Manual para Escolas A Escola promovendo hábitos alimentares saudáveis
A escola e a formação da individualidade
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A ESCOLA E A FORMAÇÃO DA INDIVIDUALIDADE
José Carlos Accica¹
Professor Paulo Oliveira Barros²
RESUMO
Este trabalho pretende analisar o papel da escola na formação daindividualidade discutindo a especificidade e a importância daeducação escolar na constituição do psiquismo humano e relacionandoesse processo com a formação do indivíduo. Utilizando comoreferencial teórico as concepções da psicologia histórico cultural eda pedagogia histórico-crítica buscaremos discutir a importância doensino sistematizado dos saberes historicamente constituídostransformados em saber escolar no desenvolvimento das funçõespsíquicas superiores, na evolução do psiquismo e na possibilidade detranscendência da individualidade em si para a individualidade parasi..
PALAVRAS-CHAVE: Individualidade. Psiquismo Humano. Escola . Conceitos Científicos.
INTRODUÇÃO
Buscando relacionar nossa experiência no trabalho
escolar com os estudos desenvolvidos primeiramente em nossa
formação como pedagogos e posteriormente no campo da
psicopedagogia, trataremos de uma temática que permita fazer
uma ponte entre conhecimento teórico e vivência prática. Desse
modo estabelecemos a relação entre a formação da
1. Pós-graduando em psicopedagogia pela Universidade Católica Dom Bosco.
2. Professor e Orientador do programa de Pós-Graduação da Universidade Católica Dom Bosco.
2
individualidade e a instituição escolar como objeto de nossa
análise.
Sendo essa uma temática bastante abrangente e que pode
ser discutida sob a luz de diferentes concepções pedagógicas e
psicológicas, deixamos claro que nesse artigo adotaremos como
fundamentação teórica as concepções da psicologia histórico
cultural e da pedagogia histórico-crítica, destacando que
identificamos entre ambas uma unidade teórico-metodológica
sob os marcos do materialismo histórico e dialético.
Seguimos o percurso de em primeiro lugar definir o
conceito de individualidade, para depois relacioná-lo com suas
bases biológicas, psicológicas e sociais e analisarmos as
condições de seu desenvolvimento. No trabalho apresentamos uma
diferenciação entre individualidade em si e individualidade
para si e procuramos analisar os obstáculos e possibilidades
de transcendência de uma categoria de individualidade à outra.
Enfim, analisamos o papel central que pode ser
desempenhado pela instituição escolar tanto no desenvolvimento
do psiquismo humano, mobilizando e promovendo o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, bem como na
formação da individualidade para si.
1 SUBJETIVIDADE E INDIVIDUALIDADE
Antes de iniciarmos nossa análise da importância da
educação escolar para a construção da individualidade, se faz
necessária uma breve discussão sobre o conceito de
3
individualidade que adotamos para o desenvolvimento de nossa
abordagem, incluindo nesse discussão uma análise comparativa
com o conceito de subjetividade.
Conforme Silva (2009), a psicologia usa em sua
terminologia específica os termos subjetividade,
individualidade, personalidade e identidade para designar o
objeto de estudo da ciência psicológica. Esses termos, embora
correlatos, não são sinônimos e demandam uma conceptualização
objetiva e específica. Todavia, é importante ressaltar que a
psicologia não é uma ciência una, apresentando correntes
teóricas muito heterogêneas, o que por sua vez implica em uma
diversidade de concepções sobre os termos acima relacionados.
Em nossa pesquisa adotamos a fundamentação teórico
metodológica da psicologia histórico cultural, corrente
teórica da psicologia que tem o materialismo histórico e
dialético como base e na qual se destacam autores como
Vygotsky, Leontiev e Luria. A opção por essa corrente teórica
da psicologia se deve a sua unidade teórico-metodológica com a
pedagogia histórico-crítica, concepção educacional com a qual
nos identificamos e que adotamos como fundamentação em nossa
prática educacional como docente.
Dentro do arcabouço teórico da psicologia histórico
cultural os termos subjetividade e individualidade são algumas
vezes tratados como sinônimos. No entanto, é preciso
estabelecer algumas considerações sobre a especificidade de
cada um deles para que possamos avançar na direção de uma
definição mais precisa do que estamos denominando
individualidade.
4
Um dos autores que trabalha a concepção de
subjetividade na perspectiva da psicologia histórico cultural
é Gonzalez Rey. Esse autor define a subjetividade como “Um
sistema complexo capaz de expressar através de sentidos
subjetivos a diversidade de aspectos objetivos da vida
social”.(REY,2001,p.19). Ou seja, para este autor a
subjetividade se apresenta como um sistema no qual os sentidos
da realidade são apropriados, processados e expressados. As
funções psíquicas aparecem como processos de significação.
Conforme Molon (2011), Gonzalez Rey traz para o debate da
questão do sujeito e da subjetividade a noção de sentido
pessoal, distinguindo assim a dimensão social e coletiva do
significado e a dimensão subjetiva do sentido. Ainda conforme
a mesma autora Rey analisa a subjetividade como processo de
constituição da psique no sujeito individual. Por esse
percurso teórico podemos sintetizar que a subjetividade
aparece como um processo de internalização da realidade
objetiva dando a essa um sentido subjetivo e constituindo no
sujeito uma consciência individual.
Conforme Silva (Ibid.) em Leontiev o conceito de
subjetividade aparece como o processo pelo qual algo se torna
constitutivo e pertencente ao indivíduo. Para Leontiev a
subjetividade se define na formação de uma imagem parcial da
realidade objetiva e essa imagem parcial se estabelece nas
relações sociais do indivíduo. Silva sintetiza a definição de
Leontiev sobre a subjetividade como “ o processo de tornar o
que é individual singular, único, isto é, de tornar o
indivíduo pertencente ao gênero humano”. (SILVA, 2009, p.172).
5
O conceito de individualidade se correlaciona com a
concepção de singularidade. Todo ser humano apresenta a
condição de singularidade, ou seja, é um ser único, que não se
repete. A expressão dessa singularidade é o que denominamos
indivíduo. A individualidade, como a expressão da
singularidade de cada ser humano é resultante de elementos
provenientes da filogênese e da ontogênese. As características
que denotam a singularidade de cada indivíduo são resultados
da combinação de características herdadas geneticamente e
aquelas adquiridas socialmente no convívio do indivíduo com os
demais seres humanos. Conforme Leontiev “O indivíduo é antes
de tudo uma formação genotípica. Mas o indivíduo não é apenas
isso, sua formação é contínua, como é sabido, na ontogênese,
durante o curso da vida”.(LEONTIEV, 1978, p.136).
Entendemos que esse processo de combinação entre a base
biológica do ser humano, derivada da filogênese, e as
apropriações das objetivações sociais construídas pelo gênero
humano ao longo da história constituem o processo de
subjetividade, no qual o indivíduo dá um sentido particular
aos significados construídos socialmente. O resultado desse
processo é a constituição de um sujeito singular, único e
irrepetível e a condição de singularidade desse sujeito é o
que trabalharemos nesse artigo como individualidade.
Duarte (2013), nos alerta para a necessidade de
distinguirmos a individualidade biológica da individualidade
humana. No caso da primeira ela já se manifesta no
comportamento de vertebrados superiores como resultado da
necessidade e capacidade de adaptação às condições ambientais
6
variáveis. Desse modo, entre os animais superiores já se pode
afirmar a existência de uma individualidade gerada pela
relação entre o ser vivo e o meio ambiente. Embora essa
capacidade adaptativa também esteja presente nos seres
humanos, se manifestando como singularidades biológicas, a
individualidade humana apresenta características que vão
muito além dessas singularidades filogenéticas. O autor
analisa que a especificidade da individualidade humana tem sua
origem na dialética entre objetivação e apropriação das
características humanas desenvolvidas e socialmente
existentes.
Enfim, podemos sintetizar que o conceito de
individualidade humana nessa concepção está diretamente
relacionado com toda uma processualidade histórica, coerente
com a perspectiva da psicologia histórico cultural que postula
a humanização como produto histórico-social. A
individualidade humana está marcada ao mesmo tempo pelas
singularidades que definem o indivíduo como ser único e
irrepetível e pelas apropriações que esse indivíduo faz de
todas as objetivações genéricas, histórica e socialmente
produzidas. Ou seja, a individualidade se faz numa
ininterrupta relação dialética entre a singularidade do
indivíduo e a genericidade humana.
Concluindo essa breve discussão conceitual podemos
então estabelecer a subjetividade como o processo de
constituição de uma imagem parcial da realidade objetiva e que
caracteriza a singularidade do indivíduo, imagem essa que dá
sentido único aos significados construídos socialmente. A
7
individualidade, por sua vez, pode ser definida como a
expressão dessa singularidade, constituída na relação entre a
base biológica de cada indivíduo e das apropriações que esse
indivíduo faz das objetivações do ser genérico produzidas
historicamente. Nessa concepção a individualidade é construída
socialmente.
2 A INDIVIDUALIDADE E O PSIQUISMO HUMANO
Aprofundando a discussão sobre a individualidade,
Duarte (ibid.) classifica a mesma em duas categorias :
Individualidade em si e individualidade para si. Se faz
necessário analisar essas duas concepções sobre
individualidade para avançarmos em nossa análise.
A diferenciação das categorias de em si e para si
remete a um debate filosófico muito extenso e para além das
pretensões desse artigo. Todavia, uma breve explicitação dessa
abordagem se faz necessária. Duarte explica que essa
categorização não é filiada das concepções sartreanas , tendo
em vista que o filósofo francês também utiliza essa
categorização em seus trabalhos. O autor explica que a
classificação da individualidade nas categorias de em si e
para si deriva das concepções de Hegel que posteriormente
também foram adotadas por Marx em suas análises. Em sua obra
já citada: A Formação da Individualidade para Si, o autor
trabalha essa questão diferenciando essas duas categorias. A
individualidade em si está relacionada ao processo que se
inicia pela síntese espontânea das relações sociais, enquanto
8
que a individualidade para si é uma síntese consciente dessas
mesmas relações sociais (Duarte,2013).
Dessa forma, a individualidade em si pode ser
considerada como produto de relações cotidianas e dentro de
uma esfera alienada onde as apropriações ficam restritas a um
nível limitado, comumente denominado como senso comum. Essa
esfera de conhecimentos cotidianos é muito importante e útil
para a vida dos indivíduos e faz parte da genericidade humana.
Porém, ela é insuficiente para uma compreensão mais ampla da
totalidade social e até mesmo para a compreensão das
possibilidades do próprio indivíduo. Conforme Duarte, para
que o indivíduo avance para a formação da individualidade
para si é necessário uma relação consciente com as
objetivações do gênero humano e também a formação de uma
relação consciente do individuo para com seu próprio
psiquismo, sob a mediação da construção consciente e livre de
seu caráter moral( Duarte, 2013,p 229).
Em uma perspectiva parecida, Vygotsky (1996), ao tratar
do desenvolvimento do psiquismo humano também diferencia dois
modos de funcionamento psíquico. Um modo proveniente de
condições biológicas e naturais e outro produzido em
condições sociais de vida. A partir dessa diferenciação o
autor analisa que pode-se constatar a existência de dois
tipos de funções psíquicas. As funções psíquicas derivadas das
condições biológicas e naturais são denominadas por Vygotsky
como funções psíquicas elementares. Já as funções derivadas
das condições sociais e de educação são denominadas de funções
psíquicas superiores. Desse modo, podemos relacionar a
9
formação do psiquismo humano como produto sócio cultural,
resultante da historia humana e das apropriações que cada
indivíduo faz das objetivações historicamente construídas pelo
gênero humano. As funções psicológicas superiores definidas
por Vygotsky em sua explicação sobre a constituição do
psiquismo humano são fundamentais para a formação da
individualidade. Entre as funções psicológicas superiores
podemos destacar a memória lógica, a atenção voluntária,
linguagem, pensamento verbal, formação de conceitos,
afetividade entre outras. Todavia, por si só não garantem a
evolução da individualidade em si para a individualidade para
si.
O pleno desenvolvimento das funções psíquicas
superiores e a formação de uma individualidade para si não
são processos que ocorrem naturalmente e dentro de um quadro
de evolução biológica. Em uma sociedade dividida em classes
sociais, como é a sociedade que se estabelece sob a forma do
capitalismo, os processos de apropriação das objetivações do
gênero humano ocorrem de forma muito desigual. Desse modo, nem
todos os seres humanos realizarão essas apropriações sob as
mesmas condições. Mesmo o acesso a muitas objetivações não é
garantido para todos. Sob esse aspecto, o papel da escola
ganha uma importância central como instituição chave tanto
para possibilitar o pleno desenvolvimento do psiquismo e das
funções psíquicas superiores como para a formação de uma
individualidade para si. Esse é o tema que trataremos a
seguir.
10
2 A ESCOLA , O PSIQUISMO HUMANO E A FORMAÇÃO DA
INDIVIDUALIDADE
Nas concepções da psicologia histórico cultural e
também da pedagogia histórico crítica a escola é uma
instituição central para o desenvolvimento pleno da
humanidade. Nas duas concepções, elaboradas sob a mesma base
filosófica, o materialismo histórico e dialético, os homens
não nascem humanos, ou seja, a humanidade é produzida
histórica e culturalmente nos indivíduos, portanto, a
humanização é um produto histórico-social.
A educação escolar tornou-se a forma predominante de
educação nas sociedades industrializadas, atendendo as
demandas do capital que passou a necessitar de uma maior
qualificação da mão de obra e ao mesmo tempo o estabelecimento
de uma disciplina que já preparasse os futuros trabalhadores
para o trabalho e a disciplina da fábrica. Apesar dessas
finalidades relacionadas a uma ampliação do domínio e do
controle sobre a força de trabalho, a escola, assim como todas
as instituições do capitalismo, também apresenta uma
contradição fundamental, pois ao mesmo tempo que está voltada
para ampliar a qualificação da força de trabalho e ampliar seu
controle sobre os corpos e as mentes da classe trabalhadora
precisa possibilitar novas apropriações das objetivações
historicamente produzidas pela humanidade. Logicamente, essa
escola criada e desenvolvida sob os interesses do capital
procura oferecer o mínimo de conteúdos e de disponibilizar
11
apenas o necessário e indispensável para que a classe
trabalhadora possa atender às demandas do capital.
Decorrente dessas considerações, muitos autores
acabaram entendendo que a escola é uma instituição que não
apresenta possibilidades para qualquer prática ou ação
transformadora. Ela já nasce como instituição voltada para a
dominação e para a manutenção de uma ordem social e desse modo
é impossível realizar dentro da escola uma práxis
transformadora. Nessa visão, a escola é considerada como um
dos aparelhos ideológicos de estado (Althusser, 1998) e cumpre
funções de manutenção da ordem social e de perpetuação da
dominação de classe. As possibilidades de transformação
estariam fora do âmbito dessas instituições denominadas como
aparelhos ideológicos de estado, incluindo a escola.
As concepções relacionadas à pedagogia histórico-
crítica apontam para uma direção diferente. Nessa concepção a
escola se apresenta como uma instituição dominada pela
burguesia, mas aberta para atuação de diversas forças e
agentes sociais. Conforme Duarte (2013) a escola não pode ser
considerada como uma instituição essencialmente burguesa, pois
quando fornece aos alunos o saber sistematizado, está, mesmo
que inconscientemente, fornecendo possibilidades e condições
para que os alunos superem as limitações de seu cotidiano
alienado e avancem para a construção de uma consciência
crítica capaz de transformar a realidade.
Nesse momento acho pertinente analisar como as
concepções relacionadas à pedagogia histórico-crítica e da
psicologia histórico cultural valorizam e compreendem a
12
importância do saber escolar e o papel da escola na construção
da individualidade e do psiquismo humano.
Analisando os fundamentos psicológicos da pedagogia
histórico-crítica e os fundamentos pedagógicos da psicologia
histórico cultural, Martins (2013) estabelece cinco teses para
demonstrar a importância de um ensino sistematicamente
orientado à transmissão de conceitos não cotidianos como
condições decisivas para o desenvolvimento do psiquismo
humano. A primeira tese defendida pela autora é a de que “ Ao
ensino escolar cumpre a tarefa de humanização dos indivíduos”
(MARTINS, 2013, p 131). Dessa forma, fica patente a concepção
de que a humanização é concebida como produto e a educação
escolar tem a finalidade de produzir essa humanização nos
indivíduos.
Para SAVIANI (1991, p 21) “O trabalho educativo é o
ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo
singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens”. Como podemos
perceber, existe uma coerência e uma complementaridade nas
duas abordagens, pois em ambas a humanidade é definida como
uma condição produzida historicamente.
A segunda tese defendida por Martins já se aprofunda
nas concepções teóricas da psicologia histórico cultural : “A
humanização do psiquismo identifica-se com a superação das
funções psíquicas elementares em direção às funções psíquicas
superiores” (Ibid., p 132).
A autora traz para corroborar essa tese os estudos de Vygotsky
sobre o desenvolvimento do psiquismo onde o autor analisa a
13
importância da mediação realizada através de signos no
processo de superação das funções psíquicas inferiores para as
funções psíquicas superiores. Essa mediação, de acordo com
Vygotsky, produz profundas transformações no comportamento
humano, já que “o signo opera como um estímulo de segunda
ordem que, retroagindo sobre as funções psíquicas, transforma
suas expressões espontâneas em expressões volitivas”. Martins
define os signos como “ferramentas psíquicas” que são ideias,
representações abstratas e que conferem significação à
realidade para além de sua captação sensorial empírica. Sendo
apresentados como instrumentos elaborados socialmente os
signos precisam ser aprendidos, o que por sua vez demanda
ensino.
Podemos retornar aqui às concepções de Duarte que
define a formação da individualidade como resultado de uma
relação dialética entre apropriação e objetivação. Ora, sendo
os signos apresentados como “ferramentas psíquicas”,
produzidas historicamente pela humanidade, podemos considerá-
los como uma forma de objetivação. Desse modo, o processo de
apropriação dos signos é fundamental na construção da
individualidade.
A terceira tese defendida por Martins se aproxima ainda
mais da importância da educação escolar, nas palavras da
autora “ A atividade de ensino conquista natureza específica
na forma de educação escolar” (MARTINS, 2013, p.134). Nessa
tese a autora analisa a importância da educação escolar para
disponibilizar um tipo específico de conhecimento, qual seja,
os conhecimentos clássicos, um corpo de saberes sistematizados
14
que são resultado das objetivações que o gênero humano
realizou ao longo da história. Na mesma linha de pensamento
Saviani (2001) defende a adaptação dos saberes e dos
conceitos científicos transformando-os em saber escolar como
uma forma didática, porém não empobrecida de transmissão dos
conhecimentos no âmbito da escola. Ou seja, a escola, como
instituição encarregada da tarefa de humanização dos
indivíduos deve proporcionar as condições para que os alunos
se apropriem das mais diversas objetivações do gênero humano
histórica e socialmente produzidas.
Em uma sequência muito bem elaborada Martins
estabelece em sua quarta tese que “A formação de conceitos é
a base sobre a qual o psiquismo se desenvolve e a educação
escolar se realiza” (MARTINS, 2013, p. 136). Essa tese avança
para definições mais específicas acerca da especificidade do
trabalho escolar. Seguindo as concepções de Vygotsky a autora
explica que “a formação de conceitos reorganiza todas as
funções psicológicas, ou seja, requalifica o sistema psíquico
em sua totalidade”. (Ibidem). Portanto, uma educação escolar
que se incumbe realmente da tarefa de promover a humanização
do indivíduo precisa estar pautada, entre outras coisas, na
formação de conceitos. Podemos retomar aqui a concepção de
Gonzalez Rey que apresentamos no início desse artigo na qual o
autor define a subjetividade como a construção de uma imagem
subjetiva da realidade objetiva ou concreta. Conforme Silva,
essa imagem subjetiva cumpre uma tarefa de orientar o sujeito
para sua ação nessa realidade. A autora entende então que:
15
“a formação de conceitosidentifica-se com a própria instituição do psiquismo naqualidade de imagem mental consciente. Todavia, se oconteúdo concreto da imagem é o objeto, seu conteúdoabstrato é a palavra, daí que segundo Vygotsky (2001), apalavra se apresente como um fenômeno verbal eintelectual.” (MARTINS, 2013, p. 137).
Essa citação nos faz retornar à concepção de Vygotsky que
entende os signos como instrumentos psíquicos e que agem na
formação das funções psíquicas superiores. Sem a mediação
desses signos a formação de conceitos estaria impossibilitada
e o psiquismo humano não passaria das funções primitivas e
jamais atingiria os graus de complexidade que o pensamento
humano foi capaz de alcançar. Por sua vez, a formação dos
conceitos que só é possível graças a essa mediação simbólica
proporcionada pelos signos faz o psiquismo avançar e
aperfeiçoar a imagem do real construída subjetivamente. Na
linha de análise de Duarte, essa formação de conceitos e essa
evolução das funções psíquicas superiores possibilita que as
apropriações das objetivações produzidas pelo gênero humano se
tornem cada vez mais ricas e complexas.
A educação escolar, pautada na perspectiva de humanização
dos indivíduos, precisa se organizar e elaborar as ações e
prática pedagógicas no sentido de proporcionar as condições
para a formação dos conceitos. A escola, através do coletivo
que nela atua, precisa definir com precisão , e tendo como
meta essa humanização, a seleção de conteúdos a serem
transmitidos aos alunos, bem como as formas em que se dará
essa transmissão, o que implica em opções didáticas e
estratégias pedagógicas.
16
Avançando para a quinta e última tese defendida por
Martins, temos a diferenciação entre conceitos cotidianos e
conceitos científicos : “ Conceitos cotidianos e de senso
comum não incidem sobre o desenvolvimento psíquico da mesma
maneira que os conceitos científicos ” ( MARTINS, 2013, p.
140). Essa diferenciação entre conceitos cotidianos e
conceitos científicos é fundamental para a continuidade de
nossa análise.
Vygotsky concebe o cérebro humano como um sistema aberto,
rejeitando as concepções de funções mentais fixas. Nessa
concepção o cérebro apresenta uma grande plasticidade e as
funções psíquicas se desenvolvem conforme regiões do cérebro
são mobilizadas para a execução de atividades. Conforme já
destacamos nesse artigo, a relação entre os indivíduos e a
realidade objetiva não ocorre de forma direta, mas sim em uma
relação mediada por signos. Estes signos, como instrumentos
psíquicos, são as ferramentas que permitem articular todo um
sistema simbólico de representação do real e permitem o
desenvolvimento da linguagem, ou seja, um sistema simbólico
compartilhado por todos os usuários dessa mesma linguagem.
Conforme Oliveira (1992) “ Ao utilizar a linguagem para nomear
determinado objeto estamos, na verdade, classificando esse
objeto numa categoria, numa classe de objetos que têm em comum
certos atributos.” Desse modo, a linguagem permite a
ocorrência de processos de abstração e também generalização e
por sua vez a formação dos conceitos.
O processo de formação de conceitos é analisado por
Vygotsky como um percurso que percorre três estágios. Conforme
17
Oliveira (ibid.) no primeiro estágio se formam conjuntos
sincréticos e são feitos agrupamentos e relações com nexos
vagos e ainda inconsistentes. O segundo estágio é denominado
por Vigotsky de pensamento por complexos e as ligações entre
seus componentes já são concretas e factuais, porém ainda não
abstratas e lógicas. Nas palavras de Vigotsky : “O pensamento
por complexos dá início à unificação das impressões
desordenadas: ao organizar elementos discretos da experiência
em grupos, cria uma base para generalizações posteriores”
(VIGOTSKY, 1989,p.66). Entretanto, o pensamento por complexos
ainda não é suficiente para a elaboração dos conceitos, pois,
conforme Oliveira(1992), nesse estágio o pensamento ainda não
é capaz de realizar a dupla operação de síntese e análise, o
que só será possível durante a terceira fase do
desenvolvimento.
Na adolescência atinge-se enfim a terceira fase do
desenvolvimento do pensamento que se denomina pensamento
abstrato e é nessa fase que se torna possível a elaboração dos
conceitos, pois já se tornou possível a realização das
operações de síntese e análise. Vygotsky diferencia então dois
tipos de conceitos : os conceitos cotidianos ou de senso comum
e os conceitos científicos.
Conforme Oliveira os conceitos cotidianos ou espontâneos
são aqueles desenvolvidos na atividade prática das crianças e
de suas interações sociais imediatas. Já os chamados conceitos
científicos são aqueles adquiridos por meio do ensino, como
parte de um sistema organizado de conhecimentos, resultantes
de um processo deliberado de instrução escolar (1992). Para
18
Vygotsky os conceitos científicos resultam de uma relação
problematizadora de uma diversidade de atividades que
mobilizam o pensamento, determinando que seu ensino não ocorra
de forma casual, mas sim de uma ação didática intencional e
específica.
Na análise Vygotskyana da estruturação do psiquismo humano
o ensino de conceitos científicos provocará uma substancial
alteração nessa estrutura. Rossler (2004) chega mesmo a falar
em um psiquismo cotidiano, marcado por processos de alienação
e que afeta a estrutura psíquica dos indivíduos :
[...] Quando a estrutura da vida cotidiana sehipertrofia, tornando-se a única forma de vida doindivíduo; quando sua vida se resume num conjunto deatividades voltadas, essencialmente para a suareprodução, para a reprodução de sua particularidade,apresentando, assim, modos rígidos de pensar, sentir eagir, isto é, determinando um modo de funcionamentopsíquico (intelectual e afetivo) cristalizado, que nãopode ser rompido mesmo nas situações que o exigem;nesses casos, estamos diante de um fenômeno dealienação. Trata-se, portanto, de uma estrutura socialalienada, de um cotidiano alienado e, consequentementede um psiquismo cotidiano alienado. (ROSSLER, 2004, p.110)
Sendo assim, a permanência de uma estrutura conceitual
vinculada apenas aos conceitos espontâneos ou cotidianos
compromete o pleno desenvolvimento do psiquismo do indivíduo.
Retomando a abordagem de Duarte que separa a individualidade
em duas categorias distintas : Individualidade em si e
individualidade para si, é possível concluir que um indivíduo
que na formação de sua imagem subjetiva da realidade , ou
seja, na construção do sentido do real, através do sistema
simbólico, não teve acesso pela via do ensino aos conceitos
19
científicos, não poderá atingir uma individualidade plena e
consciente, ou seja, a individualidade para si.
Portanto, resgatando a quinta tese de Martins, os
conceitos científicos incidem de uma forma diferenciada no
desenvolvimento psíquico do indivíduo em relação aos conceitos
cotidianos e espontâneos e conforme a autora:
No cerne dessa questão reside a formação da funçãonuclear da escola, qual seja, operar como mediadora nasuperação do saber cotidiano expresso nos conceitosespontâneos, em direção aos conhecimentos historicamentesistematizados expressos nos conceitos científicos. Oensino dos conceitos científicos, diferindo-sequalitativamente do ensino calcado em conceitosespontâneos, engendra transformações nas atitudes dosujeito em face do objeto, posto que, em últimainstância, os conceitos científicos são mediados poroutros conceitos em um sistema de conexões internas,graças às quais o objeto se apresenta ao pensamento deforma multilateral e profunda. Por conseguinte, há quese reconhecer os vínculos que se estabelecem entre oconhecimento calcado em conceitos científicos, ospatamares de desenvolvimento do pensamento e o grau deconsciência alcançado pelos indivíduos sobre si mesmoscomo seres sociais (MARTINS, 2013,p.142).
Nesse ponto realiza-se o encontro entre os fundamentos da
psicologia histórico cultural e a pedagogia histórico-crítica,
colocando o ensino como elemento fundamental para o pleno
desenvolvimento do psiquismo humano e para potencializar a
formação da individualidade rumo a uma individualidade para
si. A escola, nessas concepções, adquire um papel central,
podendo mesmo ser considerada como indispensável na sociedade
contemporânea para a efetivação dessas duas tarefas.
Entretanto, não basta a existência da instituição escolar
para garantir a realização concreta das tarefas acima
20
relacionadas. A instituição escolar na sociedade de classes,
também pode ser, e em grande parte das vezes é, uma estrutura
alienante, reprodutora de relações cotidianas alienadas.
Todavia, conforme já discutimos anteriormente neste artigo,
esse característica alienante da escola não faz parte de sua
essência, ela é derivada de relações de poder e de uma
situação hegemônica específica. Desse modo, essa situação pode
ser alterada e a escola pode ser transformada em instituição
emancipadora da individualidade.
Para que a escola supere a situação de estrutura alienante
algumas condições são indispensáveis e devem fazer parte da
luta dos que querem transformá-la em instituição emancipadora
da individualidade. É fundamental que a escola seja capaz de
promover a apropriação do conhecimento produzido ao longo da
história da humanidade. Desse modo, a escola deve ser
organizada como uma instituição socializadora do saber
científico, das artes, da reflexão filosófica, da linguagem em
suas formas mais evoluídas e elaboradas e também do domínio
das operações matemáticas e do cálculo.
Todos esses saberes precisam ser adaptados de uma forma que
possam ser apropriados pelos alunos, ou seja, é necessário,
conforme nos ensina Saviani (2011), transformar os saberes
científicos em saber escolar. Essa forma de conhecimento
característica do trabalho e do fazer pedagógico possibilita
aos educandos a superação dos conceitos cotidianos e
espontâneos em direção aos conceitos científicos.
Outro requisito fundamental para que a escola possa
funcionar como instituição superadora dessa cotidianidade
21
alienada diz respeito aos profissionais que nela atuam. Se os
profissionais que atuam na escola, principalmente os
professores, realizam o trabalho pedagógico de uma forma
alienada, incapazes de refletirem sobre sua própria prática,
não serão capazes de desenvolverem um ensino emancipador e se
relacionarão com seu trabalho de forma semelhante ao
trabalhador da fábrica diante de uma linha de montagem,
sentindo a mesma estranheza diante de sua atividade. Para uma
educação emancipadora é indispensável que os educadores sejam
capazes de refletirem constantemente e de forma crítica sobre
suas práticas e que se disponham a lutar no sistema
educacional contra as políticas de esvaziamento de conteúdos e
de relativização do saber escolar, que acabam transformando a
escola em algo parecido com um simples depósito para a guarda
de crianças.
A formação de professores também é um elemento decisivo
para que a escola possa realizar a tarefa de emancipadora da
individualidade . É possível constatar um processo de
empobrecimento da formação de professores e o surgimento de
cursos de licenciatura mais curtos, atendendo as demandas de
barateamento da mão de obra características do projeto
neoliberal. Isso vem apresentando consequências trágicas,
pois para uma formação consistente os professores devem
dominar plenamente o conteúdo de suas disciplinas e possuírem
também uma sólida formação pedagógica e filosófica para que
sejam capazes de desenvolver uma prática pedagógica
satisfatória e ao mesmo tempo refletirem sobre essa prática ,
22
sobre o funcionamento da escola e sobre a educação como um
todo.
Desse modo, a luta para que a escola possa ser uma
instituição emancipadora e capaz de promover a formação de uma
individualidade para si transcende os muros da escola. Ela
demanda a luta contra o relativismo nos conteúdos escolares e
contra a subordinação desses conteúdos ao cotidiano alienado.
Muitas concepções pedagógicas contemporâneas esvaziam a
importância do saber escolar sistematizado e desvalorizam a
importância do trabalho do professor. Em uma equivocada ou
talvez mal intencionada interpretação de fundamentos
psicológicos e sociológicos, essas concepções pedagógicas
neoliberais e pós-modernas trazem para a escola uma visão de
que se deve ensinar apenas aquilo que tem utilidade para a
vida cotidiana dos alunos. Nessas concepções, o cotidiano, que
deve ser visto como ponto de partida, acaba sendo transformado
em meta e razão do ensino e definindo a organização do
currículo e das práticas pedagógicas. O objetivo da escola,
sob a luz dessas pedagogias, deixa de ser a transmissão do
conhecimento historicamente sistematizado e passa a ser apenas
o desenvolvimento de habilidades e competências.
A perspectiva de construção de uma escola que seja capaz de
atuar ativa e deliberadamente na formação de uma
individualidade para si, ou seja, na formação de um ser humano
consciente e crítico, demanda também a luta contra essas
concepções pedagógicas que se tornaram hegemônicas no campo
educacional, destacando entre elas o construtivismo. Como
fundamentação teórica para alicerçar a implementação dessa
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escola emancipadora da individualidade entendemos que a
psicologia histórico cultural e a pedagogia histórico-crítica
nos apontam um excelente caminho para essa longa, mas
promissora jornada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse artigo procuramos desenvolver uma análise
das relações entre a escola e a formação da individualidade,
buscando encadear essa relação dentro dos fundamentos da
pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico
cultural. Buscamos estabelecer a especificidade do conceito de
individualidade que utilizamos, diferenciando-o do conceito de
subjetividade e o relacionando com a concepção de
singularidade. Dessa forma, o indivíduo pode ser considerado
como sujeito singular, único e irrepetível e a expressão dessa
singularidade é o que definimos por individualidade.
A partir dessa definição utilizamos a diferenciação
elaborada por Duarte (2013) que dividiu a individualidade em
duas categorias : Individualidade em si e Individualidade
para si sendo a segunda a forma de individualidade que
entendemos ser o principal objetivo de uma escola
emancipadora.
Foi por meio do trabalho de Martins (2013) que pudemos
relacionar os fundamentos da psicologia histórico cultural
com os fundamentos da pedagogia histórico-crítica,
estabelecendo, com o apoio das cinco teses defendidas pela
autora, uma ponte entre as duas concepções e trazendo a
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discussão para nossa proposta de entender o papel da escola na
formação da individualidade e mais especificamente na formação
de uma individualidade para si. Buscamos ainda relacionar o
processo de formação da individualidade com as concepções de
Vygotsky e dos autores da psicologia histórico cultural sobre
a formação do psiquismo humano.
Finalmente, procuramos analisar a importância da
instituição escolar no processo de formação da individualidade
e as possibilidades e requisitos para que a escola se torne
uma instituição emancipadora e capaz de promover a formação da
individualidade para si.
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