UM ESTUDO SOBRE A CRITICA SOCIOLOGICA

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UM ESTUDO SOBRE A CRÍTICA MARXISTA E SOCIOLÓGICA Nayara Paredes dos Santos 1 “[...] Pensar a literatura como um fenômeno diretamente ligado à vida social. Em outras palavras, a literatura não é um fenômeno independente, nem a obra literária é criada apenas a partir da vontade e da “inspiração” do artista. Ela é criada dentro de um contexto; numa determinada língua, dentro de um determinado país e numa determinada época, onde se pensa de certa maneira; portanto, ela carrega em si as marcas desse contexto. [...]” (SILVA (2009) In: In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (org). Teoria Literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3ª ed. Maringá: Eduem, 2009, p. 177) De acordo com SILVA (2009), a crítica sociológica “procura ver o fenômeno da literatura como parte de um contexto maior: uma sociedade, uma cultura” (p.177), pensando na literatura como um fenômeno ligado à vida social, na qual uma obra não é criada apenas pela vontade do artista, mas sim dentro de um contexto que o influencia em seu caráter social coletivo. A autora cita o exemplo de Graciliano Ramos em sua obra: Memórias do cárcere, na qual a crítica sociológica não vai tomar a obra como um depoimento pessoal do autor sobre sua prisão e opressão durante o Estado Novo de Vargas, e por isso classifica-lo como bom porque o autor é bom, mas vai analisar a obra como o relato simbólico de todos os que sofreram esta 1 Acadêmica do segundo ano da graduação de Letras Português- Espanhol. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Dourados – 2013.

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UM ESTUDO SOBRE A CRÍTICA MARXISTA E SOCIOLÓGICANayara Paredes dos Santos1

“[...] Pensar a literatura como umfenômeno diretamente ligado à vida social. Emoutras palavras, a literatura não é um fenômenoindependente, nem a obra literária é criadaapenas a partir da vontade e da “inspiração” doartista. Ela é criada dentro de um contexto; numadeterminada língua, dentro de um determinado paíse numa determinada época, onde se pensa de certamaneira; portanto, ela carrega em si as marcasdesse contexto. [...]” (SILVA (2009) In: In:BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (org). TeoriaLiterária: abordagens históricas e tendênciascontemporâneas. 3ª ed. Maringá: Eduem, 2009, p.177)

De acordo com SILVA (2009), a crítica sociológica

“procura ver o fenômeno da literatura como parte de um

contexto maior: uma sociedade, uma cultura” (p.177), pensando

na literatura como um fenômeno ligado à vida social, na qual

uma obra não é criada apenas pela vontade do artista, mas sim

dentro de um contexto que o influencia em seu caráter social

coletivo. A autora cita o exemplo de Graciliano Ramos em sua

obra: Memórias do cárcere, na qual a crítica sociológica não vai

tomar a obra como um depoimento pessoal do autor sobre sua

prisão e opressão durante o Estado Novo de Vargas, e por isso

classifica-lo como bom porque o autor é bom, mas vai analisar

a obra como o relato simbólico de todos os que sofreram esta

1 Acadêmica do segundo ano da graduação de Letras Português-Espanhol. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Dourados –2013.

opressão, até mesmo dos que não foram presos, em uma denúncia

da realidade vivida por aquela sociedade, naquele dado

momento, naquele contexto histórico, não se importando com o

fato de a obra ser uma autobiografia, mas sim com a ponte

estilística que a obra faz com a realidade de opressão e

violência vividas na época.

Para a crítica sociológica este é o papel da

literatura: denunciar a realidade vivida pela sociedade.

SILVA (2009) cita: “Barberis (1996) diz que o papel da

crítica sociológica é, justamente, fazer com que cada leitor

comece a observar o mundo que nos cerca e perceba, aos

poucos, que os nossos hábitos, crenças e valores não surgiram

“naturalmente”, nem são eternos. A partir daí, começamos a

entender que muito daquilo que nós julgamos “verdade

absoluta” não é bem assim; (...) Ao percebermos o quanto

nossa própria consciência de mundo é manipulada por ideias

que não são “verdades”, mas apenas convenções arbitrárias,

nós nos tornamos mais fortes e aptos a agir positivamente no

mundo em que vivemos. [...]” (p. 178).

Segundo a autora, alguns teóricos afirmam que crítica

sociológica e a crítica marxista são a mesma coisa, outros

separam as duas completamente, afirmando que a crítica

marxista faz parte da sociológica.

Para melhor compreensão da crítica sociológica é

necessário uma breve explanação sobre marxismo, sociologia e

seus principais pensadores, como o objetivo deste estudo não

é o aprofundamento destes temas, serão dadas algumas

definições do senso comum.

A LITERATURA E O MARXISMO

Karl Marx e Friedrich Engels realizaram um complexo

exercício de reflexão da condição humana e das relações de

poder que atravessam as sociedades em 1848, e destas

reflexões surgem os fundamentos do marxismo, também conhecido

como socialismo científico. Através do materialismo

histórico2 eles afirmam que as sociedades se relacionam

através da distribuição dos bens de produção entre seus

integrantes. Desta forma essa distribuição define as classes

sociais, assim como a cultura, política, costumes, enfim,

tudo o que envolve a sociedade. Para estes pensadores, o

materialismo dialético3 alimenta as transformações históricas

a medida que um sistema econômico expõe seus problemas e

contradições. Desta forma, os homens passam a refletir e a

lutar por adequações às novas demandas. Com estas reflexões2 Abordagem metodológica ao estudo da sociedade, da economia e da

história, procurando as causas de desenvolvimentos e mudanças nasociedade humana nos meios pelos quais os seres humanos produzemcoletivamente as necessidades da vida. As classes sociais e a relaçãoentre elas, além das estruturas políticas e formas de pensar de uma dadasociedade, seriam fundamentadas em sua atividade econômica. (Wikipédia,disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_hist%C3%B3rico)

3 Materialismo dialético é uma concepção filosófica que defende queo ambiente, o organismo e fenômenos físicos tanto modelam os animais e osseres humanos, sua sociedade e sua cultura quanto são modelados por eles.Ou seja, que a matéria está em uma relação dialética com o psicológico esocial. Se opõe ao idealismo, que acredita que o ambiente e a sociedadecom base no mundo das ideias, como criações divinas seguindo as vontadesdas divindades ou por outra força sobrenatural. (Wikipédia, disponível emhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Materialismo_dial%C3%A9tico)

Marx e Engels chegaram à conclusão de que a história das

sociedades humanas se dá por meio da luta de classes, e que o

fim destas classes seria a superação total dos sistemas

opressores, e que todo este processo deveria ser conduzido

pelos trabalhadores em uma revolução que os colocaria à

frente do Estado, em uma “ditadura do proletariado” que teria

a função de assumir os meios de produção e distribuir

igualmente as riquezas, colocando um fim nas noções de Estado

e de propriedade. (Rainer Sousa4. Marxismo. Disponível em

http://www.brasilescola.com/sociologia/conceitos-

marxismo.htm)

LOPES afirma que o pensamento marxista encontra bases

no mundo ocidental quando retira o caráter espiritual das

explicações da realidade social, fomentando assim uma

reflexão crítica e prática da sociedade, o que culminaria em

pensamentos inquietantes e atitudes revolucionárias. “Assim,

segundo este pensador, nenhuma formação social pode

permanecer imutável apesar de ideologicamente ela se nos

afigurar como algo natural (que o mesmo é pensá-la como algo

necessário) e atemporal (leia-se: à margem das leis da

história). Todas as formações sociais afinal, configuradas

pela estrutura económica (ou seja, as forças produtivas e as

relações de produção) e pelas as ideologias, as

representações políticas e jurídicas constitutivas da

superestrutura, são passíveis de sofrerem uma transformação

radical a partir do momento em que as forças produtivas e as

relações de produção se contradigam entre si” (LOPES).4 Graduado em história

Levando este conceito para a literatura, temos a retomada de

SILVA (2009) quando afirma que o papel da crítica sociológica

é, através da arte, despertar essa consciência crítica da

realidade.

Segundo LOPES, a crítica literária marxista sofreu

várias fases, porém ele destaca dois momentos: um primeiro em

que Marx e Engels dão o tom na crítica marxista ao analisarem

manifestações artísticas sob a ótica de denúncia e crítica

social. O autor fala sobre a denúncia de Engels sobre a

pretensa autonomia do artista, dizendo ser ele um efeito

específico de um estágio do desenvolvimento histórico. Apesar

de não haver uma unificação sobre a literatura, os dois

filósofos fundadores do marxismo acreditaram que a partir

daquele momento era possível explicar as obras pelas

condições econômicas e sociais:

“[...] a crítica marxista atédeterminado momento não se limitará a interpretare a apreciar as obras de acordo com a formaçãosocial onde são produzidas e consumidas; impor-se-á também a si própria a tarefa suasiva deapontar percursos futuros pelos quais aliteratura poderá enveredar [...]” (LOPES)

O segundo momento veio com o filósofo húngaro György

Lukács: “O seu discurso denunciava os vícios ideológicos de

que enfermava a literatura burguesa. Louvou o realismo e

apontou as baterias para o modernismo, que na poesia e na

filosofia negaria a historicidade do ser humano e sublinharia

a sua existência abstracta. Não é difícil ver até que ponto o

seu argumento retoma, em parte, a crítica de Marx a Hegel e a

Feuerbach. Mas Lukács, apesar das pressões do discurso

oficial, manteve um posicionamento crítico (na acepção

filosófica do termo) relativamente ao próprio marxismo”

(LOPES)

Para afunilar este vasto leque da crítica

sociológica, citarei quatro autores e suas principais

contribuições e pensamentos sobre o tema:

MARX E ENGELS – CRÍTICA MARXISTA

Karl Heinrich Marx, nasceu em Tréveris no dia 5 de

maio de 1818 e faleceu em Londres, em 14 de março de 1883.

Foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da

doutrina comunista moderna, que atuou como economista,

filósofo, historiador, teórico político e jornalista. O

pensamento de Marx influencia várias áreas, especialmente

Filosofia, Geografia, História, Direito, Sociologia,

Literatura, Pedagogia, Ciência Política, Antropologia,

Economia e Teologia. (Wikipédia. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Marx)

Ao herdar a filosofia alemã, baseando-se na densidade

de Aristóteles e de diversos teóricos, criticando filósofos

como Hegel, em parceria com Engels, Marx fundou a maior

corrente crítica contra a sociedade capitalista: o marxismo.

EAGLETON (1976) afirma que, ao contrário de muitos

pensadores da época, Marx sempre foi íntimo do mundo

literário, sendo escritor de poesia lírica na adolescência,

atreveu-se também aos escritos sobre drama e um pequeno

romance cômico. “[...]Os seus conhecimentos de literatura, de

Sófocles ao romance espanhol, de Lucrécio à ficção inglesa de

cordel, eram de uma amplitude desconcertante; o círculo

operário alemão que fundou em Bruxelas dedicava uma noite

todas as semanas à discussão das artes [...]” (p. 13-4)

Friedrich Engels, nasceu em Barmen, no dia 28 de

novembro de 1820 e faleceu em Londres, em 5 de agosto de

1895. Foi um teórico revolucionário alemão que junto com Karl

Marx fundou o chamado socialismo científico ou marxismo. Ele

foi coautor de diversas obras com Marx, sendo que a mais

conhecida é o Manifesto Comunista. Também ajudou a publicar,

após a morte de Marx, os dois últimos volumes de O Capital,

principal obra de seu amigo e colaborador. Grande companheiro

de Karl Marx, escreveu livros de profunda análise social.

Entre dezembro de 1847 à janeiro de 1848, junto com Marx,

escreve o Manifesto do Partido Comunista, onde faz uma breve

apresentação de uma nova concepção de história, afirmando

que: “A história da humanidade é a história da luta de

classes”. (Wikipédia. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Engels)

Engels começou a escrever cedo, e comungava com Marx

a sensibilidade às questões literárias e conceitos estéticos.

EAGLETON (1976) diz que a ambos ficou tarefa bem maior do que

comentar sobre a arte e a literatura, embora tenham deixado

alguns textos e fragmentos com alusões brilhantes sobre o

tema, que deram origem a chamada sociologia da literatura:

“[...] A sociologia da literatura ocupa-se fundamentalmente

com o que poderíamos chamar os meios de produção,

distribuição e troca da literatura numa sociedade determinada

– como se publicam livros, a composição social de seus

autores e leitores, níveis de alfabetização, as determinantes

sociais do «gosto». Examina também textos literários do ponto

de vista de sua relevância «sociológica», fazendo incursões a

obras literárias para extrair delas temas de interesses para

o historiador das sociedades. [...]”. (p.14-5)

EAGLETON (1976) porém enfatiza que, embora o marxismo

tenha originado a sociologia da leitura, ela não é a crítica

marxista literária: “A crítica marxista não é uma simples

«sociologia da literatura» que se preocupe em saber como se

publicam romances e se estes mencionam ou não a classe

operária. O seu objetivo é uma explicação mais cabal da obra

literária. [...]” (p.15). Muito embora a questão histórica

esteja profundamente ligada à produção literária, e que

muitos tenham tentado antes analisar uma obra pelo seu

contexto histórico, a crítica marxista vai por outro viés: “A

originalidade da crítica marxista consiste, por conseguinte,

não na abordagem histórica da literatura, mas na compreensão

revolucionária da própria história.” (p.15).

LUKÁCS – CRÍTICA MARXISTA/SOCIOLÓGICA

György Lukács ou Georg Lukács nasceu em Budapeste, no

dia 13 de abril de 1885 e faleceu na mesma cidade em 5 de

junho de 1971. Foi um filósofo húngaro de grande importância

no cenário intelectual do século XX. Segundo Lucien Goldmann,

Lukács refez, em sua acidentada trajetória, o percurso da

filosofia clássica alemã: inicialmente um crítico

influenciado por Kant, depois o encontro com Hegel e

finalmente, a adesão ao marxismo. Seu nome completo era Georg

Bernhard Lukács von Szegedin em alemão ou Szegedi Lukács

György Bernát em húngaro. (Wikipédia. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Gy% C3%B6rgy_Luk%C3%A1cs).

SILVA (2009) relata que Lukács fez um paralelo entre

o desenvolvimento de certas formas literárias e o

desenvolvimento do capitalismo. Em sua juventude escreveu

Teoria do Romance (1920), na qual analisou o épico do homem

grego e o romance do homem medieval. Percebeu que o homem

grego acreditavam em um mundo harmonioso, sem a necessidade

de uma religião oficial por sentirem-se seguros no mundo.

Quando a cultura judaico-cristã influenciou a passagem para o

mundo ocidental, o homem tornou-se medieval, cheio de

angústias e sem encontrar sentido para a vida. Partindo desta

ideia ele analisou os três gêneros: épico, lírico e

dramático, mostrando a relação que esta produções tiveram com

a mentalidade da sociedade que originou cada um deles.

Enfatizou também que os heróis da epopeia e do romance são

bem diferenciados: o herói da epopeia tem seus mundos

interior e exterior harmonicamente criado e orientado pelos

deuses; já o herói do romance tem um conflito entre esses

mundos, no qual ele se engaja em um trajeto individual de

autoconhecimento.

EAGLETON (1976) afirma que estes conceitos de epopeia

e romance correspondem ao perído pré-marxista de Lukács: “Na

obra sua de juventude, pré-marxista, A Teoria do Romance

(1920), Lukács segue Hegel na concepção do romance como a

«epopeia burguesa», mas uma epopeia que, diferentemente de

sua congénere clássica, revela o desenraizamento e alienação

do homem na sociedade moderna.” (p.42). Mesmo tornando-se

marxista mais tarde, ainda é possível observar traços

hegelianos em suas obras.

Quando marxista “[...] Lukács considerou a arte como

um modo peculiar de manifestação do reflexo da realidade,

negando-a enquanto expressão de uma psicologia de classe ou

biografismo [...]” (RIBEIRO, 2011, p.11). A autora ainda

afirma que Lukács era desfavorável as artes naturalistas por

estarem carregadas de uma representação fotografada da

realidade, criticando também as artes de vanguarda “ou por

falsear a forma, no caso do expressionismo, ou por subestimar

o conteúdo, no caso do formalismo” (p.12). Esta hostilidade

maior à vanguarda é pela defesa de que as causas sociais do

comportamento humano não devem ser substituídas por

psicologismos e que cabe ao romance fazer o resgate da

“totalidade perdida”, sendo que os vanguardistas criavam um

abismo entre o indivíduo e o mundo exterior.

BAKHTIN – CRÍTICA SOCIOLÓGICA

Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em 17 de novembro

de 1895, Orel e faleceu em 06 de março de 1975, em Moscou.

Foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia

e as artes. Bakhtin foi um verdadeiro pesquisador da

linguagem humana, Seus escritos, em uma variedade de

assuntos, inspiraram trabalhos de estudiosos em um número de

diferentes tradições (o marxismo, a semiótica,

estruturalismo, a crítica religiosa) e em disciplinas tão

diversas como a crítica literária, história, filosofia,

antropologia e psicologia. Embora Bakhtin fosse ativo nos

debates sobre estética e literatura que tiveram lugar na

União Soviética na década de 1920, sua posição de destaque

não se tornou bem conhecida até que ele foi redescoberto por

estudiosos russos na década de 1960. É criador de uma nova

teoria sobre o romance europeu, incluindo o conceito de

polifonia em uma obra literária. Explorando os princípios

artísticos do romance, François Rabelais, Bakhtin desenvolveu

a teoria de uma cultura universal de humor popular. Ele é

dono de conceitos literários como polifonia e cultura cômica,

cronótopo, carnavalização e menippea (um eufemismo em relação

à linha principal e levando o desenvolvimento do romance

europeu no "grande momento"). Bakhtin é autor de diversas

obras sobre questões teóricas gerais, o estilo e a teoria de

gêneros do discurso. Ele é o líder intelectual de estudos

científicos e filosóficos desenvolvidos por um grupo de

estudiosos russos, que ficou conhecido como o ‘Círculo de

Bakhtin’. (Wikipédia. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakhtin).

Durante o ‘boom’ de correntes teóricas que procuravam

definir o que é literatura e como ela deve ser analisada, os

formalistas russos atacaram com discursos inflamados os

contemporâneos marxistas, guiando seus estudos por Saussure e

pela vanguarda dos futuristas (já criticadas por Lukács). O

que mais legitimou este movimento foi o princípio da

objetividade e cientificidade da literatura. Este privilégio

todo fez com que o estruturalismo perdurasse com força até as

décadas de sessenta e setenta, abafando a crítica marxista e

sociológica. Mas por esta altura o Formalismo já apresentava

os sinais de cansaço e Bakhtin atacou afirmando que com este

movimento, a dimensão social da língua havia sido relegada

para segundo plano. “Bakhtin privilegiaria justamente essa

dimensão no seu estudo do romance russo oitocentista.

Descobriu nas obras de Dostoievsky e Pushkin uma

caleidoscópica variedade de vozes, de múltiplas realizações

da língua, que, ao ultrapassarem os preceitos estilísticos

que espartilham outros géneros literários, revelam a

impossibilidade de representação da língua como unidade

acabada e perfeita. Tal como todas as formações sociais, está

sujeita a mutações constantes e é simultaneamente, nas mãos

do povo, espaço de conflito e de interacção, de contradicção

e de contestação. Esta teoria do romance, baseada no carácter

“polifónico” da língua em acção, fugindo a qualquer

apropriação ideológica, terá sido igualmente alvo de

desconfiança por parte do Estado monolítico e totalitário de

Estaline. O próprio Bakhtin teria que esperar pela década de

sessenta para se reencontrar com o seu público.” (LOPES).

SILVA (2009) primeiro define os principais conceitos

de Bakhtin para que se possa ver sua ligação com a crítica

sociológica e marxista: “O dialogismo parte do princípio

linguístico segundo o qual todo ato de linguagem leva em

conta a presença, ainda que invisível, de alguém para quem se

fala ou escreve. [...] e também prevê, ou imagina prever a(s)

possível(eis) reação(ões) deste ouvinte/leitor. [...] Bakhtin

(1984) diz que, se esquecermos essa relação dialógica, o

significado do ato de linguagem desaparece, pois todo o

significado depende de uma relação entre quem emite e quem

recebe. [...]” (p.181). E essa relação só teria algum sentido

dentro de um contexto no qual o falante se encontra, ou seja,

o conteúdo deste diálogo teria que ter uma visão de mundo

forçosamente com um contexto sócio-histórico, no qual o

leitor/receptor aceitaria ou não de acordo com sua visão de

mundo particular. Esse processo não é individual, mas envolve

toda uma coletividade de vozes que dialogam entre sim.

Dentro dessa relação dialógica na obra literária, há

o monólogos, “ou seja, constroem romances nos quais todas as

personagens e acontecimentos reforçam o ponto de vista do

narrador, de modo que todos as contradições, brigas, opiniões

diferentes, etc., parecem apenas estágios diferentes uma

evolução, do ponto de vista do narrador.” (SILVA, 2009, p.

181). E há a polifonia: “Já os autores polifônicos são

autores que, ao colocarem falas nas bocas dos personagens,

criam a possibilidade de que elas discordem totalmente dos

valores, visão de mundo e ideologia do narrador. A voz do

narrador torna-se apenas uma entre muitas, e o desafio deste

tipo de autor é, como na música, harmonizar as vozes

diferentes num todo coerente.” (SILVA, 2009, p.181). E a

autora afirma que, para Bakhtin, o conhecimento deve ser

dialógico e polifônico.

O conceito de Bakhtin sobre a carnavalização é outro

ponto abordado por SILVA (2009), que investiga a cultura

popular, principalmente das épocas medieval e renascentista.

“A literatura dessa corrente é joco-séria, satírica,

dialógica, pois o avesso pressupõe o direito, [..]. Na

carnavalização há uma inversão nos valores da vida cotidiana,

numa espécie de libertação coletiva, e o poder é

ridicularizado, vítima de uma espécie de “vingança’ por parte

do povo. [...] A carnavalização então acontece quando um

texto literário, de alguma forma, apresenta o chamado “mundo

às avessas”, ou seja, uma inversão crítica e/ou satírica das

formas tradicionais do poder estabelecido e da organização

sócio-política da sociedade. [...]” (p.183). Afirmando a

seguir que a carnavalização e o dialogismo não são conceitos

muito distantes: “[...] Através da carnavalização, a

literatura nos mostra a Alteridade, que é todo e qualquer

modo de pensar, sentir e ver o mundo que não seja exatamente

igual ao nosso. O “eu” se constrói exatamente numa relação de

oposição/complementaridade com o Outro. Enxergar o ponto de

vista do Outro é uma forma de Diálogo. [...]” (p.183). Mas

esse “enxergar” o outro não é harmônico, é todo um processo

de descoberta em que há o estranhamento e a consciência do

ridículo, tanto no outro, quanto em nós: conhecer o outro é

conhecer a nós mesmos.

SILVA (2009) segue com o conceito de cronótopo de

Bakthin. Primeiro ela nos define como um conceito abstrato de

tempo e espaço, no qual os dois são as duas faces da mesma

moeda: “Quando se observa como a relação tempo/espaço foi

criada dentro de um determinado texto, pode-se perceber que

essa relação espaço/tempo vai ser fundamental para mostrar

que tipo de texto é esse. [...]” (p.184).

Na visão de Bakhtin, cronótopo é: “uma unidade de

análise narrativa, uma figura de tempo/espaço típica de

certas tramas (plots) historicamente dadas. Nesse nível, o

cronótopo seria um tipo de estrutura recorrente, muito pouco

diferente daquilo que os formalistas russos chamavam de

mecanismo (device)” (BAKHTIN, 1984, p.110 In: SILVA, 2009, p.

184).

CÂNDIDO - CRÍTICA SOCIOLÓGICA

Antônio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de

Janeiro em 24 de julho de 1918 e atualmente está na casa dos

95 anos. É um sociólogo, literato e professor universitário

brasileiro. Estudioso da literatura brasileira e estrangeira,

possui uma obra crítica extensa, respeitada nas principais

universidades do Brasil. À atividade de crítico literário

soma-se a atividade acadêmica, como professor da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São

Paulo. É professor-emérito da USP e da UNESP, e doutor

honoris causa da Unicamp. (Wikipedia. Disponível em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ant

%C3%B4nio_Candido_de_Mello_e_Souza).

O autor estudou mais profundamente a crítica

literária e escreveu o livro Literatura e Sociedade, no qual

faz um estudo aprofundado sobre a crítica sociológica, e é

nesta obra que será baseada esta parte do estudo. Já no

primeiro capítulo, em uma tentativa de esclarecimento, ele

fala sobre como essa relação entra a obra e seu contexto

social vem sido tratada:

“Nada mais importante para chamar aatenção sobre uma verdade do que exagerá-la. Mastambém, nada mais perigoso, porque um dia vem areação indispensável e a relega injustamente paraa categoria do erro, até que se efetue a operaçãodifícil de chegar a um ponto de vista objetivo,sem desfigurá-la de um lado nem de outro. É o quetem ocorrido com o estudo da relação entre a obrae o seu condicionamento social, que a certaaltura do século passado chegou a ser vista comochave para compreendê-la, depois foi rebaixadacomo falha de visão, — e talvez só agora comece aser proposta nos devidos termos [...]” (CÂNDIDO,2006, p.13).

O vínculo entre obra e ambiente vem recebendo mais

atenção pela análise estética das obras. “Sabemos, ainda, que

o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem

como significado, mas como elemento que desempenha um certo

papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto,

interno.” (CÂNDIDO, 2006, p.14).

Segundo o autor, o diferencial no momento atual para

a crítica sociológica é que os autores atuais colocam os

fatores externos não mais como enquadramento ou matéria

registrada, mas como agentes da estrutura, o que possibilita

um alinhamento com os fatores estéticos do texto, procurando

um sentido maior, tecendo todos os elementos do texto em

busca de uma análise mais concreta. Ele também afirma que o

externo se torna interno dentro de um texto à medida em que

ele é entrelaçado na visão de mundo dos personagens e do

narrador, e a crítica deixa de ser sociológica para se tornar

apenas crítica.

O autor define algumas modalidades “mais comuns de

estudos de tipo sociológico em literatura, feitos conforme

critérios mais ou menos tradicionais e oscilando entre a

sociologia, a história e a crítica de conteúdo” (CÂNDIDO,

2006, p.18). O primeiro seria o método tradicional de

relacionar uma literatura, um período, um gênero com as

condições sociais, mas que pode ser decepcionante ao abrir

interpretações que caiam nas causas deterministas e isoladas

de analisarem a obra. A segunda modalidade seria a mais

simples e comum: analisar até que nível uma obra espelha ou

representa a sociedade, mas que peca ao representar muito

mais uma sociologia elementar do que uma crítica propriamente

dita. “[...] o terceiro é apenas sociologia, e muito mais

coerente, consistindo no estudo da relação entre a obra e o

público, — isto é, o seu destino, a sua aceitação, a ação

recíproca de ambos [...]” (CÂNDIDO, 2006, p.20). A quarta

modalidade está ainda dentro da sociologia, mas na parte que

estuda a função do escritor e sua posição com a natureza e a

produção na organização da sociedade, e desta surge a quinta

modalidade: que investiga a função política das obras e dos

autores com intuito ideológico marcado. “Lembremos,

finalmente, um sexto tipo, voltado para a investigação

hipotética das origens, seja da literatura em geral, seja de

determinados gêneros[...]” (CÂNDIDO, 2006, p.21).

Ao explanar sobre literatura e sociedade, o autor

afirma que há duas formas tradicionais: a primeira que

consiste em estudar em que medida a arte é expressão da

sociedade, e a segunda é em que medida essa arte está

interessada nos problemas sociais.

O autor também se interessa pelo fator comunicativo

da arte, retomando assim as questões postas por Bakhtin sobre

o dialogismo: “[...] sociologicamente, a arte é um sistema

simbólico de comunicação interhumana, e como tal interessa ao

sociólogo. Ora, todo processo de comunicação pressupõe um

comunicante, no caso o artista; um comunicado, ou seja, a

obra; um comunicando, que é o público a que se dirige; [...]”

(CÂNDIDO, 2006, p.31)

SILVA (2009) afirma que Cândido deixa claro que a

crítica sociológica deve ser aberta, levando em conta

elementos que enriquecem o texto, como as possibilidades

políticas, psicológicas, sociológicas, etc. Ele também

estudou a influência da obra na sociedade, e da sociedade na

obra, em uma relação dialógica em que o autor se identifica e

se modifica através da obra.

Outro conceito que Cândido aborda é o de arte de

agregação e arte de segregação, na qual a primeira está

preocupada em manter uma linha tradicional, sem muitas

inovações para não causar estranhamento no público leitor,

mudando apenas alguns detalhes, mas mantendo a ideologia.

Enquanto a segunda quer mudar totalmente o conjunto de

símbolos, a ideologia, com a intenção de provocar o

estranhamento para reflexão do sujeito, quebrando as

expectativas que os leitores já carregam internalizadas.

PROBLEMAS DA CRÍTICA SOCIOLÓGICA

SILVA (2009) faz um parecer sobre os problemas que as

análises se obras sob a ótica sociológica pode trazer.

Cândido por várias vezes usa em seu livro Literatura e

Sociedade o termo “perigoso afirmar que” em sinal de cautela

sobre o tema, que é, digamos, bem complexo e abre um leque de

interpretações.

“O próprio Candido aponta bem para o maior problema

da crítica sociológica: é a tendência que alguns críticos,

especialmente da linha marxista, adquirem de se prender

demais aos aspectos sociológicos. [...]” (SILVA, 2009,

p.187). Desta forma os críticos possuem um a visão mais

limitada e incompreensiva dos diversos fenômenos literários.

E finaliza dizendo que, independentemente da preferência, o

crítico não deve se fechar para as outras tendências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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- RIBEIRO, Francigelda. O decurso da crítica marxista e a

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