A origem da Filosofia
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FILOSOFIA – Capítulo 02
A origem da Filosofia
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA 01
MITOLOGIA 03
A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA OU NATURALISTA 06
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 11
EXERCÍCIOS PROPOSTOS 11
SEÇÃO ENEM 12
O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
A origem existencial da FilosofiaA origem da Filosofia data dos séculos VII e VI a.C. Foi na
Grécia, na região da Jônia, na cidade de Mileto, que esse
modo de conhecimento ganhou forma e se estabeleceu
como maneira de compreender o mundo. Portanto,
pode-se afirmar que a Filosofia é fruto do gênio helênico,
ou seja, é fruto da genialidade dos gregos. É por causa do
nascimento da Filosofia na Grécia que costumeiramente se
diz que a “Grécia é o berço da civilização ocidental”. De fato,
a Filosofia apresenta-se como a “rainha das ciências”. Tal
característica se deve exatamente ao fato de a Filosofia ter
sido o primeiro modo de conhecer o mundo e os homens de
forma estritamente racional.
As influências dos povos orientaisO início da civilização grega, que foi a primeira a se
desenvolver na Europa, se dá por volta do século XX a. C.,
com a junção ou encontro das culturas minoica e micênica.
Tal civilização habitou a Península Balcânica, a mais oriental
do sul da Europa, rodeada de inúmeras ilhas. Graças ao
seu relevo montanhoso, inúmeras comunidades isoladas
e autônomas se desenvolveram, formando, a partir do
século VIII a.C., as pólis gregas ou cidades-estado. Isso
significa que, antes dos gregos, vários outros povos já
contavam com uma história de vários séculos. Mas por
que a Filosofia nasceu com os gregos, mesmo sendo estes
antecedidos por civilizações bastante desenvolvidas, como
a dos egípcios, dos babilônios, dos caldeus, dos chineses e
dos persas, por exemplo?
Há de se considerar, para compreendermos a genialidade
dos gregos na origem da Filosofia, o caráter não puramente
quantitativo, mas qualitativo de suas pesquisas, o que
representa uma absoluta e extraordinária novidade.
Somente através dessa constatação é possível compreender
por que a civilização ocidental, sob influência dos gregos,
portanto, da Filosofia, tomou uma direção completamente
diferente da civilização oriental.
Assim, podemos compreender como, por exemplo,
os gregos tomaram dos egípcios alguns conhecimentos
matemático-geométricos sobre a natureza. Tais
conhecimentos possuem para os egípcios um caráter
claramente prático, como a utilização de cálculos para
medir a quantidade de gêneros alimentícios, para medir
a área dos campos após as inundações do Rio Nilo,
para se realizar medidas e projeções na construção
das pirâmides. Tais usos são claramente racionais. Mas
vejamos a matemática sob a ótica da Filosofia, quando
foi apropriada pelos gregos. Reelaborados pelos gregos,
os conhecimentos matemáticos adquirem um caráter
qualitativo. Com o trabalho desenvolvido pelos pitagóricos,
os gregos transformaram o uso da matemática com fins
práticos em uma teoria geral e sistemática dos números e
das figuras geométricas. De modo mais simples: enquanto
o conhecimento matemático dos egípcios usava o cálculo
com fins práticos, Pitágoras (o primeiro a utilizar a palavra
filosofia) buscou alcançar a realidade matemática que existia
por detrás daquilo que é perceptível aos sentidos humanos.
Se o mundo, aparentemente, é aquilo que está posto às
experiências humanas, a filosofia pitagórica (e boa parte
da Filosofia, pelos menos até Descartes, no século XVII) vai
buscar aquilo que está para além da aparência, procurando
compreender ou apreender a causa primeira, a essência
última das coisas. Perceba que o pensamento pitagórico
busca compreender a natureza numa generalidade muito
mais ampla do que daquilo que se apresenta aos nossos
sentidos. Pitágoras investiga a estrutura invisível da natureza
que, para ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pela
atividade puramente racional.
Enfim, a Filosofia é um modo de pensar a realidade, um
modo de compreensão do mundo, que surge com os gregos
dos séculos VII e VI a.C. e que, devido a razões históricas
e políticas, posteriormente se tornou o modo de pensar
o mundo de toda a cultura europeia ocidental, da qual,
como povo colonizado, nós participamos.
A origem da Filosofia A
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A origem histórica da Filosofia
Edi
toria
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MACEDÔNIA
ÉPIRO
TESSÁLIA
ÁSIAMENOR
LIDIA
CRETA
PELOPONESO
Esparta
AtenasÉfeso
Mileto
RODES
Cnossos
MAR EGEU
MAR JÔNICO
Cumae
Nápoles
Magna Grécia
Taranto
Siracusa
Mapa da Grécia: a civilização grega desenvolve-se no Mediterrâneo Oriental
Dissemos que a Filosofia tem data e local de nascimento: Grécia, fins do século VII e início do VI a.C., na região da Jônia (nas colônias da Ásia Menor), na cidade de Mileto.
Uma das grandes questões em relação ao nascimento da Filosofia é saber o porquê de seu nascimento e por que ela nasceu especificamente com os gregos. Duas foram as teses levantadas: a do “milagre grego” e a do orientalismo.
A tese do “milagre grego” defenderá que a Filosofia surgiu na Grécia como um verdadeiro milagre, ou seja, que não houve qualquer precedente para o seu surgimento. Foi um acontecimento espontâneo e não há um contexto original que justifique sua origem. Considera-se, assim, que esse modo de pensar e conceber o mundo e o homem simplesmente apareceu, e uma das razões para seu aparecimento é a genialidade dos gregos.
Outra explicação, a do orientalismo, dirá que a Filosofia nasceu com as transformações realizadas pelos gregos sobre conhecimentos advindos dos povos orientais, como a agrimensura dos egípcios, a astrologia dos babilônios e outros.
Hoje, ambas as teorias, “milagre grego” e orientalismo, foram superadas. Acredita-se atualmente que a Filosofia foi fruto das condições históricas da Grécia dos séculos VII e VI a.C., que proporcionaram condições favoráveis ao surgimento desse novo modo de pensar. Por isso, alguns estudiosos da Filosofia, se referindo ao nascimento dessa forma de pensamento, dirão que ela é “filha da pólis”. Porém, que condições são essas? Podemos destacar os seguintes fatores:
1. Viagens marítimas: a pouca fertilidade do solo acidentado, característica marcante do território no qual viviam as comunidades gregas, foi compensada pela presença de excelentes portos naturais, o que permitiu o grande desenvolvimento das viagens marítimas. Tais viagens ajudaram no desencantamento do universo, na desmistificação da natureza, quando os homens, viajando em alto-mar, percebem a inexistência daquilo que os mitos narravam como monstros marinhos, abismos e terras dos deuses, os quais faziam parte do imaginário do povo daquela época. Dessa forma, as viagens marítimas são como o estopim que detona um gradativo descrédito das explicações mágico-imaginárias da natureza.
É interessante notarmos a estreita ligação que unia os gregos ao mar e a importância deste para o progresso daquela civilização. Diante do aumento expressivo da população nas principais cidades-estado, como Atenas, os gregos se viram obrigados a fundar muitas colônias na região do Mediterrâneo em busca de terras férteis para a agricultura e o sustento da população.
2. Invenção do calendário: a invenção do calendário concede aos gregos o “domínio” do tempo. Se no contexto dos mitos eram os deuses que determinavam o tempo e eventos da natureza, como as estações do ano, agora, com a divisão do tempo e o modo de calculá-lo, os homens tornam-se capazes de identificar a sua regularidade, não necessitando da interferência e vontade dos deuses.
3. Surgimento da vida urbana: com o crescimento do comércio, impulsionado pelas trocas comerciais, possíveis graças às viagens marítimas, algumas cidades se despontam como centros comerciais. A primeira dessas cidades é Mileto, que não por acaso é a cidade natal da Filosofia. Tal crescimento faz surgir uma nova classe constituída de comerciantes e artesãos, que representam um outro polo de poder, opondo-se à aristocracia de sangue e proprietários de terra que, até então, representavam e detinham o poder na cidade. Essa nova classe, como uma espécie de mecenas da Antiguidade, investiu e estimulou as artes, o desenvolvimento das técnicas e o conhecimento, o que proporcionou um ambiente propício ao surgimento da Filosofia.
4. Escrita alfabética: se até então a tradição mítica se sustentava sob uma tradição exclusivamente oral, transmitida de geração para geração pela fala, fato que justifica o aparecimento de várias versões para o mesmo mito, com a invenção da escrita alfabética, o mito é colocado no papel, é escrito, o que contribuiu decisivamente para que se pudesse identificar seus
pormenores e suas contradições internas.
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5. Política: sem dúvida, a política foi um dos aspectos
mais importantes para o nascimento da Filosofia,
que tem como uma de suas características mais
importantes a presença do discurso racional, o logos
como sustentação, por meio de princípios lógicos, de
suas verdades e argumentos. A política traz consigo
dois aspectos importantíssimos:
A – Com a formação da pólis, agora governada
democraticamente pelos cidadãos, surge
o espaço para as discussões políticas, que são
o modo de organização e administração da
cidade. A Ágora, ou praça pública, é o coração
da cidade, lugar onde são feitas discussões
e deliberações sobre as leis e outros assuntos
importantes para o bem da cidade. Há de se
destacar que, com a contribuição e a consolidação
da cidade-estado, da pólis, o grego descobriu-se
como verdadeiro cidadão (pertencente à pólis).
Tal posição não é mera contingência, mas faz
parte e constitui a própria essência do homem
grego que se vê somente como pertencente
a um todo coletivo. Dessa forma, o estado
tornou-se o horizonte ético do homem grego
e assim permaneceu até a era helenística.
Os cidadãos sentiram os fins do estado como
seus próprios fins, o bem do estado como
seu próprio bem, a grandeza do estado como
sua própria grandeza e a liberdade do estado
como sua própria liberdade (REALE, Giovanni.
História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São
Paulo: Paulus, 2003. V. I. p. 10).
B – Ao conceberem por conta própria e segundo
seus próprios critérios as leis da cidade, tais
leis passam a coincidir com a vontade dos
homens e não mais são impostas pela tradição
e autoridade religiosas. A lei torna-se, então,
expressão da coletividade humana que, pela
racionalidade, tenta reproduzir na legislação da
cidade a própria ordem do cosmos.
Desse modo, a política, com a discussão das leis
e a tomada de deliberações importantes à vida da
pólis, estimula e exige um pensamento, um discurso
racional, uma discussão política que necessariamente
precisa de alto grau de inteligibilidade, coerência,
permitindo a comunicação clara entre os cidadãos
e seus pares. Tal necessidade faz surgir a semente
do pensamento filosófico que, obedecendo a regras
e princípios lógicos, não admite uma explicação que
não se fundamente na razão livre ou que tenha como
base as explicações misteriosas e incompreensíveis
do mito. Aqui se encontra a justificativa para a
afirmação de que a Filosofia é “filha da pólis”.
MITOLOGIA
O mito: uma forma especial de explicar o universo e o homem
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Como foi dito, a civilização grega não nasceu junto à
Filosofia nos séculos VII e VI a.C. Esse povo tem suas
origens no século XX a.C. Também dissemos que o homem
não se contenta em não saber as coisas, ou seja, faz parte
da natureza humana buscar o conhecimento. Nas palavras
de Aristóteles, “por natureza, todos os homens aspiram
pelo saber”.
Se a Filosofia nasce treze séculos depois do surgimento da
civilização grega, como os homens respondiam à pergunta
“de onde veio o mundo” durante esse período?
As duas “ferramentas” básicas que o homem tem para
explicar o universo são a razão e a imaginação. Logo,
podemos dizer que, antes de utilizar a razão, manifestada
no conhecimento filosófico, os gregos procuraram, como
todos os povos do mundo, explicar a origem do universo
e para tal utilizaram da imaginação a fim de compreender
o funcionamento da natureza, da sociedade e o próprio
homem. Enfim, como forma de compreender o cosmos,
foi elaborada uma cosmogonia (tentativa de explicar o
nascimento, a origem do universo ou do cosmos por meio
de narrativas imaginárias que remetem à fantasia, às formas
religiosas e míticas de expressão).
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O que é o mitoA palavra “mito” vem do grego mythos, que significa um
modo particular de discurso que é fictício, proveniente da imaginação, sendo que de certo modo é identificado como uma “mentira”.
O mito é uma forma particular de ver e tentar compreender o mundo baseada na imaginação. Voltado mais para os afetos e sentimentos humanos do que ao rigor lógico-científico, ele não se preocupa com a coerência de seus discursos e argumentos, tampouco com as provas que poderiam torná-lo verdadeiro.
O mito é uma forma de o ser humano se situar no mundo. Nas sociedades tribais, o mito apresenta-se como um modo fantasioso, acrítico e ingênuo de explicação utilizado como maneira de estabelecer algumas verdades que explicariam tanto os fenômenos naturais quanto a própria vida, os hábitos, os sentimentos e a moral dos homens dentro de uma sociedade cultural.
Diferentemente da Filosofia, que se pauta em um raciocínio elaborado e empiricamente comprovado na realidade, o mito nasce como uma forma de expressão que se constrói no imaginário de determinada comunidade, quando esta se vê diante da ferocidade e dos mistérios da natureza, dos fenômenos naturais, como o dia e a noite, o trovão, o terremoto, o nascimento e a morte de homens e outros seres. Dessa forma, o mito exerce o papel de “porto seguro”, ele dá segurança e protege os homens contra aquilo que é incontrolável e desconhecido. Assim, há uma qualificação da natureza e de seus fenômenos que se apresentam então como bons ou maus, amigos ou inimigos, aliados ou contrários aos homens e às sociedades.
Se a natureza ganha vida própria com os mitos, é necessário que, por meio dos ritos, as forças e vontades da natureza sejam aplacadas ou cultuadas. Dessa forma, os ritos, que são tão somente manifestações de mito realizadas em práticas cerimoniais, têm como finalidade interferir na “vontade” da natureza, que agiria sempre de forma intencional, a favor ou contra os homens.
Dessa forma, o mito está intimamente ligado à magia, aos sentimentos, bons ou maus, à fantasia e às forças sobrenaturais que interferem, inexplicavelmente, na vida dos homens e da sociedade e nas manifestações da natureza.
A função do mitoPelo que foi dito, o mito tem, dentro das sociedades
primitivas e tribais, a função de acomodar e tranquilizar o
ser humano diante de um mundo misterioso e assustador.
Encarnado nos ritos, o mito é para os homens uma forma
de apaziguamento das forças sobrenaturais e serve como
baliza que garanta um comportamento linear e moral,
possibilitando a ordem social.
Dessa forma, o mito é a forma primeira de explicar o mundo, a natureza e o próprio homem, tanto em sua dimensão interna quanto em sua dimensão externa. Nesse modo de conhecer, a imaginação exerce papel predominante como forma de levar o homem a uma harmonia com o mundo que o cerca e de dar sentido à vida, à própria existência
humana e também encontrar um sentido no mundo.
A mitologia grega
Hércules e Atena
A religiosidade grega, como na maior parte dos povos da Antiguidade, era politeísta. Os deuses gregos eram antropomórficos (antropo: homem; morphos: forma). Dessa forma, tais divindades possuíam características tipicamente humanas: sentiam prazer, iravam-se, maquinavam para se vingarem dos deuses ou dos homens, se apaixonavam, traíam, sentiam ciúmes. Enfim, os deuses possuíam todas as características e sentimentos que identificamos como humanos, quer sejam bons ou maus, qualidades e defeitos. Porém, por serem deuses, tinham poderes sobrenaturais, além de serem imortais, motivo por que permaneciam eternamente jovens.
Tais deuses habitavam o Monte Olimpo, a montanha mais alta da Grécia. No alto da montanha, eles se reuniam para se divertir, dançar, comer, cantar, etc.
Cada um dos deuses tinha uma condição ou atributo especial, sendo responsável por determinado fenômeno natural ou por algo concernente à vida dos homens em aspectos econômicos, políticos, sociais ou culturais. Entre os mais importantes, citamos: Zeus, o chefe dos deuses e o mais poderoso entre eles, que possuía o poder do raio com o qual castigava todos os que por ventura o desafiassem ou se opusessem às suas determinações; Afrodite, a deusa do amor;
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Apolo, deus da música e da poesia; Ares, deus da guerra;
Ártemis, deusa das montanhas, bosques e caça; Atena,
deusa da sabedoria e da estratégia militar; Caos, deus do
indefi nido, da desordem, daquilo que havia antes do cosmos;
Cárites, deusas da beleza; Eros, deus do amor; Hades, deus
do mundo dos mortos; Gaia, deusa da Terra.
Além dos deuses, na mitologia grega também há a
presença de semideuses, heróis responsáveis por feitos
extraordinários, nascidos da relação amorosa entre deuses
e humanos. Entre os mais importantes, citamos: Teseu, que
derrotou o minotauro. Hércules, que teve de cumprir doze
tarefas dadas a ele pelo oráculo de Delfos; Perseu, famoso
por ter decapitado a medusa.
É importante ressaltar que os deuses e os mitos diziam
respeito tanto à ordem do universo e da natureza quanto aos
aspectos da vida do homem, da condição humana, como os
sentimentos, as habilidades, por exemplo, do artesanato, da
construção, da fala e argumentação, da sedução, e também
a vida em sociedade, etc.
As histórias míticas na Grécia Antiga não são fruto da
capacidade imaginativa de um só autor ou autores, mas
são produtos de uma tradição cultural de um povo, a qual
tem seu início impossível de ser determinado. Os principais
poetas, considerados os grandes responsáveis pela maior
parte do conhecimento sobre a mitologia grega que temos
em nossos dias – Homero, que escreveu Ilíada e Odisséia
(século IX a.C.) e Hesíodo, que produziu a Teogonia
(século VIII a.C.) –, na verdade não são os autores desses
mitos, mas o que fi zeram foi registrar os relatos orais da
tradição dos muitos povos que habitaram a Grécia desde o
século XV a.C.
A trajetória do mito ao logosÉ comum encontrarmos autores que dizem que na
passagem da consciência mítica à consciência fi losófi ca,
ou seja, na passagem de uma visão imaginária para uma
visão racional da realidade, houve uma ruptura radical
com a tradição e cultura gregas marcadas, antes, pelas
explicações religiosas, e agora pela Filosofi a. Tal posição
deve ser considerada em duas perspectivas: a da forma e
a do conteúdo.
Se analisarmos a forma de explicação própria da
mitologia em contraposição à da Filosofi a, perceberemos
que há sim uma ruptura dos primeiros fi lósofos com essa
forma imaginária de conhecimento, baseada na fantasia,
no sobrenatural, no mistério, no sagrado e na magia.
A Filosofi a buscará suas explicações com fundamentos na
razão, na observação da natureza, da phisys, justamente
como fi zeram os primeiros fi lósofos, os pré-socráticos, que
estudaremos em seguida.
Por outro lado, analisando o conteúdo, veremos que
a Filosofi a não rompe defi nitivamente com o mito, uma
vez que, em grande parte, os problemas tratados pela
Filosofi a são os mesmos que os mitos buscavam responder.
Por exemplo, a questão da origem do universo e de seu
funcionamento, antes explicada pela mitologia sempre por
meio de alusões ao campo divino, a Filosofi a tentará explicar
com base na busca pré-socrática pelo princípio primeiro e
unifi cador da natureza, denominado por eles de Arché.
Dessa forma, é incorreto afi rmar que a Filosofi a rompeu
radicalmente com os mitos. De alguma maneira, o que se
observa, principalmente no início do pensamento fi losófi co, no
período pré-socrático ou cosmológico e também no período
antropológico ou socrático, é uma complementaridade de mito
e Filosofi a na tentativa de conhecer e explicar a realidade.
Não há de se pensar em mito como uma mentira e Filosofi a
como uma verdade.
[...] mito e logos são as duas metades da linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer. O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à “lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta (sofi sma). Mas o mito tem por fi nalidade apenas a si mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria vontade, mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou verossímil, ou simplesmente porque se quer acreditar. O mito, assim, atrai em torno de si toda parcela do irracional existente no pensamento humano; por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas as suas criações.
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 8-9.
Como dito, por se tratar de formas de conhecimento
distintos, mito e Filosofi a não podem ser colocados como
opostos ou pensados sob uma lógica de verdadeiro ou
falso, certo ou errado. Trata-se de modos de conhecer
diferentes e particulares. A aceitação do mito se fundamenta
na autoridade de quem diz, pois pressupõe uma adesão
daqueles que o recebem. Já a aceitação da Filosofi a se
concentra naquilo que se diz, pois admite, ao contrário do
mito, uma atitude crítica e investigativa. O mito é dado
aos homens pela revelação ou visão dos videntes (poetas
rapsodos que tinham o dom da vidência e transmitiam aos
homens as mensagens dadas pelos deuses). Ele se baseia
na fé / confi ança daqueles que o recebem como verdade e
não necessita de justifi cativa nem de provas para ser aceito
e seguido. A Filosofi a, ao contrário, deve ser justifi cada
racionalmente, pois, se assim não for, o argumento torna-se
inválido e não será aceito. O mito aceita contradições internas
em seu discurso, já a Filosofi a não aceita contradições, uma
vez que deve ser inteligível e coerente com os princípios
básicos do pensamento lógico.
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A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA OU NATURALISTA
Os filósofos pré-socráticos ou filósofos da natureza
Recebem o nome de pré-socráticos os pensadores
fundadores da Filosofia, que, cronologicamente, são
anteriores a Sócrates, sendo que alguns chegaram a ser seus
contemporâneos. A marca principal do pensamento desses
primeiros fi lósofos é sua preocupação com a natureza e sua
origem. Veremos adiante a importância de Sócrates para
a Filosofi a, que representa uma reviravolta devido à sua
preocupação com o ético-político, ou seja, o seu foco será
o homem e a sociedade, ao contrário dos pré-socráticos,
que se preocupavam com a origem do cosmos ou da physis.
Diante das inúmeras transformações históricas, políticas
e sociais ocorridas na Grécia dos séculos VII e VI a.C.,
como já tratamos anteriormente, as explicações míticas
foram se tornando cada vez mais insufi cientes como forma
de compreensão do mundo, do homem e da natureza.
As explicações míticas que se fundamentam na autoridade
do poeta ou vidente que as contava, com a perda gradativa
do poder por parte deste, também vão perdendo sua força
e, consequentemente, vão se tornando distantes das
aspirações dos gregos ao conhecimento.
De fato, desse ponto de vista, o pensamento mítico tem
uma característica até certo ponto paradoxal. Se, por
uma lado, pretende fornecer uma explicação da realidade,
por outro lado, recorre nesta explicação ao mistério e ao
sobrenatural, ou seja, exatamente àquilo que não se pode
explicar, que não se pode compreender por estar fora do
plano da compreensão humana. A explicação dada pelo
pensamento mítico esbarra assim no inexplicável, na
impossibilidade do conhecimento.
MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 1997. p. 21.
Uma interessante e importantíssima transformação
ocorrida na Grécia dos séculos VII e VI a.C. nos ajuda a
compreender como pouco a pouco o mito vai perdendo
sua força explicativa da realidade. Essa transformação se
deu com a interação ocorrida nas colônias gregas da Jônia,
principalmente Mileto (onde nasce a Filosofi a), de várias
culturas diferentes. Por se tratar de cidades que tinham
importantes portos e entrepostos comerciais, para lá se
dirigiam inúmeras caravanas provenientes de vários locais,
principalmente do Oriente, que traziam a essas cidades
suas mercadorias para depois serem levadas a outros
locais e regiões do Mediterrâneo. Consequentemente,
movidos por interesses comerciais, várias culturas que aí
se encontravam trocavam as mais variadas informações,
inclusive sobre as tradições culturais míticas próprias de
cada um desses povos, o que fez com que eles percebessem
as inúmeras formas e histórias diferentes com um só
objetivo, o de explicar a realidade. Qual história estaria
correta? Qual seria a verdadeira? As inúmeras variações
míticas levaram os gregos a perceber que poderia haver
uma relativização dos mitos, e, consequentemente, que
nenhum deles poderia ser absolutamente verdadeiro.
Dessa maneira, a Filosofi a ou, nesse primeiro período, as
explicações fi losófi co-científi cas vão se despontando com a
tentativa dos gregos de explicarem o universo, a natureza
e o próprio homem de forma diferente. Agora, o universo
passa a ser visto não como algo secreto e misterioso,
passível de ser decifrado somente por poucos escolhidos. Ao
contrário, todas as coisas são encaradas como possíveis de
serem conhecidas pelo homem que, apoiado em sua própria
capacidade racional e em sua curiosidade observadora,
se põe em busca da explicação do mundo pela própria
observação das coisas, não se encontrando mais em uma
realidade sobrenatural e inacessível. O cosmos se abre à
possibilidade do conhecimento. Os mistérios são descartados
e o homem põe-se a pensar. Enfi m, nasce a Filosofi a.
O mito ainda sobreviveÉ comum, quando falamos em sala de aula sobre o
nascimento da Filosofi a, algum aluno fazer a seguinte
pergunta: mas e os mitos, eles foram descartados?
Ou, quando estamos lendo algum trecho da obra de Platão
em que Sócrates se refere aos deuses, o aluno perguntar:
mas os mitos não foram superados? Por que Platão, sendo
um fi lósofo, continua a se referir aos deuses?
Aqui, faz-se necessária uma observação sobre o processo
de modificação da função social do mito a partir do
nascimento da Filosofi a.
Com o aparecimento das explicações fi losófi co-científi cas,
os mitos vão gradativamente perdendo sua força enquanto
única e inquestionável forma de explicação da realidade.
A ruptura com a forma do mito não se dá de maneira brusca
e radical. Observe que o mito ainda ocupa um lugar de
destaque nas sociedades atuais como forma de manifestação
da fé de determinadas pessoas ou como maneira de
explicar aquilo que até então é inexplicável, principalmente
pela ciência.
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Na cultura e civilização gregas, o mito continua exercendo um papel importante para as pessoas, ainda que ele vá, gradativamente, mudando sua função naquela sociedade. Se antes do nascimento da Filosofia o mito era a única forma possível de explicar a origem do mundo e as mudanças tanto da natureza quanto dos homens e da sociedade, a partir dos séculos VII e VI a.C., o mito perderá tal função explicativa, passando a fazer parte da tradição cultural do povo grego. O mito ainda será amplamente utilizado como uma Paideia, ou forma de educar o povo, transmitindo, principalmente por meio das tragédias, os ensinamentos morais que irão forjando o caráter do homem grego.
O que buscavam os primeiros filósofos
Os pensadores pré-socráticos, chamados por Aristóteles de
physiólogos ou pensadores da natureza (physis: natureza;
logos: razão, pensamento), são os primeiros homens
da história a se dedicarem a encontrar uma explicação
puramente racional para a origem do universo. O objetivo
dos pré-socráticos representa o oposto daquilo que os
mitos realizavam. Enquanto estes explicavam a realidade
pela imaginação, aqueles queriam explicá-la pela razão,
sem apelar a nada fantasioso e sobrenatural. Como foi dito
anteriormente, a natureza e o mundo podem ser explicados
pelo homem, de forma que não há mais mistério. É nisto
que os primeiros filósofos acreditavam.
Podemos afirmar que o objeto de estudo dos pensadores
da natureza é a physis ou a realidade natural. Eles buscam as
causas dos processos e fenômenos naturais. Assim, a chave
que leva ao conhecimento da natureza encontra-se na própria
natureza e não fora dela. Eles acreditavam que na natureza tudo
agia e se transformava de acordo com uma relação de causa e
efeito. Ou seja, tudo o que existe é um efeito de alguma causa
anterior. Desse modo, se se encontra a causa de um efeito,
essa causa, por sua vez, também se constitui como efeito
de uma outra causa anterior, da mesma forma, essa terceira
causa seria o efeito de uma quarta e assim sucessivamente.
Contudo, essa busca pela causa de um efeito poderia levar a
investigação ao infinito, pois tudo seria um efeito de alguma
causa que é também o efeito de uma outra causa anterior.
Deste nexo causal entre tudo o que existe no universo, entre os
fenômenos da natureza, nasce a ciência dos pré-socráticos. Se
tal busca continuasse nessa lógica, os pré-socráticos cairiam em
uma busca infinita, o que, à semelhança dos mitos, tornaria a
Filosofia algo misterioso e inexplicável. Não admitindo a hipótese
de sair de uma explicação fantasiosa para entrar em outra,
foi necessário admitir que deveria haver uma causa primeira,
um princípio ou conjunto de princípios, uma matéria-prima
original, denominada Arché1, que teria dado início a todo o
processo de transformação da natureza. É desse princípio
original que os pensadores pré-socráticos estão à procura.
Ao elaborarem uma cosmologia, os pré-socráticos
consideram que o universo segue uma ordem. Aqui
compreendemos o termo cosmos como harmonia. Seu
contrário é o caos, que é a desordem, a desarmonia. Os gregos
entendiam que o universo, portanto, era organizado, tinha
uma ordem, e essa ordem era possível exatamente por
haver uma racionalidade no cosmos. Assim, o cosmos pode
ser compreendido também como uma ordenação racional,
hierárquica, em que há uma relação de causalidade entre
os vários elementos, conferindo esse ordenamento à
natureza. Ora, se o universo segue essa ordem, então ele
é um cosmos, e este é racionalmente organizado. Se se
compreende essa racionalidade, esse ordenamento, essa
relação hierárquica de causa e efeito, compreende-se
o próprio universo. É essa compreensão que os
pré-socráticos buscavam.
Nesse mesmo caminho, os pensadores naturalistas
buscavam encontrar o logos, entendido como discurso
racional. O logos difere fundamentalmente do mythos, que
se baseia na imaginação, na narrativa poética e fantasiosa
como modo de compreender o real. Se o mito não necessita
de razões, o logos é essencialmente sustentado pelas razões
dadas àquilo que se conhece ou se quer conhecer. Por isso,
ao dizer que os primeiros filósofos elaboraram explicações
ou discursos racionais sobre a natureza, dizemos que eles
elaboraram um logos. Esse logos consiste então em uma
explicação racional, argumentativa, na qual as explicações
e razões são sustentadas por meio de uma argumentação
sistemática e, ainda, sujeita à crítica e discussão.
O pensamento dos pré-socráticos, principalmente da
escola jônica, não pretende, de forma alguma, ser dogmático,
e essa característica marca fundamentalmente a filosofia
desses primeiros pensadores. As respostas apresentadas não
querem se impor como verdades absolutas, ao contrário,
são passíveis de discussão, de crítica, de discordância,
exatamente porque são respostas e posições construídas
pelo homem e não respostas dadas por uma divindade, as
quais não admitem oposição e reformulações. O melhor
exemplo dessa característica tipicamente filosófica é que
os discípulos mais importantes de Tales, Anaximandro
e Anaxímenes, não concordaram com seu mestre sobre
sua Arché, a água, e propuseram respostas diferentes,
respectivamente, o Ápeiron e o ar.
1. Arché (Arkhé): o que está à frente. Essa palavra possui dois significados principais: 1) o que está à frente e por isso é o começo ou o princípio de tudo; 2) o que está à frente, e por isso tem o comando de todo o restante. No primeiro significado, o mais relevante em relação ao princípio buscado pelos pré-socráticos, Arché é fundamento, origem, princípio, o que está no princípio ou na origem, o que está no começo de modo absoluto.
Pág 07
O que pensavam os pré-socráticos - a Arché -
Uma das principais dificuldades ao estudarmos o
pensamento dos pré-socráticos é que o que se conhece deles
provém de fontes indiretas, ou seja, não se tem acesso às
obras escritas pelos próprios fi lósofos, somente se conhece
o que outros (entre os principais, Aristóteles) escreveram
sobre seus pensamentos. Dessa forma, apenas podemos ter
contato com partes diminutas de suas obras, seja porque
se perderam na Antiguidade, seja porque, possivelmente,
de alguns deles não houve sequer obra escrita, sendo seus
ensinamentos transmitidos exclusivamente pela oralidade.
Uma observação importante a ser realizada sobre o
pensamento dos pré-socráticos e suas investigações
acerca da Arché do universo é que há uma diferença
fundamental que separa esses pensadores em dois
grandes grupos: os pensadores da escola italiana e os
pensadores da escola jônica. Tal diferença se refl ete nos
pensamentos dos dois mais importantes pré-socráticos:
Parmênides e Heráclito.
A escola italiana caracteriza-se por buscar a Arché do
universo não em coisas ou substâncias materiais, ou seja,
concretas, que podem ser percebidas pelos sentidos.
Os pensadores dessa escola buscarão respostas mais
abstratas e menos voltadas para uma defi nição a partir de
uma matéria concreta encontrada na natureza, como a água
ou outro elemento. Ao contrário, se referem a conceitos
totalmente abstratos e não perceptíveis pelos sentidos, como
os números de Pitágoras.
A escola jônica, por outro lado, caracteriza-se por buscar
na natureza física, nas coisas concretas, o princípio da
physis. Ou seja, os pensadores que fazem parte dessa escola
buscam, em geral, nos elementos naturais, aquele que seria
o princípio e a causa de todos os seres do universo.
Além das escolas refer idas, teremos também
a chamada segunda fase do pensamento pré-socrático,
denominada pluralista.
Falemos de cada escola e de cada pensador.
Escola italiana ou eleata
pitÁGORas
Os assim chamados pitagóricos, tendo-se dedicado às
matemáticas, foram os primeiros a fazê-la progredir.
Dominando-as, chegaram à conclusão de que o princípio
das matemáticas é o princípio de todas as coisas.
ARISTÓTELES. Metafísica. 1, 5, 985b
Da vida de Pitágoras nada se sabe. Alguns dirão que ele
pode nem ter existido, e que esse nome foi utilizado para
unir os adeptos de uma seita fi losófi co-religiosa. Porém, isso
pouco importa para a Filosofi a. Diz-se que nasceu em Samos
e se estabeleceu mais tarde em Crotona, na Magna Grécia,
onde fundou uma confraria religiosa misteriosa, que mais
tarde chegou a tomar o poder naquela cidade.
Sua fi losofi a: os pitagóricos (termo que se refere aos
seguidores de Pitágoras ou pertencentes a essa seita
religiosa, uma vez que esta não se divide da existência
de seu fundador) afi rmavam que a Arché do universo
eram os números. Isso porque a natureza ou a physis é o
número, ou seja, seriam proporções harmoniosas entre as
coisas. Portanto, o mundo seria regido por essas mesmas
proporções. Assim, segundo os pitagóricos, os números são
as causas primeiras de todas as coisas.
Os pitagóricos, devido à sua fi losofi a, exerceram forte
influência no desenvolvimento da matemática grega,
sobretudo no campo da geometria.
paRMÊnides
Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é ser.
E nada não é.
Sobre a Natureza. In: Os Pré-Socráticos. v. 3; 6. São Paulo: Abril Cultural, 2000. p. 123. Coleção Os Pensadores.
Nascido em Eleia por volta de 500 a.C., Parmênides
representa um dos mais importantes pensadores
pré-socráticos. Segundo alguns autores, ele foi o fundador
da ontologia – disciplina que busca o conhecimento do ser
em sua realidade mesma, ou, de forma mais simples, da
essência última dos seres. Pelo que tudo indica, Parmênides
se encontrou com Sócrates quando este ainda era jovem.
Seu pensamento influenciou de forma determinante a
fi losofi a, principalmente de Platão e Aristóteles, pois é
concedida a ele a prerrogativa de ser o fi lósofo do Ser
(a realidade última de todas as coisas em seu sentido
mais abstrato e fundamental), inaugurando, dessa forma,
a metafísica.
Sua fi losofi a: é adversário dos mobilistas, dizendo que
o movimento não existe, por isso fi cou conhecido como
defensor de uma concepção monista dos seres. Introduz na
Filosofi a a diferença entre essência e aparência, sendo que
esta muda constantemente (constitui o caminho da Doxa,
da opinião, que é mutável e, portanto, instável) e aquela é
o caminho da Verdade, da Alétheia, que é imutável. Dessa
maneira, contrariando o mobilismo de Heráclito, dirá que a
via da opinião, da Doxa, não leva o homem ao conhecimento
verdadeiro, mas tão somente às opiniões variáveis sobre
os aspectos mutáveis e passageiros das coisas. Segundo
Parmênides, o caminho correto do conhecimento é a via
da verdade, que conduz o homem para além da aparência,
Frente A
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FILO
SOFI
A
tal via é a verdade única, imóvel, eterna, imutável, sem
princípio nem fi m, contínua e indivisível. O único acesso
à verdade do ser é o caminho da razão, do pensamento,
afastando-se da opinião formada pelos hábitos, impressões
sensíveis, que são por si só ilusórias, imprecisas e mutáveis.
A opinião se prende à experiência sensorial. Por outro lado,
a via da verdade é a do puro pensamento, da atividade
intelectiva sem o uso dos sentidos. Por isso, ao afi rmar que o
ser é, ele está se referindo ao caminho do conhecimento do
mundo naquilo que ultrapassa a aparência e que é, portanto,
único, eterno, contínuo, indivisível e imóvel. O Ser exclui,
então, toda mudança e transformação. O que muda é o
Não Ser. Parmênides dirá que este, na realidade, não existe,
pois, por estar em constante mudança, no mesmo momento
que é, deixa de ser, portanto, não é absolutamente nada.
Escola jônicatales (cerca de 625/624-558 a.C.)
[...] Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser água
[o princípio] (e por este motivo também que declarou
que a terra está sobre a água), levado sem dúvida a esta
concepção por ver que o alimento de todas as coisas
é úmido [...]
ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3. 983 b
Tales é considerado por Aristóteles como o primeiro fi lósofo
da história, iniciador da fi losofi a da physis ou da natureza.
Tudo que sabemos sobre Tales provém de fontes secundárias,
pois ele não deixou registros escritos. Pelos relatos sobre
sua vida, Tales foi um político atuante, buscando uma união
entre as cidades da Jônia, com o objetivo de enfrentarem
os persas. Ficou conhecido por ter previsto um eclipse solar,
além de descobrir a constelação Ursa Menor. Apesar de ser
atribuída a ele a autoria do “Teorema de Tales”, é pouco
provável que tenha sido ele mesmo que o fez.
sua filosofia: Segundo Tales, a água é a Arché do
universo, a causa primeira, a matéria básica e fundamental
da qual todas as coisas se originaram. Na verdade, ao se
referir à água, ele quer dizer que tudo é úmido. E por que
Tales pensou que a Arché era a água? Uma das principais
hipóteses diz que o fi lósofo observou que a água apresenta-se
sob diversos estados, em que estão todos os seres da
natureza, sólido, líquido e gasoso. Outro motivo seria que
a água está intimamente ligada à vida, ou seja, tudo o
que é vivo ou traz a vida é úmido. Ao viajar ao Egito, Tales
percebeu como a terra desértica se tornava fértil quando
da cheia do Rio Nilo. Além disso, conta-se que ele observou
que nas altas montanhas foram encontrados alguns fósseis
de animais marinhos, o que o levou a concluir que, no início,
o mundo era coberto pela água.
A grandeza do pensamento de Tales está no fato de
que, pela primeira vez na história, ele pergunta não pela
qualidade da natureza (se é boa ou má), mas sobre do que
é feita a natureza.
anaxiMandRO (cerca de 610-547 a.C.)
Princípio (arkhé) dos seres... ele disse que era o
ilimitado [...]
SIMPLÍCIO. Física, 24, 13.
Pouco se sabe sobre a vida de Anaximandro. É conhecido
como discípulo e sucessor de Tales. Ele teria sido geógrafo,
matemático, astrônomo e político. Ao que parece, escreveu
um livro intitulado Sobre a Natureza que é considerado
a primeira obra fi losófi ca escrita em língua grega, mas
tal obra se perdeu, restando dela apenas alguns poucos
fragmentos. A ele é atribuída a confecção do primeiro
mapa-múndi que continha todo o mundo habitado de sua
época. Criou o relógio solar e introduziu o uso do esquadro
(gnómon) para a medição das distâncias entre as estrelas,
sendo o iniciador da astronomia grega.
Sua fi losofi a: ao contrário de seu mestre Tales, que dizia
que a Arché é a água ou o úmido, portanto, uma matéria
(água) ou qualidade (úmido) verifi cável na natureza por
meio dos sentidos, Anaximandro dirá que o princípio e causa
geradora do universo é o Ápeiron. O Ápeiron é o ilimitado,
indefi nido e indeterminado, aquilo que, não sendo nenhuma
coisa material, nenhum elemento da natureza e nenhuma
qualidade da physis, dá origem a todas elas.
O Ápeiron é algo totalmente abstrato, não é possível ser
conhecido em termos de existência sensível, mas somente
pode ser concebido pelo pensamento. Dessa forma,
Anaximandro dirá que a natureza, a physis só pode ser
compreendida pela razão humana. O mundo todo é criado
pelo movimento circular do Ápeiron, que primeiro faz surgir
o quente (fogo) e o frio (ar), em seguida separam-se o seco
(terra) e o úmido (água).
anaxÍMenes (cerca de 585-528/525 a.C.)
Como nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém
unidos, assim todo o cosmos, sopro e ar o mantêm.
AÉCIO, I, 3.4
Também um dos fi lósofos de Mileto (alguns dirão que o
mais importante pensador da escola milesiana), Anaxímenes
dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a
afi rmar que a Lua recebe sua luz do Sol. Seu livro, escrito
em prosa, recebe o mesmo nome da obra de Anaximandro,
Sobre a Natureza.
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Sua fi losofi a: De acordo com Anaxímenes, o princípio, a Arché do cosmos é o ar (pneuma). Para ele, o Ápeiron de seu companheiro Anaximandro, concebido como ilimitado, indefinido e indeterminado, se aproximava muito do caos, da desordem anterior à criação do cosmos (universo ordenado). Dessa forma, acredita que, apesar de ser ilimitado e eterno, o princípio ou Arché do universo não pode ser indeterminado, porque a razão não poderia pensar aquilo que não tivesse determinação.
Percebemos que Anaxímenes, ao se referir ao ar, não faz a opção por algo natural que seja concreto, como a água de Tales, e também não opta por algo completamente indeterminado e abstrato, como o Ápeiron de Anaximandro. Ao se referir ao ar, este não seria tão concreto como a água, nem tão abstrato como o Ápeiron. E por que o ar? Porque ele está presente, difundido em todos os lugares. É o primeiro e último ato de um ser vivo, que ao nascer respira pela primeira vez e ao morrer respira pela última vez.
HeRÁClitO (cerca de 540-470 a.C.)
Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque
o rio não é mais o mesmo.
PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B.
Nascido na cidade de Éfeso, Heráclito fi cou conhecido pelo codinome “O Obscuro”, ou “Heráclito, o fazedor de enigmas”, devido à sua escrita de difícil compreensão e interpretação. Como Parmênides, pode ser considerado um dos grandes fundadores da Filosofi a. Outros estudiosos dirão que é o mais importante dos pré-socráticos. Diz-se de Heráclito que desprezava a plebe, não intervinha na política da cidade, desprezava os antigos poetas como Hesíodo e Homero, os fi lósofos e a religião de seu tempo. Escreveu um livro em prosa no dialeto de sua cidade natal também chamado Sobre a Natureza.
Sua fi losofi a: é considerado um dos principais defensores do mobilismo, concepção que dirá que todas as coisas naturais estão em constante movimento, em constante mudança. Tudo muda o tempo todo, tudo está num constante devir, num fl uxo contínuo de mudança. Essa ideia, a mais conhecida de sua fi losofi a, é importante, porém seu pensamento vai além disso. A ideia de logos é fundamental na fi losofi a heraclitiana. O logos seria o princípio unifi cador da realidade e elemento básico da racionalidade do cosmos. Mesmo estando toda a realidade em constante fl uxo, em mudança, o logos representa a unidade dentro dessa pluralidade. Tal unidade em meio à mudança, ou a unidade na pluralidade, pode ser compreendida como a unidade dos opostos. Dia e noite, frio e quente, vida e morte são opostos que se complementam. O fogo representaria aquele elemento que dá dinamismo à realidade, pois ele tudo transforma, tudo muda. Ao contrário de Parmênides, para
Heráclito a realidade só pode ser compreendida por meio da sensibilidade, dos sentidos, pois, se tudo está em constante mudança, não há nada que esteja para além da aparência, portanto, o que se percebe dos seres é sua aparência na constante mudança. Porém, a razão última das coisas,
o logos, só pode ser encontrado pelo pensamento.
Escola pluralistaanaxÁGORas (cerca de 500-428 a.C.)
Anaxágoras de Clazômenas, [...] afi rma que os princípios
são infi nitos. Quase todas as coisas, formadas de partes
semelhantes (homeomerias) como a água e o fogo, diz ele
que são geradas e destruídas por combinação e destruição.
ARISTÓTELES. Metafísica, I, 3.
Anaxágoras passou cerca de trinta anos em Atenas, onde fundou a primeira escola da cidade. No ano de 431 a.C., foi acusado de não acreditar nos deuses por dizer que o Sol é uma pedra incandescente e que a Lua era uma terra e não uma deusa. Pelo que parece, foi preso, mas logo depois fugiu para Lâmpsaco, outra cidade da Jônia. Sua obra Sobre a Natureza, da qual resta uma pequena parte, é a fonte mais confi ável de seu pensamento. Foi físico, matemático, astrônomo e meteorologista.
sua filosofia: Anaxágoras disse que a realidade é composta de uma infi nidade de pequenos elementos a que ele denomina de homeomerias. Tal como sementes, esses elementos seriam a união de tudo o que existe. Dessa forma, tanto os quatro elementos quanto todas as oposições encontradas na natureza, como quente-frio, estão presentes em todas as coisas em proporções diferentes. Assim, a physis seria composta dessas sementes ou homeomerias, de forma que esse conceito representa a Arché de Anaxágoras.
deMÓCRitO (cerca de 460-370 a.C.)
Átomo (i. e., não-cortáveis), maciços (i.e., unidades),
grande vazio, seção, ritmo (i. e.; forma), contato, direção,
entrelaçamento, turbilhão (termos encontrados num
papiro restaurado, em que Demócrito é acusado de plagiar
A Grande Ordem do Mundo, de Leucipo).
(Fragmento 1) Papiro Herculano, 1788
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não divisível, a menor parte das coisas que não se pode dividir em outras partes. Os átomos são partículas infi nitas e invisíveis que compõem os objetos materiais e dão origem aos fenômenos observados e ao movimento de transformação dos seres.
eMpÉdOCles (cerca de 490-435 a.C.)
A um dado momento, do Uno saiu o Múltiplo. Por divisão
– fogo, água, terra e ar altaneiros; e o Uno se formou do
Múltiplo. Ódio, temível, de peso igual a cada um, e o Amor
entre eles.
SIMPLÍCIO. Física, 157.
Natural de Agrigento, na Sicília, Empédocles é conhecido por ser um político, poeta, dramaturgo, homem de ciência, médico e cosmólogo, místico e inventor da eloquência. Por combater a tirania em Agrigento, foi expulso da cidade e perambulou errante por toda a Grécia. Parece que morreu na guerra de Peloponeso (Atenas contra Esparta), mesmo que a lenda diga que morreu ao se atirar no vulcão Etna para provar que era imortal ou um deus. Escreveu dois poemas: Sobre a Natureza e Purifi cações.
Sua fi losofi a: ao contrário de alguns pré-socráticos que buscavam um único princípio das coisas, Empédocles defenderá que são os quatro elementos, fogo, terra, água e ar que constituem o universo, ou seja, que a Arché da natureza são os quatro elementos que se unem e se separam, formando os diversos seres da natureza, porém em proporções diferentes em cada ser. Esses quatro elementos são separados e unidos pelo ódio, que busca a diferença, e pelo amor, que faz reunir as semelhanças, ou seja, pelo amor os elementos se unem e pelo ódio os seres se separam.
EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO01. explique, com suas palavras, a seguinte afi rmação: a
Filosofi a é fi lha da Pólis.
02. O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer.
O logos é verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à
“lógica”; é falso quando dissimula alguma burla secreta
(sofi sma). [...] O mito, assim, atrai em torno de si toda
parcela do irracional existente no pensamento humano;
por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas
as suas criações
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. 3ª edição. São Paulo:
Brasiliense, 1982. p. 8-9.
Redija um texto diferenciando a racionalidade do logos e
a irracionalidade do mito de acordo com o trecho anterior.
03. De acordo com o estudado, faça um quadro comparativo
diferenciando as características do mito das características
da Filosofi a.
EXERCÍCIOS PROPOSTOS01. explique as hipóteses do “Milagre grego” e do
orientalismo para o nascimento da Filosofi a e justifique
por que ambas não são corretas.
02. Entre as transformações históricas ocorridas na Grécia dos
séculos VII e VI a.C., uma das principais está relacionada
às navegações marítimas. explique sua importância
para o nascimento da fi losofi a.
03. O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.
Fernando Pessoa
Durante muitos anos, os mitos marcaram a vida dos
gregos e seus modos de ver e interagir com o mundo
ou a physis. Redija um texto explicando o que
representavam os mitos para a cultura grega e suas
diferenças em relação à Filosofi a.
04. O mito é uma forma autônoma de pensamento e de vida.
Nesse sentido, a validade e a função do mito não são
secundárias e subordinadas em relação ao conhecimento
racional, mas originárias e primárias, situando-se num
plano diferente do plano do intelecto, porém dotado de
igual dignidade [...]
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
De acordo com a defi nição anterior, explique por
que o conhecimento mítico tem a mesma dignidade do
conhecimento fi losófi co.
05. Na Antigüidade clássica, o mito é considerado um produto
inferior ou deformado da atividade intelectual. A ele era
atribuída, no máximo, “verossimilhança”, enquanto a
‘verdade’ pertencia aos produtos genuínos do intelecto.
Esse foi o ponto de vista de Platão e de Aristóteles. Platão
contrapõe o mito à verdade ou à narrativa verdadeira
(Górg., 523 a), mas ao mesmo tempo atribui-lhe
verossimilhança, o que, em certos campos, é a única
validade a que o discurso humano pode aspirar (Tini.,
29 d) e, em outros, expressa o que de melhor e mais
verdadeiro se pode encontrar (Górg., 527 a). Também
para Platão o M. constitui a “via humana mais curta” para
a persuasão [...]
MITO. In: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia.
São Paulo: Martins Fontes, 2007.
explique por que, segundo essa defi nição, o mito
é considerado mentira para pensadores como Platão
e Aristóteles. Você concorda com esta posição?
justifique sua resposta.
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06. Mais que saber identificar a natureza das contribuições
substantivas dos primeiros filósofos é fundamental
perceber a guinada de atitude que representam.
A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas
acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição
religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as
propriedades que definem a filosoficidade.
OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção
da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.
A partir do trecho e de outros conhecimentos sobre o
assunto, Redija um texto explicando a “guinada de
atitude” representada pelos pré-socráticos.
07. “Necessário é o dizer e pensar que o ente é; pois é
ser. E nada não é”.
Sobre a Natureza, vv. 3; 6.
“Não podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio,
porque o rio não é mais o mesmo”.
PLUTARCO. Coriolano, 18 p. 392 B.
Os fragmentos anteriores se referem ao pensamento
dos dois mais importantes pré-socráticos, Parmênides e
Heráclito. De acordo com o estudado, faça uma relação
entre a filosofia desses dois pensadores da physis,
estabelecendo as semelhanças e as diferenças entre eles.
08. Redija um texto explicando o objetivo da filosofia pré-
socrática e o que buscava encontrar para explicar a origem
do universo.
SEÇÃO ENEM
01. (Enem–2010) Quando Édipo nasceu, seus pais, Laio e
Jocasta, os reis de Tebas, foram informados de uma
profecia na qual o filho mataria o pai e se casaria com a
mãe. Para evitá-la, ordenaram a um criado que matasse
o menino. Porém, penalizado com a sorte de Édipo, ele o
entregou a um casal de camponeses que morava longe de
Tebas para que o criasse. Édipo soube da profecia quando
se tornou adulto. Saiu então da casa de seus pais para
evitar a tragédia. Eis que, perambulando pelos caminhos
da Grécia, encontrou-se com Laio e seu séquito, que,
insolentemente, ordenou que saísse da estrada. Édipo
reagiu e matou todos os integrantes do grupo, sem saber
que entre eles estava seu verdadeiro pai. Continuou a
viagem até chegar a Tebas, dominada por uma Esfinge.
Ele decifrou o enigma da Esfinge, tornou-se rei de Tebas
e casou-se com a rainha, Jocasta, a mãe que desconhecia.
Disponível em: http://www.culturabrasil.org.
Acesso em: 28 ago. 2010 (Adaptação).
No mito Édipo Rei, são dignos de destaque os temas do
destino e do determinismo. Ambos são características do
mito grego e abordam a relação entre liberdade humana e
providência divina. A expressão filosófica que toma como
pressuposta a tese do determinismo é:
A) “Nasci para satisfazer a grande necessidade que eu
tinha de mim mesmo.” Jean Paul Sartre
B) “Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que
Deus nela escreva o que quiser.” Santo Agostinho
C) “Quem não tem medo da vida também não tem medo
da morte.” Arthur Schopenhauer
D) “Não me pergunte quem sou eu e não me diga para
permanecer o mesmo”. Michel Foucault
E) “O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua
imagem e semelhança” Friedrich Nietzsche
GAbARITOFixação
1. A Filosofia, entendida como uma atitude e um tipo
de conhecimento caracterizado pela busca do saber
por meio da razão, surgiu como consequência das
transformações históricas ocorridas na Grécia dos
séculos VII e VI a.C. Pode-se dizer que a Filosofia
foi fruto das condições históricas, políticas e
sociais da Grécia desse tempo, opondo-se às
teses do orientalismo e do “milagre Grego”, que
diziam, respectivamente, que a Filosofia surgiu
por influências dos povos orientais, anteriores
aos gregos, ou que a Filosofia surgiu como
um fato inesperado e miraculoso. As viagens
marítimas, a criação do calendário, o surgimento
da vida urbana, a criação da escrita alfabética,
o surgimento da política com a formação da Pólis,
governada democraticamente pelos cidadãos
e guiada pela vontade dos homens e não pela
vontade dos deuses entre outras condições
contribuíram decisivamente para o aparecimento
da Filosofia. Sem tais condições, poderíamos
afirmar que seria impossível que este modo de
investigar o mundo e os homens viesse a existir.
Dessa forma, a Filosofia é filha da Pólis, pois foi
na cidade, incluindo nela todos esses avanços
e mudanças, que a Filosofia surge como forma
sublime de busca do conhecimento.
2. O logos filosófico é caracterizado por sua ligação
intrínseca com a coerência do pensamento e
a rigidez dos argumentos. Dentro da Filosofia
não há espaço, em sua argumentação, para o
erro lógico e a contradição. Pelo contrário, um
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discurso contraditório e que não siga as regras básicas do pensamento lógico é repreendido ou rejeitado, pois não atende aos requisitos básicos da racionalidade filosófica. A falsidade do discurso é verificada quando, por meio de argumentos aparentemente verdadeiros, mas falsos em sua essência, se pretende enganar o outro ou burlar a verdade, fazendo uma mentira passar por algo verdadeiro. Ao afirmar que o mito traz para si toda parcela do irracional existente, o autor afirma que o mito foge à racionalidade do logos filosófico, que exige coerência e não admite contradições. Entendido dessa forma, o mito é irracional, pois não tem compromisso com a coerência do discurso e dos argumentos lógicos. Mas há de se dizer que o mito tem sim uma racionalidade que se manifesta nas próprias histórias contadas, uma vez que são histórias pensadas e, não raras vezes, magnificamente escritas. Tal racionalidade mítica é diferente da racionalidade filosófica, mas também é uma forma racional de manifestação da criatividade e
imaginação dos homens.
3.
MitO filOsOfia
Tem como fundamento a imaginação manifestada em discursos religiosos.
Tem como fundamento a razão.
Fictício, imaginário, histórias sem comprovação e que não se preocupam com uma lógica metodológica do discurso.
Busca a formulação de explicações que seguem um rigor argumentativo lógico. Se não houver coerência, o discurso e o argumento são rejeitados.
Baseia-se na fé / confiança daqueles que o recebem como discurso inquestionável, pois confiam em quem diz; pressupõe uma aceitação e adesão daqueles que o recebem.
Baseia-se em formulações racionais e não é aceito pela autoridade de quem diz, mas sim na realidade do que é dito, ou seja, do argumento.
Voltado para os sentimentos humanos.
Voltada para a construção de argumentos lógico-científicos.
Nasce da intuição do homem ou da sociedade que o constrói, é acrítico e muitas vezes se manifesta como forma ingênua de ver a realidade.
Nasce da atitude crítica do homem diante da natureza e de si mesmo.
Procura explicar a origem de todas as coisas e seu funcionamento por meio de explicações que tendem à totalidade.
Procura explicações mais pro-fundas e pormenorizadas sobre o mundo e o homem, de forma a obter respostas provadas ou argumentativa-mente sustentadas.
Aceita contradições em suas narrativas.
Não aceita contradições em seus argumentos.
Propostos1. A hipótese do “milagre grego” diz que a Filosofia
surgiu como algo inesperado e miraculoso, sem qualquer precedente na cultura de qualquer outro povo, inclusive dos gregos. Surgiu de forma absolutamente inexplicável. O orientalismo diz que a Filosofia só pôde nascer na Grécia devido às contribuições que os povos orientais deram aos gregos que, transformando-as, criaram a Filosofia. Apesar de reconhecermos que algumas contribuições dos povos orientais foram de fato utilizadas pelos gregos, estes deram um caráter qualitativo aos conhecimentos que antes eram somente quantitativos e práticos. Ambas as teorias, “milagre grego” e orientalismo não são corretas, uma vez que o que está na raiz da Filosofia, como fatores que possibilitaram seu nascimento, são as condições históricas, econômicas, sociais e culturais da Grécia dos séculos VII e VI a.C. que prepararam o “terreno fértil” para que surgisse essa atitude investigativa e crítica sobre o cosmos.
2. As navegações marítimas foram fundamentais para o nascimento da Filosofia, uma vez que por meio delas os gregos puderam verificar empiricamente que os mitos marítimos, sobre a existência de monstros que povoariam o mar, terras habitadas por deuses, abismos no horizonte não eram verdadeiros. Tais histórias, presentes no imaginário dos gregos, foram gradativamente perdendo sua força, e um dos principais motivos dessa transformação foram as viagens. Além disso, as viagens marítimas tiveram um papel importantíssimo no desenvolvimento do comércio entre os povos, o que contribuiu decisivamente para que houvesse uma troca de informações de povos diferentes, consequentemente levando à constatação de que as histórias míticas são muitas e variadas, levando também à constatação de que tais narrativas poderiam não ser verdades incontestáveis e absolutas.
3. A tradição mitológica diz respeito à tradição grega anterior aos séculos VII e VI a.C., quando nasce o pensamento filosófico. Esse modo de explicar o cosmos se caracteriza pela crença na divindade, aquela que rege e faz que tudo aconteça. As narrativas míticas representavam para os gregos a única verdade possível, tanto que eram indiscutíveis, como eram inquestionáveis também aqueles que os transmitiam, denominados poetas rapsodos. O mito se baseia na fé / confiança daqueles que o recebem, uma vez que é a própria revelação dos deuses ao homem. O mito não necessita ser explicado à razão, ele encontra eco no imaginário de um povo, onde se fundam sua eficácia e força. Por outro lado, a Filosofia caracteriza-se pela racionalidade e necessidade de compreensão do que é dito. Não há mais a força da crença e da autoridade de quem diz, mas a força se estabelece naquilo que se diz, pois a ideia precisa ser clara à razão de todos. Um discurso racional, inteligível e não contraditório, baseado na reflexão, investigação e crítica.
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4. Quando se fala de tipos ou modos de conhecimento não é possível apontar aqueles que são melhores e aqueles que ocupam a segunda ou terceira posição em relação à sua importância. Se a Filosofia se baseia na razão como forma de compreensão do mundo, o mito se funda na imaginação com os mesmos propósitos. Com isso, não é correto afirmar que a razão é mais importante que a imaginação, portanto, que a Filosofia é mais “correta” ou “verdadeira” que a mitologia. Trata-se de tipos ou modos de conhecimento distintos. Ambos têm igual dignidade e ocupam a mesma posição em relação à necessidade de conhecer do homem, diferenciando-se tão somente quanto à sua origem, método e características.
5. Para Platão e Aristóteles, o mito pode ser considerado um modo inferior de conhecimento. Dessa forma, ele é tido como uma narrativa que não está preocupada com a verdade em si, com o conhecimento verdadeiro da realidade e do homem, mas está comprometido com um discurso explicativo que busca a satisfação do desejo de conhecer ou explicar, sem se importar com a verdade última das coisas que Platão julga estar no inteligível e Aristóteles no sensível.
A posição assumida pelo aluno precisa estar bem fundamentada. Dessa forma, pode-se argumentar:
posição favorável: O mito, baseando-se na imaginação e não estando comprometido com o conhecimento das essências ou natureza última dos seres, não pode ser considerado um conhecimento verdadeiro. Não passa de narrativas que tentam convencer, persuadir a partir de fantasias que não servem para dizer a realidade dos seres. Segundo Platão, o mito encontraria respaldo como forma de explicação quando a razão se torna insuficiente para explicar a realidade.
posição contrária: O mito é uma forma particular de explicar o mundo e os seres. Dessa forma, não há de se questionar se é válido ou inválido, verdade ou mentira, mas há de se considerar somente que é uma forma diferente de outras, como a Filosofia, de explicar o real. Dessa forma, discorda-se de Platão e Aristóteles, uma vez que defendem a inferioridade do mito, não levando em consideração as diferenças inerentes que constituem essa forma distinta de explicação da realidade.
6. Os pré-socráticos foram os primeiros filósofos da história. Sua atitude diante do cosmos lança as raízes daquilo que se conhecerá a partir de então por Filosofia. A guinada de atitude que eles representam se constitui exatamente na não aceitação de respostas fictícias e imaginárias sobre a origem do universo e seu funcionamento. Tais respostas míticas representavam a autoridade da religião e da tradição, não sendo, por si mesmas,
racionais e inteligíveis, mas misteriosas e acríticas. Tal guinada representa a busca por respostas racionais, baseadas no próprio homem, em sua observação e estudos da natureza. A partir dos pré-socráticos, temos o início da Filosofia que, mais do que um conjunto de saberes, é antes de tudo uma atitude crítica e investigativa em busca de respostas racionalmente justificáveis.
7. Podemos afirmar que o objetivo do pensamento de Heráclito e Parmênides é o mesmo, encontrar a verdade sobre os seres. Porém, as posições defendidas por eles são fundamentalmente distintas. Parmênides defenderá o imobilismo. Considerado como um monista, afirma que os seres possuem uma aparência e uma essência, sendo que esta é imutável, e aquela está em constante mudança. Por isso, afirma que o ser é, ou seja, o que existe é somente a essência, que será conhecida pela razão e não pelos sentidos. O Não Ser seria o nada, e por isso não é, ou seja, como a aparência está em constante transformação, ela não é nada, uma vez que aquilo que é em um instante deixa de ser no instante posterior.
Já Heráclito defenderá que não existe uma diferença entre essência e aparência, mas que todas as coisas são somente aparência e que mudam o tempo todo. Dessa forma, é um mobilista, pois afirma que tudo está em movimento e se altera. O conhecimento dos seres é somente o conhecimento obtido pelos sentidos. Para além da aparência dos seres, existe o Logos, que é aquele que dá a unidade em meio à pluralidade das transformações e dos opostos. O Logos, entendido como razão, pensamento, dá a lógica ao movimento e à luta dos contrários, fazendo com que as coisas sejam compreendidas mesmo na multiplicidade.
8. Os pensadores pré-socráticos, chamados por Aristóteles de physiólogos ou pensadores da natureza, foram os primeiros homens da história a se dedicarem a encontrar uma explicação puramente racional para a origem do universo. Rompendo com a tradição mítica, eles queriam explicar a origem do universo de forma não fantasiosa, por meio de pensamentos próprios e não por revelações de seres sobrenaturais. Acreditando que tudo o que existe na natureza é resultado de uma relação de causa e efeito, acreditavam que, se encontrassem a primeira causa de todas as coisas, encontrariam a resposta para a origem do cosmos. A essa causa primeira deram o nome de arché, que seria uma espécie de matéria-prima inicial da qual todas as coisas teriam surgido. Por exemplo, Tales acreditava que a arché do universo era a água. Dessa forma, via na água o princípio de todas as coisas existentes.
Seção Enem01. B
Frente A
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