A PENHORA DE QUOTAS E AÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA

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1 A PENHORA DE QUOTAS E AÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA Ana Flávia Abreu Bezerra dos Santos Victor Nogueira de Figueiredo Sumário: Introdução; 1. A Penhora no Código de Processo Civil; 2. A discussão sobra a penhorabilidade das cotas sociais; 3. Dos atos de alienação do bem penhorado e do direito de preferência do sócio na adjudicação; Considerações Finais RESUMO O presente paper objetiva dissertar acerca do instituto da penhora em face da execução por quantia certa contra devedor solvente. Analisa-se a penhorabilidade, em especial das cotas das sociedades empresárias quando em face de dívida particular de sócio. Apesar da recente lei de 2011 ter previsto a penhorabilidade de tais cotas, visa-se aqui considerar instituto do direito empresarial, que presa por princípios como o affectio societatis, e que com a nova sistemática podem ser desrespeitados, podendo prejudicar substancialmente o corpo social, contribuindo muitas vezes para sua dissolução. PALAVRAS-CHAVE

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A PENHORA DE QUOTAS E AÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA

Ana Flávia Abreu Bezerra dos Santos

Victor Nogueira de Figueiredo

Sumário: Introdução; 1. A Penhora noCódigo de Processo Civil; 2. A discussãosobra a penhorabilidade das cotassociais; 3. Dos atos de alienação do bempenhorado e do direito de preferência dosócio na adjudicação; ConsideraçõesFinais

RESUMO

O presente paper objetiva dissertar acerca do instituto da

penhora em face da execução por quantia certa contra devedor

solvente. Analisa-se a penhorabilidade, em especial das cotas das

sociedades empresárias quando em face de dívida particular de

sócio. Apesar da recente lei de 2011 ter previsto a

penhorabilidade de tais cotas, visa-se aqui considerar instituto

do direito empresarial, que presa por princípios como o affectio

societatis, e que com a nova sistemática podem ser desrespeitados,

podendo prejudicar substancialmente o corpo social, contribuindo

muitas vezes para sua dissolução.

PALAVRAS-CHAVE

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Penhora – Quotas Sociais – Desdobramentos – Adjudicação –

Sociedade Limitada

Introdução

De início, busca-se esclarecer acerca do instituto da

Penhora. Lembrar também que em primeiro lugar e antes de penhorar

as quotas do sócio da sociedade limitada, buscam-se outros bens

que estejam em nome do devedor. A penhora somente recairá sobre

os bens do sócio devedor se não houverem bens suficientes para

solver sua dívida. Portanto, a ideia é a de que não haverá

afetação da sociedade se o devedor tiver bens suficientes.

Abordar-se-á acerca do entendimento ainda não pacífico de

que as cotas sociais podem ser penhoradas, já que não estão

enquadradas dentre os bens considerados impenhoráveis. Essa

posição é tendência ultimamente, mas ainda não consolidada.

Quanto ao artigo 649, I, do CPC que proíbe a alienação dos bens

impenhoráveis, surgem aqueles que defendem ser de tal

característica as cotas sociais. Aqui, abordaremos a existência

de correntes doutrinárias que divergem acerca desse entendimento,

que envolve muito mais do que processo e sim direito de empresa.

Embora ainda latente, muitos acreditam que essa discussão

está ultrapassada e que a lei dá respaldo suficiente para a

realização da penhora. O que buscam a doutrina e a

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jurisprudência, superada a fase de se cogitar cotas sociais como

impenhoráveis, são meios que não afetem o affectio societatis, quando

da imposição de um terceiro estranho ao corpo da empresa. Aqui

reside o objetivo do trabalho, qual seja, o de apontar soluções

como as previstas no artigo 1117 à 1119 do CC, que estabelece o

direito de preferência aos sócios quando da aquisição das cotas,

dentre outras soluções.

1. A Penhora no Código de Processo Civil

A penhora foi criada para satisfazer o crédito do

executado por meio da apreensão de bens. A satisfação pode ser

direta, que ocorre quando o próprio executado adquire o bem por

meio da adjudicação, e indireta, se o bem for alienado e o

pagamento for só assim, repassado ao exequente. Segundo Didier,

et. al (2013, p. 552), a penhora serve para individualizar a

responsabilidade patrimonial do devedor e enquanto esta sujeita o

devedor de forma genérica e potencial, aquela atuaria de forma

efetiva e específica de bens passíveis de execução. Luiz Fux

(2008, p. 388) afirma que essa responsabilidade patrimonial

vincula o Estado à busca e convertimento dos bens do devedor em

dinheiro, para que assim seja satisfeita a pretensão do

exequente. O rumo aqui percorre o da “execução por expropriação”,

justamente pela condução do processo à busca de uma quantia

certa. Para Fux (2008, p. 389), “A execução por quantia certa

está para o processo de execução como o procedimento ordinário

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para o processo de conhecimento”, por ser tal execução genérica e

substituir as específicas quando frustradas, já que todas poderão

se converter em dinheiro. Importante destacar que essa espécie de

execução se refere a uma obrigação que a outrem foi garantida por

meio de um bem móvel ou imóvel, com característica de penhorável

e será realizada em face de título extrajudicial, sendo portanto,

auto-executável, e devendo por isso ser obrigação líquida, certa

e exigível (p. 390-391).

A penhora é considerada o primeiro ato expropriatório

nessa chamada execução por quantia certa contra devedor solvente.

Quando o devedor é insolvente, o procedimento da execução se

baseia em comprovar o estado de insolvência do executado e logo

após se estabelece o concurso de credores, como expressam os

artigos 761 e 751, III do CPC. Já quando em face da solvência do

devedor, Ernane Fidélis Santos (2011, p. 168) diz tal se realizar

no exclusivo interesse do credor.

De início, consiste em apreender bens em juízo que

responderão pela execução. Vale ressaltar que será apenas

considerada realizada em presença de efetivo depósito da coisa

(art. 664), pois tal sem depósito configura ato incompleto.

Poderá ela recair, sob disciplina do 671 e 677, sobre créditos ou

outros direitos patrimoniais, estabelecimento comercial ou

agrícola, semoventes ou edifício em construção (SANTOS, 2011, p.

168-169)

Fora os casos de impenhorabilidade, quaisquer bens do

devedor poderão ser objeto de penhora, estejam eles em mãos do

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devedor ou de terceiros. E serão considerados bens do devedor

também os daqueles que hajam sucedido ou por causa mortis ou inter

vivos (BARBOSA, 2012, p. 239)

Didier; et. al (2013, p. 552) afirmam que a penhora tem

sempre três funções, que é de individualizar e apreender o bem,

depositá-lo e conservá-lo, e atribuir direito de preferência ao

credor. O primeiro ato da penhora é, portanto, sempre a busca por

bens penhoráveis. Assim que estes forem individualizados e

apreendidos, responderão à satisfação do crédito. Aqui, vale

ressaltar mudança importante no que tange à nomeação dos bens.

Com as leis 11.382 e 11.232, de 2006 e 2005, respectivamente, a

nomeação deixou de ser um direito e passou a ser dever do

exequente. Ele mesmo na petição inicial os nomeará, e apenas se

pelos meios cabíveis, houver dificuldade em destacá-los, é que o

magistrado requererá que o próprio executado os nomeie em 5 dias.

Didier (p. 553) afirma que apesar de tais bens estarem destinados

à expropriação, isso não significa que se perderá o domínio ou a

posse, que se permanecem, mesmo que sobre eles, se tornarem

ineficazes atos relativos à disposição dos mesmos.

Após essa fase, os bens são destinados a um depositário,

que ficará responsável pela guarda e conservação dos bens, assim

como de seus acessórios. Em relação à terceira função, que é a de

conferir direito de preferência sobre o bem ao exequente, Didier

deixa claro (p. 554) que não se exclui preferências anteriores

sobre o mesmo bem, e que apenas quis beneficiar o credor mais

“diligente” na busca pelo seu direito de crédito.

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A natureza jurídica da penhora também é objeto de

divergência doutrinária. É vista como ato cautelar, misto ou

executivo. Didier (2013, p. 554) não a vê como cautelar porque

apesar de sua função “conservativa”, ela não busca apenas

preservar. Isso é apenas o início de todo o processo da penhora.

Além do fato de que para ser cautelar, deveria preencher a

eventualidade e acessoriedade, não precisa, da mesma forma,

realizar-se em face do periculum in mora nem do fumus boni iuris, e é

portanto, tese improcedente.

Quanto ao fato de ser misto, por ter natureza cautelar e

executiva, Didier (p. 555) também discorda pelos motivos já

expostos. É de predominante entendimento, considerar o ato

executivo, pela característica de apreender o bem e fazer com que

a responsabilidade patrimonial se efetive e recaia sobre bens.

2 A discussão sobre a penhorabilidade das cotas sociais

É necessário, antes de se discutir acerca da

penhorabilidade de cotas da sociedade limitada, distinguir

sociedade de capital e sociedade de pessoas. A de pessoas seria

aquela em que se dá especial valor ao affectio societatis, onde o lucro

não é a única persecução dos sócios da empresa, sendo de suma

importância a afinidade pessoal entre eles. Consequentemente, o

ingresso de terceiros é vedado. Por outro lado, a sociedade de

capital negligencia fatores subjetivos, bastando apenas que cada

membro desenvolva sua contribuição material com o objeto social

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da empresa. Com isso, fica simples a conclusão de que permitindo

a livre cessão de cotas na sociedade de capital permite a penhora

e o exequente apenas passa a figurar no quadro social da empresa.

A grande celeuma se encontra quando da penhorabilidade das cotas

da sociedade de pessoas, já que a doutrina diverge, com uns

afirmando que as cotas fazem parte do patrimônio da sociedade e a

dívida a ser executada faz parte do patrimônio do sócio, não

devendo haver, portanto, alcance de um no outro (SARAIVA, 2008).

A penhorabilidade das cotas sociais de sociedade limitada

é hoje permitida com a Lei n. 11.382 de 2006 e prevista no artigo

655, VI do CPC. Antes disso, no entanto, apesar do CPC de 1939

não ter disposição nesse sentido, grande parte da doutrina

convergia para a possibilidade de penhorar essas cotas. A outra

vertente não a permitia sob a justificativa de que seria

necessária expressa previsão no estatuto social para que as cotas

fossem alienadas sem que os outros sócios precisassem anuir

(DIDIER JR.; et.al, 2013, p. 592-593).

Quando o Código de 1939 em seu artigo 930, V admitia

expressamente a penhora sobre “direitos e ações”, sendo tais

considerados as dívidas ativas, vencidas ou vincendas, constantes

de documentos; as ações reais, reipersecutórias, ou pessoais para

cobrança de dívidas e por fim, as quotas de herança em inventário

e partilha e fundos líquidos em sociedade comercial ou civil,

Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 285) afirmou ser tais fundos

líquidos não apenas o saldo presente de direito do sócio, mas

também a parte de sua cota apurada quando da liquidação da

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sociedade. Segundo ele, isso não seria o mesmo que fundo social.

A ideia que se pode inferir do dispositivo do Código de 1939 é de

que os fundos sociais seriam impenhoráveis, mas não os fundos

líquidos.

No entanto, Câmara (2008, p. 286) afirma que o posterior

Código de 1973, por ter se omitido acerca de qualquer previsão

sobre a penhorabilidade das quotas de sociedade limitada, exigiu

do intérprete que discussões sobre a legislação anterior e

Direito comparado, exigissem a correlata possibilidade da penhora

das quotas.

A penhorabilidade das cotas sociais também vem

regulamentada por meio do art. 1.026 do Código Civil, que dispõe

acerca da possibilidade de credor do sócio, em face da

insuficiência de bens do devedor, executar o que cabe a este nos

lucros da sociedade ou na liquidação desta.

O parágrafo único complementa a possibilidade do credor

também requerer que a cota seja liquidada, caso a sociedade não

esteja dissolvida. Didier (2013, p. 593) desnuda nesse

dispositivo uma relativização dessa penhorabilidade, haja vista o

fato do credor apenas estar autorizado a requerer liquidação de

cota nos casos de insuficiência de lucros, pois tais, se

existentes, são os que deverão ser objetos de penhora. Isso tudo

devido ao princípio da menor onerosidade, não configurando opção

do exequente. Portanto, em busca à garantia do adimplemento da

obrigação, as cotas são penhoráveis apenas em caráter eventual,

podendo até mesmo o juiz, diante do caso concreto, rejeitar

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pedido de liquidação, se julgar prejudicial ao cumprimento da

função social da empresa.

É importante salientar também que nas sociedades

constituídas intuitu personae, os sócios também podem se

responsabilizar pelas dívidas de seus sócios perante terceiros.

Quando a lei permite que bens dos sócios do executado respondam

com seus bens na execução, a razão é que a penhorabilidade dos

bens de terceiros atendem à responsabilidade executiva do dono do

bem. Entre os casos previstos em lei, temos o fiador judicial, o

responsável tributário, o cônjuge do devedor, o adquirente do bem

alienado em fraude de execução, e o sócio (BARBOSA, 2012, p.

239). Tal hipótese se encontra prevista no artigo 592, n° II do

Código de Processo Civil, podendo, no entanto, exigir que

primeiro sejam excutados os bens da sociedade. A responsabilidade

de terceiros em execução está também prevista no Código

Tributário Nacional, artigo 134 e também enquadra os sócios, em

caso de liquidação da sociedade de pessoas. Ernanis Fidélis dos

Santos (2011, p. 117) entra no mérito de analisar o que gera a

responsabilidade desses sócios. Entende ser correto o

posicionamento de que a responsabilidade do terceiro depende

sempre de averiguação de um fato por meio de um processo de

conhecimento. Parece ser mais viável e talvez por isso seja

jurisprudência dominante do STF entender que não há necessidade

de apurar tal responsabilidade em âmbito administrativo, podendo

tal ação ser movida independentemente de procedimento. Tal ação,

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no entanto, teria de alegar o motivo que gerou tal

responsabilidade (SANTOS, 2011, p. 118).

Para Ernane Fidélis dos Santos (2011, p. 170), as ações

das sociedades por ações poderão ser penhoradas devido ao fato de

constituírem bens de sociedade de caráter impessoal. O autor acha

mais lógica a corrente doutrinária que embasada pelo artigo 720,

entende que as quotas sociais compõem a sociedade mas que também

são propriedade dos sócios, e por isso, devem responder por suas

dívidas. Chega ao extremo da opinião de ver a sociedade extinta e

liquidada, em caso de alteração no quadro social da empresa.

Câmara (2008, p. 286) também partilha da opinião de que a

lei 11.382 de 2006 dirimiu quaisquer dúvidas sobre essa penhora,

pois segundo ele, admitir sua não existência era apenas retirar

do sócio devedor sua responsabilidade patrimonial por um bem não

afastado de seu campo de incidência, já que pelo artigo 591, o

executado responde pela obrigação com todos os seus bens. O autor

também afirma que o ato de um terceiro ou do próprio exequente de

adquirir a quota penhorada do sócio devedor não retira a

característica da affectio societatis, pois, quando expropriadas e

posteriormente adquiridas, darão face à que o adquirente ou até

mesmo os sócios remanescentes promovam a dissolução e liquidação

da sociedade. Com a lei, Câmara vê agora impossível que devedores

mal intencionados cheguem a constituir empresa de

responsabilidade limitada somente com o intuito de transferir

seus bens apenas em quotas que nesse caso não seriam atingidas.

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Quanto à ordem de pagamento, a lei chega a nomear uma

ordem de preferência, que apesar de não obrigatória, e não

vincular na prática que assim seja realizada a penhora, a ideia é

que, de acordo com o artigo 655 na redação da Lei 11382, virão em

primeiro lugar o dinheiro, em espécie, depósito ou aplicação em

instituição financeira, veículos, bens móveis, imóveis, navios e

aeronaves, ações e quotas de sociedade empresária, percentual no

faturamento de empresa devedora, pedras e metais preciosos,

títulos da divida pública dos entes federativos, títulos, valores

mobiliários e outros direitos (BARBOSA, 2012, p. 240).

Não obstante os argumentos supracitados por grande parte

da doutrina brasileira, há ainda correntes que vêem nas quotas

sociais das sociedades de pessoas a característica da

impenhorabilidade. O motivo é o fato de a quota fazer parte do

capital social da empresa e que, portanto, é desligada da pessoa

do sócio, além do que a penhora de tais quotas desnaturaria o

sentido da sociedade, levando as vezes à extinção da sociedade ou

alteração no quadro societário. Essa corrente entende que

penhoráveis seriam apenas os fundos líquidos atribuídos ao

devedor em sua parte delimitada (SANTOS, 2011, p. 170).

Portanto, mesmo tendo em vista a satisfação do crédito

exequendo, a lei no entanto, prevê imunidade a certos bens, os

impenhoráveis. Para José Carlos Barbosa Moreira (2012, p. 237),

isso deriva da inutilidade da apreensão por óbice legal, por

motivo maior que é o de não privar o devedor de bens não só dele,

mas que necessários à subsistência da sua família, por exemplo.

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Além disso, têm-se os bens de valor apreciável por motivos

personalíssimos e aqueles que por terem destinação social

relevante, busca-se evitar a “pertubação excessiva”.

Ferreira (2007) acredita que o grande problema no que

tange a penhorabilidade das quotas reside no momento em que tal

cláusula deveria estar inclusa no contrato social da sociedade,

prevendo justamente a impenhorabilidade das mesmas. A inclusão

dessa cláusula é defendida pelo fato da importância que a

interferência de um terceiro em uma sociedade que presa pelos

atributos pessoais de cada um influencia na consecução do objeto

social da empresa. Portanto, o autor defende que permitir tal

penhorabilidade sustenta-se apenas em casos de omissão no

contrato social, pois tal cláusula, estando presente, impede a

penhora. O autor ainda defende que mesmo havendo omissão, ainda

restam aos sócios insatisfeitos com a penhorabilidade a

possibilidade de que para solver a dívida do credor, tais sócios

realizem o pagamento da quantia, ficando sub-rogados nos direitos

do credor satisfeito, como expressa o artigo 347 do Código Civil.

A solução vista é que não havendo o pagamento do sócio devedor

aos outros que se sub-rogaram nos direitos, é que se poderá

liquidar a cota parte do sócio devedor, quando só assim não

haverá prejuízo à empresa nem ao capital social.

Observa-se, para tanto, o que já dispõe decisão do

próprio TJ-SP: II A previsão contratual que proíbe à livre alienação dascotas de sociedade de responsabilidade limitada não impedea penhora de tais cotas para garantir o pagamento de dividapessoal de sócio. Tal constrição não encontra vedação legal

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e nem afronta o princípio da affectio societatis, não ensejando,necessariamente, entrada de novo sócio. (Apelação APL1421304320058260000 SP 0142130-43.2005.8.26.0000)

Dessa forma, se observa plena e clara a possibilidade da

utilização do instituto da penhora sobre os as quotas sociais,

haja vista que tal prática não inclui terceiro algum na sociedade

existente, mas sim se trata apenas de uma garantia à qual o

credor terá para o cumprimento da obrigação instituída.

3 Dos atos de alienação do bem penhorado e o Direito de

Preferência do sócio na adjudicação

Conforme se pontuou anteriormente a controvérsia acerca

da penhorabilidade das cotas sociais fora expressamente superada

com a edição da Lei 11.382/2006 que, alterando a redação do

artigo 655, VI do Código Processual Brasileiro, elencou as quotas

empresariais dentre os bens passives de sofrer a constrição

judicial para satisfação de determinada obrigação inadimplida.

Nesta esteira, “inadmitir tal penhora implicaria retirar da

responsabilidade patrimonial um bem que não se encontrava

expressamente afastado de seu campo de incidência.” (CÂMARA,

2008, p. 286).

No contexto do atual processo executivo a avaliação dos

bens penhorados ocorre na mesma oportunidade da penhora, e é

conceituada como “ato que prepara a expropriação, consistente em

perícia pela qual se define o valor dos bens penhorados”.

(WAMBIER, 2006, p. 187).

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Assim, passamos nesta fase do presente estudo ao passo

exatamente subsequente ao momento da penhora e avaliação dos bens

penhorados, os denominados desdobramentos da penhora, quais

sejam: a Adjudicação; a Alienação por Iniciativa Particular; e

Alienação em Hasta Pública. Estes desdobramentos, também

denominados de ‘’atos de expropriação’’, são, inclusive, o ponto

nodal no que se refere às quotas de sociedades empresárias,

conforme se objetiva demonstrar adiante.

Para efeito de melhor explanação da ideia que aqui se

pretende deduzir, começaremos discorrendo sobre o último ato

expropriatório a ser intentado em determinada fase processual

executiva, a Alienação em Hasta Pública. Isso porque este tipo de

alienação do bem penhorado somente deve ser praticado se tais

bens não houverem sido adjudicados ou alienados. (CÂMARA, 2008,

p. 293).

O consagrado processualista Humberto Theodoro Júnior

procura sintetizar a conceituação deste ato em verdadeira

licitação, “onde os bens penhorados serão retirados do patrimônio

de seu proprietário e irão incorporar ao patrimônio de quem os

arrematar, sendo o arrematante aquele que der a melhor oferta

pelos bens.” (THEODORO JÚNIOR, 1997, p. 227).

A Hasta Pública poderá ser realizada através de duas

espécies: a praça (para expropriação de bens e imóveis) e o

leilão (para bens móveis). Deverá ainda ser publicado um edital,

contendo todos os elementos dispostos no artigo 686 do Código

Adjetivo Brasileiro:

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Art. 686. Não requerida a adjudicação e não realizada aalienação particular do bem penhorado, será expedido oedital de hasta pública, que conterá: I - a descrição do bem penhorado, com suas característicase, tratando-se de imóvel, a situação e divisas, comremissão à matrícula e aos registros;II - o valor do bem;III - o lugar onde estiverem os móveis, veículos esemoventes; e, sendo direito e ação, os autos do processo,em que foram penhorados;IV - o dia e a hora de realização da praça, se bem imóvel,ou o local, dia e hora de realização do leilão, se bemmóvel;V - menção da existência de ônus, recurso ou causa pendentesobre os bens a serem arrematados;VI - a comunicação de que, se o bem não alcançar lançosuperior à importância da avaliação, seguir-se-á, em dia ehora que forem desde logo designados entre os dez e osvinte dias seguintes, a sua alienação pelo maior lanço(art. 692).

Outra possibilidade de expropriação do bem penhorado

consiste na Alienação por Iniciativa Particular. Trata-se de

expediente conhecido no Direito Italiano, através do qual o

exequente poderá requerer que seja os bens penhorados alienados

por sua própria iniciativa ou por intermédio de corretor

credenciado perante a autoridade judiciária.(CÂMARA, 2008, p.

292). Art. 685-C. Não realizada a adjudicação dos benspenhorados, o exequente poderá requerer sejam elesalienados por sua própria iniciativa ou por intermédio decorretor credenciado perante a autoridade judiciária. § 1º O juiz fixará o prazo em que a alienação deveser efetivada, a forma de publicidade, o preço mínimo (art.680), as condições de pagamento e as garantias, bem como,se for o caso, a comissão de corretagem. § 2º A alienação será formalizada por termo nosautos, assinado pelo juiz, pelo exeqüente, pelo adquirentee, se for presente, pelo executado, expedindo-se carta de

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alienação do imóvel para o devido registro imobiliário, ou,se bem móvel, mandado de entrega ao adquirente. § 3º Os Tribunais poderão expedir provimentosdetalhando o procedimento da alienação prevista nesteartigo, inclusive com o concurso de meios eletrônicos, edispondo sobre o credenciamento dos corretores, os quaisdeverão estar em exercício profissional por não menos de 5(cinco) anos.

Tal instituto surgiu na esteira destas ondas reformistas

com o escopo de conferir maior efetividade e celeridade aos meios

expropriatórios. O objetivo da Alienação particular, trazida com

a edição da Lei nº 11.382/2006, é, portanto, completar um ciclo

voltado ao aperfeiçoamento da tutela jurisdicional executiva.

(KOZIKOSKI, 2007).

Vale ressaltar que, conforme leciona o mestre Araken de

Assis, “a alienação particular possui caráter negocial e público,

pois eventual convergência entre as partes quanto ao conteúdo das

propostas, nas condições fixadas pelo poder judiciário, conferem

pluralidade ao negócio.” (ASSIS, 2009, p. 800).

Outro ponto importante sobre este estatuto que vale ser

discorrido é sua preferência em relação a Alienação em Hasta

Pública. Isso porque, em hasta pública as pessoas comparecem com

o intuito de fechar um grande negócio, pretendendo adquirir bens

por preço inferior á avaliação. Enquanto que as pessoas que

procuram corretores especializados na alienação de certos tipos

de bens já estão propensas a pagar pelos bens que lhes interessam

o valor que realmente valem. (CÂMARA, 2008, p. 293).

A última hipótese de desdobramento da penhora que aqui

iremos tratar é a Adjudicação. Este, aliás, é o preferencial meio

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de alienação dos bens penhorados desde a edição da Lei nº.

11.382/2006. É ato executivo através do qual se entrega ao

exequente o bem outrora penhorado. Os bens expropriados do

patrimônio do executado são diretamente transferidos ao

patrimônio do exequente.

Luiz Guilherme Marinoni assim conceitua o instituto da

adjudicação:

“Corresponde ao recebimento do bem penhorado peloexequente, descontando-se o valor da execução do valor dacoisa. Trata-se de forma de pagamento de dívida executada,pelo qual há transferência direta de patrimônio do devedorpara o credor. A responsabilidade patrimonial, poder-se-iadizer, é linear, autorizando o credor a tomar parte dopatrimônio do devedor por conta da divida nãopaga.”(MARINONI, 2007, p. 315).

Na Adjudicação, “a entrega do bem penhorado para o credor

simplifica a execução, e permitir-lhe ficar com o bem em troca da

dívida ou aliena-lo fora do processo. Desta forma o exequente não

é obrigado a se contentar com o valor obtido a partir da

alienação judicial do bem, podendo incorporá-lo ao seu patrimônio

ou vende-lo na forma que lhe aprouver, sem a presença da

jurisdição.” (MARINONI, 2007, p. 314).

Art. 685-A. É lícito ao exequente, oferecendo preço nãoinferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados osbens penhorados.

Não obstante, no que se refere especificamente à penhora

de quotas de sociedade empresária limitada, nenhuma das três

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hipóteses de desdobramentos se apresenta como alternativa

adequada.

A sociedade limitada é “aquela em que duas ou mais

pessoas se reúnem para a obtenção de lucro comum, limitando sua

responsabilidade à soma do capital social.” (REQUIÃO, 1993, p.

263). Tal tipo societário apresenta como principais

características o caráter Intuitu Personae e a Affectio societatis.

Isso significa dizer que a sociedade limitada pressupõe um

vínculo já existente entre seus sócios, pauta-se, essencialmente,

na qualidade pessoal dos sócios e não em fatores econômicos e

financeiros necessários à formação do capital. A Affectio societatis é a

pretensão dos sócios de se unirem, com semelhantes interesses e que

colaboram na consecução do objeto social.

Deste modo, nota-se que qualquer das três formas de

alienação do bem penhorado – na hipótese de quotas de sociedades

limitadas – significaria a entrada de um terceiro absolutamente

estranho à relação de confiança existente entre os sócios e

essencial à manutenção da sociedade empresária.

Ademais, Maria Helena Diniz, interpretando o artigo 1.025

do Código Civil, explica que se alguém adquirir a condição de

sócio após a sociedade já estar constituída, assumirá ele todas

as obrigações passivas existentes à época de sua admissão.Essa regra é uma decorrência do princípio daresponsabilidade ilimitada, segundo o qual os sócios devemsuportar os ônus e obrigações perante terceirosindependentemente do momento em que se associaram. Já nocaso do sócio que se retira da sociedade, suaresponsabilidade subsistirá pelo prazo de dois anos após asua saída (ai. 1.003, parágrafo único), em carátersolidário com o sócio que ingressou.

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Isto implicaria dizer que o novo sócio antes credor, ou

ainda o terceiro de boa-fé, que arrematou as quotas da sociedade

do devedor em hasta pública passa as ser devedor na dívida da

empresa em que se tornou sócio, sem ao menos ter tido a

oportunidade de saber as condições reais das dívidas da empresa,

mesmo porque era “estranho” à sociedade até então.

Desta forma, entendemos que surge como única alternativa

ao presente caso é a aplicação do direito de preferência na

Adjudicação. Assim, sendo o exequente, pessoa que não ostenta a

condição de sócio, será intimada da penhora a própria sociedade,

e será garantido o direito de preferência dos demais sócios, que

poderão pleitear a adjudicação das mesmas.

Tal Direito possui previsão no parágrafo 4º do artigo

685-A do Código de Processo Civil:

Art. 685-A.  É lícito ao exequente, oferecendo preço nãoinferior ao da avaliação, requerer lhe sejam adjudicados osbens penhorados.§ 4º No caso de penhora de quota, procedida por exequentealheio à sociedade, esta será intimada, assegurandopreferência aos sócios.

Assim, a efetivação do Direito de Preferência previsto no

mencionado dispositivo legal garantiria, de um lado, o exaato

adimplemento da dívida objeto da execução, uma vez que o sócio

interessado pagaria justamente o valor da avaliação pelas quaotas

penhoradas, e de outro lado garantiria, outrossim, a preservação

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do affectio societatis e do caráter intuitu persoane, características

inerentes ás sociedades empresárias do tipo Limitada.

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