05 Historiado Brasil I

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História do Brasil I

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História do Brasil I

HISTÓRIA DO BRASIL I

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O “SENTIDO” DA COLONIZAÇÃO

OS PILARES DA ECONOMIA: AÇÚCAR E OURO

MÃO-DE-OBRA

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E MERCADO INTERNO

A EXPANSÃO EUROPÉIA: A PRIMAZIA DE PORTUGAL E ACOLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA

OS PRIMEIROS 30 ANOS NA AMÉRICA PORTUGUESA E AINICIATIVA PRIVADA DA COLONIZAÇÃO

IMPLANTAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REAL

CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E COLONIZADORES

UNIÃO IBÉRICA E AMEAÇAS EXTERNAS NA AMÉRICAPORTUGUESA

SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

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CONQUISTA DO TERRITÓRIO,ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA COLONIAL

A EXPANSÃO EUROPÉIA E A PRESENÇA PORTUGUESA:CONQUISTA DO TERRITÓRIO E ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

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ECONOMIA COLONIAL

CULTURA, SOCIEDADE E CONFLITOSNA AMÉRICA PORTUGUESA

CULTURA E SOCIEDADE COLONIAL

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A REVOLTA DE BECKMAN E A GUERRA DOS MASCATES

CONFLITOS NAS REGIÕES MINERADORAS: A GUERRA DOSEMBOABAS E A REVOLTA DE VILA RICA

ILUMINISMO E IDEOLOGIA LIBERAL NA COLÔNIA E AINCONFIDÊNCIA MINEIRA

“CONJURAÇÃO” BAIANA

Atividade Orientada

Glossário

Referências Bibliograficas

CONFLITOS E REVOLTAS NA AMÉRICA PORTUGUESA

SOCIEDADE E ESCRAVIDÃO

FAMÍLIA E PATRIARCALISMO

SOCIEDADE E BUROCRACIA

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Apresentação da Disciplina

Caro (a) aluno (a),

Sabemos que o volume de informações necessário para compreendermosnossa história é muito amplo. São muitas as questões que se impõem na buscado conhecimento da História do Brasil e, nessa imensidão de informações,precisamos fazer escolhas. Por isso, a disciplina História do Brasil Colônia foiplanejada a partir de alguns temas que buscam demonstrar as ações empreendidaspelos diversos sujeitos históricos no período da colonização da AméricaPortuguesa.

Ao longo dessa disciplina, vamos conhecer como se deu o processo deconquista e ocupação do território da América Portuguesa, buscando entender asações da Coroa, dos colonos e dos primeiros habitantes no processo decolonização e como se estruturaram a economia e a sociedade colonial.

Os assuntos e atividades aqui propostos têm a intenção de estimulá-lo apensar sobre nossa história, ajudando-o a debater, comparar, analisar, interpretare refletir sobre esse período da história do Brasil. Não se trata de verdadesabsolutas, em história, lidamos com versões fundamentadas interpretaçõespossíveis e, através delas, buscamos apontar aspectos capazes de nosproporcionar um conhecimento maior e mais próximo de nossa realidade. Porisso, fica o convite para que você nos acompanhe nessa aventura deliciosa, que éconhecer e entender um pouco mais a nossa história.

Um grande abraço,

Prof. Ricardo Behrens

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CONQUISTA DO TERRITÓRIO,ADMINISTRAÇÃO E ECONOMIA COLONIAL

A EXPANSÃO EUROPÉIA E A PRESENÇA PORTUGUESA:CONQUISTA DO TERRITÓRIO E ADMINISTRAÇÃO COLONIAL

A EXPANSÃO EUROPÉIA: A PRIMAZIA DE PORTUGAL E ACOLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA.

O processo de colonização na América Portuguesa se insere no contexto das grandestransformações ocorridas na passagem do século XV para o XVI, ou seja, no período quecostumamos indicar como final da Idade Média e início da Idade Moderna.

Essas transformações foram de ordem política, econômica e ideológica, neste últimocampo, destacamos o Renascimento, o Humanismo e as Reformas Protestantes.

É nesse contexto que se situa a formação dos Estados Nacionais e as transformaçõespolíticas que resultaram, posteriormente, na centralização do poder por parte das MonarquiasAbsolutistas.

Nos países em que o absolutismo conseguiu se firmar desenvolveu-se instrumentosda ação monárquica, a exemplo da criação de órgãos públicos, que fez com que osfuncionários reais prolongassem a ação centralizadora do Estado, pois permitiu também acobrança de tributos reais, favorecendo a criação do Tesouro Público.

A formação de exércitos permanentes, nesses países, fez com que o poder realtambém ganhasse cada vez mais preeminência sobre o poder local, uma vez que essesexércitos se constituíam como instrumentos de centralização de poder.

Um outro fator fundamental nesse processo de centralização do poder foi a criaçãode uma legislação real quase sempre inspirada no direito romano de Justiniano. Essalegislação contribuiu para definir a esfera do poder público fortemente identificado nomonarca, em oposição ao poder privado que caracterizou o período feudal.

Além do campo político, outras áreas também passaram por transformaçõessignificativas nesse período. A economia, que antes se baseava na produção do feudodestinada ao consumo do mesmo e ao mercado local, sofreu alterações baseadas empráticas mercantilistas. Os defensores do mercantilismo argumentavam que um Estado seriaforte quando juntasse uma grande riqueza baseada em metais preciosos (ouro e prata).

A política mercantilista mudou completamente as formas de produzir e comercializarna Europa, pois cada país passou a se esforçar ao máximo para desenvolver cada vezmais o comércio externo, importando cada vez menos e exportando mais. Para obteremresultados favoráveis a essa política, os países europeus adotaram, além de outras medidas,a prática de colonização de novas áreas.

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A colonização dessas novas áreas foi amplamente favorecida peloprocesso de expansão marítima. Sendo Portugal e Espanha os primeirospaíses a reunirem condições favoráveis para a implementação das grandesviagens que resultaram na colonização de novas áreas, sobretudo à conquistada América. Esses dois países já haviam passado por várias transformações,mas foi, principalmente, o processo de centralização de poder que favoreceuo grande empreendimento de colonização da América Portuguesa.

OS PRIMEIROS 30 ANOS NA AMÉRICA PORTUGUESA E AINICIATIVA PRIVADA DA COLONIZAÇÃO.

(...) “Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sulvimos, até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste ponto temosvista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas porcosta. Tem, ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras, algumasvermelhas, outras brancas; e a terra por cima é toda chã e muito cheia degrandes arvoredos. De ponta a ponta é tudo praia redonda, muito chã e muitoformosa. (...)

Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisaalguma de metal ou ferro; nem o vimos. Porém, a terra em si é de muito bonsares, assim frios e temperados como os de Entre-Douro e Minho, porque nestetempo de agora os achávamos como os de lá.

As águas são muitas e infindas. E em tal maneira é graciosa que,querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causa das águas que tem. (...)

Pero Vaz de Caminha, in. Castro, Silvio. A Cartade Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre:

L&PM, 2003. p. 115

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O trecho acima é bastante conhecido e faz parte da Carta que Pero Vaz de Caminhaescreveu ao Rei de Portugal dando notícias das novas terras conquistadas no “Novo Mundo”pelos portugueses. No documento é possível percebermos que os interesses dosconquistadores pelas novas terras estavam pautados na busca de ouro, prata e metaispreciosos. Entretanto, as notícias de Caminha não eram tão animadoras, a carta não narravaas riquezas desejadas, ao contrário, apontava outras riquezas, frisando a existência demuitos arvoredos e águas. Nós já vimos que o processo de expansão comercial ultramarinofoi marcado pela colonização de novas terras e pela busca de riquezas baseadas no metale em especiarias, sendo assim, será que a Carta enviada por Caminha encorajou Portugala colonizar imediatamente as terras da América Portuguesa?

O fato de não encontrar ouro, prata e outros metais nas terras que viriam a se chamarBrasil, juntamente com os bons negócios que Portugal vinha experimentando com o comérciode especiarias, motivaram o desinteresse daquele país pela imediata colonização das terrasrecém-descobertas. Portugal não possuía interesse algum em desviar recursos financeirose humanos investidos no comércio com a Ásia para colonizar as terras que supostamentenão dariam retorno, já que não foram encontradas as riquezas desejadas. Assim, duranteas primeiras décadas de 1500, Portugal demonstrou pouco interesse pelas terras que hojeé o Brasil.

Entretanto, as riquezas apontadas por Caminha não foram ignoradas, a historiografiasobre economia colonial costuma indicar o período que vai de 1500 a mais ou menos 1533como a fase em que os portugueses se dedicaram ao tráfico do pau-brasil e a expediçõesconhecidas como guarda-costas, ou seja, Portugal aliou o objetivo da exploração mercantilatravés da exploração e do comércio do pau Brasil, com o de resguardar o território daconcorrência estrangeira. Vejamos a seguir aspectos peculiares que marcaram o início dadominação na América Portuguesa.

FEITORIAS

A relação da metrópole com a sua mais recente conquista ultramarina resumiu-se,nos primeiros trinta anos que se seguiram à conquista, ao sistema de feitorias já empregadosna expansão portuguesa pela África e Ásia. No processo de expansão marítima as feitoriasganharam relevância, sendo a África, a primeira a ser dotada desses estabelecimentos,como por exemplo, a feitoria de Arguim, fundada em 1448 na rota costeira que levaria aoSenegal e o Castelo da Mina fundado em 1482 no Golfo da Guiné. Na Ásia em 1502, osportugueses erigiram a feitoria Cochim, a primeira feitoria lusa a prosperar naquelecontinente. Mas, além da Ásia e da África, esses estabelecimentos denominados de feitoriaspelos portugueses, existiram em várias regiões da Europa desde o período medieval.

Na historiografia brasileira o termo feitoria foi largamente associado às expediçõesde reconhecimento da “Terra de Santa Cruz” conquistada por Portugal nos primeiros anosde século XVI, e, sobretudo, à exploração do pau-brasil, riqueza amplamente exploradanesse período. Alguns autores como Capistrano de Abreu* apontaram as feitorias comoestabelecimentos erigidos para facilitarem o carregamento de pau-brasil. Ainda segundoesse autor, em torno dessas feitorias, eram plantados alguns gêneros, existindo tambémanimais criados soltos.

Contudo, essa idéia é incompleta, pois, mesmo reconhecendo que as feitoriaserguidas ao longo do litoral da América Portuguesa no início do século XVI possuíam umaforte vinculação com o comércio do pau-brasil, não podemos perder de vista que além de

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João Capistrano de Abreu, nascido no Ceará e radicado no Rio de Janeirodesde 1875 foi talvez o primeiro historiador a dar importância a elementos popularesou menos elitistas, escrevendo uma história sócio-econômica do Brasil, sendo capazde desprezar a Inconfidência Mineira, pois para ele não passou de um movimentode uma minoria intelectual, não chegando ao status de ação. Entretanto, sua trajetóriade historiador passou por diferentes “momentos”. Logo que chegou ao Rio de Janeirocom 21 anos de idade trazia forte influência da escola positivista.

Por volta de 1882 as mudanças em seu discurso historiográfico já sãoperceptíveis. Desde 1879 Capistrano de Abreu já fazia parte da Biblioteca Nacionale estava em contato com documentação inédita e com obras de novos historiadores,não ligados à filosofia positivista. Sua passagem pela Biblioteca foi de importânciaincontestável e o contato com a documentação resultou em uma série de ediçõesdocumentais.

Uma de suas obras mais famosas foi publicada em 1907, após 7 anos depreparo, uma edição comentada de “História Geral do Brasil” de Varnhagen, naqual realizou anotações, esclarecimentos e críticas. Em “Capítulos de HistóriaColonial”, tratou de temas como o indígena, os franceses e ingleses no Brasil, aguerra flamenga, a expansão para o sertão e a formação dos limites territoriais,entre outros. Sua produção intelectual vai além dessas duas obras no período de1878 a 1927 produziu incansavelmente e editou “Caminhos Antigos e o Povoamentodo Brasil” no ano de 1899 além de realizar inúmeras traduções, inclusive de livrosde direito e medicina, durante sua vida.

terem existido feitorias em vários locais como Pernambuco, Bahia e CaboFrio, muitas delas tiveram um longo período de funcionamento.

As feitorias da América portuguesa eram menores e mais modestasque os estabelecimentos instalados na África e na Ásia, mas também ajudarama tecer os interesses e as ações do império colonial português, com umadiferença fundamental, na América, os portugueses não tiveram que negociar

com chefes ou reis africanos, nem com samorins ou chefes mulçumanos, mas tiveram queconstantemente, exercitar funções diplomáticas e militares para traçarem acordos ouenfrentarem situações de conflitos com os indígenas e corsários.

Dessa forma, apesar da simplicidade do seu esquema administrativo, as feitoriasna América Portuguesa tiveram uma função para além da exploração do pau-brasil, sem,contudo, imprimir-lhe um caráter de efetiva colonização, pois seu quadro administrativo,resumia-se aos funcionários militares e ao feitor, pessoa encarregada de proteger osinteresses da Coroa, já estabelecidos através do regime de monopólio real sobre o pau-brasil. Nesse período, objetivava-se administrar uma modalidade de comércio e de manteruma mínima base de ocupação no litoral. Não havia, portanto, preocupações em implantarum sistema administrativo mais complexo, nem a organização de atividades produtivasvoltadas para o mercado e muito menos, um esforço mais sistemático para povoar as terras

conquistadas, quadro que iria sofrer alterações após a implantação dascapitanias hereditárias, como veremos adiante.

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O COMÉRCIO DO PAU-BRASIL

Como vimos, os primeiros trinta anos da América Portuguesa se caracterizam comoum período em que a economia colonial se baseou no comércio da madeira encontrada emgrandes quantidades nas novas terras. A importância desse comércio reside no valoraltamente comercial para o mercado europeu, uma vez que a tinta extraída dessas árvoresera largamente utilizada nas manufaturas têxteis européias. O pó da madeira raspada etriturada se transformava em corante que variava do marrom ao castanho claro, e conformea diluição e as misturas, podia resultar em diversos tons de rosa, castanho e púrpura.

A lucratividade desse produto marcou a economia desse período, cuja exploraçãocontinuou ativa durante todo o período colonial, figurando com destaque nas exportaçõesbrasileiras ainda na segunda metade do século XIX, como nos mostra Alexandre Marchantna obra “Do Escambo à escravidão”.

Tal lucratividade motivou as primeiras disputas pelo território entre portugueses efranceses. Essas disputas tiveram desdobramentos nas relações entre europeus e indígenas,pois estes, em determinados momentos, aliados a franceses ou portugueses, forjavam oudesfaziam alianças, demonstrando que os nativos souberam conduzir tais alianças comhabilidade, enquanto os europeus em conflito se esmeravam para manter uma aproximaçãocom esses primeiros habitantes.

Cabe ressaltar a relevância da presença indígena no processo de exploração dopau-brasil, a começar pelo fato de que eram eles os responsáveis pelo trabalho árduo decortar e transportar a madeira para abastecer os navios. Em troca desses serviços, osíndios recebiam facas, espelhos, miçangas, etc, configurando a prática de escambo quefalaremos adiante.

O pau-brasil, encontrado nos primeiros anos do século XVI era monopólio da CoroaPortuguesa, mas o direito de explorá-lo foi cedido a particulares mediante certas obrigações.Diante disso, em 1502 o rei de Portugal contratou para explorar a terra, Fernão de Noronhae uma Companhia de comerciantes que deveriam mandar ao Reino seis navios por ano, eexplorar anualmente 300 léguas de costa, além de construir e manter por três anos, umforte. Essa última exigência estava relacionada diretamente às questões de defesa doterritório tão ameaçado pelos povos que ficaram de fora do Tratado de Tordesilhas,sobretudo, os franceses.

Assim, o comércio da madeira foi desenvolvido por traficantes que eram agentes demarcadores com licenças régias, ou seja, dadas pela Coroa Portuguesa para que pudessemembarcar o pau-brasil. A exploração dessa madeira era feita através do sistema denominadode Feitorias, que, como vimos acima, implicava na existência de outros tantosestabelecimentos permanentes, entrepostos comerciais a serem utilizados de formapermanente e não apenas uma vez para serem abandonados em seguida como quis afirmarpor muito tempo os estudos que pretenderam caracterizar as feitorias na América Portuguesa.

De fundamental importância para o comércio de pau-brasil, desenvolveu-se nesseperíodo um procedimento importante para a efetivação daqueles que buscavam o lucrocom essa atividade. Trata-se do escambo, prática utilizada para facilitar e sedimentar asrelações entre exploradores e indígenas, vejamos como se davam essas relações.

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ESCAMBO

Segundo o dicionário Aurélio, o termo escambo significa troca, permuta,câmbio1. É esse significado de troca que explica as primeiras relaçõesestabelecidas entre europeus e indígenas nas primeiras décadas do séculoXVI, quando os portugueses entravam em entendimento com os índios paraque estes levassem a cobiçada madeira até as feitorias e só depois do produto

entregue, lhes davam bugigangas e ferramentas.

Em função dessa “colaboração” entre índios e europeus, alguns autores chegaram ainterpretar essas relações como extremamente pacíficas já que, segundo essa visão, nãoexistia escravidão nesse período. Interpretação equivocada, pois a prática do escambonão excluía a escravidão, até porque o escambo se fez presente para além do século XVI.No período pós-1530 esse sistema de trocas também se baseava no fornecimento de armasde fogo, pólvora, cavalos e espadas, - apesar das proibições da Coroa – instrumentospassados para os índios que em troca forneciam escravos cativos para serem utilizadosnos engenhos nascentes.

O certo é que, no período de 1500 a 1530, quando vigorou o comércio do pau-brasil,o escambo marcou fortemente o contato entre índios e portugueses, e também entre índiose franceses. Tudo indica que a forma de abastecer os navios com as toras do pau-brasil sediferenciava entre portugueses e franceses. Enquanto os índios levavam a madeira até asfeitorias e trocavam por outros produtos com os portugueses, os franceses ancoravam seusnavios na costa enquanto os índios completavam o carregamento trocando a madeira poralguns artigos de comércio. Essas incursões de franceses no território conquistado porPortugal, constituiu preocupações constantes por parte da Coroa Portuguesa, que procuravasem muita eficácia, proteger a costa brasileira da presença dos piratas e corsários.

PIRATAS E CORSÁRIOS

Pirataria e corso possuem significados distintos. Enquanto a pirataria se caracterizapor uma iniciativa com fim lucrativo, sem autorização de qualquer governo, o corso pode sercaracterizado como uma atividade de guerra, na qual um particular recebe autorização deseu governo para atacar inimigos de sua pátria.

A inexistência de núcleosregulares de povoamento quevisasse à fixação dosportugueses nas terras quecouberam a Portugal, quando dapartilha feita entre Portugal eEspanha, estimulou os corsáriosfranceses em suas primeirasinvestidas no comércio de pau-brasil. Esses franceses, por suavez tinham o apoio do reiFrancisco I. Esse apoio se davaem virtude do nãoreconhecimento do direito de Portugal e Espanha dividirem entre si o Novo Mundo (Tratadode Tordesilhas, 1494).

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PRIMEIRA TENTATIVA DE COLONIZAÇÃO.

Se os primeiros trinta anos da presença portuguesa nas terras do Brasil não podemser considerados como uma experiência efetiva de colonização, o mesmo não ocorre como período pós 1530. A expedição de Martim Afonso de Sousa inaugura uma nova etapa, ouseja, inicia-se nesse momento, uma experiência de fato, colonizadora. Portugal passa a sepreocupar não só com a manutenção da posse das terras conquistadas, mas, em ampliaras bases comerciais e administrativas na nova colônia.

Nessa nova fase, fazia-se necessário à organização de uma produção voltada parao mercado e a aceleração do processo de povoamento como fatores imprescindíveis àconsolidação da conquista e dominação da América Portuguesa. Fazia-se tambémnecessário à implantação de uma base administrativa mais estruturada que pudesse darlastro a essa primeira tentativa colonizadora traduzida na implantação das CapitaniasHereditárias e posteriormente, a efetiva colonização, assegurada pela implantação doGoverno Geral.

Esse sistema administrativo na América Colonial Portuguesa revela a forma complexae contraditória através da qual se construiu a sociedade colonial. Através de tentativascolonizadoras, seja de caráter privado ou estatal, o Império Português buscou por meio dosseus agentes administrativos, soluções efetivas para o enfrentamento de inúmeros problemasque dificultavam a consolidação da dominação portuguesa. Esses problemas eram namaioria das vezes, agravados pela precariedade dos recursos disponíveis tanto nas novasterras como na Metrópole e pela grande proximidade entre os interesses privados e oexercício do poder público.

Nos últimos tempos, - mais precisamente no século XXI - os estudos sobre aadministração no Brasil colonial têm sido feitos a partir do conceito de Império, ou seja,considerando não apenas as relações metrópole – colônia, mas pensando a amplitude dasrelações das conquistas lusas não só na América, mas também na África e no Oriente.Essas novas análises têm provocado uma produtiva revisão da nossa história colonial. Issosignifica que o mais importante não é nos debruçarmos sobre o sucesso ou fracasso doempreendimento colonial, mas percebermos as múltiplas experiências de conquistas e decolonização na Época Moderna, levando em consideração não apenas Brasil e Portugal,mas também as outras regiões que sofreram a presença e dominação portuguesa.

Nesse sentido equivale dizer que o estudo sobre as capitanias hereditárias, porexemplo, deve levar em consideração que esse sistema foi adotado primeiramente nasilhas atlânticas, depois no Brasil e em Angola, portanto, além das peculiaridades quemarcaram a instituição das capitanias hereditárias no Brasil, deve-se buscar uma noçãocompartilhada desse mesmo assunto ao considerarmos as características dessa mesmainstituição nas outras regiões de domínio português. Essa tem sido a tarefa da mais novahistoriografia colonial.

Capitanias Hereditárias

As determinações dadas a Martim Afonso de Souza em 1530, indicam que a CoroaPortuguesa já começava a cogitar o sistema de Capitanias hereditárias que viria a serimplantado em 1534. Esse sistema constituiu a forma de administração inicial dos domíniosatlânticos portugueses e foi inspirado no antigo senhorio português de fins da Idade Média.Entre os anos de 1534 e 1536 D. João III editou as primeiras cartas de doação distribuindoentre os donatários as terras que iam de Pernambuco até o Rio da Prata.

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Implantadas na América Portuguesa, as capitanias sofreram ajustescompatíveis ao contexto ultramarino. Esse sistema consistia em criar atrativoa particulares, através da concessão real de amplos domínios, proventos eprivilégios. Incluía também o direito de fundar povoações, nomear funcionários,cobrar impostos e administrar justiça. Tais medidas visavam dividir com essesparticulares os riscos e os custos iniciais do empreendimento colonial, dessaforma, se abria a partir de 1534, a perspectiva da Coroa explorar as

potencialidades mercantis da colônia, sem as preocupações com o ônus para o impérioportuguês.

O funcionamento jurídico-administrativo do sistema proposto pela Coroa eraviabilizado através da carta de doação e do foral. Nas cartas de doação eram estabelecidasàs dimensões de cada capitania concedidas pela Coroa, nela se regulamentava osprivilégios, regalias e deveres de cada donatário. Já o foral, estipulava precisamente todosos direitos e deveres dos colonos, tanto em relação ao capitão-donatário quanto à Coroa.

Como o próprio nome indica, as capitanias eramhereditárias, passíveis, portanto, de sucessão por mortedo donatário ou por outros motivos regimentais. Ao quetudo indica a maioria das doações foi feita a membrosda pequena nobreza, por meio do critério derecompensas a funcionários que haviam se destacadoe enriquecido no processo de expansão ultramarina noOriente. Tal procedimento além de ser uma forma demercê, funcionava também como estratégia decaptação de recursos a serem aplicados na empresacolonial a ser implantada na América Portuguesa. Muitosdos donatários jamais se estabeleceram no Brasil,outros desistiram, assim que ficaram frente a frente comos diversos problemas que teriam que solucionar.

Dentre as obrigações dos donatários estava arepartição das terras em sesmarias junto aos seuscolonos que por sua vez podiam dividir as terras poroutros colonos. Os donatários também possuíam odireito de fundar vilas, de monopolizar a navegaçãofluvial, as moendas e os engenhos.

Era atribuição também dos donatários o recebimento de certo número de impostosdestinados ao rei, entretanto, para realizar a arrecadação e fiscalização das rendas reais, aCoroa mostrou-se cautelosa e nomeou agentes de sua confiança para exercerem taisfunções, foi o caso dos cargos de feitor e almoxarife.2

A estes capitães cabiam o exercício do comando militar, a fiscalização do comércioe a nomeação de algumas autoridades administrativas tais como: ouvidor, tabeliões dopúblico e do judicial e alcaides-mores. Competia-lhes também a presidência das eleiçõesde juízes ordinários que eram as principais autoridades das câmaras municipais.

Como podemos observar, o sistema de capitanias iniciou uma certa baseadministrativa capaz de orientar os donatários, pelo menos nos aspectos legais que definiamsua parceria com a Coroa nessa primeira etapa da colonização na América Portuguesa,

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portanto, iniciava-se uma incipiente organização das bases administrativas da colônia apartir das áreas da Justiça, Fazenda e Defesa.

De forma geral a historiografia brasileira tem discutido o sistema de capitaniashereditárias preocupando-se com o sucesso ou fracasso das mesmas. As análises sobre ofracasso geralmente estão associadas à idéia de que no plano político-administrativo e dedefesa esse empreendimento não foi eficaz, mas, consideram que do ponto de vistacomercial ele surtiu efeito.

Para outros autores essas duas variantes sucesso/fracasso são indiferentes epreferem focar suas análises na afirmação de que as capitanias hereditárias marcam oinício da ocupação efetiva e da colonização do Brasil. Veja no quadro abaixo algumasinformações de como foram distribuídas as capitanias hereditárias no Brasil.

OS DONATÁRIOS E SEUS PROBLEMAS

“(...) Desta capitania da Bahia fez mercê el-rei D. João Terceiro a FranciscoPereira Coutinho, fidalgo muito honrado, de grande fama e cavalarias em a Índia, oqual veio em pessoa com uma grande armada à sua custa, no ano do nascimento donosso Senhor de 1535, e desembarcando da ponta do Padrão da Bahia para dentrose fortificou onde agora chamam a Vila Velha.

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Esteve de paz alguns anos com os gentios e começou dois engenhos.Levantando-se eles depois, lhos queimaram e lhe fizeram guerra por espaçode sete ou oito anos, de maneira que lhe foi forçado e aos que com eleestavam embarcarem-se em caravelões e acolheram-se à capitania dosIlhéus, aonde o mesmo gentio, obrigado da falta do resgate que com elesfaziam, se foram ter com eles, assentando pazes e pedindo-lhes que setornassem, como logo fizeram com muita alegria. Porém levantando-se uma

tormenta deram à costa dentro na Bahia na ilha Taparica, onde o mesmo gentio osmatou e comeu a todos, exceto um Diogo Álvares, por alcunha posta pelos índios oCaramuru, porque lhe sabia falar a língua. E não sei se ainda isto bastaria pelo que sãocarniceiros e ficaram encarniçados nos companheiros, se dele não se namorava afilha de um índio principal que tomou a seu cargo o defendê-lo. E desta maneira acabouFrancisco Pereira Coutinho com todo seu valor e esforço, e sua capitania com ele.”

(Frei Vicente do Salvador. In: História do Brasil – 1500 – 1627, p. 113-14)

Frei Vicente do Salvador nos dá no documento acima idéia de um dos mais gravesproblemas enfrentados pelos donatários – a presença indígena. Vimos anteriormente queos donatários gozavam de alguns direitos e privilégios, entretanto, ocupar efetivamente asterras recebidas da Coroa também significava o enfrentamento de vários problemas edificuldades a serem vivenciados no dia-a-dia.

Como ocupar e povoar vastas extensões de terra tornando-as produtivas? Quantode investimento teria que ser gasto para concretizar tal empreendimento? Como lidar comos colonos que deveriam ocupar as terras inóspitas, considerando que se tratava de gentede toda espécie e procedência? Como lidar com os índios que reagiram à conquista etomada de suas terras? Como lidar com a presença estrangeira interessada nas novasterras, como por exemplo, os franceses que incitavam os índios a reagirem cada vez maisà presença portuguesa?

Essas foram algumas questões impostas aos capitães donatários ao tomarem possedas suas terras ou ao enviarem seus prepostos. As vastíssimas áreas distribuídas requeriamgrandes recursos financeiros e humano para serem desbravadas isso dificultava a açãodos donatários, que, teriam que arcar com todos os investimentos. Muitos deles renunciaramou faliram e tiveram que passar adiante as terras que lhes foram confiadas.

Alguns perdiam a vida na busca do desbravamento e ocupação das capitanias. Foio caso do donatário Pereira Coutinho, citado no documento do Frei Vicente do Salvador.Esse donatário mesmo recebendo a aliança de Diogo Álvares – O “Caramuru” – que possuíaboas relações com os índios, não ficou livre da resistência indígena que, como podemosobservar, por sete ou oito anos não deram trégua ao donatário, fazendo-lhes guerra, atacandoos engenhos construídos na capitania da Bahia e forçando-o a se refugiar na capitania dePorto Seguro. Entretanto, ao retornar do seu refúgio, teve a infelicidade de enfrentar umatempestade em Itaparica, quando foi morto e submetido ao ritual do canibalismo.

Também atacada pelos índios foi a Capitania do Espírito Santo, cujas tentativas delevantarem engenhos de açúcar, foram infrutíferas diante da ação ostensiva dos indígenas.Seu donatário Vasco Fernandes Coutinho contraiu muitas dívidas no afã de enriquecer com

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o investimento que acabou pobre. O outro donatário Pero de Góis, apesar de inicialmenteter resistido aos ataques indígenas e ter prosperado relativamente, teve que abrir mão dacultura da cana-de-açúcar quando não conseguiu mais conter tais ataques. Desistiu dacapitania deixando-a com seus filhos que posteriormente também desistiriam devolvendo-a ao domínio real.

Dentre as reivindicações do donatário Duarte Coelho ao administrar a capitania dePernambuco, também indicada como a que obteve sucesso, estão: o pedido de licençapara exportar mão-de-obra africana para suprir a falta de braços na capitania para tocar acultura de cana-de-açúcar, o pedido de que o livrassem dos traficantes de pau-brasil e dosdegredados, uma vez que estes só lhes traziam preocupações. Os índios também agravavamseus problemas fazendo com que fosse pessoalmente solicitar socorro a D. João III, semobter sucesso, o donatário morreu deixando para os seus descendentes as vantagens daprosperidade experimentada pela capitania.

Não foram poucos também os problemas enfrentados pelos donatários da capitaniado Maranhão, naquele local, os índios, incitados pelos franceses, ofereceram cerradaresistência aos portugueses. Situação agravada pelos naufrágios que vitimaram Aires daCunha, um dos donatários e os filhos de João de Barros que haviam sido enviados paraprestar socorro à capitania que sofria com os ataque indígenas.

Indicada como a que obteve sucesso, a capitania de São Vicente, administrada pelosirmãos Sousa, parece ter tido menos problemas mediante a grande soma de capitais deque dispunham os seus administradores.

A relativa prosperidade das capitanias estava relacionada muitas vezes as habilidadesque os administradores apresentavam ao se relacionarem tanto com os índios quanto comos colonos brancos. Estes últimos, em alguns casos deram trabalho a seus donatários,como aconteceu com Pero do Campo da capitania de Porto Seguro quando foi preso pelosseus subordinados sob a acusação de anti-religioso e teve que prestar contas ao SantoOfício.

Desavenças entre administradores e colonos também ocorreram na Capitania deIlhéus. Sob a responsabilidade do feitor Francisco Romero, essa capitania experimentouuma certa contenção em relação aos índios graças as suas manobras políticas. Entretanto,o mesmo não ocorria com os seus subordinados brancos que provocaram a prisão domesmo. Posteriormente foi reconduzido ao cargo e teve que lidar com uma rede de intrigasprovocadas pelos interesses e desavenças dos europeus que possuíam fazendas nosdomínios da capitania.

Dessa forma, a tentativa da Coroa Portuguesa em colonizar as terras brasileiras pormeio de particulares evidenciava a fragilidade desse caráter privado da colonização. Todoos problemas apresentados decorrentes da resistência indígena, das limitações financeirasou dificuldades de lidar com os colonos brancos, foram agravados pelas crescentes incursõesdos ingleses na Amazônia e dos franceses no Maranhão, resultando tal empreendimentoinicial, num desastre. A partir desse resultado, a Coroa buscou uma participação mais diretae intensiva do poder monárquico no processo de colonização do Brasil, através da instituiçãodo Governo-Geral.

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Canibalismo em nome do amor

Mães devoravam filhos mortos, viúvas comiam os maridos, filhosbanqueteavam-se com os pais. Nem sempre a antropofagia originava-se da lutaentre rivais, poderia ser cerimônia fúnebre.

Ronald Raminelli

Com freqüência, os relatos de canibalismo vinculam a ingestão de carnehumana à violência. Essa regra, porém, nem sempre é válida para todas as etniasamericanas. Radicados entre o litoral dos atuais estados do Maranhão e SãoPaulo, os índios tupis do século XVI devoravam os inimigos depois de capturadosem combates. Seus guerreiros travavam infindáveis batalhas para vingarantepassados mortos em guerras ou em rituais antropofágicos. Os homensenfeitavam suas cabeças e armas com penas de aves tropicais e muniam-se detacapes, arcos e flechas, partindo em busca da desforra. A captura do oponenteera, portanto, a conciliação com o passado, com os entes mortos nos campos debatalha. Depois do confronto, os vencedores retornavam à aldeia, trazendo oscorpos, vivos ou mortos, de seus inimigos. Os nativos, assim, iniciavam um ritodestinado a consumir a carne do oponente e renovar o ciclo da vida para essascomunidades.Na cerimônia, a memória da vingança perpetuava-se criando elosentre passado e futuro, sendo a única tradição transmitida para a posteridade. Aobsessão da desforra permanecia como vínculo entre as gerações.

Mas esse não era o único motivo da antropofagia. Entre os tapuias era oamor o responsável pela ingestão de carne humana. Tapuia era a denominaçãotupi para as demais etnias, que não se restringiam ao litoral como os tupis. Estavamem grande parte no interior, com ampla dispersão geográfica. Entre os séculosXVI e XVII, vagavam nos sertões do Nordeste ou, como os goitacás, botocudos eaimorés, na atual área entre o norte fluminense e o estado do Espírito Santo. Aocomparar registros escritos e visuais das práticas canibalescas tapuias e tupis,percebe-se que as últimas são mais conhecidas, fartamente difundidas eimortalizadas nas gravuras do holandês Theodore de Bry (1528-1598) e no filmeComo era gostoso o meu francês (1970), de Nelson Pereira dos Santos. Apesarde pouco explorado, o canibalismo dos tarairius (tapuias do sertão nordestino)presta-se a muitas controvérsias e à admiração por não ser o ódio o

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responsável pela morte e ingestão de carne humana. Entre esses tapuias, antropofagiaera um ato de amor. Para nós seria impossível pensar que o sentimento maternal levariauma mãe a consumir um filho morto. A relação entre amor e canibalismo também intrigouos colonos holandeses e luso-brasileiros, que ouviram e registraram histórias e imagenssobre os tarairius.

Integrante da missão artística do príncipe João Maurício de Nassau, o pintorAlbert Eckhout (1612- 1665) representou os índios tarairius em várias obras: Dançados tarairius, Índio tarairiu e Índia tarairiu (c.1641 e 1643). Nesses quadros, o artistapintou o grupo sem os vestígios da colonização, sem roupas e instrumentos de trabalho.Seus corpos nus simbolizam a condição de bárbaros, de seres desprovidos de regrase vergonha. A nudez e a fidelidade da expressão facial marcavam a fronteira entre oselvagem e o cristão, ou entre o selvagem e o índio submetido à colonização. Paraalém da nudez, o índio tarairiu apresenta-se com as marcas de sua cultura, enfeitando-se de penas coloridas sobre a cabeça, de corda presa à cintura e de frágeis sandálias.

(...)

Vingança e frenesi no banquete tupi

Entre os tupis, os festins canibais eram desdobramentos das guerras. Depoisde capturado pelos guerreiros, o inimigo era conduzido à aldeia pelas mulheres, onde,mais tarde, encontraria a morte em ritual que era marcado pela vingança e coragem.Logo após a chegada, o chefe designava uma mulher para casar com ele, mas elanão podia afeiçoar-se ao esposo. O dia da execução era uma grande festa. No centroda aldeia, os índios, sobretudo as índias, se alvoroçavam. Os vizinhos também estavamconvidados, todos provariam da carne do oponente. No ritual, homens, mulheres ecrianças lembravam e vingavam-se pelos parentes mortos. Imobilizada pelos índios, avítima não esquecia do ímpeto guerreiro: enfrentava com bravura os inimigos eperpetuava o sentimento de vingança.

Depois de morto, a carne era dividida entre músculos e entranhas. As partesduras eram moqueadas (secadas) e consumidas pelos homens; mulheres e criançasingeriam as partes internas cozidas em forma de mingau. O matador, sempre masculino,não participava do banquete, entrava em resguardo e trocava de nome. Com acolonização, esse rito foi paulatinamente abandonado, provocando, segundo EduardoViveiros de Castro, a perda de uma dimensão essencial da sociedade tupinambá: aidentidade. O antropólogo ainda comenta que a repressão ao canibalismo não foi oúnico motivo para o abandono. Os europeus passaram a ocupar o lugar e as funçõesdos inimigos, alterando a lógica do ritual.

As mulheres exerciam importantes tarefas durante as festas canibalescas.Alemão quinhentista preso pelos tupinambás, Hans Staden escreveu que as índiaspintavam os prisioneiros ainda vivos e depois exibiam-nos mortos, percorrendo a aldeiacom suas pernas e braços retalhados. O sacrifício provocava nas mulheres muito prazere ansiedade, queriam logo provar da carne do guerreiro inimigo. Para demonstrar taissentimentos, elas gesticulavam, mordiam as mãos e braços, se contorciam, cantavame bailavam, enquanto as demais espetavam com paus as partes decepadas sob afogueira.

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O padre José de Anchieta, jesuíta do século XVI, descreveu como asnativas untavam mãos, caras e bocas com as gorduras desprendidas do“assado”, colhiam o sangue com as mãos e o lambiam. Para os religiososda época, por certo com uma visão depreciativa da mulher, a ingestão decarne humana deixava marcas profundas na fisionomia das mulherescanibais que logo envelheciam. As rugas e os odores malcheirosos tinhamorigem nesses “costumes abomináveis”. A decrepitude e a decadência físicas

das velhas revelavam o “terrível hábito” de comer carne e roer ossos humanos. Seioscaídos, rostos enrugados, corpos em franco processo de degeneração somavam-se adentes mais do que deteriorados. A alma pecadora provocava a degradação do corpoenquanto os santos, quando mortos, exalavam odores de rosas. Esse preconceito, porcerto, dificulta nossa compreensão da real participação das mulheres no canibalismo,embora nos permita entender a cultura européia na época da conquista da América.

(...)A célebre tapuia pintada por Eckhout possui traços comuns ao grupo lingüístico

Jê, como o apego aos cães, as sandálias confeccionadas com cordas e o corte docabelo em forma de prato, comuns aos timbiras atuais. O retrato seria de uma mulherda etnia tarairiu. Entre esse grupo, segundo os cronistas do século XVII, ao nascer umacriança, cortava-se o cordão umbilical com um caco afiado e depois cozinhava-o paraque a mãe o comesse juntamente com o pelico (placenta). Caso uma mulher abortasse,imediatamente o feto era devorado, pois alegavam que não poderiam dar-lhe melhortúmulo. Por certo, as entranhas de onde veio - o corpo da mãe - eram preferíveis à covana terra. Depois da morte de uma criança, os índios choravam a perda, em seguida,cortavam a cabeça e retalhavam o corpo, inserindo tudo em uma panela. Muitos parenteseram convidados para o evento e juntos comiam a falecida. Ao término da refeição,punham-se a gritar e a chorar.

Aos sacerdotes cabia talhar, membro a membro, os mortos, fossem eles abatidosnas guerras ou acometidos por morte natural. Enquanto isso, as velhas acendiam afogueira para assar os membros e todos juntos celebravam o “enterro” com lágrimas elamentações. As mulheres comiam as carnes do esposo, as raspavam até os ossos,não em sinal de inimizade, mas de afeto e fidelidade. Os cadáveres dos grandes chefeseram consumidos pelos demais chefes. Não ingeriam todo o corpo e guardavamcuidadosamente os ossos até a celebração do festim solene seguinte, pois somenteem rituais era possível a antropofagia. Na ocasião, os ossos tornavam-se carvão,raspados em seguida para serem reduzidos a pó e dissolvidos em água. O mesmo sefazia com os cabelos do defunto. Os parentes bebiam essa mistura e não voltavam asuas danças e cantos depois de consumirem todos os restos do cadáver.

(...)

Ronald Raminelli é professor de História Moderna, História da América e doBrasil Colonial na Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de Imagens dacolonização. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

(Retirado da Revista Nossa História. Ano 02 nº 17 Mar/05).

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IMPLANTAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO REAL

A implantação da administração real na América Portuguesa atendia a dois objetivosda Coroa: por um lado, retomava parte dos amplos poderes concedidos aos donatários noprimeiro momento da colonização e, por outro, criava um centro administrativo buscandoum prolongamento da ordem jurídico-administrativa metropolitana. Tais medidas visavamum controle régio mais eficaz e a possibilidade de uma unidade de ação política colonial.

A determinação de construir a cidade do Salvador para centralização daadministração da colônia – o que obviamente não aconteceu de imediato – estava ligadaao fracasso da tentativa de colonizar o Brasil por meio do sistema privado das capitaniashereditárias. Assim, os continuados ataques de corsários, especialmente franceses, a difíciltarefa de subjugar os nativos do Novo Mundo, a necessidade de lucro e a diminuição notrato asiático foram determinantes para a decisão do monarca português.

Do ponto de vista político-administrativo, o governo-geral era complementar àscapitanias hereditárias, portanto, a nova forma de governar não excluiu o sistema anterior.Vejamos quais as diferenças, problemas e possibilidades desse novo sistema.

O GOVERNO-GERAL

Nessa nova forma de administrar e governar a colônia a autoridade administrativaera concentrada, pelo menos formalmente, em uma instância superior dentro do próprioespaço colonial e possuía poderes de centralizar e supervisionar os negócios do rei. Aadministração agora seria exercida pelos capitães-gerais ou governadores, mas não tinhanenhum caráter particular.

A decisão de implantar o governo-geral no Brasil se deu por volta de 1548, por ocasiãoda trágica morte do donatário Pereira Coutinho como já foi referido. A expectativa era deque o governo funcionasse como um centro de articulação entre as diversas regiões daAmérica Portuguesa, para isso, o governador Geral era o representante direto do rei nacolônia e, como tal, passava a subordinar legalmente todos os seus agentes coloniais.

O governador possuía poderes administrativos não só na sede do Governo-Geral, aBahia, mas em todas as demais capitanias. Além das competências delegadas pela Coroaatravés dos Regimentos, o governador geral tinha a obrigatoriedade de prestar contas,rigorosamente, de todos os seus atos ao governo-central português. Tratava-se, portanto,de uma tentativa de implantar na colônia uma política de controle.

Foi assim que em 1549 chegava à Bahia o primeiro governador geral – Tomé deSousa, homem experiente nos assuntos coloniais, tendo servido na África e Ásia, munidodo Regimento de 1548 que o rei D. João III mandou redigir, documento que regulamentou acriação do Governo Geral. A partir desse momento a colônia passaria a ter um centro depoder constituído por funcionários reais nomeados com atribuições específicas.

O Regimento de 1548, em síntese, delegou ao governador-geral a condução esupervisão da política administrativa portuguesa na colônia, regulamentando, para tal, asvárias áreas onde ela se expressava. De acordo com esse regimento, o Governador Geraldeveria, além de fundar uma cidade fortaleza capaz de se defender da continua presençade estrangeiros na costa do Brasil e garantir a segurança dos colonos ante as constantesrevoltas indígenas, doar sesmarias a quem pudesse nelas investir construindo engenhos

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fortificados nas margens dos rios integrados à baía, ordenar a construção deembarcações que fossem utilizadas em serviços gerais e na defesa, livrar aterra dos índios inimigos, estabelecer feiras semanais para que os cristãospudessem realizar trocas com os índios sem que fosse necessário ir até suasaldeias, explorar o sertão, etc.

Sob a responsabilidade de Tomé de Souza também ficou a execuçãodas obras de construção da cidade de Salvador, e vieram em sua companhia os homensque o ajudariam a pôr em prática as diretrizes para o estabelecimento do centroadministrativo colonial, com as principais determinações da metrópole.

O primeiro escalão do Governo Geral contava com um Ouvidor-geral e um Provedorda Fazenda Real. A esses funcionários seguiam outros, hierarquicamente de menorimportância, a exemplo de escrivães e meirinhos. Juntamente com esses cargos, foi criadotambém o Conselho de Vereança ou Senado da Câmara, cuja primeira referência oficial,segundo Affonso Ruy, data de 15 de agosto de 1551. Este conselho era composto por “trêsvereadores e dois juízes Ordinários, eleitos anualmente pelos ‘homens bons’, ou seja: osque possuíam bens. [...], o conselho completava-se com quatro funcionários nomeados pelocapitão e governador: dois almotacés, um escrivão e um procurador da cidade”. Outrasduas instituições importantes estabelecidas após a criação do Governo Geral foram a SantaCasa de Misericórdia da Bahia e o Bispado do Brasil, em 1550 e 1551, respectivamente.

Esse aparato governamental criou uma divisão de encargos administrativos que podenos dá idéia da existência, naquele período, de uma rigorosa compartimentação dasdiversas áreas em que se realizava a administração colonial. Entretanto, essa idéia éequivocada, pois, as atribuições, apesar de minuciosamente discriminadas nos diversosregimentos que regulamentavam os governos-gerais, na prática, confundiam-se entre si àmedida que as próprias funções não estavam claramente delimitadas por área de ação.Um exemplo disso está nas amplas competências fiscalizadoras que o governador-geralpossuía de acordo com o Regimento de 1548, sobre os demais funcionários administrativos,tanto na sede quanto nas demais capitanias. Porém, a sua atuação no caso dos mais altosfuncionários esbarrava sempre nas determinações dos regimentos passados a essesfuncionários, que lhes concediam ampla autonomia a esses funcionários. Ou seja, haviacontradições entre os regimentos do governador-geral e dos altos funcionários.

Em linhas gerais, observamos que a Coroa estava preocupada, principalmente, emdefender e garantir a posse do território, de preferência com retornos lucrativos, emboranão faltasse ao documento as naturais demonstrações de interesse pela propagação docatolicismo. Entretanto, no que pese os anseios da Coroa em sua jornada de expansão, oRegimento não garantia por si só o cumprimento dos desejos reais, bem como nãorepresentou um modelo universal da expansão portuguesa. Pelo contrário, suasdeterminações variavam de acordo com as necessidades locais, ou mesmo das carênciasreinóis. Assim, em diversos trechos do Regimento de Tomé de Souza, como, aliás, emoutros regimentos de governadores do Brasil, o caráter de improvisação sempre estevepresente.

Aos prepostos reais cabia cumprir uma tarefa nada fácil, atender as ordens da Coroade acordo com os planos pré-estabelecidos, ao mesmo tempo em que teriam de lidar comos limites que a realidade impunha, assim, os recursos materiais para atender asdeterminações do Regimento deveriam ser improvisados, e até mesmo os recursos humanoseram passíveis de um arranjo de última hora. Em verdade, praticamente todo o regimento,

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apresenta uma contradição: embora a Coroa desejasse povoar e defender o Novo Mundo,não enviou recursos suficientes para tal empreitada.

A criação de um governo geral representava a intervenção direta no processo decolonização, mas não assegurava, na integra, a execução dos planos metropolitanos. Dessaforma, restava ao rei orientar que se buscasse resolver os problemas de acordo com anecessidade do dia. Em última instância, isso resultava em flexibilização ou até mesmonuma negligência, pois a própria construção da cidade do Salvador, abrigo do centroadministrativo, teria sua defesa comprometida em função das improvisações indispensáveispara o cumprimento das ordens reais.

Além de Tomé de Sousa, outros governadores-gerais foram enviados ao Brasil:Francisco Albuquerque Coelho de Carvalho, enviado em 1623 como governador-geral doEstado do Maranhão.

O COVERNO-GERAL E AS ALTERAÇÕES NA ORGANIZAÇÃOJURÍDICO-ADMINISTRATIVA COLONIAL

Desde 1580, como resultado da crise dinástica em decorrência da morte do rei D.Sebastião, Portugal tinha sido anexado pela coroa espanhola, dando início a uma Monarquiadualista, na qual se reconhecia a existência de duas coroas nas mãos de um mesmosoberano, regime que durou até 1640 e a historiografia designa por União Ibérica. Duranteesse período, baixaram-se novos regimentos a fim de nortear a ação dos governadores-gerais, visando atualizar as diretrizes traçadas até então e adaptar a administração àsexigências daquele contexto.

O primeiro desses regimentos data de 1588 quando Francisco Giraldes foi nomeadogovernador-geral, contudo não chegou a assumir o cargo. Em linhas gerais esse regimentoconservava boa parte das diretrizes do Regimento de 1548, dando ênfase às questõesreferente à defesa interna e externa. Bem como os aspectos relacionados à vigilância sobreos demais funcionários e a fiscalização do comércio.

Esse Regimento trazia pontos diferentes do anterior no que diz respeito às atribuiçõesdo governador-geral em relação aos funcionários eclesiásticos, aos índios, através dasugestão de medidas que facilitassem sua “domesticação”, ao incremento das atividadesde produção para o comércio e à contenção de despesas para a folha de pagamento dosfuncionários.

Ainda no contexto da União Ibérica a América Portuguesa passou por alterações naorganização jurídico-administrativa de acordo com um novo corpo de leis denominado deOrdenações Filipinas e aplicado a partir de 1603. Assim, foram efetuadas duas divisõesadministrativas, a saber:

A primeira divisão ocorreu em 1608 e criou um governo independente do Estado doBrasil – a repartição do Sul – que abarcava as capitanias de São Vicente, Espírito Santo eRio de Janeiro, sendo nomeado Francisco de Sousa como governador e capitão geral dascapitanias do Sul. Em 1612 a repartição do Sul foi extinta e o Estado do Brasil novamenteunificado.

A segunda divisão administrativa foi determinada por Carta Régia em 1621 criandoo Estado do Maranhão independente do Estado do Brasil e também diretamente subordinado

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à Metrópole. Compreendia as capitanias do Ceará, Maranhão e Pará e foinomeado como primeiro governador, Francisco Albuquerque Coelho decarvalho.

Ainda na fase da dominação espanhola, o Estado do Brasil teve maistrês regimentos: O primeiro de 1612 destinava-se a Gaspar de Sousa emantinha as principais linhas da política administrativa já estabelecida. O

regimento de 1621 e nomeava Diogo de Mendonça Furtado e guardava as mesmascaracterísticas dos regimentos de 1588 e 1612, com exceção das recomendações de visitara capitania de Pernambuco só mediante ordens expressas do rei e outras de caráterconjuntural. O último regimento desse período foi passado em 1638 ao governador e capitão-general Fernando Mascarenhas. Suas poucas atribuições referiam-se, de forma específica,ao pagamento das tropas que combatiam os holandeses, instalados na Bahia entre 1624 e1625 e em Pernambuco a partir de 1630.

No período de 1640-1750 o fim da União ibérica e as questões de ordem político-econômica por que passava Portugal, exigiram novos ajustes nas relações entre metrópolee colônia. Verificando que seu império diminuiu sensivelmente, bem como o declínio naprodução açucareira colonial, entre outros fatores, Portugal adotou novas medidas de ordempolítico-administrativa. Criou então a Companhia Geral de Comércio para o Estado do Brasil,que consistiu numa das primeiras medidas de caráter econômico que marcou a mudançada política econômica de Portugal para o Brasil.

As medidas que objetivavam intensificar as bases da administração metropolitanano ultramar, demonstram uma busca crescente pela ampliação do controle dos órgãoscentrais da Coroa sobre a colônia. Em 1640 a indicação do governador-geral Jorge deMascarenhas como vice-rei indica os reajustes dos vínculos metrópole-colônia.

A nomeação do vice-rei também servia para eliminar os resquícios da ordem privadadas capitanias hereditárias que ainda permaneciam. Assim, a Coroa concentrou nas mãosdos seus altos funcionários, maiores poderes para concretizar suas intenções centralizadoras.Foi o caso da nomeação dos juízes de fora, funcionários régios que passariam a partir de1696, a comandar a administração da instância política local mais importante – as câmarasmunicipais.

Depois de 1640 a divisão administrativa do Brasil em dois Estados independentesentre si, permaneceu. Podemos apreender as tendências da política metropolitana para oEstado do Maranhão durante esse período através do regimento de 1655, destinado aoseu governador-geral. O seu grau de minúcia e a sua extensão o distinguem do primeiroregimento, mas a diferença maior está nos amplos poderes fiscalizadores e de controledelegados pela Coroa ao seu maior representante naquele Estado. Contudo isso nãoimplicava em maior liberdade dos seus atos em relação ao poder real, pois deveria prestarcontas de tudo que fizesse ao rei, através do Conselho Ultramarino.

Quanto à parte do Estado do Brasil, a Coroa baixou em 1677 outro regimento, oúltimo destinado a governadores-gerais e trouxe determinações significativas e de amploalcance no que diz respeito ao encaminhamento das ações governamentais que sesucederam até o início do século XIX.

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Como pudemos observar, as medidas de caráter centralizador emitidas pelaMetrópole buscavam reforçar o poder real e ampliar as bases da empresa colonizadoramarcando a política administrativa adotada no pós 1640. Na primeira metade do séculoXVIII em virtude das atividades mineradoras, essas medidas de cunho político-administrativocom ênfase no centralismo foram intensificadas.Após a década de 1760, com o declínio daprodução aurífera e a redução das rendas régias em vários setores da economia colonial,essa tendência centralizadora foi ampliada e resultou nas tentativas de uma administraçãomais racional e eficaz, visando alternativas que viabilizassem a continuidade das práticasmercantilistas na colônia.

Dentre as medidas mais importantes desse período estão: a transferência da sededo governo-geral da Bahia para o Rio de Janeiro em 1763, a extinção do Estado doMaranhão em 1774, fazendo com que a colônia voltasse a ter apenas um governo comsede no Rio de Janeiro. Ocorreu também na fase de 1750-1808, a finalização do processode extinção das capitanias hereditárias.

No século XVIII essa política centralista se intensificou através das medidas restritivasao comércio colonial criando as companhias privilegiadas como a Companhia Geral doGrão Pará e Maranhão e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba que deveriamcumprir a função de monopolizar a exploração e comercialização dos gêneros coloniais.Essa estrutura administrativa seria alterada a partir de 1808 quando a colônia foi transformadaem sede da monarquia portuguesa e, portanto, centro do império colonial.

Finalmente, podemos visualizar a complexidade da administração portuguesa desdea implantação das capitanias hereditárias até o governo-geral. Contudo, é preciso lembrarque não obstante esse caráter centralizador da Coroa Portuguesa, a administração colonialesteve suscetível às ações dos agentes coloniais e muitas vezes esse desejado controlenão foi amplamente efetivado.

A tabela abaixo lista alguns cargos e atribuições relacionados à administração naAmérica Portuguesa tanto na fase das Capitanias Hereditárias quanto no período do GovernoGeral. Trata-se de funções que faziam parte do governo e que deveriam cuidar dos aspectosda justiça, defesa e fazenda tanto no que diz respeito às capitanias como aos municípios.Em cada fase da administração portuguesa foram mantidas muitas dessas funções eacrescentadas outras, como no caso do período dos Governos-Gerais em que o aparatoburocrático na colônia foi ampliado. Veja alguns dos cargos que ajudarão você a entendermelhor o funcionamento dessa administração.

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Veja no quadro abaixo as atribuições de Tomé de Sousa – 1º Governador Geral doBrasil.

ATRIBUIÇÕES DO PRIMEIRO GOVERNADOR GERAL.

Fase: 1548-1580 - Cargo criado em 17.12.1548; Regimento: 17.12.1548.

Atribuições:

1. Ir à Bahia como capitão-mor de uma armada com gente, artilharia, armas, muniçõese tudo que for necessário pata lá erguer uma for fortaleza, bem como uma povoação grandee forte em lugar conveniente, a fim de prestar ajuda às outras povoações, ministrar justiça eprover nas coisas que cumprirem ao serviço do rei e da sua Fazenda.

2. Favorecer os índios que sustentarem a paz e fazer guerra contra os insurretos,dando-lhes castigo que sirva de exemplo a todos.

3. Fazer saber da sua chegada aos capitães das capitanias para que lhe enviemtoda a ajuda possível.

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4. Conceder sesmarias aos interessados, seguindo as condições e obrigações deforal estabelecidas no livro quarto das Ordenações; as destinadas ao engenho de açúcardeveriam ser concedidas a pessoas com possibilidades para a sua construção; dar parteao rei de todas essas doações: a quem, quanto e em que condições.

5. Mandar construir os navios necessários ao serviço da terra e à defesa do mar.

6. Visitar as outras capitanias com o provedor-mor, deixando na Bahia, como capitão,pessoa conveniente com regimento do que deve fazer na sua ausência.

7. Decidir, em cada uma das capitanias, juntamente com os seus capitães,provedores-mores, ouvidores, oficiais da Fazenda e alguns homens principais da terra, amelhor maneira de se governar e manter a segurança das mesmas.

8. Ordenar que, nas vilas e povoações, se faça feira onde os índios possam comprare vender, em pelo menos um dia de cada semana.

9. Impedir que qualquer pessoa comercie em terra firme sem licença sua ou doprovedor-mor, dos capitães e dos provedores de capitanias; o mesmo para os que quiseremir de uma capitania para outra.

10. Taxar, juntamente com os capitães e oficiais, os preços das mercadorias existentesna terra, assim como as do Reino e mais partes, a fim de que tenham seus preços certos ejustos.

11. Informar-se, em cada uma das capitanias, se ha nelas oficiais da Fazenda e porque provisões servem; caso não haja e sendo necessário, provê-los com o parecer doprovedor-mor a fim de prestarem serviço até o rei nomear.

12. Informar ao rei, juntamente com o provedor-mor, das rendas e direitos reais emcada capitania, bem como o modo de sua arrecadação e dispêndio.

13. Evitar que pessoa alguma, de qualquer qualidade e condição, faça guerra aosíndios sem sua licença ou do capitão da capitania.

14. Evitar que se construa, nas terras do Brasil navio ou caravelas sem licença suaou do provedor da capitania.

15. Proibir que pessoa alguma, de qualquer condição, dê aos índios armas emunições, sob pena de morte e perda de todos os bens.

16. Ordenar que os capitães das capitanias, senhores de engenho e demaismoradores tenham as armas necessárias à defesa da terra, notificando-os para a aquisiçãodessas armas dentro de um prazo máximo de um ano.

17. Combater os corsários ou designar algum funcionário para que o faça.

18. Prover em oficiais de Justiça e Fazenda os degredados que prestarem bonsserviços nas armadas ou em terra, à exceção dos condenados por furto e falsidade.

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19. Agraciar com o grau de cavaleiro das ordens militares os queservirem em situação de guerra, passando provisão disto.

20. Atuar para que os índios convertidos morem junto às povoaçõesdas capitanias.

Fonte: Regimento de Tomé de Sousa, de 17.12.1548.• Atribuição específica do primeiro governador-geral.

Extraído de SALGADO, Graça. (coordenadora) Fiscais e Meirinhos: aadministração no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 144/45.

ADMINISTRAÇÃO E CONFLITOS

Como vimos, a administração real estabelecida na colônia estava baseada no tripéfazenda, guerra e justiça. No início do século XVII, a cidade de Salvador – sede do governo-geral – abrigava, além das instituições estabelecidas em 1549, o Tribunal da Relação, órgãoque teria sido criado, entre outras coisas, em função dos constantes conflitos de interessesentre funcionários seculares e eclesiásticos. Porém, de acordo com o historiador StuartSchwartz, a verdadeira razão para a criação desse tribunal no Brasil reside no fato de quea América Portuguesa estava crescendo em tamanho e importância. Logo, a colônia tornava-se cada vez mais importante do ponto de vista estratégico e de defesa militar, como tambémeconomicamente a partir da produção açucareira.

Pensando estas instituições que se instalaram no Brasil colônia numa perspectivade Império, ou seja, como semelhantes às instaladas em outras partes do domínio portuguêsno mundo, Charles Boxer afirmou que “investigações recentes acerca da estrutura social daCâmara e da Misericórdia da Bahia mostram que os poderosos locais provinham aindaesmagadoramente das famílias dos senhores de engenho do Recôncavo...”. Esse autorpercebe a importância das instituições supracitadas, como “os pilares gêmeos da sociedadecolonial portuguesa desde o Maranhão até Macau” cujos “membros proviam de estratossociais idênticos ou comparáveis e constituíam, até certo ponto, elites coloniais”.

De acordo com esse argumento, o autor caracteriza as câmaras como sendorepresentantes das reivindicações locais, prezando pela continuidade das ações práticasque estavam mais ligadas à vida cotidiana dos habitantes da colônia do que governadores,bispos e magistrados. Esses últimos caracterizados pela transitoriedade do cargo, servindoem partes diferentes do império, preocupados em acumular experiência e cartas derecomendações no intuito de alargar as mercês a serem recebidas pelos serviços prestados,isso sem falar nas vaidades individuais.

Notamos, a partir das afirmações de Boxer, a existência de dois poderes: um local,representado pela câmara; e outro metropolitano, representado por governadores,magistrados e bispos. Mas apesar dessa distinção, esses poderes atuavam conforme asituação. Ora em acordo, ora sob forte tensão. E os representantes metropolitanos tambémentravam em desavença entre si, especialmente governadores e magistrados versus bispos.Também os membros da câmara se desentendiam constantemente com os bispos.

No entendimento de Maria Fernanda Bicalho, a historiografia tradicional vê os conflitosde autoridade e jurisdição que ocorriam na colônia como ponto negativo das relações entre

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poder central e poderes locais, entretanto a autora considera que a “justaposição de funçõese competência [foi], até certo ponto, uma política deliberada da Coroa, que chegou aincentivar um certo enfrentamento entre seus agentes justamente pelo motivo de se acharemisolados pela grande distancia que os separava do reino”. A mesma opinião é compartilhadapor Schwartz, para quem o modelo da administração colonial favorecia o controle mutuodas instituições, o que gerava contínuas consultas à Coroa, que aproveitava o tempoburocrático para manter o controle da colônia. Assim, era de interesse da própria metrópoleque as instituições coloniais tivessem seus poderes limitados, obrigando-os à freqüenteconsulta da Coroa.

Os conflitos entre os representantes dos poderes religioso e civil possuíam motivosanteriores à descoberta da América – a instituição do padroado. Assim, desde a IdadeMédia, em Portugal, a Igreja se submetia aos desígnios do Estado, mas essa submissãose deu de maneira relutante, impregnada de desconfianças, agravada pelo fato de quecabia ao Estado a arrecadação dos dízimos da Igreja.

No Brasil, a cobrança do dízimo ficava a cargo da Fazenda Real, o que resultava emuma série de conflitos, haja vista que colocava os religiosos na dependência dos funcionáriosreais que podiam manter os cofres fechados como bem entendessem. Um dos expedientesutilizados pelos funcionários e mesmo por desembargadores foi o de garantir primeiro seussalários, depois os da Igreja. Foi assim que o bispo Constantino Barradas (1600-1618)excomungou, em 1608, o provedor mor da Fazenda Pedro Cascais porque não pagou“certos atrasados da folha eclesiástica do modo que ele bispo entendia”.

Embalados na insatisfação da dependência financeira do Estado e por váriasdivergências como, por exemplo, o modo de conduzir as questões indígenas, qualquer motivoera passível de confusão entre religiosos e funcionários reais. Assim, numa sociedade emque o status era algo desejado por todos, a posição ocupada pelas autoridades emprocissões e solenidades passou a ser alvo de constantes conflitos.

A 12 de julho de 1609, o governador Diogo de Menezes escreveu ao rei relatando ocomportamento do mesmo bispo Barradas numa procissão do corpo de cristo que teriaacontecido em Olinda. Segundo o governador, Barradas o “injuriou” na frente de todo opovo, e fazendo isto atingia ao rei, pois que ele, Diogo de Menezes, era o representante deSua Majestade. De acordo com a carta, o bispo não obedecia aos lugares que asautoridades deveriam ocupar na procissão. Rezava o costume que à frente das procissõesiria a bandeira da câmara, depois, juntos, o bispo e o governador, seguidos pelos oficiaisda câmara. Naquele ano, o bispo iniciara a cerimônia antes do horário combinado, sem apresença do governador, dificultando o acesso deste ao lugar que deveria ocupar. Paraagravar ainda mais a situação, devido a chuva que caiu naquele dia, a procissão foi realizadano interior da igreja. Nesse ambiente circunscrito, bispo e governador passaram dasprovocações para um embate verbal. Ali, defronte de todo o povo, os representantes maioresda Igreja e do Estado ofereceram ao público uma mostra de como se relacionavam.

A atitude do bispo desmoralizava o governador numa clara disputa de prestígioperante os súditos Del Rei. Em 1610, novamente Diogo de Menezes escrevia ao rei. Agora,num tom menos cordial do que o utilizado em correspondência anterior, reclamava quenenhuma provisão do rei era obedecida no Brasil e das constantes excomunhões praticadaspelos bispos contra os membros da Relação, governadores e a quem mais se opusessem.

Certamente Diogo de Menezes estava preocupado com os excessos do bispo, masnão estava menos preocupado com o seu bolso, pois se o bispo o excomungasse, a exemplodo que já fizera com desembargadores da Relação, ficaria a arrecadação nas mãos dos

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religiosos, o que sem dúvida seria um transtorno para administração colonialque esteve sempre às voltas com a carência de recursos. Como vimosanteriormente, a própria defesa da colônia ficava a mercê de improvisos emfunção, muitas vezes, da ausência de receitas.

A tônica não foi outra quando, em 1622, chegou na Bahia o quinto Bispodo Brasil, D. Marcos Teixeira que já no momento da sua chegada em Salvador,

se desentendeu com o governador Diogo de Mendonça Furtado, quanto a cerimônia dechegada. Ao que consta, o governador queria ir embaixo do pálio junto com o bispo conformemandava o cerimonial, mas este não concordou. O governador por sua vez, não o recebeumandando chanceleres e desembargadores cumprir o protocolo.

Talvez Mendonça Furtado, sabendo das confusões passadas entre religiosos eadministradores, das disputas pelo poder existentes na colônia, tivesse tentado demarcarseu espaço, passando uma imagem de sintonia entre ele e o novo bispo ao decidir que sóiria à sua recepção se desfilassem lado a lado. O governador sabia do poder que possuíamos bispos pelo simples fato deles serem os representantes do papa na colônia, portanto amaior autoridade religiosa no Novo Mundo. Também era de seu conhecimento que asdesavenças passadas entre bispos e governadores se deram por questões financeiras eque, na sua gestão, a tendência era o acirramento dessas desavenças, haja vista queMendonça Furtado tomou posse em 1621 e trazia consigo a difícil tarefa de proteger aAmérica Portuguesa de ataques holandeses, tidos como certos depois que expirou a tréguade doze anos entre a Espanha e as Províncias Unidas. Nesse sentido, suponho que ogovernador estivesse disposto ao tudo ou nada. Ou teria o bispo do seu lado apoiando-oem suas tarefas, ou o deixaria de lado, relacionando-se com ele apenas no que obrigava asfunções do seu cargo.

Além do governador, a câmara e a relação também tiveram problemas com D. MarcosTeixeira. Sendo que os problemas com a Câmara de Salvador foram semelhantes àquelesdescritos nas cartas de Diogo de Menezes, ou seja, disputaram sobre onde ir a bandeiramunicipal nas procissões. Em função desta questão, D. Marcos pediu parecer da Relação,que decidiu em favor da Câmara. Não satisfeito, o bispo apelou para a Mesa da Consciência,que para seu desespero, também apoiou a Câmara.

Essas intrigas da elite administrativa não eram, como demonstrei anteriormente,nenhuma novidade na colônia. Porém, em determinados momentos, tomavam proporçõesmaiores do que as costumeiras queixas ao rei e diante do que foi exposto, podemos perceberque em certos momentos os conflitos administrativos acabavam por tornar a colônia umverdadeiro caos. Assim, as rivalidades entre as autoridades constituídas servem, também,para entendermos alguns aspectos das relações desenvolvidas entre índios e colonizadores.

CONFLITOS ENTRE ÍNDIOS E COLONIZADORES

A conquista de novas áreas para a empresa colonial portuguesa exigiu dos primeirosgovernadores uma tarefa difícil: vencer a barreira imposta pelos índios que então habitavama região. Expulsar os índios “hostis” das suas terras, subjugar os “dóceis” para seremutilizados como escravos nas emergentes plantações de cana e defender-se de seus ataques.

Não é a toa que o Regimento de Tomé de Sousa trás inúmeras determinações decomo tratar com os índios. Vejamos no trecho abaixo a referência a morte de Francisco

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Pereira Coutinho e que tratamento a Coroa sugeria para os índios que colaborassem comos colonos:

(...) e assim sou informado que no ano de quarenta e cinco estandoFrancisco Pereira Coutinho por capitão da dita Bahia alguma desta gente lhefez guerra e o lançou da terra e destruiu as fazendas e fez outros muitos danosaos cristãos de que outros tomaram exemplo e fizeram o semelhante em outrascapitanias e que alguns outros gentios da dita Bahia não consentiram nemforam no dito alevantamento antes estiveram sempre de paz e estão ora emcompanhia dos cristãos e os ajudam e que assim estes aí estão de paz comotodas as outras nações da costa do Brasil estão esperando para ver o castigoque se dá aos que primeiro fizeram os ditos danos pelo que cumpre muito aserviço de Deus e meu os que se assim alevantaram e fizeram guerra seremcastigados com muito rigor portanto vos mando que como chegardes à ditaBahia vos informeis de quais são os gentios que sustiveram a paz e os favoreçaisde maneira que sendo-vos necessário sua ajuda a tenhais certa.(...)

(Regimento de Tomé de Sousa, 1548)

O documento revela que o rei ciente dos graves problemas que os donatáriosenfrentaram com os ataques indígenas, via na resistência dos primeiros habitantes do Brasilas sérias ameaças ao seu empreendimento colonial. Assim, uma das recomendações aTomé de Sousa foi que identificasse os índios que não resistiram ao dominador e oscompensassem. A identificação e a recompensa teriam a função exemplar. Para a Coroa,era necessário que os índios que se submeteram a ação catequética dos jesuítas ecolaboraram com os colonos, tivessem certeza de que os que agiram contrariamente seriampunidos. Testemunhando os castigos aplicados aos índios ‘hostis’, os índios ‘submissos’certamente, não fariam qualquer tentativa de se levantarem contra os colonos.

Portanto, aos índios que resistiram à conquista do território por parte dos portuguesesrestava a punição, tão logo Tomé de Sousa tivesse construído uma infra-estrutura capaz deproteger a ele e aos colonos, conforme indica o mesmo trecho do regimento:

(...) E tanto que a dita cerca for reparada e estiverdes provido donecessário e o tempo vos parecer disposto para isso praticareis com pessoasque o bem entendam a maneira que tereis para poder castigar os culpados omais a vosso salvo e com menos risco da gente que puder ser e como assimtiverdes praticado o poreis em ordem estruindo-lhe suas aldeias e povoaçõese matando e cativando aquela parte deles que vos parecer que basta para seucastigo e exemplo de todos e daí em diante pedindo-vos paz lha concedaisdando-lhe perdão e isso porém com eles ficarem reconhecendo sujeição evassalagem e com encargo de darem em cada um ano alguns mantimentospara a gente da povoação e no tempo que vos pedirem paz trabalhareis porhaver a vosso poder alguns dos principais que foram no dito alevantamento eestes mandareis por justiça enforcar nas aldeias donde eram principais.

(Regimento de Tomé de Sousa, 1548)

E assim agiu Tomé de Sousa, aplicando castigos capazes de aterrorizar a populaçãoindígena, contudo incapaz de eliminar definitivamente a resistência indígena. No trechoacima, percebemos como era imprescindível para Portugal que a paz fosse estabelecida

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com os índios, caso contrário, as dificuldades para implantar a colonizaçãona América Portuguesa seriam ainda maiores e até mesmo intransponíveis.

Na década de 1560, os índios hostis foram sendo retirados do entornode Salvador, permitindo um primeiro surto do desenvolvimento da economiaaçucareira nas terras próximas da cidade. Foi nesse período que sedesenvolveram as paróquias de Paripe, Pirajá, Cotegipe e Matoim. Na década

de 1570 com uma política mais agressiva implementada pelo Governador-geraal Mem deSá, a maior parte do recôncavo estava apta a receber os engenhos de açúcar. O que nãosignificou, absolutamente, o fim dos ataques indígenas, que perduraram até o século seguinte.

Além dos ataques de portugueses aos índios, traduzidos em guerras –especialmenteaquelas comandadas por Mem de Sá -, a exemplo da guerra do Curupeba, a guerra doJaguaripe e do Paraguaçu, entre outras), as epidemias foram grandes aliadas doscolonizadores na conquista dos povos nativos. Assim, entre os anos de 1562-63, cerca decem mil índios foram dizimados pela epidemia de varíola, complementando assim, ascondições favoráveis para a liberação das terras do Recôncavo.

Vimos no tópico anterior à existência dos conflitos entre os administradores da colônia.Certamente, as divergências envolvendo os poderes seculares e religiosos na colôniapassavam pela própria concepção de como deveria ser dirigida a colonização. Se por umlado havia a necessidade de dominar o território e incluir as populações nativas na novasociedade que emergia, por outro lado havia a demanda de mão de obra para fazer funcionara economia açucareira. Dessa forma, temos dois projetos distintos de colonização queenvolviam a população ameríndia, a saber:

1. De longo prazo, sob a responsabilidade do Estado e da Igreja, cujo objetivo eratransformar o índio em morador;

2. De curto prazo, resultado das necessidades dos colonos, que consistia naescravização do índio para atender às exigências da produção açucareira.

À coroa cabia administrar o descompasso entre os interessados nestes dois projetosopostos, ambos fundamentais para o desenvolvimento da colônia. Nesse sentido, ametrópole investiu nas desavenças entre seus agentes com o intuito de centralizar asdecisões, mantendo, de certa maneira, a submissão da colônia enquanto passava o tempoadministrativo, aquele da burocracia, dos papéis que circulavam várias instâncias eatravessavam o Atlântico. No caso específico da legislação indígena, Perrone-Moisés afirma:

Os jesuítas defendiam princípios religiosos e morais e, além disso,mantinham os índios aldeados e sob controle, garantindo a paz na colônia. Oscolonos garantiam o rendimento econômico da colônia, absolutamente vital paraPortugal, desde que a decadência do comércio com a Índia tornara o Brasil aprincipal fonte de renda da metrópole. Dividida e pressionada de ambos os lados,(...), a Coroa teria produzido uma legislação indigenista contraditória, oscilante ehipócrita.

(PERRONE-MOISÉS, Beatriz.In: Índios livres e índios escravos. Osprincípios da legislação indigenista do período colonial (séculos VXI a

XVIII)).

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A partir desses pólos opostos, constatamos a complexidade da administraçãoportuguesa e ressaltamos que os colonos eram representados por senhores de engenho ecomerciantes, e não raras vezes estes eram os próprios membros da administração,lembremos a citação de Boxer sobre a composição das Câmaras Municipais: “provinhamesmagadoramente das famílias dos senhores de engenho do Recôncavo”. Nesse caso,os vereadores que, em tese, faziam parte da administração real, eram também os principaisinteressados nos assuntos locais. Um bom exemplo para ilustrar a atuação dos vereadorese dos conflitos que envolviam os projetos supracitados é a promulgação da lei de 30 deJunho de 1609, segundo a qual declarava-se a liberdade dos índios. De acordo com oPadre provincial Henrique Gomes, que escreveu ao Rei em 5 de julho de 1610 dando contado que se passara na Bahia após a publicação da referida lei, o povo e Câmara reagirammuito mal, voltando seus protestos contra os jesuítas, defensores da liberdade indígena.Segundo Gomes, foi o maior motim que ele vira desde que chegou ao Brasil. Com a palavra,o Padre:

... deram princípio os juizes e vereadores com uns repique a som de guerra,com que a 28 de junho à tarde convocaram o povo à Câmara, onde sendo todosjuntos, tratando-se a matéria, houve vários pareceres e entre eles alguns que nosembarcassem a todos para Portugal, por inimigos do bem comum e da república[...]. Em resolução, depois de vários debates, se assentou que todos juntos emum corpo fossem reclamar a Lei de Sua Majestade diante do Governador Geral edo Chançare-mor, o que efetuaram, entrando dentro de suas casas só a câmara,e ficando de fora o povo todo, bradando a grandes vozes que não queriam nemaceitavam tal lei, excitando-os Gaspar Gonçalves, procurador do conselho, quesob capa de zelo da república foi a mor causa deste motim e alevantamento,persuadindo ao povo, com grandes vozes, que lhes queríamos tirar todo seuremédio e a sustentação [...] o povo se assanhou de modo que largavam pesadaspalavras contra os da Companhia, dizendo uns que nos embarcassem, outrosque nos entaipassem o Colégio; e foi tal o motim do povo, que o Procurador dosíndios correu o risco de ser morto, só por dizer nesta ocasião que se informassemda verdade e achariam que os Padres não tinham culpa alguma.

(Carta do Padre Provincial Henrique Gomes. 5 de julho de 1610. In.LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Vol. V.)

Do trecho citado fica patente a iniciativa da Câmara em protestar contra a nova leique mexia com os interesses dos colonos, dentre eles, os poderosos senhores de engenho.Demonstra também a capacidade de mobilização da Câmara Municipal, que envolveu apopulação num “motim” contra uma respeitada ordem religiosa. E mais ainda, os protestosdeveriam atravessar o Atlântico, sendo dirigidos ao próprio rei, e num só documento, mesmoque para isso fosse necessária a utilização de coação. E assim o fez o vereador JorgeLopes da Costa, que foi pedir aos jesuítas, por parte da câmara uma certidão na qualdeclarasse que a nova lei era um desserviço a Deus e à Coroa, e que prejudicaria todo oEstado.

Em sua versão do ocorrido, o religioso ataca os vereadores, magistrados e ogovernador ao se perguntar em que lugar estava: cidade livre de Sua Majestade, ou emalguma de inimigos? Também busca justificar no medo que teria sentido, o motivo pelo qualconcedeu a certidão, não a que queria a Câmara, mas de qualquer maneira, uma certidãoa favor dos colonos, os quais reivindicavam três coisas: que a nova Lei não lhes retirassem“os índios legítima e verdadeiramente cativos conforme as leis e provisões dos reis

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passados”, que não tomasse os índios “livres” que em suas casas e fazendasmantinham, e esclarecer que a nova Lei abraçava os interesses dos jesuítasque queriam “chutar os índios de suas casas” para os aldeamentos.

Gomes ainda diz na carta que tentou convencer a Câmara de que nãoera responsável pela nova Lei, “acrescentando que nós não éramos partesnem o queríamos ser aos embargos que pretendiam por à nova Lei de Sua

Majestade, que veio dirigida à Relação desta cidade, e nela foi registrada, sem nós aapresentarmos nem sabermos parte dela”. Aqui o nosso informante tenta eximir os jesuítasde qualquer culpa pela nova Lei, ao passo que busca colocar o recém chegado Tribunal daRelação na berlinda. Segundo Schwartz, não ficou clara a participação da Relação napromulgação da Lei que provocou toda esta confusão, muito menos o quanto a populaçãoligou a nova determinação à chegada do Tribunal. Para Schwartz, “é impossível determinarse a Relação ficou desacreditada pela promulgação da Lei”.

O Padre Gomes finaliza a carta demonstrando temor de novos motins “em caso quea dita Lei venha confirmada de Sua Majestade, e os de seu Conselho não estranharemao Governador deste Estado a dissimulação com que nele se houve, e não castigar osque nele foram culpados e particularmente o procurador do conselho...”. Em sua conclusão,o Jesuíta não dispensa novas críticas ao Governador, desta vez atacando-o diretamente,pela dissimulação com que agiu, bem como cobra do rei uma punição ao procurador doconselho.

Como podemos ver os interesses coloniais possuíam divergências, principalmenteno que diz respeito às relações com os índios e, essas divergências certamente tambémmobilizaram a Coroa nas suas tentativas centralizadoras, mas por outro lado não excluíramas intenções dos colonos em agirem de acordo com seus interesses pessoais, dando-nosidéia de que as ações de controle e centralização adotadas pela Coroa nem sempre eramtão eficazes quanto se pretendia que fossem.

ESCRAVIDÃO

A sociedade colonial brasileira se estruturou a partir do trabalho forçado empregadolargamente na economia da grande lavoura. Utilizando a mão-de-obra escrava indígena ouafricana, desde o século XVI os portugueses criaram as bases de uma sociedade multirraciale estratificada, só abolindo a escravidão no século XIX, sendo, portanto, o último país nasAméricas a fazê-lo.

Porém, a escravidão não era naturalmente peculiar aos países ibéricos. É sabidoque por toda Europa medieval persistiram várias formas de escravidão que foram sendosubstituídas por outras formas de servidão ou trabalho forçado em grande parte do continentepor volta do século XIII. Entretanto, nas regiões o mar Negro, mar Cáspio, Mediterrâneooriental e península Ibérica, as questões culturais e étnicas concorreram para que a escravidãocontinuasse a ter certa importância.

A guerra irregular, porém, contínua entre mulçumanos e cristãos na península ibéricacriava prisioneiros e cativos para ambos os lados e, com isso, gerava uma fonte constantede escravos.

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Aliás, a escravidão já era estimulada pela própria legislação portuguesa, comocomprova a Carta de rei Afonso V de 1448 concedendo a dízima do comércio de escravosao infante D. Henrique, o navegador, como governador das descobertas da Guiné. Comoera comum essa concessão se deu em troca dos “bons serviços prestados a Portugal”.Isso significa que a escravidão africana já era utilizada no Arquipélago da Madeira, localque antecedeu ao Brasil na produção do açúcar.

Apoiada pela Igreja através da bula papal Dum Diversos de 1452 a escravidão foiamplamente utilizada pelos portugueses que se valeram do direito concedido pelo papadoque permitia aos mesmos atacarem, conquistarem e submeterem pagãos e sarracenos,tomando seus bens e reduzindo-os à escravidão perpétua.

Já em 1555, outra bula papal – a Romana Pontifex – ampliou o território de atuaçãodos portugueses, incluindo Marrocos e as Índias. Assim, a Igreja tornava-se uma forte aliadade Portugal concedendo-lhe através de muitas outras bulas a ratificação ou ampliação depoderes para que portugueses, sob a justificativa da conversão à fé católica, escravizassee comercializasse homens. Ainda que desaprovasse as formas extremadas de apresamentoe condicionasse o cativeiro à cristianização, a Igreja sempre tendeu a apoiar à instituiçãoda escravidão.

No Brasil, o processo de colonização iniciado nos anos 1530, foi marcado peloapresamento e a utilização de índios como mão-de-obra, posteriormente, mas também emparalelo à escravidão indígena, os africanos serviram ao imenso mercado de mão-de-obraescrava instituído na América Portuguesa.

ESCRAVIDÃO ÍNDIGENA

Ao contrário do que muitos pensam a escravidão indígena foi largamente utilizadano Brasil. Muitos autores ao escreverem sobre os índios acabaram formandoequivocadamente a idéia de que “os índios não se deixaram escravizar”.

Alguns autores ao examinarem o trabalho escravo do ponto de vista da produtividadetentaram explicar a substituição da mão-de-obra indígena pela africana. Muitas dasconclusões que foram explicitadas levaram a idéia errada de que não houve escravidãoindígena.

Gilberto Freyre, por exemplo, concluiu que “o índio era inapto para a vida sedentáriada agricultura” já Caio Prado Júnior, ao concluir que havia pouca lucratividade do trabalhoindígena, destacou como causas a baixa resistência física do indígena e a sua “aversão”para o trabalho.

Análises como essas ajudaram a cristalizar a idéia de que não houve escravidãoindígena. Hoje, diversas pesquisas demonstram que essa mão-de-obra foi bastante utilizada.Em verdade, a escravião dos nativos durou todo o período da colonização e não raro,encontramos registros de escravos indígenas no século XIX. Com uma realidade bastantecomplexa, que, como vimos, envolvia interesses divergentes, a Coroa atuava de maneiraaparentemente contraditória quanto à utilização da mão de obra escrava indígena.Aparentemente porque, segundo a antropóloga Beatrz Prrone-Moisés, em seu artigo Índioslivres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista no período colonial (séculosXVI a XVIII):

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“Havia, no Brasil colonial, índios aldeados e aliados dos portugueses,e índios inimigos espalhados pelos sertões. À diferença irredutível entre‘índios amigos’ e ‘gentio bravo’ corresponde um corte na legislação e políticaindigenistas que, encaradas sob esse prisma, já não aparecem como umalinha tortuosa crivada de contradições, e sim duas, com oscilações menosfundamentais. Nesse sentido, pode-se seguir uma linha de política indigenistaque se aplica aos índios aldeados e aliados e uma outra, relativa aos inimigos,

cujos princípios se mantêm ao longo da colonização.”

Aos índios aliados, a legislação garantia liberdade ao longo de toda colonização,eram considerados senhores de sua terra e, se requisitados ao trabalho, seriam remuneradose deveriam ser muito bem tratados. Já os inimigos, são passíveis de serem escravizados,sobretudo, por meio de dois instrumentos: a guerra justa e o resgate.

São consideradas causas legítimas de guerra justa: recusa à conversão ou oimpedimento da propagação da fé, a prática contra vassalos e aliados dos portugueses e aquebra de pactos celebrados. Também podem ser escravizados índios que, mesmo nãosendo inimigos, forem comprados ou resgatados para serem salvos. De acordo com oRegimento de 25/5/1624, os índios “que estiverem em cordas” podiam ser escravizados.Resumindo, índios que seriam comidos podiam ser resgatados e assim seriam salvas suavida e sua alma. Nesse caso, o cativeiro não era infinito: uma vez que fosse pago em trabalhopelo resgatado o valor do seu resgate, aquele estaria livre. Isso deveria ocorrer, geralmente,num espaço de dez anos, mas dependia do preço, porque era esse, em última instância,que definia o tempo do cativeiro.

Com base num estudo da legislação portuguesa, Perrone afirma com muita segurança,que a legislação indígena promovida pela Coroa portuguesa não foi contraditória, ao invésdisso, terá sido bastante clara, primando pela liberdade dos índios, buscando integrá-losna sociedade colonial como súditos do Rei de Portugal, apenas em alguns casos era possívela escravidão. O que de fato confunde alguns estudiosos, segundo a antropóloga, é que oscolonos sempre se aproveitaram das brechas da lei para escravizar os índios, declarandoguerra justa onde não havia ou alegando resgates quando o que existia era mera violência.Diante dessa realidade, a Coroa emitia Alvarás, Provisões, etc., impondo a liberdadeabsoluta dos índios para, tempos depois, em função de entraves localizados com os nativos,voltava a conceder o direito de escravidão, momento em que colonos por todo o territórioaproveitavam para aumentar seus plantéis.

UNIÃO IBÉRICA E AMEAÇAS EXTERNAS NA AMÉRICAPORTUGUESA

PORTUGAL ANEXADO

Desde 1580, como resultado da crise dinástica em decorrência da morte do rei D.Sebastião, Portugal foi anexado pela coroa espanhola, dando início a uma Monarquiadualista, na qual se reconhecia a existência de duas coroas nas mãos de um mesmosoberano, regime que durou até 1640 e a historiografia designa por União Ibérica.

Nos tempos do reinado de Filipe II, a exploração das minas de prata da Américaespanhola havia atingido o seu apogeu. Tendo em mãos recursos abundantes, Filipe II aliou

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o poderio econômico a uma agressiva política internacional, da qual resultou a anexação dePortugal (até então, reino independente) e a independência da Holanda (até então, possessãoespanhola). Vamos entender como Portugal passou ao domínio espanhol?

Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, noatual Marrocos, em luta contra os árabes. Com a morte do rei, que não tinha descendentes,o trono de Portugal foi ocupado pelo seu tio-avô, o velho cardeal D. Henrique, que, no entanto,faleceu em 1580, e não deixou descendentees. Vários pretendentes se candidataram entãoao trono vago: D. Catarina, duquesa de Bragança, D. Antônio, prior do Crato e, também,Felipe II, rei da Espanha, que descendia, pelo lado materno, em linha direta, do rei D. Manuel.Depois de invadir Portugal e derrotar seus concorrentes, o poderoso monarca espanholdeclarou a união das duas coroas.

Assim, de 1580 até 1640, o rei da Espanha passou a ser, ao mesmo tempo, rei dePortugal, dando origem ao período conhecido como “União Ibérica”.

AS AMEAÇAS EXTERNAS

Analisando o regimento de Tomé de Sousa, observamos que o Governador Geraldeveria, entre outras atribuições, fundar uma cidade fortaleza capaz de se defender daconstante presença de estrangeiros na costa do Brasil e garantir a segurança dos colonosante as constantes revoltas indígenas, etc.3 Em linhas gerais, constatamos que a Coroaestava preocupada, principalmente, em defender e garantir a posse do território, depreferência com retornos lucrativos, embora não faltasse ao documento as naturaisdemonstrações de interesse pela propagação do catolicismo. Entretanto, no que pese osanseios da Coroa em sua jornada de expansão, o Regimento não garantia por si só ocumprimento dos desejos reais, bem como não representou um modelo universal daexpansão portuguesa. Pelo contrário, suas determinações variavam de acordo com asnecessidades locais, ou mesmo das carências reinóis. Assim, em diversos trechos doRegimento de Tomé de Souza, como, aliás, em outros regimentos de governadores doBrasil, o caráter de improvisação sempre esteve presente. Observemos um trecho doregimento de 1548 acerca da construção da cidade fortaleza:

“e no sitio que vos milhor parecer (...) faça hua ffortaleza de gramdura efeição que a requerer o luguar em que a ffizerdes conformando vos com astraças e amostras que levais praticando com os oficiais que pêra isso la mandoe com quaesquer outras pessoas que o bem entendão (...) e pêra se podercomeçar a dita ffortaleza vão nos navios desta armada allguas acheguas e nãoachando na terra aparelho para se a dita ffortaleza ffazer de pedra e cal faz se aade pedra e barro ou taipais ou madeira como milhor poder ser...”

O trecho acima, como praticamente todo o regimento, apresenta uma contradição:embora a Coroa desejasse povoar e defender o Novo Mundo, não enviou recursos suficientespara tal empreitada. A criação de um governo geral representava a intervenção direta noprocesso de colonização, mas não assegurava a execução dos planos metropolitanos. Dessaforma, restava ao rei orientar que se buscasse resolver os problemas de acordo com anecessidade do dia. Em última instância, isso resultava numa flexibilização, pois a própriaconstrução da cidade, abrigo do centro administrativo, teria sua defesa comprometida emfunção das improvisações indispensáveis para o cumprimento das ordens reais. E, ao que

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parece, Tomé de Souza soube lidar com as discrepâncias entre o pretendidoe o possível ao poupar da forca dois franceses presos em 1551, acusados decontrabando de pau-brasil, alegando que estes serviriam como trabalhadoressem custos para a Coroa.5

Este exemplo, aliás, remete a uma outra situação, agora de ordemfinanceira, que também sugere o caráter de improviso dos primeiros tempos

da colônia, quando, em função da falta de “dinheiro de contado” para a realização dopagamento dos soldos e serviços, era comum fazê-lo por meio de mercadorias. Era ochamado resgate, contra o qual se manifestou o mestre de obras Luís Dias que, segundoEdson Carneiro, lamentou a desorganização do serviço de abastecimento e a falta deconsideração com os homens que haviam percorrido grande distância para servir a el’rei,argumentando que havia sido enganado com “tais pagamentos” e que as mercadorias quechegavam de Portugal eram ferros velhos que se vendiam na feira de Lisboa.6

Um outro indicativo dessas “deficiências” coloniais pode ser encontrado no relato deFrei Vicente do Salvador, que afirma ter ouvido de homens do tempo de Tomé de Souzaque o próprio governador “era o primeiro que lançava mão do pilão pêra os taipais e ajudavaa levar a seus ombros os caibros e madeiras pêra as casas, mostrando-se a todoscompanheiro e afável”. Essa informação, entretanto, é passível de equívocos, pois é provávelque Frei Vicente tenha tido a intenção de homenagear a memória do primeiro GovernadorGeral, prática comum nesse tipo de relato. Mas, teria o detentor do mais alto cargo daadministração colonial deixado de lado as reservas quanto ao trabalho braçal a arregaçadoas mangas? Em caso positivo, tal atitude se justificaria certamente em função das pressõesadvindas da Metrópole e, em última instância, de um provável desejo de “dar o exemplo”estimulando as pessoas nas tarefas de construção da cidade, considerando que ascondições de trabalho e pagamento não eram as mais favoráveis como vimos acima.Portanto, tomando por verdadeiras as palavras do frei, poderíamos considerar mais umindicativo dos providentes arranjos de última hora da colônia.7

Até mesmo no que parecia ser o mais o urgente - a defesa da colônia - é possívelverificar a adoção de medidas que estavam longe de um bom planejamento:

“ey por bem e mando que os capitães das capitanias da dita terra e senhoriosdos engenhos e moradores da terra tenham a artilharia e armas (...)

E todo morador das ditas terras do Brasill que nella tever casas terras ouaguas ou navios terá ao menos beesta espingardas espada lamça ou chuça eeste capitolo fareis noteficar e apregoar em cada hua das ditas capitanias comdecraração que os que não teverem a dita artelharia pólvora e armas se provejãodelas da noteficação a hum ano.

Embora tenha deixado claro no início do Regimento o desejo em defender o litoral,el’rei não determinou a formação de exército regular capaz de fazer frente aos nativosinsubmissos e corsários ameaçadores, sua Majestade deu lugar a uma plasticidade singular,fazendo de cada morador um soldado em potencial para guardar suas possessões. Piorainda, mesmo os soldados regulares (bombardeiros, artilheiros, etc) eram completamenteinexperientes.

Essa realidade era agravada pela inferioridade das embarcações utilizadas paraguardar o litoral em detrimento dos navios piratas, e acabou por gerar situações, no mínimodesastrosas, como o episódio em que o capitão-mor Pero de Góes não pode combater os

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franceses traficantes de pau-brasil em função da fragilidade de seus recursos bélicos ehumanos quando comparados com o do inimigo. Em 1554, Pero de Góes advertia em tomde desespero que se persistissem essas condições, os franceses continuariam tendo livreacesso ao litoral da colônia.

Não obstante o caráter de improviso que permeou as ações do primeiro GovernadorGeral, os primeiros passos da colonização por meio desse sistema foram implantadoscom relativo sucesso.Mesmo com as limitações impostas pela realidade da empreitadacolonial, Tomé de Souza cumpriu as ordens reais da maneira que lhe foi possível, inclusivelançando as bases para o desenvolvimento econômico, garantindo a doação de sesmariaspara quem pudesse nelas implantar engenhos, impulsionando a economia colonial. Assim,parece que a instituição do governo geral e a fundação da capital colonial alcançaram oobjetivo desejado pela metrópole, que para Ubiratan Castro de Araújo era o de implantaruma sociedade e economia que fossem capazes de se integrar ao comércio ultramarinoportuguês, bem como permitir a expansão para o interior da colônia. Nesse sentido, após afundação da cidade, partiram os colonizadores para a conquista do seu entorno, oRecôncavo.

Transposta essa etapa de conquista do território, em termos de gente e de vegetação(refiro-me aqui à derrubada da mata que cobria o rico solo do Recôncavo), passaram oscolonizadores a implantar seus engenhos e toda a estrutura necessária para seufuncionamento: mão-de-obra escrava indígena e africana, animais de tração e de corte,combustível vegetal, embarcações, etc. Numa associação de fatores internos e externos (acomercialização da produção açucareira sempre esteve atrelada ao mercado internacional,variando de acordo com os processos políticos e econômicos do Atlântico), a economiaaçucareira deslanchou a partir de 1570, tendo um crescimento acelerado até o ano de1620.

Interagindo com esse processo, Salvador transformou-se num centro urbano paraonde afluíam as ordens reais, embarcações em busca de riquezas e reparação de suaestrutura, carregamentos de escravos africanos, etc. Através das águas da baía de Todosos Santos realizava-se a comunicação com os engenhos que enviavam sua produção pormeio de embarcações construídas na própria Salvador. Graças a sua importância comocentro de decisões políticas, porto de escoamento da produção açucareira e acolhedorado poder religioso, os membros da aristocracia açucareira de regiões vizinhas mantinhamcasas na cidade com o objetivo de controlar seus negócios e ostentar suas riquezas deacordo com o costume da época.. O porto de Salvador, além de muito movimentado emfunção da exportação de açúcar, desempenhou um papel importante para a navegaçãoportuguesa ultramarina. Dos muitos portos instalados pela coroa ao longo das costasafricana, americana e asiática, o porto de Salvador destacou-se desde a segunda metadedo século XVI. Nas palavras de Amaral Lapa, era “uma espécie de pulmão por onderespira(va) a colônia”9. Segundo este autor, contribuiu para este sucesso, dentre outros, osseguintes fatores: a cidade era o centro administrativo da colônia, possuía um bomancoradouro, localizava-se no meio do litoral brasileiro, estava mais próxima do Reino queos portos do Sul, facilitava o contato com a África (estimulando o tráfico de escravos),apresentava recursos em matérias primas, etc.

Todo esse desenvolvimento aguçou ainda mais a atenção e cobiça dos corsáriosque além do pau-brasil, desejavam agora o açúcar e uma série de artigos que poderiamser facilmente encontrados nos armazéns e navios ancorados no porto de Salvador. Conformefoi dito acima, Salvador abrigava um porto importantíssimo para a navegação portuguesa,

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sendo muitas vezes obrigatórias as escalas de embarcações que vinham daÁsia, África e América Espanhola, que procuravam repor mantimentos e aomesmo tempo, abasteciam a cidade. Dessa maneira, os armazéns da cidadede Salvador estariam sempre bem providos de “especiarias, sedas, prataem barras, ouro, pau-brasil e açúcar”.

A colônia, mesmo com um centro administrativo e uma “cidade”fortaleza, continuava com dificuldades em combater os ataques em virtude da perpetuaçãode problemas cujas raízes estavam fincadas no caráter de improviso da colonizaçãoportuguesa, bem como na extensão do território. Como bem notou Schwartz, a baía deTodos os Santos possui um acesso pelo Atlântico muito aberto e vasto, o que dificultavauma defesa adequada da cidade e seu porto. De acordo com esse historiador: “apesar depermanente fortificação de Salvador e da instalação de postos de defesa e artilharia empontos estratégicos, a Bahia sempre esteve sujeita a ataques”. Na tentativa de equacionartais deficiências, foi montada uma cadeia de fortificações ao longo da orla marítima,entretanto o objetivo não foi atingido, dentre outras coisas, pelo fraco poder de fogo dasfortificações e pelas brechas de alguns locais que permitiam a passagem de embarcaçõesinimigas.

A partir de 1580, os ataques estrangeiros aumentaram bastante em decorrência daUnião Ibérica. Se já eram freqüentes os confrontos com embarcações francesas ao longodo litoral da colônia, a união das duas Coroas trouxe para Portugal e suas possessões osinimigos da Espanha, como a própria França, a Inglaterra e a Holanda. Assim, ataques queantes se concentravam nas áreas de domínio espanhol, se estenderam aos domíniosportugueses na América, ou seja, ataques planejados pelos inimigos da Espanha pararegiões da América espanhola, não deixavam de tentar obter lucros durante a passagempelo Brasil. Nesse sentido, diversas pilhagens em portos brasileiros resultaram do fracassodos ataques em áreas espanholas, ou mesmo das dificuldades em atingi-las pela falta decondições climáticas.11 Como exemplo, podemos citar a investida à Bahia em 1587promovida por Robert Withrington e Christopher Lister. Inicialmente esses ingleses partiramde Dartmouth, Inglaterra, em 29 de agosto de 1586 com o objetivo de alcançar o Estreito deMagalhães, para dali apresar embarcações espanholas no Oceano Pacífico. Em 15 dejaneiro de 1587, quando os ingleses já haviam ultrapassado a região do Prata, ventos poucofavoráveis obstruíram o avanço das embarcações, no que Withrington decidiu buscar, “aomenos momentaneamente, um porto ao norte, onde pudessem abastecer-se e aguardar aprimavera”. Não sabemos o porque de retornaram tanto, pois o local escolhido para a esperafoi a cidade de Salvador. Essa espera não foi nada pacífica, muito pelo contrário, os inglesespromoveram um ataque ao porto da capital colonial, provocando muitos prejuízos e pavorentre os habitantes.

Ventos à parte, tudo nos leva a crer que os referidos navegantes sabiam muito bemo que encontrariam nesse retorno exagerado ao norte e possuíam claramente os objetivosde saquear o movimentado porto de Salvador e o rico recôncavo baiano. Relatos de que oshabitantes, tomados pelo medo, abandonaram a cidade da mesma maneira que aconteceudurante o ataque holandês de 1624, merecem particular atenção na medida em quedemonstram que a cidade fortaleza não foi capaz de transmitir segurança aos seusmoradores diante de três naus inglesas. Ou seja, a insegurança que amedrontou oshabitantes em 1624 já se fazia presente no século anterior.

De acordo com a carta de Amador Rebelo, procurador do Brasil em Lisboa, aoProvinçal da Companhia de Jesus, a cidade ficou tão deserta que poucos homens poderiamtomá-la. Até mesmo o bispo D. Antônio, que então governava a colônia, juntamente com o

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Provedor e o Ouvidor, na ausência de Governador nomeado pela Coroa, se preparou parafugir, porém, foi detido pelo comerciante Francisco de Araújo, que, segundo Afonso Ruy,não esmoreceu diante da realidade, organizando uma resistência até a chegada do ProvedorCristóvão de Barros, que retornou do recôncavo com reforços provenientes dos engenhose aldeamentos, ou seja, escravos dos engenhos e índios das aldeias.12 Onde estava a “força”de defesa?

Relata frei Vicente, que assim que os corsários adentraram à baía aprisionaram osnavios que estavam no porto, com destaque para uma Urca de Duarte Osquer, mercadorflamengo que residia em Salvador com marinheiros flamengos, “que voluntariamente lhaentregaram e se passaram aos ingleses”, por não conseguirem entrar na cidade, os inglesesresolveram “barlaventear” pela baía que era muito larga, mandando a zavra (pequenaembarcação) e as lanchas fazerem a pilhagem. Buscando dar combate aos intrusos,Cristovão de Barros ordenou que se montasse

“uma armada de cinco barcas, das que levam cana e lenha aos engenhos(...) [mandando] meter em cada uma dois berços e soldados arcabuzeiros comseus capitães (...), e por capitania uma galé, em que ia por capitão-mor Sebastiãode faria, pêra que , onde quer que desembarcassem os ingleses, dessem sobreeles.”

Após dois meses de batalhas, os ingleses deixaram a baía e os habitantes retornarampara a cidade e receberam punição do governador, “como corretivo ao covarde procederde desampararem a capital da Colônia”. Infelizmente não sabemos dos detalhes destaspunições, porém, fica evidente o quão necessário era a participação da população na defesado território, como dissemos anteriormente.

Dessa maneira, o que observamos na defesa de Salvador em 1587 foi uma medidacriativa e desesperada de quem carecia de recursos para defender a cidade. Mais umavez, fica patente os arranjos de última hora a que estava sujeito a administração colonial.Provavelmente o êxito dessa pseudo armada deva-se ao fato de que não era intenção dosingleses invadirem a cidade. Mesmo não acreditando que as naus inglesas tenham chegadoà Baía de Todos os Santos unicamente em função de fatores climáticos, parece verossímilque de fato seus objetivos eram causar prejuízos a embarcações espanholas e obter lucroscom a pilhagem de portos e navios. Nesse sentido, a chegada das naus à Salvador nãodeve ter sido precedida de um plano de invasão, mas sim de intenções de pirataria e corso,o que fizeram a contento. O desconhecimento do esvaziamento da cidade, ainda que porpoucos dias como acreditamos ter sido, acrescido da resistência organizada de ultimahora e, portanto improvisada, deve ter dado aos ingleses a impressão de que a cidadeestava bem defendida, quando na verdade a realidade era outra.

Nesse mesmo ano (1587), Gabriel Soares de Souza também demonstravapreocupação com a insegurança da capital colonial, solicitando ao rei que acudisse “aodesamparo em que esta cidade está, mandando-a cercar de muros e fortificar, como convémao seu serviço e segurança dos moradores dela; porque está arriscada a ser saqueada...”.14

Soares de Souza temia um ataque de corsários e convidava o rei a assumir seu papel deguardar suas possessões. Informava também que os ingleses conheciam a fragilidade daterra por já terem nela estado. Os temores do cronista tinham fundamento, a falta dos murosda cidade pode não ter facilitado a entrada dos ingleses quando do ataque narrado acimajá que os mesmos não adentraram Salvador por terra, mas, facilitou a fuga dos moradores

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conforme atesta frei Vicente. Apesar de se preocupar com os ingleses, talvezinfluenciado pelos últimos acontecimentos, Gabriel Soares esqueceu demencionar os holandeses, também conhecedores da região e responsáveispor diversos saques a navios que navegavam no litoral próximo a Salvador.Além do mais, foram os holandeses quem deram vida aos seus temoresatacando a cidade em 1599, 1604 e finalmente dominando-a por onze mesesentre os anos de 1624-25. Isso para não falar do saque de 1627, da investida

comandada por Nassau em 1638, da invasão de Itaparica em 1642 e do ataque à mesmailha em 1652.

Essa presença estrangeira nos remete ao terceiro e revelador aspecto do ataqueempreendido por Robert Withrington e Christopher Lister, exemplificado aqui na figura docomerciante flamengo Duarte Osquer, residente na capital colonial, proprietário de umaUrca tripulada por marinheiros flamengos. A atitude de Duarte Osquer durante o ataqueinglês não ficou muito clara na pena do frei Vicente, pois o relato do franciscano confunde oleitor quanto à entrega voluntária da Urca de propriedade do flamengo, ficando a dúvida seteria sido entregue pelo comerciante ou pelos marinheiros. Seja como for, a presença deDuarte Osquer como morador da capital da América portuguesa confirma aquilo que SérgioBuarque chamou de caráter relativamente liberal dos portugueses, ou seja, a permissão da“livre entrada de estrangeiros que se dispusessem a vir trabalhar”. De acordo com essehistoriador, era permitido ao estrangeiro percorrer o litoral brasileiro na qualidade de morador,“desde que se obrigassem a pagar 10% do valor de suas mercadorias, como imposto deimportação, e desde que não traficassem com os indígenas. Essa situação prevaleceu aomenos durante os primeiros tempos da colônia”.

Convém ressaltar que a presença de estrangeiros pode ser notada em larga escaladesde o momento da construção da cidade. Da leitura dos Mandados e Provisões emitidospor Tomé de Souza, constatamos a atuação de profissionais oriundos de diversas localidadesda Europa, em especial da Espanha e de Flandres.16 No entanto, essa “tendência liberal”como afirmou Sérgio Buarque de Holanda, que permitiu a presença de homens como Osquerna colônia foi revista pela administração dos Felipes no Brasil. Assim, após ter ordenado oaprisionamento de grande número de navios holandeses que estavam no porto de Lisboaem 1585, Felipe II determinou em alvará de 1591, a proibição de navios estrangeiros emportos do Reino ou das Conquistas sem prévia autorização real.

A compreensão dessas mudanças empreendidas na administração dos Felipespassa por um entendimento das relações políticas européias no período. Além dasdivergências com a França e a Inglaterra devem ser consideradas em especial as disputasentre a Espanha e suas antigas possessões, agora independentes, as Províncias Unidasdos Países Baixos. Os países do norte europeu estavam agrupados em dezessete provínciassob a tutela da Espanha, esta última, a partir do reinado de Felipe II decidiu adotar medidascentralistas e deter o avanço da religião reformada através da Inquisição. Porém, asProvíncias do norte estavam sob forte influência do calvinismo e rebelaram-se contra o reicatólico, declarando-se independentes da Espanha em 1585; desde então, passaram aser conhecidas como Províncias Unidas dos Países Baixos. A partir dai, a Espanha imprimiuuma série de embargos aos comerciantes dessas Províncias. Embargos esses quetrouxeram Portugal e suas colônias a reboque, haja vista que era o tempo da União Ibérica.

Como observou Joaquim Serrão, a segurança do Brasil não dependia exclusivamentedos combates aos corsários, mas também de medidas que limitassem a atuação demercadores estrangeiros que vinham negociar diretamente nos portos da colônia. Nesse

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sentido, não deve ter sido coincidência que também em 1591, juntamente com o alvarámencionado acima, chegasse ao Brasil a Primeira Visitação do Santo Ofício. SegundoRonaldo Vainfas, na introdução das Confissões da Bahia, no mesmo ano em que chegavaao Brasil o visitador do Santo Ofício, também chegava a Açores, Madeira e, posteriormente,a Angola, outro visitador, o que indica que a preocupação da Coroa espanhola ia muitoalém das questões religiosas, buscando também limitar e vigiar a presença de estrangeirosem suas possessões ultramarinas.

Apesar dessas medidas Filipinas parecerem mais rígidas que as tomadas antes daUnião Ibérica, notamos que no que diz respeito ao planejamento, a Coroa continuava adeixar brechas em muitas decisões fundamentais para a defesa, o que muitas vezes poderiagerar não só morosidade no cumprimento, como mesmo desavenças entre os colonos. Oregimento de Francisco Giraldes traz uma determinação real que exemplifica bem essasituação. O documento informa que o Governador Teles Barreto, falecido em 1587 e a quemGiraldes vinha em substituição, havia construído uma galé nova que ainda não estava emação, e ordenou que o novo governador (Giraldes), assim que chegasse ao Brasil, procurassesaber se possuía serventia para defesa da costa. Em caso positivo, deveria o enviado realordenar a construção de uma galeota para navegar em sua companhia. Quanto aoabastecimento dessas embarcações, o rei foi claro em afirmar que deveria ser feito “commenos despesa de minha Fazenda”. Assim, o rei ordenou:

“aos donos de engenhos d’açúcar das Capitanias das ditas partes, acudamcom mantimentos necessários para soldados marinheiros e chusmas quehouverem de andar nestas embarcações, repartindo-os entre eles com igualdade,possibilidade, e fazenda que cada um tiver; (...) significando-lhes que o queprincipalmente me moveu a mandar armar êstes navios, foi, para com isso, sesegurarem suas fazendas, e as poder navegar livremente, e os ditos mantimentosrepartir por êles nas Câmaras das ditas Capitanias, onde haverá livros da ditaRepartição, em que os Oficiais das Câmaras assinarão para se, a todo tempo,saber a quantidade de mantimentos que cada um há-de-dar e tiver dado, e aordem que se há-de-ter na recadação deles”.

Lamentavelmente, não temos conhecimento do cumprimento dessas ordens parasaber como os senhores de engenho receberam tal determinação, desconhecemos mesmose chegaram a tomar conhecimento do referido Regimento, pois Francisco Giraldes nuncadesembarcou no Brasil, tendo sofrido diversos reveses durante a viagem, em 1589 estavade volta ao Tejo. De qualquer maneira, o documento é significativo para o entendimento dasdecisões do monarca espanhol. Dessa maneira, observamos que a preocupação emdefender suas possessões esbarrava na carência de recursos, ainda mais quandolembramos as dimensões do império espanhol com o advento da União Ibérica. Nessecaso, os custos da defesa deveriam ser divididos com os senhores de engenho, que deveriamcontribuir com igualdade e possibilidade de acordo com os recursos de cada um. Ora,como dividir igualmente o que é por natureza diferente? As ordens reais são contraditóriase demonstram mais uma vez a ausência de estratégias de defesa à altura da quantidade decorsários e piratas que rondavam o litoral da colônia. Do mesmo modo que havia se dirigidoD. João III a Tomé de Souza em 1548, fazia Felipe II a Francisco Giraldes: resolva osproblemas de defesa do território, solucione os conflitos com os índios, aumente osrendimentos da minha fazenda, etc., de acordo com o que ia determinado nos regimentose, quando não fosse possível, de acordo com o que permitisse a realidade, contanto quenão exigisse maiores investimentos por parte da Coroa.

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É óbvio que não se trata de pensar que as determinações reaisdevessem ter um caráter rígido a ponto de engessar as atribuições doGovernador e do corpo administrativo. Como ponderou António ManuelHespanha, “os governadores ultramarinos estavam isolados da fonte do poderpor viagens que chegavam a levar anos, tendo necessidade de resolver semter de esperar a demorada resposta às suas demoradas perguntas”.18 Nessesentido, era natural que a Coroa atribuísse poderes aos governadores para

resolverem questões que não poderiam ser previstas, porém, defender o território e anavegação não era tarefa desconhecida para a metrópole, antes, uma ação imperativapara o rendimento da empresa colonial.

Evidência clara de que os chamados embargos filipinos não produziram o efeitodesejado, certamente por insistirem numa ausência de estratégia defensiva, seja em terraou no mar, os ataques de corsários e piratas continuaram a molestar os habitantes da colônia,bem como os mercadores em alto mar. Em 1590 saiu de Plymouth o corsário inglês ThomasCavendish para saquear as capitanias do sul do Brasil; em 1594 foi a vez do também inglêsJames Lancaster saquear o Nordeste e, posteriormente, se unindo a Jean Venner, atacaremPernambuco; em 1595 uma armada francesa composta de treze navios tentou saquear aVila de Ilhéus; também em 1595 os franceses Poedemil e Gouribaut de La Tramblade vieramao Brasil para traficar pau-brasil, quando os navegantes liderados por Poidemil aportaramnas proximidades de Sergipe foram abordados pelos portugueses acompanhados de índiose enviados para Salvador, onde, após dezoito dias foram enforcados; na Paraíba, o ForteCabedelo foi atacado em 1597 por navios franceses, que não conseguindo êxito na açãose retiraram para Honduras, com uma rápida passagem pelo Rio Grande do Norte. Váriosoutros corsários e piratas tentaram, e muitas vezes conseguiram, saquear portos, vilas eembarcações. Por hora, nos concentremos nos ataques holandeses à América Portuguesa.

HOLANDESES NA AMÉRICA PORTUGUESA

Os holandeses tentaram se estabelecer na América Portuguesa em 1624 na Bahia eem 1630 em Pernambuco. Os motivos dessas investidas estão relacionados ao período daUnião Ibérica, já que os holandeses que eram parceiros dos portugueses no comércio deaçúcar e escravos, tiveram seus interesses econômicos prejudicados quando a Espanhaanexou o trono português. Além disso, os holandeses, rivais dos espanhóis, não só perderamo comércio de açúcar, como também foram proibidos de aportar em terras portuguesas.

Para tentar recuperar seus negócios na África e na América, em 1621 o governo eum grupo de companhias holandesas fundaram a Companhia das Índias Ocidentais epartiram para as investidas.

A principal motivação do ataque holandês ao Brasil era deslocar os conflitos entre aHolanda e a Espanha para o cenário ultramarino. Como Portugal e suas colônias estavamatrelados ao soberano espanhol em função da União Ibérica, os inimigos de Espanha,também se tornaram inimigos de Portugal. E foi justamente pela América Portuguesa queos holandeses resolveram dar início à sua estratégia ofensiva, começando pela Bahia.

A OCUPAÇÃO DA BAHIA

Foi com esse intento que a armada holandesa composta por vinte quatroembarcações partiu do porto de Texel em dezembro de 1623, chegando em Salvador a 8de maio de 1624. Na madrugada do dia seguinte, ao serem percebidos pelos habitantesda cidade, foram recebidos por disparos “vindos de todos os montes”. Por volta das seis

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horas da manhã levantaram âncora e, com ventos favoráveis, penetraram pela Baía sobdisparos oriundos do Forte de Santo Antonio. Em resposta, a frota holandesa revidouviolentamente.

Apesar de a maioria dos tripulantes só ficar sabendo do destino da armada poucosdias antes de o atingirem, os comandantes já possuíam um plano bem definido para efetivara tomada da cidade desde que zarparam em Texel. Assim, ordenou-se que uma parte dasembarcações se posicionassem na praia em frente da cidade, de maneira que os habitantesvoltassem sua atenção para aquela área, enquanto outra parte das tropas desembarcassemna Vila Velha, atual porto da Barra. Assim o fizeram. Desembarcando primeiro uma tropade “vanguarda”, organizada em linha de batalha combatendo os portugueses que guardavamo lugar, enquanto a retaguarda desembarcava com maior tranqüilidade. Com esta investida,os holandeses “enxotaram” os portugueses e hastearam suas bandeiras.

Em seguida, avançaram por um desfiladeiro até a porta de São Bento. Como já eranoite, decidiram que esperariam amanhecer para entrar na cidade, pernoitando no Mosteirode São Bento, onde encontraram vinho e “deliciosos confeitos”.

Na manhã do dia seguinte apareceu alguém acenando uma bandeira branca,anunciando a entrega da cidade. Temendo uma emboscada, entraram em posição decombate. Para surpresa dos invasores, a maior parte dos habitantes havia abandonado acidade. Encontraram apenas alguns negros, muito ouro e prata nas casas e igrejasabandonadas e o Governador que, juntamente com alguns jesuítas, frades, oficiais esoldados, foram todos aprisionados e enviados para a Holanda. Desse momento em diante,até a retomada luso-espanhola em abril de 1625, Salvador foi chamada pelos holandesesde “terra batávica”.19

Para os habitantes de Salvador, a visão da armada que adentrava a Baía causoupânico e correria. Apesar de terem sido avisados pelo rei da possibilidade de um ataqueholandês, a defesa da cidade não contava com nenhuma estratégia especial. Mesmosabendo da presença de uma nau holandesa na região de Boipeba desde o dia 13 de abrilde 1624, o governador Diogo de Mendonça Furtado, a despeito dos seus esforços, nãoconseguiu organizar uma defesa satisfatória da cidade. Imediatamente após o conhecimentodos riscos representados pela referida embarcação, o governador ordenou a vinda depessoas do Recôncavo para auxiliar na guarda da capital colonial. Entretanto, apósaguardarem alguns dias de prontidão sem que nada acontecesse, essas pessoascomeçaram a questionar a necessidade de suas presenças ali e, mesmo sem autorizaçãode Mendonça Furtado, muitas delas retornaram para suas casas. Nessa desobediência, apopulação contou com o apoio do bispo que considerava aquilo tudo exagero do governador.

O ataque da nau Holandia nunca aconteceu, entretanto a tensão se instalou novamentequando, da cidade, a população avistou as vinte e quatro embarcações holandesas a 8 demaio. O anunciado ataque estava prestes a se efetivar e o governador já não dispunha degrande parte do contingente que havia solicitado do Recôncavo no mês anterior. Restou-lheapenas reunir as forças que pode, ameaçar de punição aqueles que fugissem ou retirassemseus bens da cidade e permanecer fiel às suas convicções de defender as possessões damonarquia Ibérica até o fim. Nesse momento, o bispo D. Marcos parece ter percebido oengano que cometera e passou a “exortar” a população que se empenhasse em defender acidade e a “pelejarem até a morte por sua fé e rei”. Os padres das diversas ordens queexistiam em Salvador saíram pelas ruas a encomendar as almas dos corpos que partiampara as batalhas.

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Contam os relatos portugueses que o confronto teve início quando osda cidade receberam com disparos um batel com bandeira de paz enviadopelos holandeses, antes mesmo de ouvirem a embaixada. Em resposta, osholandeses descarregaram seus canhões no costado da cidade, nos fortes enos navios que estavam no porto. E assim transcorreram as batalhas durantetodo aquele dia 9 de maio de 1624.

Enquanto estas batalhas aconteciam defronte da cidade, os holandeses enviaramtrês naus para a ponta de Santo Antonio, onde desembarcaram muita gente. Quando oshomens que guardavam o lugar viram aquilo, não esperaram que chegassem mais perto,abandonando seus postos, correram de volta para a cidade. O jesuíta Jerônimo Peixototentou impedir tal fuga dizendo que eles podiam se embrenhar nos matos e combaterem osinimigos sem que eles soubessem de onde vinham os tiros. Mas o terror já havia tomado atodos, contagiando, inclusive, os que estavam na cidade.

Nesse mesmo dia 9, os holandeses tomaram um forte da Laje20 que ficava em frenteda cidade. Sem conseguir conter o avanço holandês, e provavelmente dando por perdida aguerra, os soldados portugueses incendiaram os navios que estavam no porto antes detambém se retirarem para a cidade.

É muito provável que o retorno dessas duas frentes de defesa para a cidadela tenhamespalhado um desanimo muito grande entre os que combatiam e um certo pânico napopulação em geral. Uma fuga não premeditada deve ter lá sua dramaticidade e, seja comofor, o fato é que a cidade se esvaziou rapidamente, num evidente sinal de pavor por parte deseus habitantes que deixaram o que possuíam para trás. Também o bispo D. Marcos Teixeiratratou de se retirar da cidade. Sua fuga teve uma curta reflexão por parte dos religiososacerca do efeito que poderia ter perante a população, pois alguns eram partidários da idéiade que a fuga do bispo seria o tiro de misericórdia na medíocre defesa da cidade.

Enquanto os habitantes de Salvador sofriam com tanto pavor e pânico, os holandesesaguardavam, não menos apreensivos, o amanhecer do dia seguinte para enfrentar a batalhafinal. Entretanto essa jamais aconteceu, pois, no momento em que os holandeses bebiamvinho e saboreavam deliciosos confeitos no Mosteiro de São Bento, Salvador esvaziava-se.

Na cidade, de acordo com as fontes, ficaram, além dos que resolveram aderir aosinvasores, o governador Furtado e algumas pessoas ligadas a ele. Mesmo sendoaconselhado que fugisse também, decidiu que ficaria até o fim. E assim o fez. Quando tudoparecia sem reversão, o Governador pensou num último ato de desespero - o suicídio -, doqual foi demovido pelo ouvidor geral, Pero Casqueiro.21 Rendido, Mendonça Furtado foiaprisionado pelos holandeses e posteriormente enviado para as Províncias Unidasjuntamente com outras doze pessoas, entre auxiliares e jesuítas que chegavam do Rio deJaneiro.

Em menos de vinte e quatro horas, a capital colonial estava em mãos holandesas.De um lado, o desastre e a vergonha; do outro, a euforia da vitória e os lucros do butim. Aoscolonos restava se organizar nos arredores da cidade e impedir que o inimigo fosse alémdo limite da cidade. Para os holandeses, a tarefa de efetivar a conquista, pois o domíniomilitar da urbis não garantia acesso à produção açucareira, um dos principais objetivosholandeses.

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Durante os onze meses de ocupação holandesa a atuação dos colonos foi intensa eimprimiu uma constante vigília aos holandeses, assegurando a não progressão dos invasorespelo território baiano, confinando-os ao interior dos muros da cidadela. A participaçãoindígena e de negros nos combates foi de suma importância para que os holandesesficassem sitiados. Os índios, especialmente os aldeados, foram uma peça fundamentalpara o sucesso da resistência, combatendo os holandeses com eficiência. Quanto aosnegros, a documentação apontou para uma certa colaboração com os holandeses, tantopor parte dos que fugiram dos seus donos, quanto daqueles que eram apreendidos nosnavios que chegavam de Angola. Certamente, essa colaboração resultou de uma tentativa,por parte dos negros que optaram passar para o lado dos invasores, de encontrarem umdestino melhor. Na verdade, a ação dos colonos durante a resistência foi fundamental paraa rendição dos holandeses. Sem as emboscadas engendradas pelos colonos, a tarefa daarmada luso-espanhola que, posteriormente, libertou a Bahia do domínio holandês teriasido muito mais complexa.

A presença holandesa na Bahia nos sugere que a formação do sistema defensivo dacidade do Salvador demonstrou uma série de debilidades e um alto grau de improvisaçãoresultante da flexibilização que permeava a administração colonial. Esse procedimentocomprometeu a defesa do território português no momento da invasão holandesa. Aoexaminar as ofensivas estrangeiras ao longo dos séculos XVI e início do XVII percebemosa inadequação do discurso de Salvador enquanto cidade fortaleza. Toda as consideraçõesacerca do sistema de defesa da colônia visam entender os motivos que permitiram a rápidainvasão dos holandeses.

A INVASÃO DE PERNAMBUCO

Expulsos da Bahia em 1625, os holandeses não se deixaram abater e, em 1630,voltaram a investir contra a América Portuguesa. Dessa vez, o alvo era Pernambuco. Emfevereiro daquele ano chegou ao litoral pernambucano a esquadra da Companhia das ÍndiasOcidentais, ocasião em que os holandeses ocuparam Olinda e Recife, apesar dospreparativos de defesa efetuados por Matias de Albuquerque, governador de Pernambuco.

O Arraial do Bom Jesus situado numa região entre Olinda e Recife foi o ponto deresistência dos pernambucanos, foi daquele local que se organizaram contra os holandeses,as Companhias de Emboscada, grupos guerrilheiros chefiados por Matias de Albuquerque.

Diferente da Bahia, os pernambucanos não contaram com a Armada Restauradoraque libertou a capital da América Portuguesa do domínio holandês e até 1635 os holandesesestavam arcando com as despesas militares da conquista. A Nova Holanda, que então seconstituía, era, aos olhos da Companhia das Índias Ocidentais, um empreendimentocomercial do qual se esperava extrair altos lucros. Era preciso, portanto, colocá-larapidamente em condições de produzir. Foi enviado, então, como governador-geral, o condeJoão Maurício de Nassau-Siegen, que permaneceu em Pernambuco de 1637 a 1644.

Nassau trouxe um grande contingente militar e em pouco tempo conseguiu adesãodos cristãos novos, dos índios, dos negros e mulatos e, apesar das guerrilhas, expandiu odomínio holandês no litoral nordestino, do Maranhão até a foz do Rio São Francisco. Atravésde algumas medidas como concessão de empréstimos aos senhores de terra, Nassaurestabeleceu a produção de açúcar. O domínio holandês no Brasil não enfrentou grandesproblemas até a restauração de Portugal, em 1640.

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História doBrasil I

Em 1644, em virtude de discordâncias com o governo holandês,Maurício de Nassau retornou à Europa. Após sua saída, o domínio holandêsno Nordeste foi enfraquecido e em 1645 com a Batalha das Tabocas, ocorreuo primeiro confronto entre os holandeses e os luso-brasileiros. A partir desseconflito se deu início a expulsão definitiva dos holandeses que se efetivarianove anos mais tarde com a Batalha dos Guararapes.

Durante vinte quatros anos da ocupação holandesa no Nordeste do Brasil, a guerrafoi sempre uma constante no dia-a-dia dos habitantes. A presença holandesa no Nordestepode ser percebida em alguns períodos: De 1624-1625 – Ocupação de Salvador; de 1630- queda de Olinda, a 1637 quando as tropas do Rei Católico abandonam Pernambuco rumoà Bahia. Esse período corresponde à guerra de resistência, que se saldou com a afirmaçãodo poder neerlandês sobre toda a região compreendida entre o Ceará e o São Francisco ede 1637 a 1645 – englobando principalmente o governo de João Maurício de Nassau (1636-1644), podendo ser prolongado até o ano seguinte, quando eclodiu o levante luso-brasileiro.

Já o período final, de junho de 1645 a janeiro de 1654, abrange a guerra darestauração, que terminou com a capitulação do Recife e das últimas praças-fortes inimigase com a liquidação definitiva da presença holandesa no Nordeste.

Agora é hora de

TRABALHAR[[[[[ ]]]]]1.....Volte a quadro que expõe as determinações do Primeiro Governador Geral Tomé deSousa e grife aquelas que dizem respeito aos índios. Para cada uma delas, faça umcomentário que explique as preocupações das autoridades régias para com esses primeiroshabitantes.

“e no sitio que vos milhor parecer (...) faça hua ffortaleza de gramdura e feição que arequerer o luguar em que a ffizerdes conformando vos com as traças e amostras que levaispraticando com os oficiais que pêra isso la mando e com quaesquer outras pessoas que obem entendão (...) e pêra se poder começar a dita ffortaleza vão nos navios desta armadaallguas acheguas e não achando na terra aparelho para se a dita ffortaleza ffazer de pedrae cal faz se aa de pedra e barro ou taipais ou madeira como milhor poder ser...”22

Observe, acima, o trecho do Regimento de Tomé de Souza, analise-o e responda asseguintes questões:

2.....

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a) É possível fazermos relação entre o que está explicito no Regimento de Tomé deSousa e o discurso que foi construído em torno da cidade do salvador enquanto “cidadefortaleza”? Justifique e exemplifique indicando em que parte do Regimento essa idéiaaparece.

b) Diante das ameaças externas oferecidas por franceses e holandeses, e até mesmodas invasões que a cidade do salvador enfrentou é possível concordarmos com a idéia decidade fortaleza? Explique tomando como referência o sistema defensivo da capital colonial.

Desmundo

Ano de Produção: 2003

Direção: Alain Fresnot

Origem: Brasil

Início do século XVI , o Reino de Portugal enviava órfãs brancas para casarem comos colonizadores portugueses, numa tentativa desesperada de branqueamento da populaçãoda Colônia e minimizar a miscigenação presente em todo o Brasil da época. O filme retrataas relações de gênero, parte da administração e o cotidiano do Brasil recém descoberto,enfocando a história de uma das órfãs enviada de Portugal chamada Oribela que se casacom Francisco, um colono rude que comprava índios na mão de traficantes que viajavampara o interior brasileiro a fim de conseguirem drogas do sertão e mão-de-obra escrava. Ahistória retrata bem as representações em torno do gênero que são mostradas ao longo dahistória da convivência do casal .

1492 - A Conquista do Paraiso

Ano de Produção: 1992

Direção: RIDLEY SCOTT

Origem: EUA

Sessão Cinema...

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História doBrasil I

O filme narra toda a trajetória do navegador italiano Cristóvão Colombo,remontando a história da conquista da América no ano de 1492. Mostrandodesde os preparativos para a viagem, as intrigas políticas, o poderio do clerocatólico, os medos reforçados pelo imaginário de uma Europa recém-saídado feudalismo e as peripécias da tripulação em alto-mar. Além disso, mostra,com muita sensibilidade, a esperança de um homem visionário, bem como ochoque cultural do primeiro contato entre europeus e índios, sem deixar de

retratar a violência da colonização espanhola nas terras americanas.

ECONOMIA COLONIAL

O “SENTIDO” DA COLONIZAÇÃO

A historiografia brasileira se ocupou da análise da realidade colonial brasileirabuscando entender o período da colonização. Nesse aspecto o modelo interpretativoproposto por Caio Prado Jr. em sua obra Formação do Brasil Contemporâneo influenciouboa parte da historiografia sobre o período colonial brasileiro. Sua influência se exercetanto naqueles que procuram manter a idéia do “sentido da colonização”, entendendo que ocomércio externo determinou a estrutura e funcionamento da colônia, portanto, a colonizaçãoseria um mero empreendimento a serviço do capital comercial europeu, quanto naquelesque, criticam essa visão e partem em defesa da autonomia da dinâmica interna à colônia.Nesse caso, tanto os que concordam com Caio Prado, quanto os que discordam vêem-seobrigados a discutir o modelo proposto por este autor e seus desenvolvimentos posteriores,tomando-o como ponto de partida das suas críticas.

Vejamos em linhas gerais as principais características do modelo interpretativo deCaio Prado Jr. Ao tratar do “Sentido da Colonização”, o autor explicita uma das suaspreocupações metodológica que é a relação entre passado e presente. Ou seja, oconhecimento do presente como forma de identificar elementos fundamentais para acompreensão do passado. Prado parte do Brasil independente politicamente nas primeirasdécadas do século XX, mas que continuava dependente economicamente do mercadoeuropeu destacando os elementos essenciais da vida material da colônia, como sendo: agrande lavoura, a monocultura e o trabalho escravo.

Para o autor, são esses elementos que esboçaram os aspectos econômicos, sociaise até mesmo geográficos da sociedade.

Prado diferencia o mercado interno e a produção voltada para ele, como a pecuária,o setor de serviços e a produção de gêneros alimentícios e utensílios para consumo internoenquanto acontecimentos secundários totalmente subordinados aos elementos essenciais.

Dessa forma, o capital comercial torna-se elemento central para a compreensão dasociedade colonial e da sua dinâmica. E assim para Prado o “sentido da colonização”estaria na colônia enquanto organismo completamente orientado para o mercado externo.

Ao se dedicar à análise da vida social Prado a explica através da vida material,entendendo a economia e a sociedade coloniais como um mero apêndice de um sistema

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mais amplo que tem seu centro na Europa, e toda sua dinâmica estaria subordinada àquelecentro. Portanto, não havia no Brasil espaço para a reprodução de uma sociedadeautônoma.

Em 1959, Celso Furtado, em sua obra Formação Econômica do Brasil, tambémdesenvolveu a idéia de subordinação da colônia ao comércio externo, concordando comCaio Prado Jr, Furtado vê a Colônia como um sistema econômico dependente, semautonomia.

“(...) sendo uma plantação de produtos tropicais, a Colônia estava integradanas economias européias, das quais dependia. Não constituía, portanto, um sistemaautônomo, sendo simples prolongamento de outros maiores.”

(Furtado, 1967, p.95)

A leitura que Furtado fez do Brasil das primeiras décadas do século XX também ébastante parecida com a visão de Caio Prado. Ao se concentrar no estudo da economiaagrário-exportadora esse autor analisa o “atraso econômico brasileiro” como decorrenteda orientação para o mercado externo e da utilização da mão-de-obra escrava.

Para Furtado, a produção de gêneros agrícola desenvolvida em extensas áreas deterra com a utilização da mão-de-obra escrava teriam limitado o “progresso técnico”.Igualmente limitado seria o desenvolvimento de um mercado interno em função da produçãovoltada para o mercado externo aliada a uma escassa renda monetária, portanto, faltaria àeconomia colonial, uma dinâmica própria.

Além disso, Furtado também apontou a estrutura econômica baseada na monoculturapara exportação, na grande propriedade rural e no trabalho escravo, como fator promotorde grande concentração da renda entre as classes sociais e, do ponto de vista regional,como fator de concentração de renda no litoral, principalmente no Sul e Sudeste, regiõesque se desenvolveram muito à frente dos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.Entendido dessa forma, os chamados pilares da colonização do Brasil contribuiria paraformar fortes desigualdades sociais e regionais.

Em 1979 Fernando Novais na sua obra Portugal e Brasil na Crise do Antigo SistemaColonial buscou aprofundar as idéias de Caio Prado a partir do conceito de Antigo SistemaColonial dando especial atenção ao papel do regime colonial na acumulação primitiva decapital na Europa, que teve como um de seus pilares a extração do excedente colonial pormeio do monopólio exercido pela metrópole no comércio com as colônias.

O Antigo Sistema Colonial estava ligado ao Antigo Regime, que se caracterizavapelo absolutismo e pelas doutrinas mercantilistas no campo político e econômicorespectivamente.

As análises de Novais vão além das elaboradas por Caio Prado, pois ao explicar oque chamou de “sentido profundo da colonização” esse autor considera a transferência doexcedente da colônia para a metrópole por meio do monopólio do comércio de gênerostropicais como um fator a serviço da acumulação primitiva de capital que teria, entre outrascoisas, impulsionado a Revolução Industrial no século XVIII. Isto é explicado a partir dasrelações de dependência estabelecidas entre Portugal e a Inglaterra.

Novais concorda tanto com Caio Prado, como com Furtado, ao eleger o capitalcomercial como elemento chave para a compreensão do sistema colonial.

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História doBrasil I

Apesar de haver diferenças entre esses três autores, alguns trabalhoshistoriográficos têm elaborado críticas a essas análises tratando-os como seconstituísse um mesmo modelo interpretativo. As críticas teóricas a estemodelo estariam baseadas na acusação de que a idéia de “sentido dacolonização” seria teleológica. Crítica que parece ser mais contundente quandodirecionada ao Fernando Novais. Outras críticas estão relacionadas à defesada importância central do escravismo e ao uso da categoria modo de produção,

trata-se de críticas que apontaram para a tentativa de superação do modelo, ou seja, paraa construção de novos modelos Interpretativos.

Na década de 1980, Jacob Gorender em sua obra O escravismo colonial elaborouuma das principais críticas teóricas ao modelo que explica a economia colonial através docapital comercial. Nesse estudo, Gorender propôs, a aplicação da categoria Modo deProdução como forma interpretativa do período colonial no Brasil e nas colônias americanasem geral. Na obra de Gorender o escravismo passa a ser a chave para o estudo da colônia,e não mais o capital comercial, por isso, o autor se esforça para mostrar que houve, nasAméricas, um novo modo de produção, que ele, denominou de Modo de ProduçãoEscravista Colonial.

Já as críticas empíricas, elaboradas a partir de pesquisas baseadas em fontesdocumentais, apontam um amplo mercado interno e conferem à economia colonial um graumaior de complexidade. Essas críticas têm incentivado a realização de novos estudos. Nadécada de 1990, o trabalho de João Fragoso contrapôs o conceito de Modo de Produção,substituindo-o pelo de Formação Econômico Social. Com isso, Fragoso tentou superar osproblemas trazidos pelo uso da categoria modo de produção visto como uma espécie detipo ideal ou puro. Já o conceito de Formação Social estaria relacionado à idéia de que omesmo comportaria elementos de diferentes modos de produção, sendo que entre essesmodos, um seria dominante.

Apontando a formação de um mercado interno, Fragoso destaca que estas formasnão-capitalistas de produção eram muito expressivas e essenciais na acumulação daeconomia colonial. Assim, a interpretação de Fragoso inverte a visão que nega a autonomiada economia colonial ao atribuir-lhe um “sentido” apenas quando se trata da acumulaçãoexterna de capital. Seus estudos apontam para economia colonial com uma reproduçãoautônoma, cujo processo de acumulação no interior da colônia é o principal fator paracompreender a reprodução desta sociedade.

Diante do exposto podemos verificar que a historiografia brasileira sobre a economiacolonial comportou diversos olhares que por sua vez produziram diversas interpretaçõessobre esse período. Observamos um foco de tensão nas produções historiográficas quebuscaram de um lado, o uso de conceitos universais para explicarem realidades particularese do outro, a busca pela dinâmica interna, própria de cada realidade.

OS PILARES DA ECONOMIA: AÇÚCAR E OURO

Na historiografia sobre a economia colonial o açúcar e o ouro figuram como produtosprivilegiados na pauta das exportações coloniais. Considerados como “pilares” da economiadesse período, os dois produtos engendraram características que podem em algunsaspectos convergir e/ ou se distinguirem.

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No caso da produção de açúcar seu início se mescla às origens da colonização daAmérica Portuguesa, fruto da experiência portuguesa nas ilhas atlânticas e na penínsulaIbérica o sistema de organização da produção baseada no plantio da cana de açúcar ganhouna América novos níveis de eficiência e êxito e delineou os contornos da sociedade colonial.

Aliada a mão-de-obra escrava, a produção da grande lavoura açucareira estruturouno Nordeste brasileiro a sociedade escravista e hierarquizada e implementou a economiavoltada para a exportação em larga escala do açúcar que se revelou cada vez mais enquantoproduto mais racional e talvez o mais lucrativo.

Nas décadas de 1530 e 1540 a produção do açúcar se estabeleceu em bases sólidasno Brasil, já na expedição enviada em 1532, Martin Afonso de Sousa trouxe para o Brasil asprimeiras mudas de cana de açúcar. Posteriormente, essa cultura seria implantada em todasas capitanias hereditárias, construindo-se engenhos em Ilhéus, Porto Seguro, Bahia, SãoVicente, Pernambuco, Paraíba do Sul e Espírito Santo. Entretanto, todos os problemasenfrentados pelos donatários como vimos anteriormente, concorreram para que esseinvestimento não lograsse êxito em todas as capitanias, apenas Pernambuco e São Vicenteforam exceções.

São Vicente, apesar do êxito do donatário, não se tornou uma importante áreaaçucareira durante o período colonial, entretanto, até os primeiros anos do século XVII, acana-de-açúcar foi importante enquanto matéria prima para produção de aguardente e seconstituiu também em um excelente meio de troca sendo utilizada como moeda corrente.Só no século XIX foi que essa região passou a produzir açúcar em grandes quantidades.

Em meados do século XVI a costa nordestina já figurava como centro da atividadeaçucareira no Brasil. Pernambuco revelou-se a mais bem sucedida das capitaniashereditárias, contornando os problemas principalmente com os indígenas, pode o donatárioDuarte Coelho implementar a produção açucareira com sucesso, em 1550 já se tinha notíciada existência de cinco engenhos em funcionamento nesta capitania, em 1580 esse númerojá passava a ser de 66 engenhos e Pernambuco era a principal região produtora de açúcarno Brasil.

Ainda no século XVI, a produção açucareira indicava a geografia econômica do açúcarno Brasil, dando forma à região nordeste enquanto grande produtora dessa cultura. Porvolta de 1570 eram indicados cerca de cinqüenta engenhos em funcionamento nas capitaniasao norte de Ilhéus. Já nos anos de 1583 e 1585 alguns relatos apontam um número deengenhos para o Brasil em torno de 108 e 128.

Embora Pernambuco suplantasse todas a demais capitanias, a capitania da Bahiaera a única que podia lhe fazer frente. Na década de 1580 havia nesta capitania cerca dequarenta engenhos.Juntas Bahia e Pernambuco eram responsáveis por cerca de três quartosde toda a produção açucareira do Brasil.

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História doBrasil I

Já vimos anteriormente que Pereira Coutinho o donatário da Bahianão obteve sucesso na administração da capitania principalmente pela açãodos índios, investindo contra a produção açucareira que ocupava as terrasque antes lhes pertenciam, os índios destruíram engenhos.

Mas, passado esse primeiro momento conturbado, a Coroa soubeapreciar as favoráveis condições climáticas que o recôncavo oferecia para a

produção açucareira. Além disso, as terras eram de boa qualidade para essa cultura e asfacilidades de transporte também eram favoráveis ao desenvolvimento da produção. Acriação do Governo Geral para efetivar o controle régio da nova colônia visava também aimplementação da economia colonial com base na lavoura açucareira, assim, o crescimentoda indústria açucareira na Bahia seria garantido através da expansão política e militar dosportugueses em detrimento da presença indígena da região.

Entre 1560 e 1570, conquistaram-se novas terras e construíram novos engenhos,essa expansão foi intensificada durante o governo de Mem de Sá que subjugouenergicamente a maioria das tribos indígenas do Recôncavo e levou a cabo o projeto dealdeamentos controlados pelos jesuítas. Além disso, esse governador distribuiu Sesmariaspara que fossem construídos engenhos e ele mesmo construiu um dos grandes engenhosque se tornou um dos mais famoso no Brasil colonial, o Engenho Sergipe construído nocoração do recôncavo.

Por volta de 1590, a Bahia assumiu ao lado de |Pernambuco o papel de importanteregião produtora de açúcar, tendo esse produto figurado como carro chefe das exportaçõesbrasileiras durante todo o período colonial e segundo Stuart Schwartz, essa posiçãopredominante foi mantida até meados do século XIX.

Já o ouro, produto totalmente integrado aos objetivos mercantilistas, também temsua trajetória relacionada intrinsecamente ao processo colonização da América Portuguesa.Ainda no ano de 1528, teve-se a primeira notícia de ouro no Brasil a partir das ocorrênciasna serra do Jaguará, localizada na Capitania de São Vicente. Porém, só em 1535 é queatravés de carta Régia se estabeleceu o direito de Posse da Coroa Portuguesa sobrequalquer jazida de ouro existente nas capitanias e dava-se também o direito aos donatáriosde explorá-las mediante pagamento de impostos.

O século XVI se encerrou com notícias de novas descobertas auríferas em outroslocais da região sudeste, enquanto que o século XVII se iniciava demonstrando que a CoroaPortuguesa reforçava, cada vez mais, as preocupações em torno da implementação deuma legislação aurífera com a implantação do Regimento Mineral, primeiro código demineração no Brasil e a fundação da primeira “Casa da Moeda” em Minas Gerais e a “Casados Quintos Reais” em São Paulo que visavam garantir a arrecadação do quinto.

Mas, foi no século XVIII que a produção aurífera ganhou maior destaque. Foi nesseperíodo que a política de controle e exploração por parte da coroa Portuguesa tornou-secada vez mais acirrada, principalmente na região de Minas Gerais, cuja produção chegou atotalizar no período de 1700 a 1725 cerca de 7.500 arrobas. Nesse século a Bahia tambémentra em cena com a oficialização das descobertas de ouro nas serras de Jacobina em1701 e em Rio de Contas em 1718. Nessa época a Bahia passou a ser o segundo produtorde ouro no Brasil, após Minas Gerais.

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Em 1760, a produção aurífera colonial da América Portuguesa atingiu o ponto alto,mas, iniciou um período de queda dois anos depois. No final do século XVIII, as jazidas deouro aluvionar, principal tipo de minério da época, já mostrava sinais de exaustão. Esseperíodo áureo do ouro brasileiro se encerraria no século XIX, quando várias vilas e cidadesque antes floresceram e se desenvolveram sob o signo do ouro, sofreram a paralisação deseu desenvolvimento e em alguns casos, um forte processo de involução.

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História doBrasil I

MÃO-DE-OBRA

Para que a empresa colonial fosse mais lucrativa, era necessário demuita mão-de-obra que pudesse ser explorada, por isso, para implementaçãoda grande lavoura na América Portuguesa, os colonizadores fizeram extensivouso da mão-de-obra escrava, achavam, digamos inviável empregartrabalhadores livres numa produção em larga escala para a exportação.

Afinal, era necessário que os gastos com mão-de-obra fossem quase nulos, daí apreferência pela mão-de-obra indígena. A mão-de-obra escrava era importante para todo osistema colonial. Mas o trabalhador negro escravo ainda custava demasiadamente caro,ao passo que o índio, nem tanto. Além do mais, os índios já “domesticados” se encontravamaos cuidados dos jesuítas. Enquanto para os jesuítas o trabalho do índio significava amanutenção do aparelho administrativo e econômico da catequese (motivo único e final datarefa jesuítica), para os colonos o trabalho indígena significava a própria sobrevivência.

Por isso, inicialmente, foram os indígenas os primeiros a serem escravizados eposteriormente, os africanos. Mas, é importante ressaltar que a introdução dos escravosafricanos não pôs fim à escravidão indígena. Entretanto à medida que avançava acolonização portuguesa, ocorria também a entrada mais sistemática de escravos africanosna América Portuguesa.

Já vimos anteriormente como se processou a escravidão durante o período colonial,cabe aqui nesse momento fazermos algumas reflexões sobre o uso dessa mão-de-obranessa grande lavoura apontando algumas características do trabalho escravo nas regiõesaçucareiras e na região das minas, bem como as razões para a substituição da mão-de-obra indígena pela africana.

A historiografia clássica sobre escravidão até a década se 1980 priorizou os estudosdas características de populações cativas vinculadas à grande lavoura de exportação, locaisem que os escravos eram empregados sistematicamente na produção de mercadoriasdestinadas à exportação, sendo o tráfico de negros africanos essencial para manutenção ecrescimento da mão-de-obra.

Nesses estudos ficaram patentes algumas características da escravaria integrada aeconomia colonial, geralmente apontando os escravos como sendo compostos, em suamaioria, por homens com faixa etária elevada e poucas mulheres e crianças. Indicaramtambém uma certa dificuldade dos escravos ligados a regiões baseadas em atividadestipo exportação, casarem, constituírem famílias e reproduzirem-se.

No entanto, estudos mais recentes, sobretudo no campo da demografia, têm feitovários questionamentos sobre o que até então acreditava-se como norma para os regimesescravistas. Essas pesquisas têm demonstrado por meio das características demográficasque os sistemas escravistas ligados à economia de subsistência tem apresentado padrõesgerais em vários estudos relacionados a este tipo de economia revelando que a própriaestruturação econômica de cada região, apresenta características gerais, mas apontamtambém peculiaridades.

É o caso da região das minas, cujas peculiaridades da atividade extrativaproporcionaram a formação de uma estrutura singular em relação à Colônia. Diferente de

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outras regiões como o Nordeste, onde prevaleceu à atividade açucareira, sob o regime dagrande lavoura, nas regiões das Minas a atividade econômica assentou-se basicamenteno pequeno produtor, por força de variadas circunstâncias, inclusive pela orientaçãometropolitana. Entretanto, isso não significou mudanças inexplicáveis nas regras do SistemaColonial e sim uma adaptação de tais normas às características próprias da mineração,mantendo-se, o objetivo primordial da colonização que era garantir a transferência do máximopossível de excedentes à Metrópole.

Nesse sentido havia interesses em estimular a extração aurífera através de umaestrutura produtiva que podia ser caracterizada como “pequenas propriedades”, ganhandoimportância fundamental o fato dos indivíduos se deslocarem para as minas – tanto daColônia como do Reino – por iniciativa própria, sem necessitar contar com estímulos daCoroa.

Apesar de fundamentar-se na mão-de-obra escrava, o regime escravista namineração apresentava características especiais, pois as atividades mineradoras permitiamaos cativos relativa liberdade de ação.

Segundo estudos que analisam a economia do século XVIII em Minas Gerais, a formacomo se efetuavam os trabalhos extrativos exigiam do escravo um alto grau de esforçofísico, mas apesar do intenso controle e fiscalização sobre os cativos, era comum se utilizaralguns estímulos para se obter efetiva dedicação por parte dos mesmos. Ofereciam-serecompensas, geralmente de caráter material, também podia ser concedida relativaliberdade de trabalho e em alguns casos, autorizava-se ao escravo dedicar-se por algumashoras à extração em seu próprio benefício. Esse expediente era permitido após odesempenho da jornada de trabalho estipulada ou se o escravo obtivesse um acordadovolume mínimo de produção. Essas estratégias proporcionavam aos escravos apossibilidade de reunirem pecúlio suficiente para comprarem sua liberdade.

Assim como na atividade açucareira, nos primeiros anos de implantação da economiaaurífera, pouca ou quase nenhuma atenção foi dada à cultura de subsistência, mais umavez, relutava-se ante o emprego da mão-de-obra para o desenvolvimento da agricultura queviesse abastecer as populações mineiras, o resultado dessa atitude também gerou crisede abastecimento completamente agravada pela fome que grassou nas Gerias atingindo atodas as classes sociais.

Mas, aprendida a lição dos primeiros e duros anos, as áreas de mineração passarama ter outras características, pois, propiciaram o surgimento de inúmeras atividadescomplementares que visavam abastecer a população concentrada nas minas de uma variadagama de bens, tanto os destinados à subsistência, quanto àqueles exigidos para a atividadeextrativa. Para atender tal demanda, desenvolveu-se um intenso fluxo de mercadoriasprovenientes de Portugal e das mais variadas e distantes partes da Colônia. Assim, aeconomia mineira, significava um efetivo elo de interligação do país.

E, finalmente, resta apontarmos agora algumas considerações que são elencadascomo explicações para a substituição da mão-de-obra escrava indígena pela africana.

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História doBrasil I

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E MERCADO INTERNO

Em razão da dimensão da empresa açucareira, bem como dosvestígios materiais e imateriais deixados por essa atividade econômica naocasião do Brasil colonial, estamos acostumados a caracterizar a economiada colônia como produtora de gêneros caros para exportação, e só. Entretanto,pesquisas recentes têm demonstrado que nem tudo era do mínio da

agroexportação.

Por muito tempo, quando se admitia a existência de terras para cultivo de alimentos,logo se associava essas terras à grande propriedade monocultora, colocando a atividadede produção de alimentos como uma subatividade dependente da grande lavoura. Emverdade, diversas passagens de nosso passado colonial pareciam indicar para essadependência. É o caso, por exemplo, do período de dominação holandesa no Nordeste,quando Maurício de Nassau, preocupado com o abastecimento da população, determinouque as plantações de cana deveriam reservar um espaço para o cultivo de alimentos. Defato, quando analisamos essa passagem, percebemos o quanto o espaço produtivo eradisputado entre os gêneros de exportação e os gêneros de consumo. Porém, não podemosnos deixar levar por um ou outro exemplo, ou ainda o que é aparentemente óbvio, e tomá-los como caracterização geral da colônia, ou de qualquer outro processo histórico. Nessesentido, precisamos raciocinar acerca da sociedade colonial e perceber que para o sucessodo empreendimento português na América era necessário que os homens e mulheres queaqui viviam se alimentassem. Logo, apesar do exemplo citado, parece razoável pensar quea produção de alimentos possuía uma dimensão bem maior do que tem ocupado nahistoriografia brasileira.

Na busca de uma melhor compreensão dessa atividade, têm-se destacadohistoriadores como Maria Hieda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, ambosprofessores da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo com pesquisasrealizadas por esses professores e seus alunos, sabemos hoje que a produção de alimentosocupou um lugar significativo na economia colonial, movimentando um comércio interno nacolônia que admitia, ao contrário do que se pensava, a utilização da mão-de-obra escrava,o que nos leva a concluir que nem tudo era plantation, ou seja, que a economia colonial nãoestava formada exclusivamente pela produção monocultora, baseada na mão-de-obraescrava, na grande propriedade e no mercado externo.

Existia, também, a pequena propriedade e ospequenos produtores escravistas. Vejamos, por exemplo,os resultados da pesquisa do professor Francisco Silvasobre a produção de alimentos no Brasil colonial:

“Em Cairu, em 1781, típico centroprodutor de alimentos na Bahia,encontramos 187 roceiros, dosquais 69% - 129 casos – possuemde 1 a 5 escravos, e 25% - 46 casos– entre 6 e 10 escravos, enquanto osrestantes 4% possuíam mais de 10 escravos. Desse conjunto, 94 roceiros, amaioria com menos de 5 escravos, produziam 59% de toda a mandioca da região.Um outro documento, de 1786, registrava 181 roceiros, com 635 escravos; destes,

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entretanto, 77,3 possuíam no máximo 3 escravos cada um e 11 deles não possuíamnenhum escravo (muitos são, eles mesmos, pretos forros, quer dizer, ex-escravos).Na vila de Nossa Senhora de Nazareth das Farinhas, um grande centro baiano ede produção e comércio de alimentos, encontramos, em 1781, 27 roceiros com84 escravos; também em Cairu, em 1786, são 63 lavradores com 242 escravos, amaior parte com 1 até 3 escravos por plantador; em Jaguaripe, ainda em 1781,são 28 roceiros com 99 escravos; em Tejuca, no mesmo ano, são 52 roceiroscom 56 escravo”

Há que se considerar ainda, além da lavoura de abastecimento, a atividade pecuáriacomo parte de um sistema de subsistência que expandiu a fronteira agrícola desde osprimeiros séculos da colonização.

Também no caso da pecuária, temos que considerar as descobertas recentes dahistoriografia que colocaram por terra interpretações que eram, e às vezes ainda são,reproduzidas como verdade absoluta, a saber: a interpretação do heroísmo bandeiranteque, intrépido, construíram o território nacional, ou, então, a idéia de que o índio ofereceumão-de-obra voluntária e culturalmente adequada ao trabalho nas fazendas de gado.

Contra a versão romantizada do heroísmo bandeirante, basta uma análise de umAlvará Real do começo do século XVIII:

“tivesse efeito não somente nas dez léguas do Recôncavo, mas em toda aparte onde chegasse a maré, correndo as mesmas dez léguas da margem dosrios pela terra a dentro e que em nenhum dos sítios, nem nas três capitanias doCamamu, houvesse a inovação do gado de criar e só lhes fosse lícito terem o deserviço, fazendo as pessoas que o tivessem pasto fechado, com cercas tão fortesque ele não pudesse sair a fazer prejuízos às roças e lavouras vizinhas”

(Alvará Régio de 27 de fevereiro de 1701. in. Anais da Biblioteca Nacional, 31, 90-1)

Proibindo a criação do gado num raio de dez léguas da maré, a Coroa procuravadisciplinar a produção, concedendo primazia à grande lavoura canavieira e do abastecimentoda população, bem como promovia o alargamento da ocupação territorial. Ou seja, a criaçãodo gado, e não a atuação bandeirante, foi o verdadeiro responsável pela interiorização dacolônia. Como observa a historiadora Maria Hieda Linhares:

“... o decreto deixa transparecer uma política definida: a de delimitar em áreas própriase resguardar as três paisagens que passarão a configurar a economia rural da Colônia, istoé, a grande lavoura com seus campos definidos, incluída a área industrial; a lavoura deabastecimento, que atendia aos interesses de consumidores urbanos e comerciantes deSalvador, devendo incluir a criação controlada de animais de tiro necessários ao transportedas mercadorias ao porto e, por fim, a pecuária extensiva na fronteira móvel, a cargo desesmeiros e arrendatários, último elo fundamental de um macromodelo agrário.”

Quanto à noção de que na criação do gado não foram utilizados escravos africanos,mas sim índios como mão-de-obra, os historiadores João Fragoso, Manolo Florentino eSheila de Castro Faria afirmam que já em meados do século XVII o norte do atual Estadodo Rio de Janeiro, teve sua ocupação ligada à criação do gado com base no trabalhoescravo. Pesquisas ainda inéditas sobre o sertão baiano apontam no mesmo sentido.

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História doBrasil I

É importante frisar que essas descobertas recentes, que acabam porcomprovar a existência de um mercado interno na colônia, não anulam, nemdesconsideram que a produção açucareira voltada para o mercado esternofoi o principal motor da economia colonial, apenas nos mostram e nos fazemrefletir acerca da complexidade e pluralidade dessa economia.

Agora é hora de

TRABALHAR[[[[[ ]]]]]1.....Com base no que foi discutido até aqui, explique a afirmação abaixo:

“A economia colonial não estava formada exclusivamente pela produçãomonocultora, baseada na mão-de-obra escrava, na grande propriedade e no mercadoexterno”.

Estante do Historiador...

O Trato do Viventes

ALLENCASTRO, Luis F. O Trato do Viventes, São Paulo: Cia.das Letras, 2004

Esta obra propõe uma nova visão da história colonial brasileira,para o autor a história do Brasil entre os séculos XVI e XVII seria

organicamente ligada à história de Angola, sendo esta fornecedora de parte significativada mão-de-obra escrava e responsável por parte da estrutura da colonização portuguesa.Allencastro defende a tese de que essas duas partes unidas pelo oceano se completamnum só sistema de exploração colonial Assim, Brasil e Angola teriam uma história em comum,construída além das barreiras territoriais.

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Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial

NOVAIS, Fernando A . Portugal e Brasil na Crise do AntigoSistema Colonial. São Paulo: Hucitec,1979

Obra de referência na História brasileira, de certa forma, retomaa idéia do sentido da colonização proposta por Caio Prado Jr., analisando

de maneira brilhante o “sistema colonial”, demostrando as suas contradições eespecificidades. O autor propõe a necessidade de resgate do entendimento do dinamismodas relações entre metrópole e colônia, Europa e Brasil.

Segredos Internos

SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. São Paulo:Companhia das Letras, 1986.

Obra que busca reconstruir a economia e a sociedade açucareiradesenvolvida na Bahia colonial, estudando a dinâmica das relações

econômicas dos engenhos a partir de fontes primárias. Tece críticas consistentes àsconcepções tradicionais acerca da riqueza acumulada pelos senhores de engenho.

Sessão Cinema...

Xica da Silva

Ano de Produção: 1976

Direção: Carlos Diegues

Origem: Brasil

O filme conta a história de Xica da Silva, escrava que acabou tornando-se a primeiradama negra da história brasileira, após seduzir o rico explorador de diamantes João deOliveira. O filme mostra o cotidiano setecentista desenvolvido em Minas Gerais, a durezado trabalho escravo na extração mineral.

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História doBrasil I

CULTURA, SOCIEDADE E CONFLITOSNA AMÉRICA PORTUGUESA.

CULTURA E SOCIEDADE COLONIAL.

SOCIEDADE E ESCRAVIDÃO

A sociedade escravista colonial foi alicerçada com base nas ações de europeus,indígenas e africanos. Segundo o brasilianista Stuart Schwartz, a escravidão, como sistema,conferiu à sociedade colonial peculiaridades que resultaram num sistema de graduaçõesoriginado das distinções entre ocupações, raça, cor e condição social. Foram essasdistinções que conferiram à sociedade colonial o estatuto de uma sociedade escravista enão apenas o fato de que sua mão-de-obra era predominantemente cativa. Assim, o engenho,o açúcar e a escravidão desempenharam papéis relevantes na definição da sociedadeescravista na América Portuguesa.

Os princípios que norteavam e ordenavam a sociedade portuguesa foramtransplantados no plano ideológico para a América Portuguesa, adaptando-se e se moldandoàs novas condições encontradas no Novo Mundo. Dessa forma, os ideais de nobrezaperpassavam toda a sociedade e faziam com que determinados brancos que, na metrópole,jamais poderiam sonhar com títulos de nobre, viessem a ter na colônia, aspirações defidalguia, ou seja, sonhassem ter na colônia, um status social mais elevado.

O ideal de nobreza que permeou a sociedade na América Portuguesa desde oprincípio de sua formação, permaneceu por todo o período colonial e auxiliou na organizaçãosocial de forma hierárquica, desigual e paternalista. A concepção de que o trabalho braçalera degradante, não só permitiu aos nobres uma vida sem dedicar-se ao trabalho braçal,mas, proporcionou aos mesmos, as razões ideológicas para aproveitarem melhor a imensamaioria indígena e, posteriormente, os africanos, como mão-de-obra cativa.

Nessa sociedade, o escravismo da grande lavoura destinada a exportação moldouprincípios de organização social que refletiam a organização interna dos engenhos, fazendocom que, segundo Schwartz, o engenho figurasse como um espelho e uma metáfora dasociedade brasileira.

A escravidão e as distinções étnicas criaram novos critérios de status que penetraramem toda a sociedade influenciando os aspectos mais corriqueiros da vida dos homens emulheres da América Portuguesa. Essas distinções geradas pela escravidão afetaram asações e percepções de cada um, fosse escravo ou livre, branco, negro, índio ou mestiço.

A escravidão penetrou tão profundamente a sociedade colonial que podemosidentificar inúmeros casos de libertos que possuíam escravos, de pequenos e pobresproprietários de escravos e até de escravos que possuíam cativos. João José Reis chegaa comentar que no século XIX, as pessoas que não possuíam escravos, eram situadas nolimiar da pobreza.

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Assim como o escravismo criou princípios que nortearam a sociedade colonial, crioutambém uma complexidade traduzida principalmente nas distinções jurídicas. O estatuto delivre e cativo imprimiu ao sistema escravista complicações aprofundadas pelo sistema dealforrias. Entretanto, Schwartz enfatiza que essa sociedade teve forte tendência a reduzirtoda complexidade a dualismos de contraste. Ou seja, “senhor / escravo, fidalgo / plebeu,católico / pagão”. E ainda tendeu a “conciliar as múltiplas hierarquias entre si, de modo quea graduação, a classe, a cor e a condição social de cada indivíduo tendesse a convergir”.Portanto, teríamos, por exemplo, senhor de engenho, branco, livre, cristão e rico, por outrolado, o negro, escravo, pobre e pagão.

Aliada a escravidão, a agricultura baseada na grande lavoura permitiu na ColôniaPortuguesa, a recriação do ideal de nobreza, já que a grande propriedade comandada pelosenhor (o dono) proporcionou ao mesmo, o poder de mando capaz de exercer o controlepatriarcal sobre seus familiares e dependentes, como veremos a seguir nas explicaçõessobre família e patriarcalismo.

FAMÍLIA E PATRIARCALISMO

Se recorrermos aos dicionários mais recentes para sabermos o significado do termofamília, encontraremos entre vários significados, um dos mais usados, ou seja, o conceitode família enquanto grupos de “pessoas aparentadas que vivem geralmente, na mesmacasa, particularmente o pai, a mãe e os filhos”23. Mas não foi sempre assim, nos dicionáriosmais antigos a primazia da coabitação predominava sobre todas as relações, inclusive asbiológicas. Era considerado como família todos aqueles que faziam, parte da casa, incluindocriados, parentes, etc. Portanto, o conceito de família se diferencia no tempo e no espaço.

Essa família de que trata os dicionários mais antigos predominou durante muito tempona historiografia brasileira. Trata-se do modelo patriarcal, noção idealizada por GilbertoFreyre.24 O modelo de família patriarcal que predomina na historiografia do Brasil colonialreflete os significados apontados pelos dicionários mais antigos, cujo critério maior paradefinir a família baseia-se no poder de mando e nas alianças rituais e políticas dos chefesde família.

Embora tenha sido tratada também por outros estudiosos como Caio Prado Júnior eSérgio Buarque de Holanda, entre outros, a família patriarcal ganhou grande importância edestaque na obra Casa grande e Senzala de Gilberto Freyre. Esse autor considerava afamília como a base que dava lastro a sociedade colonial em conjunto. Segundo Freyre,mesmo existindo outras formas de organização familiar na colônia, a família de elite,patriarcal, cujo poder concentrava-se nas mãos do senhor – chefe da família – figurou comomodelo e padrão das relações familiares na colônia.

Esse modelo de família reproduzia em certo sentido, a organização social eeconômica da colônia, na medida em que nas casas-grandes todos se submetiam aopatriarca onipotente.

Aliás, o termo patriarcalismo é utilizado nas ciências sociais para se referir a umasociedade em que o homem exerce o poder de liderança familiar, colocando a mulher numacondição de inferioridade. Porém, no que diz respeito ao Brasil colônia, esse termo seamplia, pois, o poder masculino também abrange o domínio sobre os escravos, osdependentes e a política, extrapolando, portanto, a esfera doméstica.

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História doBrasil I

Sobre a idéia de sociedade patriarcal, se debruçaram vários autores.Entre eles, Oliveira Viana que trabalhou com o conceito de clã rural e patriarcalpara abordar a família senhorial e caracterizar a formação da sociedadecolonial. Segundo esse autor, o chefe de família, prioritariamente branco,determinava não só a organização interna da sua casa, mas também asquestões que diziam respeito à clientela que estava ao seu redor, esse poderera estendido através de alianças políticas e da dominação exercida por seus

capangas.

Já Sérgio Buarque de Holanda, interpreta o patriarcalismo do Brasil como uma dasheranças de Portugal. Para ele, a idéia de família estava fortemente vinculada ao sentidode escravidão, o que explica a dominação direta do chefe de família que subordinava atodos. Sérgio vai mais longe quando analisa o patriarcalismo como forma de organizaçãoda sociedade colonial, pois, a partir desse domínio familiar, o caráter privado da sociedadeestaria também subordinado ao poder patriarcal, sendo, portanto, moldado com base nessepoder de mando senhorial, fazendo com que as fronteiras entre o domínio público e o privadofossem bastante fluidas.

Caio Prado Júnior também se ocupou do patriarcalismo para entender a organizaçãosocial do Brasil colonial. Para esse autor, era em torno do clã patriarcal que se estruturavaboa parte da população da colônia cujas relações se davam na base do clientelismo. Essasrelações teriam também feito parte não só do domínio familiar, mas também do público.Segundo Prado, a administração portuguesa por ser “distante” e “fraca” teria dado espaçopara que o poder patriarcal se impusesse cada vez mais e florescesse na colônia facilitadopela escravidão e pelo domínio rural.

Falamos, anteriormente, que foi Gilberto Freyre quem deu mais destaque a famíliana estruturação da sociedade colonial. Esse autor foi quem mais aprofundou as análisessobre a ordem patriarcal na vida das famílias da casa-grande. Freyre ao considerar asrelações sexuais dos homens brancos com as escravas, interpreta o patriarcalismo comofacilitador do contato entre o senhor branco e a mulher negra. Desse contato resultaria amestiçagem, vista por Freyre de forma bastante positiva.

Outros autores também se preocuparam em analisar as relações familiares na colônia,dentre eles podemos apontar: Antônio Cândido, Luís de Aguiar Pinto e Alcântara Machado.Trata-se de ensaios que priorizaram os estudos das famílias de elite.

Só a partir da década de 1970 com os estudos demográficos é que as análisessobre família buscaram reconstituir as relações familiares fora dos padrões de famíliapatriarcal voltando-se principalmente para a economia doméstica.

Mas foi na década de 1980 que os estudiosos da família formularam críticascontundentes sobre a idéia de família patriarcal. O questionamento mais sistemático sobreesse modelo é de autoria da antropóloga Mariza Corrêa. Apesar da idéia de família patriarcalser tributada a Freyre, as críticas dessa autora são direcionadas muito mais para os estudosde Antônio Cândido do que para o próprio Gilberto Freyre. A explicação para essas críticasreside no fato de que Antônio Cândido teria ampliado o padrão de família patriarcal. EnquantoFreyre analisa a família apenas no Nordeste brasileiro onde teria proliferado a cultura decana-de-açúcar e a formação dos engenhos, Cândido teria visto o modelo patriarcal emoutras regiões do Brasil, cujas características seriam bastante diferenciadas. Além disso,

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Cândido também teria tratado os agrupamentos que não se encaixavam dentro do modelopatriarcal, como “agrupamentos não familiares”.

Além das críticas ao modelo de família patriarcal, os estudos realizados nos anos 80do século XX esboçaram, sobretudo, a necessidade de se ampliar o conhecimento sobreas relações familiares observando as complexidades do universo da família. Algumasquestões foram levantadas nesses trabalhos, a exemplo da possibilidade de não existir opadrão patriarcal em outros grupos sociais. Outra questão era relativa às famílias maispobres e a dificuldade do poder masculino ser exercido com a mesma eficácia que eraapontada para as famílias de elite.

Nesses questionamentos também estavam presentes aqueles acerca da condiçãosubmissa da mulher. Alegava-se que apesar da opressão feminina no período colonial, opapel submisso explicitado pelo modelo patriarcal só poderia ser vivenciado pelas mulheresde elite e mesmo assim, essa condição submissa podia sofrer variações. Além disso,algumas questões apontavam para as evidências de que o poder masculino não era tãoonipotente, pois existia, por exemplo, pedidos de divórcio por mulheres que faziam parte defamílias patriarcais, raptos e casamentos de mulheres mesmo contra a vontade de poderososchefes de família, entre outras situações que apontavam inclusive a mulher como responsávelpelo governo da casa.

Todas essas situações serviram para demonstrar a existência de uma multiplicidadeno território brasileiro que impedem a análise das relações familiares apenas baseada nomodelo patriarcal.

Não se trata, porém, de achar que o estudo do patriarcalismo é irrelevante para acompreensão da sociedade escravista brasileira, mas de entender que é preciso levar emconsideração as peculiaridades e características diversas de qualquer realidade que sepretenda investigar. Assim, os estudos sobre família no Brasil colonial devem levar emconsideração a diversidade das formas de família, das funções familiares e das atitudespara com as relações familiares, tanto ao longo do tempo como em períodos específicoscomo o da sociedade colonial.

AUTORES DE OBRAS CLÁSSICAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda,são alguns dos intelectuais brasileiros cujas obras tiveram comoobjetivo “explicar o Brasil” tornando-o mais inteligível aos própriosbrasileiros.

Gilberto Freire - nascido em Pernambuco em março de 1900, fezos estudos básicos no Recife e ao vinte anos foi para os EUA paraprosseguir os estudos. Tornou-se bacharel em Ciências Sociais e obteveo título de mestre em Ciências políticas e Sociais. Recebeu o título dedoutor Honoris Causa pelas universidades de ColumbiaBaylor, Oxford, Sorbonne, Munique eSalamanca. Foi professor de sociologia emUniversidades brasileiras e americanas.Gilberto freire faleceu em recife no ano de 1987, e deixou uma grande contribuição aosestudos sobre o Brasil.Dentre a sua vasta obra estão trabalhos como: Sobrados emucambos, Ordem e progresso, Nordeste, sociologia, Novo mundo nos trópicos, Aventura

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História doBrasil I

e rotina, Além do apenas moderno, Tempo morto, Açúcar, Um engenheirofrancês no Brasil, O mundo que o português criou, Região e tradição, Ingleses,Problemas brasileiros de antropologia, Perfil de Euclydes e outros perfis,Sociologia: introdução ao estudo dos seus princípios, Ingleses no Brasil. Mas,sem dúvida sua obra mais polêmica foi Casa Grande & Senzala publicadaem 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros. Trata-se de um livro que revolucionou os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos

conceitos quanto pela qualidade literária. Para escrever Casa Grande & Senzala GilbertoFreyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus própriosantepassados a história do homem brasileiro e elegeu as plantações de cana emPernambuco como cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios,africanos e portugueses.

Caio Prado Júnior - primeiro intelectual a utilizar as teorias marxistasno estudo da História Colonial do Brasil. Paulista nascido em 11 de fevereirode 1907 no seio da rica e aristocrática família Prado. Estudou no ColégioSão Luís, realizando depois um ano de estudos secundários no ColégioChelmesford Hall, em Eastborn (Inglaterra). Voltou para o Brasil paraestudar Direito na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, ondese formou em 1928.Sempre envolvido com questõespolíticas, Caio Prado participou da IntentonaComunista em 1935, foi preso e solto dois anosdepois. Em 1937 exilou-se na França, mascontinuou sua ação política junto ao Partido Comunista Francês.Retornou ao Brasil em 1939 e manteve-se ativo na militância comunista (ainda que restrita)chegando a eleger-se deputado estadual por São Paulo em 1947, mas foi cassado no anoseguinte quando o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade.Caio candidatou-se àcátedra de Economia Política na Faculdade de Direito do Largo São Francisco com a teseintitulada Diretrizes para uma Política Econômica Brasileira. Sabia que não seria aprovadoem função de suas posições socialistas, opostas demais a uma instituição conservadora.Deram-lhe o título de livre docente (1954), que lhe foi cassado mais tarde, em 1968. Fundoua Editora Brasiliense e a Gráfica Urupês, pela Brasiliense, publicou a Revista Brasiliense,editada por vários intelectuais no período de 1955 a 1964. É autor de obra vasta ediversificada abrangendo os campos da História, Geografia, Sociologia, Economia, Políticae Filosofia composta pelos seguintes livros: Evolução Política do Brasil (1933); URSS:Um novo mundo (1934); Formação do Brasil Contemporâneo (1942), que é consideradasua principal obra, um clássico ensaio sobre a História Brasileira; História Econômica doBrasil (1945); Dialética do Conhecimento (1952); Diretrizes para uma Política Econômica(1954); Esboço dos Fundamentos da Teoria Econômica (1957); Introdução à LógicaDialética (1959); O Mundo do Socialismo (1962); A Revolução Brasileira (1966), pelo qualrecebe o título de Intelectual do Ano, sendo agraciado com o prêmio Juca Pato; História eDesenvolvimento (1968); O Estruturalismo de Lévi-Strauss - O Marxismo de Louis Althusser(1971); A Questão Agrária no Brasil (1979) e A Cidade de São Paulo (1983). Esse autorfaleceu em 1990 devido a complicações de saúde conseqüentes de um aneurisma na artériaaorta.

Sérgio Buarque de Holanda - nasceu em São Paulo em 11 dejulho de 1902. Estudou no Ginásio S. Bento e na Escola Modelo Caetanode Campos, onde compôs a valsa “Vitória Régia”, publicada na revistaTico-Tico dois anos depois, e onde foi aluno do Afonso de E. Taunay.Em1925, bacharelou-se em Direito pela

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Universidade do Brasil. Em 1926, transferiu-se para Cachoeiro do Itapemirim, no EspíritoSanto, atendendo ao convite para dirigir o jornal “O Progresso”, também neste mesmo ano,fundou, juntamente com Prudente de Morais Neto, a revista “Estética”. Retornou ao Rio deJaneiro, em 1927, e passou a trabalhar na imprensa carioca como colunista do “Jornal doBrasil” e funcionário da Agência United Press. Seu interesse oscilou entre a literatura e ahistória, sempre abordadas pelo viés da sociologia, especialmente a da escola alemã,mais precisamente a de Max Weber. Viajou para a Europa, em 1929, como correspondentedos Diários Associados e fixou residência em Berlim, onde entrou em contato com a obrade Max Weber. Passou a colaborar, em 1930, na revista “Brasilianische Rundschau” doConselho do Comércio Brasileiro de Hamburgo. Em 1936, já de volta ao Brasil, ingressouna Universidade do Distrito Federal como professor-assistente de Henri Hauser na cadeirade história moderna e contemporânea e lecionou literatura comparada como assistente doprofessor Trouchon. Hoje, Sérgio Buarque de Holanda, falecido em 1982, é consideradoum dos mais eminentes intelectuais brasileiros do século XX. Entre suas obras mais famosasestão: “Raízes do Brasil” (1936), “Cobra de Vidro” (1944), “Caminhos e Fronteiras” (1957) e“Visão do Paraíso” (1959). Sérgio Buarque de Holanda também escreveu regulamente paraa Folha entre 1950 e 1953.

SOCIEDADE E BUROCRACIA

A historiografia brasileira apresenta certo consenso no que diz respeito a existênciado poder dos grandes senhores na esfera pública. Não existe consenso, entretanto, entre aidéia de que a própria Coroa Portuguesa teria utilizado de forma adequada o caráter privadofamiliar ou se teria sido o privatismo quem teria invadido o poder público, conferindo aoEstado sua face patriarcal.

A idéia Weberiana de Estado foi adotada por muitos estudiosos do período coloniale enfatiza a burocratização do estado e seu crescente poder político como processoindependente de uma base econômica e social específica. Schwartz discorda dessa idéiaargumentando que se considerarmos esse Estado como uma força crescentementepoderosa e independente, seu papel como regulador de interesses diversos na sociedadeficaria comprometido.

Esse autor considera que é impróprio se referir ao Estado brasileiro com um únicotermo, pois o papel do estado na política brasileira apresenta um conjunto de problemas,revelando uma certa dinâmica. O aparato estatal pode representar na colônia os interessesdos grupos dominantes, mas, por outro lado, pode refletir as situações e conflitos naMetrópole. É preciso lembrar também que, segundo Schwartz, existia a possibilidade deque determinados grupos econômicos na colônia controlassem recursos econômicos esociais, e, se posicionassem de fato, como grupos dominantes, desde que sua posiçãoprivilegiada beneficiasse os interesses da metrópole.

Também é preciso considerar que o crescente poder do estado português estavarelacionado a o triunfo da lei romana e ao desenvolvimento de uma burocracia judiciáriaque administrava as leis e agia a serviço da Coroa em diversas funções governamentais.Foi essa burocracia que criou o sistema legal que impôs e proporcionou condiçõesnecessárias ao controle da propriedade e do comércio e à distribuição, troca e controle damão-de-obra. Assim, o estado através da sua burocracia penetrou cada vez mais em todosos aspectos da vida na colônia.

Entretanto, cabe ressaltar que a despeito dos que defendem o poder do Estadocomo altamente independente e poderoso, o governo local através das Câmaras Municipais,

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História doBrasil I

controladas pelos senhores de engenho, empenharam-se muito mais do queo governo metropolitano em estabelecer os padrões comportamentais paraos escravos e pessoas de cor livres. Sabemos que no que se refere àescravidão, raramente ocorria interferência por parte do estado, ficando acargo dos senhores de escravos todo o controle sobre seus cativos.

Essa situação nos faz questionar o papel da burocracia na sociedade.Para muitos autores existe um conflito entre o estado e a sociedade, alguns autores, comopor exemplo, Raymundo Faoro, viam o Estado como um poder sempre crescente se opondoaos interesses coloniais ou nacionais. Faoro acredita que a burocracia tratava-se de umestrato independente e autopromotor que usava os objetivos do Estado em benefício próprio.Schwartz discorda dessa interpretação na medida em que acredita que “as instituições perse não detém o poder”, mas, sim, “os grupos sociais que o exercem por meio dasinstituições”.

Logo, para Schwartz, os funcionários governamentais modelaram a sociedade coloniale por isso estavam potencialmente sujeitos a serem atraídos para o seio da sociedade queajudaram a formar. Os funcionários régios também aspiravam status, buscavam o prestígioe riquezas, o que na sociedade colonial era amplamente relacionado aos ser senhor deengenho. Portanto, os grupos sociais locais faziam alianças, pois compartilhavam da visãosenhorial, eram suscetíveis ao ideal de nobreza que permeava toda a sociedade na AméricaPortuguesa e essas alianças constituíam as formas de concretizarem seus desejos.

Assim, ao invés de se oporem aos senhores locais, os burocratas régios viam pormeio de casamentos, parentescos, sociedades e cooperação formas de forjarem aliançascom a elite local e legislarem seus próprios interesses.

Agora é hora de

TRABALHAR[[[[[ ]]]]]1.....Analise a imagem ao lado e aponte as características que ela revela sobre a famíliacolonial brasileira.

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Alguns autores que analisaram a relação entre Estado e sociedade no Brasil colonial,chegaram à conclusão de que existia um conflito entre o estado e a sociedade. Entre essesautores destacamos Raymundo Faoro. Entretanto, Stuart Schwartz, discorda dessa idéia.

Com base no que foi descrito no tópico Burocracia e sociedade, explique por queSchwartz discorda da interpretação de Faoro.

2.....

Estante do Historiador...

Mulheres no Brasil Colonial

DEL PRIORE, Mary e PINSKY, Jaime. Mulheres no BrasilColonial – São Paulo: Contexto, 1998.

Este livro retrata o cotidiano das mulheres durante o períodocolonial, resgatando as origens da descriminação para com o gênero

feminino no Brasil. Del Priore demonstra que as mulheres nunca se conformaram apenascom a cozinha e o confinamento do lar, mas ao contrário, buscavam um lugar ao sol nahistória. Por meio de uma análise do dia a dia, dos seus hábitos e costumes, a autorademonstra sua luta para ultrapassar os limites que lhe são impostos, tanto no espaço privadoquanto no público.

História das Crianças no Brasil

DEL PRIORE, Mary. História das Crianças no Brasil.S. Paulo: Contexto, 1997.

Numa perspectiva bastante humanista Del Priore resgata ahistória de milhares de crianças brasileiras comuns que ajudaram a

construir a história do Brasil. Baseando-se em textos de renomados pesquisadores quetrabalham desde dados e informações colhidos dos escritos de alguns viajantes das nausportuguesas do século XVI até informações relativas às crianças carentes brasileiras quevivem na atualidade.

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História doBrasil I

O Diabo e a Terra de Santa Cruz

SOUZA, Laura de Melo e. O Diabo e a Terra deSanta Cruz.

São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.

Essencial para quem busca aprofundar oconhecimento acerca da religiosidade popular, do imaginário e das

práticas de “feitiçaria” que tiveram lugar no Brasil colonial.

Sessão Cinema...

A MISSÃO (THE MISSION)

Ano de Produção: 1986Direção: Roland JofféOrigem: Inglaterra

No século XVIII, na América do Sul, região dos Sete Povos dasMissões, um mercador de escravos indígenas, arrependido pelo assassinato de seu irmão,entra para a ordem religiosa católica dos jesuítas e acaba se envolvendo no olho do furacãodas desavenças que tiveram lugar naquela região reivindicada por portugueses e espanhóis.

CONFLITOS E REVOLTAS NA AMÉRICA PORTUGUESA

A REVOLTA DE BECKMAN E A GUERRA DOS MASCATES

No final do século XVII e início do XVIII surgiram os primeiros conflitos e revoltas naAmérica Portuguesa. Muitos autores relacionam esse clima de conflitos à nova políticacolonial adotada por Portugal depois da Restauração em 1640. Pois, nesse contexto, ascontradições entre metrópole e colônia se manifestaram de diversas maneiras. O protestoao regime comercial monopolista, exemplificado com a Revolta de Beckman em 1684, noMaranhão e o conflito entre senhores de engenho e mercadores, traduzido na Guerra dosMascates em 1709-1711 em Pernambuco são exemplos das manifestações dos colonosda América Portuguesa.

Entretanto, as rebeliões coloniais até o início do século XVIII não chegaram a proporclaramente a emancipação política como solução, a proposta de ruptura só será evidenciadaem movimentos como a Inconfidência Mineira em 1789 e a Conjuração Baiana ou dosAlfaiates em 1798.

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A partir de 1640 a divergência de interesses entre colônia e metrópole tornou-semais evidente. Algumas medidas tomadas pela Coroa Portuguesa fizeram com que oscolonos sentissem mais fortemente a opressão colonial. Foi o caso da criação dasCompanhias de Comércio, empresas que receberam da metrópole o direito de monopolizaro comércio colonial. A criação do Conselho Ultramarino, espécie de tribunal instalado emLisboa, cuja atribuição era controlar a administração colonial, também concorreu para quea própria administração portuguesa ganhasse novos contornos aumentando a opressãofiscal.

Foi nesse contexto de criação de companhias de comércio que eclodiu no Maranhãoa Revolta de Beckman como veremos a seguir:

Revolta de Beckman (1684)

Segundo a administração portuguesa, a criação da Companhia do Comércio doEstado do Maranhão em 1682, tinha por objetivo resolver os problemas que o Maranhãoenfrentava devido à dificuldade de escoar a sua produção e de obter gêneros metropolitanose, sobretudo, escravos. Dentre os objetivos da Companhia estavam a compra da produçãoaçucareira e o fornecimento de gêneros metropolitanos e escravos.

Porém, todas essas atividades eram monopólio dessa companhia, atitude quedeixava os colonos sujeitos aos preços arbitrariamente estabelecidos por ela, gerando aindamais insatisfação, sentimento que se converteu em rebelião porque, além dos direitosmonopolistas e a exploração exercida sobre os colonos, a companhia não cumpriu o seucompromisso de abastecer adequadamente o Maranhão com bens metropolitanos eescravos. Como a Companhia não fornecia uma quantidade suficiente de africanos, ossenhores de escravos do Maranhão recorreram à escravização de índios e bateram defrente com os jesuítas.

A revolta liderada por Manuel Beckman, um abastado senhor de engenho, tambémconhecido por Bequimão, eclodiu em 1684. Os revoltosos invadiram as instalações daCompanhia, saquearam os armazéns e tentaram organizar um governo local. Expulsaramos jesuítas com o apoio da Câmara Municipal de São Luis e dos padres Carmelitas. Oscolonos do Maranhão propunham a abolição do monopólio da companhia e uma relaçãocomercial mais justa.

Foi composto um governo provisório, sob a direção de Manuel Beckman e, seu irmão,Tomás Beckman, foi enviado a Lisboa para apresentar as reivindicações dos revoltosos.Tomás Beckman foi preso e recambiado para o Brasil, na mesma frota em que veio o novogovernador do Maranhão, Gomes Freire de Andrade. O novo governador foi recebido comobediência, e, em seguida, reconduziu as autoridades depostas. Manuel Beckman foi presoe executado.

Mesmo reconhecendo que os colonos possuíam razão, Portugal, apesar de extinguira Companhia, reprimiu o movimento, deixando claro que qualquer contestação políticametropolitana, seria sufocada com violência.

Guerra dos Mascates

Trata-se do conflito ocorrido em Pernambuco entre senhores de engenho e grandescomerciantes, denominados de “mascates”, na maioria portugueses. Esses comerciantes

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foram atraídos para o Recife que após a expulsão dos holandeses havia setornado um centro comercial, graças ao seu porto excelente.

Já Olinda era uma cidade tradicionalmente dominada pelos senhoresde engenho. O desenvolvimento comercial experimentado por Recife, quepassou a ser controlado pelos comerciantes, testemunhava o crescimento docomércio, indicando que essa atividade havia sobrepujado a atividade

açucareira, à qual se dedicavam os senhores de engenho olindenses.

Os senhores de engenho já vinham sofrendo prejuízos desde a concorrência antilhanaque colocou em crise a produção de açúcar do nordeste. Mas ainda possuíam amplospoderes e controlavam a Câmara Municipal de Olinda.

Com o crescimento de Recife, os mercadores ganharam importância e começarama reivindicar a sua autonomia político-administrativa, buscando libertar-se de Olinda e daautoridade de sua Câmara Municipal. Tal reivindicação foi atendida e Recife tornou-se umaVila independente com direito a ter sua própria Câmara Municipal. Os comerciantes libertava-se definitivamente das autoridades de Olinda.

Os senhores de engenho de Olinda, não aceitaram essa independência e resolveramfazer uso da força para impedir as pretensões dos comerciantes. O conflito estourou, comagressões dos dois lados. O governo metropolitano interveio a favor dos comerciantes,após o conflito Recife foi equiparada a Olinda, terminando assim a Guerra dos Mascates,cuja vitória, reafirmou o predomínio mercantil sobre a produção colonial. Considerando queos senhores de engenho eram freqüentemente devedores dos comerciantes, podemosconcluir que a equiparação política das duas cidades tinha fortes razões econômicas eobedecia à lógica do sistema colonial.

CONFLITOS NAS REGIÕES MINERADORAS: A GUERRA DOSEMBOABAS E A REVOLTA DE VILA RICA

Começaremos este conteúdoapresentando um texto da época para aseguir tecer alguns comentários sobre oassunto.

Das pessoas que andam nas minas e tiram ouro dos ribeiros.

A SEDE INSACIÁVEL DO OURO estimulou a tantos a deixarem suas terras ea meterem-se por caminhos tão ásperos como são os das minas, que dificultosamentese poderá dar conta do número das pessoas que atualmente lá estão. Contudo, osque assistiram nelas nestes últimos anos por largo tempo, e as correram todas, dizemque mais de trinta mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catarnos ribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendo e comprando o que se há misternão só para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar.

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Cada ano, vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, parapassarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil, vão brancos,pardos e pretos, e muitos Índios, de que os paulistas se servem. A mistura é de toda acondição de pessoas homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres eplebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais nãotêm no Brasil convento nem casa.

Sobre esta gente, quanto ao temporal, não houve até o presente coação ougoverno algum bem ordenado, e apenas se guardam algumas leis, que pertencem àsdatas e repartições dos ribeiros. No mais, não há ministros nem justiças que tratem oupossam tratar do castigo dos crimes, que não são poucos, principalmente doshomicídios e furtos.

Quanto ao espiritual, havendo até agora dúvidas entre os prelados acerca dajurisdição, os mandados de uma e outra parte, ou como curas, ou como visitadores, seacharam bastantemente embaraçados, e não pouco embaraçaram a outros, que nãoacabam de saber a que pastor pertencem aqueles novos rebanhos. E, quando seaverigúe o direito do provimento dos párocos, pouco hão de ser temidos e respeitadosnaquelas freguesias móveis de um lugar para outro, como os filhos de Israel no deserto.

Teve El-Rei nas minas, por superintendente delas, ao desembargador José VazPinto, o qual, depois de dous ou três anos, tornou a recolher-se para o Rio de janeirocom bastante cabedal, e dele, suponho, ficaria plenamente informado do que por lávai, e que apontaria as desordens e o remédio delas, se fosse possível a execução.

Assiste também nas minas um Procurador da Coroa, e um Guarda-mor, comseu estipêndio. Houve, até agora, Casa de Quintar em Taubaté, na vila de São Paulo,em Parati, e no Rio de Janeiro, e em cada uma destas casas há um provedor, umescrivão e um fundidor, que, fundido o ouro em barretas, lhe põem o cunho real, sinaldo quinto que se pagou a El-Rei desse ouro.

Havendo Casas da Moeda e dos Quintos na Bahia, e no Rio de Janeiro (porserem estes os dous pólos aonde vai parar todo o ouro), teria Sua Majestade muitomaior lucro do que até agora teve, e muito mais se nas Casas da Moeda, bem fornecidasdos aparelhos necessários, houvesse sempre dinheiro pronto para comprar o ouroque os mineiros trazem e folgam de o vender sem detença.

Agora soubemos que Sua Majestade manda governador, ministros de Justiça,e levantar um terço de soldados nas minas, para que tudo tome melhor forma e governo.

ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. 3ª Ed. Belo Horizonte:Editora Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1982. P. 167-68.

A região das minas apresentou para Portugal uma série de problemas no que dizrespeito à manutenção da ordem. Governar a região mineradora era tarefa muito maiscomplexa do que governar as regiões de áreas agro-exportadoras.

A dominação portuguesa sobre as minas era comprometida na medida em que eradifícil economicamente, controlar a produção aurífera. O ouro era, antes de tudo umequivalente universal, condição que favorecia amplamente o descaminho desse metal.

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Dessa forma, para a Metrópole era imprescindível submeterpoliticamente a população das minas, portanto, a imposição da ordem públicaera um requisito necessário para tal submissão e conseqüentemente garantira arrecadação dos tributos.

Observem no texto acima, que o padre Antonil nos dá idéia de como asáreas de mineração atraíram um grande contingente de pessoas em busca

do ouro. Esse afluxo de forasteiros desagradou os paulistas que já haviam descoberto asminas e porque elas localizavam-se em sua capitania. Esse descontentamento por partedos paulistas foi causa de um dos conflitos ocorridos nas áreas mineradoras como veremosadiante.

Vejam também que o texto de Antonil indica as primeiras tentativas da Metrópole emcontrolar a atividade mineradora através de uma incipiente organização administrativa emque poucos funcionários eram responsáveis pelo controle econômico dessa produção. Antoniltambém menciona a falta de justiça para dar cabo dos inúmeros crimes, especialmente oshomicídios e furtos. Em outras palavras, o jesuíta denuncia o total descontrole da Metrópolesobre a população das minas.

Entretanto, essa situação dos primeiros anos seria, em parte, posteriormente alterada.A opressão fiscal determinada pela Coroa tinha além do caráter de arrecadação paragarantir o lucro metropolitano, intenções de submeter toda a população mineira afim de queo empreendimento colonizador na região tivesse êxito. Cabia a metrópole, através dosseus funcionários régios, impedir qualquer descontrole que viesse subverter a ordemnecessária ao controle da Metrópole.

São comuns as referências à região das minas como local de grandes riquezas eopulência, porém, estudos sobre a população mineira revelam que a população das minasera composta por falsários, extraviadores, bandidos, feiticeiros, prostitutas que conviviamcom trabalhadores escravos e livres compartilhando miseráveis condições de vida. Pelanatureza das atividades mineradoras, essa população possuía uma relativa margem deautonomia da força de trabalho. Essa autonomia era temida pela Metrópole na medida emque essa “liberdade” favorecia o contrabando dos metais e pedras na região das minas.

O temor do descontrole fez com que a partir do século XVIII a Coroa Portuguesaestabelecesse para as minas um rígido controle. Em 1702 foi criada a Intendência dasMinas com competência para administrar a mineração, existiam ainda as casas de Fundiçãocom objetivo de controlar melhor a circulação do ouro na colônia, foram criados tambémvários impostos, dentre os quais destacamos o quinto, as fintas, taxa de capitação dosescravos e o Censo das Indústrias. Esse controle metropolitano desagradava plenamentea toda à população das minas, desde as camadas mais abastadas até os chamados“desclassificados”. A sonegação era grande, mas existia sempre a ameaça maior que aderrama. Havia pavor por parte da população das minas de que a Coroa efetivasse aderrama, ou seja, temiam que os agentes do governo cercados por soldados invadissemas casas e pegassem à força, tudo o que havia de valor para completarem as quotasdeterminadas e que os moradores já não conseguiam pagar a Coroa.

Esse clima de opressão fiscal tornava as relações cada vez mais tensas e em algunsmomentos motivou conflitos e revoltas nas áreas de mineração. Como, por exemplo, aRevolta de Vila Rica que veremos adiante. Antes, porém vamos ver como paulistas e

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“forasteiros” se enfrentaram na disputa pelo ouro no conflito que ficou conhecido como aGuerra dos Emboabas.

Guerra dos Emboabas

Vimos, com base em Antonil, que ao se espalharem às notícias da descoberta deouro nas regiões de mineração, milhares de pessoas correram para esses locais tornandoesses espaços amplamente disputados.

No início do século XVIII os paulistas descobriram ouro na sua capitania, nãodemorou para que o local se tornasse ponto de atração para milhares de pessoas vindasde várias partes da colônia e também de Portugal, o afluxo dessas pessoas apelidadas de“forasteiros” desagradou os paulistas que reivindicaram direito exclusivo de explorar asminas encontradas.

Entre 1708 e 1709, ocorreram vários conflitos armados na zona aurífera, envolvendode um lado paulistas e de outro os “forasteiros” apelidados pelos paulistas, pejorativamentede emboabas - nome que os índios davam para um pássaro que parecia estar vestidocomo os forasteiros -. Tratava-se de uma terra ainda sem um controle efetivo, onde todosse achavam “donos”. Assim, ficava com ela quem demonstrasse mais força. Vali a leidaquele que se apresentava como o mais armado.

Os emboabas designaram português Manuel Nunes Viana como governador dasMinas. Tratava-se de um comerciante que havia enriquecido com o contrabando de gadopara a zona mineira. Nunes Viana foi hostilizado por Manuel de Borba Gato, um respeitadopaulista da região. Nos conflitos que se seguiram, os paulistas sofreram várias derrotas eforam obrigados a abandonar muitas minas. O episódio ocorrido no chamado Capão daTraição, no qual vários paulistas foram massacrados pelos emboabas, figura como um dosmais importantes nesse conflito. Em represália a esse massacre os paulistas organizaramuma tropa de mais ou menos 1.300 homens que se dirigiu para Minas com o objetivo deaniquilar os emboabas, mas não chegou a atingir aquela capitania. A guerra favoreceu osemboabas e fez os paulistas perderem várias minas e se dirigirem em busca de novasjazidas em outras partes da colônia, como, por exemplo, Mato Grosso.

Diante dos acontecimentos, o governo português, preocupado principalmente coma produção aurífera e assumiu o controle da região instituindo entre outras medidas acriação de normas que regulamentavam a distribuição de lavras entre emboabas e paulistase a cobrança do quinto, criação da capitania de São Paulo e das Minas de Ouro, ligadadiretamente à Coroa, independente, portanto do governo do Rio de Janeiro, elevação davila de São Paulo à categoria de cidade e pacificação da região das minas, com oestabelecimento do controle administrativo da metrópole, encerrando, portanto, o conflitoentre paulistas e emboabas.

Revolta de Vila Rica

Vimos na introdução desse bloco que a população das minas sofria o peso daopressão fiscal engendrada pela Metrópole que por sua vez, buscava a todo custo evitar odescontrole das minas e o contrabando do ouro. Uma grande carga de impostos e a criaçãode alguns órgãos tinham por objetivo garantir a arrecadação dos lucros da Coroa. Todasessas medidas causavam descontentamento na população em geral e estimulava aresistência através de revoltas.

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Foi contra esse aparato fiscal que em 1720, se rebelaram váriosgarimpeiros. Sob o comando do proprietário Felipe dos Santos, osdescontentes se amotinaram em Vila Rica e exigiram que a administraçãocolonial acabasse com as Casas de Fundição. O desagrado perante essesórgãos era justificado sob a alegação de que eram poucas essas casas elocalizavam-se distantes, além de serem acusadas de corrupção. Mas, comojá vimos esses motivos se pautavam especialmente nas questões ligadas à

cobrança de impostos; descaminho e circulação de ouro em pó, etc.

O governador conde de Assumar, sob ameaça de armas, prometeu atender asreivindicações dos amotinados e a perdoar previamente os motins que promoveram.Entretanto, tratava-se de uma simulação do Conde para sentir as reais intenções dosamotinados e a participação de cada um na revolta. Passado cerca de 12 dias de suaenganosa promessa, conseguiu esmagar e neutralizar a revolta. Como sempre a repressãose fez presente, seguindo um costume da Coroa Portuguesa que, percebia nesses episódios,bons momentos para uma punição exemplar, Felipe dos Santos foi executado e teve seucorpo esquartejado.

Porém, essa não foi à única rebelião ocorrida nas minas, em outros momentos apopulação das minas também se rebelou lutando contra a exploração metropolitana.

ILUMINISMO E IDEOLOGIA LIBERAL NA COLÔNIA E AINCONFIDÊNCIA MINEIRA

Contestado desde o século XVII com a Revolução Inglesa, o absolutismo sofreu seumais sério abalo ao fim do século XVIII com a Revolução Francesa. Da Inglaterra do séculoXVII à França do século XVIII, muitas mudanças ocorreram, sendo fundamental destacar aRevolução Industrial que, se teve a Inglaterra como pioneira, não significa que a atividadeindustrial tenha se concentrado apenas nesse país. Também a França, a Holanda e atémesmo Portugal davam seus passos rumo à produção industrial. Essas mudanças traziamconsigo as necessidades de mudanças nas esferas sociais e política, uma vez que aburguesia necessitava cada vez mais de liberdade para agir, o que significava, dentre outrascoisas, barrar os privilégios de nobres, do clero e da burocracia, liberando os burguesesdas amarras absolutistas permitindo-lhes passos mais largos. Isso, em última instância,equivale a dizer que o modelo absolutista se fazia obsoleto para o grupo que emergia.

Outros dois aspectos de grande importância, especialmente para compreender acrise do sistema colonial, foram o pensamento iluminista e a Independência das 13 colôniasinglesas. O Iluminismo atuou no campo das idéias disseminando um pensamento rebeldeque pregava, sobretudo, o uso da razão para compreender e transformar a realidade.Criticando a autoridade absoluta do rei, a Igreja, o colonialismo, a escravidão, o monopóliocomercial, enfim, tudo o que caracterizava o Antigo Regime, os filósofos iluministas e suasidéias ganharam o mundo ocidental e atravessaram o Oceano Atlântico, vindo iluminar asreuniões e debates na América.

No caso do Brasil, a princípio apenas uma elite letrada, que havia passado pelasuniversidades européias, tivera acesso a tais idéias. Entretanto, com o passar do tempo,essas idéias chegaram aos estratos sociais mais pobres, especialmente entre soldados,como bem exemplifica a Conjuração Baiana. O pensamento das luzes com suas críticas aoAntigo Regime, caía como uma luva nas mãos e mentes daqueles que sofriam de perto as

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mazelas do colonialismo. Segundo o historiador Luis Carlos Villalta, em seu livro 1789-1808. O império luso-brasileiro e os Brasis, dentre os pensadores ilustrados, houve quemapoiasse a insurgência dos vassalos contra seus soberanos e dos colonos contra ametrópole.

A influência dos iluministas nos dois lados atlântico foi tãodecisiva para história ocidental que até mesmo monarcas absolutistasresolveram fazer reformas inspiradas no iluminismo para garantirmaior apoio aos seus governos, eram os déspotas esclarecidos.

Também por intermédio de Portugal, o Brasil teve o seu déspotaesclarecido, o marquês de Pombal, que encabeçou uma série

de mudanças na administração portuguesa visandomodernizá-la. Dentre as ações de Pombal, destaca-

se a tentativa de tirar Portugal de umasituação de inferioridade no cenário

internacional, fortalecer o poder da Coroadiante da Igreja, numa clara valorização da razão tão pregada pelos iluministas. Essa políticaafastou do Brasil os Jesuítas, retirando a educação dos jovens da esfera religiosa. EmPortugal, apoiou reformas, também de caráter iluminista, na Universidade de Coimbra. Localpor onde passaram alguns dos participantes da conspiração mineira de 1789 e tomaracontato com a obra do Abade Raynal que, em sua História Filosófica da colonizaçãoeuropéia nas duas índias, confrontava as riquezas do Brasil à de Portugal e propunha umasérie de reformas no Império português, com destaque para o rompimento do exclusivometropolitano, diminuição da opressão fiscal e dinamização do comércio intercolonial.

Quanto à influência da independência das 13 colônias inglesas nos movimentosocorridos na América portuguesa, em especial, na Inconfidência Mineira, o historiadorKenneth Maxwell, em seu artigo intitulado As causas e o contexto da conjuração mineira,afirmou: “O exemplo da revolução americana foi particularmente adequado porque osconspiradores viam notável semelhança entre a causa dos acontecimentos da América doNorte e a sua própria situação”, ou seja, a exagerada carga de tributos.

Ao final do século XVIII, em meio a tantas ebulições internacionais, a Américaportuguesa também enfrentava suas contradições internas, fosse entre uma elite local ecomerciantes ultramarinos, fosse em relação às desigualdades sociais, os colonos semovimentaram para demonstrar suas insatisfações. Nessas manifestações, conforme osinteresses, atuaram as influências das luzes ou da independência das 13 colônias inglesasna busca do rompimento dos laços metropolitanos.

Inconfidência Mineira

Os movimentos de contestação à metrópole ocorridos na América Portuguesa emfins do século XVIII tem sido denominados de Inconfidência ou Conjuração. No caso doprimeiro, seu significado está associado à idéia de traição e infidelidade ao soberano e àMetrópole, já a conjuração estaria mais próxima das atitudes dos colonos que em defesados seus interesses, planejaram conspirações.

Entretanto, inconfidências ou conjurações foram movimentos que se inserem nocontexto de contestação do sistema colonial. Movimentos que receberam influências decontextos externos como, por exemplo, a Independência das 13 colônias Inglesas na Américado Norte em 1776 e a revolução Francesa em 1789.

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Nos estudos que analisam a influência das idéias revolucionáriasdesses dois episódios, nos acontecimentos que contestaram à dominaçãoportuguesa, a Inconfidência Mineira tem sido apontada como um caso clássico.

A decadência da produção aurífera na segunda metade do século XVIIIteria gerado tensões sociais diversas. Nesse contexto houve um aumento donúmero de quilombos na região das minas, cresceu também o contingente de

homens pobres livres, problemas que se agravavam frente à opressão fiscal imposta pelaCoroa Portuguesa e o aumento da dívida da Capitania das Minas para com a Fazenda real,este último trazia a ameaça da temida “derrama”. Diante dessas condições a populaçãonão concebia mais a exploração colonial, era preciso mudar aquela situação.

Para os historiadores da Inconfidência Mineira, o exemplo fornecido pelas trezecolônias Inglesas foi muito bem recebido na região das minas. A possibilidade de quebrado vinculo colonial traduzido na independência daquelas colônias, animou ainda mais oclima de efervescência já existente naquela Capitania, local em que a leitura de textosilustrados como os do Abade Raynal já se fazia presente e ajudava a construir a crítica aosistema colonial.

O movimento ocorrido nas Gerais envolveu os principais fazendeiros, criadores degado, exploradores de minas, contratadores, magistrados e militares da região, envolvendotambém alguns intelectuais da época. Os inconfidentes mineiros buscaram a independênciadas Minas e possuíam projetos para o novo país. A capital seria São João Del rei, enquantoVila Rica seria um Centro Universitário. Planejavam criar manufaturas de pólvora, ferro etecidos. Inspirados nos EUA desejavam um governo republicano, entretanto, a escravidãoseria mantida, já que boa parte dos inconfidentes era dono de escravos.

Como grande parte das conspirações, a de Minas também foi delatada e asautoridades agiram rapidamente sufocando o movimento, entretanto, Joaquim José da SilvaXavier, o Tiradentes, foi o único inconfidente a ser enforcado. Aos outros inconfidentes,membros da elite mineira, coube o degredo para a África e não a pena de morte.

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A inconfidência mineira é um dos temas mais complexos na historiografia brasileira,muitas são as interpretações acerca desse movimento, mas no geral, ele é visto comocontestação do sistema colonial em prol do movimento de independência.

“CONJURAÇÃO” BAIANA

O movimento que ocorreu na Bahia em 1798 recebeu por parte dos historiadoresdiversas interpretações e representações que demonstram certa controvérsia. Inconfidência,conjuração, revolta, revolução, sedição, movimento democrático são os termos usados pelahistoriografia na tentativa de analisar os acontecimentos que envolveram diversos indivíduospobres e destituídos “tocados pelas idéias da Revolução francesa”.

No final do século XVIII, a cidade do Salvador se caracterizava como uma grandecidade colonial com um grande e diversificado contingente populacional. As distinções decor interferiam no mercado de trabalho concedendo aos brancos a primazia dos serviçospúblicos e um lugar no setor comercial da cidade. Considerando que grande parte dapopulação branca era oriunda de Portugal, esses seguimentos se colocavam em melhorescondições de receberem favores, comissões ou concessões do rei.

Já para os brancos da terra, pobres, as expectativas de trabalho eram mais reduzidas.Sem poder exercer os ofícios considerados de “preto”, cabia aos homens e mulheres brancase pobres da cidade do Salvador competirem com os brancos reinois, os cargos burocráticos.

O restante da população urbana, na sua maioria descendente de africanos conviviacom a hostilidade e amargavam os baixos escalões da sociedade submetendo-se aostrabalhos mais humilhantes e fatigantes, exerciam as mais variadas e menos prestigiadasartes e ofícios, desenvolviam as atividades urbanas menos qualificadas. Grande parte dessapopulação era incorporada ao serviço militar, cujas condições de trabalho e tratamento nãose distanciava muito das condições do cativeiro.

Esse povo chamado de “povo mecânico” sonhava em ter direitos iguais aos brancos,sonho que só se realizaria em um outro Estado que os incluísse como cidadãos. Por outrolado, o Estado colonial não se mostrava capaz de ofertar novos empregos, além disso,dificultava ainda mais a ascensão das camadas mais inferiores às novas oportunidades detrabalho.

É contra essa situação e esse estado colonial que se volta a plebe urbana de Salvadorem 1798. No dia 12 de agosto daquele ano foram espalhados panfletos revolucionários porvários pontos da cidade. O programa contido nesses papeis trazia um conteúdo heterogêneo,pois, mesclavam reivindicações como aumento do soldo das tropas e reformas de carátermais abrangente. Traziam também palavras de ordem, impregnadas pelos ideais daRevolução Francesa, propondo a fundação de uma “República Bahiense”, e propagandoos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade.

Os panfletos foram retirados e encaminhados às autoridades que se encarregaramde reprimir o movimento prendendo os suspeitos e instaurando a devassa. O soldado LuisGonzaga das Virgens foi preso sob a suspeita de ter elaborado os pasquins sediciosos.Com sua prisão, os demais participantes tentaram agir reunindo-se no Campo do Dique doDesterro no dia 25 de agosto de 1798. As autoridades se anteciparam e impediram areunião, bem como ordenaram, no dia seguinte, a prisão dos principais envolvidos.

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As autoridades coloniais se empenharam em reprimir o movimento eaté fevereiro de 1799, efetuaram-se prisões na cidade do Salvador. Após oprocesso judicial quatro réus foram enforcados em novembro de 17999: LuizGonzaga das Virgens (soldado), João de Deus do Nascimento (alfaiate),Manuel Faustino dos Santos (alfaiate) e Lucas Dantas do Amorim Torres(soldado). O fato de muitos dos participantes desses acontecimentosexercerem o ofício de alfaiate fez com que muitos autores denominassem o

movimento de Conspiração dos alfaiates.

Para o historiador Ubiratan castro de Araújo, “aqueles homens de 1798 formularampropostas e buscaram alianças para superar coletivamente a crise da cidade.Propagandearam as suas idéias. Fizeram política e por isso foram cruelmente reprimidos.De fato, alfaiates e soldados foram enforcados e esquartejados porque eles representavama ousadia de homens de cor em se meter no que não era da sua alçada. Sua humilhaçãofoi o golpe dirigido a toda a população de cor da cidade – livres, libertos e escravos – paraquebrar o seu orgulho, a sua vontade de mudança, o seu desejo de igualdade”. 25 Portanto,o movimento de 1798 pode não ter exprimido nenhuma consciência nacional, mas é vistopor alguns autores, como um dos passos para a independência de 1822. Foi um movimentoque manifestou o profundo descontentamento das camadas mais humildes da populaçãoda América Portuguesa.

HISTÓRIA ATRAVÉS DE DOCUMENTOS

Veja abaixo os dez boletins sediciosos que foram anexados aos autos dadevassa. Os de números 1,2,3,8 e 10 apresentam sinais de que foram afixados emparedes. A ordem aqui exibida é a mesma que se encontra na devassa e forampublicados por Luis Henrique Dias Tavares.

Boletim nº 01

Avizo:

Animai-vos PovoBahinense que está parachegar o tempo felis da nossaLiberdade: o tempo em quetodos seremos irmaons: otempo em que todos seremosiguaes: sabei que já seguem opartido da Liberdade osseguintes

Aqui não se faz mençãodos não conhecidos, porémsim daqueles que igualmentese communicão porconsequencia da Liberdade.

O Povo Bahinense

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Boletim nº 02

Quer o povo que se faça nesta cidadeE seu termo a sua memorável revolução,E que o soldado perseba 200 reis de soldo cada dia.

Povo

Boletim nº 03

Avizo ao Pôvo Bahinence

O’ vós Homens Cidadaons, o’ vós Pôvos curvados, e abandonados pelo Rei, porseus dispotismoz, pelos seus ministroz”...

O’ vós Pôvo que nascesteis para sereis Livres, e para gozares dos bons efeitos daLiberdade; O’ vós Pôvos que viveis flagelados com o pleno poder do Indigno coroado, essemesmo rei que vós creasteis; esse mesmo rei tirano he quem se firma no trono para vosveixar, para vos roubar, e para vos maltratar.

Homens, o tempo he xegado para a vossa ressurreição, sim para ressussitareis doabismo da escravidão, para levantareis a Sagrada Bandeira da Liberdade.

A liberdade consiste no estado felis e no estado livre do abatimento: a liberdade hea doçura da vida, o descanço do homem com igual palallélo de huns para outroz, finalmentea liberdade he o repouzo, e bemaventurança do mundo.

A França está cada vez mais exaltada, a Alemanha já lhe dobrou o juelho, Castela soaspira a sua aliança, Roma ja vive aneixa, o Pontifice ja está abandonado, e desterrado: orei da Prucia está prezo pelo seu proprio pôvo: as nascoens do mundo todas tem seusolhos fixos na França, a liberdade he agradavel para todos: he tempo povo, povo o tempohe chegado para vós defendereis a vossa Liberdade o dia da nossa revolução, da nossaLiberdade e da nossa felicidade está para xegar, animaivos, que sereis felis para sempre.

Boletim nº 04

Prelo

O Povo Bahinense, e Republicano ordena manda e quer que seja feita nesta Cidadee seo termo para o futuro a sua memoravel revolução; portanto manda que seja punido commorte natural para sempre todo aquele” qualquer sacerdote que no pulpito, conficionario,exortação, por qualquer forma, modo, maneira etc, persuadir aos ignorantes, e fanaticoscom o como que for contrario a Liberdade e bem do Povo: manda o Povo que o Sacerdoteque concorrer para a revolução seja reputado concidadão como condigno.

Os Deputados frequentarão todos os actos da igreja para que seja tomado inteiroconhecimento dos delinquentes: assim se entenda alias...

Note-seQue cada soldado terá de soldo 200 reis cada dia.

O Povo N.° 676Entes da liberdade

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Deve ser publicada aprez.° que fica notada no Livro das Dietas f. 18Cap. 27 parag 3.

N.° 10 Republicanos 676

Do Povo Bahinense em consulta dos Deputados e Representantes quesão 392 Entes.

Viva.

Boletim nº 05

Prélo

O povo Bahinense Republicano ordena manda e quer para o futuro seja feita a suadignissima revolução nesta Cidade e seo termo; portanto manda que seja pünido com penade morte natural para sempre todo aquele e qualquer padre que no pulpito, conficionario,exortação por qualquer modo, forma, maneira etc, persuadir aos ignorantes e fanaticos ocontrario da liberdade e bem do Povo; outrossim o Padre quec oncorrer para a fruição dadita revolução e liberdade será reputado Condigno Concidadão:quer o Povo que cadasoldado perseba 200 reis de soldo por cada dia; o exposto seja entendido alias.......OsDeputados frequentarão os actos da igreja para tomar conhecimento dos delinquentes.

Do Povo BahinenseEntes da liberdade

Deve ser publicada aprez. q fica notada no Livro das Diétas f. 21, Cap. 26, parag. 8

N.° 12 Republicanos 676

Do Povo Bahinense Em consulta dos Deputados, e Representantes quesão 392 Entes.Viva.

Boletim nº 06

Avizo ao Povo

O Povo Bahinense Republicano para o futuro pertende, manda, e quer seja feitapara o futuro a sua revolução nesta Cidade e seo termo para o qual faz que seja siente oComersio desta Cidade outrosim ordena que qualquer comissário, mercador mascates,lavradores de mandiócas fabricantes de açúcar e tabacos hajão de ter todo o direito soubreas suas fazendas com auxilio do Povo, segundo o plano e boa ordem que para esse fim setem pensado alem do socorro de fora.

Para o dito efeito se tomárão as medidas, tudo a bem do Povo, principalmenteaumento do Comercio, e Lavradores: os taverneiros tambem serão contemplados na boaunião.

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Aquele que qualquer que seja que recuzar será morto e logo se fará sequestro dosseus bens, e a respeito dos descendentes dos que forem tiranos, e falços do estadorevolucivo a seu tempo se haverá respeito.

Assim seja entendido alias...

Do Povo BahinenseRepublicano em consulta dosDeputados

Boletim nº 07

Prelo

O Povo Bahinense Republicano ordena manda e quer que seja feita para o futuro asua digna, e memoravel revolução nesta cidade e seo termo; portanto manda que sejapunido com morte natural para sempre todo aquele e qualquer sacerdote que no pulpito,conficionario, exortação, conversação, modo, forma, maneira etc, persuadir aos ignorantesfanaticos com o com que for nocivo, e inutil a liberdade, e bem commum do Povo: manda oPovo que o Sacerdote que concorrer para a dita revolução seja tratado como concidadão:Os Deputados da Liberdade frequentarão todos os actos da igreja para tomar conhecimentodo exposto mormente dos delinquentes. Assim reintenda

Alias...

Note-seQue o soldado terá 200 reis de soldo por cada dia.

O Povo N.° 676 Entes da Liberdade

Deve ser aprez. publicada que fica notada no Liv.das Diétas f 17, Cap. 19, par. 20

N°9Republicanos 676

Do Povo Bahinense em consulta dos Deputados, e Representantes que são 392Entes.

Viva.

Boletim nº 08

Prelo

O Povo Bahinense e Republicano ordena manda e quer que para o futuro seja feitanesta Cidade e seo termo a sua memoravel revolução; portanto manda que seja punidocom pena de morte natural para sempre todo aquele e qualquer padre que no pulpito,conficionario exortação, conversação; por qualuer modo, forma, e maneira se atraver apersuadir aos ignorantes, e fanaticos com o que for contra a Iiberdade, igualdade e

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História doBrasil I

fraternidade do Povo: outrosim manda o Povo que seja reputado Concidadãoaquele Padre que trabalhar para o fim da Liberdade popular.

Quer que cada hum soldado tenha de soldo dous tostoens cada dia desoldo.

Os Deputados da Liberdade frequentarão todos os actos da igreja paraque seja tomado inteiro conhecimento dos delinquentes: assim seja entendido alias...

O Povo N.° 676 Entes da Liberdade

Deve ser publicada aprez.’ que fica notada no Livro das Diétas f. 27, Cap. 30, parag.8.

N.° 14 Republicanos 676

Do Povo Bahinense em consulta dos Deputados, e Representantes quesão 392Entes.Viva.

Boletim nº 09

Avizo ao Cléro, e ao Povo Bahinense indouto

O Poderozo, e Magnifico Povo Bahinense Republicano desta cidade da BahiaRepublicana consideerando nos muitos latrocinios feitos em ostitulos, imposturas, tributos,e direito que são celebrados por ordem da Rainha de Lisboa, e no que respeita a inutilidadeda escravidão do mesmo Povo tão sagrado, e Digno de ser Livre; com respeito a liberdadee igualdade ordena, manda e quer para o futuro seja feita nesta Cidade e seu termo a suarevolução para que seja exterminado para sempre o pecimo jugo reinável da Europa; segundoos juramentos celebrados por trezentos noventa e dous Dignissimos DeputadosRepresentantes da Nação em consulta individual de duzentos oitenta e quatro Entes queadoptão a total Liberdade Nacional; contida no geral receptáculo de seiscentos setenta eseis homens segundo o prélo acima referido.

Portanto faz saber, e dá ao prélo que se axão as medidas tomadas para o socorroEstrangeiro, e progresso do comniercio de Açucar, Tabaco, e pau-brazil, e todos os maisgeneros do negocio, e mais viveres; comtanto que aqui virão todos os Estrangeiros tendoporto aberto, mormente a Nação Franceza: Outrosim manda o Povo que seja punido compena para sempre todo aquele Padre regular, e não regular que no pulpito, conficionarioexortação, conversação por qualquer forma, modo, e maneira persuadir aos ignorantes,fanaticos, e ipocritas; dizendo que he inutil a liberdade Popular: também será castigadotodo aquele homem que cair na culpa dada não havendo izinção de qualidade para o castigo.Quer o povo que todos os Mémbros militares de Linha, milicias, e ordenanças; homensbrancos, pardos, e pretos concorrão para a liberdade Popular; manda o Povo que cada husoldado perseba de soldo dons tostoens cada dia, alem das suas vantagens que serãorelevantes, Os Oficiaes terão aumento de posto, e de soldo, segundo as diétas: Cada huindagará quaes sejão os tiranos opostos a Liberdade e estado livre do povo para ser notado:cada um Deputado exercerá os actos da igreja para notar que’ seja o sacerdote contrario a

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Liberdade: o Povo será Livre do despotismo do rei tirano, ficando cada hu sugeito as Leisdo novo Codigo, e reformado formulario: será maldito da sociedade Nacional todo aqueleou aquela que for inconfidente a Liberdade e coherente ao homem, e mais agravante seráa culpa havendo dólo ecleziastico; assim seja entendido alias................

O Povo

Deve ser publicada para não haver ignorancia: fica notada aprezenteno Livro das Diétas folha. 12, cap. 3, Paragrafo 1

N.° 10Republicanos

Do Povo Bahinense em consulta dos Deputados, e Representantes que são 392Entes.

Viva.

Boletim nº 10

O Povo Bahinense Republicano ordena manda, e quer para o futuro seja feita nestaCidade e seo termo sua muito memoravel revolução. Portanto invóca a todos aqueles quedonde perante quem cada um em particular assim militares, homens, homens pardos, epretos sejão constantes ao bem commum da liberdade, igualdade; outrosim quer o Povoque cada um soldado tenha de soldo dous tostoens por cada dia alem das suas vantagensque serão relevantes. Os oficiais terão avanço segundo as Diétas

Cada um soldado he Cidadão mormente os homens pardos, e pretos que vivemescornados, e abandonados, todos serão iguaes não haverá diferença; so haveráliberdade,igualdade e fraternidade aquele que se oposer a liberdade popular será enforcado,sem mais apelação assim seja entendido, alias...........................

breve teremos socorro estrangeiro.

Do Povo.

Analisando Documentos

Leia atentamente os boletins acima e responda asseguintes questões.

Agora é hora de

TRABALHAR[[[[[ ]]]]]1.....a) Grife nos boletins os trechos que indicam o descontentamento dos baianos com a

política absolutista da monarquia portuguesa na Bahia;

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História doBrasil I

b) Identifique os objetivos contidos nos pasquins e que seriamalcançados mediante a revolução;

c) Identifique a forma de Estado preferida pelos revolucionários populares e o porque dessa preferência.

d) Transcreva os trechos dos documentos em que os revolucionários popularesapresentam inclusive propostas econômicas.

e) Identifique nos panfletos as propostas que denunciam à condição de uma dascategorias que participou do movimento, indicando que categoria é essa e analisando acondição desses trabalhadores na cidade do Salvador conforme explicitado no texto sobrea Conjuração Baiana.

f) Transcreva alguns trechos dos boletins que indiquem a influência da RevoluçãoFrancesa no Movimento de 1798 ocorrido na Bahia.

Com base no que você leu sobre Conjuração Baiana e Inconfidência Mineira compareos dois movimentos considerando as influências externas, motivos, participantes e arepressão a esses movimentos.

2.....

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A partir das informações do texto abaixo, faça o que se pede:

a) Retire a idéia central do texto e seus principais argumentos;

3.....

b) Pesquise em livros, revistas especializadas, sítios na Web, sobre a Inquisição noBrasil Colônia;

c) Escreva um texto sobre “Sexualidade e Inquisição no Brasil Colonial”.

Brasil de todos os pecados Erotismo e religiãose mesclavam nos tempos da Colônia

Ronaldo Vainfas

“Não existe pecado do lado de baixo do equador!” Este ditado que corria na Europano século XVII e que se tornou verso de Chico Buarque é quase um lugar-comum quando sefala da liberdade sexual nos tempos coloniais. Já Gilberto Freyre, um dos maiores intérpretesdo Brasil antigo, dizia que os portugueses aqui desembarcavam “escorregando em índianua”, aqui desembarcavam “escorregando em que neles se esfregavam, fogosas e ardentes.Um verdadeiro clima de “intoxicação sexual” teria explodido já no século XVI, o que nossogrande pernambucano não deixou de celebrar com a linguagem libérrima de sempre. Afinalera a primeira prova da vocação do português e da índia, depois da negra e da mulata, paraa mistura de raças que marcou nossa história desde 1500.

Gilberto Freyre celebrou o frenesi sexual do período colonial, mas foi durante muitotempo uma voz solitária. Muitos historiadores, antes e depois dele, lastimaram profundamenteeste clima de liberdade excessiva que todos julgavam existir na infância do Brasil. Um deles,Paulo Prado, autor de Retrato do Brasil, dizia que um dos grandes males de nossa formaçãofoi a luxúria, palavra que usou, aliás, para dar nome a um dos capítulos do livro. EscreveuPaulo Prado que, também por causa desta desenfreada libidinagem, o brasileiro se tornouum povo triste. Sexo excessivo, desânimo, preguiça. Paulo Prado até citou um provérbiolatino para ilustrar sua convicção: post coitum animal triste, nisi gallus qui cantat (após ocoito os animais ficam tristes, exceto o galo, que canta).

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História doBrasil I

A opinião implacável de Paulo Prado, que escreveu na década de 1920,parece repetir o desespero dos jesuítas e de outros cronistas do tempo colonial,sempre incansáveis em denunciar e lastimar a “dissolução de costumes” quegrassava na terra. Américo Vespúcio, o célebre navegador, disse que tamanhaluxúria era culpa dos índios, pois eles tinham tantas mulheres quantasquisessem, “o filho se unindo com a mãe, o primo com a prima e o encontradocom a que encontra”. Grande exagero, sem dúvida, do florentino que deu nome

ao continente, pois os Tupinambás observavam vários tabus sexuais. Mas o portuguêsGabriel Soares de Sousa, que escreveu no meado do século XVI, carregou nas tintas contraos índios. Deu a um de seus capítulos o título “Que trata da luxúria destes bárbaros” dizendoque, entre eles, enquanto as velhas ensinavam aos rapazes as artes do sexo, os homenscostumavam pôr no pênis o pêlo de um bicho peçonhento, “que lho faz logo inchar, com oque se lhe faz o seu cano tão disforme de grosso, que os não podem as mulheres esperar,sem sofrer.” (Tratado descritivo do Brasil em 1557).

Manuel da Nóbrega, primeiro provincial dos jesuítas no Brasil, em 1549, ficou tãodesesperado com o que via, portugueses e índias gemendo pelos matos, que suplicou aorei o envio urgente de mulheres brancas para casar com os portugueses. Nem que fossem“mulheres de má vida”, isto é, prostitutas - dizia o jesuíta -, desde que viessem para casar!O recente filme Desmundo mostrou, por sinal com muito realismo e plasticidade, o destinoque aguardava essas “órfãs” que desembarcavam no Brasil daquele tempo, obrigadas acasar com qualquer um que as quisesse. Nem por isso o ardor geral esfriava. Temposdepois de Nóbrega, outro jesuíta, este italiano, exclamou num sermão:

“Oh! Se pudessem falar as ruas e becos das cidades e povoações do Brasil! Quantospecados publicariam, que encobre a noite, e não descobre o dia! (.) Porque ainda a penatreme e pasma de os escrever” (Economia cristã dos senhores no governo dos escravos,1700). Por essas e outras, frei Vicente do Salvador, que escreveu o primeiro livro chamadoHistória do Brasil, ainda em 1627, disse que não vingou por aqui o nome Terra de SantaCruz que se lhe dera em 1500. Para o frei, fora tudo obra do Diabo, que, empenhado emremover o nome cristão da terra, trabalhou para que triunfasse outro nome, no caso o de“um pau de cor abrasada e vermelha” (o pau-brasil), mais adequado a seus propósitos.

Brasil, terra de pecados, que muitos cronistas e historiadores associaram, em tommoralista, à liberdade sexual e à ausência quase completa de religião. Afinal, nosso cleroaqui sempre foi escasso, a Igreja desorganizada e muitos padres mal ligavam para seu

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ofício espiritual. Padres mal preparados e poucos, com a exceção quase solitária dos jesuítas,vale insistir, que Gilberto Freyre chamou, com bom humor, de “donzelões intransigentes” -incansáveis no propósito de propagar a fé e moralizar os costumes.

Mas teria sido assim mesmo? Corria solto o pecado sem o menor vestígio de religião?Outro exagero é o que nos mostram os documentos da Inquisição que, por volta de 1591,mandou um visitador do Santo Ofício ao Brasil para averiguar a quantas andava a fé e ocomportamento dos colonos. O que tais documentos revelam, antes de tudo, é o sentimentode culpa que atormentava - ou podia atormentar - os próprios portugueses, sabedores doquanto pecavam na terra, sobretudo com as índias. Mas como é possível saber o que sepassava na consciência daqueles portugueses há 500 anos? A resposta está num tipo dedenúncia que a Inquisição recolheu, naquele tempo, contra os que diziam que fornicar nãoera pecado: muitos colonos acusavam os que diziam, sobretudo em conversas masculinasnas tavernas, engenhos e vilas, regadas a vinho, que fornicar não era pecado. Narrandosuas aventuras sexuais, muitos riam, enquanto alguns polemizavam, dizendo que fornicarera pecado sim, e pecado mortal que condenava ao inferno.

Nessas polêmicas cotidianas é possível flagrar, sem dúvida, a evidência de que osportugueses viviam mesmo entre as índias, dando-lhes qualquer coisa em troca, umespelhinho, um pano, um mimo. Mas é também possível flagrar algum escrúpulo e o medoque todos tinham do inferno. Só o fato de discutirem muito este assunto, como era o caso,já dá mostra do quanto Deus e o Diabo impregnavam o cotidiano desses homens. Asreações dos fornicários mais presunçosos não deixa de ter interesse. Uns diziam que fornicarsó era pecado venial, mas não mortal. Outros diziam que dormir uma ou duas vezes comíndia - que chamavam de negra da terra - não era pecado mortal, nem condenava ao inferno.Mas se dormisse sete vezes, aí sim, o inferno era certo. Alguns diziam que tinham mesmoque fornicar neste mundo, pois o Diabo haveria certamente de fornicá-los no Além, sendonecessário compensar de antemão.

O mais significativo, porém, é que quase todos que diziam não haver pecado tãograve assim na tal fornicação alegavam que só fornicavam com índias, pois eram elas“mulheres públicas”, mulheres de má vida, prostitutas. Se fosse com virgens - diziam - commulheres casadas ou, principalmente, com mulheres brancas, aí sim o pecado era grave.Machismo e racismo, com algum verniz de moralismo cristão, eis o que se pode extrair, emdoses variadas, dessas conversas masculinas no primeiro século do Brasil. Mais do queisto, mistura forte de libidinagem com religião, mesmo entre homens que se vangloriavamde sua virilidade, useiros a dormir com as índias nas redes, nos matos, onde fosse.

Religião e sexo andaram juntos, pois, durante muito tempo no Brasil Colonial. E nãoé só neste caso de fornicários que encontramos a prova disto. Os documentos da Inquisiçãonos revelam inúmeras outras situações semelhantes, uma vez que o Santo Ofício estavamesmo empenhado em policiar os costumes da população colonial. Entre denúncias econfissões, há casos interessantíssimos de mistura entre as coisas da fé e as pulsões dodesejo. A começar pela sexualização das figuras divinas, isto é, do próprio Cristo e daVirgem Maria. Tais documentos nos contam estórias como a de certa mulher que, flageladapor um temporal na Bahia, gritou que “Deus mijava sobre ela e que a queria afogar”, e outra,de língua espanhola, na mesma situação, bradou: “Bendito sea el carajo de mi señor JesuChristo que agora mija sobre mi”. Acusadas de blasfêmia, ouviram do visitador que “Deusnão mija, que é coisa pertencente ao homem e não a Deus”.O mais importante disso émenos a evidente blasfêmia, mas a sexualização do Cristo, a figura do Cristo fálico quepovoava a imaginação dos homens e mulheres daquele tempo. O mesmo vale para Maria,

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História doBrasil I

Nossa Senhora, cuja virgindade perpétua era matéria de discussão cotidiana.Maria fora sempre virgem - Virgo semper - antes, durante e depois do parto?Polemizava-se. Para uns, sempre virgem, para outros nem sempre, para algunsjamais. Houve muitos que a chamaram diretamente de puta - usando mesmoeste palavrão para dizê-lo. E um grande poeta daquele tempo, homem dadoa deboches, não hesitou, certa vez, em jurar “pelo pentelho da Virgem!”Blasfêmias dos colonos? Sem dúvida, mas também prova cabal de que o

sagrado podia conviver com desejo e sexo.

Os moradores do Brasil colonial sexualizavam o divino, portanto. Não é de admirarque divinizassem o sexo que faziam na prática. Uns punham o crucifixo debaixo da cama,outros diziam as palavras da missa em pleno ato sexual. Aliás, era bem difundida a crençade que dizer as palavras da consagração da hóstia na boca de maridos, esposas ouamantes, de preferência durante a relação sexual, era coisa que dava excelentes resultados.Acreditava-se que tais palavras encantadas prendiam o ser amado, ou amansavam maridosviolentos, e talvez por isso as mulheres usassem muito este artifício nas suas lides conjugais.Havia, porém, um detalhe precioso: as palavras tinham que ser ditas em latim! Hoc estenim corpus meum, ou seja, Isto é o meu corpo. Era isto, portanto, o que se dizia nasnoites e dias das “cidades e povoações do Brasil”: nada menos que as palavras sagradasda eucaristia, entre sussurros e gemidos.

A linguagem de sedução seguia, assim, a sina da religião, entre o Cristo fálico e aVirgem fêmea, ou por meio das sacralidades que temperavam os ardores sexuais.Embebida de religião, a linguagem do amor e da sedução era povoada por diversos santos,por Deus e, decerto, pelo Diabo, ou por vários deles, todos eventualmente irmanados paralevar os enredos amorosos a bom termo.

Um expediente corriqueiro estava no uso de certo amuleto amoroso, as chamadascartas de tocar, magia ibérica que consistia em encostar na pessoa desejada um objetogravado com seu nome e outras palavras próprias para seduzir. No Brasil usavam-se papéis,às vezes papeizinhos miúdos contidos em “bolsas de mandinga”, para “fechar o corpo”. Navisitação do Santo Ofício que mencionamos, várias bruxas, pois assim foram chamadas,viram-se acusadas de vender as tais “cartas” e divulgar outras magias eróticas. Uma dessasbruxas era conhecida pelo sugestivo nome de “Maria Arde-lhe o Rabo”. Outra, de nomeIsabel, possuía alcunha menos sensual: a “Boca Torta”. No século XVIII mineiro, uma certaÁgueda Maria tinha um papel com algumas palavras e cruzes, “carta” que servia para asmulheres tocarem em homens desejados sexualmente. No Recife, era um certo AntônioBarreto quem levava um papel com signo salmão e credo escrito às avessas, que serviapara fechar o corpo e facilitar mulheres: “Qualquer mulher que tocasse a sujeitaria à suavontade.”

Além das cartas de tocar, recorria-se, com idênticos propósitos, às orações amatórias,práticas muito comuns na colônia e universalmente conhecida. Segundo a historiadora Laurade Mello e Souza, essas orações eram um ramo da magia ritual em que era irresistível opoder de determinadas palavras e, sobretudo, o nome de Deus, mas que não dispensava oconjuro dos demônios. Tudo com o fim, ao mesmo tempo, de conquistar, seduzir e apaixonar.Uma das bruxas baianas do século XVI mandava rezar junto ao amado: “João, eu te encantoe rencanto com o lenho da vera cruz, e com os anjos filósofos que são 36, e com o mouroencantador, que tu te não apartes de mim, e me digas quanto souberes e me dês quantotiveres, e me ames mais que todas as mulheres.” Não tão melodiosa como esta era a oração

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que, no século XVII no Pará, fazia Maria Joana, cruzando os dedos: “Fulano, com dois tevejo, com cinco te mando, com dez te amarro, o sangue te bebo, o coração te parto. Fulano,juro-te por esta cruz de Deus que tu andarás atrás de mim assim como a alma anda atrás daluz, que tu para baixo vires, em casa estares, e vires por onde quer que estiveres, nãopoderás comer, nem beber, nem dormir, nem sossegar sem comigo vires estar e falar.”

Eram inúmeras as rezas com fins eróticos que aludiam às almas, ao leite da Virgem,às estrelas, a Cristo, aos santos, aos anjos e demônios. Mas como as orações nem semprebastavam, as empreitadas eróticas vinham também acompanhadas do uso de poções,filtros amorosos, como se dizia, que misturavam um cristianismo popular com crenças pagãs,o que aqui se viu adensado pelos ingredientes culturais indígenas e africanos. Poções efiltros para “fazer querer bem”, seduzir, reter a pessoa amada. E neles, diferentemente dascartas de tocar ou das orações amatórias, sobressaía o baixo corporal, as partes genitais,o líquido seminal. Ao ensinar a uma de suas clientes um modo de viver bem com seu marido,uma das bruxas do século XVI mandou que ela furtasse três avelãs, enchesse os buracosabertos com pêlos de todo o corpo, unhas, raspaduras da sola dos pés, acrescentasseuma unha do dedo mínimo da própria bruxa e, feita a mistura, engolisse tudo. Ao “lançá-lospor baixo” - imagine-se de que modo! - pusesse tudo no vinho do marido.No entender dabruxa, para as coisas correrem bem, bastava fazer isto. Outro artifício ensinado pela bruxaenvolvia o sêmen do homem amado. Ao terminar o ato sexual, a mulher devia retirar de suaprópria vagina o sêmen do homem e colocá-lo no copo de vinho do parceiro. A bruxa garantia:beber sêmen “fazia querer grande bem, sendo do próprio a quem se quer”.

Uma característica importante deste autêntico mercado de linguagens eróticas, ondese trocavam ou vendiam saberes e magias sexuais, era a quase absoluta separação entreo mundo masculino e o feminino. Nos documentos da Inquisição, em que são descritas ascircunstâncias de cada fato denunciado, vê-se bem que as mulheres protagonizavam ovaivém de poções, cartas de tocar, rezas sedutoras. Já nas conversas desabridas sobrefornicações, quando surgia a polêmica se fornicar era ou não pecado mortal, só homensestavam presentes, tudo na base do “erotismo grosso” que Gilberto Freyre viu nos costumesmasculinos portugueses. Não havia também a cumplicidade ou solidariedade entre osenvolvidos, pois as mulheres eram acusadas, por suas próprias clientes, de ensinar ouvender poções, enquanto os homens eram acusados de celebrar seus feitos de machopelos amigos de ontem, que com eles beberam vinho e contaram aventuras sexuais. AInquisição vivia da desunião entre amigos, parentes, amantes.

O certo, porém, é que o pecado no Brasil colônia não corria livre como muitospensaram. Os jesuítas estavam sempre a reprovar os excessos. Os inquisidores a perseguiros mais afoitos. E todos, a bem dizer, viviam mais ou menos atormentados, temendo oscastigos do céu e da terra. De mais a mais, era tudo muito exposto naquele tempo, pois osespaços das casas não eram claramente definidos e, quando o eram, nas casas-grandes,por exemplo, mal havia portas separando cômodos. De maneira que era freqüente, mesmoentre casais unidos pelo matrimônio, que muitos vissem as relações sexuais de vizinhos,parentes ou moradores da casa.

Um caso exemplar - conforme registrou literalmente o escrivão no manuscrito número6.366 da Inquisição de Lisboa - foi o de certa moça chamada Maria Grega, mamelucacasada com um alfaiate, na Bahia quinhentista, que correu para acusar o marido ao inquisidorde que ele só a possuía pelo ânus, nunca pelo “vaso natural”. Perguntada pelo inquisidor sealguém podia testemunhar sobre o caso, disse sem nenhuma cerimônia que a irmã dela

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História doBrasil I

sempre viu tudo, pois dormia numa rede ao lado. Outro caso espantoso dizrespeito a um certo Baltazar da Lomba, morador em Pernambuco, homem jádos seus 60 anos, que gostava de dormir com índios. Numa dessas foi pegoem flagrante por um rapaz curioso que “por uma abertura da porta, pôs aorelha e aplicou o sentido”, ouvindo Baltazar da Lomba e um índio ofegaremna rede, acrescentando que um deles gritava “ui, ui, ui”.

Os lugares para fazer sexo no Brasil colônia eram mesmo devassados. Não admiraque o mato fosse lugar de certa privacidade ou que as pessoas mal tirassem as roupasquando mantinham relações sexuais. Os documentos da Inquisição - indiscretíssimos -também nos contam que o mais comum era os homens arriarem seus “calções”, comoentão se dizia, ou levantarem as “camisolas”; as mulheres, suas saias, e pronto: cópulaconsumada. Nem as igrejas escapavam do sexo, como nos conta a historiadora Mary delPriore em delicioso texto intitulado “Deus dá licença ao Diabo”. Nelas brotavam romances,em meio às missas, o padre entoando as palavras eucarísticas que muitas mulheresrepetiriam depois na boca dos maridos. E nas igrejas, muitas vezes, se abrigavam osamantes. Não por acaso, um manual português de 1681, escrito por d. Christóvam de Aguirre,continha as perguntas: “A cópula tida entre os casais na igreja tem especial malícia desacrilégio? Ainda que se faça ocultamente?” Por aí se pode ter uma idéia de como a igrejapoderia funcionar depois do culto.

Sexo na igreja é algo que nos leva de volta aos padres e de como religião e desejose mesclavam no cotidiano do Brasil antigo. Muitos padres, por sinal, eram useiros emflertar com mulheres casadas ou solteiras, fazendo-o, inclusive, no próprio ato da confissão.Aproveitavam o fato de a confissão ser secreta e, portanto, um dos raros espaços deprivacidade naquele tempo, e seduziam as moças. A Inquisição, sempre ela, não dormiu noponto, especialmente porque, neste caso, não se tratava apenas de incontinência clerical,mas do uso libidinoso de um sacramento. Por isto eram os tais padres chamados desolicitantes ad turpia, isto é, solicitavam penitentes com propósitos torpes. O Santo Ofícioprendeu e processou vários deles, produzindo com isso documentos formidáveis sobrecomo os homens seduziam as mulheres em tempos idos. Era comum esses padres falaremmal dos maridos, prometendo às mulheres vida melhor, ofertando presentes, ou recitandopoeminhas. Um deles mandou à penitente, doublé de mulher desejada, uma florzinhaentredentes, fazendo-a passar pelas grades do confessionário. Mas esses padressolicitantes pareciam usar de códigos diferentes, conforme a posição social das mulheresque desejavam seduzir. Se fossem brancas, cortejavam, diziam versos, ofereciam mimos.Se negras, iam logo pondo as mãos nos peitos, ou por baixo das saias, usando de linguagemchulíssima. Pelo visto, não só de religião o sexo estava embebido naquele tempo, mastambém da lógica da escravidão. Seduzir brancas era coisa que merecia poemas e flores.Seduzir negras, cativas ou forras, dispensava tais delicadezas: os padres iam logo apalpandoseios, apertando coxas ou mesmo tocando nas ditas “partes vergonhosas” por meio depalavreado lascivo.

De um modo ou de outro, é claro que os padres usavam do poder que o cargo lhesconferia para assediar moças incautas. Era o caso, por exemplo, de um certo frei Luís deNazaré, carmelita da Bahia que viveu no século XVIII. Dizia ter poderes de exorcista, no quemuitos acreditavam, e “curava” mulheres doentes através de cópulas, ou por vezesespalhando sêmen no corpo das moças, dizendo, com a Bíblia na mão, que aquilo eraremédio bom e vinha de Deus. Ao se defender do processo que depois lhe moveu aInquisição, frei Luís não hesitou em dizer que fazia aquilo não por ser herege, mas porque

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tinha desejos irrefreáveis e as mulheres do Brasil “eram rudes e simples”. “Facilmente seenganavam”, disse o frei, “com qualquer cousa que lhes dizem... .”

As sexualidades brasílicas de outrora nem eram tão livres, nem estavam isentas depreconceitos, constrangimentos de todo tipo e, sobretudo, de religião, que irrigava asociedade inteira.Muita coisa nos soaria estranha, nos dias de hoje, como casais se amandovestidos ou dizendo as palavras sagradas em pleno gozo. Alguns costumes de outroraparecem até bizarros, como um tal “namoro do bufarinheiro”, descrito por Júlio Dantas,muito comum em Portugal na primeira metade do século XVIII: homens a distribuir piscadelasd’olhos e a fazer gestos sutis com as mãos ou boca para as mulheres que se postavam àjanela, suspirantes, em dias de procissão religiosa, como se fossem eles bufarinheiros avender suas bugigangas. Ou um tal “namoro do escarrinho”, costume luso-brasileiro dosséculos XVII e XVIII, em que o “enamorado” punha-se embaixo da janela da pretendida semdizer nada, limitando-se a fungar, como se estivesse resfriado, ou mesmo tossir, assoar onariz e escarrar no chão, à vista da moça.

Costumes estranhos, alguns. Outros, nem tanto, em especial os que envolviamconstrangimento, preconceito, assédio. Os documentos da Inquisição estão cheios deles.O Brasil era mesmo terra de pecados, mas nem de longe de liberdade sexual. Liberdadenunca houve por ali - ou por aqui - e entre os casais unidos pelo santo matrimônio poucasvezes se encontra o amor que o século XIX celebraria na literatura romântica. Amor e sexojuntos era coisa rara na Colônia, ao menos nos documentos daquele tempo, maisempenhados em flagrar delitos do que sentimentos amorosos. Salvam-se alguns poemaslíricos, aqui e ali, como os dos árcades mineiros, no século XVIII, por vezes muito amorosos,mas pouco eróticos. Eróticos e amorosos ao mesmo tempo só os poemas satíricos -pouquíssimos - como os do célebre Gregório de Matos Guerra, que viveu na Bahia, séculoXVII, de que vale citar uns versos:

Não por acaso, celebrando o amor deste modo, entre pernas, veias e ancas, Gregóriode Matos seria afamado ou infamado na Bahia como o “Boca do Inferno”. Mas o poema temlá seu valor. Informa, no mínimo, que alguns podiam ficar totalmente nus no encontro doscorpos, entre gemidos e palavras encantadas, o que não era pouca coisa naquele tempo.Bem da verdade, de “boca do inferno”, ao menos neste poema, nosso Gregório não tinhanada. Estava mesmo é com o coração na boca.

Ronaldo Vainfas é professor titular de História Moderna da UniversidadeFederal Fluminense e autor de Trópico dos pecados: moral, sexualidade eInquisição no Brasil Colonial, 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

(Texto retirado da Revista Nossa História - Ano 01 Nº - Nov/2003.

Estante do Historiador...

Capítulos de História Colonial

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. SãoPaulo: Itatiaia/Edusp, 1907 - Este historiador permitiu uma guinada nahistoriografia brasileira, pois ao questionar a “História Geral” deVarnhagen. Obra bem documentada, apesar de ser história “oficial”. O

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História doBrasil I

Etapa Etapa Etapa Etapa Etapa 1

mais importante é que deslocou o foco da colonização lusitana para a Colôniaretratando sua dinâmica e diversidade.

A Nação Mercantilista

CALDEIRA, Jorge. A Nação Mercantilista. SãoPaulo: Editora 34, 2001.

A obra é um ensaio sobre o Brasil Colonial e doséculoXIX, busca fazer uma síntese alternativa acerca

da história econômica e social do Brasil Colônia e Império, tratando os elementos estruturaisde maneira original e inovadora ao. O autor explica que a maior fonte de problemas do paísno século XIX era a estrutura fiscal.

AtividadeOrientada

Caro (a) aluno (a),

Esta atividade deverá ser desenvolvida, por você, ao longo do andamento dadisciplina, sob a assistência e orientação do tutor no ambiente de tutoria. Estas sãoatividades de cunho obrigatório que tem como objetivo auxiliar na consolidação dosconhecimentos sobre os conteúdos estudados, além de ser um dos nossos instrumentosde avaliação da aprendizagem.

Esta atividade consta de 03 etapas, leia atentamente, para que tenha acompreensão clara de como proceder à realização desta.

De acordo com o que foi discutido no Tema 01 do nosso material impresso,elabore um TEXTO DISSERTATIVO (mínimo de 20 linhas) sobre Os primeiros trintaanos da colonização no Brasil e o processo de implementação do Governo-geral, levando em consideração o que foi discutido em nossa disciplina e nosreferenciais teóricos indicados.

Etapa Etapa Etapa Etapa Etapa 2Considerando o Tema 02 do nosso material, elabore um TEXTO

ARGUMENTATIVO (mínimo de 20 linhas), sobre a questão da mão de obra escravano Brasil Colônia. Procure relacionar os seus argumentos com os conteúdos e estudosrealizados em nossa disciplina e nos referenciais teóricos indicados.

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A partir do que foi discutido nos Temas 03 e o Tema 4 e das indicaçõesbibliográficas, elabore, em grupo, uma pesquisa escrita acerca do cotidiano ou daestrutura econômica do Brasil Colônia. Posteriormente, construa um painel iconográficosobre o tema escolhido, o qual deverá ser apresentado em sala de aula.

Boa Sorte!

Etapa Etapa Etapa Etapa Etapa 3

DINHEIRO DE CONTADO: Dinheiro em espécie.

DÍZIMA: contribuição equivalente à décima parte do rendimento, imposto.

MERCÊ: preço ou recompensa de trabalho, benefício, provimento ou nomeação paracargo político, concessão de título honorífico ou de condecoração, direitos que se pagampor provimento em cargo público ou concessão de título honorífico, etc.

MONOPÓLIO: privilégio que um indivíduo, uma companhia ou um Governo têm defabricar ou vender, sem concorrência de outrem, certas mercadorias;

PÁLIO: sobrecéu portátil, com varas, que serve, nos cortejos ou nas procissões,para cobrir a pessoa que se festeja ou o sacerdote que leva o Santíssimo.

PECÚLIO: dinheiro acumulado por trabalho ou economia; bens;

PREPOSTOS: pessoa que dirige uma empresa ou um negócio, em substituição epor nomeação do seu proprietário.

SAMORINS: Título do antigo rei de Calicute.

SARRACENO: mouro; árabe.

SECULAR: leigo, o que não pertence a qualquer ordem religiosa.

TELEOLÓGICA: relativo à teleologia.

GlossárioGlossárioGlossárioGlossárioGlossário

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História doBrasil I

LIVROS

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AnotaçõesAnotaçõesAnotaçõesAnotaçõesAnotações

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História doBrasil I

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Democratizando a Educação.www.ftc.br/ead