Missões na Bíblia - Princípios Gerais - C. Timóteo Carriker

93

Transcript of Missões na Bíblia - Princípios Gerais - C. Timóteo Carriker

1

1

© 1992 C. Timothy Carriker

1ª edição: 1992Reimpressão: 1999

Publicado com a devida autorizaçãoe com todos os direitos reservados porSOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA,

Caixa Postal 21486, São Paulo-SP04602-970

Proibida a reprodução por quaisquermeios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos,fotográficos, gravação, estocagem em banco dedados, etc.), a não ser em citações breves

com indicação de fonte.

Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Coordenação de produção • RobinsonMalkomes

Revisões • Eber CocareliCapa • Melody Pieratt

1

Digitalizado por: MissionAR

CONTEÚDO

Prefácio dos editores

Agradecimentos

Introdução

1. A Base de Missões no Relato da Criação

2. A Responsabilidade Missionária de Israel

3. A Perspectiva de Missões no Ministério deJesus

4. Missões no Ministério do Espírito por meioda Igreja

1

5. Paulo e Missões

6. A Volta de Jesus e a Urgência Missionária

Apêndice A

Apêndice B

PREFÁCIO DOS EDITORES

O teólogo holandês J. H. Bavinck afirmavaque a base da grande comissão evangélica teriaque ser Gênesis 1.1. O autor deste livro,renomado professor da cadeira de Missões doCentro Evangélico de Missões, em Viçosa-MG,vai além para demonstrar que não somente oprimeiro versículo, mas toda a Bíblia, trata daquestão missionária.

1

Com o crescimento, nos últimos anos, dointeresse das igrejas brasileiras por missões,tornou-se fundamental a busca de uma basebíblica abrangente para a tarefa missionária.A grande comissão — isolada — hoje não é maissuficiente para sustentar o intenso debate quetem sido travado sobre os diversos aspectosque envolvem a ação missionária transcultural.

Queremos desafiar o leitor a buscarconosco, nas páginas de toda a Escritura, oconhecimento amplo e seguro das bases divinasda missão. Nossa oração é para que o Deus, queno princípio criou os céus e a terra (Gn 1.1),pela graça do Senhor Jesus Cristo (Ap 22.21)encontre no leitor a atitude de prontoengajamento na sublime tarefa de abreviar ofim da história.

Eber Cocareli

1

AGRADECIMENTOS

Quero agradecer especialmente ao Rev.Elben Magalhães Lenz César a demonstração deamizade e confiança em mim e a publicação, pormeio da revista Ultimato (entre 1983 e 1986),dos capítulos contidos neste livro.

Também reconheço minha dívida de gratidãoao Centro Evangélico de Missões, à suadiretoria, a seu corpo docente e a seus alunospelo privilégio de participar com eles de umsonho tão antigo quanto a promessa de Deus aAbraão no sentido de abençoar todas as naçõesdo mundo, mediante a salvação oferecida emJesus Cristo e anunciada por nós!

1

INTRODUÇÃO

Sentado em nossa sala, um jovemengenheiro agrônomo refletia a respeito de suavida de estudante universitário cristão ezeloso pela evangelização: "Naquela época, euviajava de ônibus entre a cidade e o compus epoucos foram os colegas que não ouviram doevangelho por meio de meu testemunho. Mas,hoje — sei lá — tenho amadurecido na fé e jánão reajo com as pessoas como um recém-convertido..."

Fiquei pensando em quantos cristãoscometem o mesmo engano: relacionar aevangelização ardente e fiel apenas com osprimeiros passos, com o entusiasmo do estágioinicial da vida cristã, deixando que ela setransforme, em seguida, num respeitososilêncio, fruto de um "amadurecimento" na fé.

1

Tal atitude reflete falta de conhecimento daperspectiva bíblica sobre a missão da igreja esua tarefa evangelística.

Por alguma razão, que acredito serdiabólica, a questão missionáriafrequentemente não preocupa muito a igreja, senão na teologia, pelo menos na prática. Paraalguns, a vocação missionária cabe mais aosministros de menor preparo e experiência.Assim, a rica palavra missões torna-se nadamais que um degrau na ascensão da carreiraprofissional ou mesmo um meio pelo qual aigreja se livra dos ministros não tão bemsucedidos. Claro, isto acontece muito menos nopensamento e muito mais na prática. É umcontraste com a igreja primitiva, que formousua primeira equipe missionária com oinfluente e bem instruído Paulo e com o grandeexpositor da Palavra de Deus, Barnabé!

A matéria é tratada como se fosse apenasuma pequena parte do preparo bíblico eteológico. Certamente, a grande comissão (Mt28.18-20) é citada, com certa frequência, comzelo e ardor. Todavia, poucas vezes ela évista e exposta como o clímax e o ápice de uma

1

longa série de teologia missionária que seirradia das páginas da Bíblia, desde Gênesis1.1 até Apocalipse 22.21, ou seja, do primeiroao último versículo da Palavra de Deus.

A Bíblia, então, é essencialmente umlivro missionário, visto que sua inspiraçãoderiva de um Deus missionário. O termomissionário vem do latim, que, por sua vez,traduz a palavra grega apóstolos, a qualsignifica o enviado. Jesus usou este termopara destacar o relacionamento entre Deus Pai,Deus Filho e seus discípulos, quando disse:"Assim como o Pai me enviou, eu também vosenvio" (Jo 20.21). O próprio caráter de nossoSenhor é missionário. Portanto, não é desurpreender que sua Palavra também manifesteesta característica. É à luz desta revelaçãode Deus que a igreja enfrenta o maior desafiodo cristianismo — a tarefa missionáriainacabada, cujo âmago é a evangelização.

1

1A BASE DE MISSÕES NO RELATO DA CRIAÇÃO

Um dos maiores teólogos de missões, oholandês J. H. Bavinck, observou que Gênesisl. l é, obviamente, a base necessária dagrande comissão dada nos evangelhos. De fato,ele tinha razão. O versículo tão conhecidodiz: "No princípio criou Deus os céus e aterra".

A CRIAÇÃO DO MUNDO

Destaca-se aí a amplitude da preocupaçãode Deus e, por conseguinte, o palco demissões. Nada menos que o mundo inteiro

1

pertence à esfera do interesse de Deus. Antesde ser uma preocupação mais restrita, apreocupação é basicamente universal. Antes deser o Deus de Israel, ele é o Deus douniverso. Antes de ser o Deus da igreja, é oSenhor de tudo. (Mesmo o título usado noAntigo Testamento, Adonai, tem o sentido de"Senhor de tudo" ou "Senhor absoluto", em vezde Adonî, forma esta que significa "meuSenhor", representando, por exemplo, um deusparticular de um indivíduo ou de uma nação.)

"Pois Deus amou o mundo de talmaneira..." (Jo 3.16). O escopo de Deus é omundo criado. Nele, a mira de Deus estáfixada. Ele tem um plano mestre para todas ascoisas (l Co 15.28). Claro que o meio dealcançar este alvo é mais estreito: a igreja.Se o alvo da mira de Deus é o universo,certamente, a partir do NT, a espingardacarregada é a igreja, assim como foi Israel noAT. Embora a igreja continue sendo o centro doplano de Deus, não é, de maneira alguma, suatotalidade, seu limite e sua circunscrição.

A esfera da preocupação de Deus éuniversal. Por isso, disse Jesus: "... toda

1

autoridade me foi dada no céu e na terra" (Mt28.18). O mesmo Deus que tudo criou, sobretudo possui toda autoridade (Cl 1.16-17) e detudo receberá toda a glória e honra, "para queao nome de Jesus se dobre todo joelho, noscéus, na terra e debaixo da terra, e todalíngua confesse que Jesus é Senhor para aglória de Deus Pai (Fp 2.10-11. Aqui, Paulotraduz o termo hebraico Adonai, "Senhor detudo", pelo equivalente grego kyrios e aplica-oà pessoa de Jesus, indicando que este Deus detoda criação, Jeová, é de fato o próprio Jesusde Nazaré!)

Portanto, quando Jesus disse a seusdiscípulos que fossem a todas as nações, atoda criatura e a toda parte do mundo, ele sebaseava no fato de que o mundo todo pertence,por direito, a Deus, por ser sua criação.

A CRIAÇÃO DO SER HUMANO

O fato de que a preocupação de Deus éuniversal confirma-se no relato da criação doser humano e no propósito de Deus designadopara ele.

1

"Criou Deus, pois, o homem à suaimagem, à imagem de Deus o criou; homeme mulher os criou. E Deus os abençoou, elhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a;dominai sobre os peixes do mar, sobre asaves dos céus, e sobre todo animal querasteja pela terra" (Gn 1.27-28).

Confirmamos que o objeto do domínio dadoà humanidade é o mundo inteiro. Tanto os céusquanto a terra mais uma vez são mencionados napassagem. Entretanto, a esta altura, já háoutra dimensão relacionada às missões, isto é,o papel do homem. Sua tarefa será dominar esujeitar o mundo que Deus criou. Assim, elerecebe uma certa realeza delegada por Deus.Esta capacidade aparentemente (segundo apassagem) define a imagem de Deus no serhumano, a capacidade (e ordem!) de dominar,sujeitar e ordenar. Assim como Deus domina,governa e reina como Rei, o homem, sendo seuembaixador e enviado, também deve reinar comoum rei sobre a criação de Deus. Foi com o fim

1

de promover o reino de Deus que ao homem seimputou a imagem de Deus. É por isso mesmoque, depois da queda, houve tanta desordem eabuso de domínio do ser humano afastado deDeus. Somente uma restauração, uma recriação eum renascimento dos homens e das mulheres, pormeio da redenção conseguida na cruz doCalvário, podem recapacitar o homem aparticipar do reino de Deus e a anunciar atodas as nações a chegada deste gloriosoreino.

Portanto, o relato bíblico da criação jáestabelece o palco de missões com escopo efoco universais. Destaca também o papel dohomem como um embaixador que promove o domíniodo Rei-Criador por todo o mundo.

2

1

A RESPONSABILIDADE MISSIONÁRIA DE ISRAEL

No primeiro capítulo, destacamos doisaspectos de missões no relato bíblico dacriação. Em primeiro lugar, observamos,através do relato da criação do mundo, quenada menos do que o universo inteiro objetivaa preocupação de Deus com o alvo da redenção,e, como consequência, o mundo é definido comoo palco de missões. Em segundo lugar,observamos, através do relato da criação dohomem, seu papel como embaixador-missionário,isto é, como representante (rei, com rminúsculo) de Deus (Rei, com R maiúsculo) eseu enviado (este é o significado da palavramissionário) para anunciar o reino de Deus eaté participar da ordenação e do domínio destereinado em todo o mundo. Reparamos ainda que,depois da queda, esta imagem de Deus no homemcorrompeu-se, restando a salvação de CristoJesus a fim de restaurar o homem ao estadopretendido por Deus desde o início.

1

Entretanto, pode-se pensar que, se Deustem, desde o início, uma preocupaçãouniversal, por que o Antigo Testamento dátanta ênfase somente a uma nação — Israel?

Vejamos os capítulos 3-12 de Gênesis. Apartir de Adão, o relacionamento entre Deus eo homem piorou. Neste trecho das Escrituraslemos a respeito de queda e rebelião. Por fim,Deus diz: "Chega! Vou acabar com toda a raçahumana e começar tudo de novo com uma sófamília". Deus efetivamente fez isto,destruindo a humanidade toda com exceção dafamília de Noé.

Ora, são fascinantes as palavras de Deusa Noé e seus filhos, depois do dilúvio: "Sedefecundos, multiplicai-vos e enchei a terra"(Gn 9.1). O mandamento de Deus para Adãocontinua o mesmo para Noé e sua família. Elesdeveriam ser os novos embaixadores-missionários de Deus por todo o mundo.Enfatizamos, de acordo com Gênesis, que estaaliança se fez entre Deus, Noé e seus filhos.Somente um dos filhos de Noé, Sem, seria oantecedente dos povos semitas, como Israel,

1

por exemplo. Todos os filhos, porém,representavam toda a humanidade de novo.

Infelizmente a história continuouinalterada. Mais uma vez houve rebelião e tudopiorou e se agravou até a construção da torrede Babel:

"Ora em toda a terra havia apenasuma linguagem e uma só maneira de falar.Sucedeu que, partindo eles do oriente,deram com uma planície na terra deSinear; e habitaram ali. E disseram unsaos outros: Vinde, façamos tijolos, equeimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa.Disseram: Vinde, edifiquemos para nósuma cidade, e uma torre cujo topo chegueaté aos céus e tornemos célebre o nossonome, para que não sejamos espalhadospor toda a terra" (Gn 11.1-4).

A torre de Babel foi construída para serum símbolo de unidade, um lugar onde aspessoas pudessem se reunir. Buscava-sesegurança com essa união, tendo em vista osperigos desconhecidos da terra despovoada.

1

Eles disseram: "Não queremos nos espalhar portoda a terra. Não vamos obedecer ao primeiromandamento de Deus e espalhar seu domínio portodo o mundo".

Mas Deus os forçou a isto, confundindo-lhes as línguas, exigindo, assim, a separaçãoentre povos e nações. Mais tarde, quando Deusteve um povo remido pelo sangue de Jesus, elereverteu o processo de confundir as línguaspara dar expansão à obra missionária da igreja(At 1.8). Ao mesmo tempo, continuou a permitira dispersão forçada de seu povo, a fim depromover seu reino por todo o mundo (At 8.1,4).

Até este ponto do relato de Gênesis,vemos como Deus quis usar a humanidade, a fimde promover a ordem e seu domínio. Observamosque o foco manteve-se universal. Gênesis 1-11conta a história do mundo e de toda ahumanidade.

A partir do capítulo 12, contudo, e até ofinal do Antigo Testamento, a ênfase recai nahistória não universal, mas particular do povode Israel. Esta nação seria o instrumento de

1

Deus para atingir seu alvo, que continuaria aser o mundo todo.

Veremos agora que no período dospatriarcas, como no dos reis e dos profetas,embora muito se relate sobre um povo só,Israel, o propósito de Deus alcança todas asnações.

NO PERÍODO DOS PATRIARCAS

Quando Deus chamou Abraão, concentrou-seem um só homem, por meio de quem constituiriauma família e, depois, uma nação, cujainfluência atingiria todos os povos do mundo:"Em ti serão benditas todas as famílias daterra" (Gn 12.3). Esta passagem chaveinfluenciou todo o resto da Bíblia!

Abraão tornou-se um grande missionário.Deus o chamou, e ele respondeu com fé. Deixousua vida anterior e iniciou sua peregrinação.Foi chamado pai da fé. Entretanto, sua féserviu como meio para alcançar um fim, sendoeste uma missão. A fé sozinha não temconteúdo. Na vida de Abraão, a fé lhe foiexigida, porque em sua missão encontrou,

1

muitas vezes, dificuldades que seriam vencidasapenas pela fé em Deus, que dá origem àmissão.

Este chamado de Abraão repetiu-se paraseus descendentes: "... a tua descendênciapossuirá a cidade dos seus inimigos, nelaserão benditas todas as nações da terra" (Gn22.17-18). Esta "descendência" refere-se atrês entidades. Em primeiro lugar, ao povo deIsrael. A missão de Abraão passou também aseus descendentes, pois o chamado à missãorepetiu-se tanto para Isaque (Gn 26.2-4)quanto para Jacó (Gn 28.13-14) e José (Gn49.22).

Em segundo lugar, a descendência refere-se a Jesus. Todas as bênçãos de Deus nos vêmpor meio de Jesus Cristo (Ef 1.3), tanto queAbraão era apenas um tipo de Cristo, apontandopara frente, junto com os profetas e reis,para o Messias, através de quem Deus cumpriucabalmente as promessas feitas a seus tipos.

Em terceiro lugar, assim como o chamadopassou para os descendentes de Abraão, tambémpassou para os "descendentes" de Jesus,aqueles que renascem em Cristo, os verdadeiros

1

e atuais descendentes de Abraão (Gl 3.29). Oscristãos são chamados para serem missionários-embaixadores.

Resumindo: desde o início, o chamado deIsrael como nação foi feito a fim de alcançartodas as famílias, ou seja, todas as nações daterra. O propósito de Deus no levantamento deIsrael era mostrar ao mundo, mediante suahistória, o caminho da salvação, e assim levartodos os povos a gozar esta bênção. O foco nomundo uma vez mais se destacou. Esta ênfasenunca se perdeu no Antigo Testamento, embora,às vezes, tenha sido obscurecida. A históriade Israel é uma história de missões.

NA HISTÓRIA DE ISRAEL

Na história de Israel, a atuação de Deuspara com seu povo visava a um propósito maior— alcançar as nações. Por exemplo, apósatravessar o Mar Vermelho e o Rio Jordão,Josué afirmou:

"Porque o Senhor vosso Deus fezsecar as águas do Jordão diante de vós,

1

até que passásseis, como o Senhor vossoDeus fez ao Mar Vermelho, ao qual secouperante nós, até que passamos. Para quetodos os povos da terra conheçam que amão do Senhor é forte: a fim de quetemais ao Senhor vosso Deus todos osdias" (Js 4.23-24).

Os milagres de Deus não objetivavam algopara Israel, mas eram uma forma de conduzir asnações à salvação. (Observe-se que "temer",para o hebreu, significava a aliança que tinhaquanto à sua fé, assim como, hoje em dia, otermo popularmente usado é "religião".)

Davi compreendeu este propósito maior deDeus, quando se confrontou com Golias:

"Davi, porém, disse ao filisteu: Tuvens contra mim com espada, e com lança,e com escudo; eu, porém, vou contra tiem nome do Senhor dos Exércitos, o Deusdos exércitos de Israel, a quem tensafrontado. Hoje mesmo o Senhor teentregará na minha mão; ferir-te-ei,tirar-te-ei a cabeça, e os cadáveres doarraial dos filisteus darei hoje mesmo

1

às aves dos céus e às bestas-feras daterra; e toda a terra saberá que há Deusem Israel" (l Sm 17.45-46).

Esta consciência missionária de Davichegou a marcar significativamente seussalmos:

"Aclamai a Deus, toda aterra... prostra-se toda a terraperante ti... os seus olhos vigiamas noções... bendizei, ó povos, onosso Deus" (66.1, 4, 7, 8).

"E todos os reis se prostremperante ele; todas as nações osirvam... nele sejam abençoadostodos os homens, e as nações lhechamem bem-aventurado" (72.11, 17).

"Todas as nações que fizestevirão, prostrar-se-ão diante de ti,senhor, e glorificarão o teunome" (86.9).

"Anunciai entre as nações a suaglória, entre todos os povos as suasmaravilhas" (96.3).

1

"O Senhor fez notória a suasalvação; manifestou a sua justiçaperante os olhos das nações...celebrai com júbilo ao Senhor, todosos confins da terra" (98.2, 4).

"Louvai ao Senhor vós todos osgentios, louvai-o todos os povos"(117.1).

Esta visão missionária também foievidenciada pelo filho de Davi, Salomão,quando dedicou o templo a Deus, orando:

"... ouve tu nos céus, lugar datua habitação, e faze tudo o que oestrangeiro te pedir, a fim de quetodos os povos da terra conheçam oteu nome, para te temerem como o teupovo Israel, e para saberem que estacasa, que eu edifiquei, é chamadapelo teu nome" (l Rs 8.43; ver tambémIs 56.6-8).

NOS PROFETAS

1

Os profetas chamavam o povo de Israelpara voltar a essa visão universal de Deus,pois Israel tendia a ter uma perspectivanacional e exclusivista. Jeová seria o Deus dasalvação de todos: "Olhai para mim, e sedesalvos, vós, todos os termos da terra" (Is45.22); "diante de mim se dobrará todo joelho"(Is 45.23). O profeta Sofonias reconhecia estaperspectiva: "Então darei lábios puros aospovos, para que todos invoquem o nome doSenhor, e o sirvam de comum acordo". Assimtambém Malaquias: "Mas desde o nascente do solaté o poente é grande entre as nações o meunome..." (Ml 1.11). Aos estrangeiros é dado otítulo "povo de Deus" (Os 2.23). O anúncio doMessias que vem tem caráter universal,concretizando a promessa de Deus a Abraão deabençoar todas as nações e cumprindo aresponsabilidade dada ao homem de dominar aterra.

"Ele anunciará paz às nações; oseu domínio se estenderá de mar amar, e desde o Eufrates até asextremidades da terra" (Zc 9.10).

1

Assim, conforme o Antigo Testamento,desde a criação do mundo, alcançando ahistória de Israel e as profecias dos antigosprofetas, Deus tem preparado seu povo para agrande missão de levar seu domínio a todocanto e a todos os povos da terra. Estejamospreparados dispostos!

1

3A PERSPECTIVA DE MISSÕES NO

MINISTÉRIO DE JESUS

Nos últimos capítulos, confirmamos que omandato missionário baseia-se no AntigoTestamento, como um fio que entrelaça toda ahistória de Israel. O escopo de missões semprefoi e sempre será universal, já que procuraanunciar e promover o reino de Deus por todo omundo. Na própria história de Israel, a mãoforte e poderosa de Deus se estendeu ao povo,não somente para seu benefício, mas também

1

como testemunho às nações, a fim de levá-las aconhecerem o Senhor dos Exércitos.

No Novo Testamento, essa preocupaçãouniversal de Deus intensifica-se a partir doministério de Jesus. O Evangelho SegundoLucas, mais que todos os outros, enfatiza osignificado universal da vinda de Jesus. Dosquatro evangelhos, apenas Mateus e Lucastraçam a ascendência de Jesus através de suagenealogia. Mateus começa a partir de Abraão afim de destacar aos leitores judeus e aosgentios, inquisidores da fé judaica, queJesus, sendo filho de Abraão, é o Reiprometido de Israel. Lucas, entretanto, começaa genealogia de Jesus a partir de Adão,destacando-o como filho do pai de toda ahumanidade. Assim, Jesus identifica-se com oplano mestre e universal de Deus na históriada criação, ou seja, ter domínio sobre todasas coisas e não somente sobre Israel. Em Lucasvemos Cristo como o missionário de Deus,enquanto em Mateus ele é visto mais como oMessias prometido de Israel.

Lucas enfatiza o significado doministério de Jesus, tanto em termos

1

geográficos quanto em termos sociais eculturais. Consideremos estes três aspectos deseu ministério.

ROMPENDO AS BARREIRAS GEOGRÁFICAS

Em Lucas 4, Jesus estava em Cafarnaum,onde centralizou seu ministério no início. Foilá que ele começou a pregar, ensinar e curarcom autoridade. Foi até a casa de Simão ecurou sua sogra. Nas altas horas da noite, opovo lhe trazia os doentes, e ele os curava,devendo ter ficado um tanto sobrecarregado comeste ministério, pois lemos: "Sendo dia, saiue foi para um lugar deserto; as multidões oprocuravam e foram até junto dele, e instavampara que não os deixasse" (Lc 4.42).

Aparentemente, o povo percebia que Jesusestava prestes a deixá-lo, e isto quando elemal começara seu ministério lá! Imagine areação das pessoas — angustiadas como setivessem estado na fila do INPS durante anoite toda e, de repente, o médico de plantãotivesse saído de férias.

1

"Espere aí! Não diga que já vai! O Senhorapenas começou seu ministério aqui. Estacidade está cheia de corrupção e pobreza,pecado e doença. O Senhor ainda não pode nosdeixar!"

Qual foi a resposta de Jesus?"É necessário que eu anuncie o evangelho

do reino de Deus também às outras cidades,pois para isso é que fui enviado."

O evangelho deve se espalhar. Não podeficar parado em lugar algum! Já que oevangelho é do reino, isto tem dimensões asmais amplas e universais possíveis. Fica,portanto, implícita sua divulgação por todaparte, atravessando todas as barreirasgeográficas. Tem que estar sempre emmovimento, até que todos recebam as boasnovas. O ministério de Jesus demonstra umapreocupação missionária que cruza asfronteiras geográficas, convocando a todos emtodos os lugares a assumirem a vida do reino.

ROMPENDO AS BARREIRAS SOCIAIS

1

A missão de Jesus, contudo, não seresumiu a cruzar barreiras geográficas. Jesustambém rompeu barreiras sociais, poisministrou a grupos sociais outroranegligenciados.

Por exemplo, observamos que três vezesJesus foi à casa de um fariseu para jantar (Lc7.36; 11.37; 14.1). Ele, portanto, não deixoude ministrar até mesmo à classe religiosa quemais se opunha a ele. Em outra ocasião, umamulher pecadora ungiu os pés de Jesus comperfume (Lc 7.36-50). Jesus não se preocupavacom o estigma social que poderia receber porcausa de sua simpatia e disponibilidade paraministrar a todos igualmente, tanto àquelesque deveriam ser seus maiores inimigos quantoaos que poderiam causar o maior escândalo paraseu ministério. Aliás, pelo menos segundoLucas, havia, aparentemente, até uma ênfase —se não preferência — neste tipo de gente,embora Jesus também tenha atendido à altaclasse de líderes religiosos. Ele ministrou aodesterrado, ao aflito e ao pecador.

Até os publicamos foram objetos de seuamor e atenção. Eles eram as pessoas mais

1

odiadas pelo povo, consideradas exploradoras,em virtude dos altos impostos que cobravam, etraidoras, por ajudarem a enriquecer o Estadoromano. Jesus, apesar deste forte preconceitosocial, foi jantar na casa de Levi (Lc 5.27-32). Mais ainda, ele se convidou à casa deZaqueu, outro coletor de impostos (Lc 19.1-10). Dessa forma, Jesus demonstrouconcretamente que sua missão implicava emcruzar todas as barreiras sociais, dandoatenção especial para os grupos maisrejeitados da sociedade.

Por isso mesmo, Lucas revelaenfaticamente o alcance que Jesus teve entreos pobres e oprimidos, desde o princípio deseu ministério: ele veio para evangelizar ospobres, libertar os cativos e oprimidos erestaurar a vista aos cegos (Lc 4.18). Nasbem-aventuranças pregadas na planície, ocontraste proposital entre a pobreza e ariqueza exemplifica esta preocupação especialde Jesus com os pobres, famintos, desesperadose oprimidos. Exemplifica-se também nasilustrações dos dois devedores (Lc 7.41-43;observe a quem Jesus mais ama), do amigo da

1

meia-noite (Lc 11.5-8), do rico e seusceleiros (Lc 12.13-21, veja o últimoversículo), da moeda perdida (Lc 15.8-10), doadministrador esperto (Lc 16.1-13; reparenovamente o último versículo) e do juiz iníquoe a viúva (Lc 18.1-8).

Achamos necessário dar duas explicações aesta altura de nossa abordagem do ministériode Jesus. Em primeiro lugar, quando afirmamossua preocupação com os pobres e oprimidos, nãotemos por base nem estamos propagando qualquerteologia contemporânea de libertação.Pretendemos apenas obter uma rigorosa, nãoobstante abreviada, base com interpretaçãobíblica coerente (julgue você mesmo!). Emsegundo lugar, bem sabemos que muito se temfalado sobre uma opção preferencial pêlospobres. Afirmo que a própria evidência bíblicaleva a esta conclusão. Se não, Jesus poderiadizer: "O Espírito do Senhor está sobre mim,pelo que me ungiu para evangelizar osricos..." ou, ainda mais, "bem-aven-turados osricos...", e Paulo poderia descrever a com-posição da igreja coríntia como sendo de "não

1

muitos analfabetos, nem muitos oprimidos, nemmuitos de nascimento humilde" (l Co 1.26).

Portanto, para o intérprete espiritual,digo que há sim certa preferência bíblica pelopobre e oprimido. Não é por acaso que nenhumdos textos citados descreve o pobre comoalguém que não seja social e economicamentepobre. Por outro lado, para o intérpreteliberacionista em termos apenas sócio-políticos, digo que essa preocupação com opobre não existe por causa da pobreza em si,mas sempre em relação à justiça e à glória deDeus. O pobre é preferencialmente bem-aventurado porque ele não tem de quem dependerpara defendê-lo, a não ser o próprio Deus, sedeste, de fato, ele depende. Assim, o pobrebem-aventurado é uma pessoa política eeconomicamente pobre. Mas, é um pobre não sóinjustiçado pelos homens como também justodiante de Deus. Esta ideia do pobreinjustiçado e também justo deriva da palavraáni, no Antigo Testamento, que se traduz tantocomo "pobre" quanto como "humilde" e também"piedoso" (Am 2.6 e Is 2.6-12). Portanto, apostura do pobre dificilmente é conhecida pelo

1

rico, e a sua posição diante de Deus tempreferência pela maior propensão à dependênciadele, a qual, assim, vai além de dimensõesespirituais, emocionais e de relacionamentos,incluindo também as crises cotidianas,financeiras, profissionais e até políticas,crises estas que o rico enfrenta bem menos.Entretanto, quando o rico consegue assumiressa mesma postura (não é este o sentido daexortação ao jovem rico, em Lc 18.18-23?),pode também gozar a bênção de Deus (como nocaso da bem-aventurança para o "humilde" ou"pobre de espírito", em Mt 5.3). Detivemo-nosnessa questão pela necessidade deesclarecimento bíblico e por ser tãopertinente no Brasil, cuja população, emgrande parte, é pobre (e cada vez mais,proporcionalmente!).

Decerto ele ministrou também aos ricos,pois, provavelmente, Zaqueu e José deArimatéia tinham bons recursos financeiros.(Todavia, a forma de dirigirem suas riquezastinha de mudar diante do compromisso comJesus!) Assim, reparemos que, se Jesus fez umaopção preferencial pelos pobres, certamente

1

esta opção não era exclusiva. O essencial eraum compromisso com o Senhor, não deixando istode ter manifestações concretas na vida dedevoção e também nas relações humanas.

Outro grupo desprezado pela sociedade,que recebeu a atenção e a preocupação deJesus, foi o das mulheres. Lucas faz mençãodesta dimensão do ministério de Cristoquarenta e três vezes, enquanto Marcos eMateus juntos a fazem apenas quarenta e novevezes. Além disso, Lucas dá ênfase especial aofato de os primeiros missionários (quemtestifica da ressurreição de Jesus) seremtodas mulheres (23.55-24.12). Num mundo onde opapel da mulher não possuía prestígio nenhum,este fato é significativo e revelador. Alémdisso, só Lucas destaca as mulheres queacompanhavam e sustentavam nosso Senhor em suamissão (8.1-3).

A soma destas observações assinalaconvincentemente que o ministério de Jesusrompeu barreiras sociais. Sua missão atingiutodos os grupos sociais, especialmente os maisdesprezados e oprimidos. Neste sentido,tendemos a esquecer o modelo de Jesus e nos

1

acomodar à mobilidade ascendente que nossa fépropicia. Não que a ascendência seja negativa,mas apenas a acomodação e injustiças cometidascontra os outros (não é este o sentido daParábola do Rico e Lázaro? Lc 16.19-31).

ROMPENDO AS BARREIRASCULTURAIS E RELIGIOSAS

Jesus alcançou até os samaritanos,aqueles meio-judeus desprezados emarginalizados pelos judeus. Mas não só osalcançou como também fez deles heróis quandocontou a história do bom samaritano (Lc 10.29-37). Imagine o aborrecimento dos fariseusquando ouviram essa história! Interessante éque, dos dez leprosos que Jesus curou, o únicoque voltou para agradecer era samaritano (Lc17.11-19).

Outro escândalo cultural e religioso queJesus causou foi seu tratamento para com ocenturião romano. Os judeus colocavam osgentios fora da esfera do amor e atividade deDeus (a não ser que se tornassem judeus).

1

Contudo, quando esse soldado romano, quemantinha a lei e a ordem na região, pediu queJesus curasse seu servo, confiando apenas napalavra afirmativa de fazê-lo, Jesus afirmou:"... nem mesmo em Israel achei fé como esta"(Lc 7.9).

RESUMO

Jesus, sendo filho de Adão (que significa"homem"), cumpre a imagem de Deus no homemAdão, realizando o domínio de Deus e rompendotodas as barreiras que limitam esse domínio,geográficas, sociais e culturais. Desta forma,o plano divino e salvador continua, sendoJesus nosso precursor, modelo, autoridade epoder. É um plano para o universo que temos decumprir. O peso de nossa responsabilidade nocumprimento da missão de Deus aparece bemnítido, quando Jesus diz: "Vós soistestemunhas destas coisas" (Lc 24.48).

A mesma passagem define este evangelhocomo tendo no centro a morte e a ressurreiçãode Jesus. A fé baseia-se num evento concretode nossa história. Não é o misticismo das

1

religiões orientais nem a magia das religiõesanimistas nem a força mental das crenças doalto espiritismo. Nossa fé surge da atuaçãoconcreta de Deus em nossa história e resultana transformação integral do homem em todos osseus relacionamentos.

O evangelho também exige o arrependimentocomo pré-requisito para a entrada no reino eanuncia o perdão como promessa e dom de seuingresso.

Onde ele deve ser pregado? — "a todas asnações" (Lc 24.47). Assim como, no início deseu ministério, Jesus não foi detido ouatrasado por barreiras geográficas, mas tevede ir às outras cidades, semelhantemente, nofinal desse ministério, ele exorta seusdiscípulos a irem a todas as nações. Estaexortação nos pertence hoje. Aresponsabilidade é nossa. Esperemos apenas atéque do alto sejamos revestidos do poder (Lc24.49).

Em síntese, Lucas fornece ampla base paraa obra missionária, por meio do modelo doministério de Jesus. Aliás, nestes estudos,temos destacado que as Escrituras todas

1

fornecem o extenso alicerce que apoia eprepara, pela elucidação desta obra, a grandecomissão. A obra missionária da igreja não éuma pirâmide feita de cabeça para baixo, comseu vértice num texto isolado do NovoTestamento, onde elaboramos uma grandeestrutura conhecida como "missões". Aocontrário, a obra missionária é uma pirâmidede cabeça para cima, com sua base estendendo-se de Gênesis l até Apocalipse 22. Toda aEscritura forma, então, o alicerce para que oevangelho alcance o mundo todo. A grandecomissão seria assim a maior explicação destaobra e poderia ser considerada o ápice darevelação divina quanto a ela, visando olançamento da igreja nesta missão. Salientamosque a obra missionária não parte só de umtexto bíblico, senão da Bíblia toda.

Além disso, observemos que a dimensão dagrande comissão é tão extensa quanto ahumanidade, isto é, abarca todas as áreasgeográficas, classes sociais e culturas.

Finalmente, a responsabilidade está sobrenossos ombros. "Vós sois testemunhas destascoisas" é uma afirmação que inclui todos os

1

cristãos. É nossa responsabilidade levar oevangelho a todas as nações. Se não ofizermos, deixaremos até de ser igreja, poiseste envio para o mundo faz parte de suaessência.

4

1

MISSÕES NO MINISTÉRIO DOESPÍRITO POR MEIO DA IGREJA

No capítulo anterior discutimos oministério de Jesus como modelo para missões.Fizemos isto através do Evangelho de Lucas.Neste estudo queremos continuar nosso exame deLucas, mas utilizando seu segundo livro — Atosdos Apóstolos. Enquanto o primeiro focaliza oministério de Jesus em nossa história, osegundo centraliza-se no ministério do Jesusressurreto, atuando por meio do Espírito Santona igreja. No final do primeiro volume, Jesusexortou seus discípulos a que esperassem pelopoder do alto, o poder do Espírito Santo. Noinício do segundo, eles o recebem, e aexpansão missionária da igreja começa.

Não podemos subestimar a necessidade dopoder do Espírito Santo na realização dagrande comissão. Harry Boer, em seu livroPentecost and Missions ("Pentecoste eMissões"), argumenta bíblica eirrefutavelmente que a vinda do Espírito Santo

1

— a experiência do Pentecoste — dá vida esentido à grande comissão, tanto que esta, semo Pentecoste, não teria poder algum nempoderia ser cumprida. Sim, a vinda do Espíritopossibilita a realização do mandamento. É umaexperiência animadora ver homens e mulheresresponderem a esse mandamento com oração e,revestidos do poder do alto, pregarem oevangelho porque tiveram um encontroinesquecível com o Senhor. Mesmo não en-tendendo perfeitamente a grande comissão,pregam com convicção e resultados, pois,quando o Espírito se apodera deles, há umimpulso irresistível de testemunhar.

Acredito que exista força satânica portrás do medo do poder do Espírito Santo emmuitas igrejas tradicionais hoje. É claro que,algumas vezes, o medo baseia-se nos abusos quevemos ao nosso redor. Entretanto, maisfrequentemente, é medo daquilo que o Espíritofará e exigirá de nós. A este respeito,Richard Lovelace observa em seu livro Dynamicsof Spiritual Life ("A Dinâmica da VidaEspiritual"):

1

"Há uma estranha incapacidadeentre os cristãos modernos de levar asério essa informação (sobre arealidade de Satanás) e até umainsegurança nos evangélicos(conservadores) em dar muita atençãoa isto. Sugiro que esta relutânciaexista não porque o assunto sejatrivial, mórbido ou perigoso, masporque estas forças têm acesso àsnossas mentes e são aptas para noscegar em relação à sua presença eesconder o evangelho do mundo. Oinferno é uma conspiração, e oprimeiro pré-requisito de umaconspiração é que ela permaneçaclandestina".

Por que Satanás criaria em nós esse medoda atuação do Espírito de Deus e a dúvida dapresença e do poder do próprio inimigo? Porqueassim ele pode cortar o nervo principal documprimento de missões (quando se recua dopoder do Espírito) e, ao mesmo tempo, esconderseu próprio papel conspirador.

1

O ESPÍRITO SANTO COMO AUTOR E REALIZADOR DE MISSÕES

A igreja, então, necessita do poder deDeus para cumprir sua missão, pois "nossa lutanão é contra o sangue e a carne, e, sim,contra os principados e potestades, contra osdominadores deste mundo tenebroso, contra asforças espirituais do mal, nas regiõescelestes" (Ef 6.12). Portanto, o pré-requisitopara o cumprimento da tarefa missionária é opoder do Espírito Santo (At 1.8). Precisamosde um poder sobrenatural para lutar contra uminimigo sobrenatural. Com a vinda do Espírito,a igreja compreendeu as palavras de Jesus: "Emverdade, em verdade vos digo que aquele quecrê em mim, fará também as obras que eu faço,e outras maiores fará, porque eu vou parajunto do Pai" (Jo 14.12). No discurso quecontém esse versículo, o Espírito Santo écentral (Jo 14.16), e os discípulos devemesperá-lo, tendo já recebido a grande

1

comissão. O Espírito, portanto, é o autor demissões, pois a obra parte de sua capacitação.

Ele não é apenas o autor, mas também orealizador de missões. Com sua vinda sobre osprimeiros discípulos houve o sinalsobrenatural de "línguas", que indicavaclaramente que o evangelho deveria ser pregadoa todas as raças e nações. Podemos dizer que oEspírito garante o sucesso missionário nomundo.

O ESPÍRITO COMO PROMOTOR DE MISSÕES

O Espírito Santo está por trás de todosos acontecimentos em Atos. Ele é quem atuavaquando:

a igreja se iniciou com 3.000 e depois5.000 convertidos (2.41, 4.4);

Pedro e os outros discípulostestemunharam ousadamente frente àperseguição (3.11-26);

os primeiros seguidores venceram oegoísmo e deram liberalmente à obra doSenhor (4.32-37);

1

morreu o primeiro mártir, mostrandovitória gloriosa sobre a perseguição evingança (6.8-7.60);

o evangelho da salvação alcançou oprimeiro lar gentio (11.12);

a mensagem de perdão espalhou-se pelaEtiópia e África (8.27-29);

as igrejas na Judéia, Galiléia eSamaria vieram a se estabelecerfirmemente (9.31);

a maravilhosa igreja missionária deAntioquia começou a prosperar empreparação para seu envio demissionários (l 1.22-26);

o amor mútuo das primeiras comunidadescristãs manifestou-se através da coletaincentivada pela profecia de Ágabo(l1.28-29);

a igreja de Antioquia lançou seuprograma missionário (13.2);

Paulo venceu seu primeiro inimigo,Elimas, em Chipre (13.9);

os apóstolos alegraram-se naperseguição em Antioquia da Pisídia(13.50-52);

1

os apóstolos reconheceram a obra entreos gentios e pronunciaram liberdade dalei para os cristãos gentios (15.28);

Paulo foi impedido de continuar naÁsia, sendo dirigido à Europa; um marcomissionário significante (16.6-10);

os líderes foram escolhidos para tomarconta da igreja local em Éfeso (20.28).

Assim, o Espírito Santo acompanhava todosos passos decisivos na expansão missionária daigreja.

O ESPÍRITO COMO PODER PARA MISSÕES

Há uma diferença entre alguém ser cheiodo Espírito Santo e o Espírito ser derramadosobre as pessoas. O primeiro caso refere-semais à qualidade, ao caráter espiritual dealguém e ao poder para servir. O segundorefere-se mais à introdução decisiva de umanova era ou do início de um novo movimento ouexpansão.

O Espírito Santo foi derramado apenasquatro vezes em Atos. Cada uma das conquistas

1

na expansão missionária foi acompanhada porsinais milagrosos. A primeira vez foi a vindado Espírito no Pentecoste (2.1-13); a segunda,quando o evangelho alcançou a Samaria, aprimeira cidade não judia (8.14-17); aterceira, quando Pedro pregou à primeirafamília gentia, a de Cornélio, em Cesaréia(10.44-45) e, finalmente, a quarta, quandoPaulo conseguiu demonstrar a diferença entre oevangelho de Jesus e a pregação de JoãoBatista (l9. l-6). Todas as vezes o próprioEspírito Santo marcou, milagrosamente, aintrodução de uma nova fase na tarefamissionária a nós confiada.

O resultado destes despertamentos, onde oEspírito é derramado sobre as pessoas, é frutopermanente. Os 3.000 convertidos da pregaçãode Pedro perseveravam (2.42, veja 11.24)! Ahistória confirma a permanência do frutodestas atuações excepcionais do Espírito. Porexemplo, durante os primeiros 96 anos deevangelização na Polinésia ocidental (a partirde 1811), houve mais de um milhão deconversões. Hoje, esta região possui umapercentagem de cristãos praticantes maior do

1

que qualquer outra área comparável no mundo!Nos primeiros 80 anos de trabalho missionáriona Birmânia, uma pessoa a cada três horas, emmédia, era batizada, e 10% delas tornaram-seobreiras ativas do Senhor. Quando o primeiromissionário cristão chegou às ilhas Fiji,assistiu ao enterro de 80 vítimas de uma festacanibal. Ele viveu, porém, para ver multidõesde convertidos tomando a ceia do Senhor.Depois de 50 anos, em 1885, havia 1.300igrejas. Os casos nem sempre são assim. Nãoseria justo, por exemplo, comparar o resultadonos países muçulmanos. Apenas enfatizamos que,quando o Espírito é derramado sobre aspessoas, há fruto permanente.

O ESPÍRITO SANTO COMO ESTRATEGISTA DE MISSÕES

Em Atos l.8 encontramos uma estratégiageral que, de fato, corresponde aodesdobramento da expansão missionária daigreja. Isto é, começa em Jerusalém, o lar dosprimeiros discípulos; penetra a Judéia, lugarárido e difícil para a evangelização, emborageografïcamente próximo a Jerusalém; encontra

1

o primeiro desafio cultural em Samaria, empreparação final para os confins da terra.Desta maneira, aprendemos que a expansãomissionária e geográfica é cada vez maisabrangente, tendo uma penetração cada vezmaior.

Em Atos, encontramos também umaestratégia urbana. As cidades chaves devem seralcançadas. A ideia de missões urbanas, então,não é uma novidade. Felipe foi dirigido àSamaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidadeschaves do Oriente Próximo e Europa. Diante damarcante urbanização mundial (população urbanaem 1900 = 14%; 40% em 1980 e 50% no ano 2000)e brasileira (31% em 1940; 68% em 1980, e aONU prevê que até o ano 2025 entre 80% e 90%da população latino-americana será urbana!), atarefa missionária não pode ser ingênua. Nadécada de 80, aproximadamente um bilhão depessoas migraram para os centros metro-politanos do Terceiro Mundo. Cidades comoBogotá, São Paulo e a Cidade do México têm umaumento diário de 4.000 a 6.000 habitantes. NoBrasil, a migração para os centros urbanos,especialmente os do litoral, é bem destacada

1

desde o período colonial. Viana Moog, em seulivro Bandeirantes e Pioneiros, documenta comosempre houve uma tendência de retorno àsgrandes cidades do litoral por maior que fossea penetração rural e para o oeste. Tudo istotem grande importância para missões.

Outra estratégia envolve pessoas eclasses chaves. Quando Paulo foi a Chipre,tratou com o procônsul do país. Em Atenas(outro centro metropolitano), tratou com osfilósofos, e alguns se converteram, entre osquais um certo Dionísio (At 17.18, 34). EmÉfeso, trabalhou entre os estudiosos, naescola de Tirano, durante dois anos.Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouvirama palavra do Senhor, tanto judeus como gregos(At 19.10). Que relatório! Outro exemplo é ode Felipe, que, ao falar com o eunuco daEtiópia, dirigia-se a um líder do país, sendoeste o primeiro passo do evangelho naquelanação.

Em Atos, notamos uma preocupaçãoconstante de fundar igrejas em áreas ainda nãoatingidas. Paulo até fez disso uma regrapessoal (Rm 15.20). Entretanto, atualmente, a

1

metade da população mundial está na Ásia,onde, embora apenas 5% professem a fé cristã,somente 5% da força missionária mundialministra. Vendo a situação por outro angulo,teremos 99% da força missionária mundialministrando entre os 42% da população mundial,onde já existem igrejas cristãs que podemalcançar os não cristãos. O outro 1% da forçamissionária trabalha entre os 58% da populaçãomundial, onde os não cristãos só podem seralcançados por meio do ministériotranscultural. Quanto precisamos hoje daconscientização paulina de ministrar ondeCristo ainda não foi pregado!

O Espírito Santo dirige as igrejas recém-fundadas para que sejam igrejas autóctones (At20.28). O primeiro passo, e o mais crucial,para se alcançar uma boa medida de autoctoniaé o treinamento de liderança capacitada tantopara a ofensiva quanto para a defesa da igrejafrente aos desafios e ameaças do mundo (At20.29-31). Muito se fala hoje de trêsobjetivos práticos e concretos para sealcançar o alvo de autoctonia: auto-governo,auto-sustento e auto-propagação; isto é,

1

nenhuma igreja local (muito menos adenominação) pode ficar satisfeita, enquantodepender de outra igreja para financiar seusobreiros e fazer sua evangelização. Por outrolado, isto não quer dizer que as igrejas nãodevam ajudar umas às outras, testemunhandojuntas na comunidade. Ajudar e cooperar sãocoisas não só positivas como tambémevangelisticamente essenciais (Jo 17.20-21).Contudo, a dependência que ultrapassa essestrês objetivos faz definhar a Igreja eprejudica a eficiência e integridade de seutestemunho na sociedade. Os três objetivos sãoimportantes, mas podemos dizer que os doisprimeiros, em geral, concorrem para o máximoempenho do terceiro, o alcance evangelístico emissionário de cada comunidade cristã. Temosdestacado em todos esses estudos que esta é aessência da igreja. A igreja que não émissionária não é igreja em nenhum sentidobíblico; aliás, logo se torna, ela mesma, umcampo missionário. Ao contrário, um bomexemplo seria a igreja de Tessalônica, à qualPaulo escreve:

1

"Porque de vós repercutiu apalavra do Senhor, não só naMacedônia e Acaia, mas por todaparte se divulgou a vossa fé paracom Deus, a tal ponto de não termosnecessidade de acrescentar coisaalguma..." (l Ts 1.8).

Portanto, as igrejas fundadas em cadalugar devem ter como alvo a independência,procurando o desenvolvimento de sua próprialiderança, de seu sustento e de seu programade evangelização e obra missionária.

Uma qualificação, entretanto, énecessária quanto a autoctonia. Os trêsobjetivos mencionados acima não garantem aconquista da autoctonia, embora sejam bonspassos nessa direção. Conheço igrejas que sesustentam, se dirigem e evangelizam, mas que,mesmo assim, permanecem dependentes de suasigrejas-mães num sentido mais profundo. Seusconceitos e aplicações do evangelho dentro deseu ambiente são diretamente determinadospelas conceituações de sua igreja-mãe, mesmoquando esta, em grande medida, desconhece o

1

contexto cultural e social da igreja fundada eé alheia a este. Não estou sugerindo que cadanova igreja tenha que começar da estaca zeropara a elaboração de todas as suas doutrinas eideias. Longe disso! Acredito que o EspíritoSanto não morreu depois do Novo Testamento eque através da história lidera a igreja deCristo na expressão de sua fé. Contudo, aaplicação do evangelho em situações culturais,sociais e históricas pode variar. Os problemasbrasileiros não são sempre iguais aos norte-americanos ou europeus, tampouco os nigerianosou indianos. As igrejas-mães podem — e devem —ajudar-nos a entender aquilo que Deus falou emsua revelação. Contudo, cabe muito mais àsigrejas fundadas sua interpretação e aplicaçãoem seus próprios contextos. Quando as igrejasfundadas conseguem assumir seu sacerdócio dossantos e ouvir a voz de Deus, mediante asEscrituras, para sua própria situação, estãoainda mais no caminho da autoctonia (e, porexemplo, podem ajudar as igrejas-mães acontextualizarem melhor o evangelho em suaspróprias culturas também!).

1

Já mencionamos o papel da união doscristãos no sucesso da obra missionária. Restaapenas ressaltá-la como uma estratégiaessencial do Espírito Santo para o desempenhomissionário eficaz. Creio que esta união sejaum assunto um pouco negligenciado, se nãodesprezado em nosso meio, já que podemosreconhecer seu significado bíblico paramissões sem praticá-la.

Reparemos que a união dos fiéis (At 4.24,32; 2.44, 46) leva a intrepidez diante doshomens (At 4.29-31; 2.37-41) e temor diante deDeus (At 4.31; 2.43). Por conseguinte, Deusoperava milagres por meio do Espírito Santo(At 4.22, 30; 2.43), a igreja evangelizava comresultado (4.29, 31, 33; 2.40, 41, 47) eatendia às necessidades físicas das pessoas(At 4.32, 34, 35; 2.45). Que receita para aigreja missionária: união, intrepidez, temor,milagres, evangelização e ação social! E eupergunto: quais destes itens não constituem umponto fraco em nossas igrejas? Imagine acombinação de todos! Por onde começamos?Sugiro a união.

1

A união da igreja não é apenas algobonito e romântico que ocorre automática efacilmente. É preciso esforçar-se paraalcançá-la e preservá-la (Ef 4.3). Exigesacrifício e até certo sofrimento, mas comoresultado a união fornece alimento para ocombate pela fé evangélica (Fp 1.27-30).Implica não só numa união teórica ("nós somosirmãos, embora não concordemos..."), mas numaunanimidade de pensamento, amor e humildade(Fp 2.1-4). Só a alcançamos à medida queseguimos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11). Sem dúvida, a união do povo de Deus é umadas estratégias mais críticas na obramissionária que o Senhor nos deu e que oEspírito Santo viabilizou.

Poderíamos abordar outros aspectosestratégicos da atuação do Espírito Santo naexpansão missionária da igreja. Talvez aquelesjá mencionados incentivem o caro leitor apesquisar outros, procurando a direção doEspírito nessa pesquisa. De nossa parte,queremos apenas acentuar que o desafiomissionário exigia e exige nada menos que opoder do Espírito Santo. Nada do triunfalismo

1

de planos e esquemas que dependam da perícia etécnica humanas que ultrapassam a direção doEspírito, mas somente a humildade e o temorcom discernimento e ação, tomados como frutoda vida dependente do Espírito. Tenhamoscuidado com nossas ideias "brilhantes" e"seguras", pois, quando o esforço missionáriopermanece sob o controle do Espírito de Deus,ele é o autor, realizador, promotor, a fontede poder e o estrategista de missões.

Urge um novo chamado a um despertamentopara dependência total do Espírito Santo, semmedo da maneira como seremos entendidos evistos. Urge a busca diligente da plenitude doEspírito de Deus em nossa vida pessoal,igrejas, agências e juntas missionárias. Entãohaverá um verdadeiro despertamentomissionário!

5

1

PAULO E MISSÕES

As igrejas da África, Ásia e AméricaLatina estão passando por um despertamento emrelação a seu desempenho na evangelizaçãomundial. Depois de um século de tremendoimpulso evangelístico promovido entre estespovos, ora pelos habitantes naturais do lugar,ora pela assistência de missionáriosestrangeiros, nos últimos anos estas igrejasestão reconhecendo que o propósito de Deus nãoé que elas apenas recebam missionários, masque também os enviem. Por certo, as igrejas naAmérica do Norte e na Europa aprenderão e sebeneficiarão com novos modelos e ênfasesmissionárias que suas igrejas irmãs estãoempregando em obediência à direção do EspíritoSanto na missão de Deus.

Segundo Larry Patê (From Every People, 1989),até o ano 2.000, as agências missionárias doTerceiro Mundo deverão enviar 162.000missionários. Comparados aos 136.000 quedeverão ser enviados pelas agênciasmissionárias protestantes do Primeiro Mundo

1

(Europa, América do Norte, Austrália e NovaZelândia), a influência deles já se tornou umaforça muito significativa na evangelizaçãomundial.

Já existem centros de treinamentomissionário na Coréia, Índia, Costa Rica,Singapura, Peru e Brasil. Há inúmerasconferências missionárias regionais (só paramencionar alguns grupos: VINDE [Visão Nacionalde Evangelização], Visão Mundial, SEPAL[Serviço de Evangelização para a AméricaLatina], Instituto Haggai, Missão Antioquia,CEM [Centro Evangélico de Missões] e cada vezmais igrejas locais, incluindo a PrimeiraIgreja Batista em Santo André e a IgrejaBatista do Morumbi, em São Paulo). Por isso,digo que estamos passando por um despertamentonesta área, o que é muito animador. Sigamos adireção de Deus!

Por outro lado, há muita confusão sobremissões, tanto no nível popular, quanto noacadêmico. Algumas questões, às vezesfundamentais, continuam de lado na hora dodebate:

1

Ir ou ficar; qual é nosso critério? O que é um missionário? O que são missões? Não há bastante a fazer no Brasil? Até que ponto devemos ou não usarmodelos "importados"?

Não penso que possamos resolver de umavez estas questões que a igreja ao redor domundo debate há séculos, mas discutí-lascertamente faz parte da tarefa da igrejabrasileira em sua busca de fidelidade eautenticidade à missão de Deus. Aqui, possoapenas traçar e sugerir algumas ideias. Emúltima análise, somente nos arraigando àsEscrituras encontraremos respostas ouindicações que nos orientarão nesta obra tãoimportante.

Sugerimos Romanos 15.14-21 como umapassagem que nos dá tais perspectivas na vidae no ministério de Paulo. É bom lembrar quePaulo a escreveu quase no fim de sua carreiramissionária e que a carta toda é uma análisedas polêmicas missionárias que ele enfrentou.Nesta passagem, em poucas palavras, Paulo

1

resume sua experiência missionária até aquelaaltura.

O AGENTE MISSIONÁRIO: O MELHOR, MAS AO MESMO TEMPO, UM SERVO

Nesta passagem, o agente missionário é oapóstolo Paulo (ou, em última análise, opróprio Deus — v. 15). Embora, logicamente,Paulo mesmo não diga aqui que ele representa omelhor da liderança da igreja, sabemos dissopelo testemunho de Lucas. Paulo já tivera seuministério aprovado como um dos mestres eprofetas em uma igreja local altamentecomprometida com missões — a igreja deAntioquia (At 13.1-3). Que contraste comalguns missionários de menor preparo e talentoque, como consequência, em quase todos ossentidos, recebem apoio inferior ao apoio dadoao pastorado! O trabalho missionário exige omelhor da liderança de nossas igrejas.

Ao mesmo tempo, representando o melhor daliderança, o agente missionário entende seupapel não como superior, mas como servo.Paulo, em sua missão entre os gentios,

1

considera-se ministro (leitourgos) ou servo (v.16) que, à semelhança dos sacerdotes, apre-senta uma oferta no altar de Deus. Neste caso,a oferta é a obediência dos gentios a Deus (v.18). A missão de Paulo é um culto prestado aoSenhor para sua aceitação e santificação. Nãohá lugar, na presença do Altíssimo, paraatitudes de superioridade ou domíniomissionário.

O melhor líder possui uma atitude deservo e entende seu serviço missionário comoculto e sacrifício prestados a Deus.

O OBJETIVO MISSIONÁRIO: A OBEDIÊNCIA

Paulo descreve o objetivo de seu trabalhomissionário com a expressão "conduzir osgentios à obediência" (v. 18). Isto é muitomais do que uma decisão inicial de "aceitar aCristo". Inclui o discipulado da igreja até oponto de obediência por fé (16.26).

Alguns fazem separação entre "conversão"e "discipulado", sendo o primeiro elementotarefa de "missões" e o segundo, da"edificação da igreja". Paulo não fazia tal

1

distinção. Seu objetivo não era levar aspessoas a uma decisão inicial, mas conduzí-lasà obediência. Não é este também o objetivo dagrande comissão, em Mateus 28.18-20?

OS INSTRUMENTOS DO TRABALHO MISSIONÁRIO:DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO

Como Paulo realizou seu trabalho missionário? No final do v. 18, ele diz literalmente: "... por palavra e por obras". Éevidente que Paulo não estabelecia prioridade entre a proclamação do evangelho e sua demonstração por obras. As duas coisas faziam parte integral e inseparável de sua maneira detestemunhar.

O OBJETO MISSIONÁRIO: AS NAÇÕES

Tanto "gentios" quanto "nações" traduzemuma única palavra grega, ethnos. A ideia deethnos está muito mais próxima da ideia depovos ou grupos étnicos do que países. Oobjeto com o qual as missões lidam são asdiversas etnias. Paulo teve ideia semelhante,

1

e isto se percebe pelo fato de ele ter atuadodentro dos limites de um só governo, o ImpérioRomano, enquanto fazia distinção entre ospovos deste império.

Há quarenta anos, alguns lídereseclesiásticos achavam que quase já havíamosevangelizado o mundo, pois apenas quatropaíses ainda não tinham uma igreja cristã —Nepal, Tibete, Afeganistão e Bangladcsh. Masaquela observação falhava por entender malethnos como país em vez de etnia.

Por isso se fala muito em missõestransculturais, em vez de missõesestrangeiras, pois as missões não lidam comnações como países, mas como etnias.

A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA: OS NÃO-ALCANÇADOS

Veja bem o lema de Paulo: não onde Cristojá fora anunciado (v. 20). Paulo davaprioridade para os povos que não haviamrecebido o anúncio do evangelho. Suaestratégia de trabalho não era tantogeográfica quanto humana ou cultural, nosentido de etnias. Mesmo existindo igrejas

1

fortes numa determinada região geográfica,Paulo "cumpria" o evangelho (tradução literalde "divulgar o evangelho" no v. 19), atingindolugares onde existiam povos ainda não-alcançados.

Hoje, nosso lema não deveria ser "umaigreja em cada região", mas "uma igreja entrecada povo".

O DESEMPENHO MISSIONÁRIO: TUDO DE NÓS, TUDO DE DEUS

Paulo enfatizava a necessidade de todoesforço e resolução para o desempenho de seuserviço. Era seu dever ou encargo (v. 16), seuserviço ou ministério (v. 16), sua ambição eedificação (v. 20), realizados por suaspalavras e obras (v. 18). Contudo, esteserviço não se resumia a mero esforço humano.O apóstolo afirmou que o poder do Espíritosaturava cada etapa (v. 19) e que era Cristo orealizador da obra (v. 18).

Com tal perspectiva, não temos base paraa afirmação falsamente "teológica" de que sóDeus faz a obra nem para a afirmação

1

falsamente "prática" de que apenas nossasestratégias e esforços realizarão a obra. Denovo, o que Deus ajuntou, não o separe ohomem! Veja a colocação de Paulo em outrolugar: "... para isso é que também eu meafadigo, esforçando-m e o mais possível,segundo a sua eficácia que operaeficientemente em mim" (Cl 1.29).

O APOIO MISSIONÁRIO: A IGREJA LOCAL

Ao escrever esta carta, Paulo estácultivando um relacionamento com a igreja deRoma (fundada por outrem) com o objetivo detorná-la sua segunda base missionária para aevangelização da região entre a capital doimpério e a Espanha (15.23-24).

A igreja de Antioquia já fora suaprimeira base para a evangelização da regiãoentre Jerusalém e o Ilírico (v. 19), e agoraPaulo quer ligação semelhante com a igreja deRoma. É importante ressaltar este ponto, pois,hoje, há muitas organizações missionárias quenão procuram uma ligação com as igrejaslocais. Não quero dizer que a única

1

organização missionária legítima seja a juntadenominacional. Aliás, esta também,frequentemente, não possui uma boa ligação comas igrejas locais!

Tanto as circunstâncias históricas quantoos dados bíblicos não permitem, a meu ver, umaanalogia entre a organização missionáriaflexível e móvel de Paulo com as juntasdenominacionais ou com as agências missio-nárias independentes. Não podemos deduziristo. Contudo, é possível concluir que Paulovia a importância de ligar seu ministériomissionário à igreja local, mesmo quando estanão era fundada por ele. A obra missionáriafoi estabelecida por Deus, que vocacionaindivíduos no contexto do testemunho da igrejatoda. Um trabalho desse tamanho necessita deapoio e direção da igreja.

A RAZÃO MISSIONÁRIA: QUE TODOS OUÇAM ANTES DO FIM

Paulo inicia e conclui esta passagem comcitações do Antigo Testamento que prevêem aentrada futura de muitos povos no reino de

1

Deus (w. 9-12, 21). Ele tem consciência de queestas referências estão sendo cumpridas em seupróprio ministério, mas, ao mesmo tempo,reconhece nossa necessidade de esperança narealização final (v. 13). Como Jesus mesmoafirmou, o evangelho deve ser anunciado até ofim (Mc 13.10; Mt 24.14). Esta é a razãomissionária da igreja, a pregação do evangelhoa todos, antes da chegada do juiz (2 Pe 3.9).A convicção de que Cristo voltaria e anecessidade subseqüente de anunciá-lo a quemainda não ouvira eram motivações para Paulo,como devem ser hoje para nós, no desempenho damissão de Deus. Sejamos fiéis à sua missão.

6

1

A VOLTA DE JESUS E A URGÊNCIA MISSIONÁRIA

Grande parte dos ensinos de Jesus tratado reino de Deus. O assunto marcou oministério de Jesus do início (Mc l. 15) aofim (At l .3). As parábolas, sua maneirapopular de ensinar, focalizam tanto o assuntoque, frequentemente, são chamadas de"parábolas do reino". De fato, nos evangelhoshá mais de 70 referências de Jesus ao reino.

Já vimos, logo no início deste estudosobre missões, que a ideia tem muito a ver coma imagem de Deus no homem, isto é, suacapacidade de reinar, dominar e ordenar acriação de Deus. Isto tem a ver com missões:espalhar o domínio e a ordem de Deus por todoo mundo.

O ensino de Jesus sobre o reino tambémtem a ver com missões, pois foi justamenteeste assunto que ele abordou com os discípulosno período entre a ressurreição e a ascensão,preparando-os para o Pentecoste e a explosiva

1

expansão missionária da Igreja. Durantequarenta dias nosso Senhor, já ressurreto,ministrou um "curso intensivo de missões" aseus discípulos. O tópico? O reino de Deus!

Por isso, o assunto é de muitíssimaimportância para missões. O reino de Deuspossui dois aspectos temporais. Por um lado,já está presente, pois o próprio ministério deJesus, em sua primeira vinda, o inaugurou (Lc11.20; Mt 12.28). Por outro lado, seucumprimento ainda não se deu, porque aguarda avolta de Jesus (Mt 13.40-41). Os dois ladossão importantes. Neste capítulo, contudo,queremos destacar a volta de Jesus e ocumprimento de seu reino em relação a missões.

O ESCOPO DO REINO É UNIVERSAL

Jesus confirma a perspectiva missionáriauniversal do Antigo Testamento. Ensina que, noúltimo dia, muita gente virá do Oriente e doOcidente, do Norte e do Sul, e tomará lugar àmesa no reino de Deus (Lc 13.29). As bênçãosdo reino de Deus são para todos os povos domundo. É muito preciosa esta descrição do

1

reino como uma festa. Mas, antes de suarealização, um convite deve ser enviado àsnações, a fim de que os convidados venham àfesta. Este é o trabalho de "missões". Aquelesque estavam longe se aproximam, os estranhostornam-se filhos, e quem antes não tinhaesperança, agora festeja no reino de Deus (Ef2.11-13)!

OS QUE FESTEJAM HERDAM O REINO

Jesus ensina que os gentios estarão nãoapenas entre os que festejam, mas tambémherdarão o reino de Deus com os judeus crentes(Mt 21.43 e At 26.16-18). Assim como Jesusenviou a Paulo como missionário para colher osgentios para o reino de Deus, hoje também nosenvia a fim de colher as nações para seudomínio.

O SINAL DE SUA VOLTA: MISSÃO CUMPRIDA

Quando os discípulos perguntaram qualseria o sinal (no singular) de sua volta e daconsumação deste período intermediário (Mt

1

24.3), Jesus fez uma lista dos sinais (noplural) do período histórico que precederiasua volta (Mt 24.4-12) e depois respondeu àpergunta deles (de novo no singular) quanto aeste sinal:

"E será pregado este evangelho do reinopor todo o mundo, para testemunho a todas asnações. Então virá o fim" (Mt 24.14).

Isto deixa claro que o evangelho serápregado em todas as partes do mundo, até bempouco antes de sua volta. Quem fará isso? Seusenviados, seus missionários (tanto"missionário", que vem do latim, quanto"apóstolo", que vem do grego, significam "oenviado").

Nós somos os precursores de sua vinda.Quando você e eu tivermos respondido emobediência, levando o evangelho até os confinsda terra, então este mesmo Jesus voltará.

"Missões", portanto, entram em penúltimolugar na história divina de salvação.Esperamos a gloriosa volta de Cristo e aconsumação dos séculos - por último. Contudo,não de braços cruzados, pois o último elementovirá só depois do penúltimo — a pregação do

1

reino por todo o mundo. Por isso, quando, emoutro lugar, os discípulos perguntaram quandoseria a restauração do reino, a resposta foi amesma - missões (At 1.6-8). Não nospreocupemos com sinais (épocas, tempos ctc.)e, sim, com um sinal: a pregação do reino atodas as nações.

Assim como Deus planejou perfeitamente aprimeira vinda de Jesus, ele também acompanhatodos os passos que visam sua volta, que é aesperança da igreja. Tudo se dirige para esteglorioso clímax da história. Os profetaspredisseram-no; o próprio Senhor o confirmou;os apóstolos proclamaram-no, e todos os sinaisapontam naquela direção. Resta, então, ocumprimento do sinal, tarefa que é nossa.Evangelização e "missões" são baseados naBíblia e cheios de significado e sentido paraa volta do Senhor.

Por que tanta importância para missões emrelação à sua volta? Porque o alcanceuniversal do amor de Deus será definitivamentedemonstrado e a glória e o louvor a Deus serãoreconhecidos por todos os povos da terra.

1

"Depois destas coisas vi, e eis grandemultidão que ninguém podia enumerar, de todasas nações, tribos, povos e línguas, em pédiante do trono e diante do Cordeiro, vestidosde vestiduras brancas, com palmas nas mãos; eclamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deusque se assenta no trono, e ao Cordeiro,pertence a salvação" (Ap 7.9-10).

"... e entoavam novo cântico, dizendo:Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe osselos, porque foste morto e com o teu sanguecompraste para Deus os que procedem de todatribo, língua, povo e nação, e para o nossoDeus os constituíste reino e sacerdotes; ereinarão sobre a terra" (Ap 5.9-10).

"O reino do mundo se tornou de nossoSenhor e do seu Cristo, e ele reinará pelosséculos dos séculos" (Ap 11.15b).

Observamos este alcance e preocupaçãouniversais nos primeiros capítulos desteestudo sobre missões. Assim como a Bíbliacomeça com um escopo universal, com Deuscriando os céus e a terra, preparando o palcomais amplo possível de "missões", ela tambémtermina com o mesmo tom, dando-nos nada menos

1

do que a visão gloriosa do reino, lembrando-nos de que a salvação pela graça se destina aser oferecida a todos, universalmente: "Agraça do Senhor Jesus seja com todos" (Ap22.21).

APÊNDICE A

O POVO IBERO-AMERICANO NO PLANO DE DEUS

Talvez o leitor não saiba do grandedestaque que a Península Ibérica (constituídapor Espanha e Portugal) tem na Bíblia. Elapossui um papel de importância última no planode Deus para a evangelização do mundo. Emboraquase desconhecidas, estas observações sãorelevantes, especialmente frente ao CongressoMissionário Ibero-Americano realizado emnovembro de 1987, em São Paulo (COMIBAM 87).

1

A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO ANTIGO TESTAMENTO

Há várias referências, no mundo antigo, aum lugar chamado Társis ou Tártissus. Era umacidade fenícia e mercantil conhecida desde oséculo XI a.C. Situava-se ao sul da Espanha,na foz do rio Guadalquivir, do lado atlânticodo Estreito de Gibraltar. Em todo o AntigoTestamento, Társis é considerada "os confinsda terra" ou extremis terris.

Por isso, Jonas, querendo fugir dapresença de Deus, embarcou num navio que iapara Társis — o lugar mais distante de que setinha notícia na época (Jn 1.3).

Este é, também, o sentido do Salmo 72.Aqui, o rei messiânico dominará "... desde orio..." (o Eufrates, no extremo leste) "...até aos confins da terra" (72.8). A explicaçãovem dois versículos depois, na referência aTársis e às ilhas no extremo oeste (72.10). Aideia é semelhante à de Mateus 24.14,Apocalipse 5.8-10 e 7.9-10, onde se lê que,antes do fim, o evangelho do reino deverá ser

1

pregado entre todos os povos da terra para queestes prestem culto ao Messias.

Assim se esclarece Isaías 66, que tambémrelata a adoração prestada ao Senhor por partede todos os povos, anterior ao estabelecimentode novos céus e nova terra e antes do fim(66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhorenviará alguns "salvos" para falar dele até asmais remotas terras do mar, que jamais ouviramfalar do Senhor nem viram sua glória (66.19).Ora, estas terras incluem Társis, Lude eTubal, na Ásia Menor, Javã, na Grécia, e Pui,provavelmente na Líbia ou em Cirene. Povosdestas nações irão a Jerusalém como ofertapara o culto mundial que inaugurará o fim. Masnão são somente alvos missionários, poisalguns deles se tornarão sacerdotes e levitas,isto é, estes também trarão ofertas, a ofertada evangelização (66.20s.). Portanto, aPenínsula Ibérica será alvo e instrumentomissionário.

A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA EVANGELÍSTICA DE PAULO

1

Certamente, esse pano de fundo contribuiupara a visão missionária do apóstolo Paulo.Por isso ele queria tanto chegar à PenínsulaIbérica (Rm 15.24). Três documentos doprimeiro e segundo séculos alegam que Paulo,de fato, chegou à Espanha, mas o Novo Tes-tamento não nos diz nada sobre isso. Em 1963,a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueuuma estátua do apóstolo comemorando sua idaaté lá.

Como apóstolo dos gentios, e à luz deIsaías 66, Paulo queria chegar aos confins daterra — a Península Ibérica. Ele desejavalevar para Jerusalém povos não só da regiãoque já havia evangelizado (desde Jerusalém atéo Ilírico, conforme Rm 15.19 — as nações, deIsaías 66) como também da Península Ibérica(Társis), antes do fim. E estes ibéricos, porsua vez, dariam testemunho lá, comoinstrumentos missionários.

Isto não quer dizer que Paulo entendiaque a volta de Cristo dependia unicamentedele. Ele não se via como o único apóstoloentre os gentios (nem o último), mas como umapóstolo único, no sentido de ser precursor e

1

exemplo para todos os demais. Assim, sua duplaestratégia evangelística (até os confinsgeográficos da terra e entre os povos não-evangelizados) seria precursora e exemplarpara a obra de evangelização até hoje.

O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL

Os povos de origem luso-hispânica — quersejam europeus, americanos, africanos ouasiáticos — ocupam um papel crucial nasúltimas fases do alcance final dos povos aindanão-evangelizados. Não são apenas alvosmissionários vindos das extremidades da terrapara a adoração do Senhor, mas, como Paulo,irão até os confins da terra pregar aos povosnão-evangelizados (Rm 15.20).

Mas aqui se faz necessária umaadvertência. Muitos missionários norte-americanos tiveram, durante o último século (ealguns têm, infelizmente, até hoje!), umsentimento de destino divino, não só por trásde seu chamado missionário, mas também de suacultura. O resultado trágico tem sido atransmissão do evangelho com uma atitude de

1

superioridade e paternalismo. Qual o lídercristão ibero-americano que não encontrouisto?

No meio de tanta conversa boa sobre ogrande potencial missionário dos povosibéricos — suas características de mobilidade,personalismo, profunda espiritualidade, laçoshistóricos etc., há uma perigosíssimatendência de negligenciar as falhas e pontosfracos dos missionários norte-americanos.Precisamos aprender com nosso próprio contextomissionário.

A vez dos povos ibéricos não surgiuagora. Desde o início, Deus tinha um papelcrucial reservado para eles. Sigamos osadmiráveis exemplos da história, enquantopermanecemos bem conscientes daqueles que nãoo são.

1

APÊNDICE B

UMA TAREFA ENORME:LEVAR O EVANGELHOA TODAS AS ETNIAS

Neste capítulo, examinaremos a situaçãoatual do avanço missionário no mundo e comopodemos enfrentá-la. Uma vez que nos sentimoschamados ou vocacionados, então o que fazer ecomo nos preparar? Não podemos responder aestas perguntas de modo pessoal. Isto exige a

1

direção do Espírito, que vem sob medida para oseguidor de Jesus. Entretanto, parte doprocesso de perceber tal direção é ainformação e conscientização da necessidade eda situação evangelística do mundo. É a istoque nos propomos.

Comecemos com nossa conceituação elinguagem sobre missões.

MISSÕES ESTRANGEIRAS OU TRANSCULTURA1S?

Durante muitas décadas, a igrejadistinguiu metodicamente entre missõesnacionais e missões estrangeiras. Era umadistinção geográfico-política, isto é, porpaís. Aliás, por trás de cada um destesconceitos havia uma estratégia missionáriapredominantemente geográfica. Assim sendo, asjuntas missionárias estrangeiras procuravamdistribuir seu trabalho entre alguns países,às vezes igualmente, apesar do tamanho dapopulação e diversidade cultural de cada um.De forma semelhante, o alvo das juntasmissionárias nacionais era distribuirgeograficamente seu trabalho em cada região ou

1

município do país, apesar da frequentediferenciação populacional ou saturação poroutras denominações. Com grande entusiasmo econvicção citávamos Atos 1.8 como base denossa estratégia geográfica: "... e sereisminhas testemunhas... até aos confins daterra". Frequentemente a impressão dada era ade que quanto mais longe fosse, mais nobreseria o trabalho missionário.

Então, se entendêssemos istoliteralmente, para o brasileiro, os confins daterra corresponderiam à Micronésia, no OceanoPacífico. É a região mais distante do Brasil.Entretanto, é também a região(proporcionalmente) mais cristã do mundo! Apopulação professa é de 90%, enquanto ospraticantes são mais de 65% da populaçãototal! Agora, pense no significado de Atos 1.8para os micronésios. Entendido apenasgeograficamente, ele indica que a região maiscarente do evangelho para eles é o Brasil!Afinal de contas, qual região é mais carentediante de Deus? Tudo isto indica que, hoje, jánão podemos mais entender "os confins daterra" como o alvo geográfico de missões. Os

1

"confins da terra", geograficamente, só faziamsentido para a igreja primitiva, quando oevangelho ainda estava, em termos geográficos,restrito a uma pequena parte do Oriente Médio.Aliás, mesmo para a igreja primitiva, a ideianão era de simplesmente ir cada vez maislonge, mas de ir longe porque lá os povosainda não haviam recebido o evangelho. Hoje,precisamos alcançar os não-alcançados ondequer que estejam, seja geograficamente longeou perto.

ALCANÇANDO OS NÃO-ALCANÇADOS

Nosso alvo missionário é alcançar aquelesque não receberam o evangelho de Cristo. Istoestá implícito em Atos 1.8, apesar dainterpretação apenas geográfica quefrequentemente lhe é dada. O que Atos 1.8deixa implícito, Romanos 15.19-21 deixaexplícito:

1

"... completei a pregação do Evangelho deCristo. E me empenhei por anunciar o Evangelhoonde ainda não havia sido anunciado o nome deCristo, pois não queria edificar sobrefundamento alheio. Fiz bem assim, como estáescrito: Hão de vê-lo aqueles a quem não foianunciado e os que não ouviram entenderão"(Bíblia Vozes).

Quando Paulo diz "completei apregação...", ele está dizendo, literalmente,no texto original, "eu cumpri" ou "preenchi",como os versículos seguintes confirmam. Elefez isto dentro de uma região geograficamentejá alcançada por outros evangelistas — "desdeJerusalém circulando até ao Ilírico" (traduçãominha). Paulo "preenchia" com o evangelhoaquela região geográfica já alcançada,pregando aos povos que ainda não haviamrecebido o evangelho.

Tudo isso indica que nossa estratégiamissionária deve dar prioridade aos povos não-alcançados pelo evangelho. É uma estratégiaque não é simplesmente geográfica, masfundamentalmente cultural. Com "cultural"queremos dizer que os povos culturalmente

1

definidos são nosso alvo, não regiõesgeográficas em si. A grande comissão mandafazer discípulos de todas as nações, etnias,segundo o texto original (Mt 28.19). Atradução "nações" é um tanto infeliz, porquedá a ideia de países politicamente definidos,em vez de grupos étnicos ou povosculturalmente definidos. O mandamento é nosentido de discipular as etnias.

Este conceito está mais próximo da idéiabíblica e ilumina imensamente a tarefamissionária atual. No Brasil, há inúmerosgrupos culturalmente distintos (veja oexcelente filme da Visão Mundial sobre estespovos). Somente em São Paulo há um milhão dejaponeses, 430.000 portugueses, 400.000italianos, 200.000 chineses, 180.000 espanhóise não poucos coreanos, ciganos, alemães,sírios e outros. No país há centenas de tribosindígenas.

Mas, vamos pensar em termos mundiais. Osmissiólogos dizem que há aproximadamente24.000 povos culturalmente definidos no mundo.Metade destes ainda não possui uma igrejacristã que possa continuar o trabalho de

1

evangelização. Ora, se atualmente aevangelização destes povos não pode serrealizada por eles mesmos, isto exige alguémde outra cultura para evangelizá-los. Precisa-se, então, de missionários transculturais,pois cristãos têm que cruzar barreirasculturais para alcançá-los.

Por isso, alguns falam de missõesmonoculturais e transculturais, em vez demissões nacionais e estrangeiras. Cremos que aprimeira distinção é mais precisa e relevantepara a situação evangelística do mundo.

MISSÕES DO TERCEIRO MUNDO

Alguns pensam que, até o ano 2000, maisda metade dos missionários cristãos será doTerceiro Mundo. Isto poderá representar umtremendo avanço na obra missionária. Por quê?Em primeiro lugar, a maioria dos 12.000 povosnão-alcançados, que constituem 60% dapopulação mundial, faz parte de cinco blocosprincipais da humanidade: muçulmanos (860milhões em 4.000 etnias), hindus (550 milhõesem 2.000 etnias), budistas (275 milhões em

1

1.000 etnias), chineses han (150 milhões em1.000 etnias) e religiões tribais (140 milhõesem 3.000 etnias). Em segundo lugar, a maioriadestes povos vive em países que, por razõeshistóricas e sócio-políticas, não sãosimpáticos aos europeus ou norte-americanos.Em terceiro lugar, muitos destes países (porexemplo, os países muçulmanos e comunistas)não permitem a entrada de "religiososprofissionais", caso, geralmente, domissionário tradicional. Em quarto lugar, jáque, em sua maioria, estes países estãoprocurando rápido desenvolvimento tecnológicoe econômico, favorecem a entrada deprofissionais; às vezes, até o próprio governoos emprega.

Somando estes fatores, ficamos diante danecessidade aguda de missionáriostransculturais do Terceiro Mundo. E paraalcançar os não-alcançados em países fechadosaos missionários tradicionais, urge enviar,principalmente, profissionais com treinamentomissionário. Na Arábia Saudita, por exemplo,há mais de 20.000 sul-coreanos empregados naconstrução civil por aquele governo muçulmano.

1

E, pelo testemunho de cristãos sul-coreanos,lá também existem igrejas cristãs, apesar demuito sofrimento e perseguição.

Mas a situação evangelística mundial nãoé a única razão da necessidade de missionáriosdo Terceiro Mundo, nem mesmo a principal. Opropósito dos seis primeiros capítulos destelivro era ressaltar que a Bíblia deixa claroque é da própria essência da igreja o sermissionária. O surgimento dos missionários doTerceiro Mundo nada mais é que o testemunho ea evidência dessa verdade.

Quero terminar, fazendo um convitepessoal para que o prezado leitor procureservir ao Senhor sem nenhuma restrição deonde, como e quando serví-lo. Convido-o aconsiderar em oração a possibilidade dereceber treinamento missionário transculturaladequado. O desafio foge de nossa compreensão.O preparo deve ser o melhor.

1