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Confins 19 (2013) Número 19 ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Aviso O conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusiva do editor. Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digital desde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquer exploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e a referência do documento. Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casos previstos pela legislação em vigor em França. Revues.org é um portal de revistas das ciências sociais e humanas desenvolvido pelo CLÉO, Centro para a edição eletrónica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - França) ................................................................................................................................................................................................................................................................................................ Referência eletrônica Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva, « Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão », Confins [Online], 19 | 2013, posto online em 29 Novembro 2013, Consultado o 29 Novembro 2013. URL : http://confins.revues.org/8555 ; DOI : 10.4000/ confins.8555 Editor: Théry, Hervé http://confins.revues.org http://www.revues.org Documento acessível online em: http://confins.revues.org/8555 Documento gerado automaticamente no dia 29 Novembro 2013. © Confins

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Confins19  (2013)Número 19

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Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva

Licenciamento ambiental federal noBrasil: perspectiva histórica, poder etomada de decisão em um campo emtensão................................................................................................................................................................................................................................................................................................

AvisoO conteúdo deste website está sujeito à legislação francesa sobre a propriedade intelectual e é propriedade exclusivado editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilização seja estritamente pessoal ou para fins científicos ou pedagógicos, excluindo-se qualquerexploração comercial. A reprodução deverá mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferência do documento.Qualquer outra forma de reprodução é interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislação em vigor em França.

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Referência eletrônicaAline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva, « Licenciamento ambiental federal no Brasil: perspectivahistórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão », Confins [Online], 19 | 2013, posto online em29 Novembro 2013, Consultado o 29 Novembro 2013. URL : http://confins.revues.org/8555 ; DOI : 10.4000/confins.8555

Editor: Théry, Hervéhttp://confins.revues.orghttp://www.revues.org

Documento acessível online em:http://confins.revues.org/8555Documento gerado automaticamente no dia 29 Novembro 2013.© Confins

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Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva

Licenciamento ambiental federal no Brasil:perspectiva histórica, poder e tomada dedecisão em um campo em tensão

1A questão ambiental está estabelecida, de forma global, em todos os setores do conhecimento,tendo se tornado pauta não só da agenda política de movimentos sociais, mas da agenda públicade governos e Estados. Isso significa que o Governo reconheceu esta questão como políticae significativamente relevante ao ponto de compor sua própria agenda, a qual chamamos deagenda pública. Assim, uma agenda pública nasce da luta das diversas agendas políticas demovimentos sociais da sociedade civil e das múltiplas agendas que coexistem no interiorde governos e Estados. Os elementos que garantem um reconhecimento político são os quecompõem a agenda pública. Nesse sentido, a agenda pública de um Estado ou um governoé uma agenda política, mas que resulta de um processo de negociação amplo, que buscaestabelecer um pacto social em torno de questões que respeitam as múltiplas demandas vividasna sociedade e que procura construir resolubilidades para os problemas nela contidos. Nocampo ambiental, a produção dos pontos que pautam essa agenda pública é também, portanto,atravessada por múltiplas demandas que nem sempre são relativas ao meio ambiente, mas coma dinâmica do capital que orienta a lógica social na contemporaneidade. Ainda assim, este éum assunto sobre o qual se necessita agir, o que garantiu nesses últimos 20 anos um papel dedestaque que fez com que a temática adquirisse o status de problema público, que governose Estados não podem ignorar.

2Há porém, no Brasil, uma lacuna significativa entre a percepção dos problemas ambientaispelos cientistas naturais e pela sociedade e a abordagem destes problemas na agenda pública.Segundo Trajano (2010), a literatura é muito rica em documentos sobre estratégias e diretrizesde conservação ambiental, mas isso não necessariamente se refletiria em ações efetivas, poisa mensagem de que algo precisa ser feito neste sentido não vem atingindo o nível maisimportante, que é o da tomada de decisões dentro do governo. Tal tomada de decisões serefletiria na elaboração de políticas públicas as quais abrangessem as recomendações contidasnos documentos e estratégias citados pela autora, o que não vem ocorrendo.

3Este impasse evidencia as várias questões que estão por trás da elaboração e implementação depolíticas públicas, sejam elas ambientais ou não. Para Labra (1999), mesmo se fosse possívelelaborar uma política “racional”, esta não sobreviveria aos problemas de implementação, oque nem sempre é percebido por setores mais técnicos. De fato, González Suárez (2008)concorda que as teorias aceitas pelas ciências tendem a enxergar o mundo de formamicroscópica, ignorando o contexto sócio-cultural e, sobretudo, as estruturas de podernacionais e internacionais. Isto é fato inclusive para as ciências envolvidas na questãoambiental. Neste contexto, é necessário superar o mero tecnicismo, comum nas ciênciasnaturais, e entender o contexto social (histórico, político, e econômico) que acaba por influirno processo de tomada de decisões que se reflete na elaboração e implementação de políticaspúblicas.

4Uma definição de “Política Pública” seria “o processo pelo qual os diversos gruposque compõem a sociedade tomam decisões coletivas, as quais afetam o conjunto dessasociedade” (Rodrigues, 2010, p.13). Isso não se dá sem conflitos, mas a política visaexatamente à resolução destes conflitos de forma pacífica. Para um assunto, problema ouconflito se tornar pauta na agenda pública, como é o caso da questão ambiental, é decisiva aparticipação dos cidadãos e dos partidos políticos, bem como a interação dos atores envolvidos(públicos e privados) e a possibilidade de participação democrática. Aqui temos clara adimensão psicopolítica do processo de tomada de decisão que depende de elementos dasubjetividade política de cada “tomador de decisão”, no caso o gestor público. Isto é importanteporque a gestão é eminentemente ação política e esta depende da ação de atores sociais

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individuais e coletivos (Costa, 2012). Esta questão pode compor, na psicologia política, osestudos “das situações de pressão, do conflito e da negociação e dos efeitos do primeiro e dosfatores psicológicos da segunda (...) [, mas também os estudos da] ideologia como fenômenopolítico, instrumento e processo de mediação, com seu correlato de alienação e seus efeitosem sociedades e indivíduos” (Montero & Dorna, 1993, p.10).

5O debate sobre quem estaria por trás das tomadas de decisões que culminam nas políticaspúblicas não é novo e teve início no período anterior da própria constituição das políticaspúblicas como área de conhecimento específico (Rodrigues, 2010). A busca por explicaçãosobre por que motivo determinadas políticas públicas são adotadas em detrimento de outrase por que o Governo está agindo de uma forma em detrimento de outra, pode nos ajudara compreender melhor não só a sociedade em que vivemos, mas também as causas econseqüências das decisões públicas (Rodrigues, 2010). Neste sentido, é importante entenderque as políticas públicas são adotadas num determinado momento e dentro de um determinadocontexto, que o governo tem poder político para tomar decisões de acordo com as preferênciase interesses dos diversos atores e que, em um governo democrático, tais preferências einteresses são permanentemente negociados. Entender as peculiaridades deste processo é oprimeiro passo para agir e prol da melhoria das políticas públicas ambientais num contexto deuma democracia imperfeita, em que alguns atores tem mais poder que outros.

6 Desta forma, este trabalho pretende analisar a construção da definição do processo deAvaliação de Impactos Ambientais e a implementação do instrumento LicenciamentoAmbiental no Brasil de uma perspectiva mais ampla que a técnica, analisando, por umlado, como a história e o contexto social, econômico e político interno e externo ao paísinfluenciaram no processo de tomada de decisão, que se refletiu e se reflete na definição depolíticas públicas no setor e por outro os contextos subjetivos que orientam a ação dos agentesdecisores. Ainda que o escopo deste trabalho possa soar ambicioso, importa dizer que não énossa intenção, ou mesmo pretensão, aportar aqui soluções mágicas para problemas no mínimocrônicos existentes no campo ambiental; não é nossa intenção esgotar as análises necessáriaspara o enfrentamento das questões aqui levantadas. Mas é nossa intenção contribuir de modosólido para a discussão das problemáticas decorrentes do exercício cotidiano da Avaliação deImpactos Ambientais de projetos.

7 No que tange aos aspectos metodológicos, destacamos que este manuscrito resulta de umaanálise qualitativa das legislações ambientais federais e procedimentos internos do órgãoambiental federal- IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis, bem como de uma revisão de literatura que nos propiciou as condições analíticasnecessárias para pensarmos a avaliação de políticas ambientais na atualidade. Nossa análisese deu com base nas ponderações de Ignácio Martín-Baró (1991) e Maritza Montero (1999,2009) acerca do que seria o método e os níveis de análise possíveis desde a PsicologiaPolítica. Estes, por sua vez, são aplicados ao campo das políticas públicas, inaugurando umenfoque psicopolítico, como se pode ver em trabalhos de Eda Tassara, José Oliveira, e VanessaBatista (2007); Eda Tassara e Omar Ardams (2008); Marcelo Calegare (2010) e AlessandroSoares da Silva (2012). No campo da análise de políticas públicas ambientais, entendemosque a perspectiva psicopolítica da análise de políticas públicas pode agregar uma dimensãohumanizadora de processos avaliativos, os quais podem vir a contribuir na elucidação deconflitos entre a técnica e o ser humano.

Problemática da avaliação de impactos ambientais e dolicenciamento ambiental federal no Brasil

8 O surgimento do conceito de Avaliação de Impactos Ambientais data da década de 70, nosEstados Unidos. Devido à pressão da opinião pública sobre o governo para que o mesmoaceitasse sua parcela de responsabilidade pelas atividades desenvolvidas por suas própriasagências, foi criada a NEPA – National Environmental Policy Act, em 1970 (Sánchez, 2008).Esta foi a base para o desenvolvimento do mecanismo que ficou conhecido mundialmentecomo AIA – Avaliação de Impactos Ambientais.

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9 A AIA foi formalmente introduzida no Brasil pela Política Nacional de Meio Ambiente,instituída na Lei n 6938, de 31 de agosto de 1981, que elegeu dentre as ações preventivasa Avaliação de Impactos Ambientais e o licenciamento para a instalação de obras ouatividades potencialmente poluidoras. O processo de AIA deve identificar e avaliar osimpactos potenciais benéficos ou negativos de projetos ao ambiente, levando em consideraçãoaspectos ecológicos, sociais, culturais e até estéticos. Deve ser levado em conta também comoo projeto avaliado vai afetar pessoas, os locais que elas habitam e o seu modo de vida.

10 Apenas anos depois de promulgada a Política Nacional do Meio Ambiente, as definições,responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais sobre a AIA foram disciplinadas atravésda Resolução Conama 001/1986 (Assunção, Bursztyn e Abreu , 2010). Segundo os autores,esta norma vinculou a aplicação da AIA ao instrumento licenciamento ambiental, o queteria causado uma redução de sua abrangência, ao ser exigida apenas para determinadosempreendimentos/atividades (projetos), deixando de lado planos, programas e políticas.

11 A principal norma referente ao instrumento licenciamento ambiental no Brasil é a ResoluçãoCONAMA 237, datando de 19 de dezembro de 1997. Segundo esta norma, a competência dolicenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos de grande porte (que envolvammais de um Estado), além da totalidade daqueles localizados no mar territorial, na plataformacontinental e na zona econômica exclusiva cabe ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão executivo federal do Sistema Nacional doMeio Ambiente (SISNAMA). O licenciamento ambiental, portanto, é o instrumento processualatravés do qual se dá a Avaliação de Impactos Ambientais de projetos. Trata-se de uma etapaessencial, devendo ocorrer em uma fase anterior a qualquer empreendimento de grande portepara assegurar que impactos potenciais sejam identificados e que os danos sejam mitigadosou compensados. Qualquer ação em prol do desenvolvimento requer não apenas uma análiseda real necessidade de tal projeto e dos custos e benefícios econômicos envolvidos, mas, tãoimportante quanto, requer o estudo e análise da viabilidade ambiental1 dos mesmos.

12 Este processo tem sido objeto de intensa controvérsia no Brasil envolvendo tanto aqueles paraquem os requerimentos excessivos e a demora no processo de licenciamento são responsáveispela demora de execução de importantes obras de infra-estrutura, como os que defendem queas licenças são concedidas por pressões econômicas e políticas em detrimento de relevantesquestões ambientais.

13 Para Oliveira & Bursztyn (2001), um dos principais problemas da AIA seria a sobreposiçãode interesses políticos às conclusões contidas nos estudos ambientais que subsidiam esteprocesso. Egler (1998) apontou problemas relacionados a deficiências de infra-estruturae pessoal no IBAMA para a condução do processo de AIA, enfatizando que melhoriasqualitativas e quantitativas eram requeridas. Isso é corroborado pelo trabalho de Glassom& Salvador (2000), que aponta como fragilidades o processo burocrático e facilmentemanipulável por pressões políticas e econômicas que envolve a aprovação dos Estudos deImpacto Ambiental, bem como a falta de regulamentações secundárias, de mão de obratreinada para análise e de infra-estrutura.

14 É fato que o corpo técnico responsável pela análise de processos de licenciamento ambientalsofreu um incremento numérico devido aos três concursos públicos realizados pelo IBAMAnos anos de 2002, 2005 e 2008. As legislações referentes ao tema Licenciamento Ambiental,conforme dito anteriormente, também foram aprimoradas desde o surgimento da Avaliação deImpactos Ambientais no Brasil, como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente,em 1981, conforme ilustrado pela Imagem 1.

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Imagem 1- Linha do tempo ilustrando a evolução das legislações e instituições relacionadasao licenciamento ambiental federal

(Estaevolução será explicada com maior detalhamento na seção 2- Histórico e discussões acerca da questão ambiental noBrasil e surgimento dos principais instrumentos legais referentes ao tema.)

15 Por outro lado, a demanda de análises de pedidos de concessão de licenças ambientais ao longodeste período aumentou significativamente, de forma que enquanto no ano de 2002 o órgãofederal recebeu 464 processos para análise, este número saltou para 1675 processos no ano de2010 , conforme ilustrado na Imagem 2.Imagem 2- Gráfico com o número de processos de solicitação de licenças ambientais abertospor ano, desde a criação do IBAMA

(adaptado de Forattini, 2011)

16 Novas legislações referentes ao tema acabaram de ser editadas em que se verifica umapreocupação em se padronizar os procedimentos de análise de pedidos de concessão delicenças ambientais, bem como diminuir os prazos de emissão de licença. Certamente estas

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duas necessidades são importantes em um momento de grande crescimento econômico e dedemanda por grandes obras. Entretanto, mais que nunca se torna necessária a determinaçãoda viabilidade ambiental destes empreendimentos, de forma que o processo de AIA tem queestar sob permanente avaliação e aperfeiçoamento para que seja mais ágil sem deixar de atingirseus objetivos.

Histórico e discussões acerca da questão ambiental noBrasil e surgimento dos principais instrumentos legaisreferentes ao tema

17 A preocupação com os impactos das ações do ser humano sobre o ambiente é uma temáticaantiga, sendo mencionada desde a civilização grega, na época de Aristóteles (Santos, 2004).Entretanto, foi após a Revolução Industrial e da época das grandes descobertas no campoda História Natural que os conflitos existentes na relação homem-ambiente tornaram-se maisevidentes.

18 Mais recentemente, nas décadas de 1950 e 1960, após um intenso movimento popular deprotesto contra a forma de desenvolvimento e os padrões de consumo vigentes, começaram asurgir propostas de gerenciamento dos recursos naturais, através de mecanismos de comandoe controle, que se refletiram principalmente na elaboração de instrumentos legais. Em 1968ocorreu uma reunião tratando sobre o tema, mundialmente conhecida como “Clube de Roma”,que, além de chamar atenção da sociedade, passou a pressionar ainda mais os governosacerca da questão ambiental, o que acabou por impulsionar a criação do NEPA (NationalEnvironmental Policy Act) nos Estados Unidos, ao qual se seguiram diversas legislaçõestambém em outros países.

19 A NEPA surgiu da preocupação com os impactos ambientais resultantes da implantaçãopelo governo de grandes obras de infra-estrutura. Durante quase vinte anos foi discutida noCongresso Americano a necessidade de estudos de impacto ambiental em grandes obras, edurante estas décadas a idéia passou a ser debatida também em outros países (Santos, 2004).Nesse contexto, a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) surgiu como um instrumento doprocesso de tomada de decisão que visa a estimular a consideração de fatores ambientais noplanejamento e tomada de decisão, de modo que as ações, públicas e privadas, implementadassejam mais compatíveis com o meio ambiente.

20 O Brasil, nesta mesma época, vivia uma fase de governos militares (1964 a 1985), eé este momento político-histórico emblemático que tem os elementos fundamentais paracompreender o nascimento das políticas públicas exclusivamente ambientais nacionais e seusdesdobramentos até o momento atual. Este período foi marcado por uma ausência de umaconstrução interna consistente nas políticas públicas ambientais, aliada com um papel decisivode pressões externas (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).

21 Nesta mesma época ocorreu ainda a Primeira Conferência Mundial sobre o Homem e oMeio Ambiente, conhecida como Conferência de Estocolmo, em 1972, que envolveu osrepresentantes das Nações Unidas, permitindo o comparecimento de grupos, segmentos epessoas das ONGs ambientalistas de várias partes do mundo. O evento também marcou acriação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e o incentivo aospaíses participantes em criarem instituições nacionais responsáveis pela questão ambiental(Pagnoccheschi & Bernardo, 2006). Assim, em 1973, foi criada a Secretaria Especial deMeio Ambiente (SEMA). Além disso, a Conferência acabou por dar maior visibilidade aoainda incipiente movimento ambientalista brasileiro, que se fortaleceu, com a multiplicação deONGs ligadas ao tema e a interlocução das mesmas e da comunidade científica com o governo.

22A SEMA foi o primeiro órgão federal com atribuição específica para tratar de questõesambientais no Brasil (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006), e era ligada ao Ministério do Interior.Começou sua atuação de forma bastante tímida, com pouco poder de interlocução e equipetécnica reduzida, tratando principalmente de temas ligados ao combate à poluição, bastanteem evidência devido aos problemas enfrentados em São Paulo e no Rio Grande do Sul, e àaquisição de áreas para a criação de Estações Ecológicas, categoria de Unidade de Conservaçãode uso indireto (que não permite a presença humana). A atuação desta entidade foi marcada

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por dificuldades de integração, se mantendo como uma espécie de enclave do movimentoambientalista dentro do governo, com alcance restrito às chamadas ações de comando econtrole, mas sem acesso às políticas setoriais de grande impacto ambiental, como agricultura,energia e infra-estrutura (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).

23Além disso, começaram a ser elaborados marcos legais sobre o tema, culminando na edição daPolítica Nacional do Meio Ambiente, contida na Lei nº6938, em 31 de agosto de 1981 (videImagem 1). Dois dos instrumentos para a execução da referida política citado nesta lei foi aAvaliação de Impactos Ambientais e o licenciamento das atividades efetiva ou potencialmentepoluidoras. A AIA no Brasil já ocorria de forma não regulamentada desde a década anterior,em função da exigência de órgãos financiadores internacionais, sendo apenas posteriormenteincluída como um dos instrumentos de execução da Política Nacional do Meio Ambiente(Rohde, 2006).

24Em 1986 foi editada, no âmbito da AIA, a Resolução CONAMA nº01 de 23 de janeiro de1986 (Imagem 1), a qual estabeleceu as definições, as responsabilidades, os critérios básicose as diretrizes gerais para uso e implementação da Avaliação de Impactos Ambientais. Essemarco regulatório foi muito importante uma vez que, na prática, a AIA já estava sendo feitaem muitos projetos sem, no entanto, haver um dispositivo legal no qual os técnicos envolvidosno processo pudessem se embasar.

25Em 1987 foi apresentado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimentoo Relatório Brundtland, ou “Nosso Futuro Comum”, o qual oficializou o termo“desenvolvimento sustentável”, definido como aquele que atende às necessidades das geraçõesatuais sem prejudicar o atendimento às gerações futuras. Este documento enfatizou aimportância do planejamento na área ambiental e deixou claro que não poderia existirdesenvolvimento desvinculado das questões ambientais. A partir de então, a questão ambientaldeixou de ser vista de forma fragmentada e passou a, aos poucos, ser encarada comotemática global, com responsabilidade e interesse tanto de países desenvolvidos, como dos emdesenvolvimento.

26Foi neste cenário internacional que a Assembléia Constituinte no Brasil passou a discutir otema “Meio Ambiente”. Após a redemocratização, houve um período de consolidação daspolíticas públicas ambientais brasileiras, com a existência na nova Constituição de um capítulointeiro voltado para o meio ambiente, da inovadora responsabilidade compartilhada entre oPoder Público e a coletividade sobre a defesa ambiental, bem como as competências de todosos entes da federação (União, Estados e Municípios) para proteger o meio ambiente e legislarsobre ele.

27O novo governo implantou então, em 1989, o programa chamado “Nossa Natureza”, comuma série de medidas relevantes, entre elas a que reformulou institucionalmente a áreaambiental, com a criação do IBAMA- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Imagem 1). A nova autarquia, com a missão de ser o órgão executorda Política Nacional do Meio Ambiente, surgiu da fusão da antiga SEMA com 3 órgãos defomento à produção: o IBDF (Instituto Brasileiro do Desenvolvimento Florestal), a SUDEPE(Superintendência do Desenvolvimento da Pesca) e a SUDHEVEA (Superintendência doDesenvolvimento da Borracha).

28O ano de 1992 representou um momento histórico para a questão ambiental no Brasil, coma realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimentono Rio de Janeiro, conhecida como Rio-92. Este evento representou a consolidaçãoda rede do movimento ambientalista brasileiro, e marcou a consagração do chamado“socioambientalismo”, com uma mudança de ideologia a respeito de questões ambientais,passando de uma visão de principalmente de controle de poluição e estabelecimento deáreas protegidas (normalmente sem a presença humana) para uma visão de desenvolvimentoeconômico e “socioambiental”. Isso significa que o social estaria implicitamente presente noambiental, sendo ambos indissociáveis, devendo ser levados conjuntamente em consideraçãona compreensão de problemas e busca de soluções pelas políticas públicas. Houve ainda umcrescimento na atuação das ONGs em todo espectro de políticas públicas, destacando-se a áreaambiental (Pagnoccheschi & Bernardo, 2006).

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29Ainda no final do ano de 1992 foi criado o Ministério do Meio Ambiente, com a missãode promover a inserção do conceito de desenvolvimento sustentável na formulação e naimplementação de políticas públicas. Entretanto, desde sua criação, este Ministério tevea atuação muito prejudicada pela falta de recursos e de espaço de debate junto a outrosministérios mais poderosos. O IBAMA, que tinha uma atuação mais consolidada, ficousubordinado ao MMA, sendo que as atribuições destes dois órgãos até os dias de hoje aindanão estão estabilizadas, com a relação formulador-executor bastante confusa.

30A Resolução 237 do CONAMA, editada em 1997 (Imagem 1), revisou o sistema deAvaliação de Impactos Ambientais, efetivando o licenciamento ambiental de projetos comoinstrumento de gestão ambiental, conforme já instituído desde 1981, pela Política Nacionaldo Meio Ambiente (Rohde, 2006). Essa norma definiu critérios e prazos para a análise deEstudos de Impacto Ambiental, consagrando o licenciamento ambiental como procedimentoadministrativo a ser adotado por técnicos dos órgãos ambientais na análise de projetos.

31A partir de 1998, tendo alcançado a estabilidade econômica após sucessivas crises, o Brasilpassou por um período de crescimento econômico e melhoria nas condições sociais, comgrande parte da população ascendendo socialmente e tendo acesso a um nível de consumomuito mais elevado. Teve início também, sobretudo a partir de 2002, um período de grandesobras de infra-estrutura. Ao mesmo tempo, o IBAMA teve um incremento na sua mão-de-obracom os únicos concursos públicos para provimento de cargos técnicos do órgão, realizadosnos anos de 2002, 2005 e 2008.

32O incremento de mão-de-obra e na qualificação nos quadros do órgão ambiental federallicenciador resultou na aplicação mais efetiva da legislação já existente, considerada uma dasmais restritivas do mundo. A análise mais criteriosa dos pedidos de concessão de licençasambientais trouxe à tona as fragilidades dos estudos existentes, e colocou em dúvida qualseria o limite de atuação do órgão ambiental em termos de solicitações de complementaçõese condicionantes. Desta forma, foi editada em 2011 uma série de Portarias a respeito dolicenciamento ambiental estabelecendo critérios e limites na análise dos pedidos de concessãode licenças, de forma a agilizar e baratear o processo para os empreendedores (Imagem 1).

33Em relação à dinâmica dos órgãos ambientais, começou a haver uma descentralização decompetências da União para os demais entes federativos, em consonância com a ConstituiçãoFederal de 1988. Aproveitando-se da atuação crescente de alguns estados e municípios na áreaambiental, muitos escritórios regionais do IBAMA foram fechados e muitas competênciasforam delegadas por meio de convênios. Paralelamente, vem ocorrendo um processo dereorganização da gestão ambiental federal, com a criação de outros órgãos e entidades ou atransferência da competências do IBAMA para outros órgãos. Deste processo fazem partea Agência Nacional de Águas - ANA, o Ministério da Pesca, o Instituto Chico Mendesde Biodiversidade –ICMBio (Imagem 1), e o Serviço Florestal Brasileiro - SFB, cada quallevando consigo, quando criado, parte das atribuições que eram do IBAMA.

34Desta forma, tem havido muitas polêmicas sobre o enfraquecimento na forma da perda deatribuições por parte do IBAMA. O entendimento do momento histórico atual pode contribuirpara esclarecer como tem se dado estas tomadas de decisão que tem se refletido diretamentena mudança de rumo das políticas públicas ambientais, e também nas condições de execuçãodo trabalho cotidiano dos técnicos da instituição. Destes aspectos conjunturais produtores decontextos e situações é que surgem tensões, conflitos e disputas de poder intra-institucionaise interinstitucionais que se refletem indubitavelmente no processo de formulação, avaliação emonitoramento de políticas públicas no campo ambiental e em suas dimensões micropolíticas.Ou seja, na ponta da ação pública realizada pelos agentes responsáveis pela execução dasAIAs, pela análise das solicitações de licenciamento e, portanto, pela negociação dos conflitossociais inerentes aos processos contidos na própria AIA.

35Ao analisarmos a dinâmica em torno da legislação ambiental e as instituições federaisresponsáveis pela gestão ambiental, podem-se perceber momentos distintos, muitorelacionados aos momentos históricos, envolvendo economia, sociedade e pressões políticasinternas e externas. Estes momentos estão descritos resumidamente na Quadro 1, que busca

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ilustrar as diferentes características destes momentos, as legislações criadas e a dinâmica dasinstituições.Quadro 1- Tabela ilustrando as características principais de 3 momentos históricos daquestão ambiental no Brasil

Período militarAssembléia constituinteaté 1998

1998-atual

Percepção dos problemasambientais

-Problemas eramvistos como pontuais;

-Poluição nas grandescidades;

-Necessidade decriação de Unidadesde Conservação sem apresença humana.

-A partir de Bruntdland,problemas são vistos comoglobais;-Desmatamento naAmazônia e perda dabiodiversidade;-Visão sócio-ambiental-homem inserido no meioambiente.

-Aquecimento global eperda de habitats;-Economia ambiental-valoração econômica dosrecursos naturais.

Cenário político-econômico-social

- Governo autoritário,com pouca ou nenhumaparticipação popular;-Maioria da população semacesso a bens de consumo;-Início do movimentoambientalista, ainda comvisão romântica e idéias deseparação homem-natureza.-Clube de Roma,Conferência de Estocolmo.

-Democratização, commaior participação popular;-Multiplicação de ONGssócio-ambientalistas;-Transição entre crise eestabilidade econômica;-Brundtland- NossoFuturo Comum,surgimento do conceitode DesenvolvimentoSustentável e Rio-92.

-Estabilidade e crescimentoeconômico;-Ascensão de grande parteda população e acesso abens de consumo;-Grandes obras de infra-estrutura;-Expansão do agronegócioe exploração de petróleo;-Kyoto, Rio + 10, Rio +20.

Principais legislaçõesligadas ao licenciamentoambiental

-Política Nacional doMeio Ambiente e Res.CONAMA 01/86

-Resolução CONAMA237/97 e Lei de CrimesAmbientais.

-Novo Código Florestal(2012), Lei Complementar140 e Novas Portarias doIBAMA de outubro de2011

Dinâmica das instituições-Criação da SEMA, ligadaao ministério do Interior.

-Criação do IBAMA, coma junção da SEMA, IBDF,SUDEPE e SUDHEVEA;-Criação do MMAposteriormente à criação doIBAMA.

-Descentralização da gestãoambiental;-Divisão do IBAMA, coma criação do ICMBio, SFBe ANA.

(adaptado de Neder, 2002)

Conflitos, Negociação e Territorialidades Subjetivas36 Tratar de processos de negociação nos leva necessariamente ao tema dos conflitos e das

territorialidades subjetivas que ordenam o conflito. A partir desta premissa, entendemos quenum processo de construção coletiva de um instrumento de gestão de uma política ambientalcomo a AIA a negociação política e temas relacionados a ele, como conflito, papéis dos atorese relações de força, estratégias de ação e métodos de influência, desempenham uma funçãocentral na própria gestão. Nesse marco, pensar em territorialidades subjetivas nos permiteentender os espaços objetivos e subjetivos da negociação dos conflitos e das tomadas dedecisão. A esse respeito Moura, Ultramani e Cardoso (1994) e Trindade Junior (1998) afirmamque a noção de territorialidades subjetivas refere-se à delimitação de interesses não-formais,por meio dos quais seus agentes definem seus raios de ação em limites subjetivos, sem anecessidade de demarcações sólidas, asseguradas institucionalmente, e que em geral surgema partir de identidades que expressam suas territorialidades através da prática espacial.

37 As territorialidades subjetivas, então, dependem de processos materiais e estabelecemmediante a relação com o espaço e o espaço simbólico, atribuições de sentidos que ordenamas relações de sujeitos e pautam posições identitárias, as quais passam permanentemente pornegociações e por situações conflitivas. Este fato atravessa a realidade, no caso da gestão, e aação dos sujeitos, no caso, dos gestores ambientais. Vale recordar que

38 O conflito é frequentemente a máscara que esconde as relações de dominação e de exclusão,escreveram Michel Callon, Pierre Lascoumes e Yannick Barthe. Nós não aprofundaremos a

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democracia buscando acordo custe o que custar. A política é a arte de tratar dos desacordos,dos conflitos, das oposições e, por que não, que as faz surgir, incentivar, multiplicar, pois éassim que os caminhos inesperados se abrem, que as possibilidades se multiplicam (Thuderoz,2010, p. 19).

39 Tratar os desacordos implica em negociar. Para Graciela Mota (2006), a negociação políticaresulta de um processo coletivo, pois negociar implica no debate de argumentos posto àdisposição dos implicados, o que faz da negociação uma ferramenta política de persuasão. Éela que opera frente e para a resolubilização de conflitos de modo democrático ou, ao menos,menos autoritário, menos fundado na força e no poder de quem se impõem sem diálogo.

40 Nesse sentido, a autora aponta que negociar é41 Compreender a negociação na contemporaneidade implica em superar a visão corrente de

algo relativo somente à diplomacia, ao comércio ou às relações de trabalho. A negociação é,portanto, um mecanismo de decisão, uma atividade social dotada de intencionalidade e comuma perspectiva processual. Thuderoz (2010) destaca que negociar envolve indivíduos e suasvontades, seus afetos; estratégias de ação; interesses que, as vezes se aproximam, as vezes seafastam. Mas negociar também envolve cálculos sobre a utilidade das ações, uma avaliação derecursos disponíveis e das oportunidades que surgem e que abrem possibilidades de pressãoe de resolubilização de conflitos. Portanto, a negociação mobiliza recursos psicológicos,técnicos, normativos e éticos, pois a ação de negociar está em primeiro plano e traz emsi a necessidade de comprometer-se com o outro, de decidir com ele, de estabelecer umcompromisso. Assim,

42A negociação, no campo ambiental, necessita conduzir a um acordo entre as partes, e, destafeita, não pode ser decorrente de um esquema de imposição. É preciso que haja a livre aceitaçãodo acordo, visto que “Todas as decisões tomadas em uma estrutura de negociação são, portanto,coletivas, onde as partes se entendem voluntariamente e em conjunto, depois de ter examinado,de maneira mais ou menos conflitiva, outras ações possíveis” (Thuderoz, 2010, p. 42).

Poder e tomada de decisão na área ambiental:considerações psicopolíticas de um campo em tensão

43 O quadro ilustrado nas seções anteriores mostrou uma análise das políticas públicas hojevigentes na área do licenciamento ambiental que vai além de questões meramente técnicas.Conforme enfatizado anteriormente, a análise de qualquer política pública evidencia que ainclusão ou a exclusão de um assunto da agenda pública pode sofrer variações de acordo como ativismo dos cidadãos e partidos políticos, com a ideologia social e com a interação dosatores, sendo que a possibilidade de participação democrática nem sempre é igualitária.

44 O surgimento da preocupação ambiental moderna no Brasil deu-se durante o período dogoverno militar e a inclusão desta questão na agenda política sempre esteve ligada a fortespressões de grupos de interesse externos ao país e a indivíduos que possuem nível educacionalelevado e de origem urbana. Assim, as primeiras políticas públicas voltadas para o processode Avaliação de Impactos Ambientais passaram a existir neste contexto. Como a visão demeio ambiente nesta época ainda era fragmentada, deu-se ênfase à avaliação de impactos deprojetos, em detrimento à avaliação de políticas, planos e programas do governo. De fato,muitos dos problemas ambientais e de desenvolvimento surgem da fragmentação setorial dasações públicas, sendo necessário, portanto, a adoção de medidas mais integradas e coordenadasno contexto do processo de tomada de decisão para as ações estabelecidas em determinadopaís, região ou localidade (Oliveira & Bursztin, 2001). Egler (1998, p.153) ainda sugere outroaspecto a ser considerado:

45 Outro elemento que pode impor sérias restrições a tentativas de melhorias deste processo [deAvaliação de Impactos Ambientais] é a atual tendência internacional, que enfatiza a reduçãodo tamanho e funções do Estado na economia. De acordo com esse modelo, as funções doEstado deveriam ser reduzidas ao mínimo desempenho fisiológico das atividades de defesa,justiça e polícia, essencialmente à garantia da soberania nacional; as demais atividades seriamreguladas pelo mercado. No entanto, a inserção das atividades de integração e de coordenaçãonos processos de formulação e de implementação de políticas, planos e programas, é uma

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função do Estado. Nesse sentido, essa tendência pode comprometer seriamente a atividade decoordenação das ações públicas.

46Mais recentemente, após sucessivas crises, e com uma certa estabilidade econômica, houveum período de crescimento e melhoria nas condições sociais, com grande parte da populaçãoascendendo socialmente e tendo acesso a um nível de consumo muito mais elevado. Isso serefletiu numa demanda crescente de análises de pedidos de concessão de licenças ambientaisem nível federal. Desta forma, foi necessário um incremento na mão-de-obra no órgãoambiental federal (IBAMA), resultando na realização de concursos públicos.

47O incremento de mão-de-obra e na qualificação nos quadros do órgão ambiental federallicenciador resultou na aplicação mais efetiva da legislação já existente, o que significouum empecilho real para o crescimento econômico baseado na realização de grandesempreendimentos. A análise mais criteriosa dos pedidos de concessão de licenças ambientaistrouxe à tona as fragilidades dos estudos existentes, e do próprio processo de avaliação deimpactos ambientais, voltado apenas para projetos. Isso, aliado às ingerências internas entreIBAMA e Ministério do Meio Ambiente (MMA), e do próprio relacionamento entre o MMA eMinistérios com mais poder se refletiu em afirmações de o órgão ambiental tentaria emperraro desenvolvimento, colocando em dúvida qual seriam os limites de atuação do mesmo.Este processo complexo, no qual fatores externos afetam direta e indiretamente o processode formulação, implementação e avaliação de políticas públicas ligadas ao licenciamentoambiental, está ilustrado na Imagem 3.Imagem 3- Representação esquemática dos aspectos externos que interferem na elaboração,formulação e implementação das políticas públicas ligadas ao licenciamento ambiental.

48A criação do ICMBio, com o conseqüente enfraquecimento do IBAMA, foi emblemática nesteprocesso, uma vez que tal medida foi na verdade uma conseqüência do impasse envolvendoo licenciamento ambiental de duas usinas hidrelétricas na Amazônia (Zhouri, 2008). A usinade Belo Monte (Imagem 4), outro caso emblemático, é um claro exemplo de como interessespolíticos, muitas vezes, se sobrepõem à análise técnica, de forma que ocorre degradaçãoambiental e contradição dos interesses da população mesmo em obras licenciadas.

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Imagem 4- Fotos tiradas pela Organização Não Governamental Greenpeace no canteirode obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, licenciada pelo IBAMA, ilustrando diversosflagrantes de degradação ambiental causada pela obra.

Foto retirada do site http://www.gestaoebt.com.br/blog/?p=5485

49Ao mesmo tempo em que há o claro enfraquecimento do principal órgão executor da PolíticaNacional do Meio Ambiente, há paradoxalmente um discurso que prega a sustentabilidade,aproveitando-se da posição do Brasil de país megadiverso, como se esta posição fosse umatestado de boas políticas públicas no setor. Sobre isso, Pierre Charaudeau (2006, p.56) relatao seguinte:

50Em certos âmbitos acadêmicos, tem havido preocupação de setores ligados à ciência sobre anecessária determinação da viabilidade ambiental de grandes empreendimentos, de forma queo aperfeiçoamento do processo de AIA deveria se pautar numa avaliação técnica permanente,que permitisse uma maior agilidade sem deixar de atingir seus objetivos primordiais.Entretanto, estas preocupações nem sempre são levadas em consideração e não chegam aoconhecimento do grande público.

51Nas seções anteriores fica claro que os principais grupos de interesse que conseguem interferirna arena política ambiental, em geral, são indivíduos de boa condição social e com interesseseconômicos que, diante de pressões internas ou externas, favorecem a transformação dosproblemas ambientais em questões de agenda das políticas públicas . Tal cenário evidenciaque, numa arena dessa natureza, grupos minoritários como cientistas acabam não tendovisibilidade e suas questões não são incorporadas na agenda pública.

52Para Porto-Gonçalves (1988), a ciência e a técnica são sempre instituídas socialmente, e arelação sociedade-natureza se faz mediada pelo agir comunicativo e relações inter-pessoaissubjetivas com fins sócio-historicamente determinados, onde a razão técnico-científica nãotem plena autoridade para decidir. Desta forma, o aumento de produção e o lucro, além doarraigado conceito de propriedade privada, fatalmente limitam os resultados de técnicas epropostas de cientistas, e o próprio sistema limitaria as possibilidades de utilização destastécnicas quando o modelo de desenvolvimento estivesse em jogo. A técnica é apenas umaspecto da crise ambiental, e este aspecto encontra-se obrigatoriamente subordinado a aspectossociais no seu sentido mais amplo, que abrange a economia, a cultura e a política.

53Pierri (2008) deixa clara esta realidade ao abordar a questão do processo de Avaliação deImpactos Ambientais e explica que o papel decisório do governo está subordinado à garantiade defesa da acumulação do capital e que seu papel de mediar diferentes interesses em relaçãoà sustentabilidade dependerá da pressão de diferentes setores. A mesma autora reconhece

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desigualdades sócio-econômicas na apropriação do conhecimento e na capacidade de exercerpressão política.

54A análise incompleta da problemática do licenciamento ambiental no Brasil dificulta avisualização das causas reais dos problemas percebidos, muito mais sutis e enraizadas emaspectos sociais, aos quais os técnicos se subordinam. Se abordarmos de forma mais amplaa questão, como realizado no decorrer deste trabalho, percebemos entidades sociais comparticipação mais ou menos ativa no delineamento desta questão. Conclui-se, desta forma,que o entendimento do contexto social, político e econômico em que as políticas públicasambientais são adotadas, refletindo na tomada de decisão pelo governo, a qual é dependenteda negociação de preferências e interesses dos diversos atores, deve nortear qualquer esforçotécnico-científico no sentido da melhoria do processo de Avaliação de Impactos Ambientaisfederal no Brasil.

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Notas

1   O uso do termo “ambiental”, e   não “socioambiental” é proposital, e implica necessariamente adimensão social e humana, uma vez que o ser humano, suas ações e interações fazem parte do meioambiente. O termo socioambiental será utilizado quando for tratado o momento histórico de mudança depercepção a respeito da inclusão da dimensão humana e social na questão ambiental.

Para citar este artigo

Referência electrónica

Aline Borges do Carmo e Alessandro Soares da Silva, « Licenciamento ambiental federal no Brasil:perspectiva histórica, poder e tomada de decisão em um campo em tensão », Confins [Online],19 | 2013, posto online em 29 Novembro 2013, Consultado o 29 Novembro 2013. URL : http://confins.revues.org/8555 ; DOI : 10.4000/confins.8555

Sobre os autores

Aline Borges do CarmoDoutoranda em Oceanografia, analista ambiental do IBAMA, Instituto Oceanográfico da Universidadede São Paulo, [email protected] Soares da Silva

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Livre Docente, Professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo,[email protected]

Direitos de autor

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Resumos

 O presente trabalho procura analisar a construção do processo de Avaliação de ImpactosAmbientais (AIA) e a implementação do instrumento Licenciamento Ambiental no Brasilde uma perspectiva de como a história, a sociedade e a política, além do contexto interno eexterno ao país influenciaram no processo de tomada de decisão, que se refletiu e se reflete nadefinição de políticas públicas no setor. A análise procura compreender a problemática técnicada AIA e do licenciamento ambiental federal no Brasil, passando por um histórico da questãoambiental e pelo surgimento dos principais instrumentos legais afins e por fim abordando aspolíticas públicas relacionadas à avaliação de impactos ambientais em relação ao contextosocial, econômico e político. Para tanto, o trabalho tem como eixo analítico a questão dosprocessos de tomada de decisão, os quais se relacionam com a produção de sujeitos políticose com a educação para o poder. A análise mostra que eventos aparentemente externos aosprocedimentos executados por técnicos responsáveis pela avaliação dos pedidos de licençaambiental federal influenciam de forma decisiva nos resultados deste trabalho técnico, aindaque de forma nem sempre tão óbvia ou direta, sobretudo para a visão leiga. De modo geral, oartigo propõe que há necessidade de se revisar a forma com que se trata a técnica e as relaçõeshumanas durante o processo de AIA. Conclui que ferramentas meramente técnico-científicas,ainda que academicamente bem aceitas podem não ser suficientes para atuar nesta arena e queuma visão mais ampla e que compreenda as sutis relações entre política, relações humanase procedimentos técnicos deve nortear qualquer tentativa de intervenção visando à melhoriadestes procedimentos, tanto da AIA como processo, como do Licenciamento Ambiental comoinstrumento administrativo. Disso decorre que, apesar do aparente enfoque técnico-científico,ilustrado inclusive pelos estudos ambientais que, em teoria embasam a AIA, a tomada dedecisão é na realidade reflexo do jogo político que permeia todo o processo.

Permis environnementaux au Brésil : perspective historique, pouvoiret prise de décision sur un terrain en tensionCet article analyse la construction de l’outil d’Évaluation des impacts environnementaux(EIE) et l’application de l’instrument « Permis Environnementaux » au Brésil, en considérantl’influence de l’histoire, de la société et de la politique sur les processus décisionnelsdéfinis par les politiques publiques du secteur. L’étude vise à comprendre les problèmestechniques de l’EIE, à travers l’histoire des enjeux environnementaux, l’émergence desprincipaux instruments juridiques et, enfin, les politiques publiques liées à l’évaluation del’impact environnemental par rapport au contexte socio-économique et politique du Brésil.Par conséquent, ce travail cherche à mieux appréhender les processus de prise de décisionqui concernent l’émergence de débats politiques et d’actions éducatrices par le pouvoir.L’analyse montre que les événements apparemment exogènes aux procédures effectuéespar des techniciens chargés d’évaluer les demandes de permis environnementaux fédérauxinfluencent de manière décisive les résultats de ce travail technique, mais il est toutefoisdifficile d’appréhender tous ces facteurs, surtout pour les éléments non techniques. D’unemanière générale, cet article suggère une révision des considérations des enjeux techniqueset des relations humaines au cours du processus d’EIE. Il conclut que des outils purementtechniques et scientifiques, bien qu’acceptés d’un point de vue académique, peuvent ne pasêtre suffisant pour agir dans ce domaine et qu’une vision plus large, qui prend en compte lesrelations subtiles entre la politique, les relations humaines et les procédures techniques, devrait

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guider toute tentative d’intervention visant à améliorer ces procédures. En dépit de l’approchetechnico-scientifique apparente, illustré par les études environnementales - en théorie qui sous-tend l’EIE -, la prise de décision est en fait le reflet du jeu politique qui conditionne l’ensembledu processus. This paper analyses the construction of the Environmental Impact Assessment procedure andthe implementation of the environmental licensing instrument in Brazil from a perspective ofhistory, society, politics and both internal and external contexts that influenced the decisionmaking process, which reflect in the definition of public policies on this area. The analysisattempts to understand the technical issues of the federal environmental licensing in Brazil,throughout the environmental issue history and the emergence of the main related legalinstruments and finally approaches the public policies concerned with Environmental ImpactAssessment (EIA) regarding the social, economical, and political contexts. Thus, the analyticalaxis of this paper is the decision making processes, which is related to the productionof political subjects and education for the power. The analysis shows that events that areapparently external to the procedures performed by technicians responsible for assessingapplications for federal environmental licenses influence in a decisive way the results of thistechnical work, although this influence is not always so obvious or straightforward, especiallyfor lay views. In general, the article suggests that it is necessary to review the way it treats thetechnical and human relations during EIA process. The conclusion is that purely technical andscientific tools, although academically well accepted may not be enough to make a differencein this arena and that a broader view that understands the subtle relationships among politics,human relations and technical procedures should guide any attempt at intervention aimed atimproving these procedures, both the EIA as a process, and the Environmental Licensingas administrative instrument. From this comes that, despite the apparent technical-scientificapproach, illustrated by environmental studies in theory underpinning the EIA, decision-making is actually a reflection of the political game that permeates the entire process.

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