A ictiofauna da represa de Itutinga, rio Grande (Minas Gerais - Brasil)

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A ICTIOFAUNA DA REPRESA DE ITUTINGA, RIO GRANDE (MINAS GERAIS - BRASIL) CARLOS BERNARDO MASCARENHAS ALVES\ ALEXANDRE LIMA GODINHO\ HUGO PEREIRA GODINH02 e VASCO CAMPOS TORQUAT03 lDepartamento de Zoologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais - 31270-901 Belo Horizonte, MG 2Departamento de Morfologia, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais - 31270-901 Belo Horizonte, MG 3Departamento de Programas e Ações Ambientais, CEMIG - 30190-131 Belo Horizonte, MG (Com 3 figuras) ABSTRACT The Ichthyofauna of the Itutinga Reservoir, Grande River (Minas Gerais - Brazil) Itutinga reservoir, built in 1955, is located 5.5km downstream from the Camar~os dam (the most upstream impoundment in the Grande river). With surface area of l.64km and a small drainage basin, it has a low residence time (12 hours) and little water leveI variation (:t 05m). Limnological profiles made in September 1989, February and June 1990 showed no stratifica- tion of the water column in relation to temperature, conductivity, pH and dissolved oxygen. Five quantitative fish samples, between December 1988 and June 1990, using gillnets of 3, 4, 5,6, 7, 8, 10, 12, 14 and 16cm (stretch measure) mesh and qualitative ones using seine nets were made. Twenty-four native fish species and one exotic (Tilapia sp.) were recorded. The higher captures per unit of effort were Pimelodus maculatus, Astyanax fasciatus, lheringich- thys labrosus and Schizodon nasutus (numerically), and Hoplias cf. lacerdae, P maculatus, S. nasutus and I. labrosus (in biomass). The reservoir showed low abundance and biomass of fishes. The presence of migratory species (such as Salminus maxillosus, Prochilodus scrofa and P maculatus) probably can be explained by the manual transposition of fishes imprisoned in Itutinga turbines and spillway channel, passage through Camargos dam turbines (Kaplan type) and fish stocking programs. Key words: ichthyofaunistic inventory, Paraná basin, stocking, limnology, migratory species. . RESUMO A represa de Itutinga, formada em 1955, situa-se 5,5km a jusante da UHE Camargos (barra- mento mais a montante do rio Grande). Com área alagada de 1,64km2 e pequena bacia de Recebido em 28 de maio de 1996 Aceito em 24 de setembro de 1997 Distribuído em 15 de janeiro de 1998 Correspondênciapara: Carlos B. M. Alves E-mail: [email protected] Rev. Brasil. Biol., 58 (1): 121-129

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A ICTIOFAUNA DA REPRESA DE ITUTINGA,RIO GRANDE (MINAS GERAIS - BRASIL)

CARLOS BERNARDO MASCARENHAS ALVES\ ALEXANDRE LIMA GODINHO\HUGO PEREIRA GODINH02 e VASCO CAMPOS TORQUAT03

lDepartamento de Zoologia, Instituto de Ciências Biológicas,Universidade Federal de Minas Gerais - 31270-901 Belo Horizonte, MG

2Departamento de Morfologia, Instituto de Ciências Biológicas,Universidade Federal de Minas Gerais - 31270-901 Belo Horizonte, MG

3Departamento de Programas e Ações Ambientais, CEMIG - 30190-131 Belo Horizonte, MG

(Com 3 figuras)

ABSTRACT

The Ichthyofauna of the Itutinga Reservoir,Grande River (Minas Gerais - Brazil)

Itutinga reservoir, built in 1955, is located 5.5km downstream from the Camar~os dam (themost upstream impoundment in the Grande river). With surface area of l.64km and a smalldrainage basin, it has a low residence time (12 hours) and little water leveI variation (:t 05m).Limnological profiles made in September 1989, February and June 1990 showed no stratifica-tion of the water column in relation to temperature, conductivity, pH and dissolved oxygen.Five quantitative fish samples, between December 1988 and June 1990, using gillnets of 3, 4,5,6, 7, 8, 10, 12, 14 and 16cm (stretch measure) mesh and qualitative ones using seine netswere made. Twenty-four native fish species and one exotic (Tilapia sp.) were recorded. Thehigher captures per unit of effort were Pimelodus maculatus, Astyanax fasciatus, lheringich-thys labrosus and Schizodon nasutus (numerically), and Hoplias cf. lacerdae,P maculatus, S.nasutus and I. labrosus (in biomass). The reservoir showed low abundance and biomass offishes. The presence of migratory species (such as Salminus maxillosus, Prochilodus scrofaand P maculatus) probably can be explained by the manual transposition of fishes imprisonedin Itutinga turbines and spillway channel, passage through Camargos dam turbines (Kaplantype) and fish stocking programs.

Key words: ichthyofaunistic inventory, Paraná basin, stocking, limnology,migratory species. .

RESUMO

A represa de Itutinga, formada em 1955, situa-se 5,5km a jusante da UHE Camargos (barra-mento mais a montante do rio Grande). Com área alagada de 1,64km2 e pequena bacia de

Recebido em 28 de maio de 1996Aceito em 24 de setembro de 1997

Distribuído em 15 de janeiro de 1998Correspondênciapara: Carlos B. M. AlvesE-mail: [email protected]

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drenagem, é do tipo "fio d'água", com tempo de residência reduzido (12 horas) e pequenavariação do nível da água (:t 0,5m). Perfis limnológicos realizados em setembro de 1989, fe-vereiro e junho de 1990 mostraram desestratificação da coluna d'água em relação à tempera-tura, à condutividade, ao pH e ao oxigênio dissolvido. Entre dezembro de 1988 e junho de1990, foram realizadas 5 amostragens quantitativas (redes de malhas 3, 4, 5, 6, 7, 8,10,12,14e 16cm entre nós opostos) e qualitativas (rede de arrasto). Foram registradas 24 espécies nati-vas e uma introduzida (Tilapia sp.). As espécies mais representativas em termos de capturapor unidade de esforço foram, em ordem decrescente, Pimelodus maculatus, Astyanax fas-ciatus, /heringichthys labrosus e Schizodon nasutus, em número, e Hoplias cf. lacerdae, P.maculatus, S. nasutus e I. labrosus, em biomassa. A represa apresentou baixa abundância ebiomassa de peixes. A presença de espécies rnigradoras (e.g. Salminus maxillosus, Prochi-lodus scrofa e P. maculatus) explica-se provavelmente pela transposição manual para arepresa de peixes aprisionados nas turbinas e no canal do vertedouro de Itutinga, pela pas-sagem de indivíduos através das turbinas do tipo Kaplan da barragem de Camargos e pelosprogramas de repovoamento.

Palavras-chave: inventário ictiofaunístico, bacia do Paraná, repovoamento, limnologia,espéciesmigratórias.

INTRODUÇÃO

o estado de Minas Gerais possui 14 baciashidrográficas (CETEC, 1983) e seu potencial hi-dráulico está parcialmente explorado por usinashidrelétricas. O quadro de barramentos sucessivos,que é especialmente significativo no rio Grande,estender-se-á para a maioria das bacias do estadocom a implementação dos planos energéticos daEletrobrás (Godinho, 1993). Com isto, a hidrogra-fia estadual passará da condição fluvial para a la-custre. Em conseqüência, o curso natural de seusprincipais rios estará modificado pela sucessão degrandes lagos artificiais, com alterações significa-tivas nas populações de peixes migradores (Godi-nho & Godinho, 1994).

Algumas das alterações sofridas pela ictio"fauna brasileira em razão dos barramentos estão

sendo identificadas, incluindo as que dizem res-peito às restrições reprodutivas impostas às espé-cies migradoras ou de piracema (e.g. Agostinho,1992; Godinho & Godinho, 1994) e as alteraçõesna estrutura das comunidades (Merona,1986/1987). Ressalte-se que a ictiofauna de gran-de parte destes ambientes sequer ainda foi inven-tariada.

A conservação e o manejo de comunidadesde peixes de represas constituem tarefa multidisci-plinar e de longo prazo (Agostinho, 1992), sendoque estudos de casos particulares podem aceleraro desenvolvimento de metodologias necessárias à

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sua execução. A represa da Usina Hidrelétrica(UHE) de Itutinga pode constituir-se modelo paraestudos de represas de pequeno porte, em funçãode suas características físicas, biológicas e morfo-métricas, aliadas ao estado atual do conhecimentode sua ictiofauna e limnologia.

A represa de Itutinga, formada em 1955, si-tua-se no alto rio Grande, município de Itutinga,Minas Gerais (21°16'S; 44°40'W). O reservatóriopossui área de 1,64km2 e acumula cerca de 11 x106 3 d

' O d.d" d ' ,

m e agua. tempo e reSI enCIa a agua ede 12 horas e os seus níveis mínimo e máximo são

de 880,0 e 886,Omacima do nível do mar, respec-tivamente. Todavia, em condições normais de ope-ração, a variação do nível da água é pequena (:t0,5m) e está sob influência da UHE Camargos, si-tuada imediatamente a montante (= 5,5km). Comexceção do próprio rio Grande, a represa não rece-be afluentes significativos.

O presente trabalho apresenta os resultadosdos primeiros estudos sistematizados realizadosna região da represa da UHE Itutinga cujos objeti-vos foram de inventariar sua ictiofauna; estimar aabundância ictiofaunística através da captura porunidade de esforço (CPUE); e obter dados limno-lógicos básicos de suas águas.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizadas 5 campanhas de amostra-gem na represa de Itutinga nos meses de dezem-

ICTIOFAUNA DE ITUTINGA (RIO GRANDE) 123

bro de 1988, maio e setembro de 1989 e fevereiroe junho de 1990. Em todas as campanhas foramutilizadas redes de emalhar de fundo de 20 metrosde comprimento, de malhas 3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12,14 e 16cm (medidas entre nós opostos) e alturaentre 1,45 e 1,75m. A área total de redes utilizadafoi de 24.347m2,distribuídosnas 5 campanhas. Asredes foram armadas à tarde e retiradas na manhãseguinte, permanecendo cerca de 16h expostas nacoluna d'água da zona litorânea.

Para complementação do inventário ictiofau-nístico, foram armados 1.175m2de redes de ema-lhar nos meses de dezembro de 1988 e junho de1990 no trecho do rio Grande entre a represa deItutinga e a barragem de Camargos. Estas redes ti-nham as mesmas especificações daquelas utiliza-das na represa.

Os peixes capturados foram separados pormalha e fixados em solução de formol a 10% nocampo. O peso corporal e o comprimento padrãode cada indivíduo capturado foram registrados nolaboratório. Complementarmente, estádios de ma-turação gonadal de espécies consideradas migra-doras foram macroscopicamente determinados,como forma de confirmar sua desova no ambienteem estudo.

Utilizando-se somente os peixes capturadosna represa, estimou-se para cada malha m a captu-ra por unidade de esforço em número (CPUENm)e em biomassa (CPUEBm)por:

CPUENm=NrnlEPm

CPUEBm = BrnlEPm,

onde:Nrn =número de peixes capturados na malha m;Brn = biomassa, em gramas, capturada na malha m;. 2EPrn =esforço de pesca, em 100m, de rede da malha m;

m = tamanho da malha (3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 14 e 16cm).

As CPUEs também foram estimadas paracada espécie i por:

16

CPUENi =L Nim/EPmm=3

16

CPUEBi =L Bim/EPm,m=3

onde:

Nirn = número de peixes da espécie i capturado na

malha m;

Birn = biomassa, em gramas, da espécie i capturada namalha m;

malhas utilizadas:3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 14 e 16;

e para toda amostra por:

16

CPUEN =L Nm/EPmm=3

16

CPUEB =L Bm/EPm,m=3

onde:

Nrn = número de peixes capturado na malha m;Brn =biomassa,emgramas,capturadanamalham;malhas utilizadas:3, 4, 5, 6, 7, 8, 10, 12, 14 e 16.

Além das amostragens quantitativas com re-des de emalhar, foram feitas coletas qualitativasatravés de arrastos com redes de tela mosquiteiranas margens da represa para a captura de espéciese indivíduos de pequeno porte.

Foram determinados os valores de penetra-

ção de luz (medida pelo disco de Secchi), tempe-ratura, condutividade elétrica, pH e oxigêniodissolvido da coluna d'água de metro em metro dasuperfície ao fundo nos meses de setembro de1989, fevereiro e junho de 1990 em três pontos darepresa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram capturadas 25 espécies, distribuídasem 3 ordens, 9 famílias, 17 gêneros. Todas as es-

pécies, com exce~o de Pseudopimelodus zunga-ro, ocorreram na represa de Itutinga. A Tabela Icontém a lista taxonômica das espécies capturadascom os respectivos nomes populares utilizados naregião.

Em Itutinga, a riqueza de espécies foi baixase comparada às das represas de Camargos (mon-tante) e de Fumas (jusante). Camargos apresentou36 espécies (Mourgués-Schurter & Silva, 1994).Em Fumas, Santos et ai. (1994) registraram 30 es-pécies, capturadas exclusivamente com redes deemalhar entre junho de 1992 e maio de 1993. Suariqueza, entretanto, poderá atingir cerca de 45 es-pécies, se incluídas coletas posteriores com redesde espera e de arrasto (G. B. Santos, com. pes.,1995). A baixa riqueza em Itutinga provavelmente

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124 CARLOS BERNARDO MASCARENHAS ALVES et alii

TABELA I

Lista das espécies de peixes capturadas na região da represa de Itutinga.

Superordem Ostariophysi

Ordem Characiformes

Família Characidae

SubfamíliaTetragonopterinae

Astyanax bimaculatus (Linnaeus, 1758)

Astyanax fasciatus (Cuvier, 1819)

Bryconamericus stramineusl Eigenmaoo, 1908

Piabina argenteal Reinhardt, 1866

Subfamília Salmininae

Salminus hilarii Valencieooes,1849

Salminus maxillosui Valenciennes,1849

Família Erythrinidae

Hoplias d. lacerdae Ribeiro, 1908

Hoplias malabaricus (Bloch, 1794)FamíliaAnostomidae

Leporellus vittatus (Valencieooes, 1849)

Leporinus friderici (Bloch, 1794)

Leporinus octofasciatus Steindachner, 1917

Leporinus striatus Kner, 1859

Schizodon nasutus Kner, 1864

Família Prochilodontidae

Prochilodus scrofa Steindachner, 1882

Família Parodontidae

Apareiodon piracicabae (Eigenmaoo, 1907)Ordem Siluriformes

Família Sternopygidae

Eigenmannia virescens Valencieooes,1847Família PinIelodidae

lheringichthys labrosus (Kroeyer, 1874)

Pimelodus maculatus Lacépede, 1803

Pseudopimelodus zungaro3 (Humboldt, 1833)Família Loricariidae

Hypostomus aff. myersi Gosline, 1947

Hypostomus aff. strigaticeps (Regan, 1908)

Hypostomus sp. A

Hypostomus sp. B

SuperordemAcanthopterygii

Ordem Perciformes

Família CicWidae

/

Geophag~s cf. brasiliensis (Quoy & Gaimard, 1824)Tilapiasp.5

Nome popular N° do lote*

lambari

lambari-do-rabo-vermelho

MZUSP 51449

MZUSP 51448

piaba

pequira MZUSP 51463

tabarana

dourado

traíra, trairão

traíra

MZUSP 51460

MZUSP 51459

tinIburé

piapara

flamenguinho

tinIburé

MZUSP 51458

MZUSP 51461

MZUSP 51446

MZUSP 51457campineiro

curinIba

canivete MZUSP 51464

espada MZUSP 51447

mandi-bicudo

mandi-amarelo

MZUSP 51453

MZUSP 51462

MZUSP 51452bagre-sapo

cascudo

cascudo 4

cascudo

cascudo

4

cará MZUSP 51451

MZUSP 51450tilápia

*Númerodos lotes tombados na coleção ictiológica do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. 1=capturada na represaexclusivamente com arrasto; 2 =capturada na represa por pescador local; 3 =capturada exclusivamente no rio Grande a montantede Itutinga; 4 =espécies depositadas em três lotes (MZUSP 51454, MZUSP 51455 e MZUSP 51456) com denominação Hypos-tomus sp.; 5 =espécie exótica à bacia do rio Grande.

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ICTIOFAUNA DE ITUTINGA (RIO GRANDE) 125

se deve ao fato da represa ser antiga, possuir áreainferior às áreas das duas outras (Camargos =

2 276km e Fumas =1.456km ), drenar um pequenotrecho livre do rio Grande (= 5,5km) e não receberoutros afluentes significativos.

A composição em espécies de Itutinga podeser considerada estabilizada. Espécies cuja repro-dução foi interrompida com o barramento nãomais ocorrem ou, se ocorrem, sua presença é frutode peixamentos realizados pela CEMIG. As am-plitudes de comprimento e peso das espécies, bemcomo suas características migratórias (Tabela 11),demonstram domínio de espécies de pequeno por-te e/ou capazes de concluir seu ciclo de vida emambiente lêntico. Agostinho et aI. (1992) mostra-ram a tendência de domínio da composição ictio-faunística de represas após alcançar a estabilidadepor espécies de pequeno porte, baixa longevidadee elevado potencial reprodutivo.

Foram capturados 494 exemplares com re-des de emalhar. Destes, 38 foram coletados no rio

Grande a montante da represa. A Figura 1 repre-

senta as CPUEs em número e biomassa por tama-nho de malha. A malha 3cm foi a mais produtivaem termos numéricos. Como esperado, há tendên-cia de menores capturas de indivíduos com o au-mento da malha. As malhas mais produtivas embiomassa foram 4, 5 e 6cm. Estes dados demons-tram que a ictiofauna é dominada por espécies demenor porte. As espécies mais capturadas nas ma-lhas maiores foram mandis-amarelos (P macula-tus), curimbas (P scrofa) e trairões (H. cf.lacerdae). A malha 16cm não capturou nenhumindivíduo.

Na Figura 2 está expressa a CPUEN dasprincipais espécies. Nota-se predomínio de man-dis, seguido por mandis-bicudos (I. labrosus),lambaris (A. fasciatus), campineiros (5. nasutus) etrairões. Na CPUEB (Fig. 3) destacaram-se trai-rões, mandis, campineiros e mandis-bicudos, emordem decrescente.

Ressalte-se a presença da curimba no rol dasespécies mais capturadas em biomassa. Poucosexemplares foram capturados, porém todos eles

TABELA 11

Amplitudes de comprimento padrão (em) e peso corporal (g) das espécies coletadasna represa de Itutínga (1988-1990).

'Segundo Miyamoto (1990) e Lamas (1993).

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Espécie N Comprimento padrão Peso corporal Migração'Mínimo Máximo Mínimo Máximo

Pimelodus maculatus 119 7,8 30,2 7 504 Sim

Hoplias cf. lacerdae 78 13,6 53,3 34 2.830 Não

Schizodon nasutus 76 11,5 24,4 21 245 Não

lheringichthys labrosus 67 9,4 22,4 11 166 Não

Astyanax fasciatus 55 8,2 12,5 10 40 Não

Hypostomus spp. 12 9,9 23,2 27 304 ?

Leporinusfriderici 12 11,7 27,5 24 482 ?

Hoplias malabaricus 10 14,8 26,7 52 328 Não

Astyanax bimaculatus 8 7,3 10,6 10 30 Não

Eigenmannia virescens 3 19,6 24,6 14 27 ?

Leporinus octofasciatus 3 10,6 22,2 20 242 Sim

Leporinus striatus 3 10,9 12,1 19 34 Sim

Tilapiasp. 3 8,0 16,8 16 180 Não

Prochilodusscrofa 2 . 38,6 48,0 1.429 2.660 Sim

Geophaguscf. brasiliensis 2 7,0 7,8 12 19 Não

Leporellus vittatus 1 11,2 11,2 21 21 Sim

Salminus hilarii 1 27,2 27,2 310 310 Sim

Salminus maxillosus 1 46,0 46,0 1.600 1.600 Sim

126 CARLOS BERNARDO MASCARENHAS ALVES et alii

Malha (cm)

3

4

5

6

7

8

10

12

14

16

]-=====J-=- ::J.c=J

-DOE=:J

15 12 9 6 3 OCPUEN Ond./100 m2)

200 400 600

CPUEB (g/100 m2)

Fig. 1- CPUEs por malha na represa de Itutinga (1989-1990).

possuíam peso corporal considerável. A presençadesta espécie, caracteristicamente migradora(Miyamoto, 1990; Lamas, 1993), na represa deItutinga pode ser explicada pelos programas de re-povoamento realizados pela CEMIG. O mesmopode ser dito em relação ao dourado (5. maxillo-sus), cujo exemplar foi capturado na represa porpescador profissional. Segundo informações da

Espécie

H. malabaricus -Hypostomus spp. -li

L. frjderici -liA. bimaculatus -.H. cf. lacerdae

S. nasutus

A. fasciatus

CEMIG, durante o período de estudos (1988-

1990), houve a soltura de cerca de 23.000 alevinos

de curimbas (P scrofa), 2.000 de piaparas (como

Leporinus friderici é localmente designado),

1.200 de piaus (L. elongatus) e 100 de pacus (Pia-

ractus mesopotamicus). Dados de peixamentos

anteriores não são disponíveis.

I. labrosus

P. maculatus -Outros ---

o 2 4 6 8CPUENOnd./100 m2)

10

Fig.2 - CPUEN por espécie na represa de Itutinga (1989-1990).

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lCTIOFAUNA DE lTUTINGA (RIO GRANDE)

Espécie

Hypostomus spp. -I.........~

L. friderici

H. malabaricus

A. fasciatus

P. scrofa

I. labrosus

s. nasutus

127

P. maculatus

H. cf. lacerdae -Outros -li

o 400 800CPUEB(g/100 m2)

1200

Fig. 3 - CPUEB por espécie na represa de Itutinga (1989-1990).

Dos indivíduoscoletados, 130 (29%) perten-cem às espécies consideradas de piracema, desta-cando-se 119 mandis-amarelos (26%). Estaespécieparece não se reproduzir no trecho entre asbarragens de Itutinga e Camargos, uma vez que aanálise macroscópicade suas gônadas revelou so-mente fêmeas em repouso sexual e machos em es-tádio de maturação intermediária. A significativacaptura em número e em biomassa de P. macula-fus, espécie considerada migradora moderada(Miyamoto, 1990), deve-se em parte ao transportede jusante para montante de peixes aprisionadosnas turbinas e no canal do vertedouro durante as

operaçõesde manutençãoda usina e manejo do ní-vel da água da represa (Alves, obs. pes.). A maio-ria dos peixes transportados é constituída demandis-amarelos, campineiros, mandis-bicudos epiaparas.

A ocorrênciade espécies migradoras em Itu-tinga também pode ser explicada pela passagemde indivíduos através do vertedouro ou das turbi-

nas do tipo Kaplan da UHE Camargos, situadaimediatamente a montante, onde elas tambémocorrem. Turbinas Kaplan reconhecidamente per-mitem a passagem de indivíduos jovens e adultos(Davies, 1988). A passagem de peixes por barra-gens hidrelétricas deve ser melhor investigada esua pesquisa, por isto, incentivada.

As amplitudes dos parâmetros físico-quími-cos amostrados (temperatura, condutividade, pH,oxigênio dissolvido e transparência da água) narepresa encontram-se na Tabela III. Os perfis dacoluna d'água relativos a estes parâmetros revela-ram não ocorrer estratificação da coluna nos trêspontos amostrados.

Os dados físico-químicos das águas da re-presa de Itutinga sugerem que trata-se de ambientede características oligotróficas, com tendência àneutralidade e pouco material em suspensão a jul-gar pelos baixos valores de condutividade e gran-de transparência. Esta situação tende a ser mantidano futuro próximo, pois, Itutinga é uma pequenarepresa com tempo de residência da água reduzido

TABELA 1lI

Amplitudes de parâmetros limnológicos na represa deItutinga (1989-1990).

Parâmetro AmplitudeMinimo I Máximo

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Temperatura (°e) 18,1 25,8

Condutividade elétrica (!!S/em) 14,2 16,3

Oxigênio dissolvido (% saturação) 70,3 103,9

pH 6,2 7,4

Transparência (m) 0,9 3,8

128 CARLOS BERNARDO MASCARENHAS ALVES et alii

TABELA IV

Captura por unidade de esforço em número (CPUEN) e em biomassa (CPUEB) em represas e lagoas de Minas Gerais.O esforço de pesca considerado foi de 100m2de redes das malhas 3 a 16cm nas represas e 3 a 14cm nas lagoas.

1 =de julho/89 a abril/90; 2 =de março/91 a janeiro/no

(12 horas), e abastecida quase que exclusivamentepelas águas de Camargos, o que impede seu even-tual enriquecimento.

A condição oligotrófica de Itutinga reflete-sena reduzida abundância em número (CPUEN) ebiomassa (CPUEB) de peixes aí capturados com-parativamente a outros ambientes lacustres de Mi-nas Gerais (Tab. IV).

Durante o estudo, a pesca profissional, comapenas um pescador atuando regularmente na re-presa, e a pesca amadora eram reduzidas. As prin-cipais espécies capturadas são o trairão,campineiro, piapara (L. friderici) e curimba no re-servatório, e lambari (A. fasciatus) no trecho dorio Grande entre as represas de Itutinga e Camar-gos (obs. pes.). Programas de repovoamento comespécies migradoras nativas da bacia poderão serconduzidos com peixes provenientes de estaçõesde piscicultura ou capturados a jusante de Itutingae submetidos à reprodução induzida no local (Re-zende et aI., 1996), como forma de incrementar aatividade.

Os dados levantados permitem-nos concluir,em relação à represa de Itutinga, que sua ictiofau-na é mais pobre em espécies do que as das repre-sas de Fumas e Camargos; as abundâncias emnúmero (CPUEN) e biomassa (CPUEB) de peixessão inferiores a outros corpos d'água de MinasGerais; a presença de espécies migradoras pode

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ser explicada pelos programas de repovoamentoda CEMIG, pela translocação de peixes de mon-tante para jus ante e pela eventual passagem de in-divíduos pelas turbinas da barragem de Camargos;suas águas são oligotróficas sem tendência à estra-tificação devido, em parte, ao pequeno tempo deresidência da água.

Agradecimentos- Agradecemos ao Departamento de Pro-

gramas e Ações Ambientais (MA/PA) da Companhia Ener-gética de Minas Gerais (CEMIG) pelo apoio logístico efinanciamento das coletas; ao Df. Júlio C. Garavello (UFSCar)pela identificação taxonômica das espécies; ao Laboratório deComputação Científica (LCCIUFMG) pelo uso de suas ins-talações nas análises dos dados; ao Dr. Francisco A R. Bar-bosa, chefe do Laboratório de Limnologia (ICBIUFMG), peloempréstimo de equipamentos e ao revisor anônimo pelas suassugestões ao manuscrito.

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Local Bacia hidrográfica CPUEB (kg) CPUEN Fonte

Represa de Itutinga Paraná 3,06 34,8 presente trabalho

Represa de Marimbondo Paraná 8,98 121,1 Santos et aI., 1994

Represa de Fumas Paraná 8,14 292,0 Santos et aI., 1994

Represa da Pampulhal São Francisco 31,03 113,0 Godinho et ai., 1992

Represa da Pampulha2 São Francisco 41,16 120,6 Godinho et aI., 1992

Lagoa Carioca Doce 30,29 74,2 Godinho et ai., 1994

Lagoa Dom Helvécio Doce 22,19 78,9 Godinho et aI., 1994

Lagoa Ferrugem Doce 12,80 345,0 Godinho et aI., 1994

Lagoa Jacaré Doce 28,06 116,3 Godinho et aI., 1994

Lagoa Palmeiras Doce 8,92 90,7 Godinho et aI., 1994

Lagoa Timboré Doce 13,73 105,0 Godinho et aI., 1994

ICTIOFAUNA DE ITUTINGA (RIO GRANDE)

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