A Política Externa Brasileira - Capítulo (Avelar & Cintra, 2014)

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[VERSÃO RASCUNHO-DRAFT] [FAVOR NÃO CITAR OU COPIAR-PLEASE DON´T CITE OR QUOTE] [email protected] A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA JÚLIO CÉSAR COSSIO RODRIGUEZ 1 Este capítulo oferece um breve panorama da evolução da política externa brasileira (PEB) em sua relação com o sistema internacional. A análise percorre o século XX até chegar às principais linhas de continuidade e mudança na ação diplomática do país durante as quatro presidências de FHC e Lula. Propõe-se uma reflexão a respeito dos principais determinantes da elaboração e execução da política externa, quais sejam: o papel do Itamaraty, outros fatores domésticos e influências internacionais. Com esse intuito, o capítulo se divide em quatro partes: a primeira consiste em um breve mapeamento dos estudos sobre a política externa brasileira; a segunda demonstra a evolução da política externa de 1902 até 1994, cotejando os aspectos domésticos com os internacionais; a terceira analisa, com mais rigor, o período que vai de 1994 até 2010; e a parte final discute os possíveis determinantes e condicionantes da política externa brasileira. 1. O Estudo da Política Externa Brasileira Os trabalhos de síntese sobre a área de Relações Internacionais do Brasil apontam que, na última década, foi crescente o volume de produção sobre política externa brasileira. Dentre os indicadores utilizados para afirmar isto constam: o número de artigos sobre o tema publicados em revistas científicas, o número crescente de cursos de graduação e pós-graduação na área e, também, o crescente número de revistas acadêmicas sobre a temática (ALMEIDA, 2004; LESSA, 2006; MYIAMOTO, 1999; SALOMÓN e PINHEIRO, 2013; VIZENTINI, 2005). A maior visibilidade internacional do país nos últimos anos contribuiu para aumentar tal 1 O autor agradece aos comentários de Andrés Malamud, Antônio Octávio Cintra, Luis Leandro Schenoni, Octavio Amorim Neto e do assistente de pesquisa Roberto Teles a uma versão prévia deste texto.

Transcript of A Política Externa Brasileira - Capítulo (Avelar & Cintra, 2014)

[VERSÃO RASCUNHO-DRAFT]

[FAVOR NÃO CITAR OU COPIAR-PLEASE DON´T CITE OR QUOTE]

[email protected]

A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

JÚLIO CÉSAR COSSIO RODRIGUEZ1

Este capítulo oferece um breve panorama da evolução da política externa brasileira (PEB) em

sua relação com o sistema internacional. A análise percorre o século XX até chegar às principais

linhas de continuidade e mudança na ação diplomática do país durante as quatro presidências

de FHC e Lula. Propõe-se uma reflexão a respeito dos principais determinantes da elaboração

e execução da política externa, quais sejam: o papel do Itamaraty, outros fatores domésticos e

influências internacionais. Com esse intuito, o capítulo se divide em quatro partes: a primeira

consiste em um breve mapeamento dos estudos sobre a política externa brasileira; a segunda

demonstra a evolução da política externa de 1902 até 1994, cotejando os aspectos domésticos

com os internacionais; a terceira analisa, com mais rigor, o período que vai de 1994 até 2010;

e a parte final discute os possíveis determinantes e condicionantes da política externa brasileira.

1. O Estudo da Política Externa Brasileira

Os trabalhos de síntese sobre a área de Relações Internacionais do Brasil apontam que,

na última década, foi crescente o volume de produção sobre política externa brasileira. Dentre

os indicadores utilizados para afirmar isto constam: o número de artigos sobre o tema

publicados em revistas científicas, o número crescente de cursos de graduação e pós-graduação

na área e, também, o crescente número de revistas acadêmicas sobre a temática (ALMEIDA,

2004; LESSA, 2006; MYIAMOTO, 1999; SALOMÓN e PINHEIRO, 2013; VIZENTINI,

2005). A maior visibilidade internacional do país nos últimos anos contribuiu para aumentar tal

1O autor agradece aos comentários de Andrés Malamud, Antônio Octávio Cintra, Luis Leandro Schenoni, Octavio Amorim Neto e do assistente de pesquisa Roberto Teles a uma versão prévia deste texto.

produção. Um panorama sucinto da evolução do campo de estudos se faz necessário, como

introdução ao debate proposto neste capítulo.

Os primeiros trabalhos sobre a política externa brasileira remontam ao início do século

XX. Dentre os principais estão os organizados pelos atores políticos envolvidos nos processos

decisórios. Inicialmente, intelectuais atuavam como diplomatas e assim as abordagens

relacionavam-se diretamente com a prática da ação internacional, como demonstram Pinheiro

e Milani (2012). Após essa fase inicial, passam a se destacar as universidades e os institutos

especializados. Figuram, então, os primeiros trabalhos acadêmicos sobre o tema nos anos

cinquenta e sessenta, em especial relacionados a história diplomática, mas já abordando

questões como a busca pela autonomia e o desenvolvimento nacional.

No decorrer dos anos setenta e início dos oitenta, surgem os primeiros estudos

sistemáticos sobre a política externa, grande parte deles vinculados aos primeiros cursos de

relações internacionais (LESSA, 2006). O primeiro diálogo entre a História e a Política data

desse período. Nos anos noventa, a área passa por uma segunda ampliação, com a criação de

cursos de Relações Internacionais no centro do país. A ampliação trouxe consigo a

diversificação nas abordagens e outras áreas passaram a influir sobre a produção de política

externa brasileira. Entretanto, duas áreas destacaram-se como as principais ao longo do tempo:

a História e a Ciência Política. No século XXI, há um avanço em direção a outras regiões e uma

ênfase dos centros mais consolidados no âmbito da pós-graduação. Segundo Salomón e

Pinheiro (2013) os debates conceituais e teóricos sobre a política externa brasileira

acompanharam o crescimento da área de Relações Internacionais no Brasil e esta trajetória

conduziu, recentemente, à formação de um ramo específico - a Análise de Política Externa

(APE). As diferentes contribuições da teoria de relações internacionais e/ou da política

internacional encontram-se, então, com a PEB. Como demonstraram estas autoras, as diferentes

teorias contribuem cada qual com as suas ferramentas analíticas para aprimorar os trabalhos da

área. Ao longo do tempo, os estudos voltados aos processos históricos nacionais e às dinâmicas

políticas domésticas foram prioritários.

O estudo realizado por Amorim Neto (2011) configura-se como um esforço pioneiro de

pôr em diálogo o realismo neoclássico2, as teorias sobre política externa e os métodos

2Compreende-se, por realismo neoclássico, uma vertente recente do realismo na teoria da política internacional. Esta tem por especificidade considerar o ambiente doméstico como interveniente, isto é, de forma distinta do neo-realismo Waltziano (1979), que dá pouca relevância à política doméstica, ela considera, por exemplo, as dinâmicas das elites, a estabilidade governamental e a fragmentação social como mediadores no processo de implementação de uma política externa. Assim, um estudo que vise relacionar as condicionantes sistêmicas

quantitativos da ciência política para analisar a política externa brasileira. Seu trabalho busca

identificar que fatores são determinantes na definição e implementação da política externa

brasileira. O propósito foi fazer um balanço entre os fatores domésticos e internacionais. O

autor encontrou que há, para surpresa dos estudiosos da área, um peso considerável dos fatores

sistêmicos sobre a atuação internacional do país. Tal surpresa deve-se ao fato de que raramente

foram usadas as ferramentas conceituais do realismo para abordar a política externa brasileira.

Destaca-se aqui que os estudos anteriores dialogavam com conjunturas internacionais; todavia,

não tratavam como determinante ou condicionante das escolhas do país os efeitos estruturais

do sistema internacional, como pressupõem as teorias realistas. Entretanto, o autor não

relacionou as mudanças estruturais com as alterações na política externa brasileira. Para

realizar, neste capítulo, um panorama que ofereça ao leitor uma visão ampliada da política

externa brasileira, defende-se a necessidade de considerar primeiramente os fatores sistêmicos

(mudanças na distribuição de poder, emergência de atores revisionistas e incremento de

capacidades nacionais) e relacioná-los com os domésticos (processo decisório, papel do

Itamaraty, peso dos presidentes, dentre outros aspectos).

A evolução da política externa será tratada com base nos instrumentos conceituais da

teoria da política internacional, em diálogo com as abordagens principais sobre a política

externa brasileira ao longo do século XX. A perspectiva a ser utilizada alia-se ao realismo

neoclássico, que enquanto corrente teórica recente do realismo, abarca tanto as definições sobre

os efeitos causais da estrutura do sistema internacional, quanto fatores intervenientes à

elaboração da política externa (LOBELL et al, 2009; SCHWELLER, 1994, 1998, 2006).

O sistema internacional, segundo a teoria, atua como fator condicionante da política

externa dos estados, entendidos como atores principais. Tal fato ocorre em função dos

pressupostos da teoria realista, principalmente a neo-realista. Para essa linha teórica, num

ambiente de competição e de estados soberanos, impera a anarquia, e nela a distribuição de

capacidades materiais produz efeitos tanto na estrutura, ao definir sua configuração, quanto nas

possibilidades dos atores, em função de seu posicionamento estrutural.

Neste capítulo, optou-se por dividir os períodos a partir da distribuição de capacidades

materiais ao nível sistêmico. O primeiro a ser analisado é da multipolaridade desequilibrada das

primeiras décadas do século XX. O segundo momento inicia com a emergência de uma

(derivadas da anarquia e da distribuição de capacidades) e os fatores domésticos dialogará com esta vertente teórica.

tripolaridade e finaliza com o estabelecimento da bipolaridade desequilibrada do pós-Segunda

Guerra (ver Gráfico 1 a seguir). No terceiro, evidenciam-se os efeitos da equilibração de poder

ao nível estrutural, com a configuração de uma bipolaridade equilibrada no início dos anos

setenta. Na quarta fase, dar-se-á ênfase aos efeitos do momento unipolar e da possível transição

para uma multipolaridade em função da ascensão chinesa, da emergência de novos atores

(Índia, Brasil e África do Sul) e da re-emergência de antigos atores (Rússia). Nesta parte, serão

destacados com maiores detalhes os governos de FHC e Lula, com o fim de demonstrar

continuidades e diferenças entre as diplomacias dos dois presidentes. Após, serão traçadas

possíveis conclusões acerca dos principais determinantes e condicionantes da política externa

brasileira, nas quais serão abordados os pesos relativos de cada um dos fatores analisados. Parte-

se, então, para uma análise sucinta da política externa brasileira ao longo dos séculos XX e

XXI.

2. A Evolução da Política Externa Brasileira: de 1902 até 1994

2.1. 1900-1930: adaptando-se à transição hegemônica

O período mais conhecido da política externa brasileira relaciona-se com a diplomacia

do Barão, a qual foi conduzida pelo principal diplomata da história do país – o Barão do Rio

Branco. Entre 1902 e 1912, conduziu ele essa política de forma singular, desde então a principal

influência na formação dos diplomatas brasileiros. Dentre as razões para tal relevância estão os

diversos feitos políticos capitaneados por esse personagem histórico. Cabe destacar a definição

do território nacional sem o uso da força militar, a mediação de conflitos regionais, em especial

o caso da Bolívia, a organização da burocracia ministerial, o início da aproximação com os

Estados Unidos da América do Norte (EUA) e das relações especiais com a Argentina. Para

alguns autores datam desse tempo as principais tradições da PEB (LAFER, 2001; PIMENTA

DE FARIA et al, 2013). Definiram-se como centro dos ideários da política a defesa da soberania

nacional, dos interesses nacionais e da busca por autonomia na inserção internacional.

A gestão Rio Branco coincide com a intensificação das rivalidades europeias. Em

função da distribuição de capacidades entre as potências, o sistema internacional configurou-se

até meados dos anos vinte como uma multipolaridade desequilibrada, na qual destacavam-se

Inglaterra, França, Itália, Império Austro-Húngaro, Rússia e Estados Unidos. A aproximação

do Brasil aos Estados Unidos relaciona-se com dois aspectos centrais: primeiro, como

alternativa à hegemonia inglesa e, segundo, como equilibrador das relações com a Argentina,

cujo PIB superava o do Brasil até os anos trinta, sendo, também, o principal aliado regional da

Inglaterra.

Iniciou-se, logo, o que Brands (2010) conceituou como reboquismo (bandwagoning)

aos EUA e esta foi a estratégia mais frequente da política externa brasileira ao longo do século

XX, como confirmou Amorim Neto (2011). A prática consiste em seguir o ator mais próximo

geopoliticamente que detenha o maior poder material. Apesar da aproximação mais nítida,

outros autores apontam que se trata do período da autonomia na dependência (MOURA, 1980);

leitura semelhante foi proposta por Vigevani e Cepaluni (2007). A busca por autonomia será

uma das continuidades marcantes, segundo diversos estudos, da política externa brasileira.

Ainda segundo Hirst (2009), que realizou estudo voltado diretamente às relações EUA-Brasil,

esta foi a fase de maior alinhamento entre os dois países. Cabe notar que para Lima (1994) foi

quando teve início o “americanismo” brasileiro. Em suma, pode-se apontar ter havido uma

aproximação do Brasil com os EUA devido à emergência destes como ator principal no

hemisfério ocidental.

A leitura de Burns (1966) sobre a fase aponta para o início da “aliança não-escrita” com

os EUA. Cabe questionar que fatores determinaram a política externa deste período.

Notavelmente os condicionantes estruturais pela emergência norte-americana no hemisfério são

fatores fundamentais. Contudo, é mister ressaltar a ascensão tanto da União Soviética quanto

da Alemanha ao nível mundial, pois afetaram, como será demonstrado na próxima seção, as

escolhas brasileiras.

Apesar disto, o arranjo burocrático nacional e o papel de algumas lideranças políticas

são essenciais para compreensão do período. Nele emergiu o Itamaraty como estrutura

burocrática central na política externa, principalmente pelo papel do Barão e de seus sucessores.

Com a morte do Barão em 1912 e o deflagrar do conflito mundial, houve um recuo ao

âmbito regional da diplomacia brasileira, que se centrou na resolução de conflitos regionais e

nas relações com a Argentina. Este relacionamento será central até a mudança na condução da

política nacional derivada da Revolução de 30. A política externa dos anos trinta e quarenta foi

marcada pela adaptação do país à transição estrutural em curso, que vai de uma multipolaridade

desequilibrada, passa por um momento tripolar e culmina com a bipolaridade desequilibrada

do pós-45. Nos anos 20, adaptou-se à tripolaridade em que figuram como principais atores os

Estados Unidos, URSS e a Alemanha. Entretanto, a afirmação regional dos EUA, pela via do

“Big Stick”, afetou de forma mais decisiva as opções brasileiras.

[Gráfico 1 – Distribuição de Poder 1900-1950 (CINC3)]

O gráfico acima demonstra a distribuição de capacidades materiais entre as principais

potências de 1900 até 1980. O propósito é demonstrar as seguintes configurações estruturais:

Multipolaridade Desequilibrada (1890-1913), Unipolaridade (1913-1925), Tripolaridade

(1934-1938), Bipolaridade Desequilibrada (1950-1970). Nele é possível notar a transição

hegemônica que condicionou a política externa brasileira até os anos 30.

2.2. 1930-1945: da tripolaridade à bipolaridade desequilibrada

Nos anos trinta, após a Revolução de 30, emergia na política nacional Getúlio Vargas,

que norteou a dinâmica política até 1945 com o final do Estado Novo. Dentre os condutores da

política externa que esteve por mais tempo na era Vargas, Osvaldo Aranha deu seguimento a

diplomacia inaugurada pelo Barão. Nessa fase, a aproximação com os Estados Unidos

continuava a ser o mote. Porém, deve-se destacar a etapa da diplomacia pendular ou da

barganha nacionalista do entre guerras, pois a aproximação da Alemanha foi o principal fator

de mudança. O pragmatismo e o interesse nacional figuravam como centrais na política externa

do período e a barganha entre os dois principais atores da época (Estados Unidos e Alemanha)

simbolizam bem este aspecto. No Gráfico 1 pode-se visualizar a emergência alemã e a queda

do poder relativo norte-americano nos anos trinta. Em função disto, é possível apreender um

relativo distanciamento e um movimento de busca por autonomia relativa aos EUA, que

conferiu à fase varguista um viés de revisionismo, embora bastante limitado. Esta restrição

ligava-se à primazia geopolítica dos EUA na região e às restrições de capacidades materiais do

Brasil, que apenas iniciava sua industrialização pela via da substituição de importações.

3Os dados utilizados neste gráfico foram retirados do Índice Composto de Capacidades Nacionais (CINC) elaborado pelo Correlates of War (COW) da Universidade de Michigan (EUA). Este índice mede as seguintes variáveis de poder material: produção de aço e ferro, gastos militares, contingente militar ou tamanho dos efetivos militares, consumo de energia, população total e urbana.

Tal interregno revisionista se relacionou com a presença dos seguintes fatores: a

redistribuição de capacidades ao nível estrutural, a emergência alemã e soviética, o incremento

das capacidades nacionais, tendo em vista o início do seu processo de industrialização e,

também, a aproximação de um ator com objetivos revisionistas ilimitados da América Latina –

a Alemanha. Apesar de ela figurar como ator revisionista que adotou relações próximas a região

por pouco tempo, o Brasil só pôde modificar o viés de sua política externa em função do papel

que a Alemanha teve em confrontar os Estados Unidos em âmbito sistêmico.

Fatores domésticos e internacionais atuaram em conjunto para condicionar as alterações

de ênfase na política externa brasileira dos anos trinta. Assim, quando emergiu um ator

revisionista com grande poder e que se aproximou da América Latina, as intenções brasileiras

de autonomia e de pragmatismo desenvolvimentista acenaram com um distanciamento relativo

aos interesses norte-americanos. Todavia, pelas restrições materiais do Brasil não se pode

considerar uma quebra na dependência, no alinhamento ou do reboquismo aos EUA.

Especialmente porque, conforme Vizentini (1994), a “barganha nacionalista” tinha por objetivo

aproximar-se dos EUA e garantir o financiamento do desenvolvimento nacional.

Em suma, quando houve oportunidade sistêmica de adotar algum grau de revisionismo

da ordem internacional, para obter ganhos específicos, o país adotou tal estratégia. Reboquismo

por Lucros (bandwagoning for profit) é a denominação desta forma de atuação internacional,

segundo Schweller (1994, 1998). A barganha varguista foi o primeiro ensaio desta política por

parte da diplomacia brasileira, que como será demonstrado foi retomada nos anos setenta e no

decorrer dos anos dois mil. A política externa de Vargas demonstra como os períodos de

mudanças estruturais permitem ações distintas de atores com capacidades medianas, desde que

haja ao nível doméstico o interesse de mudanças nos rumos da ação internacional do país. Neste

caso, a oscilação dos anos trinta entre Alemanha e Estados Unidos pode ser explicada pelos

fatores domésticos em alguma medida; entretanto, sem brechas estruturais não haveria espaço

para a efetivação de alternativas ao reboquismo tradicional.

Com o fim da Segunda Guerra e do Estado Novo, algumas mudanças ocorreram na

política externa brasileira, que passou a se adaptar aos novos constrangimentos internacionais

e aos, também novos, arranjos políticos, sociais e burocráticos ao nível doméstico.

Principalmente, deve-se considerar a consolidação da primeira experiência democrática do país

(1945-1964), que foi marcada pela ampliação no poder de alguns setores da política nacional,

com destaque para o Legislativo e o Itamaraty.

2.3. 1945-1974: da bipolaridade desequilibrada à bipolaridade equilibrada

Após o fim da Segunda Guerra, inicia-se, em nível estrutural, a transição para a

bipolaridade desequilibrada, que se estenderá até o final dos anos 60, quando se equilibraram

as capacidades materiais das duas superpotências. Conforme destacaram Hirst (2009), Pinheiro

(2000), Vigevani e Cepaluni (2007) e Lima (2005b) o relacionamento principal deste momento

continua sendo o com os Estados Unidos, na forma de um alinhamento em busca de uma

inserção internacional mais ativa. Configura-se, portanto, como estágio de retorno ao

reboquismo tradicional, no qual seguir o líder do status quo foi a estratégia prioritária. Assim,

os condicionantes estruturais orientaram o viés principal da política externa brasileira entre

1945-1974. Apesar disto, esta fase não sucedeu sem desvios e homogeneamente, sobretudo

quando se considera a chamada Política Externa Independente (PEI) no início dos anos sessenta,

sob as presidências de Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Esta política buscou

aproximar o Brasil do terceiro-mundismo, uma alternativa ideológica à ligação direta aos

interesses das duas superpotências. Isto ocorreria, principalmente, pela via da diversificação

dos parceiros internacionais. Conforme Amorim Neto (2011), foi um dos momentos de maior

afastamento aos Estados Unidos; todavia, não representou um rompimento nas relações.

Porém, apesar de não conseguir romper com as ligações prioritárias com os EUA, foram

elaboradas nesta política as justificativas ideológicas para um afastamento maior da hegemonia

norte-americana. Além disso, o deflagrar dela coincidiu com o início de uma equilibração maior

entre as duas superpotências da Guerra Fria, principalmente, pelo crescimento do poder

soviético em âmbito nuclear e espacial. A crise dos mísseis de 1962 sinaliza de forma nítida o

início da fase de balanço de poder. São deste contexto histórico as formulações do TNP e do

SALT-1, que visavam ao congelamento dos arsenais nucleares das superpotências.

Adicionalmente, há que considerar o crescimento econômico do Brasil, que consolidava o

processo de substituição de importações e passava a produzir em âmbito nacional bens de

consumo duráveis, em especial no período de Juscelino Kubitschek. Alguns autores, em vista

daquela política, apontam para um afastamento relativo em relação aos EUA, interpretado por

Vigevani e Cepaluni (2007) como uma fase de distanciamento, ou como apontou Hirst (2009),

de autonomia relativa como relação àquele país.

Após o golpe militar de 1964, retorna-se à aproximação com os EUA, a qual irá se

estender até 1974. Há, assim, continuidade na política externa brasileira, ou seja, manteve a

estratégia de bandwagoning aos Estados Unidos. Só após 1974 será possível identificar um

distanciamento maior, com o deflagrar do “Pragmatismo Responsável e Ecumênico” de Geisel

(Specktor, 2004), que derivava, novamente, dos fatores estruturais como o crescimento do

poder soviético e, por outro lado, do crescimento econômico brasileiro, que aumentou as

capacidades materiais do país.

2.4. 1974-1994: da bipolaridade equilibrada ao momento unipolar

Em 1964, após um golpe de estado, foi instaurado um regime militar. Nessa fase,

ocorreu a equilibração das capacidades entre as duas superpotências, que configurou, por

conseguinte, a estrutura como uma bipolaridade equilibrada. Além disso, a URSS, após a crise

dos mísseis, passou a buscar uma aproximação da América Latina. Por meio do terceiro-

mundismo emergente, passou ela a configurar-se como alternativa a hegemonia norte-

americana também no hemisfério ocidental.

Os primeiros governos do regime militar estiveram voltados ao “americanismo” com

maior ênfase. Os governos de Castelo Branco (1964-1967), Costa e Silva (1967-1969), a Junta

Militar (1969) até Emílio Médici (1969-1973) inserem-se nessa fase. A mudança principal

ocorre com Ernesto Geisel (1974-1979). A política externa de Geisel revela o peso que as

condicionantes sistêmicas têm sobre as estratégias brasileiras, pois mesmo com a prática

doméstica de perseguição ao comunismo, houve o reconhecimento do governo marxista-

leninista do MPLA em Angola em 1974. Iniciava-se o segundo período, agora com mais nitidez,

de revisionismo da política externa brasileira. O incremento de capacidades do Brasil após o

milagre econômico condicionou uma atuação mais assertiva internacionalmente, que, em

acordo com os novos constrangimentos externos, asseguraram ao país a possibilidade de oscilar

entre o status quo pró-americano e o revisionismo limitado de viés terceiro-mundista.

Tal revisionismo, assim como o embrião varguista, esteve mais voltado ao que foi

definido por Schweller (1994, 1998) e orientou o bandwagoning for profit da fase. Para a

adoção por parte do Brasil de tal estratégia, foi necessário que os mesmos fatores (a

redistribuição de capacidades ao nível estrutural, o incremento das capacidades nacionais e a

aproximação de um ator com objetivos revisionistas ilimitados da América Latina), que

confluíram nos anos trinta, voltasse a incidir em conjunto nos anos setenta. Assim, a autonomia

pela distância e o chamado “globalismo” (Lima, 1994) são interpretações com sua justificação

em nível doméstico, coerentes com os condicionantes sistêmicos que seguem até o final dos

anos oitenta.

Com a queda da União Soviética, emergiu o “momento unipolar” do sistema

internacional (WALTZ, 2000), de primazia de uma única grande potência (BROOKS e

WOHLFORTH, 2008). A consolidação da unipolaridade coincidiu em nível doméstico com a

transição para a democracia e a abertura “lenta e gradual” do regime militar. As diplomacias

dos primeiros presidentes do novo regime político, a saber: José Sarney (1985-1990), Fernando

Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1995), foram marcadas pela adaptação ao arranjo

burocrático, derivado da constituição de 1988, e a nova distribuição de capacidades. Destaca-

se que foram retomadas, em certa medida, as ligações prioritárias com os Estados Unidos.

Contudo, como bem notam Vigevani e Cepaluni (2007), mudou a forma de relacionamento do

Brasil com o mundo, que passou a pretender uma maior integração aos centros decisórios e a

buscar um papel de relevo na nova ordem mundial. Logo, denominaram esta fase de “autonomia

pela integração” ou “participação”.

Por seu turno, Hirst (2009) vai apontar ser o momento de “ajuste” nas relações entre

Brasil e Estados Unidos, em que figuraram temas comuns (defesa das instituições

internacionais) e divergências (como o caso das patentes informáticas); apesar disto, como

destacou Lima (2005b) houve o regresso de estratégias em benefício do status quo por meio de

uma adesão às instituições capitaneadas pelos EUA. Em suma, o que configurou a política

externa da nova democracia, que irá adentrar a próxima fase, foi um retorno ao reboquismo

tradicional, com limitações ao revisionismo brasileiro em função da grande primazia material

dos Estados Unidos. Aliada a esta nova configuração estrutural e ao retorno do bandwagoning,

há o esgotamento do nacional-desenvolvimentismo e uma inflexão liberalizante ao nível

doméstico (VIGEVANI et al, 2008).

Nesse período, a diplomacia passou a buscar integrar o Brasil nas novas dinâmicas e

agendas internacionais. Assim, os “novos temas” internacionais, isto é, ambientais, dos direitos

humanos e relacionados à sociedade civil, ganharam proeminência frente aos temas tradicionais

de segurança. Na unipolaridade, restaram aos estados com poder intermediário, como o Brasil,

poucas alternativas de não adesão ao status quo.

Outro aspecto a ser considerado foi o início da diplomacia presidencial, que adquiriu

sua relevância com o deflagrar do inter-presidencialismo, o qual foi e continua a ser peça chave

no funcionamento do Mercosul, pois remete aos presidentes dos países do bloco o papel de

conduzir as negociações, resolver conflitos e a serem os garantes dos compromissos firmados

(MALAMUD, 2005). Essa forma de condução da política externa irá se consolidar nos

governos de FHC e Lula, chegando a atuar de forma decisiva na perda do poder do Itamaraty

(CASON e POWER, 2009). Cabe, enfim, analisar com mais detalhes as quatro presidências de

FHC e Lula para findar a evolução da política externa brasileira.

3. Continuidades e Mudanças na Política Externa Brasileira: FHC e Lula

3.1. 1995-2002: Os governos de FHC e a adaptação ao momento unipolar

Após o sucesso da implementação do Plano Real, em 1993, emergia definitivamente na

cena política do país Fernando Henrique Cardoso (FHC), que foi eleito presidente em 1994 e

governou até 2002. O aspecto estrutural, central na análise aqui proposta, foi contínuo neste

período, condicionado pela unipolaridade. A estratégia possível era a de reboquismo; porém,

não mais nos moldes anteriores, devido ao incremento de poder do Brasil pela estabilização

econômica e às novas dinâmicas políticas nacionais. Como síntese, segundo Vigevani et al

(2003, p.31) “as diretrizes da política externa brasileira nos dois mandatos de FHC seguiram

parâmetros tradicionais: o pacifismo, o respeito ao direito internacional, a defesa dos princípios

de autodeterminação e não-intervenção, e o pragmatismo como instrumento necessário e eficaz

à defesa dos interesses do país”.

Então, como marcas desta etapa estão a ênfase no multilateralismo e a adaptação a

globalização mais agressiva por parte dos Estados Unidos. Isto se deu em conformidade com o

apontado por Ikenberry (2001), que demonstra que a construção do regime internacional pela

potência vencedora da Guerra Fria foi em benefício da manutenção de seu poder e de suas

prioridades nacionais. Desta forma, pouca margem de manobra foi conferida aos atores

intermediários, que em vista disto optaram por defender interesses nacionais pragmáticos e

atuarem na adequação ao status quo, sem que isto representasse uma posição subordinada

(VIGEVANI et al, 2003, p.36).

Portanto, a denominação conferida por Pinheiro (2004) de “institucionalismo

pragmático” define de forma correta a diplomacia dos primeiros anos FHC. Entretanto, o

desencanto com as instituições e com a globalização, no decorrer do segundo mandato,

culminaram com a adoção de um viés mais pragmático. Isto coincidiu com a percepção acerca

de uma sobre expansão do poder norte-americano e com o retorno ao realismo político,

principalmente, após os atentados aos Estados Unidos em 2001. Além disso, passaram a figurar

de forma mais incisiva no sistema internacional os novos atores, principalmente, pela

emergência do Leste Asiático – o retorno do Dragão Chinês e dos Tigres.

A interpretação de Vigevani e Cepaluni (2007) demonstra que a adaptação ao novo

momento ocorreu mediante a busca de “autonomia pela participação”, que vislumbrava uma

participação ampliada e distinta do país que tentava se afirmar no sistema internacional.

Relacionado a isto algumas abordagens revelam uma orientação “pró-norte” da diplomacia de

FHC (PECEQUILO, 2008; VIZENTINI, 2006). Cabe destacar que essa percepção coincide

com a que aqui se adota sobre os efeitos permissivos e restritivos da estrutura, que condicionam

a inserção internacional do Brasil ao norte.

Porém, é necessário frisar que o país passou a estar presente em negociações

internacionais importantes e iniciava a sua trajetória de participação multilateral mais ativa.

Como exemplos podem ser citadas as participações na criação da OMC, no impulso ao

Mercosul com o Protocolo de Ouro Preto e nas negociações da Alca. Esta última marcou o

“ajuste” nas relações EUA e Brasil (HIRST, 2009), que se baseia no retorno de relações cordiais

e de confluência de interesses.

Outro aspecto central desta fase foi a ampliação da diplomacia presidencial e a perda

maior de poder do Itamaraty frente ao Presidente da República. Cason e Power (2009)

demonstram que o aumento do número de viagens internacionais revela um ativismo

presidencial em detrimento do papel do Ministério das Relações Exteriores. Dando seguimento

a este argumento, Amorim Neto (2011, p.129) analisou as mudanças de diplomatas

(embaixadores) pelos governos de FHC e Lula, e os dados analisados corroboram a percepção

dos autores acima mencionados, pois houve no início dos governos destes presidentes grandes

trocas nos postos principais do exterior. Isto revela a preferência por modificações nas pessoas

envolvidas com a política externa, configurando uma quebra na continuidade da política.

A experiência do inter-presidencialismo no Mercosul (MALAMUD, 2005) demonstra

que a resolução de crises e a continuidade do processo de integração foi mais dependente do

papel desempenhado pelos presidentes do que da institucionalização do bloco ou da diplomacia

do Itamaraty. Este aspecto conduziu os governantes a chamarem para si a responsabilidade pela

condução da política externa brasileira. Esta prática irá ampliar-se nos governos Lula segundo

Cason e Power (2009) e isto configura uma das principais continuidades entre os governos FHC

e Lula.

Ainda sobre o papel do presidente como central nas relações internacionais do país, não

se pode esquecer o crescimento do poder do Executivo, principalmente do Presidente, na

política nacional. O fortalecimento dos poderes do presidente deve-se, sobretudo, ao aumento

das prerrogativas legislativas do poder executivo após a Constituição de 1988 (FIGUEIREDO

e LIMONGI, 1999).

Em suma, ficou demonstrado que, neste período, houve o retorno à aproximação com os

Estados Unidos, mas que, ao final, iniciou um distanciamento crescente que atingirá seu auge

nos governos posteriores de Lula.

3.2. 2002-2010: Os governos de Lula e a transição para a multipolaridade

A política externa brasileira da administração Lula (2003-2010) foi marcada por um

conjunto de fatores domésticos que orientaram, em certa medida, a produção científica sobre o

tema. O aspecto novo foi a centralidade do partido político nos programas e decisões sobre

política externa, especialmente pelo papel da assessoria palaciana (ALMEIDA, 2004;

OLIVEIRA e ONUKI, 2010; AMORIM NETO, 2011). Também houve o retorno dos princípios

tanto da Política Externa Independente quanto do Pragmatismo Responsável; porém, agora

enfocados no chamado “Sul Global”, com a diplomacia do Sul-Sul (LIMA, 2005a; HURRELL,

2010). Cabe destacar que, segundo Saraiva (2010), a viragem ao “sul” iniciou-se com FHC,

mas se consolidou no governo Lula. Tais modificações na pauta de inserção internacional e na

forma de condução desta diplomacia nortearam as análises sobre uma nova forma de busca pela

autonomia, que passava a ser “pela diversificação” (VIGEVANI e CEPALUNI, 2007).

Com relação aos EUA foi o período da afirmação do relacionamento (HIRST, 2009) e

que, segundo Pecequilo (2008), foi a ocasião da maturidade das relações. Isto se deve à guinada

ao “sul” que promoveu o afastamento relativo aos interesses norte-americanos e aos casos em

que o país se posicionou contrário aos EUA em organismos internacionais. A formação do G3

pode ser considerada marcante dessa dinâmica e corrobora as enunciações de Lima (2005a)

sobre esta ter sido a fase da “institucionalização do revisionismo”, na qual as ligações com

países emergentes passam a atuar em benefício da alteração na ordem internacional.

O retorno à pauta do desenvolvimento e das prioridades econômicas voltadas para o

crescimento econômico e investimento público fez com que Cervo (2008) tenha definido a

forma de condução da política externa como sendo baseada no paradigma do Estado Logístico.

Neste se dá a articulação dos interesses internacionais para alavancar o desenvolvimento

nacional. Como se pretende demonstrar, a política externa desta fase passou por modificações

importantes, conquanto tenha mantido traços fundamentais das anteriores. A centralidade da

autonomia, do desenvolvimento, do relacionamento multilateral e com diferentes regiões

(universalismo) foram aspectos mantidos (VIGEVANI e CEPALUNI, 2007). O que se

modificou foi a ênfase dada a cada um desses aspectos, pois segundo as interpretações

dominantes houve a priorização do “sul” em detrimento do “norte”, ainda houve uma orientação

maior em favor de reformas na ordem internacional e em benefício de alianças ad hoc que

chegam a ser consideradas revisionistas – BRICS e IBAS (LIMA, 2010; SCHWELLER, 2011).

A inserção internacional do Brasil alcançou nível singular. Passou o país a integrar todas

as mesas de negociação importantes. Isto representou um aumento significativo em seu

prestígio internacional. As explicações para esta emergência, a partir dos anos 2000, voltam-se

ao crescimento econômico, a estabilidade política e ao papel da diplomacia presidencial de

Lula. Estas abordagens afirmam, portanto, que a ênfase na diplomacia presidencial e o

incremento de capacidades permitiram a ampliação de sua internacionalização.

[Gráfico 2-CINC+Interpretações 1994-20104]

Um importante aspecto a ser analisado no Gráfico 2 é aumentarem as capacidades

materiais do Brasil continuamente ao longo do período analisado. Isto é relevante para a

interpretação realizada neste capítulo, pois as capacidades materiais condicionam as opções

estratégicas dos atores. Assim, no início do século, o Brasil era afetado de forma mais decisiva

pelos fatores estruturais do que no final. Passou, em termos de poder, de pequena potência a

intermediária no decorrer dos anos sessenta. Tal crescimento de poder também permitiu que

práticas de afastamento mais nítidas fossem adotadas. É importante notar que o incremento de

poder do Brasil afeta não apenas sua inserção internacional, mas também produziu efeitos sobre

4Neste gráfico também são utilizados os dados do CINC.

a dinâmica regional. Ou seja, o distanciamento de poder dos vizinhos conduziu a um

afastamento crescente da região (MALAMUD e RODRIGUEZ, 2013).

Qual foi a relação, nesta fase, entre os fatores estruturais e as práticas de política externa.

Como já mencionado, existiu um relativo incremento de capacidades; todavia não suficiente

para dotar o país de todas as alternativas que mencionam os autores sobre a sua “nova” inserção

internacional. A emergência de atores como China, Índia e a recuperação russa, significou uma

tendência a alteração na estrutura internacional que favoreceu estas mudanças na política

externa brasileira (RODRIGUEZ, 2012).

O sistema internacional, no decorrer dos anos 2000, teve como principal fator de

alteração a emergência chinesa e a reorganização produtiva da economia mundial para o leste

asiático. Assim, as alterações na estrutura com base nas capacidades ofereceram oportunidades

aos atores intermediários, como o Brasil. Cabe, porém, reafirmar que foram de iniciativa

nacional as decisões por aproveitar as oportunidades e de ajustar-se de forma mais apropriada

aos constrangimentos.

O “reboquismo de ganhos” foi a forma predominante da política externa do governo

Lula. Mas que fatores coincidiram para viabilizar tal estratégia? Retomam-se, logo, os

elencados no decorrer do capítulo e constata-se que novamente se combinaram os mesmos

fatores, à semelhança da barganha varguista e do pragmatismo responsável. Assim, existiram

mudanças estruturais, houve a emergência de um ator revisionista que se aproximou da região

(China), houve algum incremento de capacidades do Brasil e foi nítido o interesse em atuar de

forma distinta na defesa dos interesses nacionais.

4. Conclusões: Determinantes e Condicionantes da Política Externa Brasileira

Para finalizar esta abordagem sobre a política externa brasileira, cabe especular,

finalmente, sobre que fatores são determinantes e condicionantes. Serão os fatores sistêmicos,

como pressupõe a teoria neorrealista? Ou são os fatores domésticos, como se depreende da

maioria dos estudos sobre a política externa brasileira?

4.1. Variáveis Sistêmicas

O estudo de Amorim Neto (2011) apontou para a relevância de uma variável sistêmica

de poder para entender a política externa brasileira. A interpretação realizada neste capítulo

demonstrou, também, correlações importantes entre as mudanças na distribuição de poder e as

estratégias adotadas pela política externa brasileira. Não se pode deixar de mencionar que estas

alterações estruturais, na maior parte das vezes, foram acompanhadas pela emergência de atores

revisionistas. Assim, as principais mudanças de ênfase na trajetória da política externa

brasileira, no decorrer do tempo analisado, relacionam-se aos efeitos permissivos da estrutura

internacional, em especial a aproximação regional de uma grande potência com cariz

revisionista, seja ele limitado ou não. Foram os casos de Alemanha, URSS e China, que marcam

momentos singulares da política externa brasileira, sempre em benefício de algum grau de

revisionismo e de afastamento maior dos Estados Unidos.

Outros estudos demonstram que, além de afetar as preferências e as possibilidades de ação

do Brasil, a estrutura do sistema condicionou a política externa econômica brasileira nos

períodos recentes (VIEIRA, 2013). Isto significa apontar que tanto o viés material militar

quanto o econômico dão razão ao argumento realista de que a distribuição de capacidades afeta

diretamente os estados e condiciona a sua política externa, sem esquecer que o incremento de

capacidades nacionais pode ser visto tanto como aspecto internacional quanto doméstico. Isto

porque elas se relacionam com o posicionamento na estrutura de poder sistêmico e com as

possibilidades de implementação de sua política externa. Logo, quanto mais capacidades, mais

instrumentos para efetivar sua política externa (HILL, 2003). Assim, o incremento de

capacidades brasileira ao longo dos séculos XX e XXI permitiu um paulatino distanciamento

dos Estados Unidos, que culminou com as estratégias de maior oposição nas fases mais

recentes, conforme destacou Brands (2010) e corroborou Amorim Neto (2011) (ver Gráfico 2).

4.2. Variáveis Domésticas

Os principais estudos sobre a política externa brasileira centram-se em abordar como

ela foi definida, pensada e implementada em âmbito doméstico. Ainda definem que atores são

relevantes, que arranjo burocrático, que setores participam desta formulação, que preferências

têm e como atuam para influenciar esta política. Mas é possível retirar temas consensuais deste

debate? Sim, e o principal deles refere-se ao peso do Itamaraty como centro decisório da política

externa brasileira ao longo do século XX. Principalmente, por ter sido o responsável pela

continuidade de prioridades e por manter uma tradição com relativa coerência de princípios.

Esta ênfase conduziu aos estudos sobre as divisões internas do Itamaraty e sobre que

fatores influenciaram as posições tomadas pelo país, principalmente, ao longo das últimas

décadas. Conforme Saraiva (2010), há um conjunto de divisões políticas no Itamaraty que

orientaram as preferências nacionais em cada fase. Entretanto, como destacado, o peso desse

ministério vem caindo ao longo do tempo em benefício do poder do Presidente e de outros

setores, até então envolvidos indiretamente com a formulação da política externa brasileira,

como por exemplo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (CASON e

POWER, 2011; AMORIM NETO, 2011). O que se modificou, enfim, em âmbito doméstico

foi o rompimento do insulamento do Itamaraty e a perda de seu poder em virtude da diplomacia

presidencial, capitaneada pelos Presidentes, mesmo que em diálogo com seus ministérios.

O estudo de Amorim Neto (2011, p.166-167) apontou para uma hierarquia na condução

e determinação da política externa brasileira, que foi corroborada pelos estudos de Rodriguez

(2013) e Vieira (2013). Tal hierarquia refere-se ao grau de relevância ou participação na

condução da política externa brasileira. Assim, estes estudos concordam que a ordem de

relevância na condução da política externa brasileira é a seguinte: a) uma variável sistêmica de

cunho neorrealista, b) o incrementalismo diplomático do Itamaraty e c) a força ministerial dos

partidos de esquerda. Contudo, aliados a estes fatores, Rodriguez (2013) insere a necessidade

de verificar o peso de mudanças estruturais e da emergência de atores revisionistas que

estabeleçam relações com a região. Em suma, como condição necessária para as alterações na

política externa apontadas neste capítulo figura o incremento de capacidades materiais do

Brasil; entretanto, como necessários para o resultado final, estão os fatores estruturais, como,

por exemplo, a queda no poder dos Estados Unidos e a emergência de um ator revisionista com

elevado poder material.

Apesar destes fatores, não se pode relegar o ambiente doméstico a um papel totalmente

subordinado. Deve ficar nítida sua relevância como interveniente nesta política, que faz a

mediação necessária entre a prática da política externa e as restrições/permissões do sistema

internacional. Assim, este capítulo tratou de relacionar efeitos estruturais com variáveis

domésticas, confirmando que o sistema internacional deve ser o primeiro aspecto considerado

nos estudos sobre a política externa brasileira. Somente após a avaliação dos efeitos permissivos

e restritivos estruturais é que podem ser analisados os intervenientes domésticos, que podem

influenciar a forma de inserção internacional e definiras estratégias a serem adotadas pelo

Brasil.

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Gráfico 2 (opção 1)

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Multipolaridade - » Bipolaridade Deseq. Bipolaridade MomentoUnipolar

Unip. -» Multip.

AmericansimoAlinhamento

Autonomia na DependênciaGlobalismoAutonomia

Autonomia pelaDistância

InstitucionalismoPragmático

AjusteAutonomia pela

Participação

RevisionismoAfirmação

Autonomia pelaDiversificação