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Revista de Biologia e Ciências da Terra ISSN: 1519-5228 [email protected] Universidade Estadual da Paraíba Brasil Alves Barbosa, José Aécio; Asevedo Nobrega, Veruska; Nóbrega Alves, Rômulo Romeu da Aspectos da caça e comércio ilegal da avifauna silvestre por populações tradicionais do semi-árido paraibano Revista de Biologia e Ciências da Terra, vol. 10, núm. 2, 2010, pp. 39-49 Universidade Estadual da Paraíba Paraíba, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=50016922004 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Biologia e Ciências da Terra

ISSN: 1519-5228

[email protected]

Universidade Estadual da Paraíba

Brasil

Alves Barbosa, José Aécio; Asevedo Nobrega, Veruska; Nóbrega Alves, Rômulo Romeu da

Aspectos da caça e comércio ilegal da avifauna silvestre por populações tradicionais do semi-árido

paraibano

Revista de Biologia e Ciências da Terra, vol. 10, núm. 2, 2010, pp. 39-49

Universidade Estadual da Paraíba

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Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=50016922004

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228

Volume 10 - Número 2 - 2º Semestre 2010

Aspectos da caça e comércio ilegal da avifauna silvestre por populações tradicionais do semi-árido paraibano

José Aécio Alves Barbosa1, Veruska Asevedo Nobrega2, Rômulo Romeu da Nóbrega Alves3

RESUMO O comércio ilegal de aves silvestres é reconhecido hoje como uma atividade prejudicial ao meio ambiente em virtude da alta importância ecológica desses animais, que, por sua relativa abundância, beleza e canto, são o grupo mais procurado pelos criadores, como acontece no município de Queimadas, semi-árido paraibano. O presente estudo teve como objetivo avaliar quais as possíveis pressões à biodiversidade oriundas da captura e do comércio ilegal de aves silvestres na área pesquisada, bem como averiguar se os aspectos sócio-culturais e econômicos dos comerciantes e caçadores entrevistados estão relacionados à disseminação dessa prática na região. As informações foram obtidas através da aplicação de formulários semi-estruturados que apresentaram questões acerca da captura, comercialização, domesticação e uso de aves na alimentação na região. Foram entrevistadas 46 pessoas que listaram 34 espécies de utilidade comercial, o que demonstra um valor econômico significativo dessa prática na região. As principais técnicas de caça e captura mencionadas pelos entrevistados foram o uso de armadilhas (arapuca e alçapão) e a caça com espingarda e cachorros, técnicas essas que são transmitidas de geração a geração. Os dados obtidos apontam para o fato de que a maior parte das aves comercializadas é de pássaros canoros ou que são vendidos para alimentação. A forte tradição e o relativo quadro de pobreza local contribuem para estimular o comércio ilegal da avifauna na região. Nesse contexto, evidencia-se a importância de estudos visando a proteção efetiva da avifauna, que está intimamente associada à conscientização e participação dos habitantes locais, já que estes podem desempenhar papéis importantes na preservação e conservação do ambiente. Palavras-chave: Comércio ilegal, Avifauna, Caatinga.

Aspects of hunting and illegal trade in wild birds by traditional people of the semi-arid of Paraíba.

ABSTRACT Nowadays, the illegal trade of wild birds is recognized how a prejudicial activity to environment because of its high ecological importance. Thus, this study has a purpose to assess as what is the possible damages to the biodiversity from of illegal capture and trade of wild birds in municipality of Queimadas, semi-arid of Paraíba, Brazil; as to check if the cultural, social and economical aspects of hunters and people of the trade interviewee are related with the dissemination of this habit in region. Totally, 46 people went interviewee that showed 34 species of commercial usefulness, what demonstrate a significant economical value of this habit in region. All our information shows us the most of sold birds are singer birds or birds that are sold for feeding. The strong tradition and the relative local poverty toward to encourage the illegal trade of birds in region. So, is made clear the importance of study looking the permanent protection of the birds, that

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is intimately associated with the participation of the people and make the local population aware, since the can perform important roles on conservation of environment. Keywords: Illegal trade, Wild birds, Caatinga biome. 1 INTRODUÇÃO

A etnoornitologia é a ciência que aborda o conhecimento popular sobre as aves, descrevendo e analisando os conhecimentos e as práticas das populações locais, permitindo uma compreensão das relações entre humanos e aves. Atualmente, os estudos em etnoornitologia constituem um campo de cruzamentos de conhecimentos, nos mais diversos contextos culturais e ecológicos (Farias & Alves, 2007; Sick, 1997).

Entre os inúmeros problemas de ordem sócio-ambiental, o comércio ilegal de animais silvestres é reconhecido hoje como uma atividade prejudicial ao meio ambiente em virtude da alta importância ecológica dos mesmos. Dentre os animais traficados, as aves por sua beleza e canto, aliado a ampla distribuição geográfica e alta diversidade, são grupo mais procurado. Dado a sua relativa abundância, as aves são preferidas pelos criadores, como no Nordeste brasileiro, onde esses animais são destinados a coleções particulares, lojas de mascotes, feiras livres ou ao mercado exterior (Vannucci-Neto, 2000). Esse fato, segundo Souza & Soares Filho (2005) e Rocha et al. (2006), pode aumentar o risco de extinção das espécies e reduzir, como consequência a biodiversidade das áreas pressionadas.

No bioma Caatinga alguns fatores atualmente impossibilitam a total eficiência das ações de combate ao tráfico de aves, como as dificuldades operacionais associadas à vasta extensão territorial, a baixa severidade das penalidades previstas na legislação ambiental e a miséria em que vive grande parte da população (Ribeiro & Silva, 2007).

Sendo assim, este trabalho objetivou avaliar quais as possíveis pressões à biodiversidade oriundas da captura, utilização e comércio ilegal de aves silvestres na área pesquisada, listar e descrever as principais

técnicas de caça e capturas utilizadas pelos informantes, bem como averiguar se os aspectos sociais, culturais e econômicos dos comerciantes e caçadores entrevistados estão relacionados à disseminação dessa prática na região.

2 MATERIAIS E MÉTODOS 2.1- Da área de estudo

Esta pesquisa foi realizada entre agosto

e dezembro de 2008 na comunidade de Gravatá no município de Queimadas (latitude 7º21´29"S; longitude 35º53´53"W) localizado na mesorregião do agreste paraibano.

Queimadas possuem uma área de 409 km². A sede da cidade tem uma altitude aproximada de 450 metros, distando 117,2 Km da capital (CPRM, 2005 e IBGE, 2007). O município foi criado em 1961 e possui uma população total é de 38.883 habitantes (IBGE, 2007), sendo 17.046 na área urbana. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0.595, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano-PNUD - 2000 (CPRM, 2005).

O Sítio Gravatá no município Queimadas recebeu esse nome por conta da incidência de muitas bromeliáceas conhecidas como gravatá na região. Essa comunidade, em virtude de sua grande extensão territorial, foi subdividida em três áreas: Gravatá de Queimadas - por estar mais próxima da sede do município; Gravatá dos Trigueiros e Gravatá dos Velez - ambos os nomes por conta de famílias tradicionais que habitavam a região. A comunidade é composta por aproximadamente 80 residências e está localizada em uma região serrana com alguns trechos de vegetação nativa preservada.

A localidade representa uma paisagem típica do semi-árido nordestino, com vegetação composta basicamente por Caatinga

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Hiperxerófila com trechos de Floresta Caducifólia. O clima é do tipo Tropical Semi-árido, com chuvas de verão. Esse município apresenta uma precipitação média anual de entre 400 e 800 mm (CPRM, 2005).

2.2- Da coleta e análise dos dados

Para coleta de dados, foram feitas visitas

aos moradores da comunidade mencionada anteriormente. Inicialmente buscou-se identificar os moradores locais que capturavam e comercializavam aves silvestres, ou tinham conhecimento acerca dessa prática na região. Após os primeiros contatos, os dados acerca da captura e comércio de aves foi obtido através da aplicação de formulários semi-estruturados integrados a entrevistas livres feitas de modo individual e conversas informais (Mello, 1995; Chizzoti, 2000; Huntington, 2000; Albuquerque & Lucena, 2004). Buscou-se a confirmação das informações, sobretudo de maneira sincrônica (Marques, 1991); no entanto, para alguns indivíduos, principalmente aqueles que demonstraram grande conhecimento em relação ao tema, utilizou-se também o modo diacrônico para confirmação de informações (Marques, 1991). Os formulários continham questões acerca da captura, comercialização, domesticação e uso de aves na alimentação na região. Por fim foi aplicado um questionário sócio-econômico.

O trabalho de campo prosseguiu com visitas aos pontos de comércio de aves listados nas entrevistas, para a obtenção de dados relativos às espécies e, quando possível, aos valores de venda. Os nomes vernaculares dos espécimes citados foram registrados como mencionadas pelas pessoas entrevistadas. Os animais foram identificados usando critérios adotados por Souza & Soares Filho (2005) e Alves & Rosa (2006): 1) análise dos espécimes doados pelos entrevistados; 2) análise de fotografias dos animais feitas durante as entrevistas; 3) através dos nomes vernaculares, com o auxílio de taxonomistas familiarizados com a fauna das áreas de estudo.

Para cada espécie de ave citada foi calculado seu respectivo valor de uso (VU) (Adaptado pra proposta de Phillips et al. 1994)

que possibilitou demonstrar a importância relativa da espécie conhecida e utilizada localmente. O valor de uso foi calculado através da seguinte fórmula: (VU = ΣU/n), onde: VU = valor de uso da espécie; U = número de citações por espécie; n = número de informantes.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram entrevistadas no total 46 pessoas

(28 mulheres e 18 homens) com idades variando de 17 a 78 anos. Estas mencionaram um total de 34 espécies de aves divididas em 27 gêneros e 15 famílias.

3.1- Dos aspectos sócio-econômicos

A maioria dos entrevistados vivencia um

relacionamento conjugal estável, através de casamento ou união consensual. Em relação à atividade ocupacional, a maioria deles trabalha na agricultura ou é aposentado. O grau de escolaridade dos entrevistados é baixo, tendo em vista a expressividade de indivíduos com ensino fundamental incompleto (75,5%). No que diz respeito à renda salarial, verificou-se a prevalência de 1 salário mínimo (com renda média de 1,3 salário mínimo por pessoa). Em relação ao número de membros da família, prevaleceu o número de 4 indivíduos por residência (45,6%). A maioria dos entrevistados é natural de Queimadas, tendo vivido durante toda a vida na região em questão. A tabela 1 resume esses dados sócio-econômicos. Tabela 1 – Dados sócio-econômicos dos entrevistados da comunidade do Gravatá.

Sexo Masculino 18 Feminino 28

Idade 15 - 25 Anos 04 26 - 45 Anos 19 46 - 65 Anos 17 66 - 80 Anos 06

Grau de escolaridade Analfabeto 06 Ensino Fund. Incompleto 31 Ensino Fund. Completo 05 Ensino Médio Incompleto 02

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Ensino Médio Completo 02 Estado civil

Solteiro (a) 06 União consensual 15 Casado (a) 18 Separado (a) 02 Viúvo (a) 05

Renda mensal Não possuem renda fixa 03 Até 1 Salário Mínimo (Aposentadoria) 10 Até 1 Salário Mínimo 19

Até 2 Salários Mínimos 08

De 3 Salários mínimos acima 05

Não declarou 01

Tamanho da Família

1 Casal 02

3 Pessoas 09

4 Pessoas 21

5 Pessoas 07

7 Pessoas 04

9 Pessoas 03

Tempo de Residência na Região de Estudo

Até 20 Anos 05

De 21 a 40 Anos 10

De 41 a 60 Anos 18

De 61 a 70 Anos 05

Mais de 70 Anos 01

Não Declarou 07

Todos os 18 homens entrevistados

capturam, criam e comercializam ou tem conhecimento acerca do comércio de aves na região. Já a maioria das 28 mulheres entrevistadas (75%) revelou que seu conhecimento sobre a criação e o comércio da avifauna local é oriundo da observação das práticas de seus parceiros, práticas essas, que de acordo com as informações obtidas, são comumente disseminadas e culturalmente transmitidas de geração a geração através da tradição oral e observação direta, corroborando com alguns trabalhos que afirmam que na Caatinga, é muito comum a tradição de se criar e comercializar aves (Sick, 2001; Rocha et al.,

2006; Gama & Sassi, 2008; Nobrega et al., 2009a).

Segundo os próprios informantes, um dos maiores estímulos a essa prática na área é a facilidade com que os animais são retirados da natureza e comercializados ou preparados para consumo. Associada a essa facilidade está a obrigação urgente de incrementar a alimentação e a renda média mensal para suprir as necessidades básicas das famílias, que são compostas por um número relativamente elevado de membros. Martínez (2006), em estudo acerca da utilização da fauna silvestre no Petenes, México, também relaciona esses usos à manutenção e subsistência de populações locais.

Ainda de acordo com as informações dos entrevistados, fatores como a idade e o tempo de residência na localidade facilitam a captura das aves por influenciarem no conhecimento da diversidade da fauna local, bem como dos melhores períodos e locais para se apanhar cada espécie. Nobrega et al. (2009b), em estudo acerca das técnicas de captura de aves silvestres no município de Queimadas, Paraíba, também relacionam o sucesso de algumas práticas de captura da avifauna silvestre no semi-árido paraibano aos conhecimentos do caçador acerca dos melhores períodos de caça, hábitos das espécies e melhores locais para situar as armadilhas. 3.2- Das técnicas de captura

A captura de aves na região do Gravatá

representa uma forma tradicional de manejo da avifauna silvestre. O conhecimento dessas técnicas é passado de geração em geração e faz parte da cultura das pessoas que vivem na região. Segundo Alves et al. (2009), em trabalho acerca das estratégias de caça usadas no município de Pocinhos, semi-árido paraibano, as atividades de caça podem começar na infância quando as aves são caçadas para alimentação pelo uso de “baladeiras”, ou capturadas em armadilhas e criadas como animais de estimação; esse mesmo fato foi observado no presente estudo. As principais técnicas de caça e captura mencionadas pelos entrevistados foram a caça com espingarda, com cachorro, o uso de armadilhas.

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As armas de fogo constituem uma ferramenta básica para muitos caçadores na região pesquisada. A adoção de caça com armas é muito mais eficiente do que os métodos tradicionais, já que resulta numa vasta captura de espécies mais visadas pelos caçadores, porém é uma técnica extremamente destrutiva (Alves et al., 2009; Trinca & Ferrari, 2006). Apesar disso, é ainda bastante disseminada pela população do Gravatá.

A caça com cachorros geralmente acontece no período noturno e em áreas com vegetação preservada. Segundo os entrevistados, quando o cachorro late, pode estar indicando que capturou a presa e o caçador então segue o latido. Muitas vezes os cachorros podem matar a presa durante a perseguição antes que a mesma fuja. A ave mais caçada com essa técnica é o “Lambu” - Crypturellus parvirostris, corroborando com uma tendência similar apresentada por Alves et al. (2009) em seu trabalho acerca de estratégias de caça no semi-árido da Paraíba.

As armadilhas mais utilizadas na captura de aves são o alçapão e a arapuca. O alçapão é um tipo de gaiola de captura para pássaros leves. O canto de um pássaro macho, nomeado pelos entrevistados de “chamador”, é usado para atrair outros pássaros machos que virão competir pelos territórios e serão capturados em um compartimento da gaiola. Esse tipo de armadilha é destinado especialmente para a caça de pássaros canoros, de valor comercial ou de criação na comunidade. Já a arapuca é construída com pequenos pedaços de madeira. Os caçadores do Gravatá a armam numa área onde normalmente os pássaros se alimentam. Quando o pássaro toca na isca, faz com que a arapuca caia, aprisionando-o até que o caçador retorne. Geralmente é uma técnica usada para captura de “Ribaçãs” - Zenaida auriculata, “Rolinhas” - Columbina sp. e “Galinhas da água” - Gallinula chloropus. Essas armadilhas podem ser técnicas associadas à sazonalidade e sua eficiência está, muitas vezes, relacionada ao conhecimento do caçador acerca dos melhores períodos de caça, hábitos das espécies e melhores lugares para situar as armadilhas.

3.3- Do comércio das aves Segundo os entrevistados, 34 animais

são capturados e comercializados na região. Além de comercializadas, as aves também foram mencionadas como criadas ou consumidas. A tabela 2 resume a lista de aves citadas pelos entrevistados na área pesquisada como comercializadas, criadas ou consumidas.

Os Valores de Uso (VU) das espécies citadas variaram de 0,07 a 0,70. Com destaque para as seguintes aves: Azulão - Passerina brissonii - VU = 0,41; Canário - Sicalis flaveola - VU = 0,41; Galinha d’água - Gallinula chloropus - VU = 0,41; Lambu - Crypturellus parvirostris - VU = 0,43; Galo de campina - Paroaria dominicana - VU = 0,46; Ribaçã - Zenaida auriculata - VU = 0,57 e Rolinha cambuta - Columbina minuta - VU = 0,70. Esses dados apontam para o fato de que a maior parte dos animais criados ou capturados para comercialização é de pássaros canoros ou que são vendidos para alimentação.

De acordo com o informado pelos entrevistados, grande parte das aves coletadas no sítio Gravatá é vendida nas grandes feiras da cidade de Campina Grande. Esses dados corroboram com as observações feitas por Rocha et al. (2006) em trabalho acerca dos aspectos da comercialização ilegal de aves nas feiras livres de Campina Grande, Paraíba, que registraram uma gama de espécies extremamente variada e oriunda de diversas regiões circunvizinhas sendo comercializada nessas feiras. Isso sugere a existência de rotas comerciais de destinação ativas e pré-definidas para as aves capturadas no Gravatá, evidenciando a necessidade de uma fiscalização mais efetiva que reprima essa prática ilegal que vem se consolidando na região.

Das 15 famílias de aves comercializadas na região, as mais destacadas foram Emberizidae (n=11), Columbidae (n=4) e Fringillidae (n=4), corroborando com outros trabalhos acerca do comércio de aves silvestres na região nordeste do Brasil (Pereira & Brito, 2005; Souza & Soares Filho, 2005; Rocha et al., 2006; Assis & Lima, 2007). A figura 1 mostra a distribuição das espécies de aves listadas dentro de cada família citada.

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Figura 1 – Distribuição por família da quantidade de espécies de aves citadas como comercializados na comunidade do Gravatá. Legenda: A - Caprimulgidae; B - Cardinalidae; C - Columbidae; D - Corvidae; E - Emberizidae; F - Estrildidae; G - Fringillidae; H - Furnariidae; I - Icteridae; J - Psitacidae; K - Rallidae; L - Thraupidae; M - Tinamidae; N - Turdidae; O - Tyrannidae.

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Família Identificação da Espécie Categorias de Uso Total VU Criação Consumo Comércio

Caprimulgidae Bacurau - Nyctidromus albicollis (Gmelin, 1789) LR 4 1 5 0,11

Cardinalidae Azulão - Passerina brissonii, (Lichtenstein, 1823) 16 3 19 0,41Trinca ferro - Saltator similis, d'Orbigny & Lafresnaye, 1837 2 2 4 0,09

Columbidae Burguesa Branca - Streptopelia sp. 4 4 1 9 0,20

Burguesa Marrom - Streptopelia decaocto, Frivaldszky, 1838 LC 4 4 1 9 0,20Ribaçã - Zenaida auriculata, (Des Murs, 1847) 18 8 26 0,57Rolinha cambuta - Columbina minuta (Linnaeus, 1766) 29 3 32 0,70

Corvidae Cancão - Cyanocorax cyanopogon (Wied, 1821) 10 1 11 0,24

Emberizidae Bigode - Sporophila lineola (Linnaeus, 1758) 15 2 17 0,37

Caboclinho - Sporophila bouvreuil (Miller, 1776) 6 2 8 0,17Canário - Sicalis flaveola, (Linnaeus 1766) 16 3 19 0,41Chorão - Sporophila leucoptera, (Vieillot 1817) 2 1 3 0,07Galo de campina - Paroaria dominicana, (Linnaeus, 1758) 18 3 21 0,46Gaturão - Sicalis luteola (Sparrman, 1789) 16 2 18 0,39Golado - Sporophila albogularis (Spix, 1825) 16 1 17 0,37Papa-capim - Sporophila nigricollis, (Vieillot 1823) 7 1 8 0,17Salta caminho - Tiaris fuliginosus (Wied, 1830) 2 1 3 0,07Tico-tico - Zonotrichia capensis, (Müller, 1776) 2 1 3 0,07Tiziu - Volatinia jacarina, (Linnaeus, 1766) 3 2 5 0,11

Estrildidae Bico de lápis - Estrilda astrild, Linnaeus, 1758 11 2 13 0,28

Fringillidae Canário belga - Serinus canaria (Linnaeus, 1758) 2 1 3 0,07Corda Negra - Agelaius ruficapillus, Vieillot, 1819LC 6 1 7 0,15Pinta silva - Carduelis yarrellii, (Audubon, 1839) 13 3 16 0,35Vem-vem - Euphonia chlorotica, (Linnaeus, 1776) 2 1 3 0,07

Furnariidae Casaca de couro - Furnarius leucopus, Swainson, 1837 7 2 9 0,20

Icteridae

Concriz - Icterus jamacaii, (Gmelin, 1788) 13 3 16 0,35Psitacidae

Papagaio - Amazona aestiva (Linnaeus, 1758) 6 1 7 0,15Periquito-do-mato - Aratinga cactorum (Kuhl, 1820) 9 2 11 0,24

Rallidae Galinha d’água - Gallinula chloropus, (Linnaeus, 1758) 11 8 19 0,41

Thraupidae Sanhaçu - Thraupis sayaca (Linnaeus, 1766) 3 2 5 0,11

Tinamidae Lambu - Crypturellus parvirostris, (Wagler, 1827) 13 7 20 0,43Lambu do pé roxo - Crypturellus tataupa,(Temminck, 1815) 11 7 18 0,39

Turdidae Sabiá - Turdus rufiventris, (Vieillot, 1818) 9 2 11 0,24

Tyrannidae Maria fita - Empidonax traillii (Audubon, 1828) 5 1 6 0,13

Tabela 2 – Identificação dos animais citados como comercializados na comunidade do Gravatá. Legenda: VU – Valor de Uso.

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Figura 3 – Alguns exemplares de aves fotografadas enquanto comercializadas pelos entrevistados da comunidade do Gravatá. Legenda: A – Canário Belga (Serinus canaria); B – Canário (Sicalis flaveola); C – Gaturão (Sicalis luteola); D – Lambu (Crypturellus parvirostris); E – Burguesas (Streptopelia sp.); F – Papagaio (Amazona aestiva); G – Sabiá (Turdus rufiventris); H – Tico-tico (Zonotrichia capensis). Fotos: (A, B, G) - Veruska A. Nobrega; (C, D, E, F, H) - José Aécio A. Barbosa

A B C

D E

F G H

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Dentre as espécies de aves comercializadas para criação, os exemplares machos são os mais procurados, por apresentarem uma maior expressividade de canto e uma plumagem mais bonita. Essa captura acentuada de machos é um fato agravante para o equilíbrio populacional das espécies envolvidas, uma vez que, cerca de 90% das espécies de aves adotam um comportamento monogâmico durante seu período reprodutivo (Ribeiro & Silva, 2007). A figura 3 mostra alguns exemplares de aves fotografadas enquanto comercializadas pelos entrevistados.

O comércio de aves silvestres nas feiras visitadas ocorre abertamente, sendo absolutamente visível a qualquer um e envolvendo um número grande de espécies. Segundo alguns entrevistados, a captura e o comércio são justificados pela necessidade de sobrevivência, mas, rendem ao caçador (coletor) e comerciante muito pouco dinheiro comparado ao grau de destruição. Contudo, esse mesmo valor é tido como significativo para alguns habitantes locais, uma vez que os mesmos retiram as aves da natureza praticamente sem nenhum custo.

O quadro de pobreza social e a falta de alternativas econômicas contribuem para estimular o comércio ilegal da fauna na região. Assim, percebe-se que a cadeia social que propicia e estimula esse comércio tem sua origem nos setores mais pobres situados na zona rural, como acontece na comunidade do Gravatá. A consciência que predomina nesse seguimento sócio-cultural é a de que os recursos da natureza são infinitos, capazes, portanto, de suportar a ação predatória (Souza & Soares Filho, 2005).

A redução da abundância de aves e da riqueza de espécies está sujeita a ter suas consequências ampliadas no semi-árido paraibano, graças a diversidade dos impactos sociais dessa região. As aves representam um dos maiores e mais conhecidos grupos de organismos afetados também pelo caráter cultural e econômico dos usuários exploradores, e o status de conservação de todas as espécies exploradas precisa, segundo Sekercioglu et al. (2004), ser avaliado de maneira mais intensa.

Segundo dados do IBAMA, 71% dos animais contrabandeados são aves. O impacto do tráfico sobre o equilíbrio ambiental é significativo, visto que ele é a segunda principal causa da redução populacional de várias espécies nativas, depois da redução de habitat pelo desmatamento (Rocha et al. 2006).

4 CONCLUSÕES

A captura e o comércio de aves silvestres

é uma prática bastante disseminada na comunidade do Gravatá e está intimamente ligada ao contexto sócio-cultural e econômico dos habitantes locais. A intensificação e continuidade dessa prática ilegal podem acarretar prejuízos à biodiversidade local, fato que evidencia estudos e medidas conservacionistas, no intuito de minimizar as pressões à fauna. Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de medidas visando à sustentabilidade do uso da avifauna silvestre, as quais devem incorporar aspectos culturais associados à utilização desses animais.

No Brasil, trabalhos como esse, que busquem descrever localmente as características de criação e comércio de aves, precisam ser realizados em mais localidades estrategicamente definidas, sobretudo na região nordeste. A riqueza natural precisa ser conservada mediante estratégias conjuntas com a população e através da conscientização proveniente de estudos baseados em princípios educacionais. Os conhecimentos dos comerciantes e caçadores da área pesquisada podem ser de grande valia para conservação da biodiversidade local, desde que sejam utilizados de maneira adequada.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio financeiro concedido ao 1º e 2º autores através do Programa institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), e, em especial

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agradecemos aos entrevistados, que compartilharam conosco seus conhecimentos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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______________________________________ 1 - Biólogo, Membro do Grupo de Pesquisas em Etnobiologia e Etnoecologia da UEPB, Departamento de Biologia, /CCBS/UEPB – e-mail: [email protected] 2 - Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas – UEPB/ Bolsista de Iniciação Científica – CNPq/UEPB. 3 - Professor do Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas – UEPB – email: [email protected]