O ASSOCIATIVISMO E A DIVERSIDADE DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO ASSENTAMENTO RURAL DE CÓRREGO RICO –...

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O ASSOCIATIVISMO E A DIVERSIDADE DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA NO ASSENTAMENTO RURAL DE CÓRREGO RICO – JABOTICABAL (SP) QUATORZE ANOS APÓS A CONQUISTA Fernando Veronezzi (Mestrando pelo Programa de Pós- Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá) RESUMO Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por pequenos agricultores familiares assentados. Essas dificuldades tendem a se minimizar com a organização coletiva dos sujeitos sob a instituição de Associações de Produtores. Dessa forma, o Assentamento de Córrego Rico é considerado um modelo dentre os demais do interior paulista já que, desde o ano de 2001, a Associação de Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”, está consolidada e tem como objetivo potencializar a produção agrícola, bem como atuar na defesa das atividades econômicas, sociais, ambientais e culturais de seus associados, conforme observado no Estatuto Social da mesma. Dessa maneira, apresentamos algumas considerações acerca do associativismo no Assentamento Rural de Córrego Rico, localizado em Jaboticabal, região nordeste do estado de São Paulo. Palavras-Chaves: Assentamento Córrego Rico. Associação “A Terra Rica”, Diversidade agrícola, Projetos. Introdução: Uma história de luta dos sujeitos do Córrego Rico Este trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão acerca da questão que envolve a dinâmica de produção e do associativismo praticado pelos assentados, ex-trabalhadores rurais assalariados, do Assentamento de Córrego Rico, localizado no município de Jaboticabal, região nordeste do Estado de São Paulo.

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O ASSOCIATIVISMO E A DIVERSIDADE DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA NOASSENTAMENTO RURAL DE CÓRREGO RICO – JABOTICABAL (SP)

QUATORZE ANOS APÓS A CONQUISTA

Fernando Veronezzi (Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá)

RESUMO

Inúmeras são as dificuldades enfrentadas por pequenosagricultores familiares assentados. Essas dificuldades tendem ase minimizar com a organização coletiva dos sujeitos sob ainstituição de Associações de Produtores. Dessa forma, oAssentamento de Córrego Rico é considerado um modelo dentre osdemais do interior paulista já que, desde o ano de 2001, aAssociação de Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico“A Terra Rica”, está consolidada e tem como objetivopotencializar a produção agrícola, bem como atuar na defesa dasatividades econômicas, sociais, ambientais e culturais de seusassociados, conforme observado no Estatuto Social da mesma.Dessa maneira, apresentamos algumas considerações acerca doassociativismo no Assentamento Rural de Córrego Rico, localizadoem Jaboticabal, região nordeste do estado de São Paulo.

Palavras-Chaves: Assentamento Córrego Rico. Associação “A Terra Rica”, Diversidade agrícola, Projetos.

Introdução: Uma história de luta dos sujeitos do Córrego

Rico

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma discussão

acerca da questão que envolve a dinâmica de produção e do

associativismo praticado pelos assentados, ex-trabalhadores

rurais assalariados, do Assentamento de Córrego Rico,

localizado no município de Jaboticabal, região nordeste do

Estado de São Paulo.

Cabe ressaltar que, esse texto é uma reflexão que surgiu

por meio dos trabalhos de campo realizados no Assentamento.

Os resultados preliminares aqui discutidos fazem parte de

uma pesquisa de Mestrado na área de Geografia Agrária (em

andamento) e, outras informações em relação à temática

poderão ser encontradas na versão completa da dissertação.

As entrevistas apresentadas foram realizadas com os

assentados associados no ano de 2012, e transcritas da

forma como o entrevistado se referiu a determinado assunto,

sem nenhuma alteração. Dados da produção dos assentados

foram obtidos por meio dos relatórios de campo dos técnicos

da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo

(ITESP), que gentilmente cederam as informações a fim de

contribuírem para com o entendimento da dinâmica do

Assentamento Córrego Rico.

Sendo assim, é importante destacar que, a luta por parte

dos trabalhadores rurais, antigos assalariados da cultura

canavieira, nada mais é do que “a reivindicação por um

pedaço de terra para plantar [e] pode ser entendida como

decorrentes das dificuldades no processo de ajustamento à

condição de proletário” (GRAZIANO DA SILVA, 1982, p.31).

A terra é observada pelos trabalhadores como o terreno de

liberdade. Para Ferrarante e Silva (1987), os trabalhadores

rurais que lutam por terra a vislumbram como,

[...] a garantia de um trabalho constante comalimentação e moradia garantidas. ‘Ter terra ecasa’, ‘não continuar enchendo a barriga dousineiro’, ‘viver menos obrigado, menossujeito’, ‘não ter patrão’, ‘não ter fiscal

atrás’, ‘evitar o desemprego’, são algumas dasrepresentações que podem dar conta de comovivenciaram as novas condições de existência(SILVA E FERRARANTE, 1987, p. 36).

Grande parte dos trabalhadores que lutaram por terra no

contexto regional tinham como objetivos, além da conquista

de um pedaço de chão, fugir do assalariamento e das mazelas

que os assolavam nas periferias das cidades dormitórios

onde eram obrigados a se instalarem. Essas inquietações

emergem a partir do ciclo de greves nas lavouras paulistas

de cana e de laranja de meados dos anos 80i (FERRARANTE,

2007).

Assim, a busca constante por melhores condições de vida se

tornaram elementos essenciais na constituição desses

sujeitos. Lutar para conquistar um pedaço de terra foi o

caminho encontrado por eles para a aquisição da liberdade.

Dessa forma, os assentamentos aparecem como territórios de

conquista de um sonho.

Nesse contexto, Oliveira (1999, p. 14) destaca que, “[...]

assentamentos são novas formas de luta de quem já lutou ou

de quem resolveu lutar pelo direito à terra livre e do

trabalho liberto”.

A luta por terra dos assentados do Córrego Rico inicia-se

por meio do contato com lideranças sindicais e com um grupo

de trabalhadores que participaram de diversas ocupações de

terra pós Greve de Guariba de 1984. Esses sujeitos eram

informados a respeito dos momentos mais propícios para a

ocupação de áreas ociosas na região de Ribeirão Preto (no

caso específico do Assentamento Rural de Córrego Rico, o

Horto Florestal da antiga FEPASA- Ferrovias Paulista S/A).

Líderes do grupo que posteriormente viriam a dar origem ao

Assentamento Córrego Rico propõem para algumas famílias,

oriundas principalmente do município de Guariba (localizado

a cerca de 20 km de Jaboticabal) e que haviam lutado

conjuntamente na Greve dos canaviais no ano de 1984, que

ocupassem aquela extensão para fins de reforma agrária.

A partir das entrevistas realizadas com os assentados, os

mesmos narraram que eles se organizaram e, inevitavelmente,

no dia 29 de maio de 1998, acamparam na área do Horto do

Córrego Rico. Cerca de 60 famílias, mantiveram-se acampadas

nas proximidades da rodovia SP-253 (Rodovia Deputado Cunha

Bueno), vivendo em barracos feitos de lonas e sem

infraestrutura sanitária alguma.

Os sujeitos contaram também que, o processo de ocupação,

negociação e transformação da área de acampamento em

assentamento durou cerca de seis meses e, que na época das

negociações não houve confronto com a polícia e ordem de

despejo das famílias. Segundo eles, todo o processo ocorreu

de maneira pacífica e os lotes foram sendo regularizados

pelo poder público pouco tempo depois.

Nas considerações dos assentados, o Assentamento Córrego

Rico levanta a bandeira Feraesp (Federação dos Empregados

Rurais Assalariados do estado de São Paulo) não estando

ligado essencialmente a outro movimento social/sindical.

Por meio de informações obtidas nas entrevistas, os mesmos

informaram que possuem lutas em conjunto com outros

movimentos e/ou organizações, porém, como a conquista do

território onde se situa o Assentamento Córrego Rico

ocorreu devido à atuação basicamente de sindicatos ligados

à Feraesp, os mesmos se denominam como sujeitos que

hasteiam a bandeira da Federação em suas ações.

Vale ressaltar ainda, que mesmo após a conquista de seu

território, os assentados não deixaram de participar das

mobilizações e outras ocupações na região, inclusive

organizando pessoas para a ocupação de terras ociosas e

diversas manifestações em prol de uma reforma agrária mais

efetiva.

Localização Geográfica, Caracterização agrícola e o Associativismo no território do Assentamento Córrego Rico

O Assentamento de Córrego Rico está localizado na Zona

Rural de Jaboticabal (localização do município conforme

Figura 1), situado especificamente nas proximidades do

Distrito de Córrego Rico. É composto por 47 famílias

instaladas em lotes individuais. Além das famílias

beneficiárias, o assentamento conta ainda com 16 agregados,

totalizando 63 famílias, ou ainda, em números absolutos,

255 pessoas. A distância do Assentamento à sede do

município (Jaboticabal) é de 10 km.

Figura 1 - Localização do município de Jaboticabal- SP

Fonte: SEADE, 2012

O assentamento está organizado da seguinte forma:

-Área total: 473,2683 ha (100%); Área dos lotes (47): 353,9

ha (74,7%); Áreas Comunitárias: 1,63 ha (0,3%); Reservas:

108,02 ha (22,8%) e Estradas: 10,07 ha (2,1%).

Os assentados apontaram uma das primeiras decisões

importantes a ser tomada pelos integrantes após a

instalação do Assentamento: a decisão de manter todos os

que haviam participado da ocupação inicial era uma das

principais exigências. O Estado apresentava um número de

famílias menor do que àquelas que haviam participado da

ocupação e, os assentados negavam a proposta do Governo.

Sobre a dificuldade da tomada de tal decisão, evidencia-se

o relato da Assentada 2:

[...] uma decisão importante que a genteteve que tomá que eu lembro, é que aqui,pelo módulo né, pelo módulo fiscal,precisaria ficar 32 famílias só, por que osórgãos do governo né, o Itesp já veio efalou olha, aqui só cabe 32. Então a gentefez uma assembleia, conversamo tudo epreferimo ficá com um módulo menor, mas quecoubesse todo mundo, que ninguém fosseembora. E o que aconteceu? Ai foi uma luta,foi por que a gente queria que todo mundoficasse. E fomo fazendo assembleia e fomofalando que desse jeito não, que se fordesse jeito a gente não quer, e acabouacontecendo isso, né, colocou todo mundo(ASSENTADA 2).

A diversidade agrícola do assentamento se destaca noterritório regional da cana e em relação aos dados daprodução, o território do assentamento pode sercompreendido como um território da diversidade produtiva. Aprodução dos assentados é a mais variada possível: milho,mandioca, abóbora, goiaba e manga estão entre as principaisculturas no Assentamento. Porém, ainda há a presença delaranja, quiabo, café, limão, laranja, maxixe, dentreoutros (Gráfico 1). Há que se considerar ainda a criação de

iOs assentados do Córrego Rico, em sua grande maioria,participaram efetivamente da Manifestação de Guariba de 1984.Oliveira (1999) explica os principais motivos que levaram ostrabalhadores a se rebelarem nesse período. Para ele, aManifestação em Guariba nada mais foi do que um basta dostrabalhadores às imposições de extrema exploração às quais eramsujeitos. Também considerara a questão do Estado, que segundoele, inerte perante a situação, praticava a cobrança de impostosaltíssimos nas contas de água e energia, o que culminou narevolta dos trabalhadores, que recebiam míseros salários. Assimo autor considera que a manifestação foi uma sublevação contraos abusos por eles sofridos cotidianamente tanto por parte dosempresários da cana quanto pelo Estado.

animais de pequeno porte dos quais suínos e aves possuemmaior expressividade.

Gráfico 1 – Principais culturas produzidas no AssentamentoCórrego Rico no ano de 2010

Fonte: ITESP, Fundação. Dados de campo, 2011.Org: VERONEZZI, F. 2012.

Por ser considerado um produto de fácil execução e por ter

apresentado um preço alto no ano de 2010, a produção da

mandioca esteve aquecida no assentamento e, a tendência de

crescimento da produção é ainda maior. O produto é vendido

principalmente para a Ceasa (Central de Abastecimento de

Alimentos) e supermercados locais. Segundo as informações

obtidas pelas narrativas, os assentados destacam que a

produção no assentamento se dissemina de maneira ordenada,

evitando assim, uma superprodução, o que poderia prejudicar

a comercialização do produto.

Como os lotes são pequenas, cerca de 4 alqueires cada uma

deles, diversificar as culturas produzidas em cada

propriedade se faz mais que necessário. Dessa maneira, o

consórcio e a alternação de culturas são as alternativas

encontradas para lidar com essa questão do tamanho dos

lotes.

O consórcio e a alternação de culturas são práticas

utilizadas com frequência no assentamento. Nessa realidade,

o assentado varia sua produção, intercalando uma cultura

com outra de gênero distinto, por exemplo: mandioca e

feijão, ou ainda milho e feijão. No caso da alternação,

após a colheita de uma determinada cultura, espera-se um

tempo para que a terra “descanse” e posteriormente, planta-

se outra cultura daquela época.

A falta de transporte é uma questão que preocupa os

assentados. Por não possuírem nenhum veículo que

possibilite escoar o que é produzido, os mesmos geralmente

alugam caminhões para fretar a produção ou ainda, combinam

com o próprio comprador de se responsabilizar em buscar a

compra e o valor do frete é descontado no preço final da

venda. Para solucionar esse problema, buscam parcerias com

órgãos públicos via projetos desenvolvidos coletivamente e

nesse caso, por meio da Associação de Produtores de

Agricultura Familiar de Córrego Rico “A Terra Rica”.

A Associação de Produtores de Agricultura Familiar de Córrego Rico “ A TERRA RICA”

A Fundação da Associação se deu no dia 24 de junho de 2011

e contou com 39 sócios fundadores, o que representava 82%

dos assentados. Na renovação do Estatuto Social no ano de

2011, o número de associados era de 46, representando mais

de 97% das famílias assentadas no Córrego Rico.

A Terra Rica é, portanto, uma associação civil sem fins

lucrativos e tem como sede um barracão no Lote 43 do

Assentamento, conforme apresentado na figura (Figura 2).

Segundo o estatuto social, os objetivos da associação são:

a prestação de serviços que possam contribuir com o fomento

e racionalização das atividades agropecuárias e a defesa

das atividades econômicas, sociais, ambientais e culturais

de seus associados (A TERRA RICA, 2011).

Figura 2 – Associação “A terra Rica” – Parte externa e Interna

Fonte: VERONEZZI, F. 2012. Trabalhos de Campo.

Ao referirem-se à Associação, alguns assentaram indicaram

que, “[...] ela tem um grande poder de mobilizar, de buscar

recursos, por que a medida que os anos foi passando ela,

você vê que a associação se abre muito, ela vai abrindo

mais condições pra fazê projetos, pra várias coisas”

(ASSENTADA 3, 2012).

O assentado 1 ainda complementa “[...] a Associação, ela

foi criada no intuito de desenvolve projetos, procurá

recursos, e organizá a produção do Assentamento” (ASSENTADO

1, 2012).

A Associação “A Terra Rica” possui um papel importante para

os Assentados. É a partir dela que ocorrem discussões,

reuniões e assembleias, elaboração de planos e projetos

coletivos, além de cursos que envolvem questões pertinentes

à realidade do Assentamento.

A partir da mesma, discussões fundamentais foram praticadas

a fim de unir o grupo e reforçar a identidade dos mesmos.

Pontuaremos a seguir, alguns dos principais projetos

realizados pelos Assentados do Córrego Rico nos 14 anos de

território conquistado:

- Produção de ervas medicinais em conjunto com uma renomada

fundação de saúde de nível nacional (2002);

- Produção de jambu (erva típica da região Amazônica) para

uma empresa de cosméticos (2005);

- Produção e exportação de pimenta e quiabo para países da

Europa (2005);

- Instalação de rede de água, energia elétrica e fossas

sépticas biodigestoras (2002, 2003 e 2011, respectivamente)

em todos os lotes do Assentamento (Figura 3);

- Comercialização da produção em feiras-livres regionais;

- Conquista de equipamentos do governo estadual – por meio

do projeto Micro Bacias;

- Participação de projetos do governo federal como é o caso

do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), do PRONAF

Mulher (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar), dentre outros.

Cabe ressaltar também que, alguns projetos foram realizados

com êxito e prosseguem atualmente e outros, devidos a

diversos problemas não tiveram continuidade. Um projeto que

se destacou tanto no contexto regional quanto nacional, foi

a instalação das fossas sépticas biodigestoras no

Assentamento Córrego Rico.

Figura 3 – Fosssas sépticas biodigestoras em um dos lotesdo Assentamento

FONTE: VERONEZZI, F. 2012. Trabalhos de Campo.

As fossas sépticas biodigestoras foram conquistadas por

meio de projetos com o governo estadual e promoveram uma

melhora essencial na saúde dos assentados. Uma das

assentadas conta que, antes da implantação desse sistema,

quando ainda eram utilizadas as fossas negras, era

frequente as crianças ficarem doentes, pois os dejetos eram

despejados de qualquer maneira no solo (ASSENTADA 2, 2012).

Ainda segundo a assentada, com a implantação das

biodigestoras, além de melhorar a saúde das famílias, é

possível utilizar os efluentes do processo para adubar

culturas (não indicado apenas para culturas de consumo

direto como as hortaliças).

É importante salientar também que, os assentados não se

acomodaram após a conquista do território do Assentamento.

Inúmeros sujeitos participam de outras organizações a

entidades, que dentre elas podemos citar a Omaquesp

(Organização de Mulheres Assentadas e Quilombolas do Estado

de São Paulo), a Feraesp (Federação dos Empregados Rurais

Assalaariados do estado de São Paulo), o STR (Sindicato dos

Trabalhadores Rurais) de Jaboticabal e inclusive, possuem

lutas em conjunto com o MST (Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra).

Assim sendo, em relação aos quatorze anos de conquista, um

dos assentados (que liderou o grupo para a ocupação)

referindo-se aos comentários das pessoas que hoje estão

assentadas em relação à sua atitude destaca que,

Que bom que nóis viemo pra cá! Se nóistivesse na cidade...quando nóis viemo pracá, com 40 ano não arrumava serviço mais. Eu

não trocaria meu lugarzinho aqui por umemprego bom na cidade, eu não quero. Euquero minha independência, mostrá pra essamolecada que é aqui que temo que ficá...sermenos dominado [...]. O que que cê táfazendo lá nesse lugar rapaiz? [refere-se aindignação de um amigo] Ó, eu fui lá pravocê melhora minha qualidade de vida, minhaindependência, graças a Deus ela tá boa, enão devo nada explicação nenhuma praninguém, mais [...].Foi positiva 100% tantopra mim quanto pros vizinho que tão aqui(ASSENTADO 1, 2012).

Em relação as considerações pontuadas pelo mesmo assentado

a respeito das lutas pretéritas e as travadas pela melhora

das condições de vida dos assentados, destaca-se o seguinte

trecho do relato:

Se você vê o que eu consegui aqui duranteesses 14 ano, trabaiando na cidade não iacompra nada de terra, eu não conseguiria,não me arrependo de ter vindo. Se eu nãotivesse vindo e tivesse uma possibilidade devim eu viria hoje, o que eu conheci aumentomeu conhecimento, minha liberdade. Temtrabalho que foi realizado aqui com a gentee que foi pro mundo inteiro. Então, se eununca tivesse participado disso, eu nãoconheceria lutar contra as injustiças, euquero me defende delas. Eu na cidade, nãodormia direito, pensano no amanha, onde éque eu ia trabaia, o que é que eu ia faze.Hoje é ao contrario, hoje eu durmo pensanono que eu vo faze com certeza, por queninguém manda em mim. A minha independênciaé 100% aqui no assentamento. (ASSENTADO 1,2012).

Sendo assim, pode-se considerar que, para os assentados, ex

trabalhadores rurais assalariados, o acesso à terra

significa “[...] um misto de esperanças, sonhos, lutas e

investimento no futuro” (FERRARANTE, 1994, p. 102), fator

frequentemente mencionado nos relatos dos assentados do

Córrego Rico. Sonhos e Esperanças que os sujeitos do

Assentamento estão buscando incessantemente e, a partir dos

dados obtidos em campo, percebe-se que, aos poucos estão

alcançando.

Para finalizar, o relato da assentada 3, é essencial para

verificar as diversas lutas e as modificações que

aconteceram desde o inicio da chegada dos sujeitos no

assentamento até os dias atuais. Considera que entre os

anos de 2000 e 2011, o assentamento passou por diversos

processos de transformação e todos eles voltados ao

desenvolvimento econômico e social das famílias, associando

esses ganhos à preservação ambiental. Ainda segundo a

assentada, muitos jovens já voltaram para os lotes dos pais

no Assentamento, já que não se adaptaram aos serviços nas

cidades, e ela pondera ainda que o número dos jovens que

retornarão crescerá cada vez mais, haja vista a qualidade e

o estilo de vida que possuem os assentados (ASSENTADA 3,

2012) do Córrego Rico.

Considerações Finais

Mesmo com inúmeros obstáculos, o Assentamento Córrego Rico

é um diferencial no território da monocultura da cana-de-

açúcar da região de Jaboticabal. O mesmo pode ser observado

a partir da diversidade de produção agrícola. Há a

preocupação em produzir de maneira menos impactante e

preservar tanto o ambiente quanto as manifestações

culturais. Os bons resultados apresentados nos quesitos

produção, tornaram o Assentamento de Córrego Rico, um

território considerado exemplar perante aos demais

assentamentos da região.

Aa atividades coletivas realizadas por meio da Associação

de produtores familiares “A Terra Rica” potencializam a

produção agrícola e, os assentados associados se inserem de

maneira mais fácil em projetos governamentais que facilitam

financiamentos, equipamentos para a produção e o escoamento

do que é produzido em seus lotes. Discussões acerca das

dificuldades do dia-a-dia das propriedades, questões

políticas e culturais, além de reuniões com fins diversos

são realizadas com frequência entre os associados,

reforçando os laços da coletividade entre os sujeitos.

As experiências de lutas vividas pelos sujeitos tanto

enquanto assalariados do campo (Greve de Guariba de 1984),

quanto a participação em diversas ocupações de terras

fizeram com que eles se tornassem sujeitos de lutas. No

território conquistado do Assentamento, a qualidade de vida

está presente de maneira frequente no discurso dos

assentados bem como pode ser observada nas visitas

exploratórias executadas. A busca por melhoras nas

condições de vida desses sujeitos acontece cotidianamente,

mostrando assim que, a luta não acaba no momento da

conquista.

Referências

A TERRA RICA, Associação dos produtores de agriculturafamiliar de Córrego Rico. Estatuto Social. Jaboticabal,2011.

FERRARANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Os herdeiros damodernização: grilhões e lutas dos bóias-frias. São Pauloem Perspectiva, São Paulo, v.8, n. 3, p. 93-104. 1994.

FERRARANTE, Vera Lúcia Silveira Botta. Assentamentos noterritório da cana: controvérsias em cena. Revista NERA,Presidente Prudente, ano 10, n. 11, p. 61-80, jul-dez.2007.

GRAZIANO DA SILVA, José. O "bóia-fria": entre aspas e comos pingos nos is. In: DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL/UNESP(org.). Mão-de-obra volante na agricultura. São Paulo:Polis, p. 137-177, 1982.

ITESP. Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo.Dados de campo da safra de 2010. [relatório não publicado].Bebedouro-São Paulo.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Geografia das lutas nocampo. 9 edição. São Paulo: Contexto, 1999.

SILVA, Maria Aparecida de Moraes; FERRARANTE, Vera LúciaSilveira Botta. Roupa Nova para um velho sonho:assentamentos de trabalhadores rurais e reforma agrária.São Paulo em Perspectiva, São Paulo, ano 1, n. 3, p. 32-40,out-dez, 1987.

SÃO PAULO (Estado). Fundação Sistema Estadual de Análise deDados. Servidor de Mapas. Disponível em:<http://www.seade.gov.br/produtos/geo/geralayer.php > Acessoem: 10 de jun. de 2012.

Entrevistas com Assentados

Assentado 1, agricultor e associado. Entrevista concedidaem 03/02/2012.

Assentada 2, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em24/01/2012.

Assentada 3, agricultora e associada – possuidora de cargorepresentativo na Associação. Entrevista concedida em06/02/2012.