Amanda Muniz Oliveira “LAW AND LITERATURE” E “DIREITO ...

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Amanda Muniz Oliveira LAW AND LITERATUREE DIREITO E LITERATURA: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA DO MOVIMENTO NOS ESTADOS UNIDOS E NO BRASIL Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutor em Direito Orientador: Prof. Dr. Paulo Roney Ávila Fagúndez Coorientador: Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues Florianópolis 2019

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Amanda Muniz Oliveira

“LAW AND LITERATURE” E “DIREITO E LITERATURA”:

ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A PRODUÇÃO

ACADÊMICA DO MOVIMENTO NOS ESTADOS UNIDOS E NO

BRASIL

Tese submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Universidade

Federal de Santa Catarina para a

obtenção do Grau de Doutor em Direito

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roney

Ávila Fagúndez

Coorientador: Prof. Dr. Horácio

Wanderlei Rodrigues

Florianópolis

2019

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária

da UFSC.

Oliveira, Amanda Muniz

“Law and Literature” e “Direito e Literatura”:

Estudo comparativo entre a produção acadêmica do movimento nos

Estados Unidos e no Brasil / Amanda Muniz Oliveira; orientador, Paulo

Roney Ávila Fagúndez, coorientador, Horácio Wanderlei Rodrigues,

2019.

260 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro

de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito,

Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Direito. 2. direito e literatura. 3. Tradução cultural. 4.

conhecimento jurídico. I. Fagúndez, Paulo Roney Ávila. II. Rodrigues,

Horácio Wanderlei. III. Universidade Federal de Santa Catarina.

Programa de Pós-Graduação em Direito. IV. Título.

Este trabalho é dedicado a todas as

pessoas que, por algum motivo, tiveram

suas vozes silenciadas e suas histórias

esquecidas.

AGRADECIMENTOS

Como disse Foucault, embasando-se na Morte do Autor

profetizada por Barthes, no ato de escrita o escritor individual morre para

que o “nome do autor” seja imortalizado. São, portanto, coisas diferentes

o indivíduo e o autor. O autor não descreve uma existência; ele é, antes,

o resultado de uma pluralidade de discursos unificados sob sua assinatura.

Neste sentido, é possível afirmar que um indivíduo, ao

desempenhar a função-autor, jamais escreve sozinho. Existe uma série de

vivências, trocas e experiências que transcendem sua constituição

individual e o permitem iniciar o ato de escrita, se oferecendo em

sacrifício para que surja o autor.

Comigo não poderia ter sido diferente. A escrita desta tese contou

com uma polissemia discursiva, que pode aqui ser representada na figura

de indivíduos: cada um a seu tempo e modo contribuiu para a construção

final deste texto, ainda que de forma inconsciente; uma palavra amiga,

uma caneca de cerveja esvaziada, uma figurinha de WhatsApp... não

tenho dúvidas de que as mais diversas trocas tiveram algum tipo de

influência sobre o resultado final desta pesquisa. Por isso, gostaria de

agradecer nominalmente a cada um de vocês.

Em primeiro lugar, agradeço ao meu coorientador de doutorado,

Professor Horácio Wanderlei Rodrigues, pelas portas abertas e pela

confiança; seu apoio tem sido fundamental desde o início da minha

trajetória na Pós-Graduação (mestrado). Agradeço também ao meu

orientador Professor Paulo Roney Ávila Fagúndez, sempre gentil e

prestativo.

Agradeço ao meu companheiro de vida, de pesquisa, de alma: meu

noivo, Rodolpho Bastos. Obrigada por criar condições materiais para a

finalização desta tese, assumindo compromissos que nem eram de sua

alçada; obrigada por ouvir minhas digressões e desesperos; obrigada por

contribuir para a fundamentação teórica desta pesquisa; obrigada pela

paciência e compreensão e obrigada por todas as pausas forçadas em

bares e similares, para que eu pudesse recuperar meu ki.

A vida acadêmica pode trazer desafios e desgostos, mas também

cria laços e comunidades. E foi assim que eu conheci a Profa. Grazielly

Alessandra Baggentoss, que aos poucos se tornou uma grande amiga e um grande exemplo. Se continuei na área do direito (que ainda hoje

ameaço abandonar, diariamente, rs), foi porque descobri em você formas

de resistir aos chavões em latim e aos ternos castradores. Obrigada por

todo o carinho, amizade e apoio; que a força de Lilith jamais nos

abandone.

Longe do Centro de Ciências Jurídicas, também encontrei apoio e

inspiração. Agradeço à Profa. Aline Dias da Silveira, do Programa de Pós-

Graduação em História, que me acolheu em seu círculo pessoal-

profissional e, especialmente em relação à pesquisa, me indicou caminhos

preciosos; nunca sua tatuagem de vegvisir fará tanto sentido como fez

para mim.

Nunca escondi minha paixão pela literatura; quando descobri,

então, que existiam estudos sobre literatura gótica no Programa de Pós-

Graduação em Letras Inglês da UFSC, não hesitei em procurar o professor

responsável. Foi assim que me aproximei do Prof. Daniel Serravalle de

Sá, cujas aulas e escritos sobre a presença de elementos políticos nos

meus romances góticos favoritos me indicaram que eu estava no caminho

certo: obrigada por jogar novas luzes sobre gostos antigos.

Agradeço ainda à Profa. e amiga Gabriela Kyrillos, por todo

carinho, acolhimento e apoio nesse ponto crucial chamado fim de

doutorado e ao Prof. Paulo Ferrareze Filho pelas contribuições sobre

direito e literatura, quando esta tese não passava de uma ideia; na

oportunidade, agradeço à toda a banca por ter aceitado ler e participar da

defesa desta tese em plenas férias de verão. A contribuição de vocês foi

fundamental.

Importante mencionar que, se tem uma coisa que Florianópolis me

deu, foi a oportunidade de firmar amizades excepcionais. Nunca vou me

esquecer da sorte que tive por ter conhecido cada um desses

serumaninhos: Janaína Zdebskyi (sacerdotisa de Innana), Rodrigo Prates

(sim é o ursinho), Rafaella Schmitz (musa do reggaeton), Lucas Pianta

(bah guri), Léo de Lara (o luxemburguês), Jack, Bruno, Paulinha, Laíse

(o quarteto da nóia), Reverson e Adaiza (os melhores vizinhos). Obrigada

Ana Paula Juttel por toda a caipirinha compartilhada e por toda leveza de

ser amiga; agradeço por ser nossa guia manezinha nessa ilha mágica. Não

sei se é o verão, mas meu coração capricorniano amanheceu menos gelado

hoje. Aproveitem.

Por último, mas não menos importante, agradeço à toda minha

família, em especial a minha irmã cantora e cineasta Andressa, que

sempre acreditou em mim. Agradeço à secretaria e à coordenação do

PPGD/UFSC pela disponibilidade e prestatividade e à CAPES pelo

auxílio recebido.

The shared work is to explore texts other than those

already read [and] to learn of narratives other than

those already told.

(Judith Resnik e Carolyn Heilbrun - Convergences:

Law, Literature, and Feminism, 1990)

O trabalho que aqui compartilhamos visa explorar

outros textos além dos que já foram lidos [e]

aprender outras narrativas além daquelas que já

foram contadas.

(Judith Resnik e Carolyn Heilbrun -

Convergências: Direito, Literatura e Feminismo,

1990)

RESUMO

A presente tese busca compreender as razões pelas quais as críticas

realizadas ao law and literature movement, nos Estados Unidos, não são

debatidas em pesquisas brasileiras do assunto. A partir da seleção de 126

pesquisas nacionais (feita a partir de um recorte inspirado na revisão

sistemática de literatura) e a partir da construção de uma fotografia sobre

as pesquisas norte-americanas, foi possível estabelecer um estudo

comparativo entre as produções brasileiras e estadunidenses. Tal estudo

pautou-se nos conceitos de tradução cultural e espaços jurídicos,

cunhados pelo historiador do direito Thomas Duve, possibilitando

compreender a troca de ideias entre Brasil e Estados Unidos como um

fenômeno de tradução cultural, que viria a consolidar um espaço jurídico

não geográfico específico. Entender as razões pelas quais neste espaço

jurídico brasileiro relativo ao direito e literatura estão ausentes as críticas

feitas à área em seu local de emergência (EUA) é o objetivo principal

desta pesquisa. Como hipótese investigada, é apontada a confusão sobre

o conceito de método, diagnosticada por Haba na área do direito; nas

pesquisas nacionais sobre direito e literatura, o método ora é indesejado,

ora inexistente e ora é a classificação geral das formas de se estudar o

assunto (direito na literatura, direito como literatura). Uma outra hipótese

pesquisada foi a incidência do que Weisberg denominou de visão

sentimental da literatura, como se esta sempre fosse dotada de conotações

positivas e o direito, de conotações negativas; tal visão está presente em

algumas pesquisas do acervo. Assim, os dois fatos podem ter contribuído

para disseminar a ideia de que qualquer forma de se escrever sobre o tema

estaria correta, pois não há um método específico; ademais, se a literatura

sempre pode contribuir para melhorar o direto (visão sentimental da

literatura) as críticas não teriam relevância. O resultado da pesquisa

corrobora as hipóteses elencadas ao demonstrar a presença de confusões

conceituais sobre o método e de uma visão romantizada da literatura nas

pesquisas nacionais analisadas, o que pode explicar a ausência de debates

no que se refere às críticas ao movimento.

Palavras-chave: Direito e Literatura. Tradução Cultural. Conhecimento

Jurídico.

ABSTRACT

The present thesis tries to understand the reasons why the criticisms to the

law and literature movement, in the United States, are not debated in

Brazilian researches of the subject. From the selection of 126 national

academic works (based on a systematic review of the literature) and from

the construction of a photograph about the North American researches, it

was possible to establish a comparative study between Brazilian and

American productions. This study was based on the concepts of cultural

translation and legal spaces, coined by the historian of law Thomas Duve,

making it possible to understand the exchange of ideas between Brazil

and the United States as a phenomenon of cultural translation that would

consolidate a specific non-geographic legal space. Understanding the

reasons why in this Brazilian legal space about law and literature there

are not the criticism of the area in its emergency location (USA) is the

main objective of this research. As hypothesis investigated, it is pointed

out the confusion about the concept of method, diagnosed by Haba (2007)

in the area of law; in the national research on law and literature, the

method is sometimes undesirable, sometimes non-existent, and

sometimes it is the general classification of how studying the subject (law

in literature, law as literature). Another hypothesis studied was the

incidence of what Weisberg (1989) called the sentimental view of

literature, as if literature were always endowed with positive connotations

and law, with negative ones; such a view is present in some research

analyzed. Thus, the two facts may have contributed to spreading the idea

that any form of writing about the subject would be correct, since there is

no specific method; in addition, if literature can always contribute to

improve law (sentimental view of literature) criticism would have no

relevance. The results corroborate the hypothesis by demonstrating the

presence of conceptual confusions about the method and a romanticized

view of the literature in the national researches analyzed, which may

explain the lack of debate about the criticism to the movement.

Keywords: Law and Literature. Cultural Translation. Legal Knowledge.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Irving Browne ...................................................................... 93 Figura 2 – John Wigmore................................. ..................................... 95

Figura 3 – Benjamin Cardozo.................................................................96

Figura 4 – Helen Silving..........................................................................98

Figura 5 – Filmer Northrop.....................................................................99

Figura 6 – Aloysio de Carvalho Filho....................................................110

Figura 7 – Luís Alberto Warat...............................................................114

Figura 8 – Eitel Santiago de Brito Pereira..............................................115

Figura 9 – As edições de The Legal Imagination..................................130

Figura 10 – James Boyd White..............................................................137

Figura 11 – Robin West.........................................................................143

Figura 12 – Richard Posner ..................................................................157

Figura 13 – As edições de Law and Literature......................................160

Figura 14 – Robert Weisberg................................................................173

Figura 15 – Ronald Dworkin.................................................................203

Figura 16 – Stanley Fish........................................................................208

Figura 17 – Sanford Levinson...............................................................218

Figura 18 – Owen Fiss...........................................................................221

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Total de pesquisas brasileiras sobre direito e literatura ....... 55

Tabela 2 – Referências a Wigmore nas pesquisas brasileiras do

acervo...................................................................................................119

Tabela 3 – Referências a Cardozo nas pesquisas brasileiras do

acervo...................................................................................................119

Tabela 4 – Referências a Warat nas pesquisas brasileiras do acervo......121

Tabela 5 – Referências a White nas pesquisas brasileiras do acervo......125

Tabela 6 – Referências a Posner nas pesquisas brasileiras do acervo....179

Tabela 7 – Referências a Robert Weisberg nas pesquisas brasileiras do

acervo...................................................................................................180

Tabela 8 – Referências a Dworkin nas pesquisas brasileiras do

acervo...................................................................................................233

Tabela 9 - Referências a Fish, Levinson e Fiss nas pesquisas brasileiras

do acervo...............................................................................................235

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................ 19 1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ACERVO ........................................... 28

1.1.1 Busca por livros .......................................................................... 32

1.1.2 Busca por artigos em periódicos ............................................... 40

1.1.3 Busca por artigos em anais de eventos ..................................... 44

1.1.4 Busca por teses ............................................................................ 54

1.1.5 Resultado final ............................................................................ 55

1.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA FOTOGRAFIA ............................... 57

1.3 THOMAS DUVE: A TRADUÇÃO CULTURAL E OS ESPAÇOS

JURÍDICOS .......................................................................................... 59

1.4 DIVISÃO EM VERTENTES: OS PROJETOS ESPARSOS,

HUMANISTA, HERMENÊUTICO E NARRATIVISTA .................... 65

1.5 PROBLEMA, HIPÓTESES E OBJETIVOS .................................. 76

2 OS PROJETOS ESPARSOS DE DIREITO E LITERATURA NO

PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL - ESTADOS UNIDOS E

BRASIL ................................................................................................ 83 2.1 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NOS

ESTADOS UNIDOS ............................................................................. 84

2.2 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NO

BRASIL ..............................................................................................103

2.3 PROJETOS ESPARSOS E A NECESSÁRIA OCUPAÇÃO DE UM

VAZIO............................ .................................................................... 115

3 O PROJETO HUMANISTA – OU, O DIREITO NA

LITERATURA .................................................................................. 125 3.1 JAMES BOYD WHITE E SEU IMAGINÁRIO JURÍDICO: O

PROJETO HUMANISTA, OU O DIREITO NA LITERATURA. ..... 128

3.2 DIREITO E LITERATURA: UM GRANDE MAL-

ENTENDIDO? .................................................................................... 153

3.3 O PROJETO HUMANISTA NO BRASIL ................................... 178

4 O PROJETO HERMENÊUTICO – OU, O DIREITO COMO

LITERATURA .................................................................................. 195 4.1 RONALD DWORKIN E STANLEY FISH: A TEORIA DO

ROMANCE EM CADEIA E SUAS CRÍTICAS ................................ 199

4.2 OUTRAS RESSALVAS SOBRE O PROJETO

HERMENÊUTICO............... .............................................................. 217

4.3 O PROJETO HERMENÊUTICO NO BRASIL ........................... 233

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................ 243

REFERÊNCIAS ................................................................................ 247

19

1 INTRODUÇÃO

Em 1998, Eliane Botelho Junqueira publicava no Brasil a obra

Literatura & Direito: uma outra leitura do mundo das leis. “Talvez

inspirada nos ciclos sobre Direito e Teatro e Direito e Cinema

organizados por Nilo Batista na Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos

Advogados [...], em 1986” a autora teria sentido “vontade de estudar a

imagem do direito e de seus profissionais na literatura brasileira”.

(JUNQUEIRA, 1998, p. 17).

O desejo teria permanecido engavetado por muitos anos, até o

início de seu pós-doutorado em Madison, nos Estados Unidos:

Os dias já frios (mas radiantes) de um outono que

anunciava o rigor do próximo inverno e as

saudades da língua portuguesa empurraram-me em

direção à Memorial Library da University of

Wisconsin – Madison, onde, no quarto andar, pude

encontrar, como que esperando por mim, toda a

literatura brasileira. Nada mais convidativo do que,

nos intervalos das pesquisas que então desenvolvia,

recolher-me ao meu apartamento, com um bom

romance, deixando lá fora o frio de vários graus

negativos (JUNQUEIRA, 1998, p. 17).

As leituras então realizadas serviram de fontes para a produção de

artigos acadêmicos1, que posteriormente foram reunidos e lançados no

Brasil, no livro coletânea já mencionado. Em contato direto com a

academia estadunidense, Junqueira teve a oportunidade de conhecer as

discussões sobre o law and literature movement, iniciado no país em

1973, e anunciar sua existência a um público brasileiro, em português,

sendo sua obra a mais antiga a referenciar diretamente o movimento

norte-americano2:

Diferentes análises sobre o direito vêm disputando

espaço na academia norte-americana a partir da

1 Conforme Junqueira (1998), seu primeiro artigo sobre direito e literatura foi

publicado na Luso-Brazilian Review, em 1997 e intitulava-se Ciências

Sociais e literatura: oficinas de percepção do bacharel em direito. 2 De acordo com as pesquisas brasileiras selecionadas para a tese. De todas,

a obra de Junqueira é a mais antiga a mencionar o law and literature

estadunidense.

20

década de sessenta, quando se inicia o movimento

direito e sociedade e, logo em seguida, o

movimento direito e desenvolvimento. As

correntes law and economics, law and Society,

critical legal studies, critical race theory e feminist

jurisprudence, dentre outras, sem dúvidas são

conhecidos exemplos dessa efervescente produção

acadêmica. Mais recentemente, o “movimento”

law and literature conquistou importante espaço

institucional, quer através da publicação de revistas

especializadas, quer através da criação de

disciplinas específicas dentro dos currículos das

faculdades de direito (JUNQUEIRA, 1998, p. 21).

Conforme Junqueira (1998), em 1987, das 175 faculdades de

direito dos Estados Unidos, 38 ofertavam alguma atividade relativa ao

law and literature, incluindo o curso Law and Dickens oferecido pela

Harvard Law School. O movimento direito e literatura pode ser definido

da seguinte forma:

Sem um arcabouço metodológico bem definido [...]

este “movimento” reúne scholars voltados para

duas diferentes perspectivas de análise.

De um lado, localiza-se a tendência conhecida

como literature in law que, tendo como origem

remota os trabalhos de Benjamin Cardozo, defende

a possibilidade dos textos jurídicos – aqui

incluindo-se leis, decretos, contratos, testamentos,

contestações, sentenças, etc – serem lidos e

interpretados como textos literários. [...].

De outro lado, localiza-se a segunda corrente [...]

conhecida como law in literature, voltada para

trabalhos de ficção que abordem questões jurídicas.

(JUNQUEIRA, 1998, p. 21-22; 23).

Assim, apontando a existência de um movimento dedicado a

explorar as confluências entre o direito e a literatura, Junqueira (1998)

busca amparo na sociologia da literatura para escrever sobre o direito e a

literatura brasileira.

21

Não demorou para que outros brasileiros publicassem de forma

mais difundida3 sobre o tema. Em 2000, Arnaldo Sampaio de Moraes

Godoy iria defender na PUC-SP a dissertação de mestrado intitulada

Anatomia de um Desenconto: desilusão jurídica em Monteiro Lobato,

publicada como livro em 2002. Embora não faça nenhuma remissão direta

ao law and literature norte-americano, a obra de Godoy (2002) é um

indício de que juristas brasileiros se voltavam para a literatura, no intuito

de investigar possibilidades de estudos entre as duas áreas4.

Conforme Trindade e Bernsts (2017, p. 235), neste mesmo ano

enquanto cursava o doutorado em Direito na

UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo também

frequentava disciplinas do Programa de Pós-

Graduação em Linguística e Literatura5, com o

intuito de aprofundar os estudos em Direito e

Literatura. Naquele ano, ele publicou o ensaio

intitulado Direito e Literatura: o ensino jurídico

partir de Shakespeare, posteriormente incorporado

ao livro O estudo do direito através da literatura.

Em 2004, Maritza Maffei da Silva defende, na Universidade do

Vale dos Sinos a tese de doutorado O Mercador de Veneza de William

3 Digo mais difundida porque, conforme será abordado no Capítulo 2 da

presente tese, antes da publicação de Junqueira em 1998, outros brasileiros já

haviam escrito sobre direito e literatura. Todavia, é no fim dos anos 1990 e

início dos anos 2000 que publicações sobre o assunto passam a ser mais

recorrentes e mais disseminadas. 4 Conforme Trindade e Berntst (2017, p. 245): “Na verdade, Godoy já havia

publicado ensaios anteriores à dissertação: O desencanto com o Direito na

Literatura do humanismo (Godoy, 2000a) e Aristófanes e as vespas: o

desencanto com o Direito na Literatura Ática (Godoy, 2000b). Após o

mestrado, continuou suas pesquisas em Direito e Literatura, tornando-se um

dos expoentes brasileiros. Entre suas obras, destacam-se: Direito &

Literatura: ensaio de síntese teórica (Godoy, 2008) e Direito, Literatura e

Cinema: inventário de possibilidades (Godoy, 2011).” 5 Pertinente destacar que na UFSC inexiste tal Programa de Pós-Graduação

(PPG). No Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras da

Universidade, existem os seguintes PPG’s: Linguística; Literatura; Inglês e

Estudos da Tradução. Fonte: < http://www.lle.cce.ufsc.br/pos-graduacao/>.

Acesso em 17 jan. 2019.

22

Shakespeare: Um Encontro na Encruzilhada da Literatura, publicada em

2013 como livro homônimo, e

No mesmo ano, Vera Karam de Chueiri e Katya

Kozicki, ambas professoras do da UFPR, formaram

o grupo de pesquisa Teoria do Direito, Democracia

e Literatura, cuja produção teórica integrou o livro

Estudos em direito, política e literatura (2006), no

qual foram reunidos trabalhos sobre teoria do

direito, hermenêutica, justiça, política e

democracia, tendo como referencial alguns teóricos

do campo da literatura (TRINDADE, BERNTST;

2017, p. 235)

Trindade e Berntst mencionam ainda em 2004 a realização da

Jornada de Direito e Psicanálise organizada pelo Núcleo de Direito e

Psicanálise da Universidade Federal do Paraná, “reconhecido por buscar

novas alternativas para a compreensão do Direito, a partir de discussões

provocadas por obras literárias que possibilitem a intersecção com os

campos da psicanálise e da filosofia” (2017, p. 236).

Em 2005, foi realizada a tradução para o português da obra Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico, de François Ost, um dos principais

estudiosos europeus6 do tema;

Houve também, no Curso de Preparação à Carreira

da Magistratura da Escola Superior da Magistratura

da AJURIS, o oferecimento do módulo Direito e

Literatura, ministrado por Germano Schwartz, que

já havia publicado um artigo sobre o tema na

revista da instituição (Schwartz, 2004).

6 Na presente tese, irei me ater exclusivamente à circulação de ideias entre

movimento estadunidense e o movimento brasileiro. É certo que existem

pesquisas sobre direito e literatura na Europa, sendo que as ideias europeias

também foram difundidas no espaço jurídico nacional, especialmente em

razão da tradução da obra de Ost para o português, mas analisa-las está fora

dos objetivos propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores. Sobre

o direito e literatura na Europa, checar: MITTICA, M. Paola. O que acontece

além do oceano? Direito e literatura na Europa. Trad. André Karam Trindade.

ANAMORPHOSIS - Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n. 1,

p. 3-36, 2015. Disponível em:

<http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/viewFile/29/pdf>. Acesso

em 04 jan. 2019.

23

Ainda em 2005, surgem dois novos grupos de

estudos e pesquisa específicos sobre Direito e

Literatura: o Núcleo de Pesquisa Direito e

Literatura, coordenado por Marcelo Campos

Galuppo, na UFMG; e o Novum Organum:

Temáticas entre Direito e Literatura, coordenado

por Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Alexandre

Costi Pandolfo, na PUCRS. (TRINDADE;

BERNTST, 2017, p. 236)

No ano de 2006, foi incorporado um verbete sobre direito e

literatura7 no Dicionário de filosofia do direito de Vicente de Paulo

Barreto; no mesmo ano, o Instituto de Hermenêutica no Rio Grande do

Sul “criou uma linha de pesquisa intitulada Direito e Literatura e, ainda,

implementou o projeto interinstitucional Direito & Literatura: do fato à

ficção” (TRINDADE, BERNTST, 2017, p. 237). Em 2007, o Conselho

Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI) lança pela

primeira vez um Grupo de Trabalho intitulado Direito e Literatura.

Em 2008, Arnaldo Godoy publica o livro Direito & Literatura:

ensaios de síntese teórica (2008) e o artigo, espécie de resumo da obra,

Direito e Literatura: os pais fundadores – John Henry Wigmore,

Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller (2008B). Nas duas ocasiões

Godoy (2008) (2008B) resgata o movimento estadunidense apresentado

dez anos antes por Junqueira (1998), dissertando sobre seus autores e

propostas para o público brasileiro.

Desde então, diversos outros marcos aconteceram: vários grupos

de pesquisa foram criados8 e o tema se tornou, inclusive, assunto de

7 Segundo o verbete, “Direito e Literatura é um novo campo de possibilidades

para questões formais e materiais que afligem tanto o Direito quanto a

Literatura. Porém, no campo da crítica do Direito, incorpora às demandas

políticas e éticas de reconstrução de um mundo mais igualitário e justo a

sensibilidade estética do gosto literário” (CHUEIRI, 2006, p. 235).” 8 Trindade e Berntst (2017, p. 239) mencionam os seguintes Grupos de

Pesquisa com produção acadêmica sobre o assunto: Dasein – Núcleo de

Estudos Hermenêuticos (UNISINOS); Phronesis: Jurisdição, Hermenêutica

e Humanidades (UFSM); Literato - Grupo de Pesquisa em Direito e

Literatura (UFSC); Constitucionalismo e Democracia (UFPR); Núcleo de

Metodologia de Ensino (FGV-SP); Fundamentos da Justiça e dos Direitos

Humanos (UCP); Direito e Literatura (PUC-MG); Núcleo de Pesquisa

Direito e Literatura (UFMG); Hermenêutica Jurídica e Jurisdição

Constitucional (FDV); Direito e História (UNB); Grupo de Estudo e Pesquisa

24

programa televisivo9. Ademais, em 2013, tem-se a primeira edição do

Colóquio Internacional de Direito e Literatura (CIDIL); em 2014, é

criada a Rede Brasileira de Direito e Literatura (RDL); e em 2015, é

lançado o primeiro periódico nacional dedicado ao tema: Anamorphosis

– Revista Internacional de Direito e Literatura.

Como aspirante a juspesquisadora e amante da literatura mundial,

já era de meu conhecimento o fato de que outras áreas do saber10 se

utilizavam de literatura, cinema, música, programas televisivos,

quadrinhos e demais produções midiáticas como fonte de pesquisa. Ao

descobrir que tal empreitada poderia também ser realizada no direito, não

pensei duas vezes ao escolher direito e literatura como tema de

monografia, defendida em 2013, desenvolvendo na ocasião uma análise

sobre as representações do poder político e jurídico em O Senhor dos

sobre Direito Constitucional (UNICEUB); Laboratório Internacional de

Investigação em Transjuridicidade (UFPB); SerTão – Núcleo Baiano de

Direito e Literatura (FG); e Direito, Arte e Literatura Alves (UFS). Há ainda

menção ao “KATHÁRSIS – Centro de Estudos em Direito e Literatura,

vinculado ao PPGD/IMED”, que “funcionou entre os anos de 2011 e 2016,

período em que realizou inúmeras e importantes atividades – com destaque

para as três primeiras edições do Colóquio Internacional de Direito e

Literatura (CIDIL) –, porém foi desativado em razão do desligamento de seu

coordenador”. 9 Pode-se mencionar “a criação do programa de televisão Direito &

Literatura, produzido pela Fundação Cultural Piratini (TVE/RS), cujo piloto

foi ao ar em 14 de março de 2008. [...] De 2008 a 2012, foi produzido pela

TVE-RS e, depois disso, pela TV Unisinos, sendo exibido – semanalmente –

pela TV Justiça. Atualmente, o projeto contabiliza mais de 320 programas,

que podem ser assistidos por meio de canal no YouTube. O reconhecimento

formal de sua relevância veio em 2013, quando recebeu o Prêmio Açorianos

de Literatura, na categoria Destaques Literários”. (TRINDADE; BERNTST,

2017, p. 238). 10 Sempre transitei por diversas áreas das Ciências Humanas, curiosa por

questões não proferidas pelo Direito. Assim, em 2012, ainda na graduação,

tomei conhecimento da existência de um Grupo de Estudos sobre História,

Gênero e Cinema, cujas reuniões quinzenais ocorriam na Universidade

Estadual de Montes Claros – UNIMONTES, sob coordenação da Professora

Cláudia Maia. Interessada pelo assunto, comecei a acompanhar as leituras e

discussões, fascinada com a possibilidade de vislumbrar as mídias e as mais

diversas linguagens artísticas como fontes de pesquisa acadêmica. Foi o

primeiro passo para me dedicar aos estudos de direito e arte/mídias, em geral.

25

Anéis de J.R.R. Tolkien, ainda que de forma incipiente11. Na dissertação

de mestrado, defendida em 2016, dei seguimento aos estudos de direito e

arte, tratando das representações do direito no rock de Raul Seixas,

utilizando como arcabouço teórico a tradição dos estudos culturais. E

durante todo esse percalço, eram mais numerosas as questões levantadas

do que as respostas oferecidas.

Já como aluna de doutorado, permaneci vinculada ao Núcleo de Estudos Conhecer Direito – NECODI, ao qual me juntara no mestrado.

Influenciados pelas leituras de epistemologia, o Núcleo tinha como

objetivo problematizar a produção acadêmica no direito. Foi a partir das

discussões travadas neste âmbito que tomei consciência de um problema

que pairava sobre a pesquisa jurídica brasileira: o parecerismo.

Como já tive oportunidade de escrever em outra ocasião12, a Escola

de Direito da Fundação Getúlio Vargas – SP realizou em 2002 um evento

sobre a pesquisa em direito no Brasil. As discussões deste evento foram

publicadas no livro O que é pesquisa em direito?, sendo que a fala do

professor Marcos Nobre (2005) foi inteiramente dedicada a destacar os

principais problemas da pesquisa em Direito no país.

Nobre (2005) começa indagando as razões pelas quais a pesquisa

em Direito não acompanhou o crescimento qualitativo da pesquisa em

Ciências Humanas no Brasil. Suas hipóteses são: 1) o Direito continua

atrasado em razão de um isolamento, no sentido de que não dialoga com

as demais áreas e 2) no Direito, funções profissionais se confundem com

atuação acadêmica.

Sobre o isolamento, Nobre (2005) aponta dois elementos

principais que contribuíram para sua ocorrência: o princípio de

antiguidade e a conexão entre Direito e poder político. Nas palavras de

Nobre (2005, p. 25) “o Direito é mais antigo que as outras disciplinas, não

só no Brasil, e este princípio de antiguidade fez com que estivesse

diretamente ligado ao poder político, no século XIX, podendo se arrogar

a condição de ‘disciplina-rainha’ das Ciências Humanas”.

11 Como toda pesquisa inicial, estou ciente dos vários defeitos presentes na

análise. Mas ainda assim é pertinente mencionar essa tentativa inicial para

me situar como pesquisadora do tema. 12 OLIVEIRA, Amanda Muniz; BASTOS, Rodolpho A.S.M. A Teoria das

Representações Sociais e suas possíveis contribuições para a pesquisa em

direito no Brasil. In: XI Congresso de Direito UFSC, 2017, Florianópolis.

Anais do XI Congresso de Direito UFSC. Florianópolis: CAXIF - UFSC,

2017. v. 1. p. 225-239. Disponível em: <https://bit.ly/2F9Agxk>. Acesso em

04 jan. 2019.

26

Por essas razões, o Direito teria se isolado das Ciências Humanas,

de forma que diálogos e trocas de saberes entre os dois tornaram-se raros

e pontuais. Se para compreender um objeto em sua complexidade é

preciso observá-lo a partir de variados ângulos, o Direito muito perde com

esse distanciamento, pois permanece em sua perspectiva jurídica, não

extrapolando os limites das normas. Conforme Nobre (2005, p. 26):

Vimos, durante décadas, os projetos

interdisciplinares das Ciências Humanas não

contando com teóricos do Direito em seus quadros.

Do outro lado, o Direito só considerava as Ciências

Humanas na medida em que traziam algum

elemento para a reflexão propriamente jurídica.

Não havia um diálogo efetivo. Os dois lados

perderam com esse isolamento, mas, realizando um

balanço, parece que o Direito perdeu mais em

termos de avanço e pesquisa.

Nobre (2005) acredita que a situação se modifica em meados dos

anos 1990, época em que as Ciências Humanas já estavam consolidadas.

Por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, pesquisadores de

diferentes áreas passam, então, a demonstrar interesse em questões

jurídicas. Tal situação, porém, não foi capaz de extinguir a distância entre

Direito e Ciências Humanas, pois

Quando os teóricos do Direito são chamados para

um consórcio interdisciplinar, eles vêm mais como

consultores, para dizer qual o ponto de vista do

Direito, que propriamente visando construir um

diálogo, como ocorreu com outras disciplinas das

Ciências Humanas. Existem especialidades, a

perspectiva antropológica é diferente da

sociológica, e ainda criou-se um clima de debate

interdisciplinar que não conseguimos reproduzir no

Direito. Penso que no caso dos teóricos do Direito,

mantém-se a perspectiva da Sociologia, da

Antropologia, da História e da Economia como

merecedoras de importância apenas quando

tangem a reflexão propriamente jurídica (NOBRE,

2005, p. 25-26).

Todavia, para Nobre (2005), o ponto mais problemático a ser

enfrentado pela academia jurídica brasileira é a confusão entre prática

27

profissional e atuação acadêmica. Na prática profissional, o jurista

precisa, necessariamente, defender um ponto de vista com os melhores

argumentos possíveis; os advogados precisam demonstrar que seu cliente

possui razão, o juiz precisa fundamentar sua decisão e os promotores

necessitam demonstrar que o réu se enquadra em um tipo penal, por

exemplo. Portanto, é comum agarrar-se a determinados núcleos

argumentativos e procurar todas as estratégias possíveis para blindá-lo e

defendê-lo contra os argumentos contrários. Nunca um profissional do

Direito, em sua atuação prática, fornecerá as críticas ao ponto de vista

defendido, pois seu sucesso depende da argumentação e do

convencimento. Apenas aspectos positivos de determinada teoria ou

apenas a interpretação mais próxima do que se defende serão

apresentadas; qualquer teoria ou interpretação que negue ou diminua a

certeza de suas falas e que não possa ser combatida argumentativamente,

será ocultada e ignorada.

Para Nobre, o mesmo acontece quando o jurista se lança ao mundo

acadêmico:

O padrão de que o que é pesquisa em Direito no

Brasil passou a ser o parecer, que se tornou o

modelo de pesquisa. Dizer que o parecer

desempenha o papel de modelo e que decisivo na

produção desse amálgama de prática, teoria e

ensino jurídicos, significa dizer que o parecer não

é tomado aqui como uma peça jurídica entre outras,

mas como um formato padronizado de

argumentação, que hoje passa por um quase

sinônimo de produção acadêmica na área de

Direito – que penso estar na base da maioria dos

trabalhos universitários, atualmente (NOBRE,

2005, p. 30-31).

Além disso, negar as fontes, teorias e aportes contrários à hipótese

inicial levantada em uma pesquisa, corroboram para que os juristas

sempre tenham uma hipótese correta, pois a resposta desejada já é

estabelecida. Tendo como cerne da pesquisa acadêmica a produção,

confirmação ou refutação de uma determinada hipótese, buscar apenas arcabouços que a validem dificilmente conduzirão a uma pesquisa

acadêmica em si. De acordo com Nobre (2005, p. 31-32):

No caso paradigmático modelar do parecer, a

resposta já está dada de antemão. É um tipo de

28

investigação científica que já possui uma resposta

antes de se perguntar ao material. Este é o

problema. Eu não conseguirei avançar na pesquisa

em Direito enquanto já souber a resposta antes de

fazer a pergunta ao material, já que, quando tenho

a resposta, eu só seleciono do material o que

importa para defender o que eu já sei. Sem romper

essa lógica, não teremos pesquisa em Direito no

Brasil.

Diante desse diagnóstico, comecei a problematizar não só a minha

própria trajetória acadêmica como também os trabalhos de direito e arte

em geral. Apesar de me dedicar ao assunto desde a graduação, não me

lembrava de críticas dirigidas à área; sobre o direito e literatura,

especificamente, me lembrava de uma menção que Godoy (2008B) fazia

ao norte-americano Richard Posner, para quem direito e literatura era um

tema infrutífero, mas sem debater maiores detalhes.

Foi assim, portanto, que decidi, na tese, comparar a produção

brasileira sobre direito e literatura com a produção estadunidense. Para

começar a explorar o tema, seria preciso verificar as diferenças entre os

dois campos, identificando as possíveis críticas já produzidas nos Estados

Unidos. Levando em consideração que o law and literature movement surgiu neste país em 1973, seria plausível encontrar ali críticos do

movimento que desabrochava no Brasil.

Para tanto, porém, foi preciso me dedicar a construção de dois

corpora documentais passíveis de análise: um composto de pesquisas

brasileiras e outro composto de pesquisas norte-americanas. Cada um

desempenharia um duplo papel, servindo tanto de 1) parâmetro sobre o

estado da arte das pesquisas em cada país, quanto de 2) fonte documental

a ser analisado na tese. Passo, agora, a detalhar a metodologia empregada

para seleção dos trabalhos que serviram de base para a presente tese.

1.1 A CONSTRUÇÃO DE UM ACERVO

No segundo trimestre de 2016, a (então) Pós-Doutoranda, Dra.

Lídia Patrícia Castillo Amaya, em parceria do Prof. Ph.D. Arno Dal Ri

Júnior, ofertou no Programa de Pós-Graduação em Direito da

Universidade Federal de Santa Catarina – PPGD/UFSC, a disciplina

29

Métodos e Metodologias Transdisciplinares Aplicados à Pesquisa no

Direito (Código DIR 510114)13.

À época, não me matriculei formalmente, mas assisti a grande

parte das aulas ministradas, nas quais métodos e teorias de diversas áreas

das ciências foram abordados. Uma dessas aulas, em especial, foi crucial

para pensar o desenvolvimento desta tese: a aula sobre métodos e técnicas

de revisão bibliográfica.

A partir da bibliografia indicada, pude compreender que a revisão

bibliográfica não necessariamente precisa ser realizada ao acaso, partindo

de livros e indicações aleatórias e baseando-se na preferência do

pesquisador. Existiam métodos específicos para confecções de diferentes

tipos de revisão bibliográfica, utilizados de forma mais frequente nas

áreas das ciências da saúde e educação.

Essa proposta seria de grande auxílio para iniciar a tese, uma vez

que era necessário compreender o estado da arte da pesquisa sobre direito

e literatura no Brasil para então compará-lo com as pesquisas

estadunidenses. Desta forma, no intuito de permitir aos futuros leitores

que visualizassem o recorte brasileiro a ser analisado, optei por me

inspirar em um tipo de revisão bibliográfica abrangente e passível de

reprodução.

Conforme Manual de Revisão Bibliográfica do grupo Ănima

(2014, p. 1), existem dois tipos principais de revisão bibliográfica: 1)

Revisão Narrativa; e 2) Revisão Sistemática, que se divide, ainda, em

diversos tipos, a depender dos objetivos do pesquisador. Neste sentido, a

Revisão Bibliográfica Narrativa, para Edna Rother (2007, p. ix) é:

Apropriada para descrever e discutir o

desenvolvimento ou o “estado da arte” de um

determinado assunto, sob ponto de vista teórico ou

contextual. [...]. Constituem, basicamente, de

análise da literatura publicada em livros, artigos de

revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação

e análise crítica pessoal do autor. Essa categoria

[...] tem um papel fundamental para a educação

continuada pois, permite ao leitor adquirir e

atualizar o conhecimento sobre uma temática

específica em curto espaço de tempo. [...].

13 O plano de ensino está disponível em

<http://ppgd.ufsc.br/files/2016/05/DIR510114.pdf>. Acesso em 03 ago.

2017.

30

Trata-se da revisão de literatura tradicionalmente utilizada na

pesquisa em Direito; o pesquisador procura ler uma vasta bibliografia

sobre um determinado tema, seguindo indicações do orientador, de

colegas, professores, ou mesmo por busca individual em bibliotecas e

livrarias.

Para o desenvolvimento desta tese, porém, este tipo de revisão não

seria adequada. Caso optasse por realizar uma revisão bibliográfica

narrativa, correria o risco de ler apenas autores e livros ou já conhecidos,

ou mais acessíveis (disponíveis nas bibliotecas e livrarias que frequento),

compreendendo-os como amostra confiável de toda a produção sobre o

tema no país, o que não é o caso.

Esta, aliás, é a grande crítica realizada à revisão de literatura

narrativa por Bernardo, Nobre e Jatene (2004, p. 104):

As revisões tradicionais incluem artigos de revisão

e livros de texto, que geralmente são narrativas de

natureza opinativa, considerados com força de

evidência científica precária, já que não podem ser

reproduzidos por outros autores. Estes textos são

gerados segundo a opinião do autor, que decide

quais as informações são mais relevantes, sem

explicitar a forma como elas são obtidas. O autor

costuma buscar trabalhos que reforcem o seu ponto

de vista, não considerando aqueles que divergem

ou têm propostas alternativas, mesmo que

produzidos com boa metodologia de pesquisa.

Como o autor escolhe de forma arbitrária os artigos

de onde provem a informação, as orientações que

se depreendem do texto estão sujeitas ao viés de

seleção, com grande interferência da percepção

subjetiva. Quando diversos textos de natureza

opinativa são articulados por um conjunto de

autores, habitualmente pertencentes a uma mesma

especialidade, ou sociedades afins, compõem-se

um documento conhecido como consenso, que

costuma atender às composições de natureza

corporativa.

Portanto, para ter acesso a textos da área e não textos de alguns

autores, optei por desenvolver um modelo próximo à Revisão

Bibliográfica Sistemática, que conforme o grupo Ănima (2004, p. 3) parte

de uma pergunta específica, necessariamente “conduzida de acordo com

31

uma metodologia clara e possível de ser reproduzida por outros

pesquisadores” (ĂNIMA, 2004, p.3).

Como já salientado, existem diversos tipos de revisão bibliográfica

sistemática, variáveis a partir do objetivo do pesquisador. O grupo Ănima

(2004, p. 3-6) elenca quatro tipos (Meta-análise, Sistemática, Qualitativa

e Integrativa), enquanto o Educational Research Review elenca oito

espécies (Integrativa, Teórica, Metodológica, Temática, Estado da arte,

Histórica, Comparativa e Complementar). É provável que ao consultar

outros autores, diferentes classificações surjam, uma vez que tais

taxonomias são criadas a partir de diferentes objetivos de pesquisa. Por

essa razão, acredito ser desnecessário me alongar sobre cada uma delas.

Assim, tendo como preocupação principal fornecer elementos para

que outros pesquisadores consigam reproduzir a busca efetuada, iniciei a

seleção de pesquisas definindo quais tipos de texto seriam analisados.

Desta forma, busquei especificamente artigos científicos

publicados em periódicos e em anais de eventos, livros e teses de

doutorado. O tema deveria ser necessariamente direito e literatura e os

trabalhos deveriam ter como autor ou coautor ao menos um jurista

brasileiro com titulação de Doutor em Direito14.

Foram excluídos textos não acadêmicos e cujos autores tivessem

titulação menor que doutorado, bem como doutorado em outras áreas que

não o direito, inclusive interdisciplinares. Este recorte foi escolhido

porque o interesse principal era identificar questões pertinentes à pesquisa

em direito e literatura no Brasil, feita por juristas brasileiros com alta

titulação.

A delimitação temporal foi regressiva; busquei trabalhos de 2016

para trás, até encontrar o trabalho mais antigo (datado de 2002) que se

encaixasse nos critérios estabelecidos.

Apresento agora a metodologia empregada para construção do

acervo examinado na presente tese.

14 Para tanto, analisou-se o Currículo Lattes dos autores, levando sempre em

consideração o momento da publicação. Assim, por exemplo, se um texto

publicado em 2013 contou com a autoria de um jurista que só se tornou doutor

em 2014, o texto seria excluído do acervo. Nada impediria, entretanto, que

este mesmo autor escrevesse uma outra pesquisa sobre direito e literatura em

2015, já doutor; caso essa pesquisa surgisse na coleta, ela seria incluída ao

acervo e analisada.

32

1.1.1 Busca por livros

No dia 5 de abril de 2017, acessei o acervo de obras gerais da

Biblioteca Nacional15 e no item busca rápida, selecionado o marcador

todos os campos, digitei o termo “direito e literatura” (entre aspas). O

resultado apontou os 22 registros a seguir (em ordem alfabética):

1) ARAÚJO, José Osterno Campos de. Direito penal na literatura

de Shakespeare, Machado e outros virtuoses. Porto Alegre:

Nuria Fabris, 2012. 95 p.

2) BOTERO, André; MEDINA, Lízia (Org.). Direito e

Literatura: estudos jurídicos baseados em obras literárias da

segunda metade do século XIX. Curitiba: Juruá Ed., 2013. 343

p.

3) CALVO GONZÁLEZ, José. Direito curvo. Porto Alegre: Liv.

do Advogado, 2013. 78 p.

4) DARNTON, Robert. O diabo na água benta, ou, A arte da

calúnia e da difamação de Luís XIV a Napoleão. São Paulo:

Companhia das Letras, 2012. 626p.

5) FACHIN, Melina Girardi. Direitos humanos e fundamentais:

do discurso teórico à prática efetiva: um olhar por meio da

literatura. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2007. 142p.

6) FARIA, Gentil de (Org.). Direito e Literatura: confluências e

afinidades. 1. ed. São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica,

2015. 252 p.

7) FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e

Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da

Fundação Getúlio Vargas, 2011.

8) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura:

ensaio de síntese teórica. Porto Alegre: Liv. do Advogado,

2008. 136 p.

9) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura:

anatomia de desencanto: desilusão jurídica em Monteiro

Lobato. Curitiba: Juruá Ed., 2002. 179 p.

10) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito, literatura e

cinema: inventário de possibilidades. São Paulo: Quartier Latin, 2011. 427p.

15 Disponível em: <http://acervo.bn.br/sophia_web/index.html>. Acesso em

05 abril de 2017.

33

11) MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de

(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de

compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. 245 p.

12) OLIVO, Luis Cancellier de (Org.). Dostoiévski e a filosofia

do direito: o discurso jurídico dos irmãos Karamázov.

Florianópolis: Ed. UFSC: Fundação Boiteux, 2012. 246 p.

13) OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico.

São Leopoldo, RS: Ed. UNISINOS, [2005]. 461p.

14) PERGOLESI, Ferruccio, 1899. Diritto e giustizia nella

letteratura moderna narrativa e teatrale. Bologna, Dott. C.

Zuffi, 1949: [s.n.]. 288 p.

15) ROCHA, Fernando Antônio Dusi. O problema da verdade:

literatura e direito. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2010. 146p.

16) SILVA, Silvano Gomes da. Direito e literatura: aporte

metodológico literário como recurso para a compreensão e

ampliação do direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2010.

103p.

17) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura II:

ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.

228p.

18) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura:

pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. 172p.

19) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício

Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. 178 p.

20) STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os

modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:

Atlas, 2015. viii, 254p.

21) TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães;

COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito & Literatura:

discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Nuria

Fabris, 2010. 416 p.

22) TRINDADE, André Karam; SCHWARTZ, Germano (Org.).

Direito e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá Ed., 2008. 343p.

23) VILLALOBOS, Jorge Ulisses Guerra (Org.). Educação,

direito e literatura. Maringá, PR: UEM, Programa de Pós-

Graduação em Geografia, 2000. 95p.

34

O livro do item 23 não foi localizado em nenhuma livraria ou

editora, motivo pelo qual não foi incluído no acervo.

Excluímos os autores que não eram mestres ou doutores na época

de publicação destes textos e também os que não possuíam ou mestrado

ou doutorado por uma Universidade brasileira e mantive os textos escritos

em coautoria com ao menos um doutor, chegando ao seguinte resultado,

incluído no acervo (em ordem alfabética):

1) FARIA, Gentil de (Org.). Direito e Literatura: confluências e

afinidades. 1. ed. São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica,

2015. 252 p.

2) FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e

Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da

Fundação Getúlio Vargas, 2011.

3) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito & literatura:

ensaio de síntese teórica. Porto Alegre: Liv. do Advogado,

2008. 136 p.

4) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura:

anatomia de desencanto: desilusão jurídica em Monteiro

Lobato. Curitiba: Juruá Ed., 2002. 179 p.

5) MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de

(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de

compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. 245 p.

6) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:

ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010.

228p.

7) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura:

pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. 172p.

8) SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; POZZEBON, Fabrício

Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. 178 p.

9) STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os

modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:

Atlas, 2015. 254p. 10) TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães;

COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito & Literatura:

discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Nuria

Fabris, 2010. 416 p.

35

11) TRINDADE, André; SCHWARTZ, Germano (Org.). Direito

e Literatura: o encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá

Ed., 2008. 343p.

Com exceção dos livros indicados nos itens 3 e 4, as demais obras

são capítulos de livros ou artigos em coletâneas, sendo que após a

verificação dos textos nelas contidos, cheguei a seguinte lista de pesquisas

(em ordem alfabética):

1) ARONNE, Ricardo. Entre os véus de Themis e os Paradoxos

de Janus: a Razão e o Caos no discurso jurídico pela lente de

Albert Camus. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;

PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito

e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. p.

87-106.

2) ARONNE, Ricardo. Entre os véus de Themis e os Paradoxos

de Janus: a Razão e o Caos no discurso jurídico pela lente de

Albert Camus. In: TRINDADE, André; SCHWARTZ,

Germano. Direito e Literatura: o encontro entre Themis e

Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 303-320.

3) ARONNE, Ricardo. Ontologia e simulacro na pós-

modernidade de Janus: alteridade e impossibilidade face à

síndrome de Perseu. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;

PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito

e literatura: II: ética, estética e política. Porto Alegre:

EdiPUCRS, 2010. p. 207-229.

4) BRANCO, Sérgio. Práticas de ensino em direito e literatura.

In: FALCÃO et al. Cadernos FGV Direito Rio: Educação e

Direito. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da

Fundação Getúlio Vargas, 2011.

5) CARVALHO, Salo de. Criminologia na alcova (Diálogo com

Marquês de Sade). In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;

PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito

e literatura: II: ética, estética e política. Porto Alegre:

EdiPUCRS, 2010. p. 131-140.

6) CARVALHO, Salo de. Fronteiras entre Ciência (Dramática) e Arte (Trágica): aportes a partir das Ciências Jurídico-

Criminais. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;

PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito

e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. p.

63-84.

36

7) CARVALHO, Salo de; WEUGERTM, Mariana de Assis

Brasil e. Sensacionalismos A sangue frio: a ruptura da

narrativa do crime em Truman Capote. In: SÖHNGEN,

Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício Dreyer

(Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 47-

72.

8) CASTILHO, Paulo Cesar Baria de. Dom Quixote e suas

relações com o Direito e outras artes. In: FARIA, Gentil de

(Org.). Direito e Literatura: confluências e afinidades. 1. ed.

São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica, 2015. p. 87-102.

9) COPETTI NETO, Alfredo; BERNARDI, Ludovico Omar. O

papel da literatura, seus diferentes gêneros e as Cobranças de

uma sociedade solitária. In: MOREIRA, Nelson Camatta;

OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e

os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.

UNIJUÍ, 2015. p. 167-180.

10) COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O lugar do poder do

juiz em Portas Abertas, de Leonardo Sciascia. In: STRECK,

Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de

juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p.

211-226.

11) D’AVILA, Fabio Roberto. Direito penal, literatura e

representações. TRINDADE, André Karam; GUBERT,

Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo (Org.). Direito

& Literatura: discurso, imaginário e normatividade. Porto

Alegre: Nuria Fabris, 2010. p. 155-164.

12) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. Entre a

insustentabilidade e a futilidade: a jurisdição, o direito e o

imaginário social do juiz. In: STRECK, Lênio Luis;

TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de juiz:

ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p. 19-

44.

13) FERREIRA, Suzana Maria da Glória. Crime e castigo: a

redenção pela dor e pelo amor. In: FARIA, Gentil de (Org.).

Direito e Literatura: confluências e afinidades. 1. ed. São Paulo: Ed. HN: Cultura Acadêmica, 2015. p. 121-136.

14) FORTES, Betty Yelda Brognoli Borges. Literatura e Direito

na Tragédia Grega. In: SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa;

PANDOLFO, Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito

37

e literatura: pensar a arte. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. P.

19-36.

15) GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Justiça Maquínica.

SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício

Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 73-

86.

16) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Literatura:

os Pais Fundadores John Henry Wigmore, Benjamin Nathan

Cardozo e Lon Fuller. In: TRINDADE, André; SCHWARTZ,

Germano. Direito e Literatura: o encontro entre Themis e

Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 21-50.

17) MACEDO, Elaine Harzheim. A literatura e o direito nos

julgamentos: uma ponte a ser cruzada. In: TRINDADE,

André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o

encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 129-

144.

18) MARTINS, Ângela Vidal da Silva. Os miseráveis: entre a lei

e a liberdade. SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista;

POZZEBON, Fabrício Dreyer (Org.). Encontros entre direito

e literatura III: poesia, linguagem e música. Porto Alegre:

EdiPUCRS, 2016. p. 165-177.

19) MIRANDA, Roberta Drehmer. Direito e sociologia da

literatura: Lavoura Arcaica e as fundações da família.

SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício

Dreyer (Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 139-

164.

20) MORAIS, José Luiz Bolzan de. Entre (des)continuidades e “a

gente vai levando”. In: MOREIRA, Nelson Camatta;

OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e

os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.

UNIJUÍ, 2015. p. 65-78.

21) MOREIRA, Nelson Camatta. Hermenêutica e

(Res)sentimento constitucional no conto “Um pezzo di pane”,

de Ignazio Silone. In: MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e

os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.

UNIJUÍ, 2015. p. 135-166.

22) MOREIRA, Nelson Camatta; ESCOSSIA, Matheus Henrique

dos Santos da. O Alerta de Machado de Assis em “Sereníssima

38

República”: decisionismo judicial, estado de exceção e

integridade. In: MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA,

Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e os múltiplos

horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015.

p. 203-228.

23) MOREIRA, Nelson Camatta; PAULA, Rodrigo Francisco de.

Lima Barreto: subcidadania, negação do estado de direito e

constitucionalismo dirigente no Brasil. In: MOREIRA, Nelson

Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito &

Literatura e os múltiplos horizontes de compreensão pela arte.

Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. p. 31-64.

24) OHLWEILER, Leonel. Aproximações hermenêuticas entre

Direito e Literatura: a narratividade dos princípios

constitucionais da administração pública. In: TRINDADE,

André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o

encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. p. 173-

198.

25) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de. As encenações da justiça

nas Academias de Sião. In: STRECK, Lênio Luis;

TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de juiz:

ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p. 75-

88.

26) ROSA, Alexandre Morais da. A excitação da Nova Ordem

Jurídica e a responsabilidade do sujeito a partir de Jorge Luis

Borges. In: MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana

Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e os múltiplos

horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015.

p. 89-110.

27) ROSA, Alexandre Morais da. Literatura & Psicanálise nas

decisões penais: enunciando impossibilidades. In:

SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:

ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010. p.

123-130.

28) ROSA, Alexandre Morais da; KARAM, Henriete. Os

impasses do Magistrado em À espera dos bárbaros. In: STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os

modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:

Atlas, 2015. p. 199-210.

29) SCHWARTZ, Germano. O direito como Arte e um de seus

expoentes: o Law and Literature Movement. In: TRINDADE,

39

André; SCHWARTZ, Germano. Direito e Literatura: o

encontro entre Themis e Apolo. Curitiba: Juruá, 2008. P. 21-

50. P. 79-94.

30) SCHWARTZ, Germano. Um Admirável Novo Direito:

autopoiese, risco e altas tecnologias sanitárias. In:

SÖHNGEN, Clarice Beatriz da Costa; PANDOLFO,

Alexandre Costi (Org.). Encontros entre direito e literatura: II:

ética, estética e política. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2010. p.

37-58.

31) SCLIAR, Wremyr. A relação entre Direito, música e literatura

no iluminismo a partir da Revolução Francesa. SÖHNGEN,

Clarice Beatriz da Coista; POZZEBON, Fabrício Dreyer

(Org.). Encontros entre direito e literatura III: poesia,

linguagem e música. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2016. p. 121-

138.

32) SPENGLER, Fabiana Marion. O símbolo, o mito e o rito: o

juiz e as “dificuldades epidêmicas” do decidir. In: STRECK,

Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os modelos de

juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo: Atlas, 2015. p.

117-140.

33) SPENGLER, Fabiana Marion. O tempo e as dificuldades de

contar o Direito: a refiguração da experiência temporal através

da narrativa identitária. In: TRINDADE, André Karam;

GUBERT, Roberta Magalhães; COPETTI NETO, Alfredo

(Org.). Direito & Literatura: discurso, imaginário e

normatividade. Porto Alegre: Nuria Fabris, 2010. p. 113-132.

34) STRECK, Lênio Luiz. A autonomia do Direito: das eumênides

ao capitão vitorino. In: MOREIRA, Nelson Camatta;

OLIVEIRA, Juliana Ferrari de (Org.). Direito & Literatura e

os múltiplos horizontes de compreensão pela arte. Ijuí: Ed.

UNIJUÍ, 2015. p. 19-30.

35) STRECK, Lênio Luiz. Os modelos de juiz e a literatura. In:

STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam (Org.). Os

modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São Paulo:

Atlas, 2015. p. 227-236.

36) TRINDADE, André Karam. Entre pequenas injustiças e grandes justiças: O Mercador de Veneza e a representação do

juiz. In: STRECK, Lênio Luis; TRINDADE, André Karam

(Org.). Os modelos de juiz: ensaios de direito e literatura. São

Paulo: Atlas, 2015. p. 163-186.

40

37) TRINDADE, André Karam; ROSENFIELD, Luis. Direito e

(M)Mutação: a cultura jurídica e as invasões bárbaras. In:

MOREIRA, Nelson Camatta; OLIVEIRA, Juliana Ferrari de

(Org.). Direito & Literatura e os múltiplos horizontes de

compreensão pela arte. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2015. p. 111-134.16

O artigo do item 1 também foi publicado em outro livro, conforme

item 2, de forma que apenas um foi considerado; o artigo do item 12 foi

publicado na revista Anamorphosis, sendo desconsiderada sua incidência

no respectivo livro; os trabalhos dos itens 20 e 22 já haviam sido

publicados nos Anais do CONPEDI, motivo pelo qual a versão nos anais

foi incluída no acervo e a dos livros, descartada.

No total, obtive 33 artigos oriundos de coletâneas e 2 livros inteiros

compondo o acervo, com o total de 35 pesquisas veiculadas em livros.

1.1.2 Busca por artigos em periódicos

A busca por artigos publicados em periódicos foi realizada a partir

do Portal de Periódicos CAPES, em razão de sua abrangência; seu acervo

possui mais de 38 mil publicações periódicas,

internacionais e nacionais, e [...] diversas bases de

dados que reúnem desde referências e resumos de

trabalhos acadêmicos e científicos até normas

técnicas, patentes, teses e dissertações dentre

outros tipos de materiais, cobrindo todas as áreas

do conhecimento. Inclui também uma seleção de

importantes fontes de informação científica e

tecnológica de acesso gratuito na web17.

Seria possível buscar publicações sobre direito e literatura nos sites

individuais de cada revista, mas este método seria demorado e incerto. As

publicações da área encontram-se diluídas em diferentes revistas, de

diferentes estados e com diferentes notas Qualis.

16 Pertinente destacar a observação do Professor Daniel Serravalle de Sá

quando da defesa final desta tese: a grande maioria dos livros encontrados diz

respeito ao sul e sudeste brasileiro. Pelos parâmetros adotados, pouca coisa

foi encontrada em livros publicados em outras regiões do Brasil. 17 Disponível em: <http://www-periodicos-capes-gov-

br.ez46.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pcollection&Itemid

=104>. Acesso em 06 abril 2017.

41

Assim, presando por uma maior celeridade e certeza, optei por

utilizar o Portal de Periódicos CAPES, via rede da UFSC.

Em 06/04/2017, na categoria busca por assunto (avançada), utilizei

os termos direito e literatura (em qualquer campo, fosse título, autor ou

assunto), tipo de recurso: artigos, periódicos revisados por pares (que

exibe resultados já avaliados por cientistas da área), tópicos Law, na

ordem de mais relevantes. Encontrei 57 resultados a serem verificados.

Em 07/04/2017 refiz a pesquisa avançada por assunto com o termo

“direito e literatura”, (expressão entre aspas e buscada em qualquer

campo, fosse título, autor ou assunto), tipo de recurso: artigos, sem

refinação de tópicos, na ordem de mais relevantes. A busca identificou 61

resultados, 7 dos quais em revistas revisadas por pares e os demais

categorizados como recursos online.

Verificados os artigos encontrados, cheguei a seguinte lista a ser

incluída no acervo (em ordem alfabética):

1) MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Law, literature

and cinema: an essay on dystopic movies. Revista de Estudos

Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. V. 4, n. 1,

2012. P. 40-47.

2) OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; SIQUEIRA,

Gustavo Silveira. Pequeno ensaio sobre a injustiça: memórias

secas de um tribunal de segurança nacional. Sequência, n. 61,

2010, p. 111-125.

3) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; SIQUEIRA, Ada Bogliolo

Piancastelli de. O direito e o absurdo: uma análise de “O

estrangeiro”, de Albert Camus. Sequência, n. 56, 2008, p. 259-

276.

4) SPENGLER, Fabiana Marion. Entre o Direito e a Literatura:

uma análise da jurisdição atual e do papel do juiz no

tratamento dos conflitos. Sequência, n. 62, 2011, p. 299-322.

5) SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER, Theobaldo. O

direito, a literatura, o mito e o juiz: construções em torno do

verbo “decidir”. Revista de Estudos Constitucionais,

Hermenêutica e Teoria do Direito. V. 3, n. 1, 2011. p. 102-110.

6) TRINDADE, André Karam; KARAM, Henriete. Ex fabula ius oritur: Antígona e o direito que vem da literatura. Revista de

Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito. V.

5, n. 2, 2013. p. 196-203.

7) TRINDADE, André Karam; ROSENFIELD, Luis;

CALGARO, Júlia Marmentini. Constituição, absolutismo e

42

liberalismo. Um retrato da magistratura imperial em “O juiz

de paz na roça”, de Martins Pena. Revista Brasileira de Direito,

v. 11, n. 2, 2015. p. 126-136.

Destaca-se que, após leitura dos textos, o artigo do item 1 foi

desconsiderado, pois trata-se de um texto já publicado nos Anais do

CONPEDI, em 2011, sendo esta versão prévia já incluída no acervo.

No que tange ao baixo número de artigos encontrados, acredito que

esse fator pode ser explicado por duas hipóteses: 1) A exigência de

publicar em revistas é recente e o lapso temporal ainda não ocorreu de

forma a possibilitar a migração dessas publicações de livros e anais para

revistas científicas; e/ou 2) Nem todas as revistas científicas do Direito

estão indexadas nas bases abrangidas pelo Periódicos CAPES.

Desta forma, visando uma maior complementação dos artigos

publicados em periódicos, optou-se por incluir no acervo os artigos

publicados na Revista Anamorphosis, a mais relevante no que tange aos

estudos de Direito e Literatura no Brasil. Assim, encontrei os seguintes

artigos (em ordem alfabética):

1) ALVES, Míriam Coutinho de Faria. A memória afetiva e a

infância digna na literatura de Clarice Lispector.

Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e Literatura,

v. 2, n.1, 2016. p. 169-181.

2) BENTES, Hilda Helena Soares. A Via Crucis do Corpo da

Mulher: trajetos de violência na literatura brasileira sob a ótica

dos direitos humanos das mulheres. Anamorphosis – Revista

Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 147-

167.

3) CAMPOS, Juliana Cristine Diniz. Peri no advento da

república: a construção da ideia política de nação pela

literatura romântica no século XIX. Anamorphosis – Revista

Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015. p. 175-

193.

4) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira. Entre a

insustentabilidade e a futilidade: a jurisdição, o direito e o

imaginário social sobre o juiz. Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016. p. 293-

320.

5) FACHIN, Melina Girardi. As biografias não autorizadas e a

ilegitimidade da ficção. Anamorphosis – Revista Internacional

de Direito e Literatura, v. 2, n.1, 2016. P. 97-111.

43

6) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Monteiro Lobato no

banco dos réus: o tema da judicialização das Caçadas de

Pedrinho. Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e

Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 113-121.

7) MAIA, Gretha Leite. Alumbrar-se: realismo mágico e

resistência às ditaduras na América Latina. Anamorphosis –

Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016.

p. 371-388.

8) MARIN, Jeferson Dytz. O saber literário e a estereotipação do

conhecimento jurídico. Anamorphosis – Revista Internacional

de Direito e Literatura, v. 1, n.2, 2015. p. 301-315.

9) NOGUEIRA, Gustavo Santana. A força dos precedentes no

julgamento de Shylock em O Mercador de Veneza de

Shakespeare. Anamorphosis – Revista Internacional de

Direito e Literatura, v. 2, n.2, 2016. p. 411-432.

10) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; LEHMANN, Leonardo

Henrique Marques. Dimensão jurídica da loucura e modelos

de atenção à saúde mental em Dom Quixote. Anamorphosis –

Revista Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015.

p. 99-120.

11) PEPE, Albano Marcos Bastos. Direito e Literatura: uma

intersecção possível? Interlocuções com o pensamento

waratiano. Anamorphosis – Revista Internacional de Direito e

Literatura, v. 2, n.1, 2016. p. 5-15.

12) RIBEIRO, Iara Pereira. A exceção e a regra: fragmentos de

uma reflexão jurídico-literária. Anamorphosis – Revista

Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.1, 2015. p. 121-

138.

13) YAMAMOTO, Lilian. A literatura de cárcere em defesa de

um condenado à pena de morte no Japão – Lágrimas de

ignorância, de Norio Nagayama. Anamorphosis – Revista

Internacional de Direito e Literatura, v. 1, n.2, 2015. p. 267-

283.

O artigo do item 3 foi desconsiderado por já ter sido publicado

previamente nos anais do CONPEDI, sendo contabilizado como pesquisa presente em anais de eventos. Assim, obtive 18 artigos publicados em

periódicos compondo o acervo.

44

1.1.3 Busca por artigos em anais de eventos

Em relação aos artigos publicados em anais de eventos, optou-se

por buscar produções incluídas em dois principais eventos: os Encontros

e Congressos realizados pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-

Graduação em Direito – CONPEDI; e os Colóquios Internacionais de

Direito e Literatura (CIDIL’s) organizados pela Rede Brasileira de

Direito e Literatura – RDL.

O CONPEDI é

a Sociedade Científica do Direito no Brasil,

organizado através de uma associação civil com

personalidade jurídica de direito privado e sem fins

econômicos que incentiva e promove os estudos

jurídicos e o desenvolvimento da pós-graduação

em Direito no Brasil18.

Os eventos por ele realizados foram escolhidos em razão de sua

grande expressão na área do direito, sendo que

Desde sua criação, em 17 de outubro de 1989, o

CONPEDI realiza Encontros e Congressos

nacionais que oferecem visibilidade à produção

científica em Direito. Através dos eventos, já

oportunizou a publicação de milhares de artigos

jurídicos e apresentações de pôsteres produzidos

por pesquisadores brasileiros acerca das mais

diversas temáticas19.

São, portanto, eventos de tradição e prestígio na área do direito, em

geral, sendo a busca em seus anais um ponto de partida promissor.

Os anais do CONPEDI encontram-se digitalizados, acessíveis a

toda comunidade. São realizados dois eventos nacionais por ano, um

Encontro e um Congresso, ambos com publicação sendo que os primeiros

eventos datam de 1992. Porém, no site do Conselho estão presentes

apenas os trabalhos publicados de 2005 em diante, sendo este o recorte de

minha busca. A partir do XVI Congresso Nacional do CONPEDI, no

18 Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06

abril 2017. 19 Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/quemsomos/>. Acesso em 06

abril 2017.

45

segundo semestre de 2007, é possível visualizar um grupo específico

sobre Direito e Literatura e foi a partir dele que coletei os trabalhos a

serem analisados.

Importante mencionar que a partir de 2014 o CONPEDI passou a

realizar encontros internacionais, cujos anais também foram verificados.

Porém, apenas no V Encontro Internacional do CONPEDI em

Montevidéu, Uruguai, em 2016 foram encontrados trabalhos sobre direito

e literatura, em GT do tema.

No total, encontrei os seguintes artigos que se enquadravam nos

critérios estabelecidos (em ordem alfabética):

1) ALMEIDA, Philippe Oliveira de. Dos delitos e das penas nas

utopias do Século XVI. In: Anais do XXIV Congresso

Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux,

2015.

2) ALVES, Candice Lisbôa; FERREIRA, Luciana Pereira

Queiroz Pimenta. Sobre o aborto e a lei: uma reflexão a partir

da irresponsabilidade de Lima Barreto na experiência da

Literatura. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do

CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

3) ALVEZ, Candice Lisbôa; FERREIRA, Luciana Pereira

Queiroz Pimenta. Da Capitu machadiana às Capitus do século

XXI: o lugar da mulher no intercâmbio entre Direito e

Literatura, à luz do romance Dom Casmurro. In: Anais do

XXIV Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2015.

4) ALVES, Miriam Coutinho de Faria; ZAGANELLI, Margareth

Vetis. A dialética do corpo na narrativa de Clarice Lispector:

a feminilidade e os direitos da mulher na Via Crucis do Corpo.

In: Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

5) ARAÚJO, Francisco Régis Frota; ARAÚJO, Sarah Carneiro.

Do romantismo literário ao naturalismo imagético, um passeio

sobre “Inocência”: do texto de Taunay ao filme de Walter

Lima Júnior. In: Anais do XIX Encontro Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2010. p. 6411-6428.

6) BARROS, Carla Eugenia Caldas; MENESES, Luiz Manoel

Andrade. Os Corumbás e o Estado de Exceção por Agamben.

In: Anais do V Encontro Internacional do CONPEDI

46

Montevidéu – Uruguai. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2016.

7) BENTES, Hilda Helena Soares. A Conexão dos Teóricos da

Phýsis com o trágico e a justiça. In: Anais do XXIV Congresso

Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux,

2015.

8) BENTES, Hilda Helena Soares. A ideia de justiça e a essência

do trágico. In: Anais do XXIII Congresso Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.

9) CAMPOS, Juliana Cristine Diniz. O Brasil de Peri e o advento

da república: a construção da ideia política de nação pela

literatura brasileira no séc. XIX. In: Anais do XXIV Encontro

Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2015.

10) CARDIN, Valéria Silva Galdino; SANTOS, Andréia Colhado

Grego. O Patriarcalismo contemporâneo e a violência de

gênero em “Venha ver o pôr do sol” de Lygia Fagundes Teles.

In: Anais do XXII Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

11) CASTRO, Cristina Veloso de; NEVES, Fabiana Junqueira

Tamaoki. As implicações da teoria da linguagem e da

exploração do sinal. In: Anais do XXIV Congresso Nacional

do CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

12) COSTA, Alexandre Bernardino. A Extraordinária Gente: uma

visita ao sistema carcerário por meio da literatura. In: Anais do

XX Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2011. p. 7019-7044.

13) COSTA, Marcelo Cacinotti; LIMA, Vinicius de Melo. Uma

crítica ao positivismo jurídico e à discricionariedade judicial à

luz da obra medida por medida, de Shakespeare. In: Anais do

XXIV Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2015.

14) FARIA, Edimur Ferreira.; NEVES, Lailson Braga Baeta.

Direito, Cinema e Literatura: o Solisita, o princípio da

dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e os

excluidos. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6414-6428.

15) FERRAZ, Fernando Basto. A literatura e a música como

expressão de sentimentos, com repercussão no mundo do

Direito. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI

- Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

47

16) FERRAZ, Fernando Basto. A literatura e o amor como

expressão do poder. In: Anais do XXIII Congresso Nacional

do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.

17) FERRAZ, Fernando Basto. Influência do direito, do cinema e

da literatura na construção da cidadania brasileira. In: Anais

do XXII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2013.

18) FERRAZ, Fernando Basto; FELIPE, Tiago José Soares.

Influência da Literatura no Direito e no cotidiano brasileiro.

In: Anais do Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.

19) FRANCO, Ângela Barbosa; CAMPOS, Maria Cristina

Pimentel; RIBEIRO, Fernando José Armando; NUNES,

Luciano Augusto de Freitas. O poder em Macbeth: a

(des)construção da ordem e da (des)medida. In: Anais do XVII

Encontro do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2008. p. 958-974.

20) GALUPPO, Marcelo Campos; LAGO, Davi Pereira do.

Direito e Moral em As Crônicas de Nárnia. In: Anais do XVIII

Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2009. p. 3251-3273.

21) MAIA, Gretha Leite Maia. Para entender selváticos, silvícolas

e sujeitos: um diálogo com a literatura latino-americana

contemporânea. In: Anais do XXIII Encontro Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2014.

22) MAIA, Gretha Leite. Direito e Literatura: a instituição do eu e

do outro. In: Anais do XXIV Congresso Nacional do

CONPEDI - Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

23) MAILLART, Adriana Silva; ANDREUCCI, Álvaro

Gonçalves Antunes. A arbitragem como desencadeadora da

Guerra de Tróia: a história cultural como fonte primária no

estudo de institutos jurídicos. In: Anais do XX Congresso

Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2011. p. 6978-6991.

24) MATOS, Andytas Soares de Moura Costa. Poder, distopia e

controle das consciências: um ensaio em direito, literatura e cinema. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6558-6571.

25) MOCHI, Cassio Marcelo; MOTTA, Ivan Dias da. Lei e

legitimidade: conflitos da forma de ser e conflitos da

existência de princípios em Antígona, de Sófocles. In: Anais

48

do XVII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2008. p. 2035-2052.

26) MOCHI, Cassio Marcelo; MOTTA, Ivan Dias da. Trabalho

como critério de justiça em Hesíodo: uma experiência literária

no ensino jurídico. In: Anais do XVI Congresso Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p. 4888-

4907.

27) MOREIRA, Nelson Camatta; BESSA, Silvana Mara de

Queiroz. Direito e Literatura: relatos da concretização de um

projeto de expansão hermenêutica do conhecimento jurídico

pela arte. In: Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6401-6401.

28) MOREIRA, Nelson Camatta; CAMPANHA, Breno Maifrede.

Hermenêutica e (res)sentimento constitucional no conto “Um

pezzo di pane” de Ignazio Silone. In: Anais do XXII

Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2013.

29) MOREIRA, Nelson Camatta; LOPES, Robson Louzada. A

ilha do Dr. Moreau e os direitos fundamentais no Brasil:

breves considerações entre a ficção e a realidade social. In:

Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

30) MOREIRA, Nelson Camatta; PAULA, Rodrigo Francisco de.

Lima Barreto: subcidadania, negação do Estado de Direito e

constitucionalismo dirigente no Brasil. In: Anais do Congresso

Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2012.

31) NASCIMENTO, Valéria Ribas do. As Viagens de Gulliver, do

século XVIII ao XXI: minúsculas ou gigantes orientações

sobre o Direito e a Paz. In: Anais do XX Encontro Nacional

do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p.

6353-6369.

32) NASCIMENTO, Valéria Ribas do; SALDANHA, Jania Maria

Lopes. Estados de Exceção e Tecnologias da (des)informação:

reflexões a partir de George Orwell em 1984. In: Anais do

XXII Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

33) NOHARA, Irene Patrícia; PARREIRA, Liziane. Entropia e

antropofagia no castelo de Kafka: reflexões sobre a

desfuncionalização burocrática à luz da racionalização

49

extrema do direito público. In: Anais do Congresso Nacional

do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.

34) OLIVEIRA, Francisco Cardozo; OLIVEIRA, Nancy Mahra

de Medeiros Nicolas. Machado de Assis e Dalton Trevisan:

mulheres, sentimentalidade e dois modelos de aquisição da

propriedade. In: Anais do XXII Encontro Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

35) OLIVEIRA, Júlio Aguiar de. A arte de seguir uma regra

segundo Pedro Malazarte. In: Anais do XVII Congresso

Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux,

2008. p. 2116-2129.

36) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; MARTINEZ, Renato de

Oliveira. Brás Cubas e a escrita jurídica: o que um defunto-

autor ensina ao Direito. In: Anais do XXIII Encontro Nacional

do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.

37) PAULO, Alexandre Ribas de; SIROTTI, Raquel Razente.

Direito penal estatal versus Direito comunitário: o julgamento

de Zé Bebelo em “Grande Sertão: Veredas” como exemplo de

justiça fora do Estado. In: Anais do XXII Encontro Nacional

do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

38) POPP, Carlyle; SETTI, Maria Estela Leite Gomes. A infância

de um chefe: direito e literatura em Sartre. In: Anais do XIX

Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2010. p. 6262-6273.

39) POPP, Carlyle; MESSAGGI, Ricardo Reis. O Direito de

família a partir da Literatura brasileira nos contos de Nelson

Rodrigues. In: Anais do XVIII Congresso Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 3014-

3037.

40) SÁNCHEZ, Nathália Mariáh Mazzeo; SOARES, Marcos

Antônio Striquer. Direito e Literatura: paralelo ou paradoxo?

In: Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

41) SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; FORTE, Francisco

Alexandre de Paiva. Análise da obra “O Estrangeiro” de

Albert Camus sob a ótica da tutela processual dos direitos fundamentais. In: Anais do XVIII Encontro Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. p. 628-

641.

42) SANTOS Carolinne Nhoato dos; Santin, Janaína Rigo. O

Coronelismo Retratado na Literatura Brasileira a partir da

50

Análise da Obra São Bernardo, de Graciliano Ramos. In:

Anais do XXIII Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.

43) SANTOS, Hugo Rafael Pires dos; BERNARDI, Renato.

Plenária maluca: o julgamento de Pedrinho, o lúdico e o

direito. In: Anais do XXII Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2013.

44) SBIZERA, José Alexandre Ricciardi; OLIVO, Luis Carlos

Cancellier de. Direito e Literatura: (des)apontamentos e

denúncias pelos seres humanos no Diário do Hospício, de

Lima Barreto. In: Anais do XX Encontro Nacional do

CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2011. p. 6370-

6385.

45) SCHWARTZ, Germano; MACEDO, Elaine Harzheim. Pode

o Direito ser Arte? Respostas a Partir do Direito & Literatura.

In: Anais do XVII Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. p. 1013-1031.

46) SILVA, Cristian Kiefer; RIBEIRO, Fernando José Armando.

Shakespeare e a lei: conciliação e pacificação em “Romeo and

Juliet”. In: Anais do XXIII Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2014.

47) SILVA, Cristian Kieferda. Direito e literatura: uma

contribuição para o discurso jurídico em William Shakespeare.

In: Anais do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI -

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2015.

48) SIMÕES NETO, Eduardo; TEODORO, Maria Cecília

Máximo. Uma análise jurídica do livro “Incidente em

Antares”. In: Anais do Congresso Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.

49) SIMÕES, Sandro Alex de Souza. A hermenêutica do vazio: as

representações da justiça e do homem da Amazônia do

romance “Safra”, de Abguar Bastos. In: Anais do XX

Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2011. p. 7045-7065.

50) SOARES, Leonela Otilia Sauter; OLIVEIRA JÚNIOR, José

Alcebíades de. Machado de Assis e os Direitos Humanos: contribuição da literatura para a interpretação jurídica. In:

Anais do Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2012.

51) SOUZA, Jacyara Farias; ARAGÃO, Jônica Marques Coura. A

política criminal de intervenção do Estado na aplicação das

51

penas e a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos. In: Anais

do XXIV Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2015.

52) VERBICARO, Loiane da Ponte Souza Prado; TAXI, Ricardo

Araújo Dib. 1984 e o discurso da servidão voluntária. In: XXV

Congresso Nacional do CONPEDI - Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2016.

53) VIEIRA, Tereza Rodrigues; CORSATO NETO, Fernando.

Cinquenta tons de cinza, sexualidade e contrato de prestação

sexual. In: Anais do XXV Encontro Nacional do CONPEDI.

Florianópolis: Fundação Boiteux, 2016.

Em relação aos CIDIL’s, eles são organizados anualmente desde

2012 pela RDL, que é

uma associação sem fins lucrativos, fundada em

2014, por André Karam Trindade, Luis Rosenfield,

Henriete Karam, Fausto Santos de Morais, Angela

Araújo da Silveira Espíndola e Lenio Luiz Streck,

em Porto Alegre/RS, cuja finalidade principal é

desenvolver o movimento do Direito e Literatura

no Brasil20.

Apesar de recente, a RDL é a primeira e única associação voltada

ao estudo de direito e literatura no Brasil até o presente momento, razão

pela qual entendi ser relevante consultar os anais dos eventos por ela

organizados. Pesquisadores de diversas partes do país e do mundo

vislumbram no CIDIL a oportunidade de debater e disseminar produções

dessa área, o que torna essas publicações interessantes para a construção

do acervo.

Os anais da primeira à quarta edição encontram-se disponíveis no

site da RDL21, abertos a toda comunidade; os trabalhos da quinta edição,

realizada em 2016, ainda não haviam sido publicados quando do

desenvolvimento deste projeto, razão pela qual foram excluídos.

Após leitura, encontrei as seguintes pesquisas, com base nos

critérios estabelecidos (em ordem alfabética):

20 Disponível em: < http://www.rdl.org.br/pt/institucional>. Acesso em 06

abril 2017. 21 Disponível em: <http://www.rdl.org.br/pt/cidil>. Acesso em 6 abril 2017.

52

1) ANJOS, Marco Antonio dos; SILVA, Valdir Luciano Pfeifer

da. A dificuldade de estabelecer categorias de incapacidade

mental: a loucura generalizada em O Alienista como presságio

para o estatuto da pessoa com deficiência. In: Anais do IV

Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro II.

Passo Fundo: IMED, 2016. p. 532-549.

2) ANTUNES, Felipe; BOFF, Salete Oro. A despersonalização

do sujeito com o processo penal – uma (re)interpretação de

Kafka sob a ótica do processo penal. In: Anais do III Colóquio

Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,

2015. p. 414-425.

3) BÔAS, Regina Vera Villas; NASCIMENTO, Grasiele

Augusta Ferreira. Diálogos entre o direito, a natureza e a

poesia: o direito fundamental ao meio ambiente, a ética da

natureza e a terra, nos versos de Cora Coralina. In: Anais do

IV Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro I.

Passo Fundo: IMED, 2016. p. 244-268.

4) CALEGARI, Cassiano; BOFF, Salete Oro. A burocracia

humana em Douglas Adams. In: Anais do III Colóquio

Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,

2015. p. 319-331.

5) CARSONE, Rachel dos Reis; FERNANDES JÚNIOR, Ênio

Duarte. Policarpo Quaresma e o cidadão contemporâneo: um

triste fim da cidadania brasileira? In: Anais do III Colóquio

Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,

2015. p. 53-70.

6) DUARTE, Isabel Cristina Brettas; MADERS, Angelita Maria.

O Direito e a Literatura cruzando os caminhos da justiça

poética: uma estrada sem fim? In: Anais do IV Colóquio

Internacional de Direito e Literatura – Livro I. Passo Fundo:

IMED, 2016. p. 162-181.

7) ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da Silveira; PILATI, Fabiane

Carla; MONTEIRO, Marina Teixeira. A defesa da democracia

e a crítica ao decisionismo: A Revolução dos Bichos e A

Revolução do Direito. In: Anais do II Colóquio Internacional

de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014. p. 222-241. 8) FANTONELLI, Miliane dos Santos; ESPÍNDOLA, Ângela

Araújo da Silveira. O discurso das decisões a partir da análise

das obras O processo e Colônia Penal, de Franz Kafka. In:

Anais do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura.

Passo Fundo: IMED, 2015. p. 394-401.

53

9) FERREIRA, Luciana Pereira Queiroz Pimenta. O narrador-

personagem e a dedicatória em A Hora da Estrela:

deslocamentos possíveis para a decisão jurídica. In: Anais do

IV Colóquio Internacional de Direito e Literatura – Livro II.

Passo Fundo: IMED, 2016. p. 676-698.

10) FERREIRA, Natasha Alves; BOFF, Salete Oro. Jogos

Vorazes e o Totalitarismo. In: Anais do III Colóquio

Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,

2015. p. 194-206.

11) FLORES, Maurício Pedroso; ESPÍNDOLA, Ângela Araújo da

Silveira. Sem problemas e sem Angústias: A monotonia do

Direito hegemônico em A Morte de Ivan Ilicht, de Tolstói. In:

Anais do II Colóquio Internacional de Direito e Literatura.

Passo Fundo: IMED, 2014. p. 242-261.

12) FLORES, Maurício Pedroso; PEPE, Albano Marcos Bastos.

Literatura como estranhamento do Direito: considerações

sobre o ato de julgar em Tolstói e Guimarães Rosa. In: Anais

do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura. Passo

Fundo: IMED, 2015. p. 254-276.

13) LIPPSTEIN, Daniela; BOFF, Salete Oro. “A morte do

leiteiro” de Drummond e a proteção da propriedade acima da

vida humana. In: Anais do I Colóquio Internacional de Direito

e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2012. p. 254-263.

14) MENDES, Tiago Meyer; COPETTI NETO, Alfredo. As

violências como forma de reconstrução da identidade e

empoderamento da subjetividade complexa no Clube da Luta.

In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito e Literatura.

Passo Fundo: IMED, 2015. p. 207-225.

15) MORAIS, Fausto Santos de; BERNSTS, Luísa Giuliani.

Direito, escravidão e literatura: reflexões do

constitucionalismo liberal à brasileira a partir da obra

Negrinha, de Monteiro Lobato. In: Anais do II Colóquio

Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED,

2014. p. 197-212.

16) OLIVO, Luis Carlos Cancellier de; MARTINEZ, Renato de

Oliveira. Direito, Literatura e Cinema: o movimento “Direito e Literatura” como modelo teórico para os estudos de “Direito

e Cinema”. In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito

e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014B. p. 144-165.

54

17) ROSSETTO, Daísa Rizzotto; FERRI, Caroline. O animal: da

literatura ao direito. In: Anais do III Colóquio Internacional de

Direito e Literatura. Passo Fundo: IMED, 2015. p. 129-143.

18) SANTOS, Daniela dos; BOFF, Salete Oro. Você é um bicho,

Fabiano? Reflexões a partir da obra Vidas Secas, de Graciliano

Ramos. In: Anais do III Colóquio Internacional de Direito e

Literatura. Passo Fundo: IMED, 2015. p. 277-288.

19) SANTOS, Hugo Rafael Pires dos; BERNARDI, Renato.

Plenária maluca: o julgamento de Pedrinho, o lúdico e o

direito. In: Anais do II Colóquio Internacional de Direito e

Literatura. Passo Fundo: IMED, 2014. p. 110-136.

20) TRINDADE, André Karam; ZANOTTO, Carolina Nicole;

BERNSTS Luísa Giuliani. A representação do juiz em O

Círculo de Giz Caucasiano, de Bertold Brecht. In: Anais do II

Colóquio Internacional de Direito e Literatura. Passo Fundo:

IMED, 2014. p. 162-174.

21) VIOLA, João Felipe Nicolay da Silva; PAZÓ, Cristina

Grobério. De Machado a Jacobina: um histórico da doença

mental no Brasil e a invisibilidade dos doentes perante o

Direito Brasileiro. In: Anais do IV Colóquio Internacional de

Direito e Literatura – Livro II. Passo Fundo: IMED, 2016. p.

518-532.

Importante destacar que o artigo do item 2 foi desconsiderado, uma

vez que já havia sido publicado nos anais do CONPEDI, sendo incluído

no acervo por essa via.

Assim, no total, tive 20 artigos publicados em anais de evento

compondo o acervo.

1.1.4 Busca por teses

Para a busca por teses, iniciada em 8 de abril de 2017, utilizei como

meio principal o Banco de Teses e Dissertações da CAPES e a Biblioteca

Digital Brasileira de Teses e Dissertações. Em relação ao primeiro, para

uma busca pela expressão “direito e literatura”, foram encontrados 35

resultados gerais, sendo 22 na opção Nome do Programa: Direito. Todos os trabalhos, porém, eram dissertações de mestrado.

Já uma busca pelas palavras direito AND literatura AND

doutorado, com a opção nome do programa: Direito, foram obtidos 86

resultados, dos quais apenas 2 atendiam aos critérios estabelecidos:

55

1) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Literatura e Direito.

Anatomia de um Desenconto: desilusão jurídica em Monteiro

Lobato. 01/05/2000 224 f. Doutorado em DIREITO

Instituição de Ensino: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE

CATÓLICA DE SÃO PAULO, SÃO PAULO Biblioteca

Depositária: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Trabalho anterior à Plataforma Sucupira.

2) SILVA, Maritza Maffei da. O Mercador de Veneza de William

Shakespeare: Um Encontro na Encruzilhada da Literatura, do

Direito e da Filosofia’ 01/12/2004 367 f. Doutorado em

DIREITO Instituição de Ensino: UNIVERSIDADE DO

VALE DO RIO DOS SINOS, São Leopoldo Biblioteca

Depositária: Biblioteca Central. Trabalho anterior à

Plataforma Sucupira.

Todavia, o primeiro resultado, na verdade, se refere a uma

dissertação de mestrado conforme o Currículo Lattes do respectivo autor

e o segundo não pode ser encontrado pela internet, além de não ser

registrado no Currículo Lattes de sua autora, que não atualiza a plataforma

desde 2002.

Em relação à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,

tanto a busca pela expressão “direito e literatura” quanto a busca pelas

palavras direito AND literatura AND doutorado não retornaram nenhum

resultado.

1.1.5 Resultado final

Como resultado final, cheguei ao total de 126 pesquisas sobre

direito e literatura, escritas por ao menos um autor brasileiro com

doutorado em Direito, conforme Tabela 1:

Tabela 1 – Total de pesquisas brasileiras sobre direito e literatura

Veículo de

Publicação

Total

Livros 35

Periódicos 18

Anais de Eventos 73

Teses 0

TOTAL DE

PESQUISAS

126

56

Fonte: a autora (2018).

Destaca-se que o acervo foi utilizado como forma de conhecer o

estado da arte das pesquisas sobre direito e literatura no Brasil, mas outros

elementos chaves que apareceram ao decorrer da pesquisa não foram

descartados. Tem-se como exemplo o artigo O estudo do “direito e literatura” no Brasil: surgimento, evolução e expansão, de André Karam

Trindade e Luísa Giuliani Bernsts, publicado em 2017 – fora, portanto,

do recorte temporal estabelecido inicialmente.

O referido artigo apresenta informações importantes sobre autores

brasileiros que já escreviam sobre direito e literatura muito antes do início

do law and literature movement, em 1973 e por isso não pôde ser

ignorado.

O mesmo acontece com a pesquisa de Junqueira (1998); embora

lançada em livro dentro do recorte proposto, não foi possível rastreá-la a

partir dos parâmetros propostos para a construção do acervo. Todavia,

como este trabalho aparenta ser o primeiro a referenciar diretamente o law

and literature movement no Brasil, seria descuidado excluí-lo da presente

pesquisa. Em outras palavras, tais textos estão incorporados na parte

teórica desta pesquisa, mas não no corpus relativo às produções

brasileiras.

Estabelecidos os textos brasileiros a serem lidos, foi possível

concluir que poucas críticas eram apresentadas sobre os estudos de direito

e literatura, conforme demonstrarei nos capítulos 3 e 4 da presente tese, o

que parece corroborar a hipótese de Nobre (2005) sobre o parecerismo

presente na pesquisa jurídica brasileira.

Mais que isso, porém, foi possível perceber que há pouca

fundamentação teórica a embasar as pesquisas, sendo reduzida a presença

tanto de textos estadunidenses (que teriam originado as discussões de

direito e literatura) quanto de autores brasileiros. Essa ausência também

foi notada por Trindade e Bernsts (2017, p. 244-245):

A inexpressiva quantidade de citações de autores

nacionais e internacionais sabidamente vinculados

aos estudos e pesquisas em Direito e Literatura

conduziu a que se investigasse o número de obras

teóricas referidas nos artigos (Ilustrações 6 e 7).

Os dados levantados e a análise deles decorrentes

confirmam a hipótese inicialmente formulada,

visto que mais da metade dos trabalhos

apresentados e publicados no GT Direito, Arte e

Literatura não possui nenhum embasamento

57

teórico específico sobre Direito e Literatura.

Observa-se, com isso, que a expansão dos estudos

e pesquisas no Brasil - sobretudo no que diz

respeito à produção bibliográfica – ocorreu à

revelia de qualquer discussão ou sedimentação

teórica. Isso para não adentrar na questão

metodológica.

Em suma: se, por um lado, constata-se o quanto o

Direito e Literatura se ampliou, rapidamente,

apresentando uma diversidade que se mostra

compatível com as dimensões continentais do país;

de outro, há uma flagrante deficiência teórica,

inclusive em pesquisas que se inscrevem no nível

da pós-graduação.

Essas questões serão desenvolvidas ao longo da tese, na qual

aprofundarei as discussões necessárias.

Por enquanto, é preciso compreender que, uma vez estabelecido

um panorama geral sobre as pesquisas em direito e literatura realizadas

no Brasil, foi necessário buscar o que já havia sido pesquisado sobre o

tema nos Estados Unidos, local em que a institucionalização22 do assunto

teria se firmado ainda em 1973, no intuito de desenvolver um estudo

comparativo.

1.2 A CONSTRUÇÃO DE UMA FOTOGRAFIA

Para compreender os contornos do movimento norte-americano,

foi necessário, também, estabelecer uma metodologia confiável no intuito

de assimilar os debates ali empreendidos de uma forma geral e

abrangente. A academia jurídica estadunidense é um espaço

desconhecido para mim, no qual não estou inserida, e por isso foi preciso

saber o que ler, já que o risco de considerar uma obra inexpressiva como

uma pesquisa de grande impacto seria grande e apresentaria informações

deturpadas para a tese a ser desenvolvida.

Minha estratégia, assim, foi a de buscar o periódico especializado

mais antigo e, a partir da leitura dos artigos nele publicados, procurar

traçar critérios de busca. Esbarrei, porém, em duas grandes dificuldades:

1) Não existe um periódico mais antigo sobre direito e literatura, mas sim

22 Por institucionalização, entendo a organização do movimento em torno das

Universidades: o aparecimento de disciplinas, eventos sobre o assunto,

publicação de livros específicos, etc.

58

dois, criados exatamente no mesmo ano (1989); 2) Desconhecimento

sobre onde encontrar informações cruciais como lista de livros publicados

sobre direito e literatura no país; eventos importantes sobre o tema; e teses

e dissertações de grande impacto lá escritas.

Por isso, optei não pela construção de um acervo, mas pela

construção de uma fotografia. Acredito que o termo fotografia seja o

mais adequado à proposta que pretendi aqui desenvolver, pois, como

afirma a historiadora Ana Maria Mauad (1996, p. 76), a fotografia é como

um testemunho: atesta a existência de uma realidade, embora não seja a

realidade em si, pois “entre a fotografia e o objeto nela retratado, interpõe-

se uma série de ações convencionalizadas, tanto cultural como

historicamente”. Desta forma, “há que se considerar a fotografia como

uma determinada escolha realizada num conjunto de escolhas possíveis,

guardando esta atitude uma relação estreita entre a visão de mundo

daquele que aperta o botão e faz ‘clic’” (MAUAD, 1996, p. 76).

Desta forma, para comparar as informações presentes nas

pesquisas nacionais que compõe o acervo por mim construído com os

trabalhos desenvolvidos nos EUA sobre direito e literatura, foi necessário

construir um retrato da cena estadunidense. O que aqui apresento como

as discussões do law and literature, é, portanto, uma escolha dentre várias

possíveis; assim como o fotógrafo tem um foco específico (cena, sujeito,

objeto, etc), que acaba ocultando elementos do real não capturados pelo

quadro, tenho total ciência de que a fotografia apresentada é incompleta

e marcada pelos focos e ângulos que eu subjetivamente escolhi.

No intuito de diminuir a incidência desta subjetividade de escolha,

minha estratégia foi a de iniciar a construção desta fotografia a partir dos

dois mais importantes periódicos especializados em direito e literatura

nos Estados Unidos: o Yale Journal of Law & the Humanities e o Cardozo Studies in Law and Literature, cuja nomenclatura foi alterada em 2002

para Law and Literature23.

A revista de Yale pode ser acessada gratuitamente24, sendo que

todas as suas edições estão disponíveis na íntegra para leitura; a revista

da Faculdade de Direito Cardozo está disponível online mediante

pagamento25. As duas revistas foram criadas em 1989 e em ambas,

23 O periódico após alteração do nome está disponível em:

<https://www.jstor.org/journal/lawliterature>. Acesso em 04 jan. 2019. 24 Disponível em: <https://digitalcommons.law.yale.edu/yjlh/vol1/iss1/1/>.

Acesso em 04 jan. 2019. 25 Disponível em: <https://www.jstor.org/journal/cardstudlawlite>. Acesso

em 04 jan. 2019.

59

autores renomados (dentro e fora do direito) apresentaram contribuições

diversas; debates foram travados, simpósios foram transcritos e críticas

de livros literários e acadêmicos foram publicadas. A leitura de 27 anos

de publicação estadunidense especializada me pareceu, assim, uma boa

forma de iniciar a construção de uma fotografia do law and literature movement.

Esta leitura, porém, foi apenas o ponto de partida. Quando

referências promissoras emergiram, foram devidamente perseguidas e

capturadas para transcrição nesta tese, na tentativa de apresentar uma

fotografia o mais verossímil possível. Desta forma, livros e artigos

publicados antes da existência dos periódicos ou mesmo em outros

veículos de distribuição que não as revistas também fazem parte desta

fotografia.

Como resultado das leituras, posso afirmar que diferentemente do

que ocorre nas pesquisas brasileiras sobre o tema, as pesquisas

estadunidenses apontam lacunas, críticas e equívocos sobre o law and

literature movement. As discussões são acaloradas e, como demonstrarei

nos capítulos 3 e 4, podem se alongar por anos. Desta forma, foi possível

perceber que existem críticas aos estudos de direito e literatura, mas elas

não foram veiculadas nas pesquisas brasileiras.

Além disso, foi possível perceber várias diferenças entre o que é

produzido no Brasil e o que é produzido nos Estados Unidos; assim, já

que a proposta inicial seria a de realizar um estudo comparativo, restava,

por fim, organizar as informações encontradas em torno de um marco

teórico norteador, a partir do qual a tese se estruturaria. Passo, portanto, a

apresentação deste marco.

1.3 THOMAS DUVE: A TRADUÇÃO CULTURAL E OS ESPAÇOS

JURÍDICOS

Em 2014, o historiador do direito Thomas Duve registrou suas

preocupações sobre a concepção do direito como um fenômeno único,

homogêneo e iniciado na Europa. Influenciado pelas discussões da

História Global, das Teorias Pós-Coloniais e dos Critical Legal Studies,

Duve (2014) procura demonstrar a inexistência de uma Europa e de um

direito, salientando a heterogeneidade desses conceitos diretamente influenciados pela cultura.

60

Compreendendo a história do direito como um “constant

diachronic and synchronic process of ‘translation26‘” (DUVE, 2014, p.

32), Duve (2014) destaca a importância de se superar uma visão binária

entre a tradição jurídica europeia e não europeia, apresentando novas

ferramentas metodológicas para analisar fenômenos jurídicos tão

diversificados e globalmente entrelaçados.

Neste sentido, a proposta de Duve (2014) de uma história jurídica

a partir de uma perspectiva global se adequa as aspirações comparativas

desta tese. Conforme Duve (2014, p. 56):

‘Global perspectives’ mean to envision a legal

history that is able to establish new perspectives,

either through opening for different analytical

concepts or by fusing them with the own tradition,

by tracing worldwide entanglements or by

designing comparative frameworks which can shed

light on unexpected parallel historical evolutions27.

[Grifou-se]

Assim, ao buscar comparar a produção acadêmica do law and

literature estadunidense com a do direito e literatura brasileiro, procuro

compreender um fenômeno intimamente conectado à circularidade de

ideias jurídicas respeitando os contornos de cada contexto específico.

Conforme Duve (2014, p. 56-57):

In an age of globalization of research, and of a

certain tendency to impose and adopt Anglo-

American scholarly practices, it is ever more

importante to preserve and cultivate different

canons and concepts, to safeguard and promote

epistemic plurality.

To sum up: We need reflexive positionality,

disciplinary frameworks, scholarly expertise on

areas, and open-mindedness for global

26 “Processo de tradução constante, diacrônico e sincrônico.” (Tradução

minha; doravante, as traduções em nota de rodapé serão sempre de minha

autoria, exceto quando indicado o contrário). 27 “"Perspectivas globais" significam vislumbrar uma história jurídica que

seja capaz de estabelecer novas perspectivas, seja por meio de uma abertura

diferentes conceitos analíticos ou fundindo-os à própria tradição, traçando

enredos mundiais ou projetando marcos comparativos que possam lançar luz

sobre paralelismos históricos inesperados”

61

perspectives. What we do not need – and this has

been the case for too long – is intelectual

isolationism28.

Para tanto, terei como base teórica dois conceitos cunhados por

Duve (2014): cultural translation (tradução cultural) e legal spaces

(espaços jurídicos).

Como já mencionado, Duve (2014) compreende a história do

direito como um processo constante de tradução, que não se restringe a

tradução linguística. O autor parte da perspectiva da tradução cultural,

que ultrapassa as questões estritamente idiomáticas para observar o

contexto original no qual um discurso é produzido e o contexto receptor

no qual este mesmo discurso é, posteriormente, reproduzido.

Especificamente em relação ao direito, escreve Duve (2014, p.59):

Looking at lawmaking, judging, or writing law

books as a mode of translation (independently from

the fact whether there is a translation from one

language into the other, or whether it is just a

translation by the person who is acting within the

same language system) compels us to pay special

attention to social practices, to knowledge and the

concrete conditions of these translation processes.

The analysis necessarily leads to the pragmatic and,

above all, institutional contexts as well as to the

mediality in which ‘law’ as a system of meaning is

materialized29.

28 “Em uma época de globalização da pesquisa e de certa tendência de impor

e adotar práticas acadêmicas anglo-americanas, é ainda mais importante

preservar e cultivar diferentes cânones e conceitos, para salvaguardar e

promover a pluralidade epistêmica.

Resumindo: Precisamos de posicionamento reflexivo, estruturas

disciplinares, conhecimento acadêmico e mente aberta para perspectivas

globais. O que não precisamos - e este tem sido o caso por muito tempo - é

de isolacionismo intelectual” 29 “Ao olhar para legislação, adjudicação ou redação de livros jurídicos como

uma forma de tradução (independentemente do fato de ser uma tradução de

uma língua para a outra, ou ser apenas uma tradução feita por uma pessoa que

está agindo dentro do mesmo sistema de linguagem), estaríamos obrigados a

prestar especial atenção às práticas sociais, para o conhecimento e às

condições concretas desses processos de tradução. A análise leva

necessariamente à pragmática e, acima de tudo, a contextos institucionais,

62

Desta forma, o direito e literatura brasileiro foi constituído a partir

da tradução cultural de um movimento iniciado nos Estados Unidos, mas

readaptado às condições locais de escrita acadêmica. Neste ponto, é

preciso diferenciar a tradução cultural e termos como transplantes jurídicos e irritação jurídica.

Conforme Flores e Machado (2015, p. 124), a metáfora do

transplante jurídico tem sido amplamente utilizada por juristas “quando

se analisa a importação de práticas jurídicas estrangeiras”. Popularizada

por Alan Watson, esta metáfora teria sido bem-sucedida por transmitir

uma ideia de comparação; porém

Seu problema principal seria o de que ela transmite

a noção de que as ideias e as instituições jurídicas

podem simplesmente ser “copiadas e coladas” de

um sistema jurídico para outro. Assim, essa

metáfora não conseguiria representar a

transformação que as ideias e as instituições

jurídicas podem sofrer quando alguém tenta

transferi-las de um sistema jurídico para outro.

(FLORES, MACHADO; 2015, p. 125).

Por este motivo, Günther Teubner teria proposto a metáfora da

irritação jurídica, segundo a qual uma ideia inserida em um sistema

jurídico distinto daquele no qual se originou, levaria a uma série de

mudanças aos sistemas receptores. Todavia,

ela perde a dimensão comparativa que fez a

metáfora do transplante ser tão poderosa. Uma

irritação não vem necessariamente de outro sistema

(jurídico) ou de fora do sistema que irrita. Assim, a

dimensão comparativa da metáfora é perdida tanto

na relação entre o sistema jurídico de origem e o

receptor, como entre a ideia ou prática de origem e

aquela transferida (FLORES, MACHADO; 2015,

p. 127-128).

bem como para a mediação em que o “Direito” como um sistema de

significados é materializado.” (Tradução de Flores e Machado, 2015, p. 123-

124).

63

O conceito de tradução cultural, porém, consegue manter em

evidência tanto o aspecto comparativo quanto a característica

transformadora, já que mesmo na tradução linguística os sentidos do texto

podem vir a sofrer modificações. Por isso, será este o viés utilizado ao

longo da tese.

Quanto aos espaços jurídicos, Duve (2014) os define como o

resultado das pesquisas em história do direito, que apontariam para a

constituição de um espaço, que pode ser geográfico ou não, no qual

diferentes ideias, leis ou práticas jurídicas estariam entrelaçadas. Como

afirma Duve (2014, p. 57):

Legal spaces can thereby only be dimensioned by

reference to the respective historical phenomenon

and must accordingly be designed flexibly. They

may – as in the case of the Spanish monarchy, for

example – be bound to imperial regions. But they

may also – as in the case of Canon Law and the

normative thought of moral theological provenance

in early modern period – extend across political

borders. No less complex are legal spaces which

did not form because of imperial interconnection,

but through a specific, often coincidental or

temporary exchange – for example in the field of

certain trading networks which generate rules for

the traffic of goods, or of discourse communities

which are observable in Europe in the nineteenth

and twentieth century, between southern European

and Latin American countries or in other regions30.

[Grifou-se].

30 “Espaços jurídicos podem, assim, ser apenas dimensionados por referência

a um respectivo fenômeno histórico e devem, portanto, ser projetados de

maneira flexível. Eles podem - como no caso da monarquia espanhola, por

exemplo - estar ligados a regiões imperiais. Mas eles também podem - como

no caso do Direito Canônico e do pensamento normativo da procedência

teológica moral no início do período moderno - atravessar fronteiras políticas.

Não menos complexos são os espaços jurídicos que não se formaram devido

à interconexão imperial, mas através de uma troca específica, muitas vezes

coincidente ou temporária - por exemplo no campo de certas redes comerciais

que geram regras para o tráfico de bens ou de comunidades discursivas

observável na Europa nos séculos XIX e XX, entre países do sul da Europa e

da América Latina ou em outras regiões.”

64

O importante, para Duve (2014, p. 57), seria compreender a

construção destes espaços, como uma consequência de um fenômeno

global de trocas (também) comunicativas, que podem ocorrer, por

exemplo, a partir da tradução cultural. Assim, é necessário

to reflect on this formation of legal spaces

connected with increasingly intensive

communication processes, investigate different

area concepts and make them productive for legal

history. By doing so, we cannot only acquire

greater knowledge about specific historical

formations, but also about the increasingly

important regionalization processes of normativity,

about appropriation and imitation and about the

integration of local and non-local normativity.

These are fundamental concerns also for

contemporary jurisprudence31.

Partindo desta ideia, é possível compreender o direito e literatura

brasileiro como um espaço jurídico local, constituído a partir da tradução

cultural de um movimento estadunidense e, assim, refletir sobre sua

construção, levando em consideração os diferentes processos

comunicativos que o consolidaram. Neste sentido, o estudo comparativo

que pretende ser desenvolvido nesta tese tem como fundamento a troca

de ideias jurídicas (relativas ao law and literature) entre Estados Unidos

e Brasil, vislumbrando tal fenômeno como uma tradução cultural que irá

originar um espaço jurídico próprio, marcado por significativas

diferenças especialmente no que se refere à crítica destas ideias.

Estabelecidos os pilares teóricos da presente tese, farei algumas

considerações sobre a constante classificação presente nos estudos de

direito e literatura. Trata-se da divisão do movimento em vertentes,

segundo a qual seria possível estudar o direito na literatura, o direito como

literatura e o direito da literatura. A presente tese, porém, se pautará na

31 “refletir sobre essa formação de espaços jurídicos ligados a processos de

comunicação cada vez mais intensos, investigar diferentes conceitos de área

e torná-los produtivos para a história jurídica. Ao fazê-lo, não adquirimos

apenas um maior conhecimento sobre formações históricas específicas, mas

também sobre os processos de regionalização cada vez mais importantes da

normatividade, sobre apropriação e imitação, e sobre a integração da

normatividade local e não local. Estas são preocupações fundamentais

também para a filosofia do direito contemporânea.”

65

classificação em projetos, conforme proposto por Julie Peters (2005), e

que compreende: o projeto humanista, o projeto hermenêutico e o projeto

narrativista; para a presente pesquisa, também foi criada a categoria de

projetos esparsos, conforme explicarei a seguir.

1.4 DIVISÃO EM VERTENTES: OS PROJETOS ESPARSOS,

HUMANISTA, HERMENÊUTICO E NARRATIVISTA

Tornou-se lugar comum32 afirmar tanto nos Estados Unidos quanto

no Brasil que o direito e literatura possui, pelo menos, três vertentes: o

direito da literatura, relacionado a questões de direito autoral; o direito na

literatura, cujo objetivo seria identificar as representações de elementos

jurídicos nas obras literárias; e o direito como literatura, que propõe

compreender o texto jurídico como texto literário e, assim, utilizar

técnicas de interpretação próprias da literatura para compreendê-lo.

Particularmente, acredito que essa divisão em vertentes pouco

informa sobre as conexões interdisciplinares propostas. O que significa

identificar as representações do direito na literatura? Objetiva-se buscar

na obra literária uma ferramenta de ensino, uma fonte documental para a

história do direito, um insight para a filosofia jurídica? E o direito

compreendido como literatura – é preciso aplicar aos documentos

jurídicos as técnicas da teoria literária, da hermenêutica, da análise do

discurso? Todas as perguntas permitem respostas positivas, o que

demonstra a infinidade de possibilidades de aproximação entre as duas

áreas.

Por isso, prefiro aqui trabalhar com a divisão proposta por Julie

Peters no texto Law, Literature, and the Vanishing Real: On the Future

of an Interdisciplinary Illusion (2005), que não divide o movimento em

vertentes ou fases, mas em projetos. Inspirada em sua taxonomia, acoplei

os trabalhos do segundo capítulo sob o título de projetos esparsos, pois

são pesquisas realizadas antes da unificação do tema em torno de um

movimento e que, por isso, seguem diferentes objetivos.

As pesquisas apresentadas no terceiro capítulo, porém, são

definidas pela própria Peters (2005) como pertencentes a um projeto

humanista, dedicado a resgatar a humanidade do direito a partir da própria

atividade literária e o capítulo quatro versará sobre o projeto

32 Não foi possível ao longo da pesquisa identificar quem teria proposto a

divisão em vertentes pela primeira vez. A classificação aparece como algo

dado, consensual, por isso acredito que se tornou senso comum.

66

hermenêutico, que busca inspiração na teoria literária para fundar as bases

de uma teoria da interpretação jurídica.

Peters (2005) menciona ainda um projeto cuja existência não foi

mencionada nas pesquisas selecionadas para o acervo33 e por isso não será

explorada nos capítulos desta tese. Trata-se do projeto narrativista,

iniciado no país no fim dos anos 1980, com forte influência da teoria

feminista e da teoria crítica de raça, e do qual trato nos parágrafos

seguintes por compreender sua relevância; como tive contato com várias

destas discussões, acredito ser importante registrá-las em língua

portuguesa, pois entendo que até então são perspectivas inéditas no direito

e literatura brasileiro.

Levando em consideração que os estudos feministas se voltavam a

dar voz às mulheres e suas condições na sociedade, e que na arena jurídica

existem narrativas hegemônicas que ignoram tais condições, o projeto

narrativista buscou apresentar relatos dos próprios sujeitos excluídos

deste cenário de fala para, assim, revolucionar o direito.

Peters (2005, p. 447) afirma que esta perspectiva surgiu da seguinte

constatação: “if law was violence driven by master narratives, the

revelation of the nature, origin, and structure of these narratives might

redirect the force of law34“. Para Peters (2005), tal premissa teria por base

33 Como destacou o Professor Paulo Ferrareze Filho, há no Brasil uma

discussão sobre narrativas, mas a partir de uma perspectiva europeia,

notadamente influenciada pela Teoria Narrativista do Direito, do espanhol

José Calvo González. Tais perspectivas não se confundem. Enquanto Calvo

González (1996) há uma discussão oriunda do próprio projeto hermenêutico,

relativo à linguagem e à interpretação, o projeto narrativista norte-americano

é influenciado pela teoria feminista e pela teoria crítica de raça que passam a

integrar o corpo teórico da teoria literária. Sobre a teoria narrativista de Calvo

González aplicada ao direito brasileiro, checar: FERRAREZE FILHO, Paulo.

Decisão judicial e narratividade: um olhar para os fatos a partir da Teoria

Narrativista do Direito de José Calvo González. Tese (doutorado) –

Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em

Direito. Florianópolis, 2017. Disponível em: <

https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/178724/34786

3.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 18 jan. 2019. 34 “se o direito é uma violência dirigida por narrativas mestras, a revelação da

natureza, origem e estrutura dessas narrativas poderia redirecionar a força do

direito.”

67

principalmente o artigo de Robert Cover, Nomos e Narrative35, no qual

Cover (1983) se debruça sobre os diferentes universos normativos

(nomos) formados por uma comunidade e legitimados por diferentes

narrativas, que, por vezes, se opõe ao universo normativo oficial (ordem

jurídica estatal).

Conforme Cover (1983), tais universos normativos, inclusive o

nomos oficial, teriam como pilar uma narrativa, que se torna real não

apenas por seu caráter descritivo, mas por seu caráter imaginativo – o que

plausivelmente poderia vir a ser36. Neste sentido, o direito seria um

mediador do real e da alternativa possível imaginada (narrativa). Essas

alternativas, porém, não são imutáveis; pelo contrário, são significadas e

ressignificadas em diversos momentos a partir do processo de

jurisgenesis, que ocorre de forma coletiva a partir de uma esfera cultural,

o que faz com que diversas comunidades (nomos) interpretem (ou

signifiquem) o direito de forma diferente. Assim, quando uma

comunidade se compromete com uma interpretação, a narrativa torna-se

realidade objetiva.

Neste sentido, Cover (1983) resgata as propostas dos

desconstrutivistas, exploradas no projeto hermenêutico, para lançar a

seguinte questão: já que as narrativas não comportam apenas um

significado possível, por que apenas o poder judiciário é capaz de impor

suas interpretações aos demais? A resposta de Cover (1983) é simples:

35 O artigo foi traduzido para o português em 2016 por Luis Rosenfield e está

disponível em: < http://rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/view/299 >.

Acesso em 04 jan. 2019. 36 “If law reflects a tension between what is and what might be, law can be

maintained only as long as the two are close enough to reveal a line of human

endeavor that brings them into temporary or partial reconciliation. All

utopian or eschatological movements that do not withdraw to insularity risk

the failure of the conversion of vision into reality and, thus, the breaking of

the tension. At that point, they may be movements, but they are no longer

movements of the law.” (COVER, 1983, p. 39).

“Se o direito reflete uma tensão entre o que é e o que pode ser, então ele só

pode ser mantido enquanto ambos estiverem próximos o suficiente para

revelar uma linha de esforço humano capaz de reconciliá-los de forma

temporária ou parcial. Todos os movimentos utópicos ou escatológicos que

não se afastam da insularidade arriscam falhar em converter a visão em

realidade e, portanto, rompem a tensão. Nesse ponto, eles podem até ser

movimentos, mas não são mais movimentos do direito”. (COVER, 1983, p.

39).

68

porque ele se utiliza da violência, chamada de coerção, que é um termo

mais ameno e aceitável.

Assim, Cover (1983) afirma que os tribunais não existem para

manter a segurança jurídica, mas para reduzir a quantidade de

interpretações possíveis; neste sentido, a grande questão é compreender

em que medida a coerção é necessária para que permita a criação de novos

sentidos extra estatais para as narrativas (inclusive em razão do caráter

dinâmico do Direito).

As questões colocadas por Cover (1983) interagem diretamente na

efetivação dos direitos das minorias. Lembremo-nos, por exemplo, da

legalização da união estável homoafetiva no Brasil37; a comunidade

LGBT ressignificava a narrativa jurídica a partir da ideia de discriminação

– vedar-lhes o direito de constituir família seria uma clara afronta à

liberdade individual. Por outro lado, grupos conservadores sustentavam a

narrativa segundo a qual a Constituição brasileira em seu artigo 226, §3º

reconhecia a união estável apenas em relação a indivíduos

heterossexuais38. O comprometimento do Supremo Tribunal Federal

recaiu sobre a narrativa de grupos LGBT, mas tal narrativa só foi possível

de ser engendrada porque a coação estatal não a inibiu completamente por

meio da violência.

Em contrapartida, é possível usar como exemplo a prisão do

professor Elisaldo Carlini, que foi intimado a depor em delegacia por

supostamente realizar apologia ao uso de maconha39. O pesquisador é

referência em estudos de uso medicinal de Cannabis Sativa e, ao

organizar um evento a respeito do assunto, convidou Ras Geraldinho,

criador da primeira Igreja rastafári do Brasil, a palestrar. Todavia, o

Geraldinho encontrava-se preso por plantar a erva proibida e o convite foi

visto pela promotoria como indícios de apologia ao uso de drogas.

Observe-se, portanto, que aqui também há duas narrativas em conflito:

uma em prol da liberdade acadêmica e do desenvolvimento científico e

37 Mais infomações em: <

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=6286

33 >. Acesso em 06 jul. 2018. 38 A título de curiosidade, indico a obra Beyond Carnival: Male

Homosexuality in Twentieth-Century Brazil, do historiador James N. Green,

na qual demonstra-se como a legislação brasileira poderia ser compreendida

como progressista se comparada com a inglesa, na qual a homossexualidade

foi tratada como crime até 1967. 39 Mais informações em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-

43176883 >. Acesso em 04 jan. 2019.

69

outra voltada a preservação de uma ordem legal que proíbe consumo da

substância encontrada na planta; nesse sentido, a questão proposta por

Cover (1983) pode ser compreendida a partir dos limites a serem

estabelecidos à violência do direito para que pesquisas como essa não

sejam proibidas inclusive para que, caso haja uma mudança cultural

apropriada, ela seja acolhida pelo judiciário e passe a se tornar uma

narrativa hegemônica.

Baseados nessas constatações de narrativas antagônicas em disputa

no cenário jurídico estatal, autores como Richard Delgado, Robin West,

Judith Resnik e Carolyn Heilbrun, dentre outros, começaram a escrever a

partir da década de 1990, sobre um direito e literatura narrativista.

Conforme Peters (2005, p. 447), essa abordagem

was influenced by several concurrent institutional

formations that mingled psychotherapeutic claims

for the healing power of telling one’s story with

political claims for the transforma tive power of

narratives of oppression: feminist and critical race

theory, testemony as a critical field (eventually

emerging as traum studies and other

subdisciplines), and the establishment of truth

commissions where victims of atrocity might tell

their Stories40.

Neste sentido, Richard Delgado escreve em 1989 sobre as

diferentes perspectivas narrativas a respeito de um mesmo caso e salienta

a importância de grupos minoritários, especificamente os negros, de

contarem suas histórias a partir de narrativas. Nas palavras do autor

(1989, p. 2437), ao se colocarem como donos de sua própria história, tais

grupos ganhariam “psychic self-preservation41“, uma vez que as

narrativas hegemônicas, naturalizadas e repetidas com frequência,

acabam por ser vistas como verdades. Além disso, esta prática pode

auxiliar outros indivíduos marginalizados a se reconhecerem nas

40 “foi influenciada por várias formações institucionais que mesclavam as

alegações psicoterapêuticas do poder curativo de contar sua história com

alegações políticas sobre o poder transformador das narrativas de opressão:

as teorias feministas e as teorias críticas raciais , vistas como um campo

crítico (eventualmente emergindo como estudos do trauma e outras

subdisciplinas), e o estabelecimento de comissões da verdade nas quais as

vítimas de atrocidades podem contar suas histórias”. 41 “auto-preservação psíquica”.

70

situações descritas, gerando um sentimento de comunhão e solidariedade,

para que haja uma busca por mudanças.

Ademais, Delgado (1989) salienta que as narrativas contadas pelos

oprimidos contribuem para que os opressores tomem consciência de seu

próprio papel na sociedade. Muitas vezes a discriminação está tão

enraizada que nem sequer é problematizada ou reconhecida como tal; por

essa razão, os grupos minoritários devem elevar suas vozes e fazer com

que suas narrativas sejam ouvidas, inclusive por profissionais do Direito.

Robert Hayman e Nancy Levit (1996), ao escreverem uma crítica

ao livro The Rodrigo Chronicles: conversations about america and race,

de autoria do próprio Richard Delgado, desenvolvem uma promissora

hipótese a respeito do storytelling42 como crítica doutrinária. Para eles,

apesar da prática do storytelling já ser utilizada como forma de ensino,

seu potencial crítico ainda tem sido negligenciado. Desta maneira,

Hayman e Levit (1996, p. 421) questionam “whether narrative critiques

of doctrine-telling stories about the stories told in judicial decisions-can

be an effective part of this dialogue; whether they can contribute to the

evaluation and reconstruction of doctrine as a discursive enterprise43.”

Defendendo, de pronto, uma hipótese afirmativa para a utilização

de narrativas como crítica doutrinária às narrativas presentes em decisões

judiciais, Hayman e Levit (1996) apontam diversas justificativas para a

abordagem proposta. Além de integrar teoria e prática,

Narratives urge us to think critically about who is

telling the story, why certain facts are included and

others omitted, and whether the social context, and

characters’ motivations and actions, are

“realistically” portrayed44 (HAYMAN, LEVIT;

1996, p. 431).

De forma parecida Carolyn Heilbrun, professora de literatura, e

Judith Resnik, professora de direito, escrevem, em 1990, artigo no qual

42 Em um termo mais amplo, storytelling diz respeito à capacidade de contar

histórias, inclusive histórias pessoais. 43 “se as críticas narrativas das doutrinas presentes nas decisões judiciais

podem ser uma parte efetiva desse diálogo; se podem contribuir para a

avaliação e reconstrução da doutrina como um empreendimento discursivo” 44 “As narrativas nos incitam a pensar criticamente sobre quem está contando

a história, porque certos fatos são incluídos e outros omitidos, e se o contexto

social e as motivações e ações dos personagens são retratados de forma

‘realista’”.

71

salientam a ausência da teoria feminista na abordagem de direito e

literatura ao menos até 1988, época na qual a jurista Robin West começa

a se debruçar sobre o tema. Segundo as autoras:

This essay dissents from the creation of a law and

literature canon that excludes feminist

perspectives. Both “law” and “literature” share the

activity of generating narratives that illuminate,

create, and reflect normative worlds, that bring

experiences that might otherwise be invisible and

silent into public view. Both law and literature have

often assumed that if not totally absent, women are

the other, the object of the male gaze, the subject of

the discussion, not the speaker. Looking at “law”

and at “literature” together enables us to see how

each discipline incorporates these assumptions (as

men speak, judge, describe, and ascribe) and how

to challenge that shared vision of the social order45.

(HEILBRUN, RESNIK; 1989, p.1914).

Desta forma, se tanto o direito quanto a literatura podem ser

percebidas como áreas marcadas por um olhar branco e masculino, uma

abordagem interdisciplinar poderia fornecer indícios para um

contradiscurso, ou uma contranarrativa.

Neste sentido, Heilbrun e Resnik (1989, p.1936) levantam uma

importante questão sobre a produção acadêmica do law and literature

desenvolvida até então: os estudiosos do assunto não se preocupavam

com a figura do cânone, sem pensar “who is given voice, who cited,

quoted, repeated, and who marginalized, ignored, submerged46”. O

45 “Este ensaio discorda da criação de um cânone sobre direito e literatura que

exclui as perspectivas feministas. Tanto o "direito" quanto a "literatura"

compartilham a atividade de gerar narrativas que iluminam, criam e refletem

mundos normativos, que trazem experiências que de outra forma seriam

invisíveis e silenciosas à visão pública. Tanto o direito quanto a literatura têm

frequentemente assumido que, se não totalmente ausente, as mulheres são o

outro, o objeto do olhar masculino, o assunto da discussão, não o indivíduo

que fala. Olhar para o "direito" e "literatura" juntos nos permite ver como

cada disciplina incorpora essas suposições (como os homens falam, julgam,

descrevem e atribuem) e como desafiar essa visão compartilhada sobre a

ordem social.” 46 “para quem é dado voz, quem é citado e repetido, e quem é marginalizado,

ignorado ou submerso”.

72

projeto humanista, ou do direito na literatura, valoriza a escolha de textos

clássicos, enquanto na vertente hermenêutica, ou do direito como

literatura, são as judicial opinions de juízes da Suprema Corte que

imperam nas abordagens. Não há uma problematização de como ou

porque estes textos são escolhidos como base analítica para o law and literature, eles simplesmente o são, pois atendem interesses hegemônicos

que excluem vozes marginalizadas, como as vozes femininas, de qualquer

espaço efetivo de fala.

Desta forma, Heilbrun e Resnik (1989) apontam para a necessidade

de se ler uma literatura diferente dos clássicos, com narrativas diferentes

(como A Letra Escarlate e O Conto da Aia), bem como voltar o olhar

jurídico para questões discutidas em instâncias judiciais menores (e não

apenas em Tribunais Superiores), já que o direito ali produzido afeta mais

diretamente a vida das pessoas comuns, especialmente a das mulheres.

Em outras palavras, as autoras pretendem afastar o olhar masculino do

direito, trazendo à tona a necessidade de um olhar feminino, que atenda

as particularidades das mulheres.

Todavia, assim como o projeto humanista e o projeto

hermenêutico, o projeto narrativista despertou críticas a respeito de sua

relevância e eficácia. Peter Brooks (1996, p. 16), ao contextualizar as três

vertentes do law and literature estadunidense, escreve:

The legal storytelling movement has tended to

valorize narrative as more authentic, concrete, and

embodied than traditional legal syllogism. But as

many of the contributors here point out, storytelling

is a moral chameleon, capable of promoting the

worse as well as the better cause every bit as much

as legal sophistry. It can make no superior ethical

claim. It is not, to be sure, morally neutral, for it

always seeks to induce a point of view.

Storytelling, one can conclude, is never innocent.

If you listen with attention to a story well told, you

are implicated by and in it47.

47 “O movimento jurídico de storytelling tende a valorizar a narrativa como

mais autêntica, concreta e encarnada do que o silogismo legal tradicional.

Mas, como muitos apontam aqui, contar histórias é um camaleão moral,

capaz de promover tanto a pior quanto a melhor causa, assim como o sofisma

jurídico. Por isso, o storytelling não pode fazer uma reivindicação ética

superior. Ele não é, com certeza, moralmente neutro, pois sempre procura

induzir um ponto de vista. Contar histórias, pode-se concluir, nunca é uma

73

Neste sentido, a jurista Anne Coughlin, no texto Regulating the Self: Autobiographical Performances in Outsider Scholarship (1995)

problematiza os limites e perigos da livre utilização de narrativas

pessoais, especialmente autobiografias, produzidas por minorias como

objetivo de propor uma crítica ao direito hegemônico.

These claims on behalf of storytelling deserve

serious scrutiny. Outsider 48scholars - or, for that

matter, insider scholars who also employ

autobiography - must consider whether and in what

sense this form of representation achieves the goals

of outsider scholarship. To what extent does

outsider autobiography rescue formerly ignored

experiences and points of view, or permit the

author to break through the cultural limitations of

legal discourse? If the law is to comprehend its

social obligations through the perspective of the

individual storyteller, the tactic affirmed by the

autobiographical project, then it is imperative to

clarify and evaluate the nature of the perspectives

that storytellers construct49. (COUGHLIN, 1995, p.

1231)

Além de apontar para o fato de que as narrativas tendem a ser mais

uma versão e não a versão definitiva do que ocorreu, inclusive porque

precisam convencer uma audiência de suas dores e sofrimentos, Coughlin

(1995) alerta para uma importante questão econômica: as autobiografias

atividade inocente. Se você ouvir com atenção uma história bem contada,

você está implicado por e dentro dela.” 48 Segundo Coughlin (1995), "Outsider" é o termo que as teorias feministas,

teorias raciais e acadêmicos homossexuais usam para se identificar.” 49 “Essas alegações em nome da narração de histórias merecem um escrutínio

sério. Os acadêmicos outsiders - ou, no caso, acadêmicos insiders que

também utilizam a autobiografia - devem considerar se e em que sentido essa

forma de representação alcança seus objetivos. Até que ponto a autobiografia

de um outsider resgata experiências e pontos de vista anteriormente

ignorados, ou permite ao autor romper as limitações culturais do discurso

jurídico? Se o direito é a compreensão de suas obrigações sociais através da

perspectiva de um narrador individual, a tática afirmada pelo projeto

autobiográfico, então precisa explicar e avaliar a natureza das perspectivas

que os contadores de histórias constroem.”

74

costumam ser um rentável investimento editorial. Para Coughlin (1995,

p. 1232):

The scholars who tell the stories receive material

rewards for publishing them. The authors are also

lawyers or, at least, critics of the law, whose

purpose in offering the stories is instrumental to

some end. By recounting painful, personal

experiences to an audience willing to pay for them,

the authors use themselves and their suffering as a

market commodity50.

De toda forma, trata-se de uma abordagem promissora que, por

algum motivo, não foi traduzida para o espaço jurídico de direito e

literatura nacional representado no acervo. Investigar as razões pelas

quais isso ocorreu não é o objetivo desta tese, mas é importante deixar

aqui registrada a existência de uma outra forma de se pesquisar direito e

literatura, pautada em teorias feministas e em teorias de raça, no intuito

de valorizar o sujeito e dar voz ao subalterno (como queria Spivak51), mas

sem ignorar que tal projeto também precisa enfrentar suas próprias

críticas, algumas das quais demonstradas neste breve trecho.

Em síntese, em relação ao direito e literatura, é preciso ter em

mente que:

While law and literature has sometimes been

considered an incoherent catchall, one might

heuristically identify in it three major projects:

humanism (dominant in the 1970s and early 1980s

and focusing largely on literary texts),

hermeneutics (dominant through out the 1980s and

focusing largely on literary theory), and narrative

(dominant in the late 1980s and 1990s and focusing

largely on legal cases). Each of these projects used

different kinds of texts, had different kinds of

goals, and worked toward these goals with different

50 “Os acadêmicos que contam histórias recebem recompensas materiais para

publicá-las. Eles também são advogados ou, pelo menos, críticos do direito,

cuja oferta de histórias é instrumento para algum fim. Ao contar experiências

dolorosas e pessoais para um público disposto a pagar por elas, os autores

usam a si mesmos e a seu sofrimento como um produto de mercado.” 51 Para mais informações, checar: SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o

subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

75

kinds of interpretive strategies. Despite these

differences, however, one might trace, if not an

entirely coherent program of action, at least a set of

shared preoccupations and a set of recurrent

aspirations emerging from the struggles of the last

quarter of the twentieth52. (PETERS, 2005, p. 444).

Ou seja, direito e literatura não pode ser encarado como um

movimento único, homogêneo e coeso. Os temas abordados coincidem

apenas no sentido de que se tratam de preocupações em comum, tratadas

por determinados autores; as teorias, os métodos, as obras, as soluções e

as próprias abordagens são diversas entre si justamente porque existem

várias possibilidades de se unir direito e literatura.

Ademais, destaco que Peters (2005) é cética quanto ao law and literature movement, tendo em 2005 anunciado sua morte. Todavia, sua

classificação, a meu ver, consegue englobar a complexidade e

abrangência do assunto, pois identifica as intenções dos juristas

proponentes (no projeto humanista, humanizar o direito pela literatura; no

projeto hermenêutico, utilizar teorias literárias para interpretação de

textos jurídicos).

Uma crítica que merece ser feita a sua classificação é a de tratar o

law and literature estadunidense a partir de uma narrativa linear, como se

os projetos fossem temporalmente sucessivos e homogêneos entre si.

Neste sentido, concordo com a análise de Thomas (2017, p. 36), para

quem os projetos teriam ocorrido de forma simultânea, em faculdades de

direito e literatura. O mesmo ocorre no Brasil: são várias as propostas de

conectar as duas áreas, não existindo uma sucessão temporal entre as

perspectivas, mas sim, uma simultaneidade.

52 “Embora o movimento de direito e literatura às vezes tenha sido

considerado incoerente, poderíamos heuristicamente identificar três grandes

projetos: humanista (dominante nos anos 1970 e início dos anos 1980 com

foco principal em textos literários), hermenêutico (dominante nos anos 80 e

focado principalmente em teoria literária), e narrativista (dominante no final

dos anos 1980 e 1990 e focado principalmente em casos jurídicos). Cada um

desses projetos usava diferentes tipos de textos, tinha diferentes intuitos e

trabalhava em direção a esses objetivos com variadas estratégias

interpretativas. Apesar dessas diferenças, no entanto, pode-se traçar, se não

um programa de ação inteiramente coerente, pelo menos um conjunto de

preocupações compartilhadas e um conjunto de aspirações recorrentes que

emergem das lutas do último quarto do século XX.”

76

Passo, agora, a apresentar o problema, hipóteses e objetivos da

presente tese.

1.5 PROBLEMA, HIPÓTESES E OBJETIVOS

A partir das leituras das produções acadêmicas brasileiras e

estadunidenses sobre direito e literatura e dos conceitos de tradução

cultural e espaços jurídicos cunhado por Duve (2014), foi possível

perceber significativas diferenças entre o que se escreve sobre o tema no

Brasil e nos Estados Unidos: o contexto de produção e emergência do

movimento, os objetivos propostos, as perspectivas teóricas, dentre

outros. Todavia, a diferença que mais despertou minha atenção foram as

numerosas críticas presente nos textos estadunidenses, fundadores dos

estudos da área, e a pequena quantidade de menção a essas mesmas

críticas nas pesquisas brasileiras.

Assim, levando em consideração o já referido diagnóstico de

Nobre (2005) sobre a incidência do modelo parecerista nas pesquisas em

direito no Brasil, o problema eleito para a presente tese é: porque as

críticas ao direito e literatura não são debatidas nos textos nacionais?

A tradição parecerista identificada por Nobre (2005), sem dúvidas,

aparece como uma hipótese relevante, mas aceitá-la como única

explicação parece simplista. Há, ainda, a questão idiomática: muito do

que foi escrito nos Estados Unidos permanece sem tradução no Brasil,

com exceção do artigo de Dworkin, De que maneira o direito se

assemelha à literatura53. Assim, não se pode exigir que os brasileiros

tenham acesso a discussões travadas em inglês, o que também é uma

explicação plausível para a ausência apontada.

Existem outras indagações plausíveis: existiria uma mera

reprodução da pesquisa de fora? As publicações visariam atender a uma

demanda produtivista que se exige volumoso número de publicações, mas

sem potencial argumentativo? Existiria um desconhecimento da produção

interna ou mesmo a falta de diálogo entre pesquisas nacionais? Uma

cultura de consenso e fraternidade acadêmica, nas quais não se

questionam os pares em busca de uma política de amizade? E o que falar

do contexto socioeconômico do professor-pesquisador no Brasil, que não

raras vezes recebe um baixo salário e precisa desenvolver suas pesquisas em condições precárias, sem verba, e em curto espaço de tempo?

53 O artigo foi publicado no país pela primeira vez pela editora Martins Fontes

em 2000, como capítulo do livro Uma questão de princípio, de Ronald

Dworkin.

77

Particularmente, porém, acredito que existem duas hipóteses

passíveis de serem investigadas: uma confusão a respeito do método

empregado e a visão sentimental da literatura, identificada por Robert

Weisberg (1989).

Em diversas pesquisas é possível encontrar três perspectivas sobre

o método: 1) Ele é indesejável; 2) Ele é inexistente; e 3) Ele é a própria

divisão em vertentes do direito e literatura (direito como literatura, direito

na literatura). Embora interessantes resultados tenham surgido desta

abordagem, gerando a construção de um espaço jurídico próprio, a

aparente facilidade de se publicar sobre o tema, que ou não tem uma

metodologia própria ou possui uma metodologia que evidencia apenas os

objetivos gerais de cada empreitada, pode ter contribuído para a ideia de

que não existem críticas ao movimento.

Essa confusão sobre o método corrobora a perspectiva de Enrique

Pedro Haba (2007) a respeito da confusão sobre o conceito de método

presente na área do direito. Isto porque ainda que diferentes pesquisadores

sigam as mesmas instruções designadas, é provável que cheguem a

diferentes resultados. Essa ideia de método a ser seguido para reproduzir

o mesmo experimento está intrinsicamente conectada a ideia cartesiana

de método científico, aplicável nas ditas ciências duras, que lidam com

fenômenos naturais ou a reprodução destes fenômenos em laboratório.

Todavia, seguindo a taxonomia das ciências de Charles Peirce

(1997), o direito é uma ciência social aplicada, o que significa dizer que

seu objetivo não é lançar modelos teóricos, proposições lógicas ou

descrever leis naturais. As ciências sociais aplicadas lidam com

problemas sociais práticos e justamente em razão do caráter social

(humano) presente na área, é possível que diferentes pesquisadores

cheguem a diferentes resultados, ainda que seguindo as mesmas

instruções.

Neste sentido, este conceito de método (em sentido estrito), para

Haba não existe na seara do direito:

No existe ningún “método”, en sentido propio, para

efectuar investigaciones (en serio) decisivas sobre

cuestiones de derecho. Nadie puede aprender a

investigar en unos cursos especiales que lleven tal

nombre: “técnicas de investigación” o letreros por

el estilo. Sirve de poco o nada, salvo para

complacerse en disimulos criptoacadémicos,

distraerse en aprender unos repertorios de reglas de

78

procedimiento formalistas54. (HABA, 2007, p.

124).

Isto porque, como já mencionado, é possível que diferentes autores

cheguem a resultados diferentes utilizando o mesmo esquema

metodológico ou, ainda, que diferentes métodos levem ao mesmo

resultado. De acordo com Haba (2007) a concepção de método adequada

ao âmbito do direito seria o método em sentido amplo, que estabelece

orientações gerais do que fazer, mas é influenciado pela própria

subjetividade do pesquisador: suas leituras, suas vivências, etc.

Assim, conforme Haba (2007, p. 132-133):

el término “método” (científico) significa, en

sentido propio (estricto), que se dispone de unos

pasos predeterminados de modo neto para arribar

uniformemente a los resultados apetecidos; en

cambio, si dicho término se toma em sentido

amplio, son unos pasos con contenido bastante

elástico y cuyos resultados son contingentes. La

confusión nace de semejante homonimia, la

circunstancia de que la radical diferencia entre dos

modalidades tan diversas queda escondida por el

uso de la misma palabra indiscriminadamente tanto

para lo uno como para lo otro. Así, con respecto a

este asunto de la investigación, resulta que a

ustedes les están ofreciendo, en sustancia, unos

métodos en sentido muy amplio, mas haciéndoles

creer –al menos en forma implícita– que eso pueda

funcionar cumpliendo con unas esperanzas de

eficacia cierta como las acreditadas por los

métodos em sentido estricto55.

54 “Não há "método", em sentido estrito, para realizar investigações (sérias)

sobre questões de direito. Ninguém pode aprender a investigar em cursos

especiais chamados "técnicas de investigação" ou similares. Isto serve de

pouco ou de nada, a não ser para se entregar à dissimulação cripto-acadêmica,

para se distrair ao aprender um repertório de regras formais de

procedimento.” 55 “o termo "método" (científico) significa, no sentido estrito, que etapas

predeterminadas estão disponíveis para chegar uniformemente aos resultados

desejados; por outro lado, se este termo é compreendido em sentido amplo,

trata-se de passos com um conteúdo bastante elástico e cujos resultados são

contingentes. A confusão surge de tal homonímia, a circunstância de que a

79

Essa confusão conceitual aparece nas pesquisas de direito e

literatura do acervo, conforme será explorado nos capítulos 3 e 4, sendo

o método visto como indesejado, inexistente ou, ainda, confundindo com

uma taxonomia própria da área, que não estabelece como se fazer a

pesquisa, mas sim o que fazer na pesquisa. (identificar o direito na

literatura; compreender o direito como literatura).

Quanto à visão sentimental da literatura, trata-se de uma crítica

desenvolvida por Weisberg (1989) ao movimento estadunidense, segundo

a qual o jurista encontra-se tão desacreditado com o direito que vislumbra

a literatura como uma válvula de escape, capaz de resolver os problemas

da seara jurídica. A literatura passa a ser vista de forma romantizada, sem

defeitos, representando apenas conotações positivas. Tomado por esta

visão sentimental, o jurista tende a não questionar as próprias bases do

direito e literatura, não desenvolvendo autocrítica ou procurando

compreender as críticas já realizadas. Este viés também está presente em

algumas pesquisas brasileiras, conforme será demonstrado nos capítulos

3 e 4.

Neste sentido, defendo tanto a incidência simultânea das hipóteses

apresentadas como respostas ao problema, como a possibilidade de

pesquisas posteriores encontrarem outras respostas além das que aqui

apresento. Todavia, as hipóteses que tentarei demonstrar ao longo da tese

são 1) existe uma confusão sobre método de pesquisa em direito e

literatura no recorte analisado e 2) existe, no mesmo recorte, uma visão

sentimental da literatura; estas premissas teriam, assim, contribuído para

que o debate sobre as críticas feitas ao movimento não fossem

desenvolvidas no país.

Especificamente nos capítulos 2 e 3, procurarei demonstrar

também que apesar de vários dos autores norte-americanos serem

mencionados, nem sempre eles são citados no original; a ocorrência de

citações indiretas ou de nenhuma citação específica é comum, o que pode

significar que os pesquisadores brasileiros não tiveram contato direto com

os escritos americanos, embora saibam algo sobre eles. Tal fato pode ter

afetado o próprio conhecimento nacional no que se refere às críticas

diferença radical entre duas modalidades tão diversas é ocultada pelo uso da

mesma palavra indiscriminadamente tanto para um como para o outro.

Assim, com relação a esta questão de pesquisa, verifica-se que são oferecidos

métodos em um sentido muito amplo, mas fazendo-o acreditar - pelo menos

implicitamente - que isso pode funcionar satisfazendo alguma esperança de

certa eficácia como aqueles credenciados pelos métodos no sentido estrito”

80

proferidas ou respondidas por estes autores. Todavia, este fenômeno é

perceptível apenas em relação aos autores explorados nos capítulos 2 e 3;

uma possível explicação, é que um autor estadunidense apresentado no

capítulo 4, Ronald Dworkin, foi traduzido para o português, tornando seu

acesso mais fácil e as citações diretas de sua obra, mais constantes. As

críticas realizadas à Dworkin, porém, não são discutidas.

Por fim, o objetivo geral da tese, portanto, é compreender porque

as críticas ao direito e literatura, tão frequentes nos textos norte-

americanos, não são debatidas nas pesquisas brasileiras. Os objetivos

específicos relacionam-se diretamente a ordenação do tema,

desenvolvido em capítulos.

Desta forma, o capítulo 2 tem como objetivo específico analisar os

projetos esparsos sobre direito e literatura nos Estados Unidos e no Brasil

antes de sua unificação em torno de um movimento, no intuito de

demonstrar porque o direito e literatura brasileiro pode ser considerado

um espaço jurídico originado a partir de uma tradução cultural.

Nos EUA, compreende-se que o law and literature movement

surgiu de forma institucionalizada em 1973, com a publicação da obra

The legal Imagination, de James Boyd White. Assim, é importante

conhecer o que já havia sido produzido sobre o assunto antes deste marco

histórico para compreender porque 1973 foi eleito como momento chave

e quais as inovações trazidas por White, para merecer o título de fundador

do movimento alguns anos mais tarde. Também será abordado o papel de

autores como Benjamin Cardozo e John Wigmore, frequentemente

mencionados nas pesquisas brasileiras.

Ainda no Capítulo 2, será demonstrado que antes mesmo da

fundação do law and literature movement em 1973, pelo menos quatro

autores brasileiros já escreviam sobre as relações entre direito e literatura

sem mencionar qualquer jurista norte-americano. Todavia, as pesquisas

brasileiras abrangidas pelo recorte da tese ou mencionam autores

estadunidenses, ou se referem a um único autor brasileiro: Luis Alberto

Warat. Nestes termos, o direito e literatura brasileiro pode ser

compreendido como um fenômeno de tradução cultural do movimento

originado nos EUA, (já que várias pesquisas fazem referências aos

estadunidenses que escreveram antes de 1973) e ao mesmo tempo, como

um espaço jurídico de construção diferenciada (a utilização dos escritos de Warat, por exemplo, demonstra uma mescla de ideias que origina algo

novo).

O objetivo específico desenvolvido no Capítulo 3 é compreender

porque as críticas ao projeto humanista desenvolvido nos Estados Unidos

não foram traduzidas para o direito e literatura brasileiro, levando em

81

consideração a confusão sobre o conceito de método apontada por Haba

(2007) e a visão sentimental da literatura, identificada por Weisberg

(1989).

Neste capítulo, serão apresentados indícios de que a partir do

fenômeno da tradução cultural os pesquisadores brasileiros abrangidos

pelo recorte proposto tomaram conhecimento da proposta base do projeto

humanista (de que a literatura pode humanizar o direito). Estes

pesquisadores também interpretaram a questão do método de pelo menos

três formas diferentes, o que pode ter contribuído para que as críticas

estadunidenses não fossem aqui debatidas. Argumentarei, ainda, que ao

aceitarem a premissa do projeto humanista como um dado auto evidente,

tais autores partilharam de uma visão sentimental sobre a literatura, o que

também explicaria a ausência de críticas na construção deste espaço

jurídico.

O capítulo 4 tem como objetivo específico compreender os

motivos pelos quais as críticas ao projeto hermenêutico não são sequer

mencionadas nas pesquisas brasileiras do acervo. A ideia fundamental

deste projeto (de que o direito pode ser visto como literatura) está presente

nas pesquisas analisadas, que, todavia, não demonstram conhecimento da

existência de críticas a esta ideia.

A desconfiança em relação ao método e uma visão sentimental da

literatura também estão presentes em trabalhos pautados sobre essa

abordagem. Foi possível, ainda, verificar o seguinte ponto: embora a

teoria literária seja evocada nos trabalhos estadunidenses, os brasileiros

preferem utilizar a hermenêutica filosófica ou abordagens próprias da

linguística, como a análise do discurso. Tal fato aponta, mais uma vez,

para a existência de um espaço jurídico diferenciado, construído a partir

da mistura de ideias estadunidenses e ideias próprias.

Por fim, gostaria de falar a respeito das imagens dos autores aqui

resgatados (já que nem todos tem retratos acessíveis), que para alguns

podem parecer desnecessárias ou meramente ilustrativa. Enfatizo que não

são. Essas imagens estão presentes no intuito de dar a estes autores

materialidade e tangibilidade, ressaltando o fato de que tanto eles quanto

suas obras estão aí para serem investigados. Percebo que há um certo

vazio a respeito da importância e da dimensão de seus escritos, de modo

que apresentar ao leitor seus rostos os torna mais críveis, mais acessíveis. É, assim, uma tentativa de deixá-los registrado para os que escreverão

depois de mim, no intuito de compreender a construção deste rico espaço

jurídico nacional chamado de direito e literatura.

82

83

2 OS PROJETOS ESPARSOS DE DIREITO E LITERATURA NO

PERÍODO PRÉ-INSTITUCIONAL - ESTADOS UNIDOS E

BRASIL

Neste capítulo, pretendo apresentar as discussões sobre direito e

literatura realizadas antes da institucionalização do law and literature

movement, em 1973, nos Estados Unidos. Para compreender as razões que

permitem entender o movimento como um fenômeno de tradução cultural

constituinte de um espaço jurídico, é importante entender o que já havia

sido produzido até então sobre o assunto nos EUA e quais foram as

condições históricas que permitiram projetos tão distintos e esparsos se

conectarem em torno de um movimento.

Em um segundo momento, procurarei demonstrar que no cenário

nacional, muito antes da primeira referência brasileira ao law and

literature ser publicada56, alguns autores já haviam se aventurado a

estudar as conexões entre direito e literatura, sem, entretanto, fazer

qualquer evocação do movimento estadunidense após sua eclosão em

1973. Em outras palavras, é possível rastrear a existência de pesquisas

nacionais independentes em relação aos EUA de estudos sobre direito e

literatura.

Optei por denominar este conglomerado de autores de projetos

esparsos inspirada na classificação de Peters (2005), posto que não há um

vínculo direto verificável em suas produções, como será demonstrado. A

recusa dos termos pré-movimento, fase antecedente ou quaisquer

similares foi intencional, pois acredito que estes projetos esparsos não

irão desaparecer ao longo do tempo; pelo contrário, uma das grandes

marcas do direito e literatura é o seu elevado grau de heterogeneidade, já

que são diversas as possibilidades de estudo entre as duas áreas. Em

relação ao Brasil, os trabalhos de Luís Alberto Warat, por exemplo, estão

até hoje (2018) sendo referenciados.

Assim, passo a apresentar o que se discutia nos Estados Unidos

antes da institucionalização do law and literature movement.

56 Adoto como parâmetro o livro de Eliane Junqueira Botelho, a publicação

mais antiga encontrada em minhas pesquisas a fazer remissão direta ao law

and literature movement.

84

2.1 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NOS

ESTADOS UNIDOS

Em 197757, J. Allen Smith (1979), professor de direito da Rutgers

School of Law e criador do Law and Humanities Institute58, fez uma

significativa profecia: o direito e a literatura estavam se reaproximando e

não tardaria até que voltassem a se relacionar como em tempos passados.

Como é possível inferir da pesquisa de Robert Ferguson (1984),

Law & Letters in American Culture, estes tempos passados seriam os anos

iniciais da República estadunidense, desde sua revolução pela

independência, conquistada em 177659, até a quarta década do século

XIX. O argumento central de Ferguson (1984), é de que os Estados

57 O artigo foi originalmente apresentado em 1977 no Maryland Law Forum,

mas foi publicado em 1979 no Journal of Legal Education. 58 Instituto criado em 1978 voltado à pesquisa interdisciplinar entre direito e

humanidades. 59 Sobre a Guerra de Independência norte americana, Sá (2014) recorda um

debate filosófico sobre fundamentos da luta e que será incorporado aos

romances góticos do final do século XVIII. De um lado, Edmund Burke irá

escrever Reflexões sobre a Revolução em França (1790): “no calor dos

acontecimentos revolucionários Burke se posiciona fortemente contra o

levante popular na França, defendendo a superioridade do sistema político

britânico junto às classes formadoras de opinião para que o movimento não

ganhasse adeptos na Inglaterra, leia-se Grã-Bretanha (SÁ, 2014, p. 65)”. Seus

objetivos literários são impedir que revoluções similares ocorram nas

também nas colônias inglesas. Todavia, os ideais revolucionários serão

defendidos por Thomas Paine em Os Direitos do Homem (1791), obra na qual

“em defesa das Revoluções Norte-Americana e Francesa e como tentativa de

disseminar ideais revolucionários na Grã-Bretanha. (SÁ, 2014, p. 65)”.

Assim, conforme Sá (2014, p. 75): “Tal debate se fez presente nos romances

góticos ingleses do final do século XVIII de modo ambíguo. Os romancistas

góticos se apropriaram dos debates políticos sintetizando seus fundamentos

teóricos e filosóficos através de leituras estéticas, elaborando um conjunto de

procedimentos literários que refletiu os dilemas setecentistas. Enquanto

escritores pró-revolução como Mary Wollstonecraft e William Godwin

interpretavam o gótico de maneira negativa (ligada a uma monarquia

anacrônica) outros romancistas a exemplo de Ann Radcliffe e Matthew

Gregory Lewis usavam o repertório gótico em apoio às instituições feudais

inglesas. As diferentes acepções do termo ‘gótico’ foram objeto de debate

constituindo um emaranhado de significações políticas, religiosas e estéticas

no final do século XVIII”.

85

Unidos do fim do século XVIII, uma nação jovem e ainda sem tradição

ou identidade, precisou vencer barreiras estéticas e intelectuais para criar

seu mito fundador.

Ferguson (1984, p. 5), ele próprio um jurista conhecido por sua

abordagem interdisciplinar como professor60, busca

To recover the lost context out of which Adams and

Jefferson, and then Washington Irving, William

Cullen Bryant, and other early republicans, dared

to read, think, speak, and write. [...] lawyers across

three succeeding generations, were part of a now-

forgotten configuration of law and letters that

dominated American literary aspirations from the

Revolution until the fourth decade of the nineteenth

century, a span of more than fifty years. Half of the

important critics of the day trained for law, and

attorneys controlled many of the important

journals. Belles letters societies furnished the

major basis of cultural concern for post-

Revolutionary America; they depended heavily on

the legal profession for their memberships.

Lawyers also wrote many of the country’s first

important novels, plays, and poems. No other

vocational group, not even the ministry, matched

their contribution61.

60 Mais informações em: <http://www.law.columbia.edu/faculty/robert-

ferguson>. Acesso em 29 mar. 2018. 61 “Recuperar o contexto perdido do qual Adams e Jefferson, e depois

Washington Irving, William Cullen Bryant e outros republicanos precursores,

ousaram ler, pensar, falar e escrever. [...] advogados que sucederam três

gerações foram parte de uma configuração, agora esquecida, de leis e cartas

que dominaram as aspirações literárias americanas desde a Revolução até a

quarta década do século XIX, um período de mais de cinquenta anos. Metade

dos críticos importantes da época tinha formação em direito e os advogados

controlaram muitas das revistas literárias importantes. As sociedades de

belles lettres forneceram a principal base de preocupação cultural para a

América pós-revolucionária; eles dependiam da profissão jurídica de seus

membros. Os advogados também escreveram muitos dos primeiros romances

importantes, peças teatrais e poemas do país. Nenhum outro grupo vocacional

teve contribuição equivalente.”

86

A literatura, assim, possuía um papel ideológico e estruturante, no

sentido de ser responsável por formar as bases nacionais desta nação

emergente, contando principalmente com a formação jurídica de sua elite

intelectual para divulgar valores republicanos adequados a sua nova

realidade62.

Portanto, neste contexto é possível afirmar que o homem da lei era

o homem das letras. Inclusive James Boyd White (2010, p. 2), aclamado

como fundador do law and literature movement, escreve:

In the nineteenth and much of the twentieth

century, it would have been obvious to most

lawyers that they were speakers and writers by

occupation, that law itself was a branch of the

larger culture, and that a broadly humanistic

education was essential to excellence in the law63.

Uma outra pesquisa responsável por apontar certa disseminação

política e ideológica por meio da literatura nos séculos XVIII e XIX,

gerando como consequência a positivação de direitos, é a realizada pela

historiadora Lynn Hunt, em sua obra A Invenção dos Direitos Humanos.

A principal hipótese lançada por Hunt (2007, p. 32) é a

de que ler relatos de tortura ou romances

epistolares teve efeitos físicos que se traduziram

em mudanças cerebrais e tornaram a sair do cérebro

como novos conceitos sobre a organização da vida

social e política. Os novos tipos de leitura (e de

visão e audição) criaram novas experiências

individuais (empatia), que por sua vez tornaram

possíveis novos conceitos sociais e políticos (os

direitos humanos).

Para tanto, a autora (2007) defende que romances do século XVIII,

provocaram a empatia de parte do público leitor – ideia não por acaso

62 Sobre esse assunto ver: WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic

Nations: Literature and cultural identity in the United States and Brazil, 1830-

1930. New York: Cornell University Press, 1994. 63 “No século XIX e grande parte do século XX, era óbvio para a maioria dos

advogados que eles eram literatos por ocupação, que o direito em si era um

ramo da cultura e que uma educação amplamente humanista era essencial

para a excelência no ensino jurídico”

87

também abraçada pelo republicano estadunidense Thomas Jefferson64,

que acreditava na ficção como forma de se ensinar princípios e virtudes.

A consequência, conforme Hunt (2007) foi uma certa abertura para o que

se conhece hoje como direitos humanos, ainda que de forma não genérica

– no caso das mulheres, por exemplo, apesar de figurarem como heroínas

e despertarem interesse do público, são poucos os indivíduos que

realmente lutaram por seus direitos nesta época.

Em contrapartida, a leitura dessas obras gerou reações contra a

tortura65 e contra a escravidão66 de forma que a literatura trouxe ao debate

público questões cruciais referentes aos direitos individuais.

Para Ferguson (1984), a relação entre o direito e a literatura mudou

drasticamente após a Guerra Civil americana (1861-65). A tensão já

ocorria desde o início do século XIX, mas se intensifica nos prelúdios da

guerra, por dois motivos principais: a necessidade de uma especialização

técnica e pragmática dos juristas e os limites da relação entre o direito e a

literatura.

Ferguson (1984) aponta que a partir do início século XIX, os

juristas envolvidos em carreiras literárias começaram a experimentar a

tensão entre as duas áreas. Embora encorajados a se aventurarem nas

64 Não se pode esquecer que os Estados Unidos do século XVIII buscavam

aproximar direito e literatura na tentativa de criar uma identidade republicana

unificada. 65 “Talvez pareça um tanto exagerado estabelecer uma ligação entre assoar o

nariz com um lenço, escutar música, ler um romance ou encomendar um

retrato e a abolição da tortura e a moderação do castigo cruel. Mas a tortura

legalmente sancionada não terminou apenas porque os juízes desistiram desse

expediente, ou porque os escritores do Iluminismo finalmente se opuseram a

ela. A tortura terminou porque a estrutura tradicional da dor e da pessoa se

desmantelou e foi substituída pouco a pouco por uma nova estrutura, na qual

os indivíduos eram donos de seus corpos, tinham direitos relativos à

individualidade e à inviolabilidade desses corpos, e reconheciam em outras

pessoas as mesmas paixões, sentimentos e simpatias que viam em si

mesmos”. (HUNT, 2007, p. 111) 66 “Capitalizando o sucesso do romance em invocar novas formas de

identificação psicológica, os primeiros abolicionistas encorajavam os

escravos libertos a escrever suas autobiografias romanceadas, às vezes

parcialmente fictícias, a fim de ganhar adeptos para o movimento nascente.

Os males da escravidão adquiriram vida quando foram descritos em primeira

mão por homens como Olaudah Equiano, cujo livro The Interesting Narrative

of the Life of Olaudah Equiano foi publicado pela primeira vez em Londres,

em 1789”. (HUNT, 2007, p. 67)

88

carreiras literárias, não era desejável que trocassem definitivamente os

códigos pelos romances e poemas. A literatura era tolerada até

determinado limite, já que o homem da lei precisava ser um homem de

ação política, e não um artista contemplativo.

A análise de Ferguson (1984) salienta, ainda, as restrições de

gênero e classe que juristas literatos enfrentavam. Por mais que se

tratassem de homens, brancos e da alta sociedade, existia uma forte

expectativa social a respeito de sua posição, o que dificultava o abandono

do direito em prol da literatura. O papel social adequado (e imposto) para

tais cidadãos era a figura do jurista erudito, e não do escritor idealista.

Antes, durante e após a Guerra Civil americana, essa tensão se

intensifica, pois conforme Ferguson (1984), o jurista tornava-se cada vez

mais técnico e com cada vez menos tempo para as atividades literárias,

tornando o jurista literato um indivíduo obsoleto. Ferguson (1984, p. 200)

compara essas duas figuras (o jurista literato e o jurista técnico) da

seguinte forma:

The early lawyer searched for a declaration derived

from common usage and consistent with nature.

His successor, the reader of case reports, thought in

terms of specific commands that society had placed

upon itself... Their respective needs made general

literature useful to the former and increasingly

irrelevant to the latter. And the second lawyer

inevitably swallowed the first67.

Simultaneamente, a literatura também se afasta do direito.

Ferguson (1984) aponta como exemplo os escritores da renascença

americana68, Emerson, Whitman e Thoreau, que excluíram a mentalidade

67 “O primeiro mais antigo buscava declarações derivadas do uso comum e

consistente com a natureza. Seu sucessor, o leitor de casos, pensava em

termos de comandos específicos que a sociedade havia estabelecido sobre si

mesmo... Suas respectivas necessidades tornaram a literatura útil para o

primeiro e cada vez mais irrelevante para a segundo. E o segundo advogado

inevitavelmente engoliu o primeiro.” 68 Conforme a historiadora e tradutora Denise Bottmann (2015), renascença

americana é um termo cunhado por Francis Otto Matthiessen para designar

os trabalhos de Ralph Waldo Emerson, Nathaniel Hawthorne, Herman

Melville, Henry David Thoreau e Walt Whitman. Para a autora (2015, p. 191)

“Além de um veio transcendentalista ou romântico comum a todas elas, havia

89

jurídica do empreendimento literário. A literatura passou a ser utilizada

com a função de criticar a política e o direito, tornando-se voraz julgadora

das normas jurídicas e sociais69.

Sobre o assunto, Hursh escreve (2013, p. 5) “Lawyers embraced

an increasingly systematic legal system with the goal of eliminating

uncertainty, whereas writers embraced the exceptional, thereby

questioning and destabilizing social norms70“.

White (2010, p. 4) também apresenta contribuições sobre o tema,

ao elencar dois outros motivos contextuais para o afastamento entre

direito e literatura:

[...] in philosophy, the kind of logical positivism

that wanted to reduce meaning to the empirically

testable; the more general view that science simply

eclipses the value of other forms of thought (and

with it the desire to claim the status of “science” for

the study of social, political, and economic

phenomena); a widespread desire at a time of

international peril to affirm the masculinity of

science against the perceived femininity of the

humanities; and the self-conscious turn to what is

called social ‘science’ in the law, first in the form

of sociology and psychology, then of economics.

The assumptions here were that these fields could

produce knowledge of a sort that the humanities

could not; that this knowledge was testable; and

that it could be the foundation of law——law based

upon social realities that were accurately

a curiosa concentração cronológica de suas primeiras edições: o quinquênio

compreendido entre 1850 e 1855.” 69 Especialmente no que diz respeito à escravidão: “The anathema heaped

upon Webster over the Compromise of 1850 and the even greater outrage in

1857, following the Supreme Court’s effort to settle the slavery issue in Dred

Scott v. Sanford, bespoke a general loss of faith in the lawyer and his republic

of laws”. (FERGUSON, 1984, p. 203). (O anátema se abateu sobre Webster

no Compromisso de 1850 e na ofensa ainda maior de 1857, após o esforço da

Suprema Corte para resolver a questão da escravidão em Dred Scott v.

Sanford, que provocou uma perda geral de fé no advogado e em sua república

de leis). 70 “Os advogados adotaram um sistema legal cada vez mais sistemático com

o objetivo de eliminar a incerteza, enquanto os escritores adotaram o

excepcional, questionando e desestabilizando as normas sociais.”

90

represented by disciplines that shared the name,

and hoped to share the prestige, of ‘science’. The

idea that law could be seen as one of the social

sciences became prevalent in the 1930s, under the

rubric of legal realism, and since then it has only

grown more intense71.

De fato, o positivismo lógico (também conhecido como empirismo

lógico ou neopositivismo) é um modelo filosófico que irá exercer grande

influência epistemológica no início do século XX. Fruto das discussões

do Círculo de Viena72, “herda do positivismo comtiano a preocupação

epistemológica com a enunciação de fatos empiricamente verificáveis”

(DITTRICH ET AL, 2009, p. 180).

Segundo as premissas do positivismo lógico, toda especulação

metafísica deve ser rejeitada pois apenas o contato direto para com a

71 “Na filosofia, o tipo de positivismo lógico que queria reduzir o significado

ao empiricamente testável; a visão mais geral de que a ciência simplesmente

oculta o valor de outras formas de pensamento (e com ela o desejo de

reivindicar o status de "ciência" para o estudo de fenômenos sociais, políticos

e econômicos); um desejo generalizado, em um momento de perigo

internacional, para afirmar a masculinidade da ciência contra a feminilidade

percebida das humanidades; e a busca autoconsciente do que é chamado de

"ciência" social no direito, primeiro na forma de sociologia e psicologia,

depois de economia. As suposições aqui eram de que esses campos poderiam

produzir conhecimento de um tipo que as humanidades não poderiam; que

esse conhecimento era testável; e que poderia ser o fundamento do direito -

direito baseada em realidades sociais que foram representadas com precisão

por disciplinas que compartilhavam o nome e esperavam compartilhar o

prestígio da "ciência". A ideia de que o direito poderia ser visto como uma

das ciências sociais tornou-se predominante na década de 1930, sob a rubrica

do realismo jurídico e, desde então, tornou-se mais intensa.” 72 “Grupo formado na década de 20 por filósofos e cientistas interessados em

questões de ordem epistemológica particularmente no campo da física. As

discussões do Círculo foram motivadas, primariamente, pelo advento das

‘revoluções gêmeas da teoria da relatividade e da mecânica quântica’. O

Círculo representa uma das mais destacadas tentativas de intercâmbio

intelectual entre filósofos e cientistas. Embora liderado por um filósofo, M.

Schlick, o grupo era integrado também por físicos (R. Carnap, P. Frank),

matemáticos (K. Gödel, H. Hahn, G. Bergmann) e mesmo representantes de

campos como a economia (O. Neurath), a história (V. Kraft) e o direito (H.

Kelsen).” (DITTRICH ET AL, 2009, p. 180)

91

natureza oferece conhecimento real, passível de experimentação empírica

(DITTRICH ET AL, 2009). Neste sentido,

a ciência não é nada mais do que a reflexão

conceitual sobre os conteúdos da experiência

imediata de um cientista, e [...] afirmações

científicas devem, portanto, ser interpretadas como

proposições que reportam o que é dado na

experiência imediata do cientista.

[...] Reivindicações de conhecimento baseadas em

elementos a priori, metafisicamente dados, devem

ser rejeitadas, visto que tais reivindicações não

podem ser experiencialmente verificadas; toda a

ciência pode ser unificada sob a análise de como os

cientistas operam sobre os conteúdos de sua

experiência imediata [...]; (DITTRICH ET AL,

2009, p. 180-181).

É imprescindível ter consciência de que este positivismo lógico,

embora influenciado pelo positivismo comtiano, dele se diferencia por

destacar a importância da lógica e da linguagem. “Sentenças com valor

de verdade podem ser tanto empíricas quanto analíticas” (DITTRICH ET

AL, 2009, p.181). Por isso, para os positivistas lógicos

a linguagem é um sistema sintático para estruturar

o conhecimento, e uma compreensão da expressão

desse conhecimento exige, também, uma

compreensão dos papéis da lógica e da sintaxe no

que diz respeito à construção, substituição,

transformação, redução e prova (DITTRICH ET

AL, 2009, p.181).

Neste sentido, a literatura, como conhecimento não passível de

verificação empírica e testável, será negligenciada pelo jurista, que

buscará embasamento em outras áreas, como a economia. No capítulo 3,

apresentarei subsídios para argumentar, inclusive, que o law and

literature movement emerge como uma oposição ao racionalismo

dominante nas academias jurídicas estadunidenses, representado pela law and economics, também conhecida como análise econômica do direito.

Por ora, é preciso discutir, ainda, sobre o distanciamento do direito

e da literatura. Para Hursh (2013, p. 10) não houve um rompimento

definitivo entre as duas áreas:

92

While the two disciplines never regained the

comfortable, overlapping relationship that they

exhibited in the early years of the nation, the

influence and interest between the two disciplines

remain strong, demonstrated by the sustained

interest of scholars from academic backgrounds as

well as the success of the modern U.S. law and

literature movement73.

É possível, portanto, encontrar diferentes trabalhos de direito e

literatura ainda durante o século XIX e mesmo no início do século XX,

antes da dita fundação do law and literature movement em 1973. Um

exemplo dessa permanência apresentado pelo próprio Hursh (2013, p.

11), são as publicações de Irving Browne que:

published several books detailing mundane areas of

legal practice such as A Treatise On The

Admissibility Of Parol Evidence In Respect To

Written Instruments (1883) and The Elements of

the Law of Bailments and Common Carriers

(1896). Browne valued literature, and following his

death in 1899, a brief New York Times article

celebrates his love of literature and his exceptional

book collection74.

Browne escreveu, em 1883, um livro intitulado Law and Lawyers

in Literature, cujo objetivo principal seria demonstrar como o direito e os

advogados foram retratados na literatura, a partir de extratos de peças,

novelas, ensaios e escritos em geral, de historiadores e literatos como

Aristófanes, La Fontaine, Cervantes, Ammianus Marcellinus, dentre

outros. Browne (1883) busca mostrar como o direito é representado pela

literatura apresentando trechos ou resumos das obras selecionadas,

73“Embora as duas disciplinas nunca tenham recuperado a relação confortável

e que exibiram nos primeiros anos da nação, a influência e o interesse entre

as duas áreas permaneceu forte, demonstrada pelo interesse de acadêmicos e

pelo sucesso dos estudos do moderno movimento de direito e literatura.” 74 “Publicou vários livros sobre áreas comuns da prática legal, como A

Treatise On The Admissibility Of Parol Evidence In Respect To Written

Instruments (1883) e The Elements of the Law of Bailments and Common

Carriers (1896). Browne valorizou a literatura e, após sua morte em 1899,

um breve artigo do New York Times celebra seu amor pela literatura e sua

excepcional coleção de livros.”

93

motivo pelo qual concordo com Hursh (2013), seu trabalho é mais

antológico que crítico.

Diferentemente do que se poderia esperar, Irving Browne não era

professor universitário ou pesquisador com filiação institucional, mas sim

um advogado. Ele teria trabalhado em Nova York entre os anos 1857 e

1879, sendo convidado em 1879 para atuar como editor do Albany Law

Journal75, um jornal de notícias dedicado ao mundo jurídico76. Browne

era um amante da literatura, tendo publicado diversos poemas ao longo

de sua vida77.

Figura 1: Irving Browne

Fonte: <https://bit.ly/2xXH5hb>. Acesso em 09 abril 2018.

Mas Browne não estava sozinho nessa empreitada. Posner (1986),

que irá escrever sobre o law and literature movement a partir dos anos

1980, menciona ainda os trabalhos de C. Davis (The Law and Shakespeare – 1883) e Stephen (The License of Modern Novelists –

75 Disponível em: < http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-

2001/browne.html>. Acesso em 09 abril 2018. 76 Um exemplar do jornal está disponível em: <

https://books.google.co.zm/books?id=OG6mAAAAIAAJ&printsec=frontco

ver&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 09 abril 2018. 77 Uma lista pode ser encontrada no link: <

http://myweb.wvnet.edu/~jelkins/lp-2001/browne.html>. Acesso em 09 abril

2018.

94

1857), como outros exemplos de obras sobre direito e literatura do século

XIX.

Alguns anos mais tarde, em 1908, John Wigmore também publica

um trabalho sobre direito e literatura, intitulado A List of Legal Novels, na

Illinois Law Review.

A proposta de Wigmore (1922-1923)78 é apresentar uma lista de

obras literárias, de cunho jurídico, que interessam ao jurista. Desta forma,

ele inicia seu artigo definindo um romance jurídico como aquele que

desperta o interesse do operador do direito; mas porque se dar ao trabalho

de fazer uma lista com tamanha extensão?

we can think of several reasons why such a list is

worth the labor. For it is certain that the lawyer

must, like other men, for his pastime and mental

ease, abandon himself now and then to the thrall of

fiction. He will not read all the novels-even all the

good ones; he will probably not read many. He

must select. Let him, then, select those which will

mean something to him as a lawyer, will have a

special interest for one of that elect profession with

all its traditions, its memories, its secrets of the

craft. And thus, since he must select, he will want

to select those which as a lawyer he cannot afford

to ignore79. (WIGMORE, 1922-1923, p. 27)

Ademais, para Wigmore (1922-1923), a literatura contém os

espíritos de determinada época, permitindo ao jurista vislumbrar a prática

de deveres e princípios na vida do homem comum. Um outro (e talvez

principal) motivo, é o de que a literatura aparece como um catálogo de

personagens da vida real, o que permite ao jurista ter contato com

78 O artigo de Wigmore foi republicado em 1922-1923, no mesmo periódico

e foi a essa segunda versão que tive acesso. 79 “Podemos pensar em várias razões pelas quais tal lista vale o trabalho. Pois

é certo que o advogado deve, como outros homens, por seu passatempo e

facilidade mental, abandonar-se de vez em quando ao domínio da ficção. Ele

não lerá todos os romances - mesmo todos os bons; ele provavelmente não

vai ler muitos. Ele deve selecionar. Deixe-o, então, selecionar aqueles que

significarão algo para ele como advogado, que terão um interesse especial

para sua profissão com todas as suas tradições, suas memórias, seus segredos

da arte. E assim, desde que ele escolha, ele vai querer selecionar aqueles que,

como advogado, ele não pode ignorar”.

95

indivíduos de natureza diversa – sujeitos que lhe seriam totalmente

desconhecidos na vida real: “the work of the novelist is to provide a

museum of human characters, traits and motives-just as we might go to a

museum of zoology to observe an animal which we desired to understand

but had never yet seen alive80” (WIGMORE, 1922-1923, p. 32).

Figura 2: John Wigmore

Fonte: < https://bit.ly/2Rnn0cf >. Acesso em 03 out. 2018.

Alguns anos depois, em 1925, Benjamin Cardozo publica artigo na

Yale Review sobre as relações entre direito e literatura. Para Cardozo

(1925, p. 700), a forma literária, o estilo de escrita, era tão importante

quando o conteúdo textual, já que sem forma não há substância de

conteúdo. Partindo dessa premissa, Cardozo (1925, p. 701 - 714) passa a

divagar sobre o estilo de escrita dos juízes, classificando-os e

apresentando dicas de escrita para os juristas, tendo por base sua

experiência como juiz.

Cardozo foi juiz em Nova York, chegando a ocupar vaga na

Suprema Corte norte americana entre 1932 e 193881. No que se refere aos

80 “o trabalho do romancista é fornecer um museu de personagens, traços e

motivos humanos - assim como podemos ir a um museu de zoologia para

observar um animal que desejamos entender, mas que nunca vimos ainda

vivo”. 81 Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2012-jul-29/embargos-

culturais-benjamim-nathan-cardozo-realismo-norte-americano>. Acesso em

09 abril 2018.

96

estudos de direito e literatura, Cardozo é especialmente conhecido pelo

seu tipo de escrita literária.82.

Figura 3: Benjamin Cardozo

Fonte: <https://bit.ly/2yfDsSW>. Acesso em 09 abril 2018.

Mesmo após Cardozo, as publicações sobre direito e literatura não

desaparecem da academia norte americana. Hursh (2013, p. 12)

exemplifica essa presença a partir de artigos escritos por três autores: Paul

Squires, Helen Silving e Filmer Northrop.

Squires, membro da ordem dos advogados de Nova York, publica

em 1937 o artigo Dostoievski’s Doctrine of Criminal Responsibility no

qual defende a literatura como uma importante ferramenta no ensino do

Direito, a partir de trechos de Crime e Castigo. Para o autor (1937, p.

823):

Every lawyer ought to read the trial of Dmitri

Karamazov, and every law student should be

required to do so. It is the most remarkable account

of such a proceeding ever composed, a triumph in

82 Disponível em: < https://www.biography.com/people/benjamin-cardozo-

40728> . Acesso em 09 abril 2018.

97

the analysis of the psychology that “cuts both

ways”, that is a “two-edged weapon.83“

Ainda que no texto não haja nenhuma grande análise crítica a

respeito do assunto, suas premissas estão conectadas com a ideia de

utilizar a literatura como metodologia de ensino jurídico, assim como

preceituado alguns anos antes por John Wigmore. Diferentemente deste

último, porém, seu artigo não é tão citado nas pesquisas estadunidenses.

Já Helen Silving, apresentada por Reut Paz (2014, p. 1123) como

a primeira professora de direito dos Estados Unidos, judia, e orientanda

de Hans Kelsen, escreve em 1950 o artigo A Plea for a Law of

Interpretation, cujo foco central é a interpretação jurídica. Para a autora

(1950) as regras de interpretação aumentam o grau de certeza jurídico,

motivo pelo qual deve ser aplicada de forma restrita e diferente do que

ocorre com a interpretação científica ou artística. Conforme Silving

(1950, p. 519):

A distinguishing feature of legal rules of

interpretation as compared to scientific or artistic

rules consists in the fact that the capacity of the

former rules to perform their various functions is

not ultimately dependent on the intrinsic

reasonableness or convincing power of the rules

themselves. These rules are artificial, and they are

effective even if they are otherwise unreasonable.

If the law contains a direction imposing the

application of such rule, the objection that the rule

is not true, or unwise, or does not conform to habits

of speech, is foreclosed84.

83 “Todo advogado deveria ler o julgamento de Dmitri Karamazov, e todo

estudante de direito deveria ser obrigado a fazê-lo. É o relato processual mais

notável processo já realizado, um triunfo na análise da psicologia que "corta

os dois lados", isto é, uma "faca de dois gumes"”. 84 “Uma característica distintiva das regras jurídicas de interpretação, em

comparação com as regras científicas ou artísticas, consiste no fato de que

elas não dependem, em última análise, da razoabilidade intrínseca ou do

poder convincente das próprias regras. As regras jurídicas são artificiais e são

eficazes mesmo se forem irracionais. Se a lei contém uma direção que

imponha a aplicação de tal regra, a objeção de que a regra não é verdadeira,

ou insensata, ou não se ajusta a hábitos de linguagem, é excluída.”

98

É preciso salientar, portanto, que ao comparar a interpretação

jurídica com outros tipos de interpretação (inclusive artística e literária),

Helen Silving estava preocupada em demonstrar suas diferenças e não

suas proximidades. Como afirma a autora (1950, p. 501):

Comparisons of the interpretation of law with that

of works of art are important contributions to the

theory of culture. However, they cannot serve

practical needs of legal interpretation so long as our

knowledge of the meaning expressed in the various

forms of art is yet rather limited85.

O artigo de Silving lança complexas questões a respeito da

interpretação jurídica, posicionando-se de forma crítica, desde então, a

respeito das alegadas semelhanças entre direito e literatura. Infelizmente,

assim como Browne e Squires, são poucas as menções a seu trabalho nos

textos norte-americanos aos quais tive acesso.

Figura 4: Helen Silving

Fonte: <https://bit.ly/2P9xAlo>. Acesso em 03 out. 2018.

85 “Comparações da interpretação jurídica com a interpretação artística são

contribuições importantes para a teoria da cultura. No entanto, eles não

podem servir às necessidades práticas de interpretação jurídica, já que nosso

conhecimento a respeito do significado expresso nas várias formas de arte

ainda é bastante limitado.”

99

Por fim, Filmer Northrop, filósofo e professor da Universidade de

Yale, publica em 1962 o artigo Law, Language and Moral. Neste

trabalho, Northrop (1962) discute os fundamentos filosóficos do

significado linguístico em relação à interpretação legal a partir da

filosofia, história, lógica e linguística. A literatura é utilizada pelo autor

(1962, p. 1040) para exemplificar como o status se associava ao mundo

jurídico e era disseminado pela cultura, reafirmando direitos a

determinados grupos sociais. O artigo de Northrop também aparenta ser

desconhecido por grande parte dos estadunidenses estudiosos da área.

Figura 5: Filmer Northrop

Fonte: < https://bit.ly/2xYl16d>. Acesso em 09 abril 2018.

Observa-se, portanto, que do início da república estadunidense à

fundação do law and literature movement em 1973, as aproximações

entre o direito e a literatura foram abordadas por diferentes autores, ainda

que de forma pouco numerosa. É preciso ter cuidado, portanto, ao fazer

afirmações sobre o início desta área de pesquisa, pois o assunto já era

estudado há tempos - e isso levando em consideração apenas os Estados

Unidos; o que é recente é sua institucionalização, naquele país, em torno

de um movimento.

Além disso, diante dos autores apresentados, é impossível não

formular a seguinte questão: porque vários deles foram (e ainda são)

esquecidos? Responder tal pergunta por si só comportaria uma nova tese,

100

afinal, quantas autoras e autores mais não foram abandonados nas páginas

da história, por razões diversificadas e nem sempre intencionais86.

White (2010, p. 5) por exemplo, escreve que durante seu curso de

direito nos anos 1960, as referências sobre direito e literatura à disposição

eram poucas, embora presentes:

By the time I was in law school in the early 1960s,

for example, there were only a scattering of

contemporary pieces explicitly about the

connections between law and literature: an essay

by Justice Cardozo, a fine article on judicial style

by Walker Gibson, a popular anthology compiled

by Ephraim London, and important work by Owen

Barfield, an English lawyer (of which at the time I

was unfortunately not aware). But it is fair to say

that there was no widespread drive to connect the

activities of law with what could be learned from

our humanistic past87.

Com as informações aqui apresentadas, entretanto, é possível

esboçar um ponto de partida, uma hipótese, (e não uma certeza ou

afirmação categórica) para se pensar em possíveis explicações sobre a

sobreposição de alguns autores em detrimento de outros.

Sobre os autores efetivamente mencionados nesta tese, Browne e

Squire não possuíam tradição acadêmica, sendo antes, advogados mais

ligados à prática jurídica; Silving já deveria enfrentar seus próprios

desafios como judia e como primeira mulher a lecionar no curso de direito

nos Estados Unidos dos anos 50; Northrop não era propriamente um

jurista, mas um filósofo; e coincidentemente (ou não), Cardozo e

Wigmore, os mais referenciados nos trabalhos estadunidenses e os únicos

86 Como no caso desta tese, por exemplo. Só foi possível rastrear tais autores

em razão do recorte escolhido para construção da fotografia e tenho plena

ciência de que outros podem ter sido excluídos de minha apreciação. 87 “Quando eu estava na faculdade de direito, no começo dos anos 1960, por

exemplo, havia apenas uma dispersão de escritos sobre as conexões entre

direito e literatura: um ensaio de Cardozo, um artigo sobre estilo de escrita

judicial de Walker Gibson, um antologia popular compilada por Ephraim

London, e o importante trabalho de Owen Barfield, um advogado inglês (o

qual, à época, eu não conhecia). Mas é justo dizer que não houve um impulso

generalizado para conectar as atividades do direito para com o que poderia

ser aprendido com nosso passado humanista.”

101

autores dos projetos esparsos citados no acervo de pesquisas brasileiras

desta tese, ocupavam o cargo de juiz, usufruindo de todo o prestígio que

tal posição abarca.

Inclusive, sobre o assunto, Hursh (2013, p. 13) escreve:

Twenty-five years passed between Cardozo’s law

and literature article and Silving’s article

comparing legal interpretation to scientific and

artistic interpretation. Northrop’s article marks an

additional twelve years. The difference between

Cardozo’s article and the article that Northrop

published thirty-seven years later is immense.

Foremost, Northrop’s article is simply much

richer. In addition, his use of varied intellectual

sources and academic disciplines is considerably

more sophisticated than Cardozo’s article.

Moreover, Silving’s and Northrop’s articles

demonstrate a move toward nuanced literary and

philosophical analysis. In addition, these articles

stand in such contrast to Browne’s work as almost

to be unrecognizable within the same field of

inquiry88. (Grifou-se).

Assim, na opinião de Hursh, o artigo de Northrop é

qualitativamente superior ao de Cardozo, que, ainda assim, é mais

conhecido – por uma série de fatores, como sua própria fama na qualidade

de membro da Suprema Corte norte-americana. Porém, como já alertado,

tais elementos demandariam uma análise mais apurada, o que escapa aos

limites desta tese.

Outro ponto interessante a ser inferido a partir da leitura desses

autores diz respeito à ausência de linearidade e homogeneidade quanto as

88 “Vinte e cinco anos se passaram entre o artigo de Cardozo sobre direito e

literatura e o artigo de Silving comparando a interpretação legal à

interpretação científica e artística. O artigo de Northrop marca mais doze

anos. A diferença de trinta e sete anos entre o artigo de Cardozo e o artigo de

Northrop é imensa. Acima de tudo, o artigo de Northrop é simplesmente

muito mais rico. Seu uso de variadas fontes intelectuais e disciplinas

acadêmicas é consideravelmente mais sofisticado do que o de Cardozo. Além

disso, os artigos de Silving e Northrop demonstram um movimento em

direção à análise literária e filosófica diferenciada. Esses artigos contrastam

com o trabalho de Browne, de forma que nem aparentam ser do mesmo

campo de pesquisa.”

102

produções sobre direito e literatura. Autores diferentes se dispuseram a

tecer considerações sobre o assunto a partir de perspectivas diversas –

motivo pelo qual defendo que a heterogeneidade é uma característica

marcante do law and literature estadunidense, e que se repete no Brasil.

Sobre este assunto, James Boyd White (2010, p.1) escreve:

This means, among other things, that we cannot

talk meaningfully about the promise or the limits of

something called ‘law and literature’, as if it were

a program based upon a set of shared assumptions

that necessarily shaped its productions. The kind of

criticism called for here is not in that sense

theoretical, not a global affirmation or rejection,

but, like the work in question itself, particular in

nature89.

O que importa destacar no momento é que apesar do tema jamais

ter desaparecido por completo da academia estadunidense, tornou-se

corriqueiro afirmar que o direito e a literatura, como um casal em crise,

se separaram para depois reatar, ainda mais apaixonados, no fim do século

XX, com o chamado law and literature movement. Tal pensamento não

corresponde aos indícios históricos apresentados, já que é possível

encontrar trabalhos sobre o tema antes da institucionalização em torno de

um movimento.

Se nos Estados Unidos foi possível encontrar projetos esparsos de

estudos de direito e literatura, no Brasil não seria diferente. Demonstro

agora como este projeto pré-institucional se desenvolveu no cenário

nacional, já que antes do marco inicial do law and literature movement, em 1973, juristas brasileiros já haviam se dedicado a escrever sobre o

tema.

89 “Isso significa, entre outras coisas, que não podemos falar de forma

significativa sobre a promessa ou os limites de algo chamado "direito e

literatura", como se fosse um programa baseado em um conjunto de

suposições compartilhadas que necessariamente moldaram suas produções.

O tipo de crítica aqui exigida não é nesse sentido teórico, nem uma afirmação

ou rejeição global, mas, como este próprio artigo que escrevo, particular.”

103

2.2 DIREITO, LITERATURA E OS PROJETOS ESPARSOS NO

BRASIL

Conforme a pesquisa de Ferguson (1984), a literatura foi utilizada

nos primórdios da independência estadunidense para construir o ideal de

nação. No Brasil, algo similar aconteceu. Não é incomum encontrar

pesquisas que tratem da influência da literatura, notadamente da primeira

geração do romantismo, na formação da identidade nacional90.

O linguista José Luiz Fiorin (2009, p. 118-119), por exemplo,

escreve:

No trabalho de constituição da nacionalidade, a

literatura teve um papel fundamental. Os autores

românticos, com especial destaque para Alencar,

estiveram na linha de frente da construção da

identidade nacional. Entre todos os livros de

Alencar, o mais importante para determinar esse

patrimônio identitário é, sem dúvida, O guarani.

Nele determina-se a paisagem típica do Brasil (o

espaço da eterna primavera, onde não ocorrem

cataclismos naturais, como furacões, tornados,

terremotos etc.), a singularidade de sua língua, mas

principalmente o casal ancestral dos brasileiros.

Além disso, começa-se a elaborar um modelo

explicativo da singularidade da cultura brasileira,

90 Sobre literatura e nacionalidade no Brasil, merece destaque os nomes de

Anchieta e Basílio da Gama, que inicialmente escreveram sobre a figura do

índio a ser explorada posteriormente por José de Alencar. Como salienta

Roncari (1995) no intuito de refundar um imaginário cultural sobre a nação

brasileira, Alencar buscará no índio inspirações para seus propósitos,

presentes em O Guarani e Iracema. A partir da linguagem, Alencar busca

romper com o português europeu por meio da grafia das palavras, colocação

dos pronomes e da valorização do vocabulário de origem africana e Tupi. Sua

intenção está presente em uma de suas célebres frases: “O povo que chupa o

caju, a manga, o cambucá e a jabuticaba, pode falar uma língua com igual

pronúncia e o mesmo espírito do povo que sorve o figo, a pera, o damasco e

a nêspera?” (ALENCAR, 1959, p. 702). Para mais informações sobre os usos

literários do índio na construção de uma identidade nacional brasileira, checar

WASSERMAN, Renata R. Mautner. Exotic Nations: Literature and cultural

identity in the United States and Brazil, 1830-1930. New York: Cornell

University Press, 1994.

104

pois é essa especificidade que constituiria o Brasil

como uma nação. Observe-se que se trata de uma

autodescrição da cultura, que é, evidentemente,

parcial. No entanto, ela é vista como uma

explicação totalizante e real da cultura.

Buscando mapear as teses e dissertações produzidas a respeito

deste mesmo assunto, Cecília Marques e Eliane Domingues (2014)

encontram um total de 119 pesquisas que tratam do assunto, em áreas

diversas. O que chama atenção para a presente tese é que nenhum destes

trabalhos foi produzido em programas de Pós-Graduação em Direito.

Em minhas fontes, encontrei apenas um artigo que busca

“investigar de que modo a arte e, mais especificamente, a literatura foi

utilizada na construção do ideário político do Brasil do século XIX.”

(CAMPOS, 2015, p. 271). A autora Juliana Campos (2015, p. 275) porém,

não investiga a atuação dos escritores com formação em direito neste

período histórico (independência), mas busca demonstrar

a construção do Direito como produto histórico,

que se ressignifica pela aplicação através de uma

hermenêutica permeada pela temporalidade. O

intérprete/aplicador é igualmente um ser marcado

por seu horizonte de compreensão, forjado

simbolicamente na cultura, de modo que o Direito

herdado é um Direito construído e reconstruído a

partir de diversos planos discursivos, entre os quais

se sobressai o discurso literário. O que o intérprete

projeta – como sentido pressuposto – ao interpretar

o Direito é, na verdade, um universo de referências,

significados e bens culturais partilhados por meio

da arte, da oralidade, do ambiente familiar, da

mídia, do mundo vivido. O sentido de Brasil é,

desse modo, um constructo, assim como o sentido

de direito brasileiro, de república e de constituição.

Assim, é correto afirmar que, se nos Estados Unidos é possível

encontrar investigações de operadores do direito sobre o papel de juristas

escritores na formação da identidade nacional, o mesmo não ocorre no

Brasil.

Isto não significa, porém, que o Brasil esteve desprovido de

produções relativas a direito e literatura antes dos anos 1990. Em artigo

publicado no ano de 2017, André Karam Trindade e Luísa Bernsts tentam

realizar um estudo a respeito da história do movimento direito e literatura

105

no Brasil, indicando autores que não apareceram, por exemplo, no recorte

delimitado para esta tese.

Trindade e Bernsts (2017, p. 229) iniciam sua pesquisa com tópico

intitulado Primeira fase: os precursores do direito e literatura no Brasil,

o que já desperta críticas: a expressão primeira fase transmite a ideia de

uma linearidade cronológica evolutiva, o que não é o caso. Conforme

demonstrarei ao longo da tese, as perspectivas adotadas por autores deste

período permanecem presentes nas pesquisas brasileiras mais recentes,

especialmente na figura de Warat, de forma que não há uma sucessão

temporal, mas sim uma coexistência. Por isso, como já explicado, prefiro

denominar tais autores como criadores de projetos esparsos sobre direito

e literatura no Brasil.

Cronologicamente, Trindade e Bernsts (2017) apontam José

Gabriel Lemos Britto como um dos primeiros juristas91 a escrever sobre

direito e literatura.

Infelizmente são poucas as informações biográficas de Lemos

Britto. Campos (2003, s.p.), o apresenta como “ex-professor da Faculdade

de Direito da Bahia”; Cunha (2002, p. 40) como “membro do Conselho

Penitenciário do Distrito Federal, da Sociedade Brasileira de

Criminologia, do Instituto da Ordem dos Advogados e da Comissão

Legislativa”; e Cury e Nogueira (2001, p.110), como um “especialista em

Direito Penal”.

Dentre suas obras, é possível encontrar títulos voltados à história,

economia e psicologia92, sendo que para a presente tese nos interessa

especificamente o livro O crime e os criminosos na literatura brasileira,

publicado em 1946 pela editora José Olympio. Nela, Lemes Britto (1946,

p. 7) procura

Fazer uma investigação despretensiosa e singela

em torno do crime e dos criminosos através do

91 Trindade e Bernsts (2017, p. 229) escrevem que antes dele “o casal Clóvis

Beviláqua (1859-1944) e Amélia de Freitas Beviláqua (1863-1946), publicou

a obra Literatura e Direito (Beviláqua, 1907), reunindo textos de ambos – ele

jurista, ela escritora –, porém publicados em duas partes, uma dedicada ao

Direito e outra à Literatura, de maneira que não pode ser considerado,

propriamente, um trabalho de Direito e Literatura”. Infelizmente não logrei

êxito em encontrar a obra dos Beviláqua, mas deixo aqui a merecida menção. 92 Uma lista pode ser encontrada no link:

<http://www.worldcat.org/identities/lccn-n82031888/>. Acesso em 15 out.

2018.

106

romance, da novela, do conto, da poesia, da própria

história brasileira, sem distinguir autores clássicos

de modernos, consagrados de obscuros, cultos e

célebres de modestos e tímidos estreantes.

O autor enfatiza em diversos momentos que não intencionou

escrever uma obra de arte ou uma crítica literária e nem buscou imitar os

trabalhos antecedentes dos criminologistas Enrico Ferri e Giovanni

Lombardi sobre arte e criminalidade, embora seja possível afirmar que

estes lhes serviram de inspiração. Valendo-se exclusivamente de obras e

escritores brasileiros, Lemos Britto (1946, p.8) buscou

reunir o maior material possível para facilitar a

outros, que virão depois, e ampliarão, e

aperfeiçoarão este modesto ensaio, a obra de

fixação dos tipos e das formas criminais em todo o

país; [...] gizar as atividades anti-sociais de

determinados indivíduos atuando cada qual em seu

meio, e em correspondência com os ideais e os

costumes de seu tempo; [...] tomar indistintamente

os autores brasileiros em sua tarefa pertinaz e

constante de reter hábitos, costumes, tendências

criminais, dos tempos da colônia aos nossos dias,

do Amazonas ao Rio Grande do Sul, da Bahia a

Mato Grosso, do Nordeste a Minas Gerais.

Desta forma, o livro assenta-se na ideia de que a literatura pode

contribuir para os estudos do crime e do criminoso, posto que importa

elementos do real para sua narrativa. Segundo o próprio autor, os

escritores de literatura não buscam o delinquente nos Códigos Penais;

Eles surpreendem os fatos onde quer que se

produzam e os agentes dentro da esfera natural de

suas ações, no meio onde se movem e porfiam,

obedientes às forças misteriosas e ocultas que

trabalham em seu organismo, através das

endócrinas e da herança, ou às energias sociais, de

vez que o homem é por igual uma resultante de

fatores sociais, instrução, educação, miséria, luxo,

paixões mundanas, vícios, abandono material e

moral da infância, e tantos outros que o enquadram

na vida. (LEMOS BRITTO, 1946, p. 7-8).

107

Assim, importantes questões criminológicas poderiam ser

apreendidas a partir de obras literárias, “embora aqui e ali seja visível a

contribuição do imaginário, o concurso da ficção” (LEMOS BRITTO,

1946, p. 12).

O interesse do autor pela literatura como fonte de estudo e

informações para a área da criminologia é corroborada ao expressar o

desejo de publicar uma obra similar para tratar do suicídio, que teria como

título “O suicídio na literatura brasileira” (LEMOS BRITTO, 1946, p.

13), embora não tenha sido possível encontrar informações sobre a real

publicação deste livro.

Alguns anos mais tarde, o jurista baiano Aloysio de Carvalho Filho

também deixará registro de ensaios que tocam o direito e a literatura.

Conforme Prado (2008), Aloysio graduou-se em direito pela Faculdade

de Direito da Bahia, onde atuou como professor de Direito Penal e chegou

a exercer o cargo de diretor. Também teve atuação política como

deputado e senador, participando das assembleias constituintes relativas

às Constituições de 1934 e 1946.

Sua primeira obra relativa ao tema direito e literatura intitula-se O Processo Penal de Capitu, publicada em 1958. Trata-se, na verdade, da

transcrição de uma conferência realizada na Academia de Letras da

Bahia, no mesmo ano de sua publicação. Contando com o total de 27

páginas, o trabalho analisa a situação de Capitu, acusada pelo crime de

adultério, apresentando as críticas literárias realizadas até então sobre o

tema, bem como buscando elementos no próprio romance que

evidenciariam ou afastariam a ocorrência do delito.

É possível afirmar que o direito não ocupa lugar central no

trabalho. Quando aparece, é como instrumento analítico das situações

narradas por Machado de Assis, como na seguinte citação:

Os que isentassem de culpa a mulher de Bentinho,

por negação do fato, certo arguiriam, com muita

ênfase, que nenhuma presunção, por mais

veemente, dará lugar a imposição de pena, salutar

preceito de justiça punitiva, que mereceu, até

consagração textual num dos códigos pátrios. Os

que, por seu turno, a condenassem, não

conseguiriam coligir, para tal veredicto, mais do

que circunstâncias e indícios, embora poderosos. E

se a simples presunção não vale, os indícios

contam, para o reconhecimento da criminalidade

de um ato. [Grifou-se] (CARVALHO FILHO,

1959, p. 5)

108

Para Prado (2008), Aloysio de Carvalho Filho defendia que

Machado de Assis era um escritor influenciado pelas ideias de Cesare

Lombroso, atribuindo a delinquência de seus personagens a fatores

biológicos. Assim, em determinadas passagens da publicação, Aloysio

referencia críticos que sustentariam esta ideia:

Segundo [Aloysio], muitos respeitados intérpretes

da obra machadiana dão a traição como certa,

embora discordem bastante quanto à motivação da

moça dos olhos de ressaca, uns a atribuindo à sua

dissimulação, que seria uma predisposição

irresistível à infidelidade conjugal, mais uma vez

confirmando a tese de Carvalho Filho, segundo a

qual Machado de Assis seria um lombrosiano

[Grifou-se] (PRADO, 2008, p. 1007).

Estes elementos, porém, nos auxiliam a perceber que este trabalho

se aproxima muito mais de uma proposta de crítica literária empreendida

por um jurista do que uma tentativa efetiva de unir as áreas do direito e

da literatura.

Em 1959, Aloysio irá publicar a coletânea Machado de Assis e o Problema Penal, composta de cinco ensaios, alguns precedentes,

inclusive, ao Processo Penal de Capitu.

Os dois primeiros ensaios, Machado de Assis e o Problema Penal e Crimes e Criminosos na obra de Machado de Assis, foram escritos em

1939, ano do centenário de Machado e tratam, principalmente, das

circunstâncias favoráveis para que determinados personagens

cometessem delitos (CARVALHO FILHO, 1959).

Conforme Carvalho Filho (1959, p. 7), seu objetivo principal é

responder a seguinte questão:

Qual teria sido [a posição de Machado de Assis] em

face do problema penal?

Uma interrogação dessa natureza, feita pelo grande

Ruiz Funes à obra de Anatole France, foi ensejo

para um livro original e sugestivo, em que são

surpreendentes as revelações do pensamento do

romancista sobre a questão da pena e do crime.

109

Percebe-se, portanto, que a influência de Carvalho Filho adveio da

obra do penalista espanhol Ruiz Funes, que em 1926 publicara trabalho

parecido sobre a obra do romancista Anatole France.

O terceiro ensaio, intitulado Augusto Meyer e Capitu, é um

comentário de Carvalho Filho (1959) sobre as críticas de Meyer à obra de

Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, com foco na

personagem Capitu. Assim como em O Processo Penal de Capitu, o

direito não está presente aqui.

No quarto ensaio, Ideias penais de Machado de Assis, Carvalho

Filho (1959) defende a tese de que todos os indivíduos são criminosos em

potencial, pois estão sujeitos à virtude e à delinquência, de forma igual.

Neste sentido, o autor acredita que as obras machadianas são bons

exemplos da teoria do crime, já que o mero pensamento delitivo não

desperta a ação do direito penal, que só passa a funcionar com a ação.

O livro é finalizado com um ensaio sobre Dostoievski, Aspectos penais na obra de Dostoievski. Para Carvalho Filho (1959), o autor russo

teria tratado de forma magnânima sobre a questão penitenciária em

Recordações da Casa dos Mortos, demonstrando que um mesmo crime

pode ter respostas penais diversas.

Assim, no livro Machado de Assis e o Problema Penal, é possível

encontrar tentativas de unir estudos de criminologia, direito penal e

literatura, o que torna Aloysio de Carvalho Filho um dos primeiros

autores brasileiros, ao lado de Lemos Britto (1946, p.3), a pensar uma

abordagem entre as duas áreas:

[...] A uma obra literária não se há de pedir,

evidentemente, uma sistematização jurídica ou

criminológica. Não é menos certo, porém, que,

lidando com a psicologia criminal, ‘a literatura tem

alcançado, em incontáveis ocasiões, tal mestria, e,

mesmo, superioridade sobre as ciências empíricas,

que os próprios homens da ciência – médicos e

juristas – são os primeiros a proclamá-lo’.

Baseado em tal ideia, Carvalho Filho (1959, p. 67) procurou

demonstrar como Machado de Assis foi influenciado pelos estudos de

criminologia e direito penal, tendo “lido ou percebido das frescas opiniões o essencial para que repercutissem elas, em mais de um passo, na sua obra

literária”.

110

Figura 6: Aloysio de Carvalho Filho.

Fonte: <https://bit.ly/2EJyqot>. Acesso em 24 out. 2018.

Mas de todos os autores destes projetos esparsos mencionados por

Trindade e Bernsts (2017), Luis Alberto Warat é, sem dúvidas, o mais

conhecido. O professor argentino, que por motivos pessoais e políticos

fixou residência no Brasil (ROCHA, 2012), exerceu grande influência

sobre o pensamento crítico jurídico, utilizando-se de ferramentas diversas

como a semiótica, a literatura, a psicanálise e o cinema, dentre outros,

para tecer suas considerações sobre o ensino jurídico.

Pepe (2016) chega a reconhecer Warat como um dos fundadores

do direito e literatura no Brasil, o que entendo ser correto. Após a década

de 1990, a produção nacional pode ser compreendida como um fenômeno

de tradução cultural do movimento estadunidense e embora os escritos

nacionais, a partir de 1998, se referiram majoritariamente aos norte-

americanos e não aos autores que publicaram no Brasil para justificar suas

investigações interdisciplinares, Warat é um autor que não deixará de ser

citado.

Conforme Rocha (2012), Warat terminou seu doutorado entre

1969 e 1972, na Faculdade de Direito de Buenos Aires. Este período

coincide com o chamado Maio de 68, na França, que, dentre outras

propostas, vislumbrava

os estudantes como foco principal da sociedade, e

a importância do prazer, do desejo e da criatividade

na educação. Ou seja, Warat é alguém que, na

América Latina, percebeu imediatamente esse

movimento, que chegaria ao Brasil, como se sabe,

muito tempo depois. (ROCHA, 2012, p. 3).

111

Esta preocupação para com um ensino jurídico interessante,

criativo, e que despertasse o potencial crítico nos alunos, acabará se

tornando uma das grandes marcas na obra de Warat.

Segundo Rocha (2012), é no final dos anos 70 que Warat se tornará

professor de Filosofia do Direito no Programa de Pós-Graduação em

Direito da UFSC, o que irá contribuir para uma maior disseminação de

suas ideias:

Warat começou a publicar vários livros criticando

o Direito, e o que muitos falam hoje como uma

nova Hermenêutica Jurídica, ele já pensava desde

aquela época. Nesse sentido, se poderia citar os

livros “Mitos e Teorias da Interpretação da lei” ou

mesmo “Direito e sua linguagem”. Muitos estão

hoje descobrindo o que Warat, de certa forma, já

havia mencionado naquela época, às vezes

inclusive sem citá-lo. Por isso, deve ficar claro que

desde o final dos anos 70, início dos anos 80, já

havia em Warat uma forte análise crítica à

interpretação formalista da lei. Existe, assim, um

momento extremamente criativo em Florianópolis,

no qual Warat começa a liderar a crítica, tendo

influências teóricas surpreendentes para quem é da

área do Direito. Por exemplo, surge a noção de

carnavalização, o Manifesto do Surrealismo

Jurídico, a Cinesofia, e a ideia de uma Pedagogia

da Sedução. (ROCHA, 2012, p. 8).

A obra de Warat é vasta e abrangente93 e analisá-la foge aos

objetivos da presente tese. Importa, no momento, apresentar suas

propostas relacionadas à arte em geral e à literatura em especial, no intuito

de demonstrar como aqui no Brasil o professor argentino já ensaiava

aproximações entre direito e literatura sem qualquer tipo de menção ao

law and literature que, simultaneamente, era iniciado nos Estados

Unidos. Para tanto, irei me ater a seus seguintes escritos: 1) A Ciência Jurídica e Seus Dois Maridos; e 2) O Manifesto do Surrealismo Jurídico.

Publicado em 1985, A Ciência Jurídica e seus Dois Maridos é um ensaio de digressões diversas:

93 Uma listagem da obra completa de Warat pode ser consultada em seu

Currículo Lattes. Disponível em:

<http://lattes.cnpq.br/7753450996263035>. Acesso em 04 jan. 2019.

112

O livro, na realidade, constitui um conjunto de

variações obcecadas sobre uns poucos temas.

Notas obsessivas em torno dos desejos, angústias,

irritações e sonhos que levo comigo desde a

primeira vez que fiquei diante de uma turma,

fazendo de conta que lhe ensinava alguma coisa.

Não sei que valor em estética, em pedagogia ou em

semiologia poderá alcançar este rabisco, mas sei,

isto sim, que tem o valor de um documento

confiável de meu passado, recuperado no presente

para dar-me conta dos destinos de meus desejos

(WARAT, 1985, p.15).

Valendo-se da obra de Jorge Amado, Dona Flor e seus dois maridos, Warat (1985) inspira-se na personagem de Dona Flor para tecer

considerações sobre a importância das ambiguidades e contradições em

se conviver com um Teodoro, um esposo convencional e correto, e um

Vadinho, o espírito de um ex-marido malandro.

Nas palavras do próprio Warat (1985, p. 20):

Com Vadinho tudo pode ser misturado, ambíguo,

ele e a rua, a irresponsabilidade, o provedor de

desejos e fantasias, a malandragem, o jogo e as

incertezas. Através de Vadinho, Dona Flor (cheia

de trabalho e lealdades – símbolo da casa e

provedora de recursos materiais) podia ler a vida

por meio do movimento, do desejo, da

imprevisibilidade e da ambiguidade. Alegremente

irresponsável, produtor de festas ardentes, Vadinho

mostra o sentido erótico da vida, transformando-a

em algo lúdico. [...] No caso de Teodoro, a vida

perde seu movimento, torna-se univocidade de atos

e de desejos, repetindo-se nos dias e nas palavras.

Flor e Teodoro são parceiros separados pelas

atividades regulares. Respeitam-se tanto que não se

relacionam.

Neste sentido, o próprio Direito poderia encontrar inspiração

nestes três personagens literários e abrir-se para as realidades marginais

instituídas fora da norma:

113

O imaginário jurídico deve resistir à proliferação

das proibições e às obrigações culposas as quais,

como uma invasão cancerosa, contaminam, com

um excesso de dever, o emaranhado social. Um

pouco como Dona Flor, ele poderia descambar em

um Vadinho para compensar-se da sobrecarga de

deveres que lhe impõe um Teodoro. (WARAT,

1985, p. 27).

A arte em geral e a literatura, em particular, aparecem como um

pano de fundo para se pensar as dicotomias entre o dever e o prazer –

pensamentos desenvolvidos a partir da filosofia e da psicanálise.

Em seu Manifesto do Surrealismo Jurídico, Warat (1988) fará

atividade similar, ao propor a incorporação da poesia surrealista ao ensino

do Direito, no intuito de questionar certezas e duvidar da racionalidade

posta. Assim como em A Ciência Jurídica, a arte aparece como um ponto

de partida para que Warat (1988, p. 89) desenvolva sua crítica ao ensino

do Direito:

Não é possível refletir em torno da generalizada

insatisfação que provoca a atual estrutura do ensino

jurídico sem nos ocuparmos dos modos em que o

poder se funde com o desejo. Nesse sentido, é

preciso começar interrogando-nos pelas razões que

nos levam a ignorar o desejo como elemento-chave

do ato de aprender. Ocultando os efeitos do desejo

sobre o saber, obtemos um conhecimento

desmotivado e inócuo, que não serve para

mobilizar o homem na procura de um agir

transformador (emancipatório) da sociedade [..].

Com o auxílio de algumas noções psicanalíticas,

quero sugerir a possibilidade de reformular a

versão cartesiana dos processos educacionais,

reivindicando a necessidade de pôr o desejo em

causa, libertando o sujeito que se confrontaria,

assim, com a ilusão de suas verdades.

É perceptível, portanto, que a grande preocupação de Warat (1988)

é a maneira como o Direito tem sido ensinada, o que faz com que o autor

busque em uma visão psicanalítica da arte, alternativas possíveis.

114

Figura 7: Luís Alberto Warat

Fonte: <https://bit.ly/2EHmdAt>. Acesso em 24 out. 2018.

Ainda sobre os precursores de projetos esparsos sobre direito e

literatura, cabe mencionar o livro O direito em Vidas Secas, publicado em

1992 pelo “paraibano Eitel Santiago de Brito Pereira, atualmente

subprocurador-geral da República” (TRINDADE, BERNSTS; 2017, p.

233).

Embora Pereira (1992) elucide que sua obra publicada em

comemoração ao centenário do nascimento de Graciliano Ramos é

despida de pretensões científicas, sua introdução apresenta promissoras

perspectivas do uso que o direito pode fazer da literatura:

O exame dos comportamentos conflitantes com as

regras estabelecidas pelo Estado ganha importância

porque exibe ao seu estudioso onde está o Direito,

se no sistema de normas ou na realidade social.

Proporciona, outrossim, coincidindo o Direito com

o ordenamento positivo, a análise das causas que

obstaculam a eficácia das leis e a efetivação dos

valores nelas contidos. Serve, finalmente, para

salientar o equívoco das conceituações unilaterais

daquelas correntes do pensamento.

Tal pesquisa, tão rica de conteúdo, pode ser feita

pela observação direta dos fatos e das estruturas

sociais. Nada obsta, contudo, que seja feita em

cima das obras de grandes escritores, inclusive no

campo da ficção. [Grifou-se] (PEREIRA, 1992, p.

9).

115

Partindo então do sociólogo Ely Chinoy, Pereira (1992, p. 9)

salienta que seu objetivo é

registrar a ineficácia, nos sertões do Nordeste, dos

direitos sociais consagrados nas Constituições do

Brasil, desde a de 1934. E demonstrar que a ordem

do Direito, nessa hipótese, é a das leis positivas,

sendo necessária uma atuação corajosa das

autoridades constituídas, para que a finalidade de

suas proposições não continue sendo sacrificada.

Figura 8: Eitel Santiago de Brito Pereira

Fonte: < https://bit.ly/2EI19d4 >. Acesso em 24 out. 2018.

Como nos demais autores brasileiros mencionados, não há

nenhuma referência ao law and literature movement, já iniciado quando

da publicação do livro; entretanto, assim como Warat, Carvalho Filho e

Lemos Britto, Pereira parece ter consciência da valorização da literatura

em outras áreas do saber (sociologia) e, baseado nessa concepção,

desenvolve seu livro homenagem.

Apresentados os precursores brasileiros de projetos esparsos sobre

direito e literatura, o que pode ser inferido sobre suas produções?

2.3 PROJETOS ESPARSOS E A NECESSÁRIA OCUPAÇÃO DE

UM VAZIO

A demonstração de que antes de 1973, tanto nos Estados Unidos

quanto no Brasil, já se escrevia, de alguma forma, sobre Direito e

Literatura, é, também, a tentativa de preencher a narrativa de um espaço

116

vazio, segundo a qual magicamente se começa a escrever sobre o tema

em algum ponto determinado da história.

Por motivos que fogem aos objetivos desta tese, é comum que os

autores aqui evocados sejam raramente lembrados, o que gera como

consequência a crença de que apenas em 1973, nos Estados Unidos, se

começou a escrever sobre direito e literatura.

No que se refere ao cenário nacional, embora o Brasil tenha tido

seus próprios pioneiros, ainda que dispersos de um grupo institucional, o

tema direito e literatura só irá ganhar repercussão a partir de 1998 com a

publicação de Eliane Botelho Junqueira Literatura & Direito: uma outra leitura do mundo das leis. Nilo Batista, autor do prefácio da obra, já

adverte:

Têm passado quase imperceptível para os juristas

brasileiros alguns trabalhos que, nos últimos anos,

recorreram à literatura como fonte de informação e

debate, como por exemplo, a pesquisa de Márcia

Cavendish Wanderley, na qual a inferioridade

jurídica da mulher do século XIX se extrai, entre

outros, a Machado de Assis e José de Alencar (A

Voz Embargada, S. Paulo, 1996, ed. Edusp), ou a

coletânea de Flávio Moreira da Costa (Crime à

Brasileira, Rio, 1995, ed. F. Alves). É possível que

tal indiferença deva agora romper-se, porque o

excelente estudo de Eliane Botelho Junqueira põe

os próprios juristas brasileiros no proscênio,

através dos múltiplos e extraordinariamente

coerentes retratos dos advogados na obra de alguns

autores de nossa literatura. (BATISTA, 1998, p. 9).

De fato, a previsão mostrou-se correta pois o livro é o primeiro a

mencionar o law and literature estadunidense em terras brasileiras, o que

alguns anos depois irá chamar a atenção de outros autores.

O grande diferencial da obra de Junqueira (1998), portanto, é

apresentar o movimento que se iniciara nos EUA vinte e cinco anos antes

da publicação de seu livro. Na apresentação do escrito, a autora diz:

Talvez inspirada nos ciclos sobre Direito e Teatro

e Direito e Cinema organizados por Nilo Batista na

Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos

Advogados do Rio de Janeiro em 1986, senti, pela

primeira vez, vontade de estudar a imagem do

direito e de seus profissionais na literatura

117

brasileira. Durante vários anos o projeto ficou

arquivado em algum canto do meu desejo, até que

a oportunidade de realizar esta análise finalmente

surgiu com a tranquilidade de Madison (Estados

Unidos), no intervalo do desenvolvimento de

outros trabalhos “mais sérios” [sic] sobre serviços

legais, Poder Judiciário, ensino jurídico e critical

legal studies, tópicos do projeto de pós-

doutoramento financiado pelo CNPq.

(JUNQUEIRA, 1998, p. 17) [Grifou-se].

Importa destacar aqui a forma como Junqueira (1998) se refere aos

trabalhos de direito e literatura, escritos no intervalo de outros trabalhos mais sérios. A impressão que se tem, é que embora admire a literatura e

veja algum potencial na junção entre as duas áreas, Junqueira (1998) tem

ciência de que esta abordagem não é levada a sério pela academia

jurídica. Dez anos depois, Clarice Söhngen (2008, p. 13) corrobora esta

percepção:

Assumindo a voz da coordenação do grupo, cabe

aqui inscrever e contra-argumentar sobre o

estranhamento provocado pelas aproximações que

procuramos realizar entre o Direito e a Literatura,

pois os discursos acerca dessa interface aparecem

ainda muito vinculados à exclusiva ideia de

entretenimento ou a uma espécie de fuga dos temas

realmente sérios, seguros e válidos;

principalmente, em um território que se diz o

Direito, findo, acabado e resolvido na completude

de seu ordenamento (SÖHNGEN, 2008, p. 13).

[Grifou-se]

Parece, assim, que houve (ou ainda haveria?) alguma resistência

para se estudar direito e literatura nas faculdades de Direito. Investigar tal

ponto, entretanto, ultrapassa os objetivos estabelecidos para esta tese.

Em outro trecho, Junqueira (1998, p.22-23) escreve:

No artigo “Law and Literature: No manifest”

(1988), James Boyd White, ao indagar sobre a

importância desta área de estudo, reconhece que

não é fácil perceber o que a literatura, enquanto

arte, tem a oferecer ao direito. Ao contrário do que

normalmente se espera, a literatura não pode

118

oferecer métodos e técnicas (motivo pelo qual o

movimento não tem um manifesto que procure

consolidar e legitimar um determinado método de

análise), mas uma nova forma de leitura que não se

resume a questões de estilo, mas que se refere

também – e principalmente – a questões de

conteúdo, de substância. [Grifou-se]

Neste ponto, Junqueira (1998) faz menção a um texto de James

Boyd White segundo o qual a literatura não poderia oferecer um método de análise, mas uma nova forma de leitura. Voltarei a este trecho no

capítulo 3, mas é possível adiantar que ele apresenta uma confusão a

respeito do termo método em pesquisas nacionais. Tal informação pode

ter contribuído para a disseminação da ideia de que não existem métodos

para se pesquisar direito e literatura; consequentemente, não haveria razão

para buscar críticas ao movimento, que não possuiria, segundo essa visão,

um sistema metodológico constituído.

Sobre o law and literature, Junqueira (1998) faz uma apresentação

abrangente, mencionando autores como James Boyd White, Stanley Fish

e Robin West, que serão abordados nos capítulos 3 e 4 desta tese.

Ademais, a autora introduz a clássica separação de vertentes, que será

repetida em diversas pesquisas publicadas no Brasil: literature in law (a

literatura no direito ou o direito como literatura), cujo expoente remoto

teria sido Benjamin Cardozo e law in literature (o direito na literatura),

iniciado por John Wigmore.

Embora Junqueira (1998) saliente o papel remoto que Cardozo e

Wigmore irão exercer sobre tais abordagens, as publicações brasileiras

buscam nesses autores a fundamentação para seus escritos. Como será

abordado no Capítulo 3, um dos grandes expoentes do law in literature,

será James Boyd White; em relação ao literature in law, os grandes

pesquisadores serão Ronald Dworkin e Stanley Fish. Cardozo e Wigmore

escrevem muito antes do início do movimento estadunidense, mas, por

algum motivo, são frequentemente citados nas pesquisas brasileiras.

Esse fato pode ser explicado a partir da publicação, em 2008, do

artigo de Arnaldo Godoy, Direito e Literatura: os pais fundadores John

Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller. Neste texto,

Godoy (2008B) defende a ideia de que os dois são pais fundadores das

aludidas vertentes94. Assim, apresentá-los como pais fundadores em um

94 Tal afirmação é perigosa, pois como já salientado, nunca se sabe quais os

nomes foram, intencionalmente ou não, apagados pela história.

119

país no qual pouca coisa do law and literature foi traduzido, pode ter

contribuído para que no fenômeno de tradução do movimento, Wigmore

e Cardozo fossem compreendidos como importantes autores

estadunidenses.

Ao checar a quantidade de vezes em que cada autor aparecia nas

referências do acervo, um número baixo foi encontrado: das 126

pesquisas delimitadas, Wigmore aparece referenciado em apenas duas

(Tabela 2) e Cardozo também (Tabela 3); as duas pesquisas são de autoria

de Godoy, sendo a primeira sua obra sobre o law and literature movement

(2008) e a segunda, o artigo na qual apresenta tanto Wigmore quanto

Cardozo como pais fundadores do movimento (2008B).

Tabela 2 – Referências a Wigmore nas pesquisas brasileiras do acervo Pesquisa (chamada autor data)

Obras referenciadas

GODOY (2008) 1. WIGMORE, John. A list of one

hundred legal novels. 17 Illinois

Law Review, 1922, p. 26-41.

2. WIGMORE, John. Pontius Pilate

and Popular Judgements. 25

Journal of American Judicature

Society, 1941, p. 60-61.

GODOY (2008B) 1. WIGMORE, John. A list of one

hundred legal novels. 17 Illinois

Law Review, 1922, p. 26-41.

2. WIGMORE, John. Pontius Pilate

and Popular Judgements. 25

Journal of American Judicature

Society, 1941, p. 60-61.

Total de pesquisas que o

referencia

2

Total de pesquisas que

referenciam obras de Wigmore

sobre Direito e Literatura

2

Fonte: a autora (2018)

Tabela 3 – Referências a Cardozo nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa (chamada autor data)

Obras referenciadas

GODOY (2008) 1. CARDOZO, Benjamin. Law and

Literature. 48 Yale Law Journal,

p. 489-507, 1938.

2. CARDOZO, Benjamin. The

nature of judicial process. New

Heaven: Yale University Press,

1991.

GODOY (2008B) 1. CARDOZO, Benjamin. Law and

Literature. 48 Yale Law Journal,

p. 489-507, 1938.

2. CARDOZO, Benjamin. The

nature of judicial process. New

120

Heaven: Yale University Press,

1991.

Total de pesquisas que o

referencia

2

Total de pesquisas que

referenciam obras de Cardozo

sobre Direito e Literatura

2

Fonte: a autora (2018).

Entretanto, uma leitura mais atenta dos trabalhos demonstrou,

todavia, que esses dois autores são mencionados de forma constante, ou

por citação indireta ou sem referenciação, como nos seguintes exemplos:

O vínculo entre os dois campos epistêmicos foi

inicialmente formulado por James Boyd White,

para quem o advogado é um escritor. Encontramos

ainda trechos de intersecção entre Direito e

Literatura nas obras de trabalhos de John Henry

Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller.

Este último, eventualmente ligado ao realismo

jurídico norte-americano, ganhou notoriedade no

Brasil por conta da tradução que Plauto Faraco de

Azevedo fez do Caso de Exploradores de Cavernas.

(CASTRO, NEVES; 2015, P. 121)

Quanto aos “pais fundadores”, Godoy (2007)

aponta os seguintes juristas: John Henry Wigmore

(que publicou a obra A List of Legal Novels em

1908), Benjamin Nathan Cardozo (escreveu obras

acerca do direito como literatura) e Lon Fuller.

Destacam-se ainda as obras de Richard Posner e de

James Boyd White. (SOARES, OLIVEIRA

JÚNIOR; 2012, p. 12)

Assim, dentro do recorte investigado, Godoy (2008) (2008B) foi

o único pesquisador a citar Wigmore e Cardozo diretamente, o que pode

significar que os demais autores brasileiros não utilizaram as obras destes

dois norte-americanos para escrever suas pesquisas. Este é um indício que

também aparecerá quando tratarmos do projeto humanista, o que pode

significar que, quando se trata desta abordagem específica, as críticas

estadunidenses podem não ter chegado ao conhecimento dos brasileiros

porque a obra dos autores norte americanos não foi acessada diretamente

para a confecção das pesquisas analisadas, sendo referenciadas

indiretamente. O mesmo não ocorre em pesquisas nacionais sobre o

projeto hermenêutico, conforme abordarei no capítulo 4, já que Ronald

121

Dworkin, um dos autores vinculados a esta abordagem, foi traduzido para

o português e é frequentemente referenciado.

Interessante pontuar na última citação transcrita de Soares e

Oliveira Júnior (2012) que as obras de White e Posner são relegadas a um

segundo plano, sendo apontado apenas que elas se destacam. Como

abordarei no terceiro capítulo, White é frequentemente apontado como o

fundador do law and literature em 1973 e Posner, apesar de também

contribuir para a área, é um dos primeiros a tecer críticas sobre a

abordagem.

Na percepção de Soares e Oliveira Júnior (2012), entretanto, White

e Posner são colocados à margem da suposta importância de Cardozo e

Wigmore. Uma vez que Posner é um dos grandes críticos do direito e

literatura, a interpretação dos referidos autores (segundo a qual Posner

seria um autor de menor relevância) também ajuda a compreender porque

suas críticas quase não aparecem nas pesquisas brasileiras.

Tal fato também ajuda a corroborar a ideia de que os pesquisadores

brasileiros passaram a conhecer Wigmore e Cardozo a partir de trabalhos

que a eles faz menção, como as obras do próprio Godoy (2008) e (2008B).

Ainda assim, o direito e literatura brasileiro foi marcado pelo fenômeno

de tradução cultural do law and literature estadunidense porque as ideias

norte americanas aparecem nas pesquisas analisadas.

No que se refere aos autores brasileiros destes projetos esparsos,

Junqueira (1998), a obra mais antiga a fazer referência ao law and literature, não os cita. O cenário não se modifica nas publicações

subsequentes para Lemos Britto, Carvalho Filho ou Etel Pereira, mas

Warat aparece em 11 das 126 pesquisas analisadas, sendo que em alguns

casos mais de uma de suas obras é citada (ver Tabela 4).

Tabela 4 – Referências a Warat nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa

(chamada autor

data)

Obras referenciadas

SCHWARTZ

(2008)

3. WARAT, L. A. O direito e sua linguagem. Porto

Alegre: Safe, 1995.

ROSA (2015) 1. WARAT, L. A. Por quem cantam as sereias.

Porto Alegre: Síntese, 2000.

2. WARAT, L.A. Introdução geral ao direito: o

direito não estudado pela teoria jurídica

moderna. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1997.

SPENGLER

(2015)

1. WARAT, L. A. Epistemologia e ensino do

direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2004.

2. WARAT, L.A. A rua grita Dionísio!: direitos

humanos da alteridade, surrealismo e cartografia.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

122

ALVES,

ZAGANELLI

(2015)

1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao

Direito.II. A epistemologia Jurídica da

Modernidade. Porto Alegre: Sergio Antônio

Fabris Editor,1995

SILVA (2015) 1. WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus

dois maridos. Santa Cruz do Sul: Faculdade

Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985.

MARIN (2015) 1. WARAT, L. A. A ciência jurídica e seus dois

maridos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.

2. WARAT, L. A. Epistemologia e ensino do

direito: o sonho não acabou. Florianópolis:

Fundação Boiteux, 2004.

PEPE (2016) 1. WARAT, Luis Alberto. A ciência jurídica e seus

dois maridos. Santa Cruz do Sul: Faculdades

Integradas de Santa Cruz do Sul, 1985.

2. WARAT, Luis Alberto. Manifesto do

surrealismo jurídico. São Paulo: Acadêmica,

1988.

3. WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao

direito. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1994-1997.

4. WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o

ofício do mediador. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2004.

ESPÍNDOLA

(2016)

1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução crítica ao

direito, v. 1. Brasília: UnB, 1993.

ALVES (2016) 1. WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao

direito, II. A epistemologia jurídica da

modernidade. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1995.

SPENGLER,

SPENGLER

(2011)

1. WARAT, L.A. 2004. Epistemologia e ensino do

direito: o sonho acabou. Florianópolis, Fundação

Boiteux, 423 p.

2. WARAT, L.A. 2010. A tua grita Dionísio!

Direitos Humanos da alteridade, surrealismo e

cartografia. Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 441 p.

SPENGLER

(2011)

1. WARAT, Luiz Alberto. A tua grita Dionísio!

Alteridade, Surrealismo e cartografia. Trad.

Vivian Alves de Assis, Júlio César Marcelino e

Alexandre Morais da Rosa. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2010.

Total de

pesquisas que o

referencia

11

Fonte: a autora (2018).

É preciso pontuar que nem todas as vezes em Warat é citado sua

pesquisa é vinculada à arte ou à literatura95. Ainda assim, é perceptível a

95 Por exemplo, Espíndola (2015, p. 29) o cita em nota de rodapé para fazer

breve menção a um termo cunhado por Warat, o senso comum teórico dos

juristas: “Mitlaufer, em alemão, significa aquele que segue o comportamento

da maioria irrefletidamente; é aqui empregado no intuito de referir-se ao

senso comum teórico dos juristas, cunhado por Warat”; da mesma forma,

Spengler (2015, p. 130): “sobre os mitos construídos em torno do mundo do

direito e de seu ‘senso comum teórico’ é importante a leitura de Luis Alberto

Warat”. Schwartz (2008, p.80), também em nota de rodapé, remete o leitor à

123

influência que os estudos de Warat sobre o ensino jurídico exerceram em

alguns trabalhos:

A condição pedagógica marcada por Warat propõe

pensar a elaboração do saber e a transmissão do

conhecimento no encontro com os enlaces

culturais. Ao pensar os direitos das mulheres,

pensamos as relações humanas em seus êxitos e

fracassos, que se desenvolvem na via do imaginário

literário. (ALVES, ZAGANELLI; 2015, p. 27)

Por sua vez, em meados da década de 80, Luís

Alberto Warat (1985), ao propor uma nova forma

de descoberta do ensino jurídico, afirmava que o

espaço social onde as palavras são produzidas: [...]

é condição da instauração das relações simbólicas

de poder (SILVA; 2015, p. 90)

Neste sentido, acredito que a perspectiva de Warat, diretamente

vinculada ao ensino jurídico brasileiro, irá se mesclar às ideias norte

americanas para constituir um espaço jurídico de direito e literatura

brasileiro. Há, portanto, a construção deste espaço a partir da tradução de

ideias e sua mistura com pensamentos disseminados em âmbito nacional.

Por fim, é possível afirmar que tanto nas pesquisas estadunidenses

quanto nos trabalhos brasileiros analisados nesta tese, são raras as

referências aos autores que escreviam sobre o tema antes da

institucionalização do movimento em 1973, com exceção de Cardozo,

Wigmore e no Brasil, Warat.

Assim, não posso deixar de levantar a seguinte questão: por que

autores brasileiros como Lemos Britto, Carvalho Filho e Eitel Pereira, que

também já se aventuravam em recortes interdisciplinares, não aparecem

nas pesquisas brasileiras componentes do acervo analisado? Responder

tal questão demandaria outra tese de doutorado, mas pronunciá-la é

permitir que o pesquisador da área reflita de forma crítica sobre o acesso

ao conhecimento nacional já produzido sobre direito e literatura.

Passo, agora, para o terceiro capítulo, no intuito de apresentar o

início do law and literature movement e o fenômeno de sua tradução no

Brasil.

obra de Warat para que obtenha mais informações sobre “a análise da

semiótica na interpretação do Direito”.

124

125

3 O PROJETO HUMANISTA – OU, O DIREITO NA

LITERATURA

No capítulo anterior, foram apresentados alguns dos projetos

esparsos sobre as conexões de direito e literatura, empreendidos muito

antes da institucionalização do law and literature movement em 1973. Foi

demonstrado, assim, que tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil

existiram tentativas de trabalhar as duas áreas em conjunto, a partir de

diferentes perspectivas.

Nas pesquisas brasileiras componentes do acervo, a presença dos

juízes John Wigmore e Benjamin Cardozo é notável, o que pode ser

explicado pelos textos de Godoy (2008) e (2008B), que os apresenta como

pais fundadores do movimento direito e literatura.

Outro autor estadunidense frequentemente citado nas pesquisas é

James Boyd White, que teria fundado um novo marco e iniciado, de fato,

o law and literature movement (ver Tabela 5).

Tabela 5 – Referências a White nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa

(chamada autor

data)

Obras referenciadas

GODOY (2008) 1. BOYD WHITE, James. When word loose their

meaning. Chicago: The University of Chicago

Press, 1985.

2. BOYD WHITE, James. Heracle’s Bow: essays

on the rethoric and poetics of law. Madison: The

University of Wisconsin Press, 1985.

3. BOYD WHITE, James. The Legal Imagination.

Chicago: The University of Chicago Press, 1985.

4. BOYD WHITE, James. Justice as translation.

Chicago: The University of Chicago Press.

GODOY (2008B) 1. WHITE, James Boyd. Essays on the rethoric and

poetics of law. Madison: The University of

Wisconsin Press, 1985.

SCHWARTZ

(2008)

1. BOYD WHITE, James. Law as rethoric, rethoric

as law: the arts of cultural and comunal life.

University of Chicago Law Review. Chicago,

1985, n. 52.

SILVA, RIBEIRO

(2014)

1. BOYD WHITE, J. Law as rhetoric, rethoric as

law: the arts of cultural and communal life. Law

Review, Chicago, n. 52, p. 1013-1031, 1985.

SILVA (2015) 1. BOYD WHITE, J. Law as rhetoric, rethoric as

law: the arts of cultural and communal life. Law

Review, Chicago, n. 52, p. 1013-1031, 1985.

BRANCO (2011) 1. WHITE, James Boyd. “Law and Literature:

‘No Manifesto’”.

Total de

pesquisas que o

referencia

6

Fonte: a autora (2018)

126

Importante mencionar que assim como Wigmore e Cardozo, White

nem sempre é citado de forma direta, como nos trechos a seguir: “O

vínculo entre os dois campos epistêmicos [direito e literatura] foi

inicialmente formulado por James Boyd White, para quem o advogado é

um escritor (CASTRO, NEVES; 2015, p. 121)”; e “O momento fundante

do moderno movimento “Direito e Literatura” tem sido considerado a

publicação da obra The legal imagination, the James Boyd White, de

1973. (OLIVO, MARTINEZ; 2014, p. 147)”

Outros exemplos são os seguintes fragmentos:

Para White, o direito é, em sentido pleno, uma

linguagem, pois é “um modo de ler, escrever e

falar, e de, ao fazer isto, manter uma cultura, uma

cultura de argumento, com um caráter próprio”.

(SOARES, OLIVEIRA JÚNIOR; 2012, p.3)

Entretanto, apenas em 1973, através da obra de

James Boyd White, The Legal Imagination, é que

o campo do Direito e Literatura tornou-se

autônomo. Até então, a área de conhecimento

consistia em lembretes de que o Direito era um

tema frequente na Literatura e que as opiniões

jurídicas teriam uma característica literária

(YAMAMOTO, 2015, p. 169-270).

É possível inferir, assim, que na tradução do movimento a

abordagem de White chegou ao conhecimento dos autores brasileiros, que

o citam, ainda que de forma indireta. Uma explicação para tal fato pode

ser a não publicação de trabalhos em português sobre sua obra. O que não

aparece nas pesquisas do recorte estabelecido, porém, são as críticas que

outros autores estadunidenses fizeram à perspectiva de White,

considerada por Peters (2005) como humanista.

Segundo Peters (2005, p. 444), a perspectiva humanista tinha como

característica principal “its commitment to the human as an ethical

corrective to the scientific and technocratic visions of law that had

dominated most of the twentieth century96. (PETERS, 2005, p. 444)”.

Levados pela crença de que a literatura poderia, de alguma forma, trazer a realidade para dentro do direito, autores como o próprio James Boyd

96 “Seu compromisso com o humano como um corretivo ético às visões

científicas e tecnocráticas do direito que dominaram a maior parte do século

XX”.

127

White, J. Allen Smith e Richard Weisberg vislumbravam que a

interdisciplinaridade poderia afastar o tecnicismo do direito e, ao mesmo

tempo, trazer a literatura para a prática política, denunciando verdades

sobre o poder. Tal projeto teria se iniciado nas faculdades de direito

where other professors joined White and Weisberg

in emphasizing a twentieth-century version of the

Ciceronian tradition. The Legal Imagination’s

founding premises are that legal language is a

particular version of rhetoric and that lawyers will

be better writers and more aware of the

consequences of their words when they understand

them as part of a “language in a universe of

languages.” Weisberg made his first contribution

by calling attention to and revising John H.

Wigmore’s list of legal novels that every lawyer

should read, published in 1908 and updated in

1922. Weisberg justified his effort by lamenting the

surrender of the humanistic lawyer to his

“empirically armed rival,” the social scientist, who

“successfully courts and engages the legal

profession.” The work of pioneers like White and

Weisberg found a following; law review essays

were published; and courses on law and literature

began to be offered as electives at various law

schools97. (THOMAS, 2017, p. 37).

97 “Onde outros professores se juntaram a White e Weisberg em uma versão

do século XX da tradição de Cícero. As premissas básicas de Legal

Imagination são de que a linguagem jurídica é uma versão particular da

retórica e que os advogados serão melhores escritores e mais conscientes das

conseqüências de suas palavras quando as entenderem como parte de uma

“linguagem em um universo de línguas”. Weisberg fez sua primeira

contribuição revisando a lista de romances jurídicos de John H. Wigmore que

todo advogado deveria ler, publicada em 1908 e atualizada em 1922.

Weisberg justificou seu esforço lamentando a rendição do advogado

humanista a seu "rival empiricamente armado", “o cientista social, que “com

sucesso corteja e envolve a profissão jurídica”. O trabalho de pioneiros como

White e Weisberg encontrou seguidores; ensaios foram publicados; e cursos

sobre direito e literatura começaram a ser oferecidos em várias faculdades de

direito. (THOMAS, 2017, p. 37)”.

128

Neste capítulo, procurarei compreender porque as críticas

realizadas ao projeto humanista não são debatidas (ou, não foram

traduzidas) nas pesquisas do acervo. Também apresentarei um retrato

relativo às condições que permitiram a emergência do projeto humanista

e consolidação do law and literature movement a partir de 1973,

enfatizando as discussões e perspectivas então propostas.

Buscarei compreender a não tradução das críticas a partir das

hipóteses delimitadas para a tese, quais sejam: 1) No fenômeno da

tradução cultural do movimento, os pesquisadores brasileiros abrangidos

pelo recorte proposto apresentam uma visão confusa a respeito do método

para se escrever sobre o tema; e 2) Os pesquisadores partilham de uma

visão sentimental sobre a literatura, como advertido por Weisberg (1989).

Passo, portanto, a apresentar uma fotografia do projeto humanista.

3.1 JAMES BOYD WHITE E SEU IMAGINÁRIO JURÍDICO: O

PROJETO HUMANISTA, OU O DIREITO NA LITERATURA.

A obra The Legal Imagination, de James Boyd White, publicada

pela primeira vez em 1973 nos Estados Unidos, é apontada por diversos

autores como o marco inicial do law and literature movement, apesar do

comentário do próprio White (2010, p. 2; p. 5) a respeito do assunto:

At the time The Legal Imagination was written

there was very little that connected the law with the

literary humanities in a self-conscious way. But

any claim that the law and humanities began in

1973 would obviously be ludicrous, for the

connections between law and the arts of language

go all the way back to the beginnings of law in

European history. For the Greek and Roman alike,

the lawyer was in large measure a rhetorician.

Rhetoric was the center of European education

until at least the 17th century, and long after that it

was believed that a good education in the

humanistic past was essential to excellence in law.

The institution of the university began with schools

of law, in Bologna and elsewhere——and law was

seen to be naturally connected to philosophy, to

history, to philology, to theology.

[...]

when I and others began to think of connecting the

law with the world of humanities and literature, we

were in fact not doing something new and

129

shocking, though that is how some saw it, and

perhaps how it felt to us, but something very old

fashioned indeed. We were seeking to make

conscious a tradition that went back to the

beginnings of legal thought in the west. But this

was a tradition that took itself largely for granted,

and there was very little that addressed it directly.

(Grifou-se)98.

Percebe-se, portanto, que James White não aceita o título de

fundador do movimento, sem apresentar sua própria resistência. Em seu

livro, inclusive, o autor (1973, p. xix) escreve que pretende vislumbrar o

assunto direito e literatura de uma maneira nova, e não exatamente lançar

algum pensamento inédito e inovador.

The Legal Imagination foi escrito em formato de manual, com

exercícios e atividades. Seu objetivo seria auxiliar o aluno do curso de

direito a ler e a escrever melhor, oferecendo questões reflexivas para

instigar o pensamento crítico do futuro jurista (WHITE, 2018).

A obra de White já teve, até o momento, três edições lançadas: a

edição original, de 1973, pela editora Little Brown; a versão resumida,

pela editora Chicago Press; e uma edição comemorativa, de 2018,

celebrando os 45 anos de seu lançamento, pela Wolters Kluwer.

98 “Na época em que The Legal Imagination foi escrito, haviam poucas

iniciativas de conectar o direito e as ciências humanas, como a literatura, de

uma maneira autoconsciente. Mas qualquer alegação de que essa iniciativa

começou em 1973 seria obviamente ridícula, pois as conexões entre o direito

e as artes remontam ao início do direito na história europeia. Para os gregos

e romanos, o advogado era em grande parte um retórico. A retórica era o

centro da educação europeia até pelo menos o século XVII, e muito tempo

depois acreditava-se que uma boa educação humanista era essencial para a

excelência no direito. A instituição da universidade começou com escolas de

direito, em Bolonha e em outros lugares - e o direito era visto como

naturalmente conectado à filosofia, à história, à filologia, à teologia.

[...]

quando eu e outros começamos a pensar em conectar o direito com o mundo

das humanidades e da literatura, na verdade não estávamos fazendo algo novo

e chocante, embora seja assim que alguns tenham percebido, mas algo muito

antigo. Procurávamos tornar consciente uma tradição que remontava aos

primórdios do pensamento jurídico no ocidente. Mas essa era uma tradição

que se considerava largamente garantida, e havia muito pouco que a

abordasse diretamente.”

130

Figura 9: As edições de The Legal Imagination.

Da esquerda para a direita: a primeira edição, de 1973; a edição

resumida, de 1985 e a edição comemorativa de 2018.

Fonte: < https://bit.ly/2R07u8I> <https://bit.ly/2PFRTGL> < https://bit.ly/2EoNVAb>. Acesso em 10 abril 2018.

Na primeira edição do livro, White (1973, p. xix) elenca, entre seus

propósitos, “the definition of a new subject, or at least a new way of

adressing one99“, a partir de um curso de leitura e escrita focado no “legal

imagination100“. Na concepção de White (1973, p. xx), este imaginário

jurídico pode ser acessado a partir dos mais diversos conhecimentos,

como “biology or mathematics or music101“; mas por questões específicas

de formação do próprio autor, com graduação e mestrado em Inglês, a

disciplina abarcada na obra é a literatura.

Sobre sua escolha por esta disciplina, White (1973, p. xx) afirma:

[...] my purpose is not to claim that a literary

education is the only one for a lawyer or for this

course: it is to establish a way of looking at the law

from the outside, a way of comparing it with other

forms of literary and intelectual activity, a way of

defining the legal imagination by comparing it with

others. The non-legal readings are meant to give us

99 “a definição de um novo assunto, ou pelo menos uma nova maneira de

abordá-lo” 100 “Imaginário Jurídico” 101 “Biologia, matemática ou música”

131

a common sense (if an incomplete one) of what

legal literature leaves out, of what others do that the

law does not, and to define a context out of which

judgments can begin to be drawn and against which

they can be tests. [...] The aim is not to make a

systematic comparison between law and literature,

to articulate a general theory of literary analysis or

anything like it, but to bring to life by the contrast

a set of loosely related questions about language

and imagination, to open up diverse and competing

lines of thought among which choices can be made

by the student or other reader102.

Interessante pontuar a ausência de sacralização da literatura por

White (1973, p.xx), ao entender que ela não é o único instrumento de

acesso ao imaginário jurídico, mas apenas uma das diversas

possibilidades existentes.

Outra questão que emerge desta passagem, diz respeito à

delimitação dos objetivos da obra, que não envolveriam uma comparação

sistemática de direito e literatura e nem a articulação de uma teoria de

análise literária para o direito. Suas metas são mais simples; na versão

resumida, White (1985, p. xi) afirma:

[This book] asks, and is intended to help, [the

students] to become literary and cultural critics and

to learn to apply their talents of analysis to the

discourse of the law, both as that discourse is

102 “Meu propósito não é afirmar que uma educação literária é a melhor para

um advogado: é estabelecer uma maneira de olhar o direito de fora, uma

maneira de compará-lo com outras formas de atividade literária e intelectual,

uma maneira de definir o imaginário jurídico comparando-o com outros. As

leituras não jurídicas nos fornecem um senso comum sobre o que a literatura

jurídica deixa de fora, sobre o que os outros fazem que o direito não faz, e

definem um contexto a partir do qual os julgamentos podem ser extraídos e

contra o qual eles podem ser testados. [...] O objetivo não é fazer uma

comparação sistemática entre direito e literatura, articular uma teoria geral da

análise literária ou algo parecido, mas trazer à vida, pelo contraste entre as

áreas, um conjunto de questões relacionadas à linguagem e à imaginação,

para abrir linhas de pensamento diversas e conflitantes entre as quais as

escolhas podem ser feitas pelo estudante ou outro leitor”.

132

employed by others and as they themselves put it

to work in their own writing103.

Trata-se, portanto, de uma obra introdutória, não porque é rasa ou

destituída de complexidade, mas porque procura demonstrar ao leitor

pontos de convergência entre o direito e a literatura, dando forma a um

assunto explorado até então de forma esparsa, incentivando o leitor a se

tornar um crítico cultural e literário e a usar tais capacidades para

questionar discursos internos (da própria área) e externos (dos

juridicamente leigos) a respeito do direito. Até porque, um trabalho que

visa definir novas possibilidades de estudos (WHITE, 1973, p. xix), tende

a ter um cunho introdutório em razão de seu grau de exploração e

inovação.

A edição resumida de 1985 tem, como diferencial, o público alvo.

Na edição original White, (1973, p. xxiv) expressa seu desejo de que a

obra seja lida por alunos de direito, alunos que intencionem cursar a área,

ou, alunos da literatura. Já na versão resumida, White (1985, p. xi)

escreve:

In the process of abridgement, I have removed

much of the more technical legal material, with the

aim of rendering the book more readily available

to the general reader. In its present form, I believe,

it asks nothing significant of its reader for which a

legal training is necessary.

[...]

I do hope that lawyers and law students can read

this abridged edition, as well as the original one,

with interest and profit. But the original edition

gives considerably fuller treatment to the issues

raised here, and it gives attention to others as well

– the structure of the statute, the nature of judicial

criticism, the ethics of legal argument, the way

rules construct of reality, the nature of institutions,

103 “[Este livro] pergunta, e se destina a ajudar, [os alunos] a se tornarem

críticos literários e culturais, aprendendo a aplicar seus talentos de análise ao

discurso do direito, seja quando esse discurso é aplicado por outros ou por

eles próprios”.

133

the history of equity, the law of slavery and race,

and so forth104.

Assim, a diferença entre os dois livros não reside apenas no

discrepante número de páginas (a versão original tem 1024, enquanto a

resumida, apenas 334105), mas especialmente em razão do conteúdo,

adaptado para um público juridicamente leigo.

Ponto que merece atenção é o conceito de direito apresentado por

White (1985, p. xii), que servirá de base para todo o trabalho; segundo o

autor, “the dominant view of the law in the English-speaking world today

is positivistic and rule-focused: law is seen as a system of rules emanating

from a particular soroveign to a population bound by it106“.

Essa visão positivista do direito, seria uma resposta a uma visão

anterior, segundo White (1985, p. xii)

[...] usually called the natural law tradition, in

which the conceptions of justice and law were

fused rather than separated. In this tradition law

was regarded as na object of reverence, a source of

104 “No processo de redução da obra, removi muito do material técnico, com

o objetivo de tornar o livro mais acessível para o leitor em geral. Na sua

presente forma, acredito não exigir de seu leitor, uma formação jurídica.

[...]

Espero que os advogados e os estudantes de Direito possam ler esta edição

resumida, assim como a original, com interesse e lucro. Mas a edição original

dá um tratamento mais completo às questões levantadas aqui, e dá atenção a

outros assuntos - a estrutura do estatuto, a natureza da crítica judicial, a ética

do argumento jurídico, a maneira como as normas constroem a realidade, a

natureza de instituições, a história da equidade, a lei da escravidão e da raça,

e assim por diante” . 105 Baseando-se nos dados da amazon, disponíveis em:

<https://www.amazon.com.br/Legal-Imagination-James-Boyd-

White/dp/0226894932> e <https://www.amazon.com/Legal-Imagination-

45th-Anniversary/dp/1454897120>. Acesso em 10 abril 2018. 106 “A visão dominante do direito no mundo de língua inglesa hoje é

positivista e focada em normas: o direito é visto como um sistema de regras

que emana de um poder particular para uma população limitada por ele

próprio”.

134

authority external to the will (or mere preference)

of those momentarily in political power107.

Para White (1985, p. xiii), tanto a tradição positivista quanto a

tradição naturalista “conceive law as a distinct social and cultural entity

with a structure, life, and importance of its own108“. Além disso, a própria

ideia de direito estaria sofrendo duras críticas tanto de intelectuais da

direita quanto da esquerda. De acordo com White (1985, p. xiii):

One branch of the intelectual right, for example,

wishes to reduce law to policy, and policy to cost-

benefit analysis of a kind that counts as values only

items in which a Market exists. This view regards

the Market, when functioning correctly, as the only

– or only democratic – determinant of value109.

Assim, considerando que os intelectuais de direita entenderiam o

mercado como único determinante de valor democrático, White (1985, p.

xiii) critica tal concepção por entendê-la reducionista. Como o próprio

autor (1985, p. xiii) afirma:

The premises of this view are naturally atomistic

and materialistic; and in assuming against all

experience that a dollar to a rich man is of exactly

the same value to its possessor as a dollar to a poor

man, it is deeply biased towards those who already

have wealth. The Market is a democracy only on

the principle of one dollar, one vote110.

107 “[...] geralmente chamado de tradição do direito natural, na qual as

concepções de justiça e direito foram fundidas e não separadas. Nesta

tradição, o direito era considerado um objeto de reverência, uma fonte de

autoridade externa à vontade (ou mera preferência) daqueles que

momentaneamente exerciam o poder político”. 108 “compreendem o direito como uma entidade social e cultural distinta, com

estrutura, vida e importância próprias” 109 “Um ramo da direita intelectual, por exemplo, deseja reduzir o direito à

política, e a política à análise de custo-benefício de um tipo que valoriza

apenas cenários nos quais um Mercado existe. Este ponto de vista diz respeito

ao mercado, quando funcionando corretamente, como o único - ou único

democrático - determinante de valor” 110 “As premissas dessa visão são naturalmente atomísticas e materialistas; e,

acreditando (contra toda a experiência), que um dólar para um homem rico

135

Quanto à esquerda, diz White (1985, p. xiii):

[...] the attack is much vaguer: law is reduced to the

expression. Of class interests, usually in a rather

gross and unanalyzed form; law is always

illegitimate when the class structure it reflects is

unfair, which of course it always is111.

A objeção de White (1985, p. xiii) a setores da esquerda é a de que

a solução apontada, compreender o direito como fruto da comunidade,

pode levar a extremismos autoritários e intolerantes112. Por esta razão,

White (1985, p.xiii) propõe seu próprio conceito de Direito:

I think that the law is not merely a system of rules

(of rules and principles), or reducible to policy

choices or class interests, but that it is rather what I

call a language, by which I do not mean just a set

of terms and locutions, but habits of mind and

expectations – what might also be called a culture.

It is an enormously rich and complex system of

thought and expression, of social definitions and

practices, which can be learned and mastered,

modified or preserved, by the individual mind. The

law makes a world. And the law in another sense,

as the profession we teach and learn and practice,

is a kind of cultural competence: an art of reading

the special literature of the law and an art of

speaking and writing – of making compositions of

one’s own – in this language. It is a branch of

rhetoric, na one of my aims in this book is to work

out some sense of the kind of rhetoric it is: the

vale exatamente o mesmo para um homem pobre, é benéfica para aqueles que

já têm riqueza. O mercado é uma democracia apenas no princípio de um

dólar, um voto” 111 “o ataque é muito mais vago: o direito é reduzido à expressão de interesse

de classe, de forma grosseira; o direito sempre é ilegítimo quando a estrutura

de classes que ele reflete é injusta, o que, é claro, acontece sempre.” 112 Pensemos, por exemplo, em comunidades nas quais o roubo é punido com

pena de morte e adultério feminino, com apedrejamento em praça pública.

136

structures of legal thought and expression. [Grifou-

se]113.

É possível perceber, portanto, que White (1985) entende o Direito

em si como uma linguagem. A prática desta linguagem seria uma

competência cultural, um tipo de arte especializada. O autor não nega a

influência de poderes políticos sobre o Direito, mas entende que sua força

reside especialmente em sua linguagem e retórica, capaz de estruturar

sensibilidades e visões. Por isso, é importante compreender as regras

própria desta linguagem (direito), para acessá-la e operá-la da melhor

forma possível. Tais razões explicam a produção de um manual crítico-

reflexivo de leitura e escrita, voltado para alunos do Direito e intimamente

conectado com as lições da área de Literatura.

113 “Eu acredito que o direito não é meramente um sistema de normas (de

regras e princípios), ou redutível a escolhas políticas ou interesses de classe,

mas é o que eu chamo de linguagem, pela qual não me refiro apenas a um

conjunto de termos e locuções, mas hábitos mentais e expectativas - o que

também pode ser chamado de cultura. É um sistema extremamente rico e

complexo de pensamento e expressão, de definições e práticas sociais, que

podem ser aprendidas e dominadas, modificadas ou preservadas, pela mente

individual. O direito faz um mundo. E o direito em outro sentido, como a

profissão que ensinamos e aprendemos e praticamos, é uma espécie de

competência cultural: uma arte de ler a literatura especializada do direito e

uma arte de falar e escrever - de fazer composições próprias - nessa língua. É

um ramo da retórica, e um dos meus objetivos neste livro é descobrir um

pouco do tipo de retórica que é: as estruturas do pensamento e da expressão

legais.”

137

Figura 10: James Boyd White

Fonte: <https://bit.ly/2BlKhUF>. Acesso em 11 abril 2018.

Importante destacar que a edição comemorativa de The Legal Imagination, lançada em 2018, não apresenta mudanças de conteúdo

(WHITE, 2018), a não ser a problematização da linguagem utilizada, a

partir de um viés de gênero. Segundo White (2018, p. xxiii), a única

mudança que gostaria de ter feito no corpo da obra, diz respeito ao uso de

uma linguagem totalmente masculina:

One embarrassment I have not been able to remove

is the remorseless use of the male pronoun to refer

to all human beings, and I wish I could change them

all to include women as well as men. I make no

defense of this practice, except to say that it was

standard in those days. But that could be said about

lots of bad things114.

James White, porém, não é o único a problematizar questões de

gênero a partir da linguagem no law and literature movement. Robin

West, professora expoente do movimento115, chega a traçar duas

114 “Um constrangimento que não consegui eliminar é o uso sem remorso do

pronome masculino para se referir a todos os seres humanos; gostaria de

poder mudá-los para incluir tanto mulheres quanto homens. Eu não defendo

essa prática, exceto para dizer que era normal quando a obra foi escrita. Mas

isso poderia ser dito sobre muitas coisas ruins.” 115 West não aparece referenciada em nenhuma das 126 pesquisas do acervo.

138

categorias antagônicas denominadas economic man e literary woman,

para trabalhar a dicotomia não apenas de gênero, mas de percepção de

mundo no contexto de ascensão do movimento.

Ocorre que os anos 1970 são marcados116, na academia jurídica

estadunidense, pela emergência do Law and Economics Movement, também conhecido como Análise Econômica do Direito, ou apenas AED.

Conforme Stringari (2015, p.91):

A Análise Econômica do Direito é o campo do

conhecimento humano que tem por objetivo

empregar os variados ferramentais teóricos e

empíricos econômicos e das ciências afins para

expandir a compreensão e o alcance do direito e

aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a

avaliação de normas jurídicas, principalmente com

relação às suas conseqüências.

Em síntese, a AED se preocupa com os impactos econômicos das

leis e decisões judiciais, defendendo “a aplicação da economia para

compreender todas as formas de comportamento humano e

consequentemente, todas regulações jurídicas desse comportamento”.

(HEINEN; 2016, p. 48).

Embora existam diferentes vertentes dentro da área, Saddi (2014,

p.89) identifica três pressupostos principais:

(1) existe maximização racional das necessidades

humanas; (2) os indivíduos obedecem a incentivos

116 Conforme Heinen (2016, p. 47), a análise econômica do direito é divida

em duas fases: a velha e a nova. “A velha fase vai até os anos de 1960,

caracterizou-se por estudos das regulamentações dos mercados econômicos

explícitos e era quase sinônimo de estudos do Direito Antitruste, mas também

congregava outras áreas do Direito como Direito Tributário, Corporativo, das

Patentes e dos Contratos. Já a nova fase trata dos mercados implícitos e aplica

a análise econômica ao sistema legal em seu conjunto, passando a se debruçar

sobre todas as áreas do Direito, desde o Direito de família, passando pela

Teoria da Legislação e Administração Judicial, até o Direito Penal.

Representativo dessa nova fase da AED é o livro Economics Analysis of Law

(1973) de Richard Posner, que representou o primeiro contato de muitos

estudantes de Direito norte-americanos com a proposta da análise econômica

aplicada ao direito”. Coincidência ou não, a nova fase da AED surge em

1973, mesmo ano da publicação de The Legal Imagination, de White.

139

de preços para conseguir balizar seu

comportamento racional; (3) regras legais podem

ser avaliadas com base na eficiência de sua

aplicação, com a conseqüente máxima de que

prescrições normativas devem promover a

eficiência do sistema social.

Neste sentido, a palavra de ordem para a AED é racionalidade; os

agentes tendem a defender seus interesses a partir de escolhas racionais,

maximizando, assim, os lucros a serem obtidos:

O instinto é racional, não emocional, e da

diretividade racional do comportamento humano

decorre sua resposta a incentivos. Quando

apresentado a opções que tendam a maximizar seus

benefícios, o indivíduo tenderia a adotá-lo, caso

seus ganhos se revelassem maiores do que seus

custos. (STRINGARI, 2015, p. 97).

Desta forma, a economia se apresenta como ferramenta de

interpretação normativa: para atingir determinados efeitos, o legislador e

o juiz devem partir do pressuposto de que os indivíduos agem

racionalmente e tendem a fazer escolhas que geram mais lucros que

prejuízos. O law and literature movement emerge, assim, como

contraposição direta às ideias defendidas pela AED.

Neste sentido, uma das principais preocupações presentes na obra

de White (1985, p. xxiv) é justamente afastar o direito da ideia de ciência:

“[...] law is not a Science – at least not the ‘social science’ some would

call it – but an art117“. Ademais, o artigo de West (1988) auxilia a

delimitar essa oposição a partir das figuras do homem economista e da

mulher literata.

Para West (1988), o homem economista possui como principal

característica a busca racional pela maximização de seus lucros. Trata-se

de uma figura cheia de certezas, que sabe exatamente o que deseja e está

sempre motivado a buscar o que quer. Em contrapartida, é completamente

incapaz de compreender a empatia:

Economic man is peculiarly incapable of the

empathic knowledge, quite common to the rest of

117 “O direito não é uma ciência - pelo menos não uma "ciência social" como

alguns chamariam - mas uma arte”

140

us, that his neighbor’s broken leg hurts more than

his own hangnail; or that a child’s discomfort while

eating a healthy diet is less than the pain she will

feel if she eats nothing but sugar; or that the pain

an impoverished buyer might sustain when the law

deprives him of the’ freedom to contract to

purchase a television set on burdensome credit

terms is less than the pain that buyer would sustain

in the future when he loses essentials such as food

and clothing he would otherwise be able to

purchase.’ He cannot empathize with the other

sufficiently to make these comparisons118. (WEST,

1988, p. 869)

Por esta razão, West (1988) sugere que os parâmetros econômicos

não são os melhores a serem utilizados na seara jurídica, especialmente

quando casos delicados estão em questão, pois estes atingem diretamente

a vida de indivíduos. Para explicar tal ponto, ela cria a figura da mulher

literata que, ao contrário do homem economista, é cheia de dúvidas e

incertezas, assumidamente ignorante da própria subjetividade. A

literatura, assim, aparece como uma ferramenta de autodescoberta; é a

partir da leitura de narrativas estranhas que aos poucos ela irá descobrindo

aspectos de sua própria constituição.

Ademais, para West (1988), as ações desta mulher não seriam

motivadas unicamente por sua racionalidade e seus interesses individuais;

suas motivações seriam múltiplas e diversificadas:

Unlike economic man, literary woman is indeed at

times altruistic, as the communitarian critics of

economic man insist, but she is also at times

masochistic, automatic, submissive, selfish,

oppressive, and perhaps sadistic. Indeed, we have

118 “O homem economista é incapaz do conhecimento empático, bastante

comum ao resto de nós, relativo à capacidade de reconhecer que a perna

quebrada do vizinho dói mais do que sua unha encravada; ou que o

desconforto de uma criança ao comer uma dieta saudável é menor do que a

dor que ela sentirá se não comer nada além de açúcar; ou que a dor que um

comprador empobrecido pode suportar quando o direito o priva da “liberdade

de contratar um aparelho de televisão em termos onerosos é menor do que a

dor que o comprador sofreria no futuro quando ele viesse a perder itens

essenciais como comida e roupas para pagar suas contas. Ele não pode

empatizar com o outro suficientemente para fazer essas comparações.”

141

literature in large part because our characters are

multidimensional and worth exploring. Their

complexity is a constant surprise, both to ourselves

and to others119. (WEST, 1988, p. 871)

Quanto à empatia, esta seria acessível por meio da leitura, da

escuta, da fala, enfim, das próprias relações interpessoais, por meios

fáticos ou literários: “When we read with understanding, we not only

understand that happiness or pain, but to some degree we take it on as our

own.120“ (WEST, 1988, p. 872).

Essa habilidade empática, embora difícil, seria pertinente ao

jurista, especialmente no que se refere a atuação em casos delicados como

por exemplo, os que envolvem minorias políticas, violência contra grupos

vulneráveis, dentre outros. Conforme West (1988, p. 873-874):

In those cases in which empathic understanding is

most urgently needed, it is hardest to achieve.

Empathy is hard when the experience with which

we are trying to empathize is one that we never

have experienced ourselves, and even one that we

never could experience ourselves. Empathy is hard

when the personality with which we are trying to

empathize, the subjectivity we are trying to grasp,

is radically different from our own. It is very

difficult, for example, for a member of the racial

majority in this country to empathize with the

subjective pain of living in a racist society. I

suspect that most of us who think we do understand

this pain in fact do not. It is very difficult for a

heterosexual to understand the magnitude of the

pain experienced by a homosexual living in a

homophobic Society. To take a more local issue, it

is very difficult for a white man to empathically

119 “Ao contrário do homem economista, a mulher literata é, de fato, às vezes

altruísta, como insistem os críticos comunitários do homem economista, mas

às vezes também é masoquista, automática, submissa, egoísta, opressiva e

talvez sádica. De fato, temos literatura em grande parte porque nossos

personagens são multidimensionais e merecem ser explorados. A

complexidade desses personagens é uma surpresa constante, tanto para nós

mesmos quanto para os outros” 120 “Quando lemos com compreensão, não apenas entendemos essa felicidade

ou dor, mas, até certo ponto, as tratamos como se fossem nossas.”

142

grasp the magnitude or nature of the pain of being

the only woman or black on a law faculty. It is not

impossible, but it is difficult. It is difficult to

empathize with the pain of those who are most

different from us. Now, the way that the literary

woman achieves the empathic bridge in the hard

case, the means by which she gains access to the

other’s subjective life, is metaphor and narrative.

This is the one vital lesson that the literary person,

and hence the literary analysis of law, can uniquely

teach us: she can teach us how to empathize in the

hard case121.

Assim, se a análise econômica do direito se baseia no racionalismo

e na busca de lucros maiores que prejuízos, a análise literária do direito

procura evidenciar a complexidade dos indivíduos e, ainda, cultivar

empatia e sensibilidade nos juristas que, em última instância, lidarão com

vidas afetadas por leis e processos.

É preciso compreender, portanto, que o movimento estadunidense

teve por foco afastar as concepções racionalistas em vigor na academia

jurídica daquele país, no intuito de evidenciar que nem toda matéria

humana pode ser explicada a partir da lógica econômica. Existiam,

portanto, dois paradigmas rivais em confronto, ambos buscando ofertar

121 “Nos casos em que a compreensão empática é mais necessária, é mais

difícil alcançá-la. A empatia é difícil quando a experiência com a qual

estamos lidando é algo que nunca experimentamos ou vivenciamos. A

empatia é difícil quando a subjetividade que estamos tentando compreender,

é radicalmente diferente da nossa. É muito difícil, por exemplo, que um

membro da maioria racial neste país tenha empatia com a dor subjetiva de

viver em uma sociedade racista. Eu suspeito que a maioria de nós que acha

que entende essa dor na verdade não entende. É muito difícil para um

heterossexual entender a magnitude da dor experimentada por uma vida

homossexual em uma sociedade homofóbica. Para ter uma questão mais

local, é muito difícil para um homem branco compreender empaticamente a

magnitude ou a natureza da dor de ser a única mulher ou negra em uma

faculdade de direito. Não é impossível, mas é difícil. É difícil ter empatia com

a dor daqueles que são diferentes de nós. Agora, a maneira pela qual a mulher

literata alcança a ponte empática, o meio pelo qual ela obtém acesso à vida

subjetiva do outro, é a partir da metáfora e da narrativa. Esta é a única lição

vital que a pessoa literata, e, portanto, a análise literária do direito, pode nos

ensinar exclusivamente: ela pode nos ensinar como ter empatia.”

143

melhores chaves interpretativas para o fenômeno jurídico: a economia, de

um lado, e a literatura, do outro.

Neste sentido, o contexto de criação do movimento norte

americano é marcado por uma grande diferença em relação ao movimento

brasileiro: nos EUA, seu surgimento se dá em um contexto hostil, em

razão do antagonismo já mencionado. O mesmo não ocorre no Brasil,

onde os pesquisadores não buscam atacar uma teoria ou um grupo de

autores específicos122.

Figura 11: Robin West

Fonte: < https://bit.ly/2A3Cj2v> Acesso em 19 dez. 2018.

Além de West, diversos outros autores foram impactados pela

publicação de The Legal Imagination. Como já mencionado, White

(2010, p. 5-6) tinha consciência de que não estava criando nada de novo,

mas ainda assim sua perspectiva foi encarada como uma grande novidade:

to look at the law, as I wished to do, as an art of

thought and language, with its own characteristic

concerns and methods, was simultaneously very

122 Conforme fala do Professor Paulo Ferrareze Filho na defesa final desta

tese, os autores brasileiros parecem se contrapor ao normativismo como um

todo, segundo o qual o direito está necessariamente ancorado em leis e não

deve se afastar delas. Mas não há uma materialidade deste normativismo em

terras brasileiras como a da análise econômica do direito; em outras palavras,

nos Estados Unidos existia um projeto muito bem definido e identificável

contra o qual os teóricos do law and literature escreviam.

144

old-fashioned and new-fangled, surprising to

almost everyone. I was often asked——as you may

want to ask—— ‘What can literature possibly have

to do with law?123‘.

Desta forma, é possível afirmar que a curiosidade despertada nos

pares da academia jurídica foi importante para consolidar a obra como

marco fundador do law and literature. Mas existem outras razões que

merecem ser aqui discutidas.

A primeira delas refere-se à formação acadêmica de James White,

em Inglês e em Direito. Na primeira, White (2010, p. 7) aprendeu tanto

questões relativas à teoria e interpretação literária, quanto a diferença

linguística dos idiomas, que além de forma e gramática, leva em

consideração a cultura na qual determinado povo se insere:

One does not and cannot think the same way in

Greek and in English. In each of these languages

one can do and say things that one cannot in the

other, for each expresses its own culture——its

own values, its own sense of what should count as

reason, its own way of imagining or constituting

the social and natural worlds124.

Essa é uma ideia intrínseca ao próprio conceito de Direito sugerido

pelo autor; o direito seria uma linguagem, pois constrói um espaço

próprio, com seus próprios costumes, regras, significados – enfim, com

sua própria cultura. Além disso, a literatura lhe propiciou a enxergar o

poder da linguagem, pois, para White (2010, p. 10):

literature was not to be regarded merely as an item

of high consumption, like fine wine, or as an

123 “Olhar para o direito, como eu queria, como uma arte de pensamento e

linguagem, com suas próprias preocupações e métodos característicos, era ao

mesmo tempo algo antiquado e novo, surpreendente para quase todo mundo.

Muitas vezes me perguntavam - como você pode perguntar - "O que a

literatura tem a ver com o direito?” 124 “Uma pessoa não pensa e não pode pensar da mesma maneira em grego e

em inglês. Em cada uma dessas línguas pode-se fazer e dizer coisas que não

se pode na outra, pois cada uma expressa sua própria cultura - seus próprios

valores, seu próprio sentido do que deveria contar como razão, sua própria

maneira de imaginar ou constituir o mundo social e o mundo natural.”

145

elegance of life, but lay at the center of our own

imaginative and expressive lives: for we, like the

writers we read, could collapse into empty clichés,

sentimental slogans, or the vices of advertising or

propaganda; or, like them, we could try to find

ways to use our language to say things worthy of

respect125.

White (2010, p. 11) não nega que sua intenção era se tornar

professor universitário de inglês, mas seus planos mudaram quando, ao

ingressar na pós-graduação, percebeu como a atividade literária era

especializada e desconectada da prática política. Por este motivo, decidiu

ingressar na carreira jurídica.

Ao ingressar no curso de direito, com altas expectativas relativas a

argumentação e criatividade, White (2010, p. 13-14) se deparou com uma

academia focada em uma visão simplista, relativa a um sistema de

códigos a serem aplicados. Questões de interpretação e argumentação,

que aguçariam o aprendizado e a criatividade, não eram abordados. Sua

formação em literatura, então, o auxiliou tanto na academia quanto na

prática como advogado:

For I was used to the close reading of texts; used to

seeing in one composition or expression a range of

possible meanings; used to arguing for one reading

as dominant, against the reality of other

possibilities; and, perhaps above all, used to seeing

in both written and oral expressions performances

of mind and imagination that could be done well,

or badly. In other words, there was from the

beginning a natural point of connection between

these two forms of activity and life, the reading of

literary texts and the practices of law126 (WHITE,

2010, p. 14).

125 “A literatura não deve ser considerada apenas como um item de alto

consumo, como um vinho fino ou como algo elegante, e sim como centro de

nossas próprias vidas imaginativas e expressivas: pois nós, assim como os

autores que nós lemos, poderíamos colapsar clichés vazios, slogans

sentimentais ou os vícios da propaganda; ou, como eles, poderíamos tentar

encontrar maneiras de usar nossa linguagem para dizer coisas dignas de

respeito.” 126 “Pois eu estava acostumado com a leitura atenta de textos; costumava ver

em uma composição uma gama de significados possíveis; costumava

146

Portanto, a dupla formação de White permitiu que o autor

articulasse uma interseção entre direito e literatura, e foi a partir desta

experiência individual, que claramente se contrapunha à ideia de direito

dominante (conjunto de normas a serem aplicadas), que The Legal Imagination foi concebido. Conforme White (2010, p. 18):

My hope in this book was to develop a way of

thinking about the activities of mind and

imagination that lie at the heart of law——at what

happens when a lawyer or judge is faced with a real

problem in the world, a loss or conflict, and seeks

to bring to bear upon it the language of the law. I

will not summarize the book but only say that its

method was to use a series of questions and writing

assignments to ask the student to function both as a

lawyer, speaking the language of the law, and in the

other ways in which he or she had competence,

based on his education and experience127.

Além da formação de seu autor, John Hursh (2013, p. 14-16; 17-

18), acredita que a obra teve grande repercussão porque conectou-se

diretamente aos seguintes acontecimentos: provocou respostas positivas

de juristas acadêmicos; foi publicada em momento próximo à criação do

Law and Humanities Institute (LHI); incentivou a realização de eventos

com a participação de críticos literários, firmando um caráter

argumentar com a leitura dominante, contra a realidade de outras

possibilidades; e, talvez acima de tudo, acostumado a ver em expressões

escritas e orais performances de mente e imaginação que poderiam ser bem

ou malfeitas. Em outras palavras, houve desde o início um ponto de conexão

natural entre essas duas formas de atividade e vida, a leitura de textos

literários e as práticas do direito.” 127 “Minha esperança neste livro era desenvolver um modo de pensar sobre

as atividades da mente e da imaginação que estão no cerne do direito - o que

acontece quando um advogado ou juiz se depara com um problema real no

mundo, uma perda ou conflito e procura resolvê-lo com a linguagem do

direito. Não vou resumir o livro, mas apenas dizer que seu método era usar

uma série de perguntas para pedir ao aluno que atuasse tanto como advogado,

falando a linguagem do direito, quanto nas outras maneiras pelas quais ele ou

ela tinha competência, baseada em sua formação e experiência.”

147

interdisciplinar; e inspirou a criação de revistas especializadas sobre o

assunto.

No que se refere às críticas positivas direcionadas ao livro The

Legal Imagination, tem-se, por exemplo, um texto de J. Allen Smith,

criador do Law and Humanities Institute e professor da Faculdade de

Direito de Rutgers. Além de profetizar um renascimento dos estudos de

direito e literatura, no texto The Coming Renaissance in Law and Literature, Smith (1979) enfatiza a situação do ensino jurídico

estadunidense. Para ele, os alunos ansiavam por uma mudança em sua

complicada situação, especialmente no que se refere ao afastamento do

direito em relação ao mundo real. A falta de comunicação com o público

e a ausência de diálogo para com uma tradição humanista, são fatores que

fazem com que o jurista seja visto com suspeita e, portanto, mantido

isolado do real.

Para amenizar os problemas do ensino jurídico norte americano,

Smith (1979) sugere a aproximação do direito para com as ciências

humanas, a ser realizada da seguinte forma: 1) procura por docentes que

valorizem as ciências humanas e que possuam qualificação para ensinar

a partir de uma perspectiva que relacione direito e literatura; 2) encorajar

o ensino da literatura entre os alunos; 3) apoiar a realização de eventos

acadêmicos e de disciplinas curriculares sobre direito e literatura.

A opção de Smith (1979, p.14 e 19) pela literatura é explicada

porque o autor entende a disciplina como a principal dentre as ciências

humanas e, ademais, as parábolas e alegorias presentes nas obras literárias

ajudariam o jurista a se conectar de uma maneira mais eficaz com o real,

proporcionando reflexões sobre moralidade e decisões, por exemplo.

Em 1978128, J. Allen Smith concretiza a instituição do Law and

Humanities Institute. Seu primeiro presidente, Richard Weisberg (da

Faculdade de Direito de Cardozo), também se tornou um dos autores

recorrentes do law and literature e, junto de outros membros

built on a series of three special sections on “Law

and Literature” of the Modern Language

Association (1976-8) to identify the relevant

community of some 100 scholars, lawyers, and

judges and to begin planning a series of

conferences, one at AALS and then what would

become more than a dozen with partnering

128 Conforme informado em < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-

Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018.

148

institutions across the country and the world. LHI’s

first major conference, on “Terror in the Literary

Imagination and the Legal Text” was published in

the Human Rights Quarterly, and its next (held at

Washington & Lee) on “Billy Budd, Sailor”,

became the founding number of Cardozo Studies in

Law and Literature -- now (as Law and Literature

and published by the UCAL Press Journals

division) as then edited in pertinent part by

members of the LHI Board129.

Como informado na citação acima, o instituto também foi

responsável pela realização de diversos eventos dedicados a discutir

temas de direito e literatura. O primeiro deles foi a conferência Terror in

the Literary Imagination and the Legal Text, ocorrido entre 1º e 2 de Maio

de 1982, em Boston e cujos textos apresentados foram disponibilizados

na íntegra pela Human Rights Quaterly130.

No prefácio da edição, Richard Weisberg e Robert Szulkin (1983,

p. 109) descrevem o evento como “one major pursuit of the new ‘Law

and Literature’ movement131“, sendo uma consequência dos estudos de

direito e literatura desenvolvidos no LHI, desenvolvidos em três áreas

principais: “theory of interpretation; curricular innovation and expansion;

and international and domestic human rights132“.

Além disso, também foram realizados eventos externos ao LHI,

como o ocorrido em 1981 na Faculdade de Direito da Universidade do

129 “construiu uma série de três seções especiais sobre "Direito e Literatura"

na Modern Language Association (1976-8) para incentivar cerca de 100

acadêmicos, advogados e juízes a começar a planejar uma série de

conferências, uma na AALS e então o que se tornaria mais de uma dúzia de

instituições parceiras em todo o país e no mundo. A primeira grande

conferência do LHI, sobre "Terrorismo na imaginação literária e o texto

jurídico" foi publicada no Human Rights Quarterly, e a seguinte (realizada

em Washington & Lee) sobre "Billy Budd, Sailor", tornou-se o número

fundador Do periódico Cardozo Studies in Law and Literature”. Disponível

em: < http://docs.law.gwu.edu/facweb/dsolove/Law-

Humanities/institute.htm >. Acesso em 12 abril 2018. 130 Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/i230851 >. Acesso em 12

abril 2018. 131 “uma importante busca do novo movimento "Direito e Literatura"” 132 “teoria da interpretação; inovação e expansão curricular; e direitos

humanos internacionais e domésticos”

149

Texas, tendo suas conferências publicadas na revista Texas Law

Review133. O foco central do evento era interpretação, e autores com

publicações sobre direito e literatura, como Richard Weisberg, Ronald

Dworkin, Sanford Levinson e o próprio James Boyd White, estiveram

presentes, além de renomados críticos literários como Stanley Fish,

Gerald Graff e Walter Benn Michaels. A presença de acadêmicos da

literatura neste e em outros eventos da área é indicada por Hursh (2013)

como uma confirmação do caráter interdisciplinar do movimento que

emergia da publicação de The Legal Imagination em 1973.

Por fim, importante mencionar o papel dos periódicos

especializados para a constituição e disseminação do law and literature

movement. Os dois principais134, o Yale Journal of Law & The Humanities

(YJLH) e o Cardozo Studies in Law and Literature (CSLL) foram

fundados no mesmo ano, 1989. O terceiro e mais recente, Law, Culture

and the Humanities (LCH), foi fundado em 2005.

Em relação ao Cardozo Studies in Law and Literature, o periódico

é vinculado à Faculdade de Direito Cardozo, da Universidade de Yeshiva,

em Nova Iorque. Tendo como patrono Benjamin Cardozo, que também

empresta seu nome à faculdade, o objetivo do periódico seria o de

impulsionar as pesquisas sobre Direito e Literatura já em curso no

momento de sua fundação (PREFACE; 1989, p. 3).

Em seu Preface to Project, Monroe Price (1989, p. iii), então reitor

da faculdade, salienta o caráter interdisciplinar da instituição em razão da

criação do periódico que tem como primeiro editor chefe Richard

Weisberg, professor da universidade e primeiro presidente do LHI.

133 Disponível em:

<http://heinonline.org/HOL/LandingPage?handle=hein.journals/tlr60&div=

1&src=home>. Acesso em 12 abril 2018. 134 Minha pesquisa inicial apontou dois principais periódicos que englobam

o tema direito e literatura: o Yale Journal of Law & The Humanities (YJLH)

e o Cardozo Studies in Law and Literature (CSLL), ambos fundados em 1989.

Neste mesmo sentido Hursh (2013, p. 19) escreve que, em uma antiga página

de internet, agora indisponível, os editores do Cardozo Studies in Law and

Literature afirmavam que a revista era “one of only two journals in the entire

country entirely focused on the interdisciplinary movement known as Law

and Literature”. (uma das únicas duas revistas acadêmicas em todo o país

totalmente dedicada no movimento interdisciplinar conhecido como Direito

e Literatura. Tradução minha). O site do Law and Humanities Institute,

acrescenta à lista mais um periódico, o Law, Culture and the Humanities

(LCH), fundado em 2005.

150

A primeira edição da revista, além de conter como prefácio

inpirador um voto do juiz Cardozo, contém uma série de textos

apresentados em um simpósio da LHI, sobre a obra Billy Budd, Sailor, do

escritor americano Herman Melville. Em 2002, o periódico tem seu nome

alterado para Law and Literature135, mantendo seus objetivos iniciais e

publicando diversas pesquisas sobre a área.

Já no que se refere ao Law, Culture and the Humanities, criado em

2005, trata-se de um periódico vinculado a Association for the Study of

Law, Culture, and the Humanities criada em 1998 pelo Professor Austin

Sarat (THOMAS, 2017, s.p.). Além de mais tardio, é o único constituído

por um acadêmico sem formação em direito ou literatura. Como afirma

Thomas (2017, s.p.):

Sarat is not trained in literary studies. Nor is he

based in a law school. On the contrary, he is a

political scientist at na elite liberal arts school. As

with many in both the “the law and society” and

“law and literature” movements, he believes that

the law is too important for its study to be left to

lawyers. Nonetheless, unlike White and Weisberg,

he did not initially turn to the humanities. His first

affiliation was with law and society, and only later

did he become concerned with gaps the statistical

measures of the social sciences left in our

understanding of law’s social and culture role. The

organization he founded is best understood as a

splinter group from the Law and Society

Association. Its first meeting was held at

Georgetown Law School in 1998. Although its

umbrella is large enough to include work in law

and literature, its institutional history indicates

significant differences136. (Grifou-se).

135 Disponível em: <

https://www.tandfonline.com/action/journalInformation?journalCode=rlal20

>. Acesso em 13 abril 2018. 136 “Sarat não tem formação em estudos literários. Também não possui

formação em direito. Pelo contrário, ele é um cientista político em uma escola

de artes liberais de elite. Tal como acontece com muitos dos movimentos de

“direito e sociedade” (ciências sociais) e “direito e literatura”, ele acredita

que o direito é importante demais para que seu estudo seja deixado apenas

para os advogados. Não obstante, ao contrário de White e Weisberg, ele

inicialmente não se voltou para as humanidades. Sua primeira afiliação foi

151

Interessa-nos pontuar com mais cuidado, porém, o periódico de

Yale, criado em 1989. Isto porque o Yale Journal of Law & The

Humanities, traz em sua primeira edição um texto do professor Owen M.

Fiss (1989), destacando a tradição da Universidade em empreitadas

interdisciplinares - no mesmo ano foram criados os periódicos Law &

Liberation e Law & Feminism.

Assim, cabe indagar: o que teria motivado esse interesse em

diálogos interdisciplinares em uma mesma época? Uma resposta curta e

direta, também baseada no escrito de Fiss (1989, p. 3), seria “a desire to

escape from the conservative political thrust of Law and Economics137“.

Vislumbra-se, novamente, indícios de que o law and literature foi

constituído como uma reação a abordagem racionalista do law and economics.

A Nota dos Editores (1989) salienta a aproximação entre o direito

e as ciências humanas, ainda permeada de inseguranças e desconfianças

por parte das duas áreas; assim, a proposta do periódico seria justamente

a de criar um espaço interdisciplinar para fornecer subsídios a um diálogo

fértil. Tal interdisciplinaridade aparece com autores e corpo editorial

diversificados (acadêmicos dos estudos literários, história, antropologia,

história da arte, teoria política e direito), todos voltados a uma análise

cultural do direito.

Segundo os editores (1989, p. 2):

The Yale journal of Law & the Humanities

assumes the existence of a legal culture implicated

in the creation of symbols and structures which

provide meaning in everyday life. Because legal

culture informs both material and symbolic

products, cultural analysis must do more than

identify the images of the law that appear in a non-

com o direito e as ciências sociais, e só mais tarde ele se preocupou com as

lacunas que as medidas estatísticas das ciências sociais deixaram em nossa

compreensão do papel social e cultural do direito. A organização que ele

fundou é melhor entendida como um grupo dissidente da Law and Society

Association. Sua primeira reunião foi realizada na Escola de Direito de

Georgetown, em 1998. Embora a sua sombra seja grande o suficiente para

incluir trabalhos de direito e literatura, sua história institucional indica

diferenças significativas.” 137 “um desejo de escapar do impulso político conservador do Law and

Economics”

152

legal context. It must focus on the law’s interaction

with other cultural forms in structuring perception

and investigate the formation, boundaries, and

persistent intervention of legal culture in various

spheres of life138. [Grifou-se].

Desde o início, portanto, havia no periódico (e ouso dizer, na área)

uma intenção que não se restringia a uma análise do direito fora do

contexto propriamente jurídico. Guido Calabresi (1989, p.1), famoso por

seus trabalhos na área de Law & Economics, inclusive escreve uma carta

introdutória na qual adverte:

Hence, and also fortunately, it is impossible fully to

understand law without a deep and sympathetic

knowledge of the liberal arts. But that knowledge

cannot be just background, it must be a fundamental

part of legal scholarship. Similarly, many a problem

in the humanities (and in the sciences) would be

better understood if scholars in these fields knew

what legal scholars, and law itself, had said to the

issue139.

É possível perceber, assim, uma vontade de ultrapassar o uso

meramente utilitário das humanidades (inclusive da literatura), dentro

deste projeto, que teria o condão de fornecer um paradigma concorrente

ao viés econômico então vigente.

138 “O Yale Journal of Law & the Humanities pressupõe a existência de uma

cultura jurídica implicada na criação de símbolos e estruturas que

proporcionam sentido na vida cotidiana. Como a cultura jurídica informa

produtos materiais e simbólicos, a análise cultural deve fazer mais do que

identificar as imagens do direito que aparecem em um contexto não jurídico.

Deve centrar-se na interação do direito com outras formas culturais na

percepção estruturante e investigar a formação, limites e intervenção

persistente da cultura jurídica em várias esferas da vida.” 139 “Por isso, e felizmente, é impossível compreender completamente o

direito sem um conhecimento profundo e solidário das artes liberais. Mas esse

conhecimento não pode ser apenas um pano de fundo, deve ser uma parte

fundamental do conhecimento jurídico. Da mesma forma, muitos problemas

nas humanidades (e nas ciências) seriam melhor compreendidos se os

estudiosos dessas áreas soubessem o que os estudiosos do direito e a própria

lei teriam respondido.”

153

Todavia, Fiss (1989) adverte aos editores que, ao invocar a

expressão Law & Humanities, eles assumem para si um grande desafio:

definir o que seriam essas tais humanidades, de uma forma não

generalista/normativista; além disso, deveriam se preocupar com os

resultados práticos dessa empreitada interdisciplinar – se a intenção

primordial era a humanização do direito, o que as humanidades poderiam

fazer a respeito da prática jurídica?

Esta questão, ainda em aberto, será apenas uma das diversas

perguntas direcionadas ao movimento desde seu surgimento, que não

escapou da desconfiança de certos autores. Como afirma Hursh (2013),

as críticas negativas também terão um papel importante tanto na

consolidação de The Legal Imagination como marco inicial quanto na

disseminação do law and literature, por mais céticas que fossem. De fato,

as críticas a qualquer paradigma emergente servem para apontar

fragilidade e instigar pesquisadores a buscar soluções para as aporias

evidenciadas.

Passo, agora, a apresentar as críticas realizadas ao projeto

humanista nos Estados Unidos.

3.2 DIREITO E LITERATURA: UM GRANDE MAL-

ENTENDIDO140?

É um equívoco acreditar que o law and literature movement da

década de 1970 emergiu de forma pacífica, isento de críticas e polêmicas,

até porque, conforme explicado, se tratava de uma reação ao paradigma

econômico. O movimento que se inicia nesta época ainda se reinventará

diversas vezes, provocando controvérsias entre seus próprios autores

mesmo nos dias atuais.

Um dos mais famosos críticos do law and literature movement foi

o juiz e professor Richard Posner, reconhecido autor do law and

economics, que em 1986 escreveu o seu primeiro artigo141 sobre o tema,

intitulado Law and Literature: a relation reargued. Neste artigo, Posner

(1986, p. 1352) explica que não sabia da existência do law and literature

movement, até ter um artigo publicamente criticado pela professora Robin

West, que se baseou em Kafka para tecer suas considerações:

140 Trata-se de uma referência ao subtítulo da primeira edição do livro de

Richard Posner, em 1988, modificado a partir da segunda edição (1998). 141 Segundo o currículo do Professor. Disponível em:

<https://www.law.uchicago.edu/faculty/posner-r>. Acesso em 16 abril 2018.

154

It was only in the course of preparing a response to

an attack on the economic model of human

behavior surprisingly pivoted on the fiction of

Kafka that I became acquainted with the law and

literature movement and began to realize that it had

potential applications, not to economic analysis,

but to the interpretation of statutes and

constitutions and the writing of judicial opinions,

which are now professional concerns of mine142.

A polêmica entre West e Posner iniciou-se em 1985, quando a

professora escreveu o artigo Authority, Autonomy, and Choice: The Role

of Consent in the Moral and Political Visions of Franz Kafka and Richard

Posner. Trata-se de uma resposta a um antigo artigo de Posner, escrito em

1980143, no qual o autor tem como principal argumento ético “that wealth

maximization, especially in the common law setting, derives support from

the principle of consent that can also be regarded as underlying the

otherwise quite different approach of Pareto ethics144. (POSNER, 1980,

p. 488).”

Em resumo, Posner (1980, p.488) entende as relações sociais como

transações de mercado; assim, levando em consideração que tais relações

são consensuais, seu fundamento moral é a própria ideia de

consentimento, porque por meio dele os indivíduos buscam uma

maximização de riqueza, promovendo bem-estar e autonomia individual.

West (1985, p. 427) discorda desta premissa, pois acredita que as

relações sociais nem sempre são baseadas no consentimento, mas também

em outros fatores; assim, consentimos “because we recognize the virtue

of the values the institution reflects, because we think of the institution as

operating for the most part in our self-interest, or because consenting to

142 “Foi apenas enquanto eu preparava resposta a um ataque ao modelo

econômico de comportamento humano surpreendentemente articulado na

ficção de Kafka que me familiarizei com o movimento do direito e literatura

e comecei a perceber que ele tinha aplicações potenciais, não para análises

econômicas, mas para a interpretação de estatutos e constituições e a redação

de decisões judiciais, que são agora minhas preocupações profissionais.” 143 O artigo em questão é The Ethical and Political Basis of the Efficiency

Norm in Common Law Adjudication. 144 “que a maximização da riqueza, especialmente no contexto do common

law, deriva do princípio do consentimento que também pode ser considerado

como subjacente à uma abordagem completamente diferente da ética de

Pareto.”

155

authority confirms our feeling of guilt and meets our need for

punishment145“.

A questão que nos interessa, porém, recai sobre os fundamentos e

exemplos utilizados por Robin West (1985) para sustentar seus

argumentos: ela os retira de diversas obras de Kafka, sendo, por esta

razão, duramente criticada por Posner (1986, p.7) em sua réplica146:

I would be happier still if her paper and this reply

had been submitted to a journal of philosophy or

literature rather than to the Harvard Law Review;

for though I would be the last person in the world

to quarrel with the application to law of insights

from other disciplines, there are no applications to

law in Professor West’s article.

[...]

One might have expected her to ground this

position in the literature of the social sciences. But

instead she draws her evidence entirely from

fiction, her own and Kafka’s.

[...]

Professor West’s approach, however, seems

particularly eccentric. She reads Kafka so literally

that the incidents and metaphors from business and

law in his fiction become its meaning. That is like

reading Animal Farm as a tract on farm

management.

[...]

If you do not read Kafka tendentiously, looking for

support for one ethical or political position or

another - if you abandon yourself to the fiction you

will not, I think, be inclined to draw inferences

about the proper organization of society.

[...]

Because Georg’s friend, a brooding omnipresence

in the story, is an unsuccessful businessman,

145 “porque reconhecemos a virtude dos valores que a instituição reflete,

porque pensamos na instituição como operando em grande parte em nosso

interesse próprio, ou porque o consentimento à autoridade confirma nosso

sentimento de culpa e atende à nossa necessidade de punição” 146 A réplica é intitulada The Ethical Significance of Free Choice: A Reply to

Professor West.

156

Professor West conceives the story to be about

capitalist alienation. How dull!147

A partir desta crítica, percebe-se que a postura de Posner contém

certa dose de ceticismo quanto ao uso da literatura para se discutir

questões jurídicas e/ou políticas. Tal impressão se confirma no artigo de

1986, no qual o autor apresenta suas críticas ao law and literature movement e destaca qual seria, na sua opinião, uma relação mais segura

entre as disciplinas. É preciso destacar, portanto, que Posner não rejeita uma abordagem interdisciplinar entre direito e literatura; apenas propõe

caminhos diferentes para sua efetivação, conforme será mostrado.

147 “Eu ficaria ainda mais feliz se o artigo dela tivesse sido submetido a um

periódico de filosofia ou literatura, em vez de ser submetido à Harvard Law

Review; pois embora eu seja a última pessoa no mundo a criticar aplicações

interdisciplinares entre o direito e outras disciplinas, não há nada de direito

no artigo da professora West.

[...]

Alguém poderia esperar que ela fundamentasse essa posição na literatura das

ciências sociais. Mas, em vez disso, ela extrai toda sua evidência da ficção, a

dela e a de Kafka.

[...]

A abordagem da professora West, no entanto, parece particularmente

excêntrica. Ela lê Kafka tão literalmente que os incidentes e metáforas dos

negócios e do direito em sua ficção se tornam seu significado. Isso é como

ler A Revolução dos Bichos como um trato sobre gestão agrícola.

[...]

Se você não lê Kafka tendenciosamente, procurando apoio para uma posição

ética ou política ou outra - se você se abandonar à ficção, você não estará,

penso eu, inclinado a fazer inferências sobre a organização adequada da

sociedade.

[...]

Como o amigo de Georg, uma figura onipresente na história, é um homem de

negócios malsucedido, a professora West entende a história como exemplo

da alienação capitalista. Que maçante!”

157

Figura 12: Richard Posner

Fonte: < https://bit.ly/2Lnh9QF>. Acesso em 19 dez. 2018.

A principal objeção de Posner (1986, p. 1355-1359) é que

habilidades jurídicas não são cruciais para atuar como um crítico literário;

inclusive, as análises já feitas por professores como James White e

Richard Weisberg, diretor do LHI, detêm qualidade de conteúdo, mas

porque ambos possuem formação em Inglês ou Literatura, e não porque

são juristas.

Além disso, para Posner (1986, p. 1356-1357) alega-se que

diversas obras possuem temáticas jurídicas, quando, na verdade, não

possuem. Exceto em culturas nas quais os únicos vestígios de direito

advêm do que hoje é conhecido como literatura (como os textos épicos

nórdicos, conhecidos como Eddas148) o direito prático, que interessa ao

advogado ou ao juiz, está presente nos códigos, nas decisões judicias e

em outros textos jurídicos. Na literatura, ainda que haja um tribunal, um

juiz ou um advogado, o tema nunca é o direito propriamente dito (lei),

mas temas filosóficos como a justiça, a vingança, o amor, dentre outros.

Como exemplo, Posner (1986, p. 1357) cita a obra O Mercador de Veneza, de Shakespeare:

At one level the play is about the enforcement of a

contract that contains a penalty clause, which the

defendant avoids by a technicality. Even in

Elizabethan England the contract would have been

unenforceable and the trial regarded as farcical.

148 Inclusive, sobre o assunto, vale mencionar a obra Law and Literature in

Medieval Iceland, de Theodore Andersson e William Miller.

158

The legal dispute is not the point of the play but a

convenient metaphorical framework for

contrasting two modes of social interaction: the

arm length dealing of mutually suspicious strangers

and the way of altruism and love. Shylock the Jew

symbolizes the rejection of love, embodied in its

specifically Christian form by Jesus Christ, in favor

of commercial, self-interest. Antonio, the

Merchant of the title, is a symbol of Christ, and

Portia, I believe, a symbol of practicality and good

sense149.

A presença destes temas em obras literárias é explicada por Posner

(1986, p.1356) a partir da ideia de clássico. Uma obra literária não nasce

clássica; ela se torna, desde que, consiga chamar a atenção de diferentes

pessoas, em diferentes épocas e espaços. Para isso, é comum que o autor

busque subsídios em temas que sofrem poucas mudanças estruturais,

como amor, ambição, natureza humana e, também temas adjacentes ao

direito. “Specific doctrines and procedures may change, but the broad

features of the law do not150 (POSNER, 1986, p. 1356)”. Por essa razão,

elementos do direito podem até estar presentes, de certa forma, na

literatura, mas não em função do direito vigente, e sim pela busca do autor

de conferir um caráter clássico à obra.

Isso não significa, porém, que o autor se oponha a qualquer relação

entre o direito e a literatura. Na verdade, Posner (1986, p. 1375) acredita

que a literatura tem muito a ensinar ao jurista, mas, neste primeiro

momento, ele salienta a forma, especialmente no que se refere a escrita

de judicial opinions.

149 “Em um nível, a peça é sobre a execução de um contrato que contém uma

cláusula penal, a qual o réu evita por um detalhe técnico. Mas mesmo na

Inglaterra elisabetana, o contrato teria sido inexequível e o julgamento

considerado uma farsa. A disputa jurídica não é o ponto principal da peça,

mas uma estrutura metafórica conveniente para o contraste de dois modos de

interação social: o tratamento de estranhos mutuamente suspeitos e o

caminho do altruísmo e do amor. Shylock, o judeu, simboliza a rejeição do

amor, encarnado em sua forma especificamente cristã por Jesus Cristo, em

favor do interesse comercial. Antonio, o mercador do título, é um símbolo de

Cristo, e Portia, creio eu, um símbolo de praticidade e bom senso.” 150 “As doutrinas e procedimentos específicos podem mudar, mas as

características gerais do direito, não”.

159

Para Posner (1986, p.1376), as judicial opinions, espécie de votos

emitidos por juízes em tribunais colegiados, são formas de retórica,

especialmente quando relativas aos chamados hard cases, que não podem

ser puramente decididos com base em legislações e tratam de temas

sensíveis (aborto, eutanásia, etc). Os críticos literários são especialistas

em retórica e, por isso, podem auxiliar no desenvolvimento deste tipo de

escrita.

A maioria dos textos jurídicos, como os códigos e os contratos, não

precisa se preocupar com a forma, pois não precisa persuadir ninguém, já

que emanam da própria autoridade estatal, ou da autonomia da vontade

das partes. Entretanto, os votos de juízes nada mais são que retórica, e

precisam persuadir seus receptores a partir de critérios diversos como

plausibilidade, apelo ético, dentre outros. Para comprovar seu argumento,

Posner (1986, p. 1379-1385) analisa uma judicial opinion e explicita as

ferramentas retóricas ali encontradas: o juiz se coloca como um simples

cidadão; constrói camadas de argumentos sem revelar suas intenções de

forma abrupta, etc.

Por essa razão, seria útil que os juízes aprendessem valores de

escrita literário, como a complexidade – não utilizar um viés maniqueísta

simplório – o uso correto de palavras, a construção de camadas

argumentativas, para melhorar as próprias peças processuais e,

consequentemente (mas não apenas) a forma como se fundamentam os

hard cases.

A grande diferença entre as abordagens de White (1985, p. xii-xiii)

e Posner (1986, p.1392), portanto, reside no conceito de Direito

defendido por cada um deles: enquanto para White (1985, p. xii-xiii) o

direito é uma linguagem, dotada de artefato cultural específico, para

Posner (1986, p.1392), o direito é uma técnica de governo, que nem

sequer tem um método próprio. Todavia, trata-se de uma técnica

vinculada à criação de textos, e por este motivo pode se relacionar de

forma profícua para com a literatura.

Em 1987, Posner escreve a resenha da obra The Failure of the

Word: The Protagonist as Lawyer in Modern Fiction, do professor

Richard Weisberg, primeiro presidente do LHI e editor chefe do periódico

Cardozo Studies in Law and Literature. No texto, Posner (1987, p. 1176)

alerta novamente para a confusão feita entre ficção e realidade, ao afirmar que “Professor Weisberg’s book is about law and lawyers only in the

sense in which a certain conception of law might be thought to signify

ressentiment and hence injustice.”. Ademais, ele demonstra que uma

interpretação de Richard Weisberg sobre a aplicação de uma lei marítima

da Inglaterra do século XIX está historicamente equivocada, conforme o

160

código da época. Vislumbra-se, aqui, a aplicação empírica de seu

ceticismo: às vezes a literatura é apenas literatura.

Um ano depois, Posner lançou a primeira edição de seu livro Law

and Literature: a misunderstood relation, no qual continua a desenvolver

suas críticas ao law and literature movement. O livro ganha uma segunda

edição em 1998, passando a se chamar simplesmente Law and Literature,

e ainda, uma terceira em 2009, mantendo o último título.

Figura 13: As edições de Law and Literature

Da esquerda para a direita: a edição de 1988; a edição de 1998, já com o título

alterado, e a edição de 2009. Fontes: < https://amzn.to/2Gx6WTP>; <

https://bit.ly/2EDfkzm>; < https://amzn.to/2EE1FYO>. Acesso em 19 abril

2018.

A edição de 2009, a mais recente na data de escrita desta tese, conta

com um Posner mais tolerante, embora ainda mantenha algumas posições

sobre o law and literature. Em seu prefácio, o autor (2009, p. xi) afirma

que “a literary sensibility may enable judges to write better opinions and

lawyers to present their cases more effectively151“, estendendo a utilidade

da literatura também para os advogados.

Conforme Posner (2009, p. xv-xvi), o crescimento da produção

acadêmica sobre direito e literatura nos EUA não apenas permitiu que ele

continuasse produzindo e ensinando sobre o tema, como também

possibilitou a publicação de uma edição mais extensa de seu livro. A

introdução foi alterada, no intuito de melhor delinear o campo de estudo

151 “Uma sensibilidade literária pode permitir que os juízes escrevam

melhores decisões e que os advogados apresentem seus casos de forma mais

eficaz”.

161

analisado; considerações sobre o direito na cultura pop, incluindo o

cinema, foram adicionados; e análises de obras como O Evangelho segundo João e Alice no país das maravilhas foram incluídos. As

discussões sobre o uso de técnicas literárias para melhorar a atuação de

advogados e juízes foram expandidas, sendo acrescentados dois capítulos

inéditos (Literature as a source of background knowledge for law e

Improving Trial and appellate advocacy) e temas como copyright e plágio

foram acrescentados. A conclusão conta ainda com um manifesto sobre o

futuro do law and literature.

Dentre as exclusões, Posner (2009, p. xv) menciona a retirada de

um capítulo sobre o holocausto e de outro sobre biografias judiciais, por

considerar tais temas distantes da proposta de direito e literatura.

Em relação ao projeto humanista, Posner (2009) defende uma

posição ligeiramente distinta da emitida no artigo de 1986. O autor (2009,

p.21) passa a argumentar que ainda que o direito dogmático (lei) não

esteja presente em obras literárias, existem livros sobre o direito. A

grande questão seria explicar o que se entende por sobre o direito em

determinada obra, uma vez que é possível pensá-lo a partir de um conceito

amplo o bastante para englobar tanto o direito natural quanto a vingança,

bem como sistemas normativos paralelos ao direito positivo e que

exercem alguma influência sobre ele (leis e costumes de comunidades

tradicionais, por exemplo). Por esse motivo, é possível aprender não sobre

leis, mas sobre filosofia do direito a partir da literatura:

But this depends on the meaning of “about.”

Literature may contain many details of vanished

social customs without being “about” them, or

without being just about them. The Homeric epics

contain a wealth of information, though much of it

garbled, about Mycenaean culture. But if they were

merely a depiction of vanished customs they would

be read today just as historical or sociological

source documents, as the Icelandic sagas largely

are152. (POSNER, 2009, p. 31)

152 “Mas isso depende do significado de "sobre". A literatura pode conter

muitos detalhes dos costumes sociais sem ser "sobre" eles, ou sem ser apenas

sobre eles. Os épicos homéricos contêm uma grande quantidade de

informação, embora grande parte dela truncada, sobre a cultura micênica.

Mas se fossem apenas uma representação de costumes desaparecidos, seriam

lidos hoje como documentos-fonte históricos ou sociológicos, como são em

grande parte as sagas islandesas.”

162

Merece destaque, também, a autocrítica feita pelo autor em relação

a postura adotada em 1988, na primeira edição do livro. Diz Posner (2009,

p. 6):

I have come to praise Caesar, not to bury him. Law

and literature is a rich and promising field; and if

the first edition of this book had rather a negative

and even defensive character (defending my

academic specialty, ‘law and economics’, against

criticism from law and literature scholars such as

James Boyd White and Robin West), that was more

than 20 years ago and the negative tone was gone

by the second edition153.

Isto não significa, entretanto, que o autor não tenha objeções à

forma como os estudos de direito e literatura foram efetuados até a

publicação da obra. Para ele (2009, p. 6), o crescimento quantitativo de

produções sobre o tema reflete o crescimento de publicações em geral na

academia jurídica estadunidense e não necessariamente representa um

aumento qualitativo de estudos do assunto. Tanto que dentre as

dificuldades a serem enfrentadas pelos pesquisadores, Posner (2009, p. 6-

7) elenca o amadorismo:

the plague of interdisciplinarity: the lawyer writing

about literature without literary sensitivity or

acquaintance with the relevant literary scholarship,

the literary scholar writing about law without legal

understanding. The scholar who crosses academic

bound aries risks losing the benefits of

specialization, but that is not the major danger,

because specialization has costs as well as benefits;

it has for sure not brought unalloyed gains to

literary scholarship. The greater danger is the

attractiveness of interdisciplinarity to weak

scholars as a method of concealing weakness. The

153 “Mas eu venho para elogiar e não para criticar. Direito e literatura é um

campo rico e promissor; e se a primeira edição deste livro tinha um caráter

negativo e até mesmo defensivo (defendendo minha especialidade

acadêmica, "direito e economia", contra críticas de estudiosos do direito e

literatura como James Boyd White e Robin West), isso foi há mais de 20 anos

atrás e o tom negativo desapareceu na segunda edição do meu livro”.

163

literary scholar who writes about law is apt to be

judged indulgently by other literary scholars,

impressed by his apparent mastery of another field,

and the legal scholar who writes about literature is

apt to be judged indulgently by other legal scholars

similarly impressed154.

Além disso, outro ponto criticado pelo autor (2009, p. 7) diz

respeito a ausência de fronteiras definidas sobre como estudar o tema, que

gera como consequência uma “lack of coherence, along with

indiscriminateness, jargon, and a pervasive left-liberal political bias — all

of which turn out to be related to each other and also to the misconceived

humanizing Project155“.

Importante destacar que não necessariamente concordo com as

críticas apresentadas por Posner (2009); todavia, faz-se necessário

detalhá-las para que seja possível identificar sua ausência nas pesquisas

brasileiras, como será visto no ultimo tópico deste capítulo.

Em síntese, Posner (2009, p.16) critica a compreensão sobre como

o estudo da literatura, especialmente dos clássicos, pode auxiliar o estudo

do direito, a partir da suposta humanização do jurista (a premissa de que

a literatura pode ajudar a humanizar o direito). Para Posner (2009, p. 7),

nada mais falso. Segundo o autor (2009), os personagens literários não

devem ser bons ou maus, mas interessantes.

154 “a praga da interdisciplinaridade: o jurista escrevendo sobre literatura sem

sensibilidade literária ou familiaridade com a teoria literária relevante, o

estudioso literário escrevendo sobre direito sem entendimento jurídico. O

estudioso que cruza fronteiras acadêmicas corre o risco de perder os

benefícios da especialização, mas esse não é o maior perigo, porque a

especialização tem tanto custos quanto benefícios; com certeza não trouxe

ganhos absolutos para a erudição literária. O maior perigo é a atratividade da

interdisciplinaridade para os estudiosos fracos como uma forma de ocultar

sua fraqueza. O erudito literário que escreve sobre direito é apto a ser julgado

de forma tolerante por outros eruditos literários, impressionado pelo seu

aparente domínio de outro campo, e o acadêmico do direito que escreve sobre

literatura está apto a ser julgado favoravelmente por outros estudiosos do

direito igualmente impressionados.” 155 “falta de coerência, juntamente com indiscriminado uso de jargão e um

viés político de esquerda difundido - todos os quais acabam por ser

relacionados uns aos outros e também com o projeto de humanização mal

concebido”.

164

Isso não significa que a literatura seja incapaz de gerar

consequências políticas ou morais, já que “Information and persuasion

affect behavior, and literature, as we know, both informs and persuades156

(POSNER, 2009, p. 457)”. A questão é que essas consequências são

geradas no momento de publicação da obra, ou seja, quando ela ainda não

é um clássico, vindo a se estabilizar e perder o caráter polemizador ao

longo do tempo. Para fortalecer seu argumento, Posner (2009, p. 458)

apresenta três premissas:

The first is that immersion in literature does not

make us better or worse people. A few works of

literature may, as just suggested, have such an

effect because of the information they convey or

the emotional wallop they deliver, but they are a

skewed sample of the great literary works. Second,

we should not be discountenanced when we

encounter morally offensive views in literature

even if the author appears to share them; a work of

literature is not maimed by expressing

unacceptable moral views and a mediocre work of

literature is not redeemed by expressing moral

views of which we approve. Third, the author’s

personal moral qualities or opinions should not

affect our evaluation of the work157.

Seguindo em sua explicação, Posner (2009, p. 458) afirma que

vislumbrar na literatura um caráter pedagógico e moralizante contraria

uma tradição na crítica literária, originada por Platão, que desconfia dos

trabalhos artísticos:

156 “A informação e a persuasão afetam o comportamento, e a literatura, como

sabemos, informa e convence”. 157 “A primeira é que a imersão na literatura não nos torna pessoas melhores

ou piores. Alguns trabalhos de literatura podem, como acabamos de sugerir,

ter tal efeito por causa das informações ou emoções que transmitem, mas são

uma amostra distorcida das grandes obras literárias. Segundo, não devemos

ficar insatisfeitos quando encontramos opiniões moralmente ofensivas na

literatura, mesmo que o autor pareça concordar com elas; uma obra literária

não se torna mutilada por expressar morais inaceitáveis e uma obra medíocre

não é redimida por expressar visões que aprovamos. Terceiro, as qualidades

ou opiniões morais pessoais do autor não devem afetar nossa avaliação do

trabalho.”

165

Plato, Tolstoy, Bentham, and the Puritans, among

others, were deeply suspicious of literature and the

arts and unwilling to grant any value to literature

that contained immoral ideas. Devotees of the

“naked truth,” whether religious, philosophical, or

scientific, these eminences despised surface and

figuration and hence found no redeeming value in

immoral literature. Plato thought the physical

world a pale copy of the world of the immortal

Forms, which he thought accessible only to

philosophy—and literature was just a copy of the

copy158.

É possível inferir que Posner (2009) considera as duas posições

demasiadamente extremistas, pois ou a literatura possui algum valor

político ou moral e deve ser vista como a salvação do direito, ou não

possui valor de forma alguma e deve ser descartada. Assim, ele inicia sua

crítica sobre a humanização do direito pela literatura recordando que foi

na Alemanha, berço de importantes tradições culturais, artísticas e

filosóficas, que o nazismo floresceu.

Ademais, não é por conhecer os clássicos que os professores de

literatura têm vidas melhores. “Immersion in literature and art can breed

rancorous feelings of personal superiority, alienation, and resentment159“.

(POSNER, 2009, p. 462). Isto também vale para as próprias obras; os

clássicos possuem conteúdo moral ambíguo, pois dependendo de seu

contexto de produção, determinadas atitudes representadas como naturais

não são mais aceitas nos dias atuais:

Rape, pillage, murder, human and animal sacrifice,

concubinage, and slavery in the Iliad; misogyny in

the Oresteia and countless works since; blood-

curdling vengeance; antisemitism in more works of

literature than one can count, including works by

158 “Platão, Tolstói, Bentham e os puritanos, entre outros, suspeitavam

profundamente da literatura e das artes e relutavam em conceder qualquer

valor à literatura que contivesse ideias imorais. Devotos da ‘verdade nua’,

religiosa, filosófica ou científica, eles desprezavam a superfície e a figuração

e, portanto, não encontravam valor redentor na literatura que não fosse moral.

Platão considerava o mundo físico uma cópia do mundo das ideias, acessível

apenas à filosofia - a literatura era apenas uma cópia da cópia.” 159 “A imersão na literatura e na arte pode gerar sentimentos rancorosos de

superioridade, alienação e ressentimento pessoal”.

166

Shakespeare and Dickens; racism likewise;

homophobia (think only of Shakespeare’s Troilus

and Cressida, Mann’s “Death in Venice,” and

Sartre’s chilling “The Childhood of a Leader”);

monarchism, aristocracy, fascism, Stalinism, caste

systems and other illegitimate (as they seem to us)

forms of hierarchy; colonialism, imperialism,

religious obscurantism, militarism, gratuitous

violence, torture, mutilation, and criminality;

alcoholism and drug addiction; stereotyping;

sadism; pornography; machismo; cruelty to

animals; snobbism; praise of idleness; and

contempt for the poor, the frail, the elderly, the

deformed, and the unsophisticated, for people who

work for a living, for the law-abiding, and for

democratic processes. The world of literature is a

moral anarchy; if immersion in it teaches anything

in the moral line it is moral relativism (POSNER,

2009, p. 462)160.

De acordo com Posner (2009, p. 463), autores do projeto humanista

defendem que o igualitarismo está presente na literatura, de forma a

atingir o leitor. Mas para Posner, uma obra não necessariamente precisa

defender o igualitarismo; por isso, não se pode afirmar que determinados

trabalhos são inerentemente progressistas. Para o autor (2009, p. 463):

160 “Estupro, pilhagem, assassinato, sacrifício de animais e humanos,

concubinato e escravidão na Ilíada; misoginia na Oresteia e incontáveis obras

desde então; vingança; antissemitismo em mais obras de literatura do que se

pode contar, incluindo obras de Shakespeare e Dickens; racismo da mesma

forma; homofobia (pense apenas em Troilus e Cressida, de Shakespeare, em

"Morte em Veneza", de Mann, e em "A Infância de um Líder", de Sartre);

monarquismo, aristocracia, fascismo, stalinismo, sistemas de castas e outras

formas ilegítimas (como nos parecem) de hierarquia; colonialismo,

imperialismo, obscurantismo religioso, militarismo, violência gratuita,

tortura, mutilação e criminalidade; alcoolismo e toxicodependência;

estereotipagem; sadismo; pornografia; machismo; crueldade com animais;

esnobismo; louvor da ociosidade; e desprezo pelos pobres, pelos frágeis,

pelos idosos, pelos deformados e pelos não-sofisticados, pelas pessoas que

trabalham para viver, pelos processos que cumprem a lei e pelos processos

democráticos. O mundo da literatura é uma anarquia moral; se a imersão na

literatura ensina algo, é o relativismo moral.”

167

Most of the best-known English, French, Russian,

German, and American novels can be sorted into

one or more nonegalitarian classes: novels that are

preoccupied with private themes (as they now

strike us) often archaically conceived, such as

adultery and manliness (for example, Lawrence,

Hemingway, Ford Madox Ford, and Joyce);

adventure novels (a class that overlaps the first);

and novels that despite surface appearances are

disengaged from any serious interest in the social

or political arrangements of society (which, as we

have seen, may largely be true even of Kafka and

Camus), that disparage the modern project of

liberty and equality (for example, Dumas, Scott,

Dostoevsky, Waugh, at times Conrad and

Faulkner), that presuppose an organization of

society in which a leisured, titled, or educated

upper crust lives off the sweat of the brow of a mass

of toilers at whose existence the novelist barely

hints (for example, Austen, James, Wharton,

Proust, Waugh, Fitzgerald), that are preoccupied

with issues more metaphysical than societal

(Beckett, Hesse, Melville, Tolstoy, Mann, and,

again, Kafka and Camus), that defend bourgeois

values (Defoe, Galsworthy, Trollope), that deal

with public themes yet whose take on them is

equivocal or inscrutable (Melville, Twain, and

Faulkner), or that deal with both social and private

themes but the latter predominate (Stendhal,

Flaubert, Bulgakov)161.

161 “A maioria dos romances ingleses, franceses, russos, alemães e

americanos pode ser dividida em uma ou mais classes que não defendem o

igualitarismo: romances que se preocupam com temas privados, muitas vezes

concebidos arcaicamente, como adultério e masculinidade (por exemplo,

Lawrence, Hemingway, Ford Madox Ford e Joyce); romances de aventura; e

romances que, apesar das aparências superficiais, são desvinculados de

qualquer interesse sério nos arranjos sociais ou políticos da sociedade, que

depreciam o moderno projeto de liberdade e igualdade (por exemplo, Dumas,

Scott, Dostoiévski, Waugh, às vezes Conrad e Faulkner), que pressupõem

uma organização da sociedade na qual uma casta superior livre, titulada ou

instruída vive do suor do rosto de uma massa de trabalhadores cuja existência

o romancista mal menciona (por exemplo, Austen, James, Wharton, Proust,

Waugh, Fitzgerald), que estão preocupados com questões mais metafísicas

168

Além disso, Posner (2009, p. 464-465) salienta que mesmo quando

os leitores tomam consciência de temas morais duvidosos presentes nas

obras clássicas, sua popularidade permanece pouco ou completamente

inalterada – os leitores aprendem a relevar a presença de uma ética

obsoleta nas obras literárias e por isso o conteúdo moral literário é

irrelevante. Ainda que os valores morais atuais sejam identificáveis em

obras mais antigas, isso não significa que ela terá sobrevivido como

clássico. Como já destacado anteriormente, para Posner (1986), uma obra

clássica é aquela que sobrevive ao teste do tempo, permanecendo popular

por tratar de temas universais, como amor, vingança, justiça, dentre

outros. É por esta razão, que para ele, A Cabana do Pai Tomás, de Harriet

Beecher Stowe, não sobreviveu como literatura (seu valor seria apenas

histórico), mesmo defendendo valores abolicionistas.

Para Posner (2009, p. 466-467):

To devalue a work of literature because of its

politics, morality, or religion is not only to cut off

one’s nose to spite one’s face. It is philistine,

illiberal, and, when it expresses itself in a sense of

moral superiority to our predecessors, the form of

ethnocentrism that has been dubbed “temporal

parochialism.”

[...]

To politicize literature also breaches the wall that

separates culture from the state—what is properly

private from what is properly public. To assign

literature the task of promoting political and moral

values is to associate it with public functions, such

as the inculcation of civic virtue, as Plato proposed

in the Republic. It makes literature an inviting

candidate for public regulation and bolsters the

radicals’ claim that everything is politics162.

do que sociais (Beckett, Hesse, Melville, Tolstói, Mann e, novamente, Kafka

e Camus), que defendem os valores burgueses (Defoe, Galsworthy,

Trollope), que lidam com temas públicos, mas cuja interpretação é

equivocada ou inescrutável (Melville, Twain e Faulkner), ou que tratam de

temas sociais e privados, mas os últimos predominam (Stendhal, Flaubert,

Bulgakov).” 162 “Desvalorizar uma obra literária por causa de sua política, moralidade ou

religião não é apenas jogar pedras no próprio telhado. É filisteu, não liberal,

e, quando se expressa em um senso de superioridade moral aos nossos

169

Neste ponto, uma ressalva faz-se necessária já que é possível

compreender a existência de limites à liberdade de expressão artística. Por

exemplo, se uma obra literária foi concebida para expressar visões

racistas de mundo, que ofendem os direitos individuais de um grupo

social específico, ela pode e deve ser criticada por seu conteúdo

ideológico. O limite, assim, seria a própria dignidade da pessoa humana,

a ser aferida em cada caso concreto. Por isso, ressalto: estou apenas

apresentando as críticas do autor e não endossando-as.

Na sequência, Posner (2009, p. 467) critica o trabalho de James

White, questionando a humanização do direito pela literatura a partir do

seguinte argumento: cada um de nós possui uma visão individual sobre o

que é moralmente bom e ruim; assim, a literatura que defender a visão de

mundo concebida pelo indivíduo será considerada boa e a que contradizê-

la será vista como ruim. Isso sem esquecer de que para o autor, é possível

encontrar diferentes valores morais em uma mesma obra literária, pois as

narrativas tendem a apresentar esta ambiguidade em razão do já

mencionado teste temporal que a tornará ou não, clássica. Portanto, para

Posner (2009. p.472): “Moral readings of works of literature tend to be

reductive, and thus to commit the same sin of which the moralistic critics

accuse the social scientists163“.

Se a literatura não possui um caráter pedagógico moral inerente,

então, por que lê-la? Posner (2009, p. 481-482) oferece a seguinte lista de

razões:

[...] acquiring surrogate experience; obtaining

templates for interpreting one’s actual experiences

(but not practical lessons for living); sharpening

one’s writing and reading skills; expanding one’s

emotional horizons; obtaining self-knowledge;

antecessores, é uma forma de etnocentrismo que foi apelidada de

“paroquialismo temporal”. [...] Politizar a literatura também rompe o muro

que separa a cultura do estado - o que é propriamente privado do que é

propriamente público. Atribuir à literatura a tarefa de promover valores

políticos e morais é associá-la a funções públicas, como a cultivação da

virtude cívica, como Platão propôs na República. Torna a literatura um

candidato convidativo à regulamentação pública e reforça a afirmação dos

radicais de que tudo é política.” 163 “Leituras morais de obras literárias tendem a ser redutoras e, portanto,

tendem a cometer o mesmo pecado atribuído aos cientistas sociais pelos

críticos moralistas.”

170

gaining pleasure; experiencing an echo-chamber

effect; undergoing therapy; and enjoying art for

art’s sake. None of these benefits is likely to

improve the reader’s morals164.

Embora seja o principal crítico do movimento, Posner não está

sozinho em seu ceticismo. Robert Weisberg, pesquisador também

dedicado ao law and literature, escreve em 1989 (um ano após a primeira

edição do livro de Posner) o artigo The Law-Literature Enterprise, no

qual deixa explícita sua desconfiança em relação aos estudos produzidos

até então nos Estados Unidos. Segundo Weisberg: (1989, p.3)

I will argue that much of the law-literature

scholarship has produced skimpy intellectual

results because it combines overly conventional

readings of literature with a complacent

understanding of law, sometimes masking itself in

the self congratulatory tones of broad cultural

understanding165.

Desta forma, o autor passa a elencar uma série de lacunas nos

estudos sobre o tema realizados até então. O primeiro problema levantado

por Weisberg, seria a ausência de uma interdisciplinaridade real, como

pode ser inferido a partir do seguinte fragmento:

Wholes that merely equal the sums of their parts

are not very useful, and some of the wholes here

have even been smaller than the sums. The

revelation of a connection between disparate forms

of discourse is really illuminating only when

discomfiting, or, better yet, subversive, because

164 “Adquirir experiência; obter modelos para interpretar as experiências reais

da pessoa (mas não lições práticas para viver); afiar as habilidades de escrita

e leitura; expandir os horizontes emocionais; obter autoconhecimento; ganhar

prazer; experimentar um efeito de câmara de eco; tratamento de saúde; e

apreciar a arte pela arte. Nenhum desses benefícios pode melhorar a moral do

leitor.” 165 “Argumentarei que grande parte dos estudos de direito e literatura

produziu resultados intelectuais modestos porque combinam leituras

excessivamente convencionais da literatura com uma compreensão

complacente do direito, às vezes se mascarando nos tons de

autocongratulação do amplo entendimento cultural.”

171

subversion of the apparent structure of a culture is

precisely what this sort of “social text” approach

can contribute. My general assumption, then, is that

truly interdisciplinary study, or at least fertile

interdisciplinary study, entails discomfiture. As

Clifford Geertz has sharply discussed in his essay

on the “blurred” generic lines between the social

sciences and humanities, the application of the

methods or premises of one discipline to another

seems necessarily “discomposing.”166

(WEISBERG, 1989a, p. 3).

Uma das grandes preocupações de Weisberg (1989, p. 6-7), é o

significado conceitual desse estudo interdisciplinar. Para ele, o law and literature possui uma peculiaridade que não pode ser negligenciada; ao

buscar auxílio nas ciências sociais (mais especificamente na economia,

conforme o paradigma então vigente), o jurista procura explicar como o

direito funciona ou deveria funcionar para obter determinados objetivos.

Mas quando se trata da literatura, este objetivo não é possível de ser

alcançado, porque a literatura não é uma disciplina explicativa. Em um

sentido amplo, a literatura em si “is not a discipline’ at all, but one of the

large productions or media of culture167. (WEISBERG, 1989, p. 5).”

Por essa razão, Weisberg (1989, p. 5) afirma que o uso da literatura

para explicar o fenômeno jurídico tem sido feito de maneira informal no

intuito de mostrar a vida humana de forma dramática – o que é bastante

criticável. Para ele, portanto, “this ‘use’ of literature in relation to law

often takes a somewhat sentimental form168“. Esta é uma das hipóteses

166 “Totalidades que simplesmente se igualam às somas de suas partes não

são muito úteis, e alguns dos inteiros aqui foram menores do que as somas.

A revelação de uma conexão entre formas discrepantes de discurso é

iluminadora apenas quando desconcertante, ou, melhor ainda, subversiva,

porque a subversão da estrutura aparente de uma cultura é exatamente o que

esse tipo de abordagem de "texto social" pode oferecer. Minha suposição

geral, então, é que o estudo verdadeiramente interdisciplinar, ou pelo menos

um estudo interdisciplinar fértil, envolve desconforto. Como Clifford Geertz

discutiu em seu ensaio sobre as linhas genéricas "embaçadas" entre as

ciências sociais e humanas, a aplicação dos métodos ou premissas de uma

disciplina a outra parece necessariamente "desconcertante".” 167 “Não é uma disciplina, mas um produto midiático ou cultural.” 168 “Esse "uso" da literatura em relação ao direito muitas vezes assume uma

forma um tanto sentimental.”

172

defendidas na tese, segundo a qual uma visão romantizada da literatura

teria feito a abordagem parecer imune a qualquer crítica.

No que se refere especificamente ao projeto humanista, Weisberg

(1989 p.17) escreve:

The category of law in literature [...] encompasses

the sentimental version of the law-literature

connection which I mentioned earlier. We can read

literature to better understand concrete human

elements of law that conventional legal texts

obscure, and thus can use literature to educate

lawyers-to deabstract and “humanize” them169.

Esta chamada versão sentimental desenvolvida por Weisberg

(1989, p. 5), diz respeito à abordagem romantizada da obra literária,

segundo a qual o jurista se tornaria mais empático e sensível (mais

humano) a partir da leitura, sua tábua de salvação.

Para Weisberg (1989, p. 17), o jurista tornou-se desacreditado com

o direito, entendido como abstrato e mecanicista, motivo pelo qual

precisaria dialogar com as ciências humanas, em especial com a literatura,

para ultrapassar essas limitações. O autor, porém, discorda desta

premissa; para ele, o problema da área recai sobre a própria abstração dos

doutrinadores, não havendo razão para compreender o elemento humano

presente no direito como uma grande descoberta.

Mesmo a simples análise de casos concretos pode ajudar a

explicitar tal ponto: um exemplo, segundo Weisberg (1989, p. 18), seria

o caso do Estado vs. Williams, no qual um casal de índios nativo

americano foi levado à justiça por manter seu filho afastado dos cuidados

médicos tradicionais, o que o teria levado a morte. O casal foi acusado de

assassinato involuntário, mas diversos autores apontaram para a

necessidade de se vislumbrar o caso a partir de uma perspectiva

diferenciada, em respeito às tradições desta família.

Além disso, Weisberg (1989, p. 18) argumenta que, caso o direito

precisasse ser humanizado, seria necessário recorrer a outras ciências

humanas e não apenas à literatura, fazendo alusão à formação preliminar

169 “A categoria do direito na literatura [...] abrange a versão sentimental da

conexão entre direito e literatura que mencionei anteriormente. Podemos ler

literatura para entender melhor os elementos humanos presentes no direito e

obscurecidos pelos textos legais convencionais; portanto, podemos usar a

literatura para educar os advogados - para abstracioná-los e "humanizá-los".”

173

que os estudantes norte americanos precisam obter antes de ingressar nas

academias jurídicas deste país. Por fim, afirma o autor:

[...] to suggest that we must read the classics or

even modern literature to see these points, at least

at the level of generality at which these points are

pitched, is to suggest that lawyers or law students

are rather doltish. It suggests that students will miss

the point when they read the case itself, so that the

instructor must try the textual equivalent of a visual

aid-a novel or play-to make the point. If this task is

necessary, well, then it is necessary, but it tells us

little about law and literature170. (WEISBERG,

1989, p. 17).

Weisberg (1989), portanto, acredita que os trabalhos sobre o direito

na literatura tendem a ser generalistas, não oferecendo contribuições reais

sobre o direito ou sobre a cultura, além de vislumbrar a obra literária a

partir de uma ótica romântica, sentimental, e de estabelecer poucas

conexões úteis entre as duas áreas.

Figura 14: Robert Weisberg

Disponível em: < https://stanford.io/2AgofDh>. Acesso em 19 dez. 2018.

170 “Sugerir que devemos ler os clássicos ou mesmo literatura moderna para

ver esses pontos, pelo menos no nível de generalidade em que esses pontos

são apresentados, é sugerir que os advogados ou estudantes de direito são um

tanto ridículos. Pressupõe que os alunos perderão o ponto quando lerem o

caso em si, de modo que o instrutor deva experimentar um equivalente - um

romance ou uma peça - para explicar o assunto. Se essa tarefa é necessária,

bem, então é necessária, mas nos fala pouco sobre direito e literatura.”

174

Além disso, Weisberg (1989, p. 6), identifica, ainda, outros

significados agregados ao termo law and literature, que vão além deste

uso sentimental, como o realizado por James White:

The general claim is essentially that law and

literature are two parallel cultural phenomena; they

are both attempts to shape reality through language,

and are both concerned with matters of ambiguity,

interpretation, abstraction, and humanistic

judgment. They are also both performative

activities which require us to engage in some

combination of description of reality and ethical

judgment171. (WEISBERG, 1989, p. 6)

O problema para Weisberg (1989, p. 8), é que a abordagem de

White ignora um fato essencial: o direito e a literatura são extremamente

diferentes. Para explicar sua perspectiva, o autor propõe como exemplo

um mundo no qual ética/política e estética estejam unidas, como nos anos

iniciais da república estadunidense.

Conforme Weisberg (1989, p. 9), os juristas eram simultaneamente

elite cultural e política; além disso, havia uma demanda para constituir os

Estados Unidos como nação republicana e isso não seria possível sem o

apoio da cultura. Assim, a literatura exaltava os valores republicanos,

garantidos pelo direito.

Seguindo a explicação de Weisberg (1989, p.11), esses dois

elementos (direito e cultura/literatura), por diversos fatores , começam a

se separar na metade do século XIX; por esse motivo, ainda que o jurista

quisesse atuar como parte da elite cultural, a ele não mais cabia nem a

criação nem o controle da produção de cultura. Seu papel reduziu-se ao

de um árbitro, um “elitist museum-keeper of cultural value, where what

defines the elitist role is its superiority to the democratic mass rather than

171 “A alegação geral é essencialmente que direito e literatura são dois

fenômenos culturais paralelos; ambos são tentativas de moldar a realidade

através da linguagem e ambos estão preocupados com questões de

ambiguidade, interpretação, abstração e julgamento humanista. São também

atividades performativas que nos exigem uma combinação de descrição da

realidade e julgamento ético.”

175

its ability to represent and define and inspire the values of the mass172“.

(WEISBERG, 1989, p. 12).

Por essa razão, para Weisberg (1989, p.12) clamar por uma

unidade entre ética/política e estética é historicamente impossível e, ainda

que concebível, seria democraticamente arriscada – já que o jurista (e o

político) poderiam atuar de forma arbitrária, definindo os valores culturais

a serem preservados.

Além disso, Weisberg (1989, p. 13) apresenta uma outra versão a

respeito da união entre ética, política e literatura, chamada por ele de

versão totêmica. Para exemplificá-la, ele recorre às obras de Thomas

Stearns Eliot, escritor e crítico literário inglês, nascido nos Estados

Unidos. Conforme Weisberg (1989, p. 13):

Oddly enough, the best sources are some of Eliot’s

fascist-organic Works like After Strange Gods,

Notes Toward a Definition of Culture, and The

Idea of a Christian Society, works in which the

Reverend Eliot also becomes the legislator Eliot,

the programmer of a proper moral culture. Eliot’s

cultural essays, relying heavily on anthropological

writing about totemism, sketch out a sort of myth

of the primal or ideal society unified in its social-

moral aesthetic fabric. Eliot longs for a world

where human actions have moral valence which

they now lack in a secular society173.

Para Weisberg (1989, p. 14), Eliot distorce as sociedades antigas,

regidas pelo mito e pelo totem e preceitua o retorno a uma sociedade

orgânica primária, na qual o indivíduo vive inconscientemente ancorado

172 “elitista, conservador de museus, onde o que define seu papel é sua

superioridade à massa democrática e não sua capacidade de representar e

definir e inspirar os valores populares.” 173 “Curiosamente, as melhores fontes são algumas das obras orgânicas

fascistas de Eliot como Depois de Estranhos Deuses, Notas para a Definição

de Cultura e A Ideia de uma Sociedade Cristã, obras nas quais o Reverendo

Eliot também se torna o legislador Eliot, o programador de uma cultura moral

própria. Os ensaios culturais de Eliot, baseando-se fortemente em escritos

antropológicos sobre o totemismo, esboçam uma espécie de mito da

sociedade primária ou ideal unificada em seu tecido social-moralista. Eliot

anseia por um mundo onde as ações humanas tenham uma valência moral que

agora lhes falta numa sociedade secular.”

176

em regras morais, tendo como líder um legislador – um artista político.

Diferentemente do que ocorre no início da república estadunidense (no

qual o viés ideológico do artista político é expresso), na proposta de Eliot

a estética impessoal é invocada para disfarçar as intenções políticas. De

acordo com Weisberg (1989, p. 13-14): “The result is a very subtle ethical

aesthetics, a writing of fascistic laws of order into primal sensuousness.

It makes law preconscious. It is a dream of a brainwashed world, one for

which orderly conduct is unconscious174“.

Embora este modelo pareça o de uma sociedade baseada em

dogmas, a proposta de Eliot (conforme a interpretação de Weisberg), é a

de tornar o direito pré-consciente a partir da cultura (incluindo aqui, a

literatura). Nas palavras de Weisberg (1989, p. 14):

It is, above all, a world of orthodoxy. Eliot’s is a

wonderfully perverse dream of a world in which

law and literature are united, in which judgment of

precedent haunts all present action. So, Eliot’s

primal social structure is a perpetual moral

contract, and in the ideal world literature embodies

the contract. Eliot does not want belief or myth. He

does not want a society where law and letters enjoy

a rich and interesting relationship. Eliot hates the

modern-romantic idea that poetry does not give the

reader a chart of rules, but merely a measuring

guide for significance.” Rather he wants law, and a

world where the letter is the law. Art is a vision of

a legislated world175.

174 “O resultado é uma estética ética muito sutil, uma escrita de leis fascistas

de ordem primordial e sensitiva. Isso torna a lei pré-consciente. É um mundo

de lavagem cerebral, para o qual a conduta ordenada é inconsciente” 175 “É, acima de tudo, um mundo de ortodoxia. A visão de Eliot é um sonho

maravilhosamente perverso de um mundo em que o direito e a literatura estão

unidos, nos quais o julgamento do passado assombra toda a ação presente.

Assim, a estrutura social primordial de Eliot é um contrato moral perpétuo e,

no mundo ideal, a literatura incorpora o contrato. Eliot não quer crença ou

mito. Ele não quer uma sociedade onde as leis e as letras tenham um

relacionamento rico e interessante. Eliot odeia a ideia moderno-romântica de

que a poesia não oferece ao leitor um mapa de regras, mas apenas um guia de

medição de significância. Ao contrário, ele quer a lei e um mundo em que a

letra é a lei. Sua visão da arte é uma visão de um mundo legislado.”

177

Conforme a crítica de Weisberg, entender que ética/política e

estética estão (ou é desejável que estejam) unidas, ou é uma falácia (pois

direito e literatura estão separados desde o século XIX), ou deve ser

encarado como um perigo político, moral e psicológico.

No decorrer de sua crítica, Weisberg (1989, p. 15) admite que a

proposta de White se distancia das versões republicana e totêmica, pois

White acredita que a sociedade é unida por “cultural sinews176“, que

participam tanto do jurídico quanto do estético. Por esse motivo, é

possível a realização de uma crítica cultural, evidenciando o paralelismo

de disciplinas e discursos aparentemente desconexos.

More specifically, he would argue that we can

helpfully appreciate how various forms of

intellectual and political authority operate in a

culture by viewing these forms as, at some level,

imaginative or aesthetic creations177.

(WEISBERG, 1989, p. 15)”.

Em suma, para Weisberg (1989, p.15), White refina a seguinte

ideia nietzscheniana: “when life begins to look intolerable, we can

tolerate it if we treat it as an aesthetic phenomenon178“.

Entretanto, Weisberg (1989, p. 15) não deixa de problematizar esta

abordagem. Para ele, se tudo for tratado como estética, as bases e as

identidades das disciplinas (direito, literatura e as demais) começam a se

perder.

Vislumbra-se, portanto, que diversas são as críticas realizadas ao

projeto humanista do law and literature movement, iniciado com a

publicação de The Legal Imagination. No próximo tópico, tentarei

demonstrar porque as críticas ao referido projeto não são discutidas nas

pesquisas brasileiras.

176 “fibras culturais”. 177 “Mais especificamente, ele argumentaria que podemos apreciar

proveitosamente como as várias formas de autoridade intelectual e política

operam em uma cultura ao ver essas formas como, em algum nível, criações

imaginativas ou estéticas.” 178 “quando a vida começa a parecer intolerável, podemos tolerá-la se a

tratamos como um fenômeno estético”.

178

3.3 O PROJETO HUMANISTA NO BRASIL

Como já salientado, as propostas do projeto humanista iniciado por

James Boyd White estão presentes nas publicações brasileiras do acervo,

ainda que sem referência direta ao autor. A ideia de que a literatura pode

humanizar o direito foi traduzida para o Brasil, sendo uma premissa

recorrente em diversos trabalhos: das 126 pesquisas so acervo, 123 se

pautam nessa ideia, ainda que partam de objetivos diversos.

A crença no potencial humanizador da literatura é recorrente: “a

Literatura pode recuperar a humanidade do Direito, que anda tão

esquecida entre todos nós (SILVA; RIBEIRO, 2014, p.11)”; “[...] a leitura

e discussão de textos literários têm como efeito a ampliação do nosso

horizonte de compreensão, [...] [pois] humaniza os juristas e colabora para

a construção de uma formação mais crítica”. (TRINDADE, KARAM;

2015, p. 2); e ainda:

O direito pode ser estudado através da literatura.

Ela não apenas humaniza o direito, mas também

pode contribuir para a instituição de uma cultura

dos direitos ao tematizar questões como a justiça, a

liberdade, a igualdade, a diferença, entre outras

(STRECK; 2015, p. 227).

Neste sentido, ainda que a obra de White não seja sempre

referenciada ou mencionada, o espaço jurídico de direito e literatura

construído no Brasil compartilha de sua perspectiva humanista, segundo

a qual o direito pode ser humanizado pela literatura.

Para a presente tese, porém, o que chama a atenção é a ausência de

discussão das críticas realizadas por Posner e Weisberg a esse potencial

humanista179: em alguns trabalhos, há menção a Posner e Weisberg (ver

179 A título de informação, tem-se a dissertação de mestrado defendida em

2017 por Marilin Sperandio na Faculdade Meridional – IMED, intitulada

Direito, literatura e cárcere: uma análise crítica do projeto de remição de

pena pela leitura. No trabalho, a autora resgata os debates entre Martha

Nussbaum (para quem a literatura pode humanizar os indivíduos) e Posner

(que recusa tal premissa). A dissertação está fora do recorte estabelecido para

o acervo e por isso não foi analisada. Uma prévia do texto pode ser encontrada

em: <

https://www.imed.edu.br/Uploads/MARILIN%20SOARES%20SPERANDI

O%20(parcial).pdf>. Acesso em 04 jan. 2019.

179

Tabelas 6 e 7), o que pode indicar que os pesquisadores brasileiros têm

alguma noção dos escritos estes autores.

Tabela 6 – Referências a Posner nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa (chamada autor

data)

Obras referenciadas

GODOY (2008) 1. POSNER, Richard. Cardozo: a study

on reputation. Chicago: The University

of Chicago Press, 1990.

2. POSNER, Richard. Economic analysis

of law. New York: Aspen, 2002.

3. POSNER, Richard. Law and

Literature. Cambridge: Harvard

University Press, 1998.

4. POSNER, Richard. The little book of

plagiarism. New York: Pantheon,

2007.

5. POSNER, Richard. The problems of

jurisprudence. Cambridge: Harvard

University Press, 1993.

GODOY (2008B) 1. POSNER, Richard. Cardozo: a study

on reputation. Chicago: The University

of Chicago Press, 1990.

2. POSNER, Richard. The little book of

plagiarism. New York: Pantheon,

2007.

MARTINS (2016) 1. POSNER, Richard. How judges think.

Oxford: HART Publishing, 2008.

STRECK (2015) 1. POSNER, Richard. Law and

Literature. Cambridge: Harvard

University Press, 2009. OLIVO, MARTINEZ

(2014)

1. POSNER, Richard A. Law &

Literature: 3rd edition. Cambridge,

Massachusetts: Harvard University

Press, 2009. (Kindle Edition)

COSTA, LIMA (2015) 1. POSNER, Richard A. A problemática

da teoria moral e jurídica. Trad.

Marcelo Brandão Cipolla São Paulo:

Martins Fontes, 2012.

2. POSNER, Richard A. Como deciden

los jueces. Trad. Victoria Roca Pérez.

Madrid: Marcial Pons, 2011.

OLIVO, MARTINEZ

(2014B)

1. POSNER, Richard A. Law &

Literature: 3rd edition. Cambridge,

Massachusetts: Harvard University

Press, 2009. (Kindle Edition)

BRANCO (2011) 1. RICHARD A. Posner em “Remarks on

Law and Literature”. In: Loyola

University Chicago Law Journal —

Vol. 23.

YAMAMOTO (2015) 1. POSNER, Richard A. Law and

literature: a relation reargued, Virginia

Law Review, v. 72, n, 8, p. 1351-1392,

1986.

TRINDADE,

ROSENFIELD, CALGARO

(2015)

1. POSNER, Richard. Law & Literature.

3. ed. Cambridge/London: Harvard

University Press, 2009.

180

Total de pesquisas que o

referencia

10

Total de pesquisas que

referenciam obras de

Posner sobre Direito e

Literatura

6

Fonte: a autora (2018)

Tabela 7 – Referências a Robert Weisberg nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa

(chamada autor

data)

Obras referenciadas

OLIVO,

MARTINEZ

(2014B)

1. WEISBERG, Robert. The Law-Literature

Enterprise. Yale Journal of Law & the

Humanities, v. 1, iss. 1, article 4, 1989.

Total de

pesquisas que o

referencia

1

Fonte: a autora (2018)

Sobre Weisberg, embora o artigo citado seja justamente aquele no

qual o norte americano desenvolva boa parte de suas críticas, nada a

respeito de seu ceticismo é mencionado por Olivo e Martinez (2014B).

No que se refere à Posner, Godoy (2008), Streck (2015), Olivo e

Martinez (2014) e (2014B), Yamamoto (2015) e Trindade, Rosenfield e

Calgaro (2015), são autores que referenciam diretamente as obras de

Posner sobre direito e literatura: seu livro Law and Literature e o artigo

Law and Literature: a relation reargued. Ou seja, de 10 pesquisas, 6 tem

como referências escritos de Posner sobre o movimento estadunidense.

Alguns destes autores apontam conhecer a existência de críticas

gerais sobre o projeto humanista, mas tais críticas não são debatidas em

suas pesquisas:

Desde quando a proposta “Direito e Literatura”

passou a ser discutida no formato em que hoje a

conhecemos, ela foi tensionada por uma forte

reação contrária, cuja maior expressão talvez tenha

sido o posicionamento de Richard Posner. Para

vencer nesse front, compete ao movimento

aprimorar cada vez mais a qualidade de seus

trabalhos, de modo a inspirar não apenas aqueles

que já lhe são afetos, mas também os recalcitrantes

que suspeitam da seriedade dessa empreitada.

(OLIVO, MARTINEZ; 2014, p. 147)

Nas últimas décadas, a discussão a respeito da

possibilidade, ou não, de a literatura tornar os

181

leitores pessoas melhores constitui o centro de um

importante debate entre Martha Nussbaum e

Richard Posner. Sem adentrar no mérito – cuja

complexidade demandaria outro artigo – não tenho

dúvidas de que a literatura pode ensinar muito aos

juristas (STRECK, 2015, p. 227).

Godoy (2008, p. 9-10) também menciona a existência de críticas

ao movimento: “Há quem veja com ceticismo a aproximação entre direito

e literatura; é que o conhecimento geral que a literatura propicia não se

prestaria para solucionar questões marcadas pela lógica e pela abstração”.

Entretanto, não há identificação de quem seriam esses céticos. Em outro

texto, Godoy (2008B, p.22) afirma:

Mas há quem despreze a relação. Richard Posner

pretende que direito e literatura não têm nada a

contribuir mutuamente; o pragmatismo que

qualifica o pensamento do professor de Chicago

admite, tão-somente, o vínculo entre direito e

literatura nas reflexões referentes ao problema do

plágio (ou a criptominésia, ou a apropriação

inconsciente) e dos direitos autorais.

Conforme já debatido no tópico 3.2, as críticas de Posner são mais

complexas do que salientadas por Godoy (2008B) e parecem não ter sido

traduzidas para o espaço jurídico nacional. Por outro lado, em um dos

trabalhos Posner não é citado diretamente, mas ainda assim existem

menções a seu ceticismo:

Já Richard Posner, um dos maiores expoentes do

movimento Law and Economics, entende que

Direito e Literatura nada tem a contribuir

mutuamente, apenas nos estudos sobre plágio e

direitos autorais (no chamado direito da literatura)

(GODOY, 2007, p.1). (SOARES, OLIVEIRA

JÚNIOR; 2012, p. 12).

Soares e Oliveira Júnior (2012) tomaram conhecimento do

ceticismo de Posner a partir do artigo de Godoy, Direito e literatura. Os pais fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon

Fuller, publicado em livro no ano de 2008, mas previamente publicado

182

no site Jus Navigandi em 2007180. Assim como Soares e Oliveira Júnior

(2012), outros autores brasileiros podem ter tomado ciência das críticas

estadunidenses a partir do artigo de Godoy, mas como as críticas não são

debatidas, elas não foram, assim, traduzidas para o espaço jurídico do

movimento no Brasil, ao menos no que se refere aos trabalhados

relacionados ao projeto humanista.

Desta forma, importante destacar que o que se questiona, aqui, não

é a veracidade ou a falsidade da assertiva segundo a qual a literatura pode

humanizar o direito. A pergunta que se impõe é outra: porque as críticas,

em especial de Posner e Weisberg, não são debatidas nas pesquisas

brasileiras componentes do acervo?

Como afirmado na introdução deste trabalho, o parecerismo

diagnosticado por Nobre (2005) é uma possível explicação. Segundo o

referido autor, os juristas tendem a confundir pesquisa acadêmica com

peças profissionais, o que os motiva a enfatizar os argumentos favoráveis

às hipóteses levantadas e ocultar aqueles que as contradiga.

Não se pode esquecer, ainda, que a maior parte do que se escreveu

sobre o law and literature nos Estados Unidos não possui tradução

linguística no Brasil, com exceção do artigo de Ronald Dworkin (1982),

cuja perspectiva se enquadra no projeto hermenêutico e não no humanista.

A língua, assim, pode ser compreendida como um entrave para que tais

críticas sejam debatidas no cenário nacional181.

Todavia, foi possível inferir dos fragmentos acima que os

pesquisadores brasileiros têm alguma noção de que críticas foram feitas

ao movimento. Além disso, obras de Posner sobre o direito e literatura

aparecem como referência em 6 das 126 pesquisas analisadas e Weisberg

está presente em pelo menos uma. Assim, se o parecerismo oferece uma

explicação geral para a área do Direito e a fronteira idiomática parece ter

sido minimamente transposta por autores que reconhecem a existência

180 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura. Os pais

fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller.

Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1438, 9 jun. de 2007.ano 12, n. 1438, 9

jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9995>. Acesso

em: 17 jul. 2012. 181 Ademais, não se descartam aqui outras razões: existiria uma mera

reprodução da pesquisa de fora? As publicações visariam atender a uma

demanda produtivista que se exige volumoso número de publicações, mas

sem potencial argumentativo? Existiria um desconhecimento da produção

interna ou mesmo a falta de diálogo entre pesquisas nacionais?

183

das críticas, apresento, aqui, duas outras hipóteses que podem explicar

este fenômeno, especificamente no âmbito do direito e literatura.

A primeira, refere-se a possível crença disseminada no Brasil de

que não existem métodos para se estudar direito e literatura; a segunda, é

a própria crítica de Weisberg (1989), apresentada previamente, segundo

a qual existe uma visão sentimental da literatura em pesquisas locais.

Sobre a questão do arcabouço teórico metodológico, observe-se o

trecho a seguir:

Nenhum lugar, nem tempo, poderia ser melhor para

compreender a complexidade do homem em sua

vivência individual e social do que o não lugar e o

não tempo únicos do gesto criativo e, sob alguma

perspectiva, descomprometido da narrativa

literária. Esse, por certo, é o espaço ideal para

recolocar, incessantemente, as questões perenes do

Direito penal, sem, todavia, a necessidade de um

arranjo técnico-científico de ideias, sem a

exigência de um discurso lógico e não

contraditório, sem a pretensão, já, de partida

sabidamente inalcançável, de justiça, completude e

resolução. À literatura, em seu lúdico espaço

inventivo, é permitido o desencontro, a

contradição, a contingência, e, em sua inerente

imperfeição, se faz mais próxima do modo de ser

humano e, descomprometida com respostas, se faz,

igualmente, arte de descrever a humanidade dos

homens. (D’AVILA, 2010, p. 156). [Grifou-se]

É como se a literatura, por ser uma linguagem artística conectada,

também, com o entretenimento, a imaginação e a subjetividade,

dispensasse a utilização de um arranjo técnico-científico. Todavia, não se

pode esquecer que a Literatura, como área do conhecimento humano,

investiga, também, as produções literárias a partir de teorias e métodos

próprios, o que a constituem como área acadêmica autônoma.

Como a literatura é um objeto multifacetado e polissêmico, são

diversas as maneiras pelas quais os estudos acadêmicos podem se propor

a analisá-lo. Sobre o assunto, Wellek e Warren (1971, p. 119) afirmam:

Temos, primeiramente, a sociologia do escritor e

da profissão e das instituições da literatura, toda a

questão da base econômica da produção literária, a

origem e condição social do escritor, a sua

184

ideologia social, que pode encontrar expressão em

afirmações e atividades extraliterárias. Depois,

temos o problema do conteúdo social, das

implicações e finalidades sociais das obras

literárias em si próprias. Por último, temos o

problema do público e da verdadeira influência

social da literatura. A questão de apurar o ponto até

onde a literatura é efetivamente determinada pelo

ambiente social ou dele dependente constitui, de

uma ou outra forma, aspecto comum aos três

aspectos do nosso problema: sociologia do escritor,

conteúdo social das obras em si próprias e

influência da literatura na sociedade. Teremos de

tomar uma decisão quanto ao que se deverá

entender por dependência ou causa; e, em última

instância, atingiremos o problema da integração

cultural e, especificamente, a maneira por que a

nossa cultura é integrada.

Essas delimitações metodológicas levam em consideração que,

muito além do texto, a literatura está conectada a uma série de fatores

econômicos, sociais, estéticos, políticos, psicológicos e, pode-se dizer,

jurídicos. Estes fatores, entretanto, não aparecem de forma transparente:

são emaranhados complexos, que devem ser cuidadosamente

destrinchados pelo pesquisador que pretende compreendê-los, a partir de

métodos e teorias.

Em outra passagem, é possível perceber ainda um receio no que se

refere à metodologia:

A finalidade precípua deste artigo, denominado “A

ideia de justiça e a essência do trágico”, foi

acompanhar o desenvolvimento da concepção

grega de Justiça com o processo de composição do

trágico. Nessa trajetória foram detectados vários

pontos convergentes que justificaram plenamente o

enfoque interdisciplinar proposto. Sublinhe se que

essa ligação foi extremamente esclarecedora para a

compreensão do conceito de Justiça que os gregos

teorizaram; isto reforça nossa opinião de que uma

articulação do direito e da filosofia com a literatura,

as artes e a cultura amplia o enfoque interpretativo

e possibilita captar todo um manancial de

significações que subjazem ao arcabouço

conceitual formulado, o que nem sempre vem à

185

tona se o estudo seguir um rigor metodológico

estéril e neutralizador. (BENTES, 2014, p. 18).

[Grifou-se]

É certo que não há maiores explicações sobre o que seria um “rigor

metodológico estéril e neutralizador”, mas o fragmento evidencia uma

ideia de negação do método. Isso pode ser explicado, em parte, pela

hermenêutica filosófica, disciplina bastante difundida no direito, talvez

em razão da cadeira obrigatória de hermenêutica nos cursos de graduação;

alguns autores do acervo utilizam da perspectiva hermenêutica para falar

do método:

A hermenêutica filosófica, ao decretar a “morte” do

método, não se mostra, por isso, consentânea com

o irracionalismo ou com o subjetivismo arbitrário.

Ao revés, designadamente em face de tal

constatação – a crise do método – é que o intérprete

precisa ancorar-se na tradição que decorre do

processo histórico e da consciência dos efeitos da

história nos institutos e na tomada de decisão.

Ademais, o caráter alográfico do Direito demanda

um esforço por parte do hermeneuta para a

concretização normativa em atenção aos

balizamentos constitucionais, diante da diferença

entre texto e norma. (COSTA e LIMA; 2015, p.

354)

Gadamer, partindo da matriz heideggeriana,

chegou a uma interessante constatação

hermenêutica. Se o homem é marcado por uma

visão histórica, decorrente do contexto no qual está

inserido, não existe método capaz de livrá-lo de

determinados preconceitos. Os preconceitos, ou

pré-compreensões, incorporados em um dado

momento histórico condicionam o pensar e agir de

um indivíduo. A própria escolha por um método

está subordinada a esses preconceitos. [...] Não é

possível desvendar plenamente as ciências sociais

por meio de um método, mas alcançar uma verdade

reconhecidamente precária. (MOREIRA,

CAMPANHA; 2013, p.13)

186

Assim, é possível que os pesquisadores do recorte, influenciados

pela Hermenêutica Filosófica, considerem a metodologia de pesquisa

algo dispensável ao se tratar de direito e literatura.

Entretanto, como os autores brasileiros foram também

influenciados pelo law and literature estadunidense, é necessário

vislumbrar o que se escreve sobre métodos no Brasil levando em

consideração a interpretação destes autores sobre o movimento norte

americano:

Com efeito, frise-se que o estudo do Direito e da

Literatura nos Estados Unidos da América tomou

corpo mesmo com certa ausência de metodologia.

Com bastante evidência, um dos grandes objetivos

dessa proposta foi encontrar na Literatura, pontos

de apoio que forneçam ao Direito compreensões

necessárias a serem amealhadas e reprocessadas

por sua lógica funcional, ou seja, sobre o bem e o

mal, o justo e o injusto e o legal e o ilegal. Levando-

se em consideração que o ato literário é um ato

criativo, o acoplamento entre os sistemas sociais

(Direito e Arte-Literatura) é possibilitado pela

comunicação, em suas mais variadas formas. Neste

sentido, ambos, Direito e Literatura, são

comunicação em estado puro, e, no caso específico,

comunicação via linguagem. (Grifou-se) (SILVA,

2015, p. 88).

No artigo “Law and Literature: No manifest”

(1988), James Boyd White, ao indagar sobre a

importância desta área de estudo, reconhece que

não é fácil perceber o que a literatura, enquanto

arte, tem a oferecer ao direito. Ao contrário do que

normalmente se espera, a literatura não pode

oferecer métodos e técnicas (motivo pelo qual o

movimento não tem um manifesto que procure

consolidar e legitimar um determinado método de

análise), mas uma nova forma de leitura que não se

resume a questões de estilo, mas que se refere

também – e principalmente – a questões de

conteúdo, de substância. (JUNQUEIRA, 1998, p.

22-23). [Grifou-se]

Nos trechos acima, está presente a ideia de que o movimento

estadunidense se iniciou sem uma metodologia própria. Porém, em outros

187

trechos, há uma afirmação contrária: a divisão do tema em vertentes

(direito na literatura e direito como literatura) já seria uma proposta

metodológica: “O presente artigo se desenvolve no campo de estudo

denominado ‘Direito e Literatura’, mais especificamente na vertente

metodológica ‘Direito como Literatura’” (OLIVO e MARTINEZ, 2014,

p.119). [Grifou-se]; “buscamos estabelecer, no que tange ao método,

como a literatura pode servir de instrumento para a compreensão da

estruturação da sociedade em um determinado espaço e tempo, para além

da crítica estética. (CAMPOS, 2015, p.11)”. Essa perspectiva se repete:

Como já é informação corrente, o movimento Law

and Literature foi iniciado nos Estados Unidos da

América nos anos setenta, aperfeiçoando-se na

seguinte década, tendo como objetivo encontrar na

literatura pontos de contato que forneçam ao

Direito diferentes subsídios para entender o bem e

o mal, o justo e o injusto, o legal e o ilegal, dentre

outros dilemas humanos, facilmente encontrados

nos diferentes Tribunais, nacionais e

internacionais. Via de regra, existe uma divisão

metodológica para se estudar esse movimento: o

Direito na Literatura, o Direito como Literatura e o

Direito da Literatura. (NASCIMENTO e

SALDANHA, 2013, p. 2-3) [Grifou-se]

Em terceiro lugar, analisar-se-á o papel do direito

na pacificação e conciliação dos conflitos entre

pares rivais com base nos próprios relatos literários

contidos na obra “Romeo and Juliet”, segundo a

visão metodológica que permite relacionar e

compreender o Direito através da Literatura.

(SILVA e RIBEIRO, 2014, p. 4) [Grifou-se]

A distinção metodológica mais conhecida em

Direito e Literatura pode ser apresentada por meio

de três categorias distintas: (a) Direito na literatura

(Law in literature), corrente que estuda como se

manifestam e como são representados os

fenômenos jurídicos no interior de obras literárias;

(b) Direito como Literatura (Law as literature),

linha em que são analisadas as qualidades literárias

do direito, examinando-se os textos e discursos

jurídicos como literatura; (c) e, por último, o

Direito da literatura (Law of literature), categoria

188

que estuda as disciplinas de direito privado ligadas

à regulamentação jurídica do meio literário

(TRINDADE, ROSENFIELD, CALGARO; 2015,

p. 127)

Parece, assim, que há uma certa discordância sobre o que seja, de

fato, uma metodologia de análise relativa a área de direito e literatura: em

algumas pesquisas brasileiras do acervo ela é ora indesejável, ora

inexistente e ora é a própria divisão do movimento norte-americano em

vertentes. Essa compreensão múltipla do que seria o método teria

influenciado a tradução do movimento e a consequente construção do

espaço jurídico brasileiro, o que teria culminado nessa discordância sobre

o método.

Foge aos objetivos desta tese investigar se o método é ou não

necessário ou existente; o que se objetiva aqui demonstrar é que no espaço

jurídico em questão há uma discordância sobre o conceito de método e

metodologia, o que pode ter contribuído para que os autores nacionais do

acervo se afastassem das críticas estadunidenses.

Assim como Haba (2007), compreendo que há uma confusão na

seara jurídica sobre os termos método e metodologia. Em sentido estrito,

se llama método (propiamente dicho) a algún

procedimiento estândar que, ordenado según

determinadas reglas explícitas que se conocen y

aplican de modo intersubjetivo en el seno de una

disciplina dada, es utilizado por los profesionales

de esta para obtener, normalmente, cierta clase de

resultados (estándar) que pueden, así, ser

netamente pre-vistos y alcanzarse con seguridad –

o, por lo menos, con alto grado de probabilidad–

mediante el método en cuestión182. (HABA, 2003,

p. 256).

Este conceito está intimamente ligado a ideia de método científico

próprio das ditas ciências duras e parte do princípio de que seguindo uma

182 “é chamado de método (propriamente dito) um procedimento padrão que,

organizado de acordo com certas regras conhecidas e aplicadas

intersubjetivamente dentro de uma disciplina, é usado pelos profissionais

para obter, normalmente, uma determinada classe de resultados (padrão) que

podem ser claramente visualizados e alcançados com segurança - ou, pelo

menos, com um alto grau de probabilidade - pelo método em questão.”

189

série de instruções pré-determinadas, diferentes pesquisadores chegarão

ao mesmo resultado. Todavia, seguindo a taxonomia das ciências de

Charles Peirce (1997), o direito é uma ciência social aplicada, o que

significa dizer que seu objetivo não é lançar modelos teóricos ou

proposições lógicas. As ciências sociais aplicadas lidam com problemas

sociais práticos e justamente em razão do caráter social (humano)

presente na área, é possível que diferentes pesquisadores cheguem a

diferentes resultados, ainda que seguindo as mesmas instruções.

Desta forma, para Haba (2007, p. 132):

en el derecho basta con unos métodos más amplios.

Bueno, también estos últimos «métodos» señalan:

tal es el primer paso, a renglón seguido viene otro,

luego un tercero, etc.; sólo que, a diferencia de lo

requerido en el laboratorio, los pasos del “método”

jurídico pueden efectuarse en formas bastante

diferentes, según la inteligencia de la persona, sus

variados conocimientos, etcétera. Y si hasta a eso

se le quiere llamar «método», ¿quién puede

prohibirlo? Claro, les pueden llamar «métodos»,

solo que ello conduce a resultados completamente

distintos de lo que por lo habitual la gente

sobreentiendecuando les presentan un libro de

Metodología.

Assim é possível que quando os autores do acervo negam a ideia

de método, estejam se referindo ao método em sentido estrito, como

tradicionalmente se faz na área do Direito (HABA, 2007). Por isso, se não

existem instruções a serem seguidas, não há método; se não há método,

não há uma forma de se escrever sobre direito e literatura, o que pode

indicar que todas as análises são válidas e, portanto, não criticáveis.

Entretanto, existem limites para as análises de direito e literatura

na medida em que a obra literária pode ser compreendida como fonte de

pesquisa acadêmica. Não pretendo estabelecer quais seriam os limites

deste binômio validade/invalidade na presente tese, mas acredito ser

necessário demonstrar o quão importante é compreender a literatura em

particular e a cultura em geral como documento a ser analisado.

Observe-se, por exemplo, os seguintes trechos, encontrados em

pesquisas do acervo:

[...] a cultura de verdade, contestatória por

natureza, sempre gerou medo, desconforto e

190

repulsa nas massas ignorantes e inebriadas pelas

pequenas vantagens do Sistema [...]. E o que dizer

do desesperançado Ulrich, personagem do

polifônico “O homem sem qualidades”, romance

de Robert Musil? No capítulo 13 da primeira parte

dessa enorme enciclopédia da ironia, Ulrich, típico

acadêmico austríaco do início do século passado,

meio niilista, meio epicurista, meio a mistura

dessas duas coisas com nada, espanta-se ao ler um

jornal e nele notar que certo cavalo de corrida havia

sido classificado como genial. Ele já vira lutadores

de boxe e jogadores de futebol serem agraciados

com esse adjetivo antes reservado aos da Vincis,

Mozarts e Dostoiévskis, mas o fato de agora poder

definir também um cavalo de corrida – companhia

mais do que adequada aos jogadores de futebol –

lhe parece um sinal dos tempos. Esse capítulo do

livro de Musil foi ambientado em 1913, escrito na

década de 20 e publicado em 1930 na Áustria. O

que diria ele hoje, no Brasil, ao comparar os

parcos e insossos suplementos culturais dos nossos

mais importantes jornais com os portentosos,

volumosos e avidamente lidos cadernos de

esportes? É realmente um sinal dos tempos. Dos

tempos das distopias. (Grifou-se. MATOS, 2011,

p. 6567-6568)

Para melhor compreensão deste fenômeno,

podemos admitir alguma influência da literatura e

das artes plásticas como canais de representação e

projeção da realidade. O mesmo se pode admitir

em relação à projeção cinematográfica na formação

do homem contemporâneo. Como afirma Fernando

J. Armando Ribeiro (2007, p.19), “Ao contrário da

televisão, por sua própria natureza invasiva e

sempre pronta a nos fustigar com suas imagens e

informações, o cinema é mais passivo, quase

silencioso, e espera pacientemente ser

conquistado. [...]. (Grifou-se. FERRAZ, 2013, p.

7).

No primeiro caso, pode-se vislumbrar uma recusa a cultura popular

ali exemplificada pelo futebol, em contraposição a uma “cultura

verdadeira, contestatória por natureza”. No segundo, o autor concorda

191

com uma citação que hierarquiza a televisão e o cinema, sendo este último

apresentado como algo positivo, e a televisão como algo negativo.

Ainda que não seja um discurso corriqueiro, essa visão

hierarquizante em muito distoa do que é debatido em outras áreas das

ciências humanas. Ocorre que a dicotomia entre cultura erudita e cultura

popular suscita diversas discussões desde, no mínimo, a publicação do

texto A Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas, de Adorno e Horkheimer (1985) no qual é cunhado o termo

indústria cultural. Para os autores, a cultura é absorvida pelo capitalismo

e passa a ser comercializada como um produto, perdendo seu caráter

reflexivo.

Esse tema será muito trabalhado por Adorno que irá criticar a

cultura de massas, em geral e a música, em específico, como produtos

alienantes e incapazes de gerar reflexões críticas. Todavia, ao realizar

uma pesquisa empírica sobre o grau de crença dos telespectadores nas

mensagens midiáticas veiculadas, o próprio Adorno (2002, p. 116) muda

sua posição, vislumbrando certa resistência na audiência:

as pessoas aceitam e consomem o que a indústria

cultural lhes oferece para o tempo livre, mas com

um tipo de reserva, de forma semelhante à maneira

como mesmo os mais ingênuos não consideram

reais os episódios fornecidos pelo teatro e pelo

cinema. Talvez mais ainda: não se acredita

inteiramente neles.

Além disso, o próprio surgimento dos estudos culturais na

Universidade de Birmingham em 1964 (ESCOSTEGUY, 1998, p. 88),

altera a forma pela qual a cultura popular é vista. Segundo Marisa Costa,

Rosa Silveira e Luis Sommer (2003, p.36), o gosto das multidões é

incorporado, passando a ser também objeto de estudo. O cinema, os

quadrinhos, a literatura popular, novelas e seriados televisivos são

exemplos de produções estudadas. Desta forma, conforme Costa, Silveira

e Sommer (2003, p.38):

Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos

etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo

de rock, por exemplo, não são apenas

manifestações culturais. Eles são artefatos

produtivos, são práticas de representação,

inventam sentidos que circulam e operam nas

192

arenas culturais onde o significado é negociado e

as hierarquias são estabelecidas.

No caso específico da literatura, cumpre ressaltar a observação de

Wellek e Warren (1971, p. 137), segundo a qual a hierarquia de literaturas

(boa obra x má obra) perpassa a questão da literatura como espelho do

real:

Pode defender-se que a “verdade social” – embora,

como tal, não seja um valor artístico – corrobora

valores artísticos, tais como a complexidade e a

coerência. Mas não é necessariamente assim.

Existe grande literatura que pouca ou nenhuma

relevância social tem; a literatura social é apenas

uma espécie de literatura e não é o núcleo da teoria

da literatura – a menos que se seja da opinião de

que a literatura é primordialmente uma “imitação”

da vida, tal qual esta é, e da vida social em

particular. Mas a literatura não é nenhum substituto

da sociologia ou da política. Tem justificação e

objetivo específicos.

Observe-se, assim, que essa hierarquização de linguagens artísticas

não se sustenta sob nenhum fundamento válido. Neste sentido, o jurista

precisa estar atento às discussões relativas ao estudo da literatura,

inclusive para não insistir em críticas que já foram superadas por novos

paradigmas de pesquisa, como a discussão sobre a hierarquia entre

literatura clássica e literatura popular, já combatida pelos estudos

culturais.

De volta à hipótese relativa à confusão quanto ao método, mesmo

que em algumas passagens os autores brasileiros demonstrem ter ciência

das críticas de Posner, por exemplo, elas sequer são discutidas, talvez por

partilharem da percepção de que tudo o que se escreve sobre direito e

literatura é válido, justamente porque não há uma metodologia específica

para realizar tais pesquisas.

Da mesma maneira, nas passagens nas quais se defende que a

divisão do direito e literatura em vertentes como um método em si, existe uma confusão sobre o conceito. Embora mais próximo do conceito de

metodologia em sentido amplo cunhado por Haba (2007), nele não se

enquadra porque a simples classificação em vertentes não fornece

explicações sobre como fazer, mas sim sobre o que fazer: no caso do

193

projeto humanista, busca-se identificar o direito representado na

literatura.

A isso soma-se uma outra questão, apresentada por Weisberg

(1989) para criticar a produção acadêmica norte americana: a visão

sentimental da literatura, expressão cunhada pelo referido autor. Neste

sentido, o jurista encontra-se tão desacreditado com o direito que

vislumbra a literatura como uma válvula de escape, capaz de resolver os

problemas da seara jurídica. Justamente por não discutirem as críticas de

Posner (2009) e do próprio Weisberg (1989), os autores brasileiros do

recorte analisado não questionam as premissas básicas do projeto

humanista, partindo do pressuposto de que vislumbrar o direito na

literatura ou o direito como literatura são possibilidades auto evidentes.

Dentro dessa perspectiva que fundamenta o referido projeto nos

Estados Unidos, a literatura humaniza o direito, sendo associada a um viés

positivo, enquanto o direito é vinculado à técnica, um viés negativo.

Convenciona-se no espaço jurídico de direito e literatura, portanto, a ideia

de que literatura pode tornar o direito melhor (mais humano), sendo tal

premissa aceita como válida e, por isso, não criticada.

Assim, aceitar a taxonomia estadunidense (direito na literatura)

como uma metodologia tradicionalmente firmada e compreender a

literatura como um instrumento positivo de humanização do direito pode

ter contribuído para a ideia de que basta demonstrar como o direito está

presente na literatura para fazer pesquisa sobre o assunto, sem se atentar

ao fato de que tais fundamentos podem não ser pacíficos.

Desta forma, as críticas podem ter sido compreendidas no

fenômeno de tradução como um assunto de menor importância, posto que

há uma assertiva reiterada de que é possível vislumbrar o direito na

literatura, assentada sobre a máxima de que esta representação torna o

direito mais humano; em outras palavras, é possível pensar essa ideia

como um dogma (no sentido de que não permite críticas) fundamentado

na convenção de que a literatura é capaz de melhorar o direito e que

qualquer crítica feita sobre a questão deve ser compreendida como

insuficiente para contradizê-lo.

Isso ajuda a entender porque há nas pesquisas do acervo alguma

noção sobre as críticas norte americanas, e porque elas não são debatidas:

além da tradição parecerista (NOBRE, 2005) e da questão do idioma, há tanto uma confusão sobre a questão do método quanto uma visão

sentimental da literatura; essas hipóteses compreendidas em conjunto

poderiam explicar o que torna as críticas um detalhe não passível de

investigação e, por isso, não traduzido pelos pesquisadores inseridos no

espaço jurídico do direito e literatura brasileiro.

194

Passo, agora, a apresentar um retrato do projeto hermenêutico, que

busca aplicar teorias de interpretação ao direito.

195

4 O PROJETO HERMENÊUTICO – OU, O DIREITO COMO

LITERATURA

No capítulo três tive por foco o projeto humanista; tratei de sua

emergência, as condições que possibilitaram seu surgimento institucional,

as principais críticas sobre a abordagem e como a ideia fundamental deste

projeto (a literatura humaniza o direito) aparecem nas pesquisas

brasileiras.

Contudo, a abordagem humanista não é a única proposta de

conexão entre estas duas áreas. Na década de 1980, autores como Ronald

Dworkin (1982) e Sanford Levinson (1982) publicaram ensaios relativos

a um tema que direito e literatura partilham: a interpretação.

Segundo Peters (2005, p. 445), o projeto humanista apresentava-se

como um antídoto para a burocracia jurídica, mas mostrava-se distante

dos debates travados na teoria literária dos anos 1970 e 1980. O desafio

que se impunha ao crítico literário relacionava-se “to the identity of the

human subject presumed by traditional humanism and to the identity of

the humanista text as the central agente of human meaning183“ (PETERS,

2005, p. 445).

Peters (2005) afirma que com a morte do autor184, a busca por uma

realidade ética a partir de textos ou de autores (como a proposta pelo

projeto humanista) se tornou uma ideia ingênua. Desta forma,

If literature had something to offer law, it was not

a return to an outmoded humanism but a set of

radical challenges to the originalist and textualist

theories of interpretation sustaining the rulings of

an increasingly reactionary court. Literary

hermeneutics seemed, then, to promise liberation

of the law from its bond age to an archaic text and

183 “à identidade do assunto humanidade presumido pelo humanismo

tradicional e à identidade do texto humanista como agente central do

significado humano” 184 Peters (2005) parece se referir ao texto de Roland Barthes, A morte do

autor, que diz respeito a desimportância de uma intenção autoral nos textos

diante do repertório pessoal do leitor. Mais informações em: BARTHES,

Roland. A Morte do Autor. In: BARTHES, Roland. O Rumor da Língua. São

Paulo: Martins Fontes, 2004.

196

to the dead white men who continued to haunt it185.

(PETERS, 2005, p. 446).

Ao contrário do projeto humanista, originado apenas dentro das

faculdades de direito, o projeto hermenêutico teria se iniciado tanto nas

faculdades de direito quanto nas de literatura, a partir da frustração do

jurista, preso ao tecnicismo, e do literato, limitado a teorias. Para Thomas

(2017, p. 37):

in both law schools and in literature departments,

there was a heightened interest in theory, for the

most part continental theory. Among those most

interested were members of the critical legal

studies movement, which certainly was politically

motivated. Since literature departments were the

clearinghouses for poststructuralist thought, these

legal scholars, some of whom had turned to law

when the job market in literary studies collapsed,

read literary theorists. At the same time, as Peters

notes, some literary scholars calling for a political

turn in criticism saw the law as a discipline with

much more direct influence on politics than

literature. For them, the work of critical legal

studies was a fruitful place to explore the political

implications of various new theories. These

theories, it was found, could be profitably applied

to interpretations of legal documents as well as to

works of literature186.

185 “Se a literatura tinha algo a oferecer ao direito, não era um retorno a um

humanismo antiquado, mas um conjunto de desafios radicais às teorias da

interpretação, que sustentavam as decisões de um tribunal cada vez mais

reacionário. A hermenêutica literária parecia, então, prometer a liberação do

direito de seu vínculo com texto arcaico e com os homens brancos e mortos

que continuavam a assombrá-lo.” 186 “nas faculdades de direito e nos departamentos de literatura, havia um

interesse maior pela teoria. Entre os mais interessados estavam os membros

do movimento crítico de estudos jurídicos, que certamente tinha motivação

política. Como os departamentos de literatura eram um refúgio para o

pensamento pós-estruturalista, esses estudiosos do direito, alguns dos quais

haviam se voltado para o direito quando o mercado de trabalho nos estudos

literários entrou em colapso, leram teóricos da literatura. Ao mesmo tempo,

como observa Peters, alguns estudiosos da literatura que ansiavam uma

197

Os autores dedicados ao projeto hermenêutico tinham proposta

diferente da iniciada por White em The Legal Imagination. Ao invés de

se debruçarem nas obras literárias propriamente ditas, a atenção é voltada

para teorias literárias, especialmente o desconstrutivismo de Jacques

Derrida. Inclusive, na terceira edição de sua obra, Posner escreve (2009,

p. 274):

When I wrote this chapter for the first edition more

than two decades ago, interpretation was a hot

topic, both in literary criticism, which had been

deeply penetrated by deconstruction (whose

premise has been waggishly described as “all texts

are allegories of their own unreadability”), and in

legal scholarship. A strong conservative attack on

the freewheeling jurisprudence of liberal Supreme

Court Justices was being mounted by Robert

Bork187 and others under the banner of “original

intent” and as vigorously rebutted by liberal legal

scholars such as Ronald Dworkin. The bridge

between legal and literary interpretive concepts

was Stanley Fish, an interpretive skeptic as hostile

to Dworkin as to Bork188.

virada política na crítica literária viam o direito como uma disciplina que

tinha mais influência na política, do que a literatura. Para eles, o trabalho de

estudos jurídicos críticos foi um lugar frutífero para explorar as implicações

políticas de várias novas teorias. Descobriu-se que essas teorias poderiam ser

aplicadas tanto a interpretações de documentos jurídicos, como a obras de

literatura.” 187 Mais informações sobre o juiz Bork em:

<https://www.conjur.com.br/2014-jul-27/embargos-culturais-robert-bork-

conservadorismo-originalismo>. Acesso em 04 jan. 2019. 188 “Quando escrevi este capítulo para a primeira edição, mais de duas

décadas atrás, interpretação era um tema atual, tanto na crítica literária, que

havia sido profundamente penetrada pelo desconstrutivismo (cuja premissa

tem sido descrita como “todos os textos são alegorias de sua própria

incapacidade de leitura”) e na área de estudos jurídicos. Um forte ataque

conservador à filosofia dos juízes liberais da Suprema Corte estava sendo

montado por Robert Bork e outros sob a bandeira da “intenção original”,

sendo vigorosamente refutado por estudiosos jurídicos liberais como Ronald

Dworkin. A ponte entre os conceitos interpretativos jurídicos e literários foi

Stanley Fish, um cético interpretativo hostil tanto à Dworkin quanto à Bork.”

198

Ou seja, para Posner (2009), a questão do desconstrutivismo e da

livre interpretação do juiz está diretamente relacionada a uma espécie de

ativismo judicial, em contraposição a uma atitude mais conservadora,

positivista, que defendia a intenção original do texto legal e que passou a

vigorar na Suprema Corte Americana:

The topic of interpretation has cooled in both

fields. The focus of literary theory has shifted from

deconstruction, now widely believed passé, to

feminist and multiculturalist criticism of the

literary canon and to exploration of the historical

contexts of literary works (the “new historicism”),

while a conservative Supreme Court has restored

respect for text and caused “noninterpretivists” to

retrench, so that interest has shifted from

techniques of interpretation to the interpretive

fidelity of particular case outcomes. Another

coolant has been the near-exhaustion of the subject.

Though it continues to attract the attention of able

legal scholars, the harvest from all that has been

written about legal interpretation is meager189.

(POSNER, 2009, p. 274).

Desta forma, no intuito de fornecer alternativas à uma

interpretação gramatical literal, os juristas da época se inspiraram na

teoria literária no intuito de deslocar o foco do autor (legislador) para o

intérprete (juiz); em outras palavras, uma das preocupações presentes nos

textos deste período é fornecer parâmetros de interpretação para os

magistrados.

Hursh (2013) demarca o ano de 1988 como o momento fundador

do projeto hermenêutico, em virtude da publicação da coletânea

189 “O tema da interpretação esfriou nos dois campos. O foco da teoria

literária mudou do desconstrutivismo para a crítica feminista e

multiculturalista do cânone literário e para a exploração dos contextos

históricos das obras literárias (o "novo historicismo"), enquanto uma

Suprema Corte conservadora restaurou o respeito para o texto e fez com que

os "não-interpretantes" recuassem, de modo que o interesse passou de

técnicas de interpretação para a fidelidade interpretativa. Outro ponto que fez

a discussão esfriar foi a quase exaustão do sujeito. Embora continue a atrair

a atenção de acadêmicos capazes, a colheita de tudo o que foi escrito sobre

interpretação jurídica é escassa”.

199

Interpreting Law and Literature: A Hermeneutic Reader, de Sanford

Levinson e Steven Mailloux. Todavia, discordo do autor pois a partir de

1981 já é possível encontrar pesquisas relativas a direito, interpretação e

teoria literária. Um exemplo, é a obra The Politics of Interpretation,

organizada por W.J.T. Mitchell, professor de inglês da Universidade de

Chicago, que reúne ensaios de autores como Ronald Dworkin, Edward

Said, Terry Eagleton, Hayden White, Gayatri Spivak e Stanley Fish. O

livro, resultado de um Simpósio realizado na Universidade de Chicago

em 1981, contém um dos principais debates sobre o direito e

interpretação, protagonizado por Ronald Dworkin e Stanley Fish.

Neste capítulo, apresentarei a polêmica entre Dworkin, Fish e

outros autores que buscaram fornecer alguma contribuição para a querela.

Em seguida, será demonstrado como o projeto hermenêutico aparece nas

pesquisas brasileiras sobre direito e literatura, buscando compreender as

razões pelas quais as críticas realizadas ao projeto hermenêutico não

aparecem no Brasil.

4.1 RONALD DWORKIN E STANLEY FISH: A TEORIA DO

ROMANCE EM CADEIA E SUAS CRÍTICAS

Conforme Mitchell (1982), em 1981 a Universidade de Chicago

sediou um simpósio intitulado The Politics of Interpretation, dedicado a

debater a influência da interpretação e da crítica literária na política. O

resultado das discussões foi publicado em 1982, no periódico

estadunidense Critical Inquiry e também no livro The Politics of

Interpretation. Na introdução da obra, Mitchell (1982, p. 2) adverte:

Between the lines of the following pages you

should be able to hear the voices of Whigs and

Tories, Goldwater Republicans and New Deal

Democrats, orthodox and maverick Marxists,

utopian socialists and Third World Maoists,

masculists and feminists, wishy-washy liberals and

committed revolutionaries. Sometimes, to be sure,

several of these voices seem to be coming in a

polyphonic heteroglossia from the mouth of a

single writer190.

190 “Entre as linhas das páginas seguintes, você poderá ouvir as vozes de

Whigs e Tories, Goldwater Republicans e New Deal Democrats, marxistas

ortodoxos e dissidentes, socialistas utópicos e maoístas do Terceiro Mundo,

masculistas e feministas, liberais caridosos e revolucionários comprometidos.

200

Neste sentido, embora as publicações oriundas do seminário

tenham um ponto central abordado a partir de perspectivas diversas, o

foco será uma polêmica específica que gerou grandes repercussões no law

and literature movement. Refiro-me ao debate iniciado pelo jusfilósofo

Ronald Dworkin, em seu artigo Law as Interpretation, e a réplica do

teórico literário Stanley Fish, Working on the chain gang: interpretation

in the law and in literary criticism. Os textos foram publicados

simultaneamente no periódico e no livro, sendo que neste último há,

ainda, uma réplica de Dworkin à crítica de Fish. Para compreender a

discussão iniciada pelos dois, é preciso vislumbrar as principais ideias de

cada um.

No mencionado escrito, Dworkin (1982) lança as bases de uma

teoria da decisão judicial no intuito de fornecer parâmetros interpretativos

para aplicação da norma ao caso concreto. Para Dworkin (1982), a

interpretação realizada pelos juízes na resolução de hard cases não deve

ser feita de forma livre, baseada apenas nas convicções pessoais do

magistrado; nem de forma puramente textual, porque nem toda a

complexidade da vida humana está positiva em leis; ou mesmo guiada a

partir de uma intenção do autor, de difícil apreensão. A proposta do autor

recai sobre a metáfora do romance em cadeia, compreendida da seguinte

forma:

Suppose that a group of novelists is engaged for a

particular project and that they draw lots to

determine the order of play. The lowest number

writes the opening chapter of a novel, which he or

she then sends to the next number who adds a

chapter, with the understanding that he is adding a

chapter to that novel rather than beginning a new

one, and then sends the two chapters to the next

number, and so on. Now every novelist but the first

has the dual responsibilities of interpreting and

creating because each must read all that has gone

before in order to establish, in the interpretivist

sense, what the novel so far created is. He or she

must decide what the characters are “really” like;

what motives in fact guide them; what the point or

theme of the developing novel is; how far some

Às vezes, com certeza, várias dessas vozes parecem vir em uma heteroglossia

polifônica da boca de um único escritor”.

201

literary device or figure, consciously or

unconsciously used, contributes to these, and

whether it should be extended or refined or

trimmed or dropped in order to send the novel

further in one direction rather than another. This

must be interpretation in a non-intention-bound

style because, at least for all novelists after the

second, there is no single author whose intentions

any interpreter can, by the rules of the project,

regard as decisive191 (DWORKIN, 1982, p. 182).

Desta forma, assim como no romance em cadeia (escrito por várias

mãos) o próximo capítulo só poderia ser desenvolvido a partir da leitura

dos fragmentos precedentes. Assim, o que estaria em jogo ao decidir

questões controversas e complexas seria a manutenção de uma

integridade do ordenamento jurídico; o juiz precisaria sempre retornar ao

que já foi escrito sobre o assunto, de forma a emitir uma decisão coerente

com a corrente de ideias desenvolvidas até então.

Para melhor compreender esta ideia, é preciso levar em

consideração como Dworkin (1982) entende que as obras literárias devem

ser interpretadas. Na opinião do autor, (1982, p.183) “an interpretation of

a piece of literature attempts to show which way of reading (or speaking

191 “Suponha que um grupo de romancistas esteja comprometido com um

projeto em particular e que eles façam sorteios para determinar a ordem de

jogada. O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance,

que é enviado para o próximo número que adiciona um capítulo, com o

entendimento de que ele está adicionando um capítulo a esse romance em vez

de iniciar um novo e, em seguida, envia os dois. capítulos para o próximo

número e assim por diante. Agora, todo romancista, exceto o primeiro, tem a

dupla responsabilidade de interpretar e criar, porque cada um deve ler tudo o

que aconteceu antes, a fim de estabelecer, no sentido interpretativista, o que

o romance até agora criou. Ele ou ela deve decidir o que os personagens são

"realmente"; que motivos os guiam de fato; qual é o ponto ou tema do

romance em desenvolvimento; até que ponto algum dispositivo literário ou

figura, consciente ou inconscientemente utilizado, contribui para isso, e se tal

dispositivo deve ser estendido ou refinado ou aparado ou descartado, a fim

de orientar o romance em uma direção e não em outra. Esta deve ser a

interpretação em um estilo não intencional porque, pelo menos todos os

romancistas após o segundo, não são autores únicos cujas intenções qualquer

intérprete possa, pelas regras do projeto, considerar como decisivo.”

202

or directing or acting) the text reveals it as the best work of art192“. Esta é

a chamada hipótese estética, segundo a qual o intérprete precisa

apresentar uma interpretação que valorize a obra de acordo com seus

critérios subjetivos, mas sem negligenciar limites objetivos.

Por exemplo, se o intérprete entende que a forma literária é

importante, o texto será analisado a partir de seu valor formal vislumbrado

à luz de determinada teoria formalista. O valor forma é escolhido de

maneira subjetiva, mas os critérios formais a serem estudados estão

embasados em uma tradição teórica que lhe impõe limites objetivos.

Além disso, tal interpretação precisa constantemente justificar porque o

valor forma (e não o valor político, moral, ou histórico, por exemplo) é

aquele que mais evidencia as qualidades do trabalho.

Com o direito, ocorreria algo similar. Conforme Dworkin (1982),

os magistrados não podem simplesmente inovar e emitir decisões que

fujam completamente ao que já foi juridicamente estabelecido. Eles

precisam avaliar a jurisprudência produzida e, a partir dela, fundamentar

suas escolhas, ainda que tais escolhas possuam um caráter subjetivo. Um

juiz que acredite que o impacto econômico de sua decisão é mais

importante que o direito à saúde, por exemplo, elegerá a economia como

valor a ser defendido e, portanto, mais adequado ao caso em análise. Por

isso, para Dworkin (1982), a integridade do romance em cadeia não

impede a subjetividade do juiz de vir à tona, mas a torna limitada pois

impõe a necessidade de um embasamento prévio:

It should be apparent, however, that any particular

judge’s theory of fit will often fail to produce a

unique interpretation. [...] Just as two readings of a

poem may each find sufficient support in the text

to show its unity and coherence, two principles

may each find enough support in the various

decisions of the past to satisfy any plausible theory

of fit. In that case substantive political theory (like

substantive considerations of artistic merit) will

play a decisive role193. (DWORKIN, 1982, p. 195)

192 “uma interpretação de uma peça de literatura tenta mostrar que maneira de

ler (ou falar, dirigir ou agir) o texto a revela como a melhor obra de arte”. 193 “Deve ficar aparente, no entanto, que a teoria de qualquer juiz em

particular não produzirá uma interpretação única. [...] Assim como duas

leituras de um poema podem encontrar apoio suficiente no texto para mostrar

sua unidade e coerência, dois princípios podem encontrar apoio suficiente nas

várias decisões do passado para satisfazer qualquer teoria plausível. Nesse

203

Figura 15: Ronald Dworkin

Disponível em: < https://bit.ly/2s8R0gt>. Acesso em 04 jan. 2019.

A crítica de Fish (1982) recai justamente sobre os limites impostos

pela metáfora do romance em cadeia. Para ele, Dworkin negligencia o

fato de que existem restrições a escrita literária e judicial

independentemente de capítulos precedentes. Fish (1982, p. 203)

exemplifica seu argumento a partir dos limites impostos ao primeiro autor

do romance em cadeia, que não são pensados por Dworkin:

[...] in fact the first author has surrendered his

freedom [...] as soon as he commits himself to

writing a novel, for he makes his decision under the

same constraints that rule the decisions of his

collaborators. He must decide, for example, how to

begin the novel, but the decision is not “free”

because the very notion “beginning a novel” exists

only in the context of a set of practices that at once

enables and limits the act of beginning. One cannot

think of beginning a novel without thinking within,

as opposed to thinking “of,” these established

practices, and even if one “decides” to “ignore”

them or “violate” them or “set them aside,” the

actions of ignoring and violating and setting aside

will themselves have a shape that is constrained by

the preexisting shape of those practices. This does

not mean that the decisions of the first author are

caso, a teoria política substantiva (como considerações substantivas de mérito

artístico) desempenhará um papel decisivo”.

204

wholly determined but that the choices available to

him are “novel writing choices,” choices that

depend on a prior understanding of what it means

to write a novel, even when he “chooses” to alter

that understanding. In short, he is neither free nor

constrained (if those words are understood as

referring to absolute states) but free and

constrained. He is free to begin whatever kind of

novel he decides to write, but he is constrained by

the finite (although not unchanging) possibilities

that are subsumed in the notions “kind of novel”

and “beginning a novel”.194“

Em outras palavras, o ato de começar a escrever um determinado

tipo textual encerra em si limites diversos como o que significa começar

a escrever, o que caracteriza o gênero textual ao qual o autor se dedica,

dentre outros. Para tanto, não é preciso que o trabalho seja desenvolvido

por múltiplos autores, porque ele já se insere em um contexto no qual

sentidos e práticas estão tacitamente acordados por uma comunidade que

os reconhece como tal. Neste sentido, todo autor é limitado e livre ao

mesmo tempo.

194 “[...] na verdade o primeiro autor abdicou de sua liberdade [...] assim que

se comprometeu a escrever um romance, pois toma sua decisão sob os

mesmos limites que regem as decisões de seus colaboradores. Ele deve

decidir, por exemplo, como começar o romance, mas a decisão não é "livre"

porque a própria noção de "começar um romance" existe apenas no contexto

de um conjunto de práticas que ao mesmo tempo capacita e limita o ato de

começar. Não se pode pensar em começar um romance sem pensar dentro,

em oposição a pensar "de", dessas práticas estabelecidas, e mesmo se alguém

"decide" ignorá-las ou "violá-las" ou " as pôr de lado", as ações de ignorar e

violar e as pôr de lado terão, elas próprias, uma forma que é limitada pela

forma preexistente dessas práticas. Isso não significa que as decisões do

primeiro autor sejam totalmente determinadas, mas que as escolhas

disponíveis para ele são "escolas de escrita de um romance", escolhas que

dependem de uma compreensão prévia do que significa escrever um romance,

mesmo quando ele "escolhe" alterar esse entendimento. Em suma, ele não é

livre nem limitado (se essas palavras são entendidas como referindo-se a

estados absolutos), mas livre e restrito. Ele é livre para começar qualquer tipo

de romance que ele decida escrever, mas ele é limitado pelas possibilidades

finitas (embora não imutáveis) que são incluídas nas noções "tipo de

romance" e "início de um romance".”

205

O mesmo aconteceria no direito. Mesmo ignorando os precedentes

judiciais e tentando, de alguma forma, inovar em sua decisão, o juiz

precisa recorrer a argumentos jurídicos que, por estarem positivados,

jamais serão totalmente inovadores.

a judge who decided a case on the basis of whether

or not the defendant had red hair would not be

striking out in a new direction; he would simply not

be acting as a judge because he could give no

reasons for his decision that would be seen as

reasons by competent members of the legal

community. (Even in so extreme a case it would not

be accurate to describe the judge as striking out in

a new direction; rather he would be continuing the

direction of an enterprise-perhaps a bizarre one

other than the judicial.) And conversely, if in

deciding a case a judge is able to give such reasons,

then the direction he strikes out in will not be new

because it will have been implicit in the enterprise

as a direction one could conceive of and argue for.

This does not mean that his decision will be above

criticism but that it will be criticized, if it is

criticized, for having gone in one judicial direction

rather than another, neither direction being new in

the sense that would give substance to Dworkin’s

fears195. (FISH, 1982, p. 206).

Além disso, ao advogar que o primeiro autor do romance em cadeia

detém liberdade absoluta e que os últimos são limitados por produções

195 “um juiz que decidisse um caso com base no fato de o defensor ter ou não

cabelos ruivos não estaria se desdobrando em uma nova direção; ele

simplesmente não estaria atuando como juiz porque não poderia motivar sua

decisão como o que membros competentes da comunidade jurídica veriam

como motivações. (Mesmo em casos tão extremos, não seria correto dizer

que o juiz está em uma nova direção; em vez disso, ele continuaria na direção

de um empreendimento - talvez mais bizarro que o judicial.) E, inversamente,

se ao decidir o caso o juiz é capaz de fornecer tais motivações, então a direção

que ele persegue não será nova, porque estará implícita no empreendimento

como uma direção que alguém poderia conceber e defender. Isso não

significa que sua decisão estará acima das críticas, mas que será criticada, se

criticada, por ter seguido uma direção judicial em vez de outra, mas não em

uma direção nova no sentido que daria razão aos medos de Dworkin”.

206

textuais prévias, Fish (1982) acusa Dworkin de unir as duas posições que

tanto critica. Quanto aos limites textuais, Fish (1982) acrescenta, ainda,

que ninguém simplesmente encontra argumentos em textos passados, mas

que exatamente os interpreta (e, portanto, os reconstrói) para justificar

suas posições.

Fish (1982) utiliza um exemplo evocado por Dworkin para

demonstrar como a interpretação se conecta a fatores externos e de

persuasão. Para Dworkin (1982), ler um romance de mistério como um

tratado de filosofia sobre a morte seria uma interpretação errônea, porque

não valoriza a obra da melhor forma possível, conforme a hipótese

estética. Fish (1982, p. 209), entretanto, argumenta que inclusive já

existem interpretações filosóficas sobre romances do tipo justamente

porque há uma série de fatores que permitem tal interpretação:

That is, readers don’t just “decide” to

recharacterize a text; there has to be some reason

why it would occur to someone to treat a work

identified as a member of one genre as a possible

member of another; there must already be in place

ways of thinking that will enable the

recharacterization to become a project, and there

must be conditions in the institution such that the

prosecution of that project seems attractive and

potentially rewarding. With respect to the project

Dworkin deems impossible, those ways and

conditions already exist196.

Portanto, mais que limitados pelos capítulos anteriores de um

romance escrito por diversos autores, juízes e escritores estão limitados

pela plausibilidade de seus argumentos, que devem estar de acordo com

os pactos de sentido estabelecidos por cada uma destas comunidades

(jurídica e literária).

196 “Ou seja, os leitores não apenas "decidem" ressignificar um texto; deve

haver alguma razão pela qual alguém trataria uma obra identificada como de

determinado gênero literário como pertencente a um outro gênero diferente;

já devem existir maneiras de pensar que permitam que a ressignificação se

torne um projeto, e deve haver condições na instituição de tal modo que a

acusação desse projeto pareça atraente e potencialmente recompensadora.

Com relação ao projeto que Dworkin considera impossível, essas formas e

condições já existem”

207

Quanto a intenção do autor, Fish (1982) declara que Dworkin a

entende de maneira equivocada, como um fato particular e psicológico

que pode ser dissociado do texto. Para Fish (1982, p. 213), entretanto, a

intenção do autor é uma forma de interpretação; é aquilo que o leitor

espera que um indivíduo limitado por determinadas circunstâncias

produza e, exatamente por isso, passível de construção:

[Dworkin] thinks that interpretation is one thing

and the assigning of intention is another; and he

thinks that, because he thinks that to discover

intention is to plumb some psychological depth that

is unrelated to the meaning of chain-enterprise

texts; whereas, in fact, to specify the meaning of a

chain-enterprise text is exactly equivalent to

specifying the intention of its author, an intention

which is not private but a form of conventional

behavior made possible by the general structure of

the enterprise. This of course does not mean that

intention anchors interpretation in the sense that it

stands outside and guides the process. Intention

like anything else is an interpretive fact; that is, it

must be construed.197.

Por fim, Fish (1982) lança a seguinte questão: apesar de

desenvolver uma teoria para explicar a resolução de hard cases no direito,

Dworkin (1982), em determinado momento de seu artigo, sugere que não

há significativa diferença entre a forma como se decidem os casos simples

e complexos. Como consequência, Fish (1982, p. 215) assevera que por

causa dessa afirmativa, o texto de Dworkin só pode ser lido de duas

formas:

197 “[Dworkin] acha que a interpretação é uma coisa e intenção do autor é

outra; e ele acha isso, porque pensa que descobrir a intenção do autor é

perceber alguma profundidade psicológica que não está relacionada com o

significado dos textos do romance em cadeia; enquanto que, de fato,

identificar o significado de um romance em cadeia é exatamente igual a

identificar a intenção de seu autor, uma intenção que não é privada, mas uma

forma de comportamento convencional possibilitada pela estrutura geral do

referido projeto. Isso, é claro, não significa que a intenção do autor ancora a

interpretação no sentido de que ela fica de fora e guia o processo. Tal

intenção, como qualquer outra coisa é um fato interpretativo; isto é, deve ser

interpretado.”

208

If we take the subtext of reservation and disclaimer

seriously, it so much weakens what he has to say

that he seems finally not to have a position at all;

and if we disregard the subtext and grant his thesis

its strongest form, he will certainly have a position,

but it will be, in every possible way, wrong198.

Figura 16: Stanley Fish

Disponível em: < https://bit.ly/2CN8DZB>. Acesso em 04 jan. 2019.

Em sua resposta, Dworkin (1982B) enfatiza que Fish fez uma

interpretação equivocada de sua teoria, que seria descritiva e não

prescritiva. A preocupação de Dworkin (1982B, p. 289-290) é explicar os

desentendimentos que as pessoas têm quando se trata de interpretação; as

questões norteadoras do artigo seriam “How do we distinguish between

interpreting and inventing? How do we decide that one interpretation or

one argument for an interpretation is better than another?199“ e não “can

judgments of interpretation be sound or unsound, true or false200 [...]?”.

198 “Se levarmos o subtexto de reserva e exoneração de responsabilidade a

sério, isso enfraquece tanto o que ele tem a dizer que parece que ele não tem

uma posição; e se desconsiderarmos o subtexto e concedermos à sua tese a

sua forma mais forte, ele certamente terá uma posição, mas será, de todas as

formas possíveis, errado”. 199 “Como distinguimos entre interpretar e inventar? Como decidimos que

uma interpretação ou um argumento para uma interpretação é melhor que

outro?” 200 “os julgamentos de interpretação podem ser corretos ou incorretos,

verdadeiros ou falsos.”

209

Nas palavras do próprio Dworkin (1982B, p. 290-291):

I tried to show how our interpretative beliefs and

convictions are connected to other kinds of beliefs

so as to permit us to make the distinctions and

discriminations the right-wrong picture requires.

My purpose was pragmatic. [...]. I was trying to

answer about how people make the discriminations

and judgments that are licensed by the right-wrong

Picture. [...]. I suggest that if I were a novelist in

the game I described I might think myself

constrained by a text to a certain interpretation of

that text, even though, were I beginning the novel,

I would have written a different kind of novel. I

suggested that if I were a judge I might feel myself

constrained by past judicial decisions in the same

way201.

Isto posto, Dworkin (1982B) busca refutar pontualmente as três

principais críticas que lhe são direcionadas. Sobre a primeira, relativa à

liberdade do primeiro autor que inicia o romance em cadeia, ele escreve:

I added, in a footnote, that ‘even the first novelist

has the responsability of interpreting to the extent

any writer must, which includes not only

interpreting as he writesbut interpreting the genre

in which he sets out to write’ and I had already

pointed out that any writer must interpret as he

writes202. (DWORKIN, 1982B, p. 303)

201 “Eu tentei mostrar como nossas crenças e convicções interpretativas estão

conectadas a outros tipos de crenças, de modo a permitir que façamos as

distinções que o dilema certo-errado exige. Meu objetivo era pragmático. [...].

Eu estava tentando responder sobre como as pessoas fazem os julgamentos

que são licenciados pelo certo-errado. [...]. Sugiro que, se eu fosse um

romancista no jogo que descrevi, talvez me achasse limitado por um texto a

uma certa interpretação desse texto, embora se eu tivesse começando o

romance, eu poderia ter escrito um tipo diferente de romance. Eu sugeri que,

se eu fosse um juiz, poderia sentir-me limitado por decisões judiciais do

passado da mesma forma”. 202 “Eu acrescentei, em uma nota de rodapé, que 'mesmo o primeiro

romancista tem a responsabilidade de interpretar, assim como qualquer

escritor, o que inclui não apenas interpretar como ele escreve mas interpretar

210

A segunda crítica relaciona-se à hipótese estética, segundo a qual

uma interpretação adequada é aquela capaz de valorizar a obra literária

em questão. Dworkin (1982) utiliza como exemplo a leitura de um

romance de mistério como tratado filosófico sobre a morte; Fish (1982)

adverte que já existem trabalhos da crítica literária que propõe essa

mesma perspectiva. Em resposta, escreve o jusfilósofo:

I have not checked Fish’s citations, but I doubt any

of the scholars he cites tried to read [Agatha]

Christie’s novels as essays on the meaning of

death, and Fish offers no reason to think that they

would have succeeded if they had. [...] He must

have persuaded huimself that i meant to make a

very different point. He apparently thinks I said

that nothing interesting at all could be made of

Christie, that mysteries could not be considerer

importante as art, or something of that sort. [...]

Fish means, I suppose, that I believe that everyone

who sets out to interpret any particular work of

literature will reach the same conclusion about its

genre; or, perhaps, that only one such conclusion

can ever succeed on what I called an

interpretation’s dimension of fit. [...] But I said

exactly the opposite [...]. I said that calling a

Christie mystery a novel about the meaning of

death would be a mistake because it would make

the novel a shambles, [...] because her novels

become wrecks if we try to read them in that

particular way. Of course I rely, in saying this, on

my own judgment and my expectation that almost

all readers will agree. That is not to say that no one

will disagree203. (DWORKIN, 1982b, p. 307-308)

o gênero no qual ele se propõe a escrever' e eu já havia apontado que qualquer

escritor deve interpretar enquanto escreve”. 203 “Eu não verifiquei as citações de Fish, mas duvido que qualquer um dos

estudiosos que ele cita tentou ler os romances de Agatha Christie como

ensaios sobre o significado da morte, e Fish não oferece nenhuma razão para

pensar que eles teriam conseguido fazer isso se este fosse o objetivo. [...] Ele

deve ter convencido a si mesmo que eu defendo algo muito diferente.

Aparentemente ele acha que eu disse que nada de interessante poderia ser

feito de Christie, que os romances de mistério não poderiam ser considerados

211

A defensiva de Dworkin (1982B) sobre este ponto pode ser melhor

compreendida a partir de sua ideia sobre a intenção do autor, a terceira

crítica feita por Fish (1982). Em resumo, Dworkin (1982B, p. 308)

acredita que há um equívoco sobre o significado de intenção:

Fish’s final argument fixes on my remarks about

the author’s intention school of interpretation.

Critics who belong to that school use ‘intention’ in

the way people normally do to refer to a certain

conscious or uncounsciouspsychological state.

Fish, for the most part, uses it in a very different

way. He thinks a statement of an author’s intention

is just another way of reporting an interpretation of

that author’s work204.

Para Dworkin (1982B), os que acreditam em intenção do autor não

poderiam compreender tal intenção como ume invenção do leitor, porque

isso deixaria sua ideia básica vazia. Os críticos dessa escola partem da

premissa de que existe uma intenção do autor, autônoma, a ser descoberta;

se essa intenção for compreendida como uma construção do leitor, sem

existência autônoma, o fundamento da teoria deixaria de existir.

importantes como arte, ou algo desse tipo. [...] Fish entende, suponho, que eu

acredito que todo mundo que se propõe a interpretar qualquer obra particular

da literatura chegará à mesma conclusão sobre seu gênero; ou, talvez, que

apenas uma dessas conclusões possa ter sucesso no que chamei de uma

dimensão de ajuste da interpretação. [...] Mas eu falei exatamente o contrário

[...]. Eu disse que entender um mistério de Christie como uma obra sobre o

significado da morte seria um erro, porque tornaria o romance uma bagunça,

[...] porque seus romances se tornam destroços se tentarmos lê-los dessa

maneira particular. É claro que, ao dizer isso, confio em meu próprio

julgamento e em minha expectativa de que quase todos os leitores

concordarão. Isso não quer dizer que ninguém discordará.” 204 “O argumento final de Fish refere-se às minhas observações sobre a

intenção do autor. Os críticos que pertencem a essa escola usam "intenção"

da maneira que as pessoas normalmente fazem para se referir a um certo

estado psicológico consciente ou inconsciente. Fish, na maior parte, usa-o de

uma maneira muito diferente. Ele acha que uma declaração da intenção de

um autor é apenas outra maneira de relatar uma interpretação do trabalho

desse autor.”

212

Assim, partindo do pressuposto que seu prósito é descritivo,

Dworkin (1982B) parece acreditar que os sujeitos, ao interpretarem,

recorrem à uma intenção do autor para estabelecerem o que seria uma

interpretação correta e o que seria uma interpretação errada. Ele não

parece afirmar a existência de uma intenção autoral autônoma, mas sim

apontar que a crença do intérprete leitor nessa intenção faz com que, para

ele, existam interpretações certas ou equivocadas:

We can understand the equal protection clause as

forbidding racial segregation without supposing

that any particular historical statesman or

draftsman intended that it should do this. We can

read Hamlet in a psychodynamic way without

supposing that Shakespeare eiter did or could have

intended that we do so. The fact that we can read

texts in this way allows the author’s intention

theory to be a significant theory because it allows

that theory to claim that this is the wrong way to

read texts205. (DWORKIN, 1982B, p. 310).

Por isso não seria possível ler romances de mistério como se

fossem tratados de filosofia sobre o significado da morte; o leitor estaria

em uma constante busca pela intenção do autor e ler este gênero literário

a partir desta chave interpretativa se mostraria um erro.

Em 1983, Fish escreve sua tréplica a Dworkin, no artigo intitulado

Wrong Again. Para Fish (1983), Dworkin insiste em diferenciar

explicação e alteração/invenção do texto, a partir de sua hipótese estética.

Assim, a melhor interpretação de uma obra seria aquela que a explica e

não a que a altera, respeitando seu estilo de escrita, seu gênero literário,

sua organização, etc. Os limites da interpretação estariam, portanto, nas

características do próprio texto.

Entretanto, o que Fish (1983) enfatiza é que essas características

textuais não são padrões auto-evidentes; pelo contrário: o estilo de escrita,

a organização, o gênero literário, etc., também são produtos de uma

205 “Podemos entender a cláusula de proteção igualitária como proibindo a

segregação racial sem supor que qualquer estadista ou relator histórico em

particular pretendesse fazer isso. Podemos ler Hamlet de uma maneira

psicodinâmica sem supor que Shakespeare tenha ou poderia ter tido intenção

de fazê-lo. O fato de podermos ler textos dessa maneira permite que a teoria

da intenção do autor seja uma teoria significativa, porque a permite afirmar

que essa é a maneira errada de ler textos.”

213

interpretação prévia, aceita de comum acordo por uma comunidade que

lhes confere legitimidade e significado. Por causa disso, eles não podem

ser utilizados como limites para interpretação, pois eles próprios são

passíveis de mudanças. Como exemplo, Fish (1983, p. 302) cita as

mudanças interpretativas da obra Paraíso Perdido, de Milton:

For a long time it was thought that Milton’s

Paradise Lost, in the words of Bernard Bergonzi,

did not “possess the kind of coherence and

psychological plausibility that we have come to

expect from the novel.” This judgment was

supported by the standard characterization of what

was universally known as Milton’s “grand style,” a

style appropriate to the scope and sweep of an epic,

but inappropriate to the subtleties and nuances of

lived psychological experience. Within four years

of Bergonzi’s pronouncement, however, the

situation had entirely changed, in part as the result

of the publication of Christopher Ricks’ Milton’s

Grand Style, in which passage after passage of

Paradise Lost was read in a way that turned the

verse into just the flexible instrument everyone had

always known that it wasn’t. Once this was done,

and done in a way that many in the Milton

community found persuasive, at least one bar to

claiming for the poem “the kind of coherence and

psychological plausibility that we have come to

expect from the novel” was removed; in the years

that followed, Milton was more and more

celebrated as a penetrating psychologist and as a

precursor of Henry James and other novelists who

told their stories by masterfully varying point of

view206.

206 “Durante muito tempo pensou-se que o Paraíso Perdido de Milton, nas

palavras de Bernard Bergonzi, não "possuía o tipo de coerência e

plausibilidade psicológica que esperávamos de um romance". Esse

julgamento foi apoiado pela caracterização padrão do que era universalmente

conhecido como "grandioso estilo" de Milton, um estilo apropriado ao

alcance e à varredura de um épico, mas inadequado às sutilezas e nuances da

experiência psicológica vivida. Quatro anos após o pronunciamento de

Bergonzi, no entanto, a situação havia mudado completamente, em parte

como resultado da publicação de Milton Grand Style, de Christopher Ricks,

na qual passagem após passagem de Paraíso Perdido era lida de uma forma

214

Segundo Fish (1983, p.303), isso não significa que a distinção entre

explicar e alterar um texto não tenha força, mas sim que “its force is felt

from within interpretive conditions that give certain objects and shapes a

real but constructed - and therefore unsettleable - stability207“.

O mesmo argumento é utilizado por Fish (1983) ao criticar o

romance em cadeia a ser seguido pelo juiz, conforme proposto por

Dworkin. No caso, os limites da interpretação estariam estabelecidos pelo

contexto da história jurídica que tem sido contada; entretanto, assim como

as características formais de um texto literário, o contexto de produção de

uma decisão judicial também é fruto da interpretação. É impossível

afirmar que o magistrado inventou argumentos para sua decisão porque

ele sempre poderá legitimá-la reinterpretando o passado e afirmando que

há precedentes para sua proposta. Não há, portanto, diferença entre

invenção e interpretação. Nas palavras de Fish (1983, p.306):

[...] the question of whether the legal history is

being ignored or consulted depends upon a prior

decision as to what the legal history is, and that

decision will be an interpretive one. Therefore,

insofar as the distinction is a mechanism for

distinguishing between two forms of judicial

activity (and if it is not for that then it is hard to see

what it is for) it won’t work because there is no

independent way of determining whether or not a

particular judge is acting in one way as opposed to

the other208.

que transformava o verso no instrumento flexível que todo mundo sempre

soube que ele não era. Uma vez que isso foi feito, e feito de uma forma que

muitos na comunidade de Milton acharam convincente, pelo menos o trecho

destinado a reivindicar para o poema "o tipo de coerência e plausibilidade

psicológica que passamos a esperar do romance" foi removida; nos anos que

se seguiram, Milton foi mais e mais celebrado como um psicólogo penetrante

e como um precursor de Henry James e outros romancistas que contaram suas

histórias por um ponto de vista magistralmente variado.” 207 “sua força é sentida a partir de condições interpretativas que dão a certos

objetos e formas uma estabilidade real, mas construída - e, portanto, instável.” 208 “[...] a questão de saber se a história jurídica está sendo ignorada ou

consultada depende de uma decisão prévia sobre o que é a história jurídica, e

essa decisão será interpretativa. Portanto, na medida em que a distinção é um

mecanismo para diferenciar duas formas de atividade judicial (e se não serve

215

Além disso, Fish (1983) afirma que não há uma distinção real entre

inovar ou dar continuidade a história jurídica, quando se fala em decisões

judiciais. Se o magistrado realmente intenciona inovar, ele também

precisará interpretar o que a história jurídica até então escrita é e o seu

rompimento se dará não com a história em si (impossível de ser auferida,

pois sempre passível de processo interpretativo) mas com sua

interpretação pessoal do que essa história significa.

Fish (1983) percebe ainda que há uma sutil mudança de posição na

resposta de Dworkin (My Reply to Stanley Fish): ele passa a entender a

inovação judicial como uma forma de dar continuidade ao romance em

cadeia, mas ainda assim de uma forma radicalmente diferente do que

continuá-lo com coerência. Para Fish (1983, p. 307), entretanto, essa

diferenciação não se sustenta:

In the essay that occasioned the present exchange,

[Dworkin] was saying something like this: what

judges do is operate as members of a chain

enterprise (an enterprise in which their actions are

constrained by a previous history), which means

that they don’t do something else like striking out

in a new direction. But now Dworkin is saying that

striking out in a new direction is just another “way

of continuing the ‘practice of judging.’” He doesn’t

see that he can’t say that and also say, as he does in

the very same sentence, that continuing and

striking out in a new Direction “are radically

different ways.”’ They can only be “radically”

diferente if the difference they mark is between

judging and something wholly apart from judging.

But a difference that radical could tell us nothing

about judging except that there is something it

isn’t, and it certainly could not tell a judge what it

is that he ought to do209.

para isso, então é difícil ver para que serve), não funcionará porque não há

maneira independente de determinar se um determinado juiz está agindo de

uma forma em oposição à outra ou não.” 209 “No ensaio que ocasionou a presente troca, [Dworkin] estava dizendo algo

assim: o que os juízes fazem é operar como membros de um projeto em cadeia

(um projeto no qual suas ações são limitadas por uma história anterior), o que

significa que eles não fazem outra coisa, como sair em uma nova direção.

Mas agora Dworkin está dizendo que sair em uma nova direção é apenas outra

216

Para Fish (1983), a diferença entre dar continuidade e inovar,

quando se fala em decisões judicias, está unicamente nos argumentos

utilizados pelos magistrados para defender suas ações.

Dentre outras críticas mais específicas, Fish (1983) alega que a

postura de Dworkin é positivista, apesar de negar tal fato, pois estabelece

limites textuais às diversas formas de interpretações, estabelecendo que

existem interpretações erradas e, assim, assumindo que o texto contém

um núcleo imutável. Ademais, o acusa de ser confuso e contraditório ao

sustentar posições contraditórias em diversos momentos (como quando

defende que inovação e continuidade são formas de dar sequência a

história jurídica, mas que ao mesmo tempo são coisas diferentes entre si).

Por fim, Fish (1983) tece considerações sobre o que entende como

intenção do autor. Para ele, esta intenção não é algo que deve ser evitado,

mas algo que não pode ser evitado, pois sempre ao interpretar o leitor está

em busca (conscientemente ou não) do que o autor quis dizer. Não se

trata, portanto, de uma defesa do intencionalismo (é preciso descobrir a

verdadeira intenção do autor), mas apenas o apontamento de uma

necessidade epistemológica; a intenção vislumbrada pelo leitor é também

parte do processo interpretativo. Por isso não pode ser utilizada como

chave ou limite de interpretação, o que não significa dizer que ela deve

estar ausente.

Conforme demonstrado, a polêmica entre Dworkin e Fish teve por

foco os limites da interpretação tanto na crítica literária quanto no Direito.

Ao compreenderem os textos jurídicos como espécie de texto literário, as

preocupações relativas à validade/legitimidade de certas interpretações

em âmbito jurídico passaram a assolar juristas e professores do direito.

Inspirados pelo debate iniciado entre Dworkin e Fish, muito foi escrito

sobre a proposta de ver o direito como forma de literatura; tratarei desse

tema a seguir.

"maneira de continuar a 'prática de julgar'". Ele não vê que não pode dizer

isso e também dizer, como faz na mesma frase, que continuar e partir para

uma nova direção "são coisas radicalmente diferentes". "Eles só podem ser

"radicalmente diferentes " se a diferença que eles marcam é entre julgar e

algo totalmente diferente de julgar. Mas uma diferença tão radical não

poderia nos dizer nada sobre julgamentos, exceto que há algo que o ato de

julgar não é, e certamente não poderia dizer a um juiz o que é que ele deveria

fazer.”

217

4.2 OUTRAS RESSALVAS SOBRE O PROJETO HERMENÊUTICO

No mesmo ano em que Dworkin escreve pela primeira vez sobre o

romance em cadeia, o constitucionalista Sanford Levinson publica seu

artigo Law as Literature. No texto, Levinson (1982) procura comparar o

direito à literatura no intuito de melhor explicitar os debates sobre

interpretação constitucional nas academias jurídicas estadunidenses.

Segundo o autor (1982), a emergência do pós-estruturalismo e do

desconstrutivismo nas academias, gerou como consequência a superação

das teorias originalistas (o texto escrito encerra os significados em si

mesmo) e intencionalistas (o significado de um texto depende da intenção

do autor) no que se refere a interpretação constitucional.

Assim, para Levinson (1982) existiriam duas novas correntes em

conflito: aqueles que acreditam que a interpretação jurídica pode se

assemelhar a uma ciência, dotada de métodos e critérios objetivos (como

Dworkin), e aqueles que acreditam que a interpretação é um ato de poder

e justificativa, pois aquele que melhor convencer uma comunidade de seu

ponto de vista, impera (como Fish). Descrente na possibilidade de criar

métodos de interpretação objetiva, Levinson (1982, p. 385) se apresenta

como um defensor desta última teoria:

To put it mildly, there is something disconcerting

about accepting the Nietzschean interpreter into the

house of constitutional analysts, but I increasingly

find it impossible to imagine any other way of

making sense of our own constitutional universe210.

O autor (1982) denomina esta visão de nitzscheniana, pois em seu

entender ela se aproximaria da crença de Nietzsche de que não existem

verdades (ou interpretações) objetivas. Assim, para Levinson (1982),

caracterizar uma decisão constitucional como certa ou errada pressupõe

dois fatores problemáticos: que o crítico está em um local de fala

privilegiado e que o fato do juiz ser um constituinte do sistema jurídico é

ignorado. Portanto, não existem decisões corretas ou equivocadas, mas

diferentes.

210 “Para dizer o mínimo, há algo desconcertante em aceitar o intérprete

nietzscheano na casa dos analistas constitucionais, mas cada vez mais acho

impossível imaginar qualquer outra maneira de dar sentido ao nosso próprio

universo constitucional.”

218

Levinson (1982) evoca exemplos da história estadunidense para

demonstrar os problemas de buscar critérios objetivos para as decisões

constitucionais no arbítrio popular. Segundo o autor (1982), a estabilidade

jurídica passaria a residir nos anseios populares, sendo que o juiz que

melhor convencesse o povo de que sua interpretação é a correta, ditaria

as normas vigentes. A ausência de um juiz assim, entretanto, só demonstra

como existem várias disputas interpretativas sobre a constituição.

Levinson (1982) finaliza seu artigo respondendo às críticas do

também constitucionalista Owen Fiss, para quem a visão de Fish (e

Levinson) é niilista e perigosa.

Figura 17: Sanford Levinson

Disponível em: < https://bit.ly/2RaDGqQ>. Acesso em 04 jan. 2019.

Na visão de Fiss (1982), o desconstrutivismo deixa o juiz livre para

decidir conforme seu arbítrio, o que não pode acontecer. Por isso, o autor

entende que as decisões judiciais são limitadas por dois elementos: as

disciplining rules, ou seja, as regras básicas que regem o direito, que

atuariam assim como a gramática ao estabelecer a norma culta da língua;

e a comunidade interpretativa jurídica, responsável por conferir

legitimidade a estas regras. Esta comunidade não precisa estar em

consenso, porque o direito tem uma técnica de resolução de conflitos

própria, como as decisões das supremas corte; neste sentido, a

219

comunidade interpretativa confere significado as regras de acordo com as

decisões judiciais já emitidas.

Entretanto, as disciplining rules e a comunidade interpretativa

jurídica seriam responsáveis, apenas, pela objetividade das decisões. Sua

certeza ou equívoco seria avaliada, para Fiss (1982, p. 749), por um fator

externo ao direito, que pode ser político, moral ou mesmo religioso [sic]:

The [disciplining rules and interpretative

community do] not exhaust all evaluation of legal

interpretation. Someone who stands outside of the

interpretive community and thus disputes the

authority of that community and its rules may

provide another viewpoint. A criticism from this

so-called external perspective might protest Plessy

on the basis of some religious or ethical principle

(e.g., denying the relevance of any racial

distinction) or on the grounds of some theory of

politics (e.g., condemning the decision because it

will cause social unrest). In that instance, the

evaluation is not in terms of the law; it matters not

at all whether the decision is objective. It may be

law, even good law, but it is wrong, whether

morally, politically, or from a religious point of

view211.

Nestes casos, a solução apresentada por Fiss (1982) é que estes

grupos externos se mobilizem e pressionem a comunidade jurídica

interpretativa para que assim o direito se altere. Não se trata uma

alternativa fácil, mas é a única possível – a não ser que a própria

comunidade altere seu entendimento, por vontade própria.

211 “As discipline rules e a comunidade interpretativa não esgotam toda a

avaliação da interpretação legal. Alguém que fica fora da comunidade

interpretativa e, portanto, contesta a autoridade dessa comunidade e suas

regras pode fornecer outro ponto de vista. Uma crítica desta chamada

perspectiva externa pode protestar contra Plessy com base em algum

princípio religioso ou ético (por exemplo, negando a relevância de qualquer

distinção racial) ou com base em alguma teoria da política (por exemplo,

condenando a decisão porque ela causa agitação social). Nesse caso, a

avaliação não é em termos jurídicos; não importa se a decisão é objetiva. Pode

ser jurídica, mas é errada, moralmente, politicamente ou do ponto de vista

religioso.”

220

[The external critic] may move to amend the

Constitution or engage in any number of lesser and

more problematic strategies designed to alter the

legal standards, such as packing the court or

enacting statutes that curtail jurisdiction. Failing

that, he remains free to insist that the moral,

religious, or political principle take precedence

over the legal212. (FISS, 1982, p. 749-150).

Para Levinson (1982, p.393), a perspectiva de Fiss assemelha-se a

de Dworkin, ao acreditar em uma comunidade jurídica homogênea e em

uma constituição justa:

Like Ronald Dworkin, Fiss seems to assert the

existence of uniquely valid (“true”) solutions to the

conundrums about the implications of our “public

values,” assuming in the first place that such values

exist and can be ascertained. Moreover, like

Dworkin’s, Fiss’ Constitution turns out to contain

only the good, the true, and the beautiful213.

Por isso, Levinson (1982) afirma que o argumento de Fiss é frágil

porque não é capaz de demonstrar os motivos pelos quais uma

interpretação é a mais coerente aos fatores externos (política, moral,

religião [sic]) do que outra, justamente porque existem diferentes opiniões

na própria comunidade jurídica (interna) sobre o significado de cada um

destes conceitos – seja porque nem todas as questões que são pacificadas

pelas supremas cortes, seja porque a própria suprema corte pode emitir

decisões consideradas equivocadas.

212 “[O crítico externo] pode propor alterações na Constituição ou engajar-se

em qualquer número de estratégias menores e mais problemáticas destinadas

a alterar os padrões legais, tais como ajeitar o tribunal ou aprovar estatutos

que restringem a jurisdição. Na falta disso, ele permanece livre para insistir

que o princípio moral, religioso ou político tenha precedência sobre o

jurídico.” 213 “Como Ronald Dworkin, Fiss parece afirmar a existência de soluções

unicamente válidas ("verdadeiras") para os enigmas sobre as implicações de

nossos "valores públicos", assumindo em primeiro lugar que tais valores

existem e podem ser apurados. Além disso, como a de Dworkin, a

Constituição de Fiss acaba por conter apenas o bom, o verdadeiro e o belo”.

221

Figura 18: Owen Fiss

Disponível em: < https://law.yale.edu/owen-m-fiss>. Acesso em 04 jan. 2019.

No intuito de lançar uma nova perspectiva sobre o debate do direito

como literatura, Robin West (1987) critica tanto a visão de Dworkin

quanto a de Fish. Para West (1987), as decisões judiciais não são um ato

de interpretação, mas atos imperativos ligados ao poder político (visão

imperativista). Neste sentido, o direito é totalmente diferente da literatura

por causa de seu caráter político; assim, as decisões judiciais são

essencialmente imperativos políticos, mas formalmente se apresentam

como ações interpretativas.

Dentre os que acreditam que o direito é um ato interpretativo (e

não político), West (1987) vislumbra duas perspectivas: aqueles que,

assim como Dworkin e Fiss acreditam em critérios objetivos de

interpretação (os objetivistas) e aqueles que, como Fish e Levinson,

acreditam que a interpretação é subjetiva (os subjetivistas).

Conforme já relatado, West (1987) critica os objetivistas por

buscarem na moralidade os critérios de objetividade interpretativa. Em

Dworkin, essa moral aparece como a interpretação das decisões passadas;

em Fiss, ela emerge como as discipline rules. O efeito, porém, é o mesmo

em ambas as propostas: as decisões podem até se tornar racionais, mas

jamais serão morais porque não existe uma moralidade única.

Os subjetivistas, por sua vez, compreendem que as decisões

judiciais têm um caráter político (assim como ela mesma defende), mas

não apenas. Para West (1987), o grande problema da proposta de Fish é

que ele compreende toda e qualquer interpretação, jurídica ou não, como

222

um imperativo político. Os imperativistas acreditam em verdades

objetivas fora do direito; os subjetivistas, não.

Para exemplificar, West (1987, p. 246) propõe a seguinte

afirmativa: “unconscionable contracts frustrate real human needs214“. Um

imperativista diria que esta frase é uma reclamação sobre prática política

e necessidades humanas e que sua veracidade dependeria do que são essas

necessidades humanas no caso concreto.

Já o subjetivista diria que as necessidades humanas elencadas

também são subjetivas, no sentido de que são nada mais que um discurso

construído na disputa política em questão (de demonstrar que os contratos

inconcebíveis as prejudicam). A frase, portanto, não deve ser avaliada

segundo os critérios de verdade ou falsidade, mas de convencimento. Se

o conceito de necessidades humanas for capaz de convencer determinada

comunidade interpretativa, então a crítica terá sucesso; caso contrário,

falhará. Assim, para West (1987, p. 247):

We cannot determine whether it is “true” or not for

the simple reason that there are no “real human

needs” against which it can be judged, any more

than there are contracts pre-labeled

“unconscionable” or “enforceable.” All there is, is

the speaker’s desire to see certain contracts struck,

the speaker’s desire to couch that commitment in

the language of real human needs, and the

speaker’s relative power (of persuasion or force) in

imposing that preference on others215.

Para West (1987), esta perspectiva é perigosa e conservadora

porque inviabiliza a crítica ao direito. A crítica só pode ser realizada no

nível da argumentação, desbancando o argumento dominante e tornando-

se ela própria hegemônica; é preciso ter sucesso em convencer e

demonstrar que se está certo.

214 “contratos inconcebíveis frustram as necessidades humanas reais.” 215 “Não podemos determinar se a assertiva é "verdadeira" ou não pelo

simples motivo de que não existem "necessidades humanas reais" contra as

quais ela possa ser julgada, assim como não existem contratos pré-rotulados

como "inconcebíveis" ou "exequíveis". Tudo o que existe é o desejo do

interlocutor de ver certos contratos atingidos, o desejo do interlocutor de

encerrar esse compromisso na linguagem das necessidades humanas reais, e

o poder relativo do falante (de persuasão ou força) em impor essa preferência

aos outros.”

223

We cannot criticize the world given us by the

powers that be on the basis of what ought to be-for

there is no realm of the “ought” that is not itself an

aspect of that which is. Criticism is interpretive,

and interpretations must be based on texts. Texts

are things that people-and more particularly,

empowered people, such as people in professions-

create. Criticism, then, can only be based upon

interpretations of the positive values created by that

branch of the community which has at some time

made itself heard. We can use those positive values

to criticize political acts that diverge from them.

But we cannot criticize the values themselves on

the basis of human needs drawn from extra-

professional (or extra-political or ahistorical)

sources216. (WEST, 1987, p. 253).

Para West (1987, p. 254), esta proposta é absurda porque existem

necessidades humanas reais, como “[...] love, food, shelter, meaningful

work, nurturance, healing, play, and community217“. Se alguma

instituição hegemônica ferir qualquer destas necessidades, ela deve sofrer

críticas, independentemente se tais críticas se tornarem ou não

dominantes no cenário político, porque valores construídos por detentores

do poder não são os únicos valores que existem.

Observe-se, por exemplo, questões controversas como o

casamento homoafetivo, direcionado a uma minoria política. O discurso

construído pela maioria conservadora, historicamente, tem sido de que a

família é uma instituição heterossexual; o discurso crítico minoritário

216 “Não podemos criticar o mundo que nos foi dado pelos poderes que estão

na base do que deveria ser - pois não há domínio do "dever" que não seja em

si um aspecto daquilo que é. A crítica é interpretativa e as interpretações

devem basear-se em textos. Textos são coisas que as pessoas - e mais

particularmente, pessoas capacitadas, como pessoas em profissões - criam. A

crítica, então, só pode ser baseada em interpretações dos valores positivos

criados por aquele ramo da comunidade que em algum momento se fez ouvir.

Podemos usar esses valores positivos para criticar atos políticos que divergem

deles. Mas não podemos criticar os próprios valores com base nas

necessidades humanas extraídas de fontes extraprofissionais (ou extra

políticas ou a-históricas).” 217 “amor, comida, abrigo, trabalho significativo, nutrição, cura, diversão e

comunidade.”

224

refere-se a ideia de que o amor é uma necessidade humana,

independentemente de orientação sexual. Se este discurso crítico

minoritário é, também, uma construção social, é preciso aceitar que ele só

poderá gerar efeitos a partir do momento em que se tornar dominante, ou

seja, quando convencer toda uma comunidade. Como não existem

verdades objetivas, os dois discursos seriam equivalentes, diferenciando-

se entre si apenas quanto à aderência pública. Este é o receio de West

(1987) em relação a abordagem subjetivista.

Ademais, West (1987) acredita que as decisões judiciais são atos

de interpretação apenas na forma. Neste sentido, elas se diferenciam

radicalmente da literatura, um ato interpretativo puro. Para ela, Dworkin

defende a idea de que as decisões judiciais são atos interpretativos

objetivos, ou seja, possuem limites, estabelecidos pelo próprio texto.

Dentro das possibilidades de interpretação, o juiz deveria escolher aquela

que melhor se adequa ao caso, em um exercício intelectual, mas também,

moral, levando em consideração o que a comunidade considera

moralmente aceitável.

Entretanto, a grande crítica da autora recai sobre o fato de que o

que é socialmente moral não necessariamente é justo. Para West (1987),

defender esta teoria de decisão judicial é defender que o juiz deve atender

aos apelos populares da maioria, excluindo assim, as demandas de uma

minoria política como as mulheres, os homoafetivos, os negros, dentre

outros grupos marginalizados e sem voz política.

Robert Weisberg (1989) também demonstra receio com as

abordagens desenvolvida pelo law as literature relativas a questão da

interpretação. Para o autor (1989, p. 42), essa perspectiva não conecta o

direito à literatura, a não ser de forma superficial, porque a ciência

hermenêutica se inicia, historicamente, com a interpretação de textos

bíblicos e “though very adaptable to literature, it is not necessarily more

adaptable to literature than to other forms of discourse218“. Para Weisberg

(1989, p. 42), mesmo nesta abordagem é possível encontrar uma atitude

romântica e ingênua de auto parabenização:

Even where we do accept an interesting link

between the interpretive arts and literature, it

invites yet again a sentimental or self-

congratulatory version of the law-literature

connection. Lawyers associate their difficulty in

218 “embora muito adaptável à literatura, não é necessariamente mais

adaptável à literatura do que a outras formas de discurso”.

225

construing legal prose with the more prestigious

difficulties of construing literature. We lawyers,

like literary critics, are concerned with the limits of

language, the elusive search for truth, and so on. Or

if we are inclined to do rather fuzzy interpretation

of statutes for political purposes about which we

feel insecure, we can note that literary criticism

teaches us the power of analogical reasoning. The

garnering of prestige may work the opposite way

as well, as literary critics insecure about the

ethereal nature of their work tie themselves to the

world of power by serving as consultants to

lawyers and judges. All this is very ironic. In

modern critical theory, to extend the forms of

literary criticism to allegedly non-literary works is

a manner of subverting cultural elitism, of denying

the “privileged” status of what we call literature. So

it is odd to see the argument that the connection

between law and literature may enhance rather than

undermine the prestige of both sides of the

enterprise219.

Além disso, Weisberg (1989) afirma não compreender quais são

os objetivos visados ao estudar o direito como literatura, porque esta

219 “Mesmo onde aceitamos um elo interessante entre as artes interpretativas

e a literatura, ela convida novamente a uma versão sentimental ou

autocongratulatória da conexão entre a literatura e o direito. Os advogados

associam sua dificuldade em interpretar a prosa jurídica com as dificuldades

mais prestigiosas de construir literatura. Nós, advogados, como críticos

literários, estamos preocupados com os limites da linguagem, a busca

indescritível da verdade e assim por diante. Ou, se estivermos inclinados a

interpretar de maneira bastante confusa os estatutos para fins políticos sobre

os quais nos sentimos inseguros, podemos notar que a crítica literária nos

ensina o poder do raciocínio analógico. A obtenção de prestígio também pode

funcionar do mesmo modo, à medida que os críticos literários inseguros sobre

a natureza etérea de seu trabalho se ligam ao mundo do poder, atuando como

consultores de advogados e juízes. Tudo isso é muito irônico. Na teoria crítica

moderna, estender as formas de crítica literária a obras supostamente não-

literárias é uma maneira de subverter o elitismo cultural, de negar o status

"privilegiado" do que chamamos de literatura. Portanto, é estranho ver o

argumento de que a conexão entre o direito e a literatura pode aumentar em

vez de minar o prestígio de ambos os lados do projeto”.

226

abordagem não aumenta o conhecimento nem da literatura e nem do

próprio direito. A única conclusão extraída é a de que assim como a

literatura é aberta, o direito concebido como tal é, também,

indeterminado. Além disso, é demonstrado que a diferença entre as duas

áreas reside nos aspectos políticos e nos limites impostos aos juristas;

presume-se, portanto, que ao estudar as preocupações e restrições

impostas ao crítico literário seria possível encontrar aplicabilidades para

o operador do direito. Mas tal presunção é equivocada justamente porque

as duas áreas possuem diferenças cruciais em relação aos limites

interpretativos.

Para demonstrar seu argumento, Weisberg (1989) resgata os

debates travados por Dworkin, Fiss, Fish e Levinson, que como

consequência forçaram o jurista a encarar os problemas relativos a

discricionariedade judicial. Entretanto, apesar de levantar interessantes

questões, Weisberg (1989, p. 45):

do not think it has ventured far enough from the

usual terms of legal debate to ponder the

implications of a connection between law and

literature. The interpretation debate has only

vaguely invoked, and rarely addressed, these wider

questions about the underlying premises or goals of

the law-literature enterprise. The obsession that

some of the entrepreneurs have had with

interpretation has been a diversion from the more

important issues220.

Para o autor, as questões debatidas, portanto, são mais filosóficas

do que literárias, o que frustra a proposta de diálogo interdisciplinar tão

alardeada.

Na verdade, para Judith Schelly221 (1985), nem sequer há uma

divergência real entre os autores: após darem seguimento ao debate em

diversos artigos, “Dworkin and Fish have each modified their initial

220 “não acredita que já tenha se aventurado longe o suficiente dos termos

usuais do debate jurídico para ponderar as implicações de uma conexão entre

direito e literatura. O debate sobre interpretação só vagamente invocou, e

raramente abordou, essas questões mais amplas sobre as premissas ou

objetivos subjacentes do projeto de direito e literatura. A obsessão que alguns

dos autores tiveram com a interpretação tem sido um desvio das questões

mais importantes”. 221 Infelizmente não foi possível encontrar imagens de Judith Schelly.

227

positions and have come closer to intellectual agreement, even as the tone

of their essays has become increasingly disagreeable222. (SCHELLY,

1985, p. 161)”.

Para a autora (1985), as propostas de ambos são complementares

entre si, sendo distintas apenas quanto ao momento de aplicação.

Enquanto a descrição de Fish adequa-se ao papel do advogado, que deve

argumentar em prol de defender os interesses de seu cliente, a de Dworkin

é relacionada a atuação do próprio juiz, que precisa decidir qual dos

argumentos melhor se encaixa no texto legal.

Para demonstrar sua perspectiva, Schelly (1985) recorre aos

escritos de Lévi-Strauss, dos quais extrai as figuras do cientista e do

bricoleur, aparentemente tão antagônicas quanto Fish e Dworkin, mas

complementares a partir de um olhar mais atento.

Na visão de Schelly (1985, p.176), o cientista de Lévi-Strauss se

assemelha ao intérprete proposto por Fish; ele resiste em encontrar uma

cadeia pré-determinada de raciocínio e “is engaged in arguing that a

particular message is suggested by the facts before him223.” O bricoleur,

ao contrário, não questiona as bases estruturais e apenas se preocupa em

organizar os novos elementos da cadeia. O cientista questiona o

determinismo intelectual; o bricoleur, o abraça.

Entretanto, a tarefa do bricoleur requer tanto esforço intelectual

quanto a do cientista, pois ele é responsável por ajustar os novos fatos às

teorias pré-concebidas. Para Schelly (1985, p.176), isso também ocorre

no direito: os advogados agem como cientistas, e os juízes, como

bricoleur, construindo, juntos, o sistema jurídico:

Lawyers, like scientists, will disagree about

“facts,” arguing for a version that emerges with the

theory to prove a particular case. Judges, on the

other hand, like bricoleurs, aim to contribute to a

common body of principles that will determine

holdings in all similar cases224.

222 “Dworkin e Fish modificaram suas posições iniciais e se aproximaram do

acordo intelectual, mesmo quando o tom de seus ensaios se tornou cada vez

mais desagradável”. 223 “está empenhado em argumentar que uma mensagem particular é sugerida

pelos fatos antes dele”. 224 “Os advogados, como os cientistas, discordarão sobre "fatos", defendendo

uma versão que surge com a teoria para provar um caso particular. Os juízes,

por outro lado, como bricoleurs, pretendem contribuir para um conjunto

228

Schelly (1985) prossegue, afirmando que em alguns momentos é

comum que a atividade de ambos se misture. Em um tribunal, os juízes

podem discordar entre si e passar a agir como advogados rivais; os

advogados, por sua vez, podem evocar precedentes, e agir assim

similarmente ao juiz. Entretanto, tais atitudes referem-se aos papéis

sociais desempenhados pelo sujeito e não pelos indivíduos em si.

In other words, it is a question of what is “lawyer-

like” and “judicial,” not of what individuals

actually do at various moments. While the judge

portrays his decision as having been determined by

basic principles of law, the lawyer finds that legal

principles emerge in such a way as to support the

case he must argue in defense of his client225

(SCHELLY, 1985, p.176).

Weisberg (1989) não é tão otimista. O autor defende que o debate

retrocedeu, à medida em que Dworkin, Fiss e mesmo Fish buscam

princípios de restrição interpretativa. Dworkin busca a hipótese estética;

Fiss evoca o poder da comunidade jurídica interpretativa; e Fish acredita

em restrições de contexto prático:

For Fish, there is no real danger of caprice in

interpretation, because the interpreter does not

really choose interpretation-she is still constrained

by the professional community of discourse. All

our judgments of right and wrong occur within

assumptions we cannot wholly control or

choose226. (WEISBERG, 1989, p. 45, nota 150).

comum de princípios que determinarão as participações em todos os casos

semelhantes.” 225 “Em outras palavras, é uma questão do que é "relativo ao advogado" e do

que é "relativo ao juiz", não do que os indivíduos realmente fazem em vários

momentos. Enquanto o juiz retrata sua decisão como tendo sido determinada

pelos princípios básicos da lei, o advogado descobre que os princípios legais

emergem de forma a apoiar o caso que ele deve atuar em defesa de seu

cliente.” 226 “Para Fish, não há perigo real de interpretação caprichosa, porque o

intérprete não escolhe a interpretação - ela ainda é limitada pela comunidade

profissional do discurso. Todos os nossos julgamentos de certo e errado

229

Weisberg (1989) alega, portanto, que Stanley Fish, mesmo

acreditando na construção dos valores e dos critérios utilizados para

interpretação, confere ao ato certa limitação. Não é qualquer interpretação

que será aceita, mas aquela que melhor convencer uma comunidade

interpretativa hegemônica.

Fiss (1982) também acredita na força das comunidades

interpretativas, especialmente a jurídica, mas entende que elas são regidas

pela moralidade social; já para Fish (1982), elas seriam regidas pelo poder

retórico-argumentativo. O efeito, porém, é o mesmo: as comunidades

limitam e legitimam determinadas interpretações.

Segundo Weisberg (1989), o debate, porém, limita as

possibilidades de estudo entre direito e literatura, pois existem outras

formas de se estudar as duas áreas. A proposta de Weisberg é

compreendê-las como dados culturais: entender tanto o direito quanto a

literatura como fenômenos linguísticos, passíveis de ambiguidade,

poderia fornecer interessantes visões sócio-antropológicas, especialmente

situando o direito como uma manifestação de poder.

Richard Posner (1986, p.1360-1361), também não demonstrava

simpatia à ideia de interpretar o texto jurídico como um texto literário.

Para ele, a partir desta abordagem seria possível advogar por um

desconstrucionismo literário e, assim retirar o significado de um texto,

reconstruindo-o da forma que melhor agrade ao interprete.

Para Posner (1986, p. 1361-1363), não seria possível utilizar todas

as técnicas de interpretação literárias em textos jurídicos, porque as duas

áreas são extremamente diferentes. Como o desconstrutivismo não é a

única teoria de interpretação literária, o autor utiliza duas outras teorias

para melhor explicar seu argumento: a neocrítica (ou Nova Crítica) e o

intencionalismo (intencionalidade autoral).

Conforme Posner (1986, p. 1361-1362) a abordagem neocrítica

busca interpretar a obra da melhor forma possível, ou seja, de maneira

que realce sua grandiosidade tanto quanto possível. Dworkin procura

traduzir esta ideia para o Direito, mas, segundo Posner (1986, p.1365),

utilizando filósofos e não críticos literários. Na filosofia, e em especial na

filosofia política, as melhores interpretações são variáveis, a depender do

viés do autor utilizado. Por isso, para Posner (1986, p.1365), tal interpretação é extremamente válida para textos literários e mesmo

filosóficos, mas quando aplicada à textos jurídicos, padece de um grave

ocorrem dentro de suposições que não podemos controlar ou escolher

totalmente.”

230

problema: a melhor interpretação fica a livre critério do juiz, que deverá

escolher qual leitura faz a lei grandiosa.

Posner (1986, p. 1372) também enfatiza o fato de que os

legisladores não são artistas. Eles não têm cuidado de escrita e não se

preocupam com a estética das leis que redigem. Por esse motivo, não é

possível ler os textos jurídicos a partir da neocrítica, já que essa vertente

procura extrair o melhor da obra literária e, no direito, a qualidade de um

texto não é prioridade. As leis geralmente são escritas às pressas e

redigidas por mais de uma pessoa; assim, presumir que cada detalhe

presente em um documento normativo importa, como afirma a neocrítica

em relação ao texto literário, é desconsiderar o próprio processo

legislativo.

Quanto à crítica intencionalista, Posner (1986, p. 1361-1362), a

compreende como aquela que busca ler o texto a partir das intenções de

seu autor, levando em consideração o contexto histórico-social no qual

ele viveu e no qual a obra foi escrita, bem como quaisquer elementos

externos ao texto que possam auxiliar o intérprete nesta busca. Posner

(1986, p. 1364-1369 ) reconhece a inutilidade de tais informações para a

teoria literária, já que acredita que o ato de escrita é um ato inconsciente,

mas argumenta que, apesar de imperfeita227, esta seria a única teoria

passível de aplicação aos textos jurídicos porque seria a única capaz de

estabelecer limites, ainda que mínimos, ao poder judiciário.

Por fim, Posner (1986, p. 1373) elenca três diferenças cruciais

entre o direito e a literatura: 1) A literatura é apreciada por questões

estéticas, já o direito, por questões de orientação em assuntos

governamentais; 2) A literatura deve ser ambígua e aberta a múltiplos

significados, pois deve atingir o máximo de pessoas possível,

independentemente de tempo ou espaço; já o direito, precisa ser claro e o

mais objetivo possível; e 3) A interpretação do crítico literário não é

coercitiva, admite críticas e interpretações alternativas; a interpretação do

juiz é coercitiva e atinge toda a sociedade.

Apesar disso, Posner (1986, p.1373) afirma que as interpretações

jurídica e literária teriam certa similaridade em dois casos específicos:

quando o legislador transmite o poder de criação normativa para o

judiciário e quando é impossível entender a intenção do legislador. Mas

ainda assim, Posner (1986, p.1373-1374) entende que são semelhanças

227 Às vezes é impossível saber a intenção do legislador e levar isso as últimas

consequências pode também legitimar uma ação arbitrária, no sentido de que

a intenção é aquilo que alguém disser que é.

231

aparentes, porque de qualquer forma a opinião do juiz é coercitiva e

vinculante, enquanto a do crítico literário, não.

Posner (1986, p. 1374) enfatiza que nada tem contra a literatura ou

com as demais linguagens artísticas, mas que sua preocupação recai sobre

as consequências que uma interpretação livre do direito, como elegidas

pelo desconstrucionismo ou pela neocrítica, poderiam causar.

Posner (2009) também critica a metáfora do romance em cadeia

elaborada por Dworkin. Para ele, o gênero criado por Dworkin não limita

os autores subsequentes porque sempre é possível que os novos autores

assassinem todos os personagens e comecem, assim, uma nova história.

Tal processo de escrita é mais complexo do que parece, e para Posner

(2009) não está claro o que seria sua analogia no mundo jurídico.

Ademais, a metáfora erra ao igualar juízes e legisladores, pois para

Posner (2009), hierarquicamente, as decisões que interpretam um texto

jurídico são inferiores ao texto original. Ainda em relação a hierarquia,

Posner (2009) salienta que o judiciário possui uma estrutura hierárquica

rígida (Suprema Corte, Tribunais, Juízes Monocráticos, etc), que tende a

homogeneizar as interpretações; o mesmo não ocorre na literatura, até

porque uma variedade de interpretações literárias não causaria as mesmas

consequências que uma jurisprudência destoante, na sociedade.

Por fim, Posner (2009) acredita que nenhuma receita, como a do

romance em cadeia, pode facilitar a tarefa interpretativa. Especificamente

sobre a referida metáfora aplicada ao common law, ele acrescenta que o

capítulo um se apresenta como algo experimental, que sempre pode ser

modificado caso os autores dos outros capítulos entendam que seus

desígnios foram equivocados. Além disso, para Posner (2009, p. 320):

the common law is merely the set of legal concepts

created by judicial decisions, and as with any

concept the precise articulation is mutable, can be

refined, reformulated. The concept is inferred from

the decision (more often from a sequence of

decisions) but exists apart from it. The literary

critic, the biblical exegete, and the judge engaged

in statutory and constitutional interpretation all

have the difficult task of interpreting a fixed text228.

228 “o common law é apenas o conjunto de conceitos jurídicos criados por

decisões judiciais e, como qualquer conceito, a articulação precisa é mutável,

pode ser refinada, reformulada. O conceito é inferido a partir da decisão (mais

frequentemente a partir de uma sequência de decisões), mas existe à parte

dele. O crítico literário, o exegeta bíblico e o juiz empenhado na interpretação

232

Em 2009, Posner (2009, p. 274; 276) resume os debates travados

sobre direito e interpretação literária nos seguintes termos: 1)

“Interpretation is always relative to a purpose that is not given by the

interpretive process itself but that is brought in from the outside229“, ou

seja, apenas depois de estabelecer os objetivos da interpretação é que esta

será feita, sempre conectada à uma busca do intérprete; e 2)

“Interpretation is not much—and maybe not at all—improved by being

made self-conscious, just as one doesn’t become a better reader by

studying linguistics230“. Em outras palavras, a interpretação é algo

intuitivo, que escapa de regras pré-determinadas – não há um manual de

como interpretar.

Ainda assim, embora já ultrapassada na área da literatura, Posner

(2009) afirma que alguns juristas como Jack Balkin231 ainda se debruçam

sobre a questão da interpretação a partir do desconstrutivismo, sem se ater

aos perigos desta abordagem para o direito, como conceder total liberdade

inventiva a um juiz.

Uma interessante informação apresentada por Posner (2009), é que

a partir dos anos 1990, autores estadunidenses232 começam a pensar

questões relativas a tradução e a interpretação, e não apenas à teoria

literária. Um exemplo, seria a proposta de James Boyd White (1990),

desenvolvida no livro Justice as Translation: An Essay in Cultural and

Legal Criticism, no qual o autor faz uma analogia entre a atividade

estatutária e constitucional têm todos a difícil tarefa de interpretar um texto

fixo”. 229 “A interpretação é sempre relativa a um propósito que não é dado pelo

processo interpretativo em si, mas que é trazido do exterior”. 230 “A interpretação não é muito - e talvez nem seja de forma alguma -

aprimorada por se tornar autoconsciente, assim como não se torna um leitor

melhor estudando linguística.” 231 Para mais informações, checar: BALKIN, Jack M. Deconstruction’s Legal

Career, 27 Cardozo Law Review 719, 2005; e GANA, Nouri. Beyond the

Palie: Toward an Exemplary Relationship between the Judge and the Literary

Critic. 15 Law and Literature 313, 328, 2003. 232 Para mais informações, checar: WHITE, James Boyd. Justice as

Translation: An Essay in Cultural and Legal Criticism (1990); LESSIG,

Lawrence, “Fidelity in Translation,” 71 Texas Law Review 1165 (1993). Para

críticas sobre essa questão da tradução, checar LEVINSON, Sanford.

Conversing about justice. 100 Yale Law Journal 1855 (1991); LEVINSON,

Sanford. Translation: Who Needs It? 65 Fordham Law Review 1457 (1997).

233

interpretativa e atividade do tradutor. Para Posner (2009), porém, esta

metáfora é infrutífera já que a tradução pode ser verificada por um

terceiro, fluente na língua original e na língua traduzida, enquanto o

mesmo não ocorreria com a atividade judicial.

Apesar de criticar as abordagens interpretativas do direito a partir

da teoria literária e da própria tradução, Posner (1986) não descarta a

perspectiva de vislumbrar o direito como literatura, voltando-se, porém,

para as judicial opinions, como já abordado no Capítulo 3: compreender

as peças jurídicas como textos literários poderia auxiliar o jurista a

escrever a partir de técnicas argumentativas e retóricas, melhorando a

própria escrita jurídica.

Será demonstrado, agora, como o projeto hermenêutico aparece

nas pesquisas brasileiras do acervo, no intuito de lançar possíveis

hipóteses para a ausência de debates sobre as críticas desta perspectiva.

4.3 O PROJETO HERMENÊUTICO NO BRASIL

Se os autores estadunidenses até então mencionados não foram,

ainda, traduzidos no Brasil, Ronald Dworkin e sua teoria do romance em

cadeia é uma exceção. Seu artigo Law as Interpretation, publicado pela

primeira vez em 1982, teve o título modificado para How Law is like

Literature e faz parte de uma coletânea lançada nos Estados Unidos em

1985 intitulada A Matter of Principle e traduzida para o Brasil em 2000,

como Uma Questão de Princípio.

Tal fato, aliado a explicação de que muitas outras de suas obras

foram traduzidas para o português, ajuda a explicar a quantidade

expressiva de trabalhos que citam o autor (ver Tabela 8), embora nem

todas as referências tenham relação com seu artigo de direito e literatura.

Em contrapartida, Fish, Levinson, Fiss são referenciados poucas vezes

(ver Tabela 9); Weisberg, West e Schelly, não aparecem.

Tabela 8 – Referências a Dworkin nas pesquisas brasileiras do acervo

Pesquisa (chamada autor data)

Obras referenciadas

GODOY (2008) 1. DWORKIN, Ronald. A matter

of principle. Cambridge:

Harvard University Press,

1985.

SCHWARTZ (2008) 1. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

OHLWEILER (2008) 1. DWORKIN, Ronald. O

Império do direito; tradução de

Jefferson Luiz Camargo. São

Paulo: Martins Fontes, 2003.

234

2. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

ROSA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. Tradução

de Luís Carlos Borges. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOREIRA, ESCOSSIA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando

os direitos a sério. Trad. Nelson

Boeira. Martins Fontes, 2002.

2. DWORKIN, Ronald. O

Império do direito. Tradução

de Jefferson Luiz Camargo. 2

ed. São Paulo: Martins Fontes,

2007.

3. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. Tradução

de Luís Carlos Borges. 2 ed.

São Paulo: Martins Fontes,

2006.

COUTINHO (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando

os direitos a sério. Trad. Nelson

Boeira. Martins Fontes, 2002.

SOARES, OLIVEIRA JÚNIOR

(2012)

1. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. Tradução

de Luís Carlos Borges. São

Paulo: Martins Fontes, 2000.

SÁNCHEZ, SOARES (2013) 1. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. São

Paulo: Martins Fontes, 2001.

2. DWORKIN, Ronald. O

império do direito. São Paulo:

Martins Fontes, 2003.

NASCIMENTO, SALDANHA

(2013)

1. DWORKIN, Ronald. O

Império do direito; tradução de

Jefferson Luiz Camargo. São

Paulo: Martins Fontes, 2003.

FERRAZ (2013)233 1. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. São

Paulo: Martins Fontes, 2001, p.

236. In: RAMIRO, Caio

Henrique Lopes. Direito,

literatura e a construção do

saber jurídico: Paulo Leminski

e a crítica do formalismo

jurídico. Revista de Informação

Legislativa. Senado Federal,

Subsecretaria de Edições

Técnicas. Brasília: Ano 49, nº

196, out/dez, 2012, p. 302. SILVA, RIBEIRO (2014) 1. DWORKIN, Ronald. Uma

Questão de Princípio. Trad. de

Luís Carlos Borges. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

SILVA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Uma

Questão de Princípio. Trad. de

233 Apesar de parecer como referência indireta, decidi computar já que

Dworkin consta na lista de referências do trabalho.

235

Luís Carlos Borges. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

ALVEZ, FERREIRA (2015) 1. DWORKIN, Ronald.

Domínios da Vida: aborto,

eutanásia e liberdades

individuais. São Paulo: Martins

Fontes, 2003.

COSTA, LIMA (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Levando

os direitos a sério. Trad. Nelson

Boeira. Martins Fontes, 2002.

2. DWORKIN, Ronald. O

Império do Direito. Trad.

Jefferson Luiz Camargo. 2. ed.

São Paulo: Martins Fontes,

2007.

3. DWORKIN, Ronald. Domínio

da Vida: aborto, eutanásia e

liberdades individuais. Trad.

Jefferson Luiz Camargo. 2. ed.

São Paulo: Martins Fontes,

2009.

TRINDADE, ZANOTTO,

BERNSTS (2014)

1. DWORKIN, Ronald. O direito

de liberdade: a leitura moral da

constituição norte-americana.

Trad. de Marcelo Brandão

Cipolla. São Paulo: Martins

Fontes, 2006

2. DWORKIN, Ronald. Uma

questão de princípio. 2 ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2005.

RIBEIRO (2015) 1. DWORKIN, Ronald. Domínio

da vida: aborto, eutanásia e

liberdades individuais. São

Paulo: Martins Fontes, 2009.

FACHIN (2016) 1. DWORKIN, Ronald. Levando

os direitos a sério. 2. ed. São

Paulo: Martins Fontes, 2007.

Total de pesquisas que o

referencia

17

Total de pesquisas que

referenciam obras de Dworkin

sobre Direito e Literatura

12

Fonte: a autora (2018)

Tabela 9 – Referências a Fish, Levinson e Fiss nas pesquisas brasileiras do

acervo Pesquisa (chamada autor data) Obras referenciadas

STANLEY FISH

GODOY (2008) 1. FISH, Stanley. Don’t know much

about the middle ages: Posner on

Law and Literature. 97 Yale Law

Review, 1987, p. 777-793.

2. FISH, Stanley. Is there a text in

this class? Cambridge: Harvard

University Press, 2003.

GODOY (2008B) 1. FISH, Stanley. Don’t know much

about the middle ages: Posner on

236

Law and Literature. 97 Yale Law

Review, 1987, p. 777-793.

Total de pesquisas que o

referencia

2

Total de pesquisas que

referenciam obras de Fish

sobre Direito e Literatura

2

OWEN FISS

GODOY (2008) 1. FISS, Owen. The

bureaucratization of the judiciary.

92 Yale Law Journal, 1982, p.

1442-1968.

GODOY (2008B) 1. FISS, Owen. The

bureaucratization of the judiciary.

92 Yale Law Journal, 1982, p.

1442-1968.

ESPÍNDOLA (2016) 1. FISS, Owen. Um novo processo

civil. Tradução de Carlos Alberto

de Salles. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2004.

Total de pesquisas que o

referencia

2

Total de pesquisas que

referenciam obras de Fiss sobre

Direito e Literatura

0

SANFORD LEVINSON

GODOY (2008) 1. LEVINSON, Sanford. Law as

Literature. 60 Texas Law

Review, 1981, p. 373-403.

Total de pesquisas que o

referencia

1

Total de pesquisas que

referenciam obras de Levinson

sobre Direito e Literatura

1

Fonte: a autora (2018)

Sobre Fish e Levinson apenas Godoy (2008) (2008B) parece estar

familiarizado com seus respectivos escritos de direito e literatura, já que

é o único pesquisador do recorte a citá-los. Quanto a Fiss, nenhuma das

citações encontradas diz respeito à sua crítica ao projeto hermenêutico.

No que se refere à Dworkin, 12 pesquisas fazem menção a seus

escritos de direito e literatura, mas sem menção a qualquer das críticas

que lhe foi realizada, como por exemplo os trechos a seguir:

Ronald Dworkin (2000, p. 235) diz que quer usar a

interpretação literária234 como um modelo para o

método central da análise jurídica; assim, precisa

234 Na verdade, como foi demonstrado no item 4.1 da presente tese, Dworkin

propõe uma teoria descritiva no intuito de explicar como a interpretação é

feita, e não uma teoria prescritiva, de como deve ser feita.

237

demonstrar como mesmo essa distinção entre

artista e crítico pode ser derrubada em certas

circunstâncias. Ele expõe a ideia da teoria do

romance em cadeia, em que cada autor acrescenta

uma nova parte na história, “respeitando”

(interpretando e criando novos trechos) com base

no que já existe. Decidir casos controversos no

Direito é mais ou menos como esse estranho

exercício literário (SOARES, OLIVEIRA

JÚNIOR; 2012, p. 6)

Nesse sentido, através da narrativa literária é

possível chegar a determinadas conclusões a

respeito das relações político-sociais,

representações jurídicas que vão para além do

imediato proposto e observável, trabalhando, em

certo sentido, tanto com a dimensão objetiva

quanto a dimensão subjetiva. Quem sustenta esta

possibilidade é Ronald Dworkin ao recomendar

que os juristas estudem não só a interpretação

literária, mas outras formas de interpretação

artística, nas quais contribuem para a distinção

categórica entre “descrição e valoração na teoria

jurídica. (SILVA, 2015, p. 6)

O tema foi também incidentalmente tocado por

Ronald Dworkin, que aproximou Direito e

Literatura em função de seus conteúdos

interpretativos. Dworkin parece conceber a prática

jurídica como exercício amplo de interpretação,

que não se limita à exegese de documentos que

qualificam tratativas particulares ou mesmo textos

normativos. Aos juízes, segundo Dworkin, cabe a

interpretação de narrativas. Ao magistrado se

vedaria a criação de narrativas alternativas.

(CASTRO, NEVES; 2015, p. 18)

Todavia, apesar do grande número de citações à Dworkin, o que

significa a tradução cultural de sua teoria do romance em cadeia em terras brasileiras e a consequente incorporação desta teoria ao espaço jurídico

nacional, é preciso destacar um fenômeno ocorrido no Brasil: dos 126

trabalhos do acervo, apenas 3 se dedicam a analisar o direito como

literatura (premissa do projeto hermenêutico), sendo que em dois deles é

possível encontrar outras perspectivas utilizadas para explorar tal

238

abordagem. Leonel Ohlweiler (2008, p. 173-174), por exemplo, mescla a

teoria de Dworkin com as proposições hermenêuticas de Gadamer:

A compreensão será posta em evidência,

especialmente no horizonte dos trabalhos

elaborados por Ronald Dworkin e Hans-George

Gadamer, destacando-se algumas aproximações no

pensamento destes autores, como a ontologização

do ato de compreender, as similitudes entre

interpretação jurídica e interpretação artística e a

historicidade presente em tal processo.

Alexandre Morais da Rosa (2010, p. 127), a seu turno, busca

insights na psicanálise para questionar pressupostos do processo penal,

aliando-a à literatura:

O perigo da interpretação objetiva é reputar que o

não-dito desimporta. Pelo contrário. A leitura

cruzada com a Psicanálise sabe da importância das

reticências... A linguagem é da ordem do não-todo.

Provém do real, de impossível acesso. Nessa

angústia de dizer o todo, de bom grado, a literatura

é um coadjuvante importante. Não para

psicanalisar o autor e muito menos para se detectar

um ilusório inconsciente do leitor no caso, as partes

e seus procuradores. Toda leitura é individual,

articulada no tempo, espaço e, sempre, deslizando

entre os significantes que não seguram.

Ademais, na introdução de um dos livros do acervo, foi encontrado

o seguinte fragmento:

Em um nível inicial de explicitude, as leituras de

Sófocles, Eurípedes, Aristófanes, Ésquilo,

Dostoiévski, Kafka, Saramago e Machado de Assis

têm desvelado, a partir de duas entrelinhas, outras

leituras que emergem do implícito.

Concomitantemente, convocam novos diálogos

com Pêcheux, Althusser, Foucault, Nietzsche e

Lacan. Com Pêcheux, por exemplo, nos é

permitido questionar que espécie de sujeito é esse

que está assujeitado pelas amarras do marxismo

althusseriano em uma concepção de discurso

enquanto “máquina discursiva”. [...]. Em Focault,

239

problematizamos sobre os deslocamentos do

“homem” em relação ao “ser da linguagem”, a sua

constituição, a fragmentação e a possibilidade de

seu desaparecimento diante da necessidade de uma

unidade imperiosa dos discursos. Lacan, no

entanto, nos favorece o enfrentamento dessa

problematização a partir de uma abordagem que

possibilita uma análise do discurso com base na

complexidade da constituição do sujeito. [...].

Nietzsche permite ultrapassar as discussões

epistemológicas sobre a linguagem a partir de

rupturas, desconstruções e reencontros favorecidos

pelo processo de interpretação da vida não

reduzidos à interpretação dos signos. [...].

(SÖHNGEN, 2008, p. 14-15).

Assim, embora o número de pesquisas que se propõe a explorar o

direito como literatura, como proposto pelo projeto hermenêutico, seja

pouco, existem indícios de que na formação do espaço jurídico da área no

Brasil, os pesquisadores ultrapassaram a questão propriamente literária,

realizando diálogos também com a hermenêutica filosófica, com a

psicanálise e com a análise do discurso.

Trata-se de uma característica diferenciada em relação aos Estados

Unidos posto que neste país o projeto se debruçou especificamente sobre

a teoria literária e o desconstrutivismo, vigente à época, o que não

aconteceu no Brasil. Em nenhum dos 3 trabalhos analisados à qualquer

menção ao desconstrutivismo ou outra teoria literária vigente, preferindo

os pesquisadores nacionais optar por autores como o próprio Dworkin,

Gadamer, Freud e Lacan, o que pode ser considerada uma inovação

brasileira235.

Entretanto, assim como nas pesquisas vinculadas ao projeto

humanista, os escritos alinhados ao projeto hermenêutico também não

mencionam as críticas direcionadas à Dworkin e sua teoria do romance

em cadeia. Neste caso específico, a questão idiomática parece ter grande

235 Como pontuado pelo Professor Daniel Serravalle de Sá na defesa final

desta tese, a expressão direito e literatura acaba se tornando imprecisa já que

nas pesquisas brasileiras do recorte analisado nem sempre há um diálogo

entre direito e literatura, sendo frequentes abordagens entre direito e

hermenêutica, direito e psicanálise e direito e análise do discurso (método

da linguística e não da literatura propriamente dita). Neste ponto, é possível

indagar: existe de fato um projeto de direito como literatura no Brasil?

240

relevância já que Dworkin foi o único dos autores estadunidenses a tratar

do tema, traduzido para o Brasil. Tal afirmativa é lançada levando em

consideração que diferentemente do que ocorreu no projeto humanista,

conforme explicado no capítulo 3, as críticas de Fish e dos demais autores

apresentados não parece ter chegado de forma alguma ao país no processo

de tradução cultural; não há nestes trabalhos qualquer menção à polêmica

gerada pelo artigo de Dworkin em 1982, nem qualquer vestígio de que

sua teoria do romance em cadeia não foi bem recebida por outros autores,

como já demonstrado.

No que se refere à questão do método, existe em ao menos um dos

trabalhos uma desconfiança quanto a sua utilização:

A hermenêutica gadameriana faz uma crítica à

concepção tradicional de método, pois o verdadeiro

método seria fazer da coisa mesma, pensar a coisa

em suas consequências; tal desiderato não poderia

ocorrer com a fixação de um caminho

metodológico a ser percorrido, sempre à disposição

do intérprete. (OHLWEILER, 2015, p. 181)

Desta forma, a ideia de que o método é indesejável mostra-se

presente novamente, reforçando a ideia de que as críticas ao projeto

hermenêutico não estão presentes no espaço jurídico brasileiro porque há

uma discordância sobre o significado de método, que tende a indicar a

inexistência de parâmetros para de pesquisar o direito como literatura. E

novamente, saliente-se: se não existem formas de se pesquisar o direito

como literatura, todas as propostas podem ser entendidas como corretas

e, por isso, não passíveis de críticas.

Ademais, a presença da hermenêutica filosófica nos trabalhos

nacionais, como já mencionado, é uma característica marcante de como

este espaço jurídico foi construído com algo do que já se fazia nos Estados

Unidos, mas também com inovações próprias.

No que se refere à visão sentimental da literatura, ela aparece sob

novos contornos, já que a premissa do projeto hermenêutico não é a de

que a literatura humanize o direito, mas que o direito pode ser melhor

interpretado como literatura:

[...] O cidadão que aparece na narratividade

constitucional não pode ser aquele de uma

sociedade liberal-individualista, mas

comprometido com a comunidade e a construção

de uma sociedade mais igualitária. Compreender os

241

textos jurídicos em constante diálogo com esta

narratividade, de certo modo, como diria Ronald

Dworkin é procurar a melhor forma de realizar esta

obra. Vislumbrá-la não como romance fechado,

com início meio e fim bem delineados e

previamente dados, mas uma espécie de romance

aberto [...]. (OHLWEILER, 2008, p. 188)

Desta forma, o autor parece desejar que a interpretação da

Constituição seja a mais aberta possível, confiando que o intérprete deste

texto literário irá se pautar no igualitarismo.

Em outra passagem:

A verdade verdadeira é empulhação imaginária

capaz, reconheça-se, de apaziguar muitos. Não se

pretende ser apaziguado. O campo psicanalítico

não pode, assim, jogar-se nefelibatamente nas

verdades duras do texto literário, porque seria

somente capaz de apaziguar a falta. A falta

intransitiva de onde se elege, com Lacan, o ponto

de saída. A aproximação com a literatura se dá,

muitas vezes, para se buscar aquilo que a

Psicanálise e o Direito não alcançam. (ROSA,

2010, p. 125).

A literatura, assim, aparece como algo diferenciado, que por algum

motivo poderia alcançar espaços nos quais nem o direito nem a

psicanálise adentram, embora Rosa (2010) não forneça maiores

explicações sobre este ponto.

Desta forma, há novamente aqui elementos para se compreender

as razões pelas quais as críticas ao projeto hermenêutico não chegaram ao

Brasil. Diferentemente do que ocorreu na tradução do projeto humanista

para o país, um autor em especial, Ronald Dworkin, é referenciado

diretamente em vários trabalhos, provavelmente em razão da tradução

linguística de seu artigo sobre direito e literatura no Brasil. Todavia, as

críticas que lhe foram feitas por Stanley Fish e outros, não são

mencionadas de nenhuma forma; o ceticismo de Posner aparece de forma

geral em trabalhos brasileiros que partilham da ideia da literatura como

humanizadora do direito, mas a percepção do direito como literatura,

aparece como se jamais tivesse sido criticada.

Aqui também a taxonomia estadunidense (direito como, direito na)

pode fornecer explicações sobre este ponto: compreender o Direito como

242

Literatura, talvez porque ambos estejam conectados à ideia de linguagem,

pode ter contribuído para a ideia de a teoria do romance em cadeia de

Dworkin foi aceita pacificamente quando publicada.

Além da tradição parecerista (NOBRE, 2005) e da questão do

idioma, que neste ponto adquire maior destaque posto que Dworkin foi

traduzido para o português enquanto seus críticos não, há tanto uma

desconfiança do método, oriunda da tradição hermenêutica que irá se

mesclar ao direito e literatura nacional, quanto uma visão sentimental da

literatura, no sentido de que o direito pode ser visto como uma forma de

literatura, premissa não questionada. Essas hipóteses compreendidas em

conjunto poderiam explicar o que torna as críticas distantes da

investigação de pesquisadores inseridos no espaço jurídico do direito e

literatura brasileiro.

Apresentado o projeto hermenêutico estadunidense e sua tradução

no espaço jurídico nacional, passo, agora, para as considerações finais.

243

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O final dos anos 1990 e início dos anos 2000 foi marcado pela

popularização dos estudos de direito e literatura no país. Livros, eventos,

artigos científicos e até um programa televisivo contribuíram para a

disseminação do movimento, que mesmo não levado a sério

(JUNQUEIRA, 1998; SÖHNGEN 2008) ganhou espaço significativo,

podendo ser compreendido como um espaço jurídico (DUVE, 2014)

formado por uma circularidade de ideias distintas.

Neste sentido, embora não fosse meu objetivo principal, a presente

tese acabou demonstrando, de forma geral, a construção deste espaço a

partir da tradução cultural das ideias estadunidenses sobre o law and

literature. Foi possível perceber, por exemplo, que antes da

institucionalização do movimento norte americano em 1973, pelo menos

quatro autores brasileiros já haviam percebido possibilidades de estudos

sobre direito e literatura, sem fazer qualquer menção ao que ocorria nos

Estados Unidos.

Além disso, as ideias de Luis Alberto Warat sobre arte e ensino

jurídico parecem ter influenciado os autores nacionais analisados,

contribuindo também para a construção deste espaço. Também merece

destaque o fato de que os brasileiros ultrapassaram a seara eminentemente

literária, voltando-se à hermenêutica filosófica, à psicanálise e à análise

do discurso para estudar as relações entre as duas áreas.

Assim, se por um lado as ideias fundamentais dos norte-

americanos (de que a literatura pode humanizar o direito e de que o direito

pode ser compreendido como espécie de literatura) foram culturalmente

traduzidas e auxiliaram na construção do espaço jurídico nacional, por

outro os escritos de Warat e a influência de outras áreas relacionadas à

linguagem e/ou literatura também foram importantes para a construção

deste espaço único. Também não se pode ignorar a possibilidade de que

as ideias europeias sobre direito e literatura tenham contribuído para a

constituição deste espaço, especialmente após a tradução da obra de

François Ost, embora investigar tal questão esteve fora dos objetivos

propostos. Deixo a sugestão para outros pesquisadores

O problema de pesquisa investigado aqui foi outro. Partindo da

construção de um acervo de pesquisas nacionais sobre direito e literatura e de uma fotografia da produção acadêmica estadunidense, foi possível

concluir que, enquanto nos Estados Unidos calorosas discussões são

travadas a respeito dos fundamentos basilares do direito e literatura, o

mesmo não ocorre nas pesquisas nacionais analisadas. Por isso, o objetivo

244

principal da pesquisa foi o de compreender porque tais discussões não

foram traduzidas, junto das ideias centrais sobre o tema.

É verdade que Marcos Nobre (2005) já diagnosticou que a pesquisa

parecerista, realizada sem se preocupar com críticas, é uma constante na

área do direito em geral. Por confundir prática profissional com atuação

acadêmica, o jurista acaba elaborando pareceres sempre favoráveis às

hipóteses que delimita, ignorando tudo aquilo que possa contradizê-lo.

A questão do idioma também não pode ser ignorada. Com exceção

do artigo de Dworkin (1982), toda a produção estadunidense relativa aos

projetos humanista e hermenêutico continuam sem tradução para a língua

portuguesa, impondo-se como dificuldade para acesso e leitura dos

pesquisadores nacionais.

Outras hipóteses poderiam, ainda, ser pensadas: a preguiça de

investigar tais críticas a fundo; a necessidade de se produzir muito em

pouco espaço de tempo para preservar bolsas de pesquisa e

credenciamentos em Programas de Pós-Graduação; ou, simplesmente,

desconhecimento. Não se pode esquecer também que nos Estados Unidos,

o law and literature foi uma reação à hegemônica análise econômica do

direito; ou seja, seu surgimento se dá em um contexto hostil, como os

primeiros textos de Richard Posner (famoso autor do law and economics)

indicam. O mesmo não acontece no Brasil, onde os pesquisadores passam

a escrever sobre o assunto por razões diversas, mas não como forma de

combate a teorias hegemônicas.

No desenvolvimento da presente tese, porém, persegui duas

hipóteses mais tangíveis, seguindo indícios presentes nos próprios textos

analisados. A primeira, relativa à confusão sobre o conceito de método,

identificada por Haba (2007) em relação à área do direito. Se não existe

um método, um como fazer a pesquisa, qualquer escrito sobre o tema pode

ser compreendido como válido. A segunda refere-se à visão sentimental

da literatura, expressão cunhada por Weisberg (1989), segundo a qual o

jurista desiludido com o mundo do direito para a vislumbrar na literatura

uma tábua de salvação, perfeita e não criticável.

Desta forma, foi possível concluir que existe nas pesquisas

relativas ao projeto humanista e ao projeto hermenêutico uma confusão a

respeito do método, que ora é visto como indesejável, inexistente ou como

a simples divisão da área (direito na, direito como literatura). Ademais, existe uma visão romantizada da literatura, segundo a qual a obra literária

pode humanizar o direito e que a literatura pode oferecer melhores chaves

interpretativas para a área. A presença destes dois elementos no recorte

investigado auxilia a compreender porque as críticas ao direito e literatura

não são debatidas.

245

Além disso, outras diversas questões foram identificadas. No caso

dos projetos esparsos e do projeto humanista, por exemplo, é comum que

os autores estadunidenses ou sejam citados de forma indireta ou sejam

simplesmente mencionados, o que pode significar que os pesquisadores

brasileiros do acervo não tiveram contato direto com as obras norte

americanas. Isso explicaria a ausência de discussões das já mencionadas

críticas; existe a consciência de que críticas foram feitas, mas elas não são

debatidas.

Todavia, o mesmo não ocorre em relação ao projeto hermenêutico.

Talvez pelo texto de Dworkin ter sido traduzido para o Brasil, é comum

que os autores nacionais do acervo lhe façam referência diretamente. Em

contrapartida, não há qualquer pista de que estes autores saibam que a

teoria do romance em cadeia, desenvolvida por Dworkin, esteve no centro

de polêmicas, tendo sofrido diversas críticas ao longo dos anos, por parte

dos mais diversificados autores (Fish, Fiss, Schelly, West, Posner e

Weisberg).

Importante mencionar, ainda, que se nos Estados Unidos são três

os projetos de investigação sobre direito e literatura (humanista,

hermenêutico e narrativista), no Brasil apenas dois foram traduzidos. O

projeto narrativista, pautado na escuta das vozes subalternas e fortemente

influenciado pelas teorias feministas e pelas teorias raciais ainda não foi

disseminado no recorte analisado. Ademais, mesmo tendo identificado

autores nacionais que escrevem autonomamente sobre o assunto antes

mesmo do movimento norte americano ter se iniciado, as pesquisas do

acervo citam mais o movimento norte americano do que o que já havia

sido proposto localmente, com exceção dos escritos de Warat.

Em suma, se por um lado a presente pesquisa busca explicar a

ausência das críticas aos fundamentos do movimento, por outro levanta

uma série de outras questões. Investigá-las comportariam novas e

diversificadas teses de doutorado, o que espero que venha a ser feito em

breve por aqueles que escreverão depois de mim, seja para o

fortalecimento da área, seja para compreender e valorizar este espaço

jurídico local.

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