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O movimento grevista dos assalariados da lavoura canavieira e a luta por terra: Compreendendo o caso do Assentamento Rural de Córrego Rico- Jaboticabal – SP The strike of employees of sugarcane production and the struggle for land: Understanding the case of the Rural Settlement Córrego Rico-Jaboticabal - SP Fernando Veronezzi (Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá) Resumo A difícil realidade dos trabalhadores rurais assalariados da lavoura canavieira no interior paulista promoveu uma série de manifestações com a finalidade de buscar melhores condições de trabalho e vida. É nesse panorama que se destaca a greve de Guariba no ano de 1984, considerada como uma das mais expressivas, e que permitiu ganhos reais para essa categoria de trabalhadores. Dentre as conquistas profissionais, como melhores salários, a volta do corte de cana para cinco leiras ao invés de sete, transporte gratuito e de qualidade, disponibilidade de equipamentos de trabalho e proteção individual fornecido pelos próprios usineiros, dentre outros, o engajamento desses sujeitos na luta por terra, é um outro resultado claro do conteúdo desse movimento social. Assim, dos diversos casos de conquistas de terras por ex-trabalhadores assalariados da cana na região da Greve, este trabalho abordará o caso do Assentamento de Córrego Rico, situado no município de Jaboticabal, região nordeste do estado de São Paulo. Composto por sujeitos oriundos do movimento grevista de Guariba, o território do Assentamento é uma área onde os assentados desenvolvem seu trabalho livremente, sem as imposições amargadas anteriormente enquanto assalariados. Palavras-chave; Trabalhadores rurais, Assentamento Córrego Rico, Manifestação de Guariba. Abstract The difficult reality of the rural workers employed in sugarcane plantations in the interior of São Paulo resulted in a sequence of manifestations ordering better living and working conditions. It’s in this viewpoint that Guariba strike stands, in 1984, considered one of the most expressive strikes, which allowed a lot of several gains for these workers category. Among the professional achievements like better wages, the return of the cutting cane for

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O movimento grevista dos assalariados da lavoura canavieira e aluta por terra: Compreendendo o caso do Assentamento Rural de

Córrego Rico- Jaboticabal – SP

The strike of employees of sugarcane production and the struggle for land:Understanding the case of the Rural Settlement Córrego Rico-Jaboticabal - SP

Fernando Veronezzi (Programa de Pós-Graduação em Geografia daUniversidade Estadual de Maringá)

Resumo

A difícil realidade dos trabalhadores rurais assalariados dalavoura canavieira no interior paulista promoveu uma série demanifestações com a finalidade de buscar melhores condições detrabalho e vida. É nesse panorama que se destaca a greve deGuariba no ano de 1984, considerada como uma das mais expressivas,e que permitiu ganhos reais para essa categoria de trabalhadores.Dentre as conquistas profissionais, como melhores salários, avolta do corte de cana para cinco leiras ao invés de sete,transporte gratuito e de qualidade, disponibilidade deequipamentos de trabalho e proteção individual fornecido pelospróprios usineiros, dentre outros, o engajamento desses sujeitosna luta por terra, é um outro resultado claro do conteúdo dessemovimento social. Assim, dos diversos casos de conquistas deterras por ex-trabalhadores assalariados da cana na região daGreve, este trabalho abordará o caso do Assentamento de CórregoRico, situado no município de Jaboticabal, região nordeste doestado de São Paulo. Composto por sujeitos oriundos do movimentogrevista de Guariba, o território do Assentamento é uma área ondeos assentados desenvolvem seu trabalho livremente, sem asimposições amargadas anteriormente enquanto assalariados.

Palavras-chave; Trabalhadores rurais, Assentamento Córrego Rico, Manifestação de Guariba.

Abstract

The difficult reality of the rural workers employed in sugarcaneplantations in the interior of São Paulo resulted in a sequence ofmanifestations ordering better living and working conditions. It’sin this viewpoint that Guariba strike stands, in 1984, consideredone of the most expressive strikes, which allowed a lot of severalgains for these workers category. Among the professionalachievements like better wages, the return of the cutting cane for

five streets instead of seven streets, free and quality shipping,availability of working equipment and personal protection providedby mill owners, among others, the engagement of workers instruggles for lands, stands out as other important result of thisstrike. Thus, from the several cases of lands conquests bysugarcane ex- employee workers in the region of the strike, thispaper aims the specific case of Rural Settlement of Córrego Rico,located in Jaboticabal, northeastern state of São Paulo. Compoundby individuals from Guariba strike, the settlement territory is anarea where the settlers develop their work freely, without havingto deal with enforcement situations, like those ones previouslydescribed, while sugarcane employees.

Key-words: Rural workers, Rural Settlement of Córrego Rico, Guariba Manifestation, Sugarcane.

Introdução

A região de Ribeirão Preto, interior do estado de São Paulo, é

considerada uma das mais dinâmicas do país, e por isso é

caracterizada a partir dos altos investimentos tecnológicos e pela

presença dos complexos agroindustriais mais modernos no que se

refere à lavoura canavieira. Porém, essas aplicações não se

resultam em melhoras nas condições de vida dos trabalhadores

rurais. A modernização se dá principalmente nas técnicas do que

nas condições sociais e, muitas vezes, a utilização de aparatos

tecnológicos fomenta mais a degradação social dos sujeitos do que

revertem benefícios para os trabalhadores (ANDRADE, 1994).

Silva (2008) concorda com Andrade (1994) e complementa a ideia

ao explicar que, pode-se,

[...] estabelecer uma relação entre, de um lado, oavanço científico, tecnológico, lucros exponenciais e,de outro, o rebaixamento do preço da força de trabalho,o aumento da precariedade das condições de trabalho e de

moradia, dos níveis de intensificação da exploração e doaviltamento dos direitos trabalhistas e humanos (SILVA,2008, p. 41).

O crescente grau de modernização da agricultura paulista, em

especial a da cultura canavieira na região, está intimamente

ligado às mudanças nas relações de trabalho. Com a modernização, a

força de trabalho assalariada, seja ela temporária ou permanente,

se constitui na principal relação empregatícia estabelecida no

campo paulista (ALVES, 1993).

Para o trato da cultura canavieira são necessários muitos

trabalhadores, que são contratados, em sua grande maioria, sob o

regime temporário, utilizados principalmente, em épocas de

colheita (BACCARIN, 1985).

Considerando o perfil desses trabalhadores, Graziano da Silva

(1982) os define como sendo pessoas que prestam serviços em

diversas fazendas e em períodos descontínuos. Indica que, algumas

vezes, alternam os trabalhados temporários no campo, com os das

cidades.

Assim, o trabalhador rural assalariado temporário é entendido

a partir do,

processo de liberação de mão-de-obra, por efeito dosistema capitalista de produção no campo, ele éreabsorvido como mão-de-obra mais barata econsequentemente mais vantajosa para acumulação docapital. A sua participação no processo de produção sefaz, portanto, através da depreciação dos salários ou dovalor pago à força de trabalho. Este fato o leva avivenciar uma situação de extrema miserabilidade que sereflete, no nível de seu subjetivo, como um estado deconstante insatisfação com o status quo e expectativapermanente de melhores condições de vida (D’INCÃO eMELLO, 1976, p. 136, grifo da autora).

É na superexploração da força do trabalho e diversos outros

fatores que, nascem os movimentos grevistas que se alastraram pelo

interior do estado de São Paulo na década de 80. Nesse caso,

levar-se-á em consideração a manifestação de trabalhadores rurais

ocorrida no município de Guariba no ano de 1984. A partir dessa

manifestação, a sociedade pode evidenciar as duras condições de

trabalho e de exploração as quais estavam expostos os

trabalhadores da cana.

E assim, Ferrarante (1994, p. 97) demonstra que, “o dia-a-dia

dos boias-frias – sujeitos até então relegados do descaso do

Estado e da sociedade civil e invisíveis no interior das

estatísticas – passa a ser divulgado”.

Deste modo, esse trabalho tem como objetivo compreender o

conjunto de reivindicações dos trabalhadores rurais assalariados

de Guariba, e seus principais desdobramentos, dentre eles, a luta

pela terra, o qual se destaca, a conquista por um grupo de ex-

assalariados da lavoura canavieira (participantes da manifestação

de Guariba em 1984) da área que atualmente compreende o

Assentamento de Córrego Rico, situado no munícipio de Jaboticabal,

região nordeste do estado de São Paulo.

As considerações aqui expostas fazem parte de uma dissertação

de mestrado na área de Geografia Agrária e que está sendo

desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Geografia da

Universidade Estadual de Maringá. Portanto, o conteúdo organizado

nesse texto é apenas uma reflexão sobre um dos demais temas que

contribuem para o entendimento do objeto e dos sujeitos de

pesquisa.

Para a obtenção desses resultados, a realização de entrevistas

semiestruturadas1, trabalhos de campo e leituras de artigos e

livros que abordam a temática foram elementos essenciais para a

construção desse texto.

As inquietações dos assalariados da lavoura canavieira e o

início da manifestação: Guariba, maio de 1984

As insatisfações dos trabalhadores assalariados temporários da

região de Guariba iniciaram-se no ano de 1983. Nesse ano, os

usineiros, principalmente os da região de Jaboticabal, Araraquara

e Ribeirão Preto, resolveram alterar o sistema de corte de cana de

cinco para sete leiras. Esse novo sistema traria benefícios

inegáveis aos usineiros2, mas por outro lado, os prejuízos para os

trabalhadores eram imensos (GEBARA; BACCARIN, 1984).

Os mesmos autores, a partir de relatos de diversos

trabalhadores, destacam a queda na produtividade do trabalho com a

inserção desse novo sistema. Segundo eles, na safra de 1982, cada

trabalhador chegava a cortar 150 metros de cana durante um dia de

trabalho e, na safra de 1983, a produtividade de cada trabalhador

não ultrapassava os 90 metros (GEBARA; BACCARIN, 1984).

1Segundo Colognese e Mélo (1998, p. 144) nesse tipo de entrevista, “[...]a formulação da maioria das perguntas prevista com antecedência e sualocalização é provisoriamente determinada. O entrevistador tem umaparticipação [...] ativa [...], embora ele deva observar um roteiro maisou menos preciso e ordenado de questões. Contudo, apesar de observar umroteiro, o entrevistador pode fazer perguntas adicionais para elucidarquestões ou ajudar a recompor o contexto”.2Os autores revelam que, “[...] as usinas organizadamente impuseram amudança para sete ruas sem levar em conta os anseios e as necessidades daclasse trabalhadora. Não se preocupavam com as consequências aostrabalhadores; chegaram mesmo a divulgar, contrariando todas asevidências, que o novo sistema de corte por 7 ruas aumentava o rendimentodo trabalhador” (GEBARA; BACCARIN, 1984, p. 54).

Essa mudança no sistema de corte foi um dos pontos cruciais

que fez culminar a manifestação dos assalariados rurais de Guariba

em 1984. E, em relação a esse contexto,

era previsível, pois a vida do trabalhador [...] édifícil demais, o ganho muito baixo [...], não háfiscalização do Ministério do Trabalho.Há um esforço sobre-humano para trabalhar, sem comer. Ascondições do trabalho são péssimas. E por cima, no anopassado as usinas impuseram um novo castigo: o eito de 7ruas no corte de cana. Só faltava o estopim (JORNALREALIDADE RURAL, 1984, apud OLIVERIA, 1984)

Além disso, há que se considerar também, conforme indica

Oliveira (1999) que a manifestação em Guariba nada mais foi do que

um basta dos trabalhadores às explorações as quais lhes eram

impostas pelos empresários canavieiros. Considerara ainda a

questão do Estado que, segundo o autor, inerte perante a situação

de miserabilidade dos trabalhadores, praticava a cobrança de

impostos altíssimos nas contas de água3 e energia, o que contribuiu

na revolta dos trabalhadores, que recebiam baixos salários. Assim,

a manifestação foi uma sublevação dos trabalhadores contra os

abusos por eles sofridos cotidianamente, tanto pelo Estado quanto

pelos usineiros.

Cabe ressaltar ainda, conforme Alves (1993), que a greve foi a

principal forma empregada pelos trabalhadores rurais assalariados

a fim de buscar melhores condições e dignidade profissional.

Iniciou-se, assim, no dia 14 de maio de 1984, uma das maiores

manifestações de trabalhadores rurais da cana até então3Cerca de dois mil trabalhadores em greve, saíram em passeata pela cidadede Guariba, no dia 15 de maio de 1984, protestando contra, além dosabusos dos empresários da cana, as altas taxas cobradas pela Sabesp(Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), o que motivou,naquele mesmo dia na depredação do prédio da Companhia (PENTEADO, 2000).

registradas no interior paulista: Guariba tornou-se palco de uma

Greve que marca a história dessa categoria de trabalhadores.

Segundo conta Penteado (2000), a manifestação inicia-se a

partir dos trabalhadores da cana da Fazenda São Bento, que

fornecia matéria-prima à Usina São Martinho. Um trabalhador

começou a gritar para que os trabalhadores parassem imediatamente

de trabalhar e, que os mesmos só retornassem às atividades quando

os patrões voltassem a aplicar o sistema do ano anterior (1983),

de 5 leiras e pagassem melhores salários. Mulheres escreveram em

seus aventais a frase: “queremos cinco ‘ruas’ e melhores salários”

(PENTEADO, 2000, p. 28).

Alguns trabalhadores partiram em busca de mais pessoas para

aderirem ao movimento. Andaram pelos canaviais a fim de abarcar um

maior número de trabalhadores para os protestos. Efetuaram uma

assembleia no próprio canavial: decidiram que não voltariam ao

trabalho naquele dia e, que no dia seguinte, parariam um número

maior de “caminhões de turma” para conseguirem o apoio de um maior

contingente de trabalhadores (PENTEADO, 2000).

Os trabalhadores da cana tinham como pauta para a realização

da manifestação, 14 reivindicações (PENTEADO, 2000). Colocaram na

lista de reclamações, a não utilização de máquinas em lugares onde

havia cana boa, como no caso de terrenos mais planos (já que era

uma situação comum entre as usinas), pois o que lhes restava eram

os piores lugares para trabalhar, como terrenos íngremes;

recusaram-se a aceitar o sistema de sete leiras; buscaram soluções

contra os altos preços dos serviços urbanos e da alimentação

(FERRARANTE, 1994).

A manifestação dos trabalhadores assalariados do campo

extrapolou área rural e se propagou para a área urbana. A cidade

de Guariba tornou-se território para os manifestantes expressarem

suas realidades e insatisfações.

Havia uma intensa movimentação policial por toda a cidade e

nas principais vias de acesso ao município, mas mesmo assim, os

trabalhadores não se acuaram perante a essa situação e os

protestos continuaram. Houve confronto entre as duas forças, o que

resultou em inúmeros trabalhadores rurais e militares feridos, bem

como na morte de um aposentado4 (PENTEADO, 2000).

Pode-se então compreender que,

[...] o medo de uma desordem social obrigou o governorecém empossado do Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro a interferir no movimento, salvaguardando apropriedade privada. [...]A ação do governo peemedebista não se limitou à mediaçãoentre capital e trabalho. [...] a violência da PolíciaMilitar do Estado de São Paulo contra os trabalhadoresda cana foi uma forma encontrada pelas autoridadesestaduais para preservar a propriedade privada. Na épocados conflitos, foi cunhada a expressão ‘cassetetedemocrático’, via pela qual o governo peemedebistatentou conter o movimento Grevista de maio de 1984 emGuariba e região (PENTEADO, 2000, p. 58).

Na difusão das manifestações pelo interior do estado de São

Paulo, iniciou-se o processo de reconhecimento do “[...] grito dos

trabalhadores [que passaram] a ser o eco detonador da situação de

miséria e exploração enfrentada pelos bóias-frias e a enunciar a

possibilidade de gestão de um projeto político contestador [...]”

(SILVA; FERRARANTE, 1987, p. 34).

4Penteado (2000, p. 52) com base na documentação oficial por elaanalisada indica que “[...] não há evidencia de que o disparo que matou otrabalhador aposentado tenha partido de uma das armas dos policiais ouque ela tenha sido disparada por um dos sublevados. Conforme os relatosdos trabalhadores [...], poderemos apenas ter como certo que os policiaisdispararam suas armas contra a multidão agitada [...]”.

Diversos meios de comunicação regional, nacional e

internacional, passaram a publicar a realidade vivida por essa

categoria de trabalhadores. A manifestação de Guariba de 1984 pode

ser observada como uma demonstração social na qual as

reivindicações dos trabalhadores rurais ganhou visibilidade pela

sociedade como um todo, já que por meio dessa luta, os

trabalhadores revelaram para a população suas cruéis realidades de

exploração do trabalho a que eram obrigados a se dedicar.

As manifestações ocorridas nos canaviais se alastraram pelos

laranjais de Bebedouro (PENTEADO, 2000), município conhecido como

“a Capital Nacional da Laranja”, situado a aproximadamente 60 km

de Guariba. Assim, a figura (Figura 1) demonstra a área da região

onde ocorreram as principais manifestações.

Figura 1– Principais manifestações dos trabalhadores da cana e dalaranja

Fonte: Oliveira, 1984

A luta dos trabalhadores da cana iniciada em Guariba

repercutiu por várias regiões do Estado. Assim, “Guariba explodiu

e, como um rastro de pólvora, as agitações se espalharam por

várias regiões canavieiras do interior do Estado de São Paulo

[...]” (PENTEADO, 2000, p. 69).

Desse modo, a figura (Figura 2) apresenta os diversos

municípios para onde se propagaram as manifestações dos

trabalhadores rurais (não só os da cultura canavieira - inclui-se

nas categorias, os apanhadores de laranja e demais culturas),

destacando-se os acontecimentos de Guariba e Bebedouro.

Figura 2 – Greves dos canaviais e laranjais ocorridas no mês demaio de 1984 no interior do Estado de São PauloFonte: Oliveira, 1984

Os movimentos dos trabalhadores rurais assalariados de Guariba

e Bebebouro representaram um marco fundamental na luta da

categoria. Há de considerar que, na gestação das manifestações não

houve a participação de entidades sindicais ou outras

instituições. As demonstrações de insatisfação emanaram das

próprias inquietações dos trabalhadores, no próprio canavial e a

paralisação em Guariba teve grande abrangência, não só em nível

regional: a Manifestação mostrou o poder de mobilização desses

sujeitos (BACCARIN, 1985).

Frente ao descontentamento dos trabalhadores em relação

austeridade dos patrões para com suas reivindicações, no dia 15 de

maio, alguns cortadores ateiaram fogo nos canaviais. Com essa

atitude, conseguiram fazer com que os empresários se reunissem

pela primeira vez a fim de discutir a situação (PENTEADO, 2000).

Até o ano de 1983 eram marcadas discussões entre sindicatos e

empresários do campo, porém, os patrões não compareciam nas mesas

de negociações, conta Nobukuni5.

Ao revelar dados da proporção da manifestação de Guariba,

Penteado (2000) indica que no dia 16 de maio de 1984, a produção

da grande maioria das usinas da região de Ribeirão Preto parou por

falta de matéria-prima, pois o apoio dos trabalhadores às

reivindicações foi grande e chegou a congregar 10 mil

trabalhadores manifestantes somente no município de Guariba.

Gebara e Baccarin (1984) destacam o poder de mobilização, a

força dos trabalhadores em busca de melhoras e sintetizam os

ganhos da Manifestação de Guariba: os empresários tiveram que

pensar sobre suas imposições em relação aos trabalhadores e firmar

acordos com a categoria.

Além dos resultados, como a volta do corte para 5 leiras,

melhoras nas condições de trabalho, transporte gratuito e de

qualidade e disponibilização de remédios para os trabalhadores, há

se de considerar também a criação de sindicatos em municípios onde

ainda não havia essa representatividade da categoria, como é o

caso de Guariba, por exemplo.

A partir da mobilização emanada naquela manifestação, muitos

líderes surgiram no bojo das lutas, a fim de suscitar a reflexão

aos trabalhadores sobre as condições exploratórias às quais

5O entrevistado possui amplo conhecimento à respeito das questões ligadasao campo. Foi trabalhador rural parceiro e assalariado. Além disso, fazparte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Jaboticabal desde 1983,naquela época como Secretário Geral. Atualmente desempenha a função depresidente do mesmo Sindicato.

estavam submetidos no trabalho na lavoura canavieira e dentre

elas, a luta por terra se tornou um objetivo.

A questão que envolve a luta por terra pelos trabalhadores

rurais da cana pode ser exemplificada a partir do que indica

Graziano da Silva (1982, p.31), que considera que, “a

reivindicação por um pedaço de terra para plantar pode ser

entendida como decorrentes das dificuldades no processo de

ajustamento à condição de proletário”.

Ferrarante (1994, p. 103) por sua vez indica que a luta dos

cortadores de cana por um pedaço de terra “[...] pode ser a busca

de uma saída diante de um presente de privações”.

Os sujeitos de luta, criados pelas condições de exploração do

trabalho degradante na cultura da cana, buscavam uma nova

perspectiva de vida, a de tornarem-se proprietários de terras,

donos de sua própria força de trabalho. Lutas ocorreram durante

vários anos: manifestações e ocupações aconteceram durante o

período que vai do fim da Greve de Guariba (1984), até a ocupação

e conquista do Horto Florestal de Córrego Rico (1998) – atual

Assentamento Córrego Rico em Jaboticabal.

Resultados e Discussão;

O Assentamento Rural de Córrego Rico, uma conquista dos ex-assalariados da lavoura canavieira

Alguns líderes do grupo de ex-trabalhadores rurais,

participantes da manifestação de Guariba iriam dar origem ao

processo de luta para a conquista do Assentamento Rural de Córrego

Rico. Esses sujeitos propuseram para algumas famílias, oriundas

também do município de Guariba, que ocupassem a área do Antigo

Horto Florestal de Córrego Rico,, para fins de reforma agrária.

Organizados pela Feraesp (Federação dos empregados rurais

assalariados do estado de São Paulo) ficam sabendo da

disponibilidade dessa área no distrito de Jaboticabal (Figura 3) e

prepararam um grupo de famílias com o objetivo de ocupar a o

Horto, destacam os assentados.

Figura 3 – Representação da localização do município de Jaboticabalno Estado de São PauloFonte: São Paulo – Fundação Sistema Estadual de Análise de dados –Servidor de Mapas

Por meio de entrevistas, os assentados revelaram que, os

mesmos se organizaram e, inevitavelmente, no dia 29 de maio de

1998, acamparam na área do Horto do Córrego Rico. Cerca de 60

famílias (número que cai para 47 devido às desistências durante o

período de acampamento), mantiveram-se acampadas nas proximidades

da rodovia SP-253 (Deputado Cunha Bueno), vivendo em barracos

feitos de lonas e sem infraestrutura sanitária alguma.

Expõem também que, o processo de ocupação, negociação e

transformação da área de acampamento em assentamento durou cerca

de seis meses e, destacam que na época das negociações não houve

confronto com a polícia ou ordem de despejo das famílias, segundo

eles, todo a ação ocorreu pacificamente e as famílias puderam

iniciar o processo de entrada na terra.

O Assentamento Córrego Rico (Foto 1) é dessa forma, composto

por 47 famílias instaladas em lotes individuais. Além das famílias

beneficiárias, o assentamento conta ainda com 16 agregados6,

totalizando 63 famílias, ou ainda, em números totais, 255 pessoas.

Foto 1 – Placa de identificação do AssentamentoFoto: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo

6Os agregados do ACR são entendidos nesse trabalho como os filhos dosassentados beneficiários que se casaram e continuaram e/ou voltaram amorar com os pais no Assentamento. Para classificá-los como tal, foilevado em consideração àqueles que possuíam uma casa secundária no mesmolote.

A média individual dos lotes é de 7.5 ha e, em relação aos

dados gerais do assentamento, o mesmo é organizado da seguinte

maneira, conforme observado nos dados do Itesp, 2003:

-Área total do Assentamento: 473,2683 ha (100%);

-Área dos lotes (47): 353,9 ha (74,7%);

-Áreas Comunitárias: 1,63 ha (0,3%);

-Reservas: 108,02 ha (22,8%)

-Estradas: 10,07 ha (2,1%)

Tratando-se da produção dos assentados, ela se desenvolve de

maneira variada: milho, mandioca, abóbora, goiaba e manga estão

entre as principais culturas produzidas no assentamento. Porém,

ainda há a presença de laranja, quiabo, café, limão, laranja,

maxixe, dentre outros. Há que se considerar também, a criação de

animais de pequeno porte dos quais suínos e aves possuem maior

expressividade.

Os assentados se organizam coletivamente através de uma

Associação, denominada Associação de Produtores de Agricultura

Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”. Por meio dela, os

assentados associados se inserem de maneira mais fácil em projetos

governamentais que facilitam financiamentos, equipamentos para a

produção e o escoamento do que é produzido em seus lotes.

Discussões acerca das dificuldades do dia-a-dia das propriedades,

questões politicas e culturais, além de reuniões com fins diversos

são realizadas com frequência entre os associados na sede da

Associação, localizada no próprio assentamento (Foto 2).

Foto 2- Sede da Associação de Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”Foto: VERONEZZI, F, 2012. Trabalhos de campo

A “Terra Rica” é, dessa maneira, uma associação civil sem fins

lucrativos e tem como sede um barracão no lote 43 do assentamento.

A fundação dessa instituição ocorreu em 24 de junho de 2001 e

contou com 39 sócios fundadores, que naquele ano representava 82%

dos assentados. Em 2011, na renovação do estatuto social, o número

de associados passou para 46, representando mais de 97% das

famílias assentadas no Córrego Rico, conforme consta nesse

documento (A TERRA RICA, 2011).

Segundo o estatuto social, os objetivos da associação são: a

prestação de serviços que possam contribuir com o fomento e

racionalização das atividades agropecuárias e a defesa das

atividades econômicas, sociais, ambientais e culturais de seus

associados (A TERRA RICA, 2011).

A Associação “A Terra Rica” possui um papel importante para os

assentados. É a partir dela que ocorrem discussões, reuniões e

assembleias, elaboração de planos e projetos coletivos, além de

cursos que envolvem questões pertinentes à realidade do

Assentamento, contam os assentados.

Mesmo com a instituição da associação e da busca pela solução

coletiva dos problemas, ainda é possível perceber a dificuldade de

alguns sujeitos para com o trato com a terra. Tal situação pode

ser observada no seguinte relato de um dos assentados:

Até hoje tem [...] dificuldade [...]. Hoje, ainda, 14anos depois, ainda tem gente que não sabe o que fazê.São esses que não dá certo no assentamento. Ele é tãoviciado a se mandado, que ele não consegue sobrevivê semse mandado. [...]. Então tem gente que tá acostumado aser mandado, e quando ele consegue a liberdade, ele nãoconsegue se virá. (ASSENTADO 1, 2012).

Nas palavras do entrevistado, destaca-se a dificuldade de

alguns assentados em se acostumarem com a nova vida, com a

liberdade, conforme ele mesmo indica. Para ele, alguns não se

adaptaram facilmente com a condição de proprietários rurais, de

desenvolver trabalhos na sua própria terra e executar as

atividades sem ser subordinado a outras pessoas, e isso se tornou

um empecilho para a manutenção de alguns. Devido a esses fatos

houve a desistência de algumas famílias em continuar nos lotes.

Tal situação é comprovada a partir do que explica Ferrarante

(2007), segundo ela, para os assentados, a área do assentamento é

um território que ainda deve ser “domesticado”. Um território

composto por inúmeras dificuldades, que assume múltiplas práticas

e experiências e que incorpora ao mesmo tempo, um espírito de

esperança. A autora ainda destaca que,

as trajetórias desses sujeitos ora os individualizam,ora os aproximam. A gestão do território do assentamentoe seus projetos de desenvolvimento do ponto de vista daconstituição de um novo modo de vida envolve um conjuntocomplexo de relações (FERRARANTE, 2007, p. 64).

Após a conquista do território do assentamento, a maioria dos

sujeitos da luta não deixou de participar e contribuir com outras

ocupações e mobilizações. Vários sujeitos participam de outras

organizações e entidades, que dentre elas podemos citar a Omaquesp

(Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado de São

Paulo), a Feraesp (Federação dos Empregados Rurais Assalariados do

estado de São Paulo), o STR (Sindicato dos Trabalhadores Rurais)

de Jaboticabal e inclusive, possuem lutas em conjunto com o MST

(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), relatam os

assentados.

Porém, é importante ressaltar que, como a Feraesp teve um

papel importante no que se refere a organização desses sujeitos em

luta por Reforma Agrária, conforme indicam os assentados em suas

afirmações, é a bandeira dessa Federação que os mesmos levantam em

suas ações, não estando ligados essencialmente a outros movimentos

ou organizações sociais e/ou sindicais.

Mesmo com os diversos problemas enfrentados pelos

assentados, a luta foi válida e vários são os benefícios

adquiridos nesse modo de vida. Tal situação pode ser observada a

partir do relato de um dos assentados que indica que,

Se você vê o que eu consegui aqui durante esses 14 ano,trabaiando na cidade não ia compra nada de terra, eu nãoconseguiria, não me arrependo de ter vindo. Se eu nãotivesse vindo e tivesse uma possibilidade de vim euviria hoje, o que eu conheci aumento meu conhecimento,minha liberdade. Tem trabalho que foi realizado aqui coma gente e que foi pro mundo inteiro. Então, se eu nuncativesse participado disso, eu não conheceria lutarcontra as injustiças, eu quero me defende delas. Eu nacidade, não dormia direito, pensano no amanha, onde éque eu ia trabaia, o que é que eu ia faze. Hoje é aocontrario, hoje eu durmo pensano no que eu vo faze comcerteza, por que ninguém manda em mim. A minhaindependência é 100% aqui no assentamento. (ASSENTADO 1,2012).

Portanto, há de se considerar que desde a luta inicial em

Guariba, até a conquista do Assentamento Rural de Córrego Rico

foram incessantes batalhas travadas a fim de buscar melhoras nas

condições de vida. Os resultados são percebidos a partir do atual

modo de vida dos assentados, donos de sua própria força de

trabalho e libertos das imposições de sua antiga profissão.

Considerações Finais

O conteúdo do trabalho exercido pelos assalariados da lavoura

canavieira é extremamente degradante e esses sujeitos estão

submissos a condições de trabalho deploráveis. Sendo assim, o

movimento grevista que emanou em meados da década de 1980

justifica-se devido ao grau de exploração sofrido pela categoria.

Dessa maneira, a greve de Guariba no ano de 1984 possui um

papel importante e pode ser considerada como um marco no que se

refere às inquietações e manifestações dessa categoria de

trabalhadores. Foi a partir dela que a sociedade como um todo

passou a reconhecer as duras jornadas de trabalho e diversas

outras situações sub-humanas as quais estavam submetidos os

assalariados da cana.

Várias foram as conquistas pós-Guariba e dentre elas, a

conscientização de sujeitos engajados na luta por Reforma Agrária

é uma delas. A organização de alguns membros do movimento grevista

de Guariba resultou na conquista da área em que hoje se situa o

Assentamento Rural de Córrego Rico. Nesse território, os sujeitos

podem desenvolver seus trabalhos livremente, como donos da terra e

da sua própria força de trabalho. Para os assentados, as lutas não

ficaram apenas na lembrança. Ainda hoje continuam atuantes e em

busca de melhores condições de vida, trabalhando para isso, em

conjunto com outros companheiros.

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Entrevistas

Paulo Nobukuni, presidente do STR (Sindicato dos TrabalhadoresRurais) de Jaboticabal. Entrevista concedida em 25/01/2012.

Assentado 1, agricultor e associado. Entrevista concedida em03/02/2012.