Prevenção do escurecimento do pericarpo de lichia através do uso de ácidos e filmes¹
A prevenção da criminalidade na Inglaterra e no País de Gales
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A prevenção da criminalidade na Inglaterra e no País de Gales1
Sacha Darke2
Tradução: Cristina Emy Yokaichiya3
Vivemos agora um movimento profundo e decisivo em direção a uma sociedade mais autoritária e
disciplinada... A nova doutrina do laissez-faire, na qual predominam os valores sociais de mercado, não é
nada inconsistente com um estado forte e disciplinar, assim como a antiga doutrina laissez-faire, alguns
diriam [...] Não nos enganemos: sob este regime, o mercado tem que ser Livre; as pessoas tem que ser
Disciplinadas. (Hall, 1996: 257 e 259)
A análise de Hall sobre a relação entre a evolução do controle da criminalidade na Inglaterra e no País de
Gales e a mudança dos anseios das economias capitalistas ocidentais nas últimas décadas do século XX foi
publicada originalmente em 1980. No entanto, sua mensagem central de que estamos sendo arrastados em
direção a uma sociedade da lei e da ordem é tão relevante para a análise da política criminal das décadas de
1990 e de 2000, como foi para as décadas de 1970 e 1980 (Scraton, 2004; Sim, 2000).
O presente artigo trata dos aspectos punitivos da política de prevenção da criminalidade na Inglaterra e no
País de Gales. Aborda-se, especificamente, o crescente significado desta prevenção nos instrumentos de
direito civil e direito administrativo público – referidos neste artigo como instrumentos punitivos não penais
(punitive legal orders)– disponíveis às autoridades públicas locais com o fim de administrar seu território e
as pessoas que nele residem.
Como veremos, a prevenção da criminalidade vem surgindo, desde a década de 1970, como um aspecto
distinto da política criminal, principalmente em resposta à constatada demanda por cooperação acentuada
entre órgãos estatais no controle dos crimes de menor potencial ofensivo (minor crime) e contravenções
(non-criminal nuisances). Os instrumentos punitivos não penais conformam-se com este posicionamento. Tal
como o poder de prisão da polícia, estes instrumentos são equipados de medidas coercitivas, muitas vezes
penais; porém podem ser dirigidos a uma vasta gama de comportamentos e estão submetidos a patamares
inferiores de provas (na Inglaterra e no País de Gales, um mandado de direito civil pode ser obtido a partir de
um “cálculo de probabilidades”. Uma ordem de direito público pode ser cumprida sem que se tenha que ir a
juízo, e só pode ser contestada por razões factuais se for possível comprovar que o agente público que tomou
a decisão de emitir a ordem estava agindo irracionalmente). Os instrumentos punitivos não penais, de
particular relevância para este artigo, são as advertências de diminuição (abatement notices), avisos de
1 Note-se que há um único um sistema jurídico para Inglaterra e País de Gales. A maioria das leis penais e políticas,
incluindo a política de prevenção da criminalidade, relativa à Inglaterra, aplica-se igualmente ao País de Gales. Este
artigo não aborda a prevenção da criminalidade na Escócia ou Irlanda do Norte. 2 Dr. Sacha Darke, Professor Sênior, Faculdade de Estudos Históricos e Sociais da Universidade de Westminster, 309
Regent Street, Londres W1B 2UW, Reino Unido. Email: s.darke @ wmin.ac.uk 3 Cristina Emy Yokaichiya, mestranda em Direito Penal, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Email:
fixação de multa (fixed penalty notices), liminares (injunctions), mandados possessórios (possession orders),
ordens contra comportamento antissocial (anti-social behaviour orders) e ordens de cuidados paternos
(parenting orders). A natureza destes poderes e seu uso como ferramentas de controle criminal serão
explorados na sequência.
Nos anos de 1970 e 1980, uma série de criminólogos filiou-se a Hall na crítica de que o Estado estava
tomando uma abordagem mais autoritária para o controle criminal (por exemplo, Bunyon, 1976; Gordon,
1987; Hillyard e Percy-Smith, 1988; Scraton, 1985 e 1987; Sim et al., 1987). Dentre esses criminólogos,
Gordon centrou-se no crescente destaque colocado no policiamento comunitário, que levou ao aumentou da
cooperação entre a polícia e o governo local. Ele advertiu:
...o policiamento comunitário não é um substitutivo do policiamento reativo... temos que localizá-lo no
contexto da crescente disciplina da sociedade pelo Estado, no surgimento do “forte regime disciplinar”,
que, como defendeu Stuart Hall, é necessário “se o Estado deve parar de se intrometer no ajuste fino da
economia, a fim de que os “valores sociais do mercado” se rompam, enquanto contém o inevitável
resultado, em termos de conflitos sociais e de polarização de classe”... (Gordon, 1987: 141)
A análise de Gordon (1987) sobre policiamento comunitário foi escrita em um momento em que a polícia era
o parceiro dominante entre as parcerias de prevenção da criminalidade. Gordon estava preocupado com a
hipótese de os órgãos públicos locais fornecerem à policia informações sobre criminosos que poderiam ser
usadas para fundamentar a aplicação do direito penal. Em meados da década de 1990, no entanto, os
governos locais assumiram o manto da responsabilidade pelos acordos de parceria. No mesmo período,
também se viu um rápido crescimento no uso, pelos governos locais, dos instrumentos punitivos não penais.
No entanto, até recentemente a investigação acadêmica teórica e empírica sobre a prevenção da
criminalidade quase sempre se omitia do estudo dos instrumentos punitivos não penais. Enquanto surgiram
estudos para documentar a proliferação de parcerias para prevenção e o crescente apelo à ordem jurídica não
penal no controle criminal, a relação entre os dois fenômenos permaneceu em grande parte inexplorada. O
esquecimento desses instrumentos na literatura sobre a prevenção da criminalidade é demonstrado pelo fato
de que não são sequer mencionados nas descrições de prevenção da criminalidade nas últimas edições dos
best-sellers no estudo da criminologia na Inglaterra e no País de Gales, o Oxford Handbook of Criminology
(Maguire et al., 2007) e o Sage Dictionary of Criminology (McLaughlin e Muncie, 2006).
A raiz deste silêncio acadêmico é tanto política quanto empírica. Em primeiro lugar, do ponto de vista
político, o paradigma da prevenção é considerado por muitos criminólogos como fonte de um “discurso de
inclusão e não-punição” sobre o controle da criminalidade (van Swaaningen, 2002). Em especial, a
criminologia crítica e, mais especificamente ainda, as versões abolicionistas da criminologia crítica
amontoaram-se em torno da prevenção da criminalidade na esperança e expectativa de que ela apresentaria
um desafio ao paradigma da justiça que ocupa o centro da política criminal existente em todo o mundo
ocidental. Em segundo lugar, como veremos, ao menos no início, o paradigma da prevenção parecia estar no
centro das políticas e práticas de prevenção. Muito do discurso dos governos centrais e locais sobre a
ascensão da prevenção da criminalidade ao bojo da política criminal focalizou o fracasso da pena para o
controle do crime.
Este artigo explora a visão alternativa de que a consequência do aumento da cooperação entre a polícia e
autoridades públicas locais no controle do crime, ao contrário, significa um aumento no controle criminal
punitivo - que, em lugar de fornecer um “discurso substitutivo” (van Swaaningen, 2002) ao paradigma
dominante de justiça, a prevenção da criminalidade tem o potencial de resultar em mais, e não menos,
controle criminal, da mesma forma que o uso das sanções de prestação de serviços à comunidade não
conseguiu reduzir a utilização da prisão (ver, por exemplo, Cohen, 1985; Scull, 1983). Como veremos,
embora a visão de controle criminal de “inclusão e não punição”, apoiada na criminologia crítica possa ter
moldado o desenvolvimento da prevenção da criminalidade na década de 1970, esta prevenção, em meados
de 1990, corria o risco de se tornar um complemento e não uma alternativa à justiça penal.
1. Para além da justiça penal como paradigma dominante de controle da criminalidade
Antes de analisarmos os êxitos e os fracassos do paradigma da prevenção na Inglaterra e no País de Gales, é
útil delinear as principais características da visão crítica do controle da criminalidade. Essa análise deve,
naturalmente, começar com a crítica feita pela criminologia crítica à ênfase que as políticas criminais em
todo o mundo tendem a colocar no controle criminal punitivo. De acordo com de Haan (1990) e Hillyard e
Tombs (2008), esta crítica pode ser dividida em duas preocupações: que a justiça penal não é eqüitativa (que
não preenche as condições mais elementares do contrato social entre indivíduos e o Estado em sociedades
democráticas liberais - que o poder de governar seja universalmente aplicado), e que a punição raramente é
justificada (que ela raramente atua em favor da justiça ou do controle da criminalidade). Estas duas frentes
de crítica são suficientemente amplas para abranger o amplo espectro de criminologia crítica na Europa,
desde os que defendem uma abordagem minimalista de justiça criminal (e.g. Nils Christie, Paddy Hillyard, e
Massimo Pavarini) até aqueles que têm defendido a abolição da justiça penal como a conhecemos hoje (e.g.
Mick Ryan, Joe Sim e René van Swaaningen) e, até mesmo a abolição do próprio conceito de direito penal
(e.g. Willem de Haan e Louk Hulsman).
O ponto de partida para a análise crítica do fracasso da justiça penal para preenchimento dos requisitos da
teoria do contrato social centra-se sobre a natureza subjetiva da criminalidade – na observação de Émile
Durkheim de que o que é definido como crime, quais leis são aplicadas e quais infratores são punidos, não
depende de uma qualidade intrínseca das condutas, mas dos significados a elas impingidos pela “consciência
coletiva”; em outras palavras, o desvio comportamental está nos olhos do observador (Sumner, 1994). Desta
perspectiva, o crime, em outros termos, é uma construção social que não tem realidade ontológica - é
produzida (Christie, 2004). Em consequência, as prioridades da justiça penal dependem de poder econômico
e social - do poder de censurar os outros como aqueles com desvio comportamental. A criminologia crítica
contesta a corrente dominante da criminologia (administrativa), que parte da premissa de que, em países com
democracias liberais, as prioridades dos sistemas de justiça criminal tendem a refletir consensos. Este desafio
se apresenta sob duas formas: primeiro, os criminólogos críticos salientam que os danos sociais dos
poderosos são pouco criminalizados. Por exemplo, apesar de um número estimado de 17 bilhões de libras de
impostos diretos não terem sido pagos no Reino Unido em 2001 e as fraudes comerciais custarem à
economia britânica até 70 bilhões de libras por ano, o principal organismo que lida com a evasão fiscal, HM
Revenue and Customs, garantiu apenas cerca de 1.650 condenações penais entre abril de 2005 e novembro de
2006 (ver O'Conner, 2007). Quanto à fraude comercial, em 2004 houve apenas 531 casos de contabilidade
falsa e 50 casos de fraude cometida por diretores empresariais foram registrados pela polícia. No mesmo ano,
os casos de contabilidade falsa e fraudes cometidas por diretores de empresas resultaram em apenas 751 de
um total de 18.023 condenações por fraude e falsificação (Attorney General’s Office, n.d).No caso de fraude
grave (envolvendo mais de £1 milhão), apenas 17 condenações foram efetivadas em 2007 (Serious Fraud
Office, 2008). Em marcante contraste, 6.118 condenações foram efetivadas para fraudes à seguridade social
em 2007 (Department of Work and Pensions, 2008). Outros exemplos do fracasso do sistema de justiça penal
para lidar adequadamente com danos sociais causados por grupos sociais poderosos destacados pelos
criminólogos críticos, no Reino Unido, abrangem estimadas 1500 mortes relacionadas com acidentes de
trabalho e 47.000 lesões graves que ocorrem todos os anos como resultado de violação da legislação de
saúde e de segurança (o que resultaria em apenas cerca de 1000 processos penais por ano, quase
invariavelmente de empresas no lugar de diretores individuais- Tombs e Whyte, 2006 e 2008); estimados
11.500 óbitos informados e 14000 admissões hospitalares por ano resultante de doenças respiratórias
provocadas pela poluição, conduzindo, a seu turno, a uma média de apenas 10 processos por ano (DEFRA,
nd); e os cerca de 10 milhões de casos de violência doméstica por ano (Walby e Allen, 2004), que
resultaram, por exemplo, somente em 2065 condenações penais em 2006 (Crown Prosecution Service, 2007).
Muitos criminólogos críticos argumentam que os danos sociais dos poderosos deveriam ser mais
criminalizados do que são. Contudo, este não é o objeto do presente artigo. Para os nossos propósitos, o
argumento chave, apresentado pela criminologia crítica, é que, se o paradigma de justiça fracassa ao lidar
com danos sociais graves, então um paradigma alternativo de controle criminal deve tomar o seu lugar
(Pavarini, 1997).
Em segundo lugar, e em acentuado contraste em relação ao que precede, a criminologia crítica sustenta que a
justiça penal é excessivamente zelosa na criminalização dos danos sociais dos mais fracos - que a maioria
dos danos sociais de que a Justiça Criminal tende a tratar não são suficientemente graves para justificar
respostas penais. No Reino Unido, prova disso pode ser encontrada, por exemplo, na pesquisa anual de
adultos (acima de 16 anos) vítimas de crime, conduzida pelo Ministério do Interior (Home Office), na
Inglaterra e no País de Gales (British Crime Survey), considerada pela maioria dos criminólogos como uma
medida confiável dos níveis de crime convencional. Os resultados do último British Crime Survey
(analisados em Kershaw et al., 2008) refletem, de perto, os últimos 25 anos desde que a pesquisa começou.
Primeiro, eles confirmam as estimativas anteriores de que a grande maioria (79%) dos crimes convencionais
envolve dano ou furto de propriedade. Isso ainda implica um número bruto de estimados 2.164.000
incidentes criminais contra a pessoa em 2007. No entanto, relativamente poucos crimes contra a pessoa
(467.000 - 22% dos casos) envolveram ferimentos, metade (51%) não implicou qualquer prejuízo que seja, e
apenas 2% (16.939 casos) envolveram ameaça de lesão à vida ou tentativa de lesão à vida. 467.000
incidentes estimados de lesão e 16.939 de grave violência contra adultos em um ano pode não ser uma marca
que cause orgulho. Muito menos impressionantes, porém, são os números do Governo em matéria de
condenação. Anualmente, cerca de 1,5 milhões de pessoas são condenadas judicialmente e 100.000 são
presas. Além disso, enquanto a British Crime Survey tem registrado uma queda de 48% na criminalidade nos
últimos 15 anos, a população prisional duplicou, passando de cerca de 40 para 80 mil.
A ironia, como destaca a criminologia crítica, é que o paradigma de justiça acarreta não só a punição
exagerada dos crimes convencionais, mas, por conta disso, que se perpetue uma visão consensual de que os
crimes convencionais são um problema social sério (o “mito do crime” - Hillyard e Tombs, 2008), enquanto
desvia a atenção para longe dos danos sociais dos poderosos. Além disso, a imagem distorcida do problema
da criminalidade criada pelas estatísticas de condenação é perpetuada pela mídia, que explora o sentimento
de medo e de raiva da população para aumentar suas audiências, bem como por políticos temerosos de serem
rotulados como complacentes com o crime e ávidos por serem vistos fazendo algo para resolver o assunto.
Como resultado desta “ladainha incessante” sobre a criminalidade convencional (Young, 1994), o paradigma
da justiça mantém-se ainda mais isolado e alheio de qualquer formulação política racional. O perigo
inevitável é que o castigo venha a ser visto como uma resposta natural para o crime e não como um mal
necessário, e que o paradigma da justiça saia fora de controle (Hillyard e Tombs, 2008).
A segunda área da crítica radical da justiça penal diz respeito à irrelevância da punição como uma resposta
social para o crime. A criminologia crítica salienta que, embora muitas vezes as sanções sejam necessárias
para lidar com problemas criminais, convencionais ou não, raramente são necessárias sanções punitivas. Este
argumento vai além da exigência feita na teoria do contrato social de que as pessoas não devem ser
exageradamente punidas. Ele desafia o próprio conceito de punição. Muitos criminólogos críticos salientam
que, na forma atual, o paradigma da justiça não pode ser moralmente justificado. Com sua ênfase na
retribuição, ao invés de enfatizar a restituição e bem-estar, os sistemas penais de todo o mundo democrático
visam infligir dor – a excluir as pessoas denunciando-as e impondo restrições a sua liberdade, no lugar de
lidar com as causas subjacentes de seus crimes e de exigir-lhes que reparem suas vítimas.
Pior, ainda que as sanções penais possam ser moralmente justificadas, elas não podem ser justificadas em
termos utilitaristas. Para começar, com a sua dependência na atuação da polícia profissional, como os
porteiros dos sistemas de justiça penal, o sistema penal é falho ao lidar com a maioria dos crimes
convencionais, assim como com os não-convencionais. Na Inglaterra e no País de Gales, por exemplo,
apenas um terço dos crimes revelados pelo British Crime Survey é informado pelo público e, posteriormente
registrado pela polícia. Ademais, apenas um quarto dos crimes registrados é solucionado pela polícia. Os
índices de comunicação, registro e detenção são altos para alguns dos crimes mais graves (como lesão e
roubo), mas são mais baixos para outros. No caso do consumo de cannabis, por exemplo, havia apenas
45.000 condenações na Inglaterra e no País de Gales em 2004, apesar de um número estimado de
consumidores de 11% dos adultos (Chivite-Matthews et al., 2005). No caso de pequenos furtos, havia apenas
64.000 condenações em 2005, apesar de uma estimativa de 31 milhões de casos e £1.5 bilhões em bens
roubados por ano (Brand e Price, 2000). Talvez o exemplo mais crítico da irrelevância da justiça penal para
controle do crime seja sua incapacidade de lidar com incivilidades (ou o termo preferido no Reino Unido:
comportamento antissocial), como o comportamento intimidatório, a música excessivamente alta, a
mendicância e o ato de jogar lixo em lugares públicos. Esse comportamento desordenado é raramente objeto
do direito penal. Nem deveria ser, conforme sugere a criminologia crítica.
No entanto, como salientado na tradição realista de esquerda da criminologia crítica (ver, por exemplo,
Young e Matthews, 1992), o comportamento antissocial é um problema social em muitas áreas (em especial
urbanas), que pode ser equiparado aos crimes em seus efeitos sobre o sentimento de segurança das pessoas.
Em uma pesquisa anual do governo central sobre comportamento ofensivo na Inglaterra e no País de Gales,
10% dos jovens (com idade entre 10 e 25) admitiram comportar-se de uma maneira que resultou em
reclamação por um vizinho (Rowe e Ash, 2008). Estima-se que 13.500.000 queixas de comportamento
antissocial são feitas às autoridades a cada ano (Home Office, 2004).
O paradigma da justiça também não encontra muita justificativa no histórico de crimes com os quais
trabalha. Mais de metade dos criminosos efetivamente presos, julgados e condenados volta a ser presa até
dois anos do término de sua pena, incluindo dois terços daqueles que cumpriram tempo de prisão (ver
Cunliffe e Shepherd, 2007).
2. Visões alternativas para o controle da criminalidade
Para resumir e concluir as observações apresentadas no artigo até o momento, a criminologia crítica enfatiza
a necessidade de encontrar um discurso substituto para o paradigma de justiça dominante. O paradigma da
prevenção fomentado pela criminologia crítica não nega que o crime convencional é um problema social,
entretanto salienta que os crimes dos poderosos (econômica e socialmente) também precisam ser
enfrentados, e que as respostas mais justas e eficazes ao crime, convencional ou não, encontram-se fora do
âmbito do direito penal. No lugar do paradigma de justiça, a criminologia crítica promove a abordagem dos
danos sociais (por exemplo, Hillyard e Tombs, 2008) ou dos direitos humanos (por exemplo, Green e Ward,
2000) para a rotulagem de determinados danos sociais como problemas de criminalidade, e a abordagem de
bem-estar e de conciliação, em vez de dissuasão com base em controle do crime, envolvendo uma “parceria”
de multiagências entre uma vasta gama de instituições públicas, que não necessariamente envolve a polícia
(por exemplo, Pavarini, 1997).
Finalmente, para efetivar esta visão alternativa de controle da criminalidade, a criminologia crítica enfatiza a
necessidade de políticas locais, bem como nacionais, por duas principais razões identificadas na literatura.
Em primeiro lugar, as políticas locais tornam possível a participação dos cidadãos no controle da
criminalidade, atingindo seus papéis como pais, professores, líderes religiosos, comunitários e assim por
diante. Em segundo lugar, quanto mais descentralizado o governo, menos provável que seja dominado pelas
estruturas do poder político. A atuação política local, em outras palavras, é mais capaz de mobilizar pessoas
(Pavarini, 1997), promovendo a “cidadania democrática” (Hogg e Brown, 1998) e abrindo espaço político
para que vozes alternativas (não-punitivas) sejam ouvidas. A contra-hegemonia, como sustentou Joe Sim
(2003), há de ser encontrada principalmente nas camadas mais baixas da sociedade, incluindo os baixos
escalões das instituições públicas. Essa linha de raciocínio acarreta duas conseqüências particulares. No nível
mais geral, as pesquisas de opinião pública demonstram que, ao menos no Reino Unido, a população é muito
menos punitiva do que pensam os políticos e a mídia (Matthews, 2005). É provável que as políticas de
prevenção local, portanto, sejam menos punitivas pela simples razão de que elas tendem a levar em conta as
opiniões públicas, inclusive os juízos pessoais (em oposição aos juízos profissionais) dos agentes públicos4
(Edwards e Hughes, 2005). Em um plano mais específico, as opiniões (pública e dos agentes públicos) sobre
a criminalidade tendem a ser menos punitivas quando são manifestadas no nível local. Os cidadãos e agentes
públicos envolvidos na elaboração de políticas locais provavelmente basearão suas opiniões na sua
interpretação sobre as necessidades das zonas onde vivem e trabalham, compreendidas como necessidades da
sociedade como um todo.
Além disso, as suas opiniões serão mais susceptíveis de serem moldadas por uma compreensão mais ampla
das situações com que estão lidando. Os cidadãos tendem a ser muito menos preocupados com a
criminalidade na sua própria região do que no país como um todo, e menos propensos a considerar os
criminosos como “outros”. A população também tende a ser menos punitiva quando está mais bem
informada sobre a natureza e as causas do crime (Roberts e Hough, 2005). Do mesmo modo, os profissionais
públicos locais são menos propensos a apoiar respostas punitivas ao crime que os que lidam com a política
nacional (ibid.). Os profissionais públicos locais (por exemplo, policiais comunitários, estagiários, jovens
oficiais de justiça, e inspetores de segurança e saúde) não só estão, muitas vezes, em contato direto e diário
com os infratores, mas outros (incluindo, por exemplo, muitos agentes de habitação, de proteção ambiental,
de sanidade mental e de sensibilização dos trabalhadores jovens) estão em contato diário com os grupos
sociais que são desproporcionalmente mais afetados pela criminalidade (por exemplo, os pobres, os jovens e
as minorias étnicas). A necessidade de políticas de prevenção da criminalidade locais é apoiada pela pesquisa
realizada pelo presente autor, entre 1998 e 1999 (Darke, 2006). Um aspecto da pesquisa explorou a formação
de políticas de prevenção da criminalidade em um departamento da polícia e em dois projetos de conjuntos
4 O autor utiliza a expressão practitioners ou professionals para se referir uma série de agentes públicos que lidam com
conflitos sociais, em especial membros das polícias, corpos de bombeiros, responsáveis por habitações populares etc.
(Nota da T.)
habitacionais de baixa renda em Westminster, Londres central, responsáveis por populações residenciais de
cerca de 20.000 pessoas (departamento da polícia) e 5.000 pessoas (nos projetos habitacionais). A autoridade
pública local (Westminster) tinha tomado a decisão de produzir políticas para cada departamento policial e
conjunto residencial, como meio de incentivar os agentes de habitação a fazerem mais uso dos instrumentos
jurídicos punitivos não penais. A abordagem de prevenção da criminalidade de Westminster não foi
compartilhada, no entanto, pelos funcionários “da ponta”; todos os profissionais públicos entrevistados
durante o trabalho de campo nos três locais expressaram opiniões holísticas e abrangentes sobre a natureza
da criminalidade na área em que trabalhavam. No departamento policial, os moradores exigiram que a
parceria assumisse uma abordagem punitiva; em contraste, os residentes dos conjuntos habitacionais estavam
mais preocupados com a estrutura de áreas comuns, como centros comunitários e clubes juvenis. Em dois
dos locais pesquisados (incluindo o departamento policial), a resistência dos profissionais públicos locais foi
decisiva para o resultado dos projetos. Contudo, no departamento policial as exigências feitas pelo governo
de Westminster e pelos residentes locais soferam resistências devido à obstinação particular de um único
profissional. A política de prevenção da criminalidade formada no terceiro local incluiu detenções e
expulsões de moradores antissociais. Esta anomalia, porém, poderia ser explicada pelo fato de que nem os
profissionais públicos locais nem os residentes foram envolvidos no comitê diretivo do conjunto
habitacional. A pesquisa sugere que, se a prevenção da criminalidade precisa oferecer um paradigma
alternativo ao controle criminal, então ela há de ser o mais descentralizada possível. O projeto do
departamento policial foi suficientemente local para que as vozes dos profissionais públicos “na ponta”
fossem ouvidas, mas não foi local o suficiente para escapar da dicotomia entre “nós” e “eles” que modela as
percepções públicas do crime. A pesquisa também destacou que formular políticas para locais específicos
não é a mesma coisa que formular políticas nos locais. Este ponto será retomado no tópico 5 e na conclusão.
Todavia, a visão esquerdista radical sobre o controle criminal não é a única na disputa para resolver as
insuficiências do paradigma de justiça. Muitos na direita da política e da criminologia também reconhecem
que a polícia e os tribunais têm falhado no controle criminal. Alguns negam que há uma “crise na punição”
(Young, 1997) absolutamente (Garland, 2001), mas outros aderem à esquerda ao apontar a necessidade de
reformas radicais. Gordon Hughes (1998, 2006) fornece um bom resumo das influências no desenvolvimento
da prevenção da criminalidade na Inglaterra e no País de Gales. Ele descreve a abordagem democrática,
descentralizada, voltada ao bem-estar da esquerda, com a noção de danos sociais, como a visão “cívica de
inclusão”. Competindo com esse posicionamento, há duas visões da direita. A primeira, “privatismo e
exclusão”, tem origem na política de direita neoliberal. Em contraste com a esquerda política, o
neoliberalismo enfatiza o individualismo, a responsabilidade pessoal e segurança. Na criminologia, essas
prioridades estão refletidas no crescimento das teorias criminais neoclássicas atuariais, como a da escolha
racional (rational choice) e teoria das atividades rotineiras (routine activity theory). As origens da segunda
visão da direita, “comunitarismo autoritário”, encontram-se na ênfase dada pelas políticas neoconservadoras
à deferência à autoridade. O comunitarismo autoritário defende uma resposta social ao crime, mas investe
suas crenças na disciplina social, ao contrário da esquerda, que confia no bem-estar social. As visões do
controle criminal do “privatismo e exclusão” e do “comunitarismo autoritário” têm muito em comum. O
mais importante para os propósitos atuais é que nenhuma delas questiona as definições oficiais de crime,
nem a necessidade contínua de controle criminal punitivo.
O restante deste artigo explora as influências que estas três visões do controle criminal tiveram sobre o
desenvolvimento da prevenção da criminalidade na Inglaterra e no País de Gales. Como veremos, a visão de
controle criminal “cívica de inclusão” foi a mais influente para o surgimento daquilo que passou a ser
comumente referido na literatura acadêmica como prevenção social da criminalidade, ao passo que a
influência da visão do “privatismo e exclusão” destaca-se no desenvolvimento da prevenção situacional.
Este artigo está preocupado principalmente com a influência da visão do comunitarismo autoritário. Esta
visão também desempenhou um papel no desenvolvimento da prevenção social da criminalidade, a despeito
dos aspectos disciplinares da prevenção social. No entanto, também deu suporte ao que é referido, na
Inglaterra e no País de Gales, como “tolerância zero” ou “abordagem repressiva” (enforcement approach)
para a prevenção da criminalidade.
3. A parceria para o controle do crime
O primeiro passo para a formalização da cooperação entre a polícia e as administrações locais no controle do
crime veio com o surgimento da prevenção como uma especialização dentro da força policial na década de
1960. A prevenção tinha sido reconhecida há muito tempo como um objetivo específico do policiamento,
separada do papel desempenhado pela polícia como via de entrada do sistema de justiça penal, e fora
declarada como o principal dever dos agentes da polícia nas primeiras instruções fornecidas ao Serviço de
Polícia Metropolitana em 1829 (Gilling, 2000). Esta visão subjacente do policiamento foi baseada no efeito
dissuasório das patrulhas feitas pelos agentes a pé. Na década de 1960, no entanto, a patrulha a pé havia sido
considerada um meio ineficiente de controle do crime e se tornara uma parte relativamente pequena do
policiamento. Foi abandonada a noção de que a prevenção da criminalidade era responsabilidade de cada
policial e o papel da polícia na prevenção afastou-se das patrulhas em direção à segurança física (Kinsey et
al., 1986; Weatheritt, 1986) - a chamada abordagem das “cadeados e ferrolhos” (locks and bolts).
Departamentos especializados e agentes de prevenção da criminalidade foram designados para aconselhar o
público sobre as formas de evitar se tornar vítima da criminalidade.
Poucos recursos policiais foram alocados para departamentos de prevenção da criminalidade, contudo, o que
tornou os comitês da prevenção da criminalidade largamente inativos, foi o fato de que, dentre cem policiais,
menos de um era recrutado como agente de prevenção (Smith e Laycock, 1985). Provavelmente o único
verdadeiro sucesso desta abordagem situacional para a prevenção da criminalidade, conduzida pela polícia
na década de 1980, foi o de instaurar grupos de vigilância de bairro, por meio dos quais a população foi
incentivada a vigiar suas próprias casas e a agir como os “olhos e ouvidos” da polícia. Em 1988, 14% dos
lares da Inglaterra e do País de Gales foram envolvidos em esquemas de vigilância de bairro (Bennett, 1992).
Em 2000, este número havia subido para 27% (Bennett et al., 2006). Ainda assim, mesmo a vigilância de
bairro têm se revelado pouco mais de uma conquista relativa. Ela tem tido muito mais sucesso em zonas de
baixos índices de criminalidade que nas de índices altos, onde os níveis de habitações são mais elevados
(Johnston, 1992) e onde as relações entre a polícia e o público são mais fortes (Hussain, 1988). Ademais, a
maioria dos grupos de vigilância de bairro está inativa (Bennett, 1992).
O principal avanço na prevenção da criminalidade veio quando a polícia começou a formar parcerias com o
setor privado e com as autoridades públicas locais. O setor comercial, por exemplo, tinha potencial para
desempenhar um papel importante no desenvolvimento da prevenção situacional, por meio da gestão das
ruas principais e shoppings (Phillips e Cochrane, 1988). Os governos locais poderiam também contribuir
muito, por meio, por exemplo, da gestão de habitação e iluminação públicas (Smith e Laycock, 1985). Mais
ainda, a inclusão das autoridades locais na prevenção tinha o potencial de levar o paradigma da prevenção
para além do seu limitado enfoque na segurança, para o desenvolvimento de uma abordagem social para o
controle criminal, devido ao seu papel como prestadores de serviços sociais, como moradia, educação,
juventude e apoio familiar. Outros potenciais parceiros para o desenvolvimento da prevenção social incluíam
os serviços de saúde (que fornecem, por exemplo, apoio a alcoólatras e drogados) e organizações não-
governamentais (ONGs) (por exemplo, de apoio aos sem-teto, às vítimas de crime e aos egressos do sistema
prisional).
No entanto, a prevenção da criminalidade permaneceu nas periferias da política criminal até a década de
1980. A abordagem de parcerias de multiagências foi aprovada pelo Comitê Cornish para a Prevenção e
Detenção do Crime do Ministério do Interior, ainda em 1965 (Weatheritt, 1986). Dois anos mais tarde, o
Ministério do Interior criou o Comitê Permanente de Prevenção da Criminalidade (Standing Committee on
Crime Prevention), que se reunia duas vezes por ano. Todavia, uma mudança real não viria até 1976, quando
o Ministério do Interior tornou clara sua intenção de revigorar os esforços para a prevenção da criminalidade
em sua Política de Revisão da Justiça Penal:
Diante das limitações na capacidade de as agências do sistema de justiça penal reduzirem a incidência do
crime, o objetivo de redução da criminalidade por meio de políticas que ultrapassem os limites do sistema
de justiça penal merece especial atenção. Em reconhecimento a este fato, já foram iniciados esforços para
explorar formas de o Ministério do Interior mais facilmente envolver outros órgãos públicos, autoridades
públicas locais e agências externas ao governo no campo de prevenção da criminalidade... Trabalhos
sobre os aspectos mais vastos da prevenção da criminalidade devem avançar o mais rápido possível.
(Home Office, 1977: 9-10 - citado no Gilling, 2000: 128)
Fiel a sua palavra, a prevenção da criminalidade ganhou espaço na política do Ministério do Interior na
década de 1980. O mais importante foi a criação da Unidade de Prevenção da Criminalidade (Crime
Prevention Unit), em 1983. No ano seguinte, a Unidade de Prevenção da Criminalidade produziu a primeira
circular sobre as parcerias de prevenção (ver Jones et al., 1994), e, em 1985, pela primeira vez o conceito de
“prevenção da criminalidade” apareceu no relatório anual do Ministério do Interior (Koch, 1998). Em 1986,
a Unidade de Prevenção da Criminalidade estabeleceu a Iniciativa das Cinco Cidades (Five Towns Initiative),
que funcionou durante 18 meses, seguido pelo Programa Cidades Seguras (Safer Cities Programme), que
durou de 1988 a 1998. Ambos os projetos proporcionaram recursos, coordenação e formação para iniciativas
de prevenção local. Então, em 1988, o Ministério do Interior criou e financiou a organização Preocupação
com a Criminalidade (Crime Concern), com a missão de promover as melhores práticas de prevenção. A
Associação dos Agentes Chefes de Polícia (Association of Chief Police Officers) respondeu às iniciativas do
Ministério do Interior com a criação da Sub-Comissão para a Prevenção da Criminalidade, em 1986. Essas
inovações foram aprovadas na mais abrangente revisão do governo sobre política penal da era moderna, o
Guia sobre Crime, Justiça e a Proteção do Público (White Paper Crime, Justice and Protecting the Public):
O objetivo maior do Governo é reduzir a criminalidade, especialmente crimes cometidos por jovens, antes
de se enveredarem na carreira da criminalidade [...] A punição tem um papel central a desempenhar na
redução da criminalidade, mas sua utilidade não pode ser exagerada. Se os crimes não são relatados ou
detectados, aqueles que os cometem não podem ser trazidos à justiça... Mesmo quando crimes são
relatados, não é fácil para a polícia localizar os criminosos, especialmente os vândalos. A polícia dá
prioridade à detecção dos crimes mais graves, uma vez que o público precisa de proteção daqueles que os
cometem. (Home Office, 1990: 1.7 e 1.8)
A eficácia da aplicação da lei penal tinha, em outras palavras, vindo à tona, graças à constatação de que
relativamente poucos crimes resultaram na captura de seu autor.
A prevenção da criminalidade avançou pouco além da polícia na década de 1980. As dificuldades para
colocar o governo local à bordo das iniciativas deveu-se, em grande parte, à carregada ênfase colocada pelas
polícias sobre a prevenção situacional (Walklate, 2001). O Ministério do Interior foi igualmente culpado. A
Sub-Comissão de Prevenção, por exemplo, foi dividida em quatro grupos de discussão, intitulados
Dissolvendo o Crime (Designing out Crime), Monitoramento de Veículos (Tracking Vehicles), Resposta a
Alarmes contra Intrusos (Intruder Alarm Response) e Parcerias com os Fabricantes (Liaison with
Manufacturers); nenhum dos quais abordou as causas da criminalidade. Além disso, os pesquisadores do
Ministério do Interior, que estiveram na vanguarda da promoção da prevenção (por exemplo, Clarke, 1980;
Smith e Laycock, 1985), estavam mais preocupados com as advertências contra a relevância das teorias
disposicionais do crime que com as limitações do controle criminal punitivo. Esse viés foi refletido na
primeira orientação do governo central distribuído às parcerias da prevenção. “Embora exista uma
necessidade de direcionar os fatores sociais associados aos comportamentos criminais, e as políticas sejam
continuamente elaboradas a atacar este aspecto do problema”, declarou-se também que “estas são medidas
essencialmente de longo prazo. Para o curto prazo, o melhor caminho a ser seguido é o de reduzir, por meio
da administração, de projetos ou de mudanças no ambiente, as oportunidades para a ocorrência dos crimes”
(citado em Jones et al., 1994: 97). A ênfase na prevenção situacional também se refletiu no programa
Cidades Seguras, cujas iniciativas foram guiadas principalmente pela Ministério do Interior ou pelas polícias
(King, 1989). Nas raras ocasiões em que o programa Cidades Seguras olhou para além de oportunidades de
reduzir a criminalidade na década de 1980, a ênfase foi colocada no fornecimento de alternativas ao crime
aos potenciais infratores, como opções de lazer. Estas iniciativas, embora centradas no infrator ao invés de na
vítima, continuaram a ser controles espaciais, ainda que sublinhassem manter os potenciais infratores
afastados da tentação, em lugar de mantê-los sob vigilância. Ao invés de insistir na separação entre
prevenção e justiça penal, o programa foi um pouco além da visão do privatismo e exclusão do
neoliberalismo de direita. Esta foi a prevenção social “à la Thatcher” (ibid.).
Felizmente, para os apoiadores da prevenção da criminalidade inclusiva e não punitiva, o Ministério do
Interior e as polícias não foram as únicas instituições que executavam iniciativas de prevenção na década de
1980. Em outros locais, projetos de menor dimensão eram desenvolvidos em conjuntos habitacionais que
priorizavam o envolvimento dos governos locais. De maior significância foi o Projeto de Habitações
Prioritárias (Priority Estates Project), executado pelo Ministério do Meio Ambiente, a Unidade de Segurança
dos Bairros (Safe Neighbourhoods Unit), executada pela ONG Associação Nacional para os Cuidados e a
Reabilitação de Delinqüentes (National Association for the Care and Rehabilitation of Offenders – NACRO),
ambos criados em 1979. Ao contrário das iniciativas conduzidas pelo Ministério do Interior e pelas polícias
no período, esses projetos focalizavam iniciativas sociais. A fim de chamar a atenção para a distância entre a
sua própria visão e a dos projetos conduzidos pelo Ministério do Interior e pelas polícias, a NACRO optou
por substituir a expressão “prevenção da criminalidade” pela locução “segurança comunitária” (Gilling e
Barton, 1997). No lugar da segurança, os projetos centravam-se na construção de associação de inquilinos e
na criação de espaços comuns atraentes e bem administrados, a fim de incentivar os moradores e agentes de
habitação a cuidar uns dos outros (ver, por exemplo, Department of Environment, 1993; NACRO, 1989).
Além disso, ao contrário dos projetos do Ministério do Interior e das polícias, eles salientavam a necessidade
de combater crimes como a violência doméstica e o preconceito racial, tanto quanto crimes convencionais e
desordem pública (apesar de não tratarem dos crimes de colarinho branco, como poluição e crimes contra a
segurança no trabalho). Finalmente, a NACRO deu muita importância à formulação de políticas de
prevenção, sempre consultando os moradores locais.
Com o seu foco sobre o controle social informal das comunidades habitacionais, as iniciativas de prevenção
da criminalidade do Projeto de Habitações Prioritárias e da Unidade de Segurança dos Bairros ficaram
distantes da visão inclusiva não punitiva da esquerda radical. Os projetos priorizaram a disciplina social em
detrimento do bem-estar social. Como expuseram Gilling e Barton (1997), o conceito de segurança
comunitária poderia facilmente ter sido alterado para controle comunitário. Além disso, como observa Rock
(1988), o foco principal nos projetos habitacionais foi o comportamento antissocial, que o Ministério de
Meio Ambiente e a NACRO justificavam com referência à teoria das janelas quebradas de Wilson e Kelling
(1982) (e sua insistência em que a política criminal deveria centrar-se tanto nos comportamentos antissociais
como na criminalidade grave, porque o comportamento desordenado e não civil, se descontrolado, torna-se
gerador de medo dos crimes, fazendo com que os moradores percam a confiança no seu direito e capacidade
para controlar seus bairros, o que empurra bairros inteiros “para fora de controle”. (Skogan, 1990)).
Os projetos, no entanto, também se distanciaram da visão punitiva neo-conservadora da direita. O apoio à
teoria das janelas quebradas não foi acompanhado pela ênfase que seus autores originais punham no recurso
à legislação em apoio aos controles sociais informais. A NACRO, por exemplo, sublinhou que “as
engrenagens da justiça penal ... existem principalmente para processar crime após eles terem ocorrido. Elas
têm pouco efeito sobre a prevenção da criminalidade ...” (NACRO, 1989: 3). Às vezes a NACRO
efetivamente promovia a aplicação da lei em seus projetos, mas no limitado contexto da criminalidade grave
e do preconceito racial, em que a tônica era colocada na necessidade excepcional de se ganhar a confiança
dos grupos étnicos minoritários.
Para concluir este capítulo, embora a abordagem de parcerias para prevenção da criminalidade, que se
desenvolveu na década de 1980, não tenha feito muitos progressos se medida pela exigência feita pela
criminologia crítica de que o controle do crime deve ampliar o seu foco para enfrentar os danos sociais dos
ricos e poderosos, ela claramente teve por objetivo desenvolver um paradigma alternativo de controle
criminal em relação ao da justiça penal. Além disso, este discurso alternativo incluiu o desenvolvimento
social bem como a prevenção situacional e, com ela, o potencial para tornar a prevenção da criminalidade
ativamente inclusiva, assim como não-punitiva. Com efeito, até ao final da década de 1980, foram emergindo
sinais de que o Ministério do Interior continuaria com a iniciativa do Projeto de Habitações Prioritárias e da
Unidade de Segurança dos Bairros. Em 1990, nova orientação emitida para as parcerias de prevenção não
discriminava entre as iniciativas sociais e situacionais. À luz dessa orientação, o Ministério do Interior criou
um grupo de trabalho (o grupo de trabalho Morgan) para aconselhar sobre o futuro das parcerias de
prevenção (Home Office, 1991).
O grupo de trabalho Morgan foi criado com igual representação da NACRO e dos governos locais, como a
Unidade de Prevenção da Criminalidade do Ministério do Interior e as polícias. No relatório decorrente desse
trabalho (relatório Morgan), acentuou-se o acelerado aumento da criminalidade registrada na década de 1980
e o fato de apenas 4% das infrações registradas pela British Crime Survey resultarem na detenção do infrator
pela polícia ou sua condenação nos tribunais. “Neste contexto”, o relatório prosseguia, “a prevenção da
criminalidade é um componente vital de qualquer tentativa global para combater a criminalidade, em
conjunto com as medidas existentes para apreender e lidar com criminosos identificados” (Home Office,
1991: 1,6). Além disso, o relatório sublinhou que as parcerias de prevenção da criminalidade deveriam ser
comandadas pelo governo local, e não pela polícia. Concluiu-se que à polícia e às autoridades locais deveria
ser atribuído um dever legal comum de elaborar estratégias conjuntas para a prevenção da criminalidade para
cada distrito (com cerca de 200.000 habitantes) e de preparar estratégias separadas para as áreas de alta
criminalidade dentro desses distritos. Quando as recomendações do relatório foram finalmente
implementadas no âmbito do Crime and Disorder Act 1998 (tratado no tópico 5), esta atribuição legal foi
estendida ao estágio de serviço (probation service) e às autoridades sanitárias.
Finalmente, é importante reconhecer o apoio do Ministério do Interior à prevenção da criminalidade no
contexto de uma ampla distinção entre as políticas de crimes graves e de menor potencial ofensivo que
emergiu na política criminal a partir da década de 1960, sob a qual as polícias concentraram seus recursos em
crimes graves (Gilling, 2000), e aqueles presos por crimes de menor potencial ofensivo não sofreram ação
judicial ou receberam sentenças mais brandas (Rutherford, 1996). No caso do policiamento, esta política de
bifurcação não só apoiou o desenvolvimento da prevenção da criminalidade, mas também a diminuição das
taxas de denúncias e processos, em especial no caso dos jovens infratores (abaixo de 18 anos), em que a
utilização de advertências aumentou de 1 em cada 2 jovens presos, em 1980, para 4 em 5 em 1990 (Muncie,
2004). No caso de condenação, a bifurcação foi mais sentida no uso do encarceramento, que caiu do patamar
de 1 de cada 3 infratores condenados por crimes sujeitos à sanção penal (crimes com sentenças potenciais de
prisão de 6 meses ou mais, incluindo a maior parte das categorias de roubo e qualquer caso de violência
resultando em lesão) em 1959 para 1 de cada 6 em 1992. No caso de condenação, a bifurcação foi mais
claramente definida no Guia sobre Crime, Justiça e a Proteção do Público (Home Office, 1990) e na lei que
se seguiu, o Criminal Justice Act 1991. A opinião do Guia sobre a prevenção criminal já foi abordada neste
artigo. Quanto à política de decisões judiciais, o Criminal Justice Act 1991 encarregou os juízes de
sentenciar infratores unicamente com base na retribuição e proteção da sociedade e, entre outras obrigações,
estabeleceu que os infratores violentos poderiam ser condenados a períodos estendidos de prisão, no
interesse da proteção da sociedade, mas que as penas privativas de liberdade deveriam, por outro lado, ser
utilizadas apenas como último recurso. No Guia, foi explicado que a reabilitação já não seria um item a ser
considerado nas decisões de prisão ou de imposição de prestação de serviços à comunidade, e que a
dissuasão individual deixaria totalmente de ser considerada na sentença.
Uma série de criminólogos críticos tem questionado a aparente natureza progressiva desta política de
bifurcação. Cohen (1985), por exemplo, aponta que, embora cada vez mais jovens delinqüentes fossem
afastados do processo, eles eram cada vez mais inseridos em programas de supervisão, e que a perda de
crédito nas prisões foi compensada pelo aumento do uso de prestação de serviços à comunidade, no lugar de
exonerações e multas. Além disso, as sentenças de prestações de serviço à comunidade tornaram-se mais e
mais intensas, a ponto de se assemelharem às penas de prisão, ao invés de agirem como alternativa a elas. Já
no que tange ao policiamento e à prevenção da criminalidade, críticos como Gordon (1987) e Kinsey et al.
(1986) argumentaram que a cooperação entre as polícias e os governos locais resultaria provavelmente em
mais e não em menos policiamento, com o governo local sendo cooptado pela “lei e ordem”, em vez de a
polícia ser cooptada pelo bem-estar social. Não obstante os pontos fortes e fracos dessa crítica, o ponto-
chave para os propósitos deste artigo é que, mesmo se a bifurcação houver sido uma característica dominante
da política criminal na década de 1980, certamente ela não é uma característica dominante da política
criminal atual. Como veremos, o Guia sobre Crime, Justiça e a Proteção do Público foi o último grande
documento do Ministério do Interior a minimizar a necessidade de uma resposta punitiva aos crimes de
menor potencial ofensivo. Em meados dos anos 1990, políticos e pesquisadores e funcionários do governo
conversavam, em sentido oposto, sobre a necessidade de “definir para cima” a criminalidade menor, como
um problema social de magnitude igual à da criminalidade grave.
4. A visão começa a evaporar
O ponto de guinada veio quando o então governo do Partido Conservador (Conservative Party) venceu as
eleições parlamentares de 1992, conquistando uma maioria muito tênue. No mesmo ano, o futuro Primeiro-
Ministro, Tony Blair, tornou-se o principal crítico do Ministro do Interior. Na conferência anual do Partido
Trabalhista (Labour Party), Blair defendeu uma mudança radical na abordagem do Partido Trabalhista
quanto ao crime, insistindo na necessidade de ser “duro com o crime”, bem como no enfoque tradicional da
social-democracia de ser “duro com as causas da criminalidade”. O Partido Conservador, do modo parecido,
passou a requerer um controle mais punitivo do crime. Na sua própria conferência anual, um ano depois, o
Primeiro-Ministro John Major anunciou que a nação precisava “reaprender os fundamentos”, para se
“autodisciplinar e respeitar a lei”. Na mesma conferência, Michael Howard se tornou o primeiro Ministro do
Interior em 100 anos a exigir que os juízes fizessem mais uso da prisão.
Rapidamente o tema da criminalidade se tornou um dos principais, senão o principal, aspectos do jogo
político, ao mesmo tempo em que, ironicamente, as estatísticas oficiais começaram a demonstrar uma queda
da criminalidade. Além disso, o governo Conservador e a oposição Trabalhista começaram a enquadrar suas
políticas criminais em uma moldura neo-conservadora (Rutherford, 2000). Em contraste com o clima político
que tinham cercado a aparente bifurcação na política criminal nos anos de 1970 e 1980, na década de 1990
ambos os lados do espectro político expressaram confiança na capacidade da justiça criminal para controlar a
criminalidade. Nenhum dos dois defendeu menos processos e menos punição para crimes de menor potencial
ofensivo. A administração do Partido Conservador centrou-se na utilização de prisão. Nos seis anos do
governo John Major, houve um aumento de 10% no número de infratores condenados em juízo, enquanto o
número de delinqüentes presos subiu em torno de 40.000 para 70.000.
A postura do Partido Trabalhista, mais significativa para os propósitos deste artigo, incidiu sobre o
policiamento e, em especial, sobre o incentivo à polícia para manter uma abordagem de “tolerância zero” em
relação ao comportamento antissocial. Igualmente marcante foi a vontade dos políticos do Partido
Trabalhista de encaixar sua defesa do policiamento de “tolerância zero” dentro da teoria das janelas
quebradas. Após uma visita a Nova York, onde se alegava que a polícia tinha conseguido reduzir
radicalmente os níveis de criminalidade grave se concentrando no comportamento antissocial (ver, e.g.,
Kelling e Bratton, 1998), Jack Straw (que se tornou o principal crítico do Ministro do Interior em 1994,
quando Tony Blair assumiu a liderança do Partido), por exemplo, anunciou que “[precisamos] recuperar as
ruas da mendicância agressiva dos bêbados, drogados e vendedores de farol” (citado no The Guardian, 7 de
Janeiro de 1997), e que “é notável que este governo tomou dezessete anos para acordar para a relação direta
entre os problemas de qualidade de vida e a criminalidade em larga escala” (citado no The Guardian, 29 de
Maio de 1996).
Foi neste mesmo período que a prevenção da criminalidade começou a se proliferar na Inglaterra e no País
de Gales. No ano anterior ao da vitória do Partido Trabalhista nas eleições parlamentares de 1997, com a
promessa de implementar o relatório Morgan, um levantamento dos órgãos públicos locais (Local
Government Management Board, 1996) indicava que quase dois terços deles possuíam políticas de
prevenção da criminalidade. Seis anos antes, este era o caso de apenas um 1 em cada 5 (Association of
Metropolitan Authorities, 1990). Além disso, no início e em meados dos anos 1990 foi publicada uma série
de relatórios sobre a participação dos governos locais na prevenção da criminalidade (por exemplo,
Association of District Councils, 1994; Association of Metropolitan Government, 1993), que incluem, sem
exceção, análises de medidas sociais assim como situacionais. O Ministério do Interior também começou a
desenvolver a prevenção social da criminalidade. No primeiro grande estudo pós-Morgan do Programa
Cidades Seguras (Sutton, 1996), verificou-se que a quantidade de dinheiro para mecanismos de “orientação
dos infratores” subiu de 14% do financiamento total em 1989 para 30% em 1992.
No entanto, em outros aspectos, a visão crítica social-democrata da prevenção não se concretizou. Esse
fracasso está relacionado com dois acontecimentos importantes na prevenção da criminalidade na década de
1990. Primeiro, as iniciativas da prevenção situacional ultrapassaram a abordagem dos “cadeados e
ferrolhos” e começaram a incorporar o crescente número de câmeras de vigilância de circuitos fechados
(closed circuit television câmeras – CCTV) e de agentes de segurança privada. O Ministério do Interior, por
exemplo, forneceu mais de £200 milhões para as polícias, autoridades locais e setor privado exclusivamente
para a instalação de sistemas CCTV, entre 1994 e 2000 (Coleman, 2004). Entretanto, muitas autoridades
públicas locais começaram a criar patrulhas de segurança próprias. Algumas contrataram empresas de
segurança privada para patrulhar suas ruas (por exemplo, em Glasgow e em Islington, Londres). Outras
contrataram empresas de segurança privada (por exemplo, em Sedgefield, County Durham) ou a polícia (e.g.,
em Wandsworth, Londres) para treinar suas próprias forças “corporativas”. Como resultado, a prevenção
situacional tornou-se mais voltada aos infratores e, com isso, mais excludente. Como o trabalho dos
criminólogos críticos nas disciplinas de geografia urbana e nos estudos de vigilância (e.g. Coleman, 2004;
Fythe, 2005, Herbert e Brown, 2006; MacLeod, 2002) vem demonstrando, ao longo dos últimos vinte anos
as câmeras CCTV e os agentes de segurança privada têm sido cada vez mais utilizados para acompanhar os
atos de potenciais infratores, e até mesmo para barrá-los na entrada de certas áreas, em especial ruas e
shoppings.
Em segundo lugar, e mais no foco do presente artigo, a opinião consensual entre acadêmicos, políticos e
profissionais públicos de que a prevenção da criminalidade e a justiça penal são áreas distintas da política
criminal começou a claudicar em meados da década de 1990, à medida que as parcerias da prevenção
começaram a criar equipes de “aplicação das leis” ou “contra comportamento antissocial”, com o objetivo de
alavancar o uso dos instrumentos jurídicos punitivos não penais. Esses esforços se valeram de três
instrumentos jurídicos: advertências de diminuição (recursos de direito administrativo disponíveis, por
exemplo sob o Environmental Protection Act 1990, para proibir as pessoas de, por exemplo, escutarem
músicas em alto volume ou gritarem entre 23 horas e 7 horas da manhã seguinte, apoiados por uma pena
máxima de £2.500), liminares (recursos de direito civil disponíveis, por exemplo, sob o Housing Act 1996,
para proibir as pessoas de se “envolverem em ou ameaçarem iniciar conduta que cause ou possa vir a causar
uma perturbação ou incômodo” a determinadas atividades, ou de entrarem em locais específicos, com uma
pena potencial de dois anos de prisão) e mandados possessórios (recursos de direito civil, disponíveis por
exemplo nos Housing Acts 1985 e 1988, voltados a inquilinos de habitação social que tenham sidos
condenados criminalmente, tenham usado sua residência para fins ilegais ou de prostituição, ou tenham
praticado conduta “que cause ou possa causar uma perturbação ou incômodo a uma pessoa que resida, visite
ou que de outro modo exerça atividade legal na localidade”, com o fim de despejá-los de sua casa; sob o
Housing Act 1996, os órgãos responsáveis por habitação social receberam o poder de incluir cláusulas de
infração em contratos de moradia, bem como prazos de renovação de um ano para contratos de locação
iniciais). A mudança de atitude dos órgãos públicos locais foi dramática, como constatou a Association of
District Councils (1994), que focalizou o papel dos órgãos de habitação social no controle da criminalidade.
No caso de comportamentos antissociais, os instrumentos jurídicos punitivos foram promovidos a medidas
de “primeiro recurso”. O documento foi ainda cético sobre esforços de resolução de conflitos entre vizinhos
por meio da mediação, tanto relatando que os residentes tendiam a preferir, por medo de represálias, que os
agentes de habitação assumissem a responsabilidade pelas ações, quanto argumentando que a mediação
deveria servir “para resolver conflitos quando houvessem falhado as abordagens mais formais de aplicação
da lei” (1994:63). A preferência que a Association of District Councils colocou nos instrumentos jurídicos
não penais para o controle de comportamentos antissociais foi reiterada em uma lista de tarefas (checklist)
fornecida aos agentes de habitação responsáveis por lidar com as queixas de ruído:
Se o caso é o primeiro de incômodo por barulho, envolva a saúde ambiental e solicite que eles
encaminhem uma advertência de diminuição por notificação. Se o caso é mais grave, talvez após a falha
de uma advertência de diminuição para resolver a questão, verifique se uma ação mais dura é necessária,
por exemplo, envio de uma notificação relativa a um pedido de busca e apreensão / à obtenção de uma
liminar. Recolher as provas, sob a forma de testemunhos de pessoas que vivem nas proximidades, ou que
são afetadas pelo problema, e de outros agentes públicos, por exemplo a polícia... se o caso tiver “dois
lados”, reflita sobre a possibilidade de utilizar a mediação ou a conciliação... Envolva profissionais
jurídicos já na fase inicial dos problemas ... (Association of District Councils, 1994: 90)
Agentes de saúde ambiental e de habitação há tempos têm-se utilizado de instrumentos jurídicos não penais
para gerenciar zonas comerciais e residenciais. Na década de 1990, no entanto, como demonstrou Burney
(1999), as autoridades públicas locais começaram a enxergar suas competências legais em termos de controle
de criminalidade tanto quanto de atividades de administração. Este foi o caso da sua gestão de zonas
residenciais. Como o preço das moradias populares diminuiu nos anos 1980 e 1990, uma concentração de
desvantagens sociais e de velhos e de jovens (com estilos de vida, muitas vezes, incompatíveis) recaiu sobre
as habitações remanescentes do período anterior. O inquilino difícil, salienta Burney, passou a ser visto como
o inquilino antissocial, e a resposta natural dos proprietários foi utilizar os instrumentos jurídicos não penais,
principalmente porque já estavam acostumados com a sua utilização para questões como a recuperação de
imóveis locados e o controle de distúrbios. As advertências de diminuição, as liminares e as expulsões
começaram a ser utilizadas como ferramentas de controle do crime nos meados da década de 1990, em
extensão demonstrada por uma pesquisa com 147 agentes de habitações conduzida pela NACRO (1997), e
por uma pesquisa com 57 autoridades públicas locais realizada por Dignan et al. (1996). Em cada pesquisa,
demonstrou-se que cerca de 80% das autoridades utilizam expulsões e 60% liminares em resposta à
criminalidade ou ao comportamento antissocial. Dignan et al. (1996) também relataram que as advertências
de diminuição estavam sendo enviadas na proporção de 5% das queixas de distúrbios residencial, e que 7,5%
dessas advertências resultam em processos administrativos. Uma pesquisa posterior com 140 agentes
públicos locais e 124 agentes de habitações, feita por Nixon et al. (1999), constatou que apenas 2% das
queixas registradas de criminalidade ou de comportamento antissocial eram respondidas com notificações
para reintegração possessória (uma média de 1,3 notificações a cada ano por 1.000 moradias), 20% das quais
acabavam por ser levadas aos tribunais. Os agentes de habitação foram mais ativos, encaminhando 4,5% das
queixas com notificações para reintegração de posse (uma média de 1,5 por 1000 moradias), e 50%
recebendo seguimento no âmbito judicial. Em contraste com NACRO (1997), no entanto, menos de metade
dos agentes públicos locais e quase nenhum agente de habitação havia se valido de liminares como
ferramentas de controle da criminalidade. Na verdade, ao todo apenas 111 casos de liminares foram
relatados. No entanto, a ameaça do uso destes instrumentos, colocada pela visão não-punitiva do controle do
crime, apoiada pela esquerda social democrata, torna-se mais aparente se a abordagem adotada pelos agentes
públicos é levada em conta individualmente. Burney (1999) cita um estudo de 20 proprietários de imóveis
que revelaram o uso de 170 liminares durante 1996/7. No ano anterior, os mesmos proprietários haviam
emitido 25% menos liminares (129 no total). Em seu próprio estudo sobre o Conselho da Cidade de
Manchester, Burney descobriu que 164 liminares e 32 mandados possessórios haviam sido obtidos em 1998,
comparados com 77 liminares e 15 mandados possessórios em 1997, e apenas 7 liminares e 1 mandado
possessório em 1992. Além disso, Nixon et al. (1999) constataram que: 80% dos proprietários de imóveis
usaram instrumentos jurídicos não penais como ferramentas de controle criminal com mais freqüência do
que nos 5 anos anteriores; 74% tinham revisto seus contratos de aluguel desde o Housing Act 1996; e tinha
havido um aumento de 127% no número de mandados possessórios contra comportamento criminal ou
antissocial a partir de 1996/7 e 1997/8. Nixon et al. também demonstraram que na área mais ativa na
utilização de expulsões se havia emitido 160 notificações para reintegração possessória em 1997/8. Burney e
Nixon et al. ressaltaram que seus estudos haviam sido realizados apenas dois anos após o Housing Act 1996 e
que os proprietários de habitações sociais provavelmente se tornariam cada vez mais ativos nos anos
subseqüentes.
O discurso da “tolerância zero” da década de 1990, contudo, não foi bem recebido pelas polícias da
Inglaterra e do País de Gales (Bland e Read, 2000; Pollard, 1998). Por outro lado, a aparente disposição dos
órgãos públicos locais para policiar o comportamento antissocial chamou a atenção do Partido Trabalhista,
que, em 1995, apresentou propostas para a introdução de um novo instrumento de direito civil, o mandado
para segurança da comunidade (community safety order), que, ao contrário das liminares, poderia ser
utilizado para proteger os moradores e poderia ser obtido exclusivamente com base em testemunhos indiretos
(de ouvir dizer, ver Labour Party, 2005). O propósito desse instrumento jurídico não penal foi explicado nos
seguintes termos punitivos:
Cada cidadão, cada família, tem direito a uma vida tranquila – o direito de cuidar de sua vida sem
assédios, interferências ou comportamentos criminosos pelos seus vizinhos. Mas em toda a Grã-Bretanha,
existem milhares de pessoas cujas vidas são transtornadas pelas pessoas da porta ao lado, da rua ou do
andar de cima ou de baixo. Seu comportamento pode não ser apenas descortês, mas escandaloso e
intolerável. Uma quadrilha de jovens, uma família criminosa, um grupo de preconceituosos raciais, ou um
usuário solitário de drogas podem agir de modo tão egoísta que conseguem até mesmo aterrorizar todo
um bairro. Os moradores obedientes à lei podem ser vítimas de assaltos, furtos de objetos e de veículos, e
de intimidação sob a forma de ameaças, estupros, violência, música alta ou cães agressivos. Os vizinhos
podem muitas vezes estar fora de juízo e muitas vezes a polícia também. Para levar os casos ao tribunal,
requerem-se rígidas informações, conforme as regras das provas penais. Mas as testemunhas – outros
vizinhos – muitas vezes são intimidados para se calarem, e mesmo quando o caso chega aos tribunais, as
acusações e a punição raramente são adequadas ao crime [...] As propostas contidas no presente
documento são duras e foram assim planejadas. Mas, em nossa avaliação, são razoáveis ... (Labour Party,
1995: 1 e 2)
A visão exposta no documento está muito afastada das interpretações social-democratas sobre prevenção da
criminalidade. Em resposta à incapacidade da justiça criminal para controlar a criminalidade, o Partido
Trabalhista defendeu não uma redução, mas o aumento da aplicação da lei. A lógica do proposto instituto
jurídico não se baseou na crítica ao paradigma de justiça, mas nos requisitos tradicionalmente estabelecidos
nos sistemas jurídicos liberais democráticos modernos, de que as pessoas não sejam restringidas em sua
liberdade a não ser que sejam suspeitas de cometer algum crime grave e de que os tribunais obedeçam a
regras rígidas de prova.
As rachaduras também começaram a aparecer na insistência do Ministério do Interior sobre a prevenção da
criminalidade ser essencialmente uma abordagem não-punitiva do controle do crime. Duas pesquisas foram
de particular importância. Primeiro, um artigo (Morris, 1996), publicado um ano antes da chegada do Partido
Trabalhista ao poder, sobre a cooperação entre as polícias e os agentes públicos locais na utilização de
liminares e expulsões para lidar com os crimes graves nas moradias sociais em Londres. Segundo, um artigo
sobre a contribuição das forças policiais para as parceiras de prevenção da criminalidade (Hough e Tilley,
1998). Este trabalho foi significativo por muitos motivos. Não só se referiu à aplicação da lei no contexto
tanto do comportamento antissocial quanto do crime grave, como também incluiu o uso de instrumentos
jurídicos não penais ao lado do direito penal, e se referiu ao termo “policiamento de tolerância zero”. Além
disso, enquanto o artigo começou por questionar a capacidade do sistema de justiça penal para deter a
criminalidade e reconheceu explicitamente a prevenção da criminalidade como uma área distinta de política
criminal, separada da justiça penal, ele, porém, passou a promover a “aplicação da lei” como uma terceira
categoria de prevenção da criminalidade, lado a lado com a prevenção social e a prevenção situacional da
criminalidade.
5. Parceiros na execução da lei (convencional)
No espaço de alguns anos, a aplicação da lei havia, portanto, passado da justiça criminal para a política de
prevenção da criminalidade, e o paradigma da prevenção desenvolvia potencial para se tornar um
complemento e não uma alternativa ao paradigma da justiça. Com a inclusão dos recursos dos governos
locais e de novos institutos jurídicos, a prevenção da criminalidade arriscava se desenvolver em resposta
direta às críticas neoconservadoras sobre o déficit de previsões legais, ao invés de considerar as críticas
social-democratas sobre o excesso de confiança nas leis. A influência assumida da política neoconservadora
sobre a nova política governamental na prevenção da criminalidade foi exposta pelo bem denominado Crime
and Disorder Act 1998, que (em contraste com o relatório Morgan) apenas requeria que as políticas de
prevenção da criminalidade fossem formuladas pelos conselhos distritais, e (em contraste com os projetos
habitacionais NACRO, da década de 1980) não exigiu que as parcerias da prevenção consultassem os
moradores locais. Além disso, o Crime and Disorder Act introduziu dois novos instrumentos jurídicos
punitivos para serem especificamente acionados pelas parcerias da prevenção da criminalidade. O mandado
para segurança da comunidade proposto surgiu na forma de um mandado contra comportamento antissocial
(ASBO – Anti-social Behaviour Order). Esse mandado foi disponibilizado em resposta a condutas
“susceptíveis de causar assédio, pânico ou aborrecimentos”, e poderia ser usado não apenas para proibir
determinadas ações e para excluir pessoas de determinados lugares, mas também para a imposição de
períodos de recolhimento residencial obrigatório. Aqueles que violassem o mandado poderiam receber até
cinco anos de prisão. O segundo novo instituto, o mandado de cuidados paternos (parenting order), também
era um instrumento de direito civil, disponibilizado aos pais (ou responsáveis legais) de jovens que
houvessem sido condenados criminalmente ou recebido um ASBO (mandados de cuidados paternos
independentes de incidentes prévios foram posteriormente introduzidos por uma lei com nome ainda mais
apropriado, o Anti-social Behaviour Act 2003). Sob estes mandados, os pais poderiam ser obrigados a
comparecer a programas de orientação a pais (diurnos ou residenciais) por até três meses e/ou garantir que
suas crianças frequentassem a escola ou programas de reabilitação, que chegassem em casa antes de
anoitecer ou que não frequentassem determinados lugares sem supervisão de adultos por até doze meses. Os
pais que violassem esses mandados poderiam receber multas de £1.000, no âmbito de processos
administrativos.
O fracasso da visão do Partido Trabalhista sobre a prevenção da criminalidade para corresponder às
expectativas e esperanças da esquerda radical refletiu-se nos documentos de orientação emitidos pelo
Governo para a aplicação do Crime and Disorder Act. Três documentos foram de especial relevância. O
primeiro (Home Office, 1999) forneceu orientações sobre a aplicação do Crime and Disorder Act como um
todo. Tal como os documentos produzidos na década de 1980 pela NACRO, o documento requereu medidas
específicas a serem tomadas contra a violência doméstica e o preconceito racial, tanto quanto contra a
criminalidade convencional (mas foi novamente silente sobre crimes de colarinho branco). O Ministério do
Interior não encorajou de nenhuma outra forma os defensores de um controle da criminalidade por meios
inclusivos não-punitivos. O documento não incluía outras sugestões sobre o conteúdo das políticas de
prevenção da criminalidade, exceto recomendação sobre a troca de informações para a aplicação do direito
penal, a emissão e o cumprimento de instrumentos jurídicos não penais, e medidas a serem tomadas para a
proteção de testemunhas (a fim de incentivar a delação de casos de comportamento antissocial). O segundo
documento (Home Office, 1998) forneceu orientações sobre o uso dos ASBOs. Ele defendeu o novo
mandado como “uma medida fundamental” na visão do governo sobre a prevenção da criminalidade, devido
à necessidade de prevenir comportamentos antissociais, que eram o ponto de partida para os crimes graves.
Foi salientado que, em muitos casos, os ASBOs deveriam ser a medida de primeiro e não de último recurso.
O terceiro documento era um manual para a prevenção da criminalidade em áreas residenciais (Crime
Concern, 1998). Nele, o papel que a aplicação da lei deveria desempenhar no trabalho das parcerias para a
prevenção da criminalidade foi explorado em detalhes. O manual recomendava o uso dos dois novos
instrumentos jurídicos punitivos e a aplicação de lei penal, ao lado da prevenção social e situacional da
criminalidade. Ele também fazia referência específica à teoria das janelas quebradas:
Se o crime sair de controle, então medidas policiais vigorosas podem ser necessárias para “recuperar as
ruas”, restaurar a confiança pública e proteger a vida e os bens das pessoas. As patrulhas policiais de elite
devem se dirigir aos locais problemáticos com força suficiente para deter a atividade criminosa [...] A
aplicação da lei... é uma primeira etapa tática para estabilizar uma vizinhança e criar um ambiente
ordeiro, no qual trabalhos mais preventivos têm potencial para serem exitosos. No longo prazo, a polícia
pode querer desenvolver uma abordagem “orientada ao problema” (problem-orientated) para o
policiamento de bairros com altos índices de criminalidade. Isto envolverá não apenas a detenção dos
criminosos, mas também o desenvolvimento de uma compreensão clara acerca dos problemas
fundamentais encarados pela vizinhança, e a ação conjunta com moradores e outros órgãos públicos para
os resolver. (Crime Concern, 1998:45;50)
Evidentemente, documentos oficiais nem sempre refletem as verdadeiras intenções de seus autores. Como já
se observou neste artigo, no caso de políticas criminais, políticos e funcionários públicos não querem ser
vistos como tendo uma postura suave em relação ao crime. Além disso, as políticas nacionais frequentemente
falham no momento de se concretizarem na ponta. O fato de as orientações do governo central sobre a
prevenção da criminalidade servirem como nada mais do que um primeiro passo no desenvolvimento de
políticas individuais para cada distrito com governo local deixou muito espaço para que as parcerias locais
interpretassem mal, ignorassem, resistissem ou simplesmente falhassem diante das exigências do governo
central (para uma análise recente dos obstáculos locais ao desenvolvimento da abordagem governamental de
tolerância zero para a prevenção da criminalidade, ver e.g. Edwards e Hughes, 2008; Matthews e Briggs,
2008). No entanto, a mensagem do comunitarismo autoritário contida na orientação ecoou em muitas das
políticas produzidas em 1999 para implementar o Crime and Disorder Act. Em um segundo aspecto da
investigação que o presente autor conduziu sobre a execução do Crime and Disorder Act, todas as parcerias
estudadas defenderam medidas punitivas em suas diretrizes publicadas. Mais significativo ainda, dois terços
(14 de 22) advogaram respostas punitivas para os crimes de baixo potencial ofensivo e para o
comportamento antissocial, tanto como para os mais graves crimes, como roubo e violência. Todos os 14
mencionaram instrumentos jurídicos punitivos e introduziram protocolos para a troca de informações sobre
comportamento antissocial com as polícias. Quatro falaram no poder policial para prender. Cinco deram a
mesma importância a medidas punitivas, de um lado, e a iniciativas sociais e situacionais, de outro. Apenas
duas não mencionaram em nenhum momento a importância da aplicação da lei. Seis, de acordo com o
relatório Morgan, previram políticas para zonas residenciais específicas com alta criminalidade. No entanto,
três destas estavam entre as parcerias mais punitivas. Além disso, em acentuado contraste com os projetos
habitacionais executados pela NACRO e pelo Departamento de Meio Ambiente na década de 1980, estas três
parcerias defendiam estratégias altamente localizadas, a fim de aumentar, no lugar de reduzir, o recurso a
medidas punitivas. Finalmente, embora a violência doméstica e o preconceito racial fossem mencionados
pela maioria das parcerias, poucas estipularam políticas específicas para lidar com eles. Nenhuma mencionou
os crimes de colarinho branco (Darke, 2006).
Nos dez anos desde o Crime and Disorder Act, a abordagem repressora para a prevenção da criminalidade
continuou a ganhar terreno. No âmbito nacional, o Governo tem elaborado desde então mais instrumentos
jurídicos não penais para as parcerias de prevenção, mais significativamente advertências cumuladas com
multas de £80 para casos de transtorno (mandados de direito público foram colocados à disposição das
polícias no âmbito do Criminal Justice and Police Act 2001 e, mais tarde, aos funcionários públicos locais
pelo Anti-social Behaviour Act 2003, para combater comportamentos “susceptíveis de causar o assédio,
pânico ou aborrecimentos”; tais mandados tinham o apoio de multas máximas de £120, se não fossem pagas
no prazo de 21 dias), e mandados de dispersão (mandados de direito público foram colocados à disposição
das polícias pelo Anti-social Behaviour Act 2003, permitindo a designação de áreas como “zonas dispersão”
e, posteriormente, a emissão de ordens policiais para que fossem afastados da área grupos de pessoas cujas
ações pudessem resultar em “um membro do público ser assediado, intimidado, alarmado ou angustiado” e
(se essas pessoas vivessem fora da área), para que deixassem o local por 24 horas, com uma sanção
potencial, aplicada em processo administrativo, de três meses de prisão). O aspecto mais controvertido da
defesa feita pelo governo central da abordagem repressiva, ao longo da última década, surgiu do que o
Ministério do Interior descreveu como sua “agenda de respeito”, lançada em 2006. De acordo com os
documentos produzidos pela Respect Task Force, as parcerias da prevenção foram incentivadas a priorizar o
uso de instrumentos jurídicos não penais, em detrimento das iniciativas sociais e situacionais, quando
lidassem com comportamentos antissociais (ver, e.g, Home Office, 2006). Os funcionários da Respect Task
Force também receberam a tarefa de distribuir entre as parcerias locais £ 40 milhões, para financiar medidas
de aplicação da lei.
Além disso, a linha do comunitarismo autoritário tomada pelo Ministério do Interior foi amplamente apoiada
por outros órgãos do governo central, como por exemplo a Comissão de Auditoria (e.g. Audit Commission,
1999), a Unidade de Exclusão Social (e.g. Social Exclusion Unit, 2000) e o Departamento de Transportes,
Governos Locais e Regiões (e.g. DTLR, 2002). A política de prevenção da criminalidade do Ministério do
Interior também foi endossada pelos poderes legislativo e judiciário, e pelos órgãos públicos locais. Em
2005, o Comitê de Assuntos Internos da Câmara dos Comuns, por exemplo, publicou um extenso relatório
sobre a prevenção da criminalidade (House of Commons Home Affairs Select Committee, 2005) que
desautorizada as preocupações manifestadas ao Comitê sobre o uso de instrumentos jurídicos punitivos,
sendo representante emblemático da opinião de que a prevenção da criminalidade e a justiça penal devem ser
tratadas como áreas separadas da política criminal. No caso do poder judiciário, em 2007, a Comissão
Consultiva de Sentença escreveu um documento consultivo sobre os ASBOs que sugeriu uma pena mínima
de 6 semanas de prisão quando uma infração técnica de um mandado fosse acompanhada por outro
comportamento antissocial; e 26 semanas de prisão, quando acompanhada por comportamento antissocial
grave ou persistente (Sentencing Advisory Commission, 2006). Finalmente, embora o mais representativo
órgão das autoridades locais (o Local Government Association) tenha sido crítico em relação à ênfase
excessiva frequentemente colocada pelo Ministério do Interior nos instrumentos jurídicos não penais, ainda
assim subscreveu plenamente a opinião de que a abordagem da aplicação da lei deve ser colocada em pé de
igualdade com a prevenção da criminalidade social e situacional (ver, por exemplo, Local Government
Association, 2007).
Quanto às práticas concretas de prevenção da criminalidade, a maior parte das parcerias já possui equipes
especializadas na aplicação da lei, tantas quanto as equipes especializadas em mediação. A utilização de
mandados de direito civil e de direito administrativo como instrumentos de controle criminal aumentou
paulatinamente no início e em meados dos anos 2000 (ver, e.g. Burney, 2005; Gilling, 2007; Hughes, 2006;
Squires, 2006 e 2008). Todas as 375 áreas sob a autoridades de governos locais fizeram uso do instrumento
jurídico não penal mais punitivo, o ASBO. Um total de 4.123 ASBOs foram obtidos em 2005. No mesmo
ano, havia 7.556 processos administrativos bem-sucedidos por infração de ASBOs, dos quais 46%
resultaram em sentenças de prisão. A parceria de prevenção da criminalidade mais punitiva, o Conselho de
Manchester City, obteve 161 ASBOs. Outras parcerias de caráter punitivo incluíram o Conselho de
Liverpool City (que obteve 85) e, em Londres, Camden (69 ASBOs), Hillingdon (36 ASBOs), Tower
Hamlets (também 36 ASBOs) e Westminster (35 ASBOs). Duas das parcerias em Londres (Hillingdon;
Tower Hamlets) estavam entre as poucas que optaram por uma abordagem não-punitiva ao controle do crime
na pesquisa realizada pelo presente autor em 1998 e 1999. Dos outros institutos jurídicos abordados neste
artigo, o mais popular tem sido a notificação com multa por transtorno (64.007 foram enviadas em 2005) e
mandados de dispersão (utilizados em torno de 14.000 vezes entre janeiro de 2004 e junho de 2005). Entre
abril de 2004 e março de 2005, 1.406 liminares e 638 mandados possessórios foram obtidos contra
comportamentos criminais ou antissociais. O instrumento jurídico menos popular é o mandado de cuidados
paternos, utilizado 413 vezes durante o mesmo período.
6. Conclusão
Para resumir e concluir este trabalho, na década de 1980, houve um claro potencial na Inglaterra e no País de
Gales de cooperação entre as polícias e os órgãos do governo local para contestar a estreiteza e a natureza
excludente da política criminal existente, mas, até hoje, este potencial não conseguiu se realizar. Em primeiro
lugar, embora alguns avanços tenham sido feitos em relação ao preconceito racial e à violência doméstica
(Radford e Gill, 2006), a prevenção da criminalidade continua a centrar-se quase exclusivamente sobre a
criminalidade convencional. Em segundo lugar, a prevenção social da criminalidade assumiu um papel
relativamente pequeno no desenvolvimento da prevenção da criminalidade. Como Elizabeth Burney salienta,
a prevenção da criminalidade continua a ser dominada pelas polícias. “Qualquer esperança de que [as
parcerias de prevenção da criminalidade] transcenderão seu papel de redutores do crime e da desordem para
se dirigir a preocupações mais amplas com “segurança” e justiça social”, ela conclui “parece bastante
remota, tendo em vista que elas sequer alistam os serviços públicos mais socialmente orientados para aliviar
os comportamentos antissociais” (2005:120). O paradigma da prevenção tem sido moldado pelo discurso
político sobre a criminalidade da nova direita com o mesmo peso, se não com peso maior, do que pelo
discurso da social democracia. A influência da visão neo-liberal das técnicas de privatização e exclusão para
o controle criminal no desenvolvimento da prevenção situacional tem sido detalhadamente investigada na
literatura acadêmica crítica no Reino Unido, em especial nas disciplinas de geografia urbana e estudos de
vigilância, que destacaram que as parcerias têm recorrido às tecnologias CCTV em larga medida e
sinalizaram o papel do setor privado no provimento de patrulhas de segurança e na exclusão dos
“indesejáveis” de shopping centers e das ruas. Bem menos explorada na criminologia crítica, e mais objeto
deste artigo, tem sido a influência das visões de controle criminal “comunitaristas autoritárias”, e, em
particular, o desenvolvimento da abordagem da tolerância zero para a prevenção da criminalidade, sob as
quais os comportamentos antissociais têm sido “superestimados” como um grave problema criminal pelas
políticas nacionais e locais, e segundo as quais o objetivo principal da prevenção da criminalidade tem, de
modo crescente, sido o de atuar para compensar um déficit na punição, em vez de fornecer uma alternativa a
ela.
Em uma última guinada do destino em favor da visão social-democrata, o instrumento mais controverso
introduzido para compensar esse déficit, o ASBO, revelou-se tão punitivo e tão ineficaz quanto o direito
penal (para análise da ineficácia dos ASBOs, ver Matthews et al., 2007; Wain e Burney, 2007). Além disso,
os destinatários finais desses instrumentos não gozam das mesmas proteções oferecidas aos que são acusados
de violar leis penais. O uso de medidas civis e administrativas como instrumentos de controle da
criminalidade não somente dispensa a necessidade de se garantir a presunção de inocência nos tribunais, mas
também define o comportamento fora-da-lei de forma tão ampla que as autoridades públicas recebem um
poder quase ilimitado e os cidadãos não contam com quase nenhuma orientação sobre como não violarem a
lei (para a crítica sobre como os ASBOs conflitam com as interpretações liberais democráticas das regras de
direito e sobre a facilidade com que têm sido obtidos nos tribunais, ver Chakrabarti e Russell, 2008; para a
análise do uso desproporcional dos ASBOs sobre crianças, minorias e pessoas com transtornos psiquiátricos,
ver Matthews et al., 2007).
No entanto, apesar de as falhas de prevenção da criminalidade apresentarem um sério desafio à justiça penal
na Inglaterra e no País de Gales, muitos criminólogos críticos, incluindo o presente autor, não estão ainda
dispostos a abandonar as esperanças. A prevenção da criminalidade continua sendo um “projeto inacabado”
(Hughes, 2006), que ainda é controvertido tanto nos círculos acadêmicos quanto políticos. No plano
nacional, tal como acontece com muitos dos governos chamados de “terceira via”, à esquerda do centro, ao
redor do mundo, a visão política do atual governo ainda não está resolvida. Isto ocorre tanto no caso de
controle criminal como em qualquer área política, social ou de política econômica. Peças fundamentais da
legislação penal foram promulgadas em cada um dos últimos dez anos; analogamente, também as políticas
governamentais são atualizadas numa base anual. Nós vivemos, como coloca Hughes, em um período de
constante revolução (ibid.). Poucos criminólogos críticos ainda mantêm a esperança de que o Governo
Trabalhista tratará os prejuízos sociais dos economicamente poderosos mais seriamente do que os governos
no passado. O número de inspeções de segurança e saúde nos locais de trabalho, por exemplo, tem diminuído
nos últimos anos, tal como o número de processos relativos a lesões e mortes por acidente de trabalho
(Tombs e Whyte, 2008). No entanto, ainda há espaço político para que o Governo adote uma abordagem
menos punitiva aos danos sociais dos desapoderados. Em outras áreas da política social, o Governo investiu
fortemente em medidas de bem-estar. Introduziu, por exemplo, um salário mínimo, aumentou as despesas
nas escolas e nos hospitais, aumentou o apoio às famílias jovens e formação para os desempregados, e
investiu recursos vultosos para a regeneração de zonas urbanas.
Com efeito, há indícios de que o apoio do governo a políticas penais repressivas pode já ter atingido seu auge
com a mudança do primeiro-ministro em 2007, ao menos na área da prevenção da criminalidade. Após três
meses da mudança da liderança política, uma nova política trienal de prevenção nacional foi produzida, que,
em nítido contraste com a política anterior (publicada em 2005), dedicou muito mais espaço para medidas
sociais do que para medidas de aplicação da lei ou medidas situacionais. A mudança de ênfase ficou mais
evidente na introdução ao capítulo sobre as medidas de prevenção da criminalidade, que não chegou nem a
mencionar detenções ou instrumentos jurídicos não penais:
O aumento da eficácia dos serviços públicos, particularmente os da polícia e das autoridades locais, tem
sido importante para se atingir uma significativa redução do crime. Trabalhos em parceria têm sido
fundamentais: uma série de órgãos e organizações, trabalhando em conjunto, têm reduzido a
criminalidade de forma mais eficaz do que qualquer órgão trabalhando por conta própria. Cada vez mais,
os profissionais públicos têm abordado o problema do crime a partir do combate aos fatores que geram os
comportamentos criminosos, bem como da redução das oportunidades para o crime (como ajudar
delinqüentes a romper o ciclo de infrações e privações). O público em geral também se tornou muito mais
consciente e informado sobre as medidas preventivas que eles mesmos podem tomar. (Home Office,
2007:15).
De igual relevância, a Respect Task Force foi dissolvida no final de 2007. Os websites do governo central
ainda aconselham os profissionais públicos a lidarem com comportamentos antissociais dando prioridade a
medidas de aplicação da lei em lugar de medidas mais sociais e situacionais, mas a “agenda do respeito”
propriamente dita não está mais ativa. O site dessa agenda não foi removido, mas ele não inclui mais
quaisquer links para documentos com diretrizes políticas. Além disso, em lugar de “Agenda do Respeito:
Combatendo os Comportamentos Antissociais”, o site renovado intitula-se “Combate aos Comportamentos
Antissociais e a suas Causas” (grifos nossos). Como Home Office (2007), a declaração de abertura do site
diminui a importância da aplicação da lei, explicando que, após a dissolução da “agenda do respeito”, “o
Governo continuará a se dedicar aos comportamentos antissociais, assegurando oportunidades aos jovens e
oferecendo às “famílias-problema” apoio para que mudem seu comportamento. Os trabalhos continuarão a
fortalecer as comunidades e a assegurar que os espaços públicos sejam mantidos limpos e seguros, e que as
vítimas e testemunhas de comportamentos antissociais sejam protegidas e apoiadas” (Home Office, n.d.).
Quanto às políticas locais, também tem havido pouco avanço no controle dos crimes dos economicamente
poderosos. Por exemplo, inspeções de instalações para verificar a poluição (que é essencialmente uma tarefa
dos governos locais) não aumentaram ao longo dos últimos 10 anos; nem a aplicação das leis contra poluição
(DEFRA, n.d.). As inspeções e a aplicação da lei relativas às questões comerciais, tais como resíduos,
poluição sonora e higiene dos alimentos têm aumentado (ibid.). No entanto, embora esses danos sociais
relacionados com as empresas possam ser de natureza grave, não se pode perder de vista que essas leis se
direcionam às pequenas e não às grandes empresas. Há, porém, sinais de que os tempos áureos da abordagem
repressiva podem ter alcançado seu auge na prevenção da criminalidade local, assim como na nacional. As
últimas estatísticas publicadas sobre o uso de instrumentos jurídicos não penais não registram qualquer
aumento significativo de 2005 a 2006. De particular relevância, o uso de ASBOs diminuiu drasticamente, de
4.123 registros em 2005 para 2.706 em 2006. Uma possível explicação para esse declínio diz respeito ao
esquema de acordos com os governos locais, introduzido em 2005, que efetivamente removeu o direito do
governo central de vincular o financiamento para a prevenção da criminalidade a metas específicas de
redução de crimes. Além do financiamento distribuído para CCTV e para as medidas de execução referidas
no capítulo 5 deste artigo, o financiamento por parte do governo central para a prevenção da criminalidade
correspondeu a 70-80 milhões por ano entre 1999 e 2005 (Gilling, 2007). Metas vinculadas ao financiamento
tendiam a ser de curto prazo, uma vez mais incentivando as medidas de execução e situacionais, mas não
sociais (Gilling, 2007).
O futuro da prevenção da criminalidade, portanto, ainda não é certo. Contudo, este autor tende a se manter
cético enquanto instrumentos jurídicos punitivos como ASBOs permanecem no ordenamento jurídico, e
enquanto o governo central continuar a defender o uso de instrumentos jurídicos dos governos locais como
ferramentas para o controle criminal, quer se trate de medidas de primeiro ou de último recurso. Como
salientado em diversos pontos deste artigo, também é importante que às autoridades públicas locais sejam
atribuídos deveres legais de elaborar políticas de prevenção criminal referentes a áreas residenciais
individuais que (tal como os projetos geridos pela NACRO e pelo Departamento de Meio Ambiente na
década de 1980) sejam suficientemente pequenas para serem administradas pelos profissionais públicos que
trabalham na ponta, e para que seja incentivado um discurso público sobre a natureza do crime que vá além
da imagem de delinqüentes como estrangeiros. As parcerias para prevenção da criminalidade que operam no
âmbito de governos distritais, e que atendem a populações de 200 mil residentes, simplesmente não são
suficientemente locais para garantir que sejam ouvidas as vozes holísticas e inclusivas. Finalmente, para
repetir um ponto-chave defendido no capítulo 2, é necessário ter em mente que elaborar políticas para áreas
locais não é a mesma coisa que elaborar políticas em áreas locais. Os criminólogos críticos não podem
apenas exigir que a prevenção da criminalidade seja realmente descentralizada. A prevenção da
criminalidade tem o potencial de oferecer um desafio concreto contra a hegemonia do paradigma da justiça,
desde que as políticas sejam formuladas de baixo para cima.
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