OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DA REGIÃO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – O...

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I Simpósio Nacional de Métodos e Técnicas da Geografia e Maringá, 22 a 25 de outubro de 2013 XXII Semana de Geografia p. 000-000 OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DA REGIÃO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – O ASSENTAMENTO DE CÓRREGO RICO (JABOTICABAL-SP) EM QUESTÃO Fernando Veronezzi Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá [email protected] RESUMO A luta de trabalhadores rurais por terra potencializa a modificação da estrutura agrária, concentradora e exploradora, historicamente observada no caso brasileiro. Organizações populares exercem um papel fundamental na busca por condições que promovam acesso digno à terra, por Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa e fraterna, no qual, a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), como um dos principais movimentos sociais do campo no Brasil se torna pertinente. Em relação às conquistas dos assentamentos da região norte de São Paulo, a participação de sindicatos de trabalhadores rurais também deve ser considerada. Compreender de que maneira ocorreram as conquistas de terra, a partir do empenho de trabalhadores rurais assalariados nessa região se torna primordial. É a partir desse contexto que serão apresentados dados em relação à localização, a área, a quantidade de famílias e os principais produtos agropecuários produzidos pelos assentados dos dezessete assentamentos rurais da regional norte do estado de São Paulo. Esse texto traz ainda uma abordagem sucinta das conquistas inerentes aos trabalhadores que atualmente compõem o assentamento rural de Córrego Rico, localizado no município de Jaboticabal, composto por 47 famílias. As experiências de sucesso dos trabalhadores dos assentamentos aqui retratados servem como base para novas manifestações que visem minimizar as desigualdades e contradições encontradas no meio rural paulista. Palavras-chave: Assentamentos Rurais, Região norte de São Paulo, Jaboticabal, Reforma Agrária. ABSTRACT The struggle of peasants for land enhances the modification of the agrarian structure concentrating and exploitative, historically

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OS ASSENTAMENTOS RURAIS DE REFORMA AGRÁRIA DAREGIÃO NORTE DO ESTADO DE SÃO PAULO – O

ASSENTAMENTO DE CÓRREGO RICO (JABOTICABAL-SP) EMQUESTÃO

Fernando Veronezzi Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual

de Maringá[email protected]

RESUMO

A luta de trabalhadores rurais por terra potencializa a modificaçãoda estrutura agrária, concentradora e exploradora, historicamenteobservada no caso brasileiro. Organizações populares exercem umpapel fundamental na busca por condições que promovam acesso digno àterra, por Reforma Agrária e por uma sociedade mais justa efraterna, no qual, a atuação do MST (Movimento dos TrabalhadoresRurais Sem Terra), como um dos principais movimentos sociais docampo no Brasil se torna pertinente. Em relação às conquistas dosassentamentos da região norte de São Paulo, a participação desindicatos de trabalhadores rurais também deve ser considerada.Compreender de que maneira ocorreram as conquistas de terra, apartir do empenho de trabalhadores rurais assalariados nessa regiãose torna primordial. É a partir desse contexto que serãoapresentados dados em relação à localização, a área, a quantidade defamílias e os principais produtos agropecuários produzidos pelosassentados dos dezessete assentamentos rurais da regional norte doestado de São Paulo. Esse texto traz ainda uma abordagem sucinta dasconquistas inerentes aos trabalhadores que atualmente compõem oassentamento rural de Córrego Rico, localizado no município deJaboticabal, composto por 47 famílias. As experiências de sucessodos trabalhadores dos assentamentos aqui retratados servem como basepara novas manifestações que visem minimizar as desigualdades econtradições encontradas no meio rural paulista.

Palavras-chave: Assentamentos Rurais, Região norte de São Paulo,Jaboticabal, Reforma Agrária.

ABSTRACT

The struggle of peasants for land enhances the modification of theagrarian structure concentrating and exploitative, historically

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observed in the Brazilian case. Grassroots organizations play a keyrole in the search for conditions that promote decent access toland, agrarian reform and a more just and fraternal society, inwhich the performance of the MST (Movement of Landless RuralWorkers), as a major movements social field in Brazil becomespertinent. Regarding the achievements of the settlements in thenorthern region of São Paulo, the participation of rural workers'unions should also be considered. Understand how the achievementswere ground from the efforts of rural workers employed in thisregion becomes paramount. It is from this context that the data willbe presented regarding the location, the area, the number ofhouseholds and the main agricultural products produced by thesettlers of the seventeen regional rural settlements of the northernstate of São Paulo. This text also contains a summary of theachievements approach inherent to workers who currently make up therural settlement of Córrego Rico, located in Jaboticabal, composedof 47 families. The successful experiences of these workerssettlements depicted herein serve as a basis for new demonstrationsaimed at minimizing inequalities and contradictions found in ruralSão Paulo.

Keywords: Rural Settlements, Northern region of São Paulo,Jaboticabal, Agrarian Reform.

Introdução

Há que se admitir o papel fundamental exercido por

organizações populares na busca por condições justas de acesso

à terra e, dessa maneira, a atuação do MST (Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra), como um dos principais

movimentos sociais do campo no Brasil se torna pertinente.

Oliveira (2002, p. 97-98) argumenta que, “as transformações

profundas pelas quais tem passado o campo brasileiro nas

últimas décadas têm gerado um aumento significativo dos

movimentos sociais rurais, em luta pela terra ou por melhores

condições de trabalho”. E assim, o MST possui um papel

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fundamental no que se refere às questões inerentes à luta por

terra no país.

Considera-se que, o MST, é fruto dos contrastes existentes

em relação à expansão/consolidação capitalista no campo

brasileiro (OLIVEIRA, 1994), e surge num contexto de lutas

históricas contra as condições desiguais encontradas no espaço

rural, sendo entendido, como o movimento social do campo que

mais representa o cotidiano da marcha e da luta pela terra no

país (OLIVEIRA, 2001).

Assim, esse texto tem como objetivo apresentar dados gerais

dos assentamentos de reforma agrária situados na regional

norte do estado de São Paulo, e destacar as lutas dos

trabalhadores rurais que proporcionou a conquista dessas áreas

na região em questão. Especificamente, abordaremos também, um

breve histórico em relação ao atual assentamento rural de

Córrego Rico, localizado no município de Jaboticabal (SP).

As informações aqui disponibilizadas puderam ser

organizadas por meio de leituras de artigos e livros que

retratam a temática, bem como a partir da realização de

trabalhos de campo nos assentamentos e entrevistas com os

assentados, além da coleta de dados referentes à produção,

número de famílias assentadas e área territorial no endereço

eletrônico do ITESP (Fundação Instituto de Terras do estado de

São Paulo).

Assentamentos de Reforma Agrária da Regional Norte do Estado

de São Paulo

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Esse tópico apresentará a localização, a área, a quantidade

de famílias e os principais produtos agropecuários produzidos

pelos assentados dos 17 assentamentos rurais da regional norte

do estado de São Paulo1.

Como se pode observar na figura a seguir (Figura 1), os

assentamentos rurais estão localizados nos municípios

representados em verde (subordinados à sede do ITESP, nesse

caso, representada em cinza - Araraquara). Existem municípios

que possuem mais de um assentamento em seus limites

territoriais, como é o caso de Motuca e Araraquara com 4

assentamentos cada um e Colômbia com 2, um assentamento está

situado entre Pradópolis e Guatapará e, Batatais, Bebedouro,

Jaboticabal, Matão, Pitangueiras e Restinga possuem um

assentamento em seus limites (ITESP, 2012).

1 O ITESP organiza o estado de São Paulo em 8 grandes regionais: Norte, Noroeste, Oeste, Sudoeste, Sul, Leste, Sudeste e São Paulo (sede).

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Figura 1 – Assentamentos rurais na região norte do Estado de São Paulo(2012)Fonte: ITESP (2012) Org.: VERONEZZI, F.

De acordo com informações obtidas por meio da realização de

entrevistas com os assentados, os assentamentos rurais dessa

regional foram constituídos por meio de lutas de movimentos

sociais do campo e de sindicatos. O MST teve a participação na

conquista de alguns deles, e sindicatos de trabalhadores

rurais em outros, como no caso do assentamento de Córrego

Rico, em Jaboticabal.

A tabela 1 destaca os municípios onde os assentamentos

estão localizados, o número de famílias e a área territorial

dos mesmos.

Tabela 1 – Número de famílias, localização e área dos

assentamentos da regional norteAssentamento Município Número de

FamíliasÁrea (Emha)

Bela Vista doChibarro

Araraquara 176 3.455,016

Bueno deAndrada

Araraquara 31 472,41

Monte Alegre 3 Araraquara 76 1.099,56Monte Alegre 6 Araraquara 88 1253,94Nossa Terra Batatais 30 239,77Reage Brasil Bebedouro 84 1.296,30Formiga Colômbia 61 1.053 haPerdizes Colômbia 36 1.519,29 Córrego Rico Jaboticabal 47 473,27Silvânia Matão 19 405,40 Monte Alegre 1 Motuca 49 726,00Monte Alegre 2 Motuca 62 857,70Monte Alegre 4 Motuca 49 679,35Monte Alegre 5 Motuca 34 483,76

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Ibitiúva Pitangueiras 43 727,22Guarani Pradópolis/

Guatapará274 4.190,22

Boa Sorte Restinga 159 2.979,07Fonte: ITESP (2013) Org.: VERONEZZI, F

Os dezessete assentamentos em questão estão situados em

onze municípios e concentram 1318 famílias, que organizam sua

produção, conforme pode ser observado nos dados

disponibilizados no quadro que segue (Quadro 1).

Quadro 1- Produção dos assentados da regional norteProdução

Bel Vista do ChibarroAbacate, Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Acerola, Agrião, Alface, Alface estufa, Almeirão, Almeirão de estufa, Arroz sequeiro casca, Banana maçã, Banana nanica, Banana prata, Berinjela, Brócolis, Café coco, Caju, Cana indústria, cheiro verde, chicória, Couve, Couve-flor, Espinafre, Feijão de seca, Feijão das águas, Feijão de porco semente, Jaca, Jiló, Limão, Mamão formosa, Mandioca indústria, Mandioca mesa, Manga, Maracujá, Milho grão safra, Milho verde, Mudas oleícolas, Palha de milho, Pepino, Pimenta, Pimentão, Quiabo, Repolho, Rúcula, Tomate, Vagem, Vagem estufa

Bueno de AndradeAbacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Almeirão, Bananananica, Beterraba, Café beneficiado, Cana indústria,Cenoura, Cheiro verde, chicória, Coco, Couve-flor, Feijãodas águas, Limão, Mandioca indústria, Mandioca mesa, Milhogrão safra, Palha de milho, Quiabo, RúculaMonte Alegre 3Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Alface estufa,Almeirão, Almeirão de estufa, Arroz sequeiro casca,Berinjela, Café, Coco, Cana forrageira, Cana indústria,Caqui, Cheiro verde, Cheiro verde estufa, Chicória, Couve-flor, Feijão da seca, Feijão de porco semente, Jiló,Laranja, Limão, Mamão formosa, Mandioca indústria, Mandiocamesa, Manga, Milho grão safra, Quiabo, Rúcula, Rúculaestufa, VagemMonte Alegre 6Abacaxi, Abóbora, Abobrinha, Alface, Alface estufa,

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Almeirão, Arroz sequeiro casca, Banana nanica, Berinjela,Beterraba, Brócolis, Café, Coco, Cana forrageira, Canaindústria, Cenoura, Cheiro verde, Chicória, Couve-flor,Feijão da seca, Feijão das águas, Feijão de corda, Feijãode porco semente, Feijão guandu semente, Jaca, Jiló,Laranja, Limão, Mamona, Mandioca mesa, Manga, Milho grãosafra, Milho verde, Mudas ornamentais, Palha de milho,Pepino, Pimenta, Pimentão, Quiabo, Rabanete, Repolho,Rúcula, VagemNossa TerraLeite e mel*Reage BrasilLeite e mel*FormigaLeite e Mel*Perdizes Leite e Mel*Córrego RicoAbóbora, Abobrinha, Banana Nanica, Berinjela, Café, Goiaba,Laranja, Mandioca, Manga, Maxixe baiano, Milho e Palmitopupunha**SilvâniaLeite e mel*Monte Alegre 1Leite e Mel*Monte Alegre 2Leite e Mel*Monte Alegre 4Leite e mel*Monte Alegre 5Leite e Mel*IbitiúvaLeite e Mel*GuaraniLeite e mel*Boa SorteLeite e Mel*

Fonte: ITESP (2012) Org.: VERONEZZI, F

*Dados disponibilizados no endereço eletrônico do Itesp. É provável quea produção dos assentamentos destacados extrapole o que o órgãocontabilizou e divulgou no endereço eletrônico. **A produção dos assentados de Jaboticabal vai além do disponibilizadona tabela. Existe criação de animais e produção de outras culturas, quevisam o consumo das famílias, conforme pode ser verificado em trabalhosde campo realizados no assentamento entre os anos de 2011 e 2012.

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A diversidade de culturas produzidas pelos assentados é

importante, uma vez que, cada uma delas proporciona ganhos

para os trabalhadores nas diversas épocas do ano. Cabe

mencionar que, além dos produtos destacados na tabela, há uma

variedade de outras culturas que são produzidas no

assentamento, cuja finalidade em alguns casos não é a

comercialização, e sim, o sustento da própria família, a

alimentação dos animais ou ainda a utilização como adubo

orgânico, como é o caso da mucuna.

A seguir, apresentaremos uma síntese da história de lutas e

conquistas dos trabalhadores rurais que formam o assentamento

rural de Córrego Rico, situado no município de Jaboticabal

(SP).

A Conquista do Assentamento Rural de Córrego Rico –

Jaboticabal (SP)

No caso dos trabalhadores do assentamento de Jaboticabal,

os mesmos podem ser entendidos como sujeitos criados pelas

condições de exploração do trabalho degradante na cultura da

cana-de-açúcar, que buscaram uma nova perspectiva de vida no

contexto de luta por terra: a de tornarem-se proprietários,

donos de sua própria força de trabalho.

Descontentes com a situação enquanto trabalhadores rurais

temporários da lavoura canavieira, lutar por terra se tornou

essencial para esses sujeitos. Diante do desemprego ou emprego

temporário, a oportunidade de trabalhar no seu próprio pedaço

de terra, repararia os prejuízos históricos perpassados pela

categoria. A perspectiva de não ter que pagar aluguel (SILVA e

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FERRANTE, 1987), ficar preso ao tempo do relógio e as amarras

dos patrões (FERRANTE, 1994), se tornam elementos que

fomentaram a luta desses trabalhadores.

Segundo informações obtidas por meio das entrevistas

realizadas com representantes do assentamento, os membros do

grupo que deram início à luta para a formação do assentamento

rural de Córrego Rico possuíam um grau de organização interna

elevada. Por meio de discussões acerca da realidade que

passavam, obtiveram progresso em diversas ações das quais se

propuseram, e dentre elas, evidentemente, destaca-se a

conquista da área que hoje localiza-se o assentamento.

A assentada 22 (2012) indica que, organizados por

sindicatos de trabalhadores rurais ligados à FERAESP3

(Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São

Paulo), os trabalhadores deram início ao processo de lutas

para fins de acesso à terra. Essas instituições desempenharam

um papel importante no que se refere à conquista de diversas

áreas para Reforma Agrária por trabalhadores rurais na região.

Dessa forma, o acesso à terra é visto pelos trabalhadores

rurais assalariados como, “[...] um misto de esperanças,

sonhos, lutas e investimento no futuro” (FERRANTE, 1994, p.

102), em que,

2 Optou-se em trabalhar com números para identificar os assentados com o objetivo de preservar a identidade dos mesmos.3Nesse sentido é válido ressaltar conforme pode ser observado nasentrevistas realizadas com os assentados que, os sindicatos ligados àFERAESP organizaram vários trabalhadores a fim de reivindicar terra naregião de Ribeirão Preto e Araraquara, assim, essa instituição podem serentendida como uma das potencializadoras da luta por terra na região.

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[...] a garantia de um trabalho constante comalimentação e moradia [estão] garantidas. ‘Terterra e casa’, ‘não continuar enchendo a barrigado usineiro’, ‘viver menos obrigado, menossujeito’, ‘não ter patrão’, ‘não ter fiscalatrás’, ‘evitar o desemprego’, são algumas dasrepresentações que podem dar conta de comovivenciaram as novas condições de existência(SILVA e FERRANTE, 1987, p. 36).

Tais considerações observadas pelas autoras foram

ressaltadas com frequência no discurso dos trabalhadores do

Córrego Rico. A história dos assentados está intimamente

ligada com outras lutas. Por meio do contato realizado com os

esses sujeitos, verificou-se que, alguns trabalhadores haviam

participado de experiências anteriores, em outras áreas da

região4.

Os assentados contam que era a partir do contato com

lideranças sindicais, que membros do grupo de trabalhadores

que participaram dessas outras ocupações eram informados a

respeito dos momentos mais propícios para a ocupação de áreas

públicas ociosas na região (no caso específico de Jaboticabal,

o Horto Florestal do distrito de Córrego Rico5).

Sabendo da disponibilidade das terras do Horto Florestal do

Córrego Rico, os líderes do grupo que posteriormente iriam dar4Como é o caso da ocupação do Horto Monte Alegre em Araraquara no ano de1985 e Horto Guarani em Pradópolis em 1992, por exemplo, conforme contam osassentados participantes dessas ações.5Os Hortos florestais do estado de São Paulo foram implantados com a finalidade de fornecer madeira para as ferrovias paulistas. Nesses Hortos, eram plantadas árvores de eucaliptos. No caso do Horto Florestal de CórregoRico, considera-se que o mesmo foi criado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro no ano de 1935. Conforme relatado pelos assentados, a madeira retirada da área foi dividida entre os assentados e utilizada para a construção de casas e cercas nos lotes do assentamento

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origem ao assentamento rural de Córrego Rico6, propõem para

algumas famílias, oriundas principalmente do município de

Guariba, e que haviam lutado conjuntamente na greve dos

canaviais no ano de 1984, que ocupassem aquela área para fins

de reforma agrária, fato apreendido por meio do relato da

assentada 3 (2012).

Os assentados revelaram ainda que, os mesmos se organizaram

e, no dia 29 de maio de 1998, acamparam na área do Horto

Florestal do Córrego Rico. Cerca de 60 famílias (número que

cai para 47 devido às desistências durante o período de

acampamento), mantiveram-se acampadas nas proximidades da

rodovia SP-253 (Deputado Cunha Bueno), vivendo em barracos

feitos de lonas e sem infraestrutura sanitária alguma.

Os trabalhadores narram também que, o processo de ocupação,

negociação e transformação da área de acampamento em

assentamento7 durou cerca de seis meses e destacam que na época

das negociações não houve confronto com a polícia e ordem de

despejo das famílias. Segundo eles, todo o processo ocorreu de

maneira pacífica.

6“O assentamento dos lavradores sem terra foi incorporado à políticafundiária do Governo de São Paulo a partir, principalmente, de 1984, com oobjetivo ‘senão de resolver, pelo menos de atenuar os efeitos sociais maisnocivos das distorções da estrutura agrária’. Foi proposto, através daSecretaria de Agricultura, do Instituto de Assuntos Fundiários, umlevantamento das áreas – terras públicas – potencialmente disponíveis àprodução de alimentos – através do qual deveria ser elaborado um Plano deAproveitamento Agrícola de Terras Públicas, no qual dar-se-ia prioridade àimplementação de assentamento. A proposta incide, portanto, na escolha deterras públicas cuja utilização, ainda que não substitua a desapropriaçãopor interesse social, se constitui em um complemento do processo de ReformaAgrária” (SILVA; FERRANTE, 1987, p. 33). 7A transformação da área do Horto Florestal do Córrego Rico para fins deReforma Agrária se deu no governo de Mario Covas, do PSDB (Partido daSocial Democracia Brasileira).

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A localização geográfica e o processo de instalação dasfamílias no Assentamento Rural de Córrego Rico

O assentamento rural de Córrego Rico, conforme pode ser

observado a partir da placa de identificação (Foto 1), é

composto por 47 famílias instaladas em lotes individuais. Além

das famílias beneficiárias, o assentamento conta ainda com 16

agregados8, totalizando 63 famílias, ou ainda, em números

gerais, 255 pessoas.

Foto 1 – Placa de Identificação do AssentamentoFonte: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo (Janeiro de 2012)

A divisão dos lotes aconteceu pelo esforço dos próprios

trabalhadores. Como já estavam acostumados a medir as áreas

das plantações de cana-de-açúcar (a partir das experiências8Os agregados do assentamento são entendidos nesse trabalho como os filhosdos assentados beneficiários que se casaram e continuaram e/ou voltaram amorar com os pais no assentamento. Para classificá-los como tal, foi levadoem consideração àqueles que possuíam uma casa secundária no mesmo lote.

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anteriores como assalariados rurais da lavoura canavieira),

eles mesmos efetuaram o parcelamento da terra antes da chegada

do órgão responsável. Quando o ITESP chegou para a divisão, os

beneficiários já haviam delimitado as áreas dos lotes.

Segundo descreve a assentada 2 (2012), o ITESP e os

assentados consentiram em relação à divisão dos lotes. Não

houve problemas nesse aspecto, já que o órgão governamental

respeitou e concordou com o que havia sido delimitado pelos

assentados e a organização/distribuição dos lotes se deu de

maneira equilibrada, conforme o empenho de cada trabalhador no

que se referiu ao trabalho de limpeza (corte dos eucaliptos) e

medição dos lotes.

Houve consenso na escolha dos lotes, conforme contam os

assentados: os que ficaram com os mais privilegiados, como os

próximos a um curso d’água ou em áreas mais planas,

instalaram-se em lotes com área menor, enquanto que os que

ficaram com os lotes mais distantes da rodovia, sem cursos

d’água ou em terrenos irregulares, eram contemplados com lotes

que possuíam uma área maior. Em suma, a fragmentação da terra

do antigo Horto e a distribuição dos lotes aconteceu sem

problemas entre os assentados.

Para a instalação das famílias nos terrenos foram levados

também em consideração outros quesitos, como por exemplo, quem

possuía uma família maior ou que havia contribuído de maneira

mais intensiva na medição e no preparo da área para a divisão,

ficaria com um determinado lote, com uma extensão um pouco

maior do que aqueles que não participaram desse processo de

organização inicial do território do assentamento.

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A média individual dos lotes é de 7.5 ha e, em relação aos

dados gerais do assentamento, o mesmo é organizado da seguinte

maneira, conforme observado nos dados organizados pelo ITESP

(2003):

-Área total do assentamento: 473,2683 ha (100%);

-Área dos lotes (47): 353,9 ha (74,7%);

-Áreas comunitárias: 1,63 ha (0,3%);

-Reservas: 108,02 ha (22,8%)

-Estradas: 10,07 ha (2,1%)

O assentamento possui água encanada e energia elétrica em

todos os lotes e esses serviços permitem que os assentados

possuam condições de realizar uma produção de cunho comercial.

Uma das primeiras decisões importantes tomadas pelos

integrantes após a instalação do assentamento foi em relação à

quantidade de famílias que deveriam ser instaladas naquela

área. O Estado apresentava um número de famílias menor do que

aquelas que haviam participado da ocupação e, os assentados

negavam a proposta do Governo. Sobre a dificuldade da tomada

de tal decisão, evidencia-se o relato da assentada 2 (2012):

[...] uma decisão importante que a gente teveque tomá que eu lembro, é que aqui, pelo móduloné, pelo módulo fiscal, precisaria ficar 32famílias só, porque os órgãos do governo né, oITESP já veio e falou olha, aqui só cabe 32.Então a gente fez uma assembleia, conversamotudo, e preferimo ficá com um módulo menor, masque coubesse todo mundo, que ninguém fosseembora. E o que aconteceu? Ai foi uma luta, foiuma luta, porque a gente queria que todo mundoficasse. E fomo fazendo assembleia e fomo

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falando que desse jeito não, que se for dessejeito a gente não qué, e acabou acontecendoisso, né, colocô todo mundo (ASSENTADA 2, 2012).

As dificuldades enfrentadas pelos assentados no dia-a-dia

são diversas. Nesse contexto há que se considerar as

inexperiências dos sujeitos enquanto donos da terra. O

trabalho é executado pelos próprios membros da família.

Assim, a fim de minimizar as dificuldades do cotidiano, os

assentados se organizam coletivamente através da Associação de

Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra

Rica”. Por meio dela, os trabalhadores associados se inserem

em projetos governamentais que facilitam financiamentos,

equipamentos para a produção e o escoamento do que é produzido

em seus lotes. Discussões acerca das dificuldades do trabalho

no dia-a-dia das propriedades, questões políticas e culturais,

além de reuniões com fins diversos são realizadas com

frequência entre os associados no barracão da associação.

Assim, “a busca de recriar as condições de vida e trabalho

num espaço novo e, muitas vezes, numa ocupação diferenciada é

importante fator no processo de constituição da identidade dos

assentados” (FERRANTE, 2007, p. 65).

Percebeu-se por meio dos depoimentos, a dificuldade de

alguns trabalhadores com o trato com a terra, e tal situação

pode ser observada no seguinte relato de um dos assentados:

Até hoje tem [...] dificuldade [...]. Hoje,ainda, tem 14 anos depois, ainda tem gente quenão sabe o que fazê. São esses que não dá certono assentamento. Ele é tão viciado a se mandado,que ele não consegue sobrevivê sem se mandado.[...]. Então tem gente que tá acostumado a ser

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mandado, e quando ele consegue a liberdade, elenão consegue se virá. (ASSENTADO 1, 2012).

Nas palavras do entrevistado, destaca-se a dificuldade de

alguns assentados de se acostumarem com a nova vida, com a

liberdade na realização do trabalho no assentamento. Para ele,

alguns não se adaptaram facilmente com a condição de

proprietários rurais, bem como no desenvolvimento dos

trabalhos na sua própria terra e na execução das atividades

sem subordinação, fatores que se tornaram empecilhos para a

manutenção de algumas famílias, que desistiram de continuar

nos lotes.

Essa situação é comprovada a partir do que explica Ferrante

(2007), que, para os assentados, a área do assentamento é um

território que ainda deve ser “domesticado”. Um território

composto por diferentes dificuldades, que assume múltiplas

práticas e experiências e que incorpora ao mesmo tempo, um

espírito de esperança.

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Portanto, cabe salientar que, mesmo após a conquista do

território do assentamento, a maioria dos sujeitos não deixou

de participar e contribuir com outras ocupações e

mobilizações. Nas considerações dos assentados, o Córrego Rico

é um assentamento que não está ligado essencialmente aos

movimentos sociais do campo, como o MST.

Em informações obtidas por meio das entrevistas, os

assentados destacaram que possuem lutas em conjunto com outros

movimentos e/ou organizações de luta por reforma agrária, e

pelo direito das mulheres - OMAQUESP – Organização de Mulheres

Negras e Assentadas do Estado de São Paulo, que possibilitam a

troca de experiências e a busca de soluções para os diversos

problemas encontrados por esses sujeitos no cotidiano das

atividades pertinentes ao campo.

Considerações Finais

Por meio das questões discutidas nesse texto, fica evidente

que a reivindicação por terra é essencial na região. Os

sujeitos prejudicados por um processo histórico de

concentração de terras e exploração da força de trabalho se

tornam agentes fundamentais no que se refere à luta por terra

nesse recorte espacial.

O empenho desses trabalhadores resultou na conquista de

várias áreas que foram destinadas à Reforma Agrárias e, a

instalação desses sujeitos nos assentamentos conquistados, bem

como a organização da produção agropecuária se tornam

realidades importantes a serem consideradas na região norte do

I Simpósio Nacional de Métodos e Técnicas da Geografia e Maringá, 22 a 25 de outubro de 2013XXII Semana de Geografiap. 000-000

estado de São Paulo – área caracterizada essencialmente pela

monocultura canavieira.

Para findar essas reflexões, cabe considerar que, ainda há

muito que se fazer para que a reforma agrária ocorra de fato

no país, bem como na região em questão. Mas, é possível

admitir que, as experiências de sucesso desses trabalhadores

dos assentamentos aqui abordados servem como base para novas

manifestações que visem minimizar as desigualdades encontradas

no meio rural paulista, essencialmente nessa região do estado.

Referências

FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Os herdeiros damodernização: grilhões e lutas dos bóias-frias. São Paulo emPerspectiva, São Paulo, v.8, n. 3, p. 93-104. 1994.

FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Assentamentos no territórioda cana: controvérsias em cena. Revista NERA, PresidentePrudente, ano 10, n. 11, p. 61-80, jul-dez. 2007.

ITESP. Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo.Mapa do Assentamento, 2003.

ITESP. Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo.Localização dos Assentamentos em São Paulo. Disponível em:<http://www.itesp.sp.gov.br/itesp/mapa.aspx>. Acesso em: 23 denovembro de 2012.

ITESP. Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo.Assentamentos Rurais, 2013.

OLIVEIRA. Ariovaldo Umbelino de. O campo brasileiro no finaldos anos 80. In: STÉDILE, João. P. A questão agrária hoje. 2ºEdição. Editora da UFRGS, 1994. 45-67.

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OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Geografia agrária e astransformações territoriais recentes no campo brasileiro. In:CARLOS, Ana F. A (Org). Novos Caminhos da Geografia. SãoPaulo: Editora Contexto, 2002.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes; FERRANTE, Vera LúciaSilveira Botta. Roupa Nova para um velho sonho: assentamentosde trabalhadores rurais e reforma agrária. São Paulo emPerspectiva, São Paulo, ano 1, n. 3, p. 32-40, out-dez, 1987.

Entrevistas

Assentada 2, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em24/01/2012.

Assentada 3, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em06/02/2012.