Testemunhos da pratica da Bruxaria em Alcácer do Sal, no reinado de D. João V: As irmas Salemas e...

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Editorial xmos sócios, amigos e leitores é com enorme prazer e com grande orgulho que a direcção da E ADPA publica mais uma edição do nosso bolem cultural “ O NEPTUNO “. Recorde-se que a ADPA tem como objecvo a valorização da idendade cultural de um povo, contribuindo para o desenvolvimento do concelho de Alcácer do Sal, divulgando e defendendo o seu património histórico, arqueológico, edificado, etnográfico, natural e paisagísco através da invesgação/divulgação e denunciando e condenando todos os que contribuem para a sua destruição. A recuperação do nosso passado é urgente e necessário para o nosso futuro. Nesta edição a ADPA tem como objecvo divulgar as suas acvidades e passeios culturais através do seu bolem e facebook; connuar a publicar argos sobre o concelho de Alcácer do Sal. NEPTUNO Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA Junho/Julho/Agosto 2015 Nº18 Foto: Rodrigo Assis Foto: Mário Perna

Transcript of Testemunhos da pratica da Bruxaria em Alcácer do Sal, no reinado de D. João V: As irmas Salemas e...

Editorial

xmos sócios, amigos e leitores é com enorme prazer e com grande orgulho que a direcção da EADPA publica mais uma edição do nosso bole�m cultural “ O NEPTUNO “.

Recorde-se que a ADPA tem como objec�vo a valorização da iden�dade cultural de um povo, contribuindo para o desenvolvimento do concelho de Alcácer do Sal, divulgando e defendendo o seu património histórico, arqueológico, edificado, etnográfico, natural e paisagís�co através da inves�gação/divulgação e denunciando e condenando todos os que contribuem para a sua destruição. A recuperação do nosso passado é urgente e necessário para o nosso futuro.Nesta edição a ADPA tem como objec�vo divulgar as suas ac�vidades e passeios culturais através do seu bole�m e facebook; con�nuar a publicar ar�gos sobre o concelho de Alcácer do Sal.

NEPTUNO

Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

Junho/Julho/Agosto 2015 Nº18

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Edição: Associação de defesa do Património Cultural de Alcácer do SalRua João Alves Sá Branco7580-161 Alcácer do SalE-mail: [email protected]

Redacção: Duarte Soares, Fernando Jerónimo, João Vaquinhas, Rui Damião, Rui Araujo, Ligia Vaquinhas, José Grilo, João Emidio, Rita Balona

Colaboração: Raquel Gaspar, António Carvalho, Rita Balona, João Faria† , Fernando Jerónimo

Reprografia:

Tiragem: 300 exemplares

Depósito Legal: 217297/04

Distribuição Gratuita

Letras Efémer

Letras Efémeras Sociedade Gráfica Unipessoal, Ldat . 265 623 293 * t lm 968 331 872 * [email protected]

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O Velho Senhor do Tempo

velhinho Relógio da Torre, que outrora Oinformava o tempo, do tempo que

muito ou pouco os Alcacerenses

dispunham para os seus afazeres diários.Este Velhinho Senhor, que é do tempo em que o

tempo dos mais idosos, se orientava pelo sol,

marcou várias gerações, com seu ritmo sonoro,

informando a tempo e horas, as vinte e quatro

do dia.E neste ciclo do tempo, ar�fices qualificados,

prestaram-lhe finos cuidados; ajustes na

engrenagem e corda dada a preceito, tarefa

levada a peito por homens de muito amor, para

que o Velho Senhor, se man�vesse perfeito.Dis�nto na pontualidade, o Nobre Senhor

ritmava os períodos laborais, de salineiros,

mondinas, pescadores, metalúrgicos, operários

fabris e funcionários públicos. Ele que foi

presta�vo e esforçado, diária e

ininterruptamente, servindo a Monarquia,

Republica e Democracia, já mais vê reconhecido

o seu valor e importância, muito por vontade

daqueles que a seus pés, e bem à mercê da sua

atenta observação, o vão enjeitando, porque não

se iden�ficam com a sua historia e a deste

concelho.Apesar de não ter sido colhido de surpresa com o

gesto negligente dos Senhores Soberanos,

lamenta que os filhos do concelho, aqueles a

quem se dedicou a tempo inteiro, sejam

permissivos e tolerantes, com aqueles que o

pretendem silenciar para sempre.

Associação de defesa do Património cultural de Alcácer do Sal - ADPA

Olhos do PovoRe�rado do Bole�m “O Neptuno” nº1 de 2004

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Os golfinhos de Salacia

Autor: Raquel Gaspar. Ocean Alive educação criativa marinha. [email protected]

uem viu os golfinhos pela úl�ma vez em QAlcácer? Eis uma história que nos conta a lenda da cidade de Alcácer e a sua relação

com os golfinhos do Sado.Há muitos séculos atrás, 100 ou 200 anos antes do ano em que se diz Cristo ter nascido, morava aqui, em

Ketovion (assim se chamava Alcácer do Sal durante

a ocupação celta), um homem de cabelos duros e

encrespados, olhos claros, peito rijo e as mãos

esfoliadas. Trabalhava nos barcos que levavam o

sal e o peixe do estuário do Sado. Não me recordo

do nome dele mas sei que escondia na sua bolsa de

couro uma moeda. Um dia, apaixonado pela

beleza de uma ninfa perfumada de maresia,

inclinou-se na borda da barca para ver a sua

imagem imersa na tona da água... Nesse momento

assustou-o um chuveiro de go�culas de ar quente

vindo do espiráculo de um golfinho que por ali

passava, em bando. O susto acordou-o da sua

miragem mas o impulso, fez cair a moeda para fora

de bordo. A moeda foi arrastada pelas correntes da

enchente e adormeceu no leito junto da margem

do estuário, perto de Abul. Anos mais tarde, um século antes de Cristo nascer,

Ketovion era já uma cidade romanizada. Certo

anoitecer aconteceu algo que se tornara

na lenda fundadora desta cidade. Ao lusco fusco do nevoeiro anoitecido, Ketovion fora alvo de um terrível ataque de piratas bárbaros. Qual praga marí�ma que se alastra com as correntes, estes piratas, navegaram de barco vindos do Norte de África, atacando, povoado após povoado, a costa Portuguesa. Ao avistar a encosta da Serra da Arrábida esmoronada sobre o mar, viraram para dentro do estuário. Primeiro atacaram Cetóbriga (Setúbal). Não regalados, navegaram estuário adentro. Seguiram o rasto dos barcos que vinham de Gadir (Cádiz) em direcção a Ketovion, carregados de cheiro a salga de peixe. Quando os bárbaros se aproximaram, ouviram das frestas de uma taberna não muito longe do castelo, as cantorias dos guardas da cidade embriagadas no meio do rubro do vinho. Esbanjavam ali a sua jorna, pelo deleite da ilusão que lhes trazia o decote decotado, o volume e o cheiro vindo dos seios, e o sorriso nas maças do rosto das serventes escravas... E nisto, sem que se apercebessem, o ardor do vinho transformara-se em fogo verdadeiro. Ketovion começara a arder. Ketovion ficou em cinzas. Foi roubada, estripada e o seu povo morto e esmorraçado. Os que ficaram e que conseguiram erguer-se evocaram a Salacia, a ninfa das águas salgadas, um cas�go p a r a t a i s h o m e n s t ã o d e s t r u i d o r e s . Este sussurro sofrido chegou-lhe aos ouvidos através do assobio dos muitos golfinhos que ali viviam e isto testemunharam. Então, Salacia l e va n t o u a s á g u a s d o m a r, t o r n o u - a s avassaladoras, matou os barcos e aprisionou no mar os tesouros roubados. Agradecido, o povo ergueu uma ermita em nome desta deusa. Pompeu Magnos, o ditador romano que dominava aqui, comovido com esta senda, deu o nome da deusa a esta terra denominando-a de URBS IMPERATORIA SALACIA.

*Imagem 1 - Roaz capturado no Sado ás portas de Alcácer, anos 50.

Moeda de Ketovioncom golfinhos; inwww.portugalromano.com

*Imagem 1

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Se Salacia era uma importante urbe ligada aos recursos marinhos, �nha com certeza golfinhos às suas portas. As pistas para a minha tese estavam nas moedas cunhadas em Salacia. Tive de esperar muitos, muitos dias para as poder ver ao vivo. Mas numa manhã de Dezembro fui com o meu filho João até às catacumbas do departamento de arqueologia da CM de Alcácer. Ali encontrei-me com as ditas moedas. Na minha mão �nha a moeda daquele homem de Ketovian. Ainda ensonada, limpei-lhe a lama e vi: Hércules (Melkart), o rei dos mares para os fenícios, e na outra face, dois golfinhos. Em cima da mesa da secretária da jovem arqueóloga Rita Balona e do seu colega Fernando Jerónimo estavam mais duas moedas. Eram moedas da época romana. Ainda cheiravam ao vinho novo, talvez �vessem ficado perdidas dentro de uma caneca que rebolara encosta abaixo e também no estuário �vesse ficado escondida. Coisa que não parecia irreal ao arqueólogo António Carvalho também parte da equipa. Nestas moedas estava cunhado Neptuno (o deus dos mares greco-la�no) com o seu tridente e na outra face, haviam também dois golfinhos. Para mim, tudo ba�a certo. Para mim, �nha achado o colo que suportava a minha tese. Mas porque seria que os golfinhos eram usados como símbolos na numismá�ca cunhada em Ketovion e Salacia?

sta resposta veio de longe. Como sabem, Ehoje com um simples email conseguimos

chegar a quem queremos, num tempo que

pode ser apenas um instante. E foi por intermédio

de um amigo zoológo marinho espanhol, que por

sinal estuda lesmas-do-mar, que encontrei a

arqueóloga Elena Moreno Pulido. Olhem a minha

sorte: �nha conseguido chegar a alguém cuja tese

de doutoramento, a inda fesquinha, era

precisamente a numesmá�ca na costa ocidental

da península ibérica. Numa mensagem que parecia ter sido redigida

com letras redondinhas, a Doutora Helena

explicou-me:Como las pesquerías y saladeros eran el principal

motor de la economía de la region (…) muchas de

las cecas (talleres monetarios) del área acuñaran

moneda con alusiones pesqueras en sus reversos.

Así, por ejemplo, tenemos los dos atunes

acuñados en Gadir (Cadiz), mo�vo que copiarían

cecas como Seks (Almuñécar, Granada) o Salacia

(Alcacer do Sal). (…) Esto es un fenómeno común

en la An�güedad, donde cecas afines comercial y

étnicamente escogen los mo�vos iconográficos

empleados por la amonedación pres�giada, es

decir, la más fuerte de la región. (…) Igualmente, se

incluirían otros mo�vos pesquero marí�mos como

es el caso del del�n. Si bien la pesca de los mismos

está a�es�guada por fuentes clásicas y por algunos

(escasos) restos arqueológicos, el origen del uso de

los delfines en la moneda hispana hay que buscarla

en Grecia. (…)Na mitologia grega, os golfinhos eram um símbolo

muito querido que acompanhava determinados

deuses. Por exemplo, o deus Taras, herói fundador

de Tarento, situada na costa italiana, filho de

Poseidon e de Sa�ria) cavalga um golfinho; a ninfa

Arethusa divindade marinha feminina fundadora

de Siracusa, cidade da Cecília, foi representada ao

lado de golfinhos. Conta a lenda que um dia

Arethusa banhou-se no rio e o deus rio enamorou-

se dela. Como esta ninfa era consagrada a Artemis,

que era uma deusa virgem, ela transformou-a

Moeda romana de salacia com

golfinhos; www.portugalromano.comin

stava no outro dia a passear por Alcácer Equando encontrei, dentro da Igreja do Espirito Santo a Doutora Marisol Ferreira

do Departamento de arqueologia da CM de Alcácer do Sal. Expliquei-lhe que defendo a tese que outrora os golfinhos eram abundantes no estuário. Se Ácala (Tróia) era a maior (senão das mais importantes) fábrica de salga e conserva de peixe do império romano, tamanha deveria ser a riqueza do estuário do Sado em vida marinha.

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numa corrente para assim fugir ao deus rio. Com a ajuda dos golfinhos Arethusa navegou pelo Mediterrâneo e chegou à ilha Secília onde se transformou num manancial de água, dando origem à cidade de Siracusa. A cunhagem dos golfinhos (e atuns) associados aos deuses marinhos nas moedas das cidades costeiras celebrava assim a grande fonte de riqueza que representava o mar para estas cidades e a relação dos golfinhos com os deuses conferia-lhes o símbolo de protecção e de bom agoiro. Por exemplo, os pescadores, homens muito super�ciosos, viam os golfinhos como animais protegidos pelos deuses, como animais auxiliares da pesca (Mora Serrano 2011), que os levavam a descobrir as rotas de migração e os cardumes de atuns e outras importantes pescarias. Esta relação com os golfinhos deveria ter por base a vivência d o s p e s c a d o r e s c o m o s g o l fi n h o s q u e acompanhavam as embarcações e as saudavam de volta ao porto (Moreno Pulido 2011). Pois terá sido assim também em Alcácer do Sal.

té há poucos anos atrás, talvez até aos Aanos 60, os roazes do Sado viviam nas águas de Alcácer e subiam o estuário até

St. Margarida do Sado. Não sei quantos eram, mas certamente muito menos que na época de Salacia ou de Ketovian, quando o rio era mais fundo, mais largo e mais rico. Como animais marinhos de grande porte que são, os golfinhos comem entre 10 a 20kg de presas por dia, estes mamíferos marinhos só se encontram em águas abastadas de vida marinha. O rio Sado tem hoje o estuário mais rico do nosso país, para o qual contribuem os

enclaves rochosos da costa da Arrábida e os fundos profundos do canhão de Setúbal, ricos em nutrientes. Apesar disso, já há muitos anos que não vemos os golfinhos em frente à cidade de Alcácer. Mas o que vos venho aqui dizer, é que ainda hoje vivem os úl�mos golfinhos que aqui es�veram, há uns anos atrás. Sou bióloga marinha. Quando comecei a monitorizar a população de roazes do Sado, em 1994, a população �nha apenas 32 animais (hoje tem 27). Nessa altura a população estava dividida em dois grupos. Um grupo que �nha preferência pelo mar.

Quase sempre os encontrava escondidos nos

meandros do traçado do rio, a caçar nas águas

pardacentas do interior do estuário. Neste grupo

estuarino haviam 7 golfinhos: o Rocha, a Tubarão,

o Peter Pan, o Dorminhoco, a Purpúrea, o

Unicórnio e o Tripé. Às vezes juntava-se-lhes o Asa,

o golfinho lendário desta população, que já voou

suspenso a um helicóptero para ser salvo. Destes

7, para além do Asa, apenas os úl�mos dois, o

Unicórnio e o Tripé, e um filho da Purpúrea, estão

vivos. Estes são os úl�mos golfinhos guardiões da

rota de Alcácer do Sal. Têm cerca de quarenta

anos, idade muito próxima do l imite da

longevidade de um roaz (50 anos). A úl�ma vez

que os vi em romaria para o interior do estuário,

levavam Guilhas, o filho de Púrpura que tem quase

16 anos, como se es�vessem a ensinar-lhe o

caminho que conduzia a Salacia. Guilhas não sabe,

mas esse foi o úl�mo caminho que a sua mãe

Purpúrea fez, pois foi no leito do estuário, perto de

Alcácer onde esta foi encontrada morta.

Unicórnio

Os últimos raozes do Sado Guardiões da rotade Alcácer do Sal

Tripé

Guilhas Asa

Os últimos raozes do Sado Guardiões da rotade Alcácer do Sal

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úrpurea era uma das golfinhas mais lindas Pda população de roazes do Sado.

Era esbelta, �nha a tez cinzento muito claro e um olhar rasgado. Se fosse uma ninfa, imagino que teria cabelo ruivo rebelde, pele cor de leite, sardenta e selvagem. Imagino também porque Purpúrea foi morrer junto a Alcácer, já que os golfinhos têm uma ligação muito especial com Salacia. Conta a lenda que Salacia foi a ninfa que Neptuno escolheu para casar. Mas essa não era a sua vontade. Salacia revoltou-se e escondeu-se no mar. Então Neptuno, como era o Rei dos mares, enviou todos os animais marinhos à sua procura. Um após outro, todos chegavam das suas buscas sem a encontrar. Apenas os golfinhos, com os seus cantos melodiosos, conseguiram convence-la e leva-la a esposar Neptuno. E é por isso que eu imagino que Purpúrea voltou a Salacia. Talvez ela fosse descendente dos golfinhos que prestavam vassalagem a Salacia. Talvez Purpurea quisesse deixar junto da ermida fundadora da cidade, a oferta do seu corpo e da semente que estava dentro de si. Purpúrea morreu grávida, �nha no seu ventre um feto em desenvolvimento. Tinha que vos contar esta história. Para que também vocês sejam guardiãos da rota de Salacia. Para pedir-vos que façam o que podem no vosso dia a dia, para que um dia o estuário recupere a sua riqueza marinha e os golfinhos destas moedas possam voltar a ter vida em frente a Alcácer.

autora agradece o apoio e o carinho dos

Aarqueólogos do Departamento de

Arqueologia da Câmara Municipal de

Alcácer, a Lucas Cervera por ter feito a ponte com

os arqueólogos da sua Universidade em Cadiz, o

professor Dario Casasola e em par�cular, o grande

apoio da arqueóloga Elena Moreno Pulido.

Literatura referida:

Moreno Pulido, E. 2011. Representaciones

zoomórficas en la moneda an�guadel Círculo del Estrecho. In: Los animales en la

historia y en la cultura. Editores:Arturo Morgado García e José Joaquín Rodríguez

Moreno. Universidade de cadiz. Páginas 69- 80.

Serrano, B.M. 2010. Apuntes sobre la iconogra�a

de las monedasde *Beuipo-(Salacia) (Alcácer do

Sal, Setúbal). Universidade de Málaga. In: Lucius

Cornelius Bocchus Escritor Lusitano da Idade de

Prata da Literatura La�na. Editores: João Luís

Cardoso e Mar�n Almagro-Gorbea. Colóquio

Internacional de Tróia.

Purpúrea, a "golfinha" fêmea que veiomorrer a Salacia

Imagem de Salacia, ruínas de Herculano (Itália)

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EXPOSIÇÃO “TABERNAS DO SUL”

ealizou-se no passado dia 5 de Setembro de R2014 na Biblioteca Municipal de Alcácer do

Sal a exposição de fotografia a preto e

branco, pertença da Câmara Municipal de Beja

“Tabernas do Sul” de João Galamba de Oliveira.

Composta por 10 fotografias e recriando o espirito da

taberna com materiais etnográficos cedidos por

alguns sócios e amigos da ADPA, esta exposição

retrata a tradição vinícola do Alentejo, pátria das

tabernas, o convívio depois de mais um dia de

trabalho, um copo de vinho, um pedaço de pão,

linguiça e queijo e uma moda a deliciar o ouvido.

Esta inicia�va foi promovida pela ADPA- associação de

defesa do património cultural de Alcácer do Sal em

colaboração com a camara municipal e esteve

patente ao público até 26 de Setembro, e contou com

a actuação do grupo feminino cantares do Xarrama.

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Testemunhos da prá�ca da Bruxaria

em Alcácer do Sal, no reinado de D.

João V:As irmãs Salemas e os Azulejos da

Igreja de San�ago António Rafael Carvalho

Introdução

ma igreja, dentro de um variado leque de

Uinterpretações, pode em larga medida

ser compreendida como o espaço em

que se manifesta Deus. Nesse espaço sagrado, o

crente com a ajuda e orientação espiritual de um

sacerdote sente que está em comunhão com o

sagrado. O seu interior possui uma linguagem

arquitetónica e iconográfica concebida em

contextos culturais diferenciados, mas com um fio

condutor, que em última análise convida o crente a

antever o “Mistério da Vida” e a rezar para o seu

projeto pessoal de salvação, perante um sociedade

envolvente que insiste em se manter distante, fria,

seguindo orientações macro económicas e politicas

que nos agridem, nestes dias complicados que

temos pela frente.

A riqueza iconográfica que cada um de nós

testemunha nas paredes laterias de cada templo

tinha uma função que remonta á Idade Média.

Nesse tempo, numa sociedade fortemente

desigualitária, em que a maior parte da população

servia para trabalhar, pagar impostos e servir de

carne para canhão, segundo orientações politicas

que não compreendia ou desconhecia, poucos

tinham o privilégio de ir para a escola. Face a uma

massa analfabeta de tementes a Deus, a sua

mensagem para não cair em saco roto tinha que se

servir de um conteúdo mais concreto que o crente

pudesse entender. Era essa a função dos programas

iconográficos que preenchiam o interior dos

templos cristão, num aparente horror ao vazio e

fazendo uso de uma didática mensagem de

ensinamento.

Face ao exposto, que importância terá tido a

representação iconográfica do demónio a tentar o

apóstolo Santiago, tal como nos chegou até hoje em

alguns azulejos existentes no interior desta igreja

alcacerense?

Antes de podermos responder a esta

questão, achamos oportuno determinar se a prática

da bruxaria seria usual em Alcácer do Sal?

Estamos perante um tema sensível que

rosava a intimidade de cada um e que possuía uma

carga de ilegalidade e heresia que convidava a

quem a praticasse mantivesse essas práticas na

obscuridade e na calada da noite. Quem fosse

descoberto e não fosse pessoa de cor, tinha a certeza

de que o seu fim seria o castigo e devassa pública.

Em casos julgados mais sérios, culminava a sua

purificação pelo fogo da Inquisição, que no caso de

Alcácer como vila inserida na jurisdição do

Tribunal da Inquisição de Lisboa, essa sentença era

executada e consumada no Terreiro do Paço, em

Lisboa.

Fig 1 – Uma

representação de

um Auto de Fé no

Terreiro do Paço,

Lisboa, em meados

do século XVII

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1

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Face ao exposto, tendo em conta a

documentação a que tivemos acesso, estamos

convictos de que terão existido vários tipos de

bruxaria que seriam praticadas no Termo de

Alcácer do Sal. Um deles, de âmbito mais restrito

em termos raciais, era usado no seio da comunidade

escrava que vivia ao longo da Ribeira do Sado. A

outra, de carater mais urbano era exercido às

escondidas na vila e a ela socorriam as elites

alcacerenses, em busca de soluções nada canónicas

para problemas de saúde, amores, políticos ou

financeiros. É nesta tipologia de bruxaria que

podemos enquadrar as práticas das irmãs Salemas.

Passamos pois ao testemunho documental que

selecionamos para este trabalho.

Não temos a pretensão de poder responder a esta questão. O presente contributo deve ser entendido como uma janela de investigação, no qual apontamos uma hipótese de trabalho. Nela defendemos que este episódio de bruxaria terá tido a sua influência na escolha dos motivos iconográficos executados por encomenda para a igreja de santiago. De notar que este templo começa a funcionar nessa altura como sede da freguesia urbana de Santiago de Alcácer, polo central de todos os crentes, que nasciam, que se casavam e que morriam.

2

3 Os agentes da Inquisição tinham conhecimento de que a magia negra era praticada pelos escravos que vinham ou eram descendentes das levas que tinham sido capturadas em Africa. Contudo alicerçado numa normativa onde poderemos detetar tiques de racismo e de superioridade moral, essas práticas eram consideradas de mal menor e coisas de batuques, sempre subalternas ao poder da fé em cristo. As pessoas de cor, escravas ou não, só eram perseguidos pela Inquisição quando essa magia era colocada ao serviço de pessoas cristãs inseridas nas elites da época.

1 Membro da ADPA. Gabinete de Arqueologia, Património e M u s e u s d o M u n i c í p i o d e A l c á c e r d o S a l . [email protected]

englobando a Corte Real, alguns Conventos e a Vila

de Alcácer do Sal. De todos os intervenientes

acusados da prática da bruxaria, ou que buscavam

soluções nessas práticas, só uma pessoa conseguiu

fugir para Espanha, como iremos ver. Apesar de ter

sido resolvido com bastante descrição pelo rei D.

João V, foi posteriormente comentado e objecto de

relato em alguns estudos. Por questão de

metodologia, decidimos transcrever na íntegra um

desses relatos. O seu autor foi o Vigário da Cartuxa

D. Bernardo de Santa Maria. O texto que utilizamos

foi publicado em 1849: 213 a 218. Pelo seu

interesse, decidimos transcreve-lo na totalidade,

dado que só assim podemos entender o que

efetivamente terá acontecido à 291 anos atrás, nesse

remonto ano do século XVIII:

O Relato dos Acontecimentos

episódio de feitiçaria que selecionamos

Opara este estudo aconteceu em 1724 e

desenrolou-se por um espaço geográfico

que se estendeu desde Lisboa até Alcácer do Sal,

4

5

6

“Documento 8º.

Additamento à = Vida e Feitos do Padre

Bartholomeu Lourenço de Gusmão = Diabrura

em forma, em que se descobrio quererem dar

feitiços a ELRei D. João V, como se vê do

mesmo papel; o qual caso se descobrio em

Setembro de 1724

Entre outros ver; - Actas das sessões da Academia Real das Sciencias (1849), Tomo I, DANTAS, Júlio (1917) O Amor em Portugal no século XVIII. e TAUNAY, Afonso de Escragnolle (1942) Bartolomeu de Gusmão, Inventor do Aeróstato: A vida e a obra. Página 355 e seguintes

4

5 Segundo relato escrito pelo Vigário da Cartuxa D. Bernardo de Santa Maria. O documento foi transcrito décadas mais tarde, em 1797, por Fr. Vicente Salgado, ex-Geral e Chronista da Congregação da Terceira Ordem neste Convento de Nossa Senhora de Jesus de Lisboa, que os publicou nas Actas das Sessões da Real Academia das Sciencias, em 1849.

6 Sempre fiel á versão publicada no século XIX, procuramos sempre que possível atualizar o português, para tornar a sua leitura mais inteligível.

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ra Juiz de Fóra d´Aldeiagallega Jeronimo

Ede cetem, filho do Desembargador João

de Cetem, aposentado na Relação do

Porto. Nas vizinhanças desta Vila havia uma quinta

de certa mulher, que algumas vezes escrevia ao Juiz

de Fóra sobre dependências do fabrico dela.

Passou esta mulher, no mês de setembro do referido

ano, áquela vila em companhia de outras quatro, e

de um homem, e vendo-as o Juiz de Fóra, que bem

conhecia a sua vida folgazona, convidou-as a

jantar em sua casa, cumprimento, que aceitarão de

boa mente; e no entanto que a mesa se preparava,

fazendo-lhe novidade aquela comitiva, quis saber a

causa da jornada. Disseram-lhe que aquela

menina, apontando para uma que era mais bizarra,

e mais moça, estava em resolução de ser freira, e

passava a Setúbal a ver o convento, e se lhe não

agradasse, passaria a Alcácer do sal, onde havia

outro em que se podia recolher; para o que pedirão

ao juiz de Fora lhes mandasse embarcar três seges;

e depois de jantar se embarcarão nelas, e forão

seguindo a sua derrota, ficando com ele de

voltarem à mesma Vila de Aldeiagalega, passados

três, ou quatro dias.

Não vierão, e quando o juiz de Fóra já

reparava na tardança, por se terem passado mais

de oito dias, soube que estava na quinta a dita

fulana, de que tinha conhecimento; buscou-a, e

perguntando-lhe pelas companheiras, e pela

novidade de a ver naquele sitio, quando a supunha

em outra parte: disse que as companheiras tinham

passado para lisboa pela estrada de coina, e que

ela por se não querer meter em embrulhadas, se

tinha apartado delas. Cresceu a curiosidade no

Ministro, e foi investigando a matéria que fora

causa para se desunirem; até que a mulher, a

muitos rogos do juiz, pedindo no caso muito

segredo, disse: que aquela jornada se fazia para

consultar duas célebres feiticeiras, que havia em

Alcácer do Sal, chamadas as salemas, mulheres

pardas, e o negócio todo era enfeitiçarem a El rei

para que deixasse D. Paula de Odivelas,

permitisse, que a amiga do Infante D. Francisco

fosse ao mesmo Convento, aonde a não deixavam

ir; e tomasse amores com uma Freira, ou Secular

(que nisto não estou certo), que era irmã de outra

com quem tratava o grande Padre Bartolomeu

Lourenço; e que dizendo as mulatas que para esta

boa obra erão necessárias algumas coisas que

houvessem tido com o corpo de El rei contato físico,

voltarão as companheiras a explicar-lhe o seu

interesse, e descobrir-lhe para os seus intentosmelhor via, que poderia declarar, se fosse bem

aceito o seu projeto, pedindo juntamente um sumo

segredo, necessário à importância da matéria.

Partiu a mulher para Lisboa, e logo depois, em

outro barco, o Juiz de Fóra, e como não tinha logo

ádito para falar a El Rei, e a matéria pedia toda a

presa, buscou João Marques Bacalhau, que tinha a

entrada mais franca, e deu-lhe parte do negócio:

ficou o homem aturdido, e segurando-se de tudo

quanto o Juiz de Fóra referira, foi ao Paço, donde

veio pelas onze horas da noite, e achou em casa o

Ministro esperando, mas já com outras notícias;

porque no meio tempo que o Bacalhau se demorou

no paço, foi o Juiz de Fóra a casa da mulher que

descobrira a diabrura, fingindo o não deixava

descansar o cuidado de saber se poderia ter lugar o

seu adiantamento, e soube dela, que no dia antes

dela partir da sua quinta, tinham passado as

7

8

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as mulheres para Alcácer.

7 Atual cidade do Montijo8 Tratava-se do padre Bartolomeu de Gusmão que no século XVIII recebeu a alcunha do Voador, por ter inventado um, método para voar, o que na altura provocou escândalo e motivou a perseguição da Inquisição.

Como o negócio tinha mudado de sistema,

voltou logo o Bacalhau ao paço, e determinou el

rei, que pelas seis horas da manhã do outro dia se

achasse em casa do Cardial da Cunha o bacalhau,

e o juiz de Fóra. Quando foram, mandou-os entrar

o Cardial para a Casa do Conselho Geral, onde já

estava Nuno da Silva Teles, que disse ao Juiz de

Fóra, que como ele sabia inquirir testemunhas, era

o melhor diretor para o próprio depoimento: depôs

todo o facto que tenho narrado, e dali mesmo foi

mandado o bacalhau buscar a mulher que

descobrira o enredo, a qual contestando

inteiramente com o Juiz de Fora, foi mandada a sua

casa, que era nas varandas do Terreiro do Paço; e

aos dois Ministros se passarão ordens pelo Santo

Oficio para serem presas as mulheres.

Deu também El rei todas as ordens para que

as mulheres se buscassem pelos referidos

Ministros, até à raia de Castela, ordenando a todos

os Governadores, e Justiças, obedecessem aos dois

Ministros, tudo por Decretos firmados do seu

punho; e mandou entregar-lhe oitenta moedas, e

que partissem logo em um Escaler da Ribeira, que

estava pronto.

Chegarão a Coina, e tirando […], se

passarão por ali três mulheres, vierão a saber por

um Comissário do Santo Oficio, que umas

mulheres tinham ali chegado, porém que vinha um

Clérigo na sua companhia.

Passarão a Setúbal, e no caminho disse o Bacalhau

ao Juiz de Fóra, que se o Clérigo era o Padre

Bartolomeu Lourenço, haveria novidade grande.

Deram parte do caso ao Juiz de Fóra de Setúbal,

que era o meu amigo Diogo Cotrim, que já estava

despachado para o Porto; e havendo noticia que as

mulheres passarão já desacompanhadas do

Clérigo, deu ordem ao juiz de Fóra para se

registarem os barcos que viessem de Alcácer, e foi

acompanhando na diligência aos dois Ministros.

Chegando à Vila deram parte ao Juiz de Fóra,

também meu amigo, Valério Galvão de Quadros, e

logo souberam, que as mulheres estavam na terra.

Prenderam-se, e o homem que as acompanhava, e

também as duas salemas feiticeiras, sem saberem

umas das outras, e assim mesmo foram levadas

para casa de Familiares, quem se recomendou as

não deixassem falar a pessoa alguma. Perguntada

a principal do rancho pelo Clérigo companheiro,

disse que era o Padre Bartolomeu Lourenço, e

buscada se lhe achou ao peito um escritinho com

caracteres imperceptiveis, e á outra uma chavinha

de prata em um cordão encarnado, que dizia era de

um escritoriozinho que tinha em Lisboa; mas

buscando-se o fato, achou-se em uma condeça um

cadeado em que se servia a tal chave, e abrindo-a

com curiosidade, pelo recato com que se guardava

a chavinha, preza a tiracol no forro do vestido,

acharam-se dentro peitos de perdizes, e de galinhas

abocanhadas, bocados de marmelada meio

comidos, uma atadura e almofadinha com sangue,

quarenta moedas em ouro, e muitas boas joias, que

serão para dar ás salemas, e no fundo de um

alforge um caco com esterco humano já seco.

Chegarão ao Santo Ofício uma quarta-feira

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pelo meio dia, e passando-se logo ordem para ser

prezo o Padre Bartolomeu, pelas duas horas da

tarde fugiu, mas depois foi prezo, e não há muitos

tempos que morreu: e mandando-se, quando ele

desapareceu, fazer sequestro a sua casa, pelo

Bacalhau, achou, entre os poucos trastes, que

tinha, aberto sobre uma mesa, e cotada em varias

partes, o Alcorão de Maomé.

E s t a s m u l h e re s f o r ã o c a s t i g a d a s

particularmente, e duas mulatas mais que vierão de

Odivelas, uma das quais está servindo hoje a quem

devia ter dela todo o aborrecimento.

Tudo isto me contou na Hopedaria deste

Convento o mesmo Minsitro Jeronimo de Cetem,

que merecendo por este singular um adiantamento

de suma distinção, lhe pagarão só com a Correição

de Viana, e hoje se acha sem servir. Em 30 de Julho

de 1736.

É esta notícia dada e escrita pelo Vigário da

Cartuxa D. Bernardo de Santa Maria.

Todos estes papeis forão copiados de um

livro antigo escrito naquele tempo, por isso leva

algumas letras dobradas, quando são longas, e os

acabei de copiar hoje 21 de setembro de 1797 = Fr.

Vicente Salgado, ex-Geral e Chronista da

congregação de Terceira Ordem neste Convento de

Nossa senhora de Jesus de Lisboa = Fr. Vicente

Salgado.

Gravura da passarola inventada pelo Padre Bartolomeu de

Gusmão, que �nha uma ligação forte com as irmãs Salemas que

viviam em Alcácer do Sal

Quem eram as bruxas Salemas e que �pos de fei�çaria pra�cavam?

s prát icas de fe i t içar ia de uma

Adeterminada região são reflexos da sua

evolução histórica. Alcácer sempre se

caraterizou por ser um território de chegada e de

partida, de ideias e de crenças. A presença de

escravos de origem africana, documentado desde

meados do século XVI é outro elemento

documental a ter em conta quando se analisa esta

questão, se o tema de investigação incidir no

Período Moderno.

Não nos podemos esquecer que a escravatura

como instituição inserida numa sociedade de

produção pré-Industrial tem um dos seus expoentes

máximos durante o Período Romano, cuja

expressão no território alcacerense é fortíssima. É

certo que o Cristianismo vai-se impondo no

decurso da Antiguidade Tardia e que o Islão que

chega no século VIII, pouco contributo irá fazer

para abolir a escravatura, dado que essa

desigualdade era entendida como um desígnio

insondado da vontade de Deus. Seja como for, com

altos e baixos, a prática da escravatura em Alcácer,

em larga escala, que remontar à conquista romana

de meados do século II antes de Cristo, só será

oficialmente abolida no século XVIII, mas

tornando-se irreversível no século XIX. Quanto às

irmãs Salemas, sabemos que á altura dos

acontecimentos, viviam em Alcácer, onde ao

espirito da época, exerciam a sua atividade ilegal no

ramo da magia. As fontes testemunham que existia

uma ligação entre elas e o Padre Bartolomeu de

Gusmão, em moldes que desconhecemos. Um dos

autores consultados, Bordalo, escreveu no

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no século XIX para a revista Panorama, uma

história muito romanceada sobre este padre e as

irmãs Salemas cuja veracidade histórica não

podemos até este momento confirmar ou refutar. O

referido texto deve ser lido com reservas se o

objetivo for a verdade histórica, contudo pelo

aspeto pitoresco que a história tem, passamos a

citar com as devidas ressalvas.

Segundo Bordalo, as irmãs Salemas tinham

nascido no Brasil na cidade de Santos, recebendo

uma delas o nome de Aurélia e a outra de Tomásia.

O apelido Salema veio do primeiro senhor que

tiveram. Por peripécias que o autor não explica, as

duas irmãs vieram a ficar prisioneiras em Argel dos

corsários, ficando aí a viver como escravas.

Posteriormente embarcadas num barco corsário,

onde uma delas vai ser violada, o referido barco vai

ser apressado pela armada da Ordem de Malta e

conduzido a essa ilha, pelo que libertas, as irmãs

Salemas ficam a viver na ilha em situação que o

autor não nos elucida.

A sua adoção pelo padre Bartolomeu só

aconteceu quando este efetuou uma viagem de

balão desde a serra da Arrábida até ao mar das

Baleares, sendo salvo por pouco por um barco em

trânsito para Malta. Aí Bartolomeu sentindo pena

das duas irmãs Salemas as adota com o

consentimento da Ordem de Malta, ficando a viver

na ilha por algum tempo.

A sua vinda para Portugal acontecerá após a

ocorrência de problemas familiares, indo-se

refugiar para a casa e quinta que tinha em Alcácer

do Sal. Quando voltou a sair do reino por causa da

perseguição que a Inquisição lhe fazia, cedeu a sua

propriedade alcacerense às irmãs Salemas, em data

próxima de 1714. Estas para sobreviverem

passaram a trabalhar no ramo da bruxaria,

servindo-se para isso com a fama de mágico e

feiticeiro que o padre Bartolomeu tinha entre o

povo de Alcácer a tal ponto que em dada altura a

população pensou em deitar fogo á casa aonde

viviam as duas bruxas. Segundo o referido Bordalo,

as Salemas eram muito instruídas para a época e

tinham fama de sábias graças aos ensinamentos que

tinham recebido do padre Bartolomeu, falando

sempre que podiam de astronomia e davam

concelhos sobre as melhores praticas para a

agricultura. Com o passar do tempo enveredaram

para a medicina popular, sendo reconhecido que

tinham mais sucesso a curar pessoas que os

médicos da vila. Para evitar problemas com as

autoridades e com a Inquisição, as pessoas

começavam a consultar as Salemas às escondidas e

a horas mortas da noite. Contudo a sua fama já tinha

chegado a Lisboa, como tivemos ocasião de ver.

Para concluir este ponto e de forma a

estabelecer uma hipotética ponte entre elas e o rei

D. João V, importa referir que este era

profundamente religioso, tendo mandado construir

o Convento de Mafra e que um dos passatempos

que tinha, consistia em acompanhar de perto a ação

da Inquisição na repressão das heresias, assistindo

ao longo do seu reinado a um total de 28 Autos-de-

Fé Públicos.

Temos testemunhos de que estando o rei

doente, preste a fazer uma sangria, insistiu mesmo

assim a estar presente na assistência de um Auto-

de-Fé. Face ao exposto é provável que o episódio

ocorrido em Alcácer lhe tenha deixado marcas no

foro intimo, que naturalmente as fontes pouco ou

nada dizem.

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Face ao expos to é p rováve l que a

representação de demónios nos painéis de azulejos

da igreja de Santiago de Alcácer que identificamos

à pouco tempo, tenha servido como mensagem

profilática de que perante a luta entre o bem e o mal,

quem triunfa é sempre o Deus, procurando deste

modo passa r uma mensagem que fosse

interiorizada pela população alcacerense para que

esta não tivesse duvidas. Se bem que especulativo,

ficamos com a sensação que a prática da magia

estaria bastante enraizada pela população,

especialmente aquela que habitava em âmbito rural

ou estivesse mais próxima da comunidade escrava

de origem africana.

A Igreja de San�ago

totalidade dos investigadores que se tem

Adebruçado sobre a história deste imóvel

religioso, sugerem que a razão que está

por detrás do seu novo programa arquitetónico ter-

se–á prendido com a vontade do rei D. João V em

construir uma igreja à sua imagem, dando deste

modo dignidade à cidade que tinha servido de

primeira sede do ramo português da Ordem de

Santiago, pouco depois da conquista cristã de 1217.

A segunda razão apontada teria a ver com a

necessidade de albergar o número crescente de fiéis

desta freguesia, que já não tinham espaço adequado

na antiga ermida de Santiago, dado que esta igreja

tinha assumido anos antes a sede da paróquia com o

mesmo nome, em substituição da antiga sede na

igreja de Nossa Senhora da Consolação que em

virtude da nova geografia eclesiástica alcacerense

vai ser anexada á freguesia de Nossa Senhora do

Castelo.

Durante décadas, tínhamos assistido na

produção historiográfica alcacerense que esta

igreja teria sido uma obra de raiz de D. João V. Em

2006 provamos que não seria assim, contudo ainda

não possuímos elementos seguros referentes á sua

fundação. Sabemos contudo que já existiria algures

em meados do século XVII, antes de assumir a sede

da Paroquia Urbana de Santiago.

Face aos novos dados, nomeadamente à

questão das bruxas Salemas e aos painéis de

azulejos com alusões ao demónio no interior da

igreja, admitimos que a razão que está por detrás do

arrojado programa arquitectónico Joanino desta

igreja Paroquial, onde sobressai a imponência da

sua fachada sobranceira ao rio, seja a resposta que o

soberano quis perpetuar na paisagem urbana de

Alcácer, que deveria ser lida como um farol a avisar

que na urbe alcacerense o vencedor “ad eterno” é

Cristo Ressuscitado, perante um espaço rural que

insiste em se manter distante em termos espirituais

cristãos, emerso em prát icas pontuais e

clandestinas de magia.

Os Painéis de Azulejos

Interior da Igreja de San�ago de Alcácer do Sal. A meia altura,

num painel de azulejos, é visível a representação de uma cena

com três demónios a tentarem um homem santo.

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Pormenor do referido painel, no seio da vida do apóstolo San�ago. Painel de azulejo do lado direito, mostrando um dos diabos

arrependido.

Bibliografia

BORDALO, F. M. (1855) – O Voador, Parte II. In, O Panorama: Semanario de Litteratura e instrução, Vol. 12, Lisboa, p. 293-294.

DANTAS, Júlio (1917) - O Amor em Portugal no século XVIII

TAUNAY, Afonso de Escragnolle (1942) - Bartolomeu de Gusmão, Inventor do Aeróstato: A vida e a obra.

SALGADO, Fr. Vicente (1849) – Additamento à = Vida e Feitos do Padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão = Diabrura em forma, em que se descobrio quererem dar feitiços a ELRei D. João V, como se vê do mesmo papel; o qual caso se descobrio em Setembro de 1724. In, Actas das Sessões da Real Academia das Sciencias, Tomo I, Lisboa, p. 214-218

Imagem do exorcismo do diabo, fazendo-se o sinal da cruz. Porta de

acesso ao Coro-alto e ao sino.

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Passeio cultural a Lisboa e Sesimbra

ADPA realizou no dia 1 de Março de 2015, Aum passeio cultural a Lisboa e Sesimbra, iniciando a nossa visita pelas 11h00 ao

Museu Nacional de Arqueologia com visita guiada acompanhada por uma técnica credenciada, onde visitamos a exposição “O TEMPO RESGATADO AO MAR”. Esta exposição deu-nos a conhecer a história da arqueologia náu�ca e subaquá�ca em Portugal nos úl�mos anos, incluída no programa do 120º aniversário da fundação do Museu Nacional em 1893.

Depois de um demorado almoço em Sesimbra visitamos o Castelo acompanhado por um técnico da câmara municipal de Sesimbra onde se destacou a igreja da nossa senhora da consolação, a alcáçova, a torre de menagem, a torre poente e a casa da vereação onde se encontra um pequeno mas muito interessante núcleo interpreta�vo.Finalizamos a nossa visita com um passeio ao Cabo Espichel onde disfrutamos da sua beleza natural.

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O EROTISMO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

esde muito cedo que o ero�smo, a nudez e a Dsexualidade estão vincados na história da

Humanidade. Desde das estatuetas “vénus”

da pré-história, passando pelos “bacanais” do mundo

romano até ao tempo do “fruto proibido” da Idade

Média, o ero�smo marcou o quo�diano, as artes, a

literatura e a mentalidade das várias civilizações.

Mas é no mundo Greco-Romano que o ero�smo ganha

uma maior importância e que se revela de forma

explícita a vários níveis, principalmente na decoração

de objectos de uso quo�diano e em pinturas murais. A

sexualidade na An�guidade clássica está repleta de

curiosidades e de regras muito dis�ntas das do “novo

mundo moderno”, como veremos de seguida.

O ero�smo greco-romano estava fortemente ligado à

sua mitologia e era bastante comum cultos e festas

dedicadas aos deuses. Um desses cultos era o “Culto à

Virgindade”, dedicado à deusa Artemisa. Dizia-se que a

perda da virgindade das mulheres era vista como uma

morte lenta, logo a mulher �nha de se manter virgem

até ao casamento.

Rita Balona

Vaso grego com motivo erótico – necrópole Sr. Dos Mártires, Alcácer

do Sal

Comuns também eram as festas dedicadas a Baco (deus

romano) ou Dionísio (deus grego), inspiradas na

loucura, no álcool e no êxtase. Homens e mulheres

bebiam sem medida e entregavam-se aos prazeres da

carne. Curiosamente, apenas na época romana foi

aceite relações nestas festas de homens com homens.

A homossexualidade nesta altura não era objecto de

escândalos, pelo contrário, era bastante aceite na

sociedade. Por exemplo, Caio Júlio César era conhecido

por ser "esposa de todos os homens e marido de todas

as mulheres".

As relações entre homens e jovens adolescentes eram

conhecidas por “pederas�a” e surgiu como uma

tradição aristocrá�ca, educa�va e de formação moral.

Os gregos valorizavam a homossexualidade como um

elemento cultural fundamental. A “pederas�a” era o

que denominava o sexo entre jovens de 15 aos 18 anos

c o m u m a d u l t o c o m m a i s d e 3 0 a n o s . A

homossexualidade masculina foi também uma chave

essencial no entretenimento das tropas e legionários.

Os gregos admiravam a beleza, tanto das mulheres

como dos homens, mas a destes era a mais venerada.

Um corpo bem definido de um jovem era considerado

algo muito perto da “perfeição”, tanto que o sexo e o

amor entre homens eram vistos como algo excepcional

enquanto o contacto heterossexual estava focado na

procriação.

A declaração homossexual era popular tanto nos

homens como nas mulheres. O termo “Lesbianismo”

surgiu do nome de uma ilha situada no mar Egeu

chamada Lesbos. Nela vivia a poe�sa Safo que escrevia

sobre a sua admiração, atracção e amor platónico pelas

mulheres que eram suas alunas. Falava também nas

relações e rituais eró�cos entre as mulheres da ilha.

Mas pouco se sabe acerca da relação homossexual

entre mulheres mas sabe-se que ela exis�a, pois muitos

são os registos ar�s�cos com mulheres em ambientes

eró�cos.

Exis�a também uma lei que dizia que os homens

podiam ter relações fora do casamento, tanto com

homens como com mulheres mas o mesmo não era

permi�do ás mulheres, que apenas poderiam ser infiéis

ao marido com outras mulheres.

*

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Muito pra�cada era então a Pros�tuição, uma

ac�vidade vulgar e muito exercida nas grandes cidades.

Era aceite por todos os níveis sociais, tendo até um

papel muito importante no crescimento económico de

algumas cidades. Exis�am vários �pos de pros�tutas:

as “pornai”, as independentes, as “heteras” e as

sagradas. Enquanto as “pornai” �nham de pagar

impostos e trabalhavam com proxenetas, as heteras e

independentes �nham direito à educação e sabiam

falar de vários temas. Maquilhavam-se e ves�am-se

com roupa de qualidade e administravam os seus bens

sozinhas.

“…temos as heteras para o prazer, as criadas para

sa�sfazer as nossas necessidades corporais e as

esposas para nos darem filhos…”

A pros�tuição masculina também exis�a, des�nada à

clientela feminina, mas rapidamente se tornou

maioritariamente numa ac�vidade homossexual. A

clientela mais popular eram homens adultos que

procuravam jovens adolescentes para saciar os seus

desejos. Os pros�tutos eram jovens, fisicamente

habilitados que com o aparecimento da barba se

tornavam ac�vos nestas prá�cas sexuais.

Conjunto de lucernas romanas com mo�vos eró�cos – colecção Alcácer

do Sal

Tão interessante como a mentalidade eró�ca desta

civilização, são os registos que nos deixaram na arte e

literatura. Alcácer do Sal, an�ga Salacia, não foi

excepção e possui alguns objectos de carácter eró�co

que nos deixa memórias desses tempos em que “..o

sexo seduzia os mortais e os imortais..”

BILBLIOGRAFIAREVISTA HISTORIA, “Ero�smo ao sabor dos tempos”, nº

66,2004, série III.

MCGINN, Thomas A. J. , “THE ECONOMY OF

PROSTITUTION IN THE ROMAN WORLD”, 2007, The

University of Michigan Press.

BLANSHARD, Alastair J. L., “Sex Vice and Love from

An�quity to Modernity”, 2010, Wiley-Blackwell.

* Membro ADPA, Arqueóloga do Gabinete de Arqueologia da CMAS.

Apoio

Câmara Municipal de Alcácer do Sal

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HOMENAGEM AO CANTE ALENTEJANO

o dia 25 de Abril a ADPA, com o apoio da NCâmara Municipal de Alcácer do Sal

promoveu um evento dedicado ao Cante

Alentejano. Tratando-se de uma a�vidade premiada

pela UNESCO como património imaterial da

Humanidade, a ADPA achou mais que merecido

homenagear estes homens e mulheres que dão a voz

por uma cultura tão especial do Alentejo.

Foram convidados três grupos de cantares que

alegraram a cidade durante a manhã e que culminou

com um espetáculo no Largo dos Açougues. Os grupos

convidados foram os “Mineiros de Aljustrel”, “os

Rurais” de Figueira dos Cavaleiros (Ferreira do

Alentejo) e os “Moços d'Aldêa” da Cabeça Gorda (Beja).

O dia iniciou-se pelas 9 da manhã no hastear da

bandeira junto ao edi�cio da Câmara Municipal onde

os grupos cantaram uma moda e seguiram pelas ruas

da baixa até ao posto de Turismo, onde animaram os

comerciantes e os habitantes alcacerenses. Foram á

zona do Castelo onde visitaram a Cripta Arqueológica,

para conhecerem um pouco da nossa história.

Seguiu-se um almoço de convívio na Herdade da

Barrosinha e depois um concerto dado por cada grupo

no Largo dos Açougues que contou com muita

aderência por parte da população. A ADPA marcou a

sua presença abrindo o quiosque do largo onde

promoveu o evento, a associação, a cidade de Alcácer e

expôs e vendeu ar�gos ligados ao património.

O dia terminou com uma prova de vinhos á

“desgarrada” na Herdade da Barrosinha onde os

grupos conheceram a adega da Barrosinha e se

despediram com muita alegria.

A ADPA agradece o apoio da CMAS, da Herdade da

Barrosinha e de todos aqueles que ajudaram para que

esta inicia�va fosse um sucesso. Obrigado a todos!

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O CANTE ALENTEJANO

Cante Alentejano é um género musical Otradicional do Alentejo, Portugal. O cante nunca foi a única expressão de música

tradicional no Alentejo, sendo aliás mais próprio do Baixo Alentejo que do Alto.

O cante alentejano era uma manifestação informal, espontânea que acontecia no campo. Marca um movimento lento, o ritmo, a cadência do trabalho à jorna, nomeadamente das colheitas que mais caracterizavam a agricultura alentejana - a ceifa, a monda e a apanha de azeitona.

Na sua origem o cante alentejano era prá�ca não só dos homens como das mulheres, ambos trabalhavam no campo, ambos protagonizavam essa prá�ca cultural. Com o declínio da economia tradicional agrícola, com a passagem do cante do campo para as tabernas e, a par�r dos anos 30, quando se cons�tuem os primeiros grupos corais formais, s i l e n c i a m - s e a s m u l h e re s q u e até e ntã o desempenhavam um papel tão importante como os homens no cante alentejano.

Na sua forma original, as modas �nham como temas principais O TRABALHO, A CONTEMPLAÇÃO, A NOSTALGIA, O AMOR e A VIDA. Mais do que reivindicar melhores formas de vida, o cante servia para se purgarem as dificuldades. Com o declínio da economia agrícola e depois da revolução de 1974, os grupos corais introduziram nos seus reportórios novos temas, alguns inspirados nos acontecimentos polí�cos da época, mais reivindica�vos, não deixando, porém, de cantar as an�gas modas do cancioneiro popular.

A 27 de Novembro de 2014, durante a reunião do Comité em Paris, a UNESCO considerou o Cante Alentejano como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

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Santuário do Senhor dos Már�res

Revitalizar as festas em honra do Bom Jesus

Dar Vida ao monumento

João Carlos Faria*†

Um breve olhar sobre o Santuário do Senhor dos Már�res. Inicialmente uma ermida de romagem foi mais tarde Capela da Ordem de San�ago para albergar os restos mortais dos Mestres daquela ordem.

ora da urbe, fica o santuário an�gamente Fdenominado de Senhor dos Már�res. Cons�tui um conjunto de construções

iniciadas no séc. XIII na altura da reconquista, engrandecidas no séc. XIV, e transformadas desde o séc. XVI em diante.A igreja propriamente dita, compõe-se de um corpo rectangular, prolongado para a nascente por uma capela-mor igualmente rectangular, e para poente por um alpendre quadrado, sobre o qual se estabeleceu o coro por meados do séc. XVI. Das capelas anexas existentes do lado direito, resta somente uma, por sinal o elemento que guarda carácter mais an�quado. As capelas mencionadas, como portadas da banda do Evangelho, conservam-se quase integralmente. No santuário central nada relembra a an�ga construção. A capela-mor foi modificada no séc. XVIII e enriquecida então como uma tribuna de madeira que fez obliterar o primi�vo altar-mor, que entre 1513 e 1514 fora forrado de azulejos.No lugar onde hoje se levanta a torre esteve an�gamente, segundo as Visitações de 1513 e 1560, a capela ins�tuída e fundada por Mar�m Gomes de Leitão.Ainda do lado direito da igreja encontra-se, ni�damente separada do corpo central, uma capela que pode talvez iden�ficar-se com “a do tesouro”, mencionada na Visitação de D.Jorge. Como um pequeno santuário independente, a capelinha da direita compõe-se de um corpo e de

uma capela-mor, ambas abobadadas, a primeira

sobre duas nervuras em diagonal, e a segunda

em berço quadrado. Um arco de cruzeiro, de

duas frentes e com arestas chanfradas, assenta

sobre colunas de capitéis lavrados de folhagens

de pouco relevo, do �po gó�co primário. De uma

banda e de outra abrem-se na parede arcosolias

de arcos igualmente aguçados e biselados. Do

lado esquerdo do corpo exis�u em tempos uma

comunicação para a igreja de que se vêem duas

arcadas; do lado direito cava-se o vão de uma

janela entaipada. Exteriormente, a cimalha

assenta, tanto no corpo como na capela-mor, em

modilhões desordenados mas caracterís�cos do

séc. XII e XIII. Junto à ombreira esquerda da

igrejinha dos Már�res abre-se a porta que

estabelece comunicação para a ”Capela dos

Mestres”.O fundador da capela foi o Mestre D. Garcia

Peres, em 1233, conforme inscrição existente na

capela, comemora�va da sua benfeitoria. Esta

capela octogonal, é coberta por um belo terraço

rebordado de cantaria para onde se sobe por

uma escada de caracol cujo fundo foi cortado

pela passagem que mais tarde se estabeleceu

para a capela.Dizem-nos an�gas Visitações que exis�a mais na

igreja dos Már�res, da banda do Evangelho,

outra capela abobadada com entrada exclusiva

pelo templo, a qual era denominada de “Maria

de Resende”. Conserva-se essa capela mandada

edificar, no fim do primeiro terço do séc. XV, por

Maria Resende, viúva do Comendador de

San�ago, Diogo Pereira, para nele colocar o

monumento sepulcral do seu marido.O portal da Capela Maria de Resende apresenta

uma composição perfeita, que lembra a dos

arcos das capelas radiantes da charola da Sé de

Lisboa.A festa em honra do Bom Jesus dos Már�res,

vulgarmente conhecida como “Festa dos

Malteses”**

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As festas em honra do Bom Jesus dos Már�res, realizavam-se neste local de Alcácer do Sal durante o mês de Setembro, possuindo desde sempre um carácter religioso/profano. O programa mais an�go destas festas de que possuímos registo acha-se guardado nos fundos documentais da biblioteca municipal de Alcácer do Sal, datando o mesmo do ano de 1906.Nele se dá conta que nos dias 8,9,10 de Setembro de 1906 Alcácer assis�u a um deslumbrante arraial com iluminações à veneziana, fogo de ar�ficio, subida de cum aeróstato, tudo isto acompanhado pela distribuição de duas medalhas de mérito (desconhece-se a quem?),rifas de queijadas de Sintra, bazar, corridas de burros e outras surpresas. Neste programa das festas de 1906 faz-se igualmente referência à Filarmónica Amizade Visconde de Alcácer que abrilhantou todas estas fes�vidades, sendo regente Caetano Nunes.Analisando pormenorizadamente o programa se constata também que a fes�vidade religiosa incluía missa vocal e instrumental sendo a mesma pregada pelo reverendo José Lopes Manso cujos dotes oratórios eram «ansiosamente ouvidos».Seguidamente �nha lugar a procissão, arrematação de bandeiras e fogaças. O ul�mo dia era essencialmente dedicado às corridas de burros, havendo prémios para os concorrentes que mais «exo�camente se apresentavam tanto nos seus vestuários como nos aparelhos dos jumentos».Á medida que o tempo ia passando, o programa, como é natural, sofreu algumas transformações mas basicamente a vertente religiosa/profana não foi alterada.A �tulo de exemplo, refira-se que do programa das festas em honra do Bom Jesus dos Már�res datado de 1938 (colecção par�cular), salvo raras excepções este con�nuou seguindo a mesma orientação, havendo igualmente missa, pelo reverendo Mário de Carvalho, procissão, fogo de ar�ficio.

Neste programa, se dá conta que o concerto musical foi abrilhantado pela Filarmónica Progresso Matos Galamba, sendo maestro Alfredo Reis de Carvalho. Como novidade, salienta-se a introdução de quermesse e cervejaria. De igual forma as corridas de burros foram subs�tuídas por corridas de bicicletas (circuito de Alcácer com 6 voltas e 3 prémios).Destaque-se também o aparecimento pela primeira vez de cavalhadas com os «melhores cavaleiros da região».Com o decorrer dos tempos a tradição foi desaparecendo perdendo-se na nossa memória os anos em que tal inicia�va não se repete.Recordamos, já lá vão mais de uma dezena de anos, uma inicia�va conjunta levada a efeito pela então Escola Preparatória de Alcácer do Sal, Câmara Municipal e Irmandade do Senhor dos Már�res no sen�do de voltar a recuperar esta tradição. A fes�vidade foi bem sucedida, correu bem, durou um dia.A ADPA – Associação de Defesa do Património Cultural de Alcácer do Sal, tem neste momento como objec�vo principal fazer renascer esta monumental fes�vidade trabalhando neste momento em verdadeiro espirito de equipa com a Irmandade do Senhor dos Már�res e outras ins�tuições locais.Afinal de contas…,trata-se apenas de revitalizar as festas em honra do Bom Jesus dos Már�res, dando vida ao monumento.

*Sócio fundador da ADPA. Mestre em Arqueologia.

Conservador de Museus.

**Maltês: Individuo vadio. Vagabundo.

Este artigo foi retirado do Boletim “o Neptuno”

nº2 de 2004, onde em Setembro de 2005 se

realizou pela ultima vez a Festa em Honra do Bom

Jesus dos Mártires.

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CURIOSIDADE…

O Anão da Torrinha…

ara quem não sabe, exis�a um anão no sí�o da Torrinha nos anos 50. Chamava-se Isidro PVicente e faleceu em 1959. Quase ninguém se lembra dele mas há quem diga que era o “olheiro” da propriedade. Mais uma curiosidade desta terra cheia de surpresas…

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