O Tempo e as Ressonâncias. Os Estados modernos, o anarquismo, o anarco-sindicalismo, e o jihadismo

39
O TEMPO E AS RESSONÂNCIAS. OS ESTADOS MODERNOS, O ANARQUISMO, O ANARCO-SINDICALISMO E O JIHADISMO Armando Marques Guedes resumo Algumas das mudanças nos tabuleiros geopolíticos contemporâneos tem uma genealogia interessante que importa pôr à vista. Nos últimos anos tem sido comum o estabelecimento de comparações entre a violência política anarquista e anarco- sindicalista de finais do séc. XIX e inícios do XX, por um lado e, por outro, da jihadista da passagem do séc. XX para o XXI. Convergências e divergências são identificadas, que apontam no sentido de um fenómeno de média-longa duração, ligado a inovações ao nível de modalidades de comunicação, formas organizacionais (estaduais e não-estaduais), e tecnologia de armamentos. Tudo isto é colocado contra o pano de fundo do empowerment político potenciado por estas inovações, e da progressão de formas emergentes de desigualdade política e social que são geradas no quadro de um adensamento cada vez maior de modos de cooperação: aqueles tornados viáveis entre Estados e entre entidades não- estaduais na paisagem geopolítica genérica da padronização da interdependência complexa característica de um Mundo em globalização acelerada. abstract Some of changes in the blueprint of contemporary geopolitics have an interesting genealogy that should be brought to light. In the last few years we have seen the rise of comparisons between the political violence carried out by anarchists and anarcho-syndicalists in late XIXth and the early XXth Century, on the one hand, and, on the other, that typical of late XXth to early XXIst jihadists. Convergences and divergences are identified which point to the presence of a ‘medium to long duration’ phenomenon, linked to innovations on the planes of modes of communication, organizational forms (State as well as non-State ones), and weapons technology. This is looked at against the backdrop of the political empowerment that is activated by such innovations, and of the progression of emergent forms of political and social inequality which are generated within the framework of an ever-greater thickening of modes of cooperation: that rendered viable among States and among non-State entities in the generic geopolitical landscape of the patterning of complex interdependence characteristic of a fast globalizing world. 1. 1

Transcript of O Tempo e as Ressonâncias. Os Estados modernos, o anarquismo, o anarco-sindicalismo, e o jihadismo

O TEMPO E AS RESSONÂNCIAS. OS ESTADOS MODERNOS, OANARQUISMO, O ANARCO-SINDICALISMO E O JIHADISMO

Armando Marques Guedes

resumo

Algumas das mudanças nos tabuleiros geopolíticos contemporâneos tem umagenealogia interessante que importa pôr à vista. Nos últimos anos tem sido comumo estabelecimento de comparações entre a violência política anarquista e anarco-sindicalista de finais do séc. XIX e inícios do XX, por um lado e, por outro, dajihadista da passagem do séc. XX para o XXI. Convergências e divergências sãoidentificadas, que apontam no sentido de um fenómeno de média-longa duração,ligado a inovações ao nível de modalidades de comunicação, formasorganizacionais (estaduais e não-estaduais), e tecnologia de armamentos. Tudoisto é colocado contra o pano de fundo do empowerment político potenciado porestas inovações, e da progressão de formas emergentes de desigualdade política esocial que são geradas no quadro de um adensamento cada vez maior de modos decooperação: aqueles tornados viáveis entre Estados e entre entidades não-estaduais na paisagem geopolítica genérica da padronização da interdependênciacomplexa característica de um Mundo em globalização acelerada.

abstract

Some of changes in the blueprint of contemporary geopolitics have an interestinggenealogy that should be brought to light. In the last few years we have seenthe rise of comparisons between the political violence carried out by anarchistsand anarcho-syndicalists in late XIXth and the early XXth Century, on the onehand, and, on the other, that typical of late XXth to early XXIst jihadists.Convergences and divergences are identified which point to the presence of a‘medium to long duration’ phenomenon, linked to innovations on the planes ofmodes of communication, organizational forms (State as well as non-State ones),and weapons technology. This is looked at against the backdrop of the politicalempowerment that is activated by such innovations, and of the progression ofemergent forms of political and social inequality which are generated within theframework of an ever-greater thickening of modes of cooperation: that renderedviable among States and among non-State entities in the generic geopoliticallandscape of the patterning of complex interdependence characteristic of a fastglobalizing world.

1.

1

Como seria de esperar, o surto de terrorismo transnacional que sefoi consolidando depois do fim do Mundo bipolar – sobretudo ojihadista – tem vindo a dar azo a preocupações e especulaçõesvárias1. Uma tónica cada vez mais comum tem sido a de comparar oterrorismo contemporâneo com variantes que o precederam,designadamente a onda de acções políticas violentas, e tambémsupra-estaduais, que acompanharam, em particular nas últimas duasdécadas do século XIX e nas primeiras do XX, a emergência demovimentos anarquistas no Ocidente. Anarquistas e jihadistas, temsido muitas vezes o subtexto de análises publicadas, por de trásde diferenças manifestas, de diversos pontos de vista apresentamsemelhanças profundas.Os pontos de aplicação destas comparações têm oscilado. Algunsautores têm preferido sublinhar o facto de, por baixo dasdiferenças político-ideológicas evidentes, jihadismo e anarquismocoincidirem nas críticas ferozes que formulam contra o que encaramcomo a inexorável decadência moral e política das sociedadesocidentais. Outros têm preferido dar realce às ligações umbilicaisentre ambos: por um lado, tanto anarquistas como jihadistasutilizam formas de acção directa e violenta, recorrendo para tal,por outro lado, a formatos organizacionais descentralizados epouco hierárquicos2. De maneira menos parcelar, muitos1 Muito do que aqui se inclui, sobretudo nas partes 2. e 3., recapitula aquiloque incluí em segmentos da primeira e na oitava secção do meu Ligações Perigosas.Conectividade, Coordenação, e Aprendizagem em Redes Terroristas, Almedina, 2007. O quadrogeral de análise do presente artigo, no entanto, é outro, simultaneamente maisgeral e mais focado.2

? Numa notável Conferência não publicada, cuja referência completa é JamesGelvin (2007), “Al-Qaeda and Anarchism. A Historian´s Reply to Terrorology”,University of Califórnia, Department of History, disponível a 8 de Janeiro de2008 em www.international.ucla.edu/cms/files/JamesGelvin.pdf, este historiadorconsidera útil a comparação entre anarquismo e a al-Qaeda, e invoca para tantoptrês motivos: a postura essencialmente defensiva de ambas as formas de lutapolítica, o seu intuito de as levar a cabo por ataques directos aos seusadversários, e por último a vontade comum de criar uma comunidade alternativaidealizada; pela via de um raciocínio tão interessante quão particularista, J.Gelvin conclui que “[i]t is not that globalization spawned al- Qaeda-style jihadism; instead, it is theresonance al-Qaeda actions has among (predominantly) Muslim populations that might be attributed to theeffects of (what falls under the rubric of) a globalization that, for many outside the West, has had balefulconsequences, to say the least” (op. cit.: p. 15; embora com pontos de partida e umpercurso muito diferentes do meu, uma conclusão com que simpatizo. Num artigocurioso em que discute a posição de Gelvin, W. Laqueur considera as “astonishingsimilarities” entre o jihadismo e o anarquismo, mas também entre o primeiro ealgumas das variantes dos “fascismos”: ver Walter Laqueur (2007), “Anarchism andAl Qaeda”, Middle East Strategy at Harvard, Olin Institute, Weatherhead Center forInternational Affairs, descarregado a 10 de Janeiro de 2008 no endereçoelectrónico http://blogs.law.harvard.edu/mesh/2007/12/anarchism_and_qaeda/. Ao

2

investigadores têm vindo a estabelecer paralelos – de certo modomais abertos – relativamente aos impactos e feitos da violênciautilizada num e noutro destes dois casos, bem como nas semelhançase diferenças nas respostas dos Estados a estes surtos de acçãopolítica. Neste quadro, tem sido muitas vezes notado que aquiloque se tornou porventura no legado mais importante da onda deataques anarquistas – que, como é bem sabido, visavam subvertertodas as formas hierárquicas de poder – foi o reforço dos órgãosde repressão do Estado e uma robustez acrescida da ordeminternacional Westphaliana em que os Estados contracenam3.Um momento de reflexão põe em evidência um denominador comum atodos estes esforços analíticos de comparação. Uma premissa quepartilham é, com efeito, a ideia mais ou menos implícita de que osprocessos históricos em causa exibem semelhanças tais que naprática acabam por se iluminar mutuamente. Nas versões mais harddestas comparações parece mesmo perpassar a noção (uma convicçãodifícil de fundamentar) de que, de algum modo, a História serepetiria – uma ideia essencialista só enquadrável numa visãoestranhamente monótona do devir histórico-social; e uma ideia quepresume uma ou outra forma de uma ciclicidade cujas razão de ser efundamentação seriam decerto pouco possíveis de vislumbrar4. De

invés de Gelvin, o Autor julga, no entanto, que “on the whole, such comparisons do nottake us very far”. Para uma defesa cerrada, se algo historicista, de uma estratégiade comparabilidade, chame-se-lhe assim, ver Mary Evans (2008), “For anarchistread jihadist”, The Economist, obtenível em www.economist.com/displaystory.cfm?story_id=4292760.3 Para uma posição Wallersteiniana, que insiste em situar a questão dacomparablidade num quadro histórico-estrutural maior, ver Albert J. Bergesen andOmar Lizardo (2004), “International Terrorism and the World-System”, SociologicalTheory, Vol. 22, No. 1: 38-52. Para um estudo menos teoricista e mais rico, éútil ler Andrew Phillips (2004), “Luther, Lenin, and Osama Bin Laden.Transnational Insurgency Networks and The Evolution Of the Modern State System”,Oceanic Conference on International Studies, Australian National University,artigo não publicado, descarregado emrspas.anu.edu.au/ir/Oceanic/OCISPapers/Phillips.pdf. Talvez mais interessante, éo notável e muitíssimo incisivo estudo de Mathieu Deflem (2004), “The Ends ofthe State. Anarchy, Terror, and Police, 1851 to 9-1”, Comparative & Historical Sociologyvol. 16, no.1: 3-5, de tonalidades assumida e profundamente Weberianas.4 Há também, note-se, muitas diferenças entre um dos surtos e o outro. Eisalgumas das muitas e evidentes diferenças a ter em conta. O terrorismo islamistaradical contemporâneo é profundamente religioso; ao invés, o anarquismo era pornorma ateu. Os anarquistas e anarco-sindicalistas queriam mudar o Mundo; pelocontrário, o Islão político radical quer, em todo o caso numa primeira fase,criar um enclave separado no mundo – eg reconstituindo o Califato. É certo queantes como hoje, os terroristas visavam símbolos – Reis, Imperadores,Presidentes, Primeiros-Ministros, ou lugares de concentração de pessoas – agoraas Torres Gémeas, o Pentágono, e transportes públicos, comboios ou autocarros;mas a escala dos ataques mudou muitíssimo e a sua virulência também.

3

maneira menos abusiva, parece-me defensável sugerir que hácontinuidades e transformações, ancoradas em numerosas semelhançase numerosíssimas diferenças; diferenças e semelhanças para asquais uma ponderação cuidada é de óbvia utilidade analítica, jáque se pode com comparativa facilidade alegar que trazem àsuperfície tendências de longa duração na dinâmica do sistemainternacional – para usar um enquadramento Braudeliano – queganhamos em conhecer. O objectivo do presente artigo é o de tentarpôr algumas delas a nu.Divido o estudo que se segue em duas partes substanciais. Numaprimeira estabeleço um quadro geral de convergências edivergências entre anarquismo e terrorismo islâmico. Levo-o acabo, algo teleológica mas indirectamente: fazendo ab initiosobressair, logo nas minhas descrições do movimento anarquista,traços distintivos que o aproximam do jihadismo, e traços comunsque dele o separam. Numa segunda parte, comparo, pondo-as como queem ressonância, as reacções dos Estados a estas duas ondas deviolência política. Foco aí, embora tão-somente em termos muitogenéricos, tanto reacções político-programáticas quanto inovaçõesinstitucionais. Interessar-me-ei, muito em particular, e porrazões que a par e passo irei tornando claras, com a retóricapolítica dos adversários estaduais que tanto uns como outrosdestes agrupamentos insurgentes têm vindo a encontrar pela frente.Concluo com breves considerandos de maior fundo, evitando, noentanto, grandes generalizações por estas me parecerem arriscadas.

2.

Recuemos quase um século e meio e, na volta dos anos de oitocentospara os dos novecentos, alinhemos a verdadeira galeria de horroresque prenunciou a queda final dos grandes impérios centro-europeuse o fim geral de uma longa época na vida do mundo políticoocidental. Em 1881, foi morto em S. Petersburgo Alexandre II, o famoso Czarrusso “liberal”, por uma granada artesanal reputadamente lançadapor militantes revolucionários russos e polacos. Em 1894, umanarco-sindicalista italiano com um nome improvável, SanteJeronimo Caserio, assassinou à facada o Presidente da Repúblicafrancesa, um homem com um nome também pouco comum, o de MarieFrançois Sadi Carnot. Três escassos anos mais tarde, em 1897, umoutro anarquista italiano, Luigi Lucheni, esfaqueou fatalmente aImperatriz Elizabeth (a tão célebre Sissi) Imperatriz da Áustria e

4

Rainha da Hungria. Pouco depois, ainda nesse mesmo ano, oPrimeiro-Ministro espanhol, Antonio Canovas, foi brutalmenteliquidado por um correligionário, mais uma vez um italiano, destafeita Michele Angiolillo. Não se tratou de casos isolados, bem longe disso. Em 1900, UmbertoI, o Rei italiano, foi brutalmente assassinado num outro ataqueanarquista, por Gaetano Bresci, e logo no ano seguinte, em 1901,outro activista, desta feita norte-americano, de seu nome LeonFrank Czolgosz, matou William McKinley, então o Presidente dosEstados Unidos em exercício5. O Rei da Sérvia, Aleksandar I e a suaconsorte, a Rainha Draga, foram assassinados e mutilados, em 1903,por activistas da Mão Negra (no vernáculo, Crna Ruka)6, umagrupamento insurgente local7. O nosso Rei D. Carlos e o Príncipeda Beira, o seu herdeiro D. Luís Filipe, foram ambos mortos atiro, em 1908, por dois carbonários, Alfredo Costa e Manuel Buíça.Um segundo Primeiro-Ministro espanhol, José Canalejas, foiassassinado em Madrid em 1912, de novo por um anarquista, ManuelPardiñas. Alexandros Schinas, mais um anarquista, desta vez umgrego, liquidou, em 1913, em Tessalónica, o Rei da Grécia, JorgeI. Finalmente, em 1914, o futuro Imperador austro-húngaro FranzFerdinand8 e a Mulher, Sophie, Princesa de Hohenberg, foram

5 Para um estudo pormenorizado do julgamento de Czolgosz, e um elogio do Estadode Direito a que o próprio McKinley, ferido de morte deu corpo, ao parar –gritando famosamente "let no man hurt him" – a população enfurecida que sepreparava para trucidar o assassino, ver o autoritativo LeRoy Parker (1901),“The Trial of the Anarchist Murderer Czolgosz”, The Yale Law Journal, vol. 11, no. 2,80-94.6 Já numerosas as publicações sobre a Mão Negra. Para um rápido levantamentodesta organização, bast no entanto a leitura de dois textos: um, da autoria deMicheal Shackleford (2008), “The Secret Serbian Terrorist Society”, recuperado a9 de Janeiro de 2008 em www.cooper.eduhumanitiescorehss3m_shackelford.htm, e umsegundo, intitulado “Gavrilo Princip Biography”, descarregado em bookrags.com.7 Quanto a este caso, ler a esplêndida publicação, verdadeiramente clássica, deChatam House, o artigo de R.W. Seton-Watson.(1935), “King Alexander'sAssassination. Its Background and Effects”, International Affairs, vol. 14, no. 1, pp.20-47. Para um estudo mais geral das origens e desenvolvimento do nacionalismosérvio, ver o notável artigo de Jean-Jacques Becker (2001), “L'ombre dunationalisme serbe”, Vingtième Siècle. Revue d'histoire, no. 69, 7-29.

8 Ao contrário do que é habitual ouvir-se, Francisco Fernando foi apenas opríncipe herdeiro do império austro-húngaro. Em 1914 o Imperador era ainda seutio, o velho Francisco José, viúvo da imperatriz Sissi, como vimos também elaassassinada por um anarquista em Genéve. Seria absurda qualquer tentativa deformular pronunciamentos definitivos quanto a um caso tão badalado e contestadocomo este. Para alguns dados de pormenor, é no entanto recomendável a consultade Gale Stokes (1976), “The Serbian Documents from 1914. A Preview”, The Journal ofModern History, vol. 48, no. 3, On Demand Supplement, pp. 69-84, Samuel R.

5

abatidos a tiro em Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina, porGavrilo Princip, um activista político nacionalista também membroda famigerada organização Mão Negra. Esta hecatombe viu-se complementada por uma enorme série detentativas goradas de liquidar outros líderes: o Rei Alfonso XIIde Espanha viu-se visado em 1878, o Kaiser Wilhelm I, da Alemanha,sofreu dois atentados, um em Maio e outro em Junho desse mesmoano, 1878, Henry Clay Frick, o reputadíssimo business partner deAndrew Carnegie, o industrial escocês que criou a US Steel, uma dasmaiores e mais influentes empresas da história norte-americana,foi atacado em Pittsburgh, em 1892, um Ministro sérvio foi-o emParis, em 1893, e o Rei de Espanha Alfonso XIII e a sua noivainglesa foram alvejados em 1906, em Madrid, no seu dia decasamento – só neste incidente, em que os consortes escaparamilesos, morreram vinte circunstantes.Compreensivelmente, o terrorismo transformou-se numa daspreocupações centrais de políticos, polícias, jornalistas, eromancistas, de Fiodor Dostoievsky a Joseph Conrad, de Émile Zolaa Henry James, passando por Isaac Babel, Henry de Montherlant,Jaroslav Hašek, Maurice Leblanc e Upton Sinclair9. As opiniõespúblicas entraram em alvoroço. Em 1908, apesar da grande onda deataques anarquistas ter refluído um pouco, o Presidente norte-americano Theodore Roosevelt fez questão de declarar que “whencompared with the suppression of anarchy, every other question sinks into insignificance.The anarchist is the enemy of humanity, the enemy of all mankind; and his is a deeperdegree of criminality than any other”10, uma citação a que irei regressar.

Williamson, Jr. (1980), recensões críticas de Dokumente zum Sarajevoprozess: EinQuellenbericht by Friedrich Wurthle e Die Spur fuhrt nach Belgrad: Die Hintergrunde des Dramasvon Sarajevo 1914 by Friedrich Wurthle, The Journal of Modern History, vol. 52, no. 2: 358-362, e Vaso Trivanovitch (1930), recensões críticas de Sarajewo. Die Frage derVerantwortlichkeit der serbischen Regierung an dem Attentat von 1914 por Hans Bauer e The murder ofSarayevo: an inquiry into the history of Austro-Serbian relations and the Balkan policy of Russia in theperiod 1903-1914 por N. P. Poletika, em The Journal of Modern History, vol. 2, no. 4: 706-710.9 Para uma boa perspectivação geral deste ponto, ver Bili Melman (1980), “TheTerrorist in Fiction”, Journal of Contemporary History, vol. 15, no. 3: 559-576.10 Citado na p. 117 do longo e rico artigo da autoria de Richard Bach Jensen/2004), “Daggers, Rifles and Dynamite: Anarchist Terrorism in Nineteenth CenturyEurope”, Terrorism and Political Violence, volume 16, number 1: 116-153. O discurso, naíntegra, está acessível online em T. Roosevelt, First Annual Message to Congress, 3 deDezembro de 1901, um texto notável que está disponível emhttp://www.geocities.com/presidentialspeeches/1901.htm, Para ir mais longe, vertambém T. Roosevelt, The Roosevelt Corollary to the Monroe Doctrine, Maio de 1904,disponível em http://www.theodore-roosevelt.com/trmdcorollary.html., no qual,como iremos ver mais tarde, Teddy Roosevelt fez da derrota do anarquismo aprioridade maior da sua Administração.

6

Muitos outros acontecimentos menores rodearam estes ataquesterroristas do virar do século. Um exemplo a acrescentar aosassassinatos que elenquei, dos muitos possíveis: os notórios WallStreet Bombings de 16 de Setembro de 1920 mataram 33 pessoas eferiram 400 no célebre Manhattan Financial District. Anarquistasassociados com Luigi Galleani, um famoso insurrectionary anarchistamericano de origem italiana, foram considerados responsáveis pelageneralidade dos analistas, embora o caso nunca tenha sidooficialmente resolvido.Um outro, que teve mais uma vez lugar nos Estados Unidos daAmérica, diz respeito ao famoso ataque bombista vulgarmenteconhecido com a Haymarket Riot11. A história é edificante. Em Outubrode 1884, a Federation of Organized Trades and Labor Unions (FOTLU) of the UnitedStates and Canada estipulou que o dia 1 de Maio de 1886 constituiriaa data limite para o estabelecimento legal, nos dois países, dasemana de 8 horas. Uma outra federação laboral, os Knights of Labor,opôs-se-lhe. No 1º de Maio agendado, manifestações foramorganizadas um pouco por todos os Estados Unidos: 10 miltrabalhadores reuniram-se em Nova Iorque, 11 mil fizeram-no emDetroit e cerca de 12 mil em Milwaukee, no Wisconsin. A maiormanifestação teve lugar em Chicago, mobilizando 90 mil pessoas.Quatro dias mais tarde militares da Wisconsin National Guard alvejaramos manifestantes, no que ficou conhecido como o Massacre de Bay View,matando sete deles. Nos dias que se seguiram estima-se que 350 miltrabalhadores tenham feito greve por todo o país, em mil eduzentas instalações industriais; num dos casos, um encontro degrevistas em Chicago, a 3 de Maio, foi atacado pela Polícia, o queresultou na morte de quatro grevistas e em numerosos feridos. No

11 Dave Roediger (1992), “Haymarket Incident”, em Buhle, Mari Jo, Buhle, Paul,Georgakas, Dan (eds.), Encyclopedia of the American Left, University of Illinois Press,Chicago, recuperado em lucyparsonsproject.org. Para um estudo recente, assazexaustivo, ver James Green (2006), Prologue to Death in the Haymarket, Pantheon Books.Para um conjunto de referências compilado por anarquistas contemporaneous, verHaymarket Bibliography, uma listagem disponível em dwardmac.pitzer.edu-Anarchist_Archives-index.html. Para uma colectânea de textos e transcrições daépoca, ver Haymarket Affair (parte da “pasta” American Memory, Library of Congress),April 2007, chicagohistory.org, que contém ,entre muita outra documentação,extraordinários textos da autoria dos quatro enforcados. Face à recusa doscondenados e de quaisquer movimentos conhecidos em assumir a autoria doatentado, boatos correram céleres, segundo os quais a bomba teria sido lançadapor um agent provocateur, porventura da célebre empresa de segurança Pinkerton. Éimensa a bibliografia existente sobre este incidente.

7

dia seguinte, 4 de Maio de 1886, activistas anarquistasmobilizaram uma grande manifestação de protesto na Haymarket Square,uma zona comercial famosa de Chicago. Quando, depois de discursos da praxe, a Polícia mandou dispersar oencontro e formou uma linha para canalizar os manifestantes parafora de Haymarket, e uma bomba foi lançada sobre as autoridades,matando um polícia, Mathias J. Degan, o resultado foi umpandemónio; a Polícia reagiu a tiro. Em consequência da autênticabatalha campal que se seguiu, pelo menos sete polícias e quatrotrabalhadores foram mortos e numerosos outros feridos. Oitoanarquistas foram presos e julgados pela morte de Degan e setedeles condenados à morte; o oitavo recebeu uma pena de 15 anos decadeia; quatro dos sete condenados foram executados. August Spies,um dos revolucionários enforcados, reputadamente gritou antes dasua morte: “[t]he time will come when our silence will be more powerful than thevoices you strangle today”. Seria difícil exagerar o impacto destesincidentes na consciência colectiva: foi em memória de Haymarketque o 1º de Maio se tornou no Dia Mundial dos Trabalhadores.Se sairmos dos Estados Unidos para a Europa, ou mesmo a América doSul, constatamos não haver grandes diferenças ao nível destesataques anarquistas menores. Também a França, por exemplo, tinhaos seus dynamitards. Uma mão-cheia de casos bastará para o ilustrar:em 1886 Charles Gallo atirou uma garrafa de vitriol e disparouvários tiros contra os brokers da Bolsa de Paris. Poucos anosdepois, uma bomba anarquista explodiu no Restaurant Very, em Paris, em1892. Uma outra, poucos meses depois, teve como alvo uma companhiamineira e matou seis polícias, para além de desencadear uma ondade rumores, de acordo com os quais ácido teria sido derramado nosdepósitos do sistema de abastecimento urbano de água, Igrejasteriam sido minadas, e haveria anarquistas dispostos um pouco portoda a parte preparados para ofensivas várias. Um ano mais tarde,em 1893, um jovem anarquista, Auguste Vaillant, que teve de fazerface ao desemprego, não conseguindo sequer garantir a suaalimentação nem a da sua amante e da filha, decidiu colocar umaquantidade substancial de pregos e explosivos numa panela decozinha e lançar, a partir da galeria, o engenho para o hemicicloda Chambre des Deputés. Apesar de milagrosamente não ter havidovítimas mortais, foi capturado e executado – e depois vingado poroutra bomba, desta feita detonada no Café Terminus da Gare Saint-Lazare,por Émile Henry, matando um cliente e ferindo mais dezanove,enquanto estes ouviam deleitados uma banda musical. O perpetradordeclarou que tivera como objectivo “acordar as massas” e lamentouapenas não ter atingido mais gente.

8

Por todo o Velho Continente este padrão viu-se repetido. Uma bombaartesanal foi guindada para o meio de uma parada monáquica emFlorença, em 1878, uma segunda para o meio de uma multidão, emPisa, dois dias depois. Em 1883 a Princesa alemã escapou por poucoa um outro ataque de um assassino, e em 1892 foi morto emBarcelona um militar espanhol, o General Martinez Campos, por ummilitante anarco-sindicalista catalão. A faena continuou: em 1893,duas bombas foram lançadas para o interior do Teatro Liceo, também emBarcelona, na primeira noite da saison de ópera, matando vinte edois melómanos12. Um ano depois, 1894, em Londres, no parque deGreenwich, um anarquista francês morreu acidentalmente quandoestoirou a bomba que transportava, presumivelmente com o intuitode a colocar no célebre Observatório aí existente. Em 1896 pelomenos seis pessoas que participavam numa procissão religiosa emBarcelona foram trucidadas por uma bomba anarquista. Não valedecerto a pena continuar. Voltarei ao exemplo norte-americano, masquero primeiro falar um pouco do perfil destes anarquistas dovirar do século XIX para o XX e da reacção generalizada a estesactos que emergiu um pouco por todo o Mundo, com o intuito detentar elucidar alguns dos seus mecanismos de recrutamento emobilização e algumas das suas motivações. Em primeiro lugar o perfil. Do ponto de vista nacional e sócio-económico a origem dos activistas apresenta regularidades não-dispiciendas. Começo na América do Norte. Como escreveu em 2003Harvey W. Kushner, “[a]t the end of the 19th century, most anarchists in the UnitedStates were recent immigrants from Europe”13. No Novo Continente, e nestesobretudo nos EUA14, encontraram terreno fértil para o tipo deacção política mais directa que tendiam a preferir e deram asas àsua pró-actividade militante e contestatária nesses termos. Tambémno que diz respeito à sua origem sócio-cultural são de sublinharregularidades significativas; embora a maioria dos anarquistas12 No que toca a análises da centralidade de Barcelona nas movimentaçõesanarquistas em Espanha, é imprescindível a leitura do longo artigo, hoje umverdadeiro clássico, de J. Romero Maura (1968), “Terrorism in Barcelona and ItsImpact on Spanish Politics, 1904-1909”, Past and Present, no. 41: 130-183. Para umestudo mais geral, ler, por todos, Julián Casanova (2005), “Terror and Violence.The Dark Face of Spanish Anarchism”, International Labor and Working-Class History, no.69: 79-99, Cambridge University Press, e Carolyn P. Boyd (1976), “The Anarchistsand Education in Spain, 1868-1909”, The Journal of Modern History, Supplement, vol. 48,no. 4: 125-170.13 Cito a fascinante, embora superficial de um ponto de vista analítico,publicação de Harvey W. Kushner (2003), Encyclopedia of Terrorism, Sage Publications,Inc..14 Mas não só. Para o resto das Américas, ver, por todos, o esplêndido artigo deGonzalo Zaragoza Ruvira (1978), “Anarchisme et mouvement ouvrier en Argentine àla fin du XIXe siècle”, Le Mouvement Social, no. 103: 7-30.

9

tivessem origens sociais modestas e empregos que as reflectiam –dadas as características das hierarquias sociais vigentes nassociedades industriais e pré-industriais de então – tal não erasempre o caso. Um número inesperado dos revolucionários era deextracção social mais alta, uns poucos (incluindo um dos maisimportantes teóricos destes movimentos, Peter Kropotkin, umPríncipe russo) eram mesmo aristocratas, e o nível médio deinstrução que a generalidade dos militantes patenteava, fosse elaformal ou informal, estava bastante acima do que, à época, erahabitual. Curiosamente, para além de eslavos (russos, polacos,sérvios) e latinos (italianos, franceses, espanhóis), um grandenúmero deles era de origem judaica centro-europeia, ou seja,tratava-se de gente oriunda de agrupamentos minoritários recém-emancipados e, por via de regra, altamente educados15.No que diz respeito às reacções havidas, comecemos por notar queface a esta proliferação de ataques anarquistas não deixaram desoar alarmes, e alarmes muito estridentes. O terrorismotransformou-se numa preocupação central da época. Em boa verdade,no entanto, nem a espectacularidade dos feitos maiores – osassassinatos em série de Reis, Imperadores, Príncipes, Grão-Duques, Presidentes, Primeiros-Ministros, e numerosíssimos outroslíderes políticos nacionais menores – nem a profusão policentradados menores tiveram verdadeiras contrapartidas, no sentido fortede contrapartidas realmente à altura, no plano das consequências.

3.

Não que não tivessem acontecido inúmeras coisas como resposta. Bempelo contrário, houve numerosas reacções e um bom número delasteve implicações de fundo com que ainda hoje em dia convivemos. Asreacções dos Estados, por exemplo, mais ou menos concertadas umascom as outras, foram essenciais na intrincação e consolidação dossistemas nacionais de Polícia e de informações. A Scotland Yard

15 A meu ver, a mais interessante interpretação desta singular regularidade (quedeu pretexto a formas virulentas de anti-semitismo oriundas em movimentos deDireita) é a pormenorizada em Michael Löwy (1988), Rédemption et Utopie. Le judaismelibertaire en Europe Central: une étude d’affinité elective, Presses Universitaires de France,Paris, no qual o Autor insiste no quase-isomorfismo patente no messianismojudaico centro-europeu corrente à época e o progressivismo liberativo prometidopela Revolução augurada pelos socialistas utópicos mais influentes na região. Nomesmo sentido, ver, do mesmo Michael Löwy (1980), Jewish Messianism andLibertarian Utopia in Central Europe (1900-1933), New German Critique, SpecialIssue 2, Germans and Jews, no. 20: 105-115.

10

britânica, o FBI norte-americano, e a Okhrana russa, são trêscasos do crescimento explosivo interno que teve lugar. Vale a pena pormenorizar um pouco, embora de maneira muitosucinta, estes dois últimos casos, o americano e o russo. Oembrião do que viria a tornar-se no FBI começou por uma tentativagorada de combater o white slave trade de (prostitutas forçadas)através de um acto de criação de um grupo de Special Agents, levado acabo em 1908 pelo Attorney General Charles Joseph Bonaparte, outrohomem com um nome improvável, durante a presidência de TheodoreRoosevelt, com o nome de Bureau of Investigation (BOI). A instituiçãofoi depois reciclada para efeitos transformação numa entidade deluta anti-anarquista16. Como escreveu há uma quinzena de anos AthanG. Theoharis, apesar das preocupações demonstradas por inúmerasvozes, a politização do BOI foi muito rápida: “within a decade theBureau began to monitor dissident activities. Between 1917 and 1921, exploiting the crisisof World War I and the postwar Red Scare, Bureau agents engaged in a number ofcontroversial activities, including involvement in the so-called "slacker" raids of 1918,arresting alien radicals in January 1920 during the so-called Palmer Raids, and, moregenerally, monitoring a host of radical and liberal activists and officials-ranging fromIWW leaders and members, U.S. Senator Robert LaFollette, federal judge George Anderson,Assistant Secretary of Labor William Post, and Irish nationalist Eamon deValera” 17. Areacção tinha sido iniciada mal McKinley foi assassinado porCzolgosz, quando o Congresso aprovou (e depois reforçou)legislação barrando a entrada de imigrantes anaquistas nos EstadosUnidos e viabilizando a sua deportação; nos quinze anos seguintesduzentos e quarenta e sete militantes foram expulsos, entre osquais a famosa Emma Goldman, exilada para a Rússia18.

16 Ver o artigo de Richard Bach Jensen (2001), op. cit.: últimas páginas. Jensenmostra como. Eis três referências bibliográficas úteis para o que acabou por seruma reacção pouco eficaz: David Williams (1981), “The Bureau of Investigationand Its Critics, 1919-1921: o rico estudo de The Origins of Federal PoliticalSurveillance”, The Journal of American History, vol. 68, no. 3: 560-579; o curto masvivo trabalho de Athan G. Theoharis (1990), “Dissent and the State: Unleashingthe FBI, 1917-1985”, The History Teacher, vol. 24, no. 1: 41-52; e, finalmente, amuito reveladora investigação de Michal R. Belknap (1982), “UncooperativeFederalism: The Failure of the Bureau of Investigation's IntergovernmentalAttack on Radicalism”, Publius, vol. 12, no. 2: 25-47. Para uma boa visãopanorâmica do lugar estrutural, por assim dizer, do assassinato-chave deMcKinley, é fascinante a leitura de Sidney Fine (1955), “Anarchism and theAssassination of McKinley”, The American Historical Review, Vol. 60, No. 4, 777-799.17 De algum modo antecipando o que, a partir da sua nomeação em 1924, iriaacontecer durante o consulado de J. Edgar Hoover. Athan G. Theoharis (1990), op.cit.: 41-42. 18 Mais uma vez, pode parecer convidativo estabelecer paralelos contemporâneosfáceis. Note-se, no entanto, que como escreveu David A. Harris (2007), “The Waron Terror, Local Police, and Immigration Enforcement: A Curious Tale of Police

11

No que diz respeito à Okhrana russa, a história é paralela: o seunome completo era Okhrannoye otdeleniye, literalmente “Secção deSegurança”, e tratava-se de uma força policial secreta, criada eintegrada, nos anos 80 do século XIX, no Ministério dos AssuntosInternos (o notório MVD) do Império Russo. Estava apoiada por umCorpo Especial de Gendarmes, e foi constituída, depois dasprimeiras tentativas de liquidar Alexandre II, com o objectivoexplícito de proteger o Czar e a sua família de eventuais ataquesde anarquistas, socialistas e outros revolucionários. A temidaOkhrana estava sediada em S. Petersburgo e tinha extensões por todoo Império, bem como no estrangeiro, designadamente em Paris, demodo a melhor controlar e reprimir os anarquistas domésticos e osexpatriados19.Power in Post-9/11 America”, Rutgers Law Journal, vol. 38, no. 1, disponível comoUniversity of Pittsburgh Legal Studies Research Paper no. 2007-04: “In post-9/11 America, preventingthe next terrorist attack ranks as law enforcement's top priority. This is as true for local police departmentsas it is for the FBI. This has led many advocates of stronger enforcement of U.S. immigration law to recasttheir efforts as anti-terrorism campaigns. As part of this endeavor, these advocates have called for localpolice to become involved in enforcing immigration law, and their allies in both the executive and legislativebranches of the federal government have taken a number of actions designed to force local police to do this.Surprisingly, local law enforcement has for the most part vehemently refused to accept this newresponsibility, saying that becoming involved in immigration enforcement will actually make the public notsafer, but less safe, from criminals and even from terrorists. The reasons for this have much to do with thesuccess of community policing over the last twenty years”. O Mundo mudou...19 Dos muitos trabalhos de qualidade relativos à evolução das polícias russas,polícias essas largamente apostadas em neutralizar as ameaças “esquerdistas” –cuja caracterização ia variando – sugiro a consulta e leitura atenta de diversosartigos: para uma introdução geral das estruturas policiais criadas para fazerfrente às novas ameaças políticas, convém a leitura de Fredric S. Zuckerman(1992), “Political Police and Revolution. The Impact of the 1905 Revolution onthe Tsarist Secret Police”, Journal of Contemporary History, vol. 27, no. 2: 279-300, edo mesmo Fredric S. Zuckerman (1977), “Vladimir Burtsev and the TsaristPolitical Police in Conflict, 1907-14”, Journal of Contemporary History, vol. 12, no.1, pp. 193-219, este último relativo às dissensões internas de que o sistemapolicial czarista foi ele próprio vítima; para a actuação policial externa, emuitas vezes robusta, levada a cabo entre comunidades exiladas, ver Richard J.Johnson (1972), “Zagranichnaia Agentura: The Tsarist Political Police in Europe”,Journal of Contemporary History, vol. 7, no. 1-2: 221-242; caso se pretenda conseguiruma contextualização mais ampla, que abarque a operação simultânea de políciasrussas “normais”, ler Neil Weissman (1985), “Regular Police in Tsarist Russia,1900-1914”, Russian Review, vol. 44, no. 1, pp. 45-68, e ainda Robert W. Thurston(1980), “Police and People in Moscow, 1906-1914”, Russian Review, vol. 39, no. 3:320-338. Para intervenções em parte afins, já que também visavam a infiltraçãode grupos organizados de resistência interna nas forças armadas czaristasenvolvidas na Grande Guerra, com as consequências ao nível de deserções queconhecemos, ver J.F.N. Bradley (1968), “The Russian Secret Service in the FirstWorld War”, Soviet Studies, vol. 20, no. 2., pp. 242-248. Para a evolução daoposição russa no exterior antes e depois da Revolução bolchevique, ver ClaudiaWeiss (2004), “Russian Political Parties in Exile”, Kritika: Explorations in Russian andEurasian History 5, 1: 219–32.

12

Tudo isto que aconteceu em resposta aos ataques anarquistas eanarco-sindicalistas teve também uma dimensão internacional emobilizou esforços de concertação entre muitos dos Estados daépoca. Talvez não seja abusivo ancorá-los numa dimensão cognitiva.A convicção geral, neste período de furor anarquista, era, comefeito, a de que não bastava um crescimento das Políciasnacionais: o imprescindível seria um aumento da sua cooperaçãoalém fronteiras. A razão para tal tomada de posição é fácil decompreender. As políticas estaduais europeias e norte-americana decombate ao terrorismo anarco-sindicalista radicavam por norma naconvicção – ou, pelo menos na presunção – de que defrontavam uminimigo, senão unitário (cujo nome, corria, seria o de InternacionalNegra), em todo o caso bem organizado numa rede internacional robusta, coesa, esincronizada. De qualquer modo, um forte grau de “internacionalização” –ou, em todo o caso, de cosmopolitismo – imprimia uma marca nítida aosacontecimentos. Uma enorme percentagem dos agressores, por exemploe como vimos, era de origem sul-europeia ou eslava. E tanto asideologias propaladas quanto as tácticas utilizadas manifestavamevidentes semelhanças de família umas com as outras20.Num padrão característico, no plano da tão ambicionada coordenaçãointergovernamental da luta contra o terrorismo anarquista, no entanto,não se conseguiu ir longe. Não que se não tenham esboçadocondições para o lograr; muito pouco, porém, se concretizou domuito que fôra esboçado21. Um rápido par de exemplos. Numa magnaConferência Internacional Anti-Anarquista que abriu em Roma a 24 de Novembrode 189822, no Palazzo Corsino – e que contou com a participação de20 Muitos exemplos complementares poderiam aqui ser aduzidos. Para umaperspectivação “clássica” do anarquismo norte-americano como um conhjunto devariações sobre os temas anarquistas europeus, convém ler Charles Madison(1945), “Anarchism in the United States”, Journal of the History of Ideas, vol. 6, no. 1,46-66.21 Já o impacto nas legislações nacionais foi marcadamente eficaz. Para oentrever, e tomar o pulso ao impacto doméstico destes ataques, é instrutiva aleitura de, por exemplo, Louis B. Boudin (1952), 'Seditious Doctrines' and the'Clear and Present Danger' Rule. Part I”, Virginia Law Review, vol. 38, no. 2: 143-186, e de Jonathan W. Daly (1995), “On the Significance of Emergency Legislationin Late Imperial Russia”, Slavic Review, vol. 54, no. 3: 602-629; e, ainda, AndrewParnaby and Gregory Kealey(2003), “Origins of Political Policing in Canada”,Osgoode Hall Law Journal, vol. 41, nos. 2 & 3: 41- 23. Em defesa ardorosa de umapenalização dos anarquistas, é curiosa a leitura do artigo coetâneo de GustavoTosti (1899), “Anarchistic Crimes”, Political Science Quarterly, vol. 14, no. 3: 404-417. 22 Para uma discussão muitíssimo pormenorizada desta tentativa gorada, verRichard Bach Jensen (1981), “The International Anti-Anarchist Conference of 1898and the Origins of Interpol”, Journal of Contemporary History, vol. 16, no. 2: 323-347.Um estudo teórico weberiano sobre as condições de possibilidade deste difíciltipo de cooperação entre entidades muito ligadas ao núcleo duro da soberania dos

13

21 Estados – foi decidido por unanimidade que o anarquismo não era“uma doutrina política bona fide”: mais do que actos políticos,argumentou-se, o que estava em jogo eram “ofensas criminais”, e osanarquistas capturados seriam por isso extraditáveis. Mas naprática tal raramente chegou a acontecer: a cooperação policial deinício ansiada aumentou, de facto, mas sem que cada Estado tivesseabdicado do direito de decidir por si se lhe convinha ou nãoproceder a uma extradição, fossem quais fossem os motivos paratanto. A resistência estadual, como depressa se tornou claro, nãoera avulsa nem um simples fenómeno de conjuntura. Uma segundatentativa, preparada durante dois anos, e ensaiada em 14 de Marçode 1904, em S. Petersburgo – a da celebração do intitulado Protocolode S. Petersburgo23 – falhou de novo redondamente, desta feita natentativa de criar uma “Interpol” anti-anarquista24, dada a recusade dois dos participantes, os Estados Unidos e a Itália (ambos dosEstados mais envolvidos na questão) em assinar o acordo arduamentenegociado por dez Estados do Norte, Centro, e Leste da Europa25.

Estados – que assevera que foi apenas quando os Estados consideraram que ascaracterísticas de “racionalidade burocrática” das polícias estrangeiras astornavam em interlocutores técnicos “aceitávéis” e não corpos estranhosameaçadores – é o de Mathieu Deflem (2000), “Bureaucratization and SocialControl: Historical Foundations of International Police Cooperation”, Law & SocietyReview, vol. 34, no. 3: 739-778; do mesmo Autor, ver, também, o curto artigo de2004, intitulado “The Ends of the State. Anarchy, Terror, and Police, 1851 to 9-11”, publicado na Comparative & Historical Sociology, vol. 16, no.1: 3-5.23 Vale a pena a leitura do Protocolo, um texto tão pormenorizado quão cuidadosonas formulações – obviamente resultantes de negociações aturadas entre os váriosEstados participantes. O texto está disponível em “St. Petersburg 1904 Protocolanarchism”, no endereço:httphei.unige.chsectionsspcourses0405sylvandocwarProtocol_anarchism.pdf(recuperado a 10 de Janeiro de 2008).24 Ver Michal R. Belknap (1982),, op. cit..25 E hoje em dia? Um rápido fast forward: a muito generalista Authorization to Use MilitaryForce contra os islamistas fornecida em 2001, o alargamento repentino dos“poderes presidenciais e executivos” que se verificou em quase toda a linha, opolémico Patriot Act, também de 2001, e a criação de uma Homeland Security integrada,para só dar exemplos mais óbvios, constituem porventura, se encaradas no quadrocomparativo a que aludi, uma mão cheia de bons exemplos de equivalentes lateraiscontemporâneos da onda jurídica e institucional anti-anarquista de inícios doséculo XX. Mais ainda, tal como depois do malogrado Protocolo de S. Petersburgo,hoje ainda “international consensus on the definition of international terrorism as a crime undercustomary law was lacking”. E hoje como ontem, e tal como tem sido muitas vezes dito,“the administration has asserted a presidential prerogative to choose ‘the means and methods of engagingthe enemy’ without regulation, restriction, or oversight by the other branches. As a technical matter, theadministration does not claim that the president is above the law. But there is a very thin line between aclaim that one is above the law, and an assertion that one has exclusive power ‘to say what the law is’ withrespect to ‘engaging the enemy’”. A citação é do artigo crítico do ilustre juristaliberal David Cole (2006), “Reviving the Nixon Doctrine: NSA Spying, theCommander-in-Chief, and Executive Power in the War on Terror”, Washington & Lee J.C.R.

14

Estas dificuldades não ocorreram, porém, apenas ao nível dosEstados acossados pelos movimentos terroristas do período. Écurioso notar que, do mesmo modo que se revelou impossívelconseguir coordenar esforços intergovernamentais para uma lutaanti-anarquista mais eficaz, também os anarquistas, eles próprios, peseembora não estivessem atidos a fronteiras físicas ou a inércias e resistências“soberanistas” patentes, se viram incapazes de se articular uns com os outros. Tudo sepassou como se o âmbito do cosmopolitismo possível – nos Estados efora deles – fosse limitado. A verdade era que, entre osagrupamentos terroristas, não existiam quaisquer formas eficazes deplaneamento ou coordenação internacional ou centralizada e, mesmoao nível nacional – no qual as organizações tendiam por norma aser bastante mais densas – os ataques anarquistas viam-se por viade regra levados a cabo por pequenas cliques e peer groups (muitasvezes círculos de amigos, correlegionários, por vezes parentes),entidades diminutas em que essas poucas pessoas tipicamentecolaboravam umas com as outras em células operacionais exíguas.O que não significa que se não fossem constituindo autênticascomunidades baseadas numa intensificação dos contactos mantidostanto dentro como entre os agrupamentos anarquistas. Um só exemplobastará. As petites histoires por trás dos assassinatos que foram tendolugar em catadupa são muitas vezes edificantes quanto ao caráctersui generis do simbolismo da época e quanto a alguns dos mecanismoscomunicacionais utilizados para ajudar na criação de uma comunidadeepistémica pan-anarquista. O papel das “palavras de ordem”, porexemplo, era fundamental. Um só caso exemplar: Sadi Carnot, foiesfaqueado por Jeronimo Caserio, um padeiro italiano anarquistaexilado em França, enquanto proferia um discurso em Lyon. Aoespetar a sua faca em Carnot, perfurando-lhe o fígado, Caserioterá exclamado “Vive la Révolution!”. Ao ser condenado à morte gritoucom fervor “Vive la révolution sociale!”. No dia seguinte ao da morte doPresidente Carnot, a sua Mulher recebeu uma fotografia de Ravachol(um outro anarquista famoso26, também guilhotinado durante oconsulado do seu marido), expedida um ou dois dias antes peloscorreios por Caserio, com as palavras: “Il est bien vengé”. Sadi Carnot

& Soc. Just. 13, 1: 2. Ver, também o working paper de 2006 intitulado “PresidentialAuthority and the War on Terror”, da autoria de Joseph W. Dellapenna, publicadono ILSA Journal of International and Comparative Law, 13, 25. Hoje como ontem, asinsuficiências externas são agravadas por endurecimentos internos.

26 A fama de Ravachol deu, na língua francesa, origem ao verbo ravacholiser, quesignifica, “destruir à bomba”. De seu verdadeiro nome François-ClaudiusKönigstein, Ravachol era um criminoso com um longo cadastro enquanto ladrão eassassino, que os anarquistas franceses apenas consideraram como um dos seusdepois da sua morte.

15

era odiado pelos anarquistas por ter apoiado a promulgação dasgraficamnete apelidadas lois scélérates, leis que restringiamseveramente a liberdade de imprensa, e por ter recusado o perdãopresidencial a um deles, Auguste Vaillant, o homem despeitado quetinha perpetrado um ataque à Chambre des Deputés, lançando uma bombaartesanal das tribunas para o hemiciclo. Apesar de, como indiquei,Vaillant não ter conseguido fazer vítimas mortais nesse ataque,foi condenado à guilhotina e, antes de morrer, gritou “Vive l'anarchie,ma mort sera vengée!” 27. Tal como indiquei, foi-o de facto, poucotempo depois, por um correlegionário que quis, com o seu gesto deretaliação, “acordar as massas” e que lamentou não ter logradomais matar vítimas com a sua vingança pública e mobilizadora.Em boa verdade, tudo isto escondia um enorme deficit organizacional.Na realidade, a colaboração táctica e até estratégica conseguidapelos vários agrupamentos anarquistas era de geometria variável, eseria decerto muitas vezes intensa; mas a coordenação entre taisgrupos era muitas vezes mais difusa e indirecta, e em muitos casosmesmo inexistente. Mais ainda, um recuo revela-nos que o padrãoera uniforme: à medida que se alargava o âmbito de inclusividade,com efeito, o crescendo de esbatimento organizacional mantinha-se:as ligações entre os “meta-grupos” era ainda mais ténue e, pornorma, menos directa.Embora a existência de uma conspiração mundial fizesse parteintegrante da retórica “político-militar dos Estados, na realidadenão havia nenhum complot organizado no sentido clássico do termo,nem no plano interno de cada agrupamento nem, no externo, entreeles. Em boa verdade, aliás, apesar da propagação cosmopolita deideias e convicções político-revolucionárias, muitas vezes só porabuso de linguagem se poderia alegar existir uma qualquerideologia, ou ou mesmo uma verdadeira tradição organizacionalanarquista genérica, e em resultado tanto as ideologias quanto asformas organizacionais tendiam em muitos casos a parasitarorganizações e aspirações étnicas e nacionalistas locais e a nelas27 Para mais pormenores, ver rebellyon.info/article609.html. Escuso-me derelatar em detalhe eventos paralelos quanto ao assassinato do Presidente norte-americano William McKinley. Para aprofundar semelhanças e diferenças (e sãonotáveis umas tanto quanto são significativas as outras, no plano da acçãosimbólica e das suas implicações) vale, no entanto, a pena a leitura atenta docurto e gráfico relato de John Milton Cooper Jr. (2004) “Murdering McKinley TheMaking of Theodore Roosevelt's America”, The Journal of American History, 91, 2: 657-659, a do vivido artigo Richard Cavendish (2001), “Assassination of PresidentMcKinley. September 6th, 1901”, History Today, 51, 9: 52-53, de Wyatt Kingseed(2001), “The assassination of William McKinley”, American History 36, 4: 22-29, e ado já referido e muito bem gizado Sidney Fine (1955), “Anarchism and theAssassination of McKinley”, The American Historical Review, vol. 60, no. 4: 777-799.

16

se incrustar. A tão famosa quão infame “Mão Negra” sérvia, a quefiz já alusão – que depois de matar o Rei Alexandre a a RainhaDraga da Sérvia, planeou e executou o assassinato do futuroArquiduque Ferdinando da Áustria, que se tem argumentadodesencadeou a I Guerra Mundial – ou o Narodnya Volya (“a vontade dopovo”), o já referido grupo revolucionário russo, serão dissodecerto os exemplos mais paradigmáticos28.Na sua generalidade, é certo, a motivação política que osagrupamentos anarquistas tinham era patente. Mas a inépcia quemanifestaram na prosecussão dos objectivos que arvoraram ter aesse nível também o era. Em todo o caso, porventura a maioria dosanarquistas professos exprimiam-se regular e vocalmente contra o usopolítico da violência (por exemplo P. Kropotkin), indiciando assimdivisões internas que claramente militavam contra uma qualquerunidade geral deste autêntico conglomerado de movimentos. Uma maiorresolução de imagens demonstra bem esse gradiente decrescente.Quaisquer sincronizações, coordenações e até articulações, só comdificuldade são congruentes com clivagens; e não raramente clivagensprofundas foi o que na prática se verificou, de maneira persistentee intensa, nos relacionamentos dos movimentos anarquistas uns comos outros. Frequentemente, tais clivagens resultaram mesmo emfracturas violentas, que revelaram não-miscibilidades radicais.Muitas vezes, também, longe de se poder falar de quaisquerconcertações (cuja existência seria fundamental para se fazeralusão, sequer, a uma eventual co-optação), o que se iamverificando foram dissonâncias e “arritmias funcionais” que asinviabilizaram de forma irreversível. Se para reconciliações teriasido imprescindível que houvesse consensos mínimos em que elaspudessem radicar – ainda que tão-somente consensos negativos eparcimoniosos – a verdade é que mesmo esses brilharam pela suaausência. Apesar de diversas tentativas, os agrupamentos anarquistasnunca souberam lidar com a sua própria diversidade. A conclusão é iniludível. O que parecia reinar entre os gruposanarquistas, na volta do século XIX para o XX, era a anarquiaorganizacional. Temores de que haveria conluios submersos eclandestinos redundavam em puras fantasias, que ora refletiam erros de

28 Para uma curta introdução aos alvores do terrorismo moderno, ver o járeferido artigo de um analista da New Scotlamd Yard, Lindsay Clutterbuck (2004),“The Progenitors of Terrorism: Russian Revolutionaries or Extreme IrishRepublicans”, Terrorism and Political Violence, vol.16, no.1: op. cit.. Para um quadrogeral ver o muito útil e lúcido artigo histórico de D. Novak (1958), “The Placeof Anarchism in the History of Political Thought”, The Review of Politics, vol. 20,no. 3., pp. 307-329. Para o parasitismo que referi, ver Norman M. Naimark(1978), “The Workers' Section and the Challenge of the 'Young'. Narodnaia Volia,1881-1884”, Russian Review, vol. 37, no. 3: 273-297.

17

perspectiva, ora exprimiam posturas tácticas instrumentais – ambasrespostas compreensíveis num Mundo em mudança acelerada. Osanarquistas tinham projectos de modificações sociopolíticasprofundas. Mais ainda, estavam muitas vezes dispostos a actuar,dando o corpo ao manifesto. Mas nem os movimentos anarquistas, nemos os anarco-sindicalistas foram capazes de formar forçasconjuntas pró-activas: são mais certeiramente encaráveis comoreacções largamente espontâneas e desgarradas a indeterminaçõesconjunturais soletradas pela reconfiguração do Mundo.O fim da história é bem conhecido. Depois da Grande Guerra, aUnião Soviética bolchevique começou por primeiro co-optar omilitantismo anarquista internacional como força política “global”através do Comintern (também conhecido como a III Internacional, quedurou de 1919 a 1943) para depois fazer rápida marcha atrás,dissolvê-lo, e, primeiro com Lenine e depois sempre pela mão deJosef Estaline – no que não pode, para muitos, deixar de ter sidouma lição inesquecível de sobriedade – tirar o tapete debaixo dospés aos anarquistas e ao seu papel na liderança político-militar,do lado Republicano da Guerra Civil espanhola. Esta reacção tinhaantecedentes. As tomadas firmes de posição dos “marxistas” contrao respeitado teórico anarquista Mikhael Bakunin29, no Congresso daHaia de 1872, ligado à I Internacional30, e o isolamento a queestas condenaram ao longo dos anos que se seguiram a poucoconvincente – mas famosíssima – International Workingmen's Association,finalmente levaram a água ao seu moinho31. Ferido de morte, oanarquismo “organizado” foi-se extinguindo como ameaça activa,acantonando-se em bolsas cada vez mais isoladas, mais idealistas29 Para uma discussão detalhada e enxuta das principais fundamentações dosdiferendos, genericamente apleidados de “the Bakuninist controversy” entre K. Marx eM. Bakunin, é útil a consulta do artigo de Donald Clark Hodges (1960),“Bakunin's Controversy with Marx. An Analysis of the Tensions within ModernSocialism”, American Journal of Economics and Sociology, vol. 19, no. 3: 259-274.30 Para estas discussões [de que existem “actas” reputadamente manipuladas pelossoviéticos anos mais tarde] é reveladora a leitura de estudos cuidados como o deAlvin W. Gouldner (1982), “Marx's Last Battle. Bakunin and the FirstInternational”, Theory and Society, vol. 11, no. 6, Special Issue in Memory of AlvinW. Gouldner, pp. 853-884. Para uma narrativa histórica detalhada, pesadamentefavorável às perspectivas marxistas, do andar da carruagem na I International, éinteressante a consulta do longo e maçudo trabalho de G.M. Stekloff (1928),History of the First International, Martin Lawrence Limited, London, disponível na net emmarxists.org. Ver, ainda o importante discurso programático de abertura de KarlMarx (1864), Inaugural Address of the International Working Men's Association, descarregado emwww.marxists.org/archive/marx/works/1864/10/27.htm.31 Para uma discussão recente e empiríca e prospectivamente rica quanto àsmaneiras como desaparecem os movimentos terroristas, ver A.K. Cronin (2006),“How al-Qaida Ends: the decline and demise of terrorist groups”, InternationalSecurity 31, 1: 7-48.

18

e, por conseguinte, cada vez menos eficazes. A ritmos e comestertores variados, o anarquismo foi desaparecendo na Itália, emEspanha, nos Balcãs e no mundo eslavo. Não se extinguiu, econtinua muitas vezes ainda a levantar a cabeça: mas a auraameaçadora em que os movimentos se viam envoltos desvaneceu-se, eos anarquistas são hoje em dia encarados como pouco mais do que umirritante com que nos habituámos a conviver.Antes de avançar mais, cabe-nos inquirir quanto aos fundamentosúltimos da enormidade da ameaça sentida face à actuação dosanarquistas, não tanto no que diz respeito aos estragos causados(que foram muitos e dolorosos, porventura até chocantes, se bemque politicamente assaz improcedentes), mas antes em termos dosentimento agudo de impotência logístico-organizacional induzidopela aparente incapacidade de lhes pôr cobro de maneiradefinitiva. O que é que neles mais assustava os poderesestabelecidos? A resposta parece-me óbvia. Aquilo que tornava oanarquismo num desafio tão premente como reconhecido e temido pelocentros de poder instituído estava sem dúvida ligado àstransformações radicais, sentidas ao nível dos transportes, dacomunicação, da economia, da política, e das novas técnicas etecnologias, muitas delas com um potencial militar evidente, a quea fruição da Revolução Industrial encetada uma dezena de decéniosantes tinha dado azo. Para o compreender, basta listar algumasdelas. Sob a égide das doutrinas iluministas, e face às pressõespopulares desencadeadas pela Revolução Francesa32, as Monarquiaseuropeias – muitas delas monarquias absolutas – tinham sidomudadas em monarquias constitucionais e até em democraciasliberais mercantis. Pessoas, ideias, bens, e capitais circulavampor entre fronteiras com uma fluidez e facilidade semcontrapartidas, mesmo se as compararmos com a época actual deglobalização. Um exemplo paradigmático: em 1912 – apenas dois anosantes do início da Grande Guerra – só dois Estados, o ImpérioRusso e o Sultanato Turco, exigiam a apresentação de passaportespara a travessia de linhas de fronteira. Com a evolução das coisastudo isso se alterou, e foi apenas com os acordos mundiais decomércio pós-GATT de meados-finais dos anos 90 do século XX que osfluxos internacionais de capital conseguiram recuperar o grau deliberdade que tinham logrado até à I Guerra Mundial33. A montante ea juzante de tais mudanças induzidas pelo Iluminismo e pela32 Um dos líderes revolucionários franceses, Maximilien Robespierre fôra oprimeiro a introduzir a princípio de “la terreur” como um instrumento de eleiçãopara a instalação e a preservação da “liberdade”. Para o discurso em que o fez,ver M. Robespierre, “Principes de morale politique”, Discours presenté à la ConventionNationale Française, 5 de Fevereiro de 1794, disponível emhttp://membres.lycos.fr/discours/1794.htm.

19

Revolução Industrial que lhe esteve associada, vinhamtransformações tecnológicas de monta, ricas em riscos eoportunidades.Efectivamente, os riscos e oportunidades potenciados eram de peso.A transição do século XIX para o XX deu palco a uma época demudanças profundas. Alterações em várias frentes que, como que numsoluço em câmara rápida, em fast forward, tornaram o Mundo cada vezmais interdependente. A telegrafia, depois a TSF, os jornais diáriosde larga circulação, o surto dos caminhos-de-ferro, os primeirospaquetes transoceânicos, os automóveis e os dirigíveis e aviõesafloraram e floresceram nesse período. Em 1912 foi instalado oprimeiro serviço de rádio-telegrafia trans-Pacífica, ligando S.Francisco, na costa noroeste dos Estados Unidos, a Honolulu, noarquipélago distante do Hawaii, um pontilhado disposto no meio doOceano Pacífico. O território norte-americano e a Europa estavamjá há uma cinquentena de anos “conectados” – bem como conectadosuma à outra por meio de novos (e poucos anos antes inimagináveis)cabos submarinos transatlânticos, o primeiro dos quais, que seavariou quasi de imediato, datava de 1858, seguido de dois outros,bastante mais estáveis, colocados nos fundos marinhos em 1865 e1866. A contracção do espaço e do tempo começou a acelerar o passo.Nunca antes a velocidade das mudanças à escala planetária fora tãogrande – nem antes nem porventura depois, designadamente hoje coma Revolução Digital que um tão enorme impacto está a ter no Mundoactual. As promessas de melhorias não se viram porém realizadas demaneira homogénea e, seguramente, não atingiram todos: o que osfranceses chamavam Belle Époque não se tornou numa idade dourada paratodos quantos a ela aspiravam.Para o que aqui nos interessa, contudo, um dos pontos maisimportantes foi a consciência generalizada da possibilidade de osagrupamentos terroristas anarco-sindicais adquirirem o que eram,então, as novas “armas de destruição em massa” emergentes. Asmetralhadoras – embora de início demasiado pesadas para umautilização fácil por terroristas – tinham sido inventadas (se bemque muito pouco usadas) durante a Guerra da Secessão norte-americana e utilizadas, com efeito devastador, na Guerra dosBoers, na África Austral34. A dinamite, inventada também no mesmo33 Para uma discussão-comparação pormenorizada dos dados recentes quanto a issoe dos da volta do século XIX para o XX, ver, por todos, David Held, AnthonyMcGrew, David Goldblatt, e David Perraton, (1999), Global Transformations. Politics,Economy and Culture, Polity Press.

34 Uma arma que alterou profundamente a guerra, mecanizando-a e acabando com asaté então comuns cargas de cavalaria. As “metralhadoras” receberam o seu nome da

20

intervalo pelo industrial sueco Alfred Nobel, e os seus sub-produtos (incluindo bombas altamente explosivas de pólvora,lignite, ou nitroglicerina, e granadas-de-mão fabricadas com osmesmos compostos), tal como a utilização de gases letais,incapacitantes ou paralisantes, constituíam armas para cujaobtenção tanto os grupos anarquistas como os Estados corriam – efaziam-no com um notável se bem que terrível sucesso. Para abitola do período, tratava-se, com efeito, de instrumentosassustadores de morte e desestabilização.Mas o temor sentido não radicava apenas no reconhecimento dopotencial assustador de expansão e intensificação das acçõesterroristas anarquistas e anarco-sindicais. A este medo depressase juntou um sentimento generalizado de frustração e impotência.Por muito que as tentassem ultrapassar, os Estados e os novosserviços de informações e Polícia em desenvolvimento esbarravamcom dificuldades na detecção e na “desmontagem” dos gruposanarquistas. Os motivos para tanto prendiam-se com mutaçõesadaptativas na orgânica interna destes grupos. O medo radicava,também, na constatação crescente de que os tão temidos anarco-sindicalistas dispunham de novas tecnologias organizacionais quelhes forneciam uma espécie de escudo defensivo que os tornavamquase inexpugnáveis. Com efeito, novas formas de organização, temíveisna sua eficácia, tinham sido desenvolvidas e, no small world doscombatentes anti-Estado e anti-capital, aproveitando os “atalhosepistémicos” existentes, esses formatos organizacionais inovadoresforam rapidamente adoptados um pouco por toda a parte. Nesseâmbito restrito, pelo menos, o cosmopolitismo funcionava. A emergência destas novas formas organizacionais foi adaptativa. Umesboço de levantamento genealógico do aparecimento e proliferaçãoda “nova tecnologia organizacional” põe em relevo a lógicaadversarial da sua cristalização: desde o período pioneiro dorevolucionário francês Louis Auguste Blanqui35, em meados-finais do

mitrailleuse, uma arma manual desenvolvida em França nos anos 50 do século XIX eutilizada sem sucesso pelo Exército francês durante a Guerra Franco-Prussiana,que durou de 1870 a 1871. Visto os disparos serem accionados por uma manivela,tornou-se conhecida como um moulin á café, um nome semlhante ao de coffee mill gun,dado às muito mais eficazes Gatling guns desenhadas em 1861 pelo inventor americanoRichard J. Gatling e patenteadas a 9 de Maio de 1862. Um General da União,Benjamin Butler, comprou doze dessas armas e usou-as com grande impacto na durafrente de Petersburg.35 Um aderente da Charbonerie, Blanqui tinha o petit nom de “l'Enfermé” por terpassado 35 anos na prisão, em resultado de penas sucessivas em resposta aparticipações em acções de grande violência. Foi Communard em 1848, e escreveutextos revolucionários influentes. Apesar de o qualificar como um “socialistautópico”, Karl Marx comentou que Blanqui foi “o chefe que me faltou”. Para o queaqui nos interessa, as estruturas organizacionais que tentou criar, uma frase

21

século XIX, que novas estruturas organizacionais (a organizaçãodos militantes e activistas em células encobertas) tinham sido pensadascom o intuito de resistir à penetração e aos embates pororganizações hostis36. A estrutura organizacional escolhida foi-o,efectivamente, com o intuito de reduzir, na medida do possível, ainfiltração, a penetração, e a destruição que seguramenteocorreria ao agrupamento como um todo, caso um ou mais dos seusmembros fossem capturados, interrogados, e falassem. Era raro que células encobertas tivessem mais de uma dúzia demembros, e nalguns casos tinham apenas dois ou três. Outra dascaracterísticas distintivas fundamentais que exibiam era aausência de comunicação explícita, generalizada e contínua entrecélulas, mesmo quando se tratava de células que convergiam para asmesmas finalidades. Deste modo, a maioria dos membros de umadessas entidades apenas sabia a identidade das outras pessoas quecom eles estavam integrados nessa mesma célula, e só o líder tinhaconhecimento da identidade de outros líderes de outras células –ou pelo menos dos de algumas, e nalguns casos conhecidos fazendoparte, com estes, de uma “célula de líderes de células”37 – elograva assim comunicar com eles.As coordenadas da mecânica de cautela e salvaguarda conseguida comeste autêntico subterfúgio organizacional defensivo são fáceis deequacionar, e vale a pena que nos detenhamos um pouco neste ponto,posto que ele tem enormes implicações para uma compreensão cabal

célebre de Blanqui foi a de que “[l]e travail c'est le peuple; l'intelligence ce sont les hommesqui le dirigent”. Essas convicções elitistas levaram-no a pugnar pela criação de “unesociété secrète de révolutionnaires professionnels”, organizados “sur un mode paramilitaire et suivantavec obéissance les décisions de leur chef”. Morreu de uma apoplexia. As suas exéquiasforam acompanhadas por uma multidão estimada em cem mil pessoas. Para umenquadramento amplo e útil do tipo de acção política “blanquista”, ver PatrickH. Hutton (1974), “The Role of the Blanquist Party in Left-Wing Politics inFrance, 1879-90”, The Journal of Modern History, vol. 46, no. 2., pp. 277-295. O panode fundo geral pode ser entrevisto no notável artigo de Bob Grogin (1998),“Forgotten Crisis. The Fin-de-Siecle Crisis of Democracy in France”, CanadianJournal of History, 33, 2: 309-312. Para uma fascinante análise genérica das novasformas de luta largamente encetadas pelos blanquistas, que utiliza modelizaçõesde Charles Tilly, é recomendável a leitura do magnífico estudo de Mark Traugott(1993), “Barricades as Repertoire. Continuities and Discontinuities in theHistory of French Contention”, Social Science History, vol. 17, no. 2: 309-323.36 Para uma avaliação geral do seu impacto em França, ver, para além do já citadoPatrick H. Hutton (1974).37 Constituindo, assim, um patamar mais abrangente, por norma com funções de“coordenação”, de liderança geral das várias células que concertava e“sincronizava” (talvez sintonizar seja aqui um melhor termo para dar conta dopapel que preenchiam). Note-se que, nestes casos, aquilo que na prática se viacriado era um conjunto de relacionamentos hierárquicos como que embutidos nointerior de uma “rede”.

22

da macro-estrutura do agrupamento em causa. Como vimos, dada aausência de comunicação continuada e directa entre células, não era raro que osmembros de cada uma delas tivessem apenas pouca, ou mesmo nenhuma,ideia quanto a coisas tão comezinhas como saber quem mais estaria aagir pela mesmíssima causa, ou como o estava a fazer. Por outrolado, dado o número reduzido de membros de cada célula, membroscapturados e cativos, inimigos infiltrados, ou agentes duplostinham pouco a confessar, visto não saberem quase nada nem sobre oagrupamento a que pertenciam, nem porventura sequer sobre aestrutura da organização como um todo38. A ausência de umacomunicação generalizada entre os sub-grupos e a sua pequenaescala – aquilo que é conhecido como a compartimentação dosagrupamentos organizados nestes termos – tinham como objectivoreduzir em flecha o risco de que a organização maior se vissecomprometida por acções hostis de qualquer tipo montadas pelosseus inimigos39. E isto tornava os grupos practicamenteinexpugnáveis. Mas também reduzia a sua capacidade de coordenação uns com osoutros, o seu potencial de sincronização e sintonização, e logo asua eficácia conjunta. Em simultâneo, no entanto, tornava-os numinimigo duplamente alarmante, porque eram tidos como invisíveis eindestrutíveis. A doutrina da propaganda by the deed e os assassinatospersonalizados levados a cabo suscitavam um temor que a todosbatia à porta40. Não admira que fossem tão temidos pelos Estados e

38 Por outras palavras: o resultado da mecânica organizacional que descrevi (eque garante a divisão da “empresa” em vários pequenos grupos, cada um delesapenas focado nas missões particulares que lhe sejam alocadas ou, caso tenhaessa liberdade, que escolher), é assim uma diminuição muitíssimo acentuada dadeterioração em que outros membros do grupo ou o todo maior possa incorrer.Mesmo se uma ou mais células forem comprometidas, as outras, em princípio, podiacontinuar a operar de forma independente. E as perdas globais viam-se reduzidas.39 Estas modificações evolucionário-adaptativas foram comuns à maioria destesgrupos, encobertos porque marginais, terroristas ou não.40 Apesar da comparativa improcedência destas escolhas anarquistas. Para uma boadiscussão técnica e desapaixonada sobre a relativa ineficácia da “propaganda by thedeed” em situações de rarificação organizacional, ver D. Novak (1954),“Anarchism and Individual Terrorism”, The Canadian Journal of Economics and Political Science.Revue canadienne d'Economique et de Science Politique, vol. 20, no. 2: 176-184. De maneiraconvergente, em Philip Pomper (1974), “Nechaev and Tsaricide. The Conspiracywithin the Conspiracy”, Russian Review, vol. 33, no. 2: 123-138, a discussão rodaem volta das insuficiências “ideológicas” e organizacionais da Narodnaia Volia[sic] de Nechaev, responsáveis pelo assassinato de Alexander II. Em Ze'evIviansky (1977), “Individual Terror. Concept and Typology”, Journal of ContemporaryHistory, vol. 12, no. 1: 43-63, a discussão gravita ao redor do contraste entre otiranicídio clássico e a violência individual e personalizada dos militantesanarquistas, que o Autor encara como constituindo uma forma “teleológica” detirania ou, como . Felix Gross o entreviu,, “a political method, a tactic guided by a

23

pelas opiniões públicas. Para um observador contemporâneo, só comdificuldade pode passar despercebida a evidência de que asmotivações, implicações, e consequências políticas, sociais, eeconómicas da vaga anarquista que afligiu o Mundo ocidental navolta do século XIX para o XX, tem tido, em muitos sentidos, comoque uma réplica (no sentido tectónico da expressão) na passagem doséculo XX para o XXI. As diferenças entre um caso e o outro, como é óbvio, sãotremendas; mas as semelhanças ainda são mais impressionantes. Osataques “democratizaram-se” e tornaram-se mais mediáticos. Emconsonância com essas alterações, mudaram os pontos de aplicaçãodas actuações e os métodos nelas utilizados. As acções começaram aser conhecidas pelos nomes das cidades em que tinham lugar, osassassinos massificaram a sua actuação e passaram na maior partedos casos a tomar como alvos indiscriminados vítimas cada vez maisnumerosas e anónimas; em paralelo, em vez de liquidar personagensque representavam e personalizavam o poder41, em boa sintonia com onovo Espírito do Tempo, passaram à destruição de ícones e a fazê-lo, tanto quanto possível, de maneiras eivadas de uma forte cargasimbólica42.

4.

strategy”. Num artigo fascinante, em muito paraleo ao de Ze’ev Iviansky, DavidGeorge (1988), “Distinguishing Classical Tyrannicide from Modern Terrorism”, TheReview of Politics, vol. 50, no. 3: 390-419, reiterou o que antes fora escrito numcontexto teórico-metodológico novo.41 É curioso notar que mesmo o uso de explosivos (a dinamite e os produtosderivados a que aludi) era, por norma (embora não sempre), “personalizado”. ComoClutterbuck o descreveu, por exemplo, o assassinato do Czar Alexandre II: “[o]n 5February 1880 a massive explosion rocked the Tsar’s Winter Palace, killing eleven people but failing toaccomplish its objective. The device had been assembled and placed by Zhelyabov, a member of NarodnyaVolya who had infiltrated the Tsar’s household by seeking employment as a carpenter. He detonated thedynamite by lighting a ‘Rumford fuse of requisite length’ and hence was able to escape from the Palace priorto the explosion.[…] The primary attempt on the life of the Tsar on 1 March 1881 saw them once moreresort to their favoured technique of a landmine placed in a tunnel they had excavated under a street.However, the death of the Tsar was finally achieved in yet another manner by using ‘grenades’ made out ofkerosene cans filled with nitro-glycerine which exploded on impact when thrown”. Em LindsayClutterbuck (2004), op. cit.: 171.42 O meu ponto é, aqui, durkheimiano: os ataques passaram a ter como alvos os“núcleos duros” das novas estruturações do poder, tal com antes fora o caso,quando, pela via das ligações entre soberanos, ataques a estes, caso fossemsistemáticos e bem sucedidos, poderiam causar um efeito de cascata no sistema.Para uma discussão fascinante das características e implicações políticas dospadrões de alianças matrimoniais entre Casas reais e Imperiais europeias, ver,por todos, Robert A. Kann (1973), “Dynastic Relations and European PowerPolitics (1848-1918)”, The Journal of Modern History, vol. 45, no. 3, 387-410

24

Disse que voltaria à reacção norte-americana a estesacontecimentos e é o que agora irei fazer. As homologias com opresente são notórias, por detrás de formulações retóricas nemsempre muito parecidas umas com as outras. Limito-me a uma mãocheia de exemplos indicativos. Depois de duas dezenas de anos deassassinatos selectivos de líderes políticos na Europa e norescaldo da morte de William McKinley, na sua primeira AnnualMessage ao Senado e à Câmara de Representantes norte-americanos, a3 de Dezembro de 1901, o novo Presidente recém-empossado (era oVice-Presidente de McKinley), Theodore Roosevelt, declarou demaneira retumbante que os anarquistas eram, por natureza, gentesujeita a “evil passions” e constituíam os mais perigosos “deadly foes ofliberty” contemporâneos43. Nas palavras que utilizou para caracterizarLeon Czolgosz, o homem que vitimara o Presidente McKinley,Roosevelt comentou, com fervor, que o “President McKinley was killed by anutterly depraved criminal belonging to that body of criminals who object to allgovernments, good and bad alike, who are against any form of popular liberty if it isguaranteed by even the most just and liberal laws, and who are as hostile to the uprightexponent of a free people's sober will as to the tyrannical and irresponsible despot”44.Em Maio de 1904, no que foi apelidado de The Roosevelt Corollary to theMonroe Doctrine, o famoso Presidente alargou amplamente a missão quedesenhara, e que consistia em eliminar o anarquismo e osterroristas, para uma missão imperial a levar a cabo no Mundointeiro, intervindo fosse em que Estado fosse de modo a garantir asua protecção face ao “mal estrangeiro” e a preservar esse Estadoe o Mundo do caos. A fraseologia utilizada por Theodore Rooseveltfoi veemente e nela ouviam-se, de novo pela via de uma defesaintrasigente do perímetro norte-americano de segurança e defesa aque no princípio do século XIX James Monroe fizera alusão, os ecosdo Manifest Destiny que o excepcionalismo norte-americano – queRoosevelt já antes ajudara a cristalizar no início da sua carreirapolítica pública internacional, enquanto Assistant Secretary of State of theNavy – desde há muito vinha fazendo seus, e formando como que ummapa para o que se iria seguir uma centena de anos mais tarde:“[c]hronic wrongdoing, or an impotence which results in a general loosening of the tiesof civilized society, may in America, as elsewhere, ultimately require intervention by somecivilized nation, and may lead the United States, however reluctantly, in flagrant cases ofsuch wrongdoing or impotence, to the exercise of an international police power”45.Roosevelt foi explícito quanto aos fundamentos e ao alcance do

43 T. Roosevelt, First Annual Message to Congress, 3 de Dezembro de 1901, disponível emhttp://www.geocities.com/presidentialspeeches/1901.htm

44 Ibidem.

25

“corolário”: “[i]n asserting the Monroe Doctrine, in taking such steps as we havetaken in regard to Cuba, Venezuela, and Panama, and in endeavoring to circumscribe thetheater of war in the Far East, and to secure the open door in China, we have acted in ourown interest as well as in the interest of humanity at large. There are, however, cases inwhich, while our own interests are not greatly involved, strong appeal is made to oursympathies.... In extreme cases action may be justifiable and proper. What form the actionshall take must depend upon the circumstances of the case; that is, upon the degree of theatrocity and upon our power to remedy it”. Talvez mais interessante emtermos comparativos, a derrota definitiva do anarquismo tornou-separa Teddy Roosevelt, em 1908, quatro anos depois, missãohistórica central da sua Administração; já antes citei a suareacção: “[w]hen compared with the suppression of anarchy, every other questionsinks into insignificance. The anarchist is the enemy of humanity, the enemy of allmankind; and his is a deeper degree of criminality than any other46”.Em resultado destas suas convicções, Roosevelt tinha, já em 1901,na sua 1st Message to Congress, proposto o germe daquilo a que hojechamaríamos uma espécie de doutrina preventiva de repressão dasactividades anarquistas: “[t]he anarchist, and especially the anarchist in theUnited States, is merely one type of criminal, more dangerous than any other because herepresents the same depravity in a greater degree. The man who advocates anarchydirectly or indirectly, in any shape or fashion, or the man who apologizes for anarchistsand their deeds, makes himself morally accessory to murder before the fact”.Continuou, generalizando e fundamentando “[t]here are no wrongs toremedy in his case. The cause of his criminality is to be found in his own evil passions andin the evil conduct of those who urge him on, not in any failure by others or by the state todo justice to him or his. He is a malefactor and nothing else. He is in no sense, in no shapeor way, a ‘product of social conditions’, save as a highwayman is ‘produced’ by the factthat an unarmed man happens to have a purse. It is a travesty upon the great and holynames of liberty and freedom to permit them to be invoked in such a cause. No man orbody of men preaching anarchistic doctrines should be allowed at large any more than ifpreaching the murder of some specified private individual. Anarchistic speeches, writings,and meetings are essentially seditious and treasonable”. Será possível delinear um paralelo contemporâneo para este tipo deafirmações e receios? Creio que sim. Oiçamos o Presidente GeorgeW. Bush, quase um século mais tarde, em 2001: “[h]ow will we fight andwin this war? We will direct every resource at our command – every means of diplomacy,every tool of intelligence, every instrument of law enforcement, every financial influence,45 T. Roosevelt, The Roosevelt Corollary to the Monroe Doctrine, Maio de 1904, disponívelem http://www.theodore-roosevelt.com/trmdcorollary.html. Para uma boaperspectivação da postura de Roosevelt, ver o já citado artigo de Richard BachJensen (2001).46 Apresentação de Ch. Bonaparte, Attorney General, “on behalf of Pres. Th. Roosevelt”, ao60th U.S. Congress, lido ao membros do Congresso a 9 de Abril de 1908, doc. 426,disponível em http://tmh.floonet.net/articles/bonaparte.html.

26

and every necessary weapon of war – to the disruption and to the defeat of the globalterror network”. O contexto foi também, como sabemos, o de um novo“corolário” da Doutrina de Monroe: “[o]ur response involves far more thaninstant retaliation and isolated strikes. Americans should not expect one battle, but alengthy campaign, unlike any other we have ever seen. It may include dramatic strikes,visible on TV, and covert operations, secret even in success. . . From this day forward, anynation that continues to harbor or support terrorism will be regarded by the United Statesas a hostile regime” 47. Em guisa de fundamentação, logo a 11 deSetembro, num Address televisivo aos norte-americanos e ao Mundo,Bush afirmara famosamente, e com clareza, que “we will make nodistinction between the terrorists who committed this act and those who harbour them”.Talvez, no entanto, a expressão mais clara da criminalizaçãogeneralizada a que Bush, na esteira de Roosevelt, condenou aactuação dos ataques terroristas do 11 de Setembro tenha sidoformulada a 20 de Setembro, ao declarar que “[o]ur grief has turned toanger, and anger to resolution.[…] Whether we bring our enemies to justice or bringjustice to our enemies, justice will be done” e ao concluir com a asserçãosegundo a qual “[t]his conflict was begun on the timing and terms of others; it willend in a way and at an hour of our choosing”48. Oiçamos algumas das transformações lógico-formais destasdeclarações, as que porventura mais alargaram o seu âmbito, queBush pronunciou a 29 Janeiro de 2002, no primeiro State of the UnionAddress que se seguiu ao ataque da al-Qaeda: “American will lead bydefending liberty and justice because they are right, true and unchanging for all peopleeverywhere. . . . In a single instant, we realized that this will be a decisive decade in thehistory of liberty—that we have been called to a unique role in human events”. A 16 deJulho de 2002, estendendo ainda mais o enquadramento temporalproporcionado, o Presidente Bush apresentou o seu plano desegurança doméstica norte-americana com um apelo de ressonânciasRooseveltianas: “[t]errorism is the greatest threat to the United States in this century.. . .We must rally our entire society to overcome a new and very complex challenge”49.47 Em George W. Bush, Address to Joint Session of Congress, 20 de Setembro de 2001. Muitasoutras citações de Bush sobre o “terrorismo islamo-fascista” podem ser postas emparalelo com as de Roosevelt sobre o anarquismo.48 Esta última frase foi repetida, ipsis verbis, a 17 de Março de 2001; ver GeorgeW. Bush, “‘This Is Not a Question of Authority; It Is a Question ofWill,’”Washington Post, 18 de Março, 2003. Para uma análise cuidada e saudavelmentemais técnica do que política dos discursos de Bush e das suas “três estratégiasretóricas” relativamente ao 11 de Setembro, parece-me imprescindível a leiturade John M. Murphy (2003), “'Our Mission and Our Moment'. George W. Bush andSeptember 11th”, Rhetoric & Public Affairs, vol. 6, no. 4, 2003, pp. 607-632.49 De notar que, no quadro da Segunda Guerra Mundial, também Winston Churchill eFranklin Delano Roosevelt tinham ecoado o mesmo tipo de preocupações“transcendentes”, respectivamente em nme da “Civilização Cristã” e da dos EUA.Para uma interpretação deste redimensionamento “ontologizante” de Bush (acomparação com T. Roosevelt é aqui implícita), ver John Wickham (2002),

27

As ressonâncias são patentes, e muitas outras poderiam seraduzidas. Alguns exemplos: esforços nem sempre bem sucedidos foramfeitos para uma maior coordenação internacional na luta contra oterror (que Bush chama the war on terror), os EUA declararam ter odireito, e a obrigação até, de agir unilateralmente caso nãotivessem outra hipótese, policiando o Mundo, e houve uma recusaexplícita de considerar os terroristas como mais do que criminososna pior acepção do termo, e de os tratar como tal, porventuralargamente em resultado da sua invisibilidade e aparenteindestrutibilidade50.

5.

Não pretendo, evidentemente, sugerir muito com a comparação quetenho vindo a esboçar. O que quero sublinhar é simplesmente aconvicção partilhada de que estaríamos perante adversáriosaltamente organizados e sincronizados entre si, e a ideia quecirculava segundo a qual a ameaça que constituíam erapotencialmente fatal para os Estados caso não fosse combatida, ecombatida com a devida firmeza e ferocidade. Note-se que, mais uma vez, o contexto externo é propício areacções deste tipo. Passou uma centena de anos51. Estamos, de“September 11 and America's War on Terrorism. A New Manifest Destiny”, AmericanIndian Quarterly, vol. 26, no. 1: 116-144.50 Note-se, for the record, que não é claro que as duas soluções por normaequacionadas (crime ou guerra) sejam as únicas disponíveis. John Braithwaite, daAustralian National University, num paper não-publicado intitulado “ThinkingCritically about the War Model and the criminal Justice Model for CombatingTerrorism”, apresentado ao Law and Society Association Meeting Panel sobre “FindingGround Between Traditional Adversaries”, Vancouver, argumentou, em Junho de 2002que uma terceira alternativa constituiria um melhor modelo: “both the war and criminaljustice models are seen as too crude, particularly in their theory of deterrence, for responding to theproblem of global terrorism. An alternative regulatory model is advanced that overlays the public healthconcepts of primary, secondary and tertiary prevention with the ideas of containment (of injustice) andenlargement (of justice). Na interconnected web of controls might enable an overdetermined prevention ofterrorism that, in spite of its redundancy, might be more cost-effective than the war or criminal justicemodels because the principle of responsiveness means parsimony in resort to coercive modalities of controlthat are expensive. It is possible to have an evidence-based approach to regulating rare events like 9/11terrorism by applying the principles of evidence-based regulation to micro-elements that are constitutive ofmacrodisasters. Viewed through this lens, support for the war on terrorism is not evidence-based butgrounded in other public philosophies like retribution and arm-chair utilitarianism”.51 Para uma generalização “conspiratorial” quanto a esta ligação, que presume umacontinuidade que seria típica das imagens que temos sobre ameaçasinternacionais, ver o interessante artigo do Embaixador britânico Allan Ramsay(2003), “Foreign policy and conspiracy”, Contemporary Review, vol 283, issue 1652:135-143.

28

novo, perante mudanças de peso no Mundo, mudanças que – de início,pelo menos – deixam para trás, mais uma vez, largos sectores dapopulação. A evolução tecnológica ameaça, de novo, dar armastemíveis, instrumentos de destruição verdadeiramente maciça –incomparavelmente mais letais do que há um século – aosrevolucionários mais vocais que lideram aqueles cujas expectativasse vêm frustradas de participar nas alterações-melhorias profundasde que usufruimos. Não é, por isso mesmo, surpreendente que surjamatitudes e reacções paralelas das vítimas de ataques terroristascomo aquelas que acabei de sublinhar. Efectivamente, ascontinuidades são muitas. É certo que as diferenças também: osalvos escolhidos passaram a ser menos personalizados e maisindiscriminados, fossem eles individuais ou colectivos –porventura tendo em vista as novas características do Mundo dopós-guerra e a natureza dos objectivos prosseguidos: mais do queatingir Chefes de Estado, Primeiros-Ministros, ou outros líderespolíticos, aponta-se nas actuações terroristas de hoje, para“audiências” mais amplas. Quero, todavia, pôr em realce tantodivergências quanto paralelismos. Tomemos como primeiro exemplo o dimensionamento semiológico dosmeios materiais utilizados. As facas, pistolas, e espingardas,usadas em finais de oitocentos e as duas décadas iniciais denovecentos, na rua ou em salões, por assassinos individuais ou porpequenas células com poucos membros, perderam protagonismo.Tipicamente, as acções levadas a cabo na segunda metade do séculoXX envolveram bombas em automóveis, autocarros, bares,restaurantes, supermercados, hotéis, barcos e aviões, colocadas efeitas explodir não por assassinos individuais – ou pequenosgrupos “personalizados” – mas antes por agrupamentos maiores emais anónimos. As bombas, como é óbvio armas relativamente menosselectivas do que as facas, as pistolas ou as espingardas – oumais “democráticas” do que elas, no carácter indiscriminado daletalidade que exibem52 – têm sido os seus instrumentos “políticos”

52 Ver Benjamin Grob-Fitzgibbon (2004), “From the Dagger to the Bomb: KarlHeinzen and the Evolution of Political Terror”, Terrorism and Political Violence, vol.16, no. 1: 97-115, para uma boa discussão-enquadramento genérico desta diferençade armas, embora estes sejam aí equacionados no quadro restrito das teorizaçõesrvolucionárias de Karl Heinzen. Para uma fascinante interpretação semiótico-performativa, é bom consultar o analiticamente excelente (embora a meu verdesnecessariamente partisan) artigo de Jeffrey C. Alexander (2004), “From theDepths of Despair: Performance, Counterperformance, and September 11”, SociologicalTheory, vol. 22, no. 1, 88-105. O mesmo pode ser dito quanto ao notável estudoteórico de Donald Black (2004), “The Geometry of Terrorism”, Sociological Theory,vol. 22, no. 1, 14-25.

29

de eleição; e tratava-se de bombas bem mais poderosas do que asgranadas artesanais dos dynamitards anarquistas do passado.Acrescentou-se-lhes uma maior (mais extensa e mais intensa)preocupação comunicacional, num novo Mundo tecnológico em que astelevisões, os telemóveis e a Internet tinham vindo substituir ospombos-correio, a telegrafia sem fios e os jornais diários53. Asimplicações convergentes desta despersonalização e deste autênticoalargamento de banda não foram de menosprezar: quando osdestinatários a atemorizar se transformaram em “constituências”mais latas, muitas das acções terroristas começaram a ter lugar emprime-time e, em consonância com isso mesmo, passaram a incluir pordesign contornos simbólicos que as metamorfoseavam em gestospolíticos públicos tão comercializáveis quão inesquecíveis.Também ao nível da recepção, como depressa se tornou para todosevidente, muito se tinha alterado: de uma preocupação de fundo depolícias, políticos, romancistas, e repórteres, o terrorismoapareceu em posição central nos radares de crise de serviços deinformações, de militares, e de diplomatas. A uma espécie deescalada armamentista em termos de instrumentos, acções, reacções,respostas e ripostas, veio juntar-se um crescendo tanto na difusãoalmejada quanto na despersonalização dos ataques quanto, ainda, noque respeita ao grau de internacionalização pretendido. Em paralelo, face às novas tecnologias de contenção, por um lado,e, por outro, às formas emergentes de comando e controlo, asformas e estruturas organizacionais típicas dos váriosagrupamentos terroristas complexificaram-se. Uma nova era foraencetada. Modalidades directas e crescentemente despersonalizadasde acção e participação política violenta tinham-se não sóinstalado, mas entrado em velocidade de cruzeiro. Os novosformatos de implantação de terrorismo que hoje em dia enfrentamossão a face mais recente desta sequência-evolução complexa54. Mudouo que seria de esperar que mudasse. Na global village, como queparadoxalmente, instalou-se uma deslocalização do terror, e comela acentuou-se mais ainda o anonimato e a impessoalidade. Umamodificação em duas dimensões. Por um lado, o que antes era

53 Para um exemplo delicioso do impacto de novas tecnologias comunicacionais nomundo da contestação política – muito mais ambicioso na sua alçada do que a meraalusão que aqui faço, já que encara a reduzida generalização de redestelefónicas como uma forma de controlo social – ver Steven L. Solnick (1991),“Revolution, Reform and the Soviet Telephone System, 1917-1927”, Soviet Studies,vol. 43, no. 1: 157-175.54 Para uma leitura mais ampla e mais “prática” (no sentido de menos teórica) doque a minha sobre a evolução do terrorismo – e não apenas dos poucos aspectosdele que foco – é indispensável conhecer a monografia de David Kilcullen (2006),“Counterinsurgency Redux”, Survival 48 (4): 11-130.

30

privado – ou, em todo o caso, o que fora local – como que passou apúblico. Numa fase mais aguda da multi-polarização aceleradadaquilo que V.I. Lenine apelidou da “correlação de forças” – emque a oposição de fundo ao sistema internacional deixou de estarmonopolizada por um bloco político-ideológico – as propensões dopós-guerra viram-se pulverizadas, aceleraram o passo, eextremaram-se. Em consonância homológica com essa alteração, a suadimesão semiológoca mudou também os seus pontos de aplicação, e aspalavras de ordem de ontem viram-se mutadas nas prédicascosmológico-escatológicas, por vezes messiânicas, mas por normaapocalípticas de hoje. Por outro lado, este descentramento“temático” associou-se a uma disseminação geográfica. Com oestertor da ordem internacional bipolar e a emergência progressivade espaços públicos globais, os lugares de actuação escolhidosviram-se multiplicados. Mais: na comunidade política de extensãoplanetária emergente, as vozes recém-adquiridas tornaram-seexplicitamente dissonantes. A estridência passou a dar-lhes omote, num Mundo cada vez mais denso e multivocal. De par com isso,na “aldeia global” subiram de tom e aumentaram em complexidade as“contestações de bairro”, sobretudo as que começaram a eclodir nasperiferias “suburbanas”55. O local, como era decerto inevitável,foi cristalizando como subproduto do global, e ele próprio,curiosamente, se deslocalizou. A exigir reconhecimento, asidentidades explodiram e multiplicaram-se. Raramente conseguiramcoordenar esforços comuns. Porquê? Talvez se possa ler nisto um“neo-medievalismo” anunciado por Hedley Bull56, ou, em vez disso,uma “neo-tribalização” por subsidiariedade democrática,vislumbrada por Benjamin Barber57, que fervilha como efeitosecundário. Ou porventura vislumbrar, até, uma forma pós-modernade “tradicionalismo”. Sendo-o, poder-se-ia argumentar, ecoando o“anjo da História” de Walter Benjamin58, por avançar para o futuroàs arrecuas, de olhos postos no passado.O que podemos aventar como motivos para tais continuidades e taistransformações? Num Mundo cada vez mais desigual, interdependente,

55 Para discussões detalhadas disto mesmo, ver os dois primeiros artigos deArmando Marques Guedes (2005), Estudos sobre Relações Internacionais, InstitutoDiplomático, Ministério dos Negócios Estrangeiros

56 Uma imagem desenvolvida no clássico Hedley Bull (1977), The Anarchical Society. Astudy of order in world politics, MacMillan, London.57 Benjamin Barber (1996), Jihad vs. McWorld. How globalism and tribalism are reshaping theworld, Ballantine Books, New York, em muitos sentidos uma obra já clássica daCiência Política contemporânea.58 Walter Benjamin (1968), Illuminations, Schoken Books, New York, porventura acolectânea com maior e mais durável impacto da chamada Escola de Frankfurt.

31

e dialógico, modalidades de conflito como as que temos vindo aexperienciar eram seguramente inevitáveis. O que não sabíamos – eem boa verdade ainda hoje não sabemos – é a escala que podem ter,a sua alçada potencial, ou os níveis de terror e destruição quepodem vir a atingir. O que sabemos, isso sim, é que os sinais nãosão nada animadores. Não conseguimos sequer adivinhar as formas –quaisquer que elas venham a ser – que assumirão. Intuímos o riscode poderem vir a ser utilizadas armas de destruição massiva, agoraque as há e que a sua acessibilidade, como temos vindo averificar, é cada vez menos fácil de controlar; e posto que a suaeventual utilização parece ir no sentido em que o crescendo deprivatização, publicitação, e devastação moral almejada têm vindoa progredir de modo imperturbável59, aterrorizam-nos.Em todo o caso, os riscos reais são hoje muitíssimo maiores do queos existentes na passagem do século XIX para o XX. Sabemos que háagora a perigo de autênticas armas de destruição em massa, cadavez mais facilmente disponíveis, virem a ser utilizadas – e sê-lo-ão, decerto, se os agrupamentos terroristas contemporâneos asconseguirem. A capacidade de destruição de novos instrumentosquímicos, biológicos, ou nucleares, é enorme. Há, em todo o caso,que ter em linha as mudanças estruturais que têm vindo a alteraros tabuleiros, eles mesmos, em que tem lugar a acção políticasubversiva deste tipo de entidades. A crescente urbanização é uma delas. Muitas vezes o século XXI temsido apelidado de “o século urbano”. Pela primeira vez naHistória, a maioria da população mundial vive agora em cidades. Onúmero, prevê-se, irá aumentar e a projecção é que, em 2030, 60%da população do Mundo viverá em cidades. Talvez o mais notórioseja o desfasamento crescente que se verifica entre estaurbanização galopante e os processos de industrialização edesenvolvimento que lhe deram azo. Em vez de lugares deprosperidade e crescimento, porventura a maioria das cidades doMundo – e, certamente, a maior parte das maiores de entre elas –tem vindo a transformar-se em reservatórios de ‘excessosdemográficos’ forçados, por múltiplas razões, a abandonar os seusespaços rurais tradicionais. Às características de alvos maioresque não podem deixar de o ser, as novas metrópoles urbanas têm59 O que pode tornar os conflitos assimétricos modernos em acontecimentos cadavez mais fluidos, tanto no plano político-militar como no das consequências. Parauma série de propostas quanto a como conceptualizar essa fluidez em casos coomoo do combate contra a al-Qaeda ver, por exemplo, Aline Leboeuf (2005), “FluidConflicts. Concepts and Scenarios”, Politique étrangère, 3. Uma leitura sucinta daevolução plausível do terrorismo pode ser encontrada em B. Jenkins (2006), “TheNew Age of Terrorism”, RAND.

32

demonstrado ser também labirintos, e viveiros, de recrutas fáceispara agrupamentos determinados. Fazem também hoje em dia parte do tabuleiro os computadores e aInternet, os telemóveis agéis e o texting universal, e todo umespaço virtual que os terroristas podem utilizar (e, como bemsabemos, fazem-no de forma rotineira) para suprir carênciasorganizacionais que de outro modo lhes tolheriam as acçõesviolentas brutais que tanto insistem, agora com fervor religiosos,em levar a cabo sobre ‘combatentes’ e ‘não-combatentes’. A estadesmaterialização do espaço vem associada uma desmaterialização defronteiras e um novo cosmopolitismo. Por tudo isso, os riscos sãoagora muito mais reais do que antes foram.Oxalá estejamos enganados. O certo é que para isso nos temos depreparar. Decerto o urgente é que (tanto programática muitonormativamente) o façamos sem perder de vista as liberdades quetanto nos custaram a conquistar – um considerando que nem sempre,infelizmente, temos tido na devida consideração, tal como tambémnão o tivemos no tempo dos anarquistas. Como sabemos, a al-Qaeda –para nos restringirmos a este exemplo, amplamente paradigmático –transformou-se em bastante mais do que numa colecção de célulasBlaquistas: é hoje uma rede de redes, um mecanismo de copy-catting emque proliferam leaderless cells; mas parece estar também a emergir umaorquestração efectiva e uma maior ‘profissionalização’ nos actosde violência (os ataques recentes em Mumbai [Bombaím] são dissotestemunho) do que a pouca que havia no tempo dos anarquistas eanarco-sindicalistas, decerto viabilizadas por um ‘cosmopolitismo’maior que a globalização permite e instiga. Tal como um pouco portodo o Mundo, as estruturas norte-americanas de resposta (porexemplo, a criação de uma enorme instituição dedicada à HomelandSecurity, tal como a al-Qaeda um exemplo largamente paradigmático)foram de novo reconfiguradas, novamente segundo padrõessemelhantes; continua, assim, agora em formatos inovadores, umacorrida armamentista antiga. Que consigamos sobreviver a isso, e ao terrível disciplinarianismoque segue na sua esteira.

BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, Jeffrey C. (2004), “From the Depths of Despair:Performance, Counterperformance, and September 11”, SociologicalTheory, vol. 22, no. 1, 88-105.

33

ANON (2008), “Gavrilo Princip Biography”, descarregado embookrags.comBach Jensen, Richard (1981), “The International Anti-AnarchistConference of 1898 and the Origins of Interpol”, Journal ofContemporary History, vol. 16, no. 2: 323-347.ANON (2004), “Daggers, Rifles and Dynamite: Anarchist Terrorism inNineteenth Century Europe”, Terrorism and Political Violence, volume 16,number 1: 116-153.BENJAMIN Barber (1996), Jihad vs. McWorld. How globalism and tribalism arereshaping the world, Ballantine Books, New York.BECKER, Jean-Jacques (2001), “L'ombre du nationalisme serbe”,Vingtième Siècle. Revue d'histoire, no. 69, 7-29.BELKNAP, Michal R. (1982), “Uncooperative Federalism: The Failureof the Bureau of Investigation's Intergovernmental Attack onRadicalism”, Publius, vol. 12, no. 2: 25-47.BENJAMIN, Walter (1968), Illuminations, Schoken Books, New York.BERGESEN, Albert J. and Omar Lizardo (2004), “InternationalTerrorism and the World-System”, Sociological Theory, Vol. 22, No. 1:38-52.BLACK, Donald (2004), “The Geometry of Terrorism”, Sociological Theory,vol. 22, no. 1, 14-25.BONAPARTE, Ch., Attorney General, “on behalf of Pres. Th. Roosevelt”, ao 60thU.S. Congress, lido ao membros do Congresso a 9 de Abril de 1908,doc. 426, disponível emhttp://tmh.floonet.net/articles/bonaparte.html. BOUDIN, Louis B. (1952), 'Seditious Doctrines' and the 'Clear andPresent Danger' Rule. Part I”, Virginia Law Review, vol. 38, no. 2:143-186BOYD, Carolyn P. (1976), “The Anarchists and Education in Spain,1868-1909”, The Journal of Modern History, Supplement, vol. 48, no. 4:125-170.BRADLEY, J.F.N. (1968), “The Russian Secret Service in the FirstWorld War”, Soviet Studies, vol. 20, no. 2., pp. 242-248.BRAITHWAITE, John (2002), “Thinking Critically about the War Modeland the criminal Justice Model for Combating Terrorism”, paper não-publicado apresentado ao Law and Society Association Meeting Panel sobre“Finding Ground Between Traditional Adversaries”, Vancouver,online.

BULL, Hedley (1977), The Anarchical Society. A study of order in world politics,MacMillan, London.BUSH, George W. (2001), Address to Joint Session of Congress, 20 de Setembrode 2001, online.

34

BUSH, George W. (2003), “‘This Is Not a Question of Authority; ItIs a Question of Will,’”Washington Post, 18 de Março, 2003.CASANOVA, Julián (2005), “Terror and Violence. The Dark Face ofSpanish Anarchism”, International Labor and Working-Class History, no. 69:79-99, Cambridge University Press.CAVENDISH, Richard (2001), “Assassination of President McKinley.September 6th, 1901”, History Today, 51, 9: 52-53CLARK HODGES, Donald (1960), “Bakunin's Controversy with Marx. AnAnalysis of the Tensions within Modern Socialism”, American Journal ofEconomics and Sociology, vol. 19, no. 3: 259-274.COLE, David (2006), “Reviving the Nixon Doctrine: NSA Spying, theCommander-in-Chief, and Executive Power in the War on Terror”,Washington & Lee J.C.R. & Soc. Just. 13, 1: 2.COOPER JR,. John Milton (2004) “Murdering McKinley The Making ofTheodore Roosevelt's America”, The Journal of American History, 91, 2:657-659CRONIN, A.K. (2006), “How al-Qaida Ends: the decline and demise ofterrorist groups”, International Security 31, 1: 7-48.DALY, Jonathan W. (1995), “On the Significance of EmergencyLegislation in Late Imperial Russia”, Slavic Review, vol. 54, no. 3:602-629DEFLEM, Mathieu (2000), “Bureaucratization and Social Control:Historical Foundations of International Police Cooperation”, Law &Society Review, vol. 34, no. 3: 739-778. DEFLEM, Mathieu (2004), “The Ends of the State. Anarchy, Terror,and Police, 1851 to 9-11”, publicado na Comparative & Historical Sociology,vol. 16, no.1: 3-5.DEFLEM, Mathieu (2004), “The Ends of the State. Anarchy, Terror,and Police, 1851 to 9-11”, Comparative & Historical Sociology vol. 16,no.1: 3-5.DELLAPENNA, Joseph W. (2006) “Presidential Authority and the Waron Terror”, publicado no ILSA Journal of International and Comparative Law,13, 25.EVANS, Mary (2008), “For anarchist read jihadist”, The Economist,obtenível em www.economist.com/displaystory.cfm?story_id=4292760FINE, Sidney (1955), “Anarchism and the Assassination ofMcKinley”, The American Historical Review, Vol. 60, No. 4, 777-799.GELVIN, James (2007), “Al-Qaeda and Anarchism. A Historian´s Replyto Terrorology”, University of Califórnia, Department of History,disponível a 8 de Janeiro de 2008 emwww.international.ucla.edu/cms/files/JamesGelvin.pdf.GEORGE, David (1988), “Distinguishing Classical Tyrannicide fromModern Terrorism”, The Review of Politics, vol. 50, no. 3: 390-419

35

GOULDNER, Alvin W. (1982), “Marx's Last Battle. Bakunin and theFirst International”, Theory and Society, vol. 11, no. 6, Special Issuein Memory of Alvin W. Gouldner, pp. 853-884.GREEN, James (2006), Prologue to Death in the Haymarket, Pantheon Books.GROGIN, Bob (1998), “Forgotten Crisis. The Fin-de-Siecle Crisis ofDemocracy in France”, Canadian Journal of History, 33, 2: 309-312.GROB-FITZGIBBON, Benjamin (2004), “From the Dagger to the Bomb:Karl Heinzen and the Evolution of Political Terror”, Terrorism andPolitical Violence, vol. 16, no. 1: 97-115HARRIS, David A. (2007), “The War on Terror, Local Police, andImmigration Enforcement: A Curious Tale of Police Power in Post-9/11 America”, Rutgers Law Journal , vol. 38, no. 1 , disponível comoUniversity of Pittsburgh Legal Studies Research Paper no. 2007-04.HAYMARKET Affair (2007), parte da “pasta” American Memory, Library ofCongress, April 2007, chicagohistory.orgHELD, David, MCGREW, Anthony, Goldblatt, David, e PERRATON, David(1999), Global Transformations. Politics, Economy and Culture, Polity Press.

HUTTON, Patrick H. (1974), “The Role of the Blanquist Party inLeft-Wing Politics in France, 1879-90”, The Journal of Modern History,vol. 46, no. 2., pp. 277-295.IVIANSKY, Ze'ev (1977), “Individual Terror. Concept and Typology”,Journal of Contemporary History, vol. 12, no. 1: 43-63.JENKINS, B. (2006), “The New Age of Terrorism”, RAND.JOHNSON, Richard J. (1972), “Zagranichnaia Agentura: The TsaristPolitical Police in Europe”, Journal of Contemporary History, vol. 7, no.1-2: 221-242.KANN, Robert A. (1973), “Dynastic Relations and European PowerPolitics (1848-1918)”, The Journal of Modern History, vol. 45, no. 3,387-410.KILCULLEN, David (2006), “Counterinsurgency Redux”, Survival 48 (4):11-130.KINGSEED, Wyatt (2001), “The assassination of William McKinley”,American History 36, 4: 22-29KUSHNER, Harvey W. (2003), Encyclopedia of Terrorism, Sage Publications,Inc..LAQUEUR, Walter (2007), “Anarchism and Al Qaeda”, Middle East Strategy atHarvard, Olin Institute, Weatherhead Center for InternationalAffairs, descarregado a 10 de Janeiro de 2008 no endereçoelectrónicohttp://blogs.law.harvard.edu/mesh/2007/12/anarchism_and_qaeda/LEBOEUF, Aline (2005), “Fluid Conflicts. Concepts and Scenarios”,Politique étrangère, 3.

36

LÖWY, Michael (1988), Rédemption et Utopie. Le judaisme libertaire en EuropeCentral: une étude d’affinité elective, Presses Universitaires de France,Paris.LÖWY, Michael (1980), Jewish Messianism and Libertarian Utopia inCentral Europe (1900-1933), New German Critique, Special Issue 2,Germans and Jews, no. 20: 105-115.MADISON, Charles (1945), “Anarchism in the United States”, Journal ofthe History of Ideas, vol. 6, no. 1, 46-66.MARQUES GUEDES, Armando (2005), Estudos sobre Relações Internacionais,Instituto Diplomático, Ministério dos Negócios EstrangeirosMARQUES GUEDES (2007), Ligações Perigosas. Conectividade, Coordenação, eAprendizagem em Redes Terroristas, Almedina, Coimbra.MARX, Karl (1864), Inaugural Address of the International Working Men'sAssociation, descarregado emwww.marxists.org/archive/marx/works/1864/10/27.htmMAURA, J. Romero (1968), “Terrorism in Barcelona and Its Impact onSpanish Politics, 1904-1909”, Past and Present, no. 41: 130-183.MELMAN, Bili (1980), “The Terrorist in Fiction”, Journal ofContemporary History, vol. 15, no. 3: 559-576.MURPHY, John M. (2003), “'Our Mission and Our Moment'. George W.Bush and September 11th”, Rhetoric & Public Affairs, vol. 6, no. 4, 2003,pp. 607-632.NAIMARK, Norman M. (1978), “The Workers' Section and the Challengeof the 'Young'. Narodnaia Volia, 1881-1884”, Russian Review, vol. 37,no. 3: 273-297.NOVAK, D. (1954), “Anarchism and Individual Terrorism”, The CanadianJournal of Economics and Political Science. Revue canadienne d'Economique et de SciencePolitique, vol. 20, no. 2: 176-184.NOVAK, D. (1958), “The Place of Anarchism in the History ofPolitical Thought”, The Review of Politics, vol. 20, no. 3., pp. 307-329.PARKER, LeRoy (1901), “The Trial of the Anarchist MurdererCzolgosz”, The Yale Law Journal, vol. 11, no. 2, 80-94.PARNABY, Andrew and Gregory Kealey(2003), “Origins of PoliticalPolicing in Canada”, Osgoode Hall Law Journal, vol. 41, nos. 2 & 3: 41-23.PHILLIPS, Andrew (2004), “Luther, Lenin, and Osama Bin Laden.Transnational Insurgency Networks and The Evolution Of the ModernState System”, Oceanic Conference on International Studies,Australian National University, artigo não publicado, descarregadoem rspas.anu.edu.au/ir/Oceanic/OCISPapers/Phillips.pdfPOMPER, Philip (1974), “Nechaev and Tsaricide. The Conspiracywithin the Conspiracy”, Russian Review, vol. 33, no. 2: 123-138.RAMSAY, Allan (2003), “Foreign policy and conspiracy”, ContemporaryReview, vol 283, issue 1652: 135-143.

37

ROBESPIERRE, M. (1794), “Principes de morale politique”, Discourspresenté à la Convention Nationale Française, 5 de Fevereiro de 1794,disponível em http://membres.lycos.fr/discours/1794.htm.ROEDIGER, Dave (1992), “Haymarket Incident”, em Buhle, Mari Jo,Buhle, Paul, Georgakas, Dan (eds.), Encyclopedia of the American Left,University of Illinois Press, Chicago, recuperado emlucyparsonsproject.org.SETON-WATSON, R.W..(1935), “King Alexander's Assassination. ItsBackground and Effects”, International Affairs, vol. 14, no. 1, pp. 20-47.SHACKLEFORD, Micheal (2008), “The Secret Serbian TerroristSociety”, recuperado a 9 de Janeiro de 2008 em Solnick, Steven L.(1991), “Revolution, Reform and the Soviet Telephone System, 1917-1927”, Soviet Studies, vol. 43, no. 1: 157-175.STEKLOFF, G.M. (1928), History of the First International, Martin LawrenceLimited, LondonSTOKES, Gale (1976), “The Serbian Documents from 1914. A Preview”,The Journal of Modern History, vol. 48, no. 3, On Demand Supplement, pp.69-84.ST. PETERSBURG 1904 PROTOCOL ANARCHISM, em httphei.unige.chsectionsspcourses0405sylvandocwarProtocol_anarchism.pdf, recuperado a 10 de Janeiro de 2008.ROOSEVELT, Theodore (1901), First Annual Message to Congress, 3 deDezembro de 1901, um texto notável que está disponível emhttp://www.geocities.com/presidentialspeeches/1901.htmROOSEVELT, Theodore (1904), The Roosevelt Corollary to the Monroe Doctrine,Maio de 1904, disponível emhttp://www.theodore-roosevelt.com/trmdcorollary.htmlTOSTI, Gustavo (1899), “Anarchistic Crimes”, Political Science Quarterly,vol. 14, no. 3: 404-417. TRAUGOTT, Mark (1993), “Barricades as Repertoire. Continuities andDiscontinuities in the History of French Contention”, Social ScienceHistory, vol. 17, no. 2: 309-323.TRIVANOVITCH, Vaso (1930), recensões críticas de Sarajewo. Die Frage derVerantwortlichkeit der serbischen Regierung an dem Attentat von 1914 por Hans Bauere The murder of Sarayevo: an inquiry into the history of Austro-Serbian relations and theBalkan policy of Russia in the period 1903-1914 por N. P. Poletika, em The Journalof Modern History, vol. 2, no. 4: 706-710.THEOHARIS, Athan G. (1990), “Dissent and the State: Unleashing theFBI, 1917-1985”, The History Teacher, vol. 24, no. 1: 41-52.THURSTON, Robert W. (1980), “Police and People in Moscow, 1906-1914”, Russian Review, vol. 39, no. 3: 320-338.WEISS, Claudia (2004), “Russian Political Parties in Exile”, Kritika:Explorations in Russian and Eurasian History 5, 1: 219–32.

38

WEISSMAN, Neil (1985), “Regular Police in Tsarist Russia, 1900-1914”, Russian Review, vol. 44, no. 1, pp. 45-68WICKHAM, John (2002), “September 11 and America's War onTerrorism. A New Manifest Destiny”, American Indian Quarterly, vol. 26,no. 1: 116-144.WILLIAMS, David (1981), “The Bureau of Investigation and ItsCritics, 1919-1921: The Origins of Federal PoliticalSurveillance”, The Journal of American History, vol. 68, no. 3: 560-579WILLIAMSON, Samuel R., Jr. (1980), recensões críticas de Dokumentezum Sarajevoprozess: Ein Quellenbericht by Friedrich Wurthle e Die Spur fuhrtnach Belgrad: Die Hintergrunde des Dramas von Sarajevo 1914 by FriedrichWurthle, The Journal of Modern History, vol. 52, no. 2: 358-362.ZARAGOZA RUVIRA, Gonzalo (1978), “Anarchisme et mouvement ouvrieren Argentine à la fin du XIXe siècle”, Le Mouvement Social, no. 103:7-30.ZUCKERMAN, Fredric S. (1977), “Vladimir Burtsev and the TsaristPolitical Police in Conflict, 1907-14”, Journal of Contemporary History,vol. 12, no. 1, pp. 193-219.ZUCKERMAN, Fredric S. (1992), “Political Police and Revolution.The Impact of the 1905 Revolution on the Tsarist Secret Police”,Journal of Contemporary History, vol. 27, no. 2: 279-300.

39