Marco Feliciano e a senha do cartão: a web como espaço profano e conversação mediada por...
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Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013
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Marco Feliciano e a senha do cartão: a web como espaço profano e conversação
mediada por computador1
Vítor de Lima CAMPANHA 2
RESUMO
Buscamos, no presente estudo, demonstrar como a pregação do pastor e deputado
Marco Feliciano – que alcançou ares de polêmica por uma referência feita ao cartão de
crédito de um fiel – gera discussões e conflitos em conversações de usuários da internet
ao deixar o espaço sagrado do templo (ELIADE, 1992) e, por meio da gravação da
mesma e sua postagem no site youtube, apresentar-se em um espaço público e profano.
É a partir desse trânsito que o conteúdo é ressignificado pelos sujeitos, de onde se
derivam algumas das polêmicas que envolvem o nome do pastor. Unem-se a isso
declarações de Feliciano em redes sociais, acerca das quais igualmente inflamadas
discussões acabam por atravessar outras redes, sites e fóruns. Demonstra-se, assim, a
multimodalidade das conversações no ciberespaço (RECUERO, 2012), consequência da
interconexão de redes e seus interagentes, mostrando a web como um espaço de
amplificação das falas e debates.
PALAVRAS-CHAVE: Debate interreligioso; conversação mediada por computador;
youtube; redes sociais.
Introdução
Atualmente figura de destaque tanto no meio religioso quanto no político, o
pastor e deputado Marco Feliciano entrou em evidência devido a uma série de
polêmicas envolvendo suas declarações e posicionamentos religiosos. Acusado de
racismo e homofobia, o líder da denominação evangélica Templo do Avivamento –
ligada à Assembleia de Deus – assumiu a presidência da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados, gerando ainda mais discussão.
1 Trabalho apresentado na VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesical (Eclesiocom), realizada em São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013. 2 Graduado em Comunicação Social Universidade Federal de Juiz de Fora / MG
Cátedra Unesco de Comunicação e Desenvolvimento/Universidade Metodista de São Paulo VIII Conferência Brasileira de Comunicação Eclesial, São Bernardo do Campo, SP, 22/8/2013
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No presente artigo, analisaremos como uma pregação de Marco Feliciano,
gravada em vídeo e publicada na internet, gera o conflito nas conversações mediadas
por computador a partir do momento em que deixa o espaço sagrado – o templo – e
aparece em um espaço profano – a web, onde está publicamente à mercê de sujeitos que
não pensam da mesma forma dos adeptos do culto do pastor. Utilizaremos, para elucidar
as implicações sagrado versus profano, o autor Mircea Eliade (1992).
Uma vez no ciberespaço, a pregação, na qual o pastor recolhia ofertas,
disponibiliza-se em um espaço que, além de profano, apresenta conversações
multimodais de usuários interconectados, onde as informações circulam de forma viral
por diferentes canais: redes sociais, fóruns, sites, etc. Assim, observando as
conversações mediadas por computador conforme Raquel Recuero (2012),
procuraremos expor como o conteúdo relacionado a Marco Feliciano atravessa o
ciberespaço e é percebido pelos atores envolvidos nas conversações. Há, assim, espaço
tanto para o vídeo postado no youtube com a pregação do pastor quanto para suas
declarações em redes sociais e seus desdobramentos e amplificações gerados pela
interconexão dos atores on-line.
1. Espaço Sagrado e Espaço Profano
Em seu livro O Sagrado e o Profano, Mircea Eliade (1992, p. 20) teoriza sobre o
antagonismo sagrado versus profano relacionando-os ao espaço. Para o autor, todo
espaço sagrado implica automaticamente em uma hierofania: a irrupção do sagrado. O
resultado é um território qualitativamente diferente do espaço comum, destacado do
meio cósmico.
Na experiência de não homogeneidade espacial, o espaço sagrado é tido como
experiência primordial religiosa, lugar a partir de onde o mundo é fundado:
Vemos, portanto, em que medida a descoberta – ou seja, a revelação – do espaço sagrado tem um valor existencial para o homem religioso;
porque nada pode começar, nada se pode fazer sem uma orientação
prévia – e toda orientação implica a aquisição de um ponto fixo. É por
essa razão que o homem religioso sempre se esforçou por estabelecer-se no “Centro do Mundo” (idem, p.17).
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A experiência dessa busca pelo centro, segundo Eliade, é a obtenção de um
centro fixo que dê a orientação necessária em meio ao caos do espaço profano. O espaço
sagrado não é construção humana, mas uma reprodução da obra divina - os
colonizadores espanhóis e portugueses tomavam posse de novas terras “em nome de
Jesus Cristo”, erigindo a cruz e consagrando o território, ou seja, colocando ordem ao
caos, recriando o espaço como no início dos tempos o próprio Deus teria criado.
Se o que ainda não é Cosmos – território sacralizado – é Caos, e se é no espaço
sagrado que o mundo é criado, tudo o que não é cosmos, não é mundo. Resumindo, o
que não é ‘nosso mundo’ por ainda não ter sido recriado pela sacralidade, ainda
permanece amorfo: sem estrutura ou consistência, em suma, profano. Espaços de caos e
cosmos podem conviver próximos, e tal dualidade não é monopólio de sociedades
primitivas:
Escolhamos um exemplo ao alcance de todos: uma igreja, numa
cidade moderna. Para um crente, essa igreja faz parte de um espaço
diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior da igreja significa, de fato, uma solução de continuidade. O
limiar que separa os dois espaços indica ao mesmo tempo a distância
entre os dois modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo
tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem dois mundos – e o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam,
onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o mundo
sagrado. (idem, p. 19)
2. Templo: o centro do mundo
No caso em estudo, temos uma atividade que é transferida do interior para o
exterior do templo, ou seja, há um deslocamento do espaço sagrado para o profano. Mas
o que faz do templo tão especial? Certamente, para Eliade (p.25), como local de rotura
na homogeneidade, os santuários e templos, assim como cidades santas, estão no
“Centro do Mundo” – o ponto fixo de onde se orienta em meio ao caos e faz-se uma
ligação entre Terra e Céu (e chegando, com seus alicerces, às regiões inferiores). A
hipótese é exemplificada pelo simbolismo encontrado nos templos de diversas religiões:
A capital do soberano chinês perfeito encontra-se no Centro do
Mundo: aí, no dia do solstício do verão, ao meio dia, o gnomo não
deve ter sombras. É surpreendente encontrar o mesmo simbolismo
aplicado ao Templo de Jerusalém: o rochedo sobre o qual se erguia o templo era o “umbigo da Terra”. O peregrino islandês Nicolau de
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Thvera, que visitara Jerusalém no século XIII, escreveu acerca do
Santo Sepulcro: “É ali o meio do Mundo; ali, no dia do solstício do
verão, a luz do Sol cai perpendicular do Céu” (idem, p.26).
Ademais, o templo extrapola a sacralidade espacial para tornar-se casa dos
deuses, ressantificando o mundo continuamente. Sua santidade está abrigada da
corrupção do espaço profano por ser considerado projetado pelos próprios deuses.
Assim, mais uma vez o homem recria o espaço divino – mas, como um ‘veículo’,
inspirado pela graça e reproduzindo o ideal celeste3 (p.34).
Ao se transferir a fala do pastor Marco Feliciano que ocorria no templo,
portanto, em um espaço sagrado, para um espaço público e consequentemente não
sagrado – profano – temos uma mudança no sentido da pregação. Ela já não diz respeito
apenas ao homem religioso que se encontrava em seu “centro do mundo”, seu templo: o
que se passara até então apenas no Cosmos, ficou à mercê do Caos. Assim, até o próprio
templo passa por ressignificações quando, no caso, a pregação muda de contexto.
Como podemos ver na Figura 1, que mostra a discussão entre usuários do
youtube no local destinado aos comentários sobre o vídeo, é emblemático o juízo feito
pelo comentarista sobre o templo em resposta a um interagente que defende as ações de
Marco Feliciano na situação do vídeo.
3 Eliade prossegue exemplificando a inspiração arquitetônica divina, como nos sonhos do rei babilônio Gudéia com a
deusa Nibada, no qual essa lhe revela o projeto do templo; assim também Jeová teria revelado a Moisés o modo de construção do tabernáculo e de seus utensílios. Já a basílica cristã é concebida como imitação da Jerusalém celeste, criada por Deus juntamente com o paraíso de onde Adão seria posteriormente expulso (p.35).
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Figura 1 – Discussão entre usuários do Youtube – 20/06/12
A palavra antro, que significa “um lugar de perdição e vícios” (FERREIRA,
1987), é exatamente o oposto do que o templo representa para o homem religioso. Esse
é um exemplo dos embates gerados em consequência da transferência da pregação de
um espaço sagrado para um espaço profano. A partir daqui, observaremos os debates
nos comentários do vídeo no Youtube como conversas mediadas por computador e suas
implicações teóricas.
3. Comunicação mediada pelo computador e representação identitária
Ao estudar a comunicação mediada pelo computador, Raquel Recuero (2012)
explicita a evolução de ferramentas computacionais em espaços conversacionais onde o
suporte tecnológico é subvertido pela apropriação dos usuários. A conversação
amplifica e reconstrói o ambiente mediado, que como tal, possui características e
limitações específicas.
Como a comunicação é mediada e, muitas vezes, os interagentes não se
conhecem pessoalmente, é comum que eles promovam suas representações. A
“presença é construída através de atos performáticos e identitários, tais como a
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construção de representações do eu” (RECUERO, 2012). No caso das redes sociais ou
blogs, as representações são identificadas mais facilmente, pois tais espaços dispõem de
ambientes personalizáveis onde é possível se colocar fotos, ressaltar gostos e opiniões,
entre outros. É nos perfis de redes sociais que o usuário seleciona o que quer mostrar de
si, podendo administrar a impressão dos outros sujeitos sobre ele, em uma construção
identitária (GOFFMAN, 2009 apud SÁ e POLIVANOV, 2012).
No estudo em questão, tratamos de comentários em um vídeo no Youtube, onde
não existem tais espaços que funcionam exclusivamente para a representação da
identidade. Assim, a manifestação fica a cargo dos atos performáticos durante os
debates.
Figura 2 – Discussão sobre o dízimo (acesso em 08/07/2012)
Figura 3 – Ateu x Crente (acesso em 08/07/13)
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Como vemos nas figuras acima, é o posicionamento de cada interagente na
discussão que atua como forma de apresentação dos sujeitos no ciberespaço. No
primeiro caso, a discussão gira em torno dos ensinamentos bíblicos, e os comentadores
demarcam suas posições teológicas demonstrando que, apesar de crentes, possuem
ideias diferentes. Na Figura 3, fica clara a representação da identidade religiosa, quando
o interagente se define como ateu – assim como o usuário que o responde deixa claro o
seu posicionamento teísta.
É importante ressaltar que tal espaço de conversação – o dos comentários do
Youtube – é público, ou seja, as interações podem ser vistas por qualquer um que tenha
acesso ao site. Dessa forma, o falante não tem ideia exata de sua audiência nem da
percepção que estes terão sobre sua mensagem4. Argumentos e pontos de vista
funcionam também como uma forma de exposição, por vezes seletiva, da personalidade,
bem como a construção e administração da impressão causada5.
Tais impressões criadas e legitimadas remetem à “face”, termo que se refere a
um conjunto de valores e atributos positivos construídos pelo indivíduo durante as
interações. É em Brown e Levinson (1987) que temos, a partir do trabalho de
Goffman, uma construção mais ampla a respeito da noção de face.
Para os autores há dois tipos de face, a positiva e a negativa. [...] vê-se a face positiva como o desejo, a aceitação de uma imagem
positivamente construída do ator em questão que é imposta aos demais
na interação e para qual este ator busca aceitação. A face negativa está relacionada ao território, ao espaço pessoal, à liberdade de expressão e
à liberdade de imposição (RECUERO, 2012, p.88).
No momento em que a face é ameaçada, temos o conflito na interação. No caso
dos debates presentes nos comentários sobre o vídeo estudado, o que poderia evitar
tamanho grau de conflito?
4 A autora compara os espaços públicos e privados de conversação, salientando que essas fronteiras nem sempre são claras, podendo ser simultâneas. Tudo depende das plataformas utilizadas. (RECUERO, 2012, p. 56-58). 5 Situação similar foi encontrada em estudo anterior (CAMPANHA, 2012), quando analisamos os debates inter-religiosos presentes na fan page do Facebook da personagem fictícia Irmã Zuleide. Falas dissonantes também se demonstraram como expressões individuais e formas de apresentação dos sujeitos na rede.
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4. Polidez no Youtube?
Segundo Kerbrat-Oercchioni (2006, apud RECUERO, 2012) a polidez é o
elemento que tem como objetivo preservar a cooperação nas interações, evitando
conflitos e ameaças à face. Trata-se de normas sociais, estratégias apropriadas para
organizar e coordenar as falas num mínimo de cordialidade. Em conversações online,
onde as relações são mediadas pela plataforma tecnológica, as intenções nem sempre
são claras. Sem o contato físico, a percepção pode ser prejudicada. Um interagente
pode, por exemplo, não compreender que o parceiro na interação fez uma piada e,
levando a situação a sério, ofender-se, sentindo uma ameaça à face.
Por outro lado, o contato apenas virtual pode estimular o abandono da polidez. A
possibilidade é de que o conflito seja tão comum em conversações mediadas por
computador devido a uma sensação de anonimato e impunidade (RECUERO, 2012, p.
91). Quando a polidez é totalmente derrubada e todos os limites rompidos, tem-se a
discussão inflamada comumente chamada flamewar.
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Figura 4 – Flamewar – 20/06/12
É importante ressaltar que a falta do contato pessoal gera fenômenos de
interação típicos das discussões em redes sociais, fóruns e espaços destinados a
comentários. Um deles é o comportamento troll. Trata-se de um interagente que nem
sempre tem uma posição determinada no debate, mas se diverte postando comentários
que causem desavenças e inflamem ainda mais a discussão. Outro conhecido
comportamento é do hater, que como o próprio termo sugere, odeia algo. Nesse caso,
parte-se do pressuposto que ele odeie tal coisa por amar outra, e que os comentários,
geralmente acintosos, são como uma defesa daquilo que ele ama6.
6 Os termos troll e hater são mais amplamente explicitados por Monteiro e Amaral (2012, p. 9) ao discutirem os embates e performances de gosto, apuradas nas redes sociais, de fãs de diferentes estilos musicais.
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Ao transitar do espaço sagrado do templo ao espaço profano do Youtube, local
não só frequentando pelos seguidores de Marco Feliciano, a pregação do pastor ganha
ares de polêmica. O que é comum ou até motivo de bênçãos para aqueles que estão no
templo, é algo absurdo para os que não compartilham do mesmo ideal religioso. O
trânsito entre os espaços acaba, inevitavelmente, colocando todos em contato e gerando
o conflito.
5. Polêmicas e conexões
Se da perspectiva de Eliade (1992) podemos considerar que a pregação de Marco
Feliciano foi profanada ao sair de seu espaço sagrado e penetrar o espaço profano do
Youtube, é importante destacar a multimodalidade do espaço de rede. No momento em
que o vídeo é colocado na web, há a possibilidade de que ele seja compartilhado com
vários usuários e por vários meios, sendo as redes sociais grandes agentes replicadores.
O vídeo em questão, apesar de ser usado em nossa análise como principal
exemplo de migração entre espaço sagrado e profano e suas consequências, não foi a
única publicação na web geradora de polêmicas relacionadas ao pastor e deputado.
Publicações de Marco Feliciano no Twitter consideradas homofóbicas e racistas
também trouxeram à tona muitas discussões, acirradas quando o mesmo tomou a frente
da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. As próprias
redes foram palco de discussões e “protestos” contra o pastor.
Conforme Raquel Recuero,
essas conversações diferenciam-se das demais conversações no espaço digital porque, constituídas dentro das redes sociais online, são
capazes de “navegar” pelas conexões dessas redes, espalhando-se por
outros grupos sociais e por outros espaços. [...] São conversações
públicas que migram dentro de diversas redes e que, deste modo, interferem nas redes sociais que utilizam as ferramentas. Assim, uma
conversação em rede nasce de conversações entre pequenos grupos
que vão sendo amplificadas pelas conexões dos atores, adquirindo novos contornos e, por vezes, novos contextos (RECUERO, 2012, p.
123).
Após ser considerado por alguns como homofóbico e/ou racista, o nome de
Marco Feliciano é com frequência mencionado no Twitter em meio a críticas, piadas e
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ofensas. Da mesma forma, as fotos do pastor postadas por ele no Instagram passaram a
ser “motivo de chacota”, segundo noticiado em sites de notícias.
SÃO PAULO – Uma foto publicada no Instagram do pastor e
deputado Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, virou motivo de chacota nas redes
sociais nesta segunda-feira. Datada de 23 semanas atrás, a imagem
mostra o pastor provavelmente alisando os cabelos. No título da imagem, a frase: “Momento descontração...Raridade!!!”, seguida de
mais de 650 comentários - até o início desta noite-, a maioria
zombando do parlamentar e chamando Feliciano de "bicha", "diva",
"bee" e "mona", entre outros. (FOTO..., 2013, online.)
Na sequência dos acontecimentos, o assédio ao perfil de Feliciano no Instagram
gerou o cancelamento da conta pelo pastor. O fato seria confirmado por ele via Twitter,
no qual pediu desculpas pelo cancelamento alegando a falta de limites e a “crueldade
das pessoas nos recados” (MARCO..., 2013, online).
Em breve resumo, temos falas e postagens que geram conversações, conflitos e
polêmicas que extrapolam as redes sociais e ganham repercussão nacionalmente.
Concomitantemente, elas prosseguem sendo discutidas dentro das redes. É nelas que
Feliciano é atacado, e avisa da saída de uma rede social em outra. É, portanto, visível a
amplificação dada pela conexão dos atores, recontextualizações, ressignificações e
trânsito do conteúdo e das conversações entre vários sites e redes sociais.
Considerações finais
Imaginemos que o vídeo em questão não tivesse vindo a público pelo Youtube.
Nesse caso, o conteúdo da pregação que gerou polêmica permaneceria apenas no espaço
sagrado do templo, onde ele tem um sentido para os interagentes presentes, no caso, os
fieis. É a partir do momento em que a pregação é trazida, por meio do vídeo, para um
espaço público e consequentemente profano, onde estaria sujeito à visão e crítica de
vozes discordantes, que acontecem as discussões, a flamewar. Da mesma forma ocorreu
no cenário off-line, sendo a gravação um estopim de discordâncias e polêmicas em
âmbito nacional.
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As discussões geradas por Marco Feliciano em seus diferentes momentos na
web, seja por conteúdo em vídeo ou por declarações pessoais nas redes sociais,
demonstram a multimodalidade das conversações em rede e a interconexão existentes
no ciberespaço. São essas ligações que apresentam a web como um espaço “sem
fronteiras”, onde a interação é, de certa forma, livre. Espaços sagrados, que funcionam
como centros de mundo para o homem religioso, são o oposto: um local de unidade e
concordância entre os interagentes, exemplificado pelos fieis presentes na pregação que
vemos no vídeo do Youtube.
No ciberespaço, os diferentes atores se encontram: evangélicos que defendem
Marco Feliciano e outros que o criticam, pessoas de outras religiões, ateus, trolls,
haters, todos mantendo construções identitárias por meio das conversações mediadas
pelo computador. Mais que um espaço profano, o ciberespaço, apenas virtual, é onde
todos os espaços podem se encontrar – graças a essa presença de todos os atores. Se,
assim, o conflito torna-se inevitável, caberia aos interagentes tirar proveito disso,
alçando os debates a uma forma mais produtiva. Porém, com um alcance tão amplo e
uma presença de personagens tão pulverizada e fragmentada, este pode ser um caminho
tortuoso.
Apesar de considerarmos a web como espaço basicamente profano, baseando-se
nos argumentos de Eliade, não podemos nos eximir de pesquisar a questão com mais
profundidade. Se o espaço digital é, em sua essência, múltiplo e interconectado, ele
deve conter espaços de hierofania, mesmo que tais fronteiras, como já explicitado, não
sejam tão bem demarcadas – o que pode ser discutido em novos trabalhos que surjam a
partir dessa reflexão.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Adriana; MONTEIRO, Camila. “ESSES ROQUERO NÃO CURTE”: performance de gosto e fãs de música no Unidos Contra o Rock do Facebook. XXI Encontro Anual da
Compós, Juiz de Fora, 2012.
CAMPANHA, Vítor L. A página de Irmã Zuleide no Facebook: considerações sobre o cenário
religioso brasileiro a partir de um fake. I Jornada de Mídias e Religião, São Leopoldo, 2012.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Tradução de Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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FERREIRA, A. B. H. Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa. Rio de Janeiro:
Editora Nacional, 1987.
FOTO de Marco Feliciano no Instagram vira motivo de chacota nas redes sociais. O Globo,
online. 18 mar. 2013. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/pais/foto-de-marco-feliciano-
no-instagram-vira-motivo-de-chacota-nas-redes-sociais-7873992>. Acesso em: 10 jul. 2013.
MARCO Feliciano apaga fotos do Instagram e desabafa no Twitter. Portal R7, online. 30 mar.
2013. Disponível em: <http://noticias.r7.com/brasil/marco-feliciano-apaga-fotos-do-instagram-
e-desabafa-no-twitter-30032013>. Acesso em: 10 jul. 2013.
PASTOR MARCO FELICIANO homofóbico e racista pedindo dinheiro e senha...
[Vídeo postado no Youtube]. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=zNO6VCX6KRE> Acesso em 20 jun. 2013.
RECUERO, Raquel. A conversação em rede: Comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012.
SÁ, Simone Pereira de; POLIVANOV, Beatriz Brandão. Materialidades da comunicação e
presentificação do sujeito em sites de redes sociais. XXI Encontro Anual da Compós, Juiz de Fora, 2012.