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A FORMAÇÃO DE PÚBLICO TEATRAL NA ESCOLA NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
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A FORMAÇÃO DE PÚBLICO TEATRAL NA ESCOLA NOSSA SENHORA DA
CONCEIÇÃO
Daiana Maria Holz *
RESUMO: O objetivo de estudo deste artigo é o espectador no
ambiente escolar. Relata-se a formação de público no 1º ano
do Ensino Médio no Colégio Estadual Nossa Senhora da
Conceição, localizado na região rural de Campo Magro – PR
entre junho e novembro de 2009. O artigo dedica-se a reflexão
dos estudantes sobre seus contextos sócio-culturais em áreas
de carência, no auxilio a capacitação do espectador e da
recepção de espetáculos teatrais e das próprias atividades
desenvolvidas em sala de aula, proporcionados através de
aulas de artes e do método de Boal, com reflexão nas teorias
de Flávio Desgranges, segundo o contexto da LDB 9394-96.
PALAVRAS-CHAVE: ensino de teatro; escola; espectador.
A aquisição de conhecimentos em Arte, mais
especificamente no teatro, requer uma sensibilização do fazer
e do apreciar. As novas Diretrizes Curriculares para a
Educação Nacional apontam propostas que procurem despertar as
múltiplas abordagens e apropriações para aprender arte tanto
em espaços específicos para o Ensino de Teatro quanto em
escolas de ensino regular. Segundo Barbosa: O que a arte na escola principalmente pretende éformar o conhecedor, fruidor, decodificador da obra
de arte. Uma sociedade só artisticamentedesenvolvida quando ao lado de uma produçãoartística de alta qualidade há também uma altacapacidade de entendimento desta produção pelopúblico. (BARBOSA, 2005, p. 32)
Ciente desta prerrogativa, a pesquisa aqui apresentada
busca referencial no Teatro do Oprimido, que enseja
manifestar-se como instrumento possível de reflexão sobre as
perspectivas de uma problemática social atualizada e suas
possíveis soluções e a formação de plateia teatral. O artigo
expõe alguns resultados das aulas de artes realizadas no
período escolar, entre junho e novembro de 2009, no Colégio
Estadual Nossa Senhora da Conceição em Campo Magro – PR, onde
buscou-se um processo de conscientização sobre a realidade
dos estudantes em relação ao seu meio e de suas condições
materiais e subjetivas de interação com o mundo e com o
outro, a partir da atividade dramática embasada no livro
Jogos para atores e não atores de Augusto Boal e nas teorias
de formação de platéia de Flávio Desgranges.
Através das técnicas do TO1 aplicadas nas aulas de Arte
da referida escola, que localiza-se em área rural da Região
Metropolitana de Curitiba e que não diferencia-se de outras
escolas mantidas pelo Estado, esta pesquisadora procura,
descrever situações sobre este processo de aprendizagem.
Desgranges coloca:
1 * Aluna da Pós-Graduação em Metodologia no Ensino de Arte do GrupoUninter, formada em Licenciatura em Teatro pela Faculdade de Artes doParaná.
1 A partir daqui passo a usar a sigla TO para referir-me ao Teatrodo Oprimido.
Torna-se relevante que um projeto de formação deespectadores compreenda atividades que despertem nosparticipantes o gosto pelo teatro, o desejo do gozoestético, a vontade de conquistar o prazer daautonomia interpretativa em sua relação com oespetáculo. E, para que isso aconteça, pode serconveniente instaurar um processo pedagógico quepossibilite aos espectadores em formação aapropriação da linguagem teatral. Um processo em quea fome de teatro seja despertada pelo próprio prazerda experiência. (DESGRANGES, 2006, p. 159)
Antes de iniciar a proposta, busquei traçar um melhor
entendimento da obra e da biografia de Augusto Boal para
especificar o foco na platéia e no espectador. Militante
ativo e presidente dos Centros de Teatro do Oprimido no Rio
de Janeiro e Paris, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em
1931. Abandonou sua carreira científica pela arte teatral e
cursou dramaturgia nos Estados Unidos, com John Gassner.
Passou a dirigir o Teatro de Arena de São Paulo, aprofundando
o trabalho de interpretação, aclimatando o método
Stanislávsky às condições brasileiras, além de investir na
formação dramática da equipe. Em 1971, Boal é cassado de suas
atividades e condenado à prisão pelo Regime Militar. Parte
então para a Argentina, onde prossegue sua carreira,
consolidando a teoria e os procedimentos do TO.
O autor, após tomar conhecimento dos princípios de Paulo
Freire, que militava por uma pedagogia pelos e não para os
oprimidos, aspira uma prática teatral revolucionária que
incite os oprimidos a lutarem por sua libertação. O TO, que
surge como título da primeira obra de Boal, torna-se meio de
comunicação, linguagem e recolocação do indivíduo em seu
habitat, indicando novas perspectivas das relações de poder
entre as pessoas e iluminando as formas sutis ou declaradas
de dominação e exclusão social. Desta forma, propicia outras
maneiras de ver o mundo, conscientizando todos os envolvidos
no processo da situação de desigualdade e injustiça vigentes
em suas realidades e cria uma nova e fina capacidade de
observação do mundo e das pessoas. As propostas e
alternativas que Boal defende para transformar este mundo e
estas pessoas apresentam-se através do teatro, sendo ele,
portanto, o autor ideal para fundamentar a pesquisa sobre
ensino de artes voltado para a transformação social, conforme
meus objetivos.
Dentre as mais variadas estéticas de encenação que o
teatro contemporâneo utiliza, o momento atual se caracteriza
por uma imensidão de códigos, referenciais, modos,
modalidades, de diferentes culturas e épocas que se
entrecruzam com uma velocidade espantosa, nunca vista antes.
Ao adentrar no mundo teatral, o público recebe um convite
para se despir de preconceitos, empreender viagens e conhecer
paixões diversas. Nem sempre os alunos estão prontos para tal
entrega e, muitas vezes, professores que também não tem o
hábito de ir ao teatro prejudicam mais a formação de platéia.
De um modo geral, o ensino médio apresenta a
característica singular de receber um corpo de estudantes
muitas vezes esgotado. Especificamente na área rural onde se
encontra a escola, muitos alunos vêm à escola após uma longa
jornada de trabalho, geralmente de origem braçal. Portanto,
falo de alunos que já chegam derrotados pelo cansaço e com
pré-disposição a minimizar a importância de conhecimentos
formais adquiridos na escola em relação a sua vida, onde os
conteúdos apresentados por seus mestres fazem pouca ou
nenhuma referência ao seu cotidiano profissional, sendo este,
por necessidades financeiras evidentes, o verdadeiro
horizonte que buscam na escola. Podemos inferir que este
aluno tende a desprezar conteúdos que não representam, em
âmbito imediato, uma possível alavanca para melhorar suas
condições materiais de vida. As aulas de artes normalmente
apresentam-se de forma meramente ilustrativa, em que se
colocam exercícios mecânicos ou uma arte contemplativa das
obras de alguns gênios, sem o devido retorno ou reflexão
crítica acerca das mesmas.
Analisando a didática dos conteúdos transmitidos em sala
de aula, os baixos índices de produtividade, altos índices de
desistência e a freqüência irregular nas aulas, e sabendo-se
que a instituição educacional escolhida não é diferente de
outras unidades estaduais onde estudantes com vínculo
empregatício buscam o ensino público e gratuito no único
espaço de tempo que dispõe, parti para a pesquisa dos jogos
do TO a fim de ressaltar a realidade cotidiana dos alunos
dentro da sala de aula, levando-os a olharem para si mesmos e
para o grupo visando assim a sensibilização do olhar crítico
e estético para o teatro, sem deixar de lado a proposta
curricular já desenvolvida na escola, conforme as novas
Diretrizes Curriculares da Educação Nacional que tem como
principal finalidade apresentar as linhas norteadoras para a
(re) orientação curricular.
Em qualquer projeto político-pedagógico recente observa-
se a preocupação sobre a necessidade de práticas educativas
pautadas na realidade social do aluno, e as DCEN não são
diferentes ao recomendarem a relação das matérias com o
contexto vivido pelos estudantes. Com a base da proposta
selecionei os jogos para a pesquisa focando questões sociais,
podendo ser trabalhadas com total flexibilidade e abertura
nas aulas de Artes para estimular o desenvolvimento do senso
estético e crítico dos alunos. Sem esquecer que os jogos
propostos por Boal são expressões teatrais e, por
conseguinte, arte.
Sobre estas evidências, as principais questões
levantadas por esta pesquisadora foram: as atividades
referentes ao ensino ao ensino de teatro no primeiro ano do
ensino médio, devem ser idênticas àquelas apresentadas nos
anos finais do Ensino Fundamental? Qual é a realidade deste
aluno que precisa ser trazida para a sala de aula? Com que
objetivo pedagógico-estratégico? Até que ponto estes alunos
estão dispostos a colaborar nas aulas de Teatro? Que
condições essa escola possui para que este conteúdo seja
transmitido de maneira satisfatória? De que maneira
professores e alunos podem criar um aprendizado coletivo?
Sobre artes? Sobre o quê? De que forma as aulas de artes
podem contribuir para a formação de platéia? Ao sair de sala
de aula, como instigar os alunos a irem ao teatro?
A partir desse questionamento foram relacionados os
seguintes jogos do TO (Boal, 1985): “história contada por
muitos atores” (p.287), onde um aluno começa uma história,
que é continuada por um segundo, seguindo-se um terceiro até
que todos tenham contado essa história, cada qual um pedaço;
“lembrando uma repressão atual” (p.231) todos do grupo
escrevem uma palavra de algo que está incomodando na semana,
as palavras são relatadas e a mais citada é o tema de uma
improvisação; “improvisação” (p.284), exercício convencional
que consiste em improvisar uma cena a partir de alguns
elementos iniciais, que neste caso foi a imagem de repressão
fornecida pela turma através do jogo “lembrando de uma
repressão atual”, sempre seguidos de uma discussão para
reflexão acerca dos temas abordados.
Os exercícios selecionados visaram auxiliar nas
oficinas, propiciando a reflexão destes alunos sobre seus
contextos, instigando-os a mudar sua realidade escolar e
sócio-cultural. As técnicas acima descritas propiciaram a
busca de respostas coerentes, uma vez que esta pesquisa
investiu no combate à dupla repressão (individual e coletiva)
exercida tanto no teatro quanto na sociedade. Rompendo com os
padrões de comportamento pré-estabelecidos de alguns
professores e profissionais da educação que concebem a
adolescência de maneira pejorativa denominando-os
“aborrecentes”, esta reflexão acerca da sociedade e da escola
através do teatro mostra-se ainda mais necessária nas camadas
mais humildes da população, onde encontram-se além dos
problemas normais da adolescência, a carência afetiva e
econômica.
Para libertar estes estudantes dos estigmas, despertá-
los para aprender e para a necessidade de uma transformação
através da arte, Augusto Boal nos coloca um espectador que
deve libertar-se de sua condição de espectador para, então,
poder libertar-se também de outras opressões: “O teatro, para
ser ‘popular’, tem de ser ‘revolucionário’, não importando
onde se realiza o ato teatral. E o teatro chega ao seu maior
grau revolucionário quando o próprio povo o pratica, quando o
povo deixa de ser apenas o inspirador e consumidor para
passar a ser o produtor” (BOAL, 1985, p.27). Este princípio
auxilia na compreensão dos objetivos transformadores do TO,
fazendo com que pesquisadora e alunos reflitam sobre a
realidade e assim encontrem, durante o processo, respostas às
perguntas apresentadas.
Após analise das questões apresentadas acima, a
formulação dos objetivos da pesquisa, reconhecimento da turma
e dos temas desenvolvidos no currículo escolar, busquei
identificar as necessidades e desejos, representativos e
imaginários, isto é, “olhar” a realidade social destes alunos
e buscar meios para problematizá-la através do TO. A visão
escolar segundo Tânia Zagury destaca o valor da aprendizagem:No entanto, ainda assim, quando sabem e acreditam
que são mudanças importantes, vão adiante, tentam,estudam, procuram fazer o melhor, e aí, quando jáestão aprendendo, mais seguros e até gostando,simplesmente a-ca-ba! (...) Quando se desejarealmente que um plano funcione, que dê certo e tenhabons resultados, é preciso ouvir quem vai executar.
Mesmo que quem executa ainda não conheça a técnica efaça treinamento depois, ele está apto a pensar de ummodo de vista, um ângulo que quem planeja nem semprepercebe. (ZAGURY, 2006, p.20)
Objetivei, assim, que as práticas e ações educativas
deste processo não fossem reduzidas a uma farsa, na qual
professora e alunos, cada qual em seu mundo, fingissem trocar
informações e conhecimentos, mas sim, uma mudança gradual e
concreta e que afetasse de fato a realidade dos alunos e da
sala de aula, com propostas e alternativas pertinentes para
efetivar as mudanças propostas durante o processo. O Colégio
Estadua Nossa Senhora da Conceição possui estrutura adequada
para a prática de ensino e produção de artes visuais, mas não
possui espaço específico para o ensino de teatro. A Sala de
artes é adaptada afastando todas as mesas e cadeiras e
ampliando o espaço para que o mesmo possa ser utilizado
durante as aulas. Sendo a técnica de Boal fundamentada para
integração entre sala e cena, entre espectadores e atores,
sua prática teatral pode ocorrer em qualquer lugar e em
quaisquer condições, instaurando uma produção teatral livre,
incitando os espectadores a tomarem consciência da profunda
mecanização e opressão que sofrem. Assim, propondo exercícios
simples que colocam em evidência os bloqueios e tensões, Boal
estabelece a desmistificação das máscaras psicológicas e
sociais, proporcionando um teatro revolucionário, buscando a
transformação da realidade e a não passividade de seus
espectadores. Com os exercícios selecionados, busquei o
contato com atividades teatrais, sem oferecer constrangimento
a alunos que nunca haviam entrado em contato com tal
atividade e quebrando a resistência dos mesmos para atingir o
objetivo de cada exercício em cada oficina.
A coleta de dados formal ocorreu nos dias 16 e 17 de
junho pois trata-se da escola onde leciono desde o início do
ano. Foram escolhidas as turmas do 1º ano B do Ensino Médio
referente ao período noturno. Em uma primeira conversa com as
turmas sobre o tema proposto os alunos mostraram-se
resistentes. Em debate, relataram o difícil acesso ao lazer
na localidade onde vivem, falta de transporte, péssimas
condições das estradas de terra (que ficam ainda piores com a
chuva) e o apoio da prefeitura. Dos 38 alunos das duas turmas
20 disseram nunca ter ido a um teatro sendo que 10 relataram
nunca ter visto uma peça de teatro. Uma das alunas não possui
luz e água encanada em casa, muito menos televisão. Outro
disse lembrar-se remotamente de apresentações na igreja
feitas pela própria comunidade. Ao questioná-los sobre o
interesse em teatro as turmas tiveram opiniões divididas, mas
pareceram dispostos a colaborar nas aulas. Os alunos também
relataram as aulas teóricas sobre a história do teatro dos
anos anteriores, onde aprenderam sobre Teatro Grego e Comédia
Del Arte sem lembrarem-se de fato das habilidades e
competências desenvolvidas a parti dos conteúdos
estruturantes.
Já conhecendo a turma, e após a discussão, parti para os
jogos teatrais que possibilitariam a comunicação verbal e
corporal. Como primeira atividade cada aluno deveria
apresentar o colega à sua direita, dando características
pessoais e alguma história sobre a convivência entre os
mesmo. A maioria da turma tem certo vínculo de amizade por
estudarem juntos desde o ensino fundamental. Com todos os
alunos em círculo, sentados no chão, o ambiente foi propicio
a atividade e a maior parte dos alunos mostrou satisfação.
Até os alunos mais tímidos tentaram contar alguma história
engraçada sobre o colega, desenvolvendo assim a comunicação
verbal.
O segundo jogo proposto foi “história contada por muitos
atores” onde estes não precisariam movimentar-se para não
causar desconforto ou exposição desnecessária que
distanciasse os alunos por vergonha ou medo. A resistência às
atividades expositivas e entraves psicológicos assim como o
despreparo do professor que não sabe lidar com as diferentes
propostas realizadas pelos alunos pode prejudicar a recepção
dos mesmos em relação ao teatro. Um dos alunos ao tentar dar
continuidade a história não conseguia pensar em nada e sua
voz tornava-se inaudível, enquanto isso os alunos mais
extrovertidos tentavam ajudar dando a resposta de como estes
deveriam continuar a história, pressionando-o ainda mais. Ao
acalmá-los a história teve continuidade. Alguns alunos mais
dispersos fugiam dos temas propostos por não estarem
prestando atenção. Outros mudavam o rumo da história para que
a mesma ficasse interessante. O jogo repetiu-se por três
vezes. Na terceira todos já estavam mais descontraídos. Ao
final do jogo debatemos sobre os resultados. As principais
características percebidas eram as agitações e o pouco
interesse em ouvir uns aos outros. Outras reações foram
notadas como ansiedade, impaciência e afobação, mas o
resultado final da história tornou-se criativo e cômico. A
história foi registrada por um dos alunos em seu caderno, que
a registrou assim: “um garoto estava andando pela rua quando
aconteceu um acidente de ônibus e ele foi ajudar. Ele viu que
nenhuma pessoa estava ferida, mas sim um cachorro ele levou o
cachorro para o hospital. O cachorro ficou bom e eles se
tornaram amigos. Eles passeavam no parque todos os dias. Mas
um disco voador apareceu e levou o cachorro embora e o menino
ficou muito triste. Então ele chamou seu amigo dragão, que
tinha assas enormes, para que juntos procurassem o cachorro.
Eles voaram até a lua e encontraram os marcianos com o
cachorro. Eles conversaram, mas ninguém se entendia, porque
os marcianos não falavam brasileiro. Mas o garoto falou que
ele e o cachorro moravam no Conceição dos Freitas e que não
tinham o direito de raptá-lo. Os marcianos quando ouviram a
palavra “Freitas” entenderam que eles também eram
Alienígenas. Todos decidiram ir pro Bingo no Salão dos
Freitas do lado da Igreja tornando-se amigos, e saíram depois
do Bingo para apostar um racha com suas motos. Um dos
alienígenas até fez um vôo de Parapente lá do alto do morro
da Palha ” [sic]. Aspectos relativos à realidade da turma já
se apresentaram nesta primeira atividade. Conceição dos
Freitas é uma das comunidades rurais de Campo Magro e a
capela local realiza bingos como entretenimento, tendo então
identificação dos colegas e maior comicidade para os alunos
moradores da referida comunidade.
No encontro seguinte, foi aplicado o jogo “lembrando uma
repressão atual”. Os alunos foram instruídos a escrever num
papel uma palavra que refletisse o que eles pensavam naquela
semana, algo que os tivesse incomodando. Um aluno questionou
o objetivo do jogo. Pedi para que primeiro escrevessem a
palavra e logo em seguida explicaria o objetivo do mesmo.
Após as palavras serem coletadas, relatei de maneira simples,
os exercícios propostos por Boal. Outro aluno questionou,
então, sobre o significado da palavra opressão. Após
esclarecimento das dúvidas, as palavras coletadas foram
escritas no quadro: preconceito (que apareceu outras cinco vezes),
trabalho, dinheiro, futuro (apareceu outras 4 vezes), traição e escola. Os alunos
reuniram-se em grupos para a discussão das palavras de
integrante e a produção de um texto. Redações simples, mas
condizentes com aquela realidade sócio-cultural foram
entregues, refletindo sobre os anseios dos alunos com relação
ao seu futuro e presente, relatando situação ocorridas dentro
da própria escola, como no seguinte texto, que foi escrito
por um grupo de quatro alunas com mesma faixa etária:
“Era uma vez uma menina que morava numa cidade.Ela era uma menina muito legal, mas ela era muitomentirosa. Ela dizia que comprava coisas, que ia emlugares, que ficava com uns piás. Mas era tudomentira dela. E as amigas dela sabiam que eramentira. Aí as amigas começaram a desprezar essamenina. Ela ficou sozinha um bom tempo e ficou brabacom as amigas, dizendo que elas era preconceituosassó porque ela era gorda. Mas na verdade elas tinham
parado de falar com essa menina porque ela eramentirosa.” (grupo 1)
Outro relato refere-se ao temas trabalho, dinheiro e
futuro:“Tem gente que confunde as pessoas pobres e
humildes, mas trabalhadoras com ladrões porque elasnão tem dinheiro pra comprar roupas todo dia. E aspessoas ricas roubam todo dia e não são presas sóporque são ricas. O nosso grupo conversou sobre aescola, porque todo mundo aqui quer terminar o ensinomédio pra ter um emprego melhor pra poder comprarcoisas legais e poder sustentar a família. Eutrabalho numa plantação de tomate de manhã e detarde, de madrugada vou pro Ceasa pra ajudar o meutio. Já consegui comprar minha moto. O Bruno também.Mas a gente não quer trabalhar na roça a vida toda.Por isso que a gente vem pra escola todo dia e tentaprestar atenção no que os professores falam. A gentequer um futuro melhor.” (grupo 2)
O último texto foi o relato de uma das integrantes do
grupo 3 e mostra o preconceito nestas áreas mais carentes da
cidade e a indignação dos alunos com questões sociais, não
mostrando-se alheios ao que acontece no mundo:“Certo dia, fui numa festa num sábado e fui
vestida conforme meu estilo, era três e meia da manhãe eu resolvi sair pra comprar uma garrafa de águamineral numa farmácia 24hrs. A moça do caixa mediscriminou porque eu estava com a roupa todalargada. Ela foi egoísta porquê pensou que eu iriaroubar, e pediu para mim se retirar, gritando. Depoiseu chorei muito porque sofri uma grande humilhação.”(grupo 3)
O próximo encontro iniciou com uma nova proposta de
atividade onde cada aluno confeccionou um boneco com papel
craft e jornal. Apenas amassando o papel (sem cortar ou
rasgar) os alunos deveriam criar um personagem, realizando as
improvisações através dos bonecos. Assim os alunos não se
sentiram expostos ou envergonhados, fazendo com que o lúdico
dos bonecos os auxiliassem na des-mecanização e atingindo o
objetivo do jogo proposto. Assim, os alunos deram início à
segunda etapa do jogo com as improvisações a partir dos
textos criados e dos bonecos, lembrando que os jogos foram
sendo adaptados conforme as necessidades da turma. Os alunos
mais tímidos mostraram-se resistentes à improvisação devido a
grande exposição frente a turma e ao pouco contato que
tiveram com atividades teatrais. Esclareci que a improvisação
poderia acontecer em diferentes formas de representação, como
teatro de bonecos, fantoches, rádio-novela, etc. Com o
auxílio dos colegas eles se sentiram mais seguros e tentaram
colaborar conforme suas possibilidades e expectativa
Além das três cenas dos textos descritos acima, um
quarto grupo formou-se com cinco alunos que não compareceram
na aula anterior, sendo estes auxiliados pelos demais colegas
quanto à explicação dos exercícios, contatando-se a maior
integração entre os alunos. O Grupo 4 não produziu o texto,
mas discutiram, ainda que brevemente, quanto ao tema das
outras improvisações, surgindo então uma nova cena sobre a
busca por um emprego e as injustiças que ocorrem neste meio.
Todos os grupos tiveram determinado tempo de preparação e em
seguida apresentaram seus resultados. Destaque para o Grupo 1
que apresentou sua história através de dedoches (fantoches
desenhados no dedo). Mesmo que o riso fosse constante durante
as improvisações, os estudantes mostraram-se satisfeitos na
realização da atividade, surgindo então um debate sobre os
temas abordados.
O próximo jogo proposto “Pára e Pensa”, os alunos
sentiram-se livres para verbalizar seus pensamentos
referentes aos temas abordados nas cenas desenvolvidas e
solicitaram um debate aberto para que todos pudessem
expressar suas opiniões. Boal nos coloca o que o ator diz e
pensa devem estar de acordo com suas ações, sendo então este
exercício utilizado para uma maior reflexão.
A organização do debate ficou por conta dos alunos no
último encontro, todos emitindo opiniões sobre o que
mostraram nos exercícios, mostrando-se mais dispostos a ouvir
os colegas, com discussões e reflexões sobre temas que eram
de seu interesse. Grande polêmica foi causada com o
depoimento de um aluno, refletindo sobre a escola e seu
futuro. Em sua justificativa ele relatou que frequentava a
escola porque sua mãe mandava, terminaria o ensino médio e
continuaria em casa sendo sustentado pelos pais. A comoção
foi geral e todos quiseram ter direito de resposta. Ao final
da discussão o aluno, autor da polêmica, relatou que não
havia pensado sobre todos os pontos de vista. Todos os alunos
refletiram sobre a realidade em que vivem, a falta de
oportunidades que a região onde moram oferecem e todas as
dificuldades que tem para sair em busca de uma oportunidade.
Todos deram opiniões sobre como transformar as realidades
apresentadas pelas improvisações. Outras medidas a serem
tomadas para modificar as cenas descritas foram citadas.
Todos os adolescentes manifestaram primeiramente, uma mudança
de comportamento interior, com maior conscientização sócio-
política. Partindo, então, para a busca de soluções que
envolvessem governo e sociedade. Algumas das sugestões
abordadas após as improvisações que relatei acima foram: a
denúncia em caso de preconceito para que aja punição a crimes
como o racismo, abuso contra a mulher, abuso de poder e
demais violências físicas ou psicológicas; a consciência e
conhecimento das atividades políticas e sociais; a busca de
instrução e educação de qualidade visando um futuro melhor.
Desta maneira, concluiu-se que os alunos trouxeram a sua
realidade para a sala de aula ao mesmo tempo em que estavam
fazendo e praticando teatro, de acordo com TO. Assim como
Boal nos propõe: “O teatro pode ser praticado mesmo por quem
não é artista, da mesma maneira que o futebol pode ser
praticado por quem não é atleta” (BOAL, 1979, p.44). A
pretensão das aulas de teatro nesta pesquisa, não é de formar
atores, mas sim, indivíduos espontâneos capazes de
exteriorizar seus pensamentos, sentimentos e sensações.
No último encontro um grupo de estudantes de teatro da
Faculdade de Artes do Paraná esteve na escola e apresentou a
esquete teatral “Os três macacos”, sendo esta apresentação o
resultado de um estudo sobre os jogos de Augusto Boal dentro
da faculdade. Após a apresentação um debate foi aberto com os
atores e os alunos puderam esclarecer algumas dúvidas sobre o
fazer teatral. A discussão teve como foco a encenação
teatral, a recepção do aluno com as várias formas de leituras
e de fruição que foram propiciadas aos educandos através das
atividades teatrais em sala de aula e do espetáculo
assistido. Compreender o contexto dos materiais utilizados,
da proposta, das pesquisas é poder conceber ao teatro não só
como um fazer, mas também como uma forma de pensar o teatro.
Os alunos, ao observarem as criações e atuações de seus
colegas nas atividades, foram incitados a falarem sobre o que
viram, iniciam suas opiniões críticas com base apenas no
gosto e gradualmente foram adquirindo conhecimento técnico e
ampliando seu vocabulário. A nova recepção a respeito do
teatro está vinculada com a avaliação (interação e
discussão), pois faz parte do processo de construção para
desenvolver a confiança mútua que está inserida numa
abordagem receptiva do fazer teatral.
Nesta perspectiva, confirmo que o teatro-educação
proporciona experiências que contribuem para o crescimento
integrado do educando sobre vários aspectos: no plano
individual, com o desenvolvimento de suas capacidades
expressivas e artísticas; e no plano coletivo, por ser uma
atividade grupal que oferece o exercício das relações de
cooperação, diálogo, respeito mútuo, reflexão sobre como agir
com o outro, flexibilidade de aceitação das diferenças e
aquisição de autonomia, além da reflexão e transformação da
realidade sócio-cultural destes alunos. Boal nos afirma a
capacidade da arte na ação educativa dizendo:Teatro é conflito, contradição, confrontação,
enfrentamento. E a ação dramática é o movimento dessaequação, dessa medição de forças (...) A paixão énecessária: o teatro, como arte, não se preocupa com
o trivial e corriqueiro, o sem valor, mas sim com asações nas quais os personagens investem e arriscamsuas vidas e sentimentos, opções morais e políticas:suas paixões! Uma paixão é uma pessoa ou idéia quevale, para nós, mais do que a nossa própria vida(BOAL, 1996, p.30).
O contato com estas atividades teatrais propostas pelo
livro Jogos para atores e não atores favoreceram ao aluno o
desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações entre o
indivíduo e o coletivo, aprendendo a ouvir e respeitar as
diferenças existentes na sociedade. Deve-se também
compreender que o interesse destas atividades está ligado à
subjetividade daqueles que o praticam (e no momento em que
praticam) e não na objetividade dos resultados. O aluno pode
interagir com seu próprio interior, valorizando sua
imaginação, intuição, memória, raciocínio e criatividade. Com
tal concepção, as atividades aqui propostas buscaram
contribuir no processo criativo, crítico, reflexivo e
construtivo do aluno em seu contexto social e cultural dentro
da aula de artes, além da obtenção dos princípios básicos do
TO, que são a transformação do espectador em protagonista da
ação teatral e a partir desta transformação, os participantes
envolvidos no processo encontrarem modos de modificar a
sociedade. Ao trabalhar a recepção de espetáculos teatrais,
ao assistir e apreciá-los, o educando vivencia o espetáculo
em que história da arte, crítica, estética e produção
artística se entrecruzam no processo da aquisição e da
apropriação do conhecimento.
O teatro na escola, ao possibilitar a vivência de
abordagem metodológica distinta, está ampliando a percepção
crítica do aluno. Assim, o aluno constrói relações de
conteúdo e de estética com as experiências vivenciadas por
ele, e ainda, estimula[...] o aluno-espectador a refletir acerca dasquestões contemporâneas que o espetáculo aborda,auxiliando-o a criar seu percurso no diálogo com aobra, formular suas perguntas para a encenação, taiscomo: De que problemas trata esse espetáculo? Quesímbolos e signos o artista utiliza para abordálos?Eu já vi algo parecido? De que outras maneiras essaidéia poderia ser encenada? Como eu faria? De quemodo isso se relaciona com a minha vida? (DESGRANGES,2003, p. 78)
Tanto a fruição como a apreciação são atividades da
experiência estética. Assim, além de propiciar o acesso dos
alunos a espetáculos teatrais para vivenciarem tal
experiência, é preciso saber como esse acesso está se
realiza, como esse encontro está sendo promovido para que a
visitação cumpra seu papel educacional, social e cultural.
Nesse sentido, procedimentos para mediar ou preparar o aluno
para o espetáculo, podem estimular o aluno espectador a
refletir acerca das questões contemporâneas. A escolha das
atividades a serem realizadas nas aulas de teatro está
diretamente ligada as formação do espectador de teatro, sendo
então definidas as ações de acordo com o contexto e as
circunstâncias da turma tendo discernimento para decidir o
que é melhor.
A partir da coleta de dados, pode-se observar que os
jogos teatrais favorecem o desenvolvimento da capacidade de
estabelecer relações entre o indivíduo e o coletivo, através
da transformação do espectador em protagonista da ação
teatral, auxiliando assim, o desenvolvimento da cidadania.
Sendo estes os objetivos almejados pelo TO com a aplicação
dos jogos, Desgranges nos aponta uma nova perspectiva onde,
por mais que o teatro chegue a todas as pessoas, é necessário
que, primeiramente, elas possam interpretar e questionar as
peças, fugindo do condicionamento do senso comum através dos
meios de comunicação:[...] a importância de que haja espectadoresinteressados e capacitados em ver e debater teatro,já que não há desenvolvimento da arte teatral quepossa se dar sem a efetiva participação dosespectadores. O outro fator relevante que sustenta aspráticas de formação de espectadores, diz respeito àimportância de uma pedagogia do espectador em nossosdias, tendo em vista a espetacularização dasociedade, ocasionada pela proliferação de meios decomunicação de massa que condicionam a sensibilidadee a percepção dos indivíduos contemporâneos, eindicam a necessidade de uma formação reflexiva doobservador, visando a sua aptidão tanto para perceberos recursos espetaculares utilizados, quanto paraanalisar a produção de sentidos veiculada por estescanais de comunicação. (DESGRANGES, 2003 P. 288).
Assim sendo, o projeto desenvolvido tentou comprovar que
os jogos propostos por Boal em seu livro Jogos para Atores e
Não- Atores podem, de alguma maneira, auxiliar na capacitação
dos espectadores conforme Desgranges nos mostra, sendo
possível mudar a percepção do espetáculo através de
atividades lúdicas. Por meio das atividades aqui apresentas,
dentre tantas outras possibilidades, antes ou depois do
espetáculo, o aluno terá mais oportunidades de demonstrar
suas expectativas e suas percepções, para assim, o professor
melhor mediar a recepção de seus alunos.
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte: anos oitenta e novostempos. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. (Estudos, 126)
BOAL, A. 200 exercícios e jogos para o ator e o não ator com vontade de dizeralgo através do teatro. 6 ed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1985.
______. Jogos para atores e não atores. 14 ed. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1998.
______. O Arco Íris do Desejo: o método Boal de teatro e terapia. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1996.
______. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1998.
BRASIL. Decreto nº. 2.208, de 17 de abril de 1997.Regulamenta o § 2º. Do art. 36 e os arts. 39 e 42 da Lei nº.9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece asdiretrizes e bases da educação nacional. Pedagogia em Foco,[S. l. ], 1997? Disponível em:http://pedagogiaemfoco.pro.br/d2208_97.htm Acesso em:22/05/2006
Extra-Classe. Entrevista com Augusto Boal. Ano 4 nº. 34Agosto de 1999. Disponível em:http://www.sinpro-rs.org.br/extra/ago99/entrevista.htm Acessoem: 22/05/2006.
PARÂMETROS Curriculares Nacionais. Brasília, DF: MEC,Secretaria de Educação.Fundamental, 1998.