INFORME SOBRE TENDENCIAS SOCIALES Y EDUCATIVAS EN AMÉRICA LATINA 2014
A precocidade das ideias educativas republicanas de Osório Gondim
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António Adérito Alves Conde
A precocidade
das ideias educativas republicanas
de
Osório Gondim
Comunicação apresentada no XXI Fórum Avintes 2010 realizado na sede da Junta de Freguesia de Avintes nos dias 26 e 27 de Novembro de 2010
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Introdução
Há precisamente 100 anos, completados no dia 27 de Outubro, um
ilustre cidadão avintense assumia a presidência do município gaiense,
cuja sede se situava então na Rua Direita, na zona ribeirinha de Vila
Nova de Gaia, tornando-se o primeiro presidente do período
republicano. Trata-se do Dr. Inocêncio Osório Lopes Gondim, nascido em
Avintes em 20 de Março de 1863, formado em Medicina pela Escola
Médico-Cirúrgica do Porto em 1897 e falecido em 9 de Abril de 1937.
Foi uma personagem multifacetada o Dr. Osório Gondim e a sua
actividade fortemente interventiva de homem e cidadão está
umbilicalmente ligada à sua terra natal. Foi médico de várias
colectividades mutualistas avintenses, memorialista e historiador da
história local avintense, fundador, secretário, animador cultural e
bibliotecário do Clube Recreativo Avintense, vereador do município
gaiense no final da Monarquia e no primeiro período republicano,
presidente do município e membro da Junta de Freguesia de Avintes.
A sua biografia, em íntima ligação com a história das origens do
Centro Recreativo Avintense que ajudou a criar, deveria merecer a
atenção dos estudiosos locais, com obra de algum fôlego, já que os
breves estudos biográficos que conhecemos ora assumem um carácter
parcial ora apoucam a sua notoriedade.
Constitui nosso propósito fazer aqui uma breve abordagem da
evolução do ideário republicano de Osório Gondim, máxime em matéria de
educação (ou instrução, como então se dizia), tendo presente a sua
faceta menos conhecida, porventura, de acérrimo defensor de um anti-
clericalismo emergente.
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Dr. Inocêncio Osório Lopes Gondim
Pretendemos, de igual modo, trazer à colação alguns aspectos do
desenvolvimento das ideias republicanas em Avintes e suas
manifestações públicas, no escaldante período que medeia entre o
Ultimato e a malograda revolução de 31 de Janeiro de 1891, no seio do
recém-criado Clube Recreativo Avintense, assinalando Osório Gondim
como o principal mentor ideológico dessa transformação.
Consideramos que Avintes, nesse período, é uma das freguesias
mais avançadas do concelho e, por isso, foi o palco ideal para a
proliferação das novas ideias republicanas. Para além de ser uma das
mais populosas freguesias gaienses, Avintes era uma aldeia
essencialmente operária e com fortes índices de emigração, onde o
nível de instrução da população se destacava, face às freguesias
vizinhas, graças ao contributo de vários mecenas, nomeadamente
brasileiros de torna-viagem que financiaram a construção e
apetrechamento de escolas e de clubes recreativos e assistenciais. Por
outro lado a profunda ligação das gentes avintenses à cidade do Porto,
mormente por via do comércio da apreciada broa e da carne de porco,
proporcionou contactos com realidades novas e veiculou novas ideias.
Foi, seguramente, sob estas condições que se formou o cadinho
cultural e o notável desenvolvimento da freguesia, nas últimas décadas
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da centúria de Oitocentos, responsável pela criação de novas vias de
comunicação, iluminação pública a gás, edifícios escolares construídos
com donativos e subscrições particulares, associações de socorros
mútuos e protecção social e associações recreativas e culturais. Fruto
deste desenvolvimento emergiu no seio destas associações, nas
primeiras décadas do séc. XX, o gosto pelo teatro amador, arte que
trouxe a Avintes o merecido epíteto de capital do teatro amador. É
igualmente surpreendente, ainda hoje, a pujança deste associativismo
de cariz tradicional, em Avintes, apesar das mudanças operadas na
sociedade actual, onde pontua o individualismo, novas formas de
convívio e uma viragem para o interior do ambiente familiar restrito.
A criação do Clube Recreativo Avintense e as primeiras
manifestações republicanas em Avintes
Entre as colectividades avintenses destaca-se o Clube Recreativo
Avintense, criado no dia 2 de Fevereiro de 1889, por um conjunto de
avintenses entre os quais se destacam Eduardo Santiago, Francisco
Viana e Osório Gondim, considerados pelo escritor avintense Fernando
Araújo Lima, respectivamente, a “ideia”, a “acção” e o “espírito” do
Clube. Entre os fundadores contavam-se distintos capitalistas, muitos
dos quais “brasileiros” de torna viagem, que por si ou por subscrições
que organizaram em terras brasileiras, dotaram o Clube de muitos
donativos, a ponto de logo após a fundação, em 1890, se tratar de
construir o belo edifício, no lugar de Cabanões, que ainda hoje
funciona como sede, o qual logo foi apetrechado de mobiliário para o
salão nobre, sala de jogos, sala de bilhar e biblioteca. O Clube
promovia bailes e concertos frequentados pela fina-flor da sociedade
avintense, organizava passeios, convívios, magustos e as chamadas
“cavalhadas” e servia de lugar de diversão e de instrução aos
associados mais humildes. Tal facto não passava despercebido aos
detractores que no Jornal “O Grilo de Gaia” de 30.11.1890 criticavam o
“dinheiro gasto no Clube em orgias, pic-nics, foguetes, magustos, etc, quando podia ser gasto
em médicos que curassem os operários enfermos, socorrendo-os de medicamentos”. Num
outro artigo do mesmo jornal de 18.05.1890 diz-se, depreciativamente,
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que o Clube é conhecido por Café Cantante e “se deve a um vaidoso, que chegou
há pouco do Brasil, e já se esqueceu de quando andava descalço a levar fornadas a casa dos
fregueses” numa clara referência a Francisco Viana. Neste mesmo jornal o
correspondente de Avintes fazia duras críticas ao Dr. Osório Gondim
pelo preço exagerado dos honorários que cobrava enquanto médico.
Por sua vez o “Jornal dos Carvalhos”, nascido em 1889 e que se
intitulava o defensor dos interesses do povo e o órgão das freguesias
rurais fazia a apologia e a defesa do Clube e da sua direcção e dava
notícia detalhada das suas actividades em prol do progresso de
Avintes. Na sua edição de 11 de Janeiro de 1891 insurgia-se contra uma
notícia publicada no “Grilo de Gaia” caluniando o Dr. Osório Gondim
tratando aquele periódico como um “pasquim que se publica ali para os
lados da Bandeira”.
Deste jornal respigámos algumas notícias reveladoras das
manifestações públicas republicanas, em Avintes, no período do
Ultimato inglês.
Assim, a edição do Jornal dos Carvalhos de 21.09.1890 dá-nos
conta do protesto da Junta de Paróquia de Avintes, aprovado em 14 de
Agosto e dirigido à Câmara dos Deputados em que “A Junta da Paróquia de
Avintes, como intérprete fiel dos seus paroquianos (...) não pôde, sem trair a sua
consciência, deixar passar sem protesto o ignominioso tratado que acaba de publicar-se como
preliminar, para pôr termo às dissensões entre o governo português e o da rainha da Grã-
Bretanha”.
No que concerne a actividades desenvolvidas no seio do Clube
Recreativo Avintense aquele periódico, na sua edição de 7 de Setembro
faz referência a um espectáculo musical, com a Troupe Gounod, em que
foi interpretada música de Verdi, dizendo que “Era uma hora da manhã
quando revoaram na sala os acordes majestosos da Portuguesa, que foi escutada de pé,
fechando assim aquela encantadora noite”.
Num outro registo do mesmo periódico de 28 de Setembro do mesmo
ano dá-se conta do passeio organizado pelo Clube, pelo rio Douro
acima, à festa de S. Mateus, em Arnelas, em que participaram 11 barcos
do Clube ostentando as cores vivas das suas bandeiras, acompanhados de
fanfarra, isto apesar de o tempo não estar muito favorável. À partida
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a música rompeu com a ‘Portuguesa’ sendo o “hino patriótico (…) saudado com
vivas, palmas e bravos”. No percurso os barqueiros, provavelmente já bem
bebidos, não deixavam de dar “vivas à República”, não faltando também
vivas ao Clube. O regresso ao Clube deu-se já pela noite dentro e
prolongou-se em ambiente festivo com um passeio à Quinta da Mesquita.
Refira-se que de acordo com João Medina o hino “A Portuguesa”,
da autoria de Alfredo Keil e de H. L. Mendonça, que acompanhou as
tropas republicanas sublevadas em 31 de Janeiro de 1891 e que a
Assembleia Nacional Constituinte decretara como hino da República
Portuguesa em 19.06.1911, surgiu na sequência do Ultimato e é um “apelo
nacionalista, patriótico, à ressurreição dum país ultrajado por outro”1. Por isso apraz-
nos registar quer a simpatia dos avintenses destes tempos pelos ideais
republicanos, quer a rápida e precoce adopção, do que viria a ser o
hino republicano, fazendo-o ecoar pelos salões do Clube Recreativo
Avintense ou pelos campos de Avintes.
As ideias republicanas de educação e o anti-jesuitismo de Osório
Gondim
Osório Gondim era um médico recém-formado quando, aos 26 anos de
idade, ajudou a fundar o Clube Recreativo Avintense. Pela sua elevada
preparação intelectual foi escolhido para secretário da Direcção e
director da Biblioteca. Provavelmente nos bancos da faculdade tomou
contacto com os ideais republicanos e os seus teóricos, perfilhando as
teses anti-clericalistas e sobretudo anti-jesuíticas defendidas por
Miguel Bombarda e Teófilo de Braga.
Era um defensor da difusão de medidas sanitárias entre as
camadas populares. Por sua iniciativa procedeu, em 1891, a campanhas
de vacinação, contra a epidemia da varíola, de crianças avintenses na
biblioteca da escola pública. Promoveu, igualmente, dentro da Clube,
campanhas de instrução e de promoção da leitura entre a população,
tendo aberto cursos de francês e de música.
1 MEDINA, João (dir.); História Contemporânea de Portugal, Multilar, 1990, p. 122.
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As suas ideias em matéria de instrução, demasiado avançadas para
a época, podemos encontrá-las consubstanciadas nos seus discursos,
nomeadamente no discurso pronunciado na Festa da Árvore de Natal, em
25 de Dezembro de 1892, nas Escolas Paroquiais de Avintes para a qual
foram angariados prendas e donativos a fim de serem distribuídos pelas
crianças.
Duas obras sobre educação de Osório Gondim.
Ao abrir o seu discurso, Osório Gondim, lembrou que, “com a
Revolução Francesa, o povo foi chamado a tomar parte dos negócios da nação”, apontando
como uma das manifestações da civilização a necessidade de propagar e
difundir a instrução, sobretudo entre as camadas mais baixas da
população.
Considerava Gondim que a prosperidade e o futuro das nações
“depende seguramente do grau do desenvolvimento intelectual” do povo, pelo que era
urgente “difundir a instrução no mísero albergue do aldeão, educar a gente do povo,
ensinar homens, mulheres, crianças, todos, para que à luz dela reconheçam o papel que têm a
obrigação de cumprir na marcha gigantesca da evolução humana”.
Centrando o seu discurso no caso concreto de Avintes fez
referência à construção da Escola do Palheirinho e lembrou que os
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progressos conseguidos em matéria de instrução se deviam ao trabalho
dos professores e professoras, públicos e privados, mas eram,
sobretudo, “o fruto abençoado da obra de um grupo de homens” que todos
conheciam. Lembrou, contudo, que na instrução “É preciso a cooperação de
todos, e muito principalmente dos pais de família”, pois havia pais que, por
negligência e desleixo não mandavam os filhos à escola.
Gondim fez questão de lembrar que a questão da instrução diz
respeito a toda a gente e que o trabalho, auxiliado pela instrução, se
pode tornar mais fecundo, apontando o exemplo positivo dos Estados
Unidos, onde o aumento da produção devido à instrução, teve como
consequência melhores salários.
Prestemos atenção às suas palavras:
“As necessidades intelectuais são hoje de tal natureza, que não há classe, por mais
rude que pareça, que possa impunemente prescindir da leitura. Precisa de instrução o
lavrador, que queira emancipar-se da retrógrada rotina, a mãe de família, o industrial, o
fabricante, o operário, o trabalhador, o jornaleiro, todos, enfim, porque precisam de saber
dirigir o seu trabalho”.
No final exortou os presentes a auxiliar o desenvolvimento de
escolas e a difundir a instrução, sobretudo entre nas “últimas camadas
sociais, àquelas que mais precisam da luz”, lembrando que ao abrir as portas da
escolas se fecharão, um dia, as portas das cadeias.
Num outro discurso, pronunciado no Clube Recreativo Avintense,
na festa de recepção ao benemérito João Manuel Gonçalves, no dia 1 de
Maio de 1892, Gondim não poupou encómios ao homenageado lembrando os
donativos próprios e angariados juntos de terceiros que ofereceu ao
Clube e o apoio prestado no Brasil aos sócios do Clube emigrados no
Brasil aquando da sua chegada. Lembrou igualmente que ele foi um
grande benemérito da instrução pois, para além de contribuir para a
construção da escola do Palheirinho, criou prémios escolares
destinados a estimular o estudo e o ensino das alunas da freguesia.
Seguidamente Gondim orientou o seu discurso para a questão
fulcral da educação da mulher lembrando os perigos das escolas dos
jesuítas, a quem trata por “seita proscrita e condenada” a qual se servia da
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mulher e da mãe de família, para atingir os seus fins, para fazer
florescer a ignorância dos povos.
No final dum discurso marcadamente político Gondim fez a
apologia da “instrução sã da escola liberal, não a estupidez disfarçada da reacção;
queremos avançar no campo de civilização, e não retroceder às passadas épocas tenebrosas,
queremos a religião sacrossanta e simples de Cristo, e não as argúcias maquiavélicas da seita
negra”. Foi um discurso demasiado radical e empolgante, como radicais
eram as ideias dos primeiros republicanos de Teófilo Braga a Miguel
Bombarda que defendia a deportação dos jesuítas para uma ilha deserta
num processo que alguns já compararam à deportação dos judeus na II
Guerra Mundial.
Esperamos, deste modo, que se tenha feita alguma luz sobre as
ideias republicanas de Osório Gondim, em matéria de educação.
Bibliografia:
BOMBARDA, Miguel; A Ciência e o jesuitismo. Réplica a um padre sábio; Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1900.
Braga, Teófilo; A Questão religiosa em Portugal, Portalegre, Biblioteca d’”O Amigo do Povo”, Tip. Minerva Central, 1902.
Caminho Novo, 1985 a 2005
COSTA, Barbosa da; VAZ, José; COSTA, Paulo; De Abientes a Avintes, Avintes, Audientis, 2009.
FERREIRA; A Educação Moral e religiosa nos colégios dos Jesuítas. Conferência feita a convite da Junta Liberal em 18 de Março de 1910, no Centro Escolar Republicano António José d’Almeida, de Lisboa, Lisboa, Livraria Central de Gomes de Carvalho Editor, 1910.
GONDIM, Dr. I. Osório Lopes; Discurso proferido no Centro Recreativo Avintensena festa de recepção oferecida ao sócio benemérito João Manuel Gonçalves em 1 de Maio de 1892, Porto, Imprensa Moderna, 1892
GONDIM, Dr. I. Osório Lopes; Discurso proferido na Festa Escolar da Árvore de Natal realizada pelo Centro Recreativo Avintense nas Escolas Paroquiais de Avintes em 25 de Dezembro de 1892, Porto, Imprensa Moderna, 1892.
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GONDIM, Inocêncio Osório Lopes; Avintes e suas antiguidades, Avintes, Junta deFreguesia de Avintes.
GUIMARÃES, J. A. Gonçalves; Republicanos, monárquicos e outros. As vereações gaienses durante a 1ª República (1910-1926), Vila Nova de Gaia, Confraria Queirosiana, 2010.
História do Colégio de Campolide da Companhia de Jesus escrita em latim pelos padres do mesmo colégio onde foi encontrado o manuscrito traduzida e prefaciada pelo Prof. M. Borges Grainha e mandada publicar pela Comissão Parlamentar nomeada pela Câmara dos Deputados da República Portuguesa para proceder ao exame dos papéis dos Jesuítas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1913.
Jornal dos Carvalhos, 1890-1892.
MATTOSO , José (dir.) RAMOS, Rui (Coord.); História de Portugal. A segunda fundação, Vol. VI, Lisboa, Editorial Estampa, 1994. p. 407.
O Grilo de Gaia, 1890-92.
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