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ANA FANTASIA
PEDRO PEREIRA LEITE
Estudos sobre o Desenvolvimento
Informal Museology Studies nº 8
Winter 2015
Informal Museology Studies, 8, winter 2015 2
Ficha Técnica:
Informal Museology Studies
Papers on Qualitative Research
Issue 8 – Winter /2015
Directory
Pedro Pereira Leite
ISSN – 2182-8962
Editor: Pedro Pereira Leite
Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos
Redaction: Casa Muss-amb-ike
Ilha de Moçambique,
3098 Moçambique
Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq.
1990-302 Lisbon –Portugal
Informal Museology Studies, 8, winter 2015 3
Conteúdo
Apresentação ....................................................................................... 4
Leitura da Agenda Pós 2015 a partir da teoria crítica do
desenvolvimento ................................................................................. 5
O contexto da Teoria do Desenvolvimento ................................................. 6
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio .............................................. 7
O contexto das políticas de ajuda ao desenvolvimento ............................... 10
A crítica à economia do desenvolvimento e a emergência do pós-
desenvolvimento .................................................................................. 12
O debate atual sobre os ODM: resultados e perspetivas. ............................ 17
Ficha de Leitura ................................................................................. 20
Uma leitura crítica da teoria do Pós-desenvolvimento ................................ 20
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Apresentação Neste número reflecte-se de forma crítica o discurso sobre o
desenvolvimento. Trata-se dum primeiro números duma reflexão que faremos
em 2015 sobre a natureza hegemónico do discurso científico do ocidente. Uma
narrativa construída para legitimar o domínio sobre a natureza e jestificar,
grosso modo os modos de apropriação dos recursos naturais dos diferentes
territórios. As ações do e para o desenvolvimento acentuam a critica de que a
ciência eurocêntrica é um discurso sobre a realidade e uma forma de ação em
função de fins que legitimam os processos.
A teoria crítica do desenvolvimento releva uma forma de consciência
sobre as ações sobre o espaço e sobre a sociedade. Olhar para o
desenvolvimento a partir duma teoria crítica conduza à questão da pós-
modernidade, da crítica às práticas discursos. Assim o pós-desenvolvimento
acaba por acentuar que as necessidades do desenvolvimento não são mais do
que práticas discursivas que se constituem como reflexos de pensamento
ocidental hegemónico.
A consciência da relevância das narrativas sobre o real acentua a
problemática de que a definição das “necessidades materiais”, vistas como o
produto do desenvolvimento, são culturalmente construídas e mais não fazem
que perpetuar relações de dominação. Uma crítica que conduz ao imperativo
da necessidade de pensar um conceito alternativo e de formas alternativas de
intervenção, fora do pensamento hegemónico ocidental.
Uma alternativa que se procura enraizar nas experiencias dos
movimentos sociais, sobretudo daqueles que, rejeitando uma agenda material
ou assistencialista, se tem vindo a afirmar com base numa agenda nos direitos
cívicos, identitários ou mesmo culturais. Movimentos que reivindicam formas
de economias alternativas ao modelo hegemónico do mercado global.
Movimento que revelam formas de economias locais alternativas.
O contributo do debate sobre o pós-desenvolvimento criou um clima
mais eclético e aproximações mais pragmáticas à questão do desenvolvimento
e possibilitou a reconstrução. Estes trabalhos procuram desenvolver essa
reflexão.
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Leitura da Agenda Pós 2015 a partir da teoria crítica do desenvolvimento
Ana Fantasia CEsA.UL e
Pedro Pereira Leite (CES.UC)
Resumo
Em 2000 a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)
aprovou e definiu oito objetivos de desenvolvimento do milénio a atingir em
2015. Com esse compromisso procurou alcançar um conjunto de ambiciosas
metas, objetivadas através de indicadores quantitativos verificados num
horizonte temporal de 15 anos. Anualmente os resultados atingidos são
reportados à Assembleia Geral. Neste ano de 2015, é já claro o grau de
aquisição destes objetivos, e discute-se de que forma é que se dará
continuidade a esse compromisso.
Neste artigo abordamos os contextos de formação destes objetivos no âmbito
da Teoria do Desenvolvimento a partir da relação da compatibilização entre os
fins, aqui apresentados como “os objetivos”, com os meios alocados pelos
diferentes atores envolvidos. A análise dos meios leva-nos a mapear os
processos implementados no campo da Ajuda ao Desenvolvimento. A partir
dessa análise interrogamos a eficácia e a eficiência da ajuda ao
desenvolvimento e a adequação do conceito de Desenvolvimento na discussão
atual sobre os Objetivos de Desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Pós-desenvolvimento, Teoria do Desenvolvimento, Objetivos
de Desenvolvimento do Milénio, Ajuda ao Desenvolvimento, Teoria Crítica
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O contexto da Teoria do Desenvolvimento A Teoria do Desenvolvimento tem a sua origem com a dissolução dos Impérios
coloniais a partir de 1945. Com o início da grande vaga independentista do
pós-guerra regista-se a passagem duma tutela colonial, com definição das
atividades a desenvolver por parte duma elite branca, para uma autonomia
política de base “nacional” . Essa nova realidade exige a reformulação dos
processos de desenvolvimento. A teoria do desenvolvimento surge como um
ramo específico da economia, para resolver a questão de como promover o
desenvolvimento nos países pobres. Ao longo destes anos foram-se
formulando modelos de intervenção que procuravam responder a essa questão
(Rist, 2002).
Num primeiro tempo, entre os anos 50 e 60, o modelo dominante foi o da
modernização. O modelo da modernização partia da constatação de que os
sistemas coloniais haviam apostado numa produção extensiva de exportação
para as metrópoles e nada haviam feito para organizar o território. Haveria
portanto, dum lado um sector tradicional, essencialmente rural que implicava
modernizar, ao mesmo tempo que, mantendo as indústrias existentes para
exportação, se impunha assegurar um determinado nível de industrialização e
urbanização. Trata-se dum modelo essencialmente dualista.
A realidade veio a demonstrar vários limites à aplicação deste modelo, entre
as quais se costuma salientar questões como a crescente taxa de urbanização
que fez afluir às cidades grandes massas de camponeses, a crescente
dificuldade em conciliar os processos industriais com as culturas tradicionais e
uma mão-de-obra pouco qualifica. Isso conduziu a uma quebra dos preços das
matérias-primas nos mercados mundiais, gerando a diminuição dos
rendimentos gerais e concentração da riqueza nas elites locais.
Contatava-se que não se estava a verificar “um desenvolvimento”. O aumento
da pobreza e o agravamento das condições de vida nas cidades em África era
evidente. As mulheres estavam marginalizadas nos processos económicos. A
crescente conflitualidade entre estados ou regiões aumentava. Surge como
alternativa o modelo das economias planificadas, onde em poucos anos,
debaixo duma orientação do estado vários países tinham atingido um bom
nível de “desenvolvimento”.
O modelo apresentava algumas limitações. Obrigava a procurar modos de
catalisar esse desenvolvimento. O Estado assumiu, em grande medida, a
tarefa de procurar atrair recursos necessários para o investimento, ao mesmo
tempo que criava as bases para implementar políticas públicas que
assegurassem a modernização da sociedade e o seu bem-estar. As políticas de
educação e saúde tornam-se prioritárias.
No entanto, estes investimentos geravam uma elevada taxe de inflação, ao
mesmo tempo que a transformação social demorava a acompanhar o
processo. No âmbito internacional acentuava-se a degradação dos termos de
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troca entre o sul e o norte, aumentando as situações de dependência que
vinham do tempo colonial. As soluções propostas para procurar ultrapassar a
dependência foram variadas. Nuns casos a implementação de modelos de
base socialista (propriedade coletiva e planificação económica), noutros a
busca do equilíbrio nas relações de troca entre o centro e as periferias. Em
todos os modelos defendia-se a industrialização como processo de substituição
das importações e o aumento das proteções aduaneiras.
A constituição do mercado, entenda-se como a troca mediada pela moeda, e a
geração de capacidade de uso da massa monetária para o desenvolvimento
(poupança/investimento), em paralelo com a eliminação de barreiras
aduaneiras, emerge nos anos oitenta como modelo na teoria do
Desenvolvimento. O modelo protecionista e/ou socialista não gerou
desenvolvimento económico e não criou riqueza. Evidenciam-se diversos
desequilíbrios que o modelo do ajustamento estrutural, que adiante
detalharemos, se propunha resolver.
Malgrado o crescente predomínio da economia de mercado continuou a
verificar-se um elevado nível de pobreza e miséria nos países do sul. Nesta
altura assistiu-se a uma diminuição muito fraca dos vários indicadores do
desenvolvimento humano (renda, escolarização, acesso à saúde, igualdade de
género, segurança alimentar, etc.) e como se multiplicaram os conflitos entre
estado. Falava-se então da “década perdida” para África.
O modelo do ajustamento estrutural, e a “mão invisível do mercado” não
estavam a funcionar adequadamente. A emergência de novos atores
evidenciava que a teoria do desenvolvimento económico necessitava de ser
adequada aos novos problemas. Questões como os custos de externalidade
dos investimentos (sobretudo em termos ambientais e sociais) bem como a
criação de elites fortemente capitalizadas, com investimentos na economia
global, levam ao questionamento do modelo do ajustamento estrutural para
dinamização do mercado. No início do novo século os sintomas duma situação
crítica da Teoria do Desenvolvimento acentuavam-se. É nessa altura que são
definidos os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio Quando em 8 de Setembro de 2000 a Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), sob a presidência de Kofi Anan, aprovou a Declaração
do Milénio (Assembley, 2000), que é adotada pelos seus 191 estados
membros, assistiu-se a um momento de viragem, onde se procura estabelecer
os princípios de um programa de intervenção global. Um programa que é
limitado no tempo, até 2015, com definições de objetivos concretos,
mensurados e medidos de ano a ano.
Esse documento sintetiza um intenso esforço diplomático e de diálogo com
diferentes organizações, de conciliações de diferentes acordos internacionais
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setoriais que se vinham a desenvolver ao longo dos anos 90. Declarações
sobre meio-ambiente e desenvolvimento, direitos das mulheres,
desenvolvimento social, sobre o racismo, o combate às epidemias e
pandemias como o HIV, são traduzidos nesta declaração em oito capítulos e
32 parágrafos. Um dos seus aspetos mais relevantes traduziu-se na inclusão
dos objetivos quantitativos para alcançar no espaço de 15 anos. São todos
eles objetivos que se preocupam com o destino da humanidade e do planete
nesse início do novo milénio.
Esse esforço de compromisso traduziu-se, em termos práticos, no
estabelecimento de oito objetivos de desenvolvimento para o milénio (ODM),
que passaram a balizar as ações de ajuda ao desenvolvimento e a intervenção
dos diferentes atores no âmbito da formulação dos projetos de
desenvolvimento ou de investimento em políticas públicas. Os ODM foram, no
seu tempo, uma forma inovadora de agir no âmbito da Ajuda ao
Desenvolvimento.
Os oito objetivos definidos são:
Objetivo 1- Erradicar a pobreza extrema e a fome. Calculava-se que cerca de
um bilhão e duzentos milhões vivessem com uma renda inferior a 1 U§/dia, na
maioria dos casos localizadas em países do sul. O objectivo foi o de reduzir
para metade esse número. Um objectivo que seria medido através da media
da renda per capita e seria favorecido pelo investimento na criação de
emprego, na melhoria da renda e no acesso à terra para trabalho agrícola, a
formação e capacitação profissional
Objetivo 2 -Atingir o ensino básico universal. Calculava-se que cento e treze
milhões de crianças estavam fora dos sistemas de escolarização básica
(aprendizagem da leitura, da escrita, e da aritmética).A ambição dos ODM era
proporcionar à totalidade das crianças em idade escolar em 2015 o acesso ao
sistema de ensino.
Objetivo 3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das
mulheres. Um objectivo que procurava atingir uma maior igualdade entre o
género, na medida em que os diferentes diagnósticos realizados indicavam
que a pobreza e o analfabetismo e a violência atingiam de forma mais intensa
e extensa as mulheres. A mobilização da participação das mulheres na vida
social era vista como um importante indicador de capacidade, prpondo-se
eliminar este desiquilibrio.
Objetivo 4 Reduzir a mortalidade infantil – Calculava-se que em cada ano a
mortalidade einfantil, sobretudo nos países do sul, ceifava, por falta de
assistência médica, higiene e desconhecimento dos procedimento geriaticos
adequados 11 milhos de crianças até 1 ano de idade. O objectivo tralado foi o
de reduzir para 1 terço esse número para crinaças até aos 5 anos de idade,
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através da promoção de políticas e programas de saúde e educação para a
saúde nas comunidades.
Objetivo 5 Melhorar a saúde materna – Os dados sobre a saúde materno-
infantil indicavam que nos países do sul se registava uma morte de mulher em
cada 48 partos. Uma situação cujas causas residiam na falta de serviços de
saúde, de técnicos de saúde e de práticas meterno infantis desadequadas. O
objectivo de reduzir em ¾ esse número apontava para o reforço das políticas
publicas na área da saúde.
Objetivo 6 Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças . Um problema
que afectava nesse final do milénio do planeta, com uma maior intensidade no
hemisfério sul. O objectivo defenido foi o de controlar a disseminação do HIV,e
procurar controlar a incid~encia de malária e outras doenças epidémicas.
Objetivo 7 - Garantir a sustentabilidade ambiental. Considerava-se na época
que cerca de um bilhão de pessoas não tivessem acesso a água potável. O
saneamento básico apresentava números ainda superiores. Por outro lado, os
dados sobre o Estado do ambiente e a discussão sobre as alterações climáticas
davam indicações sobre a necessidade de manter a bio-diversidade no
planeta, com especial atenção às zona humidads, bem como a necessidade de
reduzir as emissões de CO2 para a atmosfera.O objectivo defenido foi o de
aumentar o consumo de energia a partir de fontes limpas, melhorar os
processos de saneamento e abastecimento de água e assegurar a bio-
diversidade
Objetivo 8 – Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Trata-
se dum último objectivo mais programático onde se procurava envolver os
diferentes atores nos processos de desenvolvimento com uma especial enfase
na redução das dívidas externas dos países do sul. Considerava-se ainda que
era necessário estabelecer um mecanismo de trocas mundiais mais justo e
promover o acesso aos benefícios da ciência e da tecnologia a todos, em
particular aos mais jovens, através de programas de formação e capacitação.
Este conjunto de objectivo é mensurado através de 22 metas e 48 indicadores
que todos os anos permitiam a monitorização do processo em diferentes
escalas (nacional, regional e global). Na época os ODM foram saudados não só
pela primeira vez se ter conseguido alcançar um compromisso glocal ao nível
da Organização das Nações Unidas, como também pela implicação nesse
processo pelos diferentes atores.
Como em todos os resultados das ações humanas, entre os desejos e a
realidade, quinze anos depois nem tudo terá sido alcançado, nem todos os
campos terão sido atingidos com igual eficácia. Há quem aponte
vulnerabilidades e ausências. Mais à frente detalharemos essas questões a
partir dos resultados. Mas antes disso procuraremos analisar esta questão de
forma crítica.
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Este conjunto de objetivos é mensurado através de 22 metas e 48 indicadores
que todos os anos permitiam a monitorização do processo em diferentes
escalas (nacional, regional e global). Na época, os ODM foram saudados não
só pelo facto de, pela primeira vez, se ter conseguido alcançar um
compromisso global ao nível da Organização das Nações Unidas, como
também pela implicação nesse processo pelos diferentes atores.
Quinze anos depois, entre os desejos e a realidade nem todos os campos são
atingidos com igual eficácia. Há quem aponte vulnerabilidades e ausências na
formulação dos objetivos, ou deficiências nos processos.
O contexto das políticas de ajuda ao desenvolvimento O contexto da formação dos ODM não pode deixar de ser analisado através
das diferentes estratégias dos seus atores. Se os objetivos são consensuais, as
estratégias implementadas, bem como os instrumentos mobilizados, podem
ser diferenciadas em função do interesses dos diferentes atores. Entres estes
constituem-se como especialmente relevantes aqueles que facilitam os
processos de financiamento aos programas de ajudas ao desenvolvimento.
A questão da Ajuda ao Desenvolvimento no início do milénio foi marcada por
aquilo a que se poderá chamar o “Paradigma do Ajustamento Estrutural ou
“Washington Consensus” (Proença, 2009). Segundo Sangreman os “conceitos
de estabilização e ajustamento estrutural foram, nos anos 80 e 90, objecto de
inúmeros textos oriundos de áreas de conhecimento muito diversas que
procuraram precisar os seus contornos conceptuais, seja no sentido mais
genérico como sinónimo de desenvolvimento, seja num sentido mais restrito
de políticas económicas e sociais” (Proença, 2009). Essa questão assume
relevância para os conjuntos dos países de África Caraíbas e Pacífico, (os
estados ACP) mais vulneráveis em termos económicos e financeiros e em
termos de coesão social e política.
Na época assistia-se a hegemonia dos EUA e da Europa no campo das relações
internacionais. Verificava-se à emergência da economia chinesa o seu papel
como ator mundial com uma estratégia própria e dos BRICS, (Brasil, Rússia,
India, China e Africa do Sul), sem que isso conduzisse a alternativas na Ajuda
Internacional o Desenvolvimento.
Neste contexto, os países mais pobres não dispunham de alternativas para o
financiamento ao desenvolvimento. Os seus programas ficaram dependentes
das ajudas externas para concretizar os ODM. As instituições de financiamento
(BM e FMI) condicionavam a ajuda à aplicação de programas de ajustamento
estrutural. Os beneficiários obrigaram-se a aceitar regras de estabilização
económica e financeira, a implementar processos de abertura ao mercado e de
democratização da vida política.
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O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional aproveitaram ainda para,
através destes programas de ajustamento, restruturar as dívidas externas
desta países, que na sequência do aumento dos preços do petróleo (após a 1ª
guerra do Golfo) tinham disparado. A forte queda dos preços das matérias-
primas no mercado mundial, em virtude dos sucessivos acordos comerciais de
tarifas aduaneira (GATT) contribui igualmente para um crescimento da Dívida
Externa.
A capacidade que cada estado tinha de encontrar financiamento para
desenvolver os seus projetos de desenvolvimento, estava condicionada ao
cumprimento de políticas económicas e das decisões políticas (políticas de boa
governação) e estimulo às trocas no mercado.
Esta tendência dominante estava longe de ser linear. Como diz Sagreman na
sua análise, os diferentes atores (quer as organizações internacionais, as ONG
ou os estados) estabelecem diferentes estratégias de intervenção mais ou
menos ajustadas, o que levou a alguma competição entre diferentes agências
de financiamento, que em última análise também condicionavam os
financiamentos aos objetivos de curto prazo desses atores(Proença, 2009).
A questão da Eficiência da Ajuda ao Desenvolvimento (Aid Efectiviness)
começa então discutir-se como problemática para se atingirem as metas do
Desenvolvimento Económico e Humano. A eficácia da ajuda liga-se aos
condicionalismos da boa governação e à capacitação dos atores, referenciais
que passam a estar associados nos diversos projetos das organizações e
agências internacionais e demais países dadores.
Quando, em 2002 na Conferência Internacional das Nações Unidas sobre
Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Monterrey, México, se
estabelece o consenso entre os países doadores (e de uma maneira mais lata
a comunidade internacional) sobre a necessidade duma ajuda eficaz, também
se torna claro a constatação da necessidade de se aumentar o financiamento
para o desenvolvimento, de forma a alcançar os ODM. O acordo, que fica
conhecido como o “Consenso de Monterrey”, considera também que mais
dinheiro não é uma condição suficiente por si só, reconhecendo a necessidade
de agregar a questão da eficácia dessa ajuda.
Os países doadores estabelecem um novo paradigma (“Monterrey consensus”)
que implicou alterar os critérios da avaliação dos projetos. Não era suficiente
analisando apenas os seus fins, mas sobretudo necessário centrar essa
avaliação sobre os seus processos. O consenso teve importantes implicações
nas práticas implementadas na ajuda ao desenvolvimento porque agregar a
eficiência do processo tornou necessário o envolvimento dos destinatários das
ajudas. Desde os anos oitenta que a questão do envolvimento dos atores
locais era defendida pelas ONGD. Com Monterry essa visão tornou-se
predominante e os atores locais passaram a ter uma voz mais ativa na
elaboração e gestão dos projetos.
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Monterry substitui o paradigma do Ajustamento Estrutural ou “Washington
Consensus” constituído por um conjunto de dez regras seguidas pelos
economistas do FMI e Banco Mundial na análise de projectos. Os resultados
dos ajustamentos estruturais eram crescentemente contestados na
comunidade internacional face ao agravamento das condições de vida das
populações em diversos países. Uma contestação que ganha força à medida
que novos atores internacionais ganham relevância na economia internacional,
como então estava a suceder com a China e a India.
Não cabe, neste momento, desenvolver a análise dos processos da Ajuda ao
Desenvolvimento, mas vale a pena realçar o seu contexto há época do
Estabelecimento dos ODM, para compreender essa a questão da difícil
compatibilização entre os fins e os processos.
Essa questão leva também a um questionamento no campo interdisciplinar da
Economia do Desenvolvimento sobre os seus resultados e prespetivas: em
muitos casos nem o nível de vidas nem o bem-estar das populações, nas
regiões de maior pobreza, estavam a ser alcançadas. Malgrado os relevantes
esforços de financiamento a crescente consciência dos resultados da
globalização da economia e a emergência de importantes atores não estatais,
fazia entender a complexa interdependência nos processos de
desenvolvimento e acentuavam a perceção da disparidade entre os fins
pretendidos e os resultados alcançados. A procura de respostas para a
interrogação sobre como é possível satisfazer as expectativas duma
humanidade a viver em paz e a explorar os recursos do globo de forma
sustentada para todos os seus habitantes, ganhou relevância teória que a
economia crítica procura dar resposta..
A crítica à economia do desenvolvimento e a emergência do pós-desenvolvimento
Alguns autores consideram que o conceito de Desenvolvimento não passa
duma “crença” construída pela Europa, como forma de manter a sua relação
hegemónica com os seus antigos espaços de dominação colonial (Rist, 2002).
Gilbert Rist faz uma análise do pensamento ocidental (onde o crescimento e
desenvolvimento se inserem), que pressupõe, ao contrário de outras culturas,
que esse movimento é sempre crescentes e não apresentam limites (Rist,
2002). Através de dicotomias que surgiram ao longo da história do
pensamento europeu, tais como cristãos e infiéis, selvagens e civilizados,
culturas orais e culturas escritas, povos sem história versus povos com
história, a construção da narrativa sobre o desenvolvimento não pretende
mais do legitimar o domínio da europa sobre o outro.
O desenvolvimento, ao que se opõe o não desenvolvimento, é apresentado
como o caminho a percorrer por todos os povos para poderem participar nos
benefícios do avanço científico, civilizacional e político. A ciência e a
democracia constituem os dois instrumentos necessários para atingir esse fim,
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ao qual se adiciona o mercado como espaço de concretização das trocas de
bens e serviço.
A narrativa construída sobre o desenvolvimento implica a ideia de crescimento
contínuo e a delimitação do que não é desenvolvido. A ideia do não
desenvolvido ou do subdesenvolvimento é uma ideia torna-se numa ideia de
subordinação porque nela está implícita uma direção do justa do processo
(que conduz ao desenvolvimento).
A crítica ao desenvolvimento, porém, vai mais longe do que a constatações
sobre as bases de enunciação do discurso. Ela releva também a
impossibilidade teórica de que todos os espaços do planeta possam vir a ser
desenvolvidos, na medida, em que considerando o desenvolvimento um
processo de subordinação (do norte sobre o sul), ele contem, na sua essência,
a necessidade de que, para que uns tenham acesso à abundância de bens
essencial para satisfazer as necessidades dos seus mercados, haverá sempre a
necessidade de haver outros que são excluídos do acesso à abundância desses
bens.
A crença no desenvolvimento ao reconhecer a existência da pobreza e da
exclusão propõe uma via para a sua resolução. Uma via que é feita por uma
prática de boas condutas e de procedimentos adequados, definidos pelos
desenvolvidos, continuando a excluir qualquer forma de autonomia dos outros.
O roteiro para o desenvolvimento é proposto como um percurso unidireccional.
Um pensamento que se torna dominante com a falência das experiências de
economia colectiva. O desenvolvimento com base no mercado ganhou
relevância. A economia de marcado deveria esta ligada à democracia (tese
que a economia chinesa não comprova). Assegurar as ajudas fazendo-as
depender dos procedimentos democráticos, (ou orientada para determinado
sectores, ou para projetos) não é mais do que uma forma de manter a
hegemonia do norte. Ao valorizar programas se destinavam a eliminar os
grandes problemas como a fome, a malnutrição, a saúde pública, a educação
criaou-se uma retórica consensual em torno de objetivos, que mais não fez do
que financiar infraestruturas públicas e apoiar-se as administrações locais na
criação de sistemas de controlo social. Apoiaram-se exércitos e polícias para
salvaguardar os investimentos. Para acalmar as consciências mais inquietas
organizaram-se campanhas entre a sociedade civil para intervenções pontuais.
Para salvar populações inteiras de fomes endémicas, organizaram-se
campanhas de alimentação. Nos países do norte, as ONG organizavam-se para
responder aos diferentes problemas e programas, aproveitando alguns
financiamentos públicos.
A teoria crítica do desenvolvimento denuncia que duma maneira ou doutra o
fluxo financeiro da Ajuda ao desenvolvimento destinado aos países do sul
acabavam por, na sua maioria, regressar aos países dadores sob a forma de
benefícios dos atores envolvidos, ampliando as dependências locais, quer por
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tecnologia, quer por recursos humanos qualificados, que ainda pela assistência
técnica.
A teoria crítica do desenvolvimento, ao apontar estas contradições e realçando
a complexidade dos problemas que procuram ser resolvidos, interroga-se
sobre o que é necessário fazer, partindo do princípio que não há uma única
solução. Recusando o determinismo unidirecional propõe examinar vias
alternativas a partir da diversidade cultural de cada local e actor. É a partir da
observação do local que devem ser problematizados as distintas opções. Mas
optar a partir do local, não implica necessariamente rejeitar os benefícios que
as tecnologias e a investigação científica trouxerem ao bem-estar e à saúde
pública. Defende que é necessário colocar esse saber disponível para as
diferentes capacidades individuais e colectivas nas comunidades.
Contudo, a questão da ciência a da tecnologia na reflexão da teoria crítica do
desenvolvimento, não é neutra. O acesso aos seus benefícios não pode
continuar a ser uma forma e um processo de manter relações desiguais e
situações de dependência. A teoria crítica considera que a ciência e a técnica
podem trazer muitos benefícios, mas também pode ser responsáveis por
muitos problemas, desde a degradação ambiental, à destruturação das
relações sociais nas comunidades, na criação de desigualdades. Reconhece
que em nome dos princípios do desenvolvimento se acabou por criar mais
desigualdades e novas formas de distribuição das riquezas dos territórios,
novos problemas socias e novas ambições que afetam a relação entre os
povos (Rist, 2002).
Que vias se podem abrir. Rist aponta três vias possíveis. Uma que podemos
classificar como “normativista”, partindo da crítica à economia produtivista,
procura equilibrar as relações entre o norte e o sul com base na cooperação
entre estados. (Rist, 2002)
Uma segunda posição, com base na experiencia dos movimentos sociais do
sul, que podemos considerar como “construção de alternativas”. Segundo Rist,
essa corrente parte do princípio que nada há que esperar da generosidade dos
países do norte. Nas últimas décadas todas as relações foram feitas em nome
do desenvolvimento e mais não sucedeu do que aprofundar das desigualdades
entre os povos e o acentuar das dependências e hegemonia no norte. Há que
devolver a autonomia política aos movimentos sociais, para que estes
aprofundem as experiências políticas de afirmação de vias alternativas de
vivência social e atividades económicas ao modelo de acumulação (Rist,
2002). Embora minoritários, estes movimentos sociais podem ser alternativas
no futuro.
Finalmente, a terceira via considerada por Rist, parte da crítica ao próprio
conceito de desenvolvimento. É necessário que os europeus e os povos do
norte deixem de procurar impor aos outros povos o que consideram melhor
para eles (Rist, 2002). É a partir dessas três vias que se propõe aprofundar a
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sua teoria do pós-desenvolvimento , uma questão que não merce, por
enquanto consenso científicol. A teoria crítica defende que é necessário que a
ciência procure soluções fora da regularidade da lei postulada pelas normas
científicas. (Rist, 2002). A procura de regularidades não faz mais do que
encontrar soluções que reforçam as velhas convicções. A teoria crítica deve
propor-se a procurar anomalias. Será nas anomalias que se encontram as
alternativas. (Santos, 2000)
Se a teoria do pós-desenvolvimento tem por base a crítica à crença da ideia do
desenvolvimento, como uma noção contraditória, que mais não tem feito do
que criar uma ilusão sobre os objetivos e que tem permitido a perpetuação e o
reforço das relações de poder desigual. A ciência deverá abandonar a sua
forma de narrativa de legitimação das práticas e envolver-se na reflexão sobre
os conceitos básicos da economia. Por exemplo o conceito de mercado e
circuito económico são formulados com base numa ideia mecanicista de que
existe um equilíbrio entre os movimentos da matéria. O equilíbrio entre a
oferta e a procura, postulado pela teoria da economia clássica, não leva em
linha do conta que toda a ação implica uma transformação da energia. A teoria
crítica do desenvolvimento deveria então estudar o modelo de troca, para
entender como é que esse modelo tem contribuído para acentuar as
dependências e propor alternativas. Há que ter a coragem de questionar um
modelo que se mostrou perverso, não ficar de braços cruzados à espera que a
miséria do mundo se instale. E isso deve ser feito a partir a definição feita
pelos próprios implicados no processo.
Em suma, atuar para a teoria crítica do desenvolvimento implica questionar os
fundamentos da teoria. A questão que deve ser colocada é se será possível
que a ideia de desenvolvimento possa contribuir para a resolução dos
problemas. Segundo Rist, mesmo que se critique o conceito há que reconhecer
que os problemas existem. E reconhecendo que os problemas são reais há que
atuar e definir quais as bases dessa ação: os valores da prática.
A crítica feita ao pós-desenvolvimento permite entender que o ponto de
formulação da narrativa sobre o desenvolvimento e o lugar de enunciação dos
projetos deve deixar de ser feita a partir dos valores dos países do norte, e
procurar definir quais são as necessidades dos outros. Devemos partir dos
valores e necessidades do outros e procurar satisfazê-las. A Teoria crítica
enuncia um conjunto de princípios para a ajuda ao desenvolvimento, que
passa pelo encontro com o outro,. Há que apostar na capacidade criadora e de
inovação que surja desse encontro para procurar reflectir sobre a a
experiencia do mundo. Para criar algo de novo há que explorar, com cautela, a
fronteira da transgressão. (Rist, 2002)
Rist reconhece que a partir dos relatórios do PNUD em 2000 (PNUD, 2000), o
conceito de desenvolvimento deixou de estar centrado nos fins a atingir (o
desenvolvimento) para se centrar nos problemas a resolver (os objetivos).
Mas se os ODM se constituíram como o novo paradigma de ação, em torno
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deles também se constitui o núcleo de enunciação das narrativas das
organizações internacionais. Rist exemplifica a partir da questão do problema
da Pobreza. Sendo certo que o discurso sobre a pobreza é complexo e
polissémico, não de pode ignorar que ele possa sugerir ao nível das diferentes
religiões ou como discurso político. Recorda, por exemplo, que as narrativas
sobre a fome (Castro, 1978) e a pobreza dominavam o discurso político das
organizações internacionais, antes da sua substituição pela narrativa sobre o
ajustamento estrutural (Rist, 2002).
Como nota Rist, a resolução desse problema é apenas mais uma narrativa
sobre os fenómenos do mundo observados a partir duma posição centrada no
norte. Tal como anteriormente no discurso das ciências políticas se foram
formulando outros problemas (o problema dos negros, dos desempregado, das
mulheres, dos emigrantes ou do terrorismo) este á mais um discurso retórico.
O que é necessário, do ponto de vista da Teoria Crítica de Rist é ultrapassar as
limitações do paradigma em que na formulação dum problema se esquece que
identificar que essa é uma operação mental disjuntiva. Uma operação em que
ao se incluir se constroem categorias de exclusão. (Rist, 2002). Na análise
sobre a pobreza, salienta Rist, é esquecido de que só há pobres porque
existem ricos. Que é a concentração da riqueza nuns (indivíduos,
organizações, ou países) que cria a pobreza noutros.
Para Rist a questão da pobreza e da riqueza é uma problemática social.
Esquecer essa relação leva a que não seja abordada a sua complexidade,
fazendo emergir apenas uma quantidade. A partir da definição dum número
(do número de pobres ou da renda disponível), leva a que os programas
definam a quantidade de recursos a afetar a esse problema, de forma a atingir
um determinado ponto no tempo. Essa formulação evita também questionar o
problema da “pobreza” do ponto de vista da ciência e cria uma ilusão de que é
possível ser resolvido pela técnica. Essa equivoco leva a ignorar, na definição
da pobreza, as questões do relativismo cultural. Ignora, por exemplo, que em
África e para as culturas africanas, um pobre é aquele que não tem família.
Para Rist é necessário que a Teoria Critica deve procurar ultrapassar a questão
dos consensos como uma limitação do discurso. Questiona a possibilidade de
ultrapassar as limitações da democracia representativa nas Organizações
Internacionais. Se a Declaração que dá origem aos ODM resulta dum
consenso, a que a substituirá será também o será. A questão contraditória é
que são os estados que acordam nesse alinhamentos de forças, muitas vezes
não escutando as vozes dos destinatários. A Teoria Critica do Pós-
desenvolvimento não poderá deixar de abordar as vias alternativas para, em
vez dos consensos se estabelecem compromissos. Rist interroga-se sobre a
possibilidade das organizações internacionais de ultrapassarem esse limite,
considerando que essa limitação se manterá o que voltará a condicionar a
extensão dos seus resultado. (Rist, 2002).
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O debate atual sobre os ODM: resultados e perspetivas. Os resultados mais recentes sobre a taxa de cumprimento dos ODM foram
publicados em 2014 Na sua análise é de realçar que os objetivos
quantificados surgem agora na forma mais relativizada de alto, médio ou
fraco, dividido por regiões do planeta. Ddos dezasseis indicadores distribuídos
por nove regiões geográficas (a Europa e a América do Norte são excluídas)
verificamos na maioria dos casos que os objetivos ficaram aquém do
pretendido. Este tipo de apreciação vale o que vale. Há quem olhe para estes
resultados, que em muitos casos são meras avaliações estatísticas
aproximadas e referenciadas a anos anteriores, valorizando o que já foi feito;
e há quem olhe para eles acentuando o que ainda falta fazer. Um balanço que
será certamente feito a seu tempo
O debate actual coloca no centro do debate a questão dos critérios definidor
das normatividades. Questões como os direitos humanos, a venda de armas, a
luta contra a desigualdade social ou mesmo a “boa governação” como
transparência nas decisões políticas e administrativas e mecanismos de
prevenção da corrupção, não surgem como objetivos a alcançar. Se isso
permite deixar de lado as incómodas questões culturais e assumira
universalidade consensual dos programas, deixa de lado os modos como se
atingem os objectivo. Como tem vindo a ser acentuado nos vários debates
sobre a questão, se isso permite que os valores da ação sejam estabelecidos
por quem, a cada momento tem poder de condicionar. Esse critério condiciona
os critérios de elegibilidade na selecção dos beneficiários e os fins que se
pretendem atingir. É necessário, do ponto de vista da Teoria Crítica procurar
alternativas em outros atores.
Por outro lado, em relação à participação dos beneficiários na definição dos
objetivos da ajuda, e apesar da Declaração de Paris (2005), sobre a eficácia
da ajuda ao Desenvolvimento, entre outras, defender que as ajudas dos
diferentes estado devem ser coerentes e alinhadas com os princípios políticos,
quer dos dadores, quer dos ODM, quer dos próprios receptores (IPAD/OCDE,
2006), ainda se verifica que os destinatários ainda não fazem parte como
atores ativos na definição dos seus programas.
A questão do pós 2015 surge como um campo de debate complexo entre a
forma como os objetivos do milénio vão ser prosseguidos e os processos de
envolvimento dos atores. Do que até agora se tem concluído é que existe um
deficit na inclusão dos atores locais na definição dos objetivos e uma
menorização das questões culturais.
O modo de inclusão dos atores locais é um campo complexo. Quem é o ator
local é sempre um processo problemático, pois da sua capacidade de ações
resultam melhores ou menos boas práticas. Por outro lado, também se verifica
que em muitos dos espaços com piores resultados no alcáçar dos ODM, as
estruturas locais são frágeis. Isso tem vindo a colocar questões sobre de que
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forma podem ser atribuídas as ajudas aos processos evitando a duplicação de
circuitos de legitimidade.
Finalmente a ausência do lugar da cultura nos processos de Ajuda ao
desenvolvimento conduziu a uma relativa menorização dos processos. As
ajudas ao Desenvolvimento em muitos casos foram canalizadas através da
criação de novas estruturas de relacionamento social que se foram sobrepondo
a diferentes redes de relação social e de organização dos poderes locais. Nos
lugares de menor eficácia da ajuda ao Desenvolvimento esse fator parece ser
determinante para inclusão dos atores nas redes de economia local.
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Ficha de Leitura
Uma leitura crítica da teoria do Pós-desenvolvimento Ana Fantasia (CEsA.UL)
Pedro Pereira Leite (CES.UC)
Neste trabalho efetuamos uma leitura crítica do artigo “Post-development as a
concept and social practice”, de Arturo Escobar (2007) inserido no livro
“Exploring Post-Development: Theory and Practice, Problems and
Perspectives” editado por Aram Ziai, Routledge, pp 18 - 31
Nesse artigo de Arturo Escobar apresenta uma síntese detalhada da sua crítica
ao conceito de desenvolvimento e propõe um novo fundamento epistémico
para o conceito de desenvolvimento.
Após uma revisão sobre a emergência do conceito de desenvolvimento e das
várias criticas que têm vindo a surgir desde os anos oitenta, Escobar
argumenta, perante a desadequação do conceito, sobre a necessidade duma
transição paradigmática onde é essencial formular uma conceção que traduza
o pensamento e a prática sobre as possibilidades de construção de formas
alternativas de gerir a mudança social. O artigo desenvolve em seguida os
fundamentos da crítica ao conceito de desenvolvimento, contextualiza a
emergência da crítica feita pelo pós-desenvolvimento para terminar com a
argumentação sobre a possibilidade de pensar a emergência do mundo global
com uma nova forma de olhar para as possibilidades de uma ação inovadora
no mundo.
Arturo Escobar é um autor que se insere numa corrente do pensamento
crítico sobre a teoria do desenvolvimento, que argumenta que o conceito e a
sua prática resultam duma visão do mundo eurocêntrica. Esta corrente crítica
afirma que o desenvolvimento é uma forma ideológica de imposição da
hegemonia europeia sobre o resto do mundo. Escobar é considerado um dos
autores de referência da teoria crítica ao desenvolvimento. A sua abordagem
teórica é influenciada pela tradição dos estudos pós-coloniais e pos-
estruturalistas. A sua obra é vasta. Em “Encountering Development: The
Making and Unmaking of the Third World (1995), o autor apresenta a base dos
seus argumentos sobre a teoria do pós-desenvolvimento. De seguida, em
1998 publica “Territories of Difference: Place, Movements, Life, Redes, e em
1999 uma colecção de ensaios em espanhol, “El final del salvaje. Naturaleza,
cultura y política en la antropología contemporánea“, onde elabora
argumentos sobre as relações com os saberes locais e o ambiente. Na sua
obra “Más allá del Tercer Mundo. Globalización y diferencia”, publicada em
2005, aborda a questão da produção das subalternidades. Em 2010, no seu
artigo “Latin América at Crossroads: alternativa modernizations, post-
liberalism, or post-development?” analisa a questão das transformações
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culturais, económicas e política durante a primeira década do milénio na
América do Sul.
Este texto elaborado em 2007, para inserção na obra de Aram Zial sobre o
Pós-desenvolvimento, pode-se considerar como uma síntese das análises do
autor sobre esse conceito. Nele Escobar efetua uma crítica radical ao discurso
e à prática do desenvolvimento e explora visões alternativas para uma era de
“pós-desenvolvimento”. Uma crítica que afirma a impossibilidade de que a
ideia do desenvolvimento, criada com base no modelo de industrialização das
sociedades ocidentais, possa ser aplicada nas sociedades do sul. Trata-se (a
proposta do desenvolvimento) duma proposta externa aos fenómenos destas
sociedades, que necessita de ser reformulada a partir dum discurso feito do
seu interior, isso é construído a partir dos saberes e experiencias locais.
O texto inicia-se com a análise do processo da crítica ao conceito de
desenvolvimento. Situa a génese dessa crítica no livro coletivo, editado em
1992, com o título “Dicionário do Desenvolvimento” (Sachs, 1992). O
desenvolvimento, nesse livro, surge como um conceito vazio. Uma palavra que
significava tudo, que legitimava todas as ações, mas que se tornava
impossível de precisar como conceito operacional.
Da querela entre Crescimento e Desenvolvimento Económico, das teorias da
modernização económica através dos investimentos em ciência e tecnologia,
às críticas da teoria da dependência e do subdesenvolvimento, emerge nessa
altura a necessidade de uma postura crítica a esse conceito. A consciência de
que é um conceito criado pela ciência ocidental, que mantem a relação
hierárquica entre o norte e o sul e que constitui a base dum discurso de
legitimação do domínio do mundo ocidental leva a análise daquilo que é a sua
prática. Um conjunto de ações que mais não faz do que perpetuar essa
hegemonia. O pós-desenvolvimento é um primeiro passo para essa crítica.
É certo que essa crítica feita pela teoria do pós-desenvolvimento apresenta
uma analogia com os debates que então se faziam sobre o pós-modernismo e
o pós-estruturalismo sobre as práticas discursivas. Essa consciência sobre o
discurso conduziu à procura de alternativas aos discursos hegemónicos nas
diferentes organizações internacionais. Afirma-se que o “discurso sobre o
desenvolvimento” mais não faz do que reduzir os problemas a um conjunto de
procedimentos a executar. Uma receita que os técnicos das diferentes
organizações internacionais implementavam nos diferentes países sem
atenderem às especificidades e necessidades locais. O pós-desenvolvimento
deveria por isso incluir, na sua reflexão, a possibilidade de construção de
alternativas, esgotadas que estavam, na época, os modelos e experiencias de
economias colectivistas.
Esses trabalhos levaram também ao questionamento sobre a
“profissionalização das questões do desenvolvimento”, através da consciência
de que a padronização dos procedimentos e dos programas sobre o
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desenvolvimento levava à exclusão dos conhecimentos e das capacidades
locais. A crítica ao desenvolvimento começa a revelar que, os programas de
ajuda ao desenvolvimento não eram mais do que formas de reprodução e de
subordinação das diferentes economias dos países do sul às lógicas dos
mercados de capitais da economia global. Finalmente, a crítica ao pós-
desenvolvimento vem também chamar a atenção para que nos processos de
desenvolvimento, embora as suas práticas fossem feitas em nome dos pobres
e dos desfavorecidos, os resultados desse programas raramente produziam
resultados que os beneficiavam.
Com base nessa crítica ao conceito de desenvolvimento, a proposta de pós-
desenvolvimento acaba por se sintonizar com as correntes de pensamento que
questionam os tradicionais campos de conhecimento, propondo abordagens
interdisciplinares para a compreensão dos fenómenos sociais.
É através dessa relação interdisciplinar que a teoria do pós-desenvolvimento
acaba por recolher contributos críticos operados no campo dos estudos
culturais, da teoria e ética feminista e dos estudos ambientais. Escobar sugere
que se poderá estar perante um quarto momento da história sociológica do
desenvolvimento. Um momento em que se toma consciência de que o discurso
sobre o desenvolvimento fez obliterar os diversos problemas que ele deveria
resolver, tais como a fome e a pobreza que são gerados pelo processo de
organização económica capitalista e neoliberal.
A necessidade de legitimar o processo de desenvolvimento, como um processo
generalizado de transformação económica, levou também à necessidade de,
em nome do desenvolvimento, impor formas de modernização, organização
institucional e política, que confrontou muitas das instituições locais e
tradicionais, criando processos de relações complexos entre diferentes formas
de organização. Esse reconhecimento levou ao descobrimento da importância
do local. A emergência do local, no âmbito da teoria do desenvolvimento
conduziu a uma certa “romantização” das tradições locais e à valorização dos
movimentos sociais de base local, ignorando que esses movimentos e a
organização social que os enquadra são também resultados de complexas
relações de poder que os processos de desenvolvimento afrontavam.
Ao fundamentar a crítica da Teoria do Desenvolvimento com base na teoria
crítica do contexto do pensamento social do seu tempo, o pós-
desenvolvimento introduz na agenda do desenvolvimento as questões sobre a
pobreza, a fome e a violência enquanto problemas reais que afetam milhões
de seres humanos vítimas da desigual distribuição da riqueza e do acesso aos
benefícios dos recursos do planeta. O pensamento crítico vem tornar mais
nítido o facto de que a análise dos fenómenos sociais é uma relação complexa.
Chama a atenção para a essência do modelo teórico como representação
duma realidade abstracta, que não pode deixar de ser desenvolvido de forma
crítica sobre uma realidade pré-existente.
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Sintetizando, o contributo sobre a crítica ao discurso do desenvolvimento
havia acentuado a natureza hegemónico do discurso científico do ocidente,
construído para dominar a natureza e legitimar a apropriação dos recursos
naturais pelas ações do desenvolvimento. Tornou mais nítida a questão de que
a ciência eurocêntrica é um discurso sobre a realidade e uma forma de ação
sobre esse real em função de fins que legitimam os processos. Essa
consciência permite formular uma crítica radical às ações sobre o
desenvolvimento a partir da sua legitimação. A questão de que as
necessidades do desenvolvimento não são mais do que práticas discursivas
que se constituem como reflexos de pensamento ocidental hegemónico.
Através dessa formulação a teoria crítica do pós-desenvolvimento não só
acentua a consciência de que as necessidades materiais são culturalmente
construídas e mais não fazem que perpetuar relações de dominação, como
afirma a necessidade de procurar formas alternativas de intervenção, fora do
pensamento hegemónico ocidental.
As análises feitas a partir dos movimentos sociais acabaram por revelar que as
suas agendas não se constituíam como base material ou assistencialista, mas
sim uma agenda com base em direitos cívicos, identitários ou mesmo
culturais. Movimentos que reivindicam formas de economias alternativas ao
modelo hegemónico do mercado global. Movimento que revelam formas de
economias locais alternativas.
O contributo do debate sobre o pós-desenvolvimento criou um clima mais
eclético e aproximações mais pragmáticas à questão do desenvolvimento e
possibilitou a reconstrução de novas agendas para os movimentos sociais,
muitos deles através duma conexão entre a agenda política e económica às
questões culturais. Segundo Escobar todas essas questões conduzem à
interrogação sobre as formas de como se podem aprofundar as relações entre
o desenvolvimento e a modernidade de forma a permitir emergir uma nova
concepção sobre como o desenvolvimento pode ser concretizado e
transformado.
Partindo da hipótese que o fim da modernidade e a emergência da
globalização é já um momento de transição paradigmática, Escobar propõe
uma nova abordagem para o conceito de pós-desenvolvimento. Uma
abordagem que sendo emergente se torna difícil de definir, e portanto de
nomear. Com a formalização desse pensamento recusa as análises teóricas
que admitem que a globalização é um novo estádio de desenvolvimento do
capitalismo, acentuando que esse é um novo momento que tem que ser
pensado com novos instrumentos teóricos.
Aproxima-se dessa forma das propostas teóricas de alguns sociólogos, como
Boaventura de Sousa Santos e Alain Joxe que recusam o modelo teórico de
análise do capitalismo, construído com base na figura dos estados de
desenvolvimento da economia, em que os processos de acumulação de capital
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geram crises que se resolvem pela sua superação que marca a emergência
dum novo período com novas formas de acumulação. Acentua a proposta de
Sousa Santos feita na “Crititica da Razão Indolente” (Santos, 2000), a defesa
de que estamos no fim de um paradigma epistémico, marcado pela hegemonia
do discurso científico, e por processos sociopolíticos fundamentados na
regulação do poder e dos mercados. Na proposta de Alain Joxe feita no seu
livro “L’ Impire du chaos” procura demonstrar que o Império é um novo
sistema. Uma nova organização que não emana dos tradicionais estados
nações, mas que se constitui como uma nova ordem mundial que não conhece
fronteiras ou limites. Duas abordagens que, sendo convergentes com o
pensamento de Escobar, não cabem aqui desenvolver.
Em suma, neste artigo Escobar defende que apesar de todas as suas
limitações o conceito de pós-desenvolvimento é ainda útil e ajuda a pensar a
modernidade. Mas não chega reconhecer essas limitações. É necessário
aprofundar o trabalho teórico com base nas experiencias pratica. Defende a
necessidade de pensar a modernidade a partir da sua exterioridade (do que
está para além), como um conjunto de multiplicidades. O desafio é pensar a
partir da multiplicidade de trajectórias onde cada local tem de se pensar a si
em relação com os outros lugares. Se a modernidade e a globalização criaram
identidades fragmentadas, (diced identities) é necessário pensar a partir dessa
diversidade como pluralidade e reconstruir caminhos diferenciados. Se
aceitarmos o conceito de que temos que ultrapassar a ideia dos caminhos
comuns que a modernidade parecia defender com a noção de
desenvolvimento, e se aceitarmos que efectivamente estamos num período de
transição paradigmática, isto significa, não só que os conceitos de
desenvolvimento e terceiro mundo fazem parte do passado, como que
necessitamos de criar novos nomes para as nossas práticas.
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