Cronotopos, memorias y lugares: una mirada desde los patrimonios
A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES: COMO A UTILIDADE PODE CARACTERIZAR O LUGAR
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A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES: COMO A UTILIDADE PODE CARACTERIZAR O LUGAR
THE FLEXIBILITY OF THE PLACES: AS UTILITY CAN FEATURING THE PLACE
NUNES, Drielle (1) (1) Doutoranda do Curso de Doutoramento em Urbanismo na FA-ULISBOA
e-mail: [email protected]
RESUMO Com a caracterização dos espaços urbanos não utilizados e adotando como premissa a sua importante influência na concepção da cidade, tanto morfológica quanto conceitual e sua constante alteração diante da realidade urbana temporal, pondera-se a utilização destes lugares, sem contudo retirar sua característica intrínseca que é o próprio senário de lugar livre. Para isso, faz-se referência ao uso destes espaços de maneira transitória, intermitente, flexível, proporcionando-lhes diversos estágios de funcionalidade e uso em determinados períodos de tempo, como forma de estímulo econômico, ecológico e social. A partir do levantamento bibliográfico, orienta-se este artigo numa linha teórica, sob a perspectiva dos autores que já possuem larga experiência no tema, comparando-se as perspectivas dos diversos pensadores. Com esta estratégia, é possível que se encontre um ponto de consonância entre os diversos aspectos dissonantes já sabidos existentes entre os diversos autores e as realidades europeia e latino-americana. Os espaços livres podem ser definidos, assim, em público ou privado, entretanto, adota-se uma nova perspectiva para caracterizar o conceito de identidade e utilidade destinada ao espaço urbano como um todo. O uso promovido nestes espaços até então caracterizados como livres de função, vêm favorecer a aceitação funcional do espaço urbano em desuso. PALAVRAS CHAVE: vazios urbanos, vazio construído, vazio demográfico, desuso.
ABSTRACT
With the characterization of unused urban spaces and adopting premised its important influence on the
design of the city, morphologic and its conceptual and constantly changing face of urban temporal
reality, considering the use of these places, without removing its intrinsic feature is senary free place
itself. For this, reference is made to the use of these spaces for transient, intermittent, flexible way,
providing them various stages of functionality and use in certain periods of time, as a form of economic,
ecological and social stimulation. From the literature survey, this article is oriented in a theoretical line,
from the perspective of authors who already have extensive experience in the subject, comparing the
perspectives of diverse thinkers. With this strategy, it is possible that find it a point of agreement between
the various dissonant aspects already known between the various authors and the European and Latin
American realities. The free spaces can be defined thus in public or private, however, is adopted a new
perspective to characterize the concept of identity and usefulness intended for urban space as a whole.
The promoted these spaces hitherto characterized as free function, use come foster acceptance of
functional urban space into disuse.
KEYWORDS: empty urban, empty constructed, demographic void, disuse.
Como citar:
NUNES, D. V. (2014). A Flexibilidade Dos Lugares: Como a Utilidade Pode Caracterizar o Lugar . Lisboa: 3º Colóquio de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design Portugal e Brasil.
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INTRODUÇÃO – A POSSIBILIDADE DOS LUGARES
Observar a cidade, as atividades que ela comporta e as paisagens que ela proporciona é mais
do que apenas questão de memória e significado, andar pela cidade e conseguir compreender
o caminho certo a seguir, como se deslocar e como chegar onde é preciso é uma questão de
“legibilidade” (LYNCH, 1996), esta preocupação demonstrada por Lynch (1996) tem que ser
relacionada na atualidade também com a questão de poder seguir por certo caminho, e se
sentir seguro em atravessar determinado trecho da cidade, sendo com qual meio de
transporte for.
A cidade para ser heterogênea (JACOBS, 2001) e acessível precisa permitir que as escolhas
e necessidades humanas sejam cumpridas por completo, permitindo assim, que as
deslocações, as permanências e as interações sociais em determinados ambientes, ou em
todos os ambientes urbanos sejam possíveis. Essa possibilidade dos lugares é alcançada
quando se é permitido desenvolver neles as atividades necessárias, opcionais e sociais,
definidas por Jan Gehl (2006), onde as atividades necessárias, como ir ao trabalho e à escola,
são desempenhadas independente das condições urbanas disponíveis. Entretanto as
atividades opcionais, como o passear, são desempenhadas apenas em ambientes favoráveis
e agradáveis, assim como as atividades sociais que dependem da interação entre pessoas
para acontecer.
Assim como Gehl (2006) acredita que as cidades devem possuir espaços mais humanizados
e disponíveis à interação social, Santos (1985) enfatiza a necessidade de desenvolver e criar
espaços de lazer em bairros, com nível econômico inferior à média da cidade do Rio de
Janeiro. O objetivo dele não foi de todo alcançado, pois naquele ambiente de estremos,
existiam problemas muito mais graves do que a falta de espaços de lazer. Contudo ficou claro
que ao descrever a vida na rua, a diversidade de usos e a dinâmica social que ali aconteciam,
ele conseguira definir um perfil de lazer característico destes habitantes do subúrbio carioca.
Seguindo esta lógica de compreensão social do ambiente urbano e sabendo a forte influência
que “A Imagem da Cidade” (LYNCH, 1996) exerce sobre seus atores. Pretende-se observar
os elementos que configuram essa paisagem urbana de forma que possa ser percebido o real
valor em proporcionar diferentes tipos de usos aos diversos espaços, promovendo a
diversidade urbana (JACOBS, 2001) tão importante para o sucesso das grandes cidades.
Assim como a importância em entender que “um espaço é sempre o espaço de alguma coisa,
assim como as coisas só podem ter lugar em algum espaço” (SANTOS, 1985, p. 49), onde
uma cidade de possibilidades, é uma cidade viva, com histórias para contar e com uma função
e um significado em cada um de seus elementos, é uma cidade pensada e moldada sob o
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olhar do conhecimento urbano, tanto em seus espaços edificados quanto em seus espaços
livres.
Resumindo, a maneira de atingir o sucesso urbano é proporcionar a possibilidade dos lugares
desempenharem uma função, sendo ela uma função histórica, comercial, social, de lazer ou
convivência. Qualquer função que seja, desde que seja uma função. Uma cidade completa
considera a origem e os destinos de cada parcela que nela existe, não havendo aqui ou ali
espaços residuais ou parcelas remanescentes.
Neste sentido é que propõe-se trazer para a discussão a questão do vazio urbano, aqui
representado simplesmente pela palavra “lugar” como representação de um “espaço ocupado
ou que pode ser ocupado por um corpo” (PRIBERAM, 2008-2013), com esta definição
procura-se alcançar a visualização do vazio como parte da composição urbana. Não sendo
mais nem menos do que espaços urbanos, concebidos e transformados para comportar a sua
utilização por um ator, habitante, corpo, por uma pessoa ou por várias.
Além da possibilidade dos lugares, nos termos acima descritos, ser um caráter interessante
para se desenvolver nos espaços urbanos, outro traço importante é a flexibilidade dos lugares.
As coisas que possuem perfil flexível, são possíveis de serem moldadas e possuem grande
capacidade de mudança (PRIBERAM, 2008-2013), é neste sentido que adota-se este termo
e tenta-se aplica-lo ao ambiente urbano. Sousa (2010), sugere uma transitoriedade dos
espaços urbanos, no sentido de perda de utilidade, quando determinado edifício está
passando por um processo de desvalorização e está passando a ser obsoleto para logo a
seguir se tornar vago. Admite-se assim o termo flexibilidade dos lugares no sentido oposto ao
da transitoriedade de Sousa (2010), conotando um sentido de transitoriedade ascendente, de
valorização, e modernização de certo espaço vago, sendo ele edificado ou não.
A CARACTERÍSTICA DOS LUGARES
O surgimento da manifestação territorial caracterizada como vazio urbano acontece em
meados do século XIX, como consequência do êxodo rural do período pós-industrial.
Entretanto é a partir de 1970, quando iniciam as grandes obras de adaptação da rede viária
ao automóvel, multiplicam-se as linhas de ferro e as instalações industriais sofrem grandes
processos de perda de uso e função é que este conceito adota proporções preocupantes e
iniciam-se os estudos sobre o tema (CLEMENTE, SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011).
Neste contexto ainda sob o impacto dos anos 1970 o vazio urbano surge, como dito por Villaça
(1983), como um grande terreno vago, podendo conter ou não infraestrutura urbana
caracterizado pela sua vasta dimensão territorial desprovida de edificações (CLEMENTE,
SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011). É desta maneira que o vazio urbano surge, numa referência
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mais de distanciamento do que de aproximação da cidade formal, e como um elemento único
e sem muitas classificações. É único e estável, é vazio e pronto.
Entretanto Santos (1985) insere a dimensão social no pensamento sobre o vazio urbano e
traz às discussões que a função pode ser moldada em cada “receptáculo vazio”, para que
este adquira uma forma e sirva como elemento qualificador do ambiente. “O ambiente vai se
degradando pelos vazios físicos e morais” (SANTOS, 1985, p. 28) e neste sentido o sítio vai
perdendo a vida e as suas qualidades, à medida que os vazios edificados surgem, surgem
também possibilidades desses lugares serem apropriados de forma indevida e não
programada, nem ao menos planejada pelos governantes.
É desta forma que o vazio é inserido na realidade urbana, por um lado os governantes e
formadores de opinião entendem-no como um terreno vago e sem vida. Por outro lado os
moradores de localidades afetadas pelas novas infraestruturas e pelas desapropriações,
deparam-se com uma realidade um tanto diferente, onde o vazio edificado atrai desvantagens
econômicas e sociais.
Partindo do pressuposto, “os não-lugares são tanto as instalações necessárias à circulação
acelerada das pessoas e dos bens como os próprios meios de transporte ou os grandes
centros comerciais.” (AUGÉ, 1995, p. 33). Para Augé (1995) o não-lugar é o oposto do lugar,
um lugar para este autor é um local antropológico, que possui identidade, relacionamento e
história. Onde as pessoas podem se identificar, podem se relacionar e podem fazer história.
Portanto um não-lugar é o local onde estas características não existem.
Com este pensamento, Augé (1995) pretendia demonstrar que aquilo que trazia consigo uma
história e fazia parte de um conjunto de locais significativos na cidade, assim como aqueles
locais onde a interação e comunicação entre as pessoas era possível de acontecer, e também
locais onde as pessoas pudessem reconhecer algum acontecimento do passado, estes sim
tinham importância dentro da cidade. Enquanto que os lugares novos frutos de intervenções
urbanas, como as autoestradas, os viadutos, os caminhos de ferro, eram não-lugares, por não
permitirem o acontecimento destas características acima citadas. Inclusive ele incluiu nos
não-lugares, os próprios meios de transporte, assim como os centros comerciais.
A definição de Terrains vague é em si ambígua e alvo de múltiplos sentidos, “por una parte
"vague" en el sentido de vacante, vacío, libre de actividad, improductivo, en muchos casos
obsoleto. Por otra parte "vague" en el sentido de impreciso, indefinido, vago, sin límites
determinados, sin un horizonte de futuro.” (SOLÀ-MORALES, 1996, p. 22). Desta forma a
identidade deste conceito é baseada em extensões de terrenos que possuem caráter de
abandono, desdobra-se sobre frações de terreno que foram abandonados, por se tornarem
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obsoletos, não tendo sido utilizados mais em sua totalidade, por colapso estrutural ou por
falência administrativa, é o passado representado no presente urbano.
De tal forma é confirmada a sobreposição de vazio físico e vazio social. O vazio físico (terrain
vague), onde não há edificação, e não há exatamente nada, a não ser a perspectiva de
mudança, ou somente o plano de que aquele espaço vago possa ser alvo de alguma
edificação futuramente. E o vazio social (não-lugares) que distingue os lugares
antropológicos, ou lugares que possuem alguma vida, seja ela social ou de recordação
histórica, dos não-lugares que não possuem nada disso, ou seja, o não-lugar é um local sem
vida social, sem recordações ou história, é um vazio diferente. Cada característica de vazio é
defendida em sua natureza e originada em momentos muito próximos historicamente. Com
isso, pode-se demonstrar a preocupação existente quanto aos contrastes urbanos.
Para o desdobramento subsequente é interessante ressaltar as mudanças enfrentadas na
passagem de século, com a observação do início da obtenção de resultados provenientes da
aplicação dos planos de ordenamento territorial, e com o agravamento do uso do automóvel.
Uma realidade latino-americana neste período é também o deficit habitacional.
Neste contexto, Clichevsky (2000) faz entender que o vazio seria um local de possibilidades
positivas para as diversas classes econômicas e sociais presentes na cidade. Para os que
não possuíam casas, poderia ser uma provável habitação, mais acessível aos excluídos. Para
os que estavam sem áreas de lazer ou convivência, teria a possibilidade de transformar esses
vazios em áreas verdes, equipamentos, recreação. Para as classes de investidores e para o
estado, significaria lucro e comercializações e agregações fiscais. Assim como para a cidade
de maneira global, poderia ser um ponto de sustentabilidade. Desta forma, a autora pensa no
vazio como um local de esperança e faz transparecer esta ideia ao dar infinitas formas de
promover o tratamento destes lugares, através da expectativa dos diversos atores urbanos.
Não obstante, Rem Koolhaas (2012), traz uma definição bem menos esperançosa, e muito
mais crítica, da condição do vazio. Neste sentido ele diz que o “espacio basura es la
contrafigura del espacio, un territorio con problemas de visión, expectativas limitadas y una
reducida seriedad.” (KOOLHAAS, 2012, p. 6). Neste sentido ele procura dizer que este é um
local de equívocos, onde as principais decisões quanto ao destino destes locais são deixadas
de lado, e estes espaços se tornam locais contraditórios e sem grandes expectativas.
Para Koolhaas (2012) este espaço é caracterizado por fontes negativas, advindas dos
resíduos que a humanidade deixa sobre o planeta, onde as adições construtivas
caracterizadas pelo “mais e mais, mais é mais” (KOOLHAAS, 2012, p. 6), faz surgir um império
de confusão, misturando os extremos e criando espaços montados desfavoravelmente, em
função de usos contraditórios.
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Contudo Andréa Borde (2003), entendendo e estudando a realidade brasileira e a
característica dos vazios urbanos ali encontrados, definiu-os da seguinte maneira “os vazios
urbanos seriam, a princípio, áreas da cidade sem função, sem conteúdo social” (BORDE,
2003, p. 1). Neste contexto urbano e através da definição deste pensamento ela transparece
a identidade do vazio construído ou em processo de se tornar um vazio construído, definindo
assim o vazio potencial como um local que pode se tornar um vazio real muito brevemente,
devido seu estado atual de obsolência, degradação ou em processo de desuso.
De tal forma em suas pesquisas Borde (2003) descreve a presença dos vazios intersticiais e
residuais, e a crescente proporção que eles tomam, neste espaço de tempo, com o surgimento
dos novos loteamentos e empreendimentos habitacionais, estes suprem uma faixa do deficit
habitacional, caracterizado pela classe média, entretanto são os principais desbravadores
deste fenômeno de vazio intersticial nas principais cidades latino americanas.
Como é permitido observar, a cidade é a tradução da complexidade e da diversidade, com
isso o misto de conceitos e definições, assim como de nomenclaturas para apenas um modelo
de formatação urbana é crucial para percebermos não só o que significa um vazio, mas
também a importância que esta forma de organização ou desorganização sócio espacial tem
sobre a configuração das grandes cidades e metrópoles contemporâneas.
Esta importância é enfatizada por Sofia Morgado (2005), que não só define o desocupado
como nada ou vazio, mas também o proporciona a característica de elemento influenciador
de algumas formas de ocupação. À partida considera-o também com evidência e o caracteriza
como protagonista da formação da metrópole. O vazio negativo e suburbano, adota aqui uma
característica de centralidade e relevância na configuração morfológica urbana.
Nuno Portas (2007), por sua vez, também definiu o vazio urbano com alguma ambiguidade,
como demonstrou anteriormente Solà-Morales (1996). Para ele a terra pode não estar vazia
no sentido literal da palavra, mas sim estar simplesmente desvalorizada, entretanto
demonstrando certa potencialidade de reutilização para outros fins ou usos, que tenham mais
ou menos a intenção de demonstrar os seus cheios. Ou seja, para ele as características que
possuem o poder de definir um vazio são basicamente as que descrevem seu caráter
construtivo, se possuem ou não edificação e seu caráter de utilidade, se possuem ou não
função ou uso.
Na concepção de Portas (2007) os vazios urbanos proporcionam uma dinâmica conceitual de
utilidade dos espaços urbanos. Contudo esta dinâmica de transformação dos vazios em
oportunidades tem a possibilidade de ser muito benéfica para a cidade, mas também muito
“perversa”, como ele mesmo diz. Estes novos usos precisam ser pensados e planeados pelos
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governantes e técnicos para que o tratamento destinado aos vazios faça sentido na realidade
em que estará inserido.
Cristina Cavaco (2008), assim como Borde (2003), compreende que “os vazios urbanos
contemporâneos concretizam-se como interstícios”, ou seja, são resíduos vagos e sem
utilidade, mas lugares promissores, onde podem surgir novos usos e novas intenções. Para
Cavaco (2008) os vazios podem ser classificados segundo a premissa retirada de alguns
autores, e organizados em sete categorias distintas. O vazio-paisagem, o vazio infra-
estrutural, o vazio expectante, os vazios de cedência ou de interdição, o vazio verde, o vazio
interior colectivo, e o fragmento ou o simulacro do vazio tradicional.
Entretanto é através do “vazio ilegítimo” que Cavaco (2008) demonstra sua preocupação
maior ao caracterizá-lo como um espaço não pensado, e consequência de planos, regras, leis
e determinações traçadas sem a possibilidade de visualização das suas reais consequências
futuras. Este é o espaço resquício do disperso, é o entre, é o que se encontra entre um
aglomerado urbano e outro, depositados às margens das cidades.
É incluído aqui um dos três universos conceituais que Sousa (2010) adotou para a construção
da sua dissertação de mestrado. Um deles é o “Universo Construído” que engloba os vazios
residuais, o outro é o “Universo Econômico” que é caracterizado pelas áreas industriais.
Entretanto o contexto do “Universo Social” é o se pretende destacar.
O “Universo Social” contempla os vazios demográficos, ou seja, são “áreas urbanas que eram
densamente construídas, mas que com a consequente desocupação devido, por exemplo, à
substituição do perfil populacional, levam à redução da densidade populacional e ao
consequente aparecimento dos chamados ‘vazios demográficos’, que se traduzem no
abandono e degradação das construções e do tecido urbano” (SOUSA, 2010, p. 60)
Careri (2013), por sua vez, enfatiza a questão do protagonismo do vazio, da mesma maneira
como o enfatizou Morgado (2005), e descreve a importância que este espaço livre demonstra
ao construir uma nova referência no contexto da paisagem urbana. Sobre este aspecto ele
compara o cheio e o vazio da seguinte forma “o espaço sedentário é mais denso, mais sólido
e, por isso, cheio, ao passo que o nômade é menos denso, mais líquido e, por isso, vazio.”
(CARERI, 2013, p. 40). Neste contexto ele salienta a importância em se utilizar novamente
esses espaços menos densos, por serem elementos de composição da estrutura urbana, e
uma das formas de se fazer isso é através do walkability, para Careri (2013) é necessário
voltar a viver a cidade e para isso é preciso voltar a utilizar as suas ruas para andar e conviver.
Acreditando no vazio como algo extremamente físico e visual e como elemento que compõe
a paisagem, Careri (2013) defende que “o vazio é a ausência, mas também a esperança, o
espaço do possível.”
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Com toda essa discussão em torno de um mesmo objeto, entretanto um objeto multifacetado
e cada vez mais amplamente mencionado. Como é que podem ser simplificadas as
conclusões, ou resumidas estas definições, ou até mesmo reduzida a quantidade de
identidades presentes num mesmo problema? Com estes inúmeros conceitos e com as
inúmeras nomenclaturas é prudente traçar uma linha de raciocínio, para atender a
problemática arranjada, sobre a possibilidade e flexibilidade dos lugares.
A UTILIDADE DOS LUGARES
Após a conceituação dos distintos autores, adota-se a premissa de que no caso europeu a
principal caracterização do que é vago segue em torno da questão da expansão territorial
dispersa, e os espaços de transição entre um núcleo urbano e outro. Contudo no caso latino-
americano as questões do vazio mais impactantes se referem aos vazios intersticiais e às
edificações desocupadas. E é sobre este pressuposto que faz-se compreender que os lugares
para serem lugares precisam conter função (SANTOS, 1985). Deste modo, entende-se que o
cheio, enquanto espaço construído pode ser caracterizado como vazio, enquanto lugar sem
uso e sem função social. Neste sentido entende-se que o vazio urbano ainda é um campo em
aberto no que acarreta o assunto social (BORDE, 2003), além de possuir conceitos e
definições distintos, em ambientes urbanos distintos, onde os autores possuem ideias
formadas sobre o vazio urbano, entretanto até certo ponto desconexas. A complexidade em
se tratar um tema destes é muitas vezes limitadora. Sendo assim, para facilitar a compreensão
dos lugares, admite-se como definição:
O terreno livre - Diz respeito àquilo que não é edificado, é o terreno em si, sem construções,
entretanto com benfeitorias e infraestrutura urbana. Muitas vezes terrenos oriundos de
doações feitas de agentes loteadores aos municípios, engloba-se aqui nesta definição
também os terrenos particulares, caracterizados como vazios intersticiais ou residuais
(BORDE, 2003), comprados e não edificados. Muitas vezes esses últimos são alvo de
especulação imobiliária, por este motivo ficam vazios durante muito tempo. Todos esses
terrenos livres, causam uma dinâmica urbana de cheios e vazios, interessante do ponto de
vista ecológico/ambiental, contudo, na maior parte dos casos estes lugares possuem uma
conotação negativa no espaço da cidade, tanto para os pedestres e ciclistas de forma direta,
quanto indiretamente para a sociedade (SANTOS, 1985). Pode-se dizer de terreno livre
também aquele que é remanescente das infraestruturas urbanas, entretanto apenas a área
remanescente, não considerando aqui os próprios “não-lugares” (AUGÉ, 1995).
O vazio construído - Engloba-se aqui, tudo que se refere às edificações que não estão sendo
utilizadas, como prédios de apartamentos, hotéis, residências, centros comerciais, edifícios
antigos, depósitos e fábricas, todas estas edificações com uma qualidade em particular, a
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perda de função. Construções que por algum motivo, externo ou intrínseco, deixaram de
desempenhar suas funções e se tornaram edificações além de obsoletas também inutilizadas
(CLEMENTE, SILVEIRA, & SILVEIRA, 2011). Outro formato de vazio construído,
consequência da crise econômica que abarcou muitos países, é o vazio arquitetônico,
caracterizado por uma nova edificação que ainda não foi comercializada (BORDE, 2003).
O desuso - Condiz com espaços edificados ou não, que por suas características funcionais
e de ocupação, não comportam a socialização (SOUSA, 2010), além de comprometerem a
própria utilização, comprometem também a possibilidade dos lugares, deixando de exercer
certas funções que são necessárias para contribuir com o ambiente urbano. De tal forma, este
conceito de vazio pode ser utilizado em conjunto com os conceitos acima citados, podendo
complementá-los na definição dos espaços e na forma como proceder em sua compreensão
na dinâmica urbana.
A FLEXIBILIDADE DOS LUGARES
Ao se promover a flexibilidade dos lugares, almeja-se compreender e atender as expectativas
urbanas de um espaço particular. Objetiva-se assim, tornar cada espaço urbano, construído
ou não um receptáculo de uma nova função, que sirva para suprir uma necessidade social,
ou qualquer outra necessidade intrínseca ao local. Assim como, propiciar possibilidade aos
lugares, é promover o espaço de uso público de forma que este esteja adequado ao uso das
pessoas, sendo espaços próprios para o uso por necessidade, por opção ou para socialização
(GEHL, 2006).
O nomadismo ou o “espaço do ir” (CARERI, 2013, p. 42) ou simplesmente o caminhar, é a
maneira como se ligam os lugares, os pontos fixos. As origens e os destinos urbanos só são
possíveis através deste caminho e desta área de transição, no sentido de que tão importante
quanto o estar em algum lugar é o poder estar lá. Esta característica de nomadismo de
constante mudança e em constante estado de transporte físico e conceitual é o cerne da
concepção flexível dos lugares. Onde sua característica principal é esta dualidade entre
espaços de estar com condições de espaços de ir.
Numa abrangência mais alargada, é possível destinar a classificação de lugares flexíveis,
àqueles imóveis urbanos particulares, construídos ou não, que estão em condição de desuso.
Para que, pelo período de tempo necessário, até que sua utilização definitiva seja promovida,
seja possível a condição de imóvel “emprestado”. Já a possibilidade dos lugares é uma ação
de adequação e melhoramento das condições físicas e funcionais do espaço público.
NOTAS CONCLUSIVAS
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Após este trajeto teórico e conceitual pode-se dizer que diante da caracterização do cheio
construído como vazio de função e do terreno vago intersticial também como vazio funcional,
ponderam-se duas perspectivas positivas para estas realidades. Uma delas é do
desenvolvimento da conexão destes vazios expectantes através da promoção da
possibilidade dos lugares, conectando-os através de caminhos necessários, opcionais e
sociais. A outra realidade é a da flexibilidade dos lugares, configurada sobre os cheios e vazios
não funcionais e não utilizados, transformando-os temporariamente em ambientes urbanos
saudáveis e úteis.
Neste contexto, a possibilidade dos lugares surge para melhorar a qualidade do desenho
urbano e com isso fazer com que os espaços urbanos comuns e de uso coletivo sejam melhor
aproveitados nos projetos e mais atrativos às pessoas que usam estes locais de forma
opcional ou para socialização. Já a flexibilidade dos lugares surge como fundamento para
estimular o uso de imóveis urbanos particulares. Proporcionando-lhes condições de uso
temporário, onde o aspecto mais relevante é a condição de imóvel “emprestado”, já que este
terreno vago intersticial poderá desempenhar funções urbanas de finalidade particular ou
coletiva entretanto possuindo um caráter transitório.
Esta constante variação das utilidades e funções dos ambientes urbanos caracteriza uma
maior diversidade urbana e maior competitividade das regiões da cidade. Neste sentido a
expectativa é de elevação da qualidade do desenho urbano, e consecutivamente da qualidade
de vida na cidade.
REFERÊNCIAS
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