PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE - A Experiência Brasileira de 1964/1967

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1 RAFAEL ALBERTINI ROMERA PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE A Experiência Brasileira de 1964/1967 CURITIBA 2009

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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE

A Experiência Brasileira de 1964/1967

CURITIBA

2009

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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE

A Experiência Brasileira de 1964/1967

Monografia de Conclusão de Curso apresentada à FAE – Centro Universitário, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Fernando Muniz Santos

CURITIBA

OUTUBRO 2009

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RAFAEL ALBERTINI ROMERA

PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E LEGITIMIDADE

A Experiência Brasileira de 1964/1967

Este trabalho foi julgado adequado para a obtenção de grau de Bacharel em Direito e

aprovado na sua forma final pela Banca examinadora, da FAE – Centro Universitário.

Curitiba, de de 2009.

BANCA EXAMINADORA

Professor Fernando Muniz Santos

Professor Sérgio Kalil

Professor Gabriel Placha

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RESUMO

ROMERA, Rafael Albertini. Poder Constituinte Originário e Legitimidade: A Experiência Brasileira de 1964/1967. 80p. Monografia (Direito) - FAE - Centro Universitário. Curitiba, 2009. O poder constituinte, em sua forma originária, tem o condão de criar uma nova Constituição. Para isso, o poder constituinte tem de ser legítimo, possuindo, dentre outras, as seguintes características: a agente constituinte tem que ter seu poder ilimitado, os poderes políticos influentes no processo constituinte têm que ser legítimos, o povo tem que ter participação democrática nas decisões, os direitos fundamentais dos indivíduos têm que ser garantidos. O processo constituinte do movimento militar entre 1964 e 1967, como decorrência do golpe militar de 1964, teve um caráter essencialmente autoritário, que usurpou as características fundamentais que torna legítima a atuação do poder constituinte. O presente trabalho é uma análise do processo constituinte do movimento militar entre 1964 e 1967, demonstrando suas condutas autoritárias e ilegítimas. Palavras-chave: Poder Constituinte; Poder Constituinte Originário; Legitimidade; Movimento Militar; Golpe Militar de 1964; Autoritarismo.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................6

2.1 ORIGEM DO PODER CONSTITUINTE................................................................8

2.2 O PENSAMENTO DE SIEYÈS E O CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE 11

ORIGINÁRIO.............................................................................................................11

2.3 O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO...................................14

3 LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ............................15

3.1 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE E A LEGITIMIDADE...........................15

3.2 A CONSTITUIÇÃO PARA FERDINAND LASSALLE ..........................................16

3.3 UMA CERTA CONCEPÇÃO DE PODER ...........................................................17

3.4 PODER POLÍTICO .............................................................................................19

3.4 POVO..................................................................................................................21

3.7 DEMOCRACIA....................................................................................................25

3.8 EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO ..................................28

3.9 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E REVOLUÇÃO...................................31

4 O PODER CONSTITUINTE DO MOVIMENTO MILITAR ENTRE 1967 E 1969.34

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO, ORIGENS E FUNDAMENTOS PARA O GOLPE DE

1964 ..........................................................................................................................34

4.2 O GOLPE MILITAR E O INÍCIO DO AUTORITARISMO ....................................39

4.3 A EDIÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 .........................................................45

4.3 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E O AUTORITARISMO COMO

USURPAÇÃO DO PODER........................................................................................49

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................57

ANEXO 1 – ATO INSTITUCIONAL Nº 1...................................................................60

ANEXO 2 – ATO INSTITUCIONAL Nº 2...................................................................65

ANEXO 3 – ATO INSTITUCIONAL Nº 3...................................................................75

ANEXO 4 – ATO INSTITUCIONAL Nº 4...................................................................78

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1 INTRODUÇÃO

O poder constituinte, em sua forma originária, tem o condão de criar uma

constituição. É o poder constituinte que cria e delimita as competências das funções do

Estado, quais sejam, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.

O poder constituinte é invocado sempre que necessário, sempre que uma

determinada realidade de uma sociedade esteja em confronto com o direito vigente,

quando esta relação se torna insuportável. Quando a sociedade se depara com esta

situação, é preciso, de alguma forma, que o direito se amolde a presente situação.

Mas quem pode fazer isso? Em nome próprio ou representando uma

coletividade?

Seja como for, apenas se pode falar em poder constituinte se este for legítimo.

Para alcançar a legitimidade, o agente do poder constituinte tem por obrigação ser o

porta-voz da população, pois a Constituição deve ser o reflexo dos interesses do povo.

Ao analisar a história recente do Brasil, especificamente na formação da

Constituição de 1967, compreendendo como ela ocorreu, é um grande objeto de

estudo onde se podem verificar várias condutas autoritárias contrárias a qualquer

senso de legitimidade presente na situação atual do nosso país.

Na época do Golpe Militar de 1964, o Brasil se encontrava em uma turbulência

política. Nos 20 anos anteriores ao golpe, apenas dois presidentes terminaram seus

mandatos. A instabilidade tomou conta do país e a população não tinha noção de

qualquer diretriz que o Governo poderia tomar. Esta situação era decorrente, em

grande parte, da tensão mundial advinda após a Segunda Guerra Mundial, com a

chamada “guerra fria”.

A instabilidade política do Brasil era acompanha de perto por forças e influências

norte-americanas dentro do País, que tinham o interesse de difundir seu idealismo. Os

norte-americanos exerciam influências nos grandes empresários brasileiros e nos

militares, que eram seu principal agente de força.

Com uma série de episódios marcantes na história brasileira que resultaram na

presidência de João Goulart, em 1964, os militares, insatisfeitos com a gestão e com as

7

tendências esquerdistas do Presidente, armaram e efetivaram um golpe que depôs o

João Goulart.

Com os militares no poder, estes tinham que garantir a sobrevivência e a

estabilidade de seu Governo. Para atingir estes objetivos e para evitar que a resistência

ao novo Governo se organize e tome o poder novamente, foram editados Atos

Institucionais que centralizavam praticamente todo o poder no Executivo e,

conseqüentemente, davam liberdade para os militares agirem como queriam. Esta foi a

tônica para criação da Constituição editada em 1967.

Ao retomar uma realidade já superada em nosso país, o presente trabalho busca

analisar como ocorreu o processo de legitimação (ou a tentativa) dos militares a partir

do Golpe em 1964, expondo, primeiramente, quais são as características presentes

para um processo constituinte legítimo contrapondo como ocorreu nesta experiência

brasileira para que, ao final, seja possível compreender sobre a importância do

processo constituinte na formação de uma Constituição para o povo.

8

2 PODER CONSTITUINTE

2.1 ORIGEM DO PODER CONSTITUINTE

O Poder Constituinte originário é o poder que tem o condão de criar uma nova

Constituição. Para esclarecer este entendimento, faz-se necessário compreender qual

é a necessidade de uma Constituição e como foi a construção da idéia do que é

preciso para que esta organização fundamental do Estado se constitua. Para isto, nos

deparamos com o desenvolvimento das sociedades, desde a Antiguidade, até o

reconhecimento do valor jurídico das constituições no fim do século XVIII, onde

ocorreram as primeiras compilações escritas que consideravam regras fundamentais

para a sociedade.

Desde quando as primeiras tribos resolveram se organizar, estruturar e se

proteger mediante a outorga a um chefe desses poderes de governo, podemos dizer

que ocorre a existência de uma Constituição. Em decorrência desta atribuição, o chefe,

que era o mais velho, característica da sociedade patriarcal, tinha a incumbência de

garantir direitos conhecidos costumeiramente pelos indivíduos. Portanto, a existência

das normas nesta Constituição era oriunda de costume e de habitualidade, ou seja,

eram consuetudinárias.

Em consideração a importância das normas de coordenação da coletividade,

Ferreira Filho1 menciona que já Aristóteles considerava mais relevantes as leis que

eram concernentes à organização do governo do que as demais leis. Este pensamento

também era consoante em Atenas, uma das principais sociedades na Antiguidade.

Ainda segundo o autor, na Idade Média, surge a doutrina pactista medieval,

onde a vontade dos homens já se tornava importante para formação da base

governamental, mas que consideravam Deus como responsável por esta organização.

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Poder Constituinte. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 3-4

9

A doutrina apontava que a organização do governo ocorreria por intermédio do poder

político que nela era inserida.

A doutrina pactista medieval se aproxima com a do contrato social, a diferença é

que nesta ocorre a valoração do acordo de vontades dos homens que compõem a

sociedade para esta ser entendida e naquela o acordo seria apenas dos homens já

presentes no corpo político que tinham em Deus a justificativa de seu poder, sendo que

a vontade dos outros indivíduos eram tacitamente considerados2.

Os doutrinadores do contrato social objetivam justificar a organização da

sociedade. No tocante ao poder constituinte, este assunto torna-se importante para

levantarmos o avanço no reconhecimento do valor jurídico das constituições.

São três os principais doutrinadores do contrato social: Hobbes, no Leviatã, de

1651; Locke, no Segundo tratado do governo civil, da última década do século XVII; e

Jean-Jacques Rousseau, no Contrato social, de 1762. Também vale destacar a obra

de Montesquieu, que surgiu em 1748, em O espírito das leis. Embora com

fundamentações distintas sobre o contrato social, todos os autores apontam o acordo

livre entre os homens para que a sociedade seja entendida.

Hobbes escreve o Leviatã, logo após o surgimento da república na Inglaterra.

Hobbes acredita que o homem, para viver em sociedade, deveria abdicar de todos

seus direitos naturais. A preocupação de superar o estado de natureza vem no

interesse dos indivíduos em preservar seus bens e suas vidas. Somente assim

viveriam em paz. Para isso, o contratualista defende que deve existir uma lei

fundamental, no qual o soberano monarca comum assume todos os poderes para

preservar a sociedade, conforme os interesses desejados pelos seus componentes3.

Esta é uma teoria contratualista que justifica a monarquia absoluta.

Na Inglaterra, em 1688, ocorre a Revolução Gloriosa, no qual surge o Bill Of

Rights. Tal Revolução restringe os direitos reais na medida em que coloca o

2 Ferreira Filho, p. 5-6

3 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO; Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 182.

10

Parlamento inglês como responsável pelo legislativo, dentre outros atos que limitam o

poder do monarca. Já se instaura, então, uma divisão de poderes.

Um ano após esse movimento, em 1690, Locke publica o Segundo tratado do

governo civil.

Nesta obra, Locke molda e fundamenta o que ocorreu com a separação dos

poderes, entre legislativo e executivo, se opondo a monarquia absolutista. Ele acredita

que a sociedade política seria responsável por garantir o desfrute da propriedade. O

Poder Público deve garantir a tutela dos direitos já preexistentes ao Estado, que, com

um poder absoluto, estaria ameaçado.4

Locke também esclarece que o Legislativo teria apenas a função de editar leis,

pois se igualmente tiverem o poder de aplicá-las seria correr o risco de usurpá-lo,

amoldando as leis a seu próprio favor. Quanto ao Executivo, permanece com o poder

de julgar.

Montesquieu, em sua obra, O espírito das leis, publicada em 1748, divulga a

idéia de que liberdade política, todos os poderes do governo devem ser equilibrados,

para que “o poder freie o poder”. Segundo ele, os poderes devem ser três: o legislativo,

o executivo, e o de julgar. Assim, se evitaria o abuso de poder, limitando o poder

político, pois segundo ele todo homem que possui poder é tentado a abusar dele.

Rousseau, em sua obra Contrato social, publicado em 1762, anuncia a idéia de

que o poder soberano pertence diretamente ao povo, é o pacto social. O que diferencia

Rousseau dos outros contratualistas é que ele defende que a Constituição deve ser o

espelho da vontade do povo soberano, pois não a um modelo pronto e ideal para todos

os povos. Este é o princípio da soberania popular. Para ele, o Legislativo não deveria

ser limitado por nenhuma regra, pois é por este poder que a soberania do povo é

emanada, onde a vontade geral ganha força e onde é representado5.

Esta foi a tônica para a Revolução Francesa no final do século XVIII, onde os

revolucionários, ditos representantes do povo, assumem o Parlamento e fazem com

que este tenha supremacia frente ao monarca. Ocorre que, ao fortalecer o Parlamento

4 Mendes; Coelho; Branco. p. 183.

5 Mendes; Coelho; Branco. p. 186.

11

em detrimento do monarca, acabam se desvirtuando o que propunha Rousseau, uma

vez que os poderes não mais eram equilibrados.

Essa supremacia do Legislativo enfraqueceu a lei fundamental, a Constituição.

Isso porque esta não era protegida por aquela, uma vez faltavam mecanismos para

defender a Constituição.

Não havia como contrastar o que era decidido pelo Legislativo: o judiciário

atuava para aplicar exatamente o que constava na lei, sem margem para interpretação

e não havia controle de constitucionalidade efetivo, uma vez que era remetida ao

próprio legislativo eventuais lacunas e contrariedades das leis.

Diante do já exposto, vê-se que a construção da necessidade de uma fonte

normativa maior vem juntamente como um arrimo de uma situação social e política

presente em um determinado Estado. É perceptível que para cada circunstância da

história são criados entendimentos pela própria sociedade para melhor compreendê-la,

assim é como o a teoria dos contratualistas evolui e cada vez mais a discussão em

torno da relevância da constituição como organização do Estado foi se tornando

importante.

2.2 O PENSAMENTO DE SIEYÈS E O CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE

ORIGINÁRIO

O tema de poder constituinte originário teve sua primeira abordagem em

Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836), em seu livro Que é o Terceiro Estado.

O livro publicado foi um manifesto para a Revolução Francesa, em prol das

reivindicações da burguesia frente ao absolutismo.

O Terceiro Estado para Sieyès eram as pessoas que não pertencessem à

nobreza ou ao alto clero. Nesta definição incluía-se a burguesia. A burguesia era quem

produzia a riqueza do país e ainda exercia quase integralmente as funções públicas

que não geravam lucros nem títulos de honra. Embora fosse a burguesia quem

motivava toda a riqueza do país, ela não possuía qualquer direito. Para ele, a nação se

12

identificava com o Terceiro Estado e, portanto, teria que ter papel ativo na organização

do Estado.

Em seu livro, Sieyès demonstra uma forma representativa de Governo e forma o

conceito de poder constituinte originário.

O poder constituinte é o suporte para a Constituição e tem superioridade perante

qualquer outra norma. Face esta superioridade, a Constituição precisa sempre ser

reconhecida como valor máximo de um Estado e, por isso, precisa criar mecanismos

para assim se manter. Por isso, Sieyès ainda diferencia o poder constituído originário e

o poder constituído.

Celso Ribeiro Bastos6 define bem o conceito de poder constituinte originário e a

distinção entre poder constituinte e constituído para Sieyès:

A criação de um corpo de representantes necessita de uma Constituição, na qual sejam definidos os seus órgãos, as suas formas, as funções que lhe são destinados e os meios para exercê-las. As leis constitucionais regulam a organização e as funções dos poderes constituídos (corpos), entre os quais se encontra o Legislativo. Elas são leis fundamentais porque não podem ser tocadas pelos poderes constituídos: somente a nação tem o direito de fazer a Constituição. O poder constituinte é, assim, um poder de direito, que não encontra limites em direito positivo anterior, mas apenas e tão somente no direito natural, existente antes da nação e acima dela. Além disso, o poder constituinte é inalienável, permanente e incondicionado. A nação não pode perder o direito de querer e de mudar à sua vontade; não está submetida à Constituição por ela criada nem a formas constitucionais; seu poder constituinte permanece depois de realizada a sua obra, podendo modificá-la, querer de maneira diferente, criar outra obra, independentemente de quaisquer formalidades. Os poderes constituídos, ao contrário, são limitados e condicionados; recebem a sua existência e a sua competência do poder constituinte; são organizados na forma estabelecida na Constituição e atuam segundo esta.7

Portanto, o poder constituinte originário cria uma nova Constituição,

organizando-o e definindo os poderes que devem reger os interesses da comunidade.

É o poder constituinte originário distinto e anterior a autoridade dos poderes

constituídos, pois este somente possui poder porque lhe é concedido pela constituição.

6 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional; São Paulo: Saraiva, 1998

7 Sieyès, apud Bastos, 1998, p. 22-23

13

Sieyès entendia que o povo é o soberano da nação e, portanto o titular do poder

constituinte. Como não poderia se justificar usando um direito positivo, ele afirma que é

o direito natural da nação que embasa a renovação da ordem jurídica, pois este é um

direito superior que decorre da própria natureza humana. Nação, para Sieyès, “(...) é a

encarnação de uma comunidade em sua permanência, nos seus interesses constantes,

interesses que eventualmente não se confundem nem se reduzem aos interesses dos

indivíduos que a compõe em determinado instante”8.

Sieyès ainda aborda as características do poder constituinte originário, quais

sejam: inicial, ilimitado e incondicionado.

É inicial, pois é a raiz de todo o ordenamento jurídico, é sua base. É pelo poder

constituinte que ocorre o início da ordem jurídica.

Sieyès diz que o poder constituinte é ilimitado, pois não se vincula à ordem

anterior. No entanto, o abade afirma que é dever do poder constituinte respeitar o

direito natural.

O caráter incondicional se configura, pois, como não há previsão de sua criação,

também não é regulado por qualquer norma. É a nação que diz o que quer e é pela sua

vontade e sem qualquer influência que o poder constituinte atuará.

Sieyès deu um grande salto e desenvolveu o conceito do poder constituinte que,

em grande parte, vigora até a atualidade. Porém, uma característica interessante deste

poder, é de que não se deve encarar o pensamento de Sieyés como modelo para se

ter uma constituinte ideal, como o próprio abade proclama, o poder constituinte sempre

terá a vontade da nação como requisito para sua constituição.

8 Ferreira Filho, p. 23.

14

2.3 O PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO

Para José Afonso da Silva, “Poder constituinte é o poder que cabe ao povo de

dar-se uma constituição. É a mais alta expressão do poder político, porque é aquela

energia capaz de organizar política e juridicamente a Nação”9.

Este conceito de José Afonso da Silva refere-se ao poder constituinte originário,

onde há um caráter inicial, pois produz originariamente o ordenamento jurídico de um

Estado.

O poder constituinte originário ocorre na formação de um novo Estado ou em

uma hipótese revolucionária em que seja necessária uma nova Constituição para

legitimar uma situação política e social de uma determinada época.

O poder constituinte derivado refere-se ao poder de reforma da Constituição,

sendo por ela mesma prevista. Estas alterações são necessárias visto a evolução dos

fatos sociais. Esta reforma pode ser por modificações ou por adições aos textos

constitucionais, mas sempre previstos por estes. A reforma é realizada por poderes

constituídos, conhece limitações constitucionais e é passível de controle de

constitucionalidade.

Portanto, os dois poderes não podem ser confundidos, o poder constituinte

derivado não possui as características básicas do originário, quais sejam, não é inicial,

não é ilimitado, nem incondicionado. Este poder tem características contrárias, ele é

derivado, subordinado e condicionado.

A modalidade originária do Poder Constituinte é o que interessa para o presente

trabalho.

9 SILVA, Jose Afonso da. Poder Constituinte e Poder Popular. São Paulo: Malheiros, 2000. p.67

15

3 LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

3.1 A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE E A LEGITIMIDADE

A questão mais relevante para uma teoria do poder constituinte é o problema em

torno de sua legitimidade.

Poder constituinte, pelo seu termo e analisado formalmente, sempre existiu, pois

a cada momento que uma sociedade decide se organizar para estabelecer

fundamentos para sua organização, em qualquer tempo da história se pode dizer que

ocorreu o fenômeno constituinte, pois este é seu instrumento. O que se torna de

essencial importância é a legitimidade dessa constituinte, quem pode fazê-lo e quais

seus fundamentos.

Pelo que foi visto no primeiro capítulo deste trabalho, vários foram considerados

os titulares do poder constituinte durante a história. Na Idade Media era Deus

considerado como titular do poder constituinte. Com as monarquias absolutas, a

titularidade recaia ao monarca. Já durante a Revolução Francesa, com fundamento em

Sieyès, a titularidade passa à nação10.

A nação é titular, que, de acordo com o abade Sieyès, deve ser exercido de

forma representativa. Ocorre que os representantes podem ter sua autoridade

questionada, ou seja, pode ser que não haja mais legitimidade em seu poder, o que

enseja uma reavaliação da presença dos valores inerentes à sociedade que justificam

seu comando e a obediência dos governados11.

Deste juízo de Sieyés, se extrai a importância da legitimidade do poder

constituinte para, posteriormente, a Constituição ser efetiva. Porém, compreender

como ela é construída e quais são as influências que nela incorrem é de fundamental

importância para entender a questão da legitimidade do poder constituinte.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003. p.158

11 BONAVIDES, p.160

16

3.2 A CONSTITUIÇÃO PARA FERDINAND LASSALLE

Ferdinand Lassalle (1825-1864), em seu livro “A Essência da Constituição”,

resultado de sua conferência pronunciada em 1863 para intelectuais e operários da

antiga Prússia, foi o precursor da teoria crítica da ordem jurídica, onde se preocupa em

explicar o que é uma Constituição.

Neste livro, Lassalle aponta que as instituições jurídicas são os “fatores reais do

poder” que são transcritos em “folha de papel”, termo muito utilizado pelo autor. Ele tem

como base para sua análise a Constituição Prussiana, que era considerada

extremamente autoritária.

Lassalle diz que uma Constituição deve ser rígida, pois ela é uma lei

fundamental da nação, é mais do que uma simples lei. Ela deve ser firme e imóvel, não

deve ser alterada, ou se for necessário, deve ter dois terços do voto do Parlamento. A

lei fundamental deve ser a lei básica, como o próprio nome já diz, que constitua o

fundamento das outras leis. A Constituição é uma “força ativa” que todas as outras leis

e instituições jurídicas vigentes seguem. Esta “força ativa” se apóia nos fatores reais do

poder que regem a sociedade. Os fatores reais de poder influenciam todas as leis e

instituições jurídicas vigentes.12

Cada fator real do poder influencia o legislador para editar suas leis. São os

fatores reais: o monarca, a aristocracia, a grande burguesia, os banqueiros, a pequena

burguesia e a classe operária. Cada um é uma parte da Constituição: o monarca

porque detém o poder do exército; a aristocracia porque são a nobreza, grandes

proprietários de terras que exercem influência na corte; a grande burguesia, pois são

responsáveis pela indústria do Estado, possuem grande capital e empregam operários,

tendo um importante papel na sociedade; os banqueiros pois emprestam dinheiro ao

Governo; a pequena burguesia e a classe operária porque são a maioria da população

que, mesmo controlados pelo Governo, não aceitariam restrições em suas liberdades

pessoais, podendo se rebelar e causar problemas para o Governo. A partir do

12 LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988. p.5-11

17

momento que a soma dos fatores reais do poder adquirem expressão escrita, se

tornam direito e instituição jurídica13.

Na Prússia, na época da conferência feita por Lassalle, o rei tinha total controle

sobre o Exército e sobre a Marinha, e estas instituições não eram obrigadas a guardar

a Constituição e sim apenas ao monarca. Com isso, segundo o autor, o monarca tem

um poder muito superior ao restante da Nação inteira, demonstrando o tamanho da

força política que o rei tem em suas mãos. O autor ainda afirma que este poder do rei é

organizado, enquanto o poder da nação não. O poder organizado consegue se reunir a

qualquer tempo, o que não acontece com a nação, situação que impede resistência às

condutas do monarca, razão pela qual o rei se sustenta pelo decorrer dos anos14.

O autor afirma que as Constituições escritas são constituídas de acordo com os

fatores reais de poder que regem o país, somente assim ela se tornar efetiva. Se não

houver esta correspondência, a constituição escrita fatalmente sucumbirá a qualquer

momento. Segundo Lassalle, os problemas constitucionais são essencialmente de

poder e não de direito15.

3.3 UMA CERTA CONCEPÇÃO DE PODER

Partindo do entendimento de Lassalle, de que a constituição é resultado de um

conflito de poderes existentes em uma sociedade, resta compreender a extensão do

termo “poder” e também relacioná-lo com o direito.

A constituição como um complexo de normas que regem uma estrutura social e

política, se forma com um sistema de poderes. Nelson Saldanha afirma que toda

situação social é acompanhada como um aspecto de poder. Para o autor, todas as

espécies de poder, seja econômico, psicológico, militar ou político englobam o poder

13 Lassalle, p. 11-18

14 Lassalle, p. 22-25

15 Lassalle, p. 41-49

18

social, e só podem ser considerados como autêntico poder quando atuam em relações

de caráter social. Portanto, o poder tem um caráter pluralístico, sendo mais ou menos

sociais.16

Segundo o Nelson Saldanha:

Podemos considerar antes do mais as formas do poder que são espécies evidentes do poder social, ou setores seus: o poder econômico, o político, o militar, o jurídico. E há poderes não propriamente sociais, mas que melhor se manifestam quando aparecem em relações sociais, como o poder psicológico ou o biológico. Em verdade a “vantagem” resultante de qualquer espécie de poder é antes de tudo, num plano genérico, vantagem “social”: o possuidor de qualquer grande capacidade econômica, de qualquer grande prestígio religioso, de grande aptidão psíquica ou física, adquire uma amplitude de oportunidade de ação que tem em primeiro termo sentido social genérico.17

No entanto, apesar dessa grande amplitude do termo, tem-se que aproximar o

conceito de poder ao ponto de vista jurídico. Somente com esta compreensão,

percebe-se que a Constituição não é somente uma conjugação de poderes ou um

aglomerado de normas, é justamente com a interação destes dois fatores é que se

pode falar em Constituição.

Desta forma, tendo em vista o entendimento do poder social, pode-se dizer que

nada mais se une a ele do que o direito. Isto pelo motivo de que o poder social se

relaciona a todos os planos da sociedade, tendendo a se tornar direito. ”Na medida em

que o jurídico é prestigiado pelo social, os alcances do poder se aproximam do direito;

na medida em que o jurídico inclui o poder e o penetra, o poder se alça e adquire

investimento jurídico”18.

Neste sentido, deve existir uma sintonia entre a realidade social e o poder para

se formar uma Constituição. Desta forma, a Constituição não será apenas um conjunto

de normas, mas irá refletir e estará em conformidade com a sociedade e com os

poderes que nela atuam.

Tendo em vista que a Constituição é o reflexo das influências atuantes da

sociedade, ela deve ter a finalidade de limitar e definir o alcance destas influências. Isto

16 SALDANHA, Nelson. O Poder Constituinte. São Paulo: Revisto dos Tribunais, 1986. p.31-32

17 Saldanha, p. 38-39.

18 Saldanha, p. 50.

19

tem relação com a atuação do Estado. Segundo a concepção de Flávio Bierrenbach,

Estado “é uma nação com um governo institucionalizado”19. A estabilidade do governo

é mantida pela Constituição, que deve limitar suas competências para impedir o uso

arbitrário do poder estatal e definir o raio de ação do poder político para que este atue

nos conflitos entre classes, impedindo o arbítrio do poder econômico em face dos

demais cidadãos. Sem a existência desses freios para controlarem o poder, não se

pode falar em governo constitucional. Estas principais finalidades da Constituição têm o

objetivo de garantir a liberdade e a igualdade dos cidadãos20.

3.4 PODER POLÍTICO

O poder social para alcançar o direito tem como instrumento a política, esta é

entendida como o conjunto de meios utilizados para o acesso, exercício e manutenção

do poder.

Toda Constituição, como norma fundamental de um Estado e como resultado de

um conjunto de influências na sociedade, implica em uma ligação do que compreende

aspectos jurídicos e políticos. A política é usada para atingir finalidades de interesse da

sociedade, sendo que o modo como isto se procede é de caráter essencialmente

político, até chegar à sua inserção em uma ordem jurídica.

O poder político é a decorrência da capacidade de influência de seu corpo de

afetar a vida da sociedade, possibilitando o controle e o direcionamento do Governo. O

poder político visa à preservação dos valores fundamentais do indivíduo, da sociedade

e do Estado, e procura métodos adequados para atingir esses objetivos, ou seja,

procurar atingir o bem comum.

Dalmo de Abreu Dallari menciona três dualismos fundamentais para êxito

desses objetivos21:

19 BIERRENBACH, Flavio. Quem tem medo da Constituinte? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 23

20 Bierrenbach, p. 41

21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2003. p.130

20

a) necessidade e possibilidade. É a verificação das necessidades do povo, de

forma a preservar seus valores, assegurando elementos compatíveis com a natureza

humana e a sua sobrevivência, e estabelecer, de acordo com as possibilidades, os

métodos para a consecução desses fins;

b) indivíduos e coletividade. É a conciliação das necessidades dos indivíduos e

da coletividade, tendo em consideração que, embora o indivíduo tem o valor mais alto,

deve ser analisado ele inserido no contexto da sociedade, de forma a não privilegiar um

ou alguns indivíduos em detrimento dos outros;

c) liberdade e autoridade. Trata-se da possibilidade de existir coerção por parte

do governo para manter a ordem e atingir os objetivos propostos, mas com cautela

para não ensejar demasiada restrição a este direito, que é um dos valores

fundamentais da pessoa humana.

Juntamente com a conceituação de poder político, faz-se necessário

compreender o entendimento de que esta condição (poder político) é estritamente

ligada à concepção de Lassalle, no qual a Constituição seria o resultado dos fatores

reais de poder, partindo do pressuposto de que quem detém poder político é capaz de

influenciar na edição da norma fundamental, mas com a distinção de que, se a

Constituição não mais atender completamente os interesses do poder político, nem

sempre suas normas não serão mais efetivas, isto porque a Constituição possui um

vigor normativo que pode atribuir regras para o poder político e este pode aceitar sem

uma necessária alteração na norma fundamental.

Contrapondo-se a Ferdinand Lassalle, o professor Konrad Hesse, elaborou um

trabalho em 1959 afirmando que a Constituição não deve ser encarada apenas como

um desfecho das influências dos fatores reais de poder, pois assim a Constituição

sempre será vista em uma forma negativa, como apenas um instrumento para justificar

as forças dominantes de um Estado em um determinado momento. Segundo Hesse, a

Constituição possui uma força própria, motivadora e ordenadora do Estado22.

Segundo o autor, a Constituição terá força ativa se as regras nela contidas forem

efetivamente realizadas. Para isso, ela deve ter vinculação com as tendências

22 HESSE, p. 11.

21

dominantes da situação atual do Estado, preservando as disposições culturais, sociais,

políticas e econômicas presentes.

Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição

23.

A vontade de Constituição, segundo Hesse, é caracterizado pela vontade de

manter o respeito à Constituição, mesmo que, em certo momento, seja necessária a

renúncia a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens. A freqüente revisão ou

criação de novas Constituições sob alegação de suposta necessidade política

desvaloriza a eficácia da norma Constitucional, por isso a sua estabilidade é condição

fundamental24.

Assim, entendendo o que é poder político, pode-se dizer que a Constituição é

decorrente de uma força política apta a instituir e preservar o vigor normativo de seu

conteúdo. O poder constituinte, então, é a exteriorização da vontade política da nação

que “não pode ser entendido sem a referência aos valores éticos, religiosos, culturais

que informam essa mesma nação e que motivam suas ações”25.

3.4 POVO

Percebe-se que o detentor o poder político, ou pelo menos quem o exerce, não é

o povo como um todo, mesmo sendo ele o foco deste poder.

A palavra “povo” é uma constante nas Constituições modernas, seja em seu

texto, seja invocando o poder constituinte. Está na atual constituição brasileira, no §

único de seu art. 1º: “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Está

23 Hesse, p. 19.

24 Hesse, p. 23

25 Mendes; Coelho; Branco. p. 197-199.

22

também na constituição alemã, em seu preâmbulo: “o Povo Alemão, por força do seu

poder constituinte”26.

Esta palavra é demasiadamente usada no vocabulário político e jurídico, sendo

preciso em grande esforço para se atingir uma noção aceita de seu sentido. Para isso,

tem-se que esclarecer algumas confusões quanto ao termo e aproximá-lo à sua

concepção jurídica.

Primeiramente, cumpre esclarecer a diferença entre povo e população.

População é apenas uma expressão numérica que cinge o conjunto dos indivíduos que

compõe um Estado. Povo não pode se resumir a esta concepção, o termo população

não abrange nenhuma vinculação jurídica entre o individuo e o Estado27.

Outra diferenciação importante ocorre entre povo e nação. Como já visto, nação

foi o grande termo utilizado por Sieyès em seu manifesto da Revolução Francesa,

sendo utilizado para exteriorizar o que se referisse ao povo na época. Desta forma,

ligava-se à nação como um sentido de Estado. No entanto, modernamente, a nação

não é mais entendida desta maneira. Este termo agora abarca apenas a origem do

indivíduo, como inserido em uma comunidade com ligações histórico-culturais, com

mesmos ideais e costumes. Portanto, a extensão deste termo também não abrange

conexão jurídica entre o individuo e o Estado28.

A conexão dos indivíduos com o Estado ocorre em duas situações: quando

estão em uma relação de subordinação ao Estado, sendo sujeito de deveres, e quando

se encontram em uma relação de coordenação com o Estado e com os outros

indivíduos, sendo, portanto, sujeito de direitos. Neste juízo de idéias, quando o

indivíduo se insere neste relacionamento, pode-se dizer que ele é um cidadão. No

entanto, para ser considerado um cidadão, pressupõe-se a participação do indivíduo na

constituição do Estado, pois é isso que vai consignar um caráter permanente dessa

26 MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? São Paulo: Max Limonad, 1998. p.47-48

27 Dallari, p. 95.

28 Dallari, p. 96.

23

relação, mesmo com o nascimento de outros indivíduos. Assim, considera-se um

cidadão com capacidade e direitos políticos, pois é atuante e participativo no Estado29.

Como Dalmo de Abreu Dallari afirma:

Todos os que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar povo como o conjunto de cidadãos do Estado. Desta forma, o indivíduo, que no momento mesmo de seu nascimento atende aos requisitos fixados pelo Estado para considerar-se integrado nele, é, desde logo, cidadão.30

Müller amplia ainda mais o conceito do povo, dizendo que não são apenas os

cidadãos, pois ninguém está excluído do povo-destinatário, isto é, mesmo que a

pessoa perca temporariamente a capacidade de exercer os direitos civis, como os

doentes mentais ou os menores de idade, também estes tem sua pretensão normal aos

seus direitos fundamentais31.

Diante do exposto, há necessidade da participação do povo no processo

constituinte do Estado. Este deve ser a expressão da vontade popular, de forma a

realizar suas aspirações. Se não ocorrer deste modo, não há como falar em

legitimidade seja do corpo político, seja do governo, seja do processo constituinte por si

mesmo.

3.6 DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO

A Constituição, como norma fundamental do Estado e com o objetivo de

guardar os interesses do povo, deve preservar um conjunto de princípios inerentes à

condição humana, decorrentes de suas condições e de seus desejos permanentes.

Pode-se afirmar isto, pois, como já visto, a Constituição somente se legitima com o

povo, e este possui direitos intrínsecos à sua categoria.

29 Dallari, p. 98-100

30 Dallari, p. 100

31 Müller, p. 79-80.

24

Esta preocupação se volta até a Antiguidade, onde as sociedades já se

preocupavam na preservação de direitos fundamentais, pois estes estão acima do

poder de qualquer governante. Os direitos fundamentais nesta época eram decorrentes

de uma combinação de preceitos jurídicos, morais e religiosos de uma determinada

sociedade. No entanto, o documento que é considerado o precursor destes resguardos

é a Magna Carta da Inglaterra, que majorou os direitos da igreja e dos nobres da época

em detrimento do poder absoluto do monarca. Em seu conteúdo, estabeleceu

princípios que tiveram uma consagração universal, como, por exemplo, o grande

instrumento contra a restrição da liberdade, o habeas corpus. Ainda na Inglaterra, no

ano de 1689, houve a criação pelo Parlamento do Bill Of Rights, que garantia liberdade

de expressão e liberdade política, os indivíduos podiam eleger seus representantes e

podiam também ter voz ativa no Parlamento32.

No ano de 1776, na intitulada Declaração de Virgínia, surgiu a primeira

declaração de direitos, que tinha como foco a preservação de direitos naturais do

indivíduo, cuja cláusula primeira proclamava “que todos os homens são por natureza

igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inerentes, dos quais, quando

entram em qualquer estado de sociedade, não podem por qualquer acordo, privar ou

despojar os pósteros; quer dizer, o gozo da vida e liberdade, com os meios de adquirir

e possuir propriedade, e perseguir e obter felicidade e segurança”33. Percebe-se, no

conteúdo desta primeira cláusula da declaração da Virgínia a prevalência dos direitos

naturais, que estão acima das próprias Constituições.

A Assembléia Nacional francesa, inspirada pelo feito em Virgínia, ocorreu em

1789, onde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi aprovada, que

compreendeu em dezessete artigos e um preâmbulo os ideais do liberalismo francês

na primeira fase da Revolução Francesa. Esta declaração representou o maior marco

para a preservação dos direitos e valores fundamentais da pessoa humana e tem um

caráter notável até os dias atuais. A declaração envolve direitos de liberdade de opinião

e política, igualdade, finalidade do poder político, propriedade, segurança, legalidade e

32 Dallari, p. 206.

33 Dallari, p. 207.

25

ainda proclama que se em uma sociedade não houver assegurado a garantia dos

direitos fundamentais, nesta não há constituição.

Uma idéia de uma nova declaração de direitos surgiu após a II Guerra Mundial,

decorrente dos abusos de Governos e visíveis desigualdades sociais frutos dos

princípios essencialmente individualistas do liberalismo, que favoreceu

demasiadamente a burguesia em detrimento dos indivíduos, que nada mais possuíam

do que a força de trabalho. O objetivo era proteger os homens para que pudessem ter

acesso aos bens sociais. Deveriam ser regidas normas para que seja possível o

alcance de uma justiça social. O documento que contemplava esta finalidade foi a

Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das

Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Proclama em seu artigo 22, a segurança

social, à realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, indispensáveis à sua

dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade. Esta declaração, por tratar

de direitos fundamentais inerentes à natureza humana, tem no próprio conteúdo de

suas normas o objetivo de torná-las efetivas a todo indivíduo, sendo que ninguém tem

legitimidade de retirá-las, seja governos, Estados, ou a própria Organização das

Nações Unidas.34

Isto tudo conduz à conclusão que nenhuma Constituição será legítima se não

conter direitos inerentes ao homem, como a liberdade e a igualdade. Faz-se necessário

um Estado de Direito, onde sejam previstas normas que contenham tutela aos direitos

fundamentais do indivíduo e que limitem a atuação do Governo com o objetivo de

prevenção a um poder absoluto que não respeita estes princípios.

3.7 DEMOCRACIA

A questão da legitimidade do poder constituinte adquire um aspecto

compreensível ao ser relacionada com uma concepção democrática de exercício do

poder.

34 Dallari, p. 209-211

26

Visto que o povo é o titular e é quem legitima o poder constituinte, aproxima-se o

poder constituinte com a democracia, pois esta é um regime político que se

fundamenta na vontade do povo.

O Estado Democrático surgiu com a finalidade de preservar os direitos

fundamentais do indivíduo em face do absolutismo, decorrente dos princípios já

expostos elaborados no Bill Of Rights, na Inglaterra, da Declaração de Virgínia, nos

Estados Unidos, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França. A

democracia é o meio utilizado para que esses direitos sejam tutelados pelo Estado.

Segundo Dallari35, existem três pontos fundamentais que são exigências da

democracia:

a) supremacia da vontade popular. É a exigência da participação popular no

Governo, onde está inserido o modo representativo de Governo, o direito de sufrágio e

os sistemas eleitorais e partidários;

b) preservação da liberdade. É entendida como o direito de fazer tudo que não

incomode outros indivíduos e o direito de dispor de sua pessoa e de seus bens;

c) igualdade de direitos. É a isonomia de todos perante a lei.

A democracia, portanto, tem como essência a soberania popular, como resposta

aos poderes absolutos. Na democracia, os cidadãos aderem à autoridade de forma

livre e voluntária, pois governo atua para garantir o máximo de segurança e bem-estar

a todos36. “O poder, assim, será legítimo, na medida em que os meios de realização de

suas vontades, ou de seus comandos, integrem um processo democrático de tomada

de decisões”37.Deste modo, a democracia é a conexão entre o povo e o governo.

Agora, resta entender as formas com que o povo participa do poder. Para isso,

existem três espécies de exercício da democracia: a direta, a representativa e a

semidireta.

35 Dallari, p. 151

36 Silva, p. 45.

37 Bierrenbach, p.45

27

Democracia direta ocorre quando o povo atua editando leis, administrando e

julgando. Esta é uma realidade de difícil realização, pois é complicado imaginar todo o

povo exercendo tais funções do Estado diretamente.

Devido a impossibilidade prática da democracia direta, se tornou mais exequível

o exercício da democracia representativa, onde o povo elege representantes para

atuarem em seu nome, com mandatos periódicos.

Segundo José Afonso da Silva38:

A democracia representativa pressupõe um conjunto de instituições que disciplinam a participação popular no processo político, que vêm a formar os direitos políticos que qualificam a cidadania, tais como as eleições, os sistemas eleitorais, os partidos políticos, etc. Mas nela a participação é indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos representantes do povo.

Na modalidade de democracia semidireta, ocorre uma de uma forma

representativa, mas são utilizados institutos que possibilitam ao povo uma participação

direta: a iniciativa legislativa popular, onde o povo ou parte dele apresenta projetos de

lei que devem ser submetidos à aprovação popular, após aprovadas pela Câmara

Legislativa, por meio de eleição; o referendo popular, que garante ao cidadão o voto

em projetos de lei aprovadas pelo Legislativo; o veto popular; que é a garantia do povo

em retirar vigor normativo à uma lei; a revocação (recall), onde, a requerimento de um

certo número de eleitores, o mandado de um cargo eletivo pode ser revogado, após

submetido ao voto popular. A democracia semidireta também pode ser chamada de

democracia participativa39.

A discussão em torno da democracia é relevante, pois induz a maneira da

participação do povo no processo constituinte. O povo deve ter participação na

elaboração do conteúdo básico da Constituição, bem como, após ser aprovado o

projeto constituinte, decidir, em referendo popular, se esta é a Constituição que atende

aos seus valores e as mudanças que almejam. Somente assim podemos dizer que ela

é legítima e é reflexo da vontade popular. “Na verdade, sem a plenitude da participação

38 Silva, p. 47.

39 Silva, p. 51.

28

do povo, o governo não será nunca um governo constitucional, mas governo de fato

dissimulado em aparências constitucionais ou sem essas aparências”40.

3.8 EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

O exercício do poder constituinte é modo que o poder constituinte atingirá sua

constituição formal. Este assunto está ligado ao caráter incondicional do poder

constituinte, isto é, não há forma prefixada para seu exercício.

Por uma concepção democrática, somente com a participação popular será

criada uma constituição legítima e efetiva, onde o povo deve participar direta ou

indiretamente, para que seja a expressão de suas vontades e aspirações.

José Afonso da Silva aponta quatro formas democráticas de exercício do poder

constituinte:41

a) exercício direto, onde a constituição é preparada por um governo provisório

ou em transição e é submetida a referendo popular. Temos como exemplo mais

recente o referente em 1980 no Chile de Pinochet, que este método de exercício foi

usado para consagrar seu governo;

b) exercício indireto, onde é criada uma Assembléia Constituinte composta de

representantes do povo eleitos com poderes específicos para elaborar e promulgar

uma constituição;

c) exercício por forma mista, onde é formada uma Assembléia Constituinte nos

modos do exercício indireto e, quando criada a constituição, é submetida a referendo

popular. Esta foi a forma utilizada para a Constituição espanhola de 1978.

d) exercício pactuado, onde ocorre uma criação consensual da constituição por

representantes dos Estados ou províncias de um país. Este tipo de exercício ocorreu

40 FAORO, Raymundo. Assembléia Constituinte e Legitimidade Recuperada. São Paulo: Brasiliense, 1981. p.15

41 Silva, p. 70-71.

29

nos Estados Unidos em 1787, quando se reuniram delegados dos treze Estados

soberanos, que eram colônias inglesas, em uma convenção.

Atualmente, o modo típico de exercício do poder constituinte originário por

participação popular é por meio da Assembléia Constituinte.

Na Assembléia Constituinte, como já dito, a constituição provém da deliberação

de representantes do povo, realizado através de debates e votações. Para isto, se

torna de extrema importância a eleição de representantes constituintes em

consonância ao desejo da nação, para realmente propor para a nova constituição as

transformações aspiradas, em todos os âmbitos: político, econômico e social.

Ressalta-se a importância dos membros da Assembléia Constituinte ser

independente da atual composição do Poder Legislativo. Os dois poderes não podem

ser confundidos. Isto segundo José Afonso da Silva, garantiria a idéia de exclusividade

e autonomia da Assembléia Constituinte, sendo esta funcionando como um poder

paralelo às funções do Legislativo, Executivo e Judiciário durante um certo período de

tempo.42

Esta discussão é relevante, pois, se o Legislativo compusesse simultaneamente

o poder de criar uma nova constituição e de editar leis em consonância com a antiga

constituição seria uma total incoerência com as características básicas do poder

constituinte originário. O poder da Assembléia Constituinte deve ser soberano, pois é

decorrente da vontade do povo. Enquanto em funcionamento, a Assembléia deve ser o

único poder real existente. Melhor dizendo, os outros poderes estão condicionados a

atuação da Assembléia Constituinte, pois esta pode alterar o próprio funcionamento do

Legislativo, Executivo e Judiciário. Pelos motivos expostos, seria totalmente inaceitável

que os membros do Legislativo também fizessem parte da Assembléia Constituinte.

A Assembléia Constituinte tem a responsabilidade de atender a vontade da

nação, por isso deve ser soberana, o povo não pode reconhecer outro poder de maior

ou igual hierarquia, só ela deve decidir sobre assuntos da organização estatal e jurídica

em todos os níveis. A presença de qualquer outra instituição do Estado na Assembléia

42 Silva, p. 73.

30

Constituinte traria um conflito onde não mais se preservaria a legitimidade para qual foi

proposta.43

Essa é a idéia da doutrina francesa da soberania nacional, que tem como

princípio básico que o poder constituinte deve recair em um órgão distinto dos outros

órgãos já constituídos. O poder constituinte deve ser um poder em paralelo aos

poderes constituídos, pois estes já pressupõem uma constituição e já se fundamentam

nela para atuarem. Esta é uma garantia de natureza formal, pois assim há um

resguardo de interferências que restrinjam direitos de interesse da nação.44

Existe também o modo de outorga como exercício do poder constituinte. A

outorga consiste na edição da Constituição por declaração unilateral do próprio

detentor do poder, elaborada através de uma carta. Nesta caso, o a agente do poder

constituinte se sujeita a impor determinadas regras ao próprio poder, ao invés de deixá-

lo ilimitado. Este modelo é comum às monarquias absolutas e também pode ser

decorrente de revoluções onde seus líderes assumem o poder, como o ocorrido na

Constituição brasileira de 1937, originado de um golpe de Estado dado pelo Presidente

Getúlio Vargas.45

Esta é claramente um modo no qual não está presente a vontade do povo, pois

o poder constituinte está restrito a uma pessoa apenas.

Quanto ao caso da Constituição de 1967, com traços de exercício do poder

constituinte mediante outorga e mediante Assembléia Constituinte, é um estudo que faz

parte do presente trabalho e será exposto em momento oportuno.

43 Silva, p. 74.

44 Bonavides, p.153-154.

45 Ferreira Filho, p.64.

31

3.9 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E REVOLUÇÃO

Compreender este assunto se torna de fundamental importância para o

propósito deste trabalho, pois é a ligação entre o poder necessário para se estabelecer

uma constituição e o fenômeno social revolução, que é, na maioria das vezes, ponto de

partida para uma nova constituinte. De certo, desde já, pode-se dizer que a revolução

se caracteriza como um veículo do poder constituinte originário.

Em um sentido genérico, revolução é um ato ou efeito de revolucionar, é uma

insurreição, rebelião, é uma mudança radical na estrutura econômica, política e social

de um Estado, que acarreta total modificação das instituições, costumes e ideologias

dominantes.

Por meio de uma análise histórica, duas causas geram as grandes revoluções,

quais sejam, a causa política e a causa sócio-econômica. As revoluções ocorrem frente

a uma desarmonia entre as instituições e os valores fundamentais de uma sociedade

ou a repressão a esses institutos da sociedade e a impossibilidade de satisfazer as

necessidades vitais da maioria dessa sociedade. Compreendem este entendimento,

dentre outros, a má distribuição de riquezas, desigualdade de privilégios e conflito de

classes economicamente desiguais. Na revolução política, há interesse de um grupo

em promover alteração na composição do atual governo, por estar insatisfeita com a

gestão, sem se importar muito com a estrutura do Estado. Quanto à revolução social,

esta ocorre de forma muita mais profunda, pois trata-se de um movimento popular que

busca alterações sociais, de estrutura governamental, econômicas e também

políticas.46

No entanto, nem sempre uma revolução vislumbra uma alteração completa na

estrutura do Estado e de seu relacionamento com os cidadãos. Há a possibilidade de

ocorrer uma mera substituição de governantes, como a revolução política citada

anteriormente. Também é possível criar uma nova constituição e não haver mudanças

significativas em um contexto geral do Estado. Há possibilidade de unir as duas

hipóteses anteriores, o que não necessariamente é se configura uma revolução para o

46 SILVA, Heber Americano. Direito Constitucional. Bauru: Jalovi, 1971, p. 84-85.

32

povo. Transpondo essas duas hipóteses de revolução, pode-se chegar a um nível de

transformação que realmente se torne necessário um poder constituinte originário,

onde se forme uma nova escala de valores, onde o povo, o único titular do poder

constituinte originário, tenha seus interesses atendidos.

Quando a revolução se torna de interesse popular, da coletividade, surge de

forma decisiva para o seguimento do Estado e, conseqüentemente, para a estrutura

jurídica daquela nação. Por isso, a revolução passa de apenas um fenômeno social

para um fenômeno jurídico.

A revolução se caracteriza também por ter um resultado em curto prazo, tendo o

uso da violência muitas vezes inevitável. Isto ocorre pois é difícil que alguma mudança

significativa e rápida ocorra sem o uso da força bruta ou sem reação daqueles que

deixaram o poder pela insurgência ou ascensão revolucionária.

Porém, não é isso que garante o sucesso de uma revolução como poder

constituinte originário, como afirma o doutrinador Jorge Miranda47:

A revolução não é o triunfo da violência; é o triunfo de um Direito diferente ou de um diverso fundamento de validade do sistema jurídico positivo do Estado. Não é antijurídica; é apenas anticonstitucional por oposição à anterior Constituição – não em face da Constituição in fieri que, com ela, vai irromper.

Hans Kelsen, define o conceito jurídico de revolução. Para ele “é revolução toda

modificação ilegítima da Constituição, ou seja, toda modificação da Constituição que se

efetive por um caminho que não é o previsto nessa mesma Constituição para sua

própria modificação”.48 Para Kelsen, portanto, não importa o que como que essa

alteração foi efetivada. Revolução, juridicamente, é uma alteração ou uma total

substituição da Constituição que não foi previsto pela Constituição vigente.

De fato, a revolução é um ato antijurídico contra o direito vigente, mas nela está

presente um direito próprio, que busca consolidação.

Como já estudado, ao conceber uma nova idéia constituinte, com a quebra do

ordenamento jurídico em vigor, é imprescindível a presença de valores e princípios que

47 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. p.83-84

48 Kelsen, apud Ferreira Filho, P. 37.

33

abarcam o direito natural do indivíduo em um contexto coletivo, somente assim o

veículo revolução vai ter a legitimidade necessária para desencadear efeitos

normativos direcionados a todos os ramos que a revolução social tem por escopo. São

somente os valores e princípios em questão que justificam um total rompimento da

ordem anterior para criação de uma nova e assim tornar efetivo o poder constituinte e a

nova Constituição.

A revolução tem na força, o ponto de apoio para o sucesso de tal empreitada,

que só necessitará disso até ter controle da situação que é o momento que passará de

uma fase destrutiva para uma construtiva, social e jurídica. Por isso a revolução ocorre

em caráter transitório, até a completa sua legitimação.

34

4 O PODER CONSTITUINTE DO MOVIMENTO MILITAR ENTRE 1967 E 1969

4.1 CONTEXTO HISTÓRICO, ORIGENS E FUNDAMENTOS PARA O GOLPE DE

1964

O início da década de 60 foi conturbado, foi um período de crise política para o

Brasil. Em lapso de apenas quatro anos, entre 1961 e 1965, tivemos três presidentes.

O primeiro eleito, Jânio Quadros, foi levado a renúncia; o segundo, João Goulart, teve

uma difícil sustentação de seu mandato e sucumbiu em 1964 em razão do movimento

revolucionário organizado pelos militares, que ergueram o militar Humberto Castelo

Branco à presidência do país no mesmo ano.

Essa perturbada história política teve origem desde os primeiros anos de

vigência da Constituição de 1946, principalmente a partir de 1954. Neste período,

apenas dois presidentes terminaram seus mandados: Eurico Gaspar Dutra, entre 1946

e 1951, e Juscelino Kubitschek, entre 1956 e 1961.

Para sucessão do Governo Kubitschek, tivemos dois candidatos, que se

preparavam para a eleição em outubro de 1960. Eram eles Jânio Quadros e Henrique

Lott. Lott, que era o Ministro da Guerra, como exigência legal, deixou seu cargo para

formalizar sua candidatura pelo Partido Social Democrático (PSD). Jânio, seu opositor,

era considerado o maior fenômeno da política brasileira até então. Tinha 43 anos de

idade nas eleições sendo que, com 13 anos de vida pública, já tinha participado de

vários cargos públicos em São Paulo: vereador, deputado estadual, prefeito da capital

e governador do Estado. Jânio tinha uma imagem de ser populista com uma enorme

identificação com as massas. Além de ser extremamente populista, considerava-se que

Jânio era extremamente competente em seus cargos49.

No início de sua candidatura, que começou a partir de abril de 1959, um ano e

meio antes do pleito, Jânio não era filiado a nenhum partido político, fazia parte do

49 PILAGALLO, Oscar. A História do Brasil no Século 20 (1960-1980). São Paulo: Publifolha, 2004. P. 14-15.

35

Movimento Popular Jânio Quadros. Porém, como o candidato era o favorito, a União

Democrática Nacional (UDN) passou a cortejá-lo sendo que, em novembro do mesmo

ano, por grande interesse do deputado de maior expressão do partido, Carlos Lacerda,

foi oficializada uma aliança entre as partes. Porém, diante do da excessiva ingerência

do partido, Jânio renunciou a sua candidatura três semanas após formada a aliança. A

primeira vista, pareceu um ato impensado, mas se tratava de uma manobra política

praticada pelo candidato. Este ato, na verdade, o fortaleceu e, pouco tempo depois,

retornou ao partido e a sua candidatura.

Nesta eleição, havia uma peculiaridade interessante que pode ter alterado a

história dos episódios subseqüentes em nosso país: era possível a elegibilidade do

presidente e do vice em voto separado. Deste modo, tivemos quatro nomes nesta

eleição: Jânio Quadros (Presidente) e Milton Campos (Vice) pela UDN e Henrique Lott

(Presidente) e João Goulart (Vice) pelo PSD.

No dia 3 de outubro, pela primeira vez na história do país, foram eleitos

representantes por partidos diferentes. Jânio Quadros com larga vantagem sobre Lott e

João Goulart com pouca diferença de Milton Campos.

Em seu governo, Jânio se apresentava divergente do partido que fora eleito, a

UDN, principalmente no tocante à política externa do país. Enquanto seu partido tinha

clara identificação e influência dos Estados Unidos, Jânio se mostrava com tendência

socialista. No ato mais emblemático desta convergência, relevando sua negação de

apoio aos Estados Unidos à invasão de Cuba, em 1961, Jânio recebeu o líder

comunista e ministro cubano Ernesto “Che” Guevara, em agosto do mesmo ano, para

homenageá-lo.

Carlos Lacerda, então Governador do Estado da Guanabara, que foi o principal

cabo eleitoral de Jânio pelo partido UDN, estava desiludido com o andar do Governo

Jânio. Além do caráter emblemático do episódio citado, também foi o estopim para que

Carlos Lacerda se pronunciasse pelo rádio, a todo o país, demonstrado sua crítica a

homenagem feita. Carlos Lacerda também denunciou um golpe que o Presidente da

República poderia desferir frente às instituições. Os dois estavam em rota de colisão.

36

Devido às pressões, Jânio Quadros passou um ofício ao Congresso Nacional,

renunciando ao mandato de Presidente da República, sem muitas explicações, apenas

mencionando que haveria forças se levantando contra ele.

Diante da renúncia, João Goulart, o Jango, era o sucessor imediato. O problema

é que Jango tinha tendências esquerdistas maiores até do que as de Jânio. No

momento da renúncia, por exemplo, Jango se encontrava na China comunista, em

missão oficial. Portanto, os presidentes mudaram, mas o principal problema continuou.

Como visto, a tendência socialista era uma constante preocupação de Carlos

Lacerda e neste sentido também se postava às forças militares da época. O consenso

dos militares era que Jango não deveria tomar posse. Resta entender o motivo desta

inquietação.

A partir da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava dividido em duas partes: o

ocidental, “democrático”, “cristão” e “livre”, que tinham como força principal os Estados

Unidos, e o oriental, “socialista” que tinham como líder União Soviética. Tamanho era o

antagonismo que, entre os países, não havia espaço para intermediários, ou se estava

a favor de um, ou a favor de outro. Devido a posição geográfica, os países ocidentais,

como o Brasil, se encontravam obrigados a acompanhar os Estados Unidos. Os norte-

americanos atuavam em enorme influência nestes países, proibindo-os de manter

relações diplomáticas com a União Soviética e seus aliados. Este foi o período da

“guerra fria”50.

No Brasil, logo após o início da “guerra fria”, para difundir o idealismo norte-

americano, foi criada a Escola Superior de Guerra, que deveria agrupar e doutrinar

convenientemente os altos chefes militares das forças armadas, os funcionários

graduados dos ministérios e instituições estatais e paraestatais e os grandes

empresários. Os Estados Unidos, na verdade, queriam influenciar os militares do país,

de modo a velar para que as bases impostas pelos norte-americanos fossem

50 SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e Morte da Ditadura: 20 anos de autoritarismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984. P. 22-23.

37

estabelecidas. Desta maneira, qualquer conduta contrária ao interesse norte-americano

poderia ser subjugada frente ás forças militares do Brasil51.

Os fatos comprovam esta influência. A instrução militar do Brasil passou a

modelar-se pelo adotado pelos norte-americanos. No período compreendido entre 1945

e 1965, os militares, no Brasil, depuserem quatro vezes os presidentes. Em todos os

casos, os presidentes eram acusados de tendências socialistas. Nas palavras de

Nelson Werneck Sodré52:

Após a Segunda Guerra Mundial, os golpes militares, no Brasil, apresentam curiosa alternância (e aqui são incluídos os pronunciamentos que não chegaram à fase de luta armada e conquista do poder): em 1945, Vargas é deposto, quando orientava a redemocratização do país, acusado de pender para solução “subversiva”; em 1951, retorna ao poder, garantido pelos militares, em conseqüência de sua consagração nas urnas; em 1954, é deposto e levado ao suicídio, ao inclinar-se a uma posição nacionalista; em 1955, entretanto, Kubitschek, apoiado em forças políticas antes organizadas por Vargas, tem sua posse assegurada pelos militares; em 1961, com renúncia do presidente Quadros, a tentativa de golpe militar aborta por força de resistência da própria força militar. Existe, assim, uma alternância, na seqüência dos golpes e pronunciamentos militares: ora eles se definem em defesa de soluções democráticas, ora contra a democracia... Em todos os casos, tais presidentes eram acusados de tendências esquerdistas. E todas as vezes, a propaganda do golpe militar alicerçou-se no anticomunismo.

Como citado em Sodré, houve uma tentativa de golpe à posse de Jango. De

pronto à renúncia de Jânio, os ministros militares ordenaram a prisão do Marechal Lott,

fracassado em sua candidatura à presidência, era favorável ao seu companheiro de

partido Jango. Do outro lado, havia os que defendiam a legalidade, que já faziam sua

organização armada, onde o principal foco era Rio Grande do Sul, com o atual

Governador, Leonel Brizola, cunhado de Jango, que o apoiava fielmente para sua

posse. Os dois eram convergentes em pensamentos, Brizola, durante seu mandato de

Governador, encampou uma filial de uma empresa norte-americana em seu Estado. Tal

fato provocou a hostilidade com as forças conservadoras do país. A tensão que surgiu

51 SODRÉ, p. 24-25.

52 Sodré, p. 27.

38

com o apoio de Brizola a Jango era tamanha, que o próprio governador do Rio Grande

do Sul andava com uma metralhadora a tiracolo53.

Em favor à posse de Jango, os esquerdistas contaram com o apoio do General

José Machado Lopes, comandante do III Exército, que era o mais bem equipado do

país. Diante desta situação, com a divisão dentro do próprio exército, a oposição a

Jango perdeu força, o que acarretou com a tão conturbada posse à presidência, em 7

de setembro, treze dias após a renúncia de Jânio Quadros.

Logo após a posse, o presidente Jango, para se estabilizar no poder, buscou o

apoio do centro, que era a favor do cumprimento da legalidade após a renúncia de

Jânio. Para isso, foi aprovada emenda constitucional na qual se firmou o sistema

parlamentar de governo, em que o primeiro-ministro seria Tancredo Neves. Era um

parlamentarismo híbrido. Ao presidente cabia apenas algumas atribuições de

representar a nação, enquanto ao Conselho de Ministros cabia toda a direção e a

responsabilidade da política de governo e da administração federal.

Porém, Jango queria o retornou ao presidencialismo, não era de seu interesse

permanecer com seus poderes diminuídos e o próprio Tancredo Neves e outros

ministros do conselho não estavam convencidos de que este regime seria o que mais

os agradaria. Desta forma, em decorrência de falta de interesse das partes e também

pela falta de estrutura e conflitos partidários da época, ficava claro que o regime duraria

pouco.

Assim, foi convocado um plebiscito para que fosse escolhido o regime para o

governo, que confirmou a volta ao presidencialismo. O período entre 1961 e 1964 em

que Jango se manteve como presidente, se caracterizou como um intervalo

democrático no país, onde se preservou direitos individuais e políticos dos cidadãos

que resultou em uma grande aprovação do governo, principalmente quando foi

aprovado o Plano Trienal, que se tornou a diretriz de gestão do governo Jango, com

planos antiinflacionários e desenvolvimentista. O Plano Trienal tinha como principal

objetivo conter a inflação e retomar o crescimento do PIB.

53 Pilagallo, p. 27.

39

No entanto, embora a população estivesse agradada com as intenções do

governo, Jango encontrava problemas para alcançar o sucesso de sua gestão. Para

fomentar o Plano Trienal, era necessária a entrada de capital estrangeiro que,

logicamente, viria dos Estados Unidos. Ocorre que o governo de Jango era visto com

extrema desconfiança pelos norte-americanos, por haver tendências socialistas do

presidente. No final, o plano proposto não conseguiu alcançar seus objetivos.

A tensão estava posta. As forças contra o presidente Jango começavam a se

articular veementemente. Logo após a posse de Jango, surgiu o Instituto de Pesquisas

e Estudos Sociais, o IPES, formado com integrantes da Escola Superior de Guerra,

reduto de interesses e influências norte-americanas, que defendia a doutrina de

segurança nacional contra o comunismo, foi a peça principal para a montagem da

operação deflagrada no Golpe Militar de 1964, com o pretexto de preservar à

Democracia e manter a segurança nacional.

4.2 O GOLPE MILITAR E O INÍCIO DO AUTORITARISMO

Jango travava uma batalha com o Congresso Nacional. Este não aprovava as

reformas que Jango propunha. O presidente, taticamente, realizava comícios para

conquistar apoio da população, com o fito de pressionar o Congresso.

No dia 13 de março de 1964, Jango iniciou uma série de atos públicos previstos,

aconteceu o que ficou conhecido como o Comício das Reformas, que ocorreu na

Central do Brasil, no Rio de Janeiro. O Presidente referiu-se a reformas estruturais que

se convencionou chamar de reformas de base: eleitoral, administrativa, tributária,

agrária, urbana, bancária, cambial e universitária. Foi um sucesso total. Durante oito

horas e quarenta e cinco minutos o comício organizado por Jango foi acompanhada por

uma multidão, que estimavam ser em duzentos e cinqüenta mil pessoas. No entanto,

as reformas de base não tinham o apoio da classe média.

Carlos Lacerda, logo após o comício de Jango, incitou o Congresso a se

manifestar sobre o ocorrido, alegando que o comício foi um desrespeito à Constituição

e acusando Jango de preparar uma guerra revolucionária com ideologias comunistas.

40

Uma semana após o comício, como resposta, as forças conservadoras

organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Neste momento, os

planos de romper a ordem Constitucional eram atribuídos tanto à esquerda quanto à

direita.

A crise militar se agravava juntamente com as condutas do Presidente. Todas as

organizações militares, incluindo a Escola Superior de Guerra faziam contundentes

críticas à diretriz governamental e conspiravam para um golpe. As organizações

militares, porém, tinham várias frentes sendo que trabalharam em conjunto apenas

poucos dias antes do golpe. Os principais nomes do movimento que depôs o

Presidente são dois: o General Olympio Mourão Filho, comandante da região militar de

Juiz de Fora e o General Humberto Castello Branco, chefe do Estado-maior do

Exército, que se mostrava a iniciativa mais articulada, contando com o apoio de vários

outros militares de altas patentes, empresários de peso e representantes dos

interesses americanos.

O General Mourão foi quem apressou o movimento, que teve início na manhã do

dia 31 de março em Juiz de Fora e, após certa divergência para o momento da ação,

foi acompanhada pelo General Castello Branco. Castello Branco significava a garantia

de que o movimento contra Goulart não seria em vão.

Diante da situação, o Congresso Nacional, na noite de 31 de março, pelo

presidente do Senado Auro Moura Andrade, reconheceu que eclodira uma revolução e,

no dia seguinte, a queda do presidente Jango foi consumada oficialmente, declarando-

se vaga a Presidência da República.

A posição generalizada das pessoas em face da consumação do golpe foi de

perplexidade. As reformas de base, propostas por Jango, tinham o apoio popular,

mesmo sem entender exatamente como isso ocorreria e qual era sua extensão. Na

verdade, a população se encontrava desentendida, com três mudanças de governo no

período entre 1961 e 1964, todos tinham o consenso, ao menos, que a situação era de

uma verdadeira crise política. Por este motivo, as forças articuladas do golpe, se

justificavam afirmando as medidas tomadas para isso foram feitas com o objetivo de

estabilizar o governo.

41

O movimento militar de 1964, ao depor o Presidente, em um primeiro momento,

entregou ao seu sucessor previsto na constituição, o então Presidente da Câmara dos

Deputados, Ranieri Mazzilli, que ficaria no exercício do cargo até a realização das

eleições pelo Congresso Nacional. À primeira vista, a intervenção da normalidade

política teria o mesmo resultado de outras que ocorreram na vigência da Constituição

de 1946. Levavam a acreditar que apenas haveria uma substituição do corpo dirigente,

sem uma mudança estrutural abrupta no governo. Os indivíduos que iriam compor a

elite dirigente seriam aquelas que tomaram o poder. Porém, desta vez, ocorreu um

ruptura governamental mais profunda, em virtude da exaustão institucional da época e

da crise que custava a transpor54.

Primeiramente, antes de traçar novas diretrizes para o governo, era fundamental

a escolha de um novo Presidente. Formou-se um consenso em torno de Castello

Branco, que foi a figura mais influente do movimento militar para depor João Goulart.

Realmente foi isso que ocorreu, o Congresso Nacional o elegeu como o novo

Presidente da República em 5 de abril e tomou posse no dia 15 do mesmo mês.

Definido o novo Presidente da República, o movimento militar definiu seus

objetivos por meio da edição do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, formado

pelo seu preâmbulo e por mais onze artigos. Essa medida viria para institucionalizar a

“revolução”, como assim o movimento se denominava:

“A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória.”55

Este trecho faz parte do preâmbulo do Ato Institucional nº 1, que foi subscrito

pelo general do exército Artur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco de

54 Faoro, p. 17.

55 BRASIL. Ato Institucional nº 1, disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm.

Data de acesso: 27/09/2009.

42

Assis Correia de Mello e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald. Ao

ler o presente trecho, é entendido que a revolução estava totalmente investida de

legitimidade. Mas não é o que ocorre. Os militares invocaram o nome do povo sem o

seu consentimento. Logicamente, tem-se que levar em consideração o grande distúrbio

em que os cidadãos estavam inseridos, sendo que era difícil imaginar qualquer

consenso da sociedade. A única coisa que estava clara era que a organização militar

concentrava um poder, graças ao interesse norte-americano e aos grandes

empresários brasileiros, que era improvável que uma oposição se consolidasse em

uma mesma proporção. De qualquer maneira, estes grupos faziam parte de uma

minoria que manifestou seus interesses em nome do povo como um todo. O Ato

Institucional foi elaborado para legitimar o movimento revolucionário, se auto-investindo

como poder constituinte, esquecendo de questionar o povo sobre isso.

Ora, as revoluções vitoriosas, se procuram a legitimidade democrática, como foi

o pretexto do movimento militar, não podem dispensar da assembléia constituinte, que

é a efetiva participação popular em um processo constituinte. A assembléia constituinte

é o método democrático de participação popular, onde o povo tem a oportunidade de

escolher os representantes que elaborarão a nova Constituição e, através do referendo

popular, a aprovarão ou não. Um grupo que se arrogue titular do poder constituinte

demonstra, de imediato, exatamente o contrário, que definitivamente não é legítimo

para possuir este poder, pois somente o povo pode decidir sobre isso.

Em atenção a este ponto, considerando que a assembléia constituinte é uma

forma de representação para atingir a plenitude da participação do povo na formação

da Constituição, isto já previsto na obra de Sieyès, o Que é o Terceiro Estado.

Segundo ele, somente com a forma representativa de Governo é que o poder

constituinte atingiria o seu objetivo principal, o atendimento da vontade da nação, como

visto no item 2.2.

Além do preâmbulo de extrema usurpação do poder constituinte, em seus

artigos, ocorreram mais demonstrações alarmantes em que estava presente a essência

autoritária dos novos governantes.

Em seu artigo segundo, retirou as eleições diretas para a escolha de um novo

presidente, definindo que as eleições do Presidente e do Vice-Presidente seriam

43

realizadas pelo Congresso Nacional. Esta foi a forma que foi eleito Castello Branco. Em

seu artigo quarto, estabeleceu que os projetos de lei enviados pelo Presidente da

República deveriam, necessariamente, serem apreciados, no prazo de 30 dias, pelo

Congresso Nacional, caso contrário, seriam tidos como aprovados automaticamente.

Pela redação do artigo quarto, percebe-se a superioridade que o ato institucional

deu ao Executivo: o Presidente poderia elaborar leis que provavelmente sequer seriam

apreciadas pelo Congresso para terem vigência. O Congresso, que ainda tinha em seu

corpo membros eleitos pelo povo, não teria nenhuma participação na edição e

aprovação destas leis.

Já em seu artigo 10º, possibilitava a suspensão de direitos políticos por dez

anos, com a cassação de mandatos federais, estaduais e municipais, sem qualquer

apreciação do Judiciário. Esta redação autorizou a cassação de mais de 102 pessoas,

em uma primeira lista, elaborada em 10 de abril de 1964, que incluía nomes como João

Goulart e Jânio Quadros.

Queremos devolver o Brasil à democracia, diziam os militares, mas antes vamos aproveitar o momento para introduzir algumas reformas e mudanças que possam garantir a longevidade de nossa “democracia” e a articulação do Brasil com a economia mundial. E, como todos sabemos, não havia prazo para o término da intervenção. Como argumentavam os militares, há sempre o perigo de retrocesso presente em todo processo revolucionário, sendo preciso tempo para que a revolução se consolidasse e apresentasse resultados (uma idéia de Francisco Campos introduziu na Carde de 37 e que, como co-autor do AI-1, manteve no movimento militar)56.

No primeiro momento após a edição do AI-1, se manteve a estrutura federal e

não houve alterações na administração.

Porém, com a edição do Ato Institucional nº 2, editado em 27 de outubro de

1965, acabaram-se as esperanças de que o regime democrático voltaria ao País. O

movimento militar dava continuidade ao seu golpe que ocorreu em 31 de Março de

1964, expondo o perigo do retorno à situação anterior já vencida.

56 BONAVIDES, Paulo; Andrade, Paes de. História Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. P. 429

44

Aos indivíduos que tiveram seus mandatos cassados, o governo poderia

restringir sua locomoção, proibindo-os de freqüentar certos lugares, além de qualquer

manifestação que envolva assuntos políticos.

Em seu artigo 19, excluíram de apreciação judicial os atos praticados pelo

Comando Supremo da Revolução e pelo Governo Federal.

O Presidente da República, por força do artigo 30 do presente ato institucional,

poderia editar decretos leis e atos complementares sobre matéria de segurança

nacional.

No cúmulo da usurpação do poder, por seu artigo 33, estabelece a vigência do

Ato Institucional nº 2, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário,

demonstrando total desprezo pela Constituição vigente.

O AI-2, desta forma, foi editado para legalizar os atos autoritários do novo

regime, em detrimento do disposto na Constituição de 1946, isto é, foi criado ignorando

a Constituição, demonstrando o desprezo por uma norma fundamental legitimamente

formulada. Restou demonstrada que não havia formalidade para impor a ideologia

autoritária. A possibilidade de coerção, a violência deflagrada contra direitos individuais

era o bastante para manter o novo poder autoritariamente constituído. O Poder

Executivo já não encontrava barreiras, o Judiciário não pode atuar contra atos do

governo, e o Legislativo tinha um papel suprimido, podendo apenas formular leis em

conformidade com os interesses dos militares. Ninguém tinha mais força no país do

que o Executivo.

Toda evolução histórica das doutrinas construídas como forma de equilibrar os

poderes, como ensina Montesquieu, foram preteridos em prol de um poder autoritário

com uma ideologia de segurança nacional e equilíbrio político e social. Isto porque,

nesta altura, a democracia já havia caído no esquecimento.

Foram editados, ainda, o Ato Institucional nº 3, que teve como regulação mais

marcante a eleição indireta para o governo dos Estados e a nomeação, para os

próximos mandatos, para os Prefeitos dos Municípios da Capitais.

45

Sem muitos impedimentos para editar novas normas, no período compreendido

entre 1965 e 1966, o Presidente Castello Branco baixou três atos institucionais, 36

complementares, 312 decretos-leis e 3.746 atos punitivos57.

4.3 A EDIÇÃO E A CONSTITUIÇÃO DE 1967

A edição de uma nova Constituição já se tornava de fundamental importância

para os militares, uma vez que o texto de 1946 se encontrava inteiramente deformado,

razão pela qual era de interesse do “poder constituinte” instaurado, a formulação de

uma nova Constituição que atendesse os interesses e ideais do movimento militar.

Além do mais, “os atos institucionais eram a própria contestação de uma Carta

democrática como a de 1946 e seria impossível a convivência dos atos de arbítrio com

um texto constituinte de efetiva representação popular”58.

Segundo Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, dois eram os principais pontos

que a nova carta constitucional deveria abordar. Deveria amoldar as instituições

constitucionais aos novos fatores reais de poder e evitar que o país esteja sujeito a

novos golpes e soluções de força improvisadas e destinadas a curta duração59. Ocorre

que os novos fatores reais de poder foram constituídos de forma ilegítima, sem a

aprovação popular, e o próprio movimento de sua instauração foi um golpe apoiado

apenas pela força.

Se fosse o caso de uma revolução legítima, de interesse popular, se convocaria

uma Assembléia Nacional Constituinte para editar a nova Constituição. Mas não foi

assim que se procedeu. Foi com a edição do AI-4, que o Presidente da República

convocou o Congresso Nacional para se reunir de forma extraordinária para discutir e

votar uma nova Constituição, estabelecendo o dia de 24 de janeiro de 1967 como limite

57 Bonavides; Andrade, p. 432.

58 Bonavides; Andrade, p. 435.

59 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. História Breve do Constitucionalismo no Brasil. Curitiba, 1970. P. 63.

46

para sua promulgação e o dia 21 para que o Congresso apresente a nova carta

devidamente aprovada.

Os militares tinham ciência que, neste momento, já não mais contavam com

qualquer apoio popular, os traços autoritários do regime eram visíveis a toda a

população e a cada ato institucional criado isso se tornava mais evidente.

Já foi discussão do presente trabalho, no item 3.8, a necessidade de constituir

um poder apartado dos poderes já constituídos para a elaboração de uma nova

Constituição. Isto é de extrema importância, pois a Assembléia Constituinte deve ser

soberana, é ela que irá definir o grau de atuação dos outros poderes do Estado,

portanto, esta acima de qualquer outro poder. Somente assim será alcançada a

desvinculação necessária das instituições constituídas para que seja impetrada a nova

Constituição de acordo com a vontade popular. Logicamente que, para isso, o corpo da

Assembléia Constituinte deverá ser escolhido pelo povo.

Para a edição da Constituição de 1967, além de convocar o próprio Congresso

Nacional, este se encontrava coagido pela constante ameaça aos seus membros de

terem seus mandatos cassados, caso o Presidente da República não concordasse com

alguma atitude60. Isto porque, nesta altura, o poder já estava completamente

centralizado no Poder Executivo.

A atribuição do Congresso Nacional de editar a Constituição foi chamado pelo

Presidente Castello Branco de Poder Constituinte Congressual. Desta forma,

cerceados pelos atos institucionais e pela coerção exercida pelo Executivo, mesmo se

os membros do Congresso Nacional tivessem intenções democráticas, a ele não era

garantido uma mínima autonomia para criação da Constituição, o único resultado

possível era um retrato dos ideais militares. Restou evidente que o Congresso aceitou

a promulgação de uma Constituição com enorme concentração do poder político61.

Como visto no item 3.4, para construir um Constituição que tivesse força

normativa e que respeita-se os valores presentes na sociedade, é necessário uma

vontade de Constituição, como garantia de sua legitimidade. Vontade de Constituição,

60 Silva, p. 105

61 Bonavides; Andrade, p. 433-435

47

com entendido por Hesse, certamente não houve em 1967. É evidente que a

Constituição foi criada apenas para manter justificar o arbítrio dos militares.

Para enfatizar a ilegitimidade da forma em que seria editada a nova

Constituição, José Afonso da Silva relata o episódio burlesco que ocorreu no prazo

fatal para sua aprovação pelo Congresso Nacional, em 21 de janeiro de 1967:

Aproximava-se da meia-noite e a votação do projeto ainda não tinha terminado. Faltando um minuto para terminar o prazo fatal, o Presidente do Congresso Nacional, senador Auro de Moura Andrade, determinou que fossem parados todos os relógios do recinto, para que, pelos relógios da Casa, não se esgotasse o tempo, enquanto não se encerrasse a votação da matéria, com o argumento, um tanto ridículo, de que o tempo do Congresso, agora Constituinte, se marcava pelos seus relógios... E, assim, concluída a votação já na manhã do dia seguinte, ele mandou reativar os relógios. E tudo ficou como se tivesse sido feito dentro do prazo62.

Sendo assim, no dia aprazado, 24 de janeiro de 1967, foi promulgada a nova

Constituição do Brasil, para entrar em vigor no dia 15 de março de 1967.

O modo em que foi editada a Constituição de 1967, se aproxima a modalidade

de outorga de exercício do poder constituinte. A outorga, como já foi visto, consiste na

declaração unilateral do detentor do poder. Tem caráter limitado às regras impostas

pelo detentor do poder, sendo que o agente do poder constituinte é obrigado a cumpri-

las. No caso brasileiro de 1967, embora não seja apenas uma pessoa que dita as

regras, foi o “grupo revolucionário” que impôs ao “Poder Constituinte Congressual” às

diretrizes para a elaboração da Constituição para o novo Governo.

A Influência era clara. O poder constituinte perdeu seu caráter ilimitado e

incondicionado, isto porque, mesmo não vinculado a uma ordem anterior, ele não livre,

a extensão de seu poder era determinado pela elite detentora do força.

As principais características da Constituição de 1967, são: Eleição indireta do

Presidente da República, com voto a descoberto; ampliação dos poderes do Executivo

com a supressão de parte das prerrogativas do Legislativo; aprovação dos projetos do

Executivo por decurso de prazo, independentemente da apreciação pelo Legislativo;

reforma do Sistema Tributário Nacional, com centralização vertical na União; Outorga

de poderes ao Presidente da República para legislar mediante decretos-leis” acerca de

62 Silva, p. 106.

48

assuntos de segurança nacional e finanças públicas; institucionalização da “Doutrina da

Segurança Nacional”; decretação do Estado de Sítio sem prévia autorização do

Congresso; nomeação, por parte do Presidente da República, dos Prefeitos das

Capitais e dos Municípios declarados áreas de segurança nacional; ampliação das

hipóteses de intervenção federal nos Estados e Município63.

No parágrafo primeiro de seu primeiro artigo, a Constituição de 1967 proclama:

“todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”. Torna-se difícil crer que uma

Constituição criada sem nenhuma participação popular, com essência autoritária, com

o poder centralizado no executivo, tenha o poder “emanado do povo”. O povo, na

realidade, é uma mera justificativa formal no texto constitucional para embasar os

propósitos dos militares, que eram, preservar a estabilidade do governo e garantir a

“doutrina da segurança nacional”.

Embora a garantia da segurança nacional tantas vezes expressa pelos militares

tenha o propósito de afastar qualquer hipótese de oposição do Brasil frente ao Estados

Unidos, que era uma situação que poderia se tornar extremamente maléfica para o

país no cenário mundial da época, esta justificativa não poderia fazer com que o

Governo usurpa-se os outros fatores reais poder, inclusive os cidadãos do país,

cerceando suas liberdades políticas.

Note-se, pelas características expostas da Constituição de 1967, que ela

aproveitou os quatro já editados atos institucionais, e reforçou alguns outros pontos.

Mas o traço autoritário que desde o início do movimento é marcante estava cada vez

mais evidente.

Com o vigor da nova Constituição, houve uma interrupção na edição de novos

atos institucionais, período compreendido entre 6 de dezembro de 1966 e 13 de

dezembro de 1968. Neste lapso, a população, diante do autoritarismo exercido, já se

manifestava intensamente contra o Governo. Houve passeatas gigantescas,

concentrações populares, agitações estudantis, greves operárias e, também, um início

de luta armada, iniciada por alguns grupos, numericamente pouco expressivos64.

63 Bierrenbach, p. 87

64 Bierrenbach, p. 89

49

Qualquer manifestação contra o atual governo era extremamente reprimida pelo

Governo. Como exemplo da intolerância militar, em uma manifestação pacífica de

estudantes do Rio de Janeiro, em junto de 1968, os jovens foram reprimidos a tiros

pela polícia, resultando em quatro mortos, 20 feridos e mais de mil estudantes detidos,

demonstrando que o governo não suportaria qualquer organização que se voltasse

contra ele.

Embora a Constituição de 1967 tenha atendido as intenções dos militares na

época, foi editado, dois anos mais tarde, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, onde

foi alterada boa parte do conteúdo da Constituição. Isso vai exatamente de encontro

com o esclarecido por Hesse: não se pode atribuir qualquer vigor normativo a uma

Constituição que seja alterada por qualquer necessidade política ou diretriz de

Governo.

Infelizmente, essa experiência brasileira se enquadra exatamente nos aspectos

negativos de formação de Constituição expostos por Lassalle. Os militares eram um

dos fatores reais de poder e apenas se mantiveram no Governo pois mantinham força

suficiente para construir uma Constituição que atendesse seus interesses.

4.3 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E O AUTORITARISMO COMO

USURPAÇÃO DO PODER

Tendo em consideração que a Constituição se forma a partir da conjugação de

poderes presentes na sociedade, sempre se tem o risco de ocorrer situações em que

esses poderes não são devidamente exercidos, como o ocorrido nesta experiência

brasileira.

O Constitucionalismo teve origem justamente com o objetivo de controle do

poder, na luta contra poderes absolutistas e autoritários. Para a efetivação deste

controle, com o poder constituinte originário, faz-se necessário o uso adequado do

poder político, tendo o povo como foco. Deve ser feito com o consentimento dos

destinatários do poder e deve ser fiel à finalidade em que o poder constituinte a criou.

Se não for desta maneira, há carência de legitimidade.

50

Primeiramente, faz-se necessário mencionar que a força política, como forma de

manifestação dos fatores reais de poder, pode atuar de forma ilegítima. Tendo o

condão de afetar a vida da sociedade, o poder político pode ser exercido com o

consenso dos governantes, ou através da coação, do medo e da força. Isto exprime

que os regimes que atuam sustentados apenas pela força, impondo suas ordens sem a

aceitação dos governados, carecem de legitimidade. Esta é a consoante dos regimes

autoritários do poder, onde um grupo, convencido de que expressa a vontade popular,

produz e impõe normas à coletividade, pois detém o monopólio da violência

representada pelas Forças Armadas ou pela Polícia65.

Como já dito, a força tem estrita ligação com o fenômeno revolução, que pode

ser usado indevidamente. Em uma rápida percepção, verifica-se que os militares têm

maior probabilidade em obter êxito nos movimentos revolucionários, pelo fato de

controlarem a força. O que é possível nesta situação é que o movimento revolucionário

pode ser obra do interesse de apenas uma minoria. Neste caso, um grupo, apenas em

seu nome, mas presumindo de que expressa a vontade popular, impõe sua autoridade,

porque dispõe dos instrumentos de coação política.

Advindo uma revolução vitoriosa, não se pode prescindir da assembléia

constituinte, bem como do referendo popular. Esta é a forma democrática do processo

constituinte. O povo tem que escolher seus representantes. As assembléias

constituintes são meios preventivos para limite e controle do poder. Um poder

constituinte que se julgue legítimo deve passar pelo crivo popular. Ao tardar este

procedimento constituinte, o grupo revolucionário estará prolongando sua

provisoriedade, uma vez que somente com a Constituição que se atinge a legitimidade

do poder revolucionário66.

Neste sentido, o poder constituinte originário não pode ser invocado somente

através do uso da força, isto é destoante com suas próprias características. Só é

possível falar em poder constituinte originário se o grupo que o representa é detentor

da anuência do povo. “Quem tenta romper a ordem constitucional para instaurar outra e

65 Bierrenbach, p. 26.

66 Faoro, p. 21-22

51

não obtém adesão dos cidadãos não exerce poder constituinte originário, mas age

como rebelde criminoso”67. O poder revolucionário que quebra a ordem vigente e apela

unicamente para a força como forma de manutenção do poder é a consagração do

governo de fato.

Governo de fato é governo sem legitimidade. Utilizando-se da constituinte de

forma arbitrária, um poder autoritário, mesmo com respaldo na Constituição que criou

não pode ser considerada legítima. O autoritarismo não precisa de uma Constituição,

uma vez que esta tem o objetivo de delimitar o poder frente ao seu uso arbitrário.

Em um Estado em que ocorra uma usurpação do poder constituinte originário,

por quanto tempo este consegue se manter no poder? Ora, este regime ilegítimo se

mantém no poder enquanto sua força de coação for suficiente para conservar a

obediência dos governados. Este regime não tem um poder de persuasão, detém

apenas o poder da força. O problema desta situação é que o regime jamais será

estável, sempre haverá poderes sociais em confronto com sua autoridade. Estes

regimes justificam o uso da força e da violência para manter uma suposta segurança

que levará ao crescimento econômico. Na verdade, com o uso da violência e a

conseqüente cerceamento dos direitos de liberdade e igualdade, irá acarretar um

rompimento na vida social, o que, em sua maioria das vezes, ocorre bruscamente, de

uma forma que os cidadãos não esperam, sendo verdadeiramente um choque, que traz

consigo um sentimento de indignação social.

Como mencionado, a supressão dos direitos individuais do homem, como a

liberdade e a igualdade, quem também é uma característica da legitimidade, é uma

constante nos regimes autoritários, que restringem esses direitos para se manterem no

poder.

O autoritarismo está presente não em um Estado de Direito, onde o governo

está adstrito a princípios, que se destinam, sobretudo ao povo, presentes na

Constituição. Este regime não é Constitucional, uma vez que usurpam o poder

constituinte. Não há respeito por suas competências, é um Estado onde o governo não

permite críticas ou contestações ás suas condutas. Há repressão contra as livres

67 Mendes, Coelho, Branco, p. 199.

52

manifestações públicas. Há um controle cultural na qual limita os cidadãos de

expressarem e de adquirirem conhecimento. Estão preocupados apenas como que vão

prolongar este período. E o pretexto para isso é a segurança nacional e o

desenvolvimento econômico.

Se nos apregoarmos na forma que o poder autoritário se mantém, estaremos

nos aproximando dos Estados Totalitários, no nazismo e na ditadura soviética.

Segundo Hannah Arendt, um Estado Totalitário suprime as liberdades

democráticas, pois tem no apoio das massas seu sustentáculo, organizando toda a

população para que acreditem em uma mesma ideologia de seus líderes. Para

alcançar isso, o totalitarismo deve estar presente em todas as ações dos indivíduos, de

modo a possibilitar a lealdade total para seu regime. Eles são induzidos a serem

isolados da convivência com a família, ou com amigos, pois devem estar sempre

ligados à ideologia do regime. Esta situação do indivíduo é chamado de atomização

social68.

Embora talvez seja um dos objetivos de um governo autoritário, a “atomização

social” não ocorre em relação aos governados. Pois a crença na ideologia, como

objetivo do totalitarismo, é substituída pelo objetivo de desenvolvimento econômico e

segurança nacional. O que é uma falácia, pois somente com a garantia dos direitos do

homem é que podemos garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação. O que

acontece, na verdade, é a completa separação da Sociedade Civil com o Governo.

O Totalitarismo tem no terror a essência de seu movimento. O Terror, para

Hannah Arendt, é a forma que o Totalitarismo atinge se mantém no poder, é a

atomização social e o desaparecimento de qualquer oposição. Os nazistas, para

alcançar a atomização social, matavam integrantes de partidos opostos, ao invés de

grandes líderes políticos, pois tinham como objetivo mostrar à população o perigo que

podia acarretar o simples fato de pertencerem a um partido inimigo. É a “propaganda

da força”69.

68 ARENDT, Hanna. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 372-373.

69 Arendt, p. 393.

53

De certa forma, em uma analogia, está também é a tônica dos regimes

autoritários. Pois neste regime, a supressão dos direitos individuais em prol de seus

objetivos, leva a sanções estarrecedoras, como prisões ilícitas e até a mortes, embora

nem sempre sejam evidentes.

Outro ponto interessante na analogia entre o autoritarismo e o totalitarismo,

ocorre na forma de manutenção do poder. A ideologia criada pelo totalitarismo nada

mais é do que um mundo fictício, que é a maneira utilizada para que as massas

permaneçam em um estado de atomização social. Hannah Arendt afirma que o líder

totalitário tem duas tarefas básicas: tem de estabelecer o mundo fictício envolto em sua

ideologia e, em contrapartida, evitar que este mundo criado não adquira uma

estabilidade que faça confundir o Estado Totalitário com um governo absoluto, pois o

equilíbrio de suas instituições certamente extinguiria o próprio movimento. Desta

maneira, o Governo Totalitário deve evitar que a normalização de seu movimento atinja

um nível que poderia surgir um novo modo de vida, deixando de parecer tão falso e se

comparando aos modos de vida de outras nações do mundo70. Em um Estado

Autoritário, a manutenção do poder não é tão complexa, pois se baseia apenas no uso

da força, e só se mantém enquanto seus instrumentos de coação perdurarem.

Tanto no autoritarismo como totalitarismo, como se percebe, não tem a

prevalência do povo como titular do poder constituinte ou como destinatário de seus

objetivos. Para garantir uma congruência entre poder e povo, como já foi visto, utiliza-

se da democracia, uma vez que é um regime político em que a vontade do povo é

atuante no governo.

A legitimidade somente atinge sua plenitude com a participação dos cidadãos

nas decisões políticas. Somente com uma solução democrática isto é possível, “na

medida em que a liberdade individual se harmoniza com a vontade coletiva,

concretizada numa ordem social”71.

Nas Constituições de Estados democráticos o termo “povo” é usado para

demonstrar legitimidade. É a expressão normativa para afirmar a participação do povo

70 Arendt, p. 439-441.

71 Faoro, p. 49.

54

no processo constituinte com o objetivo de evidenciar a legitimação do Sistema Político

Constituído.

Segundo Friedrich Muller72:

A idéia fundamental da democracia é a seguinte: determinação normativa do tipo de convívio de um povo pelo mesmo povo. Já que não se pode ter o autogoverno, na prática quase inexeqüível, pretende-se ter ao menos a autocodificação das prescrições vigentes com base na livre competição de opiniões e interesses, com alternativas manuseáveis e possibilidades eficazes de sancionamento político.

Esta é a aproximação entre povo e democracia na concepção do autor. O autor

se preocupa em demonstrar se o termo “povo” é devidamente utilizado nas

Constituições. Afirma que em sistemas autoritários, o “povo” é fartamente utilizado

como tentativa de instância de atribuição, isto é, afirmando que o poder “emana” do

povo. Ocorre que isto não reflete a realidade. Na verdade, em regimes autoritários, este

termo é usado apenas como um ícone, pois é apenas uma “padroeira tutelar abstrata”,

é a simples justificação para o regime impor suas condutas repressivas, dizendo que

está fazendo isso em nome do povo73.

Como já vimos, em um Estado autoritário, o povo está longe de ter algum poder

ou influência no governo, a palavra “povo” é usurpada e só utilizada nos textos

constitucionais como uma auto-afirmação de legitimidade.

É incrível como todos estes meios de usurpação do poder constituinte está

presente no caso brasileiro exposto no presente trabalho. É impossível visualizar uma

congruência entre poder autoritário e poder constituinte legítimo.

72 Müller, p.57

73 Müller, p. 67.

55

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para atingirmos a plenitude da concepção do poder constituinte originário

legítimo, a agente atuante tem que ter seu poder ilimitado, os poderes políticos

influentes no processo constituinte têm que ser legítimos, o povo tem que ter

participação democrática nas decisões, os direitos fundamentais dos indivíduos têm

que ser garantidos, de forma a ter o povo como foco do trabalho que será realizado.

Esta é uma rápida compilação de características inerentes ao poder constituinte

originário.

No presente estudo, foi evidente a distorção quanto às características expostas

no processo constituinte do movimento militar a partir do golpe em 1964 até a edição

da Constituição em 1967.

Os militares tomaram o poder sem o consentimento da população. Está certo

que isso poderia mudar, se as condutas subseqüentes respeitassem a sociedade, mas

não foi isso que ocorreu. Foram baixados atos institucionais que deflagraram a

essência autoritária do movimento, a superioridade do Executivo frente os outros

poderes deram a ele liberdade para editar leis sem apreciação pelo Congresso

Nacional, era possível retirar direitos políticos de qualquer pessoa caso se

manifestasse contra a “segurança nacional”, situação que o indivíduo não tinha tutela

jurisdicional, poderia assumir prefeituras e estados caso fosse do entendimento do

Governo, qualquer manifestação contra o Governo Militar era brutalmente reprimida. Ao

formular uma nova carta constitucional, não convocaram sequer uma Assembléia

Nacional Constituinte.

O fato é que um poder autoritário jamais será legítimo, por sua própria essência.

O autoritarismo no Governo acaba por se configurar em um Estado de Fato que,

mesmo se apregoando há justificativa de que há direitos que devem ser suprimidos ou

cerceados, para tornar possível a consecução dos seus ideais, a segurança e o

desenvolvimento, não pode tomar o povo como prejudicado nisso tudo. A segurança a

ser garantida deve ser a segurança da pessoa, com preservação de seus direitos

fundamentais, como liberdade e igualdade, e o desenvolvimento deve caminhar em

consonância a isso. É necessário lembrar sempre que a Constituição deve ser o reflexo

56

dos interesses do povo e este deve ter participação na sua formação. Somente assim

poderemos dizer que estamos em um Estado de Direito.

O exposto no presente trabalho, apenas uma análise do processo constituinte

dos militares a partir de 1964 até 1967, por sua extensão, deixou de englobar uma

série de atos até mais autoritários do que foi visto, que ocorreram a partir de 1967,

principalmente com a edição do Ato Institucional nº 5 e com a Emenda Constitucional

nº 1 de 1969, o que resultou em 20 anos de ditadura em nosso país, até a formulação

da Constituição de 1988, que teve um exemplo de processo constituinte e que, por

suas normas, atendeu as expectativas da população e é um exemplo para vários

países no mundo atual. Mas uma análise das possíveis deficiências em um processo

constituinte foi válida para podermos ampliar o conhecimento, concebendo uma

hipótese totalmente contrária do que se pode esperar hoje na formação de uma

constituição.

Atualmente, em decorrência da Constituição de 1988, tem-se clara que, para a

constituição das normas fundamentais de um Estado, a participação democrática é

essencial. Não é possível a separação desses dois pontos: democracia e Constituição.

Mas nem sempre foi assim, e o Brasil teve uma lenta formação, muitas vezes em

sentido contrário, até ter um revés em 1964 e com a ditadura que sucedeu, onde toda a

sociedade vagarosamente começou a se organizar para alcançar o grande feito de

1988: a promulgação da nova Constituição da República Federativa do Brasil.

57

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Janeiro: Editora Paz e Terra, 1991. P. 427-447

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http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm. Data de acesso: 27/09/2009.

BRASIL. Ato Institucional nº 2, disponível em

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_3.htm. Data de acesso: 27/09/2009.

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http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_4.htm. Data de acesso: 27/09/2009.

BRASIL. Ato Institucional nº 4, disponível em

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_5.htm. Data de acesso: 27/09/2009.

58

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Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p.

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SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e Morte da Ditadura: 20 anos de autoritarismo no

Brasil. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984.

60

ANEXO 1 – ATO INSTITUCIONAL Nº 1

Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_2.htm. Data de acesso:

27/09/2009.

ATO INSTITUCIONAL (Nº 1)

À NAÇAO

É indispensável fixar o conceito do movimento civil e militar que acaba de abrir

ao Brasil uma nova perspectiva sobre o seu futuro. O que houve e continuará a haver

neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas, como na

opinião pública nacional, é uma autêntica revolução.

A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se

traduz, não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da

Nação.

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se

manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e

mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder

Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a

capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente

ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela

normatividade anterior à sua vitória. Os Chefes da revolução vitoriosa, graças à ação

das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o Povo e em seu

nome exercem o Poder Constituinte, de que o Povo é o único titular. O Ato Institucional

que é hoje editado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da

Aeronáutica, em nome da revolução que se tornou vitoriosa com o apoio da Nação na

sua quase totalidade, se destina a assegurar ao novo governo a ser instituído, os meios

indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil,

de maneira a poder enfrentar, de modo direto e imediato, os graves e urgentes

problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional

61

da nossa Pátria. A revolução vitoriosa necessita de se institucionalizar e se apressa

pela sua institucionalização a limitar os plenos poderes de que efetivamente dispõe.

O presente Ato institucional só poderia ser editado pela revolução vitoriosa,

representada pelos Comandos em Chefe das três Armas que respondem, no momento,

pela realização dos objetivos revolucionários, cuja frustração estão decididas a impedir.

Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que

deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta

cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os

poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no

exclusivo interesse do Pais. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o

processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a

modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de

que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e

financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja

purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas

dependências administrativas. Para reduzir ainda mais os plenos poderes de que se

acha investida a revolução vitoriosa, resolvemos, igualmente, manter o Congresso

Nacional, com as reservas relativas aos seus poderes, constantes do presente Ato

Institucional.

Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do

Congresso. Este é que recebe deste Ato Institucional, resultante do exercício do Poder

Constituinte, inerente a todas as revoluções, a sua legitimação.

Em nome da revolução vitoriosa, e no intuito de consolidar a sua vitória, de

maneira a assegurar a realização dos seus objetivos e garantir ao País um governo

capaz de atender aos anseios do povo brasileiro, o Comando Supremo da Revolução,

representado pelos Comandantes-em-Chefe do Exército, da Marinha e da Aeronáutica

resolve editar o seguinte.

ATO INSTITUCIONAL

Art 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e

respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato.

62

Art 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos

terminarão em 31 (trinta e um) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta

dos membros do Congresso Nacional, dentro de 2 (dois) dias, a contar deste Ato, em

sessão pública e votação nominal.

§ 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo

dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de

empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria.

§ 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades.

Art 3º - O Presidente da República poderá remeter ao Congresso Nacional projetos de

emenda da Constituição.

Parágrafo único - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da

República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta)

dias, a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo máximo de 10

(dez) dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações,

a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso.

Art 4º - O Presidente da República poderá enviar ao Congresso Nacional projetos de lei

sobre qualquer matéria, os quais deverão ser apreciados dentro de 30 (trinta) dias, a

contar do seu recebimento na Câmara dos Deputados, e de igual prazo no Senado

Federal; caso contrário, serão tidos como aprovados.

Parágrafo único - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá

solicitar que a apreciação do projeto se faça, em 30 (trinta) dias, em sessão conjunta

do Congresso Nacional, na forma prevista neste artigo.

Art 5º - Caberá, privativamente, ao Presidente da República a iniciativa dos projetos de

lei que criem ou aumentem a despesa pública; não serão admitidas, a esses projetos,

em qualquer das Casas do Congresso Nacional, emendas que aumentem a despesa

proposta pelo Presidente da República.

Art 6º - O Presidente da República, em qualquer dos casos previstos na Constituição,

poderá decretar o estado de sítio, ou prorrogá-lo, pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias;

o seu ato será submetido ao Congresso Nacional, acompanhado de justificação, dentro

de 48 (quarenta e oito) horas.

63

Art 7º - Ficam suspensas, por 6 (seis) meses, as garantias constitucionais ou legais de

vitaliciedade e estabilidade.

§ 1º - Mediante investigação sumária, no prazo fixado neste artigo, os titulares dessas

garantias poderão ser demitidos ou dispensados, ou ainda, com vencimentos e as

vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em disponibilidade, aposentados,

transferidos para a reserva ou reformados, mediante atos do Comando Supremo da

Revolução até a posse do Presidente da República e, depois da sua posse, por decreto

presidencial ou, em se tratando de servidores estaduais, por decreto do governo do

Estado, desde que tenham tentado contra a segurança do Pais, o regime democrático

e a probidade da administração pública, sem prejuízo das sanções penais a que

estejam sujeitos.

§ 2º - Ficam sujeitos às mesmas sanções os servidores municipais. Neste caso, a

sanção prevista no § 1º lhes será aplicada por decreto do Governador do Estado,

mediante proposta do Prefeito municipal.

§ 3º - Do ato que atingir servidor estadual ou municipal vitalício, caberá recurso para o

Presidente da República.

§ 4º - O controle jurisdicional desses atos limitar-se-á ao exame de formalidades

extrínsecas, vedada a apreciação dos fatos que o motivaram, bem como da sua

conveniência ou oportunidade.

Art 8º - Os inquéritos e processos visando à apuração da responsabilidade pela prática

de crime contra o Estado ou seu patrimônio e a ordem política e social ou de atos de

guerra revolucionária poderão ser instaurados individual ou coletivamente.

Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, que tomarão posse

em 31 de janeiro de 1966, será realizada em 3 de outubro de 1965.

Art 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na

Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão

suspender os direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos

legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.

Parágrafo único - Empossado o Presidente da República, este, por indicação do

Conselho de Segurança Nacional, dentro de 60 (sessenta) dias, poderá praticar os atos

previstos neste artigo.

64

Art 11 - O presente Ato vigora desde a sua data até 31 de janeiro de 1966; revogadas

as disposições em contrário.

Rio de Janeiro-GB, 9 de abril de 1964.

ARTHUR DA COSTA E SILVA Gen.-Ex.

FRANCISCO DE ASSIS CORREIA DE MELLO Ten.-Brig.

AUGUSTO HAMANN RADEMAKER GRUNEWALD Vice-Alm.

65

ANEXO 2 – ATO INSTITUCIONAL Nº 2

Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_3.htm. Data de acesso:

27/09/2009.

ATO INSTITUCIONAL Nº 2

À NAÇÃO

A Revolução é um movimento que veio da inspiração do povo brasileiro para

atender às suas aspirações mais legítimas: erradicar uma situação e uni Governo que

afundavam o País na corrupção e na subversão.

No preâmbulo do Ato que iniciou a institucionalização, do movimento de 31 de

março de 1964 foi dito que o que houve e continuará a haver, não só no espírito e no

comportamento das classes armadas, mas também na opinião pública nacional, é uma

autêntica revolução. E frisou-se que:

a) ela se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que traduz, não o

interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação;

b) a revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder Constituinte, legitimando-se

por si mesma;

c) edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua

vitória, pois graças à ação das forças armadas e ao apoio inequívoco da Nação,

representa o povo e em seu nome exerce o Poder Constituinte de que o povo é o único

titular.

Não se disse que a revolução foi, mas que é e continuará. Assim o seu Poder

Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário, que tem de

ser dinâmico para atingir os seus objetivos. Acentuou-se, por isso, no esquema

daqueles conceitos, traduzindo uma realidade incontestável de Direito Público, o poder

institucionalizante de que a revolução é dotada para fazer vingar os princípios em nome

dos quais a Nação se levantou contra a situação anterior.

66

A autolimitação que a revolução se impôs no Ato institucional, de 9 de abril de

1964 não significa, portanto, que tendo poderes para limitar-se, se tenha negado a si

mesma por essa limitação, ou se tenha despojado da carga de poder que lhe é inerente

como movimento. Por isso se declarou, textualmente, que "os processos

constitucionais não funcionaram para destituir o Governo que deliberadamente se

dispunha a bolchevizar o País", mas se acrescentou, desde logo, que "destituído pela

revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo

Governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o

exercício do poder no exclusivo interesse do País".

A revolução está viva e não retrocede. Tem promovido reformas e vai continuar

a empreendê-las, insistindo patrioticamente em seus propósitos de recuperação

econômica, financeira, política e moral do Brasil. Para isto precisa de tranqüilidade.

Agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada teimam, entretanto,

em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável

restrição a certas garantias constitucionais, e já ameaçam e desafiam a própria ordem

revolucionária, precisamente no momento em que esta, atenta aos problemas

administrativos, procura colocar o povo na prática e na disciplina do exercício

democrático. Democracia supõe liberdade, mas não exclui responsabilidade nem

importa em licença para contrariar a própria vocação política da Nação. Não se pode

desconstituir a revolução, implantada para restabelecer a paz, promover o bem-estar

do povo e preservar a honra nacional.

Assim, o Presidente da República, na condição de Chefe do Governo

revolucionário e comandante supremo das forças armadas, coesas na manutenção dos

ideais revolucionários,

CONSIDERANDO que o País precisa de tranqüilidade para o trabalho em prol

do seu desenvolvimento econômico e do bem-estar do povo, e que não pode haver paz

sem autoridade, que é também condição essencial da ordem;

CONSIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não

apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se

propôs,

Resolve editar o seguinte:

67

ATO INSTITUCIONAL Nº 2

Art 1º - A Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas emendas

são mantidas com as modificações constantes deste Ato.

Art 2º - A Constituição poderá ser emendada por iniciativa:

I - dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - das Assembléias Legislativas dos Estados.

§ 1º - Considerar-se-á proposta a emenda se for apresentada pela quarta parte, no

mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por

mensagem do Presidente da República, ou por mais da metade das Assembléias

Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus

membros.

§ 2º - Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em dois turnos na mesma

sessão legislativa, por maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal.

§ 3º - Aprovada numa, a emenda será logo enviada à outra Câmara, para sua

deliberação.

Art 3º - Cabe, à Câmara dos Deputados e ao Presidente da República a iniciativa dos

projetos de lei sobre matéria financeira.

Art 4º - Ressalvada a competência da Câmara dos Deputados e do Senado e dos

Tribunais Federais, no que concerne aos respectivos serviços administrativos, compete

exclusivamente ao Presidente da República a iniciativa das leis que criem cargos,

funções ou empregos públicos, aumentem vencimentos ou a despesa pública e

disponham sobre a fixação das forças armadas.

Parágrafo único - Aos projetos oriundos dessa, competência exclusiva do Presidente

da República não serão admitidas emendas que aumentem a despesa prevista.

Art 5º - A discussão dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República

começará na Câmara dos Deputados e sua votação deve estar concluída dentro de 45

dias, a contar do seu recebimento.

§ 1º - Findo esse prazo sem deliberação, o projeto passará ao Senado com a redação

originária e a revisão será discutida e votada num só turno, e deverá ser concluída no

68

Senado Federal dentro de 45 dias. Esgotado o prazo sem deliberação, considerar-se-á

aprovado o texto como proveio da Câmara dos Deputados.

§ 2º - A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados se

processará no prazo de dez dias, decorrido o qual serão tidas como aprovadas.

§ 3º - O Presidente da República, se julgar urgente a medida, poderá solicitar que a

apreciação do projeto se faça em 30 dias, em sessão conjunta do Congresso Nacional,

na forma prevista neste artigo.

§ 4º - Se julgar, por outro lado, que o projeto, não sendo urgente, merece maior debate

pela extensão do seu texto, solicitará que a sua apreciação se faça em prazo maior,

para as duas casas do Congresso.

Art 6º - Os arts. 94, 98, 103 e 105 da Constituição passam a vigorar com a seguinte

redação:

"Art. 94 - O Poder Judiciário é exercido pelos seguintes órgãos:

I - Supremo Tribunal Federal;

II - Tribunal Federal de Recursos e Juízes Federais;

III - Tribunais e Juízes Militares;

IV - Tribunais e Juízes Eleitorais;

V - Tribunais e Juízes do Trabalho."

"Art. 98 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da República e jurisdição

em todo o território nacional, compor-se-á de dezesseis Ministros.

Parágrafo único - O Tribunal funcionará em Plenário e dividido em três Turmas de cinco

Ministros cada uma."

"Art. 103 - O Tribunal Federal de Recursos, com sede na Capital Federal, compor-se-á

de treze Juízes nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha

pelo Senado Federal, oito entre magistrados e cinco entre advogados e membros do

Ministério Público, todos com os requisitos do art. 99.

Parágrafo único - O Tribunal poderá dividir-se em Câmaras ou Turmas."

"Art. 105 - Os Juízes Federais serão nomeados pelo Presidente da República dentre

cinco cidadãos indicados na forma da lei pelo Supremo Tribunal Federal.

§ 1º - Cada Estado ou Território e bem assim o Distrito Federal constituirão de per si

uma Seção judicial, que terá por sede a Capital respectiva.

69

§ 2º - A lei fixará o número de Juízes de cada Seção bem como regulará o provimento

dos cargos de Juízes substitutos, serventuários e funcionários da Justiça.

§ 3º - Aos Juízes Federais compete processar e julgar em primeira instância.

a) as causas em que a União ou entidade autárquica federal for interessada como

autora, ré, assistente ou opoente, exceto as de falência e acidentes de trabalho;

b) as causas entre Estados estrangeiros e pessoa domiciliada no Brasil;

c) as causas fundadas em tratado ou em contrato da União com Estado estrangeiro ou

com organismo internacional;

d) as questões de direito marítimo e de navegação, inclusive a aérea;

e) os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da

União ou de suas entidades autárquicas, ressalvada a competência da Justiça Militar e

da Justiça Eleitoral;

f )os crimes que constituem objeto de tratado ou de convenção internacional e os

praticados a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça

Militar;

g) os crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de greve;

h) os habeas corpus em matéria criminal de sua competência ou quando a coação

provier de autoridade federal não subordinada a órgão superior da Justiça da União;

i) os mandados de segurança contra ato de autoridade federal, excetuados, os casos

do art. 101, I, i, e do art. 104, I, b."

Art 7º - O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Juízes vitalícios com a

denominação de Ministros, nomeados pelo Presidente da República, dos quais quatro

escolhidos dentre os Generais efetivos do Exército, três dentre os Oficiais Generais

efetivos da Armada, três dentre os Oficiais Generais efetivos da Aeronáutica e cinco

civis.

Parágrafo único - As vagas de Ministros togados serão preenchidas por brasileiros

natos, maiores de 35 anos de idade, da forma seguinte:

I - três por cidadãos de notório saber jurídico e reputação ilibada, com prática forense

de mais de dez anos, da livre escolha do Presidente da República;

II - duas por Auditores e Procurador- Geral da Justiça Militar.

Art 8º - O § 1º do art. 108 da Constituição passa a vigorar com a seguinte redação:

70

"§ 1º - Esse foro especial poderá estender-se aos civis, nos casos expressos em lei

para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares."

§ 1º - Competem à Justiça Militar, na forma da legislação processual, o processo e

julgamento dos crimes previstos na Lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1963.

§ 2º - A competência da Justiça Militar nos crimes referidos no parágrafo anterior com

as penas aos mesmos atribuídas, prevalecerá sobre qualquer outra estabelecida em

leis ordinárias, ainda que tais crimes tenham igual definição nestas leis.

§ 3º - Compete originariamente ao Superior Tribunal Militar processar e julgar os

Governadores de Estado e seus Secretários, nos crimes referido no § 1º, e aos

Conselhos de Justiça nos demais casos.

Art 9º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente, da República será realizada pela

maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação

nominal.

§ 1º - Os Partidos inscreverão os candidatos até 5 dias, antes do pleito e, em caso de

morte ou impedimento insuperável de qualquer deles, poderão substituí-los até 24

horas antes da eleição.

§ 2º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até

que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver

menor número de votos.

§ 3º - Limitados a dois os candidatos, a eleição se dará mesmo por maioria simples.

Art 10 - Os Vereadores não perceberão remuneração, seja a que título for.

Art 11 - Os Deputados às Assembléias Legislativas não podem perceber, a qualquer

título, remuneração superior a dois terços da que percebem os Deputados federais.

Art 12 - A última alínea do § 5º do art. 141 da Constituição passa a vigorar com a

seguinte redação:

"Não será, porém, tolerada propaganda de guerra, de subversão, da ordem ou de

preconceitos de raça ou de classe."

Art 13 - O Presidente da República poderá decretar o estado de sítio ou prorrogá-lo

pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, para prevenir ou reprimir a subversão da

ordem interna.

71

Parágrafo único - O ato que decretar o estado de sítio estabelecerá as normas a que

deverá obedecer a sua execução e indicará as garantias constitucionais que

continuarão em vigor.

Art 14 - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade,

inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo.

Parágrafo único - Ouvido o Conselho de Segurança Nacional, os titulares dessas

garantias poderão ser demitidos, removidos ou dispensados, ou, ainda, com os

vencimentos e as vantagens proporcionais ao tempo de serviço, postos em

disponibilidade, aposentados, transferidos para a reserva ou reformados, desde que

demonstrem incompatibilidade com os objetivos da Revolução.

Art 15 - No interesse de preservar e consolidar a Revolução, o Presidente da

República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na

Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo

de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais.

Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que

tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o

quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos.

Art 16 - A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no, art. 10 e seu

parágrafo único do Ato institucional, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337

do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta

simultaneamente:

I - a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função;

II - a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais;

III - a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política;

IV - a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das

seguintes medidas de segurança:

a) liberdade vigiada;

b) proibição de freqüentar determinados lugares;

c) domicílio determinado.

72

Art 17 - Além dos casos previstos na Constituição federal, o Presidente da República

poderá decretar e fazer cumprir a intervenção federal nos Estados, por prazo

determinado:

I - para assegurar a execução da lei federal;

II - para prevenir ou reprimir a subversão da ordem.

Parágrafo único - A intervenção decretada nos termos deste artigo será, sem prejuízo

da sua execução, submetida à aprovação do Congresso Nacional,

Art 18 - Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos

registros.

Parágrafo único - Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências

da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações.

Art 19 - Ficam excluídos da apreciação judicial:

I - os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo Governo federal,

com fundamento no Ato Institucional de 9 de abril de 1964, rio presente Ato

Institucional e nos atos complementares deste;

II - as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores que hajam

cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores, Deputados,

Prefeitos ou Vereadores, a partir de 31 de março de 1964, até a promulgação deste

Ato.

Art 20. - O provimento inicial dos cargos da Justiça federal far-se-á pelo Presidente da

República dentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada.

Art 21 - Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República,

serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de 30 (trinta) dias, e serão

considerados aprovados quando obtiverem em ambas as votações, a maioria absoluta

dos membros das duas Casas do Congresso.

Art 22 - Somente poderão ser criados Municípios novos depois de feita prova cabal de

sua viabilidade econômico-financeira, perante a Assembléia Legislativa.

Art 23 - Constitui crime. de responsabilidade contra a probidade na administração, a

aplicação irregular pelos Prefeito da cota do imposto de Renda atribuída aos

Municípios pela União, cabendo a iniciativa da ação penal ao Ministério Público ou a

um terço dos membros da Câmara Municipal.

73

Art 24 - O julgamento nos processos instaurados segundo a Lei nº 2.083, de .12 de

novembro de 1953, compete ao Juiz de Direito que houver dirigido a instrução do

processo.

Parágrafo único - A prescrição da ação penal relativa aos delitos constantes dessa Lei

ocorrerá dois anos após a data da publicação incriminada, e a da condenação no dobro

do prazo em que for fixada.

Art 25 - Fica estabelecido a partir desta data, o princípio da paridade na remuneração

dos servidores dos três Poderes da República, não admitida, de forma alguma, a

correção monetária como privilégio de qualquer grupo ou categoria.

Art 26 - A primeira eleição para Presidente e Vice-Presidente da República será

realizada em data a ser fixada pelo Presidente da República e comunicada ao

Congresso Nacional, a qual não poderá ultrapassar o dia 3 de outubro de 1966.

Parágrafo único - Para essa eleição o atual Presidente da República é inelegível.

Art 27 - Ficam sem objeto os projetos de emendas e de lei enviados ao Congresso

Nacional que envolvam matéria disciplinada, no todo ou em parte, pelo presente Ato.

Art 28 - Os atuais Vereadores podem continuar a perceber remuneração até o fim do

mandato, em quantia, porém, nunca superior à metade da que percebem os Deputados

do Estado respectivo.

Art 29 - Incorpora-se definitivamente à Constituição federal o disposto nos arts. 2º a 12

de presente Ato.

Art 30 - O Presidente da República poderá baixar atos complementares do presente,

bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional.

Art 31 - A decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas

e das Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da

República, em estado de sítio ou fora dele.

Parágrafo único - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente,

fica autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na

Constituição e na Lei Orgânica.

Art 32 - As normas dos arts. 3º, 4º, 5º e 25 deste Ato são extensivas aos Estados da

Federação.

74

Parágrafo único - Para os fins deste artigo as Assembléias emendarão as respectivas

Constituições, no prazo de sessenta dias, findo o qual aquelas normas passarão, no

que couber, a vigorar automaticamente nos Estados.

Art 33 - O presente Ato institucional vigora desde a sua publicação até 15 de março de

1967, revogadas as disposições constitucionais ou legais em contrário.

Brasília, 27 de outubro de 1965; 144º da Independência e 77º da República.

H. CASTELLO BRANCO

Juracy Montenegro Magalhães

Paulo Bossisio

Arthur da Costa e Silva

Vasco Leitão da Cunha

Eduardo Gomes

75

ANEXO 3 – ATO INSTITUCIONAL Nº 3

Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_4.htm. Data de acesso:

27/09/2009.

ATO INSTITUCIONAL Nº 3

À NAÇÃO

CONSIDERANDO que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não

apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se

propôs, conforme expresso no Ato institucional nº 2;

CONSIDERANDO ser imperiosa a adoção de medidas que não permitam se

frustrem os superiores objetivos da Revolução;

CONSIDERANDO a necessidade de preservar a tranqüilidade e a harmonia

política e social do Pais;

CONSIDERANDO que a edição do Ato institucional nº 2 estabeleceu eleições

indiretas para Presidente e Vice-Presidente da República;

CONSIDERANDO que é imprescindível se estenda à eleição dos Governadores

e Vice-Governo de Estado o processo instituído para a eleição do Presidente e do Vice-

Presidente da República;

CONSIDERANDO que a instituição do processo de eleições indiretas

recomenda a revisão dos prazos de inelegibilidade;

CONSIDERANDO, mais que e conveniente à segurança nacional alterar-se o

processo de escolha dos Prefeitos dos Municípios das Capitais de Estado;

CONSIDERANDO, por fim, que cumpre fixar-se data para as eleições a se

realizarem no corrente ano.

O Presidente da República, na condição de Chefe do Governo da Revolução e

Comandante Supremo das Forças Armadas,

Resolve editar seguinte:

ATO INSTITUCIONAL Nº 3

76

Art 1º - A eleição de Governador e Vice-Governador dos Estados far-se-á pela maioria

absoluta dos membros da Assembléia Legislativa, em sessão pública e votação

nominal.

§ 1º - Os Partidos inscreverão os candidatos até quinze dias antes do pleito perante a

Mesa da Assembléia Legislativa, e, em caso de morte ou impedimento insuperável de

qualquer deles, poderão substituí-los até vinte e quatro horas antes da eleição.

§ 2º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, repetir-se-ão os escrutínios até

que seja atingido, eliminando-se, sucessivamente, do rol dos candidatos, o que obtiver

menor número de votos.

§ 3º- Limitados, a dois os candidatos ou na hipótese de só haver dois candidatos

inscritos, a eleição se dará mesmo por maioria simples.

Art 2º - O Vice-Presidente da República e o Vice-Governador de Estado considerar-se-

ão eleitos em virtude da eleição do Presidente e do Governador com os quais forem

inscritos como candidatos.

Art 3º - Para as eleições indiretas, ficam reduzidos à metade os prazos de

inelegibilidade estabelecidos na Emenda Constitucional nº 14, de 3 de junho de 1965 e

nas letras m , s e t do inciso I e nas letras b e d do inciso, II do art. 1º da Lei nº 4.738,

de 15 de julho de 1965.

Art 4º - Respeitados os mandatos em vigor, serão nomeados pelos Governadores de

Estado, os Prefeitos dos Municípios das Capitais mediante prévio assentimento da

Assembléia Legislativa ao nome proposto.

§ 1º - Os Prefeitos dos demais Municípios serão eleitos por voto direto e maioria

simples, admitindo-se sublegendas, nos termos estabelecidos pelos estatutos

partidários.

§ 2º - É permitido ao Senador e ao Deputado federal ou estadual, com prévia licença

da sua Câmara. exercer o cargo de Prefeito de Capital de Estado.

Art 5º - No corrente ano, as eleições de Governadores e Vice-Governadores de Estado

realizar-se-ão em 3 de setembro; as de Presidente e Vice-Presidente da República,

em, 3 de outubro; e as de Senadores e Deputados federais e estaduais, em 15 de

novembro.

77

Art 6º - Ficam excluídos de apreciação judicial os atos praticados com fundamento no

presente Ato institucional e nos atos complementares dele.

Art 7º - Este Ato Institucional entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as

disposições em contrário.

Brasília, 5 de fevereiro de 1966; 145º da Independência e 78º da República.

H. CASTELLO BRANCO

Mem de Sá

Zilmar Araripe

Decio de Escobar

Juracy Magalhães

Eduardo Gomes

78

ANEXO 4 – ATO INSTITUCIONAL Nº 4

Disponível em http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_5.htm. Data de acesso:

27/09/2009.

ATO INSTITUCIONAL Nº 4

Convocação do Congresso Nacional para discussão, votação e promulgação do

Projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.

CONSIDERANDO que a Constituição federal de 1946, além de haver recebido

numerosas emendas, já não atende às exigências nacionais;

CONSIDERANDO que se tornou imperioso dar ao País uma Constituição que,

além de uniforme e harmônica, represente a institucionalização dos ideais e princípios

da Revolução;

CONSIDERANDO que somente uma nova Constituição poderá assegurar a

continuidade da obra revolucionária;

CONSIDERANDO que ao atual Congresso Nacional, que fez a legislação

ordinária da Revolução, deve caber também a elaboração da lei constitucional do

movimento de 31 de março de 1964;

CONSIDERANDO que o Governo continua a deter os poderes que lhe foram

conferidos pela Revolução;

O Presidente da República resolve editar o seguinte Ato Institucional nº 4:

Art 1º - É convocado o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente, de 12

de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967.

§ 1º - O objeto da convocação extraordinária é a discussão, votação e promulgação do

projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.

§ 2º - O Congresso Nacional também deliberará sobre qualquer matéria que lhe for

submetida pelo Presidente da República e sobre os projetos encaminhados pelo Poder

Executivo na última sessão legislativa ordinária, obedecendo estes à tramitação

solicitada nas respectivas mensagens.

79

§ 3º - O Senado Federal, no período da convocação extraordinária, praticará os atos de

sua competência privativa na forma da Constituição e das Leis.

Art 2º - Logo que o projeto de Constituição for recebido pelo Presidente do Senado,

serão convocadas, para a sessão conjunta, as duas Casas do Congresso, e o

Presidente deste designará Comissão Mista, composta de onze Senadores e onze

Deputados, indicados pelas respectivas lideranças e observando o critério da

proporcionalidade.

Art 3º- A Comissão Mista reunir-se-á nas 24 horas subseqüentes à sua designação,

para eleição de seu Presidente e Vice-Presidente, cabendo àquele a escolha do relator,

o qual dentro de 72 horas dará seu parecer, que concluirá pela aprovação ou rejeição

do projeto.

Art 4º - Proferido e votado o parecer, será o projeto submetido a discussão, em sessão

conjunta das duas Casas do Congresso, procedendo-se à respectiva votação no prazo

de quatro dias.

Art 5º - Aprovado projeto pela maioria absoluta será o mesmo devolvido à Comissão,

perante a qual poderão ser apresentadas emendas; se o projeto for rejeitado, encerrar-

se-á a sessão extraordinária.

Art 6º As emendas a que se refere o artigo anterior deverão ser apoiadas por um

quarto de qualquer das Casas do Congresso Nacional e serão apresentadas dentro de

cinco dias seguintes ao da aprovação do projeto, tendo a Comissão o prazo de doze

dias para sobre elas emitir parecer.

Art 7º- As emendas serão submetidas à discussão do Plenário do Congresso, durante

o prazo máximo de doze dias, findo o qual passarão a ser votadas em um único turno.

Parágrafo único - Aprovada na Câmara dos Deputados pela maioria absoluta será, em

seguida, submetida à aprovação do Senado e, se aprovada por igual maioria, dar-se-á

por aceita a emenda.

Art 8º - No dia 24 de janeiro de 1967 as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado

Federal promulgarão a Constituição, segundo a redação final da Comissão, seja a do

projeto com as emendas aprovadas, ou seja o que tenha sido aprovado de acordo com

o art. 4º, se nenhuma emenda tiver merecido aprovação, ou se a votação não tiver sido

encerrada até o dia 21 de janeiro.

80

Art 9º - O Presidente da República, na forma do art. 30 do Ato institucional nº 2, de 27

de outubro de 1965, poderá baixar Atos Complementares, bem como decretos-leis

sobre matéria de segurança nacional até 15 de março de 1967.

§ 1º - Durante o período de convocação extraordinária, o Presidente da República

também poderá baixar decretos-leis sobre matéria financeira.

§ 2º - Finda a convocação extraordinária e até a reunião ordinária do Congresso

Nacional, o Presidente da República poderá expedir decretos com força de lei sobre

matéria administrativa e financeira.

Art 10 - O pagamento de ajuda de custo a Deputados e Senadores será feito com

observância do disposto nos §§ 1º e 2º do art. 3º do Decreto Legislativo nº 19, de

1962."

Brasília, 7 de dezembro de 1966; 145º da Independência e 78º da República.

H. CASTELLO BRANCO

Carlos Medeiros Silva

Zilmar Araripe

Ademar de Queiroz

Manoel Pio Corrêa

Eduardo Gomes