Louriçal versão portuguesa

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Joaquim Eusébio Os ciclos de azulejos da igreja do convento do Louriçal

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Joaquim Eusébio

Os ciclos de azulejos da igreja do convento do Louriçal

ii

Resumo

A igreja do convento do Louriçal apresenta um conjunto de trinta e quatro painéis

de azulejos constituindo quatro ciclos (a Paixão de Cristo, a vida de S. Francisco de Assis, a

Virgem Maria e a vida de Santa Clara) atribuídos à oficina de Valentim de Almeida (1692-

1779).

Este nosso estudo procura demonstrar, em primeiro lugar, como os quatro ciclos se

articulam entre si. Procuraremos, igualmente, definir a ligação existente entre estes painéis

e as tradições iconográficas e historiográficas franciscanas em Portugal. Constitui ponto

essencial da nossa problemática o determinar como este revestimento cerâmico ultrapassa

as funções meramente decorativas e pedagógicas para se articular com os outros elementos

artísticos presentes (pintura, escultura e arquitectura). O resultado permitirá interpretar a

narração inscrita neste monumento e constatar a sua coerência com a sensibilidade da época

de D. João V e a sua articulação com a afirmação da ordem franciscana na primeira metade

do século XVIII.

Outras questões, no entanto, se levantam. É sabido que o pintor de azulejos não é

geralmente considerado como um criador. Que fontes de inspiração utilizou? O artista do

Louriçal utilizou gravuras? E nesse caso, as gravuras serviram de fonte de inspiração ou a

cópia pura e simples?

A glorificação da Eucaristia está omnipresente. Como se poderá explicar este facto

neste monumento do século XVIII, num contexto que mostra viver ainda muito

intensamente o espírito de Trento e da Contra-Reforma?

Em complemento e de forma não exaustiva, apresentamos algumas notas relativas à

vida de fundadora da congregação religiosa, madre Maria do Lado e sobre a história do

convento do Louriçal.

iii

Índice Resumo ................................................................................................................................... ii

Créditos das imagens............................................................................................................. iv

Abreviaturas e siglas .............................................................................................................. v

Agradecimentos.................................................................................................................... vii

Introdução .............................................................................................................................. 1

Capítulo 1 – A arte do azulejo em Portugal na primeira metade do século XVIII ................ 5

1.1. – A função dos azulejos na arte portuguesa ............................................................ 5

1.2. – O azulejo do século XVIII ................................................................................... 7

1.3. - Valentim de Almeida (1692-1779) – entre o Ciclo dos Mestres e o Rococó ..... 11

1.4. – Os painéis do Louriçal ....................................................................................... 15

Capítulo 2 – Louriçal : de Recolhimento a Convento de clarissas ...................................... 22

2.1. – O roubo da igreja de Santa Engrácia (1630) no contexto da tensão entre os

cristãos-novos e os cristãos-velhos .............................................................................. 22

2. 2. – O papel de Maria do Lado (1605-1632), do seu confessor, fr. Bernardino das

Chagas e dos condes da Ericeira na formação do Recolhimento ................................. 25

2.3. - A construção do convento do Louriçal (1690-1709) e da sua igreja (1734-1739)

...................................................................................................................................... 30

2.4. – Breve história dos 300 anos do convento ........................................................... 36

Capítulo 3 – Os ciclos de azulejos da igreja ........................................................................ 41

3.1. – As fontes literárias.............................................................................................. 41

3.2. – Os modelos iconográficos .................................................................................. 46

3.3. – A interligação entre os ciclos de azulejos .......................................................... 52

Conclusão – Louriçal, um bel composto .............................................................................. 56

Fontes e bibliografia ............................................................................................................. 60

Anexo 1 - Catálogo ................................................................................................................. i

O ciclo da Paixão de Cristo (Cat. 1 – 10) ........................................................................... ii

O ciclo da vida de S. Francisco de Assis (Cat. 11 – 18) ............................................. xxviii

O ciclo da Virgem (Cat. 19 – 23) ................................................................................... xlvi

O ciclo da vida de Santa Clara (Cat. 23 – 34) .................................................................. lvi

Anexo 2 – Obras de Valentim de Almeida .................................................................... lxxxiii

iv

Créditos das imagens

Alexandrina Costa : Figs. 7, 24B, 26B, 30B

Amguedeff Cymru – National Museum Wales [em linha]: Fig. 10E

Blackburne (1780): 10F

Correia (2005) [em linha]: Figs. 30

Dias dos Reis, Pbase.com [em linha]: Figs. 1B

Gordalina e outros (2006) [em linha]: Figs. 31

Gustavo de Medeiros: Figs. 1, 1D, 2D, 3E, 4C, 5A, 6D, 7E, 8A, 9, 9A, 10I, 11, 11A, 13,

15, 16, 17, 18, 19, 20A, 24, 27, 27A, 27B, 28, 29, 30A, 31B, 33A, 36, 37, 38, 39, 42, 44,

45, 48, 51; Cat. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23,

24, 25, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34

Hollstein (1949, 2000): Figs. 13A, 40

Irmãs Clarissas do Louriçal: Figs. 25, 35, 49, Cat. 26

J. M. Santos Simões, Fundação Calouste Gulbenkian [em linha]: Figs. 2B, 3C, 4, 5, 10G,

12, 19B, 20B, 21A, 21B, 43, 46

Joaquim Eusébio: Figs. 1C, 2C, 3, 3B, 3D, 6, 6C, 7D, 8, 10H, 14, 14A, 15A, 21, 21C, 22B,

26, 32, 33, 34, 50

José Meco (1999): Figs. 2

José Semelhe: Fig. 6B

Mandroux-França (1983a): Fig. 41

Mendonça (2003) [em linha]: Figs. 23

Museu Regional de Beja [em linha]: Fig. 47

Renato Wandeck, Ceramicanorio [em linha]: Figs. 10

Sedulius (1994): Figs. 24A, 26A, 28A, 29A, 31A, 32A, 34A

Smith (1972): Fig. 20

Sobral (2004): Figs. 18A, 18B

Steadman (1982): Figs. 10D

Soares (1971): Fig. 22

v

Teresa Saporiti: Fig. 22A

Trustees of the British Museum: Figs. 6A, 7B, 7C

Vlieghe (1999): Fig. 7A

Web Gallery of Art [em linha]: Figs. 10B, 10C

Weigel (2009) [em linha]: Figs. 1A, 2A, 3A, 4A, 4B, 19A

Abreviaturas e siglas

No, nos : número, números

[p.] : página

[pp.] : páginas

[s.d.] : sem data

[sic.] : incorrecção

[s.p.] : sem paginação

[t..] : tomo

vol. : volume

vi

À Marie-Andrée, à Alexandra, ao Filipe e à

Maria Rita e ao Miguel

vii

Agradecimentos

A primeira palavra de agradecimento é dirigida ao professor Luís de Moura Sobral.

Os seus conhecimentos, a sua vasta experiência, a sua disponibilidade, as suas sugestões e o

seu contínuo encorajamento foram preciosos para a elaboração deste trabalho, cuja forma

original constitui a minha tese de mestrado em História da Arte na Universidade de

Montreal.

Um profundo agradecimento ao professor José Meco e à dra. Maria Luisa Jacquinet

pelas suas preciosas informações.

Desejo igualmente manifestar o meu reconhecimento a todos os que permitiram a

inclusão de fotografias suas neste trabalho, designadamente ao Gustavo de Medeiros e à

dra. Alexandrina Costa.

Às irmãs clarissas do convento do Louriçal, e em especial à irmã Fátima, desejo

expressar o meu agradecimento pela compreensão, disponibilidade e gentileza recebidas.

Finalmente, desejo agradecer o apoio financeiro recebido durante o período de

investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia e do Departamento de História da

Arte e de Estudos Cinematográficos da Universidade de Montreal.

Introdução

O facto de termos vivido em Pombal durante mais de duas décadas e a nossa paixão

pela História motivou-nos a fazer um estudo aprofundado sobre o passado de Pombal e do

seu concelho. Esta pesquisa levou à publicação de uma monografia (Eusébio 2007). Um

ponto que atiçou a nossa curiosidade foi, sem dúvida, a magnífica igreja do convento do

Louriçal.

O Louriçal situa-se geograficamente no centro no centro de Portugal e a sua

freguesia está integrada no município de Pombal. No entanto é importante aqui mencionar

que durante vários séculos o Louriçal foi sede do seu próprio concelho.

O convento do Louriçal foi construído entre 1692 e 1709. O rei D. João V foi o

principal financiador deste edifício destinado a albergar o recolhimento de religiosas

fundado em 1631 pela madre Maria do Lado.

Igualmente com o suporte de D. João V, é acrescentada uma igreja, essencial para a

missão das freiras clarissas, no período entre 1734 e 1739, sob a direcção do arquitecto

húngaro Carlos Mardel (cerca de 1695-1763). As paredes da igreja estão inteiramente

recobertas de painéis de azulejos. Santos Simões (1974 : 174-175), na sua obra Azulejos em

Portugal no século XVIII, menciona estes painéis e atribui-os à oficina de Bartolomeu

Antunes (1688-1753).

Este nosso estudo visa uma pesquisa detalhada sobre o significado destes trinta e

quatro painéis. Iniciámos o trabalho pela cobertura fotográfica dos painéis e por uma

identificação de cada um deles, o que permitiu a elaboração de um esquema da sua

localização. Assim podemos assinalar quatro ciclos iconográficos : a Paixão de Cristo (Cat.

1 - 10), a vida de S. Francisco de Assis (Cat. 11 - 18), a Virgem Maria (Cat. 19 - 22) e a

vida de Santa Clara (Cat. 23 - 34).

2

Para a identificação dos painéis, estabeleceremos a sua relação com as fontes

gráficas e literárias e procuraremos verificar a existência de uma organização destes painéis

dentro de um sistema narrativo coerente.

Por outro lado, o nosso estudo procurará definir a eventual ligação entre estes

painéis e as tradições iconográficas e historiográficas franciscanas em Portugal.

Complementarmente e de maneira não exaustiva, apresentaremos algumas notas

sobre a vida da fundadora do Recolhimento, madre Maria do Lado e sobre a história do

convento.

Problemática

O ponto central da nossa problemática é o de determinar de que forma este

revestimento cerâmico ultrapassa as funções decorativas e pedagógicas criando uma estreita

articulação com os restantes elementos artísticos (pintura, escultura e arquitectura). O

resultado permitirá que interpretemos a narração inscrita neste monumento e constatemos a

sua coerência com a sensibilidade da época de D. João V e com o espírito da Ordem

Franciscana na primeira metade do século XVIII.

Procuraremos, além disso encontrar resposta para outras questões. Geralmente o

pintor de azulejos não é um criador. Assim sendo, quais foram as fontes de inspiração

utilizadas? O artista do Louriçal utilizou gravuras? Nesse caso, as gravuras serviram de

fonte de inspiração ou de simples objecto de cópia?

A exaltação da Eucaristia está omnipresente. Como poderemos explicar este facto

neste monumento do século XVIII, num contexto que aparenta viver intensamente ainda o

espírito do concílio de Trento e da Contra Reforma?

O estado da questão

O convento do Louriçal abriga, ainda nos nossos dias, não apenas uma comunidade

de irmãs clarissas em clausura mas igualmente um conjunto de obras de arte relativamente

mal conhecidas. Embora a igreja do convento esteja aberta ao público, muito poucos

estudos foram publicados sobre as suas riquezas patrimoniais.

3

Em 1955, Gustavo de Matos Sequeira (1955 : 111-113) fez uma descrição da

arquitectura da igreja e do convento. Mais recentemente, em 1991, Isabel Mendonça (2003)

actualizou estas informações.

Relativamente aos azulejos, Sequeira identificou erroneamente os painéis dedicados

a Santa Clara considerando-os como cenas da vida de madre Maria do Lado e não faz

qualquer referência aos quatro painéis do ciclo da Virgem.

Santos Simões (1979 : 174-175) dedicou duas páginas aos azulejos da igreja e do

convento na sua obra Azulejaria em Portugal no século XVIII. Considerou-os

«magníficos», e mesmo «um exemplo muito eloquente desta época», e atribuiu-os à oficina

de Bartolomeu Antunes (activo entre cerca de 1725-1753).

Em 1989, José Meco (1989 : 107, 233-234) menciona que os azulejos da igreja do

Louriçal produzem «um efeito teatral» e, em 1995, José Fernandes Pereira (1995 : 127-128)

faz uma curta alusão aos painéis do Êxodo situados no coro superior.

Há dúvidas sobre a data de execução dos painéis de azulejos. Gustavo de Matos

Sequeira (1955 : XXXVII, 112) indica 1726, a data inscrita no lavabo da sacristia da igreja

(fig. 1). António Filipe Pimentel (1989 : 350-351) manifesta dúvidas quanto a esta data

uma vez que a construção da igreja decorre entre 1734 e 1739 e os painéis de azulejos são

concebidos de forma precisa para os muros da igreja.

Metodologia e quadro teórico

A metodologia seguida implicou a nossa deslocação ao local para aí fazermos o

estudo dos painéis, a sua reprodução fotográfica bem como a investigação de fontes

documentais na Biblioteca Nacional, na Torre do Tombo, no Arquivo da Universidade de

Coimbra e no Arquivo Distrital de Leiria.

A nossa abordagem baseia-se na intencionalidade do programa iconográfico dos

painéis de azulejos, levando em linha de conta a afirmação de Erwin Panofsky (1967 : 37) :

4

É um facto que os monumentos e os documentos particulares só podem ser

examinados, interpretados e classificados à luz duma concepção histórica de

conjunto, e que um retorno a esta visão histórica de conjunto apenas pode ser

criada a partir dos monumentos ou dos documentos particulares.

Para o nosso estudo servimo-nos dos conceitos de iconografia (descrição e

classificação das imagens) e de iconologia (identificação do tema e interpretação da

imagem), definidos por Erwin Panofsky (1967 : 37) e utilizados por Moura Sobral (2002 :

29-51; 1999a : 71-90) na análise das obras dos pintores Marcos da Cruz, Bento Coelho e

André Gonçalves na igreja da Madre de Deus (Lisboa) ou dos azulejos de António de

Oliveira Bernardes na igreja das Mercês (Lisboa). A identificação e a análise iconográfica

dos painéis baseiam-se fundamentalmente em Louis Réau (1958) e Émile Mâle (1972).

O estudo integrado dos elementos artísticos não é, infelizmente, uma prática

corrente na maioria dos nossos historiadores de arte portugueses; ele constitui, no entanto, o

quadro teórico desta nossa pesquisa. Pudemos assim, felizmente, basearmo-nos no trabalho

pioneiro de Luís de Moura Sobral para prosseguirmos nessa direcção; apoiar-nos-emos,

portanto, no modelo de análise por si desenvolvido em vários dos seus estudos

(Sobral 1999 e 2002).

Capítulo 1 – A arte do azulejo em Portugal na primeira

metade do século XVIII

1.1. – A função dos azulejos na arte portuguesa

Os azulejos constituem em parte a fisionomia de Portugal

A. Racynski

Os azulejos acompanham o português desde a igreja onde foi baptizado, à

escola e à universidade, e depois, na escada do notário, e igualmente na

igreja, no hospital, nas estações de caminho-de-ferro e de metropolitano, na

edifício da Câmara Municipal, nas ruas e jardins e mesmo na capela

mortuária.

Calado 1992 : [s.p.]

Desde há cinco séculos que o azulejo está omnipresente no quotidiano dos

portugueses. O azulejo encontra-se por toda a parte – fachadas inteiramente revestidas,

medalhões religiosos colocados à entrada das casas, nas populares alminhas, frisos em

torno das portas e das janelas, lambris cobertos de belos azulejos.

Apesar de Portugal não ser o país de origem do azulejo, os artistas e artesãos

portugueses conferiram-lhe um relevo particular e fizeram-no evoluir de uma forma

notável. Segundo Santos Simões (2001 : 53),

o que caracteriza o azulejo português […] é a sua intenção decorativa, o

uso quase ilimitado que dele se fez, integrando-o na própria arquitectura

como se dela fizesse parte. O arquitecto serviu-se do azulejo como se servia

da pedra lavrada, contava com ele na construção e reservou-lhe o lugar que

noutros países se dava ao estuque, à estatuária, ao baixo-relevo ou à

pintura mural. […] O azulejo dava, na maioria dos casos, o ‘’acabamento’’

da obra.

Como se poderão explicar as razões do sucesso da sua utilização? Elas estão

ligadas, certamente, às próprias características físicas do azulejo. O revestimento das

paredes com azulejo é durável, resistente e económico. Como a superfície do azulejo

permite facilmente a aplicação de camadas de tinta, vai tornar-se num magnífico suporte

6

adaptável às diferentes correntes estéticas. Além disso, o azulejo oferece uma excelente

capacidade de reflexão da luz e é igualmente um bom isolante térmico e acústico.

Uma característica interessante que devemos sublinhar é o facto de que cada

azulejo apenas tem significado e e pode ser avaliado quando está associado aos restantes

azulejos do painel; além disso, a leitura integral apenas é possível quando o painel se

encontra colocado no espaço previsto para esse efeito (Câmara 2007 : 32).

No caso português, os azulejos «estão intrinsecamente ligados à arquitectura que

eles modelam e interpretam, e da qual eles não podem ser dissociados sob pena de

perderem uma grande parte da sua personalidade» (Calado 1996 : [s.p.]). Segundo Maria

Alexandra Câmara (2007 : 31), deve-se sublinhar o casamento feliz e harmónico entre o

azulejo e a arquitectura – enquanto o azulejo necessita de um suporte arquitectónico, a

arquitectura é metamorfoseada pela sua aplicação. Santos Simões vai ainda mais longe: «O

génio dos azulejadores de Lisboa permite a transformação duma enorme caixa de pedra

numa sinfonia cromática equilibrada, graças aos acordes melódicos dos azuis e amarelos

sobre a brancura do reticulado dos azulejos» (citado por Pereira 1889 : 56). O arquitecto

tem, portanto, necessidade de pensar no revestimento de azulejos quando prepara o seu

projecto, de forma similar ao seu cuidado relativamente às pedras talhadas. É por esta razão

que Portugal, ao contrário de outros países, nunca exportou azulejos, excepto para as suas

antigas possessões (Brasil, Cabo Verde, Angola e Goa); aí a sua aplicação teve de seguir o

modelo português. Lisboa tinha o rentável monopólio desta produção de azulejos para as

colónias.

Como poderemos explicar o grande desenvolvimento do azulejo em Portugal?

O azulejo adaptou-se extraordinariamente bem às condições económicas, sociais e

culturais de Portugal. O barro é abundante e o país possuía uma longa tradição na produção

da cerâmica, que lhe vinha da presença multissecular romana e sobretudo moura no seu

território. O azulejo era barato e adaptou-se perfeitamente à arquitectura tipicamente

mediterrânica (Meco 1989 : 13).

Além disso, os contactos comerciais e culturais com os outros países europeus

permitiram uma evolução técnica e artística do azulejo. A expansão marítima favoreceu

7

igualmente o contacto directo com as artes orientais, as quais, por seu turno, inspiraram a

policromia intensa e a fantasia dos motivos ornamentais dos séculos XVI e XVII.

Estamos perfeitamente de acordo com José Meco (1989 : 28) quando este

especialista conclui: «o azulejo demonstra a personalidade e a vitalidade criativa

portuguesas pela fecundidade das suas adaptações, pela sua capacidade de compensar as

limitações naturais e económicas do país e pela sua abertura aos contactos exteriores».

1.2. – O azulejo do século XVIII

A primeira metade do século XVII, que corresponde grosso modo ao reinado de D.

João V (r. 1706-1750), é um período de profundas transformações económicas, culturais e

sociais. Desde o início do século, chegam a Lisboa enormes quantidades de ouro e de

diamantes provindos do Brasil. O desafogo económico permite o desenvolvimento duma

sociedade luxuosa que vai transformar ou renovar os palácios e construir ricas igrejas e

conventos por toda a parte. O rei articula o seu poder centralizador com uma política de

magnanimidade em relação às artes.

Esta tendência torna-se mais notória durante o segundo quartel do século XVIII.

Consequentemente sobem em flecha as encomendas de azulejos o que terá consequências

evidentes na produção.

Santos Simões (1965 : 132) dividiu a primeira metade do século XVIII em dois

períodos: a Grande Pintura, vulgarmente designado por Ciclo dos Mestres (1700-1725) e la

Grande Produção ou período das oficinas anónimas (1725-1755).

O Ciclo dos Mestres (1700-1725)

O triunfo do azul permitiu uma maior versatilidade pictórica bem como

composições mais personalizadas. A utilização da aguada obriga o pintor a trabalhar à la

prima, sem hesitações, manejando rapidamente o pincel de forma hábil e precisa, dado que

se parar haverá uma maior concentração dos óxidos metálicos, o que provoca um azul mais

escuro (Mangucci 1998 : 20). O erro é irreparável. O pintor de azulejos deste período tem

que ser realmente dotado e dispor de experiência de preferência na pintura de cavalete.

8

Alguns pintores oriundos dessa técnica irão tornar-se pintores de azulejos e permitirão à

pintura do azulejo atingir um nível artístico muito elevado.

O caminho foi aberto pelo pintor espanhol Gabriel del Barco (1649-1703) que

chegou a Portugal em 1669. Em 1690, o artista inicia a sua carreira na pintura dos azulejos,

tirando partido da sua anterior experiência como pintor de cavalete. Gabiel del Barco utilisa

todas as possibilidades oferecidas pelo azul de cobalto; a sua pintura revela intenso

dinamismo graças ao contraste entre o azul escuro e a aguada. Pioneiro nesta técnica, Barco

estabeleceu a ponte entre a produção ingénua anónima dos ceramistas do século XVII e os

notáveis pintores do primeiro quartel do século XVIII - António Pereira, Manuel dos

Santos, António de Oliveira Bernardes e um mestre anónimo apenas conhecido pelas

iniciais P. M. P.

O Ciclo dos Mestres é a idade ouro da azulejaria portuguesa. Segundo José Meco,

este período caracteriza-se por uma representação fictícia do espaço, criada segundo as

regras da perspectiva tridimensional o que constitui o principal factor da dinamização da

arquitectura através da desmaterialização das paredes. Trata-se de uma pintura mais

individualizada do que a produzida anteriormente, na medida em que é possível a

identificação de diversos artistas, quer pela documentação existente, quer pela sua eventual

assinatura, mas igualmente através das características pictóricas do autor. Os principais

pintores do Ciclo dos Mestres são:

António Pereira Ravasco e Manuel dos Santos (activos durante o primeiro quartel

do século XVIII) manifestam uma certa influência da técnica holandesa, na medida

em que o desenho é valorizado; António Pereira Ravasco foi, ele próprio, um pintor

de quadros a óleo, tal como foi demonstrado por Vítor Serrão (1999 : 347).

António de Oliveira Bernardes (1662-1732, activo entre 1690 e 1725) e o seu filho

Policarpo (activo até 1740), distinguem-se pelo seu cuidado com os volumes;

segundo José Arranz, António de Oliveira Bernardes «tinha um bom domínio de

perspectiva aérea, diluindo a paisagem de fundo num esfumado característico em

contraste com a densidade dos personagens. Nos seus trabalhos, a execução

pictórica é magistral pois o azul-cobalto adquire, por vezes, uma transparência e

uma gradação deslumbrantes através duma magistral manipulação da luz. Esta

técnica de combinação do claro-escuro proporciona uma extrema qualidade.»

(Arranz 2008 : 132). Trata-se de uma técnica adquirida na sua experiência como

pintor de cavalete.

O mestre P. M. P. (activo durante o primeiro quartel do século XVIII) tem uma

pintura mais ingénua e decorativa. Foi, na opinião de José Meco (1989 : 113, 219-

9

220), o pintor que mais influenciou a evolução dos painéis figurativos no período

seguinte, a Grande Produção.

Estes pintores criaram painéis de grandes dimensões, ricamente ornamentados com

motivos vegetais e arquitectónicos, em decorações que frequentemente revestem as paredes

até ao tecto. Como dissemos, são exímios na utilização delicada das aguadas de azul-

cobalto, assim conseguindo obter excelentes contrastes de claro-escuro.

A Grande Produção (1725-1755)

A procura do azulejo (sobretudo da parte do mercado brasileiro) aumenta

substancialmente durante o segundo quartel do século XVIII, o que determina um

crescimento acelerado da produção. Uma consequência deste crescimento é a utilização

recorrente de composições em série – os ciclos iconográficos são característicos deste

período. Uma outra consequência é o desejo do pintor de azulejos de surpreender o

espectador através do efeito teatral das cenas – os painéis apresentam fundos

arquitectónicos e elementos decorativos presentes no teatro; são representados serafins com

longas túnicas, anjinhos, franjas, grinaldas, pilastras e colunas em trompe l’œil, grandes

cortinados presos lateralmente e deixando na sua abertura ver os personagens tal como uma

boca de cena de um teatro (Meco 1985a : 57-58). O início em Portugal da ópera barroca

italiana em 1731 contribuiu certamente para que se desenvolvesse o gosto pelo artifício

decorativo e por este género de composições que se assemelham a verdadeiras cenas

teatrais.

Valoriza-se, nesta época, o enquadramento decorativo. Com efeito, os

enquadramentos são tão mais importantes que a cena historiada, o que significa uma

inversão de valores relativamente aos trabalhos do Ciclo dos Mestres (Meco 1989 : 232).

Nota-se igualmente um certo enfraquecimento da qualidade pictórica das cenas figurativas,

a que não deve ser estranha a produção massiva de azulejos (Almeida e al. 2005 : 69).

Os palácios são revestidos de painéis com cenas ligadas aos divertimentos da

nobreza (a música, cenas de caça, festas galantes), cenas mitológicas e cenas bucólicas. As

paredes das igrejas e dos conventos recebem painéis ilustrando a vida dos santos, da

Virgem, de Cristo bem como cenas do Antigo Testamento. Tudo é representado

teatralmente, como dissemos. Esta teatralidade está igualmente nas chamadas figuras de

10

convite que a nobreza aprecia fazer aplicar na entrada dos salões para saudarem os

visitantes.

A Grande Produção vai implicar uma diversificação de actividade entre os que

trabalham na azulejaria. R. C. Smith escrevia em 1975 que a pintura dos azulejos «deverá

ter sido partilhada por diferentes pintores» (Smith, citado por Arruda 1993 : 98).

Durante muito tempo, Bartolomeu Antunes (1688-1753) foi considerado como o

maior pintor de azulejos desta época, situação que presentemente é alvo de contestação (ver

o próximo capítulo).

As oficinas dos pintores do Ciclo dos Mestres serviram de centro de formação para

os artistas da Grande Produção. Nicolau de Freitas (act. 1724-1755) deu continuidade à

tradição de António de Oliveira Bernardes. Teotónio dos Santos (act. 1715-1730) e

Valentim de Almeida (act. 1723-1752) foram discípulos de António de Oliveira Bernardes

e colaboradores do mestre P. M. P., segundo Mangucci (1989 : 49).

A produção em massa obriga a que se trabalhe rapidamente e em grande quantidade.

Se, por um lado, temos importantes pintores como Nicolau de Freitas, Valentim de

Almeida e Teotónio dos Santos, há, por outro lado, um grande número de pintores

praticamente desconhecidos e de fraca qualidade que operam no mercado do azulejo. Pode-

se assim compreender o sentido crítico das palavras de Santos Simões (2001 : 44) :

A quantidade supera a qualidade e a afluência de encomendas religiosas e

profanas obriga a um extenuante trabalho de imaginação para o qual já não

é possível recorrer à originalidade criadora. O pintor de azulejo limita-se a

aceitar a sugestão do empreiteiro que dispõe da confiança do cliente.

Adquire e inspira-se em gravuras e estampas, copiando-as por vezes com tal

servilismo que deixa no azulejo a assinatura do gravador.

Vítor Serrão (2003 : 223) afirma igualmente: «O desenho empobrece-se e é

simplificado, os enquadramentos banalizam-se, os modelos repetem-se, o efeito cromático

é menos consistente, a marca de individualidade dilui-se. É um ciclo de decadência.»

A partir dos meados do século XVIII, o gosto vai mudar gradualmente, coincidindo

com a afirmação do rococó.

11

O rococó (1755-1790)

Entre 1735 e 1745, começam a aparecer alguns elementos rococós, mas é a partir

entre 1745 e 1755 que eles passam a ter uma maior importância. Isto corresponde às

exigências de uma sociedade que adora a opulência extrema, mesmo que se viva nesta

altura já numa época de crise devido a uma redução drástica das remessas de ouro do Brasil

(Meco 1985 : 63-64).

O rococó inicial situa-se na continuidade estilística do período anterior, tendo-se-lhe

juntado algumas novidades – entre elas o motivo «asas de morcego» e os concheados. O

vocabulário decorativo rococó define-se no azulejo português por volta dos anos 1750-1755

(formas orgânicas, conchas irregulares e folhagens de formato complexo). Por vezes, o

artista introduz uma nova cor no enquadramento decorativo dos painéis. Os azulejos são

inicialmente pintados com um azul forte que contrasta com a tonalidade mais clara da cena

central e, mais tarde, apresentam uma policromia rica, enquadrando o azul ou o violeta de

manganés das cenas centrais. Os painéis denotam o gosto francês das gravuras de Watteau

(Pais 2004 : 96-97).

A necessidade de reconstrução dos edifícios, após o terramoto de 1755, provoca o

reaparecimento dos motivos de padrão , que tão populares tinham sido no século XVII mas

que estiveram praticamente ausentes durante a primeira metade do século XVIII.

1.3. - Valentim de Almeida (1692-1779) – entre o Ciclo dos Mestres e o

Rococó

Valentim de Almeida (1692-1779) conheceu uma longa carreira artística. Nasceu

em 1692, em 1717 é já pintor de azulejos e inscreve-se na confraria de S. Lucas (Teixeira

1931 : 1984). Viveu até 1731 no bairro das oficinas de cerâmica situado na parte oriental de

Lisboa (Olarias, paróquia dos Anjos).

José Fernandes Pereira (1989 : 59) e José Meco (1985a : 56 ; 1989 : 229-230)

pensam que Valentim de Almeida trabalhou com o mestre P. M. P., que, como vimos, foi

um dos pintores mais conhecidos do Ciclo dos Mestres. Terá sido verdadeiramente um seu

discípulo ou apenas um seu colaborador? Não o sabemos, mas é certo que os seus primeiros

12

painéis, nos inícios da década de 1720 denotam algumas imperfeições – os seus

personagens denotam uma certa rigidez e as composições apresentam erros de perspectiva;

revelam, no entanto, influência de P. M. P., segundo José Meco (1989 : 104, 229-230).

Meco considera, com reticências, que o primeiro painel de Valentim de Almeida

terá sido, provavelmente, A Anunciação (1718) que está na Quinta do Torneiro, Porto

Salvo, em Oeiras.

Entre 1729 e 1731, Valentim de Almeida pintou os azulejos do claustro gótico da Sé

do Porto. Flávio Gonçalves (1987 : 258-264) estudou detalhadamente esta obra e a

documentação existente permitiu-lhe fixar a cronologia e identificar o autor com todo o

rigor. Os azulejos da Sé do Porto foram produzidos em Lisboa numa oficina das Olarias e

numa outra no Mocambo, antigo nome que tinha a Madragoa (Simões 1979 : 26).

Estes estudos permitiram, como dissemos, atribui a obra a Valentim de Almeida, a

qual era até aí considerada de autor desconhecido ou atribuída a Bartolomeu Antunes. José

Meco (1989 : 100, 230) considera que os painéis da Sé do Porto permitem identificar certas

características do pintor: as posições artificiais dos personagens, com as caras ligeiramente

voltadas e alguns erros de perspectiva nos fundos arquitectónicos e nas paisagens. O artista

dedica mais atenção ao enquadramento que ao rigor e aos detalhes da cena, contrariamente

ao que se passava com os pintores do Ciclo dos Mestres.

Em 1731, Valentim de Almeida muda-se para a parte ocidental de Lisboa, passando

a viver em Santos-o-Velho, um outro bairro com oficinas de olaria situado. Segundo Celso

Mangucci (1996 : 158-159), é possível que esta mudança esteja ligada aos estreitos

contactos que Valentim de Almeida tem com as oficinas da rua do Guarda-mor e de

Oliveira-Castelo Picão.

Valentim de Almeida e Teotónio dos Santos (um antigo colaborado do mestre P. M.

P.) são considerados como os artistas mais importantes do ciclo da Grande Produção.

Almeida recebe encomendas de todo o lado, do norte ao sul de Portugal, dos arquipélagos

atlânticos e do Brasil. Os seus painéis apresentam uma boa qualidade pictórica,

enquadramentos dinâmicos e decorações teatrais cheias de sanefas com cortinados,

pilastras, volutas e anjinhos com asas. Consta-se não apenas a influência do sucesso que a

13

ópera italiana tinha no país nessa época, como já referimos, mas igualmente, a possível

influência do mestre P. M. P. João Pedro Monteiro (2001 : 25) compara as suas

composições á boca de cena do teatro.

Considera-se que o ciclo da Grande Produção atinge o seu apogeu na década de

1740. O Brasil importa enorme quantidade de azulejos e, logicamente, os pintores tiram

partido desta excelente situação. Valentim de Almeida e o seu genro e colaborador

Sebastião Gomes Ferreira dirigem entre 1742 e 1744, a sua própria oficina, situada na rua

do Olival em Lisboa, onde, de resto, ambos habitavam. Mas quantidade não significa

necessariamente qualidade. Bem pelo contrário, como assinala Vítor Serrão (2003 : 223),

«há uma certa perda de qualidade pela repetição da sua fórmula baseada no efeito dos

enquadramentos arquitectónicos».

Valentim de Almeida começa então a aligeirar os enquadramentos, inovando com a

introdução de elementos rococó (conchas e asas de morcego). Almeida é, desta forma, o

protagonista desta fase de transição para o rococó e que se inicia, como realça Mangucci,

com os painéis comandados pelos condes de Vila Nova de Portimão para a Quinta de Nossa

Senhora da Piedade (1747-1752).

A partir de 1744, Valentim de Almeida trabalha em estreita ligação com Francisco

de Sales (1707-1763), um dos mais importantes mestres ceramistas do bairro do Mocambo,

onde Sales possuía uma oficina na rua da Madragoa (Mangucci 1996 : 163; 1998 : 45).

Almeida trabalhou igualmente para Bartolomeu Antunes e provavelmente a dívida que

Antunes para com Almeida, em 1754, viria de encomendas feitas nesta época (ver o

capítulo seguinte).

Os painéis pintados por Valentim de Almeida durante os anos de 1750-1755, foram

na sua maioria para o Brasil, e pertencem claramente ao ciclo do rococó, apresentando

geralmente enquadramentos policromos e uma decoração com conchas e asas de morcego.

Estão-lhe atribuídos umas seis dezenas de trabalhos, dos quais cerca de um terço foi

produzido nos anos de 1750-1758 (ver Anexo 2). A maioria dos seus últimos painéis é

produzida em associação com a oficina de Francisco Sales, no Mocambo.

14

A última encomenda do pintor, de que temos conhecimento, data de 1758; trata-se

da renovação dos azulejos das salas do palácio de Santos que tinham sido afectados pelo

sismo de 1755. Não estão ainda identificados painéis de Valentim de Almeida posteriores a

1758, embora seja provável que eles existam dado que o pintor irá viver até 1779. Será que

Almeida tenha deixado de pintar nos restantes vinte e um anos da sua vida? É um assunto

fora do âmbito deste trabalho, mas merecedor de séria pesquisa. Conhecem-se apesar de

tudo alguns detalhes da sua vida neste período. Em 1754-1755, a sua casa estava situada em

frente da do conde de Vila Nova, um dos seus principais clientes e ele continua a trabalhar

com o ceramista Francisco Sales (Mangucci 1994 : 130). Em 1757, Mangucci revela-nos

que ele viveu algum tempo próximo da oficina da rua Oliveira-Castelo Picão (Mangucci

1996 : 165). Cinco anos mais tarde, em 1762, um documento estudado por Santos Simões,

declara-o morador no bairro do Mocambo e proprietário de uma casa na rua do Capelão

(Simões 1979 : 26).

Durante a segunda metade do século XVIII, um filho de Valentim de Almeida,

Sebastião de Almeida, desempenhará um importante papel no seio do mais importante

centro de produção de cerâmica da época, a Real Fábrica de Faiança do Rato (1767-1834)

(Pais 2004 : 92). Sebastião será o seu segundo director a partir de 1771 até à data da sua

morte em 1779. Curiosamente 1779 é igualmente a data da morte de Valentim de Almeida.

Em resumo, Valentim de Almeida fez a ligação entre o Ciclo dos Mestres e o

Rococó. Ao longo da sua vasta carreira, pintou todos os géneros figurativos – cenas do

Antigo e do Novo Testamento, vidas de santos, cenas mitológicas e cenas profanas (caça,

pesca, cenas marítimas, cenas bucólicas e chinoiseries). É igualmente autor de painéis

ornamentais – painéis de padrão e painéis com motivos vegetais e arquitecturais.

15

1.4. – Os painéis do Louriçal

Em 1750, o padre Manuel Monteiro (2008 : 212)

menciona que a igreja do Louriçal estava «vestida de fino

azulejo», mas não indica a data dos painéis nem o seu autor.

Em 1955, Gustavo de Matos Sequeira (1955 : 112) considera

que os painéis foram executados em 1726, baseando-se na

data inscrita no lavabo da sacristia (fig. 1). Dois anos mais

tarde, Reynaldo dos Santos (1957 : 130) afirma igualmente

que os azulejos do Louriçal seriam de 1726 e eles seguiriam

a tradição de António de Oliveira Bernardes. António Filipe Pimentel (1989 : 350-351)

duvida desta data em 1989. Nós consideramos igualmente inaceitável a data de 1726 visto

que a construção da igreja decorre entre 1734 e 1739 e os painéis de azulejos foram

concebidos com precisão para revestirem as suas paredes. O lavabo pertencia certamente à

primeira igreja e a data de 1726 assinala o início do processo de canonização da madre

Maria do Lado.

Em 1979, Santos Simões (1979 : 174) afirma que os azulejos da igreja foram

produzidos entre 1735 e 1745 e são «evidentemente da melhor oficina de Lisboa, de

Bartolomeu Antunes». Mais recentemente, alguns investigadores, designadamente Celso

Mangucci, puseram em dúvida o papel de Bartolomeu Antunes enquanto grande pintor de

azulejos. Tal como Mangucci demonstra, Antunes terá sido durante este período o maior

empresário em trabalhos de azulejaria, tendo contrato com vários pintores. Maria

Alexandra Câmara (1999 : 341) sublinha que

É necessário distinguir a função de mestre ceramista ou azulejeiro e a de

pintor; o pintor é o responsável do programa iconográfico e mestre ceramista

ou azulejeiro é o empresário responsável da produção, do cálculo das

medidas e da aplicação da obra no local.

Bartolomeu Antunes (1688-1753) aprendeu certamente o ofício com o seu pai, o

mestre ceramista Domingos Antunes. Em 1711, Bartolomeu Antunes integra a confraria de

S. José dos Carpinteiros, a qual, na época, aglutinava vários ofícios artesanais; a confraria

dos mestres ceramistas apenas se formará mais tarde, em 1733. É significativo, o facto de

Fig. 1 - Lavabo da sacristia

(detalhe), 1726, igreja do

convento do Louriçal.

16

Antunes nunca ter sido membro da confraria de S. Lucas, a qual integrava os pintores.

Segundo Celso Mangucci (2003 : 135), Antunes terá criado a sua própria oficina cerca de

1725. Desde 1730 e até 1753, data da sua morte, Bartolomeu Antunes será o mais

importante mestre ceramista português, assumindo contratos para obras quer da Casa Real

quer da Igreja de norte a sul de Portugal. Se o seu nome aparece inscrito em alguns painéis,

é-o enquanto empresário e não como pintor, contrariamente ao que se supôs durante

bastante tempo.

Antunes teve negócios com o seu genro, o pintor Nicolau de Freitas, bem como com

outros importantes pintores como é o caso de Valentim de Almeida. É, sem dúvida,

interessante o facto de Bartolomeu Antunes, à data da sua morte, ter dívidas com alguns

pintores de azulejos. Segundo o seu testamento. Feito em 1754 e estudado por Celso

Mangucci (2003 : 139-147), os pintores Nicolau de Freitas, Valentim de Almeida,

Sebastião de Almeida e José dos Santos Pinheiro eram seus credores. A sua dívida para

com Valentim de Almeida montava a dezasseis mil réis e referia-se a vários trabalhos

executados pelo pintor (infelizmente o documento não indica quais seriam esses trabalhos).

Quem é, então, o pintor do Louriçal?

Os painéis da igreja do convento do Louriçal foram recentemente atribuídos por

José Meco a Valentim de Almeida; Meco data-os da década de 17301. Nós cremos podê-los

situar cerca de 1739, uma vez que a nova igreja foi construída entre 1734 e 1739 e os

painéis já se encontravam colocados no momento da sua inauguração em 27 de Outubro de

1739.

Valentim de Almeida tem nesta altura 47 anos e possui uma experiência artística de

cerca de vinte anos. Mais de uma vintena de trabalhos realizados até esta data, justificam a

sua escolha para esta nova empreitada.

Quem terá encomendado a obra? O arquitecto inicial, padre Manuel Pereira? O

arquitecto final, Carlos Mardel? O superintendente dos trabalhos, António de Andrade do

Amaral? A abadessa do convento, madre Mariana do Lado? O esmoler do convento, padre

1 Informação oral de José Meco durante a visita à igreja do Louriçal realizada no âmbito do programa das Comemorações

dos 300 anos do Convento do Louriçal e que teve lugar em 2de Julho de 2009.

17

António de Azevedo? Os documentos consultados não o revelam.

Desconhecemos igualmente se Valentim de Almeida recebeu

directamente a empreitada ou se ela terá passado pelas mãos de

um empresário e, neste caso, a hipótese de Bartolomeu Antunes

seria perfeitamente plausível. Outras questões permanecem em

aberto – será que a pessoa que encomendou a obra terá definido

concretamente as imagens que queria ver representadas ou, pelo

contrário, terá deixado o programa iconográfico à livre iniciativa

do pintor?

Os painéis do Louriçal mostram um nível de desenho bem

mais evoluído que o dos trabalhos de Valentim de Almeida feitos

durante a década de 1720. Ele demonstra não só um traço mais

perfeito como um perfeito domínio da técnica da aguada. Tal

como acontece com todos os artistas, Almeida tira partido da

experiência adquirida nas obras anteriores e serve-se

frequentemente de modelos já utilizadas anteriormente por si.

Relativamente aos enquadramentos decorativos, Valentim

de Almeida reutiliza vários modelos:

O enquadramento mais simples, semelhante a um quadro

com motivos estilizados ao centro de cada lado, foi

utilizado em alguns dos painéis do ciclo de Santa Clara, no

Louriçal - (Cat. 23, 24, 25, 27, 28, 29, 30 e 34). Almeida

voltará a utilizá-lo mais tarde, como por exemplo no

convento de S. João de Deus, em Lisboa, nos finais da

década de1740 (fig. 2).

O modelo utilizado no Louriçal para decorar o espaço

sob as janelas (fig. 3) fora igualmente usado no

convento de S. Vicente de Fora, em Lisboa (1730-

1735), para decorar a parte central do enquadramento

superior e inferior (figs. 4 e 5). O mesmo motivo

decorativo será apresentado no enquadramento dos

painéis da Porta da Vila, em Óbidos (1740-1750) (fig.

6).

Fig. 2 – Valentim de Almeida

(atrib.), A Virtude entre a

Dissipação e a Avareza, finais

da década de 1740, convento de

S. João de Deus, Lisboa.

Fig. 3 – Valentim de Almeida,

motivos decorativos sob as

janelas, cerca de 1739, igreja do

convento do Louriçal.

Fig. 4 – Valentim de Almeida,

1730-1735, painel de azulejos

(detalhe), claustro do convento de

S. Vicente de Fora, Lisboa.

Fig. 5 – Valentim de Almeida, 1730-

1735, painel de azulejos (detalhe),

claustro do convento de S. Vicente de

Fora, Lisboa.

18

A solução de enquadramento decorativo adoptada

nos painéis do ciclo da Virgem (Cat. 19, 20, 21 e

22) é semelhante à que Valentim de Almeida

utilizou no convento de Santa Cruz, em Lamego

(1723-1725) e que retomará no Hospital (antigo

convento) de Santa Marta, em Lisboa (1740) e na

Porta da Vila, em Óbidos (1740-1750) (figs. 7 e 8).

Valentim de Almeida aplicou nos painéis do ciclo de

S. Francisco um conjunto de motivos decorativos

baseados em elementos arquitectónicos (em baixo,

uma voluta decorada com uma folha de acanto; ao

centro, uma voluta decorada com uma grinalda e um

anjinho; no cimo : uma voluta com um querubim sob

a forma dum atlante e um pequeno balaústre com

capitel) (fig. 13) semelhante ao da decoração da

Porta da Vila, em Óbidos (1740-1750) (fig. 14).

Valentim de Almeida utilizou diversos elementos

decorativos teatrais para compor a «boca de cena»

que enquadra a parte figurativa do painel –

grinaldas, por vezes acompanhadas de anjinhos – na

parte superiora dos enquadramentos dos ciclos da

Paixão e de S. Francisco (fig. 45). Este modelo

decorativo foi reutilizado por Almeida, por

exemplo, na capela de S. António do convento de

Santa Cruz, em Lamego (1723-1725) (fig. 46)

igualmente no convento da Conceição, em Beja

(1741) (fig. 47).

Alguns elementos decorativos são retomados,

como é o caso sob os painéis do registo inferior do

ciclo de Santa Clara (fig. 9) e nos painéis da igreja

de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, no Rio de

Janeiro, (1739) (fig. 10).

As cartelas utilizadas para o envolvimento dos

atributos da Paixão no Louriçal (fig. 11) são

semelhantes às do Museu Arqueológico de Faro,

antigo convento de Santo António dos Capuchos

(1730) (fig. 12).

Os temas dos ciclos do Louriçal (a Paixão e as

vidas da Virgem, de S. Francisco de Assis e de Santa

Clara) são dos mais frequentemente representados na

Fig. 6 – Valentim de Almeida,

década de 1740, painel de azulejos

(detalhe), Porta da Vila, Óbidos.

Fig. 7 – Valentim de Almeida, cerca

de 1740, Hospital (antigo convento)

de Santa Marta, Lisboa.

Fig. 8– Valentim de Almeida,

década de 1740, painel de azulejos,

Porta da Vila, Óbidos.

Fig. 10 : Valentim de Almeida,

decoração do enquadramento superior

dos painéis da igreja de Nossa Senhora

da Glória do Outeiro, 1739, Rio de

Janeiro.

Fig. 9 – Valentim de Almeida,

decoração sob os painéis do registo

inferior do ciclo de Santa Clara, cerca

de1739, igreja do convento do Louriçal.

19

azulejaria portuguesa do século XVIII. Daí que seja

perfeitamente normal que Valentim de Almeida tenha

retomado certas composições anteriores, uma vez que as

encomendas se repetiam, podendo mesmo admitir-se a

hipótese que quem encomendou a obra tenha exigido que

se fizesse um painel semelhante a um anterior.

Frequentemente, no entanto, o artista introduz ou

elimina certos pormenores. Mais surpreendente é o

facto de a mesma cena reproduzida de forma invertida.

A utilização de gravuras invertidas poderá explicar esta

situação. Vejamos alguns exemplos:

O painel da Última Ceia (Cat. 2) foi invertido na

capela da Senhora da Paz, à Ponta Delgada,

Açores (fig. 2C), entre 1750-1755.

A agonia no Monte das Oliveiras (Cat. 3) foi

retomada por Valentim de Almeida na Porta da

Vila, Óbidos (fig. 3B) durante a década de 1740 e

igualmente na capela da Senhora da Paz, em Ponta

Delgada, Açores (fig. 3C), entre 1750-1755.

A descida da cruz, de cerca de 1730, do Museu

Arqueológico de Faro (antigo convento de Santo António

dos Capuchos) (fig. 10F) é semelhante à que foi feita

alguns anos mais tarde para a igreja do Louriçal (Cat. 10).

A Apresentação da Virgem (Cat. 19), O Casamento da

Virgem (Cat. 20) e A Anunciação (Cat. 21) são

semelhantes às cenas da capela da Senhora da Paz, em

Ponta Delgada, (figs. 19B, 20B e 21C) criadas entre 1750-

1755. No entanto, A Anunciação de Ponta Delgada, está

invertida bem como a da Sé do Funchal, na Madeira, (fig.

21B) atribuída igualmente a Valentim de Almeida e criada

em 1735, alguns anos antes do painel do Louriçal (Cat.

21).

O painel S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara do

Hospital (antigo convento) de Santa Marta, em Lisboa,

(fig. 24B), criado em 1740, é semelhante ao do Louriçal

(Cat. 24). A cena Santa Clara põe em fuga os Sarracenos

do Louriçal (Cat.30) e de Santa Marta (fig. 30B) são

igualmente similares.

Fig. 11 – Valentim de Almeida,

exemplo de cartela que envolve os

atributos da Paixão, cerca de 1739,

igreja do convento do Louriçal.

Fig. 12 – Valentim de Almeida, cartela,

1730, Museu Arqueológico de Faro (antigo

convento de S. António dos Capuchos),

Faro.

Fig. 13 – Valentim de

Almeida, enquadramento

lateral dos painéis do ciclo

de S. Francisco, cerca de

1739, igreja do convento do

Louriçal.

20

Fig. 15 – Valentim de Almeida, Dois

serafins cercando o brasão de armas de D.

João V no arco de acesso à capela-mor,

cerca de 1739, painel de azulejos, igreja do

convento do Louriçal.

O lava-pés (Cat. 26), pertencente ao ciclo de Santa Clara,

assemelha-se ao de Santa Marta (fig. 26B).

Tal como dissemos, por vezes, o artista aproveita detalhes ou

motivos executados anteriormente:

A imagem de S. Pedro do Lava-pés (Cat. 1) é semelhante

à das Bodas de Caná da igreja da Misericórdia de Chaves,

1723-1725 (fig. 1B).

A palmeira no fundo painel do Eremita (fig. 41) é idêntica

à da Cena de caça da igreja paroquial de S. Sebastião,

Ponta Delgada, Açores, 1730 (fig. 42).

Seis dos dez painéis da Paixão (Cat. 1, 2, 3, 6, 7 e 10) e dois

painéis do ciclo da Virgem (Cat. 21 e 22) assemelham-se aos do

convento da Serra de Ossa, Redondo feitos na oficina de

Bartolomeu Antunes (1688-1753) cerca de 1735-1740 (figs.

1C, 2C, 3D, 6C, 7D, 10G, 21C e 22B).

Face a estes dados, poderemos concluir que :

Há um grande número de semelhanças entre os

painéis de Valentim de Almeida, que não são apenas

devidas à proximidade cronológica, mas que são uma

característica do período da Grande Produção. Várias

razões poderão explicar esta repetição : a moda da

época, as indicações precisas de quem encomenda a

obra, a falta de originalidade do pintor ou a

necessidade de produzir o mais rapidamente possível

para responder a uma procura crescente.

Os revestimentos azulejares da Porta da Vila

(Óbidos), do antigo convento de Santa Marta (Lisboa)

e do convento da Serra de Ossa, Redondo apresentam

semelhanças evidentes com o Louriçal. Notemos que

Santa Marta foi igualmente um convento de clarissas

entre 1612 e 1834.

Valentim de Almeida teve uma longa carreira como

pintor de azulejos. Podemos situar os painéis do Louriçal sensivelmente no centro do seu

trajecto artístico. Não se trata já do pintor na sua primeira fase, cheio de imperfeições

relativamente ao desenho e com erros graves de perspectiva. Não é ainda, por outro lado, o

Fig. 14 – Valentim de

Almeida, enquadramento

lateral dos painéis, década de

1740, Porta da Vila, Óbidos.

Fig. 16 – Valentim de Almeida, Cena

bucólica, cerca de 1739, 98 x 56 cm

(7 x 4 azulejos), igreja do convento

do Louriçal.

21

artista cheio de delicadeza com os finos enquadramentos que deram início ao rococó na

azulejaria portuguesa. A decoração em forma de escama é

típica da segunda fase do barroco (figs. 3 e 9).

A fantasia de Valentim de Almeida permite-lhe criar um

espaço teatral assente numa decoração onde abundam os

elementos cénicos – dosséis, sanefas, grinaldas, cortinas

suportadas por querubins acrobatas – uma panóplia de

artifícios que transformam radicalmente o espaço da

igreja. A tridimensionalidade dos elementos decorativos

de carácter arquitectural marca o fundo das composições

plenas de fachadas, de arcos ou de colunas o que, sem

dúvida, dinamiza a arquitectura. O efeito ilusionista do

espaço é igualmente reforçado pelos pequenos painéis

com cenas bucólicas (figs. 16-18) e com eremitas (figs.

42 e 44).

São particularmente interessantes os motivos decorativos

que se encontram sob o ciclo de S. Francisco (fig. 19).

Apresentam nítidas características do rococó – as formas

retorcidas, a assimetria, a voluta que termina em folhagem

e que envolve uma grande concha transmitem um

exuberante efeito rítmico. Poder-se-ia pôr a hipótese de

que estes painéis fossem posteriores; no entanto, o facto de

que estes motivos decorativos entram directamente nos

painéis de S. Francisco demonstra a sua

contemporaneidade. A fonte de inspiração destes painéis

poderá estar nas gravuras de Juste-Aurèle Meissonnier

(1695-1750) (fig. 20). Marie-Therèse Mandroux-França

(1973 : 412-446) demonstrou que o Livre d’ornements de

Meissonnier (1734) e as gravuras impressas em Augsburg

Fig. 17 – Valentim de Almeida,

Cena bucólica, cerca de 1739, 98 x

56 cm (7 x 4 azulejos), igreja do

convento do Louriçal.

Fig. 18 – Valentim de Almeida,

Cena bucólica, cerca de 1739, 98 x

56 cm (7 x 4 azulejos), igreja do

convento do Louriçal.

Fig. 19 – Valentim de Almeida,

decoração de inspiração rococó,

cerca de1739, igreja do convento

do Louriçal.

Fig. 20 – Juste-Aurèle

Meissonnier, painel decorativo,

Paris, [s. d.], Biblioteca pública de

Nova Iorque.

22

circulavam em Portugal durante esta época e é provável, portanto, que Valentim de

Almeida as tenha conhecido.

Costuma fixar-se o início do rococó na azulejaria portuguesa cerca de 1748-1751, com os

painéis que Valentim de Almeida fez para o palácio do Marquês de Abrantes, em Santos

(Lisboa) e para o palácio da Quinta da Senhora da Piedade, na Póvoa de Santa Iria (Vila

Franca de Xira). No entanto, recordemos, os painéis do Louriçal são, o mais tardar, de

1739.

Capítulo 2 – Louriçal : de Recolhimento a Convento de

clarissas

2.1. – O roubo da igreja de Santa Engrácia (1630) no contexto da tensão

entre os cristãos-novos e os cristãos-velhos

A construção do convento do Louriçal está

intimamente ligada ao célebre roubo da igreja de

Santa Engrácia, em Lisboa.

Durante a noite de 15 de Janeiro de 1630, a

igreja de Santa Engrácia foi profanada – o seu

sacrário foi vandalizado e o seu conteúdo roubado

(fig. 21). Alguns dias mais tarde, a 17 de Janeiro,

Simão Pires Solis, um cristão-novo, foi considerado

culpado e preso pela Inquisição. Solis, no entanto, nunca confessou o crime e a Inquisição

condenou-o à morte em 16 de Novembro apenas com base em suposições. A sua execução

terá lugar em 3 Fevereiro de 1631. As suas mãos serão decepadas e o seu corpo queimado

em frente à igreja de Santa Engrácia. As suas cinzas foram depois lançadas ao mar e os seus

bens pessoais foram entregues à confraria dos Escravos do Santíssimo Sacramento

(Monteiro 2008 : 24-25).

Este roubo provocou um conjunto de reacções tão vivas no seio da população que se

impõe uma análise do contexto religioso, social, económico e político.

Fig. 21 - Anónimo, O roubo de Santa

Engrácia (Lisboa, 1630), terceiro quartel do

séc. XVIII, igreja de Almagreira, Pombal.

23

A clivagem entre cristãos-novos e cristãos velhos remonta em Portugal aos finais do

século XV, quando D. Manuel I decide expulsar os Judeus do País em 1497. Permite, no

entanto, que pusessem permanecer os que abjurassem e se fizessem baptizar como cristãos.

Através desta conversão forçada surge um novo subgrupo social, os cristãos-novos, uma

parte dos quais manterá secretamente o seu anterior culto. Os cristãos-novos dedicam-se ao

comércio, ao artesanato, à actividade financeira e à recolha dos impostos. A maioria da

população, de origem cristã, detesta-os vivamente. Para a Igreja portuguesa os Judeus

constituíam o seu principal adversário. Para a Inquisição, activa em Portugal desde1536, os

criptojudeus eram o grande alvo a abater. A Coroa soube aproveitar com oportunismo da

sua enorme riqueza – ora exercendo a sua perseguição a fim de obter os seus bens, ora

concedendo-lhes certos privilégios em troca de doações financeiras obrigatórias. O período

da União Dinástica (1580-1640) não constituiu excepção a este verdadeiro jogo entre o gato

e o rato.

Em 1630, Portugal está na dependência do domínio espanhol. A Espanha vive um

momento particularmente difícil da sua história. Está em vias de perder a Guerra dos Trinta

Anos (1618-1648), o que vai motivar o recrutamento da nobreza portuguesa para as frentes

de batalha na Europa. A maioria desta nobreza, que antes assumira uma posição favorável

ao domínio filipino, está agora decepcionada e pretende pegar em armas para restaurar a

independência. Os domínios portugueses no Brasil, na África e na Índia são objecto de

ataque por parte da França, da Inglaterra e da Holanda (os adversários da Espanha).

Segundo António Oliveira (2002 : 325), o cristão-novo era considerado como um

criptojudeu, o inimigo religioso por excelência e o responsável pela ira divina que caíra

sobre o País. O cristão-novo era igualmente o concorrente no comércio, no artesanato e nas

profissões liberais. Os judeus eram igualmente considerados como apoiantes dos países que

atacavam, nessa altura, as possessões portuguesas além-mar.

A Península Ibérica atravessa nesta época um período de grave crise económica. No

sentido de responder às dificuldades financeiras da Coroa, Madrid decide aumentar as taxas

e os impostos o que aumenta a ira popular. Por outro lado, o governo faz em 1627 um

acordo com os cristãos-novos – em troca de um milhão e meio de cruzados, os cristãos-

novos recebem de Filipe (rei de Espanha entre 1605 e 1665) um vasto conjunto de benesses

24

(indultos de crimes, possibilidade de ocupação de certos postes e autorização para

venderem os seus bens e saírem de Portugal). A Inquisição e a Igreja reagem

imediatamente. A repressão inquisitorial sobe em flecha. A ira popular está no auge.

O roubo sacrílego de Santa Engrácia é a gota de água que faz transbordar o copo.

Vão-se dar reacções anti-semitas violentas em numerosos pontos do país, nomeadamente

em Lisboa, Setúbal, Évora, Coimbra e Portalegre. Por detrás deste movimento pode

entrever-se a mão de certos membros do clero. Um bom exemplo teve lugar perto do

Louriçal. Em 17 de Fevereiro de 1630, o padre franciscano fr. Bernardino das Chagas

(curiosamente o confessor de Maria do Lado a quem nos referiremos no próximo

subcapítulo) foi a Maiorca pregar contra os cristãos-novos. Algumas horas mais tarde, terá

sido agredido por Manuel Dinis, um jovem cristão-novo. Este foi preso e enviado para

Coimbra. Este acto de agressão e o roubo de Santa Engrácia vão desencadear motins na

Universidade de Coimbra. Os estudantes exigem a expulsão dos seus colegas cristãos-

novos.

O velho Portugal contra-reformista mostra-se activo e a Igreja desempenha o papel

de símbolo destes ideais de «pureza religiosa e racial» (Pereira 1986 : 41). A reacção anti-

semita junta-se, assim, à reacção contra a ocupação espanhola do trono português

(Jacquinet 2008 : 19-20).

O sacrilégio de Santa Engrácia toca na questão da transubstanciação, um ponto

essencial do concílio de Trento que, estando na base da devoção ao Santíssimo Sacramento,

é vivamente defendido pela Igreja Católica e designadamente pelos franciscanos.

Segundo Luísa Jacquinet (2008 : 23),

atingidos tinham sido, portanto, dois inexoráveis sustentáculos do poder e

da conservação da pátria : a nobre – que em parte se revia no ideário

integrista – e a Eucaristia – a que o Reino sempre dispensara uma devoção

de carácter verdadeiramente fundacional.

25

2. 2. – O papel de Maria do Lado (1605-1632), do seu confessor, fr.

Bernardino das Chagas e dos condes da Ericeira na formação do

Recolhimento

Os acontecimentos de Santa Engrácia tiveram igualmente uma outra consequência -

a criação de confrarias do desagravo, ou seja, de grupos dedicados ao recolhimento, à

ascese e à oração para pedir perdão a Deus em nome da humanidade. Desta feita, os olhos

estão voltados para o Cristo agredido e não para os seus agressores. Maria do Lado foi a

grande impulsionadora deste movimento.

Maria de Brito (1605-1632), mais tarde conhecida sob o nome de Maria do Lado,

nasceu no Louriçal a 24 de Junho de 1605 e aí foi baptizada a 1 de Julho desse mesmo ano.

Jorge Cardoso (2002 : 750) menciona erroneamente o seu nascimento em 1606, mas o seu

registo de baptismo é claramente de 16052.

O Louriçal era nesta altura uma peque vila com cerca de 150 habitantes segundo o

padre Manuel Monteiro (Monteiro (2008 : 2). Fr. Agostinho de Santa Maria (1712 : 659)

menciona, no entanto, que a vila contaria cerca de 150 casas, o que, naturalmente eleva o

número de habitantes.

Os pais de Maria do Lado pertenciam à pequena nobreza local e detinham estreitas

ligações com os senhores do Louriçal, os condes da Ericeira.

Desde a sua infância, Maria de Brito (ou Maria do Lado) sentiu-se atraída pela

religião, conforme é largamente descrito pelos seus biógrafos, sobretudo pelo seu

confessor, o franciscano fr. Bernardino das Chagas. A sua mãe, que teria sido educada no

mosteiro de Santos, em Lisboa, exercerá sobre ela uma influência determinante. Não

surpreende, portanto, a decisão de Maria do Lado em aderir à Ordem Terceira Franciscana

em 1626.

2 Arquivo Distrital de Leiria, IV-41-B-58, Livro de Registos Baptismais do Louriçal 1562-1648, fl. 89 v.

26

Na véspera do roubo de Santa Engrácia, Maria de

Brito, que tinha na altura vinte e quatro anos, teve uma

revelação - em êxtase, viu a paixão e a morte de Cristo o qual

lhe confiou que Ele seria de novo crucificado em Portugal

pelos judeus (Monteiro 2008 : 26-28). O seu confessor

interpreta esta revelação como um sinal premonitório dos

acontecimentos surgidos em Lisboa (Monteiro 2008 : 27-29;

Chagas 1762 : 50). Outros momentos de êxtase se seguirão :

- dois anjos, muito belos e gloriosos, levam da terra

para o Céu o Santíssimo Sacramento (fig. 22);

- Deus incita-a a viver em comunidade e a convidar

algumas pessoas de vida exemplar, com as quais, em

união espiritual, ela se consagre à adoração do

Santíssimo Sacramento (Monteiro 2008 : 32-38).

Em 12 de Abril de 1630, fr. Bernardino das Chagas

autoriza Maria do Lado a fazer a adoração do Santíssimo

Sacramento com cinco outros membros da Ordem Terceira

Franciscana. Uma nova visão de Maria Brito anuncia que este pequeno grupo se

transformará num convento de trinta e seis religiosas. Quase um ano depois, em 13 de Abril

de 1631, o grupo transforma-se em Recolhimento das Religiosas Escravas do Santíssimo

Sacramento, que ficará sediado na casa da família de Maria do Lado (Chagas 1762 : 20-23).

Para além da sua amiga e confidente Apolónia da Natividade, as restantes pessoas que a

acompanhavam tinham relações familiares com Maria do Lado : Ana Cordeira era sua tia,

Maria Soares era sua madrasta, Filipa das Chagas era irmã da sua madrasta e Maria

Baptista era sua meia-irmã. O Recolhimento seguia a regra da Terceira Ordem Franciscana

sob autorização de fr. Bernardino das Chagas e do responsável do convento franciscano de

Santo António da Figueira da Foz, ao qual pertencia Bernardino das Chagas.

Maria de Brito faleceu treze mais tarde, em 28 de Abril de 1632. Ela recebeu o

nome de Maria do Lado já no seu leito de morte. A escolha deste nome é uma referência à

chaga lateral que Cristo recebeu na Cruz. A pedido de seu pai, António do Rego, que, desde

1631, integrava igualmente a Ordem Terceira Franciscana, o corpo de Maria do Lado será

enterrado na igreja paroquial do Louriçal.

Fig. 22 – Romão Elói de

Almeida, A escrava de Deus

Maria do Lado viu em sonhos

dois anjos que transportavam ao

Céu o Santíssimo Sacramento do

roubo feito em Lisboa na igreja

de Santa Engrácia no ano de

1630. E por esta razão fundou o

novo Recolhimento do

Desagravo, 1800, gravura a buril,

340 x 230 mm, a partir de

Domingos Sequeira (1768-1837)

27

Em 1633-1634, o arcebispo de Coimbra inicia o processo de beatificação de madre

Maria do Lado. Motivado pela veneração popular que em torno do seu túmulo3. Em 1657,

Jorge Cardoso (2002 : 751) afirma igualmente que a população adorava Maria do Lado

como santa. Em 8 de Abril de 1634 proíbe este culto popular, sem, no entanto, pôr em

causa as virtudes de Maria do Lado. O processo de beatificação será de formalmente

recomeçado quase um século depois, em 1727; o processo, no entanto, irá desaparecer no

Vaticano. Recomeçará em 1746 e manter-se-á em aberto até 1779, altura em que o

arcebispo de Coimbra, D. Miguel da Anunciação, se sentirá na obrigação de reiniciar o

processo de beatificação. Nessa altura, inicia-se igualmente o processo de beatificação de

uma outra religiosa do convento do Louriçal, soror Maria Joana (1712-1754) (Caetano

1762 : 4; Jacquinet 2008 : 71). Não é, no entanto, um momento propício pois vive-se então

um período de particular tensão entre a Igreja e a Coroa. Recordemos que D. José (1714-

1777) e o marquês de Pombal (1699-1782), seu primeiro-ministro, estão no poder. A

política de centralização e as ideias regalistas de Pombal levam ao corte de relações

diplomáticas com a Santa Sé (1760-1770), à expulsão dos Jesuítas e à perseguição dos

adversários políticos do governo, como foi o caso de do arcebispo de Coimbra, D. Miguel

da Anunciação.

Só no reinado de D. Maria I (1734-1816) será retomado o processo de beatificação

de Maria do Lado, mas sem quaisquer resultados. Francisco Faria (1994 : 15) sublinha o

facto de haver apenas cinco santas e uma vintena de bem-aventuradas clarissas e nenhuma é

portuguesa. Nos nossos dias, o processo de beatificação de madre Maria do Lado está de

novo em aberto.

A construção da igreja do Recolhimento iniciar-se-á em 28 de Abril de 1640.

Estarão presentes ao acto o arcebispo de Coimbra, D. João Mendes de Távora e o conde da

Ericeira, D. Fernando de Meneses (Maria 1712 : 662). A sua inauguração terá lugar nos

inícios de 1646. Cinco anos mais tarde, em 30 de Agosto de 1651, será transladado para

esta igreja os restos mortais de Maria do Lado4. O padre jesuíta Francisco da Cruz, meio-

3 Arquivo da Universidade de Coimbra, III, 1.ª, D-7-2, Autos de Maria do Lado, Cabido da Sé Apostólica, caixa de

documentos. 4 Luís Batista (Monteiro 2008 : XVIII) corrige a date de 3 de Agosto de 1652 mencionada por Jorge Cardoso (2002 : 747)

e por Manuel Monteiro (2008 : 323-324).

28

irmão de Maria do Lado, estará presente na cerimónia e fará um sermão. O Recolhimento

será finalmente transformado em Convento em 1709.

Maria do Lado é, sem dúvida, a iniciadora do Recolhimento que estará na origem do

Convento, mas não podemos esquecer o papel desempenhado neste processo por outras

pessoas, como é o caso de fr. Bernardino das Chagas, do padre Francisco da Cruz e dos

Condes da Ericeira.

Fr. Bernardino das Chagas esteve implicado desde o início nos acontecimentos

ligados à formação do Recolhimento. Como confessor e assistente espiritual de Maria do

Lado, ele recebe a descrição dos seus êxtases, que interpreta e divulga. Ele estava em

Lisboa na altura do roubo de Santa Engrácia. Ele está igualmente no centro da revolta

estudantil de Coimbra, após os incidentes de Maiorca. Maria do Lado teria mesmo tido um

sonho premonitório da sua agressão, segundo os seus hagiógrafos. Os textos de fr.

Bernardino das Chagas, reproduzidos pela abadessa do Louriçal em 1762, demonstram o

seu profundo empenhamento no processo de reacção anti-semita na década de 1630

(Chagas 1762 : 50-57; Monteiro 2008 : 27-29). Finalmente, fr. Bernardino das Chagas

manteve uma íntima relação com o conde da Ericeira, visitando-o, por exemplo, em Lisboa

quando este se encontra doente (Jacquinet 2008 : 61).

O papel dos condes da Ericeira é igualmente importante neste processo. Há uma

relação estreita entre o primeiro conde da Ericeira, D. Henrique de Meneses e família de

madre Maria do Lado. Ela terá mesmo tomado conta de D. Fernando de Meneses (filho de

D. Henrique) quando era ainda criança. Em sinal de amizade e de reconhecimento, o conde

doa uma casa e terras ao pai de Maria do Lado em 16175. A casa dos condes no Louriçal

situar-se-ia mesmo em frente da dos progenitores de Maria do Lado (Costa 1708 : 93).

O Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, baseado nos

relatos de fr. Bernardino das Chagas, menciona duas profecias de madre Maria do Lado

relativamente à família Meneses : D. Henrique de Meneses curado de uma doença e D.

Álvaro de Meneses curado de cegueira (Chagas 1762 : 50; Monteiro 2008 : 477-478).

5 Arquivo Distrital de Leiria, Fundo do Convento do Louriçal, VI-25-A-1, Mercês que o Conde d. Henrique e mulher D.

Margarida de Lima fizeram ao Convento do Louriçal.

29

O conde da Ericeira era membro, a exemplo dos outros nobres importantes, da

Confraria dos Escravos do Santíssimo Sacramento que funcionava em Lisboa na igreja de

Santa Engrácia desde 1630. D. Fernando de Meneses (1614-1699), segundo conde da

Ericeira, ajudou frequentemente o Recolhimento, sobretudo durante as dificuldades

surgidas no seu início. Entre 1634 e 1637, por razões desconhecidas, as religiosas deixaram

o Recolhimento e voltaram às casas dos seus familiares. A determinação e o suporte do

conde terão possivelmente permitido que o projecto de Maria do Lado tenha vingado.

O conde da Ericeira está presente na cerimónia de arranque da construção da igreja

do Recolhimento em 28 de Abril de 1640, como dissemos, e, alguns meses mais tarde,

atribuirá várias benesses ao Recolhimento6. Após a Restauração, ele sai do Louriçal para se

estabelecer em Lisboa. A sua posição de destaque na corte terá certamente permitido a

larga difusão da santidade de madre Maria do Lado.

Em 1651, o conde da Ericeira irá mandar construir o novo túmulo de Maria do Lado

na nova igreja do Recolhimento (Monteiro 2008 : 324-326). Alguns anos mais tarde, em

1688, o conde pede a D. Pedro II que o Recolhimento seja oficialmente transformado em

convento. A autorização real será emitida a 16 de Agosto de 1688. Está claramente

expresso no documento régio que o conde tinha uma grande fé nos milagres e nas profecias

da madre Maria do Lado. Esta teria anunciado a fr. Bernardino das Chagas a restauração da

independência portuguesa face ao domínio espanhol7. D. Pedro II promete a sua ajuda ao

convento através da dádiva de uma importante soma em dinheiro, em cereais e em azeite

para a iluminação do Santíssimo Sacramento. Esta decisão real é certamente resultante das

pressões exercidas pelo conde da Ericeira, como realça no seu estudo Luísa Jacquinet

(2008 : 60-61). A família Meneses será, ao longo do tempo, um dos principais suportes do

convento do Louriçal.

Um outro grande promotor do Recolhimento e da criação do convento foi o padre

jesuíta Francisco da Cruz (1629 - 1706), meio-irmão de Maria do Lado. O padre Manuel

6Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/5, caixa de documentos variados do convento do Louriçal, «Isenção de pagamento de

foro de 3 quartas de trigo que o Conde de Ericeira concede ao Convento do Louriçal», acta notarial feita em 10 de Junho

de 1640. 7 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Pedro II, livro 34, fls. 146v – 147, Decreto de comutação de

licença para fundação.

30

Monteiro (2008 : 51), refere que o padre Francisco da Cruz deu todo o seu apoio à

construção da igreja e às obras de ampliação do Recolhimento recolhendo as dádivas dos

habitantes do Louriçal e a elas juntando a herança de Maria do Lado e das suas três irmãs.

Fr. Bernardino das Chagas (1762 : 469-470) não só confirma estas afirmações como

acrescenta que Maria do Lado teria tido a visão premonitória que o seu meio-irmão seria a

pessoa encarregada da fundação do convento. Nesse aspecto, o padre Francisco da Cruz vai

ter um papel primordial beneficiando do facto de ser «muito estimado na Corte (…); e

pondo o Senhor Rey D. Pedro os olhos nos seus merecimentos, o elegeo Mestre, e

Confessor do Principe D. João (…) e dos Senhores Infantes seus irmãos» (Monteiro 2008 :

61-62).

Em 5 de Fevereiro de 1700, o príncipe D. João, então com 10 anos de idade, está

gravemente doente. Para o salvar, o padre Francisco da Cruz dá-lhe a beber uma infusão

com terra da sepultura de madre Maria do Lado e fá-lo beijar uma cruz que teria pertencido

à sua meia-irmã (Monteiro 2008 : 62-64). Como a saúde miraculosamente se restabelece, o

príncipe promete que irá financiar a construção do convento do Louriçal.

Deve-se igualmente ao padre Francisco da Cruz a autoria das Constituições das

Religiosas da primeira Regra de Santa Clara do Convento do Louriçal, o primeiro

regulamento do futuro convento (Machado 1786 : 67).

2.3. - A construção do convento do Louriçal (1690-1709) e da sua igreja

(1734-1739)

Nos seus inícios, o Recolhimento funcionava na casa de Maria do Lado, como

dissemos. As religiosas conseguiram adaptar e ampliar o edifício. A construção da igreja do

Recolhimento, que talvez não passasse de uma capela inicia-se em 1640. Será inaugurada,

como dissemos, em 1646 e cinco anos mais tarde irá abrigar os restos mortais de madre de

Maria do Lado, entretanto transferidos da igreja paroquial do Louriçal.

31

Em 1659, o papa Alexandre VII concede indulgências ao Recolhimento da Ordem

Terceira franciscana do Louriçal8. Mais tarde, em 1673, um breve do papa Clemente X

autoriza as religiosas a terem um sacrário na sua igreja. A decisão de construir o convento é

aprovada pelo arcebispo de Coimbra em Janeiro de 1688 e por D. Pedro II no mês de

Agosto desse ano. O rei autoriza o conde da Ericeira a criar um convento no Louriçal. Este

despacho vai substituir um anterior que permitia ao conde de criar um convento agostinho

na Ericeira.

João Antunes (1643-1712), o mais importante arquitecto português desta época,

sobretudo depois de ter elaborado o projecto da igreja de Santa Engrácia (iniciada em

1682), foi encarregado pelo rei de desenhar o projecto do convento (1688-1689). Antunes

vem ao Louriçal acompanhado pelo padre Francisco da Cruz para poder colher os

elementos necessários para a execução da tarefa (Monteiro 2008 : 59-60). Os trabalhos vão-

se iniciar em 9 de Março de 1690 sob a direcção de Francisco de Lousada Ribadaneira, uma

vez que João Antunes estava ocupado com outras encomendas.

João Antunes é «a grande figura que abre o caminho à introdução tardia dos

modelos do Barroco internacional na arquitectura portuguesa» (Serrão 2003 : 155). Por que

razão terá sido escolhido? Varela Gomes (2001 : 275) supõe que tenha existido uma estreita

ligação entre João Antunes e a aristocracia integrista. Por outras palavras, a sua escolha não

deve ser estranha ao facto de os condes da Ericeira serem patrocinadores deste projecto.

Simultaneamente, avança o processo burocrático. Em resposta ao pedido feito por

Serafina do Sacramento (1634-1697) e pelas restantes religiosas do Recolhimento, o papa

Inocêncio XII concede em 1692 um breve ao futuro convento que deverá seguir à primeira

regra de Santa Clara. Ainda em 1692, o ministro geral da Ordem Franciscana, fr. João

Alvim, autoriza que cinco religiosas possam sair do convento de clarissas de Beja para

fundarem o convento do Louriçal9.

Os trabalhos de construção irão avançar sobretudo, a partir de Abril de 1707,

quando o novo rei D. João V nomeia João Varela de Abreu para substituir o anterior

8 Para os dados cronológicos deste capítulo, servimo-nos do quadro elaborado pela Comissão do Tricentenário do

Convento do Louriçal (2009) criado a partir das investigações feitas pelo por António Manuel Filipe Rocha Pimentel. 9 Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/14, Fundo do Convento do Louriçal.

32

Fig. 23 – Planta da igreja e do convento do

Louriçal.

Fig. 24 – Pedra tumular do túmulo de

madre Maria do Lado, igreja do convento

do Louriçal.

encarregado das obras. Em 3 de Dezembro de

1707 o rei concede um subsídio anual de 2,2

milhões de réis (Carvalho 1962 : 199-200). Esta

riquíssima dádiva vai acelerar a construção e

permitir a rápida conclusão dos trabalhos. D.

João V oferece igualmente um conjunto de

objectos de ourivesaria para a nova igreja. O

livro de cerimónias do futuro convento, Manual

de Ceremonias que contem a forma de lançar

os hábitos…, é publicado em Lisboa em 1708 e

nos finais desse ano estão concluídos os

trabalhos de construção. O cardeal Conti,

núncio apostólico em Lisboa, nomeia então cinco

religiosas do convento capucho de Santa Helena

do Monte Calvário de Évora como fundadoras do

convento do Louriçal. A sua entrada no novo

convento faz-se em 8 de Maio de 1709 e, no dia

seguinte, as sete religiosas do Recolhimento são

aceites como noviças.

A igreja do convento fazia, certamente,

parte dos planos de João Antunes. Supomos que

ela teria cerca de matade da dimensão da actual igreja. Baseamo-nos no facto de o túmulo

de madre Maria do Lado estar colocado próximo do altar-mor da igreja, segundo o

testemunho do padre Manuel Monteiro (2008 : 324). A pedra tumular (fig. 24) feita por

ordem do conde da Ericeira em 1651 está colocada no chão, a meio da nave actual, próximo

do púlpito da parede Norte.

A pequena dimensão desta igreja contrastava com a dimensão do convento. Decide-

se então reconstruir a igreja, o que terá lugar entre 1734 e 1739. João Antunes tinha

morrido em 1712. O arquitecto convidado foi o padre oratoriano, fr. Manuel Pereira, o qual

tinha dirigido os trabalhos de construção do aqueduto do convento. Manuel Monteiro

33

(2008 : 206) afirma que fr. Manuel Pereira era um

arquitecto famoso, que beneficiava da confiança do rei,

no que deve haver algum exagero. De facto, poucas

obras suas são conhecidas. Manuel Pereira terá

desenhado com João Antunes, em 1705, o claustro do

convento de Santa Marta, em Lisboa (Vale 2006), e é o

autor do retábulo da capela-mor da igreja de Nossa

Senhora da Conceição, em Vila Viçosa, em 1716

(Branco 2006).

Como fr. Manuel Pereira estava doente e a sua

idade era avançada, a direcção dos trabalhos foi

confiada a António de Andrade do Amaral, um

professor de Direito (Sequeira 1955 : 112). Foi nomeado

um outro arquitecto para a construção da igreja - Carlos

Mardel (cerca de 1695-1763), um jovem húngaro,

recentemente chegado a Portugal (1733) e que se tornará

num dos maiores arquitectos civis em Portugal durante o

terceiro quartel do século XVIII. Salientemos o facto de

Mardel e António de Andrade do Amaral estarem ligados igualmente aos trabalhos do

convento de Santa Clara, em Coimbra, que decorriam simultaneamente com os do Louriçal

(Correia 1989 : 281).

O corpo da igreja está relativamente descentrado relativamente ao convento (fig.

23). A capela-mor está orientada para Leste, de acordo com a tradição. O acesso à igreja

faz-se por uma porta lateral do lado Sul, como é característico nos conventos femininos,

estando os restantes lados cercados pelo espaço privado do convento. A nave única é

rectangular e tem os dois ângulos cortados. A nave, coberta por uma abóbada de berço, está

separada da capela-mor por um grande arco que ostenta as armas de D. João (fig. 15), tendo

na parte cimeira um nicho com a imagem de S. Miguel (fig. 25).

Quem é afinal o verdadeiro responsável do projecto da igreja? Concordamos com a

opinião de António Filipe Pimentel (1989 : 350) que considera que se terá seguido o

Fig. 25 – Nicho com a estátua de S.

Miguel, igreja do convento do Louriçal.

Fig. 26 – Nave e capela-mor da igreja

do Louriçal (vista do coro alto).

Fig. 27 – Valentim de Almeida,

decoração sob o púlpito, cerca de 1739,

igreja do convento do Louriçal.

34

projecto de João Antunes com as necessárias adaptações

devido às novas dimensões da igreja. Com efeito, o

desenho da igreja é semelhante ao de outros trabalhos

de Antunes, designadamente a planta da igreja do

Menino Deus, em Lisboa (1711-1737), tal como foi

assinalado por Nelson Correia Borges (1986 : 11). O

modelo da nave, um rectângulo com dois cantos

cortados, é característico das igrejas portuguesas da

década final do século XVII e foi objecto de estudo de

Paulo Varela Gomes. Segundo este autor, este modelo

caracteriza-se pela teatralidade (fig. 26) : «As tribunas

do andar superior assemelham-se a camarotes; a largura

da nave, acentuada pela contracção das extremidades,

transforma o espaço em plateia e em palco de teatro»

(Gomes 2001 : 302). Os coros (alto e baixo), colocados

na extremidade Oeste, estão separados da nave por duas

largas janelas protegidas por grades de ferro com pontas

pontiagudas.

Na extremidade oposta, a capela-mor, coroada

por uma cúpula semiesférica decorada com caixotões em

pedra, apresenta um belo altar-mor. Segundo Nelson

Borges (1986 : 34), trata-se de um modelo de cúpula

raro em Portugal e que se assemelha ao utilizado na

igreja de Penamacor e na igreja da Misericórdia de

Viana do Castelo.

De cada lado da nave, a meio da parede, há um

púlpito com balaústres em mármore e dois altares colaterais, em cada um dos cantos

cortados; do lado Norte, os altares apresentam as imagens recentes de S. José com o

Menino Jesus e o Imaculado Coração de Maria e do lado Sul, as imagens do Sagrado

Coração de Jesus e da Imaculada Conceição.

Fig. 28 – João António Bellini de

Pádua, retábulo da capela-mor da

igreja do convento do Louriçal.

Fig. 29 – João António Bellini

de Pádua, retábulo colateral,

igreja do convento do Louriçal.

Fig. 30 – João António Bellini de

Pádua, retábulo, 1733, Sé de Beja.

35

Fig. 32 – João António

Bellini de Pádua (?), Santa

Clara, escultura em madeira

de cedro, Museu Machado de

Castro, Coimbra.

Fig. 31 – João António Bellini

de Pádua, retábulo, 1733-1740,

capela de Nossa Senhora da Boa

Morte, Sé de Santarém.

Os retábulos do altar-mor e os quatro altares colaterais da

nave são compostos por colunas de mármore polícromo da região

de Lisboa (branco, preto, cor-de-rosa e amarelo). As colunas

apresentam capitéis coríntios que suportam um frontão limitado

por volutas. Há um par de anjos nos acrotérios e relevos com a

Eucaristia nos tímpanos.

Estes retábulos, encomendados provavelmente por fr.

Manuel Pereira (Pimentel 1989 : 350), foram feitos pelo italiano

João António Bellini de Pádua (década de 1690 – década de 1750).

Segundo Cyrillo, Bellini seria o único escultor neste momento em

Portugal capaz de trabalhar o mármore (citado por Carvalho 1991 :

78). Este artista, que esteve em actividade em Portugal entre 1725 e

1748, auto-intitulava-se escultor e arquitecto. «Os seus trabalhos

denotam o domínio das duas linguagens artísticas, uma concepção

simultaneamente arquitectónica e escultural» (Vale 2007 : 505). No

entanto, os retábulos do Louriçal estão ornamentados com estátuas

de anjos de fraca qualidade, apresentando mesmo incorrecções

anatómicas (figs. 28 e 29). Segundo o padre Manuel Monteiro

(2008 : 215-216), os retábulos seriam um trabalho de Carlos

Mardel e Bellini teria feito a sua decoração. Nós julgamos, no

entanto, que o conjunto deve pertencer ao estatuário italiano na

medida em que os retábulos do Louriçal se assemelham muito a

outros feitos por Bellini, como é o caso do retábulo do convento de

Arroios, em Lisboa (1733) que está actualmente na Sé de Beja (fig.

30) ou o da capela de Nossa Senhora da Boa Morte, na Sé de

Santarém (1738-1740) (fig. 31) (Rosa 2006; Gordalina e outros

2006). É notória a influência da Perspectiva pictorum et

architectorum de André Pozzo na obra de Bellini.

Fig. 33 – João António

Bellini de Pádua (?), S.

Francisco, escultura em

madeira de cedro, Museu

Machado de Castro,

Coimbra.

36

O padre Manuel Monteiro (2008 : 216) afirma igualmente

que um dos retábulos seria dedicado a S. Francisco e um outro a

Santa Clara e acrescenta que «as imagens são em cedro e dignas de

serem admiradas». Supomos que ele faz referência às esculturas que

estão actualmente no Museu Machado de Castro, em Coimbra (figs.

32 e 33). Trata-se de duas magníficas esculturas em madeira de

cedro, polícromas e douradas. Segundo refere Francisco Faria

(1994 : 23), a imagem de Santa Clara «parece ter sido esculpida no

sul da Alemanha ou nos Países Baixos ou em Portugal por um artista

por um artista formado nessas regiões».

Trata-se, muito

provavelmente de obras de Bellini. Com efeito, Cyrillo atribui-lhe

uma imagem de Santa Clara do convento do Louriçal e José

Fernandes Pereira acrescenta-lhe uma imagem de S. Francisco (Pereira 1989a : 78).

Bellini é um artista que produz obras de qualidade estética desigual, segundo Teresa

Vale e Fernandes Pereira. De facto, a qualidade das duas imagens do Museu Machado de

Castro contrasta vivamente com a mediocridade dos anjos dos retábulos do Louriçal o que

nos permita duvidar que Bellini seja o autor de todos estes trabalhos. Fernandes Pereira

(1991 : 224) supõe mesmo que os anjos mais imperfeitos seriam provavelmente obra dum

ajudante de Bellini, António Luquez também conhecido sob o nome de Pedro António

Avogradi.

O altar-mor apresenta um trono que permite a exposição do Santíssimo Sacramento,

um elemento típico nos altares do Barroco português a partir de1680 (Alves 1989 : 468;

Kubler 1988 : 175). Sob o suporte da cúpula, estão as imagens dos quatro evangelistas; a

imagem de S. Mateus, situada no canto Sudeste, infelizmente, já desapareceu devido às

infiltrações de água.

2.4. – Breve história dos 300 anos do convento

O primeiro convento de religiosas clarissas em Portugal foi fundado em 1260.

Foram criados mais de oitenta conventos de clarissas até 1834, data da extinção das ordens

religiosas em Portugal (Sobral 1998 : 284).

Fig. 34 – Anónimo, Nossa

Senhora da Prelada,

escultura, coro alto, igreja

do convento do Louriçal.

37

D. João V, como principal patrocinador do

convento do Louriçal, recebeu do papa Clemente XI, em

1715, o direito de escolher as candidatas a noviças. As

religiosas conservavam, no entanto, o direito de veto

relativamente aos nomes propostos.

A primeira metade do século XVIII constituiu,

sem dúvida, o período mais próspero da vida do convento. Os apoios financeiros, vindos

sobretudo do rei e do conde da Ericeira, multiplicam-se10

. As candidaturas aumentam e o

limite de trinta e três religiosas é rapidamente atingido. Em 1720, as freiras concedem à

Virgem Maria o padroado do convento e a Sua imagem é colocada em destaque no coro

alto (fig. 34).

Espalha-se por toda a parte a fama do convento e, em 1750 o padre Manuel

Monteiro, que foi durante algum tempo confessor do convento, escreve a História da

Fundação do Real Convento do Louriçal. Alguns anos depois, em 1762, o padre José

Caetano, um outro confessor do convento, publica uma Relação (Breve) da vida e morte

prodigiosa da Madre Soror Maria Joanna, que falleceu a 25 de Março de 1754, no

Convento do Louriçal; esta religiosa, Maria Joana (1712-1754), tinha igualmente sido

considerada como uma santa potencial. A publicação destes dois livros estará certamente

ligada aos processos de beatificação de Maria do Lado e de Maria Joana. Em 1768, o padre

José Caetano é preso em Coimbra, sob a acusação de estar implicado no movimento contra

o marquês de Pombal (Gramoza 1882 : 238).

Um outro livro é, entretanto, publicado em 1762 pelas religiosas do Louriçal - o

Compendio da Admiravel Vida da Veneravel Madre Maria do Lado, contendo os

apontamentos de fr. Bernardino das Chagas, o confessor de madre Maria do Lado. Será

dedicado a D. José, o qual, em sinal de agradecimento, oferece ao convento uma bela

imagem de Nossa Senhora da Boa Morte (fig. 35) e um retrato de madre Maria do Lado,

«para ser exposto quando esta grande alma obtiver o culto do altar» (Caetano 1762 : 208).

10 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, PT-TT-RGM/C/2/83243, Registo Geral de Mercês de D. João V, liv. 2, fl.1.

Fig. 35 – Anónimo, Nossa Senhora

da Boa Morte, escultura, coro baixo,

igreja do convento do Louriçal.

38

A partir do último quartel do século XVIII, as religiosas do Louriçal procuraram

criar outros conventos de desagravo. Assim, em 1780, D. Maria I (1734-1816) autoriza a

fundação do convento de Vila Pouca da Beira, segundo o modelo do Louriçal. As freiras

fundadoras saem do Louriçal para o novo convento. O Recolhimento de Montemor-o-Novo

é convertido em convento do desagravo igualmente em 1780. Em 1782, as religiosas do

Louriçal vão fundar em Lisboa, no Campo de Santa Clara, perto da igreja de Santa

Engrácia, um outro convento do desagravo, conhecido sob o nome de Conventinho.

O tempo vai passando e o edifício do convento começa a deteriorar-se. Assim, nos

finais do século XVIII, as freiras do Louriçal informam o príncipe regente D. João (o futuro

D. João VI) que edifício necessita de grandes obras e que urge o apoio real. Os trabalhos

irão decorrer entre 1804 e 1805.

Qual seria a área de influência do convento do Louriçal durante o século XVIII?

Com base nos dados sobre a admissão de noviças na região de Coimbra coligidos por

Bandeira e outros (2006 : 74-77), fizemos o tratamento dos referentes ao convento do

Louriçal. Pode-se, assim, verificar a área de influência era vasta, abrangendo diferentes

regiões do País. A maioria das noviças são originárias dos concelhos vizinhos do Louriçal,

embora seja interessante notar que a fama do convento chegava até Lisboa.

39

O século XIX foi um período de grande crise para as clarissas do Louriçal. Em

1807, o arcebispo de Coimbra ordena que as freiras remetam as jóias oferecidas por D. João

V ao mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Elas recusam e recorrem junto do príncipe

regente (o futuro D. João VI)11

.

Os tempos verdadeiramente difíceis iniciam-se com as invasões francesas. Em

Outubro de 1810, as religiosas do Louriçal, temendo o pior, saem do convento

acompanhadas pelo seu confessor, o padre Bernardo do Patrocínio e embarcam na Figueira

da Foz para um exílio de três anos no convento de Santa Clara, em Lisboa (Lemos 2009).

De regresso ao Louriçal em 1813, elas empreenderão em 1816 a criação dum novo

convento de desagravo no Lumiar, em Lisboa.

O triunfo da monarquia liberal em 1820 trará novas preocupações às clarissas do

Louriçal. O Liberalismo visava destruir as raízes do Antigo Regime e os suportes sociais da

monarquia absolutista. O clero em geral e, em particular as ordens monásticas, sobretudo as

ordens masculinas, verão os seus direitos e privilégios duramente tocados. A legislação de

Mouzinho da Silveira (Agosto de 1833) proíbe as novas admissões nos conventos, liberta

as noviças admitidas dos seus votos perpétuos e põe fim às doações e aos privilégios

económicos e fiscais do clero. Através do decreto de 28 de Maio de 1834, procede-se ao

encerramento dos conventos masculinos, acontecendo o mesmo aos femininos após a morte

da sua última religiosa. A proibição de votos perpétuos por parte das religiosas anuncia o

fim a curto prazo dos conventos. Foi engenhosa, sem dúvida, a estratégia adoptada: as

freiras fazem votos anuais que anualmente repetem.

O facto de as medidas legislativas se irem repetindo demonstra que o legislador não

consegue o seu objectivo e que as medidas não são respeitadas. Assim, por exemplo, em

1843, a proibição de se aceitarem noviças é reafirmada legislativamente. Mas as

dificuldades vão crescendo sempre. A prova é que, em 1845, as clarissas pedem à marquesa

do Louriçal que prossiga a tradição familiar de doação anual de bens. Evidentemente que os

principais patrocinadores dos conventos estavam a sofrer, eles próprios, as consequências

do triunfo do Liberalismo.

11 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Petições do Reino, maço 40.

40

Entretanto, uma outra estratégia foi adoptada em 1853. O convento, formalmente, é

encerrado, mas abre simultaneamente no Louriçal um colégio feminino, o Recolhimento de

Jesus Maria José, um estabelecimento educativo para raparigas dirigido por seis educadoras

e que foi publicamente reconhecido pelo decreto governamental de 20 de Abril de 1863

(Ribeiro 1879 : 274).

Por outro lado, vão-se repetindo os inventários dos bens do convento. É certo que

alguns bens são vendidos em leilão12

, o que vai motivar um pedido feito a D. Pedro V para

que se possam conservar os bens julgados necessários à sua sobrevivência. Os leilões

continuarão nos anos seguintes e aumentarão mesmo em 1878, altura em que morre a

última clarissa. Nesse momento o convento será oficialmente encerrado. Mas o artifício do

Recolhimento de Jesus Maria José, no entanto, irá resultar. O arcebispo de Coimbra pede

ao rei D. Luís I, em Abril de 1878, que autorize que as alunas continuem no edifício, uma

vez que havia vinte duas alunas … e o rei autoriza em 23 de Maio. Entretanto, o inventário

dos bens, dos livros e dos documentos continua a ser feito durante os meses de Maio e

Junho de 187813

. Em 1887, o Governo requisita as obras de arte do extinto convento que

deverão ser remetidas ao Museu Nacional de Belas-Artes e de Arqueologia, em Lisboa: três

telas a óleo (Nossa Senhora do Rosário, Cristo na Cruz e um Retrato de D. João V), três

quadros a óleo sobre cobre relativos à Paixão de Cristo (S. Pedro negando Cristo, a

Flagelação e Cristo exposto à multidão), bem como um grande cálice em prata dourada do

século XVII. O convento vai manter, no entanto, dois dos quadros (Nossa Senhora do

Rosário e Cristo na Cruz) que são considerados sem valor e igualmente o grande cálice

seiscentista pois seria necessário ao culto.

Os começos do século XX foram igualmente catastróficos para o convento. Apos a

revolução do 5 de Outubro de 1910, o convento foi ocupado pelas forças militares e as

freiras foram expulsas. Uma única religiosa resistiu e, autorizada pelos militares, aí

12 Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/14, Nota dos bens que pertenciam ao Convento do Louriçal arrematadas na

Repartição de Finanças do Distrito de Leiria (1859). 13

Todos os documentos do inventário estão conservados no Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/4.

41

permaneceu até à sua morte. Entre 1915 e 1925 o edifício do convento abrigou um quartel

da Guarda Nacional Republicana e seus bens foram vendidos pelo Estado14

.

A revolução do 28 de Maio de 1926 derruba a Primeira República e prepara a

ascensão do novo regime de extrema-direita em Portugal. O novo poder político cria as

condições necessárias para a reabertura do convento do Louriçal. Cinco antigas religiosas,

ainda vivas nessa altura, decidem a compra do convento em em1927 e aí regressam em 18

de Janeiro de 1928. O reconhecimento canónico será, no entanto apenas feito trinta anos

mais tarde, em 19 de Julho de 1957.

O convento do Louriçal, declarado monumento nacional em 1939, conta

actualmente dezassete religiosas e acaba de comemorar o seu terceiro centenário.

Capítulo 3 – Os ciclos de azulejos da igreja

3.1. – As fontes literárias

O ciclo da Paixão de Cristo

Os episódios deste ciclo seguem de perto os evangelhos canónicos. Com efeito,

todos os evangelistas mencionam estas cenas capitais da vida de Cristo e da História do

Cristianismo. A única excepção prende-se com O lava-pés (Cat. 1) narrado unicamente por

S. João (13, 1-15).

Se as outras cenas são descritas pelos evangelhos canónicos, o seu relato é, duma

forma geral, muito sucinto. Ao longo dos tempos, os artistas sentiram a necessidade de

juntar detalhes para comporem as cenas. Os evangelhos apócrifos irão fornecer esses

pormenores. É o caso, por exemplo, da Descida da cruz (Cat. 10). Os quatro evangelhos

canónicos descrevem de forma lacónica a retirada do corpo de Cristo. O Evangelho de S.

Nicodemos, também chamado Actos de Pilatos acrescenta alguns detalhes, que serão

14 Todos os documentos do inventário, e os documentos relativos à venda dos bens e à extinção do convento do Louriçal

(1914-1923) estão conservados no Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/4 e 25-A-1.

42

amplificados pela imaginação de Jacobus de Voragine na sua Lenda Dourada (Legenda

Aurea). As Meditationes de Vita Christi do Pseudo Boaventura e sobretudo o teatro

medieval dos Mistérios forneceram os restantes detalhes.

A imaginação está bem presente nos grupos de actores populares que faziam na

Idade Média a recreação das cenas da Paixão. Quando a resposta nos estava nos

Evangelhos, a imaginação encarregava-se de completar o relato. O contributo do teatro dos

Mistérios é enorme e faz-se igualmente sentir noutras cenas – A flagelação (Cat. 5), A

coroação de espinhos (Cat. 6), Verónica limpa o rosto de Jesus (Cat. 7) e Jesus pregado

na cruz (Cat. 8).

O imaginário da Paixão é igualmente enriquecido com as Revelações de Santa

Brígida da Suécia (século XIV). De facto, os detalhes mais bárbaros, sórdidos e dolorosos

da tortura e da execução de Jesus são transmitidos por Santa Brígida, o que vai transformar,

por exemplo, uma cena de escárnio, A coroação de espinhos, numa cena sádica e sangrenta.

Em conclusão, como sublinha Landberg (2001 : 16):

Os artistas fizeram muitas vezes o trabalho de «teólogos»: a imagem

destinava-se sobretudo a fazer compreender uma afirmação de fé e a

exprimir o significado profundo da morte de Cristo. Obrigado a traduzir a

Escritura, o artista via-se obrigado a exprimir-se no quadro de um programa

iconográfico estabelecido pela Igreja, para que a obra seja facilmente

compreendida pelo fiel, para que o possa incitar à devoção e para marcar a

sua memória.

O ciclo de S. Francisco de Assis

Foram produzidas, ao longo dos tempos, inúmeras biografias de S. Francisco. A

maioria são fontes medievais e impõe-se alguma cautela na sua interpretação, na medida

em que a hagiografia dessa época visava sobretudo fornecer bons exemplos, aumentar a fé

e a piedade dos crentes e não, propriamente, transmitir um relato histórico. É necessário

igualmente estar-se consciente de que estes biógrafos estão geralmente contaminados pelo

combate, por vezes violento, entre as diferentes correntes franciscanas, o que torna

particularmente difícil a percepção do retrato real de S. Francisco de Assis. Minocchi

(citado por Desbonnets 1968 : 14) designou este verdadeiro labirinto como a questão

43

franciscana. No nosso estudo, no entanto, interessa-nos sobretudo determinar a fonte

literária de cada painel e não a autenticidade da cena apresentada.

O conjunto dos oito painéis apresenta-nos alguns dos momentos importantes da vida

de S. Francisco, situados entre 1205 e 1226, bem como o episódio em que o papa Nicolau

V contempla o seu cadáver, datado de 1499. A maioria das cenas estão descrita na Vita

prima (1228) e na Vita secunda (1246-1248) de Tomás de Celano (1200? -cerca de 1260),

bem como na Legenda major (1263) e na Legenda minor (1263) de S. Boaventura (1217-

1274). Celano, frade franciscano depois de 1215, viveu na companhia de S. Francisco

durante seis anos (Desbonnets 1968 : 343). A sua Vita prima descreve as cenas

representadas nos painéis Cristo crucificado fala a S. Francisco (Cat. 11), A

estigmatização (Cat. 13) e Aprovação da Regra da Ordem Franciscana (Cat. 14). A Vita

secunda é a fonte do painel A última ceia de S. Francisco (Cat. 17).

A Legenda major de S. Boaventura documenta a Aprovação da Regra da Ordem

Franciscana (Cat. 14) e a Fundação da Ordem Terceira de S. Francisco (Cat. 15).

A tentação de S. Francisco (Cat. 16) não figura na hagiografia do século XIII. A

primeira descrição deste evento consta numa carta de Conrado, arcebispo de Assis, datada

de 1335.

O último painel do ciclo, O papa Nicolau V contempla o cadáver de S. Francisco

(Cat. 18), baseia-se numa carta do cardeal Austergius, um dos membros da comitiva do

papa e foi difundida pelos Annales ordinis Minorum de Wadding e por fr. Marcos de

Lisboa na sua obra Crónicas da Ordem dos Frades Menores (Lisboa 2001 : 241 – 241v).

O ciclo da Virgem

Os episódios dos dois primeiros painéis, A Apresentação da Virgem (Cat. 19) e O

Casamento da Virgem (Cat. 20), estão descritos nos evangelhos apócrifos, o

Protoevangelho de Tiago e o Evangelho do Pseudo-Mateus. Mais tarde, a Lenda Dourada

de Jacobus de Voragine retomará estes episódios.

44

O Protoevangelho de Tiago descreve igualmente A Visitação (Cat. 22). No entanto,

este episódio é mencionado de maneira breve por S. Lucas, o único evangelista que faz a

descrição da Anunciação (Cat. 21).

Os símbolos marianos na abóbada da capela-mor

As litanias de Loreto descrevem as virtudes da Virgem e foram aprovadas pela

Igreja em 1587. Estas invocações marianas são retiradas dos textos sagrados (Lorente

1990 : 215).

Vejamos a origem dos símbolos representados nos painéis

da abóbada da capela-mor (figs. 36-39):

O Sol – electa ut sol - Maria é resplandecente como o Sol –

Cântico dos Cânticos, 6 :10;

A Lua – pulchra ut luna – bela como a Lua – Cântico dos

Cânticos, 6 :10;

Fig. 36 – Valentim de Almeida, cerca de 1739, painel de azulejos, 182 x 728 cm (13 x 52

azulejos), abóbada Norte da capela-mor da igreja do convento do Louriçal.

Fig. 37 – Valentim de Almeida, cerca de 1739, painel de azulejos, 182 x 728 cm (13 x 52

azulejos), abóbada Sul da capela-mor da igreja do convento do Louriçal.

Fig. 38 – Valentim de

Almeida, O sol, 140 x 196 cm

(10 x 14 azulejos)

45

O cipreste – cedrus exaltata – «elevei-me como o cedro do

Líbano, como o cipreste do monte Sião» – Eclesiastes, 24 :17;

A estrela – stella maris – estrela-do-mar – hino litúrgico;

A rosa – plantatio rosae – «cresci como […] as roseiras de

Jericó» - Eclesiastes, 24 :14;

o vaso de flores – vaso espiritual, vaso honorífico, vaso insigne

de devoção - Litanias de Loreto.

Como acabamos de ver, as litanias da Virgem são

seguramente a fonte de inspiração para os atributos que se

encontram frequentemente associados à iconografia da Virgem

Maria, como podemos observar, a título de exemplo, numa gravura

de Cornelis Cort (fig. 40).

O ciclo de Santa Clara

O processo de canonização de Santa Clara iniciou-se em 1253, alguns meses após a

sua morte, por ordem do papa Inocêncio IV; a Bula de canonização é publicada em 1255 e

a Legenda Sanctae Clarae Virginis (Legenda de Santa Clara) de Tomás de Celano em

1256 (Garrone 1961 : 9). Uma outra fonte da sua hagiografia é o Testamento de Santa

Clara (1247-1253). Isto significa, portanto, que temos fontes muito próximas do tempo de

Santa Clara; elas constituem as principais fontes literárias indirectas deste ciclo de painéis.

Uma outra fonte, as Fioretti (As Florinhas), não deve ser anterior a 1328, segundo Vorreux

(1983 : 279). A obra de Celano, por seu turno, inspirou a Vitae Sanctae Clarae escrita por

Henrique Sedulius em 1613 e ilustrada com gravuras de Collaert.

Em Portugal, a vida de Santa Clara foi retomada na Flos Sanctorum, impressa em

1513 e pelo Livro octavo […] da gloriosa sancta Clara escrito fr. Marcos de Lisboa em

1557 (Sobral 1998 : 284).

Fig. 39 – Valentim de

Almeida, A Lua, 140 x 196

cm (10 x 14 azulejos)

Fig. 40 – Cornelis Cort, A Virgem e

o Menino sobre uma Lua e

envolvidos por símbolos marianos,

1567, gravura a buril, 29,1 x 20,2

cm.

46

A Legenda de Santa Clara de Tomás de Celano é a fonte de quase todos os azulejos

deste ciclo. Exceptuam-se S. Francisco dá a Fórmula de Vida a Santa Clara (Cat. 25) que

se baseia no Testamento de Santa Clara e S. Francisco recebe Santa Clara (Cat. 28)

baseado nas Fioretti.

As informações das testemunhas no Processo de canonização (1253) servem de

suporte para as seguintes cenas: O lava-pés (Cat. 26), O Milagre da multiplicação dos pães

(Cat. 29), Santa Clara põe em fuga os Sarracenos (Cat. 30) e O milagre do azeite (Cat.

32). A gravura de Collaert (fig. 34A) baseia-se igualmente no relato duma testemunha no

Processo de canonização. A Bula de canonização de Santa Clara menciona igualmente as

cenas miraculosas, O milagre da multiplicação dos pães (Cat. 29) e O milagre do azeite

(Cat. 32).

3.2. – Os modelos iconográficos

Os pintores possuíam colecções de estampas e de gravuras e por vezes os clientes

apresentavam ao pintor as imagens exactas que pretendiam ver reproduzidas. O pintor de

azulejos utilizava igualmente estes modelos para fazer os motivos decorativos dos painéis

(Pereira 1989 : 226). Não é tarefa fácil retraçar a fonte exacta de um painel na medida em

que as imagens circulavam largamente e havia uma grande quantidade de cópias, bem

como diferentes versões da mesma cena. O artista servia-se, por vezes, que ele tinha visto

num quadro ou num painel doutro artista. Outras vezes, servia-se apenas de detalhes

retirados de diferentes gravuras.

Valentim de Almeida utilizou várias estampas e gravuras dos séculos XVII e XVIII,

na sua maioria de origem flamenga, para produzir os seus painéis. Estas gravuras foram

criadas por Adriaen Collaert, Caspar Luyken, Pierre Landry, Pieter de Bailliu, François

Langot, Lucas Vorsterman I, Cornelis Galle e Cornelis Visscher.

Adriaen Collaert (1560-1618)

Adriaen Collaert, um doa maiores gravadores flamengos, é o editor e o gravador do

livro Icones sancta Clarae, um conjunto de trinta e cinco gravuras a buril sobre a vida de

Santa Clara, constituindo a maior colecção de imagens da fundadora das Clarissas. As

47

gravuras baseiam-se nos desenhos do pintor flamengo Adam van Noort (1562-1641) e

ilustram o texto de Hendrick de Vromm (Vroom), frequentemente conhecido sob o nome

de Henrique Sedulius (1549-1621). Sedulius foi um padre franciscano de Antuérpia,

professor de Teologia nas universidades de Lovaina e de Innsbruck e autor de algumas

obras históricas sobre a sua Ordem. Escreveu em 1613 uma Historia Seraphica onde

incluiu a história da vida de Santa Clara que será a base do livro. Consciente da importância

mediática da gravura, colabora com Filipe Galle (Vida de S. Francisco em 1587 e Imagines

Sanctorum em 1602), com Adriaen Collaert (Icones sancta Clarae) em 1613-1621 e, cerca

de 1618, na obra Incunculae B. Joannae Francorum Regina (Herranz 1994 : IX-XX).

Valentim de Almeida conheceu seguramente o livro Icones sancta Clarae, na

medida em que sete das gravuras de Collaert (figs. 24A, 26A, 28A, 29A, 31A, 32A e 34A)

foram utilizadas para os seguintes painéis: S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara

(Cat. 24), O lava-pés (Cat. 26), S. Francisco recebe Santa Clara (Cat. 28), O milagre da

multiplicação dos pães (Cat. 29), A tentação do demónio (Cat. 31), O milagre do azeite

(Cat. 32) e A agonia de Santa Clara (Cat. 34). À excepção deste último painel, o pintor

copiou quase integralmente as gravuras.

Caspar Luyken (1672-1708)

Caspar Luyken é um gravador natural de Antuérpia e filho do gravador Jan Luyken.

Depois de ter trabalhado durante vários anos com o pai, decide sair de Antuérpia. Entre

1699 e 1704 vive em Nuremberga, na Alemanha, trabalhando para um importante editor,

Christophe Weigel (1654-1725). Caspar Luyken é o autor dum conjunto de gravuras

geralmente conhecidas sob a designação de Bíblia de Weigel (Historiae celebriores Veteris

Testimenti et Historiae celebriores Veteris Testimenti). Em 1704, regressa a Antuérpia, aí

falecendo, relativamente jovem, com 36 anos de idade. É autor de cerca de 1200 gravuras

(Hollstein 1955 : vol. XI, 118).

São conhecidas várias edições da Bíblia de Weigel : a de 1703, baseia-se numa

tradução de Martinho Lutero; a de 1708 é dedicada ao imperador alemão José I; e a de

1712, que nós utilizámos para o nosso catálogo. Quatro painéis do ciclo da Paixão são

48

inspirados pelas estampas de Caspar Luyken incluídas na Historiae celebriores Novi

Testimenti.

Valentim de Almeida copiou quase integralmente as estampas de Luyken

representando A Última Ceia (fig. 2A) e A agonia no Monte das Oliveiras (fig. 3A)

introduzindo apenas algumas transformações menores. Para criar A prisão de Jesus (Cat.

4), o pintor utilizou duas estampas de Luyken (figs. 4A e 4B). É provável que outras

estampas da Bíblia de Weigel possam ter servido de fonte de inspiração como, por exemplo,

no caso da cena do Lava-pés (Cat. 1) a partir da estampa de Luyken sobre este tema (fig.

1A). Por outro lado a figura do mendigo na Apresentação da Virgem (Cat. 19) assemelha-

se à de Lázaro de Luyken (fig. 19A).

Lucas Vorsterman I (1595-1675)

Lucas Vorsterman I é um gravador famoso de Antuérpia que foi colaborador de

Rubens. É o autor da gravura da Descida da Cruz a partir de Rubens, que José Meco

(1992 : 44) pensa ter sido o modelo do painel de Faro (fig. 10F) e que tanto se assemelha ao

do Louriçal (Cat. 10). Julgamos, no entanto, que o pintor Abraham Diepenbeek (1596-

1674) é o autor em que se baseia Valentim de Almeida, embora Diepenbeek se tenha

baseado, ele próprio em três versões do quadro de Rubens. Na nossa opinião, Valentim de

Almeida, por sua vez, terá conhecido uma gravura de Cornelis Galle ou de Cornelis

Visscher reproduzindo o quadro de Diepenbeek (figs. 10E e 10F).

Uma outra gravura de Vosterman I a partir de Rubens (fig. 13A) poderá estar na

origem da Estigmatização (Cat. 13), mas apenas alguns detalhes nos fazem avançar esta

hipótese.

Pierre Landry (1630-1701)

O gravador Pierre Landry poderá estar ligado à inspiração do painel O papa Nicolau

observa o cadáver de S. Francisco (Cat. 18). A gravura de Landry (fig. 18B) reproduz, de

maneira invertida, o quadro sobre este tema de Laurent de La Hyre (1606-1656) feito em

1630 e que sem encontra no Museu do Louvre.

49

François Langot (act. 1641? – 1679?)

François Langot trabalhou como gravador na oficina de Pierre

Landry (Weigert 1973 : t. 6, 420). É o autor da gravura (fig. 7C) que

julgamos ter servido de modelo para Verónica limpa o rosto de Jesus

(Cat. 7). Esta gravura é uma reprodução do quadro feito em 1617-1618

por Antoon van Dyck para a igreja de S. Paulo, em Antuérpia.

Pieter de Bailliu (1613-1660)

A Coroação de espinhos (Cat. 6) reproduz perfeitamente, mas

de maneira invertida, a gravura (fig. 6A) do flamengo Pieter de Bailliu

(entre 1630 e 1645) (Hollstein 1949 : vol. 1, 70-71). Esta gravura

baseia-se num quadro que Abraham Diepenbeek (1596-1675) fez para

a igreja de S. Jorge, em Antuérpia (Steadman 1982 : 103).

Cada painel representa uma só cena incidindo no momento mais significativo da

narração, de acordo com a fonte literária que lhe serve de suporte - «a época moderna

privilegia a organização monocénica, na medida em que ela lhe permite […] uma

organização dramática e emocional que convém à óptica da Contra Reforma e do Barroco»

(Sobral 2004 : 20-21). Há, portanto, um respeito completo do princípio das três unidades

seguido pela estética clássica: unidade de acção, de espaço e de tempo.

As cenas de quase todos os painéis do Louriçal estão cheias personagens;

exceptuam-se apenas A tentação do demónio (fig. 31A) e O milagre do azeite (fig. 32A). A

abundância de personagens secundárias não impede uma leitura clara das cenas, na medida

em que as personagens principais ocupam sempre os planos privilegiados. O artista, por

vezes, atribui a um personagem secundário um gesto preciso para que este chame a atenção

para a acção, tal como fora sugerido por Alberti (De pictura, 1435). A composição dos

painéis segue sempre uma linha de encenação teatral, como se as personagens fossem

actores colocados no primeiro plano, sob a direcção de um encenador que procura a

harmonia da cena e se ocupa igualmente dos cenários no fundo da cena (habitualmente

ocupados por grandes edifícios e por elementos arquitecturais acompanhados, por vezes de

paisagens).

Fig. 41 – Enrolamentos de

acanto de Ludovicus

Scalzius, gravados por

Caesar Domenichius cerca

de 1610 e reeditados por

Jean-Jacques de Rossi,

Roma, Alla Pace

50

Fig. 42 – Valentim de Almeida,

Um eremita, cerca de 1739,

painel de azulejos, 98 x 56 cm

(7 x 4 azulejos), igreja do

convento do Louriçal.

Fig. 43 – Valentim de

Almeida, Cena de caça, 1730,

igreja paroquial de S.

Sebastião, Ponta Delgada.

Fig. 44 – Valentim de

Almeida, Um eremita, cerca

de 1739, painel de azulejos,

98 x 56 cm (7 x 4 azulejos),

igreja do convento do

Louriçal.

Cada personagem é representado escrupulosamente

com todo o pormenor. A maioria das cenas desenrola-se em

espaço interior, geralmente sóbrio e austero. O ambiente, no

entanto, torna-se rico quando aparece a igreja como cenário :

grandes colunas de mármore, arcos em diagonal e a presença

de cortinados conferem à cena teatralidade e uma riqueza

arquitectural que está em desacordo com a pobreza da Porciúncula.

Apenas três cenas apresentam sinais sobrenaturais : o

demónio quando tenta Santa Clara (fig. 31A), o raio de luz no

Milagre do azeite (fig. 32A) e as nuvens que envolvem a Virgem

quando Ela visita Santa Clara na sua agonia (fig. 34A).

Relativamente aos elementos decorativos, é impossível

determinar com precisão as fontes utilizadas por Valentim de

Almeida. Tal como os outros pintores de azulejo, ele utilizou as

estampas que circulavam abundantemente em Portugal. Os motivos

decorativos, herdados da Antiguidade Clássica, do Maneirismo ou

do Barroco Romano (cartelas, enrolamentos de folhas de acanto (fig.

41), volutas, consolas, grotescos, etc.) são largamente reproduzidos

pelos gravadores de Antuérpia (Jerónimo Cock, a família Galle, a

família Plantin) e mais tarde de Augsburgo, de Roma (De Rossi) e de

Paris (Marietti) (Mandoux-França 1983 : 90).

O pintor de azulejo tinha igualmente à sua disposição outras

importantes fontes de inspiração visual como, por exemplo, os tecidos

estampados, os tapetes, os objectos metálicos ou os móveis.

51

Fig. 45 – Valentim de Almeida, enquadramento superior

de alguns painéis do ciclo da Paixão, cerca de 1739,

igreja do convento do Louriçal.

Fig. 47 – Valentim de Almeida, enquadramento

superior de um painel, 1741, Convento da Conceição,

Beja.

Tal como dissemos, sob os

painéis mais largos do ciclo de S.

Francisco de Assis, Valentim de Almeida

juntou uma larga voluta assimétrica

envolvendo uma grande concha (fig. 19).

Estes motivos decorativos,

possivelmente inspirados em Juste-

Aurèle Messonier (1690-1750) (fig. 20),

anunciam já o rococó, que aparecerá

alguns anos mais tarde. O arco superior

da voluta entra na composição dos

painéis de S. Francisco demonstrando

que são todos seguramente da mesma

época. Cada um destes painéis apresenta

uma cena bucólica (um pescador, um

jovem tocando flauta) ou um eremita em

meditação face a um crânio (figs. 16-18,

42 e 44). Cenas semelhantes, mas sem

voluta, estão igualmente representadas sob os painéis mais estreitos do ciclo franciscano.

Por vezes, um painel sobre o mesmo tema feito anteriormente por Valentim de

Almeida ou por outro pintor pode servir igualmente de modelo. É o caso, a título de

exemplo da Coroação de espinhos da igreja do Bom Jesus da Cruz, Barcelos (1728)

atribuído a João Neto (fig. 6B) que julgamos ter servido de modelo à Coroação do Louriçal

(Cat. 6).

Valentim de Almeida utilizou, portanto, variadíssimas fontes e modelos para

produzir os painéis do Louriçal. Tal como os restantes pintores de azulejo da época não foi

um verdadeiro criador. No entanto, ele introduz certas alterações aos modelos utilizados,

procurando:

Fig. 46 – Valentim de Almeida, enquadramento

superior de um painel, 1723-1725, capela de Santo

António, convento de Santa Cruz, Lamego.

52

- adaptar a cena ao espaço – O lava-pés (Cat. 26) e A tentação do demónio (Cat. 31);

- dar uma marca pessoal à cena – S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara (Cat.

24), S. Francisco recebe Santa Clara (Cat. 28), O milagre da multiplicação dos

pães (Cat. 29) e A tentação do demónio (Cat. 31);

- acrescentar a arquitectura do cenário – S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara

(Cat. 24);

- simplificar o último plano – O milagre do azeite (Cat. 32)

Valentim de Almeida denota a sua criatividade artística na forma como compõe as

cenas e como sabe equilibrar as funções didáctica e artística, na maneira como combina os

planos de fundo e os enquadramentos decorativos que lhe permitem recriar uma dimensão

espacial fictícia.

3.3. – A interligação entre os ciclos de azulejos

Tal como um puzzle, um painel de azulejos é um conjunto de peças de cerâmica que

estão dispostas de uma forma predeterminada. Nada é deixado ao acaso. É esta ordenação

que dá um sentido à sua interpretação. Exactamente da mesma forma, um ciclo de painéis é

um conjunto predeterminado de cenas obedecendo a uma lógica narrativa ou simbólica.

«Destinados a integrar um conjunto e organizados em sequências, os quadros foram

concebidos e produzidos em função do seu posicionamento neste conjunto e não devem ser

vistos separadamente» (Sobral 1998 : 35-36). O que afirma Moura Sobral relativamente à

pintura, aplica-se igualmente aos painéis de azulejos. Um painel é um conjunto de azulejos

que permitem uma leitura se eles estiverem correctamente posicionados. Um ciclo de

painéis é um conjunto de painéis que conta uma história dividida em vários episódios. Os

painéis de azulejos, pelas suas características materiais, são mais duráveis e, sobretudo,

menos móveis que os quadros, o que torna mais fácil a sua interpretação.

Cada ciclo estabelece um diálogo com os outros ciclos presentes num mesmo lugar.

A interpretação desse diálogo, que era evidente na época barroca, é-o bem menos nos

nossos dias. É um dever para o historiador de arte reinterpretar o significado das

interligações entre os diferentes ciclos iconográficos.

53

Os ciclos da Paixão de Cristo

(Cat. 1 – 10) e de S. Francisco de

Assis (Cat. 11 – 18) preenchem as

paredes da nave – o único espaço

acessível aos visitantes da igreja. Os

ciclos femininos, isto é, o da Virgem

(Cat. 19 – 22) e o de Santa Clara (Cat. 23 – 34) ocupam as paredes da capela-mor, a qual

está separada da nave por uma divisória em ferro; trata-se de um espaço privado, isolado,

unicamente acessível às freiras e ao celebrante da missa. A maioria destes painéis não são

visíveis da nave, isto é, não são visíveis para o mundo laico. Trata-se, portanto, de um

programa iconográfico colocado num espaço dedicado à contemplação e à meditação. Esta

separação intencional dos ciclos masculinos no exterior e dos ciclos femininos no interior

lembra-nos o facto de estarmos num convento feminino de religiosas enclaustradas.

As cenas de S. Francisco e de Santa Clara seguem de perto os episódios das

principais etapas das suas vidas, ou seja, a partir do momento de decisão de se dedicarem

inteiramente a Deus até das suas mortes. É, assim, perfeitamente compreensível encontrar

estes episódios num local onde um grupo de mulheres tomou idêntica decisão.

A estigmatização de S. Francisco (Cat. 13), que se encontra face à porta da entrada,

à altura dos olhos, é a primeira cena visível para quem entra na igreja. Trata-se do momento

preciso em que S. Francisco recebe na sua carne as chagas de Cristo, ou seja, quando o

corpo do povorello reproduz o de Cristo. S. Francisco identifica-se com o seu alter-ego e

torna-se o alter-Christus. Os painéis do registo superior apresentam algumas cenas da via-

sacra, ou seja, o sofrimento e a morte de Cristo. Esta identificação é reforçada pelas cartelas

emblemáticas da Ordem Franciscana que se encontram ao lado e que representam os

estigmas (fig. 48) e os braços cruzados de Cristo e de S. Francisco (fig. 11A). Na parede

Sul, em frente da Estigmatização, está A agonia no Monte das Oliveiras (Cat. 3) que lhe

corresponde. O sofrimento de S. Francisco no Monte Alverne corresponde à agonia de

Cristo no Monte das Oliveiras; os discípulos adormecidos no plano inferior correspondem a

fr. Leão. O diálogo entre o mundo celestial e o mundo terrestre está presente nestes dois

painéis e a sua composição é simétrica.

Fig. 48 – Valentim de Almeida, cartela com os estigmas,

cerca de 1739, painel de azulejos, igreja do convento do

Louriçal.

54

O cadáver estigmatizado de S. Francisco (Cat.18) faz correspondência ao corpo de

Cristo descido da Cruz (Cat. 10). Em conclusão, uma das ideias centrais do conjunto de

painéis da nave é a de que S. Francisco é o alter-ego de Cristo. É certamente significativo o

facto de que a via-sacra seja uma devoção criada e espalhada pelos franciscanos desde os

finais da Idade Média, ligada ao facto de a Ordem ter recebido a missão de guardar os

lugares santos na Terra Santa (Mâle 194 : 419-420).

Por seu turno, a história da vida de S. Francisco é paralela à de Santa Clara. O

jovem Francisco escuta a mensagem de Cristo crucificado (Cat.11) tal como Clara escuta

S. Francisco (Cat. 23). Para Santa Clara, S. Francisco é o alter-Christus.

Francisco e Clara decidem abandonar a vida mundana para se dedicarem

inteiramente a Deus. O painel S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara (Cat. 24)

representa esse momento de abandono. O painel Cristo crucificado fala a S. Francisco

(Cat. 11), situado na parede Oeste da nave, ao lado dos coros, lembra aos fiéis que, por

detrás das grades, estão mulheres que tomaram a mesma decisão que S. Francisco.

O exemplo dado por S. Francisco e por Santa Clara atrai outras pessoas que irão

formar as ordens franciscanas – a Ordem dos Frades Menores (Aprovação da Ordem

Franciscana – Cat. 14), a Ordem das Clarissas (S. Francisco dá a Fórmula de Vida a

Santa Clara – Cat. 25; O papa Inocêncio III confirma a Regra da Ordem das Clarissas –

Cat. 27 e Santa Clara recebe a visita do bispo de Óstia – Cat. 33), e a Ordem Terceira

(Fundação da Ordem Terceira por S. Francisco – Cat. 15). Estes painéis assinalam, pois,

os momentos cruciais da formação das novas ordens e apresentam uma composição muito

semelhante, o que reforça o paralelismo.

Por outro lado, são salientadas as virtudes de S. Francisco e de Santa Clara:

– O dom da palavra de S. Francisco – Sermão de S. Francisco (Cat.12), Santa

Clara conhece S. Francisco (Cat. 23) e S. Francisco recebe Santa Clara (Cat. 28).

- A humildade – tal como Cristo lava os pés dos discípulos (Cat.1), Santa Clara

imita-O – O lava-pés (Cat. 26).

- A fé inabalável, capaz de vencer as tentações do demónio, tal como Cristo – A

tentação de S. Francisco (Cat. 16) e A tentação do demónio (Cat. 31).

- O poder de realizar milagres – tal como Jesus, Santa Clara faz um Milagre da

multiplicação dos pães (Cat. 29) e O milagre do azeite (Cat. 32) estabelece a

correspondência com o milagre das Bodas de Caná.

55

Estamos assim num espaço de espelhos. S. Francisco revê-se em Cristo – ele é o

alter-Christus. A vida de S. Francisco é o modelo para Santa

Clara. Ela identifica-se com ele – Santa Clara é a alter-

Franciscus. Os painéis do ciclo de Santa Clara situados na

parede Sul da capela-mor e contornam o túmulo de madre

Maria do Lado (fig. 49). A Virgem Maria, Santa Clara e S.

Francisco são os modelos de Maria do Lado. Por seu turno,

Maria do Lado é o modelo para as religiosas do convento.

Uma outra ideia central é a Eucaristia, o Santíssimo

Sacramento. Está representada em dois painéis, A Última

Ceia (Cat. 2), a primeira comunhão dada por Cristo aos

discípulos em vésperas de morrer e A última ceia de S.

Francisco (Cat. 17) dada aos seus companheiros quando já

está no seu leito de morte. Dois outros painéis fazem alusão indirecta ao Santíssimo

Sacramento: Santa Clara põe em fuga os Sarracenos (Cat. 30) – a afirmação do poder da

Eucaristia que é capaz de fazer recuar os terríveis adversários muçulmanos e A Anunciação

(Cat. 21) que corresponde ao momento do anúncio feito pelo arcanjo S. Gabriel e á

Encarnação. É o momento em que a profecia se realiza e o ventre de Maria se torna o

primeiro sacrário (Sobral 1996 : 119-130).

Fig. 49 – Túmulo de madre Maria

do Lado, capela-mor da igreja do

convento do Louriçal.

56

Conclusão – Louriçal, um bel composto

Procurámos demonstrar anteriormente como os ciclos

da igreja do Louriçal funcionam em conjunto, dialogando

harmoniosamente entre si e produzindo um discurso

polifónico. Se é verdade que cada painel dialoga com os

outros painéis dos diferentes ciclos, julgamos, igualmente,

que existe um diálogo entre o conjunto dos painéis de

azulejos e as outras técnicas artísticas presentes – a

arquitectura, a escultura e a pintura. Por outras palavras,

pensamos que esta igreja é, de facto, uma obra de arte total.

O conceito de arte total, de bel composto, baseia-se na articulação entre as diferentes

artes produzindo um conjunto plástico e iconográfico coerente dentro de um determinado

espaço. Segundo Moura Sobral (1998 : 35-36), a obra de arte total assumiu uma forma

plástica muito particular na arte portuguesa a partir da década de 1640 e durante todo o

século XVIII, associando a arquitectura, a pintura, os azulejos, a talha dourada e a

escultura. A complementaridade entre estas artes e as suas interligações fornecem a chave

para a sua interpretação. O espectador não está perante uma obra, mas no seu interior, o que

lhe permite fazer um percurso contemplativo, o fim último das artes plásticas do Barroco

(Sobral 1999 : 304).

No Louriçal, a pintura, a escultura e os relevos formam um conjunto com a

arquitectura e os azulejos. O tema unificador é o Santíssimo Sacramento.

Encimando o portal de entrada da igreja, um grande medalhão, envolvido por duas

pequenas pilastras, apresenta, em relevo, o cálice eucarístico transportado por um grupo de

anjos (fig. 50). António Filipe Pimentel (1986 : 350) atribui o seu desenho ao arquitecto

Manuel Pereira.

A abóbada da nave é em madeira e está ornamentada com motivos florais pintados.

Ao centro, uma pintura apresenta a Eucaristia envolvido por anjos e tendo, na parte superior

a Santíssima Trindade e na parte inferior S. Francisco de Assis e um outro franciscano

Fig. 50 – Manuel Pereira, medalhão

com o cálice eucarístico, porta de

entrada da igreja do convento do

Louriçal.

57

(possivelmente S. Boaventura), acompanhados de três

religiosas franciscanas (sendo uma delas Santa Clara) que

estão ajoelhadas em adoração ao Santíssimo Sacramento (fig.

51). Quatro doutores da Igreja (Santo Agostinho, S.

Gregório, S. Jerónimo e Santo Ambrósio) envolvem a cena.

Esta pintura, parcialmente deteriorada pela infiltração de

água, evoca igualmente o episódio descrito por fr.

Bernardino das Chagas (1762 : 64-66) em que S. Francisco e

S. Boaventura dão as hóstias roubadas na igreja de Santa

Engrácia a Maria do Lado.

A Eucaristia está igualmente presente nos relevos dos

tímpanos dos retábulos do altar-mor e dos quatro altares

colaterais da nave. No altar-mor dois grandes anjos

transportam o cálice do Santíssimo Sacramento. Trata-se de

uma obra de João António Bellini feita em 1734, segundo

Ayres de Carvalho (1991 : 405) ou entre 1737 e 1739 segundo Teresa Vale (2007 : 506).

O desenho rectangular da nave com os ângulos cortados (fig. 24) põe em destaque o

altar-mor onde o Santíssimo Sacramento está exposto sobre uma pirâmide em degraus, um

verdadeiro trono. Finalmente, e tal como já salientámos anteriormente, há uma alusão à

Eucaristia em três dos painéis de azulejos (Cat. 2, 17 e 30).

O culto do Santíssimo Sacramento tem uma longa tradição, renovada no concílio de

Trento e é um tema frequentemente presente na iconografia barroca. O decreto tridentino

sobre a Eucaristia afirma que Cristo está «verdadeiramente, realmente e substancialmente

presente no sacramento da santa Eucaristia na adorável plenitude do Seu ser e na totalidade

da Sua pessoa hipostática» (Bernhard e outros 1990 : 145).

Estamos perfeitamente de acordo com Margarida Calado (1989 : 133) quando

explica que as alusões frequentes à Eucaristia em Portugal se referem ao perigo do

Judaísmo e não ao Protestantismo. No Louriçal, no entanto, vai alcançar uma dimensão

mais intensa na medida em que se trata da igreja do primeiro convento português dedicado

Fig. 51 – Anónimo, A adoração da

Eucaristia, pintura, abóbada da nave

da igreja do convento do Louriçal.

58

ao desagravo, consagrado ao pedido de perdão pelos ultrajes atribuídos aos judeus. A

adoração permanente do Santíssimo Sacramento é a função principal das discípulas de

madre Maria do Lado.

A temática do Santíssimo Sacramento está intrinsecamente aos quatro ciclos de

azulejos. Jesus Cristo, presente na Eucaristia e que salvou a humanidade sacrificando-Se na

cruz, é o modelo de S. Francisco e de Santa Clara.

Em conclusão, a interpretação dos azulejos não pode ser feita separadamente da

interpretação da pintura, da escultura, do relevo e da arquitectura presentes na igreja. Trata-

se, portanto, de um programa articulado de arte total, estruturado e planificado, o que nos

leva a supor que quem encomendou a obra de arte deu indicações muito precisas e

detalhadas aos artistas contratados. Apenas sob a direcção de quem encomenda a obra seria

possível estabelecer-se uma tal harmonia neste «coro polifónico», o que confirma a

afirmação de Mäle (1984 : 18):

Teremos que concluir que a Igreja tomou a direcção da arte. Querer-se

estudar cada um dos grandes artistas desta época como indivíduos isolados,

sem nos interrogarmos sobre o que eles devem ao pensamento da Igreja,

seria como querer-se estudar os planetas desconhecendo que eles giram em

torno do Sol.

Tal como foi mencionado por Giulio Carlo Aragan (2004 : 60), toda a arte barroca

é animada por um espírito de propaganda, já que a linguagem alegórica reduz conceitos a

imagens, atribuindo-lhe uma força demonstrativa que atinge directamente a sensibilidade

do espectador.

No Louriçal, afirmam-se os valores teológicos de uma sociedade conservadora

católica que se sente ameaçada pela minoria criptojudaica. A título de exemplo, o

dramaturgo António José da Silva, o Judeu, é executado pela Inquisição em Outubro de

1739, na mesma altura da inauguração da igreja do Louriçal.

Trata-se igualmente de uma reafirmação da Ordem Franciscana num momento em

que todas outras ordens monásticas fazem um esforço similar. Esta reafirmação é

acompanhada de um vasto movimento de produção de literatura hagiográfica, como, por

exemplo, Jardim de Portugal de Luís dos Anjos (1626), Primeira Parte da Historia

59

Ecclesiastica dos Arcebispos de Braga de D. Rodrigo da Cunha (1634-1635), Hagiologio

Lusitano de Jorge Cardoso (1652-1666) ou a Crónica Seráfica de Jerónimo de Belém

(1755).

Finalmente, pode-se ver no Louriçal a afirmação do poder real de D. João V. Ele é o

principal financiador e as suas armas figuram sobre o arco que separa a nave da capela-mor

(fig. 15). O Louriçal é uma das primeiras realizações do rei que se tornará famoso pela sua

política sumptuária, pelas enormes despesas na construção de grandes obras arquitectónicas

de que o convento de Mafra é o exemplo máximo. O rei centralizador vê aí uma forma de

afirmação do seu poder.

60

Fontes e bibliografia

1. Fontes manuscritas

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Arquivo Distrital de Leiria, IV-41-B-58, Livro de Registos Baptismais do Louriçal 1562-

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Louriçal.

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/5, Fundo do Convento do Louriçal, «Isenção de

pagamento de foro de 3 quartas de trigo que o Conde de Ericeira concede ao

Convento do Louriçal», Acto notarial feito em 10 de Junho de 1640.

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/5, Fundo do Convento do Louriçal, Acto notarial feito em

14 de Maio de 1675.

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/5, Fundo do Convento do Louriçal, Tombo da Capella do

Santissimo Sacramento do Real Mosteiro das freiras do Lourisal, provisão feita em

15 de Junho de 1724.

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/5, Fundo do Convento do Louriçal, Acto público feito em

16 de Setembro de 1746.

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/14, Relação de livros e documentos encontrados no

Cartório do extinto Convento do Louriçal na ocasião em que se procedeu ao

inventário e avaliação dos bens do referido convento (1836) e Minuta elaborada

acerca de uma divida contraída pelo Convento de Ceiça de Lisboa ao Convento do

Louriçal (1840).

Arquivo Distrital de Leiria, 19-G/14, Nota dos bens que pertenciam ao Convento do

Louriçal arrematadas na Repartição de Finanças do Distrito de Leiria (1859).

Arquivo da Universidade de Coimbra

Arquivo da Universidade de Coimbra, III, 1.ª, D-7-2, Cabido da Sé Apostólica, Autos de

Maria do Lado.

Arquivo Nacional da Torre do Tomo

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Decreto de comutação de licença para fundação.

61

Arquivo Nacional da Torre do Tombo, PT-TT-RGM/C/2/83243, Registo Geral de Mercês

de D. João V, liv. 2, fl.1.

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http://www.pitts.emory.edu/woodcuts/1712BiblA/00002495.jpg. Consultado em 20 de

Março de 2009

http://www.pitts.emory.edu/woodcuts/1712BiblA/00002519.jpg. Consultado em 20 de

Março de 2009.

i

Anexo 1 - Catálogo

O catálogo apresenta trinta e quatro painéis criados por Valentim de Almeida cerca

de 1739. Estão divididos em quatro ciclos iconográficos: a Paixão de Cristo (Cat. 1 – 10), a

vida de S. Francisco de Assis (Cat. 11 – 18), da Virgem (Cat. 19 – 22) e de Santa Clara

(Cat. 23 – 34). Um esquema simplificado permite compreender a localização de cada

painel relativamente ao conjunto de painéis.

ii

Esquema simplificado da nave

ciclo da Paixão de Cristo

O ciclo da Paixão de Cristo (Cat. 1 – 10)

O ciclo da Paixão é formado por dez painéis colocados no terceiro registo das

paredes da nave, entre as janelas das paredes Sul, Oeste e Norte, sob a cornija.

Todos os painéis têm 2,52 m de altura (18

azulejos). A largura varia em função do espaço

disponível: os painéis mais largos (Cat. 2, 3, 8 e 9) têm

3,08 m (22 azulejos); dois painéis (Cat. 5 e 6),

localizados na parede Oeste medem 1,96 m (14 azulejos);

os mais pequenos (Cat. 1, 4, 7 e 10), colocados nos

cantos das paredes, têm 1,54 m (11 azulejos) de largura.

O enquadramento decorativo dos painéis é

formado pelos seguintes motivos arquitectónicos:

- de cada lado: duas volutas decoradas e um

balaústre; os painéis Cat. 1, 4, 5, 6, 7 e 10 têm, do lado do

canto da parede, um conjunto decorativo formado por

uma pilastra com um querubim ao centro, e nas

extremidades, uma voluta decorada com uma folha de

acanto;

- na parte superior : cinco grinaldas nos painéis mais largos e três nos mais pequenos.

Os quatro últimos painéis do ciclo da Paixão, ocupando a parede Norte,

correspondem a quatro das estações da via-sacra, segundo a versão estabelecida no século

XVIII.

iii

1

O lava-pés

252 x 154 cm (18 x 11 azulejos)

1 – O lava-pés

iv

1B - Valentim de Almeida, Bodas

de Caná, 1723-1725, (detalhe),

igreja da Misericórdia, Chaves.

1A - Caspar Luyken (1672-1708),

O lava-pés, 1712, gravura a buril.

1C – Oficina de Bartolomeu Antunes

(1688-1753), O lava-pés, antigo convento

de S. Paulo, Serra de Ossa, Redondo.

1D – Valentim de Almeida, Jarro,

toalha e bacia, cerca de 1739, igreja

do convento do Louriçal.

O lava-pés (João, 13, 1-15) abre o ciclo da Paixão e é

uma introdução ao episódio seguinte, A Última Ceia.

Simboliza a humildade de Jesus e, igualmente, a purificação

dos que irão comungar (durante a Última Ceia) e o baptismo

dos apóstolos, segundo Kantorowicz (citado por Réau 1958 :

t.2, 407).

A aparência de certos elementos (Cristo, S. João, a

bacia) leva a crer que Luyken (fig. 1A) terá inspirado

Valentim de Almeida para a feitura deste painel do Louriçal,

bem como terá influenciado o painel do convento de S. Paulo,

Serra de Ossa (fig. 1C). A composição da cena do Louriçal é,

no entanto, diferente da da gravura.

A figura de S. Pedro deste painel terá sido

possivelmente copiada doutro painel de Valentim de Almeida

na igreja da Misericórdia de Chaves, datado de 1723-1725

(fig. 1B).

Por baixo do painel, uma cartela mostra os atributos da

cena – o jarro, a toalha e a bacia (fig. 1D).

v

2

A Última Ceia

252 x 308 cm (18 x 22 azulejos)

2 – A Última Ceia

vi

2 A - Caspar Luyken (1672-1708), A

Última Ceia, 1712, gravura a buril.

2B – Valentim de Almeida, A Última

Ceia, 1750-1755, capela de Nossa

Senhora da Paz, convento da Esperança,

Ponta Delgada, Açores.

Valentim de Almeida apresenta a Última Ceia

(Mateus, 26 : 21-25) de maneira tradicional. Tal como a

maioria dos artistas, Valentim de Almeida preferiu

representar a traição de Judas em lugar da instauração da

Eucaristia. Um cão, símbolo de fidelidade, está sentado à

direita e faz correspondência ao diabo.

O último plano está repleto de elementos

arquitecturais e duma grande cortina, compondo o

carácter teatral do anúncio da traição de Judas ou pondo

em evidência o lugar de Jesus, como se fosse um pálio. À

direita, a profundidade da cena é aumentada pela

prateleira cheia de travessas. O pintor transmitiu bem a

emoção dos discípulos, chocados com o anúncio da

presença de um traidor entre eles.

Valentim de Almeida não se afastou muito da

gravura de Caspar Luyken (fig. 2A), adaptando a

composição a um espaço que é proporcionalmente mais

largo. As diferenças são menores:

- Luyken coloca S. João deitado sobre o ombro dum outro apóstolo;

- Valentim de Almeida põe a cena mais próxima do espectador e acrescenta um

prato e uma bacia (o que estabelece uma ligação com O lava-pés);

- a gravura apresenta dois cães;

- o plano de fundo do painel é mais largo o que permite mostrar inteiramente a

porta;

- o tecto do Cenáculo é mais baixo no painel.

Valentim de Almeida alargou a composição, o que lhe permitiu espaçar os

discípulos e acrescentar detalhes no último plano, reduzindo significativamente a

verticalidade e o fundo arquitectural da gravura.

vii

2D – Valentim de Almeida, O

cordeiro imolado no altar, cerca de

1739, igreja do convento do

Louriçal.

2C – Oficina de Bartolomeu Antunes

(1688-1753), cerca de 1735-1740, A

Última Ceia, antigo convento de S. Paulo,

Serra de Ossa, Redondo.

Um aspecto curioso é o facto de o demónio sair

por baixo do banco de Judas (quer na gravura de Luyken

quer no painel de Valentim de Almeida) – trata-se um

motivo raramente representado. O Evangelho de S. João

(13:27) faz-lhe, de facto, referência: «Após [comer] o

bocado, entrou nele Satanás». A posição de João deitado

sobre o ombro de Cristo (João, 13:23 : «Ora, um dos

seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava

reclinado no seio de Jesus» é explicada por Réau (1958 :

412) como sendo uma sobrevivência iconográfica do

tempo em que a mesa era em forma de sigma e os

apóstolos aí se deitavam. No painel de Valentim de

Almeida João está inclinado sobre Jesus enquanto que na

gravura de Luyken está inclinado sobre Pedro. Valentim

de Almeida repetiu a composição, de forma invertida, na

Última Ceia da capela de Nossa Senhora da Paz do

convento da Esperança, em Ponta Delgada, nos Açores,

1750-1755 (fig. 2B). Notemos que a gravura de Luyken foi igualmente utilizada para a

Última Ceia do antigo convento de S. Paulo, no Redondo (fig. 2C).

Sob o painel, uma cartela apresenta como atributo da cena o cordeiro imolado no altar (fig.

2D).

viii

3

A agonia no Monte das Oliveiras

252 x 308 cm (18 x 22 azulejos)

3 – A agonia no Monte das Oliveiras

ix

3A - Caspar Luyken (1672-1708), A

agonia no Monte das Oliveiras,

1712, gravura a buril.

3C – Valentim de Almeida, Agonia no

Monte das Oliveiras, 1750-1755, painel

de azulejos, capela de Nossa Senhora da

Paz, Ponta Delgada, Açores.

3B – Valentim de Almeida, Agonia

no Monte das Oliveiras, 1740-1750,

painel de azulejos, Porta da Vila,

Óbidos.

Jesus reza, apoiado sobre o joelho direito e com as

mãos juntas. Um anjo dá-lhe o cálice e a cruz e, ao lado,

cinco anjinhos trazem os instrumentos da Paixão. A cena é

cruzada por um feixe de raios de luz que iluminam Jesus.

Em segundo plano, estão a dormir os três discípulos (João,

Tiago e Pedro). No último plano, os soldados saem de

Jerusalém e caminham em direcção ao Monte das

Oliveiras.

São poucas as diferenças entre a gravura de Caspar

Luyken (fig. 3A), utilizada como modelo e o painel de

azulejos:

- Valentim de Almeida volta ligeiramente a cabeça

de Cristo para a esquerda e a cabeça do anjo que lhe

dá o cálice para a direita, o que faz com que os seus

olhares estejam um pouco mais para a esquerda;

- À direita, o último plano representando Jerusalém é

diferente e o grupo de soldados romanos está mais

próximo de Cristo;

- O carácter nocturno da cena de Luyken não foi

transposto no painel;

- Os anjos que trazem os instrumentos da Paixão

estão mais próximos de Jesus.

É interessante compararmos o painel do Louriçal

com o de Óbidos (fig. 3B), o de Ponta Delgada (fig. 3C) e o

do antigo convento de S. Paulo, Serra de Ossa, Redondo (fig.

3D) – os soldados que vêm prender Jesus estão ainda mais

próximos.

Sob o painel do Louriçal, uma cartela apresenta os atributos da cena – a cruz e o

cálice (fig. 3E). S. Lucas (22 : 39-46) faz referência apenas ao cálice que Jesus pede ao Pai

que o afaste. Trata-se de uma simples metáfora que mais tarde foi seguida à letra pelos

artistas, nomeadamente pelos pintores. No século XIV o cálice, com uma hóstia suspensa

por cima, é colocado sob um rochedo (Menager 2008 : 4). Os instrumentos da Paixão (a

x

3D – Oficina de Bartolomeu Antunes

(1688-1753), cerca de 1735-1740, A

agonia no Monte das Oliveiras, antigo

convento de S. Paulo, Serra de Ossa,

Redondo

3E – Valentim de Almeida, A cruz e o

cálice, cerca de 1739, igreja do convento do

Louriçal.

cruz, a coluna, os chicotes, etc.) farão a sua aparição nos

finais do século XV, com o pintor italiano Andrea

Mantegna (Réau 1957 : t. II, 498).

xi

4 -

A prisão de Jesus

252 x 154 cm (18 x 11 azulejos)

4 – A prisão de Jesus

xii

4C – Valentim de Almeida, Armas

romanas, cerca de 1739, igreja do

convento do Louriçal.

4A - Caspar Luyken (1672-

1708), Apresentação de Jesus

a Caifás, 1712, gravura a

buril.

4B - Caspar Luyken (1672-1708),

A prisão de Jesus, 1712, gravura

a buril.

Todos os evangelistas mencionam este episódio,

designadamente S. Marcos (14 : 43-49) e S. João (18 : 1-11).

Jesus tem as mãos atadas com uma corda. Judas, com a bolsa

na mão direita e de costas para o espectador, aponta para

Jesus e, estranhamente, volta a cabeça para a esquerda. Do

lado direito, Pedro, corta com uma cimitarra a orelha de

Malco, um servo do sumo-sacerdote Caifás. A lanterna de

Malco está caída por terra. No último plano, um grupo de

soldados romanos exibe as armas, tendo por fundo um céu

nublado.

Valentim de Almeida serviu-se de duas gravuras de

Luyken – a Apresentação a Caifás (fig. 4A) e A prisão de

Jesus (fig. 4B). Ele utilizou todo o lado direito da primeira

gravura e juntou-lhe a cena em que Pedro corta a orelha de

Malco da segunda gravura. É por esta razão que Judas

Iscariote tem a sua cabeça voltada para a esquerda, na

medida em que ele fala com Caifás como figura na gravura

de Luyken. O pintor de azulejos tinha igualmente um espaço

relativamente estreito e teve que adaptar a cena. Existem

pequenos detalhes que foram alterados – falta uma bandeira

romana; a lanterna de Malco é diferente e está caída no chão.

A luz que sai da lanterna indica ao espectador que a cena se

passa de noite.

Os atributos desta cena, representados sob o painel são

várias armas romanas (fig. 4C).

xiii

5

A flagelação

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

5 – A flagelação

xiv

5A – Valentim de Almeida, A

coluna e os chicotes, cerca de

1739, igreja do convento do

Louriçal.

Jesus, seminu, está de pé no centro da cena, com o

corpo e a cabeça ligeiramente voltados para a direita. Tem as

mãos atadas por uma corda cuja extremidade está presa a

uma pequena coluna. Esta coluna, semelhante a um

balaústre, segue o modelo da coluna trazida de Jerusalém no

século XIII que foi conservada na basílica de Santa Praxedes

em Roma e que foi reconhecida como sendo a verdadeira

após o concílio de Trento (Réau 1957: t. 2, 453 e Mâle

1984 : 208).

Dois carrascos, um de cada lado, açoitam Jesus. Em

primeiro plano está um carrasco que prepara um novo chicote. Ao fundo, à direita, duas

testemunhas (frequentes na arte italiana e francesa a partir do século XV) – uma delas é

uma mulher, que poderá ser a Virgem de acordo com o relato de Santa Brígida da Suécia. O

plano de fundo é composto por colunas, pilastras e por um arco que curiosamente se

assemelha ao arco que coroa a grelha de ferro do coro alto da igreja e que se situa mesmo

ao lado. Há algumas imperfeições no desenho – o braço esquerdo do carrasco à direita de

Jesus está numa posição muito estranha. Todos os corpos são muito musculados, incluindo

o de Jesus.

A Flagelação é referida de forma muito sucinta nos Evangelhos (Lucas, 22 : 63 e

64, por exemplo). A imaginação dos artistas e o teatro medieval dos Mistérios foram ao

longo dos tempos juntando pormenores à cena. As Revelações de santa Brígida (século

XIV), permitiram o acréscimo de novos elementos – Cristo teria sofrido uma tortura terrível

(5 475 açoites) e a Virgem teria sido testemunha do martírio – o que aumenta a carga

dramática da cena (Réau 1957: t. 2, 453-454).

Pode-se ver, por baixo da cena principal, um pequeno painel com os atributos da

cena (uma pequena coluna e os chicotes) (fig. 5A).

xv

6

A coroação de espinhos

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

6 – A coroação de espinhos

xvi

6D – Valentim de Almeida,

Coroa de espinhos, cerca de

1739, igreja do convento do

Louriçal.

6A-Pieter de Bailliu (1613-1660), A

coroação de espinhos, 1630-1645, a

partir de Abraham van Diepenbeeck

(1596-1676), gravura a buril, British

Museum, Londres.

6B – João Neto, A coroação de

espinhos, cerca de 1728, igreja do

Bom Jesus da Cruz, Barcelos.

6C – Oficina de Bartolomeu

Antunes (1688-1753), cerca de

1735-1740, A coroação de

espinhos, antigo convento de S.

Paulo, Serra de Ossa, Redondo.

Jesus tem o troco nu, a túnica sobre os joelhos e as mãos

atadas. Está sentado numa pedra (um trono ridículo) e está cercado

por quatro soldados que se divertem zombando de Jesus. Um

soldado, à direita, procura enterrar-Lhe a coroa de espinhos com a

ajuda de um pau. Uma vez mais, Jesus está sentado em diagonal, o

corpo voltado para a direita e a cabeça para a esquerda. Ele olha para

o soldado, à sua esquerda que aponta para o céu.

Um soldado ajoelhado em frente de Jesus saúda o rei dos

Judeus e oferece-Lhe com a mão esquerda uma cana como ceptro.

Ao fundo, à direita, outros soldados observam a cena. O último

plano está preenchido com elementos arquitecturais do Pretório

(alguns arcos estão desenhados), aumentado a profundidade e

impondo uma certa teatralidade a esta cena que está descrita no

Evangelho de S. Marcos, 15 : 16-20. Tal como aconteceu com a

Flagelação, as Revelações de Santa Brígida da Suécia e o teatro

medieval dos Mistérios transformaram esta cena de escárnio numa

cena de tortura atroz.

Valentim de Almeida fez uma cópia perfeita duma gravura

do flamengo Pieter de Bailliu (1613-1660) (fig. 6A), feita a partir

dum quadro de Abraham Diepenbeek (1596-1676) para a igreja de

S. Jorge, em Antuérpia (Steadman 1982 : 103). A imagem, no

entanto, está invertida face à gravura existente no British Museum.

O painel da igreja do Bom Jesus da Cruz, em Barcelos

(1728) atribuído a João Neto (fig. 6B) e o do convento de S. Paulo

(Redondo), atribuído à oficina de Bartolomeu Antunes (fig. 6C)

assemelham-se ao do Louriçal.

A coroa de espinhos, atributo desta cena, está representada

sob o painel (fig. 6D).

xvii

7

Verónica limpa o rosto de Jesus

252 x 154 cm (18 x 11 azulejos)

7 – Verónica limpa o rosto de Jesus

xviii

7A – Van Dyck (1599-1641),

Jesus encontra a Sua mãe,

1617-1618, óleo sobre tela,

211 x 161,5 cm, igreja de S.

Paulo, Antuérpia.

7B – Cornelis Galle, o Velho

(act. 1576 - 1650), Jesus

encontra a Sua mãe, a partir de

Antoon van Dyck (1599 - 1641),

gravura a buril, Fine Arts

Museum de S. Francisco.

Jesus cai, sob o peso da cruz, durante no caminho do

Calvário. A expressão de dor e fadiga contrasta com a imagem

calma e serena dos painéis precedentes. Verónica, ajoelhada,

prepara-se para enxugar o rosto de Jesus. A cruz, colocada ao

centro, divide o espaço do painel. No primeiro plano, à esquerda,

Verónica e Jesus. Num segundo plano, por detrás de Jesus, Simão

Cireneu (requisitado pelos soldados romanos para ajudar Jesus a

transportar a cruz até ao cimo do Gólgota) e três soldados tentam

levantar a cruz. Ao fundo, um grupo de soldados armados.

Os evangelhos de S. Marcos (15 : 21), de S. Mateus (27 :

32) e de S. Lucas (23 : 26) mencionam apenas que Jesus subiu o

Calvário e a ajuda de Simão Cireneu (Réau 1958 : t. 2, 463). O

teatro dos Mistérios acrescentou certos pormenores à cena,

designadamente a presença de Verónica. O nome de Verónica

resulta da aglutinação das palavras «vera» e «icon», a verdadeira

imagem, uma alusão à imagem do pedaço de tecido em que teria

sido impressa a face ensanguentada de Jesus.

Segundo Barnes (2004 : 41), o jovem Antoon van Dyck

(1599-1641) pintou cerca de 1617-1618 um quadro representando

o encontro de Jesus com a sua mãe (fig. 7A) para a igreja de S.

Paulo a pedido dos dominicanos de Antuérpia. Trata-se uma

encomenda surpreendente, na medida em que Van Dyck era

ainda um jovem pintor de dezoitos anos de idade, embora já

tivesse trabalhado com Hendrik van Balen e com Jan Breughel e, muito em breve, com

Rubens. O quadro seria inserido num ciclo de quinze quadros referentes aos Mistérios do

Rosário. Como se tratava de um ciclo mariano, van Dyck pôs em destaque a Virgem que,

com o coração destroçado, vê a dor de Cristo caído sob o peso da cruz. Foi por essa razão

que Van Dyck substituiu a figura tradicional de Verónica pela Virgem (Brown 1999 : 104-

106).

xix

7E – Valentim de Almeida, O

véu de Verónica, cerca de 1739,

igreja do convento do Louriçal.

7D – Oficina de Bartolomeu

Antunes (1688-1753), cerca de

1735-1740, Jesus encontra a

sua Mãe, antigo convento de S.

Paulo, Serra de Ossa, Redondo.

7C - François Langot (act. 1641-

1679), Jesus encontra a sua Mãe,

cerca de 1625-1640, a partir de

Antoon van Dyck (1599-1641),

gravura a buril, 43 x 32,6 cm, British

Museum, Londres.

Foram feitas várias gravuras a partir deste quadro. Uma

das mais conhecidas, foi executada por Cornelis Galle, o Velho

(activo entre 1576-1650) (fig. 7B) que apresenta a imagem

invertida do quadro de van Dyck. Mais tarde, entre 1625 e

1640, François Langot (1641? – 1679?) publicou uma outra

gravura (fig. 7C) que, julgamos, terá servido de modelo a

Valentim de Almeida para o painel do Louriçal (Barnes 2004 :

42). Baseamos a nossa hipótese no facto de que o soldado em

segundo plano, à esquerda, tem um escudo que não existe na

gravura de Galle, mas que consta da gravura de Langot e do

painel de azulejos do Louriçal.

Foi pena que Valentim de Almeida não tenha

representado a figura musculada à direita e que contrasta com a

figura de Jesus enfraquecido – aspecto marcante na gravura.

Possivelmente a falta de espaço terá obrigado Valentim de

Almeida a cortar a parte direita da gravura, o que lhe vai

permitir pôr em evidência a figura de Jesus. A cruz de Valentim

de Almeida é mais sofisticada, feita com boas tábuas e não com

troncos sobrepostos. Além disso, acrescentou uma bandeira

romana em último plano e retirou as nuvens negras de Langot.

Valentim de Almeida rejuvenesceu a figura feminina da

esquerda e acrescentou-lhe uma auréola. A mãe de Jesus mais

jovem que o seu próprio filho? Se houvesse dúvidas, o véu de

Verónica (fig. 7E) representado sob o painel demonstra bem

Valentim de Almeida pretendeu representar Verónica e não a

Virgem. Má interpretação do pintor ou intenção explícita de

seguir a tradição contrariamente a Van Dyck?

Notemos que a mesma fonte inspirou o painel da Serra de Ossa

(fig. 7D).

xx

8

Jesus pregado na cruz

252 x 308 cm (18 x 22 azulejos)

8 – Jesus pregado na cruz

xxi

8A – Valentim de Almeida, Os três

pregos, o martelo e as tenazes, cerca de

1739, igreja do convento do Louriçal.

O painel de Valentim de Almeida apresenta o

momento em que vários carrascos levantam a cruz sob o

olhar dos soldados.

Os evangelistas foram muito sucintos na descrição

dos acontecimentos ligados à crucifixão. Limitaram-se a

mencionar o episódio sem entrar nos detalhes do suplício

infligido a Jesus. Os artistas, no entanto, viram-se

confrontados com os problemas ligados à representação desta cena que deveria ser

suficientemente compreensível, lógica, emotiva e respeitadora quer das directivas do cliente

como das da hierarquia eclesiástica. Certos pormenores deste momento dramático se foram

acrescentando ao longo dos tempos, sobretudo durante a Idade Média. No século XVI os

teólogos discutem acaloradamente certos detalhes da crucifixão (Mâle 1984 : 211-212).

Jesus terá sido pregado no solo ou foi fixado depois de ter subido uma escada? Quantos

pregos foram utilizados – três ou quatro? Os evangelhos canónicos não precisam se foi

pregado ou atado à cruz. Jesus estava nu ou protegido por um pano? Conservava ainda a

coroa de espinhos?

Na versão do Louriçal, os pés de Jesus estão separados o que supõe a utilização de

quatro pregos, de acordo com a tradição da Alta Idade Média e a opinião de Pacheco

(1986 : 259-261); no entanto o atributo da cena, representado sob o painel apresenta apenas

três pregos (fig. 8A) (tal como aparece no brasão dos jesuítas). Curiosamente, no painel

seguinte, Jesus tem os dois pés sobrepostos, o que significa a utilização de três pregos e está

de acordo com a tradição artística francesa desde o século XIII (Mâle 1984 : 211).

Podemos ver duas inscrições: sobre a cruz, o titulus Jesus de Nazaré, rei dos Judeus

(INRI) – a causa da condenação à morte; e a bandeira transportada por um soldado, o

Senado e o povo romano (SPQR) – a fonte do poder que o condena. Cristo mantém a coroa

de espinhos, o que é um detalhe que varia de artista para artista e mesmo por vezes entre

diferentes obras de um mesmo artista (Mâle 1984 : 211-212).

xxii

9

Jesus morre na cruz

252 x 308 cm (18 x 22 azulejos)

9 – Jesus morre na cruz

xxiii

9A – Valentim de Almeida, A lança e a vara com a

esponja, cerca de 1739, igreja do convento do

Louriçal.

Todos os evangelhos descrevem

esta cena, designadamente o Evangelho de

S. João (19, 25-30).

Em primeiro plano, está Jesus

crucificado entre os dois ladrões. Os

corpos desenham um longo S, devido ao

sofrimento físico atroz. Enquanto as mãos

e os pés de Jesus estão pregados, os ladrões têm-nos atados à cruz. Igualmente as cruzes são

diferentes – as cruzes dos ladrões são feitas de troncos de árvores e a de Jesus é de tábuas.

Maria Madalena, ajoelhada, chora e abraça a base da cruz. A sua mão direita toca o pé

direito de Jesus.

Em segundo plano, à esquerda, a Virgem olha para Jesus. Ela está representada de

acordo com o preconizado na reforma iconográfica do concílio de Trento, que se opunha à

tradição artística de a mostrar desmaiada e caída por terra (Gonçalves 1990 : 120). A seu

lado, S. João fala-lhe. Um cavaleiro, à direita, equilibra a composição. Duas mulheres

aproximam-se da virgem, pela esquerda. À direita, dois soldados estabelecem o equilíbrio.

Um deles tem a cana com a esponja de fel. Ao fundo, vários soldados vigiam a cena do

sacrifício.

Jesus deve estar ainda vivo, segundo a tradição do século XVII e ainda não recebeu

o golpe mortal da lança. Os atributos da cena estão representados sob o painel – a lança e a

vara com a esponja (fig. 9A).

xxiv

10

A descida da cruz

252 x 154 cm (18 x 11 azulejos)

10 – A descida da cruz

xxv

10A – Rubens (1577-1640), A

descida da cruz, 1612, painel

central, 420 x 310 cm, catedral de

Notre-Dame, Antuérpia.

10B – Rubens (1577-1640), A

descida da cruz, 1616-1617, óleo

sobre tela, 425 x 265 cm, museu

de Belas Artes, Lille.

O corpo de Jesus é retirado da cruz por José de

Arimateia, Nicodemos e um soldado. Trata-se de uma

operação tecnicamente difícil e que requer um esforço físico

evidente. São utilizadas duas escadas e o cadáver desliza

sobre um pano. O corpo forma um longo S na diagonal do

painel e, perpendicularmente, os seus braços desenham um

outro S. Em primeiro plano, ao centro, Maria Madalena

segura afectuosamente os pés de Jesus. A Virgem e S. João,

em segundo plano, à esquerda, testemunham a cena. Ao

fundo vê-se o cimo do calvário e Jerusalém sob as nuvens à

direita.

Todos os evangelhos fazem uma curta referência a

esta cena (João, 19 :38, por exemplo). Outros detalhes são

acrescentados pelo Evangelho de Nicodemos ou Actos de

Pilatos, bem como pela Lenda Dourada de Jacobus de

Voragine (1261–1266). Esta cena apenas aparece

representada na arte cristã a partir do século IX (Réau 1958 :

t. 2, 513-515). Nos finais da Idade Média, por influência das

Meditationes de Vita Christi do Pseudo Boaventura e da

encenação dos Mistérios, mais pormenores são

acrescentados e, posteriormente, com a Contra-Reforma

aumenta o número de figurantes que seguram o cadáver.

Embora não seja uma cena muito rica do ponto de vista

teológico, possui, no entanto, uma grande carga dramática.

Trata-se de uma cena que põe grandes problemas ao nível de

composição, mas para os quais os artistas foram encontrando diferentes soluções.

Rubens (1577-1640) criou em 1612 uma célebre Descida da cruz para a parte

central do tríptico da catedral de Notre-Dame de Antuérpia (fig. 10A). Rubens fez, entre

1616 e 1617, uma outra Descida que se encontra mo Museu de Belas Artes de Lille (fig.

xxvi

10D – Abraham van Diepenbeeck,

(1596-1676), A descida da cruz,

esboço.

10C – Rubens (1577-1640), A

descida da cruz, 1617-1618, óleo

sobre tela, 158 x 117 cm, Museu

Hermitage, São Petersburgo.

10E – Abraham van Diepenbeeck (1596-

1676), A descida da cruz, quadro a óleo,

43 x 33 cm, a partir de Rubens, Museu

Nacional do País de Gales, Cardiff, n.

966.

10B) e mais tarde, entre 1617 e 1618, Criou uma terceira Descida

que se encontra no Museu Hermitage, de São Petersburgo (fig.

10C).

Abraham van Diepenbeeck (1596-1676) criou,

igualmente, uma Descida da cruz (figs. 10D e 10E) inspirada

principalmente nos três quadros de Rubens e que está exposta no

Museu Nacional do País de Gales, em Cardiff. Com efeito, a

imagem de Maria Madalena corresponde à imagem invertida do

quadro de Lille; as imagens da Virgem e de S. João são as do

quadro da catedral de Antuérpia; a imagem de Cristo foi retirada

dum esboço de Rubens existente no museu do Hermitage; a

imagem de José de Arimateia é uma cópia invertida do esboço de

Rubens que da Galeria Courtauld de Londres e a imagem de

Nicodemo resulta da fusão de duas figuras do quadro de

Antuérpia. Segundo salienta Steadman (1982 : 29), era prática

corrente entre os discípulos de Rubens a fusão de variantes

visuais dum tema do mestre numa nova composição.

Valentim de Almeida conheceu provavelmente através

duma gravura de Cornelis Galle ou de Cornelis Visscher o

esboço de Diepenbeeck para criar A descida da cruz do Louriçal,

fazendo a adaptação ao estreito espaço disponível da parede. Não

conseguimos localizar nenhuma destas gravuras que deveriam

muito semelhantes à que Cipriani publicou em 1767 (fig. 10F).

Este painel do Louriçal é muito semelhante ao da igreja

do convento de Santo António dos Capuchos em Faro (fig. 10G),

feito cerca de 1730. Segundo Santos Simões e Flávio Gonçalves

(1987 : 267), o painel de Faro deve ser de Valentim de Almeida e

assemelha-se aos painéis deste artista que estão no claustro da Sé

do. José Meco (1999 : 44) considera que o painel de Faro apenas

reproduz parcialmente a gravura de 1620 de Lucas Vorsterman

xxvii

10I – Valentim de Almeida, As duas

escadas, cerca de 1739, igreja do

convento do Louriçal.

10F – Giovanni Battista Cipriani

(1727-1785), A descida da cruz, 1767,

a partir de Diepenbeeck.

10H – Oficina de Bartolomeu

Antunes (1688-1753), cerca de

1735-1740, A descida da cruz,

antigo convento de S. Paulo, Serra

de Ossa, Redondo.

10G – Valentim de Almeida (atr.), A

descida da cruz, cerca de 1730, igreja

de Santo António dos Capuchos, Faro.

I (1595-1675), feita a partir do quadro da catedral de Antuérpia feito por Rubens (fig. 10A).

Julgamos, no entanto, que terá sido o quadro de Diepenbeeck o modelo dos painéis de Faro,

do Louriçal e do convento de S. Paulo (Serra de Ossa) (fig. 10H).

Sob o painel, figuram os atributos da cena – duas escadas (fig. 10I).

xxviii

Esquema simplificado da nave

Ciclo da vida de S. Francisco de Assis

O ciclo da vida de S. Francisco de Assis (Cat. 11 – 18)

O ciclo da vida de S. Francisco é formado

por oito painéis colocados ao nível do segundo

registo das paredes Oeste, Norte e Sul da nave.

Todos os painéis têm 3,22 m de altura (23

azulejos). A sua largura varia em função do espaço

disponível: os mais largos (Cat. 11, 12, 15, 17 e 18)

têm 2,66 m (19 azulejos) e os mais estreitos (Cat.

13 e 16), colocados entre as portas e os cantos das

paredes têm apenas 1,12 m (8 azulejos) de largura.

Cristo crucificado fala a S. Francisco e o Sermão

de S. Francisco foram certamente cortados devido à

abertura ou ao alargamento da janela com grade do

coro baixo.

O enquadramento decorativo dos painéis é

formado, sobretudo, por elementos arquitecturais :

- de um dos lados : uma voluta com um querubim ajoelhado que representa um

atlante, uma voluta decorada com uma grinalda e um anjinho, e uma voluta decorada com

uma folha de acanto;

- do outro lado: duas largas volutas e um vaso sobre um capitel dórico;

- na parte superior dos painéis mais largos: duas grinaldas onde estão pousados dois

querubins e uma grande cartela com um anjinho; nos restantes painéis: uma folha de acanto

estilizada e uma grinalda.

Os painéis Cat. 11 e 12 estão incompletos, como já dissemos..

Quase todos os azulejos de enquadramento da parte esquerda do painel Cat. 15

foram recolocados aleatoriamente.

xxix

11

Cristo crucificado fala com S. Francisco

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

11 – Cristo crucificado fala com S. Francisco

Sentado à direita, em primeiro plano, S. Francisco está em transe perante um

crucifixo que tem Cristo crucificado. Sobre o altar está um crânio, representando a oposição

xxx

11A – Valentim de Almeida,

Emblema da Ordem

Franciscana, cerca de 1739,

igreja do convento do

Louriçal.

entre a vida e a morte. S. Francisco está sumptuosamente vestido, à

moda do século XVIII. Duas grandes pilastras estão parcialmente

cobertas por uma larga cortina.

Francisco nasceu em 1182 no seio de uma família burguesa

de Assis ligada ao comércio de tecidos. Viveu a sua adolescência

bem longe da pobreza e da vida rigorosa que o irão caracterizar.

Pretendia ser militar e o seu sonho era o de subir os diversos níveis

para se tornar cavaleiro. Celano (Vita prima, 4) descreve-o com um

temperamento vivo e muito audacioso (Desbonnets 1968 : 218). É

possível, no entanto, que os biógrafos tenham exagerado a sua má

conduta enquanto adolescente para a contrastarem com a santidade

do resto da sua vida. A transformação radical operou-se quando tinha vinte e três anos.

Já inteiramente transformado em seu coração e muito próximo de o estar

igualmente quanto à maneira de viver, calhou de passar um dia perto da

igreja de São Damião, quase em ruína e de todos abandonada. Conduzido

pelo Espírito, entra nela para orar, prostra-se devoto e suplicante aos pés do

Crucifixo e sente-se tocado de modo extraordinário pela graça divina que o

torna diferente do que era momentos antes. E estando ainda profundamente

emocionado, vê de repente – inaudito milagre! – a imagem pintada de Cristo

crucificado despregar os lábios e falar-lhe, chamando-o pelo próprio nome:

«Francisco, vai e repara a minha casa que, como vês, está quase em ruína». -

Celano, Vita secunda, 6 (Novo 1994: 367).

Este episódio é retomado por S. Boaventura na Legenda major, 2, 11 e na Legenda

minor, 1, 5 (Desbonnets 1968 : 593-594, 727).

Valentim de Almeida apresenta, por detrás de Francisco, uma paisagem magnífica –

uma montanha reflectida no rio e uma luxuriante vegetação. Trata-se, possivelmente, de

uma referência a uma passagem da Vita Prima : Francisco, convalescente de uma doença,

passeia pelo campo. «Mas nada do que via, nem a beleza dos campos, nem a frondosidade

dos bosques, nem o verdor dos vinhedos, nem o que antes costumava alegrar-lhe a vista,

conseguia deleitá-lo minimamente. Surpreendia-se ele próprio com tão repentina mudança

e tinha por néscios os que prendiam o coração a tais coisas» - Celano, Vita prima, 2,3

(Novo 1994 : 230).

Sob este painel, no primeiro registo, está um emblema franciscano (fig. 11A).

xxxi

12

Sermão de S. Francisco

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

12 – Sermão de S. Francisco

xxxii

A imagem de S. Francisco domina a cena. O santo, com os estigmas abertos nas

mãos, parece pregar a um auditório composto por romanos (um verdadeiro anacronismo).

Em primeiro plano, um casal segurando uma criança, de costas para o espectador, escutam

S. Francisco. O último plano tem uma bela paisagem campestre, vislumbrando-se um

edifício ao fundo. É difícil interpretar esta cena devido ao facto de o painel estar

incompleto.

S. Francisco possuía o dom da palavra e os seus biógrafos enaltecem as suas

qualidades de pregador:

Pregando frequentemente a divina palavra a milhares de ouvintes, fazia-o

com a mesma tranquilidade como se falasse a um amigo íntimo. A seus

olhos, uma multidão de ouvintes era como se fosse uma só pessoa, e punha

tanto ardor em falar a um só homem, como se falasse a toda uma multidão.

Uma tal segurança procedia-lhe da pureza e rectidão do coração, e, mesmo

improvisando, sabia dizer coisas admiráveis e jamais ouvidas. - Celano, Vita

prima, 27, 72 (Novo 1994 : 289).

Alguns dos seus sermões ficaram célebres, como é o caso do que fez às aves. Os

hagiógrafos têm tendência a estabelecer correspondências entre as lendas dos santos que

pertencem à mesma Ordem. É ocaso da correspondência entre o Sermão de S. Francisco de

Assis às aves, em Espoleto e o Sermão de Santo António aos peixes. (Réau 1958 : t. 1,

358).

xxxiii

13 – A estigmatização

13

A estigmatização

322 x 112 cm (23 x 8 azulejos)

xxxiv

13A - Lucas Vorsterman I

(1595-1675), A estigmatização,

gravura a buril, 5,25 x 3, 53 cm,

a partir de Rubens, 1620,

Rijksmuseum, Amesterdão.

S. Francisco, está ajoelhado, em êxtase, no monte

Alverne. Num plano superior, à esquerda, uma figura híbrida

de Jesus crucificado e de serafim transmite-lhe os estigmas.

Por detrás do crucifixo, um resplendor oval projecta um feixe

de raios luminosos. São visíveis as chagas nas mãos de S.

Francisco. Uma pequena planta faz a separação com o plano

inferior onde está sentado à direita fr. Leão, que testemunha a

cena e protege os olhos do brilho fulgurante da aparição.

A estigmatização no monte Alverne (Setembro de

1224) é um episódio crucial da hagiografia franciscana. É o

momento em que a identificação de S. Francisco e de Cristo é

a mais completa – o seu corpo recebe chagas semelhantes às

de Cristo.

Dois anos antes de partir deste mundo para o céu, permanecendo ele no

ermitério que, em razão do local onde se encontra, tem o nome de Alverne,

foi por Deus favorecido com a seguinte visão : pairando acima dele,

apareceu-lhe um homem em forma de Serafim, com seis asas, preso a uma

cruz, os braços estendidos, unidos os pés. Duas asas prolongavam-se por

cima da cabeça, duas abriam-se para voar, e outras duas cobriam-lhe todo o

corpo. […] eis que nas suas próprias mãos e pés vê surgir os mesmos sinais

dos cravos que pouco antes vira no misterioso homem crucificado. - Celano,

Vita prima, 3, 94 (Novo 1994 : 307).

À força de querer assemelhar-se a Cristo, S. Francisco tornou-se, mesmo na sua

carne, idêntico ao seu modelo (Vorreux 1980 : 245). Tal como afirmou Moura Sobral

(1998 : 276), «A Estigmatização é uma adaptação da Agonia no Monte das Oliveiras».

Este episódio é retomado por S. Boaventura na Legenda major, 13, 3 e na

Legenda

minor, 6, 1-3 e igualmente na Legenda dos Três Companheiros, 5, 13 (Desbonnets 1968 :

702-704, 750-751, 810).

Trata-se, segundo Réau (1958 : vol. 3, 527), de um episódio baseado na visão de

Isaías (6, 1-4) :

xxxv

No ano da morte do rei Ozias, eu vi o Senhor sentado num trono alto e

grandioso. O seu séquito enchia o santuário. Por cima estavam serafins,

tendo cada um seis asas, duas para cobrir a cara, duas para cobrir os pés e

duas para voar.

Este milagre não teve testemunhas segundo as primeiras hagiografias franciscanas.

A introdução de frei Leão será feita mais tarde, no século XIV, dada a necessidade de

garantir a autenticidade (Réau 1958 : vol. 3, 527).

O painel apresenta algumas semelhanças com a gravura de Vorsterman I (fig. 13A)

relativamente aos gestos de S. Francisco e de frei Leão.

xxxvi

14

Aprovação da Regra da Ordem Franciscana

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

14 – Aprovação da Regra da Ordem Franciscana

xxxvii

14A - Valentim de Almeida,

Aprovação da Regra da Ordem

Franciscana, detalhe, cerca de 1739,

igreja do convento do Louriçal.

Este painel apresenta outro momento muito

importante da história franciscana. O papa Inocêncio III

concede a S. Francisco a Regra da Ordem (1209). Trata-

se, uma vez mais, de uma composição em diagonal. À

esquerda, Inocêncio III, sentado no trono papal, dá o

documento, acompanhando-o da sua bênção. S.

Francisco, ajoelhado num plano inferior, recebe-o

humildemente. Na extremidade da linha diagonal, está

deitado no último degrau do palanque, um cão, símbolo

de fidelidade (fig. 14A).

A cena é seguida pelos altos dignitários da corte papal – Inocêncio está

acompanhado por três cardeais, um à esquerda e dois à direita; em frente destes, fazendo-

lhes correspondência, dois outros que estão de costas para o espectador. Ao fundo, sete

observadores, entre os quais três soldados. É interessante anotarmos os anacronismos – os

soldados estão vestidos â maneira romana, o trono papal é do século XVIII e a cena passa-

se no século XIII.

A teatralidade da cena é dada pela decoração monumental no último plano, à

esquerda e ao centro. Uma alta coluna de fuste cilíndrico faz a correspondência do lado

direito em primeiro plano.

Conhecido e ponderado cuidadosamente o desejo destes homens, deu o

Pontífice o seu assentimento à petição e mandou conferir-lhe a necessária

legalidade. Encorajou-os depois com muitos conselhos e abençoou-os,

dizendo : «Ide com Deus, irmãos, e conforme Ele se dignar inspirar-vos,

assim pregai a todos a penitência. Quando o Senhor omnipotente vos fizer

crescer em número e graça, voltai confiantes a dizer-mo, e eu, mais seguro

ainda, maiores coisas vos confiarei». - Celano, Vita prima, 13, 33

(Novo 1994 : 256).

O episódio foi retomado por S. Boaventura na Legenda major, 3, 9 e 10, na Legenda

minor, 2, 4 e igualmente na Legenda dos Três Companheiros, 12, 49 e 18, 69

(Desbonnets 1968 : 607-609, 732, 836, 852).

xxxviii

15

Fundação da Ordem Terceira de S. Francisco

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

15 – Fundação da Ordem Terceira de S. Francisco

xxxix

15A - Valentim de Almeida, Fundação

da Ordem Terceira de S. Francisco,

pormenor, cerca de 1739, igreja do

convento do Louriçal.

S. Francisco cria a Ordem Terceira

Franciscana – sentado numa cadeira, entrega

solenemente o documento de fundação, dando a sua

bênção a um casal de santos, ajoelhados num plano

inferior.

Quem serão? O primeiro casal da Ordem

Terceira, segundo a tradição, terá sido Lúcio (ou

Luquésio) e Buonadona, comerciantes toscanos de Poggibonsi, admitidos em 1221, tendo

sido ambos apenas beatificados15

(Vorreux 1980 : 244)? Outra hipótese é que este casal seja

constituído por Santo Elzéar e sua esposa, a beata Delfina. Elzéar de Sabran (1285-1323)

foi um nobre provençal a quem o rei de França Roberto I confiou a regência do reino de

Nápoles. Casa com Delfina (1282-1360) em 1299 e o casal é admitido na Ordem Terceira

em 1317 – cronologicamente, portanto, eles não poderiam receber das mãos de S. Francisco

o documento de formação da Ordem que foi outorgado quase um século antes. Elzéar foi

canonizado em 1369 pelo papa Urbano V, que era seu afilhado; ele foi, de resto, o único

leigo a ser canonizado no século XIV (Jukevics 2004 : 128). O culto de Delfina foi

aprovado em pelo papa Inocêncio VII em 1694, mas o seu processo de canonização,

iniciado em 1363, nunca foi concluído.

Em primeiro plano vêm-se duas crianças e um cão (fig. 15A) – símbolos de pureza e

fidelidade. A composição em diagonal assemelha-se à da Aprovação da Regra da Ordem

Franciscana (Cat. 14) e à do painel S. Francisco dá a Fórmula de Vida a Santa Clara,

embora de forma invertida.

A Legenda Major, 4, 6 de S. Boaventura, a Legenda dos Três Companheiros, 14 e

os Fioretti, 16 descrevem este episódio.

15 Existe, no entanto, em Poggibonsi, um convento que lhe é dedicado, o convento de San Lucchese.

xl

16

A tentação de S. Francisco

322 x 112 cm (23 x 8 azulejos)

16 – A tentação de S. Francisco

xli

S. Francisco terá sofrido uma tentativa de luxúria. E para se libertar ele atirou-se

sobre um silvado. Pode ver-se no painel o corpo quase nu do santo repleto de espinhos. Ele

olha na direcção inversa de uma mulher que está por detrás de si. Uma vez mais o

anacronismo se faz sentir, pois a maneira como esta mulher está vestida está longe de

corresponder à moda feminina do século XIII. Um lindo bosque encobrindo uma cidade ao

fundo ocupa a parte superior do painel.

A tentação de S. Francisco não figura na hagiografia do santo do século XIII. A

primeira descrição é feita quase um século mais tarde, em 1335, numa carta de Conrado,

arcebispo de Assis. Por seu turno, a representação artística da cena apenas surge no século

XVI (Réau 1958 : vol. 3, 530; Sobral 1998 : 234).

Réau considera que a inspiração deste episódio se encontra na lenda de S. Bento

(Réau 1958 : vol. 3, 530). Segundo a Lenda Dourada,

o diabo pôs-lhe diante dos olhos a imagem de uma mulher que ele já tinha

visto anteriormente e despertou na sua carne uma tal luxúria que pouco

faltou para que Bento, vencido pela volúpia, abandonasse o seu isolamento.

Mas subitamente, voltando a si, despiu-se, revolveu todo o corpo nos

espinhos e nas silvas que envolviam a sua cabana e fez substituiu a ferida da

sua alma pelas feridas da sua pele; e assim venceu o pecado. E, depois dessa

altura, nunca mais conheceu a tentação carnal. (Voragine 1913 : 186).

Conrado terá adaptado esta descrição a S. Francisco, acrescentando que as gotas do

seu sangue deram origem ao nascimento de belas rosas vermelhas e brancas que o santo ira

depositar como ex-voto no altar da Porciúncula (Mâle 1984 : 413-414; Sobral 2002 : 46).

xlii

17

A última ceia de S. Francisco

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

17 – A última ceia de S. Francisco

xliii

S. Francisco está sentado na sua cama, em primeiro plano, e benze um pão que

segura com a mão direita. À esquerda, estão dois frades ajoelhados; enquanto um reza, o

outro come o pão abençoado. À direita, quatro outros religiosos estão ajoelhados, tendo um

deles igualmente um pão recebido de S. Francisco. Uma mesinha com uma bandeja

contendo um pão está colocada entre este frade e a cama. Em segundo plano, um

franciscano reza de pé, sendo observado por um outro. O fundo é preenchido por elementos

arquitecturais à esquerda e por uma paisagem montanhosa à direita, dando a sensação que a

cena se passa no exterior, o que seria ilógico e contrário à descrição contida nas fontes

hagiográficas (Vita Secunda, 217).

A vida de S. Francisco aproxima-se do seu final (3 de Outubro de 1226).

Enquanto os irmãos choravam amargamente e se lamentavam inconsoláveis,

mandou o Pai que lhe trouxessem pão. Abençoou-o, partiu-o e deu um

bocado a cada um. Quis também que lhe levassem o livro dos Evangelhos e

lhe lessem o Evangelho segundo São João a partir da frase que começa com

estas palavras: «Antes da festa da Páscoa, etc.». Tinha presente aquela

sacratíssima ceia que o Senhor celebrou pela última vez com os discípulos. -

Celano, Vita secunda, 163, 217 (Novo 1994 : 548).

S. Francisco, alter-Christus, copia o seu modelo com todos os pormenores. A

colocação deste painel próximo do da Última Ceia de Jesus (Cat. 2) reforça este

paralelismo.

xliv

18

O papa Nicolau V observa o cadáver de S. Francisco

322 x 266 cm (23 x 19 azulejos)

18 – O papa Nicolau V observa o cadáver de S. Francisco

xlv

18B - Pierre Landry (1630-

1701), gravura a buril, a

partir de Laurent de la

Hyre.

18A - Laurent de La Hyre

(1606-1656), O papa

Nicolau V observa o

cadáver de S. Francisco,

1630, Museu do Louvre.

O ciclo de S. Francisco termina com uma cena macabra. O papa

Nicolau V pede em 1449 que seja aberto o túmulo de S. Francisco que

se encontrava na cripta da basílica de Assis. Ele verifica que o seu

corpo estava intacto – uma prova de santidade.

Vemos, à direita o corpo de S. Francisco de pé sobre uma

peanha, embora ele tenha sido enterrado deitado. Tem uma auréola na

cabeça. As longas mangas ocultam as suas mãos. Talvez por essa razão,

o papa se tenha ajoelhado e levantado a sotaina de S. Francisco para

constatar os estigmas nos pés do santo Ao lado da peanha está a mitra

papal. Seis clérigos acompanham o papa, tendo um deles uma grande

vela na mão. A cena é testemunhada por dois frades que se encontram

por detrás do grupo. O último plano está cheio de elementos

arquitectónicos – três pilastras, uma porta aberta, uma janela e, por

cima, um estreito arco.

Una gravura de Pierre Landry (1630-1701) (fig. 18B) reproduz,

de maneira invertida, a cena pintada por Laurent de La Hyre (1606-

1656) em 1630 e que se encontra no Museu do Louvre (fig. 18A). É

possível que esta gravura tenha servido de fonte de inspiração a

Valentim de Almeida. O painel de azulejos apresenta, contudo,

inúmeras diferenças. Assim, por exemplo, o Sol entra plenamente no

local, mas, surpreendentemente, um dos acólitos do papa transporta uma

vela - (contaminação da gravura?).

À quinta hora da noite, acompanhado por algumas pessoas da sua comitiva,

[o papa] mandou abrir uma entrada murada e entrou por uma porta de ferro

num santuário de três naves. Sob a luz das tochas viu S. Francisco de pé

sobre uma peanha de mármore, os olhos levantados para o céu, as mãos

juntas e cobertas pelas mangas da sua sotaina. […] O papa ajoelhou-se,

levantou a extremidade da sotaina e observou um dos pés. (Mâle 1984 :

414).

Este texto, segundo Mâle, baseia-se numa carta do cardeal Austergius, um dos

acompanhantes do papa nesta missão macabra e foi difundida por Wadding nos Annales

ordinis Minorum e por Marcos de Lisboa (2001 : 241-241v).

xlvi

Esquema simplificado da capela-mor

Ciclo da Virgem

O ciclo da Virgem (Cat. 19 – 23)

O ciclo da Virgem é formado por

quatro painéis que preenchem os tímpanos

das paredes Norte e Sul da capela-mor,

estando limitados em baixo pela imposta. Os

painéis estão dispostos de cada lado das

janelas, formado o quarto registo das paredes

e têm 2,10 x 1,96 m (15 x 14 azulejos).

A decoração do arco enquadrante dos

azulejos é composta por um querubim

sentado num capitel de uma voluta,

representando um atlante e suportando três

outras volutas. Do lado da janela, a

decoração é composta por duas longas

consolas duplas decoradas com folhas de

acanto. Dois anjinhos contornando uma

cartela formam a decoração da parte inferior.

(Cat. 19).

Os tímpanos são acompanhados de

dois magníficos e enormes painéis de azulejos (1,82 x 7,28 m) colocados na abóbada e

onde uma rica decoração envolve símbolos marianos (figs. 28 - 31).

xlvii

19

A Apresentação da Virgem

210 x 196 cm (15 x 14 azulejos)

19 – A Apresentação da Virgem

xlviii

19B - Valentim de Almeida, A

Apresentação da Virgem, 1750-

1755, capela de Nossa Senhora da

Paz, Ponta Delgada, Açores.

19A – Caspar Luyken (1672-1798),

Lázaro, 1712, gravura a buril.

A pequena Virgem, com uma auréola na cabeça, as

mãos postas, sobe os cinco degraus do Templo. À porta, o

sacerdote Zacarias, acompanhado de um acólito, abre os

abraços para a acolher. Em baixo, seus pais, Santa Ana e S.

Joaquim, igualmente com auréolas, entreolham-se. Eles estão

representados de forma estranha, como se as suas imagens

tivessem sido cortadas e sobrepostas nesta cena. Em primeiro

plano, um mendigo, quase nu, está sentado na mesma linha

diagonal que une a Virgem e Zacarias. Estende os braços

como procurando chamar a atenção do espectador.

O episódio foi descrito no Protoevangelho de Tiago

(VII e VIII), no Evangelho do Pseudo-Mateus (IV) e na Lenda

Dourada. Segundo conta Voragine,

assim que fez três anos, [Maria] foi conduzida

ao templo com as oferendas. O templo estava

situado numa montanha; e, para chegar ao altar

dos sacrifícios, que se encontrava no exterior,

era ainda necessário subir quinze degraus,

correspondendo aos quinze salmos. E eis que a

menina sobe todos estes degraus sem qualquer

ajuda, como se ela tivesse já outra idade -

(Voragine 1913 : 496).

A partir da Idade Média, o número de degraus representado foi sendo

progressivamente reduzido.

Valentim de Almeida utilizou possivelmente várias fontes iconográficas para

compor esta cena, como, de resto, para todas as outras cenas deste ciclo. A personagem do

mendigo poderá ter sido inspirada numa gravura de Gaspar Luyken (fig. 19A). Luyken

apresenta Lázaro em primeiro plano, do lado direito. Valentim de Almeida vai transformá-

lo em mendigo.

Este painel do Louriçal assemelha-se ao que foi criado por Valentim de Almeida em

1750-1755 para a capela de Nossa Senhora da Paz, em Ponta Delgada, nos Açores (fig.

19B).

xlix

20

O Casamento da Virgem

210 x 196 cm (15 x 14 azulejos)

20 – O Casamento da Virgem

Em primeiro plano, a Virgem e S. José aproximam as mãos. Ao centro, o sacerdote

observa Maria que tem a mão esquerda sobre o peito; a sua atitude traduz uma expressão de

l

20A-Valentim de Almeida, O

Casamento da Virgem, pormenor,

cerca de 1739, igreja do convento do

Louriçal.

20B - Valentim de Almeida, O

Casamento da Virgem, 1750-1755,

capela de Nossa Senhora da Paz, Ponta

Delgada, Açores.

aceitação que lembra a Anunciação. S. José segura um cajado

onde está presa uma cabaça. A Contra-Reforma opôs-se a

uma moda da pintura renascentista que o representava com

um cajado florido (Réau 1958 : t. II, 170).

A cena é testemunhada, no primeiro plano, por uma

criança de mãos postas (símbolo de pureza) (fig. 20A) e por

quatro outras personagens por detrás do sacerdote. No plano

de fundo, saem raios de luz das nuvens e dois anjinhos

observam Maria. A Virgem aparenta ter mais do que catorze

anos e S. José não aparenta ter oitenta anos (tal como é

mencionado pelos evangelhos apócrifos, designadamente pelo

Protoevangelho de Tiago e pela Lenda Dourada). A idade de

S. José foi, de resto, objecto de grandes discussões. Vejamos

a interessante opinião de Francisco Pacheco:

Eu disse que o seu esposo não deveria ter mais

de trinta anos porque o bom senso não exige

que S. José seja velho e por causa disso, o

senso comum e Nicolau de Lira aplicam-lhe a

profecia de Isaías : habitavit Juvenis cum

Virgine porque a diferença de idade traz

graves inconvenientes e se ele não tivesse

idade para ter filhos, dificilmente se poderia

salvaguardar a fama da Virgem porque um homem de oitenta anos não teria

a força para ir por montes e vales para sustentar a sua família pelo trabalho

das suas mãos. […] Deve-se, portanto, pintar a Virgem e S. José muito

belos, com a idade indicada, vestidos de maneira decente com as suas

túnicas e mantos como se pintam geralmente, estendendo cada um a mão

direita com toda a honra e ao centro, o sacerdote que os benze vestido à

maneira de Zacarias, quando ele recebe a Virgem no Templo. - (Pacheco

1986 : 249).

Desconhecemos se Valentim de Almeida leu Pacheco, mas constatamos que ele

seguiu os seus conselhos escrupulosamente …

Este painel do Louriçal assemelha-se ao que Valentim de Almeida fez em 1750-

1755 para a capela de Nossa Senhora da Paz, em Ponta Delgada, nos Açores (fig. 20B).

li

21

A Anunciação

210 x 196 cm (15 x 14 azulejos)

21 – A Anunciação

lii

21A - Valentim de Almeida, A

Anunciação, 1735, Sé do

Funchal, Madeira.

21B - Valentim de Almeida, A

Anunciação, 1750-1755, capela

de Nossa Senhora da Paz, Ponta

Delgada, Açores.

21C – Oficina de Bartolomeu

Antunes (1688-1753), A

Anunciação, cerca de 1735-1740,

antigo convento de S. Paulo,

Serra de Ossa, Redondo.

A Anunciação (Lucas, 1 :26-35) é um dos episódios

mais representados na história da pintura. A evolução do

tratamento desta cena foi estudada minuciosamente por Réau

(1958 : t. 2, 174-194), por Mâle (1984 : 200-202) e mais

recentemente por Moura Sobral (1996 : 120-130) no que se

refere à pintura portuguesa. O painel do Louriçal apresenta uma

cena típica do século XVII ou do século XVIII e segue a

fórmula criada na Itália pela Anunciação de Ventura Salimbeni

de Siena, nos finais do século XVI (Mâle 1984 : 201).

O arcanjo Gabriel, à direita da Virgem, anuncia-lhe que

ela será a mãe de Jesus. Está ajoelhado numa nuvem de onde

emergem as cabeças de três anjinhos e segura um ramo de lírio

(símbolo de pureza) na mão esquerda. A Virgem está sentada

frente a um genuflexório e abra o braço direito num gesto de

consentimento. Encimando estas duas figuras centrais, dois

pares de anjinhos acompanham o arcanjo e envolvem a pomba

do Espírito Santo que se aproxima com Deus Pai no meio de

um feixe de raios luminosos – é o céu que entra no quarto de

Maria.

Antes d aparecimento do Arcanjo, Maria estaria a ler, na

medida em que o seu braço direito está apoiado num livro

(tradicionalmente aberto na profecia de Isaías). O gesto de

abertura do braço é acompanhado pela abertura do seu belo

manto, deixando ver um vestido comprido. Gabriel, com as

longas asas, veste uma túnica curta que deixa ver os joelhos, ao

contrário do que Pacheco defendia (1986 : 250).

À direita da Virgem, está uma coluna que simboliza,

segundo Moura Sobral (1998 : 194-195), «a fortaleza de Maria, que pela missão que

aceitou levar a cabo estabelece a união entre o mundo terrestre e o mundo celeste».

liii

Em último plano, entre os dois protagonistas da cena, e sob o arco de um pórtico,

está um vaso com uma flor – um outro símbolo da pureza e da virgindade de Maria.

O painel do Louriçal é semelhante aos que foram criados por Valentim de Almeida

para a Sé do Funchal, na Madeira, em 1735 (fig. 21A) e para a capela de Nossa Senhora da

Paz, em Ponta Delgada, nos Açores, em 1750-1755 (fig. 21B). A imagem do painel do

Funchal está, no entanto, invertida. O painel do antigo convento de S. Paulo, na Serra de

Ossa, no Redondo (fig. 21C) assemelha-se muito, igualmente, ao do Louriçal.

liv

22

A Visitação

210 x 196 cm (15 x 14 azulejos)

22 – A Visitação

lv

22A – Anónimo, A Visitação, igreja do

convento de Santo António, Portalegre.

22B – Oficina de Bartolomeu Antunes

(1688-1753), cerca de 1735-1740, A

Visitação, antigo convento de S. Paulo,

Serra de Ossa, Redondo.

A Virgem, grávida de Jesus, visita a sua prima

Isabel, grávida de S. João Baptista. São duas situações

miraculosas, pois Isabel é excessivamente velha para ter

uma criança e Maria é virgem. Cada uma das primas se

tranquiliza vendo o estado de gravidez da outra, pois que é

uma demonstração da autenticidade da mensagem do do

arcanjo Gabriel.

No primeiro plano, Maria e Isabel abraçam-se e

cada uma delas faz o gesto de ir tocar o ventre da outra. A

cena passa-se no exterior, em frente da casa de Isabel. Ao

contrário do relato dos evangelhos, a cena não e privada,

pois há duas testemunhas. Segundo S. Lucas (1 :39-42),

Maria teria ido visitar a prima sozinha, sem ser

acompanhada por S. José. Réau explica a sua presença

pela necessidade de se respeitar a tradição existente que

impedia que uma mulher viajasse sozinha (1958 : t. 2,

202).

À esquerda, S. José equilibra a cena, que está

cortada à direita. Em primeiro plano, o artista coloca um

pequeno cão (símbolo de fidelidade) para preencher o

espaço vazio. O cachorro está sentado num degrau da casa

de Isabel. A porta da casa está entreaberta. No estreito

plano de fundo, esvoaçam três querubins sobre uma

nuvem, de onde sai um feixe de raios luminosos

semelhantes aos do painel da Anunciação.

A Anunciação do Louriçal assemelha-se à do convento de Santo António, em

Portalegre (fig. 22A) e à do antigo convento de S. Paulo, na Serra de Ossa, no Redondo

(fig. 22B).

lvi

Esquema simplificado da capela-mor

Ciclo de Santa Clara

O ciclo da vida de Santa Clara (Cat. 23 – 34)

O ciclo da vida de Santa Clara é formado

por doze painéis colocados ao nível do segundo e

do terceiro registo das paredes Norte e Sul da

capela-mor; há, igualmente, quatro painéis sobre

as portas.

Os painéis de maiores dimensões (2,52 x

1,96 m; 18 x 14 azulejos) estão localizados no

terceiro registo (Cat. 24, 25, 29 e 30) e sobre as

portas (Cat. 23, 27, 28 e 34). A decoração que

cerca estes painéis é semelhante ao

enquadramento dum grande quadro, apresentando

motivos estilizados nos lados. Na parte inferior,

dois anjinhos entreolham-se no meio de

vegetação vegetalista estilizada (Cat. 23).

Os painéis do segundo registo têm 2,38 x

1,82 m (17 x 13 azulejos). A decoração que os

enquadra é composta por lambrequins e por um

baldaquim; na parte superior dois anjinhos que se entreolham. O baldaquim está decorado

com uma grinalda de cada lado. À esquerda e à direita, o ambiente teatral é dado por

cortinados.

Uma cartela com o emblema franciscano envolvido por dois anjos que seguram

grinaldas (fig. 33A) está colocada sob os painéis Cat. 26, 31, 32 e 33.

Realcemos que o túmulo de madre Maria do Lado (fig. 54) está colocado no meio

da parede Sul da capela-mor entre os painéis Cat. 26 e 33.

lvii

23

Santa Clara conhece S. Francisco

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

23 – Santa Clara conhece S. Francisco

lviii

Clara, ainda bastante jovem, vestida luxuosamente, está ajoelhada em frente de S.

Francisco. A cena passa-se no terraço de uma magnífica casa (provavelmente a residência

de Clara em Assis). Em primeiro plano, está uma mesinha à esquerda e, ao fundo, divisa-se

Assis, entre as árvores.

Clara nasceu em Assis em 1193, sendo filha de Favarone de Offreduccio e de

Ortolana Fiumi. A sua família era de origem nobre (embora de modesta importância),

condição necessária para se ser santa no século XIII (Bartoli 2002 :15). Contemporânea de

S. Francisco, Clara, desde a sua adolescência assistiu aos seus sermões e foi atraída pelo

seu carisma, conforme é descrito pela Legenda de Santa Clara:

Visitava-a ele, e ela mais vezes a ele. Mas as visitas eram espaçadas, não

dando azo a que qualquer pessoa se apercebesse daquela divina amizade e se

corresse o risco de ser desacreditada na opinião pública. Quando Clara saía

de casa e se encontrava a sós com o homem de Deus, cujas palavras a

inflamavam e cujas obras lhe pareciam sobre-humanas, era acompanhada

somente por uma amiga. O Pai S. Francisco exortava-a a desprezar o mundo.

Demonstrava-lhe com vivacidade de como é ilusória a esperança terrena e

insensatos os atractivos mundanos. Procurava convencê-la da doçura da

união esponsal com Cristo e convidava-a a guardar a jóia da virgindade para

Aquele ditoso esposo que por nosso amor se fez homem. - Celano, Legenda

de Santa Clara, 3, 5 (Pereira 1985 : 125 e 126).

Segundo a Bula de canonização de Santa Clara, 6, publicada em 1255, Clara

«desde a primeira infância que desejou passar sem mancha por este mundo efémero e

impuro». A Bula menciona igualmente que ela «não demorou muito a seguir estes santos

conselhos [de S. Francisco]» e, assim, «distribuiu todos os seus bens em socorro dos

pobres, para juntamente consigo, tudo ofertar a Cristo» - Bula de canonização de Santa

Clara, 7 (Pereira 1985: 190).

lix

24

S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

24 – S. Francisco corta os cabelos de Santa Clara

lx

24A - Adriaen Collaert (1560-

1618), S. Francisco corta os

cabelos de Santa Clara, 1613-

1621, gravura a buril.

24B - Valentim de Almeida (1692-1779), S. Francisco

corta os cabelos de Santa Clara, 1740, Hospital de

Santa Marta, Lisboa.

A família Offreduccio não aceitava os «desvarios» de S.

Francisco e era incapaz de compreender que Clara tenha tomado

a decisão de seguir o seu exemplo. Assim, Clara, foge de casa às

escondidas para entrar na Porciúncula e se juntar ao grupo de

Francisco. Tem, nesta altura, dezoito anos.

A Legenda de Santa Clara descreve o acontecimento:

Desta maneira deixou a casa, a cidade e os

familiares e apressou-se a ir para Santa Maria da

Porciúncula. Os irmãos que à volta do altar

celebravam as sagradas vigílias, receberam a

virgem Clara com tochas acesas. Assim se

libertou da imundície de Babilónia e repudiou

tudo o que era mundano. Renunciando a todos os adornos, consentiu que os

irmãos lhe cortassem os cabelos. – Celano, Legenda de Santa Clara, 8

(Pereira 1985: 128).

Porque razão os cabelos são cortados?

Os cabelos eram considerados como um

símbolo da beleza e da sensualidade feminina.

Os cabelos, os vestidos e as jóias eram

instrumentos de sedução (Silva 203 : 236). A

cena representa, pois, a renúncia de Clara ao

seu poder de sedução.

Que significa este gesto de S.

Francisco? Segundo Paul Sabatier (citado por

Bartoli 2002 : 74), S. Francisco «era

demasiado idealista para ser prudente e se conformar aos costumes e às regras existentes.

[…] Ele, um simples diácono, arrogou-se o direito de receber os votos de Clara e lhe fazer a

tonsura sem ter sido noviça». Bartoli (2002 : 74-75), no entanto, questiona esta

interpretação - «Depois desta liturgia, o que acontece a Clara? Tornou-se numa freira

professa, embora sem ter feito o noviciado?». Bartoli prefere a interpretação de Padovese

(citado por Bartoli 2002 : 75) - «não se trata de uma consagração monástica, mas de um

acto de penitência. Clara não se torna freira, mas uma penitente.»

lxi

Em primeiro plano, S. Francisco corta os cabelos de Clara, que está ajoelhada com

as mãos postas. Vários monges testemunham a cena e um deles, por detrás de Santa Clara,

segura o hábito que lhe será dado (o burel). Três franciscanos seguram tochas – trata-se de

uma cena nocturna. Cinco meninas estão ajoelhadas por à volta de Santa Clara - uma delas

segura uma bandeja com um lírio (símbolo de pureza) e uma outra segura uma bandeja

mais pequena com uma coroa. Estranhamente, à direita da cena, estão alguns leigos como

testemunhas. O fundo, decorado com ricos detalhes arquitectónicos contrasta totalmente

com a pobreza do local real da cena, a Porciúncula.

Valentim de Almeida baseou-se numa gravura de Adriaen Collaert (fig. 24A),

simplificando certos pormenores: o lírio não exista na bandeja da gravura; no painel, a

segunda menina por detrás de Clara tem as mãos cruzadas e não segura nada. O fundo

painel, por outro lado, põe em destaque a arquitectura, aumentando, com isso, o efeito de

teatralidade da cena.

Esta gravura, certamente inspirou igualmente um outro painel de Valentim de

Almeida existente no Hospital de Santa Marta, em Lisboa (fig. 24B).

lxii

25

S. Francisco dá a Fórmula de Vida a Santa Clara

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

25 – S. Francisco dá a Fórmula de Vida a Santa Clara

lxiii

O exemplo de Santa Clara foi seguido por outras mulheres imediatamente. S.

Francisco, não estando preparado para as receber, envia-as para o convento beneditino de S.

Paulo de Bastia. Simplesmente, Santa Clara não pretendia ser beneditina, mas fundar a sua

própria Ordem segundo os princípios de S. Francisco. Um ano depois, Clara e as outras

religiosas entram em S. Damião. S. Francisco dá-lhes uma regra, um conjunto de princípios

e de normas, a Formula vitae, semelhante à dos Frades Menores. É o começo da Ordem das

Clarissas ou das Senhoras Pobres.

Santa Clara recebe das mãos de S. Francisco a Fórmula de Vida que regerá a nova

comunidade. O Testamento refere que

[S. Francisco] escreveu-nos, depois, a forma de vida, insistindo sobretudo

que perseverássemos sempre na santa pobreza. […] E movido de grande

ternura para connosco, obrigou-se por si e pela sua Ordem, a ter por nós, tal

como por seus irmãos, diligente caridade e uma solicitude particular. -

Testamento de Santa Clara, 8 e 10 (Pereira 1985: 77 e 78).

Em 1215, as decisões do concílio de Trento, proibindo as novas Regras, fazem optar

pela Regra de S. Bento. O convento poderia possuir riquezas, o que não estava

minimamente de acordo com o pensamento de Santa Clara. Mais tarde, em 1219, o cardeal

Hugolino, grande amigo dos franciscanos, vai substitui-la por uma Regra mais moderada,

mas onde o princípio da pobreza continuava a não estar expresso.

Valentim de Almeida reproduziu de maneira minuciosa o documento; este realismo

na reprodução dos documentos está igualmente patente noutros painéis (Cat. 14, 15 e 27).

Quatro religiosas ajoelhadas acompanham Santa Clara. Seis franciscanos assistem à

cerimónia, dirigida por S. Francisco, sentada num cadeirão num plano mais elevado.

Valentim de Almeida preenche todo o fundo com uma rica decoração arquitectónica que

contrasta vivamente com a verdadeira pobreza que cercava S. Francisco e Santa Clara. Este

tipo de fundo consta da maioria dos painéis e torna a decoração mais dinâmica, aumentando

a profundidade do espaço, como já dissemos.

lxiv

26

O lava-pés

238 x 182 cm (17 x 13 azulejos)

26 – O lava-pés

lxv

26A - Adriaen Collaert (1560-1618),

O lava-pés, 1613-1621, gravura a

buril, 15 x 29,3 cm.

26B - Valentim de Almeida (1692-

1779), O lava-pés, 1740, Hospital de

Santa Marta, Lisboa.

A cena demonstra a extrema humildade de Santa Clara e faz eco do painel do Lava-pés de

Jesus na nave da igreja (Cat. 1). Em primeiro plano, Santa Clara, ajoelhada lava o pé

esquerdo de uma religiosa. Três freiras estão sentadas ao

centro, enquanto outras seis testemunham a cena.

A humildade é um dos pontos essenciais da nova

Ordem: «Clara, pedra angular e nobre fundamento da sua

Ordem, empenhou-se desde o princípio por alicerçar todas as

virtudes na base da santa humildade» - Celano, Legenda de

Santa Clara, 7, 12 (Pereira 1985 : 133).

Tal como Cristo, Clara decide dar o exemplo:

Muitas vezes lavava e beijava os pés das irmãs

externas quando elas regressavam de fora.

Aconteceu uma vez que uma irmã, não

suportando tanta humilhação, quando Clara ia

para lhe beijar o pé, o retirou com violência,

magoando-a na boca. Mas, Clara, tomou-o de

novo com ternura e depositou um forte beijo na

planta do pé. – Celano, Legenda de Santa

Clara, 7, 12 (Pereira 1985 : 134 e 135).

Valentim de Almeida copiou quase integralmente uma gravura

de Adriaen Collaert (fig. 26A), apenas faltando uma freira ao

fundo, do lado direito, por manifesta falta de espaço. O pintor,

influenciado pela mesma gravura, criou outro painel sobre o mesmo tema para o antigo

convento (Hospital) de Santa Marta, em Lisboa (fig. 26B).

lxvi

27

O papa Inocêncio III confirma a Regra da Ordem das

Clarissas

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

27 – O papa Inocêncio III confirma a Regra da Ordem das Clarissas

lxvii

27A - Valentim de Almeida, O

papa Inocêncio III confirma a

Regra da Ordem das

Clarissas, detalhe, cerca de

1739, igreja do convento do

Louriçal.

27B - Valentim de Almeida,

Fundação da Ordem Terceira

de S. Francisco, detalhe,

cerca de 1739, Louriçal.

O papa Inocêncio III está sentado à sua escrivaninha, sob um

pálio, escrevendo a nova Regra da Ordem das Clarissas. À suas

frente, estão quatro religiosas ajoelhadas; é possível que em primeiro

plano seja Santa Clara, mas nenhum atributo ou auréola a identifica.

Vários dignitários eclesiásticos testemunham o acto – dois estão

sentados em primeiro plano, três outros estão sentados por detrás das

religiosas e outros assistem de pé, ao fundo. É interessante notar que

os membros de cada grupo falam entre si – talvez um sinal que a

decisão do papa, a concessão do «privilégio da pobreza», seja

controversa. No último plano, estão dois soldados da guarda papal. A

composição da cena é semelhante à de outros painéis : Aprovação da

Regra da Ordem Franciscana (Cat. 14), Fundação da Ordem

Terceira de S. Francisco (Cat. 15) e S. Francisco dá a Fórmula de

Vida a Santa Clara (Cat. 25) – (figs. 27A e 27 B).

A pobreza extrema, um ideal para Santa Clara, foi mal

compreendida pela hierarquia da Igreja. Santa Clara desenvolveu um

verdadeiro combate para obter o que ela designava por «privilégio da

pobreza» que lhe será outorgado por Inocêncio III, em 1228. A

descrição do acto é feita por Celano:

Querendo que a sua Ordem ficasse timbrada com o título de pobreza, pediu

ao Papa Inocêncio III, de santa memória, o Privilégio de Pobreza. Este

homem venerável congratulou-se com o fervor de Clara. Mas advertiu-a que

o propósito era singular e que nunca tal privilégio fora solicitado à Santa Sé.

E como tão insólito pedido exigia um não menos insólito favor, o próprio

Papa, pelo próprio punho, escreveu, com grande alegria, o primeiro esboço

do privilégio pretendido. – Celano, Legenda de Santa Clara, 8, 14 (Pereira

1985 : 136).

Bartoli (2002 : 111), no entanto, põe em dúvida o valor jurídico desta minuta do

privilégio.

lxviii

28

S. Francisco recebe Santa Clara

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

28 – S. Francisco recebe Santa Clara

lxix

28A - Adriaen Collaert (1560-1618), S.

Francisco recebe Santa Clara, 1613-

1621, gravura a buril, 15 x 92 cm.

A cena mostra S. Francisco e Santa Clara,

acompanhados por uma clarissa e por um franciscano,

sentados à volta de uma mesa improvisada, posta no chão.

Vários feixes de raios de luz envolvem o grupo. Ao fundo, à

direita, pela porta aberta, vêem-se três pessoas que tentam

apagar o suposto incêndio.

A cena passa-se em Santa Maria dos Anjos, onde

Santa Clara e a sua companheira tinham ido visitar S.

Francisco. Segundo as Florinhas de S. Francisco de Assis:

Como primeira vianda, começou S. Francisco

a falar de Deus, tão suavemente, tão

maravilhosamente, que, baixando sobre eles a

abundância da divina graça, todos foram

arrebatados em Deus. E estando deste modo arrebatados, com os olhos e as

mãos levantadas ao céu, viram os homens de Assis e Betona e os habitantes

dos lugares vizinhos que Santa Maria dos Anjos e todo o eremitério e o

bosque que existia junto da casa, ardiam em chamas, parecendo ser aquilo

um grande incêndio que consumia a igreja, o conventinho e o bosque

juntamente. Pelo que os Assisienses, com grande pressa, correram ao lugar

para apagar o fogo, julgando firmemente que tudo estava ardendo. Mas ao

chegarem ao sítio e não encontrando sinais de fogo, entraram dentro, e

encontraram S. Francisco com Santa Clara, e todos os seus Companheiros,

arrebatados em Deus, por contemplação, e assentados em volta daquela

humilde mesa. – Florinhas de S. Francisco de Assis, 15 (Novo 1994 : 1206).

Valentim de Almeida seguiu quase integralmente a gravura de Collaert (fig. 28A),

exceptuando-se apenas alguns pequenos detalhes: a lareira, ao fundo é ligeiramente

diferente e está decorada com três travessas; a mesa do altar, ao lado está decorada e a

cabeceira da cama é igualmente diferente; o grupo de populares tem menos uma pessoa; a

porta do painel de azulejos é mais baixa e está mais decorada.

As duas representações não traduzem com rigor o relato das Florinhas no que

respeita aos gestos - com os olhos e as mãos levantadas ao céu. De facto, Santa Clara e S.

Francisco olham para o céu, mas o franciscano do painel tem os olhos fechados e o da

gravura de Collaert tenta olhar para cima, mas a sua cabeça está voltada para baixo; além

disso, nenhum dos personagens tem as mãos levantadas.

lxx

29

O milagre da multiplicação dos pães

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

29 – O milagre da multiplicação dos pães

lxxi

29A - Adriaen Collaert (1560-

1618), O milagre da multiplicação

dos pães, 1613-1621, gravura a

buril, 15 x 92 cm.

Santa Clara, em primeiro plano, benze um pão num prato.

O milagre é testemunhado por quatro religiosas – uma que reza,

uma outra que observa a cena e uma terceira que traz uma cesta

cheia de pães; à esquerda, uma outra freira traz duas jarras com

vinho ou azeite. A cena passa-se no refeitório do convento e duas

religiosas preparam as mesas, uma de cada lado.

Tal como Cristo, santa Clara realiza igualmente um

milagre da multiplicação doa pães. A pobreza reinava em São

Damião, restava apenas um pão e as religiosas estavam famintas.

A santa chamou a irmã despenseira e ordenou-lhe

que partisse o pão. Uma metade era para os irmãos

e a outra ficaria em casa. Desta metade, mandou a santa cortar quarenta

pedaços, tantos quanto o número das irmãs e ordenou que os distribuísse

pela mesa da pobreza. […] Começando a irmã a executar a ordem, começou

a mãe a dirigir ao seu Senhor Jesus Cristo fervorosos suspiros em favor das

filhas. Eis quando, por divina generosidade, começou a crescer o pão nas

mãos da irmã que o cortava. Assim cada uma das irmãs recebeu uma porção

abundante - Celano, Legenda de Santa Clara, 15 14 (Pereira 1985 : 138).

O milagre é igualmente descrito na Bula de canonização com referências claras à

intervenção de Cristo: «Ela mandou distribuir esse meio pão por todas. E, por graça

d’Aquele que é o pão vivo e dá de comer aos famintos, o pão multiplicou-se nas mãos da

irmã despenseira e apareceram os cinquenta bocados para alimentar as cinquenta irmãs

do mosteiro» - Bula de Canonização, 20 (Pereira 1985 : 196).

Valentim de Almeida serviu-se claramente da gravura de Collaert para a elaboração

deste painel (fig. 29A). Algumas diferenças existem, porém. Collaert representa o tecto e

coloca um armário ao fundo, ao lado da mesinha. As janelas são igualmente diferentes.

Valentim de Almeida acrescentou uma pilastra à direita para preencher a superfície.

lxxii

30

Santa Clara põe em fuga os Sarracenos

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

30 – Santa Clara põe em fuga os Sarracenos

lxxiii

30A - Valentim de Almeida,

Santa Clara põe em fuga os

Sarracenos, pormenor, cerca

de 1739, igreja do convento

do Louriçal.

30B - Valentim de Almeida (1692-1779),

Santa Clara põe em fuga os Sarracenos,

1740, Hospital de Santa Marta, Lisboa.

Em Setembro de 1240, um grupo armado de Sarracenos, ao

serviço do imperador Frederico II, atacou Assis e aproximou-se de

São Damião. As religiosas entraram em pânico. Santa Clara estava

doente (ela sofreu uma longa doença entre 1224 até à sua morte em

1253).

Ela «pediu que a conduzissem à porta e que a pusessem em

frente do inimigo, precedida do cibório de prata contendo o Corpo

do Santo dos Santos». Clara invocou a protecção de Jesus que lhe

falou com «uma voz de criança» e a confortou. Clara foi, de

seguida, confortar as freiras: «’’Filhinhas, garanto-vos com toda a

confiança, que nenhum mal vos acontecerá, basta que para tanto

confieis em Cristo». O prodígio operou-se - «E de repente, o

atrevimento audaz daqueles cães, transformou-se em pavor e

trataram de fugir precipitadamente pelos muros que tinham

escalado, vencidos com a força da oração» - Celano,

Legenda de Santa Clara, 21 e 22 (Pereira 1985 : 145).

No painel de Valentim de Almeida, Santa Clara sai

corajosamente da igreja do convento de São Damião para

afrontar os Sarracenos, armada apenas do cibório eucarístico

(fig. 30A). É seguida por duas freiras. A debandada do

exército sarraceno (identificado pelas duas bandeiras) é

espectacular. Em último plano, vemos as muralhas de Assis.

Para equilibrar a composição do primeiro plano, o pintor colocou flores à esquerda.

Valentim de Almeida criou um painel muito semelhante no antigo convento de

Santa Marta, em Lisboa (fig. 30B).

lxxiv

31

A tentação do demónio

238 x 182 cm (17 x 13 azulejos)

31 – A tentação do demónio

lxxv

31A - Adriaen Collaert

(1560-1618), A tentação do

demónio, 1613-1621, gravura

a buril, 15 x 92 cm.

31B- Valentim de Almeida,

Tentação do demónio,

pormenor, cerca de 1739,

igreja do convento do

Louriçal.

Santa Clara está ajoelhada, em primeiro plano, diante do

altar onde se encontra um crucifixo entre dois castiçais. Um

pequeno diabo escuro toca no seu hábito. Ao fundo, na entrada da

igreja donde se pode ver o exterior, duas figuras femininas, uma

freira e uma rapariga sentada no chão falam. A teatralidade da

cena está reforçada pelos elementos arquitectónicos do interior da

igreja, em último plano.

Tal como aconteceu a outros santos, também Santa Clara

sofreu as tentações do demónio. Tomás de Celano descreve duas

tentações:

Certa vez, quando chorava no silêncio da noite, o anjo das

trevas apareceu-lhe na forma dum menino negro: «Não

chores assim que podes ficar cega» disse-lhe ele. Mas ela

retorquiu-lhe: «Não ficará cego aquele que contemplar a

Deus». Confundido, o tentador deixou-a. Mas naquela

mesma noite, depois de matinas, estando Clara a orar

desfeita em lágrimas, voltou a insistir o conselheiro da

mentira. Falou-lhe assim: «Não chores tanto que ainda

derretes o cérebro que pode escorrer-te pelo nariz e podes

ficar com ele torto». Ao que ela respondeu: «Não padece

tortura alguma aquele que serve o Senhor». Pondo-se em

fuga, o maligno desapareceu.

- Celano, Legenda de Santa Clara, 19 (Pereira 1985 : 142 e

143).

O painel mostra, possivelmente, a primeira tentação descrita por Celano.

Valentim de Almeida, uma vez mais, se baseou numa gravura de Collaert (fig.

31A), embora lhe tenha juntado algumas alterações:

- a gravura não apresenta nenhum crucifixo e o altar é mais sóbrio que o do painel;

- o diabo da gravura puxa o véu de Santa Clara; o do painel é mais discreto;

- o primeiro plano do painel é mais próximo, o que condiciona todos os outros

planos;

- Valentim de Almeida coloca as janelas da igreja mais à esquerda.

lxxvi

32

O milagre do azeite

238 x 182 cm (17 x 13 azulejos)

32 – O milagre do azeite

lxxvii

32A - Adriaen Collaert

(1560-1618), O milagre do

azeite, 1613-1621, gravura a

buril, 15 x 92 cm.

Em primeiro plano, Santa Clara reza com os olhos

levantados para o céu e, a seu lado, uma clarissa observa o tonel

do azeite. Um raio de luz vindo do céu incide na direcção da

abertura do tonel. A cena passa-se no exterior, provavelmente na

cerca do convento; o fundo é formado por árvores dispostas

simetricamente.

Este milagre assemelha-se ao da multiplicação dos pães. A

pobreza explica a falta de azeite em São Damião; «não havia

mesmo para a refeição das irmãs doentes». A oração de Clara

produziu de novo bons resultados. «É assim que só pela vontade

de Deus se encheu o almude de azeite» - Celano, Legenda de Santa Clara, 16 (Pereira

1985 : 138).

Este milagre é descrito de forma muito breve pela Bula de canonização de Santa

Clara, bem como pela irmã Pacífica no decorrer do seu testemunho no processo de

canonização. Pacífica afirma que o milagre ocorreu cerda de 1214 (Garrone 1961 : 31,

127).

Uma vez mais, vemos uma gravura de Adriaen Collaert (fig. 32A) servir de fonte de

inspiração a Valentim de Almeida. A principal diferença reside na forma como o fundo está

representado, pois a gravura representa o convento à esquerda e o painel limita-se a

apresentar uma paisagem composta apenas de árvores.

lxxviii

33

Santa Clara recebe a visita do bispo de Óstia

238 x 182 cm (17 x 13 azulejos)

33 – Santa Clara recebe a visita do bispo de Óstia

lxxix

33 A - Valentim de Almeida, Emblema franciscano, cerca de 1739, painel de azulejos, 98

x 168 cm, 7 x 12 azulejos, igreja do convento do Louriçal. Estas cartelas encontram-se sob

os painéis Cat. 26, 31, 32 e 34.

Santa Clara está deitada na sua cama, um leito mais ricamente decorado do que o

que é representado na Agonia de Santa Clara (Cat. 34). Está acompanhada de três irmãs.

Aos pés da cama, o bispo de Óstia dá-lhe a bênção.

No final da sua vida, Santa Clara vê finalmente o reconhecimento do privilégio da

pobreza. Tomás de Celano relata o episódio:

Passado pouco tempo, a Cúria Romana chegou a Perusia. Quando o Senhor

de Óstia soube que piorara o estado de saúde de Clara, ele que pelo cargo era

pai, pelos cuidados educador e pela afeição um amigo fiel, apressou-se a ir

de Perusia a S. Damião para a visitar. Levou-lhe o alimento do Corpo do

Senhor e exortou as outras irmãs com palavras de encorajamento. Banhada

em lágrimas, Clara suplicou a tão eminente pai que recomendasse em nome

de Cristo a sua alma e a de todas as irmãs ao Pai do Céu. Mas sobretudo

pedia veementemente que insistisse junto do Senhor Papa e dos Cardeais

para que fosse confirmado o Privilégio da Pobreza. O fiel protector da

Ordem tendo-lhe prometido oralmente, veio mais tarde a cumpri-lo na

realidade. - Celano, Legenda de Santa Clara, 40 (Pereira 1985 : 163 e 164).

A seu pedido, Santa Clara receberá a visita do papa Inocêncio IV que lhe confere a

Regra das Clarissas, pela bula Dilectis in Christo, dois dias antes da sua morte.

Era a vitória final de Santa Clara na sua luta pelo privilégio da pobreza (Bartoli

2002 : 113).

lxxx

34

A agonia de Santa Clara

252 x 196 cm (18 x 14 azulejos)

34 – A agonia de Santa Clara

lxxxi

34A - Adriaen Collaert (1560-

1618), A agonia de Santa

Clara, 1613-1621, gravura a

buril, 15 x 92 cm.

Santa Clara está no seu leito de morte, olhando para

um crucifixo que segura entre mãos. Tem a cabeça apoiada no

braço direito de uma clarissa. À sua volta, o momento vivido

é de profunda tristeza. Cinco religiosas observam-na, uma

segura delas uma vela e uma outra chora. Aos pés da cama,

estão quatro irmãs ajoelhadas, duas de cada lado, rezando.

Entre as duas que estão em primeiro plano, vê-se uma

caldeirinha de água-benta. A cena é iluminada por raios de luz

que incidem sobre a santa. A cena é testemunhada igualmente

dos anjinhos que estão envolvidos por nuvens. O fundo

completa-se com elementos arquitecturais que nos deixam

aperceber que a cena se passa no exterior, o que é paradoxal.

Na gravura de Collaert (fig. 34A) a cena passa-se no quarto de Santa Clara. Um

grande número de virgens coroadas está de pé, à esquerda de Santa Clara, acompanhando a

Virgem Maria que apoia a santa. Tanto a Virgem Maria como Santa Clara estão

identificadas por auréolas. À direita de Santa Clara estão quatro frades e uma irmã. Aos pés

da cama, estão três religiosas à volta de uma caldeirinha de água-benta donde sai um grande

hissope.

Pensamos, que apesar das grandes diferenças existentes, Valentim de Almeida se

baseou na gravura de Collaert (fig. 34A) para desenhar, por exemplo, as clarissas que estão

no primeiro plano, embora os seus gestos e mesmo as suas posições sejam diferentes.

As diferenças entre a gravura e o painel são importantes:

- Valentim de Almeida não apresenta o quarto de Santa Clara, mas o exterior da

igreja de São Damião – idêntico, note-se, ao fundo do painel Santa Clara conhece S.

Francisco (Cat. 23) e semelhante ao do painel Santa Clara põe em fuga os

Sarracenos (Cat. 30).

- Na gravura, a cama está colocada numa diagonal mais acentuada.

- No painel, Santa Clara contempla Cristo crucificado; na gravura, ela segura uma

vela acesa e uma cruz e contempla a Virgem Maria.

- As virgens não estão presentes no painel; os únicos sinais da intervenção

sobrenatural são dados pelos raios de luz e pelos querubins nas nuvens.

Curiosamente, as nuvens também estão presentes na gravura.

Depois de uma longa doença, os últimos momentos de Santa Clara aproximam-se.

Ela está plenamente consciente e tenta consolar as irmãs que a acompanham na sua agonia.

lxxxii

O relato destes últimos momentos é descrito por Celano - «Desoladas perante a inevitável

separação da mãe, as filhas, banhadas em lágrimas, acompanhavam os últimos momentos

daquela que delas se separava. […] Estava próximo o glorioso guia. Com efeito, voltando-

se para uma das irmãs, perguntou-lhe: ‘’ Filha, vês o Rei da Glória como eu vejo?’’» -

Celano, Lenda de Santa Clara, 45 e 46 (Pereira 1985 : 169).

Segundo o testemunho da irmã Francisca no processo de canonização, «a dita

testemunha apercebeu-se de haver por cima da cabeça da santa Mãe uma luz esplêndida e

pareceu-lhe que o Corpo do Senhor era um menino muito pequenino e muito bonito».

Adriaen Collaert (fig. 34A) apresenta-nos a visão de uma das clarissas que

acompanhava Santa Clara:

Ao dirigir o olhar, trespassado de dor, para a porta da entrada, viu surgir uma

multidão de virgens vestidas de branco e coroadas com diademas de ouro.

De entre elas uma sobressaía. Era de aspecto deslumbrante e o seu diadema,

que terminava em forma de turíbulo com muitos orifícios, irradiava um tal

esplendor, que dentro da casa a escuridão da noite se transformou em claro

dia. Adiantou-se até ao leito onde jazia a esposa de Cristo, debruçou-se

carinhosamente sobre ela e abraçou-a com ternura. - Celano, Legenda de

Santa Clara, 46 (Pereira 1985 : 170).

Esta descrição corresponde igualmente ao testemunho da irmã Benvinda no processo

de canonização (Garrone 1961 : 90).

lxxxiii

Anexo 2 – Obras de Valentim de Almeida

Portugal

Continente

Arraiolos, igreja da Misericórdia (1753)

Beja, convento da Esperança (1741)

Caldas da Rainha, Hospital das termas (1747-1750)

Chaves, igreja da Misericórdia (década de 1720)

Crato, igreja paroquial (1722-1723)

Coimbra, convento de Santa Cruz (década de 1730)

Évora, igreja de S. Miguel de Machede (década de 1740)

Évora, Universidade de Évora (1744-1749)

Faro, Museu (antigo convento de S. António dos Capuchos) (década de 1730)

Lamego, convento de Santa Cruz (1723-1725)

Lisboa, Embaixada de França (antigo Palácio dos marqueses de Abrantes) (1748-

1751)

Lisboa, capela do Senhor da Serra, Belas (1745)

Lisboa, convento das Comendadeiras de Santos-o-Novo (cerca de 1750)

Lisboa, convento da Graça (década de 1720)

Lisboa, convento de S. João de Deus (final da década de 1740)

Lisboa, igreja de S. José dos Carpinteiros (cerca de 1750)

Lisboa, Hospital (antigo convento) de Santa Marta (1740)

Lisboa, mosteiro de S. Vicente de Fora (1730-1735)

Lisboa, Museu da Cidade (antigo Palácio dos Coruchéus) (1740-1745)

Lisboa, Palácio de Santos (1744-1750; 1758)

Lisboa, Quinta dos Azulejos (década de 1750)

Louriçal, igreja do convento (cerca de 1739)

Óbidos, Porta da Vila (década de 1740)

Oeiras, Quinta do Torneiro, Porto Salvo (1718)

Oeiras, Palácio Pombal (década de 1720)

Peniche, igreja da Ajuda (1722-1723)

Peniche, igreja de Nossa Senhora da Conceição (década de 1720)

Porto, Sé (1729-1731)

Redondo, serra de Ossa, Hotel (Antigo convento de S. Paulo) (cerca de 1735-

1740)16

Sintra, igreja de S. Pedro (década de 1730)

Torres Vedras, convento de Varatojo (década de 1720)

Viana do Castelo, Palácio Barbosa Maciel (década de 1730)

Vila Franca de Xira, Palácio da Quinta da Senhora da Piedade, Póvoa de Santa Iria

(1747-1751, 1752)

16 Atribuídos à oficina de Bartolomeu Antunes. No entanto, face aos exemplos expostos neste trabalho,

consideramos plausível a hipótese de poderem ser, pelo menos, os aqui citados, obra de Valentim de Almeida.

lxxxiv

Madeira

Funchal, Sé (1735)

Machico, capela de S. Roque (cerca de 1750)

Açores

Graciosa, capela de Nossa Senhora da Ajuda, Monte da Ajuda (1751)

Pico, igreja de S. Pedro de Alcântara, Cais do Pico, S. Roque (década de 1750)

Ponta Delgada, capela de Nossa Senhora da Paz, convento da Esperança (1750-

1755)

Ponta Delgada, igreja paroquial de S. Sebastião (1730)

Brasil

Baía, convento de Cairú (década de 1750)

Cachoeira, igreja do Carmo

Olinda, convento de Nossa Senhora das Neves (1750-1755)

Olinda, igreja da Misericórdia (década de 1750)

Paraíba, convento de Igarassú (década de 1750)

Rio de Janeiro, capela de Santana, Colubandé, S. Gonçalo (década de 1750)

Rio de Janeiro, convento de S. António (cerca de 1745)

Rio de Janeiro, igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro (1739)

Salvador, antigo Colégio dos Jesuítas (década de 1740)

Salvador, convento da Ordem Terceira de S. Francisco (início da década de 1730)

Salvador, Misericórdia (1734)

(Mangucci 1998 : 45; Meco 1985 : 58; 1985a : 57; 1989 : 104, 107, 122, 229-231; 1989a :

28; 1999 : 51; 1999a : 12, 31-39; Serrão 2003 : 224; Simões 1979 : 319)