Os serviços jurídicos e o direito da União Europeia

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OS SERVIÇOS JURÍDICOS E O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA Prof. Doutor Miguel Moura e Silva Professor, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigador Principal, CIDEEFF/FDUL (As opiniões expressas são puramente pessoais)

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OS SERVIÇOS JURÍDICOS E O DIREITO DA UNIÃO EUROPEIAProf. Doutor Miguel Moura e Silva Professor, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Investigador Principal, CIDEEFF/FDUL (As opiniões expressas são puramente pessoais)

Miguel Moura e Silva – FDULMiguel Moura e Silva – FDUL

ApresentaçãoI.A proibição de sociedades multidisciplinares e as regras de concorrência: o acórdão Wouters

II.A proibição de sociedades multidisciplinares à luz das regras sobre as liberdades de circulação

III.Conclusões

Miguel Moura e Silva – FDUL

I. A proibição de sociedades multidisciplinares e as regras de

concorrência: o acórdão Wouters

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•Factos:

• A Ordem dos Advogados holandesa aprovou um regulamento em 1993 que proíbe as sociedades multidisciplinares com profissionais que não os das profissões jurídicas (notários, consultores fiscais e agentes de propriedade industrial);

• O advogado holandês Wouters era sócio de uma empresa de consultores fiscais (Arthur Andersen & Co.);

• Wouters pretendia estabelecer-se na Holanda, com a designação Arthur Anderson & Co., advogados e consultores fiscais;

• A Ordem dos Advogados entendeu que devido à colaboração existente entre a Arthur Anderson & Co. e a Arthur Anderson & Co. Accountants (revisores oficiais de contas), a participação de Wouters numa sociedade com a denominação “Arthur Anderson” violava o regulamento de 1993.

• Outro Advogado, Savelbergh, pretendia exercer advocacia no âmbito da filial holandesa da Price Waterhouse (então em processo de fusão com a Coopers), que agrupava consultores fiscais e revisores oficiais de contas;

• Oito Estados-membros apresentaram observações (incluindo Portugal);

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•Problema: como qualificar a medida?

• Medida imputável ao Estado-membro? • Medida imputável a uma associação de empresas?

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Acórdão Wouters (2002)•Regime jurídico distinto:

• Medida estatal: sujeição às regras da concorrência limitada ao cumprimento das obrigações decorrentes da conjugação do atual n.º 3 do artigo 4.º do Tratado da União Europeia com os artigos 101.º e 102.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e às regras sobre liberdade de prestação de serviços e liberdade de estabelecimento: reconhecem a legitimidade de medidas tendentes a proteger interesses públicos imperativos;

• Decisão de associação de empresas: sujeição ao critério substantivo - tem por objetivo ou como efeito restringir a concorrência? Em caso afirmativo, e desde que afete o comércio entre Estados-membros, a medida é abrangida pela proibição do n.º 1 do artigo 101.º do TFUE: nesse caso só pode ser justificada com base no n.º 3 do artigo 101.º do TFUE (que não acolhe razões de public policy) e, à época, com efeitos apenas após a medida em causa ter sido notificada à Comissão (o que não tinha sucedido…).

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•Qualificação do regulamento da Ordem dos Advogados holandesa como “decisão de associação de empresas”: • Os advogados são “empresas” para efeitos das regras de concorrência:

oferecem serviços jurídicos contra remuneração e assumem o risco do exercício da sua actividades;

• A Ordem atua como uma associação de empresas: • Opera como órgão regulador de uma profissão que exerce uma atividade

económica; • Os órgãos dirigentes são compostos e eleitos por advogados, sem

interferência de autoridades nacionais; • Não está sujeita a uma vinculação a estritos critérios de interesse público

(critério do “exercício correto da profissão” é insuficiente, para o TJUE); • O regulamento em causa visa influenciar o comportamento dos membros

da Ordem dos Advogados neerlandesa no mercado dos serviços jurídicos;

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•Qualificação do regulamento da Ordem dos Advogados holandesa como “decisão de associação de empresas”: • O regulamento “constitui a expressão da vontade de representantes

dos membros de uma profissão para que estes últimos adoptem um comportamento determinado no quadro da sua actividade económica” (n.º 64).

• Distinção entre medidas estatais e decisões de associação de empresas: • Para ser uma medida estatal, ao atribuir competências regulamentares

a uma associação profissional, o Estado-Membro deve “definir os critérios de interesse geral e os princípios fundamentais a que a regulamentação aprovada pelas ordens profissionais deve obedecer e de conservar o seu poder de decisão em última instância” (n.º 68);

• Caso contrário, o regulamento é imputável apenas à associação profissional em causa…

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Acórdão Wouters (2002)•O regulamento tem por objetivo ou como efeito restringir a concorrência?

•Wouters e o.: há um objetivo anticoncorrencial: • O regulamento anterior (de 1972) não excluía as sociedades

multidisciplinares com ROCs; • Foi apenas com o primeiro pedido de reconhecimento, em 1991, que

a Ordem alterou as regras: os advogados passam a poder integrar uma sociedade multidisciplinar somente quando “a sua liberdade e a sua independência no exercício da sua profissão, incluindo a defesa do interesse da parte e a relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, que é dela corolário, não possam ser postas em causa”.

• Com o Regulamento de 1993, acresce ainda outro requisito: desde que “a profissão de cada um dos participantes tenha por principal objecto o exercício da prática do direito”;

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•O regulamento tem por objetivo ou como efeito restringir a concorrência?

•Wouters e o.: e também tem efeitos anticoncorrenciais: • As sociedades multidisciplinares respondem melhor às necessidades

dos clientes que atuam num ambiente internacional; • Podem oferecer um conjunto diversificado de serviços jurídicos,

atraindo especialistas com a perspetiva de colaborar numa associação multidisciplinar;

• Complementaridade dos serviços de advogados e de ROCs, oferecidos por um único prestador;

• Medida impede qualquer forma de colaboração eficaz, tendente a obter aqueles benefícios;

• Luxemburgo: • Risco de concentração dos serviços jurídicos nas “Big Five” (à época);

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Wouters (2002)•O regulamento tem por objetivo ou como efeito restringir a concorrência?

•TJUE: Efeitos pró-concorrenciais das sociedades multidisciplinares (a proibição é suscetível de limitar a produção e o desenvolvimento técnico): • Complementaridade e da “one-stop-shop”; • Interesse dos clientes de dimensão internacional; • Economias de escala (e de gama);

• Riscos: • Concentração nas “Big Five” (atualmente, “Big Four”) vs. limite estrutural

para os advogados decorrente do regime dos conflitos de interesses; • Mas a concorrência poderia ser salvaguardada através de medidas

menos restritivas do que uma proibição absoluta; • Por isso, o Regulamento restringe a concorrência.

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Acórdão Wouters (2002)•TJUE: mas é necessário ter em conta o contexto em que a decisão foi tomada ou produziu os seus efeitos, e: • Os seus objetivos - no caso em apreço, “a necessidade de conceber

regras de organização, de qualificação, de deontologia, de controlo e de responsabilidade, que dão a necessária garantia de integridade e experiência aos consumidores finais dos serviços jurídicos e à boa administração da justiça”;

• Os efeitos restritivos: são ou não inerentes à prossecução dos objetivos em causa.

• Esta não é a metodologia seguida no caso de práticas abrangidas pelo artigo 101.º do TFUE… (v. AG Léger, n.ºs 96 e ss.: ou há um argumento económico - e.g informação assimétrica - que justifique o caráter pró-concorrencial da medida ou a justificação com base no interesse público só pode ser acolhida no artigo 106.º, n.º 2 do TFUE).

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Acórdão Wouters (2002)•TJUE:

• Forma como a profissão está organizada: na falta de harmonização ou unificação de legislações, compete a cada Estado regulamentar o exercício da profissão no seu território;

• As regras podem diferir de Estado para Estado: não é intrinsecamente suspeito;

• Obrigações deontológicas da profissão na Holanda: os ROCs não estão sujeitos a exigências comparáveis em termos de independência, conflitos de interesses e sigilo profissional;

• Regulamento: necessário para garantir o bom exercício da profissão de advogado, como organizada na Holanda;

• Análise superficial de proporcionalidade em sentido estrito: não há meios menos restritivos de garantir aquele objetivo e os efeitos restritivos não excedem o necessário para assegurar o correto exercício da profissão de advogado…

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II. A proibição de sociedades multidisciplinares à luz das regras sobre as liberdades

de circulação

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Mercado interno•“O mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições do Tratado” (n.º 2 do artigo 26.º TFUE).

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Liberdade de prestação de serviços•São proibidas as restrições à livre prestação de serviços em relação aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado-membro que não seja o do destinatário da prestação: art. 56.º TFUE;

•Exceções: razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (art. 52.º/1 TFUE, aplicável ex vi art. 62.º TFUE); razões imperiosas de interesse público (TJUE);

Miguel Moura e Silva – FDUL

Liberdade de estabelecimento•São proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-membro no território de outro Estado-membro, incluindo a constituição de agências, sucursais ou filiais: art. 49.º, 1.º parágrafo, do TFUE;

•Exceções: razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (art. 52.º/1 TFUE); razões imperiosas de interesse público (TJUE);

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Liberdades de circulação - Legislação•Prestação de Serviços:

•Diretiva do Conselho n.º 77/249/CEE, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efetivo da livre prestação de serviços pelos advogados;

•Estabelecimento: •Diretiva 98/5/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado-membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional;

•Em ambos os casos, o advogado tem de respeitar as regras profissionais e deontológicas do Estado de acolhimento, sem prejuízo das obrigações a que esteja sujeito no Estado-membro de proveniência;

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Liberdades de circulação - Legislação•Estabelecimento / Prestação de Serviços:

• Diretiva 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 1998, relativa aos serviços no mercado interno;

•Atividades multidisciplinares: artigo 25.º - podem ser impostos requisitos que limitem o exercício conjunto ou em parceria de profissões regulamentadas, • “na medida em que tal se justifique para garantir o respeito das regras deontológicas que variam em função da especificidade de cada profissão e seja necessário para assegurar a sua independência e imparcialidade”;

•Quando autorizem essas atividades conjuntas ou em parceria, os Estados devem assegurar: • A prevenção de conflitos de interesses e incompatibilidades; • A independência e a imparcialidade exigidas por determinadas atividades; • A compatibilidade das regras deontológicas (em especial, segredo profissional) das profissões em causa;

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Liberdades de circulação - Transposição•Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho: limites ao exercício conjunto ou em parceria de profissões regulamentadas: • Artigo 15.º, n.º 2, al. a): quando esses limites sejam necessários para garantir a independência e imparcialidade da profissão e as condições sejam justificadas pelas suas regras deontológicas;

•Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro: • Artigo 27.º: sociedades de profissionais: exercício em conjunto ou em separado com outras profissões - desde que cumprido o regime de incompatibilidades e impedimentos aplicável; cfr. n.º 4. restrições aos outros números deste artigo só com base no exercício de poderes de autoridade pública ou em razões imperiosas de interesse público, ligadas à missão prosseguida pela profissão em causa;

• Artigo 29.º - Incompatibilidades e impedimentos: respeitando a Lei n.º 2/2013 e desde que “sejam proporcionais ao objetivo de garantir a independência, imparcialidade e integridade da profissão e, caso se justifique, o segredo profissional”.

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Acórdão Cipolla (2006)•Regime italiano de fixação dos honorários dos advogados (mínimos e máximos) – a tabela elaborada pelo Conselho Nacional era aprovada pelo Ministro da Justiça;

•No acórdão Arduino (2002), proferido no mesmo dia que o acórdão Wouters, o TJUE considerou que a tabela não violava o artigo 101.º do TFUE, quando conjugado com o artigo 4.º, n.º 3 do TUE;

•Questão: o artigo 56.° TFUE opõe-se a uma regulamentação que proíbe de modo absoluto a derrogação por acordo dos honorários mínimos fixados por uma tabela, para prestações que, por um lado, têm carácter judicial e, por outro, são reservadas aos advogados?

•Acórdão proferido em Grande Secção; Advogado-Geral Poiares Maduro;

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•Tribunal: o artigo 56.º TFUE exige: • a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços estabelecido noutro Estado-Membro em função da sua nacionalidade;

• a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e aos de outros Estados-Membros, quando seja susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos (n.º 56);

•Opõe-se à aplicação de medidas que tenham como efeito tornar a prestação de serviços entre Estados-Membros mais difícil do que a prestação de serviços puramente interna a um Estado-Membro (n.º 57);

Acórdão Cipolla (2006)

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Cipolla (2006)•Tribunal: Proibição de derrogar por acordo os honorários mínimos: “é susceptível de dificultar o acesso dos advogados estabelecidos em Estados-Membros diferentes da República Italiana ao mercado italiano das prestações jurídicas e, por conseguinte, pode restringir o exercício das suas atividades de prestação de serviços neste último Estado-Membro. Consequentemente, essa proibição é uma restrição na acepção do artigo [56.° TFUE].” (n.º 58) • Argumento de “level-playing field": Os advogados instalados em Itália têm maior facilidade de angariar clientela do que os advogados estabelecidos noutro Estado-Membro e estes ficam impedidos de concorrer com os advogados nacionais através da prática de honorários inferiores aos fixados pela tabela (n.º 59);

• Os clientes vêm a sua escolha limitada, uma vez que não podem recorrer aos serviços de advogados estabelecidos noutros Estados-Membros que oferecessem as suas prestações na Itália a um preço mais baixo do que o resultante dos honorários mínimos fixados pela tabela (n.º 60).

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Acórdão Cipolla (2006)•Mas, tratando-se de uma medida indistintamente aplicável, pode ser justificada: “essa proibição pode ser justificada quando responder a razões imperativas de interesse geral, desde que seja adequada a garantir a realização do objectivo que prossegue e não ultrapasse o que é necessário para o atingir” (n.º 61); • Itália: a medida justifica-se por razões de proteção dos consumidores e de boa administração da justiça: Uma concorrência excessiva entre advogados, em particular através dos preços, poderia levar a uma perda de qualidade dos serviços prestados…

• Comissão: não há um nexo de causalidade entre a fixação de honorários mínimos e um nível elevado de qualidade dos serviços profissionais prestados pelos advogados; existem outras medidas que têm um nexo causal com a defesa dos consumidores e a boa administração da justiça (as regras de acesso à profissão de advogado, as regras disciplinares que permitem que sejam respeitadas as regras da deontologia profissional e as regras em matéria de responsabilidade civil).

• TJUE: questão deve ser decidida pelo tribunal nacional…

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Acórdão Comissão c. Itália (2011)•A Comissão Europeia iniciou um processo de incumprimento contra a Itália por considerar a imposição de uma tabela de honorários mínimos e máximos contrária aos artigos 49.º e 56.º do TFUE (por desincentivar os advogados estabelecidos noutros Estados-Membros a estabelecerem-se em Itália ou a aí prestarem temporariamente os seus serviços);

•A Itália adotou um novo regime legal (“decreto Bersani), eliminando a fixação de honorários mínimos e a proibição de acordo quanto a honorários em função do resultado - mas manteve os limites máximos para proteção dos consumidores de serviços jurídicos;

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Acórdão Comissão c. Itália (2011)• Itália:

• A base de fixação dos honorários é o contrato celebrado entre o advogado e o cliente, sendo os limites de aplicação supletiva;

• Lei permite, sem necessidade de parecer prévio da Ordem, que os advogados e respectivos clientes acordem, em processos que apresentem uma importância, complexidade ou dificuldade especial, que os honorários serão elevados até ao dobro do limite máximo, ou mesmo, em matéria penal, até ao quádruplo desse limite;

• Intervenção prévia da Ordem é limitada a casos especialmente complexos;

• Os custos adicionais para os advogados de outros Estados resultam da dupla regulamentação que é ditada pelo regime das diretivas da UE;

• Os advogados podem ser reembolsados das despesas, incluindo as deslocações;

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Comissão c. Itália (2011)•Tribunal:

• Medida indistintamente aplicável: a lei nacional não constitui uma restrição às liberdades de circulação apenas porque outros Estados-membros têm regras menos exigentes ou que são economicamente mais interessantes para os prestadores de serviços estabelecidos no seu território;

• O “mero facto de os advogados estabelecidos noutros Estados-Membros diferentes da República Italiana deverem, para o cálculo dos seus honorários relativos a prestações efectuadas em Itália, cumprir as regras aplicáveis nesse Estado-Membro” (n.º 50);

• Todavia, “existirá uma restrição se os referidos advogados forem privados da possibilidade de entrar no mercado do Estado-Membro de acolhimento em condições de concorrência normais e eficazes” (n.º 51).

Miguel Moura e Silva – FDUL

Acórdão Comissão c. Itália (2011)•Tribunal:

• A Comissão não conseguiu demonstrar que o regime italiano tenha sido concebido “de forma a prejudicar o acesso, em condições de concorrência normais e eficazes, ao mercado italiano dos serviços em causa” (n.º 53).

• O TJUE sublinha a flexibilidade do regime italiano sobre os honorários, com a possibilidade de os aumentar até ao dobro ou mesmo quádruplo do limite máximo, podendo este limite ser ultrapassado se, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, existir uma desproporção manifesta entre os actos do advogado e esses limites máximos; além disso, a lei permite que os advogados celebrem com o cliente um acordo de fixação dos honorários.

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III. Conclusões

Miguel Moura e Silva – FDUL

•Regras de concorrência: não havendo uma renúncia por parte do Estado em causa ao exercício dos seus poderes, a medida não pode ser analisada à luz das regras de concorrência [Acórdão Wouters (2002) (a contrario); Acórdão Arduino (2002); Acórdão Cipolla (2006)];

Proibição de constituição de sociedades multidisciplinares

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•Abrangida pelas proibições dos artigos 49.º e 56.º do TFUE? • Só caso se demonstre que a medida é susceptível de impedir, entravar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde preste legalmente serviços análogos: a proibição de sociedades multidisciplinares dificulta o acesso ao mercado de serviços jurídicos? Priva os advogados da possibilidade de entrar no mercado do Estado-Membro de acolhimento em condições de concorrência normais e eficazes?

• Os argumentos enunciados no caso Wouters indiciam que sim (mas referem-se à análise do objetivo ou efeito anticoncorrencial);

• No caso italiano dos limites máximos aos honorários, existe uma fundamentação bem construída em torno de um objetivo de proteção dos clientes, com uma ponderação do grau de restrição indispensável à prossecução dessa finalidade pública:

• NB: no caso Comissão c. Itália, o TJUE considerou que a Comissão não demonstrou que a medida em causa infringia as liberdades de prestação de serviços e de estabelecimento - assim, não foi necessário considerar a sua eventual justificação por razões imperiosas de interesse público…

Proibição de constituição de sociedades multidisciplinares

Miguel Moura e Silva – FDUL

•Liberdade de prestação de serviços / Liberdade de estabelecimento: • Contudo, uma medida restritiva pode sempre ser justificada por razões imperativas de interesse geral: o acórdão Wouters também fornece elementos favoráveis à justificação (adequação a proteger o interesse geral e proporcionalidade);

•Caveat: •O acórdão Wouters refere-se à situação holandesa em que os ROCs não estavam sujeitos a exigências comparáveis em termos de independência, conflitos de interesses e sigilo profissional…

•O acórdão Comissão c. Itália refere-se a uma medida com um claro fundamento de interesse público, mais liberal que a lei anterior e com uma preocupação em não ser mais restritiva do que o necessário para prosseguir essa finalidade;

•Será esse o caso do futuro regime português? •Uma proibição total com base em receios vagos não parece preencher os requisitos da jurisprudência do TJUE;

•Mesmo no caso de uma autorização com limites, estes carecem de fundamentação à luz dos critérios da Diretiva 2006/123/CE e da jurisprudência do TJUE;

Proibição de constituição de sociedades multidisciplinares

Miguel Moura e Silva – FDULMiguel Moura e Silva – FDUL

Obrigado•Miguel Moura e Silva - Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

•Contactos: • email: [email protected] • Página de autor na SSRN: http://ssrn.com/author=358707

Miguel Moura e Silva – FDUL

Anexos

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Referências•Acórdão do TJUE de 19.2.2002, Proc. C-309/99, Wouters e o. c. Algemene Raad van de Nederlandse Orde van Advocaten, Colet. 2002, p. I-1577.

•Acórdão do TJUE de 19.2.2002, Proc. C-35/99, Arduino, Colet. 2002, p. I-1529.

•Acórdão do TJUE (Grande Secção) de 5.12.2006, Procs. Apensos C-94/04 e C-202/04, Cipolla c. Fazari, Colet. 2006, p. I-2049.

•Acórdão do TJUE (Grande Secção) de 29.3.2011, Proc. C-565/08, Comissão c. Itália, Colet. 2011, p. I-2101.

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Concorrência “excessiva” e qualidade dos serviços no caso das profissões liberais•Sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa de 9.3.2001, Proc. n.º 3/01TYLSB, Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas: • “Há que fazer sentir à CTOC, aos TOC’s em geral e a todos os outros profissionais liberais, com preponderância crescente na economia portuguesa, que os acordos sobre preços não são necessários para garantir a ética, a dignidade profissional, a reputação da profissão em geral, a competência profissional ou a qualidade das prestações. (…)

• A fixação de honorários mínimos não garante de per si a qualidade dos serviços prestados mas antes a inspeção e a responsabilização dos profissionais prevaricadores”.