Pepetela: \"Fui guerrilheiro, como muitas outras coisas mais, mas sempre vendo a vida para ser...

6
Entrevista Pepetela: Uma entrevista de Felisa Rodríguez Prado Guerrilheiro} sociólogo, professor, político e activista cultural são outras tantas facetas que alimentam o escritor que sempre quis ser e é Artúr Maurício Pestana dos Santos (Benguela, 1941). Este angolano branco, descendente de portugueses, é internacionalmente conhecido como Pepetela, tendo publicado mais de uma dúzia de romances entre As aventuras de Ngunga (1973) e Predadores (2005). Dez anos depois de lhe terem concedido o Prémio Camões, a AELG outorgou-lhe a distinção de "Escritor Galego Universal", que o trouxe por vez primeira à Galiza no passado mês de Maio. Essa foi uma oportunidade para conhecê- lo ao vivo e ouvi-lo. Para aqueles que não conseguiram aproveitá-la, só resta lê-lo ... e confiar em que volte semprel -Pepetela é apenas o seu nome literário ou é mais do que isso? -Pepetela foi o meu nome de guerra, tradução para kimbundo do meu verdadeiro apelido, Pestana. Mais tarde usei-o como pseudónimo literário. -Engano-me ao supor que esse nome terá dado lugar a equívocos? -Equívocos terá havido alguns. Por vezes troca de sexo, pensando que é um nome feminino. Mas a certa altura pessoas confundiam as cores por causa do nome. -Viveu um período muito intenso como guerrilheiro, mas depois isso acabou e surgiu com força o escritor. Ou não é bem assim? -Acho que o escritor nasceu antes, quat'1do ainda era muito jovem e comecei a escrever. Fui guerrilheiro, como muitas . outras coisas mais, mas sempre vendo a vida; para ser escrita. E nunca deixando de histórias, mesmo se não as pubÍicava. 7i ..L,025<1Ungua I No caso de países jovens, onde se está em constante trabalho de formação da nacionalidade, é comum trabalhar-se o passado para nele se encontrarem certas linhas de força identitárias. a primeira vez que vem à Galiza. O que sabe dela e de nós, galegos? -Conheço pouco, em comparação com outras regiões da Europa. Quis o destino que tenha estado poucas vezes em Espanha e nunca na Galiza. Aliás, também conheço mal e relativamente pouco tempo a parte norte de Portugal. Mas é claro que tenho referências culturais e históricas da Galiza, por um lado ligadas à história de Portugal que estudei quando fazia parte do Império e por outro pela sua rica literatura. -Para aqueles que aqui nunca ouviram falar em Pepetela ou mesmo em literatura angolana, como se apresentaria, num breve auto-retrato? -A literatura angolana tem um corpus importante de obras e certa

Transcript of Pepetela: \"Fui guerrilheiro, como muitas outras coisas mais, mas sempre vendo a vida para ser...

Entrevista

Pepetela:

Uma entrevista de Felisa Rodríguez Prado

Guerrilheiro} sociólogo, professor, político e activista

cultural são outras tantas facetas que

alimentam o escritor que sempre quis

ser e é Artúr Maurício Pestana dos

Santos (Benguela, 1941). Este angolano

branco, descendente de portugueses,

é internacionalmente conhecido como

Pepetela, tendo publicado mais de uma

dúzia de romances entre As aventuras de

Ngunga (1973) e Predadores (2005).

Dez anos depois de lhe terem

concedido o Prémio Camões, a AELG

outorgou-lhe a distinção de "Escritor

Galego Universal", que o trouxe por vez

primeira à Galiza no passado mês de Maio.

Essa foi uma oportunidade para conhecê­

lo ao vivo e ouvi-lo. Para aqueles que não

conseguiram aproveitá-la, só resta lê-lo ... e

confiar em que volte semprel

-Pepetela é apenas o seu nome literário

ou é mais do que isso?

-Pepetela foi o meu nome de guerra,

tradução para kimbundo do meu

verdadeiro apelido, Pestana. Mais tarde

usei-o como pseudónimo literário.

-Engano-me ao supor que esse nome já

terá dado lugar a equívocos?

-Equívocos terá havido alguns. Por

vezes troca de sexo, pensando que é um

nome feminino. Mas a certa altura pessoas

confundiam as cores por causa do nome.

-Viveu um período muito intenso como

guerrilheiro, mas depois isso acabou e

surgiu com força o escritor. Ou não é bem

assim?

-Acho que o escritor nasceu antes,

quat'1do ainda era muito jovem e comecei

a escrever. Fui guerrilheiro, como muitas

. outras coisas mais, mas sempre vendo a

vida; para ser escrita. E nunca deixando

de e~crever histórias, mesmo se não as

pubÍicava.

7i ..L,025<1Ungua I

No caso de países jovens, onde se está em constante trabalho de formação da nacionalidade, é comum trabalhar-se o passado para nele se encontrarem certas linhas de força identitárias.

-É a primeira vez que vem à Galiza. O que

sabe dela e de nós, galegos?

-Conheço pouco, em comparação

com outras regiões da Europa. Quis o

destino que tenha estado poucas vezes em

Espanha e nunca na Galiza. Aliás, também

conheço mal e relativamente há pouco

tempo a parte norte de Portugal. Mas é

claro que tenho referências culturais e

históricas da Galiza, por um lado ligadas

à história de Portugal que estudei quando

fazia parte do Império e por outro pela sua

rica literatura.

-Para aqueles que aqui nunca ouviram

falar em Pepetela ou mesmo em literatura

angolana, como se apresentaria, num

breve auto-retrato?

-A literatura angolana tem já um

corpus importante de obras e certa

continuidade desde o século XIX, com

forte influência da literatura europeia

(portuguesa em particular) mas também

do Brasil. Sempre foi uma literatura muito

preocupada com a análise social e até

mesmo com objectivos políticos. O próprio

rumo perturbado do País levou a literatura

a ter a vertente social e política muito

presente.

Eu enquadro-me nessa linha; até por

causa do meu percurso pessoal, em que

lutei pela Independência, tive cargos

políticos, para depois me "reformar"

da política aos quarenta anos para me

tornar professor. Isso deve reflectir-se nas

minhas preocupações e no que escrevo,

tentando por vezes analisar a sociedade

do momento ou então ir ao passado tentar

compreender o que nos levou a ser como

somos hoje. Muitas vezes a história em

Angola está mesclada com mitos, por isso

me socorro deles.

-o que é que o Pepetela escritor deve ao

sociólogo e ao professor, ou vice-versa?

-Estudei Sociologia porque queria

compreender a sociedade para poder

escrever sobre ela (ou sobre elas). Estudei

e trabalhei como sociólogo para atingir a

literatura, portanto. O ter sido professor

foi um acidente não desejado, mas leva-me

a ter contacto permanente com jovens e

compreender os seus anseios e frustrações.

Tudo isso serve o escritor, como é óbvio.

- Mantém alguma rotina ou hábitos

especi.ais à hora de escrever?

- Não tenho hábitos especiais. Antes só

escrevia à noite (tinha os dias demasiado

ocupados), depois passei a escrever só de

manhã, hoje escrevo sobretudo à tarde ...

Normalmente uso música de fundo,

instrumental ou clássica, mas muito baixa

para não a ouvir.

- Tem afirmado, em numerosas ocasiões,

que um dos seus objectivos fundamentais,

como escritor, é fazer pensar, obrigar a

reflexionar ... e não deixar o leitor fugir!

Em que medida se relaciona isto com o

referências culturais históricas da Galiza, por

um lado ligadas à história de Portugal que estudei quando fazia parte·dó Império e por outro pela sua rica literatura.

A realidade do mundo dificilmente leva um escritor a ser optimista. Eu sou pessoalmente optimista, mas não o pode ser a minha

, literatura porque o tempo não lhe permite.

uso e a reescrita da história, talvez o traço

mais caracterizador do conjunto da sua

obra?

- Acho que o escritor não tem de

apontar caminhos e solução para os

Entrevista,

problemas das sociedades, mas sim

chamar a atenção para eles e levar as

pessoas a reflectir sobre esses problemas.

No caso de países jovens, onde se está

em constante trabalho de formação da

nacionalidade, é comum trabalhar-se o

passado para nele se encontrarem certas

linhas de força identitárias. São sociedades

frágeis, com muitos factores de ruptura,

por isso necessitam de um cimento que

as faça unir, um Nós colectivo que lhes

dê identidade, o que pode ser a crença em

heróis comuns ou um passado honroso.

Pasa á páxína 20

.Lô~ingllan!! '1 ';;;i~';::':.;'<

Enb"evista

Y~~ .. 9.a..p.á..x.i~.a. .. 1.? .................................................................................. .

Tem sido um pouco esse o meu cuidado.

No entanto, tenho podido fugir por vezes

a essa "obrigação" e escrever sobre outras

coisas.

-Na Galiza é especialmente conhecido

através do romance Mayombe, que foi

uma verdadeira iniciação para muitos

dos que nos convertemos em leitores

das literaturas africanas. Seria um dos

títulos escolhidos por Pepetela para a

aproximação da sua vasta obra? Quais

outros colocaria?

T É difícil responder a isto. Claro que

o Mayombe marcou, não apenas a minha I

obrfL Mas há livros muito diferentes,

como A Gloriosa Família, Lueji, Yaka (para

ref~rir livros de cariz mítico-histórico),

ou !Parábola do Cágado Velho, ou Jaime

Bu&da, Agente Secreto. São momentos

dif~rentes, por isso retratados de forma l

di~erente. I

Os escritores angolanos hoje conhecidos foram geralmente publicados nos primeiros anos depois da Independência, momento revolucionário em que não se faziam contas de merceeiro para decidir sobre a edição ou não de uma obra.

- Teme que a presença do conflito

colonial, da guerra, da violência, do

abuso de poder e da perda de valores

morais na sociedade torne a sua obra

excessivamente datada e/ou pessimista?

- As obras que respondem a

necessidades sociais são forçosamente

datadas. Por vezes surpreendem os

próprios autores, resistindo melhor ao

tempo. Gostaria que isso acontecesse com

as minhas, mas quem sou eu para o julgar?

Tento, como já disse, variar. Mas é verdade

que a realidade do mundo dificilmente

leva um escritor a ser optimista. Eu sou

pessoalmente optimista, mas não o pode

ser a minha literatura porque o tempo não

lhe permite.

- É conhecido como autor de romances,

mas foi com contos que se estreou

literariamente. Veremos ainda o seu

regresso à narrativa breve?

- Embora pratique pouco, nunca

abandonei totalmente a narrativa breve,

sejam contos sejam crónicas. Mas onde me

sinto mais à vontade é no género romance.

O meu livro O Cão e os Calús é no fundo

um conjunto de narrativas curtas, ligadas

por um fio condutor, um cão.

- O que tem entre mãos neste momento?

- Neste momento estou a escrever

qualquer coisa totalmente diferente

do que fiz até hoje (suponho, embora

admita equivocar-me), mas não sei se será

publicado (ou publicável).

- Já convertido num mito (vivo) da

literatura angolana, qual é a sua relação

com as novas gerações de escritores do

país? Poderia indicar alguns nomes dos

mais jovens?

- Tento manter um relacionamento

próximo com os meus colegas, embora

a vida nem sempre o facilite. Vejo com

preocupação que não tem havido uma

renovação de gerações na literatura

angolana e poucos nomes de escritores

jovens podem já ser revelados. Há

algumas esperanças, mas normalmente

todos ultrapassando os trinta anos de

idade, com a excepção de Onjaki que se

afirmou muito novo ou Luís Fernando,

que se vai afirmando. Até pode haver

muita gente a escrever e com real

talento, mas existem dificuldades muito

grandes para publicarem, porque as

desconhecidas, numa economia dita

de mercado. Os escritores angolanos

hoje conhecidos foram geralmente

publicados nos primeiros anos depois da

Independência, momento revolucionário

em que não se faziam contas de

merceeiro para decidir sobre a edição ou

não de uma obra.

Xogamos cos textos de Pepetela PatriCia Adas ChacheFQ

~stas san as difere~as principais' entre a língua escrita

ao norte e ao sur do rí~ Mino: ]h:::; 11 (melhor = mellor), nh = íi'(amanhã '" ma:iiíá),~m (c6m = con), j = x (injecções ==

in~~ccións), gi, ge = xi; xe (Viagem = viaxe), ç = z (cabeça '" 1 ~ ,; \

c~b:eza), ss = s (nossa "'1 nO$~), -ão= -ónf-án (então = entón), -ães=

-áns (alemães = alemá~s), .pes= -óns (injecções = inxeccións)

Seguro que agora b qúen de ler este anaco de As aventuras

de Ngunga, un dos libras máis coíiecidos de Pepetela.

- Porque estás a chorar, Ngunga?- perguntou Nossa Luta. - Dói-me o pé. - Mostra então o teu pé, Vamos, pára de chorar e levanta a

perna, Ngunga, limpando as lágrimas, levantou a perna para a

mostrar ao Nossa Luta, Este olhou para ela, despoís disse: -Tens aí uma ferida. Não é grande, mas é melhor ires ao

camarada socorrista. - Não quero.

Se não te tratares, a ferida vai piorar. A perna inchará e terás muita febre.

- Não faz mal- disse Ngunga. - Não gosto de apanhar injecções. burro, Agora, o socorrista não te vai dar injecção

nenhuma. Mas depois, se tiveres uma infecção, então precisarás de injecções. Que preferes?

- O socorrista está longe. - Acaba cõm as desculpas. Vai lavar-te e parte. - O dia está a acabar. Em breve será noite, - ,6..inda bem. D0n11eS lá. Amanhã és tratado e voltas. Qual é o

problema? Ngunga abanou a cabeça, mas não refilou. Foi lavar-se e

preparou comida para a viagem.

; Verdade que non era difícil? Imos ver se comprendiches

ben todo o que liches! (tenta escribir as tuas respostas en

português, verás como é moi doado)

Por que chora Ngunga?

Onde Ue recomendan que vaia?

Cantos personaxes aparecen no fragmento?

Cales son os seus nomes?

Con eSe$ nomes, en que parte do planeta cres que vifelf?

Completa o seguinte fragmento coas letras que faltruh.: I

Ngunga é un órfão de treze anos. Os pais foram surpreendidos pelo inimigo, un dia, nas lavras Os colonialistas abriram fogo. O pai, que era já ve ...... o, foi morto imediatamente. A mãe tentou fu .... ..ir, mas umaba.la atravessou-lhe o peito. Só ficou Mussango, que foi apa." .. ada e levada para o posto, Pa ...... aram quatro anos~ depois. de ...... e triste dia. Mas Ngunga ainda se lembra dos país e da pequena Mussango sua irmã, com que ...... brincabatodo o tempo.

Agora que xa coíieces un pouco a historia de Ngunga s~gurQ

que podes averiguar unha chea de cousas sobre Angola, o país onde se desenvolve a historia escrita por Pepetela.

Angola foi unha colonia de Portugal como tamén o foron

Sabes en que ano se independizaron estes países de Portugal?

O portugués é hoxe unha das línguas máis importantes

de Angola. Saberías dicimos en que outros países se fala

portugués na actualidade?

E agora, para rematar, tenta escribir em português unha

oración na que expliques o que ti pensas das guerras .

En realidade ti xa case sabíah escribir en pOrtUl~é:S.;~ unha rapaza ou un rapaz con sorte ... NORABOA!e' '

queres seguir lendo as aventuras de Ngunga:.

que che resulta máis fácil do qJe pensas!

Entrevista John Rutherford: "Ver que grandes figuras de fóra aprecian a cultura galega contribúe a ter máis autoes­tima por estas terras" I Unha entrevista de Ludo Ri/o Caste/ao

Mundo adiante Behatokia: Observatorio de Dereitos Lingüísticos do Eus­kara I Paul Bilbao Sarria

Além M'nho Mozambique. o país cunha Primeira Ministra que fala galego I Ângelo Gonçalves Vicente

Xa O liches? Informe lingüístico sobre a nosa terra Eo-Navia (occiden­te de Asturiasl I Unha resena de Elsa Quintas Alborés

Entrevista Pepetela: ''''Fui guerrilheiro, como muitas outras coisas mais, mas sempre vendo a vida para ser escrita" I Unha entrevista de Fe/isa Rodríguez Prado I Xogamos cos textos de Pepetela I Por Patricia Arias Chachero

Análise A lingua galega no sistema educativo I Consello Escolar de Galiza

A iniciativa do mes Diríxete ao Hospital Modelo da CoruPía

s

A xornalista Sandra Romero, locutora de Radio Obradoiro, préstalle es­pecial atención á sección de Além Minho, xa que o seu programa incluíu durante varias semanas a versión radiofónica deste espazo dedicado aos países da lusofonía