UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PIC DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTADOR: Prof.ª NELCI ALVES COELHO SILVESTRE ACADÊMICO: DANIEL RESCHKE PIRES A RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA REPRESENTADA NO CONTO ‘THE WHITE PEOPLE MAID’, DE KEITH JARDIM Maringá, 23 de Novembro de 2011.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE LETRAS

ORIENTADOR: Prof.ª NELCI ALVES COELHO SILVESTRE

ACADÊMICO: DANIEL RESCHKE PIRES

A RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA REPRESENTADA NO CONTO ‘THE

WHITE PEOPLE MAID’, DE KEITH JARDIM

Maringá, 23 de Novembro de 2011.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIC

DEPARTAMENTO DE LETRAS

ORIENTADOR: Prof.ª NELCI ALVES COELHO SILVESTRE

ACADÊMICO: DANIEL RESCHKE PIRES

A RESISTÊNCIA DA MULHER NEGRA REPRESENTADA NO CONTO ‘THE

WHITE PEOPLE MAID’, DE KEITH JARDIM

Relatório contendo os resultados finais do

projeto de iniciação científica vinculado

ao Programa PIC-UEM.

Maringá, 23 de Novembro de 2011.

RESUMO

Este trabalho objetiva analisar, sob o viés da teoria pós-colonial, o racismo e o

preconceito contra a população de cor negra em Trinidad e Tobago. Utilizando

como corpus o conto The White People Maid, de Keith Jardim, buscas-se verificar

como ocorre a resistência dessa população Esse trabalho fundamenta-se nas

teorias sobre racismo e resistência, desenvolvidas por Schwarcz (1993), Ashcroft

(2001) e Bhabha (1994), entre outros. Os resultados mostram que a resistência

discursiva retratada no conto questiona os valores e preconceitos impostos contra a

população negra. A análise da obra revela que os sujeitos coloniais adquirem voz e

deixam de ser objetos do jugo da população branca elitizada por meio da sua

resistência.

Palavras chave: Pós-colonialismo; racismo; resistência.

SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................05

2. OBJETIVOS...............................................................................................................05

3. CONTEXTO HISTÓRICO DE TRINIDAD E TOBAGO........................................06

4. PRECONCEITO E TEORIAS RACIAIS.................................................................07

5. REVIDE E RESISTÊNCIA.......................................................................................09

6. O PRECONCEITO EM THE WHITE PEOPLE MAID.............................................11

7. A RESISTÊNCIA PELA LINGUAGEM EM THE WHITE PEOPLE MAID..........13

8. O MIDNIGHT ROBBER: UMA METONÍMIA DA ASSIMILAÇÃO DA

RESISTÊNCIA...............................................................................................................17

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................22

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................24

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A colonização de territórios aconteceu ao longo de toda a história da

humanidade. No entanto, o colonialismo europeu iniciado no século XV foi o mais

abrangente. O que difere a colonização européia iniciada a partir do século XV é a

presença do capitalismo. As missões colonizadoras tinham como principal objetivo a

exploração material para o enriquecimento da metrópole. Para cumprir esse objetivo, o

colonizador europeu conseguiu se definir como superior e, consequentemente,

inferiorizou os indivíduos das colônias.

A hegemonia européia foi de extrema importância para a exploração das

colônias. Segundo Gramsci (1998), a hegemonia é a dominação consentida, ou seja, é a

maneira pela qual os dominadores conseguem oprimir os subalternos através da

aprovação aparente dessas mesmas classes sociais, especialmente pela cultura. Todo o

processo de colonização girou em torno da suposta superioridade do Europeu e dos

discursos que consideravam o colonizado como primitivo, canibal e incapaz.

Infelizmente, os anos de colonização deixaram profundas marcas nas sociedades onde

aconteceram. O pós-colonialismo analisa os reflexos do colonialismo nessas sociedades

e a literatura pós-colonial representa esses reflexos. O conto The White People Maid

pode ser considerado uma obra pós-colonialista já que sua ação acontece em Trinidad e

Tobago, uma ex-colônia Britânica. Além disso, a obra retrata consequencias do período

colonial, como o preconceito e a desigualdade. Para melhor entendermos a

representação das marcas da hegemonia européia na obra, faz-se necessário

compreender o contexto histórico de Trinidad e Tobago.

2. OBJETIVOS

O principal objetivo desse projeto é analisar sob o viés da teoria pós-colonial a

representação do racismo no conto The White People Maid. Busca-se também entender

quais estratégias o negro utiliza para resistir ao preconceito e a marginalização e qual a

eficácia dessas estratégias.

3. CONTEXTO HISTÓRICO

A verdadeira colonização de Trinidad e Tobago começou apenas no final do

século dezoito, quando o então rei espanhol promoveu o povoamento da ilha por meio

da Cédula da População, a qual oferecia terras para qualquer cidadão de países aliados à

Espanha, desde que fosse Católico Romano. Como a maioria dos Ingleses e Espanhóis

era protestante e a França passava por tempos difíceis devido às revoluções francesas, a

grande maioria dos colonizadores vinha da França. Tal incentivo para a colonização

também trouxe muitos escravos africanos, já que o governo espanhol oferecia mais terra

para cada escravo que o colonizador trouxesse. Assim, a população aumentou de 2,763

habitantes em 1777 para 17,643 em 1797, sendo constituída então de 2,086 brancos,

1,082 pessoas de cor livre, 1082 ameríndios e 10,009 escravos africanos. Em 1960, a

população da ilha era de 827,927 pessoas, sendo que nenhuma deles Ameríndia.

Em 18 de fevereiro de 1797, uma frota de navios britânicos conquistou a ilha

com pouquíssima resistência sobre o comando de Sir Ralph Abercromby, decretando o

fim do comando espanhol.

Na década de 1830, Trinidad sofreu grandes mudanças com a abolição da

escravatura, já que o cultivo de açúcar e cacau dependia quase que exclusivamente da

mão-de-obra escrava. Insatisfeitos, os fazendeiros conseguiram que o governo obrigasse

os ex-escravos a cumprir um período serviço de até seis anos, com a desculpa de que

esse período serviria para ensinar os escravos. Em agosto de 1834, um grupo de negros

protestou e suprimiu o discurso do então governador sobre a lei dos seis anos,

pacificamente pedindo o seu fim. Devido à pressão, no dia primeiro de agosto de 1838,

o governador da ilha finalmente proclamou a emancipação geral dos escravos.

Cientes da falta de mão-de-obra, os insatisfeitos fazendeiros buscaram-na em

outros lugares, como Portugal, China e Índia, sendo que hoje em dia cerca de 45% da

população é composta de indianos. Essa miscigenação de asiáticos, europeus e africanos

livres levou a uma maior consciência social na metade do século XIX, já que a

população, supostamente livre, sentia-se presa as garras de um sistema ainda colonial

que não dava direito às eleições. Somente em 1925, após anos de pedidos por uma

forma, eleições extremamente restritas aconteceram. Foi também no século dezenove

que a ilha de Tobago foi anexada ao território de Trinidad, uma vez que essa não

conseguia mais se manter em sua economia que era baseada na já ultrapassada produção

de açúcar. Até hoje a relação estatal entre Trinidad e Tobago é problemática.

A partir do século XX, a economia do país passou a ser predominantemente

constituída pelo petróleo e não pela agricultura, o que levou a classe trabalhadora a ser a

espinha dorsal da economia de Trinidad. Em 1956, um novo partido político extremista

foi formado: o PNM (People's National Movement). Seu líder foi o historiador negro

Eric Williams, o qual foi de extrema importância para o movimento de independência

do país, que aconteceu somente em 1962.

4. PRECONCEITO E TEORIAS RACIAIS

Como consequência da imigração de trabalhadores oriundos de diversos países,

a sociedade atual de Trinidad e Tobago é extremamente miscigenada e pluricultural. É

nesse contexto que Keith Jardim, escritor e professor nascido em Trinidad e Tobago,

escreve The White People Maid. Tal qual faz em Caribbean Honeymoon e em In the

Cage (2008), Jardim retrata a sociedade e a cultura Caribenha moderna, bem como

explora, sob diferentes perspectivas, as formas de preconceito que sobrevivem na região

desde o início do período colonial.

Apesar de a obra estar inserida num contexto atual, as origens dos preconceitos

nela retratados datam do período colonial. As concepções raciais desenvolvidas a partir

do século XVII foram empregadas pelos colonizadores do mundo inteiro para legitimar

a hierarquização da humanidade. No Caribe, o discurso colonial que baseava a

superioridade na cor dérmica ainda é incorporado por parte da população branca local.

Uma das teorias que serviram de suporte para a hierarquização dos sujeitos

coloniais foi a Eugenia. Ela propunha intervir na reprodução das populações. Segundo,

Schwarcz, o trabalho do cientista britânico Francis Galton, criador da eugenia, cumpriu

objetivos diversos:

Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade

humana, cuja aplicação visava à produção de “nascimentos desejáveis e

controlados”; enquanto movimento social, preocupava-se em promover

casamentos entre determinados grupos e- talvez o mais importante-

desencorajar certas uniões consideradas nocivas à sociedade (SCHWARCZ,

1993, p. 60).

Apoiados por teorias como a de Galton e outros autores conhecidos como

darwinistas sociais, países Europeus passaram a aplicar políticas sociais que pregavam

pela propagação da pureza racial, ou seja, pela não miscigenação. Para tais teóricos, o

progresso estaria restrito às sociedades ‘puras’ e a evolução destas seria uma

consequência natural da pureza. Para fundamentar o pensamento de que a miscigenação

entre raças levava a uma raça inferior e impura, esses teóricos selecionavam eventos da

história mundial e usavam-nos como exemplo de evolução ou decadência. A evolução

europeia foi assim relacionada com a pureza da raça, enquanto a decadência de

civilizações como o Egito foi alegada à miscigenação da região, ocorrida a partir do

século IX a.C.

O darwinismo também acabou servindo de suporte para justificar a colonização.

A obra mais notória de Charles Darwin, A origem das espécies, foi interpretada de

diversas maneiras, muitas deles com sérias divergências da ideia original do biólogo. De

acordo com Schwarcz, conceitos como “competição”, “seleção do mais forte”,

“evolução” e “hereditariedade” foram aplicados a diversos ramos do conhecimento,

inclusive com grandes impactos na esfera política:

[...] o darwinismo significou uma base de sustentação teórica para práticas de

cunho bastante conservador. São conhecidos os vínculos que unem esse tipo de

modelo ao imperialismo europeu, que tomou a noção de “seleção natural” como

justificativa para a explicação do domínio ocidental, “mais forte e adaptado”

[...] (SCHWARCZ, 1993, p. 56).

Nesse sentido, teorias como a darwinista foram adaptadas de forma a

convergirem com os objetivos dos Impérios europeus. Ao considerar as populações

coloniais e os escravos africanos como inferiores e equipararem-nos a animais, torna-se

natural a exploração dessas populações, que eram privadas de sua cultura e suas

tradições.

A diferenciação binária entre negros/brancos e civilizados/primitivos foi

fundamental para a exploração dos indivíduos coloniais. Ao definir a Europa como o

centro e as colônias como as margens, o colonizador Europeu também definiu sua

religião, língua e cultura como centrais e marginalizou a religião, a língua e a cultura

dos colonos. Acontece assim uma ‘outremização’. Esse é um conceito cunhado por

Gayatri Chakravorty Spivak que estabelece a dialética entre o Outro-colonizador e o seu

produto, o outro colonizado. O principal objetivo dessa marginalização era facilitar a

exploração dos sujeitos coloniais, acelerando assim o enriquecimento dos europeus.

Ashcroft ressalta o objetivo econômico dos binarismos coloniais:

O aspecto mais persistente de controle colonial foi sua capacidade de atrelar o

colonizado a um mito binário. Subjacente a todo discurso colonial, está o

binarismo de colonizador/colonizado, civilizado/não civilizado, branco/negro

que funciona para justificar a missão civilizadora e perpetuar a distinção

cultural para a qual é essencial o ‘negócio’ da exploração econômica e política

(ASHCROFT, 2001, p.21).

Baseado nessa visão binária e nas teorias pseudo-científicas que inferiorizavam

os não-europeus, os colonizadores se imputaram da tarefa de transmitir sua religião e

sua língua aos povos colonizados, negando as religiões e linguagens locais que, assim

como os sujeitos coloniais, eram consideradas indignas. A supressão das línguas nativas

foi uma forma de controle e de submissão empregada pelos colonizadores. Os escravos,

por exemplo, eram separados, transportados e vendidos em grupos que não falavam a

mesma língua. Dessa maneira, as possibilidades de rebelião dos escravos eram

consideravelmente reduzidas, já que frequentemente a única linguagem que os africanos

dispunham para se comunicar entre si ou com os colonizadores era a língua Europeia.

Ashcroft analisa as consequências da privação do uso da língua nativa:

Os escravos africanos não podiam evitar a consciência da pressão cruel de uma

linguagem imposta e da perda de sua voz, uma perda que aconteceu em um

território desconhecido. Então, sujeitos a trágica alienação tanto da linguagem

quanto do território, os africanos descobriram que sua sobrevivência física

dependia da ambiguidade da comunicação. Eles foram forçados a desenvolver a

habilidade de dizer uma coisa na frente da ‘massa’, e de ter essa mesma coisa

interpretada diferentemente pelos próprios escravos. Essa habilidade envolvia

uma subversão radical dos significados da língua do colonizador (ASHCROFT,

1989, p.146).

A imposição da língua Europeia em detrimento da língua nativa do colonizado

era uma poderosa forma de outremização, já que a linguagem é essencial para a

identificação do sujeito e a transmissão da sua cultura. Todavia, nem sempre os sujeitos

coloniais foram passivos a tal imposição. Como mostra Asccroft, houve uma subversão

radical dos significados da língua do colonizador. Há, portanto, uma resistência, uma

tentativa de libertação das algemas do jugo imperial.

5. REVIDE E RESISTÊNCIA

O binarismo imposto pelo poder colonial não foi sempre aceito passivamente:

houve (e ainda há) resistência por parte dos colonizados. Apesar de a luta armada ter

sido a primeira forma de resistência empregada, ainda durante o período colonial, ela

foi, em muitos casos, pouco eficaz já que o poderio bélico dos Europeus era mais

avançado.

Todavia, a resistência não-violenta, tanto durante quanto após o período

colonial, provou ser de grande eficácia:

Se pensarmos em resistências como qualquer forma de defesa pela qual um

invasor é mantido do lado de fora, as formas sutis e, às vezes, até mesmo

formas não ditas de resistência social e cultural foram muito mais comuns. Estas

formas sutis e mais difundidas de resistência, formas de dizer ‘não’, são as mais

interessantes porque são as mais difíceis para os poderes imperiais combaterem

(ASHCROFT, 2001, p.20).

Um dos motivos que faz as formas de resistência não-violentas mais eficazes é a

maior disseminação dos movimentos de resistência. Quando a oposição aos poderes

imperiais ocorre em cada um dos indivíduos, a repressão por parte daqueles que estão

no poder torna-se mais complexa e penosa já que identificá-los torna-se também mais

difícil. Além disso, a resistência pacífica evita os combates armados, nos quais os

opressores têm muito mais experiência e equipamento. Gene Sharp, um dos maiores

especialistas em resistência não-violenta da atualidade, afirma que as rebeliões armadas

podem deixar uma população ainda mais desolada e aponta as vantagens do uso da não-

violência:

As vítimas de regimes ditatoriais algumas vezes se organizaram para lutar

contra os brutais ditadores com qualquer capacidade violenta e militar que

pudessem usar. Essas pessoas constantemente lutaram com bravura, com

sofrimento e morte. Suas conquistas foram em algumas situações memoráveis,

mas elas raramente ganharam a liberdade. Rebeliões violentas podem levar a

repressões brutais que frequentemente deixam a população mais perdida do que

antes.

Quaisquer sejam os méritos da opção pela violência, um ponto é claro.

Confiando nos meios violentos, escolhe-se um tipo de luta que os opressores

quase sempre têm superioridade. Os ditadores estão equipados para amplamente

aplicar a violência.

Comparada com a luta armada, a resistência não violenta apresenta resultados

mais benéficos à sociedade como um todo, além de promover a paz. Existem, no

entanto, diversas estratégias desse tipo de resistência. Analisaremos agora como ela se

dá na região em que The White People Maid é ambientada.

No Caribe, a resistência pela linguagem começou muito antes dos movimentos

de independência. Devido à necessidade de adaptar o idioma do colonizador para que

pudessem se comunicar, as populações colonizadas do Caribe acabaram criando suas

próprias variações da Língua Inglesa, as quais apresentam inúmeras divergências

gramaticais e lexicais do padrão europeu. Essas divergências são propositalmente

mantidas na escrita pós-colonial, que toma posse da linguagem da colônia e insere-a em

um discurso totalmente adaptado ao ambiente do colonizado.

Existem dois processos pelo qual o Inglês (assim como outras línguas europeias)

foi adaptado: a ab-rogação e a apropriação. O primeiro é uma “recusa das categorias da

cultura imperial, da sua estética e do seu uso ‘correto’ da língua” (ASHCROFT, 1989,

p. 38). Além disso, a ab-rogação “é um antídoto diante da hegemonia cultural do Inglês,

já que a língua sempre é adaptável e já que a mesma ferramenta serve para transformar e

libertar” (BONNICI, 2009, p. 38). O segundo consiste na “retomada de aspectos da

cultura hegemônica para a construção de identidades de grupos ou comunidades”

(BONNICI, 2009, p. 38). Pela apropriação, escritores africanos e caribenhos vêm

utilizando a língua do colonizador para alcançar um público maior e expondo ao mundo

à realidade local por meio de formas diferentes da língua inglesa, como a oralidade.

6. O PRECONCEITO EM THE WHITE PEOPLE MAID

Ao utilizarem teorias raciais pseudo-científicas para legitimar a exploração dos

colonizados, considerados inferiores e primitivos, os colonizadores construíram uma

série de preconceitos que criaram raízes muito fortes tanto nas colônias quanto nos

impérios. Por isso, muitas ideologias do período colonial ainda sobrevivem atualmente.

Durante o período colonial, atribui-se à raça negra o status de classe trabalhadora. Na

concepção colonizadora, os negros nasceram para trabalhar, e por isso eram

considerados incapazes de realizar outras atividades senão o trabalho braçal.

Pelo retrato da sociedade Trinitária atual feito em The White People Maid,

percebemos que esses preconceitos não desapareceram. Pelo contrário: o conto mostra

que a população negra ainda é limitada a certos papéis na sociedade de Trinidad e

Tobago. A protagonista da história, Cynthia, é constantemente questionada sobre o

paradeiro dos objetos pessoais da sua patroa, Mrs. Gomes:

Again and again Madam would ask me where I put she cell phone. Last week it

was the gold bracelet, week before the bag of bird pepper she was to give Mrs

Huggins (JARDIM, 2011, p. 82).

Cynthia, she say, have you seen my cell phone? And she setting up she face as

if I don’t have cell phone so must thief white people own (JARDIM, 2011, p.

82).

Cynthia percebe que Mrs. Gomes a julga incapaz de adquirir objetos como um

celular simplesmente pela cor dérmica. Trata-se de um raciocínio que pouco mudou

desde o período colonial. Todavia, Mrs. Gomes não é a única pessoa que a protagonista

entende como preconceituosa:

Now you must think I is a ungrateful black woman who never now she place in

the high society area I was working in (JARDIM, 2011, p. 83).

And is true: I doesn’t steal jewellery! (JARDIM, 2011, p. 84).

Nesses dois trechos, Cynthia considera que o narratário pode ter uma opinião

similar a de sua patroa. A narradora antecipa o pensamento do leitor, o qual pode achar

que já que ela é negra deveria se sujeitar às perguntas da ‘Madame’ (assim chamada por

Cynthia) e ainda ser grata por ter um trabalho na alta sociedade. E como se não bastasse

ter dito que não roubava coisa alguma, ela sente necessidade de reafirmar isso.

Percebemos assim que a empregada está envolta em uma sociedade na qual o

preconceito contra o negro é comum, e por isso ela o espera até mesmo do narratário.

The White People Maid também apresenta uma consequência moderna dos

preconceitos desenvolvidos na época da colônia – a invisibilidade social. Quando

Cynthia vai a uma farmácia para comprar remédios e produtos de beleza para sua

patroa, o local é assaltado. Os assaltantes atiram em um guarda, cortam uma mulher

idosa e roubam todos na farmácia, exceto Cynthia:

Was a Day so, Just like plenty of them other times Madam send me for the

tablets, when two young boys push past a lady going out the pharmacy, and

before I know what going on, the two of them screaming and shouting at

everybody, one with a gun pointing at the guard, the other with a cutlass and he

waving it making people take out they money and put it in a bag he holding

open. […] I freeze, not hearing, not understanding anything at all […] And

within a minute, maybe two, they shoot the guard, a Indian, thief everybody

money except mine, as if I have nothing to give […] (JARDIM, 2011, p. 86)

After the boys leave, after the cashiers and them start to cry and bawl for police,

I watch everybody like in a dream and walk out, nobody telling me to stop, out

the door I gone, walking in hot sun back to Madam place, without the sleeping

tablets. And as far as I know, nobody ever call me to be witness. (JARDIM,

2011, p. 87)

Por ser negra e estar usando um avental de empregada doméstica, os criminosos

ignoram-na, como se não tivesse dinheiro algum e não fosse digna nem de ser assaltada.

É como se ela fosse uma mera parte da mobília do local, invisível aos olhos da

sociedade. Como Juliana Porto mostrou em seu artigo "Invisibilidade social e a cultura

do consumo”, Cynthia não foi reconhecida por sua singularidade:

(...) Quando, a caminho do trabalho, passamos por um gari fazendo a varredura

de nossa calçada, o identificamos por seu uniforme como executante de tal

função, mas não o notamos por suas singularidades. Ao contrário, o vemos

quase como se fosse parte do mobiliário urbano (PORTO, p.2).

Embora esteja inserida em uma sociedade que a oprime e considera inferior,

chegando a não percebê-la como indivíduo, Cynthia não aceita passivamente o jugo

daqueles que se consideram superiores a ela. Analisaremos agora como ocorre a

resistência da protagonista e como ela busca recuperar sua voz e sua identidade em meio

ao preconceito e a outremização que vivencia.

7. A RESISTÊNCIA PELA LINGUAGEM EM THE WHITE PEOPLE MAID

A linguagem apresentada no conto não segue os conceitos normativos do padrão

europeu (Standard English; King’s English), mas se apropria dela e a adapta, de

maneira que ela possa melhor descrever o ambiente da ilha e os sentimentos da autora.

De acordo com Bonnici (2001, p.37), trata-se de um antídoto contra o aprisionamento

do colonizado nos paradigmas conceituais do colonizador.

É fácil perceber a variação do padrão normativo da língua Inglesa no conto.

Logo no início, percebemos a substituição do adjetivo possessivo “her” pelo pronome

“she”, o que ocorre em toda a obra:

[…] She come from up by Cascade side. She and she husband, MrAdamsom,

was building a house and paying rent for the one in Cascade before coming here

(JARDIM, 2011, p. 83)..

Them two fight like cat and dog most of the year I was there […] (JARDIM,

2011, p. 83).

Was over a year I went there every Wednesday [...] (JARDIM, 2011, p. 83).

I had no purse or handbag, was just my apron I had wear and the hundred

dollars Madam give me was in my pocket (JARDIM, 2011, p. 87).

Além disso, são comuns as omissões de sujeitos e o não uso do “s” na terceira

pessoa do singular. Essas variações ajudam a caracterizar a personagem, já que sua

linguagem não é nem pretende ser idêntica a do colonizador, mostrando assim que é

subjetiva à identidade local. Para Bonnici (2009, p.62), tal qual ocorreu violência física

para conseguir certo grau de colonização, “as transformações linguísticas e literárias

foram perpetuadas pelos escritores pós-coloniais para mostrar sua subjetividade

adquirida”. Afirma ainda o autor que, como o Caribe não possuía na época da

colonização uma escrita, legislação e religião próprias e bem definidas, a violência que

a língua sofreu foi mais profunda e radical.

Apesar de as transformações que o Inglês sofreu em diferentes partes do mundo

não serem as mesmas, existem variações comuns a maioria delas. Segundo Talib

(1955), essas semelhanças têm origem na necessidade que os nativos tinham utilizar a

linguagem dos colonizadores para se comunicarem:

Linguisticamente, características gramaticais das variações da língua Inglesa de

áreas geograficamente distintas parecem compartilhar importantes semelhanças.

A revogação ou omissão dos tempos verbais, da concordância de número, dos

verbos principais e auxiliares, por exemplo, parece estar presente em pidgins

falados em diferentes áreas do mundo (TALIB, 2002, p. 124).

O conto mostra como o Inglês falado pela população caribenha ainda tem

influências da língua francesa na ilha.

[...] I paying no mind as yet to the sleeping tablets the lady at the drugs counter

know I come to get (for mostly that is what the Madam does send me for), and

is lie the drugs counter lady know what I doing, for she only smiling when I

watch she, as if she know my troubles, she must be my guardian Angel, for she

don’t trouble me and oui papa, I does feel myself come back to me, my mind

ease off my worries, and the part of me that so like my mother step aside, she

gone, take she blasted self away like a soucouyant that see day coming and have

to fly (JARDIM, 2011, p. 86).

O uso de interjeições como oui papa está relacionado com a mistura de duas ou

mais línguas aconteceu em quase todas as colônias europeias. Trinidad, como

apresentado anteriormente, sofreu influências Inglesas, Francesas e Espanholas durante

sua história. Como uma das estratégias de outremização dos colonizadores era

impossibilitar os escravos de se comunicarem em sua língua nativa, esses tiveram que

modelar os significados das linguagens dos colonizadores e criaram os chamados

‘pidgins’.

Em uma primeira leitura, um leitor que não esteja inserido na região do Caribe

certamente estranhará alguns trechos do conto. Não apenas porque a linguagem que

apresenta é divergente do padrão gramatical, mas também porque diversos elementos da

cultura de Trinidad e Tobago são retratados em The White People Maid. Talib (1955, p.

127) comenta que a inserção do léxico local na literatura pós-colonial não se resume a

elementos puramente lingüísticos, mas também a esses eventos históricos e sociais.

Logo nas duas primeiras páginas, o leitor se depara com nomes como Hale Land Park,

Minister Eric Williams. Também estão inseridos no conto eventos e personagens da

cultura local, como o Midnight Robber e a L’Diablesse. A presença constante de

elementos da cultura Trinitária ajuda a caracterizar a protagonista como alguém

intimamente ligada com a ilha, que enxerga seus problemas e sofre com ele.

You know how this island is – from since long time Trinidad always a place for

bacchanal, eh. My mother Janice uses to say it all start up when Yankee and

them reach Trinidad in the last big war Europe, England and America had with

Germany. And just when you think you get use to the madness, to the shit-

hounds (that is what madam does call them), to the noise and the wild, let-go-

beast it have roaming all about, some driving Mercedes and BMW, is like a

Lara bat hit you from behind and you gone clear, sailing and numb like a cork

ball, and now you falling down, collapsing, eye and them closing up, and your

mind switching off. Just so my mother Janice dead. Trinidad hit she for six.

Always taking on, taking on – worries for so that woman had! Make my father

run like crab by the time I turn fifteen and start with boys. The woman uses to

talk non-stop about every problem it have in this mad-ass island. My father,

Derrick, would hold his head like it going to explode and bawl, Oh God, Janice!

Leave the girl alone! Forget about Trinidad and all it problems, the good Lord

know what the doing! (JARDIM, 2011, p. 85).

Esse trecho apresenta alguns dos problemas que assolam a ilha. Primeiramente, a

intervenção dos ‘Yankees’ (Estados Unidos da América) durante a segunda guerra

mundial, quando o governo norte-americano instalou bases militares e enviou milhares

de soldados para Trinidad, o que fortemente influenciou a população local. Está também

retratada no trecho a extrema desigualdade social que é típica de ex-colônias dos

impérios coloniais: enquanto alguns andam em vans superlotadas chamadas de ‘Maxi-

taxi’ (JARDIM, 2011, p.90), outros ostentam suas Mercedes e BMWs.

A desigualdade e da pobreza presentes em Trinidad são produtos do período

colonial e seus séculos de exploração da maioria local visando o enriquecimento de uma

minoria estrangeira. A desigualdade e a pobreza tem como resultado a violência, que é

vivenciada e analisada pela narradora:

Living in this Trinidad is a stressful thing. Don’t mind if you religious-

religious, the urge will come on you to put down a good cuss – but I doesn’t

cuss like them let-loose-beast it have all about, especially them Trini man who

feel they could say anything to anybody and pull out the little gun they have and

discharge bullet in people car, foot, leg, and backside – just what happen in the

pharmacy down the road by the corner one afternoon last week when Old Bitch

send me for some sleeping tablets (JARDIM, 2011, p. 85).

Percebe-se que a violência é representada tanto pela violência armada quanto

pela violência verbal. Como viver em Trinidad é ‘estressante’, não importa o quão

religioso ou pacífico alguém é. Todos sentem a necessidade de ‘xingar’ (no Inglês

Caribenho, cuss). No entanto, a protagonista não recorre à violência física como outros

habitantes da ilha fazem. Ela resiste e lida com a violência por meio da linguagem.

A linguagem empregada por Cynthia opera com sua forma de resistência ao jugo

da sua patroa. Segundo Ashcroft (2001, p.20), a resistência sutil exercida pela

linguagem é de extrema importância e eficácia, já que é mais difícil de ser combatida

pelo poderio colonial do que a resistência violenta. Em The White People Maid, a

protagonista descobre a importância da linguagem para sua defesa:

A fetid obscenity.It sound powerful – that is real insulting English there, you

hear. And was my father Derrick Jones find them two word in the English

Language, and lash it out on that ignorant Redman living next door. Ever since I

first hear them words, I know I never had was to look them up in the big

dictionary my father uses to walk around with morning noon and night, because

they just right, they mysterious and magical. I will never forget how the

Redman look back at we as he walk away after spitting he little spit, like he feel

is a curse my father put on him with those educated word (JARDIM, 2011, p.

90).

Após esse episódio, ela torna-se consciente do impacto que as palavras que seu

pai disse podem ter. Quando Cynthia volta para a casa onde trabalhava para devolver o

celular da Sra. Gomes, ela se impõe contra a patroa, que estava proferindo xingamentos

e palavrões contra Cynthia: “Then she start to call me Negro and say, If we was in the

good old days, I woulda pitch out yuh black ass long time!” e responde chamando-a de

“fetid obscenity!”. Então, Mrs. Gomes fica sem reação diante dessas palavras:

And just like when you see Maxi-taxi stop sudden-sudden in the middle of the

Road to pick up somebody, as if the taxi freeze, so the Old Bitch freeze when

she hear them two Word. And was like a revelation pass over the Old Bitch face

for a few moments, like the good Lord had see fit to pass a boomstick up she

ass or something so, because from the time I say what I say she get stupid as a

manicou when light shine in it face at night (JARDIM, 2011, p. 90).

A resistência oferecida por Cynthia mostra-se eficaz, uma vez que sua opressora

fica chocada com sua capacidade de revidar as ofensas sofridas. Além disso, como

propõe Ashcroft, essa resistência não-violenta é mais difícil de ser combatida, tanto que

a protagonista deixa a rua onde a discussão aconteceu sem ser presa ou perseguida pela

polícia.

8. O MIDNIGHT ROBBER: UMA METONÍMIA DA ASSIMILAÇÃO DA

RESISTÊNCIA

Uma das figuras mais importantes do carnaval de Trinidad e Tobago é o

Midnight Robber. Ele reflete a diversidade cultural da região, misturando influências

dos Estados Unidos e do México. Em The White People Maid, a figura carnavalesca

aparece quando Cynthia está indo para casa, após ter vivenciado o assalto à farmácia:

I had Just reach about halfway to Valleton when I see a Midnight Robber

coming up the Road. Well Lord, what is this? Carnival eh reach yet but so these

people playing they Mas. And too besides, I had thought the Robber was no

more. In this modern Trinidad, my father say, everything that is real Trinidad

getting throw away (JARDIM, 2011, p. 88).

A protagonista se surpreende ao ver o Midnight Robber pois acredita que ele tal

qual outros símbolos da tradição local, estejam desaparecendo em meio a modernidade.

Mas a figura está nitidamente na frente dela, e seus trajes o tornam inconfundível:

He stand tall, a man dress up in one of them big sombrero hat and a long black

cloak hanging a few inches above his feet, showing the old sneakers He

wearing. I didn’t notice what the Robber really had hanging all round the edge

of his sombrero, for I was too ‘fraid to notice then. They was decoration, like

Christmas bulbs or something so. Is only when he finish talk and move a little

more in the street light, after giving he little show, that I notice what it was the

man had hanging round his head (JARDIM, 2011, p. 88)

O grande chapéu sombreiro que usa é um empréstimo da cultura Mexicana. Já as

calças e as caveiras que o adornam remetem ao cowboy norte-americano. Todavia, não

é fantasia do personagem sua característica mais marcante. A importância do Midnight

Robber reside principalmente no seu discurso, que é muitas vezes cínico, orgulhoso e

convencido. Ele afirma conhecer muito bem a sanguinária história da colonização, já

que a presenciou desde o início:

In 1492 when Columbus discover the New World, I was there with a guiding

hand. The Amerindians confided in me they did not like Columbus and his men,

because they didn’t bathe often, and the Amerindians never soften on that! The

Europeans had a bad scent from a strange sea, and that cause much bloodshed,

you see! And when the Europeans and them start to fight, and all the ships and

souls get bent, all the fight they fight in their big ships fill up the sea with

bodies of black and white men – and all their blood! – so I did clap my hands

with glee, and then I rent a tent and had a rest! (JARDIM, 2011, p. 88-89)

Obviamente, o personagem não estava presente quando Colombo descobriu as

Américas. Apesar disso, o Minight Robber retrata a relação entre os Europeus e os

Ameríndios e suas diferenças. Enquanto aqueles carregavam o odor dos mares e

raramente tomavam banho, esses cuidavam muito bem da sua higiene. O personagem

ironicamente alega que essa foi a causa das diversas batalhas que derramaram tanto

sangue no mar Caribenho. A ironia presente no seu discurso e uma maneira de abalar

os padrões europeus que sempre tinham o colonizado como inferior:

Ironia, termo derivado do greto eiron ou eironia (dissimulação), era uma

estratégia usada no drama grego no qual o personagem, mais fraco do que o

oponente, o derrotava através de sua dissimulação. A dissimulação envolve

meiosis através da qual a platéia/ o leitor repara que o personagem descreve

algo com grande displicência e insignificância mas que realmente é de grande

importância e repercussão (BONNICI, 2009, p.60).

Ao relacionar as guerras ao cheiro dos exploradores, o Midnight Robber degreda

o impacto que os colonizadores tiveram na construção da sociedade local. Assim, ele

reconstrói a história Caribenha, caracterizando os colonizadores como inferiores por seu

cheiro e higiene precária e abala a ordem imposta por eles imposta.

A personagem principal do conto encontra o Midnight Robber após ter

presenciado um assalto no qual pessoas foram assassinadas, mas ela foi totalmente

ignorada. Ela tenta ligar para sua patroa usando o celular que esta lhe deu, porém

acidentalmente derruba-o em uma corrente de água suja que escorria em uma calha. Ela

então se desespera:

Right there by the roadside I stop and look up at the sky and ask the lord why he

so. Like he don’t have a heart, is as if black people eh get enough torment in

history yet and the lord heself playing devil with we. I had a good mind was to

cuss he, the devil, Jesus, joseph and Mary, and everybody come down, but I

walk up the hill past the entrance to madam compound, and I keep on going,

rising above the saddle road where the pharmacy is, above the compound too,

and when I catch myself, I seeing the sea in the gulf of Praia, and so pretty it

look you might never think it have so much rubbish and old nasty history in it

(JARDIM, 2011, p.87).

A personagem não entende porque tantas coisas ruins estão acontecendo com

ela. Alem dos ‘tormentos’ que as pessoas negras sofreram na história de Trinidad e

Tobago, ela ainda vivencia a violência e o azar. O sofrimento somado a suas angustias

levam Cynthia a chorar:

And on the hill overlooking the city, on the hill overlooking central Trinidad, I

cry for this whole blasted island. I cry for my cell phone, I cry for my father

who never make his dream come true (to be a teacher in Fatima college), I cry

for my mother early death from Trinidad worries, I cry for the young poor

children it have in this island – the richest country in the Caribbean – and I cry

for the future (JARDIM, 2011, p. 87).

Em meio a todos esse problemas, Cynthia sente-se desolada: seu pai não

conseguiu se tornar um professor, sua mãe morreu devido as preocupações com a ilha e

ela não vê um bom futuro para as crianças da ilha que considera ‘maldita’. É nesse

contexto de desespero e inseguranca que Cynthia encontra o Midnight Robber, cuja fala

demonstra confiança e ousadia:

If you have might you will fight and blight everything, my lady, this such a

curse for you humans, I know, but do not fear my judgment, for I am gentle

tonight, a first messenger travelling across the dark night of this almighty

universe. I harm no one on starlit nights. The Lord of Death – but you can call

me skerrit! – is a sound judge in and on all the matters. Even when I under

them! So I will tell you what I will do. Go on your way, I permit you. And no

thunder shall follow you! Tread softly, find peace and happiness as best you can

in this Trinidad, and don`t mind is all tatters here and that you may have to go

overseas to find peace with a man call Reece! And last but not least, beware the

wrath of the Midnight Robber in Trinidad (JARDIM, 2011, p. 89).

Com essas palavras, o Midnight Robber acaba influenciando a protagonista. Ele

fala que ela não deve temer que nenhum ‘trovão’ irá persegui-la. Se ela tiver força e

vontade, ela vai ‘lutar e resistir a tudo. Como ele assume características quase divinas

(pode, pode exemplo, subir aos céus e reorganizar as estrelas), seu discurso ganha força.

Ela percebe que o Midnight Robber, coberto por sua fantasia e a sua máscara, rejeita a

dominação e é livre. O encontro com Midnight Robber encoraja Cynthia a resistir às

ofensas proferidas pela sua patroa no dia em que retorna para devolver seus cem reais e

seu celular:

When I go back by Madam last Friday afternoon, she vex. Real vex. I give she

the hundred dollars she had give me for the sleeping tablets, but she never say

thanks. She stand up outside the entrance to the flat, looking like she hadn`t

sleep since last I see she, and ask why I like all of them other black people it

have in Trinidad. Then she start to call me Negro and say, If we was in the good

old days, I woulda pitch out yuh black ass long time! (JARDIM, 2011, p. 90).

A Sra. Gomes não considera Cynthia como um indivíduo que passou por uma

experiência traumática. Ela sequer é considerada em sua subjetividade: para a Sra.

Gomes, Cynthia é uma pessoa negra qualquer que prestou serviços a ela, como se fosse

uma obrigação. E para ela todos os negros são ingratos à ‘ajuda’ que os brancos

oferecem: And we start to cuss, and the Madam bawling how ungrateful black people is,

how all we know to do is vote the Jackass Prime Minister back into Office, never mind

Madam know I never vote for that fetid obscenity[…] (JARDIM, 2011, p. 90).

É ao relacionar o Prime Minister com fetid obscenity que Cynthia se lembra do

poder que essas palavras têm. Como apresentado anteriormente, ela aprendeu-as com

seu pai na infância, e nunca se esqueceu da reação do Redman a quem seu pai proferiu

as palavras: I will never forget how the Redman look back at we as he walk away after

spitting he little spit, like he feel is a curse my father put on him with those educated

word (JARDIM, 2011, p. 90).

Inspirada pelo exemplo do pai e pelo discurso de luta do Midnight Robber,

Cynthia chama Mrs. Gomes de uma fetid obscenity. Ao ouvir as palavras, ela fica

paralisada, sem reação, ‘tão estúpida quanto um gambá’ (p.91). Assim, ela revida o

julgamento preconceituoso de sua patroa utilizando um léxico que esta não acreditava

conhecer, visto que sempre a subestimou e considerou-a inútil. Esse preconceito fica

ainda mais nítido quando descobrimos que uma nova empregada está trabalhando para

Mrs. Gomes.

The Old Bitch turn and call for Sadie, and I see a Young Coolie come outside,

nice and fresh looking, she must be from South, by Cedros side, because you

could see the Venezuelan blood she mix with, the complexion almost as light as

the Old bitch own.

Yes Madam? She say.

Help Mrs Adamson with those children, please. I’m exhausted talking to this

black woman.

The good Coolie girl walk straight over to Mrs Adamson flat, with a bowed

head if you please. That was when the Old Bitch start to smile the same smile

the Opposition Leader does smile when something up his sleeve, as if he have

gold or cocaine in he backyard. Then is when I realize what really going on. Old

Bitch look at me and say in she best Laventille Old Nigger voice, And she doh

thief! (JARDIM, 2011, p. 91)

Para substituir Cynthia, Mrs. Gomes contratou uma empregada branca, deixando

implícito que os supostos erros e incapacidades da protagonista não seriam repetidos

pela nova empregada, que esta tem a pele ‘quase tão branca’ quanto a de Mrs. Gomes.

O preconceito da patroa fica claro quando esta diz estar ‘ exausta de falar com essa

mulher negra’ (ênfase dada pelo autor pelo uso do itálico nas palavras ‘exausta’ e

‘negra). Ela ainda é acusada mais uma vez de roubar antes de ser mandada embora do

bairro pela ‘Old Bitch’ (alcunha dada por Cynthia à Mrs. Gomes):

Get yuh ass out of this compound, you hear me? Old bitch say. Before I call the

guard! And she raise she arm and point a finger upwards, just like Prime

Minister does do when he talking shit in Parliament. I watch she. Yes, I say, I

going. I will call the guard for you, your Majesty.

She cuss me again. (JARDIM, 2011, p. 91)

Como uma criminosa, Cynthia é expulsa do local. Porém, ela não sai derrotada

ou se sentindo humilhada. Ela, dissimuladamente, fala que vai chamar os guardas para a

‘Madame’. Para Bhabha (1998), a cortesia dissimulada (sly civility) é uma forma

importante de resistência e de aquisição de voz por parte do sujeito colonial. Cynthia

não cria um tumulto por ter sido humilhada e chamada de ladra. Ela usa uma falsa

cortesia, como se aceitasse as ordens da patroa. O efeito dessa dissimulação é imediato:

ao ouvir que Cynthia irá chamar os guardas como ela pediu, ela começa a xingá-la

novamente.

O último ato de resistência descrito no conto apresenta forte simbolismo:

And yes, of course I steal Old Bitch cell phone! I take the damn phone home

and pitch it down hard and mash it up fine-fine with the strong low heel shoes I

was wearing. But I never take nothing else, as God is my Witness. Yes, I thief

Old Bitch cell phone, because was over a year I take she blasted abuse asking

me where I put this and that, if I take this or that. And when the daughter begin

to accuse me… well! Every day I went by Old Bitch, as like a song in my head

(JARDIM, 2011, p. 92).

Acusada repetidas vezes de roubar objetos da patroa e sua filha, Cynthia acaba

‘roubando’ o celular desta. Tal roubo não visou benefícios financeiros. Trata-se de um

ato de resistência já que a protagonista quebra o celular, simbolizando a quebra de um

ciclo de acusações infundadas e preconceituosas:

Cynthia where my scissors? Cynthia, where my red silk top? Cynthia, have you

seen the crystal ashtray? I thought I had four pounds of chicken in the freezer…

damn it, man! Where the bottle of detergent I had on top washing machine?

And so on and on forth until I had was to thief something, in truth. (JARDIM,

2011, p. 92).

Como analisado anteriormente, a figura do Midnight Robber influenciou Cynthia

em sua resistência. Ela perde o medo do jugo e da opressão daqueles que se julgam

superiores, tal qual o personagem carnavalesco. Nesse sentido, ele representa a

resistência do colonizado por meio do discurso destemido e irônico. Essa representação

é assimilada por Cynthia e se traduz em resistência.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do conto The White People Maid sob a ótica da teoria pós-colonialista

destacou como a população negra das ex-colônias ainda sofrem com os preconceitos

fundamentados durante o período colonial. Formas de outremização aplicadas pelos

colonizadores continuam sendo aplicadas pelos que se consideram superiores na

sociedade atual. Essa suposta superioridade é questionada no conto analisado.

Na narrativa, a Sra. Gomes representa a população branca e rica cheia de

preconceito oriundos do processo de colonização da ilha. Cynthia, a empregada é

tratada como uma pessoa inferior, incapaz de realizar outro serviço senão o de uma

serviçal. Logo, diante da condição social de Cynthia a patroa presume que ela seja capaz

roubar objetos alheios.

A tessitura do conto insere o leitor em uma sociedade preconceituosa, na qual a

protagonista questiona o próprio narratário sobre a suspeita de que ela seja uma ladra.

Ademais, a invisibilidade social da protagonista, confirma o preconceito daquela

sociedade, uma vez que todos são roubados, enquanto ela permanece intacta.

Diante dos fatos mencionados, observamos que a personagem não aceita tudo

passivamente. A linguagem empregada desvela sua não passividade ao jugo e a

discriminação que sofre. O fato de utilizar alcunhas (Old Bitch e Paris Hilton) para

denominar a patroa Mrs. Gomes e sua filha, revela a resistência de Cynthia ao sistema

que a oprime. Embora a patroa e a filha se considerem superiores a empregada, elas se

sentem solitárias. Essa solidão é atenuada pela presença de Cynthia. Quando mãe e filha

têm problemas no relacionamento, Cynthia ampara as duas. Sendo assim, notamos no

enredo do conto, que o narrador tenta convencer o leitor de que não importa a cor e a

classe social, todos têm problemas e precisam um dos outros.

Outra forma de fortalecer a identidade é uso da língua. Ao se apropriar da língua

inglesa, o colonizado fala com inúmeras diferenças gramaticais e lexicais quando

comparado ao padrão estabelecido pelo colonizador. Tal apropriação reforça a

resistência da protagonista a sua objetificação.

Evidenciamos que a narrativa não termina com uma descrição de uma sociedade

sem preconceitos contra a mulher negra, mas com um sonho de mudança. Para Cynthia,

essa mudança só é possível com a ajuda do Midnight Robber:

I wanted to settle myself, and too I was hoping to see the Midnight Robber again,

because when you think about it, is only a Midnight Robber could save this Trinidad

(JARDIM, 2011, p. 92).

Como analisado, a figura do Midnight Robber não tem medo de expressar suas

opiniões e inferioriza a importância dos colonizadores para a história local. O

personagem, portanto, tem voz própria e não reproduz o discurso colonial. Nesse

sentido, percebemos que, no trecho acima, ‘Midnight Robber’ é usado como um

metônimo para representar a resistência oferecida quando o sujeito colonial afirma sua

identidade. Por meio dessa metonímia, o narrador mostra ao leitor que a única forma de

‘salvar’ a sociedade e solapar os preconceitos nela tão enraizados é pela aquisição de

voz por parte da população outremizada. Acreditamos que com o desfecho do conto o

narrador almeja deixar uma mensagem positiva para os leitores. Uma mensagem que

incentiva a busca pela identidade e a luta pelo respeito.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASHCROFT, Bill. Post-colonial Transformation. London: Routledge, 2001.

ASHCROFT, Bill.; GRIFFITHS, G.; TIFFIN H. (Org.) The Empire Writes Back.

London: Routledge, 1989.

BONNICI, Thomas. Resistência e intervenção nas literatures pós-coloniais

(Org).Maringá: Eduem, 2009.

PORTO, Juliana. Invisibilidade social e a cultura do consumo. Disponível em:

www.dad.puc-rio.br. Acesso em: 08/09/2012.

SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças. SP. Companhia das letras, 1993.

SHARP, GENE. From Dictatorship to Democracy: A Conceptual Framework for

Liberation. Disponível em: books.google.com.br. Acesso em 14/09/2012

TALIB, ISMAIL S. The language of postcolonial literatures an introduction. New

York. Routledge, 2002.