PROFLETRAS UEFAS JUCELMA SACRAMENTO ALVES .pdf
-
Upload
khangminh22 -
Category
Documents
-
view
10 -
download
0
Transcript of PROFLETRAS UEFAS JUCELMA SACRAMENTO ALVES .pdf
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS/PROFLETRAS
JUCELMA SACRAMENTO ALVES
TEXTO HUMORÍSTICO: POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO
FEIRA DE SANTANA
2016
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS/PROFLETRAS Avenida Transnordestina, S/N - Bairro Novo Horizonte - CEP 44.036-900
Fone: (75) 3161-8872 – E-mail: [email protected]
www.profletras.uefs.com.br
JUCELMA SACRAMENTO ALVES
TEXTO HUMORÍSTICO: POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO
FEIRA DE SANTANA
2016
JUCELMA SACRAMENTO ALVES
TEXTO HUMORÍSTICO: POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado Profissional em Letras -
PROFLETRAS - da Universidade Estadual de
Feira de Santana, como requisito para
obtenção do título de Mestre em Letras.
Orientador: Prof. Dr. Humberto Luiz lima de
Oliveira
FEIRA DE SANTANA
2016
Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS
Alves, Jucelma Sacramento
A479t Texto humorístico por uma leitura para além do riso. / Jucelma
Sacramento Alves. Feira de Santana, 2016.
154 f.: il.
Orientador: Humberto Luiz Lima de Oliveira
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Feira de
Santana. Programa de Pós-Graduação em Letras, 2016.
1.Charge. 2.Humor. 3.Textos modais. I.Oliveira, Humberto Luiz
Lima de, (orient.). II.Universidade Estadual de Feira de Santana.
III.Título.
CDU: 801
TERMO DE APROVAÇÃO
JUCELMA SACRAMENTO ALVES
TEXTO HUMORÍSTICO: POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO
Dissertação de Mestrado aprovada como requisito para obtenção do título de Mestre em
Letras, no curso de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), da Universidade
Estadual de Feira de Santana, pela seguinte banca examinadora:
______________________________________________
Prof. Dr. Humberto Luiz Lima de Oliveira
Orientador Mestrado Profissional em Letras, UEFS
_______________________________________________
Prof. Dr. Patrício Nunes Barreiros
Examinador Interno, Mestrado Profissional em Letras, UEFS
_______________________________________________
Profa. Dra. Glauce Maciel Barbosa Pereira
Examinadora Externa Universidade do Estado da Bahia
Feira de Santana, 20 de dezembro de 2016
AGRADECIMENTOS
A Deus, Senhor de todas as coisas.
A minha mãe Maria da Glória Sacramento, meu exemplo.
Ao meu Pai José do Sacramento (in memorian).
Aos meus filhos Anderson e Bruna Karine, temperos de minha vida.
Aos meus irmãos Joelma, Juciney, Débora, Augusta e Vinícius meus portos seguros.
Aos meus tios Astério, Lucinha e Germana expressão de afeto incondicional.
Aos sobrinhos e primos cujos nomes não caberiam nessa página, mas que cabem certinho em
meu coração.
A Nando pelo amor e compreensão nas longas ausências.
Aos cunhados pela torcida fervorosa.
A Tiago Sampaio gestor e amigo.
Aos queridos Valney Cerqueira e Nilzete Benedicto.
A Zezinha pelas décadas de incentivo e amor.
Aos colegas do Profletras pela cumplicidade.
Aos Professores pela brilhante atuação.
Aos professores Mariana Fagundes e Patrício Barreiros fundamentais na caminhada.
Ao professor Humberto Oliveira pelo amparo e condução.
A Capes pelo incentivo financeiro.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente tornaram esse momento possível.
RESUMO
Este Trabalho não tem o objetivo de revolucionar o ensino de língua portuguesa nas turmas do
Ensino Fundamental II, embora pretenda oferecer uma ferramenta para que os sujeitos da
intervenção possam repensar a forma de aprender e socializar as construções linguístico-
discursivas. Para isso trabalhamos com o gênero discursivo charge por se tratar de um gênero
multimodal que alia a linguagem verbal (a palavra) com a linguagem não verbal (a imagem).
Além da multimodalidade que compõe o texto chárgico nossa opção pelo gênero textual
charge justifica-se pelos discursos plenos de significados e entremeados pelo humor. Para um
trabalho sistematizado com o gênero foi desenvolvida e aplicada uma sequência didática cujo
objetivo foi verificar o conhecimento que o aluno já possuía, auxiliando no desenvolvimento
de habilidades fundamentais para ampliação da competência leitora do texto multimodal.
Nosso trabalho divide-se em nove etapas abordando concepções de língua e linguagem,
gêneros discursivos, leitura de imagens, abordagem metodológica, descrição das oficinas e
análise de dados respectivamente.
Palavras Chave: Charge. Multimodalidade. Humor.
ABSTRACT
This work does not have the aim of revolutionize the teaching of Portuguese language in the
classes of Elementary School II, although it intends to offer a tool so that the subjects of the
intervention can rethink the way of learning and socializing the linguistic-discursive
constructions. For this, we work with the discursive genre charge because it is a multimodal
genre that combines verbal language (the word) with nonverbal language (the image). Besides
the multimodality that makes up the chargic text, our option for the textual genre charge is
justified by discourses full of meanings and interspersed by humor. For a systematized work
with the genre, a didactic sequence was developed and applied, whose objective was to verify
the knowledge that the student already possessed, assisting in the development of
fundamental skills to increase the reading competence of the multimodal text. Our work is
divided in nine stages, dealing with conceptions of language and language, discursive genres,
reading of images, methodological approach, workshop description and data analysis
respectively.
Keywords: Charge. Multimodality. Humor.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 40
Figura 2 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 43
Figura 3 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 43
Figura 4 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 44
Figura 5 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 44
Figura 6 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 44
Figura 7 – Tipos de balão .................................................................................................... 47
Figura 8 – Reprodução de uma charge ................................................................................ 47
Figura 9 – Tipos de balão de onomatopeia .......................................................................... 47
Figura 10 – Reprodução de uma charge .............................................................................. 48
Figura 11 – Reprodução de uma charge .............................................................................. 49
Figura 12 – Reprodução de uma charge .............................................................................. 51
Figura 13 – Reprodução de uma charge .............................................................................. 52
Figura 14 – Etapas de Aplicação da Sequência Didática adaptada ..................................... 61
Figura 15 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 68
Figura 16 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 69
Figura 17 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 70
Figura 18 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 71
Figura 19 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 72
Figura 20 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 73
Figura 21 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 74
Figura 22 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 79
Figura 23 – Material preparado para as oficinas ................................................................. 80
Figura 24 – Produção 1 ........................................................................................................ 82
Figura 25 – Produção 2 ........................................................................................................ 83
Figura 26 – Produção 3 ........................................................................................................ 83
Figura 27 – Produção 4 ........................................................................................................ 84
Figura 28 – Produção 5 ........................................................................................................ 85
Figura 29 – Produção 6 ....................................................................................................... 86
Figura 30 – Produção 7 ........................................................................................................ 87
Figura 31 – Produção 8 ........................................................................................................ 88
Figura 32 – Produção 9 ........................................................................................................ 89
Figura 33 – Produção 10 ...................................................................................................... 89
Figura 34 – Reprodução de uma charge .............................................................................. 89
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Cf. - Conferir
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
MEC – Ministério da Educação
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais
PROFLETRAS – Mestrado Profissional em Letras
SD – Sequência Didática
LDB – Lei De Diretrizes E Bases
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 13
2 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E LINGUAGEM ................................................. 19
3 LETRAMENTO ..................................................................................................... 26
4 CHARGE.................................................................................................................. 39
5 HUMOR.................................................................................................................... 49
5.1 RISO........................................................................................................................ 54
6 A INTERVENÇÃO................................................................................................. 59
6.1 METODOLOGIA.................................................................................................. 59
6.2 ESPAÇO E SUJEITOS DA PESQUISA............................................................... 60
6.3 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA.................................................................................. 61
6.3.1 Etapa 01 - Planejamento da sequência didática.......................................... 62
6.3.2 Etapa 02 – Sondagem ........................................................................................ 62
6.3.2.1 Módulo de Apresentação do Gênero ............................................................ 62
6.3.3 Etapa 03 – Aplicação ......................................................................................... 63
6.3.3.1 Apresentação da Situação (Aplicação do Módulo de Apresentação do
Gênero). ....................................................................................................... ...... 63
6.3.3.2 Apresentação da situação (Módulo de Reconhecimento do Gênero) .............. 63
6.3.3.3 Produção Inicial ............................................................................ ....... 64
6.3.3.4 Módulos de Intervenção .................................................................................. 64
6.3.3.5 Produção Final ................................................................................................ 65
6.3.4 Etapa 04 – Culminância .................................................................................. 65
7 ANÁLISE DA INTERVEÇÃO.............................................................................. 66
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 94
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 97
APÊNDICES................................................................................................................ 100
ANEXOS...................................................................................................................... 138
13
1 INTRODUÇÃO
Navegar é preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
Transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
(PESSOA, 2016)
Madrugada adentro tenho navegado por mares nem sempre mansos. O famoso poema
de Fernando Pessoa1 que inicia esta seção sintetiza bem o sentimento desta filha primogênita
1Pessoa cita “navegadores antigos”, marujos sob comando de Pompeu, general que viveu numa época de
instabilidade, com guerras e ataques piratas. Por volta de 70 a.C., Pompeu foi enviado à Sicília para escoltar
uma frota com provisões para Roma, que passava fome diante de uma rebelião de escravos liderada por
Espártaco. Com os navios prontos para partir, o comandante da frota anteviu uma tempestade e sugeriu a
Pompeu que adiassem a partida. Segundo o historiador romano Plutarco, foi nessa hora que o general disse:
“Navigare necesse, vivere non necesse”.
14
de uma família de seis filhos criados na barra da saia da matriarca, mulher forte, tinha apenas
um sonho que caprichosamente tornou realidade: “todos os meus filhos serão alguém na
vida!” Digo tinha porque hoje percebe-se, em seu semblante, a felicidade de quem alcançou
seu ideal de vida e felicidade. Confesso ter vivido por muitos anos sem compreender a
essência desse desejo de minha mãe, pois, com efeito, sempre me achei gente. Empreendi
travessias difíceis, ao longo dessas quatro décadas de vida, “Só quero torná-la grande, ainda
que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo”.
Não apenas sou filha, sou mãe! E essa dádiva per si já nos coloca de volta ao mar de
dúvidas e incertezas sobre a direção por onde o vento sopra. Fui esposa. Sou amiga, sobrinha,
tia, conselheira, sou professora.
Bons ventos sopram em minha direção. Se ser alguém significa estar em paz comigo,
com o próximo e com Deus, aviso aos tripulantes que sou alguém, embora desde sempre
soubesse disso.
Quando iniciei minha carreia no magistério (a mais de vinte anos) ainda não tinha um
curso superior, este chegou nos primeiros anos do exercício da profissão. Fazer dos meus
alunos, “alguém”, foi um motivador para buscar formas de tornar o ensino das letras mais
significativos para os meus alunos. Lançando mão dos recursos possíveis para buscar o
aperfeiçoamento profissional necessário, ingressei no programa de formação para professores
de língua portuguesa (Profletras), que objetiva a melhora da qualidade do ensino dos alunos
do nível fundamental, com vistas a efetivar a proficiência desses alunos no que se refere às
habilidades de leitura e de escrita, com diminuição dos índices de evasão dos alunos durante o
ensino fundamental, capacitando-os para o multiletramento exigido no mundo globalizado e
conectado com a internet tendo em vista o desenvolvimento de ações pedagógicas que
efetivem a proficiência em letramentos compatíveis aos nove anos cursados durante o ensino
fundamental.
O programa Profletras, visa também, indicar caminhos possíveis para que o
docente/pesquisador possa trabalhar diferentes gêneros textuais para o ensino da escrita, da
leitura e da produção textual em suportes digitais e não digitais.
Apresentaremos as principais características do humor conforme as concepções de
autores como Bergson, para quem a compreensão do riso deve abarcar três princípios: que não
há riso fora do humano, pois o homem é considerado o único animal que ri, como também é o
único de que se ri; que o riso supõe insensibilidade, uma vez que rir é uma operação da
inteligência, que exige o bloqueio do sentimento, ao passo que a emoção não causa o riso; e
que não há riso sem sociedade, uma vez que o riso é sempre de um grupo. Bakhtin, para
15
quem o riso é considerado universal e presente em todas as sociedades e culturas. Para
Bakhtin não há nada de que não se possa rir, não existe nenhum tema, sagrado ou profano,
que não possa ser objeto de escárnio ou zombaria.
Propp, considera que o riso está intimamente relacionado a condições de ordem
histórica e social, distinguindo dois diferentes risos: o riso satírico e o riso humorístico, um
sarcástico e o outro não. O primeiro, relaciona-se ao cômico e tem uma função de controlador
social, ao passo que o segundo, um riso natural, é isento de significação ideológica ou social.
Para este autor, o aspecto de riso que mais intimamente revela a comicidade é o riso de
zombaria, que expõe os defeitos e fraquezas do objeto.
As definições do dicionarista Bechara (2011) sobre o riso corroboram e apontam para
nós, um caminho que buscaremos percorrer neste trabalho sobre o tipo de riso que nos
interessa investigar. Para nós interessa-nos o riso que vá além do risível ou cômico, onde as
situações de escárnio, galhofa, chacota que visem humilhar, perpetuar preconceitos, atingir a
autoestima do outro. Riso, “ato ou efeito de rir. Demonstração de alegria, felicidade, regozijo.
Atitude de escárnio ou desdém para com alguém ou algo; zombaria, troça, galhofa, chacota,
risota” (BECHARA, 2011 p.1135).
Propõe-se com esse trabalho contribuir para a formação de leitores competentes,
ressaltando a importância do gênero textual charge, com o objetivo principal de desenvolver a
competência leitora dos sujeitos participantes da pesquisa.
O discurso da charge é um instrumento de reflexão sobre os fatos cotidianos, e, por
conseguinte, auxilia na formação de leitores capazes de assumir uma posição crítica diante
dos acontecimentos atuais, sempre revelando alguma ironia, elemento essencial para que o
sujeito extrapole a leitura aparentemente inocente dos discursos chargísticos. Espera-se que o
aluno seja capaz de reconhecer e utilizar o gênero textual charge, em diversos contextos como
uma leitura que lhe traga o prazer de emocionar, de questionar e, portanto, ler as sutilezas
menos acessíveis que esse gênero propicia.
O presente trabalho tem como objetivo geral contribuir para o desenvolvimento da
competência leitora por meio do gênero textual charge.
Como objetivos específicos pretende-se:
Demonstrar como, a partir das charges, os conhecimentos dos alunos poderão ativar
e fortalecer o seu posicionamento crítico.
Considerar as expectativas, potencialidades e necessidades dos alunos.
Analisar como o gênero charge pode auxiliar nas práticas pedagógicas de leitura para
a formação de leitores competentes.
16
Busca-se a partir dessa intervenção no formato de Sequência Didática identificar
intenções nem sempre risíveis dos textos que circulam nas diversas mídias, mas que
escondem preconceitos, posicionamentos políticos e comportamentais que desmerecem e
humilham o outro sob a forma do riso.
O trabalho foi desenvolvido no Centro de Educação Municipal de Camaçari, no
município homônimo no Estado da Bahia, em uma turma do 8º Ano com a aplicação de uma
Sequência Didática. As ações tiveram como alvo o desenvolvimento da leitura. A produção
escrita, através do estudo das estruturas do gênero textual charge e da aplicação de estratégias
de motivação leitora.
A escolha do gênero textual charge como estratégia para melhoria da qualidade de
leitura dos alunos participantes da pesquisa se deu por conta de por um lado, elevar os índices
de proficiência em leitura avaliados pelos instrumentos externos como a Prova Brasil2 e por
outro pela necessidade pessoal e profissional de encontrar um caminho que pudesse despertar
o interesse dos alunos pela leitura.
Optamos então, pelo gênero charge, uma possibilidade real de envolver num mesmo
texto, elementos que, reunia um número significativo de situações linguístico discursivas que
dão conta de habilitar os alunos a acessarem conhecimentos que estão para além da dimensão
linguística e se insere na capacidade que deverá ter o leitor de posicionar-se criticamente nas
diversas situações de interação com o mundo.
Em minhas andanças bibliográficas, deparei-me com situações absurdas geradas, ou
pelo menos, desencadeadas por uma charge. De súbito imaginei: Como pode uma imagem
suscitar tanto ódio, mortes, massacres e pôr o mundo em permanente estado de alerta? Foi o
que recentemente aconteceu na Europa e vem gradativamente se espalhando pelo mundo
conforme noticiado amplamente pela mídia internacional, sobretudo após um atentado à sede
do semanário Charlie Hebdo ocorrido em janeiro de 2015, que deixou um saldo de doze
mortos e onze feridos. A mídia divulgou que o motivo do atentado teria sido motivado pela
publicação de uma série de charges que agrediam a fé muçulmana.
Uma série de outros tantos episódios poderiam ser elencados nesse espaço e cada um
deles denotaria a perversidade com que certos indivíduos e grupos utilizam-se do discurso do
humor para humilhar e acirrar o ódio e as desigualdades.
²É uma avaliação para diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC). Têm o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido
pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos.
17
Esse fato preocupou-me sobremaneira, mas também me instigou a trilhar por esse
caminho de investigar o poder das charges nas relações interpessoais e coletivas.
Ressaltamos que além das charges, usaremos outros gêneros para ampliar as
discussões trazidas pela charge. Não é de nosso empenho que ao trabalharem com o gênero
charge, os alunos se tornem um chargista profissional, mas que possam com segurança
identificar o gênero dentre outros de formato similar.
Após leituras e produções a turma deveria expor suas produções para que um grande
número de leitores pudesse compartilhar de suas experiências não só como leitores, mas
também como produtores do gênero. Foi desenhado um blog, cemccomhumor.wordpress.com,
onde os alunos puderam colocar suas produções e outros tantos textos que julgassem
interessantes para o visitante, com espaço para postagem de vídeos, fotos, textos e outros
matérias, linkados com algumas páginas de redes sociais, como espaço interativo entre os
sujeitos da pesquisa e a comunidade externa.
Quando o projeto de intervenção foi pensado, já havia a intenção de colocar as
produções dos alunos em um ambiente virtual mas havia alguns desafios a transpor, sobretudo
no que se referia a viabilidade técnica, pois apesar da escola contar com um laboratório de
informática, não há rede de internet disponível. Além disso, ao contrário da expectativa
inicial, os alunos não dispõem de celulares em número e em qualidade que pudéssemos iniciar
essa empreitada sem o suporte da escola.
A Sequência Didática foi elaborada de forma a comtemplar situações do cotidiano dos
sujeitos da pesquisa em que buscamos abordar as temáticas de maneira a ampliar os
horizontes de leitura e facilitar a compreensão dos grafismos, recursos linguísticos e
expressivos como a ironia e o humor, próprios desse gênero textual.
Além do mais, tivemos sempre a finalidade de instigar e incentivar efetivamente a
exposição oral de hipóteses levantadas, intermediadas pelo diálogo intertextual,
proporcionando, assim, leitura exploratória de situações concretas, que permitam o
desenvolvimento das convicções dos leitores.
No decorrer das atividades, questionamos quantas informações são transmitidas por
meio das imagens, muitas vezes percebidas, porém no compreendidas. Isso fez com que
ressaltássemos aos alunos a importância de perceberem a urgência de levarem em
consideração a linguagem verbal e não verbal desses gêneros, pois estão em nosso cotidiano e
exigem leitura específica da palavra e da imagem. Os alunos notaram, também, a exigência de
interpretações distintas conforme variam os suportes escolhidos para a apresentação dos
textos.
18
A Sequência Didática de leitura do gênero charge, foi trabalhada em uma Unidade
letiva, em 40 aulas de duas aulas semanais de Língua Portuguesa, cuja forma de organização,
foi baseada na SD proposta por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), adaptado por Costa
Hübes.
Para o trabalho de reconhecimento e fixação do gênero houve o incentivo a pesquisas
em sites, jornais e revistas. Ao final do projeto, percebemos uma repercussão positiva quanto
à observação mais atenta da realidade exposta nos jornais e outras mídias, que utilizam, a
charge como meio de divulgar de forma crítica e bem humorada fatos relevantes da sociedade.
19
2 CONCEPÇÕES DE LÍNGUA E LINGUAGEM
Iniciemos nossa jornada com Bakhtin (2011), ao afirmar que “todos os diversos
campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”. É ela e por ela que a
comunicação se realiza de forma verbal ou não. É pela linguagem que percebemos a vida, o
nosso entorno e nossa própria história, embora a história seja um fazer e refazer, dada a
incompletude da natureza do homem percebida pela necessidade de reposicionar-se ante as
demandas do existir.
É a linguagem que aproxima, e também afasta, o homem do homem e da vida. É ela
que determina ou estabelece sentidos, intensidade e troca contínua entre o individual e o
coletivo, entre o permanente e o efêmero, transitando entre os extremos da realidade humana
na direção do mais profundo do homem, ou seja; daquilo que torna o homem universal e
particular sob o ponto de vista da história, do social e do cultural.
Essa expressão não é apenas um amontoado de caracteres gestuais e ou verbais
produzidos aleatoriamente, são manifestações coerentes, conscientemente planejadas e
direcionadas para atender a um certo propósito comunicativo por meio do qual o indivíduo
constrói a representação da realidade na qual está inserido.
Durante muito tempo acreditava-se que a linguagem cumpria a função de apenas
exprimir o pensamento, como se, em um passe de mágica, o indivíduo expusesse
perfeitamente suas ideias, iniciando assim sua incursão no mundo, esvaziado de outros
discursos que o ressignificasse.
Para essa concepção, as pessoas não se expressam por bem porque não
pensam. A expressão se constrói no interior da mente, sendo sua
exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um ato monológico,
individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que
constituem a situação social em que a enunciação acontece (TRAVAGLIA,
1996, p. 21).
Orlandi (2012, p. 59) observa que, “para que nossas palavras tenham sentido é preciso
que já tenham sentido”, isto é; que as palavras já tenham sido ditas, lançadas às experiências
comunicativas. As palavras não trazem em si mesmas um sentido arbitrário, elas, assumem o
sentido do uso, da intencionalidade do enunciador pelas construções históricas, sociais e
emocionais desse sujeito enunciador. Desta forma, a autora considera a linguagem como
20
[...] prática – isto é, como a mediação necessária entre o homem e a sua
realidade natural e / ou social [que] vai articular o linguístico ao sócio-
histórico e ao ideológico, colocando a linguagem na relação com os modos
de produção social (ORLANDI, 2012. p.63).
No âmbito social, a linguagem se desenvolveu progressivamente, influenciada pelas
experiências adquiridas pelo sujeito, não é, portanto, individualista e obedece de certa
maneira, o ritmo dos acontecimentos e experiências do próprio exercício dessa interação com
o outro e com o meio pelas vias múltiplas que regem a realização da linguagem propriamente
dita.
Voltamos nosso olhar para as concepções de língua e leitura como base para as
práticas de ensino de língua materna em sala de aula.
O ensino de Língua Portuguesa ou Português, como disciplina do currículo escolar,
durante muito tempo, sequer havia sido institucionalizado, somente foi incluída como
disciplina a partir do século XIX.
Até meados do século XVII, as escolas, ensinavam o português para uma pequena
classe de privilegiados como instrumento alfabetizador, mas sobretudo como forma de manter
um certo poderio social. O ensino do português como língua materna seria impossível àquela
altura, uma vez que ela não se configurava como língua dominante no país. Havia a língua
geral que tentava dar conta de alguns falares indígenas além de contemplar o latim que à
época dominava o ensino superior e secundário sob a tutela dos jesuítas.
Nesse cenário, a língua portuguesa não se constituía ainda em área de conhecimento
em condições de gerar uma disciplina curricular a partir de meados do século XIX. Medidas
impostas, pelo Marquês de Pombal proibiu por decreto que se falasse outra língua que não
fosse o português.
Inicialmente, o ensino de português priorizava o estudo da gramática e o estudo da
Retórica como elemento fundamental a expressão do pensamento, pois, quem se expressasse
bem dominava a língua e, por conseguinte desfrutaria de maiores regalias sociais.
Ainda sob tais condições, o ensino da língua portuguesa era direcionado ao ensino e
aprendizagem da gramática latina até que já no século XX o latim foi perdendo seu uso e
importância social cedendo lugar à gramática da língua portuguesa (português de Portugal)
muito distante ainda da língua que de fato era falada pela população; aliás, ainda hoje o ensino
de português, no Brasil, está muito distante da gramática3 dos falantes nativos.
3Ao utilizar o termo gramática, refiro-me à capacidade que os falantes têm interiorizada acerca da sua língua
materna. Diferentemente do emprego deste termo como manual que regula as regras e usos da língua.
21
Mas de qual português estamos falando? Antunes (2003, p.42) responde: “É claro que
é do português do Brasil, aberto, porém, à análise de outras variedades”. Desde o ventre, a
língua portuguesa, tal como a conhecemos, sofre influência de diversos falares, porém,
motivada por questões econômicas e sociais de manutenção de privilégios de uma classe, a
língua realmente falada no país é desprestigiada, o que causa discriminações, preconceitos e
conflitos.
Centrada no ensino de uma única modalidade de gramática, a escola foi e ainda
continua sendo um reduto de engessamento da língua materna desconsiderando seu
dinamismo. Aos poucos, o perfil da clientela das escolas foi mudando, democratizando o
acesso às camadas sociais menos privilegiadas. Um novo panorama se institui no ensino de
Língua Portuguesa, imbricando o ensino da gramática e de texto, na tentativa de constituir
uma disciplina com um conteúdo articulado, embora, o ensino de texto tenha sido utilizado
como pretexto para o estudo da gramática normativa, ainda hoje praticado na escola.
O ensino da língua portuguesa só começa a voltar-se para as habilidades de leitura, por
meio de atividades de compreensão e interpretação, ficando ainda em segundo plano em
relação aos estudos gramaticais. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) n. 5692/
71 um novo paradigma provocou uma radical mudança na base curricular do ensino
brasileiro.
Doravante o ensino da língua materna estaria pautado no desenvolvimento das
habilidades de expressão e compreensão de mensagens, como observa Soares:
A concepção de língua como sistema adequado a um ensino de português
dirigido a alunos das camadas privilegiadas, em condições sociopolíticas em
que cabia à escola atender a essas camadas, ela torna-se inadequada a um
ensino de português dirigido a alunos das camadas populares, aos quais a
escola passa a também servir, e em condições sociopolíticas em que é
imposto um caráter instrumental e utilitário ao ensino de língua” (SOARES,
1998, p.57).
A concepção agora é a de linguagem como instrumento de comunicação e os objetivos
de ensino são “pragmáticos e utilitários” não se trata mais de promover o conhecimento do
sistema linguístico – o saber a respeito da língua – mas do desenvolvimento das habilidades
de expressão e compreensão de mensagens – o uso instrumental e comunicativo da língua.
É a ênfase nas habilidades de leitura que estão sendo priorizadas, numa profusão de
textos em gêneros variados e não apenas os textos literários são objetos de compreensão e
interpretação, assim, aprender passa a ser foco de interesse da escola e não apenas o ensinar.
22
Esse modelo de ensino evidencia o estudante como sujeito ativo que constrói suas habilidades
e conhecimentos das linguagens, em interação com o outro e com a língua:
O aluno passa a ser considerado sujeito ativo que constrói suas habilidades e
conhecimentos da linguagem oral e escrita em interação com os outros e
com a própria língua, objeto do conhecimento, em determinadas
circunstâncias de enunciação e no contexto das práticas discursivas do tempo
e espaço em que vive (SOARES, 1998, p.59).
Respondendo às demandas impostas à escola, o Ministério da Educação atualiza a
legislação em vigor que trata dos assuntos educacionais e uma nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Brasileira a Lei n. 9394/96 se efetiva, trazendo consigo, ainda que de forma
embrionária, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em apoio ao ensino de Língua
Portuguesa, cujo objetivo é dado a saber:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um
lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e,
de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns
ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se
criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao
conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como
necessários ao exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 58).
Nota-se então que a clara intenção em trabalhar a língua de forma a valorizar os
conhecimentos que o sujeito traz de suas vivências que apesar de se propor uma base comum
para o ensino de Língua portuguesa, o respeito e atenção às individualidades e peculiaridades
culturais deverão ser respeitadas para o pleno exercício da cidadania.
Uma nova concepção de língua e linguagem se instaura, não mais a língua como
expressão do pensamento nem como mero instrumento de comunicação, mas a língua como
meio de interação entre sujeitos, que, por meio da linguagem, produzem sentidos, interagindo
através desta, emitindo opiniões, dialogando por meio da língua.
Apesar dos percalços históricos no ensino de língua portuguesa, o aprendizado efetivo
da leitura, não decorre de um processo mecânico, mas da percepção do sujeito no mundo, da
relação que se estabelece entre o que aprende na escola e sua bagagem sócio-histórica que o
habilita ler para além do código escrito, em entrevista ao programa Sem Censura publicado
em 24 de julho de 2015, a pesquisadora Eliana Yunes afirma que ler seja “estabelecer
conexão entre o que está escrito ou desenhado e a vida”. A pesquisadora afirma ainda que
23
embora a sociedade tenha exigido do sujeito um constante letramento, isso ainda não revela
em dados qualitativos relevantes a prática leitora, no que se refere ao prazer pela leitura.
Embora se tenham alterado métodos e técnicas, pressupostos e concepções no ensino
de Língua Portuguesa, um fato permaneceu inalterado: a necessidade de se ensinar/aprender a
leitura, pois o homem interage no mundo porque é capaz de lê-lo de diferentes formas, com
fins e sentidos diversos e apesar de inúmeras alterações didático-metodológicas ocorridas ao
longo do percurso, o ato de ler permanece como norteador do processo de inserção do sujeito
dentro e fora da escola. A esse respeito Britto menciona que:
A aula de Língua Portuguesa é – ou deveria ser – o espaço da palavra, o
espaço do confronto entre sujeitos que leem e se leem[...]na medida em que
ao se perceberem sujeitos da história, utilizem a linguagem como
possibilidade de leitura [...]do outro e de si mesmo, marcando verbalmente
sua história (BRITTO 1997, P.100).
Nesse sentido, o ensino de língua materna não é o pressuposto da existência de uma
língua pronta e acabada, mas sim, de uma língua que é (co) produzida por sujeitos que
interagem numa situação de interlocução.
Ler é estar em sintonia e conectado com o outro, uma vez que o ato de ler
sempre pressupõe um autor/enunciador que ao falar/escrever, constrói seu
discurso em função de um ouvinte/leitor. Além disso, ler é uma atividade
muito rica em conhecimentos, porém, complexa, quando se trata da leitura
do texto escrito, por exemplo, pois, nesse caso, envolve conhecimentos
linguísticos que passam pelo reconhecimento de letras, fonemas, morfemas
para chegar no processo de decodificação, condição básica para a leitura do
texto escrito. Porém, mais que decodificação, a leitura é uma atividade, um
processo de interação, no qual o leitor, o autor e o texto interagem entre si,
seguindo objetivos e necessidades socialmente determinadas (COSTA
HÜBES, 2008, p. 27).
Portanto, ler não é apenas a apreensão de um código; é interagir plenamente com e no
mundo. Significa dizer que ao lermos, vislumbramos um sem fim de possibilidades. Para
Costa Hübes (2008), “A leitura é uma prática social de uso da linguagem”, concepção que
esteia nosso trabalho.
De vital importância para a formação do sujeito, a leitura é uma competência que deve
ser estimulada nas diversas esferas sociais onde os discursos são efetivamente construídos,
embora historicamente a escola tenha sido um espaço privilegiado para a prática da leitura,
interessa-nos conhecer os caminhos da prática leitora.
Antunes define leitura como
24
Uma atividade de acesso ao conhecimento produzido, ao prazer estético e,
ainda, uma atividade de acesso ás especificidades da escrita que se desdobra
em três pontos: 1) ampliação dos repertórios de informação do leitor, onde o
sujeito leitor possa agregar novos conceitos sobre si e sobre o mundo que o
cerca., 2) experiência gratuita do prazer estético, ler apenas pelo prazer de
ler, para deleitar-se, para apreciar o jeito bonito de se dizer as coisas, 3)
vocabulário, neste ponto específico, a leitura está a serviço da apreensão das
características típicas [...]dos textos da comunicação pública [...] específico
de cada gênero (ANTUNES 2003, p.34).
Nessa concepção de leitura, encorpa-se objetivamente de uma função social e
formativa atribuída ao ato de ler. Semelhantemente, Soares (2000, p. 19), considera a leitura
como “forma de lazer e de prazer, de aquisição de conhecimentos e de enriquecimento
cultural, de ampliação das condições de convívio social e de interação”.
A perspectiva de fruição apresentada por Soares é um alento ao professor de língua
materna que muitas vezes tem dificuldades em lidar com o ensino de leitura nas aulas. Parte
desse desafio está na escolha dos textos que serão trabalhados durante as aulas, pois é
frequente que tais escolhas sejam motivadas para uso posterior em análise de atividades
gramaticais, deixando de lado o deleite da leitura para fruição.
Sobre a importância da escolha adequada dos textos, Leffa (1996) salienta que cabe ao
leitor munir-se
Das competências fundamentais para o ato da leitura, a intenção de ler. Essa
intenção pode ser caracterizada como uma necessidade que precisa ser
satisfeita, a busca de um equilíbrio interno ou a tentativa de colimação de um
determinado objetivo em relação a um determinado texto (LEFFA, 1996,
p.17).
Assim, cabe ao leitor decidir se deseja ou não imergir naquela leitura, é preciso que ele
esteja encorajado a participar desse momento segundo os seus próprios objetivos. Leffa
(2012) argumenta ainda que
O leitor não pode chegar sozinho ao texto; traz com ele o seu mundo, sua
experiência de vida, as competências que já acumulou. A leitura é uma
espécie de doação recíproca: o sentido não é simplesmente dado ao leitor; é
trocado por algo que ele deve trazer. Se o leitor chegar ao texto de mãos
vazias, nada leva (LEFFA, 2012, p. 255).
Com os avanços tecnológicos, a forma de ler, no sentido de decodificação não é mais
inerente ao homem. Leffa traz uma situação que exemplifica essa realidade assumindo que
Uma máquina pode ser programada para resumir ou parafrasear um texto,
detectar anomalias semânticas e até responder perguntas implícitas; seria
difícil, no entanto, imaginar uma máquina que, espontaneamente, ficasse
25
horas entretidas com a leitura de um grande romance. A máquina não teria a
intenção do lazer, como não teria a intenção de obter informações da bolsa
de valores ou de fazer uma leitura crítica de um poema de Mallarmé.
(LEFFA, 2012, p. 17).
Em termos inequívocos o autor afirma que apenas o homem pode elevar a leitura para
um nível que transcenda o código. O leitor é, portanto, elemento fundamental na compreensão
do texto. Isto faz ver ainda que a leitura não é um ato solitário envolvendo tão somente um
leitor e um texto, mas sim uma prática cultural de natureza coletiva, que se enreda com outras
práticas e que envolve múltiplos participantes, situações, motivações, desafios, encantos e
desencantos.
O caminho para a formação de leitores competentes está nas partilhas e nas, conexões,
que se formam a partir das diferentes leituras feitas pelos alunos no espaço escolar e para
além dele.
26
3 LETRAMENTO
O termo Letramento, velho conhecido, adentrou os espaços acadêmicos rumo às
escolas para entre outras coisas, validar saberes e aprofundar discussões sobre as práticas de
leitura na sociedade contemporânea.
A palavra letramento ampliou o conceito de alfabetização. Não basta mais saber ler e
escrever tão somente, é preciso saber fazer uso da leitura e da escrita, adequadas às práticas
sociais que circulam na sociedade. A partir do momento em que as sociedades se tornaram
cada vez mais centradas na cultura do papel multiplicaram-se as demandas por práticas de
leitura que extrapolaram os artefatos de escrita como livros e cadernos saltando para as telas
de mídias eletrônicas.
A criança além de aprender a ler e escrever deve dominar as práticas sociais de leitura
e escrita. As novas propostas metodológicas também, de hoje, sugerem que se leve a criança a
conviver, experimentar e dominar as práticas de leitura e de escrita que circulam na
sociedade.
A alfabetização e o letramento se somam, são complementares. Enquanto que
alfabetizar significa orientar a criança para o domínio do código escrito, letrar significa levá-
la ao exercício das práticas sociais de leitura e de escrita.
Tfouni (2006) entende que:
O letramento aborda os aspectos sócio históricos da aquisição de um sistema
de escrita por uma sociedade, e as consequências disso para todos os sujeitos
que vivem e interagem com uma organização social que está toda fundada
no uso da escrita, mesmo os não-alfabetizados (TFOUNI, 2006, p. 51).
Atentemos para o direcionamento sócio-histórico trazido por Tfouni (2006) que coloca
o sujeito em evidência valorizando seus saberes, ainda que este não possua o domínio
institucionalizado da escrita. Para além do domínio do código o sujeito precisa apropriar-se
das ferramentas que o qualifica para atuar com desenvoltura na sociedade sem que com isso
minimize a importância do domínio do código.
Rojo esclarece que
Ser letrado e ler na vida e na cidadania é muito mais que isso: é escapar da
literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros
textos e discursos, de maneira situada na realidade social; é discutir com os
textos, replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus
sentidos; é, enfim, trazer o texto para a vida e colocá-lo em relação com ela.
27
Mais que isso, as práticas de leitura na vida são muito variadas e
dependentes de contexto, cada um deles exigindo certas capacidades leitoras
e não outras (ROJO, 2002, p.31).
A seleção intencional das ferramentas necessárias para as práticas de leitura nas
condições reais de uso da língua deverá ser o objetivo principal do sujeito, como senhor de
seu próprio conhecimento.
Soares descreve letramento como:
o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita” implicando,
segundo a autora, em “habilidades várias, tais como: capacidade de ler ou
escrever para atingir diferentes objetivos... habilidades de interpretar e
produzir diferentes tipos e gêneros de textos, habilidades de orientar-se pelos
protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão desses
protocolos, ao escrever, atitudes de inserção efetiva no mundo da escrita,
tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita para
encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de
forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o interlocutor
(SOARES, 2003: 91, 92).
A partir dessa conceituação é possível perceber o termo letramento numa acepção
muito relacionada à alfabetização ou alfabetismo, ainda que mais ampla que a ideia traduzida
por esses termos, uma vez que relaciona o letramento ao domínio da tecnologia da escrita, o
que exclui o indivíduo analfabeto (que não domina a leitura e a escrita).
Segundo esse conceito de Soares (2003), a alfabetização seria um pré-requisito para o
letramento. Desse modo o indivíduo poderia ser alfabetizado, mas não letrado, ou seja, apenas
dominaria tecnicamente o código linguístico, mas o seu domínio efetivo e competente, isso
sim, seria letramento o que implicaria em habilidades diversas, resultando em níveis de
letramento.
Motivo de discussão na escola e nos cursos de pedagogia e letras, o ensino de leitura,
tem sido objeto de teses e dissertações. Tradicionalmente, buscava-se nas aulas de leitura, a
fluência, que para isso era exercitada a partir de textos clássicos. Era essa fluência que se
examinava nas provas de leitura em voz alta e seu domínio indicava se o estudante era um
bom leitor. A compreensão do que se lia era pouco valorizada, o ensino da língua era feito de
modo fragmentado voltado para a erudição e para o domínio de conceitos.
No século XX, porém, o domínio da leitura passa a ser considerado instrumentos
indispensáveis para a formação da cidadania. É interessante notar, também, que nesse
período, a produção e circulação de jornais aumentou em todo o mundo, possibilitando a
28
divulgação de conhecimentos mais rapidamente. Em consequência dessas novas condições,
surgiram novas demandas e o ensino de leitura foi sendo gradativamente democratizado.
No Brasil, somente a partir da segunda metade do século XX e bem lentamente, a
escolarização foi alcançando todas as crianças brasileiras. Gradativamente o número de
escolas aumentou, as tecnologias se multiplicaram, a escrita passou a circular em lugares
onde, há pouco mais de meio século, mal chegava, mas esses são privilégios ainda muito
recentes.
Observando as práticas tradicionais de ensino de leitura pela memorização de textos
clássicos em prosa ou em verso, podemos perceber como essas práticas ainda fazem eco ao
que se considera, popularmente, ler bem.
Isso influencia as práticas escolares e, mesmo depois de muita discussão sobre ensino
de língua como algo que deve ser feito de modo integrado, encontramos, ainda hoje,
práticas centradas repetição, para o enfado e pouco proveito dos alunos.
Só a leitura, entendida como uma atividade social e reflexiva, pode propiciar uma
relação criativa, crítica e libertadora, mostrando-se como um desafio para qualquer processo
de democratização e mudança social coletiva.
É a partir desta perspectiva que Solé (1998), defende um ensino de leitura no qual se
aprende a ler lendo, onde o aprendiz pode estar em contato com os mais diversos tipos de
textos sociais dos quais precisa e se utiliza no cotidiano, e no qual o único pré-requisito para
este aprendizado é a capacidade de questionar sobre as coisas do mundo. Nesta perspectiva,
Solé assevera que
As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é,
aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler,
quando se aproxima do cantinho da biblioteca ou recorre a ela. Ou aquelas
outras em que, com objetivo claro resolver uma dúvida, um problema ou
adquirir a informação necessária para um determinado projeto - aborda um
texto e pode manejá-lo à vontade sem a pressão de uma audiência (SOLÉ,
1998, p.91).
Face a necessidade de melhorar a qualidade da educação no país, e ciente de que a
escola pode cumprir essa tarefa, o Ministério da Educação do Brasil (MEC) criou
instrumentos avaliativos como a Prova Brasil4, para conhecer os caminhos percorridos pela
escola no que se refere a aprendizagem da leitura na educação básica.
4Avaliação para diagnóstico, em larga escala, desenvolvida pelo Inep/MEC, que objetiva avaliar a qualidade do
ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários
socioeconômicos.
29
O intuito, porém, não é avaliar apenas o aluno e sim utilizar os resultados obtidos para
promover um diagnóstico norteador das decisões administrativas e pedagógicas da situação do
ensino no país, já que os dados coletados na prova são usados para calcular o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). 5
Na qualidade de espaço privilegiado e conveniente para o exercício de uma política
cultural voltada à valorização do ato de ler, à escola caberia desempenhar melhor papel na
formação de leitores,
Como podemos fazer diferentes coisas com a leitura, é necessário articular
diferentes situações - oral, coletiva, individual e silenciosa, compartilhada –
e encontrar os textos mais adequados para alcançar os objetivos propostos
em cada momento. A única condição é conseguir que a atividade de leitura
seja significativa para as crianças, corresponda a uma finalidade que elas
possam compreender e compartilhar (SOLÉ, 1998, p. 90).
Contudo essa missão não está sendo bem cumprida à medida que continua
reproduzindo um modelo de leitura que nos parece inadequado, onde o predomínio do código
supera a magia, a emoção e o prazer de ler, distanciando-se do propósito de formar
verdadeiros leitores, capazes de transcender a mera decodificação de símbolos gráficos. Para
Barbosa (1994, p. 142) “o que realmente importa é que o sujeito progrida na leitura e encontre
prazer – e sentido – nos múltiplos contatos com a língua escrita”.
Na escola, as previsões diversas de leitura para um texto são descartadas,
simplesmente pelo fato de que a maioria dos textos que lá circulam são retirados do livro
didático e, portanto, já vêm com uma previsão única estabelecida.
Segundo Orlandi (1988) os diversos termos relacionados à leitura que se faz na escola
têm uma certa familiaridade com determinadas instâncias ideológicas. Quando os professores
avaliam seus alunos por meio de provas, exercícios ou testes, temos o chamado domínio
jurídico. É em virtude desse domínio que os alunos, a fim de obterem benefícios como boas
notas, silenciam sua própria leitura em detrimento da leitura de outros. Já termos como
“empréstimo, troca, venda”, pertencem ao domínio econômico e administrativo.
Orlandi (1988) afirma que o processo de leitura é legitimado de diferentes formas nas
instituições e, por isso, podemos dizer que cada instituição tem um agente propagador de
ideologias. Na escola, por exemplo, a função dos envolvidos no processo educacional poderia
5IDEB: Definido como Índice de Desenvolvimento da Educação básica (IDEB) é um indicador criado em 2007,
que tem a função de combinar as notas do exame Prova Brasil, aplicado a crianças do 5º e 9º ano, ao rendimento
escolar. O cumprimento das metas do IDEB por municípios, estados e escolas implica no recebimento de
recursos para melhoria das condições de ensino.
30
ser resumida na função do crítico, pois são eles que escolhem e avaliam a importância de um
texto, atribuindo a este um sentido considerado “o desejado“ para a leitura.
A leitura é também a construção de significados, por meio dos quais se verificam os
implícitos e as relações de sentido entre o que o texto diz e o que os outros textos dizem, a
partir da intencionalidade do autor e das possibilidades de interpretação por parte do leitor. É
nessas relações de sentido que encontramos a intertextualidade, ou seja, a relação de um texto
com outros existentes, como um dos processos que contribuem para a legibilidade do texto há
uma separação muito grande entre as políticas de leitura e escrita dentro da escola e fora dela.
Os estudantes reconhecem a escola como um ambiente de aprendizagem, porém se
veem distantes dela por não estabelecerem nenhuma relação direta entre o que estudam e o
que vivenciam.
Seja pela oralidade ou por documentos escritos (cartas, livros, receitas...), há a
existência de práticas de leitura e de escrita entre as classes populares. Há a circulação de uma
variedade de textos escritos, pois as várias formas de existência social da escrita fazem parte
da vida de todos. A leitura, nesse contexto, é vista não como um ato de decodificação, mas
sim como um ato de compreensão, que envolve conhecimento de mundo, conhecimento de
práticas sociais e conhecimentos linguísticos.
A leitura constitui, desse modo, uma atividade subjetiva realizada pelo sujeito que
possui, além do contexto histórico, experiência de mundo, saberes, crenças e desejos. Todos
esses elementos são determinados pelo grupo em que se está inserido ou pela forma como se
apreende a realidade. Todavia a escola continua presa ao modelo estruturalista para o qual ler
equivale a decodificar. Nas salas de aula, considera-se um bom leitor aquele que lê em voz
alta, aquele que respeita a pontuação.
A proposta de uma aprendizagem significativa só poderá ser alcançada se
conseguirmos unir os conteúdos da vida do aluno com os conteúdos da vida da escola. O
mundo do aluno tem que ser o mesmo mundo da escola, pois não dá mais para separar. A
consideração da linguagem e da cultura do aluno não pode mais ser colocada em segundo
plano. Se a escola não conseguir reverter essa situação, perderá, cada vez mais, o seu sentido
de preparar o cidadão para o trabalho e, principalmente, para a vida.
As práticas de letramento nesse ambiente desenvolvem apenas uma pequena parcela
das capacidades leitoras exigidas pela nossa sociedade, sobretudo, as que se referem às
leituras lineares e literais em que se exploram, principalmente, a localização de informação
em textos, as repetições ou cópias de questionários.
31
Em nosso trabalho, não pretendemos discorrer sobre a aquisição da leitura, mas expor
suscintamente desafios encontrados no ensino de leitura na escola buscando criar condições
para que, por meio da leitura do gênero textual Charge, o aluno amplie seu repertório cultural,
uma vez que acreditamos ser a “aprendizagem da leitura fundamental para a integração do
indivíduo no seu contexto socioeconômico e cultural” (CATTANI & AGUIAR, 1988, p. 24).
O ensino da leitura também deve contar com a própria história do leitor, uma vez que
suas experiências proporcionam a compreensão de um texto. As leituras de textos diversos
orientam e alargam as possibilidades de continuação de sentidos e por isso dizemos que o
aspecto previsível de determinadas leituras se encontra enraizado na história de leitura do
texto e na história de leitura do leitor. Se o leitor, porém, não tiver nenhuma experiência de
leitura, ele sempre terá dificuldades para entender qualquer texto, mesmo que esse seja muito
simples.
A aprendizagem da leitura na escola não acontece de uma hora para outra, é preciso
tempo. Esse tempo, porém, é exatamente o processo pelo qual os leitores precisam passar para
dar sentido ao que leem. Respostas imediatas não são possíveis de serem dadas por alguém
desmotivado e sem prática de leitura as atividades feitas continuam desgastantes, pois há um
uso muito grande de tarefas maçantes como cópias, exercícios repetitivos, decifração de
palavras, procura de dígrafos, grifos gramaticais e outros.
A leitura feita dessa forma é considerada cansativa e sua aprendizagem, portanto,
constatada como ineficiente A maioria dos textos usados na escola não condiz com a
realidade do aluno.
Assim, ele quase nunca encontra sentido no que lê. Quando é obrigado a ler, o aluno,
por não ter familiaridade com o texto, demora muito tempo para compreendê- lo. A demora,
às vezes, é até inútil, visto a não-adequação do texto. O tempo que o aluno leva para ler um
texto é exatamente o processo de adaptação pelo qual ele precisa passar para dar sentido ao
que lê. Para quem não tem prática de leitura, o entendimento de um texto constitui uma tarefa
muito difícil.
A bagagem cultural de um leitor é constituída por suas experiências com o mundo
sociocultural, político e econômico em que vive. Desta forma, o ensino da leitura também
deve contar com a própria história do leitor, uma vez que suas experiências proporcionam a
compreensão mais ampla de um texto. As leituras de textos diversos orientam e alargam as
possibilidades de continuação de sentidos e por isso dizemos que o aspecto previsível de
determinadas leituras se encontra enraizado na história de leitura do texto e na história de
32
leitura do leitor. Se o leitor, porém, não tiver nenhuma experiência de leitura, é possível que
ele tenha dificuldades para entender qualquer texto, mesmo que esse seja muito simples.
Solé (1999) apregoa que:
Muitos alunos talvez não tenham muitas oportunidades fora da escola, de
familiarizar-se com a leitura; talvez não vejam muitos adultos lendo; talvez
ninguém lhes leia livros com frequência. A escola não pode compensar as
injustiças e as desigualdades sociais que nos assolam, mas pode fazer muito
para evitar que sejam acirradas em seu interior. Ajudar os alunos a ler, a
fazer com que se interessem pela leitura, é dotá-los de um instrumento de
aculturação e de tomada de consciência cuja funcionalidade escapa dos
limites da instituição (SOLÉ, 1999, p. 51).
A escola precisa ser esse ambiente acolhedor desse sujeito ledor socialmente excluído,
mas sobretudo ela precisa ser incentivadora das práticas leitoras que despertam o melhor no
humano como forma de alavancar para o sucesso pessoal, social e profissional esses alunos.
A realidade social e educacional contemporânea força-nos a rever processos e
fundamentos de aprendizagem que permitam uma reflexão pautada em iniciativas de ensino
voltada para a cidadania plena do sujeito. Ao se propor uma educação emancipatória exige-se
o claro reconhecimento dos seus objetivos, o conhecimento do seu processo histórico, e uma
reflexão profunda sobre a educação. Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo
realizar uma reflexão sobre os espaços de autonomia e expressão subjetiva nas instituições de
ensino atuais.
Infelizmente ainda temos relato de professor que continua atuando na sala de aula
como o único dono do conhecimento. É ele, portanto, quem escolhe o conteúdo, as atividades,
as leituras e os exercícios a serem trabalhados. O aluno, nessa situação, torna-se um ser
passivo porque atende aos comandos (desmandos) do professor, tornando-se assim, um ser
incapaz de criar, de analisar, compreender e posicionar-se criticamente diante dos
acontecimentos.
Cabe, pois, ao professor pensar, a princípio, no tipo de leitura que melhor se adequa a
seus alunos, considerando, é claro, o estágio de desenvolvimento em que se encontram.
É comum a comparação que educadores fazem do aluno de hoje com o aluno de
tempos atrás (faço aqui um mea culpa). Essa comparação não deve mais prevalecer no meio
escolar, pois as práticas socioculturais, que se relacionam com aquilo que as pessoas fazem e
com o que está acontecendo nas estruturas sociais onde elas vivem, mudaram muito. As
estruturas sociais sofreram e sofrem muitas alterações.
33
Os professores não podem mais se limitar a ensinar e sim propor, cada vez mais,
novos desafios que motivem o aluno a pensar, a se interessar, a se mobilizar diante de algum
fato e a desenvolver conhecimentos significativos para a sua própria vida.
Contribuir para minimizar o quadro de reprovação, exclusão, evasão e desânimo,
apresenta-se como missão desafiadora aos professores, sobretudo aos de língua portuguesa.
Tornar as aulas de Língua Portuguesa atrativa para o desenvolvimento das capacidades
linguísticas, bem como de desenvolvimento social dos alunos são tarefas que instigam o
professor de língua materna a trilhar caminhos mais adequados para alcançar esse objetivo,
com perspectivas de habilitar o aluno ao uso da linguagem como fonte de realização pessoal e
profissional, envolvendo-se e envolvendo a comunidade em que vive, e onde deve atuar como
sujeito autônomo e capaz de melhorar sua qualidade de vida.
Atendendo a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacional (PCNs)6 de fundamentar
o ensino de língua materna, nas modalidades oral e ou escrita, centrada nos gêneros do
discurso, este trabalho objetiva oferecer uma alternativa viável de atividades com o uso dos
gêneros discursivos como facilitador da competência em leitura, Para isso, se faz necessário
acompanhar o histórico da constituição da disciplina de Língua Portuguesa, com o objetivo de
situar a finalidade da entrada dos gêneros do discurso nessa disciplina e o seu papel no
ensino-aprendizagem na prática de leitura.
A disciplina de Língua Portuguesa, tal como a conhecemos hoje, chegou às escolas no
final do século XIX. Até então quando se falava em ensino de língua materna era estudada a
Retórica, a Gramática e a poética. Essa organização curricular servia mais fortemente aos
interesses de Estado que linguísticos. Daí a opção pelo modelo de ensino da língua
desvinculado da concepção de linguagem sociodiscursiva.
Soares (1998) delimita três períodos bem específicos no ensino da língua materna no
Brasil:
a) Até pelos anos 60 do século XX predominou a concepção de linguagem como
sistema.
b) Dos anos 60 a 80, a concepção predominante é a de língua como instrumento de
comunicação.
c) Atualmente, a nova concepção vê a linguagem como enunciação, discurso,
interação.
6Coleção de documentos que norteiam a composição da grade curricular das escolas brasileiras, elaborado a fim
de servir como ponto de partida para o trabalho docente, otimizando as atividades realizadas na sala de aula.
34
Apesar da mudança de nomenclatura, manteve-se por muito a tradição do ensino da
gramática, da retórica e da poética. Ainda de acordo com Soares (2002), foi a partir de 1950
que começou a ocorrer a mudança nos conteúdos da disciplina, motivada pela transformação
das condições sociais e culturais e, sobretudo, pela possibilidade de acesso das classes
populares à escola.
Nesse período, ocorreu a junção entre o estudo da gramática que de fato era um estudo
sobre os fenômenos da língua e estudo do texto que era um estudo da língua. Estudava-se a
gramática a partir do texto pois nele buscavam-se as estruturas linguísticas e estudava-se o
texto com os instrumentos que a gramática oferecia. Nota-se então que vem de longas datas o
uso do texto como pretexto para o ensino e replicação de regras gramaticais.
Soares (2002) nos alerta que de fato não houve uma convivência harmônica entre o
estudo de texto e de gramática, mas uma predominância significativa do ensino de gramática
sobre o ensino de texto que, aliás, ainda persiste.
Somente a partir da década de 1970, motivada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (Lei nº 5.692/71), a disciplina de Língua Portuguesa foi considerada pelo regime
militar, instrumento para o desenvolvimento do país, numa visão nacionalista influenciada
pelos ideais positivistas.
As concepções de língua como sistema (prevalentes até então para o ensino da
gramática) e como expressão estética (central para os estudos da retórica e da poética e,
posteriormente, para o estudo de textos) foram substituídas pela concepção de comunicação
(cujo aporte teórico veio da Teoria da Comunicação).
A disciplina passou a ter objetivos mais utilitários, alterando-se, inclusive, seu nome:
Comunicação e Expressão.
Conforme Soares (2002), a pertinência de se ensinar ou não gramática na escola
fundamental nessa época começou a ser questionada, e a seleção dos textos atendiam a
critérios outros que não literários. Na década de 1980, influenciada pelas ciências linguísticas
a disciplina retornou ao seu antigo nome: Língua Portuguesa.
Mesmo com toda essa mudança conceitual o ensino da língua/ linguagem permanecia
ainda distante do ideal de ensino de língua preconizado pelos estudos linguísticos que veem a
língua como enunciação, discurso, interação Discurso:
É a mediação que concede a linguagem como necessária entre o homem e a
realidade natural e social, tornando possível tanto a continuação e
permanência quanto o deslocamento e a transformação do homem e de
realidade em que vive. O trabalho simbólico do discurso está na base da
produção da existência humana (ORLANDI, 2001, p.15).
35
Dessas discussões sobre o melhor caminho para o ensino significativo e social da
língua, chegou-se a dois caminhos: a manutenção do objeto de ensino, a gramática, mas agora
pautada pelos estudos da Linguística; e a busca de um novo objeto de ensino, voltado para a
práxis, do ensino da língua.
Britto (apud Rodrigues, 2008) sintetiza as discussões dessa década, destacando que
seus autores podem ser agrupados em duas vertentes: a que propõe o ensino renovado da
gramática (Perini, Macambira, Lemle, Kato, por exemplo) e a que propõe um novo objeto de
ensino, o ensino operacional e reflexivo da linguagem (Franchi, Geraldi, Possenti, por
exemplo).
Rodrigues observa, que:
A escola, ao menos nas instâncias oficiais (documentos oficiais de ensino,
por exemplo), optou pela segunda proposta. Essa nova perspectiva propõe a
troca do ensino de uma teoria gramatical e suas categorias (ensino sobre a
língua) por um outro objeto de ensino, a prática de escuta, de leitura e de
produção textual (oral e escrita), articulada com a prática de análise
linguística (prática de reflexão sobre a linguagem; ou seja, um outro objeto
de ensino e não um novo termo para o ensino de teoria gramatical)
(RODRIGUES, 2008, p.170).
Em direção a esse caminho da prática reflexiva do ensino de língua materna,
sinalizado por Rodrigues (2008) focamos nos estudos dos gêneros do discurso como
instrumento de transposição didática.
A ideia da transposição didática do gênero permite a distinção entre o conhecimento
acadêmico produzido, ensinado pelo professor, e o conhecimento adquirido pelos alunos,
sendo assim responsável pelas modificações pelas quais os conhecimentos ensinados pela
escola devem passar. A transposição didática é, pois, uma competência que deve ser
mobilizada constantemente pelo professor na sua prática pedagógica, face a necessidade de
contemplar os interesses sociais do indivíduo que conflitam com o que é ofertado pela escola.
Numa sociedade dinâmica e interativa, não é razoável pensar e sobretudo agir, como
se apenas as atividades propostas pela escola, quase sempre seguindo o livro didático, seja a
única forma pela qual a aprendizagem possa ocorrer. Para tornar possível a comunicação,
“toda sociedade elabora formas relativamente estáveis de textos que funcionam como
intermediárias entre o enunciador e o destinatário, a saber, os gêneros” (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004. p.170).
Inúmeros são os estudos e as publicações que surgiram nos últimos anos em torno dos
gêneros. Para Bakhtin, “[...] cada campo de utilização da língua elabora seus tipos
36
relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso”
(BAKHTIN, 2011. p. 262). Isso nos mostra a urgência com que a escola precisa se
reformular para atender essa demanda de uso da língua em suas mais variadas manifestações,
compreendendo que cada gênero, atende às necessidades de determinado campo de utilização
da língua e, entendendo essa expressão como sinônima de diferentes segmentos sociais, é
possível afirmar que os gêneros são inúmeros. Por outro lado, podem ser passageiros, haja
vista que as necessidades das esferas sociais também mudam conforme os fatos sociais, à
época, o desenvolvimento econômico e cultural, o contexto de produção, entre outros. Por
isso, de tempo em tempo, surgem novos gêneros, mas sempre em torno de uma base
preexistente.
O trabalho com os gêneros textuais parte da convicção de que a língua seja social e,
portanto, revela-se em textos (orais e escritos) que circulam na sociedade, cumprindo uma
função específica: fazer rir, fazer chorar, informar, orientar, persuadir etc. Assim, os textos
podem ser compreendidos como a materialidade do discurso de determinada esfera da
atividade humana que, para fazer-se presente socialmente.
Se cada gênero, como já mencionado, atende às necessidades de determinado campo
de utilização da língua e, entendendo essa expressão como sinônima de diferentes segmentos
sociais, é possível afirmar que os gêneros são inúmeros. Por outro lado, podem ser
passageiros, haja vista que as necessidades das esferas sociais também mudam conforme os
fatos sociais, à época, o desenvolvimento econômico e cultural, o contexto de produção, entre
outros. Por isso, de tempo em tempo, surgem novos gêneros, mas sempre em torno de uma
base preexistente.
Em nosso cotidiano, constantemente, recebemos inúmeras informações e, dentre as
diversas linguagens que nos instigam, as imagens apresentam-se de uma maneira incisiva,
pois se sobressaem pela sua natureza prática e atraente. Desse modo, não podemos
desconsiderá-las no espaço da sala de aula, isso significa afirmar a necessidade de promover
leituras de gêneros que privilegiam imagens e signos.
A palavra “imagem” é ambígua e polissêmica. Santaella (2012, p.14) apresenta uma
das mais antigas definições do termo na obra a poética IV de Platão segundo a qual a imagem
é vista como “sombras e reflexos que vemos na água ou na superfície de corpos opacos,
polidos, brilhantes, e de todas as representações desse gênero”.
Desse conceito, é possível observar que o filósofo se refere a imagens naturais (não
produzidas pelo homem) e enfatiza que as imagens contêm significados, reproduzem o
mundo, representam, transmitem sensações e, assim, tornam-se fonte de conhecimento. Ao
37
serem capturadas pela visão, as imagens são moderadas pelos outros sentimentos, tendo seu
significado transformado constantemente, nos auxiliando na compreensão da própria
existência.
Imagem, segundo o dicionário Houaiss. Representação visível de um ser ou objeto por
meios artísticos ou técnicos. Cena, quadro. Reprodução visual por reflexo. Réplica, retrato.
Conceito de que uma pessoa goza junto a outra (HOUAISS, 2011, p.517).
Interessa para este trabalho, a definição de imagem como “representação visível de
um ser ou objeto por meios artísticos ou técnicos”. As imagens, comportam duas propriedades
essenciais: uma propriedade física que diz respeito à sua materialidade e ao fato de ser um
suporte para algo (uma fotografia, uma tela de pintura), e outra relacionada ao plano do
intelecto, uma propriedade semântica, que possibilita uma elaboração mental. Desta forma, a
imagem apresenta um aspecto ambivalente de “ser e não ser” aquilo que representa.
Ao se observar uma imagem, atribuímos sentido ao que se vê e criamos associações
mentais a elas, resultado da relação entre a imagem vista e aquelas existentes na memória.
Estes elementos associados permitem reconhecer a imagem a partir do que se conhece do
mundo. Ao acionar nosso “arquivo de imagens”, fruto da experiência individual e da
formação cultural, desencadeia-se um processo de atribuição de sentido.
Quando se aprecia uma imagem, criam-se relações com outras já existentes na
memória, de tal forma que a compreensão semântica pode mudar, embora o suporte físico não
mude outras imagens que temos à disposição em nosso arquivo de imagens, formado por
elementos ligados a uma iconografia mundial, mas também por diferentes circunstâncias
sociais, culturais, individuais.
Ao acionar o vocabulário para interpretar uma imagem, as narrativas constroem-se por
meio de outras narrativas, como consequência deste conhecimento técnico e histórico e a
escola não pode ficar à parte desse processo que exigem da escola que se abra a leitura
imagética como elemento de ensino e aprendizagem, no entanto precisamos tomar cuidado
para não ritualizar a leitura de imagens como acontece com a leitura verbal, “diante disso, nada
poderia ser mais plausível e mesmo necessário, que a imagem adquirir na escola a importância
cognitiva que merece nos processos de ensino e aprendizagem” (Santaella, 2012, p.14).
Embora os livros didáticos, as revistas, os softwares educativos e os sites de pesquisa
estejam investindo cada vez mais nas imagens como um suporte para a compreensão do texto
escrito, a escola permanece presa “à ideia de que o texto verbal é o grande transmissor de
conhecimentos” (SANTAELLA, 2012, p.14). Este processo que torna a imagem ‘invisível’ é
bastante nocivo para o ensino e a aprendizagem de pois as imagens são importantes recursos
38
que podem auxiliar a explicação de conceitos, além de possibilitar a compreensão dos
estudantes sobre o conceito estudado em face da importância da leitura de imagens para o
ensino e a aprendizagem do gênero textual charge.
Santaella (2012) defende que assim como as imagens, o texto verbal também precisa
situar-se contextualmente para que seu sentido seja apreendido e essa contextualização não o
faz de menor importância como se costuma insinuar sobre a imagem.
[...] em vez de postular que a imagem sempre necessita de um texto que
indique a direção do seu significado, é melhor entender que a modificação de
uma imagem pelo seu contexto é apenas um caso especial do fenômeno mais
geral da dependência contextual de qualquer mensagem. Quer dizer, toda
mensagem precisa de um contexto para se fazer entender (SANTAELLA,
2012, p.110).
A questão que se coloca não é julgar qual das formas de linguagem seja mais ou
menos eficientes, parece-nos adequado uma opção conciliatória oferecida por Santaella em
resposta à máxima popular de que uma imagem vale por mil palavras, para a autora uma
imagem apenas não vale mais que mil palavras, mas uma imagem acompanhada de palavras,
explicações, comparações e orientações sim. O trabalho com imagens em sala de aula,
constitui uma das mais instigantes experiências pedagógicas no ambiente escolar. Seu uso
reforça a função histórica e social na compreensão da realidade sugerindo uma leitura própria
do mundo. Dessa maneira, os alunos podem iniciar um trabalho de interpretação que coloca as
imagens como forma de compreensão das experiências vividas no passado e no presente. Ao
leitor, é dada a possibilidade de construir sua posição sobre determinado fato, ou firmar uma
ideia até então duvidosa, pois a utilização do humor produz uma interação entre autor e leitor.
Existem diversos recursos que podem ser colocados à disposição dos leitores para que
se desperte a atenção e o interesse dos alunos. Na busca de ativar esse interesse, faz-se
necessário que as práticas pedagógicas em sala de aula sejam inovadoras, divertidas e lúdicas.
E a interação das charges como gênero textual contribui para o trabalho interpretativo de
textos. A utilização do recurso visual é um dos grandes artifícios da linguagem textual, pois
ele além de atrativo se torna um instrumento capaz de captar a atenção do aluno e despertar-
lhe o gosto pela leitura.
39
4 CHARGE
Caracterizada pela sátira e pela crítica, a charge é um gênero textual que alia imagem e
texto escrito num mesmo espaço. A charge devido a sua característica sincrética, requer um
leitor melhor qualificado, e que esteja “antenado” com os acontecimentos políticos, sociais e
econômicos que são veiculados nos diferentes meios de comunicação.
As charges são publicadas amplamente em revistas e jornais, tendo como
característica intrínseca a crítica humorística a um fato ou acontecimento específico recente.
Em geral, as charges estão relacionadas a acontecimentos recentes da política, esportes,
entretenimento e atualidades que sejam do interesse do leitor. São caracterizadas pela
temporalidade marcada pela comicidade e pela crítica. Como exemplo do gênero, a figura
abaixo de autoria do ilustrador brasileiro Quinho Ravelli, pseudônimo de Marcos de Souza.
Nela, o chargista faz uma crítica às denúncias de conteúdos racistas e discriminatórios
supostamente presentes na obra de Monteiro Lobato e a tentativa de banir dos livros didáticos
nacionais, os textos de Lobato que fizessem alguma referência preconceituosa. Tudo
começou em 2010, quando um parecer do Conselho Nacional de Educação CNE/CE nº
15/2010 apontou traços preconceituosos no livro As caçadas de Pedrinho. Nessa obra Lobato
descreve a personagem Tia Nastácia como “macaca de carvão” além de outros termos
potencialmente ofensivos à luz dos discursos mais recentes sobre questões raciais, atitudes
inclusivas politicamente coerentes ao momento de amadurecimento sociocultural da
sociedade brasileira.
O Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) vem se aperfeiçoando ao longo
dos anos, e seus editais apontam como um dos critérios de seleção das obras a ausência de
preconceitos, estereótipos ou doutrinações, contudo, autorizou publicação de uma obra do
escritor brasileiro Monteiro Lobato em resposta à ouvidora da Secretaria de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (Seppir), recomendava que o livro com teor supostamente
racista não fosse selecionado ao programa de distribuição gratuita de livros a biblioteca
escolar – e, caso o fosse, que contivesse uma ressalva. O motivo: racismo. O governo
concordou que na hipótese de obras selecionadas apresentarem estereótipos, deveria a editora
responsável pela publicação inserir no texto de apresentação uma nota explicativa e de
esclarecimentos sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos
raciais na literatura.
Recomenda-se ainda que as políticas públicas – seja no ensino superior, seja na
educação básica - devem formar professores capazes de lidar pedagogicamente e criticamente
40
com o tipo de situação narrada pelo requerente, a saber, obras consideradas clássicas presentes
na biblioteca das escolas que apresentem estereótipos raciais. O caso gerou grande
repercussão entre educadores e pesquisadores de literatura.
Ilustramos essa situação com uma charge (Cf. Figura 1) em que o cartunista Quinho
utiliza-se de uma legenda para contextualizar o leitor sobre as discussões em torno da obra de
Lobato. Após a legenda, é apresentado um texto onde alguns dos personagens de Lobato são
avisados que sofrerão alterações estruturais em suas características físicas e comportamentais.
Figura 1- Reprodução de uma charge
Fonte:www.google.com.br/
Para contextualizar a charge Quinho lançou mão de informações de circulação na
mídia nacional para provocar discussão sobre o tema.
A linguagem verbal é corresponsável com os componentes imagéticos pelo grau de
informatividade e pelo poder argumentativo e persuasivo da mensagem da charge. Porém, não
é apenas este traço que caracteriza a linguagem da charge, tampouco o que a diferencia dos
demais gêneros discursivos.
A charge possui um tipo de discurso que se manifesta por meio de uma ilustração,
geralmente uma caricatura inserida em um quadro único. Os comentários relativos à situação
aparecem por escrito em uma legenda ou em balão representando a fala de algum
personagem. As linguagens verbal e imagética se integram de tal modo que pode se tornar
difícil a compreensão da charge se não forem levados em conta os dois códigos.
A leitura da charge, portanto, se ocorrer efetiva compreensão pelo leitor, se torna um
processo informativo em que um sujeito possui uma estrutura prévia de conhecimento a partir
da qual interpretará a mensagem, isto é, identificará a informatividade do documento segundo
seus próprios critérios de relevância. O uso comum da charge está relacionado à sua função
como gênero jornalístico opinativo. Em meio a este contexto a charge é "uma crítica político-
41
social através da qual o chargista expressa graficamente, com humor e ironia, seu ponto de
vista sobre determinadas situações cotidianas" (NICOLAU, 2010, p. 6).
A partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais, o potencial da charge e das tiras de
quadrinhos no uso em sala de aula para a formação de leitores, porque constituem
"dispositivos visuais gráficos que veiculam e discutem aspectos da realidade social,
apresentando-a de forma crítica e com muito humor". Charge - termo proveniente do francês
charger, que significa: carregar, exagerar. As charges têm como objetivo fazer uma crítica a
um fato polêmico ligado à sociedade, retratando o ponto de vista do autor.
Houaiss (2001) Charge. Desenho humorístico, com ou sem legenda ou balão,
veiculado pela imprensa e tendo por tema algum acontecimento atual, que comporta crítica e
focaliza, por meio de caricatura, uma ou mais personagens envolvidas. Do francês charge
significa carga que por extensão quer dizer que exagera o caráter de alguém ou de algo para
torna-lo ridículo, representação exagerada e burlesca (HOUAISS, 2001. p.186).
Uma charge consegue expressar, por meio das linguagens verbal e não verbal, críticas
contundentes à sociedade. Ao interpretarmos uma charge, podemos perceber que diversas
informações podem estar nela circunscritas, o que nos obrigará a recorrer aos processos de
construção, de inferências e analogias para compreendê-la em sua totalidade. Se não
lançarmos mão desses processos, dificilmente o conteúdo da charge será apreendido.
Podemos dizer que o principal objetivo de uma charge é transmitir uma visão crítica
sobre determinado assunto que esteja sob alvo de discussões na sociedade. Por isso as charges
podem ficar datadas, ou seja, podem perder seu objetivo por estarem marcadas
cronologicamente.
Normalmente elas são publicadas nas seções de artigos de opinião e cartas dos leitores,
justamente por indicarem opiniões e juízos de valores por parte de quem enuncia, no caso, o
chargista. São mais do que piadas gráficas permeadas pelo humor e por uma fina ironia, são
tipos de textos que podem ser usados para denunciar e criticar as mais diversas situações do
cotidiano relacionadas com a política e a sociedade.
Como prova de sua relevância, estão cada vez mais presentes nas provas de concursos
e vestibulares, quando o candidato tem sua habilidade de interpretação de texto colocada em
análise desta forma as charges atraem o leitor para algo mais sério e é justamente nesse
contexto que as charges se apresentam como um gênero textual cujas contribuições podem ser
muito bem exploradas no que diz respeito ao trabalho interpretativo de textos.
O gênero charge, utiliza-se dos elementos de textualidade para a transmissão de ideias
e assim elaborar as informações necessárias para a compreensão do texto pelo interlocutor. A
42
produção de sentido no texto está inteiramente ligada a leitura e compreensão, Marcuschi
(2003) afirma que “a produção textual não é uma simples atividade de codificação e a leitura
não é um processo de mera decodificação”, logo o que se pode concluir desta afirmativa é que
tanto o processo de criação de texto quanto a leitura são procedimentos que requerem saberes
prévios acerca dos conteúdos e sua exploração implica compreender os significados e a
finalidade do texto, a situacionalidade, a intertextualidade, e a informatividade.
Cremos que ao se trabalhar com charges, os alunos se sentirão mais motivados e
curiosos, pois terão que buscar os conhecimentos em outros textos e terão de saber os fatos
históricos nelas contidos. Pois, somente assim conseguirão alcançar a mensagem que foi
passada. Por provocar muitas vezes o riso, o aprendizado se torna mais significativo e ao
mesmo tempo prazeroso, sem que se perca de vista a preparação de sujeitos críticos na
sociedade.
É importante destacar que a charge, além do seu caráter humorístico, e,
embora pareça ser um texto ingênuo e despretensioso, constitui uma
ferramenta de conscientização, pois ao mesmo tempo em que diverte,
informa, denuncia e critica, constitui-se um recurso discursivo e ideológico.
(MOUCO, 2007, p. 31).
Desta forma, observar que a charge não se presta apenas a causar riso, mas objetiva
criticar e discutir uma dada situação da atualidade. Para tanto, o leitor deverá estar sempre
atualizado em relação aos acontecimentos sociais, pois assim, perceberá o que está implícito
na informação deixada pelo autor.
Através de elementos visuais, as charges podem transmitir uma crítica política ou
social de humor. Nas imagens a seguir, apresentaremos uma sequência de cinco charges para
ilustrar algumas situações típicas desse gênero textual como:
Tema: A imagem que corresponde a figura 2, ilustra um tema. Conhecido dos leitores
segundo a visão crítica do chargista em relação ao consumo desenfreado de produtos
industrializados, tendo como público alvo jovens e adolescentes diariamente assediados pela
mídia consumista que instiga aos jovens se se tornarem cada vez mais estimulados à aquisição
do supérfluo onde uma aparente necessidade inicial gera outra necessidade, e assim seguindo
num ciclo que não se esgota, revelando uma certa insaciabilidade.
43
Figura 2- Reprodução de uma charge
Fonte www.conscienciaeconsumo.com.br
Forma: Quanto à forma, as charges representam figuras com possibilidades existentes
no mundo real. Assim, na maioria delas, são utilizados caricaturas e símbolos e não desenhos
lúdicos, fantasiosos (Cf. Figura 3)
Figura 3 – Reprodução de uma charge
Fonte: www.otempo.com.br/.
Observe que a charge faz clara alusão aos jogadores de futebol Ronaldinho Gaúcho e
Rogério Ceni. Os traços fisionômicos desses jogadores são caricaturados, realçados com
exagero, além de terem as cores dos uniformes e o escudo dos times realçados, o personagem
que representa Rogério Ceni exibe uma luva que o identifica como goleiro pois é a única
posição de jogador de um time de futebol que utiliza tal acessório. Ainda que o leitor não
tenha muita intimidade com o universo futebol, as cores e formas adotadas pelo chargista
contribuem para formar um quadro interpretativo
44
Figura 4 - Reprodução de uma charge
Fonte: www.chargesfutebol.blogspot.com
Cenário: Para uma melhor compreensão dessa imagem necessária ter detalhes que
forneçam dados suficientes para a compreensão do leitor, tais como a caracterização do
ambiente e as marcas simbolizando o tema tratado (Cf. Figura 4).
Note que para melhor compreensão dessa charge o leitor terá que lançar mão de alguns
conhecimentos anteriores para identificar os personagens que fazem parte dela, onde os
personagens são mascotes de duas equipes rivais do futebol mineiro, em que galo representa o
Atlético e a raposa representa o Cruzeiro. Note, que o chargista criou uma construção frásica
que ambienta a discussão entre os personagens, tornado o texto mais acessível ao leitor.
Figura 5 – Reprodução de uma charge
Fonte: www.portalodia.com
Linguagem: As charges podem ser constituídas apenas por linguagem não verbal,
conforme demonstrado na (figura 5). Sobre a utilização de texto imagético sem auxílio do
texto escrito, diz o adágio popular que uma imagem vale mais que mil palavras.
45
Embora Santaella (2012 p. 13) argumente em contrário a essa máxima popular por
considerar que as palavras e imagens fazem parte de “reinos distintos, com modos de
representar e significar a realidade próprios de cada um”. Verificamos que a leitura da (figura
5) mobiliza elementos icônicos que se fossem trazidos para o contexto verbal, possivelmente
não dariam conta da contundência da imagem.
Balões: A linguagem verbal nas charges, geralmente aparece dentro de balões,
representando a fala ou o pensamento das personagens (Cf. Figura 6).
Um recurso muito utilizado nas charges são os balões. O formato de cada balão indica
quem fala e de que forma fala o personagem. São importantes recursos para indicar diálogo,
fala e pensamento, sempre apontando para o personagem, indicando a ordem da fala dos
interlocutores. Na (figura 6) podemos verificar que após a leitura de uma extensa lista de
afazeres domésticos, lida pela personagem feminina, ao personagem masculina é colocado um
balão que sugere revelar seu pensamento em se livrar daquela situação, reportando-se a um
conhecido conto de fadas onde a personagem principal passa o dia no borralho sonhando
como o momento em que se tornará princesa quando a meia-noite chegar e num passe de
mágica descansará de tanto trabalho.
Figura 6 – Reprodução de uma charge
Fonte: www.culturaliterariacefetmg.blogspot.com.
46
Figura 7 - tipos de balão
Fonte: www.midiatividades.wordpress.com
Onomatopeias: É comum no texto chargico a linguagem verbal aparecer também em
forma de legendas ou representando ruídos e sons (onomatopeias), conforme demonstrado na
(figura 7). As onomatopeias são usadas para traduzir em forma de palavra os sons, ações e
emoções dos personagens do texto. Nesse texto o personagem com traços e características
humanas assume uma posição repouso muito característico de alguém que adormece diante da
televisão emitindo barulhos sugeridos pelas onomatopeias que saem de sua boca, além de
gotas de saliva que escorrem de seus lábios. Embora esteja diante de um computador, o
pensamento do personagem canino parece sugerir que o canal youtube tem o mesmo poder
que a televisão exerce sobre as pessoas.
47
Figura 8 – Reprodução de uma charge
Fonte: www.umvestibulando.wordpress.com
Embora haja algumas formas conhecidas de balões para a onomatopeia, seu uso não é
obrigatório, conforme aparece na figura 8.
Figura 9 - Tipos de balão de onomatopeia
Fonte: www.sonialohse.blogspot.com.br
Polifonia/Intertextualidade: As charges são relacionadas por meio da
intertextualidade e da polifonia, para o entendimento do gênero, o leitor deve recuperar as
diversas vozes e os diversos intertextos ali presentes (Cf. Figura 10). A charge abaixo, foi
construída para representar o sentimento do cidadão brasileiro ante aos escândalos de
corrupção e letargia das autoridades competentes em adotar medidas enérgicas para coibir e
dar uma satisfação coerente à população.
48
Figura 10 - Reprodução de uma charge
Fonte: www.portaldoprofessor.mec.gov.br/
A famosa tela do pintor norueguês Edvard Munch (1863-1944) O grito, simboliza o
sentimento de angústia do ser humano e dialoga com o sentimento de perplexidade e
desamparo da população brasileira diante do quadro político atual marcado por escândalos de
corrupção, conluio, complô e manobras jurídicas.
O texto chárgico veicula um discurso ideológico ligado a fatores externos que afetam
o desenvolvimento do sujeito e “Possivelmente [...] veiculam, além do sentido mais
apreensível, uma ideologia, isto é, um discurso de mais difícil acesso ao leitor". (POSSENTI,
1998 p.38). Os sujeitos envolvidos nesse discurso humorístico são marcados pela
heterogeneidade, provando que, mais que diversão, existe uma intenção específica para a (re)
criação do texto.
49
5 HUMOR
De origem latina, a palavra “humor” significa líquido, fluido, humores do corpo
humano como o sangue, a linfa, a bílis, enfim, as seivas da vida. Sua origem etimológica é
abordada aqui com a intenção de se obter fundamentos que comprovem que tal fenômeno não
pertence só ao homem moderno.
O humor é a arte da disposição cômica de uma pessoa. Mais do que um estado de
espírito, ele é considerado um talento para muitos, no qual, marcado pela espontaneidade e
graça, é reconhecido como a arte de fazer rir.
Toda análise de humor considera as três teorias7 que explicam como ele é construído:
Superioridade, Incongruência/Incoerência e o modelo de Alívio/Libertação de tenção. A
Teoria da Superioridade considera que todo riso surge do sentimento de superioridade de um
indivíduo para outro em alguma situação mostrando certa superioridade que se traduz em
deboche da ética e da moral ou até mesmo de regras linguísticas levando o depreciador ao
júbilo conforme é possível observar na figura 11. Onde o personagem relaxando numa rede a
beira mar, tendo sido perguntado pelo garçom quem pagaria aquela conta, respondeu que seria
o povo. O que nos permite inferir tratar de uma figura de cargo político, confirmando uma
máxima popular que diz: Põe na conta do povo que o povo é bom pagador. Revelando o
escárnio desse agente público pelo povo que o teria elegido para trabalhar em favor dos
direitos e anseios.
Figura 11- Reprodução de uma charge
Fonte:www.luizberto.com.
7 A nomenclatura varia de autor para autor.
50
A Teoria da Incongruência é cognitiva por natureza e salienta que o divertimento se
deve ao inesperado. De acordo com Raskin, o modelo de Tensão-Relaxamento (também
chamado de Teoria do Alívio) postula que o humor “promove liberação de energia mental,
nervosa e/ou física” (RASKIN, p. 38,1985).
A incoerência, aqui, é tida como força motriz de toda situação cômica, sendo a mesma
identificada como uma "experiência frustrada". Immanuel Kant alegava que o humor surge da
"transformação repentina de uma grande expectativa em nada". O humor é tido como a
dissolução violenta de uma atitude emocional, produzida pela associação de duas ideias
inicialmente distantes. Segundo estes preceitos, a piada de boa qualidade deverá,
necessariamente, mesclar dois elementos altamente contrastantes de forma que se estabeleça
forte relação entre ambos, assim, para que haja uma boa aceitação pelo público, é essencial
que este esteja inteirado das ideias opostas que se apresentam no texto, para que se consiga
estabelecer relações inusitadas.
Para ilustrar a teoria da incongruência, apresentamos uma charge (figura 12) onde a
expectativa inicial foi quebrada pela resposta do segundo personagem à pergunta do primeiro
“I ae cumpadi, firme?” Que pode remeter o leitor a pelo menos duas situações de leitura
possíveis: a) uma pergunta direta sobre qual programa de televisão o “cumpadi” estaria
assistindo, uma vez que o cenário apresentado na charge sugere tal situação ao mostrar um
dos personagens sentado numa poltrona diante de um aparelho de televisão. A forma peculiar
de falar do personagem, mostrando uma variante regional da língua, associado aos traços
gráficos que caracterizam os personagens, tais como a camisa em xadrez, o chapéu de palha e
o jeito jocoso como se cumprimentam, sinalizam para o entendimento de que se trata de um
grupo social que não utiliza a variante padrão da língua portuguesa, o que demonstraria um
certo preconceito e desprestígio ao homem matuto, tendo essa característica bem explorada
pelo chargista. b) o primeiro personagem poderia estar fazendo uma saudação ao “cumpadi”
visto que a palavra “firme” num passado não muito remoto era usada como gíria para
expressar o estado de ânimo de alguém. A teoria se aplica quando na resposta do personagem
dois “Não, futebor” evidencia-se uma situação linguística de rotacismo (troca de l pelo r e
vice e versa) que é muito comum na fala caipira.
51
Figura 12- Reprodução de uma charge
Fonte: http://www.3.bp.blogspot.com
Uma objeção a esta teoria é que há incongruências que não são percebidas como
humorísticas. Assim, a incongruência por si só não explica porque razão certas histórias ou
situações são humorísticas.
A Teoria da Incongruência, também conhecida como Teoria da Inconsistência,
Contradição, Ambivalência ou Bissociação, tem por base a noção de contraste gerado pelas
ambiguidades, falsas etimologias, metáforas, ironias, sendo que esta última categoria diz
respeito à incongruência e ao inesperado.
A Teoria do Alívio, postula que o humor provém da remoção de uma tensão causada,
pela ação da censura, ou proibições internas que impedem o indivíduo de dar forma aos seus
impulsos naturais. Nesta situação, o humor seria uma forma de enganar a censura e, portanto,
provocar alívio e, por conseguinte, o riso. A censura é enganada se a quebra da proibição for
disfarçada por uma ideia que não denote algo proibido. Como um insulto dito como uma
"brincadeira".
A Teoria do Humor por Alívio, analisa o humor como uma espécie de válvula de
escape para a tensão das relações humanas. A charge a seguir (figura 13) ilustra A teoria do
Alívio e explica como o riso surge das distorções morais, da malícia e do nonsense,
considerados alívios da razão.
52
Figura – 13 Reprodução de uma charge
Fonte https://www.google.com.br
Uma abordagem diferente, sinaliza outra possibilidade; é que essas teorias do humor
não estejam realmente em conflito e devam ser consideradas complementares, ponto de vista
também defendido por Raskin:
As três abordagens, na verdade, caracterizam o complexo fenômeno do
humor a partir de ângulos muito diferentes e de forma alguma se
contradizem - ao invés disso, elas parecem complementar-se muito bem. Nos
nossos termos, as teorias baseadas na incongruência se referem ao estímulo;
as teorias da superioridade caracterizam as relações ou atitudes entre o
falante e o ouvinte; e as teorias de liberação/relaxamento comentam apenas
sobre os sentimentos e psicologia do ouvinte (RASKIN, 1985, p. 4)
Cada uma dessas teorias explica alguns tipos de humor. Mas nenhuma delas explica,
satisfatoriamente, todos os tipos de humor. Vemos, portanto, que todos os caminhos do humor
podem ser trilhados pela escola. Alguns se adaptam melhor a esta ou aquela atividade
linguística.
O que caracteriza o humor, é o deslocamento de afeto. A palavra afeto neste contexto
não tem o sentido de algo suave ou gentil. Ela significa antes, ser afetado, estar afetado por
alguma coisa, isto é, por uma ideia intolerável, o humor o enfrenta e capitaliza o afeto.
Desafia a dor, o trauma, o não dizível - e produz o riso, ou melhor, o sorriso, pois o humor
não é gargalhante. Só o riso, que compartilha a miséria, os erros, o estranho que habita o
sujeito. Não será o humor o riso diante do que não pode ser articulado em palavras?
Paradoxalmente, essa seria a sua grandeza: ele opera no limite do inapreensível, face ao não
sentido do real.
53
O discurso humorístico é uma das melhores formas para a abordagem na sala de aula
do processo de (re) criação textual. Bergson ressalta a importância do texto humorístico para
essa finalidade:
Devemos distinguir entre o cômico que a linguagem exprime e aquele que a
linguagem cria. O primeiro poderia, em rigor, ser traduzido de uma
linguagem para outra, sujeito embora a perder boa parte do seu relevo ao
passar para uma sociedade nova, diferente pelos seus costumes, pela sua
literatura e sobretudo pelas suas associações de ideias. Mas o segundo é
geralmente intraduzível. Deve o seu ser à estrutura da frase ou às palavras
escolhidas. Não verifica, mediante o auxílio da linguagem, certas distrações
particulares dos homens ou dos acontecimentos. Sublinha as distrações da
própria linguagem. É a própria linguagem, aqui, que se torna cômica
(BERGSON, 1991, p. 69-70).
Portanto, esse gênero textual não deve ser encarado apenas com o propósito de
divertir. Nele, percebe-se que tanto emissor como receptor da mensagem possuem papel ativo
na produção do significado, mesmo que este seja diferente para ambos.
A seleção das palavras a fim de produzir vários efeitos de sentido proporciona a
dinamicidade do texto ocorre nas palavras por meio de seus múltiplos significados, que
dependem do contexto no qual estão inseridas, da situação na qual são utilizadas e da
personalidade do emissor da mensagem. Deve-se analisar também a compreensão do receptor
do enunciado como fator importante para a produção do significado das palavras, que está
sujeita a mudança devido à formação cultural, social e linguística dele.
Para compreender qualquer texto de humor, é necessário que a leitura seja realizada
pela busca de pistas linguístico-discursivas, repletas de intertextualidade, ambiguidade e
informações tanto explícitas quanto implícitas.
Embora o texto não seja o único fator relevante no processo de leitura, é o ingrediente
mais importante, pois é ele que demanda e limita a atividade do leitor. Caso não compreenda
a mensagem, será por falta de conhecimentos culturais/de mundo; linguísticos, por não
entender o jogo de palavras existente; ou histórico-geográficos, por não se situar/posicionar
no contexto tempo/lugar em que o discurso foi produzido.
Possenti constata que:
Além disso, em sua funcionalidade, há mecanismos próprios capazes de
gerar o riso, isso as torna rico material para a análise linguística e para as
condições de produção do discurso, porque, para que elas aconteçam, além
da criatividade, é preciso que haja um “solo” fértil de problemas como os
das zonas discursivas assinaladas nos exemplos apresentados (POSSENTI,
p.85, 1998).
54
Sobre o discurso humorístico Bergson (1991) ressalta a importância do gênero para a
manifestação da linguagem que cria e exprime o cômico. Dessa forma, esse gênero textual,
deve ser visto como importante instrumento pedagógico, uma vez que oferece ao professor,
amplas possibilidades de explorar de forma divertida os fenômenos linguísticos.
5.1 RISO
O riso é uma reação humana comum a inúmeras causas. Mas, quer tenha origem no
comportamento da sociedade em geral, em meras situações cotidianas ou num jogo
linguístico, ele tem uma única manifestação característica sobre nós – uma reação física que
produz uma mudança bem conhecida em nosso rosto, frequentemente acompanhada de uma
vibração involuntária em parte do corpo.
Desde tempos remotos que o riso é objeto de fascínio de pesquisadores em diversas
áreas do conhecimento. Platão e Aristóteles são alguns dos precursores no estudo desse
“fenômeno tão espontâneo e intrigante” (BERGSON, 2001 p.1).
Ainda de acordo com Bergson (2001) Saber o que é o riso foi, portanto durante muito
tempo e, até hoje - desvendar os mistérios de uma faculdade exclusiva do ser humano,
marcada, de um lado, pela superioridade em relação aos animais e, de outro, pela
inferioridade em relação a Deus, uma vez que não há registro do riso de Deus na pessoa de
Jesus Cristo.
Segundo Platão (apud Alberti, 2002), o riso ataca, expõe, desqualifica o seu objeto.
Alegrar-se com o infortúnio ou ignorância alheia era opor-se ao verdadeiro prazer, o
filosófico, razão pela qual Platão não via virtude no que ri. O riso é, para o filósofo, a tomada
de consciência de um vício ou fraqueza nossa ou do outro em que, tomado consciência disso,
gera um sentimento de superioridade que é repleto de alegria. Alegria que surge da sensação
de ter “sobrevivido” ileso à situação ridícula a que foi exposto sendo possível assim inferir
que o riso tenha uma origem dolorosa, alicerçado por sentimentos de escárnio, repudia e
desprezo.
No entanto, muitas situações inocentes incitam em nós o riso. Não rimos sempre de
uma infelicidade, de uma fraqueza, de uma inferioridade. Rimos do riso do outro, das criações
inusitadas, das formas estranhas e insólitas, dos seres inimagináveis, rimos de tudo quanto
possa ter seu sentido literal modificado pela lógica da linguagem acima do senso comum, pois
como afirma Quintiliano (apud Albert, 2002. p.67.) “Todo sal de uma palavra está na
55
apresentação das coisas de uma maneira contrária à lógica e à verdade”. Tais criações
fabulosas excitam com frequência em nós, um riso excessivo e que se traduz em gargalhadas,
em desfalecimentos intermináveis.
Nisto parece haver uma ligeira confusão entre a alegria e o riso confusão que se desfaz
ao compreendermos que a alegria existe por si mesma, embora ela tenha diversas
manifestações, algumas vezes, ela é quase invisível, outras vezes ela se exprime através das
lágrimas enquanto o riso é apenas uma expressão, um sintoma, um diagnóstico. Mas sintoma
de quê? A resposta a essa pergunta ainda não está clara embora alguns caminhos tenham sido
já trilhados nessa direção.
A alegria é una. É um transbordamento da felicidade, está em geral ligada à um fato
ou ação positivos já o riso, é a expressão de um sentimento duplo, ou contraditório. Por outro
lado, o que dizer do riso das criancinhas? No esplendor de sua inocência e pureza? Baudelaire
(1961) compara o riso de uma criança ao um desabrochar de flor pela alegria de receber, a
alegria de respirar, a alegria de se abrir, a alegria de contemplar, de viver, de crescer. É uma
alegria de planta.
O riso é variado. Fazer um estudo de textos de humor requer uma compreensão dos
aspectos linguísticos e culturais e dos processos psicológicos envolvidos no ato de produção e
leitura.
Este trabalho apoia-se nas teorias que conceituam o humor, procurando relacioná-las
com as especificidades do humor amplamente em circulação nos meios sociais. O trabalho é
conduzido por uma preocupação constante com a formação social e escolar/ linguística dos
alunos em virtude desse tema estar presente tanto em ambientes escolares quanto nos espaços
sociais.
Apresentaremos as principais características do texto de humor conforme os conceitos
de diversos autores, sobretudo Bergson (1987), Bakhtin (1996) Propp (1992) e Alberti (2002).
Para Bergson (1987), o riso pode ser compreendido como: “Uma forma de controle do
outro, desde seus aspectos mais constitutivos”, parte de três princípios básicos, dos quais
resultam diversas situações cômicas.
Defendendo não haver comicidade fora daquilo que é humano. Para o filósofo, o
homem não é apenas o único animal que ri, mas o único que faz rir. Se algum outro animal ou
objeto inanimado provoca o riso é devido a sua semelhança com o homem, à marca que este
lhe imprime ou ao uso que o homem lhe dá.
E que, para produzir seu efeito pleno, a comicidade exige algo como uma "anestesia
momentânea do coração", pois se dirige “à inteligência pura”. De acordo com esse autor, o
56
cômico tem como seu maior inimigo a emoção embora postule ser o riso algo que requeira a
cumplicidade de outras ridentes, naturais ou imaginários para que se tenha um ambiente
propício para o acontecimento do riso.
Bergson descreve mecanismos da comicidade que têm efeito sobre as formas e os
movimentos do corpo, o raciocínio lógico e a linguagem nas variadas circunstâncias a que o
sujeito está exposto. O riso tem a função de criticar comportamentos dentro de uma
coletividade, pois possui um princípio hedonista marcante, sendo uma fonte de prazer
incomparável. É, sobretudo, uma prática de poder. Quem ri, ri sempre do outro – ainda que,
sem saber, esteja rindo de si mesmo.
Para Bakhtin (1996), o riso na Idade Média estava relegado para fora de todas as
esferas oficiais da ideologia e de todas as formas oficiais, da vida. Havia sido expurgado do
culto religioso do cerimonial feudal e estatal, da etiqueta social e de todos os gêneros da
ideologia elevada. O tom sério exclusivo caracterizava a cultura medieval oficial.
Para Propp (1992), o riso compreende duas categorias: O riso de zombaria e o riso sem
zombaria. O riso com ausência de zombaria inclui o "riso bom", "riso alegre", o "riso
imoderado" e até mesmo o "riso maldoso e cínico". A premissa essencial desse tipo de riso é o
fato do ridente se relacionar emotivamente com o objeto de riso, pois envolve sentimentos de
compaixão, piedade ou raiva. Por outro lado, o riso de zombaria ou derrisão, como também é
chamado pelo autor, nasce do desnudamento repentino de toda e qualquer deformidade
humana frente à vida. Nesse caso, não há, no momento da provocação cômica, envolvimento
afetivo entre o ridente e o objeto de riso.
A determinação dos procedimentos que nos levam a compreender o que é risível
reafirma a ideia de Bergson de que o homem é a espinha dorsal das situações cômicas,
geradas por alguns signos ligados ao homem e reveladoras de suas deformidades físicas,
psicológicas ou morais.
Propp parte dos desvios e estabelece como ativadores de comicidade: o aspecto físico
e o espiritual, o homem com aparência de animal, o homem com aparência de objeto, a
ridicularizarão das profissões, o exagero cômico, (grotesco) o malogro da vontade, a paródia,
os caracteres cômicos, a mentira (e variantes como fazer alguém de bobo e estar no papel do
outro), e os instrumentos linguísticos de comicidade, como a ironia, o trocadilho e o
paradoxo. O que motiva essa reação que provoca ondas de tremores e convulsões? O caráter
maravilhoso do riso e seus movimentos tão repentinos e diversos, não parecem ter um
consenso.
57
Alberti (1995) afirma que a matéria risível, que é o objeto do riso, penetra pelos
sentidos restando, contudo, entender de que modo ela chega a comover a alma. A questão é
tão complexa que exige um estudo minucioso das faculdades da alma.
O caráter maravilhoso do riso e seus movimentos tão repentinos e diversos
indicam que sua sede só pode ser uma parte nobre do corpo: o cérebro, sede
da faculdade sensitiva, ou o coração, sede da faculdade apetitiva. (O fígado
também é parte nobre do corpo, mas não tem o poder de movimento, de
modo que não pode ser a sede do riso.) De um lado, o riso parece ter sua
sede no cérebro, pois é o cérebro que recebe o que requer o espírito atento e
é ele que governa os músculos e os nervos que participam dos diferentes
movimentos do riso. De outro lado, contudo, os movimentos do riso
independem de nossa vontade, de modo que não podem estar ligados ao
cérebro, que governa apenas os movimentos voluntários. Em outras palavras:
no advento do riso ocorre necessariamente uma participação do cérebro, isto
é, do espírito atento que recebe a matéria do riso, mas o cérebro não tem
nenhuma ingerência sobre os movimentos do riso, que ocorrem à nossa
revelia ("malgré nous", diz Joubert). Já é possível perceber que dois atributos
da razão estão em causa nesse conflito: a cognição e a vontade; a primeira
tendo participação no riso, a outra, não (ALBERTI, 1995. p. 10).
Mas o que é o riso? Riso. Assim define Houaiss. Ato de rir ou seu efeito. O seu som.
O modo como se ri (HOUAISS, 2004, p.649).
Riso. Segundo Bechara. Ato ou efeito de rir. Demonstração de alegria, felicidade,
regozijo. Atitude de escárnio ou desdém para com alguém ou algo; zombaria, troça, galhofa
chacota, risota” (BECHARA, 2011, p.1135).
As definições do dicionarista Bechara (2011) sobre o riso apontam para nós um
caminho que buscaremos percorrer neste trabalho. Para nós interessa-nos o riso que vá além
do risível ou cômico. Abordaremos com maior rigor as situações de escárnio, galhofa,
chacota, que visem humilhar, perpetuar preconceitos, atingir a autoestima do outro.
Propõe-se com esse trabalho contribuir para a formação de leitores competentes,
ressaltando o texto humorístico como estratégia para ampliar a capacidade leitora do aluno a
partir da utilização de charge, como instrumento de interação sociolinguístico.
As demandas sociais exigem do sujeito uma postura ante as relações de convivência
numa sociedade excludente cujos valores como o respeito passam ao largo de suas
prioridades. Revelar os discursos ideológicos que subjazem os textos de humor podem acenar
para um aprendizado mais prazeroso e reflexivo, pensamento que se alinha aos PCNs (Brasil,
1998) ao destacar que “Atualmente exigem-se níveis de leitura e de escrita diferentes e muito
superiores aos que satisfizeram as demandas sociais até bem pouco tempo atrás”.
58
Esse mesmo parâmetro aponta a escola como espaço institucional de acesso ao
conhecimento, a necessidade de atender a essa demanda, implica uma revisão substantiva das
práticas de ensino que tratam a língua como algo sem vida e os textos como conjunto de
regras a serem aprendidas, bem como a constituição de práticas que possibilitem ao aluno
aprender linguagem a partir da diversidade de textos que circulam socialmente.
59
6 A INTERVENÇÃO
Nessa seção apresentamos a metodologia adotada na pesquisa, o público e escola alvos
da intervenção assim como o planejamento da Sequência Didática.
6.1 METODOLOGIA
Adotaremos a pesquisa-ação como referencial para nosso trabalho por se tratar de um
instrumento que oferece estratégias para que o professor/pesquisador reveja constantemente
sua prática, buscando aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos.
Sobre a pesquisa-ação concordamos com Thiollent, ao afirmar que se trata de:
[...]. Um tipo de pesquisa social com base empírica, que é concebida e
realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2005, p. 16).
É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de
investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual
se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a
respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora
de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da
própria investigação.
Isso posto, embora a pesquisa-ação tenda a ser pragmática, ela se distingue claramente
da prática e, embora seja pesquisa, também se distingue claramente da pesquisa científica
tradicional, principalmente porque a pesquisa-ação ao mesmo tempo altera o que está sendo
pesquisado e é limitada pelo contexto e pela ética da prática.
A pesquisa-ação tende a documentar o progresso da pesquisa, muitas vezes por meio
da compilação de um portfólio, do tipo de informações regularmente produzidas pela prática
rotineira, tais como resultados de testes em educação ou índices de satisfação dos clientes com
as organizações de serviço ou as atas de reuniões de equipes de produção nas empresas.
A pesquisa-ação faz a ligação da teoria para a transição da prática, bem como da
prática para a transforma- ção da teoria, embora haja poucos sinais de que o faça, talvez por
orientar-se em grande medida para a melhora da prática. Nessa interligação teoria- prática-
60
teoria, consideramos adequado esse instrumento, visto que as ações desenvolvidas neste
trabalho se estreitam. As etapas da Sequência Didática, naturalmente se ajustam às
características da pesquisa-ação.
A opção metodológica de promover um estudo sobre a contribuição de textos
humorísticos como estratégia para proficiência em leitura nas séries finais do Ensino
Fundamental II justifica-se pela crença de que a prática da leitura, no contexto escolar, deve
ser feita de forma dinâmica e agradável, utilizando-se, por exemplo, do caráter lúdico que
pode ser alcançado pelas estratégias de leitura. Assim, sugerimos a utilização do gênero
multimodal charge, que, além de melhorar a capacidade de compreensão e utilização dos
mecanismos linguísticos, torna mais prazeroso o ato de ler, contribuindo para o
desenvolvimento crítico do aluno.
Nosso trabalho apresenta uma proposta de intervenção pedagógica realizada a partir da
análise diagnóstica e qualitativa dos dados obtidos, com um grupo uma turma do 8° ano do
Ensino Fundamental II. Após sondagem, realizamos uma atividade diagnóstica na qual
detectamos que os alunos possuíam algumas dificuldades no processo de leitura do texto
multimodal charge. A partir disso, nos propomos a desenvolver oficinas que auxiliassem os
alunos a desenvolverem habilidades para ler textos multimodais de discurso humorístico com
circulação ampla em suportes variados como jornais, livros, internet dentre outros.
É nossa crença que um trabalho onde os sujeitos se sintam respeitados e motivados
para contribuir, tende a fluir com mais vigor. Foi elaborado um pequeno texto explicativo
sobre as pretensões e rumos que viriam ao longo da aplicação das atividades.
A opção pelo uso de textos retirados da internet, que compõe o corpus deste trabalho,
constitui um critério meramente opcional da pesquisadora, não provocando qualquer
influência quantitativa ou qualitativa para o resultado final das análises.
6.2 ESPAÇO E SUJEITOS DA PESQUISA
A Sequência Didática foi aplicada aos alunos 29 alunos do 8º ano A do turno matutino
do Ensino Fundamental II do Centro de Educação Municipal de Camaçari no município de
Camaçari, Região Metropolitana de Salvador no Estado da Bahia.
O referido Centro de Educação possui um quadro de funcionários (incluindo
professores) com cerca de 150 pessoas. Suas dependências são amplas, arejadas e mobiliadas
adequadamente. Possui sala de vídeos, biblioteca, laboratório de informática, quadras
61
poliesportivas, refeitório para alunos, área verde, espaço para jogos de tabuleiro, além das
dependências estruturais tais como: secretaria, sala de direção, coordenação pedagógica,
repouso dos professores etc. Está localizado em um bairro populoso e periférico com forte
inclinação para o comércio popular no município que é mundialmente conhecido pelo seu
gigantesco Polo Industrial.
6.3 A SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Numa sequência didática as atividades são aplicadas progressivamente, organizadas
em torno de um tema e articuladas entre si, buscando-se o trabalho com um conteúdo didático.
Um modelo de sequência didática para o trabalho com um gênero discursivo foi desenvolvido
pelos pesquisadores franceses Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). A sequência didática que
adotamos nesse trabalho, foi conduzida segundo o modelo detalhado elaborado pelo Professor
Dr. Patrício Nunes Barreiros, nas aulas da disciplina Texto e Ensino ministradas durante o
curso, baseado nos trabalhos dos autores Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) com adaptações
de Costa-Hübes(2009). ( Cf. Figura 14).
Figura 14 – Etapas de Aplicação da sequência didática adaptada
Fonte: Elaborada pelo Prof. Patrício Barreiros para as aulas da disciplina Texto e Ensino do
PROFLETRAS/UEFS.
62
As etapas descritas na Figura 14 devem ser precedidas por um PLANEJAMENTO e
uma SONDAGEM e precedidas por uma CULMINÂNCIA. Apresentamos a seguir a
descrição do planejamento da sequência, mas o seu planejamento completo está contido no
Apêndice A e Anexo 1.
6.3.1 Etapa 01 - Planejamento da sequência didática
A pesquisa foi intitulada como O TEXTO HUMORÍSTICO: Por Uma Leitura Para
Além do Riso de autoria da professora pesquisadora do PROFLETRAS - UEFS, bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Jucelma
Sacramento Alves, orientada pelo professor Dr. Humberto Luiz Lima de Oliveira e tem como
objetivo desenvolver um trabalho de leitura e letramento a partir da aplicação de atividades
encadeadas que estimulem a pesquisa, a criatividade e que ofereçam aos alunos a
oportunidade de linkar os conhecimentos que possuem com os propostos pela sequência
didática.
Justifica-se a intervenção tendo a charge como elemento linguístico principal, pela
multimodalidade que o texto chárgico oferece ao aliar linguagens diferentes num mesmo
plano e ao tempo que suscita a ativação de conhecimentos prévios, inferenciais dos alunos.
(Cf. Apêndice A).
6.3.2 Etapa 02 - Sondagem
Nesta etapa da aplicação da sequência didática, procuramos conhecer melhor os
sujeitos da pesquisa elaborando questionários socioculturais que nos permitissem traçar um
perfil das necessidades e relações que estes sujeitos mantêm com as práticas de letramento
dentro e fora do contexto escolar, com vistas a produção de objetos que possam auxiliar a
aprendizagem. As informações obtidas através da aplicação do questionário foram convertidas
em gráficos. As atividades desenvolvidas nesta etapa estão descritas no Apêndice A e Anexo1
deste trabalho.
6.3.2.1 Módulo de Apresentação do Gênero
Aprender sobre como ler charges é importante porque esse, é um gênero que está no
dia a dia de todos nós, em jornais impressos ou nos televisivos e, hoje mais que nunca, na
63
Internet. Pois é preciso estar bem preparado para ler com eficiência e senso crítico esses
textos com os quais topamos a todo o momento, em vários "lugares" / suportes.
6.3.3 Etapa 03 – Aplicação
É a etapa de aplicação da sequência didática propriamente dita. É composta das
seguintes partes:
6.3.3.1 Apresentação da Situação (Aplicação do Módulo de Apresentação do Gênero).
Esta etapa visa fundamentar a necessidade de produção e aprendizagem relacionada a
um gênero discursivo, oral e/ou escrito. Isso deve ser feito de modo contextualizado para que
o aluno perceba os diferentes usos sociais do gênero e suas formas de materialização, esse
contato deve possibilitar ao aluno identificar características e usos do gênero. O aluno deve
perceber a necessidade de interação comunicativa. Desdobramentos desta atividade pode ser
conferida no Apêndice A e Anexo 1.
6.3.3.2 Apresentação da situação (Módulo de Reconhecimento do Gênero)
Momento em que vários gêneros são apresentados aos alunos através de atividades de
múltipla escolha para eles possam a partir das marcas linguísticas inerentes ao gênero,
reconhecê-lo e distingui-lo de outros gêneros por sua estrutura organizacional, bem como em
suas funções sociais (Cf. Apêndice A).
6.3.3.3 Produção Inicial
O texto elaborado pelo aluno, inicialmente, nessa etapa oferecerá ao professor
subsídios para diagnosticar a compreensão (ou não) que o aluno tem do referido gênero
discursivo buscando analisar as capacidades e potencialidades de linguagem que o aluno tem,
naquele momento.Com base nessa avaliação diagnóstica, define-se o ponto de intervenção do
processo ensino-aprendizagem, ou seja, a análise servirá para orientar as atividades a serem
trabalhadas nos módulos, de forma a adaptá-los às necessidades reais dos estudantes
envolvidos. Logo, o trabalho com os módulos consiste em abordar, de forma didática, os
problemas que foram revelados pela análise da produção inicial.
64
A avaliação da produção e a elaboração do módulo são ações que precisam se articular
de modo a privilegiar uma construção progressiva de conhecimento sobre o gênero trabalhado
e propor atividades baseada no diagnóstico (Cf. Apêndice A).
6.3.3.4 Módulos de Intervenção
Os módulos são constituídos por várias “oficinas” de atividades (exercícios e
pesquisas) que permitem a apropriação do gênero, num trabalho planejado sistematicamente
com o objetivo de levar os alunos a desenvolver condições que lhes permitam conhecer um
determinado gênero de forma eficaz. Nos módulos são trabalhados os problemas detectados
na avaliação inicial (Apêndice A).
65
6.3.3.5 Produção Final
Após um trabalho consistente com o gênero chega-se ao momento de colocar
novamente o aluno na situação de produção de texto (oral ou escrito), delimitada no início da
SD. Este momento poderá revelar o que foi apreendido ou não com os procedimentos
adotados nos módulos, bem como, possibilita, ao professor, a realização de uma avaliação
somativa acerca do processo ensino-aprendizagem (Cf. Apêndice A).
6.3.4 Etapa 04 – Culminância
A culminância do trabalho deverá ocorrer com a publicação num blog dos trabalhos
produzidos pelos alunos.
Procedemos a uma avaliação sistemática e analítica das ações, tendo em vista todo o
processo de planejamento, execução e recepção dos alunos, onde foram aplicados
questionários semiestruturados que permitiram o levantamento de informações qualitativas e
dados quantitativos, os quais foram analisados e representados com a utilização de gráficos de
desempenho da turma nas atividades propostas.
A adesão dos alunos nesse projeto conta com a aprovação e supervisão da gestão
escolar através do acompanhamento das ações em harmonia com as diretrizes da Unidade
Escolar.
A família dos sujeitos envolvidos, também está ciente das etapas da aplicação do
projeto e concordaram antecipadamente com os termos da pesquisa mediante autorização
específica constante no apêndice deste trabalho.
Iniciamos as atividades informando aos alunos sobre nossa expectativa de quebrar a
resistência na prática de leitura, percebida já desde o primeiro momento da sensibilização.
Intencionava-se fazer uma abordagem diferenciada, desafiadora. As charges, pelas suas
características físicas tais como cores, diagramação, recursos gráficos de expressão
fisionômicos, e um texto verbal bem curtinho, minou a resistência inicial. (Cf. Apêndice A).
66
7 ANÁLISE DA INTERVENÇÃO
A aplicação do trabalho intitulado O Texto Humorístico: Por Uma Leitura Para Além
do Riso teve como objetivos verificar e desenvolver as competências discursivas que devem
permear as atividades humanas de compreensão e produção do gênero textual, utilizando
charges como forma do aluno perceber as intenções discursivas que subjazem a leitura
aparentemente apenas deleitosa do discurso humorístico, aguçando sua criticidade para as
questões sociais do seu entorno.
Busca-se por esta intervenção, provocar a discussão sobre a função social do gênero
charge, propiciar o desenvolvimento de competências que favoreçam a compreensão leitora
crítica dos alunos, além de promover a produção gráfica das charges, atentando para as
características gerais do gênero.
Para iniciar as discussões foi proposto à turma a leitura do conto Negrinha de
Monteiro Lobato. A sugestão de trabalhar com esse conto partiu de uma atividade orientada
pelo professor da disciplina Literatura e Ensino, ministrada pelo professor Dr. Humberto
Oliveira cujo objetivo era verificar os efeitos que uma leitura literária poderia despertar em
jovens que não costumavam ter contato com o texto literário.
Parece brotar facilmente dos lábios de muitos professores expressões do tipo “os
alunos não querem ” ou que “eles não estão interessados” em leituras de textos literários. Daí
lançado e aceito o desafio partimos para a prática.
O primeiro desafio foi o número de páginas do texto. Houve reclamação em escala
planetária, mas diante do meu compromisso em ler para eles a situação ficou menos tensa. A
medida em que a leitura avançava, os alunos ficavam mais silenciosos, concentrados, imersos
na história. Ao final da leitura o silêncio foi quebrado por um sonoro “ah se fosse comigo”!
Muitas outras explosões de emoção deram lugar ao silêncio anterior, iniciando ali algumas
reflexões sobre o comportamento das personagens principais do conto.
No momento seguinte, passamos a estabelecer relações do texto com outras situações
semelhantes, lembranças familiares ou situações noticiadas nos jornais ou saídas de cenas da
ficção. Pouco importava a origem da situação, fato, é que todos tinham algo a dizer sobre o
texto.
De repente as palavras de Todorov (2003) ganharam um sentido especial ao propor
que haja um encantamento pela arte de forma a “criar raízes profundas o suficiente para que
67
ela aprenda a se mover e nos acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que
vivemos” (TODOROV, 2003, p.12).
O encantamento se fez presente quando os alunos perceberam que apesar de se tratar
de um texto do século passado, as mensagens sutis ou veladas trazidas ou despertadas naquele
conto continuavam vivas, presentes na memória e no cotidiano de cada um.
O autor acrescenta que a forma como a literatura é ensina pela escola não permite ao
jovem leitor vislumbrar que para além de uma matéria escolar a ser aprendida por períodos, a
literatura é “ um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, e as paixões, enfim,
sobre a vida íntima e pública” (TODOROV, 2003 p.10).
O conto traz à luz um dos períodos mais tristes da história do Brasil que em sua
formação trouxe escravizado do continente africano, milhares de homens e mulheres que além
da força produtiva construiu as bases deste país com sangue e sofrimento. Lobato situa a
narrativa no pós-abolição e personifica na figura de Dona Inácia, os resquícios de uma
sociedade acostumada a coisificar a figura do negro. Dona Inácia fora senhora de escravos e,
portanto, acostumada a usar de crueldade com os negros. O alvo de suas investidas retratadas
por Lobato era uma pequena órfã franzina, olhos assustados e pele tatuada pelos anos de
maus-tratos sofridos pela religiosíssima senhora cujos elogios episcopais certamente lhe
garantiria lugar de destaque junto a Deus.
Por seu posicionamento ácido em relação aos problemas sociais contemporâneos,
Lobato vem sendo alvo de pesadas críticas quanto ao suposto teor racista de sua obra. O conto
Negrinha (Cf. Anexo 1) é um dos mais belos contos da Literatura Brasileira e mantém acessa
em nossas mentes e corações a chama da esperança e fé na humanidade (Cf. Figuras 15-21).
68
Figura – 15 Material preparado para as oficinas
Fonte do texto: www.bancodeescola.com/negrinha.
75
Propusemos uma atividade de comentar o conto Negrinha para perceber até que ponto
essa leitura impactou nos alunos e apresentamos alguns fragmentos desses comentários,
seguindo um critério meramente ilustrativo dos comentários, uma vez que qualquer dos
fragmentos produzidos atingiria a expectativa/ objetivo proposto pela atividade. Não era
propósito da atividade trabalhar quaisquer aspectos linguístico da produção dos alunos, mas
sim, de observar a discursividade presente nele.
Fragmento 1.
Dado da Pesquisa
Transcrição do fragmento 1
“...Eu nunca deixava faze isso comigo” esta frase é mais que bravata, é o sentimento
de descontentamento e até mesmo de revolta que se evidencia neste fragmento sobre a
maneira como a personagem Negrinha era tratada por D. Inácia.
A esse sentimento juntaram-se outros de igual intensidade como podemos observar no
fragmento 2 abaixo:
“ Na mia opinio o texto era triste por que a menina era tratada como o objeto
mesmo sem a menina não tivese feito nada ela apainhava. Eu nunca deixava faze
isso co migo.”
76
Fragmento 2
Dado da Pesquisa
Transcrição do fragmento 2
Quando um texto escrito a quase cem anos encontra eco nos sentimentos juvenis,
temos a certeza do poder da literatura para a formação cultural do indivíduo, do cidadão, a
literatura nos aproxima do outro, posto que ela reflete o outro. Assim é a literatura: “palavras
que [nos] ajudam a viver melhor” (TODOROV, 2010, p.94).
Fragmento 3
Dado da Pesquisa
“Na minha opinião o texto é muito triste porque a menina apanhava todos os dias
sem motivo, então isso é muito triste. Essa mulher deveria ser presa porque nem
a pior pessoa do mundo merece passar por isso. Se eu fosse a menina eu fugiria
da casa dessa mulher pra um lugar onde eu fosse bem tratada porque eu tenho
certeza de que se fosse com ela, ela iria querer fugir.”
77
Transcrição do fragmento 3
Mas literatura também é aproximar a ficção da realidade. No segmento abaixo,
observamos o poder da literatura em atualizar as histórias, diminuindo a distância entre a
ficção e a realidade.
“Eu não gostei muito do texto, ele é muito triste o personagem principal sofre muitas
coisas agressões, tratam muito mal a criança desde que nasceu vive nos cantos tristes
e a única felicidade que o personagem tem é ver os brinquedos que nunca tinha visto,
o pior momento do texto é quando o personagem morre, eu acho que ela se parece
muito com a vida real muitas pessoas ou crianças que vivem na rua sofre quase todas
as coisas do personagem, poucos deles tem a chance de conhecer a felicidade e
quando saiam da vida que tinham aprendem as coisas que tiveram e a utilizam e
carregaram para sempre.”
78
Fragmento 4
Dado da Pesquisa
Transcrição do fragmento 4
É possível ver que para o aluno autor do fragmento acima da história de Negrinha teve
uma referência dentro de sua própria casa trazida pelas memórias infantis de seu pai ao
descrever os castigos físicos recebidos de sua avó em represália a seu “mau comportamento”
o acabou por provocar no aluno esse sentimento de indiferença “Eu nem fiquei com raiva nem
fiquei com tristeza” ante a narrativa do conto Negrinha.
Embora a frase inicial do aluno pareça indicar uma certa indiferença, o leitor mais
atento pode reconhecer nessa fala “Eu nem fiquei com raiva nem fiquei com tristeza” uma
certa tristeza pela lembrança dolorosa das narrativas de seu pai.
“Eu nem fiquei com raiva nem fiquei com tristeza, mas fiquei com lembrança
quando meu pai me contava que minha avó fazia com ele na época. Quando ele
desobedecia, [ele], minha avó botava ele no milho quente por 2 hora. ”
81
Figura – 23 Material preparado para as oficinas
Fonte: Elaborada pela autora. Charges retiradas de: www.fundacaotelefonica.org.br
82
Ainda com a temática da exploração do trabalho infantil, foram produzidas charges
muito interessantes tanto do ponto de vista estrutural quanto pela sutileza em denunciar
abusos sofridos por crianças.
Figura 24 - Produção 1
A charge retrata uma situação cotidiana de uma personagem feminina infantil
chorando diante de uma pia repleta de louças para lavar, onde se lê no balão “não aguento
mais lavar prato”.
A temática dessa atividade é sem dúvida polêmica, mas duas situações me chamaram
atenção em especial: uma que a maior parte dos sujeitos relacionaram o tema às tarefas de seu
próprio lar, possivelmente por serem instigados a ajudar nos cuidados com a casa.
Outra situação se refere ao cuidado em expressar no semblante das personagens seu
estado de ânimo em relação a tarefa que desempenha, deslocando a discursividade para os
traços da imagem e não apenas para o texto verbal.
Para garantir a clareza no entendimento da proposta fica claro a riqueza de
informações tais como as cifras, as cédulas, a placa proibitiva, o texto verbal, a expressão
fisionômica do personagem, além do elemento contextualizador conforme se observa na
(Figura 24).
“Não aguento mais lavar prato”.
Fonte: elaborada pelo aluno
83
Figura 25 - Produção 2
Nessa charge, (figura 25), podemos observar que a personagem infantil feminina que
ilustra o texto demonstra sua insatisfação com a situação que lhe é imposta através das marcas
fisionômicas e pelo texto verbal que revela seu pensamento sobre as condições de trabalho
que lhes são impostas e que a faz adiar o desejo de brincar.
Figura 26- Produção 3
Fonte: elaborada pelo aluno
“ Tenho que levar esses
tijolos pro chefe”
“Nem tenho mais tempo
pra brincar”
Fonte: elaborada pelo aluno
“Bom, não
foi bem
isso que eu
quis dizer”
“Balas,
balas,
balas!!
”
“Pai da
uma
bala”
84
Nada mais natural para uma criança do que pedir doces e outras guloseimas para seus
pais. A ironia, um dos elementos que constituem o gênero textual charge, foi marcada nessa
produção de maneira explícita na atitude do pai quando deslocou o sentido do pedido de uma
bala (Cf. figura 26)
Figura 27 – Produção 4
Fonte: elaborada pelo aluno
Esta produção já apresenta elementos que retira o personagem das fronteiras
domésticas, a personagem feminina, vê-se num campo, possivelmente agrícola, entre
ferramentas num calor escaldante (condição inferida pelo contorno em lápis amarelo do ícone
sol).
Enquanto escolhíamos quais temas seriam abordados nas próximas aulas, alguns
alunos manifestaram suas opiniões sobre a temática da exploração do trabalho infantil,
alegando que não reconheciam problema algum em ocupar parte de seu tempo trabalhando e
que costuma ouvir de seus pais que começaram a trabalhar muito cedo para ter suas próprias
coisas, enquanto outros, em tom de zombaria, ameaçaram denunciar seus pais caso tivessem
que ajudar nas tarefas domésticas.
Esses comentários foram fundamentais para a escolha do tema pois percebemos uma
oportunidade valiosa de discussão do tema sob pontos de vista distintos.
Em nossas conversas orientamos os alunos no sentido que a lei fala de exploração, ou
seja, de um abuso das condições físicas e psicológicas das crianças e adolescentes que deixam
“Não aguento mais
trabalhar nesse sol”
85
de ser assistidos em suas necessidades básicas como saúde e educação, visto que são expostos
a situações insalubres e em muitos casos deixam de frequentar a escola.
Colaborar com as atividades domésticas não se configura como trabalho ou exploração
do trabalho infantil desde que não haja remuneração
Figura 28 – Produção 5
Nesta charge ocorre uma situação inversa às outras, a personagem infantil pede para
trabalhar e o pai surpreende com a resposta ao pedido “cala a boca quer que eu va preso”?8
Certamente essa situação (figura28) reflete que as discussões sobre essa temática
perpassam por instâncias não apenas jurídicas, mas principalmente social uma vez que apesar
das campanhas educativas sobre o tema, muitas famílias ainda contam com os recursos destes
pequeninos para garantir uma renda familiar mais próxima de suas necessidades, embora isso
possa representar um risco ao desenvolvimento físico e psicológico dessa criança. A escola
tem papel fundamental na mudança de perspectiva desses jovens, é na escola que são lançadas
as bases para uma sociedade mais justa.
Outro tema abordado nas oficinas e que fora desencadeado pelo texto Negrinha, foi o
Bullying9, ao iniciarmos as discussões sobre o texto os alunos passaram a classificar de
8 As falas foram reproduzidas da maneira que o aluno escreveu.
O trabalho
infantil visto por
outro lado
“Pai quero trabalhar” “cala a boca quer que eu
va preso!”
Fonte: elaborada pelo aluno
86
Bullying as ofensas sofridas pela personagem principal, o que nos motivou a pedir que fosse
produzido uma charge que mostrasse seu ponto de vista sobre o tema.
O resultado dessa abordagem pode ser observado nos textos chargicos que se seguem:
Figura 29-Produção 6
Fonte: elaborada pelo aluno
O texto apresenta uma situação que segundo a observação do aluno (sujeito da
intervenção), fere e humilha. Trata-se de intimidação por injúrias raciais. Na produção, são
apresentadas duas personagens femininas sendo que uma delas apresenta-se bem vestida,
calçada, cabelos ao vento e expressão de alegria ou de contentamento, que contrasta com a
aparência da outra personagem que não teve pés nem mãos desenhadas. Além disso chama a
atenção o descuido com o desenho da segunda personagem ao ser apresentada de forma tão
grosseira, pintada e com lágrimas nos olhos, condição que pode revelar não apenas o
constrangimento verbal que sofreu.
9Termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológicas intencionais ou repetidos praticados por
um indivíduo ou grupo de indivíduos causando dor e angústia executada dentro de uma relação desigual de
poder.
“Você e feia e pobre, negra,
ridícula não gosto de gente
preta”
“Você não tem que falar isso
de mim você não é melhor
que ninguém”
87
Figura 30-Produção 7
Fonte: elaborada pelo aluno
Mais uma vez percebemos que o aluno busca por meio de comparações, descrever o
outro de forma a salientar traços e características que segundo ele mereceria ser
ridicularizado. Também pode ser possível que o aluno tenha utilizado de traços muito
próximos das características de uma ave (pato) apenas para demonstrar apenas criaturas
híbridas seriam passíveis de zombaria.
Figura 31 - Produção 8
Fonte: elaborada pelo aluno
“Gordo feio. Parece um pato. ”
“Affs Chega de bully”.
“Olha para esse preto feio fedendo tenho nojo dele”
88
A questão racial toma forma nessa produção e aponta para um padrão bem definido e
polarizado onde a personagem branca aparece finamente ornada em suas vestes além de trazer
um largo sorriso, ela ainda é representada num plano de destaque na imagem revelando por
seu porte altivo a forma como se refere ao personagem negro, cuja dimensão espacial na
imagem sugere intimidação e inferioridade que se confirma pela fala da personagem branca.
Figura 32 - Produção 9
Fonte: elaborada pelo aluno
As características étnicas são mais uma vez evidenciadas nessa produção que destaca
um comentário grosseiro sobre o tipo de cabelo da personagem que é apresentada como
vítima do bullying.(Cf. Figura 32).
Figura 33 - Produção 10
Fonte: elaborada pelo aluno
“Horroroza cabelo duro”
89
Os trabalhos realizados pelos alunos tiveram uma atenção especial às características
físicas e ou raciais que poderiam justificar o Bullying. Chama nossa atenção as expressões
utilizadas para isso, visto que em muito se assemelham às brincadeiras e à forma como se
referem uns com os outros no dia a dia na sala de aula.(Cf. Figura 33).
Para ampliar as discussões, trabalhamos com uma charge do semanário francês Charlie
Hebdo que traz estampada em sua capa, a imagem da ministra Chistiane Taubira, caricaturada
como um macaco.
Figura 34- Reprodução de uma charge
Fonte: www.revistaforum.com.br/osentendidos
90
Comentário 1
Dados da Pesquisa
Transcrição do comentário 1
“Achei uma total falta de vergonha na cara, de fazer uma ‘brincadeira’ tão de mal gosto, e
totalmente racista, ao ponto de comparar uma pessoa negra com um macaco, muito
ridículo esses racistas que se sente melhor que o outro so pela cor da pele. ”
91
Comentário 2
Dados da Pesquisa
Transcrição do comentário 2
“ Eu achei dessa charlie um racismo quem feis isso achou que era uma brincadeira mas
dessa brincadeira virou um racismo, sor porque a mulher erra negra e comparou ela
como uma macaca e nessa brincadeira virol um racismo sor porque ela e negra”
92
Comentário 3
Dados da Pesquisa
Transcrição do comentário 3
“A charge mostra como as pessoas comparam os outros com preconceito na imagem mostra
um macaco com a caricatura da ministra da frança comparando por causa do tom de pele.
Esses preconceitos sempre são feitos com pessoas negras no isterior. E isso é um isagero,
comparar uma pessoa com um macaco só por causa do tom de pele.”
93
Comentário 4
Dados da Pesquisa
Transcrição do comentário 4
“ e uma charge de precoceito pode ser engraçado mas e precoceituoso.
Ta comparado uma mulher com uma macaca por causa da cor dela por causa que ela e
negra.
Pra min isso e ridículo e racista. Pode ter sido bricadeira mas e racista e precoceituoso”
94
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aos professores de Língua Portuguesa cabem a nobre missão de conduzir o trabalho
pedagógico de ensino da língua materna de forma consistente e prazerosa. Uma das frases
mais ouvidas nas escolas talvez seja a de que “não sei português”, ou ainda que “ é muito
chata a aula de português”. Para tirar essa má impressão e esse estigma injusto, é que o
Governo Federal, a partir do ano de (2012) criou o Mestrado profissional em letras
PROFLETRAS, que visa capacitar professores de Língua Portuguesa que atuam no ensino
fundamental I e II com o intuito de contribuir para a melhoria da qualidade do ensino no País.
Aceitamos o desafio e por meio da aplicação de uma proposta de intervenção didática,
buscamos desenvolver as habilidades necessárias para a leitura do texto multimodal charge.
Para isso foram elaboradas oficinas para o desenvolvimento das competências e habilidades
necessárias às práticas leitoras do sujeito falante nativo da língua.
A caminhada foi iniciada, mas ainda há muito para ser feito. Entendemos que a leitura
deve ser vista como um processo de interação, no qual estão envolvidas várias habilidades
cognitivas, além daquelas ligadas à descodificação, pois a leitura não é uma atividade
exclusivamente linguística, a compreensão de textos não está baseada apenas na informação
linguística que o texto apresenta, mas em cada informação gráfica, contextual e semântico que
são requeridos para o uso pleno da língua. Mais uma etapa concluída!? Talvez. Seria mesmo
possível concluir um trabalho que demanda tantas discussões e possibilidades? O ano de 2016
foi um ano de grandes transformações políticas e sociais no mundo inteiro. Aqui no Brasil,
Conflitos interétnicos, massacres, desastres naturais, fome, seca, poluição, manobras políticas
e muitos outros episódios que estremeceram as bases de nossa sociedade de forma a nos fazer
refletir sobre o que de fato vale a pena na vida, sobre os rumos de nossas vidas e o que
queremos para nossas vidas.
Propomos então, um trabalho com o gênero textual charge por se tratar de um gênero
que concilia a linguagem verbal (palavras) e a linguagem não-verbal (imagens) a escolha
também ocorreu por se tratar de um gênero que em sua essência, veicula um discurso de
humor que, quase sempre questionador e crítico dos valores sociais, exigindo do leitor uma
tomada de decisão imediata ao fato apresentado.
O trabalho exigiu que os alunos criassem um local de divulgação dos textos que
seriam elaborados durante as oficinas, o blog. Entretanto, alguns desafios ameaçaram a
criação desse espaço virtual, (Blog), como falta de acesso à internet no laboratório de
95
informática, greve de funcionários de vários setores da escola. Além das demandas rotineiras
da escola que em muitos momentos inviabilizaram a aplicação das oficinas no tempo previsto,
prolongando o tempo de aplicação. De qualquer forma o saldo foi bastante positivo porque é
visível a contribuição deste estudo no interesse pelas aulas.
Um aspecto muito importante percebido, embora possa parecer de pouca relevância,
foi a apresentação do material impresso, colorido e objetivo. Os alunos protagonizaram as
oficinas com entusiasmo para ver o material e ao contrário do que sempre acontecia com
outros materiais impressos eles não amassavam nem riscavam.
Outro ganho percebido foi a participação, o envolvimento nas discussões em sala. Os
temas trabalhados traziam uma certa empatia com suas histórias de vida o que lhes dava
confiança para expressar suas opiniões. As oficinas foram realizadas conforme já dito neste
trabalho, Na Escola CEMC, no município de Camaçari- BA numa turma de 8º Ano regular 10
O Sistema de Avaliação da Qualidade do Ensino (Siaque), é um processo de avaliação
institucional do Município de Camaçari – BA, que tem como proposta elaborar um
diagnóstico da educação no Município, bem como identificar falhas no processo de
aprendizagem dos alunos, servindo também como referência na construção de políticas
públicas educacionais.
As provas de Língua Portuguesa do ensino fundamental II (6º ao 9º Ano) são
compostas por 26 questões de múltipla escolha e aplicadas pelos professores da mesma
Unidade Escolar, em horário normal de aula. O Siaque foi desenvolvido pela Secretaria de
Educação de Camaçari (Seduc) e realizado pela primeira vez em 2008.
A aplicação desse exame, no ano de 2016, coincidiu com o término da aplicação das
oficinas e embora não tenha sido oficialmente divulgado o resultado da avaliação externa,
verificamos durante a aplicação das provas que os alunos sujeitos da pesquisa se
concentraram mais para responder às questões. Capitalizamos isso como reflexo da atenção
com que liam os textos durante as oficinas, situação bastante diferente de outros momentos de
aula.
Ainda há muito para caminhar, mas os primeiros passos foram dados e a cada passo
uma etapa vai se cumprindo nessa longa viagem do aprender.
Finalizo agora, um ciclo formativo de dois anos, marcado por grandes encontros,
especiais reencontros, muitos caminhos, imensos desafios e a certeza de que isso é somente o
10
Nesta Escola
96
começo. Mais um. Diz o adágio popular: “quem é do mar não enjoa”, embarquemos então,
pois “Navegar é preciso! ”
97
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I.C. Aula de português: encontro e interação. 2º ed. São Paulo: Parábola, 2004.
ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva; TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e trabalho
pedagógico. Revista ACOALFA plp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua
portuguesa, São Paulo, ano 1, n. 1, 2006.
BAKHTIN, Michail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – o contexto de
François Rabelais, São Paulo: Hucitec, 1996.
________, Estética da Criação Verbal. 6ª ed. São Paulo: Martins Fonte, 2011.
BANDEIRA,Manuel. http://www.escritas.org/pt/t/11095/tragedia-brasileira. Acesso em
22/09/2016.
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1994.
BERGSON, H. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BRASIL Guia do Livro Didático PNLD/2005 – Língua Portuguesa (5ªa 8ª séries). Brasília,
DF: MEC/CEALE/UFMG. (2004).
BRASIL. Apresentação do Plano Brasil Sem Miséria
https://www.youtube.com/watch?v=TvMh8rcNTuA
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa (1º e 2º ciclos do ensino fundamental). Brasília:
MEC, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso
em: 15 jan. 2015.
CAGLIARI, Luís Carlos. Alfabetização & Linguística. 6 ed. São Paulo: Scipione, 1993.
CUNHA, António Camilo. Ser professor: bases de uma sistematização teórica. Argos,
Chapecó. 2015.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michèle; SCHNEUWLY, Bernard. Sequência didática para o
oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ,
Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e Glaís
Sales Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras, 2004. p. 95-128.
FAILLA, Zoara. (Org.) Retratos da leitura no Brasil. Vol.3. São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, Instituto Pró-Livro, 2012.
FIGUEIREDO, Celso. Comunicação & Sociedade, Ano 33, n. 57, p. 171-198, jan. / jun.
2012.
FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente. 2. ed. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
HOUAISS, Antônio. Charge. Dicionário Houaiss Conciso. SP, moderna 2011. p.186.
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível
em: <http://portal.inep.gov.br/internacional-novo-pisa-resultados>. Acesso em 15 abr. 2015.
KLEIMAN, A. Texto & Leitor - Aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 1999.
____ Leitura: Ensino e pesquisa. Campinas: Pontes. (1989)
98
____ Oficina de Leitura: Teoria e prática. Campinas: Pontes / Ed. UNICAMP, (1992)
KRAMER, Sônia. Leitura e escrita de professores: da prática de pesquisa à prática de
formação. Revista Brasileira de Educação. ANPEd, nº 7, jan-abr/1998.
LAJOLO, Marisa. No mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo, SP: Ática, 2004.
LEFFA, Vilson J. Interpretar não é compreender: um estudo preliminar sobre a
interpretação do texto. In: Vilson J. Leffa; Aracy Ernest. (Org.). Linguagens: metodologia de
ensino e pesquisa. Pelotas: Educat, 2012, p. 253-269.
____ O ensino da leitura e produção textual Alternativas de renovação. Educat, Editora da
Universidade Católica de Pelotas, Pelotas,1999.
LUDKE, Menga, ANDRE, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas.
EPU: São Paulo, 1986.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
MARCUSCHI, L. A. Exercícios de compreensão ou copiação nos manuais de
ensino de língua? Revista em Aberto. Brasília: INEP-MEC. (1996)
____ Compreensão de texto: Algumas reflexões. In: A. P. Dionísio & M. A. 2001.
MARTINS, Maria Helena. Crônica de uma utopia. Brasiliense, São Paulo: 1989.
MORAES, M. Cândida. Ecologia dos saberes: complexidade, transdisciplinaridade e
educação. São Paulo: Editora Antakarana, 2008.
MOUCO, Maria Aparecida Tavares. Leitura, Análise e Interpretação de Charges com
Fundamentos na Teoria Semiótica.2007.
NUNES, Myriam Brito Corrêa. O Professor em Sala de Aula de Leitura: desafios, opções,
encontros e desencontro. São Paulo: PUC, Tese de Doutorado. 2000.
PAGLIOSA, E. Humor: um estudo sociolinguístico cognitivo da charge. Porto Alegre:
Edipcrs, 2005.
PESSOA, Fernando. Navegar é preciso.
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/jp000001.pdf Acesso em: 02 set 2016
RASKIN, V. Semantic mechanisms of humor. D. Reidel: Dordrecht, 1985.
SANTAELLA, Lúcia. Leitura de Imagens. São Paulo, Melhoramentos,2012.
SMITH, F. compreendendo a leitura. Uma análise psicolinguística da leitura e do aprender a
ler. Porto Alegre: Artes Médicas. 1989.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Minas Gerais:
Autêntica, 1998.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SWIDERSKI, R. M. da S.; COSTA-HÜBES, T. da C. Abordagem sociointeracionista &
sequência didática: relato de uma experiência. Línguas & Letras, v. 10, n. 18, 1º sem. 2009.
99
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução Caio Meira. Rio de janeiro:
Difel,2009.
TFOUNI, Leda Verdiani. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. Campinas: Pontes.
1995.
THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-ação. 14. Ed. São Paulo: Cortez Editora, 2005.
VYGOTSKY, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins ,2009.
YUNES, Eliana. O prazer da leitura. Youtube, 24 de julho de 2015.Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=QPC5Ujjd7oA&t=40s. Acessado em 15/07/2016.
SWIDERSKI, R. M. da S.; COSTA-HÜBES, T. da C. Abordagem sociointeracionista &
sequência didática: relato de uma experiência. Línguas & Letras, v. 10, n. 18, 1º sem. 2009.
ZILBERMAN, Regina. SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura: Perspectivas
interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1988.
_____ ZILBERMAN, Regina A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: contexto, 1998.
_____ A literatura infantil na escola. 8º ed. São Paulo: Global, 1994.
101
PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
DESCRIÇÃO
AUTORA Jucelma Sacramento Alves
ORIENTADOR Prof. Dr. Humberto Luiz Lima de Oliveira
TÍTULO O TEXTO HUMORÍSTICO: Por uma leitura para além do riso.
TEMA
Análise linguística e social do gênero textual charge para o desenvolvimento
da competência leitora e atribuição de sentidos.
RESUMO
Propõe-se com esse trabalho contribuir para a formação de leitores
competentes. Espera-se que o aluno seja capaz de reconhecer e utilizar o
discurso humorístico apresentado em charges, como instrumento de interação
sociolinguístico. Busca-se a partir dessa intervenção no formato de Sequência
Didática identificar intenções nem sempre risíveis dos textos que se
apresentam como humorísticos, mas que escondem preconceitos,
posicionamentos políticos e comportamentais que desmerecem e humilham o
outro sob a forma pouco deleitosa do riso. As demandas sociais exigem do
sujeito uma postura responsiva ativa (Bakhtin 1952), ante as relações de
convivência numa sociedade excludente cujos valores como o respeito passam
ao largo de suas prioridades. Revelar os discursos ideológicos que subjazem
os textos humorísticos pode assegurar um aprendizado mais consistente,
pensamento que coaduna com os PCNs (Brasil,1998) ao destacar que
atualmente exigem-se níveis de leitura diferentes e muito superiores aos que
satisfizeram as demandas sociais até bem pouco tempo atrás. Esse mesmo
parâmetro, aponta a escola como espaço institucional de acesso ao
conhecimento apoiando práticas de uso da língua que possibilitem ao aluno
exercitar as diversas linguagens a partir da diversidade de textos que circulam
socialmente. A Sequência Didática do gênero humorístico objetiva
prioritariamente a modalidade linguística da leitura a partir das Charges -
termo proveniente do francês charger, que significa: carregar, exagerar e tem
como objetivo fazer uma crítica a um fato polêmico ligado à sociedade,
retratando o ponto de vista do autor em relação a este fato. Por fim,
abordamos as características do gênero charge, com sugestões de textos para o
trabalho em sala de aula que servem de ponto de partida para a formação
crítica do sujeito através de uma sequência didática que contemple as
principais características do gênero, seu meio de circulação, o contexto
enunciativo, as relações de inferência, contexto sócio-histórico-cultural, além
de questões linguístico-discursivas.
Alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II do Centro de Educação
Municipal de Camaçari – Camaçari- Bahia.
102
PÚBLICO
TEMPO ESTIMADO
40 horas aulas.
OBJETIVOS
Geral:
Utilizar textos de humor como forma do aluno perceber as intenções
discursivas que subjazem a leitura aparentemente apenas deleitosa do discurso
humorístico, sob a forma do gênero Charge.
Específicos:
Provocar a discussão sobre a função social do gênero humorístico;
Propiciar o desenvolvimento de competências que favoreça a compreensão
leitora crítica;
Promover a produção respeitando as características do gênero humorístico;
Promover a utilização do uso de novas tecnologias no contexto escolar.
JUSTIFICATIVA
Ler é uma das competências mais importantes a ser trabalhada. Pois
transforma o aluno leitor passivo em leitor sujeito, pois, só através dessa ação
(leitura), ele se tornará capaz de construir sua própria leitura compreendendo
a forma como enxerga e interage no mundo. O conhecimento atualmente
disponível a respeito do processo de leitura indica que não se deve ensinar a
ler por meio de práticas centradas na decodificação (Brasil, 1998). Assim,
como nos apresenta Lajolo:
Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É,
a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a
todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de
leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta
leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1993
p.59)
É preciso que o aluno se antecipe que faça inferências a partir do contexto ou
do conhecimento prévio que possuem que testem suas hipóteses que
encontrem na língua, suporte para transformar sua competência leitora.
Desta forma a inserção da leitura, no contexto escolar, deve ser feita de forma
dinâmica e agradável, utilizando-se, por exemplo, do caráter lúdico que pode
ser dado às estratégias de leitura. Assim, a utilização de textos humorísticos
pode, além de melhorar a capacidade de compreensão e utilização dos
mecanismos linguísticos, tornar agradável o ato de ler, contribuindo para o
desenvolvimento crítico do aluno.
103
Quando na língua, um novo fenômeno surge, é nomeado. Por isso, e para
nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento (SOARES, 2001, p.
46).
Para especificar uma nova exigência social do ato de ler e escrever,
Segundo Marcuschi (2002), os gêneros se apresentam como formas de ação
sociais altamente flexíveis e mutáveis, dinâmicos e plásticos, estando assim a
cada dia diferente surgindo lado a lado com as necessidades e atividades
socioculturais, contudo, caracterizam-se muito mais por suas funções
comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas características
linguísticas e estruturais.
Convém ressaltar que estes surgem e ou deixam de existir de acordo com a
necessidade social cujas práticas de leitura e escrita demande em suas vidas
cotidianas.
Nada do que fizemos linguisticamente estará fora de ser feito em algum
gênero. ―Assim, tudo o que fizemos linguisticamente pode ser tratado em um
ou outro gênero. (Marcuschi, 2002, p. 35)
Assim, este estudo tem como objetivo explicitar esses novos significados,
embasado, principalmente, nos trabalhos de Rojo (2009) e Marcuschi (2007),
Klaiman (2007), dentre outros, que enfatizam os letramentos múltiplos, pois,
mediante a diversidade de práticas culturais e sociais de leitura e escrita na
sociedade atual, o termo que abarca melhor essa complexidade é letramentos
múltiplos.
PRODUTO FINAL
Partindo-se do pressuposto de que cada gênero tem suas formas de circulação
na sociedade e considerando a necessidade do encontro do texto com os
interlocutores, propomos a criação de um blog onde os alunos mediados pela
professora, publiquem seus trabalhos.
FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA
Considerando ser a teoria e a prática condição essencial para a aprendizagem, este
trabalho, está fundamentado teoricamente na Análise do Discurso, no que diz
respeito às concepções de texto, gênero e língua, baseado nos trabalhos de Orlandi
(2001), Possenti (1998) e Rojo (2012) dentre outros.
Marcuschi contribuirá para abalizar a problemática de Gêneros, Possenti
contribuirá com os aspectos sócio linguístico do Gênero textual charge e Rojo com
a construção do referencial de Letramento que compõe o corpo do trabalho.
REGISTRO DAS
ATIVIDADES PARA
Será utilizado um diário de bordo para o registro de cada uma das etapas
(ações/atividades) do processo de intervenção no espaço da sala de aula para
104
POSTERIOR
ANÁLISE
posterior avaliação e análise.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Michail. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento – o contexto de François Rabelais, São Paulo: Hucitec,
1996.
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
BERGSON, H. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MORAES, M. Cândida. Ecologia dos saberes: complexidade,
transdisciplinaridade e educação. São Paulo: Editora Antakarana, 2008.
KLEIMAN, A. Texto & Leitor - Aspectos cognitivos da leitura.
Campinas: Pontes, 1999.
LAJOLO, Marisa. No mundo da leitura para a leitura do mundo. São
Paulo, SP: Ática, 2004.
MARCUSCHI, L. A. Exercícios de compreensão ou copiação nos
manuais de ensino de língua? Revista em Aberto. Brasília: INEP-MEC.
1996.
ORLANDI, E. P. Análise de Discurso: princípios e procedimentos.
Campinas, SP: Pontes, 2001.
ROJO, Roxane (org.) Alfabetização e letramento. Campinas: Mercado de
Letras. 2012.
SOARES, Magda Becker. Letramento: um tema em três gêneros. Belo
Horizonte: Autêntica. 1998.
BAKHTIN, Michail. A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento – o contexto de François Rabelais, São Paulo: Hucitec,
1996.
BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
BERGSON, H. O Riso. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MORAES, M. Cândida. Ecologia dos saberes: complexidade,
transdisciplinaridade e educação. São Paulo: Editora Antakarana, 2008.
NUNES, Myriam Brito Corrêa. O Professor em Sala de Aula de Leitura:
desafios, opções, encontros e desencontro. São Paulo: PUC, Tese de
Doutorado. 2000.
PAGLIOSA, E. Humor: um estudo sociolinguístico cognitivo da charge.
Porto Alegre: Edipcrs, 2005.
105
ETAPA 02
SONDAGEM¹
DESCRIÇÃO
Consideramos relevante sondar o histórico dos alunos na
escola.
Para investigar suas práticas sociais de leitura e letramento no
universo escolar. Através da aplicação de questionários e
análises de textos em que os sujeitos da pesquisa atuem como
atores sociais onde a leitura seja uma atividade presente nas
mais diversas situações cotidianas. Serão utilizados
questionários semiabertos a serem aplicados em reunião
pedagógica aos sujeitos da pesquisa bem como aos
responsáveis.
OBJETIVO (S)
Analisar as condições socioeconômicas e culturais dos sujeitos
em relação a suas práticas leitoras.
Observar como o gênero charge pode se manifestar no
cotidiano dos estudantes.
INSTRUMENTOS/RECURSOS/ MATERIAIS
UTILIZADOS
Questionário impresso e projetado em Datashow.
RESULTADOS E AVALIAÇÃO Esperamos formar um quadro descritivo das experiências
relacionadas à leitura de textos em geral, com ênfase em textos
do gênero charge. Esses resultados embasarão a sequência
didática.
MATERIAL COLETADO/QUADRO
DESCRITIVO
O quadro descritivo será organizado após a coleta dos dados.
MECANISMOS DE REGISTRO E
SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS
Tabulação dos dados em gráficos, anotações, fotografias,
gravação de voz.
_____________________
¹O objetivo da sondagem é fazer um levantamento do contexto sociocultural dos estudantes, observando suas
relações com a cultura escrita. Faz-se necessário sondar o histórico dos alunos na escola com o objetivo de
compreender suas relações com a aprendizagem e identificar as reais necessidades de trabalhar com o gênero
escolhido. É extremamente importante conhecer os estudantes e o contexto onde a sequência didática será
aplicada. A preparação/sondagem é um procedimento de pesquisa de base etnográfica.
106
Etapa 3
OBJETIVO AÇÕES/ATIVIDADES COMPETÊNCIA TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 2
- U
sos
soci
ais
das
char
ges
.
Contextualizar
socialmente os
alunos em práticas linguísticas variadas
tendo como foco as
charges.
Levantamento das
práticas de leitura dos
alunos: o que fazem para se manterem
informados; quais meios
de comunicação e
informação costumam consultar; quais
temáticas mais lhe
interessam; qual é a
importância de manter-se informado.
Posicionar-se crítica
e ideologicamente.
2h/aulas. Datashow,
textos
xerocopiados.
Apresentar charges de natureza política
com foco em
programas sociais do
Governo Federal.
Mobilizar os alunos a
pesquisar sobre as
situações concretas de produção e
circulação do gênero
charge.
Exibição do vídeo de lançamento do Programa
“Brasil sem miséria”
Alunos relatam os possíveis usos do gênero
em seu meio social.
Professor propõe atividades que
exponham os alunos aos
usos sociais concretos
de circulação a serem planejadas conforme
coleta de dados. Através
de exposição de material
recolhidos em livros,
Utilizar o (s) tipo (s) textual (is) como
ferramenta de
elaboração do gênero
em situações reais de uso da língua.
Identificar as esferas
discursivas, suportes de circulação
original, gêneros,
temas, finalidades,
público-alvo, possíveis objetivos
de produção e
leitura, espaços
próprios de circulação social,
formas, constituintes
e recursos
expressivos do gênero.
1h/aula. Datashow, textos
xerocopiados
Atividade em grupo.
APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO (MÓDULO DE APRESENTAÇÃO DO GÊNERO)
OBJETIVO AÇÕES/ATIVIDADES COMPETÊNCIA TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a1
- A
pre
sen
taçã
o
Informar sobre o
Trabalho.
Conhecer e refletir sobre os
conhecimentos
que os alunos
trazem consigo sobre gênero
textual charge
O professor distribuiu
cópias de textos (“Pra
início de conversa”. Anexo), objetivando fazer
um breve histórico sobre
as primeiras formas de
comunicação humana.
O professor explica a forma gráfica de
apresentação charge.
Reconhecer o
efeito de sentido decorrente da
escolha de uma
determinada palavra ou
expressão.
Expressar-se oralmente em
situação de relativa
formalidade.
2h/aulas
Datashow,
xerocópias,
lápis de cor, papel sulfite,
caderno, lápis e
caneta.
Pesquisar em fontes
variadas uma charge
com tema atual
Apresentar o
gênero charge
Leitura e pesquisa de uma
charge com tema atual.
Articular, de
maneira autônoma,
os gêneros textuais
em situações reais de comunicação
2h/aulas
Charges
variadas
107
MÓDULO DE RECONHECIMENTO DO GÊNERO
BJETIVO AÇÕES/ATIVIDADES COMPETÊNCIA TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 3
- A
pre
senta
ção d
o t
rabal
ho.
Conhecer e
identificar
situações que despertem o
riso.
Exibição de um seguimento de vídeo
sobre o que as pessoas
acham ou consideram
engraçado (link em anexo).
Inicia-se discussão sobre
o vídeo apresentado.
Respeitar as
diferentes opiniões na fala do outro.
2 h /aulas
Revistas, jornais,
internet
Datashow.
Entender a
importância
do trabalho
com o gênero charge.
Verificar a frequência
com que as
charges estão
presentes no cotidiano.
Os alunos deverão trazer
para a aula charges com
temas recentes conforme
solicitado na atividade anterior.
Sob orientação do
professor, alunos organizam mural temático
com as charges
pesquisadas.
Discernir a temática abordada de outros
gêneros similares.
Levantar
características
próprias do gênero e sua circulação.
2h/ aulas
Datashow.
Texto xerocopiado
PRODUÇÃO INICIAL
OBJETIVOS AÇÕES/ATIVIDADE COMPETÊNCIA TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 5
- P
roduçã
o I
nic
ial.
Conce
ito d
e ch
arge
Utilizar,
adequadamente,
as marcas do
gênero textual charge,
considerando a
situação de
produção escrita, o suporte, os
interlocutores e
os objetivos do
texto.
Refletir sobre
questões
linguísticas representadas nas
charges.
Destacar a ironia
presente nas charges a partir
da análise da
estrutura
linguística.
Professor projeta
vídeo com charges
animadas de Maurício Ricardo (link anexo)
Após discussão,
inicia-se esboço de produção de uma
charge
Distinguem efeitos
de humor e o
significado de uma
palavra pouco
usual.
Interpretar textos
com material
gráfico diverso e com auxílio de
elementos não-
verbais
identificando características e
ações dos
personagens que
revelam posicionamentos
críticos;
2h/aulas
Material impresso
e de rascunho
Não trataremos
neste trabalho de
charges animadas
porém o professor considerou
relevante
apresentar aos
alunos essa outra possibilidade de
charges,
ressaltando que
são potencialmente
diferentes em sua
essência.
O professor aplica uma
atividade para destacar
situações de uso da
língua.
Reconhecem o
efeito de sentido do
uso de recursos
ortográficos
1h/aula
Material impresso
e de rascunho,
Datashow
As atividades de
pesquisa serão
desenvolvidas em
grupos.
Orienta-se o aluno
quanto a questões
formais na produção da charge.
Identificam os
efeitos de sentido e
humor decorrentes
do uso dos sentidos literal e conotativo
das palavras e de
notações gráficas
2h/aulas
Material impresso
Datashow
108
MÓDULO DE INTERVENÇÃO1
OBJETIVOS AÇÕES COMPETÊNCIAS TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 6
- T
ema:
O
ris
o n
oss
o d
e ca
da
dia
. A
spec
tos
grá
fico
s da
char
ge.
Motivar para o
trabalho durante as oficinas.
Discutir a linha
tênue existente
entre a comédia e a ofensa.
Verificar a
expressividade
fisionômica dos
personagens das charges para
melhor
compreender a
mensagem veiculada.
Perguntar aos
alunos o que lhes
fazem rir.
Apresentar um vídeo: O riso dos
outros de Pedro
Arantes (link em
anexo)
Os alunos
deverão, em
grupo, selecionar trechos/ frases do
documentário e
debater entre seus
grupos sobre os limites entre o
riso e a ofensa.
Mostrar/projetar
textos chargico cujos recursos
gráficos foram
decisivos para a
compreensão. (Anexo)
Inferir informações
que tratam, de
sentimentos,
impressões e Características das
pessoas, das
personagens, em
textos não -verbais.
Interpretam o texto
com auxílio de
elementos não-
verbais;
1h/aula
2h/ aulas
2h/ aulas
Textos
xerocopiados
Datashow
Explorar recursos de
expressividade
nas charges
O Professor orienta os alunos
à produção de
uma charge onde seja explorado o
uso de recursos de
expressividade
gráfica.
Planejar o texto
considerando os
recursos linguísticos,
extralinguísticos, textuais e
intertextuais.
1h/aula
Textos
xerocopiados
Uso de Datashow
Atividade proposta
individualmente no primeiro momento
com indicação de
pesquisa para casa
sobre outras formas de
comunicação ao
longo do tempo.
Avaliar a oficina e os
Participantes (anexo)
Formulário de avaliação
(anexo)
Caneta
109
MÓDULO DE INTERVENÇÃO 2
OBJETIVOS AÇÕES COMPETÊNCIAS TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 7
–V
ocê
tá
rind
o d
e quê?
Asp
ecto
sin
táti
co-s
emân
tico
Compreender a
importância da
escolha de palavras
para garantir a
compreensão do texto.
Professor
distribui
material
impresso
contendo
atividades que
exploram aspectos
sintático-
semânticos.
Planejar o texto
considerando os recursos
linguísticos,
extralinguísticos, textuais
e intertextuais.
2h/aulas
Data show
Texto xerocopiado
Utilizar a língua
materna para
estruturar a experiência e
compreender a
realidade.
O professor
apresentou um conto
(Tragédia
brasileira–
Manuel Bandeira) que
narra um caso
de adultério que
culminou em tragédia.
(anexo)
Slides sobre violência
doméstica e
contra a mulher.
Acompanhar a sequência
lógica do texto na análise de hipóteses.
Identificar a função
predominante
(informativa, persuasiva etc.) dos textos em
situações específicas de
interlocução.
2h/aulas
Texto xerocopiado
Data show
O texto foi escolhido
pelo fato de o tema ser gerador de chacota
e zombaria.
Acreditamos que para além do riso causado
pelo infortúnio do
protagonista, os
alunos acessem outras situações que
subjazem o texto, tais
como: banalização da
violência, agressão à mulher e sexismo.
Avaliar a oficina e os
Participantes (anexo)
Formulário de
avaliação (anexo)
Caneta/lápis
MÓDULO DE INTERVENÇÃO 3
OBJETIVOS AÇÕES COMPETÊNCIAS TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 8
-
Ria
se
puder
... A
spec
tos
sem
ânti
co-d
iscu
rsiv
os
Proporcion
ar formação
crítica.
Apresentação de um vídeo
sobre bullying (link em
anexo).
Segue-se discussão sobre o
que seja bullying ou
brincadeira
Identificar a
finalidade do texto;
2h/aulas
Texto
xerocopiado
Provocar reflexão
sobre o
tema
proposto.
Projeta-se o conto “Negrinha”
– Monteiro Lobato (anexo)
Abre-se discussão sobre o
texto e algumas situações nele
apresentadas são discutidas
em sala.
Analisar, interpretar e
aplicar recursos expressivos do texto
relacionando com
outros contextos.
2h/aulas
Texto xerocopiado
Verificar quais
operadores
linguístico
s permeiam
a
modalidade textual
em
análise.
As discussões materializam-se em pequenos comentários.
Segue-se a estas produções,
análise de ocorrência de fenômenos linguísticos.
Comparar textos,
considerando o tema, características do
gênero, organização
das ideias, suporte e
finalidade.
Estabelece relações
entre informações
textuais, contextuais e intertextuais na
construção do sentido
do texto.
2h/aulas
Texto
xerocopiado
110
PRODUÇÃO FINAL
OBJETIVOS AÇÕES COMPETÊNCIAS TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 9
– C
har
gea
ndo
. P
rodu
ção
do
gên
ero
.
Produzir uma
charge
Solicitar aos
alunos que
elaborem uma charge para fazer
parte da atividade
final que foi escolhida por eles
na apresentação da situação.
Orientar a
produção da
charge com
questionamentos acerca dos
conhecimentos já
adquiridos: onde
acontece, com quem, se há
diálogos, presença
de humor,
desfecho inesperado;
Analisar, interpretar e
aplicar recursos
expressivos das
linguagens,
relacionando textos com
seus contextos,
mediante a natureza,
função, organização, estrutura das
manifestações, de
acordo com as
condições de produção e recepção.
Utilizar os
conhecimentos
adquiridos durante as
oficinas para aproximar-se tanto quanto possível
das características que
constituem o gênero
textual charge.
4h/aulas
Papel sulfite,
lápis colorido,
ETAPA4 -
CULMINÂNCIA
OBJETIVOS AÇÕES COMPETÊNCIAS TEMPO
ESTIMADO RECURSOS OBSERVAÇÕES
Ofi
cin
a 1
0 -
R
evel
ar. A
pre
sen
taçã
o d
o p
rodu
to
fin
al d
as o
fici
nas
Apresentar para a
comunidade
escolar o
resultado das
oficinas.
Divulgação
dos textos
produzidos no
blog da
escola.
Verificar a adequação
dos textos produzidos
em relação ao meio
que será divulgado.
2h/aulas
Computador
Internet
Avaliar a oficina e
os
Participantes (anexo)
Formulário de
avaliação (anexo) Caneta
112
Ficha de Avaliação
Aprendi coisas novas.
Gostei das atividades realizadas.
Gostei da forma como o professor conduziu a
oficina.
Participei das atividades e colaborei com
meus colegas.
Compreendi as propostas de atividades.
O que pode melhorar é...
133
Gráfico sobre a dificuldade de leitura dos sujeitos
Fonte: elaborada pela autora
Sobre o gráfico destacamos que o tópico “Tem limitações físicas” refere- se a
qualquer tipo de limitação permanente ou temporária observada durante a execução da
pesquisa, tais como: uso de óculos ou lentes, (assim como a falta desses acessórios por
questões alheias à nossa competência), uso de tipoias ou outro artefato limitante do manuseio
dos recursos impressos.
Gráfico sobre a motivação de leitura dos sujeitos
Fonte: elaborada pela autora
Embora a visualização da figura 35 possa sugerir uma predominância da leitura
obrigatória por parte dos sujeitos da pesquisa, observamos durante a aplicação das oficinas
que tais números não representam a realidade. A base para a construção desse instrumento foi
11%
8%
23%
15%
8% 0%
35%
0%
Dificuldades para ler (%)
Lê muito devagar
Não tem paciência para ler
Tem limitações físicas
Não tem concentraçãosuficienteNão compreende bem o que lê
Não sabe ler
Não apresenta dificuldade
Não tem acesso a livros
36%
55%
9%
Lê mais por prazer ou por obrigação?(%)
Lê mais por prazer
Lê mais por obrigação
Não Sabe
134
um questionário fechado que não permitia aos sujeitos esclarecer suas respostas sobre sua
motivação para a leitura, uma vez que para muitos a leitura era vista como algo enfadonho e
“chato”.11
Gráfico sobre o objetivo da leitura dos sujeitos
Fonte: elaborada pela autora
A leitura deste instrumento reflete a importância da escola como espaço privilegiado
da leitura. Não pretendemos atribuir valor qualitativo nem quantitativo ao que se lê ou porque
se lê, mas observar as relações dos sujeitos com a prática leitora.
11
Expressão utilizada por alguns alunos quando indagados sobre o que pensava sobre leitura.
5%
29%
53%
10%
3% Alunos do 8° ano A (%)
Atualizaçãocultural/Conhecimentos gerais
Prazer, gosto, ou necessidadeespontânea
Exigência escolar
Motivos religiosos
Não sabe
135
Gráfico sobre dados da leitura dos pais dos sujeitos
Fonte: elaborada pela autora
Seja no ambiente familiar, na escola, nas bibliotecas, a leitura deve ter seu espaço na
formação dos verdadeiros leitores. Além de um ambiente estimulante em práticas leitoras é
preciso que se criem estratégias que demonstrem a importância da leitura na formação do
sujeito e os pais podem ser diretamente responsáveis pelo hábito leitor dos sujeitos.
Formar leitores críticos é central para a consolidação da cidadania, pois a
cidadania se constrói com política cultural ampla. Similarmente, a formação
é direito dos cidadãos e das cidadãs – logo, é direito dos professores. Mas a
formação de leitores passa também pelo acesso a bibliotecas, exposições,
feiras de livros, museus, teatros, cinemas, espetáculos musicais ou de dança.
Formular e implementar políticas públicas de investimento em leitura e
escrita e de investimento em cultura de forma geral deveria ser prioridade.
(KRAMER, 1998, p. 25).
É de extrema importância construir uma comunidade de leitores e formar pessoas
críticas e participativas capazes de ler nas entrelinhas e quanto antes às crianças forem
inseridas no universo dos livros e no mundo da leitura, melhor.
20%
32% 36%
4% 8%
Frequência com que veem/viam os pais lendo (%)
Sempre
De vez em quando
Quase nunca
Nunca
Não sabe
136
Gráfico sobre motivação para comprar um livro
Fonte: elaborada pela autora
O livro é um dos itens que gradativamente vem sendo lançado na lista do Papai Noel
de muitos jovens brasileiros e parte desse desejo vem sendo despertado pelos investimentos
em se criar a cultura do livro no país. Indícios dessa mobilização estão registradas nas feiras e
bienais de livros país afora. O mercado editorial também tem tornado os livros bastante
atraentes seja pela forma, seja pelo tema, uma movimentação está em curso, pois o setor
aposta no público infantojuvenil como potencias consumidores dessas produções, além é
claro; da disposição da escola em fazer um trabalho diferenciado de leitura a partir de gêneros
textuais.
22%
20%
17%
26%
9%
6%
Motivação para comprar um livro (%)
Pazer, gosto pela leitura
Cultura, conhecimento
Entretenimento e lazer
Exigência escolar
Para dar de presente
Outro motivo
138
Velha Infância - Marisa Montes
Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo é o meu amor
E a gente canta
E a gente dança
E a gente não se cansa
De ser criança
Da gente brincar
Da nossa velha infância
Seus olhos, meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só
Você é assim
Um sonho pra mim
Quero te encher de beijos
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito
Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo é o meu amor
E a gente canta
A gente dança
A gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
A nossa velha infância
Seus olhos meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só
Você é assim
Um sonho pra mim
Você é assim
Você é assim
Um sonho pra mim
Você é assim
(https://www.vagalume.com.br/ Acessado
em 05/07/2016)
139
Texto: A Ratoeira
Um rato, olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua esposa abrindo um
pacote. Pensou logo no tipo de comida que poderia haver ali. Ao descobrir que era uma
ratoeira ficou aterrorizado. Correu ao pátio da fazenda advertindo a todos:
- Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira na casa!
A galinha, disse:
- Desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor,
mas não me prejudica em nada, não me incomoda.
O rato foi até o porco e lhe disse:
- Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira!
- Desculpe-me Sr. Rato, disse o porco, mas não há nada que eu possa fazer, a não ser
rezar. Fique tranquilo que o senhor será lembrado nas minhas preces.
O rato dirigiu-se então à vaca. Ela lhe disse:
- O que Sr. Rato? Uma ratoeira? Por acaso estou em perigo? Acho que não!
Então o rato voltou para a casa, cabisbaixo e abatido, para encarar a ratoeira do
fazendeiro. Naquela noite ouviu-se um barulho, como o de uma ratoeira pegando sua vítima.
A mulher do fazendeiro correu para ver o que havia pego. No escuro, ela não viu que a
ratoeira havia pego a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a mulher...
O fazendeiro a levou imediatamente ao hospital. Ela voltou com febre. Todo mundo
sabe que para alimentar alguém com febre, nada melhor que uma canja de galinha. O
fazendeiro pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal. Como a doença da
mulher continuava, os amigos e vizinhos vieram visitá-la. Para alimentá-los o fazendeiro
matou o porco. A mulher não melhorou e acabou morrendo. Muita gente veio para o funeral.
O fazendeiro então sacrificou a vaca, para alimentar todo aquele povo.
Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e
acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que, quando há uma ratoeira na casa,
toda a fazenda corre risco. O problema de um é problema de todos.
Fonte: http://metaforas.com.br/a-ratoeira. Acessado em 25/08/2016.
Link para o vídeo de apresentação do Plano Brasil sem Miséria:
https://www.youtube.com/watch?v=TvMh8rcNTuA
140
Negrinha – Monteiro Lobato
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de
cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos
escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa
não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres,
com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no
trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário,
dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de
grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva
sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro
da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa
abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe
em caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio,
desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados.
Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não
compreendia a ideia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa,
o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas
quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as
plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E
o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu
divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as
asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.
Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem
fim.
Que ideia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho?
Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta,
sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos
com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na
berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que
achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria
um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste... O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da
casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os
cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos
141
nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua
cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...
A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da
escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e
estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a
branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno
porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a
sinhá!”...
O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana.
Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:
— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...
Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres:
mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha:
o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o
sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do
umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e
safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino”
nada melhor!
Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo
maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela
história do ovo quente.
Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir —
um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta
— atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.
— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.
Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.
— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual
perua choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo.
Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta,
gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos
contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula
alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:
— Venha cá!
Negrinha aproximou-se.
— Abra a boca!
Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma
colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor
saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente,
pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:
— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?
E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário
que chegava.
— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre
órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!
— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o
padre.
— Sim, mas cansa...
— Quem dá aos pobres empresta a Deus.
A boa senhora suspirou resignadamente.
142
— Inda é o que vale...
Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas,
pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.
Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois
anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos.
Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os
anjos invasores o raio dum castigo tremendo.
Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria
tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão,
Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.
Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no
umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se
enxerga”?
Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento
novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho
de sempre.
— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.
— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha.
Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a
casa é grande, brinquem por aí afora.
— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no
canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.
Chegaram as malas e logo:
— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.
Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.
Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca
imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha
de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...
Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o
nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.
— É feita?... — perguntou, extasiada.
E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a
providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente,
tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito,
sem ânimo de pegá-la.
As meninas admiraram-se daquilo.
— Nunca viu boneca?
— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?
Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.
— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?
— Negrinha.
As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha
perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:
— Pegue!
Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura,
santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o
Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a
porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um
filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não
143
viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim,
apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão
grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela
primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.
Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela
cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis
lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.
Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo —
estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:
— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?
Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu
mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.
Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...
Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na
mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos
divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos
filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.
Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina
eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como
fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e
doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se
vibrava!
Assim foi — e essa consciência a matou.
Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa
voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente
transformada.
Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa
de coração, amenizava-lhe a vida.
Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a
expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.
Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso
inferno, envenenara-a.
Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca
loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando
sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.
Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais,
entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras,
de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola
do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.
Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida,
confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe
apareceu de boca aberta.
Mas, imóvel, sem rufar as asas.
Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...
E tudo se esvaiu em trevas.
Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira
— uma miséria, trinta quilos mal pesados...
E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na
memória das meninas ricas.
144
— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”
Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.
— “Como era boa para um cocre!...”
146
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS Avenida Transnordestina, S/N - Bairro Novo Horizonte - CEP 44.036-900
Fone: (75) 3161-8872 – E-mail: [email protected]
www.profletrasuefs.wordpress.com
TERMO DE CONSENTIMENTO
Seu (sua) filho (a) e você estão sendo convidado (as) a participar de um estudo denominado O
TEXTO HUMORÍSTICO: POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO, cujo objetivo é
proporcionar, aos alunos do 8º Ano do Centro de Educação Municipal de Camaçari, oportunidades
para desenvolver as competências relacionadas ao processo de leitura e escrita. Sua participação na
pesquisa diz respeito ao preenchimento de um questionário com 12 questões. Este questionário é de
grande importância para compreensão do contexto social no qual o aluno está inserido.
A participação do seu filho no referido estudo será no sentido de estar presente nas aulas e realizar as
atividades propostas com dedicação e compromisso. A pesquisa poderá proporcionar alguns
benefícios, tais como: melhorar o desempenho do aluno enquanto leitor e escritor; aprender a utilizar a
internet em benefício dos estudos e não somente para acessar redes sociais. As produções textuais dos
alunos serão publicadas num espaço digital (blog) da escola, para isso é solicitado o seu
consentimento. A privacidade de todos os alunos será respeitada, ou seja, seu nome ou qualquer outro
dado ou elemento que possa, de qualquer forma, identificá-lo, será mantido em sigilo.
O aluno não terá nenhum prejuízo em relação à avaliação, pois a utilização dos dados será somente
após o processo avaliativo que consta no calendário da escola. Os riscos envolvidos na pesquisa são:
possibilidade da exposição da identidade do participante ou a alguma situação constrangedora. Você
não terá nenhuma despesa em relação a essa pesquisa. Caso haja, será compensado ou indenizado,
mediante decisão judicial. Você também poderá recusar a participação do aluno na pesquisa, ou retirar
seu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar. Por desejar sair da pesquisa, o aluno
não sofrerá qualquer prejuízo. A pesquisadora envolvida com o referido projeto é Jucelma Sacramento
Alves, aluna do Mestrado Profissional em Letras (ProfLetras), oferecido pela Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS); e com ela poderá manter contato pelo telefone da secretaria do Programa
(75) 3161-8872 ou pelo email [email protected]. Para dúvidas a respeito de questões éticas, você
poderá entrar em contato com o CEP (Comitê de Ética em Pesquisa) da UEFS através do telefone (75)
3161-8067 ou pelo email [email protected]. É assegurada a assistência, em relação ao acompanhamento
nas atividades a serem desenvolvidas durante toda pesquisa, bem como é garantido o livre acesso a
todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas consequências, enfim, tudo o
que você queira saber antes, durante e depois a participação do seu filho. Caso seja do seu interesse,
você pode solicitar que uma pessoa de sua confiança faça a leitura e esclarecimento sobre este termo.
Se você consente que seu filho participe dessa pesquisa, assine este termo em duas vias, ficando uma
com você e outra com a pesquisadora.
(Pai ou responsável do participante da pesquisa)
______________________________________________________________________
Jucelma Sacramento Alves – Pesquisadora
147
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS Avenida Transnordestina, S/N - Bairro Novo Horizonte - CEP 44.036-900
Fone: (75) 3161-8872 – E-mail: [email protected]
www.profletrasuefs.wordpress.com
TERMO DE ASSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO
Esta pesquisa seguirá os Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução n
466/12 do Conselho Nacional de Saúde. (Se tiver dificuldade com leitura pode pedir a alguém de sua confiança para ler esse Termo)
Você está sendo convidado (a) a participar de um estudo denominado O TEXTO HUMORÍSTICO:
POR UMA LEITURA PARA ALÉM DO RISO, cujo objetivo é proporcionar, aos alunos, mediante
a aplicação de uma proposta de trabalho com charges, a oportunidades para desenvolver as
competências relacionadas ao processo de leitura e escrita. A proposta de trabalho será desenvolvida
para aprimorar o ensino da língua e ocorrerá a partir da rotina escolar nas aulas de Língua Portuguesa,
sendo realizada por meio de discussões, resolução de atividades, pesquisas, produção de texto, análise
e reescrita de texto, e uma posterior publicação dos trabalhos realizados numa plataforma da internet
(blog). Você não precisa participar do estudo se não quiser, é um direito seu e você não terá nenhum
problema se não aceitar ou desistir, sendo que você pode realizar outras atividades diferentes do
projeto sem perda de aprendizagem ou nota. Caso você aceite participar, a pesquisa envolverá a
resolução de questionários, discussões sobre a temática da pesquisa, atividades relacionadas ao
assunto, momentos de leitura e discussões de charges atuais, crítica escrita e oral ao tema apresentado
pela charge, pesquisas e atividades extraclasses. Os momentos de leitura e interpretação das charges
poderão ser gravados e/ou filmados para analisar e refazer a ação em sala de aula. As gravações
poderão ser gravadas em vídeo ou áudio por um telefone celular podendo a pesquisadora retirar ou até
desistir a qualquer momento. A previsão é de que toda essa intervenção dure aproximadamente uma
unidade letiva. É possível que você sinta medo, vergonha ou sofra algum constrangimento no
desenvolvimento de alguma ação, possibilidade minimizada pelo respeito a sua individualidade e seus
limites como participante e por meio de ações de conscientização de todos os envolvidos quanto ao
respeito às diferenças e opiniões alheias. Caso queira, poderá retirar o seu consentimento a qualquer
momento e o pesquisador irá respeitar sua vontade. Sua participação no referido estudo será no sentido
de estar presente nas aulas e realizar as atividades propostas com dedicação e compromisso. A
pesquisa poderá proporcionar alguns benefícios, tais como: melhorar seu desempenho enquanto leitor
e escritor; aprender a utilizar a internet em benefício dos estudos e não somente para acessar redes
sociais. Sua (s) produção (ões) textual (is) será (ão) publicada (s) num espaço digital (blog) da escola,
na internet, para isso é solicitado o seu consentimento. Não haverá nenhum gasto ou pagamento para
participar do estudo, ficando o pesquisador responsável pelos custos de alimentação e deslocamento
quando houver necessidade. Você terá direito a indenização caso sofra algum prejuízo causado por
este estudo. Caso haja necessidade de indenização ou ressarcimento, o pesquisador se responsabiliza
por fazê-lo (a). Ninguém, além dos envolvidos, saberá que você está participando da pesquisa, não
falaremos a outras pessoas nem constará seu nome no projeto. As informações colhidas ficarão
guardadas em arquivos pessoais, sob a responsabilidade do pesquisador, durante o período de 05
(cinco) anos. Quando terminarmos o estudo, os resultados serão publicados em jornais e revistas
científicas, congressos e você também terá acesso a eles. Caso haja alguma palavra ou frase que você
não consiga entender, converse com o pesquisador responsável pelo estudo para explicá-lo (a) ou com
um adulto. Você ainda poderá nos procurar para retirar dúvidas entrando em contato pelo telefone da
secretaria do Programa (75) 3161-8872 ou pelo email [email protected]. Sua privacidade será
respeitada, ou seja, seu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, lhe
identificar, será mantido em sigilo. Os resultados desta pesquisa poderão ser publicados em revistas e
eventos apenas para fins acadêmicos e para isso solicito seu assentimento. Você não terá nenhum
prejuízo em relação à avaliação, pois a utilização dos dados será somente após o processo avaliativo
que consta no calendário do colégio. É assegurada a assistência, em relação ao acompanhamento nas
148
atividades a serem desenvolvidas durante toda pesquisa, bem como é garantido o livre acesso a todas
as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas consequências, enfim, tudo o que
você queira saber antes, durante e depois a sua participação. Se você aceita participar dessa pesquisa,
assine este termo em duas vias, ficando uma com você e outra com a pesquisadora. A pesquisadora
responsável pelo referido projeto é Jucelma Sacramento Alves, aluna do Mestrado Profissional em
Letras (ProfLetras), oferecido pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)
__________________________________________________________________________________
(Participante da pesquisa)
Jucelma Sacramento Alves – Pesquisadora