A Reforma Agrária Eco-socialista do séc. XXI: Projetos de Assentamento Ambientalmente Diferenciados
O movimento grevista dos assalariados da lavoura canavieira e a luta por terra: Compreendendo o caso...
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O movimento grevista dos assalariados da lavoura canavieira e aluta por terra: Compreendendo o caso do Assentamento Rural de
Córrego Rico- Jaboticabal – SP
The strike of employees of sugarcane production and the struggle for land:Understanding the case of the Rural Settlement Córrego Rico-Jaboticabal - SP
Fernando Veronezzi (Programa de Pós-Graduação em Geografia daUniversidade Estadual de Maringá)
Resumo
A difícil realidade dos trabalhadores rurais assalariados dalavoura canavieira no interior paulista promoveu uma série demanifestações com a finalidade de buscar melhores condições detrabalho e vida. É nesse panorama que se destaca a greve deGuariba no ano de 1984, considerada como uma das mais expressivas,e que permitiu ganhos reais para essa categoria de trabalhadores.Dentre as conquistas profissionais, como melhores salários, avolta do corte de cana para cinco leiras ao invés de sete,transporte gratuito e de qualidade, disponibilidade deequipamentos de trabalho e proteção individual fornecido pelospróprios usineiros, dentre outros, o engajamento desses sujeitosna luta por terra, é um outro resultado claro do conteúdo dessemovimento social. Assim, dos diversos casos de conquistas deterras por ex-trabalhadores assalariados da cana na região daGreve, este trabalho abordará o caso do Assentamento de CórregoRico, situado no município de Jaboticabal, região nordeste doestado de São Paulo. Composto por sujeitos oriundos do movimentogrevista de Guariba, o território do Assentamento é uma área ondeos assentados desenvolvem seu trabalho livremente, sem asimposições amargadas anteriormente enquanto assalariados.
Palavras-chave; Trabalhadores rurais, Assentamento Córrego Rico, Manifestação de Guariba.
Abstract
The difficult reality of the rural workers employed in sugarcaneplantations in the interior of São Paulo resulted in a sequence ofmanifestations ordering better living and working conditions. It’sin this viewpoint that Guariba strike stands, in 1984, consideredone of the most expressive strikes, which allowed a lot of severalgains for these workers category. Among the professionalachievements like better wages, the return of the cutting cane for
five streets instead of seven streets, free and quality shipping,availability of working equipment and personal protection providedby mill owners, among others, the engagement of workers instruggles for lands, stands out as other important result of thisstrike. Thus, from the several cases of lands conquests bysugarcane ex- employee workers in the region of the strike, thispaper aims the specific case of Rural Settlement of Córrego Rico,located in Jaboticabal, northeastern state of São Paulo. Compoundby individuals from Guariba strike, the settlement territory is anarea where the settlers develop their work freely, without havingto deal with enforcement situations, like those ones previouslydescribed, while sugarcane employees.
Key-words: Rural workers, Rural Settlement of Córrego Rico, Guariba Manifestation, Sugarcane.
Introdução
A região de Ribeirão Preto, interior do estado de São Paulo, é
considerada uma das mais dinâmicas do país, e por isso é
caracterizada a partir dos altos investimentos tecnológicos e pela
presença dos complexos agroindustriais mais modernos no que se
refere à lavoura canavieira. Porém, essas aplicações não se
resultam em melhoras nas condições de vida dos trabalhadores
rurais. A modernização se dá principalmente nas técnicas do que
nas condições sociais e, muitas vezes, a utilização de aparatos
tecnológicos fomenta mais a degradação social dos sujeitos do que
revertem benefícios para os trabalhadores (ANDRADE, 1994).
Silva (2008) concorda com Andrade (1994) e complementa a ideia
ao explicar que, pode-se,
[...] estabelecer uma relação entre, de um lado, oavanço científico, tecnológico, lucros exponenciais e,de outro, o rebaixamento do preço da força de trabalho,o aumento da precariedade das condições de trabalho e de
moradia, dos níveis de intensificação da exploração e doaviltamento dos direitos trabalhistas e humanos (SILVA,2008, p. 41).
O crescente grau de modernização da agricultura paulista, em
especial a da cultura canavieira na região, está intimamente
ligado às mudanças nas relações de trabalho. Com a modernização, a
força de trabalho assalariada, seja ela temporária ou permanente,
se constitui na principal relação empregatícia estabelecida no
campo paulista (ALVES, 1993).
Para o trato da cultura canavieira são necessários muitos
trabalhadores, que são contratados, em sua grande maioria, sob o
regime temporário, utilizados principalmente, em épocas de
colheita (BACCARIN, 1985).
Considerando o perfil desses trabalhadores, Graziano da Silva
(1982) os define como sendo pessoas que prestam serviços em
diversas fazendas e em períodos descontínuos. Indica que, algumas
vezes, alternam os trabalhados temporários no campo, com os das
cidades.
Assim, o trabalhador rural assalariado temporário é entendido
a partir do,
processo de liberação de mão-de-obra, por efeito dosistema capitalista de produção no campo, ele éreabsorvido como mão-de-obra mais barata econsequentemente mais vantajosa para acumulação docapital. A sua participação no processo de produção sefaz, portanto, através da depreciação dos salários ou dovalor pago à força de trabalho. Este fato o leva avivenciar uma situação de extrema miserabilidade que sereflete, no nível de seu subjetivo, como um estado deconstante insatisfação com o status quo e expectativapermanente de melhores condições de vida (D’INCÃO eMELLO, 1976, p. 136, grifo da autora).
É na superexploração da força do trabalho e diversos outros
fatores que, nascem os movimentos grevistas que se alastraram pelo
interior do estado de São Paulo na década de 80. Nesse caso,
levar-se-á em consideração a manifestação de trabalhadores rurais
ocorrida no município de Guariba no ano de 1984. A partir dessa
manifestação, a sociedade pode evidenciar as duras condições de
trabalho e de exploração as quais estavam expostos os
trabalhadores da cana.
E assim, Ferrarante (1994, p. 97) demonstra que, “o dia-a-dia
dos boias-frias – sujeitos até então relegados do descaso do
Estado e da sociedade civil e invisíveis no interior das
estatísticas – passa a ser divulgado”.
Deste modo, esse trabalho tem como objetivo compreender o
conjunto de reivindicações dos trabalhadores rurais assalariados
de Guariba, e seus principais desdobramentos, dentre eles, a luta
pela terra, o qual se destaca, a conquista por um grupo de ex-
assalariados da lavoura canavieira (participantes da manifestação
de Guariba em 1984) da área que atualmente compreende o
Assentamento de Córrego Rico, situado no munícipio de Jaboticabal,
região nordeste do estado de São Paulo.
As considerações aqui expostas fazem parte de uma dissertação
de mestrado na área de Geografia Agrária e que está sendo
desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Geografia da
Universidade Estadual de Maringá. Portanto, o conteúdo organizado
nesse texto é apenas uma reflexão sobre um dos demais temas que
contribuem para o entendimento do objeto e dos sujeitos de
pesquisa.
Para a obtenção desses resultados, a realização de entrevistas
semiestruturadas1, trabalhos de campo e leituras de artigos e
livros que abordam a temática foram elementos essenciais para a
construção desse texto.
As inquietações dos assalariados da lavoura canavieira e o
início da manifestação: Guariba, maio de 1984
As insatisfações dos trabalhadores assalariados temporários da
região de Guariba iniciaram-se no ano de 1983. Nesse ano, os
usineiros, principalmente os da região de Jaboticabal, Araraquara
e Ribeirão Preto, resolveram alterar o sistema de corte de cana de
cinco para sete leiras. Esse novo sistema traria benefícios
inegáveis aos usineiros2, mas por outro lado, os prejuízos para os
trabalhadores eram imensos (GEBARA; BACCARIN, 1984).
Os mesmos autores, a partir de relatos de diversos
trabalhadores, destacam a queda na produtividade do trabalho com a
inserção desse novo sistema. Segundo eles, na safra de 1982, cada
trabalhador chegava a cortar 150 metros de cana durante um dia de
trabalho e, na safra de 1983, a produtividade de cada trabalhador
não ultrapassava os 90 metros (GEBARA; BACCARIN, 1984).
1Segundo Colognese e Mélo (1998, p. 144) nesse tipo de entrevista, “[...]a formulação da maioria das perguntas prevista com antecedência e sualocalização é provisoriamente determinada. O entrevistador tem umaparticipação [...] ativa [...], embora ele deva observar um roteiro maisou menos preciso e ordenado de questões. Contudo, apesar de observar umroteiro, o entrevistador pode fazer perguntas adicionais para elucidarquestões ou ajudar a recompor o contexto”.2Os autores revelam que, “[...] as usinas organizadamente impuseram amudança para sete ruas sem levar em conta os anseios e as necessidades daclasse trabalhadora. Não se preocupavam com as consequências aostrabalhadores; chegaram mesmo a divulgar, contrariando todas asevidências, que o novo sistema de corte por 7 ruas aumentava o rendimentodo trabalhador” (GEBARA; BACCARIN, 1984, p. 54).
Essa mudança no sistema de corte foi um dos pontos cruciais
que fez culminar a manifestação dos assalariados rurais de Guariba
em 1984. E, em relação a esse contexto,
era previsível, pois a vida do trabalhador [...] édifícil demais, o ganho muito baixo [...], não háfiscalização do Ministério do Trabalho.Há um esforço sobre-humano para trabalhar, sem comer. Ascondições do trabalho são péssimas. E por cima, no anopassado as usinas impuseram um novo castigo: o eito de 7ruas no corte de cana. Só faltava o estopim (JORNALREALIDADE RURAL, 1984, apud OLIVERIA, 1984)
Além disso, há que se considerar também, conforme indica
Oliveira (1999) que a manifestação em Guariba nada mais foi do que
um basta dos trabalhadores às explorações as quais lhes eram
impostas pelos empresários canavieiros. Considerara ainda a
questão do Estado que, segundo o autor, inerte perante a situação
de miserabilidade dos trabalhadores, praticava a cobrança de
impostos altíssimos nas contas de água3 e energia, o que contribuiu
na revolta dos trabalhadores, que recebiam baixos salários. Assim,
a manifestação foi uma sublevação dos trabalhadores contra os
abusos por eles sofridos cotidianamente, tanto pelo Estado quanto
pelos usineiros.
Cabe ressaltar ainda, conforme Alves (1993), que a greve foi a
principal forma empregada pelos trabalhadores rurais assalariados
a fim de buscar melhores condições e dignidade profissional.
Iniciou-se, assim, no dia 14 de maio de 1984, uma das maiores
manifestações de trabalhadores rurais da cana até então3Cerca de dois mil trabalhadores em greve, saíram em passeata pela cidadede Guariba, no dia 15 de maio de 1984, protestando contra, além dosabusos dos empresários da cana, as altas taxas cobradas pela Sabesp(Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o que motivou,naquele mesmo dia na depredação do prédio da Companhia (PENTEADO, 2000).
registradas no interior paulista: Guariba tornou-se palco de uma
Greve que marca a história dessa categoria de trabalhadores.
Segundo conta Penteado (2000), a manifestação inicia-se a
partir dos trabalhadores da cana da Fazenda São Bento, que
fornecia matéria-prima à Usina São Martinho. Um trabalhador
começou a gritar para que os trabalhadores parassem imediatamente
de trabalhar e, que os mesmos só retornassem às atividades quando
os patrões voltassem a aplicar o sistema do ano anterior (1983),
de 5 leiras e pagassem melhores salários. Mulheres escreveram em
seus aventais a frase: “queremos cinco ‘ruas’ e melhores salários”
(PENTEADO, 2000, p. 28).
Alguns trabalhadores partiram em busca de mais pessoas para
aderirem ao movimento. Andaram pelos canaviais a fim de abarcar um
maior número de trabalhadores para os protestos. Efetuaram uma
assembleia no próprio canavial: decidiram que não voltariam ao
trabalho naquele dia e, que no dia seguinte, parariam um número
maior de “caminhões de turma” para conseguirem o apoio de um maior
contingente de trabalhadores (PENTEADO, 2000).
Os trabalhadores da cana tinham como pauta para a realização
da manifestação, 14 reivindicações (PENTEADO, 2000). Colocaram na
lista de reclamações, a não utilização de máquinas em lugares onde
havia cana boa, como no caso de terrenos mais planos (já que era
uma situação comum entre as usinas), pois o que lhes restava eram
os piores lugares para trabalhar, como terrenos íngremes;
recusaram-se a aceitar o sistema de sete leiras; buscaram soluções
contra os altos preços dos serviços urbanos e da alimentação
(FERRARANTE, 1994).
A manifestação dos trabalhadores assalariados do campo
extrapolou área rural e se propagou para a área urbana. A cidade
de Guariba tornou-se território para os manifestantes expressarem
suas realidades e insatisfações.
Havia uma intensa movimentação policial por toda a cidade e
nas principais vias de acesso ao município, mas mesmo assim, os
trabalhadores não se acuaram perante a essa situação e os
protestos continuaram. Houve confronto entre as duas forças, o que
resultou em inúmeros trabalhadores rurais e militares feridos, bem
como na morte de um aposentado4 (PENTEADO, 2000).
Pode-se então compreender que,
[...] o medo de uma desordem social obrigou o governorecém empossado do Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro a interferir no movimento, salvaguardando apropriedade privada. [...]A ação do governo peemedebista não se limitou à mediaçãoentre capital e trabalho. [...] a violência da PolíciaMilitar do Estado de São Paulo contra os trabalhadoresda cana foi uma forma encontrada pelas autoridadesestaduais para preservar a propriedade privada. Na épocados conflitos, foi cunhada a expressão ‘cassetetedemocrático’, via pela qual o governo peemedebistatentou conter o movimento Grevista de maio de 1984 emGuariba e região (PENTEADO, 2000, p. 58).
Na difusão das manifestações pelo interior do estado de São
Paulo, iniciou-se o processo de reconhecimento do “[...] grito dos
trabalhadores [que passaram] a ser o eco detonador da situação de
miséria e exploração enfrentada pelos bóias-frias e a enunciar a
possibilidade de gestão de um projeto político contestador [...]”
(SILVA; FERRARANTE, 1987, p. 34).
4Penteado (2000, p. 52) com base na documentação oficial por elaanalisada indica que “[...] não há evidencia de que o disparo que matou otrabalhador aposentado tenha partido de uma das armas dos policiais ouque ela tenha sido disparada por um dos sublevados. Conforme os relatosdos trabalhadores [...], poderemos apenas ter como certo que os policiaisdispararam suas armas contra a multidão agitada [...]”.
Diversos meios de comunicação regional, nacional e
internacional, passaram a publicar a realidade vivida por essa
categoria de trabalhadores. A manifestação de Guariba de 1984 pode
ser observada como uma demonstração social na qual as
reivindicações dos trabalhadores rurais ganhou visibilidade pela
sociedade como um todo, já que por meio dessa luta, os
trabalhadores revelaram para a população suas cruéis realidades de
exploração do trabalho a que eram obrigados a se dedicar.
As manifestações ocorridas nos canaviais se alastraram pelos
laranjais de Bebedouro (PENTEADO, 2000), município conhecido como
“a Capital Nacional da Laranja”, situado a aproximadamente 60 km
de Guariba. Assim, a figura (Figura 1) demonstra a área da região
onde ocorreram as principais manifestações.
Figura 1– Principais manifestações dos trabalhadores da cana e dalaranja
Fonte: Oliveira, 1984
A luta dos trabalhadores da cana iniciada em Guariba
repercutiu por várias regiões do Estado. Assim, “Guariba explodiu
e, como um rastro de pólvora, as agitações se espalharam por
várias regiões canavieiras do interior do Estado de São Paulo
[...]” (PENTEADO, 2000, p. 69).
Desse modo, a figura (Figura 2) apresenta os diversos
municípios para onde se propagaram as manifestações dos
trabalhadores rurais (não só os da cultura canavieira - inclui-se
nas categorias, os apanhadores de laranja e demais culturas),
destacando-se os acontecimentos de Guariba e Bebedouro.
Figura 2 – Greves dos canaviais e laranjais ocorridas no mês demaio de 1984 no interior do Estado de São PauloFonte: Oliveira, 1984
Os movimentos dos trabalhadores rurais assalariados de Guariba
e Bebebouro representaram um marco fundamental na luta da
categoria. Há de considerar que, na gestação das manifestações não
houve a participação de entidades sindicais ou outras
instituições. As demonstrações de insatisfação emanaram das
próprias inquietações dos trabalhadores, no próprio canavial e a
paralisação em Guariba teve grande abrangência, não só em nível
regional: a Manifestação mostrou o poder de mobilização desses
sujeitos (BACCARIN, 1985).
Frente ao descontentamento dos trabalhadores em relação
austeridade dos patrões para com suas reivindicações, no dia 15 de
maio, alguns cortadores ateiaram fogo nos canaviais. Com essa
atitude, conseguiram fazer com que os empresários se reunissem
pela primeira vez a fim de discutir a situação (PENTEADO, 2000).
Até o ano de 1983 eram marcadas discussões entre sindicatos e
empresários do campo, porém, os patrões não compareciam nas mesas
de negociações, conta Nobukuni5.
Ao revelar dados da proporção da manifestação de Guariba,
Penteado (2000) indica que no dia 16 de maio de 1984, a produção
da grande maioria das usinas da região de Ribeirão Preto parou por
falta de matéria-prima, pois o apoio dos trabalhadores às
reivindicações foi grande e chegou a congregar 10 mil
trabalhadores manifestantes somente no município de Guariba.
Gebara e Baccarin (1984) destacam o poder de mobilização, a
força dos trabalhadores em busca de melhoras e sintetizam os
ganhos da Manifestação de Guariba: os empresários tiveram que
pensar sobre suas imposições em relação aos trabalhadores e firmar
acordos com a categoria.
Além dos resultados, como a volta do corte para 5 leiras,
melhoras nas condições de trabalho, transporte gratuito e de
qualidade e disponibilização de remédios para os trabalhadores, há
se de considerar também a criação de sindicatos em municípios onde
ainda não havia essa representatividade da categoria, como é o
caso de Guariba, por exemplo.
A partir da mobilização emanada naquela manifestação, muitos
líderes surgiram no bojo das lutas, a fim de suscitar a reflexão
aos trabalhadores sobre as condições exploratórias às quais
5O entrevistado possui amplo conhecimento à respeito das questões ligadasao campo. Foi trabalhador rural parceiro e assalariado. Além disso, fazparte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal desde 1983,naquela época como Secretário Geral. Atualmente desempenha a função depresidente do mesmo Sindicato.
estavam submetidos no trabalho na lavoura canavieira e dentre
elas, a luta por terra se tornou um objetivo.
A questão que envolve a luta por terra pelos trabalhadores
rurais da cana pode ser exemplificada a partir do que indica
Graziano da Silva (1982, p.31), que considera que, “a
reivindicação por um pedaço de terra para plantar pode ser
entendida como decorrentes das dificuldades no processo de
ajustamento à condição de proletário”.
Ferrarante (1994, p. 103) por sua vez indica que a luta dos
cortadores de cana por um pedaço de terra “[...] pode ser a busca
de uma saída diante de um presente de privações”.
Os sujeitos de luta, criados pelas condições de exploração do
trabalho degradante na cultura da cana, buscavam uma nova
perspectiva de vida, a de tornarem-se proprietários de terras,
donos de sua própria força de trabalho. Lutas ocorreram durante
vários anos: manifestações e ocupações aconteceram durante o
período que vai do fim da Greve de Guariba (1984), até a ocupação
e conquista do Horto Florestal de Córrego Rico (1998) – atual
Assentamento Córrego Rico em Jaboticabal.
Resultados e Discussão;
O Assentamento Rural de Córrego Rico, uma conquista dos ex-assalariados da lavoura canavieira
Alguns líderes do grupo de ex-trabalhadores rurais,
participantes da manifestação de Guariba iriam dar origem ao
processo de luta para a conquista do Assentamento Rural de Córrego
Rico. Esses sujeitos propuseram para algumas famílias, oriundas
também do município de Guariba, que ocupassem a área do Antigo
Horto Florestal de Córrego Rico,, para fins de reforma agrária.
Organizados pela Feraesp (Federação dos empregados rurais
assalariados do estado de São Paulo) ficam sabendo da
disponibilidade dessa área no distrito de Jaboticabal (Figura 3) e
prepararam um grupo de famílias com o objetivo de ocupar a o
Horto, destacam os assentados.
Figura 3 – Representação da localização do município de Jaboticabalno Estado de São PauloFonte: São Paulo – Fundação Sistema Estadual de Análise de dados –Servidor de Mapas
Por meio de entrevistas, os assentados revelaram que, os
mesmos se organizaram e, inevitavelmente, no dia 29 de maio de
1998, acamparam na área do Horto do Córrego Rico. Cerca de 60
famílias (número que cai para 47 devido às desistências durante o
período de acampamento), mantiveram-se acampadas nas proximidades
da rodovia SP-253 (Deputado Cunha Bueno), vivendo em barracos
feitos de lonas e sem infraestrutura sanitária alguma.
Expõem também que, o processo de ocupação, negociação e
transformação da área de acampamento em assentamento durou cerca
de seis meses e, destacam que na época das negociações não houve
confronto com a polícia ou ordem de despejo das famílias, segundo
eles, todo a ação ocorreu pacificamente e as famílias puderam
iniciar o processo de entrada na terra.
O Assentamento Córrego Rico (Foto 1) é dessa forma, composto
por 47 famílias instaladas em lotes individuais. Além das famílias
beneficiárias, o assentamento conta ainda com 16 agregados6,
totalizando 63 famílias, ou ainda, em números totais, 255 pessoas.
Foto 1 – Placa de identificação do AssentamentoFoto: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo
6Os agregados do ACR são entendidos nesse trabalho como os filhos dosassentados beneficiários que se casaram e continuaram e/ou voltaram amorar com os pais no Assentamento. Para classificá-los como tal, foilevado em consideração àqueles que possuíam uma casa secundária no mesmolote.
A média individual dos lotes é de 7.5 ha e, em relação aos
dados gerais do assentamento, o mesmo é organizado da seguinte
maneira, conforme observado nos dados do Itesp, 2003:
-Área total do Assentamento: 473,2683 ha (100%);
-Área dos lotes (47): 353,9 ha (74,7%);
-Áreas Comunitárias: 1,63 ha (0,3%);
-Reservas: 108,02 ha (22,8%)
-Estradas: 10,07 ha (2,1%)
Tratando-se da produção dos assentados, ela se desenvolve de
maneira variada: milho, mandioca, abóbora, goiaba e manga estão
entre as principais culturas produzidas no assentamento. Porém,
ainda há a presença de laranja, quiabo, café, limão, laranja,
maxixe, dentre outros. Há que se considerar também, a criação de
animais de pequeno porte dos quais suínos e aves possuem maior
expressividade.
Os assentados se organizam coletivamente através de uma
Associação, denominada Associação de Produtores de Agricultura
Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”. Por meio dela, os
assentados associados se inserem de maneira mais fácil em projetos
governamentais que facilitam financiamentos, equipamentos para a
produção e o escoamento do que é produzido em seus lotes.
Discussões acerca das dificuldades do dia-a-dia das propriedades,
questões politicas e culturais, além de reuniões com fins diversos
são realizadas com frequência entre os associados na sede da
Associação, localizada no próprio assentamento (Foto 2).
Foto 2- Sede da Associação de Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”Foto: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo
A “Terra Rica” é, dessa maneira, uma associação civil sem fins
lucrativos e tem como sede um barracão no lote 43 do assentamento.
A fundação dessa instituição ocorreu em 24 de junho de 2001 e
contou com 39 sócios fundadores, que naquele ano representava 82%
dos assentados. Em 2011, na renovação do estatuto social, o número
de associados passou para 46, representando mais de 97% das
famílias assentadas no Córrego Rico, conforme consta nesse
documento (A TERRA RICA, 2011).
Segundo o estatuto social, os objetivos da associação são: a
prestação de serviços que possam contribuir com o fomento e
racionalização das atividades agropecuárias e a defesa das
atividades econômicas, sociais, ambientais e culturais de seus
associados (A TERRA RICA, 2011).
A Associação “A Terra Rica” possui um papel importante para os
assentados. É a partir dela que ocorrem discussões, reuniões e
assembleias, elaboração de planos e projetos coletivos, além de
cursos que envolvem questões pertinentes à realidade do
Assentamento, contam os assentados.
Mesmo com a instituição da associação e da busca pela solução
coletiva dos problemas, ainda é possível perceber a dificuldade de
alguns sujeitos para com o trato com a terra. Tal situação pode
ser observada no seguinte relato de um dos assentados:
Até hoje tem [...] dificuldade [...]. Hoje, ainda, 14anos depois, ainda tem gente que não sabe o que fazê.São esses que não dá certo no assentamento. Ele é tãoviciado a se mandado, que ele não consegue sobrevivê semse mandado. [...]. Então tem gente que tá acostumado aser mandado, e quando ele consegue a liberdade, ele nãoconsegue se virá. (ASSENTADO 1, 2012).
Nas palavras do entrevistado, destaca-se a dificuldade de
alguns assentados em se acostumarem com a nova vida, com a
liberdade, conforme ele mesmo indica. Para ele, alguns não se
adaptaram facilmente com a condição de proprietários rurais, de
desenvolver trabalhos na sua própria terra e executar as
atividades sem ser subordinado a outras pessoas, e isso se tornou
um empecilho para a manutenção de alguns. Devido a esses fatos
houve a desistência de algumas famílias em continuar nos lotes.
Tal situação é comprovada a partir do que explica Ferrarante
(2007), segundo ela, para os assentados, a área do assentamento é
um território que ainda deve ser “domesticado”. Um território
composto por inúmeras dificuldades, que assume múltiplas práticas
e experiências e que incorpora ao mesmo tempo, um espírito de
esperança. A autora ainda destaca que,
as trajetórias desses sujeitos ora os individualizam,ora os aproximam. A gestão do território do assentamentoe seus projetos de desenvolvimento do ponto de vista daconstituição de um novo modo de vida envolve um conjuntocomplexo de relações (FERRARANTE, 2007, p. 64).
Após a conquista do território do assentamento, a maioria dos
sujeitos da luta não deixou de participar e contribuir com outras
ocupações e mobilizações. Vários sujeitos participam de outras
organizações e entidades, que dentre elas podemos citar a Omaquesp
(Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São
Paulo), a Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do
estado de São Paulo), o STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais)
de Jaboticabal e inclusive, possuem lutas em conjunto com o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), relatam os
assentados.
Porém, é importante ressaltar que, como a Feraesp teve um
papel importante no que se refere a organização desses sujeitos em
luta por Reforma Agrária, conforme indicam os assentados em suas
afirmações, é a bandeira dessa Federação que os mesmos levantam em
suas ações, não estando ligados essencialmente a outros movimentos
ou organizações sociais e/ou sindicais.
Mesmo com os diversos problemas enfrentados pelos
assentados, a luta foi válida e vários são os benefícios
adquiridos nesse modo de vida. Tal situação pode ser observada a
partir do relato de um dos assentados que indica que,
Se você vê o que eu consegui aqui durante esses 14 ano,trabaiando na cidade não ia compra nada de terra, eu nãoconseguiria, não me arrependo de ter vindo. Se eu nãotivesse vindo e tivesse uma possibilidade de vim euviria hoje, o que eu conheci aumento meu conhecimento,minha liberdade. Tem trabalho que foi realizado aqui coma gente e que foi pro mundo inteiro. Então, se eu nuncativesse participado disso, eu não conheceria lutarcontra as injustiças, eu quero me defende delas. Eu nacidade, não dormia direito, pensano no amanha, onde éque eu ia trabaia, o que é que eu ia faze. Hoje é aocontrario, hoje eu durmo pensano no que eu vo faze comcerteza, por que ninguém manda em mim. A minhaindependência é 100% aqui no assentamento. (ASSENTADO 1,2012).
Portanto, há de se considerar que desde a luta inicial em
Guariba, até a conquista do Assentamento Rural de Córrego Rico
foram incessantes batalhas travadas a fim de buscar melhoras nas
condições de vida. Os resultados são percebidos a partir do atual
modo de vida dos assentados, donos de sua própria força de
trabalho e libertos das imposições de sua antiga profissão.
Considerações Finais
O conteúdo do trabalho exercido pelos assalariados da lavoura
canavieira é extremamente degradante e esses sujeitos estão
submissos a condições de trabalho deploráveis. Sendo assim, o
movimento grevista que emanou em meados da década de 1980
justifica-se devido ao grau de exploração sofrido pela categoria.
Dessa maneira, a greve de Guariba no ano de 1984 possui um
papel importante e pode ser considerada como um marco no que se
refere às inquietações e manifestações dessa categoria de
trabalhadores. Foi a partir dela que a sociedade como um todo
passou a reconhecer as duras jornadas de trabalho e diversas
outras situações sub-humanas as quais estavam submetidos os
assalariados da cana.
Várias foram as conquistas pós-Guariba e dentre elas, a
conscientização de sujeitos engajados na luta por Reforma Agrária
é uma delas. A organização de alguns membros do movimento grevista
de Guariba resultou na conquista da área em que hoje se situa o
Assentamento Rural de Córrego Rico. Nesse território, os sujeitos
podem desenvolver seus trabalhos livremente, como donos da terra e
da sua própria força de trabalho. Para os assentados, as lutas não
ficaram apenas na lembrança. Ainda hoje continuam atuantes e em
busca de melhores condições de vida, trabalhando para isso, em
conjunto com outros companheiros.
Referências
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Entrevistas
Paulo Nobukuni, presidente do STR (Sindicato dos TrabalhadoresRurais) de Jaboticabal. Entrevista concedida em 25/01/2012.
Assentado 1, agricultor e associado. Entrevista concedida em03/02/2012.