PASSAGEM DE TURNO EM ENFERMAGEM: uma reflexão

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O ESSENCIAL SOBRE PASSAGEM DE TURNO EM ENFERMAGEM: UMA REFLEXÃO ÉTICA QUESTÕES ÉTICAS INERENTES À PASSAGEM DE TURNO JUNTO DOS DOENTES enfermagem em revista N. º115 . AGOSTO 2014 ISSN 0872-8844

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O ESSENCIAL SOBRE PASSAGEM DE TURNO EM ENFERMAGEM: UMA REFLEXÃO

ÉTICAQUESTÕES ÉTICAS INERENTES À PASSAGEM DE TURNO JUNTO DOS DOENTES

enfermagem em revista

N.º115 . AGOSTO 2014

ISSN

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SUMÁRIO

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FICHA TÉCNICAPROPRIEDADE E ADMINISTRAÇÃO Formasau, Formação e Saúde, Lda. Parque Empresarial de Eiras, Lote 19, Eiras - 3020-265 Coimbra T 239 801 020 F 239 801 029 CONTRIBUINTE 503 231 533 CAPITAL SOCIAL 21.947,90 € DIRECTOR António Fernando Amaral DIRECTORES-ADJUNTOS Carlos Alberto Margato / Fernando Dias Henriques EDITORES Arménio Guardado Cruz / João Petetim Ferreira / José Carlos Santos / Paulo Pina Queirós / Rui Manuel Jarrô Margato ASSESSORIA CIENTÍFICA Ana Cristina Cardoso / Arlindo Reis Silva / Daniel Vicente Pico / Elsa Caravela Menoita / Fernando Alberto Soares Petronilho / João Manuel Pimentel Cainé / Luís Miguel Oliveira / Maria Esperança Jarró / Vitor Santos RECEPÇÃO DE ARTIGOS Mariana Cruz Gomes CORRESPONDENTES PERMANENTES REGIÃO SUL Ana M. Loff Almeida / Maria José Almeida REGIÃO NORTE M. Céu Barbiéri Figueiredo MADEIRA Maria Mercês Gonçalves COLABORADORES PERMANENTES Maria Arminda Costa / Nélson César Fernandes / M. Conceição Bento / Manuel José Lopes / Marta Lima Basto / António Carlos INTERNET www.sinaisvitais.pt E-MAIL [email protected] ASSINATURAS Mariana Cruz Gomes / Célia Margarida Sousa Pratas INCLUI Revista de Investigação em Enfermagem (versão online) PREÇOS ASSINATURA INDIVIDUAL Revista Sinais Vitais (6 números/ano): €10.00 / Revista de Investigação em Enfermagem (4 números/ano): €10.00 ASSINATURA CONJUNTA (SV 6 números/ano + RIE 4 números/ano): €15.00 ASSINATURAS ANUAIS: pessoas colectivas (Instituições /Associações): Revista Sinais Vitais (6 números/ano): €20.00 / Revista de Investigação em Enfermagem (4números/ano): €20.00 / Assinatura conjunta (SV 6 números/ano + RIE 4 números/ano): €35.00. FOTOGRAFIA 123rf© NÚMERO DE REGISTO 118 368 DEPÓSITO LEGAL 88306/ 95 ISSN 0872-8844

SUMÁRIO

P04 EDITORIAL

P05 ÉTICAQUESTÕES ÉTICAS INERENTES À PASSAGEM DE TURNO JUNTO DOS DOENTES

P13 O ESSENCIAL SOBREPASSAGEM DE TURNO EM ENFERMAGEM: UMA REFLEXÃO

P19 CIÊNCIA & TÉCNICAA REDE SOCIAL DA REDE: CUIDADOS CONTINUADOS INTEGRADOS

P28 CIÊNCIA & TÉCNICAOS ENFERMEIROS E A VACINAÇÃO DO HPV

P38 CIÊNCIA & TÉCNICAADESÃO À TERAPÊUTICA ANTI-RETROVIRAL. QUAIS AS INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM?

P47 CIÊNCIA & TÉCNICAA IMPORTÂNCIA DA ENFERMAGEM FORENSE EM CONTEXTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

P54 CIÊNCIA & TÉCNICAQUANDO A FAMÍLIA DO DOENTE CRÍTICO ENTRA NO MUNDO DA EMERGÊNCIA: UM ESTUDO DE REVISÃO

P66 CIÊNCIA & TÉCNICAPRESENÇA DAS FAMÍLIAS NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DURANTE A REANIMAÇÃO E OS PROCEDIMENTOS INVASIVOS. QUAL O ESTADO DA ARTE?

P74 CIÊNCIA & TÉCNICATRAUMATISMO TORÁCICO. LESÕES NÃO ESPECÍFICAS

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A questões de alocar aos enfermeiros mais atividades tem vindo a ser debatida nas redes sociais de forma muito vigorosa. De um lado, alguns enfermeiros a defenderem a possibilidade de se aumentarem as atividades e tarefas a desempenhar, pedidos de

radiografi as e outros exames de diagnóstico, a prescrição de medicamentos, etc. Do outro, os responsáveis da Ordem dos Médicos a esgrimirem argumentos no sentido de que não seja permitida a delegação dessas atividades.

Tenho para mim que esta discussão é mais séria do que uma mera discussão, mais ou menos corporativa, feita no facebook ou noutra rede social. O atual governo, através do seu ministro da saúde, tem desvalorizado signifi cativamente a profi ssão de enfermagem e os seus profi ssionais. Primeiro diminuído o valor/hora e depois diminuindo o número de enfermeiros nos serviços a níveis próximos do dos anos 70, fazendo com que a maioria dos serviços funcione no limiar dos padrões mínimos de segurança e, claro está, com claras repercussões na qualidade dos cuidados que são necessários prestar e clara perda de efi ciência para os serviços. Claro que tudo isto, sendo prejudicial para os enfermeiros, porque lhes trás mais cansaço e stress, é-o sobretudo para os utentes do SNS que vêem o seu acesso aos cuidados prejudicado e serem inibidos do seu direito a que lhes sejam prestados cuidados em segurança.

Penso que este deveria ser o debate e a reivindicação dos enfermeiros. Voltar ao regime de 35 horas e a um aumento do número de enfermeiros nos serviços, de modo a garantir cuidados de enfermagem às populações e não apenas alguns cuidados prestados por enfermeiros.

Claro que muitos dos nossos colegas embarcam na demagogia do governo para um aumento da atividade, mas esquecem-se que com isso estão a privar os doentes de cuidados de enfermagem para passarem a ter cuidados prestados por enfermeiros orientados por protocolos na maioria deles elaborados por médicos. Onde fi ca a nossa autonomia se realizarmos apenas tarefas delegadas à margem das que derivam de um processo de tomada de decisão, baseado em conhecimento de enfermagem. De uma vez por todas, vamo-nos centrar no essencial e só depois de estarem garantidos os cuidados que advêm da nossa matriz é que devemos pensar em task shifting se isso melhorar o bem-estar e o acesso dos doentes e a efi ciência do sistema. Cumprir protocolo s apenas, não.

ANTÓNIO FERNANDO S. AMARAL, [email protected]

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Questões éticas inerentes à passagem de turno

junto dos doentes

ANA TEIXEIRAEnfermeira especialista em Enfermagem de Reabilitação. ACES Tâmega III Vale do Sousa Norte - Centro de Saúde Lousada

CHRISTINE MARTINSEnfermeira especialista em Enfermagem de Reabilitação. ACES Tâmega III Vale do Sousa Norte - Centro de Saúde Lousada

DANIELA DIASEnfermeira especialista em Enfermagem de Reabilitação. Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Porto – Unidade de Santo António

LUÍS VIEIRAEnfermeiro especialista em Enfermagem de Reabilitação. Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Porto – Unidade de Santo António

ENTRADA DO ARTIGO ABRIL 2013

RESUMOA passagem de turno é por excelência um mo-mento de troca de informação relevante de for-ma a assegurar a continuidade de cuidados. Quer ela se realize na sala de trabalho, junto do doente ou junto do doente e complementada na sala de enfermagem, é imprescindível respeitar a confi -dencialidade das informações e o direito de pri-vacidade que assiste o doente, levando a que os enfermeiros sejam criteriosos quanto à informa-ção a transmitir junto dos utentes.

Palavras-Chave: Passagem de turno, enfermeiros, sigilo profi ssional, confi dencialidade, privacidade

ABSTRACTThe shift change is par excellence a moment of exchange the important information to insure the continuity of care. Whether it take place in the room along with the patient or supplied in the nursing retreat, who is essential to respect the confi dentiality of information and the right to pri-vacy which assists the patient, so that nurses are an important piece of knowledge to pass on their users, passing the most insightful information and relevant.

Keywords: Shift change, nurses, professional se-crecy, confi dentiality, privacy

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INTRODUÇÃOO doente, durante o internamento vê-se

confrontado com um lugar e com relações diferentes das familiares e sociais às quais está habituado, podendo sentir-se assus-tado, fragilizado, ansioso ou mesmo em si-tuação de desequilibro físico, psíquico ou emocional. Na perspetiva de Briga (2010, p. 5), “O hospital é um enredo de interacções, um palco de cenários multifacetados, mas o hospital é, acima de tudo, nomeadamente pelas relações que aí se estabelecem, um lu-gar privilegiado de comunicação, onde nas-cem vínculos particulares e pessoais entre os doentes que a ele recorrem por necessidade e os profissionais que aí desempenham as suas funções".

Temos como objetivo perceber como a passagem de turno junto dos pacientes con-diciona os seus direitos e os deveres dos pro-fissionais e traçar algumas sugestões de al-teração para um maior respeito pelo direito à privacidade e confidencialidade na prática dos cuidados de saúde em particular, promo-vendo uma reflexão critica sobre o tema que permita melhorar a qualidade dos cuidados de enfermagem tendo por base uma comu-nicação eficaz, porque comunicar é antes de mais, uma arte, uma capacidade que nos é in-trínseca. No entanto, parece-nos claramente necessário prosseguir a reflexão acerca desta questão bioética, que a todos toca, e em si encontra inscrita a dignidade da pessoa hu-mana como fundamento ético.

Em 2001, foi elaborado um parecer do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfer-meiros que não responde de forma objectiva a algumas particularidades suscitadas na prá-tica, restituindo aos enfermeiros a responsa-bilidade individual e colectiva, de modo a não colocar em causa os direitos dos utentes.

COMPETÊNCIAS NO CUIDAR EM ENFERMAGEMA Ordem dos Enfermeiros (2003) refere

que a competência do Enfermeiro implica um nível de desempenho profissional de-monstrador de uma aplicação efetiva do conhecimento e das capacidades, incluindo ajuizar. Assim, podemos dizer que um Enfer-meiro é competente quando reúne e mobili-za o conjunto de saberes (saber, saber-fazer, saber-ser e saber-estar), aplicando-os na prestação de cuidados, atendendo à verten-te científica, técnica e relacional (Conceição e Ramos, 2004).

Na humanização dos cuidados de enfer-magem jamais se pode dispensar a relação de ajuda e o cuidar. “Cuidar, é AJUDAR A VIVER (…)” (Collière, 1999, p.227), é (…) um acto de reciprocidade que somos levados a prestar a toda a pessoa que, temporária ou definitivamente, tem necessidade de ajuda para assumir as suas necessidades vitais (…)” (Idem,p.235).

A relação de ajuda implica comunicação. Comunicar é cuidar. Cuidar é humanizar. A humanização permite a compreensão do indivíduo no seu contexto físico, psíquico, emocional, social e cultural. Para cuidarefi-cazmente, o enfermeiro deve saber obser-var e avaliar corretamente e responder à sua comunicação de forma adequada a cada si-tuação. Isto requer conhecimentos técnicos, compreensão e disponibilidade nas relações humanas em situações deficitárias.

A comunicação é um processo de trans-missão de mensagens no campo do rela-cionamento de pessoa para pessoa. Não há interações passivas e é impossível não comu-nicar. Assim, estas duas premissas dizem-nos que a comunicação é um processo complexo que envolve trocas verbais e não verbais de

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informações, ideias, sentimentos e emoções. Costa (s.d., p.70), salienta que comunicação “É um acto de partilha que, se for eficaz, pro-duzirá mudanças, actividade ou inactividade, palavras ou silêncios, tudo possui um valor de mensagem”. Cada pessoa reage a esta mudança de acordo com as suas crenças, va-lores, história de vida e cultura.

Se por um lado, a comunicação verbal com os doentes é, muitas vezes, dificultada pela presença de diversas condicionantes, por ou-tro lado, os enfermeiros esquecem frequen-temente as potencialidades da comunicação não verbal. A comunicação não verbal é uma troca sem palavras, englobando um conjunto de expressões corporais e de comportamen-tos que transcendem, acompanham e supor-tam as relações entre as pessoas dando-lhes significado.

Através da comunicação não verbal, trans-mitimos as mensagens de forma inconscien-te, por meio da expressão facial, da lingua-gem corporal, das características físicas, da tacésica e da proxémica e na realidade o que advém da comunicação não verbal é mais facilmente retido relativamente às palavras. Tal como refere Briga (2010) “é preciso não esquecer que as mensagens silenciosas do olhar, da expressão facial ou da postura são em grande parte inconscientes e podem trair a nossa vontade, os nossos verdadeiros sen-timentos”. Mehrabian, citado por Briga (2010, p.31) afirma que ”somente 7% das nossas comunicações serão traduzidas em palavras, 38% sê-lo-ão pelas características da voz e 55% pelo resto do corpo”, sendo facilmente compreendida a importância de estabelecer uma relação harmoniosa entre estes dois ti-pos de expressão.

O DEVER DE SIGILO PROFISSIONAL: PRIVACIDADE E CONFIDENCIALIDADE DOS DADOS RELATIVOS AO DOENTE

O enfermeiro tem sobre a pessoa que cui-da o dever de sigilo na medida em que o en-fermeiro é obrigado a guardar segredo pro-fissional sobre o que toma conhecimento no exercício da sua profissão e assume o dever de “considerar confidencial toda a informa-ção acerca do destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte, partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, usan-do como critérios orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social do indi-víduo e família, assim como os seus direitos, divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e família só nas situações previs-tas na lei, devendo, para tal efeito, recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico e a manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso for usado em situações de ensino, investigação ou controlo da qualidade de cui-dados. Cabe ao enfermeiro garantir cuidados globalizantes e individualizados, tendo como valor o respeito pela dignidade humana, de forma a que a experiência de dor e sofrimen-to, por que passa o indivíduo, se dê num clima e ambiente de segurança, protector da sua dignidade e intimidade”.

Para Morais (2011, p.255) “a assistência à saúde é sustentada pelo valor da confiança.” Por este motivo, o carácter de confidência pre-serva o relacionamento entre o profissional e o doente e, quando este segredo se quebra, põe em causa toda a relação de confiança que se criou entre os dois. A confidencialida-de é um atributo que qualquer profissional de saúde necessita de aprender a desenvolver, já que dela depende a confiança que o utente irá nele depositar. “O doente tem direito à pri-

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vacidade e o médico o dever de confidencia-lidade. A confiança no médico só é mantida desde que este guarde sigilo absoluto dos factos. A confidencialidade só pode ser que-brada quando o doente autoriza ou quando lesa gravemente direitos de terceiros” (Serra, citado por Morais, 2011, p. 87).

Francisconi e Goldim (1998, p. 271) defen-dem que “a preservação de segredos está associada tanto à questão da privacidade quanto da confidencialidade”.

Para Francisconi e Goldin(1998, p.271) “a privacidade é a limitação do acesso às infor-mações de uma dada pessoa, bem como do acesso à própria pessoa e à sua intimidade. É a preservação do anonimato e dos segredos. É o respeito ao direito de o indivíduo man-ter-se afastado ou permanecer só. É o direi-to que o paciente tem de não ser observado sem sua autorização”. Já Miguéns, citado por Veríssimo (2009, p.21), analisa o conceito de privacidade como sendo um “ambiente de recato, sossego, intimidade, seio de famí-lia”, referindo também que a vida privada de cada pessoa merece respeito e tem o direito a não ser violada ou divulgada.

Confidencialidade tem origem na palavra confiança, que é a base para uma boa rela-ção terapêutica. O paciente acredita que o profissional a quem confia certos assuntos irá preservar tudo o que lhe for relatado, tan-to que revela informações que muitas vezes, outras pessoas com as quais convive, nem sequer supõem existir. Assim, todas as infor-mações relativas ao doente – situação clínica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e dados pessoais – são confidenciais. No entanto, se o doente der o consentimento e não houver prejuízo para terceiros, ou se a Lei o deter-minar podem estas informações ser utiliza-das, tendo como regra que o doente deve ser

alertado para a necessidade de não colocar em risco a segurança ou a vida de outros.

Confidencialidade é a garantia do res-guardo das informações dadas em confiança e a protecção contra a sua revelação não au-torizada (Francisconi e Goldim, 1998). Cons-titui uma atitude ou comportamento de res-peito, de silêncio, de segredo, relativamente a um facto, dado íntimo ou privado, da vida de uma pessoa. “Em contrapartida, o direi-to à privacidade é violado quando se obtém, por exemplo, a informação de um computa-dor ou de um registo, ou seja, quando uma pessoa sem autorização entra na sala de ar-quivos ou na base de dados do computador de um hospital” (Silva, 2007, p.41).

Para Ourives (s.d., p. 255) “a confiden-cialidade é assumida como uma forma de privacidade informacional que acontece no âmbito de uma relação de cuidados, onde a responsabilidade de cuidar do outro é um acto de confiança que nos foi concedido e não um direito que possuímos”. Dessa forma, os profissionais somente deverão ter acesso às informações que efetivamente contri-buam ao atendimento do paciente.

A autorização ao acesso à informação é uma dádiva do doente e implica uma neces-sidade terapêutica, não um direito ao seu uso abusivo. Ainda segundo este autor, “a di-mensão ética da confidencialidade impõe a necessidade de discernir o valor terapêutico da informação e avaliar aquilo que constitui matéria do segredo partilhado em equipa e aquilo que deve ser mantido em segredo”.

METODOLOGIAA revisão da literatura decorreu entre No-

vembro de 2011 e Dezembro de 2012, tendo sido operacionalizada através da pesquisa

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eletrónica de artigos em bases de dados: SciELO, Google, Google Académico, PubMed, Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal, B-on, assim como referências de livros e teses nos períodos de 1998 a 2011, nas línguas inglesa e portuguesa.

Os descritores utilizados foram: passa-gem de turno, enfermeiros, sigilo profissio-nal, confidencialidade, privacidade.

Como critérios de inclusão foram conside-rados as publicações em texto integral, com limitação da pesquisa aos anos 1998 a 2011.

RESULTADOS Após a revisão de literatura efectuada fo-

camo-nos unicamente nos artigos/livros/dis-sertações que abordavam as questões éticas inerentes à passagem de turno, bem como o seu local. Através desta estratégia de pesqui-sa foram encontradas 5 publicações, 2 livros e 5dissertações.

Passagem de TurnoUm dos momentos mais importantes e

privilegiados na formação dos profissionais de enfermagem é a passagem de turno. Este é um momento por excelência de troca de informação relevante de forma a assegurar a continuidade de cuidados (Pereira, 2001). Segundo Ferreira (2010), a passagem de tur-no é um tempo significativo, que permite a avaliação do trabalho realizado num turno, a organização do turno seguinte e a discus-são partilhada dos assuntos e dos problemas surgidos na enfermaria. Assim, baseando--nos no Parecer do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros sobre a passagem de turno, constatamos que é “um momento de reunião da equipa de enfermeiros, tendo como objectivo assegurar a continuidade de cuidados, pela transmissão verbal de infor-mação, e como finalidade promover a me-lhoria contínua da qualidade dos cuidados, enquanto momento de análise das práticas

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e de formação em serviço/em situação” (Or-dem dos Enfermeiros, 2001). Esta transmis-são de informação é efectuada de forma oral, complementando assim a informação escrita nos registos de Enfermagem. Por conseguinte, a passagem de turno não de-verá ser encarada como uma simples trans-missão de ideias e conceitos mas sim como um dos pilares fundamentais do constante aperfeiçoamento dos cuidados de enferma-gem prestados (Carneiro citado por Ferreira et al., 2010).

Neste seguimento de ideias, podemos afirmar que a passagem de turno dos en-fermeiros é um momento determinante no seu quotidiano profissional, porque repre-senta um momento de grande cumplicidade na qual os profissionais de saúde refletem sobre as suas práticas, gerando por vezes mudanças de comportamentos e atitudes que promovem o desenvolvimento pessoal e profissional.

Os locais de Passagem de turno são ge-ridos, em cada contexto de trabalho e aten-dendo às suas características, de forma con-siderada mais adequada para responder às finalidades – e tanto podem ser utilizados espaços de trabalho específicos ou exclusivos dos enfermeiros como espaço da unidade de cada utente, ou outros, não sendo estas op-ções mutuamente exclusivas (Ordem dos En-fermeiros, 2001).Deste parecer resultou que o importante não será o local propriamente dito, mas as informações transmitidas próxi-mo de terceiros, sendo que se deve sempre salvaguardar o direito dos utentes à privaci-dade e confidencialidade.

A passagem de turno dos enfermeiros, junto ao doente, é uma prática internacional e comum em muitos contextos hospitalares do nosso país. O seu principal intuito é envol-

ver os utentes no seu processo de cuidados, mas, devido sobretudo ao carácter delicado e pessoal das informações transmitidas, muito se tem discutido sobre as suas vantagens e desvantagens. Nas situações de passagem de turno junto do utente em espaço de enferma-ria, terão de ser acautelados alguns aspectos, já que os conteúdos da informação tenderão a ser diferentes dos que poderão ser transmi-tidos posteriormente/anteriormente em gabi-nete/sala de enfermagem.

“O comprometimento da confidencialidade é uma violação grave de um direito do doente e em quase todas as passagens de turno ocor-re um lapso, pois nem só o diagnóstico mere-ce reserva. Por exemplo: a incontinência, a não colaboração, a confusão, o risco de contami-nação, a não adesão dos prestadores de cui-dados ou a falta de apoio da família, a falta de auto-controlo, a ansiedade, a agressividade, a infecção, algumas dependências no auto-cui-dado, o uso de álcool e drogas, etc, também não são do foro da reserva da intimidade? E as demais respostas às situações de doença, se-rão ou não? Todas as respostas são subjectivas, pois convém não esquecer que o que é consi-derado confrangedor para uma pessoa pode não o ser para outra. Consideremos, ainda a interrogação de um dos participantes. Porque todos os enfermeiros entram no quarto, quan-do só um me vai prestar cuidados? De facto, uma transmissão triangulada, entre os enfer-meiros (o que termina e o que inicia a o turno) e o utente, seria muito mais adequada e vanta-josa” (Ferreira, 2010, p.36).

A passagem de turno poderá ser realiza-da num ou em vários locais, de acordo com as características de trabalho e a sua infor-mação poderá ser fornecida junto do doente em enfermaria e complementada em espaço de trabalho, salvaguardando sempre os di-

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reitos dos utentes nomeadamente no que concerne à privacidade e confidencialidade e garantindo sempre a possibilidade de utilizar o “Privilégio Terapêutico”.

Durante a passagem de turno devemos ter em consideração o direito do doente à confidencialidade e privacidade, proteção da intimidade e à reserva da sua vida privada. Assim, o respeito pelo direito à privacidade implica o dever dos profissionais de saúde em praticar os seus atos no respeito pela intimidade da pessoa estando apenas pre-sentes os elementos essenciais para a exe-cução do mesmo. A partilha de informação pertinente deve ser apenas e só com aqueles que estão envolvidos no plano terapêutico, considerando sempre o melhor interesse do paciente, isto é, o seu bem estar, a segurança física, emocional, social e os seus direitos.

O momento de passagem de turno tem como objectivo centrar os cuidados nos utentes, de forma personalizada, forne-cendo-lhes mais informação, mas também melhorar o desempenho global dos enfer-meiros, interpelando-os relativamente aos cuidados prestados durante o turno de tra-balho cessante, procurando sempre manter ao máximo a confidencialidade e privacida-de dos utentes, levando a que os enfermei-ros sejam criteriosos quanto à informação a transmitir junto dos utentes.

CONCLUSÃOA passagem de turno é também um mo-

mento de formação intra-equipa e de refle-xão sobre a prática de cuidados de enfer-magem prestados, tendo como objectivo principal a continuidade de cuidados e a ga-rantia do bem-estar do doente. Assim, a pas-sagem de turno, junto dos doentes, acarreta

muitas vantagens ao processo de enferma-gem, no entanto, deve existir um processo de comunicação, de certa forma preconiza-do, no sentido de não transmitir informações ao doente que possam prejudicar o seu es-tado de saúde, isto porque a saúde envolve uma enorme componente emocional. Temos que ter consciência que certa informação não deve ser divulgada junto ao doente, pela sua fragilidade tantas vezes presente. A lin-guagem utilizada pelos profissionais deve impor também um certo cuidado uma vez que, certos termos que nos poderão parecer banais, revestem-se de enorme importância para aquele que está numa situação de fra-gilidade psicológica, podendo potenciar um aumento do medo, da preocupação, da ten-são a que o doente está sujeito. Por outro lado, o facto de a informação ser transmitida nas enfermarias pode conduzir a um certo desrespeito pelo direito de privacidade sub-jacente ao estado de doente, uma vez que os pacientes que nada têm a ver com o proces-so clínico do outro, têm um acesso involuntá-rio ao mesmo. Mais concluímos que, o facto da informação ser transmitida de enfermei-ro para enfermeiro leva a uma participação passiva do doente no seu processo clínico, e isto poderá ser contestável. A passagem de turno, em enfermaria, permite a continui-dade dos cuidados, o conhecimento mútuo enfermeiro-utente e o cumprimento do seu direito à informação. Contudo, também se pode verificar o comprometimento da con-fidencialidade, a despersonalização, a pouca interacção enfermeiro - utente e informação que pode ser entendida pelo doente como repetitiva, pouco interessante e com lingua-gem técnico-científica.

A passagem de turno nas enfermarias terá pois que ser muito bem pensada antes de

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ser aplicada nos serviços e deve ser realizada com muita ponderação. A informação trans-mitida, deverá ser junto ao doente e com-plementada em local adequado, dependen-do da realidade do serviço, como, a sala de trabalho O doente deve ser envolvido como gestor da sua própria saúde e doença sen-do, portanto, o mais interessado por todo o processo. As intercorrências devem sim ser discutidas entre os profissionais para depois comunicar ao paciente de uma maneira que ele absorva melhor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O ESSENCIAL SOBRE...

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ENTRADA DO ARTIGO ABRIL 2013

RESUMOA passagem de turno em enfermagem assegu-ra a continuidade de cuidados, pela transmissão verbal de informação, num momento de análise das práticas e de formação em serviço. Assim é necessário desafi ar os enfermeiros a compreen-der a importância da informação a transmitir, do tempo necessário e dos comportamentos a pro-mover. Realça-se o carácter essencial da infor-mação clara, sem ambiguidades e sistematizada, de modo a evitar a banalização deste momento, contribuindo para a continuidade e qualidade dos cuidados e segurança da pessoa.

Palavras-Chave: Passagem de Turno, Continuida-de dos Cuidados, Melhoria da Qualidade

ABSTRACTThe nursing shift report ensures continuity of care, by verbal transmission of information, analysis of practices and in-service training. For that is nec-essary to challenge nurses to understand the im-portance of the information provided, the required time and the better behaviors. It is essential em-phasize the clear, unambiguous and systematic information, in order to avoid the trivialization of this moment, contributing to the continuity and quality of care and patient security.

Keywords: Shift Report, Continuity of Care, Quality Improvement

PASSAGEM DE TURNO EM ENFERMAGEM: uma reflexão

VERA SOFIA JOAQUIM CAVACOEnfermeira no Hospital de Faro com Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Mestranda em Enfermagem na Universidade Católica Portuguesa

PATRÍCIA CRUZ PONTÍFICE-SOUSAEnfermeira com a Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica, Mestre em Comunicação em Saúde, Professora na Universidade Católica Portuguesa.

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NOTA INTRODUTÓRIAA passagem de turno ou passagem de

ocorrências em enfermagem é um dos mo-mentos privilegiados de partilha entre en-fermeiros. Partilham-se informações para a prestação de cuidados, mas também refle-xões profissionais e vivências pessoais de cada um. Muitos classificam este momento como um reencontro diário entre profis-sionais com um objectivo comum, tal que durante o horário de trabalho podem não voltar a encontrar-se até à nova passagem de turno. De facto, este momento é definido por Nunes et al. (2005) como uma reunião de enfermagem que permite a partilha de in-formação verbal, que garante a continuidade dos cuidados, devendo ser encarada como um momento de aprendizagem e formação com a análise das práticas, que tende a pro-mover a melhoria contínua da qualidade dos cuidados. Os mesmos autores acrescentam que a transmissão da informação é feita de forma oral, podendo ser complementada pela forma escrita. No mesmo sentido, Silva e Campos (2007) acrescentam que a infor-mação transmitida deve ser objectiva, clara e concisa e deve ser relativa à prestação de cuidados directos ou indirectos à pessoa, podendo-se também transmitir outros as-suntos institucionais de interesse.

Apesar deste conjunto de conceitos que fazem imergir uma definição do tema, a grande maioria dos enfermeiros de hoje transmitem uma preconcepção que desva-loriza a sua importância. Raros são aqueles que assumem a passagem de turno como um momento excepcional de formação con-tínua, continuando a remete-la apenas para a troca de informação. Por este motivo torna--se emergente compreender o que envolve a passagem de turno. Guimarães (1999) de-

fende que a passagem de turno correspon-de a um tempo de simbolismo significativo, através da avaliação do trabalho realizado num turno, organização do turno seguinte e discussão de problemáticas decorrentes no quotidiano dos cuidados prestados. Já Kerr (2002) citado por Staggers e Jennings (2009) considera este momento como um processo complexo pelo conhecimento e experiência intrínsecos ao seu conteúdo. Considerando estes autores compreende-se que a passa-gem de turno envolve mais saber do que à partida se pensava com a simples troca de informação. De facto, a enfermagem é uma disciplina que envolve uma complexidade de saberes que se difunde em todas as ac-tividades inerentes à profissão. Deste modo surgem diversas questões “Estaremos nós a eclipsar o verdadeiro sentido da passagem de turno? Que significado atribuímos a este momento da prestação de cuidados?”. É cer-to que em cada enfermeiro, cada contexto, cada instituição haverão diferenças na con-cepção deste momento, que podem inclusi-ve aproximar-se intimamente da verdadeira noção de passagem de turno. Contudo, a reflexão será sempre uma mais-valia para a melhoria contínua da qualidade dos cuida-dos, conforme defendido pela nossa Ordem Profissional.

O local da passagem de turnoNa literatura é comum encontrar-se a

discussão entre a dicotomia da passagem de turno no quarto/unidade doa pessoa ou numa sala à parte, ao qual a Ordem dos En-fermeiro (OE) já se pronunciou (Baker, 2010; Ferreira et al., 2010; Nunes et al. 2005; Santos e Ferreira, 2004; Staggers e Jennings, 2009). Por questões relativas ao sigilo, Nunes et al. (2005) descreve o parecer da OE, cujos as-

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pectos conclusivos consideram que o espaço onde se realiza a passagem de turno deve-rá ter em atenção as características de cada contexto de trabalho, de modo a ir ao en-contro dos objectivos da passagem de tur-no, anteriormente descritos. Como forma de não extrapolar o Código Deontológico dos Enfermeiros, é ainda feita referência à neces-sidade de salvaguardar o direito de privaci-dade e confidencialidade da pessoa e garan-tia da utilização do “privilégio terapêutico”. O documento acrescenta ainda que não é o local da passagem de turno que é coloca-do em causa, mas sim as informações nela contidas, que possam ser involuntariamente transmitidas a terceiros. Assim, a decisão do local fica ao critério da própria equipa de en-fermagem, que em conjunto, e sublinhando o termo “equipa”, deverá tecer as melhores considerações para o contexto onde exerce funções.

Sistematizar a passagem de turnoPor ser central à manutenção da continui-

dade, qualidade e planeamento dos cuidados prestados, Lamond (2002) procurou com-preender o processo de decisão e julgamen-to do enfermeiro durante a sua passagem de turno, tendo concluído que geralmente a informação transmitida nesse momento apresenta uma ordem específica, que confe-re uma estrutura ou esquema facilitador da transmissão de informação. O autor concluiu também que o enfermeiro tende a transmi-tir informação sumária acerca da condição da pessoa, por pressupor que o enfermeiro que recebe a informação fará uma associa-ção cognitiva que permita concluir acerca das necessidades específicas desse mesma pessoa, e assim, se tende a reduzir-se o tem-po dispensado na passagem de turno. No

mesmo sentido, ao comparar a informação contida nos registos escritos e na passagem de turno, o autor verificou que a primeira é sempre mais completa e detalhada do que a segunda, que justifica pelo facto dos re-gistos escritos representarem um documen-to legalmente reconhecido. Curiosamente, o mesmo estudo revela que os dados psicos-sociais da pessoa são mencionados mais fre-quentemente na passagem de turno, do que nos registos escritos.

No que se refere à comunicação de um profissional para o outro, a World Health Or-ganization (2007) referencia que as lacunas que ocorrem durante esse processo predis-põem à existência de quebras na continuida-de dos cuidados, tratamentos inadequados e colocam em causa a segurança da pessoa. Efectivamente, o trabalho de Hansten (2003) citado por Dean (2009) enuncia que as dife-renças verificadas na qualidade da informa-ção transmitida na passagem de turno, po-dem favorecer a eficiência do turno seguinte ou, por outro lado, podem atrasar os cuida-dos em cerca de 1 a 2 horas. É interessante verificar o quão influente este momento é para o sucesso das restante horas de pres-tação de cuidados, pelo que a World Health Organization (2007) e Baker (2010) recomen-dam que a comunicação efectiva deverá ser cara-a-cara, precisa e não ambígua, sugerin-do alguns passos descritos no Quadro 1.

O que é que a passagem de turno des-poleta nos enfermeiros?

Para além do já descrito, a comunica-ção inerente à passagem de turno pode ser afectada por outras variáveis, que Roa-ch (2002) citado por Dean (2009) referencia nestas questões: “If a depressed person en-ters a room, what happens to others? What

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16is the impact of the energy, motivation, and commitment of a nurse who is leaving a shift on those who take over?” (p.22). Efec-tivamente, estas questões nascem do facto do autor concluir que pouco se tem escrito sobre a problemática intra-profissional dos enfermeiros durante a passagem de turno e servem incondicionalmente de projecção à reflexão. É sabido que comportamento gera comportamento, pelo que um enfermeiro desmotivado influencia invariavelmente a energia dos restantes colegas e concomi-tantemente a disposição para a prestação de cuidados inócua. Face à situação actual do país e da profissão, não é tarefa fácil andar de cara alegre em todos os momentos da prestação de cuidados, mas assumindo a in-fluencia que o nosso estado de espírito pode ter para com o outro, poderemos assumir o compromisso de deixarmos o nosso “fado” de lado e de causarmos impacto positivo na-

queles que entram ou deixam o turno.Silva e Campos (2007) referem que a

maioria das dinâmicas de passagem de tur-no são demoradas, desgastantes e tendem à banalização e superficialidade, ao invés de fomentarem a reflexão. Provavelmente, este facto relaciona-se com a desorganização da transmissão de informação/formação, mas não só. Os mesmos autores enumeram al-guns aspectos, relacionados com o compor-tamento da equipa, que interferem no suces-so da passagem de turno como: conversas paralelas, telefonemas, campainhas, entrada e saída de funcionários, solicitações médicas, presença de familiares, brincadeiras dos pro-fissionais, não pontualidade dos profissio-nais e saídas apressadas. Efectivamente, e de modo empírico, todos os dias se assiste a um ou mais destes exemplos, que inevitavelmen-te prejudicam a transmissão da informação/formação. Quantos de nós não nos identifi-

bn– Exemplo de organização da informação da passagem de turno junto da pessoa, adaptado de World Health Organization (2007) e Baker (2010).

Aplicar técnica SBAR

O uso de uma abordagem estandar-dizada minimiza a confusão entre os profissionais

(S)Situation: o enfermeiro que termina o turno despede-se da pessoa e o enfermeiro que entra cumprimenta a pessoa;(B)Background: actualiza o colega acerca dos problemas ac-tuais da pessoa, bem como do tratamento, medicação, exa-mes complementares de diagnóstico e necessidades especiais (ex. isolamento de contacto, risco elevado de queda…);(A)Assessment: informa acerca dos acontecimentos durante o seu turno;(R)Recommendation: revê e certifica que tudo está opera-cional para o colega que entra (ex. permeabilidade de acessos venosos, terapêutica em curso ou pendente, confirma pedido de serviço social…);Ao longo desta abordagem a pessoa é convidada a intervir disponibilizando-se espaço para o esclarecimento de dúvidas e facilitando a sua inclusão no planeamento dos cuidados.

Dispensar o tempo necessário

Comunicar a informação importante dando a oportunidade ao colega de colocar questões, respondendo adequadamen-te, sem outras interrupções irrelevantes.

Incluir informações Status da pessoa, medicação, plano de tratamento ou outras alterações significativas.

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camos com algum destes comportamentos? De modo complementar, referencia-se ainda o trabalho de Roach (1997) citado por Dean (2009) que conclui que os enfermeiros na passagem de turno despendem demasiada energia a controlar os outros, ao invés de desenvolver a capacidade honestidade, inte-gridade ou compaixão pelo outro colega. De facto somos demasiadamente críticos com os colegas, em especial com o colega do turno anterior, no que se refere às suas fraquezas, que sistematicamente vamos identificando. A tomada de consciência desta problemática poderá ser uma mais valia para que, em con-junto, se possam arranjar estratégias dentro da equipa que fomente um espírito crítico construtivo, evidenciado de forma igualitá-ria os pontos positivos e negativos, tal como sugere Speas (2004) citado por Dean (2009). A melhoria dos cuidados não está em apon-tarmos as fraquezas dos outros mas em en-contramos as nossas próprias fragilidades

e desenharmos estratégias para as contor-narmos. Integrando as concepções expostas resumem-se as principais ideias no Esquema 1, que pretende ser um veículo catalisador para a tomada de consciência daquilo que fazemos e que poderemos melhorar.

Nota FinalDesde Nightingale que se assume a im-

portância da comunicação oral como essen-cial à continuidade dos cuidados. A fim de centrar os cuidados na pessoa torna-se fun-damental encontrar formas de comunicação e utilizar uma linguagem em que a pessoa esteja presente, sob pena de se uniformizar as situações que se pretendem descrever. Assim, a passagem de turno em enferma-gem assume um carácter primordial na par-tilha de experiências, convidando à reflexão de cada profissional. A rotina pode transpor este momento à banalização, pelo que se preconiza a transmissão de informação clara,

Passagem de turnoAssegura a continuidade de cuidados, pela transmissão verbal de informação, num

momento de análise das práticas e de formação em serviço.

Local – Unidade do doenteComportamentos a

evitar:conversas paralelas,

telefonemas,campainhas,

entrada e saída de funcionários, solicitações médicas,

presença de familiares, brincadeiras dos profissionais,

não pontualidade dos profissionais,

saídas apressadas.

Enfermeiro Receptor

Enfermeiro emissor

Doente

IntervenientesInformação a

transmitir:Abordagem estandardizada,

Incluir informações pertinentes,Excluir informações fúteis

Tempo:O necessário para comunicar as informações e permitir espaço ao

esclarecimento de dúvidas

Desafio: Que energia, motivação e empenho existe no enfermeiro que passa o turno e no enfermeiro que o está a receber? O que podemos melhorar no nosso contexto de trabalho?

Esquema 1 – Desafios para a passagem de turno no SUC.

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sem ambiguidades e com uma or-dem específica, de modo a evitar confusões nos enfermeiros que recebem essa mesma informação. O tempo dispendido deverá ser o suficiente para incluir o esclareci-mento de dúvidas. O local deverá ser o que se adeque às caracte-rísticas do contexto de trabalho, considerando a particularidade da confidencialidade e privacidade da pessoa. Mediante estas condi-ções os enfermeiros deverão pro-mover comportamentos que não interfiram no sucesso da trans-missão da informação, através do controlo do ambiente circundante ao local da passagem de turno.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, Évena; CAMPOS, Luciana – Passagem de plan-tão na enfermagem: Revisão da Literatura. Cogitare Enfermagem. ISBN 1414-8536. 12:4 (2007), 502-507.

STAGGERS, Nancy; JENNINGS, Bonnie – The Content and Context of Change of Shift Report on Medical and Surgical Units. The Journal of Nursing Administration. ISBN 0002-0443. 39:9 (2009), 393-398.

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ENTRADA DO ARTIGO MARÇO 2013

RESUMOA importância da formação e ampliação de re-des de solidariedade está na mobilização e dis-tribuição de recursos, e na mudança do perfi l epidemiológico no processo saúde/doença. Esta revisão bibliográfi ca objetiva determinar a impor-tância da articulação e confi guração das redes sociais e de cuidados continuados integrados, na satisfação das necessidades sociais e de saúde. Os resultados corroboram que a confi guração e a articulação das redes sociais com o sistema de saúde facilitam a gestão da rede e do seu alcance.

Palavras-Chave: Rede social, Rede de Cuidados Continuados Integrados, Enfermagem Comuni-tária

ABSTRACTThe importance of the formation and expansion of networks of solidarity is the mobilization and distribution of resources, and the changing epide-miological profile in the health / disease. This liter-ature review aims to determine the importance of coordination and configuration of social networks and integrated continuous care in meeting social needs and health. The results confirm that the con-figuration and coordination of social networking with the health system to facilitate management of the network and its reach.

Keywords: Social Networking, Network Continu-ous Care, Community Nursing

A REDE SOCIAL DA REDE: CUIDADOS CONTINUADOS

INTEGRADOS

LÚCIA ALEXANDRA PINTO CARDOSOEnfermeira no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Porto. Curso de Pós-Licenciatura em Enfermagem Comunitária, Curso de Especialização em Saúde Publica e Curso de Pós-Graduação em Enfermagem Avançada.

ANA FILOMENA SILVA DE FREITASLicenciada em Enfermagem. Mestranda em Enferma-gem Comunitária, Curso de Pós Graduação em Enfer-magem Avançada e Curso de Pós Graduação em Cuida-dos Continuados Integrados.

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INTRODUÇÃONa atualidade, Portugal está numa fase

inicial da sociedade em rede. A governação da saúde na sociedade em rede justifica a re-definição do equilíbrio entre os mecanismos de influência (controlo social) em prol de re-des de interação e cooperação (Sakellarides et al., 2007-2013).

De acordo com o preâmbulo do Decreto--Lei nº 101/2006, de 6 de Junho, a consti-tuição da Rede Nacional de Cuidados Conti-nuados Integrados (RNCCI), visa dar resposta às carências de cuidados, resultantes do au-mento da prevalência de doentes crónicos com múltiplas cormorbilidades, do aumento de idosos com dependência funcional, de doentes incuráveis em estado avançado e em fase final de vida. Neste domínio, a inter-venção articulada entre a saúde e a seguran-ça social assenta num modelo de natureza preventiva, recuperadora e paliativa, num nível intermédio entre os cuidados de base comunitária e os de internamento hospitalar.

Por cuidados continuados integrados define-se como o conjunto de intervenções sequenciais de saúde e ou de apoio social, resultante da avaliação conjunta focada na recuperação global, compreendida como o processo terapêutico e de apoio social, ati-vo e contínuo, que pretende promover o au-mento da autonomia através da melhoria da qualidade de vida (artigo 3º, do Decreto lei nº101/2006).

A RNCCI, criada no âmbito dos Minis-térios da Saúde e do Trabalho e da Solida-riedade Social é constituída por unidades e equipas de cuidados continuados de saúde, e ou apoio social, e de cuidados e interven-ções paliativas, provenientes dos serviços comunitários de proximidade, envolvendo os hospitais, os centros de saúde, os serviços

distritais e locais, a segurança social, a rede solidária e as autarquias locais, e organiza-se a nível local e regional (artigo 2º, nº1 e nº2 do Decreto lei nº101/2006).

Por rede social entende-se as relações e vínculos sociais entre os indivíduos que po-dem promover o acesso ou a mobilização do apoio social em virtude da saúde (Ordem dos Enfermeiros, 2011). Degenne e Forsé (2004) conceptualizam rede social como o conjunto de atores sociais aliados entre si através de relações interpessoais, que facilitam a trans-missão de recursos que transpõem os limites formais.

A aproximação entre a rede social e a rede de saúde, consiste em fazer a junção da rede social com a rede saúde e desta com redes de indivíduos, pois são estes que permitem funcionar as organizações (Gomide e Gros-setti, 2009).

Neste sentido tendo por base alguns prin-cípios da rede como: a continuidade dos cui-dados entre os diferentes serviços, sectores e níveis de diferenciação, mediante a articu-lação em rede; a proximidade da prestação dos cuidados, através do desenvolvimento do potencial dos serviços comunitários de proximidade e na multidisciplinariedade, interdisciplinaridade e intersetorialidade na prestação dos cuidados; esta revisão biblio-gráfica tem como objetivo determinar a im-portância da articulação e configuração das redes sociais e de cuidados continuados in-tegrados, na satisfação das necessidades so-ciais e de saúde da comunidade, realçando o contributo do enfermeiro especialista em enfermagem comunitária e de saúde pública.

A relevância desta revisão bibliográfica, parte do pressuposto que a saúde é produto de diferentes áreas, interligadas e interde-pendentes, o que significa que o enfermeiro

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especialista em enfermagem comunitária e de saúde pública pelas suas competências específicas, estabelece, com base na meto-dologia do planeamento em saúde, a avalia-ção do estado de saúde de uma comunidade e integra a coordenação dos Programas de Saúde de âmbito comunitário e na conse-cução dos objetivos do Plano Nacional de Saúde, sendo por isso, chamado a intervir em estreita colaboração com outros profis-sionais e sectores da sociedade, na equidade no acesso á saúde (Ordem dos Enfermeiros, 2010).

Para Laverack (2008), a saúde é o produto de áreas diferentes, todavia estritamente re-lacionadas, designadamente a habitação, os transportes, o emprego, os serviços de saú-de comunitários e o acompanhamento so-cial. Para o mesmo autor, os promotores de saúde tem de laborar em cooperação com os profissionais de muitos outros setores, para desenvolver estratégias para combater a po-breza e as desigualdades sociais.

METODOLOGIA No sentido de sistematizar o estado da

arte sobre a temática em estudo e partindo dos pressupostos anteriormente menciona-dos, realizamos uma revisão bibliográfica da literatura, no período entre Março a Maio de 2012, tendo sido delineadas as seguintes questões norteadoras da pesquisa:

Qual a importância da articulação e con-figuração das redes social e de cuidados continuados integrados, na satisfação das necessidades sociais e de saúde da comuni-dade?

Qual o contributo do enfermeiro especia-lista em enfermagem comunitária e de saúde pública na articulação e desenvolvimento do

potencial das redes, através dos diferentes recursos existentes na comunidade?

Para a identificação e seleção dos artigos científicos a incluir nesta revisão, estabele-cemos critérios de inclusão e exclusão e pa-lavras-chave apropriadas, de acordo com as questões objeto desta revisão bibliográfica.

Como Critérios de inclusão e de exclusão estabelecemos:

1. Estudos primários centrados na temá-tica em estudo;

2. Estudos com evidência científica, quantitativos ou qualitativos;

3. Estudos com resultados acerca da aná-lise da rede social no sistema de saúde;

4. Estudos em língua portuguesa e ingle-sa;

5. Estudos publicados a partir de 2002 até a data de pesquisa (30 de Abril de 2012, de acesso aberto e com texto integral (Full Text), na base de dados Scielo;

6. Estudos publicados a partir de 2007 até a data de pesquisa (30 de Abril de 2012, de acesso aberto e com texto integral (Full Text), na base de dados EBSCO Host.

A determinação das palavras – chave le-vou através da sua intersecção, à obten-ção da expressão de pesquisa estabilizada: ((“Rede” OR “Network”) AND (“Saúde” OR “Health”) AND (“Social”)). Esta expressão de pesquisa estabilizada, como estratégia final foi inserida na caixa de busca (search box) existente nas bases de dados eletrónicas se-lecionadas, para a pesquisa bibliográfica.

As bases de dados electrónicas selecio-nadas foram: a MEDLINE, a Cochrane Data-base of Systematic Reviews, a CINAHL Plus, Education Research Complete, Medic Latina

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with Full Text e a Nursing Reference Center através da EBSCO Host; Scielo; e o Repositó-rio Cientifico de Acesso Aberto de Portugal. Foram ainda consultadas as referências bi-bliográficas dos resultados de pesquisa ob-tidos, Google Books e o catálogo da Escola Superior de Enfermagem do Porto.

Assim sendo, na totalidade foram filtra-dos 371 artigos, 99 obtidos em bases de da-dos a partir da EBSCOhost Web e 273 arti-gos na base de dados eletrónica Scielo, pelo método integral de pesquisa em Portugal e no Brasil. No que respeita à base de dados Scielo, após leitura dos títulos, foram selecio-nados 15 artigos para leitura dos respetivos resumos e destes foram selecionados cinco artigos para leitura do texto na íntegra, ten-do sido selecionados quatro artigos.

Dos artigos obtidos a partir da EBSCOhost Web: 75 estavam indexados na CINAHL Plus e 24 na Academic Search Complete. Após leitura dos títulos foram selecionados 13 ar-tigos para leitura dos respetivos resumos, tendo sido selecionados cinco artigos para leitura do texto na íntegra, e destes, selecio-namos um artigo, de acordo com os critérios de inclusão/exclusão.

Assim sendo, desta pesquisa resultaram na totalidade cinco artigos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOSPara avaliar a qualidade das evidências o

profissional de saúde deve compreender a abordagem metodológica na qual a pesqui-sa esta inserida (Galvão et al., 2003).

Em argumento das questões norteadoras e do objetivo desta pesquisa, bem como dos referencias bibliográficas, na análise do rigor metodológico dos estudos, seguidamente,

apresentamos um quadro (quadro 1) resumo com as características dos estudos obtidos, quanto: aos objetivos, aos métodos, aos par-ticipantes e aos resultados. No mesmo qua-dro, a numeração atribuída aos estudos diz respeito a uma ordenação crescente da data de publicação dos mesmos. Em complemen-taridade á análise do rigor metodológico dos estudos, sucede-se a sua discussão. Este ar-gumento desafiou á reflexão acerca do con-tributo do enfermeiro especialista em enfer-magem comunitária e de saúde pública na articulação e desenvolvimento do potencial das redes, através dos diferentes recursos existentes na comunidade.

O estudo 1 de Andrade e Vaitsman (2002), tendo como referência os conceitos de rede social, apoio social e empowerment, eviden-ciou que a ALpviver formada a partir da ini-ciativa de duas enfermeiras, através de ações de apoio social possibilitou a formação e o estreitamente de uma rede de solidarieda-de social. Essas ações constituíram meca-nismos de aproximação dos pacientes em direção a objetivos comuns, contribuindo para o seu empowerment no sentido do de-senvolvimento e descoberta de capacidades individuais, do aumento da autoestima e de um papel de sujeito ativo, num processo de construção da saúde e na edificação de uma sociedade mais participativa neste contex-to, reconstituindo novas redes de relações sociais. Os autores, salientam que a partici-pação dos pacientes nos serviços de saúde através de uma maior democratização da in-formação e reconhecimento dos usuários no processo de cuidado com a saúde, contribuiu para minimizar as condições sociais e de saú-de adversas, perante um modelo assistencial extremamente centralizado no médico (pa-

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QUADRO 1 – Resumo dos artigos filtrado

Estudo Título Autores, Ano e País Objetivo(s) Participantes Metodologia Resultados

1

Apoio Social e Redes co-netando So-lidariedade e Saúde

Andrade, G.; Vaitsman, J. 2002, Brasil

Analisar o papel da Associação Lutando para Viver (ALpVi-ver), na visão de profi ssionais de saúde e pa-cientes, a partir dos conceitos de rede social, apoio social e empowerment

Profi ssionais de saúde hos-pitalares (N=5) e pacientes com maior assiduidade no quotidiano da ALpViver (N=6)(N=11)

Estudo Quali-tativo Follow--up: Janeiro a Outubro de 2000

A ALpViver propor-ciona uma maior integração entre os pacientes, os pro-fi ssionais de saúde, familiares e amigos, formam laços de amizade e fortalece a rede social dentro do hospital. Em direção a objetivos comuns, contribuindo para o seu empowerment no desenvolvimento e descoberta de capaci-dades individuais, do aumento da autoes-tima e de um papel mais ativo

2

Confi abilidade Teste-reteste de aspetos da Rede Social no Estudo Pró--Saúde

Griep, R. et al, 2003, Brasil

Avaliar os níveis de con-fi abilidade de teste-reteste de informações relativas a rede social no Estudo Pró-Saúde

Funcionários técnico-admi-nistrativos de uma universi-dade pública do Rio de Ja-neiro (N=192)

Estudo de Coorte Follow-up: Agosto a Novembro de 1999

As informações for-necidas pelos partici-pantes sobre a maio-ria das componentes de rede social apre-sentam altos níveis de confi abilidade e reforçam o uso das perguntas utilizadas sobre a rede social em investigações de diversos desfechos relacionados com a saúde

3

Rede Social no Sistema de Saúde: um es-tudo das rela-ções interoga--nizacionais em unidades de serviços de HIV/AIDS

Bittencourt, O. ; Neto, F. , 2009, Brasil

Demonstrar as contribuições da análise de rede social para os sistemas de saúde, identifi -cando padrões e estruturas na rede de serviços dirigidos a por-tadores de HIV/AIDS

Responsáveis técnicos de unidades de saúde espe-cializadas em HIV de Porto Alegre (N=11)

Estudo de caso. Follow--up: Outubro 2004 a Janei-ro de 2005

Há inúmeras carac-terísticas a serem observadas nas tran-sações interinstitucio-nais, como a gover-nança, a estrutura e a dinâmica da rede. As unidades estudadas funcionam como re-des de serviços muito frágeis, sem evidentes ações de parcerias e sem marcantes ações de governança

(Cont)

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Atenção Do-miciliar como Mudança do Modelo tecno--assisten-cial

Silva, K. et al, 2010, Brasil

Analisar práticas de atenção domi-ciliar de serviços ambulatórios e hospitalares e sua constituição como rede de substitui-ção dos cuidados de saúde

Cinco institui-ções de saúde: quatro serviços de atenção domiciliar e um serviço de um hospital fi lantró-pico, desenvol-vidos pela rede de serviços de saúde no âmbito do sistema único de saúde (SUS)

Estudo Qualita-tivo com base na metodolo-gia traçador. Realizado de 2005 a 2007

A atenção domiciliar possui potencial para constituir uma rede de cuidados, com potencia para contribuir para a continuidade e a inte-gralidade da assistência no domicilio, ao pro-duzir novos modos de cuidar que atravessam os projetos dos usuá-rios, dos familiares, da rede social e dos tra-balhadores da atenção domiciliar

5

Rede e Apoio Social Familiar no seguimento do Récem-Nas-cido Pré-Termo e Baixo Peso ao Nascer

Viera, C. et al, 2010, Brasil

Identifi car a rede social e apoio social de famílias com fi lhos pré--termo (PT) e bai-xo peso ao nascer ao nascer (BPN) com alta clínica da unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN)

Seis famílias de crianças de PT e BPN com alta clínica do UTIN, totalizando 22 participantes entre famílias e crianças(N=22)

Estudo Descri-tivo

As famílias estão apoiadas pelos seus familiares. No entanto com as instituições governamentais e com os profi ssionais de saúde apresentam um vínculo frágil e superfi -cial. A intersetorialidade e a integração entre os serviços são vulneráveis, uma vez que não há referenciação e contra referenciação das fa-mílias para os demais setores da sociedade, de forma a minimizar os problemas que enfren-tam no acompanhamen-to dos bebés

radigma biomédico). Portugal (2005) reforça que os indivíduos obtêm pelos laços sociais aquilo que não conseguem pelo vínculo de cidadania: serviços públicos eficientes e de qualidade.

No estudo 2 de Griep et al.. (2003), os autores concluíram que o processo de ava-liação sobre a maioria dos componentes de rede social, investigados através de um ques-tionário, apresentaram altos níveis de confia-bilidade, e por isso elevada estabilidade das informações colhidas no Estudo Pró - Saúde. Os resultados alcançados reforçam a impor-tância de incluir questões sobre rede social em investigações de diversos desfechos re-

lacionados à saúde.Os autores evocam para a carência de

informações sobre a confiabilidade dos ins-trumentos utilizados para avaliar os com-ponentes de rede social, em investigações epidemiológicas e para a necessidade de análises posteriores sobre a validade do questionário, de forma, a completar a sua validação psicométrica, o que poderá contri-buir para a decisão de utilizar um índice de rede social. Neste domínio, dada a influên-cia dos determinantes sociais na saúde das comunidades, o enfermeiro especialista em enfermagem comunitária e de saúde públi-ca, estabelece com base na metodologia do planeamento em saúde a avaliação do esta-

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do de saúde de uma comunidade e coopera na vigilância epidemiológica de âmbito geo - demográfico, desempenhando um papel preponderante no desenvolvimento de estu-dos adicionais sobre a validade deste tipo de questionários, que abrangem variáveis rela-cionadas não só à rede social como à RNCCI, variáveis estas preditoras de desfechos de saúde na comunidade.

Desde que se começou a questionar importância relativa dos sistemas de pres-tação de cuidados de saúde, a tendência tem sido a de desenvolver investigação que mostre a importância dos diversos de-terminantes de saúde. (Sakellarides et al., 2007-2013). A saúde não se reduz nas pes-soas somente pelos serviços de saúde, mas resulta das capacidades e iniciativas indivi-duais em interação com a sua rede social de apoio e o seu meio ambiente físico e social (Observatório Português dos Siste-mas de Saúde, 2003).

No estudo 3 de Bittencourt e Neto (2009), para evidenciar as contribuições da análise de rede social para o sistema de saúde, os autores pesquisaram cinco ti-pos de relacionamentos que demonstram a dinâmica e a estrutura de uma rede de serviços: referência de transferência, refe-rência de admissão, coordenação de caso, programas conjuntos e consultorias. Os re-sultados indicaram uma fraca dinâmica na rede, sobretudo nos relacionamentos que não envolveram a permuta de pacientes, alvitrando que se há instrumentos estabe-lecidos, como a marcação de consultas, há uma maior dinâmica na rede; pelo contrá-rio, apenas se observaram iniciativas locais ou pessoais, que resultaram em pouca ou nenhuma ação dos serviços. Os autores

concluíram que a integração e a coordena-ção entre unidades da rede de saúde são altamente desejáveis.

Para Gomide e Grossetti (2010), a análise de redes sociais é um instrumento adequa-do e estruturado, capaz de auxiliar as inves-tidas avaliativas relacionadas aos serviços e programas de saúde, realçando os diferen-tes resultados alcançados pelos mesmos. É fundamental que o enfermeiro especialista em enfermagem comunitária e saúde públi-ca adeque o uso deste instrumento na sua prática clínica, na medida em que uma das suas competências consiste em integrar a coordenação dos programas de saúde de âmbito comunitário e consecução dos ob-jetivos do Plano Nacional de Saúde (Ordem do Enfermeiros, 2010).

Os autores Silva et al. (2010) (estudo 4) afirmam que, a atenção domiciliar tem po-tencial para a transformação das práticas em saúde. É possível criar um novo ambiente de cuidado, fundado por valores e crenças quotidianas no domicílio. O que configura formas inovadoras de produção de projetos terapêuticos entre usuários, familiares, rede social e profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), que continuam a ser estraté-gicos e nucleares, pois são eles que pres-crevem os cuidados a ser administrados na complexidade do cuidar.

A transição para uma sociedade em rede, é sustentada pela transformação das rela-ções entre as hierarquias, as interfaces tran-sacionais, os espaços concorrências dos mer-cados e as redes e dos diversos mecanismos de cooperação nos sistemas de saúde, e no modo como os intervenientes da saúde se relacionam com estes mecanismos de in-fluência (Sakellarides et al., 2007-2013).

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No Estudo 5, de Viera et al. (2010), os re-sultados indicam que a rede social das fa-mílias em estudo se constituiu, sobretudo, pelas instituições de saúde, da igreja, e de algumas instituições para atividades de lazer, sendo o serviço de saúde o mais distante da maioria das famílias.

Quanto ao apoio social das famílias, real-çaram os parceiros, os membros da família extensa, os amigos, e outras pessoas com as mesmas experiências. A família exten-sa representou para as famílias o seu mais constante apoio, assim como o vínculo com o profissional médico. A manutenção de vín-culos com a equipa de enfermagem da UTIN após alta hospitalar, também se constituiu como uma importante fonte de apoio so-cial, demonstrado pela confiança adquirida durante o período de hospitalização. Neste estudo, a família que se encontrava em si-tuação de vulnerabilidade social, surgiu num contexto de rede e apoio sociais fragiliza-dos. Os profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, deve conhecer quem e o que faz parte da rede de relações da família, no contexto em que está inserida, de modo a promover em parceria com a mesma, fontes de apoio e rede sociais.

Para Vieira et al. (2009), a condição social, económica, cultural, educacional, o apoio so-cial e as características individuais e familia-res atribuem diferentes formas de encarar e responder perante o processo saúde/doen-ça. Estes pressupostos vão de encontro às competências do enfermeiro especialista em enfermagem comunitária e de saúde públi-ca, no que respeita à participação, em parce-rias com outras instituições da comunidade e com a rede social e de saúde, em projetos de intervenção comunitária dirigidos a grupos com maior vulnerabilidade.

CONCLUSÃOCom argumento nos resultados obtidos

pelos vários autores, corroboramos a impor-tância da configuração e da articulação das redes sociais com o sistema de saúde na ges-tão das redes e do seu alcance, em benefício da saúde das comunidades na singularidade dos seus indivíduos. A rede social em saúde tem potencial para contribuir para a conti-nuidade e para a integralidade dos cuidados de saúde, e para a satisfação das necessida-des sociais e de saúde da comunidade, na mitigação das desigualdades sociais.

O enfermeiro especialista em enfermagem comunitária e de saúde pública pode contri-buir na articulação e no desenvolvimento do potencial da rede social para o sistema de saúde, nomeadamente para a RNCCI, com base nos recursos existentes na comunidade.

No entanto, as dimensões relacionadas à rede social e aos cuidados de saúde viabili-zadas através da operacionalização na RNC-CI, ainda estão pouco explorados razão pela qual é colocado como um desafio para futu-ras investigações.

As carências do sistema de saúde são colmatadas pela articulação das redes e fun-dam-se nas responsabilidades individuais e coletivas da sociedade e do Estado, que são simultaneamente inclusivas e excludentes; protetoras para quem faz parte, mas indife-rentes para quem esta fora.

A configuração e articulação das redes sociais com a RNCCI, impõem-se como um dos principais motores e simultaneamente, pilar de sustentação do sistema de saúde.

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ENTRADA DO ARTIGO MARÇO 2013

RESUMOPara o êxito dos programas de vacinação, de nada adianta a segurança e efi cácia das vacinas se os profi ssionais de saúde não os utilizarem ou a população não aderir. Nenhuma ação em saúde é tão efetiva e efi ciente quanto vacinar.Uma serie de comportamentos de um indivíduo, com caraterísticas semelhantes, denominamos de atitudes desse indivíduo. Assim a atitude pre-tende ser, um mediador entre a forma de agir e a forma de pensar dos indivíduos. Este artigo pretende analisar o conhecimento, atitudes e necessidades de informação dos en-fermeiros relativamente à prevenção e vacinação da Vírus do Papiloma Humano (HPV) em rapari-gas adolescentes nascidas em 1992, 1995 e 1996.Optou-se pela pesquisa quantitativa, com carác-ter exploratório e descritivo procurando trabalhar com o universo de conhecimentos e atitudes. Através da realização da recolha de dados por questionário auto preenchido, voluntário e anó-nimo com questões fechadas.Os enfermeiros demonstraram conhecimentos sobre a temática, destacando-se a necessidade de desenvolverem processos educativos que fa-voreçam a participação da comunidade. As áreas mais sensíveis de intervenção estão relacionadas com a aquisição de conhecimentos e habilidades para lidar com a problemática de saúde da popu-lação, com base no perfi l epidemiológico.

Palavras-Chave: Vacinação, HPV, Enfermeiros, Ati-tudes; Valores.

ABSTRACTFor the success of vaccination programs is useless safety and effi cacy of vaccines if health profession-als do not use them or the people don’t adhere to the vaccination. No action on health is as effec-tive and effi cient as vaccinate to prevent major diseases. In the presence of a series of behaviours of an indi-vidual with similar characteristics, we call that in-dividual attitude. Thus the attitude you want to be a mediator between the way of acting and think-ing of individual. Account the problem was defi ned to analyse the knowledge, attitudes and informa-tion needs of nurses on prevention and vaccination Papilloma Virus (HPV) in adolescent girls born in 1992, 1995 and 1996.The study is based on an exploratory and descrip-tive, for quantitative research, seeking to work with the universe of knowledge and attitudes. The tech-nique chosen to perform the data collection was a questionnaire fi lled out self, voluntary, and anony-mous with closed questions.Nurses demonstrated knowledge of the subject, emphasizing also the need to develop educational processes that foster community participation. The most sensitive areas of intervention are relative to the acquisition of knowledge and skills to deal with the problem of population health, based on the epidemiological profi le.

Keywords: Vaccination; HPV; Nurses; Attitudes; Values

OS ENFERMEIROS E A VACINAÇÃO DO HPV

PAULA SARREIRA DE OLIVEIRAEnfermeira

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INTRODUÇÃO A Epidemiologia tem demonstrado a va-

cinação como uma das medidas de maior impacto na prevenção primária, sendo de grande efi cácia na prevenção e erradicação de infeções. Além de ser um instrumento im-portante para a saúde na missão de proteger a pessoa, o seu objetivo é o de conferir que a imunidade seja conseguida numa maior per-centagem possível de indivíduos, com o me-nor risco possível de efeitos adversos, e me-nor custo. Além disso, também para aque-les que não foram vacinados, quanto maior o número de pessoas vacinadas, menor é a possibilidade de contágio da doença. No en-tanto para que esse sucesso seja efetivo terá que existir por parte dos profi ssionais quer por parte da população uma forte adesão, de modo a que os valores de imunidade re-

comendados sejam conseguidos. De modo a atingir este sucesso, a literatura apresen-ta e discute estratégias para ampliação das coberturas vacinais, incentivando o desen-volvimento das pesquisas sobre imunogeni-cidade, reatogenicidade e efi cácia dos imu-nobiológicos.1

Com base na evidência proporcionada pela investigação, procura-se que a enfer-magem encontre caminhos nesta área, pro-porcionando contributos para uma melhoria nas condições de prevenção, detecção, aten-dimento e encaminhamento das crianças e jovens. Este estudo tem como objetivos analisar os conhecimentos, as atitudes e as necessidades de informação dos enfermei-ros do ACES Arco Ribeirinho em matéria de prevenção da HPV em raparigas nascidas em 1992, 1995 e 1996 e determinar os fatores

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associados à promoção da vacinação contra infecções por HPV dos enfermeiros que vaci-nam do ACES Arco Ribeirinho.

REFERENCIAL TEÓRICOCom a fi nalidade de identifi car as atitudes,

os conhecimentos e os valores dos enfermei-ros que vacinam, optou-se por um referen-cial que facilitasse uma leitura do conceito construído a partir daqueles que exercem o seu trabalho nesta área do cuidar. Utilizou-se a Teoria de Allport (1935) que refere as ati-tudes como bons predictores de comporta-mento. Este autor refere que as atitudes so-ciais desempenham funções específi cas para cada um de nós, são a base de uma série de situações sociais importantes, tais como as relações de amizade e de confl ito. Referiu também que, a atitude é um estado de pre-paração mental ou neural, organizado atra-vés da experiência e exercendo uma infl uên-cia dinâmica sobre as respostas individuais a todos os objetos ou situações que se rela-ciona, para este domínio do conhecimento, a atitude pretende ser "um mediador entre a forma de agir e a forma de pensar dos indi-víduos"2 (p. 168). Assim, as atitudes têm uma forte ligação com os comportamentos e são inferidas, ou seja, são do campo da acção e não são directamente observáveis.

Divergindo em muitos aspetos, as dife-rentes defi nições propostas para o conceito de atitude têm, no entanto, alguns pontos comuns. Primeiro as atitudes têm origem nas experiências subjetivas, segunda as atitudes são tomadas face a um objeto e por último as atitudes incluem sempre uma dimensão avaliativa2. Assim, as atitudes são fruto de interações sociais, obtidas por processos de comparação, identifi cação e diferenciação

permitindo-nos, em determinados momen-tos, tomar as nossas posições face às dos outros2.

TRAJETÓRIA METODOLOGICANa realização deste trabalho utilizamos

um tipo de estudo exploratório, descritivo, de abordagem quantitativa, com amostra-gem não probabilística por conveniência.

Na pesquisa efetuada tivemos difi culdade em encontrar um questionário adaptado para a população do nosso estudo, confrontando--nos então com a necessidade de construir um instrumento próprio. Antes da aplicação do instrumento de colheita de dados, foi apli-cado um pré-teste numa amostra aleatória. Da sua aplicação não se verifi cou a necessida-de de reformulação do questionário.

Assim, o questionário foi aplicado a uma amostra (n=30) constituída por dois enfer-meiros de cada Unidade de Saúde do ACES Arco Ribeirinho que vacinavam, tendo em conta que existe sempre um enfermeiro que vacina e outro que o pode substituir.

Os dados foram recolhidos através de questionário anónimo, com o tempo médio de preenchimento de 15 a 20 minutos. Fo-ram enviados via correio eletrónico para os Enfermeiros Interlocutores de cada Unidade de Saúde e preenchidos pelos enfermeiros que vacinavam, nas suas Unidades de Saúde.

Para a análise e tratamento dos resultados utilizou-se o programa SPSS (Statistical Pa-ckage for Social Sciences), versão 16.

ANÁLISE E DISCUSSÃOComo primeira análise dos dados deste

trabalho podemos referir que a maioria da amostra era do sexo feminino. Os sujeitos

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estudados possuíam idades compreendidas entre os 32 e os 50 anos, sendo que a média de 38,93 anos com o desvio-padrão=9,845.

Quanto à distribuição dos elementos por categoria profi ssional verifi ca-se que 20 (71,4%) são enfermeiros graduados.

Esta distribuição profi ssional da amostra não traduz por si só signifi cado. Pois, se por um lado poderá signifi car o assegurar das ne-cessidades básicas, como o desenvolvimento afectivo, físico e intelectual, ao mesmo tempo que, pode ser garantido o avanço na constru-ção do conhecimento, ao ser mobilizado as competências relativas a cada área.

A maior percentagem das enfermeiras da nossa amostra 9 (32,1%) trabalha há mais de 10 anos e 9 (32,1%) há mais de 5 anos no Programa de Vacinação, o que pressupõe maior experiência profi ssional. Associa-se a isso a expressiva referência relativamente aos conhecimentos sobre a vacina, ou seja 15 (53,6%) enfermeiros, consideraram os seus conhecimentos como Muito sufi cientes. Rela-tivamente á atitude de recomendação dos be-nefícios da vacinação contra o HPV verifi ca-se que 22 (78,6%) das enfermeiras refere/ reco-mendar Sempre quais os benefícios da vacina.

Quanto à atitude de recomendação da va-cinação do HPV, averigua-se que 25 (89,3%) das enfermeiras recomenda Sempre a sua inoculação.

Esta constatação6,7 sugere que o sucesso deste programa de imunização vai depender em grande parte, dos prestadores de cuida-dos de saúde, ao reconhecer a importância da Imunização para os adolescentes e pré--adolescentes.

Aquando da administração da vacina os enfermeiros esclarecem quanto à utilida-de desta e qual o microrganismo causador observando-se também que 18 (64,3%) da

amostra respondeu que falava Sempre, so-bre a utilidade da vacina e qual o microrga-nismo causador.

Em relação à efi cácia da vacina, apurou--se que 12 (42,9%) das enfermeiras falavam Sempre sobre a mesma.

Na sensibilização para a importância do cumprimento do esquema vacinal, observa--se que 26 (92,9%) dos enfermeiros referiu alertar Sempre para o cumprimento do es-quema vacinal, o que vai de encontro ao recomendado pela Características do Me-dicamento8, que salienta a necessidade da adolescente completar o ciclo vacinação de três doses, caso contrário poderá não fi car totalmente protegida.

Verifi cou-se que relativamente à questão do HPV ser a infecção sexualmente transmis-sível mais comum, 12 (46,4%) dos elementos da nossa amostra referiu Concordar Forte-mente, ou seja a literatura refere que “ (…) a infeção por HPV é a infecção sexualmen-te transmissível com maior prevalência no mundo inteiro”9 (p.128).

Na questão referente á percentagem da população infetada com HPV, verifi cou-se que 11 (39,3%) das enfermeiras da nossa amostra respondeu Concordar Fortemente com a afi rmação de que mais de 50% da po-pulação já foi infectada com o HPV. O que vai de encontro10 ao (p. 128), “ (…) acredita-se que 70-80% das mulheres sexualmente ac-tivas irão estabelecer contacto, nalgum mo-mento, com o vírus e sabe-se hoje que 99,7% dos Cancro do Colo do Útero estão associa-dos à infecção por HPV”. As mulheres11 com infeção recorrentes de HPV têm 300 vezes mais probabilidade de ter Cancro do Colo do Útero. Na questão referente ao teste de Pa-panicolau ter uma sensibilidade de deteção do HPV superior a 50%, 14 (50%) enfermei-

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ros da amostra Concorda Fortemente. Como se trata de uma doença silenciosa o rastreio é fundamental uma vez que, quando deteta-da precocemente e numa fase inicial, o tra-tamento tem uma taxa de sucesso de 100%. O rastreio12 sistemático através do exame Ci-tológico reduz signifi cativamente a incidên-cia de Cancro do Colo do Útero, ou seja são identifi cadas 30% das situações malignas.

Na questão referente ao conhecimento sobre a possibilidade do Cancro do Colo do Útero poder ser causado por genótipos do HPV específi cos, observou-se que 20 (71,4%) da amostra refere ter este conhecimento. Na afi rmação referente á existência de cer-tos genótipos específi cos responsáveis pela maioria das verrugas anogenitais, 19 (67,9%) das enfermeiras respondeu Concordar Forte-mente. Não existe uma caraterização epide-miológica dos tipos de HPV que ocorrem na população feminina portuguesa, no entanto, a DGS12 assume-se que os genótipos de HPV em Portugal tenham de um modo geral, uma distribuição semelhante à de outros países da Europa comunitária. Assim, os genótipos 16 e 18 são os mais prevalentes e respon-sáveis por cerca de 70 a 75% dos casos do Cancro do Colo do Útero”14.

Segundo a Sociedade Portuguesa de Ginecologia15, os condilomas acuminados anais nem sempre estão relacionados com o coito anal, já que podem propagar-se através das secreções vulvares. Sendo fundamental a exploração sistemática para a sua deteção.

Relativamente aos conhecimentos sobre a vacina do HPV, 15 (53,6%) das enfermei-ras considerou os seus conhecimentos como Muito sufi cientes. Os efeitos do desenvolvi-mento dos conhecimentos em enfermagem são moldados pela orientação prática, o que por sua vez, modela a perspetiva de enfer-

magem16. Essa perspetiva refl ete o interesse dos enfermeiros em, conceder à disciplina de enfermagem os conhecimentos relacionados com os cuidados e de acordo com os utentes.

Quanto à fonte de formação, 8 (28,6%) das enfermeiras referiram as Orientações Técnicas da Direcção Geral da Saúde como a fonte por excelência da sua formação, o que sugere a sua valorização e demonstra a sua credibilidade de informação. Ressalta-se a importância da educação contínua no local de administração uma vez que novas vacinas são adicionadas, novos conhecimentos adi-cionados, tornando imprescindível a capa-citação na prática quotidiana das enfermei-ras. A importância da educação continuada deve-se ao facto de se privilegiar as opor-tunidades educativas surgidas no quotidia-no dos trabalhadores de saúde. A partir da análise do contexto podem ser estabelecidas opções através das quais se indicariam alter-nativas para desenvolver o processo de ca-pacitação, tais como o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades que17 poderão adquirir-se gradual e progressivamente de acordo com o problema e relacionando com o objetivo educacional.

Os enfermeiros procuram o conheci-mento dos seres humanos relativamente às respostas para a saúde e doença de forma a poder ajudar na vigilância e promoção da saúde, para ajudar no seu cuidado, a fi m de contribuir para promover o auto-cuidado e para ajudar na capacitação e desenvolvimen-to na utilização dos recursos 18.

A meta do desenvolvimento do conhe-cimento em enfermagem é a compreensão das necessidades das pessoas de cuidados de enfermagem, de forma a aprender a cui-dar melhor. Portanto, as atividades do cui-dar em que os enfermeiros estão envolvidos

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numa base diária pode ser o foco para o de-senvolvimento do conhecimento e pode ser congruente com actividades desenvolvidas na estruturação do conhecimento, essencial-mente porque o alvo dos cuidados é igual em ambas as áreas, ou seja o ser humano.

A literatura refere dois tipos de metas do desenvolvimento de conhecimento que conduzem a atividades e progressos no co-nhecimento. Existe "o conhecimento em prol do conhecimento" e o conhecimento para fornecer melhores cuidados de enfermagem através da resolução dos problemas centrais de preocupação para a disciplina19,20.

A enfermagem como uma disciplina e os enfermeiros como investigadores a sua mis-são é a de cuidar das pessoas e aumentar o seu bem-estar, e não só participar no desen-volvimento de conhecimentos em prol do desenvolvimento dos mesmos.

Nas formas de transmissão de formação, 15 “(…) as práticas são defi nidas por múlti-plos fatores (conhecimento, valores, rela-ções de poder, organização do trabalho etc.); a aprendizagem dos adultos requer que se trabalhe com elementos que “façam sentido” para os sujeitos envolvidos (aprendizagem signifi cativa)” (p.25).

Os efeitos do desenvolvimento dos conhe-cimentos em enfermagem são infl uenciados pela orientação prática, o que por sua vez, modela a perspetiva de enfermagem15. Essa perspetiva refl ete o interesse dos enfermeiros em, habilitar a disciplina de enfermagem com conhecimentos relacionados com os utentes com o objetivo de melhorar o seu bem-estar e capacitá-los de acordo com as suas necessi-dades. Essa capacitação para o auto cuidado é feita através da utilização de métodos de pla-neamento dos recursos disponíveis e crian-do novos recursos. Se estes são os principais

objetivos para o desenvolvimento de conhe-cimentos em enfermagem, então temos de considerar a abordagens de desenvolvimento de conhecimentos que tornam possíveis estes fi ns. A saúde é também uma perspetiva que defi ne o que consideramos nas nossas avalia-ções, na aplicação do plano de cuidados, na consideração das mudanças ocorridas depois das nossas intervenções.20

Com o processo de enfermagem, as en-fermeiras descobrem forças de saúde, mobi-lizam essas forças, e apoiam os recursos dis-poníveis para que os utentes possam tomar decisões no seu processo de doença/saúde.

O sucesso21 da imunização deve ser ga-rantido, pelo facto de que a saúde e os cus-tos económicos das infeções provocadas pelos microrganismos são substanciais. Continua re-ferindo a importância do sucesso dos Progra-mas de Imunização das Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), sugerindo de que o suces-so na diminuição das infeções serão substan-ciais e de fácil comprovação relativamente ao custo-benefício desse mesmo Programa.

No entanto, o sucesso22 destes programas depende das taxas de aceitação entre a maio-ria das pessoas em risco. Estudos realizados relativamente a outras vacinas como hepa-tite B, infl uenza e varicela demonstram que a disponibilidade de vacinação não garante uma adesão generalizada. Sugerem portanto que, se deve progredir para a avaliação da determinação dos potenciais de aceitação.

Quanto à administração da vacina, 28 (100%) das enfermeiras refere Concordar Fortemente na administração da vacina a to-das a raparigas antes de serem sexualmen-te activas e 16 (57,1%) das enfermeiras re-ferem Concordar Fortemente quanto a esta ser administrada a todos os rapazes antes de serem sexualmente ativos. Estes resulta-

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dos vão de encontro ao referenciado pelo Institute of Medicine dos Estados Unidos da América no seu documento, “Vacinas para o século 21”,23 onde é realçado que idealmente, um programa de imunização efi caz para as Infecções Sexual Transmissíveis deve incluir jovens adolescentes, de preferência antes de se tornarem sexualmente ativos.

As estratégias de imunização das IST´s voltados para os pré-adolescentes e ado-lescentes vão colocar a maior parte da res-ponsabilidade da decisão sobre os pais e os prestadores de cuidados de saúde. Um estu-do sobre a vacinação da hepatite B em ado-lescentes evidenciou que o melhor preditor da aceitação parental foi a convicção com que o enfermeiro conseguiu transmitir a im-portância que dava à vacinação.13

No entanto, os resultados indicaram que, existia por parte dos profi ssionais o reconhe-cimento da importância da vacinação dos rapazes como uma importante estratégia de proteção das mulheres, visto serem os prin-cipais veículos de transmissão do vírus. No caso do HPV a vacinação nos homens tem uma efi cácia quase de 100%. A OMS reco-menda que se passe a vacinar os rapazes de-pois da cobertura completa das raparigas.

Fica claro que, para existir proteção ge-ral da população, a imunização para as DST deve ser efetuada aos adolescentes antes do início da atividade sexual, de preferência, ou o mais tardar entre 11 e os 12 anos de idade.

O sucesso dos programas de imuniza-ção6,7 vai depender em grande parte, dos prestadores de cuidados de saúde, ao reco-nhecer a importância da Imunização para os adolescentes e pré-adolescentes.

No entanto os mesmos autores mencio-nam que existe por parte dos profi ssionais dos cuidados de saúde primários, resistência

em discutir com os adolescentes e com os pais assuntos relacionado com a sexualidade.

Para as vacinas das DST25,22 encontraram vários determinantes de aceitação. Nestes estão incluídos determinantes como as cren-ças individuais e atitudes, acerca das carate-rísticas da vacina. Foram 26,22encontrados de-terminantes de aceitação relacionados com a saúde dos indivíduos. O facto de existe 27um número crescente de enfermeiros envolvidos nos Cuidados de Saúde Primários e conse-quentemente um aumento das intervenções de enfermagem refl ete-se 28 na melhoria das taxas de vacinação.

Pesquisas anteriores29 sugerem que as práticas dos prestadores de cuidados de saú-de são infl uenciadas por normas sociais per-cebidas. Essa descoberta, segundo o mesmo autor, indica que as normas sociais perce-bidas, como as recomendações feitas pelos profi ssionais, organizações profi ssionais, in-fl uenciam signifi cativamente a educação dos adolescentes sobre as DST.

Na possibilidade da data do início do ras-treio citológico ser protelado nas mulheres imunizadas para o HPV, 25 (89,3%) das en-fermeiras respondeu Não concordar. Quanto à possibilidade de Reduzir o rastreio Citoló-gico nas mulheres vacinadas, observou-se que 25 (89,3%) das enfermeiras respondeu que Não Concordava. Esta concordância vai de encontro ao referido por Wright et al30 ao afi rmar que as mulheres com maior risco de Cancro do Colo do Útero são aquelas com idade igual ou superior a 40 anos, e que não foram vacinadas na sua adolescência, ou seja que não apresentam proteção nos próximos anos/décadas. Outra razão é a não proteção, ou proteção limitada, contra os tipos de HPV de alto risco não incluídos na vacina. Além disso, segundo o mesmo autor é provável

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que a proteção diminua com o tempo. No entanto as infeções31,32,33 pelo HPV são mui-to comuns, estimando-se que cerca de 50 a 70% das pessoas com uma vida sexual ativa possam contrair, pelo menos uma infeção deste tipo.

Quanto à possibilidade da Reduzir o número de intervenções no pós- rastreio, verifi ca-se que 10 (35,7%) das enfermeiras responderam Não Concordar com essa dimi-nuição, já quanto à possibilidade da descon-tinuidade de rastreio citológicos, nas jovens que foram vacinadas na sua adolescência, 23 (82,1%) das enfermeiras Não Concorda. Ou seja, são34 as mulheres mais jovens as que menos fazem citologias, ou seja 55,6% das mulheres entre os 25-29 anos nunca fi zeram uma citologia, e as do grupo etário dos 45-49 anos, cerca de 46,5% as que mais cumprem o intervalo de tempo recomendado. Segun-do a Sociedade Portuguesa de Ginecologia14, aconselha o início do rastreio 3 anos após a primeira relação sexual.

Antes das vacinas serem administradas, será importante assegurar que os profi ssio-nais tenham competências teóricas e instru-mentais, para debater com os pais e jovens adolescentes os benefícios da vacinação em geral e das DST em particular.

Na questão colocada relativamente qual a melhor idade para a introdução Universal da Imunização para o HPV, a possibilidade que reuniu maior consenso com 23 (82,1%) Concorda Fortemente, foi a de ser adminis-trada antes dos 14 anos. Na possibilidade do esquema vacinal ser iniciado a partir dos 18 anos, observou-se que 12 (42,9%) das enfer-meiras respondeu Não concordar. Embora a idade35 recomendada para vacinação seja en-tre os 11e os 12 anos, pode ser no entanto ad-ministrada às raparigas desde os 9 até aos 26

anos de idade. Dados do Centro de Controlo de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos da América38 sobre a Youth Risk Behavior Sur-vey, revelaram que 34.4% dos alunos do 9º Ano já iniciaram a sua atividade sexual. Ainda para Vilelas36 no seu estudo 10,3% dos ado-lescentes do sexo masculino e 9,4% do sexo feminino já tinham tido relações sexuais no 9º ano de escolaridade. O início da primeira rela-ção ocorre por volta dos 13 anos.

Além disso 37um estudo de prevalência de clamídia entre adolescentes concluiu que os alunos de 14 anos apresentaram uma preva-lência de 27,5%.

Encontramos também que a idade do adolescente infl uenciou a vontade para a re-comendação da vacinação. Ou seja a vonta-de de recomendação da vacinação aumenta com a idade do adolescente.

CONSIDERAÇÕES FINAISA partir da análise, podemos concluir que

existem áreas mais sensíveis de intervenção re-lativas à aquisição de conhecimentos e habili-dades para lidar com a problemática de saúde da população, com base no perfi l epidemioló-gico, ou seja, o reconhecimento e priorização dos problemas, para orientar a intervenção.

Trata-se, portanto, de redireccionar o per-fi l dos enfermeiros para que atuem em con-junto com os outros parceiros de saúde, na perspetiva de concretizar objetivos mais am-plos. Destaca-se dois aspectos fundamen-tais na formação desse “novo profi ssional”. Primeiro, para além de estar comprometido com a competência técnica deverá também estar envolvido com as éticas da responsabi-lidade e da solidariedade.

Outra área refere-se à especifi cidade da intervenção da enfermagem, o que signifi ca

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estar preparado para o “cuidar”, essência e base histórica da enfermagem que, na saú-de comunitária, pode ser interpretado como conjunto de práticas e habilidades para o acompanhamento, controle e resolução dos problemas de saúde da população.

Destaca-se, também, a necessidade dos profi ssionais de saúde desenvolverem pro-cessos educativos que favoreçam a partici-pação da comunidade, estimulando-a a re-conhecer os problemas e intervir sobre eles, bem como a participar nas discussões e deci-sões que lhe digam respeito. Esses processos são ações prioritárias do campo da promo-ção da saúde para lidar com as iniquidades, por outro lado, mais do que reproduzir pro-cedimentos ou desenvolver ações de caráter fragmentado (pré-consulta, pós-consulta), ligadas aos programas de saúde e voltadas para a atuação de outros profi ssionais, cabe à enfermagem aproveitar as oportunidades de contato com a população para ampliar o conhecimento sobre a mesma, com vistas a uma assistência integral e participativa.

Em suma, verifi casse que a especifi cidade da prática de enfermagem não se deva res-tringir apenas à realização de procedimentos técnicos, mas incorpore a dimensão da comu-nicação e perceção das necessidades do outro.

Este estudo tem diversas limitações, suge-rindo que os resultados devem ser interpre-tados com alguma cautela.

Em primeiro lugar, a amostra de enfermei-ros não é signifi cativa. Existindo uma amos-tragem por conveniência, deste modo os resultados não podem necessariamente ser generalizados a todos os enfermeiros.

Este estudo incidiu sobre um conjunto de fatores específi cos, ou seja, vacina, profi ssio-nal e adolescentes caraterísticos.

No futuro, será importante explorar ou-tros fatores, tais como, as suas atitudes sobre a sexualidade do adolescente e a sua capaci-dade de comunicar com os pais sobre temas sensíveis. O profi ssional deve reconhecer a importância que as crenças têm sobre a imu-nidade em geral.

Conhecer quais os fatores pessoais, dis-cordantes de nosso sistema de valores, que pode levar-nos a uma mudança de atitude de sequência negativa, como o contrário, pode também levar-nos a uma mudança de atitude, porém neste caso, de sequência positiva.

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ENTRADA DO ARTIGO MARÇO 2013

RESUMOA aceitação da doença VIH/SIDA, a cronicidade do tratamento e os efeitos secundários da tera-pêutica anti-retroviral são alguns dos fatores que condicionam a adesão ao regime terapêutico anti-retroviral. Pretende-se identifi car as intervenções de enfer-magem promotoras da adesão à terapêutica anti--retroviral na pessoa adulta com VIH/SIDA. A partir da questão PI[C]O, foram defi nidos al-guns conceitos e realizada uma pesquisa de ar-tigos científi cos em base de dados eletrónica (no período entre 2007 a 2012), sendo selecionados 3 estudos, segundo critérios centralizados na pro-blemática em estudo. Emergem três intervenções de enfermagem pro-motoras da adesão à terapêutica: o envolvimento da família nos processos de adesão, a entrevista motivacional e a visita domiciliar de enfermagem.

Palavras-Chave: Intervenções de enfermagem, adesão, terapêutica anti-retroviral, VIH

ABSTRACTAcceptance of the disease HIV / AIDS, chron-ic treatment and the side effects of antiretro-viral therapy are some of the factors that in-fl uence adherence to antiretroviral regimen.It is intended to identify nursing interventions that promote adherence to antiretroviral therapy in adult with HIV / AIDS.From the point PI [C] O, some concepts were de-fi ned and conducted a search of scientifi c articles in an electronic database (for the period 2007 to 2012), three studies were selected according to cri-teria centered on the problem under study.Rise to three nursing interventions that promote adherence to therapy: family involvement in ad-hesion processes, motivational interviewing and nursing home visits.

Keywords: Nurse interventions; adherence, antiret-roviral, HIV

ADESÃO À TERAPÊUTICA ANTI-RETROVIRAL.

QUAIS AS INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM?

NELSON MANUEL CARDOSO MENDÃOLicenciatura em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Angra do Heroísmo. Enfermeiro na Equipa de Tratamento de Santarém do CRI Ribatejo. Mestrando do 3º Curso de Mestrado em Enfermagem Comunitária da Escola Superior de Saúde de Santarém

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INTRODUÇÃO De acordo com a Organização Mundial de

Saúde as doenças crónicas constituem uma área de grande preocupação no panorama da saúde mundial, sendo responsáveis por grande parte da mortalidade e morbilidade observada nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Além disso, estas serão a primordial causa de incapacidade no mundo até 2020 e representarão a maior so-brecarga para os sistemas de saúde.

É neste contexto que a adesão ao regime terapêutico, principalmente em situações de doença crónica, assume uma grande impor-tância para os profi ssionais de saúde, pois a não adesão é responsável pelo aumento da probabilidade de insucesso das terapêuticas, por complicações evitáveis, por aumento dos gastos com a saúde e aumento da morbilida-de e mortalidade (Organização Mundial de Saúde,2003).

O tratamento do VIH/SIDA tem progre-dido signifi cativamente com o desenvolvi-mento da terapia anti-retroviral e estão de-fi nidos três pilares fundamentais para o seu sucesso: a capacidade de entrada da pessoa no sistema, a retenção/fi delização da pessoa ao programa de assistência e a adesão à te-rapêutica (Programa Nacional para a infeção VIH/SIDA, 2012).

A não adesão à terapêutica anti retroviral pode ter grandes consequências para a saú-de pública, uma vez que a resistência a esta terapêutica (provocada por uma não adesão) pode passar de pessoa para pessoa em si-tuação de contágio (Organização Mundial de Saúde, 2003).

O termo adesão ao regime terapêutico de acordo com a CIPE/ICN Versão 2 (2011:38) é defi nido como uma “ Ação auto-iniciada para promoção de bem-estar, recuperação

e reabilitação, seguindo as orientações sem desvios, empenhado num conjunto de ações ou comportamentos. Cumpre o regime de tra-tamento, toma os medicamentos como pres-crito, muda o comportamento para melhor, sinais de cura, procura os medicamentos na data indicada, interioriza o valor de um com-portamento de saúde e obedece às instruções relativas ao tratamento. (Frequentemente as-sociado ao apoio da família e de pessoas que são importantes para o cliente, conhecimento sobre os medicamentos e processo de doença, motivação do cliente, relação entre o profi s-sional de saúde e o cliente).

De acordo com Michael (2011) a “Associa-tion of Nurses in AIDS Care” defi niu compe-tências específi cas de enfermagem para os cuidados, tratamento e prevenção do VIH/SIDA onde o enfermeiro deve demonstrar capacidade para promover a manutenção da terapêutica anti-retroviral, através da utiliza-ção de estratégias/intervenções que promo-vam a sua adesão.

Nas orientações da Organização Mundial de Saúde (2003) específi cas para a adesão ao regime terapêutico no VIH/SIDA (“Adherence to long-term therapies evidence for action”) são emanadas algumas intervenções que promovem a adesão ao regime terapêuti-co anti-retroviral, nomeadamente: educar a pessoa e explicar os objetivos da terapia e a necessidade de adesão, recrutar a família para apoiar o plano de tratamento, criar gru-pos de apoio à adesão, trabalhar em equipa multidisciplinar (enfermeiros, farmacêuticos, assistentes socias, voluntários, gestores de caso e médicos), desenvolver relações com organizações locais de base comunitária para ajudar a explicar a necessidade de ade-são e envolver ativamente a pessoa nas suas decisões de cuidados próprios de saúde.

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A presente revisão sistemática da litera-tura, serve para refl etir sobre os contributos que estes profi ssionais podem proporcionar nos processos de adesão à terapia anti-re-troviral.

METODOLOGIA DE PESQUISAO esquema de referência PICO (popula-

ção, intervenção, comparação e “outcomes”/resultados), elaborado por et all Sacket (1997) é um método útil para elaborar questões de investigação (Craig e Smyth, 2004).

Como ponto de partida para a revisão sistemática da literatura foi formulada a per-gunta de investigação: Quais as interven-ções de enfermagem (I) que promovem a adesão à terapêutica anti – retroviral (O) na pessoa adulta com VIH/SIDA (P)?

Quadro n.º1 – Critérios para a formulação da questão de investigação.

Conceitos Palavras Chave

PP a r t i c i -pantes

Quem foi estudado?

Enfermeiros Pessoa adulta com VIH/SIDA

PessoaVIH/SIDA

« Nurs* »« Adherence »« HIV »« Antiretrovi-ral »

IInterven-ções

O que foi feito?

Intervenções de Enferma-gem

Intervenções de Enferma-gem

CCompara-ções

Podem existir ou não

O Outcomes

Resultados/Efeitos e consequên-cias

Adesão à terapeutica anti-retro-viral

Adesão à terapêutica anti-retroviral

As palavras-chave foram validadas como descritores na plataforma Medical Subject Headings (http://www.nlm.nih.gov/mesh/MBrowser.html) e procedeu-se à pesqui-sa através da plataforma EBSCO (CINA-HL Plus; Medline; Nursing & Allied Health Collection; Medilactina) introduzindo as palavras-chave na sequência apresentada

“nurs*”,”adherence”, “HIV”, “antiretroviral” no modo “AB ABSTRAT” tendo sido utilizado sempre o operador lógico “and”.

A pesquisa realizou-se no dia 15 de No-vembro de 2012, estabeleceu-se como fi ltro cronológico o período de Janeiro de 2007 a Novembro de 2012.

Após a execução do protocolo de revisão (Anexo I), aplicaram-se os critérios de inclu-são e exclusão apresentados no Quadro nº2

Quadro nº2 - Critérios protocolados adotados

Critérios de Inclusão

Critérios de Exclusão

Estudos em Humanos de ambos os sexosPessoa com VIH/SIDA Estudos qualitativos e quantitativosArtigos de revisão sistemática de literaturaSujeitos Adultos (idade superior ou igual a 19 anos e inferior a 64 anos)Um dos autores é enfermeiroArtigos disponíveis em PDF.

Estudos nas áreas de: Saúde Infantil Saúde Materna Duplicação de artigosNenhum dos autores é enfermeiro

Posteriormente à aplicação dos respetivos critérios, surgiram 9 artigos. Após a leitura integral do resumo, exclui-se: o artigo 2 e 8 uma vez que a análise dizia respeito as in-tervenções promotoras da adesão realizadas por vários profi ssionais de saúde, o artigo 3 por nenhum dos autores ser enfermeiro, o artigo 5 por se centrar na análise do tipo de terapia anti-retroviral prescrita e o artigo 7 por dizer respeito à área da saúde materna.

Após esta fase, são apresentados 3 estu-dos que vão de encontro ao objetivo desta revisão sistemática (identifi car as interven-ções de enfermagem que promovem a ade-são à terapêutica anti-retroviral à pessoa adulta com VIH/SIDA).

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Os artigos foram classifi cados segundo a escala de 6 níveis de evidência (Guyatt G.& e Rennie D. 2002) e foram elaboradas fi chas de leitura onde os estudos são apresentados com base nos seguintes parâmetros: título, autores, participantes, intervenções, resulta-dos e tipo de estudo

RESULTADOS

ESTUDO 1 - A PRELIMINARY RANDOMIZED CONTROLLED TRIAL OF A NURSE-DELIVERED MEDICATION ADHERENCE INTERVENTION AMONG HIV-POSITIVE OUTPATIENTS INITIAT-ING ANTIRETROVIRAL THERAPY IN BEIJING, CHINA

Autores: Jane M. Simoni , Wei-Ti Chen , David Huh • Karen I.Fredriksen-Goldsen,Cynthia Pearson, Hongxin Zhao, Cheng-Shi Shiu, Xin Wang, Fujie Zhang

Participantes: 70 pessoas que iniciaram terapêutica anti-retroviral no Hospital de Beijing’s Ditan.

Intervenções: Durante o período de Dezembro de 2006 e Março de 2008 foram criados dois grupos aleatoriamente, um grupo de caso e um grupo de controlo. Ao primeiro grupo de pessoas (n=26) (grupo de controlo) quando era iniciada a terapêutica anti-retroviral o enfermeiro explicava em 30 minutos os planos de tratamento, efeitos secundários da terapêutica anti-retroviral, e a importância da adesão. Posteriormente não havia mais qualquer tipo de acompanhamento a não ser a entrega da medicação. Esta intervenção breve foi denominada por intervenção mínima.

Ao segundo grupo de pessoas (n=36) (grupo de casos) quando era iniciada a terapia anti-retroviral, o enfermeiro realizava 3 sessões, de uma hora cada. As sessões decorriam na primeira, quinta e nona semana após o início da terapia anti-retroviral. As respetivas sessões envolviam uma abordagem cognitiva-comportamental e a resolução de problemas. As sessões tinham como conteúdos, o reforço para continuação do tratamento, a aprendizagem da terapia anti-retroviral, o regime prescrito, a comunicação com os profi ssionais de saúde, a formulação de um calendário de medicação diária , o armazenamento dos medicamentos, estratégias de lembrança das tomas, os efeitos secundários da terapia anti-retroviral e a importância do apoio familiar e social, Para além desta sessões neste grupo era entregue a cada pessoa um dispositivo de aviso eletrônico que relembrava a toma da medicação anti-retroviral diariamente. Esta intervenção foi denominada de intervenção avançada. No grupo de controlo, havia a hipótese da pessoa em estudo escolher um familiar para ser envolvido no processo de adesão. Dos 36 participantes 8 optaram por escolher o conjugue, 1 escolheu o pai e 3 escolheram um parceiro do mesmo sexo.25 pessoas optaram por não envolver ninguém no processo de adesão.

Resultados: A adesão era contabilizada através da tecnologia EDM que consiste num frasco de plástico e tampa que contém um microprocessador capaz de gravar a dose, data e hora precisa de cada abertura do frasco. Para além desta tecnologia foi utilizada simultaneamente o autorrelato em que a pessoa respondia à questão “Quantas doses

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de anti-retrovirais não tomou nos últimos 7 dias?”. Os autores também recorreram a bio marcadores para contabilizar a adesão nomeadamente a carga viral e a contagem de células CD4. Ao fi m de 128 semanas, o grupo de caso (intervenção mínima) apresentava 85,7% de adesão através do autorrelato, 70,1% de adesão através dos dados registados no EDM relativo à dose administrada, 50,0% de adesão relativo à hora exata da toma. A carga viral média era de 1,9 log 10 copias/ml e a contagem de células CD4 era em média de 255.8 células/mm3.O grupo de controlo (intervenção avançada) no mesmo período de tempo apresentava 94,4% de adesão através do autorrelato, 71,8% de adesão através do dados registados no EDM relativo à dose administrada, 56,7 % de adesão relativo à hora exata da toma. A carga viral era em média de 2,0 log 10 cópias/ml e a contagem de células CD4 era em média de 268.0 células/mm3.Os autores consideram que apesar de não haver relevância estatística em ambos os grupos os grupo que sofreu uma intervenção avançada no geral apresenta maiores níveis de adesão. Os autores concluem que a epidemia do VIH na China continua a oferecer vários desafi os no que diz respeito aos processos de adesão à terapêutica anti-retroviral e é urgente estudar-se mais aprofundadamente as intervenções promotoras da adesão à terapeutia anti-retroviral. É feita referência que os enfermeiros são os profi ssionais mais aptos para intervirem nos processos de adesão à terapêutica anti-retroviral uma vez que estes têm um conhecimento mais abrangente da pessoa e por esse motivo devem ser aproveitados

como recurso nos processos de adesão. Os autores fazem referência que incorporar os membros da família que podem oferecer apoio social, são medidas que devem ser pensadas como estratégias promotoras da adesão à terapêutica anti-retroviral.

Tipo de Estudo/Nivel de Evidencia: Quan-titativo (“Randomized Controlled Trial”) /Nivel II.

ESTUDO 2 - USING MOTIVATIONAL INTER-VIEWING TO PROMOTE ADHERENCE TO ANTIRETROVIRAL MEDICATIONS: A RAND-OMIZED CONTROLLED STUDY

Autores: c. Diiorio, F. Mccarty, K. Resnicow, M. Mcdonnell holstad, J. Soet,K. Yeager, S. M. Sharma, D. E. Morisky e B. Lundberg

Participantes: 247 Pessoas que iniciaram terapêutica anti-retroviral ou alteraram o es-quema terapêutico anti-retroviral numa clí-nica de Atlanta, Georgia, nos Estados Unidos da América.

Intervenções: Entre o período de Junho de 2001 e Novembro de 2003 procedeu-se à se-leção dos participantes, em Janeiro de 2005 foi concluído o estudo. Foram criados 2 grupos. O grupo de caso (n=125),que individualmente recebia 5 ses-sões de aconselhamento motivacional para adesão à terapia anti-retroviral. As sessões decorriam durante um período de três me-ses. Em média as sessões duravam entre 20 e 90 minutos. Quando a pessoa não se podia deslocar à clínica a sessão era realizada pelo telefone. As sessões eram realizadas por enfermeiros

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com competências específi cas comunica-cionais para este tipo de sessão. As sessões tinham como objetivo ajudar as pessoas a perceberem quais as ações necessárias para manter com êxito um elevado nível de adesão à terapia anti-retroviral através de uma técnica comunicacional denominada entrevista moti-vacional. Nas respetivas sessões eram abor-dos temas como identifi cação de barreiras à adesão, os benefícios da adesão ao regime te-rapêutico, as questões da ambivalência sobre a toma dos medicamentos anti-retrovirais. Era também, delineado com a pessoa um plano de ação onde eram integradas estratégias para melhorar a adesão à terapêutica. O grupo de controlo (n= 122) não recebia sessões de aconselhamento estruturadas com base na entrevista motivacional. Utili-zavam os métodos habituais em prática na clínica em que cada enfermeiro decidia quais os métodos de ensino mais adequado com base no nível de educação e cultura. Era feita uma pequena abordagem ao tipo de regime terapêutico e horário. A colheita de dados decorreu durante 12 meses. Aos participantes de ambos os gru-pos era fornecido um dispositivo denomi-nado MEMS Caps. O respetivo dispositivo tem um microprocessador onde fi ca regis-tado a data e hora em que cada frasco que contém terapêutica anti-retroviral é aberto. Quando os participantes se deslocavam à clínica os respetivo dispositivo era ligado a um computador, onde fi cavam registados os dados de adesão. Em ambos os grupos aos 6 meses através de análise laboratorial era feita a contagem das células CD4 e ava-liada a carga viral.

Resultados: O grupo de caso (grupo com 5 sessões de aconselhamento) ao fi m de 12

meses apresentava 64% de adesão no que diz respeito ao total da dose tomada, 41% de adesão no que diz respeito a dose tomada no horário prescrito. Aos 6 meses este grupo apresentava 58% de adesão no que diz res-peito à carga viral.O grupo de controlo (grupo que não recebia sessões de aconselhamento), ao fi m de 12 meses apresentava 55% de adesão no que diz respeito ao total da dose tomada, 24% de adesão no que diz respeito à dose tomada no horário prescrito. Aos 6 meses este grupo apresentava 47% de adesão no que diz res-peito à carga viralOs autores fazem referência que este estudo foi um dos primeiros a abordar os efeitos da entrevista motivacional na adesão à terapêu-tica anti-retroviral e permitiu também treinar os enfermeiros nesta técnica comunicacio-nal. Os participantes do grupo de caso tive-ram uma maior percentagem de adesão do que os participantes do grupo de controlo. A entrevista motivacional é usada princi-palmente por psicólogos nas suas práticas clínicas. No entanto, no cenário da adesão terapêutica na pessoa com VIH/SIDA, os en-fermeiros são os profi ssionais mais indicados para promover a adesão terapêutica a este grupo de pessoas. A entrevista motivacional pode ser utlizada como uma intervenção de enfermagem que aumenta a motivação para a mudança comportamental. Apesar dos resultados obtidos, são necessá-rios mais estudos para avaliar o efeito da en-trevista motivacional nos processos de ade-são terapêutica.

Tipo de Estudo/Nivel de Evidencia: Quan-titativo ( “Randomized Controlled Trial”) /Ni-vel II.

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ESTUDO 3 - EFFECTS OF NURSE-DELIVERED HOME VISITS COMBINED WITH TELEPHONE CALLS ON MEDICATION ADHERENCE AND QUALITY OF LIFE IN HIV-INFECTED HEROIN USERS IN HUNAN OF CHINAAUTORES: HONGHONG WANG, JUN ZHOU, LING HUANG, XIANHONG LI, KRISTOPHER P FENNIE AND ANN B WILLIAMS

Participantes: Uma amostra de 116 participantes com terapeutica anti-retroviral instituída e com consumos de heroína na região de Hunan da China.

Intervenções: Durante o período entre Julho de 2007 e Abril de 2008 foram criados dois grupos, o grupo de controlo (n= 58) que re-cebeu apenas os cuidados de rotina. O grupo de caso (n=58) recebeu visitas do-miciliares combinadas com intervenção tele-fónica ao longo de oito meses. As visitas domiciliares foram realizadas a cada dois meses. As visitas domiciliares ti-nham os seguintes objetivos específi cos: fornecer informações básicas sobre o VIH medicação e adesão; avaliar com os par-ticipantes e compreensão dos membros da família e expectativa em relação à terapia anti-retroviral; fornecer panfl etos sobre o tratamento anti-retroviral; educar os parti-cipantes e familiares sobre o esquema te-rapêutico anti-retroviral; informar sobre os efeitos colaterais esperados; controlar os efeitos colaterais dos medicamentos; avaliar possíveis obstáculos para a adesão; infor-mar sobre estratégias promotoras da ade-são; identifi car as situações e razões que ex-pliquem a falta de tomas e as tomas fora do horário prescrito; defi nir metas de adesão à medicação; estabelecer e defi nir hora e local para tomar a medicação; apoiar os membros

da família; avaliar a atitude dos membros da família; fazer sugestões e criar estraté-gias para relembrar as tomas da medicação; fornecer um dispositivo eletrônico com um alarme para os participantes relembrarem a toma da medicação; instruir os participan-tes a planear com antecedência mudanças na rotina (férias, feriados); antecipar neces-sidade de medicação (medicação em stock); sugerir soluções para eventos adversos; re-forçar e fortalecer a capacidade de aderên-cia; gerir o abuso de drogas; discutir com os participantes e familiares o estigma e a discriminação associados ao VIH/SIDA e uso de drogas; avaliar o programa de manuten-ção com metadona nos participantes com consumos de heroína ativos; instruir sobre refeições saudáveis, higiene pessoal e sa-neamento do ambiente domiciliar, informar sobre comportamentos de risco (relações sexuais desprotegidas e partilha de material cortante). As chamadas telefónicas foram realizadas a cada duas semanas pelos mesmos enfer-meiros que realizaram as visitas domiciliares, após cada visita domiciliar, para fazer valer o efeito da visita domiciliar o tempo de cada chamanda telefónica vairiou entre 10-20 mi-nutos a uma hora

Resultados: Pretendia-se avaliar a adesão à terapêutica anti-retroviral e a qualidade de vida e depressão. Para tal como instrumento de colheita de dados utilizaram o questio-nário “for Clinical Research on AIDS (CPCRA) Antiretroviral Medication Self-Report” onde os participantes devem responder se nos úl-timos 7 dias tomaram: toda a medicação, a maioria, cerca de metadade ou muito pouca medicação anti retroviral. Também foi ques-tionado se tomaram a terapia anti retroviral

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no horário correto.Para avaliar a qualidade de vida e depressão utilizaram o questionário “Chinese versions of World Health Organization Quality of Life Instrument – Abbreviated version (WHO-QOL-BREF)” e a escala “Self-rating Depres-sion Scale”. Foi aplicado um pré-teste e um pós-teste. O tamanho da amostra deste estudo é pe-queno o que limita a capacidade de genera-lizar as conclusões. Ao fi m de oito meses, os participantes do grupo experimental apresentaram maiores níveis de adesão à terapêutica anti retrovi-ral e à toma da terapêutica no horário cor-reto. Na escala de qualidade de vida o grupo caso demonstrou níveis mais signifi cativos nas dimensões física, psicológica, social e ambiental do que o grupo de controlo. Na escala da depressão o participantes do grupo experimental apresentou níveis infe-riores do que o grupo de controlo. Os autores concluem que as visitas domici-liares e telefonemas são efi cazes na promo-ção da adesão ao tratamento anti-retroviral e melhoraram a qualidade de vida e sinto-mas depressivos em pessoas infetadas pelo VIH/SIDA e com consumos de heroína. No respetivo artigo surge como conclusão que a família é um pilar fundamental para a adesão ao regime terapêutico e o seu envol-vimento no processo de cuidados faz com que os participantes se sintam menos dis-criminados pelos membros da família e com menores níveis de depressão É importante que os enfermeiros refl itam so-bre adesão à terapia anti-retroviral em con-sumidores de heroína.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As evidências obtidas nesta revisão siste-

mática da literatura, destacam essencialmen-te três intervenções de enfermagem promo-toras da adesão à terapêutica anti-retroviral nomeadamente: o envolvimento da família nos processos de adesão, a comunicação/entrevista motivacional como instrumento de capacitação e a visita domiciliar como re-curso.

Estes resultados vão de encontro ao objeti-vo inicial deste trabalho, uma vez que foi pos-sível identifi car as intervenções de enferma-gem que promovem a adesão à terapêutica anti retroviral à pessoa adulta com VIH/SIDA.

A prática baseada na evidência é pro-

porcional à qualidade dos cuidados em en-

fermagem, pois através desta surgem co-

nhecimentos que orientam a prestação de

cuidados. O recurso a achados científi cos

permitem ao enfermeiro, agir de forma fun-

damentada e competente

Toda a evidência analisada no presente

trabalho considera-se de nível II segundo

a classifi cação de Guyatt G.& e Rennie D.

(2002) o que sustenta a aplicabilidade prá-

tica destas intervenções de enfermagem no

quotidiano do enfermeiro.

Importa referir que para além a prescri-

ção da terapia anti-retroviral há um grande

caminho a percorrer entre a pessoa a família

e o enfermeiro. É essencial que o enfermeiro

recorra à sua vertente educacional e estabe-

leça vínculos com a pessoa com VIH/SIDA

e os seus familiares, com vista a planear e

implementar intervenções favorecedoras da adesão tornando a pessoa um agente ativo no seu processo de cuidar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ENTRADA DO ARTIGO MARÇO 2013

RESUMOO presente texto pretende enfatizar uma nova vertente da Enfermagem, bastante desenvol-vida nos Estados Unidos da América e, que em Portugal começa a dar os primeiros passos. Esta refl exão resulta de revisões bibliográfi cas sobre a Enfermagem Forense, percorrendo o início da Enfermagem como profi ssão e a sua essência, aliada ao emergir crescente das ciências Foren-ses. Usufruí da minha experiência profi ssional, decorrente das minhas práticas quotidianas e, pretendi salientar a importância da existência de Enfermeiros com conhecimentos na área Forense de modo a auxiliar o sistema de Justiça.Esta refl exão tem como objectivo, realçar a to-dos os profi ssionais de saúde, a importância dos enfermeiros Forenses num processo de Investi-gação criminal, contribuindo para uma sociedade mais justa e para o bem comum.

Palavras-Chave: Enfermagem Forense, Ciências Forenses, Sistema de Justiça

ABSTRACTThis text intends to emphasize a new aspect of nursing, fairly developed in the United States of America and, that in Portugal it starts to give the fi rst steps. This refl ection results from bibliographical reviews about Forensic Nursing, stepping through the beginning of Nursing as a profession and its essence, together with the growing often emerging forensic sciences. Take advantage of my professional experience as a result of my daily practices and, intended to point out the importance of the Nurses with expertise in forensic area of way to help the system of justice.This refl ection aims, enhance all healthcare professionals, the importance of Forensic Nurses in the criminal investigation process, contributing to a fairer society and for the common good.

Keywords: Forensic Nursing, Forensic sciences, Jus-tice Administration System

A importância da Enfermagem Forense em contexto de

investigação criminalANA FILIPA SANTOS DIASEnfermeira no Serviço de Urgência de Pediatria do Hospital de Santa Maria, Lisboa.Pós-graduada em Enfermagem Forense pela Escola Superior de Enfermagem São Francisco das Misericórdias

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INTRODUÇÃOA profi ssão de Enfermagem é exigente

e requer conhecimento médico, habilidade técnica e aptidões como a paciência, empatia e compaixão. Tudo isto que defi ne a profi s-são, aliado a uma precisão científi ca e à im-plementação de procedimentos adequados de investigação, defi nem de uma forma su-mária a Enfermagem Forense (Forensic Nur-sing: 2012)

Desenvolvi este tema, porque acredi-to que a Enfermagem Forense ocupa uma elevada importância no processo de inves-tigação criminal e consequentemente na so-ciedade, contribuindo para o bem comum, competência imperatória do enfermeiro de-terminada no art. 80º do Código Deontoló-gico do Enfermeiro.

Como tal, é primordial realizar uma breve abordagem sobre a origem da Enfermagem, enfatizando a sua génese e percurso históri-co, e assim compreender a essência da pro-fi ssão, aliada nos dias de hoje, às ciências fo-renses. Em seguida irei desenvolver sobre a prática da Enfermagem Moderna e o emergir crescente das ciências forenses. Vou ainda abordar o emergir da Enfermagem Forense e o seu percurso, enfatizando por fi m a sua importância baseada em referências biblio-gráfi cas e na minha subjectiva opinião, con-jugada com a minha experiência profi ssional.

A HISTÓRIA DA ENFERMAGEMDesde o emergir da vida, existe no Homem

a necessidade de cuidar, de "tomar conta" o que permite à vida continuar, desenvolver-se e, assim fazer recuar a morte. Este conceito existe desde sempre e muito antes de os cui-dados pertencerem a um ofício e/ou a uma profi ssão (COLLIÈRE:1999).

A necessidade do cuidar correlaciona-se com os primórdios da Enfermagem, inicial-mente com as acções desenvolvidas pelas mulheres, de modo a garantir a sobrevivência das espécies. Posteriormente a prestação de cuidados enraizou-se nas práticas sacerdo-tais baseadas no empirismo até ao período hipocrático, onde foi gerada uma nova con-cepção de saúde dissociando assim, a arte de cuidar a preceitos místicos e sacerdotais, ba-seando-se na utilização do método indutivo, da inspecção e da observação. A prestação de cuidados, ligada à prática da Enfermagem foi desenvolvida no período medieval por re-ligiosos, não tendo assim uma conotação de prática profi ssional. Com a Revolução Indus-trial ressalta a Enfermagem como actividade profi ssional institucionalizada até ao séc. XIX, em que surge a Enfermagem Moderna muito infl uenciada pelas correntes de pensamento de Florence Nightingale (Conselho Regional de Enfermagem do RJ)

A ENFERMAGEM MODERNA E AS CIÊNCIAS FORENSESCom Florence Nightingale emergiram as

bases da Enfermagem moderna. A criação do modelo assistencial cujos alicerces são os factos observáveis, iniciou uma nova abor-dagem de conhecimento através do método científi co. Implementou também, os registos clínicos do doente, que hoje em dia ainda são utilizados (Wikipédia: 2012).

Actualmente, podemos entender a Enfer-magem como " A arte de cuidar e a ciência cuja essência e especifi cidade é o cuidado ao ser humano, individualmente, na família ou em comunidade de modo integral e holísti-co, desenvolvendo de forma autónoma ou em equipa actividades de promoção, protec-

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ção, prevenção, reabilitação e recuperação da Saúde." (ROCHA, S; ALMEIDA, M.: 2000 pág.97).

Assim depreende-se que a Enferma-gem actualmente, “abarca” um conceito amplamente complexo que se centra na prestação de cuidados ao indivíduo, não meramente enfermo mas, tendo em conta as várias vertentes do Ser Humano (físico, espiritual, emocional, social e económico). Tendo em conta esta perspectiva, podemos salientar a necessidade dos diagnósticos e intervenções de Enfermagem autónomas, já estabelecidas por exemplo, pela NAN-DA e pela CIPE e ainda, desenvolvidas num conceito de multidisciplinaridade implícito. Este conceito vai revelar-se fundamental, em termos de complementaridade com as ciências forenses.

O termo forense advém do latim foren-sis que diz respeito ao tempo dos Romanos em que os praticantes de delitos eram pre-sentes no forum, onde existia um debate público, para discutir vertentes de defesa e acusação de modo a obter a Justiça social. Assim se representa um processo forense na nossa sociedade, nos dias de hoje (Lynch, V.; Duval, J.: 2006).

Qualquer assunto em circunstâncias sus-peitas requer de uma investigação para apu-ramento dos factos, podendo ser resolvido em tribunal e por isso é considerado um caso forense. Por este motivo, as ciências fo-renses referem-se à aplicação de várias dis-ciplinas utilizadas para elucidar questões de interesse para os tribunais em relação a um crime ou a uma acção cível. Esta multiplici-dade de disciplinas envolvidas em questões forenses pretende de forma científi ca clari-fi car questões, que se encontram à margem de livre apreciação do Juiz, de modo a dis-

sipar dúvidas e apurar a verdade atestando a prova pericial, como está regulamentado nos art.s 151º a 163º do Código de Processo Penal (CPP).

As áreas científi cas envolvidas em ques-tões do meio forense são vastas, entre as quais a área da saúde; especifi camente os médicos, na sua implicação nas perícias mé-dico-legais.

A violência e os traumas associados, na nossa sociedade actual estão amplamente reconhecidos, como sendo um problema de Saúde em todo o Mundo. Actualmente a violência é encarada como uma respon-sabilidade mútua entre o sistema Legal e de Saúde. A Medicina Legal é reconheci-da como uma componente respectiva das ciências forenses e consequentemente a Enfermagem Forense também deve ser encarada como tal, tendo em conta que é uma ciência que aplica conhecimentos científi cos e habilidades para identifi car, promover a segurança, intervir e prevenir em fenómenos de mortalidade e morbili-dade (Lynch, V.; Duval, J.: 2006).

A ENFERMAGEM FORENSECom as transformações sociais exis-

tente na actualidade, aliadas à descrença dos indivíduos pelos sistemas sociais, de-notou-se consequentemente um aumento da taxa de criminalidade. Segundo o Ins-tituto Nacional de Estatística (INE: 2010), o número de crimes registados em 2009 aumentou 2,5% comparativamente a 2003. Em relação a 2011, a taxa de criminalida-de total situa-se nos 39,0 ‰, sendo que os crimes contra a integridade física ocupam 5,7‰ dessa totalidade (INE: 2012). Pos-ta esta realidade, facilmente conseguimos

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perceber a recorrência crescente aos siste-mas de saúde e, da necessidade da exis-tência de um “apoio” em contexto hospita-lar para colmatar as lacunas, existente até então, no que diz respeito à cadeia de cus-tódia da prova, fundamental num Processo de Investigação Criminal, para se concluir a verdade dos factos. Assim, podemos fa-lar em Enfermagem Forense que segun-do a Internacional Association of Forensic Nurses (IAFN: 2006) é defi nida como “ (…) the practice of nursing globally when health and legal systems intersect”. Os enfermeiros são elementos privilegiados neste contexto e, se se encontrarem despertos para estas questões podem desenvolver um trabalho complementar fundamental para combater o crime e a violência.

Em termos evolutivos no que diz respeito à Enfermagem Forense, documentos histó-ricos revelam que antes da Revolução Fran-cesa as parteiras testemunhavam a respeito de abusos sexuais e gravidez. Em 1983, foi publicado o primeiro artigo que englobava a medicina nas ciências forenses, no Journal of Forensic Science. No entanto, em 1986 foi reconhecida cientifi camente a Enfermagem Forense pela American Academy of Foren-sinc Sciences. (Lynch, V.; Duval, J.: 2006).

Em 1992 numa reunião organizada pela Sexual Assault Resource Service e a Univer-sidade de Enfermagem do Minnesota, um conjunto de Enfermeiros ligados a ques-tões de abusos sexuais juntou-se e formou a IAFN, organização internacional. Em 1995 esta associação foi reconhecida ofi cialmen-te como uma especialização pela American Nurses Association (ANA). A missão do IAFN está direccionada de forma a assegurar o desenvolvimento, promoção e divulgação de informações a nível internacional sobre

Enfermagem Forense, defi nindo metas e um plano estratégico até 2014. Em 2002 a IAFN iniciou o desenvolvimento de áreas particu-lares de especialização relativamente à En-fermagem Forense como o Sexual Assault Nurse Examiner-Adult/Adolescent (SANE--A) e em 2006 o Sexual Assault Nurse Exa-miner Pediatric/Adolescent (SANE-P). Ac-tualmente, a organização apresenta ainda como prática da Enfermagem Forense áreas particulares como a violência doméstica e violência interpessoal, maus-tratos a idosos, investigação de mortes e desastres em mas-sa (IAFN: 2006).

Nos Estados Unidos da América, onde a Enfermagem Forense já detém um papel primordial no processo de investigação cri-minal, o enfermeiro Forense pode desem-penhar funções em contexto hospitalar, em situações de agressões de índole diversa. No entanto o enfermeiro forense também pode-rá desempenhar um papel fulcral na comu-nidade, tendo em conta os vários níveis de prevenção. Ao nível da prevenção primária o enfermeiro poderá desenvolver junto da comunidade acções de formação para a saú-de, de combate à violência e criminalidade (IAFN: 2006)

A IMPORTÂNCIA DA ENFERMAGEM FORENSEMediante o que foi exposto anterior-

mente, salientando a essência da Enfer-magem e o seu desenvolvimento, tendo ciente o crescente emergir do conheci-mento forense e assim, compreendendo a intersecção entre as duas ciências, pode-mos defi nir a Enfermagem Forense de uma forma mais complexa. Segundo (Lynch, V.; Duval, J.: 2006: p. 5) “Forensic nursing scien-

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ce is defi ned as the application of the foren-sic aspects of healthcare combined with the bio/psyco/social/spiritual education of the registered nurse in the scientifi c investiga-tion and treatment of the trauma or death of victims and perpetrators of violence, cri-minal activity, and traumatic accidents”.

Já no desenvolvimento da prestação de cuidados, no período hipocrático so-brepôs-se o método indutivo ao proces-so meramente empírico e aspectos como a inspecção e observação foram valoriza-dos em questões de saúde. Na Enferma-gem Forense revelam-se essenciais tendo em conta que a observação da vítima e ou agressor bem como a inspecção aliada à correcta recolha de vestígios são aspectos fundamentais.

Ainda relativamente ao percurso históri-co da Enfermagem, com Florence Nightin-gale e a sua infl uência na implementação de registos clínicos, estes revelam-se as-pecto fundamental da prática da Enferma-gem Generalista. Em Enfermagem Forense os registos manifestam-se de extremo in-teresse, tendo em conta que o enfermeiro observa, avalia e regista informações que podem ser imprescindíveis aquando de um processo de investigação criminal e em tribunal, de modo a apurar a verdade dos factos ocorridos, podendo ainda ser solici-tado para prestar prova testemunhal (art.s 128º a 139º do CPP), mediante aquilo que observou e descreveu, uma vez que possui os conhecimentos necessários, baseados na cientifi cidade e na sua experiência, con-ferindo-lhe competências para que cumule uma prova pericial.

No hospital o enfermeiro encontra uma posição única tendo em conta que, muitas vezes é o primeiro a estabelecer contac-

to com os utentes, ouvindo-o, avaliando as suas lesões e estabelecendo prioridades. O primeiro contacto, é um contacto privilegia-do porque existe uma maior preservação dos vestígios, mantendo a sua idoneidade e não comprometendo as decisões a nível judicial (Pereira, L.; Machado, L.: 2012).

Relativamente à minha experiência pro-fissional, no Serviço de Urgência de Pedia-tria/ Unidade de Cuidados Intensivos Pe-diátricos, no decorrer da minha actividade fui percepcionando a frequente ocorrên-cia de situações de maus tratos, violações e agressões a menores e, da minha sen-sação de impotência nestas situações, em questões direccionadas face à minha im-plicação em todo o processo decorrente e não somente na prestação de cuidados di-rectos. Sendo uma área do meu interesse, fui percebendo ao longo do tempo que a minha actuação poderia ser mais útil de modo a poder auxiliar no processo de in-vestigação nestes casos. Fui, também to-mando consciência que as acções desen-volvidas pelos enfermeiros, a maior par-te das vezes ficavam aquém daquilo que poderia ser realizado de modo a auxiliar num processo de investigação criminal, ao nível da preservação de vestígios, da avaliação do utente e dos registos efec-tuados e, assim auxiliar o sistema judicial. Talvez por esse motivo, não seja frequente a solicitação dos enfermeiros para auxílio num processo de investigação. Posto isto, considerei a pertinência de ingressar na pós-graduação de Enfermagem Forense, para sedimentar e adquirir conhecimen-tos nesta área e, assim melhorar a minha prática no âmbito dos cuidados de Enfer-magem Gerais com a componente forense associada.

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Assim, é preponderante a existência de elementos nos serviços de saúde com co-nhecimentos nesta vertente, de modo a implementar normas de actuação que se coadunem com o processo de investigação contribuindo assim para a resolução de crimes e diminuição da violência na nossa sociedade.

Percebemos que a Enfermagem Foren-se tem de ser encarada numa perspectiva multidisciplinar em conjugação com as vastas ciências, atestando a prova pericial (CPP artº’s nº’s 151º ao 163º) de modo a alcançar a verdade material e assim cum-prir o dever legal e moral que está inerente à responsabilidade de todos os indivíduos. Esta colaboração, encontra-se também prevista no art. 80º do CDE na alínea c), que refere que o enfermeiro tem o dever de “(…) Colaborar com outros profi ssionais em programas que respondam às necessi-dades da comunidade.”

Só tendo um olhar numa perspectiva mul-tidisciplinar, é que podemos acreditar na efi -cácia da resolução de crimes tendo em conta o envolvimento de várias ciências, no qual se enquadra a Enfermagem, que atestam a pro-va pericial e assim alcançam a verdade dos factos ocorridos e, por sua vez a Justiça.

CONCLUSÃOCada vez mais, é considerada a pertinên-

cia da existência da Enfermagem na ver-tente forense, tendo em conta tudo o que foi exposto ao longo do trabalho, salienta-do a posição privilegiada que o enfermeiro ocupa no primeiro contacto com as vítimas e ou agressores. Em Portugal, embora ain-da haja alguma falta de informação sobre o trabalho imprescindível que a Enfermagem

Forense pode oferecer, já começam a ser dados os “primeiros passos” com a imple-mentação de pós-graduações neste âm-bito e por isso, torna-se imprescindível o seu reconhecimento junta das autoridades competentes.

Tendo em conta a minha prática profi s-sional, existem com alguma frequência si-tuações de violência, nomeadamente vio-lações e agressões a menores, e por esse motivo ao longo do tempo fui percebendo a necessidade imperiosa da existência de “elos” de ligação entre os sistemas de saú-de e judicial. Cada vez mais, me conscien-cializo da importância de uma observação “treinada”, da identifi cação de lesões, re-colha de vestígios e de registos completos para que se auxilie num processo de inves-tigação criminal, de modo a combater a criminalidade contribuindo assim para uma sociedade mais justa e segura.

Há ainda um trabalho de relevo que pode ser feito na comunidade, em ter-mos de prevenção primária, na medida em que o enfermeiro “oferece” educação para a saúde à população, advertindo para os malefícios de uma sociedade embutida na violência, assim como está instituído no art. 80º alínea b) do CDE “ O enfermeiro, sendo responsável para com a comunida-de na promoção da saúde e na resposta adequada às necessidades em cuidados de enfermagem, assume o dever de: (…) Parti-cipar na orientação da comunidade na bus-ca de soluções para os problemas de saúde detectados (…)”.

Em suma, podemos assim compreen-der a necessidade imperiosa da existência de enfermeiros habilitados para participar nestas questões de nível forense. É ne-cessária a tomada de consciência social,

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nomeadamente das autoridades compe-tentes e dos profi ssionais de enfermagem, para o benefício de uma “parceria” entre o sistema de saúde e o sistema judicial na resolução de crimes.

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LivrosNUNES, Lucília; AMARAL, Manuela; GONÇALVES, Ro-gério - “ Código Deontológico do Enfermeiro: dos Co-mentários à Análise de Casos”. Lisboa: Ordem dos En-fermeiros, 2005 pág. 83 ISBN 972-99646-0-2COLLIÈRE, Marie-Françoise – “ Promover a vida – Da prática das mulheres de virtude aos cuidados de enfer-magem” 5ª tiragem. Lisboa: Lidel – edições técnicas Lda e Sindicato dos Enfermeiros Portugueses: 1999. págs. 27 ao 38 ISBN 972-757-109-3Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Pu-blicação PORTUGAL. Leis, decretos, etc. – “ Código de Processo Penal”, 13ª ed. – (códigos de Bolso) ISBN 978-972-40-4693-8LYNCH, Virginia; DUVAL, Janet – “Forensic Nursing Science” Second edition. St Louis Missouuri – Mosby Inc., na affi liate of Elsevier Inc: 2006, págs. 1 a 8 e 10 a 18. ISBN 978-0-323-006637-2

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RESUMOAvaliar e intervir no doente crítico cria desafi os complexos, devendo os cuidados a estes doentes serem prestados mediante uma abordagem fun-damentada e organizada. Face a uma situação de emergência, o enfermeiro depara-se com o desa-fi o de incluir a família no plano de cuidados, a fi m de garantir a qualidade e humanização dos cuida-dos prestados. Tal justifi ca a elaboração deste ar-tigo de revisão bibliográfi ca, tendo como objetivo identifi car a evidência empírica produzida sobre a infl uência da presença da família junto do doente crítico, numa situação de emergência. A pesqui-sa foi realizada, entre os meses de maio e junho de 2011, nas bases de dados eletrónicas: SciELO e, através da B-ON, Academic Search Complete, An-nual Reviews, Current Contents, Elsevier – Scien-ce Direct, PubMed, SpringerLink, Taylor&Francis, Web of Science e Wiley Online Library, conduzindo a uma amostra de 8 artigos primários. Os princi-pais resultados apurados mostram que apesar de cada família reagir de forma diferente numa situa-ção de emergência, a sua presença pode melho-rar a condição física e emocional do familiar crí-tico. Verifi cou-se também que a maior parte dos profi ssionais de saúde não se sente à vontade ou considera não estar habilitada para a prestação de cuidados ao doente crítico com a família presente.

Palavras-Chave: Família, Enfermagem, Emergên-cias, Cuidados Críticos

ABSTRACTAssess and intervene in critically ill patients creates complex challenges, and care for these patients are provided through a reasoned and organized ap-proach. Faced with an emergency situation, the nurse is faced with the challenge of including the family in the care plan, to ensure the quality and humanization of care. This justifi es the writing of this literature review article, aiming to identify the empirical evidence produced on the infl uence of family presence from the critically ill patient in an emergency situation. The survey was conducted between the months of May and June 2011 in elec-tronic databases SciELO, and through the B-ON, Academic Search Complete, Annual Reviews, Cur-rent Contents, Elsevier - Science Direct, PubMed, SpringerLink, Taylor & Francis, Web of Science and Wiley Online Library, leading to a sample of 8 pri-mary articles. The main results obtained show that although each family react differently in an emer-gency situation, their presence may improve the physical and emotional condition of the familiar critical. It was also found that most health profes-sionals do not feel comfortable or not considered to have the skills to provide critical patient care with family present.

Keywords: Family, Nursing, Emergencies, Critical Care

Quando a família do doente crítico entra no mundo da emergência:

um estudo de revisão

ANDREIA JESUS PIRES ALVESLicenciatura em Enfermagem

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INTRODUÇÃODe acordo com a Sociedade Portuguesa de

Cuidados Intensivos (2008), o doente crítico é o indivíduo que, por disfunção ou falência profunda de um ou mais órgãos ou sistemas, encontra-se em risco de vida, estando a sua sobrevivência dependente de meios avança-dos de monitorização e terapêutica.

Avaliar e intervir no doente crítico cria de-safi os complexos, devendo os cuidados a es-tes doentes serem prestados mediante uma abordagem fundamentada e organizada (Hall, 2009). Estes desafi os incluem identifi -car patologias, interligar conhecimentos, ter em consideração a vertente social e familiar.

Segundo a Classifi cação Internacional para a Prática de Enfermagem, a família é con-ceptualizada como “unidade social ou todo coletivo composto por pessoas ligadas atra-vés de consanguinidade, afi nidade, relações emocionais ou legais, sendo a unidade ou o todo considerados um sistema que é maior do que a soma das partes” (CIPE, 2011:115). Defi nir família pode tornar-se uma tentativa limitada, dada a difi culdade de contemplar a sua unidade como um todo e de se tratar de um conceito polissémico. No entanto, a teoria sistémica procura dar um contributo no sentido desta complexidade e defende a família como “sistema de inter-relações no

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qual os laços (…) tornam a família um grupo com identidade própria, reconhecida como um sistema aberto no meio em que está in-tegrada, da qual utiliza e para o qual fornece recursos decisivos para a compreensão de uma situação vivida numa das suas partes, em situação de processo saúde-doença” (Silva, Gonçalves e Costa, 2006:215).

Pelo supracitado e pensando que o bem--estar familiar é determinado pela saúde in-dividual de cada membro, face a períodos de instabilidade e mudança que podem le-var a transformações na estrutura do siste-ma familiar, esta tem capacidade para man-ter a sua organização e desenvolver-se ao longo do seu ciclo vital (Relvas, 1996).

A enfermagem de família surge alicerça-da no pensamento sistémico, centrando-se tanto no sistema familiar quanto nos siste-mas individuais, dando ênfase à interação e reciprocidade entre os membros da família (Friedman, Bowden e Jones, 2003).

O conceito de enfermagem apresentado no Regulamento para o Exercício Profi ssio-nal de Enfermagem corrobora esta ideia, uma vez que nos diz que se trata de uma profi ssão com o objectivo de “prestar cuida-dos de enfermagem ao ser humano, são ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele está integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a saúde, ajudando-os a atingir a sua máxi-ma capacidade funcional tão rapidamente quanto possível” (REPE, 2006:2959).

A abordagem dos cuidados continua assim centrada no indivíduo, mas a família deve constituir um parceiro nos cuidados de enfermagem, até porque "as informações fornecidas pelos familiares podem-nos aju-dar a entender o paciente”. (Cintra, Nishide e Nunes, 2000:9). No entanto, para que a fa-

mília cumpra o seu papel de “dar suporte à situação vivenciada pelo paciente, ela tam-bém precisa de suporte nas suas necessida-des físicas e emocionais” (Cintra, Nishide e Nunes, 2000:9), porque tudo o que aconte-ce a um dos seus membros, como o adoe-cer inesperado e grave, repercute-se na vida dos restantes elementos, gerando instabili-dade e sofrimento.

Uma situação de emergência pode ser defi nida como uma alteração súbita do estado de saúde ou agravamento de uma situação de doença, que exige cuidados médicos imediatos e cujo atraso na presta-ção dos mesmos se torna prejudicial para o indivíduo. Situação na qual ocorrem expe-riências complexas e individualizadas, quer para o doente, quer para a sua família (Ma-teus, 2007).

Para minimizar estas consequências, e garantir a qualidade e humanização dos cuidados prestados numa situação de emergência, em que o limiar entre a vida e a morte é ténue, o enfermeiro depara-se com o desafi o de incluir a família no plano de cuidados do doente crítico. Neste âmbito, foi criada recentemente em Portugal a Lei n.º 33/2009, que garante ao doente o direito a ser acompanhado no Serviço de Urgência, reforçando a atualidade desta problemática. Surge assim a necessidade de compreender e refl etir sobre a inclusão da família na pres-tação de cuidados ao doente crítico.

Tendo em conta o supracitado, torna-se fundamental identifi car a evidência empíri-ca produzida sobre a infl uência da presença da família junto do doente crítico numa si-tuação de emergência, pelo que defi nimos os seguintes objetivos específi cos: refl etir sobre a infl uência da presença da família na prestação de cuidados ao doente crí-

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tico; analisar de que forma a presença da família infl uencia a evolução do estado de saúde do doente crítico numa situação de emergência e analisar o comportamento da família do doente crítico, numa situação de emergência.

De modo a atingir os objetivos aci-ma mencionados, delineamos as questões orientadoras que passamos a enunciar: De que forma a presença da família infl uencia a recuperação do doente crítico e o desem-penho dos enfermeiros, numa situação de emergência? De que forma é infl uenciado o comportamento da família de um doen-te crítico, quando permitida a sua presença junto do mesmo?

Formuladas as questões, partimos rumo à descoberta do que sucede quando a fa-mília do doente crítico entra no mundo da emergência.

METODOLOGIARealizamos um estudo de revisão biblio-

gráfi ca que, segundo Fortin (2009), consiste em fazer um inventário e o exame crítico de um conjunto de publicações sobre um de-terminado tema de investigação. Neste tipo de estudo, o investigador examina, em cada um dos trabalhos escolhidos, os conceitos que foram desenvolvidos, as relações com a teoria, os métodos utilizados, os resultados e conclusões obtidas.

A presente revisão da literatura foi realiza-da mediante análise de artigos que se repor-tam ao período temporal entre 2007 e 2011. Quanto ao período de busca dos artigos com-preendeu os meses de maio a junho de 2011.

A pesquisa baseou-se nos descritores: Família (Family, Familia), Enfermagem (Nur-sing, Enfermería), Emergências (Emergen-

cies, Urgencias Médicas), Cuidados Críti-cos (Critical Care, Cuidados Criticos), tendo como idiomas preferenciais português, in-glês e espanhol.

Através da associação destes descritores, nos três idiomas defi nidos, foi efetuada pes-quisa nas bases de dados eletrónicas SciELO e, através da B-ON, Academic Search Com-plete, Annual Reviews, Current Contents, El-sevier – Science Direct, PubMed, Springer-Link, Taylor&Francis, Web of Science e Wiley Online Library.

Utilizando estas bases de dados, os des-critores mencionados anteriormente e ten-do em consideração o universo temporal já descrito tivemos acesso a 2417 publicações, das quais 52 foram excluídas por não serem texto integral e 486 por se encontrarem re-petidas nas diferentes bases de dados, res-tando 1879 publicações.

Dado o elevado número de publicações encontradas, para restringir o número de artigos, tornou-se necessário defi nir crité-rios de inclusão, para além de considerar como participantes os artigos elaborados entre 2007 e 2011. Estes foram:

- Intervenção: Infl uência da presença da família na recuperação do doente crítico e no desempenho dos enfermeiros e infl uência sobre a família de um doente crítico, quando permitida a sua presença junto do mesmo.

- Contexto do estudo: Estudos realizados com doentes em situação de emergência.

- Desenho do estudo: Estudos primários de abordagem qualitativa ou quantitativa.

Tendo em conta estes critérios, após ana-lisar os 1879 artigos, rejeitamos 1712 pelo título, 107 pela leitura do resumo, 2 pelo desenho do estudo e 50 pela leitura inte-gral. Através desta estratégia incluímos ape-nas 8 artigos para crítica.

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APRESENTAÇÃO / ANÁLISE CRÍTICA DOS DADOSOs 8 estudos primários que satisfi zeram

os critérios de inclusão pré-defi nidos são apresentados na tabela seguinte, constando na mesma o objetivo geral, método, amostra e principais conclusões de cada artigo.

Síntese das evidências encontradas• AGARD, Anne Sophie; MAINDAL, Helle

Terkildsen - Interacting with relatives in intensive care unit. Nurses’ perceptions of a challenging task. Dinamarca. 2009.

Objetivo geral - Descrever como enfermei-ros de cuidados intensivos usam conheci-mentos pessoais, habilidades e expectati-vas para interagir com a família; Explorar a relação entre habilidades e expectativas e a atitude dos enfermeiros ao envolver a família e permitir a sua presença durante situações críticas.Método - Estudo quantitativo, transversal, exploratório. Questionário Amostra - 68 enfermeiros de uma unidade de cuidados intensivos de adultos. Principais conclusões - A opinião dos enfer-meiros em incluir a família nos cuidados não é uniforme, nomeadamente em situações de paragem cardíaca e entubação; normalmen-te os enfermeiros não suportam a presença da família em situações críticas; os enfermei-ros consideram que o seu conhecimento e habilidades em interagir com a família são bons e para além disso têm expectativas po-sitivas sobre o resultado da sua interação.

• GAMELL FULLÀ, A. [et al.] - ¿Están pre-sentes los padres durante los procedi-mientos invasivos? Espanha. 2010.

Objetivo geral - Conhecer a situação atual em relação à presença dos pais e/ou respon-

sáveis durante os procedimentos invasivos em diferentes serviços de Urgências Pediátri-cas; conhecer os motivos pelos quais se res-tringe a presença dos pais e/ou responsáveis; conhecer o grau de concordância dos profi s-sionais de saúde quanto a esta presença.Método - Estudo descritivo, segundo uma abordagem quantitativa. Questionário.Amostra - 32 responsáveis dos serviços de Urgências Pediátricas, de diferentes hospitais de Espanha, pertencentes à Sociedade Espa-nhola de Urgências Pediátricas.Principais conclusões - A presença dos pais e/ou responsáveis durante a realização de procedimentos invasivos é escassa, especial-mente nos mais invasivos; a ansiedade dos pais e o pior rendimento dos profi ssionais de saúde são os motivos argumentados para restringir a presença dos pais e/ou responsá-veis; os profi ssionais de saúde estão pouco ou nada de acordo com a presença familiar, especialmente durante as técnicas mais in-vasivas.

• HUNG, Maria S.Y.; PANG, Samantha M. C. - Family presence preference when patients are receiving resuscitation in an accident and emergency department. China. 2010.

Objetivo geral - Analisar a experiência de fa-miliares de pacientes que sobreviveram a res-suscitação pós acidente, num departamento de emergência, e saber as suas preferências relativamente a estarem ou não presentes. Método - Estudo interpretativo, fenomeno-lógico. Entrevista.Amostra - 18 familiares adultos de pacientes que sobreviveram a intervenções de manu-tenção de vida.Principais conclusões - Nenhum dos fa-miliares esteve presente na sala de emer-

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gência, mas a maioria refere que gostaria de ter estado presente; os profi ssionais de saúde deviam ser mais sensíveis e atentos às necessidades individuais e preocupações das famílias, tendo o cuidado de oferecer a hipótese de estarem presentes; deveriam existir guidelines para permitir atender às necessidades individuais em situações de risco de vida.

• KÖBERICH, Stefan [et al.] - Family wit-nessed resuscitation – experience and at-titudes of German intensive care nurses. Alemanha. 2010.

Objetivo geral - Explorar experiências de enfermeiros alemães de cuidados intensivos e suas atitudes em relação à presença da fa-mília durante a ressuscitação. Método - Estudo descritivo. Questionário e uma Questão Aberta.Amostra - 166 enfermeiros alemães de cui-dados intensivos.Principais conclusões - A presença de fa-miliares durante a reanimação trouxe expe-riências negativas para os profi ssionais de saúde; há profi ssionais de saúde que não concordam que os familiares deveriam ter a opção de presenciarem a reanimação; a presença da família pode infl uenciar nega-tivamente o desempenho dos profi ssionais durante a reanimação; a presença da famí-lia poderia melhorar a compreensão entre profi ssionais e familiares, abordando temas como tomada de decisão, apoio às famílias, ameaças de violência e envolvimento da fa-mília.

• MITCHELL, Marion L.; CHABOYER, Wendy - Family Centred Care – A way to connect patients, families and nurses in critical care. Austrália. 2010.

Objetivo geral - Descrever experiências das famílias na prestação de cuidados individua-lizados ao seu ente querido em estado críti-co, com o apoio da equipa de enfermagem. Método - Estudo qualitativo. Entrevistas te-lefónicas.Amostra -10 familiares que prestaram cui-dados ao seu ente querido em estado crítico.Principais conclusões - Os familiares dos pacientes em estado crítico desfrutam da prestação de cuidados ao seu ente querido; a família sente-se útil; melhoria na comunicação e maior proximidade física e emocional com o paciente crítico; os enfermeiros de cuidados críticos apoiam os familiares a individualizar os cuidados; a inclusão da família promove o sucesso dos cuidados prestados e a relação entre família, paciente crítico e enfermeiros.

• PASQUALE, Mae Ann. [et al.] - Fam-ily presence during trauma resuscitation: Ready for primetime? Estados Unidos da América. 2010.

Objetivo geral - Medir os efeitos da presen-ça da família durante ressuscitação em trau-ma relativamente a ansiedade, satisfação e bem-estar.Método - Estudo quantitativo, prospetivo, comparativo, multivariado. Questionário e registos hospitalares dos doentes. Amostra - 50 adultos membros de famílias, dos quais vinte e cinco estiveram presentes durante a ressuscitação de um familiar gra-vemente ferido e vinte e cinco não estiveram presentes, num centro de trauma nível 1.Principais conclusões - Familiares presen-tes durante a ressuscitação referiram que benefi ciaram o paciente e ganharam uma melhor compreensão da situação; familiares que não estiveram presentes durante a res-suscitação comentam que teriam preferido

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estar presentes; familiares presentes durante ressuscitação em trauma não sofreram efei-tos psicológicos negativos e tiveram os mes-mos níveis de ansiedade, satisfação e bem--estar que os familiares que não estiveram presentes; a qualidade dos cuidados durante a ressuscitação foi mantida, mesmo quan-do presentes familiares; o facto de os fami-liares referirem que voltariam a passar pela mesma experiência suporta a ideia de que a presença de um familiar na ressuscitação em trauma não é demasiado traumática; a existência de um protocolo bem estruturado relativamente à presença da família durante ressuscitação em trauma permite que estes estejam presentes sem correr riscos e sem interferências para o paciente.

• TOMLINSON, Karen R. [et al.] - Fam-ily presence during adult resuscitation: a survey of emergency department reg-istered nurses and staff attitudes. E.U.A. 2010.

Objetivo geral - Avaliar as atitudes dos en-fermeiros e outros profi ssionais de saúde a respeito da presença da família durante a reanimação de adultos, num departamento de emergência.Método - Estudo quantitativo. QuestionárioAmostra - 79 enfermeiros e outros profi ssio-nais de saúde que trabalham num departa-mento de emergência.Principais conclusões - A presença da famí-lia é permitida perante atos menos agressi-vos como a punção venosa, mas não é co-mum em atos mais agressivos; a presença da família pode facilitar a sua perceção sobre o esforço da equipa em reanimar o seu fami-liar, sendo uma experiência facilitadora para superar uma eventual morte do mesmo; a presença da família pode interferir com o

processo de reanimação e aumentar o ní-vel de stress da equipa; seriam importantes orientações escritas sobre este tema.

• VAVAROUTA, Antigone [et al.] - Family presence during resuscitacion and inva-sive procedures: physicians’ and nurses’ attitudes working in pediatric depart-ments in Greece. Grécia. 2011.

Objetivo geral - Determinar o conhecimen-to, experiências e opiniões dos médicos e enfermeiros gregos, sobre a presença da fa-mília durante a reanimação e procedimen-tos invasivos; investigar a existência de po-líticas ofi ciais e práticas sobre a presença da família; examinar possíveis correlações ou fatores que promovem ou limitam a aplica-ção desta questão.Método - Estudo descritivo, segundo uma abordagem quantitativa. Questionário.Amostra - 44 médicos e 77 enfermeiros que trabalham num departamento de pediatria e unidade de cuidados intensivos neonatais e pediátricos.Principais conclusões - A maioria dos médicos e enfermeiros não estão familia-rizados com a presença da família durante a reanimação e procedimentos invasivos; revelou-se ausência de políticas escritas sobre a presença da família; os benefícios da presença da família na ressuscitação ou procedimentos invasivos superam possíveis argumentos negativos, sendo benéfi co para a própria família.

Após esta síntese das evidências encon-tradas, verifi ca-se que a origem dos auto-res é muito variada: 2 artigos têm origem nos E.U.A. e os restantes pertencem a países como Espanha, Dinamarca, China, Alemanha, Austrália e Grécia. Os artigos apurados fo-

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ram maioritariamente publicados em 2010 e estão enquadrados no paradigma quantita-tivo, utilizando como instrumento de recolha de dados o questionário. Tivemos oportuni-dade de perceber que as amostras estuda-das reportaram-se a profi ssionais de saúde do Serviço de Urgência ou de Unidades de Cuidados Intensivos, de adultos e pediátri-cos, e a familiares do doente crítico. Os ob-jetivos principais dos artigos selecionados foram saber se os profi ssionais de saúde es-tão habilitados para lidar com a presença da família em situações criticas e quais as suas experiencias; avaliar as atitudes dos profi s-sionais de saúde perante a presença da fa-mília durante a realização de procedimentos ao doente crítico e conhecer as experiencias dos familiares que assistiram à prestação de cuidados ao familiar em estado crítico.

Para a análise das evidências contidas nos artigos científi cos encontrados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, proposta por Bardin (2004). A análise de conteúdo pode ser defi nida como um conjunto de técnicas de análise de comunicação, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimento.

Desta análise surgiram categorias que vão de encontro aos nossos objetivos: in-fl uência da presença da família na prestação de cuidados ao doente crítico; presença da família infl uencia a evolução do estado de saúde do doente crítico e comportamen-to da família do doente crítico. Emergiram também alguns aspetos relacionados com a temática em estudo que, apesar de darem resposta aos objetivos, não se enquadram nestas categorias, nomeadamente a opinião dos profi ssionais de saúde face à presença

da família e a inexistência de protocolos quanto a este aspeto.

Infl uência da presença da família na prestação de cuidados ao doente crítico.

Da evidência produzida por alguns auto-res salienta-se um pior rendimento por parte dos profi ssionais de saúde aquando da pre-sença da família durante a prestação dos cui-dados ao doente crítico pediátrico (Gamell Fullà [et al.], 2010).

Alguns autores na comunicação de re-sultados fi zeram referência à presença da família durante o processo de reanimação. Tomlinson [et al.] (2010) defendem que esta pode interferir com a reanimação e aumen-tar o stress da equipa. O mesmo tema foi as-sunto de interesse de Köberich [et al.] (2010) acrescentando as experiências negativas vi-venciadas pelos profi ssionais de saúde face à presença de familiares, nomeadamente a difi culdade na prestação de cuidados a estes, as ameaças físicas e situações de prolonga-mento do processo de ressuscitação.

Muito recentemente, o artigo de Mitchell e Chaboyer (2010) refutou as ideias anteriores, defendendo que a inclusão da família pro-move o sucesso dos cuidados prestados e o relacionamento entre esta e os profi ssionais de saúde. Também Tomlinson [et al.] (2010) defenderam que a presença da família é uma mais-valia durante a prestação de cuidados ao doente crítico, na medida em que, o esfor-ço da equipa em reanimar vai ser mais facil-mente percecionado e valorizado pela família.

Sobressai, ainda, na evidência produzida a compreensão entre profi ssionais e familiares como aspeto positivo da presença da família durante o processo de reanimação e facilita-dor da tomada de decisão (Köberich [et al.], 2010).

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Pelo supracitado, verifi ca-se que não há unanimidade acerca da presença da família trazer benefícios ou prejuízos à prestação de cuidados ao doente crítico. Mesmo na reali-dade Portuguesa, não é de comum acordo o procedimento a tomar face à família, pois apesar de, com a criação da Lei n.º 33/2009, “Todo o cidadão admitido num serviço de urgência tem direito a ser acompanhado (…)”, no Artigo 3.º são enunciadas limitações ao direito de acompanhamento, justifi cadas pela possibilidade de prejudicar a efi cácia dos exames e tratamentos a efetuar. Pasqua-le [et al.] (2010) defendem que a qualidade dos cuidados prestados ao doente crítico é mantida, estando a família presente ou não. Na realidade nacional, tal pode ser conse-guido através da mudança de mentalidades, pois segundo a Lei anteriormente referida “(…) compete ao profi ssional de saúde res-ponsável pela execução do acto clínico em questão (…)” a decisão de autorizar a presen-ça da família ou não.

Caso esta autorização seja concedida, importa conhecer a infl uência da família na evolução do estado de saúde do seu familiar.

Presença da família infl uencia a evolu-ção do estado de saúde do doente crítico.

Dos artigos analisados, apenas os autores Mitchell e Chaboyer (2010) e Pasquale [et al.] (2010) fi zeram referência à infl uência da fa-mília no estado de saúde do doente crítico. O artigo de Mitchell e Chaboyer (2010) con-sidera que a presença da família melhora a comunicação e permite uma maior proximi-dade física e emocional com o doente crítico, contribuindo para um melhor relacionamen-to família - doente crítico. Por sua vez, Pas-quale [et al.] (2010) concluíram que a presen-ça da família traz benefícios para o doente,

referindo como exemplo que a família pode providenciar informações valiosas sobre os antecedentes clínicos do doente.

Estes achados vêm dar relevo à impor-tância de constituir a família como parceiro da prestação de cuidados, uma vez que po-dem ter informação que ajude na tomada de decisão, tendo em conta que muitas vezes o doente está inconsciente ou incapacitado de comunicar. Assim, o papel de suporte da família assume-se como relevante, devendo os profi ssionais de saúde despender tempo a escutá-los.

Salientamos que esta foi uma categoria pouco desenvolvida nos estudos analisa-dos, sendo que estes dão mais relevância ao comportamento da família do doente crítico.

Comportamento da família do doente crítico.

Sendo a família um grupo em que ocor-rem interações entre os seus membros, e sendo o bem-estar familiar determinado pela saúde de cada um destes, importa saber como age a família de um doente em estado crítico e os sentimentos que manifesta.

Os sentimentos de ter sido útil, ter des-frutado da companhia do familiar e mostrar carinho, foram referidos no estudo efetuado por Mitchell e Chaboyer (2010) por familia-res que tiveram oportunidade de prestar cui-dados a um familiar em situação crítica. Os autores foram mais longe ao referirem que quando as famílias prestam cuidados físicos estão a fazer muito mais, mostrando que se envolvem com as pessoas que amam. Estes mesmos autores referiram que a envolvência dos familiares na prestação de cuidados me-lhora o relacionamento com os profi ssionais.

Por outro lado, Tomlinson [et al.] (2010) consideraram que quando uma situação de

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emergência culmina com a morte do doen-te, a presença da família é facilitadora para melhor ultrapassar o processo de luto. Isto porque a família pode observar os esforços efetuados para salvar a vida do seu ente que-rido, ganhando maior compreensão do em-penho realizado com vista à recuperação do seu familiar.

Com inquietações semelhantes surge o estudo de Pasquale [et al.] (2010), em que referiram que a maior necessidade dos fa-miliares de doentes críticos é ter informação sobre a evolução clínica do doente. No en-tanto, estes contrapõem algumas das ideias anteriormente referidas, declarando que a presença da família em procedimentos tão invasivos como a ressuscitação pode gerar danos psicológicos aos familiares.

Na mesma linha de pensamento, a reco-nhecer os resultados de Pasquale [et al.] (2010) surgem as conclusões de Gamell Fullà [et al.] (2010), que consideraram o comportamento da família como inoportuno, reportando-se à ansiedade como o motivo primordial para a exclusão dos familiares de uma sala de urgên-cia; surge também com algum peso o facto de não considerarem os familiares preparados para se comportarem perante uma situação mais invasiva. De realçar que este é um estu-do de âmbito pediátrico, em que a família dos doentes foram só pais.

Pesando os prós e os contras, para as fa-mílias de doentes em estado crítico, pode ve-rifi car-se que tudo vai depender da estrutura e processos familiares em causa. Na pesquisa efetuada, surgiram aspetos negativos para a família apenas quando abordados doentes pediátricos e doentes adultos sujeitos a pro-cedimentos muito invasivos; por outro lado, quando o doente crítico é adulto, os familiares referiram que voltariam a passar pela mesma

experiência, tal como no estudo de Pasquale [et al.] (2010), o que suporta a defesa da pre-sença de familiares durante a ressuscitação.

Outros aspetos relacionados com a te-mática em estudo.

Prestar cuidados à família é, de acordo com o Regulamento para o Exercício Profi s-sional de Enfermagem (2006), uma incum-bência dos enfermeiros, pelo que também o seu sentir face à permissão da presença da família, numa situação de emergência, deve ser considerado.

Na opinião de Gamell Fullà [et al.] (2010) a presença dos pais e/ou responsáveis duran-te a realização de procedimentos invasivos é escassa, especialmente durante os mais inva-sivos, referindo-se à prestação de cuidados a doentes críticos pediátricos. Ainda segundo estes autores, uma razão para esta evidência é o facto dos profi ssionais de saúde estarem pouco ou nada de acordo com a presença dos familiares, especialmente durante as téc-nicas mais invasivas.

O estudo conduzido por Agard e Maindal (2009) revela que normalmente os enfermei-ros não suportam a presença da família em situações críticas. Esta presença pode gerar ansiedade e stress nos profi ssionais de saú-de; pode distraí-los do seu foco de atenção (o doente), pois a família também necessita de apoio (Tomlinson [et al.], 2010). Já na opi-nião de Vavarouta [et al.] (2011) não são ape-nas os enfermeiros, mas também os médicos a não estarem familiarizados com a questão da família testemunhar a reanimação e pro-cedimentos invasivos.

Vários autores com as suas comunicações identifi caram a ausência de orientações es-critas/protocolos sobre a presença da família na prestação de cuidados ao doente crítico

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durante a ressuscitação, sem a família cor-rer risco e sem interferências na reanimação (Pasquale [et al.] (2010), Tomlinson [et al.] (2010), Vavarouta [et al.] (2011)).

Refl etindo sobre a análise efetuada, con-sidera-se que as categorias descritas foram de encontro aos objetivos desta revisão bi-bliográfi ca, respondendo assim às questões orientadoras enumeradas previamente.

Quanto à questão orientadora: de que for-ma a presença da família infl uência a recupe-ração do doente crítico e o desempenho dos enfermeiros, numa situação de emergência, foi possível apurar que a presença da famí-lia no local da emergência, de alguma forma melhora a condição física e emocional do fa-miliar, uma vez que melhora a comunicação e permite uma maior proximidade física e emo-cional com o doente crítico; e que a maioria dos profi ssionais de saúde não se sente à vontade ou considera que não possui habili-dades para a prestação de cuidados ao doen-te crítico com a família do mesmo presente.

Verifi cou-se também que cada membro da família de um doente crítico, seja adulto ou pediátrico, lida de forma diferente com a situação de emergência com que se depara, havendo famílias que repetiriam a experien-cia de assistir a uma reanimação bem sucedi-da, ou porque o seu relacionamento com os profi ssionais melhorou ou porque obtiveram mais informação. Contrariamente surgem fa-miliares que preferem não o fazer por terem medo de sofrerem danos psicológicos. Ob-tém-se assim resposta para a segunda ques-tão orientadora: de que forma é infl uenciado o comportamento da família de um doente crítico, quando permitida a sua presença jun-to do mesmo.

CONCLUSÃOA qualidade dos cuidados de saúde é

promovida através de uma abordagem cen-trada no doente e sua família, reconhecen-do o papel integral da família e encorajando a colaboração mutuamente benéfi ca entre doente, sua família e profi ssionais de saú-de. É reconhecido que a família do doente crítico deve integrar a unidade de cuidados numa situação de emergência, contudo sur-gem questões como: A presença da família é benéfi ca para o doente? É confortável para os profi ssionais de enfermagem? E a família, o que sente e como reage? Foram estas ques-tões que conduziram à necessidade de iden-tifi car a evidência empírica produzida sobre a infl uência da presença da família junto do doente crítico, numa situação de emergência.

Esta revisão de literatura é alvo de algu-mas limitações. Considera-se que a defi nição de um horizonte temporal de 5 anos limitou o número de artigos selecionados, no en-tanto este critério torna possível a obtenção de conhecimento que traduz uma evidência mais atual do tema em estudo. Também o facto de realizarmos pesquisas em apenas 3 idiomas pode ter limitado o número de pu-blicações. Outra limitação consiste no fato de os objetivos dos estudos que incluímos na amostra, serem sobretudo centrados nos profi ssionais e não nas famílias.

Considera-se que o percurso para a con-cretização desta revisão de literatura desper-tou a consciencialização da necessidade dos enfermeiros e as próprias instituições de saú-de refl etirem sobre a sua prática em situações de emergência, no que diz respeito à presen-ça da família do doente crítico, promovendo a formação nesta área. Isto porque, emerge da análise dos oito artigos analisados que existem doentes críticos que retiram benefí-

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cios da presença dos seus familiares, daí que fosse positivo as pessoas terem esta opção.

Seria gratifi cante constatar que os resul-tados da investigação constituíssem um pe-queno passo em direção à mudança, pois torna-se fundamental os profi ssionais de-senvolverem habilidades práticas necessárias à prestação de cuidados ao doente crítico mesmo com a presença da sua família, e as instituições de saúde elaborarem protocolos que defi nam as situações em que a família pode ou não estar presente, esclarecendo como atuar para satisfazer as necessidades dos familiares, para que esta não corra riscos e a atuação dos profi ssionais não ponha em risco o doente crítico.

Espera-se assim, com estas breves pági-nas, deixar aberta uma porta para que pos-sam decorrer outras investigações neste sen-tido, dado que sem dúvida esta é uma temá-tica a explorar.

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ENTRADA DO ARTIGO JANEIRO 2013

RESUMOA enfermagem deve ter uma abordagem holística nos cuidados e deve envolver o paciente e a fa-mília, fundamentalmente nos momentos de crise, como é o caso da vivência de acompanhar um familiar num serviço de urgência com todas as particularidades que lhe estão associadas.O objetivo deste trabalho é saber se a presença da família durante as medidas de reanimação ou procedimentos invasivos têm um impacto positi-vo ou negativo na família e nos profi ssionais de enfermagem e quais as atitudes dos enfermeiros nestas situações.Os enfermeiros com formação mais elevada, assim como com uma especialização específi ca na área

de emergência demonstram uma atitude de maior aceitação à presença de família durante as medi-das de reanimação e procedimentos invasivos. Os aspetos positivos para a presença da família são: compreender que as medidas e esforços de reanimação foram as máximas e que tudo foi efe-tuado pelos profi ssionais, a oportunidade para a família apoiar o seu ente querido e de se despe-dir em situações de fi m de vida, a participação em decisões de fi m de vida, facilitando o processo de luto, providenciar explicações e demonstrar á família que a sua presença é um direito.Como motivos para não haver a presença das fa-mílias são apontados: o baixo nível de conheci-mento dos familiares, as memórias traumáticas,

Presença das famílias no serviço de urgência durante a reanimação e os

procedimentos invasivos.Qual o estado da arte?

MANUELA CELESTE SOUSA FERREIRAEnfermeira no Centro Hospitalar de S.João - Porto, Serviço de Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Serviço de Urgência. Estudante do 5º Curso de Pós-Licenciatura em Enfermagem, na Universidade Católica Portuguesa.

P. COELHOMestre em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Docente da Universidade Católica Portuguesa

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a interferência no trabalho dos profi ssionais, a diminuta escassez de recursos humanos, o au-mento do risco de infeção, o desconforto dos profi ssionais em se sentirem observados na sua atuação e o seu medo de falhar e o obstáculo à comunicação na equipa. Num estudo, efetuado no Hospital da Universida-de do Colorado pelas autoras Kathleen S. Oman em 2010, sugere-se a criação de protocolos que permitam aos profi ssionais dar a opção às famí-lias de estarem presentes, avaliando os familiares de acordo com as circunstâncias e as suas carac-terísticas para adequar o que será melhor para o paciente. Este protocolo inclui o acolhimento prévio à entrada dos familiares, com as devidas explicações do que estes irão encontrar junto aos pacientes, diminuindo a ansiedade destes e au-mentando o nível de confi ança nos profi ssionais. Este trabalho caracterizou-se por uma revisão da literatura tendo por base a pesquisa na ISI of Knowndlege, com os descritores booleanos urgência, enfermagem, família e cuidar, artigos publicados no período de 2010 a 2012. Conclui--se que a pesquisa originou 25 artigos, dos quais foram selecionados 6 após a leitura e dada a per-tinência dos mesmos, tendo em conta a sua dis-ponibilidade em texto integral e a sua relevância para o tema em discussão.

Palavras-Chave: Emergência, Enfermagem, Famí-lia; Cuidar.

ABSTRACTNursing must take a holistic approach in the care and should involve the patient and family, mainly in times of crisis, such as the experience of ac-companying a family member in the emergency department with all the particularities associated with him.This paper is whether family presence during CPR and invasive procedures has a positive or negative impact on family and nursing professionals and what the attitudes of nurses in these situations.

Nurses with higher education, as well as with spe-cifi c expertise in the area of emergency demon-strate an attitude of greater acceptance of family presence during CPR and invasive procedures. The positive aspects to the presence of the family are: understand the measures and resuscitation ef-forts were the maximum and that everything was done by professionals, the opportunity to support your family and loved ones to say goodbye at the end of life situations, participation in end of life decisions, facilitating the grieving process, provide explanations and demonstrate to the family that their presence is a right.As reasons for not having the presence of the fami-lies are identifi ed: the low level of knowledge of the family, traumatic memories, interference in the work of professionals, the tiny human resource shortages, increased risk of infection, the discom-fort of professionals feel observed in his perfor-mance and his fear of failure and an obstacle to communication in the team.The study performed at the Hospital of the Univer-sity of Colorado by the authors Kathleen S. Oman in 2010, suggests the creation of protocols that enable professionals to give families the option of being present, assessing the family according to the circumstances and characteristics to suit what is best for the patient. This protocol includes the reception prior to the entry of relatives, with ap-propriate explanations of what they will fi nd with patients, reducing anxiety and increasing this level of confi dence in the professionals. This work was characterized by a literature re-view based on a search of the ISI Knowndlege, with descriptors Boolean urgency, nursing and family care, articles published in the period 2010 to 2012. We conclude that the search yielded 25 articles, of which six were selected after reading and given the continued relevance, taking into account their availability in full text and its relevance to the topic under discussion.

Keywords: Emergency, Nursing, Family; Caring.

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INTRODUÇÃOAs diretrizes da Organização Mundial

de Saúde (2010) descritas na declaração de Munique de 2000 e da Ordem dos Enfer-meiros expressas no Enquadramento Con-ceptual e Padrões de Qualidade dos Cui-dados de Enfermagem (2001), enfatizam a família como alvo dos cuidados numa cres-cente centralidade nos sistemas e cuidados de saúde.

Torna-se um desafi o à investigação em enfermagem encontrar metodologias que permitam aos profi ssionais nas diferentes áreas de atuação adaptarem-se e conso-lidarem conhecimentos e estratégias que lhes permitam providenciar cuidados de excelência aos pacientes/famílias.

O serviço de urgência é um local privi-legiado no contato com familiares que se encontram fragilizados e ansiosos, tornan-do-se também um local onde os dilemas dos profi ssionais perante a Família são uma realidade. É essencial que os enfermeiros procurem dar respostas aos problemas do seu quotidiano e a consulta de bibliografi a atualizada permite conhecer o estado da arte nesta temática e fornecer dados para melhorar os cuidados.

O objetivo deste trabalho é saber se a presença da família durante as medidas de reanimação ou procedimentos invasivos têm um impacto positivo ou negativo na família e nos profi ssionais de enfermagem e quais as atitudes dos enfermeiros nestas situações.

METODOLOGIAFoi utilizado o método exploratório des-

critivo com pesquisa avançada na base de dados da ISI of Knowndlege, utilizando

como descritores booleanos “Emergency”, and “Nursing”, and “Family”; and “Caring”. Como critérios de inclusão foram selecio-nados artigos completos, publicados em in-glês, português e espanhol com referências disponíveis, com texto completo e datas de publicação dos últimos 2 anos (2010-2012). Foram encontrados 25 resultados, estes fo-ram analisados, discutindo-se a sua relação com o tema e o objetivo deste trabalho e selecionados 6, tendo como critérios de ex-clusão serem artigos no âmbito da pedia-tria.

RESULTADOSForam encontrados 25 artigos e selecio-

nados 6 que se relacionavam diretamente com o tema enfocando a presença da famí-lia durante a reanimação e os procedimen-tos invasivos e as atitudes dos enfermeiros, assim como os benefícios e as desvanta-gens enumeradas.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOSNeste capítulo vou resumir os artigos

consultados nesta pesquisa e apontar os aspetos mais relevantes que vão de encon-tro ao objetivo previamente delineado.

O artigo de Susan Ellison (2010), descre-ve um estudo efetuado a 208 enfermeiros de um hospital de New Jersey aplicando o questionário de suporte de presença à fa-mília, estudando as variáveis demográfi cas (idade, sexo, etnia) e atitudes dos enfermei-ros perante a família durante as medidas de reanimação e procedimentos invasivos, acrescentando a perceção e crenças pes-soais acerca da presença da família para os enfermeiros.

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Este estudo demonstra a relação signifi -cativa entre as atitudes perante a família e as variáveis inerentes aos enfermeiros, tais como a experiência profi ssional, a sua for-mação, o tipo de certifi cação académica e a área de especialização. Segundo esta au-tora estes fatores são preditores para atitu-des positivas perante a presença da família. Como resultados deste estudo enumera--se que os enfermeiros com formação mais elevada, assim como com uma especializa-ção específi ca na área de emergência de-monstram uma atitude de maior aceitação à presença de família durante as medidas de reanimação e procedimentos invasivos.

Este estudo também demonstra que a presença das famílias interfere no desem-penho dos enfermeiros devido às limita-ções estruturais das instituições, à escassez de tempo e à falta de recursos humanos que tenham disponibilidade para estarem como o doente e com os seus familiares. A falta de educação e de capacidade da famí-lia em compreender a situação e não trans-mitir ansiedade ao doente também difi culta o trabalho destes profi ssionais.

Um dos aspetos positivos relatados nes-te estudo é a oportunidade de promover a comunicação entre a família e os profi ssio-nais e providenciar apoio e suporte emo-cional. Deste modo a família compreende que tudo foi efetuado, facilitando o pro-cesso de luto, a participação em decisões de fi m de vida, providenciar explicações e demonstrar á família que a sua presença é um direito e não uma opção dos profi ssio-nais. Aponta como motivos para não haver a presença das famílias o baixo conheci-mento dos familiares, as memórias traumá-ticas, a interferência no trabalho dos pro-fi ssionais, a diminuta escassez de recursos

humanos, o aumento do risco de infeção, o desconforto dos profi ssionais em se sen-tirem observados na sua atuação e o seu medo de falhar.

O estudo apresentado por Lori M. Fea-gan e colegas (2011), realizado em Wa-shington, pretende demonstrar o impacto da educação dos profi ssionais na promoção de atitudes perante a família durante a rea-nimação e outros procedimentos invasivos. Neste estudo foram avaliadas as respostas ao mesmo grupo de profi ssionais (médicos e enfermeiros) em duas fases, antes e após um programa de formação sobre a temáti-ca. Estes autores concluíram que a educa-ção e a criação de protocolos com critérios de inclusão e de exclusão para permitir a presença das famílias antes, durante e após os procedimentos demonstrou ser útil e ter um impacto positivo nas atitudes perante a família nos serviços de urgência e emer-gência.

Em 2010, num estudo efetuado no Hos-pital da Universidade do Colorado pelas autoras Kathleen S. Oman, e colegas, refe-rem que existe uma preocupação crescente nos profi ssionais de saúde em saber o efei-to da presença da família durante as ma-nobras de reanimação e procedimentos in-vasivos nos familiares dos pacientes. Neste estudo são apontadas vantagens que passo a referir: família saber o estado do pacien-te, a oportunidade para a família apoiar o seu ente querido e de se despedir em si-tuações de fi m de vida, a família perceber que as medidas e esforços de reanimação foram as máximas, assim como a perceção da personalidade do paciente através do que a família pode transmitir, permitindo assim o cuidado holístico ao paciente e á sua família.

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Como desvantagens neste estudo são enumerados: o trauma para a família, o medo da família e como podem transmiti--lo ao paciente, a ansiedade para os profi s-sionais que se sentem observados, o obstá-culo à comunicação na equipa. Todos estes fatores contribuem para a contínua contro-vérsia existente sobre a presença da família nos momentos de crise.

Neste estudo sugere-se a criação de pro-tocolos que permitam aos profi ssionais dar a opção às famílias de estarem presentes, avaliando os familiares de acordo com as circunstâncias e as suas características para adequar o que será melhor para o paciente. Este protocolo deverá incluir ainda que se deverá perguntar ao paciente, no caso dos procedimentos invasivos, se quer a família presente e qual o membro e caso não possa expressar a sua vontade assegurar que seja respeitada a vontade da família.

A decisão da presença da família deverá ser consensual na equipa e sempre que a instabilidade do paciente justifi que ou os procedimentos sejam mais invasivos, ou a família se torne emocionalmente perturba-dora esta deva abandonar o local. É de real-çar que estes protocolos de atuação estão recomendados desde 2004, contudo ainda poucos hospitais dispõem dos mesmos.

No artigo de Elinar Lowry, (2012) é re-latado como num hospital de Chicago a utilização de um protocolo desde 1992 é considerada uma vantagem para os profi s-sionais. Neste estudo é referido como 14 enfermeiras de urgência descrevem as suas experiências perante a presença das famí-lias, através da análise de conteúdo das entrevistas efetuadas. Este protocolo é útil na medida em que defi ne quando e como a família deve estar presente, assim como

quando deverá sair com critérios adequa-damente estabelecidos.

Neste estudo são enunciadas as vanta-gens e desvantagens da presença dos fa-miliares junto aos pacientes em situações de urgência, e acrescenta que estes profi s-sionais deveriam ter um suporte emocional adequado para lidar com estas famílias. Este protocolo inclui o acolhimento prévio à entrada dos familiares, com as devidas explicações do que estes irão encontrar junto aos pacientes, diminuindo a ansieda-de estes e aumentando o nível de confi ança nos profi ssionais.

Num estudo publicado em 2011, rea-lizado por Darcy Egging e colegas, é efe-tuada uma revisão sistemática da literatura com os descritores “ presença da família” e “emergência” e “procedimentos invasi-vos ou reanimação”, nas bases de dados da Pubmed e Crochane publicados entre 2005 e 2009. Deste estudo emergem algu-mas recomendações de nível A e B e tam-bém o que não é recomendado. Existe uma evidência fraca do ponto de vista dos pa-cientes dada a escassez de estudos nesta temática. Os poucos estudos referem que estes fi cam contentes com a presença dos familiares, embora também refi ram que é traumatizante para os seus familiares assis-tirem a procedimentos mais invasivos. Para as famílias a evidência demostra que estes se sentem mais satisfeitos em estarem pre-sentes pois têm a perceção que tudo o que era possível ser feito pelos seus familiares foi efetuado.

Como conclusões deste estudo aponta--se como evidencia nível A que as famílias desejam que lhes seja dada a opção de es-tarem presentes junto dos seus familiares. É de evidência forte que os profi ssionais de-

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fendem que devem ser providenciadas ex-plicações e suporte emocional aos familia-res. Salienta-se a evidência de nível B dada à necessidade de serem instituídas políticas ou protocolos de atuação que providen-ciem estruturas e medidas de suporte emo-cional também garantido aos profi ssionais.

Alisha Gozdzialski e colegas, em 2012, referem a partir de estudos realizados e referidos no artigo das mesmas que a ad-missão a uma sala de emergência pode ser considerado um evento repleto de stress para o paciente e para a sua família. Uma comunicação efi caz entre os profi ssionais e os pacientes e/ou as suas famílias é mui-to importante e é um desafi o para todos os profi ssionais. Contribui para aumentar o grau de satisfação dos familiares providen-ciar a informação adequada durante a per-manência do paciente no serviço de urgên-cia, dar tempo à família para colocar ques-tões e dúvidas e adequar as informações às circunstâncias singulares de cada família.

CONCLUSÕESOs cuidados centrados no doente e na

sua família são um aspeto essencial na en-fermagem e sem dúvida na enfermagem de urgência. A enfermagem deve ter uma abordagem holística nos cuidados e deve envolver o paciente e a família, fundamen-talmente nos momentos de crise, como é o caso da vivência de acompanhar um fami-liar num serviço de urgência com todas as particularidades que lhe estão associadas.

A revisão da bibliografi a efetuada foi pertinente e contribuiu para obter algumas conclusões que são extremamente úteis para a melhoria da qualidade dos cuidados providenciados à nossa população e tam-

bém otimizar medidas de suporte emo-cional e institucional aos profi ssionais que lidam de perto com estes dilemas nos seus locais de trabalho.

O objetivo deste trabalho foi saber se a presença da família durante as medidas de reanimação ou procedimentos invasivos têm um impacto positivo ou negativo na família e nos profi ssionais de enfermagem e quais as atitudes dos enfermeiros nestas situações.

Após a leitura destes estudos conclui-se que cada vez mais os profi ssionais de saúde demonstram uma atitude de maior aceita-ção à presença de família durante as medi-das de reanimação e procedimentos invasi-vos, isto porque cuidar alguém implica cui-dar também a sua família e amigos e se os profi ssionais de saúde conseguirem incutir nas famílias o sentimento de confi ança de que todos os esforços foram empreendidos quer no tratamento como nos cuidados de reanimação, teremos certamente um pro-cesso de aceitação da doença ou luto facili-tado aos familiares.

A decisão da presença da família deverá ser consensual na equipa e sempre que a instabilidade do paciente justifi que ou os procedimentos sejam mais invasivos, ou a família se torne emocionalmente pertur-badora esta deve abandonar o local. É de realçar a sugestão de protocolos de atua-ção que segundo os estudos estão reco-mendados desde 2004, contudo ainda pou-cos hospitais dispõem dos mesmos. Estes protocolos incluem o acolhimento prévio à entrada dos familiares, com as devidas ex-plicações do que estes irão encontrar junto aos pacientes, diminuindo a ansiedade des-tes e aumentando o nível de confi ança nos profi ssionais.

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Contudo, para os profi ssionais existem algumas barreiras perante a presença das famílias, estes referem sentirem-se obser-vados na sua atuação e têm medo de falhar, assim como acrescentam que é um obstá-culo à comunicação dentro da equipa. Os protocolos de atuação neste âmbito de-vem comtemplar estruturas e medidas de suporte emocional também garantido aos profi ssionais.

A elaboração deste artigo surgiu com o objetivo de permitir aos profi ssionais de saúde a refl exão sobre uma temática muito discutida na atualidade, contudo os estu-dos efetuados são na maioria a nível inter-nacional e daí considerei pertinente pro-mover a discussão à luz da nossa realidade. Deste modo, vou expor como observador participante o que de relevante me trouxe a permanência num dos maiores serviços de urgência de Portugal, durante o estágio inserido na especialização em Enfermagem médico-cirúrgica. Para isso, considerei que a revisão integrativa é um dos métodos que melhor se adequa a este trabalho, pois con-siste num método de pesquisa que permite a incorporação das evidencias na prática clinica. Este método tem como fi nalidade reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um determinado tema, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado, conduzindo os enfer-meiros à pratica baseada na evidencia, am-pliando a qualidade dos cuidados de enfer-magem.

Uma revisão integrativa é um método de pesquisa que procura contribuir para a melhoria do cuidado prestado ao paciente e família, e facilita a incorporação de evi-dências, agilizando a transferência de co-nhecimento novo para a prática, conforme

nos diz Mendes et al (2008). Após a sínte-se dos resultados desta pesquisa, importa incorpora-los na nossa prática diária, per-mitindo dessa forma assumirmos o com-promisso da prática baseada na evidência, transportando os conhecimentos obtidos para a realidade.

Ao realizar o meu estágio num serviço de urgência polivalente deparei-me com a necessidade de efetuar esta pesquisa, dado que me deparei com inúmeras situações em que não foi possibilitado às famílias es-tar junto dos pacientes e noutros casos em a família esteve presente, esse fato causar algumas divergências entre os profi ssionais ou entre outros pacientes ou familiares.

De acordo com a Lei nº 33/2009 da As-sembleia da República de 14 de julho, o serviço de urgência deve permitir a entra-da de um acompanhante por utente, con-tudo no nosso país o cumprimento desta lei nem sempre tem sido possível, dadas as limitações de espaço das nossas urgências, aliado ao crescente número de pessoas que acorrem todos os dias a um serviço de ur-gência. Se ainda não reunimos condições de aplicabilidade de uma lei que confere o direito a alguém para estar acompanhado num momento tão delicado, como podere-mos evoluir para o debate que outros paí-ses impõem- a presença da família durante as manobras de reanimação- sim ou não? Penso que ao refl etirmos sobre esta maté-ria haja a consciencialização da necessida-de de mudar.

Não sendo possível obter dados concre-tos da nossa realidade, dadas as limitações inerentes ao tempo disponível, importa re-ferir algumas opiniões recolhidas junto dos profi ssionais da urgência acerca das vanta-gens e desvantagens da presença dos fa-

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miliares durante a realização dos procedi-mentos invasivos ou mesmo nas manobras de reanimação. É quase consensual que a presença dos familiares diminui o número de confl itos entre familiares e profi ssionais, dado que estes estão a par de todos os pro-cedimentos efetuados e as duvidas acerca do estado clinico vão sendo dissipadas ao longo da estadia na urgência, aumentan-do o nível de confi ança nos cuidados e nos profi ssionais. Contudo, apontam a falta de recursos humanos e de estruturas físicas para possibilitarem a permanência da famí-lia no serviço de urgência, tendo em conta o respeito pela privacidade e dignidade da Pessoa Humana.

Em relação à presença durante as mano-bras de reanimação, aqui a realidade que vivenciei ainda se encontra longe do que nos apontam os estudos efetuados. Para estes profi ssionais a população portugue-sa ainda não está preparada a nível cultural e de conhecimentos para poder assistir à reanimação do seu familiar, permitindo aos profi ssionais o desempenho adequado das suas funções, sem interferências. Em rela-ção aos familiares pude constatar que cada vez mais se integram nos cuidados, haven-do uma maior aproximação entre familia-res e profi ssionais, fato esse devido a uma maior abertura das instituições às famílias e ao espirito dos profi ssionais que cada vez mais se disponibilizam a estar com as famílias, perdendo o medo da exposição, aumentando a sua autoconfi ança, o que de certa forma permitirá a valorização de uma imagem de um profi ssional com sen-tido ético e humano ao mais alto nível, e é sem duvida aqui que devemos estar nós… os enfermeiros.

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ENTRADA DO ARTIGO ABRIL 2013

RESUMOO presente artigo está direcionado para o Trau-matismo Torácico, mais incisivamente para as le-sões não específi cas, nomeadamente as Lesões Pulmonares, que se dividem em Lesão da Laringe, Lesão da Traqueia, Lesão Brônquica, Pneumotó-rax (aberto e de tensão), Hemotórax, Contusão Pulmonar, e Lesão do Diafragma; Lesões Cardía-cas e dos grandes vasos que englobem as Con-tusões Cardíacas, Lesões Cardíacas Penetrantes, Tamponamento Cardíaco, e Rotura da Aorta; e, por último, as Lesões Esofágicas.

Palavras-Chave: Traumatismo Torácico; Lesões não específi cas (Lesões Pulmonares, Lesões Car-díacas e dos grandes vasos; e Lesões esofágicas).

ABSTRACTThis article is directed towards Thoracic Trauma, more incisively to unspecifi c lesions, namely Pul-monary Injuries which are divided in Laryngeal Lesion, Traqueal Lesion, Bronchial Lesion, Pneu-mothorax (open and tension), Hemothorax, Pul-monary Contusion and Lesion of the Diaphragm; Cardiac and Major Blood Vessel Injuries which include Cardiac Contusions, Penetrating Cardiac Injuries, Cardiac Tamponade and Aortic Rupture; and fi nally, Esophageal Inju-ries.

Keywords: Thoracic Trauma, Unspecifi c Lesions (Pulmonary Injuries, Cardiac and Major Blood Ves-sel Injuries, Esophageal Injuries).

TRAUMATISMO TORÁCICO.Lesões não específicas

ANTÓNIO BRANCOLicenciado em Enfermagem

SARA CORREIALicenciada em Enfermagem

VANESSA ALEXANDRA G. DOMINGUESLicenciada em Enfermagem

WILSON NOGUEIRALicenciado em Enfermagem

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Uma vez que as Lesões não específi cas decorrentes de um Traumatismo Torácico não são tão visadas pela comunidade cien-tífi ca, achámos pertinente o seu desenvolvi-mento e consequente aprofundamento.

Como objetivos delineámos:• Compreender o conceito de trauma

e quais os mecanismos que lhe estão associados;

• Obter conhecimentos teórico-práticos acerca do Traumatismo Torácico, no-meadamente, as lesões não específi -cas;

• Adquirir competências para a presta-ção de cuidados de enfermagem ao doente com Traumatismo Torácico.

O TRAUMAUrden, Stacy e Lough (2008) entendem

por trauma como sendo uma doença oca-sionada por um agente físico como a energia de radiação, elétrica, química ou mecânica, através do deslocamento de energia sobre um corpo.

Segundo Castro e Aricó (2007), o trauma é resultado da falta de cuidados, de perceção ou distração de outrém, podendo ser inten-cional ou não intencional. Deste modo, esta lesão é a principal causa de morte nos adul-tos jovens e é a terceira causa de morte em todas as idades, mas nunca é demais referir que é uma morte evitável. A prevenção do trauma é de longe a mais barata e o modo mais seguro para o gerir.

Os traumatismos dividem-se em não--penetrante/por impacto e em penetrante. O primeiro é uma lesão em que a pele não apresenta solução de descontinuidade nem há contacto com o ambiente exterior. Apesar da extensão destas lesões não ser tão visí-

vel, elas podem constituir um maior risco de vida, uma vez que é difícil fazer um diagnós-tico defi nitivo. A energia deste tipo de trau-matismo transmite-se em todos os sentidos, pelo que determinados órgãos ou tecidos irrompem ou fazem rotura.

As forças não-penetrantes mais frequen-tes são os acidentes de viação, quedas, des-portos de contacto e agressões.

Quanto ao segundo tipo de traumatismo, o penetrante, Sheehy (2001) refere que este tipo de lesões é “(…) provocada por pene-tração de objetos estranhos em movimento, no corpo.” A energia obtida pelo objeto es-tranho dissipa-se para os tecidos ou zonas circundantes. A mesma autora indica-nos que a avaliação deste tipo de traumatismo depende “(…) do agente responsável pelo fe-rimento, do modo como a energia se dissipa, da distância entre a vítima e a arma e das características dos tecidos atingidos.”

A gravidade das lesões depende da du-ração da exposição, sentido e magnitude da energia aplicada, e da região corporal para a qual a mesma energia é direcionada (Urden et al., 2008: 990). Cerca de 70% das lesões torácicas são causadas por este tipo de trau-matismo.

Anatomia do tóraxO esqueleto da cavidade torácica é cons-

tituído pelo esterno, costelas, as cartilagens costais e vértebras torácicas (fi gura 1) apre-sentando alguma mobilidade para facilitar os movimentos respiratórios.

As costelas ligam-se às vértebras toráci-cas na parte posterior; já na parte anterior, os sete primeiros pares ligam-se diretamente ao esterno; da oitava à décima vértebra, estas ligam-se ao mesmo mas pela fusão da car-tilagem; os dois últimos pares – as fl utuan-

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tes - não possuem ligação anterior (Seeley, Stephens e Tate, 2011). O diafragma consti-tui o bordo inferior do tórax, sendo o bordo superior contínuo às estruturas do pescoço (Sheehy, 2001).

As estruturas internas da caixa torácica são constituídas por órgãos e estruturas dos sistemas respiratório, cardiovascular e gas-trointestinal. As estruturas pulmonares estão situadas no espaço pleural, enquanto que as estruturas cardiovasculares e gastrointesti-nais situam-se no mediastino (cavidade que se encontra entre os dois espaços pleurais).

Lesões não específi casDecorrente do Traumatismo Torácico, po-

dem surgir as seguintes lesões não específi -cas: Lesões Pulmonares; Lesões Cardíacas e dos grandes vasos; e, as Lesões Esofágicas.

Resultante de Lesões Pulmonares, pode surgir Lesão da Laringe. A fratura da laringe não e um problema comum, mas colocam em risco a vida do doente, Khsetry (1994), Lewis (1986) e Pate (1989); cit. por Sheehy (2001). Os mecanismos que originam esta lesão, baseiam-se na aplicação de força na face anterior do pescoço, como em casos de embate contra volante, agressões nesta zona, estrangulamento. A lesão não-penetrante da laringe é sugerida pelo enquadramento histórico do sucedido, no entanto, o doente pode apresentar amolecimento ou crepita-ção localizados. Por vezes torna-se necessá-ria a realização de exames complementares de diagnóstico como a radiografi a lateral aos tecidos moles do pescoço ou mesmo To-mografi a Axial Computadorizada (TAC). Em doentes com difi culdade respiratória grave ou obstrução, está indicada a entubação, caso a mesma seja difi cultada, pode realizar--se traqueotomia, de acordo com American

College of Surgeons (1993) e Wilson (1986); cit. por Sheehy (2001), mas, “regra geral, na Urgência realiza-se cricotirotomia, reservan-do-se a traqueotomia para tratamento cirúr-gico” (Sheehy 2001:322).

Quanto ao tratamento, no caso de trau-matismo penetrante, a intervenção cirúrgica deve ser realizada de imediato. Este trauma-tismo pode vir acompanhado por lesão da carótida ou da veia jugular. Nas lesões por projétil, está associada destruição extensa do pescoço e também deverá ser considerada lesão cervical.

Na Lesão da Traqueia, os mecanismos de lesão assemelham-se aos da laringe, referi-dos anteriormente, podendo ser um trau-matismo penetrante ou não-penetrante. No caso não-penetrante podem ser “subtis ou agudas” (Sheehy 2001:323). O único sinal, por vezes, de uma obstrução parcial é a res-piração ruidosa, enquanto que a ausência de respiração refl ete uma obstrução total. O diagnóstico torna-se ainda mais complicado caso o doente apresente alterações de cons-ciência. A avaliação é feita a partir de bron-coscopia, TAC e laringoscopia. O tratamento passa por entubação ou traqueotomia, em casos mais graves recorre-se a tratamento cirúrgico.

Na Lesão Brônquica, o traumatismo não--penetrante do tórax, segundo Sheehy (2001), tem uma elevada mortalidade devido ao diagnóstico tardio e por vezes inexisten-te. No traumatismo penetrante, em algumas ocasiões, é apenas verifi cada durante a inter-venção cirúrgica realizada por outras razões.

A hemoptose, enfi sema subcutâneo, fer-vores ou crepitações mediastínicos (sinal de Hamman), e pneumotórax de tensão com deslocamento do mediastino, são sinais e sintomas desta lesão. Na sequência do pneu-

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motórax de tensão o doente pode apresen-tar dispneia, taquicardia e poucos ou mesmo nenhuns sons respiratórios, Sheehy (2001).

Baseado em Sheehy (2001), o tratamento passa por suporte das vias aéreas ate à remis-são da infl amação e do edema. Nos doentes em que se verifi que um rasgamento signifi ca-tivo é necessário o tratamento cirúrgico.

Relativamente ao Pneumotórax, esta le-são consiste na acumulação de ar no espa-ço pleural devido ao colapso parcial ou total do pulmão com diminuição da pressão in-trapleural. A lesão pode ter como etiologia, também, o traumatismo penetrante e/ou não-penetrante. A fratura de costelas com laceração dos tecidos do pulmão – trauma-tismo não-penetrante –, é a causa mais co-mum desta lesão.

Como sinais, o doente refere dor no peito e dispneia. A auscultação do pulmão reve-la poucos ou nenhuns sons respiratórios e à precursão, verifi ca-se híper-ressonância. A taquicardia e taquipneia podem estar pre-sentes. Caso o ar se acumule no mediastino podemos verifi car o sinal de Hamman. Os exames radiológicos são importantes para a confi rmação desta lesão.

O tratamento passa pela utilização de um dreno torácico com um sistema subaquático de drenagem uma vez que, assim, há uma aspiração do ar e facilita-se a reexpansão do pulmão. Depois de verifi cada a colocação correta do dreno, o doente deve estar ereto para diminuir a pressão dos órgãos abdomi-nais sobre o diafragma, sendo também reali-zada hiperventilação com oxigénio.

De acordo com Sheehy (2001), o Pneu-motórax pode-se dividir em Pneumotórax Aberto e Pneumotórax de Tensão. No pri-meiro, verifi ca-se esta lesão quando existe uma abertura no tórax de dimensão superior

a dois terços do diâmetro da traqueia. As-sim o ar em vez de entrar pela traqueia, fá--lo pela parede torácica. Esta lesão resulta na sua maioria por traumatismos penetrantes. Quando o doente inspira o ar entra para o tórax, devido à perda de pressão intratoráci-ca, não sendo expelido, consequentemente a pressão aumenta podendo formar-se um pneumotórax de tensão. O doente apresen-ta dor no peito, dispneia, hipotensão, sons respiratórios reduzidos ou ausentes, também é frequente surgirem bolhas de ar em volta da ferida. O tratamento imediato passa pela utilização de um penso oclusivo fi xado em três pontos, permitindo que o ar saia e im-pedindo que este entre durante a inspiração.

O doente deve estar monitorizado para despiste de sinais de pneumotórax de tensão, caso se verifi que, o penso deve ser retirado e aplicado dreno. O tratamento defi nitivo é rea-lizado através de um encerramento cirúrgico.

A mesma autora refere que, no segundo – Pneumotórax de Tensão –, a acumulação de ar num espaço pleural provoca desloca-ção das estruturas para o lado não afetado, implicando risco de vida. O ar entra para a cavidade pleural através da inspiração mas o movimento inverso não se verifi ca com a expiração. Consequentemente as estruturas intratorácicas são comprimidas com a deslo-cação do mediastino. Na auscultação à redu-ção ou mesmo ausência dos sons respirató-rios, e caso o doente esteja vígil, poderá ma-nifestar dor no peito, dispneia. A compres-são do coração provoca disritmia, diminui o enchimento diastólico e o débito cardíaco. O ingurgitamento das veias do pescoço de-corre do defi ciente retorno venoso devido à compressão do coração, mas no caso de hipovolémia concomitante o ingurgitamento não se verifi ca.

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No tratamento imediato deve ser feita a descompressão do lado afetado utilizando--se um cateter de calibre catorze ou dezas-seis. Introduz-se no segundo espaço inter-costal, na linha média da clavícula, ou no 5º espaço intercostal, na linha axilar anterior, no lado afetado. A terapia defi nitiva consiste na entubação torácica (Sheehy, 2001).

O Hemotórax consiste na acumulação de sangue na cavidade pleural resultante de uma hemorragia do parênquima pulmonar, le-são do coração, grandes vasos, e das artérias mamárias internas, no entanto, a causa mais frequente é a lesão das artérias intercostais. Como sinais e sintomas o doente refere dor torácica, apresenta alteração dos sons respi-ratórios, que podem estar diminuídos ou au-sentes, e, no lado afetado, o doente apresenta percussão dura do tórax. No tratamento deve ser realizada hiperventilação com oxigénio, por máscara de não reinspiração, ou em casos graves entubação endotraqueal, linhas intra-venosas de grande calibre para reposição de fl uídos. A drenagem torácica deve ser cuida-dosamente observada, a fi m de se avaliar a necessidade de autotranfusão.

A Contusão Pulmonar verifi ca-se quando o parênquima pulmonar subjacente é lesado provocando edema e hemorragia. As forças de concussão e de compressão são a causa mais comum da contusão pulmonar. “A le-são do parênquima pulmonar provoca rotura e hemorragia para o tecido pulmonar, para os alvéolos e vias aéreas inferior” (Sheehy 2001:326). Esta situação provoca colapso das vias aéreas e perda de ventilação, ori-ginando um shunting pulmonar seguido de hipoxemia. A reação infl amatória resultante difi culta a hematose pulmonar agravando o quadro clínico. Nestas lesões podem estar presentes sinais e sintomas como dispneia,

hemoptise, hipoxia e, por vezes, escoriação ou equimoses da parede torácica. Durante a auscultação o doente pode apresentar sons normais, mas a gasimetria arterial pode reve-lar anomalias.

No tratamento, o doente deve ser posi-cionado em semifowler, de modo a facilitar a reexpansão pulmonar, aspiração e fi siote-rapia torácica. Nas situações em que o doen-te estiver em hipoxia, a contusão pulmonar pode afetar mais de 28% dos pulmões, se-gundo Shehhy (2001:326). Em casos de sinais de choque, fratura de oito ou mais costelas, idade avançada ou doença pulmonar sub-jacente, pode ser necessária a entubação e ventilação mecânica. A administração de fl ui-dos deve ser restrita, a não ser que haja pre-sença de sinais de hipovolémia.

O traumatismo torácico pode provocar, também, Lesões do Diafragma. O não-pene-trante origina “grandes rasgamentos radiais, acompanhados de herniação das estruturas abdominais para o tórax” (Sheehy, 2001:326). A maioria destas lesões ocorre do lado es-querdo, pois o oposto encontra-se protegido pelo fígado. Sinais e sintomas como dispneia, abdominalgias, epigastralgias, com irradiação para o ombro esquerdo (sinal de Kehr), ruídos hidroaéreos na extremidade inferior do tórax e diminuição dos sons respiratórios no lado afetado. A cirurgia de reparação constitui-se como tratamento nestas situações.

As Lesões Cardíacas e dos Grandes Va-sos englobam, de entre outros, as Contusões Cardíacas. “A contusão cardíaca e a sufusão do coração, geralmente resultante de trau-matismo não-penetrante da face anterior do tórax” (Sheehy, 2001:327). Assim, o miocár-dio pode apresentar contusão que se asse-melha ao enfarte do mesmo. Na avaliação por ecocardiograma, em lesões moderadas,

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podem não ser reveladas alterações apesar de estarem presentes disritmias. Em lesões extensas, o mesmo exame poderá revelar sinais de disfunção do miocárdio, (Daleiden, 1994; cit. por Sheehy, 2001).

Os sinais e sintomas de contusão não são específi cos, no entanto, podem estar presen-tes equimoses da face anterior do tórax, dor no peito semelhante à da angina de peito, mas a dor resultante da contusão não res-ponde aos vasos dilatadores, ao contrário da angina de peito.

Através da realização do Eletrocardiogra-ma (ECG), na sua leitura é observável taqui-cardia sinusal, fi brilhação auricular, fl utter au-ricular e contrações ventriculares prematuras. Na observação dos ECGs verifi cam-se, tam-bém, alterações do segmento ST e da onda T, prolongamento do intervalo QT, e bloqueio do ramo fascicular direito. Este exame de diagnóstico é importante pois possibilita a distinção do tipo de patologias reforçando a veracidade do diagnóstico clínico. Disritmias; lesão valvular e rotura; tromboembolismo; e insufi ciência cardíaca congestiva, são con-sequências da contusão cardíaca. “O trata-mento consiste em motorização do doente durante vinte e quatro horas no mínimo” (Sheehy, 2001:327). Os doentes com anoma-lias no ECG devem realizar ecocardiograma e, se apresentarem alterações neste último, devem realizar tratamento sintomático. Por sua vez, aqueles que não apresentam quais-quer alterações no ECG ou que se mante-nham assintomáticos durante vinte e quatro horas, não requerem tratamento.

Nas Lesões Cardíacas Penetrantes, “A maioria das vítimas com lesão cardíaca pe-netrante chega à Urgência em paragem car-díaca, hipotensão signifi cativa na sequência do tamponamento cardíaco ou hemorragia”

(Sheehy, 2001:327). Devido à posição ante-rior do ventrículo direito, este é o maiorita-riamente afetado. A taxa de sobrevivência, segundo esta autora, depende muito do diagnóstico precoce e do tratamento.

Nos doentes que apresentem paragem cardíaca, está indicada a realização imediata de toracotomia na Urgência. No ECG sem al-terações não é necessária avaliação posterior, mas nos casos com alteração, que indiquem tamponamento, aludem para a necessidade de fenestração subxifoideia. “Na exploração subxifoideia positiva está indicada cirur-gia cardíaca, para reparação da anomalia” (Sheehy, 2001:327).

O Tamponamento Cardíaco ocorre com o preenchimento rápido do pericárdio com sangue, havendo, deste modo, uma redução do “enchimento dos ventrículos” (Sheehy, 2001:328), aumentando a pressão exercida no coração. Assim, verifi ca-se uma redução da efi cácia da contração do coração dimi-nuindo, consequentemente, o débito cardía-co. Esta lesão possui um conjunto de sinto-mas clássicos – Tríade de Beck.

A hipotensão deriva da redução do débito cardíaco; os sons cardíacos abafados derivam da capacidade de isolamento do sangue; e o ingurgitamento deve-se há defi ciente capa-cidade do coração em dilatar-se, impedindo o normal retorno venoso. A hipovolémia as-sociada pode difi cultar a manifestação des-tes sintomas. A principal etiologia desta le-são são os traumatismos penetrantes.

A pericardiocentese pode funcionar como meio de diagnóstico mas, nesta situação, existe o risco de lesões secundárias. Esta in-tervenção pode também ser um meio con-temporizador, isto é, através dela melhora-se a função cardíaca ate à realização da cirurgia. Segundo Sheehy (2001) o ECG e a radiografi a

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torácica não são meios de diagnósticos fi á-veis devido às alterações contraditórias nos parâmetros de avaliação. “Certos doentes apresentam frequência anormal, conhecida por alternância elétrica. A deteção precoce e a intervenção rápida são cruciais para a so-brevivência do doente” (Sheehy, 2001:329).

Na Rotura da Aorta, segundo Sheehy (2001:329), a maioria das vítimas morre no local do acidente, sendo poucas as que so-brevivem no percurso até ao hospital. Assim, o diagnóstico precoce e a intervenção cirúr-gica rápida, são extremamente importantes para a sobrevivência pois, segundo a autora, mais de metade vítimas sem tratamento nas primeiras quarenta e oito horas morrem.

O doente refere dor intensa e persistente no peito ou nas omoplatas. Verifi ca-se dispneia e hemoptise. “Se houver perda da integridade da válvula aórtica, ouve-se um sopro sistólico alto, precordial” (Sheehy, 2001:330). Outros sinais são o choque hipovolémico; a diferença abrup-ta nos valores da tensão arterial dos membros superiores; a síndroma de coartação aguda; e nos membros inferiores a perfusão sanguínea está diminuída ou mesmo ausente.

O exame de diagnóstico mais utilizado é a radiografi a torácica aórtica que demonstra uma dilatação mediatínica. O meio mais fi de-digno é o aortograma, mas este revela riscos pois a administração de corante radiopaco pode agravar a lesão, ou até mesmo provo-car uma secção total da aorta.

O tratamento desta lesão consiste na re-paração cirúrgica imediata. Na Urgência, o tratamento passa pela cateterização de veias com cateteres de grande calibre, de forma a repor fl uidos, e pela colheita de sangue para triagem e compatibilidade.

Por último, a Lesão esofágica é rara, mas geralmente é letal. Provoca mediastinite, de-

rivado à contaminação proveniente da saliva e do conteúdo gástrico. “O doente poderá sentir dor e/ou choque, desmesurados para a lesão torácica visível” (Sheehy, 2001:330). O diagnóstico é confi rmado por exames de contraste ou esofagoscopia. O tratamento nestas situações é a reparação cirúrgica.

CONSIDERAÇÕES FINAISAs lesões não específi cas, consequência

do Traumatismo Torácico, são inúmeras e com grandes diferenças entre si. Estas po-dem constituir um risco de vida imediato para a vítima, uma vez que são lesões que acarretam complicações para os órgãos vitais tendo em conta o seu mecanismo de lesão e, nalguns casos, o seu difícil e tardio diagnós-tico. Como tal, o enfermeiro deverá ter um papel ativo na deteção dos sinais e sintomas decorrentes de cada lesão de modo a poder implementar um tratamento o mais precoce-mente possível.

Tendo em conta a escassez de informa-ção sobre esta temática, com a leitura deste artigo, é possível ampliar o leque de conhe-cimentos teórico-práticos, tal como fora de-lineado inicialmente nos objetivos.

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10. A selecção dos artigos a publicar por número depende de critérios da exclusiva responsabilidade da Revista Sinais Vitais e bem assim, a decisão de inclusão do artigo em diferentes locais da revista;

11. Somente se um autor pedir a não publicação do seu artigo antes de este estar já no processo de maquetização, é que fica suspensa a sua publi-cação, não sendo este devolvido;

12. Terão prioridade na publicação os artigos provenientes de autores assinantes da Revista Sinais Vitais.

13. Os trabalhos não publicados não serão devolvidos, podendo ser levantados na sede da Revista.

14. Os trabalhos devem ser enviados para [email protected]