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A revolução como uma urgência da história
Será necessário que se reunam condições completamente excepcionais,
independentes da vontade dos homens ou dos partidos, para libertar o
descontentamento das cadeias do conservadorismo e levar as massas à
insurreição. Portanto, essas mudanças rápidas que as idéias e o estado de
espírito das massas vivem nas épocas revolucionárias não são um produto da
elasticidade e mobilidade da psíque humana, mas, ao contrário, de seu
profundo conservadorismo(...) As massas não vão à revolução com um plano
preconcebido de sociedade nova, mas com um sentimento claro da
impossibilidade de continuar suportando a sociedade velha. Só o setor
dirigente de cada classe tem un programa político, programa que, no
entanto, necessita todavía ser submetido à prova dos acontecimentos e à
aprovação das massas(...) As distintas etapas do processo revolucionário,
consolidadas pelo deslocamento de uns partidos por outros, cada vez más
radicais, sinalizam a pressão crescente das massas para a esquerda, até que
o impulso adquirido pelo movimento tropeça com obstáculos objetivos. Então
começa a reação: decepção de certos setores da classe revolucionária,
difusão da apatia.1
Leon Trotski
1 Introdução
A crise econômica aberta em 2008 expõe os limites do
capitalismo, confirma a necessidade de transformações no mundo
contemporâneo, e contextualiza a iminência de situações
revolucionárias nos elos mais frágeis do sistema. Não existiu,
todavia, na história crise econômica sem saída para o Capital.
A saída de crises econômicas nunca foi, evidentemente,
indolor. Exigiu destruição massiva de capitais, um aumento do
patamar de exploração da força de trabalho, uma intensificação1 TROTSKY, Leon. Historia de la Revolucion Russa. Bogotá, Pluma, 1982, Volume 1, p. 8.
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da concorrência entre monopólios, e da competição entre
Estados, ou seja, imensos perigos.2
Enquanto o capitalismo vivia sua época histórica de gênese
e desenvolvimento, estas crises destrutivas eram,
relativamente, mais rápidas e suaves. O debate histórico mais
interessante da atualidade remete, portanto, a este tema: a
época em que o capitalismo ainda tinha um papel progressivo, ficou ou não para
trás? O argumento deste texto é que estamos diante de um período
histórico de decadência do sistema. Uma época em que reformas
são mais difíceis, embora não sejam impossíveis, e revoluções
mais prováveis, embora o desenlace da luta pelo socialismo
permaneça muito incerta.
As últimas crises confirmam que os limites históricos do
capitalismo estão mais estreitos. Estes limites não foram, não
são, não poderiam ser fixos. Eles resultam de uma luta
política e social. Em alguns períodos se contraíram (depois da
vitória da revolução russa; depois da crise de 1929; depois da
revolução chinesa; depois da revolução cubana), e em outros se
expandiram (depois do New Deal de Roosevelt; depois do acordo
de Yalta/Potsdam, ao final da II Guerra Mundial; depois de
Reagan/Thatcher nos anos 80). O capitalismo não terá “morte
natural”, o que não é o mesmo que dizer que não se manifestou
na história uma tendência à “crise final”, isto é, uma
tendência a crises cada vez mais sérias e destrutivas, que
ficou conhecida na tradição marxista como a teoria do colapso.3
2 O livro de Osvaldo Coggiola é uma recente e excelente referência sobre o tema. As Grandes Depressões (1873-1896 e 1929-1939) . São Paulo, Editora Alameda, 2009.3 Há um debate interessante sobre o tema. Uma referência útil pode ser encontrada no livro organizado por Lucio Colletti: El marxismo y el
3
Todos os Estados, mesmo aqueles que têm uma posição
dominante no mercado mundial, estão condicionados pela pressão
do capital financeiro. Os mágicos keynesianos substituíram os
artistas neoliberais à frente de vários governos, mas
enfrentam muitas dificuldades para “salvar” o capitalismo dos
capitalistas. Os impostos futuros, consumidos nos últimos anos
na forma de emissão de dívida para a compra de participação
estatal em empresas e bancos ameaçados de falência,
comprometerão a possibilidade de emissão de novos títulos
amanhã, sob pena de uma desvalorização das moedas de
entesouramento (dólar norte-americano; libra inglesa, franco
suíço, euro; yen), ou seja, o perigo de inflação. A crise
aberta em 2008 vem confirmando as análises que estimam que ela
só pode ser comparada com a crise de 1929, e não deve ser
considerada somente a forma da última crise cíclica, como em
2000/2001, 1991/92, ou 1981/82.4
2 2008/2011: uma crise diferente das últimas três crises
Em perspectiva, a questão histórica determinante para a
compreensão das três últimas décadas foi o significado da
derrota político-social que assumiu a restauração capitalista,
primeiro na China, a partir de 1978, e depois na URSS, a
partir de Gorbatchev. economia capitalista conheceu, ao longo
dos últimos trinta anos, três ciclos de ampliação econômica
que dependeram muito da financeirização, embora ela tenha
“derrumbe” del capitalismo. 3ª ed. México, SigloVeintiuno Editores, 1985.4 O livro de Robert Brenner O boom e a bolha', publicado em português pela Record em 2003 é uma apresentação do tema da crise que exploduiu ao final dos anos noventa.
4
sido, essencialmente, uma inovação em consequência da recessão
dos anos setenta. Foi a financeirização que facilitou a
expansão do crédito que impulsionou os mini-booms dos anos
oitenta com Reagan, dos anos noventa com Clinton, e dos anos
de 2001/2008 com Bush. Operaram, com força de influência
variada, os outros quatro fatores identificados por Marx como
contra-tendências de freio à queda da taxa média de lucro,
expressão do esgotamento e da tendência à decadência: o
barateamento das matérias primas; a renovação de tecnologias;
a internacionalização até à última fronteira e, o mais
importante, o aumento da exploração do trabalho.
Nas dois primeiros mini-booms verificaram-se quedas
importantes nos preços do petróleo e dos grãos, embora não na
última; o desenvolvimento da micro-eletrônica e da telemática
foram significativas para o impulso da restruturação
produtiva, sobretudo, nas duas últimas duas décadas do século
XX; o crescimento chinês e, em menor medida, da Índia, foi um
fator de impulso nos últimos vinte anos; a estagnação do
salário médio nos EUA e a restauração capitalista,
incorporando centenas de milhões ao mercado mundial,
pressionou para baixo o salário médio na Europa e Japão.
Mas foi o barateamento do crédito o fator decisivo da
rápida recuperação das últimas três crises mundiais. A
montanha de derivativos cresceu até atingir o pico de US$ 600
trilhões, ou mais de 10 PIB’s mundiais e, transformou-se em um
obstáculo intransponível, porque o movimento de rotação de
capital não é possível nesta escala: deixou de ser possível a
valorização de capital, mesmo que seja muito lenta, quando o
5
volume de capitais fictícios atingiu esta dimensão
estratosférica. Em outras palavras, esse estoque de capitais,
se a valorização for à escala de 2,5% ao ano, ou seja, o nível
da inflação anual dos países centrais, teria que consumir 25%
do PIB mundial, o que só seria verossímil com a restauração de
condições de vida semelhantes às da escravidão.
O mesmo problema está na raiz da crise dos endividamentos
públicos acima dos 100% dos PIB’s nos países centrais. O
endividamento do Estado não é senão a antecipação para o
presente de receitas fiscais futuras, os impostos que serão
pagos nos anos por vir e, em prazo mais longo, pelas futuras
gerações. Ao contrário de empresas, Estados não podem falir,
mas podem cair em situação de inadimplência por incapacidade
de rolagem dos juros, com moratória das dívidas. Foi o que
aconteceu com o Brasil durante o governo Juscelino Kubitschek,
nos anos cinqüenta, e José Sarney, nos anos oitenta. Isso
significa que Estados, mesmo os Estados centrais, não
conseguem se endividar além de sua capacidade de pagamento,
porque os investidores perderão a confiança nos títulos, e
exigirão em contrapartida juros mais elevados para renovação
dos empréstimos. Um maior endividamento se traduzirá em um
comprometimento de despesas que impedirá investimentos futuros
e provocará recessão crônica, ou desestabilização política
pelos cortes nas despesas dos serviços públicos com seqüelas
sociais imprevisíveis. A expectativa dos rentistas
condicionou, historicamente, o volume de estoque das dívidas
públicas e o custo de rolagem dos empréstimos. A
financeirização transformou os títulos públicos de qualquer
6
Estado - inclusive, no limite, os dos EUA - em papéis que
podem, também, apodrecer, desde que os investidores percam a
confiança de que o Estado poderá honrar seus compromissos. Não
há qualquer garantia, a priori, de que os títulos públicos não
virem tóxicos.
A parasitagem das dívidas públicas foi um dos negócios
mais rentáveis da expansão mundial da liquidez das últimas
três décadas. Os credores dos títulos públicos se entesouram
nestes papéis, buscando a máxima rentabilidade e a máxima
segurança. O aumento da dívida do Estado em relação ao PIB
eleva, contudo, o custo da rolagem da dívida. O que se
revelou, no passado, incompatível com a preservação dos gastos
públicos e traz como ameaça um agravamento da recessão. Desde
que Washington renunciou à convertibilidade fixa do dólar, em
1971, e preferiu que ela flutuasse livremente, em função da
oferta e procura, o Estado aumentou as possibilidades de
endividamento. Foi uma resposta fiscal de tipo keynesiano à
desaceleração do crescimento do pós-guerra nos anos setenta. A
moeda norte-americana desvalorizou-se, porém, preservou o seu
papel de moeda de reserva mundial.
Por isso é que os marxistas afirmam que o limite do
capital é o próprio capital. Em outras palavras, a superação
da crise atual não é impossível, mas terá o custo de uma
regressão econômica social imensa – pelo menos a destruição do
padrão de vida na Europa no último meio século - reatualizando
o prognóstico marxista de socialismo ou barbárie.
Mudanças desta magnitude só foram possíveis depois de um
brusco, intenso, e desfavorável deslocamento da relação social
7
de forças entre as classes em cada país, e uma alteração do
posicionamento dos Estados no sistema mundial. Essas
gigantescas transferências de riqueza e poder entre classes,
entre monopólios, e entre Estados nunca puderam ser feitas sem
enfrentar resistências. Quando a reação fracassa, e a
possibilidade de concessões parciais, por variados fatores,
fica diminuída ou é mais restrita, a probalidade de situações
revolucionárias aumenta. O que está em disputa é uma
reconfiguração econômica, social e política do mundo tal como
o conhecemos.
O argumento deste texto é que quando uma ordem econômica,
social e política revela incapacidade para realizar mudanças
por métodos de negociação, concertação ou reformas, as forças
sociais interessadas em resolver a crise de forma progressiva
recorrem aos métodos da revolução para impôr a satisfação de
suas reivindicações. Essa foi a forma que assumiu a defesa de
interesses de classe na história contemporânea. A história,
contudo, não é sujeito, mas processo. O seu conteúdo é uma
luta. Essa luta assume variadas intensidades. A revolução
política é uma dessas formas, e a frequência maior ou menor em
que ela se manifesta é um indicador do período histórico.
Todas as revoluções contemporâneas tiveram uma dinâmica
anticapitalista, maior ou menor, mas não foram todas
revoluções, socialmente, proletárias. Todas as revoluções
socialistas da história começaram como revoluções políticas,
ou como revoluções democráticas.
Quando existiu a possibilidade de revolução, esteve
presente, também, o desafio de vencer o perigo da contra-
8
revolução. No passado, soluções reacionárias da crise
econômica, como depois da crise dos anos setenta, ou até uma
saída contra-revolucionária, como foi o nazi-fascismo depois
da crise 1929, permitiram uma recuperação transitória, que não
foi suficiente para impedir que novas crises, ainda mais
sérias, explodissem alguns anos mais tarde. O sistema
conseguiu ganhar algum tempo, mas a anarquia da produção
capitalista voltou a se manifestar de forma catastrófica,
demonstrando que o prognóstico marxista sobre o destino do
capitalismo permanecia vigente.
O ano de 2001 foi o ano em que a revolução atingiu o norte
de África e o Médio Oriente, aumentando o isolamento político
de Israel, e potencializando a resistência palestina. Uma
segunda onda revolucionária sacudiu o mundo árabe com uma
força de impacto só comparável com a onda que se iniciou na
luta pelas independências dos Impérios europeus, e que
culminou na Argélia entre o final dos anos cinquenta e início
dos sessenta.
As consequências desta segunda onda revolucionária, em uma
das regiões onde se decidirá o futuro da situação mundial,
ainda são incertas, por muitas razões. Entre outras, poderá
até incendiar a disposição de luta de dezenas de milhões de
muçulmanos que constituem a fração mais explorada do
proletariado da Europa, sobretudo, na França, onde os árabes
já superam 10% da população economicamente ativa, e na
Alemanha, onde a imigração dos turcos foi essencial para
manter reprimidos os custos da força de trabalho. O ano de
2011 foi, também, o ano em que as mobilizações na Grécia, na
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Espanha, em Portugal e, em menor medida, na Itália,
sinalizaram a perspectiva de situação revolucionárias na
Europa do Mediterrâneo, pela primeira vez, desde o final dos
anos setenta. Estará em disputa a possibilidade da revolução
no norte da África e do Oriente Médio abrir o caminho para
segundas independências, com todas as sequelas que teria a
aperda de controle do imperialismo sobre as maiores fontes de
abastecimento de petróleo, mas, também, a destruição das
políticas públicas de bem estar social que ainda estão de pé
na europa Ocidental, ou a redução da Grécia, Portugal e,
talvez, até da Espanha à condição de semi-colônias do eixo
franco-alemão na União Européia.
A iminência da revolução é um conceito perigoso, porém,
inescapável: por iminência deve-se compreender ameaça ou
proximidade. O que condicionou, historicamente, a
possibilidade de revoluções foi a pressão objetiva de crises
de dimensões catastróficas. Mas, só a existência de crises
nunca foi o bastante para que se iniciassem processos
revolucionários. Foi indispensável, igualmente, que a
mentalidade de milhões de pessoas fosse sacudida pela
experiência terrível de que não existiria mais esperança em
saídas individuais. Somente quando a nova geração acordou para
a inescapável constatação de que teria que aceitar condições
de sobrevivência inferiores às dos seus pais, ou seja, somente
quando o que era inacreditável em condições normais se impôs
de forma ineludível, se precipitaram situações
revolucionárias. A hipótese deste texto é que a urgência da
revolução voltou a ter significado político imediato. Mas não
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autoriza a conclusão de que o socialismo está mais perto. A
luta pelo socialismo requer mais do que ações revolucionários
contra o governo e regime no poder: exige protagonismo
proletário independente e projeto internacionalista.
3 Mais difícil
Já se disse que as próximas revoluções serão sempre mais
difíceis que as últimas, porque a contra-revolução aprende
depressa. A contra-revolução burguesa foi um dos fenômenos de
dimensão mundial do século XX. As revoluções contemporâneas
manifestam-se como revoluções na esfera nacional, mas esta
aparência é uma ilusão de ótica que remete à centralidade da
luta política imediata contra o Estado. As revoluções do
séculço XX não enfrentaram somente os seus inimigos nacionais
imediatos, mas a contra-revolução à escala internacional. Os
Estados se definem pela vigência das fronteiras nacionais,
todavia a dominação mundial capitalista foi se estruturando,
crescentemente, sobre uma institucionalidade mundial: o
sistema internacional de Estados, ou seja, ONU, a Tríade
( EUA, UE, Japão), o FMI, o G-8, o G-20, o Banco Mundial, o
Banco de Compensações Internacionais de Basiléia, etc.
As revoluções contemporâneas estiveram inseridas, desde o
fim da Primeira Guerra Mundial, em contextos, pelo menos,
regionais, ou semi-continentais, e assumiram a forma de ondas
de expansão que cruzaram mais ou menos rapidamente as
fonteiras nacionais. Por isso as revoluções contemporâneas
merecem ser caracterizadas como processos de refração da
revolução mundial. A revolução mais recente pode ser
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interpretada, portanto, como “o futuro de um passado”, e
começa onde a última foi interrompida. Essa é uma das
tendências do processo histórico da época contemporânea. Mas a
hipótese da iminência da revolução, ou seja, a possibilidade
de revoluções mais próximas, não
A situação revolucionária aberta na Alemanha em novembro
de 1918 foi muito mais difícil do que aquela que seguiu-se ao
fevereiro de 1917 na Rússia, porque a burguesia é uma classe
dominante que reage à escala internacional, e retira,
prontamente, suas lições e conclusões. A crise revolucionária
aberta na Espanha em 1936, com o início da guerra civil de
pois da vitória eleitoral da Frente Popular foi muito mais
difícil do que a crise aberta na Rússia com a tentativa de
golpe de Kornilov em agosto de 1917. Ao final da Segunda
Guerra Mundial, a revolução vietnamita foi muito mais difícil
que a chinesa. A revolução em El Salvador foi muito mais
difícil que na Nicarágua nos final dos anos setenta.
Entretanto, a crise do capitalismo aberta em 2008 sugere
que a precipitação de situações revolucionárias é uma hipótese
cada vez mais provável. A evolução da situação na Grécia
indica a dinâmica da situação nos países europeus
mediterrânicos. Paradoxalmente, a experiência histórica das
últimas décadas sugere, também, que rupturas anticapitalistas
que iniciam a transição ao socialismo ficaram mais difíceis. A
etapa histórica dos substitucionismos sociais e políticos,
entre 1945/75, ficou para trás. No Programa de Transição de
1938, Leon Trotsky tinha previsto que, excepcionalmente, em
condições extraordinárias de crise, aprisionados entre a
12
pressão do imperialismo e a pressão da mobilização de massas,
direções nacionalistas poderiam ir além dos limites do
capitalismo. O que tinha sido previsto como improvável, acabou
sendo quase um padrão entre 1945 e 1975.
Uma parcela das direções nacionalistas radicalizadas,
acossadas pelo imperialismo e apoiadas na mobilização das
massas populares, mas ameaçadas, também, pelo perigo de um
desbordamento pela sua esquerda, expropriaram o capital. O
substitucionismo social do proletariado por massas camponesas
e populares, e o substitucionismo político dos marxistas por
direções nacionalistas traduziram a grandeza e, também, os
limites das revoluções do pós-guerra.
Ao mesmo tempo, em uma parte das ex-colônias ou
semicolônias que mergulharam em situações revolucionárias, mas
aonde não se deu a ruptura anti-capitalista - como Argélia nos
anos sessenta, ou na Nicarágua e Irã, no final dos setenta -
surgiram Estados independentes. Alguns lograram manter esta
independência, sobretudo, em países com recursos estratégicos
como o petróleo. Entretanto, revoluções sociais anti-
capitalistas não aconteceram mais desde a derrota americana no
Vietnam. Portugal, Nicarágua, Irã, Haiti, Filipinas, Indonésia
e África do Sul, entre outros países, conheceram revoluções
políticas que derrubaram regimes ditatoriais pró-
imperialistas, mas não transbordaram em revoluções sociais. Os
processos revolucionários estagnaram e foram contidos nos
limites dos novos regimes.
As direções nacionalistas, não só recuaram, primeiro, de
qualquer veleidade anti-capitalista – vide o PC da África do
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Sul, o mais influente partido comunista depois da restauração
do capitalismo na URSS - como recuaram depois, em sua maioria
– vide a OLP de Arafat - do projeto de se afirmar até como
Estados independentes.
4 A revolução no Magrehb: o século XXI começou no norte de
África
O ano de 2011 inaugurou uma nova situação internacional
com a onda de revoluções políticas no Magreb. Duas conclusões
se impõem de forma irrefutável ao final de onze meses.
Primeiro, o que aconteceu nas ruas de Túnis e Cairo, e tantas
outras cidades do mundo árabe, merece ser considerado como
revolução no sentido pleno do conceito: uma irrupção legítima
e amplamente representativa da vontade popular com o objetivo
de derrubar as ditaduras. Segundo, o processo revolucionário
se estendeu na forma de uma vaga sincronizada que foi
contaminando, em maior ou menor medida, todos os regimes da
região, pelo efeito arrebatador do exemplo das vitórias
fulminantes na Tunísia e Egito. Mas afirmar que foram somente
revoluções políticas democráticas significa dizer, também, que
não só não realizaram rupturas anticapitalistas, como destacar
que a participação política dos trabalhadores não ocorreu
ainda, predominantemente, de forma independente.
Estas duas formas políticas da revolução árabe não foram,
historicamente, incomuns. As ditaduras do Cone Sul da América
Latina – Argentina, Uruguay e Brasil – foram, também,
desafiadas por mobilizações de massas entre 1982/84. Estes
processos sugerem que existe um padrão recorrente, se
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analisarmos a dinâmica política da época contemporânea.
Parecem corresponder a duas regularidades: (a) regimes
ditatoriais em países periféricos em processo de urbanização
podem se manter no poder, até por algumas décadas, mas serão
derrubados por revoluções democráticas, mais cedo ou mais
tarde, pelo surgimento de um bloco social muito mais poderoso
do que a oligarquia arcaica que os sustentou: um proletariado
e uma classe média asssalariada plebéia massiva; (b) o efeito
exemplo do triunfo de uma revolução democrática, em uma época
histórica em que a informação circula quase instântaneamente,
acelerou a experiência política de massas, e funcionou como um
gatilho que incendiou os países da região vizinha, produzindo
uma internacionalização rápida da revolução.
5 Revoluções políticas e revoluções sociais
Não obstante a radicalidade do processo, é verdade que
estas revoluções democráticas não foram revoluções sociais.
Revoluções sociais são aquelas nas quais a derrubada do
governo coincide com o deslocamento da classe dominante do
poder. Uma revolução só pode ser caracterizada como revolução
social quando se abre um processo de transição ao socialismo.
Mas estes conceitos, como todos os conceitos teóricos, são
aproximativos, portanto, relativos, porque são por definição
generalizações abstratas.
A vitória de uma revolução política significa a queda
abrupta dos governantes odiados, e, simultaneamente, o colapso
do regime político, ou seja, da forma institucional que o
Estado assumia. Nada mais, mas também, nada menos: o poder não
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pode continuar sendo exercido com antes. Conquistam o poder
outros representantes da classe dominante, ou, mais
excepcionalmente, e somente quando as revoluções políticas são
muito radicalizadas, das classes médias que pretendem negociar
com a burguesia. O desenho do novo regime político tem que ser
radicalmente diferente diante da nova legitimidade que nasceu
das ruas e, por isso, quase invariavelmente eleições são
convocadas em prazos maiores ou menores.
Os novos governos provisórios perseguem o objetivo de
desmobilizar as massas em luta e estabilizar o novo regime. No
entanto, todas as revoluções políticas da história
contemporânea tiveram alguma consequência econômica e social.
A revolução portuguesa de 1974/75 derrubou um regime fascista,
desapropriou quase 70% das propriedades que controlavam o PIB
do país, e chegou a existir, por poucas semanas, um governo
provisório em que a representação direta da burguesia era
quase invisível - o V Governo dirigido por Vasco Gonçalves -,
mas a burguesia não tinha sido derrotada: tinha passado para a
oposição ao governo sem perder o controle de uma parte das
instituições do regime. Se o controle do Estado, ou mesmo
somente de uma parcela das instituições do Estado, em
especial, se uma parte das Forças Armadas não escapou à
burguesia, ainda não triunfou uma revolução social.
Quando triunfa uma revolução política, muda o regime
político, mas a ordem econômica e social permanece mais ou
menos ilesa, e as relações de propriedade ficam, para o
fundamental, incólumes. Foi assim na Nicarágua em 1979: a
ditadura sucumbiu, as propriedades da família Somoza foram
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expropriadas para fins de reforma agrária, mas o novo regime
anunciou, desde o início, que iria manter o funcionamento de
uma economia de mercado com uma forte regulação estatal, mas
capitalismo. Os dirigentes sandinistas decidiram, com o apoio
da direção cubana, que a Nicarágua não seria uma nova Cuba.
Todas as revoluções da época contemporânea se iniciaram
como revoluções políticas, porque o ato de derrubar o governo
– a principal instituição de poder de qualquer regime
político, mas não a única - e, quando mais radicalizadas, os
próprios regimes políticos – ou seja, o deslocamento da maior
parte das instituições do Estado, ou a totalidade delas - foi
o ato inaugural do processo revolucionário. O que aconteceu,
nos últimos vinte anos, de inusitado, ou até mesmo inesperado,
é que: (a) revoluções políticas aconteceram contra variados
tipos de regimes, ou seja, governos bonapartistas ditatoriais,
como na Tunísa, Egito, Líbia, Bahrein, Yemen ou Síria, ou
governos democraticamente eleitos, como no Equador, Argentina
e Bolívia; (b) a eclosão de revoluções na forma de ondas
sincronizadas confirmou a natureza da época histórica como uma
época de decadência do capitalismo, mas o desafio de
reconstrução do internacionalismo socialistas permanece
intacto.
6 Interpretações objetivistas e subjetivistas do marxismo
Argumentamos que revoluções são cada vez mais prováveis,
mas que as transições ao socialismo revelaram-se mais
difíceis. Em outras palavras, a surpresa histórica foi que o
bloco de classes disposto a ações revolucionárias foi mais
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amplo do que a hipótese formulada pelo marxismo clássico, mas
a imaturidade do proletariado em assumir a luta
anticapitalista foi também maior do que o previsto.
Uma análise muito diferente que parte de premissas, em
certo sentido, opostas aquelas expostas anteriormente foi
apresentada por Kurz. O enfoque de Kurz foi radicalmente anti-
politicista, portanto, anti-subjetivista, afirmando que já
teríamos assistido a uma mudança de época, mas não porque o
capitalismo tivesse superado as contradições da época do
imperialismo, mas porque teria mergulhado a civilização na
barbárie. Defendeu que o novo quadro histórico, se definiria
pela tendência ao esgotamento da forma mercadoria e pela
anulação do valor, quase simultaneamente a conclusões
semelhantes desenvolvidas por Mészáros. A tese defendida por
Kurz é que as forças produtivas capitalistas de tão maduras,
já começaram a apodrecer: ou seja, defende a possibilidade de
ir além da regulação imposta pelo valor em escala
generalizada, ultrapassando a forma de mercadoria que ainda
assumem os bens e serviços. Estaríamos assim, segundo Kurz,
paradoxalmente, no limiar de uma nova época de barbárie
global. Nunca as possibilidades de emancipar a humanidade da
ditadura da necessidade estiveram tão perto, mas nunca os
obstáculos políticos para avançar no sentido da socialização
da produção e da distribuição foram tão grandes: tão longe e
tão perto, essa é a amarga ironia.
Entre outras razões, segundo Kurz, porque o proletariado
se integrou de forma irreversível: uma nova atualização das
teses “soixante-huitards” vaticinando o aburguesamento dos
18
trabalhadores. Mas a discussão ficaria desfocada se
considerássemos a análise do estágio atingido pelo
desenvolvimento das forças produtivas sem o sentido das
proporções, que deve ser apreciado pela dimensão das
necessidades humanas globais. Ainda assim, parece muito
razoável que pelo menos em relação aos bens e serviços com
menor valor agregado que são, por sua vez, os que respondem às
necessidades mais intensamente sentidas, que Kurz tem razão, e
que elas poderiam ser satisfeitas se a produção não estivesse
bloqueada pelas relações mercantis. Esta análise anuncia os
limites históricos do modo de produção capitalista, que
estaria realizando uma curva civilizatória regressiva e
perigosa:
Se, no início do século XX, a transformação do modo de produção
capitalista (...) (imperialismo, economia de guerra,
taylorismo, ideologização das massas, etc.), (...) talvez a
ruptura de época, no final do século XX, exija uma
transformação ainda mais ampla. (...)Só agora, passado o
período de incubação dos anos 80, as novas forças produtivas
pós-fordistas da microeletrônica e seus conceitos correlatos de
racionalização (descritos em seu conjunto, de acordo com o
referencial teórico escolhido, como segunda ou terceira
revolução industrial) mostram seu verdadeiro potencial de
crise: pela primeira vez, a riqueza material (e também
ecologicamente destrutiva) é produzida antes pelo emprego
tecnológico da ciência que pelo dispêndio trabalho humano
abstrato. O capital começa a perder sua capacidade de
valorização absoluta e alcança com isso aquele estágio, ex-
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trapolado logicamente por Marx, no qual a forma de socialização
do sistema produtor de mercadorias – que "repousa no valor" –
esbarra em seus limites históricos. A crise da forma-mercadoria
é, no entanto, filtrada pelo movimento do mercado mundial (...)
luta essa que possibilita (e domina) as próprias forças
produtivas que serão responsáveis pela desvalorização da força
de trabalho. Os capitais mais produtivos abatem
concorrencialmente aqueles que não podem mais acompanhar o
elevado padrão de produtividade, mobilizando para tanto
vultuosas somas de capital fixo. Os velhos perdedores e os
novos retardatários só podem continuar no páreo à custa de
baixos salários (ou ainda trabalho forçado ou escravo)
(...)Podia parecer, à primeira vista, que o processo de crise
transcorreria de maneira escalonada(...) e deixaria por último
as nações mais fortes do ponto de vista do capital, capazes de
sustentar por mais tempo o processo de simulação monetária
através do endividamento do Estado e do sistema de crédito.
Primeiro sucumbiram as economias do Terceiro Mundo e do
socialismo de Estado, que passaram a ser exemplo de uma
"modernização tardia", fadada desde então ao fracasso no
interior do horizonte burguês. Nos anos 90, porém, a crise
parece avançar a passos largos em direção às economias
nacionais estabelecidas.”5
Estamos, portanto, diante de uma análise original, que
identifica nas novas forças produtivas liberadas pela micro-
eletrônica, a capacidade de abrir uma nova época histórica, em
que mudam os fundamentos do processo de acumulação do capital,
e que inaugura uma fase de desenvolvimento que se definiria
5 KURZ, Robert. Os últimos combates. Petrópolis , Vozes , 1998. p.67-8.
20
tendencialmente pela anulação histórica do valor. A nova época
teria como traços constituintes a crescente barbarização das
relações sociais, como expressão dos limites do trabalho com a
forma mercadoria. Em outras palavras, a proporção de valor
agregado pelo trabalho vivo seria cada vez mais irrelevante,
na medida que a ciência e a tecnologia se emancipam como a
principal força produtiva, e a queda da taxa média de lucro
atingiria tal nível, que o horizonte histórico dos limites da
acumulação estariam cada vez mais próximos.
Ao mesmo tempo, paradoxalmente, em uma identificação dos
impasses do modo de produção de continuar garantindo a
valorização do capital, condenado à crise de superacumulação,
e à degeneração na barbárie global. Naturalmente decorre desta
análise, de uma radicalidade objetivista que surpreende, uma
nova compreensão do papel dos sujeitos sociais na luta
anticapitalista. Como se poderá conferir no fragmento que
apresentamos na seqüência, Kurz desenvolve a crítica da
esquerda a partir da ótica da necessidade de superar o
politicismo. Afirma a abertura de uma nova época histórica, de
estagnação degenerativa do capitalismo. Coloca-se, portanto,
contra a corrente, em uma linha de crítica irreconciliável da
“terceira via”, e da exaltação de uma nova Renascença. Rema
também contra a maré do socialismo de mercado, a nova
coqueluche da esmagadora maioria da esquerda mundial.
Suas premissas são, na verdade, simétricas: onde a
esquerda politicamente organizada (pós-comunista ou pós-
socialdemocrata) conclui pela perenidade da regulação
mercantil em um processo de transição ao socialismo, Kurz
21
defende a sua caducidade, e a necessidade de ir além da forma
mercadoria e além das formas estatistas. O outro aspecto
original de sua análise é o deslocamento do protagonismo
revolucionário das mãos do proletariado:
Os remanescentes do velho radicalismo chegam a ponto de
denunciar os prognósticos de uma transição iminente para a
barbárie global como ‘falsa certeza’(...) Os náufragos críticos
da sociedade foram de tal modo arruinados pela política e
imbecilizados pela agitação, que só pode lhes parecer amalucada
a tentativa de analisar uma revolução industrial (a
microeletrônica), lançando mão de conceitos teóricos de crise.
Eles tomam por supérfluas tanto uma definição de época, quanto
uma nova historização do desenvolvimento interno do
capitalismo, pois este, concebido em conceitos escolares, nunca
deixou de ser o mal de sempre, imutável (...) Eles não ousam
mesmo acusar de ‘objetivismo’, precisamente, a análise e a
crítica das estruturas (realmente) objetivadas, por terem desde
sempre operado com conceitos burgueses irrefletidos de sujeito
e vontade. Não chega a espantar, assim, que a demanda por uma
supressão da forma-mercadoria e da forma-política, que no atual
estágio da crise do sistema mundial plenamente desenvolvido
deve ser formulada de maneira muito distinta que no passado,
seja vista como reformismo ou fundamentalismo. 6
Todas as grandes revoluções políticas da nossa época
foram, também, revoluções sociais em processo, porque só a
mobilização de massas em grande escala pôde garantir a vitória
das revoluções democráticas. Mesmo quando classificadas como
6 KURZ, Robert. Os últimos combates. Petrópolis, Vozes, 1998. p.75-6.
22
democráticas, pelas tarefas colocadas, as revoluções políticas
merecem caracterizadas como revoluções sociais incompletas, ou
interrompidas, pelos sujeitos sociais que foram convocados
para o seu triunfo. A armadilha da história é que as
revoluções democráticas são processos em disputa cujo
desenlace é incerto.
Não eram vermelhas as bandeiras dos jovens que saíram às
ruas de Túnis, do Cairo, da Líbia, do Bahrein, do Yemen, e da
Síria. Inexistem organizações marxistas revolucionárias
importantes no mundo árabe. A revolução voltou à primeira cena
da arena mundial, porém, as massas populares em luta contra as
ditaduras de Ben Ali, Mubarak, Gadhafi, Assad e os outros
califas não fizeram reivindicações anticapitalistas. As
situações revolucionárias abertas nesses países ainda não se
encerraram. Aonde os ditaduras foram derrubadas, a revolução
democrática foi uma antesala de combates de classe cuja
dinâmica histórica será, objetivamente, anticapitalista,
porque a contra-revolução da nossa época histórica foi,
invariavelmente, burguesa. Mas este terrível aprendizado de
que as revoluções democráticas foram revoluções inacabadas
terá que ser feito no calor das lutas que virão, ou seja, com
uma margem de improviso político elevado.
7 Dois perigos teóricos simétricos
Existem dois perigos simétricos de impressionismo na
análise de processos revolucionários como o da Primavera
Árabe: sobreestimar o grau de independência política da classe
trabalhadora e a dinâmica anti-capitalista da revolução; ou
23
subestimar a grandeza da revolução democrática como revolução
popular, em função da fragilidade política da auto-organização
do proletariado. Os dois erros, embora opostos, têm como
fundamento comum um excesso de determinismo sociológico. Em
sociedades que viveram a industrialização de forma ainda muito
incompleta, e a urbanização moderna há menos de duas gerações,
a classe operária costuma ser muito minoritária
proporcionalmente à população economicamente ativa. Este marco
histórico é importante, mas não deve ser exagerado. A
espontânea aliança operária e estudantil que observamos no
Egito, e na maioria das situações revolucionárias do mundo
árabe, sinaliza que um proletariado, politicamente,
inexperiente, pode ser socialmente muito mais poderoso que o
seu peso demográfico.
Os últimos 150 anos têm sido pródigos de exemplos de
revolucionários socialistas que generosamente foram vítimas do
auto-engano em relação à avaliação das situações e conjunturas
nas quais estavam chamados a atuar. A aferição das relações de
força entre as classes é com certeza uma das questões
decisivas do abecedário marxista, o que não impediu que os
impressionismos “derrotistas” ou “ufanistas” tenham sido
recorrentes. Nem Marx e Engels ficaram imunes a esse tipo de
erros. A seguir uma arguta localização do tema, ou seja, das
medidas subjetivas do tempo, e da pressa dos revolucionários,
feita por Gorender:
A sofreguidão de Marx e Engels não é difícil de explicar. A ex-
pectativa de realização de um ideal revolucionário não pode ser postergada para
24
além da vida do revolucionário. Se este não tiver em vista a possibilidade do êxito do
seu esforço ainda em sua geração, estará, na verdade, adotando um credo religioso.
A esperança da realização de um ideal pelas gerações seguintes equivale à fé na vida
após a morte, à crença no sobrenatural. O revolucionário luta para que ele próprio e
seus contemporâneos façam a revolução. E se convence de que sua
perspectiva é acertada. Marx e Engels se distinguiram dos
utopistas sectários pelo projeto de elaboração de bases cien-
tíficas para o objetivo comunista e pelo encaminhamento do
movimento operário no sentido da luta política. Mas se
identificavam com eles no que se refere à paixão
revolucionária(...) O que sucede é que, ao lutar pelo triunfo
revolucionário em seu proprio tempo, os revolucionários, no
melhor dos casos, contribuem para que a revolução triunfe em
algum tempo. No deles ou no dos seus sucessores.”(grifo nosso)7
Assim como as revoluções podem ser confundidas com a idéia
da revolução, também se pode, de forma precipitada, confundir
a crise do socialismo, ou melhor, do movimento socialista, com
uma crise das revoluções. São, evidentemente, dimensões muito
diferentes da questão. As revoluções políticas e as revoluções
sociais são um fenômeno histórico anterior à divulgação das
idéias socialistas e, embora tenham estado associadas no
século XX à preponderante influência do marxismo nos
movimentos sociais, em especial no movimento operário, é muito
duvidoso que venham a diminuir a sua frequência.
Evidentemente, sem revoluções, o projeto socialista perde sua
vigência. Não obstante, a precipitação de situações
revolucionárias, embora condição necessária, demonstrou-se,7 GORENDER, Jacob, Marxismo sem Utopia, São Paulo, Ática, 1999, p.16.
25
historicamente, condição insuficiente para abrir o caminho
para transições ao socialismo. A transição socialista é um
desafio que exige condições subjetivas muito mais complexas do
que a derrubada de ditaduras tirânicas. Sem uma reorganização
da esquerda em escala mundial, o futuro do socialismo
permanece muito longe.
8 Cinco dimensões novas do desafio socialista
Isto é assim porque a crise da esquerda e, portanto, do
projeto socialista, é ainda muito grave. Os argumentos
críticos ao marxismo e sua hipótese sobre a transição pós-
capitalista são poderosos e merecem ser considerados. As
dificuldades remetem à questões irresolvidas em, pelo menos,
cinco dimensões diferentes: (1) a crise objetiva do sujeito
social, porque o peso econômico-social decrescente do
operariado teve uma tendência de diminuição sobre o conjunto
da população economicamente ativa, e as diferenciações sociais
dentro do proletariado aumentaram com a reestruturação
econõmica dos anos 80/90, criando obstáculos à afirmação
hegemônica da classe operária sobre a maioria da população
oprimida; (2) a crise subjetiva do sujeito social, já que o
proletariado ainda não demonstrou, pelo menos, nos países
imperialistas, depois do pós-guerra de 1945, o mesmo
protagonismo revolucionário do passado, à excepção, até hoje,
da classe operária portuguesa, ou seja, em um país periférico
do centro, como a Grécia, e, por outro lado, teve muitas
dificuldades de controlar suas organizações burocratizadas;
(3) a crise do internacionalismo, já que a questão nacional se
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confirmou uma pressão ideológica perene ao longo do século, e
a dificuldade do proletariado de se organizar para além de
fronteiras nacionais foi crônica; (4) a crise do estatismo, já
que a experiência da URSS, entre outras, demonstrou que a
expropriação anticapitalista não conduz “em linha reta” à
socialização, pelo menos, sem mobilização permanente e
democracia de massas alargada; (5) a crise das experiências de
democracia socialista e da representação livre do proletariado
nas experiências revolucionárias, já que as experiências de
democracia direta foram fugazes.
Todas essas considerações são tão importantes quanto
polêmicas, e da sua resposta depende a capacidade de gerar uma
nova esquerda marxista que possa ambicionar ter novamente
influência de massas. A inexistência de qualquer experiência
de uma sociedade em transição ao socialismo, neste início do
século XXI, diminuiu a força de atração do marxismo como
programa político nas grandes mobilizações revolucionárias que
eclodiram no mundo árabe. A destruição do internacionalismo
com o divórcio, durante mais de três décadas, das lutas no
Ocidente e no Leste, e a identificação do socialismo às
tiranias burocráticas estão entre as derrotas mais profundas
daqueles que, ainda que divididos em diferentes partidos e
tendências, reivindicam o marxismo. Essas derrotas políticas
antecederam em muito a restauração capitalista dirigida pelos
dirigentes dos partidos comunistas, mas não foram menos
nefastas. Sem a reconstrução do internacionalismo,
infelizmente, o socialismo continua muito longe.
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