OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DA REGIÃO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – O...
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OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DAREGIÃO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – O
ASSENTAMENTO DE CÓRREGO RICO (JABOTICABAL-SP) EMQUESTÃO
Fernando Veronezzi Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual
de Maringá[email protected]
RESUMO
A luta de trabalhadores rurais por terra potencializa a modificaçãoda estrutura agrária, concentradora e exploradora, historicamenteobservada no caso brasileiro. Organizações populares exercem umpapel fundamental na busca por condições que promovam acesso digno àterra, por Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa efraterna, no qual, a atuação do MST (Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra), como um dos principais movimentos sociais docampo no Brasil se torna pertinente. Em relação às conquistas dosassentamentos da região norte de São Paulo, a participação desindicatos de trabalhadores rurais também deve ser considerada.Compreender de que maneira ocorreram as conquistas de terra, apartir do empenho de trabalhadores rurais assalariados nessa regiãose torna primordial. É a partir desse contexto que serãoapresentados dados em relação à localização, a área, a quantidade defamílias e os principais produtos agropecuários produzidos pelosassentados dos dezessete assentamentos rurais da regional norte doestado de São Paulo. Esse texto traz ainda uma abordagem sucinta dasconquistas inerentes aos trabalhadores que atualmente compõem oassentamento rural de Córrego Rico, localizado no município deJaboticabal, composto por 47 famílias. As experiências de sucessodos trabalhadores dos assentamentos aqui retratados servem como basepara novas manifestações que visem minimizar as desigualdades econtradições encontradas no meio rural paulista.
Palavras-chave: Assentamentos Rurais, Região norte de São Paulo,Jaboticabal, Reforma Agrária.
ABSTRACT
The struggle of peasants for land enhances the modification of theagrarian structure concentrating and exploitative, historically
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observed in the Brazilian case. Grassroots organizations play a keyrole in the search for conditions that promote decent access toland, agrarian reform and a more just and fraternal society, inwhich the performance of the MST (Movement of Landless RuralWorkers), as a major movements social field in Brazil becomespertinent. Regarding the achievements of the settlements in thenorthern region of São Paulo, the participation of rural workers'unions should also be considered. Understand how the achievementswere ground from the efforts of rural workers employed in thisregion becomes paramount. It is from this context that the data willbe presented regarding the location, the area, the number ofhouseholds and the main agricultural products produced by thesettlers of the seventeen regional rural settlements of the northernstate of São Paulo. This text also contains a summary of theachievements approach inherent to workers who currently make up therural settlement of Córrego Rico, located in Jaboticabal, composedof 47 families. The successful experiences of these workerssettlements depicted herein serve as a basis for new demonstrationsaimed at minimizing inequalities and contradictions found in ruralSão Paulo.
Keywords: Rural Settlements, Northern region of São Paulo,Jaboticabal, Agrarian Reform.
Introdução
Há que se admitir o papel fundamental exercido por
organizações populares na busca por condições justas de acesso
à terra e, dessa maneira, a atuação do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra), como um dos principais
movimentos sociais do campo no Brasil se torna pertinente.
Oliveira (2002, p. 97-98) argumenta que, “as transformações
profundas pelas quais tem passado o campo brasileiro nas
últimas décadas têm gerado um aumento significativo dos
movimentos sociais rurais, em luta pela terra ou por melhores
condições de trabalho”. E assim, o MST possui um papel
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fundamental no que se refere às questões inerentes à luta por
terra no país.
Considera-se que, o MST, é fruto dos contrastes existentes
em relação à expansão/consolidação capitalista no campo
brasileiro (OLIVEIRA, 1994), e surge num contexto de lutas
históricas contra as condições desiguais encontradas no espaço
rural, sendo entendido, como o movimento social do campo que
mais representa o cotidiano da marcha e da luta pela terra no
país (OLIVEIRA, 2001).
Assim, esse texto tem como objetivo apresentar dados gerais
dos assentamentos de reforma agrária situados na regional
norte do estado de São Paulo, e destacar as lutas dos
trabalhadores rurais que proporcionou a conquista dessas áreas
na região em questão. Especificamente, abordaremos também, um
breve histórico em relação ao atual assentamento rural de
Córrego Rico, localizado no município de Jaboticabal (SP).
As informações aqui disponibilizadas puderam ser
organizadas por meio de leituras de artigos e livros que
retratam a temática, bem como a partir da realização de
trabalhos de campo nos assentamentos e entrevistas com os
assentados, além da coleta de dados referentes à produção,
número de famílias assentadas e área territorial no endereço
eletrônico do ITESP (Fundação Instituto de Terras do estado de
São Paulo).
Assentamentos de Reforma Agrária da Regional Norte do Estado
de São Paulo
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Esse tópico apresentará a localização, a área, a quantidade
de famílias e os principais produtos agropecuários produzidos
pelos assentados dos 17 assentamentos rurais da regional norte
do estado de São Paulo1.
Como se pode observar na figura a seguir (Figura 1), os
assentamentos rurais estão localizados nos municípios
representados em verde (subordinados à sede do ITESP, nesse
caso, representada em cinza - Araraquara). Existem municípios
que possuem mais de um assentamento em seus limites
territoriais, como é o caso de Motuca e Araraquara com 4
assentamentos cada um e Colômbia com 2, um assentamento está
situado entre Pradópolis e Guatapará e, Batatais, Bebedouro,
Jaboticabal, Matão, Pitangueiras e Restinga possuem um
assentamento em seus limites (ITESP, 2012).
1 O ITESP organiza o estado de São Paulo em 8 grandes regionais: Norte, Noroeste, Oeste, Sudoeste, Sul, Leste, Sudeste e São Paulo (sede).
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Figura 1 – Assentamentos rurais na região norte do Estado de São Paulo(2012)Fonte: ITESP (2012) Org.: VERONEZZI, F.
De acordo com informações obtidas por meio da realização de
entrevistas com os assentados, os assentamentos rurais dessa
regional foram constituídos por meio de lutas de movimentos
sociais do campo e de sindicatos. O MST teve a participação na
conquista de alguns deles, e sindicatos de trabalhadores
rurais em outros, como no caso do assentamento de Córrego
Rico, em Jaboticabal.
A tabela 1 destaca os municípios onde os assentamentos
estão localizados, o número de famílias e a área territorial
dos mesmos.
Tabela 1 – Número de famílias, localização e área dos
assentamentos da regional norteAssentamento Município Número de
FamíliasÁrea (Emha)
Bela Vista doChibarro
Araraquara 176 3.455,016
Bueno deAndrada
Araraquara 31 472,41
Monte Alegre 3 Araraquara 76 1.099,56Monte Alegre 6 Araraquara 88 1253,94Nossa Terra Batatais 30 239,77Reage Brasil Bebedouro 84 1.296,30Formiga Colômbia 61 1.053 haPerdizes Colômbia 36 1.519,29 Córrego Rico Jaboticabal 47 473,27Silvânia Matão 19 405,40 Monte Alegre 1 Motuca 49 726,00Monte Alegre 2 Motuca 62 857,70Monte Alegre 4 Motuca 49 679,35Monte Alegre 5 Motuca 34 483,76
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Ibitiúva Pitangueiras 43 727,22Guarani Pradópolis/
Guatapará274 4.190,22
Boa Sorte Restinga 159 2.979,07Fonte: ITESP (2013) Org.: VERONEZZI, F
Os dezessete assentamentos em questão estão situados em
onze municípios e concentram 1318 famílias, que organizam sua
produção, conforme pode ser observado nos dados
disponibilizados no quadro que segue (Quadro 1).
Quadro 1- Produção dos assentados da regional norteProdução
Bel Vista do ChibarroAbacate, Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Acerola, Agrião, Alface, Alface estufa, Almeirão, Almeirão de estufa, Arroz sequeiro casca, Banana maçã, Banana nanica, Banana prata, Berinjela, Brócolis, Café coco, Caju, Cana indústria, cheiro verde, chicória, Couve, Couve-flor, Espinafre, Feijão de seca, Feijão das águas, Feijão de porco semente, Jaca, Jiló, Limão, Mamão formosa, Mandioca indústria, Mandioca mesa, Manga, Maracujá, Milho grão safra, Milho verde, Mudas oleícolas, Palha de milho, Pepino, Pimenta, Pimentão, Quiabo, Repolho, Rúcula, Tomate, Vagem, Vagem estufa
Bueno de AndradeAbacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Almeirão, Bananananica, Beterraba, Café beneficiado, Cana indústria,Cenoura, Cheiro verde, chicória, Coco, Couve-flor, Feijãodas águas, Limão, Mandioca indústria, Mandioca mesa, Milhogrão safra, Palha de milho, Quiabo, RúculaMonte Alegre 3Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Alface estufa,Almeirão, Almeirão de estufa, Arroz sequeiro casca,Berinjela, Café, Coco, Cana forrageira, Cana indústria,Caqui, Cheiro verde, Cheiro verde estufa, Chicória, Couve-flor, Feijão da seca, Feijão de porco semente, Jiló,Laranja, Limão, Mamão formosa, Mandioca indústria, Mandiocamesa, Manga, Milho grão safra, Quiabo, Rúcula, Rúculaestufa, VagemMonte Alegre 6Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Alface estufa,
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Almeirão, Arroz sequeiro casca, Banana nanica, Berinjela,Beterraba, Brócolis, Café, Coco, Cana forrageira, Canaindústria, Cenoura, Cheiro verde, Chicória, Couve-flor,Feijão da seca, Feijão das águas, Feijão de corda, Feijãode porco semente, Feijão guandu semente, Jaca, Jiló,Laranja, Limão, Mamona, Mandioca mesa, Manga, Milho grãosafra, Milho verde, Mudas ornamentais, Palha de milho,Pepino, Pimenta, Pimentão, Quiabo, Rabanete, Repolho,Rúcula, VagemNossa TerraLeite e mel*Reage BrasilLeite e mel*FormigaLeite e Mel*Perdizes Leite e Mel*Córrego RicoAbóbora, Abobrinha, Banana Nanica, Berinjela, Café, Goiaba,Laranja, Mandioca, Manga, Maxixe baiano, Milho e Palmitopupunha**SilvâniaLeite e mel*Monte Alegre 1Leite e Mel*Monte Alegre 2Leite e Mel*Monte Alegre 4Leite e mel*Monte Alegre 5Leite e Mel*IbitiúvaLeite e Mel*GuaraniLeite e mel*Boa SorteLeite e Mel*
Fonte: ITESP (2012) Org.: VERONEZZI, F
*Dados disponibilizados no endereço eletrônico do Itesp. É provável quea produção dos assentamentos destacados extrapole o que o órgãocontabilizou e divulgou no endereço eletrônico. **A produção dos assentados de Jaboticabal vai além do disponibilizadona tabela. Existe criação de animais e produção de outras culturas, quevisam o consumo das famílias, conforme pode ser verificado em trabalhosde campo realizados no assentamento entre os anos de 2011 e 2012.
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A diversidade de culturas produzidas pelos assentados é
importante, uma vez que, cada uma delas proporciona ganhos
para os trabalhadores nas diversas épocas do ano. Cabe
mencionar que, além dos produtos destacados na tabela, há uma
variedade de outras culturas que são produzidas no
assentamento, cuja finalidade em alguns casos não é a
comercialização, e sim, o sustento da própria família, a
alimentação dos animais ou ainda a utilização como adubo
orgânico, como é o caso da mucuna.
A seguir, apresentaremos uma síntese da história de lutas e
conquistas dos trabalhadores rurais que formam o assentamento
rural de Córrego Rico, situado no município de Jaboticabal
(SP).
A Conquista do Assentamento Rural de Córrego Rico –
Jaboticabal (SP)
No caso dos trabalhadores do assentamento de Jaboticabal,
os mesmos podem ser entendidos como sujeitos criados pelas
condições de exploração do trabalho degradante na cultura da
cana-de-açúcar, que buscaram uma nova perspectiva de vida no
contexto de luta por terra: a de tornarem-se proprietários,
donos de sua própria força de trabalho.
Descontentes com a situação enquanto trabalhadores rurais
temporários da lavoura canavieira, lutar por terra se tornou
essencial para esses sujeitos. Diante do desemprego ou emprego
temporário, a oportunidade de trabalhar no seu próprio pedaço
de terra, repararia os prejuízos históricos perpassados pela
categoria. A perspectiva de não ter que pagar aluguel (SILVA e
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FERRANTE, 1987), ficar preso ao tempo do relógio e as amarras
dos patrões (FERRANTE, 1994), se tornam elementos que
fomentaram a luta desses trabalhadores.
Segundo informações obtidas por meio das entrevistas
realizadas com representantes do assentamento, os membros do
grupo que deram início à luta para a formação do assentamento
rural de Córrego Rico possuíam um grau de organização interna
elevada. Por meio de discussões acerca da realidade que
passavam, obtiveram progresso em diversas ações das quais se
propuseram, e dentre elas, evidentemente, destaca-se a
conquista da área que hoje localiza-se o assentamento.
A assentada 22 (2012) indica que, organizados por
sindicatos de trabalhadores rurais ligados à FERAESP3
(Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São
Paulo), os trabalhadores deram início ao processo de lutas
para fins de acesso à terra. Essas instituições desempenharam
um papel importante no que se refere à conquista de diversas
áreas para Reforma Agrária por trabalhadores rurais na região.
Dessa forma, o acesso à terra é visto pelos trabalhadores
rurais assalariados como, “[...] um misto de esperanças,
sonhos, lutas e investimento no futuro” (FERRANTE, 1994, p.
102), em que,
2 Optou-se em trabalhar com números para identificar os assentados com o objetivo de preservar a identidade dos mesmos.3Nesse sentido é válido ressaltar conforme pode ser observado nasentrevistas realizadas com os assentados que, os sindicatos ligados àFERAESP organizaram vários trabalhadores a fim de reivindicar terra naregião de Ribeirão Preto e Araraquara, assim, essa instituição podem serentendida como uma das potencializadoras da luta por terra na região.
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[...] a garantia de um trabalho constante comalimentação e moradia [estão] garantidas. ‘Terterra e casa’, ‘não continuar enchendo a barrigado usineiro’, ‘viver menos obrigado, menossujeito’, ‘não ter patrão’, ‘não ter fiscalatrás’, ‘evitar o desemprego’, são algumas dasrepresentações que podem dar conta de comovivenciaram as novas condições de existência(SILVA e FERRANTE, 1987, p. 36).
Tais considerações observadas pelas autoras foram
ressaltadas com frequência no discurso dos trabalhadores do
Córrego Rico. A história dos assentados está intimamente
ligada com outras lutas. Por meio do contato realizado com os
esses sujeitos, verificou-se que, alguns trabalhadores haviam
participado de experiências anteriores, em outras áreas da
região4.
Os assentados contam que era a partir do contato com
lideranças sindicais, que membros do grupo de trabalhadores
que participaram dessas outras ocupações eram informados a
respeito dos momentos mais propícios para a ocupação de áreas
públicas ociosas na região (no caso específico de Jaboticabal,
o Horto Florestal do distrito de Córrego Rico5).
Sabendo da disponibilidade das terras do Horto Florestal do
Córrego Rico, os líderes do grupo que posteriormente iriam dar4Como é o caso da ocupação do Horto Monte Alegre em Araraquara no ano de1985 e Horto Guarani em Pradópolis em 1992, por exemplo, conforme contam osassentados participantes dessas ações.5Os Hortos florestais do estado de São Paulo foram implantados com a finalidade de fornecer madeira para as ferrovias paulistas. Nesses Hortos, eram plantadas árvores de eucaliptos. No caso do Horto Florestal de CórregoRico, considera-se que o mesmo foi criado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro no ano de 1935. Conforme relatado pelos assentados, a madeira retirada da área foi dividida entre os assentados e utilizada para a construção de casas e cercas nos lotes do assentamento
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origem ao assentamento rural de Córrego Rico6, propõem para
algumas famílias, oriundas principalmente do município de
Guariba, e que haviam lutado conjuntamente na greve dos
canaviais no ano de 1984, que ocupassem aquela área para fins
de reforma agrária, fato apreendido por meio do relato da
assentada 3 (2012).
Os assentados revelaram ainda que, os mesmos se organizaram
e, no dia 29 de maio de 1998, acamparam na área do Horto
Florestal do Córrego Rico. Cerca de 60 famílias (número que
cai para 47 devido às desistências durante o período de
acampamento), mantiveram-se acampadas nas proximidades da
rodovia SP-253 (Deputado Cunha Bueno), vivendo em barracos
feitos de lonas e sem infraestrutura sanitária alguma.
Os trabalhadores narram também que, o processo de ocupação,
negociação e transformação da área de acampamento em
assentamento7 durou cerca de seis meses e destacam que na época
das negociações não houve confronto com a polícia e ordem de
despejo das famílias. Segundo eles, todo o processo ocorreu de
maneira pacífica.
6“O assentamento dos lavradores sem terra foi incorporado à políticafundiária do Governo de São Paulo a partir, principalmente, de 1984, com oobjetivo ‘senão de resolver, pelo menos de atenuar os efeitos sociais maisnocivos das distorções da estrutura agrária’. Foi proposto, através daSecretaria de Agricultura, do Instituto de Assuntos Fundiários, umlevantamento das áreas – terras públicas – potencialmente disponíveis àprodução de alimentos – através do qual deveria ser elaborado um Plano deAproveitamento Agrícola de Terras Públicas, no qual dar-se-ia prioridade àimplementação de assentamento. A proposta incide, portanto, na escolha deterras públicas cuja utilização, ainda que não substitua a desapropriaçãopor interesse social, se constitui em um complemento do processo de ReformaAgrária” (SILVA; FERRANTE, 1987, p. 33). 7A transformação da área do Horto Florestal do Córrego Rico para fins deReforma Agrária se deu no governo de Mario Covas, do PSDB (Partido daSocial Democracia Brasileira).
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A localização geográfica e o processo de instalação dasfamílias no Assentamento Rural de Córrego Rico
O assentamento rural de Córrego Rico, conforme pode ser
observado a partir da placa de identificação (Foto 1), é
composto por 47 famílias instaladas em lotes individuais. Além
das famílias beneficiárias, o assentamento conta ainda com 16
agregados8, totalizando 63 famílias, ou ainda, em números
gerais, 255 pessoas.
Foto 1 – Placa de Identificação do AssentamentoFonte: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo (Janeiro de 2012)
A divisão dos lotes aconteceu pelo esforço dos próprios
trabalhadores. Como já estavam acostumados a medir as áreas
das plantações de cana-de-açúcar (a partir das experiências8Os agregados do assentamento são entendidos nesse trabalho como os filhosdos assentados beneficiários que se casaram e continuaram e/ou voltaram amorar com os pais no assentamento. Para classificá-los como tal, foi levadoem consideração àqueles que possuíam uma casa secundária no mesmo lote.
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anteriores como assalariados rurais da lavoura canavieira),
eles mesmos efetuaram o parcelamento da terra antes da chegada
do órgão responsável. Quando o ITESP chegou para a divisão, os
beneficiários já haviam delimitado as áreas dos lotes.
Segundo descreve a assentada 2 (2012), o ITESP e os
assentados consentiram em relação à divisão dos lotes. Não
houve problemas nesse aspecto, já que o órgão governamental
respeitou e concordou com o que havia sido delimitado pelos
assentados e a organização/distribuição dos lotes se deu de
maneira equilibrada, conforme o empenho de cada trabalhador no
que se referiu ao trabalho de limpeza (corte dos eucaliptos) e
medição dos lotes.
Houve consenso na escolha dos lotes, conforme contam os
assentados: os que ficaram com os mais privilegiados, como os
próximos a um curso d’água ou em áreas mais planas,
instalaram-se em lotes com área menor, enquanto que os que
ficaram com os lotes mais distantes da rodovia, sem cursos
d’água ou em terrenos irregulares, eram contemplados com lotes
que possuíam uma área maior. Em suma, a fragmentação da terra
do antigo Horto e a distribuição dos lotes aconteceu sem
problemas entre os assentados.
Para a instalação das famílias nos terrenos foram levados
também em consideração outros quesitos, como por exemplo, quem
possuía uma família maior ou que havia contribuído de maneira
mais intensiva na medição e no preparo da área para a divisão,
ficaria com um determinado lote, com uma extensão um pouco
maior do que aqueles que não participaram desse processo de
organização inicial do território do assentamento.
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A média individual dos lotes é de 7.5 ha e, em relação aos
dados gerais do assentamento, o mesmo é organizado da seguinte
maneira, conforme observado nos dados organizados pelo ITESP
(2003):
-Área total do assentamento: 473,2683 ha (100%);
-Área dos lotes (47): 353,9 ha (74,7%);
-Áreas comunitárias: 1,63 ha (0,3%);
-Reservas: 108,02 ha (22,8%)
-Estradas: 10,07 ha (2,1%)
O assentamento possui água encanada e energia elétrica em
todos os lotes e esses serviços permitem que os assentados
possuam condições de realizar uma produção de cunho comercial.
Uma das primeiras decisões importantes tomadas pelos
integrantes após a instalação do assentamento foi em relação à
quantidade de famílias que deveriam ser instaladas naquela
área. O Estado apresentava um número de famílias menor do que
aquelas que haviam participado da ocupação e, os assentados
negavam a proposta do Governo. Sobre a dificuldade da tomada
de tal decisão, evidencia-se o relato da assentada 2 (2012):
[...] uma decisão importante que a gente teveque tomá que eu lembro, é que aqui, pelo móduloné, pelo módulo fiscal, precisaria ficar 32famílias só, porque os órgãos do governo né, oITESP já veio e falou olha, aqui só cabe 32.Então a gente fez uma assembleia, conversamotudo, e preferimo ficá com um módulo menor, masque coubesse todo mundo, que ninguém fosseembora. E o que aconteceu? Ai foi uma luta, foiuma luta, porque a gente queria que todo mundoficasse. E fomo fazendo assembleia e fomo
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falando que desse jeito não, que se for dessejeito a gente não qué, e acabou acontecendoisso, né, colocô todo mundo (ASSENTADA 2, 2012).
As dificuldades enfrentadas pelos assentados no dia-a-dia
são diversas. Nesse contexto há que se considerar as
inexperiências dos sujeitos enquanto donos da terra. O
trabalho é executado pelos próprios membros da família.
Assim, a fim de minimizar as dificuldades do cotidiano, os
assentados se organizam coletivamente através da Associação de
Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra
Rica”. Por meio dela, os trabalhadores associados se inserem
em projetos governamentais que facilitam financiamentos,
equipamentos para a produção e o escoamento do que é produzido
em seus lotes. Discussões acerca das dificuldades do trabalho
no dia-a-dia das propriedades, questões políticas e culturais,
além de reuniões com fins diversos são realizadas com
frequência entre os associados no barracão da associação.
Assim, “a busca de recriar as condições de vida e trabalho
num espaço novo e, muitas vezes, numa ocupação diferenciada é
importante fator no processo de constituição da identidade dos
assentados” (FERRANTE, 2007, p. 65).
Percebeu-se por meio dos depoimentos, a dificuldade de
alguns trabalhadores com o trato com a terra, e tal situação
pode ser observada no seguinte relato de um dos assentados:
Até hoje tem [...] dificuldade [...]. Hoje,ainda, tem 14 anos depois, ainda tem gente quenão sabe o que fazê. São esses que não dá certono assentamento. Ele é tão viciado a se mandado,que ele não consegue sobrevivê sem se mandado.[...]. Então tem gente que tá acostumado a ser
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mandado, e quando ele consegue a liberdade, elenão consegue se virá. (ASSENTADO 1, 2012).
Nas palavras do entrevistado, destaca-se a dificuldade de
alguns assentados de se acostumarem com a nova vida, com a
liberdade na realização do trabalho no assentamento. Para ele,
alguns não se adaptaram facilmente com a condição de
proprietários rurais, bem como no desenvolvimento dos
trabalhos na sua própria terra e na execução das atividades
sem subordinação, fatores que se tornaram empecilhos para a
manutenção de algumas famílias, que desistiram de continuar
nos lotes.
Essa situação é comprovada a partir do que explica Ferrante
(2007), que, para os assentados, a área do assentamento é um
território que ainda deve ser “domesticado”. Um território
composto por diferentes dificuldades, que assume múltiplas
práticas e experiências e que incorpora ao mesmo tempo, um
espírito de esperança.
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Portanto, cabe salientar que, mesmo após a conquista do
território do assentamento, a maioria dos sujeitos não deixou
de participar e contribuir com outras ocupações e
mobilizações. Nas considerações dos assentados, o Córrego Rico
é um assentamento que não está ligado essencialmente aos
movimentos sociais do campo, como o MST.
Em informações obtidas por meio das entrevistas, os
assentados destacaram que possuem lutas em conjunto com outros
movimentos e/ou organizações de luta por reforma agrária, e
pelo direito das mulheres - OMAQUESP – Organização de Mulheres
Negras e Assentadas do Estado de São Paulo, que possibilitam a
troca de experiências e a busca de soluções para os diversos
problemas encontrados por esses sujeitos no cotidiano das
atividades pertinentes ao campo.
Considerações Finais
Por meio das questões discutidas nesse texto, fica evidente
que a reivindicação por terra é essencial na região. Os
sujeitos prejudicados por um processo histórico de
concentração de terras e exploração da força de trabalho se
tornam agentes fundamentais no que se refere à luta por terra
nesse recorte espacial.
O empenho desses trabalhadores resultou na conquista de
várias áreas que foram destinadas à Reforma Agrárias e, a
instalação desses sujeitos nos assentamentos conquistados, bem
como a organização da produção agropecuária se tornam
realidades importantes a serem consideradas na região norte do
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estado de São Paulo – área caracterizada essencialmente pela
monocultura canavieira.
Para findar essas reflexões, cabe considerar que, ainda há
muito que se fazer para que a reforma agrária ocorra de fato
no país, bem como na região em questão. Mas, é possível
admitir que, as experiências de sucesso desses trabalhadores
dos assentamentos aqui abordados servem como base para novas
manifestações que visem minimizar as desigualdades encontradas
no meio rural paulista, essencialmente nessa região do estado.
Referências
FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Os herdeiros damodernização: grilhões e lutas dos bóias-frias. São Paulo emPerspectiva, São Paulo, v.8, n. 3, p. 93-104. 1994.
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Entrevistas
Assentada 2, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em24/01/2012.
Assentada 3, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em06/02/2012.