Post on 18-Jan-2023
CAMILA RHOMBERG RODI
PROCESSO DE CRIAÇÃO DA CENA A PARTIR DA
PERFORMANCE AUTOBRIOGRÁFICA
Monografia apresentada comorequisito para conclusão doCurso de Pós-Graduação LatoSensu em Educação Estética, daEscola de Teatro da UNIRIO.
AGRADECIMENTOS
À minha Orientadora Christina Streva.
A Fábio Cordeiro por seus estímulos, orientação e apoio com o
material teórico.
À minha amiga e incentivadora Flávia Lopes.
A Daniel Marques por seus incentivos.
A Frederico Bustamante por ter me indicado o curso e em sua
ajuda inicial, na escolha do tema da monografia.
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SUMÁRIO
Apresentação p.04
A Origem p.05
Vivência Artística p.07
Mergulho no Inconsciente p.11
Cena como Performance p.15
A Formalização p.20
A Recepção do Público p.24
Abordagem Analítica da Vivência Artística p. 28
Conclusão p.
Bibliografia
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Apresentação
O intuito desse trabalho é tentar pensar o teatro, no
contexto de um teatro pós-dramático, onde o ator não precisa
mais ser personagem, onde ele mesmo cria seu texto partindo de
suas próprias experiências pessoais e se leva para o palco,
como uma pintura viva. Trago aqui nessa monografia uma cena
que foi muito marcante na minha vida por se originar da minha
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própria história, tendo como base minha autobiografia. A
partir de uma montagem de final de curso da Escola Estadual de
Teatro Martins Penna, escola onde estudei entre agosto de 2002
e dezembro de 2004, cujo tema era a ausência e a direção era
de Fábio Cordeiro, criei junto com o diretor uma cena em que
lia cartas, essas verdadeiras, escritas por mim e pelo meu
pai, este já falecido e uma das grandes ausências da minha
vida.
A partir da apresentação dessa cena, comecei a acreditar na
possibilidade do ator expor sua vida no teatro com a
finalidade de se tornar poética sua existência e com isso
tocar a alma de muitas outras pessoas. Apesar do preconceito
que ainda existe do uso da autobiografia nas artes cênicas, já
existe um grupo de artistas que levam ao palco tais
experiências.
Nesse texto apresento e correlaciono a cena em questão com
a self performance que através da experiência pessoal do performer é
desenvolvida a idéia da criação artística. A Principio com
informações sobre a minha própria vida, desde minhas origens
até a escola de teatro onde estudei e que foi base para a
criação da cena das cartas. Descrevo a recepção do público
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diante da proposta e relaciono com o inconsciente coletivo,
traçando alguns paralelos da experiência vivida com os
conceitos de Carl Gustav Jung, que tem como base para suas
pesquisas o mergulho na sua própria alma.
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A Origem
Vou começar esse capítulo escrevendo um pouco sobre a minha
vida, minhas origens, meus pais, um pouco da história da
artista apresentada, de onde se origina o processo criativo
baseado nas memórias de cartas e fotos.
Desde que nasci sempre vivi com a minha mãe que era solteira.
Ela quis passar pela experiência materna, apesar da
incapacidade devido a problemas de sua saúde. Para a
maternidade tão desejada, não só correria sérios riscos de
vida, como também passaria pelo preconceito de ser mãe
solteira, no fim dos anos 70. O meu pai era seu amigo e assim,
creio eu, fizeram um acordo de “procriação”, onde ele não
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teria de ter as obrigações legais que um pai teria
normalmente.
Durante a minha vida toda até os nove anos, estive sempre em
contato com meu pai, apesar de morar no Rio e ele em São
Paulo. Nós nos víamos quando eu e minha mãe viajávamos para lá
ou quando ele vinha para cá por motivos profissionais. Nas
minhas lembranças, tenho muitas imagens de bastidores de
teatro e de meu pai lendo e escrevendo em sua sala. A sua
morte me foi avisada pelo meu tio, este, meu pai de criação.
Após a morte de minha mãe fui morar com meus tios maternos.
Desde então tive um grande distanciamento da minha figura
paterna biológica.
Meu pai enviava cartas para mim, desde quando aprendi a
escrever, ele colocava palavras difíceis para uma criança
entender e me instigava a ir ao dicionário. Falava sobre suas
peças, sua mãe, seus primos, e no final sempre fazia questão
de dizer que me amava, várias vezes e assinava “Pai Zé”.
Quando eu tinha 17 anos ele faleceu, alguns meses depois,
recebi uma caixa com seus textos, fotos, currículos, matérias
em jornal e cartas pelo irmão do meu pai, mas durante anos
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não tive coragem de abri-la para não ter que enfrentar a dor
de resgatar o passado. Até que chegou um dia, quando já
adulta, enfrentei o desconhecido que seria para mim muito
dolorido. Retirei a caixa debaixo da minha cama e abri,
descobrindo um mundo novo, o mundo do meu pai, vi que além do
material profissional o qual me orgulhei, havia cartas antigas
rascunhos que ele escrevera para mim e cartinhas minhas para
ele. Nossas cartas apresentavam as nossas histórias, o que
aconteciam em nossas vidas em determinadas épocas. As minhas,
por exemplo, ainda aprendendo escrever, com erros de
português, letras tortas e depois na minha adolescência,
morando com meus tios. Foi um momento de muita emoção. E
quando lia os rascunhos que ele escrevera para mim, foi um
momento bem saudoso, de uma época que nunca mais voltará, mas
que ficaram registradas nas cartas, fotos e na memória. Para
apreender as fantasias que me agitavam de maneira subterrânea, era necessário
descer a elas1.
1 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova
Fronteira. P. 158
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Vivência Artística
Em 2002, quando estava com 24 anos fui cursar a Escola
Estadual de Teatro Martins Penna, no Rio de Janeiro. Para a
montagem final da minha turma na Martins Penna, finalizada em
dezembro de 2004, escolhemos junto com o diretor Fábio
Cordeiro2, a ausência como tema para a criação cênica de onde
surgira o espetáculo Ausência. Cogitamos em torno das várias
possibilidades do assunto trazido, começamos com uma lista de
possibilidades de ausências. Pegamos as listas e as2 Fábio Cordeiro além de professor e doutorando em Teatro (UNI-RIO), é diretor da Nonada Cia. de Arte. Foi professor de interpretação da Martins Pena entre 2003 e 2005. Ele dirigiu e fez roteiro e trilha sonora de Ausência como professor da escola.
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transformamos em duas, as ausências concretas e as abstratas.
A partir dessas duas listas começamos a trabalhar em cima de
workshops que o diretor sugeria.
Além dos aquecimentos, aulas de corpo com atriz e
professora Claudia Provedel, onde explorávamos os espaços,
nossas expressões corporais e criávamos partituras corporais,
como um primeiro passo ouve uma experimentação na sala
Claudinete, espaço que usávamos, sem nenhuma iluminação para
imaginarmos o lugar onde crescemos. Nessa vivência voltei ao
meu apartamento na Ilha do Governador, onde morava com minha
mãe. Lembrei do terceiro quarto, que não era nem meu nem dela,
era o “quarto da bagunça”, que pela tarde batia sol
forte neste. Nas minhas lembranças, estava no meio dos raios
que infiltravam o apartamento no entardecer daquele ambiente
silencioso e iluminado, onde minha mãe dormia e eu já sentia o
medo de perdê-la um dia. Depois me “transportei” para a casa
onde fui morar mais tarde, ainda com a minha mãe, em Maricá,
desta vez estava na sala em frente a uma grande janela de onde
via as árvores do quintal e o céu.
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Num outro dia Fábio pediu para que arrumássemos pelo espaço
figuras e imagens de ausências que trazíamos para o espaço,
tirada de revistas, jornais, fotos, etc. Depois cada um
ficaria perto da imagem que mais se identificara dentre todas
e assim com a luz apagada seria para imaginar a casa onde
crescemos.
Numa outra proposta era para escolhermos seis palavras das
listas de ausências seguindo tais regras: que fosse algo
semântico, relação com a casa. Anotar 10 e cortar 4 palavras.
Levar em consideração a casa onde nascemos e tentar
intuitivamente ter sensações do lugar cênico onde
trabalharíamos. Fizemos uma vivência baseada nessas seis
palavras.
Pouco tempo depois começamos a trabalhar com workshops que
o diretor nos passava para apresentar em uma data já pré-
determinada e tentávamos seguir as regras à risca. O que foram
os workshops? Segundo Fábio Cordeiro em um artigo que publicou
na revista Sala Preta3, analisando o processo do espetáculo A
3 CORDEIRO, Fábio. A paixão segundo GH: processo colaborativo e performance. In: Revista Sala Preta. São Paulo, USP, 2004. p.112.
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Paixão segundo GH, no qual foi diretor assistente, o que o levou
a introduzir na abertura do espetáculo Ausência um texto em
off da escritora Clarice Lispector interpretado pela atriz
Mariana Lima: workshops são pequenas performances com temas
específicos, com relação direta com o universo do espetáculo a
partir de alguma proposta ou indagação conceitual ou cênica.
Nele existe um tempo de preparação, a utilização premeditada
de objetos, figurinos e iluminação, além de ser o ator o
principal autor da cena, podendo até mesmo criar um esboço de
roteiro e ao mesmo tempo podendo deixar espaços de
imprecisão. O intuito do workshop seria o de colocar em jogo
alguma questão identificada com o universo ficcional,
questionando, especulando e experimentando no espaço alguma
idéia cênica, não se tratando de acertar ou errar, mas de
testar, sem haver um projeto de encenação que servisse de
premissa.
Vale citar alguns exemplos de workshops propostos durante o
processo da criação do espetáculo Ausência:
1- Um oratório: lugar; Medo de alguma coisa ausente: memória
pessoal; Uma frase: “Vou criar o que me aconteceu” – A Paixão segundo
GH de Clarice Lispector: ação principal; Uma imagem de ausência:
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(ver listas); Canção da Infância de Peter Handke = texto; vestir sem
aparentar = figurino; faça um roteiro de ações e estados (para cada
ação, um estado): pode ser curto; trabalhar com (na medida do
possível): repetições, ritual. PODE: música, maquiagem, objeto. NÃO
PODE: Contar para ninguém. Ensaiar (só ensaie o texto para decorar).
2- Escolher 3 palavras das 6 que nós escolhemos no dia 25 de Agosto,
fazer uma frase usando essas 3 palavras e transformar essa frase em
movimentos com a qualidade do ar.
3- São dois workshops. Um aluno-ator dirige o outro.
- 21/ 09 (3º feira) > Carla e Morena > algo de Beckett sobre o tempo
e que haja uma partitura física feita no workshop 1c no processo.
- 22/ 09 (4º feira) > Joana e Leonardo > algo de Clarice Lispector
sobre o tempo. Aproveitar algo do workshop 1b, algo próximo à uma
partitura física.
- 23/ 09 (5º feira) > Erika e Camila Vetter > criar rotina de
repetições com espasmos, que se aproxime do código interpretativo
expressionista.
- 24/ 09 (6º feira) > Camila Rhodi e Flávia > partindo do workshop
1b da Flávia e usando a partitura física do workshop 1 A da Camila
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Rhodi. Algo que se aproxime do código interpretativo do Teatro
Oriental.
Durante o processo foi pedido também pelo diretor que
levássemos textos que tivessem relação com Ausência, esses
poderiam ser memórias e coisas pessoais ou textos de autores
já conhecidos. Depois fizemos uma lista de possíveis workshops a
serem apresentados.
Usamos os movimentos dos workshops de forma decupada e fomos
interagindo um com o outro, a ponto de fazermos uma
improvisação coletiva, onde experimentamos a presença de um
divã em cena, este muito bem aproveitado por todos.
Com os workshops cada ator trazia materiais variados em
torno da ausência de tudo o que fosse possível, dos objetos
mais simples à pessoa mais amada. As cenas eram apresentadas
com diálogos ou não, de autorias próprias ou oriundas de
outros autores. Durante o processo fizemos uma lista de todas
as possíveis ausências que poderiam existir e trabalhávamos
através desse mundo de possibilidades. A cada semana o diretor
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pedia uma cena para cada grupo de atores ou individual, dava
as regras, que poderiam ser, sem fala, onde o espaço fosse
pequeno, ou claustrofóbico, talvez com repetição, etc., que
seria apresentada sem que ninguém da turma pudesse assistir
antecipadamente para que pudéssemos saber qual seria o impacto
da cena no público.
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Mergulho no Inconsciente
Ao longo dos anos na escola, incentivada por Morena Buzar,
uma amiga e companheira de turma, criei coragem para abrir
finalmente a caixa com o material do meu pai que eu a mantinha
embaixo da minha cama. No momento em que abri a caixa, foi uma
grande emoção para mim. Apesar da morte de meu pai ter sido
quando eu tinha dezessete anos, não tive ao longo da vida um
contato muito contínuo, especialmente após a morte da minha
mãe. Sobre sua vida, não conhecia muito, só entrava em contato
com a mesma pelas cartas que me enviava. Naquela caixa havia
um mundo de uma pessoa que apesar de ser meu pai, não possuía
muita intimidade, de um ator, dramaturgo e escritor de teatro,
cinema e televisão. Havia muitos textos, fotos, críticas de
jornais, programas de espetáculos, currículos, rascunhos de
cartas dele para mim, para sua mãe e cartas minhas para ele.
Foi um momento de muita emoção e de resgate da minha história,
do meu passado e conseqüentemente do meu presente. A partir
dali comecei a ter idéia de todo um histórico que eu tinha,
que vinha do meu pai e da minha mãe que também era atriz
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quando mais jovem. A partir dali entrei em contato com a vida
da qual eu sou a continuação, o que me trouxe mais força para
seguir meu caminho com a certeza de que desde meu nascimento,
ou antes até, já me corria nas veias o prazer de trabalhar com
a arte. E também uma responsabilidade que tinha que ter por
essa continuidade da carreira dos meus pais.
A partir do pedido de textos que pudessem ser retirados da
memória, eu parti das ausências que existem na minha vida,
comecei a pensar no que me é mais ausente chegando à conclusão
que a maior de todas seria sem dúvida a dos meus progenitores.
A partir daí, elaborei duas cenas relativas às lacunas das
mortes da minha mãe e do meu pai. Escolhi para as duas cenas
que se uniam entre si, o cenário de um quarto, o quarto onde
eu chorava todas as noites pela morte de minha mãe durante um
bom tempo aos nove anos de idade. Quarto também que descobri a
história profissional de meu pai, quando abri sua caixa, e me
deparei também com a minha história, herança de todo o seu
passado.
O que mais me estimulou a criar uma cena onde eu me
expusesse de tal maneira seria o encorajamento de um professor
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que me dizia para me expor mais, que seria necessário que eu
saísse detrás de uma máscara para que eu pudesse crescer como
atriz. Pensei que através de uma exposição tão íntima de minha
história, de minha família, escritos ditos de meu pai para mim
e minhas cartas, quando ainda criança, com meus erros
ortográficos, com a minha angústia, com a minha ausência plena
e verdadeira, eu sabia que seria difícil, mas acreditei que
fosse importante para o meu crescimento. Também não poderia
esquecer na relevância da possibilidade de rever, repensar e
reviver meus momentos de dor da perda dos meus pais que foram
sufocados, ou esquecidos ou até mesmo deixados de lado por
mim. Eu teria que passar pelas minhas vivências afetivas para
que pudesse continuar meu desenvolvimento pessoal. Pensando na
ligação que tenho com eles que, além da afetiva, vai para um
outro plano, que também é profissional, a partir do momento
que escolho uma profissão que é a mesma, tenho uma
continuidade de história que se origina desses, é como se para
mim, tivesse que honrar todo um histórico construído
anteriormente a minha existência.
Em geral o homem atribui grande importância aos laços afetivos. Ora, estes encerram
sempre projeções que é preciso retirar e recuperar para chegar ao si-mesmo e à
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objetividade. As relações afetivas são relações de desejo e de exigências, carregadas de
constrangimento e servidão: espera-se sempre alguma coisa do outro, motivo pelo qual este
e nós mesmos perdemos a liberdade. O
conhecimento objetivo situa-se além dos intricamentos afetivos, e parece ser o mistério
central. Somente ele torna possível a verdadeira conjunctio4.
Na elaboração das cenas pensei em uma cama e uma cabeceira
com um gravador, uma caixa com cartas e uma foto grande do meu
pai. As duas cenas propostas e apresentadas no workshop, era
comigo sentada nessa “cama”, para isso aproveitei o divã
cenográfico que usamos nas improvisações.
Na primeira cena proposta, apresentei um episódio contínuo
do meu passado, quando levada para a escola numa Kombi dos
meus tios, com o falecimento da minha mãe ainda recente, havia
no chão, fronhas de travesseiros da minha mãe. Sentada no
divã, mostrava através de palavras, corporalmente e com minha
emoção genuína minhas sensações diante daqueles objetos tão
4 JUNG, Carl Gustav. Memórias,Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira. P. 208
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ligados a minha mãe, a sua ausência estava lá. Logo após,
colocava em pé a foto do meu pai em cima da cabeceira, assim
continuava a outra cena, quando abria um bauzinho onde estavam
cartas que encontrei em sua caixa, e as lia. Eram cartas dele
para sua mãe, para mim e minhas cartas para ele. Em vários
momentos quase que não conseguia prosseguir a cena com a voz
embargada, mas sabendo que aquilo era uma cena, que pessoas me
assistiam e esperavam por um fechamento, fui até o final do
que havia proposto. Foi um momento de grande emoção para mim e
para toda a turma. O diretor teve que dar um intervalo para
que todos se recompusessem. A minha vida estava exposta ali
para um pequeno público, emocionando-o, as atrizes sabiam que
aquela era minha história, mas aquela cena fazia refletir
neles próprios, em suas histórias que iam além de suas vidas
pessoais, vinha de um passado universal, vinha de um
inconsciente coletivo.
Desde aquele dia, Fábio Cordeiro disse que a segunda cena
apresentada entraria no espetáculo. A princípio duvidei se
aquilo seria teatro, afinal, era a minha vida, fatos reais, a
emoção era minha e não de algum personagem. Relutei comigo
mesma até o dia da estréia, mas a cena foi enfim apresentada.
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Havia um roteiro da cena, que eu mesma criara e que foi
fechada pelo diretor, sendo que este não ensaiava comigo,
deixava para que o momento me proporcionasse o ritmo das falas
e movimentos. Eu entrava por dentro do plástico que envolvia
os quatro lados do linóleo vermelho, me ajoelhava com o
pequeno baú nas mãos, olhava para as atrizes cantando, em
especial para Joana D´Arc que trocava a sua emoção comigo, o
que me motivava a entrar naquele clima de ausência, me
impulsionava a colocar a foto dos meus pais no plástico entre
mim e o público. Depois voltava e ouvia a conversa minha com
minha mãe que sempre me tocava, me trazia recordações, trazia
saudade, era a voz da minha figura materna, comigo ainda
criança, um momento que nunca mais voltará. Logo após abria o
bauzinho e retirava uma das cartas e começava a ler. As cartas
eram reais, xeroxes de cartas que recebi um dia pelo meu pai,
ou quando não, pelo meu tio que despachara uma caixa quando
ele falecera, com cartas que eu escrevi para ele e também
postais que ele enviou para sua mãe. No momento em que eu lia
os “pequenos textos”, lembrava de momentos da minha vida, cada
época, ainda aprendendo a escrever, falando de momentos com a
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minha mãe, depois, de novas experiências sem ela, da nova vida
já morando com meus tios.
Cena como Performance
Na cena, meus gestos fisionômicos, meus movimentos
gestuais adquiriram uma importância particular e cada
observador pôde ter valorizado as diversas possibilidades de
articulação entre os membros e os movimentos gerados pela
emoção. Mas independente do fato da atenção estar focalizada
sobre certos aspectos do corpo, existia também uma base que os
originava e os articulava, uma unidade biofisiológica
corporal. Havia um interesse de expor externamente o que vinha
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do interno, não houve um foco de luz ou outro fato qualquer
apresentado em determinada parte do corpo, era apenas o
discurso do corpo, como um todo.
Apesar da cena estar embutida em um espetáculo teatral,
será que poderíamos dizer ser considerada como uma performance
pelo fato de ter sido eliminada da sua estrutura a concretitude
no sentido aristotélico, com início, meio e fim, texto e
mensagem, que fez com que aumentasse a carga dramática, dando
a característica de um drama abstrato? Partindo desse princípio,
poderíamos então considerar a cena das cartas, como uma
performance organizada pelo self . Onde o motor da performance é
o ego pessoal do artista, como a performance de Beyes e as
performances do americano Spalding Gray baseadas na sua
própria vida. Schechner em Post Modern Performance: Two View, aponta
também a denominação self as context onde a criação “se dá a
partir da vivência do autor”. Nessa performance prepondera o
trabalho individual, uma leitura do mundo a partir do ego do
artista. Ele também cita os artistas Stuart Sherman e
Elizabeth LaCompte e representando o Brasil, Ivald Granatto e
Aguillar.
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Quando se expõe uma foto minha com meus pais, em cena,
ouço a voz da minha mãe comigo ainda pequena e leio as cartas
que são escritas pelo meu próprio pai para minha avó e para
mim, leio ainda cartas escritas por mim onde lembro de
situações vividas, volto para
minha história, apresentando a minha vida, chegando a um
estado emocional verdadeiramente meu, sem representações. A
eliminação de um discurso mais racional e a utilização de
signos faz com que a cena tenha uma leitura que é antes de
tudo uma leitura emocional.
A arte da performance e live art como um todo, tendem para a
atuação e não a representação, havendo uma acentuação muito
maior do instante presente, do momento da ação, o que acontece
no tempo real. Cria-se então uma característica de rito, com o
público não sendo apenas espectador, estando numa espécie de
comunhão, não havendo a necessidade de suprimir a separação
palco-platéia. A relação entre o espectador e o objeto
artístico se desloca de uma relação estética para uma relação
mítica, de certa forma, ritualística, onde há um menor
distanciamento psicológico entre objeto e o espectador, este
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distanciamento não fica claro, entra na obra, faz parte dela,
fazendo com que o espectador vire participante do rito e não
mero assistente. Pode-se dizer teoricamente que na relação
estética existe uma representação do real e na relação mítica
uma vivência do real. O ator “vive” o papel e não
“representa”, e é nessa estreita passagem da representação
para atuação, menos determinada, com espaço para o improviso,
para a espontaneidade, que caminha a live art, com as expressões
happening, que são performances em grupo e performance. É nesse
limite tênue que a arte e a vida se aproximam. E é claro,
devemos levar em consideração segundo a citação de Jacó
Guinsburg5 que diz não existir uma relação que seja
distanciada, nem totalmente mítica, inserida e, que num rito,
por exemplo, existem instantes de observação estética, de se
estar fora. Como na cena das cartas, onde a emoção era minha a
partir da minha história, mas sabia dos tempos cênicos e me
mantinha o tempo todo sabendo que estava num teatro, em frente
ao público.
5 Jacó Guinsburg é ensaísta, professor e crítico de Teatro.
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Como na performance, a intenção da cena passou do que,
para o como, ao se romper com o discurso narrativo, a história
passa a não interessar tanto, o interesse maior é como
“aquilo” está sendo feito. Na cena das cartas, em certo
momento a música se eleva em tom maior que a minha voz, a
ponto de não se ouvir o “texto” das cartas. Para o público que
não consegue mais ouvir a voz da atriz, fica a imagem de uma
menina em um momento delicado, frágil, vestida com uma
camisola, lendo cartas de seus pais ausentes. Nesse momento
houve uma apresentação como se fosse um quadro, a performer
conceitua, cria e apresenta sua performance, à semelhança da
criação plástica, como uma exposição de sua “pintura viva”,
que utiliza também os recursos da dimensionalidade e da
temporalidade. Como objetivo, foi visada uma maior
estetização e, isso decorreu tanto da necessidade de passar
signos mais elaborados que demandassem um maior rigor formal,
quanto do desejo de produzir uma obra mais delineada, menos
bruta. Nessa busca, que gera uma maior necessidade de controle
no processo de criação-apresentação, vai-se ganhar em força
sígnica. Na cena os objetos usados, cartas, foto e o pequeno
baú, têm como significado o passado, o figurino, uma camisola,
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representa uma intimidade daquela “personagem”, junto com os
plásticos que envolvem a cena também tem o significado do
quarto, ou da casa, reforçando ainda mais a intimidade, a
exposição de um indivíduo em sua essência.
Gostaria de introduzir aqui a opinião do teórico Hans
Thies Lehman que pensando o teatro pós-moderno já faz uma
ligação do teatro com a performance. No teatro de hoje, o ator
não mais representaria um papel, mas seria o performer que
oferece sua presença em cena pra uma contemplação. Sendo que
na performance, como no teatro pós-moderno, o mais importante
é a presença provocante do homem que a representação de um
papel. Ainda ressalta que isso representa um certo número de
aspectos dessa problemática, por exemplo, a
técnica da presença ou a dualidade entre encarnação e a
comunicação, e nesse ponto ele determina a necessidade de uma
profunda reflexão a ser feita a partir das novas formas de
percepção.
Thies-Lehman analisa o teatro de nosso tempo chamando-o
“pós-dramático”, onde ele enfoca as experiências com o texto
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começadas pelo teatro do absurdo até novos confrontos com
outras formas de arte.
...a transformação operada na utilização dos signos teatrais tem como conseqüência que se
tornem mais flutuantes as delimitações que separam o gênero teatral de formas práticas,
como a performance art, que tendem a uma experiência do real 6.
E ele continua, afirmando que a performance se aproxima do
teatro, na sua busca de estruturas visuais e auditivas
elaboradas, indo até às novas tecnologias de novas mídias e
por sua utilização de espaço-tempo mais estendido.
Segundo Picon-Vallin Béatrice7:
No interior das práticas interdisciplinares que fazem parte da história da cena do século XX,
onde aumenta a porosidade das fronteiras entre as artes do espetáculo, foram fatores
determinantes à imagem química de ontem e hoje eletrônica, ou digital, e que vem
ocupando um lugar cada vez maior8.
Ilustrativa ou atuante, ela confere à cena, ou ao ator,
diferentes registros de presença. Ela propõe suas imagens como
parceiros, ela dota o corpo do ator de um corpo aumentado ou o
habitua a observação do espectador de forma pontilhada. Ela
6 LEHMANN, Hans-Thies. Le théâtre post-dramatique. Paris: L’Arche, 2002. P. 537 Diretora de pesquisas no Centro Nacional da Pesquisa Científica, professora de história do teatro no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris8 PICON, Valin Béatrice. Les écrans sur la scène. Coll. théatre au XXéme siècle, Éditions l’Âge d’homme, Lausanne, 1998
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faz penetrar o espectador em seu corpo. Ou o transforma em um
átomo, ou em close-ups espalhados.
Mas é importante também enfatizar então o legado que os
artistas praticantes da performance deixam atrás de si; para
citar só alguns exemplos, temos o minimalismo, essa extração
dos elementos essenciais feita de uma maneira intuitiva, quase
sensitiva com a utilização de todos os elementos psicofísicos
de captação, que é uma forma de se trabalharem as estruturas
essenciais do discurso humano, dando uma nova luz ao apontar
as bases de certos sistemas mitológicos, filosóficos e
semiológicos, permitindo ao mesmo tempo, o desdobramento de
leituras e a superposição de obras. Outra contribuição é a de
através da exacerbação da “imagem emocional”, se resgatarem em
certas performances estruturas arquetípicas básicas e
situações que pertencem ao inconsciente coletivo de toda
comunidade. Dessa forma, algumas performances transformaram-se
em alguns dos últimos redutos não contaminados pelos
tentáculos do sistema, onde praticantes e platéia mantiveram
viva o ritual de situações antropológicas e práticas
essenciais à preservação da psique coletiva da humanidade.
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A Formalização
Apresentei nos workshops além das duas cenas
autobiográficas propostas, uma partitura corporal junto com um
texto que gravei em off de um material que havia escrito sobre
a ausência de um amor. A cena em si não entrou na montagem,
mas a partitura foi incorporada em vários momentos do
espetáculo por mim e pelas outras atrizes e o ator, em vários
momentos da peça, sendo individuais ou em grupo.
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O cenário do espetáculo era composto por um linóleo
quadrado vermelho envolvido por quatro cortinas de plástico.
Além desse espaço, os atores ainda tinham o espaço ao redor do
linóleo e a traseira do espaço cênico para explorar, este
último apesar de ser por trás de tudo, o público conseguia
enxergar os atores e seus movimentos, por causa dos plásticos
transparentes. Nesse último espaço havia também cabides com
roupas e objetos de cena, além do divã móvel.
O roteiro da montagem foi feito pelo diretor, a partir do
material trazido pelos atores ao longo do processo. A cena com
as cartas, vinha em seguida a uma cena dramática de uma outra
atriz, Erika Ferreira em que dizia um texto sobre o amor
perdido sentada quase que no meio do espaço. A atriz terminava
a cena cantando, e todas as atrizes e o ator Leonardo Hinckel
formavam um coro, com a música “É doce morrer no mar 9”, cantavam
em volta do espaço cênico, por fora dos plásticos. Enquanto
isso eu entrava em cena, colava a foto dos meus pais que
estavam comigo no colo ainda bebê, no plástico transparente
que havia entre mim e o público. Sentava no chão e olhava para
as meninas que ainda estavam cantando, em especial a Joana D
9 Composição de Dorival Caymmi
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´Arc com a sua expressão, seu corpo grudado no plástico,
cantando para mim, era um estímulo para prosseguir.
Nessa hora entrava uma gravação em off, podíamos ouvir uma
criança conversando com a mãe, esta era eu quando tinha apenas
de 3 anos de idade e minha mãe:
- Camila, você gosta da Fulana?
- Gosto!
- Camila, você gosta de Sicrana?
-Gosto!
- E da Beltrana, você gosta?
Tempo
- Gosto...
A gravação era um misto de cômico pelo tom de rejeição da
criança, e dramático pela carga emocional de haver uma criança
pequena conversando com a mãe, e no caso tinha tamanha
importância pelo fato de que aquela voz era minha, aquela era
eu conversando com minha mãe que falecera alguns anos mais
tarde àquela gravação.
Enquanto isso eu me sentava em cima dos joelhos e ouvia a
gravação, com uma expressão saudosa, achando graça e me
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emocionando ao mesmo tempo, mas naturalmente, sem que minhas
expressões fossem artificiais, eram movimentos não
cristalizados, não havia ali um outro tipo de instrumento além
das minhas possibilidades comportamentais. E cada dia que
ouvia a voz da minha mãe no espetáculo era um momento muito
forte que experimentava na frente de uma platéia. Apenas ouvi
essa gravação três vezes na vida antes da cena, porque para
mim foi sempre foi muito difícil me deparar com essa dor.
Quando acabava o texto em off, eu já estava sentada ao
lado do bauzinho, e olhava-o com um certo receio, abria-o e
começava a ler as cartas que lá dentro estavam. Estas eram
cartas escritas por meu pai para a sua mãe, esta também já
falecida e para mim. Minhas cartas
escritas ao longo de todo meu processo de alfabetização e
amadurecimento da escrita e da vida, após a morte da minha
mãe, e antes de sua morte.
Apesar da minha grande emoção, de ter vezes que era
necessário ter um tempo maior de respiração para que não me
esvaísse em lágrimas e perdesse o tempo cênico, eu sabia em
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todo o momento que estava diante de uma platéia, sabia que meu
corpo não poderia estar em certas posições, porque o público
precisava ver minhas expressões faciais e corporais, tinha que
ouvir minha voz com suas entonações. Não era possível que eu
entrasse num drama psicológico meu, onde me rasgasse inteira e
deixasse o tempo passar aleatoriamente, sem me importar com a
comunicação.
Essa cena não era ensaiada, Fábio não queria me dizer o
que sentir, como sentir, me deixou livre para que lendo
aquelas cartas eu entrasse num estado que reverberasse por
todo o corpo e que fosse verdadeiro, apesar das marcações que
eu mesma estabeleci. Em todas as apresentações eu fazia os
mesmos direcionamentos, talvez assim eu não me perdesse na
minha emoção. Havia um roteiro da cena, que eu mesma criara e
fora fechado pelo diretor. Sem ensaios, era deixado para que o
momento me proporcionasse o ritmo das falas e movimentos.
Ouvir minha conversa com minha mãe que sempre me tocava, me
trazia recordações, trazia saudade, era a voz da minha figura
materna, comigo ainda criança, um momento que nunca mais
voltará. Logo após abria o bauzinho e retirava as cartas e
começava a lê-las. As cartas eram reais, xerox de cartas que
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recebi um dia pelo meu pai, cartas que ele enviara para minha
avó e outras que eu enviara a ele. No momento em que eu lia os
“pequenos textos”, lembrava de momentos da minha vida, cada
época, ainda aprendendo a escrever, falando de momentos com a
minha mãe, depois, de novas experiências sem ela, da nova vida
já morando com meus tios. Com tais lembranças de situações
vividas, volto para minha história, apresentando a minha vida,
chegando a um estado emocional verdadeiramente
meu, sem representações. A eliminação de um discurso mais
racional e a utilização de signos faz com que a cena tenha uma
leitura que é antes de tudo uma leitura emocional. O espectador
“sente” o que está acontecendo, independente se está entendo
como se encaixa a cena diante de todo o espetáculo.
Tal como o artista da performance capta uma série de
“informações” que estão no ar e as codifica em mensagem para o
público através da arte, implicando numa re-transformação
através de outros canais, exponho a minha vida com uma série
de informações, imagens e sons e transformo-a em arte.
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A Recepção do Público
Após a primeira apresentação percebi que aquela cena era o
ápice do espetáculo que vinha ao longo do desenvolver de todas
as cenas da apresentação até chegar na minha, onde o público
entrava numa catarse, eu podia ouvir o choro das pessoas. No
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final de cada apresentação pessoas vinham falar comigo no
camarim, descobri ali que algumas que me conheciam, sabiam que
aquela era a minha história, outras apesar de me conhecerem,
desconheciam minha vida e outras que não faziam a mínima idéia
de quem eu era, todas eram tocadas por aquela cena. Uns diziam
ter lembrado o filho, outros os pais, outros sabiam da minha
vida e elogiaram a maneira como foi apresentada. Tiveram
pessoas também que criticaram, acreditando que aquilo não
seria teatro.
Susan Sontag10 fala sobre a dupla tensão a que está
submetido o artista, tanto a nível interno onde se confronta
com suas emoções que, se são, por um lado, “bombas de tempo”,
isto é, têm que imperativamente “sair para fora”, tomar forma.
Do lado externo, o artista tem a cobrança do público e a
dificuldade do diálogo, muitas vezes criador e receptor não
estão sintonizados na mesma freqüência. E seria dessa forma
que alguns trabalhos de performance sejam rejeitados, quando o
público não está na mesma sintonia que o artista.
O público, tanto que se emocionara, que sofrera com a
catarse na hora da apresentação, quanto o que reprovou,
independente do grau de envolvimento pode ter tido uma forte
10 Escritora, crítica de arte e ativista norte-americana.
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ligação com o inconsciente coletivo. A minha dor vem não
apenas do meu histórico, mas de uma vida em comum com muitos
seres, onde todos se interligam, onde todos têm seus
antepassados que passaram pelo processo de uma mesma história,
de uma história universal.
Em seu livro “Memórias, Sonhos e Reflexões”, Jung descreve
a sua vida como se presente, passado e futuro fossem um só, em
que tudo que ocorre no tempo se concentra numa totalidade
objetiva, nada estaria cindido no tempo e nem poderia ser
medido por conceitos temporais.
Como representar que vivi simultaneamente o ontem, o hoje e o amanhã? Havia o que ainda
não começara, havia o mais claro presente e algo que já chegara ao fim e, no entanto, tudo
era uma e única coisa. O sentimento só poderia apreender uma soma, uma brilhante
totalidade na qual está contida à espera do que vai começar, tanto quanto ao resultado do
que já passou. Um todo indescritível no qual estamos mergulhados e que, no entanto,
podemos perceber com plena objetividade 11.
Ele escreve sobre o surgimento de sua carreira
psiquiátrica a partir da experiência subjetiva, ou seja, da
11 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira. P.210
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sua existência particular originar sua vida objetiva, como na
cena das cartas em que transformo minhas experiências pessoais
em arte, a partir dos sentimentos e emoções antes vividos,
originando a cena do espetáculo. E essa vida que se
materializa em cena, tem o poder de tocar em muitas pessoas,
porque a minha vida apesar de ser uma experiência particular é
coletiva.
O inconsciente coletivo não deve sua existência a
experiências pessoais; não é adquirido individualmente, pois o
inconsciente pessoal seria representado pelos sentimentos e
idéias reprimidas, desenvolvidas durante a vida de um
indivíduo, já o inconsciente coletivo não se desenvolve
individualmente, ele é herdado, é um conjunto de sentimentos,
pensamentos e lembranças compartilhadas por toda a humanidade.
O inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes,
chamadas de arquétipos ou imagens primordiais, que cada pessoa
herda de seus ancestrais. A pessoa não se lembra das imagens
de forma consciente, porém, herda uma predisposição para
reagir ao mundo da forma que seus ancestrais faziam, a teoria
estabelece que o ser humano nasce com muitas predisposições
para pensar, entender e agir de certas formas. Mas mesmo
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assim, nem sempre as predisposições presentes no inconsciente
coletivo se manifestam tão facilmente. Apesar do fato que os
arquétipos presentes no inconsciente coletivo são universais e
idênticos em todos os indivíduos, estes se manifestam
simbolicamente em religiões, mitos, contos de fadas e
fantasias. Entre os principais arquétipos estão os conceitos
de nascimento, morte, sol, lua, fogo, poder e mãe. Após o
nascimento, essas imagens preconcebidas são desenvolvidas e
moldadas conforme as experiências do indivíduo.
Jung apresenta também o fato do nosso corpo ser composto
por elementos que já existiam na linhagem dos antepassados e o
novo na alma individual que seria uma recombinação, variável
ao infinito, de componentes extremamente antigos. Nossa lama
teria um caráter eminentemente histórico e não encontraria no
“novo-que-acaba-de-aparecer” lugar conveniente, sendo os
traços ancestrais encontrando-se parcialmente realizados.
Estaríamos longe de ter liquidado a Idade Média, a
Antiguidade, o primitivismo e de ter respondido às exigências
de nossa psique a respeito deles. Somos lançados para o
futuro, com uma violência selvagem que nos arranca de nossas
raízes, e se o antigo brotar, é freqüentemente anulado,
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ficando impossível deter o movimento para frente. Mas a perda
da relação com o passado, a perda das raízes que criaria um
tal “mal-estar na civilização”, a pressa que nos faz viver
mais no futuro com suas promessas, do que no próprio presente
que o futuro da evolução histórica ainda não atingiu. Vivemos
de promessas, esperando a sombra do futuro, sem ver a luz do
dia presente, somos os representantes, as vítimas e os
promotores de um espírito coletivo, cuja duração pode ser
calculada em séculos, podemos pensar durante toda a vida que
seguimos nossas próprias idéias, sem descobrir que fomos os
comparsas essenciais no palco do teatro
universal. Há fatos que ignoramos, mas que influenciam
poderosamente nossa vida por serem inconscientes.
Enquanto falamos sobre a self performance onde o artista
mostra sua alma, tendo que explorá-la, Jung diz que a alma é
muito mais complexa e inacessível do que o corpo e isso não
seria apenas um problema pessoal, mas um problema do mundo
inteiro, as pessoas em geral teriam maior dificuldade em
entrar em contato com a sua alma que seu corpo. Acredito até
que por isso seja difícil para uma platéia assistir um ser
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humano explorando sua própria alma e a expondo, exibindo a de
milhares ao mesmo tempo, sendo difícil para o espectador se
deparar com a sua própria essência, tornando-se de difícil
“deglutição”.
Abordagem Analítica
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Após mencionar sobre psique coletiva e estruturas
arquetípicas, começo a penetrar um pouco mais em Carl Gustav
Jung, referência principal do curso de Educação Estética.
Quando trabalhou em sua árvore genealógica, percebeu uma
estranha comunhão de destinos que o ligava aos seus
antepassados, ele teria a forte impressão de estar sob a
influência de problemas que foram deixados incompletos e sem
respostas por parte de seus pais, avós e outros antepassados.
Pensava ter que resolver ou continuar com tal herança que
recebera sem ter nenhuma ajuda como resposta. Ele se
questionou então se esse seria um problema pessoal ou coletivo
lhe parecendo coletivo, mas segundo ele enquanto isso não
fosse reconhecido como coletivo, o problema tomaria sempre a
forma pessoal e provocaria ocasionalmente a ilusão de uma
certa desordem na psique pessoal.
Para Jung, o ser humano vem ao mundo com disposições
físicas e espirituais particulares. Em primeiro lugar, toma
contato com o meio familiar e seu ambiente, com os quais se
harmoniza numa certa medida, conforme sua individualidade. Mas
o espírito familiar, por seu lado, traz em alto grau a marca
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do “espírito do tempo” que, enquanto tal, permanece
inconsciente para a maioria dos homens. Quando o espírito
familiar representa um “consensus omnium”, passará a significar
esperança, mas se estiver em oposição ao ambiente, ou atingido
por muitas contradições criará um sentimento de insegurança
diante do mundo.
A partir das cartas que levo para cena posso me
identificar com o tema levantado por Jung. Antes da morte da
minha mãe, vivia com ela e tinha contato com meus pais, após o
seu falecimento, fui morar com meus tios, estes muito
diferentes de minha mãe, o que modificou meu comportamento
diante do mundo e isso se pode ver nas cartas, na maneira de
como escrevo cada uma, antes e depois. Acredito que ao levar
meus pais ao palco, seria uma busca
na relação com eles, tocar na nossa história simultaneamente,
seriam as nossas vidas dentro da nossa história.
Queria destacar também que no momento em que estava lendo
essa parte do livro de Jung sobre antepassados, houve uma
sincronicidade, quando recebo pela minha avó materna, sem que
ela saiba nada sobre minha pesquisa, fotos minhas com meus
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pais quando pequena, inclusive a foto que apresentei no
espetáculo.
...Acontece o mesmo que com o paraíso da infância, ao qual acreditamos ter escapado,
mas que a menor provocação, nos inflige novas derrotas. E ainda mais: nossa crença no
progresso corre o perigo de entregar-nos a sonhos do futuro, tanto mais infantis, quanto
mais nossa conseqüência procura evadir-se do passado 12.”
Quando Jung viajou pela África, teve como objetivo
encontrar um lugar psíquico exterior ao europeu, seu desejo
inconsciente era buscar nele mesmo essa parte da
personalidade, tornada invisível sob a influência e pressão de
ser europeu, este determinado pela razão. Muito do que é
humano permanece estranho, e isto o envaidece um pouco, porque
não percebe que isso se dá às custas da intensidade de sua
vida e a parte primitiva da personalidade é condenada a uma
existência parcialmente subterrânea.
Jung acreditava que na vida cada individuo teria como
tarefa uma realização pessoal, o que tornaria uma pessoa
inteira e sólida. Tal tarefa seria o alcance da harmonia entre
o consciente e o inconsciente.
12 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova
Fronteira. P. 216
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Desde o início, entretanto, vi claramente que só estabeleceria contato com o mundo exterior
e com os homens se me esforçasse por mostrar que os conteúdos da experiência psíquica
são reais e não apenas vivências pessoais, mas sim experiências coletivas que podem
repetir-se em outros homens 13.
Poderíamos traçar um paralelo com essa última frase de
Jung e o artista que leva para cena a sua história para
atingir as muitas vidas que estão na platéia. O que o artista
vive, sente, suas faltas e aflições são as mesmas de milhares
de pessoas, herdadas também de antepassados.
O artista moderno esforça-se por criar arte a partir do inconsciente14.
Carl Gustav Jung também buscava na arte os desimpedimentos
da sua vida. Quando se sentia bloqueado, pintava ou esculpia
uma pedra, trazendo para si pensamentos e trabalhos. Como
exemplo posso citar que tudo que escrevera naquele ano em que
13 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova
Fronteira. P. 172
14 JUNG, Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira. P. 173
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fazia o livro, surgira durante o período da escultura de uma
pedra à qual se aplicou após a morte de sua mulher. Para Jung
o homem seria indispensável à perfeição da criação e também o
segundo criador do mundo.
....o homem mesmo dá ao mundo pela primeira vez, a capacidade de ser objetivo, sem ser
ouvido, devorando silenciosamente, gerando, morrendo abandonando a cabeça através de
centenas de milhões de anos, o mundo se desenrolaria na noite mais profunda do não-ser,
para atingir um fim indeterminado. A consciência humana foi primeira criadora da
existência objetiva e do significado: foi assim que o homem encontrou seu lugar
indispensável no grande processo do ser 15.
Na elaboração estética de um de seus livros, Jung chegou à
compreensão de responsabilidade ética em relação às imagens,
com isso compreendeu que nenhuma linguagem por mais perfeita
que fosse, poderia substituir a vida e se isso ocorresse, ela
e a vida se deteriorariam. E para conseguir a liberação da
tirania dos condicionamentos do inconsciente, seria necessário
nos livrar de nossas responsabilidades intelectuais e éticas.
Ele pôs-se ao ofício da alma, amou e odiou e isso foi sua
15 JUNG, Carl Gustav. Memórias,Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira. P. 160
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maior riqueza, essa foi a única possibilidade de suportar sua
existência, vivendo como uma relativa totalidade.
Suas buscas científicas foram o meio e a única
possibilidade de retirá-lo desse caos de imagens, procurando
transformar cuidadosamente cada imagem, cada conteúdo,
compreendendo-os racionalmente na medida do possível e
principalmente, tentando realizá-los na vida, por ser, isto em
geral o que se negligencia. Ele diz que quando deixamos as
imagens surgirem até chegar a um êxtase, poupa-se em geral, o
esforço de compreendê-las na maioria das vezes sem encarar as
conseqüências éticas que elas suscitam e dessa maneira acabam
aparecendo os efeitos negativos do inconsciente.
Através de um sonho que Jung teve quando tinha onze anos,
nascera sua obra principal, a sua vida e trabalhando as
imagens do seu próprio inconsciente que iniciara seu trajeto
pessoal. Suas obras podem ser consideradas como estações de
sua vida, constituindo a expressão do seu desenvolvimento
interior, pois se aplicava aos conteúdos do inconsciente,
formando o homem e determinando sua evolução, sua metamorfose.
Sua vida foi sua ação, seu trabalho aplicado ao espírito era
sua vida, seria impossível separar um do outro, todos os seus
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escritos são de certa forma, “tarefas que lhe foram impostas
de dentro”.
Nasceram sob a pressão de um destino. O que escrevi transbordou de minha interioridade.
Cedi a palavra ao espírito que me agitava. Nunca esperei que minha obra tivesse uma forte
ressonância. Ela representa uma compensação frente ao mundo contemporâneo em que
vivo e eu precisava dizer o que ninguém quer ouvir. É por isso que tantas vezes,
principalmente no começo, sentia-me tão isolado. Sabia que os homens reagiriam pela
recusa, pois é difícil aceitar a compensação de seu mundo consciente. Hoje posso dizer: é
maravilhoso que tenha tido tanto sucesso, mais do que jamais esperei. Para mim, o
essencial sempre foi dizer o que tinha a dizer. Minha impressão é a de que fiz tudo o que me
foi possível. Naturalmente poderia ter sido mais e melhor, mas não em função da minha
capacidade16.
Com o estímulo de dois professores, um que me impulsionava
a me expor mais e outro a buscar nas ausências uma base para a
criação da cena, mergulhei na infância para buscar essa
resposta. Deparei-me com o que estava dentro de caixas,
sentimentos e sensações engavetados, sufocados, esquecidos ou
até mesmo deixados de lado por mim. Passei pelas minhas
vivências afetivas para que pudesse continuar meu processo
16 JUNG, Carl Gustav. Memórias,Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira. P. 194
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criativo e também, quem sabe unindo o criativo com meu
desenvolvimento pessoal.
A infância tem a seu favor, devido à ingenuidade e
inconsciência , o poder de esboçar uma imagem mais completa do
si-mesmo, do homem total em sua individualização autêntica.
Disso resulta que ao ver a criança e o primitivo, o adulto se
esvai em lembranças, recheadas de desejos e de necessidades
não satisfeitas, originadas nas partes da personalidade que
foram apagadas pelos retoques impostos ao conjunto da imagem
do homem, em proveito da adaptação e da pessoa social.
Apesar dos muitos arquétipos apresentados por Jung, trago
aqui a apresentação da sombra, que é um dos arquétipos que
mais influenciam o ego, como os conteúdos privados da luz da
consciência. Uma vez que esses conteúdos são algo que já
pertenceu algum dia à consciência, o ego sente
inconscientemente que está em débito com tais aspectos
negligenciados. Por essa razão, negligenciar nossa própria
Sombra nos traz um sentimento de culpa.
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Segundo Carl Gustav Jung, o mais comum seria projetarmos
inconscientemente a Sombra em alguém, em alguma situação,
instituição ou objeto qualquer. Com essa projeção há uma
grande resistência à assimilação da Sombra, a causa de uma
determinada emoção seria colocada fora e com isso a pessoa
acharia que a Sombra não lhe diz respeito. No entanto essa
projeção faria a pessoa isolar-se de seu ambiente, levando-a a
um sentimento de estar incompleta, pois sua relação com o meio
que a circunda passaria a não ser real, mas ilusória. Criaria
dessa forma um círculo vicioso, com o sentimento de vazio
aumentando o isolamento. Quanto mais a pessoa atacasse ou
criticasse sua projeção inconsciente, mais a projeção se
voltaria contra ela, criando situações de embaraço ou
desconforto.
De modo geral a Sombra desenvolve-se com qualidades que se
opõem às da Persona, com a qual mantém uma relação
compensatória. Por isso, nos sonhos esse arquétipo costuma
aparecer personificado em figuras dotadas de atributos
negativos ou características sinistras, opostas aquelas
socialmente aceitas. Pode surgir também na forma de um animal,
um monstro ou uma força destrutiva.
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Os aspectos da personalidade menos valorizados são nossas
inferioridades, ou nossos complexos afetivos, que têm uma
natureza emocional, uma espécie de autonomia. A vivência da
própria Sombra costuma ser dolorosa, pois os complexos dizem
respeito, em geral, aos setores em que a adaptação é mais
frágil. Essa dificuldade é que em vez de reconhecer nossas
próprias deficiências, preferimos preservar nossa imagem
idealizada de bonzinhos. Quando se tenta excluir os conteúdos
da sombra, as estratégias defensivas podem falhar e a pessoa
se vê obrigada a perceber o custo para mantê-las afastadas da
consciência. Surgem sentimentos de culpa, ansiedade ou
depressão, além de manifestações de sintomas corporais. Quanto
mais forte a repressão, mais forte e atuante ela será.
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Conclusão
Ao longo dessa monografia, foi possível estabelecer uma
ligação entre o processo de criação no teatro, na performance
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e os conceitos Junguianos. O material escrito não tem como
foco ditar verdades, até porque o estudo sobre a performance
ainda é amplo e pouco preciso. Mas tento por aqui fazer um
paralelo entre a cena no teatro e a performance, Jung e o
inconsciente coletivo.
A partir de um processo de criação de um espetáculo, me
foi possível entrar em contato com as histórias que estavam de
certa forma adormecidas em minha mente, mas que constituem
toda a minha essência. Indo ao meu passado, ao meu histórico,
às memórias, às cartas, entrei num profundo contato com o meu
inconsciente, com o que havia de mais dolorido na minha vida,
as ausências de meus pais biológicos. Com esse material
transformei o que era ausência em arte, o processo da criação
foi através das dores humanas, não era apresentado um
personagem fictício e sim, uma pessoa verdadeira e tudo foi
levado para o palco.
A platéia apesar de ter recebido de diferentes formas, faz
parte de um conjunto de pessoas que além de possuírem suas
histórias particulares, fazem parte de um histórico coletivo,
vidas que juntas formam a população mundial, que se origina de
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um passado de várias gerações. A minha biografia também é a
vida de todos.
A união do teatro com a performance e Jung abre aqui mais
uma porta para pensarmos em uma nova vertente sem preconceitos
sobre uma arte teatral em que o homem traga da sua própria
verdade a história que será encenada e com ela, atinja um
público. E que esse passe a refletir sobre sua essência, a
partir do seu eu em contato com o mundo.
Quanto mais conscientes nos tornarmos como auto
conhecimento, e se com isso mudamos nosso modo de agir, menos
espessa vai ficando a camada do inconsciente pessoal, ou seja,
nossa Sombra. Com isso emerge uma consciência não mais
egoisticamente aprisionada pelos desejos, temores, esperanças
e ambições pessoais que sempre necessitam de uma compensação
inconsciente, uma consciência que passa a ser uma função de
relação, participando livremente no mundo dos interesses
objetivos.
A arte lida com a verdade, com transcendência, lida com a
imanência, é um dos veículos para o ser humano tomar contato
com estados superiores de consciência. O artista lida com as
dialéticas, corpo e alma, cabeça e coração, razão e emoção,
vida e morte, que são estruturais à condição humana. Também
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lida com abstração, tendo consciência que a mídia é apenas
uma função de transporte, o corpo para uma alma, o suporte
para atingir o seu alvo.
Bibliografia
COHEN, Renato. Work in Progress na Cena Contemporânea. São Paulo, Perspectiva, 1999.
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance. São Paulo, Perspectiva, 1987.
GUINSBURG J. et alli. Semiologia do Teatro. São Paulo, Perspectiva, 1978.
JUNG, Carl Gustav. Memórias,Sonhos, Reflexões. 1963. São Paulo, Editora Nova Fronteira
LEHMANN, Hans-Thies. Le théâtre post-dramatique. Paris: L’Arche, 2002
STOKLOS, Denise. Teatro Essencial. SãoPaulo: Denise Stoklos Produções, 1993.
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