Sob o império da Retórica. Os programas iconográficos de Santiago e São Mamede de Évora

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OBRAS EM DESTAQUE 44 CELSO MANGUCCI Arquivo Distrital de Évora; CHAIA-UE O padre António Vieira, na apresentação do primeiro volume dos seus sermões, com a franqueza que o ca- racteriza e uma leve ponta de humor, adverte o leitor da dificuldade em organizá-los, enumerando a diversidade dos temas, das matérias e das formas adoptadas quando foi obriga- do a falar para públicos tão diferentes: "Além desta diversidade geral acharás, ainda, neles outra maior, pelas diversas ocasiões em que os sucessos extraordinários da nossa idade, e os das minhas peregrinações por diferentes terras e mares, me obriga- ram a falar em público. E assim uns serão panegíricos, outros gratulatórios, outros apologéticos, outros políticos, outros bélicos, outros náuticos, outros funerais, outros, totalmente, ascéticos; mas todos quanto a matéria o permitia (e mais do que em tais casos se costuma) morais" (Vieira, 1679: apresentação). Essa variedade de forma e temas presentes na genial obra do jesuíta é extensível, naturalmente com as devidas distân- cias, a toda oratória do século XVII português. Ferramenta para todas as ocasiões, caucionada por imperativos morais e teológicos, os sermões foram omnipresentes como expressão da comunicação persuasiva, de tal forma que podemos conhe- cer melhor o ideário político da Restauração através do fluxo contínuo de prédicas defendendo as ideias autonómicas e anti- castelhanas dos partidários de D. João IV (Marques, 1989). Para o tema que nos interessa aqui, foi também do púlpito, lugar por excelência da apresentação e defesa de ideias, que o Bispo de Cranganor, Diogo da Anunciação Justiniano, repetin- do uma tradição anual, reflectiu sobre o papel da pintura e dos pintores, justificando a nobreza e a importância teológica da pintura, no sermão praticado, em 1685, para a Irmandade de São Lucas, que congregava os artistas lisboetas (Caetano, 1994: 124-126; Saldanha, 1995). O ORADOR CRISTÃO Esse lugar de preponderância da Oratória, que também é o lugar de superintendência sobre todas as Artes e Ciências, foi sustentada a partir de um corpo teórico reunido em nome da Retórica, alicerçada na tradição dos pensadores da antiguidade clássica que, fazendo jus ao papel central desempenhado na vida política e civil, lhe atribuíam um campo de acção universal. Para ficarmos com a argumentação de um autor de referência inques- tionável para a Retórica seiscentista, segundo Quintiliano, o problema em defender esse âmbito universal estaria limitado apenas pela capacidade do orador: "Suelen algunos decir: luego de todas las artes debe entender el orador, si ha de hablar de todas. Pudiera responderles con las palabras de Cicerón, quien dice: 'A mi parecer, ninguno puede llamarse orador acabado y perfecto, si no tuviere el conocimiento de todas las artes y cienci- as'. Pero yo me contento con que no ignore absolutamente aque- llo de lo que tiene que hablar, ya que no puede saberlo todo; y por otra parte debe ponerse en disposición de poder hablar de todas las causas y asuntos" (Quintiliano, 1916, II, Cap. XXII). Em 1576, o dominicano Luís de Granada redige a Ecclesiastica Rhetorica , que dedica generosamente à Universidade de Évora, "mãe de virtudes e letras", trazendo um contributo que teria enorme influ- ência já não para a formação dos tribunos políticos, mas sim dos apóstolos da palavra, seguindo os novos rumos traçados pelo Concí- lio Tridentino. O objectivo principal do autor não era restringir o campo de acção da Retórica, como poderia deixar entender a especifi- cidade do título, mas sim dar corpo a um conjunto de conhecimentos para a Oratória Cristã, libertando-a de uma carga ideológica e de um passado demasiado conotado, aos olhos do granadino, com o classi- cismo greco-romano: " Y querría yo, que no solo los egemplos, más también los preceptos mismos perteneciessen únicamente a la facul- tad de predicar, y que nada huviesse en esta Obra, que tuviesse ressabios, de las letras de los Gentiles" (Granada, 1778: prólogo). Os programas iconográficos de São Tiago e São Mamede de Évora Sob o império da retórica Em cima: Brasão de armas do prior Cristóvão Soares de Albergaria Na página seguinte: Vista geral, telas da Paixão de Cristo do arco trinfal Igreja de São Tiago, Évora | Fotos Miguel Cardoso

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CELSO MANGUCCI

Arquivo Distrital de Évora; CHAIA-UE

O padre António Vieira, na apresentação do primeiro volume dos seus sermões, com a franqueza que o ca-racteriza e uma leve ponta de humor, adverte o leitor

da dificuldade em organizá-los, enumerando a diversidade dos temas, das matérias e das formas adoptadas quando foi obriga-do a falar para públicos tão diferentes: "Além desta diversidade geral acharás, ainda, neles outra maior, pelas diversas ocasiões em que os sucessos extraordinários da nossa idade, e os das minhas peregrinações por diferentes terras e mares, me obriga-ram a falar em público. E assim uns serão panegíricos, outros gratulatórios, outros apologéticos, outros políticos, outros bélicos, outros náuticos, outros funerais, outros, totalmente, ascéticos; mas todos quanto a matéria o permitia (e mais do que em tais casos se costuma) morais" (Vieira, 1679: apresentação). Essa variedade de forma e temas presentes na genial obra do jesuíta é extensível, naturalmente com as devidas distân-cias, a toda oratória do século XVII português. Ferramenta para todas as ocasiões, caucionada por imperativos morais e teológicos, os sermões foram omnipresentes como expressão da comunicação persuasiva, de tal forma que podemos conhe-cer melhor o ideário político da Restauração através do fluxo contínuo de prédicas defendendo as ideias autonómicas e anti-castelhanas dos partidários de D. João IV (Marques, 1989). Para o tema que nos interessa aqui, foi também do púlpito, lugar por excelência da apresentação e defesa de ideias, que o Bispo de Cranganor, Diogo da Anunciação Justiniano, repetin-do uma tradição anual, reflectiu sobre o papel da pintura e dos pintores, justificando a nobreza e a importância teológica da pintura, no sermão praticado, em 1685, para a Irmandade de São Lucas, que congregava os artistas lisboetas (Caetano, 1994: 124-126; Saldanha, 1995).

O ORADOR CRISTÃO Esse lugar de preponderância da Oratória, que também é o lugar de superintendência sobre todas as Artes e Ciências, foi sustentada a partir de um corpo teórico reunido em nome da Retórica, alicerçada na tradição dos pensadores da antiguidade clássica que, fazendo jus ao papel central desempenhado na vida política e civil, lhe atribuíam um campo de acção universal. Para ficarmos com a argumentação de um autor de referência inques-tionável para a Retórica seiscentista, segundo Quintiliano, o problema em defender esse âmbito universal estaria limitado apenas pela capacidade do orador: "Suelen algunos decir: luego de todas las artes debe entender el orador, si ha de hablar de todas. Pudiera responderles con las palabras de Cicerón, quien dice: 'A mi parecer, ninguno puede llamarse orador acabado y perfecto, si no tuviere el conocimiento de todas las artes y cienci-as'. Pero yo me contento con que no ignore absolutamente aque-llo de lo que tiene que hablar, ya que no puede saberlo todo; y por otra parte debe ponerse en disposición de poder hablar de todas las causas y asuntos" (Quintiliano, 1916, II, Cap. XXII). Em 1576, o dominicano Luís de Granada redige a Ecclesiastica Rhetorica, que dedica generosamente à Universidade de Évora, "mãe de virtudes e letras", trazendo um contributo que teria enorme influ-ência já não para a formação dos tribunos políticos, mas sim dos apóstolos da palavra, seguindo os novos rumos traçados pelo Concí-lio Tridentino. O objectivo principal do autor não era restringir o campo de acção da Retórica, como poderia deixar entender a especifi-cidade do título, mas sim dar corpo a um conjunto de conhecimentos para a Oratória Cristã, libertando-a de uma carga ideológica e de um passado demasiado conotado, aos olhos do granadino, com o classi-cismo greco-romano: "Y querría yo, que no solo los egemplos, más también los preceptos mismos perteneciessen únicamente a la facul-tad de predicar, y que nada huviesse en esta Obra, que tuviesse ressabios, de las letras de los Gentiles" (Granada, 1778: prólogo).

Os programas iconográficos de São Tiago e São Mamede de Évora

Sob o império da retórica

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Igreja de São Tiago, Évora | Fotos Miguel Cardoso

Mais importante, o frade dominicano acrescenta um argu-mento moral para justificar a amplitude superior da Ciência Retórica. Os exemplos e os conceitos deviam ser teologica-mente correctos porque os oradores desempenhavam um pa-pel social fulcral, ensinando a doutrina católica, e actuando como guias espirituais da sociedade: "porque, siendo el princi-pal oficio del Predicador, no solo sustentar á los buenos con el pábulo de la doctrina , sino apartar á los malos de sus pecados, y vicios: y no solo estimular á los que yá corren , sino animar á correr á los perezosos, y dormidos: y finalmente no sólo con-servar á los vivos con el ministerio de la doctrina en la vida de la gracia, sino también resuscitar con el mismo ministerio á los muertos en el pecado: qué cosa puede haver mas ardua, que este cuydado, y esta empresa?" (Granada, 1778: 73). Levando ao limite as consequências dessas afirmações, para Frei Luís de Granada era obrigatório haver uma convergência perfeita entre a persona social dos oradores e a mensagem do púlpito, e o seu compêndio inclui vários capítulos discorrendo sobre as virtudes que deveriam acompanhar o exercício da Oratória, que aliás eram semelhantes às exigências de vidas virtuosas aos bispos, monges e sacerdotes, como o demonstra uma vasta literatura do período1, quase sempre assumindo Jesus Cristo como espelho inexcedível de virtudes2. UT RETHORICA PINTURA O sempre fecundo paralelo entre a Pintura e a Poesia, plas-mado no famoso paragone de Horácio, "ut pictura poesis", foi pedra fundamental da argumentação da tratadística humanista da pintura3 para a valorização intelectual da Arte e do pintor. Um dos objectivos subjacentes a essa comparação é que o dis-curso pictórico encontre um corpus teórico de referência na Antiguidade Clássica, e passe, a exemplo da sua irmã Poesia, a ser organizada segundo às regras da Retórica. Mas nem só os pintores defenderam a aproximação da Pintura à Retórica4. Com outros propósitos, também os teólo-gos defenderam o paralelismo entre as duas Artes, preferindo encontrar as semelhanças não numa mesma estrutura discursi-va, mas sim entre a proficiência universal do discurso do orador e do pintor. O sobrevalorizado (por vezes) tratado do cardeal bolonhês Gabriele Paleotti, Discorso intorno alle imagine sacri et profane, é um dos exemplos desse tipo de argumentação, se-guindo de perto a forma de propor o problema que já vimos nos tratados de retórica de Cícero e Quintiliano: "A primeira [razão] porque dos oradores se escreveu que, para serem grandes e excelentes, deviam ser versados em toda a aptidão ou ciência, pois que de todas as coisas podem ter o dever de instruir e persuadir o povo; assim parece ser possível dizer da

pintura, o qual sendo, como um livro popular, capaz de toda a matéria, seja do céu ou da terra, de animais ou de plantas, ou de acção humana de toda a sorte, que se pedisse que ao pintor, a quem pertence o representar dessas coisas, fosse de cada uma, se não completamente erudito, ao menos mediocremente instruído, ou não de todo ignaro.”5. Essa impossibilidade de conhecimento universal, tanto mais que as imagens, entendidas como um código acessível a todos, também tinham um papel importante na representação dos mistérios da religião, faz o cardeal bolonhês dirigir o seu tratado principalmente aos comitentes das obras de arte, que considera os principais responsáveis pelos enganos cometidos: "Desejando suster tanto quanto se possa os abusos nas ima-gens segundo o decreto do sagrado Concilio Tridentino, e considerando-se ser não tanto erro dos artífices que lhes dão forma, mas dos mecenas que as encomendam, ou mais que deixam de encomendá-las como se deve, e sendo esses os prin-cipais agentes, e os artífices executores da sua vontade; por isso é maior a consideração de instruir não só os pintores e escultores, mas principalmente os sacerdotes, nobres e pessoas honradas, que costumam embelezar as igrejas e suas habita-ções com semelhantes adornos."6. Por seu lado, o nosso orador, Diogo da Anunciação Justi-niano, dirigindo-se a um auditório de artistas, reconhece a importância fulcral dos pintores "que dão a ver Deus como querem", na citação gentílica de Cícero, ao mesmo tempo em que descreve São Lucas como o modelo de pintor ideal, reu-nindo o predicador evangélico com o artista, a palavra com o pincel, a pintura com o sermão, chegando mesmo a inverter o sentido da comparação: "porque nenhuma outra coisa parece que foi senão hum destro pintor no seu evangelho. Porque o papel lhe serviu de pano, as parábolas de sombras, as regras de linhas, as virtudes de cores, as acções de Christo de ideias, & as notícias de matizes." (Justiniano, 1699: 347-348). Embora o arcebispo de Cranganor, na sua argumentação, estabeleça uma associação directa entre as duas Artes, e não recue até às raízes da comparação, não deixa de salientar, utilizando a forma de argumentação que vimos acima, que uma das características distintivas da pintura é o âmbito universalista de acção, porque "he a pintura, hum quadro onde se copeão todas as artes liberais, & que de todas as artes é um compendio..." (Justiniano, 1699: 354). NORMA EPISCOPORUM Em Évora, o arcebispo D. Frei Luís da Silva Telles (1691-1703), depois da benquista experiência pastoral de Lamego e da Guarda, foi um dos expoentes da acção reformadora empreendida pelos círculos mais informados da corte de

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Gabriel del Barco, O sacrifício de Isaac, 1699 Igreja de São Tiago, Évora | Foto Miguel Cardoso

D. Pedro II. O seu biógrafo, que privou de muito perto com o Arcebispo, teve o cuidado de apresentar os princípios que nor-tearam a sua acção pastoral, que se estruturou numa política assistencialista em benefício dos mais pobres e num compromisso empenhado na divulgação e interiorização dos princípios da fé e da moral cristãs7. Para alcançá-los, Frei Luís institui-se a si e a sua família próxima como exemplo, orientando o Paço Arquie-piscopal segundo princípios morais rigorosos: todos cumprem os sacramentos, vestem-se e comem de maneira frugal, respei-tam os jejuns, dedicam-se a orações, cantos e leituras sagradas. Como considerava-se um mero administrador das rendas do arcebispado8, o seu biógrafo, em jeito de apresentação de contas, faz questão de anotar as somas que o prelado despende com esmolas, assinalando escrupulosamente as dádivas aos pobres, aos doentes, aos presos, aos órfãos, às viúvas, aos estudantes, aos religiosos dos conventos e aos nobres pobres. (Nada é dei-xado ao acaso e os párocos recolhem as informações que per-mitem a identificação das necessidades e dos necessitados). O zelo do pastor é particularmente meticuloso com a cor-recção dos conventos femininos, perante a ameaça social dos desvios de costumes. Numerosas obras nos edifícios, normal-mente pagas com as rendas da Mitra, garantem o cumpri-mento das regras de clausura e da aparência, e fazem entaipar janelas ou mesmo demolir casas nas proximidades dos conven-tos, impedindo qualquer ponto de vista devassado. A todo esse rigor do arcebispo eborense não deve ser alheio o exemplo do papa Inocêncio XI, com um munus apostólico pro-fundamente marcado pelas virtudes da modéstia, da caridade cristã e da ortodoxia9. Mais próximo, é também notável o ascen-dente do padre Bartolomeu de Quental, o pregador-moralista da corte e o fundador da Congregação do Oratório, de quem era amigo pessoal e com quem partilhava as práticas de interiorismo da oração mental, e para quem concedeu apoio com o custeio da criação do convento da Congregação do Oratório de Nossa Se-nhora da Conceição de Estremoz: "Atendendo pois à Salvação das suas ovelhas, detriminou fundar huma caza da Congregação do Oratorio, para que ensinasem a oração mental aos Pôvos, por ser este o melhor remédio para a reforma das vidas, e os mais exercissios da Congregação. (...) Isto suposto, deu desta rezulu-ção parte ao Veneravel padre Bartolomeu do Quental, de quem hera particular amigo..." (Espanca, 1986-1987: 155). Comparando a biografia do arcebispo de Évora com a do fundador dos Oratorianos de Portugal10, publicada em Roma como celebração da confirmação apostólica de Bartolomeu de Quental como padre venerável, vemos, para além dos topos específicos de uma hagiografia, a mesma tónica de exortação à vivência da virtudes cristãs que o oratoriano exigia para si e queria ver espelhadas no Paço de D. João IV, no seu tempo de

confessor e capelão real (uma tarefa ingrata, também exercida nos tempos conturbados do reinado afonsino, da qual, após alguma insistência, conseguiu dispensa). Um dos pilares da acção doutrinária do arcebispo de Évora assentou no binómio "asseio da Casa de Deus" e "perfeição do Culto Divino". São numerosas as obras que patrocinou para as igrejas do arcebispado, normalmente identificadas com o seu bra-são de armas (mais uma vez demonstrando publicamente que cumpriu um dever). Do seu informado mecenato artístico, marcado por uma personalidade vigorosa e interveniente, conhecemos a sua amizade com o pintor régio Bento Coelho da Silveira, a quem encomendou as telas para a igreja do Convento de Santa Helena do Monte Calvário (Sobral, 1998: 376), e para as capelas-mores de Nossa Senhora do Bispo de Montemor-o-Novo, Santo Antão e São Pedro. Para os retábulos de talha dourada, o arcebispo depositou a sua confiança no mestre lisboeta Francisco Machado que, com pragmatismo singular, fez instalar com oficina, nos "baixos" do Paço Arquiepiscopal, onde finalizou o retábulo da Nossa Senhora do Anjo da Sé, e os retábulos para as capelas-mores de Nossa Senhora do Bispo de Montemor e de Santo Antão11. Para as cam-panhas de fresco socorreu-se, para a Sé de Évora, dos pintores Santos Marques e Francisco de Sousa, e talvez de outros, pagando, para espanto do seu biógrafo, quatro moedas de ouro "só para os dese-nhos" dos brutescos do tecto da capela-mor da igreja de São Pedro. Nenhum desafio é grande demais, nenhuma tarefa menor para o empenho doutrinário de Frei Luís - como humildemente gostava de assinar - que preconiza instruções precisas ao mestre entalhador sobre a forma de colocação dos anjos custódios no trono para a exposição do Santíssimo Sacramento; discute com o mestre azulejador de Lisboa as melhores soluções para as pilastras da nave da igreja do convento de Santa Helena do Monte Calvário; devolve desgostoso a tela de um artista ebo-rense para a igreja de São Pedro para voltar a fazer um novo pedido urgente a Bento Coelho; ou define os nomes dos pregadores e também "os temas e assuntos" para os sermões das festas da sua "nova" igreja de São Pedro (Espanca, 1986-1987: 172). Nos programas decorativos patrocinados pelo arcebispo que, na busca de soluções de bel composto, frequentemente asso-ciam a talha dourada, a pintura a óleo e a pintura a fresco dos tectos, os azulejos renovam em azul e branco as soluções tradi-cionais dos padrões seiscentistas, como nas salas do Paço Ar-quiepiscopal, na igreja do convento de Santa Helena do Monte Calvário e na igreja de Santo Antão. Essa afectação decorativa só se vai alterar nos últimos anos do seu governo, com os re-vestimentos de azulejos que o pintor espanhol Gabriel del Barco realizou para as duas igrejas paroquiais de Santiago e São Mamede, e ainda, mas agora respondendo a uma encomenda dos cónegos lóios, para Nossa Senhora da Assunção de Arraiolos12. 47

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Gabriel del Barco, A prece do rei David, 1699 Igreja de São Tiago, Évora | Foto Miguel Cardoso

Infelizmente, não chegou aos nossos dias a intervenção da Igreja de São Pedro, a última grande obra que o arcebispo concluiu, nas vésperas da morte, em 1702, revestindo a nave com azulejos figurativos azuis e brancos com episódios da vida do orago, muito provavelmente também já não com a assinatura do pintor espanhol. A CARIDADE EUCARÍSTICA Os azulejos da Igreja de Santiago, respeitando as regras acon-selhadas para a boa administração das igrejas paroquiais13, foram custeados com as esmolas dos fregueses e concluem um longo processo de reconfiguração do interior da igreja, que se havia iniciado por volta do ano de 1680, com a reconstrução do arco triunfal, e a redefinição do programa decorativo da capela-mor14. As obras decorreram sob a direcção do prior e grande ben-feitor da paróquia, Cristóvão Soares de Albergaria15 que assi-nalou a sua intervenção para a posteridade com as suas armas e com a inclusão da tela de São Cristóvão, com o Menino Jesus aos ombros, carregando todos os pecados do mundo, colocada na parte superior do arco triunfal, envolta numa teoria de bru-tescos pintados sobre a superfície mural (Espanca, 1966: I, 225). Fazem parte dessa primeira campanha pictórica, realiza-da por uma oficina eborense, três pinturas com episódios da Paixão de Cristo: o Ecce Homo, o Noli me Tangere e a Lamenta-ção sobre Cristo Morto. O programa decorativo da nave da igreja concluiu-se entre os anos de 1699 e 1700, já na parte final do arcebispado de Frei Luís da Silva Teles e, em linhas gerais, o programa icono-gráfico articula os painéis de azulejos com os frescos do tecto, numa exaltação do Sacramento da Eucaristia, tema central para a igreja católica após o Concílio de Trento. Nesse capítu-lo, não é demais recordar que, mesmo sob o aparente manto da

inflexibilidade, as posições doutrinárias foram lentamente evo-luindo e consolidando-se durante o século XVII e só um de-creto do papa Inocêncio XI, em 1679, regulamentando a con-fissão e a comunhão diárias (Costa, 1989), poria fim a uma das polémicas abertas sobre o sagrado sacramento. Em particular, o programa iconográfico dos azulejos16 estrutura-se em três registos horizontais, e podemos iniciar a leitura com duas narrativas do Antigo Testamento que, se-guindo os princípios doutrinários tradicionais, introduzem o tema das virtudes teologais da Caridade e da Fé associados à Adoração da Sagrada Eucaristia. No registo intermédio, num movimento circular, utilizando os dois lados da nave, quatro painéis contam a parábola do filho pródigo (Lucas, 15: 11-32): a partida depois da divisão dos bens, a dissipação de todos os seus haveres com as cortesãs, a humilhação e a penitência com o trabalho infame da guarda dos porcos e, no fim, a reconciliação com o pai, misericordioso e feliz, abraçando o filho que retorna reconhecendo os seus erros. A par e passo, o registo inferior, em três painéis, elabora uma antítese dramática: o Patriarca Abraão, obedecendo a uma ordem divina, está pronto a sacrificar o seu próprio filho (Génesis 22: 1-19). Assistimos o encontro com os dois anjos que comunicam a ordem divina e depois seguimos o "calvário" do filho que carrega um feixe de lenha, a sua cruz no caminho para o sacrifício. Mas, como sabemos, Abraão foi impedido, no último instante, pela mão do anjo, e o Patriarca, testado no mais profundo dos seus sentimentos paternais, é um herói na sua fé inabalável na palavra divina. Seguindo uma exegese bíblica interiorizada nas celebrações da missa desde o século IV, os episódios do sacrifício de Issac são uma das mais fre-quentes pré-figurações da Paixão de Cristo e da instituição do sacramento da eucaristia. Seguindo essa tradição exegética eucarística, o mesmo episódio foi utilizado no Sermão do Mandato, predicado por Bartolomeu de Quental (Quental, 1741: 411-12), na capela real, em 1658. No mesmo lugar, alguns anos antes, também o incansável António Vieira, no Sermão Segundo do Mandato, na sua digressão vertiginosa exaltando o amor de Deus pelos homens, compara o amor divino ao paternal de Abraão e também ao da Parábola do Filho Pródigo. Com a liberdade argumentativa que caracteriza a sua oratória, depois de comparar o sacrifício realizado do filho de Deus com o sus-penso de Issac, Vieira pergunta para o irmão mais velho da Parábola do filho pródigo (que equipara a Cristo): "Dizei-me se, em lugar do vitelo, que vosso pai matou para vosso ir-mão, vos matara a vós, para da vossa carne e do vosso san-gue lhe fazer um novo prato, que excesso nunca visto seria este?" (Vieira, 1685: 371). De maneira pouco convencional, interrompendo a linha horizontal da história de Abraão, escolheu-se um painel com a representação da Prece do Rei David, de joelhos, com o cep-tro e a coroa atirados ao chão, arrependido da sua actuação orgulhosa depois do censo realizado por Joab. O Senhor, pela boca do vidente Gad, pede que escolha entre o castigo da fome, da guerra, e da peste para o seu povo, representadas simbolicamente na mão do anjo pela espiga de trigo, pela espada e pela caveira (II Samuel, 24: 12)17. No discurso ico-nográfico, a interrupção justifica-se para estabelecer uma comparação antitética entre o rei pecador e o patriarca fiel, e para entender-se o episódio como uma prefiguração da euca-ristia enquanto sacrifício de propiciação, no altar que David erigiu em terras do Araúna para a expiação e a remissão dos seus pecados (II Samuel, 24: 25).

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Gabriel del Barco, A ressurreição de Lázaro, 1699 Igreja de São Tiago, Évora | Foto Miguel Cardoso

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O encontro de Jesus Cristo e Zaqueu,

Entre os arcos que sustentam o coro alto, dois outros episódios do Antigo Testamento, agora da história do profe-ta Moisés, retomam o tema da virtude da caridade e da fé constantemente testada e incutida pela vontade divina: Moisés faz brotar a água do rochedo e a Serpente de bronze. Neste últi-mo caso, um simulacro de cruz com a serpente que cura os verdadeiros crentes no meio do deserto, é o próprio Novo Testamento que autoriza a interpretação do episódio como uma pré-figuração eucarística, pois como afirmou Jesus "dessa mesma maneira o Filho do Homem também tem de ser levantado [...] para que todo o que nele crê possa ter a vida eterna”. (João 3: 14-15) Como vimos, na citação inicial de Vieira sobre a diversi-dade dos seus sermões, o aproveitamento de todos os acidentes, a profunda adaptação da oratória ao tempo e ao lugar, torna-os únicos. No sermão que o jesuíta celebrou, em 1669, no Mos-teiro da Esperança (Vieira: 1683: 1), em Lisboa, na festa da mais importante confraria do Santíssimo Sacramento em território português, Vieira dá corpo a uma nova leitura do sacramento, procurando surpreender o auditório ao compro-meter-se a encontrar um lugar para a terceira virtude teolo-gal, a Esperança, junto com tradicionais virtudes da Fé e da Caridade no sacramento da Eucaristia: "Que satisfeita está hoje a Fé, & que satisfeita a Charidade! Só a Esperança, pare-ce, que não está, nem pode estar satisfeita.” Uma parte da "fineza" está em que a circunstância pareça de início fortuita e que progressivamente se vá revelando fundamental, impli-cando um exercício doutrinário profundo. Na verdade, no caso da confraria do Mosteiro da Esperança, que tem o pró-prio monarca como juiz, o tema da virtude tornara-se parte da doutrina, e foi provavelmente iniciado por um sermão do capelão real Bartolomeu de Quental, em 1662, exactamente com os mesmos pressupostos18.

Também em São Tiago, como se fosse a estrutura de um sermão de imagens, as duas virtudes, da Caridade e da Fé, são amplificadas nos painéis de azulejos do terceiro registo, ilus-trados como episódios da acção amorosa e evangelizadora de Jesus Cristo, complementando o programa iconográfico com a virtude da Esperança, a virtude da confiança na vida eterna e no sacramento da eucaristia. Por elevação do amor paternal, Jesus acolhe Zaqueu (Lucas, 19: 1-10), o rico colector de impostos "que se havia perdido" como o filho pródigo, e acolhe também a mulher pe-cadora, arrependida como o filho pródigo e como o Rei David, que lavou com lágrimas os seus pés, untando e secando-os com os cabelos (Lucas 7: 38-47). Ambos estavam penitentes e pre-dispostos a receber a palavra divina: o pequeno Zaqueu, "o filho de Abraão", subiu à figueira para encontrar Jesus no meio da multidão, e a mulher dirigiu-se lhe com humildade e amor no banquete da casa de Simão, o fariseu. No milagre da cura do paralítico em Betesda, que podemos comparar à cura proporcionada pelo simulacro da cruz com a Serpente de bronze, é um pouco diferente. Jesus dirige-se ao pobre e pergunta: Você quer curar-se?; pedindo-lhe em troca o compromisso de uma vida sem pecados, compromisso esse que será formalizado na comunhão eucarística. Numa antítese ao episódio da rápida e eficaz intercessão do anjo no episódio do sacrifício de Isaac, Cristo retarda a sua resposta aos pedidos insistentes de Marta e Maria, irmãs de Lázaro, chegando à Judeia propositadamente depois da sua morte. As lamentações e a descrença das duas irmãs fazem-nos comparar e valorizar mais uma vez a atitude de fé incondicional de Abraão. No painel, o milagre "demonstrativo" da ressur-reição de Lázaro (João 11: 1-46) é uma prova do poder de Cristo emanado directamente de Deus e da vida eterna que vence a morte. 49

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A Justiça, 1700 Igreja de São Tiago (tecto), Évora | Foto Miguel Cardoso

A espada e o pão, 1700 Confraria de São Mamede (tecto), Évora | Foto Miguel Cardoso

Justamente, a vida eterna, "a água viva" que Cristo vem oferecer aos seus seguidores e crentes, é também o tema da conversa com a mulher samaritana à volta do poço (João 4: 4-26). Esse episódio compara superlativamente com a água que Moi-sés faz nascer do deserto para matar a sede depois da descren-ça dos hebreus. No seu manual do perfeito sacerdote, Frei António de Molina utiliza o episodio da Samaritana, aconse-lhando-o nas reflexões que devem preparar o sacerdote para a celebração da missa eucarística (Molina, 1610: 261). Na sua terceira aparição depois da ressurreição, na Pesca Milagrosa (João, 21: 1-14), Cristo come pão e peixe com os seus discípulos, numa confirmação da vitória sobre a morte e da promessa da eucaristia. Mas o episódio também pode ser interpretado como um aviso profundo, como Agostinho de Hipona comenta num sermão: "Duas vezes os discípulos co-meçaram a pescar a comando do Senhor: uma vez antes da paixão e outra depois da ressurreição. Nas duas pescas está retratada toda a Igreja: a Igreja como é hoje e como será de-pois da ressurreição dos mortos. Agora acolhe uma multidão impossível de se contar, incluindo os bons e os maus, e depois da ressurreição incluirá apenas os bons"19. Quase duas décadas depois, esse registo superior dos seis painéis de azulejos com o magistério de Cristo veio dar se-quência ao programa enunciado com as três telas dedicadas aos episódios da Paixão que já vimos colocadas sobre o arco triunfal, assim como uma pequena teoria de seis emblemas eucarísticos, pouco legíveis, na parte superior do revestimento azulejar (cacho de uvas, casa, monte (?), pão, espigas de trigo, árvore da vida) faz a transição para as alegorias do tecto. Do programa da campanha dos frescos do tecto da nave, realizado no mesmo ano em que o pintor espanhol terminou os azulejos, infelizmente só podemos reconhecer parcialmente o programa, já que duas intervenções posteriores alteraram as pinturas dos dois tramos centrais (c. 1750-60) e também do arco triunfal (c. 1910).

Se as virtudes teologais da Fé, da Caridade e da Esperança estruturam o discurso dos azulejos, os frescos do tecto da nave são organizados segundo as quatro virtudes cardeais que apre-sentam um caminho de aperfeiçoamento espiritual e moral implícitos no sacramento da confissão e da comunhão eucarísticas. Como era comum na estruturação dos sermões, pequenos trechos de sentenças bíblicas foram escolhidos para suporte do discurso. No primeiro tramo, uma contracção de um verso do Livro dos Provérbios: "Abençoado o que encontra a sabedoria e é rico em prudência" é representada por uma alegoria adapta-da da conhecida obra do iconógrafo Cesare Ripa20, com uma figura feminina que segura o espelho do auto-conhecimento e pela sabedoria representada pela serpente. Do lado oposto, a figura da Temperança, vertendo vinho para uma taça com água, numa alusão também aos símbolos da Eucaristia, incita à moderação saudável dos desejos: "aquele que se abstém, prolonga a vida"21. No coro alto, a figura da Justiça, sustentada pelo início de um versículo do livro dos Reis, "ouve, então, do céu", subli-nhando a direcção divina, está representada com os tradicio-nais atributos da espada e da balança e, ainda, com um feixe de varas, este último simbolizando, como explica mais uma vez o iconógrafo perugino, que a justiça tem um tempo certo, nem cedo, nem tarde, como a maturidade exigida para a colheita do vime (Ripa, 1603: 188)22. Na virtude da Fortaleza, representada pela figura feminina que sustenta uma coluna, um excerto dos versos da canção em louvor ao Senhor exortam à perseverança na persecução do bem e no aperfeiçoamento moral23. Atribuído ao pintor eborense Lourenço Nunes Varela (Serrão, 1998-1999: 85-71), o conjunto, a que não falta um apelo de modernidade, inscreve-se claramente no âmbito dos trabalhos da mais importante oficina lisboeta, dirigida por António Oliveira Bernardes e José Ferreira de Araújo24, repetindo as aberturas com balaustradas pintadas de maneira

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Ao lado: Gabriel del Barco, A Caridade | Irmandade do Santíssimo Sacramen-to de São Mamede, Évora

Em cima: Cesare Ripa, Carita, 1603

Na página seguinte: Gabriel del Barco, São Tomás de Aquino e a Sagrada Escritura | Irmandade do Santíssimo Sacramento de São Mamede, Évora Fotos Miguel Cardoso

perspéctica, de sotto in sù, onde quatro personagens, reforçando o efeito ilusório, derramam sobre o espectador moedas de ouro, um jarro de água, círios acesos e uma pedra. Sublinhando a unidade temática de todo o conjunto, e a eucaristia como um sacramento de adoração, o programa e a campanha pictórica fecha no coro-alto com uma monumental representação dos anjos em veneração da Sagrada Eucaristia. O TRIUNFO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO No mesmo ano, demonstrado a perfeita articulação entre as várias estruturas diocesanas, e certamente sob a supervisão do arcebispo Frei Luís, o programa eucarístico repete-se com a colaboração de Gabriel del Barco, na sala da Confraria do Santíssimo Sacramento da Igreja de São Mamede. Nos azulejos da confraria, a estrutura do programa icono-gráfico, como em São Tiago, apoia-se nas virtudes teologais da Esperança25, representada com a "âncora da alma, segura e firme" (Hebreus, 6: 19) e da Caridade. Esta última, amamen-tando uma criança, com duas outras a volta, simbolizando a Fé e a Esperança, virtudes que estão presentes em potência na

Caritas, à semelhança do justificado para uma gravura da obra de Cesare Ripa26, que bem poderia ser considerada a divisa da acção pastoral do arcebispo Frei Luís da Silva Teles. Com as mesmas intenções, o programa repete parcialmente o de São Tiago, com os três episódios do filho pródigo e com os dois da gesta mosaica: Moisés fazendo brotar água do rochedo e a Serpente de bronze. Os episódios da acção evangelizadora de Jesus Cristo, per-feitamente enquadrados no âmbito da acção pastoral, são aqui substituídos por um programa de fé doutrinária, com o Triunfo de São Tomás de Aquino, "o defensor da Eucaristia", represen-tado em glória com o Santíssimo Sacramento em exposição, rodeado pelas personificações das virtudes morais da Esperança e da Religião27 e, seguindo as lições da Summa Theologiae, pelas quatro actos de virtude da religião: a Oração (hino), a Contemplação (trigo), a Devoção (cegonha), e a Santidade (chaves do céu). Do lado esquerdo, a personificação da Oração traz uma filactera com o verso inicial Tantum ergo Sacramentum (Tão sublime sacramento) de uma das stanze do hino Pange, Lingua, gloriosi, da benção eucarística, também composto pelo Doutor da Igreja.

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No painel frontal, do lado oposto, representa-se o Triunfo da fé com a cruz e a hóstia consagrada, rodeada pelas personifi-cações dos cinco sentidos com a heresia derrubada ao chão. Reforçando a continuidade do discurso, o anjo personificando o tacto segura a filactera com mais uma perícope do hino da benção: Praestet fides supplementum sensuum defectui (a fé supre a indigência dos nossos sentidos)28. Compostos para as festas do Espírito Santo, o hino Pange, Lingua, gloriosi faz parte do cerimonial durante a exposição eucarística, também quando o sagrado viático era levado aos doentes, uma das principais tarefas devidas ao zelo dos confrades. No tecto, sob o tema central anjos em adoração a Sagrada Eucaristia, representam-se as quatro virtudes cardeais, funda-mentais para a definição do sacramento da Eucaristia como um compromisso no caminho da ascese moral e espiritual. A reunião

das virtudes "morais" e das virtudes "sobrenaturais" revela ainda a profunda sedimentação da ética de Tomás de Aquino no pensamento teológico que informa os dois programas iconográficos de São Tiago e São Mamede. Ainda no tecto, por entre uma teoria de brutescos, quatro pequenas cartelas com dísticos latinos são traduzidos em emblemas singelos, onde a defesa da fé rima com a bem- -aventurança celestial do sacramento: A eucaristia é o pão e a espada29 (pão e espada); e minhas flores são frutos de honra e honestidade30 (flores); Em qualquer lugar onde estiver o corpo, aí se hão-de juntar as águias31 (duas águias e sol) e o sacramento do amor que por vós é derramado32 (pelicano ferindo o peito para alimentar as crias). Nos topos, duas cartelas com filacteras simples: "Panem ange-lorum manducavit homo" e "factus cibus viatorum"33, retomam a citação de versos dos hinos sacros compostos pelo Doctor Angelicus presentes nos azulejos, numa clara manifestação de coerência de todo o programa iconográfico, associando as duas artes decorativas. MECÂNICA RETÓRICA DAS IMAGENS A omnipresença e o prestígio intelectual da Oratória na cultura seiscentista por si só justificariam a semelhança entre a estrutura dos sermões eucarísticos com os programas icono-gráficos de São Tiago e São Mamede. A importância da ética de Tomás de Aquino para a "segunda escolástica" protagoni-zada pelos jesuítas acrescenta mais uma razão doutrinária poderosa para esse paralelismo. Mas a coincidência entre a

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Gabriel del Barco, O filho pródigo na casa das cortesãs, 1699 Igreja de São Tiago, Évora | Foto Miguel Cardoso

Programa iconográfico da igreja de São Tiago, Évora Desenho Celso Mangucci

Oratória e o plano iconográfico é mais profunda: uma mesma cultura, franqueada pela comparação entre a Pintura e a Poesia, impregna a maneira de articular o discurso das imagens. Poderíamos dizer que, usualmente, o autor do programa iconográfico preforma o primeiro passo de uma composição retórica, a inventio, que o nosso Luís de Granada define de maneira muito pragmática: "A la Invención pertenece hallar señaladas, y esclarecidas sentencias, y estas acomodádas á su designio: porque assí dirá aptamente, que es la virtud principal de la Invención." (Granada, 1778: prólogo). Como é manifesto, as "esclarecidas sentenças", as perícopes bíblicas ou dos doutores da igreja, que povoam incessantemente o discurso, proporcionam a necessária auctoritas doutrinária. Servem ao mesmo tempo de confirmação e ponto de partida para um comentário desenvolvido, sempre no sentido de exa-minar com rigor todos os ângulos da palavra divina. Como vimos, nesse caso imediato estão as sentenças escolhidas para as figuras das virtudes cardeais de São Tiago e os emblemas eucarísticos em São Mamede. Mas é fácil concluir que as ima-gens, ao reportarem-se à História Sagrada, traçam automatica-mente essa linha de referência mesmo quando não transcrevem a passagem bíblica ao qual se reportam. À semelhança de uma peça de oratória, o discurso do pro-grama iconográfico é organizado pela distribuição das imagens no plano arquitectónico. A dispositio, a organização do programa em São Tiago criou uma estrutura doutrinariamente eficaz para expressão do tema da Eucaristia, baseada nas três virtu-des teologais (Fé - Abraão e David, Caridade - Parábola do Filho Pródigo, Fé e Caridade - Moisés, Esperança - episódios da vida de Cristo) dispostas em linhas horizontais, fechando no tecto, num quarto plano, com as virtudes morais.

Essa mesma estrutura discursiva foi adaptada à sala da confra-ria do Santíssimo Sacramento, com o triunfo da fé e da eucaristia em evidência, no registo superior, em oposição aos episódios mosaicos, da fé e da caridade, antes da revelação do "novo manda-mento", sobre a porta. No tecto, as quatro virtudes morais coabitam com as alegorias e com os anjos em adoração eucarística. Mas nem só de relações contíguas, directas e sucessivas vive o plano iconográfico. A ideia de conjunto prevalece e alimenta a relação de significância (vertical) entre as diversas partes do dis-curso. Mais do que isso, as imagens podem ser articuladas, numa elocutio adaptada à arquitectura, como figuras retóricas, em forma de antítese ou paralelismo. Para relembrarmos alguns exemplos: a antítese entre o amor compassivo ao filho pródigo, e a preparação da morte do filho de Abraão, em acto de fé, revelam e exaltam a natureza do sacrifício de Cristo, filho do Senhor, na Cruz. A pe-nitência do Rei David é análoga à penitência do filho pródigo junto com os porcos e a da mulher pecadora na casa de Simão enquanto a água que brota do deserto de Moisés compara, distin-guindo, a água viva do "novo mandamento" na fonte da samaritana. E PUR SI MUOVE Com uma enorme experiência, Gabriel del Barco parece estar perfeitamente à vontade em responder às exigências dos programas iconográficos retóricos, conhecendo as fontes gráfi-cas e as alegorias tradicionais, ou desempenhando um papel relevante na criação de imagens directamente a partir de tex-tos históricos, como as que realizou, nesse mesmo ano, para o convento de Nossa Senhora da Assunção em Arraiolos, em resposta às solicitações de um programa de afirmação política da Congregação de São João Evangelista. 53

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Gabriel del Barco, O regresso do filho pródigo, 1699 Igreja de São Tiago, Évora | Foto Miguel Cardoso

Mas nem tudo da Pintura restringe-se à Retórica do plano iconográfico. Conferindo o relevo que a caridade cristã desem-penhou no munus pastoral do arcebispo de Évora, o pintor espanhol, nos episódios do Filho Pródigo, apoiou-se num con-junto de gravuras do italiano Pietro Testa (Carvalho, 2012: 137), que a despeito de uma carreira de pouco sucesso como pintor, obteve um assinalável reconhecimento pela qualidade das suas incisões. No período da sua segunda estadia em Ro-ma, Testa encetou um percurso em direcção ao classicismo, criticando a cópia servil da natureza e também o ilusionismo dos pintores barrocos. Na gravura da Casa das Cortesãs parece

ilustrar essas ideias, e ao fundo, representou as esculturas de deusas da antiguidade clássica, numa possível recusa da poéti-ca pagã em favor da representação da História. Desenhou tam-bém, em primeiro plano, um macaco acorrentado, que Gabriel del Barco fará repetir no painel do Regresso do filho pródigo, junto da sua assinatura, numa concordância crítica contra os imitadores da natureza que se afastam da idealização clássica34. Barco parece assim acompanhar, nesses últimos anos da sua carreira, o olhar para o classicismo que alimenta, entre outros, as obras dos contemporâneos António Oliveira Bernardes e

António Pereira Ravasco.

1. Entre os mais influentes contam-se a Instruccion de sacerdotes de Frei António de Molina (1610), o Institutio Parochi, seu Speculum Parochorum do jesuíta Sebastião de Abreu, publicado novamente em Évora, com aprovação do arcebispo Luís da Silva Telles (1700), e o Parocho perfeito de Antonio Moreira Camello (1675).

2. Para o dominicano, Jesus Cristo é o modelo perfeito do orador cristão: "Primeramente, si tal es la dignidad, y magestad de este Oficio, que tiene por su Príncipe, y Autor al mismo Hijo de Dios, y el Predicador es su embiado en la tierra" (Granada, 1778: 27).

3. Para uma apresentação geral da questão veja-se o ainda útil Lee, 1940. 4. Particularmente influenciada pela obra de Fumaroli, 1980, a rela-

ção entre a Pintura e a Retórica voltará a fazer parte do aparato crítico dos historiadores de arte, desde as análises sobre a sua influência na conformação do discurso pictórico, como em Hoch-mann, 1993; até, pelo contrário, como em Sugers, 2007, com uma análise sobre a autonomia das figuras retóricas visuais na pintura (e no Teatro e na Arquitectura).

5. "L'una perche, si come degli oratori e stato scritto che, per rius-cire grandi et eccellenti, debbono essere versati in ogni facolta e scienza, poi che di tutte le cose puo occorrere loro di dover ra-gionare e persuadere il popolo; cosi pareva si potesse dire della pittura, la qual essendo, come un libro popolare, capace d'ogni materia, sia di cielo o di terra, di animali o di piante, o d'azzioni umane di qualunque sorte, richiedesse insieme che il pittore, al quale appartiene il rappresentare queste cose, fosse di ciascuna, se non compitamente erudito, almeno mediocremente instrutto o non affatto imperito." (Paleotti, 1582: proemio).

6. "Desiderandosi di provedere quanto si puo agli abusi delle imagi-ni secondo il decreto del sacro Concilio Tridentino, e consideran-dosi cio essere non tanto errore degli artefici che le formano, quanto de'patroni che le commandano, o piu tosto che tralasciano di commandarle come si doverebbe, essendo essi come i principali agenti, e gli artefici essecutori della loro volonta; pero si e avuta considerazione in questo trattato di ragionare non solo con li pittori e scoltori, ma principalmente con li curati e con li nobili e persone onorate, che sogliono abbellire le chiese e le loro abitazi-oni con simili ornamenti" (Paleotti, 1582: proemio).

7. Manuscrito anónimo publicado por Espanca, 1986-1987. A auto-ria da biografia poderá dever-se a D. Rui de Moura Teles, tesou-reiro-mor do arcebispo entre 1691-1694, futuro bispo da Guarda e Arcebispo de Braga.

8. "Tal hera o zelo deste grande prelado, e amor, que tinha ás suas ovelhas como tambem o conhecimento, que tinha, de que os bens da Mitra não herão seos, mas dos pobres, e das necessidades das suas ovelhas, e elle só hera hum mero administrador, e assim com muita rezão se lhe podia dar o titulo de Norma Episcopo-rum." (Espanca, 1986-1987: 147).

9. O percurso de Benedetto Odescalchi (1670-1689), é marcado pela modéstia na celebração da sua entronização como Papa, pelo número restrito dos membros da família, pela recusa dos benefí-cios pecuniários, pela luta contra o nepotismo e pelo saneamento das finanças do Estado Pontifício (Ippolito, 2004: 478-495).

10. Utilizamos a tradução de Freire, 1747. Sobre a oratória de Quen-tal veja-se o trabalho de Pires, 1993.

11. Para uma análise do percurso do importante mestre entalhador de Lisboa e as suas relações com o arcebispo veja-se Mangucci, 2007.

12. Em Évora, mencione-se ainda o revestimento que Gabriel del Barco realizou para a capela-mor da igreja do convento Jerónimo do Espinheiro, anterior a consagração do Arcebispo de Évora. Sobre o conjunto de Arraiolos veja-se Mangucci, 2013.

13. As obras das igrejas paroquiais deveriam ter a direcção do prior, supervisionando a escolha dos melhores mestres, como aconselha o manual do pároco perfeito de Camello, 1675: tratado III, cap. XII, 346-348.

14. Foi provavelmente durante esses anos que se desmembrou o retábulo maneirista dedicado a São Tiago, do qual subsiste um dos painéis, encomendando-se para a capela-mor azulejos seis-centistas de padrão e um novo retábulo de estilo nacional. Ver Espanca, 1966: I, 225.

15. Possuímos poucos dados sobre a biografia de Cristóvão Soares de Albergaria, que segundo o testemunho do padre Francisco da Fonseca, doou, depois da morte, todos os seus bens à paróquia (Fonseca, 1727: 217).

16. A tese de doutoramento de Maria do Rosário de Carvalho (2012), oferece uma revisão exaustiva e actualizada do percurso do pintor Gabriel de Barco, com uma descrição pormenorizada dos programas de São Tiago e São Mamede e a importante identificação das gravuras de Pietro Testa e Jean le Pautre que estiveram na origem, respecti-vamente, dos painéis do Filho Pródigo e da história de Moisés.

17. Com a mesma estrutura de representação do tema, exceptuando a presença do vidente, conhecemos a obra de Pieter de Grebber (c. 1640), nas colecções do Museu Catharijne Convent de Utreque.

18. O Sermão do Santíssimo Sacramento está publicado em Quental, 1692. O cónego Manuel da Madre de Deus, no sermão que predicou no mesmo local, em 1688, na presença do monarca, D. Pedro II, assume, como se fosse uma tradição estabelecida, uma estrutura tripartida entre as virtudes da Fé, da Esperança e da Caridade. Madre de Deus, 1688.

19. Para uma análise do tema na obra do filósofo cristão veja-se Barros, 2002. 20. O versículo completo: "beatus homo qui invenit sapientiam et qui

affluit prudentia" (Provérbios, 3: 13). Ripa, 1603: 44 explica a referência à sabedoria da serpente com uma citação do Evangelho de São Mateus (10: 16): "Estote ergo prudentes sicut serpentes et simplices sicut columbae".

21. O versículo completo: “propter aplestiam multi obierunt qui autem abstinens est adiciet vitam” (Ecclesiasticus, 37: 34). Nesse caso segundo um modelo mais próximo ao das gravuras das virtudes de Hendrik Goltzius.

22. O versículo completo: “tu exaudies in caelo et facies et iudicabis servos tuos condemnans impium et reddens viam suam super caput eius iustificansque iustum et retribuens ei secundum iustitiam suam” (I Reis 8: 32).

23. O versículo completo: "dux fuisti in misericordia tua populo quem redemisti et portasti eum in fortitudine tua ad habitaculum sanctum tuum" (Êxodo, 15: 3).

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BIBLIOGRAFIA

24. Para uma descrição do tecto da antiga capela da Ramada de Frielas com "aberturas" idênticas veja-se Franco, 1992: 206-212.

25. Sobre a representação das virtudes teologais, em particular a da Esperança, veja-se o artigo de Monteiro, 1991.

26. "I tre fanciulli dimostrano, che se bene la carità è una sola virtù, hà non dimeno triplicata potenza , essendo senz'essa, & la fede , & la esperanza di nissun momento." (Ripa, 1603: 64).

27. Representada com o véu, o crucifixo e o fogo da devoção como propõe Ripa, 1603: 430-31.

28. Do extenso programa eucarístico que o pintor Juan Escalante realizou, entre os anos de 1667 e 1668, para a sacristia do Con-vento de Nossa Senhora das Mercês, dos Mercedários Calçados, de Madrid, faz parte uma tela com o mesmo dístico e a personifi-cação dos cinco sentidos, hoje no Museu do Prado.

29. "Eucharistia panis est & gladius" encontra a sua provável refe-rência bíblica numa interpretação alegórica dos versículos do Livro dos Juízes (7: 13) com um sonho premonitório do pão de cevada que derruba as tendas dos militares, e anuncia a vitória de Gedeão sobre os midianitas.

30. O versículo "ego quasi vitis fructificavi suavitatem odoris et floris mei fructus honoris et honestatis." (Ecclesiasticus 24:23) serve de ponto de partida, em Tomás de Aquino, para a definição dos fru-tos do Espírito Santo como actos virtuosos em que o justo expe-rimenta deleite espiritual (Summa Theologiae, Ia, IIae, questio 70).

31. "Ubicumque fuerit corpus, illia congregabuntur et aquilae." (Lucas 17: 37) reporta-se, segundo os exegetas, ao anuncio da eucaristia pela comparação entre corpo/cadáver e águia/abutres.

32. "Sacramentum amoris qui pro vobis effundetur." Provável adap-tação dos versículos do Evangelho de São Lucas (22:20). Tomás de Aquino, no hino Adoro te devote, apoda Jesus Cristo de "bondoso pelicano": "Pie pellicane, Iesu Domine/ Me immundum munda tuo sanguine."

33. Para sermos rigorosos, o primeiro trecho é um versículo do livro dos Salmos (77: 25) mas que completa a ideia como no verso do hino Lauda, Sion, Salvatore: Ecce panis angelorum, factus cibus viatorum: este é o pão dos anjos convertido em alimento dos peregrinos.

34. Sobre a evolução do significado crítico da representação dos símios na história das ideias estéticas veja-se Saldanha, 1995: 94-116.