver com um espaço do quintal [a lavandaria] a cozinha ficou… [maior, faz um gesto]. Aqui também se fez uma entrada que não existia… mais tarde fizemos a canalização completa da casa. Em termos de casa foram estas as obras que nós fizemos … Os vizinhos actuais – houve uma alteração de vizinhança praticamente toda ela, todos eles de cima de baixo, de frente, o que aconteceu foi que vieram para cá casais novos dentro dos 30, 40 anos e a integração também foi boa, quer da parte deles, nós também os recebemos e todos praticamente aqui temos uma relação uma mais forte outra menos forte como é óbvio. Mas uma relação de proximidade apesar de notarmos claramente que os vizinhos que cá estavam mais velhos a relação era mais próxima. Agora com estes casais mais novos e que são da nossa geração penso que já vêm adaptados aos hábitos novos da nossa sociedade onde existe assim uma espécie de afastamento… quer dizer, falamos, temos uma relação mas não tão próxima como com os anteriores, passa-se aqui e em todo o lado e aqui até é muito bom pelo que nós constatamos a

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nível de cidade então… e estamos a falar do interior… na cidade então as coisas … ninguém conhece o vizinho do lado. Aqui… a minha mulher vivia numa rua [na cidade de Évora] em que as pessoas não tinham uma relação… assim… normal… Isso para mim é um bocadinho esquisito, quando alguém aqui na rua … quando cheguei… passava e cumprimentava e as pessoas não me falavam, não estes mais próximos, as mais afastadas, não me falavam achava uma coisa horrível. Actualmente com os vizinhos mais próximos é essa, portanto, falamos, mas não tão próxima como a anterior, sem dúvida. Quando nós chegámos trocávamos lanches, doces, com a vizinha da frente, ela fazia, com o senhor capitão era excelente. A dona Aurélia também, era praticamente… A Malagueira em termos de ambiente, até em termos de construção depende da fase, acho que nem toda ela é igual. Mas em termos de ambiente temos de separar, de dividir a Malagueira em várias áreas, digamos assim, a nossa área esta parte junto ao lago aqui mais em baixo, é uma área sossegada que não tem problemas há esta relação muito saudável entre as pessoas, mas depois há várias zonas da Malagueira maisa Norte, as coisas já não se passam da mesma forma. Isto era um bairro social, foram integradas aqui várias famílias de etnia cigana e o que aconteceu foi que essa integração não foi muito correcta. Não sei avaliar. O que é certo é que ficou zonas, ou ruas praticamente só de famílias de etnia cigana e isso fez com que se tornasse … poucas pessoas que lá ficaram que não eram de etnia cigana com hábitos completamente diferentes se tornasse um calvário… isto é a realidade falada por colegas pessoas que eu conheço que tiveram que sair mesmo dessas ruas porque não havia condições mínimas de habitabilidade ali na rua [é uma rua que está entaipada pelos serviços que gerem a Malagueira, e a quem pergunto permanentemente qual o destino que lhes será dado – tenho uma entrevista dia 28 de Outubro com a Dra. Dina Campino directora da HabÉvora que gere os fogos do ex-IGAPHE e que o Prof. conhece da apresentação na Assembleia da República] …tocavam até às tantas música, enfim… hábitos normais da etnia cigana… Essa integração não foi muito bem feita [a CME tinha uma lista de espera há anos, o Governador Civil, em 1987 que era de um partido contrário ao da Câmara atribuiu a responsabilidade de atribuição dos fogos ao então IGAPHE e foram todos, praticamente, atribuídos à etnia cigana, o Prof. Cavaco Silva veio entregar os fogos em 1987… a Malagueira é cruzada desde sempre por estas guerras partidárias, que eu posso balizar e atribuir os nomes e as cores] e ficou o bairro dividido em termos de área – esta a Sul, aquela que está nessas condições, mas em termos de ambiente… junto ao bairro de Santa Maria chegaram a estragar algumas casas e estão emparedadas e ficou pelo menos uma rua emparedada, primeiro saíram as pessoas que não eram de etnia cigana e por fim todos… aquilo era muito complicado, droga… agora estão fechadas pura e simplesmente aquelas casas, depois ali mais para o lado das piscinas penso que aí em termos de vizinhança é igual aqui em baixo, o convívio normal, até uma sede, a sede do bairro da Malagueira… onde as pessoas se deslocam e tem uma vida normal… ao pé das condutas que vão dar à piscina, tem um café, tem vários cafés, e lojas… a situação está mais ou menos estável, EMBORA HAJA ALI ALGUMAS FAMÍLIAS DE ETNIA CIGANA, MAS PENSO QUE FORAM INTEGRADAS DENTRO DO GRUPO QUE JÁ EXISTIA, PORTANTO A SITUAÇÃO ALI ESTÁ CALMA [é a zona dos proprietários que licenciaram directamente com a CME, a “melhor” zona] a Norte está horrível não se pode lá viver… eu não conseguiria viver, gosto de chegar a casa e aqui que nós temos o nosso sossego, é aqui que descansamos, quando chegamos a casa e já estamos a pensar que não vamos descansar… isso torna-se uma coisa… intolerável. Eu sairia dali logo… Quanto às casas também me merece algumas críticas, as condutas de água [e dos outros serviços, exceptuando os esgotos, ele sabe disso e nós também, é só para registar] que me parece uma coisa completamente descabida. Passarem por cima das casas, e porquê? … não sei qual é a razão, tecnicamente não me posso pronunciar, mas o que é certo é que em termos práticos o que nós sofremos com isso [nos primeiros anos para não encarecer as casas, diziam as Cooperativas, as ditas não foram impermeabilizadas], praticamente todas as pessoas e é muito difícil resolver este problema é a humidade, e porquê? – há uma conduta que passa por cima, a própria conduta

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concentra a humidade e entra lá água dentro da chuva e o que acontece é que fica mesmo por cima dos quartos e das casas de banho e é rara a casa que não tenha problemas. Há dois anos talvez fizemos o isolamento com uma tela e agora a situação está mais … resolvida. Mas é muito diicil controlar esta situação e aí para cima quase todos comentam o mesmo e é muito complicado resolver isto, porque a própria conduta cria e concentra lá essa humidade e depois se a fechar por completo… não entrará lá água, mas ela mesma irá concentrar mais essa humidade e isso por cima da casa junto aos tectos. Está o repasse junto aos tectos… A situação dos telhados também me parece um ponto, na altura da construção já devia ter sido tomada em conta isso, telhas de lusalite em cima de uma casa é completamente desajustado já mesmo naquela época, haveria materiais que poderiam ter sido utilizados e que teriam feito muito melhor… é horrível, aquece, bem como a gravilha que estava por cima, por causa do aquecimento [para não aquecer] mas aquilo entope os canais e naturalmente a chuva não passa e a inclinação não é muito grande , assim à dificuldade da água correr e chegar ao algeroz, então, a água faz correr… e vai dar sempre à conduta… dá sempre humidades… e quando a água é muita o algeroz não deixa passar e vai dar por baixo da telha de lusalite aos quartos, o quarto do Tiago, já tem ali uns repasses… a cobertura no geral e a conduta serão os problemas mais graves e claramente não havia necessidade de os criar… a lusalite… temos que pensar que estamos no Alentejo e no verão é muito quente e de Inverno muito frio… as telhas não ajuda nada… em termos de casa está feito… Como já disse dentro dos valores destas casas (27m 51s) que estas casas tinham na altura, agora são mais baratas, precisamente por aquilo que eu falei: a ideia da Malagueira [que se mantém e persiste] não é desta parte aqui, é a parte Norte [a entaipada…] e então quando se fala da Malagueira (M_), naturalmente, que as coisas começaram a perder valor – quando se vem para a M_ é quase por último recurso; a parte Sul nnão há problema nenhum mas claro que para as pessoas a M_ está associada a problemas e as pessoas fogem… e os que vêm, claro, também conta o valor da casa; cá dentro as casas dá para fazer estas pequenas obras e as casas ficam engraçadas e têm espaço e … quando um dia formos para uma casa com mais espaço, não vamos vender esta; quando um dia a crise parar, não sei quando é que pára, mas se parar um dia e tivermos condições para ir para outra casa alugaremos esta. Não vamos vender. Foi muito fácil ter o -- aqui e instalar o --, foi fácil, não houve problema nenhum. Temos um espaço bom, em termos de pessoas de vizinhança aqui não tivemos qualquer tipo de problemas em aspecto de tudo; foi bom, aliás, eu pessoalmente gosto muito de viver nos bairros, não me estava a ver a viver dentro daquela confusão, para mim é, viver na cidade, não ter um espaço onde meter o carro. Depois o outro passa e não me diz nada e isso para mim afecta-me muito. Portanto, será este ambiente que me agrada, onde eu me sinto bem e até se for mais próximo melhor me sinto, pois… aqui foi fácil em termos de criar família, com a vinda do --, foi muito bom, em tudo, sem dúvida, e a casa evolutiva posso sempre ter mais, a casa é evolutiva [o meu maninho diz o Tiago…] este projecto dá para fazer mais um quarto. Só há uma questão, agora, por causa do Tiago, como a vizinhança já tinha uma certa idade… não havia crianças, agora temos uma, não é?, aqora temos uma aqui ao lado [de cima, este casal esteve for e não criei qualquer laço, nem os vi todos juntos, por isso entrevistei os vizinhos do lado esquerdo do actual entrevistado, também por serem mais novos e eu poder comparar a questão geracional]. Mas nessa altura, há 2 ou 3 anos, quando vieram para cá morar não havia outras crianças. Mas é um tipo de vida diferente do nosso, os horários e isso… não se torna propício, não se proporciona eles virem para aqui brincar, veio cá uma vez… e agora há aquele que é também muito pequenino… Mas eles gostam mais de brincar sozinhos, as playstations… isto é diferente de como eu fui criado, mas para eles isto é normal. O Joãozinho que é o nosso vizinho de cima está sempre em casa e ele [Tiago] também acaba por ficar sempre em casa, mas como já foi criado assim… Dias inteiros na rua, como fazíamos todos, brincávamos por aí fora, para mim é um bocado confuso ele ficar aqui uma tarde inteira, mas é assim, as coisas, nós temos que aceitar, adaptar-nos às mudanças.

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[CONSIDEREI QUE ESTAVA SATISFEITO E PEDI PARA PASSAR A RESPONDER AO INQUÉRITO, a mulher juntou-se a nós e preparámo-nos para começar o “Focus Grupo Doméstico”] Pois isto aqui é a “história” do bairro, temos que ver num todo… (diz ele). Eu saio cedo, saio às 4, mas depois vou buscá-lo, chego cedo, mas a pessoa depois entra dentro de casa e depois também não se anda em casa do vizinho, nem se vê onde a pessoa entra… às vezes eu digo ao meu marido – eu nem sei, o nome da maior parte das pessoas daqui, nem o primeiro nem o último, uma vez meteram-nos aqui uma carta no correio por engano e foi quando eu soube o nome de uma vizinha ali amiga – que eu conhecia há muitos anos, porque andou na escola com a minha irmã mais nova e não sabia o nome deles, e então fiquei a saber o apelido, mas é preciso alguma coisa deste género… nós não sabemos o nome das pessoas… eu pelo menos (diz ele) os mais próximos conheço… sim (diz ela) tu até foste até casa do capitão, mas eu nunca lá entrei, foste lá fazer o quê?... (diz ele) mas tu à vizinha da frente até levaste lá um arroz doce. Sim. Diz ela: mas isso foi uma vez ou duas. Mas falávamo-nos normal, diz ele. Ah! Sim, mas frequentar a casa é outra coisa, diz ela. Diz ele: isso era no meu bairro que se entrava… as portas nem se fachavam, estavam abertas… Ela: um dia fui fazer um arroz para umas visitas e entrei em pânico – Ah! E agora o que é que eu faço à minha vida, preciso de um bocadinho de arroz [o calor afectivo e expressivo do debate sobe, sobretudo da parte da entrevistada que se entusiasma com facilidade, o marido vai acompanhando, mas sem a exuberância da mulher que conta as histórias] – e pensei vou pedir a um vizinho, é a coisa mais lógica, já tinha fechado ali o café, então bati aqui à porta do lado, depois não me abria a porta pensei, estava luz e tudo, não me quer abrir a porta, vou ali ao outro da frente, mas na frente também não está ninguém… [risota geral, dada a comicidade da situação e a que a entrevistada põe na narrativa], mas depois [o primeiro] lá me abriu a porta e até me deu um pacote de arroz e depois eu fui devolver quando o comprei. Mas a vizinhança foi desaparecendo a pouco e pouco e temos que fazer amizade com os novos vizinhos…Exactamente (diz ele), é uma “construção”! Os nossos vizinhos aqui debaixo… a gente mal os vê… com os idosos era diferente [eu outro dia ali no café ajudei um senhor, diz o Tiago, ele não sabia onde estava a moeda e eu procurei-a.] Com a nossa vizinha antiga estávamos ali 15, 20 minutos à conversa. Diz ela: também precisavam de nós se calhar é uma das razões… Não, diz ele, é porque as pessoas eram assim… nós éramos assim … As cidades obrigam-nos a este stress diário de termos de estar aqui, além… e às tantas as pessoas… vamos entrando todos nessa correria… [Estávamos a concluir a entrevista…] diz ela: ter uma casa é um projecto muito importante… um projecto de vida (acrescenta ele). Ela: é uma parte fundamental da nossa vida… ele: é um complemento faz parte da construção da família, ela complementa as necessidades com a vida, a casa dá-nos essa estabilidade, se de facto tiver essas condições que nós gostamos e que … então ela vai ajudar-nos a dar essa mais valia na vida da família… se não nos revirmos nela todo o resto não deve funcionar muito bem – diz ela: se a gente não se sentir bem em casa, não é?, quando chegarmos em casa à noite… diz ele: a gente chega a casa sempre com o objectivo… é aqui que é o meu refúgio, é aqui que eu tenho que recuperar energias, conclui ela: se não fosse assim tínhamos que mudar de casa, se a gente não se sentir bem, se a gente não se sentir enquadrados no local, na vizinhança [atropelam-se e repetem-se espontaneamente um ao outro (como se o grupo doméstico falasse a uma só voz), entusiasmados, o que, do meu ponto de vista, significa que o focus group resulta]. É um motivo porque algumas pessoas mudam de casa, diz ela, não gostam dos vizinhos, não se sentem bem, não gostam da casa ou a casa tem problemas… muda-se de casa. Diz ele: e actualmente problemas já quase toda a gente já tem, no meu serviço (um departamento da GNR de Évora para problemas ecológicos)… tendo em conta aquilo que estamos a falar as pessoas não falam ( e depois narra dois problemas que teve que resolver nessa tarde por ausência de diálogo entre vizinhos, um porque os porcos [as zonas rurais e semi-rurais coexistem com o urbano em Évora, em muito locais, aqui era Nossa Senhora de Machede] entraram no jardim de um senhora advogada e comeram parte da relva [e ressalta o caso por uma advogada

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dever estar habituada a dialogar, o que não aconteceu… chamou a brigada da GNR, mas antes ainda ligou para a linha SOS ambiente em Lisboa e esses é que chamaram a GNR] e logo a seguir um outro vizinho que os chamou porque tinha um esgoto a céu aberto e era uma goteira que nem cheirava mal, quer um quer outro um incidente fortuito que se tivesse sido resolvido entre eles dialogando não daria a carga de trabalhos que deu a todos… coma má vizinhança que se criou e era o ponto fulcral da história)… o dono dos porcos até quis chegar logo a acordo só que se gerou ali um ambiente que só trará problemas difíceis de resolver no futuro… Diz ele: Não há diálogo. A questão do “esgoto” era numa aldeia, veja lá, era numa aldeia e nem mesmo ali falou com o vizinho… [Como quem diz os tempos estão assim…, não há nada a fazer]. Ele conclui “não há diálogo!” [pegando a deixa que andava à procura… pergunto: As obras aqui em casa são sempre discutidas?] Risos que se prolongam algum tempo da parte dele e dela… Diz ele: as obras aqui em casa são sempre muito discutidas. Ela ri-se. Ele continua… muito discutidas (arrastando as palavras). E muito discutidas porquê? … quando entrei aqui dentro de casa… havia aqui coisas dos antigos donos… e eu quando saí à porta já tinha o projecto feito, e depois explicar à Sandra o que é que eu pensava… é sempre complicado, ela põe sempre algumas questões, por exemplo fazer aquele arco lá dentro com aquele tijolo burro [tijolo tradicional no Alentejo em construção “popular”], eu queria fazer um arco lá dentro… mas este e o outro a seguir lá dentro na cozinha, ela não queria, então não fizemos – diz ela: Ah! mas ficou melhor assim! Ficou mais simples, ficavam arcos a mais [que é uma característica da arquitectura popular no Alentejo, a profusão de arcos e abóbadas e abobadilhas… os gostos de um “popular” e do outro, mais urbano são bem patentes na discussão divertida que um e o outro travam, sem se explicar claramente, como se percebe que podiam…] Ela tem razão diz ele, tivemos algumas divergências, diz ela. Ele confirma SIM! Este arco aqui dizia ela mas como é que vais fazer, ela não sabia bem… Ela [quer justificar-se]: mas eu ajudei a fazer este arco aqui, todos, todos ajudámos… [amigos] Fizemos tudo, só a parte eléctrica é que foi o meu tio… e o gás, diz ela, foi uma empresa credenciada… Ela continua: eu tinha muita dificuldade em visualizar as obras dele, portanto, é um problema que eu tenho – não consigo visualizar [tentava justificar alguma oposição às obras dele]… quando tu te assustaste foi quando eu parti isto tudo… os buracos… eu andei à procura das condutas e tudo… Ela: as catacumbas naquela cozinha foram medonhas… Fizemos isto nas férias em Agosto, diz ele. Ela: pois foi. Foi na Expo. Quando eu vejo tudo esburacado, aquele chão… digo: ai! Isto é o fim… Diz ele: eu andava aí com um martelo… (O riso é geral…) Lembraste, diz ela, quando nós derrubámos a parede os vizinhos diziam que isto ia cair. Isso foi engraçado diz ele. Eu não tinha planta, mas sabia como era a placa… única, completa, que assenta na extremidade das paredes… é uma placa inteiriça e ela cobre a casa toda [como ela está agora, porque antes haveria uma outra placa distinta para a lavandaria e outra para o quarto do piso térreo, esta última não foi mexida], mas então passavam aqui os nossos vizinhos, lá está [antes conversávamos…], diziam Eh! Pá! Isso vai cair!… (toda a gente a rir). Eu comecei a pensar será que cai mesmo, acabei por pôr umas escoras e firmei aquilo, mas fui lá acima e fui ver a placa… mas se ela é inteiriça como é que ele cai? E cheguei cá abaixo e tirei uma escora e aquilo não caiu, claro que não caiu, conclui ele. Foi assim.

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AAM8 – n.1950 … esta casa, a minha relação com a casa é óptima, esta é a minha primeira casa e depois eu gosto da casa, o interior da casa foi muito bem concebido, embora tenha um problema – isto era uma casa pequena, era um T2, já era casado, tinha 2 filhas quando vim para aqui mas não consegui a casa T3 que eu inicialmente tinha pedido mas disseram-me logo que era possível fazer evoluir a casa, estamos a falar em 1985, quando me entregaram a casa eu não vim logo inicialmente para aqui morar, fiz logo a obra e evolui para T4, fiz 2 quartos em cima, o T2 tinha poucas alterações em ralação ao T3, onde era a copa do T3 era a cozinha do T2, e onde era a cozinha do T3 era o chamado 2º quarto, o T2 só tinha casas em baixo … mais a sala, outro quarto e a casa-de-banho… e depois há a relação a esta casa e porquê? Esta casa necessita constantemente de cuidados, de atenção, temos que ter muita atenção, pintá-la, fazer a limpeza à cobertura, não sendo uma cobertura de telha tradicional, foi uma cobertura – pelo menos para mim – que foi nova no Alentejo, embora digam que não, que já existia no Alentejo, mas para mim foi nova, eu acho esta cobertura mais indicada ao Algarve, no Algarve é que se vê várias coberturas deste género, devido a este tipo de cobertura, necessita todos os anos de manutenção, limpeza, para que não haja entupimentos e não entre água nas casas. É uma casa que nos dá a nós algum gosto pela casa, temos que estar sempre atentos a ela, temos que fazer manutenção constante para se manter isto em condições… pelo menos por isso, no que toca à minha pessoa, tenho uma relação com a casa – pois – gosto da casa!! Tenho uma relação com a casa muito boa… cá dentro, tem dimensões suficientes, que eu julgo que são suficientes para que um casal viva com a família, foi o caso, chegou perfeitamente, para eu a minha mulher e as minhas duas filhas vivermos aqui… as minhas filhas foram aqui criadas e hoje ainda mora cá uma filha com um meu neto, e chega para nós e dizer que queríamos ter mais … isso gostávamos, toda a gente gostaria de ter… um palácio, bem entendido… gostava de morar no Palácio da Ajuda e ser o dono do Palácio da Ajuda… mas como não posso… … esta casa foi construída pela COÓPE mas tem casas construídas por outros empreiteiros… outra parte desta rua foi a ConstrÉvora… as cooperativas têm vários empreiteiros embora tenha sido a COÓPE quem construiu mais… e na minha opinião foram os melhores a construir, foi a COÓPE, fiquei satisfeito com os materiais devido aos condicionalismos económicos – inclusive esta casa original foi entregue a nós sócios com o chão em cimento com excepção de duas casas, a cozinha que tinha um chão de corticite e a casa-de-banho, todas as outras casas foram-nos entregues em cimento, por causa de questões económicas, já não havia dinheiro para acabar a casa – isto teve que ser assim, teve… as primeiras 100 casas – ainda foi com a primeira direcção, que foi também a direcção da Associação de Moradores de São sebastião que foi como começou e depois transforma-se em cooperativa porque queria construir mais e não podia (???) em Alter e… por causa dos empréstimos, penso que havia qualquer coisa deste género… [ele emendou a mão devo ter feito cara de espantado, quereria elevar o estatuto da Associação/Cooperativa… era uma coisa tão boa que construía pelo Alentejo??]… eu posso estar errado, não tenho a certeza, mas eu… tenho uma vaga ideia que foi uma coisa deste género… em que se teria que constituir como cooperativa de habitação económica para que pudesse avançar… em 85 já não era associação, foi até 81, 82… depois formada em cooperativa Giraldo Sem Pavor, no entanto a obra começa com a associação… na altura entregam-nos os lotes, hoje já não seria permitido, com os requerimentos mínimos, porque já não era possível fazer mais, não era possível, não havia condições [não havia dinheiro!!] para fazer mais… estas tiveram subsídio do Estado… na ordem dos 9 mil contos na altura [os 9 mil contos era para 3 casas protótipo!! Ouvi antes] para 100 casas e área envolvente, seria para isto… [tudo]… pelo menos é o que eu tenho como informação… foi para a associação … em 1980… [parece estar com dúvidas] – a associação começou em 1976, 77, ou 75, já não sei… foi a seguir ao 25 de Abril, evidentemente, isto começou com empréstimos do Instituto Nacional de

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Habitação, primeiro Fundo de Fomento da Habitação e depois INH… pagávamos logo… quando começávamos a obra e nos era entregue a casa [pela cooperativa] tínhamos que pagar uma mensalidade… não era muito… para que estivéssemos ligados à casa, inicialmente esta casa era de propriedade colectiva, nós pagaríamos sempre à associação, mesmo como cooperativa, pagaríamos a renda à cooperativa e 25 anos depois é que se transformaria as casas em nome das pessoas… mas entretanto o percurso é mudado porque isso era mau para os moradores, porquê? Porque se houvesse um que não pagasse, os outros teriam que suportar o pagamento do que não pagava e qualquer obra que fosse feita na casa, como estava … e era o meu caso, eu tinha feito obras na casa … se acontecesse uma infelicidade a mim e à minha mulher de morrer – as minhas filhas perderiam o direito à casa, nunca teriam direito ao que eu investira na casa… porque a casa era de propriedade colectiva passaria para as mãos da cooperativa… como nós sabíamos isso o programa seguinte já foi feito com propriedade, com compra e venda… tomava logo posse [no acto da escritura] … pedia um empréstimo à entidade bancária – na altura era só a CGD, nós também quisemos assim… foi uma grande luta com a direcção daquela altura… eles sentiram-se incapazes de fazer, disseram que não faziam… e começou um movimento no seio dos sócios que fomos a eleições e depois ganhou uma direcção eu tomou providências e conseguiu mudar isto… em propriedade individual de cada um e pagava-se a dívida ao Estado, de uma vez… o Estado também estava interessado, recebia o dinheiro todo de uma vez [curioso, mas há cupidez na sua voz] … a cooperativa tinha um contrato com o FFH… INH… o empréstimo era negociado pelo dono da casa com o banco… fica a casa em nome do banco [penhorada], faz a escritura… a cooperativa passa a ser o intermediário só [um agente imobiliário a custos controlados] entre o proprietário e o INH [que financiou, o contrato com o empreiteiro está na mão das cooperativas]… é o que as cooperativas fazem, constroem para os sócios … o INH ainda contratualiza com as Câmaras para fins sociais, ainda fazem empréstimos… … propriedade individual, eu e a minha família somos donos desta casa… nessa assembleia até estavam muitos sócios presentes, pessoas interessadas, 90, 98, mais ou menos, foram momentos emocionantes foram… até que a direcção na altura disse que… ainda… não seria capaz de transformar isto numa propriedade individual, seria sempre colectiva… chegámos a pensar que talvez nos interessasse isso, também não sei porquê, não faço ideia… as votações eram de braço no ar, a maioria das votações era sempre a favor da propriedade individual… esmagadora maioria, na ordem dos 85%... era a direcção e mais meia dúzia de pessoas contra os outros todos (ri-se)… foi entre 1988 e 1990… assembleias participadas (ri-se)… … isto era cidade antes do 25 de Abril… pérola dos lavradores? Penso que sim! Quando se dá o 25 de Abril eu não morava na cidade eu sou da cidade, mas entretanto emigrei para Lisboa, eu não morava na cidade, toda a cidade se transforma, quando vem o 25 de Abril a cidade passa a partir dessa a altura a deixar de ser de pessoas que vivem da terra – da agricultura – deixou-se dominar também pelo comércio e pelos serviços, a indústria começa a dominar a cidade… eu nasci na cidade, num bairro limítrofe, o bairro da Comenda, mas vim para a cidade mesmo criança, tenho 60 anos, os meus pais vieram para a cidade quando eu tinha 3 anos - o meu pai trabalhava o granito, fazia a calçada, postes para dividir as propriedades dos lavradores, o meu pai é galego, nasceu em Espanha, os meus avós era portugueses mas emigraram para Espanha, na altura era muito comum, e o meu pai foi lá criado, o meu avô também estava ligado à terra em Viana do Castelo e o meu pai vem para o Alentejo com um irmão dele – o meu tio ainda viveu cá uns anos a trabalhar na CP – a partirem a pedra para as linhas de caminhos-de-ferro – um alentejano não trabalhava o granito, nessa altura, um alentejano nunca trabalhava o granito – quando acabaram aqui o serviço que vinham fazer, o meu avô regressou à terra – mas o meu pai e o meu tio acabaram por ficar cá, casaram com alentejanas, e acabaram por constituir família aqui em Évora, os dois, eu sou fruto dessa união entre um galego e uma alentejana, eu e mais dois irmãos que eu

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tenho, e nunca mais saíram daqui… quando eu nasci vivíamos na Comenda, era de operários agrícolas mas eu nunca conheci, vim com 3 anos e nessa altura vivemos na cidade na casa de um lavrador – ele tinha uma casa grande no monte, na herdade, mas tinha casa em Évora e até tinha mais 2 casas - ele alugou – ele tinha a casa dele, vinha de 15 em 15 dias à cidade e tinha a casa dele onde vivia com a família, os lavradores tinham … na rua do Raimundo, era piso térreo e primeiro andar – tínhamos um quintal interior – como havia muitas casas de lavradores em Évora, entrava-se por um arco e tinha um quintal lá dentro … é um quintal desses … entra-se por uma espécie de túnel, é uma passagem colectiva, dá acesso a várias casas e tem casas logo por cima – estão encostadas mesmo… um portão grande onde se entra e lá é que é o quintal… tínhamos que passar por ali… vivi lá vários anos, brincava no quintal e na rua – os meus irmão fazemos diferença um ano uns dos outros… são mais velhos têm 61 e 62… cada um de nós fazia casa de matança, porque tínhamos cozinha e chaminé – chaminés grandes na cozinha, eram casas antigas, fazíamos a matança no quintal do porco que comprávamos, já não se podia criar na cidade, tinha um cheiro muito intenso… há uma altura em que a cidade de Évora tem um chiqueiro – uma espécie de chiqueiros colectivos – porcos … onde é hoje a Escola Severim Faria… tínhamos lá e o meu pai criava um porco branco, fazia-se criação, e depois vendia nas feiras e no quartel que havia dantes em Évora e com esse dinheiro – o meu pai tiraria algum para alimentar a casa, não me recordo, mas depois comprávamos o porco de montado, o porco preto alentejano, e depois fazíamos a matança … criávamos o branco mas matávamos o preto… o branco era vendido, era mais barato … era para as fábricas… … não tenho vivência rural mas sou do Alentejo, Évora era uma cidade agrícola, acima de tudo agrícola, mas depois transforma-se em comércio e serviços… porquê?... a evolução das coisas… agora temos a Universidade… e cresceu muito, a vivência da cidade não mudou, os habitantes mudaram muito pouco, nós antigamente quando passávamos pelas pessoas cumprimentávamos e dizíamos … esse aspecto [do cumprimento] talvez se tenha mantido pelas pessoas velhas que as novas não são tanto assim… nós aqui na minha rua temos um pouco á antiga – os vizinhos vêm para a rua falamo-nos todos, conhecemos todos … é a sensação que tenho, já não deixo a porta aberta e já não vamos a casa do vizinho – as pessoas têm mais que fazer, a vida é mais vivida, mais rápida… mais trabalhosa, já não temos as portas das nossas casas abertas … mas eu noto que ainda há pessoas mais antigas – aqui no bairro de santa maria – as pessoas ainda vivem um bocado assim, as mais antigas vão a casa do vizinho conversar como se vivia antigamente, aqui já não tanto… mas na minha rua ainda há um pouco disso … ainda damos um ou dois dedos de conversa … ainda se mantém o convívio mas a casa dos vizinhos já não vamos, nem eles vêm à nossa, a não ser numa ajuda… mas ainda há 2, 3 pessoas que fazem isso… só temos um senhor assim mais velhote – foi o último a vir para aqui morar – mas é aquele vizinho que se formos de férias e precisarmos de regar as flores e ele, com certeza!!! Deixamos-lhe a chave e ficamos descansados porque sabemos que ele cuida das flores como se fossem dele, se não podermos levar um animal e tiver que ser tratado, dizemos – ó vizinho trate aqui … e esse nosso vizinho faz. Nunca diz que não, haveria outros que fariam mas não sei… podiam dizer – olhe que eu também vou sair… mas com esse vizinho sabemos que podemos contar com ele, aliás toma aí conta das flores… [do pessoal todo, era a sugestão] mas esse nosso vizinho morava aqui numa aldeia perto – numa vila – lá para Estremoz e vive aqui com a filha, é um vizinho á antiga – ele e a senhora dele e a filha são pessoas como antigamente, conversam com toda a gente – ele foi criado assim e depois de uma certa idade não vai mudar … aliás eu dou-me muito bem com esse senhor e com todos … eu quando saí… eu vivi em Lisboa e regressei a Évora com 26 anos … eu trabalhava nos pneus, numa oficina fui o primeiro de três irmão a ir procurar vida em Lisboa, aqui ganhava-se mal, foi para a Força Aérea, primeiro para o Ultramar, o mais velho também foi para Lisboa e os meus pais acabaram por ir atrás dos filhos – com 2 a trabalhar em lisboa, o outro estava no Ultramar, o meu pai também arranjou um trabalho em Lisboa, menos duro e a ganhar mais [tudo braçal, é um

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discurso sobre trabalho braçal, não conhece outro além do comércio, também sustentado na manufactura, é interessante isto], também nas pedras e depois na construção – fazer roços para as canalizações … o meu pai também sabia fazer cantaria, mas não era “canteiro” era um “cabouqueiro”, tirava o granito da parede em bruto – fazia calçada – o paralelo, o lancil, e os postes para dividir as herdades dos lavradores, são pedras, cada vez menos… vivemos no Lumiar, foi a primeira casa que os meus pais arranjaram, quando foram aquela grandes cheias de 68 nós por acaso escapámos por pouco – nós ali na zona do Lumiar, Calçada de Carriche, mas a nossa casa não foi apanhada e a seguir àquilo ser arranjado, 2, 3 meses depois, os meus pais arranjaram ali uma casa em Odivelas, ainda hoje a minha mãe mora em Odivelas – eu fui o primeiro a sair mas voltei a Évora, fui o único, aquela vida da grande cidade é totalmente diferente – e nós sentimos isso, éramos jovens adaptávamo-nos com facilidade – mas sentimos e o que sentimos foi a vivência com a vizinhança – nós vivíamos num prédio com 3 andares, rc 4, 8 famílias e… enfim… não falávamos a todos, era a vivência de Lisboa, ainda hoje é assim, e depois os prédios ao lado, no café é que conhecíamos as pessoas, mas como há muitos cafés… fazíamos grupos… é uma vivência que se estranha muito e não ficamos habituados… fui com 16 para Lisboa e regresso com 26 – fiz a guerra no Ultramar – estive lá 24 meses, depois de vir do Ultramar um ano ou dois depois regresso e casei… … estive na Guiné – tive sorte, tive uns pequenos percalços … também tenho o meu feitio pessoal, mas no meio daquilo tive sorte… nós íamos sem nos revoltarmos porque nos tinham educado dessa forma, estávamos ensinados… consciência política não tinha, nem a maioria, muito diziam que a tinham antes mas eu não acredito, claro que quando aparece o 25 de Abril todos somos confrontados com uma realidade diferente e todos nós sentimos aí é que sentimos revolta quendo tivemos informação de uma série de coisas… e percebemos que andávamos a ser enganados, roubados, espoliados, mais não seja fomos espoliados da realidade das coisas da vida, da vivência… tivemos uma vivência diferente, conformávamo-nos com tudo … tínhamos uma bicicleta a pedais e sabíamos que não era possível ter uma motorizada porque era para os ricos, os nossos pais … conformávamo-nos e não nos revoltávamos e depois veio o 25 Abril … dá uma volta e nós despertámos para uma série de coisas … por isso se cometeu o que se cometeu a seguir ao 25 de Abril… barragens em todo o lado, eu vivia em lisboa … bloqueava-se, prejudicava-se a vida das pessoa, mandava-se parar… fui em 71 para o Ultramar, vim em 73… eu e os meus irmãos no 25 de Abril não fomos trabalhar, juntámo-nos e andámos por lá a ver todo o movimento… fazíamos barulho como os outros (está entusiasmado) eramos mais espectadores e queríamos ver, corríamos de um lado para o outro … queríamos ver tudo… e depois a minha vida transforma-se, eu deixei de trabalhar para os outros e comecei a trabalhar por minha conte, a minha mulher vivia cá e trabalhava cá, então, a nossa vida era aqui que fazia sentido. A minha mulher trabalhava no Hospital , era costureira no Hospital, trabalhava para o Estado e quis ficar e fez bem… quando vim [1976] fomos para os Canaviais onde arranjei casa, e fiz família, ao princípio pensei que fosse mais fácil sair de lá… e arranjar uma casa aqui na cidade … mas não foi tão fácil… … mas nessa altura a evolução das coisas alterou-se – já não havia casas para alugar – os empreiteiros queriam era vender casas, eu não tinha condições para comprar, não comprava, até que apareceu a cooperativa e inscrevi-me na associação… e pensei … no sítio onde vieram construir era mesmo no sítio onde eu queria vir morar … … eu entrei por desistência de outro sócio … porque eu queria um T3, na altura já tinha as minhas filhas – tinha uma e vinha outra a caminho – apanhei a desistência de um sócio… … o meu negócio é distribuir pão em Lisboa, pão e chouriço, compro numa padaria e depois vendo em Lisboa – tinha uns comércios, quando vim para aqui arranjei isso, eu trabalhava em Lisboa… foi a minha opção… a minha mulher estava aqui… não só distribuo pão em Lisboa, levo-o – tenho comércios em Lisboa que me aceitam a mercadoria … ia e vinha, na altura, todos os dias, levava pão alentejano … na estrada antiga levava 2h e pouco… era péssima mas tinha menos trânsito,

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hoje se eu fizer a auto-estrada até faço menos, era 2h30 para lá e outro tanto para cá… vendia o pão nas mercearias … na altura Lisboa era o centro migratório – aonde hoje é – os jovens hoje são de Lisboa – mas os mais velhos eram do país inteiro… no Interior havia poucas oportunidades e então lá iam… a capital é que evoluiu … os alentejanos começaram a procurar onde havia pão alentejano - as outras regiões faziam o mesmo e levavam os produtos regionais para lá… … hoje ainda temos a tendência de dizer isso, a minha mãe cozinha muito bem, a minha mãe faz umas coisas… desde pequeninos somos habituados aos sabores que as mães nos fazem … e ganhamos os sabores… de pequenino, e o sabor da mãe é sempre o melhor – não que dizer que seja, mas para ele é… foi os sabores que nos ensinaram, foram os sabores que nos educaram… também há uns que gostam de apreciar mais e que sabem apreciar mais … também há outros alérgicos… INQUÉRITO… a minha filha viveu cá e estou cá na Universidade, arranjou um colega e casou… em algumas zonas o bairro tem problemas… mas eu fico satisfeito… a segurança no bairro tem momentos, já fui assaltado duas vezes agora há uns tempos que não acontece isso… as condutas são feias, e criam uma estrada de acesso aos ladrões, pela conduta o ladrão chega a todas as casas … com a casa que fique claro eu estou muito satisfeito – esta casa por dentro eu acho que o Siza Vieira no espaço que fez, só com uma frente, não tendo traseiras nem laterais e conseguiu pôr a casa com luz directa, tem respiração e luz directa em todas as casas, é extraordinário, está aqui uma obra do Siza vieira que gosto imenso (faz reforço)… tenho duas obras que gosto imenso, esta e a pala… da expo, quando ouvia falar da pala eu ficava… mas o que terá de extraordinário a pala eu ouvi-a o rádio e falava-se a pala… a pala… do Siza Vieira e houve uma polémica porque ele nem foi à inauguração … e um dia fui ver a pala e disse assim – olha que porra!!, a pala ia contra tudo o que eu julgava que seria possível eu pensava que não seria possível, não fazia sentido a construção, cá está porque se falava na pala… foi a primeira vez que vi uma pala assim ao contrário … está qui uma obra de Arte enfatiza)… é um excelentíssimo arquitecto, isso é o que ele é… há aí um serviço de pratos ou chávenas feito por ele… nós não tínhamos aqui uma fábrica de tijolos… portadas a abrir para a frente e os batentes para trás, fazia a casa muito quente, pouco satisfeito… o Sol bate no vidro e ainda aquece mais… não eram duplos… tinha as portadas fechadas em madeira mas aquilo passava tudo, era um forno… agora não tanto, a gente no Alentejo tem as casas quentes no Verão, todas, só se metermos … [ar condicionado] privacidade tenho muito, tenho o muro alto, o Siza Vieira tinha razão… não concordava ao princípio, tive que dar a mão à palmatória, ele dizia que isto era uma sala de estar ao ar livre e é!! E não preciso de estar a ver o vizinho da minha casa, está a ver??!!... Há duas Malagueiras – a das cooperativas e a do estado, eu vivo na das cooperativas… uma tem uma vivência e a outra tem uma vivência diferente, são casas que foram alugadas de modo especial e um dia o Cavaco Silva veio entregar e misturaram ali gente de toda a espécie… havia tráfico de droga… e há mais do que aquela parte entaipada… ali no jardim dos socalcos também há ali uma zonas que enfim… [efectivamente é onde está o tráfico, não tem as dimensões que já teve, mas é notório] … tráfico de droga existe em todo o lado e existirá… nós preferimos é que seja longe de nossa casa, não é?... também há aqui na Cruz da Picada, eles investiram bastante lá… esta rua era tudo T2 com duas excepções, hoje já não há nenhum… a nossa cooperativa ainda tem alguns T2, porque eram 50 [das primeiras 100]… na Boa Vontade não havia nenhum T2, porque isto inicialmente quando era Associação de Moradores as pessoas viviam em espaços pequenos, foram criados em casas pequenas no bairro de santa maria e noutros bairros, ou até na cidade em espaços pequenos, com um quarto ou dois quartos no máximo, onde viviam todos juntos – alguns tinham um quarto para os pais, aqueles que tinham, e os irmão viviam, dormiam todos no mesmo quarto e as pessoas quando vieram adquirir a casa atendendo a que um T2 é mais barato que um T3 sendo mais pequena – pensavam : dois quartos chega – um para mim e outro para os filhos, era a forma de pensar, e houve muitos que quiseram um T2, tanto que há 50 T2 em 100 casas, há 4 T4, 4 ou 5, e os restantes são T3… o

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processo começou com T2, ou era a área que se mediu … depois as pessoas de cá morarem, muitos deles fizeram o T3, mas eu sei que aqui na nossa zona ainda há T2… … eu mantenho a cobertura [mas dentro do mesmo esquema original produziu alterações documentadas nas fotografias, transferiu as pedras do terraço para a cobertura, mantendo o espírito mas melhorando as condições, é ver]… a pedra foi tirada … tenho blocos em cima da lusalite… quando fiz as obras as crianças eram pequenas… contratei pedreiros… e eu dava serventia, era mais barato, no meu tempo livre… o meu neto às vezes anda atrás de mim que quer ajudar, tem 2 anos e eu deixo-o fazer o que ele pode… as minhas filhas também faziam o mesmo, eram raparigas e ainda se podia brincar nas ruas… gostavam era de ir para a rua brincar… os carros eram menos… a minha mulher disse como queria a cozinha e até as minhas filhas davam opinião… e fazíamos a vontade da minha mulher, eu sou defensor que a casa acima de tudo deve estar ao gosto da mulher porque ela acima de tudo que cuida mais da casa… [este informante enquanto esteve comigo fez algumas actividades tradicionalmente femininas, arranjou a cozinha, dispôs a louça limpa, apanhou roupa que estava a secar e dobrou-a com o máximo cuidado como eu verifiquei, já não recordo mais actividades mas fiquei com a impressão que ele tomava tanto conta da casa como a mulher – ele só vai a Lisboa 2 vezes por semana fazer o seu negócio o resto do tempo está em casa a arranjar aquilo] que seja ao gosto dela, discutíamos os dois, eu tinha a minha opinião ela tinha a dela, eu contrapunha com alguma coisa técnica, pois informava-me e dizia olha aquilo não pode ser assim… como quando compramos alguma coisa para a casa, primeiro temos que ver se temos possibilidade económica e depois é o gosto da mulher… eu também ajudo, como viu estava a limpar a bancada… muitas vezes também me vou embora e deixo-a a fazer as coisas, outras vezes… em tudo o que se compra e o que se faz a ideia da mulher é que prevalece mais… a escada é verdade que foi contra a vontade dela… (explica a obra da escada exterior e dos contadores) … o contador em casa da minha mãe, em Odivelas, foi para lá morar em 61 e é fora… hoje é impossível combater os computadores e as playstation, mas temos aqui um parque infantil que nós construímos e depois entregámos à junta de freguesia… o policiamento também é diferente, antes era a pé, agora é de carro… e a sua autoridade também deixa muito a desejar … … essa afectividade que ganhamos na casa, talvez tenha essa importância, o facto de juntos construirmos… participarmos na construção da casa ou dos melhoramentos… talvez a importância… a afectividade qua aqui se cria – a gente quando participa nas coisas ganhamos mais afectividade… mas a vida para muitos jovens … têm tudo de mão beijada [este jovem que está a falar teve que lutar opor esta casa, ninguém lha deu], não têm qualquer dificuldade em adquirir as coisas… e como não lutámos por ela, ao fim de pouco tempo… psschhhh… não ligamos, não é… agora quando a gente quer uma coisa e lutamos por ela, ganhamos outra identidade … gostamos dela, se calhar é a importância de junto o casal participar na construção, na elaboração da casa, com domínio das melhorias da casa, nas manutenções da casa, ganhamos afectividade – deve ser essa a importância … de sermos juntos… (ri-se) bom… às vezes quando estamos a trabalhar [na casa] dizemos ah! gostava de ter um palácio mas tenho é de conservar o que tenho… (está a falar com um grande entusiasmo e alegria) … isto já está tudo novo… a vida deve ser feita com estas coisas… a minha geração é muito culpada desta nova geração, nós não tivemos nada, não tínhamos conhecimento de nada e de repente no pós 25 de Abril… quase tivemos tudo… e soubemos que podíamos ter isto e mais aquilo… que nem sabíamos que existia … vieram os nossos filhos e dissemos – eu sofri tanto e não tive nada … e vou-lhes dar tudo… foi um erro da minha geração… demos muita coisa aos nossos filhos de mão beijada e só percebemos isso muito tarde… (acaba a contar uma história de uma aventura de juventude interrompida por uns agentes da pide que os ameaçaram em plena rua… no pós 25 de abril foi a primeira coisa que pensei … “olha aqueles filhos da puta”… devia ter resolvido a coisa na altura e dava-lhes uns murros… agora!?)

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AAM9 (ZR) e AAF9 (TR) ZR … a minha filha vive na CP numa casa que era minha, e vive agora aqui em Ev que arranjou agora emprego por 3 anos… ela também faz teatro, mas está ligada ás coisas da música… TERESA RuSSO (TR) eu não sou daqui, vim de Trás-os-Montes, nasci lá, mas muito cedo fui estudar, em Coimbra durante muitos anos, 13 anos, tirei o Curso de Línguas e Literaturas Modernas e por isso ingressei no Ensino, embora o meu curso não fosse da via ensino, mas na altura ainda não havia essa divisão que há agora, era de carácter científico, mas… acabei por ingressar no ensino – entretanto concorri para vários sítios e dei aulas ali perto, um dia vim aqui ao Alentejo passear e gostei muito da cidade de Ev concretamente e… (há sorrisos entre homem e mulher) como a nossa situação profissional na altura também já era difícil, conseguir um lugar mais efectivo, mais estável, eu resolvi concorrer para o Alentejo para ver como é que era, era jovem e gostava de experimentar coisas novas, vim e acabei por ficar logo cá porque aqui havia muitas vagas [risos… poucos concorreriam para Ev?] e fiquei logo na escola onde permaneço que é aqui relativamente perto de nossa casa – já estou aqui há 20 anos, 21, talvez, vivi em várias casas na cidade no CHE e vivi também fora e esta casa aconteceu na minha vida porque eu … por ter conhecido o Zé e porque eu estabeleci com ele uma relação familiar e foi adquirida por nós quando começámos a viver juntos … a razão da escolha deste bairro não me parece que tenha sido… muito pensada, digamos que… o bairro agradava-nos, o tipo de casas, com esta configuração, este pátio interior agradava-nos, mas surgiu também pela oportunidade, havia esta casa à venda, que já estava a ser utilizada, era uma casa em segunda mão que estava a ser posta à venda e nós aproveitámos a oportunidade, também precisávamos, depois arranjámo-la, fizemos obras … o que eu recordo da casa inicialmente já não tem nada a ver com o que eu sinto pela casa hoje, mas acho que isso há um factor determinante para isso, que foi o facto de termos tido dois filhos entretanto, e são eles que realmente, digamos, caracterizam esta casa. Se calhar se eles não existissem não sei se a gente ainda viveria aqui, não sei… não sei… mas eles estão muito ligados a esta casa, porque eu estava grávida quando viemos para aqui e o Guilherme (G.) nasceu quando nós viemos… em Agosto de 1997… e em Janeiro de 1998 nasceu o G. Nós viemos no Verão, Junho, Julho… 1997… estava eu grávida … nós não viemos logo porque a casa ficou em obras durante aquela fase do Verão, mas sei que quando começaram as aulas já estávamos cá, porque fomos de férias e eles ficaram a trabalhar e … fomos para Espanha, para as Astúrias (falam os dois a lembrar-se de para onde foram)… estava a dizer a casa tem a marca deles, quando nós viemos para aqui também sabíamos que íamos ter um filho e havia aquela necessidade de arranjar uma casa. Eu tinha uma casa e o Zé tinha outra casa e durante um tempo nós vivíamos nas duas casas … ri-se… eu ficava em casa dele … ele ficava em minha casa [o sorriso expressa bons tempos e ambos concordam, parece-me]… vivíamos assim só que depois com a questão do bebé resolvemos encerrar as duas casas, quer a minha que era arrendada quer a dele que tinha uma história mais antiga, portanto era uma casa em que ele vivia há mais tempo e que havia também a hipótese de ele a adquirir, ZR – é onde vive a minha filha hoje – TR e portanto nós prescindimos da minha casa e eu ainda fiquei um tempo ali, na CP, e depois é que vim para cá, e a casa surgiu dessa necessidade também … e está muito ligada aos nossos filhos [à do Zé também] … em relação à casa propriamente dita … a casa sofreu algumas transformações, é verdade, já a ampliámos, no princípio tínhamos um filho e ela respondia mais ou menos às necessidades, depois com a vinda do outro tivemos que a ampliar e então fizemos aqui uma remodelação da parte de cima que tinha um terraço que anulámos e construímos o quarto dos miúdos no sítio onde era o terraço… portanto houve uma ampliação da casa… era um T3 e passou a um T4, algumas transformações foi sofrendo, houve aqui algumas mudanças… inicialmente tínhamos o nosso espaço de trabalho cá em baixo ma<s era muito exíguo e como eu sou professora tenho muitos papéis, muitos livros, e ele é actor também tem muitos livros, os livros já não cabiam no espaço pequenino do quarto de baixo e ampliámos também a

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parte do escritório onde nós trabalhamos. Ampliámos o escritório lá em cima, nessa obra que fizemos e ganhámos um espaço para o quarto dos miúdos… ZR – houve mudanças de chão, houve mudanças de chão, isto antes era mosaicos pequeninos, tipo chão de Hospital com verniz [era corticite em quadradinhos].. TR – toda a casa era assim muito Hospital!! ZR – pois era assim… as cores… verde água… TR – os caixilhos das janelas, as portadas … tudo verde água assim um tom muito pouco acolhedor, depois adoptámos por estas portadas e esta caixilharia mais tradicional porque na altura também não tínhamos assim uma disponibilidade económica que permitisse pôr essas janelas que há agora mais sofisticadas. ZR – uma das questões que mais caracteriza o espaço é a sua geografia por um lado, mas é também muito o recheio do espaço… e esse é todo da nossa decisão, do nosso agrado, a arrumação, os móveis, o tipo de estantes, o pôr isto aqui e aquilo no outro lado a outra coisa [rangement], digamos a gestão dos objectos é de acordo com aquilo que é o nosso “quadro de serviço”, a única coisa que aproveitámos nesta casa de antigamente foi esse painel de mármore [mogno?] que a gente adora, foi a única coisa que ficou da geração anterior da casa para nós, tudo o resto a gente alterou, transformou, esta janela [de madeira, estávamos num recanto da cozinha que servia para trabalho] é original, a de cima já não é… já foi feita depois na obra… embora estas janelas já estejam degradadas nós vamos tratando … a resina, o pinho de verão com as porradas de calor que apanha que são imensas, a resina vai escorrendo, continua a sair no Verão passados estes anos todos… a de cima está bastante degradada ainda estamos aa resistir á ideia de pôr metal, muito nova esta madeira não pode ser, quando para cá viemos já cá estava não é… [o problema é quando +é cortada verde, acho eu, que foi o que aconteceu, é mais barata verde]; isto foi do princípio da obra, estas casas devem ter … mantivemos a escada… nós nas janelas viradas ao Sol durante a tarde, até fui eu que fiz, artesanalmente, uns toldos que colocávamos durante o Verão, muito artesanalmente, com dois pauzinhos… prendíamos junto à parede e fazia sombra… em pano cru para proteger dos efeitos do Sol que isto é muito calor… se houver uma protecção exterior isto não é tão gravoso nos efeitos do Sol… que entre por esses espaços entre… até fechada… e as circunstâncias do Sol estar a bater directamente… uma outra coisa que a gente fez foi a cobertura deste lado e dou outro, porque a cobertura original com aquela laje de cimento, em cima de uma tela, e depois punham em cima aquelas lajes de cimento que ainda estão ali na conduta onde passam as nossas tubagens todas… eles deixaram lá as lajes, são lajes de uma grossura enorme… e daquele lado, por causa do calor do Verão, desse ponto de vista é o que está menos resolvido nesta técnica da casa, decidimos fazer uma coisa que foi instalar um telhado… de telha mesmo, que é uma coisa que algumas pessoas já fizeram aí – não se vê, mas faz uma caixa de ar como já se fazia antes, porque os respiradores das casas de banho vão por uma caleira longa, tinham depois um sistema de respiração através de um respirador por baixo da placa do telhado e isso mantém-se também, embora na última mexida que fizemos nas casas de banho, mudámos os azulejos que eram tipo … tivemos problemas de humidade naquela parede e ainda não fizemos o tratamento exterior para aquilo ser resolvido … na parede da parte detrás da casa… acabámos por forrar aquilo com uma tela e pintámos de branco – porque a nossa casa devido ao desnível de terreno fica mais elevada do que a do vizinho… o nosso primeiro andar fica de fora [exposto] e aquilo com as chuvas, aquela parede sofria muito ali, então pusemos uma tela, forrámos, isso terá resolvido em parte… mas o telhado que só tem uma aba, não tem duas, fica embutido na conduta de um lado e depois faz [a inclinação para escoar as águas], tirei as pedras da cobertura mas deixei deste lado … havia duas soluções, na altura, em 2001, há dez anos, ainda não havia a possibilidade do telhado de telha… a gente sente … as paredes antigas da casa eram feitas com dois tijolos e os tijolos estavam cheios de areia, foi uma forma de isolar – os tijolos estavam ao alto, em vez de ser na horizontal, e cheio de areia para isolar não sei o quê… a casa está construída dessa forma e nós quando construímos deste lado, já não construímos assim, construímos com duas paredes e com roofmate no meio para isolar mais, como em cima na

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cobertura também fizemos isso, a cobertura normal da viga e depois essa coisa azul … roolfmail [??] e depois em cima – e aí é que talvez não tivéssemos feito bem… colocámos aquela coisa da tela, que do ponto de vista das infiltrações é completamente seguro, a tela com a pedra em cima que é o que temos deste lado – mas em termos de isolamento térmico não é tão eficaz como por exemplo a telha. TR – o nosso quarto é mais fresco do que o deles e aquele tem esse revestimento de paredes todas duplas com o roofmate no meio, ZR – mas o tecto … aí não fizemos bem, se por aqui ficarmos, qualquer dia é uma obra que vamos ter que fazer… mais um bocadinho daquele lado porque de facto isso intervém [no conforto] … eu conheço o Siza também e sei que é um bocadinho comichoso, agora na casa de banho fizemos uma coisa que é ilegal – abrimos janelas para fora – temos duas janelas pequeninas, uma na casa de banho de cima e outra na de baixo… não ele não viu. Aqui ao lado do nosso espaço estão dois lotes de terreno onde era suposto ter sido construído, daquele lado, é o lote número 1 porque nós somos o número 3, só que aqueles lotes foram vendidos na altura a uma pessoa que a gente conhece relativamente bem que é o Arquitecto Fernando Pinto que esteve ali na direcção dos Monumentos Nacionais, em Ev, muitos anos, tem um gabinete de arquitectura aqui em Ev e comprou isto na altura, ele queria fazer aqui o atelier, um espaço de bar, público, nos dois lotes… e isso nunca aconteceu e isto foi ficando assim e assim está… e como há problemas e isso é que o Siza não resolveu bem a meu ver. É o problema das respirações das casas de banho, o sistema que lá está não é suficientemente eficaz. No Inverno isto ficava completamente negro… não aqui não tem vidro… TR – ah! os vizinhos… não há assim muita convivência com os vizinhos, embora até tenhamos alguma com alguns mas por outras circunstâncias – porque já os conhecíamos, mas isso também tem a ver com o alentejano, eu sou transmontana posso falar disso abertamente porque acho que o alentejano é uma pessoa muito fechada no seu cantinho e primeiro que abram a porta leva tempo… não é como lá em cima em Trás-os-Montes que logo ao primeiro contacto é muito porta aberta e aqui os nossos vizinhos, nós conhecemos os vizinhos da frente por circunstâncias diferentes das circunstâncias de vivermos aqui. Tu já conhecias o Zé Correia e eu já conhecia a Dona Filomena porque ela era funcionária da minha escola, portanto quando constatámos que ela era nossa vizinha, logo se estabeleceu uma relação porque ela trabalhava no mesmo local que eu … quando viemos para aqui ela já não trabalhava na escola e em relação à outra família o Zé tinha uma relação e foi mais fácil. No café também estabelecemos alguma ligação, às vezes quando é preciso algum recado ou isso… mas o Zé já os conhecia … com os vizinhos do lado não há assim… se for preciso uma cebola não vou pedir ao vizinho do lado, vou ali á dona Filomena, isso já tem acontecido, com os vizinhos mais abaixo, conhecemo-nos, bom dia boa tarde mas não há uma relação, a pessoa com quem eu tenho mais confiança é realmente com a dona Filomena porque ela trabalhou no mesmo sítio onde eu trabalho e com os vizinhos do lado também há alguma confiança porque ajudei a miúda deles que estava a estudar, mas menos… e com o café também um bocadinho, mas não é nada de muito regular, muito esporadicamente ficamos aí a conversar e tal… mas nada de muito, se calhar esta rua de baixo [junto ao lago] tem uma maior convivência que esta aqui, elas sentam-se todas ali e fazem uma esplanada, as vizinhas trazem todas a cadeira, eu sei porque a minha colega Henriqueta fala-me nisso, e fazem ali um serão, por exemplo no Verão, juntam-se os vizinhos todos e ficam ali a conversar, como na aldeia… acontece aqui nesta rua de baixo. Aqui nesta rua não, talvez pelo tipo de pessoas que cá vivem que são menos idosas porque ali já há muita gente com idade, que não trabalham, e estão muito tempo em casa e têm aquele hábito de se reunirem… com a vizinhança é isto. ZR – eu tenho uma interpretação diferente disso, ela ri-se – ai tens?, eu sou alentejano – rimo-nos todos – casei com uma transmontana em segundas núpcias, sou natural de uma aldeia aqui do Concelho de Ev, sou natural de São Mansos, nasci num Monte, fui para a aldeia tinha um ano ou ano e tal e depois quando tinha 9 anos vim para a cidade, porque era preciso estudar e felizmente os meus pais tiveram essa preocupação e vim estudar e trabalhar ao mesmo tempo, porque não

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estudei de dia estudei à noite, era eu mais 3 irmãos na altura, depois a minha maninha mais nova infelizmente faleceu… viemos para Ev, o meu pai comprou um estabelecimento comercial para o qual não tinha vocação de tipo nenhum… sempre esteve ligado à agricultura… aos tractores, e depressa percebeu que não tinha vida para aquilo [um café] e deixou aquilo, ainda voltou para os tractores alguns anos … e trouxe-nos para Ev e aqui ficámos – fui ficando – fiz alguns estudos nas escolas á noite e depois veio o 25 de Abril, foi muito importante, aqui no Alentejo, como em todo o país, mas aqui viveu-se de uma maneira muito intensa, por razões óbvias, essa data, esse tempo, essas alterações profundas de facto na vida social, nas relações do trabalho, portanto eu apanhei isso muito cedo, tinha 19 anos… … a minha irmã tinha um ano quando eu vim para Ev tinha acabado nascer, tenho outros irmãos mais velhos do que eu … foi para o meu irmão mais velho poder estudar, para ele entrar na escola, fomos viver para o centro histórico, na rua dos caldeireiros, a rua que desce que vai dar àquele bloco de apartamentos que é recente … havia lá uma esplanada de cinema, que era o Éden Esplanada aquele espaço e os Grandes Armazéns do Progresso e o meu pai comprou precisamente o café que estava em frente, onde agora é uma loja de coisas para a casa – O Chiado – no Largo de Santa Catarina – um grande armazém de ferro, barras de ferro, etc. e a grande esplanada do Éden e foi para aí que eu fui viver, vivemos aí uns 6 anos porque depois o meu pai abandonou esse negócio e voltou para os tractores… foi umas época extremamente importante, ainda ontem dizia ao meu filho mais pequeno, um foi para o treino de ténis e eu até fiquei a jogar ping-pong com o mais pequeno e ele até ficou espantado… tu jogas bem esta coisa… e eu disse isso são coisas que eu aprendi por lá… até a andar de bicicleta … uma das salas do café à volta de uma mesa, com uma bicicleta com os pneus sem ar… e depois roubávamos dinheiro da caixa lá da tasca do meu pai e íamos alugar bicicletas no bairro da Sª da Glória a um senhor que se chamava Robac (?) tinha lá uma casa de aluguer de bicicletas e depois íamos andar o dia inteiro de bicicleta… era nessa base… esse período foi muito importante porque é um período em que a gente aprende muita coisa, e a aprendizagem nesse tempo pressuponha sempre socialização – grupos de amigos, portanto associações, colectividades, grupos desportivos, jogávamos à bola, aos matraquilhos, ao ping-pong, ao bilhar, ao snooker, damas, xadrez, eu aprendi a jogar a essas coisas todas nesse período, onde a gente ocupava o nosso tempo era a fazer essas coisas. E isso implicava pelo menos um, quando não grupos, tínhamos grupos de amigos, era um bando, íamos roubar laranjas às quintas aqui à volta da cidade, mas ocupávamos o nosso tempo fora das aulas ou do trabalho, eu comecei a trabalhar com 11 anos, num escritório a ir buscar bicas para um senhor solicitador ao café Arcada, com 11 anos, e desde aí nunca mais deixei de trabalhar, tive fases em que também fui estudando à noite 43’50” e fui mudando um bocado de empregos, fui fotógrafo também, durante 4 anos, na Perfumaria Paris, no Nazaré (livraria) e depois veio o 25 de Abril e mandei tudo às urtigas e trabalhei na Junta Autónoma das estradas a abrir valas e na Graça do Divor na fábrica de tomate… depois deixei isso e ainda trabalhei com o meu pai lá nos tractores com aquelas máquinas para ceifar… em 1977 tomei uma decisão importante, mandar isso tudo às urtigas e fui para a Escola de Teatro, eu já tinha experiências de amador porque em 1974 entrei para a Sociedade … António de Aguiar … (no campo?) aquelas coisas em grupo lá atrás das pedras… depois na aldeia (na ribeira?) roubavam-nos a roupa e tínhamos que ir nus para casa, era um castigo… a dimensão rural da cidade era muito forte, e eu penso que ainda hoje é, essa dimensão da ruralidade da cidade de Ev é fortíssima… uma coisa a preservar… porque é uma das coisas que caracteriza a cidade na sua essência, houve coisas que se alteraram, eu na aldeia brincava… o meu pai tinha muito jeito para fazer coisas em cortiça, eu fazia barquinhos de cortiça e ia para a rua mais inclinada que a gente lá tinha e quando chovia a valeta… enchia… e fazíamos corridas de barco … com barquinhos pequeninos… em S. Mansos… esse tipo de coisas específicas deixaram de existir outras não, por exemplo o jogo do pião que a gente jogava aqui em Ev fazíamos o mesmo, cá em Ev até aprendi jogos que não sabia lá, o prego … com os castelos, com um castelo ao lado

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do outro e depois íamos espetando … isso aprendi cá, era um bocadinho mais sofisticado, a malha, o botão, o berlinde… eram jogos sazonais… eu andei na escola primária de S. Mamede dentro da muralha, mas eu desse ponto de vista (cidade vs campo) não senti alterações, é verdade que senti noutro plano que a oferta da cidade era maior, aí, bicicletas, havia uma loja para alugar, o bilhar … onde é hoje o Pull and bear… aquilo era um café no rc era o café e no primeiro andar era só mesas de bilhar e tinha mesas à volta onde se jogava às damas e xadrez… foi aí que aprendi essas coisas todas, aprendi a ver e depois a fazer também… e o cinema, essas coisas é que eu não tinha em S. Mansos, embora o primeiro filme que eu vi foi em S. mansos e guardo-o cá na minha memória, foi o Zorro, na Casa do povo… tinha 7 anos e lembro-me como se fosse hoje, são coisas que marcam… nós como +eramos filhos do dono do café em frente à esplanada, os porteiros iam lá beber as aguardentes e os copos de vinho lá ao café e depois deixavam-nos entrar de borla… papávamos os filmes todos, o Giani Morandi, o cantinflas, tudo à borla… foram 2 ou 3 anos muito intensos nessa… mas o que foi diferente nessa passagem para a cidade foi o acrescentar coisas – essa dimensão do grupo de amigos, do jogar à bola para o alto de S. Bento, havia de facto uns espaços … ou íamos andar de bicicleta para as aldeias … o ambiente era muito parecido com o que eu tinha na aldeia só que acrescentava peças QUE EU LÁ NÃO TINHA, E ISSO FOI IMPORTANTE, ESSA EXPERIÊNCIA (faz reforço) do ponto de vista da minha adolescência foi extremamente rica, desse ponto de vista, levou a uma fase de eu me … no movimento associativo… íamos fazer teatro na Joaquim António de Aguiar … tinha 17, 18 anos … … a casa era térrea em S. Mansos, foram 3 casas diferentes, sempre em piso térreo, sempre sem casa de banho, com os meios que havia na altura, nós fazíamos as nossas necessidades e depois púnhamos na estrumeira que havia no quintal, depois era levada para as hortas, em todas as casas havia quintal – onde havia galinhas, com ovinhos, que a minha mãe fazia, às vezes também havia uma cabra que se punha a pastar e depois do leite fazia-se queijos… havia sempre muitas flores que a minha mãe punha… dentro de casa [o quintal era interior] não havia hortas… na aldeia, ainda hoje se mantém, havia ali próximo as courelas, aí sim havia as hortas, havia as favas, as batatas, as alfaces… a minha mãe ia lá todos os dias, regar as pereiras, as laranjeiras, a 2 kms, porquinho não, a gente não matava, comprávamos, não criávamos, mas ao lado muita gente os criava, a minha tia criava, uma irmã da minha mãe que por acaso até é casada com o irmão do meu pai até há meia dúzia de anos, 7, 8, criava lá o porco, agora deixou de criar… dá um bocadinho de trabalho, limpar, assear, dar de comer. Depois há outros factores que se alteram aqui do ponto de vista social, na aldeia, hoje, há alterações sociais que mexem com os habitats do ponto de vista das vivências, porque nessa altura as pessoas trabalhavam todas na aldeia, hoje se for a S. Mansos, que é aqui a 20 kms, mais de metade da população que lá vive não trabalha lá. Trabalha é em Ev ou noutros sítios, naquela altura trabalhava-se no campo, hoje quase que não se trabalha no campo – as batatas produzem-se para dar aos porcos e lá em cima as castanhas… e no Algarve as laranjas produzem-se para se deitar para o lixo, não há mecanismos de aproveitamento… antigamente produzia-se o trigo e havia um preço certo, era garantido, recebíamos daquele ano … hoje dá-se subsídios para não produzir trigo, agora o trigo vem da América e as outras coisas é igual… foram introduzidos factores que alteraram substancialmente os quadros de vivência social, por um lado, por outro, há ainda a circunstância de no casal há sempre duas pessoas a trabalhar fora, que também foi uma coisa que se alterou, por exemplo, na aldeia, em regra, só trabalhava o marido fora, a mulher fazia sazonalmente a campanha da azeitona, do tomate, sazonal, dependia dos sítios, porque de resto a mulher estava em casa e isso implicava uma socialização permanente com os vizinhos. É o mesmo que aqui [ao contrário] a gente não passa cá um dia – eu vou para o teatro, estou lá o dia inteiro, a minha mulher a mesma coisa, pontuialmente há< um ou outro vizinho que está por aí porque já se reformou, mas eu ainda assim diria que a gente tem uma excelente relação com os vizinhos. Há também outros factores que intervêm nisto, por exemplo, as crianças que são um factor da socialização também

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têm uma vida completamente diferente – os meninos saem daqui às 8, 9 da manhã, o mais tardar, e depois só voltam às 5h30m da tarde, às vezes mais tarde. TR – os nossos ainda vêm almoçar a casa, os nossos, porque a maioria não vem. Nós fazemos questão de almoçar aqui. ZR – depois há outro factor, aqui há uns anos atrás a gente brincava na rua… a casa de Ev [da adolescência] não tinha quintal, desde logo não tinha quintal, casa de banho tinha, era um café, tinha que ter uma retrete, não sei como hei-de chamar àquilo, porque o banho … não tinha chuveiro nem nada disso porque … tinha aquela coisa de asa e esse cubículozinho, que era muito saudável, digo eu, em vez das sanitas, um quadradinho onde os homens e as mulher, OS HOMENS, BASICAMENTE, QUE AS MULHERES NA ALTURA NÃO IAM AO CAFÉ, A NÃO SER PONTUALMENTE UMA OU OUTRA (faz reforço), NATURALMENTE, iam lá fazer as suas necessidades, e por acaso tinha isso [ESTAMOS A FALAR DOS ANOS 60], porque na outra casa própria, onde eu fui morar a seguir tinha só uma pia, que é um esgoto, a maior parte das casas antigas de Ev, ainda há uns anos atrás, não tinham casas de banho, tinham uma pia que é um esgoto, uma coisa assim redonda onde se despejavam as águas todas… no café era um piso térreo e nós vivíamos no café, numa casinha que havia ao lado, em Ev nunca tive quintal, só vivi em dois sítios no CHE, aí e na Rua do Apóstolo… uma casa muito pequenina onde a gente vivia, eu dormia com os meus dois irmãos no mesmo quarto, os meus pais fizeram uma casinha de banho ao fundo do nosso quarto, que era uma sanita e uma bacia de lavar, que a gente não tinha onde tomar banho, tomávamos banho no esquema de alguidar como e fazia na aldeia, punha-se lá o alguidar e a gente punha-se lá dentro e lavávamo-nos, com a água, sentados quando éramos mais pequenos, depois quando éramos maiores de pé, era dessa forma que se fazia isso… … o contacto com a Natureza quebrou-se um pouco… a cidade era pequena, no entanto [insiste que era muito rural]… o abrir-se a porta e estar logo na rua e dar-se com uma árvore perdeu-se um bocadinho, nós lá na aldeia não tínhamos esse hábito de ir atrás da árvore fazer xixi, fazíamos no quintal, fazíamos cocó no quintal, eu lembro-me daquelas ceroulas que tinham a abertura atrás, não é?, é que aa gente de Inverno baixava só as calças, baixava-se, fazia a necessidadezinha sem ter que ficar ao frio, porque era feito na rua… na aldeia era assim, porque vivíamos dentro da aldeia, não estávamos propriamente no campo, e nessa relação o que se alterou é que em vez de ir ao quintal fazia naquela retrete que havia lá em casa, quer num sítio quer noutro, na rua do Apóstolo não fazia na retrete porque a casa de banho estava na casa da entrada … junto à cozinha… na entrada… … o pátio… isso é muito importante – isso do meu ponto de vista é um dos factores, ela ainda há poucochinho dizia assim, termos vindo para aqui ou para um lugar qualquer para ela foi assim [tanto dava] para mim não!! eu quando descobri a casa da Malagueira foi tiro e queda]… porque eu morei muitos anos na CP e lá são pisos não é… são apartamentos, que até era um bairro simpático, embora tenha problemas, mas quando eu para lá fui [era bom ao princípio, outros dizem o mesmo] … era da Comissão de Moradores que ocupou as casas daquele bairro, porque o bairro estava pronto e naquela altura os movimentos sociais que havia com uma grande facilidade … eu fiz parte dessa coisa e então ocupámos logo e depois a CME é que ligou a luz e foi lá fazer as ligações e as pessoas tinham uma necessidade imensa de casas e vivi ali uns anos… e quando nós nos encontrámos e pensámos juntar os trapinhos, e quando surgiu esta casa, é verdade andámos à procura de casa, a gente não queria manter-se no apartamento da CP pela circunstância de ser apartamento… ela – a questão foi logo: não ser apartamento … ele – nem naquela casa dela, que não era apartamento, ali no bairro das Pites, uma casinha pequenina que até tinha quintal e um jardim… mas tinha uma cozinha muito pequenina, uma sala e um quarto… mas muito pequenina, MAS ERA UM SÍTIO PORRERÍSSIMO … era um sítio muito rural, atrás era logo campo, hoje já não é, já está cheio de casas, é ali no Bacelo.

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… mas para mim – ZR – a circunstância de termos descoberto… porque houve uma fase ali que andámos à procura de casas… MAS QUANDO SURGIU ESTA CASA … PCHHH IIIHHHH PÁ…(EXCLAMA EM REFORÇO) EU SENTI… [EUFÓRICO]… EU LEMBRO-ME MUITO BEM DO QUE SENTI… é pá porque eu entretanto tinha a experiência também de conhecer estas casas, porque os meus dois irmãos mais velhos moravam neste bairro, aqui na rua a seguir na Raul Proença – um dum lado da rua e outro do outro lado da rua, quase em frente um ao outro, moraram ali uns anos, portanto eu conhecia este espaço já, e digamos e aquilo que mais me apaixonou neste bairro foram duas coisas, por um lado este espaço interior-exterior, este pátio aqui perto [contíguo, é o sentido] e a reduzida densidade habitacional, quer dizer, moram em cada rua meia dúzia de pessoas, eu estava na CP morava numa torre onde cada piso tinha… 4 vezes sete vinte e oito… vinte e oito famílias (reforça)… e famílias algumas de ciganos e tendeiros, não é desprestígio nenhum para essa gente, mas de 5 e 6 e 7 e 8 filhos… era uma algazarra permanente, aquilo era uma coisa… uma taxa de ocupação… a CP sempre foi assim, ao princípio não era tanto porque as características das pessoas que ocuparam o bairro eram mais … outro tipo de extractos de pessoas, empregados, funcionários, com menos filhos… que depois foram saindo… eram associações de moradores umas mais da área do PS outras da área do PC, mas isso não alterou muito, acho que isso não foi muito determinante… digo eu… eu milito num partido político, de há muito tempo a esta parte, mas nestes contextos em que tem a ver com a vida das pessoas os partidos têm uma influência relativa, porque há um factor que se sobrepõe que é o da necessidade ou da vontade directa… a gente quando veio para aqui não se inteirou se a cooperativa Boa-Vontade era dirigida pelos rapazes do PS ou pelos rapazes do PC … aí barimbou, O QUE EU QUERO É A MINHA CASA, É AQUELA CASA [onde pára a influência do partido, a avaliar, pela vida pessoal e privada do actor social, deveria ponderar bem esta a firmação]… depois o resto logo se resolve… é um bocado… gostei do pátio e da densidade e do bairro em si!! (reforço) … mas este factor é o mais importante porque o resto são já coisas subjectivas, porque já tem a ver mais com as nossas referências, porque este bairro para mim, desde que ele nasceu, sempre o li e sempre o relacionei com uma imagem que eu tenho das aldeias do Alentejo, com um perfil alentejano de casas, sempre o liguei com isso – antes de começar a descer a estrada para Lisboa quando se tem uma imagem do bairro é uma imagem igualzinha que eu tenho a uma aldeia – quando chego a cima de um morro e olho para a aldeia é uma imagem igualzinha a esta, tal e qual… o branco. O branco, mas não só, a organização das casas, as casas não serem altas, casas de um piso, esta organização também em escadinha [aderindo, colando-se à topografia dos ligeiros montes que aqui estão], esta forma de ocupação de espaço tem tudo a ver com isso. Agora… o que se perdeu entretanto, porque, por exemplo, estes carros que estão parados aqui, não era suposto estarem aqui mas dentro das garagens que foram criadas para isso, só que a rapaziada … estão longe… são poucas… não é prático… e depois há outra coisa normalmente também usam as garagens para fazer ateliers, armazéns não sei do quê, para guardar coisas, para pôr a bateria e ir tocar música, usam as garagens para tudo, em regra, menos para guardar os automóveis… ainda assim. Não havendo garagens suficientes e as prioridades fossem pôr o carro na garagem reduziam-se substancialmente o número de carros aqui na rua, mas isso não resolve o problema porque de qualquer modo a questão da vida na rua isso é que falta aqui comparado com a aldeia, a vida na rua, o exemplo de aqui por trás é óptimo, no Verão, há ali esplanadas grupos que passam a noite na rua a conversar uns com os outros como acontece dentro da própria cidade de Ev – na rua onde mora a minha mãe isso acontece – as pessoas mantêm essas vivências. Aqui já acontece menos porque os meninos não brincam na rua - os nossos vão brincando de vez em quando, isso é o ponto de partida para … despoleta depois as coisas, porque o menino conhece o outro menino, aqui ao lado acontece, porque a vizinha tem netos e de vez em quando lá vão os nossos meninos para a vizinha ou os meninos da vizinha vêm para aqui…

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… mas isso acontece e não acontece mais, por causa dos receios dos dias de hoje – esta zona e eu penso que na realidade não é tanto assim, mas são os estigmas que se criam… e eu penso que há aqui uma outra zona do bairro onde vivem ciganos e tendeiros e as pessoas têm relações difíceis com esse tipo de comunidades, as pessoas no geral, não digo todas e depois isso sente-se, ninguém vem para a rua, hoje os miúdos não vêm para a rua brincar como brincavam... embora se veja, nós temos a felicidade de viver numa rua onde os carros [não circulam]… porque só vem para aqui quem aqui mora ou que vêm aqui buscar qualquer coisa ou trazer qualquer coisa, há outras ruas que não, são ruas de passagem, aqui não, é um sítio perfeitamente tranquilo para os miúdos andarem a brincar na rua – até tem a relva ao lado, tem um espaço tão simpático… é um bocadinho curto para jogar á bola, mas naquele lado ali [o do relvado grande] frequentemente a gente vê miúdos a jogar à bola – frequentemente – o meu filho e os amigos e colegas de escola que moram na Malagueira vão para casas dos amigos nos anos uns dos outros, mas a tarde passam-na a jogar à bola… embora seja tudo de uma forma muito controlada, eu lembro-me que quando era miúdo saía de casa com 9 anos e ia sozinho… hoje não, isso restringe muito essa dimensão, as pessoas não passam em casa a maior parte do dia … e essas coisas intervêm muito nesse aspecto – eu para mim tenho que a minha relação com os vizinhos todos da rua é excelente, deste lado e daquele, nos moldes em que ela é hoje… se houver algum problema eles vêm logo, tivemos um incêndio aqui numa altura vieram logo todos aqui para a porta ajudar, com os extintores, eles é que apagaram isto… não foi só o José Correia que veio… o vizinho de baixo que já nem mora cá, que era do CDS, um partido que a gente não gosta mas eles vieram logo… [no quotidiano as opções partidárias são ultrapassadas pela personalidade] … eu descobri o teatro… foi ver viver em comunidade, viver com os outros, normalmente somos influenciados pelos ambientes em que estamos … eu tinha um grupo de amigos… uns estavam ligados a umas coisas e outros a outras e nós acabamos por ficar ligados – lembro-me de malta mais velha o João Bilou… íamos aos bailes à Joaquim António porque naquela altura era a única forma de podermos aproximar-nos um bocadinho das raparigas – eu ainda sou do tempo em que se namorava à porta, nos meus 15, 16 anos o que a gente fazia era ir aos bailaricos – corríamos seca e meca para ir aos bailaricos e elas também era a única oportunidade que tinham, vieram as discotecas um bocadinho mais tarde, esses ambientes, esses espaços de socialização naquele tempo tinham outro peso, eram as colectividades o movimento associativo teve um peso determinante na vida das pessoas e havia um grupo de teatro, uns grupos cénicos e vamos lá ver um espectáculo e um amigo entrava no espectáculo… e tu também queres vir espreitar… depois a gente espreita, entra, podia haver alguma sensibilidade interior minha que eu nem sequer percebia na altura, uma vocação, alguma coisa que eu tinha nas minhas entranhas… e lá fui, isso também tinha a ver com o contexto da vida em ditadura, de eu estar ligado … e o meu irmão mais velho trabalhou num jornal Notícias do Sul que era contra a ditadura… lembro-me de estar no café e as pessoas dizerem… schiu… estava ali um casal da PIDE que a gente conhecia … encontrávamo-nos ali na rua… na Praça do Giraldo e dizer um palavra e o senhor… andavam assim sempre todos… ele com o braço sobre o ombro dela, todos compenetrados e então … o senhor deu-lhe uma bofetada na cara de todo o tamanho … e a gente ficámos todos enfiados … tínhamos… 12, 13, 14, 15 anos e ele voltou para a sua esposa… essa tensão em que vivíamos … eu durante a adolescência fui tomando consciência… lembro-me de estar na sala da Joaquim António de Aguiar (JAA) e ver uns senhores de gabardine e de chapéu ao fundo da sala de pé, era a PIDE… nós sabíamos, não diziam nada ninguém… na adolescência nós consciencializávamos mais essas coisas – na aldeia não tive consciência disso – mas havia um senhor Adriano Neto que era da oposição, que eu vim a encontrar em 1973 … em 69 já tive aqueles encontros da oposição… que o Marcelismo deixava fazer – e eu participava, lembro-me de estar no antigo cinema da cidade no salão central em 1973, nasci em 1955, e foi interrompida pela entrada da PIDE, e estava lá esse tal Adriano… a JAA tinha a ver com isso, ir para lá, era uma sociedade operária … sempre foi da

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oposição, havia gente do PC, onde se faziam prisões com regularidade… FUI UM BOCADO por essas sensibilidades que se foram criando… o meu irmão mais velho influenciou-me muito nesse aspecto … chegar ao teatro passa por essa escolha, quase que naturalmente eu chego ao teatro assim, ao ponto de logo a seguir ao 25 de Abril criámos um novo grupo de teatro de amadores em Ev porque não concordávamos com aquela linha muito ortodoxa do PCP lá na colectividade. Portanto saímos uns tantos dali e mais uns quantos de fora, criámos um grupo que foi referência, durante um período largo, entre o teatro de amadores em Portugal, fomos a Lisboa, várias vezes, representar que era um grupo de Intervenção Cultural a Plebe. Ocupámos na altura as antigas instalações da Mocidade Portuguesa transformámos aquilo num teatro, na nossa sede, não era permitido… era consentido… ocupámos e lá ficámos não sei quantos anos, mais de 10 anos, ali ficámos… passou por lá gente importante, o Zeca Afonso esteve lá, o Zé Mário Branco, um conjunto de gente… aquela coisa da Rádio Renascença… e eu era um dos animadores desse grupo, tínhamos uma relação muito forte com o MFA, de milicianos do MFA, a gente deslocava-se para as aldeias – 1.21.38. – e fazíamos teatro em tudo o que era Alentejo, íamos nas berliets do Exército… era a fase da aliança com o MFA… quantos carros são precisos?... uma berliet e três jipes, lá íamos nós e aconteceram coisas lindíssimas nesse período, eu falei em Santa Suzana de propósito… quando a gente lá foi fazer um espectáculo havia um problema com a padaria, o senhor da padaria entendeu que devia fechar aquilo e a aldeia ficou sem pão e criou-se um movimento popular lá na aldeia que a gente animou e o exército apoiou e o povo ocupou a padaria e continuou a produzir pão… e nós fizemos um sketch exactamente sobre aquela situação, uma pecinha pequenina com o relato daquilo… e depois levámos lá, isto tudo com o exército à mistura… foi uma experiência inolvidável, são imagens, coisas dos movimentos revolucionários que acontecem e não voltam a acontecer, pelo menos daquela forma, foi empolgante, aquilo empolgava-nos – foi um período, entretanto em janeiro de 75 aparece aqui em Ev o dr. Mário Barradas com um grupo de actores profissionais e criam aqui a primeira estrutura cultural descentralizada de Teatro em Portugal, o Centro Cultural de Ev, hoje CENDREV, ele vinha de França, tinha estudado em Estrasburgo e tinha muito presente o processo de descentralização teatral em França, o objectivo dele era esse. Ele funcionário do Ministério, na altura, da Direcção Geral das Artes, não havia secretaria de estado da Cultura… na altura a Cultura dependia da Secretaria geral da Comunicação ou qualquer coisa assim e ele era funcionário superior, já tinha sido convidado antes do 25 de Abril… pela falecida Manuela Azeredo Perdigão para vir dirigir o Conservatório de Teatro em Lisboa, esteve lá uma fase, e isso ligou-o à função pública … depois veio para Ev criar este projecto da descentralização teatral profissional em Portugal… nós aqui em 75 tínhamos criado a Plebe… em 75, 76, montámos um grande espectáculo, A Mãe, do Brecht/Gorki, ajudados pelos profissionais que cá estavam, Peixoto, Luís Varela, foi um espectáculo de referência em termos nacionais, fizemos muitos outras coisas, foi tudo muito rápido e em 1977 entrei para a escola de teatro onde fiz a minha formação profissional e em 1979 era profissional de teatro… o Barradas logo em 75 quando chegou criou a companhia e logo uma escola de função… à semelhança da sua experiência em Estrasburgo… em França ainda existem e são modelos de referência porque articulam a formação com a prática, é uma escola a funcionar em conjunto com uma companhia… com meios diversos do que ele tinha lá, deu frutos porque isto funcionou durante muitos anos, as primeiraas formações tiveram a duração de um ano, depois quando eu entrei já era de dois anos e mais tarde passou a três anos, actores e técnicos porque também houve formação nas áreas técnicas, e essa gente entretanto foi-se espalhando, uns ficaram em Ev que é o meu caso, embora tenha estado em paris a fazer formação … estive lá 3 meses… entretanto o pessoal que foi daqui foi-se espalhando e hoje se olhar para o panorama teatral português… hoje no Alentejo existem 10 estruturas profissionais a funcionar cuja base fundamental é o pessoal que saiu de Ev… agora está integrado na Universidade de Ev, deixou de existir porque funcionava com fundos europeus e eles deixaram de financiar formações de longo prazo, isto era um curso com formação de nível 4, na Europa, e

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pressuponha três mil horas, 1500 em cada ano, esse formato deixaram de financiar. Só financiam coisas de curto prazo… eles dizem que querem formar gente mas não formam… só aquelas coisas de 6 meses… UEv… houve guerras, houve guerras… quando surge a licenciatura em estudos teatrais – não era formação de actores nem de encenadores… hoje já é… era para formar aquelas pessoas que depois fossem dar aquelas disciplinas de Expressão Dramática, no Estudo das Dramaturgias… embora isso fosse sempre uma coisa muito questionada até dentro da Universidade – embora tenha havido gente que estivesse ligada á nossa formação que depois passou para a Universidade… uma francesa que veio para Ev para o Centro e trabalhou aqui muito tempo, que foi casada com o Luís Varela, nosso director, e que também foi professor na UE e hoje já não é, foi daqueles contratos por 5 anos, e depois deram-lhe um pontapé no cu… aquilo que ddo nosso ponto de vista se podia ter feito e era extremamente útil, ainda esteve em discussão formal mas o Ministério não alinhou nisso, era que a UE a assumisse a parte teórica, pedagógica, em articulação com a companhia, o CENDREV, que assumiria as componentes práticas… estágios também, mas mais do que isso, vinha do próprio processo de formação haver um conjunto de disciplinas que fossem leccionadas no teatro… o Gil nave trabalha comigo… nos bonecos também… INQUÉRITO… ZR – esta sala às vezes tem um problema que é... tem um aspecto positivo que é o centro da casa, é o sítio onde tudo vem parar, mas essa circunstância … também é um sítio de passagem, um pouco devassado, com poucas paredes (?? Ser demasiado ampla??)… é a porta para a cozinha, é a porta para o quintal, é a porta para a casa de banho, é a porta para… [está muito exposta, é um hall de entrada e de passagem] … é o acesso para as escadas… tem esse problema, até temos dificuldade em arrumá-la, de Verão temos uma arrumação de Inverno outra, mudamos, mas aquilo não tem muitas hipóteses de mudar… a cozinha é óptima, quando aumentámos a casa lá em cima tínhamos algumas opções para um T5, mas optámos por um T4 exactamente para podermos ficar com espaços mais amplos, menos uma sala mas mais amplos, porque as soluções com um corredor diminuía a dimensão dos espaços, assim aproveitamos mais [área] … essa coisa da luz é do melhor essa coisa da luz… a gente faz aqui umas patuscadas no Verão no nosso pátio que não se imagina… eu ganho 1500 tu 1700 euros dá 3200… do empréstimo são 120 euros… mais gás e… aí uns 300 de despesas regulares… com alimentação não fazemos ideia… aí uns 600… todos os dias vamos à mercearia ali em baixo que é muito boa mas muito cara… comemos em casa, almoçamos… e gostamos de cozinhar… o que nos leva a reunir ao almoço não é a vontade de cozinhar… é mais para estarmos juntos… a gente somos uns privilegiados neste mundo que a gente vive – as pessoas têm que fazer as contas ao tostão para verem se podem comprar aquilo, ainda não estamos, podemos vir a estar, não somos ricos… … aqui intervém um problema que a Malagueira tem, como os novos aglomerados urbanos, e o Siza previu isso mas nunca foi implementado tem que ter espaços de socialização, espaços de encontro, claro que há cafés e também há associações, de reformados a Associação ali das Fontanas, mas são espaços muito fechados de núcleos muito reduzidos de pessoas e faltam os equipamentos que possam ser estruturantes de uma actividade social mais ampla. Tudo pode acontecer com um Cine-Teatro por exemplo que não é só para ser … onde há um lançamento de um filme, de um livro, onde há um bairro com as características do bairro da Malagueira, precisa desse equipamento, precisa desse tipo de vivências – a Junta de Freguesia é uma instituição que tem muito pouco dinheiro, não tem condições, é a maior freguesia da cidade, não é só a Malagueira tem a Vista Alegre, o António Sérgio e vai até às zonas rurais inclusive… mas não têm condições… há uma certa falta de perspectiva na CME… mas o Siza previu esse tipo de problemas e fez os equipamentos, quem diz a esse nível diz no plano da saúde… devia haver alguns equipamentos – não era necessária uma loja modernaça onde a gente trata dos cartões todos – mas esse tipo de coisas são necessárias … porque aqui onde a gente vive, vive mais gente incomparavelmente que no Centro Histórico de Évora todo… e mais do que nalgumas cidades do

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Alentejo [são entre 4 e 5 mil pessoas], isto precisa e a ausência desses equipamentos necessariamente que provoca vícios maus.. depois são só aquelas pequenas associações que funcionam e desenvolvem aquelas coisas pimba, depois a festa que se faz anualmente na freguesia é só coisas pimba… uma feira … esse tipo de coisas … [fazer hortas foi uma proposta apresentada na junta]… vou participando nessas coisas… tentámos fazer um grupo de teatro ali nas Fontanas, dá para fazer esse tipo de coisas… a freguesia foi crescendo em termos de população, mas em termos de equipamentos não, e era preciso, o espaço da Junta de Freguesia quando foi pensado, na minha perspectiva, não foi bem pensado porque aquele espaço é muito interessante, mas tem aquele quintalão todo para trás, em termos físicos o espaço é muito grande e aquilo devia ter previsto… (e a cúpula??) … qual cúpula….. está em estudo, com o Nuno Lopes, as pessoas não conhecem o projecto do Siza na sua totalidade e pode haver alguns equívocos, a gente não tem que concordar com tudo mas havia interesse em que a gente conhecesse melhor, até com uma exposição e uma ou duas sessões de trabalho para ver qual seria o figurino e o momento em que mais gente se pudesse juntar… zonas de que ponto de vista? Isso tem a ver com os ciganos e isso, deve ser o factor que mais determina as zonas, há um sector lá em cima que está entaipada, isso é uma zona marginal, diria eu, eu não sei se a solução boa foi entaipar, do meu ponto de vista não, deviam era colocar lá serviços municipais, por exemplo a Habévora devia estar aqui a funcionar, era para aquele espaço que ela devia ter vindo e não entaipar … a zona ao cimo da avenida, junto à piscina também tem ali os seus problemas… é uma coisa que eu vou ouvindo dizer – para mim a Malagueira é uma coisa, pode ter ali uma borbulha ou uma coisa e uma borbulha noutro sítio, mas eu entendo a Malagueira como UMA coisa, UM espaço, não é … não entendo que haja duas ou três Malagueiras – sei, tenho a noção disso, que há uma borbulha ali outra ali, mas são coisas que o tempo, com uma intervenção cuidada e pensada se calhar resolve, porque acho que o espaço – a Malagueira – tem essa capacidade, a sua identidade é tal, de tal forma forte, que ela em si tem as condições e os condimentos para resolver os problemas, nestas coisas tem que haver a vontade e alguma intervenção. Portanto, Malagueira há UMA!! Para mim só há um projecto da Malagueira. TR – para mim há uma parte com mais problemas sociais – até desconhecidos para mim – mas que fica na parte superior [junto ao Lar] e depois esta parte aqui é mais estável e menos problemática, são duas zonas… – A casa é mais cenografia ou é mais miniatura? … eu acho que a casa é uma coisa real, aqui .. as ficções nós vamo-las construindo pontualmente… mas a casa é um objecto, eu relaciono a casa a algo de muito concreto, muito objectivo, muito real, porque são os nossos filhos, são as nossas relações com as coisas, são os nossos brinquedos, os nossos livros, os nossos sofás… televisão [um sentido de posse de tudo]… é tudo muito real, eu penso que a casa é uma extensão de nós próprios, aqui não cabe muito a ficção porque quando falamos de teatro estamos sempre a falar de ficção, seja miniatura ou seja cenografia, estamos sempre a ficcionar realidades, a vida, das personagens, das pessoas, das coisas, das ideias, dos pensamentos, de tudo isso … mais realista ou mais utopista… dramática, burlesca… mas estamos sempre nesse limbo e quando falamos de teatro há sempre as dimensões lúdicas… eu na casa acho que… haver essas dimensões da brincadeira, do lúdico, das ficções mas a casa é uma coisa concreta, mais terra a terra, é a nossa relação, é a nossa vida, É A MINHA VIDA (enfatiza)… em todas as dimensões, na dimensão das minhas coisas, da minha família, da minha mulher, dos meus filhos [possessivos, possessivos, possessivos], da minha mãe, dos meus amigos quando cá vêm, de vocês que estou agora aqui a receber, aquele potezinho que a gente trouxe lá de Trás-os-Montes… TR – eu acho que nós não somos aquele tipo de pessoas, nem eu nem ele, que temos muita preocupação com questões da decoração. Nós pomos as coisas como gostamos e coisas que gostamos [personalização máxima, uma espécie de expressionismo da casa], se achamos que há uma coisa bonita que trouxemos de um sítio e que tem importância para nós colocamo-la sem

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estarmos com aquela preocupação sem ter tudo muito… [organizado], acho que somos um bocado espontâneos na organização das coisas da casa… Esta casa pode ensinar? … ensinar… acho que sim… a casa transmite saberes … uma pessoa que não nos conheça se entrar cá em casa pode ficar a conhecer algo de nós, acho que sim, porque eu acho … concordo com o que o Zé disse, a casa tem muito a ver connosco com a nossa maneira de ser e revela coisas da nossa maneira de ser, a casa ensina, transmite [informação codificada de “ego”]… nós, por exemplo, tanto eu como ele gostamos muito do campo e da terra e dessa relação com as plantas e com a Natureza, eu acho que … agora já está muito cuidado, mas se nós formos ali ao quintal, uma pessoa que não nos conheça percebe isso – temos ali coentros, hortelã, temos ali flores, percebe-se que gostamos dessas coisas senão não estávamos ali… nós quando viemos cá para casa mandámos construir estes canteiros e pusemos terra lá dentro nós – não os fizemos maiores porque tínhamos um cão, na altura, ela tinha um cão (riem-se), que destruía essa coisa toda DUAS HORAS por isso é que tem aquela largura senão tinha feito pelo menos no dobro, estamos arrependidíssimos… ela – foi logo uma das primeiras coisas que a gente fez cá em casa foi pôr terra no quintal que não existia… isso era fundamental para nós, outra coisa, nós temos ali uma salamandra, mas por mim tínhamos uma lareira e pelo Zé também, nós só não temos lareira porque ia reduzir um bocado a sala, é uma das coisas que me custa não ter e ainda não fizemos isso, mas é uma coisa que está [em suspenso]… e também revela um bocadinho [quem nós somos]. Ele – ainda vamos ter … [lareira] … nós gostamos muito de fazer logo pela manhã uma torradinha feita na brasa [enfatiza, ela ri-se de gozo e assentimento]… nós temos o nosso escritório cheio de máscaras e de coisas de teatro, mas nós … não é só por ele ser actor, é porque eu também tenho uma forte ligação ao teatro, e gosto e faço também, com os meus alunos, há longos anos, mesmo antes de conhecer o Zé… ele – ela fez parte do GEFAC aquele grupo de recolha e da tradição musical, e da dança… ZR – … só mais uma coisa… há coisas que a gente não consciencializa em todos os momentos, mas este espaço, por exemplo, à noite de Verão aqui é uma coisa espectacular, comprámos no Brasil uma rede daquelas para pendurar em dois ganchos e aquilo está sempre ali… vêem-se as estrelas, os aviões, as andorinhas vêm cá, as pombas, há um conjunto de vivências e de observações, para nós e para os miúdos também, que são extremamente agradáveis, comemos muitas vezes aí fora, imensas… isto tem essas dimensões, A CASA, ACHO, TEM UMA VALIA IMENSA NESSE PLANO, DE FACTO. E as mobílias e decorações, as alterações – são debatidas em família…?? ZR – agora andamos aqui com um dilema, ela ri-se, a família vai crescendo felizmente, e como estamos na parte do Inverno esta mesa está aqui no Verão trocamos com a mesa grande (que está na sala), mandámos fazer de propósito porque até tem umas abas que abrem, mas a gente aqui neste espaço só podemos abrir uma das abas da mesa [estamos numa zona ao fundo da cozinha que abre para o pátio], só dá para 14, 13 pessoas, apertadas aqui neste espaço (risos), isso é curto… ela – só 15 somos nós, com a família toda, é muito difícil, é curto, precisávamos de uma mesa maior… e é sem a minha, é só a família alentejana porque senão… e a gente faz questão de fazermos esses encontros de família, achamos que é porreiro, até com amigos… vem aí a malta cantar as Janeiras à porta, abrimos a porta e lá vêm 15 ou 16 e esta coisa é curta, se calhar temos que mandar isto às urtigas e requalificar aí esses móveis, podemos aumentar aquele espaço ali para pôr ali algumas coisas… pormos umas prateleiras nestes arrumos aqui em baixo, fazer desaparecer daqui isto para podermos fazer crescer a mesa… também já pensámos e sabemos e há aqui projectos, quando forem lá acima já vão ver, a gente lá em cima reduzimos este espaço e tem uma espécie de alpendre [é uma mini-varanda/janela que produz um efeito, sobretudo interior de grande efeito plástico e simbólico, valoriza muito o espaço, e ainda dá lugar para vasos ou outras coisas pequenas, um nicho para andorinhas…?? Ver nas fotografias] que nós achamos

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muito interessante… toda a gente puxou esta parede para ali aumenta isto substancialmente [a copa] nós temos ali as bicicletas e arrumos… esta casa sempre foi assim, não tem a separação da copa… é um T3, nós temos duas entradas, uma para a cozinha outra para a sala, aqui nunca houve lavandaria… nós ainda não decidimos, também, um problema que tem a ver com a sala… uma hipótese seria manter este quarto aqui e fazer uma obra semelhante á de lá de cima – reduzir este alpendre – de lá para cá, um bocadinho, como temos lá em cima, lá reduzimos ao contrário, de lá para cá… dá mais espaço dentro do quarto e agora era ao contrário, para dar à sala aquele canto, a porta da sala passava para cá… mesmo com a lareira onde está a salamandra a sala aumentava… (discute-se a localização daa porta e janelas eventuais…) isto está tudo desarrumado… é o dia de arrumarmos… o ano passado remodelámos as casas de banho – agora acho que é um defeito desta casa daqui a uns anos já não direi o mesmo – esta casa de banho devia estar em cima e a de cima em baixo, mas quando já não conseguirmos subir as escadas… esta casa tem o problema de ter tanta entrada e saída que há um problema para arrumar as coisas [as portas impedem que os móveis se situem livremente, não têm onde encostar os móveis, diz a Luisinha mais à frente]… é um problema… (a Luisinha – tem a escada ao contrário, há aqui várias diferenças que podem criar a sensação de maior largueza, só o facto de as escadas serem abertas torna muito mais ampla a sala que ganha logo o espaço todo da escada, aqui não é como se fosse uma parede, talvez tenha este quadrado a mais)… o nosso problema para arrumar as coisas é um castigo… (discussão colectiva) ZR – há aí alguns sítios, nos pátios, a mim choca-me … fazem coisas monstruosas, com ferro forjado, lusalites… TR – há aí casas realmente que eu nem sei como é que eles… como é que é possível… ZR – eu digo, há uma coisa que se chama educação, que nunca acaba… o ser humano tem isso… agente influencia-se uns aos outros … devíamos todos conversar sobre isso… o problema é que não há tertúlias, até à volta do café, eu lembro-me da malta à volta do centro Pompidou, íamos para lá só para discutir ideias – é preciso espaços onde a gente se encontre e conversem com maior ou menor profundidade, está tudo ao contrário, a começar na escola, eu lembro-me de na escola a solidariedade entre nós, hoje é ao contrário, é o esconder … é a lógica da competição… (as sociabilidades há antiga já não voltam mais… digo eu) – ZR eu não vou tão longe… voltar não, mas há coisas, o que está atrás não é mau – não é tudo mau, atenção, porque quando a gente fala ali nas hortinhas da Malagueira e se concorda com isso, é porque há paladares e aromas e outras coisas desse tipo – como a música, que são bons a vida inteira… a gente tem é de criar condições para que as pessoas possam fruir isso, porque fruindo isso aprendem, eu por exemplo trabalho com os Bonecos de Stº Aleixo, que era uma coisa que era feita há dezenas de anos, no século passado, e que eu hoje vou à Gulbenkian e aquela gente fica de queixo caído…!! Eu vou à China, já fui, ou a Valência ou a Madrid, não percebem nada do que eu digo mas ficam de queixo caído e aquilo é uma coisa mais primária, mais rudimentar que a gente possa imaginar – são uns pedaços de madeira mal talhados com uns restos de roupa lá de casa, chitas, iluminados com uma candeia de azeite, com uns fios ali à frente manhosos – aquilo é a coisa mais rudimentar que há, mas aquilo tem uma capacidade, uma eficácia no plano da comunicação, de criação de empatia, fortíssima, impressionante. Até tem efeitos especiais, é feito com prez, com resina que se põe nos pés para não escorregar – a gente chega à chama e faz um fogo enorme, a gente arrebenta bombas que faz… hoje à noite vou ali à Aldeia das Pias, na Casa do Povo… (e nós fomos) ali é outra dimensão do espectáculo, ali é um dos lugares onde o Mestre Sanquinhas fazia esses espectáculos, chegamos lá e as pessoas começam a falar do Mestre (e foi assim que eu interroguei a população, a casa do povo estava cheia – talvez duzentas pessoas) … o contacto com aquela gente é impressionante! [estabelece-se um debate político – ZR: o Zé Mário Branco outro dia disse uma coisa que eu achei muita graça: isto agora tem que ser outra vez rua a rua; nesta era de globalização… a gente tem consciência que a conduta tem problemas, claro que sabemos… eu sou da área da animação, claro que é preciso o animador e tem que dominar a matéria numa certa dimensão… eu diria mais o

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movimento de rua que se criasse na Malagueira rapidamente alastrava ao bairro todo porque há uma identidade que é fortíssima e há um conjunto de problemas que são similares, nesta rua e na outra e outra e outra, isto é um bairro, isto é uma unidade, e facilmente esse processo se desencadeava, o problema é que nos faltam animadores, falta-nos essa figura. Da pessoa que tem o domínio dessa matéria suficiente para poder juntar e interessar colectivos que a princípio podem ser mais pequenos, mas que depois se vão desenvolvendo… em relação à Malagueira sinto um bocado isto, até já comentei com o Nuno Lopes… ele teria condições… mas também tem anti-corpos de facto…ZR - … mas tem que se resolver o problema da conduta que manda para aqui esgotos… não se pode dizer: o carro não pode estar à porta… têm que se arranjar alternativas… AAM30 … portanto, como é que eu aqui vim parar… eu não nasci em Évora, mas nasci numa aldeia aqui perto – a Igrejinha – é uma aldeia engraçada vale a pena dar lá uma saltada – nasci em 1958, estou quase a fazer anos, vim para cá com 2 anos, o meu pai nasceu lá, a minha mãe nasceu lá e trabalhava no campo, o meu pai era pedreiro depois houve aquele processo das migrações… dos espaços rurais para as cidades… e nós viemos, o meu pai veio trabalhar, a minha mãe era doméstica e morávamos na cidade, eu desde os dois anos que moro na cidade … depois um bocadinho antes de casar, ainda namorávamos e tínhamos um colega que esteve na emergência das cooperativas, portanto há aqui uma emergência das cooperativas e esta zona onde eu estou, onde eu moro, faz parte de 100 casas … que são os primeiros 100 fogos da Malagueira… era mesmo o projecto original do Siza Vieira, e era só esta parte aqui da rua de frente já é outro projecto [outra fase], não fazia parte desses 100 fogos, tínhamos e temos, um colega que constituiu a cooperativa e fez parte dos órgãos sociais. E na altura houve uma desistência, porque as pessoas inscreviam-se na cooperativa, e depois na casa, e até tinham capacidade de decidir algumas coisas, os azulejos da casa-de-banho, e houve uma desistência, até falou com a minha mulher que era mais amigo dela, minha namorada na altura, se nós queríamos substituir o indivíduo que vinha para aqui, nem foi uma coisa pensada, mas foi porque ele nos disse vocês querem este lugar… tivemos que pagar as quotas e as entradas que ele tinha feito e assim fizemos e ficámos com a casa na altura … isto passa-se em fins de 83, 84… e eu acabei por vir para cá morar só em 1987 quando casámos, era um T2, este também é um projecto curioso porque é um projecto evolutivo, aquelas ali já não são [??], tinha um T2, um T3… sendo que o T2 era evolutivo, quando eu vim só tinha o rés-do-chão, o sítio onde estamos [um escritório/biblioteca] era um quarto, tenho um quarto lá ao fundo e esta sala, já viu com certeza noutros T4, é a cozinha, onde estão os lavatórios, ali aquela zona, os lava-loiças e tal, aqui sempre foi quarto… em cima não havia nada, a casa foi mais barata por isso, depois quando nasceu a miúda, fiz então os quartos lá em cima mais a casa-de-banho, fui eu que os fiz já depois de estar aqui a viver 2 ou 3 anos… depois também fiz uma pequena ampliação aqui na cozinha… tínhamos a casa antes de casar, casámos, começámos logo a pagar em conjunto ainda namorados, não houve propriamente uma escolha… eu não gostava deste bairro, sabe?... eu não gostava nada destas casas, sabe… quando passava aqui achava… aquela estrada que vai para Montemor e só via a faceira [fachada] daquelas casas e pareciam-me um bocado estábulos, as portas, as portas-janelas, não gostava, confesso que não gostava do bairro, mas como a casa apareceu assim, na altura, não sei se já percebeu como foi o crescimento da cidade, isso também se enquadra no crescimento da cidade, no urbano da cidade, a cidade esteve muito contida intramuros, era uma cidade muito aprisionada, tinha uns bairros clássicos que era o Santa Maria que estava extremamente longe da cidade, eu lembro-me quando era miúdo de virmos ao Santa Maria ou ao Senhora da Glória… e levarmos uma sova… porque era o bairro dos índios, temos a cidade e os bairro [fala pausadamente como se fossem

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duas coisas diferentes] e as cooperativas apanharam este espaço entre os bairros, entre a cidade e os bairro, houve uma altura em que também, para além do movimento associativo, do ponto de vista da política, enfim, outros pontos de vista, até talvez económicos ou políticos, veio de certo modo permitir a habitação social, não havia aquela ideia de se comprar uma casa [??], alugava-se, uma pessoa queria uma casa arrendava-se, os jovens nunca pensariam ter casa própria, ter casa própria, aqui entre nós é uma coisa recente que coincide precisamente com a minha geração… tenho 52 anos, portanto gerações mais velhas não pensavam nisso, casavam-se e arrendava-se uma casa onde ela existia, com as cooperativas começou a haver essa questão da habitação social, a Cruz da Picada já existia, que foi uma solução ainda mais “social”… foi o início, embora tenha sido uma intervenção mais estatal, Câmaras e FFH, aqui a cooperativa já é uma ideia mais das pessoas e daquela ideia da casa social, e isso também é curioso do ponto de vista sociológico se… (envia-me para o Sabino) … um fenómeno que se passou, foi pessoas que vieram para aqui e depois saíram para outras cooperativas, é engraçado, a maior parte deles para outros bairros cooperativos, porque entretanto eles fizeram aqui e fizeram noutros lados, tenho amigos que já fizeram 3 passagens sempre por casas da cooperativa, isso depois também é uma questão que é um bocadinho… “particular”… como hei-de dizer … compra a casa na cooperativa quando a vende, vende-a com lucro, vai para outra, tive colegas meus que fizeram isso três vezes, agora isso decaiu, as cooperativas faliram, supostamente, porque isso, realmente, era uma coisa impensável, comprar hoje, vender amanhã mais caro, compravam, depois vendiam, isso… (ri-se) … isso aconteceu, tenho colegas que fizeram três passagens, uma aqui, outra ali para as piscinas, e outra ali para o pé do Moinho, não sei se sabe… bairro do Moinho do Cu torto… … estes 100 fogos são pessoas de habitação social… não sei se já teve contacto com estas pessoas daqui, porque as pessoas que deixaram de ter campo... que era o meu caso, eu que era estudante os meus pais eram pobres e eu vim para aqui e agora já devia … à luz das regras, se é que se pode dizer assim, já devia ter saído, como aconteceu a muitos, vieram para cá pobres, depois atingiram a classe média e saíram… mas estas 100 habitações, as pessoas que aqui estão ainda – se não foram pessoas novas como eu, que estudaram, fizeram a licenciatura e depois tiveram emprego a seguir… são pobres, são pessoas humildes, esta cooperativa, estes 100 fogos [faz muito reforço disto] … foram de pessoas humildes… … depois destes 100 fogos começou a haver uma ideia de casa para todos e o preço começou a subir… as cooperativas já começaram a ter um papel mais… já não de dar casa a quem tem pouco dinheiro mas entraram no mercado… e as pessoas que vêm comprar casas já nos outros programas, já são pessoas de classe média... média-baixa... estes 100 fogos... é uma coisa muito curiosa… depois a seguir já é diferente, já é o contrário, já são pessoas licenciadas que vão comprar casa na cooperativa … em condições e não havia oferta privada, é extremamente cara … [durante os anos 70, 80 não são visíveis ofertas significativas extra-muralhas de iniciativa privada, a primeira aparece em 90 para concorrer com a Malagueira, mas em condomínio fechado, e mesmo em frente – conta-se a história de alguns habitantes com posses da Malagueira terem lá comprado um apartamento para logo de seguida descobrirem que os seus vizinhos eram os ciganos de quem vinham a fugir; hoje é como no resto do país – excesso de oferta mas com a particularidade de ter a assinatura dos melhores arquitectos portugueses, falo por observação empírica] … a cidade estava contida, as cooperativas – HabitÉvora, Giraldo Sem Pavor e Boa Vontade, HCH, etc… - agiram as cooperativas e ocuparam o espaço urbanizável – e a iniciativa privada fica contida a nichos muito caros, então as pessoas com posses começaram a fazer pressão sobre as cooperativas e o estatuto social das pessoas das cooperativas subiu, subiu imenso, em relação á minha situação concretamente foi assim, vim para aqui nesse contexto, casei-me, e porque é que não me fui embora? Porque entretanto… porque eu não gostava, eu não gostava… entretanto as pessoas começam a habitar, e de facto, tive a hipótese de construir a parte de cima que foi uma

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questão muito boa nesse sentido… foi económica a comprar e depois quando tive possibilidades – a família cresceu, o orçamento cresceu e fiz a casa lá em cima, e isso foi um contexto que me manteve durante esses anos … se não fosse evolutiva tinha os filhos e ia-me embora, porque um T2 não me dava, essa é uma questão muito curiosa, vim para aqui para um T2 se eu não tenho a hipótese de fazer a parte lá de cima, isso é uma questão muito interessante do Siza Vieira, mas isso está espectacularmente [enfatiza] bem concebida a forma como [ele prevê e desenha a evolução]… lá em cima era só terraços… só terraços, era o rés-do-chão e subia-se uma escada, a escada tinha acesso a terraços, podia usar o espaço do terraço, no qual nascem as casas com duas paredes e um telhado, as paredes laterais já existiam, com cum pequeno investimento aumentou-se a casa e isso susteve-me mais uns anos, nesta fase última, em que começaram a sair aqui os meus colegas, porque eles já nem tinham um T2, porque eles na fase seguinte já não fizeram T2, T3 é o mínimo, acho eu e eles começaram a sair numa altura em que se pensou… a minha motivação para sair e pensei em sair… era para ter uma casa de facto melhor, num contexto… eu nem sei explicar muito bem… sabe… porque eu mudei de opinião, mudei logo de opinião, isso é muito curioso … porque há uma altura em que eu penso : eu vou mudar de casa – disse até à minha mulher vamos mudar e tal – 14’57” – ali para a zona da escola Gabriel Pereira para a zona da Cadeia há ali uns “condomínios” [faz uma vozinha aflautada] e eu era Professor na Universidade e a Professora Maria da Graça Morais, mulher do Doutor João David Morais, disse-me olha vai ver ali uma urbanização, de um cooperativa, e não me inscrevi na altura e quando lá fui já tinha passado o tempo e já estavam as casas todas atribuídas … tinha mais espaço, tinha uma garagem… por volta de 1997, 98… as casas estavam concluídas em 98, casas que eu já consegui apanhar, mas entretanto disseram-me … vamos manter-nos inscritos à mesma na cooperativa, que a gente vai arranjar outra casa, só que entretanto as casas que as cooperativas começaram a construir não me agradaram, não me agradaram … e eu comecei a ter algum afecto, isso tem que ser dito, é verdade, sobre a casa, sobre o interior da casa, sobre o interior desta casa, sobre a vivência desta casa, a maneira como o espaço está distribuído, porque logo que chagava às casas das cooperativas é: está a casa, está a cozinha, está a sala, os espaços são para partilhar, sobe-se por uma escada, quarto um, quarto dois, quarto três, casa de banho – esta casa está melhor distribuída, as janelas são altas e tem muita luz… comecei a ficar um bocadinho dependente, viciado, neste tipo de habitação… está a ver… as janelas, com as portadas, com o quintal, muito árabe, muito virado [para dentro]… estamos aqui a almoçar e estou a ver o quintal, repare nós estamos aqui [a ver os vizinhos passar, junto a uma janela que desce quase até ao chão], ali o quarto da minha miúda … as plantinhas … entramos pelo quintal!! [REFORÇA]… 18m O MEU COLEGA Sabino tem uma casa ao pé do campo de ténis que também é da cooperativa… que é uma casa que tem um belíssimo quintal, entro na casa tem um bocadinho de coisa à frente para umas florinhas, entra na casa e depois tem o quintal lá para trás, que é um quintal sem vivência – é um quintal que serve para plantar couves, e este quintal não, é um quintal que está na vida, que se passa por ele, nós estamos na cozinha e estamos a ver as plantas, vejo e olho para elas e então começo a ver – que casa é que eu vou adquirir agora que tenha estas coisas, são muito simples, mas está muito organizado, com esta luminosidade, e fui ficando a gostar da casa e internamente, de facto, neste momento, tenho dificuldade em trocar esta casa, confesso, porque a vivência interna da casa está muito bem concebida, muito bem pensada, então desisti de sair quando vi as outras, já com preços muito altos, também é isso, é uma casa que sobe a escada é quarto 1, 2, 3.. e depois dá cá 35 mil contos… é pá… agora já não penso nisso, já não penso em sair, sinto-me bem e agora até faço um pouco publicidade à casa … neste momento é um T4, mas eu de certo modo condicionei a evolução futura, fiz ali (faz-me um desenho) era necessário manter aqui um corredor para me dar acesso a um outro eventual quarto … e eu não fiz isso, fiz isto tudo um único quarto mas maior e ainda fiz um terraçozinho para pôr ali umas coisas… (desenvolve a ideia que a alteração já não lhe permite fazer mais quartos) … agarrei o gosto pela casa designadamente por

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estes aspectos : o quintal e a luz, as janelas, a vivência, as casas estão bem distribuídas – e tenho dificuldade quando vou a outras casas de gostar delas, porque acho que elas são mais segmentadas … é o que eu sinto… … o meu pai já faleceu, a minha mãe ainda vive na cidade onde eu nasci e morava com eles… nunca pensei em ter a minha mãe aqui [no quarto de baixo], isso pode vir a acontecer, a minha miúda está em Lisboa a estudar, temos os quartos ocupados, um quarto é o escritório, e é o nosso, nisso não pensei que a minha mãe tem casa própria, a minha sogra também… não é impossível, quando os miúdos saírem… (ri-se da ideia de aumentar o escritório)… isso é que é mais complicado, é um mau hábito nosso… os livros [o escritório não tem lugar para os livros que tem, está sobrelotado]… … com a vizinhança é que é o aspecto mais interessante sociologicamente, com a vizinhança é muito pouco, muito pouco… já leu a Aparição do Vergílio Ferreira… Évora cidade de grupos … e não sei se isso será a justificação, não sei se já sentiu isso… Évora é uma cidade um bocadinho fechada, ele diz isso no livro… [o alentejano] é ensimesmado, há um certo ensimesmamento, um certo fechamento das coisas, não sei se é isso que justifica mas, de facto, eu falo por mim também não posso fazer aqui uma ideia representativa – até talvez as pessoas de extracto mais baixo tenham relações de vizinhança… eu não tenho vida social, não tenho… nós… [não temos]… … vim para aqui viver em 1987… hoje é um bocadinho diferente, eu conhecia o vizinho de baixo, o de cima, e pouco mais… aliás, os vizinhos que conheço melhor são os vizinhos que vieram para cá de fora… ali mais abaixo a Goretti… com os vizinhos aqui, ainda outro dia estava a dizer à minha mulher… a minha mulher é enfermeira… ó vizinha… deu-me uma injecção… não passa disso… depois os cafés também são muito tabernas, o extracto mais baixo talvez tenha um convívio maior, beber uns cafésinhos, agora no meu caso, eu só posso falar por mim… há aqui uma vizinha que faz limpezas e vai a casa de um vai a casa de outro, mas eu também acho que essa parte … isto são bairros quase dormitórios, essa parte da vivência da vizinhança… um pacote de sal, ou a vizinha não sei quê, venha aqui à minha casa … às vezes tenho um colega que mora no Redondo chego lá a casa e estão as vizinhas todas a almoçar e a jantar com eles e eu digo : isso de facto não [acontece aqui], já antes era pouco, na cidade, na minha rua [de infância] também não era assim muito, muito, mas era mais do que aqui, eu acho que aqui… e depois também faltam algumas infra-estruturas se calhar para isso, a cooperativa tinha projectos, eu de facto não posso criticar, a cooperativa de facto fez ali uns bares e um bilhar… não sei… eu vida social não tenho… a minha mulher não tem, os miúdos também não, mas os miúdos acho que isso já é um problema … eles são assim, estão num quarto… a minha miúda conhece os vizinhos porque andam na escola juntos, não é da vizinhança, ela conhecia aqui a vizinha de cima, tinha uma filha da idade da minha – aqui nunca falaram, nunca, nunca, nunca, às vezes falavam porque era da escola… ó Ana tens aí não sei o quê… mas era pela escola…o gaiato está na internet e nos Messenger com os outros há aqui miúdos da idade dele, há um ringue aqui em baixo, terá ido umas 3 ou 4 vezes ao ringue… e nós não forçamos, e não sei porque é que isso acontece… estão nas redes sociais se calhar a falar com o vizinho aqui de baixo… com a miúda aconteceu isso… falam pelas redes sociais mas não falam pessoalmente… ele tem 16 e ela 21… a vivência social é um pouco esta, não é, não é, eu vou comprar o pão ali, vou à mercearia, vou beber um cafésinho, ó vizinho vizinho bom-dia bom-dia, até aí tudo bem, agora relações de vizinhança… ó vizinho venha aqui a casa beber… preciso disto preciso daquilo… muito raro e a minha mulher até é enfermeira, de certa maneira até podia favorecer um pouco isso … eu falo por mim… porque inicialmente nós viemos para aqui e a vizinhança da frente não existia, aquela zona é posterior… não de facto não… Évora cidade de grupos por vezes ponho-me a pensar sobre isso, sou um bocado reservado, será a minha [maneira de ser]… não tenho bem bem essa ideia se os outros são assim, se têm ou não têm essa relação de vizinhança, a relação de vizinhança é uma relação em casa – em casa de uns e em casa de outros – relações de vizinhança na rua, passear o cão e bom-dia bom-dia, parece-me que estes bairros não

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ganharam – na minha opinião de observador – aquela vida de bairro: que se conhecem quem são, as vidas de bairro, que as portas ficam abertas, não tenho essa ideia… havia em Évora os bairros tradicionais, era o Santa Maria, mas vai ali para cima e está tudo fechado… os cafés fecharam, aí sim havia… a Senhora da Glória, o bairro da Comenda, o bairro de Almeirim, o Bacelo já era clandestino… são povoamentos novos a seguir ao 25 de Abril, outros antes… com as cooperativas depois também houve uma mistura, há quem diga que eram mobilidades de pessoas que vinham de outras zonas – o Louredo era mais uma zona de quintinhas… … o Bacelo é o exemplo do bairro clandestino, depois foi legalizado… os bairros tradicionais que estou a dizer sempre os conheci, são muito antigos… era uma cintura da cidade, mas um pouco distante … 3 ou 4 km… havia uma anel que não tinha nada, não sei porquê, mas estavam muito afastados da cidade, talvez até por questões agrícolas, as cooperativas vieram juntar, preencher um anel que estava despovoado, eram umas quintas, muito grandes… está a ver onde é a CCDR… isso é tudo urbanizações novas … a tapada do ramalho, era o bairro dos ricos, agora foi afectado á freguesia da Malagueira, diz-se que quando foram feitas agora as freguesias foram feitas pela máquina de calcular do vereador do PC, foi intenção de integrar o bairro dos ricos … por causa dos votos… as cooperativas foram marcadas pela política, o partido Comunista esteve na emergência delas e desta particularmente [giraldo] … não não é mais à esquerda, aliás a Habitévora fez o bairro do Alto dos Cucos e era a Cooperativa do PS… a Giraldo do PC e a Boa Vontade também… também, também, também, também … (sic) as cooperativas estão mortas, porque elas começaram a dar passos maiores que as pernas e começaram a fazer empreendimentos aqui e ali, os tais 35 mil contos e agora as pessoas … eu acho que eles estão a falir, a Habitévora faliu… [o quintal no T2 era metade da casa]… a cozinha está sempre em contacto com o pátio, e o quarto também, é isso que eu acho extraordinário, e depois a luz… as janelas… as arrumações são exíguas, este canto, roubou-se à sala e fez-se uma dispensa talvez seja interessante do ponto de vista arquitectónico [??], e isto tinha aqui uma porta corrida que fechava… ESTA CASA FOI EXTREMAMENTE BARATA… (REPETE 2 VEZES) E AGORA TEM VALOR… não sei se está a pensar na segurança, este é outro problema desta casa [há um terraço superior mas que estava caótico]… o pátio está povoado de plantas, quando viemos para aqui morar não tínhamos móveis e a minha mulher povoou a casa de plantas 52m (sobre os inquéritos diz que a sociologia já não usa o termo do meio porque as pessoas têm tendência a fixar-se aí, nos “satisfeitos”, 57, 58m) [eu corrijo isto dando ênfase os mais e aos menos], a segurança do bairro é o handicap disto, já tive um sujeito que entro cá em casa pelas condutas… aquilo é uma espinha que dá acesso ao bairro todo, já houve aqui assaltos em que as pessoas estão em baixo e eles a assaltar em cima, a segurança é o handicap destas casas e consequentemente do bairro… e da conduta, porque as pessoas põem fechaduras na porta, até grades, mas depois eles vêm por cima… eu acho que a paisagem não é muito agradável… as garagens são uma aberração para mim, ficam longe e estão todas juntas… quer lavar-se o carro e o outro não passa… a ideia era não haver carros nas ruas, supostamente, mas estão cheias de carros neste momento, sim, foram construídas muito depois, vieram perguntar-me se eu queria e eu não quis… estacionamentos é horrível… os espaços comuns estão bons e a cozinha agora está boa, mas já não é a original… as coberturas e isolamentos é outro handicap… caixilharias de madeira nada nada nada satisfeito… existem uma série de Malagueiras, pelo menos três – esta da primeira fase, a das cooperativas iniciais, depois a outra, a social, e a da Simplício que é a dos privados, que é uma coisa mais privada …

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AAM17 … (o senhor construiu a sua própria casa?) – sim!!! (ri-se) … eu era o responsável por aquela parte, depois tive que passar para outras obras e ficou um colega meu na parte final [mas, creio que é a parte final da 2ª fase], a sequência foi mudando, o primeiro programa não me agradava 100 por cento, independentemente de lá andar, e depois tive um terreno no bairro da Casinha clandestino mas não havia suporte financeiro para construir a casa – nasci em 3.11.1958, nas Alcáçovas, a 30 km, é uma vila no concelho de Évora, a grande maioria das pessoas na cidade são oriundas das várias localidades em volta, raramente a gente encontra pessoas que sejam mesmo de Évora, excepção aos jovens, há muita gente muita muita gente das vilas e aldeias à volta de Évora, dentro de um raio de 50 km… nessa altura (1958?)… Alcáçova tinha 1500 habitantes, somos 7 irmãos e vivíamos dentro da vila, um prédio que era do meu pai, o meu pai e os meus tios eram pedreiros – excepção feita a dois, mas o meu pai com outro foram sempre construtores trabalhavam nas agriculturas para os montes, para os lavradores, conservação a fazerem instalações e eu comecei a ir também, comecei na colocação da rede de água das Alcáçovas, tinha só 11 anos, com baldes de massa na mão… fiz a 6ª classe naquela altura, havia mais mas era em Viana [do Alentejo] aquilo era complicado, os meus irmãos eram mais velhos, só tenho um irmão mais novo, trabalharam todos com o meu pai, aprenderam todos o ofício com o meu pai, como eu… mas na altura já só trabalhei com um deles, também eram só três – um abandonou logo, foi para os fuzileiros, era só filho da minha mãe, a minha mãe era separada e o meu pai viúvo, quando nasci só eu e o meu irmão, eles já eram adultos, um deles ainda andou a trabalhar para mim e depois foi para a Alemanha e ficou por lá… mas na altura comecei a dar serventia, mal podia com os baldes de massa … o meu pai tem 94 anos e ainda está vivo GaD … fez um salão grande numa loja, com uma abobadilha, depois a loja foi dum meu tio… à primeira ainda caiu um bocado, mas à segunda ficou lá… hoje estáa transformada em habitação, mas com uma abobadilha única, eu abobadilhas nunca fiz, assisti a execuções até aqui na Malagueira – na sede da Giraldo Sem Pavor, o encarregado da COÓPE, que já morreu, e ele é que fez aquela abobadilha, mais tarde assisti a outra já coma minha empresa, aqui no mercado 1º Maio na panificadora, foi feita por um snr Dias que trabalhou ali … o meu pai ainda me explicou como era o nascimento dos principais tipos de abobadilhas – de berço, de quarto – mas nunca tive hipóteses de fazer nenhuma, não é fácil não, tem que se saber, hoje fazem-se abobadilhas mas a maioria é tudo com moldes, depois aplica-se o tijolo por cima, reforça-se, fazem os carregamentos nos cantos e tiram a estrutura, mas já não há: pôr tijolo com gesso, de dois e meio, e eles ficarem lá sem caírem… (ri-se) … não é fácil, não é fácil de fazer isso… aprendi na teoria nunca me calhou a fazer nenhuma, depois também optei por estudar e sair daquele trabalho mais pesado… … eu entro para ali como pedreiro ainda na altura … 1979 … e começo a trabalhar e já havia o início da parte final das fachadas da casa naquela rua que se vai para a Cruz da Picada … foi a primeira a ficar pronta, e eu vou para lá para fazer “limpos” precisamente betonilhas, assentamento dos azulejos nas soleiras das portas, mais tarde veio a ser substituído por pedra, aquilo não se enquadrava e houve uns debates que se deram e vieram a alterar aquilo nas fases posteriores… as soleiras… isto era assim… o início da construção daquilo, e os fundadores eram a Giraldo Sem Pavor … fizeram a sede numa bomba de gasolina da Sacor ao pé dum chafariz, onde está agora uma rotunda, aí foi criada a associação de moradores de Giraldo sem Pavor, também se chegou a chamar – associação de moradores de s. Sebastião – havia uma série de associados, eram pessoas das redondezas, dos campos… nos fundadores é os fundadores que lá moram, decidiram fazer um bairro, e então aquilo era um bairro virado para a construção social, o mais económica possível – daí o Siza Vieira aplicar os materiais mais baratos que havia na altura… mas o azulejo não caiu bem, habituados às soleirinhas de pedra mármore, ou quem tivesse um bocadinho mais de dinheiro as soleiras de granito, já foram aplicadas nas fases seguintes – mas na

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primeira fase apareceu com aquela surpresa… em vez do mosaico a corticite a revestir os pavimentos interiores, aquelas placas grande – de meio metro por meio metro, também havia de metro – em que as pessoas também não tinham grande aceitação por aquele tipo de material e ficavam… então isto depois não se estraga aquilo era só envernizado – então e isso não cria problemas? – nessa altura … (estava a construir-se e estava a discutir-se) – iam sempre discutindo-se as alterações nas coisas, depois … as cooperativas é que discutiam, nós fazíamos parte da empresa que estava a executar a construção, naquela altura não tinha qualquer opinião pessoal, mas estou a falar-lhe daquilo que ia surgindo que não agradava às pessoas – lembro-me também duma gorete (??) que era a respiração das casas de banho… que ficava aberta lá em cima com um vidro, que as pessoas não gostavam porque entrava muita aragem – mas era a respiração que o Siza Vieira tinha criado, e depois começam a surgir as coberturas sem, de facto, o beiral tradicional no Alentejo… então, aí as coisas ainda foram mais graves, as pessoas não aceitavam muito, depois mais tarde veio a dar barraca a situação do godo (??) colocado em cima das chapas de fibrocimento que eram colocadas na cobertura, porque os ventos levam muita poeira e chegam a dar … mais tarde… porque a água não circulava, as pedras eram godo, pedra grada, mas a terra e o pó e as folhas que eu todos os anos eu tiro do meu telhado – aquilo acumulava lá … ainda existem com certeza casas nessas zonas com pedra em cima, as pessoas mais desleixadas hão-de ter problemas – mas recordo-me de ainda há uns anitos ver gente a tirar e a mexer naquilo – não foi uma ideia muito boa, qual era a intenção: proteger o fibrocimento dos raios solares que ele degrada-se, ao fim duns anos ele vaiàvida, daí muita gente já ter substituído inclusive – hoje já se começa a ver lá em cima telha lusa a fazer a cobertura, ainda não se lembraram de começar a partir a frente e meter lá o beiral virado para a rua, mas há-se começar … não porque aí a CME vai intervir … a 100%, mas de facto eu tenho tido problemas uma vez que já tive que rectificar a caleira porque para o escoamento de águas é pequeno de mais [o cano por onde desaguam as águas é estreito] … numa primeira fase era com chapa, chapa zincada, nestas 2ªs e 3ªs fases já é com telas de alumínio… o que é que acontece a saída do … diâmetro… ao aplicar-se a tela no tubo… que eu meti milhares de metros dessa brincadeira reduz o diâmetro – aquilo tem um ladrão (?) lateral pequenino, se metermos a tela, aquilo é de 40, fica lá um buraquinho de um dedo… em caso de uma trovoada [tempestade] aquilo não dá escoamento… portanto as caleiras não funcionam, na primeira parte o telhado era muito direito, as caleiras tinham pouca profundidade, na 2ª fase já se fez maior pendente e mais profundidade … mas as saídas, agora normalmente quem substitui a cobertura meteu telas, mas aumentou a saída do escoamento para dar vasão … se a saída não permitir o escoamento como deve ser a água recua e entra para dentro dos tectos, tenho um problema no quarto da minha filha – só que nãoàfácil, hoje, chegar ali e aumentar o diâmetro da saída, tenho que partir tudo, pá, mas tenho que correr o risco… por causa daquelas trovoadas fortes que não tem escoamento, outra coisa que as pessoas alteravam era tanto o escoamento de cima como do terraço… as casas em frenteàminha só tinham rc não tinham primeiro andar, então as águas das coberturas escorriam para os quintais … todas as coberturas escorrem para os quintais… as configurações das casas em frente eram diferentes da minha que é um T3 ... as casas em frente t1, t2, 17m… tinha uma copazinha de entrada, A PRIMEIRA CASA ERA A COZINHA, depois tinha uma zona de serviço que era mais estreita do que há que nós temos na 2ª fase, era só o espaço de trabalho, a bancada do lava-louças, o fogão, e nesta 2ª fase, a casa já ficou mais composta a nível da cozinha com essa casa de entrada – havia quem tivesse essa casa de entrada como um quarto, que a grande maioria depois transformou para aumentar a cozinha que era minúscula, aquilo não permitia … era para um casal, mas se era um T1 não permitia mais que uma mesa pequena encostada à parede – não permitia mais do que um da cada lado da mesa – e seria ao fundo a casa de banho e a sala, a casa de banho e um quarto. E a respectiva escada para cima já com tudo preparado depois para a evolução… por isso é que esse escoamento de águas não era nada agradável porque quando as pessoas entravam aquilo era um pátio de água

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porque o escoamento de águas pluviais nunca existiu, nunca percebi essa, era natural em função do terreno, o Siza Vieira dizia que aquilo chegava … tanques no quintal toda a gente tinha também não sei porquê … eu tinha-o em cimento… (pergunto-lhe onde vai dar o buraco por baixo do tanque?) por cima há uma torneira e por baixo há um buraquinho [o escoamento de águas que ele dizia não existir) era para não sair a água de sabão do tanque para a rua, isso estava tudo preparado – isso era ligado aos esgotos gerais, principais, esgotos pluviais é que não havia, o meu tubo de águas pluviais da cobertura do 1º andar corria-me ao fundo da parede e eu canalizei-a para o meio da rua… directo para a rua [acho um preciosismo, a água correria sempre, a que não fosse para o esgoto geral, pelas frestas do portão, era inevitável]… o outro, nas casas também nunca tivemos (?) … tinha-se uma pia de despejos por baixo do lava-louça [hoje isto não se usa em casa nenhuma] … só que não era nada prático com o balde que acabou de lavar o chão despejar para lá … é complicado, muita gente usa a sanita para despejar… 20m há uma senhora no fundo da minha rua que vem despejar à sargeta da rua – agora de Verão é um cheirete horrível, e eu criei uma pia por baixo da varanda onde faço esse despejo [mas não tinha por baixo do tanquinho?] … e liguei à caixa que está no quintal, hoje, a única água que me corre no quintal é a caixa da chuva, muita gente fez isso também e trouxe os tubos [pluviais] para a rua, desde que haja … pombo (??) para isso… … mas ainda voltando àquela parte inicial da construção – as corticites, as pessoas tinham dúvidas, os azulejozinhos que depois vieram a desistir na 2ª fase, substituídas as soleiras pela pedra mármore, a nível dos pavimentos de cortiça, o que é que se pretendia com isso, em vez do mosaico, o pavimento era mais agradável em termos de temperatura podia-se andar descalço… e era também a vertente do custo de uma coisa e de outra … acho que o Siza Vieira sempre tentou lançar as cortiças lá de cima do Amorim para [???? as cortiças eram “lá de cima”, não eram do Alentejo!!?? E quis voltar atrás para isto, deliberadamente]… no mercado… e seriam úteis … mais tarde na 2ª fase já começa a existir o mosaico revestido a PVC que é o que existe … [FALSO!! em todas as casas em que entrei existia, ou tinha existido corticite, ele mostra surpresa!!??], nesta minha 2ª fase já é o mosaico 30 por 30 revestido a PVC [engasga-se e tosse]… nas salas na 2ª fase o Siza começou a meter mosaicos… (não se percebe se afirma que tem também corticite nos quartos em quadrados 30x30 com banho de PVC) abdicou … passou ao são paulo (mosaico?) porque isto tinha sempre a vertente de custo, era sempre o produto mais económico e que se encaixava… em termos dessa cortiça a de pvc teve um inconveniente - a minha sogra a lavar-me o chão no rc tem que o substituir qualquer dia porque a água começou a entrar na junta dos mosaicos e a degradar a cortiça (??) por baixo… só se podia lavar com um pano, uma coisa muito simples, não podia ser com quantidades grandes de água em … então estragou-me o chão, o resto tem sido assim… … na sua casa não é a corticite de encerar, já?? … essa está protegida com verniz… … em 1979, quando vim, vim fazer os acabamentos da minha rua (da 1ª fase) e do outro lado da minha rua ainda vai nos toscos, estavam em execuções com as condutas por cima, foi outra inovação em termos de transporte das infra-estruturas para os prédios faziam-se através dessas condutas, que ainda hoje lá estão… para que não aparecessem cabos, nem tubos de águas nas ruas e por aí fora… 24m … foi uma ideia que funcionou, independentemente de as pessoas não aceitarem aquelas condutas grandes, esteticamente é feio, depois tivemos aí guerras, que eu também andei metido nessa parte, que era o Siza Vieira… vamos um bocadinho àquela parte da má execução da construção pelos funcionários que havia… essas condutas cheguei a demonstrar … porque ele queria os blocos de cimento à vista, e não era fácil a mão-de-obra porque o tijolo tinha um cm de espessura de parede – ou nem isso – e quando ele queria a junta cavada e depois os tijolos eram cheios de areia, dentro das habitações, e não era fácil fazer as divisões entre habitações que são cheias de areia para o exterior [as paredes mestras que ladeiam a casa], só mais tarde é que aparece a parede dupla com isolamentos térmicos… e então o Siza Vieira viu

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uma inovação que eram os blocos de cimento feitos com buracos 25’42” ao alto que eram cheios de areia para abafar o som [e as humidades] das casas dos vizinhos, a parede era fina… tinha a finalidade em termos sonoros – por vezes isso não funcionava que era quando ele … os “tijolos” eram blocos de cimento… na execução da construção … neste 2º programa usou estes blocos de cimento [no 1º também] com areia para isolamento acústico entre as habitações … mas não é fácil aplicar a areia e voltar a colocar outra dose de argamassa… assentamos uma fileira de tijolos e vamos voltar a meter argamassa só que a compactação da área não ficou a 100% e ela com o tempo é que os grãos de areia se vão encaixando – ao fim de um ano se nós fossemos levantar uma fiada a areia falta-lhe lá um pedaço, porquê? – porque abateu, daí o isolamento acústico não ser o mesmo… e vou explicar-lhe mais outra… … o pormenor que ele queria era que nós tínhamos que cavar a junta entre um tijolo e o outro, para quê? Porque ele depois queria que se aplicasse um serzide (??) – que era uma argamassa à base de nafta (??) que era para fazer um isolamento … ele chamava-lhe… era como se estivéssemos a aplicar um plástico com uma dátasinha de cimento que era depois salpiscada para fazer o reboco (??) para dar mais consistência e isolamento aos blocos de cimento, ele dizia que aquilo iria adquirir preserve (??) precisamente no cavar dessa junta, só que está a ver… se eu tirasse um bocadinho de argamassa a areia caía-me toda para o chão e depois ninguém lá metia a areia… daí este esquema do acústico não funcionar e o senhor arquitecto Siza Vieira dizia que nós é que não sabíamos fazer as coisas … tivemos muitas guerras nesse sentido … e eu conseguia fazer e dizia assim : acha que uma empresa a tirar … a fazer assim, nunca mais daqui abala… o nosso problema não era a má execução – a empresa não tinha tempo nem condições para aplicar aquilo porque senão não ganhava nada com o trabalho – as empresas não se aguentavam com aquele trabalho [era por causa disto que as empresas faliam, e os empreiteiros fugiam com os fundos para o Brasil?], eu fiz … a gente depois mais tarde, eu vim a trabalhar com o Arq. NP … … ah! e tínhamos outro condicionante, o azulejo que eles queriam inicialmente, não havia 20x20 como hoje, portanto, eram 15x15 ou 11x11, depois mais tarde optou por um de 15, primeiro era de 11, com um azulejo preto de faixa, 15x15, ou azulejo branco – isto tinha sempre o aspecto económico, daí o azulejo branco – numa outra fase já havia hipótese das pessoas escolherem, mas era sempre o azul, o cor-de-rosa, o amarelo, o preto, mas sempre em cores lisas, portanto o produto mais barato do mercado, mas houve imposições na altura era o branco, eu tenho o branco na minha casa com duas faixas pretas, no primeiro andar ainda tenho o original e na cozinha… … na casa do NP eu fiz um escritório … do Siza Vieira com as minhas mãos e fiz numa fase… o arq NP tinha um projecto dele… trabalhei co o Arq NL no Moinho, ele era o responsável … do GAT … e a fiscalização técnica era toda feita pelo gabinete apoio técnico que existia em Évora… … (parte do projecto Malagueira para a sua vida profissional?) – isso é um bocado a história da minha vida… eu passo a trabalhar nessa empresa que era a COÓPE após ter construído umas habitações ali no bairro do Bacelo – tinha saído da tropa – e um senhor que já morreu … convidou-me para vir para ali trabalhar – fui sempre um bocadinho curioso com projectos e sabia daquilo e ao entrar para aquela empresa tinha e encarregados… eles começaram a dar-me um bocado de liberdade – a COÓPE era constituída por muitos velhos pedreiros e para eles os filhos tinham que ser os melhores lá dentro – eram aqueles que iriam progredir na carreira e eu ao chegar ali, estes dois amigos sem me conhecerem de lado nenhum… dão-me como chefe de uma equipa de cinco indivíduos a meter as betonilhas no início dessa fachada … a entrar na fase de acabamentos, azulejos, as soleiras… aquilo começou a dar um bocadinho de atrito, porque havia outros que diziam… aqui ninguém o conhece e ele é que passa a mandar no meu filho… e em pessoas mais velhas do que eu era… entretanto há outro indivíduo que ainda hoje está aí.. eu queria mexer em projectos e ele diz-me assim : olha vais trabalhar para aquela zona – precisamente em frente à barragem e trabalhas para o snr Baião que é o teu chefe… e para me castigar, mandou-me fazer as

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paredes que cada bloco pesava 25 Kg – era o das condutas, é o bloco mais maciço… e eu… tudo bem… eu já tinha mexido em projectos cá do outro lado e quando ele manda lá fazer… isto só durou uma semana… as tais coretes que era as respirações das casas de banho… aquilo tinha uma medida 33x28… e o indivíduo marca-me aquilo que era para eu lhe mostrar as minhas habilidades … e eu digo assim… então as coretes aqui têm medidas diferentes do outro lado… ele – você aqui só tem que fazer o que eu mando … mandou-me fazer outra vez outra parede daquelas grossas … vamos almoçar e à tarde diz-me – já podes ir para lá fazer a corete… é que tinha que haver uma técnica mais apurada para fazer a corete, não era fácil por causa dos travamentos de canto … e as medidas eram precisamente as que eu tinha dito… eu disse – ah! finalmente aqui as medidas são iguais ao outro lado, ó pá, os outros gajos começaram a rir… ah o indivíduo levava o projecto numa tábua de esferovite, o desenho daquilo agarrado, e eu tinha-o de cabeça… ó pá… deste lado a trabalhar estava a COÓPE, mas logo na rua de cima estava a Mosaico a construir para a Cooperativa Boa Vontade … aquilo estava um bocadinho mau e então o carregado que também já faleceu coitado … o dono dessa empresa ouviu o que se estava a passar e convida-me também se eu queria ir de encarregado para o outro lado e (fala com alegria) então: dei o salto de um lado da rua para o outro lado da rua – num lado com pedreiro e no outro como encarregado – isto criou um impacto horrível… era um período revolucionário e de que maneira e dava uma chacota e acabei por ter alguns atritos com esse tal senhor… depois tive que me rir dele… ele quis pôr-me os pés em cima, os outros quiseram ajudar-me e aquele gajo… o Baião era o dono daquilo mas isto eram aquelas guerrinhas que havia do quero posso e mando… o dono e os outros encarregados eram excepcionais, mas este gajo, este pássaro, era aquilo que você já percebeu o que é… [acredito que estas narrativas nunca tivessem sido elaboradas como o romance que aqui se desenvolve e acredito que esta verbalização e construção de realidade está a ajudar os entrevistados a rever definitivamente todo o processo porque passaram]… há política e muita naquela altura… muita política metida naquilo, tinha que ser… ali tinha que ser tudo comunista… naquela cooperativa tinha que ser tudo comunista na COÓPE e na sequência de poderes eram decididos entre os sócios que eram os pedreiros, os serventes e aquela brincadeira… aquilo era uma empresa de construção… agora não têm nada a ver com aquele tempo… havia uma tentativa de fazer casas a custos [impossíveis de cumprir, mas alguns cumpriam!!]… havia falta de casas em Évora, o bairro da Cruz da Picada foi um fracasso em termos… aquilo foi um fracasso que ninguém sabe muito bem o que é que foi… toda a gente fala mas ninguém sabe o que é que foi, aqueles prédios com sete pisos e que não é nada!!... trabalhei lá também… é uma construção sólida, mas depois também foi aquela moda do itong que é aquele material que não funcionou nas paredes e ainda hoje dá barraca… mas aquilo foi uma aberração que surgiu ali que apareceu… … este projecto Siza Vieira veio tentar colmatar a falta de casas que havia … não sei qual foi o nascimento, ele tinha um bairro em Gaia igual que foi implantado … ele queria provar, a única coisa que me recordo é que ele queria provar e provou que é possível dentro da mesma área quadrada de terreno, em vez de um prédio para implantar as pessoas em cima uns dos outros implantava as pessoas na horizontal… e isso conseguiu provar, isso conseguiu provar… esteticamente, as coisas por fora é que não funcionaram assim tão bem… … já estou como encarregado naquela zona toda entre a Sobreira e a Rua Raul Proença e eu na altura começo a estudar – em 1980 – tirei o Curso denominado antigamente de Construtor Civil e actualmente Agente Técnico de Arquitectura e Engenharia – um nome todo pomposo que não tem validade nenhuma (ri-se)… valeu a pena… por acaso ainda tenho um colega que andou a estudar comigo – éramos 18, começámos 33, acabámos 18, tenho grandes amigos a nível de engenharia … o NP deu-me 4 anos de desenho mas eu não gosto nem nunca gostei de fazer desenho … mas esteticamente a maioria … basicamente somos dois, só dois é que andamos a construir, o resto era tudo desenhadores ou outras profissões, topógrafos, mas porque éramos obrigados a ter uma profissão ligada à construção civil para entrar para esse curso, então

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experiência de terreno, prático, não tinham… tentávamos ajudar-nos uns aos outros… mas não tínhamos qualquer aula prática, mas o meu professor, o engº Laurindo é dos melhores engenheiros que temos actualmente em Évora, tinha acabado de se formar… era exigente mas em termos práticos não tinha conhecimento … havia gente que nem sabia o que é que era um tijolo… o que é que era uma argamassa… eu aí era catedrático nessa área… então vou tirando o Curso e ao mesmo tempo exercendo ali – foram quatro anos muito complicados – o meu primeiro filho nasceu em 1981, quando era encarregado o trabalho tinha que chegar – primeiro o trabalho tinha que ser programado – com o patrão ao fim de semana, normalmente ao sábado, ver durante a semana o que é que cada um fazia e depois as tarefas eram transmitidas no fim do dia – olha amanhã vais fazer aquilo, punha isto no terreno, mas o trabalho iniciava-se às 07h30m da manhã, se era Verão, de Inverno 08h, e faziam-se oito horas por dia, naquela altura ainda íamos trabalhar meio-dia de sábado… está a imaginar eu tinha que chegar lá e tirar algumas dúvidas… materiais e tal tinham que se decidir com antecedência… independentemente de eu ter esse colega que era o senhor Picalé, que era o encarregado principal – eu era encarregado de segunda, há uma hierarquia no Sindicato, na minha carteira profissional passei de pedreiro a encgº 2ª e logo a seguir a encarregado geral… tenho orgulho nisso… tínhamos que lá chegar pelo menos 45 minutos antes… e depois quando os outros saiam às 5 da tarde e iam para casa – eu saía de lá 6, 6,30… e a escola começava à 6,45… muita vez, muita vez, muita vez, sem comer e a vida não era fácil tentava arranjar uma sande, um papo-seco e beber qualquer coisa… e era assim que passava até às 23h15m da noite na escola… passou-se… … vivia numa quinta aqui junto ao Bacelo… 46m … depois nessa fase consegui no bairro da casinha comprar … mas os bancos não emprestavam para casas clandestinas … tive que esperar… entretanto o snr fiscal da Boa Vontade, esse amigo nem estava ligado à construção civil … viemo-nos a conhecer… ele fazia parte da cooperativa como sócio, estava candidato a uma casa e conhecemo-nos no Curso, mais o Eduardo Santos que está hoje na cooperativa … o MR… e começámos … ele na fiscalização … eu encarregado … e trabalhávamos em conjunto… entretanto a Mosaico vai à falência … entretanto nós tentámos concluir o términus delas, isto era tudo fiscalizado pelo IGAPHE de Lisboa, que tinha apoiado financeiramente – todos os meses tínhamos que fazer os “autos”, era outra burocracia também, mas tinha que ser, todos os messes vinham técnicos do IGAPHE fazer as medições … tinha outro nome… sei que vinham … iam ao terreno verificar, nós apresentávamos na Mosaico as medições, era obrigado a fazer isso… daí eu gostar, hoje, do trabalho que faço aqui hoje na CME que é mais medições e orçamentos… e em particular para os privados, sempre gostei de mexer em projectos – percebo-os bem, mesmo com alguma dificuldade que eles possam ter de execução, eu percebo-os… e então todos os meses vinham fazer o auto de medição, depois as cooperativas através desse auto de medição pagavam às empresas. Entretanto essa empresa não se aguenta, mas não só … [essa]… os culpados disso são os gerentes das mesmas, tentamos depois acabar as casas e em sequência juntamo-nos uma série deles – uns estavam na Boa Vontade outros estavam na Giraldo e juntámos um grupo de inicialmente 11 ou 12 e fundámos uma empresa chamada ConstrÉvora, adquirimos um loteàentrada do Parque Industrial e a gente todos construímos uma barraca, começámos a abrir muros para uma vedação, sapatas… construímos as nossas instalações e tínhamos um advogado ou dois, chegámos a 15, tivemos o engenheiro … que está actualmente na COÓPE [já escrevi algures que é uma empresa falida e fantasma, nunca consegui encontrar ninguém nos números de telefona que estavam na internet]… era o MR, era o AC que tem hoje uma empresa … (nomeia mais uns tantos)… foi em 1981, 82, não me lembro bem… consegue-se acabar aquelas casas e avança uma 2ª fase, que é o projecto da casa onde eu moro, já com a minha empresa constituída … havia na sua rua, quem desce, depois da ruinha estreita, duas ou três casas construídas e havia lotes vazios e isso prolongava-se a té à rua da Sobreira, lá em cima, e onde está a minha casa, aquele quarteirão todo até lá abaixo, estava vazio e tinha sido em tempos do bairro santa maria

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uma lixeira e toda a outra zona onde mora a Ludovina, a caminho da Cruz da Picada … a minha empresa também fez dois privados, uma padaria que hoje é café e uma mercearia… nós não tínhamos grande estaleca – ficámos com tudo o que era da Mosaico, os equipamentos, betoneiras e essas coisas, os materiais e construímos algumas casas soltas… eu era o peão de brega – eu é que lá andava no terreno – dentro da sociedade era o mais baixo, digamos lá, os outros eram técnicos… e mais dois sócios que eram construtores pequenos, que fazem uma casa hoje, outra amanhã… trabalhando a vencimento para este e para aquele, que eram os meus encarregados de terreno [isto significa que esta empresa, provavelmente como as outras, não tinham o profissionalismo e os profissionais que requeria um trabalho daqueles] – eu dava as coisas no terreno e eles é que iam controlando o pessoal e implantando o meu apoio mais técnico… eu tive depois um problema nesta zona, um erro de marcação e às 3 da manhã estou eu e o MR e digo assim, é pá, isto está fora de esquadria [por isso é que o quintal do vizinho dele é maior!!]… e o colega que eu tinha, encarregado, para me tratar disto… fez um valente… [disparate?] … um velhote, que era o fiscal da Giraldo Sem pavor, eu no outro dia digo: é pá … primeiro começo a galgar… com fitas a fazer medições tínhamos um erro desde cima até cá abaixo, que depois teve influência na do meio … tínhamos só as fundações de base … esta última casa tem a fundação dupla… só que eu digo a este homem, que era uma pessoa muito entendida em termos de construção, então qual é a solução disto, já tínhamos o betão posto, foi a descofragem … pusemos as tábuas no sítio, e reforçámos o cimento com um reforço de ferro… que isto foi uma inovação… voltando atrás… isto foi uma inovação a nível da cidade – porque nunca ninguém fazia fundações – quando o bairro do bacelo cair por um tremor de terra, o bairro da Malagueira está todo de pé… porque antes faziam-se uns caboucos, e com esta inovação … em termos económicos é muito mais caro, mas o Siza Vieira cortava noutras zonas para dar solidez à casa – aquele pilar anti-sísmico que todas as casas têm – Deus queira que nunca veja se eles funcionam ou não, mas é um pilar central com alguma resistência e as fundações são todas em betão, a sapata e a parede em betão, dá uma solidez boa à construção [progressivamente tem destacado o que Siza fez bem, contrariando a tendência de só ver o erro, mas tem sido progressivo, registo]… quando a gente marca aquilo há um erro e tivemos que tirar o cimento até apanhar o próximo, os primeiros ferros e fazemos um aumento, em vez da fundação ter 20 cm estão lá agora uns 44… mas eram 3 da manhã… isto não está direito (ri-se) … e a gente consegue ver aquela brincadeira, tínhamos tido uma reunião naquela noite e saímos de lá e eu dou por aquilo, mas pronto, rectificou-se… (narra erros das empresas de construção noutros bairros das cooperativas)… … esta construção (da 2ª fase) já é à base do tijolo cerâmico com os buracos ao alto que foi uma fábrica de Porto Mós que se … ficou a fazer os tijolos para levar a areia lá dentro, mas já com tijolo cerâmico, é diferente, essas casas já têm uma transformação em que eu tenho hipóteses de adquirir uma destas, havia entretanto dois outros modelos [tipologias], há umas casas aqui na Adriano Correia de Oliveira que têm os pátios lá para trás, era o chamado projecto B… são poucas, porque poucas pessoas as escolheram… a minha empresa vem a construir uns lotes pegados a essas… a maioria optou por esta do quintal à frente… era sócio da Giraldo em Pavor, portanto não podia escolher… mas eu optei em termos de localização não queria aqui em cima por causa dos carros a passar [para o bº stª maria] e ainda estava longe a ideia do parque infantil cá em baixo… depois estas últimas 3 também não queria nenhuma porque os carros incomodava… a do meu vizinho não queria porque de Inverno o Sol não bate lá… arrefece muito a casa a configuração, portanto a de baixo tem a parede dupla… eu escolhi a minha casa, mas entretanto sai-me em sorteio uma casa perto da estrada de Montemor… mas eu disse, ou fico com aquela casa ou desisto porque a de Montemor com o barulho… e os bombeiros gostam naquelas rotundas de ligar as sirenes, eu de minha casa, às vezes, ouço-os, não quero, era uma senhora que estava inscrita, tive a sorte de ela desistir e então passei eu para lá… fiquei com ela, o engraçado é que quando eu vou tomar conta da [minha] casa, tinha uma aduela no quarto do meu filho, ainda hoje

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lá está, pregada a pregos, a escada tem uma pedra partida… e diz-me assim o engº moita: se dissesses que era a tua casa a gente tinha aqui embelezado mais … a fiscalização da cooperativa é que tinha que verificar isto… como era a minha empresa disse: é pá deixa estar isso… ficou o compromisso de substituir a aduela, nunca se verificou isso, a pedra da escada lá ficou partida… não havia aquele brio profissional … as primeiras escadas eram em madeira, pinho, era o normal era o pinho era o mais barato, mas não havia aquele brio de escolher as pedras como deve ser, a gente olha para a escada e devia ter uma tonalidade mais fixa, mais amarela ou… mas não havia aquele brio, podiam ter escolhido os lotes das pedras na serração – hoje é obrigatório isso… …- começámos 11 sócios e acabámos 15, começámos com 50 contos e acabámos com… foi à falência mais tarde … andei 4 anos na empresa … depois destas casas ainda construímos outras coisas – trabalhávamos para a INATUR aqui a nível … e foi aí que me chateei … batia as Pousadas todas, desde o Marvão até Serpa e chateei-me com os meus colegas na altura com a gerência que havia… já tinha o segundo filho e não posso continuar assim, sou escravo da empresa e os outros estão lá sentadinhos – chateei-me numa sexta-feira no sábado já tinha outro trabalho – encarregado geral para outro empresário também… também faliu… trabalhei logo na segunda feira e aí criei um outro atrito com esse tal MR da gerência em que ele julgava que eu tinha que voltar, mas desentendi-me e não voltei, estive um ano nessa empresa, entretanto houve um concurso para a CME – a minha mulher não aguentava sozinha com duas crianças, entretanto ela teve um esgotamento, não há dinheiro que pague isto, eu ganhava o dobro quando vim para a CME, ganhava 95 contos por mês na CME passei a ganhar menos de 50, há 23 anos… (como entrou para a CME, não foi à primeira, ficou em segundo depois ganhou amizade aqui com uma doutora… que tratava dos assuntos associados ao seu trabalho com os empreiteiros, águas, esgotos… etc – acabou por ter 2 departamentos aa requerer o seu trabalho e foi para o da doutora) … recuperação de património da CME… no Mercado Municipal fizemos instalações para o pessoal que não tinham, trabalhei muito também com o NL aqui e lá fora… ultimamente para os Açores… posso-lhe agradecer a ele o Curso que dei ao meu filho esteve em Rio maior quatro anos com os trabalhos que ele me deu… hoje não sou capaz de aturar… o NL hoje já não tenho paciência … aliás, virei-me um bocado para a agricultura, para o campo, porque estava cansado de facto… o NL dava-me os projectos sem eles estarem ainda concluídos … tudo atrasados, tudo desorganizado… foi sempre um desleixado em termos de organização pessoal … eu fazia as medições e o orçamento, mas tinha que ter os projectos prontos só que muita vez não tinha, andava a trabalhar com o carro à frente dos bois … foram muitos anos a trabalhar com ele, no mercado de Vendas Novas aquilo … e eu tinha avisado, porque ele alterava as coisas – o que eu mais odiava era eu estar a trabalhar e … é isto… no outro dia ele chegava lá e dizia … é pá temos que alterar isto tudo… isto revolta, independentemente de me pagar – revolta a gente estar a trabalhar e de repente tudo o que fizemos… fins-de-semana… trabalhava também com o AC e tinha que ir ver obras que eles faziam em Reguengos – na altura da caça é que não – parava – mas às vezes … com o NL era às noites… isto foi demais… … mas ainda voltando à construção e às indirectas do Siza dizer que havia era uma má execução de construção – para que conste é assim – pelas minhas mãos na casa do arquitecto NP está feito o trabalho que o senhor Siza Vieira queria – há uma janela virada quase no sentido das piscinas tive que ser eu a fazer com a s minhas mãos porque sempre que lá mandava um gajo aquilo caía sempre [esta casa NÃO foi desenhada pelo Siza] é uma janela que morre mesmo em bico… eu não tenho vergonha … [de trabalhar com as mãos]… há colegas meus que dizem é pá tu trabalhas na CME … ainda ontem matámos um porco, ontem tivemos a desmanchar … e tratar de animais e carregar lenha… … sobre esse pormenor do NP … é um bico… (há fotografias) … eu consegui esticar a massa, meti-lhe uma tábua de um lado, untada com óleo e fui pondo a argamassa com uma paciência (soletra) aos bocadinhos, aos bocadinhos… ele tinha-se zangado com quem lá andava, os azulejos que ele lá

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tem todos dentro de casa – os de 11x11 foram todos metidos por mim … com os cantinhos assim… (??) que era aquilo que o arquitecto Siza Vieira [NP] queria que era – a cobertura nós ao metermos a tela o reboco terminava antes da tela mas tinha que ficar tombado (inclinado??) … o Siza queria que fizesse este trabalho, a água vinha pela parede e em termos de corte - 1cm, 1cm e meio de reboco – isto fazia isto (mostrou-me com 2 folhas de papel) – isto era a parede e isto era uma “alheta” assim… e isto era a cobertura, a tela estava aqui escondida… a água corria pela parede e fazia de pingadeira aqui… e voltava para trás… mas você não está a imaginar o que é fazer isto… eu para fazer isto deixava réguas que tinham que ser muito boas, na altura já começavam a aparecer réguas de alumínio, mas mesmo assim tinham que vir muito perfeitinhas para meter a régua ao comprido, conseguir segurar os tijolos para manter essa régua – isto a nível de altura tinha 20 cm – presas por tijolos com umas palmetasinhas… isto para fazer isto (mostra!!??)… na cobertura… deixava lá isto uns dias até poder descofrar … aquilo que eu lá fiz à mão, numa empresa … nem o dono da empresa deixava… esse é que foi o grande problema (enfatiza) os pedreiros chegavam ali e depois enchia-se de massa até ali… e depois cada um inventava à sua maneira … houve uns que… agora com a massa fresca começavam a aparar a massa na horizontal [penso que o que ele está a referir são os ângulos em que são deixadas as pedras em Serralves no café do rc] … agora tiro daqui a tábua, a massa ainda está fresca e corto neste enviezado… ah!! pois, assim que estava a cortar além, estava a partir aqui… não funcionava, daí … partia o bico que ele queria… como é que um gajo segurava um bico de massa de 2 cm de altura e 3 cm de largura é que era IMPOSSÍVEL (enfatiza)… (eu – isto levava muito tempo em obra?) … claro!!! E nós tentávamos cortar assim… só que os cantos partiam… depois, mais tarde, em cima das coberturas levava umas lajes grandes, agora é que são umas pequenitas, antigamente eram umas grandes… batia-se lá naquele canto, lá ia o canto à vida… e a partir da altura que aquilo partia, a tela de alumínio … mas aquilo não era fácil, na casa que o NL adquiriu – eu é que fui lá porque aquilo tinha uns azulejos – ele queria o original que era o branco com as tiras, as faixas pretas, então fui eu com as minhas mãos que os pus… porque também não era fácil fazer aqueles cantinhos, hoje metem uma tira de plástico … INQUÉRITO… eu a única coisa que introduzi foi o ar condicionado… para refrescar os quartos lá de cima… a sala é boa… o projecto Siza Vieira com aquela situação … [resolvida, até é bom]… aquelas condutas grandes é que vieram estragar a estética do bairro – é a peça pior do bairro são as condutas de transporte, podia estar enterrado ou ser uma coisa mais pequena… meteram na cabeça que as pessoas tinham que andar lá de pé, podiam ser mais pequenas… a segurança do bairro não é das piores mas quando fui para lá, por causa do muro baixo, por quatro vezes me roubaram roupas… mas era a roupa só, nunca roubaram mais nada e um dia até soube quem era… era dia de Natal… era um amola tesouras… e a roupa nem era nova… e deixei o muro baixo e nunca mais ninguém me levou nada depois de chamar a polícia na última vez… o muro baixo é bom para eu bater um papo com o meu vizinho de baixo, o muro dele é mais baixo por causa da inclinação do terreno, eu consigo ver mais para lá do que ele para cá, mas é agradável, o muro alto parece que isola, parece que abafa, mas o muro baixo não está pior… anda lá um guarda-nocturno, já fizeram estragos foi em carros… não há paisagem nenhuma, a rua é estreita, o Siza para provar que fazia melhor que a Cruz da Picada [acomodando o maior número] fez as ruas estreitas, eu não posso lá meter o meu jipe… há pessoas que não são capazes de estacionar juntoàparede e depois o outro vizinho já não pode pôr o carro do outro lado… a limpeza é horrível, mas é da responsabilidade municipal… limpam as ruas principais e mais nada… há muita erva na nossa rua, da entulheira que aquilo era, era muito estrumado, tenho o reboco oco porque umas ervas cresceram por ali e rebentaram-me com aquela brincadeira, mas eu meti ácido e acabei com aquilo… aquele lago, para mim aquela barragem foi um fracasso … já eu trabalhava aqui na CME e houve a tentativa de... aquilo é só bicheza porque quer se queira quer não, o bairro lá de cima que é a Vista Alegre havia muito saneamento de águas pluviais que trazem… casotas de cães … outros

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casas de banho clandestinas nos quintais e esse esgotozinho vem todo para aquele lago … independentemente de haver uma luta grande sobre isso, não é fácil… ali ao lado das piscinas, da Vista Alegre… eu tentei… aquilo é tapada do ramalho, está bem (?? Falei da Malagueirinha)… fizemos através da CME uma transformação nas piscinas que foi separar o esgoto das casas de banho das piscinas da água que sobra das piscinas e … quando as piscinas são anualmente limpas… o objectivo do enchimento da barragem é através dessa água das piscinas… mas o problema não ficou resolvido por causa desse problema da Vista Alegre, eu cheguei a ir a pé com mais colegas casa a casa para ver para onde corriam os esgotos pluviais dos quintais para onde é que isto corre… olha aqui um a correr para a rua… e têm o esgoto pluvial e para onde é que eles vão ligar o do canil? Para o pluvial… houve gente que disse que ia alterar mas continua… … a minha casa não tem a conduta em cima não tenho problemas, mas tenho amigos com problemas… equipamentos não há nada, há ali uma merceariazinha… a padaria hoje é um bar… depois falta o resto dos equipamentos… nunca foram criados mas havia lá espaço para isso – por baixo da nossa rua era para construir mais umas coisinhas… mas… quem é que quer… estacionamentos não há… … acessibilidades… nem se punha… foi outro erro do Siza Vieira… há casas com 2 degraus, há casas com 3 degraus… não deixou que rebaixássemos a entrada 20 cm … há pessoas com problemas de mobilidade que têm um tijolo na rua, mas aquilo não devia existir… … com o interior da casa sinto-me bem… a cozinha é funcional, neste segundo programa… o rés-do-chão é espectacular – fresquinho no Verão, de Inverno basta aquele aquecimento da sala, a salamandra, no primeiro andar é que os quartos são muito quentes, é uma questão financeira, senão já tinha resolvido aquilo reforçando a cobertura com isolamento térmico, porque eu tenho a parede toda revestida, era uma questão … a minha tinta nas paredes é boa, não tenho problemas de humidades – termicamente também me ajuda porque já é tinta plástica e todos os anos passo uma pintura… a coisa que eu mais gosto é o pátio, é a coisa que eu mais adoro (está a rir-se com gosto) … tenho lá uma sombrinha, protege as flores do Sol… a cosia que eu mais adoro é estar no quintal ligar o grelhador … com isto no monte estou menos tempo em casa, mas há 3 anos quando estava sentadinho no quintal no Verão, à tarde, quando começa a ter sombra, ali a fazer um grelhadozinho… estar ali com os amigos, é agradável, é muito bom… uma das coisas boas é a iluminação, a ventilação sim e não… a respiração transversal é um dos problemas… a caixilharia foi uma tourada, fomos a uma carpintaria a Torres Novas e o homem não percebia o desenho do Siza das caixilharias… (explica-me o macho-fêmea dos encaixes) … as caixilharias para mim funcionaram sempre, antes de começar a apodrecer… a vizinhança é espectacular, é quase uma família.. 1h39m25s os esgotos funcionam, os pluviais não tem, devia haver pluviais na rua… a vizinhança é excepcional, quase uma família, com excepção a essa casa… a pessoa não é de conviver muito agora de resto é … a gente conhece-se desde o cimo até lá abaixo… uns com mais defeitos, outros com menos defeitos, há lá um … essa antipática, não percebo aquilo … a despejar águas poluídas e tudo para as águas pluviais… mas não ter um espaço em casa para despejar aquilo e depois vem com baldes … já lhe disse uma vez, comigo a morar aí em baixo não despejava nada disso de certeza… aquilo é tipo esgoto a céu aberto que vem ainda do bairro de santa maria… tem umas grades grandes por cima e aquilo vem lá do alto dos cucos, um ribeirinho, quase, que vem desde lá de cima da sociedade… outro projecto que ficou enterrado graças ao senhor arquitecto Siza Vieira e naquele cabeço que era para se fazer a Igreja não se fez nada… é a ligação entre os dois bairros… dado o desleixo do controlo municipal, eu acho que ele se borrifou para isto… depois quando o PS ganhou isto, ele tinha uma avença aí, eles acabaram com isso e ele mandou isto tudo às urtigas – o NLtambém tem culpa, também, a gente tinha um registo de 250 obras clandestinas, a CME podia ter actuado … mas agora há eleições para a CME … … no geral da rua estamos sempre a falar… quem põe o muro alto é mesmo para ter privacidade, eu não me importo de estar sentado no meu quintal e ter lá a vizinha na varanda, às vezes até

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falamos de um lado para o outro… privacidade total não existe… eu lidei com pessoas do Norte e lido com pessoas daqui – o Nortenho era capaz, naquele bairro e naquela zona, algures no Norte talvez funcionasse com o alentejano não – o alentejano é muito isolado, muito fechado em si próprio – eu sou dirigente dessa colectividade há 20 e tal anos no bairro de Santa maria já colaborei lá activamente – sou o Vice-Presidente da Cultura e acredita que nestes anos de mandato pouco fiz ou nada… é pá… a gente ao fim do dia parece que precisamos é de estar descansados… não temos… o alentejano é muito fechado, bebe um copo num café ou isto ou daquilo … mas não é tão cultural… hoje já se vai para … malta jovem a fazer caminhadas a pé … o cicloturismo está a pegar … mas estas actividades ao ar livre têm que ser organizações viradas mesmo para isso, aquele anfiteatro podia dar para isso [passar filmes] e até o pessoal que mora ali perto, vamos lá fazer isto fazer aquilo, se tivesse integrado … se fosse criado, veio para ali gente já com os filhos criados … a parte cá de baixo, a rua dos fundadores, não se esqueça, depois ficaram os filhos e então é que começou a vir gente jovem e você não tem ali, não foram criados uns tempos livres, uma creche, nada, nada, nada, e aquilo é um bairro muito grande, dentro do projecto Siza existe uma creche e escolas e isto e aquilo … mas em cada aglomerado, e alguns são muito longe [uns dos outros], devia existir uma coisa dessas … … Malagueiras, ri-se, existem umas 3 ou 4… aquela parte que se vai para a CP do lado esquerdo é uma zona isolada… depois o aglomerado até ao bairro de stª maria é outra… até à Cooperativa é outra, a Malagueirinha é outra… são zonas específicas, depois há uma zona que vai até à zona do IGAPHE onde moram os ciganos que é outra … depois os privados… 5… depois a Boa Vontade e a Giraldo são duas, que a nível de comunidade… eles estão daquele lado e nós deste e aquela parte velha, quando desce a Cruz da Picada, se você reparar, há uns velhos que estão ali e não passam dali, o limite deles é até ali… parece que há um bloco de separação, aquele bloco do parque infantil para cima está separado dos mais velhos… em frente à minha casa [nas traseiras] ainda há umas casinhas… é uma geração mais nova, são as últimas a ser feitas … as cooperativas tiveram sempre dificuldades em que as casas fossem adquiridas … depois as primeiras deram problemas de fissurações … os próprios materiais foram alterados da 1ª para a 2ª fase… … há umas 7 ou 8 zonas… a Malagueira é uma história de 30 anos, conheci ali muita gente… lidei com muita gente umas boas outras más, dificuldades… há uma coisa que me envergonha ali… conheci muita gente que quer ir para ali, gosta, mas eu envergonha-me o aspecto e a imagem – então quando vem um autocarro de espanhóis que vem ver um projecto do Siza Vieira – e há um aspecto de degradação, uma imagem de degradação na entrada do bairro – aquela parte abaixo do lago, aquelas garagens ali foi um aborto, não deviam ter sido construídas sequer … aquilo foi negociatas, não me pergunte mais, depois é um terreno baldio – degradado, abandonado, aquilo era para ter um restaurante e estar arranjado, depois a imagem das condutas… há ali um indivíduo que foi militar e tem aquilo abandonado e ninguém se preocupa em pintar… fica aquela imagem negra… a recolha do lixo não é o ideal… aquilo é muito grande, a CME não tem mãos para aquilo… as ruas entre Srª Maria e a Malagueira também nunca funcionaram como deve ser… … (histórias do MR) quando foram recuperar as casas do GAPHE havia aí dinheiro a rodos… (mais histórias da COÓPE … e um suicídio, diz: eu preciso da minha vida de acabar com isto [de trabalhar como um escravo]) (agora faz agricultura, caça e pesca, muito entusiasta) (a minha esposa só foi uma vez lá ao monte…) (isto é só homens, só homens)

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AAF31 … tem tudo a ver, daí que eu me sinta sensibilizada, eu e algumas pessoas que me acompanham nestas investigações, que também se fazem em grupos e não em indivíduos isolados, a minha questão é – eu entendo o espaço público como um espaço educador, como é que circundamos o espaço público, o bairro ou a cidade, pode ser a cidade, é um conjunto complexo de instituições – eu sei que é uma instituição que se tem posicionado como urbanístico, espaço de encontro, mas nem sempre teve muita consciência que era um espaço educador e quando se fala em educação na cidade pensa-se imediatamente nas universidades e nas escolas, isso é verdade e não pode ser menorizado não é… o meu objectivo não é desvalorizar o trabalho importante da escola nem o papel da família enquanto agente educador mas para além disso tem que haver outras instituições que tenham consciência que podem ser educadoras – até já hoje embora com pouca consciência do fazerem – desempenham já hoje um trabalho muito importante na formação dos indivíduos e dos campos sociais, é importante que se assuma isso, e esse é o trabalho da cidade educadora, digamos … é a minha tese de doutoramento, não me posso entusiasmar muito senão ficava aqui … a falência da escola também me questiona, a universidade, a família também está com imensos problemas como sabemos … mas não vamos a lado nenhum se ficarmos só a reconhecer as falências dos diversos sistemas em seguida é preciso fazer propostas novas, repare… é mesmo isso que penso… são oportunidades… o meu grande empenhamento é arranjar propostas novas não é que possam resolver muito mas que possam constituir motivos de reflexão … o meu orientador é de Valladolid e é …. Benito… é o homólogo do professor Póvoa em Portugal, aliás… foi sugerido pelo Nóvoa, gosto muito do prof. Escobar … a minha cidade de estudo é Évora… na CME estou a trabalhar na cidade educadora no contexto do meu departamento… Centro Histórico – património e cultura … cultura, arqueologia, património… de programação de actividades de cultura, tudo isso, e depois há o Centro Histórico… e depois há o departamento da educação que tradicionalmente conduz esta cidade educadora e eu sou a representante do meu departamento nessa questão… como sou socióloga o que me interessa é o fenómeno social do lado do urbanismo, que são coisas que me interessam muito mas são sempre … maioritariamente têm sido pensados e estudados por arquitectos que imprimem ás vezes… eles trabalham muito com linhas … com desenhos … [com mapas] … Évora do século XXi resultou de uma série de questões de intervenção de urbanistas, maioritariamente, Évora teve um papel nos Planeamentos Urbanísticos muito importante… e isso é sempre associado, o que lhe falta é o lado humano, quando se fala de urbanismo, eu dei por mim, muitas vezes, a ver … resumindo aquilo tínhamos ruas e esquissos e desenhos e linhas… e novas centralidades e novas praças e buildings novos grupos de casas e coisas e que… tem sido muito difícil pensar a cidade conjugando a parte física com a parte humana – melhor dizendo o património material com o imaterial… e esse é que é o desafio de uma cidade, não se esqueça … esta questão da apropriação tem tudo a ver com a parte humana da casa… humana e social… o maior desafio é a transversalidade … a interdisciplinaridade, melhor dizendo, não é uma coisa da área da antropologia ou sociologia só… é uma confluência desses espaços só assim é que se pode pensar a cidade educadora… … a parte que acho importante é a da vizinhança, a outra parte é a minha parte histórica, eu nasci em 63 em Portimão e aí cresci, com algumas idas ao estrangeiro, mas até aos 18, altura que quis vir, uma opção muito vincada aqui para a Universidade … no algarve não havia e a opção mais natural era lisboa, na altura fiz com umas amigas minhas uma incursão a lisboa por três dias para ver se gostaríamos de lá ficar, lembro-me perfeitamente de chegar ao final do dia e de me assoar a lenços de papel e os lenços ficarem negros e aquilo incomodava-me por demais, de uma forma que eu não consigo explicar, e eu pensava – como é que é possível viver numa cidade em que se respira negro… onde toda a gente se cruza e ninguém diz olá a ninguém, fiquei tão mal impressionada neste sentido, ainda que tivesse muitos equipamentos, etc. mas francamente sabia

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que não me ia encontrar naquele espaço – tinha que ser uma cidade mais pequena que Lisboa … e também havia a questão do curso, sociologia era simpática para mim como curso mais do que como emprego porque queria compreender um bocadinho melhor o mundo que me rodeava – sociologia achava que era dos cursos que eu mais instrumentos me daria para isso – diziam que na altura em Évora havia o melhor curso de sociologia do país… juntando isso com a dimensão da cidade que eu julgava suportável Évora surgiu como a cidade ideal. E vim para aqui em 81 fazer sociologia [com 18 aos], estive em quartos alugados, as soluções de estudante, e tive um namorado que arranjei logo e tive assim a viver, a solução dos quartos não é muito conveniente e duradoura para aas coisas que eu gostava de fazer, até em termos económicos era caro!! Então queríamos ter uma casa, mas era uma coisa muito cara… quase impossível naquela altura, mas também nos parecia - porque é que não podemos ter uma casa se toda a gente tem uma casa e não nos conformávamos, então começámos à procura de soluções – uma vez conversando com uma irmão de uma colega nossa que já tinha um emprego e estava também à procura e que se tinha inscrito na cooperativa giraldo sem pavor – perguntámos se nos podíamos inscrever e foi ela que nos propôs… ficámos aliás a 2 lugares de ter uma casa naquele primeiro programa … tínhamos que esperar mais algum tempo, depois, enfim, a idade, éramos estudantes não tínhamos qualquer dinheiro – fomos durante um ano trabalhar para a Suíça e pedimos algum dinheiro aos nossos pais para dar para a entrada, a escritura, e o curso ficou interrompido, mas a ideia era voltar para acabar o curso num espaço agradável e foi o que aconteceu, nós voltámos e no mês de Fevereiro lembro-me de entrar aqui nesta casa – ainda me lembro da altura quase solene em que entrei pela primeira vez por aquela porta, achei muito curioso … mas esta casa não foi escolhida por nós, no tempo que estivemos ausentes tinha havido uma movimentação de cooperativas em que as casas eram sorteadas e depois um gostava da casa virada a sul – ao sol – outro não gostava disto e daquilo, esta era um T3 e como tínhamos acabado de chegar da Suíça já não podíamos fazer aquele percurso de escolhas e sorteios e regateamentos, aquilo tudo, nós ficámos com esta casa que foi a que nos foi destinada – não escolhemos, nem nos pronunciámos sobre, nem a localização … nada… nós só queríamos a casa – lembro-me que já tínhamos … era 86, 87… quando entrámos aqui estavam a acabar a todo o vapor porque já tinham passado os prazos legais e cada dia que passava … tínhamos que entregar ao IGAPHE mais um balúrdio que era o equivalente a juros porque já devia ter terminado… ainda me lembro de ver um senhor ali naquele quarto ali de baixo um pedreiro a estar a pôr cimento, um senhor com um maçarico a secar o cimento, imagine?... E outro senhor a meter corticite, lajes de corticite em cima dele, aquilo tudo ao mesmo tempo, escusado será dizer que a corticite saiu daí a pouco tempo… a urgência… aquilo a nós não nos impressionava queríamos era a casa. E assim foi, tivemos a casa imediatamente … (pergunto se foi aqui mesmo nesta casa, custava-me a perceber!!) claro, foi mesmo aqui… e houve outras pessoas… [iguais] … era assim, havia um compromisso em termos de data de entrega… não sei se se lembra… as casas foram construídas com o dinheiro do IGAPHE – como é que as casas foram construídas – nós, enquanto a casa esteve em construção só estávamos a pagar a nossa quota e era preciso adiantar dinheiro… quem adiantou foi o IGAPHE que … esse dinheiro como é que era reembolsado ao IGAPHE… era através da CGD com quem eu contratualizava, mas era no momento da escritura [já era na 2ª fase], O IGAPHE era ressarcido na altura da escritura e eu passava a ser proprietária da casa e passava a ser devedora a CGD, que entretanto tinha pago ao IGAPHE, tudo isto tinha protocolo e prazos, o que aconteceu foi que as obras atrasaram e o IGAPHE tinha adiantado o dinheiro e não o estava a receber na data que tinha sido prevista … por cada dia que passava havia um acréscimo de juros – e daí as casas terem que ser terminadas com essa rapidez… eu sei porque por cada dia que passava quem suportava os juros éramos nós, eu já não me lembro exactamente da quantia, mas na altura era uma coisa que me chocava muito – não só eu estava desejosa que a casa fosse atribuída e não estava a ser como ainda tinha de pagar por causa disso… esse pormenor também não é por demais relevante, tem a ver com o

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funcionamento… com os atrasos… eu entrei nesta casa ainda por acabar de construir, lembro-me dos primeiros dias que dormi aqui corriam fiozinhos de água pelas paredes que não estavam ainda secas… entrei com ela acabada de fazer mas ainda não acabada de fazer, percebe?... ainda não tinha secado, na altura não podíamos, onde o senhor tem as costas, não podíamos encostar-nos… se tivesse o casaco como o senhor tem aí encostado à parede ficava encharcado – desde logo, não sei porquê, achei que ia ser um espaço muito importante para a minha vida – eu não sei se as outras pessoas todas quando entram numa casa pensam da mesma maneira, isto era a minha casa – ia ser a minha casa – eu lembro-me de chegar ali e ver, número três, o que é que isto quererá dizer… já sei que aqui vou chorar muito, vou rir muito, vou ser feliz e vou ser infeliz, vou ter contentamentos e descontentamentos, e aqui entrei assim. Não havia um móvel… tinha 24 anos, sim!... os meus vizinhos eram mais velhos, sim… não havia nada e o que é que fizemos … comprámos com o dinheiro que trouxemos da Suíça umas máquinas black and decker, o meu marido na altura … gostava muito de bricolage – não sei se lembra daqueles equipamentos da black and decker … ele era sociólogo também, tínhamo-nos conhecido na universidade e tínhamos decidido ter uma casa… o dinheiro que tínhamos é que não era muito e tínhamos constrangimentos… e estávamos os dois desempregados com a ideia que havíamos de acabar o curso que ainda não tínhamos acabado – mas não tínhamos emprego para pagar a mensalidade da casa que na altura ficou em 60 e tal contos que era imenso … aquilo parecia-nos uma coisa… aliás os nossos pais diziam-nos: onde é que vocês se foram meter – 62 contos por mês era muito elevado, sem emprego nem eu fazia a mínima ideia como aquilo ia ser … eu só via inviabilidade… ou deixava esta situação e ia de novo arrendar um quarto, mas eram tão caros naquela altura … já pediam 20, 30 contos por um quarto na altura e eu achava que aquilo era um desinvestimento aquilo do quarto, então achei que ficávamos e os primeiros meses ainda foram pagos com o dinheiro que trazíamos da Suíça e depois desesperadamente pusemo-nos à procura de um emprego, eu consegui um emprego, POC’s, na altura chamavam-se programas de ocupação dos tempos livres e isso dava-me menos de metade disto e fizemos alguma ginástica eram programas de ocupação, com crianças, ali na escola da Cruz da Picada – foi assim – os debates na Sobreira foram mais ou menos neste processo porque entretanto eu tinha estado na Suíça e quando entrámos este programa estava concluído mas ainda corriam algumas discussões, porque ainda havia mais casas em construção, elas não foram todas construídas no mesmo dia, não é… esta estava feita mas havia várias que estavam em construção, e estava em curso o tal tempo em que o Siza Vieira vinha a Évora já não me lembro se era todos os sábados se era de 15 em 15 dias, juntávamo-nos na Sobreira e discutíamos, com os moradores, com as cooperativas, com alguns agentes que eram … o Eduardo que conhece que era um apaixonado pela Malagueira – foi um dos primeiros especialistas que se formou ali – foi o primeiro especialista, aquilo foi [ri-se imenso do assunto]… mas era um especialista in loco … ele já mediava muito as discussões do Siza Vieira com as pessoas, porque os níveis de abordagem eram muito diferentes, havia pessoas que diziam coisas que não faziam sentido nenhum outros até faziam e outros faziam até mesmo muito, como era o caso do Eduardo [ainda hoje dirigente da Cooperativa Boa Vontade] que era muito ouvido pelo Siza Vieira… bom isso foi um processo que eu achei absolutamente inacreditável, comovia-me, confesso que me comovia, o meu interesse naquilo era mais como processo social do que a casa que eu estava a discutir até porque a minha estava mais ou menos concluída ou em vias de estar e já nem era… o que eu achava fantástico era aquela forma em que o Siza Vieira se expunha… eu nunca tinha visto aquilo… nas casas por onde eu tinha andado nem tinham arquitecto nem projecto quanto mais o arquitecto vir discutir com os futuros donos das casas … aquilo era muito interessante, era absolutamente invulgar … … havia uma utopia que hoje não há, as pessoas quando hoje lhes falam de cidade educadora as pessoas dizem que é uma ideia absolutamente utópica e deixam de se interessar por ela, mesmo, naquele tempo era uma coisa que acalentava as pessoas e as atraía, neste momento a sensação é

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que as pessoas sentem que não vale a pena que é tempo perdido, passava-se, usufruía-se de muitas horas de discussão e ninguém achava que aquilo era tempo mal passado, eu penso que a maior parte das pessoas que estavam ali tinham a consciência que aquilo era um processo invulgar – muitas pessoas tinham, o Eduardo tenho a certeza … havia alguns agentes que participavam naquilo que era um projecto invulgar, depois havia outras pessoas que não tinham consciência disso e só estavam preocupadas com o tamanho da sua janela ou coisas assim… outras por interesses profissionais, mais os construtores e havia outras pessoas que seguiam aquilo com paixão – eu achava que aquilo era uma coisa absolutamente fenomenal… então uma pessoa que tinha uma questão na casa e o Siza Vieira lhe explicava porquê … aquele debate eu achava absolutamente fantástico [mais entusiasmo não podia ter a relatar estes episódios] … do género, eram uns pormenores ao mais ínfimo… porque é que havia de ter mais dois centímetros, menos dois centímetros… devia ter um quadradinho ali… eu já nem sou capaz de explicar os pormenores … aquilo interessava-me menos porque estava patente que o Siza Vieira tinha pensado aquilo ao pormenor, a atenção que ele dava a esses factos também me fascinava… tinha imensa paciência e tentava fazer… o processo de participação em planeamento… é uma disciplina da sociologia, não há nenhum autor que não diga que a participação é uma coisa indispensável… central, estruturante… toda a gente defende isto em termos teóricos, em termos práticos é muito difícil de fazer… o que eu vi ali foi os tempos em que a participação era possível ser feita e o Siza Vieira fez estas casas, é evidente que não deu ouvidos a toda a gente, felizmente, mas do que eu pude observar penso que ele integrou bastante o que lhe disseram, no seu projecto, na sua ideia, a ideia que ele tinha foi-a moldando no terreno e – eu acho – que ele fez a casa que não teria feito se tivesse ficado no seu gabinete só… ele falou com muitas pessoas, muitos agentes, e depois a sua proposta resultou de um processo de participação que eu acho que foi efectivo. Não foi perfeito, não estou a dizer que foi perfeito, não foi o que se defende teoricamente que seja mas foi o melhor que eu já vi do que se defende teoricamente que seja… o mais próximo que eu já vi… defeitos terá, e haverá pessoas que lhos sabem apontar eu prefiro valorizar aquilo que acho mais fenomenal… foi participativo… nunca me tinha ocorrido que para comprar a casa tivesse que ter discussões com o arquitecto… eu tinha 24 anos… a experiência que tinha nessas coisas também não era muita talvez por isso é que eu tivesse ficado mais fascinada … … quando eu entrei senti que este era o espaço que eu iria construir… comprámos algumas peças black and decker e começámos a construir esta casa, percebemos perfeitamente que havia aqui uma coisa que nos tinha sido proposta – que era a nossa casa mas que nós nos íamos apropriar de uma certa maneira, que era a nossa, tinha que ser a nossa, para mim desde logo ficou claro – havia dois projectos ali … estruturalmente casa está como era, eu tenho tentado fazer… há coisa de três anos eu transformei o T3 num T5 – mas nessa altura eu tive o cuidado de fazer de acordo como estava nos projectos… fiquei sem pedaço nenhum do terraço, e tinha um terraço … era a porta de um dos quartos que dava para esse terraço mas como era um quarto de dormir, esse quarto nunca tinha utilização … é outra tipologia, só um quarto tinha acesso … fiz a cobertura deste pedaço [da entrada da porta] com a ajuda do Eduardo que desenhou as janelas, havia pessoas que as juntavam mais, eu tentei em todos os pormenores seguir tudo o que o arquitecto tinha desenhado para ficar o mais fiel possível, em relação a este terraço faço questão de o deixar o mais disponível possível, gosto muito de pôr verdes que no Verão dá uma sensação de frescura muito grande, esta mesa [gigante que está no pátio] faz-se tudo, pomos a mesa cá fora, fazemos as refeições, recebemos os amigos … tudo se passa nesta mesa, trabalhamos, estudamos, aquela porta é a original a única coisa que pus aqui foi este pavimento, o Siza Vieira tinha posto aqui um quadrado que era para pôr relva e à volta havia pedra como aquela que está ali na rua, ele queria fazer a continuidade da rua para aqui, confesso que algum tempo depois de viver aqui me apercebi que trazia muita terra para casa – no quadrado nunca pusemos nada, era terra batida … e o empedramento da rua é irregular e tornava-se desagradável, daí que eu tomasse a iniciativa de

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pavimentar isto tudo da cor mais clara que podia para continuar a ter luz, era o pavimento mais simples e claro que conseguisse arranjar para conseguir fazer a minha interpretação deste espaço que é uma sala, que eu acho que é uma das mais valias desta casa, que é uma das maiores delas – é um espaço que dá para tudo, só não dá neste período em que estamos agora mais ou menos até Março, a partir daí até Outubro nós vivemos nesta sala… quando vem o frio recolhemo-nos … não, não tem muito Sol, repare na orientação desta casa o Sol nasce por trás… esta casa tem uma característica, é muito fresca de Inverno e de Verão, de Verão é muito bom porque nunca temos o Sol aqui directo… com a buganvília que está ali a proteger a janela e com todos estes verdes – nunca costumamos estar aqui o dia todo, mas uma coisa que o meu marido faz sempre é ter um chuveiro desmontável que agora não está aqui e tomamos aqui banho… aqui neste espaço faz-se tudo, além de receber amigos … a minha filha tem 16 anos e sempre tomou banho aqui no pátio … com mangueira, com chuveiro… umas vezes mais improvisado outras vezes mais “oficial”… agora já é um chuveiro a sério, este espaço sempre foi multi-usos… dá para todo o tipo de coisas, informal e informal, a lenha no Verão não está cá e ali fazem-se sardinhadas … cozinha-se também, eu julgo que este é o mais multifacetado da casa … este é o muro mais alto, o Siza Vieira propunha que fosse o mais alto possível, e eu mais uma vez porque achava que não percebia nada daquilo e era fã do Siza Vieira aderia logo á proposta dele… portanto tive o muro mais alto que era o que ele mais queria e hoje estou muito contente com isso – pois hoje posso fazer o que lhe estava a dizer … nós às vezes tomamos o banho aqui em cuecas e sem o muro alto isso não era possível… 40m … … comprámos tábuas de pinho que havia na altura e começámos a fazer os móveis que havia cá em casa, a mesa que está lá fora esteve muito tempo aqui, antes de ir lá para fora – a mesa foi construída por ele, isto por causa da questão da apropriação… apropriar foi começar a fazer as coisas para aqui – ao princípio não percebemos que íamos dar cabo do chão da sala, deixávamos cair lá aas ferramentas, aquela sala foi uma oficina durante uns meses, era oficina de onde saíram os móveis para a cozinha, a cama onde hoje durmo… é uma forma de apropriação… (é uma série de processos: social, familiar, do habitat?) … até o processo profissional – porque o meu processo profissional – o meu primeiro emprego foi aqui na Cruz da Picada, porque uma moradora aqui da Malagueira que sabia que eu estava à procura de emprego, e que era nossa amiga, propôs-me se eu não queria ir ali… porque ela era educadora de infância ali na escola, portanto o processo profissional como lhe disse, a seguir fui trabalhar para o Projecto Integrado da Cruz da Picada – aquela expressão que lhe disse do “Abraço Solidário entre os Bairros” da Malagueira e da Cruz da Picada … era a Mª que abraçava os outros dois bairros… (entra a filha, a Ana Lia, tem 16 anos, nasceu naquela casa e viveu lá e noutra da Mª também)… o pai da Lia é o namorado com quem eu partilhei a casa … estou numa segunda relação… LIA – tenho amigos, andei aqui nos primeiros anos da escola… aqui ao pé na escola da Malagueira e na escola da Sª Glória e aa maior parte das pessoas que andavam lá na escola ou viviam na Mª ou aqui muito perto … tenho, tenho histórias, a minha mãe costuma dizer que eu não brincava assim muito na rua – talvez aa partir do 5º ano, tinha 12 anos, ou um bocadinho menos, não sei, eu tinha um amigo que era o Dinis ainda hoje o conheço que também vive na Mª. Vive numa zona mais… vive no Alto dos Cucos… um pouco mais acima, ao pé das piscinas … nós também tínhamos uma colega de escola que tinha alguns problemas em casa assim a nível social, era … nós gostávamos muito dela e também vivia na Malagueira numa zona mais complicada, onde há mais problemas … a nível social mas nós gostávamos muito de andar aí pelo bairro, principalmente nestes parquezinhos, aqui é um parque infantil nós íamos brincar e às vezes descobríamos umas coisas assim … aquelas coisas assim muito míticas [preservativos ou seringas?] que… que [hesita]… lembro-me uma vez quando andava na escola da Malagueira no ano em que ela abriu … havia o mito do … havia um miradouro acima das piscinas, nós éramos muito pequenos, andávamos no quinto ano e à hora do almoço conseguimos sair da escola, que era uma coisa complicada porque

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não tínhamos autorização para sair e lá fomos procurar esse miradouro… que existe, existe… depois era a peripécia de entrarmos numa propriedade e andar um velho de caçadeira … tínhamos 11 anos, aliás esse amigo que andou comigo na escola, acompanhou-me desde o 1º anos e eu já estou no 11º, ele vive aqui na Malagueira desde que nasceu e esse era com quem eu mais brincava e depois tinha uma amiga numas ruas aqui próximo com quem comecei a ir para a escola, mas também já nessa altura das aventuras também brincávamos mais em casa… playstation e coisas assim… este parque infantil é recente, mas havia aí outros parques [informais e espontâneos, não-construídos], outros sítios onde nós… que não eram exactamente parques… [grandes grupos?] – há aí uns rapazes que eu não sei quem são mas há aí grafitis em todo o lado deles… MRP, Malagueira Putos Rebeldes, ainda hoje, eu conheço alguns são rapazes com dificuldades, um que no sexto ano passou com 5 ou 6 negativas que era uma coisa muito complicada, tinha problemas com os pais… mas eles são imensos, às vezes ainda os vejo, eu agora vivo num sítio com o meu pai que já não pertence à Malagueira mas que é completamente colado ao gradeamento das piscinas … eu vejo-os frequentemente e sei … não são meus amigos mas conheço-os da escola … eu penso que eles são mais ou menos de todo o lado talvez mais da zona da avenida da Malagueira – sei que são muitos e andam sempre para aí e vão pintar e jogar à bola … às vezes andam aí de bicicleta, mas assim grandes grandes grupos não … [retorno à mãe] … [processos?]… eu acho que uns potenciavam os outros ainda que não fosse absolutamente … bom se eu não tivesse vindo morar para esta casa eu não teria tido o percurso que tive, ponho a hipótese… porque ele de facto foi muito condicionado pelo facto de eu trabalhar primeiro na escola da Cruz da Picada que me deu conhecimento para depois trabalhar no Programa Integrado da Cruz da Picada (PICP) que me deu depois caminho para trabalhar na Câmara de Évora, uma vez que a CME era uma das parceiras do Programa… o meu percurso profissional por exemplo foi, penso eu, eu não direi que foi resultado do facto de viver nesta casa, mas… [enfatiza a querer dizer que é isso mesmo que pensa] as coisas estão interligadas – curiosamente eu lembro-me que quando eram os meus 30 anos, a minha primeira filha que é a Ana Lia, havia muitas vezes que eu não ia ao CHE, o que chamamos a cidade, eu vivia aqui, os meus amigos eram aqui da Mª – nós encontrávamo-nos na Sobreira, aquilo era um café enorme onde se passava os finais de tarde – muitos finais de tarde, ou passávamos sábados de tarde – às vezes noites, aos serões … e passei muito tempo aqui nesta zona, porque articulava a questão do trabalho com a questão dos vizinhos, quando deixei de trabalhar no programa Integrado da CP que teve um fim um bocado abrupto, então aí passei a relacionar-me mais com o centro da cidade, o que eu acho que aconteceu foi, sempre achei que os processos sociais aqui não era muito de vizinhança, aqui na rua, os meus vizinhos – os dois de cima são os mesmos que vieram na altura para aqui… 2 não 3, são os mesmos 3, depois há uma 4ª vizinha que veio precisamente há 16 anos quando a Ana Lia nasceu e se tornou precisamente a ama dela – quando veio para aqui foi na altura que eu estava grávida e a senhora falou comigo, era muito simpática, e combinámos que ela seria a ama da minha filha … é uma pessoa que tem até hoje uma relação privilegiada com a minha filha, ela diz que tem uma relação mais privilegiada com a avó, é uma relação de vizinhança, esta senhora é quase um membro da família, depois esta casa aqui ao lado já teve vários donos com quem eu nunca tive… de facto nenhuma relação aprofundada, aqui, ainda agora damo-nos bem, mas só uma relação bom dia-boa tarde … eu não me lembro de esta rua ter uma vivência de rua – estas ruas nunca se percebe se são espaço privado se são espaço público – obviamente todos sabemos que é espaço público, mas também esta rua é o términus do bairro, não tem ninguém á frente e as pessoas entendem isto como a sua rua. As pessoas que vivem aqui, ainda ontem me estava a lembrar – fui lavar o carro que é uma coisa que não faço muitas vezes – quer dizer estacionei o carro de maneira que impedia a passagem porque o outro estava estacionado à frente… como a rua é estreita, ou se alinham todos e dá para passar outro carro ou já não dá… para chegar a mangueira… eu estava a fazer aquilo quase de propósito porque aconteceu que os carros que vêm

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vêem este parado … eu só fiz ontem, mas os meus vizinhos fazem com muita frequência … nos outros lugares as pessoas buzinam, mas aqui não, vêem que está a ser utilizado o espaço então contornam e vão à volta, porquê? Porque a maioria das pessoas entende um certo direito privado ao uso da rua, ninguém se põe a lavar o carro impedindo a circulação, excepto aqui… o que quer dizer que a interpretação desta rua não é a mesma daquela estrada ali [principal que vai dar à CP, portanto é um espaço privado (de convivialidade, obviamente, porque é o) que se opõe à rua-circulação pública]… fica a meio caminho entre uma coisa e outra também não é espaço privado, tanto que ainda ontem estava a fazer aquilo a ver o que é que acontecia e veio uma senhora que se sentiu muito incomodada por eu estar a obstruir o espaço e ficou ali parada à espera que eu saísse e eu estava quase num processo de laboratório social a ver o que é que ia acontecer e então não disse nada e a senhora também não e ficou ali uns quantos minutos - entretanto a minha vizinha aqui do lado que tinha o carro desalinhado viu aquilo e resolveu tirar o carro para que ela pudesse contornar e sair e pronto … não aconteceu nada, a senhora não disse nada, não se irritou, e a coisa resolveu-se assim… este episódio só serve para mostrar que estas ruas não são nem espaço público nem espaço privado, são um misto não assumido [institucional, formalmente] de uma e outra coisa – eu falava disso com a minha vizinha ainda ontem, porque ela diz que não se pode … passam aqui na rua a grande velocidade, o que geram muito desconforto porque o meu filho é pequeno… se aa rua é entendida como uma estrada, as pessoas que não conhecem a rua passam como se fosse uma estrada, a grande velocidade, isto é o topo do bairro… eu penso que são pessoas que se querem dirigir a outros lados do bairro… à CP… às vezes dá jeito passar por aqui o que incomoda um bocadinho as pessoas da rua porque a entendem como a sua rua… ou outros não entendem que isto seja a rua de alguém… de maneira que isto é a rua de todos… é uma confluência entre o espaço privado e o espaço público… lembro-me de terem discutido que as ruas eram estreitas, a versão do Siza … eu aí entendo que ele não conseguiu os objectivos … na altura a discussão era – as ruas seriam estreitas para permitir a aproximação das pessoas e a vivência disto que eu estou a dizer que é a vivência da minha rua – não passariam carros, os carros ficariam estacionados noutro sítio e isto não seriam ruas de carros… até pela sua largueza não se proporcionava que fosse … isto seriam ruas de convivência – eu penso que isso nunca aconteceu porque de facto as pessoas trouxeram para aqui os carros … portanto não é rua de convivência, não é a rua da vizinhança, nem é a rua pública eu acho que fica a meio caminho entre uma coisa e outra… … eu adaptei-me mais à casa que adaptei a casa porque não fiz mais alterações, devo dizer que na altura isto era um T3 e eu lembro-me que quando aqui entrei era uma jovem de 24 anos, com o meu marido, sem móveis, nem nada e achava esta casa enormíssima para quê que eu queria uma casa com 3 quartos e só precisava de um … eu estava habituada a viver num quarto alugado … bom e achava aquilo uma enormidade… também tem a ver com a faixa etária, eu estava a começar a minha vida, conjugal com o meu marido, social, uma vez que eu até aqui tinha sido uma estudante universitária – e os estudantes universitários em Évora vivem todos no seu meio … esta casa queria dizer para mim que eu ia começar a viver em Évora porque antes era uma situação transitória – os estudantes universitários não são eborenses … era um tempo de esperança porque tinha a ver com a idade e com o emprego… eu gostava desta ideia, eu gostava disto, uma casa nova e de ser assim desta maneira – não me importava nada que a gente não tivesse escolhido os materiais nem que fosse habitação económica, porque eu acreditava naquela fórmula do Abraço Solidário da Malagueira, eu também achava e acho que esta coisa dos processos sociais … não se podem desencadear e depois fazer exactamente o contrário, se os defendemos temos que nos inscrever neles – adoptá-los… fazer parte… se eu achava bem a integração e eu lembro-me desta rua – sabe que a CP era o farwest chamavam-lhe o bairro dos índios era um gueto, logo esta rua aqui era uma rua que a maior parte das pessoas não queria ficar aqui… porque ficávamos virados para a CP o que não era boa vista nem boa vizinhança – isto a mim não me fazia nenhuma

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impressão porque se eu acreditava que devíamos integrar-nos, o mais normal era que eu viesse para aqui e que me sentisse aqui bem, coisa que de facto veio a acontecer… sinto-me aqui bem e nunca me senti intimidada com a proximidade da P, pelo contrário … quando comecei a trabalhar no PICP a dado momento havia uma miúda que me lembro … eu não tinha filhos porque era muito jovem e havia uma criança cigana que apareceu lá com muito pus a sair do ouvido – era uma otite que tinha rebentado e os pais não achavam importante tratar aquilo, a miúda apareceu lá naquele estado, descalça e com uma Tshirt e eu fiquei muito alarmada, levei a miúda ao médico que disse que se não se tratasse com os medicamentos a horas isto podia reverter e tornar-se um caso complicado, fui dizer à mãe e ela disse sei lá dessas coisas, nem tenho relógio – a mãe cigana não achava aquilo nada importante – e disse então a senhora professora não ma quer levar e tratar lá dela… faça a senhora se achar que é muito importante e eu fiquei com a miúda nos braços e se é assim … viveu aqui seis meses connosco… esta casa acabou por ser aquilo que achava que podia ser a minha vida e foi… [ri-se] não podia defender teoricamente que isto era um abraço solidário e depois que eu não estivesse disponível… comigo isso é natural e aliás desde essa altura a comunidade cigana sempre me reconhecia e eu sentia-me muito protegida porque eu achava que a mim nunca me haviam de assaltar… e de facto nunca me assaltaram porque eramos amigos [ri-se às gargalhadas] isso também … sempre vi isto como uma mais valia e não como um impedimento do que quer que seja… [é esta identificação com a diversidade populacional do terreno que vai levar as pessoas à omnivoridade] 1h 05m … sabe que estas casas quando estão voltadas para a CP as pessoas atribuem-lhe menos valor económico… assim como viver no restelo é diferente de viver noutro sítio qualquer… viver na Malagueira virado para a CP é um bocadinho diferente… de outros lugares da Mª… isso a mim nunca me incomodou nada… acho até graça a isso… a vizinhança são pessoas pacatas, são diferentes de nós mas sempre vivemos … [à parte] … a minha filha nunca teve aqui amigos com quem se desse – esta rua quando eu digo muito pacata é a minha interpretação também da Mª penso que isto acontecerá noutros espaços, o espaço público é um espaço não conseguido na Mª… o espaço público é um espaço partilhado por todos, enquanto que o espaço privado é um espaço que eu vivencio individualmente, privado, como a família, o espaço público é aquele que eu partilho com os vizinhos e os demais… é de todos… a rua, o largo… aí a vivência social não se tem desenvolvido como o Siza dizia que ia acontecer … o facto de ser estreito ia proporcionar a aproximação das pessoas e eu não vejo isso, aqui na rua o que eu vejo, e eu também faço isso, eu chego da CME faço questão de vir a pé, gosto de vir e fazer exercício, abro o portão, entro e fico aqui o resto do tempo… para ir de carro e deixar nos parques de estacionamento e depois ir a pé, mais vale ir a pé daqui… a L. usa também o autocarro… isso ainda não me habituei… eu gosto muito de morar aqui e desta casa, o Siza Vieira dizia que isto era uma arquitectura introspectiva – lembro-me de ele dizer isso – que esta casa (quando ele explicava a casa aos que iriam ser seus proprietários), dizia, era uma casa para se ir descobrindo, dizia mesmo que – o que é que o senhor fez? Entro e ficou no pátio, a olhar, a ver se tem flores, se não tem flores, isso é a primeira coisa que se faz… depois ele dizia que se o proprietário quisesse podia convidar a pessoa a entrar, por exemplo, para a sala ou para a cozinha e ficaria… há medida que fosse tendo uma relação mais aprofundada com o seu interlocutor assim lhe iria dando a conhecer o espaço, levando-o até ao quarto de dormir… ou as casas de banho que seria um grau de intimidade … era introspectivo e as pessoas iriam descobrindo … o Siza dizia isto para a casa e dizia que em termos sociais as pessoas se iriam relacionar… eu hoje julgo que não é só a casa que é introspectiva, eu penso que é o bairro que é introspectivo… eu penso que as pessoas aqui, falo pela minha experiência pessoal, eu entro aqui no bairro e recolho-me na casa … e quando eu quero ir a um espectáculo, a um colóquio ou uma coisa qualquer, tudo isso costuma acontecer no centro da cidade e eu desloco-me até lá, aqui eu tenho uma vivência interior… eu não costumo andar a passear nas ruas do bairro … aliás há um problema – eu tenho um filho que tem agora … 7 anos e o espaço livre é muito importante – o espaço público e o ar livre – quando ele tinha 2 anos

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eu dava umas voltinhas com ele, mas nunca achei muito boa ideia aqui no bairro – encontrava sempre imensa porcaria de cão, era uma chatice para ele, aqueles espaços com relva estão todos sujos, aquilo não é espaço público, em termos de bairro, não é que não goste do bairro, eu gosto, mas acho que não tem sido feito um investimento no espaço público, há aqui é investimento no espaço privado, eu gosto muito de viver nesta casa e não tenho nada contra o bairro mas não consigo vivenciá-lo naquilo que é … quando eu preciso de qualquer coisa social vou à cidade… eu sinto-me bem na casa, o bairro é quase como se não existisse … também tem a ver com os processos pessoais, eu até aos 30 anos passava os meus tempos livres na Sobreira porquê que agora os não passo?... na altura eu quase não ia ao centro da cidade, porque eu trabalhava aqui… depois comecei a ir ao centro da cidade e isto agora funciona como dormitório – mas não é só para dormir, quando eu estou em casa EU ESTOU EM CASA [enfatiza]… nos meus tempos livres eu estou em casa, tem a ver com a rua mas também tem a ver com processos sociais o meu filho hoje não brinca na rua – ainda ontem quisemos ir dar uma volta com ele – aos fins-de-semana vamos ao parque infantil grande junto à cidade … aquilo tem maior extensão ele quer jogar à bola – aqui na rua também não consegue … ele quer jogar à bola é o que lhe interessa fazer – na rua não pode porque estão a passar os carros, no relvado não pode porque tem cocó de cão e a todo o momento … os espaços públicos é que são o grande problema disto… as condutas esteticamente não é a coisa mais bonita do mundo mas estou satisfeita, no Verão os banhos que tomamos ali fora são com água aquecida pelas condutas… eu comprei uma garagem e depois vendi-a, achava que aquilo estava muito longe da casa e não … aquilo não fazia sentido nenhum… muito satisfeita com a cozinha, é o espaço onde passo mais tempo… … eu acho que tem muito pouca luminosidade, é a parte que eu tenho mais pena, muitas vezes de Inverno eu tenho que ter a luz acesa, isso decorre da orientação que a casa tem que explica a falta de Sol… e depois o muro também é alto, mas não sei se fosse baixo se resolvia… e do lado de onde o Sol nasce também tem a casa ao lado… os azulejos são de baixa qualidade, mas a mim não me incomodam, houve gente que tirou… convívios dentro do bairro não existem… eu sei que associam esta zona à CP, conheço a mãe de uma amiga da minha filha que lá vive que dá sempre a morada de uma tia no centro da cidade e sempre achei que isso era um problema grave dela, eu nunca vou esconder que moro em frente à CP antes pelo contrário e decorre daquilo que eu já expliquei… quero contrariar o preconceito e nem vejo nisso uma desvantagem, bem pelo contrário… primeiro achei graça a esta rua que não tem nada em frente, tenho estes arbustos que até acho piada, depois tem a CP sei lá se tivesse outra casa qualquer se tivesse só Malagueira podia correr mal ou correr bem … isso não é uma coisa que me aflija ou eu considere importante… BAM17 … eu quando vim para aqui morar, esta zona até era uma [boa] zona… a vizinhança é por acaso impecável… mas havia aqui uma espécie de gaiatos mais novos – vinham para aqui partir, andavam aqui … assaltavam as casas e tudo, e hoje não fazem aqui mais porque eu não permito, sabem que eu cá estou e já moro aqui há 13 anos nesta casa, entretanto a vizinhança respeitam-me perfeitamente bem e contam comigo… neste momento o senhor veio aqui para fazer uma entrevista comigo e eles vêm aqui por várias coisas. Outra coisa que se precisava nesta zona, a CME ou a que está à frente disto que toma conta desta situação [Habévora, Hb]… as nossas casas são umas casas boas, mas acabam por ser muito húmidas, às vezes há coisas que fazem falta serem feitas e eles não fazem… a CME não faz ou quem está encarregue de fazer, a Hb … vamos pedir para arranjar, para fazer, e não fazem… era preciso muita coisa … precisava de mais iluminação, precisava… temos aqui uma zona verde e agora vem aí o verão e em vez de ser para

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nós, para as pessoas ou para as crianças é para os cães, há aqui casas que têm 4, 5 cães – que isto não se pode ter… é impossível, e aí, às vezes, cria-se um mau ambiente entre a vizinhança, porque é pá numa casa, nas condições que nós temos é impossível ter 4 ou 5 cães – incomodam muito a gente e as ruas… há para aí ruas [todas sujas de cocó de cão] que a gente está a ver isto aqui tudo limpo, mas há ruas… quando chegar mais à frente, que eles soltem aí os cães – isto é uma miséria, não se pode andar aqui porque os cães fazem cocó em todo o lado e fazem xixi em todo o lado, é complicado, nós temos aqui um jardim que isto é uma coisa bonita que está aqui, isto é um jardim, eu já falei com alguém da Junta de Freguesia – não há aqui – numa zona verde destas [é do tamanho de um campo de futebol de 5, com as bancadas] não tem uma torneira para nós bebermos uma pinga de água se nos der a sede, nem para dar uma pinga de água a uma criança, isto numa zona verde destas, num bairro com esta dimensão… não existe uma torneira… este jardim devia ser um parque infantil para as crianças e para as pessoas mais velhas estarem aqui com os mais novos, isto não tem condições. Digo-lhe com toda a franqueza não tem condições, estas árvores aqui… uns ciprestes… eu vejo disto é nos cemitérios, não é num jardim como este, isto devia ter aqui umas condições para as crianças, não tem, mas faz muita falta. Devia de haver alguém que se interessasse por isto, como o senhor, e outras pessoas, que levasse isto a alguém responsável que levasse isto – que tomasse conta disto. Voltando um pouco atrás, com respeito à vizinhança – isto foi complicado, foi complicado (enfatiza) … e não é fácil lidar com certa vizinhança que aqui circula e que vive, porque há aqui pessoas de toda a espécie… mas as pessoas vão-se integrando, sem dúvida alguma, vão-se integrando uns com os outros e vão respeitando alguém [no sentido vão respeitando uns aos outros, acho eu]… porque no sítio onde eu vivo respeitam a minha vizinhança porque eu estou aqui… posso-lhe dizer isto… não digo isto com orgulho de dizer que sou mais respeitado do que todos, não, é por ser um ser humano e gosto que toda a gente viva bem, tenho filhas e tenho netos e gosto que toda a gente que vive aqui seja respeitada e viva tranquilamente. E as nossas casas deviam de ter outras condições que não têm, que a Hb não faz por isso, nós vamos pedir, mas eles não vêm cá fazer…vêm pôr uma janela, daqui a 10 anos vêm pôr uma torneira, isso é muito complicado… essas coisas … é triste… e digo mais – o Bairro da Malagueira é bonito, é uma zona muito bonita, mas quem fez isto havia de ter feito outras casas, porque as casa não é aquilo que as pessoas possam imaginar – são umas casas que não é o que a gente pensa [é absolutamente necessário registar que não tenho qualquer outro entrevistado que diga isto, cigano ou não cigano, homem ou mulher, dizem exactamente o contrário: que a casa é excelente, e muitas vezes não gostam é dos espaços públicos, e os inquéritos confirmam isto que aqui tenho que registar; o que não significa que tudo o resto não seja de ser levado em muita conta, como o que segue por exemplo], mais 10, 20 anos e isto está tudo degradado. As próprias pessoas que habitam nelas, os que não compraram, que têm poucas posses e ainda mais com a crise que nós vivemos, vão … [deixar cair isto tudo]… vamo-nos ajeitando, vamos arranjando algumas coisinhas para um gajo estar cá dentro porque senão eu não sei o que seria disto… isto fazia falta alguém, sim, que amasse isto (5’30)… o que se precisa aqui… para que isto viesse a ser futuramente… [obras a ser feitas] e tivesse mais um bocadinho de atenção por isto porque isto realmente merece, porque é uma zona bonita, e as pessoas vão criando aqui os filhos e os netos, como eu, e gostamos disto, gostamos de aqui estar, gostamos de aqui morar, e enfim… vamos ver como é que isto vai continuando. Mas isto foi um bocado difícil estar aqui muita gente [numa primeira leitura acho que esta dificuldade expressa pela segunda vez) em estar com os outros refere a problemática da fixação deste grupo étnico e da sua (talvez) difícil relação com o “urbano” – ponho a hipótese], porque há gente com boas qualidades e há gente com más qualidades, eu tenho aqui na minha rua mas não se passa isso, mas há aqui ruas que eu sei através aqui dos meus vizinhos, toda a gente se dá bem comigo, às vezes até me têm vindo chamar para lá ir… porque as pessoas estão a fazer mal, porque as pessoas vêm dos bairros aqui ao lado, porque vêm fazer mal

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aos filhos ou tratam mal as pessoas … e eu vou lá e tento ajudar as pessoas naquilo que posso – mas nem sempre eu estou, não posso estar em todo o lado… e é assim mesmo, porque não é o meu trabalho (ri-se) mas faço aquilo que posso, o que está ao meu alcance para ajudar as pessoas aqui para viverem mais tranquilos, mais sossegados. Porque ainda há não muito tempo, havia pessoas que tinham medo de sair à rua – por causa de meia dúzia de “gaiatagem” que só fazem mal. Eu tive que lá ir à rua das pessoas [ao que sei isto foi recente e dizia respeito ao grupo de jovens (6 ou 7 miúdos entre os 12-17 anos) que andava a pedir cigarros e dinheiro pelas ruas da Ma – realmente deixei de os ver 2 ou 3 meses depois de ter chegado] eu fui á rua das pessoas … e estar na rua das pessoas … e quando passavam chamava-os à atenção – vocês a partir de hoje vão lá para a vossa zona, para aqui não vêm porque não tem nada que vir para aqui incomodar as pessoas que vivem nesta zona, as pessoas que aqui vivem não fazem mal a ninguém… portanto se o meu amigo está interessado em saber mais alguma coisa, pergunte-me… Nasci em 27 de Março de 1963… em S. Sebastião das Cesteiras … fica aqui ao pé do Alto da Abaneja (?), quem vai para Montemor, mais ou menos a meio do caminho, a 220 m o máximo daqui… sou de cá mas vivi muitos anos em Setúbal, fui para lá com 5 anos e vim de lá com 22, fui com os meus pais, vim para cá, casei… os meus pais faziam o mesmo que eu faço hoje, vendemos, os meus pais vendiam roupas, lotes, stocks, que às vezes compravam nas fábricas. Hoje já não se compra nada, hoje já estamos arrumados, como as lojas… desde que há una anos para cá vieram os chineses – note-se não sou contra ninguém, não sou racista, de maneira alguma nem quero que as minhas palavras alguém me tome por isso – mas desde que essa gente veio para cá, implantaram-se de uma forma que… nós cá, as nossas fábricas, os nossos fabricantes, isso mais dia menos dia acabam e nós vamos para os mercados e já não conseguimos fazer face à vida – estamos a passar uma crise muito difícil (enfatiza) eu nem sei onde a gente vai chegar, vamos aos mercados, já não ganhamos para o gasól[eo], estamos a passar mal, já só falta passarmos fome… … os governantes que governam o nosso país, nós, a maioria dos pobres vamos todos passar fome… em Setúbal fazíamos os mercados naquela região, íamos para o Algarve, deve compreender… Hoje já não vamos, porque hoje não se ganha, não adianta agarrar numa carrinha de trabalho e ir a Setúbal, porque eu chego lá e não faço dinheiro para o gasól, isto está mais complicado do que as pessoas possam imaginar… está mesmo difícil digo-lhe com toda a franqueza… os nossos governantes vão para lá cantar a mesma história que eles cantam e não sei que e não sei quê… o triste é que eles é que o ganham, eu não tenho 3 reformas… o que não tem 3 tem 4 o que não tem 4 tem 6… as fundações que há, que eles tomaram e que há, do estado e outras privadas, quantos milhões e milhões de contos que nem sabem para onde é que eles foram… eles é que sabem… eles nem se importam com a crise, eles estão bem, nós aqui no Alentejo, deputados e ministros, há aí metade das propriedades que há aí são deles… eles estão bem na vida… nós no nosso país estamos a pagar aquilo que eles em 7 ou 8 ou 10 anos andaram a roubar para eles… nós qualquer dia não temos dinheiro para dar de comer aos nossos filhos… … vivi com os meus pais até aos 22… nós morávamos em Setúbal no Bairro da Bela Vista, depois casei-me e viemos para cá os meus pais também vieram para cá, o meu pai já faleceu, tenho a minha mãe que é uma velhota que mora na Horta das Figueiras e eu casei-me e fiquei aqui… sempre tive casa, de renda, não é casa própria, nunca tive possibilidades de ganhar para uma casa e então sempre vivi em casa fixa… para trabalhar não tenho loja, não é, nunca tive possibilidades de ter uma loja aberta, ando nos mercados, mercado aqui, mercado acolá, mercado de Évora (Ev), Portalegre, mas hoje foi o mercado de Portalegre e eu já nem fui e porquê? – eu vou gastar 6 contos de gasól e não consigo recuperar… … com os meus pais, na altura, com a idade que eu tinha, 20, 22 anos, nós vivíamos melhor!! (enfatiza) – não tínhamos tanta dificuldade como temos hoje, olhe, não tínhamos dificuldades!! Nós íamos a um mercado e vendíamos], as pessoas tinham poder de compra, hoje vamos a um

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mercado (estamos no Século XXI) e as pessoas não têm possibilidades de comprar – porque as pessoas não têm dinheiro, não há dinheiro!! … sabe como é que o nosso país está, nós vamos a um mercado e as pessoas não compram como é que eu posso vender, como é que eu posso sobreviver, foi sempre o que fiz toda a minha vida, foi vender, o trabalho que adquiri foi aquilo que me ensinaram, porque se a gente fosse pedreiro era pedreiro ou se fosse… … nós éramos 10 irmãos… tenho 4 irmãos no estrangeiro, em Inglaterra, em Espanha – mas é diferente do meu negócio, trabalham em empresas, são trabalhadores, operários, trabalham para os patrões. Tiveram que emigrar, coitados, isto nos últimos anos não deu para nada e eles emigraram para se defenderem e dar de comer aos filhos … eu não sou racista não sou contra ninguém, mas antes havia trabalho, hoje, as pessoas que emigraram para o nosso país, nós somos um país de emigrantes e as pessoas têm o direito de emigrar para cá também, mas ganhávamos por exemplo 50 euros por dia, mas vieram para cá os russos, da Rússia e Arménia e doutros países de Leste e fazem por menos, por 30 euros vão trabalhar um dia de trabalho… isto é uma orientação“ que temos aqui [uma hipótese] e nós ficámos com mais dificuldades de ter trabalho. Eu como nunca segui o trabalho… trabalhar para um patrão, fui sempre de defender a minha vida mas daqui para a frente não sei… e se quiser trabalhar para alguém não há trabalho, não sei como é que vamos sobreviver… o que é certo é que temos uma casa para pagar, filhos para dar de comer… não sei quanto é a renda, gostava de lhe responder mas quem paga essas papeladas é a minha esposa… não quero estar a mentir sem necessidade nenhuma… estou a enganar o senhor e estou-me a enganar a mim… mas água, luz, gás, é uma loucura nem mesmo a trabalhar [para um patrão] a gente consegue… as feiras está a acabar, nós e os feirantes está a acabar, por natureza acabemos mesmo porque nós não nos governamos… passo ao INQUÉRITO … gosto de morar cá no bairro mas há aqui muita coisa que devia ser corrigida, que eu vivo aqui nestas casas da Habévora (Hb) que haveria de ter mais atenção de fazer obras que não fazem, mas pronto algum dia fazem, agora estou satisfeito, gosto de viver aqui no bairro sem dúvida… não há condições para viverem aqui tantos animais dentro das casas e nós vivemos ao lado, até pelos maus cheiros que vêm dos animais, são quatro ou cinco animais que vivem dentro das casas. As casas têm aqueles muros e eles têm lá dentro o quintal, isto agora vem o Verão vem um cheiro (enfatiza) é uma coisa parva! e aí cria-se um bocadinho de intriga com a vizinhança, não é o meu caso que eu falo com a minha vizinhança – em relação aos cães já os chamei à atenção várias vezes, e isso é muito complicado, devia haver alguém que chamasse a atenção das pessoas… o senhor não lhe passa pela cabeça os cães que há aqui nestas casas… aqui a poucos metros de nós, está a ver aquela casa ali em frente, estavam uns 7… na minha rua o que não tem 3 tem 4, o que não tem 4 tem 5, ouça, isto é … nós já falámos com responsáveis por isso e não aparece ninguém… e eu digo-lhes isso na cara deles, eles aqui não vêm [apesar de serem chamados], não vêm, não ligam a isso, eu gostava que o senhor passasse aqui por mais um mezinho para você ver o que é isto, uma miséria… de cães, este relvado todo que está aí é para os cães que a gente não pode levar as crianças para ali é só xixi dos cães cocó dos cães, as crianças apanham uma alergia, nós queremos estar um bocadinho ao fresco e não há condições – há uma zona verde bonita mas não há condições… … com a segurança neste bairro não estou mesmo nada satisfeito, devia haver mais segurança, a paisagem é bonita, é um bairro muito bonito de Évora (Ev) (enfatiza), deve ser dos mais bonitos de Ev mas podia ser melhor, podia ser melhor, a limpeza também não está muito mal… com as condutas nenhuma [satisfação], zero, isto nunca devia ter existido… … o comércio aqui está morto, está morto mesmo, há aí 3 ou 4 cafés para beber uma bica mas isto não há mais nada… … aqui na estrada que nós temos em frente devia de haver umas bandas sonoras, há aí sítios que não precisavam aqui precisava e não põem. Aqui o presidente da Junta já está farto de dizer à

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CME mas não fazem… com os estacionamentos estaciona-se perfeitamente bem, isso não há problemas… … o arquitecto que fez esta planta, fez muito mal feito, as casas não é aquilo que as pessoas imaginam, as casas em si não prestam – estou mesmo poucochinho satisfeito com as casas, a segurança com as condutas e as janelas que eles lá põem, então, é zero… na minha rua antes de eu cá chegar a minha rua, e todas aí, foram assaltadas – as condutas, agente vê-os andar aí por cima, respeitam esta rua e aqui o mais próximo porque sabem que eu vivo aqui, eles respeitam-me, têm que me respeitar, que eu respeito toda a gente e gosto que me respeitem e que respeitem as pessoas que vivem aqui… (o senhor é o patriarca) (ri-se) … não digo isso… sou dos mais velhos aqui, e há aí mais velhos do que eu, mas não fazem caso disso para nada, não se preocupam com isso. Eu preocupo-me com o meu bem-estar, da minha família e dos meus vizinhos, porque ninguém tem o direito de vir aqui assaltar a casa ou vir incomodar alguém, ninguém tem o direito disso, nós somos pobres vivemos aqui, ou que fossemos ricos fossemos aquilo que fossemos, ninguém tem o direito de vir aqui incomodar ninguém e estas condutas dão acesso a qualquer pessoa que queira subir e entrar em nossas casas, porque as janelas que são postas pela Hb a pessoa chega ali com um dedo é só empurrar e as pessoas entram lá para dentro… … gostaria de ter uma casa melhor do que a que tenho, é um T2, e tenho uma sala maior que é a do quintal porque fui eu que a fiz [o pátio está totalmente coberto, que um dia vi a porta-janela aberta], acrescentei um bocadinho porque tenho uma filha minha que é casada e o marido [começa a dizer qualquer coisa mas não acaba]… e tem 3 filhos e fica ali na minha casa, e tenho que ter um T2 porque a CME … vai para 10 anos que estou inscrito para darem uma casa à minha filha e nunca mais dão uma casa para ela habitar, porque ela necessita e não dão… e dão casas a muita gente, gente que tem influência. Eu não tenho essa influência senão já teria uma casa para a minha filha, assim tenho que a ter ali em casa e os meus netos, tenho outra que vive aqui mais perto, paga uma renda que não consegue pagar… vivemos mal… As cozinhas são muito pequenas, a casa em si não estou satisfeito com a casa, não há condições… o pátio com estes muros faz de conta que é uma cadeia, já viu os muros é da altura da casa. Há aqui casas que são das cooperativas fizeram um muro [mais baixo]… os muros protegem? Protegem de uma certa maneira, mas há pessoas que necessitam de um bocadinho de liberdade [que seria dada com muros baixos…]… o muro havia de ser mais pequeno, metade do muro que é, devia ser metade do que é!... era uma maravilha… … o pátio é agradável… eu fechei-o todo por cima… … centenas de infiltrações… a iluminação da rua é mesmo zero… tem pouca iluminação… só fazem limpeza nas ruas principais… a ventilação naquela casa é o normal, com os materiais é zero… as madeiras não valem nada… com a vizinhança dou-me bem, só não estou satisfeito derivado aos animais… nós convivemos bem – tá-se bem… quando têm problemas vêm-me chamar porque há aí pessoas de muito má qualidade… … nunca fui à escola, sei assinar o meu nome e contas sei fazer de cabeça… … temos liberdade… os nossos pais deixam-nos… gostam de dar educação aos filhos… o meu pai foi uma pessoa que deu… gostou de educar os filhos como ele foi educado, fomos bem educados, respeitamos e estimamos toda a gente… é muito importante os pais acompanharem os filhos e os filhos terem respeito pelos pais e pelo que eles lhes dizem… os miúdos aqui brincam [na rua] mas com um certo receio derivado a outros moços que são aqui da zona, não são da minha rua mas vêm para aqui, hoje já não fazem isso porque eu não deixo, mas são “moitões”, não são 1, nem 2, nem 3, são “moitões” e eu comecei a dizer – vocês têm que se começar a repartir, não vêm para aqui criar confusão nem ás pessoas adultas nem àqueles que não são adultos – e tenho a sorte de me respeitarem…

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… eu considero isto um bairro, mas há pessoas que não consideram isto um bairro – se for aqui a Santa Maria, à Cruz da Picada… há aqui a Malagueira… tudo o que é esta zona, à volta da rua principal… há pessoas que não têm capacidade, isto é um bairro social, uma parte, outra parte não, outras são casas compradas dessas cooperativas, vêem para aqui pessoas de toda a espécie, ou porque não foram educadas quando eram pequenas e depois de adultos nunca tiveram educação e às vezes vêm criar má vizinhança, a sorte é que … devia de haver mais pessoas como eu que era para toda a gente se portar bem, tentarmos corrigir que há aí pessoas … que se for perguntar dizem – fulano não devia viver aqui, aquele não devia viver aqui, porque não se portam bem não é… BAM21 Viúva, marido Comerciante de gado, 54 anos, em tratamento para a depressão, várias filhas, uma na escola, outras independentes; uma casada a residir com a mãe. [O que eu quero saber é como foi a sua vida… quando é que nasceu?] Ó! Isso não sei… eu tenho 54 (mas diz com medo de estar a errar, não está convencida). Nasci em Cantanhede… ao pé de Coimbra, os meus pais viviam lá e depois viemos para o Montijo. Nasci em Cantanhede mas fui criada no Montijo, depois casei com o meu marido que-deus-tem tinha eu 14 anos. Ele era de cá, depois habituei-me [à, ou,] em casa [a Évora?]… o meu marido era comerciante de gado, éramos feirantes – fazíamos as feiras – corríamos tudo, assim mesmo depois do 25 de Abril?] Sim, continuávamos sempre era a “corredora” ali em baixo, era o Bairro da Casinha. Depois acabou a feira do gado vacum, depois era só os mercados de roupas. (…) Pois mas a coisa mais bonita que nós gostávamos era o gado ajuntávamos os ciganos todos de todo o lado [muita saudade na voz], com as carrocinhas, vinham daqui… [e dali, de todo o lado]… era bonito!... Era bonito! Vivemos sempre cá em Évora, tínhamos uma barraquinha – Estávamos à espera das casas, pois! – com água e luz, depois aquilo foi derrubado e depois apanhámos as casinhas. Mas antes era assim a nossa vida, tradição de cigano é bonita. É! Dantes, quando era nos outros tempos havia uma feira, juntávamos 4 ou 5 colegas, era a feira de Vila Viçosa, depois íamos para a feira de Borba, juntávamos tudo na mesma altura – 4 e cinco casais e 6 COM UM GRANDE REBANHO DE GADO [muito enfatizado] que era bonito Acabava Borba íamos para Elvas, para a Feira do S. Mateus de Elvas, corríamos essas feiras todas íamos aqui à feira do Torrão, que era muito bonita, acabou tudo acabou, aqui à feira da Sª… essa ainda não acabou ainda é feira. Íamos a Beja ao mercado de Beja, porque pertencia aos distritos, íamos assim com os nossos colegas, a nossa raça cigana. Uma semana, duas, três, acampávamos de Verão onde era um poço e um chafariz para o gado beber água, depois ajuntávamos 4 ou 5 vínhamos depois ah! Ajuntávamos… agora vamos embora para outra feira… Reguengos, Mourão, olhe já tudo acabou. O mais bonito da vida foi o que acabou, nós quando andávamos assim, quando era a raça cigana, quando havia assim… quando acampávamos todos… Olhe parece que não havia tanta miséria como agora há aí. Miséria, tudo acaba; tínhamos um gadozinho, trocávamos, vendíamos. Era diferente – éramos conhecidos, vinham comerciantes de todo o lado, vinham pessoas de Santarém aqui, comerciantes de gado, nós já os conhecíamos depois o meu marido que-deus-tem v iam, juntavam-se, trocavam, vendiam e assim fazíamos a nossa vida. Vim para aqui tinha eu 14 anos, veja lá [1971?!], nesta casa estou aqui há 1 ano e 4 meses, vivi sempre ali no Bairro da Casinha. Estou aqui há pouco tempo e gosto da casinha, gosto, e aqui as vizinhas são muito minhas amigas, não tenho queixas de ninguém. Gostam todas muito de mim, elas até dizem que eu sou só cigana pelo nome… o resto não sou cigana… e pelo nosso traje [também sou cigana, tem a cabeça quase rapada (como me mostrará) e usa o véu e roupa de viúva integralmente]… há ciganos óptimos e outros maus, vivia uma pessoa aqui na casa ao lado que sem ser raça cigana era muito má, não se dava, era só

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brigar, machados, era só machadas uns para os outros. Machadadas é só para tirar a cortiça, não é para as pessoas, andavam sempre a dizer, a guerrilhar; contra mim não há queixa nenhuma de uma ponta a outra… desta parte aqui e desta parte de lá [aponta, estávamos sentados na porta da entrada] um trabalha num supermercadozinho damo-nos muito bem, a vida é dois dias, para quê que nos havíamos de dar mal… não vale a pena. [As suas filhas? Esta está a estudar?] Está, esta tem doze aninhos – tenho um filho com 16 aninhos que é o filho mais velhinho que tenho a viver comigo, o resto tenho os meus filhos todos casados, pois. Sou viúva há 2 anos, tive 13 filhos… [ééé!!….] casei muito nova [diz a rir…]. A mais velha nasceu tinha eu 15 anos, mas foi a melhor coisa que Deus me deu, sabe, tenho os meus filhinhos todos casados, graças a Deus vivem ao pé de mim. Tenho esta filhota comigo e tenho um menino com 16 aninhos, também diga lá o que era de mim se não tivesse os meus filhinhos, o meu destino é de ir ao cemitério e vir para casa, de ir ao Hospital às minhas consultas… é o meu destino… a pessoa vive muito triste, palavra, que isto a nossa tradição não podemos tirar este traje, ora isto é a nossa vida até morrermos, não podemos tirar isto da cabeça. Somos como às arábias lá de fora [refere a burka… rimo-nos] o traje delas, não me importo já estou habituada, é a nossa tradição, se eu tirasse este traje e isto que tenho na cabeça, era desprezada pelos meus filhos e pelos filhos de todos… Ai! Fulana tirou o trajo, já não é depois uma pessoa tão humana como a gente… ó filha vê lá se levas o menino [o neto?!] contigo [diz para uma filha] a que horas vens? [às 5, depois dirá para o motorista (Ó Paulo) da camioneta da escola o mesmo e ele responde pelas 6h, ela diz: “vão para o teatro, da escola, é bom para eles”]… Quando isso foi [o 25 de Abril] para fecharem a feira do gado, juntaram a nós, a nossa raça… que aquilo era tudo… a feira acabou a feira acabou… juntaram-se, revoltaram-se queriam guerrear… então isso é ideia, vão fechar isso, é o nosso pão do dia-a-dia, porque sentido? – revoltou-se o povo todo porque … os comerciantes e tudo, isto esteve muito mau… vocês vão fechar a feira do gado e o que é que querem que a gente vá roubar? Querem que a gente os vá matar? Como é que a gente depois damos de comer aos filhos, como é que a gente se governa? Isto houve uma grande revolução, depois mudou-se para terça-feira a feira semanal?]… porque o S. João daqui era muito bonito, o gado, era a coisa mais bonita era aqui o S. João em Junho, todos os anos, era muito bonito. Depois começaram a vender roupa… mas nada como ser o gado, porque uma camisola a vender, diga lá, é 500 escudos? Ou 1000 escudos que se governa? Não. A gente nesse tempo o gado vendia-se, ainda estou pelo dinheiro antigo, por 200 contos, 300 contos, porque é diferente um cavalo, uma égua, uma mula, aquilo que fosse, uma poldra por 150 contos, no tempo quando era escudos uma pessoa orientava-se e agora vai-se vender uma peça o que é que se vende? O que é que a gente vai fazer ao mercado não se vende nada, nem para o gasóleo dá, vender uma malha por 5 euros, para dar comer aos filhos, não há direito, e há muita necessidade [houve uma época boa?] agora já não, há chineses. Os chineses têm acabado com tudo, quais são as pessoas que vão aos mercados?... Amanhã… o senhor é marido dela? [pergunta sobre a minha mulher?] … Eu tenho uma família que mora em Vila Nova de Gaia, tenho uma prima que mora em Coimbra, tenho outra em Aveiro, tenho 2 sobrinhos em Pombal, tenho uma mana minha que mora em Leiria. Conheço essa zona toda, é uma zona honesta, essa terra é melhor… isto já não… esta terra [Alentejo/Évora] já não presta… eu digo se não fosse viúva ainda não era aqui que Deus me comia os ossos… Os ciganos antigamente viviam naquelas aldeiazinhas, era diferente, acampavam, as pessoas eram mais honestas, fazíamos aqueles luminhos, com aquelas barraquinhas… olha parece que tudo corria bem e tínhamos saúde, agora não, a vida está muito difícil, isto é uma tristeza… Tive 13 filhos, a filha mais velha tinha eu 15 anos, eu casei com o meu marido que-Deus-tem tinha eu 14 anos. O namoro que começou foi o namoro com que acabei, mas Deus roubou-mo… nunca soube o que era “o namoro”… depois ao fim de tempos fiquei viúva foi a coisa mais triste. Deus levou-me o meu marido porquê? Que ainda me fazia falta… depois apanhei um esgotamento “de

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cérebro” e tudo… o meu marido era muito meu amigo. A gente não pode ter o cabelo grande como ela tinha e falava dele com muito orgulho] antes tinha uns cabelos compridos, você as minhas filhas e têm o cabelo muito grande, aquela não as outras, ainda há bocadinho tiveram aqui. Se você as vir diz que não são ciganas [o baixo grau de auto-estima étnica é muito perceptível] tinha umas que saem ao meu lado e tenho outras que saem ao lado do meu marido (também são muito perfeitos). Aqui na Malagueira sou só eu e os meus filhotes [família restrita?] mas tenho bons vizinhos, graças a Deus, desta rua de uma ponta a outra não há ninguém que tenha queixas de mim, e da pessoa que morava aqui ninguém gostava dela, só fazia guerrear … puxava de machadas para esta vizinha ao lado, davam-se muito mal com ele. Eu não pessoa disso, o que gosto é do sossego, se não guerreava quando era nova menos guerreio agora que já sou uma velhota… já sou velha. Com o bairro estou muito bem satisfeita, também com a paisagem (muito) e com a segurança… [Os espaços verdes] é tudo muito bonito, gosto. Nas condutas só há uma coisa ruim, dizem, mas isso a mim nunca me aconteceu e Deus-queira que nunca me aconteça, dizem que por estas grutas quem quiser fazer mal salta e roubam as coisas em casa, dizem que é só o mal que aqui acho é isso, uma pessoa sai de casa… as pessoas que saltam e roubam passam pelas condutas, só tem defeito é só isto, o resto [é bom]. Há bastante comércio aqui, estou bastante satisfeita é tudo perto. Os automóveis aqui não aceleram. Gosto da casa bastante, até lhe vou dizer uma coisa, até são umas casas muito confortáveis… só sinto mal isto que estou a dizer, pela conduta, pelo telhado podem saltar e fazer mal á gente. Mas isso são todas [não é só a minha; que trato bem dela…]. É só o defeito que acho. Tem uma sala grande [maior ainda porque só tem 3 sofás de palmeira do Ikea, e um bar no que primitivamente foi um espaço de arrumos e que é comum a muitas casas deste quarteirão – visitámos 2, e há mais do género, sempre que os arrumos são num espaço triangular que corresponde a fases posteriores à 1ª]. A cozinha não é muito grande mas dá. Tenho ali uma salamandra, já estava, quando chove muito pinga o tubo lá de cima. Tem repasses, mas vai-se. …quando cá cheguei já estava tudo assim, mas preferia outras janelas, preferia outras janelas assim [aponta a dos vizinhos, de alumínio] mas a mim ainda não mas puseram, como a pessoa que cá estava era muito mau, não faziam caso, mas eu já pedi; as madeiras os bichos estão a comer. É o mal que acho, as janelas não prestam. É só isso, as janelas. Bastante satisfeita com a vizinhança. É uma casa tranquila sim senhora agente aqui não há barulho, nada, eu ainda é de dia e já estou deitada ao Sol-posto. As minhas vizinhas até me dizem assim, ó vizinha então já está deitada, venha um bocadinho aqui para a rua. De Verão é que eu estou aqui um bocadinho [à soleira da porta], mas é pouco. Agora de Inverno ao Sol-posto estou logo metida na cama, ninguém me vê… levanto-me cedo. Sinto[-me bem com os muros altos]… Muito satisfeita com os vizinhos, não vê esta senhora que aqui vem com o marido dá coisinhas aos meus netos e tudo… os vizinhos do lado que saem cumprimentam-me muito efusivamente, o marido diz que tem prazer em ver-me e nunca me tinha visto… será talvez um sinal da plena aceitação desta cigana e da sua família? O que efectivamente não acontece com o cigano mais próximo dos patriarcas que se recusou a estar com ela na apresentação pública do meu trabalho, e disse mesmo que preferia que fossem os traficantes – ela e as filhas é que não!!??] nunca fui à escola, só sei fazer o meu nome, mal, mas escuso de pôr o dedo não é?… [os filhos dão-se bem na escola, quando chegámos a filha mais nova de 12/13 anos tinha uma roupa de rapaz e um chapéu na cabeça à gangster, depois chegou uma carrinha da escola para a levar e outro menino das redondezas para irem fazer teatro… por isso eles tinham respondido no princípio da entrevista que regressariam pelas 5h] também sei contar, ninguém me engana nas contas, isso não… [ri-se] os números sei pouco, mas não me engano, conto pelos dedos… assim eu tivesse dinheiro para contar… pago 10 euros de renda que eu sou viúva… de luz às vezes pago 50 euros, 20, 25, é conforme o que gasto… 100 euros para tudo, para alimentação a gente gasta 30 contos [150 euros] por mês em comida… eu recebo o rendimento mínimo e mais nada, recebo 200 euros… a

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apagar água e luz, diga lá… para os miúdos se vestirem e ir à escola… só Deus é que sabe… estou muito contente [aqui] sim senhora… [“boa tarde, pisga-te” diz ela para uma filha mais velha mas que ela não referiu a viver com ela quando chegámos e estava a lavar a casa, de fio a pavio, e a seguir quando entrarmos vai deparar-se a casa mais limpa que vi na Malagueira, ainda cheirava a detergente por todo o lado e lixívia nas casas de banho]… tenho esta filha também… As ciganas casam logo muito novas, esta casou tinha ela uns 14 anos, mas não vive comigo, ela tem a casinha dela, ela agora veio aqui ver-me porque eu estava doente, por isso é que ela aqui está [está a tentar justificar a sua presença, não fosse a Hb…]. E tenho um filho que casou aos 15 anos… mostra o neto [a minha mulher diz “que bonitinho”], são, a raça cigana são todos assim… ela como eu estava doente veio cá fazer a limpeza à casa hoje, porque ela não vive aqui comigo… [??] [Sobre a juventude dos que vão para o teatro, diz:] pois, já têm outra maneira, têm mais liberdade… tire fotografias à vontade, por favor… [digo para o miúdo pequeno “tens que estudar pá!”, o neto, diz a mãe um pouco revoltada “é pequenito!!”] está a ver a madeira, os bichos… [a sala é espaçosa…] não tenho nada, sou pobre… aqui é o quarto da Júlia, daquela menina que foi para o teatro, está a ver é o quartinho dela [é amplo, mas despido do supérfluo, como toda a casa, o que só beneficia o espaço doméstico amplo, luminoso e arejado, além de muito limpo] este é o quartinho do meu menino, tem 16 aninhos, a casinha é pobre, não vê que eu não tenho nada de mobílias [quando digo que assim é melhor, tem mais espaço, ela responde com sincero e humilde assentimento]… é verdade. É uma casa pobre, mas vou-lhes dizer, ter uma casa como ás colegas para terem mobílias e terem as casas todas sujas todas porcas, é melhor eu não ter nada e viver como estou a viver. Nós somos ciganos mas gosto muito da limpeza, limpeza a cima de tudo, posso não ter nada, mas limpinhas a gente gosta de ter. Ande cá ver o meu quarto, o meu quarto não está arranjado, eu até estava deitada [antes de se ir despedir da filha mais nova, quando a apanhámos], estou sempre deitada. [Queria ficar na fotografia e eu não deixei…] até ficava bem… [diz um pouco ofendida… eu explico que assim não poderia usar a fotografia] (continuamos a conversar, agradecimentos mútuos e ela quer saber do nosso casamento e dos nossos filhos, a Maria do Céu (MC) faz muitas perguntas)… isto [este bairro] é a melhor coisa, este bairro é muito sossegadinho, é o bairro melhor que aí está é este da Malagueira… ali para o lado da Picada não, que há muito… [a filha acrescenta “as 2 árvores, ali em frente ao lar”…] o qué que os ciganos estão lá a fazer??… fecharam as casas, disso não gosto, gosto de viver aqui ao pé da minha casa, estou descansada… você já viu, da drogada [droga]… a filha diz: “agora davam uma casinha a mim, não é, também estou á espera que me dêem uma casa… agora punha-me lá dentro a fazer coisas que não devia fazer… DIZ MC: A CASA É PARA A GENTE RESPEITAR, a filha: também tenho um filho… [e o que eles fazem é matar os filhos dos outros… ela disse mas não ficou registado, está registado no Diário de Campo (DC)] MC: não pagavam a renda e vou dizer-lhe uma coisa – foram presas por droga. E não acha bem feito fecharem-lhes as casas? Com umas casas tão boas que elas tinham [e puseram-se a vender droga]… agora aquelas carrinhas… a filha: olhe a casa maior que havia era aquela casa delas, eu cheguei lá a entrar só que não tinha condições era muito porca… MC: elas ainda estão na rua no mesmo sítio… o mesmo destino é vender droga. Eles não vêem? … não tenho pena daquela gente, não tenho não senhora…

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Inf.19 – técnico da Habévora … Não, não acompanhei o processo de construção, nem o processo de selecção dos agregados familiares da Malagueira. Sei que o Bairro da Malagueira tem duas datas de construção: 1989 e 1990/1991, é um Projecto do Arq. Siza, mas a selecção dos agregados familiares esteve a cargo do IGAPHE que funcionou até 2003/2004. [A CME também tinha feito a sua selecção!?] … eu não estive por dentro – só estou aqui desde Janº-2000 – já o bairro estava preenchido com as pessoas, logicamente, para além disso a construção é dessa data e as pessoas começaram a habitar logo a seguir., de imediato, 1989/90. Mal houve a licença de habitação que foi concedida, logo que elas tiveram condições para serem habitadas… nós apanhámos o bairro já aqui na HabÉvora… nós [agora] temos 192 habitações na Malagueira, em várias ruas, algumas, poucas, já foram alienadas… Eu não sei se as habitações foram todas concluídas na mesma data. Quando nós recebemos, quando a CM teve os primeiros contactos com o IGAPHE para receber o património surgiu a ideia de constituir a HabÉvora, e foi nessa fase que nós recebemos e foi elaborado um relatório pelo revisor oficial de contas com todos os dados sobre o património que íamos receber, e esses dados (temos ali as pastas que vieram do ex-IGAPHE) que constam no relatório, dos fogos que recebemos são 1989/1990, 1991 algumas. Portanto, é natural, o Bairro não deve ter sido construído todo no mesmo ano. [Posso consultar os dossiers?] Pode, creio que sim, os dados que lá vêm são a data de construção… [Sobre as famílias?] Não. Isso está nos dossiers individuais, para cada fogo é constituído um processo individual… mas aí já não pode ter acesso, são dados confidenciais das famílias, aí não… tem rendimentos, tem a composição do agregado familiar, tem problemas de saúde, tem aspectos que são relatados pelos inquilinos em entrevistas e ficam ao abrigo do sigilo profissional… aí não… [Alexandra Castro (AC)… As casas emparedadas…] O bloco foi construído todo de forma una [R. Rochedo/R.12 casas] as casas tocam costas com costas [apresento o espaço idílico como apresentado pela AC e pelo Siza na Lusíada… pergunto – o que é que aconteceu?] Era uma comunidade bem integrada… [ajuda-me ele, aparentemente, digo eu] Eram pessoas bem integradas? Constatou ela no trabalho de campo. Não havia lá drogas, nada disso… [pergunta ele – agora detecto a ironia na voz] [aparentemente os problemas eram com os muros, digo eu, algo inocentemente]. Recentemente tive uma formação em Borba sobre minorias étnicas, com um formador de etnia cigana, um rapaz muito bem informado que dizia uma frase que eu registei e considero fundamental na intervenção que se deve ter com famílias de etnia cigana, ou seja, os técnicos têm que deixar de trabalhar para os ciganos e começar a trabalhar com os ciganos. Provavelmente o projecto ideal de uma habitação não passaria obviamente pelo modelo que está aí. Isto são apenas suposições que eu registo, porque passados poucos anos do trabalho de campo da senhora que está aí a referir a constatação é exactamente aquela que está nas fotografias [do Relatório on-line] de uma total destruição do património [não tem nada a ver com as drogas e o abandono do apoio social a essas populações, não, as casas é que não prestam… e eles substituírem portas de ferro por alumínio lacado finíssimo é um bom serviço… e todas as outras reparações que fizeram em casa da T.B. com materiais já usados também… se estes senhores têm direito a ser ideológicos e fazer demagogia, eu faço um bom serviço à população se os denunciar!] … uma coisa bastante desagradável. A realidade que eu constatei quando recebemos de facto o património habitacional do IGAPHE, em 2004 [9 anos depois do TºCº da AC… efectivamente, em entrevista, AC já não descreveu aquele espaço idílico mas introduziu o problema das drogas… e este facto também não pode ser omitido, entre uma versão e a outra está o meu trabalho]. Em 2005 fizemos um levantamento porta a porta de todas as famílias que estavam nas habitações sociais para constituirmos uma base de dados dos nossos inquilinos, e termos a noção de quais eram os ocupantes das nossas habitações depois havia a necessidade de tratar dessa informação –

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desses processos e adequá-los à legislação habitual [não percebo o sentido…] [aquelas casas já estavam assim?] já com as habitações nesse estado, em 2004, e então fomos identificar essas problemáticas naquela zona e também me choca um bocadinho essa perspectiva registada nesse trabalho de campo porque vai contra todos os princípios da reintegração social … tudo o que eu li na minha formação e tudo o que foi propugnado é que as minorias étnicas não se devem congregar em guetos… Não se devem alojar todas num cantinho da sociedade para que não possam ter algum tipo de miscigenação com os outros habitantes. O realojamento, não sei quem esteve na sua origem, não sei se foi a CE se foi o IGAPHE porque quem foi… [fez mal]. Não sei, sinceramente, não sei quem fez a selecção. A nossa selecção dos agregados sempre que temos habitações vagas, agora, é, na habitação vaga seja onde for que ela estiver, deve-se alojar a família prioritária (seja ela qual for), tanto assim, que já desenvolvemos um Programa PER posterior a 2000 e à formação da HabÉvora] – Corunheiras, Natália Correia e Senhora da Saúde com 136 habitações – e congregámos nesses empreendimentos agregados de etnia cigana e não cigana e outro tipo de famílias, algumas de origem brasileira, por exemplo, já radicadas em Portugal, portanto sem qualquer tipo de arrumação por ruas ou por locais, perfeitamente de forma a ter em conta as “liquidações” [rendimentos?] das famílias, a mobilidade reduzida foi considerada colocando em fogos de R/c essas famílias que apresentassem esses problemas. Famílias mais jovens e com outra mobilidade em patamares superiores em 1º e 2º andar ou até mais no caso da Cruz da Picada [mas a questão étnico-social parece-me pouco abordada aqui neste planeamento, não deveria ser considerada? E não devia ser acompanhados?]. Quando há habitações vagas, portanto, não fazemos esse tipo de arrumação [e não deviam fazer?], que eu à partida acho que pode ter sido um dos factores para o qual a Malagueira não correu bem. Depois, voltando ao princípio da minha conversa de não trabalhar “para” e trabalhar “com” essas minorias, poderia, se estivesse na calha, o realojamento desse tipo de famílias poderia ter sido tentado e se estavam a pensar colocá-los naquelas ruas – pensar o ideal da habitação para eles em conjunto. Não colocar lá as casas e depois metê-los lá dentro, chamar eventualmente o líder dessa minoria, porque de acordo com as Leis da etnia cigana há regras muito próprias de acordo com “orientadores” ou chefes, se assim podemos chamar, os mais velhos, serão, agora mais recentemente parece que são os pastores da Igreja Evangélica que também têm alguma capacidade de orientação [mas que foram corridos do espaço de oração que tinham arrendado na Malagueira, próximo da Livraria, à pedrada, curiosamente com o apoio de não ciganos esquerdistas” que achavam que estavam a fazer um favor aos ciganos não deixando que outros rompessem com os mitos da tradição cigana, o nomadismo por exemplo – uma entrevistada não cigana dizia eles sempre foram itinerantes deixá-los ser itinerantes…] para no sentido de poderem definir qual o tipo de habitação mais adequada àquelas famílias. Eu penso que sim, que eles têm pastores cá. Nós não fazemos diferenciação entre as famílias ciganas e as outras [mas não deviam fazer?] – vêm cá inscrever-se e têm o mesmo tipo de tratamento análise social dos processos, caracterização dos agregados – é uma família carenciada, grau de prioridade 1, na primeira oportunidade de realojamento será proposta. Se for para a Malagueira é a Malagueira se for para a Cruz da Picada é para a Cruz da Picada, dentro do ambiente e da comunidade que lá existir. Se por acaso falhar… [os contrários?] Pode ser que depois de terem sido realojados no espaço pode ser que essas brigas tenham levado a essa situação… A Lei Cigana para eles é levada muito mais à risca que para nós as normas da legislação portuguesa, para eles a terem de cumprir alguma obrigação será sempre da Lei Cigana e não … só posteriormente a legislação portuguesa; são aspectos que temos que aflorar, é consensual que o modelo de intervenção social com este tipo de minorias étnicas, nomeadamente a etnia cigana, tem falhado, daí que esteja agora em grande voga, e exponencialmente a crescer, a figura do mediador – indivíduo que poderá não ser o mais velho do clã (digamos assim), do grupo – pode ser um pastor efectivamente ou um indivíduo que possa conhecer e movimentar-se bem entre os

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agregados familiares daquele grupo para poder estabelecer pontes entre o modelo de intervenção e as acções, para não acontecerem situações como a que está patente nesse Relatório que é uma delapidação total do património público [que sabemos começou por todos os órgãos de gestão daquele bairro que nunca acabou os espaços públicos daquela área, nem nunca protegeu os que lá estavam] – o objectivo é que as famílias vivam bem que aproveitem os recursos que são escassos. Temos problemas nos nossos bairros, mas aquele problema foi o maior com que nós nos deparámos. [as casas eram 418?] nós já não recebemos tantos, devem ter sido alienados uma grande série deles no tempo do IGAPHE… [a Malagueira nasceu maldita –] acha? É como todas as zonas do país. Todas as zonas do país não será, mas é como… acontecem estes tipos de problemas em outros bairros que não são de “habitação social”, não é? O Bairro da Malagueira quanto a mim, e talvez peque um bocadinho por … que havia uma necessidade de construir habitação social, certamente que havia, mas 79/80 por aí acima foi o regresso de muitas famílias das ex-colónias, um bocadinho antes até, aglomeração de famílias sem habitação, não só em Évora como em todas as zonas do país. Havia necessidade de construir habitação social mas aqui acaba por pecar pela densidade do terreno não estar compactado com a densidade populacional que poderia [se fosse em altura?!...]. O espaço podia ter sido mais rentabilizado… [olhe que se conseguiu a mesma densidade populacional que se conseguiria em altura, diz o Siza, e o facto é que se alojaram as 4000 pessoas previstas para aquela área quando era em altura] – Acha? … É! Não me parece. O Bairro Cruz da Picada que é ali próximo e é anterior ao Bairro da Malagueira consegue em muito menos espaço colocar mais pessoas. Podíamos ter ficado pelo meio-termo, nós hoje construímos… [A AC quando cá veio ver as casas emparedadas] … chocou-se com o que tinha escrito? Viu que havia alterações significativas…? … Os ciganos têm leis muito próprias que às vezes não se compaginam com as nossas leis… [apresento-lhe o Relatório IGAPHE-1997 onde os ciganos apesar de serem incriminados de práticas pouco sociáveis, não levaram a nenhuma debandada nas outras zonas ditas “sociais” (porque naquela efectivamente existiu um abandono generalizado de não-ciganos) do mesmo IGAPHE – 94% da população manifestava o desejo de ficar, como as sociabilidades intervizinhos eram comuns a 60% da população, à volta disso] [A Malagueira não é só problemas, pois não?] [Primeiro um grande sorriso!] – NÃO! … a Malagueira não é “maldita” [como se podia pensar]… [as casas] seriam de má construção? … Em termos da construção, dada a experiência que eu tenho dos bairros que gerimos, o principal problema de construção apontado pelos habitantes foi o das caixilharias que eram de madeira e com o passar do tempo deterioraram-se e tivemos que investir bastante na substituição por alumínio que é de mais fácil trato, de mais fácil lavagem e maior durabilidade. Nem todas as pessoas que foram para as habitações sociais conhecem, conseguem ter um conhecimento, uma disponibilidade e uma motivação para tratar das madeiras como elas necessitam para se manter. Em termos… o maior problema. Em relação a outras situações nós temos muito menos pedidos de obras na Malagueira que temos nos outros bairros sociais relacionados com infiltrações, com a própria construção. O próprio Bairro Cruz da Picada tem problemas de base da construção, o material, o itong fissura bastante e causa necessidades de intervenção; também as próprias canalizações, são um bocado mais velhas é claro [mas não muito, além de que foram construídas sem paragens, ao contrário da Malagueira], têm mais problemas de infiltrações e de problemas na cobertura, por exemplo. Cobertura da Malagueira não nos dá tantos problemas quanto nos dá a Cruz da Picada… AGORA EM TERMOS SOCIAIS EU TENHO TODOS OS FACTORES APONTAM PARA LHE DIZER QUE O BAIRRO DA MALAGUEIRA É DESEJADO, E NÃO É “MALDITO”, PORQUE TODOS OS PEDIDOS DE PERMUTA DOS BAIRROS QUE NÓS TEMOS SÃO DIRECCIONADOS PARA A MALAGUEIRA, A GRANDE MAIORIA DAS PESSOAS QUE NÃO SE SENTEM BEM NOS BAIRROS ONDE ESTÃO – CRUZ DA PICADA, ESCURINHO, HORTA DAS FIGUEIRAS – PEDEM PARA TROCAR PARA A

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MALAGUEIRA, SÃO HABITAÇÕES UNIFAMILIARES, NÃO TÊM VIZINHANÇA NEM POR CIMA NEM POR BAIXO, TÊM UMA DIMENSÃO DAS SUAS DIVISÕES BASTANTE AGRADÁVEL, E TÊM UM PEQUENO LOGRADOURO [PÁTIO] QUE DÁ PARA AS CRIANÇAS BRINCAREM, DÁ PARA ARRUMAREM ALGUNS ARTIGOS QUE NÃO PODEM FAZER NOS PATAMARES [DOS ANDARES DE HABITAÇÃO EM ALTURA]. PARA A COMUNIDADE ALENTEJANA, SE ASSIM A PODERMOS IDENTIFICAR, A CASA DA MALAGUEIRA ESTÁ MAIS DE ACORDO COM AS SUAS NECESSIDADES DE QUE POR EXEMPLO A CRUZ DA PICADA (HABITAÇÃO VERTICAL) [acha que a casa da Malagueira é “alentejana”?] – Não, não, em termos de construção não é uma típica casa alentejana. A começar pelo telhado logicamente e pelos muros altos do logradouro, mas dentro da distribuição das divisões e do logradouro e de não ter vizinhança por cima e por baixo adapta-se mais às necessidades do alentejano, por isso é que os pedidos de permuta são maioritariamente para a Malagueira. Se virmos também o índice das vendas desde o IGAPHE é bem mais elevado, provavelmente, na Malagueira que nos outros bairros. E alguns são mais recentes [e de arquitectos igualmente famosos, que mimetizam eles mesmos a Malagueira nas casas em banda, back-to-back e dúplex, por exemplo, entre muitos outros possíveis. A diferença é integrarem uma garagem e terem telhado]. Nós temos menos pedidos de aquisição para a Horta das Figueiras [recente e “Moderno”, mas com telhados… e garagem] do que para a Malagueira. A casa adapta-se mais às características da família, muitos dos problemas das relações de vizinhança provêm dos barulhos dos vizinhos de cima e do vizinho de baixo, da não limpeza das partes comuns, dos patamares das escadas, da colocação de vasos de flores nos patamares das escadas. Da colocação de bicicletas, de fazer churrascos ao fim-de-semana e até durante a semana nos patamares e não utilizar as varandas dos apartamentos – enquanto na Malagueira esse tipo de problemas não se regista. A pessoa quando tem que fazer os cozinhados faz no logradouro, quando tem que arrumar as bicicletas as arruma no logradouro. Quando faz um pouco mais de barulho não prejudica nem o de cima nem o de baixo porque os não tem. E as paredes laterais são mais compactas e isolam um pouco mais [mas não as que fazem back-to-back, em que a insonorização é muito limitada, sobretudo nas casas de banho, mas é verdade que]... não têm o impacto perturbador que têm no Bairro Cruz da Picada! [e, no meu caso que vivia sozinho, acabavam por ser agradáveis, pois sentia-me acompanhado] é curioso que já tenho estado em reuniões de condomínio… à noite e em outras reuniões, ou visitas domiciliárias nocturnas que fazemos aos nossos inquilinos da Cruz da Picada – o vizinho deixa cair uma moeda, um miúdo um berlinde, é um barulho enorme – parece que aconteceu ali em cima … e isso causa algum incómodo, nas reuniões de condomínio as queixas são frequentes sobre matérias dessas [pensei que ainda agora estava a defender a construção em altura] – estava a ver isso na perspectiva da rentabilização, tentar rentabilizar mais o espaço em função das necessidades… em função dos pedidos que temos, nós temos mais de 2000 pedidos de habitação social e não temos forma de resolver este problema a médio prazo, porque as habitações que vão vagando são muito muito aquém destes números… 2016 pedidos de habitação social neste momento. E com estas restrições que estamos a sofrer, com esta crise, nós adivinhamos que os pedidos de habitação vão aumentar nos próximos tempos. Agora, o ideal é lógico que seria uma habitação adequada às características do alentejano, como lhe digo, o alentejano gosta de ter um cãozinho, um gato, um animal de estimação – a casa da Malagueira perturba menos o vizinho se tiver esse animal de estimação do que uma casa na Cruz da Picada ou na Senhora da Saúde. … Optando por dois pisos não mais do que isso, com uma boa construção, poderia tentar conciliar e conceber um maior número de habitações… eu vivo numa habitação de tijolo e estou completamente desagradado com essa construção, eu preferia a parede de taipa, antiga, muito mais fresca no período de Verão… e muito mais [quente de Inverno] … tem um valor térmico muito maior. Agora, isto representaria certamente uma necessidade… que levou até àquela construção (por qualquer motivo certamente) os nossos antepassados por conhecimento empírico. A construção da Malagueira se

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tivesse essa tentativa de equacionar essa nossa característica da casa alentejana [Siza disse que não eram operários de adobe… seriam de taipa?] poderia mais tarde representar alguns problemas que nós não sabemos [um para já que eu sei, era o factor tempo, a taipa é muito mais demorada… para 1200 habitações era demasiado tempo]. A nível da cobertura por exemplo, uma necessidade de intervenção, esta dá-nos menos preocupações em termos de infiltrações [é verdade que onde ouvi mais queixas da cobertura foi na zona das primeiras 100 casas, e menos nas fases seguintes, já havia impermeabilização] desde que os algerozes estejam devidamente limpos, desde que não haja acumulações de lixos. Muitas das minhas considerações acerca da construção são apenas relatos dos moradores… [Quanto ao Relatório on line] Essa destruição não é generalizada… Não sei quem colocou [on line]… se calhar teve algum objectivo, nós HabÉvora enquanto entidade que gere, que olha para os inquilinos e para os inscritos, porque devemos olhar para ambos revoltamo-nos… revoltamo-nos não será a palavra mais adequada, mas ficamos incomodados quando vemos este tratamento dado às habitações [eu também, digo eu]… incomodado!, mas felizmente esta realidade não traduz… temos 900 e tal habitações sociais, mesmo na Malagueira isto não representa a totalidade. Infelizmente, os factos que aí estão representam um grupo de habitações maioritariamente ocupadas por elementos da etnia cigana, que lhes deram este tratamento que eu não sei explicar porquê… Partilha [com certeza] a opinião que devíamos diversificar… temos outras famílias ciganas noutras ruas e não temos estes problemas… por vezes também dou por mim a questionar-me – mas porquê que os temos que distribuir?!... mas os outros cidadãos, os que não são de etnia cigana, temos que partilhar os espaços [públicos]… nós os meus colegas e eu podemos agregar-nos numa rua e não constituímos um gueto – porquê que este tipo de minorias étnicas não pode conviver na mesma rua sem fazer este tipo de intervenções nas habitações? [sugere que há ali uma natureza… é uma essencialização? Curiosamente este entrevistado é tudo menos malformado, o que será então? Construção de estereótipos para se defender?] A HabÉvora coloca os prioritários em qualquer habitação que esteja vaga [recusam-se a fazer engenharia social, insiste nisto, e eu pergunto-me como deveria ser!?], não estamos à espera que a habitação X esteja vaga para a família y. A única coisa que temos em atenção é a mobilidade, não colocamos uma pessoa de cadeira de rodas num terceiro andar. Temos que tentar encontrar um R/c… Tudo isto [das minorias étnicas] merece uma reflexão mais profunda… vamos reflectir um pouco mais, eu não tenho qualquer tipo de preconceito, estou perfeitamente á vontade para falar: não sou exclusor nem xenófobo, participei no realojamento de uma boa percentagem de famílias de etnia cigana. Continuamos a fazer realojamento de famílias de etnia cigana e como dizia ao mediador em Borba, permito-me pela experiência que tenho levantar algumas questões que deviam ser respondidas. Donde é que há mais trabalho a fazer para inverter esta situação – ninguém melhor que os técnicos que trabalham com a área social com famílias de etnia cigana, nenhum mais do que nós desejaria que esta integração fosse perfeita – que uma família que recebesse uma habitação, que recebesse um Rendimento Social de Inserção (RSI), que recebesse uma proposta de trabalho e a aceitasse para se inserir na sociedade [aqui sente-se no discurso e na voz algum ressentimento…], para não causar problemas maiores. Porque nós tentamos trabalhar para evitar a criação de problemas, e para o melhor bem-estar das pessoas, a integração, o futuro mais risonho para os filhos dessas pessoas, a frequência do sistema de ensino, mas está nas mãos delas… Estamos talvez a impor um modelo que é nosso… a minha questão é: onde é que está a percentagem de mais trabalho a fazer? Da sociedade que coloca ao dispor destes agregados – habitação, prestações do RSI, sistemas de educação, sistemas de saúde – ou daquelas famílias que não se adequando com esta modalidade de intervenção devam chegar junto da comunidade maioritária e dizer assim: nós não queremos isto que nos propõem o que nós queremos é isto e isto e isto… é possível enquadrar este nosso pedido, este nosso modus vivendi, numa legislação nacional ou não? …

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Nós não estamos a trabalhar com mediadores ainda… eu estava para discutir esse assunto com a Administradora porque a formação que fiz trouxe-me o conhecimento dessa prática há bem pouco tempo e eu já fui aprofundar, sei que existem noutras cidades… [Mostra-me de novo as imagens de destruição e pergunta-me] – Acha que isto aqui [não] é resultado de uma não-identificação dos moradores com a habitação que está construída? [Isto aqui é uma patologia, resultado do consumo de drogas. Respondo] – AH! Partilha um bocadinho da opinião que… pois os vestígios que estavam nas habitações indicavam isso. Todos [os ciganos] não direi, alguns até podem estar a pagar injustamente. Agora que aquela era uma zona frequentada por esse tipo de pessoas… era uma zona referenciada pela PSP que nos acompanhou nas visitas que fizemos a esses locais. Também para termos um pouco de segurança, porque não sabíamos bem a algumas horas da noite o que íamos encontrar e nem sempre as coisas correm da melhor maneira. A boa vontade de intervenção nem sempre se pode compaginar… esses problemas acontecem em qualquer outro lado... Talvez fosse importante escutarmos estas famílias. [A Malagueira] O bairro em si oferece algumas vantagens; é o bairro mais apetecido, volto a dizer-lhe. Tem zonas de estacionamento… as características das habitações apesar de terem aquele… Não faço ideia quem o vai concluir [o bairro] … [Há quem diga que o Bairro não presta…] Eu acho que [o bairro] presta… pode ter efectivamente aquela questão dos muros do logradouro serem elevados e parecer uma caixa… [quanto aos esgotos e não só pluviais irem parar ao lago] mas isso não é um problema de construção da Malagueira, é um problema da gestão do espaço público. Também falam mal da conduta porque passam lá os cabos e há pessoas que se metem lá dentro da conduta para traficar estupefacientes e fazer outras coisas [roubos, dizem, assaltam as casas pelo 1º piso] mas isso é uma questão transversal, não vamos colocar questões transversais para [deitar abaixo] … também acontece o mesmo em condomínios fechados, 2 indivíduos da máfia romena no Algarve raptam os filhos das pessoas e… não é por aí… quanto às famílias ciganas já lhe tentei dar uma noção, embora eu ainda esteja para perceber qual a forma mais adequada para a intervenção e onde está o maior trabalho a fazer, se é da nossa parte se é da parte deles, o modelo que há falhou rotundamente, se não sei se são eles, se são os empregadores que nãos gostam de dar trabalho a elementos da etnia cigana [volta sempre ao mesmo… o trabalho; para outros é o RSI, mas tem que haver sempre qualquer coisa – nem que seja que falam alto e fazem muitas festas…] que não se adaptam às normas e aos horários do trabalho… [falo da experiência do Parque Nómada de Coimbra] … sabe muito do que se escreve não é muito fiel a tratar a realidade… nós temos uma tendência para escrever de acordo com a nossa ideologia, não sendo fiéis à realidade, estou a dar-lhe duas versões e ser o mais realista possível. Estes indivíduos destruíram efectivamente estes edifícios habitacionais. Mas isto não reflecte toda a outra dinâmica do bairro. Maioritariamente onde está uma família de etnia cigana existem queixas dos outros vizinhos? Existem!, porquê? Porque existem choques de culturas, digamos assim, de modus vivendi; também há sítios onde não há problemas e onde estão alojadas famílias ciganas. Não há regra? Não há excepção? HÁ! Agora, há que aferir melhor com eles! [Na Guarda funciona bem (…) porque não aqui?] Pois…! [silêncio] [Existe uma “unidade institucional” Malagueira?] Em termos dos vários serviços? Nós trabalhamos em parceria com a Segurança Social e as outras instituições do que nós chamamos – Núcleo Local de Inserção (NLI) – e nós temos reuniões semanais do NLI para trabalhar questões de famílias em termos sociais e grande parte delas estão alojadas em bairros de habitação social. Neste Núcleo está representada a CME, a Saúde, a Educação, a Habitação, a Segurança Social e quando existem problemas sociais que afectam as famílias nós tentamos de uma forma complementar apoiar essas famílias, melhorar a sua condição e trazê-las para a reintegração social – este é um trabalho que fazemos em parceria, em termos de arquitectónica, de um bairro em si… em termos logísticos era impossível uma unidade do bairro da Malagueira … Há Comissões Sociais de Freguesia mas não têm uma intervenção muito efectiva nos bairros. Nós ocupamo-nos em termos de Património,

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quando está degradado, atribuição desse Património quando vago e trabalho com as famílias ao nível NLI e particular quando é necessário... conhecemos bem as famílias com quem trabalhamos… na HabÉvora somos 14 funcionários para … temos 900 e tal inquilinos nos bairros todos, felizmente muitas dessas famílias não apresentam grandes problemas, o nosso trabalho é com aquelas que apresentam maiores problemas sociais, que têm dificuldades … se fossem todas mal estaríamos nós… mesmo assim é difícil se tivermos em conta que temos os 2000 e tal inscritos para acompanhar e para perceber. Tentamos ao máximo ser o mais justos possível. 2016 no mês de Maio/Junho. [Compra e venda das casas…] não sei, não sei, eu acho que a venda das habitações sociais, de cordo com a legislação em vigor, o preço que nos obriga a vender em função dos preços do mercado – portanto esse preço fica muito aquém [do que custaram], também é verdade que os agregados familiares desde a sua utilização pagaram a sua renda de acordo com o que está estabelecido por Lei; mas pode sempre colocar-se a questão se essas famílias não estão a ser beneficiadas em relação aos outros contribuintes. Porque uma habitação destas é sempre vendida a valores muito mais baixos do que se estivessem no mercado a perspectiva não é “social”, é de um promotor imobiliário… acho eu]. Tem um ónus de inalienabilidade de 5 anos findos os quais, se não tiver ali o seu projecto de vida, pode efectivamente vir a fazer um bom negócio. Pode vendê-la a preço livre muito mais cara do que a comprou… Agora se virmos de um ponto de vista… aquela e a sua casa de família, sempre ali viveu, sempre cumpriu com a sua renda e fez ali a expectativa da sua habitação para viver com o seu agregado familiar, então, faz todo o sentido vender-lha porque a família autonomizou-se está inserida dentro daquele contexto e deve adquiri-la … como tudo na vida existem prós e contras. Se a perspectiva do adquirente for a venda futura foi um mau princípio e um mau negócio, se a perspectiva for a manutenção da família e a integração lá, penso que sim, é uma boa postura. [É menos um que dá problemas…?] mas é menos um fogo para alojar uma família que precisa. Vender uma habitação é porque em parte aquela família deixou de ter necessidade de habitação social e nós deixámos de alojar um agregado familiar, porque o parque habitacional social – a génese em si – é para ser rotativo. Utilizar como um elemento de política social: usa-se enquanto se tem necessidade. Não se tem necessidade devolve-se para ser utilizado por outro que tenha necessidade naquele momento. E aí, sim, vamos à ideia de ainda agora – este parque de habitação social seria suficiente para a Cidade se houvesse rotatividade. As pessoas e a legislação não previram esta situação, o agregado familiar que habita o fogo diz assim “eu precisei de uma habitação, O Estado deu-me a mão, eu já não necessito, vou devolvê-la”. Isto não existe, é utopia, por isso o Estado devia ter complementado a Legislação especificamente para esta situação [é o que diz o Prof. Armando da EU a propósito das casas das Cooperativas… há gente a ganhar dinheiro com habitação a custos controlados quando esta devia ser canalizada para quem precisa e não para o mercado – não se devia poder vender, diz ele]. [Em Portugal] e particularmente em Évora, não me parece que haja mobilidade residencial. A rotatividade também tem a ver com a enorme diferença que existe entre os valores de renda praticados no mercado livre e os valores praticados na habitação social. Uma família para se considerar preparada para sair da habitação social e entregar a chave para poder servir a outra tinha que ter no mercado uma alternativa ligeiramente superior, mas não exageradamente, como estamos a ver. O meio-termo não existe. Isto também é para ser considerado. [Quando não se negoceia leva os utentes à transgressão…] Por exemplo, por exemplo, e não é só nesse bairro. Temos esses mesmos problemas noutro bairro aqui da década de 45/50 que é o famoso Bairro da Câmara cujo objectivo inicial da construção era – casas para pobres – já não está, hoje, minimamente identificado com os problemas actuais e também não se pode mexer nas habitações o que faz proliferar a tal barraca no quintal, a construção clandestina que não devia de acontecer se houvesse uma maior flexibilidade na evolução das condições [da família no habitat].

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[há um padrão de comportamento dos habitantes (192) da Malagueira?] Como em todos os bairros há inquilinos mais cumpridores e menos cumpridores para com os seus deveres, como em todos os bairros existem inquilinos mais queixosos e menos queixosos. Pelas características do Bairro da Malagueira temos menos queixas dos inquilinos da Malagueira do que dos outros bairros, pela vivência em habitação com vizinhança por cima e por baixo, chamada vertical, e as casas da Malagueira… E há o pagamento da renda também os inquilinos da Malagueira apresentam alguma fuga… há ali uma boa percentagem de famílias residentes, assim que percebem como funciona o sistema, ele é aberto às pessoas, de cordo com os rendimentos e o agregado familiar. Vai de 1% do salário mínimo nacional – 4 euros e 75 cêntimos ao valor do rendimento técnico da casa que oscila com os valores auferidos pelo agregado pode ir até aos 400 e qualquer coisa euros. O máximo das famílias tenta apresentar rendimentos mínimos, às vezes ocultam a residência da família… o mesmo não acontece quando aumentam os rendimentos… sempre que há alteração da composição do agregado familiar ou dos rendimentos há mudança de renda, paga mais quem mais pode, paga menos quem menos pode… a renda pode ser alterada até mensalmente… diz o Decreto-lei… de 1993… nós aplicamos desde que existe a HabÉvora (2004) o que provocou uma reacção desfavorável dos habitantes… foi o maior problema que a HabÉvora teve foi a implementação dessa Lei e a actualização das rendas [que o IGAPHE não fazia? Porquê?]… o IGAPHE estava a praticar as rendas técnicas atribuídas à data das atribuições, mudasse a família ou os rendimentos ou não mudasse a renda era a mesma, e nós fomos adequar ao que estava na legislação. Então tivemos que fazer as tais visitas de que eu falei, tivemos que fazer o pedido da documentação para o cálculo da renda a todos os agregados familiares e depois quando dissemos às pessoas que a renda ia alterar porque a renda não era aquela foi um frisson muito grande. Decidimos implementar a uniformização em 6 anos… Sempre sujeita a alterações, se for caso disso. [… explica como se procede às actualizações…] Isto trouxe estigma para os técnicos da HabÉvora, algumas barreiras, mas os novos inquilinos realojado pós-HabÉvora percebem perfeitamente o sistema e somos regra geral muito bem recebidos nos bairros de habitação social, dos mais resistentes ao processo não temos essa boa aceitação… As pessoas estavam a pagar 3 euros e 16 cêntimos por uma habitação social e agora pode ir aos 200 euros… [Regras ou participação?] Eu acho … que trabalhar com pessoa e a subjectividade não se coaduna muito com o cumprimento restrito de regras, eu tenho um princípio de intervenção e tento transmitir isso às minhas técnicas é – o caminho mais fácil com as pessoas é a sinceridade no discurso no atendimento e a clarificação das regras base da habitação social. Quer se queira quer não deste lado está o proprietário e deste está o inquilino, a HabÉvora é responsável por um património público é construtora, deve zelar o melhor pelo património dos contribuintes e de uma maneira mais justa, e do outro lado… [os habitantes] – a renda considera-se que é socialmente justa… podia haver nuances… nós consideramos [e já o fizemos sentir às entidades superiores] que as despesas com saúde e com educação não deviam de entrar no cálculo da renda, é a nossa posição, mas a Lei assim não o entende e temos que a respeitar. Quando tratamos as pessoas com sinceridade e honestidade e clarificamos as regras – nós temos uma boa abertura para um bom entendimento e uma boa relação entre o proprietário-inquilino e o técnico-utente. Porque se um inquilino entrega os papéis para calcular a renda, mas verifica que um vizinho ou outro o não o faz a pessoa sente que não existe o mesmo tratamento para todos; o técnico tem isto em [muita] consideração, vai ao local, vai falar com as pessoas e explicar que deve ser assim (…) senão é contencioso nada agradável e que tentamos evitar ao máximo. A partir do momento que o inquilino sente que o técnico cumpre com o que diz …) a relação está aberta. A pessoa compreende que a renda tem que ser aquela pela Lei. Tanto para ele como para o vizinho do lado. (…) Nós tentamos que todos cumpram com a Lei, quem não cumpre só pode esperar o Contencioso. Se nós vamos começar – pronto deixe lá, não se preocupe com este documento, tornamo-nos injustos para com as outras pessoas todas, ilegal e eticamente reprovável

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[efectivamente este respeito pela Lei torna toda a gente igual e compreendo que assim se torne aceitável os inevitáveis aumentos de renda] até porque a HabÉvora (HB) tem mecanismos de ajudar na insolvência das famílias, certos meses não pagou a renda porque teve despesas adicionais, nesse caso a HB faz planos de pagamento, valores bastante baixos para pagar ao longo do tempo… há-de se encontrar uma solução… o que torna tudo mais difícil é a intransigência das pessoas em não cumprir com as instruções dos técnicos… nunca se fecha a porta às soluções… [então e as casas emparedadas?] as casas emparedadas é porque o seu saneamento e recuperação são incomportáveis para a HB. A HB precisa de intervir dentro das habitações que têm inquilinos – essas já têm um grande volume financeiro a gastar com obras dentro dessas habitações. As casas que vende sempre encaixa algum dinheiro para investir em compra de outras habitações, se possível a custos controlados, obviamente, para realojar famílias que estão cá inscritas. Essas habitações a HB tem em mente uma candidatura ao Pro-Habita para requalificação daquele espaço. Ainda existem lá 2 ou 3 famílias que precisamos de realojar noutro espaço para depois desenvolver o projecto de intervenção total das duas ruas – principalmente a Rua do Rochedo e a Rua das 12 casas, elas ainda não foram recuperadas uma a uma por causa do valor elevadíssimo dado o estado de degradação que apresentam. Porque na Rua das 2 Árvores existem apenas duas habitações, sendo que a primeira já está emparedada [o que significa que já sabia que ia emparedar a outra, 7 ou 8 meses antes de o fazer!?], com elevados níveis de degradação. S outras em princípio estão perfeitamente habitáveis com famílias lá dentro a viver. (…) Houve um projecto que se pensou uma candidatura aos fundos comunitários que era para requalificação de uma parte do bairro, o projecto chamava-se “Fim da Picada” [mas este projecto era só respeitante aos espaços públicos, não intervinha dentro das casas, por isso não servia para ali… além de ser feito por um arquitecto recém-formado em Arquitectura Paisagística e estagiário na Câmara, de seu nome Passarinho… sem qualquer supervisão do Siza!?... o objectivo permanente de apoucar a Malagueira está sempre presente, de um ou de outro modo] nós pensámos esse projecto em parceria com a Câmara e outras instituições – era um projecto grande – foi a CME que teve a iniciativa e nós fomos chamados para o factor da habitação [mas não contemplava a habitação…] as verbas era para serem aplicadas na reabilitação dos espaços público e nós tentámos incluir aí – infelizmente foi inviabilizado porque Évora avançou com o processo da SRU [reabilitação do centro histórico… encomendado ao Nuno Lopes e depois retirado ao mesmo porque destruía algumas árvores… está agora na mão do Carrilho da Graça, mas sem verbas…] (…) o Fim da Picada foi infelizmente preterido quando tinha lá inscrito a reabilitação dessas ruas [das casas emparedadas] não só em termos dos edifícios [as fachadas, TALVEZ??!!...] como dos espaços públicos. A reabilitação daquela zona era maravilhosa, tínhamos pensado aproveitar aquele espaço do Alto dos Cucos, do Circuito de Manutenção, para desenvolver mais um conjunto de situações, se contactar a CME vai ver que eles tinham lá uma parte que era muito engraçada… Era fundamental alguém que se debruçasse a fundo sobre a intervenção junto da etnia cigana. Mas era fundamental que esse estudo não fosse, nas conclusões, aquilo que gosta de ouvir. Era importante que o estudo fosse real, mesmo que não fosse muito correcto dizer que a família tem este ou aquele, que o estudo tivesse a preocupação de encontrar a forma de intervenção que viesse a ser vantajosa para as famílias. Não é escrever um texto “giro” sobre a família… porque as famílias têm uma característica fundamental – quando eles consideram que existe algum benefício na sua intervenção, aquilo corre tudo às mil-maravilhas, quando existe alguma resistência a alguma imposição por parte dos Serviços para cumprimento de alguma determinação, fica a coisa bem mais difícil. Criam-se ali uns conflitos, criam-se ali algumas resistências, como ultrapassar isto? É co-responsabilizar… é dizer assim… olhem a nossa forma de viver é assim, nós vivemos desta maneira vejam lá se se adapta à vossa Lei, se concordam ou não, se podemos fazer…

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BAF30 … nasci em Junho de 1970 em Ev e vivi no bairro da Torregela uma data de anos, desde que me conheço como gente, depois vim para aqui… a minha história é que eu juntei¬-me muito nova com o meu marido ficámos a viver em casa do meu pai na Torregela, depois ouvi dizer que estavam a entregar casas e eu inscrevi-me, dei o nome e entregaram-me uma casa na CP – foi há uns 19, 20 anos – como eu era vendedora ambulante tenho uma carro de mercadorias não dava para viver na CP por causa dos roubos e coisas assim e não gostava do lote onde me deram a casa e então tentei no IAPHE uma troca para outro lado – arranjaram-me então uma troca na Horta das Figueiras, era um rés-do-chão, a casa era muito bonita muito bem acabada, mas como eu comecei a ter filhos e ficava muito rente da estrada, e gostava da casa mas não gostava do bairro, do ambiente do bairro também não gostei, então arranjei troca para esta casa aqui onde estou agora a viver, tenho 3 filhos, já tive 4, mas agora só tenho 3… faleceu-me um em bebé… tudo rapazes, tenho um com 16, 20 e 21 o mais velho está com os meus pais, os outros estão comigo, na Horta da Figueiras (HF) não estive lá muito tempo, na CP nem cheguei a ir para a casa – tive lá algum tempo em gaiata em casa da minha avó, não cheguei a frequentar aquela casa, fui logo para a HF … um pouco mais que 2 anos… estou aqui há 20 anos, gosto muito aqui do meu sítio, gosto da vizinhança, não tenho razão de queixa, para mim são impecáveis, é bom dia boa tarde e quando temos que falar um bocadinho falamos, são amigos que se a gente precisar de uma coisa qualquer eles aparecem e perguntam se estamos bem, não me dou mal com ninguém, e em todo o bairro… há roubos, mas isso é em todos os bairros… já me assaltaram o meu carro, não levaram nada porque o meu pai estava a chegar com o meu filho mais velho e tinham uns ferros atrás dos vidros na parte de trás, de resto mais nada. Os meus filhos aqui também ninguém tem razão de queixa com eles… as vizinhas também gosto delas … isto aqui [as casas em frente já não são evolutivas e foram construídas depois] não havia nada e ainda era mais bonito, porque tinha só uma árvore ou duas, mas tinha mais vista, a gente via os carros a passar, via-se a zona da piscina – mas estas casas aqui também não me incomodam em nada, as vizinhas da frente também são boas pessoas… os meus filhos jogam aqui à bola com os miúdos da frente… nunca deram nem receberam uma má palavra… é tudo impecável… é que a gente somos vendedores ambulantes, fomos, agora já não somos, e isto aqui – esta vizinha aqui de lado e alguns ficaram assim com receio, aqui na minha casa morou uma cigana e acho que andaram para aqui aos tiros… nós somos tendeiros porque fazíamos tenda, os ciganos é que já têm raça mesmo, é aquela tradição mesmo de cigano (riem-se)… isto ao fim ao cabo é tudo igual – levamos todos o mesmo caminho, cá para mim é tudo igual, não me faço mais que ninguém e ninguém é mais do que eu – só se for mesmo na saúde ou ter mais algum dinheirinho… olhe dou-me bem com toda a gente… não me venham cá fazer mal que eu também não faço a ninguém, eu agora não vendo nada – eu agora não trabalho, agora parou, a venda sempre foi pequena e a mercadoria foi acabando e eu agora vivo do rendimento mínimo, isto está muito complicado, a minha mãe anda aí na venda e está muito complicado, fazem as feiras e os mercados, mesmo nos arredores, Montemor… eu já não faço. Por enquanto não, andei uma altura que andei a vender umas coisinhas… às vezes vou ajudar o meu marido, como a mãe dele é viúva e ele vai levar-lhe o carro que ela não tem marido, não pode, outras vezes vou com a minha mãe ajudo-a a fazer qualquer coisa, isto está muito parado e depois não se tem dinheiro para o artigo. Tem que se ter artigo para se ganhar dinheiro… querem que a gente pague isto e mais isto [impostos]… estou a receber o abono de família de 2 deles mas reduziram desde Dezembro até agora não tiveram abonos nenhuns … ele está a estudar na PR acaba este ano o Curso de Turismo, agora vindo o verão trabalho não lhe faltará, é o que ele está apensar, acaba este ano a escola a ver se arranja um trabalhinho, no Algarve ou isso… aqui em Ev ainda não viu nada mas ele diz que quer ir para o Algarve, há mais turismo, e as pessoas lá são mais amigas de ajudar, ele esteve um mês e meio a estagiar lá num Hotel e gostou muito de lá

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estar… de uma vez 1 mês e de outra 2 meses e pouco, assim é que foi, e até ganhou algum dinheiro… … Torregela era ali ao pé da CP, ai gostei tanto de lá estar [na juventude, no meio do campo], era … memso eu e as minhas irmãs as brincadeiras eram outras – não pensavam em roubos… nem nada – agora a maioria da juventude só pensa em fazer mal, vêem um miudinho com um telemóvel só pensam em roubar, bater, isso é que às vezes eu tenho medo, aqui na zona o meu medo é esse.. sair à noite um bocadinho e estou sempre com aquela preocupação – agora já tenho este com 16 anos e quer sair um bocadinho… e dantes não a gente queria sair, ia para qualquer lado… e os gaiatos ficavam a brincar à vontade, agora, a partir de uma certa altura até temos medo de sair à rua… … tenho ali uma prima casada com um GNR… o Álvaro morou aqui muitos anos á nossa frente, ainda fui ao funeral da mulher, eram impecáveis… o filho deles foi criado com a gente… vinha para aqui, tenho aí uma fotografia… aqui ao pé da janela, o João passava os dias aqui com ele [o filho dela], tenho várias fotografias o pai do João (o ÁLvaro) tirou-me um dia uma fotografia a mim ali sentada na escada, não tenho razão de vizinho nenhum, mas aqueles então foi uma coisa (a Mª para si foi?) – para mim foi boa, não posso dizer que foi má porque foi boa! Conheci outras pessoas [diferentes das que conhecia] porque as pessoas aqui são totalmente diferentes de outros sítios, por enquanto esta zona aqui [junto às piscinas, que tem dum lado privados e do outro ex-IGAPHE], este sítio aqui ainda é o sítio que eu mais gosto, aqui a minha zona, que é muito sossegada, e eu moro aqui, pronto, da minha família, da minha família não, tendeiros, dos tendeiros eu moro aqui sozinha e faço de conta … [que sou destes aqui, que não sou “controlada” pelo meu grupo, como seria numa aldeia, aqui sou livre]. Porque eu dou-me melhor com as pessoas, com a vizinhança do que com certa família que eu tenho [riem-se discretamente os que ali estão – o filho e uma amiga] por isso eu gosto muito desta zona. Gosto, gosto das pessoas, gosto… eu saio à rua e sei que estou à vontade aí na rua não são pessoas de deitar bocas, de repararem no que a gente faz, às vezes eu grito aqui com os meus filhos… grito, ou porque estão a fazer isto ou a desarrumar aquilo – e os vizinhos nunca disseram, ai a senhora grita tanto, não, estamos todos habituados uns aos outros, ouvimos as conversas nos quintais e não somos de andar a dizer – ai ouvi a conversa da vizinha assim, ai ouviste – não, e há pessoas que a gente vai… conhece… e é assim e aumentam assim… E aqui, pronto, gosto muito aqui do meu sítio, até já me falaram aí há dias, porque não trocas a tua casa ali para a do Escurinho, aquelas baixinhas também, e eu disse: não, nem que dessem dinheiro em cima… é onde está a minha irmã, e o sítio até é bonito… mas para ela sozinha com o filho é bom, se calhar, se ela tivesse mais filhos poderia até ser pior, porque há ali um ambiente de um grupinho e eu então, ó, pensei – sinto-me aqui calma, sossegada… foi uma coisa boa, por acaso foi… …com a segurança já não estou assim satisfeita por causa dos grupos… se houvesse mais controlo… ele há, mas alguns já não respeitam isso… até passa aí muita polícia, mas isso … de vez em quando eles andam aí, mas só de noite … e eles já não respeitam nada disso, a carrinha está além e eles já pensam em tentar roubar e fazer mal, polícia há mas eles não respeitam… o que eu gostava que eles fizessem era aqui isto tudo em relvinha como está noutros sítios… porque isto aqui está abandonado, depois há ali bichos… (há muitos passarinhos a cantar no quintal, em gaiolas)… com as condutas não estou nada satisfeita, por aí é que eles às vezes entram em casa… na CP há uma farmácia, os supermercados, aí há, aqui não há e devia haver… os carros passam aqui à porta com uma força… os estacionamentos não, devia haver um parque de estacionamento… quem estaciona lá às vezes tem os vidros partidos… com a casa, satisfeita, satisfeita, não ela devia ter outro tipo de arranjos [materiais e acabamentos] na casa… da casa gosto, gosto [assim, assim]… a cozinha era pequenina eu agora é que aumentei… agora estou satisfeita, o pátio devia ser um bocadinho maior, mas pronto, tinha mais que fazer… algumas coisas já fui eu que arranjei, as madeiras foram todas foras… a instalação da electricidade está

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sempre a disparar… com os miúdos se tiver que dar um grito dou, estou na minha casa… mas são uns gritinhos passageiros (…) são uns gritos passageiros, se tiver que dar dou, a garganta é minha… às vezes estamos nós a gritar com eles e eles a rirem-se na nossa cara… é de verem a minha cara irritada … o Henrique quando eu estou a gritar e ele a rir e diz “és louca!”… mas parece que fico melhor, sei lá… … a parede é alta, gosto, tenho [privacidade]… divorciada? Eu, não, estou junta com o meu marido, não somos casados, estou a viver com o meu marido… não faz mal… em comida é que gasto mais, 20 30 euros por dia… comem muito… às vezes sinto-me mesmo apertada [de dinheiro]… Mª.s? bairro há só um… mas o que gosto é a minha zona aqui para cima [junto às piscinas]… … se eu fosse Presidente da Câmara a primeira coisa que eu via era quem estimava o bairro e quem não estimava, era logo a primeira coisa que fazia, há quem tenha casa e não a saiba estimar e há quem a queira e não a tenha, essa era logo uma, e tentava modificar algumas coisas aqui dentro das casas – portas, não acho jeito nenhum àquilo… isto é que eu não acho piada nenhuma, estas portas, isto devia ser parede… (penso que era as portas de ligação – de correr – entre a copa e a sala)… queria fazer um arco… O filho BJM30 … nascer aqui foi bom, fui o único que nasci aqui, os meus irmãos nasceram na Horta das Figueiras, tive aqui os meus amigos e foi tudo bom… tenho aqui os meus conhecimentos, muita coisa e coisas que eu nunca pensei que iria conhecer [o seguimento do pensamento da mãe], o que a vida já passou, já passei por muita coisa [aqui], também já apanhei muitos sustos e aqui, se for preciso, tenho ajudas que noutro bairro não tenho, se houver aqui alguma briga eu tenho sempre amigos para me ajudar, ou onde quiser estar, na casa dos meus amigos é assim, é bom – por isso é que eu gosto de viver aqui… nunca queria mudar daqui. Claro. Primeira andei na CP até à 4ª classe e depois vim para esta da Mª e agora estou no Liceu, ali ao pé do Pingo Doce, na André de Gouveia, num Curso de Informática, no 9º ano, aqui é tudo como se fosse família… quem fala no bairro também nunca cá veio para ver como é que era, eu gosto… a polícia está sempre aí não deixa ninguém brincar… há muitos que eles querem apanhar e então usam outros carros… os daqui da rua só se juntam aqui na rua… agora há menos miúdos que os amigos dos meus irmãos… devia de haver mais relva aqui é abandonado… a sinalização está tudo uma confusão, há sinais aqui que estão virados ao contrário… eu gosto da casa, estou satisfeito, o meu quarto é muito abafado, eu é que o arranjei, com o meu irmão, gosto de dormir mais cá em baixo na sala o quarto é muito abafado, a janela está aberta, está estraga e ainda um dia podem entrar aí em casa… conheço aqui muita gente e estou satisfeito… no Inverno é abafado também, é sempre abafado, é iluminada e arejada, mas o meu quarto não, não sei… o do meu irmão é mais fresco no meu bate mais o Sol… na CP há um centro de jovens e aqui não… (A entrevistada disse, embora já com o gravador desligado, que tinha sido uma pessoa muito diferente do que seria suposto ser por ter vivido ali, a ideia era que o ter vivido ali e conhecer outras pessoas fora da cultura do seu grupo social tinha feito de si uma pessoa completamente diferente porque não tinha só conhecido outras pessoas, mas que ao contacto com os outros tipos de vida que viviam os seus vizinhos ela se tinha mudado e evoluído. Claro, era toda esta ideia de personalidade criada na relação com os outros e foi das coisas mais belas que ouvi na Malagueira.)

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BAM18 … sou do distrito, mas não nasci em Ev vim cá parar há 37 anos e para o bº Mª há 22 anos… como iniciei a minha actividade na indústria hoteleira muito novo, como surgiu este espaço aqui… e decidi abria aqui a pastelaria que já existe há 9 anos… inicialmente eram doces conventuais com serviço a restaurantes dada a circunstância económica em que estamos teve que se dar a volta à situação e alargar a área comercial… … o bairro acho que é extraordinário, embora haja quem por vezes fale o contrário porque há uma mistura de classe sociais e por vezes isso incomoda, mas também é uma forma de saber viver em conjunto. Eu vivo aqui há 22 anos – tanho o espaço comercial há 9 mas vivo cá há 22 anos… uma situação em que criei os filhos, já nasceram cá, em conjunto com todas as diferenças sociais que possam existir no bairro, nas mesmas escolas, partindo do princípio que partilham as mesmas ruas, os mesmos espaços verdes e não tive problemas com isso. E por outro lado beneficio também dessa boa vizinhança para tirar partido dessa situação no espaço comercial que usufruo… dissabores, temos em qualquer lado do mundo, há-de sempre haver diferenças de opinião… mas nada de chegar ao ponto de criar inimizades fortes que dê para desclassificar isto ou aquilo. Até acho que o lugar é bastante interessante, este bairro tem umas características muito especiais – quando foi feito 50% do bairro era para habitação social, um extracto económico menos evoluído, em condições precárias… e foram dadas a empreiteiros que abandonaram isto… os acabamentos ficaram muito descuidados porque já não havia mais verba para gastar … o que já por… é uma habitação térrea e alguma em cima de alguma rocha, também, dificultou um bocadinho nos custos, porque aqui ao lado na CP foi em altura e subiu, e colocaram muitas famílias que não tinham … [meios] … aqui tem algumas zonas verdes que é dos espaços que tem mais amplitude o que acho extraordinário – houve outros lados em que as casas foram construídas num sentido diferente por cooperativas de habitação para vender aos seus associados – aí com custos mais controlados, o despesismo foi feito nas outras, as casas já estão mais cuidadas… daí também a mistura dos extractos sociais que eu acho que é benéfico… quando as pessoas nos dizem ó pá tu vives no bairro da Malagueira no meio dos ciganos e dos tendeiros … ó pá por amor de Deus … então… nós vamos aos mesmos supermercados e depois vamos comprar-lhes tshirts nos mercados… há aqui qualquer coisa que não bate certo, vivemos com eles mas não podemos sentar-nos à mesma mesa … acho que não faz muito sentido, de todo, é intolerável… aqui eu acho que é uma experiência que não é nada negativa … se calhar temos que ser nós a fazer essa integração, por eles preferem ficar aí sentados à espera que as coisas caiam… a gente se puxar por eles somos capazes que as próximas gerações evoluam nesse sentido… problemas… problemas havemos de ter sempre mas não andamos ainda aos tiros, a cidade não tem problemas de segurança – aqui não temos grandes problemas, temos é um problema comum, a Mª, o Alentejo, o país, até a Europa estamos com problemas muito graves a Malagueira não foge à regra, as vias da conduta das zonas centrais foram criados espaços para o comércio, para não deixar o bairro tornar-se um dormitório e obrigar as pessoas … houve alguns senhores que foram ficando com os melhores espaços e agora têm simplesmente as lojas fechadas, foi quase usurpação e eles nem alugam, aquilo foi parar-lhes às mãos a custo quase nenhum… alguns senhores das cooperativas de habitação que ficaram com esses espaços aos construtores civis… que se mantêm fechados, aqui ao lado estão dois que são do mesmo dono que por acaso até era presidente de uma dessas coop. e até está fechado há 14 anos, não é brincadeira… isto era suposto ajudar ao desenvolvimento do bairro, para prendera as pessoas aqui para não ter de se deslocar, enfim.. uns tantos matam isto à nascença… eu tenho aqui um espaço comercial se as lojinhas estivessem abertas era melhor… (…) … foram abrindo aí uns condomínios, quem pôde mudou-se para esses condomínios que é uma situação diferente em termos de vivência – as pessoas que podem fazem o que entendem, e aí o

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bairro perdeu um bocadinho da chamada classe média alta que vivia aqui e baixou um bocadinho… e como o comércio também não acompanhou… as pessoas querem ficar perto de tudo, hoje é um bocado assim… nós na Horta das Figueiras temos lá tudo de agências bancárias aqui temos uma mísera caixa multibanco no edifício da junta que é muito lenta e não percebo a M é a maior freguesia da cidade tem quase 13 mil pessoas… … fazer uma piscina como deve ser noutro lado e aqui aproveitar para fazer um aquaparque com os desníveis, aqui quando se chega ao fim de semana fecha tudo e não se passa nada… não fecham o Templo de Diana porque está ao ar-livre… [desenvolve outros projectos]… quando falamos da Malagueira não podemos falar só do bairro, está integrado na cidade de Évora – capital de distrito, devia ter outro desenvolvimento que não está a ter… (…) … há sempre qualquer coisa que não deixa andar, aqui na Mª são as diferenças de cor política entre a CME e a Junta… é mais fácil fazer campanha a prometer um estádio de futebol, e somos tratados como lixo… … quando cheguei trabalhava num restaurante dentro da cidade, durante 12 anos, como gerente… em 74 quando cheguei a Ev trabalhei como … mesas, restaurante… (…) nasci em santiago de Rio de Moinhos, Borba… ainda andei em Estremoz na escola Industrial… vim de uma aldeia, uma casa muito humilde… podíamos andar por ali à vontade, passava um carro de 2 em 2 horas… temos vários grupos aqui de btt… malta de 50, 60 anos a andar por aí… aquilo é o renascer de uma comunidade, também é muito saudável, deixa-se de fumar… andar de bicicleta é meio caminho andado para deixar de fumar… na evolução do T5 fui obrigado a fazer um corredor junto às paredes, ando 17 m para chegar ao último quarto quando podia fazer 4 se fosse por dentro… as casas que estão encostadas nem janelas podem ter… tenho 5 filhos e está tudo criado, a mais nova está a fazer 17 anos… já tenho netos… … as casas das cooperativas de habitação, as chamadas “casas de compra” e a segunda fase que é a fase social… comprei a minha casa há uns 12 anos e havia à minha frente quem pagasse uma ninharia… comprei a minha casa a bom preço, 40 mil euros, mas havia pessoas que compraram ainda em contos por 13, 14 mil contos… 10 anos antes, que foram mais caras… e eram T3… toda a gente que carece de ajuda deve ser ajudado, não é por aí … quando ingressei na casa também foi pelo estatuto de habitação social, ok, vinha de uma casa alugada no bº Sª saúde, foi uma benesse era uma casa com espaço, tinha 3 filhos na altura, já nasceram aqui as duas últimas miúdas e de facto foi uma benesse boa ter aquele espaço… … há uns anos era, havia aqueles pátios e toda a gente percebe quem entra no pátio e a porta está aberta… eu gosto do meu modo de vida, venho para aqui às 7 e meia da manhã e saio à meia-noite… se não vier para aqui vou fazer o quê…?? BAF13 e BAM13 … vivia na CP antes de vir para aqui, nasci em 1958 e vivi sempre cá em Évora, dentro da muralha, na Travessa das Coentreiras – era ao pé, às portas de Alcochel com a Serpa Pinto… Rua do Raimundo, dos Mercadores, tenho uma memória muito boa desde os 3 anos para cá lembro-me, a casa só tinha 2 divisões que era a cozinha e um quarto mas eram divisões amplas e depois tinha o chamado saguão que é uma espécie de pátio pequeno e não tinha mais nada, a cozinha era cozinha e casa de jantar e o quarto vivi lá até aos 4 anos ou 5 e o quarto era onde dormia com os meus pais e depois mudámos quando nasceu uma irmão, era pequenino e se tivesse plantas era um vaso ou outro, não dava para brincar, brincava na rua, não passavam lá carros nenhuns que não passavam lá… ainda hoje não passam, é difícil em Ev nas travessa passar lá carros e aquela era muito apertada, lembro-me perfeitamente que brincávamos na rua e ao fim da rua tinha um largo que dava para a rua dos mercadores, brincávamos por ali, ainda era uma boa meia dúzia de

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crianças, depois fomos para a Senhora da Glória ali ao pé da André de Gouveia. Ali já tínhamos 3 assoalhadas, eu e a minha irmã dormimos sempre no mesmo quarto, ela é um bocadinho másinha – é próprio dos miúdos mais novos… gostava muito de bater… tenho mais 5 anos do que ela, ali tínhamos quintal e brincávamos na rua – ali havia mais crianças, muito mais – a rua tinha muitas crianças, nem sei precisar quantas… em todas as casas, aquilo era um bairro novo e nós fomos para uma rua … nós fomos estrear a casa, e a rua seria mais ou menos toda nessas condições – era tudo casais novos com os filhos e ainda havia casais com meia dúzia de filhos… era muita criança! Vivi lá até casar, andei na escola na André de Gouveia, andaram lá os meus filhos e o meu neto... Antigamente vínhamos a casa… aquela escola não tem refeitório, nunca teve, é uma escola pequenita… era só atravessar a rua e nessa altura nem havia carros, nessa altura o bairro terminava ao pé dos moinhos – não tinha seguimento era tudo campo, aquela estrutura é tudo novo para lá dos moinhos, e para aqui – naquela altura havia a Quinta da Mª e o Bairro de Santa Maria e pronto, atravessava-se o campo para ir para o BSM não havia estrada que ligasse os 2 bairros… era tudo campo… só tinha plátanos … íamos para a cidade quando chegava o Liceu, depois é que Santa Clara começou a funcionar como Ciclo, porque antes funcionava lá a Escola Industrial… agora é o Ciclo, então eu fui logo para o Liceu para o primeiro ano, aí íamos nós (faz inflexões de voz a significar que era uma grande caminhada) a pé, não tínhamos medo nenhum, eram uns tempos belíssimos, o problema dos miúdos de hoje que estão mais do que avisados dos estranhos e dos carros, não existia nada disso… vivi ali entre 1963 e 76… … no bairro havia aqueles bailinhos de rua com a fogueira no Stº António, às vezes os miúdos faziam lá uns bailes mas não passava daí, o bairro não tinha festas ainda hoje não tem , há bairros aqui em Ev que tem as festas disto e daquilo… não tinha liberdade para ir a bailes, fui a 2 ou 3 bailes no Liceu que me lembre e dois deles com a minha mãe, o outro disse uma aldrabice, disse que ia com a mãe de outra para poder ir sozinha… porque não tinha muita liberdade para ir assim… eram poucas as raparigas que saiam … havia aquela coisa da tradição do 1º de Dezembro – que era só de rapazes – na véspera do 1º de Dezembro aqui em Ev, os estudantes é que mantiveram essa tradição, hoje não sei se se mantém mas no Liceu havia essa tradição, que era na véspera do 1º Dezembro ninguém dormia porque fazia anos que tinham sido expulsos os espanhóis e como isso tinha sido aqui e em Vila Viçosa manteve-se sempre a vigília dessa noite, no meu tempo era assim, mas as raparigas não tinham liberdade para participar, salvo raras excepções, porque era andar toda anoite na rua, não dormir, andavam na garagem de um na garagem de outro e depois não se deitavam, mas eram raras as raparigas que pudessem participar, era só para os rapazes… eles faziam assim uns disparates… derrubar os caixotes de lixo … havia o baile que as raparigas iam, mas mais nada, o baile era no dia a seguir, parece-me, uma noite dos feriados… nos bairro era espontâneo, na SG era espontâneo, alguém que se lembrava de pôr o gira-discos na rua, ou o gravador, eram daqueles gravadores de fita, de bobine, eu tinha um gira-discos fatela, aqueles assim tipo mala diplomática… (ri-se) mas havia um rapaz que morava por trás de mim que já tinha um desses que tinha bom som – uma coisa boa, uma bisarma de bobines e depois aquilo era música a metro e depois às vezes à noite lá se lembrava de pôr aquilo a tocar e juntava ali o pessoal e eu lá dançava um bocadinho. Mas eu era raro participar, nos outros da fogueira sim – participava – esses metia mais gente, da rua de trás, da rua da frente… estes eram populares os outros a minha mãe já não deixava, os da fogueira era sempre na nossa rua, íamos buscar folhas de palmeira para enfeitar a rua, agora chama-se Rua dos Lusíadas, mas antigamente não me lembro o nome… era um beco, não era bem… era a Rua D… havia dois pátios nessa rua, foi aberta recentemente. Antes tinha um prédio e não dava para passar os carros por isso fazia-se o Stº António e o S. João… … em 1976 casei-me e vim-me embora, já estava farta, vivia muito presa (ri-se)… os meus pais ainda lá moram… queria a< minha independência, senão ficaria ali presa até sair … fiz o antigo 7º. Ano, que é hoje o 11º., e depois de casada fiz a Aliança Francesa (sic) … depois quem queria ir para

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a Universidade fazia o propedêutico … fui dar aulas de francês, estive um ano na André de Gouveia, mas todos os anos mudava de sítio, até que começaram a sair pessoa daqui dos curso da UE francês via ensino e eu comecei a ficar de fora… até que tiraram definitivamente a habilitação, já depois de eu ter ficado desempregada porque o distrito ficou superlotado… a via ensino… passavam-me à frente porque tinham estágio e as vagas diminuíram, ainda por cima nessa altura mataram o francês dando a escolher aos miúdos entre a segunda língua e educação tecnológica e houve uma debandada geral para a educação tecnológica… agora têm o espanhol… mas á uma segunda língua, já é qualquer coisa… acontece que agora as pessoas vão para a Universidade e os livros são em francês e ninguém sabe francês, não têm os conhecimentos básicos de francês, há quem chegue à Universidade sem ter tido uma aula de francês… já rectificaram isso porque o meu neto está na André de Gouveia e já escolheu a segunda língua… como o francês está agrupado com o teatro e ele adora teatro, teve que escolher o francês que ele queria o espanhol achava que era mais fácil, mas para ter teatro teve que ter francês… … nessa altura, em 1976, não havia habitação a não ser a CP, aquilo foi construído para ser um bairro social mas a finalidade, na altura, não foi essa, foi antes dar casas aos jovens porque todos os que se casavam estavam a ficar com os pais, não havia casas para comprar [as que havia eram muito caras] nem havia casas para arrendar, estava completamente parado e aquele bairro estava já construído, praticamente pronto, e estava ali ás moscas enredado na burocracia e de repente foi desbloqueado e de facto foi ocupado, também foram para lá pessoas carenciadas, mas era mais casais jovens. Eu nem diria propriamente pessoas carenciadas, mas pessoas que viviam em casas degradadas dentro da cidade e o bairro foi ocupado nessa altura assim, nós fomos as primeiras pessoas a ir morar para aquele bairro – ocupámos a torre um, fomos os primeiros. Durante uns anos gostei de lá viver, tenho muita pena de dizer isto, mas enquanto não começaram a lá alojar as pessoas de etnia cigana viveu-se lá muito bem. Praticamente toda a gente que eu conheço morou na CP – dávamo-nos, visitávamos as casas uns dos outros, mas depois quando começou, eu não sei precisar em que ano começaram a alojar a etnia cigana, mas sei que a pouco e pouco começámos a sentir-nos mal e os nossos filhos começaram a não ter possibilidade de ir à rua e ficavam fechados em casa, porque havia problemas, batiam-lhes, queriam roubar-lhes os ténis. Eu sei que as coisas agora estão melhor, estão mais integradas, eles integraram-se mas à nossa custa, à custa de nós nos fecharmos em casa. Eles integraram-se, a sério [provavelmente eu esbocei um sorriso]!! Quando eu tinha filhos pequenos, que os meus filhos já são adultos, quem não tivesse filhos talvez não sentisse tanto. Embora às vezes houvesse mau ambiente por causa daquelas brigas entre eles, mas quem sentia mais era quem tinha filhos pequenos, mas isso também era a maioria das pessoas – toda a gente tinha filhos. Os meus filhos deixaram de ir para a rua brincar, esta é a realidade. Neste momento está melhor. O meu neto ainda teve problemas, nós quando o meu neto nasceu ainda estávamos lá e a minha filha é mãe solteira e vivia connosco e fui eu que criei o meu neto, enquanto ela fez a Universidade, e eu ainda tive problemas, mas pronto, eu não sei se era ele que era mais corajoso – ele insistia sempre em ir para a rua. O meu filho e a minha filha deixram de ir por vontade própria, mas ele insistia sempre em ir para a rua e se era perseguido defendia-se; a minha filha tem 36 anos e o meu filho 26. … A minha filha quando eu vim para aqui já tinha a casa dela, comprou casa no Bacelo e ultimamente comprou casa aqui no bairro, na rua em frente à Escola da Malagueira – a Rua da Quinta. Uma casa da Cooperativa, comprou aqui ao pé de nós. O meu filho veio connosco, o meu filho era o mais traumatizado, ele passou ainda pior porque a minha filha viveu ainda alguns anos em paz na rua e (há uma fase em que) não chateiam tanto as raparigas como os rapazes, os rapazes são mais chateados, as raparigas são mais deixadas em paz por aqueles grupinhos que se formam para bater nos outros e que perseguem mais os rapazes do que as raparigas talvez seja por isso, ele ficou muito, até lhe dou um exemplo: já depois de estarmos aqui nesta casa como ele fuma tabaco de enrolar perguntou-me ó mãe se aqui na papelaria haveria tabaco de enrolar e eu

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disse-lhe que não sabia, mas que na CP havia de certeza, e ele não foi lá, disse então não vou à cidade… ele nem sequer quer ir àquele bairro, viveu sempre fechado em casa… mas eu fiquei desempregada e não tínhamos condições económicas de comprar outra casa… eu vivi lá até 2006 desde 1976… foi uma opção, porque as casas são boas na CP – o sítio onde nós morávamos não era pior, porque morávamos perto da estrada de Lisboa, desde que a gente não vá para o outro lado do bairro a coisa até se leva.. era os prédios ao pé da Cruz Vermelha… a rotunda, está a ser pintado aquilo tudo… aquele bairro é do melhor, aquele bairro tem as infra-estruturas que mais nenhum bairro tem em Ev, a escola primária é a melhor escola, a mais bem equipada, com melhores instalações, é tudo de bom, os profissionais são excelentes, têm um centro comercial com tudo – desde a peixaria ao talho, papelaria têm tudo tudo… têm posto médico, têm farmácia, tem lavandaria, quando era o tempo dos clubes de vídeos, tinha, aquele bairro tem tudo (enfatiza) – só que é um bocadinho difícil de lá viver, mas a nível de condições, não há outro bairro igual. Aqui eu quero comprar um pão e não tenho aqui nada, perto! Tenho que ir ao hipermercado, lá tínhamos as lojinhas de bairro que tinham tudo… bom atendimento, tudo impecável – a nível dos espaços exteriores tudo muito arranjadinho, com muita verdura, flores, parque infantil, centro de dia para os idosos, centro de jovens, tempos livres, aquilo tem tudo, uma esquadra, houve uma altura que não tinha, agora não sei… o que é certo é que aquele bairro foi bem planeado e as casas são umas casas dignas, umas casas boas… agora houve aquele problema do choque de culturas… porque eu não sou racista não tenho nada a ver com a cor da pele das pessoas, absolutamente nada (reforço), tenho é contra os comportamentos e ao princípio eram completamente indesejáveis. Depois, pouco a pouco, notou-se que estavam a ficar um pouco diferentes… acho que eles ficaram com dinheiro e isso fez-lhes muito bem oxalá tenham cada vez mais, pelo menos têm um parque automóvel do melhor, na CP os nossos carros eram velhos e eles têm bons automóveis… e os putos começaram a ter computadores e a ficar em casa também … (ri-se) e isso é muito bom para os outros… começaram a ter as mesmas práticas dos outros, viam-se menos na rua agora para o fim, quando era os tempos livres eles faziam ali um trabalho excelente com eles – conheci pessoas que lá trabalhavam e agora têm lá um psicólogo excelente, que o meu filho conheceu e diz que é uma pessoa espectacular. E eles tem feito ali um trabalho muito bom, mas também é muito difícil, por exemplo, o meu neto quando era pequenino, nós morávamos ali ao pé dos tempos livres que ele via lá tanto miúdo queria era ir para os tempos livres, e eu fui lá falar com elas e disseram-me – ele que venha aqui … têm de tudo, bem apetrechado e não se paga nada, e o miúdo foi e ao fim de uma semana elas vieram-me dizer que era melhor ele deixar de ir porque eles batiam-lhe e ele defendia-se, porque ele sempre foi de se defender e que qualquer dia havia chatices grandes com as mães dos outros… elas tinham medo das mães, esta é a verdade e o meu neto deixou de ir para não haver problemas… … quando quis comprar uma casa… a Hb … foi uma opção, eu podia ter feito muitas, agente faz um empréstimo, o anco emprestava-me e depois eu não conseguia pagar e nós não queríamos isso, como eu tinha ficado desempregada – dei aulas dez anos, mas depois nunca mais consegui lugar – e os meus filhos também precisavam de mim e eu acabei por falar em casa. E nesta casa não há emprego, a não ser para trabalhar a dias é uma coisa … hoje em dia em vez de pedirem nos jornais, são elas que se oferecem, só por aí se vê o desemprego que há nesta cidade … a Hb … eu já tinha dito ao IGAPHE que queria comprar a casa mas não queria comprar na CP – pedi por favor – que me mudassem para aqui para este bairro porque eu aqui comprava, de vez em quando eu ia lá e eles diziam que andavam à procura, mas que havia pessoas com mais necessidade e foram empatanto, empatando, até que um dia, quando mudou para a Hb as coisas mudaram um bocado de figura, a Hb quer vender vender vender… um dia andavam lá a fazer vistoria às casas, coisa que nunca tinham feito, foram lá a casa e disseram que nós tínhamos um T3 e precisávamos de um 4 – porque estava o meu neto a dormir com a mãe no mesmo quarto – eu não estava muito preocupada com isso porque a minha filha estava a acabar o curso e ela é engª agrícola e arranjou

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logo emprego numa empresa de vinhos, ela é coordenadora de 2 empresas – e aproveitei para lhes dizer que estava farta de querer comprar-lhes uma casa… eles foram ver o meu processo e tinham lá não sei quantas cartas… que comprava casa assim que me mudassem para aqui, descobriram as cartas ee começaram logo a procurar casa neste bairro, a primeira proposta que me fizeram foi um T4 em frente ao Alto dos Cucos, onde está o circuito de manutenção ao pé do lar de terceira Idade, era aí, eu disse que ali não queria – tem ali uma zona que é só ciganos por trás – há ali muito problema muito assalto e eu disse para isso estou aqui, os meus filhos já cresceram – o meu neto já está crescido, já passei por muita coisa e aqui a vizinhança até é boa e não há grandes problemas, por isso fico aqui, mas aqui não compro … eles queriam vender as casas… um dia telefonaram-me a dizer se eu queria uma casa aqui ao pé das piscinas, eu conhecia a zona, aí quero. É uma zona óptima, até há muita gente que não é do bairro social, há muita casa própria que não é habitação social, se bem que tenho aqui um vizinho que é tendeiro, mas não tem mal, é muito boa pessoa, eu não tenho nada contra as etnias, ele é diferente de nós na sua maneira de ser – fala muito alto e às vezes parece que estão todos zangados, mas não estão – é boa pessoa e é muito sociável e os filhos dele também são miúdos normais, é isso que posso dizer. Aqui não tenho problema nenhum. E vim ver a casa que me disseram que não podiam alugar no estado em que estava, os vidros já tinham caído. E que se queria comprar a casa tinha que ser assim, mas a um preço incrível… 58 mil euros – mas eu tinha direito a esse preço, porque vivia ali… era o que eu queria, comprar uma casa aqui com os mesmos direitos de arrendatária como estava na CP … eles … mudámos para aqui e não pudemos comprar logo, pagámos renda durante 3 meses com um contrato de arrendamento e só depois pudemos comprar como inquilinos, e pegámos na casa como ela estava gastámos algum dinheiro porque isto são 11 janelas e de tamanhos incríveis, é uma coisa que adoro nesta casa é o Sol, na CP vivia num rés-do-chão de uma torre no centro e não tinha Sol, só até ás 10h da manhã no Verão … só apanhava Sol num quarto e na varanda, do outro lado nunca apanhava Sol… como a torre era muito alta fazia sombra, esta casa tem luz por todo o lado, adoro esta casa e nunca faria as transformações que as pessoas fazem, acho a casa linda, conheço aqui algumas coisas e o que as pessoas fazem é cortar – para já a primeira coisa que as pessoas é tirar isto [a passagem da cozinha para a copa/zona de refeições] e fazem um arco, eu acho que um arco não tem nada a ver com a arquitectura desta casa, para o meu gosto não, há pouco tempo mandámos arrancar isto aqui [umbreira da janela da cozinha] porque estava tudo podre… e agora estou na dúvida se as pinte de branco se as … ainda não decidi o que hei-de fazer… mas as pessoas cortam a direito entre a cozinha e a sala e abdicam do espaço exterior… as casas que tenho visto fazem sempre isso e lá em cima avançam a varanda, fica beneficiada, fica muito maior, eu utilizo muito a varanda, utilizo o espaço exterior muito (enfatiza) – lé em cima? Para estender a roupa, mas também para ir ler o jornal [lá em cima tem uma verdadeira esplanada com chapéu de Sol, mesa e cadeiras de ferro] e no verão para ir apanhar fresco, tenho um guarda-Sol uma mesinha com umas cadeiras – agora até mandei lá pôr umas gradezinhas de correr, porque tenho três gatos e eles adoram estar lá em cima ao Sol, então quando saio posso deixar aberto para eles entrarem em casa, e aqui tenho a gateira para poderem ir para o quintal, mas cá em baixo o quintal apanha muito Sol no verão e então lá em cima é que eles gostam muito … assim posso ir para todo o lado e eles passam pelo meio das grades podem ir para o Sol e eu fico descansada com as janelas abertas… tenho uma boa relação com as pessoas… INQUÉRITO… … o bairro da Malagueira só não tem o grande centro comercial como eu tinha na CP que tinha ali tudo … aqui tem espaços que estavam desenhados para comércio e não foram construídos e eu estava habituada a ter ali tudo… na CP o comércio dava bem aqui não, na avenida principal tem ali algumas coisas, mas já é muito perto do Pingo Doce, mas o comércio local não pode praticar os preços do Pingo Doce, enquanto que na CP enquanto que era longe… a casa da minha filha [vive na zona mais nova] foi assaltada agora, entraram pelo muro, os muros lá são mais baixos, não são

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tão altos como aqui e ele mora num sítio onde tem oliveiras e ele pulou por uma… essa rua [da Quinta] é muito bonita porque dum lado é a Quinta – e agora vai ficar tudo em flor – e do outro é o bairro … (…Gil Nave?) – conheço os actores todos que a minha cunhada é actriz do Cendrev… ela até tem um cão rafeiro alentejano no quintal (ri-se)… tenho aí muito verde e a limpeza +e razoável, podiam estar melhor… é por zonas… há zonas abandonadas… as condutas é mau para os assaltos, é uma das razões para os assaltos e de Verão tem que se dormir de janela aberta, mas estamos sempre a acordar, porque de facto uma pessoa não está descansada, porque por cima das condutas tem-se acesso fácil às casas… por outro lado esteticamente é muito melhor, não temos fios nenhuns à vista neste bairro, uma coisa com que eu embirro solenemente, ali no bairro Sª Glória onde a minha mãe mora é as ruas todas atravessadas de cabos de electricidade de cabnos do telefone, parece um estendal de roupa – é uma coisa horrível – e aqui não temos um fio a mostra e isso também é bom… é um pau de dois bicos … o arquitecto Siza Vieira quando desenhou isto não esteve cá apensar nos assaltos, pensou na estética … eu não posso dizer que as condutas são feias – nós não estávamos habituados a elas mas a partir do momento em que as pessoas se habituam não se pode dizer propriamente que… aqui há entrada há umas com umas janelas… até se leva, para mim é preferível que fios atravessados por todo o lado, não gosto de postes e fios pendurados por todo o lado… com tijolo burro ou caiadas, chocavam menos, confundiam-se com as casas… circula-se bem… 45 minutos 18 segundos… quem quer pode comprar garagens, se houver, porque não há uma por casa… podia fazer-se um parque de estacionamento como devia ser onde está o lamaçal… esta rua não é pior, estou bastante satisfeita… quando vim para aqui morar a casa já não era nova e não foi muito estimada, fui eu que pus as janelas, fui que pus o chão da cozinha… as pessoas também não estimam, eu conservei sempre aa minha casa quando estive na CP, elas diziam isso na Hb… fazia por estar bem… se a pessoa desleixar nada se aproveita… os contentores do lixo estão longe, antes havia aqui um ao pé da terra onde eu digo que devia ser um parque de estacionamentos, e os senhores da CME tiraram-no dali e puseram-no ao pé das piscinas a [300m]… no Inverno com 2 sacos não pode levar uma sombrinha… protestei e a CM diz que os carros não chegavam lá por causa do lamaçal… porque partiu o eixo da camioneta… eu não sou muito de conviver não sei, há para aí umas festas, a minha mãe até convive muito, é da Sª da Glória mas é a mesma freguesia, há uma associação e fazem ali muitas festas com reformados… há muita actividade [para a 3ª idade] eu é que não sou muito de ir… ganhamos à volta de 1300 e gastamos à volta de 1000 fixos… com o empréstimo… há várias Malagueiras, 3 zonas a Norte da estra para as piscinas e a Sul e depois em baixo há a parte das cooperativas e a parte social, separa-se uma zona da outra, aqui é uma mistura mas o ambiente é bom da estrada para cima… … a história dela é a minha história, estamos casados há 18 anos… eu nasci em Portalegre em 5 Agosto de 1958… morava na parte velha da cidade, vivi lá só até aos quatro anos, tenho uma vaga ideia, a minha memória é um corredor, um bocado do quintal, um quarto, o resto é tudo muito vago… somos 9 irmãos eu sou o número 5 – depois vim para Ev – a minha mãe foi transferida para Ev porque trabalhava nos antigos CTT e o meu pai também – necessariamente toda a família teve de se deslocar para Ev, vivíamos na zona de S. Mamede, intramuros também, e fiz a escola primária em S . Mamede, onde é o magistério Primário, sempre fui homem de rua, morava na Rua das Alcaçarias, tinha um quintal, como eramos muitos irmãos tinha sempre com quem brincar, quando as minhas irmãs não queriam brincar comigo – eu sou o primeiro macho da família – então tinha 4 irmãs mais velhas e logo a seguir tinha duas mais novas e mais dois irmãos que são os mais novos de todos, duas já faleceram, mais velhas que eu, era muito de brincar na rua, naquela altura não havia carros, portanto a rua era toda para a rapaziada brincar, correrias e o jogo do pião e o jogo do prego, andar com aquelas rodinhas com um arame a empurrar … tive uma infância saudável e uma juventude também… nasci em 58 e apanhei o 25 de Abril, por volta do 5º ano e por volta dessa idade veio o 25 de Abril, entretanto já morava noutra casa. Por volta

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dos meus 10 anos morreu o meu avô que estava em Borba e veio uma tia morar com a gente e então fomos morar mais ainda para o centro da cidade, ao pé do Hotel Planície, ao pé da Praça do Giraldo… bailes? Hã…. As raparigas circulavam pouco naquela altura… mas os rapazes circulavam toda a noite… não havia muito dinheiro para copos, o mais que havia dinheiro era para um café, os meus pais com nove filhos não havia muito dinheiro para distribuir, ou mesadas ou apetece-me este brinquedo ou aquele, não havia dinheiro para essas coisas, então o convívio fazia-se na rua com os amigos, dava-se uma volta pelo campo, às vezes, sei lá… não havia computadores, a primeira televisão que chegou à minha casa tinha eu 12 anos e foi a tia que veio morar com a gente que a trouxe… às vezes havia bailes… esperava-se calmamente que eles abrissem as portas para se poder entrar, porque não havia dinheiro para o bilhete, foi uma adolescência bem vivida, mas sem dinheiro… os filhos dos lavradores tinham as suas festas particulares, mas havia uma série de bailes, no Juventude… havia alguma mistura… sim, sim, sempre me dei com toda a gente eu… é uma questão de diálogo, sempre me misturei com toda a gente, tinha amigos muito ricos e amigos muito pobres [EU QUERO REGISTAR QUE ESTE SENHOR É DA MINHA GERAÇÃO E ISSO É VERIFICÁVEL EM MUITOS APONTAMENTOS DA ENTREVISTA], tinha amigos por todo o lado sempre fui de fazer amigos, mas… nada de convívios a custo de dinheiro, havia só amizade [sem interesseirismo, parece-me notar agora que transcrevo]… embora o meu pai pertencesse ao futebol, que o meu pai foi massagista de futebol, eu não circulava muito nos grupos dos clubes [está a referir-se às associações o que significa que, como em Elvas, no pós-25 de Abril estas associações se tornaram sobretudo grupos desportivos]… eram outros interesses, era mais música, juntarmo-nos em casa de alguém a ouvir música, ou falar sobre um livro… eu posso dizer uma coisa (TM) nessas sociedades a gente não ia… não era frequentadas pelas mesmas pessoas [nossas amigas], mas havia muito tipo de bailes… havia as sociedades dos clubes e aqueles bailes de sociedades era para a rapariguinha do shopping – faço-me entender… (ele) mas nessa altura não havia shoppings T. … mas era para a moça que trabalhava ali no comércio da cidade, as pessoas que andavam a estudar não frequentavam as sociedades, era mais fácil a gente reunir-se numa garagem com uma aparelhagem manhosa e fazer-se um bailarico, num sábado à tarde, nessa época eu andava na escola e fui um dos grandes impulsionadores das chamadas matinées… eu sempre fui operário, andava na Escola Industrial eu era do lado dos operários ela é que era do lado dos intelectuais do Liceu, (ela) mas no Liceu também havia, ainda fui a dois convívios, era de tarde, de sábado á tarde… as sociedades eram frequentadas por outras pessoas… (ele) … aqui em Ev havia um bocado essas disputas, as sociedades havia a harmonia [Eborense], a Joaquim António de Aguiar e o Lusitano e o Juventude, era sobretudo no Carnaval… O Clube Elvense aqui correspondia ao Harmonia, na Praça do Giraldo, era a sociedade dos ricos… e o Joaquim António de Aguiar era a sociedade dos pobres, mas faziam bailes? (pergunta ela) … faziam, no tempo da tua mãe… (diz ele)… era antes do 25 de Abril… … houve uma série deles que fugiram à guerra o meu amigo Couvinhas… o Duarte, pois essa geração era a geração um bocadinho antes da minha fugiram à tropa… o Zé Alegria tem um espectáculo de marionetas, na casa dos bonecos, no largo do Machede Velho… a minha irmã pertence aos bonecos do Cendrev … o ACorte-Real já chegou a Ev há mais de 30 anos, não há nada que chegue aquilo dos Bonecos de Santo Aleixo… pertencemos à geração rebelde, mas não foi complicado, fizemos as revoluções que quisemos. Não nos metemos em grandes trabalhos, era uma sociedade muito fechada mas naquela altura a gente tinha muita força, porque naquela altura quando falávamos arrastávamos toda a gente para a rua e os próprios adultos também tiveram uma abertura muito grande [foi o pós-25 de Abril] – na escola, onde apareciam 1 ou 2 claramente conectados com o antigo regime eram abafados em menos de nada [não num sentido violento, mas de serem “desmascarados” como então se dizia] – fazíamos o que nos dava na bolha…

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… depois casámos e fomos para a CP, foi bom, nessa altura como já vínhamos com uma grande prática de trás de não ter dinheiro começámos a vida lentamente gastávamos só o que tínhamos, com um espírito aberto e não sentíamos necessidade de ter mais [do que o que tínhamos]… T. lembro-me de sermos casados há cinco anos e o meu pai dizer, mas vocês não pensam comprar um carro, nós andávamos a pé (ela ri-se com gosto) AM comprámos o carro quando fizemos 7 anos de casados, andávamos a pé, íamos para todo o lado, as nossas festas eram as Festas do Avante… todos os anos lá íamos, T. bons concertos… AM os nossos interesses iam por aí, um concerto ou outro, mas como não tínhamos dinheiro para nada, também não tínhamos grandes vícios nem grandes necessidades, no tempo do Gonçalvismo tinha 2 empregos trabalhava nas “valas” ? e andava por aí a vender livros de porta em porta, nos primeiros 4 anos trabalhei 16 horas por dia, quando casámos não tínhamos nada, nem uma cadeira para nos sentarmos, fui trabalhar de dia a abrira valas e covas para postes para a Portugal Telecom ou para os CTT e depois á noite para descansar ia de porta em porta vender livros do Círculo de Leitores… (revoltava-se?) – não!! não, não, o que me revoltava era o dia só ter 24 horas, se os dias tivesse 48 eu ainda fazia mais umas coisas – só me chateia é relógios, que eu nunca uso relógios – quando começo a trabalhar vai a eito, não me preocupo, durmo bem 5 horas por noite, T. ele é um fala barato. AM eu gosto de falar com pessoas… eu até casar praticamente só li banda desenhada, que o meu pai gostava muito, comprava o Tintin, livros desses ainda tenho a colecção, até aos 18 anos só consumi banda desenhada, de todo, e de tudo, da boa e da má, quando conheci a minha mulher comecei a ler outro tipo de Literatura e com a época do 25 de Abril… … ela passava à porta de minha casa… T eu é que me meti com ele (ri-se), AM ela passava todos os dias à porta de minha casa, e por incrível que pareça tínhamos amigos comuns e não nos conhecíamos, ela estava com eles durante o dia e eu à noite, eram os mesmos… com o 25 de Abril … a contracultura… T eu era viciada em livros e depois meti-lhe o bichinho… AM a banda desenhada também são livro e ela começou a ler banda desenhada… afinal de contas… [a vida dos 2 entrelaça-se com os livros e o 25 de Abril]… há banda desenhada belíssima… … depois do 25 de Abril achámos que aquilo estava tudo a descambar, havia de ser tudo menos o Socialismo… ainda que … a sociedade não estava preparada para isso, a maior parte das pessoas não tinham muita consciência política… e esse sempre foi o mal e ainda vigora nos dias de hoje… participámos em muito coisa, nunca fomos militantes de coisa nenhuma, embora a nossa raiz fosse anarquista – ainda andámos metidos nos antinucleares e no Comité da marcha Antinuclear – Libertemos o Alentejo de Armas Nucleares – mas depois começámos a ver que os gajos do poder são sempre os mesmos e manobram sempre na mesma direcção… T. e gostam todos muito da pirâmide do poder… de quem está por cima e quem está por baixo… isso chateou-nos à brava!!! Foi a última vez que participámos em alguma coisa… os tipos da Câmara apareceram todos à frente [da manifestação], nós é que tínhamos feito o trabalho todo e eles é que se meteram na linha da frente da manif… nunca mais participámos… T nunca deixámos de pensar politicamente nas coisas mas com um certo afastamento … … fiz trabalhos muito maus [duros] e habituei-me a gostar do que estava a fazer, decidi que eu não podia estar a fazer qualquer coisa que para mim fosse penar, decidi para mim que o que eu faço tenho que fazer por prazer, e então faço tudo o que é preciso mas tenho que tirar prazer das coisas que estou a fazer, pode ser uma maneira de consolar o ego [eu diria self, não?]… T é a única maneira de estar bem com o trabalho… AM eu reformei-me a semana passada (riem-se)… T. eu gostava muito de dar aulas e às vezes ainda sonho que estou a dar aulas… AM. Eu comecei na Portugal Telecom, nas valas, depois trabalhei ano e meio a contratos, depois fui trabalhar para a fábrica da Siemens ano e meio a fazer de rato de fábrica … foi a pior fase da minha vida porque a fábrica dava-me cabo da cabeça – aquilo era tão monótono, era monótono demais para a minha imaginação, assim que pude… fui fazer testes para entrar para os quadros dos CTT… e no próprio dia em que fui lá… disse olhe acabou-se o contrato, ainda me tentaram reter (sempre fiz questão

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de ser eficiente naquilo que faço)… eu fui para os quadros dos CTT a ganhar muito menos dinheiro, vim ganhar 2/3 do que ganhava na Siemens… depois PT… e comecei como auxiliar a fazer valas (outra vez) – mas já tinha o 11º ano de electrotecnia mas tinha receio que os meus conhecimentos em electricidade não fossem suficientes para desempenhar o cargo, foi uma asneira que eu fiz, mas como em contrapartida fui para auxiliar de telecomunicações tive hipótese de durante um ano e dez meses de me completar em todas as áreas técnicas, como era um grupo pequeno tive que fazer de tudo, quando fiz percebi que sabia fazer tudo de ano em ano saltei de categorias até ser electro técnico de cabos, já em Ev, entretanto estive em Montemor… fui tirando estágios em Tv em fibra óptica, fui o primeiro técnico no Alentejo em fibra óptica, antes dos engenheiros… deixei de fazer reparações e comecei a fazer projectos… especialidades em equipamentos de transmissão e controlo de sistemas… fazia projectos e controlava os projectos do principio ao fim… a vida correu-me bem mas eu também lutei por ela… … Ó PÁ, a casa do Siza era mais do que merecida, especialmente a gente tinha uma carta há mais de 25 anos a dizer tirem-nos daqui [da CP] INQUÉRITO … dum modo geral o bairro é seguro, eu gosto da paisagem mas está um bocado para o selvagem podia estar mais bem tratada… há bocados bons e maus… a parte que está selvagem pode muito bem ficar assim, que fique é limpo… há ali umas pedras debaixo dum sobreiro – os miúdos adoram brincar ali – que é o quartel do meu neto… das tropas, que adora… eu gosto de condutas aéreas, mas estas condutas não, eu gosto das condutas não gosto é da maneira como elas estão construídas… era para ser forrada a tijolo burro em termos técnicos fazia diferença [também, além de ser mais bonito sussurrava a T], mas eu não gosto porque o projecto do Siza vieira não foi cumprido … os técnicos não conseguem andar de pé lá dentro… é uma questão técnica… e há a questão das reparações, as casas as pessoas compraram, mas as condutas são de quem? – é da autarquia, há muita conduta para reparar.. há ali uma que está escorada por paus há anos… nós aliás nem podemos mexer naquilo… na CP havia tudo aqui não há comércio nenhum nem nada… as garagens são poucas… e é dificílimo arranjar… os estacionamentos são poucos porque o Siza não pensou em carros nas ruas, naquela altura uma em cada 10 famílias tinha carro e agora 10 em cada 10 famílias têm 2 carros, nós aqui nem se sente muito mas… (a mãe do AM também mora aqui, e ainda a filha)… nas casas muradas dos ciganos podiam fazer qualquer coisa, já chega daquilo estar entaipado… a mistura aqui é óptima, a polivalência social é muito importante, a integração… eu apesar de ter vivido muito junto aos ciganos acho que é assim que tem que ser – acho que é a solução ideal e dá resultado, se bem que á custa das pessoas (que não são ciganas, que se fechavam em casa, recordo o que diz acima) – mas eu não consigo ser contra e o meu filho ainda é pior, ele até exagera, que eu não posso falar mal do cigano ele é defensor acérrimo das minorias… se alguém disser mal do cigano ele defende-os com unhas e dentes… nós temos que nos adaptar… eu gostava de ter painéis solares com uma estufa por baixo… isto é arquitectura mediterrânica, não é muito diferente do Algarve… há 4 zonas, a de lá de baixo, das cooperativas, a zona da Junta para cima – a degradada com as casas entaipadas e o pessoal mais manhoso. Duas ruas acima desta é a parte social e aqui é bom. É a zona das piscinas, mais bem tratada. Nas zonas degradadas há boa gente o problema deles é a vizinhança.

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(JG) – BAM9 (♂) – (CG) – BAF9 (♀) – (AG – BJF9) (♀) … CG… vamos começar a falar da relação com a casa, é isso?... nasci aqui em Ev em 25 de Abril de 1966, vivi dentro das muralhas até aos 24 anos na cidade, vivi na Rua dos Castelos e depois na Rua dos Três Senhores… lembro-me perfeitamente dessas casas, muito bem, quando nasci vivia no largo dos Castelos… logo ali ao pé… no largo dos castelos tinha quintal na Rua dos Castelos já não tinha e na Rua dos 3 Senhores tinha um pequeno quintal e uma varanda, na Rua dos 3 Senhores já não brincava era crescida… grande parte da minha infância brinquei na rua com os meus amigos, com os meus irmãos … corríamos as ruas, na Rua dos castelos fiz a Escola Primária, o Ciclo e o Secundário, ia para a escola a pé, vinha a pé [a senhora, como os restantes membros da família têm um assinalável prazer em recordar tudo isto que referem – é bem patente] desde a escola primária, a minha mãe levou-me à escola nos primeiros dias que era relativamente perto de casa e depois comecei a ir com as minhas colegas – íamos e vínhamos sozinhas e depois foi sempre assim. Depois as escolas eram mais distantes de qualquer maneira não havia estas inseguranças. Era tudo mais tranquilo, era mais alegre – havia uns mais novos, outros mais velhos, outros da minha idade, era assim – não frequentava associações, era mesmo o grupo ali da rua… (os bailes na adolescência?) não, não (com entoação)… bailes não – na minha adolescência ia à discoteca à tarde (acentua), aos fins de semana à tarde ia à discoteca e ia às festas de garagem, festas aqui da escola secundária onde andei – na André de Gouveia, ficou baptizada como Liceu porque… o meu 1º ano do Secundário foi feito ali na Universidade, no edifício do Espírito santo, e esta escola estava em construção, quando acabou no ano a seguir viemos para aqui… e é o Liceu, toda a vida lhe chamei o Liceu… mas bailes de associações não… eles não estão fora de moda porque continua a haver, eu tenho colegas minhas lá no emprego que gostam muito – mas eu nunca foi assim, era mais doutro género… … trabalhar a sério com 21 e um anos… ainda lá trabalho hoje [faz 24 anos], agora já não é auxiliar de educação agora é (o cão lambia-me e tivemos que interromper e puseram-no no pátio, mas foi uma festa), no Infantário, Centro Infantil Irene Lisboa, é no Centro da Cidade… foi um processo normal [de entrada no mercado de trabalho e no mundo adulto]… já estávamos casados, (CG) casei com 21, foi uma opção, até lá vivi com os meus pais… dois anos depois de casados vivemos na Rua dos 3 Senhores – aquela casa não era nossa era dos avós do Jorge, queríamos uma casa para nós, vivemos lá muito bem fomos muito bem tratados [pelos avós do marido], mas … a casa não era nossa, nós queríamos uma casa nossa [no sentido de construir um grupo familiar, pelos olhares entre marido e mulher percebe-se eles constroem ao longo da entrevista uma cumplicidade muito discreta mas perceptível] … nós queríamos uma casa nossa (…o IGAPHE?) acho que foi uma sugestão da minha sogra ou do avô do Jorge que souberam de um concurso, na altura o bairro estava acabado de construir, nós inscrevemo-nos e foi-nos atribuída esta habitação… viemos para aqui em 15 de Agosto de 1990… JG – eu estava a mudar de emprego por isso é que eu sei, foi o primeiro dia do novo emprego, CG – fizemos a mudança … JG – trabalhei muitos anos no Inácio Martinho [um fotógrafo de Ev], eram 4 lojas, CG – ele tinha aí um império… (mas porquê o IGAPHE?, se tinham os 2 trabalho a hipótese era remota?) JG – Não! (com convicção) – o meu avô é que se lembrou disso! CG – Não!! (também com convicção espantada por eu me admirar de recorrerem ao IGAPHE), não, porque era um concurso público para quem não tinha casa… JG – nós também concorremos para a Cooperativa Giraldo sem Pavor, também estivemos inscritos, onde é o campo de ténis, lá em baixo – no Bairro do Granito, ainda lá fomos ver mas aquilo era prédio [em altura] e a gente preferiu este, CG - isso não me lembro Jorge, JG – não te lembras, a gente até recebeu a carta uma semana ou duas depois … que tínhamos direito a uma casa lá naquele sítio, aquilo tem lojas por baixo e depois os prédios [andares – tipo galerias à la Carta de Atenas] por cima, a gente até lá foi… CG – sim sim lembro-me (volto a perguntar porque não estou convencido, mas o IGAPHE?) … é que os nossos

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salários eram muito baixos, éramos muito novos, e o meu emprego também era precário, eu fui para a Creche pelo Fundo Social Europeufui fazer um programa de um ano e depois estive a contrato e… ui…… era uma coisa precária… mas eu acho que o concurso do IGAPHE estava aberto a … toda a gente, não havia restrições (ela está a tentar perceber qual é a minha dúvida)… nós associamos o IGAPHE a habitação social, mas … e era… mas eu acho que a habitação social não é só para os ciganos ou para as pessoas… pobres, o IGAPHE também era para nós… isto também já foi há 21 e um anos [as minhas dúvidas alicerçavam-se não só no facto desta rua ter sido das primeiras ruas dos privados e eles conviverem com os vizinhos da frente que foram dos primeiros privados a comprar e construir aqueles lotes, mas também por dentro de casa não se poder associar a qualquer tipo de necessidade como tinha verificado entre os outros ocupantes das casas do IGAPHE, pelo contrário, a casa que me foi dada ver e fotografar tinha por exemplo um móvel-oratório muito antigo e de grande valor, bem com pratos nas paredes muito muito antigos – este é o exemplo mais paradigmático daqueles que ocuparam estas casas enquanto tinham necessidades financeiras no princípio de vida, mas quee progrediram e estão hoje “bem”] … não esperámos muito tempo, inscrevemo-nos e depois foi-nos atribuída a casa, já não me lembro como foi o processo… mas foi rápido… ficámos muito contentes e depois ainda por cima o projecto era de um arquitecto muito famoso … e achámos muito engraçado, gostámos muito da casa logo no início… só que depois… nos primeiros meses, nos primeiros tempos em que aqui estivemos as pessoas olhavam para nós assim de lado (enfatiza, como se tivesse a contar uma história de mistério [acredito que os que olhavam de lado seriam os “privados” – pois uma família entrevistada um pouco mais abaixo e do outro lado da rua que são os privados, de um lado IGAPHE do outro privados, referiu que a chegada posterior dos do IGAPHE quando já ali habitavam há 2 ou 3 anos criou grandes expectativas e ansiedades, pois, nas palavras deles – “não sabiam quem é que eram as famílias que para ali iam morar”, mostrando-se receosos de serem pessoas arruaceiras ou impróprias]) e ficavam a cochichar quando nós passávamos… lembras-te Jorge? (e ri-se) … porque na casa de baixo viviam ali umas pessoas que tinham ali uns animais, uns borregos e uns perus, e umas galinhas (riem-se todos, os pais e as duas filhas) e faziam as suas necessidades e aquilo corria tudo para a rua e as pessoas pensavam que nós é que tínhamos aqui os bichos e olhavam para nós assim (de lado, sob suspeita) – mas depois com a conversa as pessoas ficaram esclarecidas – não éramos nós – ainda durou algum tempo, algum, mas depois as pessoas [de baixo] acabaram por abalar. … Gostava da casa, não gostava muito dos acabamentos – tanto que já fizemos modificações, JG – gostava dos muros altos (riem-se), era a nossa casa! (diz para me esclarecer definitivamente, o sublinhado era no “nossa”). CG – gostava da casa – era acolhedora, sentia isso, se calhar por causa dos muros altos, entrávamos aqui e sentíamo-nos assim protegidos, ainda hoje me sinto assim. JG – eu adoro fechar a porta… CG – agora há mais insegurança mas sempre é o nosso porto seguro. JG – sempre trabalhei de janelas abertas no Verão… o bairro já foi pior. CG – já foi pior, o ambiente está melhor… era habitação social, houve aqui muita gente … mas depois com a proposta de compra de casa do IGAPHE o ambiente foi ficando mais seleccionado, só comprou quem teve poder de compra para isso e as pessoas acabaram por abalar e as casas foram compradas por outras pessoas que cá vieram parar e tiveram dinheiro para as comprar… … CG – a vizinhança era boa … e continua a ser… os relvados são lá atrás, mas havia, havia. Nós até íamos ali ás compras ao Casão e voltávamos para baixo, não era como é hoje, mas já havia relvado… (gostava do passeio?) – sim, sim e também íamos ali para trás e vocês iam brincar [em frente ao lago, junto aos moinhos] – eu lembro-me de ir andar de bicicleta (diz a mais velha que tem 23 anos), gostávamos de ir ao casão fazer compras, eu não gostava era depois da vinda porque vinha carregada com as compras e ela coitada não podia andar [de bicicleta]… e íamos aos fins de semana para ali…

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[a vizinhança?] … há as pessoas mais antigas que eu essas tenho uma relação maior, mais íntima, já é mais antiga, as outras pessoas… que moram aqui há menos tempo… (ri-se, insinuando que não viveram juntos aquela aventura inicial de se estar tudo a criar de raiz)… é bom dia, boa tarde… (pedir um molhinho de salsa?)… essa relação tenho-a com a vizinha da frente, muitas vezes, mas só com ela… AG – é a que está aqui mais próxima, também… CG – com mais facilidade ia ao supermercado do que… [pedir aos vizinhos recentes]… só se fosse uma questão de vida ou de morte. … as adaptações que fizemos foi só a nível do rés-do-chão. AG – isto fazia aqui uma dispensa e a gente tirou, era uma coisinha assim [triangular, entre a copa e a sala]… CG – as casas do outro lado da rua são todas diferentes da minha… (vão mostrar-me o piso térreo) este espaço aqui era a cozinha, depois tinha um corredor até aqui [a copa], a casa das máquinas e tinha menos este bocado aqui [avançaram a copa como é tradicional]… é um T3… (como aquele em que vivi) todos participam na demonstração do que era a casa e divertem-se todos com isso, eu inclusive. … (as alterações eram participadas?) CG – sim, sim, AG – eu lembro-me de pouca coisa na minha infância, CG – tu lembras-te das obras cá em casa Ana Laura? Não não são estas últimas que estes móveis foram postos há 3 anos [o mobiliário é rústico mas antigo]. AG – lembro-me do quintal dantes, de pôr ali a piscina … JG – umas obras fizemos nós, outras não, mas tivemos sempre participação… CG – da família, dos meus irmãos… do vizinho, que era pedreiro, ele tinha muito orgulho… fiz assim, fiz assado… AG – lembro-me de fazer o tecto, dessa parte lembro-me… INQUÉRITO – CG (quando outros responderem regista-se) … com a limpeza tem dias… há um bom espaço verde … as condutas são um bocadinho inestéticas – para a AG são perigosas porque dão acesso a todas as casas… CG – talvez por falta de cuidado … temos os CTT, temos o Pingo Doce aqui perto, tem a junta de freguesia tem a tabacaria, tem tudo… elas não brincaram na rua … esta rua às vezes passam de prego no acelerador, se passa um gaiato… só não acontece nada por sorte… (uma filha tem 23 e outra 17) pouco satisfeita com a circulação … JG – o pior problema deste bairro são as ruas, este bairro foi pensado para as pessoas não terem carros, mas há casas que têm 3 carros, e a largura da rua é complicado… eles pensaram… AG – eles são pobres não têm carro. CG – foi uma maneira de rentabilizarem o espaço … AG – também não havia tanto carro, o estacionamento aqui é complicado, lá em baixo a rua é mais larga e dá para estacionar de um lado e do outro (junto ao relvado) mas aqui é só de um lado… a minha rua tem um acesso difícil, para entrarmos aqui temos que dar uma volta enorme… (estabelece-se uma discussão entre a mãe e as filhas)… agora a casa já vai precisando de umas coissinhas, tem vinte e tal anos (a filha mais nova gritava ao fundo “satisfeita com a casa”)… com a cozinha estou bastante satisfeita (acho que é a única coisa “bastante” e tem a ver com a alteração) … os quartos têm umas áreas pequeninas… não atafulhar, não… JG – a sala é a parte principal da casa… temos problemas de infiltrações… JG – a última revisão técnica que fizeram por aí (eles riem-se todos [porque se percebe que os técnicos não percebem nada, e uma das razões será decerto a péssima construção das casas do IGAPHE pelos empreiteiros a quem adjudicaram as obras e a reconhecida ausência de “cadastro” e lay-outs das casas perdidos algures – na CME havia quem me dissesse que cada um levava para casa uma parte da Ma, uma espécie de souvenir do empreendimento de maior vulto da CME no Século XX]), lá em cima não há buracos, não há fendas, nada, a última teoria é que a placa descolou, poderá ser… … CG – as casas de banho podiam ser mais arejadas… riem-se da ventilação das casas de banho … as paredes parecem folhas de papel, ouvimos o autoclismo dos vizinhos, o senhor a tomar banho… isto tem a ver com a construção… esta é das primeiras fases mas não é das piores… as paredes estavam cheias de cimento, era para gastar cimento, eles tinham que gastar o dinheiro… mas o Siza não tinha nada a ver com isso… já tivemos problemas com as canalizações e os esgotos… com a vizinhança podia ser pior, mas podia ser melhor… há momentos… com a privacidade, olha Ana

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Laura esta é para ti, isso é constrangedor diz a AG, estar na casa de banho e saber que o vizinho está a ouvir é horrível (riem-se) … o rendimento depende do negócio (fotografia) CG – eu só ganho 500 euros e mais 600 do Jorge. Na casa gastam 400 euros e com alimentação o resto, a casa já está comprada… aquelas casas emparedadas eram as maiores casas e eram para o bairro social… há 5 Ma.s – é a emparedada, a outra é a daquelas famílias que não têm rendimentos que vivem do RSI, depois há uma outra de famílias com um rendimento melhor, depois são as cooperativas e depois há a construção particular em frente da nossa casa… estamos na zona melhor, eu não tenho dúvidas… as casas da rua dos Eucaliptos é que são boas… [não têm vizinhos nas costas e as miúdas já não estariam constrangidas na casa de banho] e até têm uma vista boa… AG … eu já não estou na escola eu já trabalho … num escritório de contabilidade, acabei o ano passado o urso Técnico que equivale ao 12º… tirei no INETESE… este curso não é superior é só profissional, há em Lisboa o Instituto Técnico de Seguros – agora estou a fazer o estágio profissional e mais tarde vou para a Universidade … ser TOC técnico de contas… JG … agora vou ter outra despesa ali com aquele repasse que corre pela parede abaixo… vem aqui da salamandra… as condutas não me incomodam, passam deste lado e daqui nunca hou infiltrações, é mais das paredes da frente da casa, estas aqui são muito boas - por dentro têm isolamento… com a casa neste momento estou satisfeito… com a segurança estamos satisfeitos, temos aí o cão… (riem-se, o cão tinha fugido de mim), com a sala e a cozinha e a casa estamos muito satisfeitos, com os isolamentos e acabamentos iniciais pouco ou nada satisfeitos, quando viemos para a casa tínhamos o bidé no meio da sala… estava fora do sítio… e o que é engraçado é que logo à entrada tive que assinar um papel a dizer que estava tudo “nos conformes”… era uma pressão que eles fizeram para eu assinar… é engraçado que os funcionários da empresa que construiu isto entraram, e isto tinha um estendal no quintal, tinha dois ferros espetados na parede, sem fio, mas pronto era para se meter o fio, então o gajo enquanto a gente entrou e não entrou ele estava ali e mete a mão no ferro para se encostar e … pumba… o ferro desloca-se com o braço dele e fica torto, mas ele endireita-o como se não fosse nada, está a ver a apresentação que foi (rimo-nos todos durante bastante tempo)… mas por força tivemos que assinar o papel!... … CG – eu desse pormenor já não me lembro, JG – pois não, eu é que vi… AG – antigamente os gaiatos andavam na rua e faziam barulho, mas agora já não… o pior é ouvir os vizinhos na casa de banho… JG – não somos muito de conviver dentro do bairro, portanto… não procuro conviver, embora conheça e esteja e fale às pessoas, não vamos às festas, não acabo o jantar e vou ao café, gosto de chegar a casa e estar cá dentro, entreajuda há alguma, se é preciso mudar um pneu sempre aparece alguém… tenho o 10ºano. Ma.s há muitas, mas isso é igual em todo o lado, desde a Ma pobre à Ma rica, há a Ma remediada há a Ma problemática, há tantas Ma.s… eu vivo na remediada… não é a pior, é uma parte boa… aqui já houve problemas, há ladrões, há rufias, há bandidos, drogados, o problema normal – é essa a Ma problemática… não aqui na minha rua, na Ma do geral… aqui é calmo, não é uma rua má… [a Broadway vazia?] – também não é por aí… aquilo está cheio de estacionamento, antigamente aqui a meio da rua havia 2 lotes por construir e era um estacionamento belíssimo o pessoal enfiava para ali os carros todos, era um espectáculo, depois vendeu-se e acabou. JG … Nasci aqui em Ev, em 1966, às 3 da manhã na casa de banho e depois é que fui para o Hospital, saiu o meu avô em ceroulas para ir buscar o carro, o meu pai não estava cá estava na Guiné … CG – e a mãe dele estava cá (quem vai contar a história é a mulher) a mãe dele vivia com o pai porque ainda não tinham casa e já era uma tradição morarmos lá na rua dos 3 Senhores… foi aí que o Jorge nasceu, era ao pé do Hospital, e nesse dia a mãe já tinha ido ao Hospital porque sentia contracções, mas na altura as Irmãs trabalhavam lá no Hospital mandaram-na para casa porque disseram que ainda estava atrasado … então voltou para casa e às 3 da manhã foi á casa

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de banho e sentiu vontade de fazer força e o Jorge nasceu… O avô (todos riem, mas muito) com o nervosismo saiu de casa em ceroulas e chegou ao sítio onde estava lá o carro e não estava lá o carro – voltou para casa aos gritos – roubaram-me o carro, roubaram-me o carro – Ó Óscar, dizia ela, vê lá se não estacionaste noutro sítio, depois tinha estacionado noutro sítio (risos)… (pergunto eu: aqui em Ev uma tradição viver em casa dos pais?) tradição ou necessidade? eu acho necessidade… CG – se calhar por ser dentro das muralhas, as famílias estavam ali protegidas e iam protegendo também os filhos. … agora é uma crise geral, depois os meus pais compraram uma casa no Bairro das Junqueiras, aí é que passo a minha infância, aí e com os meus avós que eles estão sempre pressentes na minha vida, os meus pais tinham o trabalho e eu tinha os meus avós. Os meus avós tinham o restaurante e eu e o meu irmão estávamos ali, almoçávamos ali jantávamos ali, saíamos da escola e íamos para lá… era ao pé dos Álamos, o Bairro da Comenda, era uma azinhaga ao pé da escola Industrial… a primária fiz numa escola particular até à 4ª classe CG – ele era mais fino do que eu (risos de todos)… JG – a partir daí é que eu fui para a escola pública… na primária como era particular não havia amigos, os pais vinham-nos buscar não havia um convívio muito grande … no bairro aquilo era campo [onde vivia com os pais] havia uma barragem ali ao pé fazíamos lá pescarias, guerras às pedradas... era mesmo pedras, um dia parti a minha cabeça, era tipo pressão de ar, éramos vizinhos, fisgadas uns aos outros, guerras entre os bairros na cidade – uma juventude cheia. Tinha um quintal à frente e atrás. Nunca fui assim muito bailista, não sei dançar, nunca tive tempo para aprender. CG – então não sabes dançar?... JG – com ela desenrasco-me bem, nunca fui dançarino… nós conhecemo-nos com 18 anos em 84, depois namorámos… ainda não estava a trabalhar… comecei a trabalhar na Zoca, é uma gelataria – estive aí 6 meses, também ajudava no restaurante, mas não era “trabalho” era uma ajuda … CG – mas o teu avô compensava-te bem… JG – ajudava nas mesas, ajudava em tudo, sei servir se for preciso e gosto… às vezes ocorre-me ter um restaurante… mas o “bichinho” da fotografia foi maior, comecei a sério em 90, antes disso já tinha decidido que queria ser fotógrafo, depois da Zoca fui para uma loja no Centro Comercial Eborim… era um vídeo-clube com uma parte de fotografia e a partir daí é que fui para o Idalécio Martinho e desenvolvi a sério a fotografia comercial… agora sou empregado da minha mulher, não sou patrão, a casa está em nome dela (riem-se) mas é um sonho realizado, que eu devia ter realizado mais cedo, mas pronto… primeiro as filhas e primeiro a casa e primeiro a família… a parte da arte, fotografia, impressão, molduras… a parte informática não… … tive muito gosto, muita vontade mesmo de ter esta casa, foi um momento bom, bom, mesmo bom… já aqui estamos desde 90, o ano de 90 foi um ano de transição geral… CG – de mudança… [tiveram a atribuição da casa e começaram um negócio] JG – de mudança geral mesmo. A Ma para mim é positiva, muito. Para mim, enquanto realização pessoal – é muito positivo… nós ainda pensámos em emigrar para a Austrália, não passou do pensamento, mas foi [uma ideia], acho que aqui foi [onde tudo se tornou possível], sim … o Siza não é o culpado do estado como fizeram as casas, é um projecto inteligente, bonito, é engraçado… CG – uma tia do Jorge adorou a casa… a tia Isabel (as filhas discutem entre elas, a tia isabel parecia ser uma pessoa “importante” para aquele grupo doméstico)… JG – por acaso não tenho nenhum rancor contra o Siza (ri-se, não percebo)… a gente vive um bocado para o passado e as coisas é que tem que se adaptar a nós e não nós às coisas, esta coisa de a gente não poder construir e não poder fazer, não poder modificar – porque parece que nós somos todos amarelos e tem que ser tudo azul… e cada pessoa tem a sua maneira de viver a coisa e devia ser assim, claro que forrar a parede fora da casa a azulejos não é… [não pode ser], há pormenores… CG – não é para mexer dessa maneira [na estrutura]… JG – há pessoas que levam isto ao extremismo, que eu acho que é demais… podia haver um meio termo que resolva o problema [não se mexendo na estrutura]… os estores não dão segurança nenhuma e a caixa de ar por cima entra o frio, é como o pátio – para mim está aproveitado, mas tudo o que aí está é ilegal, o telheiro, tudo… se a quiser vender [tem

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que repor tudo como estava]… quando eu morrer com a minha mulher, as minhas filhas vão ter um problema com aquilo… tem a ver com a área ocupada, mas ter um pátio daqueles sem nada… as pessoas têm que adaptar a casa à vida delas… AG – não é uma questão de gosto é uma questão de necessidade (falam todos ao mesmo tempo contra a lavandaria) … JG – e aquele bocado todo que se perde do pátio ganha-se em casa, na cozinha, não tínhamos espaço para nada… ele (Siza) tinha aí em baixo uma casa, ainda fez aí experiências, acho que a casa tem os canos em cobre, eu nunca vi, nunca entrei lá dentro… tem os canos todos por fora e ele depois fez uma [pérgola]… de hera para tapar aquilo tudo, uma estrutura em metal… fez isso em termos experimentais… a gente ainda o viu aí quando viemos para aqui morar… ele é como todos tem coisas boas e coisas más… CR – BAF1: CR … em relação à casa (e à minha vizinhança) neste bairro… em relação à casa é a melhor porque eu adoro a casa e trabalhar no sítio em que trabalho e ter contactos com o técnico responsável pela obra da Ma [Siza], para já, é um privilégio, e sem dúvida nenhuma é uma casa que eu gosto imenso, com um pequeno senão, mas isso tem a ver com a projecção da arquitectura [que foi a opção do Siza] … que é a casa não ter um quintal atrás e ser o quintal na entrada da casa o que uma vez que nós abrimos a nossa porta … digamos que se houver alguma desarrumação a pessoa que entra é logo surpreendida com esse pormenor [a falta de privacidade também era uma das questões que a Fernanda (Inf.01) levantava]… [o problema] não é por ter o quintal à frente, mas sim devia ter um outro atrás para mais privacidade [como as salas de visitas para receber pessoas e outras para a família “estar”], privacidade não é pela privacidade pessoal, mas sim pela privacidade de utensílios, ter outras coisas que não gostaria de ter logo na entrada da casa, uma vez quando se abre a porta e recebe uma visita se tiver um grelhador ou se tiver um cão ou se tiver a grelhar ou a fazer uns cozinhados fica logo surpreendida com aquela desarrumação, portanto não vai nada contra o design da casa, sem dúvida nenhuma… [esta tipologia com o quintal atrás foi uma das várias propostas do Siza nas cooperativas, o IAPHE quis tudo igual e sem garagens… porque as populações necessitadas não tinham carro… nem era expectável que tivessem?!] … em relação à vizinhança por acaso tive sorte, se calhar, na zona onde estou a morar nunca tive problemas com a vizinhança, e se alguns problemas houve ali na zona onde morei [e onde estava de regresso depois de ter vivido com a filha num dos novos empreendimentos a custos controlados da cooperativa] não foi com a vizinhança, mas sim com pessoas que vinham de outras ruas e provocariam alguns maus ambientes próximo da minha porta – mas que não eram provocados pela vizinhança da rua, mas sim de outras ruas da Ma ou da CP que se juntariam ali e fariam algumas coisas menos agradáveis visualmente [drogas e por aí fora, malta que vinha para a pista de skate ao cimo da Avenida da Ma]… (uma senhora vem cobrar uma factura e põe-se de conversa com CR… encontrei ali uns patrícios da minha terra e pus-me de conversa… há anos e anos que não os via… obrigada carolina… um bom almoço, só ao meio dia e meio… [é extraordinária a bonomia d@ alentetejan@] ó pá não interessa… riem-se as duas…) … em relação à vizinhança não tenho nada a dizer, pessoalmente nunca me dei mal com vizinho nenhum, nem na Ma nem em sítio nenhum por onde morei… não tenho qualquer problema em falar sobre a vizinhança [porque são todos sociáveis, constatei-o no terreno]… Eu vim de uma vila tipicamente alentejana – Vila Nova da Baronia, concelho de Alvito, distrito de Beja – procurei trabalho nesta cidade – vivi algum tempo no campo até aos 18 anos, fiz todo o tipo de trabalhos que pertenciam à agricultura, faziam parte do mundo rural, desde que saí da escola até aos 18, nasci em 1952, e entretanto aos 18 procurei emprego na cidade de Évora (Ev) e aqui

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residi, me fixei, constitui família, tive os meus filhos já tenho netos; a casa da Ma surgiu em 1985, 86 … foi um arrendamento com o INH, do IGAPHE ainda, a chave foi-me entregue numa cerimónia na Avenida da Ma, com um palco improvisado, e foi-me entregue pelo Prof. Cavaco Silva, que era o 1º Ministro na altura, a chave … entretanto era na Fundação Salazar que agora é a Horta das Figueiras, e depois como aquilo era um 3º andar, a vizinhança era muito desagradável, muito barulhenta, eu passava noites em claro sem dormir, tinha que me levantar cedo e vir aqui para o meu serviço e pedi ao IGAPHE que tinha uma delegação aqui em Ev (…) e pedi que quando houvesse uma casa no bairro da Ma se fosse possível fazer a mudança, quando foi possível gentilmente me foi cedida pelo Eng.º Albuquerque que era um excepcional funcionário e uma pessoa muito muito sensível e muito amigo do seu amigo e, profissionalmente, era um senhor exemplar; então assim que houve essa possibilidade ele tratou de me entregar uma chave que é hoje a minha casa, eu acabei por comprar depois ao IGAPHE com um preço dentro do possível que foi calculado por eles, em 1987 foi 3.500 contos… a casa estava um bocado em mau estado porque a obra esteve parada muitos anos porque o construtor deixou a obra ao abandono, abalou segundo reza a história com o dinheiro e não acabou a casa, aquele conjunto de casas que ficaram ao abandono, semiabertas, houve furtos, houve pessoas que iam lá e furtavam as louças, outras furtavam outras coisas, e a casa até foi vendida mais barata porque depois nós já lá morávamos e começámos a pedir essas pequenas obras de melhoramentos ao Estado e eles em vez de estarem a gastar o dinheiro deu a casa a vender e deu preferência a quem lá estava a morar, eu comprei através de um empréstimo à CGD – fiz melhoramentos a nível de materiais, só no interior, porque no exterior da arquitectura não alterei, apenas alterei os materiais das janelas… os modelos mantiveram-se, as caixilharias mantiveram-se, tudo o que era projectado pelo Arq. Siza foi mantido, apenas mudei o material para alumínio uma vez que a madeira que o construtor aplicou não tinha condições de resistência à intempérie, tanto de Inverno como de Verão, uma vez que no nosso clima [ri-se], no Inverno é chuva e frio e no Verão é um calor insuportável… e não estava tratada devidamente para suportar essas diferenças de temperatura. Era interesse do Arq. responsável pelo projecto manter os materiais devidamente em condições para suportarem essas temperaturas só que os construtores para poupar fugiram aos materiais e, MAIS UMA VEZ O PROJECTO SIZA VIEIRA ERA PREJUDICADO… …. Como transformei a casa para a minha família foi precisamente passando por esse processo, pondo à minha maneira, nunca alterando o projecto porque gostava e gosto, tive de substituir as madeiras por alumínios porque como já expliquei… ser mais fácil a manutenção e ficar mais barato e… neste momento ela mantém-se igual [é verdade que existiu um esforço visível em manter a estrutura e certos elementos “formais” também, por exemplo, a luz no pátio foi mantida porque desde as gaiolas até um toldo na entrada da “lavandaria”, que foi avançada como em muitas outras casas, que é de vidro, mantém a entrada da luz através dessas transparências”]… não fiz mais nada … como a tornei acolhedora de forma a poder criar os meus filhos foi passando por essa transformação, mas que não teve … tem mais a ver com o interior do que com a estética da casa… é um T3… não foi necessário… independentemente da casa poder ser evolutiva até um T5, porque o projecto prevê isso… tenho 2 filhos, um casal, nasceram cá em Ev, ele nasceu em 72, e ela em 1980, nasceram os 2 no bairro de Stª Maria, tinha uma casa muito pequenina e daí eu lutar [por outra casa], mas não tinha meios [as prestações e os apoios sociais são mais que justificados se olharmos para estas famílias que progrediram e têm hoje uma vida muito estruturada e agradável, e puderam dar uma educação “superior” aos filhos, porque em determinado momento o Estado lhes deu um pequeno-razoável empurrão; as famílias que estudámos na sua esmagadora maioria progrediram social e intelectualmente]… … vim aos 18 anos para Ev… vim de Vila Nova (Beja] directamente para Ev… vim procurar emprego e constituir família e… procurei casa, primeiro no Bairro de Stª Maria (SM) que consegui e depois – só em 1985 – foi quando começaram a construir este Bairro Social (BS) da CP, foram as primeiras

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casas construídas em Ev pelo Estado chamadas de Habitação Social (HS), eu concorri para este tipo de casas mas não me foi concedida destas [CP] e depois consegui a dita no Bairro Fundação Salazar [também é dito Bairro Novo por outros informantes, trata-se de um pequeno BS do Estado Novo construído para os operários fabris da Fábrica de Massas dos Leões hoje Fac. Arquitectura da UE), e outras fábricas de menor dimensão em Ev]… … agora é chamado Horta das Figueiras… depois é que vim para a Ma … participei no Processo Ma a partir aqui do meu serviço, tenho até aquela fotografia com o Arquitecto Siza Vieira, passou por uma visita a Ma com responsáveis da CME – o arquitecto responsável pela obra na altura que era o vereador Rebeca… acompanhei todo o processo de construção da Ma com todos os fogos da cooperativa que estou a trabalhar construiu, eu tive uma relação mais estreita com o Arq. Siza a nível de conversarmos, de visitarmos a Ma, de visitarmos as casas da Ma construídas pela cooperativa… foi muito depois de 1986 [a fotografia que vi registava um grupo de pessoas em movimento pelo que parecia os caboucos da parte final das Ruas da Malagueirinha/Pomar (em que alguém referiu uma parte da conversa/queixa do Siza, muito irritado, a elementos da CME “vocês aqui só metem materiais de merda”)] era a Rua da Malagueirinha, sim, porque nós já tínhamos construído 177 fogos e depois passámos a um terceiro programa de construção que eu penso que foi em 1989 e deve ter sido concluído em 1992, 1993, porque só vendo as datas das escrituras com os sócios é que eu poderia dar datas precisas… se for preciso posso dar-lhas… … em 1972 o meu primeiro trabalho foi numa fábrica de moldes, que não tinha nada a ver aqui com a cooperativa, e a seguir fui trabalhar para a Taico-Siemens, aliás em 1970 entrei para a Siemens e depois trabalhei lá até 1986 e saí por questões de doença profissional e através do desemprego entrei aqui em 1986 e desde essa data até agora tenho acompanhado todos os programas de construção, onde o principal foi aqui por isso estou tão ligada à Ma [praticamente veio para aqui morar ao mesmo tempo que para aqui veio trabalhar: como em muitos outros casos o percurso profissional confunde-se com o percurso residencial, é uma matriz, sobretudo dos habitantes das cooperativas] e às casas da Ma por isso se calhar sou um bocado suspeita em falar [tão apreciativamente] sobre a Ma, ou pelo menos sou suspeita em dizer que gosto muito [das casas e da Ma] ou que… primeiro operária agrícola, depois operária fabril e a seguir ligo-me à construção civil… [pelo marido, talvez?!] … [A MINHA] ATRACÇÃO PELO PROJECTO DA MA NÃO TEM EXPLICAÇÃO, PARA MIM É MUITO… MUITO EMOCIONANTE, DIGAMOS, GOSTO MUITO, NÃO SEI SE TAMBÉM TERÁ A VER COM O MEU RECONHECIMENTO PELO AUTOR DO PROJECTO, PELA SENSIBILIDADE QUE ELE ME TRANSMITIU, PELO HOMEM QUE ELE É, PRIVEI COM ELE EM ALGUMAS REUNIÕES, É UMA PESSOA EXTREMAMENTE SENSÍVEL, PARA MIM EU NEM SEI, ACHO QUE ELE É UM mito … PARA MIM ELE É UM MITO, DIGAMOS QUE … NEM SEI EXPLICAR, NÃO ENCONTRO A PALAVRA CORRECTA PARA O DEFINIR, como eu o vejo como pessoa e como profissional, está a perceber, não consigo encontrar a palavra do que ele representa para mim… em relação à Ma – sinceramente o projecto foi muito polémico para a maioria das pessoas que vinha das aldeias, de vilas, e de casas completamente diferentes, com estilos diferentes, para o estilo alentejano não tem nada a ver… isto é um estilo árabe… todas as casas têm telhado, as pessoas manifestavam o seu desagrado porque as casas não tinham telhado, porque uma casa sem telhado não era uma casa… aquelas pessoas com uma idade diferente, dos 60, 50 e tais na altura e que hoje já têm 70, já têm 80, e muitos já faleceram dos que para aqui vieram habitar a Ma, para eles isto não era uma casa, mas se calhar foi a única maneira de terem a sua casa… [pôs essa questão ao Siza]… melhor que ninguém ele sabe… eu pessoalmente não lho coloquei porque achava que ia magoá-lo e acho que ele não merecia ser magoado dessa forma, mas sei que passou por uma reunião [só uma?!] que foi muito desagradável para ele; eu sei; eu não estive presente mas se tivesse estado presente certamente ele iria ter uma defensora ao lado dele… foi do projecto daquelas 24 casas que estão ali junto ao Liceu [as casas com fachadas redondas, na sequência dos moinhos que estão na enfiadura, projecto de 1992], os próprios moradores

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quiseram uma reunião com ele contestando tudo o que estava na casa, especialmente as janelas [arredondadas] e alguns pormenores da casa com que não concordavam; há pequenas coisas no projecto da Ma com que eu posso não concordar, não é pelo desenho, é pela forma como elas estão projectadas por causa da manutenção – o projecto da Ma tem 2 tipos de casas diferentes, é junto ao Liceu e junto às piscinas, as janelas abrem para fora, as janelas do 1º andar são um problema porque as pessoas, especialmente no Alentejo (A), são muito dedicadas à limpeza, à higiene, gostam muito de limpar (e eu especialmente sou assim) e sei que uma vez andava a varrer a minha rua a varrer e a limpar e houve uma pessoa que estava a fazer um trabalho sobre a Ma – um estudante com uma determinada idade, provavelmente estaria numa Universidade ou doutoramento, e pediu-me autorização se me poderia fotografar – e disse que estava fascinado com a minha maneira de limpar o exterior da minha casa, ou seja – a minha rua – e eu disse que sim PORQUE A MINHA RUA FAZ PARTE DA MINHA CASA, QUANDO EU ENTRO PARA A MINHA CASA PASSO PELA MINHA RUA SE A MINHA CASA ESTÁ LIMPA A MINHA RUA TAMBÉM TEM QUE ESTAR LIMPA… E ELE ACHOU FASCINANTE A MANEIRA COMO EU LAVAVA E LIMPAVA A RUA e daí eu voltar atrás para dizer que… há janelas que no 1º andar [dessas casas diferenciadas] como só abrem para fora as pessoas não conseguem limpar, têm que ter uma escada com 2 lances de escada para chegar ao 1º andar [por fora, claro! – muito curiosamente foi um “erro” de que se queixavam os habitantes de um dos projectos colectivos emblemáticos de Alvar Aalto]; e eu sei que houve moradores na Ma que protestaram com o Arq. Siza precisamente por causa dessa questão… [não têm a possibilidade de se fixarem no centro e rodarem?] – Não, não têm, aí é que está! Aí eu acho que se o Arq. tivesse deixado as janelas a abrir para dentro as pessoas limpavam dos dois lados… não era preciso recorrer à escada, nem á rua para poder limpar a sua janela… e eu sei que houve protestos… o Arq. Fez o seu projecto, quem sou eu para dizer não está… ou está mal feito, também protestavam porque as madeiras eram extensíveis e grandes [e estavam por todo o lado], bem… teve uma reunião em que as pessoas lhe mostraram o desagrado… [isto foi um processo altamente politizado?] a parte política eu não acompanhei muito… politicamente… eu não me dou muito bem com essa política dos partidos, porque se [o processo Ma] foi político, não ponho em dúvida isso, eu nunca me tentei interessar muito por essa parte, ou algumas das coisas que se puderam ter passado, sinceramente, neste momento não as consigo recordar, mas não ponho em dúvida que tenha sido político… [de 4 em 4 anos isto, e ela conclui:] é posto à prova (ri-se) – exactamente – não tenha dúvida nenhuma, (há uns que apoiam outros que…) sempre. Sempre! [atribui-se a Ma ao PCP?] Sim, esteve muitos anos na CME, depois as casas deixaram de ser do IGAPHE e passaram para a ME, depois a E mudou de partido e criou uma empresa nova que agora gere essa parte [Hb], bem ou mal agora não sei… e também quem sou eu para o dizer, lá estarão as altas instâncias e as pessoas que tenham poder de decisão e responsabilidade por essas questões de dizer se está ou não se estão a agir correctamente, eu a única coisa que posso falar em relação às questões das vendas e das compras das casas é a nível de cooperativa e que não têm nada a ver com a política, isto aqui eu sei… [sabe que a gestão do património imobiliário da CE é política!?… pode ler-se, ponho a hipótese, sem forçar o discurso; de qualquer modo se ela achasse que a Hb gere BE tê-lo-ia dito, discretamente, como tudo o resto, mas tê-lo-ia dito. O conhecimento do terreno por esta senhora é muito grande, mas mesmo que não fosse as obras de atamancar da Hb e a substituição das madeiras por alumínio lacado de baixíssima qualidade foram observadas por mim no local]. A parte que diz respeito à construção das cooperativas… [é outra coisa diferente da Hb] [digo eu: mas socialmente tem sido vista como ligada à CP e à droga?] Sim, sim. Porque inclusivamente os bairros da Cruz da Picada (CP) e de Stª Maria (SM) … que para vender casas é muito complicado devido à localização [de comércio de drogas]… [assume aqui claramente, quando já antes o tinha feito mas discretamente, o seu papel “cooperativo” MAS de promotor imobiliário]… a Ma… … já

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não estou dizendo tanto… na Ma já não vejo tanto esse problema {da droga e dificuldade consequente na venda das casas], NÃO! (muito enfático) – as casas na Ma são caras! há T3 a vender na Ma a 160 mil euros, há sim senhor!! E… e… – Ainda anteontem estive aqui na internet à procura… mas há casas que são vendidas a 160 e tal mil euros… E casas que foram compradas… aliás, temos aqui o caso da cooperativa que vendeu casas a 80 mil euros [hesitou quando estava a dizer isto, talvez sentisse que revelava o “negócio” cooperativo] e hoje eles estão a pedir 160 mil, estão a pedir o dobro, está a perceber? – ou seja os preços duplicaram na Ma, nas casas da Ma, enquanto na CP é o oposto, ou o SM que está integrado aqui nesta zona e têm muito mais dificuldade em vender casas e não se vêem tanto à venda – e para comprar é uma complicação – quando estão à venda é muito complicado… mas não chega a explicar porquê, talvez os direitos legais sobre as casas não sejam imediatos – na Hb, depois da venda ao inquilino, ele obriga-se a viver nela 5 ou mais anos antes de a poder vender – provavelmente estas casas da cooperativa a custos controlados têm a mesma legislação, ou semelhante]… [passamos ao inquérito] … Eu posso dizer que estou muito satisfeita com o Bairro… muito satisfeita… é a paisagem mais bonita da cidade… com a limpeza estou nada satisfeita porque sinceramente (faz um ah! ah! com a voz a dizer bem… isso está muito mal)… o lago… esta questão está ligada com a limpeza, se não falar falarmos de limpeza estou muito satisfeita [no Verão são os maus cheiros e os mosquitos por receber descargas que não era suposto de esgotos “ilegais” (ver a este propósito o Bento no Diário de Campo {DC})]… [fala-se em drenar o lago…] (resposta muito enfática) Que horror!!... aliás eu até fotografias, quando danificaram o jardim em frente à minha casa, tenho imensas fotografias tiradas na CME porque fui uma das pessoas que protestei porque se gastaram ali milhares de euros… e independentemente de mandarem para ali um senhor andar a limpar aquilo, o senhor não dava conta, aquilo estava sempre danificado [eram os skaters que vinham, de fora do bairro, dizem, para ali “curtir”]… eles era com tintas, com pedras, eles danificarem, partirem tudo, destruíram aquilo tudo, faziam lumes, fogueiras em frente aos tijolos, ficava tudo preto… [pergunto-me e deverei verificar se o parque junto à piscina que tem uns espaços para pic-nics é de acesso imediato ou se se tem de pagar??] eu fotografei isso tudo, eu sempre defendi tudo o que foi projectado pelo Arq. Siza, sempre defendi junto da Junta de Freguesia [da Malagueira (JF)] e da CME por correspondência e por documentos (fotografias que podiam confirmar) sempre em prol da Ma. SEMPRE! Sempre! [atribui isso à etnia cigana?] – diga? [não estava à espera da objectividade…] – por vezes não eram os ciganos… eram antes aqueles jovens toxicodependentes que se juntavam para fumar os seus cigarros e… trocar os seus… naquela pista de skate, punham lá aqueles panejões [??]… podia haver lá algum cigano, sim senhor, você sabe que as drogas estão ligadas [aos ciganos]… mas não desempenhavam o papel principal, não!... os ciganos realmente o sítio onde eles vivem está tudo sujo [dentro das casa dos ciganos e até dentro das carrinhas onde pernoitavam, despejados das casas, eu verifiquei o contrário – tudo muito limpo!]… eu acho que falta por parte das entidades competentes da CME, que é quem gere as casas, falta de fiscalização, falta de ordem, porque não é a polícia que vai ali dizer para eles varrerem ou pintarem as casas – a polícia está para manter a ordem pública, não tem nada a ver com higiene, a CME é a entidade responsável por isso ou a entidade que está a gerir o bairro… [e os espaços públicos da CME estão limpos?] (nova hesitação, um pouco frustrante… saiu um “psss…” como quem diz … pois que é que se pode fazer… ninguém tem brio…) então… façam qualquer coisa [a CME faça qualquer coisa é este o sentido da “fala”]… não podem é… é que o bairro parece 2 bairros, parece o bairro 1 e o bairro 2, Bairro da Ma 1 e Bairro da Ma 2, não?... [ri-se… porque não tem solução ou explicação para o problema que ela própria levantou]… … com as condutas não estou nada satisfeita… existem equipamentos sim senhor, mas eles… as condutas por onde passam deixam o seu rasto, por onde passam as pessoas sofrem porque têm infiltrações em casa, porque essas entidades quando vão fazer furos dentro das condutas para montarem os seus equipamentos deixam os seus …

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… essas entidades [que trabalham dentro das CONDUTAS] ou são pouco cautelosas ou pouco profissionais [começo a ter uma matriz: a incompetência ou pouca formação da maioria dos técnicos residentes… a minha mulher queixava-se permanentemente dos empregados dos supermercados, das estações de serviço, etc. o arranjo do telhado da minha casa foi feito às 3 pancadas para eliminar uma infiltração que voltou 2 semanas depois, foi tudo feito em 45m], nós tivemos uma queixa enorme aqui na Ma na rua do Chiado e noutras ruas juntas que a TV Cabo ou a Cabovisão ou lá não sei quem foi … andou a fazer furos com brocas excessivamente abusadoras e não impermeabilizaram e não têm cuidado, quando passam levam à frente dos pés os fios e os cabos de outras operadoras que já lá estavam e conseguiam desligar os cabos das televisões que as pessoas tinham em casa para montar outros de outras habitações [conta-se… que um administrador de uma cooperativa se aproveitou do cargo para acabar com um fornecimento de uma dessas distribuidoras de TV para passar a vender individualmente a cada habitante uma nova operadora, conta-se. Facto é que há cerca de 5 anos as cooperativas deixaram de fornecer esse serviço – que era gratuito! E agora cada um trata de si… como foi dito a 1 informante meu por 1 director de Coop.], ou seja as condutas não estão a ser administradas pela entidade competente que devia gerir devidamente. Nem tapá-las – porque nem as portas estão devidamente fechadas, qualquer vândalo, qualquer pessoa, entra dentro das condutas sem o mínimo respeito pelas pessoas que moram e devem usufruir dessas condutas… … às vezes as pessoas são um bocadinho abusadoras quanto aos estacionamentos… este tipo de casas [do IGAPHE] não tem garagem, houve quem comprasse depois, mas eu não… com a cobertura [e os isolamentos] não estou nada satisfeita… os materiais fui eu que os lá coloquei, foram escolhidos por mim, estou muito satisfeita… com a privacidade? Estou muuuuiiiiiiiiiittttooo satisfeita!! (reforço) [só abre a porta e só se dá com quem quer por trás dos muros altos do pátio]… não conheço a Associação da Ma, portanto, também não conheço porque se calhar não quero… mas com os meus vizinhos, socialmente, estou muito satisfeita… digamos que o povo português é assim hoje podem-se matar uns aos outros, mas amanhã se alguém está mal as pessoas aparecem – estou bastante satisfeita… … primeiras núpcias, já estou casada há 40 anos, já tenho o meu filho com 39, já tenho 2 netos… [o seu casamento e formação da família construiu-se à volta da Ma?] – foi, foi! … [participação nas alterações?] – foi o meu marido e eu que fizemos a obra toda… cheguei aqui… isso tem um valor EXCEPCIONAL [este termo é altamente enfatizado e dito com muita TERNURA – acho que devo destacar isto], eu participei nas obras da minha casa [fala muito pausadamente como se estivesse a descrever um importante episódio que viveu], dei serventia [de pedreiro]… ajudei o meu marido, eu cheguei a cozinhar no quintal – a chover-me em cima, para o meu marido poder acabar-me a cozinha e pôr-me a canalização, as coisas todas, os mosaicos. Havia dias que ficávamos privados porque íamos fazendo por sectores e MUITAS VEZES AS LÁGRIMAS CAÍAM-ME PELA CARA ABAIXO… mas posso dizer que no fim foi recompensado, o trabalho feito, a obra executada… digamos que é como o seu trabalho quando terminar… as crianças ajudavam, a minha filha ajudava o pai a pôr azulejos na parede, as juntinhas, a limpar, tudo… ainda hoje a minha filha diz… também sei pôr azulejos que eu ajudei o meu pai a pôr azulejos lá em casa… e tinha 10 anos… [ISSO CRIA UM VALOR AFECTIVO?] – MUITO GRANDE! [enfatizou], eu tive a casa alugada 6 anos, porque a minha filha depois comprou casa aqui na cooperativa e como ela andava a estudar, para suportar os custos dos estudos dela porque ela é enfermeira e fazia estágios em Lisboa e onde calhava e transportes e comida e alojamentos e não sei quê, não podíamos suportar as 2 rendas, então aluguei a minha casa para poder ir para a casa dela pagar a dela e recebi a minha chave da casa, novamente, dia 5 de Janeiro a minha filha entrou no quarto [diz isto com emoção progressiva] e disse QUE SAUDADES QUE EU TINHA DE AQUI ENTRAR!... [CR está muito emocionada, e eu também]… portanto veja a ligação que há entre a casa e a família…

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… tenho o 12º ano tirado a pulso e a degraus, mas consegui, porque eu acabei a 4ª classe e fui trabalhar para o campo… o meu marido está reformado e o meu ordenado e o dele é à volta de 1200 euros – é a reforma dele e o meu salário [mas agora estão ambos a gerir por concessão, calculo, porque não perguntei, o café da coop onde fazem agora almoços ligeiros, é um café que só fecha no domingo e o resto está sempre aberto, por vezes até tarde], a manutenção anda à volta dos 500 € [por mês], agora também já só somos os dois, eles também já têm a casa deles… com a alimentação vai quase o resto [dos 1200], então não é? (ri-se)… [zonas da Ma?] – para mim 2. Eu vivo na zona 2 (está um pouco constrangida), felizmente. Minha rua é privilegiada porque as pessoas que ali moram fazem parte de uma classe média, por exemplo, há lá senhores que eram da Polícia, Guardas Republicanos, pessoas que trabalham nas escolas, que são contínuos nas escolas, são pessoas de outro nível, n outros lados já moram pessoas com famílias mais numerosas e que têm um poder económico muito mais baixo. Há a parte 1 e 2 da Ma que eu lhe estava a tentar justificar. A zona 1 – eu acho que parece que há 2 Mas, a zona que está mais suja mais … [a zona entaipada?] – pois isso é que é horrível, pois aí é que eu me estava a referir, porque é que os órgãos competentes desta cidade não têm iniciativa e deixam ficar a Ma entaipada… [e colocarem na internet essas poucas casas emparedadas…] – acho que isso é absurdo, e no século que nós vivemos é absurdo… Eu não sei como é que eles [Hb] vêem a Ma, mas se a vêem por esse prisma devem ter os olhos tapados, a Ma é mais do que isso… Eu na minha opinião eles não estão a gerir, aliás eles não estão a fazer nada, lamento muito… BAM1: Eu… morava na cidade com um cunhado meu, depois casei-me e vim para aqui para umas casas do SM, casas essas que não tinham o mínimo de condições, não tinham casas de banho e coisas desse género, condições nenhumas… inscrevi-me nas casas da Ma, ah! mas nas casas anteriores eu tive uma acção de despejo, eram casas privadas de outras pessoas, não eram do Estado. Porque eu pedi à senhora para fazer casas de banho e ela não queria fazer e havia um programa da CME… isto em 1978, 1979… acontece que n altura eu tinha uma renda de 120 escudos e a senhoria pôs-me a renda para 1500… depositámos o dinheiro na CGD, foi para tribunal e tive uma acção de despejo, recorri e acabei por ganhar a acção mas inscrevi-me nas casas do IGAPHE fui atendido pelo Eng.º Albuquerque que me atendeu até muito bem e consegui arranjar aquelas casas, mudei para ali… é um paraíso, realmente o sítio onde vivo é uma coisa maravilhosa, estive ali uns anos, sempre bem, os meus filhos já eram crescidos, tinham 8 e 13 anos, remodelei a casa. Ficou toda remodelada, fiz a casa ao meu gosto. Depois por causa da minha filha, aluguei-a… e estive fora da minha casa até hoje… para ajudar a pagar a casa da minha filha que não estava empregada. Tive que fazer ali um jogo… agora a casa está degradadíssima, fiquei chateado com aquilo… quanto aos vizinhos não tenho a mínima razão de queixa e há anos que estou ali, ainda hoje… … nasci nas Alcáçovas, uma povoação a 30 Km de Ev, pertence ao concelho de Viana do Alentejo [Al]… os meus irmãos, aliás a minha irmã mais velha casou e veio morar para Ev, e eu aos 7 anos vim para Ev a primeira vez, aos 7… [chega a filha, Patrícia Rainha, PR, apresentações]… vim para casa da minha irmã, depois voltei a casa de meus pais, a minha mãe faleceu quando eu tinha 11 anos e tive de voltar outra vez para casa da minha irmã, aqui estive uns anos e depois andei em bolandas de lado para lado, fui para casa da minha irmã para Beja, fui para Lisboa trabalhar… na construção civil, sempre, depois deixei Lisboa e vim para Ev e estive aqui até ir para a tropa, fui para Angola, estive 17 meses lá – de 1967 a 1969 – quando cheguei fiquei por aqui… casei e fui para SM… trabalhava em pedreiro que é a minha profissão, tive uma altura que deixei o ofício de pedreiro e fui trabalhar para a Siemens, mas sem especialidade, uma pessoa não qualificada,

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depois acabei por me saturar daquilo e vim-me embora… como pedreiro tinha mais qualificação e fazia um trabalho que sabia fazer, enquanto que uma pessoa não-qualificada faz de tudo sem qualificação… o ano passado ainda fui passar a Angola outra vez, reformei-me e fui a Angola trabalhar 5 meses… tinha saudades de Angola, fui para Cabinda, estive lá 5 meses mas dei-me muito mal com a alimentação, isso para mim é um problema… agora estou aqui no Café, para não estar parado, isto para mim é um passatempo… tem alturas em que até tem vindo mais pessoal [o café está cheio]… quando é à noite tenho aqui pessoal, ao fim-de-semana também tenho… é do ambiente… tenho trabalhadores que vêm para aqui [almoçar]… … as obras, as casas foram feitas como casas sociais e foram mal estruturadas, aqueles quintais eram calçadas como se fosse na rua, não tinham jeito nenhum, as casas tinham a lavandaria pequena, o que não estava nada correcto, na minha perspectiva, na minha maneira de ver estavam mal projectadas. As casas de banho estavam mal projectadas, a colocação de loiças e isso tudo, mas eram casas sociais também não seria de esperar casas de luxo, não é?... O que acho que também está errado foram os isolamentos, naquela altura não eram os mais eficientes [o Siza gaba as soluções técnicas do Eng. Sobreira que trabalhou com ele, mas essas soluções já tinham 10 anos quando as casas foram acabadas, se calhar já haveria outras soluções mais eficientes] – havia muitas muitas humidades nas casas das pessoas derivado a não haver a matéria-prima [materiais] mais adequada… Não trabalhei na construção da Ma, mas conheço-a pela minha casa, mas sei que tem esse problema… COISAS… CONHECER A CASA EM SI, O QUE AS PESSOAS NECESSITAM E O QUE NÃO NECESSITAM… POR ISSO É QUE EU DIGO HÁ COISAS QUE SE FOSSE HOJE QUE FIZESSEM A MA NÃO ACREDITO QUE FIZESSEM IGUAIS… problemas que as casas tinham que ser melhoradas… os materiais não eram de boa qualidade… pronto… ACONTECE O SEGUINTE, A MA PASSOU POR UMA FASE EM QUE O EMPREITEIRO DAQUILO FOI Á FALÊNCIA E AS OBRAS ESTIVERAM PARADAS E AS CASAS DEGRADARAM-SE … AS OBRAS COMEÇAR A DETERIORAR-SE PORQUE NÃO FORAM ACABADAS, DEPOIS QUANDO FORAM ACABADAS JÁ NÃO FORAM ACABADAS COMO DEVIA SER. O MAL JÁ LÁ ESTAVA ENTRANHADO, FOI ISSO… [mas as suas obras a sua filha ajudou-o?] (ri-se) … sim, ela gostava, estava ali ao meu lado, metia azulejos, metia chão… ela era importante [na obra] o meu filho era mais crescido mas não tinha cegueira com a casa, ela é que tinha “cegueira”… sei lá, gostava… ele vinha mais para a rua jogar à bola… ela tinha mais interesse, a meter azulejos, era mais asseada com o trabalho… [passo ao Inquérito] [satisfação com o bairro?] – óptima, a segurança não é a mais adequada, podia ser melhor… as condutas não me satisfaz… estacionamentos? … as coisas não podemos estar a dizer não satisfaz, as coisas quando são projectadas não se imagina que todas as pessoas tenham um carro, ou dois… não se pode dizer que as ruas não satisfazem – afinal são para peões ou são para carros? – não podemos ser exigentes a esse ponto… NÃO É A CASA QUE A GENTE SONHA, mas… é … satisfaz. Pátio é óptimo, coberturas não… os materiais já fui eu que os pus. Estou muito satisfeito. As casas são “ruidosas” no respeito que se ouve tudo o que se passa na casa do vizinho… o isolamento não satisfaz, mas é a realidade das coisas… tenho um vizinho que é como se fosse meu irmão, agora há pessoas novas que eu não conheço, mas as que conheço não tenho problemas nenhuns, se for preciso socorrem-me com certeza… … A casa dos meus sonhos seria uma vivenda, [uma courela?] – um monte já seria ideal, o ideal de toda a gente [no Al?] – não de toda a gente, de toda a gente em geral… é a sensação de liberdade, é tudo… Eu não gosto de Lisboa, trabalhei nas primeiras casas da Quinta da Brandoa, mais o meu irmão, em 1957… quando eu lá fui havia 2 casas feitas na Qtª Brandoa, a Qtª Velha que era como se chamava… fica entre a Amadora e a Pontinha, ao lado de Benfica, conheço isso – quando chegamos às portas de Benfica depois temos a Venda Nova… de Benfica à Brandoa deviam ser 4 Km e não havia uma casa… Existem 2 zonas na Ma, Norte e Poente, talvez… vivo na zona Norte…

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BJF1 … [PM, enfermeira] nasci em 29.10.1980, em SM, fui para a Ma com 10 anos… vivi naquela casa dos 10 aos 23, vivi lá 13 anos, passei lá a minha adolescência toda, e as lembranças que tenho do Ma e da minha casa são muito boas, fiz logo um grupo de amigos que eram os vizinhos da rua que tinha muitos miúdos da faixa etária da minha e fizemos logo ali um grupo de amigos, muito bom!, e foi coisa em que passei grande parte da minha adolescência – as ruas atrás, as ruas à frente, eram ruas um bocadinho mais problemáticas porque em termos de população a etnia cigana prevalece sobre todas as outras, e toda a gente sabe [a “percepção” é muito mais forte que a realidade], mas na minha rua não, só tínhamos uma casa onde viviam não ciganos mas tendeiros, o resto não, era tudo de RAÇA CAUCASIANA, era tudo… [branco] de etnia cigana não, dava-me com os tendeiros e ainda hoje tenho uma boa relação com eles, depois aos poucos fui conhecendo as outras pessoas das outras ruas, os ciganos [também] obviamente, e os da nossa idade tínhamos que conviver com eles e os da nossa idade acho que nos respeitavam bastante, nunca tive problemas nenhuns ali – tenho boas recordações do bairro – gostei de viver ali na Ma e ainda gosto muito do Ma, depois fiz amizades com outro grupo da Ma mas de uma zona diferente, esta zona aqui [a zona das cooperativa próximo da CG]… na Rua António Aleixo e tinha muitos amigos aqui desta zona e circulava muito entre a parte de cima – a minha rua – e a parte de baixo da Ma, e acabei por conhecer a maior parte da população do bairro, sobretudo os da minha faixa etária, gostei muito de viver ali … em relação à casa, acho que a casa era muito boa, em termos das condições da casa, obviamente também teve melhorias, o meu pai fez melhorias de obras na casa e isso também contribuiu para que nos sentíssemos melhor, a casa ficou mais bonita, ficou mais cómoda, no geral gostei muito de viver ali… eu ajudei, AJUDEI SIM [ri-se divertida], ajudei a pôr lá os azulejos… e o chão… era o que podia, sim [todos os miúdos faziam isso?] – acho que não, acho que não, as outras casas dos meus vizinhos também andaram em obras mas não me lembro que os meus amigos participassem, a diferença é que o meu pai é que fez as obras na casa – o meu pai era pedreiro de profissão – e os outros não, os outros contrataram para irem lá fazer essas obras e isso também faz toda a diferença, os miúdos não se iriam intrometer no trabalho das pessoas acho que foi nesse sentido, ajudei por ser o meu pai se fosse outra pessoa a trabalhar também não poderia intrometer-me dessa forma [HÁ 2 COISAS A REGISTAR: A 1ª QUE FAZ TODO O SENTIDO A PERSONALIZAÇÃO DAS CASAS POR COMPUTADOR DO J.P.DUARTE E 2ª PENSO VER AQUI CONFIRMADA A MINHA TESE QUE AS OBRAS NA CASA PARTICIPADAS PELOS HABITANTES REFORÇA OS LAÇOS ENTRE O GRUPO FAMILIAR E ENTRE ESTE E O HABITAT]… [criou laços à casa?] – SIM! MUITO!... esses azulejos foi o meu pai e eu que colocámos aqui, esta alteração da cozinha fomos nós que escolhemos, este arco foi o meu pai que demorou aqui não sei quantos dias a fazer, esta pedra fomos nós que fomos escolher lá abaixo às “marles” [??] foi tudo escolhido ao pormenor, foi tudo alterado, o chão, a sala, o chão do quarto de baixo, azulejos, casas de banho, cozinha, tudo, tudo, mesmo a própria estrutura da casa por dentro; a cozinha tinha uma espécie de marquise anexada e NÓS, o meu pai, partiram a parede para ampliar o tamanho da cozinha, da sala para a cozinha também houve uma modificação, foi feito um pequeno hall de entrada, fizemos alterações no chão do pátio, fizemos uma gaiola para os pássaros, uma escada em caracol para a varanda, só por fora é que a casa é igual às outras por dentro não é totalmente diferente… está personalizada? exactamente, está personalizada, está ali muito tempo… também personalizado… sim, sim [ri-se entusiasmada]… … a minha casa não é na Ma, a minha é no Bairro do Moinho, mas há muito tempo que não entrava lá em casa e esta semana quando entrei lá foi mesmo isso… que saudades da minha casa, tinha saudades da minha casa, foi ali que vivi 13 anos da minha vida e na faixa etária [mais importante]… neste momento já não considero … já considero a minha casa também minha casa,

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mas durante muito tempo na casa em que habitava sentia-me uma estranha a entrar ali, aquela era a minha casa [a da Ma]… E OS 13 ANOS FOI NUMA FASE MUITO IMPORTANTE, A ADOLESCÊNCIA E JOVEM ADULTO, ONDE MUITAS E MUITAS RECORDAÇÕES FORAM VIVIDAS ALI NAQUELA CASA, E NAQUELE BAIRRO, ESSENCIALMENTE. EU ACHO QUE NUNCA ME VOU DESFAZER DAQUELA CASA, POR MINHA VONTADE NUNCA ME DESFAZIA DA CASA DA MA, GOSTO MUITO DA CASA, GOSTO MUITO DO BAIRRO E GOSTO DAS PESSOAS… APESAR DE MUITAS DELAS TEREM UMA VIDA COMPLETAMENTE DIFERENTE DA MINHA, MESMO EM TERMOS PROFISSIONAIS E TUDO, MAS SEMPRE ME DEI BEM ALI, E SINTO-ME BEM ALI NO BAIRRO … não, o meu irmão não participava tanto nas obras, não sei porquê, apesar de ser rapaz… ele tem 8 anos a mais que eu… já é diferente, ele se calhar terá mais recordações do SM do que da Ma, viveu mais lá [já chegou à Ma com 18/19 anos]… … vinha para António Aleixo brincar… a Rita é mais nova que eu… eu vinha aqui mais para a parte de baixo da rua… lembro-me era um grande monte de terra [onde é hoje o Parque Infantil]… a gente jogava muito ao elástico, saltávamos à corda, jogávamos ao “mata”… e depois era o convívio de estarmos ali na rua a falar… lembro-me que houve uma fase da minha vida andávamos muito com os iô-iôs, e depois era o convívio de estarmos ali na rua até tarde… no meu bairro agora mal conheço os meus vizinhos, no Bairro do Moinho não há relação entre os vizinhos… é um bairro moderno… a casa que eu tenho é uma casa da coop também. A casa é muito boa e gosto muito do bairro, é um T3 com garagem… (as moradias geminadas que lá estão são superiores em tudo à que eu tenho, em termos de valor, de tudo…)… trabalho no Hospital, sou enfermeira, já lá estou há 4 anos… é um contrato individual de trabalho sem termo… não funciona o quadro… mas em princípio não me devem mandar embora… não estou a contar com isso… … mas eu não utilizo a garagem [incorporada na casa do bairro do Moinho] para estacionar o carro, eu com estantes cheia de livros, a garagem está um bocadinho tipo escritório, não utilizo para o carro… tenho muito espaço, mas mesmo assim consigo ocupar as coisas todas … eu acho que o estacionamento na ma não é problemático, as pessoas conseguem parar o carro à porta desde que se respeitem e que ocupem um lugar por pessoa – para cada casa – não podemos todos parar à porta se tivermos 3 pessoas e 3 tiverem carros, não podemos parar os 3 à porta, senão ocupamos a porta dos vizinhos, eu ali na rua lembro-me que cada vizinho parava um carro à porta de casa, se houvesse outro carro já parava num estacionamento mais longe, ou mais acima, ou no fim da rua, nunca houve problemas com o estacionamento… … o que eu noto de diferença entre esta casa e a Ma, esta só me satisfaz [mais] num sentido, só num sentido, em termos de casa tem um quintal atrás da casa, tem um pátio á frente muito idêntico à Ma, mas depois a parte de trás da casa tem um quintal um bocadinho maior que o pátio da frente e gosto muito de casas com quintais… (se calhar já estou a falar demais…) e esta casa onde estou a viver agora tem um quintal atrás que permite ali manter algum convívio ao ar livre, ter um barbecue, ter uma mesa, umas árvores de fruto, a Ma não me permitia isso – o pátio da Ma é mais pequeno – tenho uma laranjeira e um limoeiro, os mais clássicos, os básicos, e depois as dimensões dos quartos também são maiores nesta casa nova, isto é importante, é, É DÚPLEX TAMBÉM, É MUITO IDÊNTICA À DA MA [tudo o que se construiu a seguir de habitação, de custos controlados ou não, tem como referência o traço do Siza na Ma] a estrutura inicial, o pátio da entrada, só que depois tem uma garagem e só depois é que temos uma sala, uma cozinha, em termos de divisórias é um T3 na mesma tem duas casas de banho, por acaso a Ma tem uma vantagem, tem um quarto no rés-do-chão – e estas casas novas todas têm os quartos no primeiro andar – e as pessoas esquecem-se que enquanto são novos têm facilidade em termos de mobilidade mas quando chegarem a uma certa idade não lhes vai agradar ter o quarto no 1º andar. As pessoas esquecem-se muito disso [como todos os bens- práticas a casa banalizou-se e se antes “uma família” tinha “a sua casa”, hoje desenham-se casas para a mobilidade residencial… assim elas fossem duráveis… mas quer perder-se o vínculo ao lugar – o Siza na entrevista refere

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isto] … quem constrói, ou quem projecta… os arquitectos talvez… A Ma tem um quarto no rés-do-chão e tem uma casa de banho no rés-do-chão… estas casas novas não quem foi o arquitecto que as projectou, mas os quartos são os 3 no 1º piso, neste momento não me faz diferença, quando tiver uma idade mais avançada possivelmente vai fazer… … formação? … neste momento estou um bocadinho parada mas é para continuar… a mim não me apetece estar a fazer só para se dizer que se tem… as áreas que têm surgido mestrados não me têm interessado… … eu divido o bairro em 4 zonas – a zona por cima do SM até ao Lar [a emparedada], a parte Norte (Av. Ma ao cimo até às piscinas), depois a parte que desce das piscinas, da Av das Piscinas à Qtª Malagueirinha até à relva (aquela zona da relva toda) – eu identifico ali … [os ricos, mas não o diz, diz antes que] nunca pensei nisso, mas pensando o bairro e tendo aquela rua a travessar [a das piscinas que faz cruz com a Av. Principal], e depois a parte aqui de baixo, da António Aleixo, das coop [da Boa Vontade e do Giraldo onde estamos no café] e esta zona aqui toda à volta… … António Aleixo… uma das minhas melhores amigas mora ali… passei lá muito tempo da minha juventude, muito, muito… com os meus amigos… … Bairro do Moinho… bastante satisfeita com o bairro novo, tem os muros altos como a Ma, é muito idêntica… com a paisagem estou pouco satisfeita, não tenho espaços verdes nenhuns [eles existem mas não foram concluídos na totalidade, só uma pequena parte]… mas bastante satisfeita com a casa embora tenha menos segurança que as casas da Ma… os quartos são maiores, e o meu quarto na Ma era o mais pequenino, mas não estou nada satisfeita com os isolamentos, ouve-se tudo na casa dos vizinhos, ouço as conversas literalmente, os quartos têm luz mas a sala podia ter mais… [a mãe CR que se juntara a nós começa a discordar da filha e esta responde – agora quem responde ao questionário sou eu!... riem-se as duas] … recebe 1000 euros e como manutenção gasta 650 euros [e junta-se 1600 do companheiro senão…] [continuámos a conversa e a partir de certa altura eu pedi-lhe para voltar a gravar] hoje os miúdos, os jogos tradicionais eles não os conhecem, nós passávamos o dia inteiro na rua, de manhã à noite, eu zangava-me com a minha mãe porque chegava às 11 da noite e me mandava para casa porque já era muito tarde e nos tínhamos que ir deitar [depois do gravador se ter desligado a conversa girou entre dois indivíduos que simplesmente socializavam, a conversa entusiasmou a entrevistada e o que estou a registar foi dito num tom mais intenso e rápido, entusiasmado] nós passávamos o tempo todo na rua não estávamos agarrados a um computador ou a ver a televisão, eu tinha um computador, lembro-me, era um Spectrum… aquilo demorava 3 horas a entrar o jogo, e realmente lembro-me de ter isso e até era engraçado, mas muito raramente, era muito raro, e mesmo quando tínhamos alguns jogos numa sala de convívio no juventude de Ev, onde tinha aquelas máquinas de vídeo, o snooker, os matraquilhos, eu lembro-me que também passávamos um tempo a jogar isso, numa fase já diferente nos 16 – 17 anos, mas mesmo aí íamos em grupo, íamos muitos, conhecíamos os vizinhos, as pessoas que estavam sentadas na rua noites inteiras no verão até há 1 e tal duas da manhã, com as cadeirinhas pequeninas de verga, sentadas lado a lado e ali estavam a noite toda e nós estávamos a brincar, os miúdos na rua, brincávamos ali durante a noite, era ao apanha, era o estarmos a conversar, era à corda, era ao elástico, era ao que calhava, era ao mata, às vezes agarrávamos em folhas e jogávamos ao stop, ao peão, ainda me lembro de berlindes, de jogar ao berlinde, ehhh!!... tantos berlindes, tinha uma mesinha de berlindes, depois era as competições de berlindes, lembro-me perfeitamente disso e hoje em dia noto muito isso mesmo no meu bairro, temos alguns grupos de miúdos, não muitos porque é um bairro com uma população ainda muito jovem, e poucos ainda têm filhos, e os que têm são filhos ainda pequenos [portanto os grupos de crianças a brincar na rua não serão grandes, na ma não são praticamente nenhuns e um grupo de jovens adolescentes que por lá andava, um pouco marginal, só o fez por pouco tempo pois foram apertados pelo “patriarca” cigano – mas como dizia uma entrevistada mesmo as crianças ciganas já têm as suas

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consolas e os seus jogos de computador e perdem tanto tempo em casa como as outras crianças], mas as pessoas não se conhecem. se as pessoas precisarem de um bocadinho de salsa ou de um bocadinho de sal que lhes faça falta, as pessoas não vão pedir porque não se conhecem umas às outras… e tive algum tempo em Lisboa, quando fiz lá estágio e das coisas que mais me fazia confusão era isso, eu tinha a noção que as pessoas não se conheciam de lado nenhum, viviam 15 ou 20 pessoas num prédio e diziam bom dia boa tarde, mas fossemos perguntar o nome do vizinho eles nem sabiam e aqui não, nós sempre tivemos isto no Al, quer no SM quer na Ma, imagine, sempre tivemos este contacto com os vizinhos, esta proximidade, ainda hoje nos falam, nós frequentávamos as casas dos vizinhos, nós íamos lanchar a casa do vizinho… [os miúdos estavam sempre a entrar em cada da fª] – exactamente! as portas estavam abertas, as portas mantêm-se durante o dia abertas, até que se vamos jantar a porta fica aberta, até porque aquilo pode estar aberto, tem 2 portões [um superior acima da cintura/peito das pessoas e outra inferior, podendo-se fechar a inferior e manter como que uma imensa janela que dá para o pátio aberta – as portas eram em ferro – hoje tudo isto está a ser substituído pela Hb por portas de alumínio lacado de baixíssima qualidade, atirando portas e janelas de boa madeira, como fotografei na Av. principal, para o lixo (está documentado) – no resto dos espaços da Ma em que há muros altos, uns mantiveram o portão dividido e outros não] era a parte de cima que abria, a porta estava aberta não há problema nenhum de entrar ou de sair, não havia medos, mesmo apesar de ser um bairro problemático, e onde prevalece essencialmente pessoas de etnia cigana não havia medo no bairro, as pessoas não tinham medo de morar ali, não tinham medo dos assaltos – eu tinha uma acelera e deixava a mota todas as noites na rua, eu não guardava a mota no quintal, era muito raro, e nunca ninguém me mexeu na mota, me roubou a mota, ou me riscou sequer a mota. As pessoas vivem ali, as pessoas conhecem-se, não vão prejudicar os vizinhos… … [as casas emparedadas]… ali a questão é o negócio, não é?, eles são traficantes toda a gente sabe que eles são vendedores de droga… lembro-me das pessoas irem lá comprar, apesar de nunca ter consumo, nunca consumi drogas mas nós moramos ali, ouvimos, vimos, falamos, as pessoas conversam, e o meu irmão em termos profissionais PJ) teve lá uma rusga e toda a gente sabia que aquela zona era mais problemática naquele sentido, era onde havia a maior parte de venda de droga… alguns [ciganos] também consomem… mas eles eram mais vendedores e muitas das pessoas que ali moravam também eram consumidoras, mas os vendedores não sei até que ponto é que consumiam, não tenho essa percepção… mas vejo-os mais como traficantes do que como consumidores de droga – não são muitos os ciganos consumidores… CAM8 (ele) e CAF8 (ela) … Ele – estivemos a viver na Suíça e depois quando voltámos para Portugal ainda tentámos viver em lisboa, mas achámos impossível ponderámos várias alternativas e optámos por Ev – diferente, mas no potencial muito próximo da vida que encontrámos na Suíça – chegámos em 97 a Ev e chegámos da Suíça em fins de 95, Ev viemos para este bairro, comprámos a casa em 98 e mudámos em 99, na altura a realidade local era bastante diferente da actual, no sentido em que era já uma cidade muito cara, os preços no centro histórico era impossível encontrar imóveis à venda na altura, quando se encontravam era imensamente caras, como hoje ainda, mas hoje há muito à venda e na altura não havia nada. A Mª era mais acessível que hoje, mas também positiva apesar de todos os estigmas que ainda tem, os eborenses nunca aceitaram este bairro, consideravam este bairro o mais feio da cidade, o mais desfavorecido, drogados… ela - não costumo sair à noite, nunca… mas depois conhecemos o Nuno e outras pessoas que moravam aqui, tínhamos uma visão muito diferente do bairro, ficámos fascinados pelo bairro que já conhecia há muito tempo, e há 10 anos atrás ainda tinha mais potencial do que tem agora… ela –

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está igual, igualmente decadente, estava menos diz ele. Ela – está igual, nós é que queríamos acreditar que a coisa podia melhorar – agora já não acreditamos ele – em 10 anos não aconteceu nada de positivo. Ela – quando chegámos tinha 30 anos, vinha de um país em que tudo se fazia, chegámos com uma energia brutal, tínhamos feito durante um ano entrei para a C.M. Arraiolos, depois para a CME, havia tanto para fazer, tanto potencial, e acreditámos que os problemas e falhas da Mª era possível mudar, 10 anos depois não acreditamos que nada se possa fazer para melhorar. Tanto no centro Histórico como na Mª… há uma inércia, o obstáculo, é a função pública, a Câmara, o Governo, os autarcas, os técnicos há uma inércia de não se acreditar em nada, de não fazer nada, de ninguém se querer chatear e a Mª quando comecei a trabalhar com o Nuno em 98 já estava abandonada, eu nunca conheci a Ma como se fosse uma área de expansão urbana, prioritária ou não-prioritária, estava já esquecida. Ele – na altura ainda… [ia dizer que não, mas ela interrompe-o mais uma vez] Ela – não, chega, eu não posso mais com a Ma! O Nuno já se tinha demitido da responsabilidade… ele – mas não se sabia se iria… a Câmara ainda era comunista… ela – uma leve esperança, ele, de implementar alguns projectos, ele (Nuno) em associação com o iza Vieira… em 1997, 1998, a Câmara ainda era comunista [MAS O NUNO JÁ TINHA SIDO AFASTADO] … O Nuno esteve com a Mª desde os 18 anos, já tinha 45 quando eu o conheci e ele tinha um ano antes, ou 2, começado a ser chefe do Departamento do Centro Histórico e antes ele tinha sido … esteve na privada, esteve no GAT, sempre a visionar a Mª, até que finalmente entrou num Departamento da Câmara que era a DIUM que tinha projectos fora co CHE o que lhe permitia dar uma mão à Mª, de repente quando ele entra para o CHE faz um corte radical com o que herdou há 25 anos, quando tinha a Mª como peso nos ombros dele, quando ele se demitiu (??) não houve nenhum serviço, ninguém que retomasse o trabalho dele … vão 20 anos por água abaixo, ninguém continua. Ele – era mais complicado… tem a ver com muito mais do que isso [ele tenta introduzir outra dimensão que não seja a pessoal – NUNO]… os habitantes originais da Mª não são pessoas que escolheram viver na Mª (a maior parte não diz ela) são pessoas que lhes foi atribuída uma casa e depois … a maior parte das pessoas nem sequer vinha de Ev, vinha do campo nem sequer tinham grandes hábitos urbanos, então foram deslocados para um bairro urbano e ainda para mais com uma ideia de urbanidade muito sui generis, totalmente incompreensível para as pessoas que aqui moravam, e na verdade desde o princípio a população que reside na cidade nunca teve essa relação de afectividade com este bairro – aliás foi sempre uma relação de conflito – é uma guerra que tem 30 anos, desde o princípio da sua concepção, viu-se no movimento das pessoas, muitas pessoas quando o nível de vida melhorou optavam por sair do bairro e, curioso, a troca que é feita, quem é que decide morar na Mª, somos nós (diz ela), é quase na sua totalidade (intelectuais diz ela) profissionais artistas (com bom gosto e sem dinheiro diz ela) que vêem mais longe que os estigmas que o bairro, pessoas que não têm dinheiro mas que querem qualidade… a mesma qualidade só no CHE, continua a ser a minha prioridade (diz ela) … no CHE não posso fazer obras, não posso estacionar o carro, na arquitectura é normal fazer-se opções, é quando se diz querio uma coisa desiste-se de outras – isto é perfeitamente normal. Ela – eu penso que aqui – eu adoro esta casa – e penso que aqui… nós adoramos esta casa… eu gostava de ter uma casa maior… qual é o problema que eu sinto na Mª é o constrangimento, quase a prisão, de quem não tem um carro não se poder movimentar, mas isto não tem a ver com a Mª – só tem a ver com todas as áreas que não são o CHE – tem a ver com o problema urbano de Ev, se não tivermos um carro somos prisioneiros do sítio onde estamos – como venho de Lisboa e estou habituada a chegar a pé ou de transporte público aonde quero, a todo o lado, e não tenho carro … isso é o problema principal, e à noite tenho medo de ir à rua, estou cá há 12 anos e nunca fui á rua à noite, quando eu trabalhei com o Nuno, houve um ano que eu trabalhei muito com o Nuno na casa dele e ele vinha trazer-me até aqui, nunca me deixou vir a pé sozinha. Ele – apesar de ser uma estrutura urbana nunca ganhou urbanidade continua a ser um conjunto de habitações, com ruas e jardim, mas não tem vivência urbana e daí o seu defeito… eu não acredito que a arquitectura possa ser

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responsabilizada por tudo, aliás acho que a arquitectura pode proporcionar ocasiões, mas pouco mais do que isso pode fazer, pura e simplesmente a Mª não conseguiu criar uma vivência, as pessoas que moram aqui não criaram essa vivência, eu estou o fim-de-semana inteiro em casa e sinto-me bem em casa (diz ela), vou até ao terraço, não existe um centro comercial (diz ele), não existe Praça… ele – mas há outro factor, e isto não é específico da Mª, se nós olharmos para o CHE é exactamente igual, é uma cidade deserta, completamente vazia depois das 8 da noite, uma Praça que é só habitada por turistas, é uma cultura local que tem pouco o hábito, que não utiliza o espaço urbano como espaço social, se a Mª estivesse em Espanha seria completamente diferente, com as ruas cheias de pessoas. Ela – aqui é assim… os estudantes bebem muito e vomitam tudo e sujam tudo, aos fins-de-semana não estão cá… os estudantes são muito desinteressantes, há 1, 2 anos atrás era uma participante activa em todas as actividades culturais e nunca lá vi estudantes, nós eramos sempre os meus para lá dos trinta anos, os jovens não estão nada presentes em nada que é cultural… não têm dinheiro demitem-se… Ele – mas o Siza não podia desenhar as vivências das pessoas, isso extravasa a sua responsabilidade. Ela – sim e não, porque o facto das casas serem muito interiorizadas faz com que não haja uma relação com a rua, eu gosto, mas a minha mãe que vive em Lisboa está aqui e tem uma sensação de claustrofobia porque não vê a rua e não vê as pessoas na rua – para mim é uma mais valia, para a minha mãe é um problema enorme – (ele – todo o centro de Sevilha é feito assim, todas as casas pátio são completamente fechadas sobre si mesmas, as ruas estão cheias de vida e fazem a vida na mesma) e de facto esta tipologia de casa faz com que (nos fechemos nela) porque é que nós nos sentimos desconfortáveis à noite na rua [porque não há o controlo visual das casas para a rua]. Ele – [na continuação de afirmar que a cultura espanhola usa a rua e nós não, contrariando o que ela diz de as casas se fecharem sobre si próprias] não tem nada a ver uma coisa com a outra. Além de que este é o modelo romano, é um dos modelos de urbanidade mais antigos, que é o de conciliar a vivência privada doméstica com o contacto directo com uma vivência pública, a domus romana permitia este filtro radical – tinha a minha vida que ninguém vê tinha uma porta que separa a minha vida da rua, é o filtro ideal, os espaços são muito bem delimitados. Ela – eu sinto-me bem. Ele – a demarcação entre o público e o privado eu diria que está bem demarcado aqui, em termos normais se eu tivesse uma casa com janelas não teria uma separação tão marcada. Talvez para ter a mesma privacidade que tenho aqui] teria que ter uma casa no meio do campo, longe de tudo; mas isto é um modelo muito mais urbano – muito mais interessante [que no campo] – tu estás no meio do público e salvaguardar a minha vida privada. Ela – é o que eu digo, quando estou aqui às vezes, quando está bom tempo tenho as janelas abertas e estamos cá fora a brincar [têm uma filha de 8 ou 9 anos], a comer, ou com amigos, eu esqueço-me que estou no meio de uma comunidade urbana, penso que estou numa casa isolada sabendo que há vizinhos perto … e vou a pé para o centro histórico, há a proximidade com o centro, à noite se me der uma aflição posso bater à porta do vizinho, mas de facto não os sinto diariamente – o que é uma vantagem – para mim e para nós [estarem ali escudados pelos muros] eu gosto de viver assim. … Atenção a falta de vida urbana não tem a ver com isso (introspecção das casas) tem a ver com a falta de serviços, não há uma loja decente de nada, há uma tabacaria que é completamente miserável, há um bar – é completamente miserável, há um cabeleireiro completamente miserável, mercearia… miserável, o comércio aqui é completamente deplorável (ele – pois é) – a minha mãe vive em Telheiras, adoro acordar de manhã ir à rua comprar um pão, comprar o jornal, aqui não há nada, há tudo tão pataqueiro, eles chegam lá num espaço aberto cheio de azulejos metem lá os jornais e pronto já temos uma tabacaria, eu prefiro então andar, ir ao Casão que agora é o Pingo Doce e tenho todos os produtos para comprar… e há qualquer coisa de mais confortável, de funcional, de facto tudo, todo o comércio… o bairro está preparado para funcionar, o bairro está preparado para ter vida urbana, o bairro está estruturado para eu ao fim-de-semana sair para ir às

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compras, mas de facto eu não o posso fazer porque ninguém aproveitou essa potencialidade… não existe nada para se fazer. Ele – é um problema de escala o que existe não tem força suficiente para criar sinergias, não há um único café com prestígio], não há uma vida comercial sustentável, este bairro funciona como dormitório, e as pessoas viajam de carro para ir para o trabalho ou para a escola, e vêm cá dormir basicamente, qualquer actividade de lazer é feita fora do bairro e a parte comercial é muito marginal, também é preciso ver que o projecto original era muito mais ambicioso nesse sentido – 90% de tudo que tinha a ver com obras públicas, equipamentos, e espaços comerciais que queriam criar um território urbano mais natural e diversificado – polifuncional, diz ela – se houvesse esses equipamentos SERIA possível as pessoas saírem, se eu crio uma zona de escritórios eu tenho pessoas que almoçam durante o dia, e nesse caso tenho sustentabilidade para ter um restaurante ou dois, se tenho um restaurante ou dois começo a criar [território urbano]… tudo funciona junto… havia uma clínica prevista, um hotel, uma escola de música, a sede da Boavontade … um restaurante panorâmico… com habitação (de luxo, digo eu)… esse foi outro aspecto interessante que parece que foi polémico o Siza queria que no bairro vivessem no bairro pessoas com uma capacidade económica superior, projectou essas 30 moradias, em 300 m2, os pátios maiores, num sítio privilegiado – isto era fundamental para dar normalidade ao bairro, porque ter um bairro mono-classe é muito mau em qualquer cidade do mundo, para tirar o estigma também, o Siza percebeu claramente que precisava … que não podia ser assim … mas houve da parte dos comunistas na altura que acharam que a Mª pertencia aos pobres e que a Mª não podia ter casas de luxo, ela - nós não conhecemos bem a história, o Nuno quando eu trabalhei com ele contou-nos muitas histórias, mas eu hoje em dia… [ já não sei], o que eu acho é que dos espaços verdes, deste lado foram feitos quando eu já cá estava, dos investimentos públicos viam-se … e as pessoas criticavam muito a CME porque só gastava dinheiro na Mª, durante um certo período viam-se investimentos no espaço público que não se via em mais nenhum lado, e era alvo de críticas pela população… agora só fazem manutenção… a manutenção do verde é muito grande, ninguém vê, mas aquilo quando não é mantido nota-se logo… há uma série de gente a cortar aquilo… têm um serviço de jardinagem no monte atrás da casa do PF … até há pouco tempo era a única zona verde da cidade, já eu estava aqui em Ev quando fizeram as Corunheiras… depois o Cu Torto… mas isso foi por causa daquelas percentagens de construção. Quando nós chegámos a Ev não havia nenhum jardim (??) mas este jardim temos uma filha pequena que já não vai ao jardim público (até aos 6 anos levámo-la sempre ao fim-de-semana) e não a levo a este jardim, ninguém usa este jardim para passear com crianças e uma das razões principais é porque nunca sabemos se há gente que se droga e se há seringas no meio do verde, nós nunca sabemos. Ele – isso já não há. Ele – mas foi assim durante muitos anos. Ele – isso é verdade, mas não é essa a razão (cócó?). Ela – ninguém atravessa com crianças, eu atravesso o jardim todos os dias porque ando a pé para a escola da Mia – nunca brincam lá. Ele – mas isso é uma questão de pontos de vista [mainstream, moda] se ninguém usa, ninguém usa, é assim em qualquer cidade, é uma questão de sinergias [neste caso negativas]. Ela – depois é assim, usamos o verde para quê, o jardim público é muito usado, o jardim público foi renovado pelo Nuno quando eu cheguei a Ev, o jardim das crianças e tem um equipamento fantástico, de dimensão muito grande, tem árvores tem sombras, equipamento excelente para os miúdos quem o usa vem da cidade toda… é colado ao Centro Histórico, só deixámos de ir quando a Mia cresceu, na Mª não há um equipamento para crianças, há um ao pé do snr Bandeira escondido num espaço entre paredes, sem verde, que corresponde ao lote de uma casa. O Siza é contra os parques infantis (ele ri-se fortemente, depois todos nos rimos por empatia, é que não há mesmo) – ele não suporta parques infantis – que ele não suporte até posso entender – agora, como é que a Mª em 30 anos nunca conseguiu inspirar e dizer a Mª tem x habitantes e tem x crianças, porque raio é que as crianças hão-de ir todas para o jardim público no CHE quando podem andar a pé no próprio jardim isto era uma vontade política que se tinha que se ter conseguido convencê-lo (Siza)…. Ele – este é

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um bairro que tem 20% da população da cidade e com uma fasquia etária relativamente jovem… Ela – O Nuno quando saiu tem a ver com o CHE não tem a ver com a Mª… não, não… o Nuno foi para o CHE que estava em ruína e eles tinham confiança no Nuno… ele estava aqui na Mª, mas demitiu-se daqui para o CHE… o Nuno é dos melhores técnicos que já passou pela CME … toda a gente lamenta o facto de ele se ter ido embora… na altura envolveu-se com grandes projectos e estavam a meio caminho e com as eleições eles estavam fartos do PC e o Nuno é associado a eles… não tem nada a ver com a Mª tem a ver com a cor política, a Mª foi promovida na altura deles… mas a morte da Mª começou no tempo dos comunistas – aliás houve uma conferência recentemente, não sei se o Siza veio… ele veio discutir o PDM, toda a gente sabia e ela conclui – mas eu não fui… eu soube por acaso, alguém mandou um email… ELE – é de um partido político, a Mª é totalmente instrumentalizada… SEGUNDA PARTE DA ENTREVISTA Ela [na CME não tinham documentação do bairro, não sabiam onde passavam os fios de electricidade ou os canos dentro das paredes das casas, tinham feito desaparecer os originais de tudo, dizia ela, cada um tinha levado um pedaço para casa como troféu] havia um problema de uma rua, de uma associação da Mª pumba chutavam para mim. E eu depois pensava assim – falo com quem, dirijo-me onde, quais são as leis, quais são os princípios, onde está uma planta, nada… do que uma pessoa quer, depois fui ter com uma pessoa do licenciamento… podes ajudar-me? – o meu próprio colega ficou furioso, porque eu tive a iniciativa de fazer o que ele nunca fez, ele esteve 2 ou 3 anos a licenciar mas nunca tinha feito uma planta, um levantamento do estado, chegou a um ponto que eu tive que fazer e o meu colega ficou furioso, porque eu não tinha o direito de fazer o levantamento da Mª, não me deu esse direito, as pessoas não estão habituadas a ter iniciativa. Vinha uma reclamação que estava parada e havia que recomeçar a rua, havia tanta reclamação, porque queria um estacionamento e não tinha, outro porque tinha um baldio à porta, vinha tudo ter comigo e eu chamava o senhor B--, que sem ser pago, de borla, gratuitamente, tinha a boa vontade de vir ter comigo… e explicava isto é assim assado, mas a pessoa que deve dar o parecer era o Siza... qualquer coisa se remetia para o Siza … uma questão do espaço público desta dimensão, anos depois do projecto, tudo remetia para o Siza, não havia um técnico que estivesse de tal modo entrosado no projecto, que soubesse os princípios, que tivesse autonomia para decidir, tinha que ir tudo ao Siza. Pior, o Siza não era pago ninguém sabe há quantos anos, então eu com o gabinete Jurídico … em que ponto estão os pagamentos com o Siza, ninguém sabia, levantamentos e levantamentos … o snr B-- sabe … assessoria uma prestação de serviços… uma coisa que se renova assim com o Siza … eu nunca percebi o que havia com o Siza, sei lá… se o contrato era escrito, se o contrato era oral, só se sabe que ele não é pago e ele não vem a Évora… então as coisas mais díspares que nunca deviam ir a ninguém como é o Siza, um cérebro, mas não havia ninguém com autonomia para decidir e depois um problema por não pagamentos por um contrato que ninguém sabe como era… eu ao fim de dois anos fiz um dossier assim com (faz um gesto com as mãos de um grande volume) e disse ao meu chefe … olhe, aqui está este dossier… já não consigo mais gostar da Mª… isto é uma angústia total, estou aqui sozinha há dois anos, a tentar pôr as coisas a andar para a frente… nunca fiz parte destas comissões (cá de fora) porque sabia que como técnica da CME não podia mexer… queria-me mexer e não tenho agarrar onde… o vereador e o presidente deixavam-me trabalhar, mas não me apoiavam, não havia vontade política nenhuma – estava sozinha a mexer-me lá dentro – e não havia bases de informação, não havia registos, não havia nada – e depois (…) qualquer buraco tinha que se enviar para o Porto – isto é completamente inviável, como é que depois de 30 anos de gestão se chega a este caos, isto também tem a ver com má gestão interna, como é que deixaram isto chegar a este ponto, isto caiu num buraco, ou há um serviço, ou uma chefia, assim é ingerível – chegámos a um ponto de não-gestão… [aqui todos gostam da casa…] houve uma televisão que fez uma reportagem de uma

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matança aqui na Mª [pergunto – aqui?] sim aqui, sim sim sim… [já pagaram ao Siza?] – mas esse processo fui eu que despoletei… Ele – as cruzes da CP fazem muito lembrar o desenho do Conceição Silva mas não são dele… foi o Fernando Bagulho?... Ele – é natural que o … (AAM30) tenha razão porque não fazia sentido aquele projecto para 200 habitações, aquele projecto [da Malagueira] desde sempre que teve uma escala grande – territorial – e não de… loteamento!! CAM29 … as zonas verdes não estão feitas, não estão aproveitadas porque o projecto não está executado – se falar com o João Gomes da Silva que é o paisagista que fez o projecto na altura, e eu fui falar com ele quando era vereador na CME … eu vim para cá em 1986 … o projecto do interior é meu, acaba por ser meu, porque na altura a CME também permitia … nós enquanto estamos na CME não podemos subscrever projectos para o concelho, mas fazia-se um pedido e a CME autorizava e nesse caso fiz o projecto para a caso fiz o projecto para a rua da Malagueira – com o interior meu e o exterior da autoria do arq. Siza Vieira … portanto temos aqui um projecto siza-xxx … (ri-se) … porquê que eu vim para a Malagueira… vivi lá há 15 anos, de 86 até 1994, 95… … nasci em 1955, em Coimbra, estou registado em Gouveia porque o meu pai era engenheiro agrónomo – vivi em Gouveia um ano e depois voltei a Coimbra, vivi lá até à segunda classe e depois da 2ª classe até ao 2º ano do Liceu estive em Santarém, porque o meu pai foi para a Escola Agrícola de Santarém, vivíamos na própria escola, numa quinta, e depois voltámos novamente para Coimbra onde eu acabei o Liceu, na altura só havia 2 escolas de arquitectura – Porto e Lisboa, eu gostava mais de Lisboa – mas o meu pai aconselhou-me a ir para o Porto e hoje não me arrependo, porque no fundo, fiz a admissão a arquitectura ainda antes do 25 Abril… com aqueles exames todos, na altura fui um dos melhores 6 classificados, dos 100 e tal alunos ficámos 12… era uma escola com outro rigor… e que dava prioridade ao desenho, era uma abordagem diferente … fiz 3 anos no Porto e depois acabei os últimos 2 anos em Lisboa… este percurso para mim foi o melhor porque havia muita rivalidade entre as escolas, aquelas … quando me perguntavam as da escola do Porto ou de Lisboa, eu respondia sou das duas… sentia-me com um percurso mais enriquecedor… e depois também fiz o que acho mais correcto: é preferível começar no Porto – com as base da arquitectura e do olhar – o prof. Fernando Távora foi meu professor de projecto que acho que era meu mestre e amigo, porque depois no meu mestrado em recuperação do património paisagístico que fiz já em Évora, o meu orientador foi o Fernando Távora e mantivemos sempre uma relação muito cordial e amiga – com agrado mútuo em conversas … quando acabo em Lisboa volto para Coimbra e sou desafiado, estamos no final de 1979, a ir para os Açores a seguir ao cismo… disse sim senhor vou mas com bilhete de ida e volta… e quero casa paga, porque aquilo está tudo no chão… não tenho lá casa … a 17 de Janeiro de 1980 desembarquei, numa sexta-feira, na Ilha terceira, foram buscar-me ao aeroporto e para meu grande espanto – pensava, tenho o fim-de-semana para conhecer a Ilha e segunda começo a trabalhar – mas não começámos logo a trabalhar porque não havia fim-de-semana … aquilo deu-me uma dinâmica de trabalho e uma prática que foi o terceiro curso, estive lá 6 anos e meio … como é que eu vim para Évora, nos Açores o meu primeiro filho nasce lá, o R., depois quando ele fez 6 meses a minha mulher que era alfacinha e puxava-me para o continente, viu um anúncio no expresso a pedir um arquitecto para a CME – para o Centro Histórico – entrei nesse concurso, mas como tinha a casa paga pelos técnicos, pensei que também ia ter aqui uma das casas para técnicos – nunca me passou pela cabeça ter de construir uma casa de raiz – mas quando cá cheguei vi umas casas engraçadas, até pensei que eram um bairro social, mas para meu grande espanto as casas para técnicos eram horríveis, um forno no Verão e um gelo no Inverno… eram realmente casas de

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muito má qualidade o que justifica … me fez logo procurar uma outra opção… a opção foi comprar um terreno e construir uma casa rapidamente, na altura ainda procurei a Malagueira porque as cooperativas tinham casas na Malagueira – foi curioso porque quando fui a uma das cooperativas, à Boa Vontade, falei com um dos dirigentes lá, eles faziam uma grande apologia do projecto do Siza Vieira, eu disse-lhes – conheço-o muito bem que ele foi meu professor … mas na altura como eles não me garantiam que eu tivesse casa … eles ainda tinham casas livres e queriam que eu me inscrevesse, mas eu não me inscrevi para não ficar à espera, tentei então comprar um lote à CME porque os tinha em hasta pública lotes – comprei o lote à CME e fiz um projecto meu [para os interiores] … arranjei um empreiteiro que a fizesse … uma maneira relativamente rápida … porque a Malagueira? Porque além de ser uma zona nova e de ser uma arquitectura limpa que me agradava, em termos de imagem, aquela arquitectura do Porto, que é com o que me identifico mais… e por uma questão muito simples – uma opção por uma eficácia muito racional uma casa com uma boa eficácia térmica, o lote custou 300 contos na altura e a casa foi construída por 3600 contos, um valor irrisório e mais tarde ainda comprei um lote e fiz uma garagem… fiz assim porque não tinha a garantia que tivesse a casa pelas cooperativas e segundo porque aquela zona, no nº 8… morava o arq. Jorge Pires que trabalhava comigo na CME … e tinha que comprar a casa, fiquei com o lote ao lado dele e avancei com o mesmo empreiteiro – também aí houve uma racionalidade de custos para ambos, porquê aquele sítio? Na Malagueira as ruas são estreitíssimas, e são estreitas porque o Siza tem aquela utopia que não há carros e as ruas são estreitas para os miúdos jogarem nas ruas e arrumem os carros no fundo da rua… na Malagueira as pessoas têm o hábito de encostar o carro à porta da rua … esse era o primeiro defeito que eu via na primeira abordagem ao projecto e portanto escolhi este lote na rua do pomar porque não tinha casas em frente, portanto tinha uma zona verde fabulosa em frente e tinha – onde o meu filho R. correu livremente – nós deixávamos a porta aberta de casa e não tinha movimento na rua e uma zona fantástica, verde, em frente… uns jogavam à bola outros corriam, enfim, havia essas vivências e ainda por cima com a vantagem de ter a quinta da Malagueira como cenário… tinha ali uma zona de verde e de vistas… e esse desafogo… que nos outros fogos não existia … a questão do estacionamento do carro, da manobra, tinha-o resolvido… no fundo como não havia carros do outro lado, os carros eram metade … não havia problemas de acesso também… o que é que correu menos mal [bem?] durante a obra … correu que a CME levou muito tempo a pôr as infra-estruturas … eu morava na casa e tinha um lamaçal á porta uns meses largos, quase anos, foi a única coisa que … os lotes compravam-se a prestações e eu na altura disse à CME que suspendia o pagamento do lote enquanto os senhores não cumprirem a parte que vos falta, e assim fiz … não era por ser da CME que tinha menos direitos enquanto munícipe, as pessoas acharam estranho… depois acabou por se resolver tudo… memórias do sítio, ou seja …é tão perto do CHE que dá para vir a pé perfeitamente … e havia muita gente da nossa idade [à volta de 30], tinha amigos que moravam aqui ao lado e havia uma certa partilha … havia um espírito de bairro curiosíssimo – havia também a cultura do bairro, que era falado, em arquitectura … morar na Malagueira era se calhar uma aspiração de qualquer jovem arquitecto na altura, mas para mim foi uma questão muito racional – foi como fazer uma casa que funciona bem e, uma coisa curiosa, a minha casa tinha o pátio voltado a Norte … porque os outros todos que tinham escolhido tinham escolhido virado a Sul, e eu achei que aqui no Alentejo escolheria sempre virado a Norte e nunca a Sul … e termicamente a minha casa funcionava bastante bem, tinha muita luz e nunca precisei de ar condicionado, em suma era uma casa que termicamente funcionava bem e que tinha uns espaços agradáveis e que no fundo tinha privacidade, e o pátio era utilizado, era utilizado, umas cadeiras e umas mesas para os miúdos, comer cá fora, brincarem, era um espaço que era vivenciado… na altura como tinha só um filho optei por fazer a casa com uma sala enorme no rés-do-chão – com uma zona para a lareira grande, uma zona de cozinha com uma janela [transversal e muito larga que fazia comunicação com a sala]… que dava para o petisco com o balcão aberto e já junto à rua

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tinha o meu gabinete de trabalho, tinha ali um atelier – um espaço de trabalho integrado na sala [estava sem parede no quarto debaixo/atelier e a sala], porque eu fiz sempre profissão liberal também, fora de horas, porque tinha um emprego de 8h na função pública – não fazia sentido ter um atelier fora de casa, estava junto com a família e trabalhava também – conseguia fazer isso, tinha essa opção, e em cima na área do … o projecto do Siza Vieira tinha 4 quartos, mas eu fiz só 3… fiz 2 quartos normais e um, muito maior … porque achei que fazia mais sentido assim, e deixei tudo programado para que um dia fosse muito fácil … encarei a casa sempre como uma casa de transição, não me pergunte porquê que eu não sei – porque ficava muito mais barato se fizesse o volume máximo, senão mais tarde tinha de estar a gastar dinheiro em impermeabilizações, fiz um esforço maior mas fiz o volume máximo [que eu nunca vi porque não me deixaram fotografar lá em cima os actuais ocupantes], fiz os 140 metros [quadrados] que a casa permitia, em dois pisos, construi de maneira que uma pessoa normal que quisesse comprar aquela casa … não tinha que ter o atelier associado à sala, até os interruptores e as janelas … estavam preparadas para se colocar uma parede com uma porta para separar as salas, não tinha que se mudar nada, nem os interruptores para fazer um quarto, eu fiz isso – programei a casa já nesse sentido, na zona de rc para a rua fiz uma lavandaria – para tratamento de roupa, que tinha uma porta até maior porque na altura eu tinha uma mota… acabei por nunca a trazer e vendi-a… optei pelo muro alto, que havia opção pelo muro alto ou muro baixo, a casa tinha uma … uma condição fabulosa – um sítio sossegadíssimo, foi um excelente investimento… quando a vendi o retorno que tive com ela… pronto, foi um excelente investimento – em termos de memória do espaço, aquele relvado passava… até os balões de ar quente levantavam voo, era um espaço onde havia sempre miúdos a jogar à bola, tinha bastante animação porque havia muitos casais jovens com filhos e mesmo na zona de habitação social … passavam por ali uns ciganos mas nunca tivemos ali problemas, nunca … uma curiosidade, há uns anos passámos … tive lá dois filhos, quando saí daquela casa já tinha as minhas duas filhas eborenses, essas já nascidas em Évora [3 ao todo] e aí a casa começou a ficar pequena e tinha que modificar o meu lugar de trabalho, estive para comprar um T1 ali na quinta da Malagueirinha, naquela zona, e depois vendo-o… acabou por surgir uma hipótese de trocar uma quinta por aquela casa, ainda por cima resolvia-me o problema de espaço, o atelier fizemos uma permuta com hipotecas, trocámos mesmo de casas … fui para um espaço mais fácil… uma casa antiga junto ao rio, um conceito completamente diferente que eu fui reabilitando aos poucos, tenho o triplo da área, tenho 5 mil metros de terreno à volta, mas que … na estrada das salvadas, quem vai para os canaviais … é muito perto de Évora, mas na altura os meus filhos… sobretudo o Ricardo teve pena de sair porque deixava ali os amigos, no fundo sempre ficou mais isolado, eu pensei dar-lhe uma motoreta, comprei-lhe uns matraquilhos… mas ele ficou sempre com estas memórias do sítio e nós também… é um sítio… íamos para Lisboa e emprestávamos a casa aos amigos… a minha casa própria, a minha primeira casa, que eu fiz de raiz foi esta… é sempre um exercício engraçado de se fazer … na altura por exemplo não aceitavam os alumínios, tive que fazer as janelas em madeira porque tem que ser … têm um custo de manutenção mais elevado… mas pronto [suspiro] … continuo a achar que o balanço é positivo – é uma época de que guardo boas memórias – … na altura não havia lixo e se houvesse as pessoas apanhavam, era um conceito de bairro diferente – se houvesse lixo na rua as pessoas iam apanhar aquilo… nós morávamos numa zona em que as pessoas eram todas de autoconstrução, tinham comprado o terreno e construído a casa e eu acho que essas pessoas interiorizam mais a casa como sua e no meu caso ainda mais que numa cooperativa que é tudo igual, no meu caso com a família a crescer… a sensação que tenho é que havia essa preocupação… aquilo era limpo, não tinha lixo… … houve uma altura em que a CME tentou lotear essa zona verde … na altura opus-me frontalmente a isso – foi quando na altura tentei comprar o T1 para instalar o atelier … este volume estava previsto vir até aqui com o dobro das casas [as últimas a serem construídas junto à

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quinta do ministério da agricultura]… e eu fui ver ao Plano de Pormenor da Malagueira e o PDM… também tinha isto como zona verde – para fazerem isso tinha que haver discussão pública e eu disse logo que me ia opor a isso, falei com o --- – fica para a História – era um colega de trabalho na CME e o --- também, não era amigos mas com quem eu estava à vontade e perguntei-lhe: então vão lotear a zona verde? RESPONDEU o plano é elástico, tem gestão elástica … então está bem elastificas o Plano que eu vou falar com a dra Maria Laura que era jurista da CME mas notária privativa… e eu expliquei-lhe que tinha comprado o terreno aqui porque tinha um terreno e a quinta da Malagueira toda em frente, portanto se me tiram o terreno em frente eu vou barafustar que me estão a prejudicar e eu o comprei neste pressuposto… até comprei virado a Norte que não é tão bom só para ter a zona verde (para mim até era melhor, mas disse-lhe) … eu disse-lhes eu vou impugnar isso e as decisões são nulas e sem efeito e isso cai… foi nos anos 92, 93… a drª Maria Laura disse logo esteja descansado que isso não se altera o plano coisíssima nenhuma… para grande aborrecimento do --- e do --- que lhes foi descoberta a careca… e nessa altura como perceberam que eu estava atento a isto e tinha … depois passaram a vir-me perguntar, com outras maroscas, se eu me opunha ou não – e eu dizia, vou ver vou falar com a minha comissão de rua… que isto é a rua do pomar porque o nome foi escolhido pelos moradores – isto foi um nome que foi debatido com os moradores, havia aqui um pomar… ficou decidido em assembleia de rua, que é uma coisa que eu acho curiosa, é interessante… participação? Vamos lá a ver cada um fez o seu projecto e não falou uns com os outros depois de lá estarmos instalados é que as pessoas se associavam – os problemas eram comuns … já tens tv cabo ou não tens? É que havia infra-estruturas e nós podíamos aceder a uma … era mais fácil, eram colectivas… as pessoas falavam umas com as outras, havia essa partilha – lembro-me quando foi o nome da rua era eu era o arq -- era o senhor --- que morava ao lado e mais um ou dois moradores, como éramos poucos, porque esta zona ainda não estava construída… conhecia o Nasi Pereira que tinha uma casa aqui em cima, que está publicada, ele comprou dois lotes… ele desabafava um bocado comigo que tinham deixado fazer uma dada de asneiras aqui à volta porque a CME não fiscalizou bem – coisas que não ficaram bem, a conduta dele até ficou mais baixa no último troço para não ficar à vista … foi numa fase inicial porque ele tem uma vista fabulosa do primeiro andar para o CHE mas ele … fez a casa da vida dele lá… orçamento pesado… eu não fiz isso… ele investiu muito e eu ainda poderia lá morar se não tivesse um problema de falta de espaço se calhar nunca de lá tinha saído, não é?... eu tinha um grande amigo meu – advogado – que por minha influência comprou dois lotes, primeiro este de esquina e depois este por trás… está para venda… eu disse-lhe compras um T2 na tapada e nunca mais podes ampliar, ali fazes um T2 e depois podes ir até ao T5… … apanhei aquele grupo do --- nas casa da CME já no fim da casa da Horta das Figueiras… eu cheguei no dia 1 de Junho de 1986 e no ano a seguir já estava a morar nesta casa… foi um período de transição de casas, eu sei que eles faziam grandes festas todos juntos, mas eu no fim-de-semana ia a Lisboa porque tinha lá o meu filho em casa dos avós, a minha mulher tinha ido acabar umas disciplinas à Universidade dos Açores… … o Siza tem aqui uma casa… se for comparar o que está no Plano inicial do Siza e o que está construído houve acertos e isto fica aquém, há zonas que não estão construídas… a zona do comércio, a cúpula… o Arq. José Gomes da Silva autor do projecto de exteriores dizia-me – ó ---, isto aqui era a mata, a zona da mata nunca foi construída – havia aqui uma proposta mais densa, com sombra, ele diz também que o projecto dele nunca se construiu – não foi todo implementado e no fundo … como é que se pode criticar os espaços exteriores, é como criticar uma casa que não se acabou… se for ver esta zona de comércio que não foi acabada [Broadway2] isto hoje é ocupado com uns quintalinhos, umas hortinhas, com uns caniçais para tapar o carro, as pessoas foram-se apropriando daquele espaço … para jogar às cartas, mas no fundo é uma zona que tem uma má imagem por isso mesmo.

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Uma das coisas que eu sei que não cumpria o Plana é este lote, isto era mais curto e aqui cresceu mais… eles perguntaram-me e eu juntei a comissão de moradores da rua e disse-lhes, olhem eu não acho mal porque até ficamos mais protegidos porque a malta tem que dar uma volta… aquilo do IGAPHE foi mal gerido em termos … o IGAPHE tinha lá vários lotes e construiu lá várias casas o problema era em termos de empreitadas porque as empresas faliam … ficaram mal feitas, quer dizer, essas obras construídas pelo estado, ali [as áreas mais próximas da r pomar], foram mal feitas – quem construiu a meu ver com mais qualidade e vigilância foram as cooperativas, na zona das cooperativas, nas zonas base não se vê problemas – as que eu conheço não têem esses problemas … … as condutas é uma solução muito engenhosa e podia ser muito eficaz e podia estar muito satisfeito mas não estou porque era suposto que a CME gerisse as condutas e nunca conseguiu geri-las … um dia a minha mulher telefonou-me – ah! está a correr água pela parede… peguei numa escadinha, que conseguia chegar com uma escadinha simples do 1º andar, e percebi que tinham andado na conduta e arrancado … a conduta trazia as águas e andaram por lá da tv cabo a perfurar as telas … depois levantavam as tampas e vinha um bocado de tela atrás… resumindo, tinha casa em água, fiz uma queixa à CME a exigir reparação dos danos e a CME mandou lá pintar... tinha uma empregada daquelas que faz tudo, o homem que foi lá pintar só pintou a parede que dizia que tinha sofrido dano mas quando foi almoçar deixou lá a tinta e o pincel, ela pintou tudo que tinha manchas… a conduta é uma solução muito engenhosa, são infra-estruturas mais acessíveis que eu acho interessante, tem realmente este defeito porque a CME não tem vocação para gerir uma infra-estrutura dessas e outro defeito… era por aí que eles assaltavam as casas muitas vezes… as obras estavam por acabar, aquilo tinha umas escadinhas, as pessoas subiam … nunca tive problemas desses, mas havia pessoas que se queixavam… eu quando via alguém em cima da conduta punha-os fora, dizia: saiam que isto não é para ser público e não descansava enquanto eles não saíssem mesmo … ainda há-de passar muito tempo para a CME administrar bem uma coisa dessas… MAS O QUE ERA FÁCIL HOJE EM DIA, ERA ORGANIZAR O BAIRRO EM CONDOMÍNIOS E GERIR ISSO DE UMA MANEIRA RACIONAL, não tenho muitas dúvidas… não havia nem equipamentos nem comércio na altura… havia uma única coisa perto que era a piscina, a única coisa… …as garagens no meu caso não estavam longe, mas vamos lá, mesmo estando longe servem para as pessoas lá arrumarem coisas … eu usava… estacionava a porta… quando eu digo que estou satisfeito com os espaços lá de casa, isso alarga-se à família toda… a minha mulher ainda hoje fala … ahhhhhhhhh a minha cozinha da Malagueira [enfatiza comicamente]… com os móveis todos desenhados porque eu tinha desenhado tudo… a cozinha do Siza é melhor… essa solução não é do projecto tipo [tem um passa-pratos para a sala]… aquilo estava muito condicionado porque o espaço era curto, não havia grandes variações, mas o meu quarto era um salão… o pátio era das coisas mais agradáveis … mesmo a chover, a gente podia apanhar chuva sem sair de casa – tínhamos aquela relação com… tinha calçada … aquele cheiro a húmido [tão agradável, é o que quer dizer]… e no Verão lembro-me de montar lá uma piscina para o meu filho com uma estrutura metálica que fui comprar a Espanha… que era 2 por 2, funcionava como um tanque reversível e que me climatizava o espaço mesmo no Verão, a gente punha-se ao lado, punha a mão dentro de água e estava ali … amenizava o ambiente digamos… e ponhamos umas redes de sombreamento – não tinha árvores, tinha uns vasos com umas trepadeiras… embora a minha mulher seja engenheira agrícola… … isolamentos naquela altura não se punha, mas eu não tive grandes problemas porque não havia grandes barulhos … muita luz… não tem a respiração transversal que devia ter, eu tinha uma clarabóia no topo das escadas e havia sempre alguma circulação [de ar]… era de vidro, e também há outra na casa de banho, também para dar luz [está a fazer-me o layout que me ofereceu depois]… eu tinha aqui três janelas rasgadas até baixo que davam alguma luz e como era muro

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alto a luz reflectia, havia ali sempre uma boa luz ambiente ali era mais escura [junto às paredes do fundo, só pode]… fiz na sala uma lareira grande em granito… aqui era a minha zona de trabalho [portanto era tudo aberto]… o estirador… e a sala de jantar, organizava os sofás nesse sentido… o único defeito que eu via nessa casa era realmente ser entalada… portanto era o único modo… as caixilharias com as madeiras ainda lá estão… pela distribuição dos quartos lá em cima, havia um corredor e mesmo que houvesse barulho ficava por ali… o muro alto dava grande privacidade… convívios dentro do bairro? não necessariamente, mas … tinha amigos e … havia amigos que vieram morar para aqui… [aponta no mapa], os meus filhos brincavam com os filhos deles, jogavam à bola, a gente dava-se aqui com uns mais próximos … os amigos foram puxados para lá… o dr. Vaz Rodrigues… a ---, o ---, o filho dela, era um compincha do meu filho… nós tínhamos os dois à volta de 50 [40?]… isso foi uma … [boa época] … mas eram pessoas que já conhecia dantes – a oferta das cooperativas era quase toda na Malagueira – nós também puxámos algumas pessoas para lá, hoje já não há lotes disponíveis e não sei se as pessoas hoje estariam abertas … [a algo novo como a Mª]… hoje não estou a ver as cooperativas a pegar nos lotes que ainda falta construir… por uma questão de eficácia de gestão da obra, eles pegavam em grupos [de moradias]… construir avulso… quando eu fui vereador na CME propus a transformação destes lotes que são comerciais em habitação… e havia uma cooperativa que pegava nisto e refazia tudo… acho que era uma coisa que fazia sentido pensar nestes dias… não estou a ver a viabilidade disto ser comércio tão cedo… nem escritórios, porque para isso bastam as zonas que foram construídas … parece-me a mim que seria uma boa gestão da CME fazer, tem um activo que não está rentabilizado… fazer aqui [broadway2] apartamentos com tipologias mais baixas, para outro tipo de ocupação … e rematar isto que não está rematado, na altura ainda se pôs a hipótese de estudar isso com o Siza Vieira (SV), olhe, agora … … estou a ver também [no mapa] o Plano Director … o Plano de urbanização de 2000 transformou esta via, numa via principal [percebo pela entoação que ele já tinha visto aquilo há mais tempo e queria falar daquilo que o Siza dizia que era um atentado para destruir a Malagueira] distribuidora e por aqui fora também, o que tem a ver com o perfil, um perfil mais largo do que está aqui, isto era uma rua … tem a ver com uma carga de atravessamento do bairro que o Siza Vieira (SV) detesta… o SV nunca foi ouvido para isso e acha isso um absurdo que não devia … [ter sido feito] … porque divide o bairro ao meio, se for uma via grande a transportar … [camiões de grande porte] … vou dar-lhe um exemplo… a avenida principal dividia em termos de distribuição, não de atravessamento… outra coisa é uma via distribuidora para as pessoas do bairro .. estava previsto uma clínica, quando o projecto SV foi à CME para ser aprovado o pessoal do trânsito queria chumbar a clínica porque não havia estacionamento… e porque é que não havia estacionamento? Não há estacionamento?... e eu dizia mas há aqui tanto sítio para estacionar… [em frente há muito]… como isto é uma via principal de circulação não pode ter estacionamento [do outro lado da rua], precisa de duas, tem um perfil de quatro faixas e não há nenhuma para estacionamento … isto era … ele achava isso um absurdo e eu também acho! … (…) … a clarabóia não agrava os custos, mas em termos térmicos é uma perca de calor… tinha que haver um compromisso, a estrutura desta casa foi feita por um engenheiro que é o meu sogro que foi presidente da CML… esta casa é barata, não tem esforços grandes … termicamente está tamponada pelos outros, há aqui um único defeito que é a respiração, mas se uma pessoa quiser uma casa mais ventilada… havia lotes com a mesma dimensão precisamente que podiam ter o pátio atrás, nessas condições o problema está resolvido… tem a ver com o tipo de casas … nesta zona o regulamento obrigava a uma solução deste género… era evolutivo, eu podia começar a construir só um quarto e depois o primeiro andar… mas há lotes em que a ocupação é à frente… … eu usei uma cobertura mais barata, como o Jorge Pires, o que é que fizemos? – na altura falámos os dois sobre isso … o que eu fiz foi uma água para cá, pus a platibanda, tenho a placa para cá, a clarabóia e a platibanda, fiz um telhado com uma pouca de inclinação, que a chapa

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ondulada permitia pouca inclinação, uma chapa de Cimianto, com os ventiladores, para ela ventilar, e sob a laje, ou seja, ganhei aqui … fibrocimento é… fiz sob a placa um telhado de fibrocimento com uma caixa de ar intermédia, tem uma caixa de ar intermédia [usando as mesmas técnicas melhorou-as com a ausência das pedras que impedem a livre circulação das águas e ainda cria uma caixa de ar que ajuda a não ter tanto calor no Verão, nem frio de Inverno]… só tinha que se impermeabilizar muito bem estas caleiras … portanto poupava na impermeabilização que é uma coisa que ou é muito bem feita [ou não serve para nada]… e depois tem o outro problema… hoje as telas têm 10 anos de garantia… ninguém faz uma casa para 10 anos … 1h05m58s … há isto dura mais porque não está exposto… corri menos riscos e foi mais barata, em termos térmicos é um bocadinho inferior à dos seixos se for bem-feita que tem mais capacidade de protecção térmica, se for bem feita … o problema é que muitos vezes … [era mal feita] … tenho uma amiga minha que mora nesta casa de topo e eu fiz-lhe agora um projecto de ampliação … a solução de impermeabilização para isto, esta casa tem 20 anos… feita por uma cooperativa não tem problema nenhum, estas coisas se forem bem feitas … eu até previ alterar mas fui lá acima e acabei por não mexer para não adicionar custos porque não havia nenhum indício que aquilo não funcionasse mais 10 ou 15 anos bem… aquilo tem um sistema de telas butílicas [??]… tem muito material que custa muito dinheiro por baixo… as pedras são no fundo uma maneira de ensombrar … as do IGAPHE foram as primeiras e aí é que se fizeram as grandes trafulhices nas obras, ou seja, se pagavam a coisa … eles não impermeabilizavam mas diziam que sim… muitas dessas obras foram assim e houve empresas que faliram, os fiscais não fiscalizavam aquilo foi uma aldrabice completa… … de vez em quando gosto de dar uma passeata no bairro… eu acho que o bairro tem um problema de gestão em termos de imagem, aqueles leõezinhos pendurados nas portas e tudo… que é uma coisa que o Siza abomina… eu acho que uma arquitectura que é boa tem que aguentar estas coisas todas… mas há ali muita coisa ilegal e a CME contemporiza um bocado com isso … têm um regulamento muito autoritário, mas se não o aplicam, eu acredito que 90% das casas que lá estão … [estão ilegais] … eu achei que o regulamento era um bocado exagerado quando fiz a casa lá, porque nós no CE já aceitávamos alumínios, todos os materiais são bons se forem bem aplicados e eles lá ainda não aceitavam, achei … hoje já aceitam lá os alumínios e outros materiais … mas o problema que se põe ali tem a ver com os abastardamentos que fizeram aos pátios… tudo aquilo tem uma série de usos em cima … de materiais de acabamentos de revestimentos… aquilo é uma panóplia, se me perguntarem assim, mas aquilo consegue resolver-se?, consegue… mas tem que se cumprir o regulamento… eu fiz uma ampliação agora e isto começou porque ela tinha uma pérgula e um telheiro e foi intimada a demolir … depois pediu-me apoio de como é que se demolia aquilo … 90% das casas da Malagueira tem alguma coisa clandestina pendurada… 1h10m … não o deixam fotografar porque têm medo ficam fotografadas e ficam expostas… há situações aberrantes… as pedras são uma boa solução… hoje há outras tecnologias mais eficazes mas para a época esta solução da laje invertida … aquilo é um tanque impermeabilizado que recolhe a água e as pedras é para proteger a tela e termicamente funciona, não tenho razão nenhuma… acho que é uma questão de construção… é uma boa solução… quem fazia aquilo não era a Teixeira Duarte nem a Soares da Costa estas soluções têm que ser feitas com muito profissionalismo e os mestres que estavam disponíveis para fazer estas obras não tinham esse know-how … eu tive que ir para uma solução mais simples e mais corrente do que eles estão mais habituados a fazer e comigo lá em cima a fiscalizar… do que ir para uma solução dessas que eles nunca tinham aplicado, o mestre --- que me fez a minha casa e a do --- nunca tinha aplicado uma tela … está a ver por isso eu não queria que ele fosse experimentar isso na minha casa… o Siza vinha com as experiências do Porto, do SAAL… houve muita discussão sobre isso, no início, eu sei que houve … ele prescindiu de muitas coisas nas assembleias das cooperativas … muito coisa que as pessoas não queriam e o Siza largou …

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… acho que isto é uma experiência que as pessoas não têm noção do quão inovador isto foi em termos de… em vez de fazer um “manhatã”, como a gente chama, em altura, como na Cruz da Picada, com a mesma densidade fez uma solução agarrada ao terreno muito mais amiga do ambiente, porque no fundo não há elevadores … é muito mais humanizada em termos de escala com uma profusidade (sic) [multiplicidade] de vivências… como é isto no pátio que é uma solução que acho que funciona muito bem e tem muitas virtudes… muito racional em termos de obra, da minha perspectiva como arquitecto, que acho que é uma … nós temos cada vez que ser mais racionais, cada vez temos menos dinheiro e temos que o gastar melhor… a solução é francamente muito mais positiva do que negativa, de todas as pessoas que eu conheço na Malagueira … de todos os tipos e feitios e de todos os quadros sociais – todas gostam imenso das casas da Malagueira, sobretudo do seu interior, ou seja, sempre ouvi dizer … ah! as casas na Tapada [do Ramalho] são mais bonitas, mas eu não troco, por fora podem ser mais bonitas – porque as pessoas têm esses modelos estereotipados – mas eu por dentro prefiro a minha!! As pessoas reconhecem que em termos de qualidade de espaço e de vivências interiores a casa da Malagueira tem secções muito mais ricas e qualificadas e eu disto não tenho dúvidas nenhumas … em termos de imagem toda a gente questiona… então isto não tem telhado… toda a gente fazia estas críticas… … mas também há um certo desencanto, porque no fundo aquele processo do Siza e da Malagueira é o bairro mais publicado no mundo todo, as pessoas vêm a Évora ver o CHE e a Malagueira … vêm carradas de arquitectos da Europa toda para ver isto… a Malagueira é conhecidíssima, e todo aquele processo de planeamento de continuidade da ideia do aqueduto, do modo de agregar os talhões, do modo de habitação, eu acho que é uma coisa muito bem feita e muito bem pensada. Acho que é dos projectos que o Siza mais viveu e que … … eu ainda pus a hipótese de trocar a minha casa por uma outra muito maior que o Siza projectou para a zona mais alta … fez o projecto … por trás ddo restaurante panorâmico havia umas moradias … o Nuno Lopes queria ficar com uma… mas para as cooperativas aquilo era uma casa muito burguesa… ri-se… era uma casa maior, com garagem para dois carros … tinha essa variedade de soluções que eu acho que era uma mais valia para o bairro… ter essas casas de qualidade lá em cima não fazia mal, até fazia bem, requalificava a zona… mas tiraram-nas de cá… do plano… as casas tinham uma varanda avançada… tinha um halll, uma sala grande, avançada, uma sala de jantar uma cozinha e um quarto banho, cá em cima tinha quatro quartos, tinha um pátio e uma garagem para dois carros, uma zona de rouparia e tinha aqui um terraço… vivendas T4 pela cooperativa boa vontade … o Lar é de outro arquitecto, no projecto não era obrigatório ser o Siza a fazer tudo … … Évora é um sítio fabuloso para se viver, isto para mim é um privilégio tenho essa percepção… também já morei em Angra que era Património Mundial … nós estamos a uma hora de Lisboa e a uma hora de Badajoz, temos aqui à volta um sítio fabuloso para passear, no fundo sinto-me um privilegiado por viver numa cidade desta dimensão e quando quero ir para Lisboa… vou… em termos de vivências, Évora tem a universidade e isto é muita gente e mexe um bocado – mas no dia-a-dia vamos a casa uns dos outros? Se calhar não vamos muito, nos Açores íamos mais – tínhamos um grupo de amigos que à quarta-feira íamos para casa do tal… havia grupos e pontos de encontro… quando cheguei achei que isto em termos de mentalidade era mais atrasado que os Açores – mais retrógrado – em 1976 ainda apanhei muito resquício daquela grande disparidade do que era o grande agrário e do que era o resto, não é… mas isso perdeu-se … tive aí um cliente meu … pessoas com muito património mas nem sempre têm muita liquidez… ouvir na casa dele, dessas pessoas … que tinha a minha idade, contar as memórias boas que tinham de uma varanda de onde atiravam nos dias de anos rebuçados para os miúdos [filhos dos trabalhadores rurais] apanharem … ouvir … (ri-se) … ir às portas de s. romão, onde está o PCP hoje … antes de ser do PCP e chegar lá e ver num primeiro andar, numa varanda, um guichet tipo … falta aqui uma escadaria para se

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chegar lá… não, era assim, para a pessoa receber [o salário] dizia o nome e ele atirava o dinheiro para cá em baixo apanharem, quer dizer, havia coisas que eram impensáveis, isso nos Açores não era nada assim… isso mudou muito e rapidamente porque os novos eborenses, quem são? São as minhas filhas que nasceram cá… uma estuda cá arquitectura, outra quer ir para Lisboa… o meu filho fez arquitectura em Lisboa por que não havia ainda aqui… na Autónoma, os bons professores estão lá todos e a prática … modo de ensino… está lá todo… o Porto para começar é bom, Lisboa não, mas na minha altura os dois ensinos completavam-se… fui um felizardo em fazer esse percurso começando no Porto que eu acho que é aí que se deve começar e acabar em Lisboa… … a Malagueira eu acho que tem hipóteses de sobreviver e vai ser sempre como um caso de referência, não tenho dúvidas nenhumas… as casas entaipadas é um problema de polícia … mas até nisso as casas são polivalentes, o que é que eles fizeram ali? Pegaram nas casas todas, abriram portas interiores entre elas, tamponaram… (ri-se) … a HabÉvora foi fundada no meu tempo de vereador… (….) puseram-me à frente uma lista do PC para assinar, eu não assinei e a partir daí fiquei persona non grata (…) e eu decidi vir-me embora … entretanto convidaram-me para o IPPAR (…) depois convidaram-me para concorrer à CME como vereador [pelo PS] pelo José Ernesto (…) [não dessa vez, mas 4 anos mais tarde] ganhámos a CME com maioria absoluta em 2002… foi nessa altura que me filiei no partido, foi quando o Guterres se demitiu (…) quando vim para aqui vim como técnico porque foi o que quis… … porque é que o Siza veio fazer a Malagueira, foi porque um vereador, arquitecto, do PCP… ele é que é o mentor da ideia… eu acho que é uma boa ideia, uma mais valia para a cidade … sou um acérrimo [defensor] … quando fui vereador tentei sempre defender que na cave da Junta de Freguesia desenhada por ele, no rés-do-chão deveria estar o Centro de Interpretação do bairro da Malagueira onde deviam estar os desenhos e as maquetas para explicar às pessoas como é que é a Malagueira – sempre que viesse uma visita de estudo à Malagueira ia lá, um sítio emblemático para receber, a junta de freguesia – ir à génese do bairro com as maquetas – um Centro de Interpretação do Bairro e dali se partiria para os outros sítios, tentei que isso se fizesse… [e a cúpula?] isso não, , não somos um país tão rico para andar a fazer a cúpula, aquilo é uma escultura grande … isso é uma utopia e hoje em dia consegue-se simular isso em três-D … vão é gastar dinheiro… as coisas que mais gozo me deu foi um carpinteiro que trabalhou lá em casa e pediu-me para mostrar a casa à mulher ... isto no fundo é uma casa fora do vulgar, se calhar não vai gostar da casa, pensei, mas a senhora acho que adorou a casa e o Mourita passado uns tempos disse-me – importa-se que eu faça uma casa igual à sua… ó senhor Mourita você honra-me com essa sua opção, tenho imenso gosto nisso… ele comprou um lote, não sei onde, um dia telefona-me um encarregado da CME – ó pá o Mourita diz que lhe permitiste fazer a casa igual à tua – pois foi sim senhor – então empresta-me os originais que eu só mudo a legenda… e eu permiti-lhe, lá está – é aquele conceito de partilha que vem do próprio projecto… eu acho que é uma coisa… se me perguntarem – sou um acérrimo defensor da Malagueira – eu fui um bafejado porque morei na Malagueira e ainda mais bafejado porque o investimento que lá fiz foi um investimento com um excelente retorno… mas ainda hoje tenho essa memória da casa da Malagueira…

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CAF13 (♀) e CAM13 (♂) … não não fomos dos originais… entretanto as pessoas vão saindo, a nossa vizinha Helena foi das primeiras… no IGAPHE é difícil, os nossos amigos que estão cá do princípio são das cooperativas… ISABELOCAS – eu… nós [reflecte se é eu se é nós… é o casal, não é? pergunta] nós viemos de Trás-os-Montes, vivemos lá uns anos em Trás-os-Montes (TM) eu sou daqui mas vivemos lá uns anos, 10, depois quando regressámos precisámos de ter casa, nós não tínhamos casa aqui e procurámos… e até foi primeiro o meu marido e um dos bairros onde procurou foi aqui, mas nada nos satisfez porque encontrámos casas naquelas ruas estreitas, porque as ruas são muito estreitas, e não nos agradava o tipo de casa e havia já muita… as pessoas já tinham intervindo muito, havia uma grande intervenção das pessoas nas casas e não nos agradava, já não eram as casas projectadas pelo Siza… entretanto depois escolhi, encontrámos uma quinta e instalámo-nos numa quinta por pouco tempo – porque eu não gostava muito de viver na quinta, vivia um bocado isolada e eu gosto muito da relação de vizinhança, gosto muito de ter vizinhos, entretanto um amigo nosso tinha esta casa e precisava de um espaço e propôs-nos uma permuta e nós permutámos a quinta por esta casa e viemos para aqui, instalar-nos aqui, nós e a nossa família e é claro os nossos filhos… foi um bairro que me agradou a zona… mas nem todas as zonas deste bairro me agradam, agrada-me esta zona porque não tem nada à frente – não tenho casas, tenho um espaço verde muito bom e agrada-me sobretudo por isso, a tipologia da casa também, é uma casa que tem umas áreas boas, tem luz, o único contra desta casa é não ter Sol de Inverno, que é uma coisa que me faz um bocado de impressão, esta casa – dada a exposição da casa – não tenho Sol no Inverno, só começo a ter Sol a partir de Abril, finais de Março, começa a entrar aqui o Sol, é o defeito que lhe encontro. Gosto do bairro, gosto dos meus vizinhos (próximos) destes… já tive aqui uns vizinhos que também não me gradaram muito, porque como as casas são paredes meias – nós quando viemos para aqui tínhamos uns vizinhos que tinham hábitos diferentes dos nossos, ouviam televisão no quintal, muito alto, tinham hábitos diferente e estas casas são muito próximas há aqui uma relação muito próxima entre o vizinho … contíguo a este muro, deste lado, daquele já é mais difícil, esta casa do lado esquerdo é mais fácil [dos lados das cozinhas, quando é de tipologia avançada, como as primeiras de todas] aquela relação de vizinhança, eu até costumava dizer ao meu marido – eu acho que a gente se isto continuar deve se ir embora daqui, porque não se podia ter as portas abertas, as janelas abertas que havia muito barulho sempre, muitos gritos, fazia-me um bocado de aflição, felizmente venderam a casa e tivemos a sorte dos vizinhos actuais terem comprado a casa… de vez em quando também há barulho, mas é diferente… sinto-me bem, mas gostaria muito de … falta-me o Sol e faz-me confusão não ter Sol de Inverno, nós em termos de alterações nesta casa fizemos muito pouco… fizemos ali uma parede porque esta sala ainda era maior e fizemos uma parede – porque precisámos de um espaço para escritório, mas não fizemos muitos … ele – mas acaba por ter algum peso… ela – havia uma divisão que tinha acesso directo para o pátio que era a lavandaria… as pessoas que estavam aqui tinham uma lavandaria, onde tinham as máquinas de lavar – tinha uma janela com tem agora, a única coisa que fizemos foi retirar essa parede e chegá-la mais para cá para eliminar a lavandaria que não nos era necessária, era necessário sim ter um espaço de trabalho – agora se calhar isso já não fazia sentido porque já não temos os filhos em casa, vivemos só os dois aqui e já não… têm 24 e 28… a quinta era a 3Kms de Ev… tinha muito espaço verde, muito, mas era uma quinta vedada, para ir a casa do vizinho era difícil… desde 1995 que estamos aqui… Ele – vivemos em TM mas antes já tínhamos vivido aqui… dava aulas aqui … foi aqui que nos conhecemos, ela - eu sou daqui e o meu marido de TM… ela – ele levou-me para TM. Ele – para ela conhecer (riem-se os dois) … eu acabei o Curso em 1976 e não era fácil arranjar emprego, um período crítico, e o que me apareceu foi Ev, não tinha referências nenhumas, nenhuma ligação, mas foi a oportunidade de emprego de vir para aqui e depois conhecemo-nos e ainda vivemos aqui uns 7, 8, anos…

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Ele – nasci em TM – Mesão frio, entre a Régua e Amarante, fique a 13 Km da Régua – mas fui estudar para o Porto e depois Ev foi o trabalho que surgiu, vinhas da região demarcada do Douro, já está na parte alta sobre o Douro, as vinhas, a minha mãe era do Porto, foi natural, a família da minha mãe era do Porto, com frequência íamos ao Porto, foi de uma forma muito natural – para aqui é que já não, para aqui vim para o desconhecido com 23 ou 24 anos… foi no fim de 76… senti muito ao contrário do que eu estava à espera um ambiente muito aberto e de pessoas muito arejadas, e não foi isso que encontrei, encontrei um ambiente fechado, à noite não havia ninguém na Cidade. Ela – ainda hoje. (riem-se os dois, passam a vida nisto) Ele – as pessoas aqui organizam-se muito por grupos de amigos e então quem vem de fora praticamente tem é de conviver com os que são de fora porque não acontece integrar-se num grupo de pessoas de cá – dizer que é fácil que é difícil – é preciso fazer um esforço nesse sentido… mas não fiz, não fiz nenhum esforço especial, as pessoas com quem eu convivia eram pessoas de fora, e não fui só eu, é muito assim é… enquanto que no Porto há muito uma vida de café, ou havia na altura, eu encontrava-me com as pessoas no café, aqui não as pessoas encontram-se em casas uns dos outros e não havia vida de café, mas naquela idade (23 anos) ultrapassa-se todos os problemas – vive-se em circuito fechado – ela – eu sou de cá, e saí e depois voltei e senti exactamente isso quando voltei e sou daqui… (o facto de estar casado com uma mulher de cá não alterou nada?) – não, senti-me um estrangeiro na mesma. Ela – mas não te sentes assim agora? – ele – não, não… sinto-me perfeitamente integrado [mas eu não fico convencido].. isto o que custa são os primeiros 10 anos… (ela diz – fala baixo) isto está escrito naquele livro Aparição do Vergílio Ferreira [este livro é muito citado pelos entrevistados mais cultos] quando vem aqui para Ev vem dar aulas aqui no Liceu e mal tinha chegado há alguém que lhe diz isto… “o que custa são os primeiros dez anos”… (ri-se alto) (ela está embaraçada – é muito tempo, diz)… (e na Mª?)… (tudo à volta “dos lavradores”?)… talvez até se tenha acentuado, muitas pessoas que não são mas querem parecer, se calhar são piores em termos de … (e aqui na Mª?) … ele – eu penso que a Mª foi marginalizada pelas pessoas de Ev [pela aristocracia-burguesa de Ev]… pela generalidade das pessoas de Ev (ela – se fosse só desses estávamos… [bem]) … eu próprio gosto de viver na Mª porque é um bocadinho contra-corrente – porque há pessoas que se envergonham de dizer que moram na Mª – e porque as fazem ter vergonha disso, dizem tão mal do bairro, do arquitecto (está a enfatizar muito a voz) – talvez isto já tenha sido mais acentuado do que agora. Agora já se diluiu um bocadinho, mais aquele choque inicial em que de facto havia uma oposição muito grande … não tem telhados… [muito alto e entusiasmado]… eram as críticas de uma ponta a outra, era tudo negativo na Malagueira… ela – e não se podia fazer nada na Malagueira [alterações às casas], as pessoas diziam – pois, nem podemos mudar as janelas, nem as portas… entretanto agora é uma desgraça, começaram a mudar tudo e são autênticas aberrações … mas o Regulamento é igual… nós aqui já tivemos [alizares, o baixinho]… começámos … até foi a Helena que pintou e depois nós pintámos … ele – tu quiseste muito pintar, e depois a Alexandra também pintou … e… entretanto… voltamos todos ao branco (dizem ao mesmo tempo e riem-se ambos)… (os poderes públicos da Mª tratam-na melhor agora?) (ela) – não, não, pelo contrário, abandonaram-na completamente… nem vale a pena [falar disso] … acho que está entregue aos bichos. Ele – é um bocado isso, porque havia um processo de construção no bairro havia espaços que estão projectados e de facto nunca mais se investiu, nada, vai-se mantendo – vai-se cortando a relva e só! – mas não houve mais qualquer investimento na Mª… nós gostamos de viver aqui. Ela – ah! nós gostamos, o único inconveniente de viver aqui, estou sempre a dizê-lo, esta casa não tem Sol de Inverno e eu acho que o Sol é muito importante – até porque eu vivo e sou daqui e sempre apanhei muito Sol – e esta casa de Inverno é muito sombria, aliás vê-se, estamos de luzes acesas, é o único defeito que lhe vejo, no verão se vier aqui às 2 da tarde … ELE – mas é uma questão generalizada na Mª – como são casas só com uma frente [em banda?] – elas encostam atrás, encostam de um lado, encostam do outro e umas mais, outras menos a sala é normalmente uma zona com pouca luz, porque a sala em todas as casas que eu

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conheça, creio que em todas, apanha assim este canto e acaba por ter uma profundidade muito grande em relação às janelas e há zonas que estão pouco iluminadas … isto é geral, é o preço a pagar [por se tornarem de custos reduzidos na construção back-to-back e em banda]… a Mª foi uma alternativa à Cruz da Picada, portanto, a Zona de Expansão Oeste da cidade começou por ser projectada e o modelo que foi implementado foi o da CP… O Siza aparece como alternativ à CP, com condicionantes em termos de custos e ele apresentou uma densidade de ocupação idêntica à da CP à custa de ruas estreitas – uma grande densidade mas … de edifícios unifamiliares … não se pode querer tudo, os condicionantes que havia eram muito grandes … e ele assumi-os … e acho que não tem pena nenhuma de ter feito o que fez, pelo contrário, estará orgulhoso de fazer o que fez, não cedeu a pressões – encaixou-se e cumpriu um programa que existia e que só assim é que tinha viabilidade de ser aprovado o projecto dele, se não cumprisse e se apresentasse uma alternativa equiparável em termos de ocupação e de custos – então apresentou esta alternativa e que foi aceite. Não nos podemos esquecer da história que havia e porque hoje se critica… ah as ruas são muito estreitas, mas de facto se pensarmos que a alternativa era a CP… então isto está mil vezes à frente da CP… eu estava na Câmara nessa altura, entrei em 1977 quando vim para cá dei aulas, mas depois apareceu uma oportunidade na CME e estive lá 9 anos, estive em reuniões que se discutia lá isto… as condutas, com representantes da EDP de vários sectores que iriam depois introduzir as infra-estruturas na conduta e o próprio Álvaro Siza também participava nessas reuniões, 15 em 15 dias, durante dois anos, e para além das reuniões que ele tinha com as cooperativas, que eu nessas não participava … sobretudo desse ponto de vista das infra-estruturas participei numa quantidade grande de reuniões … acompanhei muito de perto, era o responsável pelo Departamento das Obras Municipais … tinha uma ligação directa ao que aqui estava a acontecer… (então é um dos responsáveis?) – não, mas de faco o arquitecto [Siza] tinha essa preocupação de ouvir as pessoas para que o projecto, de facto, funcionasse. Eram reuniões sobretudo de coordenação, chegou a construir-se um protótipo da conduta. O arquitecto sabia o que queria e a nossa participação era para definir em termos de pormenor, as dimensões, ele tinha idealizado esta solução e depois foi uma questão de acerto com as várias entidades para ver se as coisas funcionavam ou não, ele não nos veio perguntar como é que devia de ser, não, ele sabia exactamente o que queria, ainda não estava o projecto entregue … ele só tentava era saber como é que haveria de construir, era mais a questão das dimensões… A Mª foi uma mais valia [e ainda é] … realmente a concepção que estava na base do Bº Mª era que o bairro devia ser uma continuidade do Centro Histórico, as referências eram o Centro Histórico, mesmo em termos de iluminação, uma coisa muito criticada a princípio, mal iluminada, mas o CHE também era muito mal iluminado, agora os dois avançaram se calhar em termos técnicos, agora já não têm nada a ver com o que era, agora são iluminados normalmente, nem muito bem, nem muito mal, mas há uma série de referências, a arcada, o aqueduto / conduta, ele foi buscar uma série de referências ao CHE, mesmo as ruas estreitas sem passeios, houve uma série de referências que foi buscar ao CHE e que aplicou aqui… o Abílio não pescava nada, o mérito da gestão da altura, havia uma pessoa muito importante que era o arquitecto Jorge Silva que era vereador … e era arquitecto… foi o principal influenciador… foi o responsável pelo convite ao arquitecto Álvaro Siza porque na altura já lhe reconhecia valor, porque o valor do Siza Vieira foi reconhecido primeiro no estrangeiro e só depois em Portugal, naquela altura em Portugal não se lhe reconhecia o valor, até no Porto houve a Bouça… ela – achavam que ele não valia… ele – pois, não lhe davam o valor que ele tinha, havia uma élite que lhe reconhecia valor e depois o valor dele começou a ser reconhecido no estrangeiro e depois, muito mais tarde, é que é reconhecido em Portugal, aqui o Jorge Silva já lhe reconhecia valor por ser arquitecto e estar no meio. E também, talvez, as afinidades ideológicas tenham tido algum peso, o Arq. Álvaro Siza é próximo do PC – ideologicamente estará próximo, mas não … estou convencido que foi muito a questão do valor que lhe era reconhecido pelo Arq. Jorge Silva – o Abílio Fernandes depois concordou [o A confirma

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isto dando importância à influência de Jorge Silva] mas o mentor foi o Arq. Jorge Silva – ele participava nas reuniões de coordenação, o AF não participava nessas reuniões … eram reuniões com um carácter técnico bastante grande e quem participava nestas reuniões pela ME era o JS, enquanto cá esteve que ele só esteve cá um mandato, depois deixou a CME mas isto já tinha pés para andar e avançou … ela – o facto de se associar [ao PC] já está um bocado diluído… ele – (não está muito convencido)… é natural que as pessoas sabendo que nós moramos na Mª não tenham conversas a diminuir a Mª [está a admitir que é possível que a associação ao PC se mantenha] … provavelmente conhecem a nossa posição sobre isto… eu não sinto essa [associação], mas talvez se sentisse mais [antes]… quando a pessoa dizia moro na Mª sentia-se um peso maior… peso no sentido de silêncio… quando alguém dizia que morava no bairro da Mª, uma pessoa descia logo na escala social… (riem-se os 2, muito e com gosto), acho que sim que agora se sente menos essas coisas, também cada vez dou menos importância a essa questão, ela – eu também… (riem-se) … pouca gente … [associará o aqueduto à conduta, reconhece ela]… ele – claro, claro, mas o bairro tem um valor que mais cedo ou mais tarde lhe será reconhecido, esta edilidade não, mas acho que ainda há possibilidades, ela – há sempre esperança… sempre… ela – o PC concluir, não acho que não… havia até aquela filosofia das tais lojinhas de bairro que hoje em dia com os supermercados, as grandes superfícies, quando elas surgiram toda a gente ia às grandes superfícies, neste momento acho que já pouca gente vai … [???], porque apareceram aquelas pequenas mercearias que antigamente existiam e agora há espaço para que isso agora avançasse [há aqui uma contradição, ou não?] seria o momento para esta pequena lojinha avançar, do pão caseiro, da fruta, que ele projectou aqui para este bairro, se calhar era o momento para avançar, quem está á frente das coias é que devia ter dois dedos de testa para pegar nisto e avançar com isto… … já devo ser muito velhota quando sair do Ensino, ainda me faltam muitos anos… eu deixava-o já… embora goste daquilo que faço… há muita gente que se dedica à agricultura biológica e quer pôr os produtos aqui fora … aqui dava, acho que há viabilidade para que estes espaços sejam de sucesso, eu acho que há, o que se nota nas grandes superfícies agora é as pessoas com menos recursos que não vão comprar ao mercado biológico [parece-me alguma afectação], porque é muito mais caro o mercado biológico, porque a pera é mais barata, a fruta é mais barata, havia aqui espaço para avançar, mercearias, padaria… (o futuro) Ele – Ev tem o CHE e tem a Mª, e depois tem os outros bairros – eu, uma hipótese que vejo é, Ev tem ensinos artísticos e há aqui jovens criadores que estão a despontar e a Mª pode ser uma alternativa acessível à bolsa deles, para poderem viver, criar, expor os seus produtos e eu acho que isso era a revitalização da Mª e uma mais valia que viesse quebrar o que tem acontecido, penso que (ainda) a maior parte das pessoas quando pode sair sai porque pensa que vai para melhor, algumas pessoas que procuram a Mª porque acham que a Mª é o melhor, são arquitectos, pessoas com um nível cultural mais elevado, mas o comum das pessoas ainda está numa fase de sair da Mª quando puderem, ainda não saíram porque não puderam, mas… se de facto a Mª atrair jovens pode-se de facto criar uma nova dinâmica e criar uma revitalização que penso que será saudável e penso que é viável, a alternativa a esses jovens, que eles veriam com bons olhos seria o CHE mas aí os preços são elevadíssimos, o aluguer de um espaço para expor produtos, para vender produtos é uma loucura, até o estacionamento, aqui os espaços são relativamente baratos, até podia haver lugar mais para esses espaços para esse género, artesãos… artistas que pudessem produzir e vender… (não há um atelier?)… ela – é onde eu trabalho … é o meu hobby… ele – e quando isso acontecer e quando houver pessoas de fora da cidade que procuram a Mª para encontrar coisas desse género o amor próprio das pessoas que vivem na Mª vai subir e a consideração que a Cidade terá pela Mª vai subir… é uma hipótese talvez optimista… … eu conheci a Bouça antes de ser concluída, depois de concluída não conheço… a gente um dia foi a uma reunião e ainda havia uma maqueta [das moradias ao cimo da Avª], ainda nos

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entusiasmámos com isso… tinha umas vistas lindíssimas (diz ela) … mas a CP não tem nada a ver com a Zona de Urbanização nº. 1 é a primeira realização do Plano de Expansão da Zona Oeste… … INQUÉRITO… a mulher do Vítor Mestre dá cá aulas, é a Sofia Aleixo… ela – o meu quarto é muito frio… muito satisfeita com os convívios até tenho uma festa na minha rua… a zona das piscinas, a zona dos relvados (a nossa), a zona do lago (das cooperativas) e lá em cima a zona interdita… ELE – há zonas que estão desprezadas, mas há muitas outras que estão tratadas, uma nódoa aqui do bairro é aquela rua Broadway, chamava-lhe o Siza, é sinuosa, essa rua é um desastre, é uma nódoa que está aqui e é uma rua com uma área tão restrita de facto, é uma vergonha uma cidade ter uma zona assim… a garagem para nós é uma arrecadação… isolamentos, não tivemos mas sei de gente que teve, houve problemas – também não podemos esquecer o seguinte, isto foi projectado no fim dos anos 70 e não era norma haver isolamentos térmicos, e aqui até chegou a haver isolamentos térmicos logo nas casas iniciais, não podemos avaliar com os padrões de hoje e até comparar com as temperaturas actuais… se calhar estava na vanguarda naqueles tempos, houve regulamentos que foram aprovados só posteriormente … (respiração)… essa é uma questão… eu estava na CME nessa altura do RGEU que diz que uma habitação tem que ter uma respiração transversal, aqui não temos, agora o efeito de chaminé temos, eu no Verão utilizo para arrefecer a casa, abro aqui a porta e lá em cima uma janela e nós mesmos ao descer a escada sentimos o ar a passar por nós, há uma ventilação natural e eficaz, mas é por eefeeito de chaminé, não é transversal… funciona muito bem por ser uma casa de dois pisos… estas caixilharias são as originais, mais vedante menos vedante… no resto do bairro as pessoas estão um bocadinho de costas voltadas umas para as outras [literalmente], mas aqui nós damos a volta a isso… 4 zonas na Mª… CAM15A … na altura estava numa desconfortável situação profissional e havia nessa altura a possibilidade de mobilidade profissional e foi o que fiz e fui atraído para Ev pelas experiências de 2 arquitectos estrangeiros que trabalhavam numa operação piloto chamada Chão das Covas – era reabilitação urbana promovida perla UNESCO… eu tenho origens em Alcáçovas onde a minha mãe nasceu, nessa altura fui para a HF para uma casa de função, como era hábito… edifícios de 3 4 pisos e formámos uma comunidade, uma espécie de família, éramos todos de fora… depois cada um enraizou-se e construímos família e naturalmente procurámos soluções mais duradouras, na altura era mais vantajoso comprar-se um lote de terreno e construir-se. O processo urbanístico em Ev na altura era ainda muito incipiente, pouco urbanizado e estava no mercado uma zona na Malagueira para iniciativa privada, o que aliciava sobretudo os arquitectos, eu e outros colegas comprámos à CME numa zona periférica no Plano de Pormenor da Malagueira porque tinha uma frente de lote desafogada, uma zona verde que contrastava com a alta densidade e as ruas muito estreitas do bairro… … desde o princípio que considerei que as ruas eram desajustadas para um bairro com aquela densidade – inevitavelmente gerariam tensões de tráfico, de vizinhança, porque quebra a privacidade com uma grande facilidade… … daí escolher uma zona periférica… … eu lembro-me que o Plano de Pormenor da Malagueira foi encomendado ao Arq. Siza Vieira, já era um distintíssimo arquitecto, para satisfazer uma necessidade de 1200 fogos de habitação, a custos controlados na altura era habitação social, em tipologias diferentes das dominantes – os prédios em altura num território sem grandes constrangimentos físicos, num bairro de moradias em alta densidade, o arq interpretou os desejos dos potenciais habitantes daquele espaço… em

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vários formatos de promoção, ele procurou fazer uma mistura harmoniosa das soluções, sejam técnicas ou socioeconómicas que uma encomenda destas inevitavelmente ia suscitar… uma mistura, se foi bem sucedido ou não, o tempo julgará… eu continuo a gostar daquele sítio mas já lá não vivo há uns anos… é preciso mais tempo, boas ou más opções que ele tenha tomado, elas vão sobreviver à nossa geração – o tempo já o está a julgar, mas a meu ver muito prematuramente… é dar tempo… os fenómenos sociais e sociológicos que se misturaram nestas opções não são da responsabilidade do arquitecto. Ele não teria meios para acautelar os seus impactos, na altura tinha muito poucos meios para saber… … a Hb não conheço a gestão, e o fenómeno que sobreveio ao desenho, a ocupação e os vários tipos de uso que aquela habitação suscitou, até pela força da tipologia da habitação [T5’s] é um ponto de interrogação muito grande, o que é que está a acontecer e o que poderá acontecer para ser um bom sítio, para se voltar a viver… são diferentes sectores do bairro com realidades diferentes … aquilo não é homogéneo do ponto de vista social … … na altura a CME achou que se justificava um gabinete técnico para a Mª, depois evoluiu… a partir do momento em que o território residual era equipamentos serviços e tinha produzido o tecido residencial não se justificava um gabinete, é natural os departamentos… … eu em boa verdade não fiz o meu projecto, adaptei … o lote era vendido pela CME a preços simpáticos, era como pronto a vestir, vendia-se um fato e era possível fazer-lhe uns pequenos acertos… não podíamos fazer um projecto novo… … o Nasi Pereira e o Nuno Lopes são arquitectos a quem a Malagueira muito deve… Na cobertura procurei fazer tradicional e ventilada, antevi os defeitos e procurei simplificar a solução da cima a baixo e procurei acrescentar àquela tipologia o que achava que era um handicap, estamos perante uma infra-estrutura que não é convencional – é uma estrutura de betão armado com blocos de betão combinados com outra tecnologia que era alvenarias de tijolo cerâmico argamassado com cimento tinham comportamentos mecânicos muito diferentes sobretudo com as variações térmicas muito acentuadas como temos aqui. Tinha que haver alguma flexibilidade com a infra-estrutura e a casa que estava a fazer, quase que as descolei uma da outra… a infra-estrutura e a casa – tinha que os separar a conduta não tinha isolamentos tinha que me proteger… (tem paredes duplas) … era um factor de incómodo acústico que eu resolvi. E a parede do fundo ainda a revesti de uma pedra rústica e não reboquei exclusivamente… … o estanhado foi uma importação com maus resultados ali… era desaconselhável que se revestissem aquelas paredes de rebocos lisos… eles iam ressentir-se das contracções da parede da conduta, era previsível… … a clarabóia era inevitável, como sabe, aquela versão de 9 por 12 metros e com o pátio para a frente invariavelmente conduziam a uma zona do fundo da casa escura e o que estava nas nossas mãos fazer, até para evitar possíveis problemas da conduta, era afastar a construção da nossa casa da conduta e abrir um vazio que permitia a entrada de luz, até para precaver das retracções da conduta e dos movimentos daquele tipo de construção que era diferente do que nós estávamos a promover na nossa casa … e acrescentávamos o que a tipologia permitia – eliminávamos a parte de trás, a parte de dentro da casa [passava a ficar um vazio entre a conduta e a casa traseira e entrava a luz zenital] … conjugando essa entrada de luz que é como uma cortina de luz com o revestimento de xisto era inevitável que sobrevivesse ao tempo … quando está o dia bonito, quando há luz aquela parede brilha … as outras estanhadas não brilham nada e acumulam problemas – fissuração, excesso de humidade… as minhas alterações são sobretudo construtivas naqueles 96m2 preocupei-me com poupar dinheiro, livrar-me de problemas de manutenção e fiz isso simplificando os sistemas – na cobertura em vez daquelas sofisticadas sucessões de materiais em coberturas planas e algumas invertidas, eu sempre receei que aquilo fosse susceptível de dar problemas correntes… e que não sobreviveriam ao tempo, usei chapas de fibrocimento bem ligadas às paredes envolventes para evitar infiltrações… uma cobertura barata… que ficaria sobre

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um isolamento térmico, na altura, poliuretano, que ficaria com uma generosa caixa de ar ventilada … para atenuar as diferenças de temperatura e as condensações e até hoje acho que foi uma opção acertada… ficou mais barata a obra… as opções a tardoz com a conduta também são soluções muito simples… o poliuretano resolvia os problemas dos isolamentos… … acho que o projecto da Malagueira enquanto solução urbanística de grande dimensão é vanguardista, ainda hoje, e é um projecto que não se deve avaliar já nos seus impactos sociais, e urbanísticos propriamente ditos, porque é um tecido diferente dos outros, é preciso dar-lhe mais tempo – quanto não sei, mais tempo… e é preciso reconhecer-lhe o mérito de converter o que seria um tecido de alta densidade como o que estamos habituados, a Cruz da Picada, o que lhe encomendaram foi uma alternativa àquela solução de alta densidade… esta alternativa é uma solução muito valiosa à construção em altura … tem boa articulação com a cidade, com nuances muito específicas … não conseguimos hoje avaliar – é preciso que passe algum tempo… a cidade tem evoluído e os processos de regeneração urbana como agora se diz, a Malagueira com esta génese, com esta matriz, continua a ser muito específica, continua a ser um território com uma identidade própria, muito poucos bairros nesta cidade e neste país têm conseguido manter aquela identidade toda que sobreviveram a várias experiências, é um caso único a Zona de Urbanização nº 1 mas olhe que a Malagueira tende para isso – tem a seu desfavor a dimensão, é um território demasiadamente vasto, fragmentado do ponto de vista da promoção, do mercado… num país como o nosso há a tendência política de valorização do solo que já está urbanizado – ainda para mais nos tempos severos que estamos a viver – não podemos investir em novas urbanizações e temos que olhar para o que está construído como um tesouro, esta zona vai tornar-se inevitavelmente numa zona de reabilitação urbana… é uma zona que facilmente sse vai transformar naquilo a que a Lei chamada MARU, uma área de reabilitação urbana e há instrumentos normativos, económicos, financeiros e sobretudo urbanísticos que permitem salvar a identidade deste bairro e deste grande investimento que o município de Évora fez, há muito a esperar desta experiência que hoje já é um facto… (depois começa a falar de a forma integrada da sociedade de reabilitação de que é vogal que pensa já na Malagueira para daqui a dois anos… mas a pensar no mercado o público não pode impor soluções ao mercado) Desenhámos o quarto para 3 móveis únicos e manter tudo, aquela geometria caprichosa seria para acomodar os móveis para sempre, a cama teria sempre a mesma posição… Eu tenho uma memória do bairro, vivi lá nos anos 80… antes vivi numa quinta, agora vivo num Hotel, sou só eu… é uma questão de idade, há um tempo para tudo, agora vivo no parque das Nações, sou alfacinha e voltei… continuo a gostar da casa da Malagueira e do sítio… CAF19 …a minha relação com esta casa é recente, tem cerca de 7, 8 anos… eu estudei em Évora, não sou daqui, sou do Litoral Alentejano, vim estudar Sociologia em 1994, terminado o curso comecei a trabalhar em Évora, compartilhava uma casa com uma estudante depois achei que estava na altura de cortar o cordão umbilical com a fase de estudante, uma vez que já estava a trabalhar achei que devia procurar um espaço só meu – confesso que ao princípio senti-me um bocado desolada porque as casas em Évora não eram muito apelativas para os jovens, além de serem muito caras, eu gostava imenso de continuar a morar no centro da cidade e isso não foi possível porque tinham péssimas condições, estavam degradadas e de todas as casas que vi nenhuma foi de encontro às minhas expectativas – nenhuma me chamou a atenção, eram espaços que já estavam muito alterados pelos habitantes que lá residiam e implicava ter que fazer uma remodelação total da casa interior e quando fui ver as casas aqui da Malagueira não foi a única

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casa que vi, portanto vi três casas na Malagueira com três tipologias diferentes (ri-se, da proeza?) – é curioso porque são três projectos diferentes que eu desconhecia, achava que o bairro do Siza, apesar de ter tido uma primeira fase e uma segunda fase, mas que tivesse seguido todos a mesma linha de interior e exterior, mas não foi isso que aconteceu, até porque muitas vezes os próprios habitantes da casa acabam por alterar o espaço e alterar o projecto original e deparei-me com algumas casas que já tinham grades, portadas de alumínio e outro tipo de alterações que fugiam um bocadinho ao projecto inicial e que eu fiquei um bocadinho descontente, não era aquilo que eu queria – QUANDO EU VIM PARA ESTA CASA, A PRIMEIRA VEZ QUE EU POUSEI OS PÉS NESTA MORADA, SENTI UM ELO DE IDENTIFICAÇÃO MUITO GRANDE COM ESTE ESPAÇO E PENSEI QUE ESTA CASA TINHA QUE SER MINHA (diz isto em triunfo risonho) … e antes de saber o valor dela!!... mas depois consegui negociar com o proprietário para baixar o preço, até porque tinha que fazer umas pequenas alterações, mas de facto foi a casa que mais me chamou a atenção… gostei bastante e senti-me muito identificada com ela, a partir dessa altura comecei a fazer pequenas alterações, não estruturais mas mais de adaptar à minha maneira de estar no espaço… 5’ … como eu gosto muito de pintar, antes de ter mobílias as primeiras coisas que existiram nesta casa foram as telas (sorri entusiasmada), antes de ter aa sala constituída propriamente foram as telas que surgiram e todos esses objectos que faziam parte de mim, digamos assim, e depois fui construindo este espaço aos poucos – cada elemento acaba por ser algo que deriva do meu gosto pessoal, gosto de cores, gosto também de espaços amplos e esta casa permite um bocado isso, tem um espaço exterior e um espaço interior, tudo converge para o jardim, tanto que eu criei aquele espaço lá fora para estar – porque estas casas – aliás este projecto do Siza é muito interessante porque as pessoas querem sempre … porque aquele espaço pode ser uma sala ao ar livre e às vezes acaba por ser um espaço de arrumações e não um espaço para estar e eu resolvi criar um espaço para estar também lá fora [tem um jardim estilizado a lembrar o Oriente com esteiras para meditação iogi e toldos sofisticados a impedir que o Sol bata directamente] …aproveitar o nosso clima fantástico e tentar maximizar ao máximo aquilo que a casa pudesse oferecer, fiz a mesma coisa em relação ao terraço, portanto … agora retirei os pufs e as almofadas porque tivemos ali uma época de chuva, mas também tinha um espaço lá em cima que aproveitei para estar – este espaço é composto por um rés-do-chão e primeiro andar … tenho uma área para estender a roupa, no terraço, também… e cá em baixo tem um quarto, uma cozinha, a sala e a casa-de-banho … eu tenho a minha parte lá em cima, é onde eu estou mais tempo é no primeiro andar, porque tenho o meu quarto, tenho o escritório onde trabalho e uma casa-de-banho e o terraço, estou muitas vezes no escritório … também continuo os meus estudos, também estou a fazer o meu doutoramento então passo algum tempo de volta do computador, à noite, aquele espaço lá em cima acaba por ser também muito importante para mim, e esta casa de facto permite essa multiplicidade de adaptação de espaços… já me perdi no que era para dizer… … em termos de vizinhança … a minha relação acaba por ser… não é anónima, digo bom-dia, boa-tarde, aos vizinhos da frente, aos vizinhos do lado, aos vizinhos de cima, mas acabo por não saber os nomes, é curioso, há uma proximidade, sem haver aquela proximidade do convívio directo, há uma comunicação e há sempre uma preocupação do vizinho que passa com o balde do lixo que vai despejar e diz “bom-dia vizinha, então está tudo bem? – sim, sim, está tudo bem, hoje está calor, hoje está Sol, portanto há um comprimento de bairro, mas sem haver uma relação de proximidade, porque acabo por não frequentar as outras casas, nem … [os outros espaços de sociabilidade, o café, a mercearia] nem frequentar a amizade deles, não há portanto uma relação muito próxima … de amizade, mais de vizinhança, mas uma vizinhança se calhar … nem sei explicar… de simpatia, é mais de simpatia e preocupação [cordialidade diz Castells], um exemplo muito engraçado, agora já convivo bem com isso, ao início achava estranho – a minha vizinha da frente passa imenso tempo à janela – aquilo que eu designo como a controladora do bairro e observa todos os vizinhos e os seus horários e a sua vida quotidiana, portanto ela deve ter o

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registo do que os vizinhos fazem mesmo sem os conhecer … sem conhecer o seu nome, mas é engraçado que ela deve ter uma tipologia e sabe que aquela pessoa sai de manhã, chega à hora de almoço e vem ao final do dia, mas não os conhece, sabe quais são as suas rotinas – confesso que eu ao início achava estranho – como se estivesse a ser observada, mas pronto – era uma vizinha nova, isso tudo, faz parte daquela fase da apropriação do espaço, era uma vizinha nova que estava a invadir território… é normal, mas o que é curioso é que eu comecei a reparar desde então que é uma prática comum que não se aplica só em relação a mim – aplica-se a todos os vizinhos desta rua… ela acaba por saber o que cada um faz…sem saber mais nada sobre a sua vida – eu falo por mim, se calhar são pessoas residentes nesta rua alguns há já uns anos e acaba … provavelmente já os conhece … dou-lhe um exemplo caricato : um dia que eu cheguei à hora de almoço ela estava à minha espera na sua porta e disse-me – “ó vizinha desculpe-me, estava aqui à sua espera porque sei que vem almoçar a casa, mas … era só para lhe dizer que o estendal da sua roupa caiu e a sua roupa está no chão, e como eu sei que costuma vir a esta hora estava a qui à sua espera para a avisar”… achei curioso é de facto uma personagem que acaba por ser a vizinha mais próxima e interagir mais comigo, de qualquer modo não sei o seu nome e não sei se ela não sabe o meu, mas ela acaba por ter este elo de ligação… em relação aos outros vizinhos também desconheço… conheço-os de vista, cumprimento-os sempre que me cruzo com eles na rua, mas não tenho uma relação directa de proximidade… 11’ … a nível de afectividade, de amizade, laços não tenho… (perguntei se considerava encerrada esta relação, no sentido de ir ou progredir, ou não?) – considero!! (sentiu-se bem, no sentido de ainda hoje se sentir e não desejar outra coisa??) senti… sim, sim!!... (disse com espanto como se fosse impensável ser de outro modo). … nasci em 1976 em Beja… eu vivia com os meus pais, viver com os pais acaba por … nós crescemos e não nos apercebemos de determinadas vivências do dia-a-dia e acabamos por estar inseridos no seio familiar – só depois quando vim morar para Évora e em convívio com os meus colegas … é que me apercebi, porque enquanto estava em casa dos meus pais absorvida pela vida universitária não me apercebia que os vizinhos tinham este tipo de postura e de reacção, nunca senti na pele, porque se calhar no centro histórico como a maior parte daquelas casas são arrendadas a estudantes e como os meus vizinhos eram estudantes … se calhar essa questão também não se colocava, aqui neste caso foi diferente porque eu comecei a morar sozinha, consegui aperceber-me que as relações de vizinhança… e é engraçado porque Évora é uma cidade, e apesar das questões do anonimato, já com sintomas de grande cidade e de independência dentro das casas, nota-se que é uma cidade com sintomas de aldeia – sobretudo a nível destes bairros – noto que as pessoas são mais próximas, conhecem-se umas às outras, há uma tentativa mais de criar elos de ligação ao contrário das grandes urbes onde os habitantes dos prédios e das casas não se conhecem e mesmo que se cruzem na mesma rua, nem sequer a figura da parte visual lhes é familiar e isso aqui não acontece… é engraçado que uma cidade que cresceu extramuros continua a ter sintomas de aldeia em certos aspectos, mas isto falo na minha rua, também desconheço como é que é a relação noutros bairros da cidade – não sei como é que é, se as pessoas reagem da mesma forma – isso tem também um bocado a ver com a faixa etária que ocupa as casas, as habitações – o tipo de vida que as pessoas têm – se passa mais tempo fora se mais tempo em casa, dá … sei de rotinas que têm que ser analisadas, se for um bairro frequentado… o chamado bairro dormitório em que as pessoas saem de manhã e só regressam no final do dia de volta a suas casas, se calhar, acaba por existir este tipo de relação de vizinhança, ao contrário de habitantes que passam muito tempo em casa ou cresceram ali naquela zona – então acaba por haver uma apropriação do espaço mais de identificação porque todos aqueles que são considerados… não são intrusos mas são estrangeiros entre aspas são alvo de observação e acaba sempre por continuar, porque ao final já se tornaram vizinhos … [estrangeiros inicialmente] numa fase de socialização do bairro mas que depois já se tornaram vizinhos, mas é engraçado, é curioso, com este bairro eu sinto isto, com esta rua … também não conheço as outras ruas e não tenho

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relação e não tenho por hábito frequentar outras ruas – acabo sempre por fazer o circuito… saio de casa de manhã para trabalhar, venho almoçar quando posso e regresso ao fim do dia. Aos fins-de-semana passo algum tempo cá, passo a maior parte do tempo em Lisboa ou então vou visitar os meus pais que não residem na zona, ACABO POR PASSAR POUCO TEMPO FISICAMENTE – O ESTAR AQUI A APROVEITAR O ESPAÇO ACABA POR SER POUCO – porque quando estou também estou em casa… (em 2003 quando chegou o muro já era alto?) – não, não… subi o muro, era mais baixo, porquê? – porque como eu queria fazer uma sala exterior – comecei a reparar que quando eu estava a ler, que gosto muito de ler, nesta altura, estar lá fora a ler, ouvir música e reparava que as pessoas passavam e espreitavam – não é que me incomodasse, mas acabava por não me sentir muito à vontade, porque afinal era o meu espaço e estava a ser invadido … e depois reparei… e havia imensas bolas que saltavam cá para dentro de miúdos a brincar na rua, gatos, percebi que o facto do muro estar baixo era … [um convite a espreitarem] … não era uma boa ideia – não punha nenhum obstáculo às pessoas… como isolamento, não, não era isso… ATÉ PORQUE QUANDO COMPREI A CASA NÃO FOI O FACTO DE TER O MURO BAIXO QUE ME IMPEDIU DE A COMPRAR – EU É QUE COMO COMECEI A UTILIZAR MUITO O ESPAÇO EXTERIOR NOTEI QUE HAVIA UMA NECESSIDADE DE O TORNAR MAIS ÍNTIMO, PORQUE EU QUERIA O ESPAÇO PARA ESTAR MAIS COMIGO, COM AS MINHAS LEITURAS, COM A MINHA MÚSICA E NÃO ESTAR A SER SEMPRE ALVO DE INTRUSÃO … não só bisbilhotice do bairro (um bocadinho ofendida por eu pôr a questão) – mais porque entravam muitos gatos, muitas bolas… não é… 17’ … até porque eu não conhecia o bairro e na altura o bairro como está aqui próximo da Cruz da Picada … pronto … nunca tive problemas de assaltos nem de má vizinhança, mas quando vim para aqui morar muitas vezes as pessoas diziam (enfatiza) – ah!! tu compraste casa na Malagueira – que corajosa – porque aquilo é terrível, tens ali a Cruz da Picada que é um bairro completamente disfuncional e cheio de pessoas problemáticas e eles assaltam as pessoas é muito problemático – nunca tive problemas!! Nem senti insegurança, mas depois comecei de facto a aperceber-me que se calhar… eram pessoas de Évora que diziam, residentes em Évora … estou a falar de pessoas que já cá viviam, significa que são pessoas preconceituosas, acho que sim… até acho curioso uma coisa – acho que quando nós moramos em zonas que são mais problemáticas, nós acabamos por ser acolhidos de outra forma… porque os possíveis marginais que lá habitam começam a reparar que são vizinhos que lá residem, não … fazem parte da família, não há nenhum objectivo em fazer mal … essas pessoas são preconceituosas – não podemos estar a estigmatizar um grupo só porque tem as características, que depois vai provocar qualquer coisa junto da outra comunidade… era sempre a Cruz da Picada onde tinha os toxicodependentes, os ciganos, portanto toda aquela faixa dos excluídos socialmente – também, lá está, a comunicação social há uma série de imagens que passa para a restante comunidade é de facto que esta é a zona problemática da cidade, agora já não, mas há uns anos atrás era de facto a zona problemática da cidade e isso criou o estigma a quem morava aqui perto… se calhar em termos de apropriação do espaço acho que muita gente não teve oportunidade de para aqui vir morar porque logo um dos requisitos era : “eu não quero morar numa zona selvagem”… onde possa ser assaltado ou agredido e eu nunca senti nada disso nem senti insegurança nem foi isso que me fez não vir morar para cá… 20’ …o preço também influiu, é mais barato, claro!! Mas o que foi mesmo, foi mesmo a casa eu identifiquei-me muito com esta casa, vi várias na Malagueira e nenhuma me cativou, mas esta eu mal pousei os pés ali à entrada e eu senti que esta casa era minha que tinha muito a ver comigo… eu não vivia em Beja mas não vivia lá, morava em Santiago do Cacém – era um andar, um apartamento, não tinha espaço exterior – brincava na rua com os meus amigos sempre brinquei muito na rua, sempre usufrui do espaço exterior, nunca brinquei muito dentro de casa – ainda fiz parte daquela geração em que me era permitido brincar na rua – sem problemas – sem que os pais se preocupassem que os filhos lhes pudesse acontecer qualquer coisa, foi uma infância saudável… aqui às vezes há miúdos

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a brincar na rua… eu vejo-os ás vezes neste cantinho, miúdos que vêm da Crus da Picada com a bola… e depois não sei se eles brincam aqui …não sei se são miúdos aqui da rua, sei que passam e que brincam – ficam ali junto ao parque e depois seguem …aliás esta rua não tem miúdos pequeninos, é tudo uma faixa etária mais velha, com filhos já crescidos, alguns deles já saíram deste bairro – nota-se que ao fim-de-semana vêm visitar os pais … a casa não tinha interesse não aproveitar… a casa apesar de ser grande, acaba por não ter muitos espaços de arrumação, por acaso isso é que eu acho que não foi muito bem pensado, na altura da concepção do projecto… os meus pais vêm, vêm… frequentemente, outras vezes vêm amigos meus que ficam cá no fim-de-semana – acabo por ter um quarto das visitas, cá em baixo, lá em cima tenho o meu escritório e a minha casa de banho, tenho a minha suite, chamo-lhe suite porque acaba por ser independente do espaço em baixo – acabo por ter um espaço privilegiado lá em cima – tenho o meu quarto, o meu escritório onde passo muito tempo, apesar de passar muito tempo aqui fora e na sala – são os espaços que utilizo mais, a sala, o espaço exterior quando está bom tempo e lá em cima o quarto e o escritório … … gosto destas áreas, do estudo do social, do homem em si, inserido na sociedade – é a minha base mas depois as minhas formações seguintes – no mestrado é a área de sociologia mas no tema dos estudos políticos e estou a fazer o doutoramento em teoria política e relações internacionais … em Évora, vou a Lisboa fazer investigação … e o meu namorado também mora lá, portanto… aos fins-de-semana fazemos essa troca, vou lá muitas vezes … em termos de estar gosto mais desta casa, sem dúvida, em termos de cidade eu prefiro Lisboa … no Campo Pequeno… ali tem tudo… trabalho em Évora na Segurança Social … a pintura é um hobby – agora já há muito tempo que não pinto, agora não me tenho dedicado muito … já me dediquei mais, mas estudar ocupa-nos muito tempo e como eu trabalho um dia inteiro, sobra-me muito pouco tempo – só ao final do dia tenho algum tempo para me dedicar a pequenas áreas que se calhar são… interessantes, para além do estudo que também considero interessante.. estou a estudar a tecnologia na relação com o homem… são questões que a mim me traz algum conforto estudar e algum entusiasmo, que eu tento dedicar no horário pós-laboral … se formos a somar o nosso dia acaba por não ser muito grande … porque temos que conciliar tudo, o trabalho, outras actividades paralelas …e a pintura, agora, tem estado um bocado parada… … o homem não se pode apropriar da máquina inteiramente para se substituir enquanto pessoa… (desenvolve: genética, bio-tecnologia, etc) …em termos éticos não podemos substituir o homem, temos que meter um travão… … as casas acabam… não é servir, acabam por ser um complemento – ser um espaço de partilha, um espaço de bem-estar, um espaço onde a pessoa pode canalizar outras actividades de ocupação, acaba por ser a sua concha – a casa é como se fosse um elemento que acolhesse o homem, e onde o homem desenvolvesse uma série de coisas … desde o estar consigo próprio, sozinho, ao estar em grupo com a família com os amigos e com as coisas que gosta de fazer – a casa acaba por ser um complemento da relação do homem com o que está lá fora: com o social, com todos esses elementos que compõem a vida em sociedade … esta casa facilita essa relação, esta casa é onde eu gosto de estar bastante, sobretudo quando estou cá ao fim-de-semana, quer sozinha quer com o meu namorado, é um espaço confortável, agradável, de identificação … é acolhedor, esta é a palavra chave desta casa, é acolhedora – esta casa permite que a pessoa possa vivenciar uma série de coisas que lá fora, se calhar, acaba por não ter tempo… a sociedade não… [permite a introspecção]… o muro alto também foi uma forma que eu arranjei de poder fazer coisas dentro de casa, porque senti que havia muita intromissão de quem passa na rua, não digo isto como uma crítica porque as pessoas é natural que espreitem e são muito … hoje cada vez mais há a tendência de espreitar o que está dentro do quintal, até … vamos na rua e vemos uma janela aberta e há a tendência para espreitar o que está lá dentro, ver e não ser visto, mas aqui foi para me sentir mais confortável, estar ali sentada a ler ou a ouvir música, posso deixar a porta

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aberta – o que também me permite ter algum conforto – e isso não é uma barreira contra os outros… temos que respeitar essas diferenças…e também é um problema desta cidade, em termos comparativos, eu que estudei cá e usufruía muito da cidade, morava no centro histórico e gostava de morar dentro do centro histórico e neste momento está desabitado, tem pessoas muito idosas com pouca mobilidade porque não são criadas condições e depois não há os espaços para trazer os jovens para dentro da cidade, penso que é uma coisa transversal às nossas cidades… a própria cidade está um bocado esquecida, não há oferta … não tem cinema e não só, ao fim-de-semana a cidade está um bocado desprovida de conteúdo… já ouvi muitas críticas, sobretudo a turistas que vêm cá visitar a cidade Património Mundial e depois os restaurantes estão fechados, ou fecham muito cedo ou então têm um horário que quando chegam a uma determinada hora já não servem refeições – em termos de espaço não existem esplanadas – não há uma preocupação em ocupar o espaço exterior e esta cidade é tão rica em termos de pequenos recantos que seria uma mais valia e sobretudo com o clima que temos aproveitar muito mais o espaço exterior e os turistas já se sentem descontentes com esta cidade que é Património Mundial, mas já estamos com… a comparar com outras cidades da Europa, até se formos aqui à nossa vizinha Espanha em cidades mais pequenas, há uma vivência do espaço que tem um aproveitamento muito melhor e muito mais vocacionado para aquilo que eu quero visitar … há muitos anos atrás era uma cidade muito mais interactiva – havia cinema, havia teatro, havia uma série de expressões culturais que difícil era acorrer a tudo e depois havia muita gente na rua, a ocupar o espaço e os espaços estavam arranjados e era uma cidade limpa, neste momento temos muitas casas degradas dentro do CHE, lixo, os próprios monumentos alguns estão abandonados, outros estão recuperados mas depois não há uma preocupação em levar os turistas … vão sempre aos mesmos lados quando temos aí uma cidade com tanta coisa para ver e não há essa preocupação, tenho pena porque tenho visto a cidade a degradar-se, aqui à Malagueira vêm sobretudo estudantes de arquitectura … INQUÉRITO… os espaços verdes não chamam muito para os habitantes do bairro – limitam-se a ter um espaço verde com um lago – mas não tem nada, não tem um quiosque, qualquer coisa que permita que as pessoas possam sentar-se ali a ler, não, é um lago … há certos elementos que são importantes e hoje quando estudam um espaço público… 40’ … um espaço verde tem que ter essa dupla função serem esteticamente agradáveis e terem uma componente… não é comercial, mas lúdica… as pessoas acabam por frequentar um espaço se tiverem … bebem uma água, comem um gelado… estão ali sentadas e podem fruir de outras coisas, o café fica longe não há [uma interacção] … eu reparo que há muita coisa que ainda não foi concluída, nota-se que há espaços vazios que não foram concluídos… os equipamentos fazem falta, não é só criar um espaço verde – há que fazer manutenção e há que torná-lo apelativo… há muito trânsito e não há escoamento do mesmo… estou satisfeita com os estacionamentos embora ache que isto não é um bairro para estacionar os carros dos dois lados da rua que impede quem passa de carro ai meio e os próprios transeuntes… não se o Siza estava ciente, na altura, no que isto se ia tornar … quando construiu estes bairros não pensou que os carros fossem aos molhos… uma família que tenha três carros ocupam praticamente a rua toda… e depois os vizinhos também têm 3, 4 carros… há carros a mais… bastante segura, até à data, nunca tive problemas… durante o dia a casa está fechada e acaba por não respirar muito, tive bolor nos tectos, mas já resolvi, não sei se foi da cobertura…e foi um Inverno muito rigoroso… isto tinha tijoleira e eu meti chão flutuante, a tijoleira é muito fria, ainda vivi aqui algum tempo com a tijoleira mas era muito fria… lá em cima tenho tacos de madeira … mantenho as caixilharias em madeira, foi do que mais me agradou … isto requer muita manutenção porque a madeira com a chuva e o Sol estraga-se bastante mas prefiro ao alumínio, se bem que hoje já há um que imita a madeira, mas os preços não devem ser famosos … a madeira foi uma das coisas que mais me agradou nesta casa… não, não se ouve muito, nem a rua nem os autoclismos dos vizinhos, não, não se ouve muito… tenho estado em casas de amigos meus que

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parece que o vizinho está lá dentro de casa – ouve-se andar, ouve-se falar… para além de todos os barulhos das casas-de-banho, dos autoclismos, da água a correr e aqui não, não noto muito barulho, não… não tenho convívio dentro do bairro, eu também não procuro isso… tenho 34 anos… existem várias Malagueiras, zonas, que eu conheça, esta parte do bairro, as casas em volta do lago, a parte das piscinas e a intermédia que é mais para a zona do bairro de Stª Maria… (a zona étnica?) – exacto, exacto… a casa da Suzana – em, frente ás piscinas – já são outras tipologias diferentes de casas … no Verão é quente e no Inverno fria, mas isso creio que é uma característica do Alentejo… CAF12 … ah! sim… a vizinhança (risinho)… deixamos isso para último… eu desde sempre … quando comecei á procura foi em 1997, e nessa altura, quando procurei a minha primeira casa mostrei sempre interesse pelas casas da Mª – porque tinha uma amiga que já tinha aqui uma casa e eu passava muito tempo lá e acabava por usufruir muito do espaço dela e sempre adorei a estrutura destas casas, sentia-me bem nelas e como usufruímos imenso do pátio, são pessoas que usufruíam muito do pátio, esta ligação pátio-casa sempre me apaixonou, é uma relação incrível. Entretanto acabei por escolher outra que não esta, vivi num bairro aqui no centro de Ev durante alguns anos e depois passado alguns anos separei-me do meu ex-companheiro e voltei numa busca incessante á procura de casa e meti na cabeça que tinha que ser na M, mais uma vez porque acredito que nesta estrutura de casa … [fica suspensa um pouco, parecia que ia dizer… as pessoas podem ser felizes] e que sempre achei que tinha muito potencial depois pôr isto à minha maneira (enfatiza) e vim para aqui há três anos. Estou a viver nesta casa há três anos, não é assim há muito tempo. Mas já deu para ficar muito satisfeita e muito apaixonada por esta estrutura, o que eu mais gosto nela e é principalmente e é o que eu valorizo, e as pessoas que vivem no bairro da Mª não valorizam, daquilo que eu vejo, daquilo com quem eu falo, é o pátio e a relação que existe a todas as divisões da casa e a luz que entra por estes janelões e que são espectaculares e que mantendo o carácter original só temos a ganhar, já me apercebi que aa maior parte dos meus vizinhos já não tem estes janelões e fecharam estas janelas e têm alumínios e para mim isto é a mais valia destas casas, é permitir que a luz entre e que tenha mais uma divisão lá fora que é o pátio. E também estou numa área que é a do design que me estruturou para a sensibilidade estética e para a arquitectura. Sempre adorei isto, sempre adorei estas casas. De todas as tipologias eu gosto… a nível de acabamento é que eu fico um pouco desgostosa, porque não havia necessidade de deixar estes acabamentos, a minha casa em especial, porque eu sei que as tipologias que foram feitas posteriormente já tiveram outro tipo de acabamento – já têm um pé direito um bocadinho mais alto como as paredes não são tão texturadas, tem um acabamento mais liso, e é engraçado como esses pequenos pormenores numa casa assim fazem toda a diferença. O meu irmão também comprou uma casa aqui na Mª na última fase de construção, já tem mais 4 centímetros de pé direito que faz toda a diferença e já tem as paredes todas lisinhas – já é completamente diferente, ainda é exactamente a mesma tipologia, mas esses pequenos pormenores já a fizeram diferente. De qualquer forma nunca deixei de ter interesse por elas, isto é um T3, considero a tipologia dos meus amigos Andrew e Ivone mais interessante, porque a escada não divide a casa em dois e que acaba por ter mais espaço – mas mesmo assim esta tipologia com a escada a meio é muito interessante e tem muito potencial, se eu quiser um dia evoluir para a outra situação eu posso sempre mudar esta casa de banho, fazê-la ali dentro, como já pude tirar essas dúvidas com arquitectos e é bastante evolutiva e tem bastante potencial… em relação aos vizinhos… vou ser muito sincera, acho que os vizinhos aqui não fazem a mínima ideia

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em que casas estão a viver, não fazem, não tiram o mínimo partido delas, aliás põem-nas ainda piores, deturpam tudo, agora nos últimos anos tem-se vivido numa transição de vizinhança [para os estéticos] mas até então… as pessoas não têm cultura, não têm sentido estético… e é uma vizinhança de cortar à faca, por assim dizer … ri-se… eu falo da minha rua… não estou a falar da Mª de um modo geral, isto significa que as pessoas não têm o mínimo respeito, por exemplo, o bater dos portões, não imagina o que me custa, todas elas têm estes portões, as pessoas não têm o mínimo cuidado a fechar os portões, fecham os portões a qualquer hora da noite TUUUUUMMMMMM … é um eco, nestas ruas ouve-se tudo mesmo tudo… é o facto de não terem sensibilidade – porem azulejos, como é aqui o caso, mudarem para os alumínios, eu até fico assim um bocado… com a minha vizinhança, até fico… como é possível eles não terem o mínimo de sensibilidade e não apelarem à mais valia que é terem uma casa destas … de qualquer forma eu estou aqui no meu cantinho, não incomodo ninguém e vou vivendo à minha maneira… aliás os muros não estavam subidos, eu subi-os o ano passado, precisamente para ganhar mais privacidade… eram os mais baixinhos de todos, no projecto original eles são todos subidos … pois eu ganhei uma privacidade incrível, não tem nada a ver, tive uma guerra terrível com a minha vizinha do lado que não queria permitir que eu levantasse os muros – e eu não percebi a postura dela – mas fez-me mesmo… por uma questão de respeito não ia levantar os muros sem informar a minha vizinha do lado, não é?, foi uma luta incrível. Depois ligou-me o marido dela a dizer que não podia ser que lhe ia tirar o Céu, qua iam ficar aqui presos, eu disse, olhe, quer queira quer não isto está considerado no projecto inicial e eu vou fazê-lo, quero ganhar a minha privacidade e vou levantar os muros, não estou a fazer nada contra a Lei e assim o fiz e foi muito melhor, não tem nada a ver, os muros subidos nestas casas faz toda a diferença, a pessoa estar aqui no Verão e poder estar à vontade sem estar a ter que levar com os olhares dos vizinhos … as varandas, isso depende dos ângulos, mas isso se estivermos no pátio ninguém vê nada… quem tiver nos terraços não vê nada, nada, nada, nada, (assim) é mesmo privado, é espectacular… os meus vizinhos são do Porto, ela dá aulas aqui há muitos anos, e têm casa … aqui há 2 ou 3 anos últimos a casa está arrendada a estudantes… eu não percebi a razão sinceramente… nem vive cá, foi o que pensei… nasci em 1973, em Ev, nunca vivi dentro da muralha, tive a sorte de os meus pais terem uma quinta, quando eu nasci eles compraram uma quinta e eu vivi sempre no campo, por isso nunca consegui viver em apartamentos, quando fui para Lisboa estudar, e depois voltei, vivi num apartamento em Carnaxide e… enquanto não arranjei uma casa não descansei… sempre uma relação com a natureza incrível – eu estudei aqui até ao 12º ano e depois fui para a Universidade… andei sempre nas escolas da cidade, os meus pais traziam-me … sempre tive amigos na cidade, por acaso tinha uma amiga na quinta ao lado, mas principalmente era tudo dentro da cidade… adoro ter plantinhas, nem imagino viver numa casa destas e não ter os meus dois canteiros (sorri encantada), isso para mim é primordial, ter um quintal e não ter terra… a maior das pessoas aqui têm é mármore ou… para não terem trabalho para não sujarem a casa, isso faz-me muita confusão – mas é a maioria, eu quando andei á procura de casas, e vi uma onze casas na Mª, era incrível a maneira como as pessoas lidavam com os pátios, quase ninguém tinha [plantas, é possível as casas que estariam á venda era de pessoas que não estariam confortáveis na casa, muito provavelmente não usariam essa funcionalidade do pátio]… por acaso encontrei um com uma horta, mas o resto era cimentado ou com mármore, o mínimo de canteiros possível, tinham vasos, para não haver contacto com a Natureza eu é precisamente o contrário preciso de verde e de flores… nas casas da Mª consegue-se isso precisamente a ligação – interior/exterior – acho que estou na melhor zona da Mª ao pé deste parque [Qtª Mª] … comprei a casa ao terceiro habitante por 117 mil e 500 euros em 2007, a Mª é o único bairro em Ev que tem um Parque destes e que pode usufruir e passear, não há mais nenhum em Ev, eu sou de Ev e conheço muito bem e procurei muitas vezes casa e fui agora pelos bairros e não conheço onde haja um espaço verde como este, não há, é incrível, é engraçado que os habitante de Ev são muito preconceituosos com a Mª e está muito

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conectada com violência e com drogas e com marginalidade e com pessoas menos de bem – por assim dizer – é pena porque isto é espectacular, não é filhota (a filha de 5 ou 6 anos tinha entretanto vindo para o pé de nós) quando vamos ao supermercado pelo meio do Parque [não percebo se é a Qtª se é o relvado em baixo da casa dela]… quando vamos ao Pingo Doce atravessamos pontes e é um espectáculo e a relva e os passadiços… é pá… espectacular, outro dia uma amigo meu que vinha cá jantar estava a sentir-se mal disposto e foi dar uma volta antes de jantar, quando chegou do passeio – é pá eu nunca tinha dado conta deste parque, tu tens um parque [é mesmo o relvado que vai até ao lago] espectacular mesmo aqui – eu disse – a sério Carlos? A sério? – é mesmo até se ouvem os passarinhos … e eu disse pois é… (e ri-se, daaaahhh, diz)… pois é, é a Mª só que a Mª… ciganos… tendeiros… mau ambiente… nunca cá puseram as pés, nunca se informaram nem quiseram saber como era o Bairro da Mª nem pelo sentido de curiosidade de ter ganho prémios, e de ser do Arquitecto Siza Vieira, por alguma razão deve ter havido tanto sururu, mas não, nem sequer há esse interesse, as pessoas põem logo de parte a Mª… se bem que agora as coisas estão a mudar, as pessoas da minha geração a vir para aqui viver o que é bom, mas vai demorar … … festas na adolescência, sim e não, as festas na adolescência… sempre fui muito sociável, mas o facto de viver numa quinta privou-me muito do contactozinho com os meus colegas e amigos que viviam na cidade, acabei por estar mais um bocadinho mais isolada – mas sim quando tive idade para o desafio das festas, sim, fiz isso de uma maneira mais contida que os outros todos aqui do centro… desse grupo vivem 2, a Guida a Teresa Soares… (grupos possidentes?) … os outros querem é ir viver para os Álamos ou para a Vista Alegre… a formação (escolar) superior não quer dizer nada… entrei com 17 para as Belas Artes… ainda no Chiado… não senti muita diferença… porque éramos muitos de fora e acabámos por nos juntar, entrámos 7 de Ev esse ano, entrámos todos ao mesmo tempo e mantivemo-nos muito unidos, não notei muita diferença.. criámos um grupo de éborenses… os professores até diziam que professores tiveram vocês em Ev que consegue estas coisas… e entrámos com grandes médias, tivemos aqui um professor António Coxo e a professora Leonor que nos prepararam lindamente … (nos anos 80 Ev)… era uma sociedade aberta… (ri-se abertamente da premissa) … o 25 de Abril tinha acontecido há pouco tempo, uma sociedade pode ser aberta nuns sentidos e não noutros… eu com 12 anos não tinha uma opinião formada… usar a roupa que quisesse, nem pensar, nós estamos numa sociedade super-conservadora ainda estamos e na altura muito mais, muito tradicionalista, um bocadinho fechada – se eu agora ainda sinto um pouco isso – e se calhar por ter vivido ainda há pouco tempo uma separação ainda sinto algumas … um conservadorismo nessa situação, ainda mais na altura do que quando eu tinha 13 e 14 anos e vivia-se de uma forma muito mais limitada e muito mais contida aqui em Ev – e vivia-se muito a política de esquerda ainda que culturalmente fosse bastante forte e foi muito forte até há bem pouco tempo… mas não alterava nada o conservadorismo, eu acho que não… Ev tem ainda aquelas famílias muito … as chamadas as famílias de bem (acentua o “beeeeem”)… e são muitas e na altura ainda se sentia aqueles que têm grandes herdades e que existem as famílias beeeem e existem os familiares e os amiiiiiiiigos dessas famílias beeeem e aqueles que se querem dar com as famílias bem e isso acaba por tornar a população de Ev muito pequenina, os outsiders, aqueles que não fazem parte dessas famílias, nem são amigos, nem colegas, nem querem ser – éramos muito poucos e sem força, eu senti um bocado isso porque tive muitos colegas desde a primária até ao Liceu que viviam muito dessas famílias … das touradas… ou porque pertenciam aos forcados ou pertenciam ao clube de râguebi, havia sempre essas duas coisas eu tinha muitos colegas que ou estavam numa ou estavam noutra – e nós eramos os outsiders – os artistas – senti muito isso, e havia pouco abertura para isso e continua a haver, acho eu, eu acho Ev um bocadinho atrasada a propósito de pessoas – Ev é espectacular, eu adoro a Cidade mas a solução para Ev seria meter todas estas pessoas, que eu estou aqui a dizer, num autocarro ao resto do mundo – são muito fechadas, não vêem mais além… eu não estou dentro da

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política e não sei bem como as coisas se passaram politicamente, obviamente que o Alentejo sempre foi vincadamente comunista … mas não sei, sei que na altura a alternativa mais sensata seria enveredar pelo partido comunista foi o que aconteceu em todo o país de modo vincado no Centro-Sul, realmente foram muitos anos com o Abílio Fernandes aqui à frente disto … (era suposto a sociedade ter mudado, pergunto eu) ela responde – era suposto… mas não não mudou… eu acho que o Abílio Fernandes ele não mudou nada, continua a ser a pessoa que é… havia muito muito bairro clandestino daí o surgir da Mª (à época do 25 de Abril), isso sabia… a Cruz da Picada existia e isso eu não compreendo, também foi para colmatar a existência dos bairros clandestinos… é uma sociedade muito fechada e difícil de explicar, mas também é difícil de explicar o facto de… eu conheço o projecto original do Bº Mª… uma vez o Siza Vieira esteve presente numa Conferência a explicar … exactamente, e sabe o que eu acho mais interessante… o que é curioso é que eu acho de louvar o facto do PC ter convidado o arquitecto para fazer o bairro, não sei foi assim, desta forma, tão básica… a casa leva-nos a reproduzir relações sou muito dessa opinião. Mas na Conferência o que mais me fez confusão, foi ter-me apercebido na altura do que é que envolvia o projecto original da Mª, não se cinge a estas casinhas (aponta o mapa que eu levava) … ou o planeamento onde nós vivemos – era muito mais, tinha um espaço cultural, tinha contemplado uma zona para um Hotel, um Restaurante e nada disso foi feito… a Mª continua por acabar, a parte principal das vivendas continua por acabar e eu fiquei perplexa na altura … isto tudo está a ser fomentado pelo PC, foram eles que iniciaram este processo, está-se aqui a falar do BºMª e o Siza Vieira a cascar no facto de isto nunca ter avançado e de ser um projecto inacabado – o que é uma vergonha! E como é que é possível não terem terminado o projecto em tempo útil, nunca terem feito nada do que estava previsto no projecto!! Mesmo nada!! Isso faz-me uma confusão, e eles estavam lá a defender o que o Siza estava a defender – no entanto foram eles que não acabaram, que não terminaram o Projecto, fez-me uma confusão… aquilo foi sempre no tempo deles… mas sim (falo dos bloqueios de Lisboa) deve ter havido alguma coisa… é uma sociedade muito complexa, e é pena quando um projecto desta envergadura, espectacular, com tanto potencial, que podia tanto condicionar [no bom sentido é a ideia] uma sociedade, porque eu acho que podia – porque podia ajudar estas pessoas a perceberem que têm uma qualidade de vida dentro de casa e que a podiam transpor para fora para as suas profissões, eu acho que isso … para mim é essencial, uma pessoa viver numa casa destas, bem estruturada, bem conseguida, capaz de abraçar uma família, com muita qualidade, isso só pode ter bons reflexos na sociedade, só pode, não acredito que uma pessoa que viva numa barraca tenha os mesmos reflexos e a mesma postura na vida do dia a dia do que aquele que vive numa casa com esta qualidade, para mim tem qualidade… satisfaz plenamente a necessidade de uma família com um ou dois filhos… 27 casa emparedadas, 27??... eu tenho muita vergonha, muita vergonha mesmo daquelas casas ali ao pé do campo de manutenção… ser mãe sozinha na Mª é fácil, na minha casa e no ambiente envolvente, ser mãe é fácil – é um prazer – e se é numa casa que eu adoro e me está sempre a surpreender … não me custou minimamente … a envolvente… não me chateio nada com isso [com os outros] quero lá saber, faço a minha vida, vou ao parque aqui com ela, vou ao supermercado, estou muito bem aqui com a minha filha , o que me chateia são os meus vizinhos e a falta de civismo … [há 20 anos uma mulher entrar no Arcada era impossível…] ah! pois era, eu sou alheia a isso… eu tenho vizinhas coscuvilheiras mesmo em frente de mim, elas dão conta de tudo aquilo que eu faço, os amigos que saem os amigos que entram – sei perfeitamente mas (bate com as mãos uma na outra) (está-se nas tintas) não ligo nenhuma a isso… não. … o --- vive aqui há pouco tempo, é arquitecto paisagista… (é do Porto) INQUÉRITO … quais equipamentos e serviços?... pouco satisfeita… os canos estavam todos uma lástima, tive duas inundações quando vim para cá morar… desde que aqui estou já gastei 15 mil euros em 3 anos em obras e arranjos… existem duas Mª.s mesmo – existe a Mª deste lado que não tem nada a ver com a Mª do outro lado, do bairro de Santa Maria e daquela zona do Escurinho não tem

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nada a ver com esta, para mim, quem vive deste lado da Mª é muito mais privilegiado, junto ao parque… não concordas (diz para ele) – ele – depende da perspectiva… INQUÉRITO – nada satisfeito com as condutas… a minha experiência com a Mª começou na Universidade, nas aulas de desenho traziam-nos sempre para cá… era um espaço agradável para desenhar com elementos naturais e depois o edificado tudo dentro do espaço urbano, tanto mais que os jardins, os espaços exteriores, foram feitos por um arquitecto paisagista que eu conheci ocasionalmente e portanto, logo à partida, foi dado um bom exemplo para estudar - depois posteriormente com amigos que tinha aqui a viver também fui frequentando a Mª conhecendo várias pessoas em várias ruas e depois com a minha relação com a Rute… portanto a minha relação com a Mª teve várias etapas e vários registos diferentes… (uma relação afectiva com a Mª?) – sim, de alguma forma sim – trago sempre boas recordações – ainda hoje ao passar em certos espaços lembro-me da há uns anos atrás quando os estava a desenhar e é registar aquele espaço num desenho, traz-me alguma boas recordações [é uma perspectiva de Artista] – a Mª enquanto espaço de estar, exterior, e depois interior, o dentro das casas que fui conhecendo várias tipologias – diversos amigos que tinha para aí a morar e que sempre foram de alguma forma experiências espaciais, porque depois de lá estar, algumas tinham uns acabamentos mais aprimorados, com melhor ou menor gosto, mas sempre de um modo geral foi uma boa experiência usar o espaço interior da Mª. Quer parecer-me que a Mª está a melhorar de alguma forma na perspectiva envolvente à Mª porque já não leva tanto o rótulo de bairro social e começa a ser um espaço de alguma excelência para se morar, porque tem de facto uma arquitectura aprazível e agradável para cá se morar - e quer parecer-me que de alguma forma está melhor frequentada – ainda que, enfim, existam zonas da Mª que … são muito diferentes [estão muito mal tratadas] – o futuro á capaz de ser no sentido da melhoria … uniformização penso que não porque vai haver aí sempre nichos onde… que de alguma forma não vão mudar, mas uniformização será demasiado forte até porque a Mª é muito grande… de vez em quando, quando passeio por aí é uma questão que me ponho… porque o facto do aqueduto não estar terminado quebra um pouco a continuidade visual e pergunto se alguma vez aquilo vai der terminado, se vai ser concluído o projecto… eu simplesmente gostava que o projecto fosse concluído – porque é bem visível que o projecto não foi terminado, não foi concluído… ELA – política… há uns que apoiam, outros que não valorizam tanto … de alguma forma tem prejudicado – porque as pessoas que estão por trás e de alguma forma estão ligadas à política é que têm poder para fazer o que quer que seja… eu espero que isso nunca aconteça [liquidarem a Mª] … que sejam valorizados valores mais altos do que esses… mas também não tenho grandes esperanças… estamos todos os que vivem na Mª desiludidos e já perdemos um pouco a esperança de alguma melhoria – para haver uma mudança precisa de ser algo radical… [isto é a tal “Évora”?] muito palidamente responde “Sim, sim, pronto. Exactamente! Pois…” (mal se ouve na gravação) – ELE – se me permite, isso é um pouco, a cultura do preconceito, que em Portugal existe muito. Ela – pois é! Ele – é a cultura do rótulo também e quando assim é difícil lidar com a mediocridade e enfim, fazer o quê? Se é tudo … se depende de uma vontade política, claro que sim, mas quem sabe o que vai na cabeça dos políticos – porque não têm uma cabeça própria, podem dizer hoje uma coisa e amanhã dizem outra mas também há um descontentamento geral e é fundado em alguma verdade, em alguma razão…

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CAF21 … nasci em 3nov77, nasci em Lisboa, a casa de onde vim era no CHE – uma casa velhinha, com muito pouca luz, pequenina, naquelas ruas também estreitinhas, era a mesma proximidade com os vizinhos – vim em 2006, ela tinha 2 anos, estava um pouco cansada de viver dentro das muralhas – as casas não tinham luz e eu sentia muito essa dificuldade ali, casas velhas, queria ir para um sítio mais amplo – vi imensas casas em Ev e em certa altura passei aqui nesta rua e decidi: eu quero ir para ali, é naquela rua que eu quero viver e depois comecei à procura de casas aqui, a ver nas janelas se tinham o vende-se e eu escolhi este bairro e esta rua porque acho que é um bairro muito amplo, gosto muito da organização deste bairro dos espaços verdes e para mim era importante ter uma zona em que eu visse o céu – uma zona mais ampla e com espaços verdes mais amplos e por outro lado que as casas fossem mais baratas e aqui reunia-se estas duas condições: a casa era muito mais barata que qualquer outra e depois de ver a casa por dentro, porque primeiro escolhi o exterior e depois comecei a ver as casas – e adorei a arquitectura – porque vi muitas casas em Ev muito iguais, sem janelas, com janelas pequenas, casas muito fechadas e todas muito e iguais e aqui encontrei uma casa com janelas muito grandes e embora a estrutura da casa não permita que haja assim muita muita luz mas com estes vidros enormes ajuda. E gostei muito do pátio interior de onde eu consigo ver a casa toda. Pra mim caracterizo a casa como um ovo. É um ovo. O meu ovo, porque eu consigo estar num sítio da casa e ver os outros e para mim isso é muito importante, gostei muito disso, principalmente as janelas porque eu adoro os vidros todos que a casa tem e poder estar aqui na sala e ver a janela do escritório e ver a pessoa que está no escritório – estar lá em cima e ouvir muito bem a sala, porque não há portas, é aberta, gosto muito disso, esta parte pátio que me agradou, e da ligação à rua que as casas aqui em Ev achei-as todas muito fechadas, muitas portas, muitos corredores. E aqui era tudo muito aproveitado… o que faz aquilo que eu sinto como um ovo. Em relação aos vizinhos, isto, realmente, possibilita muito o contacto com a vizinhança – o que não me desagrada, dou-me muito bem com a vizinhança … foi muito fácil começar a dar-me com a vizinhança, tenho uma filha e quando vim ela tinha dois anos e há muitas crianças aqui na rua e então passam de terraço para terraço, a vizinha do lado tem uma miúda e de vez em quando a L. não está em casa e depois aparece vinda lá de cima … entra pela porta do quarto (ri-se) vem do terraço da amiga e isto agrada-me, não me faz confusão nenhuma e acho bom… tem um murinho baixinho que elas saltam facilmente … aqui gosto do muro tapado, se não estivesse até talvez me desse mais com os vizinhos… … eu não me sinto isolada das pessoas que estão nas outras divisões… o ovo… é muito fácil manter o contacto com todas as divisões … embora tenha uma ligação forte ao exterior, está tapada, mas aqui dentro está tudo aberto nas outras casas têm muitos corredores e muitas portas – é fácil a pessoa individualizar-se – fechar portas e não ouvir nem sentir as pessoas que estão no outro canto da casa e nesta não dá muito para fazer isso – não há aqueles corredorzinhos internos que vai dar à sala ao quarto, aqui não há corredor, é tudo ligado – é isso que eu sinto como um ovo, estamos aqui dentro e estamos todos juntos não há forma de não estar. Eu agora ando a ver casas noutras zonas e o que me chateia é isto porque me habituei aqui. Também estive muito tempo com a minha filha assim sentia-me que estava sempre com ela, que estávamos aqui juntas. Agora tem 7 até pode ser que no futuro possa ser um factor negativo, não sei, quando passarmos a ser mais cá em casa e queiramos ter mais o nosso espaço, mais privacidade… … gostei muito destes anos aqui, estou agora de partida por isso falo um bocado disto já com saudade… por imperativos de trabalho, e vai ser fora de Ev concorri para outra CM no Seixal e vou ter que ir embora… ri-se… comprei esta casa em 2006 e agora vou arrendá-la, não consigo vendê-la … a L. gosta muito de estar aqui, embora não tenhamos cá família, a ligação dela é através de

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relações de amizade apenas e está a gostar muito da escola, 1º ano… eu sou de Lisboa e tenho lá família e ela sempre aceitou ir embora porque ia para ao pé das primas mas agora já diz que não porque tem mais amigos e afeiçoou-se… mas eu já a convenci… e ela vai perder esta vida de vizinhança aqui no bairro que eu acho que é óptima… eu nasci nos Olivais e andávamos tranquilamente a brincar na rua, era o meu cantinho verde e aqui eu arranjei este cantinho verde… a L. vai sempre para casa das amigas as amigas vêem sempre para aqui, ainda há bocado veio aí uma amiga a dizer que vinha brincar, há sempre esta relação aqui na rua e eu fico muito tranquila ou vão para este relvado da frente ou para o lá do fundo … vem a filha do PF chamá-la… é uma relação muito próxima e eu sei que ela não vai encontrá-la em lado nenhum – vai ser difícil, mas hei-de encontrar outras coisas diferentes – tenho um carinho enorme por este tempo, por esta casa e por este bairro… mesmo, mesmo, e depois também escolhi esta zona aqui do bairro por ser mais homogénea de nível cultural, como eu trabalho na CME entro muito nas casas da Hb por causa das vistorias aos cães, eu sou veterinária da CME, tinha medo de retaliações, ia fazer uma coisa um bocado ingrata … tirar cães por causa das condições, achei que este bocado não estava tão em contacto com o resto do bairro e por isso era a zona da Mª onde eu me sentia mais segura a viver… é preciso um bocado cuidado porque a Mª está um bocado ao abandono há umas zonas mais… acho que a CME não cuida tão bem… A casa… eu fui escolhendo assim os cantinhos, os cantinhos favoritos e tentar animar esses cantinhos para serem cada vez mais seus e mais confortáveis, houve aqui sítios na casa que eu gostei muito, ah! eu aqui quero estar… e é tentar aproveitar esses sítios… … divorciei-me há 3 anos, ainda estive um ano com o meu marido e com ela… (…) o F. (actual companheiro) só agora é que veio… chegámos os 3 mas depois quando ficámos as 2 eu senti-a muito mais vazia – foi uma grande diferença – o que eu fiz foi diminuir a casa a certa altura, aluguei um quarto porque me dava jeito em termos económicos e porque sentia a casa muito grande para nós, achei: vou ter que me empenhar para encher a casa, para lhe dar vida… não faz sentido, a casa é mesmo demasiado grande para nós… fiz uma obrazinha nesta janela que dá para o pátio para ficar com uma entrada independente e aluguei, mas por muito pouco tempo, e depois voltou a ser grande outra vez e não o voltei a abrir, ficou uma divisão fechada mesmo porque eu achei que não conseguia abarcar a casa toda e precisava diminuí-la para ficar mais ovo ainda… eu sinto que tive que me pôr mais na casa – para encher mais tinha que me vincular ainda mais a ela – e ficou melhor quando ficámos as duas, eu sinto que a casa melhorou muito – tive que me pôr mais na casa, tinha mais disponibilidade, tinha mais tempo… e por isso acabei por a mudar, ficou mais pequena mas senti que ficou mais minha, que olhava para a casa e me via mais nela, porque me dediquei mais a ela… fiz algumas mudanças na mobília, pus a cama no lado oposto, pintei as paredes, tenho que dar mais vida a isto… pôr quadros… experimentar, acho que era assim uma procura, tentar fazer o espaço mais agradável, mais vivo. Eu sentia essa falta da vida. Tive que pôr o meu escritório na sala que ficou mais concentrada – ficou com uma dupla função, sala-de-estar e escritório – que ficou com mais vida, ficou mais quentinha, estava a sentir assim necessidade … agora já voltou para lá, mas esteve ali até o F. chegar … … o F. trouxe o conteúdo de uma casa e isto ficou sem espaço… e eu aí senti – estou a ficar sem casa – porque eu perdi o meu espaço, porque era mesmo ficar sem casa… as minhas rotinas, aqueles espaços que são nossos… que a pessoa tem… os espaços desapareceram, entretanto tiveram que se criar novos espaços, foi gradual, mais pelas zonas que me faziam mais falta, a sala, o quarto, depois a cozinha … e fomos passando caixas de umas casas para as outras para tentar ter espaço para estar com alguma saúde, em termos estéticos também… porque ver caixas empilhadas em todo o lado é um bocado assustador, foi um período difícil sim… novos espaços que sejam comuns aos dois em que temos que partilhar o gosto e maneiras de estar semelhantes para poder encontrar esses espaços partilhados… eu acho que consegui manter aquilo que precisava, eu já sabia muito bem o que este sítio tem que ter – dizia logo – este sítio não sai daqui

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– aqui o sofá tem que estar neste sítio, eu preciso deste espaço aqui, tem que haver qualquer coisa aqui onde eu esteja… porque eu sabia que esse espaço era necessário para mim, portanto consegui manter esses espaços que eu já sabia ser essenciais desde o início que eu comprei a casa, havia zonas que eu tinha que ter e mantiveram e agora já consigo ter esses cantinhos meus – era giro, porque são sítios para onde o F. não vai, respeitou, manteve está lá (ri-se)… temos é que saber o que queremos e depois negoceia-se… INQUÉRITO… tenho queixas em relação à maneira como a CME governa este bairro, gosto mais deste que qualquer outro bairro em Ev… não quereria viver noutro… eu deixo a porta sempre aberta, do portão e da casa… mesmo quando vou trabalhar, mas não diga nada a ninguém… as condutas aqui não as vejo mas não são assim muito bonitas… com o estacionamento não estou nada satisfeita, tenho que estacionar aqui na terra… não há estacionamento… embora eu ouça os vizinhos há casas piores, os andares são piores… com a entreajuda estou muito satisfeita, ando sempre a pedir ovos e farinha… 4 Mªs vivo na melhor… é a mais organizada… e mais bem cuidada como por parte das pessoas que cuidam das casas, como por parte da CME … CAF3 (♀) E CAM3 (♂) Então… eu cheguei aqui a esta casa… não sei.. quantos anos? … 2000… não, antes… 99. E vinha de um bairro que eu gostava muito… tinha muitas laranjeiras, tinha uns quintais cheios de laranjeiras e as ruas também cheias de laranjeiras, o que era muito perfumado na altura das flores e tinha muros baixos, as pessoas conversavam umas com as outras por cima dos muros e quando cheguei aqui a este bairro fez-me um bocado de impressão os muros serem muito altos e não se poder conversar com os vizinhos, realmente, concretamente essa é uma das questões que me chocou mais. Mas de alguma forma vim para este bairro, vim para esta rua e para esta casa também porque quis, foi uma escolha, apesar de ter os muros altos e não ter laranjeiras, tinha umas árvores ali à frente. Basta-me abrir a porta e ter uma série de árvores… púbicas, mas que posso tomar como minhas, visto que não podia comprar uma casa com um quintal com árvores ou com espaço para as pôr, que era esse o meu projecto. Como não tinha dinheiro para isso procurei um sítio onde houvesse árvores públicas. E então vir para a Malagueira… eu vim muitas vezes ver casas nesta rua, porque era das poucas ruas que eu conhecia… onde eu poderia viver aqui na Malagueira, sempre achei que tinha que vir viver para esta rua e que noutra rua da Malagueira não viveria porque me faz impressão os muros altos e a proximidade das casas umas com as outras e os carros a encher as ruas e as ruas estreitas cheias de carros e de muros altos. Como esta rua só tem casas de um lado, e tem um jardim em frente, acho eu que tem uma relação diferente com o espaço exterior. Como é que me adaptei com os vizinhos e com a casa? Com os vizinhos adaptei-me muito facilmente, principalmente com a vizinha do lado que logo passados dois dias de estar aqui a viver me veio bater à porta e oferecer-me umas flores do canteiro dela, o que quebrou aquele gelo inicial de mudar para uma rua nova; entretanto com os outros vizinhos da rua, alguns… até há puco tempo nem sequer sabia quem eram, pronto passam aqui uns carros, há uns carros parados às portas mas realmente não havia a vivência da rua, desse espaço, deste espaço nosso, cada um sai de dentro do seu carro para dentro da sua casa e pronto. A relação com a casa, a relação com a casa não foi fácil… eu também vivo numa casa, como já reparaste, é uma casa especial aqui do bairro da Malagueira. O interior da casa não cumpre… não é muito comum, das casas da Malagueira que eu conheço, não tem muitas… foi feita com materiais diferentes e tem características diferentes, nomeadamente na organização do espaço no primeiro andar, aqui no rés-do-chão não sei, mas no primeiro andar sim… e custa-me um bocado… e talvez porque eu inicialmente conhecesse as casas da Malagueira, fiquei um

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bocadinho decepcionada com esta: não gosto da escada de mármore, gostava mais que a escada fosse de madeira… pronto havia certas… não tem armários nos corredores do primeiro andar, que as outras todas têm, armários enormes, esta não tem, tenho eu que fazer montes junto às paredes… e pronto e como também não tenho muito dinheiro para a adaptar, tem sido adaptada a pouco e pouco. Gosto da relação da casa-espaço, principalmente aqui do rés-do-chão e do pátio, agora é Inverno, mas no Verão é uma segunda sala. Tem mesas, tem cadeiras… é um espaço de convívio e de trabalho, muitas vezes de trabalho, leva-se o computador ou um livro está-se ali fora… Em relação à relação com a vizinhança: este ano passado fizemos uma festa, a festa da Rua do Pomar – “a festa da nossa rua” – era assim que se chamava: “a festa da minha rua”. Porque entretanto três pessoas, duas famílias, nós e outra, achámos que devíamos fazer uma festa O desafio foi colocado por outra família, nós aceitámos, desafiámos aqui a nossa vizinha do lado, e os três organizámos uma festa. Fizemos uma festa, convidámos todos os vizinhos, convidámos também outros amigos, convidámos uma banda de música, pusemos um barril de imperial e ocupámos o jardim ali da frente e foi um convívio muito interessante, todas as pessoas ficaram muito felizes por se poderem olhar nos olhos e por poderem conversar umas com as outras, coisa que nunca tinha acontecido, apesar de vivermos aqui todos há muitos anos. No entanto, espantosamente… isto aconteceu em Setembro e desde Setembro até agora, Janeiro, voltámos a não nos encontrar outra vez, não nos encontramos outra vez, eu já nem tenho a certeza se sei quem são… sim, sim, agora já sei… mas voltou outra vez esta ideia de que deixámos de nos encontrar, já não nos vemos outra vez … portanto vamos ter que organizar outra festa ali no jardim em frente para nos voltarmos a ver todos. Mas… penso que também … são um conjunto de pessoas que tem outras perspectivas perante a vida. Há um conjunto de pessoas nesta rua, não são todas, mas que têm uma perspectiva diferente, mais actuante sobre a vida que tornou isto possível. Imagino eu que não seja possível agora no Bairro da Malagueira neste ano e no próximo as ruas se organizarem todas e terem o dia de sua rua e conviverem sãmente… não será fácil, mas era bom porque é bom que as pessoas se encontrem e se olhem, principalmente se vivem na mesma rua… Do bairro, eu gosto do bairro, tenho pena realmente que ele seja muito fechado, é a minha questão… que os espaços públicos não sejam usados, que a relva aqui em frente não é usada, à excepção dos cães e das crianças que aqui passam para ir para a escola. Felizmente já há uma escola aqui que faz com que as crianças passem por aqui para irem para a escola, porque quando não havia nem isso acontecia. Não sei esta ideia de dormitório é muito clara. As pessoas vêm para aqui para dormir, não há vida de bairro. Também estou feliz, espero que sobreviva durante muitos anos a mercearia ali da avenida porque também foi uma coisa que foi muito difícil de ter aqui no bairro, um sítio onde se comprasse pão, onde se comprasse fruta, que as pessoas saíssem sem ser para ir para longe para o supermercado. E tenho pena, tenho pena porque de facto o bairro está pensado com espaços verdes, eles poderiam ser… posso achar que são os mais adequados ou não, mas ainda assim ele foi pensado com espaços exteriores, espaços verdes, espaços de convívio… e na realidade isso não acontece, não sei porquê, pergunto-me porquê e acho que a tua investigação faz todo o sentido, principalmente se conseguires encontrar algumas respostas. [Nasceu em 1969] … Na Golegã, sou da borda d’água. Nasci na Golegã mas cresci em Benavente, que também é à borda d’água, embora na margem sul, venho de uma zona de lezíria, de muita água, de cheias, muito verde e com 19 anos ou 20… 20, vim viver para Évora, vim estudar para Évora e fiquei. Inicialmente vivi no… Largo de Avis, numa casa de uma velhota, ela tinha um poço, era uma casa mesmo junto às muralhas: tinha uma horta pequenina, um poço, uma cozinha antiga e… cozinhava assim… de vez em quando convidava-me para comer da comida dela que era uma coisa que me dava muito prazer.

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Depois… já não fazia muito sentido estar a viver num quarto alugado numa casa de uma senhora. Juntei-me com a minha irmã e uma outra companheira e fomos viver para uma casa fantástica que acho que nunca tinha sido habitada, que era tipo segunda habitação de uma família aqui de Évora, que tinha uma casa mesmo no final de quando a placa para a estrada da Igrejinha diz que acabou Évora, tinha aí uma casa: uma vivenda toda moderna mas que era muito engraçada porque tinha muito espaço verde à volta e dava assim uma vivência interessante e sendo um dormitório – porque a gente vivia no centro da cidade estávamos a estudar no centro e íamos dormir só, era muito agradável porque… lembro-me principalmente dos Sábados de manhã e dos Domingos de manhã, principalmente dos Domingos, de sair de casa de bicicleta de pijama ainda e ir de pijama andar pelo meio do campo de bicicleta, dava-me um prazer enorme. E gostei muito de viver ali naquela casa. Depois saí daquela casa e fui viver para o centro histórico porque isto de raparigas novas a viverem em Évora, se viverem no centro histórico é melhor, depois podemos sair à noite e não temos que chamar um táxi para ir para casa que sai muito caro e então fui viver para o centro histórico, para a Rua das Fontes. A Rua das Fontes era a rua com mais vizinhança e com uma vizinhança mais interactuante que já conheci. A rua era muito estreita e as janelas do primeiro andar davam mesmo para a janela da vizinha da frente. Era possível ver a vizinha da frente e estudá-la enquanto caso psicológico, porque ela era completamente louca, fanática das limpezas, não via o pó e tinha comportamentos estranhíssimos e para mim e para a minha colega que éramos actrizes, era fantástico estudá-la: os comportamentos dela, os gestos, a forma de olhar, a voz. E era muito fácil porque nem precisávamos de dar nas vistas, bastava só encostarmos a cabeça à janela que víamos tudo o que se passava na rua e dentro da casa dela, quando ela tinha as janelas e as portas abertas. Tínhamos outros vizinhos da frente também muito simpáticos, um casal velhote, simpáticos, com quem conversávamos sempre. As nossas vizinhas do lado eram estudantes universitárias que eram as vítimas da nossa gata, porque a nossa gata saía pelas janelas da nossa casa e entrava nas janelas da casa delas e roubava-lhes o peixe e os bifes que elas tinham descongelado naquele dia para o almoço e depois elas vinham e dizia-nos: “ah… coitadinha da gata, não faz mal”. E era assim, tínhamos uma mercearia do senhor Pacheco e quando nós de manhã, ao Sábado de manhã, não nos levantávamos cedo ele antes de se ir embora atirava-nos o pão pelo postigo para não ficarmos sem pão durante o fim de semana. Enfim tínhamos aí uma relação muito particular com os vizinhos: respeito, de partilha, de conversa…foi muito agradável o tempo em que vivi nessa casa, tinha um problema que era não ter um pátio nem ter um quintal, não tinha uma árvore, não tinha um jardim, isso era uma coisa que a mim me custava muito. As casas dos ricos têm pátios, jardins; alguns até têm quintas enormes lá dentro, ouvem-se os pavões a cantar e as vacas… mas os muros são altos e a gente não percebe o que é que está lá dentro, deve ter sido aí que o Siza Vieira se inspirou para fazer estes muros assim. Então, como eu não era rica e não podia ter uma casa com quintal pensei: vou sair do centro da cidade e vou viver para o campo. Então fui viver para uma casa fantástica ali no Alto de São Bento, na Quinta de São Caetano, é possível ir de bicicleta para lá, era a subir, uma parte do caminho a subir, depois outra parte, uma ladeira a descer, fantástica e o mesmo de regresso quando vínhamos para a cidade. Então aí, já vivia com o meu companheiro, com o -- e fomos viver então para o campo. Era muito agradável, a gente gostava muito de viver ali porque era mesmo ao pé do Feira Nova, das traseiras do Feira Nova. Então a gente não tinha carro, tínhamos bicicletas, íamos a pé até ao Feira Nova, pelo campo, depois saltávamos o muro do parque de estacionamento do Feira Nova, entrávamos de mochila às costas e íamos às compras. Portanto a nossa relação mais da necessidade do contacto mais urbano até essa a gente tinha resolvido ali feita pelo campo. Pronto e ali estendíamos a nossa roupa num estendal enorme, grande, com vento, tinha uma nascente, tinha sempre água, água sempre a correr o ano todo, de Verão e Inverno, foi a primeira

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vez que eu vi rouxinóis a cantar. E gostava muito de viver naquele sítio, só que a casa devia ter sido uma antiga adega, era junto à parede, tinha pedras que saiam das paredes, enormes, era muito húmida e então o cabedal, os livros, tudo ganhava bolor de uma semana para a outra, era horrível. E depois eu fiquei grávida e não suportava aquele cheiro a humidade e tive que sair, com muita pena minha. E já lá tinha plantado um limoeiro e tudo no jardim, tive que abandonar o limoeiro recém plantado e sair de casa. Foi então que fui para a tal casa da Rua Pedro Álvares Cabral que começou a nossa conversa. Que era a casa que tinha muitas laranjeiras, cada um de nós tinha uma laranjeira no quintal. … Pedro Ávares Cabral não sei como é que aquilo se chama: É na chamada Nau, o Bairro da Nau… Garcia de Resende, tem a escola, tem a escola Garcia de Resende, exactamente. A minha primeira filha nasceu lá nesse Bairro de Garcia de Resende e eu vim viver para esta casa quando ela tinha dois anos e meio ou três anos. E depois nasceu aqui o segundo filho. [Alterações à casa] [Não fez muitas] Esta casa é um T4. Eles dormiram juntos no mesmo quarto até há dois anos, altura em que achámos que ela devia ter o quarto dela, até lá eles estavam sempre juntos e agora só recentemente é que têm um quarto para cada um… Temos três quartos no primeiro andar. Alterações à casa, não, não, não fizemos. Eu custa-me muito que a casa tenha pouca luz, por exemplo… é de manhã e já temos que ter a luz da sala acesa. Já pusemos esta porta envidraçada, exactamente, para resolver a questão da luz, mas eu também acho que inicialmente o projecto do Siza Vieira pressupunha que isto fosse tudo aberto. Sem portas grandes… A marquise era toda envidraçada no projecto dele e aqui ficou… pois eu penso que as adaptações que o desenhador desta casa fez, prejudicaram a casa, quer dizer, eu acho que ela piorou… [o nome] desse desenhador? Não faço ideia… Mas isto foi completamente mudado. Eu acho que mantem muito pouco… quer dizer mantem em termos da organização do espaço, é a mesma, a cozinha, a sala, a organização é a organização do Siza mas depois os detalhes, os materiais e os detalhes não têm nada que ver. Eu acho que nenhuma casa… por acaso é a única coisa que eu gosto desta casa por não ser do Siza Vieira, é o facto de ser estucada, porque eu gosto imenso dos tectos estucados que é uma coisa que nenhuma casa do Siza Vieira tem, estuque, e esta é toda. As do Siza são ásperas que é uma coisa que me faz um bocado de impressão… as paredes serem ásperas, e esta felizmente não é. É a única alteração que eu gosto. Tenho pena do Siza não ter… pronto eu sei que era para poupar dinheiro, que a ideia era fazer casas baratas, mas as paredes ásperas é uma coisa que a mim me incomoda imenso, na tua própria casa não te poderes encostar à parede sem te arranhares, custa-me. Aqui não, aqui é fofinho. CAM3 (♂) Então eu vim… já agora também falando assim mais num passado mais anterior… então eu nasci na magnífica década de 60, quando andava o mundo a curtir a libertação, em 64… e nasci em Portel uma vila aqui perto e portanto a minha viagem foi pequenina, foram só 40 kms. mas vim até Évora para aí com 10 anos comecei a viver por aqui ainda com um pé lá outro pé cá… mas entretanto… eu tinha nascido numa horta, o meu avô tinha uma horta, portanto nasci num meio mesmo rural. E entretanto cheguei a Évora e fui para o centro histórico de Évora. [Fez a instrução primária em Portel]. Andava por aí pelo campo…[iam à pesca?] não porque nós éramos vegetarianos, a minha família era vegetariana.. então não comíamos carne nem peixe… sim era esquisito, não era costume não, éramos os únicos. O meu avô era vegetariano e fazia questão de obrigar a família toda a seguir a sua… ele estaria ligado a grupos espíritas… pois, não o conheci muito bem porque pronto, morreu cedo e eu não o cheguei a conhecer… essa parte da minha família, que era a parte do meu pai … meu pai morreu quando eu era muito jovem, bebé, portanto depois a minha mãe

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afastou-se um bocado dessa parte da família e o meu avô morreu também ainda era eu muito pequeno… portanto sei de histórias que a minha avó era médium, que o meu avô fazia sessões espíritas em casa, depois o Salazar proibiu essas coisas, a Associação Espírita Portuguesa foi proibida e essas práticas acabaram. E o meu avô era vegetariano porque tinha sido tratado por um médico italiano, Collucci, que chegou a Lisboa nos anos 40, 50… não sei quando ele chegou, que o meu avô tinha uma doença que ninguém o curava , e esse médico curou-o com a alimentação e ele ficou fanático do vegetarianismo; e então como tinha uma horta passámos a comer só os produtos da horta, pronto tínhamos bastantes coisas e pronto era assim um homem muito idealista… ovos e leite, claro, ovo-lacto-vegetarianos, vá. E mantivemos isso e foi interessante. Éramos assim umas aves raras no meio daquela vila mas pronto, vivíamos bem integrados, claro com toda a gente. E entretanto quando vim para aqui vim para o centro histórico com a minha mãe e os meus irmãos, andar no liceu, aquelas coisas que não havia em Portel, vim para cá para isso, para estudar… para continuar os estudos, e vivi no centro histórico, corria o centro histórico de uma ponta à outra desde muito novo, é quase como uma casa dentro das muralhas, a gente sente-se protegidos, … e na altura então havia muito menos trânsito, muito menos confusões, eu desde muito cedo percorria a cidade toda de lés-a-lés com os meus amigos e sentíamo-nos, pronto, dentro de uma grande casa. [Espaço] urbano porque também estudava no centro histórico que era o Colégio de Espírito Santo que era o Liceu Nacional de Évora… Vivi lá os últimos anos em que aquilo foi liceu, que depois passou… quando o Cavaco Silva construiu uma série de … esta escola nova, que entretanto já é mais… bastante velha… aqui a André de Gouveia aqui fora, portanto o liceu nacional de Évora foi transferido para aqui e deixou de haver Liceu Nacional de Évora e passou a haver a Escola Secundária André de Gouveia e aquele espaço passou a ser a universidade, mas até lá era um liceu onde andou a minha mãe, onde andou a minha irmã e o meu irmão, portanto era assim o sítio de referência da família que tinha estudada no Colégio de Espírito Santo e era um privilégio estudar naquele espaço, naqueles claustros, naquelas coisas... era uma energia boa. E depois vivia aqui no centro histórico… entretanto… vivia no centro histórico também com muitos amigos… quando comecei a trabalhar no Teatro Garcia Resende, no CENDREVE, trabalhei praticamente lá 10 anos, … de 81 a 93, isto incluindo a formação, porque eu saí da escola secundária… em 93 foi quando trabalhei no CENDREVE, trabalhei e estudei,… fiz o curso de formação teatral, comecei a trabalhar, portanto vivia em casas com amigos, com os colegas de trabalho, com malta com quem tocava viola… casas de rapazes, vá praticamente… assim aquelas quase repúblicas em que a população ia mudando, casas alugadas no centro histórico, aquelas casas sem grandes condições, sem contractos de arrendamento que ainda hoje existe muito disso, em que os senhorios se aproveitam muito da população jovem…. Vivi em várias casas assim. Quando conheci a -- conheci-a quando ela vivia naquela casa que tinha a placa a dizer «Évora acabou», na estrada da igrejinha… Isto foi … ai meu deus… foi há quase 20… nós fazemos quase 20 anos de estar juntos. Não de casados porque não nos casámos, mas sim. E conhecia-a nessa casa e comecei a ir de bicicleta ter com ela porque ela estava na escola de actores que funcionava na companhia onde eu trabalhava, no CENDREVE e conhecemo-nos aí: ela a aluna da escola e eu actor da companhia. E começámos a encontrar bastante e a querer estar um com o outro, sempre. E então comecei a conviver com ela nessa casa, entretanto fui viver com ela para outra casa para onde ela se mudou com uma colega da escola de actores. Eu fui viver para lá com ela, para o centro histórico. Vivi com ela nessa casa do centro histórico bastante tempo, que era a tal que tinha uma vizinha da frente esquisita com a mania das limpezas. E vivemos nessa rua, fui muito interessante. O centro histórico é muito acolhedor, a gente sente-se como… quase um Portugal dos Pequeninos, vai assim quentinho… as pessoas falam-se, saem de casa e estão logo a bater com o nariz na porta da frente portanto não é possível fugir, as pessoas estão mais em casa porque há

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mais população… idosa que não tem uma ocupação com um horário rígido, que estão em casa com os netos e as pessoas convivem um bocadinho mais. Há a mercearia onde a gente tem que esperar meia hora para ser atendido e entretanto conversa-se. Não é a coisa de hoje de ir ao Modelo a correr com um carrinho, desviem-se faz favor, e há aquele espaço para conviver. Depois vim viver com a -- para esta casa aqui na quinta de S. Caetano que era muito interessante… sair da muralha é muito interessante porque de repente começa-se a respirar, é outra maneira, vê-se a cidade de outra maneira. E nós tínhamos tido também umas quantas questões com o poder local na tentativa de pôr o nosso projecto de teatro a funcionar e não conseguíamos e não conseguíamos e o poder local não nos dava… pronto não nos aceitava, não nos permitia ter um espaço para trabalhar e nós a insistir e quando conseguimos esse espaço que foi também fora das muralhas, viemos aqui para a escola primária do Alto de S. Bento, donde se vê a cidade ao longe e viemos morar para fora das muralhas e sentimos assim uma certa… uma sensação boa de ver de repente, olhamos para a cidade que é ali ao fundo, vamos lá quando queremos… e percebemos que aquilo realmente tem ali uma energia: por um lado pode bom e acolhedor, por outro lado pode atrofiar e prender. E então aqui de fora, mesmo o nosso trabalho criativo, como já fazíamos teatro os dois juntos quando morávamos lá dentro, começámos aí a companhia do Pim, um bocado contra tudo e contra todos, assim a tentar … com a ajuda de particulares, a tentar fazer teatro numa casinha aqui, tudo dentro do centro histórico, a tentar sair para itinerâncias sem ter carro, sem ter transporte, pronto enfim… mas quando saímos da muralha para viver e para trabalhar, de repente respirámos e percebemos que aquela muralha oprime um pouco as pessoas. E aqui no bairro da Malagueira respira-se bem… quando chegámos a esta casa foi mesmo a pensar vamos ter filhos… temos um filho queremos ter outro ou vamos ter outro… ou talvez tenhamos outro, não foi nada planeado. E depois o outro nasceu aqui. Queremos um espaço onde eles possam correr, brincar, queremos um espaço onde possam ir a pé para a escola e vão a pé para a escola, queremos essa qualidade de vida, queremos ter verde quando abrimos a porta. Encontrámos a Escola do Alto de S. Bento para trabalhar, com imenso verde à sua volta com uma quinta belíssima nas traseiras só com árvores e a ouvir-se os pássaros e passam as ovelhas e as vacas, podemos tocar nas vacas e sente-se, o trabalho corre de uma forma muito mais (sem falhas???) Damo-nos com os vizinhos da casa ao lado… entretanto a casa do nosso outro lado é uma casa que tem uma população muito instável: quando cá chegámos vivia uma família, uns meses depois ou não sei se chegou a mais de um ano, saiu essa família, ficou muito tempo desocupada, veio outra família uns anos depois esteve mais um tempo, foi-se embora, veio outra, foi-se embora... Destas famílias houve uma com quem ficámos com uma relação muito boa e ainda hoje temos, já cá não moram. Entretanto construíram outra casa aqui em Évora, a qual já venderam e já saíram de Évora mas continuamos a ter uma boa relação com eles.., Voltaram para Lisboa porque infelizmente não conseguiram…Eram de Lisboa estavam a fugir à cidade e vieram construir uma casa no campo, tinham dinheiro porque tinham vendido terrenos perto de Lisboa, compraram um terreno nos Canaviais, que é a zona norte de Évora, onde há boa água e onde há muitas quintas, compraram uma quinta muito velha sem construção quase nenhuma… pronto e eles construíram a casa com materiais tradicionais, não puseram nenhuma pinga de betão, eram assim uns idealistas, fazer uma construção com as argamassas antigas, ainda dos romanos…Ele é arquitecto e ela é de agricultura. Portanto ele fez uma horta magnífica, biológica… e depois não conseguiram manter-se aqui porque os filhos já são muito crescidos… enfim questões pessoais. Eles eram ligeiramente mais velhos do que eu: eu tenho 47 eles teriam 50 e pouco. Mas não conseguiram, vieram muitos problemas… e tiveram que sair daqui porque o trabalho estava lá… pronto não conseguiram manter-se estando aqui. Com muita pena deixaram horta, deixaram casa, puseram à venda e foram-se embora Ainda hoje temos uma grande relação com eles e chamamos vizinhos, ainda hoje, porque estiveram um ano praticamente aqui ao nosso lado. E eu tive… quando saí de

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casa um dia e vi um camião de mudanças, e umas pessoas a entrar e a sair a tirar coisas de um carro, passei por eles e disse «olá», acho que estendi a mão e dei um passou-bem àquele homem que não conhecia de lado nenhum, e disse-lhe «bem-vindo à Rua do Pomar! Olha sou o vizinho do lado, se precisares de alguma coisa, não sei quê…», coisa que já tinha feito com outros que tinham estado antes e pronto… deu-me aquela de… que às vezes nem me dá… esta sociabilidade também nem sempre me dá. Pronto mas acho que me dá a maior parte das vezes… Não sei, às vezes sou assim um bocado metido para dentro... é mais fácil seguir... Talvez seja a [natureza] do Alentejo sim, é uma desconfiança, quem é este que aí vem? … porque são muitos anos de levar porrada… dos gajos de Lisboa que vêm… pensam que são melhores. É um certo tipo de complexo de inferioridade misturado com um orgulho, este sofrimento de não ter nada, um bocado espoliado de tudo, os senhores que vêm de jeep. Quando vemos alguém assim chegar à nossa rua, eu contrario isso, sinto que tenho essa natureza e contrario-a, contrario-a porque acredito…pronto li umas coisas e… Nós temos esse às vezes conflito entre nós os dois de nos equilibrarmos por isso, porque somos diferentes eu e a --, … ela é mais expansiva, e muitas vezes eu… prefiro, se tenho algum tempo livre, ficar sozinho, tenho essa necessidade, fechado ali no meu escritório, pegar na minha violinha, pôr-me de volta de umas musiquinhas. A Agustina Bessa Luís diz que em Portugal há duas coisas, eu não sei agora dizer exactamente as palavras dela, duas coisas grandes e… que adjectivo é que ela usa, que é Trás os Montes e o Alentejo, um pela sua extensão a perder de vista, e o outro pela agressividade da montanha e pela majestade da montanha… são duas coisas majestosas, … esta extensão… E aqui é a extensão, é os quilómetros de sol em cima, é o trabalho sem sombrinha, com pouca água, pronto é outra dureza, não é? Aqui são gerações… de escravos, praticamente. (o que fizeste para tornar a casa tua?) ELE - Ora bem… pois no fundo eu não sou muito de estratégias nem de programações, acho que as coisas… acredito, se calhar é um bocado também alentejano, que as coisas vão andando, que as coisas vão surgindo. E realmente os cantinhos da casa vão nascendo, às vezes por um acidente ou… agora tivemos a dormir cá duas pessoas na passagem de ano, fui arranjar aquelas duas cambalhotas, são dois sofazinhos que se desdobram, ficaram ali, não estavam ali, estavam ali só almofadas, agora gostámos e eles ficaram ali vamos lá ver até quando é que estão ali… são coisas que vão surgindo e que vão ficando e são coisas que são herdadas… aquela salamandra que aquece a casa era dos avós da --, ela deu-nos a salamandra, ó, temos uma salamandra… vamos tendo as coisas que vão aparecendo, não vamos assim… não pensámos assim… vamos decorar a casa, e pôr este móvel e aquele…as coisas vão-se somando. Os quadros nas paredes são dos nossos amigos e familiares, aquela tapeçaria é da irmã da --, temos uns quadros do Frederico Mira que era um artista plástico que trabalhou connosco muitos anos no teatro, no Pim Teatro e que oferecia quadros, depois há trabalhos dos nossos filhos, portanto a casa vai-se tornando habitável. Agora assim transformações isso é mais a -- que visualiza… pronto aqui foi para proteger a escada que era um bocado esquisita, não tinha um corrimão e de repente há um vão grande que as crianças podiam cair para cá, pensámos: vamos fazer qualquer coisa e então fizemos esta estante em madeira que serve para arrumar coisas e ao mesmo tempo protege os nossos filhos. (quem foi que a desenhou?) Talvez tenhas sido tu --, não foste? Quem é que teve a ideia? Foi o carpinteiro que era um carpinteiro artista também. ELA - Quem a desenhou foi o carpinteiro. Eu disse que queria aqui uma estante… Lembras-te que eu queria pôr algumas coisas de vidro para não caírem para cá mas queria pôr de vidro colorido, ficava mais caro, tinha que se pôr caixilho. ELE - Pensámos em pôr um chão mais confortável, pôs-se este linóleo colorido. Imaginámos um… pedimos também ao nosso amigo Frederico Mira que desenhasse uma mandala, ele desenhou uma mandala e ficou este desenho no meio da sala. (…)

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ELE - Sim porque nós já andámos mais metidos nesse mundo e agora andamos um bocado afastados e fez-nos bem…fizemos yoga durante uns anos, ainda fazemos de vez em quando, quando há possibilidade, fizemos meditação, fizemos retiros budistas no Caruna no Algarve, fins de semana maravilhosos com os mestres tibetanos…é dessa fase vá, digamos assim. Mas pronto a casa vai nascendo… A casa é pequenina e eu precisava de um sítio onde… mas acho que já o descobri que é ali o meu escritório, que é um bocado caótico, é pequenino mas é o sítio onde está a minha viola, está o meu computador, onde eu posso dizer aos amigos dos meus filhos «aqui não entra ninguém, ouviram?». (quantas zonas da Malagueira é que existem?) ELA - Eu acho que há para aí umas 5 Malagueiras: sim, então há uma primeira que é esta aqui onde a gente vive… esta? Pode ser a VIP; depois há uma Malagueira média, que não tem este acesso ao exterior que nós temos, …esta é a VIP porque temos estas relvas e ali o outro lado também há uma Malagueira destas também… aqui por trás já é pior, não é? Depois a partir daqui começas a ficar longe… e então aquela ali em cima tem uns estacionamentos merdosos, aquela ao pé das piscinas, embora tenha ainda qualidade de vida… tem segurança… depois há uma Malagueira que tenta fazer a convivência intercultural; depois há uma Malagueira supostamente que é já dos ciganos e dos tendeiros mas que consegue ainda conviver e depois há uma Malagueira completamente degradada. (Há 10 anos, quando chegaram, havia crianças a brincar na rua?) ELE - Não. Talvez nunca tenha havido, palpita-me. Aqui na nossa rua?... Não. E há crianças a viver mas… agora, sim. Quando nós chegámos já havia crianças na rua, havia crianças muito pequeninas. … ELA - Havia crianças: lá ao fundo, aquela miúda tem para aí mais 3 anos do que a --, havia estes miúdos aqui… ELE - Havia 2 ou 3 crianças mas não se viam a brincar na rua, os pais não querem que os filhos vão ali para a relva. E o nosso filho nasceu mesmo nesta casa… Parto ao natural da Malagueira …o malagueirense… ELA - Eu acho que há destas Malagueiras todas que eu acho que há muitas, eu até acho que deve haver mais do que cinco, eu acho que há Malagueiras onde há crianças a brincar na rua… ELE - Mas realmente vê-se isso acontecer nas zonas menos arranjadas, menos qualificadas, nas zonas de terceiro mundo da Malagueira, isso vê-se, e nas zonas bonitas e relvadas e com qualidade, não se vê. Vê-se adultos a passear cães a fazer o seu cocozinho na relva, e nas zonas onde estão por construir coisas, onde há coisas em betão, com ferros ferrugentos a sair aí estão crianças a brincar… pronto é estranho. ELA - Eu penso que é capaz de ter havido aqui há 20 anos atrás deve ter havido crianças a brincar na rua. … A minha opinião é que o bairro não convida, a organização do bairro, provavelmente, eu não reflecti sobre isso o suficiente mas imagino da mesma forma que nós temos essa dificuldade em encontrar os vizinhos, imagino que há qualquer coisa aqui na organização disto que não convida à vivência do espaço público mas também vivemos um tempo em que cada vez mais… os adultos não deixam as crianças sair, e que cada vez mais as crianças têm coisas muito atractivas em casa e têm uma vida mais sedentária… há várias razões, por exemplo o facto de não estudarem na escola do seu bairro e de irem estudar para a escola x ou y por critérios sabe lá deus, uns mais defensáveis que outros, esse facto faz também com que as crianças não se conheçam, as crianças da minha rua não se conhecem porque não frequentam a mesma escola…. Se fossem para a escola sozinhas acabavam por se encontrar nos caminhos da escola, …como nos acontecia a nós. O facto de elas irem para a escola com os pais levadas, transportadas sabe deus para onde, não é, faz com elas nem sequer se conheçam e a verdade é que não se conhecem. Os miúdos que vivem nestas ruas aqui não se conhecem. O Barnabé tem um colega que mora duas ruas para trás e nunca brinca com ele a não ser na escola, o que é um absurdo.

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Eu acho que tem a ver com os pais das crianças. As crianças estão cada vez mais preguiçosas mas a verdade também é que os pais não as deixam sair. É uma das razões por que vim viver para aqui foi exactamente essa, a pensar: eu tenho filhos, vou ter mais, não quero que os meus filhos vivam dentro de quatro paredes o dia inteiro... se eu não posso ter o meu próprio jardim, o meu espaço de ar livre onde elas possam brincar, então tenho que ir para um sítio onde haja um espaço de ar livre público que elas possam usar. E os meus filhos usam: estão aqui em casa ao fim de semana, estão com os amigos a brincar a dada altura eu digo: vá vá, vão para a rua. Se eles não vão, se eles não têm iniciativa de ir eu digo-lhes: está na hora de irem arejar, vão jogar à bola, se é no Verão vão apanhar amoras, vão passear o cão, vão pôr o lixo aos contentores, aos Ecopontos, portanto eu faço com que eles saiam, porque eles se calhar muitas vezes também são preguiçosos e preferiam ficar agarrados ao computador o dia inteiro, mas muitas vezes são eles que se lembram de ir porque já estão fartos de estar em casa e lembram-se de sair. E nós viemos viver para aqui exactamente por ter esta relação: abrimos a porta e a relva está já ali, ainda por cima temos esse… Tivemos muita sorte. Nós viemos ver uma… isto é o número 4, nós viemos ver o nº 14 ou o 18, desta rua. Era muito cara, era mais cara do que… tinha menos um quarto. A nossa custou 16 000… contos… há 10 anos a --- vai fazer 14… há 11 anos ou mais. E uma das coisas que nós fizemos que a casa não tinha e que é projecto original do Siza é a porta rasgada, a porta que faz janela… ELE - A gente fê-la há relativamente pouco tempo, tendo em conta o tempo que aqui estamos… ELA - Há 3 anos ou 4… Fomos exactamente porque para as crianças brincarem na rua dá-nos muito mais jeito ter o postigo, a janela aberta e elas metem a mão e entram e saem, do que termos a porta escancarada. ELE - E vê-se passar os vizinhos no Verão, a gente janta quase sempre ali fora no Verão, de almoço não se pode com o calor estar ali fora, pode porque temos uma trepadeira…ah fizemos uma malandrice, não sei se já explicaste, uma alteração à casa importantíssima, não falaste do teu pelouro, que foi lá fora na rua arrancaram-se não sei quantas pedras… muitas, ao pé da parede, não se pode, acho eu, e plantou-se, plantou-se e plantaram-se estas trepadeiras magníficas que vêm cá para dentro fazer sombra, cá dentro não tínhamos chão suficiente para ter raízes… ELA - Sim, porque isto tem um problema que são as fundações estão junto ao sítio onde estão os canteiros, portanto muito dificilmente se consegue fazer um jardim, é mesmo um pátio, isto foi feito para ser um pátio, não foi feito para ser jardim. ELE - Isto para dizer que jantamos e almoçamos ali às vezes, no Verão quase sempre.… E o que é que fazemos? Se abrimos o postiço reparamos numa coisa que acontece de interessante: corremos o risco de vir mais alguém juntar-se a nós, porque os vizinhos que passam, … os dois ou três vizinhos com quem a gente tem alguma intimidade, que vão passear ao fresquinho e a gente está ainda a jantar ou a terminar o jantar… “Eh eh olá, entra aí, anda beber um cafezinho…” e já aconteceu várias vezes por termos o postigo aberto há mais alguém que se junta e se o postigo estiver fechado não há ninguém que se junte, ninguém vai bater à porta porque tem vergonha assim. Porque (o postigo) permite ter intimidade mas permite abrir, pronto, tem as duas hipóteses, o que para os ensimesmados alentejanos é importante quando precisam… ELA - Só querem abrir às vezes e então assim podem escolher quando é que querem abrir. ELE - O espaço terá mais ou menos… tem elementos que davam bons filmes… tão diferente e unida por uma conduta, tantas Malagueiras… portanto são subdivisões daquelas que eu disse das três, o facto de ter… aqui ao lado já está outra Malagueira, é que elas não estão muito longe umas das outras: estas várias Malagueiras, desde a VIP à do terceiro mundo estão paredes meias… porque nós estamos aqui na VIP mas damos ali voltinha onde se vem de carro para cá e está uma zona de um bloco que não foi construído nunca, com ferros, está aqui a menos de 100m e onde a família à noite está à volta da fogueira agora no frio, em vez de estar dentro de casa, acendem uma fogueira ali, tem o cão ai numa casota e estão lá na fogueira porque se calhar está-se melhor,

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não sei, porque é que não estão dentro de casa… porque em casa não conseguem aquecer, nem fazer fogueira dentro de casa, então fazem a fogueira cá fora… estas convivências tão diferentes claro que geram dramaticidades… não sei bem qual é esse conceito de dramaticidade mas será susceptível de ser dramatizado. ELA - Eu penso que em relação à arquitectura e à organização do espaço, … o facto de ter havido um respeito grande, imagino eu, pelo terreno, pelas propostas que o terreno fazia, imagino que o Siza, que os arquitectos, terão chegado e como quem lançasse caixinhas … e onde elas ficaram, depois eles a seguir só tiveram que ir lá com aquele coiso de jogar as fichas, como é que aquilo se chama… foram ali com um ponto para aquilo ficar tudo alinhado e aí no alinhado é que eu acho que… se falham coisas aqui no espaço é porque eles não deviam ter arrumado, eles deviam mesmo ter atirado as casas e elas deviam ter ficado mais organizadas de acordo com o espaço. Acho que na tentativa de organizar tudo em linhas é que a coisa se lixou. Imagino eu, porque eu às vezes penso “porque é que isto falhou?”… se isto é realmente um projecto tão interessante, a construção das casas é tão interessante, é tão respeitadora…, é tão a pensar nas pessoas. Eles reflectiram tanto e acertaram tanto como é que falharam na coisa essencial que é o bairro. Que é onde a coisa falha, é nesta ideia de que… eu vivo num bairro mas não há vida no bairro e a vida no bairro não é possível haver. ELE - Sabes porque é que isto falhou? Falhou porque não se construiu um centro cultural, uma biblioteca, zonas de arte e cultura e lazer e não há subsídios para que gente desenvolvesse trabalhos… ELA - Mas há vida de bairro onde falhou. Por exemplo: ali a chamada Brodway,… que supostamente era para ser um sítio com lojas fantásticas é o sítio onde há mais vida de bairro, porque os ciganos e as pessoas tomaram esses espaços para si, apropriaram-se deles… ELE - É uma coisa muito egoísta: um faz um canteirozinho e põs lá uma vedaçãozinha e fecha-se em casa… ELA - Então porque há ali espaços de convívio, tu vês que esses ciganos têm. Desculpa, há sofás e cadeiras e mesas que estão ai arrumados junto à conduta… É a outra de trás, paralela a essa junto ao jardim, a que vem dar ao largo da Nora. ELE - Se fores entre as garagens e as casas, às tantas viras à esquerda na primeira… a primeira vai dar à relva… é uma segunda rua que tem assim a conduta a passar muito alto, com vários arcos… está quase tudo vazio… é onde fazem as fogueiras. Há uma zona onde um senhor fez um jardim, um desses quadrados vazios, outro tem também umas trepadeiras enormes e também ocupou assim mais selvaticamente a coisa… pronto há alguma vida de bairro mas também não é muito de convivência de famílias, tirando estes ciganos que também não convivem com os outros, estão fechados, mas é vida de vou ali fora fazer como nós fizemos neste pedacinho aqui…

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Anexo(s) 1. Estudos Urbanos pelo Arq. Campos Matos em Março/1974

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Anexo 2. Mapa das fases de Construção da Malagueira, CME

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Anexo 3. Regulamento de Construção da Malagueira

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Figuras

Fig. 1 Fotografia de Arq. Campos Matos, princípio dos anos 70. A estrada de Lisboa, a Malagueira à esquerda.

Fig.2. Zona Oeste (AD) Fig. 3. Feira do gado na Malagueira (AD) Fig. 4. Chafariz da Malagueira (AD) Fig. 5. O Aqueduto (AD)

As fotografias identificadas como AD são de autor desconhecido, quando pertencerem ao próprio não serão identificadas. 220

Fig. 7. Qtª Malagueira, à esquerda (Fot. C. Matos) Fig. 8. O Aqueduto dentro de Évora Fig. 9. O Aqueduto marca toda a paisagem envolvente e cruza a cidade no seu miolo (AD)

Fig. 6. Feira de gado na Malagueira, anos 50, AD

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Fig. 10 Rua principal do Bº Santa Maria, Arquivo Nuno Seabra, anos 60/70

Figs. 10 e 11 Tipologias de casas no Bairro Santa Maria, Arquivo Nuno Seabra, anos 70

Fig. 12 Cruz da Picada em conclusão, o Bº Stª Maria por trás, Arquivo Nuno Seabra, fim dos anos 70

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Fig. 13 Pátio S. José da Ponte, nos campos envolventes de Évora, com arranjo recente

Fig. 14 Deste Pátio vieram alguns inquilinos da Habévora

Fig. 15 Fig. 16 Fig.17 Fig.18 Figs. 15 a 18 interiores de uma casa do Pátio S. José da Ponte, 2010

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Fig. 19 Pátios no Bº Sª Glória, recentemente recuperados

Fig. 20 Outro Pátio na Sª Glória

Fig. 22 Pátio arborizado

Fig. 24

e Fig. 25 Interior de uma casa-de-banho

Fig. 21 Acesso a um Pátio

Fig.23 Interiores

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Fig. 26 Rua principal do Bº Sª Maria, 2010

Figs. 27 e 28 Ruas e casas Bº Sª Maria, 2010

Fig. 29 Um pátio no Bº Sª Maria Fig. 30 Uma casa no Bº Sª Maria, 2010

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Figs. 31 e 32 As ruas estreitas de Évora, muros altos para criar sombra

Fig. 33 ← Fig. 34↓ e 35↓ O granito e a calçada portuguesa são outras presenças na Cidade

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Fig. 36 A Zona de Urbanização Nº.1, as moradias, meados do Século XX

Fig. 37 Nas traseiras da ZU.1 as casas “sociais” (telhado cinza) Fig.38 Ao longo da Avenida os edifícios em altura da ZU.1

Fig. 39 ↓Os modernos bairros que hoje envolvem a cidade, de arquitecto e de cooperativas, Fig 40 ↓

Fig. 41 Plano de Pormenor para a área da Malagueira do atelier Conceição Silva (atribuído a Tomás Taveira, anos 70). Foi recusado porque, como se percebe, os edifícios em altura esconderiam a muralha medieval da cidade. A edilidade começa a trabalhar (1973) com o Arqº Campos Matos mas entretanto surge o 25 de Abril 227

Fig. 43 Tipologias dos fogos da Malagueira (a cores). Ordem dos Arquitectos. Out.2000

Fig. 42 Évora e envolvente, o CHE a laranja, a Malagueira à esquerda (Oeste), a estrada de Lisboa é contígua à Mª

Fig. 44 Uma versão simplificada do Plano da Malagueira apresentada no Pavillon de l’Arsenal, Paris, 2007. Na Exposição Internacional - Logement matière de nos Villes. 1900-2007 (desenho atribuído a Lovat e Chenu, 1977/8). Como foi afirmado na tese a área hoje emparedada não contava nos Planos originais como se pode verificar.

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Figs. 44 ← e 45 ↑ Primeiros desenhos de Siza Vieira da Malagueira, 1977/8

Figs. 46← Pormenor de espaço exterior e Fig. 47 ↑ Desenhos de pátios por Siza Vieira

Fig. 48 Os indispensáveis mapas de trabalho muito ampliados no escritório da minha residência de terreno. Vê-se a chuva a cair (fortemente) no pátio. Este é o quarto do piso inferior

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Fig. 49 As condutas aéreas em instalação, Arq. Nuno Seabra

Fig. 50 Uma estrutura muito considerada por urbanistas estrangeiros, Bowcentrum Internacional

Fig. 52 Esquema das condutas, Pinto Duarte, 2007 Fig. 51 Uma conduta instalada, coberturas legais e “ilegais”

Figs. 53 e 54 ←, interior da conduta por onde passam todos os serviços menos o esgoto doméstico, e neste momento o gás natural (por motivos de segurança foram instalados por

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Fig. 55 As condutas são a coluna vertebral do bairro, onde se vão encaixar as casas

Fig. 56 Os fogos, como células, encaixam na conduta. Os tipos de casa mais comuns estão aqui representados, Ab e Ac

Ab e Ac

Fig. 57 Tipologia Ab, casa dita em L, T3, o fogo mais construído na Malagueira (com muros altos, médios ou baixos)

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Fig. 58 Como é perceptível, existem hoje todo o tipo de coberturas, lusalite com pedras do rio, como no original, telha (de canudo e francesa), só lusalite

Figs. 59 ← e 60 ↓ Detalhes

Fig. 62 Uma cobertura ainda no estado original

Fig. 63 ↑ Uma reinterpretação, retiraram-se as pedras do rio da cobertura e colocaram-se as lajes que cobriam o terraço.

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Fig. 63A Esta fotografia de R. Collovà com duas ciganas cruzando o estaleiro correu mundo

Fig. 64 ← R. Collovà mostra como os fogos se integravam na conduta. Fig. 65 ↓ Foto de J. P. Rayon: a “densa malha” como Siza se lhe refere

Figs. 66 e 67 Fotografias de António Carrapato, diferentes períodos de conclusão, a mesma malha 233 233

Fig. 68 Todos os fotógrafos de Évora se sentiram impelidos a fotografar a Malagueira: fotografia aérea de Carlos Tojo

Fig. 69 Aérea de António Carrapato, o lago ainda não tinha sido criado

Fig. 70 Recuperação das casas do ex-IGAPHE, fim dos anos 80

Fig. 71 Construção de casas dos privados, à direita 234

Fig.72 Introdução de esgotos domésticos, coops, Arq. N. Seabra Fig. 73 Rua do Pomar (privados) em construção (Arq.M. Lima)

Fig. 74 Janela da casa de Siza Vieira, em conclusão, nos anos 80

Fig. 75 Primeiras casas privadas da Rua do Pomar em construção

Fig. 76 Primeiras casas privadas concluídas da Rua do Pomar, fim dos anos 80 235

Figs. 77 ↑ e 78 → Na Malagueira existe um confronto permanente entre o natural e o construído

Fig. 79 Geometria e Natureza têm um tranquilo mas claro combate

Figs. 80, 81 e 82 Humano (um pastor com bordão mas sem rebanho… senta-se num banco portátil), natural, edificado.

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Figs. 83 e 84 De um lado da Avenida principal o coberto verde, a linha de água, e uma zona residencial

Figs. 85↓ e 86↓ Junta de Freguesia, serviços e comércio na Praça Zeca Afonso

Fifs. 87 e 88 Ao longo de toda a avenida corre a conduta, o verde, a linha de água e as cooperativas construíram nas paralelas que desaguam na Praça

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Figs. 90 ← e 91 ↑… e o jardim das duas fontes, os blocos residenciais do cimo da Avenida eram da Habévora, muitos já vendidos. Uma característica dessas ruas (fig. 92↙) é desembocarem numa zona verde extensíssima (fig. 93↙) com a linha de água

Fig. 89 Ao cimo da Avenida destaca-se o centro que organiza as condutas…

Figs. 94← Interessante é a manutenção da estrutura de elevação de água que sugere uma escultura como outras que lá existem – Fig. 95↑

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Fig. 96 A população é unânime em considerar que o Norte (junto às piscinas) é mais rústico no coberto verde

Figs. 97↖, 98← e 99↑ A população queixa-se também do abandono dos espaços públicos. Mas os sobreiros dão monumentalidade, na Primavera (fig.100↓) tudo fica verde e há situações que só aqui acontecem (fig.101↙)

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Figs. 102 e 103 O lago é o verdadeiro centro da Malagueira, onde os habitantes vão passear a pé ou de bicicleta com os filhos. Esta fotografia tem 10 anos, hoje já não existe o abat-jour junto à chaise-longue mas tudo o resto está igual.

Fig. 104← podem continuar a fazer-se bilhetes postais do lago, mas por trás deste existe um baldio mal tratado que os habitantes recriminam. Fig. 105↓. Como os informantes afirmavam há sempre a sensação de incompletude que atribuem aos serviços públicos centrais e locais

Junto ao lago a articulação Urbano-Natureza está consolidada. Figs. 106↖, 107↑ e 108←. Os espaços vazios são a “natureza” da própria cidade

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Fig.109↑ Foi construída no lago uma Ponte que dá acesso ao outro coberto verde de grande extensão, é seguir as linhas de água que desaguam no lago. A zona dos privados

Fig. 110 O imenso relvado é contíguo à área mais recente de construção↑ e à Rua do Pomar←

Fig.111 Vista para o Sul

Figs. 112↑ e 113→ este relvado é muito apropriado pela população, neste caso é um ensaio de um grupo de bombos do Alandroal e o teatro PIM, mas todo o bairro é apropriado e de diversos modos…

Figs. 114↑, 115↗, 116→ …uma horta e um jardim privados em espaço público, até à inauguração da Oficina-Atelier Com-Ceito com os convidados a ocupar o espaço público

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Figs. 117↑ e 118→ Debate na Livraria da Malagueira que desempenhava Um importante papel ao informalmente centralizar o debate sobre o Bairro, até ao seu encerramento devido à crise socio-económica. O Bairro tem diversos problemas mas o maior são os 27 fogos emparedados. Fisicamente representam uma fracção mínima do bairro (dentro das setas vermelhas). Fig. 119↓

Fig. 120↓ Algumas famílias portuguesas de etnia cigana ficaram a viver na rua junto às suas casas

Figs. 121↑, 122↑ e 123→ Fogos emparedados.↑ Neste momento a CME emparedou mais duas casas (alargando a mancha de degradação) e espalhou pedras enormes para impedir o estacionamento das carrinhas o que fez com que as famílias que aí habitavam tivessem desaparecido para parte incerta, condenadas de novo à itinerância.

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Como se afirmou ao longo da tese estas 27 casas têm pouco representação no universo da Malagueira, mas têm uma grande visibilidade na cidade sobretudo. Esta área está incrustada entre o Bº. Sª Maria e a Cruz da Picada. (v. fig.119) Mas a articulação entre a Malagueira e os bairros tradicionais cria geralmente continuidade, mais que confronto.

Fig.124↑ O exemplo mais conseguido, diz um informante, é esta praça que une o Bº SM e a Mª, à esquerda SM, à direita Mª, noutra perspectiva, fig. 125↓ é a rua principal de SM e uma das entradas da Malagueira

Fig. 126↑ (Malagueira à direita, Santa Maria à esquerda) Rua que separa os dois bairros, com inúmeras entradas e todas muito diferenciadas, figs. 127↗, 128, 129 e 130↙↓☇

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