The paradox of rule of law reforms: How early reforms can create obstacles to future ones

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73 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 45: 73-90 MAR. 2013 RESUMO O PARADOXO DAS REFORMAS DO ESTADO DE DIREITO: QUANDO REFORMAS INICIAIS SE TORNAM OBSTÁCULOS PARA REFORMAS FUTURAS 1 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 45, p. 73-90, mar. 2013 Recebido em 9 de setembro de 2012. Aprovado em 10 de dezembro de 2012. Mariana Mota Prado DOSSIÊS I. INTRODUÇÃO 2 A partir da década de 1990, uma perspectiva institucionalista tem ganhado cada vez mais proeminência em estudos sobre o desenvolvimento. A idéia central dessa perspectiva encontra-se resumida nos seus mantras “instituições importam” ou “governança importa” 3 . A convicção de que a existência de instituições adequadas é um fator indispensável para No seu livro mais recente, Reformas do Estado de Direito e Desenvolvimento: Mapeando o Difícil Caminho do Progresso, Michael Trebilcock e Ron Daniels mostram como as numerosas tentativas de promover reformas para fortalecer o Estado de Direito em países em desenvolvimento geraram poucos sucessos e muitos fracassos. O diagnóstico dos autores é que fatores sociais, históricos e culturais e a resistência de grupos de interesse, foram dois dos principais obstáculos ao sucesso das reformas. O artigo oferece uma discussão mais aprofundada sobre esses dois obstáculos. A análise se baseia em dados secundários (literatura acadêmica) e apenas formula hipóteses a serem testadas. Não houve coleta de dados primários para a realização dessa pesquisa. Com relação aos fatores sociais, históricos e culturais, a hipótese é que reformas iniciais podem criar valores, práticas e atitudes que se tornarão, por vezes, impedimentos para futuras reformas. Já na arena da economia política, essas reformas iniciais podem fortalecer grupos de interesse que irão bloquear futuras reformas. Se as hipóteses estiverem corretas, os formuladores de políticas públicas encontram-se diante de um paradoxo: reformas iniciais ambiciosas podem prejudicar os esforços para promover reformas importantes no futuro, criando uma armadilha no processo de reforma (reforma-armadilha). O artigo sugere que o caso da reforma do judiciário no Brasil parece ilustrar esse paradoxo e permitiria discutir possíveis estratégias para superar esse impasse. PALAVRAS-CHAVE: teoria institucionalista; Direito e desenvolvimento; reforma do poder Judiciário; Estado de Direito; path dependence. o desenvolvimento levou a um aumento significativo de assistência para projetos de reforma institucional em economias em desenvolvimento e em transição. Hoje, tais projetos somam investimentos de muitos bilhões de dólares. Dentre esses, os projetos de reforma legal adquiriram grande relevância. Por exemplo, desde 1990 o Banco Mundial apoiou 330 projetos de reforma para fortalecer o Estado de Direito em países em desenvolvimento, tendo investido US$ 2,9 bilhões nesse setor. No entanto, até o momento, esses numerosos projetos de reforma apresentaram resultados 1 Este artigo é uma tradução do original em inglês “The Paradox of Rule of Law Reforms: How Early Reforms Can Create Obstacles to Future Ones”, publicado na University of Toronto Law Journal , volume 60, página 555-578, Spring, 2010. Tradução de Patrícia Galvão Ferreira e revisão da tradução pela própria autora. 2 Meus agradecimentos a Diego Werneck Arguelhes, Kevin Davis, Diana Juricevic, Karen Knop, Julia Cadaval Martins, Michael Trebilcock, Ilton Robl Filho e aos revisores anônimos por comentários e sugestões valiosas. Meus agradecimentos também a Patrícia Galvão Ferreira e Natasha Kanerva pela excelente assistência na pesquisa para este artigo. 3 As expressões em inglês são “institutions matter” ou “governance matters”. Essa perspectiva de que instituições são o fator de influência mais importante em processos de desenvolvimento social e econômico está baseada fundamentalmente no trabalho de Douglas C. North, um dos fundadores da escola de pensamento conhecida como “novo institucionalismo econômico” (também conhecida pela abreviatura NIE, do original em inglês New Institutional Economics ). As teorias mais relevantes produzidas por North na área do NIE podem ser encontradas em algumas de suas obras seminais tais como Institutions, Institutional Change and Economic Performance (NORTH, 1990) e “The New Institutional Economics (NORTH, 1986) (Nota da Tradutora, doravante “NT”).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 45: 73-90 MAR. 2013

RESUMO

O PARADOXO DAS REFORMAS DO ESTADO DE DIREITO:QUANDO REFORMAS INICIAIS SE TORNAM OBSTÁCULOS

PARA REFORMAS FUTURAS1

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 45, p. 73-90, mar. 2013Recebido em 9 de setembro de 2012.Aprovado em 10 de dezembro de 2012.

Mariana Mota Prado

DOSSIÊS

I. INTRODUÇÃO2

A partir da década de 1990, uma perspectivainstitucionalista tem ganhado cada vez maisproeminência em estudos sobre o desenvolvimento. Aidéia central dessa perspectiva encontra-se resumidanos seus mantras “instituições importam” ou“governança importa”3. A convicção de que a existênciade instituições adequadas é um fator indispensável para

No seu livro mais recente, Reformas do Estado de Direito e Desenvolvimento: Mapeando o Difícil Caminho doProgresso, Michael Trebilcock e Ron Daniels mostram como as numerosas tentativas de promover reformas parafortalecer o Estado de Direito em países em desenvolvimento geraram poucos sucessos e muitos fracassos. Odiagnóstico dos autores é que fatores sociais, históricos e culturais e a resistência de grupos de interesse, foram doisdos principais obstáculos ao sucesso das reformas. O artigo oferece uma discussão mais aprofundada sobre essesdois obstáculos. A análise se baseia em dados secundários (literatura acadêmica) e apenas formula hipóteses aserem testadas. Não houve coleta de dados primários para a realização dessa pesquisa. Com relação aos fatoressociais, históricos e culturais, a hipótese é que reformas iniciais podem criar valores, práticas e atitudes que setornarão, por vezes, impedimentos para futuras reformas. Já na arena da economia política, essas reformas iniciaispodem fortalecer grupos de interesse que irão bloquear futuras reformas. Se as hipóteses estiverem corretas, osformuladores de políticas públicas encontram-se diante de um paradoxo: reformas iniciais ambiciosas podemprejudicar os esforços para promover reformas importantes no futuro, criando uma armadilha no processo dereforma (reforma-armadilha). O artigo sugere que o caso da reforma do judiciário no Brasil parece ilustrar esseparadoxo e permitiria discutir possíveis estratégias para superar esse impasse.

PALAVRAS-CHAVE: teoria institucionalista; Direito e desenvolvimento; reforma do poder Judiciário; Estado deDireito; path dependence.

o desenvolvimento levou a um aumento significativode assistência para projetos de reforma institucionalem economias em desenvolvimento e em transição.Hoje, tais projetos somam investimentos de muitosbilhões de dólares. Dentre esses, os projetos de reformalegal adquiriram grande relevância. Por exemplo, desde1990 o Banco Mundial apoiou 330 projetos de reformapara fortalecer o Estado de Direito em países emdesenvolvimento, tendo investido US$ 2,9 bilhõesnesse setor.

No entanto, até o momento, esses numerososprojetos de reforma apresentaram resultados

1 Este artigo é uma tradução do original em inglês “The Paradoxof Rule of Law Reforms: How Early Reforms Can CreateObstacles to Future Ones”, publicado na University of TorontoLaw Journal , volume 60, página 555-578, Spring, 2010.Tradução de Patrícia Galvão Ferreira e revisão da tradução pelaprópria autora.2 Meus agradecimentos a Diego Werneck Arguelhes, KevinDavis, Diana Juricevic, Karen Knop, Julia Cadaval Martins,Michael Trebilcock, Ilton Robl Filho e aos revisores anônimospor comentários e sugestões valiosas. Meus agradecimentostambém a Patrícia Galvão Ferreira e Natasha Kanerva pelaexcelente assistência na pesquisa para este artigo.3 As expressões em inglês são “institutions matter” ou“governance matters”. Essa perspectiva de que instituições sãoo fator de influência mais importante em processos de

desenvolvimento social e econômico está baseadafundamentalmente no trabalho de Douglas C. North, um dosfundadores da escola de pensamento conhecida como “novoinstitucionalismo econômico” (também conhecida pelaabreviatura NIE, do original em inglês New InstitutionalEconomics ). As teorias mais relevantes produzidas por Northna área do NIE podem ser encontradas em algumas de suasobras seminais tais como Institutions, Institutional Change andEconomic Performance (NORTH, 1990) e “The NewInstitutional Economics (NORTH, 1986) (Nota da Tradutora,doravante “NT”).

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desapontadores, como mostraram Michael Trebilcocke Ron Daniels em seu recente livro Reformas do Estadode Direito e Desenvolvimento: Mapeando o DifícilCaminho do Progresso (TREBILCOCK & DANIELS,2008). Após examinar detalhadamente uma série dereformas institucionais para promover o fortalecimentodo Estado de Direito na África, na Ásia, na AméricaLatina e na Europa Oriental, os autores mostram queainda temos pouco conhecimento sobre comopromover reformas institucionais bem-sucedidas.Outros autores expressam preocupações semelhantes,mostrando que Trebilcock e Daniels não estão sozinhos(cf. CAROTHERS, 1998; 2002; GARTH & DEZALAY,2002; TAMANAHA, 2004; 2009; TRUBEK, 2006).

Baseados em uma ampla amostra de estudos decaso, Trebilcock e Daniels oferecem algumas hipótesessobre as possíveis razões para esses fracos resultados.De acordo com os autores, existem três principaisobstáculos às reformas. Primeiro, em países onde existevontade política para promover reformas, faltamrecursos financeiros, tecnológicos ou humanos paraimplementá-las. Segundo, há “fatores sociais, culturaise históricos” que podem fomentar uma série devalores, normas, atitudes e/ou práticas que são poucoreceptivas até mesmo a uma versão bastante restritado Estado de Direito (TREBILCOCK & DANIELS,2008, p. 39). Terceiro, existem impedimentos deeconomia política. Grupos de interesse resistirão atentativas de implementar reformas que eliminem seusprivilégios, ou que não favoreçam seus interesses, ouque não lhes ofereça nenhum ganho (material ou deoutra natureza) (idem, p. 39-40).

Meu principal argumento, neste artigo, é que algunsdesses obstáculos podem ser criados por reformasseqüenciais ou fragmentadas4. Quando as reformassão implementadas em seqüência, em vez de seremimplementadas integralmente, mudanças institucionaisiniciais podem gerar dois tipos de conseqüências: (i)a formação de práticas, valores e atitudes que irãobloquear futuras reformas; (ii) o fortalecimento degrupos de interesse que irão resistir a futuras reformas.Para ilustrar esse problema, discuto o caso da reformajudiciária no Brasil. A Constituição Brasileira de 1988assegurou fortes garantias de independência para opoder Judiciário brasileiro. Já em 1992 surgiramtentativas de promover reformas legais econstitucionais para aprimorar o funcionamento do

poder Judiciário e aumentar sua accountability5 masos juízes brasileiros resistiram fortemente a essasreformas. Essa resistência conseguiu bloquearreformas até 2004, quando uma emenda constitucionalcriando um sistema de controle externo do poderJudiciário foi finalmente aprovada.

Esse caso mostra como reformas fragmentadasou seqüenciais podem prejudicar um processo maiscompleto de reformas, dado que conquistas iniciaispodem paradoxalmente dificultar futuras melhoriasinstitucionais. Chamo isso de reforma-armadilha (verseção II, a seguir). Considerando que esse problemaé parcialmente causado pela decisão de implementarreformas seqüenciais ou fragmentadas, seria corretoinferir que a melhor estratégia seria evitar esse tipo dereforma? Em tese, a resposta a essa pergunta éafirmativa. No entanto, aqueles que querem promoverreformas ambiciosas precisam atentar para alguns dosriscos das reformas completas e integrais. Além disso,embora reformas abrangentes sejam, em tese, asolução, muitas vezes reformas fragmentadas eseqüenciais são as únicas opções disponíveis (verseção III, a seguir). Seria possível, nesses casos,escapar dessa armadilha? O caso da reforma do poderJudiciário no Brasil indica que sim.

Após discutir algumas das sugestões oferecidas porTrebilcock e Daniels sobre formas de superar obstáculosa reformas, formulo algumas sugestões adicionais,ressaltando uma opção que ainda não foi devidamenteexplorada pela literatura acadêmica: mudar a mentalidade(mindset) ou as preferências do grupo que mais estáresistindo às reformas (Seção IV).

A análise aqui elaborada baseia-se em um projetode pesquisa que desenvolvi em colaboração comMichael Trebilcock. No artigo intitulado “‘PathDependence’ Desenvolvimento e a Dinâmica dasReformas Institucionais”6, nós identificamos uma sériede vantagens oferecidas por reformas fragmentadase sequenciais (MOTA PRADO & TREBILCOCK,2009). Em contraste, no presente artigo eu ressaltoum dos potenciais problemas com esse tipo de

4 Neste artigo, uso as palavras “fragmentada/o” e “sequencial”indistintamente, para caracterizar uma estratégia de reformaque contrasta com projetos de reformas que são abrangentes,integrais e completos. Para uma definição mais detalhada dessestermos, ver as notas 21 e 30, abaixo.

5 O termo accountability é usado nesse artigo em virtude daausência de uma tradução adequada para o significado daexpressão. Os conceitos mais aproximados são o de“responsabilização” de agentes públicos, ou “prestação decontas”. Para uma análise da dificuldade de traduzir esseconceito, ver Pinho e Sacramento (2009). (NT).

6 A expressão path dependence , mantida do original em inglês,é algumas vezes traduzida em português como “dependênciarelativa ao percurso”, “dependência da trajetória” ou“dependência histórica”. Path dependence significa a influênciasignificativa de opções institucionais adotadas no passado, natrajetória presente e futura dessas instituições. (NT).

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reforma: reformas iniciais tornando-se obstáculos parafuturas reformas. Entretanto, eu não concluo quereformas integrais e abrangentes sejam necessariamentepreferíveis à reformas seqüenciais. Ao contrário, aquelesque estejam implementando reformas devem pesar osriscos apresentados por reformas fragmentadas emrelação aos riscos apresentados por reformasabrangentes, e esses últimos não são desprezíveis.

Além disso, apesar do risco de reformas-armadilha,em alguns casos reformas fragmentadas são a únicaopção disponível. Em artigo sobre path dependence,Mota Prado e Trebilcock (idem) analisaram asvantagens oferecidas por reformas fragmentadas vis-à-vis reformas integrais durante o que nós denominamos“períodos normais”. Concluiu-se que a implementaçãode reformas ambiciosas é improvável durante períodosnormais, porque esse tipo de reforma exige grandesrupturas e causa perturbações sociais e políticasgerando, conseqüentemente, maior resistência. Ocenário é diferente quando se trata de períodosexcepcionais (que incluem períodos de criseeconômica, crises políticas significativas, guerra civilou invasões militares), porque a credibilidade elegitimidade das elites historicamente estabelecidas estãoem geral enfraquecidas e os padrões de comportamentosocial já se encontram desestruturados. Nesses casos,reformas mais abrangentes e ambiciosas podem tornar-se factíveis. Entretanto, nós reconhecemos que atémesmo em períodos excepcionais podem existirproblemas de path dependence (idem, p. 370). Nopresente artigo, aprofundo esse argumento, explorandocomo alguns dos fatores econômicos, sociais e culturaispré-existentes podem criar obstáculos para reformastambém em períodos excepcionais. Maisespecificamente, discuto quais fatores podem tornarreformas integrais e ambiciosas em reformas custosas,arriscadas e algumas vezes improváveis, até mesmodurante períodos que deveriam, em princípio,representar “janelas de oportunidade” para reformasabrangentes. A reforma do poder Judiciário brasileiroserve de ilustração ao meu argumento.

II. ESTUDO DE CASO: REFORMANDO O JUDI-CIÁRIO BRASILEIRO

Desde a independência, em 1822, até o final daditadura militar, em 1985, a história do poder Judiciáriobrasileiro oscilou entre conquistas de garantias formaisde independência e repetidos recuos e interferênciasdos poderes Executivo e Legislativo na independênciaefetiva dos membros do poder Judiciário (LIMA,2000). A quebra desse padrão foi uma das principaispreocupações das pessoas reunidas na AssembléiaConstituinte de 1987-1988, que guardavam memóriasvívidas das medidas que haviam sido usadas para

reduzir a independência judicial durante o período de1964 a 19857. Os constituintes de 1987-1988 tinhamcomo meta assegurar altos níveis de independênciajudicial, tanto para proteger o poder Judiciário deingerências políticas externas quanto para permitir queele pudesse servir como um instrumento horizontalde controle dos outros poderes, assegurando umsistema de freio e contrapesos para conter potenciaisabusos políticos dos poderes Executivo e Legislativo.

O desenho institucional utilizado para garantir aindependência judicial no Brasil incluiu a concessãode autonomia financeira e administrativa para o poderJudiciário, bem como a expansão de seus poderes derevisão constitucional. As reformas de 1988conseguiram assegurar um alto grau de independênciajudicial no Brasil, como demonstram as sentenças emquestões políticas sensíveis e a forte imunidade dopoder Judiciário a interferências externas (idem, p.83; SANTISO, 2003; TAYLOR, 2005; 2008). Noentanto, as deficiências do modelo de reformabrasileiro começaram a revelar-se logo após apromulgação da Constituição. Por um lado, o desenhoinstitucional fortaleceu o poder Judiciário e garantiuum poder político sem precedentes para juízes etribunais. Por outro lado, esse poder não foi submetidoa qualquer controle devido à ausência quase total demecanismos de accountability (PRILLAMAN, 2000,p. 85-88; SANTISO, 2003). As tentativas deimplementar uma segunda geração de reformas, dessavez incluindo mecanismos de accountability judicial,começaram em 1992, apenas quatro anos após aConstituição ter sido promulgada. Todavia, longos 15anos passaram-se até que as primeiras mudançassignificativas nesse sentido fossem finalmenteincorporadas ao sistema jurídico brasileiro. Nestaseção, sugiro que as dificuldades em implementar umasegunda geração de reformas no poder Judiciáriobrasileiro tem suas raízes – ao menos parcialmente –em interesses constituídos e em uma série de valorescultivados pela primeira geração de reformas. Paradesenvolver esse argumento, focarei minha análise emum dos elementos da segunda geração de reformas:as tentativas para criar um órgão de controle externodo poder Judiciário no Brasil.

II.1. As reformas de 1988: independência judicial semcontrole externo

A Constituição Brasileira de 1988 manteve,fortaleceu e estabeleceu uma série de garantias comvistas a proteger a independência judicial. Para evitarinterferências políticas por meio de pressões ou

7 Para um resumo, ver Prillaman (2000).

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ameaças financeiras, o poder Judiciário ganhouautonomia financeira (PRILLAMAN, 2000, p. 81).Também ganhou independência administrativa: ostribunais superiores adquiriram o direito exclusivo depropor projetos de lei relativos à criação de novostribunais ou à modificação da composição dos tribunaisjá existentes (KOERNER, 1999). Adicionalmente, apartir da promulgação da Constituição de 1988, ostribunais adquiriram o poder de selecionar e promoveros próprios juízes e membros dos tribunais, seguindoum sistema meritocrático. Os constituintes de 1988também fortaleceram as garantias de estabilidadefuncional no poder Judiciário: após dois anosprobatórios, os juízes adquirem garantia de estabilidadeaté a aposentadoria, que é mandatória no Brasil a partirdos 70 anos. Os salários dos juízes tornaram-seirredutíveis. Além disso, os juízes tornaram-seinamovíveis, sendo vedada a transferência forçada deum tribunal a outro8. Os tribunais superiores passarama conhecer os recursos administrativos disciplinarescontra os juízes de cortes inferiores, e a sançãoadministrativa máxima a ser aplicada por essestribunais passou a ser a de aposentadoria forçada, quedetermina que o juiz condenado recebe aposentadoriaintegral vitalícia em valor proporcional aos anostrabalhados. Em resumo, o poder Judiciário obteveum controle quase total sobre suas questõesfinanceiras, administrativas e disciplinares,conquistando benefícios inéditos no país(PRILLAMAN, 2000, p. 81).

Durante a Assembléia Constituinte houvediscussões sobre possíveis mecanismos deaccountability judicial, tais como conselhos judiciaiscompostos por juízes e por integrantes de fora damagistratura. Entretanto, nenhum mecanismo chegoua ser aprovado, em virtude da oposição forte eorganizada de juízes que consideravam tais propostascomo medidas de controle externo que iriam ameaçara independência dos tribunais (BALLARD, 1999, p.262). Esse receio de ingerência externa era justificado,tendo em vista que a história brasileira está repleta deepisódios de intervenção política externa no poderJudiciário, incluindo o traumático período militar queantecedeu a constituinte. Por exemplo, em 1977 o entãopresidente Ernesto Geisel apresentou um projeto delei ao Congresso para estabelecer o que chamou de“conselho da magistratura”, que incluía poderes paradisciplinar juízes (idem, p. 243). Quando o Congressorejeitou o projeto, Geisel aprovou a medida por decreto.O conselho da magistratura estabelecido por Geisel

tinha implícito o objetivo de assegurar maior controlepolítico do regime militar sobre o poder Judiciário(GAROUPA & GINSBURG, 2009, p. 69). Esseepisódio, ainda recente à época da AssembléiaConstituinte, ajuda-nos a entender por que o discursoem prol da independência judicial adquiriu tamanhaforça em 1987-1988 e por que esse discursopermaneceria veemente nos anos que se seguiram.

Além da resistência dos juízes, não havia, à época,suficiente apoio público para a criação de possíveismecanismos de accountability do poder Judiciário.Essa ausência de apoio público pode ser explicada pelofato de que, durante a ditadura militar, a comunidadejurídica brasileira havia adquirido uma forte imagemantiautoritária. Essa imagem estava associada à atuaçãofirme da Organização dos Advogados Brasileiros(OAB), bem como dos advogados das comissões dejustiça e paz, na denúncia de violações de direitoshumanos e no lobby por uma anistia política geral eirrestrita para presos políticos. Um grupo seleto deadvogados que ganharia notoriedade nacional aodefender presos políticos ilustres contribuiuespecialmente para essa imagem. Por outro lado, essapercepção pública da comunidade jurídica ignorava aparticipação ativa de advogados e juízes no repressivosistema de justiça militar (PEREIRA, 2003, p. 7).

II.2. Conseqüências das reformas de 1988: má gestãode recursos e corrupção

A ausência de mecanismos de accountabilityexternos para monitorar o uso de recursos públicos,verificar os critérios de avanços na carreira esupervisionar uma série de questões administrativas edisciplinares levou à má gestão financeira, corrupção,práticas de nepotismo e favoritismo dentro do sistemajudicial brasileiro (PRILLAMAN, 2000, p. 85-87;SANTISO, 2003, p. 9). Na metade da década de 1990já havia um grande número de denúncias sobre casosde desvios de fundos, concessão de benefíciosindividuais indevidos ou excessivos a juízes ecorrupção. Carlos Santiso cita três exemplos de mágestão ocorridos em 1994: enquanto o orçamento anualda justiça federal era de meio bilhão de dólares, o poderJudiciário gastou mais de US$ 880 milhões naqueleano; o Tribunal Superior do Trabalho (TST) sozinhohavia desembolsado mais do que ambas as casas doCongresso em apenas um ano; e a construção de umúnico prédio luxuoso para servir de sede ao TribunalSuperior de Justiça (STJ) havia custado US$ 170milhões (SANTISO, 2003).

Em relação a benefícios individuais a juízes, WilliamPrillaman fornece a seguinte informação: “Os juízes,ao deterem o poder de determinar os próprios salários,pensões, estrutura de apoio funcional e orçamentos,

8 Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), art. 26,c. II.

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passaram a conceder tratamento – especialmente paraos escalões mais altos – excepcionalmente privilegiado,incluindo alguns dos benefícios mais generosos emtodo o mundo. Um ministro do Supremo TribunalFederal no Brasil ganha US$ 10 800 mensais – maisdo que o próprio presidente – enquanto o salário médiode um juiz de primeira instância é mais de 30 vezessuperior ao salário mínimo. Os juízes são ainda maisprivilegiados na aposentadoria: o Tribunal de Contasdo Brasil calculou que um juiz de primeira instânciaganhava tipicamente US$ 2 393 mensais em 1994quando na ativa, mas o mesmo juiz ganhava uma médiade US$ 3 559 quando se aposentava – o Brasil sendoo único país do mundo em que um juiz ganha maisapós aposentar-se do que quando está em serviço”(PRILLLAMAN, 2000, p. 86)9.

No final da década de 1990, vários casos decorrupção judicial ganharam destaque na mídiabrasileira. O caso mais discutido foi o da construçãodo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP). O Juiz Nicolau dos Santos Neto, à épocapresidente do TRT-SP, foi acusado e posteriormentecondenado por liderar um esquema de corrupção quedesviou mais de US$ 90 milhões de fundos alocadospara a construção da sede do TRT-SP para contasbancárias privadas (incluindo contas em seu próprionome e de seus familiares) (TAYLOR & BURANELLI,2007, p. 71). Esse e outros casos de corrupção e mágestão de recursos levaram o Senado a criar umaComissão Parlamentar de Inquérito (CPI) parainvestigar abusos no poder Judiciário. A CPI, quefuncionou de abril a dezembro de 1999, conduziuinquéritos sobre o caso de corrupção no TRT-SP etambém sobre outros oito casos de possíveis abusos.Os resultados revelaram a extensão do problema:membros da CPI encontraram evidências denepotismo, irregularidades financeiras e corrupção nascortes superiores e inferiores nos estados da Paraíba,Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás e Amazonas(BRASIL, 2010).

II.3. Resistência a Reformas: de 1988 até o Final dosAnos 90

Como mencionado anteriormente, as tentativas decriar mecanismos de maior controle do poderJudiciário foram iniciadas logo após a promulgaçãoda Constituição de 1988. No entanto, a primeirareforma significativa (Emenda Constitucional 45) sóviria a acontecer em 2004, e só após sete anos deintensa pressão política. Por que as reformas paragarantir mais accountability para o poder Judiciáriobrasileiro levaram tanto tempo para ser aprovadas?

Trebilcock e Daniels dividem os possíveisobstáculos ou impedimentos para a implementação dereformas do Estado de Direito em países emdesenvolvimento em três categorias: (i) impedimentosfinanceiros; (ii) fatores sociais, políticos e culturais e(iii) problemas de economia política (TREBILCOCK& DANIELS, 2008, p. 39). No primeiro caso, osprincipais atores teriam vontade política, mas aausência de capital financeiro, tecnológico ou humanoimpediriam a implementação dessas reformas. Noentanto, a falta de recursos não parece ter sido umproblema para o poder Judiciário brasileiro. Ostribunais federais brasileiros são “bem financiados emregra, com o maior orçamento em termos de paridadede poder de compra per capita quando comparadoaos outros sistemas federais de todo o hemisférioocidental” (TAYLOR, 2008, p. 37)10.

Trebilcock e Daniels argumentam que uma sériede valores sociais, normas, atitudes e práticas, o queeles classificam em uma categoria vagamente definidade fatores históricos-sociais-culturais, podem formarum ambiente hostil para a implementação de reformas.A crença exacerbada no valor superior daindependência judicial vis-à-vis a necessidade degarantir accountability ao poder Judiciário pode terexercido influência na resistência que juízes brasileirosofereceram às tentativas de reformas após 1988.Conforme explicitado anteriormente, essa crença haviasido reforçada pela história recente do país, já quereformas que supostamente promoveriam maioraccountability foram utilizadas para enfraquecer aindependência do poder Judiciário11. A percepçãopública positiva do poder Judiciário como um bastião

9 Tradução livre do trecho original em inglês: “Judges,empowered to set up their own wages, pension, staffingrequirements, and budgets, have treated themselves –particularly their upper ranks – exceptionally well, with someof the world’s most generous benefits. A Supreme Court justiceearns US$ 10,800 monthly – more than the President himself –while an average judge of first instance earns more than thirtytimes the national minimum salary. Judges do even better inretirement; Brazil ’s National Accounting Office has calculatedthat a typical judge of first instance earned US$ 2,393 monthlyin 1994 when serving on bench, but US$ 3,559 when he retired– the only country in the world in which a judge earns more inretirement than when serving on the bench” (NT).

10 As cortes estaduais não contam necessariamente com omesmo acesso à recursos abundantes. Tradução livre do originalem inglês: “well funded as a whole, with the highest budget inpurchasing power parity terms per inhabitant of all the federalsystems in the Western hemisphere” (NT).11 Cf. Ballard (1999, p. 262) e Prillaman (2000, p. 81). Vertambém Garoupa e Ginsburg (2009a, p. 60), sugerindo queessa não é uma característica exclusiva do Brasil.

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da proteção dos direitos humanos e da promoção dointeresse público durante a ditadura militar tambémreforçou essa crença na importância de preservar aindependência judicial contra a interferência indevidados outros poderes a qualquer custo.

Há também razões para acreditar que interessesconstituídos de membros do poder Judiciário brasileiro(classificados como obstáculos de economia política)exerceram um papel importante na resistência areformas. Usando a tipologia de obstáculos a reformas,criada por Trebilcock e Daniels, levanta-se aqui ahipótese de que, no Brasil, esses impedimentos deeconomia política, paradoxalmente, foram criados ousignificativamente fortalecidos pela primeira geraçãode reformas em 1988.

As propostas mais específicas para criar algumtipo de mecanismo de controle externo do poderJudiciário começaram ainda em 199212. Os debatestornaram-se mais intensos durante o processo derevisão constitucional ocorrido em 1993, quando 12das 18 propostas de reforma do poder Judiciárioincluíram algum mecanismo externo de controle(PRILLAMAN, 2000). Nenhuma dessas propostas foibem sucedida. Assim como as outras propostas derevisão constitucional em 1993, a discussão sobre areforma do poder Judiciário foi ofuscada pelaturbulência política gerada pelo escândalo decorrupção envolvendo 29 membros do CongressoNacional (POWER, 1997). Pouco antes desseescândalo, o Congresso Nacional brasileiro haviaaprovado o processo de impeachment do entãopresidente Fernando Collor de Mello, em virtude dedenúncias de corrupção no poder Executivo13. Essesacontecimentos terminaram por privar tanto o poderExecutivo quanto o poder Legislativo da reputação,do prestígio e da influência arduamente conquistadosno período da Assembléia Constituinte (LAMOUNIER,1994). Essas circunstâncias políticas prejudicaram ahabilidade dos membros desses poderes decontribuírem para a aprovação de reformas judiciaissignificativas.

Além desse contexto político conturbado, juízes emembros dos tribunais exerceram um papel importanteno bloqueio das tentativas de reforma, alegando queas mudanças iriam ameaçar a independência judicial(PRILLAMAN, 2000). Essa posição do poderJudiciário à época contrastava com o amplo apoio às

reformas de outros setores da sociedade brasileira. Opoder Executivo, a maioria dos parlamentares, a Ordemdos Advogados do Brasil (OAB), outras organizaçõesda sociedade civil e os sindicatos, todos expressaramapoio à idéia do controle externo do poder Judiciário14.De fato, após 1993, várias propostas de revisãoconstitucional que incluíam a criação de um conselhonacional para monitorar o poder Judiciário continuarama ser apresentadas e discutidas por representantes doCongresso15. No entanto, a maioria dos juízescontinuou a opor-se à idéia e nenhuma das propostasfoi aprovada. Megan Ballard discute a resistência dosjuízes durante esse período em maiores detalhes. Emsuas palavras: “[...] membros da Associação dos Juízespara a Democracia unanimemente se opõem a qualquertipo de controle que possa interferir com a liberdadede cada juiz de decidir. Uma pesquisa com juízesindicou que 86,5% deles se opõem ao controle externodo Judiciário. A Associação dos Magistrados do Brasil(AMB) fez lobby contra o controle externo, afirmandoque a proposta equivalia a uma aberração constitucionale alegando que a medida menosprezava os juízes. Damesma forma, a maioria dos ministros do SupremoTribunal Federal são contra o controle externo, dadoque afetaria a independência judicial, e propuseram,ao invés disso, a criação de uma série de ‘controlesinternos’ por meio de um conselho formado por juízesdas cortes superiores” (BALLARD, 1999, p. 263)16.

Dado um sistema que permitia tantos privilégios efechava os olhos para tantos abusos dentro do poderJudiciário, parece plausível assumir que interesses

12 Para uma análise detalhada dessas propostas, cf. Rosenn(2000).13 Para um estudo mais aprofundado sobre esse tema, verMainwaring (1997, p. 94-97).

14 Prillaman (2010, p. 94) escreve que “entre 1994-95, 74%do Congresso declarou apoiar o controle externo do Judiciário,enquanto 72% do público expressou a mesma opinião” (traduçãolivre). Ver também Ballard (1999).15 Em 1995, José Genoino, filiado ao Partido dos Trabalhadores(PT), apresentou uma proposta para a criação de conselhosestaduais e um conselho federal para supervisionar os trabalhosfinanceiros e administrativos do poder Judiciário. A Câmarados Deputados apresentou uma proposta alternativa, em 1996,para a criação de um Conselho Nacional de Justiça parasupervisionar assuntos internos e receber reclamações contra opoder Judiciário.16 Tradução livre do original em inglês: “Members of theAssociation of Judges for Democracy unanimously opposeany type of control that would interfere with the liberty ofeach judge to render his or her decisions. A survey of judgesindicated that 86.5% of judges oppose external control overthe judiciary. The Association of Judges of Brazil (Associaçãodos Magistrados do Brasil, or AMB) lobbied against externaloversight, calling the measure unconstitutional ‘nonsense’ andclaiming that it devalued judges. Likewise, most STF justicesoppose external control on the grounds that it impairs judicialindependence and have instead proposed a series of ‘internalcontrols’ by a council made up of appellate judges” (NT).

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estabelecidos exerceram um papel importante noposicionamento dos membros do poder Judiciário comrelação às reformas.

Em síntese, desde 1992 existia uma forte pressãopara que fosse implementada alguma forma deconselho independente para exercer o controle externodo poder Judiciário no Brasil. No entanto, por muitosanos o próprio Judiciário resistiu firmemente apropostas de reforma nesse sentido. Essa resistênciafoi baseada primordialmente em três fatores. Primeiro,havia uma crença arraigada no valor da independênciajudicial, um elemento central no discurso contra asprimeiras tentativas de reforma, e tal crença moldouas práticas e atitudes dos membros do poder Judiciáriodesde 1988. Segundo, os juízes não estavam dispostosa permitir que outros poderes pudessem interferir naampla autonomia e nos privilégios que eles haviamconquistado com a Constituição de 1988. Terceiro, aindependência excessiva combinada com a falta deaccountability abriu espaço para corrupção e outraspráticas escusas e aqueles que estavam aproveitando-se dessas brechas não estavam dispostos a abrir mãodos interesses e benefícios adquiridos.

II.4. Criação do Conselho Nacional de Justiça (2005)

O final da década de 1990 marcou o início de umamudança gradual na posição de algumas dasassociações de juízes que representam os interessesda magistratura, e uma parcela do poder Judiciáriobrasileiro passou a aceitar a idéia de um mecanismode controle. No entanto, persistiu a resistência àinclusão de membros externos ao poder Judiciário(idem, p. 264). Essa mudança no posicionamento departe dos magistrados brasileiros coincidiu com aeleição do presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, em2002, que fez da reforma do poder Judiciário uma desuas prioridades de governo17. Em 2003, Lula criou aSecretaria de Reforma do Judiciário (SRJ) no âmbitodo Ministério da Justiça, para avançar uma propostagovernamental de reforma que incluía maioraccountability para o poder Judiciário na forma deum órgão de controle externo18. Foi nesse contextoque a proposta de criação do Conselho Nacional deJustiça (CNJ) foi aprovada pelo Congresso Nacional,em dezembro de 2004, vindo o mesmo a serimplementado em 2005. O CNJ ganhou as atribuições

de monitorar a gestão administrativa e financeira dostribunais, bem como de aplicar sanções disciplinaresaos membros do poder Judiciário. Além disso, o CNJficou responsável por compilar e publicar estatísticassobre o volume de trabalho e a produtividade do poderJudiciário19.

Inicialmente, o poder Judiciário opôs-se à idéia deum conselho que incluísse membros externos àmagistratura, mas sua proposta em favor de umconselho eminentemente formado por magistrados foiderrotada. O CNJ é composto por nove magistrados,dois membros do Ministério Público, dois advogadosindicados pelo Conselho Federal da OAB e doiscidadãos de notável saber jurídico que são nomeadospelo poder Legislativo. Apesar de contar com umaampla maioria de membros do poder Judiciário, aindahouve resistência da magistratura a esse desenhoinstitucional, mesmo após a criação do CNJ. AAssociação dos Magistrados Brasileiros (AMB)apresentou uma ação direta de inconstitucionalidadecontra a emenda constitucional que criou o conselho,alegando que a inclusão de membros indicados pelopoder Executivo e pelo poder Legislativo feria oprincípio da separação dos poderes e a independênciado poder Judiciário, ambos protegidos pelaConstituição de 1988. Por sete votos a quatro, o STFdecidiu pela constitucionalidade do CNJ, em abril de200520.

III. É POSSÍVEL EVITAR PARADOXOS E ARMA-DILHAS EM REFORMAS DO ESTADO DEDIREITO?

Na seção II, mostrou-se que o caso da reforma dopoder Judiciário brasileiro ilustra uma reforma-armadilha, dado que reformas iniciais serviram deobstáculos para reformas futuras. Essas armadilhastendem a ocorrer com reformas fragmentadas ouseqüenciais, que podem ser definidas como reformasque focam em uma única meta ou em um objetivo,como promover independência judicial. Esse tipo dereforma contrapõe-se a reformas integrais, queincluem diversos objetivos, tais como a criação deum poder Judiciário ao mesmo tempo independente,accountable, eficiente e eficaz21. Nesta seção,

17 Garoupa e Ginsburg (2009a, p. 70) discutem as possíveisrazões pelas quais o governo Lula apoiou essa reforma.18 A agenda governamental para a reforma do poder Judiciárioincluía, além da accountability , eficiência e acesso à justiça.Para um relato sobre as dificuldades enfrentadas pelo secretário,ver Oliveira (2006, p. 137-138).

19 Emenda Constitucional n. 45, de 2004 (EC-000.045-2004);Constituição Brasileira de 1988, artigos 92 I-A e 103-B.20 Ação Direta de Inconstitucionalidade 3367/2004.21 Existe uma distinção entre o planejamento de reformasfragmentadas (o plano inicial é o de implementar reformasabrangentes, mas de maneira gradual) e um processo detentativas envolvendo erros e acertos em que futuras reformasnão são previamente planejadas, mas dependem do que

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pergunta-se se uma solução para o problema dereformas-armadilha poderia ser a implementação dereformas integrais no lugar de reformas fragmentadas.Discute-se essa questão no contexto específico deprojetos de reforma do poder Judiciário, mostrandoque reformas integrais e abrangentes apresentam seuspróprios riscos e, portanto, não são necessariamentepreferíveis a reformas fragmentadas e seqüenciais.Além disso, existem circunstâncias em que reformasintegrais não são uma opção, pois path dependencepode limitar o número de estratégias de reformapossíveis e tornar algumas opções impossíveis. Esseparece ter sido o caso do processo de reforma judicialbrasileiro.

III.1. Reformas integrais e seus riscos

O problema enfrentado por constituintes brasileirosem 1988 não foi simples. A questão de como melhorequilibrar os princípios de independência judicial eaccountability judicial permanece bastantecontroversa, tanto na teoria quanto na prática depolíticas públicas. Pesquisadores têm discutido, porexemplo, quais aspectos específicos da independênciajudicial devem ser promovidos e protegidos (FISS,1993; LARKINS 1996, p. 623) e qual grau deindependência é desejável (PRILLAMAN, 2000)22. Narealidade, esses dois objetivos estão em tensãopermanente, dado que mecanismos de accountabilityque permitem o controle e a punição de integrantes dopoder Judiciário podem ser utilizados de modo abusivoe mal intencionado, reduzindo o grau de independênciados tribunais (PEREZ-PERDOMO, 2000)23. Aquelesque tentam implementar reformas enfrentam o desafiode encontrar uma forma de garantir um equilíbrio entreesses dois objetivos, tendo em vista que tanto aindependência quanto accountability são fundamentais

para um poder Judiciário funcional24. Em outraspalavras, aqueles preocupados com reformas muitasvezes encontram-se em uma encruzilhada ao tentarequilibrar dois objetivos políticos que podem serfacilmente conflitantes25. Nesses casos há pelo menosduas opções: (i) tentar promover os dois objetivossimultaneamente, tentando alcançar de imediato umequilíbrio entre eles ou (ii) favorecer um objetivo emdetrimento do outro, ainda que temporariamente.Enquanto a primeira opção caracteriza uma estratégiade reforma integral, a segunda opção caracteriza umprocesso de reforma fragmentado ou seqüencial.

A estratégia fragmentada é intuitivamente atraente:ela parece ser simples, evitando “um esforçodemasiadamente grande que possa limitar a capacidadeestatal e gerar o risco de perder-se no meio de muitasiniciativas levadas a cabo ao mesmo tempo”(PRILLAMAN, 2000, p. 77-78). No entanto, favorecerum objetivo em detrimento de outro (ainda quetemporariamente) também gera riscos significativos.No caso de reformas judiciais, por exemplo, se aaccountability for favorecida, existe um risco maiorde que grupos externos tentarão influenciar as decisõesjudiciais, fazendo com que sejam adotadas decisõesmais populares, ou mais politicamente aceitáveis, ouaté mesmo aquelas que gerem vantagens pessoais(TARR, 2006). Por outro lado, se a opção escolhidafor a de promover maior independência judicial, há orisco de que os juízes obtenham liberdade excessiva eque venham a abusar dessa liberdade para promoveragendas pessoais, profissionais ou políticas que nãovão de encontro aos objetivos do Estado de Direito(idem; FEREJOHN & KRAMER, 2002).

Prillaman oferece exemplos concretos dessesdilemas quando faz um estudo comparado dasreformas judiciais na Argentina, no Brasil e em ElSalvador. Esses três casos ilustram como a estratégiade eleger um objetivo apenas em cada etapa gera ofortalecimento desse mesmo objetivo em longo prazo,enquanto os outros objetivos em geral permanecemnegligenciados. Isso termina por prejudicar o projetoglobal de reforma, criando o que Prillaman denominade “sinergia negativa”. Para Prillaman (2000), aconvicção de que o foco em um objetivo levariainevitavelmente a reformas de outros objetivos nodecorrer do processo é fundamentalmente equivocada.O caso do Chile indica que reformas integrais são

acontecer no decorrer do processo. Como sugerido por Garoupae Ginsburg (2009a), a criação de conselhos judiciais pode tersido o resultado de um processo de erros e acertos em quereformas subseqüentes são desenhadas para lidar comproblemas criados por reformas iniciais. Ver também Garoupae Ginsburg (2009b). Não fica claro se o caso brasileiro encaixa-se na primeira ou na segunda hipótese. No entanto, é importantereconhecer que, se as reformas brasileiras seguiram um processode erros e acertos, alguns dos problemas identificados no presenteartigo seriam uma conseqüência natural desse processo, e nãoum erro que poderia ter sido evitado em um processo planejadode reformas graduais e seqüenciadas. A distinção merece umaanálise mais aprofundada, que está, no entanto, além do objetivodeste artigo.22 Ver também Sutil (1993).23 Trebilcock (1997) mostra que existe uma tensão permanenteentre autonomia institucional e accountability institucional emoutras áreas, como a burocracia.

24 Para um mapeamento dos argumentos a favor de maioraccountability, ver Tarr (2006).25 Para uma discussão mais detalhada de como formuladoresde políticas públicas podem ser constrangidos por objetivospolíticos conflitantes, ver Prado (2008, p. 8).

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preferíveis a reformas sequenciadas (idem). No Chile,as reformas focaram no que Prillaman (idem) descrevecomo os componentes principais da reforma judicial– independência, eficiência e acesso – ao mesmotempo em que buscaram manter um equilíbrio entreesses objetivos e a accountability judicial. O autorafirma que, nessa estratégia, “nenhum obstáculo serevelou demasiado e nenhuma reforma isolada foiprejudicada por aspectos do poder Judiciário quehaviam ficado fora das reformas; em resumo, nãohouve sinergia negativa como em outros casos” (idem,p. 138)26.

Conforme proposto acima, reformas fragmentadastambém impõem outro risco: reformas iniciais quefavorecem a independência judicial podem gerarobstáculos significativos para conseguir promoveraccountabilitty judicial no futuro (a reforma-armadilha). O risco não se restringe a reformas dopoder Judiciário, mas se estende a outros tipos dereformas fragmentadas. Por exemplo, Susan Rose-Ackerman argumenta que, se sociedades recém-saídasde um conflito não implementarem reformas paracombater corrupção nos primeiros estágios datransição, o ciclo vicioso da corrupção pode tornar-se muito difícil de ser controlado em um momentoposterior (ROSE-ACKERMAN, 2008).

Prillaman (2000) argumenta que reformas integraisreduzem os riscos de provocar conseqüênciasindesejadas. O autor reconhece o fato de que algumasreformas são vitoriosas porque “mecanismos de auto-reforço”27 contribuem para consolidar as mudançasinstitucionais implementadas28. No entanto, Prillamanaparentemente ignora que reformas integrais algumasvezes funcionam bem, como ocorrido no Chile, maselas costumam envolver a transformação simultânea

de vários elementos, sendo difícil prever como essamultiplicidade de mudanças irá interagir no casoconcreto. Prillaman reconhece, acertadamente, queem reformas seqüenciais um mecanismo institucionalrecém-implementado não irá necessariamente tornar-se “auto-reforçador” (isto é, não há garantias de queoutras reformas irão naturalmente seguir-se àsprimeiras). Entretanto, o mesmo raciocínio aplica-seàs reformas integrais: não há garantias de que ainteração das várias mudanças institucionaissimultâneas irá necessariamente produzir o resultadoplanejado. De fato, Prillaman apresenta o caso isoladoda reforma judicial chilena para sustentar o seuargumento. A análise de Prillaman não nos permite,no entanto, concluir que, caso Brasil e Argentinativessem seguido a mesma fórmula de reforma integraladotada pelo Chile, esses países teriamnecessariamente um poder Judiciário melhor do queo que eles possuem atualmente. Em suma, não hágarantias de que a estratégia de reforma chilenaproduziria resultados semelhantes em outros países.

Além disso, os efeitos de reformas integrais podemser extremamente desestabilizadores e algumas vezesdifíceis de reverter, o que torna ainda mais preocupanteo risco de resultados indesejados (PRILLAMAN, 2000,p. 367)29. Esses efeitos podem superar os riscosgerados pelas armadilhas de reformas fragmentadas.Em virtude disso, reformas fragmentadas podem serpreferíveis a reformas integrais em algumascircunstâncias30. Conseqüentemente, aqueles quepromovem reformas devem estar conscientes de quea seqüência em que as reformas fragmentadas sãorealizadas é um aspecto importante da estratégia demudança institucional, dado que algumas seqüênciaspodem oferecer mais riscos de gerar armadilhas doque outras (PRADO & TREBILCOCK, 2009).

26 Tradução livre do original em inglês: “No setback wasoverwhelming and no isolated reform was undermined by theunreformed aspects of the courts; in short, there was no negativesynergy as in the other cases” (NT).27 No original em inglês, self-reinforcing mechanisms, um termobastante utilizado na literatura sobre path dependence,indicando em linhas gerais que, uma vez adotado, um caminhoinstitucional passa a gerar retornos crescentes e a tornar-secada vez mais difícil de abandonar, em virtude de uma série demecanismos que tendem a reforçar a escolha inicial. Essesmecanismos incluem, por exemplo, investimentos iniciais nãorecuperáveis (também conhecidos como sunk set up costs),efeitos de aprendizado, efeitos de coordenação, expectativasadaptativas etc. (NT).28 Para uma explicação sobre os chamados mecanismos deauto-reforço e o papel que os mesmos desempenham nosprocessos de reforma institucional, ver Prado e Trebilcock(2009, p. 350-353).

29 É verdade que Prillaman rejeita a idéia de incrementalismoseqüencial, no entanto, esse autor favorece reformas que sãoabrangentes em escopo, mas graduais na implementação(PRILLAMAN, 2000, p. 77-78).30 Existem reformas integrais que incluem objetivos múltiplos,mas que são limitadas geograficamente ou em termos de setorou instituição de foco. Por exemplo, em alguns estados federaisé possível teorizar que o governo federal tem poder parareformar cortes no âmbito estadual. Esse governo federal podedecidir implementar reformas nas cortes de um único estado;de modo semelhante, o governo federal pode implementarreformas apenas em cortes especificas, tais como juizados depequeno porte, no lugar de promover mudanças no sistemajudiciário como um todo. Essas delimitações, em termos deescopo e dimensão, podem trazer essas reformas mais para omodelo de reformas fragmentadas ou parciais, no sentido deque esse modelo traz menos riscos do que reformas integrais eabrangentes que são implementadas em toda a extensão do paíse para o sistema judicial como um todo.

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Claramente, a seqüência específica de reformasadotada pelos constituintes brasileiros gerou umaarmadilha de reforma. Ainda assim é preciso questionarse havia qualquer outra opção disponível diante dascircunstâncias. Teria sido possível aos constituintesbrasileiros exercer uma escolha entre reformasintegrais e reformas seqüenciais nesse caso, comoPrillaman parece indicar? Eu discuto essa questão naseção a seguir.

III.2. Casos em que reformas seqüenciais são a únicaopção

Nessa seção eu sustento que o fenômeno conhecidocomo path dependence pode criar obstáculos para aimplementação de reformas integrais, já que fatoreseconômicos, sociais e culturais pré-existentes podemimpor significativos custos de conversão (switchingcosts) a outro regime institucional (idem, p. 370).Tendo em vista esses obstáculos, é possívelargumentar que, em certos contextos históricos,reformas fragmentadas podem ser a única opçãodisponível.

Anthony Pereira analisou como o fenômeno do pathdependence pode constranger significativamente asopções disponíveis àqueles promovendo reformas quetentam fortalecer o Estado de Direito em países emtransição democrática. Ele mostra como mudançasinstitucionais implementadas nos sistemas legais e nopoder Judiciário durante os regimes autoritáriosinfluenciaram, constrangeram ou facilitaram reformasjudiciais subsequentes, implementadas duranteperíodos democráticos ou pós-autoritários (PEREIRA,2003). Assim como Prillaman (2000), Pereira (2003)analisa os casos da Argentina, Brasil e Chile,argumentando que as reformas judiciais implementadasnesses países após a redemocratização foraminfluenciadas pelo fenômeno de path dependence.Sobre o caso da reforma judicial brasileira, Pereiraafirma que: “O regime militar Brasileiro de 1964-1985foi gradualista em sua postura em relação a legislação,e havia um amplo consenso civil-militar na esfera legal.[O regime] não foi altamente repressivo em seu usode violência letal, e essa combinação de fatorescontribuiu para uma transição gradual e consensualem que a reforma judicial não constava entre os pontosprioritários da agenda (idem, p. 3-4)31.

Nesse sentido, o caso brasileiro contrastou comas ditaduras mais violentas ocorridas na Argentina eno Chile. De acordo com Pereira, “o fato de que onúmero de pessoas afetadas pela repressão foimarcadamente menor, em termos per capita, do quena Argentina e no Chile, também reduziu apossibilidade de que houvesse uma forte reação contrao poder Judiciário no período pós-transição” (idem,p. 7)32. Na Argentina, em contraste, as reformas noperíodo de transição democrática foramespecificamente utilizadas como uma reaçãoenergética contra os poderes existentes nas esferaslegal e política.

Usando o argumento apresentado por Pereira comobase, sugere-se que o path dependence limita as opçõespossíveis de reforma ao influenciar (ou determinar)as posições de barganha no momento da reforma. Asreformas judiciais no Brasil podem ser caracterizadascomo um processo de barganha entre um grupoexigindo reformas e outro grupo resistindo reformas(alguns propondo e outros resistindo à criação de maisaccountability). Entretanto, essa não representa umadescrição acurada da situação durante o processo debarganha da Assembléia Constituinte. Naquelemomento, ambos os grupos queriam que fossemimplementadas reformas. O único ponto de divergênciaera o fato de que, enquanto um grupo queria maisindependência, o outro grupo também enfatizava ainclusão de mecanismos de accountability.

Se essa descrição é acurada, a estrutura doprocesso de barganha durante a AssembléiaConstituinte de 1987-1988 pode ser equiparada ao queAmartya Sen denomina de “conflitos cooperativos”no contexto da instituição familiar. Sen alega que oscônjuges mantém uma relação de “conflitocooperativo”: eles valorizam os benefícios mútuos darelação, ao mesmo tempo em que existem pontos emque os interesses individuais estão em conflito (SEN,1990). Dessa forma, decisões familiares refletem oequilíbrio de interesses comuns e a barganha em relaçãoaos interesses em conflito. O resultado do processode barganha pode ser razoavelmente igualitário ou não.Essa noção de “conflitos cooperativos” descreveadequadamente o processo de reforma judicial noBrasil porque no momento da Assembléia Constituinteas reformas serviam tanto aos interesses dos juízes –que privilegiavam independência judicial – quanto aos

31 Tradução livre do original em inglês: “The Brazilian militaryregime of 1964 – 1985 was gradualist in its approach to thelaw, and had a high degree of civilian – military consensus in thelegal sphere. It was not highly repressive in its deployment oflethal violence, and this combination of factors contributed toa gradualist and consensual transition in which judicial reformwas not placed high on the political agenda” (NT).

32 Tradução livre do original em inglês: “The fact that thenumber of people affected by the repression was much less, inper capita terms, than in Argentina and Chile, also diminishedthe possibility of a backlash against the judiciary in the post-transition era” (NT).

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interesses de grupos que queriam independência, maspromoviam também mecanismos de accountability33.

Que fatores podem determinar qual grupo terminarápor ser favorecido pelos resultados do processo debarganha? De acordo com Sen, no contexto familiar,o poder relativo de barganha das partes afeta oresultado (quanto mais desigual o poder de barganha,mais desigual tende a ser o resultado) (idem, p. 133).Esse poder relativo de barganha é determinado emparte pela posição relativa de cada parte no status quo.Nas palavras de Sen, “uma colocação mais favorávelcaso a negociação não seja bem sucedida [breakdownposition] tende a ajudar a assegurar um resultado maisvantajoso na barganha” (idem, p. 135). Isso podeexplicar alguns resultados distributivos desiguais nocontexto familiar, como por exemplo o fato de queem muitos países as mulheres terminam sem acessoa qualquer renda ou capital após o divórcio. A posiçãorelativa na estrutura institucional existente tambémpode explicar a reforma judicial no Brasil, tendo emvista que o poder Judiciário não tinha muito a perderpor simplesmente manter o status quo: o poderJudiciário brasileiro já era um dos mais independentesda América Latina durante o período da ditadura militar(ao menos formalmente) (PEREIRA, 2008). Alémdisso, no caso brasileiro as preferências do poderJudiciário são especialmente importantes, já quedurante a assembléia constituinte a maior parte daspropostas de reforma judicial havia sido delegada paraum grupo experiente de profissionais do Direito, queincluía membros do poder Judiciário, da OAB, e degrupos de direitos humanos (PRILLAMAN, 2000, p.79-80). Conseqüentemente, os membros do poderJudiciário foram capazes de negociar as reformasdiretamente com membros de outros grupos deinteresse, dado que políticos com poder de voto não

demonstraram muito interesse na reforma judicial eiriam, provavelmente, aceitar as decisões do grupodiretamente envolvido na negociação34. Também éimportante ressaltar que, no caso da transiçãodemocrática brasileira, um compromisso político haviapermitido ao poder Judiciário manter em tribunaissuperiores diversos magistrados que tinham conexõespolíticas com o regime militar (PRILLAMAN, 2000;SANTISO, 2003; TAYLOR, 2005; 2008). Dessa forma,entre os membros do poder Judiciário havia pessoasinfluentes que teriam tido algum vínculo com o regimemilitar (KOERNER, 1999). Isso também reforça a idéiade que, mesmo em períodos extraordinários, existe umcomponente de path dependence na economia políticadas reformas no Estado de Direito.

Em relação a fatores sociais, culturais e históricos,Sen identifica três tipos de fatores que influenciam oresultado do processo de barganha no âmbito dainstituição familiar: percepções de interesse,concepções de trabalho produtivo e noções delegitimidade35. É possível encontrar fatores análogospara explicar as reformas judiciais de 1988 no Brasil.No que diz respeito à percepção de interesses36, haviauma clara falta de interesse público nas reformasjudiciais (PRILLAMAN, 2000, p. 95). Aparentemente,a população brasileira não considerava que a eventualfalta de controle ou acesso à informação sobre asatividades do poder Judiciário iria provocarconsequências sérias37. Como mencionei anterior-mente, Pereira (2003) sugere que o sistema legalbrasileiro gozava de uma imagem positiva, uma

33 Se considerarmos que em ambos os casos a questão nãoestá no se, mas sim no como, a analogia revela-se ainda maispertinente. No caso de reformas judiciais, a questão paraformuladores de políticas públicas não é se há ou não anecessidade de implementar reformas. A questão que se colocaé: entre as possíveis alternativas para reforma, qual a maisadequada? O mesmo acontece em relação à situação familiar.Nas palavras de Sem, “mulheres buscando uma situação melhordentro do ambiente familiar não estão propondo alternativas àpossibilidade de prescindir da convivência familiar. O cerne dadisputa reside na questão se a divisão dos benefícios dentro dosistema familiar revela-se seriamente desigual no atual arranjoinstitucional, quando comparada a outros arranjos institucionaispotencialmente viáveis” (SEN, 1990, p. 135-136). Traduçãolivre do original em inglês: “women seeking a better deal withinthe family are not proposing, as an alternative, the possibilityof living without families. The bone of contention is whetherthe sharing of the benefits within the family system is seriouslyunequal in the existing institutional arrangements, comparedwith what alternative arrangements can be made”.

34 Para uma discussão detalhada sobre a estrutura dessabarganha, ver Pilatti (2008).35 De maneira simplificada, podemos afirmar que esses trêsfatores podem afetar a barganha das seguintes formas:dependendo da percepção de interesses, que sãofundamentalmente definidas culturalmente, mulheres podemprescindir de uma percepção de valor do próprio bem-estarindividual, e isso pode estar associado a uma preocupação maiorcom o bem-estar familiar; com relação a concepções sobretrabalho produtivo, algumas concepções sociais comunsavançam a idéia de que o trabalho não remunerado das mulheresno contexto familiar é hierarquicamente inferior ao trabalhoremunerado realizado fora do lar; em relação a noções delegitimidade, mulheres podem não se sentir merecedoras deuma parcela adicional da riqueza familiar.36 Isso é diferente do conceito de interesses arraigados ouenraizados (entrenched interests) discutido por Trebilcock eDaniels (2008). Esses autores identificam interesses “reais”,enquanto Sen (1990) propõe haver uma dissonância entreinteresses “reais” e interesses percebidos subjetivamente.37 É importante distinguir entre interesses percebidossubjetivamente e interesses “reais” (idem, p. 126). A falta dedemanda popular por mecanismos de accountability não deveser interpretada como uma ausência de interesses “reais”.

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imagem antiautoritária. No que diz respeito àsconcepções de valores, alguns atores promovendoreformas argumentaram que existia uma hierarquia devalores entre independência e accountability,independência sendo superior. Assim, tendo em vistaa natureza técnica da função judicial, mecanismos deaccountability judicial não passariam de indevidainterferência política38. Finalmente, noções delegitimidade também parecem ter afetado a barganhadurante as reformas judiciais de 198839. Nas palavrasde Pereira: “No Brasil, em contraste com Argentina eChile, os formuladores de políticas públicas não podiamtirar proveito de uma percepção generalizada entre aclasse política de que o poder Judiciário havia falhadona sua missão de proteger a democracia dos militares ede que portanto estaria de alguma forma envenenadopelo passado autoritário. Ainda que houvesse umapercepção de ineficiência generalizada, os formuladoresde políticas públicas tiveram dificuldade em vinculardemocratização com reforma do poder Judiciário”(idem, p. 9)40.

As dificuldades em convencer as elites políticasbrasileiras de que uma reforma judicial profunda eranecessária podem ser parcialmente explicadas tambémpelo fato de que essa elite política incluiria um novopresidente com fortes laços com o regime militar e poucointeresse no poder Judiciário, e uma classe política civilque nutria interesses oportunistas e patrimonialistas,estando mais interessada em obter os benefíciosassociados ao aparelho estatal do que propriamente emconstruir uma série de instituições de Estado que fosseaccountable ao resto da sociedade (PRILLAMAN,2000, p. 95). Aqueles suficientemente corajosos paraconfrontar o governo militar por suas violações dedireitos humanos, do Estado Democrático de Direito eda soberania nacional, eram oradores eloqüentes, masnão necessariamente habilitados na arte de identificar e

representar a opinião dos cidadãos (SKIDMORE, 1988,p. 267). Em resumo, o resultado da barganha dasreformas judiciais de 1988 foi diretamente afetado porfatores sociais, culturais e históricos que eramrelacionados ao fenômeno de path dependence.

Em conclusão, path dependence pode determinarquais estratégias estarão disponíveis para osformuladores de políticas públicas. Mais espe-cificamente, existem situações em que uma seqüênciaparticular de eventos pode, ao mesmo tempo, abrir umajanela de oportunidade para promover reformas, masao mesmo tempo forçar reformas a favorecerem umentre dois ou mais objetivos de reforma que estejamem conflito. Esse parece ter sido o caso do processode reforma judicial no Brasil a partir de 1987.

IV. EVITANDO AS ARMADILHAS DE REFORMA

Na seção II, ressaltou-se como as reformasseqüenciais podem produzir efeitos inesperados eindesejados, ao criar obstáculos para futuras reformasque terminam por prejudicar o projeto mais amplo dereforma a longo prazo (reformas-armadilha). Na seçãoIII, mostrou-se que uma possível solução seria evitarreformas seqüenciais, mas essa solução é complicadapelo fato de reformas integrais também apresentaremriscos. Além disso, em alguns casos esse tipo dereforma não é sequer viável em virtude de uma sériede obstáculos associados ao fenômeno de pathdependence. Nesta seção, discute-se se há outraspossibilidades de escapar desse tipo de armadilha emprocessos de reforma institucional. Maisespecificamente, formulam-se hipóteses sobre quaisfatores podem ter desempenhado um papel significativona resolução do impasse da reforma judicial brasileira,e sustenta-se que o exemplo do Brasil pode iluminarpossíveis soluções para impasses semelhantes em outrosprocessos de reforma seqüencial.

A análise está primordialmente centrada naquelesfatores que poderiam levar os grupos de interesse queoferecem resistência às reformas a modificarem assuas preferências. Se considerarmos reformasinstitucionais como barganhas, conforme discutidoacima, uma possível estratégia seria fortalecer o ladomais fraco do processo de barganha (DANIELS &TREBILCOCK, 2004, p. 129-133)41. Independentede quão eficaz essa estratégia possa vir a ser, nadaimpede a consideração de outras possíveis estratégiaspara influenciar opositores a mudar seuposicionamento com relação à reforma. Nas subseçõesque se seguem, identificam-se três cenários em queessa mudança de posicionamento poderia ocorrer. O

38 Esse pressuposto tem origem na idéia de que juízes sãoprofissionais altamente educados e qualificados, comconhecimento especializado em seu campo de trabalho. Sujeitaresses profissionais a controle não técnico e não qualificado éfreqüentemente percebido como uma interferência indevida edesnecessária no seu trabalho.39 De acordo com Sen (idem), dentro do âmbito familiar existempercepções de interesse e noções de legitimidade. Por exemplo,é difícil para uma mãe conceber se é mais legitimo alimentar a siprópria ou privar-se de alimentação em beneficio da família.40 Tradução livre do original em inglês: “In Brazil, unlike inArgentina and Chile, reformers could not tap a sense amongpolitical elites that the judiciary had failed to protect democracyfrom the military and was somehow tainted by an authoritarianpast. While a perception of the judiciary as inefficient waswidespread, reformers had difficulty linking democratizationwith judicial reform” (NT). 41 Ver também Prado e Trebilcock (2009, p. 370-371).

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primeiro cenário e parte do terceiro cenário sãobaseados em hipóteses levantadas por Trebilcock eDaniels (2008). O segundo cenário e a metade doterceiro cenário são contribuições nossas a essa linhade pesquisa, e são particularmente relevantes para esteartigo, porque elas podem explicar o que levou osjuízes brasileiros a finalmente abandonarem a suaresistência ao controle externo do poder Judiciário.

IV.1. Reduzindo os custos de conversão

Uma forma de superar a resistência de grupos deinteresse seria a redução dos custos que os mesmosiriam incorrer caso as reformas fossemimplementadas. Como explicado por Trebilcock eDaniels: “Se diversos dos atores atualmente vinculadosa certas instituições do Estado de Direito apresentarempreocupações legítimas de que serão sumariamentedemitidos, ou de que perderão privilégios ilegítimos aque têm ou tiveram acesso em virtude do cargo públicocaso as novas instituições sejam criadas, então aresistência às reformas será provavelmente ainda maisintensa” (idem, p. 133)42.

Se os custos a serem incorridos por esses atoresforem reduzidos, é provável que eles ofereçam menosresistência à implementação de reformas. Por exemplo,uma maneira de reduzir os custos para aquelesindivíduos que demonstrem falta de experiência oupreparo técnico para assumir papéis em novasinstituições seria oferecer uma combinação detreinamento, compensação e mecanismos deaccountability caso eles sintam-se prejudicados. Outraforma de reduzir esses custos seria oferecer assistênciadurante períodos de transição, na forma decompensações, benefícios relacionados àaposentadoria antecipada, apoio para recolocação esubsídios para cursos de treinamento para uma novafunção dentro da mesma instituição (idem, p. 133-134).

Ainda que essas estratégias sejam potencialmenteeficazes em muitos casos, elas não parecem aplicáveisao tipo de armadilha ou impasse de reforma ocorridono caso brasileiro. Nesse caso, havia muito pouco aser oferecido aos grupos de interesse do poderJudiciário para facilitar a transição: cursos detreinamento não tornariam os juízes mais accountables;os salários de magistrados já estavam entre os maisaltos no país, tornando impossível a concessão de

mais benefícios43; é difícil imaginar um esquema decompensações semelhante à oferta de ações afuncionários em uma companhia recém-privatizada(buy-out), por exemplo. A única maneira realista dereduzir os custos para desarmar a armadilha dereformas no Brasil seria oferecer algo como benefíciospara aposentadoria antecipada, o que poderia modificara composição do quadro de juízes na ativa, tema quese discute a seguir.

IV.2. Mudanças na composição de grupos de interesse

Um aspecto importante em qualquer processo dereforma institucional é o papel desempenhado poridéias. Por um lado, algumas idéias podem fortalecero lobby de certos grupos de interesse (DANIELS &TREBILCOCK, 2004). Por outro lado, algumas idéiaspodem desempenhar o papel de mitigar a resistênciade outros grupos. Como sugerido anteriormente,muitos atores do poder Judiciário brasileiroacreditavam que a independência judicial era maisimportante que qualquer forma de controle do poderJudiciário. Dessa forma, mitigar a resistência dessegrupo exigiria uma mudança nas opiniões e valoresassociados à independência judicial.

Uma maneira de influenciar os valores de um grupoé alterando a sua composição. À medida que juízesmais velhos – que foram vinculados ao regime militar– aposentam-se e juízes mais novos – que nasceram ecresceram durante o período democrático – passama compor o poder Judiciário, a balança de preferênciasentre os integrantes dessa instituição pode começar ainclinar a favor de mais accountability. De fato, combase em pesquisas de opinião realizadas entre membrosdo poder Judiciário, em 2005, Joaquim Falcão mostraque havia uma divergência significativa de opiniãosobre a importância da independência judicial entrejuízes (que integram os escalões mais baixos dostribunais e tendem a ser mais jovens), edesembargadores (que integram os tribunaissuperiores e tendem a ser mais velhos). A diferençade opinião entre esses dois grupos não se restringia àindependência, mas também se aplicava a outros temas,tais como controle de corrupção e abusos: enquanto

42 Tradução livre do original em inglês: “If the many actorswho are currently involved in a country’s rule of law institutionslegitimately fear that they will be summarily displaced or theillegitimate perquisites of public office eliminated when newinstitutions are created, then their resistance to reform is likelyto be all the more intense”.

43 Os membros do poder Judiciário brasileiro recebem ossalários mais altos entre os funcionários públicos de todos osramos do governo. Em dezembro de 2006, os ministros doSupremo Tribunal Federal ganhavam duas vezes mais do queos representantes do Congresso Nacional e três vezes mais doque o presidente da república. Os salários dos juízes está muitoacima da média nacional. De acordo com o Banco Mundial, ovalor dos salários dos juízes brasileiros em 1999 era mais de 30vezes superior ao salário médio no país (WORLD BANK,1999, p. 23). Esses mesmos resultados foram confirmados em2004 (MARCONI, CARRILHO & CAVALIERI, 2004).

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71% dos juízes das cortes mais baixas declararam-secontra o nepotismo, apenas 58,4% dosdesembargadores declararam apoiar a proibição denepotismo no poder Judiciário (FALCÃO, 2006, p.125-127). O número de juízes mais jovens tem crescidoprogressivamente desde 1988 (a maioria deles nostribunais inferiores): em 2005, 28,4% dos juízes tinham40 anos ou menos e 53,1% tinham mais de 50 anosde idade (ibidem). De acordo com Falcão, juízes maisjovens são mais sensíveis às demandas populares poruma atitude mais ética e por maiores garantias deproteção do interesse público nos diversos ramos dogoverno. Esses dados podem explicar, ainda queparcialmente, porque uma parcela do próprio poderJudiciário brasileiro mudou de opinião e apoiou algumaforma de controle externo a partir do final da décadade 199044. Caso essa hipótese seja confirmada, umaforma de acelerar esse processo de “rejuvenesci-mento” interno, mudando idéias e valores em umainstituição que resiste a reformas, seria a oferta deincentivos para aposentadoria antecipada a membrosmais antigos.

Os juízes mais novos não tinham muito poder oucanais institucionais de influência na estruturahierárquica do poder Judiciário. No entanto, elesadquiriram poder político significativo ao criarassociações profissionais de juízes (que sãoorganizações da sociedade civil fora da estruturaformal do poder Judiciário) (idem)45. As associaçõesde juízes foram uma inovação institucional nãocontemplada especificamente na Constituição de 1988.Apesar disso, essas associações tornaram-sepoliticamente relevantes ao representar o interesse dejuízes em discussões sobre projetos de lei e projetosde emendas constitucionais apresentados aoCongresso Nacional e ao facilitar uma maior presençamidiática para os juízes mais novos. Devido ao fatode que essas associações não refletem a hierarquiaformal do poder Judiciário, os juízes mais jovenspuderam assumir posições de poder nessas estruturas.Essas associações de juízes passaram a representarprimordialmente as opiniões e preferências dos juízesmais novos, de modo que os juízes mais velhosformaram sua própria associação, para melhorproteger e promover os seus interesses(DESEMBARGADORES CRIAM A ANDEs, 2006).Essas associações parecem ter sido um vetorimportante na redução da resistência judicial a ummaior grau de accountability. Como explicado por

Baillard: “Apesar da ampla oposição por parte de juízes,tanto a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB)quanto outro grupo de juízes, a Associação dos JuízesFederais (Ajufe) recentemente capitularam à idéia docontrole externo [...] a AMB declarou sua intençãoem considerar um conselho supervisor formado porjuízes, mas admitiu que advogados também possamfazer parte do órgão que deverá eleger os juízes queirão compor esse conselho. A Ajufe foi além, aodeclarar, em janeiro de 1999, que iria apoiar um órgãode supervisão para questões administrativas(BALLARD, 1999, p. 264)46.

Esse é um exemplo claro de uma inovaçãoinstitucional que deu voz a juízes mais jovens dentrodo poder Judiciário brasileiro. A mesma emendaconstitucional que criou o conselho externo damagistratura também modificou algumas dasestruturas de governança interna dos tribunaissuperiores para permitir maior participação de juízesmais jovens47. Portanto, “rejuvenescer” umaorganização que resiste a reformas com sangue frescoe idéias novas pode exigir medidas institucionaiscriativas que empoderem os novos membros e criemoportunidades para que eles possam expressar suaspreferências mais eficazmente.

IV.3. Disponibilizando informação

Para Trebilcock e Daniels (2008), reformasvisando aperfeiçoar instituições do Estado de Direitodevem priorizar sistemas de avaliação de desempenhoque sejam pertinentes, independentes e transparentes,a fim de melhor analisar quais instituições estãooperando de modo eficiente e livre de corrupção eoutros abusos. Por um lado, o caso brasileiro confirmaa tese de que falta de transparência e accountabilitylevam ao mau uso de recursos e a uma série de casosde abusos e corrupção (DANIELS & TREBILCOCK,

44 Não há estudos investigando se juízes mais jovensdesempenharam algum papel ativo na promoção de mecanismosde accountability no poder Judiciário brasileiro.45 Ver também Koerner (1999).

46 Tradução livre do original em inglês: “Despite widespreadopposition of judges, both the AMB [Brazilian association ofMagistrates] and another group of judges, the Association ofFederal Judges (AJUFE), recently capitulated to the idea ofexternal control. […] The AMB stated its willingness toconsider an oversight council made up of judges but concededthat lawyers could play a role in selecting judges. The federaljudges organization went a step further when it stated in January1999 that it would support an oversight body to manageadministrative questions”.47 Ver, por exemplo, Constituição Federal do Brasil de 1988,art. 93, XI, estabelecendo que as vagas nos órgãos especiais deadministração dos tribunais com mais de vinte e cinco juízesserão providas metade pelo critério de antiguidade e metade viaeleição pelo tribunal pleno. Esse sistema substituiu outro emque as vagas nos órgãos especiais de administração eramprovidas apenas pelo critério de antiguidade.

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2004). Por outro lado, o caso brasileiro tambémmostra que aqueles que querem promover reformaspodem estar impedidos de implementar os mecanismosde accountabilty propostos por Daniels e Trebilcock(ao menos durante a primeira geração de reformas).Nessa subseção, questiona-se se mais informação podeajudar a reduzir a resistência de grupos de interesse ecriar oportunidades para uma segunda geração dereformas institucionais. No Brasil, a série de escândalosde corrupção e a divulgação de informação sobrecasos de nepotismo e má gestão de recursos claramentefortaleceu a posição de grupos que eram favoráveis àcriação de mecanismos para trazer maioraccountability ao poder Judiciário. A questão colocadaaqui, todavia, é distinta: o maior acesso à informaçãoteria também ajudado a reduzir a resistência contrareformas oferecida por grupos de interesse?

Maior transparência pode facilitar uma segundageração de reformas quando a divulgação deinformações sobre corrupção, má gestão de recursos eabusos de poder tiveram um impacto negativo nareputação dos atores envolvidos, reduzindo, de acordocom Daniels e Trebilcock (idem), os incentivos dessesatores para continuar apoiando o status quo. Essa pareceser uma descrição correta, ainda que parcial, do queaconteceu no caso brasileiro. Alguns autores sugeremque a crescente perda de apoio popular e de legitimidadedo poder Judiciário pode explicar a mudança parcial deposicionamento dos juízes brasileiros. Uma série deescândalos envolvendo membros do poder Judiciário,especialmente a partir do final da década de 1990, levouà criação de uma Comissão Parlamentar de Inquéritopara investigar casos de corrupção e outras formas deabuso por juízes, o que abalou ainda mais a confiançapopular nos tribunais, que já estava em declínio(TAYLOR, 2005, p. 43)48. Juízes que não estavamenvolvidos em favoritismo e corrupção parecem terdecidido que era importante diferenciar-se do resto dopoder Judiciário por meio do apoio expresso a propostasde criação de mecanismos de accountability. Dessaforma, impactos negativos sobre a reputação podempotencialmente explicar por que parcelas crescentes dopoder Judiciário começaram a favorecer propostas porum conselho judicial externo a partir do final da décadade 199049.

Outra razão pela qual a disponibilidade deinformação pode ajudar a reduzir a resistência areformas está relacionada à existência de fatores

sociais, culturais e históricos que são adversos àsreformas. A idéia de impacto negativo na reputação,discutida acima, separa os juízes que estão em buscade rendas ilícitas ou ilegítimas (rent-seeking) dosdemais juízes; nesse caso, a disponibilidade deinformação aumenta os custos de resistência a reformastambém entre aqueles juízes que estão atualmentebeneficiando-se ilegalmente ou ilegitimamente do statusquo. A idéia de impacto negativo sobre a reputaçãoevidencia dessa forma os fatores de economia políticapor trás da mudança de posicionamento dos juízesbrasileiros. Em contraste, a tese dos fatores sociais,culturais e históricos sustenta que juízes honestostambém podem resistir a reformas. Diferentementedaqueles que se beneficiam de maneira ilícita ou ilegaldo status quo, esses privilegiariam a independênciajudicial em detrimento do controle judicial com baseem princípios, e não por causa de interessesindividuais. É mais complexo explicar uma reduçãona resistência a reformas quando ela está baseada emprincípios, mas essa mudança pode estar relacionadaao maior acesso à informação. Por exemplo, um juizhonesto e bem-intencionado, que acredita naimportância de fortes garantias à independênciajudicial, pode se ver forçado a reconsiderar seuposicionamento à luz de informações demonstrandoque os abusos, nepotismo e corrupção tornaram-sesistêmicos no sistema judicial. Se valores e interessesforem considerados dinâmicos e endógenos aoprocesso político, a disponibilidade de informação podeprovidenciar incentivos para os atores repensarem ospróprios valores.

V. CONCLUSÕES

Não há como promover o desenvolvimentoeconômico e social, em longo prazo, sem instituiçõesadequadas. No entanto, nós ainda sabemos muitopouco sobre como promover e implementar reformasinstitucionais que persistam no tempo e que conduzameficazmente à melhoria dos indicadores dedesenvolvimento. O histórico das inúmeras tentativasfrustradas para promover reformas que venham afortalecer as instituições do Estado de Direito édesanimador. O trabalho desenvolvido por MichaelTrebilcock e Ron Daniels (2008) contribuiu paraaprofundar o nosso entendimento sobre os obstáculosque podem explicar esse recorde negativo. Em seuúltimo livro, os autores mapearam esses obstáculosàs reformas institucionais em geral, e maisespecificamente aqueles obstáculos às tentativas depromover reformas de instituições do Estado de Direito.Neste artigo, utilizou-se o mapeamento desenvolvidopor Trebilcock e Daniels (idem) para discutir umasituação paradoxal: reformas iniciais causando efeitosindesejados, prejudicando os esforços de reforma mais

48 Ver também Ballard (1999).49 O caso brasileiro sugere que acesso a informação apenasnão é suficiente. É necessário que aqueles que têm acesso a essainformação tenham a capacidade de fazer uso efetivo da mesma(o que normalmente requer acesso a recursos).

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amplos, e criando obstáculos para uma segundageração de reformas (reformas-armadilha). Tambémse explorou como esses obstáculos foram superadosno caso brasileiro e quais lições nossa experiência podeoferecer para outros países em desenvolvimento.Apesar das dificuldades de generalizar a partir deestudos de caso, tais estudos parecem ser um doscaminhos mais promissores para o Direito e o

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50 O final desse artigo foi modificado para melhor se adequarao propósito da publicação no Brasil (Nota da Autora).

desenvolvimento (TREBILCOCK & PRADO, 2011,cap. 8). E as reformas institucionais no Brasil oferecemum prato cheio para os pesquisadores dessa área,como se espera ter demonstrado nesse artigo50.

Mariana Mota Prado ([email protected]) é professora associada da Faculdade de Direito da Universidadede Toronto (Canadá).

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