MIGRAÇÃO E LITERATURA NAS OBRAS DA COLEÇÃO “AMORES EXPRESSOS”
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MIGRAÇÃO E LITERATURA NAS OBRAS DA COLEÇÃO “AMORES
EXPRESSOS”
Giordana Maria Bonifácio Medeiros¹
Resumo
O presente trabalho consiste em uma análise dos livros Estive em
Lisboa e lembrei de você, Nunca vai embora e O filho da mãe da coleção “Amores
Expressos” da Companhia das Letras. A partir da reflexão acerca do
confronto com o espaço não-nacional, efetua-se uma análise dos
autores, narradores e/ou personagens que se encontram em situação de
deslocamento.
Ante os resultados dos questionários elaborados na pesquisa,
pretende-se nas linhas que se seguem discutir a permanência ou a
quebra da estereotipia tanto em relação à figura do estrangeiro,
quanto em relação ao tema proposto pela editora e pelo coordenador da
pesquisa.
Abstract
The presente work it’s a analysis of the novels Estive em Lisboa e
lembrei de você, Nunca vai embora e O filho da mãe from the collection “Amores
Expressos” of the Publisher Companhia das Letras. On the basis of the
reflexion about the confront with the no-national, this work pretends
makes an analisys of the authors and/or characters who are in
displacement's situation.
On the basis of questionary’s results criated for the research,
this work wants make a discussion about the broke or not for
stereotypes in relation both the foreigner and the theme proposed by
the Publisher and the research coordinator.
_________________________1. Graduanda em Letras pela Universidade de Brasília - UNB
Introdução
O presente trabalho consiste numa análise dos livros
Estive em Lisboa e lembrei de você de Luiz Ruffato, Nunca vai embora
de Chico Mattoso e O filho da mãe de Bernado Carvalho da
Coleção “Amores Expressos” da Companhia das letras. De
início, focar-se-á o contexto de surgimento da coleção
pautado por inúmeras controvérsias e polêmicas.
Num segundo momento, será apresentado um conciso
resumo das obras de modo a situar o leitor no contexto dos
romances. A questão crucial do presente artigo será
apresentada nos itens de cinco a sete, onde, mediante os
questionários utilizados para a análise da obra, serão
discutidas as questões da exogenia e suas implicações
presentes ou não nas obras em estudo.
Vislumbra-se, a partir da leitura das obras
mencionadas, propor a reflexão acerca do confronto com o
espaço não-nacional. No cerne da análise destes livros
estão os escritores, narradores e/ou personagens que se
encontram em situação de deslocamento. O intuito final é
descrever as estratégias narrativas e escolhas estéticas
empregadas na problematização literária das experiências
vivenciadas quando o indivíduo está fora de sua pátria.
Procura-se entender a questão de como ler uma escrita
produzida sob a influência de outras realidades históricas
e sociais experimentadas pelos personagens e, mesmo, pelo
escritor, sob o contexto de situações de inclusão e
exclusão, que poderão ser ampliadas ou reduzidas pelo
sujeito leitor.
Assim, será alvo de discussão a migração abordada na
obra Estive em Lisboa e lembrei de você, sob os aspectos acima
especificados de modo a serem identificadas as questões
relacionadas a migração, no tratamento dos personagens
nacionais e estrangeiros. Também será fruto de discussão a
fuga da polêmica que Chico Mattoso empreendeu em Nunca Vai
Embora, de modo a não tratar de questões políticas e
sociais, num país em que elas transbordam. Por fim, O filho
da mãe, último romance, designado para a pesquisa, será
objeto de questionamento quanto as relações entre o
nacional e o não-nacional perpetuadas no cerne da obra.
Isto posto, ante os resultados dos questionários
convertidos em gráficos para melhor apreensão dos dados,
pretende-se nas linhas que se seguem discutir a permanência
ou a quebra da estereotipia tanto em relação à figura do
estrangeiro, quanto em relação ao tema proposto pela
editora e pelo coordenador da pesquisa.
1. “Amores Expressos”, controvérsias e polêmicas.
A coleção “Amores Expressos” surgiu sob uma grande
tempestade de polêmicas. O produtor cultural Rodrigo
Teixeira e o curador João Paulo Cuenca tiveram de responder
por uma produção cara demais com objetivos, no mínimo,
controversos, desde o seu primeiro anúncio em 2007 na
imprensa.
O objetivo da coleção era primeiramente tratar de um
tema em voga na literatura contemporânea: a mobilidade
espacial e o contraponto entre o nacional e o universal. O
projeto previa o envio de 16 escritores brasileiros para
várias cidades do mundo com o intuito de criar histórias de
amor, ambientadas nessas cidades, sob a atmosfera social,
política e cultural do país e habitat em que se
encontravam.
Ocorre que as viagens dos escritores seriam
financiadas com recursos públicos, advindos da lei Rouanet
de incentivo à cultura, para posterior publicação pela
editora Companhia das Letras. Não se pode esquecer que os
lucros do projeto restariam com a editora e as despesas
seriam designadas ao governo. Ante a tormenta de críticas
que se abateu sobre o lançamento da coleção, o produtor
resolveu não mais a custear com recursos públicos, mas com
recursos privados, o que não poderia ser diferente tendo em
vista a quantia vultosa que foi despendida com o projeto,
inicialmente prevista em R$ 1,2 milhões.
O projeto contou com a promoção de minidocumentários e
blogs nos quais os autores relatavam os efeitos da exogenia
em sua literatura, bem como as realidades que viveriam os
personagens sob tal influência. Na verdade, é necessário
falar que, que além da polêmica criada em torno da coleção,
os autores, em sua grande maioria, escreveram histórias
trágicas em que os amores são tão expressos quanto alardeia
o nome da coleção e, ainda, deveras trágicos.
2. Estive em Lisboa e Lembrei de Você
O romance de Luiz Ruffato, na verdade, uma novela,
narra a trajetória de um imigrante brasileiro em Portugal.
Serginho sai do interior de Minas, da cidade de Cataguases,
numa aventura. Lança-se numa aposta cega, para Lisboa.
Tinha em mente tão somente que retornaria, já de posse de
uma boa soma a fim de “investindo em imóveis em Cataguases,
garantir uma velhice tranquila de ‘papo-pro-ar’”(RUFFATO,
2009, p.29).
Ocorre que logo se deu conta de que o dinheiro que
ganhava como garçom não seria jamais suficiente para
manter-se e ao mesmo tempo realizar uma boa poupança.
Assim, Lisboa acaba por prender o brasileiro, o sonho então
se torna um pesadelo. Sozinho, perdido numa terra que não é
sua, sem qualquer perspectiva de retorno, o narrador tem
somente uma alternativa: voltar a fumar.
É nesse contexto que novela foi dividida pelo autor
em dois capítulos. O primeiro é “Como parei de fumar”. Em
Cataguases, seguindo o conselho dos amigos, Serginho deixa
de fumar. Compreende-se isso como um sinal de esperança, no
mesmo momento que decide ir para Europa numa aposta cega de
felicidade. É nesse capítulo que o narrador rememora sua
vida em Cataguases desde seus amores, Noemi sua ex-esposa e
seu filho Pierre, seus pais falecidos e tudo que de algum
modo conspira para que ele siga para Portugal “tentar a
sorte”.
Já no capítulo, “Como voltei a fumar”, é apresentado
todo um contexto, ou soma de fatores que fizeram o narrador
perder as esperanças que alimentava antes de chegar a
Portugal, de retornar para Cataguases, para a velhice
tranquila com que tanto sonhava. Nada mais lhe resta senão
retornar para o vício como um refúgio ante a dura realidade
que vivia.
Envolvido com Sheila, não foi difícil ela o ludibriar
de modo a pegar um empréstimo com a garantia do passaporte
de Serginho. Ilegal em Lisboa, demitido do emprego que lhe
garantia a subsistência em Portugal, sem apoio de amigos e
família, desterrado no sentido figurado e próprio da
palavra, enfim, resta-lhe o consolo do vício. O derradeiro
prazer que lhe subsiste.
3. Nunca vai embora
Nunca vai embora narra a viagem de Renato, um homem que
vivia submisso aos desmandos do pai, e Camila, a mulher que
consegue desvencilhar o personagem principal da relação
doentia, e mesmo edipiana, na qual o filho está sempre
desejoso de livrar-se do genitor. Camila leva Renato para
Cuba, com intuito de gravar um filme (ela era estudante de
cinema) enquanto Renato aproveita para fazer turismo pela
cidade.
Ao chegar a Cuba, há um conflito de interesses entre
o casal: Renato e Camila desejam facetas diversas da
cidade. Um quer a Cuba dos turistas, dos hotéis e
restaurantes caros, enquanto o outro quer se entranhar na
Cuba suja, fora dos roteiros turísticos, que não se mostra
receptiva, mas é o retrato de uma realidade que se esconde
fora do alcance dos visitantes endinheirados, que procuram
a ilha do Caribe tão somente para diversão.
Repleta de atividades, Camila distancia-se de Renato,
que, louco de ciúmes, tenta se inserir no ambiente de
Camila, mas a cidade torna-se para ele ainda mais hostil, o
reencontro com a cineasta acaba por fazer-lhe sentir ainda
mais desprezado a ponto de o casal protagonizar uma briga
motivada por seus interesses tão diversos. No fim, após uma
noite de sexo violento, Camila desaparece.
Renato, num primeiro momento, acredita que ela tão
somente o abandonou. Assim, deixa a pensão barata escolhida
por Camila para mudar-se para um hotel de luxo, proposto
por ele desde o primeiro instante que chegaram à ilha de
Fidel. Ele queria sorver a cidade que lhe apetecia. Porém,
não demora muito para o abandono doer-lhe. Perdido, lança-
se na primeira birosca que enxerga na cidade e chora suas
mágoas para dois amigos, que jogavam no bar.
Pepe, um dos donos da birosca, impinge em Renato a
ideia de que Camila foi sequestrada. O dentista, já
transtornado, é facilmente envolvido numa perseguição
infrutífera em busca de sua amada. Chegam a achar um filme
de Camila filmando Renato. Mas nada que comprove que ela
não tenha tão somente partido em razão da discussão que
tiveram.
Os métodos pouco convencionais de Pepe não resolvem o
mistério, ao contrário, a investigação malfadada nada
encontra de concreto. Por fim, Renato termina na pensão
barata onde revê o último filme feito por Camila
infinitamente. Renato não podia voltar, não sem Camila.
Depois de embrenhar-se na Cuba suja, a cidade não permitia
mais que ele partisse. Então, ele foi aprisionado por
aquela realidade e nunca mais iria embora.
4. O filho da mãe.
Uma história intricada, com certeza. O filho da mãe, a
obra mais complexa, até o momento, desta coleção, é uma
narrativa confusa e cheia de idas e vindas. Recortada,
força uma nova leitura para se compreender todas as
estranhas relações apresentadas pelo autor nesse romance.
A história está ligada ao conflito na Chechênia, mas a
maior parte da narrativa ocorre em São Petesburgo. Anna é
mãe de Ruslan, checheno, refugiado de guerra que vai para
Rússia quando a avó, não vislumbrando escapatória para o
neto, prefere mandá-lo em busca da mãe enquanto morria
sozinha em um campo de refugiados. O filho da mãe em
questão é fruto de um relacionamento que sua mãe preferia
manter escondido de sua nova família com Dmítri. Aquele é o
símbolo de uma tentativa de vida malfadada em razão das
difíceis condições econômicas suportadas na Chechênia
Maksim e Roman, filhos de Anna no segundo casamento
desconheciam a existência do irmão. Assim, quando a mãe é
abordada com uma carta do filho bastardo, pensam tratar-se
de um caso extraconjugal de Anna. Dmítri, o segundo marido
de Anna, um funcionário da inteligência russa aproveita do
relacionamento de seu filho Maksim com skinheads para
expurgar a “mancha” chamada Ruslan do passado da família.
Andrei, recruta russo, filho de brasileiro, cuja mãe é
subjugada pelo marido russo, foi obrigado pelo padrasto a
alistar-se no exército onde é prostituído por seus
superiores. Quando retornava para o quartel, onde deveria
entregar o montante auferido com os “serviços sexuais”, é
assaltado por Ruslan. Para não voltar ao quartel, Andrei
busca o auxílio duma organização de mães de soldados que
tenta salvar os jovens do serviço militar.
A partir de então, Andrei coloca-se numa busca
frenética por Ruslan, para reaver o que Petesburgo retirou-
lhe: a esperança. Encontra-o quando ele preparava-se para
cometer um novo assalto. Andrei o persegue por toda a
cidade, indo até ao submundo de São Petesburgo.
O recruta e Ruslan terminam por se envolver. Fugindo
da polícia, beijam-se e vão refugiar-se na ilha de Nova
Holanda, uma cercania de São Petesburgo, ignorada pelas
autoridades. Ruslan confessa-se preso, pois lhe tomaram o
passaporte de modo que ele não pudesse sair da cidade. São
muito parecidos, até mesmo nos dramas que vivem. Não é por
menos que muitas vezes o autor repete que são como gêmeos e
que Andrei enxerga-se nos olhos de Ruslan. “São o encontro
de dois mundos, de dois corpos, numa espécie de fantasia
última, uma quimera que será considerada um monstro e
finalmente destruída”. (VIDAL, 2012, p.189).
Andrei sempre foi ao encontro de Ruslan, não poderia
mais deixar de fazê-lo. Ruslan era seu espelho, era o que
ele procurava e não conseguia jamais encontrar. O amor era
tudo o que tinha e não queria mais perder. Porém, o romance
perdurou pouco. Dmítri deixou cair o endereço de Ruslan,
propositalmente, para que Maksin e Roman agissem contra o
irmão que ambos consideravam amante da mãe.
Roman, a mando de Maksim, marcou um falso encontro
entre Ruslan e a mãe. A separação de Ruslan e Andrei era
certa. Aquele, acreditando que sua mãe iria vê-lo
presenteou Andrei com uma concha: “ lá de onde eu venho,
diziam que as conchas guardam a ressonância das coisas”.
(CARVALHO, 2009, p. 157) Andrei, já de posse do passaporte,
estava prestes a ir ao encontro do pai no Brasil.
Ruslan deixou ao amado uma carta onde falava da
quimera, “o animal que era dois sem ser nenhum” (CARVALHO,
2009, p. 158), monstruosidade que trazia mau-agouro. E do
kunak o “amigo estrangeiro que todo homem tem que o salvará
da morte e que ele também tem obrigação de salvar”.
Concluiu a carta dizendo que “as quimeras morrem para que
sobreviva o pacto dos que não podem contar nem com Deus nem
com os anjos”. (CARVALHO, 2009, p. 158).
Anna revelou a Maksim a identidade do irmão, o que lhe
deixou desnorteado. Um irmão do Cáucaso para ele seria pior
que “morrer, do que nascer cego ou preto”. (CARVALHO, 2009,
p. 171).
Maksim seguiu ao encontro de Ruslan, sob a vigia de
Dmítri. Nesse encontro, o skinhead espancou o irmão com
auxílio dos comparsas. Andrei, assistindo a cena e para
salvar Ruslan, segurou-o nos braços em meio a uma poça de
sangue, enquanto Dmítri tirava o filho das imediações.
Andrei apertou o passaporte nas mãos de Ruslan desacordado,
numa última esperança, pedia que o tirassem dali e que o
levassem para onde pudessem salvá-lo. Ruslan morreu,
entretanto.
Ao final Maksim e Anna vão para Nova York, a mando de
Dmítri que queria proteger o filho do indiciamento pelo
assassinato do irmão, enquanto Andrei foi forçado a voltar
ao exército. Enviado à Chechênia, morreria numa missão
malfadada, em que houve uma sequência de mortes provocadas
por desentendimentos fomentados pela questão de uma
quimera, que nascera trazendo mau-agouro.
5. Estive em Lisboa e lembrei de você, o lugar comum da migração.
O livro de Ruffato, breve e conciso, como os demais da
coleção, não consegue escapar do lugar comum da migração.
Ou seja, o protagonista, Serginho, encontra o que é
relegado à maioria dos brasileiros ao sair do Brasil, na
procura de uma vida melhor no exterior: o preconceito, a
exploração e a pobreza. Nesse sentido, afirma Maria
Aparecida Carvalho:
O livro de Ruffato transforma o amor queestava na origem da proposta em um elementolateral em um panorama conciso das agrurasenfrentadas pelos imigrantes nacionais:pobreza, depressão, preconceito, exploração euma possibilidade cada vez mais remota devoltar à terra natal. Seu personagem central,Sérgio Sampaio, até encontra amor físico, mas oque está no foco da narrativa é a luta diáriapela sobrevivência e como essa peleja um tantodesigual esmigalha minuciosamente as ilusõesdeslumbradas que ele, em sua aventura deimigrante, forjara ao tentar a sorte emPortugal. (CARVALHO, 2011)
Dentro da proposta inicial da obra encomendada pela
Companhia das Letras, Serginho vive uma paixão
desafortunada por uma prostituta, mas é por este novo amor
enganado e abandonado. A sequência da história leva o
leitor para um fim esperado, qual seja, a derrota do
imigrante, que não conquista o desejado no início da obra e
se vê sem qualquer esperança de um dia voltar para casa.
Assim, sem saída, resta-lhe tão somente voltar a
fumar. Essa ação coroa sua derrota, pois nada mais possui,
nem emprego, passaporte ou tão somente a possibilidade de
retornar ao Brasil. Mas, quem é o imigrante? Segundo
Ferreira, o imigrante vive uma situação peculiar, nem é
cidadão nem é estrangeiro.
“Nem cidadão”, pois não tem todos os direitosconsagrados da “democracia liberal”, por assimdizer. E “nem estrangeiro”, pois por mais queele esteja “de passagem” no país em queestá/reside, é uma passagem duradoura, às vezesaté perene – para iniciarmos com os paradoxos –ou pelo menos uma estadia mais prolongada que ado o estrangeiro-padrão(o turista). (FERREIRA,2012).
Já a situação do imigrante pobre é sobremaneira pior,
pois, além do fato acima relatado, sua situação agrava-se
pelo fato de ter de aceitar condições de vida degradantes
no país estrangeiro. Conforme destaca Silvano Santiago:
Está criada uma nova e até então desconhecidaforma de desigualdade social, que não pode sercompreendida no âmbito legal de um únicoestado-nação, nem pelas relações oficiais entregovernos nacionais, já que a razão econômicaque convoca os novos pobres para a metrópole
pós-moderna é transnacional e, na maioria doscasos, também é clandestina. O fluxo de seusnovos habitantes é determinado em grande partepela necessidade de recrutar desprivilegiadosdo mundo que estejam dispostos a fazer serviçosdo lar e de limpeza e aceitem transgredir aleis nacionais estabelecidas pelo serviço demigração. (SANTIAGO, 2004, p. 51)
Este imigrante não é cidadão, não é estrangeiro, não é
homem, é brasileiro. Sua única alternativa é aceitar uma
subvida no exterior, sob o peso do preconceito ora velado,
ora patente.
O retrato da migração não é mais a do pobre nordestino
que foge da seca sobre um caminhão pau-de-arara, está longe
o tempo dos retirantes da monocultura do latifúndio e da
seca nordestina retratado em Vidas Secas. Nesse sentido
destaca Silvano Santiago: “hoje os retirantes brasileiros,
muitos deles oriundos de estados relativamente ricos da
nação, seguem o fluxo do capital transnacional” (SANTIAGO,
2004, p. 52).
Contudo, pode-se afirmar que Ruffato não escapa do
lugar comum da migração, apesar de enfocar a
clandestinidade, um tema não muito usual na literatura
brasileira. A descrição dos personagens lusitanos e
brasileiros é muito assemelhada aos tipos comuns tão
pontuados na cultura em geral. O brasileiro falante e o
europeu mal-humorado e antipático são assim descritos logo
quando Serginho desembarca em Portugal:
Passei dormindo meu primeiro dia em Portugal,debaixo das cobertas no Hotel do Vizeu, naMadragoa, um bairro antigo pra caramba, deruinhas estreitas e casario maquiado, uma
antiguidade tão grande que até as pessoas sãopassadas, velhas agasalhadas em xailes pretos,velhos de boinas de lã subindo-descendo devagaro ladeirame, sem ar, escorados nas paredes,gente extravagante que parece uma noite deitoujovem e acordou, no dia seguinte, idosa, cheiade macacoa, vista fraca, junta dolorida, dentemolengo, perna inchada, e, assustados, passarama desconfiar de tudo, sempre enfezados,respondendo para dentro, incompreensíveis,respondendo as perguntas com irritação [...](RUFFATO, 2009a, p. 39).
Nessa linha de pensamento destaca-se Homi Bhabha:
Julgar a imagem estereotipada com base em umanormatividade política prévia é descartá-la,não deslocá-la, o que só é possível ao se lidarcom sua eficácia, com o repertório de posiçõesde poder e resistência, dominação e dependênciaque constrói o sujeito da identificaçãocolonial (tanto o colonizador como colonizado).(BHABHA, 2005, p.106).
Segundo Bhabha, a única maneira de compreender o
discurso que produz o estereótipo é entender o que o torna
um regime de verdade e não submetê-lo a um julgamento
normatizante, entender quais as ferramentas que esse
discurso utiliza para afirmar identidades fixas, pois o
estereótipo nada mais é
do que uma forma de conhecimento eidentificação que vacila entre o que estásempre ‘no lugar’, já conhecido, e algo quedeve ser ansiosamente repetido, como se aduplicidade essencial do asiático ou a bestialliberdade sexual do africano, que não precisamde prova, não pudessem na verdade ser provadasjamais no discurso. (BHABHA, 2005, p.105).
Apesar de valer-se do padrão comum da migração, Estive
em Lisboa e lembrei de você apresenta um novo retrato do
cosmopolitismo do pobre. A imagem de Serginho na sua
chegada a Lisboa, cheio de esperança numa terra nova,
assemelha-se muito às esperanças nutridas por Fabiano de
Vidas Secas ao chegar à fazenda onde pretendia iniciar uma
nova vida com a família. Assim, na obra de Graciliano
Ramos:
Num cotovelo do caminho avistou um canto decerca, encheu-o a esperança de achar comida,sentiu desejo de cantar. A voz saiu-lhe rouca,medonha. Calou-se para não estragar força.Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca,subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros.Fazia tempo que não viam sombra. Sinha Vitória acomodou os filhos, que arriaramcomo trouxas, cobriu-os com molambos. O meninomais velho, passada a vertigem que o derrubara,encolhido sobre folhas secas, a cabeçaencostada a uma raiz, adormecia, acordava. Equando abria os olhos, distinguia vagamente ummonte próximo, algumas pedras, um carro debois. A cachorra Baleia foi enroscar-se juntodele.Estavam no pátio de uma fazenda sem vida Ocurral deserto, o chiqueiro das cabrasarruinado e também deserto, a casa do vaqueirofechada, tudo anunciava abandono. Certamente ogado se finara e os moradores tinham fugido.Fabiano procurou em vão perceber um toque dechocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentouforçar a porta. Encontrando resistência,penetrou num cercadinho cheio de plantasmortas, rodeou a tapera, alcançou o terreiro dofundo, viu um barreiro vazio, um bosque decatingueiras murchas, um pé de turco e oprolongamento da cerca do curral. Trepou-se nomourão do canto, examinou a catinga, ondeavultavam as ossadas e o negrume dos urubus.Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltoudesanimado, ficou um instante no copiar,fazendo tenção de hospedar ali a família. Maschegando aos juazeiros, encontrou os meninos
adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhargravetos, trouxe do chiqueiro das cabras umabraçada de madeira meio roída pelo cupim,arrancou touceiras de macambira, arrumou tudopara a fogueira.Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas,arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás,farejou um minuto, localizou- os no morropróximo e saiu correndo. Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se umasombra passava por cima do monte. Tocou o braçoda mulher, apontou o céu, ficaram os dois algumtempo aguentando a claridade do sol. Enxugaramas lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos,suspirando, conservaram-se encolhidos, temendoque a nuvem se tivesse desfeito, vencida peloazul terrível, aquele azul que deslumbrava eendoidecia a gente.Entrava dia e saía dia. As noites cobriam aterra de chofre. A tampa anilada baixava,escurecia, quebrada apenas pelas vermelhidõesdo poente.Miudinhos, perdidos no deserto queimado, osfugitivos agarraram-se, somaram as suasdesgraças e os seus pavores. O coração deFabiano bateu junto do coração de SinhaVitória, um abraço cansado aproximou osfarrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza,afastaram-se envergonhados, sem ânimo deafrontar de novo a luz dura, receosos de perdera esperança que os alentava. (RAMOS, 1994, p.12-13)
As obras se aproximam justamente pela esperança que
ambos os personagens possuíam ao se estabelecer numa nova
terra hostil e cujas promessas pareciam estar muito
distantes de serem cumpridas. Ambas apresentam a imagem do
migrante que apesar de sua busca, nunca deixaria o papel
que ocupa na escala social: o do pobre. Inaugura Serginho
a nova pobreza, posterior à Revolução Tecnológica que,
mesmo na clandestinidade, parte em direção de uma vida
melhor, numa nova terra. Ainda que os caminhos sejam tão ou
mais tortuosos que aqueles enfrentados por Fabiano quando
se retirava do sertão.
6. Nunca vai embora, um retrato de Cuba sem as questões
polêmicas.
Para um leitor comum, que esperava ver temas
relacionados à política cubana retratados na obra, Nunca vai
embora foi decepcionante. Ocorre que, tendo em mãos um
oceano de polêmicas, o autor preferiu fugir de todas elas.
A questão política foi ignorada, sendo citado o nome de
Fidel uma única vez e sem quaisquer intenções de conivência
ou repúdio ao regime ditatorial cubano. Mattoso apresentou
duas Cubas, a dos turistas e a do submundo, mas muito pouco
do sentimento do povo cubano.
Não é difícil entender por que Mattoso preferiu
escapar dos temas políticos: pois isto seria o esperado, o
que o prenderia ao estribo da convenção. Não é por menos
que se valeu de um enredo cinematográfico, de modo a contar
uma história que poderia ser facilmente convertida em
filme. Nisso, buscou apresentar as duas cidades, uma que é
escondida de todos e àquela que permitem o mundo conhecer.
Mattoso tentou construir a imagem de uma Cuba
dividida. Dois mundos numa ilha, dois mundos que não se
misturam. Óleo e água numa questão sem solução. O narrador,
Renato, por provir de uma família abastada, preferia viver
a Cuba turística, já sua namorada queria viver uma Cuba
fora de tais roteiros. Opostos que não se deveriam
misturar, que, quando se encontram, deixam alucinado o
narrador que finda seus dias preso a uma ilusão.
Mas o que se discute aqui é questão da migração posta
em cheque nesta Coleção. O personagem Renato, narrador, vê-
se preso a Havana pela ilusão que sustentava quanto à
mulher que amava. Membro de uma família abastada, faz o
movimento inverso da corrente migratória que busca os
grandes centros à procura de uma nova oportunidade de vida.
Renato é um turista cuja loucura não o permite partir de
Cuba. Ele é o personagem que “Nunca vai embora” enquanto
todos os demais seguem suas vidas.
Outra coisa que se faz notar na obra é a fuga da
polêmica, das questões políticas que brotam em cada esquina
de Cuba, mas foi superficialmente abordada por Mattoso. No
livro há o encontro de duas cidades: a Havana turística e a
do submundo. Renato circula pela cidade cartão postal até o
desencontro amoroso quando passa a deslocar-se para a
Havana suja, a conhecida pelas obras Pedro Juan Gutiérrez.
Tanto Renato quanto Camila realizam uma viagem que se
esgota nos discursos que se repetem sobre Havana, aquela
que não precisamos visitar fisicamente para conhecermos.
O livro divide-se também em dois momentos: o primeiro
no qual o casal vai aos poucos se desfazendo e o segundo em
que Renato parte numa busca “detivetivesca” de pistas sobre
Camila. O narrador vê-se desamparado, abandonado em Cuba
sem razões para partir ou ficar. Assim, decide por ficar
para sempre preso a uma fita de videotape. Em uma repetição
sem fim de um romance arruinado, de duas vidas que não
podem mais seguir em conjunto.
Não promove Mattoso, propositalmente, uma discussão
sobre a migração, pois Renato escolheu ficar. Sua origem
elitista permitiria que se estabelecesse onde bem
desejasse. Mas ele não desejava nada mais que Camila.
Porém, ela não mais estava consigo e isto ele não conseguia
aceitar. Assim, permaneceu em Cuba por sua própria escolha.
Escolheu ilhar-se na Cuba suja, em que todas as suas
lembranças dirigem-se à Camila, ilusão que não lhe permite
retornar ao Brasil.
7. O filho da mãe, uma obra instigante.
O filho da mãe prima por ser uma das únicas obras da
coleção a apresentar um romance homossexual como foco da
narrativa. Foi um dos romances melhor elaborados dentro da
proposta “Amores Expressos”, que exige uma segunda leitura
para poder ser compreendido em todos os seus meandros pelo
leitor.
Ocorre que foi uma das únicas obras a escapar dos
lugares comuns presentes em todos os livros do projeto
“Amores Expressos”. Ou seja, enquanto o projeto em questão
apontava para temas universais, histórias que poderiam ser
contadas em qualquer lugar do mundo, afastadas das
problemáticas sociais; livros que poderiam circular
livremente num ambiente transnacional; O filho da mãe não
escapa da polêmica, assim até mesmo a questão mais sensível
na política externa do governo russo foi discutida pelo
autor, talvez em repúdio ao comportamento apolítico de
tantos autores desta coleção.
Os refugiados, apresentados na obra, mostram um novo
tipo de desigualdade que se apresenta em níveis
transnacionais. Imigrantes que, clandestinamente, seja na
Rússia, como apresenta Carvalho, ou em Portugal, como o
Serginho, de Ruffato, se inserem em outros países, em busca
de melhores condições de vida. Vidas em ruínas que tentam
se reestruturar no exterior, mas ao contrário do que
procuram, restam ainda mais fragmentadas. Foi por sua
nacionalidade que Ruslan foi obrigado a roubar estrangeiros
em São Pesterburgo e Serginho foi demitido de seu emprego
de garçom em Portugal. Mas foi também nas ruínas onde se
encontraram Ruslan e Andrei, que surgiu a vida: o amor tema
central da coleção, o trágico amor que constrói o que se
desconstrói.
Carvalho, conforme cita Paloma Vidal, procura
reproduzir em suas obras, realidades em que as pessoas não
se reconheçam (VIDAL, 2012, p.189), fugindo assim do tema
homogeinizante da Coleção, erigindo uma obra que se esquiva
da cimentada fórmula colonizadora, algo que não pode ser
reproduzido em qualquer realidade senão a proposta no
romance.
O estrangeiro, contudo, também se apresenta
marginalizado nessa obra, em que a discriminação impede a
inclusão do imigrante. A existência de um membro Checheno é
simplesmente insuportável para uma família russa. Um mal
que deveria ser expurgado a todo custo.
Outro aspecto significativo em O filho da mãe é,
sobretudo, o movimento, os corpos que transitam todo o
tempo. Há uma desterritorialização, o que representa o
signo da nova miséria, em que os homens são despojados
também de sua nacionalidade, de seu lugar de asilo. Nesse
sentido, Andrei e Ruslan buscam nos corpos um do outro a
segurança que não possuem, o kunak que lhes permitirá
“seguir seu caminho em paz, sabendo que existe no mundo
alguém, como eles, com quem eles poderão contar na vida e
na morte.” (CARVALHO, 2009, p. 158). É notório que Ruffato e Carvalho conseguiram
apresentar a carga traumática fruto da expatriação. O mal-
estar do indivíduo que se vê longe das fronteiras nacionais
a que estava acostumado. O desenraizamento que faz de
Ruslan e Serginho párias em terras estrangeiras, forçados a
comparações constantes entre o vivido no presente e o
vivido outrora. Vidas divididas entre realidades que não se
misturam. Vidas que não serão jamais reconstruídas.
A migração, nesse sentido, também é uma violência. A
simples necessidade de cruzar as fronteiras do seu país em
razão da guerra ou da falta de oportunidades econômicas são
relações traumáticas. O homem que sai de seu país de origem
perde sua condição de existência, é visto tão somente em
função do trabalho, explica Sayad:
A estadia autorizada do imigrante estáinteiramente sujeita ao trabalho, única razãode ser que lhe é reconhecida (...) Foi otrabalho que fez “nascer” o imigrante, que ofez existir, e é ele, quando termina, que faz“morrer” o imigrante, que decreta sua negaçãoou que o empurra para o não-ser. (SAYAD, 1998,p. 55).
O imigrante é submetido ao trabalho degradante que o
nacional não se permite fazer. É visto tão só como mão de
obra. Perde as feições, como no quadro “Operários” de
Tarsila do Amaral, pessoas em que as feições apresentadas
se confundem, e não se fixam. São operários sem nomes e sem
rostos, estatísticas que os números insensíveis encobrem.
O filho da mãe é, sem dúvida, o melhor trabalho
surgido na coleção “Amores Expressos”. Tendo em vista a
fuga dos padrões impostos, de modo a não se imiscuir de
apresentar questões polêmicas ou fugir das questões
sociais, ao contrário, traz para o bojo da obra toda uma
problemática que torna o livro uma obra impossível de se
repetir em outra realidade.
8. Conclusão
A coleção ”Amores Expressos”, desde o início, fonte de
acentuada polêmica, foi alvo de muitas críticas: escritores
e blogueiros inundaram a internet com acusações acerca de
três pontos do projeto: supostamente reunir apenas amigos
dos organizadores; a temática do amor e o fato de o projeto
usar dinheiro público para financiar viagens
internacionais.
Mas escapando à veracidade das querelas, o cerne da
pesquisa que se empreendeu nesse último semestre foi
discutir a migração na literatura. Desta feita, na divisão
dos trabalhos, foi sugerido a cada aluno-pesquisador a
escolha de três livros de pesquisa. Coube-me a tarefa de
lidar com Estive em Lisboa e lembrei de você, Nunca vai embora e O filho
da mãe.
Lidas as obras, com o auxílio dos questionários, foi
possível analisar a migração e seus efeitos sobre os
indivíduos fora de sua pátria. Assim, as questões que mais
chamaram atenção foram, sem dúvida, o trabalho e migração
econômica. O que não foge do que se convencionou como causa
máster da expatriação, tal como apresenta o gráfico a
seguir obtido com a submissão das obras aos questionários:
Personagens01234567 decepção amorosa
emigração econômicaexílio políticoestudostrabalho viagem turística crise identitária ou existencialrealização pessoalperegrinaçãonão pertinente não identificadooutro
Gráfico 2 – Razões da expatriação
A maioria dos personagens/imigrantes desta coleção foi
submetida ao mesmo destino dos brasileiros que saem do
Brasil à procura de melhores condições de vida no exterior:
preconceito, pobreza, subvalorização, clandestinidade e
possibilidades cada vez mais remotas de voltar a sua terra
natal.
Desde a época das Grandes Navegações os pobres buscam
em novos continentes em uma promessa longínqua de trabalho
e riquezas. Não é diferente do que ocorre hoje. O pobre,
mais uma vez, seguindo o “fluxo do capital” é obrigado a
deixar sua terra, para fugir da pobreza, e partir para
outros países em busca de melhores condições de vida.
Ocorre que hoje, não mais são expulsos pela seca, como
ocorrera com Fabiano de Vidas Secas, o pobre, agora, sai das
regiões mais abastadas do país, onde não conseguiram
inserir-se no mercado capitalista, para tentar fazê-lo em
outros países.
No artigo intitulado “O cosmopolitismo do pobre”,
Silviano Santiago analisa duas formas de multiculturalismo
que são encontradas ao longo da história cultural mundial.
A primeira tem origem mais antiga, baseada na ideia de
estado-nação que, resumidamente, foi uma construção “de
homens brancos para que todos, indistintamente, sejam
disciplinarmente europeizados como eles” (SANTIAGO, 2004,
p.54), o que ocorreu com as Grandes Navegações e com a
descoberta de novos continentes. A segunda, de acordo com
Santiago, é uma forma recente e que ainda vem se
estabelecendo através da resolução de dois pontos
basicamente: dar conta do intenso fluxo de migrantes pobres
nas megalópoles pós-modernas e resgatar grupos étnicos e
sociais, economicamente prejudicados durante a vigência do
primeiro multiculturalismo. Sobre o processo de passagem de
uma forma para outra, ele comenta:
Ao perder a condição utópica de nação –imaginada apenas pela sua elite intelectual,política e empresarial, repitamos – o estadonacional passa a exigir uma reconfiguraçãocosmopolita, que contemple tanto os seus novosmoradores quanto os seus velhos habitantesmarginalizados pelo processo histórico. Ao serreconfigurado pragmaticamente pelos atuaiseconomistas e políticos, para que se adéque asdeterminações do fluxo do capitaltransnacional, que operacionaliza as diversaseconomias de mercado em confronto no palco domundo, a cultura nacional estaria (ou deveestar) ganhando uma nova reconfiguração que,por sua vez, levaria (ou está levando) osatores culturais pobres a se manifestarem poruma atitude cosmopolita, até então inédita emtermos de grupos carentes e marginalizados empaíses periféricos (SANTIAGO, 2004, p.59-60).
Podemos considerar este novo multiculturalismo como
um desdobramento das mudanças trazidas pela globalização
com o enfraquecimento dos estados-nações e com o aumento de
trocas culturais que ocorre tanto através da vida cotidiana
com as migrações, viagens etc., como pela ampliação das
redes de comunicação representadas pelas mídias, pela
academia, pelos museus e por várias outras instituições. Em
outras palavras, o multiculturalismo atual é um fenômeno
que vem ocorrendo atrelado ao caráter transcultural do
mundo contemporâneo. É ele que instaura, conforme a
expressão de Santiago, o “cosmopolitismo do pobre”.
Nesse sentido, apresenta-se a questão do desterramento
dos personagens, indivíduos que sofreram a violência da
migração. Pessoas que se deslocam de seu país de origem à
procura de melhores condições de vida, em busca de uma
promessa de prosperidade que jamais deixará de ser tão
somente uma simples promessa.
Pode-se dizer que a coleção “Amores Expressos”
apresentou personagens cosmopolitas. Mas o que é
cosmopolita? Cosmopolita, o dito ideal universal-
cosmopolita, para Carlos Enrique Ruiz Ferreira parte:
“em última instância, e consequência lógica, dadefesa dos Direitos Humanos. Representa o fimdas muralhas, o fim das fronteiras territoriaissoberanas, o fim da distinção entre nacional eestrangeiro. Desse modo, propugna o fim doconceito/classificação de um ser humano como“imigrante”, ou como o “de fora”. É a afirmaçãodo ser humano como ser humano, parte dacoletividade Humanidade, e a negação ousublimação da afirmação do ser humano enquantonacional, parte da coletividade Estado-soberano-nacional.” (FERREIRA, 2012)
Podemos dizer que os cosmopolitas de hoje são homens sem
pouso, que transitam sem destino. Assim, tal qual Serginho,
narrador da obra Estive em Lisboa e lembrei de você, os imigrantes,
sentem-se discriminados e fora de contexto quando em um país
estrangeiro. A simples possibilidade de ouvir a sua própria
língua é razão de muita alegria. As cidades representadas nas
obras parecem avessas aos personagens retratados na coleção. São
homens que, vítimas preconceito, são subjugados a uma vida de
clandestinidade e sofrimento.
A elite representada por Renato de Nunca vai embora, não tem
necessidade de buscar uma melhora em seu padrão econômico,
assim, quando em viagem, segue os roteiros turísticos e
distantes da realidade do país em que se encontra. Mattoso
apresentou o choque entre o mundo burguês a que Renato estava
acostumado com a Cuba real, que foge às imagens de cartão
postal, a Cuba suja de Pedro Juan Gutiérrez.
Bernado Carvalho apresentou o checheno marginalizado na
Rússia, o migrante que foge das ruínas de seu país em busca de
sobrevivência no estrangeiro. Em território Russo, Ruslan é
obrigado a efetuar pequenos roubos para manter-se, com a
esperança de conseguir, também, um passaporte para evadir da
relação de exploração a que estava submetido na Rússia.
Assim, o fato mais marcante nessa coleção é a figura do
indivíduo quando em espaço transnacional. As obras primaram por
mostrar a situação do migrante, nos contextos específicos da
clandestinidade, da busca desenfreada por uma esperança que
esvai a cada dia, sem, inclusive, a possibilidade de retornar
para sua casa e sua gente.
Uma das consequências deste novo multiculturalismo ou
“cosmopolitismo do pobre” é que ele nos leva além das
discussões acerca da identidade nacional, bem como da
tensão das forças culturais externas, ele transpõe a
discussão centro-periferia para fora do país, relativizando
o que se conhecia por centralidade nacional. Hoje as
questões de centro-periferia extrapolam fronteiras,
seguindo o dito “fluxo do capital”.
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