A Realidade como um Modelo Interno para Regulação e Controle

44
1 A realidade como um modelo interno para regulação e controle 1 Ao abrirmos os olhos, desde o início de nossas vidas, deparamo-nos com a realidade. Não há esforço em percebê-la como tal, nem lembranças de percebê-la diferentemente. A realidade se nos apresenta independentemente de nossa vontade: ela se nos impõe, diria o filósofo realista. Nós acreditamos na realidade, buscamos nos relacionar com ela da melhor forma, e, às vezes, entender o sucesso dessa relação. Parece razoável supor que parte do sucesso dessa relação se dá em virtude do uso de dispositivos tais como linguagem, teorias, tecnologia, os quais conseguem entrelaçar de forma tão harmônica diferentes pessoas e a própria realidade. Assim, um dos problemas centrais em filosofia consiste em entender o papel que esses dispositivos cumprem nessa relação. Parece também razoável afirmar que a visão intuitiva acerca dessa relação, a qual espreita diferentes tratamentos filosóficos do problema, seria a de que esses dispositivos contribuem para tal sucesso, pois, representam, ou referem, ou denotam a realidade onde o grau de acuidade da conexão justifica o maior grau de sucesso. Assim, admitida uma visão de realidade, de um lado, a tarefa seria a de desvendar os liames dessa conexão. No presente texto, argumentaremos que nossa noção comum de realidade consiste num modelo interno elaborado pelo Sistema Nervoso Central para melhorar o processo de regulação e controle de nosso organismo. Esse modelo não consistiria numa representação fiel de nosso entorno, mas apenas num constructo que atende as necessidades de regulação. Entre as consequências que imediatamente obtemos dessa perspectiva, teremos que ao confiarmos em nossa realidadefrequentemente acreditamos em algo literalmente falso, o que nos conduz a suspeita de que a maneira pela qual esses mecanismos contribuem para nosso sucesso como espécie deve ser distinta de qualquer coisa que chamaríamos de semântica. Nossa argumentação se desenvolverá desde uma perspectiva materialista, onde qualquer evento que adquira significado para nossas vidas deve ser visto, em princípio, como um estado funcional neuronal ou seja, como um parâmetro de ordem neuronal atendendo a alguma função no organismo. Assim, nosso primeiro esforço será o de compreender o tipo de sistema que caracteriza o Sistema Nervoso Central e seu papel a cumprir no organismo biológico. Para tal fim, e tão comente por razões pragmáticas, a 1 Márlon Henrique dos Santos Teixeira 2 Naturalmente o termo máquina aqui não deve conduzir o leitor a qualquer preconceito cartesiano, visto que esse

Transcript of A Realidade como um Modelo Interno para Regulação e Controle

1

A realidade como um modelo interno para regulação e controle1

Ao abrirmos os olhos, desde o início de nossas vidas, deparamo-nos com a

realidade. Não há esforço em percebê-la como tal, nem lembranças de percebê-la

diferentemente. A realidade se nos apresenta independentemente de nossa vontade: ela

se nos impõe, diria o filósofo realista. Nós acreditamos na realidade, buscamos nos

relacionar com ela da melhor forma, e, às vezes, entender o sucesso dessa relação.

Parece razoável supor que parte do sucesso dessa relação se dá em virtude do uso de

dispositivos tais como linguagem, teorias, tecnologia, os quais conseguem entrelaçar de

forma tão harmônica diferentes pessoas e a própria realidade. Assim, um dos problemas

centrais em filosofia consiste em entender o papel que esses dispositivos cumprem

nessa relação. Parece também razoável afirmar que a visão intuitiva acerca dessa

relação, a qual espreita diferentes tratamentos filosóficos do problema, seria a de que

esses dispositivos contribuem para tal sucesso, pois, representam, ou referem, ou

denotam a realidade – onde o grau de acuidade da conexão justifica o maior grau de

sucesso. Assim, admitida uma visão de realidade, de um lado, a tarefa seria a de

desvendar os liames dessa conexão.

No presente texto, argumentaremos que nossa noção comum de realidade

consiste num modelo interno elaborado pelo Sistema Nervoso Central para melhorar o

processo de regulação e controle de nosso organismo. Esse modelo não consistiria numa

representação fiel de nosso entorno, mas apenas num constructo que atende as

necessidades de regulação. Entre as consequências que imediatamente obtemos dessa

perspectiva, teremos que ao confiarmos em nossa ‘realidade’ frequentemente

acreditamos em algo literalmente falso, o que nos conduz a suspeita de que a maneira

pela qual esses mecanismos contribuem para nosso sucesso como espécie deve ser

distinta de qualquer coisa que chamaríamos de semântica.

Nossa argumentação se desenvolverá desde uma perspectiva materialista, onde

qualquer evento que adquira significado para nossas vidas deve ser visto, em princípio,

como um estado funcional neuronal – ou seja, como um parâmetro de ordem neuronal

atendendo a alguma função no organismo. Assim, nosso primeiro esforço será o de

compreender o tipo de sistema que caracteriza o Sistema Nervoso Central e seu papel a

cumprir no organismo biológico. Para tal fim, e tão comente por razões pragmáticas, a

1 Márlon Henrique dos Santos Teixeira

2 Naturalmente o termo máquina aqui não deve conduzir o leitor a qualquer preconceito cartesiano, visto que esse

2

Cibernética e Teoria da Informação serão ferramentas de uso comum, enquanto que

neurociências, neuropsicologia e psicologia cognitiva servirão de suporte para as

hipóteses e resultados levantados. Porque essa perspectiva privilegiará antes a interação

do sistema com o entorno, do que as propriedades intrínsecas ao sistema, deixe-nos

chamá-la de interacionista.

1. O Sistema Nervoso Central como um Sistema dinâmico

1.1.Cérebro ou Sistema Nervoso Central?

Quando se fala sobre o pensamento, desde uma perspectiva materialista,

frequentemente nossa fala versa sobre o cérebro, o qual é o centro de processamento do

Sistema Nervoso Central (SNC). Porém, na medida em que se fala do cérebro sem

mencionar o SNC, corre-se o risco de pensar que poderíamos entender os eventos

cerebrais fora do contexto do SNC. O cérebro, ou espaço interneural, consiste em um

conjunto de subsistemas do SNC, de tal modo que os eventos ocorridos em seu espaço

devem ser entendidos com relação ao papel desempenhado no sistema como um todo

(MAINZER, 2007). A designação ‘espaço interneural’ deriva do fato de que seus

neurônios têm a função de transmitir informação proveniente dos neurônios aferentes –

órgãos sensoriais – até os neurônios eferentes – que resultam em contrações musculares

(LLINÁS, 2001). O SNC é compreendido pelo cérebro, mais a espinha dorsal, os quais

são bilateralmente simétricos [Figura 1]. A espinha dorsal recebe informação sensorial

da pele através de um conjunto de longos axônios, chamados também de nervos

periféricos, e envia comando motor para os músculos (KANDEL, 2012).

Figura 1 - Sistema Nervoso Central

3

Assim, será esse o sistema sobre o qual falaremos.

1.2. O Sistema Nervoso Central como uma Máquina com Input

Na perspectiva da cibernética, o SNC é concebido como um sistema dinâmico.

Intuitivamente, um sistema dinâmico pode ser entendido como qualquer grupo de

elementos, exibindo algum tipo de relação (LERNER, 1975; ASHBY, 1956). De um

ponto de vista teórico, isso poder ser expresso como qualquer conjunto de variáveis,

onde cada variável descreve um aspecto, por assim dizer, dos elementos. Os valores que

as variáveis do sistema assumem dependem inteiramente dos propósitos inerentes à

investigação. No caso do SNC, podemos descrevê-lo desde uma perspectiva que

considere suas moléculas, ou membrana potencial, ou sinapses, ou neurônios, ou

núcleos, ou circuitos, ou redes, ou mapas, ou sistemas, e, logo, o sistema nervoso central

como um todo. No entanto, para nossos propósitos é preferível introduzirmos uma

definição mais precisa. Então, deixe-nos assumir que as variáveis de nosso sistema

podem ser entendidas como um vetor cujas componentes sejam numéricas, então

podemos definir um sistema da seguinte forma:

[Def. 1.1] Um sistema dinâmico consiste em um espaço de fase e uma transformação

(operador) sobre esse espaço;

o espaço de fase consiste num espaço n-dimensional no qual os operandos e as

transformandas pode ser representados por pontos (ASHBY, 1956).

Dito isso, devemos nos perguntar: que tipo de sistema dinâmico é o SNC?

Segundo Prigogine (1961), de acordo com a termodinâmica os sistemas podem ser

classificados em três categorias, a saber: sistemas isolados como aqueles que não

podem trocar nem energia e nem matéria com entorno; sistemas fechados como aqueles

que trocam energia, mas não trocam matérias; e os sistemas abertos que trocam tanto

energia como matéria com o entorno. O SNC evidentemente será compreendido como

uma estrutura dissipativa – sistema aberto – fora de equilíbrio termodinâmico em um

estado de entropia reduzida (MAINZER, 2007, p. 98; PRIGOGINE & NICOLIS, 1977).

Do ponto de vista da cibernética, isso seria equivalente a dizer que o comportamento do

sistema é dependente de sua relação com o entorno, ou variedade exterior que afeta o

sistema. Para ilustrar esse ponto, lembre-se que perdemos consciência após alguns

segundos sem ar – troca de matéria com o entorno – ou que nosso comportamento não é

totalmente aleatório, mas é, em parte, uma função dos estímulos exteriores que nos

4

afetam – como veremos a seguir é muito importante notar que o SNC é capaz de gerar

estados funcionais totalmente independentes dos estímulos exteriores.

A esse tipo de sistema cujo parâmetro de comportamento é determinado pela

variedade produzia pelo entorno dá-se o nome de máquina2 com input (ASHBY, 1970,

1966). Assim, podemos definir uma máquina com input da seguinte maneira:

[Def. 1.2] Um sistema dinâmico aberto ou máquina com input consiste em um espaço

de fase e um conjunto não vazio de transformações (operadores) sobre esse espaço;

Em linhas gerais, uma máquina com input consiste num sistema cuja evolução dos seus

estados depende fatores exteriores ao sistema (ASHBY, 1970, 1966). Assim, a cada

input diferente se associará um comportamento ou parâmetro diferente de evolução do

sistema – ou seja, cada input determina qual operador define a mudança de estado do

sistema [Tabela 1].

Tabela 1 Representação canônica da dinâmica de um sistema

2 Naturalmente o termo máquina aqui não deve conduzir o leitor a qualquer preconceito cartesiano, visto que esse

conceito não se restringe a qualquer máquina materialmente já construída ou que venha a ser construída, mas a

qualquer máquina matematicamente possível, com tanto que a mesma possa ser ordenada, relacionada e entendida

(ASHEBY, 1966, p. 3).

4

1

3

2

4

2

3

4

1

2

1

4

2

3

1

Transição a Transição b Transição c Transição d transição e

Input 1 Input 2 Input 3

5

O input seleciona, a cada instante t, uma transforma do conjunto de transformadas, a

qual será responsável pela transição de estado do sistema. Na tabela 1, os numerais 1, 2,

3 e 4 representam os estados iniciais possíveis e os numerais abaixo representam os

estados de transição possíveis do sistema relativos aos inputs A, B e C. Cada linha

colorida no Gráfico 1 representa um comportamento distinto do sistema, relativo a cada

input diferente, sendo o conjunto de seus comportamentos possíveis chamado de

representação canônica3. Obviamente, um dos objetivos principais ao examinarmos um

sistema será a determinação de sua representação canônica.

No entanto, os casos em que podemos vislumbrar a representação canônica de

uma máquina prontamente são raros – se de fato existem. O que ocorre, em geral, é que

os sistemas se apresentam como caixas pretas. Em particular, o SNC consiste em um

caso clássico de uma Caixa Preta (ASHBY, 1970; MAINZER, 2007).

1.3. O SNC como uma Caixa Preta: em busca da estrutura da máquina

A teoria da Caixa Preta consiste numa estratégia para lidarmos com sistemas

cuja dinâmica não nos é acessível diretamente; ou seja, com sistemas que se apresentam

propriamente como uma caixa fechada. Essa teoria vem a ser muito mais útil do que a

primeira vista pode parecer, pois a maioria dos sistemas que nos deparamos, sobretudo

na investigação científica, apresenta-se justamente como tal. O SNC é um exemplo

típico de tais sistemas dinâmicos, onde não se pode acompanhar diretamente a transição

dos estados do sistema. Assim, uma abordagem comportamental vem a ser mais

apropriada, uma vez que as únicas coisas que se podem estivar com certa segurança

vêm a ser o conjunto dos inputs e outputs do sistema.

Destarte, a primeira tarefa consiste, basicamente, em precisar os conjuntos de

inputs e de outputs. Por input se quer dizer qualquer evento externo ao sistema que o

modifique de alguma maneira – que cause uma transição em algum de seus estados. E

3 Note que a noção de espaço de fase e representação canônica são sinônimos aqui. Porém, a noção de

espaço de fase é definida em termos das noções de espaço vetorial ou espaço topológico, assim, a noção

de representação canônica consiste numa abstração dessas noções.

↓ 1 2 3 4

InputA 3 4 2 1

InputB 2 3 4 1

InputC 4 3 1 2

6

por output se quer dizer qualquer mudança produzida no entorno pelo sistema

(ROSENBLUETH et al, 1943; ASHBY, 1970). Uma vez fixando esses dois conjuntos,

submete-se o sistema a repetidos distúrbios de tal sorte que se possa estabelecer uma

relação – determinada ou estocástica – entre cada input e cada output. Onde distúrbio

deve ser entendido como a exposição do sistema a diferentes inputs, com vistas a

vislumbrar justamente as diferentes transições de estado.

Uma vez tendo submetido o SNC a um processo de distúrbios, de um ponto de

vista fisiológico e anatômico, o que se verifica como resultado é exclusivamente

motricidade – aparte dos componentes glandulares e neuro-humorais (KANDEL, 2012;

FUSTER, 2006; LLINAS, 2001; ARBIB, 1981; SPERRY, 1952). Em outras palavras, a

motricidade4é única forma por meio da qual o sistema é capaz de afetar seu entorno. Um

dos primeiros registros dessa perspectiva de entendimento sobre o funcionamento do

SNC se encontra em Neurology and the Mind-Brain problem (SPERRY, 1952).

Segundo Sperry, “o inteiro output de nossa máquina de pensamento consiste em nada

mais do que padrões de coordenação motora, [...] a única saída de energia e o único

meio de expressão são pelo canal motor” (grifos do autor) (1952, p. 296-298). Do ponto

de vista psicológico, também se pode verificar um privilégio da ação em detrimento do

pensamento. Estudos acerca de como o SNC reage com relação a distúrbios repentinos –

tal como rebater rapidamente uma bola, frear o carro para evitar um choque, desviar de

um obstáculo, ou fechar os olhos para evitar a entrada de um inseto no olho –

mostraram que o sistema sensorial é estimulado com um atraso de 100ms em detrimento

do sistema motor (EAGLEMANN, 2012; LLINÁS, 2001). Do ponto de vista

filogenético, nota-se que, descendo na escala evolutiva, a atividade puramente mental

vem a ser cada vez mais insignificante, quando comparada com atividade motora –

obviamente o que se toma por ‘mental’ aqui consiste em ‘atividade neural sem uma

corelação motora imediata’. Isso não seria de todo relevante não fosse o fato de que dos

peixes ao homem há somente uma aparente refinamento à elaboração gradual dos

mecanismos cerebrais, sem qualquer alteração radical dos princípios fundamentais de

operação (SPERRY, 1952).

Ainda do ponto de vista filogenético, a existência de uma espécie animal

chamada de ascídias, ou tunicatas (Acideacia) tem sido interpretada pelos

neurocientistas e biólogos evolucionistas como uma prova em favor dessa perspectiva

4 Há também produto glandular, mas esse output por ser desconsiderado uma vez que mantém como

função a regulação fisiológica da homeostase de nosso corpo.

7

sobre a função do SNC. Em sua fase adulta, esses animais são sésseis e ancorados por

um pedículo em um lugar fixo no mar, cujas únicas funções na vida consistem em filtrar

a água em busca de alimento e reproduzir-se por brotamento. Em sua fase larval, as

ascídias produzem uma larva semelhante a um girino, a qual possui células ganglionares

semelhantes a um cérebro – aproximadamente 300 células. Esse sistema nervoso

primitivo recebe informação do entorno por meio de um estatocisto – órgão de

equilíbrio –, um pedaço rudimentar de pele sensitiva à luz e uma corda dorsal – uma

espinha dorsal primitiva – tornando-as, assim, capazes de lidar com o entorno. O fato

surpreendente ocorre assim que a larva acha um local onde possa se estabelecer

definitivamente, pois, uma vez feito isso, a larva enterra sua cabeça e literalmente digere

seu protocérebro, sua corda dorsal, sua calda e a musculatura da calda, voltando assim a

ser uma criatura séssil (LLINAS, 2001; CLONEY, 1982). Ou seja, não havendo mais

locomoção, deixa também de haver a necessidade de se ter um Sistema Nervoso

Central.

Agora, de acordo com Wiener, “[...] a estrutura da máquina ou organismo é um

índice do desempenho que dela se pode esperar” (1989, p. 57). Ou, em outras palavras,

que sendo nosso SNC uma máquina constituída para produzir e conduzir motricidade

inteligente – como oposto a um processo motriz gerado ao acaso – então é de se esperar

que os estágios intermediários nesse processo estejam em função desse propósito. No

entanto, o SNC é apenas um subsistema do organismo biológico como um todo. Assim,

antes de tentarmos entender qualquer estágio intermediário no processo de geração de

motricidade, devemos entender o papel que a motricidade compre nesse contexto mais

amplo, a saber, o organismo vivo.

2. A função do SNC no organismo biológico

2.1. Organismo como um Sistema Complexo

Um dos grandes benefícios das noções de sistema e entorno consiste na

relatividade quanto a seu uso – a qual tem sido pouco explorada em filosofia. Deixe-nos

definir entorno da seguinte maneira:

[Def. 2.1.] entorno consiste no conjunto de variáveis cuja mudança afeta o organismo e

as variáveis que sofrem alteração pelo comportamento do organismo (ASHBY, 1966,

p.86).

8

Assim, as noções de sistema e entorno podem ser relativizadas tendo em vista que é

sempre possível conceber dois sistemas em interação E e O como um sistema complexo

único C, tal que o input do sistema E consiste, nessa nova configuração, no input do

sistema C, enquanto que o output do sistema O consiste no output do sistema C – onde

E pode ser entendido como entorno, O organismo e C o ecossistema, por exemplo.

Desse modo, o organismo biológico é um sistema para o qual o meio ambiente é seu

entorno, o SNC é um sistema para o qual o corpo é parte do entorno, uma rede neural é

entorno para outra rede neural, um neurônio é um sistema para o qual outros neurônios

são entorno e assim por diante (ASHBY, id.; MAINZER, 2010). Podemos considerar,

agora, o organismo biológico como um sistema complexo composto de vários

subsistemas para o qual o SNC faz parte e analisar algumas propriedades importantes

desse sistema complexo, a fim de tentarmos compreender qual o papel que o SNC,

enquanto um de seus subsistemas, cumpre no organismo biológico.

2.1.1 Transmissão de Informação

Antes de introduzirmos a noção de organismo vivo e mostrarmos como tal noção

pode nos ser útil, deixe-nos introduzir algumas noções de Teoria da Informação que

serão necessárias. Em um amplo sentido, Teoria da Informação pode ser entendida

como o estudo quantitativo “[,,,] dos procedimentos por meio dos quais um mecanismo

afeta outro mecanismo” (SHANNON & WEAVER, 1963, p. 3).

Figura 2 - Sistema de Informação

Logo se pode perceber que tal teoria será de grande utilidade em cibernética, tendo em

vista que o tipo de sistemas estudado pela disciplina consiste justamente naqueles em

9

que sua dinâmica depende da troca contínua de matéria ou energia do sistema com seu

entorno – sistemas abertos, como já vimos. De acordo com a teoria da informação, cada

sistema pode ser entendido como uma fonte de informação, onde grau de liberdade com

que um sistema pode afetar outro sistema é definido como a entropia desse sistema.

Entre dois sistemas A e B deve haver ainda um meio por onde A possa afetar B, o qual

se chama de canal transmissão do sistema de informação. A Figura 5 vem a ser uma

típica representação de um sistema de informação. Assim, há uma fonte de informação,

a qual se caracteriza por certa entropia. Uma vez que essa fonte não pode enviar seus

símbolos diretamente para o destino, o transmissor codifica os símbolos da fonte em

termos de um sinal, o qual é enviado por um canal. Do outro lado, há um receptor, o

qual decodifica sinal recebido em termo dos símbolos enviados pela fonte de

informação. Para o envio do sinal é necessário, como já dissemos, um meio de envio

desse sinal, o canal de transmissão do sinal. No processo de transmissão de um sinal por

um canal há comumente um ruído, que consiste em qualquer distúrbio interior ou

exterior ao canal, o qual aumenta a entropia desse sinal, dificultando a decodificação

precisa do sinal enviado.

Para efeito de nossos propósitos não será necessário considerar um sistema de

informação com tal nível de detalhes – em geral, ignoraremos os resultados referentes

aos limites em compressão de dados – mas será suficiente apenas considerar a fonte e a

transmissor como um sistema único A, o canal, o ruído e o receptor e o destino como

outro sistema B. Assim, a Figura 6 ilustra o tipo de sistema que usamos para apresentar

certos resultados.

Figura 3 - Sistema de Informação Simplificado

Shannon (id.) introduz uma medida para o grau de liberdade com que um

sistema pode afetar outro, chamada de entropia do sistema, a qual é dada pela fórmula

, onde X é uma variável aleatória, E é o valor estimado e p é um valor

entre 0 e 1 que a variável aleatória X pode assumir. Uma vez que, em geral, os códigos

10

de compressão usados são binários, usa-se o logaritmo de base 2, pois este coincide

exatamente como o número de símbolos binários necessários para codificar certa fonte

de informação. Assim, se a transmissão incessante através do canal for vista como um

processo estocástico, então a transmissão num lapso de tempo Δt consistirá em uma

sequência φ com uma estrutura estocástica tal que complexidade de φ é dada por H(X).

Notemos que o grau de liberdade com que o entorno pode afetar o sistema – ou seja, seu

conjunto de inputs – pode agora ser tratado em termos da entropia desse sistema, e o

mesmo para o grau de liberdade concernente ao que resulta dessa interação no que se

refere ao sistema afetado – o output do sistema. Em geral, a palavra informação pode

ser usada para designar esse conjunto de inputs que é capaz de afetar o sistema, porém

deve-se estar ciente de que a noção de informação apresenta um sentido um pouco mais

restrito, a saber, aquela variedade resultante do distúrbio – denominada de informação

mútua –, enquanto a variedade possível deve ser denominada de entropia.

2.1.2. O organismo vivo

Passaremos, agora, ao tratamento do organismo vivo como um sistema dinâmico

aberto, ou máquina com input. Da [Def. 1.2.] podemos notar que o organismo pode ser

representado como um sistema cujo comportamento é determinado pela informação que

afeta o sistema. Assim, como é usual, dado um estado, o organismo apresentará, em

geral, um comportamento distinto relativo a cada input distinto; ou seja, haverá uma

transição para um estado diferente. Evidentemente não é necessário que o organismo

reaja diferentemente com relação a cada input, nem tão pouco que sua transição seja

totalmente determinada – ou seja, com probabilidade 1 para um estado e 0 para os

demais – mas é suficiente que a noção de ‘determinado’ aqui tenha o sentido de

respeitar certa distribuição de probabilidade5. O interessante é que o organismo

biológico, assim entendido, coincidirá exatamente com o esquema apresentado na

Figura 6, onde o organismo será visto como um canal de informação. Podemos definir

um canal de informação da seguinte maneira

[Def. 2.2] dado duas variáveis aleatórias E={ } e O={ }, diz-se

haver uma canal transmitindo informação entre E e O se e somente se a entropia

5 Note que, embora se use a noção de determinado como oposto a estocástico, um sistema determinista é

apenas um caso particular de um sistema estocástico no qual as transições ocorrem com probabilidade 1

para um caso e 0 para os demais.

11

condicional de E dado O for menor que entropia de E , o que é expresso pela fórmula

H(E|O)<H(E)6.

Ou seja, suponhamos que E seja o conjunto de inputs por meio dos quais o entorno é

capaz de afetar o organismo e O seja os possíveis estados do organismo resultantes da

relação, então a entropia condicional H(E|O) será máxima – igual a H(E) – apenas no

caso em que E e O sejam completamente independentes um do outro. Em outras

palavras, se dois pontos mantiverem qualquer relação comportamental, então existe um

canal entre esses dois pontos (ASHBY, 1956, p. 180). Como se pode perceber, o

organismo biológico satisfaz essa condição.

Agora, devemos nos perguntar que tipo de informação o organismo está

continuamente transmitindo? E que tipo de informação, em especial, podemos dizer que

o organismo deseja transmitir? Como foi dito, um sistema pode ser entendido como um

conjunto de variáveis – onde o conjunto de pontos no espaço de fase consiste no

conjunto de vetores estado do sistema – cada uma descrevendo certo aspecto do sistema.

Assim, podemos ter variáveis estando para o comportamento geométrico do organismo

– sua movimentação –, variáveis para o volume ocupado pelo organismo no espaço –

altura, comprimento do cabelo –, variáveis para a pressão sanguínea do organismo,

variáveis para a quantidade de sangue do organismo – e quantidade de glóbulos

vermelhos, etc. –, variáveis para quantidade de oxigênio por litro de sangue etc.. O

conjunto de variáveis pode ser entendido como um vetor, e a dinâmica do sistema

durante um lapso de tempo Δt pode ser representado por uma variável aleatória

. Assim, podemos denotar o vetor estado do organismo como o vetor

. O mesmo pode ser dito das várias formas pelas quais o entorno pode afetar o valor

das componentes do vetor e podemos denotar essa variedade também por um vetor

, onde possa ocorrer. Agora, dentro dos possíveis valores que as componentes

do vetor podem assumir, é razoável definirmos um subconjunto desses possíveis

6 Intuitivamente podemos ilustrar a definição 2.2. da seguinte maneira. Imagine que a posição da mão

direita de um sujeito A em um espaço de fase tridimensional, relativo a um eixo de coordenadas definido

pela linha dos ombros e outra linha perpendicular a ela. Assim, poderíamos dizer que a posição de mão do

sujeito A define um ponto em cada instante t, e que esse espaço de fase pode definir uma fonte de

informação. Agora imaginemos um sujeito B, no Japão, na mesma situação. Poderíamos, então,

perguntar: qual a probabilidade de que, dado que o sujeito A, em um tempo t’, está com a mão levantada

(ou seja, que a posição de sua mão defina um ponto pertencendo a um subconjunto δ de pontos nesse

espaço), o sujeito B esteja com a mãe abaixada (ou seja, que a posição de sua mão defina um ponto

pertencendo a um subconjunto γ de pontos nesse espaço)? Uma vez que não há qualquer relação entre

ambos A e B, seria razoável supor que a probabilidade de Pr(B|A) seria igual para todos pontos definidos

por B – ou seja, H(A|B)=H(A).

12

valores como aqueles nos quais o organismo está vivo, o que define também um

subconjunto dos vetores , digamos os vetores . Assim, para qualquer

transição na qual o valor em que i for menor do que certo índice k e maior do que o

índice m, diremos que o organismo morreu. Esse subconjunto de vetores

compreenderá aqueles estados cujas variáveis essenciais para a sobrevivência do

organismo – tais como pressão sanguínea, níveis de oxigênio no sangue, integridade

anatômica, etc. – se mantiveram dentro de certos valores desejados.

A informação que o organismo deseja transmitir, é razoável assumir, consiste no

organismo vivo. Como o subconjunto de vetores em que o organismo está vivo,

, define um subconjunto dos estados possíveis de O, então se pode dizer que o

que se deseja é manter o organismo num estado de equilíbrio estável. Onde a

estabilidade de um estado de equilíbrio pode ser definida, segundo Lyapunov (1959), da

seguinte maneira:

[Def. 2.3.] Um estado de equilíbrio será estável se para qualquer domínio dado ε de

desvios permitidos do estado de equilíbrio v é possível indicar um domínio δ, que inclui

o estado de equilíbrio, tal que a trajetória de qualquer transição começando na região

definida por δ nunca alcançará os limites do domínio ε.

Um estado de equilíbrio é um no qual nenhuma das coordenadas do sistema sofre

mudança (LERNER, 75, p.40). Agora, deixemos que o conjunto de vetores

esteja para o domínio δ da definição [Def. 2.3.] e assim, podemos dizer que o que se

quer é que o organismo esteja em um estado de equilíbrio estável com relação a um

estado v.

Figura 4 - Organismo como um canal de informação

13

Uma vez que estamos falando de vida e morte, não podemos tomar como

exemplo apenas um único organismo, mas será necessário falarmos de um conjunto de

organismos. Assim, deixe-nos introduzir uma segunda variável aleatória V(v), de vida,

tal que (V=0), caso um organismo se mantenha vivo, e (V=1) caso um organismo

morra. Assim, pode-se dizer que o entorno está transmitindo uma mensagem, por meio

do organismo, de entropia H(V), tal que resultará numa entropia nula ou próxima de

zero caso todos os organismo permaneçam vivos – ou casos todos morram (Figura 4).

Tal comportamento dá-se, pois,

quando p=1 é igual à zero.

Porém, eventualmente eventos indesejados ameaçam o organismo. Por exemplo,

um carro em alta velocidade em trajetória coincidente com o organismo, uma infecção

bacteriana, uma redução drástica na temperatura do ambiente, etc.. Todas essas

informações, entre outras, podendo conduzir nosso sistema para um estado fora do

domínio definido como estável, conduzindo a organismo a uma instabilidade

irreversível – morte. Uma vez que nós definimos o organismo como um canal por meio

do qual se deseja transmitir uma única mensagem, qualquer variedade adicional que

venha a aumentar sua entropia H(O)˃0 será considerado como ruído indesejado na

transmissão. Nesse caso, então, é necessário algum mecanismo por meio do qual

possamos barrar essa informação adicional de modo que nosso sistema receba apenas a

mensagem desejada, a saber, v. Tais mecanismos, em Cibernética, são mecanismos de

regulação e controle e, como veremos, nosso SNC pode plausivelmente ser entendido

como um eficiente mecanismo desse tipo.

2.2. O SNC como um Sistema de Regulação e Controle

Um sistema de regulação e controle consiste em um sistema acoplado a outro

sistema, o sistema controlado, cuja função é evitar qualquer desvio do sistema regulado

de seu estado de equilíbrio desejado. O sistema regulador, por meio da emissão de um

input no sistema acoplado, reconduz o sistema controlado a seu estado de equilíbrio, ou

evita que o mesmo se afaste desse estado. Sendo assim, o input emitido pelo sistema de

regulação não pode ser aleatório, mas deve ser escolhido com vistas ao objetivo de

regulação. O sistema regulador tipicamente usa duas fontes de informação para escolher

seu input. A primeira fonte consiste na variedade resultante do desvio do sistema

controlado. A segunda fonte de informação pode ser qualquer variedade por meio da

qual se possa estimar um possível desvio futuro do estado de equilíbrio. Assim, o

segundo caso pode ser chamado de extrapolativo, uma vez que extrapola a situação

14

presente, e, o primeiro, não-extrapolativo como oposto ao primeiro7 (ASHBY, 1956;

ROSENBLUETH et al., 1943; LERNER, 1975; ARBIB, 1981). Como veremos SNC

desempenha ambos os papéis, porém, para levar a cabo o processo de regulação com

sucesso, se lhe impõe ainda o requerimento de um sistema de antecipação – forward

(KAWATO, 1999; GRUSH, 2004).

2.2.1. Sistemas de Resposta Não-Extrapolativos e Extrapolativos – feedback e

feedforward

Em um sistema de resposta não-extrapolativo, a informação que o sistema

escolhe para regulação resulta do desvio ocasionado pela interação do organismo com o

entorno. Por exemplo, no caso do tremor de frio, tão logo nosso corpo começa a baixar

sua temperatura da faixa dos 36,5ºC, o SNC emite um tremor como resposta na tentativa

de reconduzir sua temperatura para o estado desejado – sistema de resposta não-

extrapolativo [Figura 5]. Uma vez que o sistema não-extrapolativo age em função do

desvio provocado pelo entorno no sistema controlado, ele torna-se pouco efetivo na

preservação da vida, pois, quando o desvio for tal que provoque a morte do organismo,

o sistema obviamente já não poderá realizar o controle.

Figura 5 Sistema de Regulação de Resposta

Assim, para que o organismo consiga uma regulação efetiva da informação

proveniente do entorno, torna-se necessária outra estratégia de controle, a saber, uma

extrapolativa. No caso sistema de controle extrapolativo [Figura 6], ao invés de colher

informação do desvio resultante a interação do organismo com o entorno, ele colhe

informação sobre os possíveis desvios do sistema de seu estado de equilíbrio. Assim, ao

invés de emitir um input para reconduzir o organismo controlado ao estado desejado, o

7 Os termos extrapolativo e não-extrapolativos são empregados por Rosenblueth et al. (1943), mas são

sinônimos de feedback e feedforward.

15

sistema extrapolativo previamente emite um input tal que, sob o parâmetro da variedade

prestes a afetar o organismo, irá manter o sistema controlado no estado desejado. Na

Tabela 1 nós vimos que o mesmo estado, sujeito a diferentes inputs, em geral, conduz o

sistema a diferentes outputs. Assim, podemos perceber que, em geral, diferentes estados

conduzem o sistema ao estado 4, por exemplo, relativo a diferentes inputs. Destarte, se

o input 1, por exemplo, estivesse na iminência de afetar o sistema e o estado desejado

fosse o 4, o sistema de controle emitiria um input no sistema controlado conduzindo-o

ao estado 2, o qual, reativo ao input 1, conduz o sistema ao estado 4.

Figura 6 Sistema de Regulação Antecipatório

Um sistema extrapolativo pode explorar diferentes estratégias de regulação de

acordo com as características do sistema controlado. Por exemplo, pode haver um

estado privilegiado em um sistema controlado tal que a transição, sob uma considerável

variedade de parâmetros, ocorra para estado de equilíbrio desejado. Assim, sistemas

extrapolativos podem ainda ser divididos em estáticos e ativos (ASHBY, 1956;

LERNER, 1975). Um sistema extrapolativo estático é aquele que mantém o sistema

controlado sempre no estado privilegiado. Exemplos desse tipo de sistema são o casco

da tartaruga, a carapaça dos mariscos e caramujos, armaduras e coletes a prova de bala,

e a lataria dos automóveis. Porém, uma vez que a o entorno costuma caracterizar-se por

uma entropia superior aquela expressa pelo conjunto de parâmetros definido pelo estado

privilegiado, sistemas extrapolativos estáticos não são a melhor estratégia.

Outra alternativa seria a de um sistema extrapolativo ativo. Nesse caso, o

sistema é capaz de escolher, relativo a cada input prestes a afetar o sistema, o estado

mais apropriado para a sobrevivência ou manutenção da estabilidade do organismo.

Pode-se perceber que a efetividade em regulação, nesse caso, está diretamente

relacionada à variedade de opções disponível para escolha, assim como à eficiência na

16

escolha mais adequada – chamada Lei da Variedade Requerida [4.1.]. A qualificação

‘ativo’ deriva do fato de que, em geral, a motricidade é o meio pelo qual o sistema de

regulação afeta o sistema controlado. Ou seja, o sistema de regulação detecta a

informação do entorno e, através do movimento, determinada o estado mais apropriado

para a manutenção da estabilidade do sistema. Notemos que aqui existe uma clara

relação entre a caracterização dada ao SNC no início de nosso texto – como um sistema

cuja única forma de afetar seu entorno ocorre através da motricidade – e o papel que

esse sistema cumpre no organismo com fins da preservação da vida8.

Uma vez sugerido que o SNC seja visto como um sistema de regulação e

controle da vida do organismo, somos naturalmente conduzidos a hipótese de que nossa

noção de realidade seja um componente no processo de regulação. Em geral, uma

combinação entre sistemas extrapolativos e não-extrapolativos são admitidos como

elementos componentes do processo de regulação pelo SNC (KAWATO, 1999;

GRUSH, 2004). Porém, seriam esses conceitos suficientes para o processo de regulação

com sucesso? Haveria a necessidade de uma noção de realidade no processamento da

informação proveniente do entorno? Veremos que os sistemas de resposta não-

extrapolativo e extrapolativo não seriam suficientes para um processo de regulação com

sucesso, exigindo a elaboração de um emulador ou sistema antecipatório - forward.

Nossa noção de realidade pode ser entendida como um emulador ou sistema

antecipatório.

3. Regulando a informação: requerimentos

Veremos nessa sessão quais requerimentos se impõe para que Sistema Nervoso

Central execute sua função regulatória com sucesso com vistas a identificar alguma

evidência que obrigasse o sistema regulatório à elaboração de concepção de entorno –

nossa realidade.

8 Parece sugestivo, ainda que especulativo, que a vida transite, na medida em que aumenta sua

complexidade, de sistemas extrapolativos estáticos para sistemas extrapolativos ativos. Nossos

automóveis são exemplos clássicos de sistemas extrapolativos estáticos, os quais paulatinamente rumam

para tornarem-se sistemas extrapolativos ativos, onde mecanismos são projetados para lidar com situações

que fogem a capacidade de nosso SNC, tal como detecção de condições de derrapagem, estabilidade e

tráfego. Pode-se perfeitamente especular que a natureza de nosso sistema de regulação – nosso SNC –

poderia ser diferente, seja porque nossa realidade física permitisse outros meios de regulação ativa, ou

porque a informação relevante para regulação fosse de natureza distinta. Assim, podemos imaginar que,

fosse o teletransporte, algo efetivamente realizável, ou pelo menos facilmente realizável, nosso sistema

poderia, em vez de motricidade, resultar justamente na capacidade de se teletransportar para os lugares

desejados. E caso fosse, em vez da massa, a velocidade e a trajetória as informações mais relevantes para

regulação, a atração gravitacional, a qual é desconsiderável no que tangencia o trato com as entidades

mundanas, então talvez nossa intuição básica fosse a do campo gravitacional dos objetos em vez de suas

relações espaço temporais – modificando nossas sacrossantas intuições básicas do entendimento.

17

3.1. Memória

O SNC, foi sugerido, deve ser entendido como um sistema extrapolativo ativo.

Assim, o sistema continuamente colhe informação do entorno com vistas à

determinação de possíveis desvios indesejados futuramente. Porém, note que a distinção

entre aqueles estados cuja transição levaria o sistema a desvios indesejados e aqueles

estados cuja transição manteria o sistema em seu estado de equilíbrio requer a existência

de memória. Mais especificamente, assuma que o entorno caracteriza-se pelo vetor

estado num dado tempo t, a inexistência de qualquer informação prévia é consistente

com a possibilidade de que, sob o efeito da variedade , um dos estados

transite, num tempo t+1, com a mesma probabilidade para qualquer um de seus n

estados possíveis, o que tornaria a escolha um completo acaso. Assim, podemos dizer

que, para lidar com o presente, o sistema precisa de uma noção de passado (memória) e

futuro (possíveis desvios). A memória consiste no modo pelo qual o sistema é capaz de

escapar da contingência radical inerente ao fato isolado para uma realidade possível e

previsível [Imagem 10]. Essa interpretação do papel da memória é consistente com os

seguintes fatos: que nossas memórias da infância são esquecidas, pois, devido às

exageradas mudanças nas dimensões corpóreas, elas antes nos atrapalhariam no

processo de regulação (WOLPERT, vídeo); e que nossa vida subjetiva transcorre no

plano do futuro possível, e não do agora isolado. O agora já não é interessante para o

processo de regulação (LLINÁS, 2001; FRITH, 2006; EAGLEMANN, 2012).

O que ocorre, assim, é que o sistema interioriza certas características da

dinâmica do entorno de modo que essa informação possa restringir a variedade dos

eventos futuros – interiorização a qual chamamos de memória. Nosso organismo dispõe

de diferentes tipos de memória – memória a curto prazo, memória longo prazo e suas

subclassificações (TULVING & SCHACTER, 1990) . Uma distinção mais abrangente

consiste em entendê-las em termos de memórias filogenéticas e ontogenéticas.

Compreende-se como memória ontogenética qualquer conhecimento adquirido durante

a vida do indivíduo particular, independente da latência temporal – episódios,

aprendizagens, o número de telefone memorizado até a discagem. Compreendem-se por

memória filogenética todas as capacidades cognitivas que herdamos no decorrer da

evolução de nossa espécie – tais como as capacidades de distinguir os objetos quanto ao

padrão de reflexão, movimentos, reconhecimento de faces, etc. (WOLF, 2009; LLINÁS,

2001).

18

Imagem 7. Qual a trajetória possível dos objetos nessa foto? (Fotografia Dali Atomicus (1948), por Philippe

Halsman)

Contudo, a exigência de memória pelo sistema de regulação não está

condicionada a elaboração de uma concepção de realidade, pois, seria suficiente que os

estados fossem escolhidos com base no padrão da informação prestes a afetar o sistema.

De fato, essa perspectiva, na qual nossas representações internas não comprem papel na

interação com o entorno, já foi defendida em psicologia (GIBSON, 1966, 1967). De

outro modo, os sistemas de regulação artificiais construídos pelo homem em robótica

são quase que inteiramente sistemas de regulação de resposta (KAWATO, 1999). Mas

seria possível que o sistema pudesse escolher entre os estados desejados e indesejados

com base no padrão da informação proveniente do entorno? A comparação com os

sistemas de controle em robótica será útil para que possamos perceber os limites que se

impõem no processamento de informação pelo SNC.

3.3. Ruído

Frequentemente, fatores podem intervir negativamente na decodificação da

informação proveniente do entorno prejudicando no processo de regulação, o que exige

do regulador estratégias para contornar essa interferência – a essa interferência negativa

se dá o nome de ruído. O ruído numa mensagem ou sinal deve ser entendido como uma

variedade adicional indesejada que é incluída no sinal no processo de transmissão. Essa

19

variedade adicional se define com relação à variedade característica da mensagem

transmitida (ASHBY, 1956; SHANNON, 1964). Assim, qualquer variedade adicional

que altere em alguma medida o sinal recebido deve ser considera como ruído e, logo,

indesejada; pois, havendo ruído no sinal recebido, o SNC pode ser levado a escolher um

estado inapropriado, causando a morte do organismo.

3.2.1. Emulando a realidade para corrigir o atraso temporal

Em sistemas de regulação em robótica, a informação colhida pelos mecanismos

de transdução é transmitida até o centro de controle através de circuitos eletrônicos a

uma frequência de 500-1000 Hz, com um baixíssimo nível de ruído. A transmissão de

informação nesses sistemas de controle é da ordem de 1-2ms, o que torna o sistema

competente para operar diretamente com base na informação colhida do entorno pelos

canais sensoriais. Diferentemente, no caso do organismo biológico, tal como o

conhecemos, a informação é transmitida através de um processo eletrofisiológico

denominado de sinapse, cuja taxa de transmissão é da ordem dos 150-250ms – nos

casos mais rápidos, na espinha dorsal, ficando ainda na ordem dos 30-50ms

(KAWATO, id.; FELDMAN, 2006). Porém, tendo em vista que a velocidade de nossos

movimentos mais rápidos é da ordem dos 150ms e dos movimentos intermediários é da

ordem dos 500ms, esse atraso na transmissão do sinal no SNC deve ser considerado

como ruído, uma vez que o mesmo interfere na decodificação da mensagem pelo SNC,

a saber, a escolha do estado desejado (KAWATO, id.; NIJHAWAN, 2008). Caso o

SNC atuasse diretamente com base na informação proveniente do entorno, não seríamos

capazes de rebater uma bola de tênis em um jogo, pois estaríamos sempre tentando

rebater a bola no passado.

Disso segue-se fatalmente que o SNC não pode efetuar a regulação com base na

informação recebida diretamente do entorno, pois, tendo em vista que as estimativas do

sistema estão baseadas no estado presente do entorno, elas inevitavelmente seriam

prejudicadas pelo atraso temporal na transmissão da informação. Assim, o sistema

precisa de uma estratégia para corrigir esse ruído imposto pelo atraso em transmissão.

Para tal o SNC elabora um emulador dos eventos exteriores, um modelo interno do real,

o qual atua antecipadamente com relação à informação proveniente do entorno, usando-

a antes como sinal de correção (GRUSH, 2004; DESMURGET & GRAFTON, 2000;

KAWATO, 1999; WOLPERT, 1995). Desse modo, o SNC não efetua sua regulação

baseado diretamente sobre a informação fornecida pelo entorno, mas sim, sobre a

20

informação fornecida pelo emulador da realidade. A informação provida pelo entorno

serve para a atualização antecipatória do emulador, o qual fornece a informação

relevante para o SNC efetuar seu papel regulatório. A realidade que temos consciência,

e sobre a qual atuamos, deliberamos, pensamos, etc. consiste no modelo criado pelo

SNC, com base nas memórias filogenéticas e ontogenéticas, para suprimir o ruído

imposto pelo atraso em transmissão.

Assim, nossa noção de realidade pode ser vista como uma estratégia que o SNC

elabora para correção de um tipo de ruído na transmissão – o atraso temporal. Porém,

não haveria alguma forma de ruído que afetasse nosso próprio emulador da realidade?

Pois, sendo nosso emulador da realidade, um sistema de antecipação – forward –

baseado sobre a informação proveniente do entorno, pode haver ainda diferentes formas

de ruído que afetem o próprio emulador.

3.2.3. O caráter indeterminado do SNC

Todo sistema neural exibe um caráter profundamente aleatório, desde a

percepção dos sinais sensoriais até a geração de atividade motora, o que tem conduzido

os neurocientistas à hipótese de que haveria ruído presente em todos os níveis do

processamento de informação do SNC (DESTEXHE & RUDOLPH-LILITH, 2012;

FAISAL et al., 2008; STEIN et al. 2005; WOLPERT et al. 2003). Esse consiste num

dos pontos de maior atenção nos presentes dias em neurociências, pois, uma vez que

ainda não se conhece a linguagem neuronal, pode-se estar tratando como ruído uma

variedade que consita, na verdade, em informação – por exemplo, descobriu-se que a

variedade temporal inerente ao sinal, a qual antes era considerada como ruído, é parte

importante da informação veiculada (FAISAL et al., id). Essa aleatoriedade

característica do processamento de informação do SNC esta presente tanto na

transmissão de informação neuronal, quanto no sinal que é transmitido do entorno para

o sistema nervoso.

Referente aos sinais transmitidos do entorno para o sistema nervoso – ou seja, o

feixe de fótons que afeta nossas células fotossensíveis, o choque das moléculas de ar nas

células ciliadas da cóclea, ou os processos químicos envolvidos nos sistemas gustativo e

olfativo –, todos estão repletos de ruído indesejado. Por exemplo, os fótons que afetam

nossa retina chegam até as células fotossensíveis de forma totalmente aleatória – o que

pode ser pensado como um Processo de Poisson –, e não exibindo um padrão perfeito

característico de um código (PIRENNE, 1959). As ondas sonoras que afetam nossas

21

células ciliadas do sistema auditivo estão sujeitas ao Movimento Browniano criando

flutuações consistentes com uma variedade adicional (HARRIS, 1968). Da mesma

forma, nossos órgãos sensoriais químicos estão sujeitos ao ruído termodinâmico,

também causando flutuações adicionais (BERG & PURCELL, 1977; BIALEK &

SETAYESHGAR, 2005).

Referente ao ruído na transmissão intrínseca ao SNC se verifica uma variedade

compatível com ruído em todos os níveis do processamento de informação – ao nível

molecular, celular e das redes neuronais. Por exemplo, as células neuronais não

respondem uniformemente a uma sucessão de estímulos uniforme, disparidade a qual é

percebida pelos neurônios corticais. E, desde que se percebeu que o intertalo temporal

entre um potencial de ação e outro veicula informação, é plausível supor que essa

variedade adicional seja considerada como ruidosa (SHADLEN & NEWSOME, 1998;

SOFTKY & KOCH, 1993). Além disso, o potencial de membrana das células neuronais

está sujeito a contínuas flutuações, alterando continuamente os limites do potencial de

ação. Esse fato faz com o potencial de ação ocorra na ausência de atividade pré-

sináptica, ou com que uma célula não responda à atividade de outras em certos casos

(DIBA et al. 2004). Essas flutuações, que se devem em parte ao ruído do canal de íon,

aumentam inversamente proporcional ao tamanho das células, uma vez que a resistência

do input da membrana aumenta rapidamente com a diminuição do diâmetro (RALL,

1969; FAISAL et al., 2005). Ainda, quando um impulso elétrico é enviado por longos

axônios, a taxa de falha no envio do sinal é da ordem dos 5-80% (DEBANNE, 2004).

Os exemplos acima dão apenas uma pequena amostra da complexidade dos processos

envolvidos na transmissão neuronal, os quais afetam os processos de percepção,

cognição e motricidade.

Flutuações e estabilidade são conceitos que andam lado a lado, pois, quanto mais

instável for um sistema relativo à informação proveniente pelo entorno, mais esse

sistema estará sujeito a flutuações. Assim, se levarmos em consideração o alto grau de

estabilidade dos sistemas eletrônicos, em contraste com os sistemas biológicos, e a

inevitável presença de uma taxa de ruído em transmissão nesses sistemas, torna-se

sensato aceitarmos que as variedades características do processamento de informação

neuronal devem ser em boa medida tomadas como ruído.

Como o cérebro lida com tal sinal ruidoso de modo que nosso modelo nos

apresenta uma representação detalhada do entorno? Duas estratégias parecem jazer

nesse processo, a saber, a utilização de canais em paralelo e o uso de conhecimento

22

prévio (memória). A utilização de canais em paralelo consiste num meio de introduzir

redundância no sinal de modo a restringir a ação do ruído. A redundância deve ser

entendida como qualquer redução do grau de liberdade de uma mensagem (ASHBY,

1956; SHANNON, 1964). A estratégia consiste em enviar o mesmo sinal por meio de

diferentes canais para um mesmo receptor. Assim, assumindo que o ruído interfira de

forma independente em cada canal, o receptor – um neurônio ou rede neuronal – pode

usar a redundância inerente aos diferentes sinais – uma vez que se esperaria veicularem

todos a mesma informação – para decodificar o sinal (FAISAL et al., 2005). Verificam-

se indicações de que esses procedimentos sejam adotados pelo SNC na correção do

sinal interior nos sistemas auditivo e visual, por exemplo (KOZLOV et al. 2007;

KANDEL et al. 2000). De outro modo, testes cognitivos mostram que a interpretação

do sinal proveniente do entorno é realizada também por via de diferentes canais, tal que,

por exemplo, em ambientes acusticamente ruidosos, o CNS processa a compreensão da

fala com o uso das características gestuais da boca no dialogo (MA et al. 2009). Essa

estratégia de usar canais adicionais para diminuir o ruído e aumentar a capacidade de

transmissão parece ser muito mais ubíqua no processamento de informação do SNC e

pode ser útil para explicar processos cognitivos mais complexos e menos intuitivos, tais

como o uso de maquinários conceituais e de computação.

Contudo, a introdução de redundância no sinal por meio do uso de canais em

paralelo pode não ser suficiente se os canais forem muito ruidosos ou afetarem não

uniformemente os diferentes sinais (JACOBS, 1999; KNILL, 2003). Assim, parece que

o SNC usa também outra estratégia, a saber, conhecimento prévio. Deve-se perceber

que somente é possível que se realize previsões uma vez que o entorno mostre certa

redundância (LAUGHLIN, 1981; FIELD, 1987). A Imagem 10 não se mostra como um

caos total, pois nós sabemos que certos eventos são mais prováveis, enquanto outras são

altamente improváveis. Esse conhecimento acerca da estrutura probabilística de um

sinal, o qual é denominado de conhecimento prévio, serve para que o cérebro possa

decodificar o sinal mesmo que a introdução de redundância pelo sistema não seja

suficiente para eliminar todo o ruído do sinal (FAISAL et al., 2005; WOLPERT &

GHAHRAMANI, 2009).

O que essas análises sugerem é que o conteúdo de nossas representações é, em

larga medida, baseado no conhecimento prévio que temos de situações similares, tanto

quanto da informação proveniente do entorno. Essa é a razão pela qual a adoção de

modelos estatísticos bayesianos tem se mostrada adequada para modelagem de nossos

23

raciocínios – em contraste com modelos deterministas, tais como lógica clássica

(WOLPERT & GHAHRAMANI, 2009; DOYA et al. 2007; SHADMEHR & MUSSA-

IVALDI, 2012). Segundo Faisal et al., os modelos bayesianos de inferência, podem ser

entendidos da seguinte maneira: “[...] os modelos bayesianos de inferência atribuem

probabilidades às proposições acerca na realidade exterior (crenças). Essas crenças são

calculadas combinando conhecimento prévio (por exemplo, que um animal seja

predador) e as ruidosas observações (a aproximação do animal) para inferir a

probabilidade da proposição (por exemplo, o ataque do animal)” (FAISAL et al. .p 299,

2008). Deixe-nos parafrasear a descrição acima pelos termos aqui utilizados, a qual

figuraria da seguinte maneira: <<os modelos bayesianos de inferência atribuem

probabilidades aos estados do modelo interno (o regulador) acerca da informação

proveniente do entorno (distúrbio). Esses estados são combinados com o conhecimento

prévio e suas ruidosas estimativas para inferir a probabilidade do estado do modelo em

relação ao distúrbio>>. O raciocínio poder ser expressar através da seguinte fórmula:

Essa estrutura matemática tem se mostrada empiricamente adequada para modelar

nossas experiências sensoriais e tomada de decisões (KORDING & WOLPERT, 2004;

STOCKER & SIMONCELLI, 2006).

Nessa perspectiva, a informação proveniente pelos canais sensoriais não confere

conteúdo ao modelo interno, mas antes modula sua dinâmica antecipatória, a qual tenta

estar o máximo possível de acordo com o sinal proveniente do entorno – a modulação

do modelo interno é o que se entende por percepção (LLINÁS, 1992, 2001, 2009;

GRUSH, 2004; CHURCHLAND et al. 1994).

3.4. Quão dependente da realidade nosso modelo interno do real é?

Nós viemos evidenciando os requerimentos que se impõem para que nosso SNC

possa regular com sucesso a estabilidade do organismo que somos: ou seja, mantê-lo

vivo. Assim, vimos que além de memória, uma série de estratégias é requerida para

suprimir o ruído na transmissão de informação, o qual pode afetar fatalmente a

regulação. A elaboração de um modelo interno da realidade foi vista como uma dessas

estratégias. Agora devemos nos perguntar: qual é o grau de dependência que nosso

modelo interno mantém do estímulo proveniente do entorno? A visão intuitiva,

24

introduzida por William James (1890), nos diz que nossa visão da realidade é produto

da afecção exterior, onde conteúdo representacional consiste no reflexo causado pelo

estímulo sensorial. Assim, que tipo de evidências pode haver para estimamos essa

relação?

Desde a perspectiva que estamos assumindo, perguntar pela dependência

existente entre aquilo que experimentamos como realidade e a informação proveniente

do entorno é sinônimo de perguntar pela dependência existente entre a geração de certos

estados funcionais no SNC concomitantes com nossa experiência subjetiva enquanto

acordado e os estímulos transmitidos pelos canais sensoriais. Uma estratégia para lançar

luz a esse ponto consiste em perceber as similaridades fisiológicas e neuropsicológicas

existentes entre os estados funcionais característicos do estágio de sono REM9 e aqueles

característicos do indivíduo acordado. Essas similaridades sugerem fortemente que

nossa vida subjetiva caracteriza-se adequadamente como um sonho lúcido gerado pelas

propriedades intrínsecas do SNC e apenas modulada pelos sentidos.

Distinguiram-se, com base comportamental e fisiológica, quatro estágios de

sono, entre os quais as variáveis do sistema flutuam de maneira bem definida –

eletrorritmicidade, caráter de resposta autônoma, tolerância sensorial para acordar. De

um ponto de vista eletrofisiológico, os estados funcionais característicos do estágio de

sono REM e do indivíduo acordado demonstram profundas similaridades, distintos dos

demais estágios de sono. Em ambos os casos, os estados funcionais apresentam uma

eletrorritmicidade dessincronizada, caracterizada por ondas de alta amplitude e baixa

frequência e alto caráter de resposta a estímulos sensoriais, embora no caso do sono

REM não se verifique reatividade no período final de latência, na faixa dos 150-300ms,

característico das áreas mais exteriores do córtex (LLINÁS & PARÉ, 1991; STERIADE

& MACCARLEY, 1990).

De um ponto de vista neuropsicológico, os indivíduos acordados nesse estágio

de sono relatam estarem sonhando. Ainda, o declínio de atividades cognitivas mais

elaboradas seguindo lesões circunscritas do córtex também é refletido no conteúdo dos

sonhos. Por exemplo, pacientes afligidos com negligência unilateral resultante de dano

no lóbulo parietal direito, no qual o lado oposto de campo visual não é percebido,

reportam uma falta de percepção similar em seus sonhos (MESULAM, 1981).

9 Sono REM consiste no período de sono no qual indivíduos acordados nesse estágio relatam estar

sonhando. REM refere-se aos rápidos movimentos nos olhos (rapid eye moviment) característicos desse

estágio.

25

Similarmente, pacientes com prosopagnosia, desordem na qual o sujeito se torna

incapaz de reconhecer faces, relatam que as pessoas que habitam seus sonhos são

completamente sem face (LLINÁS & PARÉ, 1991). De outro modo, sujeitos que

sofrem de cegueira total devido ao descolamento da retina ocorrido na fase adulta,

relatam um imaginário visual totalmente detalhado durante os sonhos, e voltam à

cegueira ao despertar (HULL, 1990). Essas evidências apontam para a conclusão de que

os estados funcionais responsáveis pelos nossos sonhos e aqueles responsáveis pela

nossa concepção de realidade são estruturalmente equivalentes, e funcionalmente

distintos exceto pelo fato de que, nos sonhos, o SNC volta sua atenção para a memória,

enquanto que, no estado acordado, ele volta sua atenção para os estímulos sensoriais

(LLINÁS & PARÉ, 1991). Ainda, essas evidências mostram que o SNC é capaz de

gerar uma representação equivalente a que temos da realidade de forma completamente

independente dos estímulos sensoriais. Assim, e dado essa capacidade de autonomia do

SNC na geração de estados funcionais e as limitações já tratadas no parágrafo 2.3.,

podemos imaginar que o conteúdo de nossas representações, talvez, não seja tão

dependente da informação proveniente pelos sentidos como intuitivamente se imagina.

De fato existem evidências morfológicas que suportam a ideia de que a geração

dos estados funcionais do cérebro se deve mais às propriedades oscilatórias intrínsecas

do SNC, do que em virtude dos estímulos que afetam nossos órgãos sensoriais

(LLINÁS, 2001, 2009; LLINÁS & PARÉ, 1991, 2006; LLINÁS et al. 1994). Os

estados funcionais que caracterizam nossas capacidades cognitivas exibem alta

sincronia temporal e espacial, a qual suscita, por hipótese, um sistema de orquestração

desses estados10

. O tálamo tem sido visto como o candidato mais proeminente para essa

função, pelas seguintes razões: i) todas as mensagens sensoriais, exceto a olfativa,

passam pelos núcleos talâmicos; ii) o tálamo, juntamente com a amídala, consiste no

lugar de onde o maior número de axônios em direção ao córtex se projetam de forma

bidirecional; e iii) lesões nos núcleos específicos do tálamos, responsáveis pela

transmissão da informação proveniente dos órgãos sensoriais, ocasionam a perda parcial

de determinada modalidade sensorial, enquanto que lesões nos núcleos inespefícicos

ocasionam coma – ausência de atividade subjetiva (LLINÁS, 2001, 2009; LLINÁS &

PARÉ, 1991, 2006; LLINÁS et al. 1994). Porém, verifica-se que apenas uma minoria

das sinapses que se originam no sistema tálamo-cortical é proveniente dos núcleos

10

Isso não deve ser visto como um entendimento no qual o cérebro teria um sistema central de comando.

Mas apenas de distribuição da informação.

26

específicos, o que indicaria que nossa experiência subjetiva dependeria de forma

minoritária da informação proveniente dos canais sensoriais (LLINÁS, 2001, 2009;

LLINÁS & PARÉ, 1991, 2006; LLINÁS et al. 1994).

Cabe mencionar que essa perspectiva, na qual o cérebro tem certa autonomia na

geração do modelo interno, tem oferecido meios de explicação de casos como

alucinação, esquizofrenia e depressão – o que corrobora a perspectiva.

3.2.5. O modelo interno como um parâmetro pré-motor

Nas precedentes análises nos detemos exclusivamente com as evidências no que

se referem a nossa percepção. Isso, pois, essa é a dimensão acessível à introspecção e,

logo, familiar ao filósofo. Porém, tão desafiante de ser explicado quanto a origem da

subjetividade é o meio pelo qual o cérebro coordena a atividade motora. A dimensão do

problema é excluída do imaginário filosófico pelo mesmo motivo que sempre esteve

ausente da reflexão do homem: ela faz parte da esfera inconsciente da atividade do

SNC. Levemos em consideração que, ainda que de forma diferente, fomos capazes de

criar máquinas que pudessem resolver problemas abstratos de forma muito mais

eficiente que o homem – jogos de xadrez, e a computação de problemas matemáticas.

Porém, não se está nem sequer próximo de criarmos robôs cuja excelência motora

supere a de uma criança de cinco anos (WOLPERT, Vídeo).

O problema da motricidade, como é de se esperar, é bastante detalhado. Mas

será suficiente apenas ilustrarmos sua magnitude. Levante sua mão para pegar um copo

sobre a mesa. Ao fazê-lo, 50 ou mais músculos serão simultaneamente contraídos. Cada

músculo compreende centenas de unidades motoras, as quais devem ser compreendidas

como um conjunto de fibras musculares sob o comando de um específico neurônio

motor. Assim, nosso cérebro teria possíveis modos de levar a cabo a ação. Porém,

uma vez que nossos movimentos não são bruscos, mas suaves e passíveis de mudança

de trajetória ao longo de uma ação, isso indica que nosso cérebro escolhe a cada instante

a melhor trajetória. Desse modo, se o cérebro escolher uma alternativa a cada

milissegundo, então o cérebro faria decisões por segundo. Mas o cérebro contém

apenas aproximadamente neurônios! Ou seja, mesmo se cada neurônio estivesse

envolvido no processo de decisão de pegar um copo, o que não é o caso, isso ainda não

seria suficiente (LLINÁS & ROY, 2012). Agora, essa é uma tarefa bastante simples, e

nosso cérebro escolhe a todo instante, pois, postura, fala, e qualquer forma de ser

envolve uma decisão de caráter motriz.

27

Já deve estar claro o papel que nosso modelo interno do real cumpre no SNC –

um sistema de regulação cujo único meio de afetar o entorno, aparte das secreções

glandulares, consiste em motricidade. Nessa perspectiva nosso modelo do real consiste

num parâmetro pré-motor de ação possível, o qual pode ser levado a cabo ou não. Essa

perspectiva, além de ampliar a noção de representação elabora pelo SNC, também nos

ajuda a estimar o tipo de informação que ganha significado no contexto de nosso

modelo interno. Entender nosso modelo interno como um parâmetro pré-motor amplia

nosso conceito de modelo interno do real, pois, inclui não somente aquele tipo de

representação pictórica, relacionada especificamente com a visão, ou audição, mas

também aquelas representações proprioceptivas, tais como a localização da perna

embaixo da mesa, ou o exato lugar nas costas onde se deseja coçar.

Quanto à informação relevante, deve-se perceber que a função do SNC é a de

assegurar a vida do organismo – enquanto indivíduo e espécie – e que, assim, é

plausível que ganhe significado no seu espaço interno aquela informação relevante para

esse propósito. Não é de se surpreender que não tenhamos mecanismos de transdução de

raio-x, por exemplo, uma vez que esse tipo de energia eletromagnética não oferece

perigo, no modo como a encontramos naturalmente disposta. Outra forma de representar

o que é a mesma ideia, tal como sugere Arbib (1981), consiste em ver nosso sistema

pré-motor como um programa de solução geral de problemas (GPS), tal que as únicas

categorias relevantes para o programa são os estados indesejados, os operadores a

disposição para a solução do problema, e uma tabela com a relação entre os operadores

e os estados a serem evitados. Assim, o que nós representamos são apenas aqueles

operadores relevantes para evitar os estados indesejados e, logo, solucionar o problema.

Há uma miríade de evidências neuropsicológicas suportando a existências de

modelos internos no cérebro para regulação e controle, as quais abarcam tanto a

dimensão sensorial como motora do SNC (JORDAN & RUMELHAR, 1992; MIALL et

al. 1993; WOLPERT, 1995; FLANAGAN & WING, 1997; SNYDER, 1999;

MERFELD et al. 1999; KAWATO, 1999; DESMURGET & GRAFTON, 2000;

GRUSH, 2004) . Porém, uma vez que nossos propósitos filosóficos estiveram

endereçados exclusivamente na dimensão sensorial do modelo interno, a qual, por

hipótese, consistia em nosso sentido mais íntimo de realidade, conceitos e evidências

relacionados a aspectos motor foram deliberadamente omitidos.

4. Os limites da Regulação

28

Agora é chegada a hora de buscarmos por razões e evidências por meio das

quais possamos estimar o grau de acuidade com que nosso modelo interno emula a

realidade exterior. Primeiro, veremos uma razão de caráter teórico, por meio qual

podemos ter uma ideia quantitativa dessa acuidade. Posteriormente veremos evidências

que atestam a limitação nessa fidelidade, as quais parecem estar relacionadas com as

limitações impostas na transmissão e processamento.

4.1. Teorema da Variedade Requerida e o limite em regulação

Deixe-nos representar a relação de regulação por três variáveis aleatórias não

independentes D={ }, R={ } e V={0,1}, correspondentes ao

entorno, o SNC e o organismo.

O que buscamos é um meio de medir a eficiência do SNC enquanto um

decodificador da informação proveniente do entorno; em outras palavras, buscamos

uma função indicadora de erro. Anteriormente falamos de uma variável aleatória V(v),

tal que V era definida da seguinte maneira:

[Def. 3.2.]

Lembremo-nos de que a tarefa do SNC, enquanto um sistema regulador extrapolativo, é

a de escolher corretamente um estado no sistema tal que, somado ao parâmetro dado

pelo entorno, mantenha o sistema vivo. Evidentemente que essa escolha envolve a

decodificação da informação proveniente do entorno de tal modo que um erro em

decodificação pode ocasionar na escolha de um estado inapropriado e, logo, na morte do

organismo. Assim, podemos interpretar a variável aleatória V(v) como a função

29

indicadora de erro que necessitávamos. Desse modo, a entropia da variável aleatória V

pode ser vista como a entropia do equívoco11

ou acidente12

.

3.1.

Assim, percebe-se uma relação entre a entropia da variável aleatória e a incerteza

no processo regulatório .

Entre as possíveis relações algébricas que podem se seguir do processo

regulatório, percebe-se que H(D|R,V=0)=0. Ou seja, dado que o organismo teve certa

experiência (R) e continuou vivo (V=0), não há qualquer incerteza quanto à mensagem

recebida. Assim, podemos assumir que o SNC decodificou corretamente a informação

proveniente do entorno. De outro modo,

3.2.

onde 1, do lado direito da inequação, consiste num valor que define a mensagem

erroneamente decodificada pelo regulador13

, L consiste em todos as mensagens

possíveis do alfabeto da fonte D, exceto aquela apontado erroneamente por R e no

probabilidade de erro. Ou seja, dada certa experiência (R) e a morte do organismo

(V=1), podemos dizer que o organismo se equivocou acerca da informação proveniente

do entorno – onde o equívoco pode ser ‘não perceber’, ou ‘perceber inadequadamente’,

ou ‘perceber adequadamente e não escolher o meio de regulação apropriado’, etc..

A questão que nos ocupa pode ser expressa pela seguinte fórmula H(D,V|R). Ou

seja: dado certa representação ou percepção, qual a probabilidade de que não se esteja

incorrendo em erro – ou qual a probabilidade de que minha representação interna seja

um modelo adequado, onde ‘adequado’ deve ser entendido no sentido estrito de ‘que me

mantenha vivo’? Algebricamente podemos inferir o seguinte dessa probabilidade

condicional:

3.3.

11

O termo ‘equívoco’ aqui não ocorre com o mesmo sentido dado por Shannon, o qual entende

‘equívoco’ como a entropia condicional na expressão da informação mútua; ou seja: I(X;Y)=H(X)-

H(X|Y). 12

A notação se mantém semelhante àquela usada por Massey (1998). 13

O logaritmo de base 2 aqui se requer pela definição de entropia.

30

Notemos que H(V|D,R)=0, pois, uma vez que se tenha conhecimento do conteúdo da

percepção, e da informação do entorno, V assumirá um valor determinado14. Resultando

assim em:

[Lema 3.1.]

o que vem a ser bastante intuitivo.

Porém, e também por necessidade algébrica, da pergunta pela relação entre

nosso modelo interno e o real, obtemos a seguinte relação:

3.4.

3.5.

3.6.

A expressão 3.5. é especialmente útil, pois, pelo resultado 3.1. e 3.2. obtemos o seguinte

teorema:

[Lema de Fano

3.3.]

Podemos interpretar a inequação 3.3. como a afirmação de que o limite mínimo de erro

ou engano que pode haver entre o regulador e a informação proveniente do entorno é

dado por H(D|R). Porém, notemos que H(D|R), quando não for nulo, apenas firma que

há uma incerteza quanto a D; de outro modo, nada é afinado sobre a natureza dessa

incerteza ou como reduzi-la.

No entanto, notemos que I(D;R)=I(R;D), por necessidade algébrica, e logo que

3.7.

3.8.

Substituindo 3.8. na expressão dada pelo Lema de Fano obtemos o famoso Teorema da

Variedade Requerida, devido a Ross Ashby (1956),

[Teorema da Variedade

Requerida 3.] 14

Note que nesse ponto, não é comprometedor se certas relações parecerem demasiado especulativos, tais

como ‘a relação entre o estado mental (R) e a informação exterior ao sistema (D)’, pois essa relação surge

por necessidade algébrica, donde seus valores quantitativos podem ser obtidos a partir de outras variáveis

– tais como V e D.

31

Agora, o Teorema da Variedade Requerida mostra que a única forma de fazermos com

que o erro H(V)= diminua consiste em aumentar a informação dentro do sistema

H(R); ou seja, fazer com que a relação entre o entorno, D, e o modelo interno, R, seja o

mais próximo de uma bijeção. De outro modo, o teorema deixa claro que, a existência

de acidentes pode ser tomada como um indicador de que o léxico do regulador H(R) é

menor do que o léxico do entorno, tal que H(D|R) tenha valor positivo. Dizemos ‘um

indicador’, pois, mesmo que houvesse uma bijeção entre o modelo interno da realidade

e a ‘realidade’, poderiam haver incertezas com relação a precisão com que R distingue

cada ‘símbolo15

’ emitido pela fonte D.

Por fim, pode-se ter a impressão de o argumento só serviria para representar

situações imediatas de regulação, excluindo, assim, a dimensão de planejamento e

expectativa em longo prazo. Porém, o argumento não restringe a latência no tempo de

transmissão, onde a única coisa que se requer para que um sinal seja transmitido através

do tempo, é memória (LERNER, 1975).

Contudo, devemos buscar evidências que deem suporte para nosso argumento

teórico, pois, um argumento matemático, se em desacordo com a realidade, consiste na

forma mais exuberante de retórica – elegante, difícil e convincente. Assim, para que os

resultados oferecidos pelo Teorema da Variedade Requerida tenham o direito de

vangloriar-se de seus louros é preciso haver evidências que os confirmem.

4.2. Ilusões: quando o modelo falha

Ilusões são casos clássicos de erro no processamento de informação do SNC.

Nos últimos tempos, e com a ascensão das ciências cognitivas, descobriu-se, e vem

descobrindo-se, que nossa percepção da realidade é repleta de ilusões (GREGORY,

1968, 2009; FRITH, 2006; EAGLEMAN, 2011). Alguns exemplos de ilusões serão

mostrados para ilustrar como esses casos de erro se conectam com as dificuldades

existentes no processamento de informação pelo SNC apontadas previamente. No

entanto, o ponto central sobre ilusões será o de que aquilo que entendemos por ilusões

são erros em processamento que se tornam perceptíveis por exibirem incoerência com

um contexto mais amplo de conhecimento, o que sugere fortemente que: i) nossa

percepção da realidade tem uma carga muito maior de ilusões do que podemos verificar

15

A palavra ‘símbolo’ deve ser entendida no sei mais amplo sentido como qualquer coisa que possa afetar

o sistema; seja um comprimento de onda, ou uma quantidade de força, etc..

32

de forma consciente e ii) que essas ilusões, em muitos casos, podem ser vistas como

falsidades convenientes.

De acordo com Gregory (1968), nossas ilusões podem ser divididas entre três

tipos de ilusões, a saber, ilusões óticas, sensoriais e perceptuais. Ilusões óticas seriam

aquelas decorrentes da quantidade excessiva de ruído no sinal proveniente do entorno,

tais como miragens e ilusões de reflexão e refração16

. Ilusões sensoriais seriam aquelas

decorrentes de ruído e limitações na transmissão e processamento no sinal interno ao

sistema. Por exemplo, o Efeito Cascata [Figura 11] decorrente da atividade

desequilibrada dos neurônios detectores de movimento no sistema visual, em virtude da

exposição prolongada ao estímulo, faz com que vejamos algo que é impossível:

movimento sem mudança de posição (GREOGRY, 1961; EAGLEMAN, 2012; FRITH,

2007). As ilusões perceptuais seriam aquelas decorrentes de inferências mal sucedidas

baseadas em conhecimento prévio. Ilusões perceptuais consistem nos casos mais

interessantes, por serem as mais ubíquas no processo de percepção, e difíceis de

detectar.

Ilusões perceptuais abrangem todas nossas categorias representacionais

(GREGORY, 2009). Por exemplo, nós experimentamos objetos menores até sessenta

por cento mais pesados do que objetos maiores na mesma escala de peso (GREGORY,

1968). Ou seja, de acordo com uma densidade inesperadamente maior ou menor se sofre

uma ilusão de peso. Nossa percepção visual é determinantemente afetada por

informações prévias tais como, simetria e profundidade. Na ilusão do Quarto de Ames

16

É interessante notar que o grau de equívoco concernente a sinais transduzidos por canais térmicos ou

acústicos, por exemplo, é tão grande que se torna redundante estender o termo para essas modalidades dos

sentidos.

Figura 8 - Efeito Cascata. Ao girar a imagem se perceberá a espiral diminuindo ou aumentando, de acordo

com a direção do giro, após algum tempo, ao contemplar-se a imagem parada, ter-se-á a ilusão de que ela está

aumentando ou diminuindo.

33

[Figura 12] a perspectiva simétrica cria uma ilusão de que as pessoas dentro do quarto

de Ames têm tamanhos distintos. Informações interpretadas pelo cérebro como

Figura 9 Figura 9 Quarto de Ames – todos os homens no quarto são do mesmo tamanho, porém em

proximidades distintas do observador.

indicando profundidade também conduzem a inferências errôneas acerca do tamanho

dos objetos. Assim, a ilusão de Ponzo [Figura 13], na qual a impressão de convergência

em linhas paralelas resulta na percepção de que os objetos de tamanho igual sejam

vistos com tamanhos diferentes. A informação prévia também influencia no modo como

percebemos a intensidade no brilho das cores [Figura 14] (ANDERSON & WINAWER,

2005).

Os casos aqui mencionados são apenas alguns entre uma infinidade de casos

conhecidos hoje (GREGORY, 2009; EAGLEMAN, 2011; FRITH, 2007). A existência

de ilusões, em si, já consiste numa evidência de erro no emulador, assim como numa

prova de que o sistema de regulação, de fato, criaria um modelo do real, uma vez que se

tem a experiência, persistente em muitos casos, claramente incoerente com o restante do

contexto de informação. A incoerência flagrante nos casos de ilusão pode nos conduzir

34

a perceber um importante aspecto no que se refere ás ilusões.

Pois, como se podem distinguir aquelas experiências ditas ilusórias daquelas entendidas

como uma interpretação adequada dos eventos exteriores? Perceber-se-á que o que

entendemos por ilusão tipicamente se define pelas experiências que demonstram

incoerência com um episódio instantâneo de percepção, ou que se torna incoerente na

medida em que a experiência se desenvolve no tempo. A experiência do Efeito Cascata,

talvez uma das primeiras que se tem registro – tendo sido mencionada por Aristóteles –,

demonstra flagrante incoerência com nosso conhecimento filogenético acerca do mundo

– que não há movimento sem mudança de posição. O Quarto de Ames se revela como

uma ilusão tão logo o espectador mudar de perspectiva, tornando-se capaz de perceber

as assimetrias do quarto. As ilusões referentes ao peso dos objetos e a ilusão de Ponzo

requerem mecanismos de medição, por meio dos quais possamos comparativamente

identificá-las como ilusão. E, no caso mais difícil, a ilusão do brilho das peças de xadrez

exige que as peças sejam recortadas e comparadas, alheias ao ambiente, para que se

possa convencer de que, de fato, trata-se de peças com o mesmo brilho. Nesse mesmo

sentido, uma série ilusões cuja identificação depende de engenhosos experimentos são

paulatinamente descobertas (NIJHAWAN, 2008; GREGORY, 2009).

35

Figura 11 – Os dois conjuntos de peças de Xadrez em ambos os ambientes são idênticos. Em ambos os casos, as

figuras sobre ambiente escuro aparecem como objetos claros visíveis através da névoa escura, enquanto as

figuras sobre o ambiente claro aparecem como objetos escuros através da névoa clara.

O que se deve perguntar é: não poderia nossa percepção da realidade ser em

larga medida ilusória não havendo comprometimento, em muitos casos, do processo de

regulação do SNC? Baseado sobre o que vimos até então, nossa hipótese é a de que

experimentamos ilusões a todo instante. Se aceitarmos que a falha em representar

semelhantes experiências – mas não idênticas! – como distintas deve ser entendida

como uma ilusão, então nossa hipótese parece seguramente verdadeira. Pois, o que se

tem verificado é que o conhecimento prévio acerca de experiências passadas (memória)

é antes uma característica ubíqua de nossa percepção, tal que as experiências prévias

preparam as futuras experiências – ‘priming perception’ (BERNSTEIN et al. 1989;

TULVING & SCHACTER 1990; RATEY, 1994; KAWAKAMI et al. 2003). Esse

preparo em nossa percepção consiste em experimentar novos estímulos como estímulos

passados, de tal modo que as dessemelhanças são eliminadas de nosso modelo interno.

No entanto, provavelmente seria um exagero entendermos essa característica, de

preparar nossas futuras experiências, como um defeito no processamento de informação.

Pode-se conjeturar que o SNC tem algo a ganhar nessa simplificação, tal que essa ilusão

ubíqua seja pragmaticamente desejável. De fato, se levarmos em consideração que,

enquanto organismos biológicos, somos um sistema aberto em constante troca de

energia e matéria com o entorno, o que ocasiona uma constante dinâmica em nossa

constituição física, e que assim também o são todos os objetos interessantes para a vida

humana, tal capacidade de discriminação pelo SNC ocasionaria a exigência de uma

36

desnecessária sobrecarga no processamento de informação17

. Isso vem a ser bastante

plausível uma vez que essas dessemelhanças, além de dificultarem o processamento de

informação, são irrelevantes para o processo de regulação e, logo, não devem ser

consideradas.

5. Implicações Filosóficas

Antes de sugerirmos algumas implicações filosóficas que parecem resultar dessa

perspectiva, lembremos o caminho percorrido para chegarmos até aqui. Na primeira

parte do presente texto, introduzimos a noção de sistema aberto cujo comportamento se

define, de forma determinada ou não, com relação à informação proveniente do entorno.

Essa noção serviu para que pudéssemos vislumbrar o tipo de sistema característico do

SNC, cujo único meio de afetar seu entorno consiste em motricidade.

Subsequentemente, e depois de introduzirmos alguns conceitos de Teoria da

Informação, vimos que nós, enquanto organismo biológico, também poderíamos ser

vistos como um sistema em estado de equilíbrio estável, e chamamos esse estado de ‘o

organismo vivo’. Vimos que a manutenção desse estado requeria um subsistema de

regulação e controle, identificando, assim, a função do SNC no organismo vivo que

somos. No que se seguiu, passamos a investigar quais eram os requerimentos que se

colocavam para o SNC pudesse levar a cabo o processo de regulação com sucesso, e

vimos que esse sistema requeria memória e algumas estratégias para contornar o ruído

no processamento de informação, entre as quais figurava a elaboração de um modelo

interno do real. O modelo interno do real foi entendido como aquilo que nós

compreendemos intuitivamente como realidade. Passamos, então, a investigar o grau de

acuidade desse modelo interno. Primeiro expusemos um argumento teórico, com uso de

teoria da informação, o qual afirmava que a existência de erro, ou enganos, deflagrava o

grau de desacordo entre o modelo e o entorno. Em seguida, e na busca por evidências,

passamos a analisar as ilusões características do processo de percepção, as quais

sugeriram fortemente que nossa noção de realidade consiste num modelo com certo

grau de erro, o que nem sempre deve ser vistos de forma indesejada.

Essa perspectiva parece-nos ser demasiada revolucionária em filosofia, pois abre

caminho para entendermos diferentemente uma série de temas filosóficos. Entre esses

figuram, por exemplo, temas como a natureza da racionalidade humana, o papel que

17

Imaginemos os problemas que haveriam para identificar um organismo, em dois instantes diferentes,

como sendo o mesmo.

37

teorias científicas comprem em nossa interação com o entorno, um critério para

distinção entre epistemologia e ontologia. Porém, em particular, essa perspectiva, se

aceita, parece ser fatal para aquelas formas de reflexão que se aglutinam sob o nome de

Realismo Semântico. Uma concepção realista semântica, em linhas gerais, apoia-se

sobre a noção de verdade como correspondência com a realidade para justificar o

significado de termos linguísticos ou as inferências realizadas com sucesso pelas teorias

científicas (SHALBOWSKI, 1995; BROWN, 1982; GAMBLE, 2002; PUTNAN 1975).

Entende-se que a unidade no significado das expressões linguísticas ou a justificação no

sucesso da ciência está ancorada na relação que se estabelece entre as entidades

linguísticas, de um lado, e a realidade dotada das propriedades e entidades, de outros. A

pergunta que se deve fazer é: que realidade é essa? De nosso ponto de vista, enquanto

seres humanos o único sentido de realidade que nós conhecemos é aquele elaborado

pelo SNC para controle motor. Mas nós evidenciamos que nosso cérebro constrói um

modelo do real, o qual é, em larga medida, ilusório e que essa característica, em muitos

casos, não seria de todo condenável. Baseado nisso, nem a unicidade do significado das

expressões linguísticas, nem o sucesso da ciência podem ser justificados com relação a

nossa realidade, uma vez que a relação é, em muitos casos, ilusória. Antes, seria um

milagre que a ciência tivesse o sucesso que, de fato, tem, estivesse ela baseada nessa

relação.

De nosso ponto de vista, linguagem, significado, realidade – no sentido robusto

empregado pelo realista – e a relação que se estabelece entre ambos figuram dentro o

espaço neural. Mas isso não quer dizer que estejamos endossando uma concepção

idealista – lembre-se, somos um sistema aberto cuja estabilidade depende da troca

contínua de informação com o entorno – mas que insistir nesse modelo representacional

consiste em perseguir o próprio rabo. Mais especificamente, significado e referência,

por exemplo, consistem, em última instância, na relação que se estabelece entre um

padrão de ação neural concomitante entre redes neurais nas áreas de Wernicke, Broca e

no sistema visual no lóbulo occipital, realizada por longos axônios conectando essas

áreas. Mas se isso for o caso, a ocorrência de danos neurais nessas áreas devem

comprometer essas capacidades. E é exatamente o que acontece quando indivíduos

sofrem danos neurais nas áreas responsáveis pela linguagem – área de Wernicke e

Broca – havendo severo comprometimento nas capacidades linguísticas

(GESCHWIND, 1970, 1974; FADIGA et al. 2009; RATEY, 1994).

38

A menção ao realismo semântico, aqui, não tem o objetivo de figurar como uma

argumentação contra essa concepção – ainda que o exposto pareça oferecer suporte para

tal – o que nos levaria longe demais no presente texto. Mas serve para mostrar o

contraste que há entre uma concepção representacionalista do mente e uma concepção

interacionista, e como elas comprometem nossas estratégias de conceitualização de

diferentes domínios. Em suma, não é que nossa visão da realidade não seja adequada –

não há com o que comparar. A tese é ainda mais fundamental. É que pensar a realidade

em termos representacionais é um modo antropomórfico de pensar essa relação. Isso

não quer dizer que devamos parar de buscar uma, ou diferentes, representações da

realidade para fins pragmáticos – na verdade, esse é o melhor mecanismo que temos

para interagir com a ‘realidade’ com sucesso. É que, filosoficamente, seguir esse

caminho consiste em confundir epistemologia e ontologia e tomar a primeira como

sendo a segunda. Contudo, o filósofo da ciência nos diria que a realidade com a qual ele

lida nunca foi essa realidade particular de nossas percepções, mas aquela realidade

abstrata captada pelas teorias científicas. E isso nos levaria a tarefa de examinar como o

cérebro computa informação abstrata e se essas computações têm alguma relação com

essa concepção comum de realidade que tratamos aqui. Mas isso é assunto para outra

ocasião.

Bibliografia:

ARBIB, A. M. ‘Perceptual Structures and Distributed Motor Control’. Comprehensive

Physiology, Supplement 2: Handbook of Physiology, The Nervous System, Motor

Control, 1981.

ASHBY, W. R. An Introduction to Cybernetics. London: Chapman & Hall, 1956.

Internet (1999): http://pcp.vub.ac.be/books/IntroCyb.pdf

_____. Design for a Brain. New York: John Wiley & Sons. Inc, 1966.

AZZOUNI, J. ‘A new characterization of scientific theories’, 2010

BERG, H. C. & PURCELL, E. M. ‘Physics of chemoreception’. Journal of Biophysics,

Vol. 20, pp. 193–219, 1977.

BERNSTEIN, I. H., BISSONNETTE, V., VYAS, A., BARCLAY, P. ‘Semantic

priming: subliminal perception or context?’. Perception & Psychophysics, Vol. 45, pp.

153-151, 1989.

39

BIALEK, S. W. & SETAYESHGAR, S. ‘Physical limits to biochemical signaling’.

Proceeding of National Academy of Science of the United States of America. May, pp.

10040–10045, 2005.

BROWN, J. R. ‘The Miracle of Science’. The Philosophical Quarterly, Vol. 32, pp.

232-244, 1982.

CLONEY, R. ‘Ascidean Larvae and the Events of Metamorphosis’. American

Zoologist, Vol. 22, No. 4, pp. 817-826, 1982.

CHURCHLAND, P. S., RAMACHANDRAN, V. S., & SEJNOWSKI, T. J. ‘A Critics

of Pure Vision’. Em: Large-Scale Neuronal Theories of the Brain. Cambridge,

Massachusetts: The MIT Press, 1994.

COVER, T. M. & THOMAS, J. A. Elements of Information Theory. Hoboken: New

Jersey, John Wiley & Sons, inc., 2006.

DEBANNE, D. ‘Information processing in the axon’. Nature Review Neuroscience.

Vol. 5, pp. 304–316, 2004.

DESTEXHE, A. & RUDOLPH-LILITH, M., Neuronal Noise. New York: Springer,

2012.

DESMURGET, M. & GRAFTON, S. ‘Forward modeling allows feedback control for

fast reaching movements’. Trends in Cognitive Science, Vol. 11, pp. 423-31, 2000.

DIBA, K., LESTER, H. A. & KOCH, C. ‘Intrinsic noise in cultured hippocampal

neurons: experiment and modeling’. Journal of Neuroscience. Vol.24, pp. 9723–9733,

2004.

DOYA, K., ISHII, S., POUGET, A., RAO, R. P. N. Bayesian Brain: probabilistic

approach to neural coding. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2007.

EAGLEMAN, D. Incognito: the secret lives of the brain. London: Canongate, 2011.

FADIGA, L., GRAIGHERO, L.,D’AUSILIO, A. ‘Broca’s Area in Language, Action,

and Music’. The Neuroscience and Music III – Disorder and Plasticity: Ann. N.Y. Acad.

Sci., Vol. 1169, pp. 449-458, 2009.

FAISAL, A. A., SELEN, L. P. J., WOLPERT, D., ‘Noise in the nervous system’.

Nature Review Neuroscience, Vol. 9, pp. 292-303, 2008.

FAISAL, A. A., WHITE, J. A. & LAUGHLIN, S. B. ‘Ion-channel noise places limits

on the miniaturization of the brain’s wiring’. Current Biology. Vol. 15, pp. 1143–1149,

2005.

FELDMAN, G. A. From Molecule to Metaphor: a neural theory of language.

Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2006.

40

FIELD, D. ‘Relations between the statistics of natural images and the response

properties of cortical cells’. Journal of Optic Society of America. A 4, pp. 2379–2394,

1987.

FLANAGAN, J. R. & WING, A. M. ‘The role of internal models in motion planning

and control: evidence from grip force adjustments during movements of hand-held

loads’. Journal of Neuroscience, Vol. 17, pp. 1519-1528, 1997.

FRITH, Christopher D. Making up the Mind: how the brain creates our mental world.

Malden: Blackwell Publishing, 2007.

FUSTER, J. ‘The Cognit: A network model of cortical representation’. International

Journal of Psychophysiology, nº 60, 2006, p. 125-132.

GAMBLE, D. ‘Defending Semantic Realism’. Language and Communication, Vol. 22,

pp. 243-258, 2002.

GESCHWIND, N. Selected Papers on Language and the Brain. Boston: D. Reidel

Publishing Company, 1974.

______. ‘The Organization of Language and the Brain’. Science, Vol. 170, pp. 940-944,

1970.

GIBSON, J. J. The senses considered as perceptual system. Boston: Houghton Mifflin,

1966.

_____. The ecological approach to visual perception. New York: Psychology Press,

1986.

GREGORY, R. L. ‘Perceptual illusions and brain models’. Proceedings of the Royal

Society B, Vol. 171, pp. 279-296, 1968.

______. Seeing Through Illusions. London: Oxford, Oxford University Press, 2009.

GRUSH, R. ‘The emulation theory of representation: Motor control, imagery, and

perception’. Behavioral and Brain Science, pp. 377-442, 2004.

HAKEN, H. Information and Self-Organization. 2th ed.. Springer, 1999.

HARRIS, G. G. ‘Brownian Motion in the Cochlear Partition’. Journal of the Acoustical

Society of America. Volume 44, Issue 1, pp. 176-186, 1968.

HELD, R. ‘Plasticity in sensory-motor systems’. Scientific America, 212: pp. 84-94.

HULL, J. M. Touching the Rock: an Experience of being Blind. London: S.P.C.K.,

1990.

JACOBS, R. A. ‘Optimal integration of texture and motion cues to depth’. Vision Res.

Vol. 39, pp. 3621–3629, 1999.

JAMES, W. The Principals of Psychology. London: Henry Holt, 1890.

41

JOLIOT M., RIBARY, U., & LLINAS, R. ‘Human oscillatory brain activity near 40 Hz

coexists with cognitive’. Em: Neurobiology, Proc. Nati. Acad. Sci. USA Vol. 91, pp.

11748-11751, November 1994

JORDAN, M. I. & RUMELHART, D. E. ‘Forward models: supervised learning

with a distal teacher’. Cogn Sci, Vol. 16, pp. 307-354, 1992.

KANDEL, E. The Agen of Insite: the quest to understand the unconscious in art, mind

and brain, from Vienna 1900 to the present. New York: Handle House, 2012.

KANDEL, E. R., SCHWARTZ, J. H. & JESSELL, T. M. Principles of Neural Science.

McGraw–Hill/Appleton & Lange, New York, 2000.

KAWAKAMI, K., DOVIDIO, J. F., DIJKSTERHUIS, A. ‘Effect Social Category

Priming on Personal Attitudes’. Psychological Science, Vol. 14, pp. 315-319, 2003.

KAWATO, M. ‘Internal model for motor control and trajectory planning’. Current

Opinion in Neurobiology, nº 9, pp. 718-727, 1999.

KNILL, D. C. ‘Mixture models and the probabilistic structure of depth cues’. Vision

Res. Vol.43, pp. 831–854, 2003.

KOHLER, I. ‘Experiments with Goglles’, Scientific America, 205: pp. 62-72.

KORDING, K. P. & WOLPERT, D. M. ‘Bayesian integration in sensorimotor

learning’. Nature, 427, pp. 244–247, 2004.

KOZLOV, A. S., RISLER, T. & HUDSPETH, A. J. ‘Coherent motion of stereocilia

assures the concerted gating of hair-cell transduction channels’. Nature Neuroscience.

Vol. 10, pp. 87–92, 2007.

LAUGHLIN, S. ‘A simple coding procedure enhances a neuron’s information capacity’.

Z. Naturforsch. [C] 36, pp. 910–912, 1981.

LERNER, A. Ya. Fundamentals of Cybernetics. London: Plenum Press, 1975.

LLINAS, R. The I of the Vortex: from neuron to self. Cambridge, Massachusetts: The

MIT Press, 2001.

_____. ‘Umwelt: A Psychomotor Functional Event’. Em: Neurobiology of “Umwelt”:

How Living Beings Perceive the World. Berlin Heidelberg: Springer, pp 29-37, 2009.

LLINÁS, R. & PARÉ, D. ‘El Cerebro como un Sistema Cerrado Modulado por los

Sentidos’. Em: LLINÁS, R. & CHURCHLAND, P. El Continuum Mente-cerebro:

procesos sensoriales. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 2006.

______. ‘Of Dreaming and Wakefulness’. Neuroscience, Vol. 44, No. 3, pp. 521-535,

1991.

42

LLINÁS, R., RIBARY, U., JOLIOT, M., WANG, X.-J. ‘Content and context in

temporal thalamocortical binding’. Temporal coding in the brain. Berlin : Springer-

Verlag, page: 251, stat: Chapter, 1994.

LLINÁS, R. & ROY, S. ‘The ‘prediction imperative’ as the basis for self-awareness.

Philosophical Transactions of Royal Society, Biological Science, 364, pp. 1301-1307,

2009.

MA, W. J., ZHOU, X., ROSS, L. A., FOXE, J. J., PARRA, L. C. ‘Lip-Reading Aids

Word Recognition Most in Moderate Noise: A Bayesian Explanation Using High-

Dimensional Feature Space’. PLoS ONE 4(3): e4638.

doi:10.1371/journal.pone.0004638, 2009.

MAINZER, K. Thinking in Complexity. 6th

ed.. Berlin: Springer-Verlag, 2007.

MESULAM, M.-M. ‘A cortical network for directed attention and unilateral neglect’.

Annals of Neurology, Vol. 10, pp. 309-325, 1981.

NIJHAWAN, R. ‘Visual Prediction: psychophysics and neuropsychology of

compensation for time delays. Em: Behavioral and Brain Sciences, nº31, pp. 179-239,

2008.

MERFELD, D. M., ZUPAN, L., PETERKA, R. J. ‘Humans use internal models to

estimate gravity and linear acceleration’. Nature, Vol. 398, pp. 615-618, 1999.

MIALL, R. C., WEIR, D. J., WOLPERT, D. M., STEIN, J. F. ‘Is the cerebellum a

Smith Predictor?’. Journal of Motor Behavior, Vol. 25, pp. 203-216, 1993.

PIRENNE. M. H. ‘Some aspects of the sensibility of the eye’. Annals of the New York

Academy of Science. Vol. 74, pp. 377-384, 1959.

PITTS, W. C. & MCCULLOCH, W. S. ‘How we know universals, the perception of

auditory and visual forms’. Bull. Math. Biophys. 9: 127-147, 1947.

PRIGOGINE, I. Introduction to Thermodynamics of Irreversible Processes (2th Ed.).

New York: John Wiley & Sons, 1961.

PRIGOGINE, I. & NICOLIS, G. Self-Organization in Non-Equilibrium Systems. New

York: John Wiley & Sons, 1977.

PUTNAM, H. Philosophical Papers: Vol. I. Cambridge: Cambridge University Press,

1975.

RALL, W. ‘Time constants and electrotonic length of membrane cylinders and

neurons’. Journal of Biophysics. Vol. 9,

pp. 1483–1508, 1969.

43

ROSENBLUETH, A.; WIENER, N.; BIGELOW, J. ‘Behavior, Purpose and Teleology’.

Phylosophy of Science, Volume 10, Issue, p. 18-24, 1943.

SINGER, W. ‘The Brain’s View of the World Depends on What it has to Know’. Em:

Berthoz, A. & Christen, Y. (eds.), Neurobiology of “Umwelt”: How Living Beings

Perceive the World. Research and Perspectives in Neurosciences, Springer-Verlag

Berlin Heidelberg, 2009.

SHADLEN, M. N. & NEWSOME, W. T. ‘The variable discharge of cortical neurons:

implications for connectivity, computation, and information coding’. Journal

Neuroscience. Vol. 18, pp. 3870–3896, 1998.

SHADMEHR, R. & MUSSA-IVALDI, S. Biological Learning and Control: how the

brain builds representations, predicts events, and makes decisions. Cambridge,

Massachusetts: The MIT Press, 2012.

SHALBOWSKI, S. A. ‘Semantic Realism’. The Review of Metaphysics, Vol. 48, pp.

511-538, 1995.

SHANNON, C. & WEAVER, W. The Mathematical Theory of Communication. The

University of Illinois Press – Urbana, 1964.

RATEY, J. The User’s Guide to the Brain: perception, attention and the four theaters of

the brain. New York: Little, Brown and Company, 1994.

SNYDER, L. ‘This way up: illusions and internal models in the vestibular system’.

Nature Neuroscience, Vol. 2, pp. 396-398, 1999.

SOFTKY, W. R. & KOCH, C. ‘The highly irregular firing of cortical cells is

inconsistent with temporal integration of random EPSPs’. Journal Neuroscience.

Vol.13, pp. 334–350, 1993.

SPERRY, R. W. ‘Neurology and The Mind-Brain Problem’. American Scientist, Vol.

40, nº2, April, 1952.

STEIN, R.; GOSSEN, E. R.; JONES, K. E. ‘Neuronal Variability: noise or part of the

signal?’. Nature Review: neuroscience. Nature Publishing Group, Vol.6, May, 2005.

STERIADE, .M & MACCARLEY, R. W. Brain Control of Wakefulness and Sleep.

New York: Plenum Press, 1990.

STERIADE, M., CURRÓDOSSI, R., PARÉ, D., OAKSON, G. ‘Fast oscillations (20–

40 Hz) in thalamocortical systems and their potentiation by mesopontine cholinergic

nuclei in the cat’. Proc Natl AcadSci USA 88: pp. 4396–4400, 1991.

STEWART, I. & COHEN, J. Figments of Reality: the evolution of curious mind.

Cambridge: Cambridge University Press, 1997.

44

STOCKER, A. A. & SIMONCELLI, E. P. ‘Noise characteristics and prior expectations

in human visual speed perception’. Nature Neuroscience. Vol. 9, pp. 578–585, 2006.

TULVING, E. & SCHACTER, L. ‘Priming and Human Memory System’. Science, Vol.

247, pp. 301-306, 1990.

VAN FRAASSEN, B. The Scientific Image. 1980.

WIENER, N. The Human Use of Human Beings: cybernetics and society. London: Free

Association Books, 1989.

_____. Cybernetics or Control and Communication in the Animal and the Machine.

Cambridge, Massachusetts: The M.I.T. Press, 1985.

WOLPERT,D.http://www.ted.com/talks/daniel_wolpert_the_real_reason_for_brains.ht

ml

WOLPERT, D. & GHAHRAMANI, Z. ‘Bayes rule in perception, action and cognition’.

http://learning.eng.cam.ac.uk/Public/Wolpert/Publications, 2009.

WOLPERT, D., GHAHRAMANI, Z. & JORDAN, M. I. ‘An internal modelo for

sensoriomotor integration’. Science, Vol. 269, pp. 1880-82, 1995.

WOLPERT, D., DOYA, K., & KAWATO, M., ‘A unifying computational framework

for motor control and social interaction’. Em: The Neuroscience of Social Interaction:

decoding, imitating, and influencing the actions of the others. FRITH, C. &

WOLPERT, D. (ed.). New York: Oxford University Press, 2003.