Maria Cristina Volpi, "Imagens desdobradas: os leques da Coleção Ferreira das Neves", In: Marize...

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1 III Seminário do Museu D. João VI Ver para crer: visão, técnica e interpretação na Academia Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro 08 a 10 de maio de 2012 Imagens desdobradas: os leques da Coleção Ferreira das Neves Maria Cristina Volpi Nacif Resumo: Esta comunicação trata do estudo dos leques que fazem parte da Coleção Jeronymo Ferreira das Neves (JFN). Única coleção não didática do Museu D. João VI, doada à Escola Nacional de Belas Artes em 1947 pela viúva de Jeronymo, Eugênia Barbosa de Carvalho Neves, a Coleção JFN têm caráter bastante eclético, possuindo um conjunto de sessenta e oito itens agrupados sob a classificação de objetos pessoais, dentre os quais peças de indumentária religiosa, leques e joias. Sete leques e suas caixas formam um conjunto coerente, sendo dois datados de 1889. A partir da identificação, procedência e tipologia das peças foi possível identificar quase todos: comprados na Europa e trazidos para o Brasil, seriam lembranças de viagem realizada para visitar a Exposição Universal de 1889? Um único exemplar fabricado no Brasil, notável exemplo de uma expertise reconhecida internacionalmente e de um campo do artesanato aparentemente extinto. Teriam pertencido à Eugênia? Objetos de adorno, os leques fazem parte de um determinado sistema vestimentar e até os primeiros anos do século XX, eram acessórios de moda essencial no guarda-roupa feminino. A concepção e decoração, o domínio técnico e os materiais empregados na fabricação deste “pequeno móvel” revelam um investimento de sentido. Testemunho dos hábitos mundanos e cosmopolitas, os leques transitam entre a obra de arte decorativa e as estratégias de publicidade do consumo de luxo. Tema menor de uma história da arte mais tradicional, o estudo desses objetos efêmeros, cotidianos, contribui para discussão da condição artística das formas vestimentares. palavras-chave: leques; formas vestimentares no séc. XIX/XX; objetos de uso pessoal. [email protected] Introdução Esta comunicação trata do estudo dos leques que fazem parte da Coleção Jeronymo Ferreira das Neves (JFN). Única coleção não didática do Museu D. João VI, doada à Escola

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III Seminário do Museu D. João VI

Ver para crer: visão, técnica e interpretação na Academia

Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

08 a 10 de maio de 2012

Imagens desdobradas: os leques da Coleção Ferreira das Neves

Maria Cristina Volpi Nacif

Resumo: Esta comunicação trata do estudo dos leques que fazem parte da Coleção

Jeronymo Ferreira das Neves (JFN). Única coleção não didática do Museu D. João VI,

doada à Escola Nacional de Belas Artes em 1947 pela viúva de Jeronymo, Eugênia Barbosa

de Carvalho Neves, a Coleção JFN têm caráter bastante eclético, possuindo um conjunto de

sessenta e oito itens agrupados sob a classificação de objetos pessoais, dentre os quais

peças de indumentária religiosa, leques e joias. Sete leques e suas caixas formam um

conjunto coerente, sendo dois datados de 1889. A partir da identificação, procedência e

tipologia das peças foi possível identificar quase todos: comprados na Europa e trazidos

para o Brasil, seriam lembranças de viagem realizada para visitar a Exposição Universal de

1889? Um único exemplar fabricado no Brasil, notável exemplo de uma expertise

reconhecida internacionalmente e de um campo do artesanato aparentemente extinto.

Teriam pertencido à Eugênia? Objetos de adorno, os leques fazem parte de um determinado

sistema vestimentar e até os primeiros anos do século XX, eram acessórios de moda

essencial no guarda-roupa feminino. A concepção e decoração, o domínio técnico e os

materiais empregados na fabricação deste “pequeno móvel” revelam um investimento de

sentido. Testemunho dos hábitos mundanos e cosmopolitas, os leques transitam entre a

obra de arte decorativa e as estratégias de publicidade do consumo de luxo. Tema menor de

uma história da arte mais tradicional, o estudo desses objetos efêmeros, cotidianos,

contribui para discussão da condição artística das formas vestimentares.

palavras-chave: leques; formas vestimentares no séc. XIX/XX; objetos de uso pessoal.

[email protected]

Introdução

Esta comunicação trata do estudo dos leques que fazem parte da Coleção Jeronymo Ferreira

das Neves (JFN). Única coleção não didática do Museu D. João VI, doada à Escola

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Nacional de Belas Artes em 1947 pela viúva de Jeronymo, Eugênia Barbosa de Carvalho

Neves, a Coleção JFN têm caráter bastante eclético, possuindo um conjunto de sessenta e

oito itens agrupados sob a classificação de objetos pessoais, dentre os quais peças de

indumentária religiosa, leques e joias. Sete leques e suas caixas formam um conjunto

coerente, sendo dois datados de 1889.

Objetivos desse estudo são: refletir sobre a pericia técnica e artística aplicada aos objetos de

indumentária; estudar como as elites brasileiras interagiam com os modelos de civilidade

europeia e como se davam a produção, circulação e ressignificação desses modelos em

termos de vestuário, procurando compreender o lugar dos leques no conjunto da Coleção

JF.

Sobre o leque

O leque é um acessório de indumentária e sua origem remonta ao Oriente do III milênio a.

C. Sua forma era geralmente um semicírculo flexível, feito de cauda de búfalo, plumas de

pavão ou rígido, trançado de matérias vegetais, como o flabellum romano - uma ventarola

rígida ou de plumas munida de um longo cabo manipulada por um escravo. Como atributo

sagrado e politico, servia para manter acesso o fogo dos altares, identificar a hierarquia de

príncipes reais, insígnia de felicidade e conforto, servia também como abano contra

moscas. Seu uso na Europa foi introduzido durante a Idade Média, como objeto de uso

mundano, sendo conhecido ai três tipos de leque: a ventarola (modelo conhecido em vários

continentes desde a Antiguidade) os leques-baralho - formados por laminas e ligados por

uma fita e originários da China e os leques plissados, formados por uma armação de marfim

e cobertos por uma folha de pele muito fina com decoração pintada, originários do Japão.

Na França, o leque plissado foi introduzido por Catarina de Médici e passou a ser um

acessório de moda usado pela nobreza.

Os materiais empregados para a armação eram a madeira, o marfim, o chifre, a madrepérola

e a tartaruga e a habilidade técnica e artística dos artesãos criaram pequenas obras de arte

decorativa.

Ao longo do século XVIII diversas técnicas e mecanizações foram aperfeiçoadas: em torno

de 1770 foi inventado um molde para plissagem da folha, favorecendo montagens cada vez

mais rápidas, e foram criados leques que incorporavam pequenos mecanismos, como

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binóculos, tesourinhas, nécessaires de costura ou maquiagem. Ao mesmo tempo o leque se

tornava cada vez mais popular. No século XIX expande-se o uso de leques: os estilos se

misturam, surgindo leques pastiche dos séculos anteriores. Leques fabricados por artesãos

de renome empregavam artistas conhecidos para criarem a concepção geral, a decoração

das folhas ou o desenho das varetas. É nesta época também que aparecem os primeiros

leques publicitários e comemorativos fabricados em larga escala, mais simples e mais

baratos, formados por uma armação de madeira e uma folha cromo litografada ou impressa.

A partir dos anos 1930, há um declínio no uso dos leques no Ocidente, exceto nos países

hispânicos.

O leque é um abano com funções práticas, que é refrescar, espantar moscas e avivar o fogo

e funções simbólicas, usado como atributo sagrado, político ou mundano, segundo as

civilizações. Tem uma dupla origem americana e oriental, diferentes tamanhos e duas

formas básicas. A ventarola é um leque rígido ou plissado, semicírculo ou circulo montado

sobre um cabo. O leque é formado por um semicírculo que dobra fechando suas hastes

reunidas num eixo único na parte inferior, para permitir que a parte superior se desdobre. É

constituído das seguintes partes: haste, penacho, ponta, folha, eixo e cabeça. A folha pode

ser formada pelas hastes ligadas por uma fita ou então pode ser plissada.

O leque plissado é provavelmente originário do Japão de onde foi exportado para China no

século IX, e introduzido na Europa a partir do século XV.

Neste contexto o papel que os mercadores portugueses tiveram na circulação de

mercadorias entre o Oriente e o Ocidente, fica evidenciado na etimologia da palavra leque,

derivada de Liu Kiu, nome das ilhas asiáticas próximas do Japão e da China.

Objetos efêmeros, no Ocidente, os leques se tornaram um acessório de adorno

essencialmente feminino.

Ao longo do século XVIII vão sendo introduzidas na produção artesanal do leque diversas

técnicas e mecanizações. Em torno de 1770 foi inventado um molde para plissagem da

folha, favorecendo montagens cada vez mais rápidas, e foram criados leques que

incorporavam pequenos mecanismos, como binóculos, tesourinhas, nécessaires de costura

ou maquiagem.

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No século XIX o leque se tornou cada vez mais popular, o seu uso se expande e os estilos

se misturam, surgindo leques pastiche dos séculos anteriores. Leques fabricados por

artesãos de renome empregavam artistas conhecidos para criarem a concepção geral, a

decoração das folhas ou o desenho das varetas. É nesta época também que aparecem os

primeiros leques publicitários e comemorativos fabricados em larga escala, mais simples e

mais baratos, formados por uma armação de madeira e uma folha cromo litografada ou

impressa.

As mudanças mais aceleradas na forma da moda feminina ao longo do século XIX vão

contribuir para que os leques do período sejam mais facilmente datados. E como nesta

época Paris já era a capital da moda, era também o mais importante centro produtor de

leques, rivalizando apenas com a produção chinesa.

No Brasil, a chegada da Corte portuguesa, a abertura dos portos e a vinda de estrangeiros,

iniciou o que Freyre chama de reeuropeização, introduzindo o fenômeno da moda. A partir

dos anos 1810, o francês Ferdinand Denis relatou que na Baia, no convento de Soledade,

havia uma indústria de flores em ramos e guirlandas, feitas de penas de aves (tucanos,

araras, periquitos, garças), desconhecida das modistas francesas. (SILVA, 1993 - 234)

O consumo de luxo que se iniciava no Rio de Janeiro, e que vai se situar principalmente na

Rua do Ouvidor e seu entorno durante todo o século XIX, era abastecido por produtos

europeus e orientais. Os leques comemorativos da vida politica e dos casamentos do

Império no Brasil eram encomendados em Cantão ou Macau, que exportavam também as

armações e cabos trabalhados para serem utilizados em leques e ventarolas fabricados pelo

comércio local.

Embora os leques fossem vendidos em todas as grandes capitais da Europa, é difícil

identificar quando e quem fez o leque. Mesmo em coleções muito antigas e bem datadas

(como a Coleção Real Inglesa) poucos leques são assinados, às vezes apenas pelo pintor da

folha e não pelo artesão que fez as hastes. Havia também o hábito das senhoras ou parentes

talentosos pintarem as folhas (leque pintado pela Princesa Isabel no MHN), evidenciando a

venda do leque desmontado.

Os materiais empregados para a armação eram madeira, marfim, chifre, madrepérola e

tartaruga. Para a folha, pelica, pergaminho, papel, seda ou renda, ou então a combinação de

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vários desses materiais. Além disso, as folhas podiam ser pintadas com guache, aquarela,

bordadas com lantejoulas ou paetês.

Quando mais especial a ocasião, mais valiosos os materiais e mais complexa sua

elaboração. Os leques que assinalavam os casamentos reais ou acontecimentos importantes

da vida politica eram finamente decorados tanto nas folhas quanto nas hastes, que podiam

ser esculpidas, engastadas com pedras, pintadas ou douradas. A habilidade técnica e

artística dos artesãos criaram pequenas obras primas de arte decorativa.

A criação, fabricação e a venda

Desde a concepção global do leque, que é geralmente obra do fabricante de leques, de seu

desenhista ou de um dos primeiros artistas da manufatura, a fabricação envolve uma serie

de ações e competências, incluindo a realização da armação, da folha e da montagem de

todo conjunto de peças que o compõe.

Isso pode representar de entre vinte e vinte e cinco operações especificas, segundo a

complexidade do objeto, especialmente quando se trata de um leque realizado por artesãos

com resultados que revelam grande domínio técnico e artístico.

Entre 1890 a 1893, o leque mais comum era grande e de forma geométrica, com armação

de linhas retas e abertura atingindo o meio circulo completo ou de “pleno voo”. A armação

era quase sempre de madeira, esculpida ou gravada com motivos parecidos com os que

decoravam a folha. A folha do leque era feita de granadina, uma gaze de seda preta ou clara

decorada com pinturas e arrematada com uma renda curta na borda.

Os leques feitos de plumas também eram bastante comuns. Usavam-se também ventarolas

com pássaros empalhados, modelo largamente produzido no Brasil entre 1850 e 1890,

conservados em suas caixas originais e permitindo identificar sua origemi.

Os temas da decoração da folha eram quase sempre a fauna e a flora, paisagens ou pássaros

e flores representados ao natural, formando composições ou semeados por toda a superfície.

Os leques também serviam para assinalar a vida mundana. O movimento efervescente em

torno dos teatros, cafés-consertos, cabarés, cafés e restaurantes, eram registrados na

imprensa, em cartazes e nos leques publicitários. Grandes acontecimentos como as

Exposições Universais que mobilizaram milhares de visitantes na segunda metade do

século XIX, também foram objeto de decoração.

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Com mudanças na forma, tecidos e cores do traje feminino, entre 1893 e 1898 a forma do

leque fica maior, e é mais comum o uso de renda aplicada sobre o tecido, que no centro da

folha é decorado com pinturas representando pássaros ou figuras.

O leque na Coleção Ferreira das Neves do Museu D. João VI

A coleção de leques é formada por seis leques e uma ventarola.

1) Leque comemorativo da Exposição Universal de Paris 1889

n° Nome Técnica Material Data Autor Origem Dimensões

1 Leque

Comemorativo da

Exposição

Universal – Paris

1889

Tecido pintado /

Madeira com

detalhes pintados e

relevos

ornamentais

1889 França 63,5 x 67,0

cm

2 Leque Tecido pintado /

madeira.

35,0 x 67,0

cm

3 Leque (Bombom

Siraudin)

Impressão / papel,

tecido e madeira.

1889 Barbier França 35,0 x 56,0

cm

4 Leque baralho Madeira vazada e

pintada .

Suiça 22,5 x 43,0

cm

5 Leque Bordeaux Couro, cetim e

madeira.

Austria 29,2 x 49,0

cm

6 Leque de renda

preta

Tecido pintado

Renda e madeira.

1893/1898 58,0 x 66,0

cm

7 Ventarola Plumas (papo de

cisne) / cabo em

madrepérola.

Brasil 32,5 x 22,5

cm

7

• Leque comemorativo com inscrição em português “Pavilhão do Brasil e Exposição de Paris

1889” em granadina amarelo claro, com acabamento de passamanaria, pintado a guache

representando o Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Paris 1889; hastes de metal

trabalhada e colorida com flores, escudo e a torre Eiffel; argola de metal e borla de seda

amarela

2) Leque verde água pintado

• Leque de granadina verde água pintado a guache colorido representando pássaros e flores;

hastes de madeira trabalhada e com sulcos coloridos; argola de metal e borla de seda

amarela, com caixa.

3) Leque de propaganda do “Bombom Siraudin” - 1889

• Trabalho francês

• Leque de propaganda em papel impresso representando uma cena de rua em Paris, com

detalhes da arquitetura da cidade, a loja Siraudin e passantes datado de 1889, verso de

tecido laranja; hastes de madeira lisa; argola de metal

4) Leque bordô

• Trabalho austríaco

• Leque em cetim bordô; hastes de madeira forrada de couro, com desenho contornando a

forma das hastes e do penacho; argola de metal

5) Leque baralho suíço

• Trabalho suíço

• Leque baralho

• composto por 22 laminas de madeira vazada e pintada representando os cantões suissos

através do escudo no alto da lamina, e de uma figura feminina usando um traje típico; no

meio da

6) Leque de renda preta – de 1893 a 1898

• Leque de granadina preta com aplicações de renda Chantilly preta, pintado a guache

colorido representando pássaros e flores; hastes de madeira trabalhada e com sulcos

coloridos; argola de metal

7) Ventarola - fabricada desde 1850

• Trabalho brasileiro

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• Ventarola circular de plumas brancas (de cisne ou de galo) e marabu, na frente, no centro

um beija-flor brasileiro vermelho furta-cor (Chrysolampis mosquitus), de pouco mais de 9

cm e oito besouros vermelhos furta-cor; no verso, rosa de penas cabo em madrepérola

vazada e trabalhada; com caixa

Caixa da ventarola

• Trabalho brasileiro

• Caixa da ventarola em cartão forrado de papel verde

• com etiqueta onde está escrito “Ao Beija-Flor” Rua d’ Ouvidor, 89 Rio de Janeiro;

• do lado direito: “Flores finas das melhores casas de Paris” e do lado esquerdo “Feathers,

flowers, birds, insectes and Bresilian’s curiosites”;

• no centro escrito a caneta num pedaço de papel colado: “D. J. Ferrª Braga”

Assinado pelo proprietário: Domingos José Ferreira Braga

Existem dois leques que são datados de 1889: o comemorativo da Exposição Universal de

1889 em Paris e o leque “Bombom Siraudin”.

Os leques franceses são ambos de publicidade, um representa o Pavilhão do Brasil na

Exposição Universal de 1889 e outro – Bombom Siraudim – é de uma casa de chá

parisiense que existia em 1889 e estava localizada próxima ao local da Exposição

Universal.

O leque verde agua que está muito danificado é muito semelhante ao leque da Exposição

Universal, tanto no tecido da folha quanto no acabamento em passamanaria; as varetas tem

o mesmo formato, embora a decoração varetas seja diferente, pertinente aos temas de cada

leque. Por isso acredito que seja francês e do mesmo período.

O leque bordô de cetim e couro é um trabalho vienense do mesmo período, feito de madeira

ou cartão recoberto de couro, de cetim colado sobre papel; os fabricantes de leques

vienenses eram muito conhecidos e vinham em segundo lugar com relação aos parisienses

em quantidade e qualidade.

O leque-baralho suíço é um leque de suvenir.

O leque de renda preta é muito semelhante à descrição feita por Delpierre (1985) sobre a

moda dos leques entre 1893 e 1898. Pode ser, portanto um leque posterior.

A ventarola brasileira é um artesanato de luxo, evidenciado pelo cabo de madrepérola

lavrado, pelo trabalho de decoração das penas e dos animais embalsamados. A caixa

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perfeitamente preservada tem a assinatura do proprietário da loja comercial e provável

fabricante. Encontrei dois exemplares semelhantes, um no acervo do Palais Galliera em

Paris e outro no acervo do Museu de Londres.

Conclusão provisória

Em seu testamento, Eugenia enumerou a coleção doada à Escola de Belas Artes, em 1947

nos seguintes termos: (...) “as faianças e esmaltes, as miniaturas antigas, os quatro preciosos

vitrais suíços antigos, os leques antigos, o riquíssimo peso de papel de ouro e esmalte” (...)

Na lista que acompanha o testamento estão relacionados os itens de numero 165 a 170

como leques antigos e o numero 202 como o abano de arminho e penas brancas (...) cabo de

madrepérola. Sobra um!

Mesmo assim, os leques antigos formam um conjunto coerente.

Teriam pertencido à Eugênia? Talvez tenham sido comprados na Europa durante a viagem

memorável, aos 29 anos para visitar a Exposição Universal de 1889 em Paris.

O único exemplar fabricado no Brasil é um notável exemplo de uma expertise reconhecida

internacionalmente e de um campo do artesanato aparentemente extinto e pouco estudado.

Mais do que qualquer outro, a ventarola é signo do consumo ostentatório.

Seu uso na capital francesa durante a viagem seria a melhor expressão de pertencimento a

esta alta burguesia que cultivava as distinções afirmadas pelo gosto, ou seja, pela

“faculdade de julgar valores estéticos de modo imediato e intuitivo” (Bourdieu, 1979), o

que, associado a um determinado estilo de vida representado pelo conjunto de consumos

materiais e culturais distinguia as camadas sociais.

Incluídos entre os itens da rica coleção, os leques antigos, representam pela recordação que

suscitavam e por sua matéria preciosa, essa estilização da vida, ou seja, "o primado

conferido à forma sobre a função, à maneira sobre a matéria" (Bourdieu, 1979),

perpetrada por agentes das camadas mais altas e aplicada como uma estratégia de distinção

que tendia a conferir às escolhas mais elementares da vida comum um aspecto estético (seja

em matéria de comida, de vestuário ou de decoração).

É ainda o domínio e a prática dessas regras de consumo que revelava a posição dos agentes

na hierarquia social.

Única prova da viagem empreendida, os leques de souvenir testemunham o turismo ainda

iniciante, tem o valor de cartões postais ou fotografias. Transitavam entre a obra de arte

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decorativa e as estratégias de publicidade do consumo de luxo, testemunhando hábitos

mundanos e cosmopolitas.

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ROBERTS, Jane. SUTCLIFFE, Prudence. MAYOR, Susan. Images déployées; pour fans

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UZANE, Octave. L´éventail. Paris: A. Quantin, 1882.

UZANE, Octave. Les ornements de la femme. Paris, Livrairies-Imprimeries Réunies,

1892.

i Existem ventarolas com estas características em Edimburgo, no Museu Ermitage e no Palais Galliera (Ver.

ROBERTS, Jane. SUTCLIFFE, Prudence. MAYOR, Susan. Images déployées; pour fans d´éventails, la

collection royale anglaise. Sain-Rémy-en-l’Eau, France : Ed. Monelle Hayot, 2005.P. 194)