Resistência Indígena em Brasília, ou pequeno ensaio sobre o Youtube, a boduna virtual

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Resistência Indígena em Brasília ou pequeno ensaio sobre o Youtube, a boduna virtual. Prólogo Numa manhã quente de Junho, fui chamado às pressas por um colega ativista para presenciar uma reunião inesperada entre algumas lideranças indígenas, políticos, estudantes, procuradores, ambientalistas, técnicos urbanistas e emissoras locais de notícias. Sob a sombra de uma cabana simples com teto de palha e vigas de madeira, uma calorosa discussão ocorria. Os ânimos exaltados por parte de alguns debatedores eram registrados pelas câmeras, simultaneamente crianças brincavam despreocupadas e alheias ao rebuliço, com seus carrinhos de plástico (notadamente um tratorzinho), ao lado da estrutura, enquanto homens com pranchetas e mapas discutiam inexoráveis sobre o futuro daquele lugar. Vieram fazer um acordo com as lideranças indígenas, pois planejam utilizar o espaço ocupado pela comunidade para um mega empreendimento econômico. Esta cena pode parecer familiar em nosso imaginário. Nossa sociedade está repleta de referenciais sobre o impacto dramático do estilo de produção capitalista e do desenvolvimento econômico sob os povos indígenas e a luta dos mesmos pela preservação de suas terras. Houve recente e ampla divulgação nos maiores meios de comunicação sobre a questão da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, na área de fronteira entre o Brasil e a Guiana, porém a cena descrita acima se deu numa área de cerrado, na zona de tampão da Área de Proteção Ambiental das Águas Emendadas, em Brasília, Distrito Federal. Trata-se de um conflito socioambiental, como caracteriza Little (2006), entre o Governo do Distrito Federal e a comunidade indígena do Bananal. Uma miríade de atores participa deste conflito, especuladores imobiliários construtoras, setores do governo, ambientalistas, antropólogos, indígenas, antropólogos-indígenas, militantes pelo uso da bicicleta em substituição dos carros, anarquistas e entes fantasmagóricos que remontam a fractais, algoritmos matemáticos e volume de tráfego de informações na internet.

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Resistência Indígena em Brasília ou pequeno ensaiosobre o Youtube, a boduna virtual.

Prólogo

Numa manhã quente de Junho, fui chamado às pressas porum colega ativista para presenciar uma reunião inesperadaentre algumas lideranças indígenas, políticos, estudantes,procuradores, ambientalistas, técnicos urbanistas eemissoras locais de notícias. Sob a sombra de uma cabanasimples com teto de palha e vigas de madeira, uma calorosadiscussão ocorria. Os ânimos exaltados por parte de algunsdebatedores eram registrados pelas câmeras, simultaneamentecrianças brincavam despreocupadas e alheias ao rebuliço,com seus carrinhos de plástico (notadamente umtratorzinho), ao lado da estrutura, enquanto homens compranchetas e mapas discutiam inexoráveis sobre o futurodaquele lugar. Vieram fazer um acordo com as liderançasindígenas, pois planejam utilizar o espaço ocupado pelacomunidade para um mega empreendimento econômico.

Esta cena pode parecer familiar em nosso imaginário.Nossa sociedade está repleta de referenciais sobre oimpacto dramático do estilo de produção capitalista e dodesenvolvimento econômico sob os povos indígenas e a lutados mesmos pela preservação de suas terras. Houve recente eampla divulgação nos maiores meios de comunicação sobre aquestão da demarcação da terra indígena Raposa Serra doSol, na área de fronteira entre o Brasil e a Guiana, poréma cena descrita acima se deu numa área de cerrado, na zonade tampão da Área de Proteção Ambiental das ÁguasEmendadas, em Brasília, Distrito Federal. Trata-se de umconflito socioambiental, como caracteriza Little (2006),entre o Governo do Distrito Federal e a comunidade indígenado Bananal. Uma miríade de atores participa deste conflito,especuladores imobiliários construtoras, setores dogoverno, ambientalistas, antropólogos, indígenas,antropólogos-indígenas, militantes pelo uso da bicicleta emsubstituição dos carros, anarquistas e entesfantasmagóricos que remontam a fractais, algoritmosmatemáticos e volume de tráfego de informações na internet.

A contenda iniciou-se com o Plano Brasília Revisitada, dourbanista Lúcio Costa, entre 1985 e 1987, que prevê umaexpansão da área urbana de Brasília dentro de uma áreasupostamente “vazia”, porém habitada por uma pequenacomunidade pluriétnica indígena que acolheu o local comoseu santuário e seu espaço de representação na CapitalFederal. A partir de uma breve pesquisa etnográfica edocumental, pretendo descrever e analisar certos aspectosdeste conflito socioambiental, identificar alguns de seusprincipais atores e retratar parte da dinâmica daresistência desta pequena comunidade.

Pretendo ilustrar uma faceta deste conflito que é aapropriação, por ambas as partes, de discursos vagamenteambientalistas, compondo o arsenal argumentativo nestadisputa política, com o fim de mobilizar a opinião pública.Tanto a pequena comunidade indígena que está lutando pelapermanência na área, em contraste com o Governo do DistritoFederal que pretende efetivar um projeto inédito no Brasil,o primeiro bairro ecológico em área urbana, lançam mão deum universo de conceitos soltos que integram um bancosimbólico de referenciais que compõe a maioria dosdiscursos ambientalistas atuais. Utilizando a internet comoveículo principal de difusão destes discursos, por partedos indígenas e seus colaboradores, especialmente um portalgratuito de disponibilização de vídeos, a aliança entreindígenas e ambientalistas conseguiu mobilizar o apoiopolítico necessário para exercer um impacto nas negociaçõese criar alternativas à proposta inicial apresentada pelogoverno, a total remoção da comunidade para outralocalidade. Atualmente já começaram as vendas das primeirasunidades habitacionais no bairro, porém este fato não abalaas pequenas crianças indígenas que ainda brincam sob apoeira do cerrado.

Reserva Indígena Bananal

A gradual formação da comunidade indígena remonta aosprimórdios da construção de Brasília, quando índios daetnia Fulniô integraram a força de trabalho nos imensoscanteiros de obras durante a segunda metade da década de

50. Usando a mata nativa da região como um refúgio para aprática de seus rituais, numa preparação espiritual àprática do Ouricuri1, estes indígenas escolheram a área dafazenda Bananal para suas rezas, estabelecendo relações deamizade com os demais sitiantes e agregados que ocupavam aárea. A partir dos anos sessenta, chega Dona MariaVeríssimo, irmã de um dos pioneiros Fulniô e mãe de SantxiêTapuia e de Towê, instalando-se no local. Seus filhos,atuais lideranças da comunidade acabaram se instalando nacomunidade a partir de 1969, junto com suas respectivasfamílias. Os fluxos de familiares que se agregam àcomunidade continua até os anos noventa (MAGALHÃES, 2009).

A cidade de Brasília, por abrigar a sede da FundaçãoNacional do Índio, FUNAI, tornou-se estratégica paraindígenas que necessitavam interpelar a mesma com suasdemandas. O influxo de indígenas vindos de vários lugaresdo país criou uma necessidade por alojamentos, durante suaestadia na cidade, que acarretou a criação, noinício dosanos setenta, da antiga Casa do Índio, localizada ondeagora funciona a Casa do Cerará, na SGAN 910 da Asa Norte.Com o advento da formação da comunidade do Bananal,indígenas que se utilizavam da antiga Casa do Índio em seutrânsito pela capital, começaram a hospedar-se com acomunidade. Assim, agregam-se Sra. Edilene, Sra Ivanice,Sr. Edgar, Sr. Mareval e Sr. Korubo, integrantes dasetnias Fulniô, Cariri-Xocó, Tuxá, Guajajara, sendo que oúltimo, Sr. Korubo, originário de uma área de fronteira,reivindica seu nome de sua denominação étnica e falapredominantemente espanhol.

Além da ocupação habitacional, ao longo dos anos,foram implementados pelos indígenas na área algunsprojetos, como um espaço de divulgação de cultura indígenae manufatura de artesanatos adjacente à casa de DonaIvanice, um herbário fitoterápico com espécies nativas docerrado e um banco de sementes pelo Sr. Santxiê, e uma ocade superadobe, técnica de baixo custo denominada atualmentecomo construção ecológica (LENHARDT, 2005), erguida em 2002na área da chácara do Sr. Santxiê. O lugar onde sãorealizadas rezas, rituais e cerimônias, passou a ser1 .Ritual Fulniô que ocorre no mês de agosto nas proximidades da Reserva de Águas Belas – PE, de extrema importância para o grupo, ondesão escolhidas as lideranças e reforçadas as práticas culturais que integram o grupo, como a utilização do Ya-tê (nossa fala). (MATA, 1989)

conhecido como Santuário Sagrado dos Pajés, estabelecendo acomunidade uma relação emocional e espiritual muito fortecom o lugar, construindo esta relação com o espaço comodefine Le Bosse (2004, p.166) “Suporte essencial daidentidade cultural, não mais em um sentido estritamentenaturalista, mas porque fica evidenciado o vínculofenomenológico e ontológico fundamental que ancora a pessoahumana”.

Este Santuário tornou-se um dos principais pontos dedefesa dos ativistas, dentro e fora da comunidade, em suasintervenções nos espaços urbanos da cidade (pinturas egrafitti com o mote “O Santuário Sagrado não se move”) e umsite na internet de divulgação de “noticias tribais”referentes aos eventos que ocorrem no local. Há tambémindícios arqueológicos localizados durante a construção deuma casa na propriedade, cerâmicas e imagens em madeira,que ainda não foram estudados pelo Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional, IPHAN, que foram mantidosem seu lugar, numa área dentro da propriedade pertencente àcomunidade, a espera de análise.

A comunidade possui estreitas relações com outrasaldeias, notadamente a aldeia Indígena Fulniô em ÁguasBelas, Pernambuco e a aldeia Cariri-Xocó de Porto Real doColégio, em Alagoas. Há uma rede de intercâmbio de plantasmedicinais estabelecidas pelo Sr. Santxiê, provendoespécies nativas do cerrado aos seus parentes emPernambuco, enquanto por parte de Sandro Wrwray, filho deDona Ivanice, esta rede é usada para complementar suarenda, pois sua principal atividade econômica é a produçãode artesanatos indígenas, que ele expõe e vende em váriasfeiras populares pelo país, mas principalmente no Nordeste,usando o intermédio de seus parentes em Alagoas, onde eletambém estabelece um intercâmbio de sementes ornamentais,diversificando a qualidade de seus artesanatos.

Em minha breve pesquisa de campo na comunidade, tive oprazer de estabelecer um vínculo de amizade com Sandro.Acompanhei sua rotina de manufatura de artesanatos(miçangas, brincos, colares e cocares) junto com suaesposa, os intricados trâmites preparatórios para a suasviagens às feiras, com o fim de revender suas peças(empréstimos pequenos de dinheiro com sua mãe, compras depassagens rodoviárias pelo telefone) e um pouco de sua vida

na comunidade. Por estarmos na mesma faixa etária e pelomeu antigo hobbie de disk jockey em festas de músicaeletrônica, Sandro solicitou algumas vezes minha ajuda, orana gravação de discos de música eletrônica (que ele gostamuito), escolha de modelos de mp3 player e também pedidospara apreciar suas bandas de forró favoritas, o que foibastante do meu grado.

Meu vínculo musical com o jovem Cariri-Xocó foiestimulado devido ao contexto de nossos primeirosencontros. Minhas visitas à reserva foram justamente naépoca mais turbulenta do conflito de interesses entre oGoverno do Distrito Federal, a Terracap e os integrantes dacomunidade. Estes, junto com diversos ativistas pró-santuário, organizaram alguns eventos de divulgaçãocultural da causa indígena em questão. Foi em um destesocorreu meu primeiro encontro com Sandro, num sarau demúsica organizado por estudantes.

Com o tempo, minhas visitas tornaram-se de certa formaregulares e fui acompanhando outros eventos promovidos pelacomunidade, como alguns torés cerimonais no Santuário, umevento chamado Jornada Arqueológica, que contou com algunsacadêmicos da cidade e de outros estados debatendo sobre aimportância do sítio arqueológico localizado na área,mostras de filmes, encontros de ativistas do movimentoBicicleta Livre e, num clima menos festivo, os encontrosemblemáticos entre as lideranças do local , o presidente daTerracap e outros políticos. Descontinuei minhas visitas eacompanhei as notícias sobre a comunidade e o desenrolar doconflito através de uma rede de contatos com colegasativistas, pois cada vez tornou-se mais tensa a situação nalocalidade. Alguns incêndios na mata acarretaram na trágicadestruição da casa do Sr. Towê, e brigas violentas entreintegrantes que divergiam dentro da comunidade, acerca dofuturo da mesma e dos acordos e interesses que o GDF ospropuseram criaram uma atmosfera carregada. Retornei umaúltima vez à reserva quando levei uma colega austríaca depassagem pela cidade à casa de Dona Ivanice, devido a umafeliz coincidência.

Dona Ivanice tem um outro filho que vende artesanatosem uma loja na cidade de Alexânia (fato que tiveconhecimento somente depois), no estado do Goiás. Estaminha amiga estava de passagem pela cidade, entrou na loja,

acabou fazendo amizade com o rapaz, que a convidou para umavisita à aldeia em Porto Real do Colégio. Ao retornar paraBrasília, ela me disse empolgada que iria a uma AldeiaCariri-Xocó em Alagoas. Mencionei que conhecia uma senhorada mesma etnia que vivia numa comunidade indígena aqui nacidade, e minha amiga estrangeira insistiu que eu a levasselá. Quando chegamos, descobrimos que o autor do convite àAlagoas era o filho de Dona Ivanice. Isso mostrou, mais umavez, a extensão das redes de contatos estabelecidos pelosintegrantes da reserva.

Além do comércio de artesanatos e a manutenção doherbário, a comunidade cultiva alimentos e cria animais quecompõe o cardápio alimentar. Feijão, mandioca, milho,hortaliças, frutas, criação de galinhas ajudam nasubsistência do grupo. Paralelamente são realizadasatividades culturais (organização de eventos que difundem acultura indígena, como excursões de estudantes do ensinofundamental e médio com o fim de conhecer a comunidade) ereligiosas (centradas na Casa de Reza ou Hehdjadwalia, oSantuário Sagrado dos Pajés) que proporcionam a coesãosocial do grupo, notadamente o Toré do Milho, cerimônia quejá contou com a presença do senador da república CristovamBuarque e que ocorre anualmente no mês de abril.

A Terracap

A Companhia Imobiliária de Brasília, Terracap, é amaior companhia imobiliária do Brasil e uma das maisantigas (TERRACAP, 2009). Ela é responsável em administraras terras públicas do Distrito Federal, sendo suaproprietária. Sua função é regular o mercado de imóveis“atendendo às fortes pressões de todos os setores dasociedade por terras para habitação, empresas, serviçospúblicos, produção de energia elétrica, abastecimento deágua, proteção ambiental, templos religiosos e clubes.”(TERRACAP, 2009).Originada da Novacap, empresa criada peloentão presidente da república Juscelino Kubistchek,responsável pelas obras de construção de Brasília, entrouem operação em 14 de agosto de 1973. Sendo uma empresapública que faz parte da administração indireta do Governo

do Distrito Federal, ela herdou um patrimônio de 338.337hectares de terra “e a responsabilidade de administrar todaessa riqueza” (TERRACAP, 2009).

Recentemente transformou-se em Agência deDesenvolvimento do Distrito Federal, tendo como atribuições“administrar terras públicas, conciliando a ocupação e usodo solo com a preservação do meio ambiente e a promoção deações que resultem em benefícios sociais para a populaçãodo DF.” (TERRACAP, 2009).Seus recursos são repassados aoGDF com o fim de investimento em obras de infraestrutura nacidade.

Atualmente presidida pelo Sr. Antonio Gomes, acompanhia segue implementando a revisão do PDOT, PlanoDiretor de Ordenamento Territorial do Distrito Federal, queinclui a construção de um novo bairro residencial destinadoà classe média alta, a Área de Expansão Urbana Noroeste.Esta área inclui os planos para o parque ecológico BurleMarx, um projeto de 20 superquadras residenciais e milunidades comerciais, propondo um incremento populacional de40 mil habitantes. Devido à área ser uma zona de tampão doParque Nacional das Aguas Emendadas, a proposta inicial deviabilização do empreendimento é a de construir o primeiro“bairro ecológico” (TERRACAPb, 2009) de Brasília, pararesponder a crescente demanda do mercado imobiliário declasse média alta da cidade. É justamente nesta área que seencontra a comunidade indígena do Bananal.

O local compõe parte da rede de drenagem do córregoBananal, afluente da Bacia do Lago Paranoá. É um espaço demata nativa do cerrado destinado, de acordo com o planooriginal, a amenizar os impactos da urbanização à APA ÁguaEmendadas, que é limítrofe a este. Devido à falta deinteresse da Terracap desde sua criação, uma grande parteda área, que supostamente estava destinada a abrigar umparque ecológico, foi aos poucos sendo habitada, nainformalidade, por uma comunidade de catadores de lixo efamílias de desabrigados que vivem na economia informal. Hátambém um campo de extração de calcário da própria Terracapno local, além da parcela, de posse do Sr. Santxiê, quecompõe a comunidade indígena.

Os trâmites da implementação do Setor Noroestecomeçaram em meados de 1997, intensificando-se por volta de2002. Até então, a comunidade vivia seu cotidiano de forma

tranqüila e inabalada, contribuindo para a preservaçãoambiental da região (SILVA, 2006). A Terracap alega que ogrupo não possui qualquer documento que comprove alegalidade da posse do terreno, sendo então consideradospor esta, invasores de terras públicas. A região, segundo acompanhia, compunha a antiga fazenda Bananal, que antes daconstrução de Brasília fazia parte da cidade de Planaltinae fora devidamente desapropriada e indenizada. Tanto aTerracap quando o Sr. Santxiê têm algumas dificuldades emprovar legalmente as respectivas versões (SILVA, 2006).

Atualmente, a área já foi licitada e uma empresa deconstrução imobiliária está com um projeto pronto, sendoque as unidades residenciais estão sendo comercializadasdesde Julho deste ano. De acordo com o Correio Brasiliense(2009), “Ao todo, são198 apartamentos, com tamanhos quevariam de 120 a 200 metros quadrados, que deverão serofertados, na planta, pelo preço mínimo de R$ 840 mil”. Aspropostas dos projetos, de acordo com o mesmo artigo, sãode edifícios “inteligentes”, que irão compor o “primeirobairro ecológico do Brasil”. Utilizando uma cartilhafornecida pelo United States Green Building Council, as diretrizesde construção dos prédios e do bairro incluem a redução deconsumo de energia, otimização dos espaços públicos, coletaseletiva de lixo, re-utilização dos entulhos de construção,aproveitamento das águas pluviais, iluminação natural eruas de asfalto composto de pneus reciclados. Restamdúvidas sobre como resolver a questão indígena na área,porém isto, aparentemente, não impede a continuação dosnegócios imobiliários no novo setor habitacional.

Um pequeno Interlúdio

Fiz recentemente uma viagem de três meses ao OrienteMédio, incluindo o Egito. No Cairo, estava ansioso emconhecer a única das maravilhas da antiguidade quesobrepujaram os milênios, ainda imponentes, as grandespirâmides de Giza. Ao percorrer o trajeto entre o centro doCairo e a cidade de Giza, riscando o horizonte podiam-sever as estruturas colossais. Quando as perdi de vistadentro do emaranhado de prédios, indaguei em inglês o

motorista, sobre a proximidade das pirâmides. Qual foiminha surpresa quando, virando uma tímida esquina de umbanco comercial, numa pequena rua, com algumas lojas decomércio, inclusive uma barbearia, estava a entrada domajestoso monumento, camuflada pelo cenário, mais do quecomum, do cotidiano urbanístico de qualquer cidade. O queseparava os prédios, as ruas, o barbeiro e o vendedor decigarros da imensidão do deserto e os monumentos de seismil anos de história era somente uma pequena cerca.

Ao retornar à Brasília e dar continuidade a pesquisa,não pude furtar-me de traçar um paralelo com a comunidadedo Bananal. Atrás de uma tímida escola, onde alunos declasse média da Asa Norte continuam seus estudos diários,separado somente por uma cerca, despercebido à maioria dostranseuntes, encontra-se todo esse universo, a imensidão docerrado, a comunidade do Bananal, o setor noroeste e aTerracap. Araras e tucanos sobrevoam este pequeno tesouroescondido, porém amplamente noticiado e assunto de tantosdebates e emoções.

O youtube, boduna virtual

Uma das características dos movimentos ambientalistasnas últimas décadas é a crescente utilização da internetcomo meio de divulgação de informações. O espaço hegemônicode discurso composto pela mídia convencional está atreladoa interesses econômicos que muitas vezes são antagônicos aoargumento ambientalista. Não só ambientalistas, masmovimentos sociais, centros de mídia independente,movimentos indígenas, utilizam amplamente o espaço virtualpara a veiculação de material que não teria o mesmo espaçonum noticiário televisivo. Um dos acontecimentosemblemáticos que mostram o poder deste espaço como espaçolegítimo de veiculação de notícias foi a recente morte doativista político e jornalista independente BradWill,quando filmava uma barricada durante os protestos nagreve de professores em Oaxaca, México em 2006. A notíciade sua morte, junto com a de 9 pessoas foi veiculadaimediatamente pela internet, enquanto na mídia convencionalnão houve sequer uma menção (INDYMEDIA, 2006).

Através de uma aliança entre ativistas ambientaiscontra a implementação do Setor Noroeste, devido ao impactoambiental do mesmo (aumento do tráfego de automóveis nasvias da Asa Norte, projeções de escassez de água potável epoluição do lago Paranoá), foi produzida uma série devídeo-documentários sobre a comunidade indígena do Bananalque reforçam uma estreita aliança entre ambientalistas eindígenas.

Os vídeos produzidos são, em sua maioria, filmados naárea da comunidade. Com os corpos pintados, seqüências dedanças e contemplação bucólica das belezas nativas daregião, como tucanos e araras sobrevoando a mata, sãointercalados com falas apaixonadas do Pajé Santxiê sobre opapel do índio como guardião do modelo de sustentabilidadee preservação da natureza, completamente esquecido oudeliberadamente desvirtuado pelo homem branco. Avisos sobrea conseqüência nefasta da devastação propelida pelaexploração desmesurada do “branco”, assim como a dívidahistórica que este tem, perante os índios, fazem parte doconteúdo de muitos filmes. Um trecho interessante e quemerece sua transcrição parcial é a fala de Santxiê no vídeo“Resistência Santuário dos Pajés – Parte 1”:

(...) O homem branco está equivocado, se ele tomar nossaterra, haverá escuridão grande no espaço, essa terra seráamaldiçoada, os cupins selvagens, os camaleões guerreiros, emtodos os nossos terreiros, o homem branco expulsará. As grandesepidemias e doenças virão para atacar o homem branco, porque ohomem branco está endividado, não com nós, os homens filhos daterra, mas com o grande Tupã (...)

Paralelamente há outros vídeos, que mostramantropólogos, urbanistas, estudantes e ambientalistas(estes atores unem-se e separam-se num canto ululante)reforçando os argumentos sobre o impacto no tráfego deautomóveis devido à inflação populacional na área norte dacidade, assim como a precariedade do sistema dedistribuição de água potável, a inescrupulosidade dosprincipais interessados na construção de um bairro que sediz ecologicamente inviável, pois segue uma cartilhadesenvolvida por um conselho sediado num país líder ememissão de carbono e com um histórico de desrespeito aomeio ambiente. (citação)

O vídeo intitulado “Toré – Celebração e Resistência noPlanalto Central” possui mais de três mil visitaçõesregistradas, e é uma ode à relação espiritual que os índiosFulniô mantêm com as plantas do milho, celebrada através doToré do Milho. Danças e cânticos indígenas são perpassadospor curtos trechos de falas sobre a tradição indígena e suaimportância na preservação ambiental. Uma fala específicaproferida pelo índio Korubo, em um correto “portunhol”,sintetiza a importância do alimento:

O milho tem muita cosa, para nós brasilero índio, assimcomo a China, sobreviviu na segunda guerra mundial com arroz, senão fosse o arroz para o chinos, os chinos não teriamsobrevivido. Se para nós índios o milho, quinhentos e ocho anosde resistência, o milho és para nós a nossa sobrevivência.

Mensagens similares estão presentes em mais desessenta vídeos disponíveis no portal eletrônico. Há aparticipação de políticos (notadamente o senador darepública Cristovam Buarque) simpatizantes à causaindígena, além da documentação de audiências públicas, comona Comissão de Diretos Humanos do Senado e perante oministério público (onde Santxiê questiona com ferocidade aapatia do Procurador Distrital). A confecção de uma tramaretórica sobre a importância da manutenção dos indígenas ea preservação da terra é composta principalmente por estesdois argumentos, que se unem numa simbiose recorrente, jáexplicitada em alguns trabalhos antropológicos. Assim comonos relata Pimenta (2004, p.115):

Erigidos pelo imaginário coletivo em símbolos de umarelação harmoniosa e idílica entre o homem e a natureza, elessouberam instrumentalizar suas tradições culturais e integrar aretórica ambientalista do desenvolvimento sustentável nos seusdiscursos para concretizar suas aspirações etnopolíticas emelhorar suas condições de vida.

Porém, neste caso singular, a retórica dodesenvolvimento sustentável é amplamente utilizada pelossetores governamentais e não governamentais que almejamimplementar a construção do bairro ecológico.O discursoindígena, como visto no material disponível na internet éfocalizado na preservação do bioma intocado, de suastradições culturais e espirituais e na importância da

valorização de um centro de espiritualidade indígena nacapital federal:

O governo deu terreno para o Terreiro de Umbanda, para aIgreja Católica, para os crente e para nós índios não deu nada.Nós queremos manter nossa tradição, nossa cultura, deixar areserva aberta pra quem quiser conhecer nosso trabalho comnatureza e com o Grande Espírito (SILVA, 2006 apud RESERVAINDÍGENA BANANAL, 2006, p.46)

Este sistema de apropriações, resignificações desímbolos e signos que servem tanto para os indígenas quantoaos ambientalistas como contrutos retóricos em suas lutaspolíticas, neste caso a apropriação do discurso ambientalpelas construtoras que é antagônico ao das liderançasindígenas e a crítica desta apropriação, é abordada porBruce Albert (1995) no exemplo Yanomamë, e cabe também noexemplo do Bananal. Ao reivindicar um direito institucionalde culto e representatividade no espaço urbano da capitalde um país onde o governo por muitos anos construiu o idealda democracia racial e do mito das três raças, há aí umaoperação semântica complexa. Vemos uma reivindicação daexpressão cultural indígena por parte da comunidade doBananal que opera no espaço simbólico disponível daproposta da Capital Federal, como epicentro dodesenvolvimento e integração do Estado Brasileiro,refletindo a diversidade cultural do país. Liberdade deculto e representatividade cultural através da manutençãodo espaço sagrado e da Casa de Reza dentro do Santuário sãoas demandas principais dos indígenas, constantementepresente em seu discurso, além da preservação do bioma docerrado e a manutenção de um herbário fitoterápico,enquanto para o GDF a demanda é por desenvolvimentosustentável e melhorias na oferta de unidades habitacionaisurbanas.

Todo este material em vídeo, produzido pela duplademanda simultânea ambientalistas- indígenas, segue aconfiguração levantada por Turner (1992) que ocorre nocontexto de movimentos pela auto determinação eresistência por parte dos grupos indígenas. Emcontrapartida, os principais veículos de comunicação aserviço do empreendimento imobiliário, a Terracap e oGoverno do Distrito Federal, disputam pelo espaço

imaginário da integração natureza e homem (pressupondo queesta dicotomia seja recorrente no imaginário da populaçãourbana de Brasília), lançando um novo conceito de “BairroEcológico”, inédito no país, onde a utopia da perfeitaintegração do homem com a natureza de forma sustentável,usualmente atribuída aos indígenas, pode sim concretizar-seno espaço urbano, perante o homem comum, por uma quantiaque beira a casa de um milhão de Reais.

Para contraporem-se ao espaço diário que as empresasconstrutoras possuem no jornal de maior tiragem deexemplares da cidade, o movimento de resistência tribal doSantuário Sagrado dos Pajés usa o portal de mídiaeletrônica on-line chamado youtube2. Uma série de vídeo-protestos, vídeo-torés e vídeo-rezas são apresentados pelosindígenas como sua arma de propaganda numa batalhadesigual, num plano etéreo, pela integração, dentro doreferencial desenvolvimentista e cartesiano, da natureza aohomem. O conflito em torno do imaginário da audiência nessecaso muda de perspectiva, pois é no âmago da quimeracinzenta que cada vez mais pontilha e recorta os espaçosgeográficos. Se antes a batalha mítica, para um citadinourbano era confinada aos vazios demográficos e as frentesde expansão na Amazônia ou aos fazendeiros de soja, nestecaso, o clangor das armas ressoa ali, em um outro vazio,no coração da cidade, atrás de uma pequena cerca que separao concreto de escolas, igrejas e até o minarete da únicamesquita islâmica da cidade, do selvagem a ser tranformadopela construção do novo bairro. Certa ironia emerge dosargumentos apresentados pelos indígenas, pois o SantuárioSagrado dos Pajés, um esforço de estabelecimento de umcentro de preservação de tradições indígenas e suaespiritualidade, não é reconhecido pelo governo e é vizinhodo Centro Islâmico de Brasília.

Ouroboros, a serpente verde que morde a própria cauda

2. O youtube (http://www.youtube.com/) é um portal eletrônico onde usuários podem disponibilizar gratuitamente vídeos que se tornam acessíveis a qualquer pessoa no mundo (exceto países com leis de censura digital, como a Turquia)

Devido a uma extensa análise documental da série denotícias, coletadas e organizadas, veiculadas pelosprincipais jornais da cidade que enaltecem o projetourbanístico do Setor Noroeste como um marco na área daconstrução civil, foi possível notar que o espaço dodiscurso utilizado pelos principais interessados em suaimplementação foi desproporcional às reivindicações dasociedade civil contra o projeto, incluindo os indígenasque habitam a área destinada ao novo bairro. Considerandoque a projeção do preço de cada unidade habitacional nestebairro seja entre um e dois milhões de reais e a previsãoseja de quarenta mil unidades habitacionais, não possodeixar de enfatizar quão poderoso é o jogo de interessesque compelem o projeto.

Pela ampla preocupação atual com a sustentabilidadeambiental, impulsionada por dados já incorporados emdiscursos oficiais de organizações mundiais e governos,como disponibilidade de água potável, emissões de carbono,aquecimento global, pandemias viróticas oriundas de paísesem desenvolvimento onde leis ambientais não são efetivadas(em proveito também dos países desenvolvidos e grandescorporações), agregar a idéia de viabilidade ecológica àspráticas tidas como altamente impactantes nos ecossistemas(neste caso específico, a transformação de uma área decerrado nativo em um conglomerado de prédios e ruasasfaltadas) é a nova estratégia da indústria imobiliária(neste caso, seu maior representante em Brasília é o ViceGovernador, dono da maior construtora e empresa imobiliáriada cidade).Cito, para exemplificar, um trecho do discursodo presidente da Câmara Brasileira da Indústria daConstrução na IX Conferência das Cidades (CBIC, 2008)

Ficou para trás o tempo em que construção significavadesperdício de materiais. Também está ultrapassada a idéia deque casa ecologicamente correta é aquela erguida com tijolosreciclados e estruturas de bambu. A proposta avançou. E o que sevê agora é a combinação de conceitos subjetivos, como conforto esegurança, com idéias simples de reciclagem e tecnologiasavançadas.

Em contrapartida, utilizando recursos gratuitos e acolaboração de documentaristas amadores, os ambientalistase comunidade indígena esforçaram-se em contrapor os

argumentos acima. Através da instrumentalização da mídiaeletrônica, foi possível abrir um espaço de discursoantagônico ao oficial, sobre a viabilidade do projetourbanístico. Cria-se também, por parte de seus atores, adiscussão sobre a importância da manutenção de um espaçocultural indígena em Brasília (de significado para acomunidade e que inclui o Santuário Sagrado dos Pajés),neste caso reivindicando o reconhecimento de um espaçodestinado ao culto da comunidade e de suas tradições. Apermanência do santuário e da área que o circunda é aforma, no espaço urbano, que a comunidade clama para poderexercer sua liberdade de culto, prevista na constituição dopaís.

Além da preservação de seus costumes, a comunidadealerta sobre o seu trabalho de preservação da mata nativado cerrado, o resgate e proteção de certas espécies deplantas nativas através do banco de sementes e do herbárioFitoterápico e a proteção do Ribeirão Bananal, que nasce noParque Nacional de Brasília e, ao sair do parque, passa soba Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA) antes dedesaguar no lago Paranoá, próximo à ponte do Bragueto.

A apropriação de diversos referenciais ambientalistaspelas duas partes polarizadas nesta disputa mostra o quantoé maleável o conceito de sustentabilidade ecológica. Ummosaico intricado de argumentos que apelam usualmente àeminência de uma desestruturação da qualidade de vida daspessoas (através de uma hecatombe ecológica) chocam-se,interpelando a audiência sobre a necessidade de seincorporar cada vez mais uma consciência ecologicamentecorreta. O projeto do Noroeste é, sem dúvida, o primeiroesforço habitacional “verde” 3 voltado para a incorporaçãodesses valores pela classe média alta e rica, no espaçourbano de Brasília.

Os discursos de ambas as partes neste conflito sãotodos ecologicamente viáveis, de acordo com seusdefensores. Resta-nos agora um esforço em definir o que éessa sustentabilidade e entender como projetosdiametralmente opostos podem recorrer ao mesmo “banco” de3 Verde, aproprio a cor usada por ambientalistas e ecologistas como símbolo de sustentabilidade e preservação ecológica, também utilizada pela Terracap em seu “Manual Verde”, documento inspirado nas diretrizes Norte Americanas de planejamento sustentável de espaços urbanos e que irá nortear a construção do novo bairro.

referenciais simbólicos que compõe a luta ecológica que setornou amplamente difundida a partir dos anos noventa (citoa ECO-92, Greenpeace e a conferência de Kyoto sobre aemissão de carbono na atmosfera, assim como a problemáticado Cloroflúorcarbonetos, o buraco de ozônio, desastresambientais de vazamento de petróleo, lixos tóxicos eradioativos, o desastre de Chernobyl, reciclagem e poluiçãopor plásticos, enfim, um universo de questões ecológicasque compõe o nosso imaginário).

O argumento de sustentabilidade ecológica que éusualmente atribuído aos povos indígenas, atende àsdemandas da exploração econômica, sendo uma das forçasmotrizes para a implementação de um bairro residencial declasse média alta “ecologicamente correto” na mesma áreaonde a comunidade indígena também reivindica suaimportância em manter a sustentabilidade da área, aopreservar a mesma.

Epílogo

Gostaria de levantar algumas reflexões, todas sem umaresposta devidamente conclusiva, pois requerem uma pesquisaaprofundada em seus respectivos tópicos. A intenção desteartigo foi transcrever algumas experiências que tive emcampo, associações oriundas de uma pesquisa documental ecertos a priori que cabem um debruçar mais carinhoso (ouatencioso). Por residir em Brasília, não posso deixar deobservar que no transcorrer da análise das notícias e oprogresso da implementação da construção do bairroecológico no Setor Noroeste, notei o surgimento de umamudança no discurso local sobre a praxis dasustentabilidade. Uma de suas principais características,até então, era a difusão de conceitos aliados à açãosocial. A coleta de lixo seletiva e reciclagemnecessariamente precisam da separação, dentro de casa, dolixo orgânico e seco. A diminuição das emissões de carbononecessariamente implicam numa reeducação sobre o uso doautomóvel, promovendo a carona solidária, a utilização detransporte público ou bicicletas. A economia de água doce eenergia acarretam numa mudança dos hábitos de dispêndio.

Este conceito de responsabilidade social, Think globalyact locally4, é de certa forma esvaziado no discurso daTerracap, principalmente em seu Manual Verde. O bairroecológico por si só é construído de forma que garanta asustentabilidade (de acordo com o documento), dessa formatrazendo uma redenção parcial, na esfera pessoal, demudanças significantes na forma de administrar essas açõescontributivas. Toda a reeducação e postura necessárias paraa economia da sustentabilidade, são cristalizadas noprojeto, num fluxo exógeno-endógeno, ou seja, dasuperestrutura emana para a infra-estrutura e aí sim, paraa subjetividade ontológica.

Devido à resistência indígena - que foi eficiente aoponto do Ministério Público emitir uma liminar que proibiaa licitação pela Terracap de terrenos na área do SetorNoroeste (liminar caçada pelo ministro do Superior Tribunalde Justiça, Gilmar Mendes) e exigia um novo parecer doIbama bem como a formação de um grupo de trabalho da FUNAIpara avaliar o caso - , a proposta inicial de removercompletamente a comunidade de seu local atual transformou-se, no que posso colocar como uma oportunidade que estásendo explorada habilmente pelas empresas imobiliárias.

Devido à manutenção de um parque ecológico na área, oParque Burle Marx, a proposta atual pretende incluir osirascíveis indígenas numa espécie de reserva, dentro desteparque cercado por prédios, onde os moradores poderãoefetuar visitas de caráter educativo e flertarem com acultura indígena, creio que da mesma forma que criançasflertam com a savana africana ao observarem leões nozoológico. Esta configuração reforçaria o conceito de“bairro ecológico” criando a perfeita simetria entreocupação urbana e a preservação ambiental, já que no espaçopreservado habitam índios, numa aproximação imaginativaentre uma realidade somente vista in loco nas reservasindígenas, porem no âmago da capital federal.

Grande parte da dificuldade em estabelecer uma reservaindígena ou território indígena no local é derivada dasituação especial da comunidade, que é pluriétnica enenhuma das etnias ali presente é reconhecida como

4 . “Pense globalmente, aja localmente”. Esta frase clama às pessoas que considerem a saúde do planeta em sua totalidade e se engajem em ações locais que contribuam com esta causa. (FRIENDS OF EARTH, 2009)

tradicional da região centro-oeste. A demanda constante dosindígenas é o reconhecimento de sua forma tradicional deocupação da área, através de um parecer da FUNAI, formabastante que os vídeos produzidos pela resistência procuramdocumentar. Devido porém à recente conjuntura política,desfavorável a uma postura mais audaz da fundação, comoevidenciado no debate em torno do caso da TI Raposa Serrado Sol, não foi possível um engajamento por parte da FUNAItornou-se problemático (PEREIRA, 2009). Para além disso, oenfretamento do problema exigiria na verdade toda umarevisão da política indigenista voltada aos indígenas quevivem em cidades, ou índios citatinos.

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