IV Encuentro de Arqueología del Suroeste Peninsular, Huelva (2009), 592‐605.
O POVOADO DE S. PEDRO DE ARRAIOLOS (ÉVORA). EXPRESSÕES DA CULTURA ARTEFACTUAL
Sara ALMEIDA 1
Ricardo COSTEIRA DA SILVA 2
Ana OSÓRIO 3
RESUMO
A descoberta de uma ocupação proto‐histórica em S. Pedro de Arraiolos (Évora) remonta a meados do século passado, embora da mesma se registem apenas informações circunscritas.
Este texto apresenta, em traços gerais, os resultados das sondagens efectuadas em 2005 no Castelo, no que concerne aos contextos do Bronze Final. A abordagem efectuada incidirá sobre os aspectos da cultura material, em particular sobre a cerâmica.
ABSTRACT
Despite the fact that the discovery of a proto‐historic occupation in S. Pedro of Arraiolos (Évora) dates from the middle past century, the knowledge of the site still remains incipient.
This article sketches the outline results of the 2005 excavations in the Castle site in regard to the Late Bronze Age aspects. The approach will bring into focus the recognition of artefactual expressions, particularly of pottery.
SITUAÇÃO DE REFERÊNCIA
A identificação de um substrato proto‐histórico, no Castelo de Arraiolos, remonta a meados do
século passado, fruto do achado fortuito de artefactos metálicos (Paço, 1965; Correia, 1988) e das
intervenções exploratórias de Gustavo Marques, precursor do estudo da estação (1969; Marques e
Correia, 1974).
A estes primeiros artigos, foram‐se arrolando, alusões a S. Pedro de Arraiolos como lugar
dominante a nível regional, pela implantação privilegiada e pela relação de materiais que forneceu.
Todavia, a noção das avultadas transformações ocorridas no local, que alteraram substancialmente a
modelação topográfica e estratigrafia, dissipava o alento de subsistirem níveis preservados daquela
primeira fase de ocupação. Esta probabilidade, no entanto viu‐se confirmada com a realização de
cinco sondagens arqueológicas, no interior do castelo, pela empresa Arkhaios (Sousa, 2005),
destacando‐se a do interior do Paço de Armas onde se registaram testemunhos estratigráficos e
estruturais daquela época.
Decorrem desta última intervenção os elementos que ora se ilustram e que determinaram a
concepção de um plano para o estudo da ocupação antiga do sítio (por parte de dois dos autores, S.A.
e R.C.S.), sob a orientação de Raquel Vilaça4 e com o apoio da empresa Arkhaios, Lda.
1 Arqueóloga, e‐mail: [email protected]. 2 Arqueólogo, e‐mail: [email protected]. 3 Arqueóloga, e‐mail: [email protected] (FCT, CEAUCP e FCT, Univsersidade de Coimbra). 4 A quem aproveitamos para expressar o nosso agradecimento.
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ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO
O Castelo de Arraiolos situa‐se no Alentejo Central, enquadrado na unidade geotéctónica da “Zona
da Ossa Morena” (figura 1), ocupando o cume mais elevado da cadeia de colinas que lhe empresta do
nome (a 399 m de altitude). A proeminência desta unidade de relevo deve‐se, em grande medida, à
modelação ocasionada pela densa rede de drenagem, em situação de cabeceira, tributária das bacias
do Tejo, Sado e Guadiana.
Esta implantação destacada, sobre suavidade do relevo envolvente, confere ao povoado, um
domínio paisagístico notável e simultaneamente possibilita a articulação de uma extensa rede de
intervisibilidades e interperceptibilidades na malha de povoamento circundante (figura 2).
A ESTAÇÃO
A compilação dos dados disponíveis sobre o local e a sua confrontação com o que se conhece dos
contextos ocupacionais próximos, como Coroa de Frade (Arnaud, 1979 e 1995), Castelo do Giraldo
(Mataloto, 1999) ou Alto do Castelinho da Serra (Gibson et alii, 1998), permitem esboçar uma
caracterização preliminar do habitat.
Assim, quanto à cronologia de ocupação, a análise tipológica do espólio cerâmico e metálico
aponta para a inserção genérica do sítio no que se vulgarizou como Bronze Final do Sudoeste. Sendo
que, em termos da evolução diacrónica, a exiguidade da área escavada faz com que seja ainda
arriscado apontar, com rigor, os limites temporais do povoado5.
Desconhece‐se, ainda, a real extensão da área ocupada e a sua delimitação. Como a presença de
muralhas nos povoados vizinhos nem sempre se verifica, é de admitir que se continue a ignorar se nos
encontramos perante um habitat aberto ou cercado (muito embora este se afigure como mais
provável). A organização interna do habitat é outro aspecto ainda mal conhecido. Os únicos
testemunhos detectados (figura 3), aparentemente reportáveis a um ambiente doméstico,
correspondem a duas estruturas de combustão em articulação com buracos de poste (no recinto do
Pátio de Armas).
Apesar do quadro esboçado ser pautado por incertezas e escassez de informações (que se
pretende ir esbatendo com a persecução do plano de estudo), ao nível do repertório cerâmico o
cenário revela‐se mais consistente. De facto, os trabalhos de escavação permitiram a recolha de um
lote de cerca de um milhar e meio de fragmentos de cerâmica datáveis do Bronze Final, provenientes
maioritariamente de contextos primários (níveis de ocupação). A nossa intenção é dar desse conjunto
uma imagem expressiva enquadrando‐o no seu horizonte cultural6.
5 Embora os dados disponíveis (artefactuais) apontem para o abandono do sitio nos alvores do período sidérico, a exiguidade da área escavada e a especificidade da mesma (fraca potência estratigráfica,) bem como a referência a uma fíbula de dupla mola não descartam completamente a hipótese de continuidade ocupacional ao longo da I Idade do Ferro. 6 O estudo mais detalhado quer dos contextos quer do espólio decorrentes desta intervenção terá lugar no âmbito da publicação das Actas do encontro SIDERUM ANA II decorrido em Maio de 2008 em Mérida.
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A CERÂMICA
O lote em apreço é maioritariamente composto por fragmentos informes (76 %), embora a
contabilização de bordos permita estimar um número mínimo de 257 indivíduos. A partir deste
universo, foi possível estabelecer a identificação tipológica de 123 peças (Figura 4).
Os fragmentos indiciam modelação manual, com pastas compactas (67%) a muito compactas (27%)
e esporadicamente, com índice de compacticidade baixo (8%).
O tratamento superficial é variado (mas dentro do registo normal na cerâmica desta época) e com
tendências específicas consoante a categoria morfo‐tipológica. Dentro das diferentes combinações de
tratamento superficial, destacam‐se, em termos de volume: o alisamento em ambas as superfícies
(44%); os acabamentos esmerados, como as combinações de polimento e brunimento externo e
interno (26,5%), o alisamento interno com polimento ou brunimento externo (17%); o rugoso interior
e exterior (3,5%) e a combinação de alisamento interno com cepilho externo (3%).
No que respeita à coloração de superfícies e pastas, predomina a paleta de castanhos e cinzentos, a
diferentes tons e múltiplas combinações, assinalando‐se igualmente os beges, laranjas e
avermelhados.
Relativamente à morfologia, presencia‐se uma natural afinidade com o que se conhece do
repertório cerâmico do Sudoeste Português, especialmente do Alentejo (Figura 5).
Neste âmbito, evidencia‐se a sobriedade formal como característica mais marcante no conjunto de
Arraiolos. A maior parte dos perfis desenha‐se em curva suave, sem ângulos nem inflexões vincadas,
redundando em contornos pouco sinuosos com contracurvas discretas e aberturas aproximadas dos
diâmetros máximos das peças. Mesmo as clássicas formas carenadas primam por quebras suaves e
arredondadas a meia altura da peça concorrendo para o equilíbrio geométrico destes corpos.
No mesmo conjunto verifica‐se ainda uma relativa paridade entre recipientes abertos (55%) e
fechados (45%) de pequeno, médio a grande volume.
Dentro da panóplia de utensílios cerâmicos, as formas mais abundantes são as taças carenadas de
pequeno a médio porte, seguidas das taças ou pratos carenados de maiores dimensões e
tendencialmente esvasados. Os recipientes abertos sem carena são igualmente comuns, adoptando
diferentes volumes e amplitudes.
Os vasos fechados, de médio e grande porte estão igualmente bem representados, pautando‐se
geralmente por formatos pouco cerrados, com inflexões discretas. Estas peças são normalmente de
forma simples e mais raramente composta, rematada com colo acintado. A presença de meios de
preensão faz‐se notar em vários tipos sob a forma de mamilos (que podem ser duplos e perfurados),
pegas e, extraordinariamente, asas (Figura 6).
A presença de decoração, verifica‐se em 9% dos fragmentos, sob a forma de ornatos brunidos.
Este tipo de cerâmica ornamentada parece exercer um fascínio (que ultrapassa o natural interesse
pela sua génese e evolução) quer pela beleza plástica das peças, como pela elevada qualidade técnica
e delicadeza de acabamentos. A subtileza e elegância desta modalidade decorativa, desvendada por
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discretos contrastes cromáticos e intensidades de brilho concorrem para converter esta cerâmica
numa das mais requintadas que se conhecem.
Insinuando‐se com a dúbia ilusão de que apreendendo os modelos estéticos de uma comunidade
lhe desvendamos um pouco a alma e nos aproximamos das suas concepções sócio‐ideológicas, estes
artefactos despertam a imaginação ‐ na esperança de surpreender o individuo, o grupo algures na
estatística dos fragmentos, na abstracção ou figuração da sua expressão artística…
Em Arraiolos e relativamente ao suporte os ornatos registam‐se em recipientes abertos e fechados,
de pequeno a grande volume, embora as tacinhas carenadas pareçam ser o seu formato de eleição
(figura 7).
Na maioria dos casos esta técnica é aplicada na superfície externa, ocorrendo também em ambas
as superfícies e mais raramente apenas na interna, numa proporção de 10:2:1 (numa população de
135 fragmentos).
Para o grosso dos fragmentos, infelizmente, a identificação dos padrões decorativos revelou‐se
inexequível. Isto porque apesar da aparente simplicidade dos motivos decorativos (resultante da sua
derradeira decomposição em segmentos de recta) e da tendência para a cadência repetitiva, estes
revelam possibilidades de combinação assinalavelmente elevadas. Neste sentido, mesmo quando se
isolam os motivos organizativos, é virtualmente impossível reconstituir integralmente as combinações.
Nas combinações observadas é possível identificar, como principais figuras estruturantes, os
losangos, triângulos (preenchidos ou em reserva) aspas, ziguezagues e as faixas. Estas podem disporse
nas mais variadas orientações e combinações e enquadrar por sua vez segmentos de recta transversais
ou perpendiculares (escaleriformes), feixes entrançados, em espinha, reticulados e triângulos.
Os ornatos podem cobrir integralmente as superfícies ou restringir‐se a algumas zonas como o
espaço entre o lábio e a carena, a carena e o fundo ou o ombro do bojo (figura 8).
A profusão decorativa, complexidade de temas e cariz barroco filiam este lote no “estilo Lapa do
Fumo”, de resto como se tem verificado com os materiais oriundos desta região, nomeadamente nas
zonas do Guadiana e Alentejo Central – áreas actualmente melhor conhecida graças aos trabalhos
desenvolvidos nos últimos anos, nomeadamente nas zonas de Serpa (Soares, 2005) e Alqueva (Silva e
Berrocal‐Rangel, 2005).
O PROCESSO DE PRODUÇÃO
Apesar das diferenças estilísticas e formais, em que se tem reconhecido uma variabilidade regional
significativa dentro do Sudoeste peninsular, e mesmo de algumas discrepâncias cronológicas entre os
contextos de escavação, a cerâmica de ornatos brunidos tem sido encarada globalmente como um
tipo ou uma família de artefactos e usada como indicador cronológico do Bronze Final. O facto de a
aplicação do brunimento como técnica decorativa ser rara nos períodos anteriores parece ser factor
chave para ter ganho esse cariz, no entanto a sua unidade advém ainda do reconhecimento, pelo
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menos aparente, de algumas características técnicas semelhantes, patentes sobretudo na
coloração escura e nas evidências de produção manual.
É essa possível uniformidade técnica, que poderia consolidar a ideia de um substracto cultural
comum, baseado no mesmo tipo de “saber fazer” que se investiga num projecto sobre a cadeia
operativa do processo de produção das cerâmicas de ornatos brunidos (desenvolvido por um dos
autores: A. O.); através de uma abordagem arqueométrica com recurso à caracterização
mineralógica e elementar/composicional (Observação ao Microscópio Óptico; Difracção de Raios X;
Fluorescência de Raios X; Espectroscopia de Mössbauer; Análise Térmica Diferencial) combinadas
com abordagens macroscópicas (Radiografia; Observação) de fragmentos deste tipo, como os de S.
Pedro de Arraiolos e futuramente também de matérias‐primas recolhidas na região.
A observação de amostras de alguns destes fragmentos ao microscópio óptico permitiu
observar, até à data, uma certa homogeneidade mineralógica das pastas; identificando diferenças
sobretudo a nível da proporção e granulometria dos minerais. Exceptuando numa ou outra pasta
atípica, a mineralogia das inclusões é genéricamente composta por quartzo; biotite,
ocasionalmente em conjunto com muscovite; plagioclase; anfibolas e clorite.
Comparando estes dados com a carta geológica da área de Arraiolos (Carvalhosa, 1999),
verifica‐se que a mineralogia dos tonalitos de intrusão que predominam em toda a região ou dos
granitos biotíticos que existem dispersos é compatível com a associação dos minerais identificados.
No entanto, o facto de serem comuns a muitas outras regiões e configurações geológicas, e de o
estudo estar ainda em fase inicial, aconselha que não se reforce ainda qualquer hipótese tentativa
de localização de possíveis matérias‐primas.
CONCLUSÃO
Dos dados ora expostos destacam‐se como ideias fundamentais a fácil acomodação e
compatibilização das produções de Arraiolos na matriz artefactual assinalada neste tipo de
povoados destacados e a necessidade de se aprofundar o estudo da estação de forma a colmatar
as lacunas de informação subsistentes.
Neste sentido o propósito desta publicação foi, mais do que trazer informações que
revolucionem ou contrariem a imagem e concepções adquiridas sobre este espaço durante o
Bronze Final, fornecer um conjunto de dados que ajudem gradualmente a repensar e dar espessura
ao referido plano conceptual.
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