Judeus no Brasil: estudos e notas [Jews in Brazil: studies and notes]

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1 JUDEUS NO BRASIL: ESTUDOS E NOTAS Nachman Falbel Índice: 1. Introdução 2. A propósito da periodização da história dos judeus no Brasil 3. Judaica Pernambucensis 4. Menasseh ben Israel e o Brasil 5. Sobre a presença dos crisãos novos na capitania de São Vicente e a formação da etnia paulista 6. Judeus em São Paulo: um pouco de sua história 7. Algumas questões concernentes a metodologia na pesquisa da história moderna dos judeus e o conhecimento de suas fontes 8. O Marquês de Pombal e a Inquisição 9. A imigração israelita à Argentina e ao Brasil e a colonzação agrária 10. A contribuição dos imigrantes israelitas ao desenvolvimento brasileiro 11. A religião e a imigação israelita no Brasil 12. A Vós Meu Senhor, o Rei... 13. Uma imigação de judeus ao Brasil em 1891 14. Osvald Boxer e o projeto de colonização de judeus no Brasil 15. As muitas histórias do major Eliezer Levy 16. O primeiro Congresso Israelita n Brasil 17. Yehuda Wilensky e Leib Jaffe e o movimento sionista no Brasil, 1921-1923 18. Os Protocolos do Primeiro Congresso Sionista no Brasil (1922) 19. O sionismo e os judeus no Brasil 20. História oculta: como se lutou para a criação do Estado de Israel 21. Prefácio à brochura “Osvaldo Aranha” 22. Crônica do judaísmo paulista 23. A Escola Israelita Brasileira Talmud Thora Beth Jacob 24. O Macabi de São Paulo e sua evolução 25. José Nadelman e a história dos judeus em São Paulo 26. Uma colonização judaica no interior de São Paulo 27. Instituições comunitárias de ajuda e amparo ao imgrante israelita de São Paulo 28. Subsídios à história da educação judaica no Brasil 29. A presença israelita na Revolução de 1932 30. A visita de Albert Einstein à comunidade do Rio de Janeiro 31. Lasar Segall na imprensa iídiche 32. O mascate Adolfo 33. Uma carta do Rabino A. I.HaCohen Kook no epistolário do Rabino Jacob Braverman 34. A imprensa iídiche como fonte para o estudo dos judeus no Brasil 35. Jacob Schneider e a comunidade judaica no Brasil 36. Identidade judaica, memória e a questão dos indesejáveis no Brasil 37. A correspondência de Leib Malach com Baruch Schulman 38. Uma carta de Jossef Halevi à Baruch Schulman 39. Jacob Nachbin, precursor da historiografia judaica no Brasil

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JUDEUS NO BRASIL: ESTUDOS E NOTAS

Nachman Falbel

Índice:

1. Introdução

2. A propósito da periodização da história dos judeus no Brasil

3. Judaica Pernambucensis

4. Menasseh ben Israel e o Brasil

5. Sobre a presença dos crisãos novos na capitania de São Vicente e a formação da

etnia paulista

6. Judeus em São Paulo: um pouco de sua história

7. Algumas questões concernentes a metodologia na pesquisa da história moderna dos

judeus e o conhecimento de suas fontes

8. O Marquês de Pombal e a Inquisição

9. A imigração israelita à Argentina e ao Brasil e a colonzação agrária

10. A contribuição dos imigrantes israelitas ao desenvolvimento brasileiro

11. A religião e a imigação israelita no Brasil

12. A Vós Meu Senhor, o Rei...

13. Uma imigação de judeus ao Brasil em 1891

14. Osvald Boxer e o projeto de colonização de judeus no Brasil

15. As muitas histórias do major Eliezer Levy

16. O primeiro Congresso Israelita n Brasil

17. Yehuda Wilensky e Leib Jaffe e o movimento sionista no Brasil, 1921-1923

18. Os Protocolos do Primeiro Congresso Sionista no Brasil (1922)

19. O sionismo e os judeus no Brasil

20. História oculta: como se lutou para a criação do Estado de Israel

21. Prefácio à brochura “Osvaldo Aranha”

22. Crônica do judaísmo paulista

23. A Escola Israelita Brasileira Talmud Thora Beth Jacob

24. O Macabi de São Paulo e sua evolução

25. José Nadelman e a história dos judeus em São Paulo

26. Uma colonização judaica no interior de São Paulo

27. Instituições comunitárias de ajuda e amparo ao imgrante israelita de São Paulo

28. Subsídios à história da educação judaica no Brasil

29. A presença israelita na Revolução de 1932

30. A visita de Albert Einstein à comunidade do Rio de Janeiro

31. Lasar Segall na imprensa iídiche

32. O mascate Adolfo

33. Uma carta do Rabino A. I.HaCohen Kook no epistolário do Rabino Jacob

Braverman

34. A imprensa iídiche como fonte para o estudo dos judeus no Brasil

35. Jacob Schneider e a comunidade judaica no Brasil

36. Identidade judaica, memória e a questão dos indesejáveis no Brasil

37. A correspondência de Leib Malach com Baruch Schulman

38. Uma carta de Jossef Halevi à Baruch Schulman

39. Jacob Nachbin, precursor da historiografia judaica no Brasil

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40. Egon Wolff e a historiografia judaica no Brasil

41. Sigmar Kaufmann:um agricultor judeu em São Paulo [falta]

42. Isaias Raffalovich e a educação judaica no Brasil [falta]

43. Deus Absconditus: Yosel Rakover fala com Deus [falta]

44. Léxico dos ativistas sociais e culturais da coletividade israelita no Brasil

45. Apêndices:

Crônicas das comunidades no “Léxico” de Henrique Iussim

Rio de Janeiro

Belo Horizonte

Curitiba

Porto Alegre

Recife

Bahia

São Paulo

Visão do Ischuv de São Paulo – Meir Kucinski

Quarenta anos de imprensa judaica no Brasil-Itzhak S. Raizman

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1. Introdução ao livro Judeus no Brasil: estudos e notas

Passaram-se mais de 20 anos desde que foram publicados os "Estudos sobre a comunidade

judaica no Brasil" e que de certa forma teve o mérito de abrir um novo campo de pesquisa e

estimular os estudos sobre a imigração contemporânea e a formação das comunidades

judaicas em território brasileiro. Pouco a pouco as nossas universidades encontraram

interesse e foram incorporando a temática. Teses acadêmicas passaram a revelar, através de

pesquisas científicas mais rigorosas, os múltiplos aspectos da vida comunitária judaica em

vários Estados e cidades do país, a política governamental em relação a essa imigração, a

participação de individuos e comunidades nos vários setores da vida social, econômica,

cultural e política da nação bem como a história particular de certas instituições de caráter

filantrópico, educacional, e de outra natureza, desfazendo mitos e eliminando, de uma vez

por todas, "histórias" que não tinham qualquer basamento documental, escrita ou de outra

natureza. A existência do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, com as suas seções

estaduais, foi um fator importante para desenvolver o interesse na história contemporânea

dos judeus no Brasil. A preocupação em reunir e preservar toda documentação concernente

a essa temática favoreceu àqueles estudiosos que ambicionavam trabalhar na área, além de

evitar que se perdesse as fontes para tais estudos. O Arquivo procurou valorizar e criar uma

nova mentalidade no seio da comunidade judio-brasileira orientando pessoas e famílias a

zelarem pelos seus papéis, cartas, fotografias e todo tipo de documento, que naturalmente

passava de uma geração a outra, não somente como elementos para seu auto-conhecimento

mas que, numa dimensão mais ampla, auxiliava na reconstituição da memória dessa

imigração. Algumas tentativas que antecederam o A.H.J.B. com o fito de reunir

documentos sobre a história dos judeus no Brasil remontam aos anos 20 quando o Instituto

Científico Judaico de Vilna (YIWO) fundado em 1925, e transferido mais tarde para Nova

York, dirigiu-se, em 1928, ao escritor Menashe Halpern para que se incubisse pessoalmente

da missão de juntar material para àquela instituição, o que de fato o levou a anunciar sua

missão, naquele mesmo ano, no jornal “Idische Folkstzeitung” (a Gazeta Israelita)

publicado no Rio de Janeiro. Quando nos anos 40 formou-se uma seção brasileira do

YIWO, agrupando ao redor de sí a intelectualidade judia de fala ídiche, entre os quais

destacava-se o premiado escritor Meir Kucinski, foi reunido um precioso material relativo

ao que se publicava no Brasil que foi enviado à sede central em Nova York. Ainda em

setembro de 1959 o Círculo de Amigos do YIWO no Rio de Janeiro relatava em carta

dirigida à revista Aonde Vamos? sobre doações recebidas pela entidade que era presidida

por Esther Schechtman e funcionava no local da Biblioteca Bialik. A existência de uma

seção do YIWO no Brasil foi importante para salvar uma rara documentação, em especial

os primeiros periódicos judaico-brasileiros, que anos mais tarde pude pessoalmente

consultar no imenso e notável acervo de cultura ídiche daquela extraordinária instituição.

A primeira intuição de que a história dos judeus no Brasil ainda estava por ser feita a teve o

dedicado historiador autor da obra Judeus no Brasil Colonial, Arnold Wiznitzer, que em 2

de outubro de 1952 publicava um artigo na revista Aonde Vamos? no qual propunha a

criação de uma Sociedade Brasileira de História Judaica. Efetivamente em 23 de dezembro

de 1952, sob sua iniciativa, fundou-se o Instituto Judaico Brasileiro de Pesquisa Histórica

no Rio de Janeiro. Os seus objetivos foram definidos do seguinte modo:a) realizar e

fomentar a pesquisa da história dos judeus do Brasil;b) organizar e manter uma biblioteca e

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arquivo que deverá reunir, na medida do possível, originais ou cópias de todas as obras e

documentos publicados até a data, no país e no exterior, sobre a história dos judeus no

Brasil; c) colher , em original ou cópia, protocolos das sociedades israelitas, jornais,

documentos ou objetos que testemunhem as atividades transcendentais de judeus ou

entidades israelitas no Brasil; d) publicar semestralmente uma coletânea denominada

"Revista do Instituto Judaico Brasileiro de Pesquisa Histórica", que será editada em

português e hebraico; e) realizar , freqüentemente, conferências sobre a história dos judeus

no Brasil; f)manter um seminário - que deverá funcionar a partir de abril próximo- para

estudantes e estudiosos da história judaica. O Comitê de Iniciativa era composto de, além

de Arnold Wiznitzer, que deixou uma obra significativa como historiador, pessoas de certo

prestígio na comunidade que deram apoio ao empreendimento o representante diplomático

de Israel no Brasil, general David Shaltiel e seu conselheiro Mordechai Schneurson, rabinos

Y.Fink, H. Lemle. F. Pinkuss, M. Zinguerevitch, M. Kresch, na verdade apenas figuravam

sem qualquer participação mais ativa. Também o rabino e historiador I.S. Emmanuel e o

Prof. David José Perez, e outras figuras com certa projeção no cenário cultural da

comunidade, entre eles Fernando Levisky, Dr. Hans Klinghoffer, Dr. Isaac Izecksohn, o

cientista Dr. Fritz Feigl, a escritora Elisa Lispector, e ativistas como o Dr. Alfred

Hirschberg, José Marx, Yoshua Averbach e Aron Neumann estavam envolvidos com o

projeto da instituição, conforme podemos constatar na matéria publicada no Aonde Vamos?

número 500, de 15 de janeiro de 1953. Efetivamente a personalidade central do Instituto foi

Arnold Wiznitzer, que publicou uma longa série de artigos importantes na revista Aonde

Vamos? sob a direção de Aron Neumann, que seriam reunidos e reelaborados

posteriormente resultando no livro que publicaria em 1960, em inglês, e, em 1966, em

português, sob o título Judeus no Brasil Colonial. Dois estudos valiosos sobre os judeus

sob domínio Holandês, de autoria de I.S. Emmanuel, também saíram a lume no mesmo

periódico Aonde Vamos? O mesmo I.S. Emmanuel, que se destacou por seus trabalhos

sobre as comunidades caribenhas e sobre os judeus de Salônica, foi rabino da comunidade

sefaradita do Rio de Janeiro, desde maio de 1950 permanecendo no Brasil até os finais de

1953, período no qual dedicou-se ao estudo do judaismo brasileiro sob o domínio holandês.

Já em junho daquele ano o Instituto apresentava um relatório de suas atividades no qual se

enumerava os trabalhos de Wiznitzer publicados no periódico Aonde Vamos? bem como

sua receptividade de parte de estudiosos e historiadores do Brasil e do exterior. Sem dúvida,

é inegável o empenho pessoal de Wiznitzer no sentido de chamar a atenção para essa área

de estudos a que ele mesmo deu uma notável contribuição histórica. O Instituto continuou

existindo durante alguns anos e, conforme a Assembléia Geral de 21 de novembro de 1954,

foi eleita uma nova diretoria para 1955-1956 na qual figuravam como presidente e

professor de pesquisa Arnold Wiznitzer; vice-presidentes Prof. David J. Perez e Aron

Neumann; secretário geral Dr. Fernando Levisky; editor Dr. Isaac Izecksohn, tezoureiro

Prof. Mendel Kresch, secretário, Elisa Lispector. Wiznitzer, que nesse interim havia

pesquisado em arquivos de vários países, voltaria a lecionar nos Estados Unidos, o que

levaria a paralisação e o encerramento das atividades da instituição que fundara. Contudo,

interessante lembrar, que ainda nos anos 50 uma outra tentativa para se criar um Instituto de

Pesquisa e arquivo histórico judaico seria feita pelo historiador Isaías Golgher, em Belo

Horizonte, porém sem que pudesse estruturar seu projeto sendo, no entanto, uma espécie

de antecipação do futuro Instituto Histórico Judaico Mineiro criado muitos anos mais tarde.

Desde então abriu-se um grande hiato e passaram muitos anos até o surgimento, em 1976,

do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, fundado por um grupo de professores e alunos de

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pós-graduação da Universidade de São Paulo, que retomou a preocupação central de

preservar a memória da imigração judaica no Brasil e definiu os seus objetivos, quase em

termos idênticos, aos da instituição de Wiznitzer lembrada anteriormente. Contudo os anos

prévios a formação do A.H.J. B. pesquisadores importantes ,entre eles Egon e Frieda Wolff,

davam continuidade ao interesse despertado pela história dos judeus no Brasil -concentrada

até então no período colonial e mais especificamente nos perseguidos e vítimas da

Inquisição- e publicavam os primeiros resultados de seus trabalhos na revista Aonde

Vamos? e no boletim da Policlínica do Rio de Janeiro, instituição na qual atuavam. Nos

anos 70, já em forma de livro, sairia a luz, na série de publicações do Centro de Estudos

Judaicos da Universidade de São Paulo, um levantamento extraordinário de dados sobre os

judeus do século XIX, sob o título" Os Judeus no Brasil Imperial", texto que, na época,

achei importante encaminhar ao saudoso Prof. Eurípedes Simões de Paula, diretor da

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP para sua aprovação, pois estava

convicto que a pesquisa levantava pela primeira vez uma valiosa informação sobre a

presença judaica naquele século sobre a qual nada conhecíamos. Após essa publicação, de

1975, que abriria um novo segmento da pesquisa histórica sobre a presença judaica no país,

e já interessado em criar um Arquivo de Documentação, pudemos dar à luz outros trabalhos

dos mesmos pesquisadores que em sua metodologia de pesquisa incluíram levantamentos

em cemitérios a fim de coletar dados e informações que nos ajudariam a reconstituir as

etapas de um complexo processo imigratório ,realizado em várias fases, e cuja origem era

proveniente de múltiplos centros da diáspora judaica. Laços de amizade- que perduram até

hoje- me levariam a acompanhar de perto o trabalho de pesquisa do casal Wolff, que além

do mais participariam também na fundação do A.H.J.B. A historiografia judaica começava

a descobrir novos caminhos para a investigação das levas imigratórias que chegaram nos

primeiros anos do Brasil Independente. Pessoalmente vi a necessidade de criar modelos de

pesquisa e nesse sentido, por várias razões decidi-me, de início, faze-lo no âmbito da

imigração proveniente da Europa Oriental, falante da língua ídiche, idioma que nos anos 70

do século passado já não era conhecida pela geração nascida em solo brasileiro, o que de

certa forma era um grande obstáculo para esse estudo. Possivelmente isso explica, porque,

anos mais tarde, os novos pesquisadores não-judeus, mas também judeus, se dedicariam ao

estudo da política governamental em relação à "imigração semita", na assim denominada

era Vargas, ou ao anti-semitismo que grassava nos círculos oficiais e de grupos políticos,

tais como os integralistas, ou ainda o estudo da esquerda e os judeus- se bem que esses

temas não eximiriam inteiramente a consulta de fontes importantes existentes em ídiche - e

temas similares, já que as fontes em ídiche lhes eram, lamentavelmente, inassecíveis. Razão

pela qual boa parte de tais pesquisas são deficientes e se ressentem da inexistência de uma

ótica que abrangesse uma perspectiva da comunidade frente à essas questões, comunidade

essa que se expressava em seus orgãos de imprensa e publicações em sua própria língua de

origem. Optei, desse modo, em dar minha contribuição pessoal num segmento que poucos

poderiam trabalhar e provocar o interesse para o melhor conhecimento da imigração bem

como a formação de suas instituições, seja sob seu aspecto "interno", no contexto de uma

história que exigia uma leitura de todo tipo de fontes em ídiche, incluindo-se entre elas os

periódicos que foram publicados nessa língua durante os anos de 1915 e 1941, ano em que

se proibiu publicações em língua estrangeira. O resultado desse trabalho, como já o disse,

foi a coletânea publicada em 1984 seguindo-se, no ano seguinte, o livro sobre “Jacob

Nachbin” que focalizava entre outros aspectos a cultura do imigrante asquenazita. Desde

então continuei publicando artigos em vários periódicos científicos, revistas, bem como em

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coletâneas, que abordavam novos aspectos referentes à essa imigração, mas que não se

restringiram tão somente a ela, senão que, por vezes, tocavam em temas concernentes à

presença de judeus e cristãos-novos no período colonial e sob o domínio holandês no

Brasil. Mas o difícil acesso a esses trabalhos, de parte do público mais amplo, excluindo-se

o pequeno grupo de pesquisadores interessados na área, publicados em forma de artigos

em livros, Anais de Congressos e periódicos tais como o Jornal do Imigrante, Shalom,

Herança Judaica, Boletim Informativo do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, Revista da

USP, American Jewish Archives e outros editados no país e no exterior, levou-me a

organizar o livro que a EDUSP ora oferece aos seus leitores. Um certo número de artigos

exigiu uma revisão de conteúdo que a distância do tempo e o conhecimento acumulado

obrigou-me a faze-lo afim de retificar dados e inserir novas informações que minhas

pesquisas levantaram nos últimos anos bem como adicionar novo material documental aos

mesmos. Devo também observar que certos conceitos, assim como minha visão sobre

várias questões, alteraram-se com o passar do tempo, o que pode ser apreendido no

confronto entre as publicações originais e os estudos atuais. Obviamente, por se tratar de

uma coletânea de artigos, inevitável é que certas informações possam, por vezes, parecer

repetitivas. Porém evitei, na medida do possível, que isso acontecesse, mantendo somente

as estritamente indispensáveis por razões de inteligibilidade e estrutura do texto em

questão. Creio que a presente coletânea, que inclui alguns poucos estudos sobre o período

colonial, somada aos livros “Jacob Nachbin” ( Nobel,1985), “Manasche: sua vida e seu

tempo” (Editora Perspectiva, 1996; edição em inglês, The Jerusalem Foundation,

Jerusalém, 1998) e mais recentemente “David José Pérez: uma biografia” (Garamond, Rio

de Janeiro, 2005) poderá, no seu conjunto, servir como instrumento auxiliar ao pesquisador

interessado na história contemporânea dos judeus no Brasil, acreditando que ainda estamos

dando os primeiros passos para o seu pleno conhecimento. Aproveitei o ensejo para dar aos

leitores, em forma de apêndice documental, as “Crônicas” das comunidades escritas entre

os anos de 1953 e 1959 para o “Léxico dos ativistas sociais e culturais da comunidade

israelita do Brasil”, projeto editorial de Henrique Iussim (Zvi Yatom), que, infelizmente,

não pode ser levado adiante, pois o material relativo às comunidades maiores, a de São

Paulo e Rio de Janeiro, além da pequena comunidade da Bahia, nunca chegou a ser

publicado. Na parte concernente à São Paulo acrescentei a original “Crônica da

comunidade paulista” do escritor Meier Kucinski que deveria integrar a brochura do

“Léxico” dedicada àquela comunidade. Por outro lado encontrei dentre esse material do

projeto de Iussim uma tradução ao português de algumas partes da obra de Isaac Raizman,

“ A fertl yohrhundert idische presse in Brazil” (Um quarto de século de imprensa judaica

no Brasil), até hoje o único trabalho abrangente sobre a história da imprensa judaica no

Brasil, para o qual julguei útil acrescentar mais alguns excertos traduzidos por mim do

original em ídiche a fim de incluí-lo como Apêndice à este livro. A importância desse

material, inédito em português, impeliu-me a publicá-lo na integra, já que no seu conjunto

reune uma preciosa informação histórica relativa à imigração e a formação dessas

comunidades. Finalmente devo observar que sem o auxílio dos arquivistas e bibliotecários

das instituições com as quais tive contato durante várias décadas para a realização de

minhas pesquisas no Brasil, em especial o Arquivo do Estado de São Paulo, o Arquivo

Nacional no Rio de Janeiro, o Arquivo do Museu da Imigração, o Arquivo Histórico

Judaico Brasileiro e outros, assim como os do exterior, tais como o Arquivo para a História

do Povo Judeu (Archion leToldot haAm haYehudi, junto à Universidade Hebraica de

Jerusalém; do Central Zionist Archives (HaArchion haZioni), de Jerusalém e o Instituto

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Ciêntífico Judaico (YIWO) de Nova York, não teria realizado muitas de minhas hipóteses

de trabalho. A todas essas pessoas, cujas vidas estão voltadas à preservação da

documentação histórica, desejo agradecer pela sua dedicação e prestatividade sem as quais

seria impossível chegar a qualquer resultado científico-histórico. Ao mesmo tempo sou

muito grato às inúmeras pessoas, amigos e famílias que abriram seus acervos pessoais

colocando-os generosamente à minha disposição.

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2. A propósito da periodização da história dos judeus no Brasil

É opinião comum entre os historiadores que a periodização adotada para o

estudo da história não deve ser compreendida como uma verdade rígida, pois as balizas

cronológicas que delimitam os períodos estão sujeitas às interpretações e aos enfoques do

investigador e da questão a ser investigada.

Não é necessário demonstrar aqui que toda periodização é uma segmentação

artificial do processo histórico da humanidade, resultado de uma intenção didático-racional

e que varia segundo o tipo de história que se estuda e se investiga. O suceder do processo

histórico é um continuum sem delimitações reais. Sob esse aspecto, a compreensão da

mentalidade ou o conceito que o historiador tem sobre a época permite a fixação dos termos

cronológicos.

No Brasil devemos observar, antes de tudo, que até agora não se estabeleceu

uma periodização da história dos judeus que facilitasse e permitisse sistematizar o seu

estudo. A única tentativa feita foi a do historiador Salomão Serebrenick em seu livro

“Breve história dos judeus no Brasil”1, chegando a propor a seguinte divisão:

1. 1500-1570 – FASE PACÍFICA DE CRESCENTE IMIGRAÇÃO e de ampla

integração dos judeus na vida econômica do país, compreendendo os três

subperíodos:

a) Primeiras explorações (1501-1515);

b) Primeira colonização (1515-1530);

c) Colonização sistemática (1530-1570).

2. 1570-1630 – FASE TUMULTUÁRIA, caracterizada pelo surgimento de

discriminações antijudaicas.

3. 1630-1654 – Período de EXUBERANTE DESENVOLVIMENTO, sob o domínio

holandês, verdadeiro apogeu da organização coletiva dos judeus do Brasil.

4. 1654-1700 – Período pós-holandês, FASE CRÍTICA na vida dos judeus brasileiros,

compreendendo exôdo em massa, desagregação da comunidade, dispersão e final

acomodação local.

5. 1700-1770 – Período das GRANDES PERSEGUIÇÕES promovidas pela

Inquisição portuguesa.

6. 1770-1824 – Período de LIBERALIZAÇÃO progressiva, queda da imigração

judaica e gradual assimilação dos judeus.

1 . Ed. Biblos, Rio de Janeiro, 1962, pp. 9-12.

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7. 1824-1855 – Fase da ASSIMILAÇÃO PROFUNDA, subseqüente à cessação

completa da imigração judaica homogênea e à igualização total entre os judeus e

cristãos perante a lei.

8. 1835-1900 – PRÉ-IMIGRATÓRIO MODERNO, caracterizado pelas primeiras

levas de imigrantes judeus, oriundos sucessivamente da África do Norte, da Europa

Ocidental do Oriente Próximo e mesmo da Europa Oriental, precursores das

correntes caudalosas que, nas primeiras décadas do século XX, viriam gerar e

moldar a atual coletividade israelita do país.

O critério adotado por Serebrenick se assenta sobre uma posição historiográfica, conforme

ele mesmo o define na introdução de sua obra, de que “o estudo da história dos judeus no

Brasil não pode ater-se às fases e aos marcos gerais da evolução política e social do país,

senão orientar-se, ao revés, segundo os fatos e acontecimentos históricos que hajam

repercutido especificamente nas condições de vida individual e sobretudo coletiva dos

judeus”. Antes de discutirmos os critérios de Serebrenick, devemos ainda observar que a

sua periodização se estende até o ano de 1900, sendo que, na obra mencionada, encontra-se

um estudo de Elias Lipiner sobre “A nova imigração judaica no Brasil”, que trata do

período que se inicia em 1900 até a década de 60 aproximadamente, mas sem uma

definição cronológica exata.

Quanto ao critério estabelecido pelo nosso autor para a periodização

apresentada mais acima, julgamos que ele peca pela base ao tentar isolar a história dos

judeus no Brasil da própria história geral brasileira, do mesmo modo como consideramos

impossível isolá-la da história dos judeus como um todo .

Nesse sentido, nem o autor é fiel ao critério estabelecido por ele mesmo, pois

em boa parte acaba por aceitar balizas cronológicas que constituem marcos importantes na

história do Brasil como tal, a começar pela primeira fase, que se estende de 1500 a 1570,

onde se fala na “ampla integração dos judeus na vida econômica do país compreendendo os

três subperíodos”, etc. Além do mais, o autor, sob o aspecto intrínseco ou do conteúdo

histórico, atribuído a cada divisão demonstra desconhecer a própria história do Brasil,

assim como dessa imigração, pelo fato de não a ter pesquisado nos arquivos públicos e

particulares que preservam a sua documentação.

É verdade que a periodização da história do Brasil não deixa de ser

problemática, como toda periodização, mas desde Varnhagen, Capistrano de Abreu,

Oliveira Lima, Joaquim Nabuco e Gilberto Freyre, e poderiamos acrescentar muitos outros,

pelo menos segundo as opiniões abalizadas de José Honório Rodrigues e Sérgio Buarque de

Holanda, se estabeleceram pouco a pouco os critérios interpretativos para se fixarem os

períodos da história brasileira2.

2 Sobre a periodização da história do Brasil, a melhor síntese foi escrita por José Honório Rodrigues em sua

obra “Teoria da História do Brasil”, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1969, pp. 125-144.

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Apesar da pequena diversificação relativa de balizas cronológicas dos

acontecimentos mais importantes para a delimitação dos períodos quanto à história dos

judeus, podemos adotar a divisão de três grandes períodos: colonial, imperial e republicano.

O primeiro período vai de 1500 até 1808, o segundo de 1808 até 1889 e o terceiro de 1889

até os nossos dias. Até aqui temos uma periodização quase convencional que se aplica a

toda a história do Brasil, mas que ainda não permite explicar o particular existente na

história dos judeus em nosso território. No caso particular é a história de uma comunidade

com religião própria e com uma trajetória histórica universal que implica no estudo do

processo como um todo, ou vinculado aos momentos da história geral dos judeus onde quer

que se encontrem, considerando-se em especial a extensa geografia que assinala a origem

dessa imigração ao Brasil que são os continentes: europeu, asiático e africano33

. Também a

história do Brasil, como um todo, não pode ser desvinculada da história européia quando

tratamos de entender certos processos políticos, econômicos e culturais.

Adotando as amplas divisões apresentadas acima, proporíamos as subdivisões

seguindo o critério de acontecimentos mais decisivos na vida dos judeus do Brasil, segundo

o seguinte esquema cronológico:

I – Período Colonial – 1500-1808

1 – 1500-1591/5 – compreendendo os inícios do estabelecimento dos cristãos-

novos até a Primeira Visitação da Inquisição no Brasil.

2 – 1591/5-1624 – compreendendo a Segunda Visitação da Inquisição no Brasil

(1618-1619) até os inícios da conquista holandesa.

3 – 1624-1654 – compreendendo o período do domínio holandês no Brasil que

permite a livre expressão da religião judaica nas regiões onde

os batavos dominaram e a criação das primeiras comunidades

judias em território nacional: Tzur Israel (Recife) e Magen

Abraham (Maurícia).

4 – 1654-1774 – compreendendo a expulsão do invasor holandês e a

conseqüente destruição das comunidades judias. Ao mesmo

tempo, a inauguração de uma grande atividade inquisitorial

de perseguição aos cristãos-novos em todo o território

brasileiro até a política do Marquês de Pombal em relação à

Inquisição.

II – Período Imperial – 1808-1889

3 José Honório Rodrigues, em sua obra já citada, diz, com inteira razão, que “uma história detalhada do

desenvolvimento de uma comunidade representa a mais legítima contribuição à história nacional”, p. 151. Ele

mesmo demonstrou interesse pela história dos judeus no período holandês e do período colonial ao comentar

a obra de Arnold Wiznitzer em um artigo intitulado “Os Judeus no Brasil” , publicado no “O Jornal”, de 30

de outubro de 1952 e republicado na revista Aonde Vamos?, em 6 de novembro de 1952, ele escrevia: “De

1773 até o prícipio do século XX, a história dos judeus no brasil, por efeito ou não da indistinção determinada

por lei ou por falta de pesquisa e conhecimento dos documentos, não é conhecida.”

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1 – 1808-1822 – compreendendo a Abertura dos Portos e a conseqüente

liberdade religiosa, e no qual os primeiros judeus, no período

contemporâneo, começam a vir ao Brasil até o início da

grande imigração da África do Norte na região norte do

Brasil.

2 – 1822-1848 – dos primórdios da imigração judaica no século passado até a

formação da primeira comunidade organizada, a Associação

Israelita Shel Guemilut Hassadim no Rio de Janeiro.

3 – 1848-1889 – compreendendo a imigração dos países da Europa Ocidental e

Central devido às revoluções de 1848 e a decorrente da

guerra franco-prussiana até a Proclamação da República.

III – Período Republicano – 1889 até os nossos dias

1 – 1889-1904 – compreendendo a imigração de 1891 e os projetos de

colonização dos inícios da República, sem mencionar

anteriores, e os inícios da Jewish Colonization Association no

Rio Grande do Sul.

2 – 1904-1914 – compreendendo os inícios da colonização J.C.A., em 1904,

em Philippson; a colonização agrícola no interior promovida

pelo governo do Estado de São Paulo em Nova Odessa, Jorge

Tibiriçá e Campos Salles em 1905 e a imigração da Europa

Oriental.

3 – 1914-1933 – compreendendo a grande corrente imigratória da Europa

Oriental e a formação das instituições comunitárias

(religiosas, beneficentes, sociais, culturais, educacionais) nos

diversos Estados do país.

4 – 1933-1945 – compreendendo a imigração dos judeus dos países de Língua

Alemã (ascensão do nazismo)e da Itália fascista; as

transformações políticas internas do país e suas

conseqüências em relação aos judeus; a integração cultural da

segunda geração de imigrantes, etc.

5 – 1945-1957 – compreendendo a imigração de pós-guerra, a formação do

Estado de Israel e a nova imigração do Egito e Hungria

(decorrente da Guerra do Sinai em 1956 e o Levante da

Hungria). A modificação política interna com a queda da

ditadura de Getúlio Vargas; a ascensão econômico-social

com o desenvolvimento do país a partir da Segunda Guerra

Mundial.

6 – 1957 até hoje – a nova comunidade e o ingresso de novos imigrantes vindos

de países da América Latina e outros lugares e sua

caracterização.

12

Adotamos uma divisão de períodos evitando as interferências interpretativas

que as concepções do historiador naturalmente tendem a impor a um período ou outro por

dado fenômeno ou acontecimento, como podemos verificar no caso de Serebrenick, cuja

visível preocupação pela “assimilação” o leva a denominar vários períodos de acordo com

esse critério. Mas a “assimilação”, além de ser apenas um aspecto, não permite caracterizar

apenas um período em particular, pois o processo se manifesta em vários períodos, senão

em todos, quando se trata da história dos judeus no Brasil.

O nosso esforço foi o de procurar evitar a possível unilateralidade de enfoques,

e olhar a história dos judeus no Brasil com maior amplitude possível, oferecendo a

possibilidade de que se façam vários “tipos” de história, seja econômica, política, cultural,

institucional, jurídica, social, etc.

Guilherme Bauer, em sua Introdução ao Estudo da História44

, afirma

corretamente que cada período deve ser deduzido de seu objeto, isto é, dos mesmos fatos

históricos ou das concepções da época que abarca, o que deixa uma margem individual

bastante elástica para o historiador estudar um período segundo a intenção e o escopo de

sua própria pesquisa e o problema a ser pesquisado. Foi justamente o nosso propósito ao

propormos a periodização acima.

4 Ed. espanhola, Barcelona, 1947, pp. 156-7.

13

3. JUDAICA PERNAMBUCENSIS

Alguns perfís de judeus e judaizantes em Pernambuco

Historiadores importantes, entre eles José A. Gonsalves de Mello, Hermann

Kellenbenz, Arnold Wiznitzer, I.S. Emmanuel, Elias Lipiner, Sônia A. Siqueira e

outros, já de há muito publicaram as pesquisas fundamentais sobre cristãos-novos,

judaizantes e judeus no período colonial bem como sobre o domínio holandês nas

“capitanias de cima”, privilegiada, por razões geográficas, econômicas e históricas

conhecidas, de ter abrigado uma considerável imigração de elementos pertencentes à

“nação hebréia”. Queremos lembrar, com este modesto artigo, alguns vultos

importantes que tomaram parte e registraram sua presença na história da região da

região de Pernambuco no período colonial. A necessidade de colonizar o novo

território recém descoberto ,assim como a oficialização e o estabelecimento em 1536

da Inquisição em Portugal, levou a que muitos cristãos-novos viessem a se instalar na

região nordestina do território brasileiro acompanhando os primeiros arrendatários e

os donatários que receberiam as extensas parcelas de terras que demandavam uma

política de colonização e povoamento. Portanto, degredados, perseguidos, fugitivos

por uma ou outra razão e em particular o temor da instituição inquisitorial estariam

entre os elementos que aportariam às costas brasileiras. Em razão do acontecimento

significativo da inauguração do espaço cultural no lugar onde existiu a antiga

sinagoga da comunidade Zur Israel do Recife nada mais oportuno do que lembrar

alguns dos personagens centrais que viveram nessa região do Nordeste brasileiro e

que se incorporaram definitivamente, de uma forma ou outra, à história da região e do

Brasil. O fato conhecido sobre a existência de uma “esnoga” em Camaragibe na qual

se destaca a figura extraordinária, e envolta em lendas e que inspirou peças literárias

através dos tempos, de Branca Dias, natural de Viana da Foz do Lima, e seu marido

Diogo Fernandes que obtivera a sesmaria de Camaragibe em 1542,5 ambos vítimas da

Inquisição. Supõe-se que Branca teria vindo como fugitiva da Inquisiçaõ, que a

proibiu sair do Reino, ao Brasil, enquanto Diogo teria vindo antes, talvez como

degredado, passando a morar mais tarde em Olinda, onde sua mulher também se

encontrava, o que aponta para uma presença de judaizantes naquela região. Branca

Dias foi presa em 13 de setembro de 1543 e era filha de Vicente e Violante Dias. O

casal teve sete filhos e boa parte de sua família esteve envolvida com a temível

instituição por praticarem costumes judaicos tal qual são definidos pelo Monitório, ou

seja a lista dos delitos contra fé, e que orientava o procurador e os familiares do Santo

Ofício para identificarem os judaizantes através de seus hábitos e costumes.6 O

processo de Branca Dias revela um fundo dramático do ponto de vista familiar pois

suas testemunhas de acusação eram sua mãe e sua irmã Isabel ambas processadas pela

Inquisição como judaizantes, sabendo-se que Violante Dias se reconciliou com a

5 V. sobre eles Mello, José A. G. de, Gente da Nação, Ed. Massangana, Recife, 1989, pp.117-166; v. também

Almeida, Horácio de, História da Paraíba, Imprensa Universitária, João Pessoa, 1966, tomo I, pp.147-159. O

autor de Gente da Nação anotou 15 processos relativos a pessoas com o mesmo nome em Portugal nos anos

de 1542 a 1593.Por fim identificou Branca Dias com a personagem do processo da Inquisição de número

5.736 existente na Torre do Tombo. 6 Lipiner, E., Terror e linguagem, um dicionário da Santa Inquisição, Contexto Editora, Lisboa, 1998, pp.174-

176.

14

Igreja, e acabou por se livrar da pena que lhe havia sido imposta. Como bem

demonstrou José Antônio G. de Mello, a família de Branca Dias compõe quatro

gerações de processados pela Inquisição, a começar por sua avó Violante Dias.7

Também pertence ao rol desses cristãos-novos a figura exótica do calceteiro Jorge

Dias Caia, que era visto como “sacerdote” dos judeus em Olinda, e é descrito na

denunciação de 1591 pela sua conduta de cripto-judeu que para avisar os judaizantes

que deveriam se reunir em Camaragibe e no Engenho São Martinho, e talvez em

outros lugares, ele se apresentava descalço com um pano atado num pé e com a

espada na cinta, o que não era de seu hábito cotidiano, indicando desse modo que

haveria um ajuntamento de seus irmãos de fé. Durante a Primeira Visitação do Santo

Ofício, entre 1591-1595, não somente eles foram denunciados como judaizantes mas

também seus filhos e parentes bem como muitos outros cristãos-novos que habitavam

a região de Pernambuco. Elias Lipiner lembra bem que o fato da legislação

portuguesa da época, destinada a impedir a saída dos cristãos-novos do reino sem

licença especial, embora confirmada e renovada sucessivamente a sua força de

observância, não era observada com absoluta inflexibilidade, continuando a

emigração clandestina dos cristãos-novos para o Brasil.8 A maior parte dessa

imigração concentrou-se na região do Nordeste por ser esta o principal polo da

atividade econômica na colônia daquele tempo e na qual, ao par da extração de

madeira e de produtos naturais, desenvolvia a atividade açucareira de vital

importância para a época, e muitas vezes como pioneiros como o foi no caso de

Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira, conforme assinalou José Antônio G. de

Mello.9 Porém devemos observar que todas conjecturas referentes ao número de

cristãos-novos que viviam na região nordestina desde o século XVI e seguintes,

carecem de melhor fundamentação uma vez que as fontes centrais que os mencionam,

ou sejam, os processos inquisitoriais e os documentos relativos às duas Visitações, a

de 1591 e a de 1618, não nos permitem qualquer avaliação estatística segura sobre os

mesmos, excetuando os que efetivamente são denunciados como tais. Em geral os

poucos estudos demográficos sobre o período colonial são discordantes em suas

conclusões, como bem observa Tarcizio do Rêgo Quirino em seu livro Os habitantes

do Brasil no fim do século XVI, baseado em boa parte numa leitura apurada dos

documentos relativos às Visitações .10

O autor está convicto de que “mesmo somando

em uma só parcela todos os que têm alguma raça de cristão novo [ quer dizer,

incluindo meio cristão-novo] chegamos a um total de 12,5%, bastante pequeno para a

influência que lhes é atribuída”. Porém, comparativamente à Bahia, parece não haver

diferenças apreciáveis na composição da população das duas maiores capitanias, a

não ser de se revelar um número maior de “meios cristãos-novos” superior em

Pernambuco, o que torna maior a percentagem de pessoas de origem judaica (10,9%)

na Bahia e 14% em Pernambuco. Em números reais estamos falando em algumas

centenas de indivíduos que não atingiriam um total acima de um a dois milhares de

pessoas considerando o número da população branca ou “portuguesa” existente na

época. O que está muito longe das afirmações ou avaliações bizarras de certos

7 Vide Genealogia de Branca Dias, Mello, J. A.G. de, op. cit. ,entre pp. 134-135.

8 Lipiner, E., Os judaizantes nas capitanias de cima, Ed. Brasiliense, São Paulo, 1969, p.15.

9 Mello, J. A.G. de, Gente da Nação, ed. Massangana, Recife, 1990,p.8.

10 Instituto de Ciência do Homem-Univ. Fed. de Pernambuco, Recife, 1966, pp.14-15.

15

historiadores que lidam com a presença dos cristãos-novos no Brasil, sem que

diminua o fato de terem os cristãos-novos desempenhado um papel notável na

sociedade colonial em seu período decisivo de formação, assim como o foi na

economia predominante naquele tempo em que se fizeram representar como

destacados e bem sucedidos senhores de engenho, produtores e exportadores de

açúcar, quando este era um bem apreciado e sumamente valioso na atividade

mercantil da época. Nesse sentido, figura exemplar de homem bem sucedido

economicamente e de projeção social impar é o cristão-novo João Nunes, contratador,

mercador, senhor de engenhos, português nascido em Castro Daire, morador em

Olinda, e que fora preso durante a Primeira Visitação, com denúncias na Bahia e em

Pernambuco, porém sempre conseguindo habilmente livrar-se de suas malhas as

custas de seu poder financeiro e influência. 11

Porém outro tipo de cristão-novo

judaizante que não atua na esfera econômica mas se notabiliza como intelectual e

homem culto com o desejo de deixar seu nome gravado na memória dos homens

como literato é o não menos famoso Bento Teixeira, autor da Prosopopéia. Sobre ele

muito se escreveu, desde Barbosa Machado, em sua Biblioteca Lusitana, publicada

em 1741, até os nossos dias, visando-se identifica-lo como autor de certas obras, seja

por representar uma figura trágica de perseguido e processado pela Inquisição, ou

ainda pela sua trajetória de vida que o transformou em uxoricida acrescido ao fato de

figurar como um dos primeiros autores na história da literatura brasileira. A

descoberta de um exemplar de sua obra, em 1872, na Biblioteca Nacional de Lisboa,

por Varnhagen, logo seguido do achado de outro, no mesmo ano no Rio de Janeiro,

por B.F. Ramiz Galvão, que a publicaria em 1873, conseguiu dirimir a dúvida quanto

a autoria da Prosopopéia, mas não quanto a verdadeira identidade do seu autor. Isto

viria mais tarde por ocasião da publicação das Denunciações da Bahia, prefaciado por

Capistrano de Abreu, e as Denunciações de Pernambuco, por Rodolfo Garcia, em que

este último, associou o autor ao cristão-novo vítima da nefanda instituição. Nesse

sentido também a primeira edição da Prosopopéia, de Lisboa, 1601 editada por

Antônio Alvares e organizada pelo livreiro Antônio Ribeiro juntamente com outro

texto para o qual escrevera o prólogo, a saber o “Naufrágio que passou Jorge de

Albuquerque Coelho, capitão e governador de Pernambuco”, de autoria do piloto

conhecido por Afonso Luís Piloto e redação final de Antônio de Castro, “poeta e

sabedor do seu latim”, foi objeto de abundantes especulações até que se cristalizasse

uma opinião comum aceita pela maioria dos estudiosos.12

Arnold Wiznitzer que

escreveu sobre o judaizante e procurou comprovar seu judaismo através da leitura das

estrofes 6, que se reporta aos quatro elementos: ar, fogo, água e terra, e 35 no qual se

lamenta a injustiça na qual o mau prospera e o justo é castigado pelo sofrimento, (em

hebraico “zadik verá lo rasha vetov lo) na Prosopopéia, bem como pela figura

impressa no final da última estrofe, que pensa ser uma Fênix, símbolo dos cristãos-

novos judaizantes adotada pela comunidade Neve Shalom de Amsterdão, o que seria,

11

V. Siqueira, S. A., O comerciante João Nunes, Separata dos Anais do V Simpósio Nacional dos Professores

de História, Campinas, 1971,pp.231-249; Mello, J.A.G. de , op. cit.,pp.51-79; Lipiner, E., op. cit., pp.194-203. 12

Souza, J. Galante de, Em torno do poeta Bento Teixeira, Instituto de Estudos Brasileiros-USP, São Paulo,

1972, dedica boa parte de seu conscencioso estudo ao esclarecimento da questão da autoria e identificação do

autor.

16

no seu entender, clara indicação do poema ser escrito por um judaizante.13

A verdade

é que dificilmente poder-se-ia ver nessas estrofes qualquer sinal de judaismo pois seu

conteúdo é inteiramente universal e não caracterizam, em especial, um conteúdo

específico judaico. Por outro lado o símbolo da Fênix, que tem uma longa trajetória

mitológica no mundo grego, e penetrou no judaismo rabínico,14

também foi adotada

pelos cristãos-novos judaizantes devido seu significado simbólico da eternidade de

Israel e sua fé superior confirmada pelos mártires queimados pela Inquisição. J. Lúcio

de Azevedo publicou um soneto de David Jesurun dedicado ao famoso mártir vítima

da Inquisição, frei Diogo da Assumpção: “Foste ouro que estiveste soterrado/ Nas

minas da cruel Inquisição;/ Mas como o fogo tira a corrupção/ Quiseste nele ser

purificado.// Foste Fênix que aumenta seu estado/ Por não ter nele a morte jurisdição,/

E assim ardeste vivo em conclusão/ Que hás de nascer das cinzas renovado.// Anjo

que a Manoé apareceu,/ Vítima que oferece a Deus no fogo,/ Que ambos subis em

flama ao céu propício,// Lá rides de quem cá nos ofendeu,/ Sem querer que vos

chamem Frei Diogo,/ Mas áureo Fênix, anjo e sacrifício.//15

Uma vez que essa ave

mitológica vive 500 ou 1000 anos e é consumida pelo fogo para renascer das próprias

cinzas, ela também aparece na literatura rabínica, do mesmo modo que na Patrística

cristã, como prova da ressurreição dos mortos.16

Mas a ave ou pássaro que vemos na

gravura da Prosopopéia não é uma Fênix. Ali encontramos uma ave com três filhotes

bicando seu próprio peito para alimentá-los, o que não condiz com a representação

conhecida da Fênix, sempre configurada envolta em chamas sob seu corpo, assim

como podemos verificar no símbolo adotado pela comunidade Talmud Torá de

Amsterdão, resultado da unificação das três anteriores.17

Daí a conclusão de Rubens

Borba de Moraes, em artigo sobre Bento Teixeira, afirmar que a ave é um pelicano,

que também possui um significado cristão, entre outros, o do Cristo que derrama seu

sangue para salvar a humanidade.18

Curiosamente a mesma ave se encontra no

13

“Bento Teixeira, autor da Prosopopéia”, in Aonde Vamos?, n. 502, 29 de janeiro de 1953, p.2. Duas

perguntas são inevitáveis em relação ao julgamento de Wiznitzer: a) como poderia ter visto uma Fenix ,

sempre representada com chamas, na figura da ave com seus filhotes da Prosopopéia? ;b) teria de fato visto o

símbolo da Fenix em algum documento relativo à comunidade Neve Shalom? Ou confundiu-a com a Talmud

Torá? 14

Sobre a Fenix, fazem referência vários dicionários sobre mitologia, entre os quais o Dicionário da mitologia

grega e latina de Pierre Grimal, Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 4ª ed., 2.000 e o Dicionário de mitos literários

de Pierre Brunel, UNB- J. Olympio Editora, Rio de Janeiro,1997. O mito no judaismo parte de uma

interpretação da palavra hebraica “hol”, que se encontra em Jó, 29:18 :“dias numerosos como “hol”, (que

significa “areia”), mas que, posteriormente, atribuiu-se um o significado adicional como sendo Fenix, que em

hebraico é denominada “Hul”. A literatura midráshico-rabiníca é rica em referências expressivas sobre a

Fenix tal como a encontramos no Bereshit Raba, 19, 5: “ ...com exceção de uma ave que se chama Hul, como

está escrito (Jó, 29:18)...vive mil anos e no final desse tempo um fogo sai de seu ninho e a queima, e resta

dela algo como um ovo que dele volta a crescer asas, e torna a viver.” V. Bereshit Raba, ed. Machberot

leSifrut,Tel Aviv, 1956, vol.1, p.134. A menção da Fenix, ou Hul, a encontramos na literatura apócrifa, no

Apocalipse grego de Baruque, cap.6, no qual a Fenix absorve com suas asas os poderosos raios do Sol e desse

modo evita que a vida na terra seja queimada. Também é mencionada a Fenix no Livro de Enoque, versão

eslava, cap. 6, numa descrição fantástica de sua forma. V. Kahana, A., Hasefarim hahitzonim (Os livros

apócrifos), Massada, Tel-Aviv, 1959, vol.1, pp. 109-110; 418. 15

História dos Cristãos Novos Portugueses, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 2ª ed., 1975, p.161.

16 V. Ginzburg, L., The Legends of the Jews, The JSPA, Philadelphia, 1967, vol.VII, p.51.

17 V. Encyclopaedia Judaica, Ktav Pub. House, Jerusalem, 1971-2, vol. 13, p.482.

18 Moraes, R. Borba de, Muitas perguntas e poucas respostas sobre o autor da “Prosopopéia”, in Comentário,

ano V, vol. 5, n.1, 1964, pp.78-88. O mesmo autor levanta vários e interessantes questionamentos sobre o

17

frontispício da edição do Os Lusiadas de Camões, como bem observa Borba de

Moraes, que procurará provar que a figura, que serve de “cul de lampe”, foi

selecionada e impressa porque era o que o tipógrafo tinha disponível em sua gráfica

para se adaptar ao espaço da página em questão. Razão meramente técnica senão

estética! O estudioso José Galante de Souza já havia observado que a Prosopopéia,

escrita pelo menos alguns anos antes da morte do autor em 1600 e impressa em 1601,

com o “nihil obstat” do Santo Ofício, não poderia ter um símbolo que atendesse a

vontade ou qualquer intenção velada do autor, pois este já era falecido ao legar o seu

manuscrito à Jorge de Albuquerque Coelho ou ao seu editor. O moto latino em volta

da figura, Fortis est ut mors dilectio, isto é, o amor é forte como a morte, é extraído

do Cântico dos Cânticos 8:6, no original hebraico “ki aza kamavet ahava”, cujo

conteúdo pode-se aplicar também à ave que dará a vida por amor aos seus filhotes.

Porém devemos observar que ao contemplarmos atentamente o pássaro da figura em

questão, bem como a do Os Lusiadas, vemos que em nada se parece a um pelicano,

ave tão bem caracterizada pelo seu bico alongado munido de uma bolsa para guardar

os peixes que porta para alimentar seus filhotes. Como explicar tal fato? Desleixo do

artista que ignorava seu significado cristológico? Contudo intrigante continua sendo o

versículo “aza kamavet ahava”, pois o encontramos em um pyut do cronista da

Segunda Cruzada, R’ Efraim ben Jacob de Bonn, um poema de amor e idelidade ao

Deus de Israel tendo como fundo a matança perpretada pelos cruzados nas

comunidades judias do Reno que levou ao fenômeno da auto-imolação ou Kidush

haShem para não cairem em mãos de seus algozes e serem batizados.19

Voltemos,

porém, a Bento Teixeira. Filho de cristãos-novos, nasceu no Porto, em 1561, ainda

que outros autores admitem outras datas, e teria vindo, juntamente com sua família, à

Capitania do Espírito Santo aproximadamente em 1567, local onde estudou no

colégio dos Jesuítas. Mudou-se mais tarde para o Rio de Janeiro dando continuidade

aos seus estudos entre os inacianos os quais também o acolheriam como aluno na

Bahia, onde se presume ter chegado por volta de 1579. Protegido pelo bispo D.

Antônio Barreiros e do Ouvidor-geral Cosme Rangel viveu ali com parentes do lado

materno, uma vez que seus pais já eram falecidos. Casado com uma cristã-velha,

Filipa Raposa, sua vida matrimonial foi perturbada pela infidelidade da esposa ,que

segundo ele próprio confessara, disseminara entre conhecidos e pessoas com as quais

adulterara, sua condição judaica, que o levou a ser suspeito perante o tribunal do

Santo Ofício antes da Visitação de 1591. Anteriormente havia estado em Olinda em

busca de sua subsistência e para tanto abriu uma escola com auxílio da Câmara da

vila, e na qual também contava com a ajuda de sua esposa. Nessa primeira passagem

pela instituição inquisitorial ele foi absolvido graças a boa vontade do Ouvidor da

Vara Eclesiástica, Diogo do Couto que era suspeito de ser cristão-novo e ser

condescendente com os acusados de conduta suspeita. Ele ainda perambularia por

acréscimo do sobrenome Pinto ao de Bento Teixeira que se encontra em Barbosa Machado e no segundo

volume da História trágico marítima de Bernardo Gomes de Brito, de 1736, que reimprimiu o “Naufrágio”

atribuindo-o também ao autor da Prosopopéia; idem, Bibliografia brasileira do período colonial, IEB-USP,

São Paulo, pp. 376-7. 19

O pyut se encontra na coletânea de Masha Itzhaki e Michel Garel, Poésie hébraïque amoureuse, Somogy

Éditions D’Art-Musée d’art et d’histoire du judaisme, Paris, 2000, pp.177-181. A crônica de R’Efraim de

Bonn foi publicada por A.M. Habermann, Sefer Gzeirot Ashkenaz veTzorfat (Livro das perseguições na

Alemanha e França), Ofir, Jerusalém, 1971, 2ª edição.

18

vários lugares após voltar a Olinda e nesse lugar, por ocasião da visitação

inquisitorial faria sua confissão, em 21 de janeiro de 1594. Preliminarmente, tanto na

Bahia quanto em Pernambuco acumularam-se as denuncias sobre o cristão-novo

Bento Teixeira, “mestre de ensinar moços o latim e ler e escrever”, que se veria

forçado a se apresentar perante a mesa do Santo Ofício denunciando a outros e

confessando as suas próprias culpas. O processo 5.206, com sua confissão, o qual foi

objeto de estudo profundo do notável historiador José Antônio G. de Mello, revela as

atitudes e as manifestações “heréticas” do cristão-novo.20

Mas no confronto atento

entre as denunciações e a confissão permite-nos concluir o quanto ele se esforçou

com inteligência e sutileza intelectual a diminuir a gravidade das acusações ao opor

explicações sobre os mesmo fatos que comprometesse o menos possível a

necessidade de demonstrar sua fidelidade e apego ao cristianismo. Por outro lado a

fácil denúncia de pessoas e a declinação dos nomes de cristãos-novos revela certa

fragilidade em sua personalidade que não se propunha- como muitos outros o fizeram

na longa história do marranismo- a adotar uma postura que poderia levá-lo à morte na

fogueira. Contudo o auto que o tribunal mandou fazer sobre sua pessoa não lhe era

em nada favorável e ele seria preso por ordem do Visitador expedida em 19 de agosto

de 1595. Na mesma prisão de Olinda, antes de embarcar para Portugal ele se

encontraria com outro preso, Diogo Lopes, que vivera no Rio de Janeiro.21

Preso,

Bento Teixeira , apresentaria em 17 de setembro um longo requerimento em sua

defesa- que nos dá uma preciosa informação sobre sua vida- indicando várias

testemunhas que passaram a ser ouvidas. 22

Ele acabaria sendo levado a Lisboa, onde

permaneceria preso no Paço dos Estaus e ouvido em interrogatório a partir de 28 de

fevereiro de 1596, mostrando-se negativo durante todo o tempo em relação a qualquer

prática judaica. O processo inquisitorial que se realizou de acordo com os

procedimentos estabelecidos na rotina do tribunal do Santo Ofício acabou por se

prolongar também devido o fato de testemunhas no Brasil, que conheceram o réu,

deverem ser ouvidas. A um dado momento, Bento Teixeira, que se mantivera

insistentemente negativo, percebera que a balança de suas testemunhas lhe era

desfavorável e assim resolvera mudar de atitude, talvez com o receio de obter o

perdão do tribunal. Assim sendo decidira confessar que, sob a influência de sua mãe,

adepta da lei de Moisés, adotara desde adolescente os ritos judaicos, mas que

ultimamente se arrependera e por isso pensava em dizer a verdade, não o fazendo

antes por temor da infâmia e o temor das denuncias que deveria fazer sobre outras

pessoas. E de fato ele denunciou judaizantes que tivera contato em vários momentos e

lugares por onde passara e vivera. As confissões estenderam-se até meados de abril e

sua ratificação até 19 de outubro de 1598, onde aparecem novos detalhes de sua vida

e sobre sua esposa. No final o réu foi beneficiado por suas confissões e o parecer dos

inquisidores, de 3 de dezembro daquele mesmo ano foi condenado em cárcere e

hábito perpetuo, com confiscação de seus bens e excomunhão maior, e como pena e

penitência de suas culpas vá ao auto-da-fé e abjure publicamente seus heréticos erros

20

V. Mello, J. A.G. de, “Bento Teixeira e a Prosopopéia” , in Estudos Pernambucanos, Imprensa

Universitária, 1960, pp.5-43; idem, Gente da Nação, pp.81-116; Siqueira, Sônia A., O cristão-novo Bento

Teixeira, in Revista de História, USP, 89, 1972, pp.395-467. 21

Dines, A., Vínculos do Fogo, Companhia das Letras, São Paulo, 1992,pp.199-201. 22

Mello, J.A.G., Gente da Nação, pp.89-95.

19

em forma, sentença lida “no auto público da Santa Fé na sala desta Inquisição de

Lisboa”, em 31 de janeiro de 1599. Além de abjurar, ele passaria nos cárceres das

assim chamadas Escolas Gerais para ser instruído na doutrina cristã até outubro do

mesmo ano, quando se lhe deu o consentimento para soltá-lo. Não sabemos qual foi o

motivo que o levou novamente voltar à prisão, confirmado por um laudo médico de

abril de 1600, que dizia encontrar-se muito enfermo, vindo, pouco após, a falecer em

julho daquele ano. Entre as testemunhas de Bento Teixeira figurava o nome de

Ambrósio Fernandes Brandão autor do Diálogos das Grandezas do Brasil, uma das

mais importantes obras de informação sobre o Brasil, e em particular sobre o

Nordeste colonial. Ele também se veria às voltas com o Santo Ofício devido ser

denunciado como cristão-novo judaizante. O pouco que conhecemos de sua biografia

indica que viveu em Pernambuco para onde teria vindo de Portugal em 1583 como

feitor do cristão-novo e senhor do engenho de Camaragibe, Bento Dias Santiago. Ele

participou da expedição que foi organizada para a conquista da Paraíba por Martim

Leitão, como capitão de mercadores. De 1597 a 1607 residiu em Portugal e exerceu a

função de tesoureiro geral da Fazenda dos Defuntos e Ausentes. Em 1607 regressou a

Pernambuco seguindo mais tarde para a Paraíba, onde em 1613 já possuía dois

engenhos e conforme Horácio de Almeida estava montando um terceiro.23

Foi na

Paraíba que escreveu, em 1618, a obra “enciclopédica” Diálogos das Grandezas do

Brasil, sobre a qual, durante muito tempo, foi questionada a verdadeira identidade de

seu autor até que Capistrano de Abreu, Rodolfo Garcia e José Antônio G. de Mello a

associassem ao nome de Ambrósio Fernandes Brandão.24

A leitura atenta de sua

obra, a qual se desenvolve através de um diálogo entre dois personagens, Brandônio,

entusiasta em relação à riqueza da terra e Alviano, reinól recém-chegado, crítico

pessimista da mesma, chamou a atenção de historiadores sobre a menção unilateral de

citações escriturísticas do Velho Testamento, e não do Novo, e para sua interessante

concepção- ainda que não fosse original - de que os povos indígenas do continente

seriam descendentes dos antigos hebreus.25

Creio que ainda falta uma leitura mais

atenta dos “Diálogos” no referente as citações do Velho Testamento e sua utilização

exemplar na literatura rabínica tradicional no sentido de se localizar tradições orais

que poderiam perfeitamente fazer parte do “judaismo” ibérico e seu marranismo. “A

vinha de Noé”, “os descendentes do perverso Cã” , “o santo profeta Rei Davi”, “o

profeta Daniel no lago [poço] dos leões”, são temas de uma exegese judaica

tradicional que merece, em seu contexto literário uma reflexão maior no sentido de

identificar o judaismo de seu autor. Mas pelo fato de nunca ter sido processado pela

Inquisição poucos elementos temos para saber sobre sua fé, senão pela denúncia que

foi feita ao Inquisidor Antônio Dias Cardoso, em 9 de novembro de 1606, em Lisboa,

por um “mourisco de nação” de nome Miguel Fernandes de Luna. Nela consta que o

denunciante servia a Ambrósio Fernandes Brandão, cristão-novo que mora na

23

Almeida, H., op. cit., p.210. 24

Vide o Prefácio de Leonardo Dantas Silva na edição dos Diálogos das Grandezas do Brasil,

ed.Massangana-Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1997, no qual faz a apreciação dos manuscritos e a

Introdução de José Antônio G. de Mello, que descreve os passos havidos para a identificação de seu autor. 25

Alberto Dines chama a atenção para a estrutura do “Diálogos” que são em número de seis ao longo de seis

dias com um intervalo do sétimo para reflexões, o que seria um indício de seu judaismo. V. Dines, A., A

presença judaica no Brasil, breve roteiro (II- A Inquisição na Colônia), in Morashá, ano VIII, n. 28, abril

2.000, p.34.

20

Calçada do Congro...para lhe consertar um jardim de uma horta... Além dele havia

ainda em serviço na dita horta, um “hortelão” de nome Antônio Álvares. Na casa

moravam Ana Brandoa-que parece ser a mulher de Ambrósio- Joana Batista, irmã

bastarda desta, Mícia Henriques e Duarte Brandão, filhos, de Ana Brandoa...que o

dito Ambrósio Fernandes em todos os dias de sábado se recolhe em um estudo seu e

nele está quase todo dia e não sai fora de casa, nem faz pagamento nem contrato no

dito dia com pessoa alguma, sendo recebedor do Consulado e tendo negócios na dita

casa.” O mesmo denunciante “viu a dita Ana Brandoa...estar lendo um livro, que não

sabe que livro é”, e a irmã bastarda desta, Joana Batista, possuía “um livro defeso” e

o filho, Duarte Brandão, era “letrado” .26

Conforme o autor do Gente da Nação a

última menção sobre sua pessoa data de 162327

sendo que seus filhos Luís Brandão,

Jorge Lopes Brandão e Francisco Camelo Brandão seriam os herdeiros dos engenhos

de sua propriedade que o tempo fez passar a outras mãos. Temos a possibilidade de

especular sobre os motivos que levou o suposto cristão-novo, ou judeu, a escrever o

“Diálogos das Grandezas do Brasil” no ano de 1618, ano da Segunda Visitação

inquisitorial ao Brasil sob a responsabilidade do licenciado Marcos Teixeira, que

sediada na Bahia, atuou desde 11 de setembro daquele ano até 26 de janeiro de 1619 e

na qual foram denunciados dezenas de judaizantes nessa região.28

Entre os

denunciados encontram-se aqueles que mantinham contato com o continente europeu,

com Flandres e a cidade de “Nostra Dama” (Amsterdão) e que evidencia uma

atividade econômica dos cristãos-novos brasileiros numa escala mundial, devido o

seu contato e ligações, mesmo de parentesco, com as comunidades de judeus

portugueses na Holanda, Hamburgo e outros lugares. A liberdade de movimento

outorgada aos cristãos-novos pelo decreto de 4 de abril de 1601, revogando a

proibição de sair de Portugal sem licença especial ou ainda venderem suas

propriedades a não ser com permissão, permitiu, esse desenvolvimento que levou a

prosperidade de muitos dos que se estabeleceram no Brasil. São anos em que a

política portuguesa em relação aos cristãos-novos oscila entre uma jurisdição que

concede uma relativa liberdade e a supervisão controladora das almas para que não

caiam na tentadora heresia, mas sem coerência e sujeita ao sabor de governantes que

ora pendem para um lado ora para outro.

O “Diálogos” é, assim nos parece, fruto de uma visão otimista sobre possibilidades e

potencialidades de enriquecimento que a colônia oferece àqueles que querem emigrar

e viver nessa terra. Esse otimismo espelha de fato uma fase de prosperidade e

crescimento da industria açucareira no Nordeste, atividade na qual o próprio autor

estava envolvido, e que acompanhou o aumento progressivo do número de engenhos

e o de sua produção. A cobiça dos holandeses em relação ao Nordeste brasileiro

decorrente de informações, também de holandeses e estrangeiros29

que viviam em

26

Mello, J.A.G. de, Introdução ao Diálogos das Grandezas do Brasil, pp.XXI-XXII. 27

Mello, J.A.G. de, op. cit., p.27. 28

Livro das Denunciações que se fizerão na Visitação do Santo Officio à Cidade do Salvador da Bahia de

Todos os Santos do Estado do Brasil, no anno de 1618, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1936, com

introdução de Rodolfo Garcia e onde aparece a figura de um Melchior de Bragança, converso e terrível

denunciante que ensinara hebraico nas Universidades de Alcalá e Salamanca. 29

Mello, J.A.G. de, Dois relatórios holandeses, Sep. da Revista de História-USP, São Paulo, 1977, na qual

transcreve a Memória de Adriaen Verdonck, escrita em 20 de maio de 1630, brabantino que residia em

21

Pernambuco antes do empreendimento da conquista do território após a fundação da

Companhia das Índias Ocidentais, advinha da fama sobre as riquezas naturais da terra

e o fácil enriquecimento de seus habitantes. Entre os que poderiam informar com

conhecimento fundamentado sobre a vida e os recursos do território se encontravam

cristãos-novos em permanente contato com os seus conterrâneos na Europa.30

Os fatos sobre a conquista são conhecidos e os historiadores são unanimes em afirmar

o quanto os cristãos-novos judaizantes estavam ansiosos para que o estabelecimento

dos holandeses fosse bem sucedido, pois desse modo poderiam voltar à sua fé.

Segundo o cronista Duarte de Albuquerque Coelho, serviu de guia central para as

tropas que desembarcaram o judeu Antônio Dias, conhecido como Paparrobalos. A

expedição militar organizada em 1629, composta de mercenários de várias

nacionalidades, incluía uma unidade ou companhia composta de judeus que é

confirmado por um documento descoberto por Hermann Kellenbenz no Arquivo

Histórico Nacional de Madri, onde se lista 41 nomes sefaraditas e mais vinte judeus

da Alemanha, sem qualquer indicação nominal, todos liderados por Diego Peixoto,

aliás Mosen Coen, que era capitão.31

Curiosamente a lista não menciona os nomes de

Moysés (Moseh) Navarro, Antônio Manuel e David Testa, que A. Wiznitzer

considera os primeiros soldados judeus a chegarem na América. A figura de Moysés

Navarro, que chegara ao Brasil como cadete naval, “adelborst”, na companhia do

capitão Bonet, e passou à condição de “vrijelujden”, cidadão livre, isto é

economicamente independente, é das mais interessantes. Em 1635 ele recebeu licença

para comerciar com açucar e tabaco tornando-se mais tarde senhor de engenho em

Pernambuco. Prosperou ao ponto de se tornar um dos homens mais ricos e

importantes do Brasil Holandês e em 1648 ele se encontra entre os assinantes do

Livro da Congregação Zur Israel de Recife. Ele aparecerá como intérprete da

Comissão holandesa por ocasião da derrota do exército holandês na segunda batalha

de Guararapes, em 19 de fevereiro de 1649, quando o comandante Francisco Barreto

de Menezes concedeu aos holandeses o direito de enterrarem seus mortos. Navarro

voltará a Amsterdão em 1654, assim como seus irmãos Aaron e Jacob que passaram a

viver em Barbados.32

O papel desempenhado pelos judeus na defesa do domínio

holandês já foi objeto de estudo de Wiznitzer que se reporta à solicitação feita as

autoridades para que fiquem isentos de fazerem guarda aos sábados,- motivo de

queixas repetitivas por parte de cidadãos holandeses que nisso viam um privilégio

injusto outorgado aos judeus -mediante pagamento de multa, ao mesmo tempo que

enfatiza sua participação na defesa como podemos depreender do conhecido mapa de

Pernambuco desde 1618 ou 1620, e que forneceu informações valiosas aos invasores que ocuparam a vila de

Olinda em fevereiro de 1630. 30

Mello, J.A. G. de, Tempo dos Flamengos, Col. Pernambucana, Recife, 1978, p.38. O autor que observa que

uma das cópias do “Diálogos”, se encontrava na Biblioteca de Leyden indica o quanto os holandeses

procuravam obter um conhecimento sobre a região. 31

Kellenbenz, H., A participação da Companhia de Judeus na conquista holandesa de Pernambuco, Univ.

Fed. da Paraíba, 1966. Trata-se de um depoimento feito perante o arcebispo de Charcas, conselheiro da Santa

Inquisição, em março de 1633 por um capitão Estevan de Ares de Fonseca, natural de Coimbra, sobre um

Francisco de Brito que tomou parte na companhia dos Judeus, em 1629. O documento que se encontra na

Inquisição de Toledo. 32

Sobre Moysés Navarro vide o artigo de Wiznitzer, A., Soldados judeus no Brasil Holandês (1630-1654) in

Aonde Vamos?, n,733, 11 de julho, 1957; n.734, 18 de julho, 1957. Mello, Tempo dos Flamengos; Wiznitzer,

A., The Records of the Earliest Jewish Community in the New World, A. J. H. S., New York, 1954.

22

Recife e Olinda que se refere ao fortim dos judeus, excubiae Iudaeorum.33

Durante a

rebelião portuguesa de 1645, muitos deram suas vidas para impedir a expulsão dos

holandeses motivados, acima de tudo, pelo temor de que teriam de estar novamente

sujeitos às perseguições inquisitoriais e à vingança dos rebeldes. Nieuhof recorda que

a preocupação permanente dos judeus os levava a ficar atentos quanto as intenções

dos portugueses, e em 13 de outubro de 1644, certo judeu, Gaspar Francisco da

Cunha, e mais dois outros de destaque na colônia comunicaram ao Conselho que

haviam sido informados por alguns judeus do interior, com os quais mantinham

correspondência, que os portugueses estavam conspirando contra o Brasil Holandês.34

O temor era plenamente justificado pois ao conquistarem Serinhaém e seu forte em

agosto de 1645 os lusos batizaram dois judeus, Jacques Franco e Isaac Navarro.35

Frei

Manoel Calado menciona um judeu que estava catequizando e outros que foram

enviados a Portugal, além de outros mais.36

Ainda o mesmo Nieuhof é que nos revela

o estado de espírito dos judeus quanto a possibilidade dos holandeses virem a ser

derrotados: “Os judeus, mais que os outros, estavam em situação desesperadora, e,

por isso, optaram por morrer de espada na mão ao invés de enfrentar seu destino sob

o jugo português: a fogueira.” 37

Wiznitzer, calcula o número de judeus no Brasil

holandês não terem excedido a 1.450 almas numa população total de homens livres

de 2.899 pessoas, sendo que no ano de 1645, cerca de 350 judeus serviram as forças

armadas holandesas. Mas as discrepâncias numéricas entre os historiadores quanto a

questão relativa à população judaica sob domínio holandês ainda demanda um estudo

mais apurado.38

Além dos marranos anteriores à invasão, que voltaram abertamente

ao judaismo, e os judeus que tomaram parte na conquista acompanhando a armada

invasora, vieram judeus da Holanda, desde o estabelecimento do domínio batavo e

mais acentuadamente nos anos de prosperidade em que Maurício de Nassau foi

governador do Brasil Holandês, de janeiro de 1637 a 1644. Uma carta enviada à

Companhia das Indias Ocidentais, em 5 de dezembro de 1637 revela que a Câmara

dos Escabinos de Olinda queixava-se de que o território estava sendo inundado de

judeus que chegavam em todos os navios e pouco após a representação da Igreja da

Reforma no brasil queixava-se de que os judeus realizavam publicamente seus rituais

em dois lugares do Recife.39

As levas conhecidas de 1638 sob a chefia de Manoel

Mendes de Castro e a de 1641-2 liderada pelos Hahamim Isaac Aboab da Fonseca e

Moisés Raphael de Aguilar eram compostas de um número maior de pessoas. Com o

levante de 1645 obviamente o número de judeus irá decrescendo e com a derrota final

dos batavo e a capitulação calcula-se que cerca de 600 judeus saíram do Brasil para se

33

Wiznitzer, A., Soldados...p.4. 34

Joan Nieuhof, Memorável Viagem Marítima e Terrestre ao Brasil, ed. Itatiaia-Edusp, São Paulo, 1981, p.

124. Nieuhof esteve no Brasil de 1640 a 1649. 35

Idem, ibidem, p.216. 36

V. Nota de rodapé 281, p. 216, de José Honório Rodrigues, na edição citada da obra de Nieuhof. 37

Idem, ibidem, p.290. 38

Certos historiadores chegaram a adotar a absurda cifra de 5.000 judeus vivendo sob domínio holandês,

enquanto J. Lúcio de Azevedo se refere a 600, I. S. Emmanuel cerca de 1.000, Egon e Frieda Wolff, no

entanto dá para o ano de 1648, ano da assinatura dos Estatutos da comunidade de Recife e Maurícia, cerca de

350, em oposição a Wiznitzer que calcula , para o mesmo ano cerca de 720. Para essa questão vide Wolff, E.

e F., A Odisséia dos Judeus de Recife, C.E.J.-USP, São Paulo, 1979, pp. 274-6. 39

Wiznitzer, A., O número de judeus no Brasil Holandês (1630-1654), in Aonde Vamos? n.585, 9 de

setembro, 1954.

23

dirigirem a Amsterdão e alguns poucos a outros lugares.40

A trajetória de vida e o

papel que muitos dos membros das congregações Zur Israel e Magen Abraham, em

especial aqueles que ocuparam posições de responsabilidade no Mahamad,

desempenharam no Brasil Holandês e após a reconquista, em outros lugares,

mereceria uma atenção especial em um trabalho que pretende retratar o rico

panorama humano que se desenhou entre 1630 e 1654. Lamentavelmente, no espaço

limitado de nosso artigo não nos é possível faze-lo. Muitos dos que saíram do Brasil

Holandês estabeleceram-se novamente na Holanda, em particular em Amsterdão e

muitos outros dirigiram-se a outros lugares, desde Surinam, Curaçao, Martinica,

Barbados, Nova York, e outros centros de judeus portugueses. Mas o importante é

assinalar que o Brasil Holandês foi agraciado com um número de notáveis

personalidades que já haviam formado seu nome na vida judaica de Amsterdão, no

Velho Continente, a começar do Haham Isaac Aboab da Fonseca, descendente de

uma linhagem extraordinária de sábios pois era bisneto do último “Gaon de Castela”

que obteve de D.João II, rei de Portugal, a permissão dos exilados judeus da Espanha

passassem a fronteira e se estabelecessem no reino. Aboab da Fonseca, nasceu em

1605, em Castro Daire, de uma família de marranos, e seu nome era Simão da

Fonseca, filho de David Aboab e Isabela da Fonseca, sendo educado em St. Jean de

Luz, na França passando depois, em 1612 a Amsterdão. Foi aluno de rabi Isaac ben

Abraham Uziel, nascido em Fez e mais tarde professor do “beit hamidrash” em

Amsterdão, encontrando-se também entre seus alunos o notável Menasseh ben Israel,

que pretendeu vir ao Brasil, mas contingências pessoais impediram-no de faze-lo.

Ainda jovem, em 1626, Aboab foi indicado como Haham da congregação Beit Israel

e após a unificação das três comunidades em 1638 ele realizava os sermões

vespertinos da sinagoga, lecionava gramática hebraica e Talmud nas escolas de

iniciação da comunidade, e era assistente do Haham Saul Levi Morteira.41

Em 1642,

ou 1641, como quer I.S. Emmanuel,42

ele viria ao Brasil, juntamente com o Haham

Moisés Raphael de Aguilar e muitos outros, variando seu número entre 200 a 600

pessoas, para ser o rabino da comunidade de Recife, com um salário elevado de 1.600

florins por ano, reduzido já em 1650 para 1.200 florins, com um adicional, a partir de

1653, de 150 florins “por assistir na escola de guemara” e servir como “Hatan Torá”.

Durante o levante de 1645, liderado por João Fernandes Vieira, quando a situação da

comunidade na cercada cidade Recife tornou-se calamitosa devido a terrível fome

provocada pela total escassez de víveres obrigando os cidadãos de comerem os

cavalos, gatos e ratos, ele, com sua autoridade espiritual, incentivou a resistência ao

inimigo e manteve a moral elevada dos seus irmãos de fé para continuarem

combatendo os seus inimigos. Em 22 de junho de 1646, que corresponde ao 9 de

40

Idem, ibidem, p.4. Wiznitzer se baseia na afirmação do famoso Haham Saul Levi Mortera, contemporâneo

dos acontecimentos, que em seu livro “Providencia de Dios com Yisrael, y verdad, y Eternidad de la Ley de

Moseh y Nulidad de las demas Leyes”, descreve o momento da capitulação e a generosidade do governador

Francisco Barreto de Menezes “que proibiu que as pessoas da nação hebraica fossem tocadas ou molestadas, e

estabeleceu severas penas contra os que violassem esta proibição. Além disso permitiu que os judeus

pudessem vender suas mercadorias e autorizou o embarque para a Holanda de mais de 600 pessoas de nosso

povo que estava lá.” 41

V. Encyclopaedia Judaica, Keter Pub. House, Jerusalem, 1971-2, vol. 2, p.95-6. 42

Emmanuel, I. S., Fortuna e Infortúnios dos Judeus no Brasil (1630-1654), in Aonde Vamos?, n.632, 4 de

agosto,1955.

24

Tamuz de 5406, chegaria o auxílio da Holanda, os dois navios, o Valk e o Elizabeth,

que anunciariam que estava a caminho várias naus carregadas de armas e alimentos,

para alívio de toda a população. Joan Nieuhof, testemunha o acontecimento ao

escrever: “Finalmente, quando já tínhamos atingido ao auge da penúria e devorado

todos os cavalos, gatos, cachorros e ratos, e um alqueire de farinha chegou a ser

negociado à razão de 80 e 100 florins cada um, sem que a quantidade total fosse

suficiente para mais que dois dias de consumo, finalmente, a 22 de junho (data que

jamais esqueceremos) avistamos dois navios desfraldando o pavilhão do Príncipe,

que rumavam para o Recife a todo pano.”43

Aboab da Fonseca fixaria o dia 9 de

Tamuz como um dia de Ação de Graças no qual os judeus do Brasil deveriam cantar

o Shirat haHaim, o Cântico de Moisés (Dt 3:23-6 ), e no qual se faria atos de caridade

aos pobres. No Livro de Atas (Pinkes), resultado da revisão dos regulamentos da

congregação que se reuniu em 1 de Kislev de 5409 (16 de novembro1648) e

promulgou 42 regulamentos, vemos que a ascamá (regulamento) de número 39

incorpora a orientação de Aboab nos termos que se seguem: “no dia anterior ao Rosh

Hodesh Tammuz, os senhores que quiserem poderão jejuar voluntariamente em

agradecimento pelo auxílio enviado por Deus. E no sábado seguinte, a Nedabah

(caridade) será feita e o Mi-Kamoha composto pelo senhor Haham Isaac Aboab será

recitado depois do Amidah (as assim denominadas 18 orações). E a nove do dito mês,

O Cântico de Moisés será cantado. E não haverá Rogativas e a Nedabah feita será

dividida entre os pobres.”44

A ascamá se refere aos acontecimentos que foram

rememorados no poema que o Haham escreveu na ocasião quando sucederam anos

antes, sob o título “Zecher assiti leniflaot El”45

(Erigi um memorial aos milagres de

Deus) que seria o primeiro poema hebraico escrito no Brasil e contém a descrição dos

sofrimentos passados pelos que viveram aqueles dias de angústia.46

O poema que

abre com as palavras “Erigi um memorial...”, que serve de introito explicativo,

expressa com termos fortes a situação presente que não escondem a profunda mágoa

e ressentimento de quem tem a consciência histórica do mal que Portugal (e seu

povo) causou aos judeus no passado, com a conversão forçada, a expulsão e a

instalação da Inquisição, e que agora, com o sítio da cidade do Recife, procura

novamente a sua destruição. Palavras que foram escritas a beira do abismo, para “que

sirva como memorial ao esplendor de Deus e à congregação Zur Israel” (Ihie

lezikaron lepeer Shem El leKahal edat El Ram veTzur Israel). A seguir ele acrescenta

um “hibur katan”, pequeno “piut” , como ele próprio o diz “pequeno como o valor de

seu autor”, em forma de “vidui” (confissão) que rezou, assim esclarece, no momento

de sua angústia, e após, na forma usual da poesia hebraica tradicional da Idade Média,

43

Nieuhof, J.,op. cit., p.290. 44

Wiznitzer, A., O Pinkes Brasil, in Aonde Vamos? n. 514, de 23 de abril, 1953 ao n. 529, de 6 de agosto,

1953. 45

O poema completo foi editado por M. Kayserling, no Hagoren, vol. 3, 1902, pp. 155-174, junto ao artigo

“Rabbi Yitzhak Aboab haShlishi”. O mesmo já havia tratado o tema no artigo “Isaac Aboab, the First Jewish

Author in America”, Publications of the American Jewish Historical Society, bol. V, 1897, pp.124-136. Mais

recentemente o poema completo foi reeditado na edição hebraica de Wiznitzer, A., Haiehudim beBrazil,

Magnes Press, Jerusalem, 1992, pp. 250-254, juntamente com a Confissão (Vidui) e a Tefilá (Oração) que

ordenou Aboab “para ser dita em agradecimento e louvor a Deus por ter nos salvo dos exércitos do rei de

Portugal.”, pp.254-256. 46

Wiznitzer, A., Chacham Yizhak Aboab da Fonseca, primeiro rabino no Brasil, in Aonde Vamos?, n.484, 25

de setembro, 1952.

25

na qual o autor é identificado pelo conjunto das letras iniciais de cada verso. A seguir

vem o longo e comovente poema de louvor a Deus, o “Mi Kamoha” ( Quem é como

Tu ?, pois não há como Tu, e quem se compara a Ti?, pois nada é semelhante a Ti),

elaborado, assim ele o diz, com o mesmo estilo e ritmo que se encontra no conjunto

de suas “pobres sacolas de poemas”, “amtahot shirai”, dividido em duas partes, sendo

a primeira em forma de “bakasha” (súplica a Deus para a salvação e ajuda) e uma

segunda parte, na qual estão embutidos os detalhes dos acontecimentos, nos quais o

“descendente de Amalek” visava a destruição do povo de Israel, porém Aquele que o

guarda e zela por ele não o abandonou. Novamente, nessa última parte, ele se

identifica como autor com as letras iniciais dos versos que formam seu nome “Isaac

Aboab ben David, hazak” (esta última palavra significa “fortifique”, no sentido de

força e coragem). Anexo ao poema encontra-se o “Vidui veTefilá” (Confissão e

Oração) que escreveu “e ordenou para que se rezasse em momentos de angústia e

perigo quando as tropas do rei de Portugal vieram para nos destruir e Deus nos salvou

de suas mãos”. Na verdade a leitura desses escritos, permeados de expressões bíblicas

e mishnaico-talmúdicas que caracteriza os diversos modelos e formas do “pyiut”, da

poética litúrgico-sinagogal, ou “shirat kodesh”, poesia sagrada, que atinge seu

momento alto na Idade Média,47

confirma a sólida cultura religiosa de Aboab da

Fonseca, que além de revelar elevada sensibilidade poética , quis deixar registrado

para a história não somente as “res gestae” dos homens, mas, acima de tudo as

“niflaot”, as maravilhas que operou o Deus de Israel. Aboab também escreveu-

supõe-se que ainda no Brasil- uma gramática hebraica, Melehet haDiqduq, e

Kayserling, faz referência a uma obra, desaparecida, De la conligacion (sic) de los 13

Articulos de la Fé, que afirma também ter sido escrita no Brasil, porém sem qualquer

certeza sobre a data. Ele esforçou-se para criar um clima de harmonia entre as duas

comunidades, a Zur Israel e a Magen Abraham, que por vezes disputavam entre si,

para propor finalmente uma unificação. Ao voltar para Amsterdão, com a derrota

holandesa em 1654, Aboab foi indicado como Haham , mestre no Talmud Torá,

diretor de ieshivá (academia de estudos talmúdicos), membro de beit din ( tribunal

rabínico) e nessa atribuição ele participou da decisão que levou a excomungar, em

1656, a Spinoza. Sua produção literária inclui sermões, elegias, um Vidui

(Confissão), um tratado sobre castigo e recompensa, sob o título de Nishmat Haim

(Espírito da Vida), uma tradução ao espanhol com comentário sobre o Pentateuco

intitulada Parafrasis Commentada sobre el Pentateuco, publicada em 1681, e a

tradução do espanhol ao hebraico das obras do cabalista Abraham Cohen de Herrera,

Beit Elohim (“Casa de Dios”) e Shaar haShamaim (“Puerta del Cielo”), publicadas

em 1655.48

Na introdução dessa obra ele lembra, novamente, a intervenção divina e o

milagre da salvação que libertou os judeus da “escaldante fornalha que era o Brasil,

um verdadeiro Egito”. Sábio, orador brilhante, foi seguidor do falso-messias Sabatai

47

Sobre isso temos em espanhol a clássica obra de José M. Millás Vallicrosa, La poesia sagrada

hebraicoespañola, ed. C.S.I.C., Madrid-Barcelona, 1948, 2ª ed., na qual a poética hebraica medieval é

estudada por um dos luminares dos estudos hebraicos na Espanha. A bibliografia fundamental encontra-se em

hebraico e reúne um extraordinário grupo de estudiosos das universidades de Israel, assim como de outros

centros de estudos, do quilate de um H. Y. Schirmann, Ezra Fleisher, e outros, que continuaram e ampliaram a

monumental obra de Leopold Zunz, no século XIX. 48

Sobre sua produção literária vide Kayserling, Meyer, Biblioteca Española-Portugueza-Judaica, Prol.Y.H.

Yerushalmi, ed. Ktav Pub. House, New York, 1971, pp.26-27.

26

Tzvi, que despertou e provocou um verdadeiro movimento místico-messiânico no

judaismo de seu tempo.49

Não poderíamos deixar de lembrar o conhecido dictum do

padre Antônio Vieira, que teve contato com Menasseh ben Israel,50

e provavelmente

ouvido sermões de Aboab, e com certeza admirador de ambos, usando de sua

proverbial e incomparável verve aliada à uma lúcida captação da natureza humana,

enunciou:” Menasseh diz o que sabe, Aboab sabe o que diz.”51

Aboab faleceu na provecta idade de 88 anos em 4 de abril de 1693, deixando dois

filhos, David, lapidador de diamantes, que era casado com Rachel Velosino, nascida

no Brasil, filha de Jehosuah Velosino, signatário da congregação Zur Israel e seu

hazzan (chantre) de 1649 a 1654. Uma filha, Judith casou-se com Daniel Belillos,

filho do cristão-novo Balthazar da Fonseca, encarregado da construção da ponte que

deveria ligar Maurícia com Recife, sobre o qual Frei Manoel Calado, o autor do

Valeroso Lucideno escreve, horrorizado, ter ele se circuncidado em público para

viver entre os seus.52

O companheiro de viagem de Aboab, o Haham Moisés Raphael

de Aguilar, que acabaria por se projetar como estudioso respeitado pelos seus

conhecimentos rabinícos, em Amsterdão, onde exercera em 1620 a função de

Tesoureiro da Terra Santa na Congregação Beit Israel, não figura entre os membros

da Zur Israel do Recife, o que leva a crer que ocupara uma posição, equivalente ao de

Aboab da Fonseca, na congregação Magen Abraham de Maurícia. Sabemos que dois

de seus irmãos também se encontravam no Brasil sendo que um deles, Jacob exercia a

função de hazzan e rabino. O notável poeta Daniel Levi de Barrios, no seu Triumpho

del Govierno Popular, diz:

”Duas sinagogas tem o Brasil, Uma em Recife, ilumina-se com Aboab; com Aguilar

prospera a outra, angélica no nome, e na doutrina.” 53

Outro indício de que Aguilar não

estava no Recife ,mas em Maurícia, é o fato de Aboab assinar com outro Haham, Aron

Sarfati ,ou de Pina, que vivia no Brasil com seu irmão Benjamin, que provavelmente

chegara antes dele, em 1636.54

Aguilar pertencia ao círculo dos judeus respeitados pela sua

erudição rabínica e de fato ao voltar a Amsterdão passou a ensinar na Academia de Talmud

Torá , Talmud e outras disciplinas juntamente com a gramática hebraica sobre a qual

publicou um método para uso escolar intitulado Epítome da Gramática Hebraica. Além

dessa obra publicou um tratado sobre as leis relativas ao exame e abate ou degola de

animais, sob o título Dinim de Sehita y Bedica, em 1681, e um Tratado da Imortalidade da

Alma .55

Mendes dos Remédios enumera um número significativo de obras, incluindo

tratados, discursos, questionamentos, etc e uma Explicação do Capítulo 53 de Isaías “feito

49

Sobre esse movimento vide Scholem, G., Sabatai Tzvi, o messias místico, ed. Perspectiva, São Paulo, 1995. 50

V. Falbel, N., “Menasseh ben Israel e o Brasil, in O Brasil e os Holandeses, org. Paulo Herkenhoff,

Sextante, Rio de Janeiro, 1999, pp.160-175. 51

Antônio Ribeiro dos Santos em sua obra Memórias da literatura sagrada dos judeus portugueses no século

XVII, editada em Lisboa, em 1792, na Memória III, p. 300, cita a frase mas observa que “Wolffio, o autor da

Bibliotheca Hebraica, t, III, p.709, a ouvira dizer a hum Judeo Portuguez”. Por outro lado afirma que “o Padre

Antônio Vieira o ouviu [a Aboab] pregar muitas vezes, e se maravilhou de seu grande juízo.” 52

Sobre Aboab da Fonseca e seus laços familiares vide Wolff, E. e F., A Odisséia dos Judeus de Recife, CEJ-

USP, São Paulo, 122-133; Emmanuel, I.S., New Lights on early American Jewry, in American Jewish

Archives, 7, 1955, pp. 3-64. 53

Emmanuel, I.S., Fortuna e Infortúnios dos Judeus no Brasil, in Aonde Vamos?, n. 643, 20 de outubro, 1955.

Emmanuel adota o título da obra de Barrios como sendo “Triumpho del Gobierno Israelitico Theocratico.” 54

V. sobre eles e a numerosa família Sarfati (com diversas grafias) em Wolff, E. e F. op. cit., pp.63-69. 55

V. Kayserling, op. cit., p.31.

27

no Brasil”.56

Na sua condição de Haham Moisés Raphael de Aguilar ele substituiu a

Menasseh ben Israel no seminário Etz Haim da congregação, bem como era consultado em

questões atinentes a fé judaica, como o foi pela fascinante figura de marrano Isaac Orobio

de Castro, atormentado por dúvidas e questionamentos pela sua própria condição e

origem.57

Aguilar era tio, pelo lado materno, do jovem mártir da Inquisição, Isaac de

Castro Tartas ou José de Lis ou Tomás Luís, filho de Abraham e Bemvenida Castro,

queimado em 15 de dezembro de 1647 em Lisboa no auto-de-fé no qual se encontravam 70

penitenciados. Ele nasceu em Tartas, na Gasconha, aproximadamente em 1625 e estudou

filosofia e medicina em Bordéus e Paris, seguindo após para Amsterdão. Veio para o Brasil,

muito jovem, em 1641, provavelmente com seu tio Moisés Raphael de Aguilar,58

vivendo

cerca de três anos no Recife bem como em outras localidades do Brasil Holandês, quando,

passou a partir de outubro 1644 a viver na Bahia. Em Salvador ele foi preso e reconhecido

como judaizante enquanto ele procurava provar que era judeu de nascimento. Na verdade

ele viera para converter cristão-novos ao judaismo, convicto de sua missão ao ponto de

estar disposto a arriscar sua própria vida. Culto e preparado no judaismo, ao ser preso,

interrogado e prestar seu primeiro depoimento frente ao bispo da Bahia tentou despistar os

verdadeiros motivos de sua presença naquela região confessando que era nascido judeu e

tinha a intenção de adotar o catolicismo como sua religião e por isso abandonara

Pernambuco.59

O argumento de ser judeu de nascença invalidava qualquer acusação de

apostasia em relação a fé cristã e ,portanto, neutralizava a autoridade inquisitorial para

processá-lo. Mas essa evasiva era conhecida dos familiares e dos inquisidores que usavam

de todos os meios para encurralar os denunciados ao Santo Ofício. Isaac de Castro Tartas,

em janeiro de 1645 foi levado a Lisboa e colocado nos cárceres da Inquisição. Apesar de

continuar a manter sua linha de defesa tentando convencer o tribunal inquisitorial que

nascera judeu pouco a pouco era envolvido a confessar a verdade sobre sua família e sua

pessoa. Quanto ao seu deslocamento da França para Amsterdão insinuava ter cometido um

delito naquele lugar e portanto fora obrigado a sair. Do mesmo modo declarara algo

próximo a essa justificativa quando dizia ter cometido um crime na Holanda o que

explicava a sua viagem ao Brasil. O argumento do homicídio é novamente utilizado em sua

defesa, por ele mesmo, para justificar sua saída de Pernambuco e se fixar na Bahia.60

Mas

as testemunhas que vinham depor afirmavam que ele viera a Bahia com a intenção de

ensinar a crença judaica e as cerimonias da Lei, o que tornou sua situação insustentável,

56

Remedios, J. Mendes dos, Os judeus portugueses em amsterdam, F. França Amado, Coimbra, 1911, pp.61-

67. 57

V. o estudo definitivo sobre este personagem na obra do eminente Prof. Yosef Kaplan, Menatzrut

leyahadut, haiav upfealo shel haanus Itzhaq Orobio de Castro (Do cristianismo ao judaismo,vida e obra do

marrano Isaac Orobio de Castro), Magnes Press, The Hebrew University, Jerusalem, 1982, cap.6, pp.98- 108;

Mendes dos Remedios, op. cit., lista certos questionamentos de Isaac Orobio de Castro junto às obras de

Aguilar. 58

A data de sua vinda, 1641, juntamente com seu tio Aguilar, é indicada por ele mesmo durante o inquérito

inquisitorial. V. Lipiner, E., Izaque de Castro:o mancebo que veio preso do Brasil, Massangana, Recife, 1992,

pp.53 e 117-118. Se for verdadeira a informação de Isaac de Castro, teria razão I.S. Emmanuel, que afirma ser

a vinda de Aboab em 1641, sob o argumento que Menasseh ben Israel, o substituiu em sua atribuição na

congregação Talmud Torá de Amsterdão naquele ano, partindo do pressuposto que Aboab e Aguilar vieram

juntos. 59

Azevedo,J. Lúcio de, op. cit., pp.483-4, trás um pequeno extrato do processo 11.550 da Inquisição de

Lisboa no qual o réu afirma nunca ter sido batizado. 60

V. Lipiner, E., op. cit., pp. 48-50.

28

uma vez que o tribunal estava convicto que era cristão batizado.61

Há um dado momento

Isaac de Castro tomou consciência de que não escaparia da extrema condenação, a fogueira,

a não ser que abjurasse de sua fé e abraçasse o cristianismo. A partir daí ele aceitou seu

destino e decidiu morrer como mártir, tal como outros o fizeram desde que o Tribunal do

Santo Ofício foi estabelecido na Península Ibérica passando a estender seus tentáculos nos

domínios de Espanha e Portugal nos quatro cantos do mundo. O “Kidush haShem”, o

morrer santificando o Nome, e não apostatar ou transgredir os princípios da fé, vinha de

uma longa tradição no judaismo, desde o domínio grego-romano na Palestina. Foi na Idade

Média, e em particular durante a passagem das Cruzadas pelas comunidades judias de

Ashkenaz (Alemanha), que o Kidush haShem se manifestou numa dimensão jamais vista

anteriormente. Mas desde o século XIV com os batismos forçados e com a instalação

oficial dos tribunais da Inquisição o martirológio, numa escala mais ampla, despertou como

postura admirada e cultuada entre os judaizantes da Diáspora ibérica, continuamente

supervisionados em sua fé ,onde quer que se encontrassem. Os tribunais da Inquisição

espanhola nos seus territórios coloniais, desde o México até o Perú, assim como os que

foram instalados nas colônias portuguesas incluindo-se as Visitações no Brasil, que levou

ao queimadeiro um número expressivo de vítimas, fortificou o sentimento de admiração e o

culto pelos mártires judeus.62

Com certeza o jovem Isaac de Castro conhecia bem a historia

passada-presente de seu povo e a presença próxima do martirológio que “santifica o

Nome”. As suas últimas confissões são de um judeu convicto que quer morrer na sua fé, e

que procura observar as festividades e os preceitos.63

Os esforços dos clérigos, durante o

tempo em que esteve encarcerado, para convertê-lo, foram em vão, e mesmo sob vigilância,

como era hábito e obrigação na meticulosa máquina do Santo Ofício, o prisioneiro em sue

calabouço não deixou as práticas judaicas, observando jejuns, sábados e as festividades

sagradas. Podemos imaginar as inúmeras discussões sobre os fundamentos da fé, que

lembra as polêmicas judaico-cristãs no período medieval que o moço teve que suportar com

a intenção misericordiosa de salvar sua alma, e seu corpo, ao mesmo tempo que ele se

mostrava irredutível em sua crença no Deus de Israel. O seu ilustrado tio Moisés Raphael

de Aguilar já o devia ter introduzido nesse mundo sutil da disputa teológica, pois ele

mesmo tinha entre seus escritos um comentário sobre o capítulo 53 de Isaias, um dos

capítulos polêmicos tirado diretamente da “auctoritas”. E quanto a salvação de sua alma o

jovem missionário estava seguro de que ela era imortal, assim como aprendera de seu tio

autor de um tratado sobre a questão sob a visão teológica da fé judaica, e mais ainda

quando ele caminhava para o martírio em nome do Deus de Israel. Em 17 de novembro de

1647, devido suas “falsas opiniões e heresias” o réu foi entregue à justiça secular, o que

significava a condenação à morte pela fogueira, “sem efusão de sangue”, como consta em

sua sentença, usual e cínico eufemismo usado no código semântico do Santo Ofício, para

quem vai morrer.64

O jovem Isaac de Castro tornou-se uma figura emblemática do

61

V. as pertinentes observações sobre Isaac de Castro em Dines, A., Vínculos do Fogo, Companhia das

Letras, São Paulo, 1992, pp.209, 211, 216, 220-223, e outras. 62

V. Roth, C., A History of the Marranos, Hermon Press, New York, 1974, pp.146-167. 63

Wiznitzer, A., Os Judeus no Brasil Colonial, ed. Pioneira-EDUSP, São Paulo, 1966, p.99. 64

Sem dúvida o melhor estudo sobre Isaac de Castro, que elenca as fontes e a bibliografia existente, ainda é

de Elias Lipiner que estudou meticulosamente o processo 11.550, além de outros relativos ao mesmo, que

resultou no trabalho intitulado citado acima.

29

mártirológio judaico ibérico e assim permaneceu na memória de seus correligionários em

seu tempo e nas gerações posteriores.65

65

Menasseh ben Israel, em sua obra Esperança de Israel, editada em 1650, se refere a ele no item LXV,

pp.99-100 de seu livro ao falar do martirológio: “ Ishak de Castro Tartas, conocido nuestro, y harto inteligente

en las letras Griegas y Latinas, no se por que furtuna, pasando daqui a Pernambuco, siendo alli captivo de los

Portuguezes, fue lo mismo que cercado de lobos carniceros. Embianle a Lixboa, donde tiranicamente preso,

de edad de 24 años, es quemado vivo...” Utilizei-me da edição Editorial Plata S. A., Chur. 1974.

30

4. Menasseh ben Israel e o Brasil

Muito se escreveu sobre Menasseh ben Israel66

, aliás Manoel Dias Soeiro, uma

das personalidades mais marcantes da diáspora ibérica do século XVII, devido não somente

ao seu papel na comunidade judaica de Amsterdam e fora dela, mas também a sua múltipla

atuação como intelectual que soube se integrar na criatividade cultural da época a ponto de

angariar respeito geral no continente europeu, fora do âmbito judaico, Nascido em 1604 na

ilha da Madeira67

, de uma longa linhagem de cristãos-novos, seu pai Gaspar Rodrigues

Nunes ou Joseph bem Israel, que vivenciara a perseguição inquisitorial, acabaria por se

estabelecer em La Rochelle e, logo em seguida, na Holanda, onde assumiria um nome

hebraico.

Como seu pai, os demais parentes, seguindo o costume dos marranos que

voltavam ao judaísmo, afirmavam a sua fé com os nomes bíblicos; e assim sua mãe passou

a ser Rachel68

, sua irmã Esther (Hester) e seu irmão Ephraim. Em Amsterdam, ele

encontraria uma comunidade de fala luso-espanhola de alto nível e receberia uma educação

esmerada, tendo inicialmente freqüentado a escola local que lhe deu uma formação ampla

na literatura rabínica, encontrando-se entre seus primeiros mestres Isaac Uziel, rabi da

comunidade Neveh Shalom (Habitação da Paz), que acabaria deixando a função ao

brilhante discípulo, em 1622. Além de Isaac Uziel, do qual recebeu conhecimentos

talmúdicos e rabínicos, Menasseh teve a influência de homens como o controversialista

Saul Levi Morteira e Elias Montalto (Felipe Rodrigues de Castelo Branco), este último

famoso médico. Entre seus colegas incluiu-se uma plêiade de sábios que saíram da mesma

escola e se destacaram pela rica produção literária em todos os campos da cultura, desde os

estudos teológicos, a exegese bíblica, a literatura rabínica e homilética até a apologética ou

controversialista anticristã, sem excluir as ciências seculares como Matemática, a

Astronomia, a História e a Medicina numa Holanda que seria nesse tempo um verdadeiro

centro da ilustração européia. Dotado de um talento incomum para os estudos, ele

ingressaria aos 12 anos na Santa Irmandade de Talmud Tora e passaria a freqüentar as

Yeshivot ou Academias de estudo do Talmud, que eram naturalmente dirigidas para

estudantes mais velhos69

. Com 17 anos, escreveu seu primeiro livro, Safah Berurah (Língua

Clara), sobre a gramática hebraica.

66

Recentemente foi editada uma bibliografia por J. H. Coppenhagen, Menasseh ben Israel, A Bibliography,

Misgav Yerushalaim (Institute for Research on the Sepharadi and Oriental Jewish Heritage, Jerusalém. 1990,

407 p. + 13 p. em hebraico). 67

Durante muito tempo o lugar de nascimento foi objeto de controvérsia. Meyer Kayserling, na Biblioteca

Espanhola-Portuguesa Judaica, Strasbourg, 1890, Ktav Pub. Soc., Nova York, 1917. p. 68, ainda refere ter

nascido em Lisboa, assim como José Amador de los Rios, Estudos Históricos Políticos y Literários sobre los

judios de la España, 2ª ed., Ed. Argentinas Solar, B. Aires, 1942, p. 512. Mas Maximiano Lemos, Zacuto

Lusitano, Porto, 1990, p. 360-61, trás o testemunho dos documentos inquisitoriais (apêndice de doc. 7 e 8) nos

quais se indica claramente a ilha da Madeira. 68

Ele casaria em 1623, também com Rachel, descendente da família Abravanel. Sobre os Abravanel, vide

Alberto Dines, O Baú de Abravanel, Companhia das Letras, SP, 1990, e J. H. Coppenhagen, op.cit., p. 38-46,

com as genealogias elaboradas po H. P. Salomon. 69

Antonio Ribeiro dos Santos, nas Memórias da Literatura Sagrada dos Judeus Portugueses no Século XVII,

p. 334-5, se refere a ele com as seguintes palavras: “Era dotado de hum grande engenho e penetração; tinha

31

Menasseh, além do mais, se ocuparia, para sobreviver, com a atividade de

impressor, sendo um dos pioneiros nessa profissão na comunidade judaica de Amsterdam.

A projeção que obteve no mundo cristão, por um lado, deu-se através de sua criatividade

literária, em particular com a obra Conciliador, editada em espanhol em 1632 e na qual

procura reconciliar as passagens bíblicas que apresentam certas discordâncias. O decorrente

prestígio o levaria a ser um verdadeiro representante da comunidade de Amsterdam frente a

autoridades civis e personalidades do continente. De certa forma ele representa bem o sábio

judeu sefaradita que, desde a Idade Média, estava aberto a todas as civilizações, tanto cristã

quanto muçulmana, permeável e livre para intercambiar com as mesmas a herança judaica

além dos limites acanhados da sua própria religião. Havia nele, e isso podemos verificar

pela ampla correspondência que manteve, a consciência de que a nação hebraica era

herdeira dos valores que ajudaram a moldar a civilização ocidental no passado e que

poderia continuar fazendo o mesmo no futuro. Daí o esforço pessoal de levar essa cultura

aos gentios não somente como um passo para o entendimento mútuo e a via para libertar o

mundo de preconceitos em relação ao povo de Israel, mas para adicionar os seus valores

humanos e éticos à comunidade universal. Isso também explica que boa parte de sua obra

foi escrita intencionalmente em latim, que continuava sendo a língua franca da

intelectualidade européia; e seus temas, mesmo partindo de uma preocupação interna

judaica, acabavam sendo mais importantes sob o ângulo de uma visão teológica de todas as

religiões monoteístas. Assim, o De Termino Vitae, de 1634, o De Creatione, de 1635, o De

Resurrectione Mortuorum, de 1636, o De Fragilitate Humana, de 1642, revelam esse

caráter e eram lidos igualmente por judeus e não-judeus. Na verdade, desde o século XVI a

Holanda, no processo de afirmação nacional em relação aos dominadores espanhóis,

encetou um programa que preencheria as necessidades intelectuais e espirituais que

levariam à fundação da Universidade de Leiden e à promoção do humanismo protestante,

ao mesmo tempo que ambicionava sua autonomia também no campo religioso. Leiden

atraiu os melhores estudiosos da época em todas as áreas científicas e humanas,

encontrando-se entre eles homens como Justus Livius (1547-1606), pensador político e

filósofo, e Joseph Justus Scalinger (1540-1609), historiador, jurista e fundador da filosofia

clássica. Por outro lado, o centro universitário vivia a fermentação religiosa provocada

pelas diversas correntes em disputa ao protestantismo (leia-se calvinísmo) que envolveu

Franciscus Junius (1545-1602), afamado como teólogo, Jacob Arminius (1560-1609), com

sua moderada postura heterodoxa, e Franciscus Gomarus (1561-1641), raivoso oponente

deste último em questões ligadas à graça e ao pecado, num debate que dividiu as opiniões

da época. Em contraposição ao catolicismo, e sua concepção conservadora anti-reformista,

a igreja protestante na Holanda inaugurava uma preocupação que, se de início teológica, ao

nosso ver poderia se deslocar para um plano universal, sobre a liberdade de consciência,

além da responsabilidade do homem perante a Deus e a universalidade da graça. A tais

questões também estavam associadas, ou derivavam diretamente delas, outras como a dos

direitos do poder temporal sobre os assuntos eclesiásticos e a do problema da tolerância,

que tangiam as raízes tanto do protestantismo quanto do humanismo70

. Essas disputas e a

hum juízo profundo, e apurado, e nenhum dos seus lhe levava vantagem no conhecimento das Línguas

Hebraica, Arabiga, Grega, Latina, Castelhana e Portugueza, pelas quaes havia adquirido hum longo cabedal

de erudição e doutrina. Com razão foi tido pelo Judeo mais douto, e sabio do seu seculo”. 70

Ver o importante estudo de KATCHEN, Aaron. L. Christian Hebraists and Dutch Rabbis (Seventeenth

Century Apologetics and the Study of Maimonides, Mishneh Torah). Harvard University Press, Cambridge-

Mass., 1984, pp. 16-7.

32

conseqüente fermentação de idéias não deixaram de ecoar no judaísmo holandês e

influenciar a sua elite intelectual, abrindo horizontes para idéias e concepções que

enriqueciam o próprio mundo espiritual judaico, o que nos lembra o passado mais

longínquo, quando o judaísmo entrou em contato com o helenismo, e mais tarde com o

pensamento islâmico, sabendo que ambos momentos foram importantes para fertilizá-lo

culturalmente. É preciso lembrar no entanto que o debate religioso teológico cristão

envolvia o conhecimento das Sagradas Escrituras, no que tradicionalmente era a auctoritas

que fundamentava toda e qualquer argumentação, e para tanto a leitura da Veritas hebraica

passava a ser indispensável. Do mesmo modo que ocorreu anteriormente, o conhecimento

do hebraico de parte dos cristãos devia servir para os propagandistas dos partidos religiosos

litigantes. Nesse sentido, o interesse da erudição humanista fez do hebraico um instrumento

cultural indispensável dos intelectuais calvinístas, que valorizavam o Velho Testamento.

Portanto, o contato entre as duas religiões, nesse nível, e o intercâmbio social e econômico

que se verificava entre as duas comunidades, numa Holanda que expandia seu poder

externo a todos os continentes e da qual os judeus sefarditas participavam ativamente, num

ambiente de relativa tolerância, é que permitiram a valorização da presença hebraica

naquele solo, especialmente nas relações entre a corrente mitigadora arminiana ou dos

remonstrantes, adeptos da idéia de que o homem deve ter uma parte ativa na aceitação da

graça, além de, nas relações entre Igreja e Estado, apoiar a supremacia dos interesses do

poder temporal sobre o poder civil ou eclesiástico. O período em questão é de

florescimento cultural e atrás dele encontra-se um processo de desenvolvimento que

abrange a totalidade da vida social apreendida sob os mais diversos ângulos do pensamento

humano.

Menasseh ben Israel também faz parte e é fruto desse movimento extraordinário

que pode ser visto como uma Idade de Ouro holandesa, pois esteve envolvido e manteve

um relacionamento com algumas de suas figuras mais exponenciais, a começar pelos

hebraístas Gerbrandus Anslo (1612-1643), o teólogo Constantin l’Empereur (1591-1664),

do qual teria sido professor de hebraico, a hebraísta Rainha Christina Augusta (1626-1689),

Jacob Alting (1618-1679), e chanceleres como o da rainha Christina da Suécia, Johan

Adler-Salvius (1590-1652), seu culto bibliotecário Isaac Vossius (1618-1689), o Professor

Christoph Arnold (1627-1685), de Nüremberg, o nosso filósofo Gaspar van Baerle (Barléu)

(1584-1648), os místicos Jacob Boehme (1575-1624), Paul Felgenhauer (1593-c.1680) e

Abraham Frankenberg (1593-1652), o teólogo Simon Episcopius (Bisschop) (1583-1643),

Samuel Sorbiere (1615-1670), o jurista e pioneiro do direito internacional Hugo Grotius

(1583-1645), Gerhard Johann Vossius (1577-1649) o polêmico filósofo Claude Salmasius

(1588-1653) e muitos outros, além do renomado Rembrandt71

.

A ligação de Manasseh com o Brasil se dá naturalmente pelo seu interesse na

atividade mercantil que a Companhia das Índias Ocidentais mantinha com a colônia.

Muitos judeus sefarditas estavam diretamente ligados a esse comércio que se acentuou com

o próprio estabelecimento holandês no Brasil. Mas ele não era exatamente um homem de

71

Ele lembra ao leitor no Thezouro dos Dinim, terceira e última parte, (“Economica”), editada por ele mesmo

em 1647, que escreveu “mays de 300 Epístolas escritas a vários letrados e senhores, sobre as mui diversas e

difficultosas questoens”. Na segunda parte do Conciliador, “Amsterdam”, Nicolaus Ravensteyn, 1641, p. 8,

ele escreve: “Respondi tambien a mas de CL Epístolas de hombres doctos de toda Europa, sobre muchas

preclaras dudas y questiones...”

33

negócios e sua atividade como pregador com múltiplas responsabilidades comunitárias,

professor e editor, que começava pioneiramente em 1626, indicava que não era rico e lutava

para poder sobreviver. Já no lembrado documento inquisitorial o espia Duarte Guterres

Estoque testemunha que viu em Amsterdam Manoel Dias Soeiro e que este havia lhe

contado que mandara ao Brasil, assim como à Espanha, uma caixa de livros intitulados

Reconciliaçones de la Sagrada Escritura72

. Tratava-se da obra que tanta repercussão deu ao

nome de Menasseh em toda a Europa: Conciliador. Considerando que a primeira parte do

Conciliador foi publicada dois anos após a instalação do domínio holandês, podemos

inferir que manteve de imediato contato com os seus correligionários que emigraram à nova

colônia. Possivelmente seu cunhado Jonas Abravanel e seu irmão Ephraim Soeiro se

associaram a ele em negócios com o Brasil, e sabemos que Ephraim viajou à colônia com

essa finalidade73

. Era o período de prosperidade do domínio holandês, o que atraiu uma

imigração judaica da Holanda ao Brasil.

Pela correspondência entre Gerhard Johann Vossius e Hugo Grotius, ambos

amigos de Menasseh, sabemos de sua intenção de ir ao Brasil. Em 1º de janeiro de 1640,

Vossius escreveria que “Menasseh está pensando em se transferir para o Brasil. Sem

dúvida, ele atuará ali como rabi. No entanto, ele se dispõe a se dedicar principalmente ao

comércio. Certamente ele é devotado aos seus estudos e aspira aumentar sua reputação.

Porém, como tenho dito a você, seus problemas domésticos o obrigam a dar esse passo,

pois ele está longe de se encontrar em boa situação”74

. Hugo Grotius responderia em 2 de

fevereiro do mesmo ano: “Do fundo de minha alma desejo a Menasseh uma boa sorte. Eu

lamento, no entanto, que ele seja compelido por força das circunstâncias a se transferir para

tão longe de nós. Se pudesse compensá-lo pelos seus serviços eu o faria com a maior boa

vontade. Sempre pensei que os membros da sinagoga de Amsterdam fossem ricos e

liberais. Agora me dei conta que estava enganado. Porém me é difícil acreditar que eles

estejam escondendo a verdade com o intento de evitar inveja”75

. Um ano antes,

aproximadamente, ele dedicaria a sua obra De Termino Vitae à Companhia das Índias

Ocidentais, o que poderia ser interpretado como um sinal de estar pensando em mudar o

rumo de sua vida como outros fizeram em busca de novas oportunidades no novo

continente. Na leitura que fizemos da Segunda parte do Conciliador, a qual dedica aos

“Nobilissimos muy Prudentes, y Inclitos Señores del Consejo de las Índias Occidentales”,

fica patente que ele já estava decidido e preparado para encetar sua viagem. Assim ele

escreve: “Por lo qual Lector amigo, partiendome agora de la florentissima Batavia a tan

longínquas partes del Brazil jusgue a obligacion despedirme de los mios com este Tratado

72

LEMOS, M., op. Cit. P. 361. 73

ROTH, Cecil, A Life of Menasseh ben Israel, The Jewish Pub. Soc. of América. Philadelphia, 2ª edição,

1945, p.52-3. Aproveito o ensejo para agradecer a Alberto Dines, meu amigo e colega, que me forneceu de

sua preciosa biblioteca o exemplar de Roth, bem como outros textos, sem os quais não teria levado a efeito

este modesto estudo. 74

Vossii Epistolae, I. 345. Apud ROTH, C., op. Cit., p.59-60; Gerardi Joannis, Vossii et Clarorum ad cum

Epistolae Collectore Paulo Colomesio, Londini, Typis R. R. et M. C. Impensis Adielis Mill, 1690, p. 344-345,

in Coppenhagen, J. H., op. Cit., p. 158. 75

Grotii Epistolae, p. 696, apud ROTH, C., op. Cit. p. 60; Hugonis Grotii Epistolae, Amstelodami, Ex

Typographia, P. et I Blaev, 1687, v. XI, p. 60, in Coppenhagen, J. H., op. Cit., p. 109.

34

theologico... (g. n.).”76

Na Epístola Dedicatória, escreveria com entusiasmo de “Lusitano

com animo Bataveo” que “de cinco capitanias son ya V.S. Señores; ganada Tamarica,

ocupada Parahiba, Rio Grande e Siara, hasta del Rio Real e ultra, se estiende ya el limite de

su jurizdicion”.77

Porém, Manasseh acabaria por ficar em Amsterdam e nunca chegaria ao Brasil,

em seu lugar viria, em 1642, hacham, seu velho colega de estudos e rival igualmente

talentoso, da comunidade de Amsterdam, Isaac Aboab da Fonseca, para ser o primeiro

rabino do Brasil.78

Antônio Vieira, que esteve em Amsterdan, em 1646 e 1648, e travou

conhecimento com ambos, ao ser solicitado a emitir sua opinião sobre as suas qualidades,

assim se expressou: “Menasseh diz o que sabe, Aboab sabe o que diz.”79

Vieira preocupado

com a reabilitação econômica de Portugal, via nos judeus e nos cristãos-novos uma força

propulsora indispensável à recuperação do império que viveria dias melhores antes da

presença negativa da instituição inquisitorial estabelecer-se naquele reino. Daí, em 1643,

quando Portugal já se libertara da Espanha, o seu famoso relatório endereçado ao rei

propondo recorrer ao capital dos cristãos-novos e judeus emigrados para ajudar a resolver a

situação financeira pela qual o país passava naquele tempo, e para tanto seria preciso

cercear os excessos da Inquisição em relação aos mesmos. Mal sabia ele que tais idéias o

colocariam mais tarde sob a suspeição e como uma das vítimas da Inquisição. O historiador

Antônio Saraiva lembra que, pouco tempo depois, Vieira proporia também a criação de

duas companhias mercantis, uma para o Oriente e outra para o Brasil, ambas respaldadas

pelo capital judaico.80

O texto no Sermão de São Roque diz: “O remédio temido ou

chamado perigoso são duas companhias mercantis, oriental uma, e outra ocidental, cujas

frotas poderosamente armadas tragam seguras contra a Holanda as drogas da Índia e do

Brasil. E Portugal com as mesmas drogas tenha todos os anos os cabedais necessários para

sustentar a guerra interior de Castela, que não pode deixar de durar alguns. Este é o remédio

por todas as circunstâncias não só aprovado, mas admirado das nações mais políticas da

Europa, exceto entre a portuguesa, na qual a experiência de serem mal reputados na fé

alguns de seus comerciantes - não a união das pessoas, mas a mistura do dinheiro menos

cristão com o católico - faz suspeitoso todo o mesmo remédio, e por isso perigoso.”81

No

Sermão de São Roque, pregado no aniversário do nascimento do Príncipe D. Afonso, em

1644, ele usa uma exegese notável aplicada às armas de Portugal: “Comporeis o escudo das

76

Conciliador, segunda parte, p. 2. Agradeço aqui o gentil atendimento das bibliotecárias da seção de Livros

Raros da Biblioteca Nacional, permitindo o uso destas obras originais nem sempre em bom estado de

conservação. 77

Na parte que trata do Livro dos Reis, ele insere uma epístola endereçada “aos mais nobres e magníficos

guardiães e membros da recém-formada congregação do Recife”, como bem lembra ROTH, C., op.cit., p. 58. 78

Ver sobre ele WIZNITZER, A., Os Judeus no Brasil Colonial, ed. Pioneira, SP, 1966, pp. 149-151. 79

ROTH, C., op. Cit., p. 164; WOLF, Joahann Christoph, Biblioteca Hebraece, Hamburg: Imprensis

Christiani Liebeszeit. 1715-1733, 4 v., v. III, p. 709: “Narrabat ille P. Vieiram... Menassem dicere quae sciat,

Aboabum autem scire, qua dicat...” in Coppenhagen, J. H., op. cit., p. 154. 80

SARAIVA, A. J., Antonio Vieria, Menasseh ben Israel et le cinquième empire, in Studia Rosenthaliana, v.

VI, no. 2, julho 1972, p. 25-57. Devo ao meu amigo estudioso dos judeus ibéricos na Holanda e da diáspora

sefardita Francisco Moreno de Carvalho a cópia desse importante artigo. Saraiva, que cita o Sermão de São

Roque, omite a fonte original que na verdade é a carta na qual lembra “o primeiro negócio que propus a sua

Majestade... foi que em Portugal, à imitação da Holanda, se levantassem duas companhias mercantis...”. Ver

VIEIRA, Cartas, ed. J. L. de Azevedo, Coimbra, 1925, v. III, p. 558-9. A idéia aparece esboçada no

conhecido memorial, que parece ser de 1641, dirigido ao Príncipe Regente. 81

In VIEIRA, Sermões, pref. e ver. Por P. Gonçalo Alves, Lello & Irmãos, Porto, 1959, v. III, t. VIII, p. 76-77

35

vossas armas, do preço com que eu comprei o generoso humano, que são as minhas cinco

chagas; e do preço do preço com que os judeus compraram a mim, que são os trinta

dinheiros de Judas... E se Deus compôs assim as armas de Portugal, se Deus não achou

inconveniente nesta união; que muito é que o imaginasse assim um homem?”82

A

preocupação de Vieira, “patriótica e econômica”, como diz Saraiva, tem também como

fundo uma convicção religiosa profético-messiânica, de influência bandarrista, e portanto

judaico-cristã, que leva a crer na unificação de destinos de Israel, isto é, dos judeus e

Portugal.83

É interessante notar que Menasseh ben Israel via na independência de Portugal

da Espanha, em 1640, e na conquista holandesa “cessando o antigo ódio”, uma

possibilidade de conciliação entre os dois países, em que “seguirá a desejada paz”, ambos

tendo em comum o sentimento de rejeição para com a Espanha.84

Vieira, no entanto,

prognosticando o destino de Portugal, falando da guerra de 24 anos no Brasil, descreve

como sendo um milagre da Providência o feito da frota mercantil do Brasil diante do

Recife, rendendo 17 fortes reais. E em espaço de três dias se recuperou o que se tinha

ganho em 24 anos e perdido para Nova Holanda.85

Vieira também tivera, em 1647, um

papel decisivo na mobilização de fundos, graças aos empréstimos de dois cristãos-novos,

Duarte da Silva86

e Antônio Rodrigues Marques - mais tarde perseguidos pela Inquisição -

que permitiram enviar ajuda militar ao Brasil.87

Mas sua concepção sobre a importância dos

judeus ou cristãos-novos para Portugal, assim como seu bandarrismo88

poderiam ter raízes

mais profundas, desde quando “portugueses” e “judeus”, para o restante do continente

europeu, eram tão sinônimos quanto na Idade Média o eram as palavras “mercator” e

“judaeus”. O fato é que o jesuíta que tanto fizera para o reino seria processado pela

Inquisição, em 1663, devido a um escrito de 1659 intitulado Esperanças de Portugal89

,

82

Sermões, pref. e ver. Por P. Gonçalo Alves, Lello & Irmãos, Porto, 1959, v. III, t. VIII. p. 79. 83

SARAIVA, A. J., op. cit., p. 32. 84

Conciliador, segunda parte, “Epístola Dedicatória”. 85

Sermão de São Roque, de 1644, ibid. p . 82. Vieira procura mostrar o quanto a Companhia Ocidental foi

vital para restaurar o domínio português no Brasil, com a participação do capital judeu ou cristão-novo, com

uma exemplificação a sua notável exegese que o leva a concluir que “a bondade das obras está nos fins, não

está nos intrumentos”, assim como “Deus era Deus quando sustentava a Elias por ministério de corvos,

como... por ministério de anjos”. 86

Ver BAIÃO, A. , Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa, v. II, Seara Nova, Lisboa, 1953, p. 266-

386. Sobre a participação dele no comércio de Pernambuco, ver o importante estudo de Evaldo Cabral de

Mello, Olinda Restaurada (Guerra e Açúcar no Nordeste, 1630-1654), Ed. Forense-Universidade RJ,

EDUSP, SP. 1975, p. 103. 87

A reação positiva causada aos portugueses em 1645 pela tomada de Dunquerque, que se encontrava em

mãos espanholas, pelos franceses, não iludiu Vieira, que via no evento conseqüências desastrosas para

Portugal, pois os holandeses teriam desse modo liberado sua esquadra para incursionar no Norte do Brasil.

Além da narrativa de SOUTHEY, R., História do Brasil, ed. Obelisco, SP, 1965, v. III, ver também VIEIRA,

Cartas, v. III, p. 561-563, ed. J. L. d’Azevedo, Coimbra, 1925. 88

Sobre Bandarra e seu profetismo, vide LIPINER, E., O Sapateiro de Trancoso e o Alfaiate de Setúbal,

Imago, Rio de Janeiro, 1993; também Gonçalo Anes Bandarra e os Cristãos-Novos, Trancoso, 1966, onde se

encontra no anexo as trovas de Bandarra, editadas em Barcelona em 1809. Ver Azevedo, J. L., História de

Antônio Vieira, ed. A. M. Teixeira, Lisboa, 1918-20, 2 v., e do mesmo autor A Evolução do Sebastianismo, 2ª

ed., Lisboa, 1947. 89

O título completo é Esperanças de Portugal, Quinto Império do Mundo, Primeira e Segunda Vida de El Rei

D. João IV escritas por Gonçalo Eanes Bandarra, ver sobre ele AZEVEDO, J. L., História de Antônio Vieira,

ed. A. M. Teixeira, Lisboa, 1918-20, 2 v., e do mesmo autor A Evolução do Sebastianismo, 2ª ed., Lisboa,

1947.

36

sofrendo outras acusações pelas quais seria condenado em 1667.90

Mas não deixa de ser

notável o cruzamento de idéias que viria criar a suposta influência de Menasseh sobre

Vieira, acusado de judaísmo, quando ao se examiná-lo, em 29 de novembro de 1666, em

Coimbra, na Casa do Oratório da Santa Inquisição, lhe foi perguntado em que livro leu, ou

que razão tinha para saber que os judeus admitiam ou reconheciam a redenção espiritual

por Cristo, se não a seguiam eficazmente. Ele responderá que “não leu em livro algum o

conteúdo na pergunta e nem na resposta acima dada; nem o ouviu de outras pessoas, mas de

um judeu público, circuncidado, chamado Menassés ben Israel, português natural de

Lisboa, segundo dizia, morador na cidade de Amsterdam, Holanda, havia 18 ou 19 anos, o

qual ali ensinava publicamente o judaísmo debaixo do nome de teologia”.91

Vieira ainda

dirá que estava ali numa estalagem provando a Menasseh a redenção espiritual de Cristo.92

A propósito desse fato, Antônio Baião traz, em apêndice final ao se estudo sobre o processo

de Vieira, a transcrição de um manuscrito do século XVIII em que um clérigo dizia ter

ouvido através de alguns religiosos da Companhia de Jesus, contemporâneos do Padre

Vieira, que este, na Holanda convencera um insigne rabino que o Messias esperado por eles

era Cristo Senhor Nosso, cujo primeiro advento ou vinda ao mundo em carne mortal

confessavam os cristãos, porém que o rabino por sua vez convencera o padre que o mesmo

Cristo, antes do último advento ao juízo universal, havia de vir outra vez ou em própria

pessoa, ou na de um seu substituto, para tomar posse do domínio e império universal

temporal que há no mundo, como verdadeiro filho de Deus, rei e senhor não só no

espiritual, mas também no temporal.93

Vemos, desse modo, que o contato de Vieira com

Menasseh, que supomos ser o “insigne rabino”, se transformou num debate teológico como

dos muitos havidos entre cristãos e judeus no passado e que gerou no decorrer do tempo um

gênero literário próprio. Porém há algo de inusitado nesse texto singelo que de imediato nos

chama atenção, ou seja, que ambos contendores acabaram por aceitar parte de suas mútuas

e supostas verdades religiosas.

Curioso é que um dos livros centrais que revelam a visão messiânica de

Menasseh ben Israel, publicado em 1650, em Amsterdam, traz como Título Esperança de

Israel (em hebraico Miqve Israel e em latim Spes Israelis). Nele, Menasseh apresenta a

história de Antônio de Montezinos ou Aaron Levi de Montezinos, um mercador que em 19

de setembro de 1644 aportou em Amsterdam vindo das Índias Ocidentais. A sua relación

ou narrativa dizia que há dois anos e meio, saindo do porto de Honda, nas Índias

Ocidentais, para viajar para Papian, na província de Quito, e passando por várias peripécias

em Nova Granada, incluindo a prisão pela Inquisição, teve contato com os índios da região

que acabaram se identificando com os hebreus, assim como ele mesmo havia revelado ser

hebreu da tribo de Levi.94

A intenção de nosso autor é mostrar que os judeus estão

90

O processo e suas circunstâncias é tratado por BAIÃO, A. , Episódios dramáticos da Inquisição

Portuguesa, 2ª ed., Seara Nova, Lisboa, 1936, v. I., p. 255-363. Recentemente os autos do processo de Vieira

na Inquisição foram publicados por Adma E. Muhana, ed. UNESP-FCEB, SP, 1995. 91

Processo de Vieira, ed. UNESP-FCEB, p. 201. 92

BARBOSA MACHADO, D., Biblioteca Lusitana, Lisboa, 1741-1752, v. I, p. 417, afirma que Vieira

intentou converter a Menasseh ben Israel. 93

BAIÃO, A. , Episódios dramáticos da Inquisição Portuguesa, Lisboa, 1936, v. I, p. 358. 94

Utilizei-me da edição fac-similada com o título Sobre el origen de los americanos da Editora Plata S/A.,

1974, da reimpressão de Madrid, 1881, de S. P. Junqueira, bem como da ed. Francesa, da Lib. Phil. J. Vrin,

Paris, 1979, com intr. trad. e notas de Henry Méchoulan e Gérard Nahon, que me foram cedidos por Alberto

Dines.

37

dispersos também no Mundus Novus, o que vai ao encontro da sua crença de que a

redenção messiânica ocorrerá quando o povo de Israel estiver espalhado pelos quatro cantos

do mundo. Daí seu esforço em convencer a Inglaterra de Cromwell, onde seu livro tivera

um eco formidável entre religiosos e visionários, em obter uma resolução do Parlamento

britânico para readmitir oficialmente a volta do judeus, após a expulsão em 1290, no tempo

de Eduardo I. Na interpretação de Menasseh, bem como na de outros exegetas que o

antecederam, entre eles Abraham ibn Ezra e o notável Isaac Abravanel, o nome do reino,

em francês “Angle-Terre”, era traduzido m hebraico por “Ktze-haaretz”, isto é, o fim da

terra, o que preencheria a expectativa messiânica segundo a profecia bíblica, apoiada em

Deut. 28:64 e em Daniel 12:7. Nesse sentido, os esforços de Menasseh foram coadjuvados

por um marrano, David Abravanel Dormido, cujos filhos viveram no Brasil e que, com a

reconquista de 1654, perderam seus bens e voltaram à Holanda. Dormido que vivia na

Holanda, transferiu-se para a Inglaterra e dirigiu ao governo inglês duas petições, numa das

quais narrava sua desventura pessoal solicitando a ajuda diplomática para recuperar o que

havia perdido no Brasil, e na outra descrevendo a opressiva atuação da Inquisição que

afugentava os marranos ao norte da Europa e portanto poderia beneficiar o país caso os

admitissem na Inglaterra.95

Mas não temos que confundir esse messianismo de Menasseh

com o que irá ocorrer nos anos 60 com o movimento messiânico de Sabetai Tzvi, fruto de

uma tradição proveniente da mística luriana (de Isaac Luria, 1534-1572) e dos círculos de

seus seguidores posteriores associados às reações ao crucial momento histórico das

perseguições de Bogdan Chmielnitzki, em 1648, na região da Europa Oriental. Por outro

lado, devemos considerar também o papel do quiliasmo cristão representado por Peter

Serrarius (1580-1669) e por Paul Felgenhauer (além de outros), autor do Bonum Nuntius

Israeli, em 1655, os quais fizeram parte do círculo de amigos de Menasseh. Muitos sábios

de Amsterdan, como de outros lugares da Europa, seriam contaminados pelo fervor

messiânico da época. Mesmo Isaac Aboab da Fonseca não escaparia ao fascínio que Sabetai

Tzvi iria exercer sobre esses homens, crendo que ele era o Messias tão esperado.96

Menasseh retoma em sua obra - daí a importância do testemunho de

Montezinos - o destino e a continuidade da existência da dez tribos perdidas de Israel,

destino que se incorporou ao messianismo judaico - desde o período do domínio romano na

Palestina e do Talmud97

atravessando a Idade Média – e em que o ato final da sua redenção

os levaria de volta à Terra Santa,98

o que daria o ensejo para o início do Quinto Império, ou

95

Ver ROTH, C., op. cit., p. 176-224 e 225-247, no qual me baseei. 96

Engana-se Saraiva, op. cit., p. 36, ao exagerar que o livro de Menasseh terá um papel importante na gênese

do movimento messiânico que desembocará na proclamação de Sabetai Tzvi como Messias, em Esmirna, em

1666. Para o conhecimento da sabataísmo indispensável se faz a leitura da obra de Scholem, G., Sabatai Tzvi,

o Messias Místico, Ed. Perspectiva, SP, 1995-1996, 3 v. 97

Sobre o messianismo medieval videl Falbel, N., Maimônides e o messianismo judaico medieval, in Anais

da IV Reunião da Soc. Bras. de Pesquisa Histórica, São Paulo, 1985, p. 153-158. Para uma visão geral do

messianismo judaico, vide as obras fundamentais de SILVER, A. H., A History of Messianic Speculation in

Israel, Beacon Press, Boston, 1959; SCHOLEM, G. The Messianic Idea in Judaism, N. Y., 1971,

SARACHEK, J., The Doctrine of the Messiah in Medieval Jewish Literature, 2ª ed., New York, 1968;

AESCOLY, A. Z., Hatnuot haMeshichiot be Israel (Os movimentos messiânicos em Israel), Jerusalém, 1956

(hebraico). 98

A literatura apócrifa e pseudo-epigráfica judaica, entre eles e o texto conhecido como Baruch ( Siriaco) e o

de Ezra IV, ambos escritos aproximadamente entre 70-80 e 90-100 de nossa era, isto é, após a destruição do

38

seja, o de Israel. Aqui confluem as idéias de Vieira inspiradas pelo profetismo bem anterior

de Bandarra e seu contemporâneo, o falso messias David Reubeni e seu arauto Schlomo

Molco (Diogo Pires), ambos vítimas da Inquisição, e as de Menasseh ben Israel.99

No

Esperança de Israel, ele procurará provar que as dez tribos passaram ao continente pelo

estreito de Anian, ou pela China, e muitos são os testemunhos de que elas se encontram

espalhadas na imensidão do Novo Mundo. Ele surpreenderá o leitor ao mencionar que em

Pernambuco “ha poco mas de 40 años, oito tabajares” que se adentrarm naquele território,

após quatro meses de caminhada, encontraram, “una gente blanca, com barbas, de comercio

y policia...”.100

Podemos assim supor que a convicção messiânica nesse particular levantada

por Menasseh em seu livro era também compartilhada por membros da comunidade de

Pernambuco, independente da expectativa gerada pelos acontecimentos da época e pelo eco

que sua obra causara no mundo não-judeu. A idéia de que a população indígena americana

descendia das dez tribos perdidas de Israel não era nova, pois autores cristãos a adotaram,

porém a afirmação não da descendência, mas da existência das tribos originais com a língua

hebraica e a religião bíblica em várias partes do planeta101

é que poderia causar impacto e

entusiasmo no livro Esperança de Israel. Nele encontramos todos os elementos centrais da

escatologia messiânica judaica tradicional como o embate final do Messias ben Yoseph, ou

Efraim, que lutará contra as forças do mal de Gog e Magog, que morrerá, e ao qual

sucederá o messias triunfante, o Messias ben David. No processo de Vieira, acusado de

judaísmo, fica patente o quanto essa visão messiânica em sua essência era diferente da

cristã102

, o quanto o padre jesuíta era suspeito de estar sob influências das trovas de

Bandarra. Mas ao mesmo tempo enquanto na Holanda os dois representantes do Velho e do

Novo Testamento podiam, livremente, numa estalagem, intercambiar suas preocupações

espirituais e refletirem sobre a redenção da humanidade, ambos teriam que ter muita cautela

se quisessem faze-lo em Portugal, como bem provaria a experiência. Por mais paradoxal

que seja, o exílio, apesar da dolorosa nostalgia, compensava os seres humanos com a

prazerosa tolerância.103

Segundo Templo de Jerusalém, já se referem às 10 tribos. Ver KLAUSNER, J., Haraion hameshichi be Israel

(A idéia messiânica em Israel), ed. Massada, Tel-Aviv, 1950 (hebraico). 99

Para Vieira, o Quinto Império, apesar de universal, é o de Portugal, mas associado à idéia das duas nações,

a portuguesa e a judia, numa comunhão de destinos e sustentada na crença de que o messias anunciado por

Bandarra era D. João IV. 100

Esperança de Israel, p. 35-6. Além do mais usará de vasta literatura “geográfica” para apontar aqui e acolá

sinais e testemunhos da presença de Israel no continente americano e em outros. Sempre baseado em Daniel, a

exegese rabínica interpretará o primeiro império como sendo o da Babilônia, o segundo o Medo-Persia, o

terceiro o Grego e o quarto o de Roma. No Esperança de Israel, parágrafo XVII, p. 95-101, está implícita

essa exegese ao falar das imensas calamidades (profetizadas) sob as quatro monarquias, que inclui o tempo da

Inquisição e seus mártires, cujos nomes são lembrados. 101

Menasseh dedica boa parte de seu livro a demonstrar com testemunhos de viajantes que estiveram “nos

quatro cantos do mundo” e escreveram sobre a presença de tribos hebraicas nas paragens que visitaram. 102

No Processo de Vieira, ed. UNESP-FCEB, Anexos no. 46, p. 405-6, consta o seguinte: “A qualidade da

censura teológica provém da matéria da proposição, das provas e das refutações da mesma contra a fé e da

tendência para o erro contrário: portanto, a matéria desta proposição, as provas e a dedução são contra a fé

acerca da redenção espiritual de Jesus Cristo e tendem para o erro judaico contrário sobre a Redenção

temporal através do homem. Logo tornam àquele que alega, prova e deduz suspeito de judaísmo”. A lógica

aristotélica baseada no silogismo era uma arma eficiente nas mãos da Inquisição. 103

Gaspar Barléu (1584-1648), amigo de Menasseh, e autor do polêmico Epigrama dedicado a Menasseh ben

Israel em sua obra De Creatione Problemata (1635), em sua História dos Feitos Recentemente Praticados

39

Durante Oito Anos no Brasil, ed. Itatiaia, EDUSP, SO, 1974, p. 136, falando dos judeus no Brasil holandês,

se expressa desse modo: “A maioria do judeus foi da Holanda para o Brasil. Alguns de nacionalidade

portuguesa simularam a fé cristã sob o domínio do rei da Espanha. Agora, livres do rigor papista, associam-se

abertamente aos judeus, sob um dominador mais indulgente, prova evidente de que, pelo terror, se provoca a

hipocrisia e se criam adoradores da realeza, mas não de Deus”. Barléu escreveu a Cornélius van der Myle,

curador da Universidade de Leyden, uma carta de recomendação em 7 de setembro de 1633, em favor de

Menasseh, que desejava dedicar aos Estados da Holanda o seu Conciliador.

40

5. Sobre a presença dos cristãos-novos na capitania de São Vicente e a formação da

etnia paulista

A vinda dos cristãos-novos ao Brasil, que se deu efetivamente desde os

primeiros anos da colonização portuguesa, logo após a descoberta, foi estudada com certa

amplitude e riqueza graças aos processos inquisitoriais existentes no Arquivo da Torre de

Tombo, bem como os de outros acervos documentais.104

Porém, se fizermos uma avaliação

da pesquisa sobre o tema adotando um critério regional, veremos que poucos estudos se

referem à presença de cristãos-novos no litoral paulista e mais especificamente na Capitania

de São Vicente, excetuando-se os trabalhos fundamentais do historiador José Gonçalves

Salvador.105

Quais seriam os motivos para a ausência de pesquisa no tocante ao território,

importante para o desenvolvimento de São Paulo e porto de entrada para a colonização

interiorana do estado? À primeira vista nos parece que a resposta pode ser encontrada na

excessiva concentração dos pesquisadores na documentação inquisitorial, em cujos

processos referentes aos cristãos-novos são numericamente poucos os que tratam dos

judaizantes de São Vicente e da região paulista em comparação a outras localidades. Por

outro lado, sabemos que o acesso dos visitadores à região era complexo, assim como difícil

era separar a população litorânea do Planalto Paulista ou das terras de Piratininga que

efetivamente subiram a serra pelo Caminho do Mar para criar o núcleo de Santo André da

Borda do Campo. Devemos aceitar e concordar com os historiadores que afirmam a

imediata presença dos cristãos-novos que receberam a concessão de explorar

comercialmente o pau-brasil, como Fernando de Noronha, ou Noronha106

, e o papel que

desempenharam na cultura da cana-de-açúcar, que foi, de início, o principal produto da

economia colonial na faixa litorânea brasileira. Cristãos-novos, judaizantes ou não,

degredados ou não, passaram a ser um elemento colonizador de primeira importância na

terra de Santa Cruz, e quando se deu a Primeira Visitação do Santo Ofício nos anos de

1591-95, uma boa porcentagem dos denunciados aos esbirros da Inquisição era da progênie

judaica.

As denunciações da Bahia, da Primeira Visitação, mencionam cristãos-novos

da região de São Vicente e se especificam através da denúncia de uma Maria da Costa, na

qual se afirma que Francisco Mendes era cristão-novo, morador de São Vicente e “é da

geração de uns cristãos-novos que chamam os Valles”.107

Um Antônio do Vale, casado em

Portugal com Ana Garcia, homiziou-se no Brasil por crimes praticados no Reino e foi viver

104

A verdade é que a frota da descoberta de Cabral traz a figura extraordinária do judeu converso Gaspar da

Gama, objeto da monografia de Elias Lipiner: Gaspar da Gama, um Converso na frota de Cabral, RJ, Nova

Fronteira, 1987 105

Cristãos-Novos, Jesuítas e Inquisição, São Paulo, Pioneira, 1969; Os Cristãos-Novos: Povoamento e

Conquista do Solo Brasileiro: 1530-1680, São Paulo, Pioneira, 1976; Os Cristãos-Novos e o Comércio no

Atlântico Meridional, São Paulo, Pioneira, 1978. 106

Sobre ele ver J. G. Salvador, Os Cristãos-Novos e o Comércio no Atlântico Meridional, São Paulo,

Pioneira/MEC, 178, pp. 8, 38, 98, 166; Os Magnatas do Tráfico Negreiro, Séc. XVI e XVII, São Paulo,

Pioneira/Edusp, 1981, pp. 6, 20, 129. 107

Primeira Visitação do Santo Ofício: Denunciações da Bahia, p. 314.

41

em São Vicente, casando-se com a filha do capitão-mor, Jerônimo Leitão, e ele aparece nas

Denunciações do Santo Ofício relativas à Primeira Visitação ao Brasil.108

Quando teriam vindo? Difícil precisar, pois quando, em 1532, Martim Afonso de Souza

entrou no porto em São Vicente, dois anos após o estabelecimento das donatárias, já

encontrara habitantes europeus, que no dizer de Paulo Prado seriam “remanescentes de

naufrágios ou das viagens de 1501 ou 1503, das de d. Nuno Manuel, da nau Brêtoa, e de

Christovam Jacques, ou de outras anônimas...”.109

A figura controvertida e desconhecida do

Bacharel de Cananéia,110

com seu clã familiar que incluía Gonçalo da Costa, Antonio

Rodrigues, Mestre Cosme, Duarte Peres (ou Pires) e também a não menos controvertida

personalidade de João Ramalho. Este último, sobre o qual derramou-se muita tinta devido

ao suposto “kaf” de sua assinatura, é mencionado na carta de Tomé de Souza dirigida ao rei

d. João III, de 1º de junho de 1553, como natural de Coimbra e possuidor de uma prole

abundante com muitos descendentes.111

O fato é antes da chegada de Martim Afonso

encontramos núcleos de populações que as fontes lembram serem como náufragos,

desertores ou desterrados, além de viverem amancebados com mulheres índias,112

sem

informar exatamente quando chegaram.

Basílio de Magalhães, na sua Expansão Geográfica do Brasil

Colonial,113

falando da prole de João Ramalho e da geração mameluca que começou a

nascer antes da chegada de Martim Afonso de Souza, localizada em Santo André, frisa

desde logo ser produto do ajuntamento dos primitivos povoadores de São Vicente, Santos,

São Paulo, Itanhaém, Iguape e Cananéia. O insigne historiador observa, com ironia, que

houve aqueles ,e lembra a J.J. Machado de Oliveira que no se Quadro Histórico da

Província de São Paulo,114

pretendia distinguir do nome de paulistas o “nome odioso” dos

mamelucos tendo-os na conta de “mescla híbrida e impura”, apenas capazes de “feitos anti-

abomináveis à semelhança do que também havia de escrever sobre os produtos miscigêneos

da América o etnólogo germânico Hellwald”. Basílio de Magalhães arrebata dizendo que

“aquele ilustre escritor não queria que se confundissem os paulistas com os seus

descendentes de sangue caboclo como se houvesse algum desdouro em aquele povo

108

Denunciações da Bahia, 1591-1593, São Paulo, P. Prado, 1925, p. 355. V. Costa Pôrto, Nos Tempos do

Visitador, Recife, UFP, 1968, pp. 162-3; v. Elias Lipiner, Os Judaizantes nas Capitanias de Cima, SP,

Brasiliense, 1969, pp. 26-8. 109

Paulística, Rio de Janeiro, Ariel, Rio de Janeiro, 1934, pp. 44-5. 110

Interessante é a tentativa de Augusto de Lima Júnior, no artigo “Mineiros e Paulistas de Origem Judaica”

(in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, vol V, 1958, pp. 146-58), artigo recheado de

incorreções e preconceito inconsciente, resultado visível do desconhecimento do judaísmo. Diz que Gonçalo

Costa ou Duarte Peres era judeu, ficando isso patente pelo nome Cananéia que dera ao seu pouso na nova

terra. Ele também adota o critério- errôneo- do nome para identificação de quem é judeu ou descendente de

judeu. 111

Idem, ibidem, p. 47. Provavelmente estabeleceu-se em Piratininga em 1513, vindo de São Vicente, e

fundou a povoação de Santo André da Borda do Campo. Ver o Livro de Tombo do Mosteiro de São Bento da

Cidade de São Paulo, editado por d. Martinho Johnson (São Paulo, 1977, p. 102), com as referências

bibliográficas, entre elas: A. de E. Taunay, “João Ramalho e Santo André da Borda do Campo”, in Rev.do

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol. XXIX, 1932 (Conferências Comemorativas do IV

Centenário da Fundação de São Vicente), pp. 41-91. 112

Luís, Washington, em Na Capitania de São Vicente (São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1980), desenvolve esse

aspecto com excelente conjunto de provas e documentação histórica. 113

3.ª ed., Rio de Janeiro, Epasa, 1944, pp. 92-3. 114

2.ª ed., São Paulo, 1897, p. 87.

42

originar-se do conúbio de aventureiros e criminosos de toda espécie com as mulheres

indígenas”.115

É curiosa a tentativa do frei Gaspar da Madre de Deus, em suas Memórias

para a História da Capitania de S. Vicente,116

retrucando a Charlevoix e negando o papel

dos foragidos e banidos de várias nações de terem fundado São Paulo, limitando a sua

fundação apenas ao índios e jesuítas, além de João Ramalho e sua prole. Concorda, no

entanto, “que os moradores da Capitania de São Vicente, principalmente os de serra acima,

se esqueceram algumas vezes das Leis Divinas e humanas, respectivas à inteira liberdade

dos índios”. A questão dos mamelucos, resultado da mescla de povoadores, estava

subjacente na história do beneditino, em sua tentativa de “limpar” a formação da Vila de

Piratininga.

A preocupação com “a constituição étnica do tipo paulista” parece ter ocupado

a historiografia brasileira dos anos 30, ocasião em que Paulo Prado escreveu sua Paulística,

a qual Oliveira Viana contestou, em artigo no Correio da Manhã, com o mesmo critério

historiográfico, sobre a importância do “sangue hebreu na formação antropológica de

Piratininga” como sendo inferior ao dos outros elementos europeus de tipo ariano. O

biologismo próprio da época que se mesclou com os ingredientes ideológicos nazi-fascistas

provavelmente teve seu papel nesse tipo de pesquisa histórica, que, consciente ou

inconscientemente, se manifestava ao se abordar a presença dos cristãos-novos no Brasil.

A um dado momento, essa “ciência” se refere à necessidade de “pesquisas

antropométricas sobre os despojos dos bandeirantes”117

para se fundamentar o

conhecimento histórico, além da consideração das “tendências raciais”, que acompanha a

crítica que Paulo Prado faz a Oliveira Viana, adepto das mensurações cranianas, que a

ciência confessa insuficientes para uma classificação científica dos grupos humanos. Esse

tipo de historiografia que procura limitar a antropologia biológica para explicar os

fenômenos históricos não é de todo isento de preconceitos em relação aos judeus, assim

como em relação a outras etnias ou povos. E novamente o texto em questão, de Paulo

Prado, nos explica “a contribuição judenga [que] trouxe para esse caldeamento o elemento

inteligente, voluntarioso, irrequieto e nômade que outras influências mal explicam, e,

sobretudo, a rediviva preocupação de enriquecimento tão peculiar ao judeu e que em toda

parte assinala como pioneiro de civilização e progresso”118

. Se levarmos em conta que o

livro foi escrito no final dos anos 20, podemos entender a insipiência de tal historiografia

que fala da “psique coletiva das tribos de Israel”, comparando-a com a do povo paulista

115

Idem, ibidem, p. 93. Em nota de rodapé, o historiador lembra Pierre François-Xavier de Charlevoix

(Histoire du Paraguay, Paris, 1761), que dizia: “(...) de ce mélange il sortit une génération perverse dons les

desordres en tout sens furent poussés si loin, que l’on donna à ces métis le nom de Mamelucs, à cause de leur

ressemblance avec ces anciens esclaves des Soudans d’Egypte”.

116

3.ª ed., São Paulo-Rio de Janeiro, Ed. Weiszflog Irmãos, 1920, pp. 229-37. O saudoso prof. Alfredo Ellis

Jr., em sua importante obra Os Primeiros Troncos Paulistas (CEN, col. Brasiliana, vol. 59, 1976), apesar da

impregnação antropologista e etnologista, típico da historiografia da época, demonstra com conhecimento

seguro dos fatos o papel histórico positivo do mameluco, resultado do cruzamento racial que marcou a

formação da população paulista.

117

Idem, ibidem, p. 95.

118

. Idem, ibidem, p. 96 (grifos nossos).

43

“devido a seus aspectos semelhantes, e entre esses aspectos encontra-se a perseverança, a

tenacidade e o resistente arrivismo” (no sentido menos pejorativo da expressão), como nos

diz o autor, além da notável faculdade de adaptação utilitária que, de caçador de índios,

mineiro, de povoador e conquistador, converteu o habitante do planalto no moderno

“grileiro e bugreiro”119

. Por outro lado, o próprio conceito de raça, com o passar do tempo e

em nossos dias, sofreu radical transformação de conteúdo apoiado no próprio

desenvolvimento que as ciências humanas e biológicas tiveram até hoje. Mas, ainda na

década de 20, ao falar de São Paulo, Paulo Prado, ao mencionar a mescla de portugueses,

espanhóis, flamengos, franceses e italianos, frisava, ao mesmo tempo a “sensível dosagem

de sangue israelita” nela, concluindo que, mais do que em outro sítio da colônia, as

condições do meio e do isolamento perpetuaram essa endogamia tão importante para a

fortaleza biológica dos agrupamentos humanos. Mesmo décadas após, certos historiadores

não conseguiriam libertar-se da “miscigenação étnica” como elemento explicativo para as

características da população local.120

A verdade é que fazia parte da política colonizadora portuguesa fazer vista

grossa aos transgressores e malfeitores que, perseguidos pela justiça do reino, poderiam

optar por fugir a outras terras e se aventurar a ir viver na colônia para escapar da justiça.

Eram eles os que se aproveitavam do homizio junto aos que deliberadamente eram

degredados, como reza o alvará de 31 de maio de 1535, no qual “el-Rei ordenou que dali

em diante as pessoas que houvessem de ser degredadas para a ilha de São Tomé... fossem

degredadas para o Brasil”, assim como o alvará de 6 de maio de 1536, que condenava ao

exílio no Brasil “os moços vadios de Lisboa que andam na ribeira a furtar bolsas e fazer

outros delitos”121

.

Nas denunciações da Bahia, e durante a Primeira Visitação, transparece

claramente o quanto os cristãos-novos sentiram-se à vontade para judaizar na colônia

distante da Inquisição continental e mais ainda os que se encontravam na longínqua

Capitania de São Vicente e na Vila de São Paulo. Pelo teor das denunciações depreendemos

o quanto se mostravam seguros a ponto de não trabalhar no sábado, vestindo-se com roupas

limpas, blasfemando e expondo suas crenças e praticando o seu culto nas “esnogas”. Já

nesse tempo o número de cristãos-novos no Brasil era significativo, pois a partir de 1536,

quando se decidiu a instalação do Santo Ofício em Portugal, estes procuraram as terras

mais longínquas, isto é, as colônias de ultramar, assim como os países europeus e outros

continentes que os acolhessem, num verdadeiro êxodo que irá alterar a história da diáspora

judaica desde a destruição do Segundo Templo de Jerusalém. Mesmo que a conversão e a

aceitação do cristianismo fosse honesta, eles, os cristãos-novos, viviam na sociedade

portuguesa sob permanente suspeita de judaizarem, o que se pode comprovar pelo número

de processos havidos contra os mesmos e pela literatura antijudaica da época, que

119

Idem, ibidem, pp. 96-7.

120

Ver J. G. Salvador, Os Cristãos-Novos: Povoamento e Conquista do Solo Brasileiro (1530-1680), São

Paulo, Pioneira, 1976, p. 7: “Que características revelaria então? Julgamos nós, à luz da história paulista, que

seriam traços fisionômicos (sic!) maior resistência biológica, mais adaptabilidade ao meio, amor à liberdade,

extraordinária mobilidade e destemor, enfim”.

121

Doc. para a História do Açúcar, pp. 25 e 31, apud Costa Porto, op. cit., p. 154.

44

acentuava o quanto para os conversos era impossível deixar a sua antiga fé122

. Séculos de

ódio teológico, associado a outros fatores, que afirmavam a caeccitas judaeorum e a

obstinação do povo de cerviz dura, contribuíram acentuadamente para gerar esse

permanente clima de desconfiança em relação aos cristãos-novos, mesmo que fossem fiéis

à nova religião. Por vezes a saída do reino lhes era vedada, já que eles constituíam-se num

fator importante da economia e da sociedade portuguesa, e isso tornar-se-á mais patente nos

inícios do século XVII, quando terão que comprar sua licença para sair livremente de

Portugal, ou quando terão de obter outras mercês com o perdão geral que lhes outorgou

Clemente VIII, em 1604123

.

Portanto, não é de surpreender que na Segunda Visitação Inquisitorial ao

Brasil, do licenciado Marcos Teixeira, em 1618, se haja disseminado o pavor, não somente

entre os cristãos-novos na Bahia e adjacências, mas também entre os da região sulina, que

receberia um reforço dos foragidos do norte. Claro é que devemos distinguir na Capitania

de São Vicente as duas topográfias, isto é, da região litorânea e a do planalto, esta tendo

como barreira natural a Serra de Paranapiacaba, que devido a sua densa vegetação na época

dificultava o acesso aos lugarejos ou vilas que se encontravam em Piratininga. Mas o

intercâmbio entre os povoados do litoral e as terras do planalto era inevitável, constituindo-

se a Vila de São Paulo um lugar ideal para refúgio daqueles ameaçados continuamente

pelos membros do Santo Ofício. A fama dos cristãos-novos paulistas como implacáveis

predadores de índios, nesse tempo, estava estabelecida, e suas incursões provocavam

reações de parte dos clérigos e religiosos dos territórios vizinhos da região do Prata, que por

vezes solicitavam a instalação da Inquisição no Brasil, também devido a sua presença e ao

êxodo provocado pela visitação124

. Obviamente, à época seus interesses econômicos eram

bem mais amplos e voltavam-se também para a região do Peru e das minas de Prata de

Potosi, cujos mandatários tinham a mesma preocupação em relação aos portugueses que

por lá andavam.

Boleslao Lewin, em seu El Judio en la Epoca Colonial, cita a “Ley de Indias”,

de 1625 (Libro IX, Titulo XXVI), que se refere a isso: “Porque desde el Brasil entram por

tierra en la Província del Paraguay, e pasan a las del Perú muchos Estrangeros

Flamencos, Franceses y de otras Naciones (...)”. Do mesmo modo chama a atenção a Real

Cédula de 17 de outubro de 1602, que ordena que se faça sair os portugueses e estrangeiros

que teriam entrado na região do Prata sem licença:

“(...) En los puertos y partes de essa probincia tantos estrangeros y

especialmente ay muchos portugueses que an entrado por el rio de la plata y otras partes

con los navios de los negros y cristianos nuebos y gente poco segura en las cosas de

122

. Ver N. Falbel, “Um argumento polêmico em Vicente da Costa Matos”, in Em Nome da Fé (Estudos in

memoriam de Elias Lipiner), São Paulo, Perspectiva, 1999, pp. 91-113. Por vezes, propor-se-á sua expulsão,

assim como ocorreu entre 1621 e 1623, e outras ocasiões.

123

J.G. Salvador, Os Cristãos-Novos e o Comércio..., op. cit., p. 12; J. Lúcio Azevedo, História dos Cristãos-

Novos, 2.ª ed., Lisboa, Liv. Clássica Editora, 1975, p. 162.

124

Lafuente Machaim, Los portugueses en Buenos Aires en el Siglo XVII, B. Aires, pp. 103-4.

45

nuestra santa fee Catholica Judaiçantes y que en los puertos de las indias ay mucha gente

desta Calidad (...)”125

De fato, a preocupação com os judaizantes nas capitanias do sul levou a que

um religioso, frei Diogo do Espírito Santo, vigário na Casa de Nossa Senhora do Carmo,

solicitasse que o Santo Ofício promovesse a vinda de um visitador. Efetivamente, chegaria

em 1627 o licenciado Luís Pires da Veiga126

, credenciado para visitar os reinos do Congo,

Angola e Brasil. Além da Bahia e Rio de Janeiro, um visitador da Inquisição chegaria pela

primeira vez à Capitania de São Vicente, e podemos imaginar que isso obrigou seus

habitantes cristãos-novos a procurar refúgio em outros lugares. Assim mesmo, sabemos que

em 1628 ele se encontrava em São Paulo ouvindo denunciantes e confitentes, assim como o

fizera no Rio de Janeiro, onde várias pessoas foram denunciadas, seguindo, depois, para o

Espírito Santo127

.

A supervisão inquisitorial no sul continuaria com resultados, por vezes,

dramáticos para os judaizantes levados a julgamento em Lisboa, sofrendo os habituais

processos e procedimentos da maquiavélica e malévola instituição em Portugal. Contudo, o

papel econômico que os cristãos-novos desempenhavam, seja no reino ou nas colônias,

impedia, por vezes, a execução radical e persecutória da nefanda instituição, assumindo o

Estado uma atitude benevolente em relação aos cristãos-novos e fazendo vista grossa em

relação à heresia, quando se sobrepunham seus interesses imediatos. A história das relações

entre o poder secular e a Inquisição mostra o quanto elas oscilaram, em boa parte devido à

consciência – verdade é que despertada por alguns luminares – de que as restrições

impostas à “gente na nação” prejudicavam a sociedade e a economia portuguesa, mormente

quando, desde os inícios do século XVII, ela estava sofrendo a concorrência superior de

outros, e em particular do expansionismo mercantil holandês. Tanto no Oriente quanto no

Novo Mundo, a presença dos outros povos europeus se impunha apesar do pioneirismo

ibérico nas descobertas marítimas. E muitos foram os que viram na política persecutória aos

judeus e cristãos-novos de Portugal, e no conseqüente êxodo da península para outros

lugares a causa maior para a sua ruína, sem que pudessem impor o seu ponto de vista, a não

ser transitoriamente. A exclusão dos cristãos-novos da sociedade portuguesa como um

todo, restringindo sua participação em cargos públicos, impedindo a manifestação de seu

talento na administração em todos os seus aspectos, nas colônias e na metrópole, sem

dúvida teve um preço alto ao império colonial, pois a fuga de capitais importantes

esvaziava os cofres do tesouro real, além de outras conseqüências. Nesse sentido, a nobreza

reinol, que tinha naturalmente a dificuldade de se adaptar à nova mentalidade mercantilista

que acompanhava o ingresso da Europa na modernidade, deixando para trás o mundo

medieval que desdenhava a usura, a atividade mercantil e pecuária, prevaleceu na classe

dirigente do Estado Português até o século XVIII. Economistas do porte de Duarte Gomes

Solis, autor do tratado Alegación em Favor de la Compañia de la India Oriental, por volta

de 1621, propunha um plano para incrementar o comércio ultramarino, que na época se

125

B. Lewin, El Judio en la Epoca Colonial, B. Aires, Ed. Colégio de Estudos Superiores, 1939, pp. 51-2.

126

Ele não figura no Catálogo de frei Pedro Monteiro. Ver N. Falbel, O Catálogo dos Inquisidores de Frei

Pedro Monteiro e sua Complementação por um Autor Desconhecido, São Paulo, CEJ da USP, 1980.

127

ANTT, Inquisição de Lisboa, Contra os Cristãos-Novos, ms. n.º 24, apud J. G. Salvador, Cristãos-Novos,

Jesuítas e Inquisição, op. cit., pp. 108-9.

46

encontrava com entraves de toda natureza128

, assim como o faria o padre Antonio Vieira.

Este último, profundo conhecedor da mentalidade portuguesa, tinha visão da importância

do ativismo econômico dos cristãos-novos para a manutenção das conquistas ibéricas, e ao

intentar demonstrar isso incorreu no pecado de defesa dos “heréticos judeus” e suspeita de

judaísmo, levando-o ainda a ser processado pela Inquisição129

. Mas é preciso ainda lembrar

que o êxodo de judeus e cristãos-novos de Portugal não se restringiu apenas a homens de

negócio, pois abrangeu uma vasta gama de profissionais e artesãos que desempenhavam um

papel econômico importante na sociedade ibérica, ainda que a historiografia que trata do

assunto tenha por hábito focalizar os que exerciam uma atividade mercantil. Basta

examinar as profissões dos que foram processados pela Inquisição para se inteirar do

quanto elas abrangiam praticamente todos os ramos da atividade humana, das mais

humildes, entre elas a de curtidor, tecelão, alfaiate, sapateiro, ferreiro, coureiro, tratante e

outras, até as denominadas liberais, tais como professor universitário, médico ou físico,

advogado, além de clérigos e militares. A sociedade portuguesa, na metrópole e na colônia,

contava com a presença dos descendentes dos judeus conversos desde que foram obrigados

a aceitar o batismo, a partir de 1497. Era inevitável a penetração desse elemento

numericamente significativo em todos os aspectos da vida social ibérica, e do mesmo modo

que ocorreu na Espanha muito antes, devidos às conversões em massa no ano de 1391,

ocorreria posteriormente em Portugal, adicionado a um processo de mesclagem devido aos

casamentos entre famílias de cristãos-velhos e cristãos-novos, mesmo havendo de um lado

certo repúdio e de outro uma tendência endogâmica a fim de preservar sua identidade

religiosa. Porém, o repúdio se manifesta fundamentalmente a partir das restrições impostas

pelos estatutos de pureza de sangue, que limitavam a ascensão social daqueles que

possuíam “sangue infecto”. O famoso médico cristão-novo Ribeiro Sanches, em um

opúsculo escrito em 1735 intitulado “Origem da Denominação de Cristão-Velho e Cristão-

Novo em Portugal”, assim como d. Luís da Cunha no conhecido Testamento Político

dirigido a d. José, é de opinião que a instituição inquisitorial promove entre os perseguidos

cristãos-novos o judaísmo mais do que o refreia ou elimina130

. Ele dirá que “foi mais

notória a diferença entre cristão-novo e cristão-velho depois que se estabeleceu o costume

de tirarem inquirições, de todos aqueles que queriam entrar no Estado Eclesiástico, ou

cargos honrosos da República”, sendo originado tal coisa do decreto da Sé de Toledo, feito

no ano de 1547131

. Mas no distante Brasil a questão assumia proporções menos graves, e os

que aqui aportavam estavam dispostos desde o início a serem mais tolerantes e menos

preconceituosos, pois a realidade os impelia a seguir o impulso da vida e da sobrevivência,

128

Duarte Gomes Solis, Alegación em Favor de la Compañia de la India Oriental, ed. e pref. por Moisés

Bensabat Amzalak, Lisboa, 1955. Ver J. G. Salvador, Os Cristãos-Novos e o Comércio... (op. cit., pp. 16-7),

que chama a atenção ao fato de que Solis se referia ao Brasil, e não à Índia.

129

Ver Os Autos do Processo de Vieira na Inquisição (ed. transc., glossário e notas de Adma Muhana, São

Paulo, ed. UNESP-FCEB, (1995), e o seminal estudo de Alberto Dines, Vínculos do Fogo, I, (São Paulo,

Companhia das Letras, 1992), que se refere a Vieira com uma penetração original em seus escritos e

pensamentos; A. Baião, Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, I, Lisboa, 1936, pp. 205-316.

130

Christãos Novos e Christãos Velhos em Portugal, 2.ª ed, pref. de Raul Rego, Porto, ed. Paisagem, 1973.

131

Idem, ibidem, p. 36.

47

que o isolamento e a solidão do vasto território a ser colonizado acentuavam. Daí o

casamento com indígenas, bem como a bastardia com o elemento africano que começava a

se tornar mais presente à medida que a indústria açucareira ia se desenvolvendo e

assumindo um papel central na economia colonial132

.

O que vai caracterizar a atividade dos cristãos-novos em território brasileiro no

processo de povoamento e colonização é a economia açucareira, que demandava a mão-de-

obra escrava, no que implicava também a participação dos mesmos no tráfico negreiro que

os portugueses vinham fazendo há muito tempo no continente africano.

A multiplicação de engenhos de açúcar se estende do norte ao sul do território e

faz da colônia um grande centro de produção e exportador para a metrópole e todas as

nações com as quais Portugal comercializava133

. Mas, por outro lado, apesar da sua

importância, precisamos lembrar que São Paulo era um reconhecido centro de irradiação de

sertanistas para exploração e busca de minerais preciosos e de expedições bandeirantes,

atraindo para cá indivíduos de todas os lugares134

. O incremento maior deu-se durante o

período do governador d. Francisco de Souza, ainda que aventureiros e forasteiros, na

capitania, assim como em outros lugares, representassem uma parcela da população

instável que se aproveitava, temporariamente, das oportunidades para amealhar certa

fortuna e logo desaparecer. As Atas da Câmara de São Paulo mencionam a estes e por

vezes os seus nomes aparecem em uma única menção para nunca mais serem lembrados. O

levantamento extraordinário de Pedro Taques de Almeida Paes Leme em sua Nobiliarquia

Paulistana Histórica e Genealógica31352

nos fornece uma quantidade

considerável de nomes e famílias de cristãos-novos, não mencionados em seu livro como

tais, porém identificados posteriormente como vítimas da Inquisição, que apesar de tudo

não cessou de supervisionar a religiosidade sempre suspeita dos habitantes da colônia até os

dias do Marquês de Pombal.

132

C. R. Boxer, em O Império Colonial Português, Lisboa, Ed. 70, 1969, pp. 279-303, dedica atenção à

questão da “Pureza de Sangue” em toda a extensão do Império português.

133

J. Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Econômico, 3.ª ed., Lisboa, Livr. Clássica Editora, 1978, cap. “O

Império do Açúcar”, pp. 215-87. O caso de João Nunes, estudado por Sonia Aparecida Siqueira (Separata dos

Anais do V Simpósio Nacional dos Prof. Univ. de História, Campinas, 1971), é ilustrativo por se tratar de um

magnata do açúcar denunciado à Inquisição; ver E. de O. França, Engenhos, Colonização e Cristãos-Novos na

Bahia Colonial (Separata dos Anais do IV Simpósio Nacional dos Prof. Univ. de História, São Paulo, 1969).

Porém, para o estudo da presença dos cristãos-novos em Pernambuco, e sob o domínio holandês, e o papel

que tiveram na economia açucareira, são indispensáveis os trabalhos de José Antonio Gonsalves de Mello, a

começar do clássico Tempo dos Flamengos e a terminar com a obra Gente da Nação, Recife, Massangana,

1989.

134

Como bem demonstrou J. P. Calógeras, Formação Histórica do Brasil (Rio de Janeiro, Pimenta de Mello,

1930, p. 25), “S. Vicente e São Paulo, a antiga Piratininga, durante centenas de anos foram os postos

avançados donde irradiaram as expedições militares à procura da fronteira sulina (...) não somente em relação

aos hispanos, mas também em relação aos invasores franceses e holandeses”.

135

São Paulo, Itatiaia-USP, 1980.

48

6. Judeus em São Paulo: um pouco de sua história

A participação dos judeus cristãos-novos na colonização do território

descoberto por Portugal se deu desde o início, pois as perseguições ocorridas durante os

séculos XVI e XVII levaram a que abandonassem a península ibérica e, como um

verdadeiro “êxodo”, procurassem as terras do império colonial português, onde quer que se

encontrassem.

Sabemos que os cristãos-novos tiveram de imediato um papel econômico

importante no comércio da terra de Santa Cruz, e é conhecido o fato de terem sido eles os

primeiros a ser contratados para a exploração dos territórios descobertos, destacando-se

nesse sentido a figura de Fernando de Noronha, que desde os primeiros anos da descoberta

passou a mercadear com o pau-brasil, ainda que não temos qualquer prova segura de que

ele, pessoalmente, era cristão-novo. O mesmo estímulo foi dado a outros correligionários

seus, principalmente vindos de São Tomé e da Madeira, que constituíram em boa parte as

feitorias estabelecidas na costa brasileira.

Foi também esse elemento que desenvolveu a cultura da cana-de-açúcar em

nossa terra, e por ocasião da primeira visitação do Santo Ofício, em 1591, muitos entre os

cristãos-novos seriam apontados como judaizantes perante os representantes da terrível

instituição.

Nos primórdios da história de São Vicente, os cristãos-novos encontrarão um

lugar seguro e servirão à colonização inicial do território paulista. As atas da Câmara de

São Paulo, de 1578, 1582, fazem referência à presença de “judeus cristãos” vivendo dentre

a população da vila. E nas denunciações da Bahia, durante a visitação do Santo Ofício, de

1591-93, encontramos a menção de cristãos-novos de São Vicente, entre eles Francisco

Mendes, “que é da geração de uns cristãos-novos que chamam os Valles em São

Vicente”.136

Podemos, assim, supor que o Planalto Paulista constituía um lugar ideal para

abrigar e proteger aqueles que eram perseguidos pela Inquisição ibérica. O sertão denso e

bravio e a própria atitude de tolerância da Companhia de Jesus, que incluía em suas fileiras

também descendentes da estirpe judaica e que deram os primeiros passos para a fundação

do núcleo formador da futura metrópole paulista, dava a eles a segurança necessária para

viver com uma tranqüilidade maior do que em outros lugares.

Na história paulista, São Vicente, que já aparecia em mapas desde 1502,

tornou-se um ponto de tráfico de escravos indígenas e lá, por esse tempo, se agrupavam

doze ou quinze europeus, portugueses e espanhóis que constituíram um centro inicial de

povoamento que se estendia das praias da ilha de Santo Amaro até Cananéia. Eram o

célebre bacharel, ainda não identificado , seus genros, Gonçalo da Costa, Antonio

Rodrigues, João Ramalho, Mestre Cosme, Duarte Peres ou Pires, e outros náufragos sem

nome...”137

Entre esses a afigura, até hoje enigmática, de João Ramalho, sobressai como

um personagem realcionado com os índio tupiniquins e tapuias. Sobre ele escreveu Tomé

de souza ao rei D. João III em junho de 1553: “...ordenei outra vila no começo do campo

136

Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, Denunciações da Bahia (1591-1593), São Paulo,

ed. P. Prado, 1925, p.314. 137

Prado, P., Paulística, Rio de Janeiro, ed. Ariel, 1934, p. 45.

49

desta vila de São Vicente de moradores que estavam espalhados por ele e os fiz cercar e

juntar para se poderem aproveitar todas as povoações deste campo e se chama a vila de

Santo André, porque onde a sitiei estava uma ermida deste apóstolo e fiz dela a João

Ramalho natural do termos de Coimbra que Martim Afonso já achou nesta terra quando cá

veio. Tem tantos filhos e netos, bisnetos e descendentes dele o não ouso dizer a V.A., não

tem cã na cabeça nem no rosto e anda nove léguas a pé antes de jantar...” A verdade é que

pouco se sabe sobre ele, nem quando chegou ao Brasil e tão pouco seus antecedentes

ibéricos. Mesmo porque quando chegou o donatário Martim Afonso de Souza, em 1532, a

São Vicente, assim nos diz Washington Luís, o lugar “já era um porto conhecido, com lugar

marcado nos rudimentares mapas da época, uma espécie de pequena feitoria portuguesa, de

iniciativa particular, visitada por esquadras para o tráfico de escravos, onde se forneciam

vitualhas necessárias à navegação de longo curso, se construíam bergatins e se contratavam

línguas da terra.” 138

O próprio Martim Afonso que viera do sul e se deteve em São Vicente

elevano-a a vila e dando os primeiros passos administrativos da pequena povoação trouxera

consigo cristãos-novos para se estabelecerem na região ajuntando-se aos demais que já se

encontravam ali, tais como o bacharel, mestre Cosme, fernandes Melchior, Henrique

Montes e Francisco Chaves, conforme nos informa o historiador José Gonçalves

Salvador.139

Da aldeia de Santo André da Borda do Campo, núcleo onde viveu João

Ramalho, nasceria a cidade de São Paulo, pois em 1560 Mém de Sá transferiria seus

moradores para Piratininga, “lugar mais forte e mais defensável , e mais seguro assim dos

contrários como dos nossos índios...”, dessa forma se expressavam os moradores Jorge

Moreira e Joannes Alves em carta de 1561, dirigida à Regente D. Catarina. Os seus

descendentes seriam os mamelucos caçadores de índios, “peças” do comércio escravo e

caçadores de ouro e pedras preciosas. Esses cristãos-novos deram uma contribuição

decisiva para odesenvolvimento da vila de Piratininga e os seus nomes se encontram entre

as famílias que constituíram os seus núcleos dirigentes desde o século XVI, ou seja, dos

primórdios da fundação da vila. Com a descoberta das minas de ouro e prata do Perú, São

Paulo passou a ser uma via de acesso até aquele território que podia ser alcançado em uma

Segunda etapa através do Paraguai. Além do mais a industria açucareira em franco

desenvolvimento prometia riquezas a todos e estes fatores foram suficientes para atraírem

cristãos-novos que se aventuravam nessas regiões em busca de subsistência mas também , e

talvez acima de tudo, a liberdade que não usufruiam em outro lugar, contribuindo desse

modo à povoação do território.

Eram eles sertanistas, bandeirantes que desbravavam os sertões em busca de

minerais preciosos e que, devido às suas incursões em direção ao sul asseguravam aquelas

fronteiras de qualquer domínio espanhol. Somente assim podemos entender a relativa

tolerância das autoridades da época diante da destruição brutal das reduções jesuíticas

praticada por esses aventureiros impiedosos que apresavam os índios das missões. E não é

de estranhar que em vários documentos da época, escritos por jesuítas espanhóis, os

portugueses de São Paulo são vistos e identificados como hereges e judeus capazes de

cometerem as maiores barbaridades contra o gentio catequizado pelos inacianos.

Já em 1613, as atas da Câmara de São Paulo, se referem abertamente a

“cristãos-novos e homens da nação hebréia” mostrando, provavelmente, que havia não

138

Na Capitania de São vicente, São Paulo, ed. Itatiaia-Universidade de São Paulo, 1980, p. 65. 139

Cristãos-novos, Jesuítas e Inquisição, São Paulo, ed. Livraria Pioneira-Universidade de São Paulo, 1969,

p.187.

50

somente judeus batizados ou cristãos-novos, mas também aqueles que efetivamente

professavam a fé judaica.

O fato é que em 1625 o elemento cristão-novo no sul fazia notar a sua presença

ao ponto que um frade, Diogo do Espírito Santo, resolveu escrever à Inquisição a fim de

pedir sua interferência, o que levaria ao envio de um visitador , Pires da Veiga, a vir ao Rio

de Janeiro no ano de 1627.

Em suma, o povoamento das capitanias meridionais contou com uma presença

significativa de cristãos-novos e judeus, a começar do litoral, ou seja, São Vicente e Santos,

passando para o Planalto Paulista ou ao altiplano de Piratininga. Nesse mesmo contexto

temos de reconhecer o papel dos jesuítas na formação e povoação dos núcleos

populacionais paulistas, cabendo assinalar a presença de cristãos-novos entre os membros

da ordem, e em particular a figura do padre Leonardo Nunes, que fora à Bahia e enviado

posteriormente a São Vicente, subindo a seguir ao planalto. Foi ele o primeiro a pensar em

instalar na região entre o Tamanduateí e o Anhangabaú, no ponto onde se ergueria São

Paulo, a casa e o colégio da Companhia de Jesus, o que se concretizaria com Manuel da

Nóbrega, em 1554.

A expansão de São Paulo se deve, também, em boa parte ao incremento

mineralógico na época de d. Francisco de Souza, que atraiu uma população ávida de

riquezas que a fantasia e a imaginação dos homens encontrava nas florestas, nas montanhas

e nas águas dos infindáveis rios. Os que eram mais realistas preferiam continuar cultivando

as suas fazendas, que começaram a circundar a periferia da capital paulista, e entre esses

senhores não faltava o elemento cristão-novo. Tal expansão agropastoril foi acompanhada

de uma intensa busca de mão-de-obra indígena, permitindo, assim, a cobertura de novos

caminhos pelo interior. As sesmarias acabaram levando o povoamento em direção aos vales

do Paraíba e do Tietê, advindo daí a criação de cidades como Mogi das Cruzes, que ficava à

entrada do vale, e isso devido à iniciativa de d. Francisco de Souza. Mogi das Cruzes seria a

primeira povoação naquela região, e após 1630 se sucederiam outras, tais como Taubaté,

Guaratinguetá, Jacareí, e várias outras, que contaram com a participação do elemento

judaico ou cristão-novo.

Por outro lado, a expansão caminhava em direção ao sul numa área extensa que

chegara às fronteiras do Paraguai, numa ação contínua de desbravamento da selva e de

fixação de novos povoados e vilas. Santana do Parnaíba seria uma das primeiras dessa

região, elevada a vila em 1625. Seguir-se-iam outras, e entre elas Sorocaba e Itú, todas elas

servindo de vias de acesso ao Paraguai e às regiões do Prata.

Portanto o devassamento do “hinterland”, obra de pioneiros, de gente indômita,

valente e corajosa, sem receio da vastidão e das distâncias a percorrer contou com a

participação ativa dos cristãos-novos sulinos. A atração das riquezas minerais , o mito da

Sabaraboçu, a serra dourada, existente nas capitanias da região atraiu e motivou as

expedições dos sertanistas e bandeirantes que, ao par da busca do ouro e pedras preciosas,

também se ocupavam com o preamento dos indígenas. Mas a medida que os

descobrimentos auríferos foram se estendendo também foi aumentando o número do

elemento escravo africano. As conseqüências desse surto mineralógico se fizeram logo

sentir. Houve um aumento populacional considerável com a implícita modificação na vida

social, econômica e administrativa dos povoados sulinos. O crescimentos populacional se

revelava pela criação de novas vilas e povoados e a implementação de novos métodos

administrativos. Novos caminhos foram abertos e a ligação entre as capitanias sulinas bem

51

como com as do norte tornaram-se mais fáceis como no caso de Minas gerais e Bahia, que

se fazia também através do rio São Francisco.

O “rush” mineralógico atraiu o elemento cristão-novo e não é de se estranhar

que na luta entre paulistas e “emboabas” se encontrava Manuel Nunes Viana, um cristão-

novo. Além do mais é bem possível que o recrudescimento da atividade inquisitorail no Rio

de Janeiro, a partir de 1705, que levou a uma perseguição tenaz aos judaizantes naquela

região tenha uma relação direta com a prosperidade da região vizinha.

Desse modo, encontramos entre os estrangeiros que começavam a visitar o país

e nele se estabelecer também os que professavam a fé judaica. Podemos observar entre eles

judeus ingleses, alemães, e na segunda metade do século uma acentuada imigração vinda da

Alsacia-Lorena, que acabou se organizando como uma comunidade própria. Não somente

na cidade de São Paulo eles de encontravam presentes, mas também se instalaram em

cidades do interior paulista tais como Campinas, Jundiaí, Ribeirão Preto, Rio Claro, Franca

e outras.8 Sua presença individual pode ser observada nessas cidades no decorrer de todo o

século XIX, e em lugares como Campinas chegaram a formar uma colônia significativa do

ponto de vista numérico e de sua atuação econômico-social. A sua ocupação é a mais

diversificada, e podemos dizer que na São Paulo pouco desenvolvida das primeiras décadas

do século passado – que Auguste de Saint-Hilaire descreve como possuindo uma população

limitada, com cerca de 20.000 habitantes, mas com edifícios públicos bem conservados,

com ruas largas e praças públicas9 –

tais imigrantes judeus vindos de vários países da

Europa introduziriam os hábitos de vida do Velho Continente, trazendo um aporte

civilizatório à província que recém saía de seu acanhamento colonial. E Saint-Hilaire nos

informa que “encontra-se na cidade uma profusão de lojas bem sortidas e bem instaladas,

onde se vê uma variedade tão grande de artigos quanto nas do Rio de Janeiro”, e,

profetizando, ainda dirá mais adiante: “o Brasil ainda deve continuar totalmente agrícola,

não tendo ainda alcançado a fase em que seria vantajoso instalarem-se nele grandes

indústrias. Entretanto, quando chegar essa época, é por São Paulo que se deve começar”.

Portanto, a cidade começava a atrair os imigrantes europeus que pouco a pouco introduziam

um comércio diversificado, que se assentava fundamentalmente sobre os produtos

importados da manufatura ou indústria européias.

Os judeus franceses trouxeram à cidade de São Paulo o bom gosto no vestir e

também o consumo do supérfluo, estabelecendo na capital paulista casas de jóias e afins.

Mas empreenderam a instalação de companhias de seguros, ateliês de fotografias, lojas de

calçados, fazendas e couros, etc. Outros eram importadores de alto vulto e acabaram

ascendendo na sociedade paulista pela sua riqueza e iniciativas sociais. É o caso do judeu

alemão Victor Nothmann, irmão de Maximilian Nothmann, que vivia no Rio de Janeiro,

bem como o de Frederico Glete, lembrados hoje pelos nomes dados a duas ruas da cidades.

Sobre os judeus alemães Glete e Nothmann, assim como seus confrades católicos ou

protestantes, nos relata Paulo Cursino de Moura no seu livro de evocações sobre São Paulo

de outrora:11

“Não foi ele (Glete) o primeiro germânico que teve a inspiração de contribuir

para o engrandecimento de São Paulo. Quando Glete se estabeleceu em São Paulo, a

colônia alemã aqui já era antiga e prestante. Mas, modorramente, ia acompanhando o andar

dos tempos e da civilização, como podia. De 1870 para cá, coincidindo com a vitória da

guerra Prussiana e com os primeiros arrancos do nosso progresso no governo provincial,

desse verdadeiro realizador – João Teodoro Xavier, de quem não nos cansamos de lembrar

–, o empreendimento alemão em terras paulistanas tomou vulto extraordinário. Em tudo e

por tudo. Em todos os ramos de atividade. Na administração e nas empresas particulares.

52

Pode-se dizer que os alemães foram desbravadores da rotina comercial em São Paulo. Até o

café deve sua assombrosa exportação de hoje a Theodor Wille, o extraordinário

comerciante alemão que em 1845 teve a glória de exportar diretamente para a Europa a

primeira saca de café da então província de São Paulo” (...) “As tentativas para o

abastecimento de água e para a rede de esgotos, obra de alemães. Arruamentos.

Calçamentos. Jardins Públicos. Em tudo, a experiência, o arrojo, a ambição do germânico

no São Paulo antigo.”

Da aldeia de Santo André da Borda do Campo, núcleo onde viveu João

Ramalho, nasceria a cidade de São Paulo, pois em 1560 Mem de Sá transferiria seus

moradores para Piratininga, “lugar mais forte e mais defensável, e mais seguro assim dos

contrários como dos nossos índios...”, assim diziam os moradores Jorge Moreira e Joannes

Alves em carta de 1561 dirigida à Regente d. Catarina. Os seus descendentes seriam os

mamelucos caçadores de índios, “peças” do comércio escravo e caçadores de ouro e pedras

preciosas.

Das filhas de João Ramalho várias casaram-se com cristãos-novos, entre eles

Lopo Dias, Pascoal Fernandes e Bartolomeu Camacho, e com as suas netas casaram-se

Manuel Fernandes e Cristóvão Dinis. Esses cristãos-novos deram uma contribuição

decisiva para o desenvolvimento da vila de Piratininga e os seus nomes se encontram entre

as famílias que constituíram seus núcleos dirigentes desde o século XVI, ou seja, dos

primórdios da fundação da vila. Com a descoberta das minas de ouro e prata do Peru, São

Paulo passou a ser uma via de acesso até aquele território, que podia ser alcançado em

segunda etapa através do Paraguai. Além do mais, a indústria açucareira em franco

desenvolvimento prometia riquezas a todos, e esses fatores foram suficientes para atrair

cristãos-novos que se aventuravam nessas regiões em busca de subsistência, mas também, e

talvez acima de tudo, da liberdade que não possuíam em outro lugar, contribuindo assim

para a povoação do território.

Eram eles sertanistas, bandeirantes que desbravavam os sertões em busca de

minerais preciosos, e que devido à penetração em direção ao Sul, asseguravam aquelas

fronteiras de qualquer domínio espanhol. Somente desse modo podemos entender a relativa

tolerância das autoridades da época perante as destruições selvagens das reduções jesuíticas

por parte desses aventureiros impiedosos que faziam o apresamento dos índios das missões.

E não é de se estranhar que em vários documentos da época, escritos por clérigos espanhóis

da ordem jesuítica, os portugueses de São Paulo sejam vistos e identificados como hereges

judeus capazes de cometerem as maiores barbaridades contra o gentio catequizado pelos

inacianos.

Já em 1613, as atas da Câmara de São Paulo se referem abertamente a

“cristãos-novos e homens da nação hebréia”, mostrando que havia não somente judeus

batizados ou cristãos-novos, mas também aqueles que não eram, ou seja, “homens da nação

hebréia”. O fato é que, em 1625, o elemento cristão-novo no Sul era tanto que um frade,

Diogo do Espírito Santo, resolveu escrever à Inquisição pedindo sua interferência direta, o

que levaria ao envio de um visitante daquela instituição, Pires da Veiga, a chegar ao Rio de

Janeiro em 1627.

A medicina, que foi uma ocupação judaica tradicional desde os tempos

medievais na península ibérica, assim como em outras regiões do continente europeu, teve

sua continuidade em terras brasileiras, e nas capitanias do Sul vamos encontrar cristãos-

novos exercendo a profissão de médicos. Alguns nomes que registram sua presença em São

Paulo são os do dr. José Serrão, genro de Fernão Dias Paes, dr. Antonio Vieira Bocarro,

53

Paulo Rodrigues Brandão e talvez outros que não conhecemos. Apesar de tudo, o Rio de

Janeiro, nessas primeiras décadas do século XVII, era mais favorecido por esses

profissionais, ao contrário de São Paulo, que ainda nesse tempo se ressentia pela falta de

médicos. Mas aqui e acolá, já na segunda metade daquele século, aparecem os esculápios

dr. João de Mongelos Garcez, Francisco Rodrigues Brandão, filho de Paulo Rodrigues

Brandão, dr. João Rodrigues de Abreu, Domingos Pereira da Gama e outros.

Também encontramos cristãos-novos, e em bom número, entre os que exerciam

a advocacia, assim como entre os funcionários da administração pública colonial, apesar de

nem sempre ser fácil sua identificação. O historiador José Gonçalves Salvador, em sua obra

já citada, afirma que eram cristãos-novos os advogados Antônio Camacho, o licenciado

Salvago, Geraldo de Medina, Belchior de Araujo e Luiz Fernandes Francês, todos eles

atuantes em São Paulo durante o século XVII.

A influência judaica em São Paulo ou a presença de cristãos-novos judaizantes

no planalto de Piratininga se faz sentir durante o século seguinte, isto é, no século XVIII,

pois muitos dos criptojudeus e seus descendentes aparecem nos processos da Inquisição

portuguesa nesse tempo, ainda que os mais antigos fossem os residentes no Rio de Janeiro e

adjacências.

A verdade é que, com o passar dos anos, os judeus ou os cristãos-novos

judaizantes de São Paulo foram perdendo o pouco da lembrança que possuíam a respeito do

judaísmo, uma vez que em certos momentos a fiscalização inquisitorial era extremamente

rigorosa no Brasil, e não poucos pagaram com a vida a temeridade de manter certos

costumes judaicos. As famílias se mesclavam com elementos cristãos-velhos. Aliás, desde

os inícios da colonização essa mescla se deu, e o sangue hebreu diluiu-se inteiramente na

composição populacional do planalto paulista ao ponto de podermos afirmar com segurança

que nos troncos paulistas tradicionais sempre podemos encontrar um vínculo com o

elemento cristão-novo. Nesse sentido, os trabalhos genealógicos de um Pedro Taques6 ou

de M. E. de Azevedo Marques7 e outros historiadores permitem-nos acompanhar as

ramificações ocorridas com essas primeiras famílias e sua descendência posterior, ou seja,

até o tempo em que os autores mencionados escreveram suas obras. Mas seus rastros como

judeus ou judaizantes já se haviam apagado inteiramente por essa época.

A grande mudança quanto à política imigratória relativa a judeus no Brasil em

geral, e por conseqüência em São Paulo, dar-se-á com o estabelecimento da família

imperial portuguesa em nosso território, a partir de 1808. D. João VI proclamará, em 28 de

janeiro daquele ano, a Abertura dos Portos às Nações Amigas, e com isso abrir-se-ão as

portas para uma nova imigração, que após a assinatura do tratado comercial com a

Inglaterra, em 1810, favorecia e incentivava o ingresso do elemento estrangeiro ao Brasil.

Além do mais, o artigo 12 do tratado comercial assegurava aos súditos britânicos a

liberdade de religião em território nacional, e portanto ninguém poderia molestá-los sob

esse aspecto.

Na história paulista, São Vicente, que já aparecia em mapas desde 1502,

tornou-se um ponto de tráfico de escravos indígenas e lá, nessa época, se agrupavam “doze

ou quinze europeus, portugueses e espanhóis que constituíram um centro inicial de

povoamento, que se estendia das praias da ilha de Santo Amaro até Cananéia”. Eram o

célebre bacharel, ainda não-identificado, seus genros, Gonçalo da Costa, Antonio

Rodrigues, João Ramalho, Mestre Cosme, Duarte Peres ou Pires, e outros náufragos sem

nome.

54

Entre esses, a figura até hoje enigmática de João Ramalho sobressai como um

personagem relacionado com os índios tupiniquins e tapuias. Sobre ele escreveu Tomé de

Souza ao rei d. João III em junho de 1553: “Ordenei outra vila, no começo do campo de

São Vicente, de moradores que estavam espalhados por ali, e os fiz cercar e juntar para se

poderem aproveitar todas as povoações deste campo, que se chama vila de Santo André,

porque onde a sitiei estava uma ermida deste apóstolo e fiz dela a João Ramalho natural do

termo de Coimbra que Martim Afonso já achou nesta terra quando cá veio. Tem tantos

filhos e netos, bisnetos e descendentes dele que não ouso de dizer a V.A., não tem cã na

cabeça nem no rosto e anda nove léguas a pé antes de jantar...

Tudo indica que este patriarca era um cristão-novo, cuja ascendência judaica

pode ser comprovada pelo “kaf” em sua assinatura e que mereceu a atenção de tantos

historiadores interessados em provar sua origem. A verdade é que não se sabe quando ele

chegou ao Brasil e nem de seus antecedentes ibéricos. Mesmo porque, quando chegou o

donatário Martim Afonso de Souza, em 1532, a São Vicente, nos diz Washington Luís em

sua obra, o lugar “já era um porto conhecido, com lugar marcado nos rudimentares mapas

da época, uma espécie de pequena feitoria portuguesa, de iniciativa particular, visitada por

esquadras para o tráfico de escravos, onde se forneciam vitualhas necessárias à navegação

de longo curso, se construíam bergatins e se contratavam línguas da terra”. O próprio

Martim Afonso de Souza, que viera do Sul e se deteve em São Vicente, elevando-a a vila e

dando os primeiros passos administrativos da pequena povoação, trouxera consigo judeus

ou cristãos-novos para se estabelecerem na região, ajuntando-se aos demais que já se

encontravam ali, tais como o bacharel mestre Cosme Gernandes Melchior, Henrique

Montes e Francisco Chaves, conforme nos informa o historiador José Gonçalves Salvador.

Portanto, o devassamento do “hinterland”, obra de pioneiros, de gente

indômita, valente e corajosa, sem receio de distâncias e sem temores, conforme a expressão

de José Gonçalves Salvador, contou com a participação ativa dos cristãos-novos sulinos. A

fama das riquezas minerais, o mito da Sabaraboçu, a serra dourada existentes nas capitanias

do sul atraíram e motivaram as expedições dos sertanistas e bandeirantes, que ao par da

busca de ouro e pedras preciosas, também se ocupavam com o preamento dos indígenas.

Mas na medida que os descobrimentos auríferos foram se estendendo, foi se dando em

número cada vez maior a introdução do elemento escravo africano. E como já havíamos

dito, as conseqüências desse surto mineralógico se fizeram logo sentir. Houve um aumento

populacional considerável, com a implícita modificação na vida social, econômica e

administrativa dos povoados sulinos. O crescimento populacional se mostrava pela criação

de novas vilas e povoados e o aperfeiçoamento dos métodos administrativos. Novos

caminhos foram abertos, e a ligação entre as capitanias sulinas, como destas com as do

Norte tornaram-se mais fáceis, como no caso de Minas Gerais e Bahia, que também se fazia

via rio São Francisco.

O próprio “rush” mineralógico atraiu o elemento cristão-novo, e não é de se

estranhar que na luta entre paulistas e “emboabas” se encontrasse a figura de líder do

cristão-novo Manuel Nunes Viana. Além do mais, há uma suspeita de que o

recrudescimento da atividade da Inquisição no Rio de Janeiro, a partir de 1705, e que

acabou por perseguir com tenacidade os cristãos-novos nessa região, tinha muito a ver com

essa prosperidade econômico-social. No fundo, eles eram um excelente prato à ganância

dos perseguidores, pois eram muitos e se destacavam como senhores de engenhos,

mercadores, funcionários públicos, além de se ocuparem com a exploração das minas

recém-descobertas.

55

Politicamente, eles tiveram muito a ver com o recuo da linha de Tordesilhas,

que estabelecia a divisão de terras descobertas entre Portugal e Espanha. O famoso

cartógrafo Pedro Nunes, cristão-novo, era zeloso em relação às conquistas de seu reino, e

em seus mapas incluía o Amazonas e a bacia do Prata entre os territórios portugueses,

ultrapassando em muito os limites do conhecido tratado. Assim, os exploradores

portugueses justificavam suas expedições sulinas em busca de índios e minérios. A guerra

permanente contra as “reduções” jesuíticas no século XVII alargou os caminhos para o sul,

e sabemos que, entre 1637 e 1641, a província do Uruguai se encontrava praticamente nas

mãos dos paulistas, ocupando-se o Tape (centro do atual Rio Grande do Sul) e o Guaíra.

A fundação da Colônia do Sacramento dar-se-ia para estabelecer os limites

sulinos do domínio português no Sul e o resultado das expedições onde os cristãos-novos

tomaram parte ativa. Entre os que participaram na colonização do Sacramento estavam os

cristãos-novos Brás Rodrigues Arzão e Vasco Pires da Mota. A Espanha acabaria

reconhecendo, em 1681, os direitos de domínio de Portugal naquela região. Em última

instância, esse foi o resultado do bandeirismo paulista, que constituiu o estilo de vida

peculiar dos inícios da colonização portuguesa, dos reinóis cristãos-velhos e cristãos-novos

Devemos ainda lembrar que os cristãos-novos de São Paulo tiveram um papel

de destaque em outras profissões que exigiam um conhecimento especializado e habilidade,

tais como a de mestres de fazer açúcares, físicos, barbeiros, boticários, atividades essas que

se concentravam em boa parte em mãos dos judeus vindos ao Brasil. A medicina que foi

uma ocupação judaica tradicional , desde os tempos medievais, na Península Ibérica assim

como em outras regiões do continente europeu, teve a sua continuidade em terrras

brasileiras e nas capitanias do sul vamos encontrar cristãos-novos exercendo a profissão de

médicos. Alguns nomes que registraram sua presença em São Paulo são os do Dr.José

Serrão, genro de Fernão Dias Paes, Dr. Antonio Vieira Bocarro, Paulo rodrigues Brandão e

talvez outros que não deixaram registro de seus nomes. Apesar de tudo o Rio de Janeiro,

nessas primeiras décadas do século XVII era mais favorecido com profissionais, em

oposição a são Paulo que ainda, nesse tempo, se ressentia pela falta de médicos. Mas aqui e

acolá, já na Segunda metade daquele século aparecem os esculápios Dr. João de Mongelos

Garcez, Francisco Rodrigues Brandão, filho de Paulo Rodrigues Brandão, Dr. João

Rodrigues de Abreu, domingos Pereira da Gama e outros. Também encontramos cristãos-

novos, e em bom número, entre os que exerciam a advocacia além de funcionários da

administração pública colonial, apesar de nem sempre ser fácil a sua identificação. Alguns

nomes são identificados como cristãos-novos tais como os advogados Antônio Camacho,

Geraldo de Medina, Belchior de Araujo e Luiz Fernandes francês, todso eles atuantes em

São Paulo durante o século XVII.140

A presença de cristãos-novos em São Paulo continuou no século seguinte, pois

muitos dos criptojudeus e seus descendentes aparecem nos processos da Inquisição

portuguesa desse tempo, ainda que os mais atingidos fossem os residentes no Rio de

Janeiro e adjacências. Com o passar do tempo eles acabaram por se mesclar com elementos

das famílias de cristãos-velhos, processo esse que já havia se iniciado desde o início da

colonização sendo que o sangue hebreu veio a diluir-se inteiramente na composição

populacional do planalto paulista, a ponto de podermos afirmar que nos troncos tradicionais

de Piratininga sempre poderemos encontrar um vínculo com o elemento cristão-novo.

140

V. Salvador, J.G., Os cristãos-novos, povoamento e conquista do solo brasileiro (1530-1680), São Paulo,

ed. Pioneira-Universidade de São Paulo, 1976, p.226.

56

Nesse sentido os trabalhos genealógicos de um Pedro Taques141

ou de M.E. de Azevedo

Marques,142

e outros historiadores, permitem-nos acompanhar as ramificações ocorridas

com essas famílias e sua descendência posterior, ou seja, até o tempo em que os autores

mencionados escreveram suas obras. Mas os rastros de sua origem já se haviam apagado

por esse tempo.

O estabelecimento da família real portuguesa no Brasil, a partir de 1808, abriria

uma nova etapa na história do país e ao se proclamar em 28 de janeiro a Abertura dos

Portos às Nações Amigas abrir-se-ia as portas para uma nova imigração, que após a

assinatura do tratado de Aliança e Amizade com a Inglaterra, em 1810, iria favorecer o

ingresso do elemento estrangeiro no brasil. O artigo 12 desse tratado assegurava aos súditos

britânicos a liberdade de religião em território nacional e, portanto, ninguém poderia

molestá-los em razão de sua fé, que não era católica.

E mais adiante o cronista de São Paulo lembra os franceses e sua contribuição a

São Paulo em “outro terreno: o da elegância, o da moda, o da ‘coquetterie’, o da arte, o das

belas-letras”. Mas sabemos que não foi somente nisso. Apesar de tudo “todo mundo

conheceu”, diz Paulo Cursino, “de 1865 a 1877, os afamados perfumistas, cabeleireiros e

empoadores de postiços mágicos para as noitadas líricas do São José, estabelecidos com

suas lojas na mesma rua Imperatriz, já naquele tempo a predileta em matéria de elegância.”

“E as modistas? Uma penca. Todas francesas. Em 1865 eram existentes, em várias ruas do

Ouvidor, da imperatriz e de São Bento”. “Na música, Henri Louis Levy. Até hoje seu nome

é, na moderna metrópole, o centro de irradiação da mais prestigiada casa musical. Este, o

maior elogio ao seu grande valor artístico”.

Os franceses organizaram suas sociedades, e dentre elas fundou-se, por volta de

1881, a Sociedade Francesa “14 Julliet”, contando-se entre os seus membros de elite Cahen

Levy. Na música, Henri Louis Levy,12

que era clarinetista de talento e havia chegado ao

Brasil em 1948, ao falecer, em 1896, deixara um filho de talento que consagraria o nome

musical da família. Era Alexandre Levy, nascido em São Paulo, em 1864. Alexandre Levy

chegou a tocar piano para o imperador d. Pedro II e era um compositor prolífero que na

verdade encontrou sua inspiração na música popular brasileira. Morreu prematuramente em

pleno caminho da glória, ao 27 anos de idade. Outros Levy também se destacaram na

música, a começar pelo próprio irmão de Alexandre, Louis, e a terminar com o maestro

Edgard Levy. Nas artes plásticas e já no final do século XIX surgia o nome da pintora Berta

Worms, que conquistou o público amante da arte por seus retratos e pinturas. A influência

dos judeus franceses se fazia não somente no plano da moda, mas das belas-letras, músicas

e artes plásticas.

Mas é preciso lembrar que entre os imigrantes judeus também houve aqueles

que fizeram nome como profissionais liberais, e entre eles se destaca a figura do dr. Samuel

Edouard da Costa Mesquita, que era casado com uma das “três graças”, Mary Roberta

Amzalak. Dr. Samuel Mesquita veio ao Brasil em 1860 e exerceu a profissão de cirurgião-

dentista, contando-se entre seus clientes o próprio Imperador d. Pedro II. Mais tarde

mudou-se para São Paulo e na qualidade de dentista atendeu também em Campinas. Sabe-

se que, na falta de um rabino para a comunidade israelita de São Paulo, o dr. Samuel de

141

Pedro Taques de Almeida Paes leme, Nobiliarquia Paulistana Histórica e Geográfica, São Paulo, ed.

Itatiaia-Universidade de São Paulo, 1980, 3vol. 142

Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e

Noticiosos da Província de São Paulo, são Paulo, ed. Itatiaia-Universidade de são Paulo, 1980, 2vol.

57

Mesquita preencheu essa função, oficiando as rezas nas festividades judaicas. Ele, bem

como seus descendentes e parentes próximos falecidos, encontram-se enterrados no

Cemitério dos Protestantes, em São Paulo.

Por outro lado, a participação desses imigrantes no desenvolvimento industrial

de São Paulo ainda no século passado pode ser lembrada pela figura singular do Visconde

de Sapucaí, Luiz Matheus Maylasky, que chegou ao Brasil em 1860, dirigindo-se a

Sorocaba, onde passou a residir. Sua origem- judaica- ainda não está totalmente

esclarecida, mas seu papel no desenvolvimento e criação da Companhia de Sorocaba e a

estrada de ferro Sapucaí com o intuito de escoar a produção algodoeira até o porto de

Santos lhe valeram o título que passou a ostentar. Foi homem de grandes iniciativas

econômicas, e na volta do século mostraria uma São Paulo com novas ambições

empresariais. Ainda como exemplo de iniciativas econômicas significativas para a

economia paulista brasileira, que foram dadas no século passado, e o espírito pioneiro que

as animaram, devemos lembrar a pessoa de Maurício Klabin, que aqui chegara em 1887 e

fundaria um novo setor industrial, o de papel e celulose.

Para finalizar, devemos dizer que, a partir do século passado, a imigração

judaica ao Brasil aumentaria significativamente e o estudo de sua participação na economia

e sociedade brasileiras em geral, e na paulista em particular, permanece como um

verdadeiro desafio aos cientistas pela sua extensão e importância.

58

7. Algumas questões concernentes à metodologia na pesquisa da história moderna dos

judeus e o conhecimento de suas fontes

Ao avaliarmos a bibliografia143

existente sobre a história dos judeus no Brasil,

salta à vista, de imediato, o fato de que boa parte da mesma concentra-se no estudo do

período colonial. Nesse sentido, podemos afirmar que a história dos judeus no Brasil, a

partir do período imperial até os nossos dias, está por ser feita e que pouco conhecimento

temos da formação recente das comunidades existentes atualmente, com a exceção de

poucos trabalhos de real valor escritos nas últimas décadas.144

Se, para o período colonial, o pesquisador da história dos judeus no Brasil

encontra as fontes que lhe interessam, em sua maior parte em arquivos europeus

conhecidos, mais especificamente os de Portugal e Holanda, no caso da história recente dos

judeus não encontramos arquivos organizados contendo o material específico vinculado a

esse período.

Ao contrário do que se passou na Argentina, onde o famoso YWO (Instituto

Científico Judaico145

) organizou há muitos anos uma seção local que reuniu o acervo

valioso relativo à historia recente dos judeus na Argentina, no Brasil chegou-se só

recentemente a organizar um Arquivo Judaico, com a preocupação de reunir e preservar as

fontes ligadas à história dos judeus no Brasil.146

Nesse sentido, estamos apenas dando os

primeiros passos e, neste ínterim, o pesquisador interessado na área deve, em boa parte,

abrir seu caminho pessoal de acesso às fontes.

143

V. Margulies, M. – Iudaica Brasiliensis, Ed. Documentário, Rio de Janeiro, 1974. A Iudaica Brasiliensis

teve continuidade graças a dedicação de Hugo Schlesinger que durante muitos anos compilou os títulos

relativos à judeus e judaismo publicados em nosso país sendo a última edição datada de 1992. Antecedeu a

essa bibliografia a de Basseches, B., Bibliografia das Fontes de História dos Judeus no Brasil, Rio de Janeiro,

1961. Basseches começara o seu trabalho ainda em 1957, quando publicou em 19 de setembro daquele ano na

revista Aonde Vamos? o seu Achegas para uma bibliografia da História dos Judeus no Brasil.

144

Primeiro a se preocupar com a história mais recente ou moderna dos judeus no Brasil foi o historiador

Jacob Nachbin, que permaneceu até agora desconhecido devido ao fato de ter publicado seus trabalhos em

ídiche. Em seguida o trabalho de Loewenstamm, K., Vultos Judaicos no Brasil, Vol. II, Ed. Monte Scopus,

Rio de Janeiro, 1956, o de Lipiner, E., A Nova Imigração Judaica no Brasil, in Breve História dos Judeus no

Brasil, Ed. Biblos, Rio de Janeiro, 1962, e ultimamente o de Egon e Frieda Wolff, Judeus no Brasil Imperial,

Centro de Estudos Judaicos da USP, São Paulo, 1975, além de outros. Raizman, I., que havia publicado uma

História dos Israelitas no Brasil, São Paulo, 1937 , publicada antes em ídiche em 1935, dedicado ao período

colonial, extremamente pobre e pouco fundamentado, daria uma contribuição importante ao publicar o seu A

fertl yohrhundert ídische presse in Brazil (Um quarto de século de imprensa judaica no Brasil) ed. Muzeum

le-Omanut ha-Dfus, Safed, 1968. Também o seu livro Iidische sheferishkeit in portugalischen loschen

(Criatividade judaica em língua portuguesa), Safed, 1975, apresentaria um material interessante sobre a

imigração contemporânea referente a sua criatividade literária.

145

YWO (Idischer Wissenschaftlecher Institut) foi criado em Berlim em 1925, instalando-se em Vilna, na

Lituânia, onde desenvolveu uma atividade científica ímpar no ambito da cultura ídiche. Com a Segunda

Guerra Mundial, o instituto transferiu-se para os Estados Unidos, estando sediada em Nova York.

146

Trata-se do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, criado em dezembro de 1976.

59

O problema torna-se mais complexo quando constatamos que grande parte das

fontes necessárias ao historiador, além de raras e dispersas, encontram-se escritas em ídiche

e, às vezes, até mesmo em hebraico, quando não em outras línguas pouco estudadas entre

nós e que exigem um aprendizado especial por parte do historiador.

Desde já, devemos observar que a história recente ou moderna dos judeus no

Brasil nada tem em comum com o período colonial, pois os cristãos-novos, assim como os

judeus sob o domínio holandês com a restauração do poder português, a partir de 1654147

,

não deixaram comunidades organizadas que as novas ondas imigratórias, a partir de 1808,

pudessem receber e lhes dar continuidade. O fenômeno de criptojudaísmo continuou

existindo, sem dúvida, após o século XVII e se manifestou no século XVIII em nosso

território, como podemos constatar pelos processos inquisitoriais portugueses. Mas os

cristãos-novos, ou criptojudeus, não legaram absolutamente nada aos judeus que

começaram a vir a partir do século XIX, mesmo porque não teriam nenhuma possibilidade

histórica de fazê-lo. Daí encontrarmos um largo hiato histórico entre os dois períodos e

nenhuma ponte de contato entre eles, sob esse aspecto. Destarte, a hipótese de certos

historiadores, da reconversão de cristãos-novos por ocasião da Independência do domínio

português, ainda está por ser demonstrada e não encontra nenhum apoio em qualquer

documento da época ou posteriormente, limitando-se o fato à imaginação de seus

autores.148

Importante chamarmos a atenção que para o estudo da imigração

contemporânea e suas etapas de desenvolvimento, passa a ser muito útil ao pesquisador

brasileiro consultar o Arquivo do YWO em Nova York, o qual reúne fontes sobre o

judaísmo brasileiro, assim como o Arquivo Sionista (Archion-Ha-Tzioni) e o Arquivo para

a História do Povo Judeu (Archion le-Toldot Am Israel), ambos em Jerusalém.

Entretanto, se os arquivos mencionados acima tratam especificamente da

documentação judaica, nada impede ao pesquisador encontrar fontes muito úteis e

importantes em arquivos gerais, dependendo do problema que se quer pesquisar, e em

especial, quando se trata de questões que se referem à esfera das relações dos judeus com a

sociedade mais ampla ou com instituições não-judaicas. Assim, por exemplo, pode-se

encontrar muito mais fontes a respeito do anti-semitismo nos arquivos gerais do que

propriamente nos arquivos judaicos. É suficiente que lembremos o simples fato de que o

número de periódicos em Língua Portuguesa publicados desde o século passado e que

fazem referência aos judeus é incomparavelmente maior do que o de jornais judaicos

publicados no Brasil (em língua ídiche ou em português) a partir de 1915, ano em que foi

publicado o primeiro periódico judaico em Porto Alegre.149

A verdade é que esses jornais e

periódicos, até agora, não foram devidamente utilizados, ainda que constituam um

manancial inesgotável a ser explorado para o estudo da história dos judeus no Brasil. Os

jornais em ídiche da década de 20 e 30, assim como os de língua portuguesa, são raros ,

147

Sobre o período em questão vide Wiznitzer, A. – Os Judeus no Brasil Colonial, Liv. e Ed. Pioneira &

Universidade de São Paulo, 1966.

148

Entre eles, Cecil Roth, que na Standard Jewish Encyclopaedia, pp. 352-3, escreve que, “em 1822, com a

Proclamação da Independência do Brasil, alguns marranos se reconverteram para o judaísmo...”; não sabemos

em que se fundamenta para fazer tal afirmação.

149

Denominado “Di Menscheit” (A Humanidade).

60

pois ninguém se preocupou em colecioná-los. Vários fatores contribuíram para isso. Entre

eles, podemos mencionar a falta de preparo da comunidade judaico-brasileira,relativamente

nova e formada, em sua maioria, de imigrantes recém-chegados ao país, preocupados

essencialmente com seu sustento e sobrevivência centrada inicialmente na criação de

instituições de auxílio aos recém-chegados.150

Não havia ainda suficiente longitude

histórica para valorizar a documentação ligada à vida comunitária, o que explica a perda

irreparável de material histórico de incalculável importância.151

Um relato ilustrativo de causas que levaram à destruição de documentação foi

o que ouvimos de certo morador de Recife. Por ocasião da Segunda Guerra Mundial,

quando se pensava que as forças alemãs, vitoriosas no Norte da África, poderiam chegar ao

Norte do Brasil com muita facilidade, fez com que tal ameaça levasse a comunidade

judaica local a destruir todos os seus arquivos institucionais. Algo semelhante ocorreu

durante o governo de Getúlio Vargas, cuja posição xenófoba nesse período acarretou a

proibição da publicação de jornais em ídiche e criou certos receios quanto à manutenção de

documentação em língua estrangeira, o que levou, em parte, à destruição da mesma.152

Mas, outros fatores juntam-se ao que lembramos tais como a incúria de

secretários e diretores de instituições que jogaram fora material por ser apenas “papel

velho” e “ocupar espaço nos arquivos”, ou ainda calamidades inesperadas, tais como um

incêndio ou a interdição de prédios antigos que ao desabarem- como ocorreu no rio de

Janeiro- acabam soterrando arquivos institucionais comunitários, sem mencionar as perdas

resultantes de mudanças de sedes ou escritórios de entidades de um prédio para outro,

ocasião em que “não se perde tempo em transferir coisas sem valor”.

Resta saber ainda que, hoje em dia, uma nova ameaça à documentação em

língua ídiche advém do fato de que a nova geração nascida no Brasil não fala e nem lê a

língua de seus pais e avós e, portanto, em conseqüência de falecimentos, a tendência natural

é de se desfazer de coleções e bibliotecas particulares, que nem sempre são doadas a

instituições comunitárias para sua preservação. O mesmo pode ocorrer com os acervos de

certas entidades que encerraram suas atividades153

e não sabem o que fazer com seus

arquivos, pois o desenvolvimento sócio-econômico da comunidade fez com que

determinadas instituições se tornassem anacrônicas, acabando por desaparecer.154

150

Tais instituições foram criadas em São Paulo e no Rio de Janeiro e, em pequenas proporções, existiram em

outros núcleos comunitários judaicos no Brasil. Em São Paulo, em 1915, surgiu a Sociedade das Damas

Israelitas (OFIDAS) e, em 1916, a Ezra. No Rio de Janeiro, encontramos equivalentes aos mesmos propósitos

nas sociedades Relieff ou Hilfs Farein, que tiveram um papel primordial na ajuda aos imigrantes.

Infelizmente, até agora não se escreveu a história dessas instituições.

151

No Rio de Janeiro ocorreu o desabamento de um prédio onde se encontravam as sedes de várias entidades

da comunidade judia local, soterrando seus arquivos, que se perderam para sempre.

152

Em 18 de junho de 1939, o Ministério da Justiça baixou a portaria de n.º 2.277, exigindo que os jornais e

publicações em língua estrangeira publicassem sua matéria com a respectiva tradução em português, sendo

que, em 1941, ficou proibida a publicação de jornais em qualquer língua estrangeira.

153

É o caso dos “Landsmanschaften”, que congregavam os judeus oriundos de uma mesma cidade ou país.

Assim, tínhamos organizações de judeus da Bessarábia, da Polônia e outros lugares.

154

Como exemplo ilustrativo, podemos tomar a Cooperativa do Bom Retiro, em São Paulo, que foi criada em

1928.

61

Além dos arquivos gerais (federais, estaduais, municipais) e dos “acervos”

documentais comunitários (com as ressalvas feitas acima), devemos considerar a existência

de arquivos complementares importantes, tais como os da Polícia, da Alfândega, da

Imigração ou Registro de Estrangeiros e da Junta Comercial, cuja documentação mais

antiga se encontra no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Por outro lado, os tabeliões e

cartórios civis constituem muitas vezes uma excelente fonte ao estudioso, principalmente

em cidades pequenas, onde o acesso a eles e a localização dos documentos registrados é

fácil.

Ainda em relação a jornais e periódicos, devemos lembrar que até agora não se

fez uma relação completa dos que foram publicados no Brasil e a importante obra de Isaac

Raizman “A fertel Iohrbundert idische presse in Brazil” (Um Quarto de Século de

Imprensa Judaica no Brasil) abrange apenas o período de 1915 a 1940, além de ser muito

incompleta, principalmente em relação aos jornais que foram publicados em português.

Seja como for, é a única no gênero relativa à imprensa judaica e serve de guia a quem

queira trabalhar com essas fontes.

O jornal judaico é rico em informações de toda ordem, pois espelha a vida da

comunidade sob todos os aspectos. Anúncios comerciais e profissionais, acontecimentos

sociais (noivados, casamentos, nascimentos, bar-mitzvot, aniversários), relatórios das

instituições comunitárias, eventos políticos, são normalmente noticiados, e não poucas

vezes encontramos elementos para a história de pequenas comunidades espalhadas pelo

interior do país, bem como para a história das comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro,

Porto Alegre, Curitiba ou Recife. Além dos periódicos impressos ou autônomos, existiram

informativos vinculados a certas instituições, muitas vezes manuscritos ou mimeografados,

os quais servem de excelente material para o estudo de determinada entidade comunitária

pois ali encontramos particulares relativos às finanças, atividades culturais, comemorações

e personalidades centrais da instituição, seja ela uma sociedade beneficente, escola ou outra

instituição qualquer. Números comemorativos especiais foram publicados e constituem

pequenas histórias institucionais que, com o devido cuidado na seleção dos mesmos, podem

ajudar em muito aos pesquisadores e estudiosos. Ademais, podemos encontrar em jornais

de circulação nacional das décadas passadas, uma coluna ou seção dedicada à comunidade

israelita, como a do “Correio da Manhã” e outros.

No fundo, o método de pesquisa histórica tradicional obriga o historiador a

recorrer a essas fontes documentais que se encontram, por assim dizer, nos arquivos

convencionais acima citados. Mas, para o caso do estudo da história dos judeus, não é

suficiente percorrer os caminhos convencionais: por vezes, é necessário trilhar outros e até

mesmo improvisá-los, de certa forma. É o caso do método da entrevista gravada, adotado

na história oral, o qual penetrou pouco a pouco na metodologia da história contemporânea,

alcançando um nível elevado de desenvolvimento e sofisticação teórico-analítica para se

defrontar com os múltiplos e complexos aspectos da modernidade e da sociedade

contemporânea e seus eventos. Apesar das ressalvas que devem ser feitas e do cuidado

necessário na seleção dos dados resultantes de uma entrevista oral, em certos casos ela nos

fornece um material precioso e mesmo inédito, o qual, na medida em que for possível, deve

ser checado com a documentação existente ou outro tipo de fonte, vinculada direta ou

indiretamente com o assunto da pesquisa.

62

Ultimamente tem-se feito o levantamento dos cemitérios judeus espalhados no

Brasil, além das sepulturas de israelitas em cemitérios cristãos. Sabemos que a lápide

(“matzeivá”, em hebraico) contém dados informativos importantes sobre o indivíduo,

incluindo lugar de origem (país, cidade) e lugar de falecimento, e algumas vezes até a

profissão do falecido155

, dados importantes para quem estuda a imigração judaica, sua

trajetória e seu estabelecimento em nosso território. A própria forma da lápide permite

diferenciar os judeus por sua origem sefaradita ou asquenazita156

, assim como seus

símbolos distinguem um cohanita de um levita, supostamente descendentes da classe

sacerdotal e dos servidores do Templo de Jerusalém etc. Os dados contidos na lápide

ultrapassam muitas vezes o limite de uma informação individual, pois ela, freqüentemente,

serve para determinar ou confirmar um fenômeno coletivo ou global. Normalmente, no

Brasil, seja em cemitérios israelitas, seja em sepulturas em cemitérios cristãos, as lápides

contêm inscrições em hebraico e em português, não se restringindo somente a essas duas

línguas, pois as há também em ídiche ou, em francês157

, alemão158

e ladino.159

Daí a

necessidade do conhecimento do hebraico para quem trabalha no campo, ainda que seja

possível fazer um trabalho parcial apenas com o conhecimento do português e das línguas

europeias. Certas fórmulas tradicionais são usadas nas inscrições em hebraico, bem como

certas abreviaturas que vêm no final das inscrições das lápides. O estudo da fixação dos

judeus no interior de São Paulo e de outros Estados, em cidades onde não tinham

cemitérios, é facilitado pelo fato da lápide indicar o lugar de falecimento

independentemente do lugar em que se é sepultado. Como nas cidades interioranas não

havia cemitérios judeus, a não ser nas mais importantes,160

os judeus foram enterrados, em

sua maioria, nos cemitérios das capitais.

Apesar de tudo, quando pesquisamos, temos que contar com surpresas

inesperadas em “coleções” de papéis particulares, sobretudo naquelas pertencentes a

personalidades que tiveram um papel destacado na vida comunitária e nas suas instituições,

e que por esse mesmo motivo procuraram guardar documentos relativos à sua atuação e à

função que exerceram. É o caso de presidentes de sociedades, escritores ou rabinos, que

podem possuir documentos de valor histórico que ultrapassam os limites do judaísmo local.

155

A identificação torna-se possível pelos símbolos adotados para denotar a profissão do falecido, os quais

vêm esculpidos na própria lápide.

156

Os sefaraditas usam comumente a lápide horizontal e os asquenazitas a lápide vertical. O símbolo do

“cohen” (judeu da antiga linhagem sacerdotal) é o das mãos explanadas postas lado a lado, e o do levita

(descendente da tribo de Levi) é o jarro d’água.

157

As lápides dos judeus da imigração alsaciana têm inscrições em Francês, além do Hebraico.

158

As lápides dos judeus emigrados dos países da Europa Central costumam ter inscrições em língua alemã.

159

. O ladino é usado nas inscrições dos judeus sefaraditas, tais como os oriundos da África do Norte, como se

pode verificar nas lápides dos cemitérios judeus de Belém do Pará ou de Manaus, no Amazonas, onde essa

corrente imigratória se concentrou a partir do século XIX.

160

A guisa de exemplo temos as cidades de Franca e Campinas, no Estado de São Paulo, que podiam

construir e manter um cemitério judeu devido ao número de membros da comunidade judia local, além de

serem comunidades antigas.

63

Um exemplo ilustrativo do que estamos afirmando é a correspondência do Prof.David José

Perez, que se destacou como intelectual de projeção e respeitado na sociedade mais ampla .

Foi durante muitos anos um verdadeiro guia espiritual do judaismo brasileiro.161

Há casos

em que personalidades importantes tiveram o bom hábito de escrever suas memórias, nas

quais revelam sua atividade pública e comunitária. Ainda que o material registrado nas

memórias tende a dar uma visão excessivamente subjetiva dos acontecimentos, temos, por

outro lado, uma descrição de detalhes e ações que retratam a atmosfera particular que os

envolve, a qual os documentos oficiais não apresentam devido ao sua própria natureza. Isso

se verifica quando lemos o livro de memórias do Rabino-Mor do Rio de Janeiro na década

de 20 e 30, Isaías Raffalovitch, que marcou um capítulo importante na vida comunitária

judaico-brasileira daquele tempo162

, ou ainda os apontamentos das memórias de Jacob

Schneider, que fundou várias instituições comunitárias no Rio de Janeiro.163

No campo da

história cultural, certos livros de memórias organizados e publicados com uma intenção

didática em base da vivência particular de um ator ou de um teatrólogo, constituem

verdadeiros depoimentos sobre a vida cultural de determinadas instituições comunitárias e

dos judeus no Brasil. Um exemplo nesse sentido constitui a obra do ator e teatrólogo judeu

que viveu durante certo tempo no Recife e Rio de Janeiro, o notável Zygmunt Turkow.164

Do mesmo modo que reconhecemos a importância dos diários ou livros de viagens para o

conhecimento da história do Brasil, desde o período colonial, também na história dos

judeus temos uma importante literatura desse gênero, que possui, às vezes, um caráter não

somente descritivo, mas se detém em análises e avaliações de situações particulares e de

retratos psicológicos de personalidades importantes, registrando com cores variadas

homens e coisas. Boa parte desses viajantes são intelectuais, escritores ou literatos,

jornalistas e homens públicos do Velho Continente ou da América do Norte e outros

lugares, por vezes convidados e recebidos pelas comunidades e se detêm, durante certo

tempo, como hóspedes, para uma programação de caráter cultural ou de outra natureza

qualquer.

Esses viajantes, que lembram o incansável itinerante Benjamin de Tudela do

século XII, são excelentes observadores, que tomam conhecimento das coisas através do

contato direto com as questões e a vida dos judeus nos lugares que visitam, caracterizando

e comparando seus costumes e tradições locais sob uma visão de mundo , que transcende o

olhar limitado da própria comunidade. Essas impressões de viagens publicadas em forma

de livros ou artigos de imprensa em seus respectivos países, constitui material informativo

importante. Se fizermos um levantamento das personalidades que passaram por aqui, desde

os primeiros anos do século XX, ficaremos surpresos pelo número de jornalistas, artistas,

atores e diretores de teatro, poetas e escritores, cientistas, ativistas e diretores de entidades

internacionais, pensadores e representantes de correntes políticas de renome no mundo

161

O Prof. David José Perez, nascido no Brasil, era descendente de uma família de imigrantes de Tanger na

África do Norte 162

O livro de memórias do rabino I. Raffalovitch foi publicado em hebraico com o título “Tzíunim ve

Tamrurim” (Pontos e Sinais), em 1952, Tel-Aviv, Israel. 163

Jacob Schneider imigrou em 1903, e se destacou na criação de instituições importantes na comunidade do

Rio de Janeiro tendo desempenhado um papel primordial na organização do movimento sionista no Brasil.

164

Zygmunt Turkow, dedica sua obra “Schmusen vegn Theater” (Conversações sobre teatro), Ed. Unzer

Buch, B. Aires, 1950, ao grupo teatral com o qual conviveu no Brasil.

64

judaico, que de uma forma ou outra deixaram suas marcas na memória coletiva das

comunidades que visitaram, seja através de conferências ou outro modo de participação na

vida social e cultural local. A propósito, e em relação à história cultural, boa parte dos seus

rastros poderá ser seguida através das circulares, volantes e cartazes que divulgavam a

atividade de grupos teatrais e atores, conferencistas e músicos vindos de todas as partes do

mundo. Hoje, essa documentação é rara, pois poucos se preocuparam em colecioná-la;

contudo, ainda podemos encontrá-lo sob a forma de anúncios no jornais israelitas,

acompanhados freqüentemente de fotos dos atores, conferencistas ou músicos.

A partir da década de 20 surgiu uma literatura em língua ídiche que tinha como

tema central o encontro do imigrante com a terra brasileira e os conflitos individuais

decorrentes do processo de aculturação a uma nova sociedade. A bela natureza tropical, o

sol intenso e abrasador, a cidade grande, as cores e a multiplicidade de tipos humanos

foram motivo de deslumbramento do imigrante europeu, e ele expressou, em poesia e prosa

seus sentimentos e impressões na língua que lhe era familiar. Esse novo mundo que lhe

parecia encantado em comparação com seu lugar de origem o fazia esquecer as lembranças

amargas relativas à sua condição judaica daqueles países nos quais o anti-semitismo era

presente no seu cotidiano. Mas, a mesma literatura revela profunda solidão e o

desarraigamento do recém-chegado, assim como os esforços sobre-humanos para superar a

nostalgia motivada pela saudade do lar e dos familiares, pela quebra dos padrões

tradicionais e a incorporação de novos, a árdua luta pela sobrevivência em terra estranha, e

assim por diante.165

Assim sendo, apesar de se tratar de pura literatura ou ficção, ela não

deixa de ser uma fonte histórica que ajuda o pesquisador a desenhar contornos mais

precisos em relação a certos aspectos da vida do imigrante. Tal literatura não foi reunida e

nem sequer foi seriamente estudada pelo ângulo que apresentamos acima.166

A existência do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro fez com que indivíduos e

instituições começassem a fazer doações; amiúde, em decorrência da iniciativa da equipe

responsável, foram localizados acervos importantes para a história dos judeus no Brasil,

entre os quais encontramos apenas a título de ilustração, os seguintes:

a) coleção de documentos relativos a Jewish Colonization Association

(J.C.A.), que constituiu o arquivo dessa instituição no Brasil, tendo sido

doado ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro por resolução oficial da

central da organização em Londres. Os primeiros documentos datam de

1904.

b) coleção da Cooperativa Israelita do Bom Retiro, que reúne livros dos

sócios desde 1928 até sua extinção; livros de protocolos, fichas de

sócios, livros de contabilidade, etc.

165

O primeiro autor que publicou um livro sobre essa temática foi Aldolfo Kichinovski, cuja obra “Naie

Heimen” (Novos Lares) saiu a lume em 1932, no Rio de Janeiro. 166

A primeira coletânea, ainda que incompleta, foi reunida e publicada em 1956 com o título

de “Unzer Beitrag” (Nossa contribuição), no Rio de Janeiro. Em 1973, foi publicada na Argentina uma nova

coletânea sob o título “Brasilianisch” (Brasileiro), como parte da grande coleção de literatura ídiche no

mundo e na América Latina que vinha sendo editada pelo Ateneu Literário do Instituto Científico Judaico, em

Buenos Aires, sob a responsabilidade do falecido Samuel Rollansky. Mais recentemente Jacó Guinsburg, em

sua obra “Aventuras de uma língua errante”, ed. Perspectiva, São Paulo, 1996, publicou uma listagem da

produção literária em língua ídiche no Brasil cedida por mim ao seu autor. A minha intenção na coleta desse

material foi a de reunir tudo o que se produziu no âmbito da literatura do imigrante de língua ídiche em nosso

país.

65

c) coleção de documentos de escolas israelitas de Santos e Sorocaba, bem

como da Escola Luís Fleitlich e da Escola Theodor Herzl, ambas de São

Paulo.

d) coleção de documentos da Associação dos Israelitas Poloneses de São

Paulo.

e) coleção de documentos OFIDAS-Ezra, sociedades de beneficência dos

israelitas de São Paulo.

f) coleções particulares: Dr. Alfredo Hirschberg167

; Meyer Kucinski168

e

outras menores.

Além do mais, o Arquivo possui coleções de jornais e periódicos publicados

em língua ídiche e português, entre eles a revista “Aonde Vamos?”, que começou a ser

editada em 1943, no Rio de Janeiro e constitui uma fonte preciosa para o estudo da

comunidade judaica no Brasil.

A documentação do Arquivo, que com o passar do tempo enriqueceu-se com

um número considerável de fundos provenientes de outros Estados, estimulou a pesquisa da

história mais recente dos judeus em nosso território, e atualmente estão sendo elaboradas

teses sobre as diversas ondas imigratórias, a começar da marroquina ou norte-africana no

Pará e no Amazonas, e a imigração alsaciana no século passado. No entanto, resta ainda

muito a fazer nessa área de estudo e, à guisa de sugestão para futuros trabalhos e pesquisas,

antes de finalizar, aproveitamos a oportunidade para propor alguns temas que devem

merecer a atenção dos nossos estudiosos e historiadores para trabalhos ou monografias:

1) a história da imprensa judaica no Brasil, podendo ser estudada em separado a de

língua portuguesa e a em ídiche.

2) A história dos “landsmanschaften” (associações de imigrantes oriundos de um

mesmo lugar, cidade ou país). Tal pesquisa pode ser feita em separado nas diversas

cidades ou comunidades brasileiras.

3) história das sociedades de beneficência social e de ajuda aos imigrantes.

4) A história das comunidades israelitas interioranas, de cidades grandes e pequenas

nos vários estados.

5) israelitas e sua contribuição nos vários aspectos da vida brasileira (econômico,

científico, artístico-cultural, etc).

Parte dessas sugestões já foram aceitas e encaminhadas como projetos pessoais de pesquisa

de parte de estudantes interessados em desenvolver teses acadêmicas sobre tais temas.

167

Dr. Alfredo Hirschberg foi um destacado intelectual e ativista dos mais importantes da comunidade

israelita de São Paulo. Durante muitos anos foi editor da Crônica Israelita e participou na criação do Centro de

Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo.

168

Meyer Kucinski foi considerado um dos escritores mais representativos da língua ídiche no Brasil, e uma

de suas obras, “Zishe Breitbart” foi premiada nos Estados Unidos. Dirigiu, durante muitos anos, a seção

brasileira da YWO em São Paulo e reuniu ao redor de si um grupo de idichistas que contribuíram para a

difusão da cultura judaica européia em nosso solo.

66

8. O Marquês de Pombal e a Inquisição

Há 200 anos, Sebastião José de Carvalho e Melo, mais conhecido como

Marquês de Pombal, morria dramaticamente, após exercer cerca de duas décadas e meia de

verdadeiro poder absoluto, durante o reinado de d. José I, Rei de Portugal. Seu nome está

ligado à história dos judeus da Península Ibérica por ter dado “o golpe de misericórdia” na

ação da Inquisição portuguesa, eliminando as barreiras que diferenciavam socialmente

cristãos-velhos dos cristãos-novos.

A Inquisição, apesar de ter sido estabelecida pela Monarquia portuguesa

visando fins políticos atinentes aos interesses do Estado, nem sempre esteve em inteira

harmonia com ele, chegando mesmo a chocar-se com a instituição temporal. Desse modo,

podemos compreender a ação do Marquês de Pombal ao afirmar a soberania e a

subordinação do poder espiritual à Monarquia, procurando fortalecer o poder absoluto da

realeza. O Marquês já havia demolido, com esse fito, a Companhia de Jesus, e agora

voltava-se para a instituição inquisitorial, que voava com asas bem abertas sobre o Império

Português sem que nada a detivesse em suas arbitrariedades e desmandos.

Antes de Pombal, vozes importantes haviam levantado a questão, e muito antes

do vigoroso estadista , a veemência do Padre Antônio Vieira voltou-se contra a Inquisição e

seu obscurantismo que prejudicava os interesse da Monarquia, desprestigiando-a perante as

nações esclarecidas do continente europeu. Vieira não foi o único nem seria o último, pois a

Europa do século XVIII começava a olhar para o seu passado medieval e suas instituições

com uma demolidora visão crítica. Tal atitude era fruto do racionalismo que despertava e

não perdoava a existência de um Santo Ofício, castradora de mentes e fechada a novas

concepções e idéias.

A imprensa que se difundia como veículo primordial de comunicação, como

bem lembra Lúcio de Azevedo,169

passava a ser a inimiga terrível da Inquisição e dos

inquisidores. A divulgação dos execráveis espetáculos dos autos-de-fé e das perseguições

“religiosas” chocava profundamente a maioria das nações do continente, que procuravam se

apresentar como abertas ao Iluminismo, que despontara na sociedade européia. As

descrições sobre as perseguições foram cada vez mais sendo difundidas entre as nações e

as comunidades judaicas da Europa, e, em particular, na Holanda, Itália e Inglaterra onde

várias publicações saíram à luz relatando o que se passava na Península Ibérica . Na

Inglaterra divulgou-se, em 1722, a obra do judeu italiano David Neto, intitulada “Notícias

Recônditas e Póstumas do Procedimento das Inquisições de Espanha e Portugal com Seus

Presos”.170

Mas não somente autores judeus se ocuparam em difundir e criticar a nefasta

ação da instituição. Pensadores como Montesquieu,171

Voltaire172

e outros não a pouparam,

pois sua existência feria os ideais que tanto pregavam. A presença do Santo Ofício na

169

Azevedo, J. Lúcio, “História dos Cristãos Novos Portugueses”, Lisboa, 1975, p. 346.

170

Veja-se sobre ele em Kayserling, M., Biblioteca Española-Portugueza-Judaica, New York, 1971, pp. 98-

100.

171

No “Espírito das Leis”.

172

No “Cândido”.

67

Península Ibérica contrastava com as aspirações espirituais que surgiam no Velho

Continente.

POLÍTICA DEMOLIDORA

Contudo, não queremos crer que o duro e inflexível estadista tenha se guiado

por essas razões para dar início a sua política demolidora em relação ao Santo Ofício.

Razões outras o moveram a tal atitude, e, acima de tudo, as de ordem utilitária. É sabido

que sua posição perante a Inquisição era, em parte, de reconhecimento pelos serviços

prestados à religião, pois ele mesmo foi familiar do Santo Ofício, além de católico imbuído

de profunda religiosidade. Em edital da Mesa Sensória, de 12 de dezembro de 1769,

portanto, no período de sua administração, lêem-se palavras de elogio ao papel

desempenhado pela instituição inquisitorial: “Não havendo, entre todos os estabelecimentos

humanos, estabelecimento algum que tanto possa contribuir, e tenha efetivamente

contribuído, para defender e conservar ilibado, em toda a sua pureza, o sagrado depósito da

Fé e da Moral, que Cristo Nosso Redentor confiou a sua Igreja (...) É notório que os

apóstatas, e os demais réus de crimes capitais, em nenhum país são tratados com igual

benignidade depois de convencidos (...)”.173

O estudo da administração pombalina permite confirmar o quanto o marquês

soube usar a Inquisição em benefício de sua política e a do Estado. O caso mais ilustrativo é

o da luta que encetou contra a Companhia de Jesus, até que pôde levá-la à extinção em todo

o reino português, e que, na verdade, decorria do fato de os filhos de Ignácio de Loyola

constituírem um obstáculo a sua ação de estadista. Senão, vejamos o que ocorreu.

Em 1750, foi assinado o Tratado de Madrid entre Portugal e Espanha, no qual

se estabelecia a divisão política dos territórios descobertos e colonizados por ambos os

reinos. Pombal passou, de imediato, à execução de uma política para cumprir as cláusulas

do tratado e assegurar os interesses portugueses decorrentes do mesmo, e que, no julgar do

estadista, eram favorecidos pelo acordo. Nesse sentido, ele havia designado duas comissões

portuguesas para a demarcação das fronteiras, ficando a do Sul a cargo de Gomes Freire de

Andrade, futuro marquês de Bobadela, e a do Norte entregue a seu irmão, Francisco Xavier

de Mendonça Furtado, que tinha sido nomeado capitão-general do Grão-Pará. As instruções

recebidas por Mendonça Furtado incluíam dispositivos tendentes a assegurar a liberdade

absoluta dos índios e limitação do poder temporal dos missionários.

Essa orientação, de todo modo, deveria permanecer secreta, incluindo, também,

idêntica política em relação ao governo do Maranhão, que na época já se encontrava

subordinado ao governador-geral do Grão-Pará. Formou-se, com esse fim, a Companhia de

Comércio do Grão-Pará e Maranhão, legalizada por decreto de 6 de junho de 1755, sendo

que a política pombalina em relação ao Norte do Brasil se concentrou em três aspectos

principais: 1.º) Atuação da Companhia; 2.º) Secularização da Administração dos Índios;

3.º) Liberdade dos Silvícolas.1746

Uma vez estabelecida a Companhia de Comércio, foi lhe atribuído o monopólio

da navegação, do comércio exterior e do tráfico de escravos no Pará e no Maranhão, e, em

seguida, tomaram-se as providências para se fazer um levantamento das atividades

173

apud Lúcio de Azevedo, op. cit., p. 347. 174

Simonsen, Roberto C., “História Econômica do Brasil (1500-1820)”, São Paulo, 1967, pp. 333-341.

68

missionárias naquela região. Já em 1757, colocava-se em execução a política de liberdade

dos indígenas e a eliminação do poder temporal dos missionários que reagiram contra a

orientação impressa pelo marquês. Pombal não era homem de se intimidar diante de tais

obstáculos, e com seu reconhecido gênio truculento, começou a passar a corda ao redor do

pescoço dos jesuítas, a começar pela supressão de suas côngruas da Fazenda Real, em

1758, e o início de sua expulsão dos territórios das missões, a partir de novembro de 1759,

quando foram embarcados ao reino dez jesuítas e seis missionários de outras ordens

religiosas, exilados por terem infringido as ordens do governador. A dureza de seu caráter

revelou-se no seu castigo imposto às vítimas, pois foram encerradas, durante dezoito anos,

até sua libertação, em 1777, quando ascendeu ao trono de Portugal d. Maria I. O Papa

Benedito XIV deu apoio a Pombal, e em abril de 1758, sob influência das circunstâncias,

expediu breve comunicado, reformando a ordem e indicando o Cardeal Saldanha como

reformador em Portugal. Este, por seu lado, não relutou em executar, com fidelidade, a

orientação que recebera de Roma.

O CASO MALAGRIDA

Sistematicamente, desmantelava-se a Ordem jesuítica e não se escolhiam os

meios para tanto, e, mesmo quando necessário, o futuro cerceador da atividade inquisitorial

se utilizava do Santo Ofício ao lhe denunciar o obstinado jesuíta Malagrida, em 1760. No

fundo, quando se tratava da supremacia do poder real frente ao poder eclesiástico, velha

disputa que remontava aos primórdios da Idade Média cristã, o marquês não deixava

margem a dúvidas.

No mesmo ano do affaire Malagrida, ou seja, em 1760, uma nau da Companhia

do Comércio, “Nossa Senhora de Arrábida”, levaria a Portugal 126 jesuítas que ainda se

encontravam no Maranhão, e eram colocados em vários cárceres, logo que aportaram em

Lisboa. Não foi essa única nau que trouxe os jesuítas como prisioneiros, pois em todas as

colônias marítimas portuguesas os inacianos foram perseguidos e sofreram as

conseqüências da determinação ferrenha do ministro do rei D. José.175

Mas o climax da destruição da Companhia de Jesus – e o marquês desejava,

politicamente, criar um símbolo – se atingiu no processo aberto contra o jesuíta Gabriel

Malagrida. Homem chegado à Corte e possuidor de grande prestígio popular devido ao fato

de ser considerado vidente e fazedor de milagres, além de se mostrar como religioso de

ascetismo extremado, Malagrida seria o alvo ideal para os propósitos políticos do marquês

de Pombal. O processo movido contra o jesuíta, no fundo, derivava do ódio pessoal do

marquês contra aquele que, durante o terremoto de Lisboa, em 1755, pregara ao povo e

escrevera num opúsculo, “O Juízo da Verdadeira Causa do Terremoto”, que era um castigo

pelos pecados humanos, e, portanto, feria frontalmente o desejo de extirpar as superstições

e o obscurantismo que, no pensar do ministro era um dos grandes males de Portugal. E o

despotismo esclarecido do ministro estava disposto a empregar todos os meios para

eliminar a influência clerical no reino, ponto importante de seus projetos de reforma, como

podemos constatar em toda a extensão de sua política administrativa, no que tange à

educação e ao sistema de ensino de Portugal, campo no qual o ministro provocou

175

Cheke, Marcus, “O Ditador de Portugal – Marquês de Pombal”, Lisboa, 1946, p. 166.

69

modificações profundas, a ponto de se poder dizer que, sob esse aspecto, ele iniciou nova

etapa da vida da nação portuguesa.176

O processo de Malagrida, que se deu após seu aprisionamento, juntamente com

os demais jesuítas, e que se fundamentou juridicamente numa correspondência apreendida e

bastante comprometedora incluindo-se um escrito de exaltação mística, elaborado pelo

“santo” durante o período em que ficou confinado e cujo título era “Vida de Santa Ana”, foi

levado adiante, nada mais nada menos do que pelo Santo Ofício, ou seja, por uma

instituição da própria Igreja, que deveria condená-lo não somente como criminoso, mas

como herege. Por outro lado, como em todos os cargos estatais importantes, também nos

cargos eclesiásticos o marquês tratara de impor seus parentes e achegados, para assegurar

seu domínio absoluto, e, portanto, à testa da Inquisição encontrava-se seu irmão, Paulo de

Carvalho, assegurando, desse modo, a condenação do jesuíta Malagrida. Essa política anti-

jesuítica não cessou e, em 29 de março de 1765, como nos refere Baião: “Houve um

momento em que, de parceria com o sábio d. Francisco Manuel do Cenáculo, fizeram (o

marquês de Pombal e o citado) uma denúncia ao Santo Ofício”. O caso parece ter sido

pouco importante, pois, segundo nosso autor, não teve seguimento, “bem ao contrário do

papel tristemente feroz que havia assumido, em 1760, quando, rancorosamente, denunciou

o célebre jesuíta Malagrida, onde, porém, foi figura primordial e nos aparece com aquela

energia indomável, tanto de seu feitio”.177

A ironia histórica está no fato de que a Inquisição era manipulada pelo ministro

do rei de Portugal para condenar um jesuíta considerado herético, quando, na verdade, era

filho fidelíssimo da Igreja. Por outro lado, é sabido que a política pombalina em relação aos

jesuítas culminaria numa desagregação das missões religiosas e de seu trabalho secular

exercido com os indígenas no Brasil, assim como em outros lugares, pois ficariam expostos

às ambições dos colonizadores e sem a devida proteção social que a organização dos

inacianos assegurava, em seu trabalho de catequese. E o próprio papa Clemente XIV, pelo

breve de 1773, aboliria temporariamente a Ordem.

REFORMAS LIBERAIS

Após a eliminação de seus oponentes políticos dentre a nobreza, que levou à

cruel execução dos Távoras e os que eram relacionados a eles, bem como à expulsão dos

jesuítas do Império Português, Pombal passaria a executar uma série de reformas liberais,

que o levariam a alterar o poder da Inquisição. Entre essas reformas encontra-se a

decretação de que os escravos que entrassem em Portugal ou em território português

ficariam livres, incluindo, entre eles, os filhos de escravos que viviam então em solo

lusitano. Na mesma linha política, proibiu o casamento entre as famílias fidalgas

portuguesas, que se autodenominavam “puritanas” e que tinham por hábito casarem-se

entre si. Também preocupou-se em alterar a dolorosa situação social das viúvas, proibindo-

as de se enclausurar devido à morte dos maridos, uma vez que a sociedade portuguesa as

via de maneira preconceituosa.

176

A coletânea sob o título “Documentos da Reforma Pombalina”, publicada por M. Lopes d’Almeida, vol. I

(1772-1782), Coimbra, 1937, revela em detalhes a política de reforma educacional inspirada por Pombal. 177

Baião, A., “Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa”, vol. 3, Várias, Lisboa, 1938, pp. 7-39.

70

Para a consecução de seus objetivos políticos em relação ao Santo Ofício, ele

criaria, em 1768, a Real Mesa Censória, que passaria a ser um tribunal secular, com plenos

poderes para autorizar e proibir a circulação de livros importados ou escritos em Portugal,

substituindo, assim, a censura outrora desempenhada pela Inquisição. Mesmo assim,

Pombal nem sempre foi coerente, ou melhor, inteiramente liberal em relação ao arejamento

intelectual a que se propunha, pois, se de um lado a Mesa Censória autorizou muitas obras

que se encontravam no “Index Expurgatorum” e se permitiu a leitura de Voltaire, e dos

Enciclopedistas, introduzindo-se, assim, o criticismo às instituições tradicionais, tão

corrente na época, por outro lado deparava-se com leis como a de 12 de dezembro de 1769,

em que se proibia a leitura de Bayle, Rousseau e La Metrie, “por serem iníquos e capazes

de seduzir e corromper não só a mocidade, mas os espíritos fracos e superficiais, inclinados

à novidade”.178

Mas não resta a menor dúvida de que a ele se deve a introdução de uma

literatura nova, e, por conseguinte, as novas concepções que abririam as portas do

Iluminismo a Portugal, até então estagnado culturalmente e socialmente orientado por um

espírito onde se associavam fanatismo, preconceito e modorra intelectual.

Em relação as cristãos-novos, seu primeiro passo – o de eliminar as diferenças

estabelecidas entre os conversos e seus descendentes e as consideradas famílias “puras” –

foi decisivo. Era, na verdade, acertar a luta contra o preconceito contra aqueles que

carregavam a pecha de suspeitos, mesmo que batizados há várias gerações, por terem

algum antepassado condenado pelos tribunais inquisitoriais. E num país, como diz o

escritor Latino Coelho em sua biografia sobre o marquês de Pombal, “onde, segundo

insuspeitas autoridades, entre elas Alexandre de Gusmão, a grande maioria dos habitantes

descendia de judeus, sem excetuar a própria dinastia de Bragança, a injuriosa distinção

entre os cristãos de raça pura e os de raça infecta era, nas mãos do obscuro fanatismo ou da

malquerença pessoal, um terrível instrumento de afronta e de vingança, como na época do

terror revolucionário, um meio funestíssimo de macular pessoas inofensivas e respeitáveis

com a tacha de suspeitas e indicadas à pública animadversão. Contra este abuso

escandaloso, arremate resoluto o legislador”179

. Assim, o alvará de 2 de maio de 1762

começará abolindo os róis das fintas dos cristãos-novos, que obrigavam aos descendentes

dos conversos a pagar tributos e donativos especiais e particulares, que não eram imputados

aos assim chamados cristãos-velhos. E, muitas vezes, não havia nenhum fundamento para

certas famílias estarem incluídas nas listas das fintas, uma vez que eram acusadas por

maledicência de falsários e denunciantes, assim como por aqueles que tinham o interesse de

diminuir a própria contribuição pela maior derrama de dinheiro e, ao mesmo tempo,

satisfazer seu maus sentimentos, aumentando o número dos que deviam carregar o signo

infamante de cristãos-novos. Em 1768, Pombal ordenou a destruição das cópias das

relações das fintas, apagando, desse modo, os vestígios formais que pesavam sobre pessoas

e famílias inteiras dos conversos, que viviam carregando uma velha e dolorosa mácula. O

zelo do legislador foi a tanto que ordenou submeter a exame os livros de genealogias e se

eliminarem deles “as notas de que resultasse dano ao crédito das famílias nobres”.180

Era

uma forma de atacar as famílias “puritanas”, que evitavam toda e qualquer mescla com

outras que, aos seus olhos, eram consideradas impuras. Sabemos que o marquês impôs, por

178

Cheke, op. cit., p. 229. 179

Latino Coelho, J. M. “O Marquês de Pombal”, Lisboa, 1905, p. 244. 180

Lúcio de Azevedo, op. cit., p. 350.

71

decreto, sua miscigenação, no prazo de quatro meses, de modo que os filhos núbeis das

mesmas fossem obrigados a contrair casamento com aquelas que, até então, eram

excluídas.181

Na carta de lei de 25 de maio de 1773 ele historia a existente distinção entre

cristãos-velhos e cristãos-novos, dizendo que tal diferenciação foi introduzida em Portugal

pelos jesuítas – seu eterno “bode expiatório” – e com a finalidade de excluir do trono

português o pior do Crato, que diziam ser descendentes de judeus. Lembra bem o legislador

que os judeus foram protegidos e receberam favores dos reis de Portugal, desde os séculos

medievais, mencionando os nomes de judeus que privaram como conselheiros, tesoureiros

e médicos das Cortes de d. Fernando e d. João I. Lembra, também, que d. Manuel, que tanto

perseguiu os judeus e os forçou a se batizarem, em março de 1507 ordenou que os recém-

convertidos à fé católica fossem considerados, em tudo, cristãos-velhos, sem que sofressem

qualquer discriminação. Da mesma forma, o rei d. João III, que introduzira a Inquisição em

Portugal, também confirmou, pela lei de 16 de dezembro de 1524, as prescrições de seu

antecessor. E, após apologizar os judeus que continuam até hoje em sua fé, Pombal ordenou

que as leis de d. Manuel e d. João III continuassem vigorando, enquanto que as posteriores

fossem consideradas anuladas. Penas graves seriam impostas àqueles ousassem apodar as

pessoas de origem judaica com qualquer designação depreciativa ou renovar a ofensiva

distinção. Aos clérigos que não obedecessem à nova regulamentação, seria imposto o

castigo do extermínio ou exílio fora do reino; aos nobres, a perda dos ofícios e bens da

coroa e das ordens militares; e aos peões contraventores seriam impingidas as penas do

açoite e do degredo perpétuo para Angola.

RETOMADA DE DIREITOS

Já no ano seguinte, em 1774, Pombal cuidava de dar maior amplitude à lei que

abolia a diferenciação entre cristãos-velhos e os cristãos-novos, eliminando-se a infâmia

com que eram atingidos os que apostatavam, pois, pela nova lei, uma vez confessado o

delito, eles podiam se reconciliar no Santo Ofício e se tornavam capazes de exercer toda e

qualquer dignidade ou ofício, sem falar de seus descendentes. O novo Regimento da

Inquisição, aprovado pelo alvará de 1º de setembro de 1774, foi redigido e englobava as

novas disposições, sendo decretado em nome do Inquisidor Geral e Regedor das Justiças,

Cardeal da Cunha, arcebispo de Évora, sucessor do irmão do marquês de Pombal.

Novamente, na introdução do Regimento se acentua o papel maléfico e deturpador que os

jesuítas tiveram em relação ao Tribunal do Santo Ofício, “pois parece-nos impossível que

os Regimentos e disposições fundamentais, que tinham dado as normas para o Governo do

Santo Ofício, se conservassem na sua primitiva pureza, sem que deixassem de se

181

Pelo que nos informa o historiador Latino Coelho, op. cit., p. 247, “tinham os fidalgos, na igreja paroquial

de Santa Engracia, uma confraria do Santíssimo em que, segundo o compromisso e o costume, somente podia

ser admitido cristão-velho, sem nunca se entender o contrário... Assim era que poucas famílias da mais

soberba e poderosa fidalguia, a dos marqueses de Angeja, de Valença, dos condes de Vilar Maior do

Monteiro-mor do reino e outras mais, formavam entre si como uma cerrada congregação, fora da qual as

estirpes mais novas na aparência andavam apodadas com o nome injurioso de cristãos-novos”.

72

contaminar, pelo decurso do tempo, com os malignos influxos da sobredita (Sociedade de

Jesus)...”.182

No mesmo Regimento, ainda se faz sentir que a Inquisição, que fora criada pela

autoridade real ou por instância de D. João III e com bula de Paulo III, em 1536 – e

portanto, diz o texto, como um Tribunal da Coroa –, acabou com o tempo devido “ao

esforço da malignidade jesuítica, que tudo transfigurou e confundiu, fazendo crer, pelo

progresso de suas intrigas e maquinações, que aquele mesmo Tribunal, ereto e regimentado

pelos dois senhores reis, dom João III e dom Sebastião, era puramente eclesiástico”.183

Novamente, o marquês fazia questão de mostrar a subordinação do poder espiritual ao

poder temporal, e assim definia claramente a instituição inquisitorial como instrumento do

Estado e a seu serviço, como, de fato, acabaria sendo doravante, a fim de evitar o “abuso

que se sustentou até o felicíssimo Governo del rei meu senhor (José II), que, pela nomeação

que em nós fez para a dignidade de Inquisidor Geral, reuniu e reivindicou aquela regalia

usurpada a sua real Coroa, havia quase dois séculos, na conformidade da dita carta, a nós

dirigida pelo mesmo senhor, em 15 de novembro de 1771.”184

Terminava, assim, a

autonomia daquela instituição que fora todo-poderosa no reino de Portugal, que inspirava

verdadeiro terror somente ao se pronunciar seu nome.

O historiador Lúcio de Azevedo traz, como exemplo ilustrativo dos novos

tempos, o fato de que um Antônio Soares de Mendonça, negociante que abjurou em forma

no auto público de 16 de outubro de 1746, apesar disso, foi agraciado em 8 de maio de

1775, ou seja, após a publicação do novo Regimento da Inquisição, com o hábito de

Cristo.185

Tal acontecimento dificilmente teria ocorrido em tempos anteriores.

Por outro lado, ainda que reconheçamos, desde o início, que o Marquês de

Pombal, acima de tudo, guiava-se pela Raison d’État para nortear sua política em relação à

Inquisição, não deixa de ser válido o questionamento sobre a verdadeira atitude pessoal, e

aqui frisamos o termo “pessoal”, frente aos judeus e cristãos-novos. Sabemos que não é

uma pergunta fácil de ser respondida, pois, na Inglaterra, onde chegara em missão

diplomática, em 1738 escrevia, em despacho a Marco Antonio de Azevedo Coutinho, a

quem sucedia, os seguintes termos: “posso dizer V. Exa. que é raro entre nós (em Portugal)

o homem da nação (hebréia) que não esteja com os olhos no caminho para estas partes

(Inglaterra e países de livre culto), e que somente se dilatam nos nossos domínios até

fazerem os grossos cabedais que nelas acumulam, se antes de os juntarem os não faz sair

desse reino o medo da fogueira. Tudo quanto ganham, ou antes extorquem, com artifícios

que eles têm por justos sendo detestáveis, vem nos paquetes, para ficar na Inglaterra e

passar à Holanda, assegurar-se nas mãos de seus depositários, amigos e parentes. Como

consideram a pátria onde gozam a liberdade, e o desterro onde têm o castigo ou a sujeição,

para estas terras, em que esperam estabelecer-se, procuram todas as vantagens e todos os

interesses, maquinando contra os países, seus adversos, toda a ruína, e não perdoando a

182

Regimento do Santo Ofício da Inquisição dos Reinos de Portugal, ordenado com o real beneplácito e régio

auxílio pelo eminentíssimo e reverendíssimo senhor Cardeal de Cunha, dos Conselhos do Estado e Gabinete

de Sua Majestade e Inquisidor Geral nestes Reinos e em todos os seus Domínios, Lisboa, 1774, p. 1. Todas as

citações do texto são feitas na ortografia atual. 183

ibid, p.3. 184

ibid, p. 5. 185

Lúcio de Azevedo, op. cit., p. 352.

73

meio algum de os dissipar e empobrecer, por injusto e ilícito que se considere. (...) Daqui

tem resultado a dificuldade de evitar o contrabando e os domínios de Espanha. São imensos

os cabedais, que, naquele negócio, têm ganhado os judeus destas partes. (...) Este foi um

dos meus grandes receios, desde que suspeitei o projeto de irem ao rio da Prata: saber eu o

muito que eles desejavam estabelecer-se nas vizinhanças do Brasil, onde asseguram que

hão de ter, em cada cristão-novo, um destro furão, desencovar a furto os interesses, que não

podem hoje prosseguir”.186

Verdade é que Pombal, nesse período, estava preocupado com a ameaça ao

comércio português nas possessões do império colonial lusitano, e, principalmente, pelo

contrabando que, a seu ver, era fator que poderia levá-lo à ruína e onde os judeus tinham

também certa participação.

186

2 de janeiro de 1741. Col. Pomb, Cód. 656, apud Lúcio de Azevedo, J., “O Marquês de Pombal e a Sua

Época”, Rio de Janeiro-Lisboa, 1922, pp. 22-23.

74

9. A imigração israelita à Argentina e ao Brasil e a colonização agrária

Ao traçarmos um esboço comparativo da imigração judia à Argentina e ao

Brasil, saltam à vista de imediato as profundas diferenças existentes entre ambas.

Desde que a Argentina declarou sua independência, em 9 de julho de 1816, ou

seja, três anos após a eliminação do Tribunal da Inquisição em seu solo, devido à resolução

da Assembléia Constituinte de 24 de março de 1813, tornou-se viável uma imigração

judaica àquele país. De fato, a presença israelita, aberta e declarada, remonta àqueles

mesmos anos, que com o passar do tempo formam um núcleo populacional considerável, ao

ponto de se organizar, já em 1862, uma Congregação Israelita de Buenos Aires com judeus

alemães, franceses, ingleses e sefaraditas.187

Porém, o grande surto imigratório, essencialmente proveniente da Europa

Oriental, começaria verdadeiramente nos anos 80 do século XIX. Na verdade, esse

processo imigratório judaico, que no plano universal da história dos judeus foi considerado

o maior, levou a um deslocamento de milhões de seres humanos que se dirigiram à Europa

Ocidental, à América do Norte e aos países latino-americanos, especialmente à Argentina.

A razão fundamental desse processo imigratório se encontrava na situação e condições dos

judeus que viviam na assim chamada Zona de Residência do Império Czarista,

caracterizada por uma grande concentração populacional sem meios de subsistência. O

judaísmo dos países da Europa Ocidental, sabedores do que se passava com seus irmãos

nos territórios da Rússia monárquica, mobilizaram-se para encontrar as soluções que as

circunstâncias ofereciam, considerando-se a imigração a países de população escassa que

demandavam uma mão-de-obra colonizadora como o melhor caminho para a salvação

daquela massa humana que vivia na mais extrema miséria. Quanto à Argentina, a partir de

1881, o seu governo demonstrou interesse e estava aberta para receber imigrantes e de fato

sua administração designou, em agosto daquele ano, um agente na Europa com essa

finalidade, estabelecendo “contato com pessoas importantes de São Petersburgo, para tratar

de induzir essa população a trasladar-se ao nosso país sob o amparo e a proteção de nossas

leis...”

Os incidentes antijudaicos de 1881 na Rússia estimularam essa atuação dos

agentes de imigração, que também receberam um apoio de personalidades e instituições,

entre as quais se encontrava a Alliance Israelite Universelle, fundada em 1860 com a

finalidade de incrementar a emancipação e o progresso dos israelitas e prestar ajuda aos

necessitados devido às perseguições anti-semitas onde quer que elas se manifestam.

Já em 1881/2, a Alliance teve um papel importante em orientar a imigração

judaica saída da Rússia “pogromista” aos Estados Unidos ao mesmo tempo em que se

ensaiava a formação de núcleos imigratórios à Argentina, o que de fato veio a ocorrer em

1884. Poucos anos após, em 1889, chegavam à província de Santa Fé cerca de oito famílias,

que se estabeleceram em um lugar denominado Monigotes-Vieja, para mais tarde se

estabelecerem como colonos na famosa colônia de Moises Ville, fundada pela Jewish

Colonization Association. O verdadeiro início da colonização judaica na Argentina se dá

efetivamente em Moises Ville com parte do grupo de famílias, cerca de 110, que saíram da

187

Klein, Alberto, Cinco siglos de historia: una crónica de la vida judía en la Argentina, C.J.A., Buenos Aires,

1976, p. 12.

75

Podolia, e após muitas aventuras e desventuras, conseguiram chegar àquele país para se

dedicar ao trabalho agrícola.188

O passo mais significativo para incrementar a colonização de judeus na

Argentina foi a criação da Jewish Colonization Association, em 24 de agosto de 1891, em

Londres, como uma sociedade anônima de caráter filantrópico e com um capital inicial de

dois milhões de libras esterlinas, doados em quase sua totalidade pelo Barão Hirsch.189

Este

último, comovido pela situação em que se encontravam os judeus em vários países

europeus e asiáticos, assumiu boa parte da iniciativa da criação de uma entidade que

pudesse encaminhar os seus irmãos de fé ao trabalho da terra. De outro lado, em fins de

1889, o Dr. Guilherme Loewenthal, submeteu ao Barão Hirsch um projeto de colonização

judaica na Argentina, onde via a possibilidade de organizar anualmente uma imigração de

5.000 pessoas provenientes da Rússia, considerando ainda que essa colonização não deveria

possuir apenas caráter filantrópico, mas permitir que os colonos lutassem pela sua

independência econômica e chegassem a ela pelo árduo trabalho do campo.

Entre os artigos da J.C.A. consta que ela visa “facilitar a imigração dos

israelitas dos países da Europa e Ásia, onde são reprimidos por leis restritivas e estão

privados de direitos políticos, para outras regiões do mundo onde possam gozar desses e

demais direitos inerentes ao homem. Estabelecer para tanto colônias agrícolas em diversos

territórios da América do Norte e do Sul, bem como em outros lugares. Promover e

sustentar estabelecimentos de educação, adestramento e fomento que permitam melhorar as

condições materiais e morais dos judeus pobres e necessitados”.

O governo russo da época autorizou o funcionamento de um Comitê Central da

J.C.A. em São Petersburgo, bem como filiais nas províncias. De outro lado, o governo

argentino, em 1900, reconheceu a J.C.A. como uma “Associação civil com fins

filantrópicos”. A fim de se evitar uma saída desordenada de grandes massas e sem o devido

preparo para encaminhá-las a trabalhos produtivos, fez o Barão Hirsch publicar e difundir

uma circular pedindo que os interessados em emigrar se inscrevessem nos devidos comitês

estabelecidos para tanto, advertindo ao mesmo tempo que não poderia arcar com a

responsabilidade sobre aqueles que se aventurassem a imigrar por conta própria.

O projeto de colonização do dr. Guilherme Loewenthal foi bem aceito pelo

Barão Hirsch, que na ocasião resolvera enviar uma comissão de inquérito sob a chefia

daquele. A comissão, ao chegar em fins de 1890 a Moises Ville, lá encontrou 68 famílias,

que ocupavam 4.350 hectares de terra. O Dr. Loewenthal organizou no lugar uma

“Sociedade Cooperativa de Agricultores em Moises Ville”, a primeira entidade que usava o

nome “cooperativa”, o que caracterizaria a colonização agrária judaica na Argentina. Os

membros da sociedade constituída eram locais e ao mesmo tempo receberam o primeiro

apoio financeiro, de 15.000 francos, do Barão Hirsch. Em um relatório escrito pela

comissão sobre a situação da colônia consta que “os judeus russos são inteligentes e com

seu entendimento eles aprendem em pouco tempo e procuram ser auto-suficientes o mais

rápido possível”...190

188

Gabis, A. e Senderev, M. Moises Ville, Buenos Aires, 1964.

189

Baron Maurício de Hirsch, Museo Judío de Buenos Aires, B.A., 1974. 190

Sobre os inícios da colonização agrária judaica na Argentina, importante e indispensável é a leitura do

estudo de Pinchas Bizberg, Oif di schpuren fun iidicher vanderung in 1889-1902 (Nos rastros da imigração

judaica em 1889-1902) in “Argentiner Iwo Shriftn”, 2, B. Aires, 1942, pp. 7-46, e em particular o volume 9-

76

Nesse ínterim, o incremento e o estímulo dado à colonização dos judeus russos

na Argentina encontraram um apoio relativo no próprio governo russo, que permitiu uma

ação efetiva de propaganda, com o apoio de personalidades influentes do judaísmo local, e

a criação de comitês que se dispõem a mobilizar e selecionar o elemento humano disposto

ao trabalho agrícola. Por outro lado, a J.C.A., a partir de 1891, estabeleceu uma

representação em Buenos Aires, que se nos primeiros anos se revezou com certa

freqüência, a partir de 1893 se estabilizou com dois diretores que permaneceram em função

durante 10 anos contínuos, David Cazes e Samuel Hirsch. Ambos os diretores procuraram

amenizar as condições para o recebimento dos novos colonos, procurando planejar os

detalhes e o modo que deveria reger o estabelecimento dos grupos imigrantes antes mesmo

de chegarem ao país. Em 1894 começaram a chegar os primeiros grupos da nova imigração

que se organizou na Rússia, principalmente saídos das aldeias e da zona rural, com certa

experiência no trabalho da terra. Assim, em 1894 chegaram 286 almas, que fundaram a

colônia Lucienville, em Basavilbaso na província de Entre Rios. Com essas famílias se

encontrava também um representante de um grupo de judeus oriundos da Lituânia e que

deveria seguir logo após à Argentina para se estabelecer em Moises Ville. Seu nome era

Noah (Noé) Kaciovich191

e era a pessoa indicada, devido ao respeito que inspirava, para

exercer uma posição de incremento à colonização de judeus vindos de seu lugar de origem.

Com esse fim, ele viajou duas vezes à Europa, conseguindo trazer vários grupos

colonizadores formados com um elemento humano de primeira qualidade para o trabalho

agrícola, estabelecendo-se na região próxima a Moises Ville, que com vários colonos

passou de 91 famílias em 1896 a 250 em 1902. Nesse ínterim, foram fundadas colônias

agrícolas em outras regiões sob a orientação e ajuda direta da J.C.A.192

Até o ano de 1925,

aproximadamente, a J.C.A. continuará criando novas colônias, desenvolvendo

paralelamente um trabalho social que permitirá estabelecer uma rede escolar para as

crianças, bibliotecas, sinagogas, clubes e organizações de juventude, dando assim a

possibilidade aos colonos de ter uma atividade cultural significativa na língua ídiche e em

espanhol.

A agropecuária constituiu-se na principal atividade econômica das colônias,

mas de início muitos exerciam, para poderem sobreviver, o trabalho remunerado como

assalariados dos fazendeiros, seja em trabalhos ligados ao cultivo da terra ou como

profissionais especializados em várias manufaturas.

As colônias agrícolas na Argentina, desde o início, tinham um planejamento de

unidades agrícolas familiares que variavam de 30 até 100 hectares, dependendo de sua

localização, composição humana e tipo de cultura adotada. Porém, o seu sucesso se deve,

em primeiro lugar, à adoção do cooperativismo que foi introduzido desde os primórdios da

colonização judaica, a começar da Sociedade Agrícola de Moises Ville, fundada em 1908,

10, 1964, da mesma coleção, dedicado ao 75.º aniversário da colonização judaica na Argentina e que reúne o

melhor material histórico sobre o tema. 191

Sobre ele e sua atuação, bem como sobre os primeiros grupos imigratórios em que teve uma participação

ativa, importante é o volume publicado pelo IWO das memórias de Noé Kaciovich com o título “Mozesviler

bereshis” (Os começos de Moises Ville), B. Aires, 1947.

192

A difícil e por vezes trágica situação das primeiras colônias argentinas foi descrita por Peretz

Hirschbein em seu livro ,verdadeiro documento sobre esssa colonização, Fun vaite lender:

Argentine, Brazil, Yuni, November, 1914, N.Y.,1916, reed.N.Y., Book Renaissance, 2012.

77

além de outras mais. Em 1925 constituiu-se a Fraternidad Agraria, que reunia sob seu teto

23 cooperativas agrícolas existentes nas colônias judias argentinas, e não é de surpreender

que dez anos mais tarde, em mais de 20 colônias da J.C.A., se cultivassem 650.000 hectares

de terra, o que representava 2% do total das terras cultivadas na Argentina.193

A colonização agrícola judaica na Argentina conseguiu, desse modo,

sobreviver, apesar da atração que a vida urbana exercia e naturalmente levava muitos a

abandonar o campo que sempre exigiu sacrifícios daqueles que se dispunham à

colonização, como podemos constatar pela leitura do clássico de Alberto Gerchunoff, “Los

gauchos judíos”.

A contribuição judaica à agricultura Argentina foi significativa, pois, além de

se manifestar na organização cooperativa, introduziu cultivos que até então eram

desconhecidos naquele país, tais como o girassol e a alfafa, que devido ao seu sucesso

passaram a ser cultivados em larga escala.194

Também as cooperativas introduziram a

industrialização dos produtos agropecuários, tais como a manteiga e outros derivados do

leite, com o devido respaldo financeiro de instituições bancárias que se foram criando com

o tempo, entre elas o Banco Comercial Israelita, cuja central se encontrava em Rosário.

A mesma J.C.A., e pelos mesmos motivos, encetou uma colonização agrícola

judaica no sul do Brasil, no Rio Grande do Sul, com uma distância de tempo de 10 anos,

aproximadamente, após o da Argentina. É preciso dizer que, para o imigrante europeu

daquela época, o Brasil era menos conhecido do que a Argentina e não despertava tanto

interesse e tanta atração quanto aquele país. Por outro lado, o governo brasileiro, ao

contrário do argentino, não se dispôs a uma atividade propagandística para atrair o

elemento judeu da Europa à colonização agrícola.195

Portanto, o projeto de colonização da J.C.A. no Rio Grande do Sul ficou em

boa parte sob sua própria responsabilidade. Mesmo a comunidade judia local ou a brasileira

não teve, a partir de 1904, quando chegaram as primeiras famílias, qualquer participação

significativa no projeto, a não ser os poucos privilégios concedidos pelo governo do Estado.

A J.C.A. adquiriu de início cerca de 5.767 hectares de terra em Pinhal, na

região de Santa Maria, distante 25 km daquela cidade. Da Argentina viria o representante

193

Sobre o papel do cooperativismo na colonização agrária judaica da Argentina vide os vols. 2 e 9-10 dos

“Agentiner Iwo Shriftn”, mencionados na nota de rodapé 4 e o artigo de S. I. Horwitz, Di cooperatives in di

yidiche colonies in Argentine (As cooperativas nas colônias judaicas da Argentina) in “Argentiner Iwo

Shriftn”, 1, B. Aires, 1941, pp. 59-116.

194

Sobre a contribuição judaica à agricultura argentina, merece destaque o estudo valioso de José Lieberman,

Aportes de la colonización agraria judía a la economía nacional, C.J.A., Buenos Aires, 1976. O mesmo autor,

cientista de renome em nosso continente e membro do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA)

da Argentina, também escreveu outras obras importantes sobre o tema acima, bem como sobre a colonização

judaica naquele país.

195

Nesse sentido, devemos observar que bem antes da atuação da J.C.A. houve tentativas e projetos de

colonização agrícola com imigrantes judeus no Brasil e houve, em 1891, o envio de um conhecido jornalista

europeu, Oswald Boxer, que em nome de uma entidade alemã trouxe um projeto ao governo brasileiro da

época, para que aceitassem imigrantes judeus dispostos ao trabalho da terra. Lamentavelmente, Boxer

contraiu febre amarela enquanto aguardava em S. Paulo qualquer manifestação oficial a respeito, vindo logo a

falecer sem poder realizar o seu intuito. Descobrimos após várias buscas que fora enterrado no Cemitério dos

Protestantes (ao lado da Consolação) e temos em nosso arquivo cópia de seu atestado de óbito.

78

da J.C.A., Dr. Eusébio Lapine,196

engenheiro, que desde 1903 preparava as condições

materiais para o recebimento das 38 famílias vindas da Bessarábia, na época integrada à

Rússia, e que chegariam no ano seguinte à primeira colônia denominada Philippson.197

Apesar da fertilidade da terra, as grandes e densas florestas constituíram um

sério obstáculo na formação e desenvolvimento da colônia, pois antes de tudo necessário se

fazia limpar o terreno para poder cultivá-lo.198

Como em outros lugares, a J.C.A. assumia as despesas de viagem e distribuía a

cada colono cerca de 25 a 30 hectares de terra,199

além de uma moradia, instrumentos de

trabalho agrícola, duas juntas de boi, duas vacas, um cavalo e um auxílio monetário

variável de acordo com o número de pessoas da família, durante o período em que não

pudessem ser autônomos. A importância investida em cada colono deveria ser devolvida

em um prazo variável de 10 a 20 anos, com juros, porém considerando-se que seu débito

deveria ser reduzido no caso de ser prejudicado por calamidades climáticas ou por

gafanhotos. De outro lado, a J.C.A. deveria arcar com todas as despesas referentes à

administração e serviços públicos, incluindo-se a educação das crianças da colônia.200

196

Eusébio Lapine foi considerado na Argentina um modelo de mau administrador pela sua conduta arbitrária

e pouco humana em relação aos colonos endividados, sendo, portanto, alvo de crítica acérrima por parte do

diretor do periódico “Di Folks Schtime” (A Voz do Povo) Abraham Vermont, que esteve à sua testa durante

os anos de 1898, quando foi fundado, até 1914, ano em que encerrou suas atividades. Sobre isso escreveu

Baruch Hochman, Materialen tzu der geschichte fun der idicher colonizatzie un agrar-cooperatzie in

Argentine (Documentos para a história da colonização e cooperativismo agrário israelita na Argentina) in

“Argentiner Iwo Shriftn”, 9-10, Buenos Aires, 1964, pp. 5-107. Sobre Vermont e seu jornal escreveu Pinhe

Katz no seu “Idische Jornalistik in Argentine”, (A imprensa judaica na Argentina) in Geklibene Shriftn,

volume V, pp. 39-58.

197

Em homenagem a Franz Philippson , na época vice-presidente da J.C.A., e banqueiro que presidia

companhias de estradas-de-ferro na Argentina e Rio Grande do Sul.

198

Pelo que apuramos no Livro Copiador n.º 1 (1903-1905), manuscrito que hoje se encontra no Arquivo

Histórico Judaico Brasileiro, Eusebio Lapine ficaria até fins de 1903 preparando as instalações para o

recebimento dos novos colonos, o que não incluía o desmatamento. Em janeiro de 1904, ele já se encontrava

em Buenos Aires, talvez por razões de doença, sendo substituídos por J. Bezchinsky e David Hassan, que no

entanto continuavam a escrever-lhe pedindo conselhos e orientação.

199

Em carta-relatório de 11 de junho de 1904, David Hassan escrevia a Lapine dizendo que

“desgraciadamente el plane no dice cuales lotes son de 25 H o 30 H. Como no tengo aviso todavía de la salida

de los colonos, creo que Va. tendrá tiempo de contestar, sino, haré como en Argentina, por sorteo, así opina

Sr. Behzhinsky”. Livro Copiador n.º 1, arquivo da J.C.A., p. 86, no A.H.J.B.

200

O primeiro professor seria o dr. León Back, que atuou como professor e subdiretor da “École Horticole et

Professionelle du Plessis-Piquet”, nos arredores de Paris. Chegou a Philippson em 5 de junho de 1908,

instalando ali uma escola mista. V. o artigo de sua autoria sobre a imigração judaica no Rio Grande do Sul, na

Enciclopédia Rio-grandense, 5.º volume. Importante é a consulta do livro de Eva Nicolaievsky, Israelitas no

Rio Grande do Sul, ed. Garatuja, P.A., 1975, que foi um dos primeiros trabalhos sobre a colonização judaica

no Rio Grande do Sul, ainda que tenha um caráter de homenagem e conservação da memória dos primeiros

judeus chegados naquele estado, e portanto não fundamentado em uma pesquisa científica sobre a

documentação disponível no Brasil ou em arquivos do exterior. Anos após surgiriam outros estudos,

abordando outros aspectos dessa colonização, que ainda está a espera de seu historiador. Entre os trabalhos

mais recentes se encontra o de Jeff Lesser , Jewish colonization in Rio Grande do Sul (1904-1925), Estudos

CEDHAL, n. 6, São Paulo, 1991.

79

As dificuldades iniciais se apresentaram com a qualidade da terra reservada

para o cultivo e que se revelou pouco fértil, obrigando os colonos a se empenharem em um

duro trabalho de desmatamento da cerrada floresta existente na região. Com muito trabalho

e sacrifício passaram a cultivar trigo, milho, feijão, amendoim, bem como hortaliças e

árvores frutíferas. Entre os cultivos, o sucesso maior foi o fumo, que os colonos

introduziram em Philipson com sementes trazidas da Bessarábia e que vingou muito bem

na região, a ponto de ser procurado por compradores de Porto Alegre e São Paulo, devido à

excelente qualidade do produto.Na verdade, os colonos de Philippson foram os primeiros

que introduziram o cultivo do trigo e do fumo (turco) em escala maior e que, mais tarde,

passaram a ser importantes na agricultura sulina, especialmente o primeiro.

Com o aparente sucesso da primeira colônia a J.C.A., em dezembro de 1909,

adquiriu uma fazenda denominada “Quatro Irmãos”, com uma extensão de 93.850 hectares

na região de Passo Fundo. Assim como foi feito com Philippson, os preparativos para o

recebimento de novo colonos foram iniciados com uma certa antecedência, e quando os

primeiros colonos chegaram, em 1911 a “Quatro Irmãos”, já encontraram os lotes divididos

e com moradias onde ficar. Alguns de seus primeiros colonos vieram da Argentina, onde

tinham passado por uma experiência agrícola como assalariados nas colônias daquele país,

e outros vieram da Bessarábia. Em 1913 receberam um grande reforço com a vinda de 150

famílias da Rússia. Já nessa segunda colônia cada família recebia um lote 150 hectares

além de moradia, galpão, 14 vacas, 4 bois, 1 touro, 2 cavalos, 1 carroça, 1 arado e outras

ferramentas para o trabalho agrícola. Os juros sobre o valor da terra eram baixos, 4% ao

ano, pagáveis em 20 anos, e o resto da aplicação de capital deveria ser pago em 13 anos. A

tendência dessa colônia era fundir o trabalho agrícola com a pecuária, daí o maior número

de cabeças de gado e, em particular, o leiteiro. Os primeiros anos de “Quatro Irmãos” foram

promissores, e às vésperas da Primeira Guerra Mundial ela contava com 350 famílias,

muitas delas vindas espontaneamente e por conta própria, para se dedicarem ao trabalho da

terra. Além do trigo, do milho e outro cereais, os colonos também empreenderam o cultivo

da mandioca, que puderam industrializar com ajuda da J.C.A.

Até 1923, “Quatro Irmãos” se apresentava como uma colônia progressista que

confirmava as possibilidades de uma colonização agrícola judaica no Brasil. Porém, nesse

mesmo ano estourou a revolução no estado sulino, o que provocou a verdadeira ruína do

empreendimento. A colônia ficou sujeita à arbitrariedade do banditismo local que se

infiltrava constantemente na região e atingia a propriedade, e os próprios colonos, ao ponto

de desanimarem e abandonarem as suas terras para procurar um lugar mais seguro nas

cidades ao redor e em Porto Alegre. Os roubos contínuos de gado, dinheiro, ferramentas e

objetos de casa acabaram arruinando a muitos que tinham investido anos e anos de

trabalho, sem que o governo local pudesse impedir com eficiência a penetração dos

bandidos.201

Tal situação perdurou durante o agitado ano de 1924, levando a J.C.A. a

fundar no Uruguai uma colônia com elementos saídos de “Quatro Irmãos” com o nome de

“19 de abril”, perto da cidade de Paissandu. A situação dos colonos em fins daquele ano de

1924, conforme telegrama recebido pelo representante da J.C.A. no Brasil, da sua

administração em Erebango e publicado no “Dos Idiche Vochenblat” (O Semanário

Israelita) de dezembro, era terrível, pois com a saída do exército os colonos foram

201

“Jewish Colonization Association” Rapport, Paris, 1926, pp. 56-87. O relatório trata dos anos de 1923 e

1924.

80

obrigados a fugir e nas condições mais difíceis, ocorrendo acidentes e encontrando-se sem

proteção alguma.

Apesar dos contratempos, a J.C.A. persistiu em seus projetos de colonização e

envidou esforços no sentido de renovar a imigração judaica à colônia “Quatro Irmãos”, que

na verdade era formada de quatro núcleos incluindo Quatro Irmãos, Baronesa Clara, Barão

Hirsh e Rio Padre. A vinda, em dezembro de 1923, de um representante da J.C.A., o

renomado rabino Isaías Raffalovich, que se instalou no Rio de Janeiro, propiciou a

continuidade do projeto de colonização, pois sua influência junto à comunidade, bem como

junto às instâncias governamentais e principalmente junto à direção da J.C.A. na Europa

permitiu a adoção de uma política de auxílio mais efetivo aos colonos. Sobre esse aspecto,

foi muito importante a iniciativa de fortificar a Sociedade de Beneficência para Amparo de

Imigrantes, Relief, existente no Rio de Janeiro, que passou a cuidar dos mesmos e

encaminhá-los às colônias do Sul. Raffalovich, com os fundos da J.C.A., preocupou-se

também em criar escolas, trazer professores para que os filhos dos colonos pudessem

receber uma educação adequada, ainda que vivessem no campo. Curiosamente, a J.C.A.

passou a ter um papel primordial no desenvolvimento de uma rede escolar judaica no

Brasil, pois as primeiras escolas, também dos centros urbanos, foram subsidiadas por ela.202

Em 1926, uma nova leva de imigrantes chegava aos núcleos de “Quatro

Irmãos”, dirigindo-se as primeiras 30 famílias ao núcleo Barão Hirsh,203

após um período

de promoção e propaganda de colonização agrária do qual o jornal “Dos Idiche

Vochenblat” (O Semanário Israelita) era veículo único no Brasil, além dos esforços

fundamentais e decisivos que se faziam na Europa, em especial na Lituânia e Letônia204

. A

J.C.A. arcava novamente com todos os gastos e dessa vez reduzia a dívida dos colonos,

com um ônus de juros de 5% ao ano, dívida essa que deveria ser paga em 20 anos. Além do

mais, os colonos receberiam cinqüenta hectares de terra, dois hectares de meio de floresta já

cortada, dois cavalos, duas vacas, moradia de três quartos, estábulo e implementos

agrícolas. Durante um ano, o colono podaria um e meio hectare de floresta, podendo vender

a madeira no mercado de fora e ficar com o ingresso decorrente do negócio. Os núcleos

planejados em “Quatro Irmãos” deveriam conter uma escola, uma sinagoga, biblioteca, que

seriam mantidos pela J.C.A. durante os três primeiros anos, após os quais seriam de

responsabilidade dos colonos.

As sociedades filantrópicas judaicas, HIAS (Hebrew Immigration Aid Society),

com sede em Nova York, a J.C.A., com sede em Paris e Londres, e a EMIGDIREKT

(Emigrations-Direktion) de Berlim, coordenadas mais tarde com o nome de HICEM,

tiveram um papel importante no encaminhamento e no apoio aos novos imigrantes que se

dirigiam aos países da América do Sul, assim como a outros. Em Porto Alegre, sob a

202

V. a respeito nosso estudo “Subsídios à história da educação judaica no Brasil ”, in Herança Judaica, n.º

47, setembro de 1981, pp. 53-63.

203

. “Dos Idiche Vochenblat” de 23/05/1926 e 04/06/1926.

204

“Dos Idiche Vochenblat” de 06/11/1925. Já em 4 de setembro de 1925 o “Dos Idiche Vochenblat”

anunciava que chegaria ao Brasil o inspetor geral da J.C.A. na Argentina, dr. David Zvi, que havia

anteriormente passado um ano em Quatro Irmãos para preparar as condições para uma nova imigração. O

mesmo periódico de 9 de outubro do mesmo ano, em entrevista com Gregorio Yochpe, que esteve na Europa

durante cinco meses, acentuava “o início da segunda imigração em Quatro Irmãos”.

81

direção do dr. León Back, formou-se um “Comitê pró Imigrantes Israelitas”, em 1927,

vinculado ao HICEM e que se encarregava de receber os imigrantes a bordo dos navios,

hospedá-los e encaminhá-los para o trabalho produtivo, seja na cidade ou no campo. Em

toda a parte onde havia comunidades israelitas, nas grandes e pequenas cidades brasileiras,

organizaram-se comitês semelhantes para que pudessem enfrentar a grande onda

imigratória, que perdurou durante os anos 20 e parte nos anos 30.

A filosofia imigratória do HICEM referente ao Brasil foi definida em carta ao

dr. Raffalovich e publicada no “Brazilianer Idiche Presse” (Imprensa Israelita Brasileira),

periódico que surgira naquele mesmo ano em continuação ao Dos Idiche Vochenblat, e se

resumia em cinco pontos: a) os primeiros imigrantes a virem ao Brasil devem ser os que

possuem qualificação profissional e estão aptos à colonização agrícola; b) os que não

possuem profissões deverão ser preparados profissionalmente nas estações experimentais

que as associações criarão nos países de emigração e imigração; c) a fim de facilitar a

absorção do imigrante, serão criadas sociedades de empréstimo e também setores de

passagens de navios que possibilitem ao imigrante trazer sua família; d) criar-se-á os meios

para que o imigrante estude a língua do país, pela realização de cursos noturnos; e)

organizar-se-á em cada lugar um escritório ou agência de trabalho.205

Os resultados com a nova colonização mostravam-se promissores, e em fins de

1927 e inícios de 1928 informes otimistas diziam que a criação de uma cooperativa agrícola

no núcleo Baronesa Clara dera muito certo e que se levaria o empreendimento a outros

setores. Ao mesmo tempo, da estação de Erebango se informava que as 70 famílias do

Barão Hirsh e Baronesa Clara obtiveram uma compensadora safra agrícola, produzindo

1.500 sacos de trigo, exportando 8 vagões de milho no valor de 33 contos de réis e

possuindo todos os campos de alfafa, erva-mate, vinhedos e árvores frutíferas.206

Lamentavelmente, em relação à colônia “Quatro Irmãos” ocorreria uma nova

catástrofe, com a revolução de 1930 que provocou novas invasões de estranhos com graves

conseqüências, sendo os prejuízos materiais e morais dos seus moradores enormes. O

desânimo que desabou sobre os colonos provocou, mais uma vez, o abandono dos núcleos

agrícolas e a ida aos centros urbanos, que sempre constituíram, em potencial, um atrativo

que se revelava ainda mais forte em tempos difíceis e tempestuosos.

A política do Estado Novo em restringir a imigração de um modo geral, e a

judaica em particular, pois novos ventos de caráter anti-semita207

bafejavam em nosso país,

levou a que as colônias sofressem uma diminuição de sua população, e partes das glebas

foram passando a outros colonos não-judeus. A J.C.A. continuou zelando por seu programa

de colonização, mas os tempos não eram favoráveis a sua incrementação devido aos fatores

mencionados anteriormente. Uma última experiência faria a J.C.A. no Brasil ao tentar abrir

205

“Bazilianer Idiche Presse” de 10/06/1927. Durante todos os meses desse mesmo ano a propaganda da

J.C.A. dirigida aos interessados em se colonizar permaneceu ativa através desse órgão de imprensa.

206

“Idiche Folktzeitung” de 23/12/1927 e 28/02/1928.

207

O epígono do nazismo no Brasil, Gustavo Barroso, além de traduzir a “literatura” anti-semita européia ao

português, foi um autor prolífero de pasquins impregnados de sandices e ódio antijudaico, que envenenou

mentes e contribuiu para criar uma atmosfera até então desconhecida no país em relação aos imigrantes

judeus. Uma reação ao anti-semitismo se deu com a publicação do livro “Por que ser anti-semita?”, em 1933,

com a colaboração das melhores forças intelectuais de nosso país.

82

uma nova colonização, agora no Estado do Rio de Janeiro, em Rezende, quando em 1936

sugeriu ao governo brasileiro a formação de uma colônia agrícola de imigrantes judeus

oriundos da Alemanha. A razão do projeto obviamente se justificava pela perseguição que

os judeus estavam sofrendo na Alemanha nazista e que culminaria no Holocausto com o

extermínio de milhões de seres durante a Segunda Guerra Mundial. Procurava-se na época,

antes que a grande tempestade desabasse sobre o povo judeu, salvar aqueles que estavam

diretamente ameaçados pela besta nazista, que desde de sua ascensão ao poder mostrava

seus verdadeiros desígnios. O Brasil, assim como outros países sul-americanos, encontrava-

se na época indefinido quanto a sua política externa em relação ao Eixo, ou mais

propriamente em relação à Alemanha, que procurava exercer sua esfera de influência

também nessa parte do mundo. E não faltavam grupos que viam a Alemanha nazista com

certa simpatia. Por outro lado, tal situação se refletia na política imigratória brasileira, que

discriminava os judeus, como atestam vários documentos emanados diretamente de

gabinetes governamentais. Por um motivo ou outro, o governo acabou por aceitar o projeto

Rezende, mas sem qualquer participação no mesmo.

Porém, devemos, nesse ponto, nos deter com mais vagar para examinar de

perto a política imigratória brasileira dos anos 30 em relação aos judeus, e nesse sentido, as

mudanças havidas de uma década para outra foram radicais. Pela lei Epitácio Pessoa, de 6

de janeiro de 1921, que regulava a entrada de imigrantes, fazia-se referência aos

indesejáveis tais como doentes, velhos, criminosos, e a nova lei de 1925 passava a exigir

dos imigrantes uma documentação mais complexa. Além disso, ao entrarem no país ou na

cidade do Rio deveriam ser internados em quarentena na ilha das Flores. Mas apesar dessas

exigências e o critério de seleção adotado, podemos dizer que a imigração nesses anos era

livre e não continha elementos discriminatórios em relação à nacionalidade ou de outro tipo

qualquer. Mas nos fins de 1927 uma personalidade judaica da Argentina, M. Regalsky,

escritor e redator do “Dos Idiche Tzeitung” (O Jornal Israelita) de Buenos Aires, em visita

ao Ministro da Agricultura, em 28 de dezembro daquele ano para tratar de assuntos

relativos à imigração, ouviu de sua boca algo que prenunciava “novos tempos”. O Ministro

lhe declarou que o governo resolvera não organizar nenhum movimento de imigração e

tampouco contratar operários estrangeiros, “não devemos dar privilégio à imigração judaica

e nesse sentido não devemos tampouco considerar os pedidos da J.C.A., porém mantemos

uma atitude positiva em relação à livre imigração e não fazemos distinção entre

nacionalidades. Também não temos nenhuma instrução, em particular, para paralisar

qualquer ingresso de judeus ao Brasil”.208

A primeira parte da declaração do Ministro

orientaria, futuramente, a política imigratória do governo. Em 1934, novas resoluções

governamentais relativas à imigração instituíam o sistema das “cartas de chamada”, que se

aplicava em boa parte a trabalhadores rurais, profissionais contratados, proprietários de

terras capitalistas. Isso permitiu que boa parte dos judeus alemães, que procurava sair do

inferno nazista, entrasse em nosso país como turistas e conseguisse licença de permanência

no momento em que demonstrasse se enquadrar nas categorias previstas acima. Mas muitos

esgotavam os seus vistos de permanência e se viam obrigados a sair para outros países,

como Paraguai, Uruguai ou outro qualquer, a fim de regulamentar sua permanência

posteriormente, ou nunca mais. No mesmo ano de 1936, as “cartas de chamada” foram

substituídas pelas “cartas de autorização”. Mas a lei de 1934 incluía outros itens, entre eles

208

“Brazilianer Idiche Presse” (Imprensa Israelita Brasileira) de 16 de dezembro de 1927.

83

a proibição da entrada de analfabetos, mas o mais importante fixava a cota anual de entrada

de estrangeiros a 2 % do número total de cada nacionalidade ingressa no país durante os

últimos 50 anos. Getúlio Vargas, pelo visto, tinha a intenção de bloquear a imigração e

mesmo um projeto de Henrique Doria de Vasconcelos para abrir as portas e eliminar os

entraves existentes, em 1936, caiu por terra, pois no dia 10 de novembro de 1937 o

presidente fechava as portas do Congresso e começava a reinar abertamente um critério

anti-semita na seleção dos imigrantes ao nosso território. Tudo isso ficou claro quando, em

novembro de 1948, pouco mais de três anos após o término da Segunda Guerra Mundial,

começava-se a publicar no jornal “O Estado de São Paulo” uma longa série de artigos sobre

a questão imigratória com o título “A batalha contra a imigração”. No sexto artigo da série,

intitulado “A circular secreta contra os judeus”, punha-se à luz a circular secreta de n.º

1.249 que emanava do gabinete do Ministério de Relações Exteriores dirigida às missões

diplomáticas e consulados de carreira e às autoridades de imigração e policiais, cujo teor

transcrevemos na íntegra:

Ministério das Relações Exteriores

Rio de Janeiro

Circular secreta n.º 1.249

Às missões diplomáticas e consulados de carreira e às autoridades de imigração

e policiais.

S.P.

Entrada de israelitas em território nacional.

O Ministério das Relações Exteriores em vista do que foi decidido pelo

Conselho de Imigração e Colonização, resolve baixar novas instruções relativas

ao visto consular em passaportes de estrangeiros de origem semita, o qual

deverá ficar exclusivamente circunscrito aos seguintes casos e dentro das

normas abaixo estabelecidas:

a) portadores de licença de retorno em plena validade;

b) turistas e representantes de comércio. A autoridade consular verificará,

com a atenção devida ao ato, de que poderá vir a ser responsável, e

pelos meios que julgar mais próprios, a condição de verdadeiro turista

ou representante de comércio, cuja estada no Brasil em hipótese alguma

poderá ser superior a seis meses. Uma declaração neste sentido será

anotada no passaporte, junto ao visto, pela autoridade consular, a fim de

vedar a qualquer autoridade policial brasileira a alteração da

classificação do estrangeiro, prevista no artigo 163 do decreto n.º 3.010,

de 20 de agosto de 1938. Além disso, a autoridade consular não aporá

visto sem que o interessado tenha apresentado declaração oficial de que

poderá regressar dentro de um ano, sem impedimento algum, ao país

onde tenha residência.

c) até 31 de dezembro de 1938, cônjuge ou parentes consangüíneos, em

linha direta até o 2.º grau do estrangeiro que esteja residindo legalmente

em território nacional. A prova far-se-á perante a autoridade consular,

mediante atestados expedidos pelo “Serviço de Passaporte” do

Ministério das Relações Exteriores.

84

d) cientistas e artistas de reconhecido valor internacional, a critério da

autoridade consular, que justificará, no entanto, o visto, por ofício, à

Secretaria do Estado das Relações Exteriores.

e) técnicos requisitados oficialmente pelos governos dos estados para fins

exclusivamente de utilidade pública. Essa requisição deverá obedecer a

uma lista das diferentes profissões, a ser estabelecida pelo C.I.C., e só

será válida depois de visada pelo “Departamento de Imigração” e

“Serviço de Passaportes” do Ministério das Relações Exteriores.

f) capitalistas ou industriais que desejem fundar empresas ou sociedade no

Brasil. Deverão provar perante a autoridade consular a transferência de

um capital mínimo de 500.000$000 (quinhentos contos de réis) por

intermédio do Banco do Brasil. Ao visto deverá preceder consulta à

Secretaria de Estado das Relações Exteriores, com o comprovante

apresentado pelo interessado, de que se trata de fato de capital

estrangeiro existente no exterior. Os capitalistas ou industriais a que se

refere esta alínea deverão provar ao Serviço de Passaportes do

Ministério das Relações Exteriores, com o comprovante apresentado

pelo interessado valido, dentro do prazo de um ano, a contar da data de

sua entrada no País, que empregaram o capital referido nas empresas ou

nas sociedades em questão. Se esta exigência não for satisfeita, será

dado um prazo para as aludidas pessoas deixarem o território nacional.

1) Com exceção dos turistas e representantes de comércio (temporários),

bem como dos portadores de visto de retorno, todos os outros casos

deverão ser incluídos na cota dos 20 por cento, de que trata o artigo 11

do decreto n.º 3.010, de 20 de agosto de 1938.

2) As autoridades consulares enviarão à Secretaria de Estado das Relações

Exteriores, mensalmente, uma relação de todos os vistos concedidos a

estrangeiros de origem semita. Dessa relação constará o nome,

nacionalidade, idade, profissão, porto de destino e a qualidade do

pedido de concessão de visto.

3) Tanto os vistos como as anotações deverão ser assinados tão somente

pelos titulares efetivos do posto e selados com selo seco, consular, sem

exceção.

4) Além das obrigações já referidas, a autoridade consular, ao examinar

um pedido de visto em passaporte de origem semita, não se alheará ao

dever de selecionar e fiscalizar, nem dispensará a satisfação das demais

origens legais, previstas na lei de imigração e seu regulamento.

Fica revogada a circular secreta n.º 1.127 expedida pelo Ministério das

Relações Exteriores, em 7 de junho de 1937, somente naquilo em que

contrariar as disposições desta resolução.

Rio de Janeiro, em 27 de setembro de 1938.

a) Aranha

A.N.A.

M 3.714 – 29-9-38

A circular secreta de n.º 1.127 lembrada no final da que acabamos de

transcrever, expedida pelo Ministério das Relações Exteriores, de 7 de junho de 1937,

85

proibia a concessão de vistos em passaportes de indivíduos de origem semita, mas com a

ressalva de que, tratando-se de pessoas de destaque na sociedade e no mundo dos negócios,

os consulados deveriam consultar a Secretaria de Estado antes de recusar.209

Sobre esse período tenebroso da história da imigração judaica no Brasil temos ainda que

nos reportar a um desabafo de consciência do ministro Hélio Lobo em artigo que publicou

de Genebra em dezembro de 1947 no “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro: “Não tinha

o abaixo-assinado (Hélio Lobo) boa lembrança do tempo em que, sentado pelo nosso país

na Comissão Intergovernamental de Londres, instituída pela Conferência de Evian, em

1938, se viu em posição de esquerda perante os seus colegas e perante o sentimento de

cooperação internacional, de que antes nunca abdicara o Brasil. Estávamos no início de um

regime que, num país de mistura de raças de que se orgulharia, inspira-se em preocupações

oriundas do nacional-socialismo alemão. De modo que, enquanto as instruções eram

negativas em relação aos israelitas expulsos pelo Reich, entravam estes às centenas no

Brasil, mediante o pagamento de dez mil cruzeiros por cabeça a intermediários pouco

escrupulosos”.210

Os que eram inaptos do ponto de vista financeiro tiveram que ficar sem

visto. Em um jornal israelita, o “San Pauler Idiche Tzeitung”, de 10 de agosto de 1938,

temos uma confirmação de desabafo tardio do ministro Hélio Lobo, mas agora apenas

como uma notícia que informava sobre a posição do Brasil, através de seu representante

(Hélio Lobo) na Conferência Internacional de Refugiados, onde se transcreviam suas

palavras: “Como resultados das condições de desemprego que se assinalaram em 1938, o

governo de meu país viu-se forçado a limitar a imigração e a proteger o mercado interno...

Foi em resultado de condições insustentáveis que o governo brasileiro resolveu, no ano de

1934, fixar a cota anual...” O mesmo periódico lembrava, meses antes, em seu número de 8

de maio de 1938, que entre exigências do consulado brasileiro em Berlim havia a definição

da religião e raça aos que se dirigiam a ele para solicitação de vistos. Também é ilustrativo

da linha adotada pelo governo do Estado Novo a posição manifesta do seu ministro da

Justiça, Francisco Campos, sobre a imigração israelita, publicada no mesmo periódico em

seu número de 21 de janeiro de 1938. A opinião pública, ou melhor, os que a manipulavam,

usava da imprensa para mostrar o quanto a imigração israelita era indesejável, tal como

podemos verificar em artigo publicado no Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 29 de

janeiro de 1938, no qual o articulista se mostrava antagônico à imigração de israelitas da

Romênia. Tudo isso ocorreria em um tempo em que na Alemanha as Leis de Nuremberg

tinham sido declaradas como parte da nova ordem do Reich, a Kristallnacht vitimava

milhares de judeus material e espiritualmente, e se projetava a “Solução Final” dos judeus

na Europa e onde se pudesse alcançá-los, para a glória da raça ariana, seus seguidores e o

Fuhrer, que tanta admiração havia causado em alguns países sul-americanos.

É preciso dizer, também, que em 18 de abril de 1938, pelo artigo 3 do decreto

383, dava-se o prazo de 30 dias para que todas as instituições estrangeiras se legalizassem,

proibindo-se também o uso de qualquer outra língua que não o português nas escolas ou nas

atividades culturais. Xenofobia e anti-semitismo confundiam os judeus alemães com

209

V. Dines, Alberto, Morte no Paraíso, ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981, p. 228.

210

Cit. na série de artigos publicados em 1948 em “O Estado de São Paulo”, com o título “A batalha contra a

imigração”.

86

alemães adeptos ou simpatizantes do nazismo no Brasil, e não faltavam interessados em

confundi-los.

Houve outras facetas, não menos “interessantes”, relativas à imigração judaica

em outros países da América Latina, e não somente ao Brasil, tal como uma notícia de um

jornal norte-americano que informava sobre um acordo que seis países – Brasil, Uruguai,

Paraguai, Perú, São Salvador e Bolívia – fizeram com o Vaticano para permitir a imigração

de “conversos” aos seus respectivos territórios.211

Isso ocorreria em 1940, isto é, quando a

máquina de extermínio dos judeus na Europa já se encontrava bem acelerada. Um dos

países que assinaram esse acordo – a Bolívia – elaboraria, dois anos após, em 1942, um

plano único e inédito em nosso continente, o da expulsão dos judeus de seu território! E

novamente isso ocorria em um ano em que ninguém desconhecia ou tinha dúvidas sobre a

catástrofe que atingira o judaísmo europeu.

Mas voltemos a Rezende, que foi considerada a última experiência agrícola empreendida

pela J.C.A. em solo brasileiro. No álbum-mapa, feito em julho de 1936, do levantamento da

área adquirida pela J.C.A., lemos que ela possuía 400 alqueires geométricos e constituía um

conjunto de várias glebas de terra denominadas Fazenda Lambary, Castello, Santa Clara,

Barra e São Sebastião, de propriedade do coronel Abílio Marcondes de Godoy. A compra

custou à J.C.A. 1.100 contos de réis e o levantamento técnico-topográfico foi feito pelos

engenheiros Israel Max Roussine e D. Rosenblum, ambos sob as expensas da J.C.A. Temos

duas descrições da colônia, sendo a primeira decorrente da visita do interventor do estado

do Rio, o comandante Amaral Peixoto, em abril de 1938212

, e a segunda feita, nada mais

nada menos, pelo Presidente da República, o sr. Getúlio Vargas, em junho do mesmo ano e

publicadas no “San Pauler Idiche Tzeitung”. Além do mais, em janeiro daquele mesmo ano,

publicava o jornal “A Tarde”, do Rio de Janeiro, um artigo acerca da colonização e do

projeto. Transcrevemos o relato das duas visitas mencionadas, uma vez que uma

complementa a outra: “A colônia é para 30 famílias, mas por enquanto tem apenas quinze.

Já estão prontas as restantes quinze casas com todos os apetrechos necessários e em

condições de receber habitantes. O governo não gastou ali um tostão, toda a instalação da

colônia foi feita por uma instituição judaica formada na Europa, com sede em Paris, que

comprou as terras, construiu pontes, saneou a zona, etc. Cada colono recebe, ao chegar,

além dos instrumentos necessários ao serviço da agricultura, sementes, galinhas e quinze

vacas leiteiras. Tudo está calculado matematicamente. No início a colônia dá déficit, no

segundo ano o déficit é menor, no terceiro a receita cobre as despesas e no quarto e quinto

anos o lucro deverá ser bastante para compensar o capital empregado. Trata-se de um plano

qüinqüenal cuja execução tem dado resultados em outros países. Passados os cinco anos, as

novas colônias serão instaladas, tudo de acordo com o plano traçado pela instituição acima

referida. Nessa colônia há uma escola onde o ensino é ministrado somente em Língua

Portuguesa. É chefiada por um engenheiro judeu alemão, tendo notado o interventor

Amaral Peixoto que o trabalho ali é admiravelmente disciplinado e que os colonos gozam

de todo o conforto. Aparecendo no local à hora do almoço, viu a alimentação do pessoal,

gabando o asseio que notou em nossa colônia. Ao retirar-se, prometeu interessar-se junto ao

211

“San Pauler Idiche Tzeitung” de 8 de abril de 1940.

212

“San Pauler Idiche Tzeitung” de 10 de abril de 1938.

87

ministro do Exterior no sentido de obter a permissão necessária à entrada das quinze

famílias que faltam para completar a colônia em apreço”. A segunda visita, a do presidente

da República, acompanhado pelo ministro da Agricultura, Fernando Costa, o interventor

Amaral Peixoto e outras pessoas é noticiada no S.P.I.Z. de 3 de junho, com uma nota que

diz que “o presidente foi recebido pelo administrador da colônia, I. Aizenberg. A colônia

foi fundada há dois anos e conta com 16 famílias. A sua capacidade é de 40 famílias”.

Posteriormente, no mesmo periódico, em 8 de agosto e em 26 de outubro, temos mais um

relato da visita do presidente que inicia com o título “Um exemplo de organização agrária,

a colônia agrícola Fazenda da Barra, em Rezende”. “O diretor da colônia é austríaco. Está

sendo redigido um relatório da colônia para ser apresentado à direção geral: cada família

que chega tem direito a um lote com uma casa, um pequeno estábulo, um galinheiro e

outras instalações, além dos instrumentos de uso individual na lavoura. As máquinas

maiores como arados, trator, etc. são cedidas a cada colono conforme as vão necessitando.

O lote assim distribuído é pago pelo colono em prazos dilatados e toda a produção é

calculada pelo agrônomo, de maneira que o colono não perde tempo com tentativas sujeitas

ao fracasso. A base da produção é o leite. O gado é meio-estábulo, de maneira a não exigir

muita terra de pasto e aumentar a produção de leite. Pequenos sítios conservam a forragem.

Outras atividades como horticultura, pomicultura, etc. são acessórias, sobretudo nos

primeiros tempos. Os colonos da Fazenda da Barra já são os maiores fornecedores de leite

do município. Quanto aos outros produtos, os fretes não causam prejuízos, porque eles

embarcam em caminhão e o caminhão traz os produtos diretamente ao mercado,

eliminando o atravessador. No primeiro ano foram plantados no conjunto dos lotes

colonizados 75,6 hectares de milho, 59,4 de mandioca, 36,2 de feijão, 18,4 de arroz, 0,5 de

batata doce, 2,2 de batata inglesa, 0,6 de amendoim, 14,9 de capim imperial. A forragem é

o que mais preocupa o colono. Resolvido esse problema, resta o da formiga, que absorve as

energias do colono”. O relato terminava dizendo que a colônia tinha 16 famílias e uma

escola primária brasileira, tendo a fazenda já medidos e demarcados lotes para mais de 80

famílias.

O que aconteceu com a colônia agrícola judaica de Rezende? A resposta não é

difícil de se dar. Os imigrantes judeus alemães que deveriam chegar para completar as 15

ou 16 famílias iniciais não vieram, e os lotes da J.C.A. acabaram passando a outras mãos.

Não era um tempo fácil para os imigrantes judeus entrarem no Brasil, como já havíamos

demonstrado longamente mais acima, e assim a última tentativa de colonização agrícola da

J.C.A. redundaria em fracasso, apesar de que no Rio Grande do Sul a colonização de

“Quatro Irmãos” subsistiria durante muito tempo e alguns de seus descendentes

continuaram a exercer uma atividade agrícola várias décadas após, mesmo até os nossos

dias.

Porém vejamos agora a imigração judaica ao Brasil e à Argentina sob o ângulo

estatístico a fim de termos uma idéia do movimento migratório, sua distribuição no tempo e

sua avaliação quantitativa, ainda que devemos observar que poucos são os estudos e poucas

as fontes que permitem a coleta de dados numéricos referentes a ambos os países.

Segundo a tabela demonstrativa sobre a imigração judaica no Brasil e

Argentina durante os anos de 1906-1918, publicada na Algemeine Enziclopedie,213

temos os

seguintes dados:

213

Algemeine Enziclopedie, vol. Yidn, Paris, 1939, pp. 441-482.

88

Ano Argentina Brasil Ano Argentina Brasil

1904 4.000 - 1921 4.095 -

1905 7.516 - 1922 7.198 -

1906 13.500 - 1923 13.700 -

1907 2.518 - 1924 7.800 -

1908 5.444 - 1925 6.920 2.624

1909 8.557 - 1926 7.534 3.906

1910 6.581 - 1927 5.584 5.167

1911 6.378 - 1928 6.812 4.055

1912 13.416 - 1929 5.986 5.610

1913 10.860 - 1930 7.805 3.558

1914 3.693 - 1931 3.553 1.940

1915 606 - 1932 1.801 2.049

1916 - - 1933 1.962 3.317

1917 - - 1934 2.215 4.010

1918 - - 1935 3.169 1.759

1919 280 - 1936 4.261 3.450

1920 2.071 - 1937 - -

Estes dados não são oficiais e foram tirados dos relatórios da J.C.A., HIAS ou

HICEM, entidades que cuidavam da imigração judaica em todo o mundo. Pinhe Katz, no

seu livro “Fuftzik yohr yidn in Argentine214

(50 anos de judaísmo argentino), repete a cifra

extraída da J.C.A., que mostra que, em 1904, entraram 4.000 imigrantes judeus, em 1905 –

7.516; 1906 – 13.500; em 1907 – 2.518, confirmando os dados da “Algemeine

Enziclopedie”. Segundo o relatório da J.C.A. publicado em 1908, calculava-se a população

judaica na Argentina entre 35.000 a 40.000 almas, das quais viviam em Buenos Aires cerca

de 15 a 16 mil, 13.000 nas colônias da J.C.A. e o restante em outras cidades daquele país.

Em um estudo de I. Dijour, Die Judische Auswanderung aus Polen215

(A

emigração judaica da Polônia), encontramos a seguinte estatística referente à imigração

judaica da Polônia à Argentina e ao Brasil:

No período de 1921 a 1925 em 1926 em 1927

Argentina 17.500 4.750 1.932

Brasil 2.000 1.376 676

No artigo “Di arbeit fun ‘HIAS-ICA-Emigdirekt’ in yohr 1928”216

(O trabalho

da HIAS-ICA-Emigdirekt no ano de 1928), vemos que a imigração de 1928 na Argentina

foi de 7.000, enquanto que ao Brasil chegaram 4.055, passando pelos representantes da

sociedade acima mencionada no Rio de janeiro, em Santos, Bahia e Pernambuco.

214

Geklibene Schriftn, vol. IV, B. Aires, 1946, p. 52. 215

In “Die jüdische Emigration”, Feb. Marz, Berlin, 1928, pp. 1-5. 216

in “Di Yidiche Emigratzie”, n.º 2, Berlin, 1929, pp. 106-111.

89

E ainda no artigo “Di algemeine un idishe emigratzie fun Poilen far di yohren

1927-1928”217

(A emigração geral e judaica da Polônia no ano 1927-1928), temos a

seguinte tabela comparativa da emigração polonesa:

em 1928 Argentina Brasil

Geral 22.007 4.402

Judaica 4.805 1.190

em 1927 Argentina Brasil

Geral 20.189 3.376

Judaica 4.113 1.095

Todos esses estudos permitem deduzir certa estatística sobre a emigração vinda

à Argentina e ao Brasil, já que a Polônia constituía a grande fonte emigratória a ambos os

países.

Na segunda metade de 1928, nota-se na Argentina a criação de certas

dificuldades para a aceitação de imigrantes. De início elas são dirigidas contra pequenos

comerciantes e também artesãos, com a finalidade de desviar a imigração da cidade de

Buenos Aires, que contava com 2 milhões e meio de habitantes, enquanto que o geral da

população em todo o território era de 10 milhões. Em seguida, criaram-se novos obstáculos

a livre imigração restringindo-a a aceitação apenas de trabalhadores rurais, ou daqueles

considerados necessários, ou ainda os que possuíssem 150 dólares além das despesas de

viagem.

Isso prejudicou a imigração judaica, ainda que o novo governo eleito

posteriormente trouxesse novas esperanças. Em todo caso, as limitações do governo

argentino, nesse ano, levaram a desviar a imigração ao Brasil.

Os relatórios do Relief no Rio de Janeiro, que se encarregava de receber,

orientar e ajudar os imigrantes israelitas que chegavam ao Brasil e que tinham agências

com as mesmas incumbências em outras cidades do território nacional, confirmam em boa

parte as cifras relativas ao ingresso de pessoas sob o seu cuidado e registro, o que

representava apenas uma parte dos imigrantes judeus entrados em nosso país, ou seja,

aquela parte que vinha sob a coordenação e arranjo dos órgãos internacionais, tais como

HIAS, a J.C.A. e a Emigdirekt. A estatística sobre essa imigração começa a ser publicada

pelo Relief a partir de 1925 e é divulgada na imprensa judaica, em língua ídiche, até 1926

no jornal “Dos Idiche Vochenblat” e em 1927 no jornal “Brazilianer Idiche Tzeitung”. Se

considerarmos que muitos imigrantes israelitas não imigravam ao Brasil via essas

instituições e tampouco eram recebidos e registrados no Relief, porém vinham por conta

própria, podemos deduzir que os números acima estão próximos da verdade. Os números

do Relief confirmam também que a maioria dos imigrantes da década de 20 vinha da

Polônia e Rússia. Senão vejamos: no relatório do Relief, referente ao ano de 1925,

encontramos que ingressaram em nosso país 312 judeus, dos quais 141 vindos da Polônia,

112 da Rússia e o restante de demais países (Romênia, Áustria, Checoslováquia, Hungria,

Alemanha, etc). Em 1925, a imigração registrada no Relief atingia uma média mensal de 55

para o primeiro semestre e 150 para o segundo semestre. Em 1927, a média mensal de

217

in “Di Yidiche Emigratzie”, n.º 2, Berlin, 1929, pp. 205-211; n.º 6-8, 1929, pp. 337-341.

90

ingresso de imigrantes seria de 45 almas. Lamentavelmente, não temos a continuação dessa

estatística, pois o B.I.P. deixaria de ser publicado no fim de 1929, e os demais jornais que

surgiram a partir de 1927 deixaram de publicar sistematicamente os dados relativos ao

Relief, ainda que aqui e acolá possamos colher alguma informação estatística sobre a

imigração judaica no Brasil.

Ainda sobre a imigração judaica no Brasil e Argentina, bem como sobre a

imigração judaica em geral, importante é o estudo de Jacob Lestchinsky, talvez a maior

autoridade no assunto, publicado em 1944 no Yivo Bletter,218

e onde se admite que de 1840

a 1924 entraram em nosso país 71.360 israelitas e na Argentina 223.540, segundo a

seguinte distribuição de tempo:

Argentina Brasil

1840-1880 2.000 500

1881-1900 25.000 1.000

1901-1914 87.614 8.750

1915-1920 3.503 2.000

1921-1925 39.713 7.139

1926-1930 33.721 22.296

1931-1935 12.700 13.075

1936-1939 14.789 10.600

1940-1942 4.500 6.000

Nesse período, ou seja, de 1840 a 1942, o movimento migratório de judeus a

todos os países foi de 3.916.988 almas, representando a imigração à Argentina 5,7 % do

total da imigração ao Brasil, 1,8 % em relação ao total. Os Estados Unidos representam

71,5 do total dessa imigração, que resultou no ingresso de 2.801.890 de judeus, em todo

aquele período, em território norte-americano.

Para concluirmos nosso estudo devemos resumir as causas do fracasso da

J.C.A, fracasso relativo, pois sabemos dos beneficiários significativos que a colonização

agrícola judaica trouxe tanto à Argentina quanto ao Brasil, porém no sentido de não haver

tido uma continuidade e expansão da obra que havia iniciado em ambos os territórios nos

finais do século XIX e nos inícios do século passado.

Sabemos que na Argentina a colonização agrícola trouxe resultados

satisfatórios sob o aspecto da produtivização dos judeus que imigraram àquele país, além

dos dourados benefícios que trouxe à agricultura e à economia de lá. Porém, no Brasil os

efeitos foram menores. Da colonização encetada no Rio Grande do Sul desenvolveram-se

posteriormente núcleos urbanos que se contam entre as cidades existentes naquela região.

O isolamento das duas colônias sulinas, devido à falta de estradas adequadas

que permitissem a comunicação com outros núcleos populacionais e favorecessem o

218

“Yidiche vanderungen in di letzte hundert yohr” (Migrações judaicas nos últimos cem

anos), in Yivo Bletter (Journal of the Yiddish Scientific Institute), New York, vol. XXIII, january-february,

1944, n.º 1, pp. 41-54. Para a imigração judaica à Argentina no século XIX encontram-se estimativas no

importante artigo de A. L. Schusheim, L’Toldot ha-ishuv haiehudi b’Argentina” (Para a história dos judeus na

Argentina), in Sefer Argentina, B.A., 1954, pp. 27-65.

91

escoamento dos produtos agrícolas até os mercados de consumo; a mata ou a floresta densa,

que exigia um grande emprego de mão-de-obra para desmatamento e abertura de clareiras

para obtenção de terras agrícolas; os graves distúrbios dos anos de 1923 e 1924, que

levaram os agricultores ao abandono das colônias em troca de lugares mais seguros; a

atração dos jovens pelas cidades; a falta de continuidade na imigração do elemento humano

disposto à atividade agrícola; e, posteriormente, a própria política imigratória adotada pelo

governo brasileiro, a partir da década de 30, foram fatores decisivos para a desagregação

das colônias. Também não podemos omitir, como causa importante e muitas vezes até

decisiva em relação ao abandono de colonos e sua decepção, a inclemência do clima, que

em certos momentos destruía tudo o que havia sido feito pelas mãos dos agricultores, e as

catástrofes provocadas por nuvens de gafanhotos, perante os quais o colono se mostrava

impotente e sem meios para combatê-los.219

Há que considerar que, ao contrário do que ocorreu, em parte, na Argentina, as

colônias brasileiras não tiveram nenhum respaldo governamental, necessário à atividade

agrícola de um modo geral, principalmente em períodos de calamidade. Por outro lado, no

estudo da colonização judaica encetada pela J.C.A. na Argentina e Brasil, fica patente que

apesar do “know-how” da empresa colonizadora e a disponibilidade de recursos a serem

aplicados nos projetos da entidade, nem sempre sua administração foi suficientemente

qualificada para enfrentar os problemas que o empreendimento requeria. Muitos de seus

administradores se mostraram pouco humanos e inábeis em lidar com os colonos, que

necessitavam de orientação técnico-agrícola e compreensão, o que nem sempre

encontraram entre aqueles que eram encarregados de fornecê-la. Na história da colonização

judaica, principalmente na Argentina, os choques entre a administração e os colonos

também tem o seu capítulo, e não podemos desconsiderá-lo como fator negativo no

desenvolvimento da colonização agrícola.220

Também em nossas colônias sulinas não faltaram atritos, justificados ou não,

entre colonos e a administração local da J.C.A. Sobre uma manifestação organizada dos

colonos logo nos primeiros tempos de Philippson, temos um relato literariamente delicioso

de Melech Reicher, que testemunhou o acontecimento como colono que era em Philippson.

Ele descreveu os sofrimentos e as terríveis dificuldades de adaptação, no início daquela

colônia agrícola, provocados também pela inércia administrativa ao ordenarem aos colonos

que cercassem seus hectares de terra com cercas feitas de madeira a ser extraída da floresta,

que ficava a certa distância das propriedades agrícolas e exigia um esforço descomunal de

homens e bois para abrir caminho até lá. E assim narra o que aconteceu: “Os mais

destacados entre os colonos convocaram uma assembléia geral na Sinagoga e lá tomaram

uma resolução: todos os participantes deveriam ir diretamente protestar frente a

administração. Naquele mesmo dia, com gritos e alardes, marcharam mais de 60 colonos no

largo caminho que levava da colônia até a linha de trem. Cavaleiros montados sobre seus

219

Um dos poucos e comoventes depoimentos humanos que retrata a vida dos colonos de Philippson

encontramos no livro de Frida Alexander, “Filipson”, Fulgor, São Paulo, 1967. O relato, escrito em ídiche por

M. Reicher, um ex-colono, foi publicado no “Velt-Spiegel” (Espelho do Mundo), 6-7, nov/dez, 1939; 8,

janeiro, 1940; 11, maio, 1940; 12, agosto, 1940; 14, dezembro, 1940.

220

Bizberg, P., “Konfliktn zvischn di yidiche colonistn in Argentine um der localer YCA-administratzie”

(Conflitos entre os colonos judeus e a administração local da J.C.A.), in Argentiner IWO Shriftn, n.º 4, 1947,

pp. 85-107.

92

cavalos que passavam pelo local paravam e observavam admirados e boquiabertos com a

curiosa procissão de idosos judeus, que marchavam com suas longas barbas e casacões

negros, armados com varas nas mãos. O edifício da administração ficava no ponto mais alto

da colônia, em cima de uma colina, e quando o administrador observou de longe o

numeroso grupo de manifestantes, de imediato cerrou as portas e janelas e enviou seus dois

capangas com cães policiais em sua direção. Os colonos, aquecidos com um pouco de

bebida alcoólica e também com a mágoa provocada por uma longa semana de espera,

daquela vez não se assustaram com os caboclos. Com altas vozes, brados e xingamentos,

começaram a bater com as varas nas portas fechadas, esperando que o administrador se

apresentasse, pois eles não queriam lhe fazer mal algum, uma vez que os judeus não eram

bandidos. Pálido e assustado, o administrador foi obrigado a sair para se mostrar aos

colonos acompanhado de seus dois guarda-costas e seus cachorros. Com as mãos trêmulas,

ele tirou da gaveta de sua enorme escrivaninha um papel com a rubrica do escritório central

de Paris, e com um sorriso açucarado, fez conhecer aos colonos que “justamente hoje” ele

recebera de Paris uma ordem para que desse a eles arame farpado para cercar as

propriedades, zinco para cobrir os telhados das casas recém-construídas e galpões, e

também aumentar para cada família o subsídio mensal. Nesse dia, os colonos voltaram a

suas casas com o espírito elevado, alegres, e relataram às mulheres sobre o corajoso

confronto e a vitória obtida”.221

Devido a todos os fatos mencionados anteriormente, vários setores da opinião

pública judaica assumiram uma atitude hostil contra a J.C.A., atitude essa que encontrou

forte expressão na imprensa judaica, tanto na geral quanto na do Brasil, mas que nem

sempre foi isenta de razões ideológicas correntes na época, e que por vezes via com

pessimismo projetos de colonização na Diáspora, ou ainda, em oposição a ela, depositava

maior fé na produtivização dos judeus nos centros urbanos, visando a formação de um

proletariado industrial para a “normalização” de sua estrutura social.

Contudo, todas essas críticas e pontos de vista, na devida distância do tempo,

empalidecem e se tornam pouco significativos frente à gigantesca obra social e humana

realizada por um casal de barões, que no seu extremado idealismo, substituiu o amor por

um filho prematuramente falecido pelo amor a todos os filhos de Israel.

221

In “Velt-Spiegel”, n.º 8, janeiro, 1940, pp. 6-7.

93

10. A Contribuição dos Imigrantes Israelitas ao Desenvolvimento Brasileiro.

A presença dos israelitas no Brasil se faz sentir desde o início da descoberta

portuguesa, pois os cristãos-novos – ou marranos – vindos da Península Ibérica tomaram

parte ativa no processo de colonização da terra brasileira. Sabemos, também, que no

período da dominação holandesa, entre 1630 e 1654, esses mesmos cristãos-novos, que até

então cultivavam um judaísmo às escondidas, passaram a comportar-se abertamente como

fiéis de sua religião, organizando-se em comunidades próprias e mantendo um contato

íntimo com seus correligionários da Holanda. Isso até que os exércitos portugueses

expulsaram o invasor holandês de nosso solo, fazendo com que os judeus abandonassem

Recife para não se sujeitarem novamente, às ameaças da Inquisição.

Com a saída dos holandeses, os judeus que permaneceram em solo brasileiro

tiveram que esconder novamente suas origens religiosas, acabando por se mesclar à

população local. Seus descendentes se encontram entre muitas famílias tradicionais

brasileiras, em cujas veias corre muito sangue daqueles israelitas dos tempos coloniais.

Após um hiato histórico de vários séculos e somente com a transferência da

corte portuguesa ao Brasil, em 1808, seguida da Abertura dos Portos às nações amigas e ao

Tratado de Aliança e Amizade de fevereiro de 1810, pelo qual se assegurava aos

estrangeiros residentes no Brasil liberdade de consciência e de culto religioso, é que

começamos a notar a presença de israelitas que se declaravam como tais, sem o temor da

perseguição inquisitorial.

Entre os primeiros que chegaram no início do século passado encontravam-se

israelitas de várias procedências: ingleses como os Nathan, os Samuel, e Leão Cohn, cujo

filho Francisco foi comandante das tropas do Rio de Janeiro na Guerra do Paraguai;

alemães como os Moretzsohn, e seus descendentes, como os Salomon e Wallerstein;

gibraltinos como a famosa família Amzalak, que conta hoje com uma descendência

ininterrupta de 150 anos, cujos filhos se destacaram em vários campos da atividade humana

ou seja social, econômica, militar e cultural.

Começava, assim, um novo capítulo na longa presença judaica no Brasil, pois já

nas primeiras décadas do século XIX iniciava-se uma verdadeira onda imigratória de judeus

vindos da África do Norte, de Tanger e Marrocos, que se estabeleceram no Norte do país,

ou seja, no Pará e no Amazonas. Esses israelitas, portadores de uma longa tradição religiosa

e espiritual, cujas raízes remontam à Península Ibérica, constituirão os núcleos pioneiros

que se embrenharão na selva amazônica, percorrendo os rios da grande bacia fluvial e

criando pequenas comunidades nos lugares mais longínquos daquela região, em Cametá,

em Itacoatiara, em Obidos, chegando até a fronteira do Peru. As comunidades de Belém e

Manaus cresceram e floresceram graças ao trabalho e à atividade daqueles imigrantes que

vieram contribuir decisivamente para o desenvolvimento daquela região. Os Benchimol, os

Bentes, os Levy, os Zagury, os Cohen, os Ben-Athar, os Perez, entre muitas outras

famílias, deram homens de destaque na vida econômica, política, militar, científica e

cultural da nação. Essa migração também chegou a outros Estados: ao Rio de Janeiro, a São

Paulo e outros lugares, participando no processo de aculturação notável que caracterizou o

melting-pot imigratório singular e proporcionou a formação da nação brasileira.

À corrente imigratória marroquina seguiu-se na segunda década do século XIX,

procedente do continente europeu, uma nova onda imigratória. Pois, em 1848, a Europa

94

vivia um grande movimento nacionalista, corretamente denominado Primavera dos Povos,

e cujo objetivo último era alcançar a emancipação dos povos que viviam sob o domínio de

outros. Em decorrência desses conflitos nacionalistas israelitas da França, da Áustria, da

Alemanha e outras regiões se dispuseram a deixar seus países. Eram seres que procuravam

a paz e a liberdade que não podiam usufruir em seus lugares, uma vez que o anti-semitismo

secular, em tempos de crise social, revelava habitualmente hedionda face , impelindo os

israelitas a procurar um lugar seguro e para sua sobrevivência.

A guerra Franco-Prussiana de 1871 motivou a que muitos israelitas das regiões da Alsácia e

Lorena, incorporadas à Prússia, se dirigissem ao Brasil, constituindo uma verdadeira

corrente imigratória, cuja contribuição cultural e econômica ainda está para ser avaliada.

Seus nomes estão, hoje, afixados em várias ruas de São Paulo, tais como os Netter, os

Burchard, os Nothmann e muitos outros que se destacaram como os empreendedores de

iniciativas econômicas e sociais de grande significado nacional, e que acabaram, eles e seus

descendentes, por se integrar na sociedade brasileira com extraordinária facilidade. Os

imigrantes alsacianos que se estabeleceram em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Campinas

e outros lugares trouxeram o bom gosto e o refinamento no modo de trajar, introduzindo as

casas de modas e joalherias ao mesmo tempo que empreenderam projetos industriais em

setores que começavam a despontar em nosso país. Sua contribuição cultural não foi menos

importante nas artes plásticas, onde aparecem os nome de Gaston e Berta Worms, assim

como na música, na qual se destaca o nome de Alexandre Levy. Os alsacianos promoveram

o intercâmbio comercial com a Europa, exportando café e importando maquinarias para

indústria nascente em nosso território.

Uma nova corrente imigratória iniciar-se-ia no fim do século passado, devido às

perseguições que os judeus estavam sofrendo na Rússia, a partir do ano de 1881, e onde

vivia uma grande população de israelitas em péssimas condições econômicas e sociais.

Servindo de bode expiatório a um regime de desmandos de um império que estava se

deteriorando e que se caracterizava por um feroz anti-semitismo. Os judeus da Rússia,

Ucrânia, Bessarábia, Polônia, Lituânia, Galitzia, pressionados pelas circunstâncias, foram

abandonando aqueles territórios em busca de novas oportunidades na Europa ocidental e

nas Américas. Ao mesmo tempo, as comunidades judias dos países da Europa Central e

Ocidental começaram a procurar meios para amenizar o êxodo dos seus irmãos da Europa

Oriental no Brasil. Para tanto, foi enviado ao nosso país um jornalista alemão, Oswald

Boxer, para tratar das possibilidades de estabelecer colonos judeus no Brasil, mas não pôde

levar adiante seu projeto devido às circunstâncias políticas que reinavam em 1891, ano de

sua vinda ao Brasil. Quando ainda se encontrava na cidade de São Paulo, aguardando

melhores tempos para negociar o projeto de colonização, acabou morrendo de febre

amarela.

No mesmo ano de 1891, foi dado um passo muito importante no sentido de

encontrar uma solução para os sofrimentos dos judeus da Europa Oriental, com a criação da

Jewish Colonization Association (J.C.A.), sob a iniciativa do magnânimo benfeitor de seu

povo, o Barão Maurício de Hirsch, e a cooperação de alguns israelitas proeminentes da

França e da Inglaterra. A J.C.A. projetou uma colonização agrícola judaica na Argentina e

no Brasil, sendo que a partir de 1900 foi enviada uma comissão de estudos ao Rio Grande

do Sul a fim de verificar as condições ideais para a realização daquele projeto. De fato, a

comissão de estudos votou um parecer favorável, e já em 1901 viria um agrônomo, Dr.

Eusébio Lapine, para visitar várias zonas gaúchas e comprar terras em Pinhal, no município

de Santa Maria, onde em 1904 instalar-se-ia a primeira colônia agrícola israelita no Rio

95

Grande do Sul, com o nome de Philippson, em homenagem ao vice-presidente da J.C.A.

daquele tempo.

A J.C.A. pagava as despesas de viagem e entregava a cada colono um lote de 25

a 30 hectares de terra para cultivo, incluindo campo de pasto e mata, uma casa para

moradia, instrumentos de trabalho, 2 juntas de boi, 2 vacas e um cavalo. Enquanto não

pudessem viver do produto das colheitas, dava-lhes um suprimento em dinheiro, variável de

acordo com o número de pessoas da família. O colono devia reembolsar essa importância

dentro de um prazo de 10 a 20 anos, acrescida de juros módicos. As despesas com a

administração, escola, funcionalismo, serviços públicos, etc, eram feitas pela J.C.A. sem

nada debitar na conta dos colonos. Philippson não foi a única colônia agrícola fundada pela

J.C.A., pois devido ao sucesso da primeira, essa sociedade de colonização resolveu

comprar, em 1909, a fazenda “Quatro Irmãos”, com 93.850 hectares de terra, no município

de Passo Fundo. Os primeiros colonos israelitas chegaram entre 1911 e 1912, provenientes

da Argentina e outros lugares, principalmente da Bessarábia. Em 1913, chegou da Rússia

mais um grupo de 150 famílias. A colônia cresceu a ponto de, nas vésperas da Primeira

Guerra Mundial, atingir o número elevado de cerca de 350 famílias.

Os colonos dedicavam-se à criação de gado, ao cultivo de milho e de vários

cereais, principalmente o trigo, que até então era desconhecido na região. As dificuldades

não foram poucas, pois tanto o solo quanto o clima lhes eram estranhos. A densa floresta,

predominante na região, que implicava num desmatamento penoso, as pragas de

gafanhotos, o isolamento dos grandes centros, devido à falta de estradas, foram fatores que

levaram em boa parte ao abandono da terra. E, em 1923, o desastre sobreveio com a

revolução sulina, pois muitos assaltantes e ladrões, dizendo-se revolucionários, invadiram a

colônia Quatro Irmãos e arrebataram tudo o que a colônia possuía, desde o gado até objetos

de toda natureza. Apesar de tudo, o ânimo dos colonos não esmoreceu, e ainda que muitos

abandonassem o lugar, outros viriam da Europa para se instalar em Quatro Irmãos,

composta de vários núcleos colonizadores, a saber: o de Barão Hirsh, Baronesa Clara e Rio

Padre.

Da colonização sistemática de israelitas no Rio Grande do Sul surgiram as

comunidades judias das cidades de Porto Alegre, Santa Maria, Passo Fundo, Erexim, Cruz

Alta e outras menores, pois os colonos imigrantes de Philippson e Quatro Irmãos acabaram

juntando-se aos poucos israelitas que já viviam naqueles centros urbanos.

Desde os primeiros anos do século XX e as vésperas da Primeira Guerra

Mundial verificou-se um aumento gradativo da imigração judaica ao Brasil. Nas grandes

cidades do país, tais como Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Recife,

Salvador e outras, já às vésperas de 1914, organizavam-se as comunidades israelitas,

atendendo ao imperativo da corrente imigratória que começava a engrossar. Organizavam-

se as primeiras entidades de ajuda e beneficência para receber os imigrantes, procurando-se

ampará-los materialmente e espiritualmente e assegurando a sua integração à vida no país.

Paralelamente às instituições de ajuda mútua e beneficência de amparo aos

imigrantes, as comunidades israelitas fundaram escolas para seus filhos, sociedades

culturais, com o objetivo de facilitar a absorção dos recém-chegados e permitir seu

enraizamento no solo brasileiro. Ao mesmo tempo, desenvolviam uma atividade cultural

intensa, com a formação de bibliotecas, grupos de teatro, clubes literários, fundando,

também os primeiros periódicos, que atraíram poetas, escritores, jornalistas e artistas que

passaram a formar a “intelligentsia” local.

96

Nesse ínterim, principalmente entre as duas grandes guerras mundiais, a

população judaica no Brasil cresceu significativamente, acrescida da onda imigratória

procedente da Europa Central, de fala alemã, atemorizada pelo nazismo, que a partir de

1933 ascendia ao poder e dava início a uma política de confinamento e marginalização dos

judeus na Alemanha . Nessas décadas, as colônias israelitas de São Paulo, Rio de Janeiro e

de outras capitais de nosso território davam uma imensa contribuição ao progresso do país,

apresentando-se como um elemento criativo em vários setores, no comércio, na indústria, e

destacando-se em várias atividades profissionais, como médicos, engenheiros, professores,

pesquisadores e cientistas. As gerações já nascidas no Brasil, filhos daqueles imigrantes que

vieram sem outra coisa senão a esperança de reconstruírem suas vidas num solo benigno

que os acolheu de braços abertos, constituiu um elemento dinâmico que revelou talento e

aptidão em toda a extensão das atividades humanas num país que estava dando passos

importantes e decisivos em seu desenvolvimento.

As correntes imigratórias israelitas não cessaram com a Segunda Guerra

Mundial, pois com o término da catástrofe, que resultou no holocausto de milhões de almas

do povo judeu, muitos dos sobreviventes do inferno hitlerista procuravam lugares não

manchados com o seu sangue para esquecer o pesadelo pelo qual haviam passado. Ao

Brasil chegaram para reconstituírem suas vidas, num clima de liberdade, de humanidade,

sem discriminações de qualquer espécie, podendo, assim, através de uma atividade

produtiva intensa, provar do que eram capazes, beneficiando a nova pátria que haviam

encontrado em nosso território, fechando, na distância de vários séculos, o círculo que

havia se iniciado desde a descoberta em 1500, quando começaram a aportar nesses tempos

coloniais, os cristãos-novos perseguidos e degredados da Península Ibérica.

AJUDA DE BARÃO JUDEU

Em Viena, na ocasião em que exerceu uma missão diplomática, no ano de

1745, e onde iria encontrar sua esposa, Leonor Daun, ele, passando por sérias dificuldades

financeiras, seria socorrido pelo banqueiro judeu português, barão Diogo de Aguilar, que

fora para a Alemanha como foragido, por medo da fogueira, ou, como diziam ainda alguns,

por dilapidações da venda de tabaco, porquanto no reino exercera a atividade de contratante

desse produto. Diogo de Aguilar acabaria prestando os mesmos serviços ao imperador

Carlos VI, e, em retribuição, receberia o título de nobreza. E não é de se estranhar que o

relacionamento com o barão judeu português, assim como com outros residentes em

Londres que o auxiliaram eficientemente sob o aspecto financeiro, em suas missões

diplomáticas, tenha influído decisivamente para mudar suas opiniões a respeito dos filhos

de Israel e o tenha levado a retribuir, mais tarde, as benesses que recebera daqueles anos.

Mesmo antes de Pombal vir a Viena, o conde de Tarouca tomara, a serviço da

legação portuguesa, um outro foragido da terra portuguesa, o assim chamado Cavaleiro de

Oliveira. E, além do mais, não era raro que cristãos-novos ou judeus de seu tempo,

perseguidos no reino pelo Santo Ofício, acabassem servindo com seu talento, no

estrangeiro, as embaixadas portuguesas, tal como fizera Jacob de Castro Sarmento, médico

do ministro em Londres.

Pombal teria, ao sair da Península, entrando em contato com os países europeus

mais adiantados, visto e sentido o clima de tolerância e liberdade em relação aos judeus na

Inglaterra, na Holanda, no Império Austro-Húngaro e nos próprios Estados Papais, onde

gozavam de inteira liberdade. Tal situação era chocante e contrastava terrivelmente com o

97

que se passava em Espanha e Portugal, onde o Tribunal do Santo Ofício dominava e

supervisionava as mentes da nação. Também observava o quanto a instituição inquisitorial

prejudicava o reino, pois fácil era notar o papel positivo exercido pelos judeus, na Holanda

e na Inglaterra, na crescente atividade econômica daqueles países, enquanto que Portugal,

devido ao seu fanatismo, os perdia, juntamente com seus bens e riquezas. Possivelmente,

tudo isso o tenha levado a meditar sobre o caminho a seguir em relação ao Santo Ofício e às

perseguições constantes sofridas pelos cristãos-novos portugueses. Houve também aqueles

que explicaram a ação pombalina, e ainda em seu tempo, com calúnias tais como o de ter

recebido dos judeus cerca de 500 mil cruzados, acusações que eram lembradas em alguns

versos satíricos da época.

Porém, e acima de tudo, inegável era que o corajoso estadista dera “o golpe de

misericórdia” no monstro que atormentou o judaísmo peninsular, durante alguns séculos, e

o fez de tal modo que seus últimos estertores nem sequer foram mais ouvidos.

98

11. A Religião e a Imigração Israelita no Brasil

A história da Diáspora judaica tem como núcleo central a comunidade religiosa

organizada ao redor de sua instituição fundamental, isto é, a sinagoga.

Desde os primórdios a comunidade sinagogal foi condicionada por dois fatores

que atuaram simultaneamente, a saber: o fator externo, consistindo no meio ambiente ou a

sociedade mais ampla, onde os judeus viviam, e o fator interno, que expressava as

necessidades bem como o caráter particular de determinado agrupamento judaico onde quer

que se localizasse.

A literatura histórica sobre a vida e a organização comunitária judaica abrange a

diáspora desde a Antigüidade, incluindo-se os centros mesopotâmicos e da Ásia Menor,

bem como a imensa extensão geográfica sob os domínios grego e romano, passando pela

Idade Média (oriental e ocidental) e os períodos mais recentes, Moderno e Contemporâneo.

Ao estudarmos essa rica produção histórica, vemos que no seu conjunto “elas se

conjugam à semelhança de um mosaico, que esboça uma linha contínua de forças e

aspirações da nacionalidade judaica dirigida a si mesma, mesmo em condições de dispersão

e afastamento, dificílimas para manter-se unida e preservar tradições de autonomia

governamental”.222

Portanto, quando falamos em comunidade judaica temos a lembrar, antes de

tudo, que nos referimos a instituições que remontam, por vezes, desde a antigüidade, e são

herança de um passado histórico, criativo e sempre renovador, cujo eixo principal de

sustentação passa a ser a sinagoga.

A sinagoga não é apenas o lugar ou edifício para a realização do culto e do ciclo

anual litúrgico com os seus valores religiosos e espirituais, e que exige para tanto um

quorum mínimo de dez varões, acima dos treze anos de idade, para dar validade ao serviço

divino. Mais do que isso, a sinagoga, no passado, e ainda no presente, serviu, e serve, de

centro catalisador da vida comunal e pode ser o foro de expressão para todo tipo de

manifestação social da minoria judaica, onde quer que ela se encontra. Ao seu redor

organizaram-se os vários moldes e instituições da vida comunitária, procurando atender a

suas múltiplas necessidades, seja no campo educacional, beneficente, jurídico, cultural e os

demais.

Assim sendo, podemos compreender que o imigrante judeu no Brasil, assim

como em outros lugares, procurou assegurar em primeiro lugar o edifício onde pudesse

expressar seus anseios religiosos e encontrar o calor humano junto aos seus conterrâneos,

que o acolhiam e o orientavam no país onde se instalara. Boa parte dessas sinagogas, nas

primeiras etapas da imigração contemporânea, a partir do século XIX, eram casas ou salões

alugados ou improvisados, uma vez que a falta de recursos impedia a aquisição de edifícios.

Somente mais tarde, com a melhora e ascensão econômica das comunidades, é que se

passou a construir templos próprios, com a contribuição e o esforço coletivo dos membros

que as compunham.

222

A melhor coletânea sobre o tema, com ênfase no período medieval, foi organizada pelo saudoso professor

da Universidade Hebraica de Jerusalém, Haim Hilel Ben-Sasson, Há-Kehilá ha-Yehudit be-Yemei há-

Beinaim (A comunidade judaica na Idade Média), Soc. Histórica de Israel, Jerusalém, 1976.

99

Uma vez existindo a sinagoga, deveria haver uma autoridade religiosa, que às

vezes antecedia a construção do templo ou era providenciada posteriormente.

Na religião judaica não é obrigatório ser o ofício litúrgico conduzido por uma

autoridade religiosa qualificada formalmente, ou seja, um rabino, porém, qualquer membro

da comunidade que tenha o conhecimento suficiente da religião e da liturgia estará apto a

servir de chantre e condutor do serviço divino. E, de fato, sabemos que em boa parte, o

serviço religioso das comunidades judaicas recém-instaladas e espalhadas pelo território

nacional era conduzido por “leigos” inteirados das tradições e capazes de ler os textos

sagrados. O conhecimento das tradições e dos fundamentos da religião judaica deve ser

uma herança transmitida de pais a filhos e de geração a geração, pois é parte da formação

que a criança judia deve ter como futuro membro da comunidade. Porém, desde o início

os imigrantes das diversas levas imigratórias que aportaram ao Brasil, procuraram dar um

significado mais profundo e rico a sua vida espiritual, trazendo rabinos de outros países, da

Europa, do Oriente Médio, da África do Norte e mesmo da Argentina, que tinha uma

população judaica numericamente maior e mais desenvolvida sob o aspecto comunitário.

Esses rabinos, além de exercerem funções sinagogais, atendiam as necessidades do

cotidiano, no qual a sua presença se faz imprescindível, desde casamentos, circuncisões,

bar-mitzvot e em todos os atos que exigiam sua orientação religiosa.

Quem foram os primeiros rabinos no Brasil e quais foram as primeiras

sinagogas brasileiras? Não é uma pergunta fácil de se responder, pois se de um lado temos

alguns elementos, os poucos documentos que nos fornecem nomes e lugares ainda não são

suficientes para desvendar e desfazer as inúmeras dúvidas que pairam nesse segmento

particular da história da imigração judaica em nosso país.

No período colonial temos vários testemunhos de que os cristãos-novos

judaizantes faziam esnogas, e essa expressão denotava que eles se reuniam em algum lugar

para promover um culto judaico, que poderia ser motivado por qualquer uma das

festividades judaicas ou para rememorar tradições que os “marranos” e seus descendentes

costumavam observar, longe dos olhos daqueles que poderiam delatá-los aos esbirros da

Inquisição. Sabemos com certeza que havia lugares onde seguiam uma rotina estabelecida

ainda na Península Ibérica, em que certas casas de adeptos do judaísmo serviam de ponto

de encontro para a realização de cerimônias religiosas e para o estudo do judaísmo sob a

orientação de uma personalidade mais culta e esclarecida, que poderia ser denominada de

rabi. Essas esnogas clandestinas são lembradas nas denunciações durante a Primeira

Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil, quando comparece à mesa da Visitação, na

Bahia, um cristão-velho de nome Manoel Braz, que testemunha ter conhecimento de que

“em casa de Diogo Lopes Ilhoa, cristão-novo, mercador nesta cidade, se fazia esnoga com

ajuntamento de judeus, e que quando uns estavam dentro fazendo a esnoga, outros andavam

de fora vigiando”223

. Também em outro lugar se menciona que em casa de Antônio Tomas,

mercador, cristão-novo “se faziam muitos ajuntamentos de cristãos-novos como ele e

diziam que faziam esnogas”224

. Nas denunciações da Primeira Visitação mencionam-se

também os lugares onde se faziam esnogas, e na Bahia a esnoga de Matoim é referida como

tendo existido “há vinte anos” na casa do cristão-novo Heitor Antunes “onde se ajuntavam

cristãos-novos e judaizavam e guardavam a lei judaica”225

. Em Camaragibe, em

223

Denunciações da Bahia, 1591-1593, Série Eduardo Prado, São Paulo, 1925, p.420. 224

Idem, Ibidem, p.489. 225

Idem, Ibidem, pp.277,382,392,475,537.

100

Pernambuco, é lembrado que teriam existido “há quarenta anos” e onde “havia esnoga onde

se juntavam os judeus desta terra e faziam sua cerimônia”226

. Além do mais, na Primeira

Visitação, temos menções de judaizantes, que devido ao seu preparo e conhecimento, se

destacam entre os cristãos-novos, tal como vemos em uma denúncia que se refere a João

Nunes, onde o denunciante “presumiu sempre mal do dito João Nunes e, geralmente, ouviu

dizer na dita capitania de Pernambuco que ele é o rabi da lei dos judeus que nela há”227

. Em

outro lugar das denunciações da Primeira Visitação encontramos que o padre Francisco

Pinto Doutel denuncia ao Visitador que “de vinte anos a esta parte é fama pública na dita

Vila de Olinda e Capitania de Pernambuco que Jorge Dias de Caja, cristão-novo calceteiro,

defunto que haverá dois anos é falecido, era o rabi e sacerdote dos judeus na dita

Capitania”228

. O mesmo clérigo lembra ainda que certa vez os cristãos-novos do engenho

de São Martinho, por impedimento de Jorge Dias de Caja, se dirigiram a um João Dias

“para que lhes pregasse de sua lei judaica”229

, fazendo o papel de rabi, mas este se recusou,

e por isso recebeu o devido castigo. Ainda em Pernambuco, Francisco Roiz Navarro

também é acusado de reunir às sextas-feiras membros de sua família e judaizantes para

fazerem esnoga230

.

Nas denunciações da Bahia, também entre 1591 e 1593, lemos que em casa de

“Gomes Fernandes, o denarigado, se fazia esnoga depois que desta cidade se foi para

Lisboa Rui Teixeira, cristão-novo, em cuja casa se fazia a dita esnoga”231

.

Em Salvador aparecem outras denúncias de se fazerem esnogas na casa de

Antônio Tomas e também na do boticário Dinis D’Andrade232

, conforme o texto da

Visitação de Heitor Furtado de Mendonça. Na Segunda Visitação, de Marcos Teixeira, em

1618, vemos o mesmo tipo de denúncia, agora contra o judaizante Gonçalo Nunes, que

reunia às sextas-feiras “alguns homens da nação em sua casa, que é na rua de trás da

cadeia”233

.

Efetivamente, a existência de rabinos e edifícios construídos com a finalidade

de servir ao culto judaico e oficialmente reconhecidos pelas autoridades governamentais

deu-se no período do domínio holandês na região do nordeste brasileiro, onde se

constituíram, em Pernambuco, duas comunidades, a “Tzur Israel” no Recife e a “Maguen

Abraham” em Maurícia, e não é nenhum absurdo supor que espaços provisórios para o

culto judaico poderiam existir nas demais regiões ocupadas pelos batavos, como Paraíba

ou Itamaracá, na medida que tivessem pequenos núcleos israelitas.

Durante o domínio holandês vieram os notáveis rabinos Isaac Abuab da

Fonseca e Moisés Rafael de Aguilar234

, que tinham uma formação religiosa adequada e

226

Denunciações de Pernambuco, 1593-1595, Série Eduardo Prado, São Paulo, 1929, p.75. 227

Denunciações da Bahia, p.449. 228

Idem, Ibidem, p.522. 229

Idem, Ibidem, p.522. 230

Denunciações de Pernambuco, p.481. 231

Denunciações da Bahia, p.292. 232

Idem, Ibidem, p.467. 233

Livro de Denunciações do Santo Ofício na Bahia no ano de 1618, Anais da Biblioteca Nacional, vol.

49,1927 (1936), p.97. 234

Sobre eles e sua atuação há uma vasta bibliografia de importantes autores, entre eles J. Mendes dos

Remédios , Os Judeus Portugueses em Amsterdam, Coimbra, 1911; A. Wiznitzer, Judeus no Brasil Colonial,

ed. Pioneira, São Paulo, 1966; J.Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Liv. Clássica

Editora, Lisboa, 1975; M. Kayserling, Biblioteca Española-Portugueza-Judaica, Ktav Pub. House, N. York,

1971.

101

eram sábios de prestígio considerável entre os judeus de Amsterdão. O primeiro descendia

de uma verdadeira dinastia rabínica da Península Ibérica, todos eles sábios e eruditos que

deixaram seus nomes gravados na história religiosa dos judeus peninsulares.

A sinagoga do Recife235

parece ter sido construída a partir de 1637, ainda que

desde 1636 tenhamos notícias sobre a existência do culto sinagogal naquela região.

Em Maurícia sabemos que havia uma sinagoga na residência de um

correligionário daquela comunidade conhecido como Josua de Haro236

. Também temos

notícias sobre rabinos de outras comunidades, ainda que não existissem prédios

consagrados como sinagogas, mas tão-somente casas particulares adaptadas para esse fim.

Na Paraíba serviu de rabino Moisés Peixoto237

, que era capitão; em Itamaracá, o sábio

Jacob Lagarto238

.

Com a expulsão dos holandeses, em 1654, e a conseqüente saída dos judeus que

viviam sob o seu domínio, supomos que os cristãos-novos espalhados em várias regiões do

território brasileiro deveriam continuar “fazendo esnogas” ou judaizando como antes, e o

maior indício dessa sua aderência ao judaísmo encontramos nos vários processos

inquisitoriais dos judeus brasileiros, onde é freqüente a denúncia de se reunirem para

judaizar, e isso até os meados do século XVIII.

Podemos dizer que o judaísmo, assim como foi praticado abertamente durante o

domínio holandês deixou de existir até os inícios do século XIX, quando com a vinda da

família real e a Abertura dos Portos às Nações Amigas inaugura-se uma nova fase da

imigração judaica no Brasil. A Inglaterra aproveitou-se dessa proclamação para estabelecer

um tratado comercial em 1810, onde se especificava na cláusula número 12 que aos súditos

britânicos dar-se-ia inteira liberdade religiosa, colocando-os, assim, numa situação de

imunidade em relação a qualquer tentativa de perseguição de parte do Santo Ofício

formalmente existindo em Portugal, ainda que decadente e pouco atuante. Foi o início para

a vinda de judeus, como viajantes, e seu estabelecimento como imigrantes em solo

brasileiro.

A partir desse início de século XIX encontramos duas correntes imigratórias

judaicas que se dirigiram uma em direção à região centro- sul, incluindo o Rio de Janeiro e

o Espírito Santo, compostas em sua grande maioria de elementos europeus

predominantemente ocidentais, e a que se dirigiu em direção ao norte, Pará, Amazonas e

adjacências, originária da África do Norte, que teria uma expressão numérica bem maior do

que a primeira que se caracterizava por seu caráter expontâneo em oposição a essa última,

premida pela força das circunstâncias. Portadora de um judaísmo extremamente

conservador e adstrito à “Torá”, construiu a sua primeira sinagoga Shaar Haschamaim

(Porta dos Céus), em Belém, onde se concentrava uma numerosa comunidade judaica239

.

Tudo indica ser esta a primeira sinagoga construída no Brasil após o período do domínio

holandês. Quem foi o seu rabino não podemos até o momento dizer com certeza. Mas

235

Wiznitzer, A., A Sinagoga do Recife Holandês (1630-1654), in revista Aonde Vamos?, 28 de maio de

1953, p.7; Lipiner, E., Reminiscências esculpidas em pedra, in Comentário, ano IX, v.9,n.3, 1968, pp.212-

220; Mello, J.A. Gonsalves de, A sinagoga do Recife holandês, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Rio de Janeiro, n.149 (358):1-121, jan.-mar.,1988, pp. 52-56; Dantas, L., A primeira sinagoga das

Américas, in D. O. Leitura, São Paulo, 136, 12 de setembro de 1993. 236

Wolff, E. e F., A Odisséia dos Judeus de Recife, C. E. J., São paulo, 1979, p.143. 237

Sobre ele vide Roth, C., A History of the Marranos, Hermon Press, N.York, pp. 287 e 335. 238

Idem, Ibidem, p.289. 239

Até agora não encontramos fontes que confirmam as diversas datas aceitas para sua fundação.

102

tratando-se de uma comunidade reconhecidamente ortodoxa sob o aspecto religioso, onde a

educação das crianças para a aquisição de uma formação religiosa era obrigatória, não lhes

faltariam membros preparados para oficiar os serviços religiosos, seja durante as

festividades ou casamentos, circuncisões, enterros, etc. As instituições comunitárias

estabelecidas no norte tinham seus modelos estratificados secularmente, no Marrocos, bem

como em outras regiões da África do Norte, e estavam impregnadas de um élan religioso

próprio daquele judaísmo.

Posteriormente construíram uma outra sinagoga, a Eshel-Abraham (Sicômoro

de Abraão), cuja data de edificação não deixa de ser controversa, assim como a da Shaar

Hashamaim, pois varia de 1826 a 1892, passando ainda por 1889 e outras datas.

Por outro lado, a imigração européia do Rio de Janeiro nas primeiras décadas

do século XIX, ao contrário do que aconteceu com os sefaraditas do norte, não tiveram a

possibilidade de construir uma sinagoga própria, e pelo que tudo indica, também não

possuíam rabino, bem como se ressentiam pela falta de elementos preparados para dirigir

qualquer ofício divino, pois eram originários de comunidades aculturadas à civilização

européia ocidental, onde o laicismo impregnou a vida comunitária judaica, o que não

ocorreu com o judaísmo tradicionalista da África do Norte, fechado em si e sem os atrativos

culturais imperantes no Velho Continente. Um documento interessante e comprobatório do

que se passava com os imigrantes europeus asquenazitas, sob o aspecto religioso, é uma

carta-resposta datada de 30 de junho de 1839 do rabino Salomon Hirschell, de Londres, a

Isey Levy, que havia solicitado orientação para a realização da cerimônia de casamento de

sua irmã, dispondo-se a ser o oficiante devido à inexistência de um rabino naquela

comunidade. Salomon Hirschell, em sua carta-resposta, dá um verdadeiro retrato da

situação religiosa no Rio de Janeiro ao dizer: “(...) ao mesmo tempo, como israelita e

professor de religião, não vejo com bons olhos o estado de coisas no Rio de Janeiro. O

senhor escreveu que não existe Kahal (a comunidade organizada) nem hazan (chantre), e

que os poucos Yehudim (judeus) no Rio não estão ainda em condições de formar uma

congregação. Pelo seu pedido de efetuar pessoalmente a cerimônia, devo deduzir que não

há sequer um Schochet (magarefe ritual), e, conseqüêntemente, sua comida é treifá (não-

pura, do ponto de vista religioso). Assim, por ocasião da festa de casamento, depois de ter

pronunciado as bênçãos prescritas e agradecendo ao Deus dos seus pais pela graça de ter-

nos dado os Mandamentos, irão sentar-se para saborear comida proibida pelos Seus

Mandamentos. Isso é uma flagrante violação da Lei, o que muito me doeria se fosse

inevitável. Mas, não sendo uma necessidade da qual não se possa escapar, sinto muito mais

o fato, e devo demonstrar o grande pecado que está sendo cometido, porque seria possível

mandar vir um Schochet que iria substituir, em alguns aspectos, o rabino do qual V. S. tanto

necessita”.

Mais adiante, o rabino instruiu Isey Levy como proceder em relação à

cerimônia de casamento, lembrando a necessidade de um minian (dez varões judeus) para

dar validade ao compromisso, o compromisso da Ketubá (certidão de casamento) e outros

detalhes240

. As preocupações religiosas de Isey Levy repetir-se-ão no decorrer da história

da imigração judaica no século XIX e ainda em parte nas primeiras décadas de nosso

século, pois no momento em que as comunidades darem seus primeiros passos

240

Wolff, E. e F., Os Judeus no Brasil Imperial, C. E. J., São Paulo, 1975, pp. 52-55; Wiznitzer, A., Os

primeiros judeus no Brasil Império, in Aonde Vamos?, n. 730, 20 de junho de 1957, foi o primeiro a se referir

a essa carta.

103

institucionais, deverão recorrer inevitavelmente à ajuda externa no sentido de conseguir um

rabino, um mohel (pessoa autorizada para praticar a circuncisão) ou mesmo um shochet.

Somente com a intensificação da imigração é que essa situação seria sanada.

A criação de entidades comunitárias e sua organização possibilitou uma vida

religiosa mais completa e favoreceu a vinda de rabinos de fora.

No Rio de Janeiro temos a informação de que nos meados do século passado

formou-se a União Israelita Shel Guemilut Hassadim241

, de início composta por judeus

marroquinos, porém passando mais tarde a aglomerar imigrantes asquenazitas europeus.

Podemos supor que logo após teriam aberto uma sinagoga, pelo que tudo indica, em um

salão alugado especialmente para o serviço religioso. Essa sociedade não foi a única

naquele tempo, pois temos conhecimento da União Israelita242

, fundada em 1870 e que

tinha um caráter filantrópico, porém, não deixando de se preocupar com a vida religiosa dos

judeus residentes naquela cidade. Também no Rio de Janeiro do século passado existiu uma

Sociedade Israelita do Rito Português243

, que é lembrada na imprensa carioca em 1888

devido a um protesto de seu presidente, Benjamin Benzaquen, que não aceitou “a eleição de

Solomon D’Abrahan Pariente para Rabbino da Synagoga”, e considerou “nulla essa

eleição, que só podia ser feita pela Escola Rabbinica, e só podia recair em quem a tivesse

cursado, pois assim dispõe o respectivo regulamento”, o que nos leva a supor que o tal

rabino não tinha a qualificação formal, a necessária smichá, para ser aceito pela

comunidade, e, portanto, diz o autor da comunicação, o verdadeiro “Rabbino é o sr.

Abrahão Hachuel, cidadão brasileiro naturalizado”. Por outro lado, essa querela interna

demonstra que nas últimas duas décadas, e talvez antes, tanto no norte do Brasil quanto no

Rio de Janeiro, já havia rabinos qualificados para orientar os imigrantes em sua vida

religiosa.

Em São Paulo a atuação era outra, pois o famoso dentista Samuel Eduard da

Costa Mesquita improvisou-se como rabino na pequena comunidade judaica existente então

na década de 1870. Somente em 1897, conforme notícia encontrada no periódico “Archives

Israelites” daquele ano, verificamos que os judeus imigrantes da Alsácia-Lorena e de outros

lugares constituíram-se em comunidade por iniciativa de um membro da família Worms,

que já decidira providenciar a vinda de um schochet da Hungria, de nome Salomão Klein,

que também exercia funções rabínicas, abrangendo a orientação sobre a pureza da

alimentação244

.

Se considerarmos o aspecto legal das sinagogas existentes durante o período do

Império não vemos que elas possuíam um status jurídico pleno, pois a Constituição Oficial

do Estado de 1824, segundo seu artigo 5, na verdade permitia às outras religiões atuarem

em residências ou edifícios “sem a forma exterior de templo”, situação essa que mudaria

apenas com a República.

O crescimento paulatino da imigração judaica, a partir dos fins do século XIX e

inícios do atual, vinda principalmente dos países da Europa Oriental, se mostra

extremamente importante para o desenvolvimento de uma vida religiosa mais profunda e

estável entre os imigrantes. Devemos, nesse sentido, acentuar que os judeus da Polônia,

241

Wolff...pp.236-40. 242

Idem, Ibidem, pp.286-88. 243

Idem, Ibidem, pp.257-8. 244

Falbel, N., Crônica do Judaismo Paulista, in Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil, F.I.E.S.P., São

Paulo, 1984, p. 107.

104

Romênia, Rússia, e da Europa Oriental como um todo, em particular nos pequenos centros

urbanos e nos pequenos lugarejos, mantiveram-se, durante séculos naquela região,

concentrados em núcleos populacionais com vida social própria e limitado contato com a

população cristã. O mundo espiritual-religioso judaico manteve-se intacto, principalmente

na região rural onde os judeus viviam em suas próprias aldeolas, o shtetl, disseminadas em

uma extensa área geográfica. De certa forma o movimento “hassídico” surgido nos meados

do século XVIII havia impregnado o judaísmo da Europa Oriental com uma religiosidade

popular e pouco formal, mas com uma intensidade emotiva ímpar, e nesse sentido o rabi

hassídico tinha um poder enorme sobre sua gente, fazendo com que a vida comunitária

estivesse, em boa parte, dependente de sua orientação. Portanto, os imigrantes que vieram

daquela região se preocuparam em estruturar sua existência no país para o qual imigraram,

mantendo sua identidade judaica através da religião, mesmo que houvesse grupos

influenciados por ideologias seculares, socialistas ou nacionalistas. Enquanto isso, a velha

imigração dos países da Europa Ocidental do século XIX se assimilara profundamente,

deixando poucos vestígios, e seus descendentes se converteram, com o passar do tempo, ao

cristianismo, ou permaneceram indiferentes à religião245

.

O mesmo, ainda que em menor grau, e devido a outras causas, teria ocorrido

com a imigração judaica marroquina da região amazônica. Mas, esta última resistiu ao

poder dissolvente do tempo, apesar da grande miscigenação havida entre seus

descendentes, conseguindo subsistir como comunidade religiosa até os nossos dias.

Para um levantamento inicial das sinagogas e rabinos, a partir dos inícios do

século passado, mesmo tendo a certeza de que os dados apresentados não são exatos e estão

longe de serem completos, devemos considerar duas fontes, sendo a primeira fruto de

interesse jornalístico do talentoso João do Rio, cognome de Paulo Barreto, que publicou em

1904 um livro sob o título “As religiões no Rio”, onde inclui um capítulo interessante sobre

as sinagogas e a vida religiosa dos imigrantes judeus vivendo na capital da República. A

imprecisão e o desconhecimento da religião judaica levaram o autor a fazer um relato

duvidoso, mas parte do que ele nos conta pode ser aproveitado para uma primeira

referência sobre a questão na cidade do Rio de Janeiro. Ele lembra a composição da

comunidade segundo os lugares de origem dos imigrantes, tais como os judeus franceses,

quase todos vindos da Alsácia-Lorena, marroquinos, russos, ingleses, turcos, árabes e

também os “armênios”, que supomos serem “romenos”, além de outras.

João do Rio menciona duas sinagogas, uma na rua Luís de Camões, 59, e outra

na rua da Alfândega, 369. A primeira ele diz ser do “rito argânico”246

, “entra-se num

corredor sujo, onde crianças brincam. Aos fundos fica a residência da família. Na sala da

frente está o templo, que quase sempre tem camas e redes por todos os lados”. Esta

descrição revela de certa forma a pobreza do templo que não contrasta com o da rua da

245

Nas “Memórias” de Jacob Schneider, um dos veteranos ativistas comunitários que chegou no início do

século passado , se reporta ao fato significativo de que a primeira Torá recebida pela associação Centro

Israelita do Rio de Janeiro, fundada em 1 de outubro de 1910, com judeus de origem asquenazita, em sua

maiorria, foi ofertada por Herbert Moses e era oriunda de uma associação de judeus da Alsacia-Lorena.V.

Falbel, N., Jacob Schneider e a comunidade judaica no Brasil, in Herança Judaica, setembro, 1982, n. 50,

p.57. 246

Esse “rito” é desconhecido e ,sem dúvida, trata-se de uma provável “criação” do autor. Cremos que ele

deveria ter confundido com a palavra “ortodoxia”, ou “rabínico”, em contraposição à “karaíta”, seita judaica

que remonta ao século VIII e que rejeita a “tradição oral”. Utilizamos obra de João do Rio da edição da Ed.

Aguilar, Rio de janeiro, 1976.

105

Alfândega, que o autor diz ser “muito mais interessante” e “ocupa todo o sobrado do

prédio, que é vulgar e acanhado”.

Além do mais, o nosso autor lembra o nome dos respectivos rabinos ou

chazanim (chantres). O da primeira era David Hornstein, que “cursou a Universidade

Talmúdica, (certamente uma ieshivá, ou escola talmúdica) é poliglota, professor,

correspondente de vários jornais escritos em hebreu e rabino diplomado na religião

judaica”. O outro é lembrado apenas sob o nome de Moisés e dono de “uma face espanhola

e um ar bondoso”. A pobreza desse último leva o nosso jornalista a concluir o seu pequeno

relato com uma frase reveladora da situação e das condições em que vivia, no início do

século, a maioria da imigração judaica: “nós estávamos apenas numa sala estreita que fingia

de sinagoga, no fim da rua da Alfândega (...) Mas, nem por isso o fervor religioso era

diminuto, pois enquanto o chasan lia, com os pés juntos, sem mover sequer os olhos, com

uma voz ácida tremendo no ar, todos tinham nas faces sorrisos de satisfação”.

A Segunda fonte, digna de maior crédito, apesar das ressalvas que fazemos

adiante, encontra-se no periódico “A Columna”, fundado pelo professor David José Perez,

em 1916, em um artigo publicado sob o título de “O Mosaismo no Brasil” de autoria de

Justiniano de Meyrelles, importante funcionário da Diretoria de Estatísticas que forneceu os

dados levantados em relatório daquele departamento, apresentado ao ministro da

Agricultura, Indústria e Comércio, no ano de 1915247

. Os quadros estatísticos publicados no

247

“A Columna”, n. 14, fevereiro de 1917, pp. 20-2; n. 15, março de 1917, pp.37-9. A melhor coletânea sobre

o tema, com ênfase no período medieval, foi organizada pelo saudoso professor da Universidade Hebraica de

Jerusalém, Haim Hilel Ben-Sasson, Há-Kehilá ha-Yehudit be-Yemei há-Beinaim (A comunidade judaica na

Idade Média), Soc. Histórica de Israel, Jerusalém, 1976. 247

Denunciações da Bahia, 1591-1593, Série Eduardo Prado, São Paulo, 1925, p.420. 247

Idem, Ibidem, p.489. 247

Idem, Ibidem, pp.277,382,392,475,537. 247

Denunciações de Pernambuco, 1593-1595, Série Eduardo Prado, São Paulo, 1929, p.75. 247

Denunciações da Bahia, p.449. 247

Idem, Ibidem, p.522. 247

Idem, Ibidem, p.522. 247

Denunciações de Pernambuco, p.481. 247

Denunciações da Bahia, p.292. 247

Idem, Ibidem, p.467. 247

Livro de Denunciações do Santo Ofício na Bahia no ano de 1618, Anais da Biblioteca Nacional, vol.

49,1927 (1936), p.97. 247

Sobre eles e sua atuação há uma vasta bibliografia de importantes autores, entre eles J. Mendes dos

Remédios , Os Judeus Portugueses em Amsterdam, Coimbra, 1911; A. Wiznitzer, Judeus no Brasil Colonial,

ed. Pioneira, São Paulo, 1966; J.Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Liv. Clássica

Editora, Lisboa, 1975; M. Kayserling, Biblioteca Española-Portugueza-Judaica, Ktav Pub. House, N. York,

1971. 247

Wiznitzer, A., A Sinagoga do Recife Holandês (1630-1654), in revista Aonde Vamos?, 28 de maio de

1953, p.7; Lipiner, E., Reminiscências esculpidas em pedra, in Comentário, ano IX, v.9,n.3, 1968, pp.212-

220; Mello, J.A. Gonsalves de, A sinagoga do Recife holandês, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro, Rio de Janeiro, n.149 (358):1-121, jan.-mar.,1988, pp. 52-56; Dantas, L., A primeira sinagoga das

Américas, in D. O. Leitura, São Paulo, 136, 12 de setembro de 1993. 247

Wolff, E. e F., A Odisséia dos Judeus de Recife, C. E. J., São paulo, 1979, p.143. 247

Sobre ele vide Roth, C., A History of the Marranos, Hermon Press, N.York, pp. 287 e 335. 247

Idem, Ibidem, p.289. 247

Até agora não encontramos fontes que confirmam as diversas datas aceitas para sua fundação.

106

referido artigo dão uma idéia, senão exata, pelo menos aproximada da vida religiosa dos

judeus brasileiros na primeira década e meia do século.

Devemos, antes de tudo, chamar a atenção para o fato de os quadros estatísticos

também revelarem os números dos membros afiliados às várias comunidades espalhadas

pelo território nacional, batizados (na verdade, circuncisões), casamentos, cerimônias,

fúnebres, festividades e reuniões culturais, sem no entanto podermos daí inferir o

verdadeiro número da população judaica em cada lugar mencionado, uma vez que nem

todos estariam afiliados às sinagogas ou comunidades selecionadas. Também os dados

apresentados foram fornecidos através de informação oral, sem que seu autor pudesse fazer

uma verificação mais precisa em outras fontes.

Por outro lado, temos outras fontes com a mesma informação histórica que

apontam vários erros existentes nos dados que nos fornecem os quadros que publicamos

nestas páginas.

Antes e após a Primeira Guerra Mundial, a imigração judaica se intensificou,

fazendo com que as comunidades crescessem e se desenvolvessem significativamente. O

processo de ascensão econômica e o conseqüente aumento no nível de vida dos imigrantes,

que prosperaram devido a sua dedicação extraordinária ao trabalho, levou também à

construção de sinagogas mais adequadas e dignas ao culto religioso, ao mesmo tempo,

adequadas para centralizar os eventos da vida comunitária.

QUADRO A

SEDES

Sinagogas

Datas da

Fundação Estados e

Distrito Federal

Cidades

Distrito Federal Rio de Janeiro Centro Israelita do Rio de Janeiro 1 Out. 1910

Centro Israelita Marroquino 24 Set. 1911

Pará Belém Sinagoga Dedicação de Abraham 1889

247

Wolff, E. e F., Os Judeus no Brasil Imperial, C. E. J., São Paulo, 1975, pp. 52-55; Wiznitzer, A., Os

primeiros judeus no Brasil Império, in Aonde Vamos?, n. 730, 20 de junho de 1957, foi o primeiro a se referir

a essa carta. 247

Wolff...pp.236-40. 247

Idem, Ibidem, pp.286-88. 247

Idem, Ibidem, pp.257-8. 247

Falbel, N., Crônica do Judaismo Paulista, in Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil, F.I.E.S.P., São

Paulo, 1984, p. 107. 247

Nas “Memórias” de Jacob Schneider, um dos veteranos ativistas comunitários que chegou no início do

século passado , se reporta ao fato significativo de que a primeira Torá recebida pela associação Centro

Israelita do Rio de Janeiro, fundada em 1 de outubro de 1910, com judeus de origem asquenazita, em sua

maiorria, foi ofertada por Herbert Moses e era oriunda de uma associação de judeus da Alsacia-Lorena.V.

Falbel, N., Jacob Schneider e a comunidade judaica no Brasil, in Herança Judaica, setembro, 1982, n. 50,

p.57. 247

Esse “rito” é desconhecido e ,sem dúvida, trata-se de uma provável “criação” do autor. Cremos que ele

deveria ter confundido com a palavra “ortodoxia”, ou “rabínico”, em contraposição à “karaíta”, seita judaica

que remonta ao século VIII e que rejeita a “tradição oral”. Utilizamos obra de João do Rio da edição da Ed.

Aguilar, Rio de janeiro, 1976. 247

“A Columna”, n. 14, fevereiro de 1917,

107

Sinagoga Porto do Céu 1824

Rio Grande do

Sul

Passo Fundo Centro Israelita 1912

Porto Alegre Sociedade União Israelita 1 Out. 1910

Santa Maria da

Boca do Monte

Centro Israelita 1905

São Paulo São Paulo Comunidade Israelita de São Paulo 21 Jan. 1912

108

QUADRO B – ANO DE 1911

SEDES

B

a

t

i

z

a

d

o

s

Casamen

tos

Cerimôni

as

Fúnebres

Festi

-

vida-

des

Reuniõe

s

cultuais

Pessoas

filiadas

à

sinagog

a

Estados e

Distrito

Federal

Cidades

Distrito

Federal

Rio de Janeiro

(1)

- 1 - 11 104 80

Rio de Janeiro

(2)

4 1 - 6 19 42

Pará Belém 17 8 15 18 (3)

2.190

(4)

400

Rio Grande

do Sul

Porto Alegre 10 - 3 9 52 (5)

50

Total 31 10 18 44 2.365 572

ANO DE 1912

SEDES

B

a

t

i

z

a

d

o

s

Casamen

tos

Cerimôni

as

Fúnebres

Festi

-

vida-

des

Reuniõe

s

cultuais

Pessoas

filiadas

à

sinagog

a

Estados e

Distrito

Federal

Cidades

Distrito

Federal

Rio de Janeiro

(1)

- 1 - 11 104 80

Rio de Janeiro

(2)

9 1 - 6 19 42

Pará Belém 17 8 15 18 (3)

2.190

(4)

400

Rio Grande

do Sul

Porto Alegre 7 3 5 9 52 (5)

50

São Paulo São Paulo (6) - - - 9 52 100

Total 34 16 22 69 2.456 705

109

Observações:

(1) Centro Israelita do Rio de Janeiro. O presidente declarou não lhe ser possível

informar sobre batizados e cerimônias fúnebres.

(2) Centro Israelita Marroquino.

(3) As sinagogas Dedicação de Abraham e Porta do Céu realizam diariamente três

reuniões culturais.

(4) Elevam-se a 650 as pessoas residentes em Belém que aceitam o monoteísmo judaico.

(5) Incluindo as pessoas que seguem o judaísmo, embora não filiadas à Sociedade União

Israelita, eleva-se o total de 244.

(6) Segundo declaração da Delegacia de Estatística em São Paulo, não foi possível obter-se

informações dos batizados, casamentos e cerimônias fúnebres, porque a comunidade

israelita ainda não estava inteiramente organizada.

Tal é o resultado da primeira tentativa feita pela 4ª Seção da Repartição de

Estatística para incluir na estatística religiosa o monoteísmo judaico.

Fazemos os melhores votos para que, desbravando o terreno as futuras publicações da

repartição a que servimos, possam apresentar dados completos sobre o judaísmo, e para

isto basta que as comunidades israelitas atendam ao apelo que cordialmente lhe fez a

Diretoria Geral de Estatística.

Já em 1916 notamos em São Paulo o lançamento da pedra de fundação de uma sinagoga

mais imponente e veremos que, com o correr dos anos, os templos erguidos para o culto

judaico são arquitetonicamente mais sofisticados, seguindo modelos europeus e com um

planejamento especial visando atender as necessidades da comunidade local.

Do mesmo modo , no Rio de Janeiro, também em 1916, será construída a sinagoga Beth

Yaacov, que na verdade era uma associação que visava entre outros fins construir uma nova

sinagoga , o que de fato ocorrerá posteriormente.

A década de 20 e as subseqüentes contratará com os modelos iniciais lembrados acima e se

destacará por uma preocupação cada vez maior em criar instituições de ensino ou escolas

com a finalidade de educar as novas gerações, nascidas no Brasil, nas tradições religiosas

judaicas para dar-lhe uma formação adequada, não poupando, nesse sentido, esforços e

meios para atingir esse escopo.

Para finalizar, devemos observar que a multiplicação de sinagogas, além de ser fruto do

crescimento natural da imigração, é resultado da tendência em se agrupar em comunidades

de origem. Assim, se explica o fenômeno do surgimento de “landsmanschaften” ou

associações de caráter socio-cultural e de auxílio mutuo que agrupam imigrantes oriundos

de mesma região, que procuram seguir os seus costumes e o seu ritual peculiar do lugar de

origem. Trata-se da conhecida inclinação do imigrante recolher-se entre os seus

conterrâneos como uma forma de sentir-se protegido frente um novo meio no qual deverá

se adaptar para sobreviver. Entre outras cousas a comunidade religiosa preenche o vácuo

inevitável que se forma pela ruptura com o passado vivido em outro lugar e o novo no qual

o imigrante veio a se fixar.

110

12. “A Vós, meu senhor, o Rei...”

Como já havíamos afirmado em outra oportunidade,248

o conhecimento de d.

Pedro II da Língua Hebraica havia despertado profunda admiração entre os judeus

europeus, e portanto, não causa estranhamento o fato de se encontrar no Arquivo do Museu

Imperial uma carta escrita em Hebraico, dirigida ao Imperador, a qual até agora

permaneceu desconhecida aos estudiosos da biografia do real hebraísta e sábio brasileiro.249

O autor da carta, que data de 1880, era um professor de Hebraico da

Universidade de Pisa que escreveu em tom laudatório, comparando o nosso Imperador ao

rei Salomão, símbolo da sabedoria bíblico-judaica, e ofereceu a ele um livro de sua autoria

sobre o famoso poeta e filósofo medieval, Yehuda Halevi.250

O professor de Pisa, ao

escrever a d. Pedro, firmara-se em Hebraico como Yehoshua Le-Beit (da casa de) Baruch, e

seu nome italiano era Salvatore De Benedetti. Dizia-se amigo do prof. Michele Ferrucci251

que, ao viajar ao Brasil, levara exemplares de seu livro ao Imperador. Dos conhecimentos

de Hebraico de d. Pedro II ele soube anteriormente através de um outro amigo, Pereira de

Leon, secretário do Museu do Cairo, que tivera contato com o imperador brasileiro por

ocasião da visita do mesmo ao Egito, fato que também foi mencionado na carta.

O interessante é que o autor da carta escrevia Hebraico cursivo, em escrita

“Raschi”, o que não torna fácil sua leitura, a não ser para alguém que domine bem a língua

e conheça esse tipo de alfabeto252

, o que não cremos que fosse o caso particular de d. Pedro

II. A prova que temos, e que nos permite fazer tal afirmação, é um manuscrito, também

inédito, e pertencente ao Arquivo do Museu Imperial, sem data, o qual consiste de

apontamentos de termos hebraicos extraídos do Livro dos Salmos e do Gênesis, com as

respectivas traduções e observações em Inglês, Latim, bem como com termos comparativos

em Grego, utilizado, sem dúvida, para efeitos de estudo e de aprendizagem do Hebraico

pelo monarca.253

Os caracteres que d. Pedro traçou nesse manuscrito, a fim de transcrever as

palavras hebraicas, pertencem à chamada “escrita quadrada”, a qual, realmente, é mais fácil

para o estudioso dessa língua. Esse manuscrito constitui, na verdade, um glossário do

primeiro salmo do Livro dos Salmos e dos dois primeiros capítulos do Livro do Gênesis.

Não resta a menor dúvida de que o Imperador seguiu o “método tradicional” para o estudo

do Hebraico, o qual partia da leitura do Velho testamento e sua comparação ou

acompanhamento com traduções em outras línguas. Esse método justifica-se mais ainda em

248

No artigo intitulado “Uma Carta de um Rabino Francês ao Imperador d. Pedro II”, publicada na revista

“Herança Judaica”. 249

A carta, bem como os glossários dos Salmos e do Gênesis, me foram cedidas pelo casal de historiadores

Egon e Frieda Wolff, que os encontraram no Arquivo do Museu Imperial. 250

O poeta e filósofo Yehuda Halevi, que viveu na Espanha (1075-1141), escreveu o famoso tratado teológico

Ha-Kuzari, no qual narra a conversão do reino Cazaro ao judaísmo. Salvatore de Benedetti traduziu a obra

poética de Yehuda Halevi ao italiano, e esta foi remetida a d. Pedro II. 251

Sobre o prof. Michele Ferrucci, não conseguimos apurar algo que pudesse levar a sua identificação e

tampouco conseguimos saber qual fora sua missão no Brasil. 252

O alfabeto “Raschi” é assim chamado por ser o tipo de escrita adotado nas glosas tradicionais do Velho

Testamento, de autoria do notável exegeta R’ Schlomo Itzhaqi (cujo acróstico é Raschi), que viveu na França

no século XI. 253

V. os textos ilustrativos anexos a este estudo.

111

vista do fato de que d. Pedro era um leitor apaixonado da Bíblia,254

e tudo indica que o

manuscrito que contém o glossário dos capítulos do Gênesis e do Salmo I corresponde ao

estudo preparatório para as versões latinas que o Imperador faria de alguns livros do Velho

Testamento, entre os quais do próprio Livro dos Salmos.255

Na busca de elementos para identificar o autor da missiva ao Imperador, isto é,

prof. Salvatore de Benedetti, encontramos junto à Universidade Hebraica de Jerusalém um

periódico de caráter cultural, impresso na Itália no século passado, o qual nos proporcionou

dados importantes. Trata-se do “Il Vessillo Israelitico”, que começou a ser publicado em

Casale em meados do século XIX, mais precisamente em 1852, que a partir de 1877, pelo

menos, ou talvez antes, recebia a colaboração de nosso professor, conhecido na Itália de seu

tempo como um excelente orientalista.256

De fato, Salvatore de Benedetti aparece citado como um dos participantes de

um Congresso de Orientalistas, realizado em Florença na Itália em 1878, ao lado de nomes

de destaque nessa área. Pelos artigos por ele publicados no “Il Vessillo Israelitico”,

delineia-se como um estudioso profundo e um conhecedor erudito do judaísmo.257

Além do

mais, também é um homem voltado para as questões atuais, e sobretudo àquelas que

concernem à vida comunitária judaica na Itália.258

Em 1881, o professor de Hebraico e orientalista, recebeu do ministro da

Educação Pública o título de Cavaleiro da Coroa da Itália, conforme notícia divulgada no

“Il Vessillo Israelitico”, e que mereceu uma nota biográfica, a qual permite traçar o perfil

da surpreendente atividade intelectual de nosso missivista.259

Conforme nos informa o autor da nota biográfica, De Benedetti foi reconhecido

como estudioso de Literatura Semítica e como notável literato italiano por escritores como

De Sanctis, Vanucci, e orientalistas como Renan, Steinschneider, Derenbourg, Dukes,

Neubauer e outros, todos eles nomes representativos em seu tempo, com os quais manteve

contato intelectual.

Já em 1852, De Benedetti publicou um Annuario Israelitico e encetou sua

tarefa como tradutor de obras hebraicas para o Italiano. Entre essas traduções encontram-se:

Cancioneiro Sacro de Yehuda Halevi, publicado em 1871, livro que remeteu a d. Pedro II;

História de Rabi José, filho de Levi, lenda talmúdica traduzida e publicada no Annuario

della Società Italiana per gli Studii Orientali, 1872; A Lenda Hebraica dos Dez Mártires,

publicada no mesmo Annuario em 1873; Vida e Morte de Moises, lenda hebraica, Pisa,

1879.

Além desses trabalhos, devemos lembrar que foi autor de inúmeros artigos e

comentários, bem como de resenhas bibliográficas que escreveu para o “Il Vessillo

254

V. a respeito a monografia de Loewenstamm, Kurt, O Hebraísta no Trono do Brasil: Imperador d. Pedro II,

Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1956. 255

Conforme Loewenstamm na obra acima citada, p. 11. 256

No “Il Vessillo Israelitico”, 1877, pp. 66-67, aparece uma relação de “Cattedre di Lingua Ebraica e affini

nelle Università e negl’Instituti Superiori del Regno d’Italia”, onde se encontra, entre outras cátedras (na

Univ. de Florença, na de Pádua, na de Roma), a cátedra de Língua Hebraica na Univ. de Pisa, sob a orientação

do prof. De Benedetti. 257

Os temas de seus artigos no “Il Vessillo” versam sobre o Talmud e assuntos históricos, como por exemplo,

o artigo sobre o reino dos Cázaros, concernente à obra de Yehuda Halevi. 258

Pode-se observar esse seu traço de caráter pelos comentários e necrológios escritos para o “Il Vessillo

Israelitico”, 1879, pp. 176-178; 1880, pp. 208-210; pp. 239-242; pp. 273-275. 259

“Il Cav. prof. Salvatore De Benedetti”, in “Il Vessillo Israelitico”, 1881, pp. 309-310.

112

Israelitico”. Parece-nos que a beleza de suas traduções do Hebraico revelam um domínio

lingüístico tão notável que não é de se estranhar que nosso autor tenha chamado a atenção

dos literatos italianos de seu tempo, pois tudo indica que “pochi davvero sanno meneggiare

la bella lingua italiana com il De Benedetti”.260

A CARTA AO IMPERADOR

Ao

Imperador Rei Pedro de Alcântara

Paz e benção, prestígio e glória,

Não vos admireis, por obséquio, Meu Senhor, o Rei, se um anônimo

insignificante como eu, jamais conhecido por V. S., um homem que permanece na

obscuridade, sem luz e glória, tenha a ousadia de se apresentar diante de V. S. com um

regalo e oferte a V. S. o fruto de sua mente. Pois qualquer pessoa poderá repreender-me

dizendo: quem és tu para te apresentares a um Rei respeitado e glorificado em toda a Terra,

o qual chama a Sabedoria de minha irmã e é amigo da Inteligência e a convida e fá-la

sentar-se com ele em seu trono real? Acaso poderás tu entrar no palácio de um rei tão

grande como d. Pedro vestido de andrajos? Acaso não sabes que não se comparece diante

de um rei a não ser em traje suntuoso?

A Vós responderei, Meu Senhor, o Rei, que bem sei, Meu Senhor, o Rei, que a

Sabedoria, a Modéstia e a Justiça são irmãs, por conseguinte, confio intimamente que vossa

destra me apoiará e que vossa modéstia me favorecerá, e, também recordo as palavras dos

antigos sábios de Israel: “O amor ultrapassa as medidas”, e não ignoro que vosso amor

pelas ciências é infinito, e que entre as ciências que estudais e que apreciais sobremaneira

está a ciência da Língua Hebraica, na qual está escrito o Testemunho de Deus, que é fiel e

instrui o tolo, e que toda letra e sinal dele, seja muito ou pouco, seja elevado ou vil, valem

aos vossos olhos como uma preciosa dádiva, e nisso creio sem me envergonhar.

Lembrai-vos, Meu Senhor, o Rei, quando fostes ao Egito, há alguns anos, para

pesquisar as antigüidades daquela terra, falastes com um sábio italiano, um escritor da

sociedade dos estudiosos dos anais do Egito, Cav. Pereira de Leon, secretário do Museu

Egípcio, e ele, que me é muito caro, admirou-se ao ver o vosso grande conhecimento da

Língua Hebraica e dos livros dos sábios de Israel, e escreveu-me os seus pensamentos, e,

quando lhe enviei o meu livro sobre Yehuda Halevi, aconselhou-me dizendo: Manda-o ao

Imperador, Rei do Brasil, e ele realmente o apreciará, e então não tive a coragem de fazê-

lo, pois temi que isso seria considerado uma ousadia.

Porém, parece-me que hoje a vontade de Deus abriu-me uma porta, pois o meu

estimado e caro amigo, prof. Cav. Michele Ferrucci, foi ao vosso Reino a fim de realizar

um trabalho precioso e grandioso. Tomei a coragem e enviei-vos, Meu Senhor, o Rei, dois

livros, frutos da minha mente, a fim de honrar e glorificar-vos, como desejava.

E agora, Meu Senhor, o Rei, aceitai a minha saudação, que vos é levada, não a

desprezai, perscrutai o pensamento do jovem que a envia. Pois eu vos considero um rei

260

Assim se expressa o autor da nota biográfica sobre De Benedetti, mencionada acima.

113

igual ao Rei Salomão, pois seguis os caminhos dele e vos abençôo com todo o meu

coração. E ao meu Deus elevo a minha súplica dizendo: Abençoai – Vós, que dais ao

homem o saber e que ensinais ao homem o discernimento – o Rei d. Pedro de Alcântara,

que ama o Saber e busca a Inteligência, ajuda os sábios em seus feitos, e sob cujas asas

abrigam-se os doutos; Deus da Luz, abençoai-o Rei que ama a Luz, dai a ele e a sua esposa,

nascida em nossa terra, longa vida, e que vivam os seus anos em bem-aventurança.

Paz a Vós, d. Pedro, paz a vossa casa, paz ao vosso reino e a tudo o que é

vosso.

Com respeito do coração de vosso servo que se prostra diante de Vós.

Yehoshua da casa de Baruch

Professor de Língua Hebraica

Cognominado

Dia 12 do mês de schvat ano 5640

Della Maestá Vostra umilissimo devotissimo Salvatore de Benedetti, prof. Di

Lingua Ebraica nella R. Universitá di Pisa.

/===/

Devemos lembrar que D.Pedro II realizou uma viagem a Itália em 1877 quando teve a

oportunidade de entrar em contato com o tradutor da Divina Comédia ao hebraico, o sábio

judeu-italiano S.Formiggini, em 1869, que era um dos diretores do “Corriere Israelitico”,

editado em Trieste. No Arquivo Nacional no Rio de Janeiro encontra-se uma carta do

redator-chefe daquele periódico, S. Curiel, enviada ao Imperador em 22 de setembro de

1877 juntamente com o número do “Corriere Israelítico” que fazia referência à sua viagem

e a sua pessoa. A carta permaneceu inédita até 18 de maio de 1944, ocasião em que foi

publicada por Ernesto Feder, na revista Aonde Vamos?. Por revelar o contato de D. Pedro

II com personalidades do mundo judaico e seu interesse pela cultura hebraica reproduzimos

in totum essa interessante carta.

“Senhor!

O augusto e venerado nome de Vossa Majestade ressoa cercado de simpatia não só nas

terras que tem a ventura de estar sob seu cetro paternal mas em toda a parte onde há um

coração que sinta e um espírito que pense.

Em verdade o nome de Vossa Majestade Imperial significa amor e caridade, igualdade e

justiça, instrução e trabalho e portanto universal bem estar.

O “Corriere Israelitico” que há dezesseis anos se fundou em Trieste não é o último entre os

fervorosos admiradores de Vossa Majestade.

Ele tem acompanhado com o máximo interesse a recente viagem de Vossa Majestade e é

constante leitor dos seus atos magnânimos.

O devotadíssimo autor destas linhas, diretor do mencionado periódico, refratário a

encômios srvís, prometeu dedicar a Vossa majestade no último número um artigo em que

lhe manifesta a sua alta consideração.

Vossa Majestade, que já se dignou exprimir a sua bnevolência e indulgência a um dos

diretores do “Corriere Israelítico”, o Cavaleiro dr. Formiggini, autor da tradução hebraica

114

de Dante, não deixará certamente, na sua insigne bondade, de felicitar também ao subscritor

desta, dignando-se receber benignamente o exemplar anexo do seu jornal.

Invocando ao Deus Sebaot, glória, prosperidde e alegria para Vossa Majestade, para a

augusta Família Imperial e para todo o seu feliz Império, comovido repito:

Senhor, na tua força se alegrará o rei; E na tua salvação quão grande será o júbilo? O desejo

do seu coração lhe concedeste; E a petição dos seus lábios não lhe negaste.

Pois o premunes de bençãos excelentes; Pões-lhe na cabeça coroa de ouro fino; Pediu-te a

vida e lhe deste para todo o sempre.

Grande é a sua glória na tua salvação; Honra e magestade pões sobre ele.

E com isto protra-se aos pés do seu trono, Senhor, rendendo a Vossa Majestade todas as

homenagens do seu respeito.

Trieste, 22 de setembro de 1877

o atento servidor de Vossa Majestade

A. di S. Curiel

Redator-chefe do “Corriere Israelítico”

O Imperador respondeu a essa carta num ofício ao Visconde de Porto Seguro, que

representava o Brasil na Corte austriaca, que nada mais e nada menos era o nosso

historiador Varnhagen.

115

13. Uma imigração de judeus ao Brasil em 1891

Sabemos que o período que compreende o reinado de Alexandre III (1881-1894)

que ascendeu ao trono do Império Russo, logo após o assassinato de seu pai, foi em

particular difícil para a minoria judaica que vivia naquele território. A política

governamental autocrática do novo imperador na verdade não se diferenciou a de seu pai e

não fugiu a tradição anti-judaica que a caracterizou no passado. No entanto iniciativas para

impor reformas sociais conflitantes, propostas ainda no período anterior, continuaram e

parte delas ameaçavam os antigos privilégios da velha nobreza russa que se opunham às

novas medidas governamentais e procuravam explorá-las a seu favor. Porém outro aspecto

,dessa política governamental do novo imperador é sua perseguição aos grupos ou minorias

que representavam religiões diferentes incluindo-se entre elas as seitas existentes na Rússia,

tais como os Unitários, os Luteranos, nas províncias ocidentais, e os Lamaistas Kalmuques

e os Buriatos nas orientais. Mas, acima de tudo os judeus foram alvo de intensa

perseguição. A imprensa, assim como as organizações revolucionárias que despontaram

naquele período foram eliminadas e silenciadas. Ao mesmo tempo as terríveis condições

sociais revelaram-se durante a fome que grassou no ano de 1891, associada à profunda crise

agrária que atingiu aquele imenso território. A grave onda de pogroms que se seguiu ao

assassinato de Alexandre II em 1881, e anos seguintes, nos quais o judeu se transformou no

bode expiatório de todos os males da Rússia, repercutiu no período seguinte no qual o Czar

havia designado comissões para investigar as causas dos distúrbios, comissões que

chegaram a conclusão que tudo isso era devido a “exploração judaica”. Em 1882 eram

publicadas as “Leis Temporárias” que proibiam os judeus de viverem em aldeias e

restringiam os limites de residência em cidades maiores e menores. Também se restringia,

por uma lei de 1886 , à 10% o número de estudantes judeus nas escolas secundárias e nas

universidades situados na Zona de Residência e 3-5% fora dela. Impunha-se, desse modo, o

numerus clausus que atingia diretamente a educação e a formação profissional dos jovens

judeus que procuravam meios para estudar no exterior. Ao mesmo tempo , em 1891, os

judeus começaram a ser expulsos de Moscou e as leis discriminatórias não se restringiram

somente àquela cidade mas estendeu-se a outras causando um verdadeiro exôdo para outros

lugares. O clima anti-semita atingiu seu auge alimentado pela imprensa conservadora que

seguia a orientação política de Pobedonostsev , o chefe do “Santo Sínodo”, que

representava o corpo governamental da Igreja Ortodoxa russa. Sua esperança, tal qual ele a

formulou era que “um terço dos judeus se converteria, um terço morreria e um terço

abandonaria o país”. Efetivamente o abandono do país já havia começado.

A quase totalidade da emigração dirigiu-se aos países do Ocidente e em particular aos

Estados Unidos que recebeu a maior parte dessa imigração. Porém, pude constatar que o

Brasil também recebeu uma leva de cerca de 280 imigrantes vindos no ano de 1891, ano em

que a JCA (Jewish Colonization Association foi criada, pelo Barão Maurice de Hirsch, e

deu início à colonização de judeus russos na Argentina.

O nosso conhecimento sobre essa imigração ao Brasil era nulo, e se havia alguma

suposição sobre a vinda de judeus nesse tempo ela se restringia, possivelmente, a uma ou

outra família sem termos, no entanto, qualquer certeza ou elemento comprobatório. Em

busca de um ponto de partida para a pesquisa usei o nome da família Zlatopolsky, que sabia

ser uma família “antiga”, e de fato no computador do arquivo do Museu da Imigração,

116

surgiu o nome de Jacob Zlatopolsky, como imigrante vindo com o navio Ibéria ,via

Southampton, ao Rio de Janeiro, em 7 de junho de 1891 e chegou a São Paulo em 10 do

mesmo mês. De resto foi examinar o Livro de Matrícula dos Imigrantes entrados na

Hospedaria do Estado de São Paulo.261

Jacob, que na relação dos imigrantes é designado

como sendo alemão, chegou solteiro ,com 24 anos, e passado certo tempo ele aparece

como empresário bem sucedido juntamente com C. Manderbach como “fabricantes de

livros em branco, impressores e negociantes em papelaria e artigos de escritório... de ótima

reputação, não só no Estado de São Paulo, mas também nos Estados de Minas Gerais,

Paraná, Santa Catarina, Goiás e todo o norte do Brasil. Os seus estabelecimentos , onde

trabalham mais de 100 operários, encarregam-se de qualquer trabalho de impressão,

encadernação, fabricação de livros em branco, envelopes, blocos, etc. Importam papéis em

larga escala; são os únicos agentes no brasil das maquinas de escrever marca “Adler” e

únicos depositários no país dos tipos de impressão de fundição “Gentzsch & Heyse”, de

Hamburgo. O armazém e oficinas estão situados à rua de são bento, 31, num prédio cujos

fundos vão até à rua Libero Badaró, 54.A casa foi fundada em 1899.O Sr. Manderbach,

cidadão alemão, está no Brasil há 20 anos e há 16 se ocupa de impressão e papelaria. O Sr.

Zlatopolsky, nascido no sul da Rússia, há 22 anos se acha no Brasil; sempre se ocupou

deste ramo de negócio e desde o ano de 1908 faz parte da firma C. Manderbach & Cia.”262

Sabemos, porém, que em 25 de maio de 1909, ele escreveria a Central do Fundo Nacional

Judaico, sediado em Colônia, na Alemanha, uma carta com o timbre da empresa Klabin

Irmãos referente a atividade sionista em São Paulo, sobre a qual diz ser inexistente, exceto

as campanhas para o mencionado fundo.263

O nome de Jacob Zlatopolsky e sua família

aparece no periódico “A Columna” relatando um festival realizado em benefício dos

correligionários vítimas da Primeira Guerra Mundial.264

O navio Ibéria, pertencente a

Pacific Steam Navigation Company, viajou 24 dias, saindo de Liverpool, conforme os

dados que temos no registro do movimento na Repartição Central das Terras e

Colonisação.265

O número de passageiros judeus que desembarcou no Rio em 7 de junho,

para passar pela quarentena da Ilha das Flores é de 221, incluindo mulheres e crianças. Em

São Paulo, procedentes em sua maioria absoluta do Rio, viriam 218 pessoas, no dia 10 de

junho, contando com alguns poucos que vieram com o navio Argentina (família Levine

composta de 4 membros, chegada em 1/6/1891, procedente de Hamburgo) e com o navio

Strassburg (um casal e um passageiro). Comparando as relações de passageiros que

desceram no Rio de Janeiro e os que desceram em São Paulo, logo vemos que em sua

maioria eram os mesmos, havendo uma diferença de 52 nomes do Rio que não constavam

na lista de São Paulo e 61 nomes de São Paulo que não constavam na lista do Rio. Assim

sendo podemos calcular que chegaram, aproximadamente, cerca de 280 pessoas no total,

261

No Livro no. 23, correspondente ao período de 26 de maio a 29 de junho de 1891. Surpreendentemente

estão registrados 218 imigrantes que os identifiquei como judeus , sem designação religiosa específica, tal

qual encontramos nos Livros correspondentes à imigração de 1905. 262

Impressões do Brazil no Século XX, Lloyds Greater Britain Publishing Company Ltd., London, 1913, p.

700. Ele aparece na galeria de retratos dos empresários paulistas na p. 711. 263

Arquivo do Central Zionist Archives, Jerusalém, doc. KKL 1/18. 264

“A Columna” ,3 de novembro de 1916, p.186 e “A Columna”, 1 de dezembro de 1916, p.198, no qual a

redação assinala “os importantes serviços prestados pelo Sr. Jacob Zlatopolsky e sua Exma. Família,

ornamento da boa sociedade israelita de S.Paulo, por ocasião do festival pró-vítimas realizado a 15 de outubro

último. Podemos afirmar que em grande parte a ele e à sua Exma. Família se deve o bom êxito desse festival.” 265

RV 45, referente ao navio Ibéria, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro.

117

ainda que alguns nomes parecem ser alterados em sua grafia original. A lista do Rio inclui

as profissões dos passageiros que ,como já dissemos, saíram de Liverpool, constando que

eram em sua maioria trabalhadores sem profissão definida, com exceções de alguns aos

quais se indica ser alfaiate, vidraceiro, sapateiro, comerciante, etc. A designação da

nacionalidade na lista dos imigrantes de São Paulo aponta como sendo a maioria de

alemães e poucos austríacos e poloneses, enquanto que na do Rio de Janeiro divide-se entre

russos e alemães e alguns poucos austríacos e romenos. Porém na lista de São Paulo parte

dos que aparecem como alemães são denominados russos na lista do Rio, o que nos leva a

concluir que efetivamente em sua maioria eram russos de origem e que teriam emigrado da

Rússia para a Alemanha266

, seguindo daí para a Inglaterra. Na mesma data chegaria o navio

Strassburg ao Rio de Janeiro , via Bremen, Alemanha, no qual viria uma grande leva de

russos cristãos267

com destino para o Estado do Paraná, constituindo uma imigração

organizada com fins de colonização agrícola promovida pelo governo.

Qual teria sido o destino desses imigrantes? É uma questão permanente, que se levanta,

naturalmente, ao estudioso da imigração judaica no Brasil em relação às levas mais

antigas. Como sempre , não temos uma resposta segura para a mesma, pois, para tanto

temos de saber o quanto de descendentes deixaram, se permaneceram no país, ou se

aventuraram a outros lugares.

Somente uma pesquisa minuciosa sobre cada família poderá nos dar uma resposta. No

entanto há fortes indícios de que o processo de assimilação e aculturação das imigrações do

século passado XIX, abrangendo a dos judeus marroquinos, a dos alsacianos e as primeiras

levas provenientes da Europa Oriental, se deu numa escala bem maior, deixando poucos

traços de sua identidade de origem.

Porém tudo indica que a narrativa que encontramos na obra do famoso dramaturgo e

escritor de língua ídiche Peretz Hirschbein pode nos dar uma resposta ao enigma sobre essa

imigração. Transcrevo literalmente o que nos relata Hirschbein em seu livro “FunVaite

lender:Argentine, Brazil, Yuni,November 1914” , pp.177-8: “ No ano de 1890 agentes do

governo brasileiro começaram a difundir notícias entre os imigrantes judeus na Inglaterrra,

que no Brasil se recebe gratuitamente terra e para a terra dinheiro, moradias, animais e tudo

o necessário; que no Brasil corre leite e mel e por isso quem quizer viajar será levado para

lá com dignidade às custas do governo. Também informaram que é importante que tenham

uma grande família; quanto mais pessoas que alguém possua em sua casa mais terra

receberá.

A propaganda teve grande influência. Ainda no mesmo verão partiu do porto de Liverpool

o navio “Himbéria”(sic) levando acima de 1.000 almas judias. A maior parte era de alfiates,

tintureiros (passadores sw roupas). O que tinha pequena família emprestava, antes de viajar,

algumas filhas ou filçhos de algum bom amigo. Viajaram com a certeza de encontrarem sua

felicidade. Em 5 de julho chegou a primeira parate ao Brasil nacidade portuária de Santos e

de lá foram levados à São Paulo. Os levaram a grande Casa dos Imigrantes pertencente ao

governo, e os dias amargos tiverram início:

Na Casa dos Imigrantes encontraram um grupo de polacos que fugiram dos lugares nos

quais os judeus deveriam seer enviados. Uma que o governo indicou o lugar disponível e

selvagem:- Isto vocês recebem, e a partir daí vocês devem ajudar a si mesmos.

266

Alguns nomes sugerem que são famílias judias alemãs, ou russas que ficaram certo tempo na Alemanha,

assim como ocorreu com outros que viveram certo tempo na Inglaterra e acabaram adotando nomes ingleses. 267

Aparecem sob a designação de “católicos”, mas provavelmente são ortodoxos.

118

Mais do que terra eles não deram. Isso eles souberam por mrio dos poloneses que naquelas

terras que querem mandá-los predomina a febre amarela e pessoas falecem como moscas.

Entrementes chegou um segundo navio com imigrantes e logo após um terceiro. O

n´[úmero de judeus atingiu a cifra de 4.000 pessoas. As pessoas não queriam se deslocar da

Casa dos Imigrantes. Doenças começaram a surgir.Crianças faleceram. E quando os

responsáveis vieram e viram como as mães judias se encontram sentadas sobre o chão e

choram por suas pequenas crianças recaiu sobre eles um medo dos judeus e os temendo

expulsaram a todos eles da Casa dos Imigrantes.

O resultadfo logo ficou claro:

Uma parte que possuía meios voltou apressadamente para a Europa, outra continuou

viagem para a Argentina; uma parte se dirigiu a Santos para trabalhar no porto e morreram

de febre amarela. E uma parte se aproximou de um grupo de judeus ricos e estáveis que se

ocupavam com o tráfico de escravas brancas.Alguns foram trabalhar em plantações de café

e ali desapareceram seus rastros. Somente algumas dezenas encontraram de alguma forma

um caminho e hoje em dia ocupam um lugar respeitável na sociedade.”268

Apesar da discrepância de data da vinda dessa imigração que para Hirschbein deu-se no ano

de 1890 e nossa documentação comprova que foi 1891, bem como a enorme diferença entre

o número de imigrantes, 4.000 para Hirschbein e o número bem menor que apuramos nas

fontes citadas em nosso trabalho, além da distorção do nome do navio que trouxe a primeira

leva, seguramente podemos concluir que trata-se da mesma imigração. Pena é que

Hirschbein não nos declina sua fonte de informação mas certamente ele a recebeu

oralmente de pessoas que estiveram envolvidas com essa ou tomaram parte nessa

imigração.

I- Lista do Livro de Matricula de Imigrantes (no. 23 de 26 de maio de 1891 a 29

de junho de 1891)- (Arquivo do Museu da Imigração- São Paulo), incluindo-se

os imigrantes que não constam na lista do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro,

e II- os imigrantes desta cidade que não constam na lista de São Paulo.

268

Hirschbein,Fun vaite lender: Argentine,Brazil,Yuni,November,1914,N.York, 1916, red. Book

Renaissance,N.Y., s.d., pp.177-8.

119

I- Imigrantes de São Paulo

Família Nome Idade

p.97

Stein George 19

Harry 21

Sandberg Robin 38

Frida 28

Israel 12

Mania 9

Emilio 5

Tanaberg Maunci 41

Sarah 26

Wolf 2

Meyer 1

(?) Bethin Bethise 25

Golder Angel 25

Polly 22

Rosenzwig Isac 18

(?) Travwis Marko 26

Mania 24

Clara 6

Abrahamson Morris 30

Emily 30

Isac 1

Levin Salomon 24

Sarah 22

Morris 30

Lea 18

Jacob 21

Goldberg Salomon 22

Etty 23

Joseph 20

Spion Harris 30

Lillie 27

Adolf 24

Broun Harris 22

Edith 20

p.99

Goldberg Morris 18

Morris 20

irmão Captam 21

cunhado Simon 23

cunhado, Isaac 32

120

Abrahamson

cunhado Meyer 19

Truhpand Filipe 42

Gidle 35

Alter 8

cunhado, Baher Jacob 24

Harrison David 18

Levy Morris 34

Misja 32

Julius 17

Serlang ou

Seshansky

Isaac 24

Sarah 20

cunhado Pinchos 20

Charles 20 ou

24

Lavetzky Abraam 36

Milli 28

Louis 13

Barikohansky Isaac 23

irmão Filippe 17

Fidler Harris 26

Deine 24

Lena 1

irmão Abraam 20

irmão Morris 20

Liberman Abraham 24

Sarah 22

Bernstein Samuel 22

Malkes Harris 26

Anna 26

Jacob 5

irmão Samuel 32

primo Benjamin 23

Mann Abraham 38

Ester 33

Rebecca 10

Max 5

Hyman 1

Marck 19

p.101

Harris Salomon 38

Rachel 35

Max 36

Katz Mendel 27

121

Rebecca 24

Harris Salomon 21

Leon Gabrielen 20

Zlatopolsky Jacob 24

Kenefsky Stroime 21

Herman Louis 23

Pagoda Joseph 26

Fanny 22

Salomon 3

Rebecca 1

irmão Natan 19

Popitz Isac 30

Belle 28

Pearl 8

Maier 7

Fegge 3

Izkovitsch Jacob 25

Zatz 31

Popitz Aaaron 23

mãe Haia 54

Glück Salomon 36

Hanna 37

Gretschen 12

David 14

Goldberg Jacob 26

Fanny 20

Julia 2

Isaac 1

Hornstein Harris 32

Esther 32

Sarah 12

Nathan 5

Irmão Simon 20

Zobolsky Israel 37

Becker Harris 19

p.102

Parresky Hyman 19

Anna 18

Bensky Malkes 22

Pagora Newton 19

Leah 18

Meyer Margolin 25

Blume 20

irmã Jenny 18

122

Schaye Henrich 27

Clara 25

Herman 2

Block Isaac 21

Mary 20

Lirvein Arron 26

Etha 21

irmão Max 24

irmão Nathan 18

Morritz, austríaco Benjamin 24

Fanny 20

irmão David 18

irmã Anna 19

David 4

Sarah 1

agregado Jacob 22

primo Heine 21

Freiman, polaco

eio com o

Strassbug

Abraam 24

p.103

Harris Salomon 36

Rachel 34

imã May 32

Charles 14

Galinsky, polaco

veio com o

Strassburg

10/6/1891

Rock 35

Julia 33

Weisbrod Zelick 43

Berry Jacob 22

Cohen Nathaniel 21

irmão Wolf 22

Barman Abraham 20

Goldstein Louis 24

Jenny 21

Elias 2

Rubin Max 24

Sarah 23

Imigrantes do Rio de Janeiro que não

123

constam na lista de São Paulo

Levine Marks 19

Danilovitch Barett 22

Mann Israel 5

Mandaley, inglês Israel 29

Levy Morrys 34

Sarah 32

Julius 17

Margoliz Meyer 25

Blume 20

Genny 18

Matiliski Samuel 20

Betsy 20

Libschitz Josef 30

Bekka 28

Abraham 10

Wolf 5

Luindios (?) Heinrick 26

Golefax Job 23

Barischansky Isaac 23

Philip 19

Baer (?) Emma 16

Fredericka 18

Bukovitch Louis 25

Limein (?) Harris 26

Elka 21

Maks 24

Sandburg Bethise 25

Gahulen Leon 20

Bronie Harris 22

Edith 22

Karanski Chaim 21

Schwarz Wolf 36

Rosa 26

Herman 3

Isaacson Simon 32

Max 21

Louis 22

Sandling Morritz 41

Sarah 26

Wolf 21

Meyer 2 m

Josef 25

Reuben 34

Frieda 28

124

Israel 11

Max 8

Milly 5

Baschavsky Nathan 26

Anna 26

Makovsky Louis 25

Harriet 18

Alfred ?

14. Oswald Boxer e o projeto de colonização de judeus no Brasil

Entre os muitos projetos de colonização de judeus no Brasil, no século passado,

destaca-se o de iniciativa de uma associação alemã que se organizou com a participação dos

membros da comunidade judaica de Berlim e que se intitulou “Deutsches Central Komitée

fuer die Russischen Juden”, em 28 de maio de 1891. A nova associação visava coordenar e

organizar a ajuda prestada aos refugiados judeus da Rússia Czarista que na época

abandonavam o território sob seu domínio, devido a expulsões, discriminações e

impossibilidade de sobrevivência material. O grande movimento migratório de judeus

daquela região levou a que as comunidades dos países da Europa ocidental se

preocupassem com o destino de seus irmãos e se mobilizassem a fim de prestar a ajuda

necessária para que pudessem encontrar em outros lugares – especialmente em países com

programas de colonização – um modo de vida digno, e não se acotovelassem nas cidades e

capitais européias, vivendo apenas da ajuda e caridade dos demais.

Além da associação mencionada acima, criaram-se outras associações

importantes, tais como a “Baron Hirsch Fund”, em Nova York, e a “Jewish Colonization

Association”, fundada pelo Barão Maurício de Hirsch em 24 de agosto de 1891 e que teria

um papel primordial na colonização agrícola judaica na Argentina e no Brasil, assim como

em outros lugares.

O Brasil, desde o século XIX, foi visto como um país que poderia absorver

uma imigração considerável e, portanto, também as associações que tratavam de colonizar

judeus voltaram seus olhos nessa direção, aproveitando sugestões de entidades e pessoas

que tinham um bom conhecimento do lugar. Nesse ano de 1891, o “Brasilianische Bank für

Deutschland”, com a participação de uma companhia de investimentos financeiros, o

“Disconto Gasellschaft”, dirigiu-se a um comerciante judeu do Rio de Janeiro, Maximilian

Nothmann, para que preparasse um memorando sobre as possibilidades de colonizar judeus

no Brasil, uma vez que ele era uma pessoa respeitada e de confiança para aquelas entidades

alemãs com as quais mantinha contato, devido a sua ampla atividade econômica no Rio de

Janeiro, em São Paulo e também em Buenos Aires.269

O relatório de Maximilian Nothmann apresentava perspectivas otimistas de

investimento em qualquer projeto de colonização voltado ao nosso território, no qual previa

um desenvolvimento industrial em todos os ramos da atividade humana. Nothmann

269

Sobre Maximilian Nothmann foram levantados alguns dados pelo casal Egon e Frieda Wolff, no seu livro

“Judeus nos primórdios do Brasil República”, Rio de Janeiro, 1979.

125

propunha a criação de uma companhia de colonização sob o nome de “Kolonisation

Kompanie Europa-Amerika”, que deveria investir nos primeiros anos muito capital e

preparar as condições materiais para a absorção.

A previsão de Nothmann, caso se realizasse o projeto, era de que poderiam

entrar no primeiro ano cerca de 1.000 imigrantes por mês, no segundo 2.000 e no terceiro

até mesmo 4.000.

Para cumprir esse objetivo e estudar as condições locais a associação berlinense

enviou ao Brasil um jornalista – ainda que jovem, pois contava na ocasião apenas trinta e

um anos de idade – com certo prestígio e com bom relacionamento nos círculos políticos

europeus. Além do mais, ele era amigo de um outro jornalista, e escritor, que acabaria

sendo uma personalidade central do despertar nacionalista judaico do fim do século XIX,

ou seja, o fundador do sionismo político, Theodor Herzl.270

Em 16 de setembro de 1891, a “Deutsches Central Komitée” designou uma

comissão de colonização (Kolonisation Komission) que viu o Brasil como um país mais

adequado para a realização de seus projetos devido aos fatores seguintes :

a) não havia anti-semitismo;

b) condições políticas estáveis e um país em desenvolvimento;

c) um clima favorável;

d) possibilidades de subsistência através da agricultura;

e) condições de trabalho apropriadas à resistência física dos colonos;

f) possibilidades de concretização sob o aspecto econômico.

De acordo com os relatórios enviados do Rio de Janeiro por Oswald Boxer,

sabemos que ele se encontrou com Maximilian Nothmann e outras pessoas interessadas em

sua missão, entre os quais os irmãos Haas, Isidore e Marx, donos de uma companhia de

270

Encontramos no “Central Zionist Archives de Jerusalém” (pasta HN VIII/110) uma carta em alemão

datada de 24 de novembro de 1892 dirigida a Theodor Herzl a qual transcrevemos abaixo. Ela revela uma

correspondência havida entre ambos, quando Boxer se encontrava no Brasil. A carta foi expedida do Rio de

Janeiro através do “Bank für Deutschland”:

“Caro Theodor,

Recebi hoje sua carta datada de 3 deste mês. Todas as suas anteriores chegaram às minhas mãos,

porém duvido que V. tenha recebido as minhas duas anteriores.

Recebi com alegria e orgulho a notícia de sua nomeação para o cargo de correspondente em Paris do

“Neue Freie Presse”, tão honrosa que compensa em muito a ti pelas mágoas que seu amor próprio

possa ter sofrido em várias ocasiões. Eu tive conhecimento da vaga, e pensei comigo: seria a coisa

certa para Theodor. Porém, não pensei que você fosse candidatar-se para o cargo, nem tampouco que

a “Neue Freie Presse” fosse levar a oferta a sua casa. É justamente nisso que vejo o reconhecimento

de teus serviços, e isso não pode ser subestimado. Você encontrará nesse terreno enormes

dificuldades, mas você pertence àquela raça que tudo pode, quando necessário. Eu poderia compor

um pequeno catecismo das minhas ricas experiências como correspondente, mas toda teoria é, em

tais situações de vida, muito pobre, e embora seja muito antiga e respeitável, é sempre ridicularizada

pela prática da vida e do momento. Confio em que você vencerá, ainda que seja uma batalha difícil, e

deve preparar-se para tanto. Escrever-lhe-ei sobre mim em uma outra ocasião! Eu também cheguei a

um ponto que é necessário mostrar que se sabe o que se quer. Mas quem não é homem, nunca o será,

e quem o é, resolve as coisas com facilidade. Pois, veremos. Tudo de bom, e escreva-me logo. Eu

também escreverei tantas vezes quantas puder.

Seu

O.”

126

importação, que também se preocupavam com questões ligadas à colonização, e estavam

em contato com a “Alliance Israèlite Universel”, uma das associações judaicas mais antigas

da Europa que cuidava de emigração e beneficência, onde quer que ela fosse solicitada,

além de múltiplos aspectos da vida judaica. Os irmãos Haas haviam conseguido do

Governador do Rio de Janeiro uma concessão de terras em Angra dos Reis sob a condição

de que a propriedade passaria às suas mãos mediante a colonização de pelo menos 500

famílias. Nesse sentido, eles já se encontravam em contato com a A.I.U., antes da vinda de

Boxer ao Brasil. Quando este chegou com seu projeto, eles, de início, sentiram que

poderiam sofrer certa concorrência, mas acabaram propondo ao enviado de Berlim que

comprasse por 500.000 francos os direitos que possuíam para empreender o projeto de

colonização local.

Boxer procurou entrar em contato com as autoridades governamentais, a fim de

expor seus planos, e nesse sentido encontrou-se com o Barão de Lucena, bem como com o

Ministro da Agricultura, Amaro Cavalcante, que prometeram o devido apoio ao seu projeto

de colonização. Além do mais, Boxer percebeu que deveria também levar sua missão aos

Governos Provinciais, que na Nova República tinham um poder autônomo decisivo nessas

questões, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo.271

Mas, a crise que começou a assolar o país com a dispersão do Parlamento por

Deodoro da Fonseca, em novembro de 1891, não parou, e a troca de ministros e

governadores que se sucedeu durante esses eventos interrompeu os contatos que já haviam

sido estabelecidos. Assim mesmo, ele continuou procurando por terras apropriadas à

colonização, viajando para Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, quando a revolução

de 23 de novembro de 1891 o forçou a voltar ao Rio de Janeiro. Porém, em dezembro

daquele ano, Boxer voltaria a São Paulo para continuar com seus esforços de realização do

projeto. Em relatório enviado a Berlim e datado de 28 de dezembro, ele diz que aos judeus

colonos está assegurado o direito de exercer sua religião e a igualdade em todos os sentidos,

devido à Constituição da República, e dizia ter encontrado apoio para o mesmo em todas as

camadas. Boxer considerou que São Paulo deveria ser o lugar indicado para a colonização

de judeus, uma vez que havia notado e soubera de que outros imigrantes europeus, alemães

e escandinavos, tiveram muito sucesso naquele Estado. A proximidade dos mercados, a

fertilidade do solo, bem como a indústria e a manufatura seriam fatores que assegurariam o

sucesso do empreendimento. Ele recomendava, em seu projeto, que se iniciasse a

colonização com 200 famílias apenas, para evitar possíveis abandonos, sendo que 150

famílias deveriam dedicar-se à agricultura, à manufatura e à indústria, como trabalhadores,

enquanto as restantes deveriam trabalhar nas plantações de café de fazendeiros particulares,

como assalariados, ao par de um cultivo auxiliar adicional de auto-sustento, mantendo-se

sob a supervisão da companhia colonizadora, que os representaria perante seus

empregadores. Para Boxer, isso seria um teste que possibilitaria verificar se eles estavam

aptos a trabalharem nesse ramo da economia brasileira, e também provar a possibilidade de

absorção de uma significativa leva imigratória no país. Por ser uma imigração nova e para

evitar o fracasso, Boxer pedia que se fizesse uma seleção rigorosa do primeiro grupo,

271

Parte dos elementos relativos à missão colonizadora de Oswald Boxer devemos ao estudo do Prof. Haim

Avni, “Amerika Latinit uBaiatam shel Yehudei Russia b’Schnat 1891 – Schnat geirush Moskva” (América

Latina e o problema dos judeus na Rússia no ano de 1891 – ano da expulsão de Moscou), in Divrei ha-

Congress ha-Olami ha-Chamishi le-Madaei ha-Yahadut (Atas do Quinto Congresso de Ciências Judaicas),

vol. 2, Jerusalém, 1972.

127

levando-se em conta sua experiência agrícola e sua capacidade física. Ao mesmo tempo,

pedia que viessem quatro judeus russos, conhecedores da língua alemã, que pudessem

auxiliá-lo no momento em que tivesse de receber o primeiro grupo de colonos, tendo fixado

sua chegada para abril de 1892.

Mas, toda a missão de colonização de Oswald Boxer não levou a nenhum

resultado prático, pois a fatalidade quis que o jovem jornalista contraísse febre amarela,

vindo a falecer em 25 de janeiro de 1892, sendo enterrado no Cemitério dos Protestantes de

São Paulo272

.

Sua morte deixou consternado o pequeno círculo de seus amigos e frustrou

todas aquelas autoridades governamentais que levaram a sério seu plano de colonização.

Em 26 de janeiro daquele ano, o Diário Popular de São Paulo expressava o sentimento geral

daqueles que o conheceram: “Vítima de febre amarela, infecção com a qual veio do Rio há

dias, faleceu ontem, nesta capital, o distinto cidadão austríaco Oswald Boxer. Enviado pelo

Comitê Central de Berlim que cuida da colocação dos israelitas russos, e pelo Barão de

Hirsch, o ilustrado jornalista que acaba de falecer, nos poucos dias que esteve entre nós,

captou gerais e dedicadas simpatias; a sua morte, que lamentamos profundamente, causou

sincero pesar no círculo de amigos, e vai, talvez, prejudicar muito São Paulo, que está a

ponto de perder sua corrente imigratória que para aqui caminhava. À sua família, em

Vienna d’Áustria, enviamos os nossos sinceros pêsames”.

272

Não se sabia o lugar e o cemitério onde fora enterrado até localizarmos o livro de registro de óbitos, Livro

C-3, folha 127, do Registro Civil de Santa Efigênia.Fora sepultado no Cemitério Protestante, ao lado do

Consolação. O registro de óbito diz que “aos 27 de janeiro de 1892, compareceu Emília Blattman e declarou

que à rua da Conceição número seis, às seis horas da tarde, faleceu no dia vinte e cinco do corrente Osvald

Boxer, natural da Áustria, com trinta e dois anos, agente de Imigração, solteiro, filho legítimo de Maurício

Boxer, de tifo amarelo”.

128

15. As muitas histórias do major Eliezer Levy

Uma das pessoas que mais se destacaram no judaísmo paraense como homem

voltado às questões sociais e comunitárias relativas à imigração israelita no norte do país

foi o major Eliezer Levy.

Nascido em 29 de novembro de 1877, Eliezer Levy descendia de uma

tradicional família sefaradita, que por parte da mãe incluía a dinastia rabínica dos Dabela

entre eles o rabi Eliezer Dabela, cognominado a Luz do Ocidente (Ner há-Maarabi).273

Viveram em Casablanca e em Rabat, Marrocos, antes de emigrarem para Belém do Pará,

em 1870.

Eliezer Levy fez seus primeiros estudos em Gurupá, onde seu pai, Moyses

Isaac Levy, atuava no comércio. Em 21 de março de 1900, casou-se em Cametá, com

Esther Levy Benoliel, filha de David e Belizia Benoliel, de família ilustre do Marrocos.

Ainda muito jovem, estabeleceu-se no comércio participando como titular da firma E. Levy

& Cia. – Comissões e Consignações, e, a partir de 1910, fez parte da diretoria da Maju

Ruber Company, presidida pelo Comodoro Benedit. Gerenciou ainda a firma italiana de

navegação C.B. Merlin.

Eliezer Levy ingressou na Guarda Nacional e chegou ao posto de coronel,

ainda que fosse sempre conhecido como major Levy. Advogado, foi ativo na política local,

sendo prefeito três vezes: do município de Macapá (que até 1943 esteve ligado ao Estado

do Pará), de Afuá (Pará) e novamente de Macapá (foi o primeiro prefeito da capital, onde

ficou de 1933 a 1947).

Entre 1918 e 1926, Eliezer Levy atuou como advogado no escritório de

Francisco Jucá Filho, Procurador-Geral da República, e Álvaro Adolfo da Silveira,

deputado estadual e chefe do Partido Conservador. Ainda que ele pertencesse ao Partido

Republicano Federal desde a sua fundação. Apesar das divergências políticas, sua amizade

com os colegas de trabalho teria futuramente importância decisiva na posição brasileira

durante a votação na ONU para a criação do Estado de Israel.

Segundo sua filha, a escritora Sultana Levy Rosenblatt, o jornal sionista que

Levy fundou em 1918, o “Kol Israel” (A Voz de Israel), assim como os serviços de

datilografia das instituições da comunidade judaica, eram realizados sempre naquele

movimentado escritório de advocacia, colocando, portanto, os problemas do nacionalismo

judaico e do movimento sionista na pauta das discussões daqueles advogados.

Oswaldo Aranha

Todos os partidos políticos foram extintos em 1937, mas pouco tempo depois

foi fundado o Partido Social Democrático, chefiado no Pará por Magalhães Barata. Eliezer

Levy ingressou no novo partido e passou a ter uma posição de destaque, tornando-se grande

amigo daquele líder, conseguindo ao mesmo tempo trazer seu velho companheiro, o

273

A referência sobre Eliezer Dabela encontra-se na obra de Abraham I. Laredo, Les noms des juifs du

Marroc, C. S. I.C.-Instituto B. Arias Montano, Madrid, 1978, p.483.

129

advogado Álvaro Adolfo da Silveira, ao mesmo partido. Este último seria eleito mais tarde

senador da República pelo PSD. Álvaro Adolfo foi designado para fazer parte da comitiva

que acompanharia Oswaldo Aranha à ONU, como seu assessor político.

Sultana Rosenblatt relata que “na hora da votação para o reconhecimento do

Estado de Israel, Álvaro Adolfo sentiu que conhecia minuciosamente o assunto, sem se

lembrar bem como e por quê. Após uma retrospectiva, passou por sua lembrança o

escritório da rua 13 de Maio, onde Eliezer trabalhava e onde se discutiam assuntos sobre a

criação de Israel. Álvaro Adolfo era coordenador da votação e conseguiu descobrir três

países que votariam contra: pediu a Oswaldo Aranha que suspendesse a sessão, e após

vários dias de trabalho na conquista dos adversários, conseguiu dobrá-los. Continuada a

votação, o resultado foi: “mais dois votos favoráveis e um em branco (...)”, o que levaria a

criar a maioria necessária para a formação de um Estado Judeu.

A narrativa dele é confirmada em um aparte na Câmara dos Deputados do Rio

de Janeiro, em 15 de maio de 1973, feito pelo Dr. João Menezes, sobrinho e filho de

criação de Álvaro Adolfo da Silveira e seu sucessor no escritório de advocacia e no Partido

Social Democrático. João Menezes, em seu aparte no discurso do deputado Rubem Medina,

disse que “o Pará tem ligação com a criação do Estado de Israel. Revelo o fato neste

instante, ao plenário da Câmara, para que faça parte do esplêndido discurso de V. Exa. O

Sr. Álvaro Adolfo da Silveira, ex-senador pelo Estado do Pará, foi o homem que, em

companhia de Oswaldo Aranha, e designado por ele, coordenou a votação da criação do

Estado de Israel. Há um fato interessante em tudo isso. Quando voltava das Nações Unidas,

Oswaldo Aranha, em trânsito em Belém do Pará, recebeu homenagem das mais carinhosas

da colônia israelita, que lhe ofereceu uma corbeille de flores em reconhecimento do

trabalho que havia feito. No discurso de agradecimento declarou aos israelitas do Pará que

cometiam grave erro: “aquela homenagem deveria ser tributada ao senador Álvaro Adolfo

da Silveira, o homem que havia coordenado tudo na ONU para a criação do Estado de

Israel. Este é o aparte que desejava dar, com as minhas homenagens àquele grande povo”.

Ajuda aos imigrantes

A atividade comunitária de Eliezer Levy correu paralelamente a sua

participação política. Desde cedo, teve a preocupação de ajudar os imigrantes judeus que

vinham do Marrocos que o procuravam para resolver seus problemas legais, assim como

dirimir desavenças pessoais (o major falava o dialeto “harbia”). Seu nome está ligado à

Sinagoga, ao Comitê Israelita do Pará e à Associação Beneficente Israelita.

Em 1918 fundou a associação sionista “Ahavat Sion” (Amor a Sião), que

constituiu-se na primeira organização do gênero na região do norte brasileiro.

Anteriormente, em maio de 1917, ele tentara criar uma entidade que propagasse as idéias

sionistas naquela lugar, mas sem sucesso, conforme relatou na carta a Chaim Weizmann,

em 20 de novembro de 1919.274

A diretoria do Comitê “Ahavat Sion” tomaria posse em 5 de outubro de 1918,

tendo como presidente A. Ribinik que se destacaria mais tarde como um ativista do

movimento sionista em Maceió; Menassés Bensimon, vice-presidente; Eliezer Levy,

secretário; José Bensimon, tesoureiro. O periódico “Kol Israel” descreve entusiasticamente

274

A carta a encontrei no Central Zionist Archives e faço referência ao seu conteúdo em outro lugar de meu

trabalho.

130

a noite da posse da diretoria, na qual se realizou uma “conferência de propaganda sionista

pelo rev.o sr. Isaac Wolfinson”. Usaram da palavra Menassés Bensimon e Eliezer Levy

“que em felizes improvisos, mostraram bem os deveres do cidadão perante a sociedade e a

necessidade de vermos um dia restaurada a pátria dos nossos maiores”. A nota do “Kol

Israel” informava, com a graça e o estilo da época, que na abertura e no encerramento da

sessão “um coro de 30 gentis senhoritas e meninos cantaram o Hino Nacional Sionista

acompanhado por uma orquestra composta dos srs. J. Nahmias, A. Benoliel e senhorita

Alita Levy”, esta última filha de Eliezer Levy.

A criação do Comitê “Ahavat Sion” coincidia com a proximidade do armistício

que seria assinado entre as nações beligerantes da Primeira Guerra Mundial em 11 de

novembro de 1918.

“Salve Palestina Livre”

Em 1º de dezembro do mesmo ano celebrava-se em Belém do Pará o grande

acontecimento, e entre outras solenidades organizava-se na capital paraense um cortejo de

carros alegóricos, onde a comunidade judaica expressaria seus sentimentos nacionalistas

com um carro que levava o nome “Palestina” que o “Kol Israel” descrevia estar decorado

com “uma bela ornamentação de festões de flores, levando ao centro, em suntuosa cadeira,

uma senhorita ricamente trajada como uma hebréia da antiga Jerusalém. Sobre sua cabeça

repousava uma coroa de louros e de seus braços pendiam algemas partidas, simbolizando a

Palestina livre. À destra empunhava uma riquíssima bandeira de seda, com as cores azul-

celeste e branco, e ao centro o escudo de David. Atrás do carro levando o estandarte,

grande número de sócios do Comitê “Ahavat Sion” e da “Associação Beneficente

Israelita”. Na histórica foto que assinala o evento, encontram-se o major Eliezer Levy,

Abraham Ribinik, veterano ativista comunitário, e Halia (Alita), sua filha mais velha. A

faixa que se encontra na frente do carro trazia a frase “Salve Palestina Livre.”

O “Kol Israel” se definia como “jornal independente de propaganda sionista”,

“órgão do Comitê Ahavat Sion” e foi outra das iniciativas de Eliezer Levy. Seu primeiro

número saiu em 8 de dezembro de 1918.

Por ser um periódico da comunidade judaica, o “Kol Israel” servia de

informativo social dos acontecimentos locais: viagens à Europa, noivados, casamentos,

nascimentos, bar-mizvot, circuncisões, aniversários, etc. Tudo isso ao lado de anúncios

comerciais e notícias do cotidiano da vida das comunidades do norte do Brasil. Tudo indica

que o jornal durou até o ano de 1926, ou, talvez, um pouco mais, apesar de encontrarmos

alguns números correspondentes apenas até o ano de 1924.

Elizer Levy se correspondia com David J. Perez com o qual manteve uma

longa amizade e a quem admirava. Talvez o encerramento das atividades do “A Columna”,

de David José Perez, em fins de 1917, tenha levado Eliezer Levy a criar seu periódico com

a finalidade de dar continuidade à divulgação dos ideais sionistas. A troca de cartas com

Perez confirma nossa convicção de que ele se propôs a continuar o trabalho interrompido,

devido as circunstâncias, do notável professor do Colégio Pedro II.

Ensino de Hebraico

131

Durante a presidência do major Levy, a Sociedade Beneficente Israelita criou o

Externato Misto, com curso primário completo e- além do programa oficial- aulas de

costura, prendas domésticas, bordados à mão e ensino da língua hebraica “pelos métodos

mais modernos adotados na Europa”. Aos alunos mais necessitados, a escola fornecia não

apenas o material escolar, como também roupas e calçados.

O Externato Misto Dr. Weizman (foi assim que se chamou) foi inaugurado em

15 de novembro de 1919, com a presença do governador Lauro Sodré. Informa o “Kol

Israel” que “recitaram belas poesias as meninas Amália e Stella Levy”. Sultana ainda

lembra da poesia de J. Eustáquio de Azevedo, “Salve Palestina!”, dedicada ao major Levy:

“A visão sacrossanta mal encobre/ o sonho de Israel/ E as pombas do Carmelo

alvissareiras/ Hão de levar-lhes lindas mensageiras/ Da vitória o laurel”.

Nova Geração

Preocupado com a educação da juventude, o major Levy fundou o Grêmio

Literário e Recreativo Theodoro Herzl, em 6 de dezembro de 1919. Finalidades do grêmio:

reunir a nova geração em torno de valores espirituais e permitir a aproximação mútua. Em

20 de agosto de 1923, fundou a Biblioteca Max Nordau. Em seu discurso de inauguração,

explicou que a entidade era “um lugar onde a mocidade poderá obter conhecimentos sobre

sua origem e orgulhar-se de pertencer a uma raça altiva e tenaz, que tem dado ao mundo

uma prova de civismo e que com seu profundo conhecimento nas ciências, artes e letras,

tem concorrido para o progresso da civilização”.

Seu envolvimento na política – prefeito de Macapá entre 1932 e 1947,

convenceu o presidente Getúlio Vargas a transformar o município em Território do Amapá.

Contudo ele não diminuiu sua atuação comunitária judaica. Em carta a Jacob Schneider de

19 de setembro de 1945, o sheliach da Organização Sionista Mundial, dr. Yuris, descrevia

Eliezer Levy como “um fervoroso sionista e o mais valioso ativista de Belém, destacado

judeu sefaradita, respeitado tanto pelos sefardim quanto pelos asquenazitas...e dos

veteranos nacionalistas de Belém, que há 20 ou 30 anos passados publicou um jornal

sionista.” Eliezer e Esther Levy tiveram 13 filhos. A primogênita Halia (Alita) morreu aos

25 anos. Outra filha, que tomou o mesmo nome, também morreu na infância. Os

descendentes, filhos e filhas, continuaram a tradição que dele herdaram – fidelidade a seu

povo, seus valores e honradez pessoal e maassim tovim, isto é altruísmo e caridade.

132

16. O 1.º Congresso Israelita no Brasil

Um dos momentos mais importantes para o movimento sionista mundial, e

também para o brasileiro, e que o levou, sem dúvida, a tomar um impulso considerável, foi

a Declaração Balfour em 2 de novembro de 1917. Alguns meses antes, o diretor da “A

Columna”, David J. Perez, em artigo publicado em agosto de 1917, sob o título “Em

Marcha”, imbuído de convicções sionistas, explicava a necessidade de se reunir um

Congresso Judaico no Brasil, cuja realização já era anunciada no mesmo periódico sob o

título de “1.º Congresso Israelita no Brasil”. Nessa notícia relatava-se que em 14 de julho

reuniram-se “vários membros da colônia israelita desta cidade para tratar de levar a efeito

uma grande manifestação de solidariedade nacional com seus irmãos de raça, que ora se

agitam em todo o mundo em prol da reconstituição definitiva e firme de sua histórica pátria

judaica no território da Palestina”. Essa reunião se realizou na sala da Biblioteca Scholem

Aleichem por iniciativa de Jacob Schneider, Júlio Lerner, Max Fineberg, Sinai Feingold e

outros. Visto que David Perez se encontrava enfermo, “A Columna” foi representada por

Álvaro de Castilho.275

“que foi aclamado pelos presentes, escolhido presidente da reunião e

encarregado de expor os motivos da sua convocação”. A abertura de Álvaro de Castilho e

sua análise sobre a situação do movimento sionista mostra o quanto ele estava imbuído dos

seus ideais, e, ao mesmo tempo, revela uma mente politicamente lúcida pela percepção do

momento histórico que o judaísmo estava vivendo naqueles dias. “A Columna” resume

suas palavras, dando ênfase às idéias que expôs na ocasião:

“O Sr. Álvaro de Castilho abordou primeiramente o estudo da situação da

Palestina perante a política internacional no presente momento, mostrando a concordância

que há entre as justas aspirações de Israel e as conveniências estratégicas e econômicas das

potências beligerantes, quer aliadas da Inglaterra, quer da Alemanha. Em seguida, ponderou

que, para a satisfação do nobre ideal do sionismo, não era bastante contarem as massas

judaicas com a simpatia e o apoio dos grandes estadistas nas cortes internacionais, que

brevemente terão de examinar e julgar os direitos dos povos, e sim que urgia manifestarem-

se essas mesmas massas coletivamente, como grandes parcelas de um todo considerável,

pelo órgão dos seus delegados mais competentes e esforçados. Este, a seu ver, era bem o

rumo que impunha ao movimento que se iniciava naquele dia e, se bem compreendera os

objetivos reais dos propugnadores da entusiástica assembléia ali reunida, não podia deixar

de exprimir o seu mais sincero apoio e a mais perfeita adesão à idéia da convocação de uma

outra assembléia, mais elevada e com plenos poderes perfeitamente definidos, para

manifestar pública e oficialmente o pensamento dos israelitas no Brasil acerca dos destinos

de sua raça a se constituir em estado na Palestina. Urgia, pois, de acordo com a opinião já

manifestada pela minoria, providenciar no sentido de se assentarem as bases para

organização e funcionamento do 1.º Congresso Israelita no Brasil.

275

Álvaro de Castilho nasceu em Paraíba do Sul em 29 de janeiro de 1878 e faleceu em 30 de outubro de

1947. Cursou o anexo da escola Politécnica do Rio de Janeiro até os dezesseis anos, vindo a trabalhar mais

tarde na Prefeitura e na Câmara Municipal do Distrito Federal. Exerceu o cargo de diretor do Patrimônio

Nacional a pedido e foi adepto da religião Nova Jerusalém até o dia de sua morte. Álvaro de Castilho foi

colaborador íntimo de David Perez e juntamente com ele fundou o periódico “A Columna”, podendo ser

considerado, devido a sua atuação em favor do sionismo e da comunidade judio-brasileira, como um dos

“hassidei umot ha-olam” em nosso país.

133

“As últimas palavras do Sr. Álvaro de Castilho foram cobertas por uma salva

de palmas. Fizeram-se ouvir ainda outros oradores dando expansão aos seus sentimentos

nacionalistas.

“Em seguida, sob a mesma presidência do Sr. Álvaro de Castilho, procedeu-se

à eleição do Comitê Organizador que tem de superintender os trabalhos preparatórios do

Congresso.276

“Foram eleitos por unanimidade de votos: presidente, Isidoro Kohn; vice-

presidente, Samuel Galper; primeiro-secretário, Ambrósio M. Ezagui; segundo-secretário,

Benjamin Snitkovsky; tesoureiro, Lázaro Duek; vice-tesoureiro, Marcos Nigri; membros do

conselho fiscal, Moysés Mussafir, Marcos Fineberg, Jacob Schneider e Sinai Fiengold.”

IDÉIA PREPARATÓRIA

A verdade é que o Congresso não chegou a ter uma atuação efetiva, mais serviu

como idéia preparatória para a criação de uma Organização Sionista mais ampla que

expressaria os sentimentos nacionalistas do judaísmo brasileiro. O comitê organizador do

1.º Congresso recebeu cartas de solidariedade de vários lugares e Estados como Bahia, São

Paulo, Araraquara, Curitiba, Pará, Amazonas, Pernambuco, Ceará e outros. Em Curitiba

fundou-se um comitê regional que deveria tratar dos assuntos relativos aos programas do

Congresso naquele local, sob a responsabilidade de Max Rosenmann, Baruch Schulman e

Júlio Stolzenberg. A imprensa brasileira não deixou de anunciar por várias vezes a intenção

de reunir o congresso e divulgou amplamente a idéia na sociedade brasileira. Em 11 de

novembro de 1917, a Tiferet Sion, no Rio de Janeiro, recebeu um telegrama assinado por

Sokolov e Weizman, que informava sobre o conteúdo da conhecida Declaração Balfour

cujo teor era o seguinte:

“O governo inglês fez a seguinte declaração:

“O governo de Sua Majestade vê com bons olhos o estabelecimento na

Palestina de um governo nacional para o povo israelita e empregará os seus melhores

empenhos para facilitar o cumprimento desse objetivo, ficando claramente entendido que

nada se fará que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não

israelitas na Palestina, ou os direitos políticos adquiridos pelos israelitas em outro país.

“É conveniente fazer pública esta declaração, na presente ocasião, de modo a

ficar bem divulgada. (Assinados) Sokolov-Weizmann.”

Sinai Feingold, que substituiu a Júlio Stolzenberg na presidência da Associação

em 1916, convocou uma assembléia presidida por David Perez. Nessa assembléia ficou

resolvido que se mandaria uma mensagem de agradecimento a Sua Majestade britânica, por

intermédio de seu ministro, e que seria apresentada a solidariedade da colônia israelita do

Brasil por uma comissão formada por David J. Perez, Isidoro Kohn e Jacob Schneider. A

mensagem era a seguinte:

“Exmo. Sr. Ministro de Sua Majestade Britânica no Brasil – Ao impulso de

poderosa ação emocionante causada pela comunicação oficial que os Leaders do Sionismo

276

Duas circulares foram publicadas, uma em português e outra em ídiche, esta última manuscrita pois não

havia tipografia com caracteres hebraicos no Rio de Janeiro daquele tempo. Pela carta do Comitê

Organizador, em ídiche, assinada por Benjamin Snitkovsky e dirigida ao Comitê Paranaense pró-Congresso

Israelita do Brasil, vemos que se formaram comitês de apoio em vários lugares.

134

se dignaram de nos fazer, comunicação essa que encerra a mais esperançosa das

promessas que têm alimentado o longo peregrinar do Povo Hebreu, nós os israelitas desta

capital, interpretando igualmente o sentimento dos do Brasil, vimos até V. Exa. apresentar-

vos o mais sincero agradecimento, hipotecando nossa inteira solidariedade ao governo de

S.M., solidariedade com que de há muito conta o governo britânico por ter sido sempre o

paladino dos povos oprimidos. É sabido que, depois da volta dos judeus à Inglaterra, sob a

égide de Manassé Ben Israel, no governo de Cromwell, nunca mais esse país deixou de nos

proteger e concorrer com sua poderosa ação para minorar os males que sofríamos em

outros países, quando não podia de todo eliminá-los. Finalmente, coroa a sua política, que

neste momento é a da maioria dos aliados, assegurando-nos a restauração da antiga Sião.

“A colônia israelita no Brasil não é grande e forte como a sua co-irmã dos

Estados Unidos, mas sente como essa o mesmo entusiasmo, e desvanecida apresenta ao

Magnânimo Monarca que está à frente dos destinos da Grã-Bretanha a sua humilde

dedicacão afeiçoada, assim como todo seu fraco esforço.

“Esperando que V. Exa. se dignará de transmitir a Sua Majestade Britânica e

ao seu governo as expressões deste nosso agradecimento, subscrevendo-nos com a mais

alta estima e consideração.

“Assinaram esta mensagem: o Presidente da Assembléia Sionista que

deliberou sobre a atitude a tomar, e mais os Presidentes da Tiferet Sion, do Comitê

Organizador do Primeiro Congresso Israelita no Brasil, da União Guemiluth Hassadim

(do Rio), do Comitê Pró-vítimas do Centro Israelita, da Beth Jacob, da Machziqué Hadath,

da Biblioteca Schalom Aleichem, da Hadat Israel, da Ezra Israel, da Israelita Syria,

representante da Guemiluth Hassadim de Itacoatiara – Amazonas, e dos indicados para

esse fim pelos israelitas de vários Estados”.277

277

“A Columna”, n.ºs 21, 22, 23, 24, set, out, nov, dez. de 1917.

135

VISITA AO EMBAIXADOR

“Em 3 de novembro de 1917 (ele se enganou, pois foi no dia 11) recebemos

telegrama de Londres assinado – Weizmann-Sokolov, comunicando a declaração Balfour,

pedindo que enviássemos agradecimentos ao Rei e, também, que fôssemos agradecer o

Embaixador da Inglaterra no Brasil. Esse telegrama nos causou grande alegria. Vimos nele

o começo da realização do sonho judaico, a profecia de Herzl. Também os não-sionistas

participavam dessa alegria. Preparamos um memorandum com assinaturas de 15

instituições (queríamos dar a impressão de grande coletividade) pedindo uma audiência ao

embaixador da Inglaterra, o qual pediu o nome das quinze, mas confirmou somente dois

nomes: do Dr. Perez e o meu nome. Lá chegando, fomos recebidos pelo próprio. Na

demorada visita citou os nomes de eminentes judeus ingleses: Disraeli, Montefiore e outros,

comentando a Declaração Balfour, afirmando que o povo inglês era muito amigo dos

judeus. Externamos nossa imensa satisfação em contar com tão bons amigos como os

ingleses e lhe entregamos um memorandum dirigido ao Rei. Também entregamos uma

cópia do mesmo a uma agência americana de notícias, que o publicou nos mais importantes

jornais do país.

“Neste mesmo dia, o Deputado Maurício Lacerda, no seu longo discurso na

Assembléia, comentou a Declaração Balfour – sendo calorosa e demoradamente aplaudido

por todos os deputados.

“No transcorrer da guerra, o exército inglês, sob o comando do General

Allenby, entrou em Israel (naquele tempo Palestina) tendo à frente uma Legião Judaica.

Isso foi um grande acontecimento e bastante alegria para os judeus do mundo todo.

Lacerda, na ocasião, numa das reuniões do Senado e da Câmara, propôs saudar a Inglaterra

pela vitória de Allenby e pela Declaração Balfour, cuja proposta foi aceita com

unanimidade. Isso, para nós, judeus brasileiros, foi um grande triunfo político, sobre isso

muito se comentou na imprensa judaica Argentina, criticando os dirigentes das

coletividades judaicas locais, que não estavam no nível, apesar de muito menor, da

coletividade judaica brasileira.”

IDEALISMO

A Declaração de Balfour ecoou com júbilo nas comunidades judio-brasileiras,

e em Curitiba, como já havíamos mencionado, formou-se uma nova associação sionista,

Shalom Sion, em assembléia de 2 de dezembro daquele ano. Na “A Columna” daquele mês

se relatava que a reunião foi aberta por Júlio Stolzenberg, que falou sobre a história do

sionismo e sobre o movimento atual, “mostrando que o grande ideal judaico está na véspera

de sua realização. Outrossim, leu o telegrama oficial do governo de Sua Majestade

britânica, transmitindo de Londres e endereçado à associação sionista Tiferet Sion no Rio

de Janeiro.”

A imprensa brasileira local, através do jornal “A República”, publicado em

Curitiba, difundiu a notícia da fundação da Shalom Sion. Também no norte do Brasil, no

Pará, surgia no ano seguinte, em outubro de 1918, uma organização sionista criada pelo

major Eliezer Levy com o nome de “Ahavat Sion”. Em carta dirigida diretamente ao Dr.

Ch. Weizmann, Eliezer Levy comunicava ao líder do sionismo mundial que, devido à

profunda admiração que sentia por sua pessoa e pelos ideais que representava, dera seu

136

nome a uma escola judaica que havia fundado naquele lugar.2784

A partir de 8 de dezembro

de 1918 criava um periódico em língua portuguesa de orientação netamente sionista com o

nome de “Kol Israel”. Esse período, que durou vários anos, não deixara de representar as

idéias de seu fundador, um idealista com profunda sensibilidade para captar o momento

histórico que o povo judeu estava vivendo, ainda que isolado e solitário na vastidão daquele

território.

278

A carta do major Eliezer Levy e a resposta de Weizmann encontramos no Archion Ha-Tzioni (Central

Zionist Achives) em Jerusalém, pastas Z 3/785. Falta um estudo sobre a importante atuação que teve na

história do sionismo no Brasil e o papel ímpar que desempenhou nas comunidades judias da região da

Amazônia.

137

17. Yehuda Wilensky e Leib Jaffe e o Movimento Sionista no Brasil (1921-1923)

Os primeiros anos da década de 20 seriam decisivos na formação das

instituições judaicas no Brasil e também na consolidação de um movimento sionista que

havia encontrado sua liderança natural na pessoa de Jacob Schneider e de outros ativistas, e

que agora se dispunham a uma ação mais organizada e abrangente no judaísmo

brasileiro.279

Uma das causas principais para essa movimentação seria o esforço dispendido

para a instalação do Mandato Britânico na Palestina e a atuação da Organização Sionista

Mundial ao redor do mesmo, e que seria objeto da Conferência de San Remo. No Brasil, já

no ano de 1920, apresentavam-se várias organizações sionistas, a saber, a mais antiga, a

Tiferet Sion no Rio de Janeiro; a Shalom Sion em Curitiba, fundada em 1917; a Ahavat

Sion em São Paulo, fundada em 1916; a Ahavat Sion, no Pará, fundada pelo Major Eliezer

Levy,280

em 1918; e a Associação Sionista de Porto Alegre, provavelmente na mesma data.

A Central Sionista em Londres mantinha uma correspondência com essas

entidades, e tudo indica que a Shalom Sion de Curitiba, sob a direção de Júlio Stolzenberg e

Bernardo Schulman se mostrava mesmo disposta a liderar o movimento, chegando a

escrever nesse sentido, em 26 de janeiro de 1920, uma longa carta a Londres, que por sua

vez transmitiu seu conteúdo ao Fundo Nacional Judaico, em Haia. Entre outras coisas, ela

se propunha a ser reconhecida como a sede central de uma Federação Sionista no Brasil,

argumentando que era a única organização que atuava continuamente em prol do

movimento, uma vez que, assim se expressava o missivista, "a Tiferet Sion, no Rio de

Janeiro, se encontra inteiramente adormecida.”281

A Central de Londres, com tato

diplomático e habilidade, respondia que não poderiam julgar sobre a questão sem terem o

conhecimento dos detalhes sobre as organizações Tiferet Sion no Rio de Janeiro, Ahavat

Sion no Pará e outras existentes no Brasil, e que deveriam compor futuramente uma

Federação Sionista no país. Nesse ínterim, dizia a carta, é preciso preparar material sobre o

assunto, e assim, no devido tempo "podereis resolver, com o acordo de todas as

associações, qual é o centro mais apto para sediar a Federação.”282

279

Sobre os inícios do movimento sionista no Brasil que antecede os anos 20 tratamos em outros lugares, em

especial no artigo “Early Zionism in Brazil, the Founding Years, 1913-1922 in American Jewish Archives,

vol. XXXVIII, n. 2, nov. 1986, pp.123-136. 280

A Ahavat Sion compoz a sua primeira diretoria em 5 de outubro de 1918, figurando como presidente

A.Ribinik (que criará mais tarde com a visita do Dr. Wilensky ao norte do Brasil duas associações sionistas

em Maceió), Menassés Bensimon, vice-presidente, Eliezer Levy, secretário, José Bensimon, tesoureiro. O ato

de posse teve lugar na Associação Beneficente Israelita com a presença da colônia local e com uma

conferência de Isaac Wolfinson. Na ocasião usaram da palavra Menassés Bensimon, Eliezer Levy e A.

Ribinik. O noticiário do Kol Israel, número 8 de dezembro de 1918, acrescenta que tanto na abertura quanto

no encerramento “foi cantado por um coro de 30 gentis senhoritas e meninos o Hino Nacional Sionista

acompanhado por uma orquestra composta dos Snrs. J. Nahmias, A. Benoliel e senhorita Alita Levy.” 281

Ha-Archion há-Tzioni, doravante abreviado como A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche de 26/1/1920.Como

parte do plano de se apresentar como o centro natural para uma Federação Sionista no Brasil foi publicado no

jornal Dos Idishe Folk, de Nova York, um artigo sobre a comunidade judaica do Paraná no qual se destacava

o papel de Júlio Stolzenberg em sua formação e na criação da entidade sionista local. V. A.Z. Z 4/2350, artigo

em ídiche. 282

A.Z., Z 4/2350, carta em hebraico de 18/3/1920. Em 17 de março de 1920 a Central de Londres escrevia ao

Bureau do Fundo Nacional, em Haia, sobre as pretensões da Shalom Sion mas observando que era “prematuro

e inoportuno o reconhecimento da mesma como Federação.” A.Z., Z 4/2350, carta em francês de 16/3/1920.

138

Também Maurício Klabin, que se encontrava nesse tempo em viagem pela

Inglaterra, entrava em contato com a Central em Londres interessado em obter ajuda e

orientação para o movimento que se mostrava bastante desperto.283

Em carta remetida pela Central de Londres vemos que em Porto Alegre havia

uma atividade sionista com a participação de Leib Bander, Simon Lerer, Lipe Valdman,

Tobias Krasner e outros.284

Apesar de tudo, essa correspondência revela o quão pouco se sabia sobre o

judaísmo brasileiro, e um exemplo ilustrativo encontramos em um relatório, pouco exato,

feito com base em uma entrevista com um comerciante conhecido do Rio de Janeiro,

Salomão Kastro, que se encontrava em Londres, em julho de 1920, e cujas informações

serviram ao Departamento de Comércio e Indústria do Executivo Sionista para obter dados

que lhe interessavam.285

Salomão Kastro, veterano morador no Rio de Janeiro, revelava aos

seus entrevistadores novidades que mostravam o quanto o judaísmo europeu estava pouco

informado sobre a comunidade brasileira.

A correspondência com a Central Sionista em Londres também revela que a

Tiferet Sion no Rio de Janeiro passou a ser considerada como a verdadeira força

organizadora do sionismo brasileiro, e em 1921 não havia mais dúvidas sobre a liderança

do grupo encabeçado por Jacob Schneider, o que levaria a preparar um programa de ação

visando unificar as diversas entidades estaduais em uma futura Federação nacional.286

Com esse objetivo mais amplo Jacob Schneider, David Perez e Eduardo

Horowitz tomaram a iniciativa de criar um periódico em língua portuguesa que

denominaram "Correio Israelita", que deveria difundir as idéias sionistas, além de servir de

informativo à comunidade, que naquela ocasião não possuía um órgão de divulgação no

Rio de Janeiro. Em Belém do Pará e sob a iniciativa do major Eliezer Levy já saia a luz,

desde 1918, um orgão, em vernáculo, que difundia as idéias sionistas naquela região, bem

como em outros estados brasileiros, intitulado "Kol Israel" (A Voz de Israel).287

Eliezer

Levy redigiu o periódico durante vários anos e, com isso, plantou a semente do

nacionalismo judaico no Norte, lutando ao mesmo tempo contra a corrente de apatia que

levava ao isolamento daquelas comunidades das demais existentes no sul do país. Talvez

devido a esse mesmo isolamento e à distância geográfica, que na época tinha um

significado maior devido à dificuldade de comunicação de uma região a outra, é que se

resolveu criar o "Correio Israelita" no Rio de Janeiro, paralelamente à existência do "Kol

Israel".

Em 13 de março de 1921 Jacob Schneider escrevia um bilhete a David Perez

pedindo-lhe que preparasse um artigo para o jornal que deveria sair em 16 daquele mês.288

O "Correio Israelita", sob a redação de David Perez e Eduardo Horowitz, perduraria até

1923, quando criar-se-ia, em novembro desse mesmo ano, o jornal "Dos Idiche

Vochenblat", (O Semanário Israelita) fundado por Aron Kaufman com o auxílio de um

283

A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche escrita por Maurício Klabin, em 22/10/1920 e resposta em ídiche do

Executivo Sionista em Londres de 25/10/1920. 284

A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche de 17/7/1920. 285

A.Z. Z 4/2350, relatório em inglês de 14/7/1920. 286

A.Z., Z4/2350, carta em hebraico de 23/10/1921; carta em hebraico de 26/10/1921; carta em inglês de

7/11/1921; carta em ídiche de 23/11/1921; carta em hebraico de 3/1/1922. 287

Sobre o major Eliezer Levy, vide nesta mesma coletânea o artigo “As muitas histórias do major Eliezer

Levy.” 288

Arquivo David J. Perez, microfilmes no acervo do autor.

139

grupo de ativistas do Rio de Janeiro. Eduardo Horowitz, dotado de espírito nobre, homem

culto, com uma boa experiência de tipógrafo, se atiraria de corpo e alma ao

empreendimento. Ele havia chegado ao Brasil em 1916, vindo dos Estados Unidos, com

uma excelente bagagem de conhecimentos da cultura tradicional judaica e universal e um

bom domínio do hebraico. Desde o início ele se ligou a Jacob Schneider movido pelos

ideais nacionalistas e passou a participar ativamente na vida comunitária judaica do Rio de

Janeiro, onde fixou residência. Eduardo Horowitz apareceria como mentor intelectual do

movimento ao lado de Jacob Schneider e serviria como secretário geral durante os anos de

estruturação da Federação Sionista do Brasil desde o seu surgimento, em 1922. Até quase o

fim de sua vida ele seria o modelo do ativista dedicado à causa que adotara durante sua

juventude, ainda que tivesse sofrido revezes pessoais e mesmo a injustiça de não ter sido

devidamente reconhecido como o mais qualificado para certos cargos de representação do

movimento no Brasil por ocasião do surgimento do Estado de Israel e da formação do seu

corpo diplomático.

Mas, em 1921, muitas transformações iriam ocorrer com o nacionalismo

judaico no Brasil, pois Jacob Schneider e os que estavam próximos a ele procuravam obter

o cumprimento nesse tempo de uma promessa da Central Sionista em Londres para o envio

de um scheliach a esse país. A ocasião para se conseguir tal intento chegou quando por aqui

passou o dr. Alexander Goldstein, que vinha de volta de uma viagem à Argentina e parou

no Rio de Janeiro por algumas horas para se encontrar com os líderes sionistas locais.

Alexander Goldstein se encontrava na América do Sul em missão do Keren Hayessod,

fundado recentemente, por resolução da Conferência de Londres, em 1920.

A importância da passagem do Dr. Alexander Goldstein pelo Brasil consistiu

no fato de ter provocado uma verdadeira euforia entre os ativistas sionistas e

fundamentalmente entre os membros da Associação Sionista do Rio de Janeiro, o que pode

ser constatado pela carta que Jacob Schneider e Eduardo Horowitz remeteram a Bernardo

Schulman em 10 de julho de 1921, isto é, pouco antes da chegada dessa personalidade ao

Brasil. Alexander Goldstein, que se encontrava naqueles dias na Argentina, deveria fazer,

de acordo com a carta, uma visita às grandes cidades do país, e desse modo sugeria a

formação de um comitê de recepção ao escritor e representante do movimento sionista

mundial.289

Porém, essa prometida visita a Curitiba e às grandes cidades não ocorreu,

conforme carta de Eduardo Horowitz de 19 de agosto, do mesmo ano, escrita a Schulman,

justificando essa falta pelo fato do visitante ter feito apenas uma pequena parada no Rio de

Janeiro, “pois sua presença no Congresso Sionista é muito importante”. Assim mesmo,

dizia Eduardo Horowitz, "temos considerado juntamente com ele a possibilidade de se fazer

uma viagem pelo Brasil em beneficio do Keren Hayessod, e temos esperança que, após o

Congresso, o próprio Dr. Goldstein ou uma outra personalidade faça uma visita especial ao

Brasil. Nós também o solicitaremos por telegrama ao Congresso". A carta lembrava que em

conversa com o Dr. Goldstein ficou acertado da necessidade do Brasil ser representado no

Congresso, sendo o nome do veterano ativista de Curitiba, Júlio Stolzenberg, cogitado para

esse encontro.

O fato é que a passagem do Dr. Goldstein pelo Brasil resultou na vinda do

primeiro scheliach (enviado) ao país, e tratava-se nada mais nada menos do que de uma

personalidade de destaque do judaísmo europeu e mundial, o Dr. Yehuda Wilensky. Em

289

Documentação de Bernardo Schulman, no acervo do autor.

140

carta de 26 de outubro de 1921290

a Organização Sionista Mundial comunicava ao grupo

sionista do Rio de Janeiro que dentro de poucos dias Wilensky viajaria ao Brasil. Ele tinha

atuado no sionismo da Ucrânia e da Rússia, fazendo parte do Comitê Central da

Organização Sionista. Um telegrama remetido à Organização Sionista do Brasil informava

que sua primeira escala seria a cidade do Recife, em Pernambuco. Jacob Schneider, que

havia promovido a vinda do Dr. Wilensky poucos meses antes, presidindo a Organização

Sionista do Brasil, conseguiria que o país fosse representado no 12º Congresso Sionista em

Karlsbad, enviando o delegado brasileiro lembrado acima, o dedicado ativista Júlio

Stolzenberg. Nesse sentido, uma carta assinada por Jacob Schneider e Eduardo Horowitz,

de 10 de agosto de 1921, dirigida à Central em Londres, anunciava seu nome como

representante do Brasil ao Congresso.13291

Era, portanto, um ano de grandes expectativas

para o judaísmo brasileiro. Nesse ínterim Eduardo Horowitz escrevia, em 19 do mesmo

mês, a Bernardo Schulman de Curitiba, relatando que os 1.000 shekalim necessários ao

mandato de Júlio Stolzenberg já haviam sido remetidos por intermédio do Dr. Alexander

Goldstein a Londres, e pedia o auxílio do Merkaz Israel do Paraná para ajudar a Associação

Sionista do Rio de Janeiro a resgatar os dois contos de reis que haviam desembolsado para

obterem o mandato ao Congresso de Karlsbad.

Os preparativos para a vinda do Dr. Wilensky começaram com maior

intensidade desde outubro, e Jacob Schneider, já em inícios de novembro, se encontrava em

Pernambuco, conforme podemos verificar em carta escrita por Eduardo Horowitz a ele em

9 de novembro, informando-o sobre o que se passava no Rio de Janeiro e na comissão de

recepção ao sheliach do Keren Hayessod. A carta confirmava também que os sefaraditas e

seus ativistas, em particular Jacques Behar e David Levy, se encontravam muito animados

e já tinham alugado uma sede na Av. Mem de Sá, 181, para a sua associação, servindo a

mesma para as reuniões da comissão preparatória. É preciso lembrar que a Associação

Sionista do Rio de Janeiro, herdeira da Tiferet Sion, se encontrava constituída como uma

nova entidade à rua Senador Euzébio, 117-121, e sua diretoria era encabeçada pelo Dr.

David J. Perez como presidente honorário e um Comitê Executivo constituído das seguintes

pessoas: Jacob Schneider presidente; Eduardo Horowitz, secretário geral; A. Blank e F.

Bergstein, auxiliares; S. Linetzky, secretário de finanças; e Efraim Schechter, tesoureiro. A

expectativa da chegada do Dr. Wilensky havia tomado conta dos ativistas e das associações

que ansiavam em se apresentar bem organizadas perante o sheliach. Eduardo Horowitz, na

carta citada acima, refere-se com satisfação ao fato de já terem adquirido uma máquina de

escrever com tipos em hebraico, pois até então suas cartas eram manuscritas.

Vejamos, porém, como Jacob Schneider descreve em suas "Memórias" a

chegada do dr. Yehuda Wilensky ao Brasil:

290

A.Z., Z 4/2350, carta em hebraico de 26/10/1921. 291

A.Z., Z 4/2350, carta em hebraico de 10/8/1921. Em 16 de agosto a Associação Sionista mandava

telegrama confirmando a remessa dos shekalim para a indicação de Júlio Stolzenberg ao Congresso, cujo

nome aparece nos Stenographisches Protokoll des XIII Zionisten-Kongresses in Karlsbad. Londres

confirmava o recebimento dos shekalim em carta resposta de 23 de outubro, e expressava a satisfação de

encontrar o representante brasileiro no Congresso. V. A.Z., Z 4/2350, carta em hebraico de 23/10/1921;

telegrama em inglês de 16/8/1921. Em 1/9/1921 Júlio Stolzenberg remetia um cartão postal a David J. Perez,

desde Karlsbad e diretamente do XIII Congresso Sionista com os dizeres: “Respeitosas saudações do XIII

Congresso Sionista. Meu mandato desde ontem reconhecido, o entusiasmo aqui é indescritível. Sahlom, Júlio

Stolzenberg.” O cartão se encontra no Arquivo de David J. Perez. Sobre isso vide o artigo “Sionistas, o

primeiro encontro” nesta coletânea.

141

"Ficamos intrigados por escolherem Recife como a primeira estância, visto que

sabíamos não existir lá uma organização sionista. Assim, fizemos uma reunião urgente da

diretoria e resolvemos que eu próprio iria a Recife caso houvesse um navio aqui no Rio que

chegasse ali um dia antes da data de chegada do Dr. Wilensky, para poder preparar uma

recepção digna. Por sorte, havia um navio, que após seis dias me deixou no local de

destino. Ali encontrei uma coletividade de 70 judeus, os quais reuni e exigi

peremptoriamente que organizassem uma calorosa acolhida àquele enviado. No dia

seguinte, todos nós, homens, mulheres e crianças, dirigimo-nos em barcos enfeitados com

bandeirolas ao navio, e quando Dr. Wilensky nos viu, ficou emocionado e chorou.

Desembarcou do navio, abraçamo-nos e nos beijamos, e em seguida o

acompanhamos a um confortável hotel. Estava muito satisfeito em encontrar-me no Recife.

Ele nos contou sobre a fundação do Keren Hayessod e os altos fins desse fundo, e insistiu

em que cada judeu se cotizasse nesse dízimo, isto é, uma décima parte de suas posses. Os

judeus do Recife estavam felizes. Sentindo essa atmosfera, eu disse a eles que primeiro

fossem almoçar e depois conversaríamos. Na reunião, regateei com eles e exigi que o

primeiro se manifestasse com uma soma mínima de três contos de reis. Mas o mais rico

deles quis contribuir com a metade, aumentando em seguida para a importância estipulada,

e os outros o acompanharam. Em seguida fomos à casa de outras pessoas da coletividade

que não haviam comparecido ao encontro. Dois dias trabalhei no local com a comissão.

Conversei pacientemente com cada um daqueles judeus e assim conseguimos, na primeira

campanha da Magbit (Fundo comunitário) do Brasil, 70 contos.

Do Recife fomos a Maceió, onde residiam nove judeus, e ali arrecadamos 15

contos. Dali a Salvador, Bahia, de onde saímos com mais 30 contos, e em seguida voltamos

ao Rio.

No Rio, um grande navio repleto de judeus veio recepcioná-lo, e na primeira

conferência eles contribuíram à altura. Reunimos vários grupos e fomos de casa em casa,

mas poucos me ajudaram nessa campanha. Em particular se destacou Eduardo Horowitz.

Eu tive o privilégio da maior contribuição, isto é, 8 contos.

Do Rio fomos a São Paulo, onde houve muita dificuldade, pois não havia

nenhuma organização sionista.292

A presidência do Keren Hayessod foi assumida pelo Dr.

Horácio Lafer. Andei alguns dias em São Paulo junto com a comissão a fim de realizar a

Magbit. Maurício Klabin, em nome da firma, deu 40 contos.

De São Paulo, o Dr. Wilensky foi a Curitiba, de onde seguiu para a Argentina.

Três meses fiquei ausente de casa e de meus negócios, que ficaram aos cuidados de meu

irmão e dos empregados. Nessas viagens fundamos várias organizações sionistas, e assim,

com essa visita do dr. Wilensky teve impulso o movimento sionista no Brasil. Atraímos

novos adeptos e ficamos em contato com todas as organizações que haviam sido fundadas

no país.”

Em Curitiba e no sul do país acompanhou o dr. Wilensky o ativista Júlio

Stolzenberg, que já tinha atrás de si uma significativa folha de serviços em prol do sionismo

no Brasil.

O Dr. Wilensky compreendeu que sua missão no Brasil não deveria se restringir

à coleta de fundos para o Keren Hayessod ( Fundo de Colonização) , mas impulsionar o

movimento com a criação de novas associações. Desse modo, e sempre acompanhado de

292

Já havia uma associação sionista em São Paulo, denominada Ahavat Sion, fundada em 25 de julho de

1916, conforme carta de Rafael Chachamovitz no Arquivo de David J. Perez.

142

Jacob Schneider, o Dr. Wilensky aproveitou sua passagem pelos estados nordestinos para

criar uma associação sionista denominada "Hertzlia" no Recife, a associação "Gueulá" em

Maceió, a associação "Max Nordau" na Bahia, que passaram a se corresponder com a

Central Sionista em Londres e se tornaram ativas nas campanhas levadas a efeito naqueles

lugares."293

A missão do Dr. Wilensky alcançou pleno sucesso e deixou uma profunda

impressão no judaísmo brasileiro, sendo lembrado posteriormente como um capítulo

decisivo na história do sionismo no Brasil. 0 estímulo devido a sua presença se manifestou

também na capital do país, pois foi nesse mesmo ano de 1921 que se formaria a Sociedade

Sionista Benei Herzl, composta inteiramente do elemento sefaradita da comunidade do Rio

de Janeiro.294

Efetivamente, o esforço de aproximar os sefardim se manifestou em carta de

25 de novembro daquele ano escrita por Eduardo Horowitz a David Perez, na qual

informava ao ilustre professor que acabava "de receber um telegrama do sr. Jacob

Schneider informando que o vapor "Pari", trazendo os nossos ilustres hóspedes, entrará no

porto do Rio amanhã de manhã, às 8 horas. A recepção já está organizada, tomando parte

nela toda a colônia israelita, inclusive os sefardim. O comparecimento do sr. ao

desembarque é indispensável e irrecusável. A comissão de recepção se reunirá amanhã de

manhã às 7 horas no Cais Pharoux, Praça 15 de Novembro, e esperarei o sr. no mesmo

lugar e na mesma hora. Saudações e abraços, E. Horowitz."295

No sul, como já dissemos, o Dr. Wilensky seria acompanhado por Júlio

Stolzenberg, pois a longa ausência de Jacob Schneider de seus negócios particulares e do

Rio de Janeiro tornou-se altamente custosa e difícil, sob todos os aspectos. Daí sua

insistência junto a Júlio Stolzenberg para que este aceitasse a missão de acompanhar o

scheliach em Curitiba e em Porto Alegre. Em carta de 1º de dezembro de 1921,296

escrita

por Stolzenberg e endereçada a Eduardo Horowitz, secretário geral da Organização

Sionista, ele se refere ao assunto negativamente, considerando que não é o momento

propício para a visita do representante do Keren Hayessod naquele Estado, e isso por várias

razões, as quais enumera: 1º) os negócios no local andam muito mal, e pior se tornou a

situação dos judeus, de tal modo "que cada pessoa anda com a cabeça cheia de

preocupações"; 2º) faleceu na comunidade local uma criança, e pelo fato de ser uma

comunidade pequena, toda a Kehilá se encontra em luto, e assim, é impossível realizar

qualquer atividade; 3º) os membros da comunidade estão empenhados na construção de um

templo e um cemitério que tiram muitas energias, trabalho e dinheiro, e portanto, para a

campanha não se pode esperar muito sucesso, uma vez que os "doadores" são sempre as

mesmas 10 ou 12 pessoas. Do ponto de vista administrativo, continua o líder curitibano

com certo orgulho, "é sabido que nós somos um modelo de organização exemplar (...) e

293

A.Z., Z 4/2350, carta em hebraico de 25/11/1921, da Bahia anunciando a criação , em 24/11/1921 a

Associação Sionista “Max Nordau” com a assinatura de A. Chachamovitz, e endereço rua Genipapeiro, 1,

Salvador; carta em hebraico de 6/2/1922 congratulando-se com a nova associação da bahia; carta em ídiche de

22/11/1921 assinada por A. Ribinik relatando que o Dr. Wilwnsky saiu de Pernambuco e chegou a Maceió

onde fundou uma associação sionista com o nome de “Geulá". Dos 23 judeus residentes na cidade (entre os

quais 6 marroquinos) 22 inscreveram-se como sócios; carta em hebraico de 17/1/1922 confirmando a

formação da entidade; cartas em ídiche de 1/1/1922 e 26/2/1922 sobre o mesmo assunto; carta em hebraico de

22/12/1921 informando a formação de uma associação sionista denominada “Herzlia” em Pernambuco no dia

16/11/1921 sediada na rua da Imperatriz, 131, com assinatura ilegível, cartas em hebraico de 25/1/1922 e

2/2/1922 sobre o mesmo assunto. 294

Ilustração Israelita, n.1, agosto, 1928. 295

Arquivo de David J. Perez. 296

Arquivo de Jacob Schneider, documentação no acervo do autor.

143

possuímos, felizmente, uma liderança que se encontra sempre atenta para explorar todo

momento em campanhas em benefício do sionismo. Assim, por exemplo, pudemos aqui em

alguns momentos coletar cerca de um conto de réis para o Fundo Nacional, cuja soma lhe

enviaremos. Sentimos, eu, bem como os outros, que o Dr. Wilensky não consiga nos

visitar, mas devemos considerar que o momento é muito inconveniente (...) Espero que os

companheiros entendam a situação e não nos culpem (...) Lembranças respeitosas ao amigo

Schneider e ao Dr. Wilensky. Em todo o sul, afora Porto Alegre, não podemos contar com

qualquer outra cidade, mas Porto Alegre é muito desorganizada (...) porém, talvez se possa

fazer algo em favor do K. H. e de sua organização interna. Para mim, é impossível ocupar-

me com o assunto, pois os negócios que possuo ficaram durante muito tempo abandonados,

e assim não me permitem o tempo livre necessário para tanto. Eu me permiti, meu amigo, a

excessivas concessões, e agora tenho que pagar o devido tributo".

Apesar de tudo, Júlio Stolzenberg acabaria por aceitar a missão em acompanhar

o Dr. Wilensky, e em carta de 13 de dezembro do mesmo ano297

dirigida a Jacob Schneider,

após dizer que “estive respondendo somente agora porque me encontrava em viagem no

interior por razões comerciais”, ele agradece a "lição" que Jacob Schneider havia lhe dado

em carta anterior, do dia 9 daquele mês. A resposta de Stolzenberg, um tanto sensibilizado,

mostra que a missiva enviada pelo líder do sionismo brasileiro foi para pressioná-lo a

aceitar o encargo da recepção e acompanhamento do Dr. Wilensky, dando a entender que

ele havia tocado em seus sentimentos sionistas. Stolzenberg relata que para demonstrar sua

fidelidade para com o ideal nacional judaico voltou a Curitiba e encetou uma campanha de

propaganda entre os seus correligionários, acrescentando que Wilensky poderia vir, e

expressando que ficaria sumamente contente se viesse juntamente com ele". Mais ainda,

dizia ele em sua carta: "Não posso assegurar de antemão um grande sucesso material,

porém asseguro, sim, um sucesso cordial, caloroso e moral". Por fim, recomendava que o

Dr. Wilensky fosse após o dia 22 ou 23 daquele mês, pois ele se encontrava impossibilitado

de estar em Curitiba antes daquela data. Também Max Rosenmann, decano da comunidade,

se encontrava em viagem, e acrescenta que já havia estabelecido um comitê para tal

finalidade, sugerindo assim que Wilensky viajasse de Santos a Paranaguá, de navio, para

poder esperá-lo nesse porto a fim de seguir para Curitiba. Portanto, Stolzenberg acabara

aceitando a incumbência de guiar o Dr. Wilensky no sul do país, graças à firme orientação e

autoridade de Jacob Schneider. Lamentavelmente, não temos muitos elementos para saber

com exatidão sobre a permanência do sheliach no sul do país e a atividade exercida nas

comunidades de Curitiba e Porto Alegre, com exceção de uma carta de 23 de abril de 1922,

assinada por Leão Bonder e Jacob Becker, respectivamente presidente e secretário do

Keren Hayessod em Porto Alegre, carta essa dirigida a Jacob Schneider .298

Entre outras coisas, temos a menção e a confirmação que nessa data o jornal

Correio Israelita era enviado àquela cidade, pois o missivista lembra que ele conseguiu 25

assinantes para o mesmo, “(...) remeterá os endereços posteriormente ao pagamento, pois

conhecemos a nossa comunidade, e o Dr. Wilensky também a conheceu sob esse aspecto,

no pouco tempo em que esteve entre nós. E nós concordamos com a opinião que externou

sobre o judaísmo do Brasil, bem melhor e antes do protesto que vocês publicaram em seu

jornal contra ele, ainda que seja um jornal que possa ser lido por não-judeus, o que não é,

talvez, nada agradável a todos nós. Desculpe-me!”.

297

Arquivo Jacob Schneider, carta em ídiche. 298

Arquivo Jacob Schneider, carta em ídiche.

144

Assim, tudo indica que o Dr.Wilensky saiu do Brasil sem ter satisfeito suas

expectativas, que deveriam ser extremamente elevadas para as limitadas condições do

judaísmo brasileiro. O Dr. Wilensky voltaria anos mais tarde para uma segunda viagem ao

Brasil e passaria a se corresponder assiduamente com Jacob Schneider e a liderança sionista

em nosso país. Como prova de que houvera um quiproquó no final de sua desejada e

esperada schlichut, temos uma carta de Wilensky, agora já consul honorário do Chile em

Jerusalém, carta essa escrita de Santiago, em 28 de abril de 1927 dirigida a Jacob Schneider

e Eduardo Horowitz, e que se inicia com as seguintes palavras: “O tempo cura todas as

feridas e eu suponho que ela já curou e apagou a raiva que vocês carregaram em relação a

minha pessoa. Espero que vocês, durante esse tempo, tenham compreendido que eu não

podia deixar de fazer o que fiz”.299

A “raiva” não era tanta quanto aparentava ser, pois ainda em julho de 1922

Wilensky seria nomeado pela Organização Sionista do Brasil como delegado para o

Congresso Sionista daquele ano, conforme o mandato assinado por Jacob Schneider e

Eduardo Horowitz.300

E ainda que tivesse ocorrido algum desentendimento com o

representante do Keren Hayessod, o resultado final de sua missão foi muito bom, pois

constituiu um verdadeiro ponto de partida para um novo impulso do nacionalismo judaico

no Brasil.

O entusiasmo que a schlichut do Dr. Wilensky despertara no judaísmo

brasileiro e seu movimento sionista traria frutos. Reflexos de tal despertar, além do que já

dissemos, podem ser também vistos pela formação do Centro Sionista no Rio, sob a

iniciativa da Associação Sionista do Rio de Janeiro, inaugurado em 1º de abril de 1922, à

rua Senador Euzebio, 132.301

O mesmo espírito se revela na criação de um novo jornal, Haemet (A Verdade),

sobre o qual pouco sabemos, em Belém do Pará, por iniciativa de Pepe I. Larrat e Abraham

Benoliel, periódico esse que se propunha também à propaganda sionista, tal como o Kol

Israel do major Eliezer Levy.302

Toda essa movimentação decorria também de um novo fato político associado

ao clima gerado pela perspectiva de instalação do mandato britânico na Palestina, que

apontara como alto comissário um judeu, isto é, Sir Herbert Samuel. Em 25 de maio de

1922, Jacob Schneider escrevia um bilhete a David Perez dizendo que “por motivo de

assunto político de alta importância e de muita urgência, o qual recebi agora de Londres,

devemos nos encontrar hoje para conferenciar. Peço marcar por escrito ou por telefone a

hora e o lugar de nosso encontro. Espero que o Sr. atenda ao pedido de Londres."303

Contudo, restava um grave problema após a criação de tantas organizações

locais ou estaduais, e esse era o de superar o isolamento das mesmas isoladas umas das

outras pelo extenso território nacional. O contato direto com a Central Sionista em Londres

não era suficiente para permitir um desenvolvimento normal e eficiente daquelas entidades

locais, e tampouco estimulava a criação de um movimento forte que pudesse ter uma

representatividade aceita no Brasil e no exterior. Além do mais, a liderança local nem

sempre captava e traduzia os verdadeiros anseios da comunidade, e, portanto, cisões ou

299

Arquivo Jacob Schneider, carta em ídiche. 300

A.Z., Z 4/2350, mandato em hebraico de 19/7/1922. 301

Arquivo David J. Perez. O convite de inauguração é assinado por Simão Dain. 302

Arquivo David J. Perez, carta de 14 de maio anunciando o envio do primeiro número do jornal. 303

Arquivo David J. Perez.

145

divisões poderiam enfraquecer as sementes que foram plantadas pelo Dr. Wilensky. Tal

situação ocorreu em Maceió, onde em curto prazo de tempo e devido a desentendimentos

formaram-se duas organizações em uma comunidade de vinte e nove pessoas.304

Por outro lado, o contato direto da Central de Londres não agradava a ela

mesma, assim como significava um dispêndio de esforços que poderiam ser poupados com

a existência de uma organização central. Nesse aspecto, a Central de Londres procurava

assumir uma atitude encorajadora para se chegar a tanto no Brasil, como podemos

comprovar pela correspondência mantida com o Rio de Janeiro sobre a questão dos

shekalim, que, se de início procurou contato com as novas organizações, logo a seguir

insistiu em afirmar a responsabilidade das campanhas à “Federação Sionista do Brasil”, em

vias de formação, mesmo que esta passasse efetivamente a existir apenas após o Primeiro

Congresso Sionista, que se realizou em novembro de 1922, na cidade do Rio de Janeiro.

Mas, apesar de todos os avanços, após o impulso dado por Wilensky, o

Executivo Sionista se queixava da falta de assiduidade na correspondência, bem como na

prestação de contas dos shekalim remetidos ao Brasil,305

mal que caracterizou a

organização durante todos os seus anos de existência, com altos e baixos dependendo da

composição humana de seus órgão diretivos.

Tudo indicava que na época, isto é, no ano de 1922, as diversas agremiações

sionistas locais se mostrariam dispostas a manter contato entre si, e tudo levava a crer que o

melhor seria criar uma organização central que pudesse aglutinar as associações dos

diversos estados brasileiros.

Portanto, Jacob Schneider e outros começaram a pensar e planejar a realização

de um Congresso Sionista de amplitude nacional, sendo que a data marcada para o conclave

era o dia 15 de novembro de 1922, data significativa para o Brasil, pois comemora a

proclamação da República. Em 8 de novembro, J. Schneider telegrafou à Central Sionista

comunicando o acontecimento.306

Graças ao fato de termos encontrado os protocolos do

congresso no arquivo de Jacob Schneider pudemos reconstituir as sessões havidas naquele

conclave e o temário das discussões das mesmas, que mencionaremos apenas de passagem.

A abertura do Congresso, que teve a participação de 39 representantes de 13

Estados, que falariam em nome de 14 associações sionistas, realizou-se de forma solene.

Jacob Schneider, presidente do Comitê Organizador, abriu com um discurso, discorrendo

sobre a formação do movimento no Brasil e colocando como objetivo de primordial

importância a criação de uma Federação Sionista, que deveria se ocupar da coleta de fundo

para os israelitas, vítimas dos pogroms; para a criação de uma verdadeira escola judaico-

brasileira; para a criação de uma biblioteca sionista e para a difusão das idéias do

movimento através do país.

Na ocasião falaram também Eduardo Horowitz e Jacques Behar, representante

da associação Benei Herzl do Rio de Janeiro. Entre outras resoluções, ficou decidido que

seriam feitas campanhas do Keren Hayessod, do Keren Kayemet, e que seriam estimulados

todos os aspectos da vida judaica local – social, educativo e cultural. O Congresso foi um

verdadeiro chamado para a atividade sionista. O resultado imediato do encontro foi a

criação de uma Federação Sionista, cujo Comitê Central seria localizado no Rio de Janeiro,

304

O Centro Sionista Agudat Achim dividiu-se e formou a Associação Sionista Gueulá sob a presidência de

A.Ribinik. V. A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche de 8/10/1922. 305

A.Z., Z 4/2350, cartas em hebraico de 20/4/1922; 10/7/1922; 8/8/1922. 306

A.Z., Z 4/2350, telegrama em inglês de 8/11/1922.

146

sendo eleitos: Presidente de Honra – Maurício Klabin; Presidente – Jacob Schneider; Vice-

Presidentes – Saadio Lozinski e David Levi; Primeiro-Secretário – Eduardo Horowitz;

Segundo-Secretário – Shalom Linetzki; Tesoureiro Geral – Efraim Schechter; Ajuda –

Boris Tendler; Keren Hayessod – Salomão Gorenstein; Conselheiros – Júlio Stolzenberg

(Curitiba) e Miguel Lafer (São Paulo), Conselho Fiscal – Simão Dain, M. Koslovski e A.

Harosh.307

Assim, com o surgimento da Federação Sionista como coordenadora das

atividades do movimento no país, inaugurava-se uma nova etapa da história do movimento

no Brasil.

Em abril de 1923 Jacob Schneider faria uma viagem à Palestina e ficaria encantado com o

país e o trabalho realizado pelos pioneiros judeus.308

Em 13 de setembro daquele ano ele

escrevia uma carta a Baruch Schulman, na qual dizia: “voltei há dois meses de minha

viagem à Terra Santa, e sente-se de imediato que lá é o Lar Judeu, pois tão orgulhoso, tão

seguro, tão livre e tão bem se sente o judeu nesse belíssimo país, mesmo que não seja seu

cidadão. A viva língua hebraica, as aldeias judaicas, a bela cidade de Tel Aviv, a juventude

, os chalutzim (pioneiros) e as chalutzot (pioneiras) , com seu trabalho inigualável, são os

melhores de nossa intelligentsia e não evitam os trabalhos dos mais pesados (...)”.309

Era a

sua primeira visita à Palestina antes da formação do Estado de Israel, o qual ele,

futuramente, conheceria pelas viagens que realizaria durante os anos de atuação no

movimento sionista. Mas os sentimentos e as marcas profundas que a viagem de 1923

deixaram em sua pessoa podem ser detectados no “Diário” que escreveu sobre a mesma,

que passa a ser um documento pessoal interessante pela descrição que faz da colonização

judaica naqueles anos.

A carta acima citada, escrita a Baruch Schulman, mostra-o animado com a presença do

scheliach da Organização Sionista Mundial, o escritor Leib Jaffe, que se encontrava no Rio

e, conforme a expressão do missivista, alcançara um grande sucesso em sua missão. Jacob

Schneider comunicava a Schulman que ele acompanharia o scheliach a São Paulo e de lá

Jaffe seguiria a Curitiba, esperando que a comunidade local o apoiasse ao mesmo tempo

que contava com a ajuda pessoal do ativista curitibano.

Na verdade, a vinda de Leib Jaffe ao Brasil partiu de uma resolução do 1º

Congresso Sionista no Brasil de 1922, o qual, conforme nos informa carta de Jacob

Schneider e Eduardo Horowitz dirigida à Central da Organização Sionista em Londres

datada de 11 de dezembro daquele ano, havia resolvido solicitar um sheliach para o período

de gestão da diretoria eleita, isto é, para o ano de 1923.310

A carta informava à Central que a

atividade para o Keren Hayessod deveria se dar no começo de 1923, como de costume, e

portanto se fazia necessária a sua vinda o mais rápido possível, para dar o apoio ao que

estava programado pelo movimento local. Os signatários da carta especificavam as

qualidades que deveria ter o enviado do movimento sionista, isto é, “um nome famoso no

mundo judaico, excelente orador de massas e que saiba línguas européias, em especial

307

O Comitê Central designado é mencionado no artigo de E. Horowitz “Vegen der Zionism in Brazil”

(Acerca do sionismo no Brasil) ,Dos Idiche Vochenblat (O Semanário Israelita), novembro de 1924. 308

Pelo Diário de viagem de Jacob Schneider, sabemos que a data de saída do navio do Rio foi em 10 de

abril, e a sua volta pelo porto de Alexandria foi em 25 de maio daquele mesmo ano. O Diário está escrito num

caderno de 150 páginas, manuscrito em ídiche, e se encontra entre sua documentação ou Arquivo. 309

Arquivo de Bernardo Schulman, carta em ídiche, no acervo do autor. 310

A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche.

147

francês e espanhol, para que o scheliach possa aparecer perante assembléias de judeus

sefaraditas, cujo número é muito grande no Brasil, e sua maioria fala espanhol ou francês”.

Acrescentava-se ainda que o novo scheliach deveria seguir o roteiro do primeiro, ou seja, o

do dr. Wilensky, visistando em primeiro lugar o norte do Brasil, a começar de Pernambuco.

E já em 10 de março de 1923 Jacob Schneider escrevia a Baruch Schulman cobrando o

compromisso assumido durante a realização do 1º Congresso Sionista no Brasil por Júlio

Stolzenberg e Max Rosenmann de cumprirem com sua cota para a campanha do Keren

Hayessod, e na mesma carta informava que “em janeiro já esperávamos um novo sheliach

especial, mas precisamos esperar por L. Jaffe, que está visitando a Argentina. Também há

10 dias recebemos uma carta, onde se relata a terrível situação financeira do executivo e de

Eretz Israel e, portanto, resolvemos começar o trabalho para o ano de 1923. Nesse sentido,

organizamos uma noite de Purim e proclamamos a campanha para o Keren Hayessod para

o ano presente”.

Jacob Shneider apelava para a boa vontade de Shulman “juntamente com

Stolzenberg” para que empregassem a maior energia no trabalho e cumprissem sua

obrigação para com o povo judeu. Nessa mesma carta, ele notificava que em 10 de abril

partiria para a Romênia, onde deveria visitar seu pai, e seguiria para a Palestina, pedindo

que durante sua ausência se dirigisse a Eduardo Horowitz.311

Efetivamente, Leib Jaffe deveria chegar em fins de junho, e nesse ínterim, o movimento

sionista no Brasil procurava cumprir suas obrigações de venda dos shekalim para terem um

representante no 13º Congresso Sionista, que deveria realizar-se em agosto do mesmo ano.

Nesse sentido, Saadio Lozinski, que substituía a Jacob Schneider na presidência da

Federação Sionista do Brasil, juntamente com E. Horowitz, escrevia em carta de 9 de maio

que esperavam a vinda de Leib Jaffe para que pudessem atingir a cota de shekalim imposta

pela Central Sionista em Londres.

O segundo sheliach do movimento sionista mundial ao Brasil, Leib Jaffe, era

um intelectual e conhecido homem de letras que atrairia, sob esse aspecto, também a

atenção do limitado número de intelectuais do judaísmo brasileiro e criaria laços de

amizade mais profundos com alguns deles, amizade que se revela na correspondência que

manteve após seu retorno ao velho continente e, mais tarde, à Palestina. Leib Jaffe, que

passara anteriormente pelo Chile, Argentina e Uruguai, seria recebido no Rio de Janeiro em

audiência especial pelo presidente Arthur Bernardes, obtendo um estrondoso sucesso na

capital carioca. O jornal do major Eliezer Levy, Kol Israel,312

publicava uma nota sobre sua

presença no Brasil, informando que o sheliach visitara São Paulo, Bahia e Recife,

transcrevendo ao mesmo tempo dois artigos publicados na imprensa baiana sobre o

visitante, um no “Diário da Bahia” e outro no “A Tarde”.313

O sucesso de Leib Jaffe no Rio também é confirmado por uma carta pessoal de

15 de setembro de 1923 de Leon Schwartz, ativista comunitário, a Baruch Schulman, seu

amigo, que tece elogios entusiásticos à personalidade do scheliach, recomendando-o ao seu

amigo de Curitiba: “Parece-me que você conhece o meu ceticismo em relação à idéia

sionista, ainda que eu nunca tenha me recusado a dar qualquer apoio, uma vez que sou parte

do meu povo. Estive viajando na ocasião quando o senhor Jaffe chegou por aqui. Fui lhe

311

Arquivo de Bernardo Schulman, carta em ídiche. 312

Kol Israel, 17 de dezembro de 1923. 313

O artigo do A Tarde terminava comunicando que “Leib Jaffe faria uma conferência na Sociedade

Beneficente Israelita da Bahia sobre o tema “A nova Palestina”.

148

dar as boas-vindas como se deve fazê-lo a um talmid-chacham (estudioso e sábio) (ele é

um escritor em ídiche, russo e hebraico) logo que voltei para cá. Devo-lhe dizer a verdade:

saí muito feliz desse encontro com Jaffe. Encontrei-o várias vezes e todas as vezes me senti

feliz. Esse homem possui uma bela alma, é melancólico, não esfuziante e nem vulgar, com

boa formação, e realmente um idealista.

É desnecessário pedir-lhe, amigo Schulman uma atenção especial de nossos

amigos que amam nosso povo e se orgulham de suas melhores personalidades. Você

passará bons momentos com o senhor Jaffe e sentirá um verdadeiro prazer em ficar em sua

companhia”.314

Em cartão postal de 4 de outubro, Leib Jaffe agradecia a Schulman pelo

sucesso que alcançara em sua campanha em prol do Keren Hayessod na cidade de Curitiba,

e “pelo bom relacionamento para com a minha pessoa e a vossa hospitalidade”.315

O

próprio Schulman confirmaria esse sucesso e a grande repercussão do trabalho de Jaffe em

Curitiba em carta que remetera a Leon Schwartz, em 26 de setembro do mesmo ano, e onde

confidenciava o quanto lhe agradara a personalidade de Jaffe e os excelentes resultados da

presença do scheliach no Paraná, ainda que a ele, Schulman, lhe tenha custado grandes

sacrifícios pessoais para preparar um comitê de recepção e programar sua estadia naquele

lugar.316

Também Jacob Schneider elogiava o trabalho de Schulman em carta de 12 de

outubro escrita a ele, e se mostrava satisfeito pelo sucesso obtido por Jaffe em Curitiba.

Ainda acrescentava que o sheliach havia melhorado sua saúde ao chegar ao Rio e que

partira para a Bahia no dia 3 daquele mês.317

Do mesmo modo, a Federação Sionista do

Brasil, em carta de 3 de novembro daquele mesmo ano, assinada por Jacob Schneider e E.

Horowitz, reconhecia oficialmente o grande serviço que ele havia prestado ao movimento,

“e nos deixou sumamente satisfeitos ao saber que não esperastes as nossas instruções e

tomastes a iniciativa dos preparos e tudo o necessário para que o sucesso de Jaffe e do

Keren Hayessod fosse garantido”.318

O Centro Israelita do Paraná era alvo dos maiores elogios pelo trabalho

desempenhado por seu presidente Baruch Schulman, mas apesar de tudo, sabia-se que

questiúnculas de caráter pessoal não deixavam saborear plenamente o sucesso alcançado. Já

em fevereiro de 1924, a Central do Keren Kayemet escrevia a Stolzenberg e Schulman

pedindo que as desavenças pessoais ou de grupos fossem evitadas, a fim de não prejudicar

o trabalho em favor daquela entidade e em nome da causa sionista, asseverando que tais

rumores que chegaram até seus ouvidos depunham contra a moral do movimento.319

Não somente dissidências locais ocorriam, mas também a própria central do Keren

Hayessod em Londres provocava situações ambíguas pela atuação direta e contato com as

sociedades sionistas dos diversos Estados, com a grave conseqüência de quebrar a unidade

e a disciplina da Federação Sionista do Brasil, o que levou a Jacob Schneider e E. Horowitz

a escreverem uma longa carta àquela entidade, na qual expunham a questão com toda a

314

Arquivo Bernardo Schulman, carta em ídiche.León Schvartz, nessa carta, promete visitar Curitiba dentro

de 18 a 20 dias, porém não sabemos se o fez. 315

Arquivo Bernardo Schulman, carta em ídiche. 316

Arquivo Bernardo Schulman. Por essa carta ficamos informados que Leib Jaffe ficou em Curitiba até as

vésperas do dia 26 de setembro quando partiu acompanhado por Schulman a Paranaguá para embarcar no

“Flandria” que zarparia em direção ao norte do país. 317

Arquivo Bernardo Schulman, carta em ídiche. 318

Arquivo bernardo Schulman, carta em ídiche de 3/11/1923. 319

Arquivo Bernardo Schulman, carta em hebraico de 13/2/1924.

149

clareza: “Meses atrás, nos comunicamos com o escritório Central da Organização Sionista

em Londres solicitando para que se escrevesse a todas as sociedades sionistas do Brasil

que, em matéria de atividades sionistas, fundos, etc., se comunicassem com o Comitê

Central da Federação Sionista do Brasil, que é o único foro autorizado a ser contatado e

cuja orientação deve ser acatada. Fomos obrigados a exigir isso da parte do escritório

Central devido ao fato de nosso Comitê Central ter tido grandes dificuldades, impedindo

que realizássemos um trabalho sistemático. Devido ao lamentável capricho ou outra

qualquer causa, uma certa sociedade se arvora ao direito de se dirigir diretamente a

Londres, e nos deixa inteiramente ignorantes do que se passa. Devido a esse estado de

coisas, o trabalho do Keren Hayessod foi prejudicado mais do que tudo, pois cada

sociedade ou comitê comunicou-se com o K.H. em Londres e remeteram a ela todas as suas

obrigações, enquanto o Comitê ignorava tudo o que se passava, mesmo que tenha tido o

papel principal em toda a campanha. Até agora nos é impossível controlar o trabalho das

diversas sociedades (...)A conseqüência de tudo isso é a plena desordem que prevalece

nessas sociedades. Nenhuma contabilidade existe e em alguns lugares é impossível

compilar sequer as listas dos contribuintes ao K.H. (...). A Central em Londres, em vez de

fortificar a autoridade da Federação e ajudar a disciplinar e sistematizar o trabalho para

termos o controle da situação e podermos ganhar a inteira confiança da população judaica

no Brasil, deu, recentemente, certos passos, talvez involuntariamente, que dificulta nosso

trabalho e que nos leva de volta à situação existente anteriormente. O telegrama que vocês

nos mandaram, bem como a Pernambuco e Bahia, a respeito da imediata remessa dos

valores coletados para o K.H., sem considerar o valor de câmbio, também prejudicaram o

nosso trabalho, pois as mencionadas sociedades não se sentem ligadas a nós inteiramente e

à nossa orientação, uma vez que possuem uma relação direta com o escritório em

Londres.”320

No final, os responsáveis pela Federação pediam à Central de Londres que

escrevessem novamente a todas as sociedades sionistas do Brasil com as quais ela havia se

comunicado anteriormente para que doravante se comunicassem somente com o Comitê

Central no Rio, seguindo sua orientação, e que as somas coletadas fossem remetidas

somente através dela.

Corria assim o ano de 1924 e Jacob Schneider encetaria uma viagem à Europa

no final daquele mesmo ano, encontrando-se em novembro em Londres, onde seria

entrevistado por elementos da Organização Sionista Mundial. O resumo da entrevista revela

que ele prestara informações gerais sobre a comunidade judio-brasileira, incluindo dados

estatísticos sobre a sua população, modo de atuação da Federação Sionista e suas

atividades, e uma rápida caracterização dos grupos políticos.321

Já nesse ano se encontrava

no Brasil o rabino Isaías Raffallovich, que havia desembarcado no Rio de Janeiro em

dezembro de 1923 como representante da J.C.A. (Jewish Colonization Association) em

nosso país e que desempenharia um papel importante na vida comunitária judaica, seja sob

o aspecto da criação de uma rede escolar, beneficência e amparo ao imigrante, seja em

relação à atividade sionista. Raffalovich vivera na Palestina durante muitos anos e viera

com seus pais ainda no século XIX, quando se davam os inícios da colonização com

imigrantes vindos da Rússia Czarista, naquela região e, portanto, estava imbuído de ideais

sionistas desde a sua juventude.322

No Brasil a preocupação em desenvolver uma

320

A.Z., Z 4/2350, carta em ídiche, com tradução ao inglês, de 21/12/1923. 321

A.Z., Z 4/2350, relatório em inglês sobre a entrevista feita em 2/11/1924. 322

Veja-se sua autobiografia com o título Ziunim veTamrurim (Marcos e Etapas), Tel-Aviv, 1952.

150

comunidade assentada em bases estáveis, dar o apoio aos imigrantes que chegavam em

número cada vez maior, também passou a ser uma preocupação do movimento sionista

local, que colocava suas forças e meios para acolher aqueles que necessitavam de ajuda.

Daí ser difícil separar, na época, idéias nacionalistas e a própria vida comunitária em

formação. Já nesses anos havia uma preocupação de se aproximar a nova geração da

atividade comunitária, assim como atraí-la ao movimento nacionalista, e, na verdade, o

primeiro apelo feito nesse sentido foi o de Leib Jaffe durante sua passagem em território

brasileiro, e que levou à criação de uma organização juvenil de nome Cadima.323

Outro aspecto dessa renovação do movimento sionista é a criação do Grupo

Ativo do Centro Sionista do Rio de Janeiro, que visava dar maior ímpeto à atividade

nacionalista judaica naquela cidade.324

Em suma, podemos considerar os primeiros anos da década de vinte como uma

etapa decisiva na fixação e no desenvolvimento do movimento sionista no Brasil, tendo

como causa principal a atividade exercida por Yehuda Wilensky e Leib Jaffe como

enviados da Organização Sionista Mundial.

323

Ilustração Israelita, n. 1, agosto, 1928. A Enciclopédia Judaica, ed. Tradição, Rio de Janeiro. 1967, verbete

Cadima, se equivocou ao atribuir a iniciativa a I. Juris. 324

Sobre o Grupo Ativo vide o artigo de E. Horowitz “Di grindung fun a Aktive Grupe” (A fundação de um

Grupo Ativo), no Dos Ìdiche Vochenblat, n. 44, 12 de setembro de 1924 e n. 45, de 19 de setembro do mesmo

ano. No programa do Grupo Ativo constam sete itens:1) organizar o elemento positivo do Rio ao redor do

sionismo; 2) despertar seus membros para sua identidade nacional; 3) posicionar-se frente a todas questões

atinentes à vida judaica; 4) atuar para o renascimento do lar nacional judaico em Eretz Israel; 5) contribuir

para a organização do judaismo brasileiro; 6) atuar no âmbito da cultura nacional judaica; 7) preocupar-se

com a educação da juventude.

151

18. Os Protocolos do Primeiro Congresso Sionista na Brasil (1922)

Entre os valiosos documentos do arquivo de Jacob Schneider, um dos

fundadores do movimento sionista brasileiro, encontramos os Protocolos referentes ao 1.º

Congresso Sionista no Brasil, cujo texto, lamentavelmente incompleto, consiste em 17

folhas, tamanho ofício, datilografadas em íidiche. Faltam ao maço de folhas numeradas as

de 1 a 3, as de 5 a 6 e uma ou duas folhas finais que corresponderiam à parte de

encerramento formal do Congresso. Portanto, o texto se encontra conservado quase na

íntegra, reproduzindo os debates havidos, de modo resumido, em todas as sessões

programadas naquele encontro.

Mas antes de entrarmos no conteúdo dos Protocolos devemos historiar o

desenvolvimento do sionismo pouco antes da realização do Congresso em 1922.

O sionismo no Brasil, que nesse tempo já contava com quatro organizações

atuantes: a Tiferet Sion, no Rio de Janeiro; a Shalom Sion, em Curitiba; a Ahavat Sion, em

São Paulo e a Ahavat Sion no Pará, foi assumindo cada vez mais papéis diretivos da vida

comunitária do judaísmo brasileiro. Tudo indica – e a documentação comprova – que a

Shalom Sion em Curitiba, Paraná, sob a direção de Júlio Stolzenberg e do escritor Baruch

Shulman, mostrou-se disposta a liderar o movimento nacionalista do país, chegando mesmo

a escrever nesse sentido, em 26 de janeiro de 1920, à Central-Sionista em Londres, que, por

sua vez, comunicou ao Bureau Central do Fundo Nacional Judaico em Haia. Entre outras

coisas, ela se propõe a ser reconhecida como centro de uma Federação Sionista no Brasil,

pois “nós somos atualmente a única organização sionista no Brasil que trabalha

continuamente para o sionismo sob todos os aspectos”, pois a “Tiferet Sion, no Rio de

Janeiro, ficou inteiramente adormecida”...

A resposta da Central de Londres foi bastante diplomática para não ferir a

sensibilidade da organização, ao mesmo tempo que visava harmonizar as diversas entidades

e principalmente a Tiferet Sion. Devemos também observar que na segunda metade de

1920 existia também uma organização sionista em Porto Alegre – que mantinha contato

com a Central de Londres – que iniciou suas atividades naquele mesmo ano.325

No ano de 1921, o movimento sionista no Brasil assinalava pela primeira vez

sua presença em um congresso sionista, o 13.º de Karlsbad, enviando um delegado em seu

nome, o já conhecido e respeitado ativista Júlio Stolzenberg. Em carta assinada por Jacob

Schneider e Eduardo Horowitz, de 10 de agosto de 1921, dirigida à Central da Organização

Sionista em Londres, comunicava-se o nome de Júlio Stolzenberg como delegado do Brasil

ao Congresso, bem como a venda de 1.000 shekalim, correspondentes ao seu mandato, que

foram entregues às mãos do dr. Alexander Goldstein, que se encontrava de passagem pelo

Rio de Janeiro.

No decorrer desse movimento positivo, o momento sionista no Brasil seria

beneficiado imensamente com a vinda, em 1921, de um sheliach de alto nível e profunda

experiência política, bem como dono de um magnetismo pessoal, homem de grande

presença e excelente orador: o Dr. Yehuda Wilensky.A shlichut do dr. Wilensky se deu

325

Há-Archion há-Tzioni (Central Zionist Archives), Z 4/2350, carta em hebraico de 17/7/1920 e carta

dirigida a Curitiba de 25/8/1920. Quanto aos fatos mencionados desta primeira parte de nosso estudo o leitor

poderá encontrar as fontes documentais citadas em nosso estudo sobre a missão de Yehuda Wilensky e Leib

Jaffe no Brasil, que faz parte da presente coletânea.

152

devido a um pedido feito ao dr. Alexander Goldstein, que vinha de volta de uma viagem à

Argentina e parou no Rio de Janeiro por algumas horas para se encontrar com os líderes

sionistas locais, e era uma missão em nome de Keren Yayessod, fundado por resolução da

Conferência de Londres, em 1920. Em carta de 26 de outubro de 1921, a Organização

Sionista comunicava ao Rio de Janeiro que dentro de poucos dias viajaria ao Brasil o Dr.

Wilensky. Ele era, também, um dos ativistas sionistas da Ucrânia e da Rússia e membro do

Comitê Central da Organização Sionista, com um passado rico em feitos em favor do

judaísmo russo. Antes de sua chegada, a Organização Sionista no Brasil tinha recebido um

telegrama sobre a sua vinda, que informava ser sua primeira escolha no país a cidade de

Recife, em Pernambuco. Ele percorreria o Brasil de norte a sul criando associações

sionistas nas comunidades menores nas quais ainda não havia nenhuma entidade

nacionalista. Conforme já descrevemos em outro lugar de nosso trabalho a estadia de

Wilensky no Brasil deu um grande estímulo aos adeptos do sionismo e permitiu dar um

novo passo em sua organização.

Tudo indicava que no ano de 1922 as diversas agremiações sionistas locais se

mostrariam dispostas a manter contato entre si, e tudo levava a crer que o melhor seria criar

uma organização central que pudesse aglutinar as associações dos diversos Estados

brasileiros.

Portanto, Jacob Schneider e outros da Tiferet Sion começaram a pensar e

planejar a realização de um Congresso Sionista de amplitude nacional, sendo que a data

marcada para o conclave era dia 15 de novembro de 1922, data significativa para o Brasil,

pois comemorava a Proclamação da República. Em 8 de novembro, J. Schneider telegrafou

à Central Sionista comunicando o acontecimento.

A abertura do Congresso, no qual participaram 39 representantes de 13 Estados

que falariam em nome de 14 associações sionistas realizou-se de forma solene. Jacob

Schneider, presidente do Comitê Organizador, abriu com um discurso, discorrendo sobre a

formação do movimento no Brasil e colocando como objetivo de primordial importância a

criação de uma Federação Sionista, que deveria se ocupar da coleta de fundos para os

israelitas, vítimas dos pogroms; para a criação de uma verdadeira escola judaico-brasileira;

para a criação de uma biblioteca sionista e para a difusão das idéias do movimento através

do país.

Na ocasião falaram também Eduardo Horowitz e Jacques Behar, representante

da associação Benei Herzl do Rio de Janeiro. Entre outras resoluções, ficou decidido que

seriam feitas campanhas do Keren Hayessod, do Keren Kayemet, e que seriam estimulados

todos os aspectos da vida judaica local – sociais, educativos e culturais. O Congresso foi

um verdadeiro chamado para a atividade sionista. O resultado imediato do encontro foi a

criação de uma Federação Sionista, cujo Comitê Central seria localizado no Rio de Janeiro,

sendo eleito como presidente de honra Maurício Klabin (São Paulo); presidente – Jacob

Schneider; vice-presidentes – Saadio Lozinski e David Levy; primeiro-secretário – Eduardo

Horowitz; segundo-secretário – Shalom Linetzki; tesoureiro-geral – Efraim Schechter;

ajuda – Boris Tendler; Keren Hayessod – Salomão Gorenstein; conselheiros – Júlio

Stolzenberg (Curitiba) e Miguel Lafer (São Paulo); conselho-fiscal – Simão Dain, M.

Koslovski e A. Harosh.

Assim, com o surgimento da Federação Sionista como coordenadora das

atividades do movimento no país inaugurava-se uma nova etapa da história do movimento

no Brasil. Vejamos agora o conteúdo dos protocolos do encontro que se realizou entre os

dias 15 e 21 de novembro de 1922.

153

Antes dos discursos de abertura do Congresso foi redigido um longo telegrama

dirigido ao presidente da República, no qual se agradecia ao Brasil e ao seu povo por terem

apoiado a Liga das Nações na resolução referente ao mandato britânico na Palestina, bem

como pela acolhida dada aos imigrantes judeus que tanto contribuíram para o progresso do

país desde os tempos coloniais até o ano em que se comemora o centenário de sua

independência. Assinaram o telegrama em nome da comunidade da Capital Federal,

Salomão Gorenstein; de São Paulo, Maurício Klabin; Paraná, Max Rosenmann; Porto

Alegre, Alter Weksler; Santa Catarina, José Margalith; Pernambuco, Jacob Schneider;

Bahia, José Diamante e Boris Tendler, Alagoas. Após a leitura do telegrama cantaram as

crianças da escola Maguen David o hino nacional, entusiasticamente aplaudidas pelo

público presente. Após o mencionado discurso de Jacob Schneider, o secretário do Comitê

Provisório. E Horowitz, relatou sobre os objetivos do sionismo e seus inícios no Brasil,

discurso importante pelo seu conteúdo histórico, uma vez que ele descreve os primórdios

do movimento e sua organização em terra brasileira. E, logo a seguir, deu-se a leitura do

relatório financeiro pelo senhor S. Linetzki, compreendendo as contribuições do Keren

Hayessod, e também do Keren Kayemet.

Em seguida, Jacob Schneider agradeceu o apoio de seus colegas de todas as

cidades em nome do Comitê Provisório e propôs que se fizessem de imediato as eleições

para o Presidium do Congresso. O senhor Grinberg pediu a palavra e propôs que o

Congresso expressasse um agradecimento ao Comitê Provisório pelo trabalho realizado, o

que foi aceito com aplausos pelo público presente.

Em seguida, o presidente do Comitê de Nomeações, o senhor Max Rosenmann,

leu a proposta de nomes para o Presidium do Congresso constituído de: presidentes: 1)

Maurício Klabin; 2) Júlio Stolzenberg; 3) Jacob Schneider; 4) Saadio Lozinski; vice-

presidentes: 1) Eduardo Horowitz; 2) Jacques Behar, cujos nomes foram aceitos pelos

delegados presentes.

Maurício Klabin abriu a sessão agradecendo a honra com que fora agraciado

juntamente com seus colegas de presidência, desejando sucesso ao Congresso.

O primeiro relator dessa sessão foi Júlio Stolzenberg, que falou sobre o

sionismo em Curitiba, dizendo que a atividade comunitária teve início em 1910, com a

participação do fundo eleitoral para a fundação de um Clube Sionista no Parlamento

Austríaco. Ele também nos diz que, em 1912, foi fundada a Shalom Sion326

e que após a

conferência de San Remo, em 1920, a comunidade viveu em festa e foram arrecadados 10

contos de reis para o Fundo Nacional. Ao terminar o seu relatório, o senhor Max

Rosenmann trouxe uma proposta da Comissão de Resoluções para que se considerasse

criada a Federação Sionista do Brasil, de modo que o Congresso já pudesse atuar como um

encontro da nova entidade, o que foi aceito pelos presentes. Ao se apresentar uma moção de

agradecimento ao senhor Ribinik pela sua atividade em Maceió, gerou-se um debate sobre

se caberia agradecer a um indivíduo ou não e, nessa ocasião, Jacob Schneider, pedindo o

uso da palavra, fez referências elogiosas ao senhor Ribinik, apoiando a moção proposta por

um grupo de delegados. Mas, por fim, ficou acertado, por proposta de Júlio Stolzenberg,

que a Comissão de Resoluções formulasse, como resolução geral do Congresso, o

agradecimento a todas as organizações que contribuíram para o trabalho sionista.

O presidente da sessão propôs um debate sobre o relatório do Comitê

Provisório, e ainda que o delegado Dain se tenha oposto a um debate crítico – alegando que

326

Júlio Stolzenberg diferenciará entre esta fundada em 1912 e a Shalom Sion fundada oficialmente em 1917.

154

até então a atividade sionista no Brasil baseara-se em iniciativas individuais e, portanto,

ninguém teria o direito de criticar essas pessoas –, acabou por prevalecer a opinião do

presidente do Comitê Provisório, Jacob Schneider, de que a crítica deveria ser feita.

Stolzenberg foi o primeiro a abrir o debate em tom crítico e colocou em dúvida

a autoridade do Comitê Provisório, “pois ele também tinha uma orientação clara de parte do

Executivo Sionista de organizar uma Federação sionista brasileira”, apesar – esclarece o

orador – de nos últimos tempos não ter podido estar próximo à atividade e, de todo modo,

merece o Comitê Provisório agradecimento pelo que realizou. Tomaram parte nesse debate

ainda os senhores Linetsky, Horowitz, Lozinski, Stolzenberg e Margalith, acusando o

último o Comitê Provisório de nada ter feito em relação à educação judaica. Jacob

Schneider foi o último a falar nesse debate, respondendo às críticas feitas e argumentando

que o maior problema de seu Comitê foi a falta de voluntários para as tarefas que tinham

pela frente, e que de nenhum modo procuraram tomar para si honrarias ou autoridade, pois

sempre estiveram dispostos a entregá-las a outros. Quanto à educação judaica, ainda o

movimento sionista era o mais ativo nas comunidades, onde quer que elas existissem. Com

isso, o debate geral foi encerrado, mas não antes de se aprovar uma moção de apoio ao

Comitê Provisório.

SHEKEL E SHEKEL-ZAHAV

Na mesma sessão, Eduardo Horowitz tratou da importância e papel do “shekel”

e do “shekel-zahav”, relatando o que foi feito durante esse tempo e o que se deveria fazer

futuramente a esse respeito. Tomaram ainda parte no debate vários delegados, até que se

aceitou levar as propostas de Eduardo Horowitz à Comissão de Resoluções. Nesse ínterim,

a Biblioteca Scholem Aleichem do Rio de Janeiro convidava os delegados da sessão a

participarem de um programa literário dedicado ao escritor Anski, autor do “Dibuk”. Outro

acontecimento curioso ocorrido nessa sessão foi o delegado Jacques Behar protestar pelo

fato de os debates se realizarem em ídiche, língua que ele e seus colegas sefaraditas não

entendiam e, portanto, era-lhes difícil acompanhar os temas em questão. O debate gerado

por essa última questão foi o suficiente para que se aprovasse uma resolução indicando o

delegado Miguel Lafer como tradutor, para resumir em português os assuntos tratados. A

sessão encerrou-se com uma proposição feita por Júlio Stolzenberg para que o Congresso

homenageasse o falecido Max Fineberg, que tanto lutara para o sionismo no Brasil. O

Congresso levantou-se em sua honra e às 12:00 horas encerrava-se a sua primeira sessão.

A segunda sessão teve início no sábado à noite, no dia 18 de novembro, e ela

teve por tema a questão do “shekel” e “shekel-zahav”. Foram tomadas as seguintes

resoluções sobre o “shekel”: 1) todo sionista, pertencente ou não a qualquer organização,

tinha por obrigação apoiar anualmente a campanha do “shekel”. 2) o preço do “shekel” no

Brasil para o ano de 1923 seria de 5 mil réis.

Sobre o “shekel-zahav” foi resolvido 1) que se desse apoio ao “shekel-zahav”,

uma vez que ele era importante para a organização sionista para cobrir suas despesas; 2) ele

tinha o valor de uma lira esterlina e era voluntário, e não dava a seu contribuinte nenhum

privilégio especial, assim como não liberava ninguém de contribuir com o “shekel” regular;

3) o Comitê Central da Federação Sionista do Brasil ficaria autorizado, após conhecer as

condições de cada lugar, a propor a cada organização sionista a obrigação de criar um

grupo de contribuintes para o “shekel-zahav.

155

Seguiu-se um debate a essas proposições com a participação dos senhores

Lozinski, Grinberg, Horowitz, Schneider, Dain e outros, até a aceitação das resoluções

propostas acima. O senhor Dain, em seguida, relatou sobre o Keren Hayessod e sua

atividade em Eretz Israel, ao mesmo tempo que resumiu o que foi feito nesse sentido no

Brasil, finalizando com uma série de recomendações a respeito.

A terceira sessão do Congresso teve início às duas horas no Domingo, dia 19

de novembro, sob a presidência de Júlio Stolzenberg, que pediu a Eduardo Horowitz para

apresentar as resoluções propostas sobre o Keren Hayessod. O senhor Dain acrescentou

uma resolução adicional às formuladas para que as entidades e comitês se apressassem em

terminar a cobrança das contribuições referentes ao ano de 1922 e para que o Comitê

Central pudesse receber relatórios exatos de cada lugar, possibilitando, assim, a

participação na reunião de diretoria do K.H., que deveria ter lugar ainda naquele ano.

Durante os debates, em que tomaram parte M. Klabin, J. Schneider, E. Horowitz, S.

Lozinski, S. Dain, Linetski e Fridman foram levantadas várias proposições, entre as quais a

de se convidar um sheliach para vir ao Brasil, e com esse fito o senhor Lozinski informou

que soubera da possibilidade de Shmariahu Levin327

ir à Argentina, podendo-se, nesse caso,

pedir que visitasse o Brasil. Após a intervenção de R. Horowitz, que não via nenhuma

possibilidade de uma pessoa vir e atuar nos dois países, o debate passou a uma fase mais

aguda quando J. Stolzenberg propôs que se consignasse em ata que a minoria se opôs a

convidar um sheliach de Londres. M. Rosenmann e outros investiram com veemência

contra tal proposição até que fosse retirada em nome de uma norma de disciplina de

sujeição natural de uma minoria, a vontade da maioria, que caracteriza toda instituição.

Logo a seguir, passou-se a um novo tema relatado pelo senhor M. Fridman, ou seja, a

campanha do Keren Kayemet, explicando seus objetivos e o que representaria na

reconstrução e na colonização agrária de Eretz Israel.

Vários foram os delegados que intervieram no debate, que girava ao redor da

“caixinha” (na qual se depositavam moedas para a instituição) do Keren Kayemet,

recomendada entusiasticamente por S. Lozinski e onde o senhor Tendler mostrou que o

fracasso anterior se devia às poucas famílias existentes no Brasil. O senhor Lafer apontou o

valor educativo da “caixinha” e o senhor Grinberg considerou que a “caixinha” era onerosa,

portanto se opôs a ela. M. Klabin achou importante trabalhar-se no Brasil para o “Yaar

Herzl”, para o qual ele próprio já fizera alguma coisa, e, acrescentando, disse ser vital o

reflorestamento em Eretz Israel, obra para a qual ele já deixara uma soma com a particular

intenção de se comprar terras para esse fim. Ele gostaria que os israelitas do Brasil

apoiassem e participassem de tal empreendimento. Nesse sentido, recebeu o apoio do

senhor Behar, que propôs que o “Yaar Herzl” fosse plantado, em nome da comunidade

brasileira, no sul de Eretz Israel, para que se ganhasse terreno no deserto. O senhor Klabin

esclareceu que o sul de Eretz Israel não possuía terras apropriadas para o plantio de árvores,

mas que a resolução ficasse postergada para outra oportunidade. Foram tomadas as

seguintes resoluções sobre Keren Kayemet naquela sessão: 1) o Congresso apelou para que

os judeus no Brasil apoiassem o K. K. em todas as ocasiões, seja em festas de caráter

particular ou coletivo; 2) recomendou ao C. Central organizar para todo o Brasil um Dia

das Flores em favor do K. K.; 3) recomendou ao C. Central estudar com o senhor Klabin a

questão de plantar no “Yaar Herzl” um bosque em nome dos israelitas do Brasil.

325 Schmariahu Levin (1867-1935) foi um dos ativistas dos inícios do movimento sionista e a partir de 1920

passou a representar o Keren Hayessod percorrendo vários países em sua função.

156

Ainda na mesma sessão foram discutidos assuntos concernentes ao orçamento

da Federação Sionista, dos estatutos da nova entidade cujo projeto foi lido por E. Horowitz,

e no final dessa sessão, os delegados do Congresso foram convidados a visitar no dia

seguinte pela manhã a única escola existente no Rio de Janeiro, a Maguen David.

EDUCAÇÃO JUDAICA

A quarta sessão deu-se na segunda-feira à tarde, sob a presidência de M. Klabin

e tinha como tema de debate “problemas gerais judaicos”. Em primeiro lugar, foi tratada a

questão de ajuda e beneficência social, tema que mereceu uma longa apreciação por parte

do senhor M. Koslovski, que se referiu à necessidade de dar ajuda aos israelitas de além-

mar; também falou dos sofrimentos dos judeus na Ucrânia, propondo que fossem enviados

pacotes com alimentos e vestimentas. Além disso, recomendou que se apoiasse a formação

de cozinhas para crianças famintas naquela região, tirando-se porcentagens de outros

fundos locais, e se criassem grupos femininos para todos esses fins.

O debate se estendeu a outros aspectos da vida judaica, com a participação de

um grande número de delegados, e entre os nomes que ainda não mencionamos

encontramos os do senhor Shapira, o senhor Gewertz, o senhor Letichevski e o senhor

Krell. Entre os aspectos abordados encontrava-se a participação dos sionistas no “Relief”

(Sociedade Beneficente de Amparo ao Imigrante) , a criação de uma Comissão Central de

Ajuda para todo o Rio de Janeiro e com a participação de todas as entidades existentes

naquela cidade. A opinião geral dos presentes em relação ao assunto em debate foi de que o

elemento sionista, por ser mais consciente, deveria, e de fato o fez até agora, tomar parte

das instituições de ajuda e beneficência social comunitárias, ainda que esse não fosse o

escopo da organização.

O Congresso Sionista de 1922 dedicou uma parte de seu temário à questão da

educação judaica no Brasil, e cremos ser um dos primeiros encontros, a nível nacional,

onde a questão mereceu um exame amplo, razão pela qual traduzimos o texto dos

protocolos, dessa parte, na íntegra.

“O senhor Lozinski328

apresenta um relatório profundo sobre a educação

judaica em geral, e em particular sobre a educação judaica no Brasil. O orador é a favor de

uma educação judaica tradicional com o hebraico como única língua reconhecida nos

estudos judaicos.

“O senhor Stolzenberg recebe a palavra e apoia as recomendações do senhor

Lozinski e apresenta as seguintes resoluções:

“Uma vez que a questão da educação judaica é uma das mais importantes no

Brasil, resolve o Congresso Sionista recomendar à comunidade judio-brasileira criar

escolas, onde além de uma cultura universal, recebam as crianças judias uma educação

moderna nacional-hebraica e religiosa. A proposta recebe o apoio de outros.

“O senhor Behar é contra uma educação religiosa. É contra também o Ídiche e

somente quer uma educação nacional-hebraica.

328

Saadio Lozinski foi um dos primeiros professores no Brasil, senão o primeiro a lecionar numa escola

judaica, a Maguen David, excluindo-se os professores que lecionaram em Philipson desde que a colônia foi

implantada pela JCA, em 1904, e Júlio Itkis, em São Paulo, que lecionava num Talmud Torá, em 1916.

157

“O senhor Klabin interfere em favor da religião. O senhor Harosh fala sobre

educação nacional e ele é decididamente a favor do hebraico e contra o ídiche, propondo

uma resolução nesse sentido.

“O senhor Margalith dá inteiro apoio à educação religiosa. O senhor Gewertz

diz que a verdade sobre a educação judaica ainda não foi dita. A criança judia necessita de

meios para se ligar e unir com todo o judaísmo e esse meio é a língua ídiche. A educação da

criança judia deve assumir outras formas. A religião não tem mais lugar na educação.

Ídiche e educação social são os elementos fundamentais na formação da criança israelita. É

preciso preparar a criança judia para ser um membro útil da nova sociedade que está

surgindo.

“O senhor Horowitz é contra extremismos na questão da educação da criança

judia. Considera que a questão no Brasil ainda é muito delicada. Devem-se levar em conta

todos os elementos que possam ser úteis para uma educação nacional e racional.

“Propõe uma resolução para que o hebraico seja considerado como a língua

principal nos estudos judaicos, mas também o ídiche tenha o seu lugar na educação da

criança judia.

“O senhor Krell propõe que a resolução a ser tomada pelo Congresso formule

que é necessário uma escola judaica em geral, mas que se deixe a cada lugar definir o

caráter da escola.

“O senhor Dain, em um breve discurso, se refere aos problemas abordados e

manifesta o seu apoio ao reconhecimento do ídiche como um elemento da educação

nacional judaica.

“O senhor Rosenmann acentua a importância da educação religiosa no Brasil e

traz exemplos do interior, onde o elemento religioso salvou as crianças judias da

assimilação certa.

“O senhor Schechter demonstra que as crianças judias no Brasil falam o

português e não acha conveniente exigir um esforço adicional com o aprendizado do ídiche.

O hebraico deve ser ensinado, pois essa é a nossa língua nacional, mas o ídiche não tem

importância sob o aspecto nacional para que se sobrecarregue as crianças com o seu ensino.

“O senhor Schneider pede para que não se assustem com o assunto da educação

religiosa, pois é um elemento importante para determinarmos grupos, e quase todos os

nossos amigos receberam uma educação religiosa. É evidente que isso não os prejudicou.

Possivelmente, se não tivessem recebido essa educação que eles tanto temem hoje, não

estariam presentes como delegados desse Congresso. O orador também lembra que em

todos os novos países as crianças judias falam a língua da terra, e não é fácil fazê-las falar a

língua ídiche, e também não é conveniente. Todos os esforços devem ser feitos em relação

ao hebraico, a língua nacional de todos os judeus, em todas as gerações.

“O senhor Grinberg observa em relação ao discurso do senhor Schneider que

não a educação religiosa, mas a educação nacional é que trouxe os delegados ao Congresso.

“Os debates foram encerrados e passa-se às decisões. A maioria vota a favor da resolução

do senhor Stolzenberg. O representante da Biblioteca Sholem Aleichem declara que se

abstém de votar. Após as votações, o senhor Morgenstern apresenta uma petição da

comissão da Biblioteca, que se declara pronta para apoiar toda iniciativa para educação

judaica, mas que não se ocupará das outras questões que ela não considera de sua

competência.

“A sessão encerrou-se às 3:00 horas da manhã.”

158

UM ÚNICO JORNAL

A quinta sessão do Congresso teve início na terça-feira, às duas horas, e tinha

como tema assuntos gerais judaicos. Abriu a sessão M. Klabin, dando a palavra a E.

Horowitz, que se referiu à imprensa judaica no Brasil, cujo conteúdo é importante, pois ele

esboçou uma pequena história da imprensa judaico-brasileira. Ele lembrou a atividade de

Josef Halevi,329

insistindo para que todos os delegados se levantassem em sua homenagem,

e prestou esclarecimentos sobre o “Correio Israelita”, único jornal comunitário na época.

Durante os debates levantou-se a necessidade de se criar uma imprensa ídiche, apesar das

dificuldades materiais para tanto. A tendência geral do debate, que teve a participação de

um bom número de delegados, foi a criação de um jornal em duas línguas, ídiche e

português, o que na verdade representava uma proposta de conciliação das várias

tendências existentes no Congresso. Além do mais, foi resolvido reunir representantes das

instituições do Rio para se discutir sobre a criação de um periódico.

Na mesma sessão viu-se também a necessidade de recomendar a criação de

bibliotecas nas cidades onde havia comunidades judias, e vários outros assuntos

concernentes à vida judaica no Brasil.

No mesmo dia realizou-se a sessão de encerramento presidida por M. Klabin,

que em seu discurso transmitiu saudações de Eretz Israel, onde estivera recentemente em

visita. Suas palavras foram registradas nos protocolos do Congresso: “A terra é bela, é boa,

rejuvenesce, e seus filhos fazem tudo o que podem. E seus filhos em todo o mundo devem

lhes dar todo o apoio possível.”

O debate inicial dessa sessão girou ao redor do apoio que se devia dar ao Banco

Colonial como instituição financeira do movimento sionista e seus objetivos de colonização

da Palestina. As resoluções gerais adotadas nessa sessão de encerramento foram: 1) O I

Congresso Sionista no Brasil congratulou-se com a Liga das Nações na ratificação do

mandato sobre Eretz Israel, no qual vê o reconhecimento dos povos as aspirações nacionais

do povo judeu; 2) resolveu saudar o Executivo Sionista e em especial os Drs. Weizmann e

Sokolov, que através de esforços excepcionais e sacrifícios, impuseram a vitória das nossas

aspirações nacionais entre os povos; 3) agradeceu ao grande estadista Lord Artur Balfour

por seu inigualável serviço à causa judaica; 4) declarou-se solidária à proclamação do Vaad

Leumi, que representava a população judaica de Eretz Israel, no seu apelo aos árabes da

região para se unirem com seus irmãos judeus em sua reconstrução; 5) saudou o Fundo

Nacional Judaico por ocasião de seu 20.º aniversário e recomendou a todos os sionistas no

Brasil um trabalho com redobrado esforço para atingir seus fins; 6) solidarizou-se com a

resolução do Congresso a fim de unir todas as forças judaicas para o trabalho de

reconstrução de Eretz Israel; 7) agradeceu profundamente a todos aqueles que ajudaram até

então no progresso do movimento sionista no Brasil; 8) apelou para que todos os judeus do

Brasil unissem suas forças para o trabalho sagrado de reconstrução de Eretz Israel; 9)

exigiu que os judeus do Brasil ajudassem seus irmãos da Europa Oriental e Central, vítimas

da guerra e das hostilidades inumanas de parte de seus vizinhos, e não economizassem

meios para aliviar seus sofrimentos; 10) apelou a todos os judeus do Brasil para que dessem

a seus filhos, além de uma formação universal e brasileira, uma educação judaica; 11)

329

Foi o fundador do primeiro jornal judaico no Brasil, publicado em ídiche em Porto Alegre em 1915

denominado “Di Menscheit” (A Humanidade). A mençaõ do seu nome nesse ano de 1922 antecede a de Jacob

Nachbin ,feita em 1929. V. de minha autoria o livro “Jacob Nachbin”, Nobel, São Paulo, 1985.

159

apelou a todas as organizações judaicas e instituições no Brasil para coordenarem suas

atividades e criarem um judaísmo unificado.

Os Protocolos terminam com essas resoluções da sessão de encerramento, mas

as últimas frases, da página 22 (última dos Protocolos) indicam que o senhor Boris Tendler

leria algo- infelizmente não sabemos seu conteúdo- uma vez que não temos a continuidade

do texto em nossas mãos. Supomos que já se anunciava o encerramento formal do

Congresso.

O Primeiro Congresso Sionista no Brasil foi, sem dúvida, um grande evento

para a comunidade que começava a participar dos acontecimentos do movimento sionista

mundial, após a Declaração Balfour de 1917.

160

19. O Sionismo e os Judeus no Brasil ( Este artigo foi escrito em de 1980 e a visão que apresenta sobre a comunidade e a sociedade brasileira

corresponde ao que se passava naquela década.)

A participação dos judeus e dos cristãos-novos nos primórdios da História do

Brasil, ou seja, no período colonial, já foi suficientemente estudada na medida em que

muitos autores publicaram a documentação dos arquivos europeus, e principalmente aquela

existente em Portugal e na Holanda. Paradoxalmente, a história dos judeus do Brasil no

período mais recente, compreendendo a fase da Independência, do Império e da República,

em outros termos, do início do século XIX até os nossos dias, é relativamente pouco

conhecida. Sob o ponto de vista histórico, poucos trabalhos têm trazido contribuições

significativas para o conhecimento dessa História. Entre esses últimos devemos mencionar

os de Elias Lipiner330

, que em numerosos artigos publicados em vários periódicos judaico-

brasileiros e estrangeiros tratou de múltiplos aspectos da vida e da história da comunidade

judio-brasileira. Outro autor que tratou do assunto é Isaac Raizman, cujo trabalho escrito

em ídiche sob o título “A Fertl Iorhundert Idische Presse in Brazil”,331

publicado em 1968,

levantou importantes elementos sobre a história mais recente da comunidade judia no

Brasil. Na década de 50, Kurt Loewenstamm,332

ainda que apresente muitos erros, teve o

mérito de se preocupar com a história dos judeus no período imperial, fazendo um estudo

sobre certos judeus que se destacaram na atividade política e econômica do país. Mas, ao

nosso ver, a contribuição mais significativa dos últimos anos para o conhecimento dos

judeus no período moderno foi feita pelo casal de historiadores Egon e Frieda Wolff, que

pela primeira vez fizeram um levantamento de fontes não levadas em consideração por

estudos anteriores. Esses dados permitiram que fosse revelada uma história, até o momento

desconhecida, dos judeus no período imperial, o qual se estende desde o início do século

XIX até os primórdios da República. O vasto material recolhido por esses incansáveis

pesquisadores durante vários anos de trabalho ainda está para ser elaborado pelos futuros

estudiosos da história dos judeus no Brasil. O ponto de partida de sua obra, que ainda está

sendo escrita, é o volume “Judeus no Brasil Imperial”, publicada pelo Centro de Estudos

Judaicos da Universidade de São Paulo, em 1977333

.

Podemos fixar como marco cronológico do início da história dos judeus no

Brasil no período moderno a data de 28 de janeiro de 1808, quando d. João VI, ao

transferir-se com sua corte de Portugal para o Brasil, proclama a Abertura dos Portos às

Nações Amigas, ato cujo significado econômico fará com que muitos estrangeiros sejam

atraídos ao Brasil. Um dos primeiros países interessados em se aproveitar da nova política

330

Um trabalho mais extenso, com o título de “A Nova Imigração Judaica no Brasil” foi publicado por Elias

Lipiner no livro “Breve História dos Judeus no Brasil”, de Salomão Serebrenick, ed. Biblos, Rio de Janeiro,

1962. 331

Além desta obra, Raizman publicou um livro importante no qual se destaca a parte relativa à criatividade

literária dos judeus no Brasil, sob o título “Ídiche Shereshkeit in Lender fun Portugalischen loschen”,

Muzeum LeOmanut , Sfat, 1975. 332

Kurt Loewenstamm, “Vultos Judaicos no Brasil”, Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1949-1956, 2 vol. 333

Egon e Frieda Wolff prepararam, em continuação a esse estudo, um trabalho sob o título “Judeus nos

Primórdios do Brasil- República”, compreendendo o período de 1889 a 1903, editado pela Biblioteca Israelita

H. N. Bialik, Rio de Janeiro, 1981 (a data não consta).

161

régia foi a Inglaterra, donde saíram os primeiros imigrantes, e entre eles também judeus. A

fim de favorecer esse processo, foi estabelecido um tratado de Aliança e Amizade, em

1810, no qual, entre outras coisas, garante-se aos estrangeiros e aos súditos ingleses a

liberdade de consciência e de culto. Tal artigo era necessário e ganhou importância, visto

que, durante séculos, a Inquisição havia incutido uma mentalidade própria e discriminatória

em relação àqueles que não exerciam a fé católica, e assim assegurava-se a anglicanos e

judeus a manifestação livre de suas crenças religiosas.

A partir dessa época podemos encontrar, entre os imigrantes ao Brasil, judeus,

que vinham isoladamente, e não somente da Inglaterra, mas também de outros lugares, tais

como a Alemanha, França, Prússia, Áustria, Hungria. E, por outro lado, encontramos a

significativa imigração marroquina e argelina.

Poderíamos estabelecer alguns marcos históricos importantes que causaram o

surgimento de certas ondas imigratórias judaicas no Brasil, ainda no século XIX, além da

imigração individual e esporádica do início daquele século. A turbulência na Europa de

1848, que vivia agitações revolucionárias, bem como a “Primavera dos Povos”, fez com

que muitos procurassem refúgio e depositassem esperanças no novo continente e nos países

que só então estavam começando a ingressar na história. Entre esses imigrantes

encontramos também muitos judeus da Alemanha, Áustria, Hungria, França, os quais,

cientes dos motivos políticos, também aspiravam encontrar meios de subsistência,

aparentemente mais fáceis do que os encontráveis em solo europeu. O mito da América já

se havia arraigado na época, e para os imigrantes judeus, assolados também pelo anti-

semitismo que tradicionalmente acompanhava os movimentos políticos e de emancipação

nacional na Europa, fez com que se encarasse o novo continente como a Terra Prometida.

Do mesmo modo, a Guerra Franco-Prussiana também deu motivos para que

muitos judeus partissem da França – principalmente da Alsácia-Lorena, cedidas à Prússia –

e viessem a se estabelecer no Brasil, no fundo não por motivos judaicos, mas antes pelo

fato de se sentirem patriotas franceses. Por outro lado, a formação de uma Alemanha

imperial e sua expansão econômico-comercial, associada a uma inversão de capitais no

exterior, fez com que essas firmas exportadoras instalassem filiais e enviassem agentes ou

representantes, entre eles muitos judeus, que vieram engrossar a população israelita

existente no Brasil.

O caso especial da imigração marroquina, que se iniciou realmente nas

primeiras décadas do século passado e que se instalou, em boa parte, no norte do Brasil, na

região do Pará e do Amazonas, está igualmente associado a acontecimentos locais

relacionados com o judaísmo da África do Norte, bem como à atração que o continente

desconhecido exercia para os estrangeiros.

A outra etapa importante da vinda dos judeus ao Brasil no período moderno está

associada ao grande processo imigratório gerado pelos acontecimentos na Europa Oriental,

mais especificamente na Rússia czarista de 1881, os quais motivaram a saída de dezenas de

milhares de judeus daquela região. Embora a maioria se dirigisse aos Estados Unidos,

muitos judeus também procuraram se estabelecer no Brasil. Também datam dessa época os

planos de colonização de judeus em território brasileiro, e entre esses devemos lembrar o da

sociedade alemã Deutches Central Komitee fuer die Russischen Juden, que em 1891,

enviou o jornalista Oswald Boxer, amigo de Theodor Herzl, para verificar in loco a

possibilidade de estabelecer uma imigração de judeus neste país. Ainda antes da missão de

Oswald Boxer, encontramos uma série de projetos de colonização de judeus no Brasil, a

162

partir das últimas décadas do século XIX, que antecipavam o projeto de colonização efetiva

da Jewish Colonization Association,.

Essa organização, fundada pelo Barão Hirsch, encetou um grande

empreendimento de colonização no sul do Brasil, a partir de 1904, e suas primeiras colônias

agrícolas foram Philippson,334

Quatro Irmãos, com seus núcleos Baronesa Clara, Barão

Hirsch no Rio Grande do Sul.

A partir da Primeira Guerra Mundial e logo após houve um aumento

significativo da imigração judaica ao Brasil, e podemos afirmar que os atuais centros de

vida comunitária judaica formaram-se tendo como origem essa última leva imigratória, seja

no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, ou outras cidades capitais dos mais

importantes estados brasileiros. Essa imigração provinha quase que inteiramente dos países

da Europa Oriental, porém, por outro lado, com a ascensão do nazismo, ela foi engrossada

pelos contingentes provenientes da Europa Ocidental, sobretudo dos países de fala alemã.

Essa imigração continuou ininterruptamente até a Segunda Guerra Mundial, não obstante a

política governamental brasileira na época da ditadura de Getúlio Vargas, que limitava e

restringia a entrada de judeus no Brasil por vários motivos, entre os quais a tendência a

nutrir simpatias políticas em relação ao Eixo.

A imigração mais recente, e que data dos anos que se seguiram à Segunda

Grande Guerra procedeu fundamentalmente da Europa e dos países do Oriente Médio, bem

como da África do Norte, esta última decorrente do conflito árabe-israelense e suas

conseqüências, desde que o Estado judeu foi proclamado, em 1948.

As origens da vida comunitária e seus elementos constitutivos – Costumava-

se pensar que os judeus vieram ao Brasil somente em nosso século e, ainda é muito comum

entre aqueles que lidam com o tema a falácia histórica de que a kehilá neste país teve

origem no mesmo período. A verdade é que, já na primeira metade do século passado,

encontramos entidades de caráter comunitário, tais como a União Shel Gemilut Hassadim,

fundada aproximadamente em 1846, e posteriormente a União Israelita do Brasil, fundada

em 1870, a qual reunia judeus das mais variadas origens, entre eles ingleses, alemães,

franceses, húngaros e outros da Europa Oriental. Porém, podemos considerar a formação

“atual” da comunidade judaica como datando da Primeira Guerra Mundial, quando a

maioria das suas instituições se definiram, seja aquelas de caráter cultural, filantrópico, de

ajuda mútua, assim como as religiosas e educativas. Boa parte dessas instituições

comunitárias originariamente procuravam imitar o caráter que aquelas possuíam na Europa,

pois seus fundadores, imigrantes do Velho Continente, somente podiam adotar moldes

organizacionais vivenciados e conhecidos por eles como eficientes em seu solo de origem,

os quais pouco a pouco iam sofrendo a influência da sociedade brasileira que os rodeava.

Em São Paulo conhecemos a fundação da Sociedade das Damas Israelitas, em

1916, e da Sociedade Ezra, fundada em 1915, como sociedades filantrópicas que tinham

por finalidade acolher os imigrantes europeus e fornecer-lhes os primeiros elementos de

subsistência e ajuda financeira, a fim de se adaptarem ao novo país. Tais sociedades, se

observarmos atentamente sua formação, foram criadas pelas famílias veteranas – algumas

no fim do século passado – que ascenderam economicamente dentro da sociedade brasileira

e procuravam ajudar seus irmãos que acabavam de se instalar no Novo Mundo. Ao lado

334

Sobre Philippson, temos o livro de memórias escrito de forma amena e no esstílo de uma narrativa pessoal

de Frida Alexander, “Filipson”, ed. Fulgor, São Paulo,1967. Outras memórias pessoais foram publicadas e

estudos acadêmicos estão sendo feitos sobre este mesmo tema.

163

dessas instituições de ajuda e de assistência social, formaram-se organizações de imigrantes

oriundos de um mesmo país ou de uma mesma cidade, tais como o Polisher Farband, o

Bessarabisher Farband e outras. Essas organizações, as “landsmanschaften”, tiveram um

papel importante não somente do ponto de vista de assistência social e financeira, mas

também no desenvolvimento da atividade cultural judaica, fundamentalmente em ídiche,

fato que ajudou a preservar os valores do judaísmo europeu e do schtetl através de círculos

de estudos literários, da formação de grupos teatrais, da organização de bibliotecas e outras

atividades.

Porém, à medida que a vida comunitária, com suas entidades e organizações,

se desenvolvia, e suas necessidades se completavam, foram penetrando, paralelamente, as

correntes de pensamento que se originaram no mundo europeu. Essas correntes também

penetraram nas comunidades brasileiras das grandes cidades como São Paulo, Rio de

Janeiro, Porto Alegre e outras, cujas populações judaicas, desde o início dessa imigração

após a Primeira Guerra Mundial, se concentravam, por razões práticas, em determinados

bairros, tais como Bom Retiro, Bonfim, a Praça Onze, e assim por diante. Sem dúvida, tal

concentração populacional em um bairro próprio permitia que fosse levada uma vida

judaica centrada nas instituições fundamentais, a começar pela proximidade da sinagoga,

da escola, e permitia, mais do que tudo, a convivência diária entre os que habitavam no

bairro e participavam dos eventos ligados à existência da comunidade.

Para resumirmos, dois elementos tiveram um papel determinante no

desenvolvimento da vida comunitária, sendo o primeiro o crescimento da população judaica

que se efetuava na medida em que a imigração, após a Primeira Guerra Mundial,

aumentava consideravelmente. O segundo elemento determinante situa-se na infra-estrutura

econômica da comunidade que inicialmente era formada por imigrantes que enfrentaram os

primeiros anos de pobreza dos recém-chegados a um país estranho e que, às custas de

esforços e da força de vontade, conseguiram ascender a posições econômicas mais elevadas

e estáveis, cujas conseqüências marcaram também o seu ser judaico e seu estilo de vida.

Nesse processo de ascensão econômico-social, pode-se observar aspectos positivos, como

também aspectos negativos do ponto de vista comunitário-judaico. Nesse sentido, enquanto

o imigrante ganhava o seu sustento como clienteltchik, vivendo modestamente sob o

aspecto econômico, apoiava-se em seu grupo social-religioso e se mantinha fechado dentro

do mesmo. Porém, após progredir economicamente e ter estabelecido sua própria casa

comercial ou sua indústria (os judeus, de modo geral, em sua fase inícial, se concentraram

no ramo têxtil) e começar a participar do processo de desenvolvimento econômico da

sociedade brasileira como um todo, já não sentia necessidade de se apoiar em seu próprio

grupo social-religioso, “emancipando-se” de sua tutela e aproximando-se mais dos valores

da sociedade mais ampla e do seu modo de vida. Por outro lado, a ascensão econômica dos

judeus permitiu a criação de instituições comunitárias mais ricas, partindo daquelas

estritamente necessárias para a sobrevivência (sociedades filantrópicas) para a criação de

clubes esportivos e sociais que nada tinham a perder em relação às melhores organizações

desse tipo do meio que os circundava. Da mesma forma, foram fundadas escolas judaicas

integrais, que procuravam proporcionar educação judaica e geral do nível mais elevado e

equiparado com as melhores instituições do país, seja do ponto de vista das condições

materiais e das instalações, seja do ponto de vista do conteúdo.

Porém, o preço da ascensão econômica foi maior no tocante à preservação dos

valores tradicionais judaicos e à preservação do estilo de vida que caracterizava a existência

dos judeus na Europa Oriental, mais especificamente a vida do schtetl. A mudança ou a

164

saída do judeu do seu “bairro” para viver em lugar melhor localizado e mais privilegiado,

ou em uma residência melhor ou mais suntuosa, também levou-o a se afastar do “habitat

original” dos seus primeiros anos de imigrante, dos comentários e mexericos do bairro

judeu, da língua ídiche falada nas ruas, do contato com os acontecimentos cotidianos de seu

grupo, diminuindo, portanto, o “elan” que o vinculava a ele. Então, seu judaísmo deveria

ser mantido através de um esforço consciente e pessoal, que em muitos deles nem sempre

era encontrado. Um dos aspectos desse esforço era o fato de mandar os filhos para uma

escola judaica, o que nem sempre ocorria em proporção desejável para a preservação do

judaísmo local.

Um fenômeno sintomático e ilustrativo desse processo, ao qual poderíamos

chamar de assimilacionista, porém não deliberado – ainda que nem sempre a ascensão

econômica levasse o judeu a deixar de sê-lo ou assimilar-se – foi o gradual abandono da

cultura ídiche pela segunda geração de imigrantes, ao mesmo tempo que os órgãos de

expressão dessa cultura, tais como jornais, livros e teatro desapareciam paulatinamente da

vida judaica brasileira. O primeiro jornal em ídiche, “Die Menscheit”, fundado em 1915 em

Porto Alegre, teve no seu rastro uma seqüência de periódicos em ídiche publicados no Rio

de Janeiro e São Paulo, os quais reuniam uma inteligentsia judaica ativa e irrequieta. Ao

redor de um jornal concentravam-se e formavam-se grupos culturais que muitas vezes

chegavam a produzir literatos, cujas obras foram escritas em ídiche, hoje esquecidos,

juntamente com os periódicos, as editoras e as gráficas que as publicaram.

De modo melancólico, esses jornais foram perdendo seus leitores e, em São

Paulo, o último desses periódicos deixou de sair no último ano, após quase três décadas de

existência. Com exceção daquelas existentes na cidade do Rio de Janeiro, que outrora

reuniu as instituições culturais mais significativas por ser a capital do país até a construção

de Brasília, e que mantém até hoje dois jornais em ídiche, assim como duas bibliotecas335

com importantes acervos nessa língua (que não encontram mais leitores), as demais

fecharam e desapareceram sem deixar rastro.

Por outro lado, com o correr do tempo, as instituições comunitárias locais

passaram a se organizar em federações estaduais e confederações nacionais, principalmente

em decorrência da necessidade freqüente da comunidade judaica de ter que assumir

posições globais perante questões internas, bem como externas, imprescindíveis num país

onde a instabilidade política caracterizou seus governos em sua existência histórica.

Um dos traços marcantes das instituições comunitárias no Brasil, assim como

em outros lugares, foi o agrupamento de judeus ao redor delas, segundo suas afinidades

ideológicas que traduziam fielmente as ideologias que imperavam no judaísmo europeu.

Em outras palavras, poderíamos dizer que todas elas estavam representadas de uma forma e

de outra, e concentradas ao redor de uma ou de outra instituição, seja ela de caráter cultural

ou de outra índole qualquer. Bundistas e assimilacionistas, de direita ou de esquerda,

sionistas de todo os matizes, encontravam-se nas instituições comunitárias assumindo

posições “políticas”, de acordo com suas doutrinas e orientações, em relação às questões da

comunidade e frente aos problemas da vida judaica. Boa parte dessas correntes já estava

organizadas nas primeiras décadas do século XX por ocasião da vinda da grande leva

imigratória.

O sionismo no Brasil – Não podemos dizer exatamente quando e quem

formou os primeiros núcleos sionistas no Brasil, mas dos poucos dados obtidos em uma

335

A Biblioteca H.N.Bialik e a Bilioteca Scholem Aleichem.

165

pesquisa que ainda está dando seus passos iniciais, sabemos que no início do século, em

Belém do Pará, no norte do Brasil, o centro da imigração marroquina, se encontravam

sionistas que se correspondiam com outros da Europa, inclusive com Max Nordau, que teve

uma influência muito grande, como pensador e humanista, também sobre a intelectualidade

brasileira não-judia daquele tempo. Historicamente, sabemos do encontro mantido em casa

de Jacob Schneider, conhecido como um dos veteranos do movimento sionista no Brasil,

encontro que se realizou em março de 1913, no Rio de Janeiro, que visava organizar um

dos primeiros grupos sionistas naquela localidade. Ao redor do jornal “A Columna”,

publicado em Português em 1916, e orientado por um intelectual de prestígio – David José

Perez – agruparam-se também sionistas, que se identificaram com essa orientação dada ao

periódico por seu fundador.

No Rio de Janeiro, que na época polarizava a vida judaica no Brasil, fundou-se

um grupo de caráter sionista, que atuou em campanhas do Keren Kayemet (Fundo Nacional

Judaico) bem como participou, em 1916, na fundação do comitê brasileiro do American

Jewish Joint Distribution Comitee (JDC). Esse grupo de nome Tiferet Sion também se

beneficiou das campanhas, mostrando-se ativo na defesa da política sionista, em oposição a

outras correntes da comunidade e participando até mesmo de acontecimentos ligados ao

movimento sionista mundial.336

Tomamos conhecimento da existência, no mesmo ano, de uma escola judaica

sob a orientação de Saadio Lozinski, que era um ativista na Associação Scholem Aleichem,

fundada em 1915, mas tinha suas raízes na religiosidade do movimento Mizrachi. A partir

de 1921, começaram as campanhas do Keren Hayessod, com a vinda de um enviado

especial, Y. Wilensky.

A Federação Sionista do Brasil foi fundada em 1922 após um encontro de

delegados que representavam as várias organizações, sob a presidência de Maurício Kablin.

O primeiro presidente foi Jacob Schneider. Seu secretário Eduardo Horowitz, que fora um

dos fundadores do Tiferet Sion, destacou-se também como jornalista e colaborador de um

dos primeiros jornais em ídiche o “Dos Idische Vochenblat” (O Semanário Israelita),

fundado em 15 de novembro de 1923. No número comemorativo do primeiro ano de

existência desse jornal temos um artigo de Horowitz sobre o sionismo no Brasil, sob o

título, “Vegen Zionism in Brazil” (Acerca do sionismo no Brasil). Do mesmo modo,

podemos encontrar outros artigos sobre esse tema nos quais se revelam a existência e a

atuação de grupos sionistas em várias cidades do país.

Nesse período encontramos a comunidade claramente dividida em duas

tendências ideológicas que se debatiam e degladiavam: o sionismo e o “progressismo”. A

disputa não se realizava apenas no plano ideológico; visava, acima de tudo, conquistar

posições políticas de influência institucional dentro da comunidade. Algumas das

instituições que inicialmente não tinham nenhuma conexão com ideologias esquerdizantes

acabaram sendo tomadas pelos adeptos dessa linha, como ocorreu com a Biblioteca

Scholem Aleichem do Rio de Janeiro, na época. A luta político-partidária transcorria

intensamente também dentro do próprio movimento sionista, sendo que os partidos

encontravam seus líderes naturais entre os mais ativos recém-imigrados, bem como entre os

veteranos da comunidade. Sabemos que certos intelectuais judeus vindos da Argentina

haviam sido os primeiros a introduzir o conhecimento das correntes políticas dentro do

sionismo. Entre estes estava a figura de Aron Chachamovitz, que pertenceu ao movimento

336

Em São Paulo sabe-se da existência, na mesma época, de um Centro Sionista Ahavat Sion.

166

Poalei Zion da Argentina, e se instalou em Porto Alegre, combatendo e criticando certos

aspectos da atividade da JCA no Rio Grande do Sul.

O partido Poalei Zion foi fundado em inícios de 1927, em Porto Alegre, e logo

em seguida participou das demonstrações de 1º de Maio daquele ano, ao lado dos

socialistas italianos daquela cidade sulina. Podemos imaginar que tal atitude não tenha

agradado à maioria dos sionistas, que na época era representada pelos Sionistas Gerais. O

movimento Poalei Zion se propôs a fundar escolas judaicas onde se lecionaria em hebraico,

mesmo contra a vontade de certos pais de alunos, que eram favoráveis ao ensino do idioma

ídiche, fato que passou a ser um elemento de disputa entre sionistas e não-sionistas, ainda

que, a rigor, entre os primeiros também se encontrassem adeptos do ensino do língua

ídiche, ao lado do hebraico.

A vinda ao Brasil, em 1927, de Aaron Bergman, como enviado especial para o

Poalei Zion local, foi de grande importância para o desenvolvimento do movimento

sionista. Bergman fora secretário-geral do Poalei Zion na Polônia e se destacava por seus

dotes intelectuais. Ao chegar ao país, criou um Comitê Central do Poalei Zion no Rio de

Janeiro, transferindo o centro de atuação do partido para aquela cidade, ainda que possamos

encontrar em outros lugares alguns núcleos do mesmo. Esses, geralmente, eram formados

de poucos elementos mais intelectualizados vindos da Europa. Bergman teve a preocupação

de atrair e formar grupos de jovens, organizando seções juvenis de apoio à ação partidária

da Poalei Zion. Uma dessas organizações juvenis, talvez a primeira a ter um objetivo e uma

ideologia sionista definidos, formou-se em 1928, sob a orientação do Poalei Zion, no Rio

de Janeiro, com o nome de Hatchia. Desta organização saíram os primeiros chalutzim

(pioneiros) do Brasil, que emigraram à Palestina em 1934. O Hatchia havia se formado

como uma biblioteca independente, quando a tradicional Biblioteca Scholem Aleichem foi

se transformando num centro de atuação dos progressistas, acabando por cair em mãos

deles. Em 1924, antes do Hatchia, já existia no Rio de Janeiro uma organização juvenil de

nome Cadima, que tinha um caráter eminentemente sionista e que se dedicava a campanhas

em prol de fundos nacionais, bem como à atividades de caráter cultural. Essa organização

desapareceu em 1928, dando lugar a outras.

A divisão entre progressistas e sionistas na comunidade daquele tempo

suscitou, às vezes, experiências curiosas, como a de criar um partido de “centro”, como o

foi no caso da tentativa frustrada do Dr. Moisés Rabinovitch com o jornal “Mir um Zei”

(Nós e Eles), de 1930, que teve pouca duração.

Além do Poalei Zion existiram, na década de 30, vários partidos, que vão desde

o Linke Poalei Zion (Operários de Sião de esquerda, fruto de uma cisão havida no Poalei

Zion, em 1920) até o Brit Trumpeldor ou Revisionistas (representando a direita radical no

sionismo) , aliás, bastante ativos em assuntos comunitários e do movimento sionista. Uma

das primeiras manifestações de massa do sionismo no Brasil, com cerca de 2.000 pessoas,

foi realizada no Rio de Janeiro, em 1929, após os ataques árabes aos judeus da Palestina. O

intuito da manifestação era pedir a interferência do governo brasileiro junto à Inglaterra

para que esta tomasse uma posição ativa frente aos distúrbios que estavam ocorrendo na

região.337

No final da década de 30 e às vésperas da Segunda Grande Guerra,

encontramos a comunidade brasileira estruturada com suas organizações básicas prontas

337

A respeito desse acontecimento já escreveu Samuel Malamud no verbete “Zionism in Brazil”, na

Encyclopaedia of Zionism and Israel, vol. 1, Herzl Press and McGraw, N. York, 1971.

167

para atender às suas necessidades nos seus mais variados níveis e aspectos, sejam

econômicos, sociais, culturais e, em parte também políticos. Porém, a mudança política no

Brasil, ocorrida com a ditadura de Getúlio Vargas, provocou uma significativa interrupção

no seu processo de consolidação. Nos anos 1938-41, o governo de Vargas decretou o

encerramento de todas as atividades políticas de estrangeiros e proibiu a publicação de

jornais e revistas em línguas estrangeiras.338

Esse foi um rude golpe para a vida cultural

judaica, bem como para as instituições comunitárias e em particular para o movimento

sionista. Tal situação perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando em 1945, a

proibição contra as atividades sionistas foi revogada.

A comunidade judia após a Segunda Guerra Mundial – A Segunda Guerra

Mundial deu um grande impulso ao desenvolvimento econômico do Brasil, pois os esforços

de guerra dos aliados necessitavam da colaboração e da matéria-prima do país que, por sua

extensão territorial, era privilegiado em riquezas naturais e estava geograficamente afastado

dos campos de batalha. O grande surto industrial e comercial brasileiro, mais

particularmente o de São Paulo, fez com que os judeus participassem dessa prosperidade

material e se empenhassem ambiciosamente no processo de ascensão econômica.

Paralelamente ao processo de crescimento econômico e material, a comunidade

sofreria uma mudança espiritual profunda ao tomar conhecimento gradativo da tragédia que

havia atingido o judaísmo europeu durante os anos da guerra. O impacto do Holocausto

atingiu profundamente a todos, como indivíduos e como corpo coletivo, provocando uma

nova postura em relação à nacionalidade. O choque foi maior na medida em que o judaísmo

brasileiro- assim como em todo o mundo e em particular na América Latina- não estava

preparado para a enormidade da destruição e da catástrofe, devido à distância geográfica e à

escassez de informações sobre o que acontecera na Europa. Quando despertamos do

pesadelo, a realidade pareceu-nos incomensuravelmente pior do que poderíamos imaginar.

O significado do Holocausto levou anos para ser inteiramente compreendido e a ferida

aberta no corpo da nacionalidade judaica sangrava cada vez mais, desde o momento em que

se tomava ciência do que sucedera. A dor marcou aquela geração que ela própria não havia

passado pelo inferno europeu, e da dor nasceu a disposição pessoal de se entregar à causa

judaica e conseguir, a todo custo, criar um Estado Judeu, para que nunca mais se repetisse

aquela tragédia, única em suas dimensões na história milenar de nosso povo.

A partir de 1945, o sionismo renasceu com ímpeto nunca visto nas ruas

judaicas das cidades brasileiras e foi a mola-mestra na vida comunitária. Ao mesmo tempo,

a luta na Palestina contra o Mandato Britânico, naqueles anos de grande tensão espiritual e

nacional, indicava que grandes coisas estavam para acontecer, sendo impossível ficar

indiferente ao que se passava; ao contrário, era preciso participar ativamente, pois estavam

em jogo grandes decisões históricas que definiriam o destino do povo judeu para sempre.

Grande porcentagem da juventude judia alinhou-se ao redor dos movimentos

juvenis que surgiram em território brasileiro. Possuíam as mesmas características

ideológicas daqueles que existiram na Europa antes da guerra e estavam vinculados aos

corpos partidários que os representavam politicamente nos órgãos e instituições do

movimento sionista, em nível local e nacional. E, a parte da juventude judaica que não

338

A 18 de abril de 1938 foi baixado um decreto-lei que proibia aos estrangeiros qualquer atividade política

sob pena de deportação. No ano seguinte, em 18 de junho de 1939, foi baixado o decreto n. 2277 exigindo que

os jornais e publicações em línguas estrangeiras publicassem ao lado de cada artigo a resepctiva tradução ao

português.

168

estava afiliada aos movimentos juvenis sionistas encontrava-se vinculada a outros

movimentos, entre os quais aqueles de tendência progressista. A polêmica ideológica

interna entre os diversos movimentos juvenis, e entre estes e aqueles que não se

encontravam no campo sionista, naquele tempo, era acirrada pelos acontecimentos

decisivos que ocorriam na Palestina e refletiam a difícil busca de caminhos e as

encruzilhadas políticas que a mediná baderech (o Estado judeu prestes a surgir)

enfrentava, a fim de atingir o seu objetivo final. Viviam-se os dias de chevlei Maschiach,

(das dores de parto que preanunciavam a vinda do Messias) e cada grupo se julgava eleito e

único, legítimo predestinado a ser parteiro da história judia, quando não da história

universal.

Boa parte dos movimentos juvenis judaicos adotaram uma posição definida, e

ao mesmo tempo exigente, em relação à “chalutziut” (pioneirismo) e para tanto criaram

“hachsharot” (centros de preparação) no estilo dos movimentos chalutzianos europeus,

atendo-se estritamente a seus ideais educativos. Nesse tipo de movimento enquadravam-se

o Hashomer Hatzair, Gordónia, Dror-Hechalutz Hatzair. Todos eles surgiram logo após a

Segunda Guerra Mundial, ainda que o primeiro começou atuar ainda nos anos 30, com a

rígida exigência da “hagshamá atzmit” (isto é, a auto-realização), e visavam criar

“kibutzim” (colonias coletivas) próprios na Palestina, mais tarde Israel, para transformar

em realidade o seu sonho nacionalista. Mesmo movimentos como o Betar (Brit

Trumpeldor) daquela época adotaram uma linha chalutziana, embora não tivessem “elan”

ideológico para tanto.

Uma das conseqüências positivas desse renascimento sionista no Brasil foi o

despertar na juventude – filhos dos imigrantes que representavam a segunda geração, já

nascida no Brasil – o interesse intelectual pelo estudo do judaísmo em todas as suas

manifestações, a começar pelo estudo da língua hebraica, bastante estimulado pelo próprio

movimento. A influência desse despertar levou à modificação do currículo das escolas

judaicas tradicionais no sentido de dedicar maior número de horas ao estudo de matérias

judaicas, mudanças cujos resultados positivos seriam colhidos posteriormente. O hebraico

substituíra o ídiche definitivamente, e nas escolas, salvo aquelas dos progressistas, não se

ensinava mais esse idioma. Ao mesmo tempo surgiu uma literatura sobre assuntos judaicos,

escrita em português, língua que servia como veículo de expressão da nova geração, que

não conhecia outra, traduzindo-se obras históricas e literárias do ídiche e do hebraico.

O sucesso dos movimentos juvenis chalutzianos naquele tempo não se deveu

apenas ao fato deles coincidirem com movimentos históricos decisivos para o povo judeu,

mas também a outro fator que encontra sua explicação na situação da sociedade brasileira

em geral. Mais explicitamente, tratava-se da atitude crítica que o movimento juvenil e sua

ideologia sustentavam em relação à sociedade e seus valores, atitude essa que ia de

encontro à natural rebeldia da adolescência e da juventude e da sua sensibilidade em

relação aos problemas sociais que não poderiam deixar de ser percebidos no meio ambiente

em que viviam. Daí a grande atração que a ideologia sionista-socialista exercia sobre aquela

juventude, pois ela sintetizava os sentimentos e os ideais próprios daquela geração.

Nesse ínterim, em fins de 1945, os dois partidos sionistas mais influentes, o

Poalei Zion e os Sionistas Gerais, preparavam o caminho para fundar uma Organização

Sionista Unificada, tendo como base a afiliação individual e não somente a de grupos ou

organizações. Assim foram renovadas as Organizações Sionistas Unificadas nos diversos

estados brasileiros, sendo que, mais tarde, elas seriam representadas na Organização

Sionista do Brasil. Por volta de 1946 criou-se o Comitê Político, que tinha por finalidade

169

mobilizar a opinião pública brasileira em favor do sionismo e, nesse sentido, o Comitê

organizou demonstrações de massas com a participação de judeus e intelectuais brasileiros,

com a finalidade de chamar a atenção para o que se passava na Palestina e receber as

adesões da comunidade, bem como do público brasileiro. Como resultado de tal conjuntura,

organizou-se na época um Comitê Pró-Palestina, formado por intelectuais influentes e de

renome da sociedade brasileira, tais como prof. Ignácio Azevedo do Amaral, presidente do

Comitê. Um de seus membros importantes era o Senador Hamilton Nogueira, identificado

com a causa judaica e seu defensor, aclamado na época pelo discurso que fez no

Parlamento, sugerindo que o Brasil apoiasse a proposta do Presidente Truman para que

100.000 judeus refugiados fossem admitidos na Palestina.

Importante e decisiva foi a intervenção da Organização Sionista do Brasil no

debate que se dava nas Nações Unidas sobre a partilha da Palestina. Esta, através dos seus

membros, e com a ajuda do ministro Horácio Lafer, judeu e membro do governo, conseguiu

que fosse mantido um encontro com o Ministro do Exterior e uma delegação de

representantes dos vários partidos do Parlamento, para que o Brasil assumisse uma posição

favorável à partilha. Do mesmo modo, houve contatos com o representante do Brasil na

ONU, que na ocasião presidia sua Assembléia Geral, o Embaixador Oswaldo Aranha, cuja

atitude de simpatia para com os judeus foi importante para a decisão histórica da partilha.

Até hoje o papel desempenhado pelo representante brasileiro nas Nações Unidas é

lembrado como um gesto que marcou o destino das relações entre Brasil e Israel, ainda que

a realidade política atual seja bem diferente e o Brasil tenha votado, recentemente, junto

com outros países, a favor da moção condenando o sionismo como racismo.

Durante o período que transcorreu, desde 1945 até os dias de hoje, pode-se

dizer que o sionismo fortificou-se do ponto de vista de sua organização interna; que além

dos movimentos juvenis chalutzianos, que forneceram contingentes de imigrantes para

formar alguns kibutzim brasileiros em Israel, também cresceu com a formação de entidades

femininas como a WIZO e as Pioneiras (Pioneer Women), que desenvolveram uma

atividade sionista imensa na coletividade judaica durante todos esses anos. Além do mais,

o contato com Israel e sua cultura aprofundou-se com a presença de enviados daquele país

para auxiliar em vários setores da vida comunitária judaica, e em particular no setor da

educação e na rede escolar judaica. Mas apesar do seu desenvolvimento e das conquistas

realizadas na mobilização da opinião pública brasileira em favor do sionismo no Brasil

entre os anos que se sucederam ao fim da Segunda Guerra Mundial até a criação do Estado

de Israel, e seus primeiros anos de vida, o “período heróico”, o sionismo, posteriormente,

entraria em sua fase de estabilização.

O sionismo na realidade brasileira atual – Antes de analisarmos a situação

atual do sionismo no Brasil, em primeiro lugar cabe esclarecer uma questão que tem-se

levantado em discussões sobre o tema, em Israel ou em outros lugares: freqüentemente

costuma-se falar da América Latina como uma unidade do ponto de vista judaico-

comunitário. Porém, não há nada mais errôneo do que encarar o judaísmo daqueles países

sob um único prisma, tendo uma única história e uma única sociologia. Do ponto de vista

metodológico, toda pesquisa tão generalizadora tende a cometer sérios enganos quanto à

realidade na qual vive e atua o movimento sionista, assim como quanto às condições de

vida nas comunidades judaicas locais. Cremos que o Brasil apresenta características que o

diferenciam da Argentina, que por sua vez, diferencia-se do México ou de qualquer outro

país latino-americano. Pois, mesmo sob o aspecto histórico, em cada país encontramos

diversificantes sócio-econômicos, culturais e políticos. Grosso modo e de imediato,

170

podemos notar as diferenças entre a América Portuguesa (Brasil) e a América Espanhola,

ou ainda, entre a América do Sul e a América Central e suas pequenas repúblicas. Por outro

lado, o estudo da formação de cada comunidade, de seu processo de imigração e

aculturação local, leva-nos a concluir claramente que elas devem ser estudadas em separado

para um melhor conhecimento de sua natureza, assim como para a caracterização de seu

movimento sionista local.

Não é preciso dizer que, em suas origens, o sionismo nasceu no continente

europeu em decorrência de uma realidade judaica que não encontramos na América Latina,

e particularmente no Brasil. Mas, como vimos acima, o sionismo foi transportado, poder-

se-ia dizer, como uma herança cultural dos judeus imigrantes do Velho Continente e

também como parte da própria história moderna do nosso povo, a qual incorporou-se à

vivência do judeu identificado.

Se o sionismo encontrou um solo fértil e seu apelo foi atendido, ele o foi na

medida em que o judeu se identificava com o destino do seu povo e na medida em que a

própria história o levava a despertar para a procura de uma solução para a difícil situação

em que se encontrava como minoria nacional entre as nações. Assim sucedeu na Europa

em vários lugares e em vários tempos, até a grande catástrofe do Holocausto. Mas o

“sionismo catastrófico” pouco sentido tinha, e tem, num país como o Brasil, onde não

chegou a enraizar-se um movimento anti-semita e ameaçador, tanto no passado como no

presente, ainda que o anti-semitismo revele seu semblante, vez por outra, aqui e acolá. Está

claro que para aqueles que estudam a sociedade brasileira e o regime que a caracteriza,

nada impede que haja mudanças bruscas na sua aparente “estabilidade”, determinada em

boa parte pelo fato de haver um grande surto econômico, e por outro lado, pelo fato dela se

apoiar num regime politicamente forte. Se em outros lugares do continente ocorreram, por

vezes, mudanças bruscas e suas conseqüências fizeram-se sentir sobre as comunidades

judias, nada impede que o mesmo possa ocorrer no Brasil, pelo menos como uma hipótese

teórica que podemos aventar. Mas tal linguagem, muitas vezes empregada pelos

profissionais do movimento sionista no Brasil, não encontra muito eco nos corações dos

judeus locais, pois o cotidiano, com toda sua força, anula facilmente o efeito de tais

“profecias”. Até mesmo a lembrança do Holocausto apagou-se da memória da nova

geração e não tem para ela nenhum significado existencial mais profundo, além do

lamentável fato de muitos terem pouco conhecimento sobre o que se passou durante a

Segunda Guerra Mundial.

Portanto, as análises e os prognósticos feitos pelos adeptos do sionismo

“catastrófico” não podem servir como alimento ideológico para a nova geração judia, pela

simples razão que se sentem bastante integrados na sociedade brasileira, a ponto de repetir

os slogans tradicionais sobre a capacidade de “integração e assimilação dos estrangeiros”

na terra brasileira, que foi essencialmente formada por imigrantes, ou ainda outros sobre

sua “gente boa que é incapaz de um gesto discriminatório, seja em relação ao negro ou em

relação a outro indivíduo qualquer”, como costumamos ouvir.

Portanto, o chamado ao sionismo e do movimento sionista deve ser diferente

do acima mencionado. Além do mais, o período que atualmente o Brasil está vivendo é um

período de regime centralizador e, em boa parte, otimista em relação ao futuro da nação e

sua posição política no continente; fortifica-se, assim, o sentimento de que nada poderá

abalar a segurança dos judeus. O atual nacionalismo brasileiro é estimulado

deliberadamente pelo governo através de uma campanha intensa e sistemática, onde todos

os meios de comunicação são requisitados; esse nacionalismo não se mostra xenófobo em

171

relação às suas minorias nacionais, mas apela para uma participação ativa nos problemas do

país. Nesse sentido, o sionismo poderá ser encarado como uma questão de dupla fidelidade

por parte dos judeus e, ultimamente, algumas manifestações próximas a essa interpretação

apareceram na imprensa, ainda que expressas como opiniões individuais, ao se tratar da

questão da posição do Brasil frente ao conflito no Oriente Médio.

Nos últimos tempos, tais opiniões têm recebido o estímulo de uma política

governamental voltada ao mundo árabe. Obviamente isso se deve a interesses econômicos

que o país em desenvolvimento sustenta em relação a certos produtos de exportação,

alimentando a esperança de conquistar o mercado árabe, africano e do Terceiro Mundo em

geral. Por outro lado, a política petrolífera árabe em relação a um país que depende desse

produto para sua sobrevivência leva à submissão moral, que, embora criticável, é, na

realidade inevitável. Ademais, a propaganda árabe, que por vezes penetra por vias indiretas,

causou a divulgação de idéias antijudaicas e anti-sionistas, segundo modelos conhecidos em

outros lugares, mais precisamente na Argentina, que serve de centro estratégico para tais

atividades na América do Sul.

O anti-semitismo, que, normalmente, foi repudiado pelo brasileiro médio e

esclarecido, não deixou de existir isoladamente em grupos de direita e de esquerda,339

e,

nesses últimos tempos, a “nova esquerda” mescla, consciente ou inconscientemente,

argumentos anti-semitas quando assume uma postura crítica e de condenação do sionismo e

de Israel, aliado aos estereótipos de ser reacionário e joguete do “imperialismo”. Essa

posição da “nova esquerda” caracteriza hoje, em geral, a visão assumida pela classe

estudantil e certa intelectualidade, que tende igualmente a encarar – em nível nacional – os

judeus como identificados com o regime dominante, devido a sua posição classista e ao seu

nível econômico- novamente um estereótipo que a realidade contradiz.

Sob esse aspecto, o movimento sionista no Brasil e a comunidade judaica em

geral enfrentam hoje uma situação em que o estudante universitário judeu, influenciado

pelo clima ideológico reinante nas universidades do país, acaba assimilando a mesma

convicção da esquerda sobre Israel e o nacionalismo judaico. Ultimamente, o abismo

existente entre o que essa juventude universitária judaica chama de “establishment

comunitário”, ou seja, a liderança sionista que está à testa das entidades ou instituições

comunitárias durante muitos anos sem se renovar, tem se aprofundado cada vez mais,

passando a ser um sério motivo de preocupação por parte daqueles que acompanham de

perto a vida comunitária.

Na verdade – e ainda que seja doloroso dizê-lo – o movimento sionista não

encontrou até agora o caminho certo para enfrentar o grande desafio da juventude

universitária, cuja crítica radical leva a encarar com suspeita e desprezo toda atividade

comunitária, como se fosse uma ocupação de “burgueses” alienados da realidade social

brasileira. Tais conceitos têm sido expressos em debates públicos organizados e dirigidos à

juventude judaica.

Assim sendo, podemos falar em dois tipos de assimilacionismo. O primeiro, já

mencionado acima, é aquele caracterizado pela vontade do judeu de integrar-se à sociedade

que o rodeia, tendo em vista uma ascensão econômica e social, que é facilitada pela quebra

de barreiras culturais e religiosas. Mas nesse caso não é obrigatório que a sua identidade

339

O movimento integralista no Brasil, que teve certa influência em certos círculos intelectuais e políticos na

década de 30, propagou idéias anti-semitas inspiradas no nazi-facismo europeu, através de seu porta-voz

Gustavo Barroso.

172

judaica desapareça pois não há nenhuma relação direta entre o nível socio-econômico de

que desfruta o judeu e sua identificação nacional-religiosa. O segundo, que a nosso ver é

mais perigoso e destrutivo, é aquele cuja base é a negação do judaísmo e de seus valores em

nome de pretensos ideais de transformações sociais universais, como se ambos fossem

excludentes. A história do sionismo já conheceu na Europa, há muito tempo, esse tipo de

formulação dicotômica, e sabemos muito bem que os teóricos do sionismo socialista

preocuparam-se em eliminar as contradições aparentes que atormentavam as gerações

anteriores.

Berl Katzenelson lembra, com muita ênfase, na sua história do movimento

obreiro judeu (volume 11 de seus escritos, na edição hebraica ), como parte de sua geração

acabou atirando-se nos braços da “Grande Revolução”, ou seja, a Revolução Russa, que por

sua vez, acabou atraindo muitos da “pequena revolução”, ou seja, o nacionalismo judaico

que aspirava criar um Estado próprio na Palestina. Aparentemente, estamos assistindo no

meio da juventude judaica o retorno da velha discussão que se traduz em uma postura

assimilacionista apoiada em ideologias de esquerda, mas que não se diferencia de outro

assimilacionismo qualquer.340

O fato é que o movimento juvenil judaico tradicional já não

possui a força de outrora, e o seu total esvaziamento leva o estudante judeu a procurar

satisfazer suas inquietudes em associações ou grêmios de caráter geral. É claro que o

contato entre jovens judeus e não-judeus, em um país onde não encontramos uma manifesta

discriminação ou preconceitos em relação às minorias nacionais ou religiosas, constituindo-

se numa sociedade multicultural e aberta, apresenta uma outra face, que é a do melting-pot

onde as diferenças de identidade nacional se anulam e na qual abre-se uma via para o

casamento misto, que cresce numa proporção assustadora entre os membros da nova

geração, perplexa e insegura frente a um mundo em mudança.

Sem pretendermos entrar a fundo na questão341

, antes de finalizarmos devemos

fazer ainda algumas considerações em torno do sionismo como ideologia, assim como é

visto pela diáspora brasileira e por boa parte daqueles que se sentem identificados com o

movimento. Aos olhos da maioria, na verdade, o sionismo passou a significar mais um

movimento de identificação política e prática com o Estado de Israel e seus problemas

diários e, não mais a velha aspiração maximalista de solucionar a “questão judaica” através

da “redenção” (gueulá) resolvendo desse modo o problema de seu destino histórico-

nacional, tal como foi formulado por pensadores em seus primórdios. A atuação sionista

após a criação do Estado Judeu, no turbilhão dos problemas que se apresentam com sua

própria existência política , deixaram no esquecimento e ofuscaram as grandes causas, o

leitmotiv e as raízes ideológicas do movimento. Hoje, mais do que nunca, se faz necessário

lembrar, revelar e divulgar suas raízes e fundamentos, o que exige do próprio movimento a

criatividade indispensável para formar novos marcos educativos apropriados visando esse

objetivo. Em outros termos, se hoje nos encontramos diante da necessidade de uma revisão

espiritual e de uma adaptação dos valores do pensamento sionista tradicional, por outro

lado, temos a obrigação de transmitir fielmente a herança deixada pelos fundadores do

340

Ultimamente, com a abertura democrática, ocorrida um pouco antes e após as eleições de 1978, tais

discussões passaram a ser mais públicas e frequentes. 341

Uma das tentativas mais significativas para o estudo crítico da diáspora foi feita com a realização dos

seminários no Beit Hanassi (Casa Presidencial) sob a epígrafe de The Continuing Seminar on World Jewry

and the State of Israel, em jerusalém, sob a orientação do Prof. Moshe Davis. Também o judaismo latino-

americano foi estudado por especialistas interessados nessa área.

173

movimento, uma vez que, nas circunstâncias em que vivemos, precisamos, no que diz

respeito à nova geração, começar freqüentemente do próprio começo.342

342

Um passo positivo dado pela Organização Sionista Mundial foi a criação, nos últimos anos, dos

Seminários de liderança em alguns países da América Latina, inclusive o Brasil.

174

20. História Oculta: como se lutou para a criação do Estado de Israel

A década de 40 foi particularmente marcante para o povo judeu e, na vida das

nações contemporâneas, pelos acontecimentos que serviram de turning point em seu

destino e trajetória histórica. A Segunda Guerra Mundial e a conseqüente destruição das

comunidades judaicas da Europa fortaleceram a convicção e confirmaram a necessidade da

criação de um Estado judeu que o movimento sionista organizado vinha apregoando desde

o século XIX.

As vicissitudes do movimento nacionalista judeu, com derrotas e vitórias,

desde que adotou o caminho da luta política para o seu reconhecimento e para que sua

bandeira fulgurasse junto à das demais nações, constituiu-se numa saga sem precedentes

durante décadas, desde o Congresso de Basiléia de 1897. O sionismo tornou-se uma força

criativa e transformadora do espírito de um povo submisso às leis e à ordem de governos e

poderes que apenas toleravam – quando toleravam – os filhos de Israel. Aos poucos, e

simultaneamente com a colonização da terra de seus antepassados, o nacionalismo judaico

provocou o renascimento da língua hebraica, instituiu uma formidável rede educacional,

gerou uma nova literatura e tornou multidões produtivas, o que alterou, em boa parte, sua

própria estrutura social. A diáspora assumiu a consciência de sua transitoriedade e passou a

mobilizar-se para realizar o que até então era apenas “saudades de Sião”.

Os anos que antecederam a formação do Estado – e me refiro aos anos

cruciais da última grande guerra e seus trágicos resultados – foram decisivos na história

política sionista, pois exigiram uma grande estratégia que envolvia esforços em várias

frentes de combate.

De um lado, a grande tarefa de expulsar da Palestina o domínio britânico com

o seu Mandato, que, em dado momento, revelou sua face imoral em relação à imigração

“ilegal” dos sobreviventes da guerra na Europa. Além do político, esse esforço também se

expressou no plano militar, que recrudesceu enquanto teve que enfrentar o agressivo

nacionalismo árabe, cada vez mais inconformado com a visível perspectiva do surgimento

de um Estado judeu na região.

De outro lado, a hora exigia um grande esforço de arregimentação espiritual e

material, na Palestina e na diáspora, pois se sabia ser o momento singular para o retorno da

soberania perdida há dois mil anos. As comunidades judias fervilhavam ideologicamente e

os matizes do partidarismo judaico europeu, que haviam se definido muito tempo antes,

foram transportados também para as Américas. Dessa forma, a chamada “rua judaica” dos

centros urbanos do país, de norte a sul, vivenciava forte tensão frente a expectativa de se

cumprir um sonho milenar, expectativa essa que se repetia, em boa parte, nas comunidades

de outros continentes, refletindo correntes políticas que abrangiam concepções extremadas

de direita e esquerda, passando por posições moderadas, com todas as suas nuanças. Desde

as primeiras décadas do nosso século, o Brasil tinha um movimento sionista organizado.

O surgimento de associações sionistas assim como dos movimentos juvenis

judaicos, que representavam as alas jovens dos partidos políticos tradicionais, foram, em

boa parte, fruto dessa mesma expectativa naqueles anos. Dror, Haschomer, Hatzair, Betar,

Hanoar Hatzioni, Benei Akiva e outros agrupamentos estavam tomados pela atmosfera,

verdadeiramente messiânica, quanto ao desenlace que as ideologias sionistas previam para

aqueles anos. Além das tentativas feitas por certas personalidades em obter o apoio político

oficial do governo brasileiro à causa sionista, sobre a qual falaremos adiante, a participação

175

efetiva da comunidade brasileira se deu com o incentivo à imigração a Eretz Israel que os

agrupamentos juvenis chalutzianos empreenderam dirigindo-se para kibutzim e outras

formas de colonização agrícola. Verdade é que já em 1932, membros do movimento juvenil

“Hatchia”, existente no Rio de Janeiro e precursor do Dror, partiram para a Palestina e se

integraram à sua colonização agrícola.

Além do mais, as campanhas de ajuda à imigração dos sobreviventes do

Holocausto, ao futuro Estado judeu e para a compra de armas para a guerra, que

inevitavelmente eclodiria logo após a proclamação do Estado judeu, em maio de 1948,

encontraram eco favorável dentro das comunidades brasileiras, assim como em todo o

judaísmo mundial.

Essas campanhas promovidas por instituições locais tinham, de fato,

orientação e o estímulo de representantes do movimento sionista mundial, da Agência

Judaica e de organizações filantrópicas e assistênciais como o Joint e a Hias, que

desempenharam um papel vital no resgate, salvação e reconstrução da vida judaica onde se

fazia necessário.

Enviados especiais do movimento sionista, com sua retórica inflamada,

atraíam multidões ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo. O mesmo ocorria nos salões das

principais cidades brasileiras. Escritores e intelectuais judeus da Argentina, entre eles

Alberto Gerchunoff, Leo Halpern, Moisés Senderey, bem como de outros países, visitavam

o Brasil numa campanha de esclarecimentos dos ideais nacionalistas entre os seus colegas

não-judeus.

As campanhas de defesa, em nome da Haganá, tiveram um efeito aglutinador

enorme ante a multiplicidade de partidos e associações com ideologias contrárias umas das

outras. Basta lembrar que o impacto causado na opinião pública pelo martirológio judaico

mundial ainda estava muito presente nas multidões que se reuniam nos grandes comícios

promovidos nas cidades brasileiras, em particular em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto

Alegre, que aglutinavam verdadeiras multidões. Foi quando o “Poalei Sion” (Operários de

Sião), os “Alguemeine Zionistn” (Sionistas Gerais), o “Heirut”, e mesmo os assim

denominados “Progressistas” e outros grupos nem sempre exatamente definidos como

sionistas, mas com um orgulho judaico que o momento histórico despertava, estavam

irmanados pelas mesmas esperanças e aspirações de soberania política do povo judeu.

A vida partidária e a disputa ideológica haviam criado órgãos de imprensa que

serviam de veículo às concepções dos múltiplos agrupamentos judaicos, que tinham sido

silenciados oficialmente pelo governo brasileiro, em 1941, o qual proibira a publicação de

periódicos em língua estrangeira. Restaram, naqueles anos, poucos jornais judaicos em

língua portuguesa, que assumiram um papel importante na divulgação dos acontecimentos

internacionais e pela informação do que se passava nas diversas comunidades espalhadas

por todo o país.

Em São Paulo, sob a orientação do Dr. Alfred Hirscheg, tivemos a “Crônica

Israelita”, além de alguns boletins partidários incluindo-se entre eles o da Organização

Sionista Unificada. Após 1945, no Rio de Janeiro, impôs-se a revista “Aonde Vamos?”,

fundada em 1943 pelo combativo e incansável Aron Neumann, que soube colocá-la à

disposição de todos aqueles que atuavam nas associações comunitárias. Também em Porto

Alegre e Curitiba boletins locais serviam como informativos e formadores de opinião.

A imprensa brasileira, que naqueles anos estava pouco preparada para

entender o que se passava no Oriente Médio e a questão da Palestina, afundava num mar de

desinformação, confundindo seus leitores com uma avalanche de notícias desencontradas.

176

Essas eram muitas vezes manipuladas por mãos invisíveis, ou bem visíveis, dos partidários

da visão pró-árabe sobre a questão, o que tornava a imprensa judaica um instrumento vital

de informação para as comunidades.

Já em 1947 estabeleceu-se um “Comitê Pró-Haganá”, sob a orientação da

Organização Sionista Unificada do Brasil, que ressurgira em 1946, após a queda da

ditadura de Getúlio Vargas, período em que tivera de encerrar oficialmente suas atividades.

O Comitê reunia representantes de todos os partidos que se identificavam com o

nacionalismo da época. Formou-se também, em 1947, um Comitê Brasileiro Pró-Palestina,

para informar a opinião pública brasileira e obter o apoio do Brasil na votação da

Assembléia da ONU, que deveria aprovar a partilha da Palestina e a criação de um Estado

judeu, em 29 de novembro de 1947. O movimento sionista atuava junto aos governos dos

países-membros das Nações Unidas para conseguir obter os votos da maioria, o que iria

coroar décadas de luta política e de realização colonizadora na Palestina. Nesse sentido,

formou-se um Comitê Mundial Pró-Palestina. O Comitê brasileiro, afiliado ao Comitê

Mundial e em contato com outros dos países da América Latina com o mesmo objetivo, foi

decisivo na histórica sessão da Assembléia da ONU presidida por Oswaldo Aranha.

O Comitê Brasileiro Pró-Palestina era composto por homens ilustres, como o

prof. Inácio Azevedo do Amaral, reitor da Universidade do Brasil, o senador Hamilton

Nogueira, homem de destaque nos meios católicos; intelectuais, jornalistas e políticos,

como José Lins do Rego, Celina Padilha, Maria Luiza Azevedo Cruz, Flora Possolo, Eloi

Pontes, Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, Carlos Luiz de Andrade Neves,

Deputado Carlos Vergal, Tito Lívio de Santana e outros. O seleto grupo que o formava não

se limitou a discursos. Imbuído da importância de sua missão, passou a uma opção prática

de esclarecimento editando um boletim e ampliando o número de adesões para a causa

sionista em todo o país. Na ocasião, deveria realizar-se uma Conferência Interamericana

dos Ministros de Relações Exteriores, com a presença de representantes de todo o

continente, ocasião em que o Comitê Brasileiro poderia influir e prestar um serviço

relevante junto aos delegados presentes. Ao mesmo tempo, poucos meses antes de

novembro de 1947, procurava-se conquistar o apoio dos partidos políticos no governo e

compor uma delegação para dialogar com o Ministro do Exterior Raul Fernandes sobre a

posição brasileira em relação à questão palestina.

O resultado final da votação na ONU foi favorável à criação do Estado judeu.

A aprovação final lançou novos desafios ao povo judeu logo após o ato de proclamação de

sua independência e afirmação de sua soberania sobre o território que lhe coube na partilha,

em 14 de maio de 1948.

Porém iniciava-se uma nova fase devido a invasão e os atos bélicos encetados

pelos Estados árabes contra o seu novo vizinho, sendo que e as conseqüências dessa Guerra

de Independência mudariam significativamente o panorama político da região até os nossos

dias. Tratava-se de um duelo de vida e morte que decidiria a existência de Israel e que,

novamente, implicava a ajuda concreta de toda a diáspora e da comunidade judaico-

brasileira. Podemos afirmar, com segurança, que nesse capítulo pouco conhecido, e que, em

parte, permanece oculto para a história contemporânea, a comunidade não decepcionou.343

343

O autor publicaria o livro “Manasche, sua vida e seu tempo, ed. Perspectiva, São Paulo, 1996, no qual

apontaria o papel da comunidade judio-brasileira na mobilização de fundos para defesa do Estado de Israel

durante a sua guerra de Independência.

177

21. Prefácio à brochura “Osvaldo Aranha”

Passados são muitos anos desde que a sessão histórica da Assembléia das

Nações Unidas, presidida pelo estadista Oswaldo Aranha, aprovou a resolução de criar de

um Estado Judeu na Palestina. A atuação do eminente brasileiro para que surgisse o atual

Estado de Israel gravou-se nos anais da história milenar do povo judeu e será lembrada

pelas gerações presentes e futuras com um eterno sentimento de gratidão. Sem dúvida,

Oswaldo Aranha já faz parte da história judaica e é personagem central de um de seus

capítulos decisivos, o que justifica plenamente a publicação de sua biografia pela Federação

Israelita do Estado de São Paulo, sob a iniciativa de seu presidente, Dr. José Knoplich.

A bem da verdade, ainda resta muito por fazer sob o aspecto da pesquisa

histórica relativa ao período de atuação de Oswaldo Aranha como Ministro do governo de

Getúlio Vargas, que adotou uma postura negativa em relação à imigração judaica no Brasil

no período do Estado Novo.

Sabemos que o todo-poderoso Presidente, naqueles anos sombrios, inclinava-

se claramente a um filogermanismo comum a muitos governos sul-americanos. O

militarismo alemão era muito apreciado e muitas vezes compartilhado com entusiasmo

pelos círculos militares em nosso continente e, portanto, não é de estranhar que também

assimilassem o vírus anti-semita apregoado pela ideologia nazista desde sua ascensão na

Alemanha, entre as duas guerras mundiais.

No Brasil, a introdução de idéias e preconceitos antijudaicos se intensificou

com a expansão do integralismo, que endossou conceitos do pensamento político

nazifascista europeu. A Alemanha chegou a dar o apoio direto e o estímulo, através de

agentes e organizações nazistas locais, à difusão do anti-semitismo em nosso país, assim

como em outras partes do continente. Nas colônias de fala alemã no sul do Brasil,

associações e partidos ostentavam abertamente sua identificação com a ideologia

nazifascista e sua aspiração de criar uma Nova Ordem. Por outro lado, enquanto o Brasil

não se definiu a favor dos Aliados durante a II Guerra Mundial, tais elementos recebiam o

apoio tático do governo getulista, que empregava em sua política a figura tétrica de Filinto

Müller, que perseguiu e entregou à Gestapo Olga Benário, cuja morte certa não seria difícil

de prever na sua condição de judia e comunista. Porém, quem se importaria naqueles

tempos por uma “judia comunista”, quando, logo após, o governo vedava o ingresso de

uma imigração judaica, ameaçada na Europa, através de circulares secretas assinadas e

emanadas do gabinete do Ministério de Relações Exteriores? O teor dessas circulares, que

publicamos em outro lugar344

, não deixa margem a dúvidas sobre sua orientação

discriminatória quanto à imigração que ela deveria acolher. O nome Aranha assina esses

documentos, mas não podemos estabelecer com exatidão quem os inspirou, pois a

atmosfera xenófoba e pró-nazista vinha impregnando os círculos governamentais e aquele

Ministério, anos antes de o mesmo assumir sua direção, e na prática ela se fazia presente

desde a ascensão do ditador gaúcho ao poder.

344

Estudos sobre a Comunidade Judaica no Brasil, ed. Fed. Israelita do Est. de São Paulo,

São Paulo, 1984, pp. 50-54.

178

O jornalista e escritor Fernando Morais, que publicou recentemente a

magnífica e comovente biografia de Olga Benário Prestes, retratará a atmosfera anti-semita

predominante no Ministério das Relações Exteriores, presidido pelo Ministro José Carlos

de Macedo Soares, e a descarada intimidade de seu embaixador em Berlim, José Joaquim

Moniz de Aragão, com o serviço secreto alemão e com a Gestapo, que lhe forneceram os

elementos de identificação de vários comunistas alemães que atuaram na intentona de 1935,

incluindo os de Olga, que na expressão do embaixador, “é de raça israelita”. No informe,

dirigido ao seu Ministro, o embaixador brasileiro faz questão de relatar que ele tem

“...procurado exercer uma severa vigilância no serviço de vistos em passaportes de

viajantes que se destinem a portos brasileiros. Na maioria, esses indivíduos são judeus e se

apresentam como turistas, exibindo passagens de 1.ª classe e certificados bancários, quase

todos concedidos pelo Iwria Bank, desta capital. Deve ser considerado que as aludidas

passagens são, na maioria dos casos, tomadas em vapores franceses, cujo custo é inferior

ao que cobram as companhias alemãs de navegação para a classe única ou mesmo de

segunda classe. É estranhável que certos indivíduos, mesmo sendo sapateiros, alfaiates,

marceneiros etc., se intitulem genericamente comerciantes e pretendam ser considerados

como turistas, e embora exibam passagens de ida e volta, não consta que nenhum deles

tenha regressado do Brasil. Nessas condições, tratei de saber exatamente detalhes sobre o

Iwria Bank, e pela investigação procedida posso afirmar que se trata de um banco israelita

bastante suspeito, pois parece se ocupar principalmente dos interesses financeiros dos

proprietários e profissionais israelitas que aqui residem. Não há dúvida de que esse banco

tem agido ilegalmente, facilitando a evasão de capitais de judeus para o estrangeiro, e há

fundada suposição de que também opere no sentido de transferir dinheiro para a

propaganda comunista, principalmente da Tchecoslováquia e possivelmente para outros

países.

Nessas condições, determinei, e espero merecer aprovação de Vossa

Excelência, que nosso Departamento Consular não mais aceite garantias bancárias

daquele estabelecimento. Rogo a Vossa Excelência levar o que precede ao conhecimento

de nossas autoridades competentes, salientando o caráter estritamente confidencial com o

qual me foram transmitidas as aludidas informações”.345

Nada mais eloqüente do que esse

documento para expressar o ranço anti-semita, naquele tempo definido pelo binômio “judeu

comunista”, que infestava toda a nação, atingindo também os órgãos de imprensa a favor ou

mesmo contra o governo do ditador Vargas, que não se importava de ter como auxiliares de

Filinto Müller torturadores nazistas, vindos da Alemanha para colaborar com a política

brasileira.

Era o tempo lúgubre da deportação de uma menina de 17 anos de nome Genny

Gleizer e também do fantasioso plano Cohen, que justificou a criação e os desmandos do

Estado Novo. “Judeus comunistas”, mesmo quando não eram, nem um e nem outro,

justificaram, ou melhor, deram o argumento para a torpe orientação governamental em

relação à política imigratória referente a judeus, que mostrava bem quão nefasta era a

influência do Mein Kampf em nosso meio.

Mas os tempos mudaram, ainda que jamais possamos esquecer a tragédia que

se abateu sobre o judaísmo europeu e a indiferença ou a frieza com que vários governos

345

Morais, F., Olga, Ed. Alfa-Omega, São Paulo, 1985, p. 173.

179

sul-americanos trataram o assunto da imigração judaica naqueles anos em que o destino de

milhões de seres humanos estavam selados. Quanto um gesto de humanidade poderia ter

salvo centenas ou milhares, sem a necessidade de comprarem a peso de ouro um salvo-

conduto para continuar vivendo.

O nome de Oswaldo Aranha, que foi a figura central na lembrada votação na

Assembléia das Nações Unidas, está associado ao membro da delegação brasileira que

participou naquele momento histórico da criação de um Estado Judeu: o senador Álvaro

Adolfo da Silveira, que, segundo vários testemunhos, foi particularmente ativo na

articulação do apoio de certos países latino-americanos à votação favorável às aspirações

do movimento sionista. Não será demais repetir o que já escrevemos em outro lugar ao

falarmos do major Eliezer Levy, que nas primeiras décadas de nosso século, difundiu entre

os judeus do norte os ideais sionistas, fundando associações e um jornal, em 1918, com o

nome de “Kol Israel” (A Voz de Israel), que era preparado no escritório de advocacia

compartilhado pelo major Francisco Jucá Filho, procurador geral da República, e Álvaro

Adolfo da Silveira, na cidade de Belém do Pará.

Segundo testemunhos que temos em mãos e o próprio depoimento do senador

aos filhos do major Eliezer Levy, que veio a falecer em janeiro de 1947, ele, na hora da

votação para o estabelecimento do Estado Judeu, sentiu que conhecia minuciosamente

aquele assunto, sem se lembrar como e por quê. Então, parou para refletir, fez uma

retrospectiva de onde provinha estar por dentro desse caso e, como em um filme, em sua

mente (palavras textuais de Álvaro Adolfo ditas aos filhos de Eliezer Levy) passou a

lembrança do seu escritório da rua 13 de Maio, onde Eliezer Levy trabalhava com ardor

patriótico e a convicção inabalável de ver concretizada a fundação do Lar Judaico. Álvaro

Adolfo aí enfrentou a luta com o mesmo entusiasmo do amigo daquela época, atirando-se

ao trabalho com mais intensidade, como coordenador que era da votação, e pôde, assim,

descobrir que três países iam votar contra; pediu a Oswaldo Aranha que suspendesse a

sessão e, após vários dias de trabalho na conquista dos adversários, conseguiu dobrá-los.

Continuada a votação, o resultado foi mais dois votos favoráveis e um em branco, o que

levaria a criar a maioria necessária para a formação do Estado Judeu.

A narrativa acima é confirmada em um aparte na Câmara dos Deputados do

Rio de Janeiro, em 15 de maio de 1973, feito pelo Dr. João Menezes, sobrinho e filho de

criação de Álvaro Adolfo da Silveira e seu sucessor no escritório de advocacia e no Partido

Social Democrático. João Menezes, em seu aparte no discurso do deputado Rubem Medina,

disse que “o Pará tem ligação com a criação do Estado de Israel. Revelo o fato neste

instante, ao plenário da Câmara, para que faça parte do esplêndido discurso de V. Exa. O sr.

Álvaro Adolfo da Silveira, ex-senador pelo Estado do Pará, foi o homem que, em

companhia de Oswaldo Aranha e designado por ele, coordenou a votação da criação do

Estado de Israel. Há um fato interessante em tudo isso. Quando voltava das Nações Unidas,

Oswaldo Aranha, em trânsito em Belém do Pará, recebeu homenagem das mais carinhosas

da colônia israelita, que lhe ofereceu uma corbeille de flores em reconhecimento do

trabalho que havia feito. No discurso de agradecimento declarou aos israelitas do Pará que

cometiam grave erro: aquela homenagem deveria ser tributada ao senador Álvaro Adolfo da

Silveira, o homem que havia coordenado tudo na ONU para a criação do Estado de Israel.

Este é o aparte que desejava dar, com as minhas homenagens àquele grande povo”.346

346

Depoimento escrito fornecido ao autor pela escritora Sultana Levy Rosenblatt, residindo atualmente nos

Estados Unidos.

180

Contudo, e apesar de nossas observações, devemos destacar que o trabalho do

Dr. Moysés Eizerik passa a ter uma importância especial para a nova geração, que apenas

ouviu menções passageiras sobre Oswaldo Aranha e sua atuação política no âmbito

nacional e internacional, sem ter tido a oportunidade de conhecer mais de perto sua rica e,

ao mesmo tempo, controvertida personalidade histórica.

181

22. Crônica do Judaísmo Paulista

Até há bem pouco tempo, acreditava-se que a comunidade judaica de São

Paulo tivera início com a imigração vinda da Europa Oriental nas primeiras décadas de

nosso século347

. Mas, à medida que se pesquisa e aprofunda os conhecimentos sobre a

história dos judeus no Brasil, verifica-se que a presença dos correligionários em terras

paulistanas, ainda que posterior à da comunidade do Rio de Janeiro, remonta também ao

século XIX.

Na verdade, pode-se falar em comunidade organizada, o que é bem diferente da

presença individual de judeus, em São Paulo, como algo já existente nos fins daquele

século, pois sabe-se, através de notícia publicada no periódico francês “Archives Israélites”,

de 1897, que os israelitas, imigrantes da Alsácia-Lorena e de outros lugares, constituíram-

se em comunidade por iniciativa do senhor Worms.348

Além do mais, tal comunidade

providenciava a vinda – diz a notícia – de um schoichet (magarefe) da Hungria, de nome

Salomão Klein, que também exerceria funções rabínicas, incluindo a orientação sobre

cashrut (alimento de acordo com os preceitos judaicos) e o culto propriamente dito. Com

otimismo, o periódico comunicava, também, que já existia um açougue casher funcionando

ad hoc, e que as autoridades ou o presidente do Estado haviam autorizado a criação de um

cemitério particular para a comunidade judaica, que estava em franco desenvolvimento.

Lamentavelmente, nada se sabe desse cemitério, nem sequer onde se localizava. Por outro

lado, sabe-se que, a partir de 1870 aproximadamente, atuava na comunidade de São Paulo,

como rabino, Samuel da Costa Mesquita, cuja lápide encontra-se no Cemitério dos

Protestantes.349

Mas, da comunidade alsaciana do século passado, nada restou.

CHEGADA PELO INTERIOR

A atual estrutura comunitária de São Paulo, tal como a conhecemos hoje em

dia, com suas instituições de beneficência, culturais, esportivas e sociais, é fruto da

imigração deste século, seja ela provinda da Europa Oriental, dos países do Oriente Médio,

da África do Norte ou da Europa Central. Em parte, os imigrantes dos países da Europa

Oriental começaram a chegar em São Paulo via cidades do interior e, principalmente, de

Franca, onde, desde o fim do século XIX, encontravam-se famílias judias ali radicadas. São

essas as velhas famílias da comunidade paulista que desempenharam, ao lado dos

moradores que vieram diretamente à Capital, um papel primordial na formação das

primeiras instituições judaicas, assumindo responsabilidades de toda natureza para permitir

a acolhida decente dos seus irmãos que vinham em busca da sorte na nova pátria. Entre eles

estavam os Tabacow, os Klabin, os Nebel, os Soibel, os Teperman e vários outros.

Pioneiros também na vida econômica da futura grande metrópole, da megalópole

347

Mesmo estudiosos, como Meyer Kutchinsky, tinham noção errônea acerca da imigração moderna ao

Brasil, como se pode verificar em seu estudo “Dos literarische schafen fun yidin in Brazil”(A criação literária

dos judeus no Brasil) , Argentiner YWO Schriften, B.A., 1945, pp. 189-197. 348

Não sabemos exatamente de que membro da importante família Worms se trata. 349

A respeito dos cemitérios de São Paulo vide de Egon e Frieda Wolff, Sepulturas de Israelitas II, Cemitério

Comunal Israelita, Rio de Janeiro, 1983.

182

incontrolável, geraram, na sociedade brasileira local, atitude de respeito e dignidade em

relação ao nome “judeu” ou “israelita”, coisa que nem sempre aconteceu em outros lugares.

Jacob Schneider, que marcou capítulo fundamental na história do sionismo do

Brasil, narra, em suas “Zichroines” (Memórias), que, ao sair da Bessarábia, dirigiu-se

diretamente à cidade de Franca, onde sabia viverem judeus aparentados seus, e onde foi

calorosamente acolhido, isso em 1903, pela família Tabacow, da qual recebeu ajuda para

dar seus primeiros passos no país.350

Entre as poucas fontes que restaram para o estudo da

vida judaica nos primeiros anos ou décadas de nosso século, encontra-se o periódico “A

Columna”, publicado no Rio de Janeiro nos anos de 1916-1917 pelo eminente professor

David José Perez, e é ali que podemos encontrar notícias sobre a comunidade paulista, bem

como sobre suas instituições naqueles anos. Em artigo publicado no órgão acima

mencionado, em 1916, que leva o título “Impressões de São Paulo”, o carioca e presidente

da primeira Organização Sionista no Rio de Janeiro, Max Fineberg, falando da comunidade

judaica da cidade que acabara de visitar, disse: “Tenho para mim que as instituições que lá

encontrei, ainda que menos numerosas que as do Rio de Janeiro, são, ao menos na

aparência, melhores e mais belas” e “a vida israelita de lá é mais interessante do que aqui.

Os nossos correligionários não pretendem emigrar do país e, na maioria dos casos, levam

suas famílias para se fixar definitivamente em São Paulo e se incorporar como cidadãos da

Nação brasileira”. Continuando com suas impressões, Max Fineberg arremata: “Não

poucos deles encontrei gozando de consideráveis fortunas, satisfeitíssimos com a vida nessa

Capital, ao contrário da maioria dos que tenho encontrado no Rio de Janeiro, que, logo que

adquirem algum pecúlio, tratam só de voltar para os países de onde vieram”. Sem dúvida, o

senhor Max exagerava em suas apreciações, mas, de qualquer modo, temos impressão de

que em São Paulo havia uma comunidade estável, enraizada na sociedade local e

participante em sua vida.

SOCIEDADES REÚNEM A ELITE

Entre as instituições que são mencionadas e que desapareceram com o tempo,

encontram-se a Sociedade Philo Dramática, que reunia a gente culta da comunidade. “Os

seus sócios”, diz Fineberg, “em números de cem e pertencentes às classes mais inteligentes,

têm por objetivo a propaganda da boa literatura clássica, da música e do drama entre seus

correligionários, e organizam concertos e espetáculos dramáticos, cujos resultados têm

sido, até agora, os mais promissores de um belo futuro”. Além dessa Sociedade, menciona-

se a Biblioteca Israelita, que reúne um acervo em língua ídiche e hebraico com uma

freqüência significativa de leitores de todas as origens. A vida cultural de São Paulo pode

ser ilustrada pela notícia que lemos, em “A Columna”, de novembro de 1916, que se refere

à realização de “um brilhante concerto no salão do Conservatório de Música, em benefício

dos nossos correligionários de além-mar, que estão sendo sacrificados pelas condições de

guerra”, e cujo programa consistia:

350

Jacob Schneider relata, em suas “Zichroines” que, em 1903, “chegaram a Sokoron três judeus, que

moraram quatro anos no Brasil... Sabia que, no Brasil, numa pequena cidade de nome Franca, morava um seu

parente, Tabacow, e isso reforçou mais ainda sua decisão de imigrar ao Brasil”.

183

“I PARTE

1) SIMONETTI – Madrigal – srtas. Luiza Klabin e Vida Aschermann; srs. Horácio e

Jacob Lafer.

2) CHOPIN – 2 Estudos – sr. João de Souza Lima.

3) WAGNER – Lohengrin, Marcha nupcial – Quarteto – srta. Klabin; srs. Horácio e

Jacob Lafer.

II PARTE

4) Conferência pelo dr. David J. Perez (d’A Columna).

III PARTE

5) a) SAINT SAENS – Los sinos de las Palmas.

b) LISZT – Rhapsodia – srta. Ottilia Machado Campos.

6) DIAZ – Arioso da ópera Benvenuto Cellini – sr. Roger Mesquita.

7) BEETHOVEN – Concerto em cadência de Joaquim – sr. Prof. Carlos Aschermann.

Ao piano, o sr. Prof. Souza Lima.

Em seguida, passou-se à tômbola e leilão de objetos ofertados para o mesmo

fim humanitário.

Os bilhetes de ingresso foram vendidos ao preço de 10$000 cada um, por

distintas damas da nossa colônia nessa cidade, notando-se, entre elas, as exmas. sras. d.

Bertha Klabin e filhas, e d. Golda Tabacow. Auxiliaram-nas nesse trabalho os srs.

Fischman, Weissman e Alexandre Algranti, nosso dedicado correspondente nesse Estado.

Entre as pessoas presentes, notamos as famílias Klabin, Tabacow, Levy, Lichtenstein,

Worms, Zlatopolsky, Dranger, Gordon, Schneider, Lerner, Kaufman, Nebel e muitas outras

cujos nomes, infelizmente, não podemos nos recordar.

Dentre os que tomaram parte na acquisição de objectos por occasião do leilão,

lembramo-nos dos srs. Maurício Klabin, Isaac Tabacow, Hugo Lichtenstein, Salomão

Klabin, Miguel Lafer, Milman, J. Weissman, José Kaufman, Jacob Zlatopolsky, Nahum

Lerner, Nebel, Gersin Levy, R. Gordon, Fischman, Teperman, H. Kadicseviz, Muchnik,

Alexandre Algranti e Beresovski.”

Corriam os anos da Primeira Guerra Mundial e, em certas regiões da Europa

Oriental, desde a Romênia, até a Rússia, os judeus estavam sofrendo terrivelmente com o

conflito que destruiu aldeias e cidades, provocando enorme deslocamento populacional e de

graves conseqüências econômico-sociais. Nessas circunstâncias, as comunidades judaicas

de todo o mundo mobilizaram-se para prestar auxílio aos seus irmãos e, no Brasil, formou-

se, em fevereiro de 1916, um Comitê Brasileiro de Socorro aos Israelitas Vítimas da Guerra

(correspondendo ao americano Jewish Relief Committee), com representantes das

sociedades cariocas.

Em São Paulo, à semelhança do que foi organizado no Rio de Janeiro,

constituiu-se também um Comitê, sob a presidência de Bernardo Nebel, recaindo o cargo

de tesoureiro em Golda Tabacow. As instituições paulistas eram representadas no Comitê

da seguinte forma: pela Comunidade Israelita, Jacob Schneider e David Beresovski; pela

184

Sociedade Ezra, Isaac Ticker e Salomão Lerner; pelo Talmud-Torá, Isaac Weissmann e

Miguel Jaroslavsky; pela Biblioteca Israelita, Simão Gomievsky e Nakem Resnik; e pelo

Clube Philo Dramático Musical, Rodolfo Gutner e Maurício Levkovitch.

Pelo visto, eram essas as entidades comunitárias existentes na época em São

Paulo, faltando somente na relação acima a Sociedade Sionista Ahavat Sion, da qual temos

conhecimento através de várias notícias que o professor David J. Perez publicou em seu

periódico “A Columna”.

Em outubro de 1916, David Perez era convidado por Maurício Klabin,

“sustentáculo do sionismo no Brasil” – como é denominado no citado periódico – a

proferir conferência na capital paulista, sendo calorosamente recebido por todas as

sociedades e, entre elas, mencionava-se a Ahavat Sion, representada pelo ativista Rafael

Chachamovitz, seu secretário.

TEM INÍCIO A BENEFICÊNCIA

Das sociedades beneficentes em São Paulo, destaca-se, como primeira, a

Sociedade Beneficente das Damas Israelitas, fundada em 15 de junho de 1915, e tomando

parte na direção Clara Klabin, Berta Klabin, Olga Netter, Regina Bertman, Clara Ticker,

Esther Zippin, Nessel Lafer, Golda Nebel e Golda Tabacow, que abriram caminho para a

participação da mulher judia na vida comunitária e, como modelos de personalidades

femininas irrepreensíveis, seriam imitadas por suas descendentes e muitas outras. O

objetivo da Sociedade era “angariar donativos e promover meios de arrecadar auxílios para

socorrer pecuniariamente as famílias necessitadas, assim como proporcionar-lhes

assistência médica, em caso de doença”.

O primeiro clínico que a Sociedade empregou e que recebeu os maiores elogios

dos que o conheceram, pela integridade e competência profissional, foi o Dr. Walter Seng.

A essa Sociedade, seguir-se-ia a Sociedade Israelita “Amigos dos Pobres”, Ezra, fundada

em 20 de maio de 1916, que desempenhou papel fundamental na absorção da imigração

israelita, que cresceu com o término da Primeira Guerra Mundial. Nas relações dos

imigrantes recebidos pela Ezra, vê-se a grande diversidade de profissões dos recém-

chegados, apontando-se o lugar de origem e sua procedência social, encontrando-se, entre

eles, marceneiros, alfaiates, açougueiros, agricultores, vindos da Polônia, Romênia, Rússia,

Hungria, Lituânia e de todos os cantos da velha Europa. Durante décadas e décadas, e até

nossos dias, as sociedades beneficentes judaicas cumpriram fielmente seu papel, que

poderíamos definir como gerador de uma comunidade sã, auto-suficiente, digna e com uma

população enraizada no território brasileiro.

Entre os fundadores da Ezra, encontravam-se José Kauffmann, José Nadelman,

Salomão Lerner, David Berezovsky, Isaac Tabacow, Jonas Krasilchik, Bóris Wainberg,

Ramiro Tabacow, Isaac Ticker e muitos outros.

A vida religiosa da comunidade paulista desse tempo estava confinada a

algumas poucas sinagogas, que não passavam de casas improvisadas para a realização do

culto e, nesse sentido, é mencionada “a sinagoga da rua da Graça”, assim como outras, até a

construção do Templo Beth-El e o lançamento da pedra fundamental da sinagoga da rua

Capitão Matarazzo, n.º 18 (fundos com o Tocantins), no Bom Retiro, isso a 31 de dezembro

de 1916.

O Centro Israelita, que era a sociedade responsável pela iniciativa, convidava,

nessa data festiva para a comunidade paulista, o professor David J. Perez para ser o orador

185

principal da festa. Noemia Kutner, filha do primeiro vice-presidente da sinagoga, Nachum

Lerner, lembra-se até hoje, comovida, como declamou uma poesia em hebraico, ao lado da

figura magistral do redator de “A Columna”. Judeus e não-judeus acorreram ao Bom Retiro

para participar do evento, cuja iniciativa partia de um grupo de abnegados que formavam

sua diretoria: Luiz Rosenberg, presidente; Nachum Lerner, vice-presidente; Salomão

Lerner, tesoureiro; David Fridmann, vice-tesoureiro; Bóris Wainberg, secretário; Bóris

Schwartz, vice-secretário. Nesses anos de formação do judaísmo paulista, prestavam seus

serviços rabínicos à comunidade o Dr. Emílio Mesquita e o rabino Joseph Couriel, para os

sefaraditas, e para os asquenazitas, rabino Marcos (Mordechai) Guertzenstein, que marcou

época como guia espiritual da comunidade.

Mais tarde, seguir-se-iam outros, e na década de 30 atuariam entre nós o

inesquecível rabino Jacob Braverman, autor do “Chelek Yaacov”, e o rabino Zalmen Levin,

que tinha vindo de Jerusalém para desempenhar papel importante na vida religiosa de São

Paulo. Além da Sociedade Philo Dramática, a vida cultural judaica também foi animada por

grupos teatrais, formados por amadores que encenavam peças dos autores clássicos da

língua ídiche e que participavam dos eventos comunitários, dando sua contribuição

artística. Entre eles, encontramos o Grupo de Amadores “Scholem Aleichem”, que, na

fundação da Ezra, encenou “Dos Pintele Yid”, tomando parte do elenco, como “atores” e

“atrizes”, pessoas boas das famílias paulistanas, sob direção de Samuel Kleiman.

PRIMEIRAS ESCOLAS JUDAICAS

Desde o início da imigração, a preocupação dos chegados ao Brasil com o

futuro de seus filhos levou a que fundassem escolas judaicas e em São Paulo a primeira

escola foi fundada a 15 de fevereiro de 1916, com o nome de Talmud Torá, “com

freqüência, em abril daquele ano, de 23 alunos, 20 do sexo feminino e 3 do sexo

masculino”, sendo seu professor de hebraico, Júlio Itkis.3515

Mais tarde, em 1922, surgiria a

Escola Renascença, que tinha uma visão pedagógica mais avançada e atrairia pela

qualidade do ensino e de seu corpo docente os filhos dos israelitas da nova imigração. A

Escola Renascença seria a grande incubadora do judaísmo paulista, pois por ela passaram

várias gerações que lá aprenderam a língua, a história, a literatura e receberam um cabedal

de conhecimentos sobre as tradições do povo de Israel. Foi de lá que saíram, também,

professores e educadores para outras instituições de ensino judaico da cidade, cuja

comunidade, de início concentrada no bairro do Bom Retiro, começava a se espalhar em

outras direções, exigindo, portanto, a criação de novas escolas.

Assim é que se originaram escolas judaicas de todos os níveis no Cambuci,

Brás, Vila Mariana e outros lugares da grande metrópole, constituindo, posteriormente,

uma verdadeira rede de ensino, com tendências diversas, desde ortodoxas a liberais, e que,

no seu conjunto, são motivo de orgulho do judaísmo local.

Com o sensível aumento da população judaica na cidade, começaram a se

formar os partidos que representavam as ideologias importadas do mundo europeu e que

encontram sua representação mais universal na própria sociedade brasileira, na qual

poderíamos encontrar os mesmos confrontos e concepções na busca de uma sociedade ideal

e de uma humanidade melhor. A “rua judaica” participa, também, desses conflitos,

351

Mencionado em “A Columna”, em vários lugares.

186

alinhando-se com adeptos das mais variadas tendências de esquerda e direita, mas sobre-

tudo o que vai caracterizar o seu partidarismo é a imitação do que existia nas comunidades

judaicas do Velho Continente. O imigrante, além da esperança, trazia também consigo o

“seu partido” ou a sua facção, seja ela do Bund, Poalei Zion, sionistas de todos os matizes

ou as ideologias de esquerda, não ligadas diretamente ao mundo judaico.

PARTIDOS POLÍTICOS

Era o “partido”, ao lado das organizações dos landsmanshaften, uma forma de

agremiação, de evitar o isolamento e a nostalgia do imigrante, e também uma possibilidade

para o ativismo cultural, necessário principalmente àqueles que eram inquietos e

intelectualmente preparados.

A existência das correntes políticas e ideológicas dentro da comunidade, se

nem sempre foi positiva para a unidade e desenvolvimento de suas instituições, era

inevitável e jogava um pouco de fermento ao cotidiano do clientelchik (mascate) , do

artesão, do pequeno comerciante, que tinha a oportunidade de se abstrair, no calor da

discussão e da polêmica, da luta pela sobrevivência diária. Foi esse o sal da vida do gueto

do Bom Retiro, das esquinas das ruas do bairro, onde sionistas e não-sionistas atracavam-

se, durante muitas horas em discussões, sem que pudessem chegar a algum acordo ou

alguma conclusão, e que terminavam sempre com a convicção íntima de que cada um dos

adversários tinha razão.

IMPRENSA EM ÍDICHE E PORTUGUÊS

Por outro lado, os “partidos” também preocupavam-se em traduzir os

pensadores judeus ao português para que as novas gerações se familiarizassem com a

literatura filosófico-política, o que serviu como fator de conhecimento e aproximação dos já

nascidos no Brasil à tradicional cultura judaica, bem como a sua expressão mais moderna.

Essas agremiações partidárias estimularam, ao mesmo tempo, o aparecimento, da imprensa

judaica da capital, em forma de jornais ou boletins. Capítulo pouco conhecido da vida

judaica paulista nas décadas de 20 e 30, é a atividade jornalística ou a imprensa em ídiche,

que procurava retratar os eventos mais importantes na comunidade e, servindo ao mesmo

tempo de órgão de expressão para as questões que a preocupavam, tanto em relação à

sociedade brasileira quanto em relação a si mesma. Isaac Raizman, que escreveu uma

história da imprensa judaica no Brasil, lembra que o primeiro periódico publicado em São

Paulo foi o “Idisher Gezelschaftlicher um Handels Buletin” (Boletim Social e Comercial

Judaico), em 1928, e foi financiado, em boa parte, por uma sociedade existente na época, de

nome “Agudat Achim”, que acabou, assim como o jornal, desaparecendo com o tempo.

No mesmo ano de 1928 surgia um outro periódico e, dessa vez, sob iniciativa

de Marcos Frankenthal, que tinha, nos primeiros anos da década de 20, estabelecido uma

tipografia denominada “Tipografia Palestina”, e, a partir do trabalho tipográfico, surgiu a

idéia de publicar um órgão ídiche que pudesse servir à comunidade. Nele figuravam como

redatores Yosef Rinski, Moisés Costa e Jacob Nebel, que, na época, representavam o

elemento culto e inteligente e, portanto, capacitado para tal objetivo. O seminário levava

como nome o pomposo título de “Idische Velt” (O Mundo Israelita), sendo que seu

conteúdo era atraente e variado, além de ser de bom nível. Lamentavelmente, também esse

periódico durou pouco tempo e foi substituído por uma folha em ídiche, que começou a sair

187

a partir de 1929, como anexo do jornal “Folha da Manhã”, que havia aberto o periódico à

publicação de seções em outras línguas faladas pelas diversas comunidades de imigrantes

residentes na metrópole paulista.

Marcos Frankenthal, em 1931, criaria um periódico, com a ajuda de Elias

Amstein e José Nadelman, que perduraria durante muitos anos, com o nome de “San Pauler

Idiche Tzeitung” (Jornal Israelita de São Paulo), com amplo noticiário sobre os

acontecimentos sociais da comunidade paulista e com bom corpo de colaboradores, que

viam naquele órgão uma oportunidade ímpar de se apresentarem como literatos e

jornalistas, e entre eles encontrava-se o historiador Isaac Raizman que atuou como redator

nos anos de 1933-1935. Raizman publicou em São Paulo, em 1935, sua “História dos

Israelitas no Brasil” (em ídiche sendo traduzida em 1937 ao português).

Pouco após a saída de Raizman da redação, viriam ocupar seu lugar Salomão

Steinberg e o conhecido historiador Elias Lipiner, além de contar com a colaboração de

Nelson Wainer, até encerrar suas atividades, devido à proibição de 1941, por parte do

Governo de Getúlio Vargas, de se editarem periódicos em língua estrangeira.

Claro está que o jornalismo judaico em São Paulo acabaria por se manifestar

também em português, e já em 1932 Fernando Levisky traria à luz o periódico “A

Civilização”, que contava com a participação do professor Silveira Bueno. Em seguida,

Nelson Wainer sairia com o “Páginas Israelitas”, e, em 1940, começaria a ser publicado o

periódico “Crônica Israelita”, que estava, de certo modo, ligado à Congregação Israelita

Paulista, fundada em 1936 pelos imigrantes da Europa Central, de fala alemã, cujo órgão

esteve sob a redação culta e inteligente do saudoso Dr. Alfred Hirschberg.

Em resumo, se olharmos para a comunidade, a partir do final dos anos 20,

veremos que, sob todos os aspectos, sejam eles religiosos, sociais, culturais ou econômicos,

a vida judaica local encontrava-se razoavelmente amparada por instituições. Mesmo o clube

esportivo Macabi e o já desaparecido Círculo Israelita, com seus tradicionais bailes (até de

Iom Kipur!), remontam àqueles anos, preenchendo os anseios e atendendo ao gosto e modo

de vida daquela geração. Muitas daquelas organizações ficaram obsoletas, e mesmo suas

funções anacrônicas, como foi o caso da “Laie SporCasse” (Caixa Econômica) , que, mais

tarde, seria a Cooperativa do Bom Retiro (fundada em 1928).

PREOCUPAÇÃO COM O NAZISMO

A grande mudança na atmosfera em que viviam os judeus dar-se-ia

gradativamente, com a penetração das idéias nazi-fascista no Brasil, onde, na sua versão

nacional, os judeus seriam vistos com suspeita pela sociedade ao redor, suspeita essa

estimulada, de um lado, por um governo que olhava com simpatia a política de conquista da

suástica e do fascismo no mundo, e, de outro, pela literatura anti-semita difundida por

elementos tais como Gustavo Barroso. Este fazia dos judeus o alvo fundamental de seus

ataques e via neles, imitando modelos europeus sobejamente conhecidos, os destruidores da

sociedade brasileira. Membros da comunidade paulista, para ele, eram os que manipulavam

a vida nacional, e é desse modo que, em sua imaginação doentia, os descreve nos livros “A

Sinagoga Paulista”, “A História Secreta do Brasil” e outros desse mesmo gênero. O anti-

semitismo entrava pelas portas dos fundos da sociedade brasileira, mas não deixava de

trazer novas preocupações à comunidade. Logo mais, viriam os anos sombrios da Segunda

Guerra Mundial, e o clima de luto que pairaria sobre o judaísmo mundial seria amenizado

188

apenas pelos ecos do que se passava no Oriente Médio, pelos esforços de tornar realidade a

criação de um Estado Judeu.

Esses últimos grandes e significativos eventos contribuíram decisivamente para

uma mobilização comunitária jamais conhecida anteriormente, o que explica o surgimento

de novas instituições nas décadas próximas a eles e que se manifestaram em todos os níveis

e camadas sociais, do mesmo modo que em toda as idades. Mas, a partir desse momento, a

comunidade passaria por transformações internas que merecem ser estudadas em uma

crônica referente aos nossos dias.

189

23. A Escola Israelita Brasileira Talmud Thora Beith Jacob (60 anos de

existência: 1933-1993)

Na história da educação judaica de São Paulo, o Talmud Torá foi a Segunda

escola, que perdurou até hoje, a ser fundada em nossa comunidade. Foi em julho de 1933,

que um punhado de judeus idealistas e impregnados de religiosidade tradicional resolveu

criar um estabelecimento que incutisse em seus alunos os valores espirituais e os preceitos

do judaísmo com os quais estavam familiarizados nas escolas da Europa Oriental. Entre

seus fundadores, encontravam-se Benjamin Rosset, Nataniel Vortsman, Pinchas Schleif,

Miguel Peiper, Samuel Z. Zilberstein, Simson Feffer, Israel Mandelbaum, além dos

saudosos Rabinos Jacob Braverman e Zalman Levin. Estabelecida de início na rua Newton

Prado com 47 alunos, sob o nome de Centro de Israel Talmud Torá Beth Jacob, contou de

imediato com a participação de pessoas que formaram suas primeiras diretorias e

preocuparam-se em reformar o velho casarão, adaptando-o às necessidade escolares.

De início, a escola possuía um programa escolar judaico que visava a

completar o currículo da escola oficial brasileira, mas, logo, após decidiu-se por um

currículo integral, ampliando, desse modo, o número de professores e atraindo mais alunos,

não somente do Bom Retiro, mas de outros bairros da cidade de São Paulo. Em 28 de

setembro de 1934, foi adquirido o imóvel da rua Tocantins, 296, onde foi construída a nova

escola, possibilitando, desse modo, a instituição ampliar seu programa de ensino e absorver

um número cada vez maior de alunos, que, na época, já se aproximava a 300.

Após alguns anos de trabalho e esforços de seus diretores, inaugurou-se, em

24 de janeiro de 1937, a nova sede, sob a direção de Tobias Grossman, Miguel Lafer,

Moisés Rechtman, Pinchas Schleif, Rabinos David Valt, Rabino Braverman, Rabino

Zalman Zinguerevitch, Miguel Citron, Marcos Fuks, Chaim Weitzberg, Julio Rubinstein,

Simon Feifer, Isaac Kleiman, Salomão Trajber, Benjamin Rosset, N. Voltzman e Majer

Zemel. A orientação do currículo judaico seguiu desde os primeiros anos a linha ortodoxa,

próxima ao programa “Yavne” do Hamizrachi, e, entre seus professores contavam-se Jacob

Levin, Zalman Lifpshitz, Chaim Epstein, Sheine Lifpshitz e Jona Levin, sob a direção do

Rabino Meier Szulim Oselka.

A Escola Talmud Torá esteve, sempre, sob a tutela da Sociedade Israelita

Brasileira de Ensino Talmud Torá, que em 1946, inauguraria sua Sinagoga à rua Tocantins.

Com o desenvolvimento da escola que, em 1957, compreendia três anos de

Jardim de Infância, quatro anos de Português e disciplinas gerais e ainda cinco classes de

ídiche e hebraico, concebeu-se a idéia de criar um ginásio que, de fato começou a ser

construído em 1963, passando a denominar-se Ginásio Israelita Brasileiro Talmud Torá.

O Talmud Torá formou centenas de alunos, e hoje comemora 60 anos de existência como

respeitável instituição de ensino e educação, sendo, sem dúvida, um dos orgulhos da

comunidade judaica de São Paulo, para a qual deu uma contribuição preciosa: homens e

mulheres identificados com seu passado, suas tradições e seus valores.

190

24. O Macabi de São Paulo e sua evolução

Antecedeu ao Macabi uma instituição esportiva com o nome de “Sport-Club”.

No ano de 1927, um de seus membros, Siegfried Weber, ousou entrar nesse clube com um

grande Maguen David no peito, e foi por causa disso expulso. Assim, ele resolveu,

juntamente com outros amigos, criar uma nova associação.

A fundação do Macabi em São Paulo, deu-se em 14 de dezembro daquele ano,

e entre seus iniciadores se encontravam o já citado Weber, Benjamin Flit, Adolfo Wolff,

Max Jagle, I. Raicher, P. Schuster e outros. O numero de sócios chegava a 80. A primeira

diretoria era constituída por Abraham Milstein, Israel Iampolski, Adolfo Wolff, Carlos

Weiss, Max Jagle, Siegfried Weber, Moisés Vainer, Dov Smaletz, Fernando Wolff, José

Timoner, Marcos Fankenthal, Saul Stracovski e Boris Skilnik.

O “Ídishe Folkstzaitung” (Jornal Popular Israelita), publicado no Rio de

Janeiro, em seu número de 13 de março de 1928, refere-se a uma concorrida assembléia

geral do clube que foi aberta por Max Jagle. A notícia resume o que se passou naquele

encontro informando que tomou a palavra o sr. Weber, que discursou sobre o tema “Turn

und Sport” (Ginástica e Esporte). O diretor Frankenthal criticou a comissão por levar a

língua alemã ao Macabi e manifestou seu protesto pessoal em razão de tal fato. O secretário

Wolff relatou em seguida as atividades da agremiação, havendo debates sobre o caráter

sionista que deveria imperar no clube, e com a participação dos srs. Smaletz e Waltz.

Afinal, foram eleitos Frankenthal e Yampolski como fiscais.

O Clube Esportivo Israelita-Brasileiro Macabi tinha sua sede no bairro do Bom

Retiro que, na época, passava a ser o centro residencial e comercial da imigração judaica

em São Paulo. Em seguida, foi adquirida a sede campestre da rua da Coroa (próxima ao

atual Shopping Center Norte). Seu espaço passou a ser o local preferido das entidades

comunitárias para a realização de eventos culturais e comemorações das festividades

tradicionais de Lag Baomer, que na verdade é uma festividade campestre, além de outras.

Elas atraíam multidões de pessoas e, em particular, os alunos das escolas judaicas e suas

famílias, que se deliciavam à sombra das árvores do clube.

Em 24 de março de 1928, houve ali uma festiva reunião com representantes de

todas as instituições: Círculo Israelita, Agudat Israel do Braz, Agudat Achim, Cadima,

Organização Sionista e os periódicos Ídishe Folkstzaitung e Brazilianisher Idishe Presse

(Imprensa Israelita-Brasileira) . Foi realizado na ocasião um desfile com acompanhamento

musical, atividades esportivas, a encenação de uma peça sob a direção de Max Jagle e

também um baile. Além dos 80 sócios, mais 25 se inscreveram naquela noite (conforme

notícia do Idishe Folkstzaitung de 30/3/1928).

As famílias dos bairros mais afastados – Brás, Lapa, Cambuci, Ipiranga, Penha

– cujas comunidades tinham, na época, vida própria ao redor de suas sinagogas, tiveram a

partir da fundação do clube, a oportunidade de se encontrar com amigos e parentes numa

singela atmosfera de confraternização. O Clube Macabi propiciava uma amálgama

espontânea de todas as pessoas que o freqüentavam, sócios e não-sócios, que de certa forma

voltavam para “o campo ou a vida campestre” de seus lugares de origem.

Aqueles dias felizes no campo do Macabi são inesquecíveis para todos aqueles que os vivenciaram, em especial para as crianças e os escolares da época, hoje avós de

criaturas da mesma idade, que brincavam, corriam e faziam travessuras ao redor das toalhas

estendidas no chão, sobre as quais se encontravam os sanduíches e pratos que de vez em

191

quando vinham beliscar. Quem poderá esquecer os dias ensolarados e o cair da tarde na rua

da Coroa?

Em 1939, uma comissão formada por Raphael Markman, Zvi Yatom, Max

Jagle, Rodolpho Schraiber, L. Zitman e outros, ficaria incumbida de reestruturar o Macabi,

conforme notícia veiculada no “Velt-Spiegel”(Espelho do Mundo) n.º 8, de janeiro de

1940.

Mais tarde o Macabi ficaria ligado aos destinos do Círculo Israelita, fundado

em 1928, e ao Centro da Organização Sionista, que realizaria parte de suas atividades no

clube.

O Clube Macabi destacou-se em várias modalidades esportivas e participou de

campeonatos nacionais e internacionais, revelando um bom número de atletas da

comunidade judaica. Os valorosos defensores do Macabi compareceram nas Macabíadas

Pan-americanas e Mundiais, e em torneios em países da América Latina e Israel.

Ao adquirir a área de 36.000 metros quadrados à avenida Nova Cantareira, o

Macabi já se encontrava entre os clubes tradicionais da cidade de São Paulo, e além de

esportes, também dava atenção às atividades culturais, como fizera, efetivamente, desde os

primeiros anos quando Max Jagle era o “regisseur” de um grupo dramático de língua

ídiche.

Nesse ínterim, outro clube judaico já se fazia presente na vida comunitária, mesmo assim os

“macabeus”, como sempre, mantiveram-se fiéis ao nome e patrioticamente agüentaram as

venturas e desventuras de seu clube, que acima de tudo, escreveu as páginas mais belas da

história da coletividade israelita de São Paulo.

192

25. Jose Nadelman e a história dos judeus em São Paulo

A história dos judeus em São Paulo, assim como no Brasil, apesar dos avanços

obtidos nos últimos anos com o surgimento de excelentes pesquisadores, ainda oferece um

campo amplo e fértil de trabalho aos interessados na área. Pois há o que fazer, se

considerarmos os poucos trabalhos existentes sobre as sucessivas levas imigratórias desde

os inícios do Brasil Independente, que se radicaram na grande extensão do território

nacional.

Mas o trabalho científico realizado nas instituições universitárias, e fora delas,

por historiadores que receberam seu adestramento profissional nos bancos escolares, deve

muito aos “cronistas” que intuíram a importância de se registrar eventos, acontecimentos e

pessoas. Sem os memorialistas ou cronistas, muito do que hoje sabemos ter-se-ia perdido

para sempre, uma vez que o pouco zelo para preservar arquivos institucionais e pessoais

caracterizou, em boa parte, as primeiras décadas da imigração judaica contemporânea. Isso

se explica por dois motivos fundamentais, entre outros, que são:

a) A maioria absoluta dos imigrantes era pobre e precisava concentrar sua atenção na

sobrevivência diária.

b) Poucos tinham formação suficiente para dedicar-se a criar uma instituição ou

arquivo destinado tecnicamente a esse objetivo; isso viria a ocorrer bem mais tarde,

o que não significa que não tivessem interesses culturais mais amplos, que

efetivamente se manifestou com a fundação de bibliotecas, periódicos, grupos

teatrais, ou sociedades congêneres.

Em São Paulo, desempenhou um papel decisivo como memorialista da

comunidade judia José Nadelman, um dos seus dedicados ativistas que esteve ligado à

formação de várias de suas instituições. Do mesmo modo que elas acabaram por

desaparecer, também seu nome ficou esquecido para as gerações posteriores.

Em busca de elementos para uma biografia, obtive da Chevra Kadisha de São

Paulo alguns dados pessoais a seu respeito. Pelo registro de óbito, consta que veio a falecer

em 31 de janeiro de 1948, com 66 anos de idade, e era natural da Rússia, filho de Jacob e

Anna, casado com Dvora, deixando dois filhos, Jacob e Elisa. A informação é

testemunhada por uma outra personalidade conhecida na comunidade, Francisco Teperman.

A certidão foi atestada pelo Dr. Moysés Barmack, e o corpo sepultado no Cemitério

Israelita da Vila Mariana.

Os anos de pesquisa sobre a imigração judaica no Brasil levou-me a conhecer ,

além de anotar durante minha leitura dos periódicos notícias esporádicas que aqui e acolá

podia encontrar sobre sua atuação na vida comunitária daquele tempo. Sabemos que ele

tomou parte na diretoria da Kehilat Israel, em 1913, que foi a primeira comunidade dos

imigrantes da Europa Oriental organizada em São Paulo e fundada um ano antes. Também

figurava como membro da primeira comissão diretora da Ezra, no cargo de vice-presidente,

conforme a ata de fundação, que se deu em 20 de maio de 19163521

. Durante a “gripe

352

“A História da Ezra”, p. 19. Seu nome aparece também no periódico fundado por David José Perez em

1916, “A Columna”, por várias vezes, no dois anos de sua existência.

193

espanhola” de 1918, quando se transformou a sinagoga Knesset Israel em hospital, ele

também foi um dos que ajudaram no cuidado dos internados3532

.

Lamentavelmente, não pudemos obter dados sobre sua vinda ao Brasil, pois

ele não figura no “Léxico dos ativistas sociais e culturais” de Henrique Iusim, cujo projeto

era preservar a memória dos veteranos da imigração judaica e do qual, a parte concernente

a S. Paulo e Rio de Janeiro, nunca chegou a ser publicada.

Porém, o seu íntimo conhecimento dos inícios da comunidade paulista se revela

na descrição que nos faz sobre o assunto em um artigo publicado no periódico “Velt-

Spiegel” (Espelho do Mundo) sob o título, “Alte um naie zichroines”, (Velhas e Novas

Recordações)354

. Ele nos narra que até 1910-12, a vida comunitária não passava de um

minian (o número de 10 pessoas necessárias para o culto sinagogal) nos dias de Rosh

Hashaná e Iom Kipur. Somente em 1913 registrou-se uma “Comunidade Israelita em São

Paulo”, que adquiriu uma casa na rua da Graça, para fundar uma sinagoga (Kehilat Israel).

Também foram criadas uma biblioteca e um clube social com um círculo filodramático, que

encenava peças teatrais com amadores e artistas profissionais que passavam pela cidade.

Na mesma sinagoga funcionava uma pequena escola. Mais tarde, construiu-se

uma outra sinagoga, pois a primeira ficara pequena. Havia necessidade de alugar-se

temporariamente um salão, onde os novos imigrantes ficariam apartados dos outros, os

mais ricos, que continuaram na rua da Graça. Assim, surgiu a “Knesset Israel”, na rua

Tocantins. Ele ainda nos informará que em 1914, nos inícios da guerra, veio a São Paulo o

dramaturgo Peretz Hirshbein, devido a que um dos líderes da época, Abraham Kaufman, já

se encontrava muito doente e veio a falecer logo após355

. Ficamos sabendo pelo mesmo

artigo que o dramaturgo hospedou-se na casa de Isaac Tabacow, à rua Três Rios 55, e todas

as noites ele era visitado por pessoas da comunidade, enquanto, durante o dia, percorria a

cidade. Deu duas conferências em São Paulo, uma das quais no Teatro Lira, no Largo

Paissandú. Quando deixou o Brasil, a caminho de Nova York, seu navio foi afundado por

um cruzador alemão. Ele foi salvo, com os demais passageiros, e levado para o Pará, de

onde seguiu viagem.

Nadelman ainda nos dará outros detalhes sobre o desenvolvimento da

comunidade nos anos seguintes. Sua atuação na Ezra foi duradoura e, na assembléia de 31

de agosto de 1930, ele seria eleito presidente, tomando parte posteriormente em várias

diretorias. Sua fidelidade a essa entidade de ajuda ao imigrante o levou a ser seu porta-voz,

enviando à imprensa local notícias sobre o que se passava na mesma356

. Nadelman era

considerado uma pessoa culta para os imigrantes da época, e o historiador Isaac Raizman,

em sua obra “Vinte e cinco anos de imprensa judaica no Brasil”357

, confirma que ele era

353 Id., p. 35.

354 . “Velt-Spiegel”, nº 12, agosto, 1940, p. 16.

355 Peretz Hirshbein escreveria uma narrativa em seu livro “Fun Vaite Lender” (De terras longínquas) sobre a

morte de Abraham Kaufman. 356

Em artigo publicado no “San Pauler Idische Tzeitung”, de 21 de outubro de 1937, ele se refere, em um

artigo sob o título de “Di Ezra farzamlung” (A assembléia da Ezra), à disputa para a presidência entre José

Teperman e Benjamin Kulikovsky. 357

. “A Fertl-Iorhundert Idische Presse in Brazil”, ed. Muzeum le-Omanut há-Dfus, Safed, p. 150.

194

oriundo da Bessarábia e que emigrara aos Estados Unidos e passou a viver em Nova York,

trabalhando como cortador em uma oficina de roupas.

Encontramos Nadelman atuando em outro momento importante da vida judaica

na capital paulista ao participar da fundação, e servir como redator, do jornal “San Pauler

Idishe Tzaitung” (Gazeta Israelita de São Paulo), juntamente com Marcos Frankenthal, que

era seu diretor, e Elias Amstein, que ocupou o cargo de administrador do jornal. Sua

dedicação ao novo periódico, desde que começou a sair, em 22 de outubro de 1931, como

semanário, foi exemplar. Já em 1933, saía duas vezes por semana, e no final do mesmo ano,

quando Raizman passou a ser seu redator, devido à saída de Nadelman, o jornal já era

publicado três vezes por semana358

.

Apesar do seu afastamento, Nadelman chegou a publicar alguns artigos, dentre

eles um necrológio de valor histórico sobre a pessoa de Isaac Tabacow por ocasião de dez

anos de seu falecimento, que ocorreu em 6 de julho de 1930. Aqui, temos mais um texto,

curto, mas rico de informações, com o qual o notável memorialista nos agracia ao descrever

a trajetória de vida daquela figura ímpar que foi Isaac Tabacow359

. Porém, a maior

contribuição que Nadelman deu aos historiadores da imigração judaica de São Paulo foi a

“Gueshichte fun Ezra, 1916-1941” (História da Ezra), editada pela tipografia Frankenthal

em 1941, e com ela conseguiu salvar do esquecimento os primórdios da imigração israelita

em nosso Estado360

. Porém, considerando o que vimos mais acima perceberemos que

Nadelman estava imbuído da importância de registrar a memória da imigração e era, de

fato, o homem talhado para escrever essa história.

A “História da Ezra” contém bem mais do que a história da instituição que teve

um papel decisivo e vital na ajuda e amparo aos que aportavam em busca de um novo

destino e um novo lar. Em suas 174 páginas, além das ilustrações, o nosso cronista retrata a

formação das primeiras organizações comunitárias e os passos gradativos que a

comunidade foi dando para atender a suas necessidades religiosas, econômicas, sociais e

culturais. Desfilam nesse livro os nomes das primeiras famílias de imigrantes da Europa

Oriental que serviram de alicerce às instituições que surgiram naqueles anos.

358

O “San Pauler Idische Tzeitung” continuou existindo, apesar das suas freqüentes mudanças em sua

redação, na qual se sucederam Salomão Steinberg, Elias Lipiner, Nelson Weiner, além de vários outros, e o

próprio Frankenthal. O jornal encerrou suas atividades no ano de 1941, por ocasião da proibição de

publicação de periódicos em língua estrangeira pelo governo Vargas. 359

. “San Pauler Idische Tzeitung”, 26 de julho de 1940. Nadelman relata que Isaac Tabacow veio pela

primeira vez ao Brasil em 1890, e aqui permaneceu por cinco anos, voltando ao seu país de origem, onde se

casou com Olga Tabacow, para voltar pela segunda vez em 1897. Ele teve que vender em Hamburgo os

presentes de casamento que ganhara para comprar as passagens. Ao desembarcar em Santos, com fome,

entraram em um restaurante português e quiseram deixar um sobretudo, e o dono acabou por lhe emprestar 40

mil réis. Em São Paulo, viajaram com alguma mercadoria ao interior, chegando a Franca, onde alugaram um

enorme estabelecimento, com um aluguel de 30 mil réis ao mês. Eram os únicos judeus da zona da Mogiana.

Em 1909, ele, sua esposa e dois filhos vieram morar em São Paulo. Os anos de 1909-1914 foram os de maior

imigração, nesse período que antecede a Primeira Guerra Mundial. Esses imigrantes, em sua maioria, vinham

da Bessarábia e a casa de Isaac os acolhia. Na prática, o ponto de referência dos imigrantes era a rua dos

Imigrantes 147, onde ficava a loja de Isaac Tabacow. 360

A idéia de elaborar a “História da Ezra” foi de Elias Amstein, um dos ativistas que participaram de sua

fundação, como parte dos eventos relativos à intenção de comemorar os 25 anos de existência da instituição,

que deveria: a) publicar um livro sobre a atuação da Ezra durante esse quarto de século; b) organizar um

banquete para a comunidade judaica (que, de fato, se realizou em 6 de julho de 1941) e cujo encerramento

seria um grande baile, bem adequado à vida social da época.

195

Quais foram as fontes das quais seu trabalho se serviu? Ele mesmo nos reporta

em um “esclarecimento importante”, que consta no livro, revelando as dificuldades com as

quais se deparou para realizar o seu intento: “os nomes, os documentos, datas e cifras

relativos à evolução histórica da comunidade judaica no Brasil em geral, e em particular em

São Paulo, nós os colhemos no arquivo da Ezra. Sabemos que nosso trabalho não está

completo, e com certeza omitimos fatos e acontecimentos, e é bem possível que muitos

participantes no desenvolvimento da comunidade não tenham sido, lamentavelmente,

lembrados. Mas isso é possível entender pelo fato de não existir em São Paulo nenhum

outro arquivo, com exceção do da Ezra, o qual, lamentavelmente, não foi bem cuidado em

seus primeiros anos de existência. E outras fontes que nos dessem maiores detalhes não

conseguimos encontrar. Sendo assim, certamente a comunidade nos desculpará”361

.

A verdade é que Nadelman, além do arquivo da Ezra, que se encontra hoje em

dia no Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, pôde consultar e entrevistar boa parte dos

primeiros imigrantes judeus de São Paulo, ainda que alguns desses pioneiros já tivessem

falecido, tais como Isaac Tabacow e Maurício Klabin36211

. Mas o sucesso do seu trabalho se

deve à vivência pessoal e participação na vida comunitária, que lhe deu um conhecimento

íntimo da história que pretendeu narrar e o fez com honestidade e humildade, pois quase

nada falou de si mesmo e de sua atuação.

Poucos anos antes, em 1938, ele criticava, em artigo sob o título “Di Kultur

Konferenz”, publicado no San Pauler Idische Tzeitung, o representante do Brasil no

Congresso Mundial de Cultura Judaica, realizado em Paris de 17 a 21 de setembro de 1937,

que havia relatado inverdades sobre a comunidade brasileira, corrigindo-o e demonstrando

assim o quanto a conhecia36312

. Em 1946, encontramos José Nadelman como secretário

administrativo do Lar dos Velhos de São Paulo, ocasião em que se lhe prestou uma

homenagem ao completar 65 anos de idade. Naquele evento o escritor Menashe Halpern

sugeriu que se plantassem árvores no Yaar Herzl, em Jerusalém, em seu nome36413

. Tratava-

se de uma justa homenagem a uma pessoa que fizera muito pelo judaismo paulista ao

mesmo tempo que soube bem avaliar a importância da preservação de sua memória.

361

. “Gueshichte fun Ezra”, nota introdutória. 362

. Porém, veteranos das primeiras instituições puderam dar informações preciosas ao seu auxiliar Nelson

Weiner, um jovem jornalista que, por conhecer bem o português, tomou parte no projeto. Ele entrevistou

médicos e profissionais que não eram judeus, porém tinham atuado junto à Ezra e seu sanatório em São José

dos Campos, além de outras instituições comunitárias. Entre eles estavam os Drs. Jorge Zarur, Otávio Del

Nero, Oscar Tollens, Luís do Rego, Ribeiro da Luz, Caio Machado, Antonio Cândido Camargo, além do

professor Clemente Ferreira e do advogado Cristiano da Luz, do Departamento de Agricultura e Imigração.

Na época da publicação da “História da Ezra”, já havia falecido uma das personalidades benfeitoras da

comunidade judaica de São Paulo e que prestara serviços extraordinários como médico e diretor do hospital

Santa Catarina, o Dr. Walter Seng. Lembrado no livro em vários momentos da história da imigração, é a

quem José Nadelman homenageia com profundo sentimento de gratidão. 363

364

196

26. Uma colonização judaica no interior de São Paulo

Há alguns anos, encontrei um necrológio na revista Aonde Vamos? , n.152, de 14de março

de 1946, noticiando o falecimento de uma senhora que teria vivido em uma colônia no

interior de São Paulo denominada Nova Odessa. Tratava-se de Cecilia Karacik, viuva de

Jorge Karacik, um dos primeiros colonos judeus contratados pelo governo brasileiro para

uma colonização no interior do Estado de São Paulo. A notícia de falecimento ainda

informava que deixara os filhos Anita, casada com Estanislau Cherques, Dr. Raul e Dr.

Manoel Karacik. A notícia despertou certa curiosidade, pois, através de uma comunicação

feita em um congresso de história, realizado em 1980 na cidade de Franca365

, sabia que este

núcleo era formado por imigrantes russos. Nesse ínterim, outras leituras, não diretamente

relacionadas ao tema, fortificaram minha convicção de que o assunto deveria merecer uma

atenção maior, a fim de se constatar quais seriam esses imigrantes e sua origem. Passados

muitos anos, a idéia de proceder a uma verificação no arquivo do Museu da Imigração, me

levou a encontrar, para minha surpresa, uma longa lista de imigrantes judeus, que em levas

sucessivas, desde o ano de 1905 à 1906, se dirigem, não somente à colônia Nova Odessa,

mas a outras duas denominadas respectivamente Corumbatahy-Colônia Jorge Tibiriçá, na

região de Rio Claro, fundada em 1905 e Funil- Colônia Campos Salles, na região de

Campinas, fundada em 1897366

.

Sabemos pela história contemporânea dos judeus, do surgimento, na Rússia Czarista do

século passado, de uma sociedade denominada Am Olam (O povo eterno), que tinha como

finalidade a formação de colônias agrícolas judaicas nos Estados Unidos. A sociedade

tomou seu nome do título de um ensaio, escrito em hebraico, do destacado escritor do

Iluminismo judaico da Europa oriental, Peretz Smolenskin. A sociedade foi fundada em

1881, no mesmo ano do assassinato de Alexandre II que resultou em diversos ataques aos

judeus, e no início da grande emigração de judeus russos em direção ao ocidente. Seus

líderes Monye Bokal e Moisés Herder, ambos residentes em Odessa, eram idealistas e

aspiravam a colonização, sob a forma de comunas socialistas, dos judeus na América. Ao

mesmo tempo, que o movimento dos Biluim se voltava para um projeto de colonização

judaica na Palestina, com um programa nacionalista de voltar à terra de seus antepassados,

o Am Olam enviava, na primavera de 1881, um contingente de 70 profissionais, artesãos e

estudantes oriundos de Yelizavetgrad para a América, ao qual se sucederam novos grupos

entre 1881-1882, com centenas de pessoas das cidades de Kiev, Kremenchug, Vilna e

Odessa.367

Muitos dos imigrantes permaneceram em Nova York, mas assim mesmo

365

El Murr, V. Namestnikov, A escassez de fontes para o estudo da imigração russa em São Paulo, in

Memória da II Semana da História, 24-28 de outubro, 1980, UNESP, Franca, pp.387-397. 366

No livro Impressões do Brazil no Século Vinte, “impresso na Inglaterra para circular nos Estados Unidos

do Brazil e outros paízes estrangeiros”, Lloyd’s Greater Britain Publishing Company, Ltd., London, 1913,

p.199, encontramos um relato que faz referência às colônias “que ainda se acham sob a administração do

Estado: “Campos Salles “, a 54kms. Da cidade de Campinas, servido pela E.F. Funilense, fundado em 1897

com 20 famílias suissas e alemãs, hoje dividido em 234 lotes e povoado por mais de 1200 pessôas, que se

dedicam ao cultivo dos cereaes, canna de assucar, algodão batatas, mandioca, vinhas, legumes, etc.; “Jorge

Tibiriçá” , a 28 kms. Da cidade de Rio Claro, pela E.F. Paulista, fundado em 1905, dividido em 136 lotes

ruares, colonisados pelo sistema de meyação; “Nova Odessa”, assim chamado por só receber colonos russos,

a 31 kms. Da cidade de Campinas, servido pela E.F. Paulista, fundado em 1904 (sic) e dividido em 93 lotes,

em que se cultivam cereaes, batatas, mandioca, etc....” 367

V. Encyclopaedia Judaica, Keter Pub. House, Jerusalém, 1971, vol. 2, pp.861-2. Conforme Menes, A. ,

The Am Oylom Movement, in YIVO Annual of Jewish Social Science, Yiddish Scientific Institute, New

197

chegaram a criar quatro colônias, na Louisiana, no sul da Dakota e a mais duradoura, de

caráter socialista, fundada perto de Portland, no Oregon, em 1882, liderada por Pavel

Kaplan e William Frey com o nome de New Odessa, que resistiu até 1887, quando por

dissensões internas e desmoralização acabou desagregando-se. Ainda que houvesse um

esforço de Kaplan dar continuidade ao empreendimento, em forma de comunas urbanas, já

em 1890 elas haviam se dispersado. Parte de seus membros, de alto nível intelectual, e

imbuídos de sua missão ideológica, tiveram um papel importante nos meios socialistas de

Nova York. Esse mesmo elemento humano também ingressou na vida intelectual daquela

cidade e alguns de seus membros participaram na formação do teatro iídiche em solo

americano.368

Mas, apesar da coincidência do nome Nova Odessa, não temos, até o momento, a

possibilidade de estabelecer que a imigração vinda da Rússia ao Brasil a partir de 1905 seja

um desdobramento do movimento iniciado pelo Am Olam em seu tempo, ou então que seu

vínculo consiste apenas na lembrança de um nome ligado a uma iniciativa que houve no

passado. A verdade é que os anos de reinado do czar Alexandre III, sucessor de Alexandre

II assassinado em 1881, se destacam como um dos períodos de maior perseguição anti-

judaica na Rússia. Os ataques aos judeus se sucedem dos anos 80 ao início dos 90,

acompanhados de novas leis restritivas àquelas já existentes anteriormente, decorrentes,

também, do fato dos estudantes judeus serem identificados com o jovem movimento

revolucionário, que nesse momento já se define como socialista-marxista, sendo alvo de

ataques cruéis e violentos que visam silenciá-lo, momentaneamente.

Nessa última década do século XIX, intensificou-se a grande emigração de judeus em

direção ao ocidente e às Américas, sem qualquer interrupção, uma vez que a ascensão do

czar Nicolau II, em 1894, não modificou a postura do governo em relação aos judeus. A

partir daqueles anos, muitos dos judeus da Rússia, estabeleceram-se nos países da Europa

Central e Ocidental, assim como na Inglaterra. A preocupação das comunidades judias,

tradicionais nos países que estavam recebendo uma enorme leva de judeus do leste europeu,

levou a criação de instituições de ajuda e planos de colonização para outras regiões que

demandassem mão de obra agrícola. A fundação da Jewish Colonization Association, em

1891, por inicíativa do Barão Hirsch, e outros magnatas da época, tinha como motivo

central a tentativa de encontrar uma solução para estes problemas. De fato quando a JCA

adquire terras no Rio Grande do Sul para estabelecer colônia judias com judeus oriundos da

Rússia, começando por Philipson, em 1904, o Governo de São Paulo, com novo ímpeto

também projeta a vinda de “russos”, em 1905, para renovar e criar novas colônias no

interior do Estado.

Creio que a imigração ao Brasil, entre 1905 e 1906, está diretamente associada, e tem como

causa, o fundo histórico lembrado acima acrescido da onda de pogroms deliberadamente

York, 1949, vol. IV, pp. 9-33, o primeiro grupo se organizou em Odessa logo após os pogroms de 3 a 5 de

maio de 1881 que ocorreram naquela cidade. Manes trás elementos que permite aventar a hipótese que o Am

Olam acreditava ser possível criar um estado Judeu nos Estados Unidos. V. também Frankel, J., The Roots of

“Jewish Socialism” (1881-1892): From “Populism” to “Cosmopolitanism” in Essencial Papers on Jews and

the Left, ed. Ezra Mendelsohn, New York University Press, New York-London, 1997, pp. 58-77. 368

V. Gorin ,B., Di geschichte fun idichen theater, Max N. Meisel, New York, 1918-1923, vol.II, pp. 10-11.

Gorin relata que os membros do Am Olam, ainda na Rússia , usavam os espetáculos teatrais para levantarem

fundos para o movimento, e que na medida em que passaram a viver na cidade de Nova York, como

trabalhadores das oficinas e dos sweatshops, revelavam seus talentos em momentos de descontração e

cantoria nos próprios locais de trabalho.

198

orquestrada pelo governo russo, devido ao seu fracasso na guerra contra o Japão, em 1904-

5, e à eclosão da revolução do ano de 1905, decorrente, assim como estimulada pelas

derrotas militares. Logo após abril de 1905, quando, entre outros lugares, se deu o pogrom

de Zhitomir, com trágico resultado para a comunidade judaica local,369

chegariam ao Brasil

os primeiros judeus da Rússia para a nova colônia da Estação Vila Americana - Núcleo

Nova Odessa. 370

Oficialmente a colônia foi fundada pelo decreto 1286 de 24 de maio de

1905, baseado , no artigo 2 do decreto do Presidente do Estado de São Paulo, número 751,

de 15 de março de 1900. No artigo 1 deste decreto consta: “Fica creada na fazenda

“Pombal”, de propriedade do Estado, o Núcleo Colonial Nova Odessa, o qual poderá ser

exclusivamente destinado para localização de imigrantes russos, agricultores e constituídos

em famílias.” Na verdade o núcleo foi estabelecido em terras particulares compradas pelo

Governo, e alargado com a aquisição,ainda em março daquele ano, de uma fazenda anexa,

fazenda Pombal, situada à margem da Estrada de Ferro Paulista, e com terras adicionais

pertencentes a antiga fazenda Velha.371

Um levantamento dos nomes das famílias que chegaram, mostra que as primeiras levas de

colonos, em sua quase totalidade, eram formadas por judeus e que somente à partir do final

de 1905, isto é, dos últimos dias de dezembro daquele ano, começaram a chegar alemães,

austríacos, russos-letos, que professavam outras religiões. A colônia Funil-Campos Salles,

criada anteriormente, em 1897, teve como seus fundadores elemento humano não-judaico, e

segundo o Relatório da Secretaria da Agricultura, de 1903, encontravam-se no núcleo, entre

outras nacionalidades, 30 russos.372

Mas, em 1905, Corumbatahy-Colônia Jorge Tibiriçá e

Nova Odessa recebem os imigrantes judeus que chegam nos navios da Royal Mail Steam

Packet Company, especialmente contratada, em 3 de abril de 1905, pelo Governo do

Estado para trazer da Rússia, via Inglaterra, tais colonos. O fretamento dos navios, que

saem em sua absoluta maioria de Southampton e excepcionalmente de Cherbourg, com um

grande número de imigrantes que serão posteriormente levados às colônias, e também à

Capital, nos leva a crer que o governo do Estado, através de seus agentes, tinha ciência da

precária situação em que se encontravam os judeus da Rússia, situação esta que os impelia

à emigrar em direção ao ocidente na tentativa de se estabelecerem, sem que, em sua maioria

tivessem possibilidades de serem bem sucedidos, uma vez que não eram bem-vindos, seja

na Alemanha, Inglaterra ou outros lugares.373

O núcleo Dr. Jorge Tibiriçá foi criado pelo contrato datado de 25 de março de 1905,

estabelecido com a Companhia Pequena Propriedade, da qual o governo adquiriu a metade

369

Sobre esse pogrom, entre outras fontes, temos uma descrição fidedigna do líder do Bund Beinisch

Michalewich, no livro Beinisch Michalewich-Buch, ed.Kultur un Hilf u. n. Arthur Siguelbaum, Buenos

Aires, 1951, pp. 281-87. 370

Livro de Matricula de Imigrantes, no. 74, pp. 81-82, Arquivo do Museu do Imigrante, São Paulo. Os

imigrantes vieram com o navio “Magdalena” e deram entrada na Hospedaria dos Imigrantes em 8-9 de maio

de 1905. 371

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de 1905 - AE, pp. 142-3. Vide o Apêndice “Decreto

N. 1286 de 24 de maio de 1905” que especifica os artigos referentes ao Núcleo Nova Odessa, seu

planejamento econômico-agrícola e demais detalhes. 372

Relatório da Secretaria da Agricultura de são Paulo de 1903 - AE, pp.76-78. O núcleo estava composto de

brasileiros, alemães, franceses ,austríacos, italianos, suíços, suecos, portugueses e outros, num total de 892

colonos. 373

A sucessão dos navios com suas datas de chegada bem como a lista dos passageiros encontra-se no anexo a

este estudo intitulado “Lista dos Imigrantes Judeus nas Colônias do Interior de São Paulo e na cidade de São

Paulo”.

199

das terras da fazenda “São José do Corumbatahy”, com o propósito de retalhá-la

conjuntamente, com a outra metade, que ficou pertencendo àquela empresa. Pelo decreto

1320 de 30 de setembro de 1905, foram estabelecidas as condições para a concessão dos

lotes pertencentes ao governo. Por outro decreto, o de numero 1300 de 22 de agosto, foram

anexadas terras doadas pela Arthur Nogueira & Comp. para a colonização em Campos

Salles 374

. O núcleo Jorge Tibiriçá adotou um sistema diverso ao de Nova Odessa, isto é, o

da parceria entre o governo e o proprietário das terras. O Estado pagou a metade das terras

de propriedade particular, dividindo-a em lotes que foram distribuídos, alternadamente,

entre o governo e o outro proprietário. 375

Podemos identificar na criação dos novos núcleos, neste ano de 1905, uma renovação da

política governamental de colonização e a abertura à imigração, após um período de

estagnação que vai de 1897 a 1904, ano em que é retomado o ímpeto para encetar um novo

processo de colonização, mesmo porque, a demanda de mão de obra se fazia sentir na

economia paulista, a começar da área agrícola cafeeira. No Relatório da Secretaria da

Agricultura do ano de 1904 se nota que “o serviço de colonização está iniciado com a

aquisição, para serem divididas em lotes, de duas fazendas, ambas à margem da Estrada de

Ferro Paulista, uma exclusivamente do governo e outra por meação ou parceria com seu

antigo proprietário... É apenas um início, no qual se está, por assim dizer fazendo o ensaio

de novos moldes para a adoção de um plano de ação, mediante o qual se obtenham

resultados mais prontos e seguros”.376

Além do mais, criava-se um fundo para a

colonização, que deveria prover recursos financeiros para a retomada da política

governamental de facilitar a vinda de imigrantes. Ao mesmo tempo, instituiu-se um

Comissariado do Estado de São Paulo em Antuérpia, para a fiscalização dessa imigração e

para propagar o seu desenvolvimento.377

Quando, a partir de maio de 1905, os imigrantes começaram a chegar, eles puderam optar

em se dirigir a um dos três núcleos coloniais assim como também para a capital do Estado.

Pelo levantamento que fizemos das listas de passageiros judeus, que vieram neste ano até

os inícios de 1906, incluindo-se as mulheres e as crianças, temos a seguinte distribuição:

Nova Odessa - 82; Corumbatahy-Dr. Jorge Tibiriçá - 244; Campos Salles – 155; Capital e

Porto Zootechnico – 223, além de outros 20 que se dirigiram para o Rio Grande do Sul,

perfazendo o total de 723 almas. Os navios da Royal Mail Steam Packet Comp.

transportaram-nos nas seguintes datas: Magdalena, 8-9/5/1905; Aragon, 2/8/1905; Danube,

30/8/1905; Clyde, 17/11/1905; Magdalena, 21/12/1905; Thames, 27/12/1905; Clyde,

18/1/1906; Nile, 1/2/1906. As duas maiores levas de imigrantes vieram em 2/8/1905

(Aragon) e 30/8/1905 (Danube). É interessante notar que parte dos filhos dos imigrantes

vinham com a cidadania inglesa, indicando que muitas dessas famílias já se encontravam na

Inglaterra há vários anos, isto é, desde o século passado. Por outro lado devemos observar

que o número de imigrantes pode ser maior pois na listas de nomes que constam na Folha

374

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de 1905 - AE, p.126. 375

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de 1907- AE, pp. XXIV-V. Neste relatório se informa

sobre o restabelecimento da administração do velho núcleo de Campos Salles núcleo, que, sob esse aspecto,

devia estar abandonado. O esforço do Governo do Estado se manifesta nas “Instruções para a localização de

imigrantes nos núcleos coloniais Nova Odessa e Jorge Tibiriçá” de 30 de setembro de 1905. Vide Apêndice

com este título. 376

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de 1904 – AE, p.131.

377

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de l907 - AE, pp. XXIV-V.

200

de Pagamento, de agosto e outubro de 1905 da colônia Nova Odessa,378

aparecem nomes

que não constam nos Livros de Matricula de Imigrantes, pelo fato de serem registrados

somente os que se abrigavam na Hospedaria dos Imigrantes.

Porém, já no Relatório da Secretaria da Agricultura de 1905, publicado no ano seguinte, ao

se referir à Nova Odessa, encontramos expresso que “os primeiros imigrantes localizados

nesse núcleo não provaram bem. Eram das primeiras levas de imigrantes russos que não

dispunham de verdadeira aptidão para a lavoura (g.n...”379

O mesmo ainda dirá que “

corrigidos os defeitos de angariamento dos primeiros imigrantes vindos com destino a esse

núcleo, as levas que foram chegando no corrente ano [de 1906] garantiram logo o rápido

povoamento do núcleo, que vai já bastante adiantado.” E no relatório da mesma secretaria

do ano de 1906 lemos que “com a vinda dos imigrantes russos-letos, que começaram a

chegar em junho, pode-se considerar iniciada a fase de definitivo povoamento do núcleo.

Estes imigrantes, todos camponeses, mostraram , desde o primeiro dia, a maior ansiedade

por voltarem à vida rural que haviam deixado em sua pátria. Mostram o maior interesse em

se instalarem bem e de modo definitivo.”380

De fato, segundo os Livros de Matricula de

Imigrantes, correspondentes aos anos de 1906 e 1907, chegariam à Nova Odessa as famílias

de russos-letos, assim como alemães, austríacos e poloneses, além de russos-letos, em

Curumbatahy-Jorge Tibiriçá.381

Na documentação referente às colônias constatamos que a partir de junho de 1906 há uma

grande quantidade de solicitações de lotes de parte de russos-letos, lotes estes que

pertenceram antes aos primeiros colonos judeus. Assim, vemos uma solicitação de Carlos

Butkus, russo-leto, procedente de S. Catarina, recém-chegado, em cujo processo lemos que

“este lote já foi concedido a Abraham Aarons que o abandonou em 6 de junho do corrente

ano, e veio para São Paulo declarando ao Diretor do Núcleo não mais voltar por ser

negociante”382

. Entre os russos-letos que vieram diretamente aos núcleos encontramos

aqueles que estiveram anteriormente em Santa Catarina, entre eles, Carlos Triemer,

originário de Novgorod, que solicita lote em Nova Odessa, e que era residente em

Massaranduba, Santa Catarina.383

Do mesmo modo, o intérprete da Agencia Oficial, Julio

Malves, pede para reservar três lotes para os seus parentes que se acham em Santa

Catarina.384

O abandono dos imigrantes judeus se deu em curto espaço de tempo, pois não estavam

habituados ao trabalho agrícola, e mesmo aqueles que eram agricultores na Rússia não

conseguiram se adaptar às condições que deveriam enfrentar nas colônias brasileiras.

Talvez, boa parte dos que declararam ao imigrarem que eram agricultores, de fato, não o

378

Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem 7197. 379

Relatório da secretaria da Agricultura de São Paulo de 1905 - AE, p.143. 380

Relatório da Secretaria da Agricultura de São Paulo de 1906 - AE, p.193.

15 Livros de Matricula de Imigrantes- IMI, 77, pp.38-42; 78, pp.101,125, 156, 208,247; 79, p.19. 382

Documentação do Núcleo Colonial Nova Odessa, 1906, caixa 46, ordem 7197, proc. No. 4, 8de setembro

de 1906 – AE. 383

Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem 7197, proc. no. 16, junho de 1906. 384

Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem 7197, proc. no. 29, 23 de setembro de 1906. É

curiosa a argumentação apresentada para esse pedido:”... quase todos me perguntam porque eu não tenho

chamado a minha gente para São Paulo e desconfiam o fato pensando que nós não temos intenção de comprar

terra em São Paulo e que nós se não voltamos para Rússia, vamos para a Argentina, onde eu tenho muito

conhecimento e alguns conhecidos. Se nós tiver aqui terra os imigrantes tinham muito mais confiança para

este país. E nós preferimos muito mais o Estado de São Paulo como a Republica Argentina...” Fiz a

transcrição do português exatamente como foi redigido no documento.

201

eram, o que pode ser verificado numa leitura das listas dos passageiros aos quais as

autoridades portuárias parecem atribuir aleatoriamente certas qualificações profissionais

sem que se as possa comprovar. Às dificuldades naturais do trabalho agrícola, associavam-

se os imprevistos climáticos como podemos verificar no relato do responsável pelo núcleo

Nova Odessa, Candido Albuquerque: “As chuvas tem concorrido também para impedir os

trabalhos assalariados por conta do núcleo, o que tem feito com que muito reduzida é a

quantia que cada colono recebe no fim do mês para a subsistência da família”. Outros

fatores também se associariam para provocar demandas e causar decepções, como as

ocorrências freqüentes de extravio de bagagem, como no caso de Shaia Hassik, sobre o

qual se relata ter feito “gravíssimas ameaças “ por estar sofrendo privações e grandes

prejuízos com a demora em receber suas bagagens, queixando-se contra o governo, que,

conforme ele próprio, propositalmente procura prejudicá-lo...”385

Pelo visto, ele não era o

único a reclamar, pois no despacho do mesmo processo, o funcionário responsável pelo

núcleo diz ter seguido para lá e tomado as providencias que o caso reclamava, “chamando a

ordem os turbulentos, explicando as causas da demora das bagagens reclamadas, fazendo o

pagamento dos dois meses passados e procurando satisfazer a alguns descontentes por

motivos privados, devido em parte a falta de conhecimento de nosso clima e sistema de

lavoura”. Contudo, é interessante observar que, ainda em inícios de 1906, alguns imigrantes

judeus, que de início se dirigiram à Capital, solicitaram lotes em Nova Odessa com a

intenção de lá se estabelecerem como colonos. Porém, são casos isolados.386

Outros

demonstraram sua intenção de trabalharem em suas profissões, como no caso de Marck

Schwarzman, concessionário do lote 31, que pede autorização para montar uma pequena

tenda de ferreiro junto a sua casa, ou no um lugar que mais convier à administração do

núcleo. Nas listas dos assalariados do núcleo encontramos vários imigrantes judeus

exercendo tarefas de toda ordem, vinculadas diretamente à administração de serviços de

atendimento aos colonos. 387

Certamente, a não adaptação dos colonos judeus naquelas colônias levou a um processo de

abandono dos lotes que haviam adquirido, e seu conseqüente exôdo para os centros urbanos

daquela região, bem como para São Paulo, cidade que havia recebido parte da mesma leva

imigratória do ano de 1905, e assim como para outros Estados do país. Os núcleos

populacionais judaicos de Rio Claro, de Limeira, Campinas, São Paulo, receberiam

imigrantes egressos daquelas colônias, como podemos verificar pela trajetória particular da

família de Benjamim Golovaty, que de Corumbatahy-Jorge Tibiriçá acabaria por se

385

Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem 7197, proc. No. 17, de 11 de março de 1906, em

nome do funcionário do Núcleo, Candido de Albuquerque - AE. Shaia Hassik havia solicitado novo lote

devido sua família ser composta por 6 pessoas, mas retiraria seu pedido por “não se sujeitar a pagar a casa

pelo seu preço, dizendo que se retirava do lote, digo do Núcleo, logo que termina a colheita dos cereais que

plantou, isto é, dentro de 30 dias mais ou menos”. Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem

7197, proc. No. 27, de 25 de maio de 1906. 386

Documentação do Núcleo Nova Odessa, caixa 46, ordem 7197, proc. No. 28, Simon Lerman de 9 de

janeiro de 1906; caixa 47, ordem 7198, proc. No. 15, Marck Shwarzman; proc. No. 16, Mendel Bendewsky;

proc. No. 17, Marck Pipman, todos de 8 de janeiro de 1906 e que tinham imigrado para a Capital. Mais tarde

encontramos que o lote 31 de Nova Odessa passará, a Johan Mastbracher, um russo-leto, que o solicitou em

22 de setembro de 1906, lote este “ocupado anteriormente por Marck Pipman que o abandonou há mais de

seis meses...” . Doc. do Núcleo Nova Odessa , caixa 47, ordem 7198, proc. No. 10, Johan Mastbracher de 22

de setembro de 1906. 387

Documentos do Núcleo Nova Odessa, caixa no. 46, ordem 7197, no. 1A.. ano 1906.

202

estabelecer em Rio Claro, vindo, mais tarde, seus descendentes à viver em São Paulo.388

A

figura de Benjamim Golovaty é um exemplo comovente dessa imigração, que em sua

maioria absoluta aportou em Santos no decorrer do ano 1905, vindos da Rússia via

Inglaterra. Ele chegou com sua família no navio Danube, que saíra de Cherbourg, e entrou

em Santos em 30 de agosto de 1905, ficando hospedado na Hospedaria dos Imigrantes de

São Paulo, para ser encaminhado à colônia Jorge Tibiriçá.389

Pelo processo de 9 de agosto

de 1906, no qual ele pede permutar seu lote 68 por outro, de número 54, que pertencera a

Jacob Viener , sabemos que ele fora diretamente àquele Núcleo.390

Sua solicitação é

justificada pela dificuldade de ir ao local de trabalho naquele lote, por se encontrar muito

afastado, o que dificulta aos seus filhos, que são pequenos, chegarem até lá e ajudarem-no

no trabalho. Além do mais, ele pedia para morar ainda mais um ano na casa do Governo. O

pedido foi indeferido porque no parecer dos administradores Golovaty queria usufruir, com

a troca, o desconto que havia sido dado ao ex-proprietário do lote 54. No parecer do

secretário da agricultura, a razão para o indeferimento se prende ao fato “de nem um e nem

outro dos interessados ter sequer iniciado suas residências nos lotes, tendo ambos se

contentado em usufruir os favores do governo sem nada [...] no sentido da localização”. Ele

acrescentará em nota final, que dá margem a várias interpretações, que “a seção parece

ignorar a que se destina as casas da colônia, por quanto[ ...] sejam guardadas pela simples

habitação de vadios e especuladores (g.n.)”

Em 16 de outubro de 1906 Benjamim Golovaty escreveria uma carta ao Secretario da

Agricultura, Dr. Carlos Botelho, na qual relata sua odisséia pessoal como colono e que ao

meu ver é um documento notável pelo seu conteúdo, que além de revelar o que se passou

com os colonos judeus, aponta a imensa gratidão ao governo brasileiro por tê-los trazido ao

país:

“Núcleo Colonial “Jorge Tibiriçá” Seção Ferraz

Ilmo. Exmo. Sr. Dr. Carlos Botelho

DD. Secretário da Agricultura

Eu, abaixo assinado colono russo residente na seção Ferraz a um ano e meio, venho por

meio desta a presença de V.Excia. esclarecer o seguinte: Fui eu um dos primeiros colonos

que cheguei a Ferraz com quarenta famílias mais ou menos,391

as quais fugiram, restando

apenas duas, sendo eu e Luiz Tamb.

Por infelicidade no ano passado não pude fazer plantação, devido ter ficado a minha família

toda doente e em estado grave. Lutei com todas as dificuldades, e afinal triunfei, achando-

se atualmente toda a minha família restabelecida, e gozando perfeita saúde. Durante este

período de um e meio ano, tive ocasião de estudar de perto este lugar, e fiquei satisfeito

388

Devo agradecer à D. Anna e seu filho Maurício Golovaty por esta informação sobre seu antepassado

Benjamim Golovaty. Maurício também doou gentilmente documentos relativos à sua família ao Arquivo

Histórico Judaico Brasileiro, enriquecendo desse modo o acervo existente em nossa instituição. 389

No registro do Livro de Matricula do Imigrante sua profissão consta como sendo alfaiate, e tendo 40 anos

de idade. Estava acompanhado de sua esposa Basse, 36 anos, o irmão Samuel, 22 anos, os filhos Joseph, 18

anos, Genne 11 anos, Chaike 1 ano, Simon, 7 anos, Feige 3 anos, Dweire 5 anos. 390

No respectivo processo, de no. 19, caixa 39, ordem 7190, de 9 de agosto de 1906, consta a frase “... do

qual desfruta a um ano sem nada ter pago ainda...” 391

Listei 244 judeus que se destinavam a colônia Jorge Tibiriçá de acordo com os Livros de Matricula de

Imigrantes. Possivelmente muitos desistiram antes e foram a outros lugares ou vieram para a capital de São

Paulo. Se considerarmos que o número médio de membros de uma família era composta de 4 filhos, além dos

pais, a cifra lembrada por Benjamin é perfeitamente correta.

203

porque conclui que estas terras da seção Ferraz são ubérrimas podendo afirmar que aqui

está o futuro do colono recém chegado, não exitando em escrever à minha terra natal a

Rússia fazendo ver o que é o Brasil. Desejando plantar este ano, e duplicar de ano para ano

a minha lavoura venho a presença de V.Excia. pedir de conceder-me o lote no, 54 da seção

Ferraz, o qual está vago, achando-me prevenido com a quantia de 150$ 000 para a primeira

plantação, digo prestação. Aguardo apenas a solução de V.Excia. para entregar já esta

quantia, e imediatamente iniciarei o serviço de preparar a terra para o plantio.

Toda e qualquer informação que V.Excia. deseje, estou pronto a prestar-lhe se quiser dar-

me a honra de interrogar-me.

A quantia de 150$000 é correspondente a decima parte do valor do terreno que é 1.500$000

e solicito de V.Excia. o despacho com urgência para evitar que passe o tempo do preparo da

terra.

Não devo terminar este requerimento sem primeiro prestar homenagem ao Governo

Brasileiro, representado na pessoa de V.Excia. por ter em tão boa hora nos retirado do

nosso país onde éramos oprimidos, colocando-nos neste pitoresco lugar, onde só vemos um

futuro risonho, e em um país de liberdade.

As famílias russas que abandonaram este lugar foram convencidos que aqui estava a ruína

do colono, e isto devido a não quererem plantar e esperar pelo resultado, o que não se deu

comigo que aqui estou a um ano e meio e tenho notado quanto é rico este solo.

Esperando ser atendido neste meu justo pedido, tenho a honra de me confessar de V.Excia.

um humilde admirador.

São Paulo, 16 de Outubro 1906

Benjamin Golovaty”392

Contudo, a carta enviada ao secretário da agricultura não surtiu o devido efeito, pois o

chefe responsável que recebeu o requerimento para o julgamento final o indeferiu nos

seguintes termos: “Já tendo sido indeferido a 10 de setembro último, idêntico pedido do

requerente, que segundo informação da Agência Oficial, em 23 de Agosto último, é judeu

russo da 1a. leva, nada fez como agricultor e viveu no núcleo como pensionista do Governo

do que como colono, parece não dever ser deferido o presente requerimento. Ferraz, Chefe

da 2a. 18. 10. 906.” Além do acôrdo dado a esse parecer pelo diretor geral da secretaria

da Agricultura, ainda encontramos um “informe” de que o pedido “poderá ser deferido se

não residir em casa do Governo, favor de que já usufruiu um ano.” Se lermos atentamente

este último parecer, perceberemos que o funcionário que o assina frisa que o requerente “é

judeu-russo da 1ª leva” , sendo que, na documentação compulsada por mim, é a primeira

vez que se faz referência à religião de um colono. Um outro aspecto digno de nota neste

parecer é a associação dessa designação à “1ª leva”, que era de fato composta de judeus,

confirmando desse modo o que já sabíamos, porém com uma clara evidência depreciativa –

e sabemos porque- para não ser atendido o pedido do requerente. A primeira leva, isto é dos

judeus-russos, não se fixara no solo e causara gastos ao Estado. Daí a rude observação que

“nada fez como agricultor e viveu no núcleo como pensionista do Governo do que como

colono”, o que não corresponde inteiramente à verdade.

392

A carta se encontra no processo, acima mencionado, em nome de Benjamim Golovaty. O nome Benjamim

ora parece com n final ora com m, do mesmo modo o nome Golovaty, aparece como Golovate e no Livro de

Matricula de Imigrantes como Golovatkin. Em todos os textos e citações dos documentos da época optei

transcreve-los com a grafia de nossos dias.

204

Podemos concluir, pela letra da redação dos indeferimentos, assim como pelas expressões

que encontramos no Relatório da Secretaria da Agricultura referente ao ano de 1906 e

outros indícios apresentados em nosso trabalho, que os imigrantes judeus trazidos pelo

governo do Estado de São Paulo, com a intenção de criar novos núcleos agrícolas e renovar

seu projeto de colonização, decepcionaram os seus planejadores, que viram neles um

elemento não apto ao trabalho agrícola, pois abandonaram, em relativo curto espaço de

tempo, aqueles lugares sendo substituídos por russos-letos e outras nacionalidades.

O fato surpreendente é que desconhecíamos inteiramente a existência dessa imigração,

numericamente significativa, no ano de 1905, vinda da Rússia e programada pelo governo

do Estado para uma colonização agrícola, o que nos leva a alterar nossa avaliação sobre a

presença dos judeus ashkenazitas em São Paulo, e também no Brasil, pois acresce uma

nova leva imigratória às muitas que já compõem a cronologia e o quadro histórico da

presença judaica no país no ano em que comemoramos os seus 500 anos. Se esses colonos

fracassaram como agricultores, certo é que não fracassaram, porém, como cidadãos que nos

centros urbanos, espalhados pelo território nacional, deram sua contribuição em outras

atividades econômicas, sociais e culturais, e se mantiveram, e assim foram vistos, como

comunidades exemplares aos olhos da ampla sociedade brasileira. *

* Este artigo representa a primeira etapa de um trabalho que deverá ter continuidade sob a

forma de um levantamento que deverá investigar o destino dos imigrantes que vieram nos

anos de 1905 e 1906, pesquisa que exige o emprego da metodologia da história oral.

Algumas questões são relevantes e entre elas a da aculturação e assimilação dessa leva

imigratória bem como a sua dispersão pelo território brasileiro e fixação em outros lugares.

205

Apêndice 1: LISTA DOS IMIGRANTES JUDEUS NAS COLÔNIAS DO

INTERIOR DE SÃO PAULO E NA CIDADE DE SÃO PAULO

1- Estação V. Americana – Núcleo Nova Odessa

Nome Idade Profissão Navio Data de Chegada

Chassik, Solomon Magdalena (Southampton-Santos) 8-

9/5/1905

Channe

Samuel

Henne

Shrage

Laibe

Karasik, Hirsh

Zipe

Anne

Plotkin, Leibe

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp. 81-

82 – MI]

Grinberg(?),Pinches 27 agricultor Aragon (South.- Santos)

2/8/1905

(Gomberg)? Sheindel 24

Welver (f.) 6

Golde 4

Lea 2

Luiz 6m

Krians, Abram 42 agricultor

Basse 40

Chaim 17

Blume 12

Harry 8

Rosa 6

Cohen, Zelik 27 agricultor

Sarah 22

Braine 5

Melman(?), Abram 27 agricultor

Spivack, Mechmie 39 cigarreiro

Esther 39

Itzick 18

Nome Idade Profissão Navio Data de Chegada

Zelik 16

Ephraim 11

Rifka 2

206

Gordon, Harris 32 sapateiro

Chane 28

Beckie 12 (inglesa)

Rive 11

Braime 9

Sarah 8

Abbe 5

Gankel 3

Meische 2

Kaminsky, Morris 48 agricultor

Schiffre 42

Berel 8

Chaike 6

Gudel 23 escoveiro

Gold, Abram 29 maquinista

More 29

David 11

Basa 9

Morris 7

Fanny 5

Lewis

Trachtman, Wolf 27 agricultor

(irmão) Mordche 30 agricultor

Baraum, David 23 agricultor

Cohen, Louis 52 agricultor

Stelmach, Pincos 24 carpinteiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp. 258-266

– AMI)

Aisik, Abram 45 sapateiro Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Heiman 21

Neeri 20

Povlotzky, Benzion 40 carpinteiro

Abram 23

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

(cunhada)Pesse 23

Sapossnik, Jossel 24 pintor

Said, Baruk 41 alfaiate

Chaie 38

Basheva 15

Benjamin 13

Peisach 11

Leibe 9

Slatt 5

207

Beile 4

Zerkassky, Leiser 26 tipógrafo

Cohen, Barnet 48 cocheiro

Lea 46

Sarah 19

Katty 14

Harry 11

Izaac 10

Rachel 6

Weiner, Abraham 26 doméstico Danube (South. – Santos)

30/8/1905 (?)

(Obs. Aparece registrado em lugar separado)

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75, pp. 14-

19 – AMI]

2- Corumbatahy – Colônia Dr. Jorge Tibiriçá

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Kapeloff, Nachan 24 agricultor Aragon (South. – Santos)

2/8/1905

Levcovitz, Lazar 30 agricultor

Spulansky, Nesske 24 agricultor

Krisensky, Janker 35 agricultor

Zelzer, Welvel 36 agricultor

Skolnik, Isaac 25 agricultor

Chaie 25

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Zemo 4

Sruel 6m

Rustein, Maier 28 agricultor

(irmão) Beisen 20 agricultor

Shmulovitz, Meier 30 agricultor

Gerwitz, Abram 23 vidraceiro

David 25

Rissa 23

Morris 4

Dinerstern, Abbe 26 agricultor

Gutler, Josse 20 agricultor

Divenoff, Samuel 22 agricultor

Kashitsky, Shie 46 agricultor

208

Moske 22

Liser 12

Itto 19

Chone 17

Dhasse 14

Reichet, Hersher 28 negociante

Rinkof, Barnet 22 agricultor

Beile 22

Sore 1e 6m

Mirodznik, Mindel 28 agricultor

Codnash, Elie 28 tapeceiro

Meier 25 tapeceiro

Fayngold, Lazar 27 agricultor

Broner, Chaim 24 cocheiro

Fanny 22

Rigler, Jacob 24 (austríaco) agricultor

Hella 21 (russa)

Seiff, Joseph 19 agricultor

Migdan, Aaron 24 padeiro

Cohen, Feivel 19 agricultor

Cass, Simon 25 agricultor

Belinsky, Moshe 23 agricultor

Rincoff, Samuel 23 agricultor

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Altshuller, Mike 24 quitandeiro

Hoshman, Jankel 28 agricultor

Sane 32

Itzkovitz, Jael 25 cocheiro

Bernstein, Samuel 28 agricultor

Pliskin, Sem 22 agricultor

Sternlicht, Sigmond 35 foguista

Weinstein, Leibe 24 agricultor

Gerschman, Harris 26 padeiro

Breiman, Mochke 21 agricultor

Gorin, Gersch, 25 agricultor

Weisman, Samuel 30 carregador

(mulher) Chaim(?) 24

Adler, Philip 24 agricultor

Pesse 24

Moses 4

Rose 3

(irmão)Hersch 20

Lea 22

Tulka, Phillip 26 agricultor

Rozenzveig, Hein 30 agricultor

209

Zaller, Duga 21 agricultor

Berman, Gudel 20 agricultor

Bliskin, David 25 agricultor

Tamb, Luis 27 agricultor

Estherman, Gdale 25 agricultor

Rincopf, Haim 21 padeiro

Thernafski, Harris 26 agricultor

Burstein, Abraham 20 agricultor

Abramowstzky, Jacob 23 (Romania) pintor

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp.258-

266- AMI]

Anilewitz, Max 24 alfaiate Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Eidel 35

Solomon 7

Chaim 6

Ila 4

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Leie 12

Anilewitz, Gersh 29 cigarreiro

Esther 23

Annie 3

Rosa 1

Anilewitz, Samuel 32 cigarreiro

Annie 18

Apperbaum, Samuel 33 curtidor

Golde 26

Ganker 4

Leie 3

Leib 1

Bersner, Paul 23 sapateiro

Bebak, Gersh 25 alfaiate

Masche 22

Bernstein, Davies 30 sapateiro

Zile 27

Sruel 10

Gerah 6

Feige 4

Elie 1

Bernstein, Mimel 27 sapateiro

Chave 25

Bernstein, Joseph 20 pintor

Milli 22

Charak, Leiser 35 quitandeiro

210

Rachel 34

Nuchem 11

Chave 9

Aaaron 5

Rosemblum, Abraham tecelão

Chaimovitz, Itzik 41 agricultor

(irmão) Noech 22 agricultor

Erenbaum, Gersh 36 sapateiro

Esther 40

Gena 17

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Jankel 16

Sore 10

Israel 7

Isaac 3

Bergstein, Sam 21 carpinteiro

Finkelstein, Gersh 28 agricultor

Feige 22

Ruben 1

Gottlieb, Joseph 36 funileiro

Marian 28

David 11

Nathan 1

Guttarz, Leiser 35 alfaiate

Mendel 3

( irmão) Welvel 21 alfaiate

Golovatkin, Benjamim 40 alfaiate

(Golovaty) Basse 36

(irmão) Samuel 22 alfaiate

Joseph 18

Genne 11

Chaike 1

Simon 7

Feige 3

Dweire 5

Cressman, Morris 38 negociante de fumo

Guide 34

Schlome 10 (ingleza)

Isaac 8 “

Fanny 5 “

Golde 3 “

Solomon, Louis 45 alfaiate

Jacobs, Abram 33 agricultor

Chave 34

Harry 13

211

Fanny 6

Aaron 5

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Zallel 1

Heiman 10

Dora 8

Krassnapolsky, Harris 28 quitandeiro

Ette 25

Itte 5

Chane 1

Gaetzke, Abraham 34 cordoeiro

Zesskiss, Meier 35 cordoeiro

Kossanovffsky, Solomon 31 alfaiate

Kisseloff, Woolf 33 plantador de fumo

Sheindel 29

Esther 10

Genne 9

Rosa 7

Chana 2

(irmão)Simon 22

Gussenbuncunh(?), Manes 21 plantador de fumo

Lerman, Philip 44 agricultor

Lea 36

Malke 19

Sore 17

Chaim 16

Gersh 13

Perrel 5

Sisse 3

Kahanovitz, Chaim 30 refinador

Dweire 27

Ebli 3

Rahinovik, Lazar 20 mascate

Rubin, Joseph 18 mascate

Lublin, Luiz 28 alfaiate

Katte 22

Annie 1

Moropolsky, Morris 33 ferreiro

Nome Idade Profissão Navio

Data de Chegada

Pesse 30

Jankel 14

Gittel 13

212

Braim 10

Leizer 2

Feivel 1

Nelves, Meier 29 mascate

Becca 29

Rosa 13

Barnett 10

Chaie 6

Hersch 1

Paperman, Ginrik 46 agricultor

Dora

Chaver, Abraham 31 carpinteiro

Galka, Israel 18 carpinteiro

Rashkowitz, Philip 22 engomador

Rosa 23

Itte 1

Raicher, Zeller 28 (austriaco) engomador

Sure

Meier(?)

Starrashelsky, Morris 29 alfaiate

Gittel 28

Chaim 1

Sheibel, Max 40 agricultor

Mashe 38

Jane 13

Chaime 11

Feige 1

Speiler, Samuel 29 agricultor

Mashe 24

Nissem 5

Rivke 3

Perrel 2

Bolgwevitz, Mettel 26 fabricante de vinho

Nome Idade Profissão Navio

Data de chegada

Saliff, Izaac 26 trapeiro

Sara 23

Meier 3

Weisman, Sruel 36 carpinteiro

Esther 28

Mordke 9

Elie 6

Waldman, Zecharie 29 carpinteiro

Ruchle 27

Hirsh 4

Shiel 2

213

Moshe 1

Rosenthal, Israel 27 sapateiro

Bekker, Simche 21 carpinteiro

Reize 20

Bekker, Joseph 20 carpinteiro

Bekker, Moshek 23 chapeleiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75, pp.14-

19-AMI]

Viener, Perle 26 agricultor Nile(South.-santos)

1/2/1906

Ette(chefe) 37

Jotta 16

Fanny 14

Esther 9

Hyman 6

Mary 2

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76 , p.

148- AMI]

3 – Funil- Colônia Campos Salles

Kassin, Nochen 22 agricultor Aragon(South. –

Santos) 2/8/1905

Nome Idade Profissão Navio

Data de chegada

Wernik, Hersch 33 agricultor

Feige 22

Beile 3

Abram 2

Koslowsky, Mendel 23 agricultor

Fradikin, Joseph 21 negociante

Schreibman, Morris 21 agricultor

Hurwitz, Wolf 21 agricultor

Ginsberg, Nathan 20 agricultor

Golabowsky, Philip 21 agricultor

Banker, David 34 mascate

Zerne

Sure

Dweire

Welvel

214

Kempner, Aisik 39 alfaiate

Sara 36

Millie 19 (inglesa)

Michel 17 (inglesa)

Morris 15 (inglesa)

Beny 13 (inglesa)

Henny 11 (inglesa)

Doris 9 (inglesa)

Sammy 7 (inglesa)

Joe 1 (inglesa)

Brendan, Barnet 24 barbeiro

Sanitz, Meschke 26 agricultor

Feldman, Samuel 35 agricultor

Sarah 35

Meier 11

Pellie 15

Sophie 8

Isidore 7

Morris 5

David 3

Freedman, Hersch 18 sem profissão

Etuni, Chaine 21 agricultor

Nome Idade Profissão Navio

Data de Chegada

Masche 22

Inersokin, Berri 25 pedreiro

Buserky, Berri 25 agricultor

Perel(?) 18

Wasilews, Gankel 29 agricultor

Kaminisky, Ellik 22 relojoeiro

Kairshinevitz, Abram 22 agricultor

Weinstein, Abram 23 agricultor

Levy, Wolf 20 alfaiate

Pinkus 18 alfaiate

Karasik, Moske 22 agricultor

Portnoi, Meier 28 agricultor

Gorki, Marco 24 agricultor

Newman, Isaac 19 (austríaco) sem profissão

Nimerofsky, Schmuel 25 ferreiro

Frichtenzmey, Israel 32 carregador

Zipenak, Isaac 23 agricultor

Zimmerman, Chaim 23 sem profissão

Rebeca 22

Zernim, Heshe(?) 28 agricultor

Ziesser, Elie 22 chapeleiro

Reische, Feiwush 18 agricultor

215

Cass, Simon 25 agricultor

Kopss, Bernardo 17 (austríaco) caixeiro

(irmão) Abram 14 caixeiro

Brenner, Abram 36 vendedor

Chesse 28

Freide 16

Nancy 12

Samuel 9

Lea 7

Sonne 3

Joseph 6m

Berezovsky, Simon 40 jardineiro

Mary 37

Meier 15

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Max 13

Polle 10

Jacob 8

Morris 3

Austrin, Salman 24 agricultor

Lipkin, Leibe 22 agricultor

Nachamovitz, Abram 22 agricultor

Chatz, Mordecai 21 agricultor

Zewill, Abram 29 agricultor

Karasik, Israel 22 cocheiro

Albert, Leibe 38 agricultor

Rabinovitz, Leibe 17 carniceiro

Fogel, Abraham 28 machinista

Leibe(?) 26

Masche 7 (inglesa)

Sarah 7 (inglesa)

Millie 3 (inglesa)

Rachel 2 (inglesa)

Keibel, Moshe 21 padeiro

Masch 21

Kushnir, Barnett 23 agricultor

Lackmovitz, (?)Mottel 29 agricultor

Karolinsky, Scholme 21 agricultor

Belenge, Chlone 28 agricultor

Kesler, Shlone 21 agricultor

Kanter, Meier 23 agricultor

Grabstein, Benjamin 33 (austríaco) tanoeiro

Blendel, Chaikel 34 agricultor

Iselberg, Welvel 38 agricultor

Rappeport, Max 35 mascate

216

Plotkin, Morris 25 agricultor

Rippin, Chone 27 agricultor

Obladsteine, Mosch 21 agricultor

Feldman, Benjamin 20 agricultor

Raffkuss, Mijchel 32 carregador

Press, Chainiss 21 mascate

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Dron, Hissen 28 agricultor

Medovai, Solem 21 ferreiro

Karlinsky, Elik 23 tecelão

Medovai, Zoller 23 ferreiro

Lipschitz, Salman 22 agricultor

Berman, Davies 21 sapateiro

Traub, Leibe 33 agricultor

Plakowitzky, Morduch 33 agricultor

Shiffrin, Morris 21 padeiro

Kalvan, Arje 32 cocheiro

Siflin, Aisak 25 caixeiro

Veivitz, Leizer 31 funileiro

Sternheld, Leib 25 (austríaco) agricultor

Kavernak, Slame 21 cocheiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp.258-

266- AMI]

Knussin, Solomon 43 agricultor B.G.Rezende- CCS Danube(Cherbourg-

Santos) 30/8/1905

Ronnik, Kalman 31 agricultor B.G. Rezende- CCS

Aisemberg, Chaim 31 agricultor B.G.Rezende-CCS

Boiarsky, Gersch 33 agricultor B.G. Rezende- CCS

Kaplan, Jankel 35 agricultor B.G. Rezende-CCS

Chaverman, Chone 32 agricultor B.G. Rezende- CCS

Estrin, Louis 32 carregador B.G. Rezende-CCS

Feingluss, David 24 agricultor B.G. Rezende- CCS

Zipol, Abraham 30 agricultor B.G.Rezende- CCS

Kalesnikoff, Sarah 35 alfaiate B.G.Rezende-CCS

Gersh 16

Simon 13

Rosa 10

Aaron 7

Leibe 4

Karasik, Gillel 32 sapateiro B.G. Rezende- CCS

Romilski, Morris 30 mascate B.G. Rezende- CCS

Michmovitz, Michel 31 ferreiro B.G. Rezende- CCS

Nuger, Eli 46 fabricante de carroça B.G. Rezende- CCS

217

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Weisman, Smuel 25 sapateiro B.G. Rezende- CCS

Sobarnik, Hussiel 21 sapateiro B.G. Rezende –CCS

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75, pp. 14-19-

AMI]

4- Cidade de São Paulo- Capital e Posto Zootechnico

Wiener, Abraham 27 rabino Aragon (South.-Santos)

2/8/1905

Idovitz, Salman 24 rabino

Barkoff, Melamed 41 agricultor

Chaie 38

Berel 18

Chane 16

Gittel 14

Ossher 12

Woolf, Josef 20 (inglesa) carpinteiro

Weis, Izidor 32 (romena) pedreiro

Said, Gersoh 19 agricultor

Perrell, (?) Jacob 25 agricultor Posto Zootechnico

Annie 20

Slotnik, Abram 32 vidraceiro

Wegner, Elie 48 alfaiate Posto Zootechnico

Slate 48

Benny 12 (brasileira)

(Gressel)Nessel 7 (inglesa)

Rebecca 18

Blume 16

Wegner, Heyman 28 alfaiate Posto Zootechnico

Gittel 29

Annie 4

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Itzchook 6m

Abrams, Louis 28 (inglesa) escriturário Posto Zootechnico

Rachel 28

Sarah 8

218

Max 7

Anny 4

Shlomovitz, Aisik 36 doméstico

Annie 34

Sore 15

Philip 13

Joe 10

Heyman 5

Fanie 2

Shapiro, Morris 23 cortador de lenha

Gellin (Yellin), Mendel 37 músico

Chais 40

Lea 11

Alter 8

Shimecke 8

Rozemberg, Israel 25 cocheiro Capital- Rodovalho Junior

Silverman, Jankel 24 tanoeiro

Freide 22

Pinkus 15

Golub, Abram 45 agricultor

Rachel 43

Simon 19 (inglesa)

Morris 17 (ingles)

Max 15 (inglesa)

Rubin 12 (inglesa)

Harry 4 (inglesa)

Guttmann, Mosche 19 encadernador Posto Zootechnico

Lapiz, Woolf 20 sem profissão Posto Zootechnico

Farb, Shie 23 marchante Posto Zootechnico

Elbaum, Manasche 23 comerciante

(irmão) Max 20

Dubov, Abraham 32 agricultor

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Cohen, Nochen 24 caixeiro

Nochame 23

Magram, Lebi 28 agricultor

(irmã) Itzhe

Weksler, Moshe 29 agricultor

Katz, Kushil 23 padeiro

Mostovitz, Lazar 28 alfaiate

Pahuker, Rebecca 36 (austríaca) cozinheira

Baron, Chaim 17 (inglesa) cocheiro

Largman, Itzchok 27 agricultor

Sore 24

Gossel 6m

219

Brook, Leibe 32 agricultor

Alexandroff, Susse 24 agricultor

Slate 22

Simon, Louis 26 cocheiro

Kernim, Ruben 22 barbeiro

Messer, Wolf 23 copeiro

Zulink, Itzick 22 agricultor

Kulesh, Morris 32 curtidor

Glasserman, Hune 33 agricultor Posto Zootechnico

Peishachovitz, Morris 29 carpinteiro Posto Zootechnico

Asman, Iste 21 padeiro

Moldener, Estke 19 sem profissão

Sisshaltz, Feibel 20 sapateiro

Becke 19 sapateiro

Kipnes, Lezer 28 sem profissão

Dutman, Kalman 35 agricultor

Horin (Hann), Simon 32 agricultor

Elke 22

Hershel 5

Shendel 3 (inglesa)

Mendel 6m

Goldberg, Abraham 30 (romena) cozinheiro

Becke 24 (russa) cozinheiro

Fisch, Abraham 24 sapateiro

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Merle 23

Needlman, Barnett 28 lavador de roupas

Ziniee 26

Anny 8

Morris 4

Nathan 3

Simon 1 e meio

Hengel, Mendel 26 mascate

Flanklin, Ruben 23 funileiro

Ette 20

Lea 1 e meio

Migdes, Samuel 27 agricultor

Needlman. David 26 lavador de roupas

Chaie 25

(cunhada)Fanny 24

Shulman, Nathan 22 sapateiro

Lea 22

Smarian, Abraham 24 acrobata

Sore 28

Scheindel 2

220

Smitts, Jacob 25 cozinheiro

Grutman, Leibe 28 ferreiro

Stern, Morris 27 agricultor

Lak, David 25 agricultor

Drunjinsky, Leib 22 serralheiro

Braustein, Nuchen 25 agricultor

Siber, Harris 20 carregador

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp.258-266-

AMI]

Baranowitz, Louis 28 cocheiro Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Becke 26

Jane 6

Grinspan, Jone 27 sem profissão

Sarah 21

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Shazavsky, Morris 27 cocheiro

Sure 27

Silberman, Jankel 42 padeiro

Mirien 44

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75 ,pp.14-19 –

AMI]

Raschkovsky, Isaac 36 agricultor Clyde (South.- Santos)

17/11/1905

Tauba 28

Chaia 6

Feiga 2

Motel 3

Malka 7m

Bonder, Israel 56 agricultor

Menucha 50

Josef 19

David 17

Kowaliwker, Meer 30 agricultor

Chane 29

Ruchel 4

Saibel 3

Esther 2

Brane 7m

Dragum, Israel 28 sem profissão

Chawe 27

Zipa 2

221

Borl 7m

Stolerman, Chume 68 sem profissão

Idis 48

Frede 21

Nisen 20

Lisa 17

Moses 16

Samuel 28

Chaie 23

Wele 2 e meio

Brana 1 e meio

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Leiser 6m

Berlin, Benjamin 30 sem profissão

Ruse 26

(irmão)Abram 20

Kuzi, Mendel 36 carpinteiro

Minza 28

Isaac 17

Masche 15

Blume 5

Sendor 1 e 5m

Seufer, Moses 19 carniceiro

Rose 19

Weintraub, Selick 35 fabricante de vinho

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75,

p.223 – AMI]

Selter, Salomon 47 agricultor Magdalena (South. -

Santos) 21/12/1905

(filha) Idel 22

Moses 19

Etel 16

Fuhrman, Elik 19 agricultor

Zwitel 20

Pipman, Benzion 23 agricultor

Bluma 23

Pipman, Mark 38 agricultor

Rebecca 36

Scheier 17

Zipre 15

Greschia 9

Jacob 6

Steinberg, Juda 44 agricultor

Feine 12

222

Israel 10

Anna 8

Lerman, Samson 33 agricultor

Debore 28

Josef 8

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Ewgenia 5

Baruch 7m

Lerman, Samuel 26 agricultor

Bendersky, Mendel 38 agricultor

Itte 30

Baruch 10

Pine 7

Freida 1

(irmão) Nisen 30 agricultor

(irmão) Mordche 26 agricultor

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, pp. 61-

62- AMI]

Kashitzky, Ishie 48 agricultor Thames (South.- Santos)

27/12/1905

Shloma 7

Schwarzman, Mark 42 agricultor

Feige 33

Ente 20

Rebecca 14

Moses 10

Maria 8

Burich 6

Gedalia 3 (obs. Esta última família aparece como católica, além

de outras, alemãs e austríacas, católicos que se dirigiram para as colônias Nova Odessa e

Corumbatahy)

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, p. 68 –

AMI]

Obodowsky, Sara 43 agricultor Clyde (South.- Santos)

18/1/1906

Boris 23

(nora) Mindel 20

Molie 18

Leib 10

Steinberg, Dwose 38 agricultor

Sone 20

223

Rosa 6

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, p.117 –

AMI]

Obs. O mesmo navio leva 3 famílias que se destinam ao Rio Grande do Sul:

Hoffman, Eduard 38 (alemão) agricultor conta própria

Paulina 36

Anna 16

Augusta 14

Hulda 5

Adalina 2

Wanda 6m (apesar dos nomes figuram como judeus)

Krieg, Daniel 40 (russa) agricultor conta própria

Bertha 35

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Heinrich 12

Emilie 9

Hulda 7

Anna 2

Reinhold 1 (apesar dos nomes figuram como russos)

Winarsky, Jacob 51 agricultor conta

própria

Rachel 50

Chune 19

Rebecca 21

Breine 15

Esther

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76 ,p.117 –

AMI]

LISTA DOS IMIGRANTES JUDEUS NAS COLÔNIAS DO INTERIOR DE SÃO

PAULO

E NA CIDADE DE SÃO PAULO

1- Estação V. Americana – Núcleo Nova Odessa

Nome Idade Profissão Navio Data de Chegada

Chassik, Shrage 40

obs. : o nome aparece como sendo acatólico

Schendol 40

Chassik, Solomon 5 Magdalena (Southampton-Santos) 8-

9/5/1905

224

Channe 8

Samuel 19

Henne irmão 19

Shrage

Laibe

Karasik, Hirsh

Zipe

Anne

Plotkin, Leibe

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp. 81-

82 – AMI]

Grinberg(?),Pinches 27 agricultor Aragon (South.- Santos)

2/8/1905

(Gomberg)? Sheindel 24

Welver (f.) 6

Golde 4

Lea 2

Luiz 6m

Krians, Abram 42 agricultor

Basse 40

Chaim 17

Blume 12

Harry 8

Rosa 6

Cohen, Zelik 27 agricultor

Sarah 22

Braine 5

Melman(?), Abram 27 agricultor

Spivack, Mechmie 39 cigarreiro

Esther 39

Itzick 18

Nome Idade Profissão Navio Data de Chegada

Zelik 16

Ephraim 11

Rifka 2

Gordon, Harris 32 sapateiro

Chane 28

Beckie 12 (ingleza)

Rive 11

Braime 9

Sarah 8

Abbe 5

Gankel 3

Meische 2

Kaminsky, Morris 48 agricultor

Schiffre 42

225

Berel 8

Chaike 6

Gudel 23 escoveiro

Gold, Abram 29 maquinista

More 29

David 11

Basa 9

Morris 7

Fanny 5

Lewis

Trachtman, Wolf 27 agricultor

(irmão) Mordche 30 agricultor

Baraum, David 23 agricultor

Cohen, Louis 52 agricultor

Stelmach, Pincos 24 carpinteiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp.

258-266 – AMI)

Aisik, Abram 45 sapateiro Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Heiman 21

Neeri 20

Povlotzky, Benzion 40 carpinteiro

Abram 23

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

(cunhada)Pesse 23

Sapossnik, Jossel 24 pintor

Said, Baruk 41 alfaiate

Chaie 38

Basheva 15

Benjamin 13

Peisach 11

Leibe 9

Slatt 5

Beile 4

Zerkassky, Leiser 26 tipografo

Cohen, Barnet 48 cocheiro

Lea 46

Sarah 19

Katty 14

Harry 11

Izaac 10

Rachel 6

226

Weiner, Abraham 26 doméstico Danube (South. – Santos)

30/8/1905 (?)

(Obs. Aparece registrado em lugar separado)

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75, pp.

14-19 – AMI]

2- Corumbatahy – Colônia Dr. Jorge Tibiriçá

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Kapeloff, Nachan 24 agricultor Aragon (South. – Santos)

2/8/1905

Levcovitz, Lazar 30 agricultor

Spulansky, Nesske 24 agricultor

Krisensky, Janker 35 agricultor

Zelzer, Welvel 36 agricultor

Skolnik, Isaac 25 agricultor

Chaie 25

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Zemo 4

Sruel 6m

Rustein, Maier 28 agricultor

(irmão) Beisen 20 agricultor

Shmulovitz, Meier 30 agricultor

Gerwitz, Abram 23 vidraceiro

David 25

Rissa 23

Morris 4

Dinerstern, Abbe 26 agricultor

Gutler, Josse 20 agricultor

Divenoff, Samuel 22 agricultor

Kashitsky, Shie 46 agricultor

Moske 22

Liser 12

Itto 19

Chone 17

Dhasse 14

Reichet, Hersher 28 negociante

Rinkof, Barnet 22 agricultor

Beile 22

Sore 1e 6m

Mirodznik, Mindel 28 agricultor

227

Codnash, Elie 28 tapeceiro

Meier 25 tapeceiro

Fayngold, Lazar 27 agricultor

Broner, Chaim 24 cocheiro

Fanny 22

Rigler, Jacob 24 (austriaco) agricultor

Hella 21 (russa)

Seiff, Joseph 19 agricultor

Migdan, Aaron 24 padeiro

Cohen, Feivel 19 agricultor

Cass, Simon 25 agricultor

Belinsky, Moshe 23 agricultor

Rincoff, Samuel 23 agricultor

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Altshuller, Mike 24 quitandeiro

Hoshman, Jankel 28 agricultor

Sane 32

Itzkovitz, Jael 25 cocheiro

Bernstein, Samuel 28 agricultor

Pliskin, Sem 22 agricultor

Sternlicht, Sigmond 35 foguista

Weinstein, Leibe 24 agricultor

Gerschman, Harris 26 padeiro

Breiman, Mochke 21 agricultor

Gorin, Gersch, 25 agricultor

Weisman, Samuel 30 carregador

(mulher) Chaim(?) 24

Adler, Philip 24 agricultor

Pesse 24

Moses 4

Rose 3

(irmão)Hersch 20

Lea 22

Tulka, Phillip 26 agricultor

Rozenzveig, Hein 30 agricultor

Zaller, Duga 21 agricultor

Berman, Gudel 20 agricultor

Bliskin, David 25 agricultor

Tamb, Luis 27 agricultor

Estherman, Gdale 25 agricultor

Rincopf, Haim 21 padeiro

Thernafski, Harris 26 agricultor

Burstein, Abraham 20 agricultor

Abramowstzky, Jacob 23 (Romania) pintor

228

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74,

pp.258-266- IMI]

Anilewitz, Max 24 alfaiate Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Eidel 35

Solomon 7

Chaim 6

Ila 4

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Leie 12

Anilewitz, Gersh 29 cigarreiro

Esther 23

Annie 3

Rosa 1

Anilewitz, Samuel 32 cigarreiro

Annie 18

Apperbaum, Samuel 33 curtidor

Golde 26

Ganker 4

Leie 3

Leib 1

Bersner, Paul 23 sapateiro

Bebak, Gersh 25 alfaiate

Masche 22

Bernstein, Davies 30 sapateiro

Zile 27

Sruel 10

Gerah 6

Feige 4

Elie 1

Bernstein, Mimel 27 sapateiro

Chave 25

Bernstein, Joseph 20 pintor

Milli 22

Charak, Leiser 35 quitandeiro

Rachel 34

Nuchem 11

Chave 9

Aaaron 5

Rosemblum, Abraham tecelão

Chaimovitz, Itzik 41 agricultor

(irmão) Noech 22 agricultor

Erenbaum, Gersh 36 sapateiro

Esther 40

229

Gena 17

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Jankel 16

Sore 10

Israel 7

Isaac 3

Bergstein, Sam 21 carpinteiro

Finkelstein, Gersh 28 agricultor

Feige 22

Ruben 1

Gottlieb, Joseph 36 funileiro

Marian 28

David 11

Nathan 1

Guttarz, Leiser 35 alfaiate

Mendel 3

( irmão) Welvel 21 alfaiate

Golovatkin, Benjamim 40 alfaiate

(Golovaty) Basse 36

(irmão) Samuel 22 alfaiate

Joseph 18

Genne 11

Chaike 1

Simon 7

Feige 3

Dweire 5

Cressman, Morris 38 negociante de fumo

Guide 34

Schlome 10 (ingleza)

Isaac 8 “

Fanny 5 “

Golde 3 “

Solomon, Louis 45 alfaiate

Jacobs, Abram 33 agricultor

Chave 34

Harry 13

Fanny 6

Aaron 5

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Zallel 1

Heiman 10

Dora 8

230

Krassnapolsky, Harris 28 quitandeiro

Ette 25

Itte 5

Chane 1

Gaetzke, Abraham 34 cordoeiro

Zesskiss, Meier 35 cordoeiro

Kossanovffsky, Solomon 31 alfaiate

Kisseloff, Woolf 33 plantador de fumo

Sheindel 29

Esther 10

Genne 9

Rosa 7

Chana 2

(irmão)Simon 22

Gussenbuncunh(?), Manes 21 plantador de fumo

Lerman, Philip 44 agricultor

Lea 36

Malke 19

Sore 17

Chaim 16

Gersh 13

Perrel 5

Sisse 3

Kahanovitz, Chaim 30 refinador

Dweire 27

Ebli 3

Rahinovik, Lazar 20 mascate

Rubin, Joseph 18 mascate

Lublin, Luiz 28 alfaiate

Katte 22

Annie 1

Moropolsky, Morris 33 ferreiro

Nome Idade Profissão Navio

Data de Chegada

Pesse 30

Jankel 14

Gittel 13

Braim 10

Leizer 2

Feivel 1

Nelves, Meier 29 mascate

Becca 29

Rosa 13

Barnett 10

Chaie 6

Hersch 1

231

Paperman, Ginrik 46 agricultor

Dora

Chaver, Abraham 31 carpinteiro

Galka, Israel 18 carpinteiro

Rashkowitz, Philip 22 engomador

Rosa 23

Itte 1

Raicher, Zeller 28 (austriaco) engomador

Sure

Meier(?)

Starrashelsky, Morris 29 alfaiate

Gittel 28

Chaim 1

Sheibel, Max 40 agricultor

Mashe 38

Jane 13

Chaime 11

Feige 1

Speiler, Samuel 29 agricultor

Mashe 24

Nissem 5

Rivke 3

Perrel 2

Bolgwevitz, Mettel 26 fabricante de vinho

Nome Idade Profissão Navio

Data de chegada

Saliff, Izaac 26 trapeiro

Sara 23

Meier 3

Weisman, Sruel 36 carpinteiro

Esther 28

Mordke 9

Elie 6

Waldman, Zecharie 29 carpinteiro

Ruchle 27

Hirsh 4

Shiel 2

Moshe 1

Rosenthal, Israel 27 sapateiro

Bekker, Simche 21 carpinteiro

Reize 20

Bekker, Joseph 20 carpinteiro

Bekker, Moshek 23 chapeleiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75,

pp.14-19-IMI]

232

Viener, Perle 26 agricultor Nile(South.-santos)

1/2/1906

Ette(chefe) 37

Jotta 16

Fanny 14

Esther 9

Hyman 6

Mary 2

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76 ,

p. 148- IMI]

3 – Funil- Colônia Campos Salles

Kassin, Nochen 22 agricultor Aragon(South. –

Santos) 2/8/1905

Nome Idade Profissão Navio

Data de chegada

Wernik, Hersch 33 agricultor

Feige 22

Beile 3

Abram 2

Koslowsky, Mendel 23 agricultor

Fradikin, Joseph 21 negociante

Schreibman, Morris 21 agricultor

Hurwitz, Wolf 21 agricultor

Ginsberg, Nathan 20 agricultor

Golabowsky, Philip 21 agricultor

Banker, David 34 mascate

Zerne

Sure

Dweire

Welvel

Kempner, Aisik 39 alfaiate

Sara 36

Millie 19 (ingleza)

Michel 17 (ingleza)

Morris 15 (ingleza)

Beny 13 (ingleza)

Henny 11 (ingleza)

Doris 9 (ingleza)

Sammy 7 (ingleza)

233

Joe 1 (ingleza)

Brendan, Barnet 24 barbeiro

Sanitz, Meschke 26 agricultor

Feldman, Samuel 35 agricultor

Sarah 35

Meier 11

Pellie 15

Sophie 8

Isidore 7

Morris 5

David 3

Freedman, Hersch 18 sem profissão

Etuni, Chaine 21 agricultor

Nome Idade Profissão Navio

Data de Chegada

Masche 22

Inersokin, Berri 25 pedreiro

Buserky, Berri 25 agricultor

Perel(?) 18

Wasilews, Gankel 29 agricultor

Kaminisky, Ellik 22 relojoeiro

Kairshinevitz, Abram 22 agricultor

Weinstein, Abram 23 agricultor

Levy, Wolf 20 alfaiate

Pinkus 18 alfaiate

Karasik, Moske 22 agricultor

Portnoi, Meier 28 agricultor

Gorki, Marco 24 agricultor

Newman, Isaac 19 (austriaco) sem profissão

Nimerofsky, Schmuel 25 ferreiro

Frichtenzmey, Israel 32 carregador

Zipenak, Isaac 23 agricultor

Zimmerman, Chaim 23 sem profissão

Rebeca 22

Zernim, Heshe(?) 28 agricultor

Ziesser, Elie 22 chapeleiro

Reische, Feiwush 18 agricultor

Cass, Simon 25 agricultor

Kopss, Bernardo 17 (austriaco) caixeiro

(irmão) Abram 14 caixeiro

Brenner, Abram 36 vendedor

Chesse 28

Freide 16

Nancy 12

Samuel 9

Lea 7

234

Sonne 3

Joseph 6m

Berezovsky, Simon 40 jardineiro

Mary 37

Meier 15

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Max 13

Polle 10

Jacob 8

Morris 3

Austrin, Salman 24 agricultor

Lipkin, Leibe 22 agricultor

Nachamovitz, Abram 22 agricultor

Chatz, Mordecai 21 agricultor

Zewill, Abram 29 agricultor

Karasik, Israel 22 cocheiro

Albert, Leibe 38 agricultor

Rabinovitz, Leibe 17 carniceiro

Fogel, Abraham 28 machinista

Leibe(?) 26

Masche 7 (ingleza)

Sarah 7 (ingleza)

Millie 3 (ingleza)

Rachel 2 (ingleza)

Keibel, Moshe 21 padeiro

Masch 21

Kushnir, Barnett 23 agricultor

Lackmovitz, (?)Mottel 29 agricultor

Karolinsky, Scholme 21 agricultor

Belenge, Chlone 28 agricultor

Kesler, Shlone 21 agricultor

Kanter, Meier 23 agricultor

Grabstein, Benjamin 33 (austriaco) tanoeiro

Blendel, Chaikel 34 agricultor

Iselberg, Welvel 38 agricultor

Rappeport, Max 35 mascate

Plotkin, Morris 25 agricultor

Rippin, Chone 27 agricultor

Obladsteine, Mosch 21 agricultor

Feldman, Benjamin 20 agricultor

Raffkuss, Mijchel 32 carregador

Press, Chainiss 21 mascate

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

235

Dron, Hissen 28 agricultor

Medovai, Solem 21 ferreiro

Karlinsky, Elik 23 tecelão

Medovai, Zoller 23 ferreiro

Lipschitz, Salman 22 agricultor

Berman, Davies 21 sapateiro

Traub, Leibe 33 agricultor

Plakowitzky, Morduch 33 agricultor

Shiffrin, Morris 21 padeiro

Kalvan, Arje 32 cocheiro

Siflin, Aisak 25 caixeiro

Veivitz, Leizer 31 funileiro

Sternheld, Leib 25 (austriaco) agricultor

Kavernak, Slame 21 cocheiro

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74,

pp.258-266- IMI]

Knussin, Solomon 43 agricultor B.G.Rezende- CCS Danube(Cherbourg-

Santos) 30/8/1905

Ronnik, Kalman 31 agricultor B.G. Rezende- CCS

Aisemberg, Chaim 31 agricultor B.G.Rezende-CCS

Boiarsky, Gersch 33 agricultor B.G. Rezende- CCS

Kaplan, Jankel 35 agricultor B.G. Rezende-CCS

Chaverman, Chone 32 agricultor B.G. Rezende- CCS

Estrin, Louis 32 carregador B.G. Rezende-CCS

Feingluss, David 24 agricultor B.G. Rezende- CCS

Zipol, Abraham 30 agricultor B.G.Rezende- CCS

Kalesnikoff, Sarah 35 alfaiate B.G.Rezende-CCS

Gersh 16

Simon 13

Rosa 10

Aaron 7

Leibe 4

Karasik, Gillel 32 sapateiro B.G. Rezende- CCS

Romilski, Morris 30 mascate B.G. Rezende- CCS

Michmovitz, Michel 31 ferreiro B.G. Rezende- CCS

Nuger, Eli 46 fabricante de carroça B.G. Rezende- CCS

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Weisman, Smuel 25 sapateiro B.G. Rezende- CCS

Sobarnik, Hussiel 21 sapateiro B.G. Rezende –CCS

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75, pp. 14-19-

IMI]

236

4- Cidade de São Paulo- Capital e Posto Zootechnico

Wiener, Abraham 27 rabino Aragon (South.-Santos)

2/8/1905

Idovitz, Salman 24 rabino

Barkoff, Melamed 41 agricultor

Chaie 38

Berel 18

Chane 16

Gittel 14

Ossher 12

Woolf, Josef 20 (ingleza) carpinteiro

Weis, Izidor 32 (romena) pedreiro

Said, Gersoh 19 agricultor

Perrell, (?) Jacob 25 agricultor Posto Zootechnico

Annie 20

Slotnik, Abram 32 vidraceiro

Wegner, Elie 48 alfaiate Posto Zootechnico

Slate 48

Benny 12 (brasileira)

(Gressel)Nessel 7 (ingleza)

Rebecca 18

Blume 16

Wegner, Heyman 28 alfaiate Posto Zootechnico

Gittel 29

Annie 4

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Itzchook 6m

Abrams, Louis 28 (ingleza) escriturario Posto Zootechnico

Rachel 28

Sarah 8

Max 7

Anny 4

Shlomovitz, Aisik 36 domestico

Annie 34

Sore 15

Philip 13

Joe 10

Heyman 5

Fanie 2

237

Shapiro, Morris 23 cortador de lenha

Gellin (Yellin), Mendel 37 músico

Chais 40

Lea 11

Alter 8

Shimecke 8

Rozemberg, Israel 25 cocheiro Capital- Rodovalho Junior

Silverman, Jankel 24 tanoeiro

Freide 22

Pinkus 15

Golub, Abram 45 agricultor

Rachel 43

Simon 19 (ingleza)

Morris 17 (ingleza)

Max 15 (ingleza)

Rubin 12 (ingleza)

Harry 4 (ingleza)

Guttmann, Mosche 19 encadernador Posto Zootechnico

Lapiz, Woolf 20 sem profissão Posto Zootechnico

Farb, Shie 23 marchante Posto Zootechnico

Elbaum, Manasche 23 comerciante

(irmão) Max 20

Dubov, Abraham 32 agricultor

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Cohen, Nochen 24 caixeiro

Nochame 23

Magram, Lebi 28 agricultor

(irmã) Itzhe

Weksler, Moshe 29 agricultor

Katz, Kushil 23 padeiro

Mostovitz, Lazar 28 alfaiate

Pahuker, Rebecca 36 (austriaca) cozinheira

Baron, Chaim 17 (ingleza) cocheiro

Largman, Itzchok 27 agricultor

Sore 24

Gossel 6m

Brook, Leibe 32 agricultor

Alexandroff, Susse 24 agricultor

Slate 22

Simon, Louis 26 cocheiro

Kernim, Ruben 22 barbeiro

Messer, Wolf 23 copeiro

Zulink, Itzick 22 agricultor

Kulesh, Morris 32 curtidor

Glasserman, Hune 33 agricultor Posto Zootechnico

238

Peishachovitz, Morris 29 carpinteiro Posto Zootechnico

Asman, Iste 21 padeiro

Moldener, Estke 19 sem profissão

Sisshaltz, Feibel 20 sapateiro

Becke 19 sapateiro

Kipnes, Lezer 28 sem profissão

Dutman, Kalman 35 agricultor

Horin (Hann), Simon 32 agricultor

Elke 22

Hershel 5

Shendel 3 (ingleza)

Mendel 6m

Goldberg, Abraham 30 (romena) cozinheiro

Becke 24 (russa) cozinheiro

Fisch, Abraham 24 sapateiro

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Merle 23

Needlman, Barnett 28 lavador de roupas

Ziniee 26

Anny 8

Morris 4

Nathan 3

Simon 1 e meio

Hengel, mendel 26 mascate

Flanklin, Ruben 23 funileiro

Ette 20

Lea 1 e meio

Migdes, Samuel 27 agricultor

Needlman. David 26 lavador de roupas

Chaie 25

(cunhada)Fanny 24

Shulman, Nathan 22 sapateiro

Lea 22

Smarian, Abraham 24 acrobata

Sore 28

Scheindel 2

Smitts, Jacob 25 cozinheiro

Grutman, Leibe 28 ferreiro

Stern, Morris 27 agricultor

Lak, David 25 agricultor

Drunjinsky, Leib 22 serralheiro

Braustein, Nuchen 25 agricultor

Siber, Harris 20 carregador

239

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 74, pp.258-266-

IMI]

Baranowitz, Louis 28 cocheiro Danube (Cherbourg-Santos)

30/8/1905

Becke 26

Jane 6

Grinspan, Jone 27 sem profissão

Sarah 21

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

Shazavsky, Morris 27 cocheiro

Sure 27

Silberman, Jankel 42 padeiro

Mirien 44

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75 ,pp.14-19 –

IMI]

Raschkovsky, Isaac 36 agricultor Clyde (South.- Santos)

17/11/1905

Tauba 28

Chaia 6

Feiga 2

Motel 3

Malka 7m

Bonder, Israel 56 agricultor

Menucha 50

Josef 19

David 17

Kowaliwker, Meer 30 agricultor

Chane 29

Ruchel 4

Saibel 3

Esther 2

Brane 7m

Dragum, Israel 28 sem profissão

Chawe 27

Zipa 2

Borl 7m

Stolerman, Chume 68 sem profissão

Idis 48

Frede 21

Nisen 20

Lisa 17

Moses 16

Samuel 28

240

Chaie 23

Wele 2 e meio

Brana 1 e meio

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Leiser 6m

Berlin, Benjamin 30 sem profissão

Ruse 26

(irmão)Abram 20

Kuzi, Mendel 36 carpinteiro

Minza 28

Isaac 17

Masche 15

Blume 5

Sendor 1 e 5m

Seufer, Moses 19 carniceiro

Rose 19

Weintraub, Selick 35 fabricante de vinho

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 75,

p.223 – IMI]

Selter, Salomon 47 agricultor Magdalena (South. -

Santos) 21/12/1905

(filha) Idel 22

Moses 19

Etel 16

Fuhrman, Elik 19 agricultor

Zwitel 20

Pipman, Benzion 23 agricultor

Bluma 23

Pipman, Mark 38 agricultor

Rebecca 36

Scheier 17

Zipre 15

Greschia 9

Jacob 6

Steinberg, Juda 44 agricultor

Feine 12

Israel 10

Anna 8

Lerman, Samson 33 agricultor

Debore 28

Josef 8

Nome Idade Profissão Navio Data

de Chegada

241

Ewgenia 5

Baruch 7m

Lerman, Samuel 26 agricultor

Bendersky, Mendel 38 agricultor

Itte 30

Baruch 10

Pine 7

Freida 1

(irmão) Nisen 30 agricultor

(irmão) Mordche 26 agricultor

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, pp. 61-

62- IMI]

Kashitzky, Ishie 48 agricultor Thames (South.- Santos)

27/12/1905

Shloma 7

Schwarzman, Mark 42 agricultor

Feige 33

Ente 20

Rebecca 14

Moses 10

Maria 8

Burich 6

Gedalia 3 (obs. Esta última família aparece como católica, além

de outras, alemãs e austriaca católicos que se dirigerm para as colônias Nova Odessa e

Corumbatahy)

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, p. 68 –

IMI]

Obodowsky, Sara 43 agricultor Clyde (South.- Santos)

18/1/1906

Boris 23

(nora) Mindel 20

Molie 18

Leib 10

Steinberg, Dwose 38 agricultor

Sone 20

Rosa 6

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76, p.117 –

IMI]

Obs. O mesmo navio leva 3 famílias que se destinam ao Rio Grande do Sul:

Hoffman, Eduard 38 (alemão) agricultor conta própria

Paulina 36

Anna 16

Augusta 14

242

Hulda 5

Adalina 2

Wanda 6m (apesar dos nomes figuram como judeus)

Krieg, Daniel 40 (russa) agricultor conta própria

Bertha 35

Nome Idade Profissão Navio Data de

Chegada

Heinrich 12

Emilie 9

Hulda 7

Anna 2

Reinhold 1 (apesar dos nomes figuram como russos)

Winarsky, Jacob 51 agricultor conta

própria

Rachel 50

Chune 19

Rebecca 21

Breine 15

Esther

[Fonte: Livro de Matricula de Imigrantes, 76 ,p.117 –

IMI]

243

26. Instituições Comunitárias de ajuda e amparo ao imigrante

israelita em São Paulo:

Da Sociedade das Damas Israelitas a UNIBES

Um dos capítulos significativos da história judaica no Brasil, e que deve

merecer a atenção dos pesquisadores interessados nessa área de estudos, é a formação e a

atuação das sociedades que foram criadas para facilitar a absorção do imigrante judeu

vindo, em particular, do Velho Continente ao nosso país. Por via de regra, as comunidades

israelitas, no momento em que se organizavam ou institucionalizavam nos centros urbanos

mais importantes do nosso território, entre outras instituições (sinagogas, escolas e demais)

procuravam criar uma entidade que devesse ter como finalidade facilitar a vinda e a

adaptação do imigrante ao novo solo onde ele deveria se radicar. Por vezes, tais instituições

mantinham contato com entidades congêneres de caráter internacional com ramificações

nos grandes centros europeus e nos Estados Unidos. Mas nem sempre isso era possível, e

nesse caso elas atuavam isoladas contando com a boa vontade e a ajuda dos membros

componentes da própria comunidade local. Excepcionalmente, poderiam até contar com o

auxílio ou participação de pessoas ou sociedades que não fossem judias, mas tais situações

eram raras, recaindo o ônus e a responsabilidade de apoio ao recém-chegado sobre as

instituições criadas especialmente para esse objetivo.

Em São Paulo, em 15 de junho de 1915, fundou-se a Sociedade Beneficente

das Damas Israelitas, que tinha como objetivo prestar auxílio e ajuda social aos imigrantes

necessitados, que começavam a vir em número cada vez maior a partir dos anos que

marcaram a Primeira Guerra Mundial e aos que imediatamente se seguiram. Ainda que não

possuamos uma estatística exata sobre a presença de israelitas no Brasil naqueles anos

(1915-1916), calcula-se esse número por volta de 3.000, e se no Rio de Janeiro, capital da

República, em 1916, calculava-se a presença de 100 famílias, podemos supor que em São

Paulo viviam não mais que a metade desse número, por se tratar de uma cidade de menor

atração para os imigrantes.393

A iniciativa para a criação da Sociedade das Damas Israelitas

foi tomada pelas senhoras pertencentes às famílias mais antigas que já haviam atingido um

nível econômico-social que permitisse suportar o peso financeiro da nova entidade. Entre as

iniciadoras encontramos Clara Klabin, Regina Bortman, Olga Netter, Olga Nebel, Olga

Tabacow, Clara Ficker, Esther Zippin, Nesel Klabin, às quais se juntaram Berta Klabin,

Riva Berezowsky, Polly Anna Gorenstein, Fanny Mindlin, Rosita Gordon, Sonia Azariah,

Mania Costa, Luba Klabin e muitas outras senhoras e senhoritas que carregariam e

desenvolveriam a novel Sociedade, levando-a a uma ampla atividade beneficente em favor

do imigrante.394

A assistência médica ampla, com auxílio de maternidade, também visava

atender a não judeus ou a quem recorresse à instituição. Durante a Revolução

Constitucionalista de 1932, em São Paulo, a Sociedade das Damas Israelitas contribuiu com

sua parte ao lado de outras entidades da ampla sociedade paulista.395

Entre os seus

primeiros médicos encontramos as personalidades altruístas do dr. Walter Seng e dr. L.

393

Essa avaliação estatística foi feita pelo redator de “A Columna”, Prof. David José Perez, no n. 6 de

2/6/1916.p.77.Outras fontes se aproximam a esses números, ainda que sejam pouco fundamentados.

Há indícios que levam a concluir que um número deveria ser maior. 394

“A Columna”, n.6 de 2/6/1916, p.78; n. 14 de 2/2/1917, p.27. 395

V. Falbel , N., Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil, F.I.S.E.S.P., São Paulo, 1984, pp. 131-133.

244

Lorch, que acompanharam durante muitos anos as atividades da Sociedade. Em 1935, a

Sociedade procurava criar uma creche para crianças israelitas, procurando, assim, ampliar

suas responsabilidades e sua atividade humanitária frente a comunidade, que nesse tempo já

reunia uma população numericamente mais significativa e já contava com outras

instituições, que foram surgindo à medida que se intensificava a vinda dos grupos ou

correntes migratórias judaicas de diversas origens, entre elas, da Alemanha, que passou a se

organizar em moldes próprios. Tal fato levou a Sociedade das Damas Israelitas a se fundir,

em 10 de junho de 1940, com o Lar da Criança Israelita e a Gota de Leite da Associação

B’nai B’rith. O Lar da Criança Israelita foi fundado em 1939 pelas senhoras Luba Klabin,

Fanny Mindlin, Bassia Dreizin, Mina Gantman, Genny Zlatopolsky, Dora Deutsch, Polly

Saslavsky, Riva Berezowsky, Alice Krausz, Luiza K. Lorch, Vera Proushan, Anny Zausner

e Rosa Zlatopolsky, e tinha como finalidade amparar e dar abrigo a crianças de 3 a 7 anos

cujas mães necessitavam trabalhar. Luba Klabin promoveu uma campanha para a compra

de um terreno na rua Jorge Velho, o que permitiu a inauguração do Lar em 12 de abril

daquele ano. Mais tarde, tornar-se-ia o Jardim Maternal da Ofidas. Ainda no ano de 1932

foi criada a Gota de Leite da Associação B’nai B’rith, pelas senhoras Luiza K. Lorch, Alice

Krausz, Anny Zausner, Fanny Mindlin, entre outras, que cuidava de recém-nascidos

fornecendo leite, remédios, enxovais, e contava com a orientação pediátrica do Dr. Ângelo

Candia, bem como com o respaldo da Sociedade das Damas Israelitas. Assim, a Ofidas –

Organização Feminina Israelita de Assistência Social, ao surgir, englobaria os serviços

sociais prestados pelas entidades anteriores, que a formavam através da sua união. Sua

atividade abrangia, além da assistência social propriamente dita, setores de gabinete

dentário, higiene infantil, roupas usadas, orientação profissional, chegando a ter, durante

certo tempo, um curso vocacional. Durante sua existência, a Ofidas foi presidida por Luiza

Lorch, Rachel Bacaleinik, Berta Fleitlich, Rosa Aizenberg, Fanny T. Felmanas, além de sua

primeira presidente-fundadora Luba Klabin. A doação de terrenos de propriedade de Rosa

Hottinger e Luba Klabin na rua Rodolfo Miranda permitiu a contrução do novo prédio

próprio, que foi inaugurado em 1960. Quando em 1969 instalou-se o Serviço Social

Unificado, compreendendo a Ezra, a Congregação Mekor Haim, a Congregação Israelita

Paulista, a Sociedade Cemitério Israelita, a Sociedade Brasil-Bessarabia, a Ofidas passou a

integrá-la como uma de sua instituições.

Posteriormente, outras fusões ocorreram com sociedades paralelas, até o

surgimento de uma entidade única que congregasse toda a assistência social e a atividade de

beneficência ao imigrante, assim como ao menos favorecido, sob um único teto.396

Por outro lado, a Ezra, ou a Sociedade Israelita Amigos dos Pobres – assim ela

se autodenominava na Ata número 1 da entidade – foi fundada em 20 de maio de 1916, e na

ata mencionada define seus objetivos como sendo “em especial, não deixar que peçam

esmola, auxiliar os pobres, doentes, e arranjar serviço aos que não têm, e ajudar também

materialmente, quando necessário”.397

Os fundadores novamente representam as famílias mais antigas de São Paulo,

sob a iniciativa de José Kauffmann, Benzion Zaduchliver, David Tridman, José Nadelman,

Isaac Tabacow, Israel Ticker, David Berezowsky, Salomão Lerner, Jona Krasilschik, Boris

396

Esses dados foram extraídos dos Livros de Atas da Sociedade Beneficente das Damas Israelitas do acervo

do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro. 397

Livro de Atas da Ezra, no A.H.J.B.; periódico “A Columna, n. 6 de 2/6/1916, p. 78; n. 8 de 4/8/1916, p.

117; n. 14 de 2/2/1917,p. 27.

245

Weinberg, Jacob Schneider e vários outros ativistas da comunidade daquele tempo. O

princípio que regeu os inícios dessa sociedade era o mesmo da Sociedade das Damas

Israelitas, ou seja, o ônus financeiro recairia sobre os ombros dos sócios fundadores, além

da coleta entre membros da comunidade de São Paulo e outras cidades do interior. A

atividade e a coleta de fundos era realizada também com a organização e promoção de

eventos sociais, incluindo o teatro em ídiche, com a participação de artistas amadores, que

tinham, assim, a oportunidade de revelar seus talentos.398

Na publicação “História da Ezra”, esses artistas são lembrados com um

sentimento de gratidão por terem permitido a angariação de fundos necessários para o bom

desempenho da nova entidade. Os amadores chegaram a formar um pequeno grupo teatral

com o nome de “Scholem Aleichem”, em homenagem ao clássico escritor da língua ídiche.

Entre os artistas amadores encontramos Benzion Zaduchliver, Samuel Kleimann, Isaac

Meir Bronstein, Marcos Bronstein, Michel Berezowsky, Anchel Krasilschik, David Becker,

Chava Ticker, Fridel Zaduchliver, Sofie Bronstein e Fany Feldman.399

Poderíamos resumir dizendo que, nos primeiros anos de atividade da Ezra, ela

atingiu cinco objetivos, a saber: 1) ajudar pobres necessitados; 2) fornecer ajuda médica e

hospitalar a quem necessitava; 3) ajudar os imigrantes de passagem a chegar a seu destino;

4) fornecer empréstimos aos que se dirigiam à instituição; 5) visitar enfermos em suas casas

para ampará-los no que fosse necessário. Ao mesmo tempo, a Ezra passou a entrar em

contato com instituições internacionais que auxiliavam no encaminhamento da imigração

judaica em várias partes do mundo, tais como a J.C.A. (Jewish Colonization Association)

de Londres, a Emigdirekt na Alemanha e a Hias nos Estados Unidos. Mais tarde, essa

organizações se unificariam e coordenariam suas atividades sob uma única entidade, a

HICEM.

Em São Paulo, nos primeiros anos de existência, a Ezra pôde desincumbir-se de

suas responsabilidades de ajuda médico-hospitalar graças “a cooperação do Hospital Santa

Catarina, para onde encaminhavam as pessoas enfermas. Os tuberculosos eram orientados

para os sanatórios de São José dos Campos até que, mais tarde, fosse construído o sanatório

da Ezra, em 1935. Um dos momentos difíceis que a instituição teve que enfrentar foi a

ocorrência da “gripe espanhola”, que atingiu a população de São Paulo logo após o término

da Primeira Guerra Mundial e ceifou muitas vidas da população local. A Ezra mobilizou-se

para enfrentar a situação e transformou a sinagoga Knesset Israel, construída pouco antes,

em hospital e abrigo de enfermos. Médicos que serviam à Ezra e dois estudantes judeus da

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, filhos do primeiro rabino de São Paulo

Mordechai Guertzenstein, Dr. Leão e Rebeca, ajudaram a salvar cerca de sessenta

enfermos, sendo elogiados por sua dedicação pelo próprio governador do Estado daquele

tempo, Altino Arantes, assinalando o papel importante desempenhado pela instituição de

beneficência e pela comunidade israelita para debelar a terrível epidemia.

Nos anos que se seguiram ao término da Primeira Guerra Mundial, a imigração

judaica no Brasil aumentou consideravelmente, devido também a restrições impostas por

outros países, entre eles a Argentina, que desde o século passado absorveu a maior parte da

imigração israelita que se dirigia à América do Sul, além dos Estados Unidos. Assim, a

398

“A Columna” n. 6 de 2/6/1916, no qual se menciona que foi levada à cena a opereta “Dos pintele yid” em

benefício da Ezra. Também em outros lugares do livro de Atas n. 1 da mesma entidade. 399

“História da Ezra e do Sanatório Ezra” (Geschichte fun Ezra un Sanatorie Ezra), São Paulo, 1941, pp.19-

20.

246

população judaica em nosso país foi crescendo, e a Ezra teve que se adaptar à nova

situação. Houve a necessidade de apressar o término de um salão da sinagoga Knesset

Israel para utilizá-lo como abrigo de imigrantes, que começavam a vir em maior número. O

término da guerra também permitiu que israelitas voltassem à Europa com o fim de trazer

suas famílias para a nova terra. A questão da imigração e da adaptação dos imigrantes

preocupava a todos, o que levou a comunidade a indicar condições para que procurassem

novos caminhos para a solução do problema. Desse modo, surge em 1924 uma Sociedade

Pró-imigrantes, sob a orientação do dr. Horácio Lafer e outros, que na verdade não poderia

arcar sozinha com os objetivos aos quais se propusera, e, portanto, teve que recorrer à Ezra.

Porém, com a chegada ao Brasil, no fim de 1923, do rabino Isaias Raffalovich, como

representante da J.C.A. entre nós, formulou-se, a partir daquele ano, uma política de

proteção e assistência ao imigrante que daria melhores frutos no futuro próximo e durante

os anos em que ela mais se intensificou. A própria Ezra mudaria seu nome para Sociedade

Israelita Beneficente e abarcaria uma gama múltipla de atividades comunitárias.

A atividade da Ezra estimulou a criação de uma Cooperativa de Crédito em

1928, ano em que também começou a atuar naquela organização o dinâmico empreendedor

Benjamin Kulikovski. A Cooperativa de Crédito visava fornecer os primeiros empréstimos

ao imigrante para permitir que se estabelecesse com algum negócio ou outro

empreendimento pessoal. Procurava-se, desse modo, criar para a imigração organismos

financeiros que pudessem ajudar aos que chegavam ao país a se enraizarem na sociedade

brasileira, impedir o seu fracasso e a conseqüente volta aos lugares de origem, como de fato

ocorria em anos e décadas anteriores. Nesse sentido, Raffalovich, em encontro em Paris,

no ano de 1928, procurou convencer a HICEM, recém-formada, a não abrir escritórios nas

grandes capitais ou centros de imigração, mas a aproveitar as entidades beneficentes e de

ajuda existentes para assumirem, com seu apoio, o papel orientador e executivo para a

absorção e encaminhamento do imigrante. A um dado momento, e graças ao contato com o

Ministério da Agricultura, a Ezra conseguiu, através do Dr. Cristiano da Luz, diretor do

Departamento de Fomento Agrícola e Colonização, que as passagens para o deslocamento

dos imigrantes fossem pagas pelo governo, o que representava uma soma respeitável para

os anos de grande imigração, durante a década de 20. Dr. Cristiano da Luz e seu filho e

médico Dr. Paulo Ribeiro da Luz colaboraram com a instituição israelita em sua atividade

imigratória, que havia aumentado, e a obrigou a mudar seu escritório (antes instalado em

uma sala da tradicional Escola Renascença) para um prédio que pudesse também abrigar

imigrantes, na rua Bandeirantes, 26, no Bom Retiro. Nesse tempo, em 1929, a Ezra também

alugou um armazém para guardar as bagagens dos imigrantes e providenciou a indicação de

um representante em Santos, que deveria acompanhar os que desembarcassem naquele

porto até São Paulo.

Um dos aspectos interessantes da ajuda prestada pela Ezra à absorção dos

imigrantes judeus foi o do ensino da língua portuguesa aos recem-chegados, cujos cursos

contavam com uma boa freqüência.400

A entidade procurou abrir novas oportunidades de trabalho, entrando em

contato com empresas e indústrias existentes na São Paulo daqueles tempos.

Desse modo, os imigrantes que chegavam podiam completar ou adquirir

conhecimentos profissionais e encontrar empregos mais rendosos. A própria Light and

Power Company, a Companhia Mecânica e outras empresas de vulto daqueles anos abriram

400

Livro de Registro dos Imigrantes da Ezra , no acervo do A.H.J.B.

247

suas portas para receber imigrantes que desejavam um aperfeiçoamento profissional e

emprego.

O ano de 1929 representou, em termos estatísticos, uma etapa de intensa

imigração, e exigiu uma especial arrecadação de fundos para que a Ezra pudesse atender a

suas finalidades. Para termos uma idéia do aumento sensível da imigração nesse ano e do

fardo financeiro que a entidade teve que carregar devemos nos deter no seguinte quadro

comparativo:

1928 1929

imigrantes registrados 680 1.611

imigrantes que receberam ajuda 270 1.065

imigrantes encaminhados 270 867

despesas com pensões 5.573$000 56.373$000

despesas gerais c/ imigrantes 3.742$000 20.044$000

despesas diversas 87.953$000 218.536$000

subsídios 27.632$000 114.060$000

ingressos de sócios 16.791$000 21.959$000

passagens grátis 80 224

cartas recebidas (p/ imig.) 476 4.873

cartas expedidas 513 1.073

receitas p/ imig. 120 294

No mesmo ano, em 15 de novembro, fundava-se uma outra instituição denominada

Linat Hatzedek, sob a iniciativa de Julio Kuperman, Simão Deutschman, Idel Tkatschuk,

Kuba Kuperman, Henrique Bidlovski, Bernardo Serson, Pierre e Max Schmiliver, Adolfo

Wolff e Leon Elinger. A finalidade da instituição, como seu nome o diz, era mobilizar

pessoas para pernoitar com enfermos e conseguir instrumentos e meios para que pudessem

levar uma vida normal. A família de Isaac Tabacow, em 1931, com a doação de um imóvel

na rua Ribeiro de Lima, permitiu que a instituição lá funcionasse até 1960. Posteriormente,

a Linat Hatzedek, que foi presidida por Salo Wissman, Adolfo Wolff e Samuel Mitelman,

transformar-se-ia na Policlínica, que acabaria por ser conhecida como a instituição médica

central da comunidade israelita de São Paulo e o braço auxiliar do trabalho de assistência

das Ezra até o ano de 1976, quando se incorporou à Ofidas.

A mudança da política imigratória brasileira com a ascensão de Getúlio Vargas no

cenário político nacional, a partir de 1930, que impôs as “cartas de chamada”, diminuiu o

número de imigrantes israelitas, ainda que não levasse a sua inteira estagnação.

Dificuldades bem maiores surgiriam com o Estado Novo e a política discriminatória

antijudaica do governo brasileiro durante aquele ano, compreendendo a Segunda Guerra

Mundial, e mesmo após o Holocausto.

Contudo, a atividade da Ezra não cessou durante aqueles anos, e a própria

instituição aperfeiçoou-se com a assessoria jurídica e orientação profissional do Dr. Oscar

Tollens, que teve um papel importante na legalização dos recém-vindos e nos

procedimentos para ajudar a fixação de vários imigrantes. A Ezra contou também com a

ajuda de uma sociedade de caráter cultural fundada em 1930 por Henrique Bidlovski, Max

Jagle, Mechel Zaltzman, Henrique Ostrovich, Max Altman e outros, sob o nome de

248

Associação dos Israelitas Poloneses, que na revolução daquele mesmo ano ajudou a mitigar

as necessidades dos mais pobres da população israelita de São Paulo, assim como o faria

em 1932.

A Ezra continuou sua atividade beneficente e de ajuda social em relação aos

imigrantes israelitas durante as décadas seguintes, antes e após a Segunda Guerra Mundial,

enfrentando os desafios de tempos difíceis e tormentosos para a humanidade em geral, e

para os judeus em particular, os quais, na sua longa trajetória histórica, se caracterizaram

como um povo migrante por excelência, encontrando, porém, no Brasil, uma instituição

humanitária impregnada de idealismo que não media esforços e sacrifícios para amparar

seus correligionários. Em 1976, formar-se-ia a UNIBES, União Brasileiro-Israelita do

Bem-estar Social, fruto da unificação das instituições Ofidas, Ezra e Linat Hatzedek, graças

à extraordinária visão comunitária de seus presidentes naquela época: Antonieta Bergamo,

Adolpho Berezin e Samuel Mitelman, alcançando-se, desse modo, a reunião total das

sociedades assistenciais da comunidade judaica de São Paulo. Desde a fusão, em 1976, a

UNIBES foi presidida por Antonieta Bergamo, Petronia Teperman e Anita Schwartz.

A UNIBES atende a todas as faixas etárias da população, desde crianças até idosos,

incluindo serviço social que visa reabilitação social e econômica, distribuição de alimentos

e roupas, o que também permite o funcionamento de um bazar permanente, cujo ingresso é

revertido em auxílio ao carente. A UNIBES possui um serviço de atendimento médico,

recebendo nesse aspecto a colaboração da FISESP, Federação Israelita do Estado de São

Paulo. Desse serviço médico faz parte a distribuição de remédios de sua farmácia e grupos

de apoio para terapia ocupacional de terceira idade e de atendimento psiquiátrico. A

preocupação e o zelo da instituição para com as crianças são expressos no trabalho

realizado pela creche Betty Lafer e os programas de complementação escolar que se

estendem até mesmo durante o período de férias escolares.

Ao fazermos um esboço histórico da beneficência social na comunidade judaica de

São Paulo, que completou seu 80o aniversário no ano de 1995, não podemos deixar de

expressar o sentimento que deve perpassar o coração e a mente de todos: de que as mãos

infatigáveis das mulheres e dos homens que a sustentaram e ampararam fizeram jus ao dito

talmúdico: “O mandamento de praticar a caridade pesa tanto quanto os outros todos

reunidos” (Baba Batra, 9b).

249

27. Subsídios à história da educação judaica no Brasil

Subsídios à História da Educação Judaica no Brasil

A história da educação judaica no Brasil ainda está por ser feita, uma vez que,

até agora, nenhuma pesquisa sistemática foi realizada, ainda que vários projetos nesse

sentido tenham sido propostos por instituições comunitárias e mesmo por indivíduos

interessados na questão, mas que, lamentavelmente, não chegaram a se concretizar.

Nossa intenção, além de voltar a chamar a atenção ao tema que permanece em

aberto aos pesquisadores, é dar pequena contribuição ao seu estudo, através de elementos

que colhemos fortuitamente na imprensa judaica e em outras fontes que mencionaremos em

nosso trabalho401

.

Coube à J.C.A. (Jewish Colonization Association), ao dar início, em 1904, à

colonização de Philippson, no Rio Grande do Sul, a criação de uma primeira escola judaica

no Brasil.402

Mas, antes de tudo, devemos entender que a preocupação da J.C.A. era atender

à vontade e ao desejo dos colonos em transmitir aos seus filhos os conhecimentos judaicos

necessários para que a nova geração soubesse a língua de seus pais, bem como as tradições

de seus antepassados. Dessa forma, o termo “escola” deve ser entendido como

complementação de estudos judaicos, que deveriam estar associados a conhecimentos

gerais básicos. Porém a partir dos estudos complementares judaicos dos primeiros anos,

chegaram os colonos de Philippson a estabelecer, mais tarde, verdadeira escola local,

reconhecida e supervisionada pelos órgãos educacionais do Estado. No interessante livro de

memórias de Frida Alexander,403

encontramos elementos para seguir essa evolução da

escola em Philippson, assim como tomamos contato com seus primeiros professores,

permitindo-nos ter uma idéia de seu currículo. Por não ter tido a intenção de fazer um livro

histórico, Frida Alexander não se ateve às datas, tão importantes para o historiador, o que

dificulta, de certa maneira, precisar o desenvolvimento da escola local. No capítulo em que

relata a festa de inauguração da escola, construída de madeira, menciona a vinda de um

professor de português, León Back,404

mas, em outro lugar, indica que as aulas de ídiche e

hebraico eram ministradas num anexo do chill (sinagoga) pelo rebe Abrão Waissman.405

Porém, logo em seguida, na mesma página, a autora escreve que, “quando a nova escola foi

inaugurada, dispondo de amplas janelas, tendo como professor de português um eminente

pedagogo, León Back, a quem breve juntar-se-ia o professor Israel Becker, para lecionar o

ídiche e o hebraico”, leva-nos a concluir que, de início, a escola era anexa à sinagoga, no

estilo do beit-hamidrash europeu apenas para o ensino do ídiche e do hebraico, mas,

401

Impomos ao nosso trabalho uma limitação cronológica até a década de 20, uma vez que nossa intenção, no

momento, é o estudo do início da educação judaica no Brasil. 402

A razão pela qual começamos com a J.C.A. deve-se ao fato de não sabermos absolutamente nada sobre a

educação judaica no século XIX, apesar das correntes imigratórias judaicas terem aportado em nosso território

nas primeiras décadas daquele século e aumentado nas últimas, principalmente a partir da imigração

alsaciana, em 1871. 403

Alexandr, Frida, “Filipson”, ed. Fulgor, São Paulo, 1967.

404 Op. cit., p. 31. 405

Op. cit., p. 37.

250

posteriormente, foi concluído um edifício apropriado a esse fim com a intenção de ter um

currículo mais completo.

O livro de Frida Alexander ainda é muito importante para conhecermos os

professores que lecionaram em Philippson, e, além dos já mencionados, aparece a figura

trágica do “Rebale”, que acabou morrendo no anonimato na selva que rodeava a região406

o

professor Idel Leib Averbuch, que exerceu também a função de bibliotecário da escola e

veio a morrer na flor da idade407

; o professor Usher Steinbruch408

, que lecionou ídiche e

hebraico como substituto do professor Becker; Marcos Frankenthal,409

que veio em um

momento em que a escola estava quase em abandono; e, por fim, o professor Abrão

Budin410

, que permaneceu durante muitos anos como diretor da escola e parece ter sido seu

sustentáculo. Lamentavelmente, pouco sabemos desses professores, com exceção da figura

de Marcos Frankenthal, que veio mais tarde a São Paulo e estabeleceu-se com a Tipografia

Palestina e fundou, em 1931, o periódico “San Pauler Idische Tzeitung”, que exerceu papel

cultural e social importante na vida comunitária judaica. Quanto ao professor Abrão Budin,

encontramos duas cartas de seu punho, escritas em português, ao professor David J. Perez,

e seu nome é mencionado várias vezes no jornal “A Columna” (1916-1917). O conteúdo

das cartas relaciona-se ao próprio jornal, sendo que, na primeira, manifesta ele suas

congratulações com o aparecimento do periódico, escrita com verdadeiro entusiasmo411

, e a

segunda trata de doação ao Comitê de Socorro aos Israelitas Vítimas da Guerra.412

PROGRAMA COMPLETO

Eva Nicolaiewsky413

, em seu livro “Israelitas no Rio Grande do Sul”, traz

algumas referências bibliográficas importantes sobre a escola judaica de Philippson, sendo

a primeira tirada da “Breve História dos Judeus no Brasil”, de S. Serebrenick e E. Lipiner,

onde se lê: “Em 1906, aproximadamente, foi organizada a primeira escola da Colônia

agrícola Philippson, com 50 alunos e 3 professores. Foi essa a primeira escola de ensino

judaico no Brasil”. Outra referência é extraída do artigo sobre a “Imigração Judaica no Rio

406

Op. cit., p. 102.

407 Op. Cit., d. 131-132. Uma foto do mesmo encontra-se no livro de Eva Nicolaiewsky, que mencionaremos

adiante em nosso trabalho. A atitude individual de um professor se revela nas palavras de Frida Alexander:

“O professor Idel Leib costumava reunir os alunos já prestes a terminar o curso, e com eles debater sobre os

livros e orientá-los na escolha de outros.” 408

Op. cit., p. 132-133. 409

Op. cit., p. 139 e 144. 410

Op. cit., p. 127 e seguintes. A autora descreve a personalidade do professor Abrão Budin nos seguintes

termos: “O professor Budin era impecável nas suas maneiras e no seu modo de trajar. Nunca se exaltava com

os alunos, ministrava as aulas com bondade e paciência. Quando algum aluno cometia alguma falta, as faces

do professor Budin se cobriam de rubor, um sorriso encabulado se esboçava no canto de sua boca, como se

fosse pedir desculpas à classe pela falta que não cometera”. 411

As cartas fazem parte da coleção de documentos microfilmados do arquivo do professor David José Perez,

cuja cópia nos foi cedida pelo Central Archives for the History of the Jewish People, em Jerusalém, graças à

atenção e gentileza do Prof. Haim Avni. As datas das cartas são 11/05/1916 e 03/07/1916. 412 Trata-se da instituição criada no Brasil em 1916, com a finalidade de atender às necessidades dos judeus

no continente europeu, que estavam sofrendo as agruras da Primeira Guerra Mundial. 413

Nicolaiewsky, E., “Israelitas no Rio Grande do Sul”, ed. Guaratuja, P.A., 1975.

251

Grande do Sul”, escrito pelo Dr. León Back414

, para a Enciclopédia Rio-grandense que

testemunha sobre si mesmo como professor: “Foi enviado pela J.C.A., de Paris, onde era

professor e vice-diretor da École Horticole et Professionelle, para Lisboa, a fim de aprender

ali o português e, posteriormente, para Philippson, onde chegou a 5 de junho de 1908,

instalando uma escola. As aulas da manhã e da tarde eram freqüentadas por cerca de 60

alunos. Nas últimas horas da tarde, funcionava uma aula para uns 20 adultos”.

Conforme instruções da J.C.A., os alunos, quase todos nascidos na Europa,

deviam ser educados como brasileiros. Por isso, a escola seguia os programas e adotava os

livros dos estabelecimentos públicos. Nas escolas só era admitido o uso da língua

portuguesa, com exceção do hebraico, ensinado nas aulas de instrução religiosa. Sabemos

pelo livro de Frida Alexander que também o ídiche era ensinado na escola.

Eva Nicolaiewsky ainda traz duas importantes menções sobre a escola de

Philippson, a primeira extraída de Ernesto A. Lassance da Cunha, que em sua obra

publicada em 1908, portanto bem próxima dos primeiros anos da colônia, escreve, à página

153: “Os colonos de Philippson são todos de origem russa e, na maior parte, já falam nosso

idioma. Na própria colônia existe uma escola particular para adultos e crianças, onde são

ensinados os idiomas português e hebraico”. A segunda referência é extraída do livro de

Hemérito José Veloso da Silveira, com o título “As Missões Orientais e seus Antigos

Domínios”, publicado em 1910, onde, à página 606, se lê: “A população de Philippson,

embora espargida por seus diversos lotes coloniais, embora entregue aos trabalhos nas suas

terras e indústrias dos lacticínios e outras, os israelitas não têm descuidado da instrução de

seus filhos. Na sede da colônia há aulas de português e hebraico, sustentadas pelos próprios

colonos”.

Eva Nicolaiewsky lembra mais dos professores que lecionaram em Philippson.

São eles, Chaim Ber Verba e José Pontremoli e, com razão, a autora observa que,

“considerando que as colônias possuíam de 25 a 30 hectares cada uma e que as moradias

foram edificadas dentro dessa área, é fácil imaginar o longo percurso a que estavam sujeitos

os alunos, atravessando campos, córregos, matos e defendendo-se das cobras, até atingirem

a escola”.

Outro aspecto interessante da escola é a composição mista de seus alunos,

incluindo católicos entre os mesmos, o que pode ser confirmado pela fotografia de 1908 e a

relação dos nomes dos alunos, publicada no livro de Eva Nicolaiewsky, em página não

numerada.415

Ao que tudo indica, a orientação imprimida pela J.C.A. à escola deveria ser a

de uma instituição que pudesse facilitar a adaptação dos filhos dos colonos ao novo país e

com padrões do mundo ocidental, afastando-se da mentalidade do schtetl, típico da Europa

Oriental.416

O caráter oficial da escola, reconhecida pelas entidades públicas do Estado, é

novamente comprovado por uma passagem no livro de Frida Alexander, quando relata que

“um acontecimento importante deixou marcada em Philippson a passagem do professor

Budin. Foi no fim do ano, pleno de atividades, quando, a convite do administrador Pereira e

414

Trata-se do professor León Back, a quem mencionamos anteriormente. 415

A mesma fotografia encontra-se na “Enciclopédia Judaica”, ed. Tradição, Rio de Janeiro, 1967. 416

É Preciso lembrar que a J.C.A. foi orientada por uma administração saída do judaísmo da Europa Ocidental

e tinha uma visão do judaísmo diferente da do schtetl.

252

do próprio professor Budin, tivemos uma comissão de examinadores enviada pelo Governo

do Estado, entre os quais João da Silva Belém, um dos luminares da pedagogia do Rio

Grande do Sul, e Walter Jobim, quem veio a ser, mais tarde, presidente do Estado”.417

EM QUATRO IRMÃOS

Com a instalação da segunda colônia da J.C.A., Quatro Irmãos, a partir de

1912, podemos supor que uma escola tenha se instalado no novo núcleo colonizador. Mas,

os poucos dados que temos são insuficientes para estabelecer alguma comparação com a

escola de Philippson, que a antecedeu. Tampouco sabemos com exatidão em que ano teve

início e quais professores lecionaram durante seus primeiros anos de existência. A única

fonte de informações importantes que pudemos obter foi o depoimento oral do insigne

professor Jacob Levin, que tanto contribuiu para a educação judaica no Brasil, pois foi

professor nos núcleos que formavam a colônia de Quatro Irmãos, a partir de 1929, e em

1935 tornou-se um dos educadores de destaque na escola Talmud Torá, fundada dois anos

antes em São Paulo, imprimindo-lhe orientação que a transformou num estabelecimento de

ensino exemplar em nossa comunidade.

Segundo o professor Jacob Levin, havia várias escolas na região de colonização

de Quatro Irmãos, que tiveram início em 1912. A mais antiga seria a de Quatro Irmãos

propriamente dita, pois, segundo seu depoimento, certos professores que atuaram em

Philippson, tais como Marcos Frankenthal e León Becker, passaram a lecionar na nova

colônia. Porém, formaram-se escolas nos núcleos de Barão Hirsch, Baroneza Clara e

Pampa,418

sendo que, a partir de 1929, o professor Jacob Levin, além de lecionar as

matérias judaicas (ídiche, hebraico, história judaica, Escrituras Sagradas ), tinha a função de

supervisor das escolas nessas colônias. Explica-se a existência de uma escola para cada

núcleo devido à grande distância existente entre um e outro ponto de colonização. Lembra

bem o professor Levin que, por essas escolas, passaram professores que, mais tarde,

serviram também como educadores nas escolas judaicas de outros Estados e de outras

cidades do Rio Grande do Sul. Entre eles, são lembrados o professor Jacob Faingelernt419

e

o professor Karolinsky, ambos conhecidos, pois tiveram atuação em outras escolas, assim

como os professores Aizik Matone, Blazer, Vitemberg, que não continuaram em seu mister

de mestres, voltando a seus lugares de origem ou passando a outras ocupações.

O significado dessas escolas para a educação judaica no Brasil ainda está por

ser avaliado, pois, como podemos depreender pelo depoimento do professor Jacob Levin,

417

Op. cit., p. 128. 418

Eva Nicolaiewsky, em seu livro, menciona também o núcleo de Rio Padre, mas não sabemos se havia

escola ou não nesse local. 419

Encontramos alguns traços semibiográficos no livro de Karakuschansky, S., “Aspektn funen idischen leben

in Brazil”(Aspectos da vida judaica no Brasil), ed. Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1957, vol. II, pp. 66-67.

Lamentavelmente, o excessivo “literalismo” do autor, que acompanhou de perto a vida judaica do Rio de

Janeiro, a partir da década de 20, e portanto poderia nos dar excelente testemunho do período, prejudica em

muito o aspecto histórico de seu trabalho, que se torna difuso no tempo e no espaço, carente de objetividade e

mesclado de apreciações pessoais, nem sempre corretas, sobre as personalidades que nos apresenta. Professor

Faingelernt lecionou em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e, por fim, no Rio de Janeiro. Devemos

lembrar, ainda, que o autor do livro acima citado dedica, no vol. I, um capítulo à educação judaica no Brasil.

253

elas serviram de incubadoras para a formação de professores para as escolas de outros

lugares e cidades do Brasil. O ensino, pelo visto, era eficiente, e o professor Jacob Levin

lembra com emoção daqueles pequenos lugarejos e de como as crianças falavam ídiche e

hebraico com fluência. A mesma observação ouvimos também no depoimento oral do

professor Abrão Kanas, que lecionou certo tempo nas colônias e, mais tarde, foi radicar-se

em Sorocaba. As escolas daqueles núcleos de Quatro Irmãos eram reconhecidas pelo

Estado e conferiam a seus alunos certificados com validade equivalente às demais.

As escolas tiveram apoio direto da J.C.A., seja sob aspecto material, seja sob

estímulo espiritual da parte de seu representante, o rabino Isaías Raffalovich, rabino-mor do

Rio de Janeiro,420

que aportou naquela cidade em dezembro de 1923. Seu interesse pessoal

na educação judaica o levou a viajar pelos Estados, criando escolas em vários lugares e

incentivando, com apoio material, seu funcionamento. Em especial, as escolas da J.C.A.

estavam sob sua responsabilidade, por força de sua função como representante daquela

instituição. Em seu livro “Tziunim ve-Tamrurim”421

ele retrata alguns aspectos relativos à

formação e orientação dada às escolas da época, em particular quanto à introdução do

estudo do hebraico ao lado do ídiche, que levou a que fosse atacado pelos “idichistas.”422

OUTRAS ESCOLAS

Podemos supor que na região da Santa Maria, onde se encontrava a colônia

Philippson, tenha existido uma escola judaica com crianças das famílias que deixaram a

colônia, pois, em 1915, já havia uma comunidade organizada. Mas nenhuma notícia

documentada encontramos que comprove a existência de qualquer escola. Por outro lado,

temos uma notícia concreta a respeito de uma escola na cidade sulina de Pinhal, notícia essa

publicada em 1917 no jornal “A Columna”, e que nos informa: “Em Pinhal, os alunos e

alunas israelitas da escola do sr. Professor Max Rosenberg representaram a peça “O Rei

Lear”, do conhecido israelita Jacob Gordin, em quatro atos com música. O espetáculo foi

representado pelos alunos e alunas de idade de 8 a 12 anos. Os trabalhos foram tão bem

executados que o público, nas passagens graves do drama, sentiu-se profundamente

emocionado, havendo muitas pessoas que não contiveram as lágrimas. Como ato final,

levaram uma comédia que fez rir a todos os assistentes. Ao mesmo tempo, foi recolhida

pelo sr. Dionísio Steinberg a quantia de 97$000 para as vítimas israelitas da guerra.

Tomaram parte no espetáculo os seguintes artistas: Jacob Soltz, Rebeca Soltz, Isaac Wolf,

Fani Sibemberg, Rachel Sibemberg, Miguel Schneider, filho de ...”423

Em São Paulo, temos como primeira escola o Talmud Torá Bet-Sepher Yvri,

assim chamado em “A Columna”, que em vários de seus números publicou uma série de

notícias que tratam desde a fundação da escola até seus primeiros avanços. Em março de

1916, Alexandre Algranti, representante do periódico mencionado, em São Paulo, em

conferência proferida em benefício da Biblioteca Israelita de São Paulo, expressava seus

votos “para que, em breve, seja organizado um festival como este, com o fim de se fundar

420

O rabino Raffalovich vinha da Inglaterra, onde serviu durante muitos anos como guia espiritual de

Liverpool. 421

Editado em 1952. 422

Op. cit., p. 186. 423

“A Columna”, n.ºs de set., out., nov., dez., 1917, p. 155

254

uma escola israelita nesta cidade, que conta com elementos seguros de vida, em virtude da

prosperidade de sua colônia”.424

No número de maio do mesmo ano, noticiava-se que, “a 25

de fevereiro próximo passado, fundou-se, na capital de São Paulo, um Talmud Torá, o

primeiro no Sul do Brasil de que temos notícia. A freqüência em abril era de 23 alunos, 20

do sexo feminino e 3 do sexo masculino”.425

Ainda no mesmo número se noticia que “a Sinagoga da rua da Graça, em São

Paulo, esteve muito concorrida durante o tempo de Pessach, sendo grande o número de

nossos correligionários que ali foram fazer suas orações. Todos os que ali estiveram nesses

dias prontamente contribuíram no limite de suas posses para a manutenção do Talmud

Torá”.426

Já em junho do mesmo ano, ou seja, poucos meses após a fundação da escola,

noticiava-se que o Talmud Torá Bet-Sepher Yvri desta cidade (São Paulo) estava

melhorando. “Conta, atualmente, segundo informações de seu diretor, com 44 alunos

inscritos, sendo 20 do sexo masculino e 24 do sexo feminino”.427

Alguns viajantes do Rio

de Janeiro que vieram a São Paulo para visitar as instituições da comunidade também dão

testemunhos da escola recém fundada e, entre eles, temos o de Max Fineberg, presidente da

primeira sociedade sionista no Brasil, a Tiferet Sion, que assim escreve: “...o Talmud Torá,

recentemente fundado, que vai prestando o inestimável serviço de instruir os filhos de

nossos correligionários na língua dos profetas e educá-los propriamente para que sejam tão

bons israelitas como brasileiros”.428

O secretário de “A Columna”, Ambrosio M. Ezagui, em artigo sobre São

Paulo, refere-se a Talmud Torá “que tem uma freqüência regular de alunos, sendo a nossa

doce língua lecionada pelo sr. Júlio Itkis, com resultados satisfatórios, como notei quando

tive a felicidade de visitar esse estabelecimento de instrução, em outubro do ano

passado...”.429

Quanto ao caráter da escola, as notícias que temos não permitem chegar a

uma conclusão definitiva, mas, aparentemente, era uma escola complementar de estudos

judaicos, que não abrangia currículo completo em português. O entusiasmo com a nova

escola é visível numa deliciosa notícia de “A Columna”, que nos informa que, “a 12 de

agosto, realizou um festival infantil em benefício do Templo Israelita em construção.

Compareceram muitas famílias da melhor sociedade, que concorreram para abrilhantar a

festa. Tomaram parte as seguintes crianças, que, dirigidas pelo professor Elias Carseh,

desempenharam a contento seus papéis: N. Lerner, quem recitou “Hamitcan bamitbar”;

Faelle Zippin, Nita Batbah e ‘Al Aior Bemizraim”; N. Lerner (canto), “Ura Ben liyakir”.

Constituíram o coro M. Kauffman e L. Naslavsky. Depois, organizou-se uma passeata, da

qual tomaram parte muita crianças que ostentavam as bandeiras brasileira e israelita.

Escusado será dizer que deixou a mais agradável impressão a todos os que assistiram a esse

ato”.430

Curiosamente, no ano de 1917, em Belém do Pará, parece ter havido esforço

comunitário em suprir, de alguma forma, conhecimentos judaicos aos seus filhos, pois se

noticia que “o sr. Manoel A. de Castro, diretor do Colégio Pará e Amazonas, acaba de criar

424

“A Columna”, n.º de março, 1916, p. 41. 425

“A Columna”, n.º de maio, 1916, p. 72. 426

“A Columna”, n.º de maio, 1916, p. 74. 427

“A Columna”, n.º de junho, 1916, p. 90. 428

“A Columna”, n.º de agosto, 1916, p. 117. 429

“A Columna”, n.º de fevereiro, 1917, p. 27. 430

“A Columna”, n.ºs de set., out., nov., dez., 1917, p. 151.

255

a cadeira de Língua Hebraica no curso suplementar dessa casa de instrução, para o qual

nomeou o professor Isaac P. Melul. Contou-nos que o sr. Artur Pinto, diretor do Colégio

Progresso Paraense, pretende também criar essa cadeira no seu instituto de ensino”.431

PROFESSOR EMINENTE

No Rio de Janeiro, ao que tudo indica, também existia uma escola do tipo

Talmud Torá de São Paulo, e talvez tenha mesmo sido criada anteriormente a daquela

cidade, ainda que não tenhamos nenhuma data que confirme tal suposição. Sabemos, sim,

que, em 1916, vivia no Rio de Janeiro um dos primeiros professores daquela comunidade;

este teria o papel decisivo na evolução do ensino judaico no Brasil: Saadio Lozinski. De

boa formação cultural, bem como de profunda erudição judaica e possuidor de élan

pedagógico, viera da Holanda para ser professor em nosso país. Não sabemos em que ano

chegou ao Rio de Janeiro, mas seu nome aparece no jornal “A Columna”, em relação à

primeira demonstração pública judaica, realizada no Rio de Janeiro em 1916, relatada por

Jacob Schneider em suas “Memórias”, nos seguintes termos: “Entre nós havia um

professor sionista – Saadio Lozinski, ao qual pedi que reunisse as crianças na Praça Onze

para que saíssem com bandeiras numa passeata. Convidei também os pais. Os

componentes do comitê do Joint tentaram impedir a realização da mesma e do pic-nic, mas

de nada adiantou. A juventude marchou da Praça Onze até a Quinta da Boa Vista e, com

eles, muita gente”.

Esse relato é confirmado pelo jornal “A Columna”, do qual citamos apenas um

trecho: “O dia 21 de maio (de 1916) foi, pois, um dia feliz à nossa gente. Mais de setenta

crianças israelitas, em formatura, partiram da Praça Onze de Junho, em debandada dos

automóveis, que as aguardavam um pouco abaixo, perto da Avenida do Mangue. As

bandeiras nacional e sionista, desfraldadas ao sopro da suave brisa, abriam o préstito. Às

duas horas da tarde, entraram na Quinta e, pouco a pouco, foram chegando carros e

automóveis conduzindo famílias e cavalheiros, até ser bem numerosa a concorrência, o que

tornou animadíssima a festa. Às quatro horas, pouco mais ou menos, principiou a execução

do programa. Os meninos cantaram o Hino à Bandeira, e, em seguida, o Hino Sionista, em

Hebraico”.432

Saadio Lozinski, de fato, era sionista convicto e tomou parte nos eventos

ligados ao início do sionismo no Brasil.433

Em sua correspondência com o professor David

J. Perez434

encontramos várias cartas em hebraico, mas sem qualquer relação com nosso

tema. Ele escreveu, em vários órgãos da imprensa judaica do Rio e São Paulo, inúmeros

artigos sobre educação, que, até agora, não foram reunidos, ainda que constituam material

excelente para o estudo da educação judaica no Brasil.

431

“A Columna”, n.º de março, 1917, p. 47.

432 “A Columna”, n.º de julho, 1916, p. 98.

433 Sua ligação com o primeiro grupo de sionistas do Rio de Janeiro é inegável, pois seu nome está vinculado

às primeiras associações, e em 1922, quando se formou a Federação Sionista do Brasil, ele foi seu primeiro

vice-presidente. Durante vários anos foi diretor da Escola Scholem Aleichem no Rio de Janeiro. 434

No microfilme do arquivo do professor David J. Perez, mencionado acima.

256

Experiência única relativa à educação judaica no país foi feita pelo major

Eliezer Levy, quem teve papel de destaque na criação do movimento sionista no Norte,435

ao fundar, na cidade de Belém do Pará, em 15 de novembro de 1919, o “Externato Misto

Dr. Weizmann”. Em carta dirigida a Weizmann, datada de 20 de novembro de 1919,436

ele

escreve “que não pode haver progresso sem instrução, e como nossa juventude é desprovida

dos mais rudimentares conhecimentos dos princípios de nossa religião, minha primeira

atitude (como presidente da Associação Beneficente Israelita) foi a de fundar uma escola

para crianças de ambos os sexos. O ensino da língua da terra e hebraico, e a orientação em

costura e bordado são inteiramente gratuitos, livros escolares e outros elementos

necessários ao ensino são também inteiramente gratuitos, assim como roupa e calçado para

os que necessitam realmente. A inauguração festiva da Escola teve lugar em 15 de

novembro. O governador do Estado presidiu a cerimônia e participaram em grande número

as famílias importantes e senhoras dos círculos sociais e comerciais mais proeminentes.

Essa escola profissional e geral tive a honra de denominá-la Externato Misto Dr. Weizmann

(Escola Dr. Weizmann para ambos os sexos), em homenagem ao senhor, pelos seus

esforços e imensa labuta em prol da causa do sionismo e da redenção de Israel. Estou certo

de que essa escola, sob os auspícios de um nome tão honrado e amado, terá futuro

brilhante, e nossos irmãos nela educados pronunciarão, diariamente, com alegria, seu nome,

e virão a reconhecer em sua pessoa o elemento mais forte na nova restauração de nossa

sagrada Eretz Israel. Ficarei imensamente recompensado pelos meus esforços se o senhor

aceitar essa homenagem e me enviar uma de suas fotografias mais recentes, de modo que

nossos alunos conheçam o patrono da Escola Dr. Weizmann, que honra a galeria dos

israelitas ilustres. Coloco à disposição meus modestos serviços nessa cidade, e aguardo a

honra de suas ordens. Com elevada estima e consideração, seu admirador e humilde servo,

Eliezer Levy”.437

Major Eliezer Levy, sionista convicto que era, havia fundado, em outubro de

1918, a organização sionista Ahavat Zion, em Belém do Pará, e, em 8 de dezembro do

mesmo ano, ele daria início à publicação de um periódico com o título de “Kol Israel”.

Nesse periódico encontramos mais elementos sobre o Externato Misto Dr. Weizmann, além

de algumas fotografias da escola reproduzidas naquele jornal. No número comemorativo do

segundo ano de existência do periódico, informava-se a inauguração da escola, “no dia 16

do mês passado (novembro)..., presidida pelo representante do exmo. Sr. Dr. Lauro Sodré,

governador do Estado, major Roberto Vasconcellos, ladeado pelo Dr. Heráclito Pinheiro,

inspetor escolar, representando o senador Paulo Maranhão, diretor do ensino primário; Dr.

Oscar de Carvalho, médico da Associação; Menasses Bensimon, presidente da Assembléia

Geral; Jacob A. Benchimol, presidente do Comitê Israelita; Raimundo Viana, delegado do

Grão-Mestre da Maçonaria; e major Eliezer Levy, presidente da Associação.

Recitaram belas poesias as meninas Preciada e Sultana Levy, o menino

Benjamin Sabá e as meninas Amália e Stella Levy”.

435

Fizemos em outro trabalho, ligado à história do sionismo no Brasil, uma avaliação do papel do major

Eliezer Levy na formação do nacionalismo judaico em nosso país. 436

Encontrada por nós no Central Zionist Archives (Ha-Archion Ha-Tzioni), em Jeruzalém, pasta Z 4/2350.

437Weizmann estava ausente da Inglaterra, pois havia viajado à Palestina, tendo o editor do “Zionist Bulletin”,

M. Landa, respondido à carta, em 9 de março de 1920, conforme verificamos na pasta Z 4/2350 do Central

Zionist Archives.

257

Mais adiante, temos uma descrição do currículo escolar, onde se diz que “o

externato compõe-se de aulas e do curso primário, tendo anexo um curso de hebraico,

prendas manuais, bordados à mão e à máquina de costura, para cujos fins tem bem montada

sala, com cinco máquinas Singer, bastidores, mesa de corte e todos os demais objetos

necessários. O número de alunos matriculados é de 70, aos quais é ministrado o ensino de

todas as disciplinas gratuitamente, fornecendo-se, também gratuitamente, todo o material

escolar; aos reconhecidamente necessitados, o estabelecimento fornece roupa e calçado. O

corpo docente é composto de duas professoras normalistas e uma adjunta para a escola

primária, um professor de hebraico, uma professora de costura e bordados e uma de

bordados à máquina. A freqüência média do Externato é de 60 alunos, sendo já notável o

aproveitamento por todos revelado, quer nas disciplinas do curso, quer nos trabalhos

manuais e à máquina”.438

No mesmo periódico, em outra página, aparecem os nomes dos

docentes Moises Binlolo, do curso de hebraico; Mme. Luza Cerdeira, da aula de bordados à

máquina; major Eliezer Levy, diretor do estabelecimento; senhorita Sara Zagury, do curso

primário; senhorita Ana Ismael Nunes, da aula de rendas à mão; e senhorita Annita Levy,

auxiliar dessa aula”.

A escola do major Eliezer Levy era realmente uma fundação notável pela

composição de currículo oficial, em nível de escola primária; currículo judaico, com o

ensino do hebraico, e currículo profissionalizante ou técnico, para as meninas poderem ser

donas de casa eficientes e prendadas. A fundação dessa escola era, no fundo, obra pessoal,

fruto de personalidade idealista e criativa, mas que, em tempos difíceis, encontrou-se

isolada e sem apoio para dar continuidade à idéia.43939

FORTALECIMENTO NOS ANOS 20

É na década de 20 que começa a se constituir a rede educacional judaica, assim

como a conhecemos hoje em dia. A primeira escola desse tipo, criada no Rio de Janeiro

com intenção de ministrar ensino oficial em português aliado a currículo hebraico foi a

escola Maguen David, cuja data de fundação apresenta algumas dificuldades para ser

fixada. Segundo o depoimento de Jacob Schneider, que foi um de seus fundadores, nos

relata em suas “Memórias”, que o início da escola ter-se-ia dado em 1920, mas na

“Enciclopédia Judaica” encontramos a data de 1922.440

A mesma escola passaria, a partir

de 1924, a denominar-se Colégio Hebreu-Brasileiro. Seu primeiro diretor foi o renomado

professor David J. Perez, quem imprimiu orientação nacionalista em relação ao estudo do

hebraico e o currículo judaico. Juntamente com o professor Saadio Lozinski, um dos

primeiros a compor seu corpo docente, devemos lembrar que, entre seus primeiros

438

“Kol Israel”, ano II, n.0 12, 16 de novembro de 1919.

439 O encerramento da escola e a indiferença da comunidade local quanto a sua continuidade nos

foram relatados, em carta comovente, pela filha do major Eliezer Levy, a talentosa escritora Sultana Levy Rosenblatt, vivendo atualmente nos Estados Unidos. 440

V. verbete Colégio Hebreu-Brasileiro. O fato de as crianças terem participado na

abertura do Primeiro Congresso Sionista no Brasil, em 1922, e seus delegados terem sido

convidados para visitar a escola nos leva a pressupor que ela já deveria existir antes do ano

de 1922.

258

fundadores encontravam-se Aaron Goldenberg,441

Alter Klein, Melech Lerman, David

Bilmes, Rafael Cohen, reunindo judeus asquenazitas e sefaraditas no mesmo

empreendimento. De início, a escola limitou-se a um primário, onde não havia lugar para o

ensino do ídiche, pois, como já dissemos, o hebraico reunia todas as tendências existentes

na comunidade.

Basta ler os Protocolos do Primeiro Congresso Sionista no Brasil, de 1922, para

constatarmos que as divergências nesse sentido não eram poucas.442

Somente a partir de

1925, quando ingressaram na diretoria da escola Leon Schwartz, Eduardo Horowitz, e,

como diretor de ensino assumiu o professor Saadio Lozinski é que a escola tomou novo

impulso. Mas, a luta entre o ídiche e o hebraico não terminou, pois, durante esse período até

o ano de 1928, enquanto a direção dos estudos judaicos estava nas mãos do professor Burlá,

o hebraico predominava de modo absoluto, criando certo descontentamento entre os pais,

que desejavam a introdução do ídiche. A partir daquela data, 1928, além de jardim de

infância, já começava a funcionar o primeiro ano ginasial, sob direção do professor I.

Eidelman, que possibilitou seu desenvolvimento positivo durante os dois anos em que se

manteve no cargo. I. Eidelman foi substituído por Y. M. Karakuchansky, que permaneceu

na direção da escola até 1932, ano em que o professor M. Fridman foi designado como

diretor da escola, cargo que ocupou durante muitos anos. Entre seus professores judeus, na

década de 30, encontravam-se os nomes de Tamar Fridman, Mordechai Reznick, Leib

Schmelzinger, Batia Katchalnik, Golde Levis, além de outros, a quem seria impossível

enumerar nos limites de nosso trabalho.443

Com a fundação da escola Maguen David, no Rio de Janeiro, começaria novo

capítulo na história da educação judaica em nosso país, capítulo esse que pretendemos

estudar em nosso próximo artigo.

441

Aaron Goldenberg é mencionado no livro de Karakuchansky, já citado, no primeiro volume, p. 9, como um

dos ativistas de grande iniciativa na vida comunitária do Rio de Janeiro. 442

No temário do Primeiro Congresso Sionista no Brasil, encontrava-se na ordem do dia uma discussão sobre

educação judaica, e os Protocolos registraram as opiniões dos participantes, revelando, assim, as posições

existentes quanto ao controvertido tema. Vide o artigo Os Protocolos do Primeiro congresso sionista no Brasil

nesta coletânea. 443

Uma das poucas e raras fontes que possuímos sobre a Escola Maguen David e outras escolas judaicas

fundadas na década de 20 é o número comemorativo dos dez anos de existência do periódico “Idische

Presse”, publicado em 19 de junho de 1935.

259

28. A presença israelita na Revolução de 1932

Ao se comemorar o 50.º aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932,

nos perguntamos: qual foi o comportamento da então colônia israelita de São Paulo no

desenrolar dos acontecimentos?

Possuímos duas atas do Livro de Atas de Sessões Ordinárias da Sociedade

Beneficente das Damas Israelitas de São Paulo, cujo texto é explícito. Diz o seguinte:

“Aos onze de julho de mil e novecentos e trinta e dois, na sede social à rua 15

de Novembro 44, com a presença das diretoras senhoras Luba Klabin, Fanny Mindlin,

Anna Gorenstein, Riva Berezovsky, Rosita Gordon e Polly Saslavsky, foi aberta a sessão

pela presidente.

“Na Ordem do Dia, a presidente, em vista do tempo anormal, devido à

revolução, propôs que se angariassem donativos em dinheiro e mantimentos para que

fossem distribuídos entre as pessoas necessitadas da colônia, tendo sido essa proposta

aprovada por unanimidade. Constituiu-se uma comissão para esse fim, com as senhoras

Luba Klabin, Fanny Mindlin, Rosita Gordon e Anna Gorenstein.

“A senhora Fanny Mindlin propôs que a diretoria da sociedade se pussusse à

disposição do governo de São Paulo para qualquer auxílio que fosse necessário.

Resolveram enviar uma carta ao presidente do estado de São Paulo, bem como anunciar

pelo O Estado de São Paulo e Diário da Noite, pedindo à colônia israelita que enviasse

donativos para a sede das Damas Israelitas, a fim de serem enviados à Cruz Vermelha

Brasileira. Sendo aceita, a sra. Fanny Mindlin ficou incumbida de tratar a respeito.

“Em continuação, e de acordo com o resolvido na ata anterior, começou a

angariação de donativos em dinheiro e objetos para a Cruz Vermelha Brasileira. Ao mesmo

tempo, para ajudar os necessitados da colônia, cujo estado agravara-se devido ao

movimento revolucionário, ficou constituída uma Comissão de Socorro, composta das

diretorias da Sociedade das Damas Israelitas, em conjunto com a Sociedade Beneficente

Ezra e mais as senhoras Maria Bidlovsky, Esther Liber, Luisa Lorch, Mme. Zausner e

outras senhoras.

“Ficou instalado um posto de distribuição na sede da Sociedade de

Beneficência Ezra, à rua dos Bandeirantes, 20, onde seriam distribuídos mantimentos 3

vezes por semana (os artigos de primeira necessidade).

“Além dos diversos objetos, foi entregue à Cruz Vermelha 1:390$000 (um

conto, trezentos e noventa mil réis) em dinheiro.

“Por proposta da sra. Fanny Mindlin, ficou resolvido fazer capuzes para os

soldados com o dinheiro angariado entre a colônia israelita, de cujo feitio encarregou-se a

própria Comissão da Sociedade Beneficente das Damas Israelitas. Foram feitos 942

capuzes, entregues à Cruz Vermelha Brasileira.

“Em vista de haver-se acabado o dinheiro para a distribuição de mantimentos, a

Loja Moses Mendelssohn angariou gentilmente 19:270$000 (dezenove contos, duzentos e

vinte e sete mil). Graças a esse gesto, puderam continuar a distribuição, concorrendo,

assim, para minorar o sofrimento de inúmeras famílias durante longo tempo”.

No número 47 do jornal San Pauler Idische Tzeitung, de 8 de setembro de

1932, publicava-se um noticiário sobre a Revolução Constitucionalista que informava que

“todas as ações militares contra as forças constitucionalistas fracassaram, e os paulistas

260

mantêm suas posições em todas as frentes realizando de vez em vez contra-ataques sobre o

exército do governo provisório”. O jornal informava também que “em Itapira, a artilharia

anti-aérea, nesta semana, derrubou um avião que veio observar as posições

constitucionalistas”, e em São José do Rio Pardo os paulistanos, sob o comando do major

Romão Gomes, causaram grandes perdas ao inimigo, que em fuga, deixou uma grande

quantidade de munição.

O jornal fez referência ao movimento de contribuições em ouro mencionando

que “a população dá ao governo de São Paulo uma ajuda entusiasta, e os bancos que estão

autorizados a receber o ouro atenderam a muitas pessoas, que trouxeram jóias e outros

metais preciosos. Também foram entregues na Cúria Metropolitana mais de mil anéis de

ouro, trocados pelos de ferro. A Cruz Vermelha atua desde o primeiro dia em todos os

lugares das frentes militares, no interior e na capital, com a ajuda de várias comissões da

sociedade paulista dando todo o seu apoio. Uma rede de hospitais está espalhada em todas

as cidades do Estado para prestar ajuda aos soldados feridos, e em São Paulo foram criadas

muitas oficinas, onde trabalham mulheres e moças da sociedade, que preparam lençóis e

vestimentas para a Cruz Vermelha”.

Porém, o noticiário do San Pauler Idische Tzeitung nos é importante sob o

aspecto da ajuda prestada pela comunidade judaica de São Paulo à Revolução

Constitucionalista, pois, além das atas lembradas acima, não dispomos de outros

documentos senão o relato daquele periódico. Sob o título “Organização judaica de ajuda

Ezra”, relata o jornal que “os ingressos destinados à Revolução não foram suficientes, e

pelo fato de diminuírem mais ainda agora, fomos obrigados a nos dirigir à população

judaica para dar uma ajuda especial, que novamente mostrou sua boa vontade para com as

instituições de ajuda”. No mesmo lugar se noticia que foi criado um “Comitê de Ajuda”

(Fundo de Emergência), com a participação de todas as entidades, sob a supervisão da

“Representação Central”, e que “desde o início da situação atual começou a coletar

produtos alimentícios, que são distribuídos pela Sociedade das Damas Israelitas, no local da

Ezra, à rua Bandeirantes, 20. Para o Comitê de Ajuda, a soma coletada anteriormente não

foi o suficiente, uma vez que o estado (de guerra) está se prolongando e as necessidades da

população mais pobre estão crescendo de tal modo que a Comissão foi obrigada, mais uma

vez, a coletar um fundo para poder atender ao trabalho de repartir alimentos, como tem sido

feito até agora, e, nesse sentido, é importante que a comunidade judaica se prontifique

novamente a dar seu apoio a esse objetivo”.

Em um artigo de fundo do mesmo jornal, naquele mesmo número, intitulado

“A comunidade judaica e o trabalho de ajuda”, temos um balanço da atividade

desenvolvida pela mesma em prol da Revolução. O autor do artigo lembra que “todas as

nacionalidades estão prestando uma ajuda à Cruz Vermelha e outras entidades, e a

comunidade judia também o está fazendo, tanto em forma de grupos voluntários como

coletivamente, através do Comitê que se formou com a Ezra e a Sociedade das Damas

Israelitas (Froien-Hilfs-Ferein) e sob a orientação da “Representação Central”, constituindo

ao mesmo tempo o Comitê de Ajuda para criar os meios para a distribuição de alimentos

para a população judaica mais pobre”. Em seguida, o articulista destaca que a maior parte

do trabalho de ajuda deve-se inscrever em nome da Sociedade das Damas Israelitas, cuja

comissão passou a atuar desde o início e intensivamente, conseguindo juntar somas de

dinheiro e artigos diversos necessários e úteis à Cruz Vermelha em nome da colônia

judaica. Ele lembra também a doação dos 942 capuzes para os quais elas coletaram entre as

mulheres da colônia a 5 mil réis a peça. O artigo termina dizendo que importante seria que

261

as contribuições dos vários grupos individuais existentes fossem centralizadas, como ocorre

com outras colônias, mostrando assim “que toda a comunidade israelita está participando

desse grande movimento”. Podemos supor que o articulista fosse um dos três responsáveis

pelo periódico, ou seja, Marcos Frankenthal, José Nadelman ou Elias Amstein.

Como vemos, a comunidade, que em 1932 já se encontrava solidificada, com

instituições próprias e se apresentava com uma ou duas gerações de descendentes dos

primeiros imigrantes, não ficou indiferente aos sucessos revolucionários. Podemos verificar

que, além da Sociedade das Damas Israelitas, houve participação também de outras

instituições como a Ezra e a Loja Moses Mendelssohn.

262

30. A visita de Albert Einstein à comunidade judaica do Rio de Janeiro

Pouca atenção foi dada, por parte dos historiadores brasileiros,

444 ao fato de que

Albert Einstein, ao visitar o Brasil em 1925, tenha sido hóspede da comunidade judaica do

Rio de Janeiro, e que sua presença foi assinalada pela imprensa ídiche local, ou seja, pelo

único órgão existente naquele tempo, o “Dos Idische Vochenblat” (“O Semanário

Israelita”), fundado por Aron Kauffman.

Einstein fora convidado para vir ao nosso país pela Escola Politécnica e pelo

Clube dos Engenheiros do Rio de Janeiro. Mas, sua vinda deve-se, em boa parte, à

intervenção do rabino-mor Isaías Raffalovich, que, em nome da comunidade judaica

brasileira, envidou todos os esforços para que o famoso cientista fosse seu hóspede. E foi

com a intenção de recepcionar Einstein que se organizou uma comissão de representantes

das instituições judaicas no Rio de Janeiro, que deveria programar suas conferências e

visitas durante o tempo de permanência entre nós. Curiosamente, é preciso assinalar,

mesmo em se tratando de visita tão importante, que não reinou total harmonia entre os

representantes das instituições, pois sabemos que a Biblioteca Scholem Aleichem retirou-se

devido a um pequeno desentendimento com seus delegados no primeiro encontro da

comissão organizadora, provocando uma celeuma que mereceu a atenção de um articulista

do “Dos Idische Vochenblat”.445

Einstein viria ao Brasil de volta de sua viagem da Argentina e do Uruguai,

onde estivera a convite de instituições científicas daqueles países, devendo chegar ao Rio

de Janeiro com o navio “Valdivia”, dia 5 de maio. Isaías Raffalovich, em seu livro

“Tziunim ve-Tamrurim”,446

relata que, bem antes, soubera que a Sociedade Cultural

Hebraica de Buenos Aires convidara o cientista a proferir uma série de palestras para o mês

de março de 1925, e que, portanto, se apresentava excelente oportunidade à comunidade

judaica do Rio de Janeiro para conhecer o “pai da teoria da Relatividade”. Assim sendo,

Raffalovich, de posse da preciosa informação, comunicou-se com o professor Inácio de

Azevedo Amaral, do Politecnicum do Rio de Janeiro, para notificá-lo da futura presença de

Einstein na Argentina, sugerindo que seria grande honra ao Brasil também recebê-lo.

Professor Amaral, de imediato, percebeu a importância do assunto e sugeriu convocar um

encontro com as autoridades universitárias e o rabino. Nesse encontro, o rabino-mór relatou

que Einstein estaria na Argentina e que seria altamente honroso também a nós convidá-lo, o

que, de imediato, levou uma resolução unânime dos presentes para que não se deixasse

escapar essa oportunidade. Raffalovich lembra que enviou um telegrama em nome da

Escola Politécnica e da Universidade, bem como em nome da comunidade judaica, a

Berlim, e, poucos dias após, Einstein respondia positivamente ao convite.

PRIMEIRA VISITA

444

1. Um artigo importante sobre a estadia de Einstein no Rio de Janeiro é de Caffarelli, R. V., Einstein e o

Brasil, in “Ciência e Cultura”, vol. 31, n.º 12, 1979. 445

“Dos Idische Vochenblat”, 77, 01/05/1925. 446

Editado em Tel Aviv, 1951.

263

Dia 21 de março, o cientista passaria pelo Rio de Janeiro, a caminho de sua

viagem à Argentina, sendo, então, recebido por autoridades da Universidade do Rio de

Janeiro, da Escola Politécnica, do Clube dos Engenheiros, e também pelo rabino Isaías

Raffalovich e representantes da Federação Sionista e da Kehilá (Comunidade) do Rio de

Janeiro. No mencionado livro de Raffalovich, encontramos uma descrição da passagem de

Einstein pelo Rio, cujos detalhes complementares estão em um artigo publicado no “Dos

Idische Vochenblat”.447

Assim escreve o dinâmico rabino: “Quando passou o navio que

levava Einstein, em meados do mês de março, e atracou no Rio, subiu uma delegação de

homens de ciência e também três representantes da comunidade judaica, para recebê-lo e

convidá-lo para um almoço no hotel mais luxuoso da cidade. A imprensa noticiou com

entusiasmo a visita do professor, e, pelo fato de eu ter entregue à Associação dos Jornalistas

essa notícia do convite, referiu-se a ele como ‘o grande homem de ciência judeu da

Alemanha”.

Pelo artigo publicado no “Dos Idische Vochenblat”, sabemos que, além do

rabino Isaías Raffalovich, subiram ao navio o representante da Kehilá, Isidoro Kohn;

Eduardo Horowitz, representante da Federação Sionista; e Leon Schwartz, que representava

o Grupo Ativo do Centro Sionista do Rio de Janeiro.

Além dos representantes da comunidade judaica, que foram os primeiros a

cumprimentar o cientista, subiram em seguida ao navio os professores Aluízio de Castro

Brandão, os doutores Paulo de Frontin e Alfredo Lisboa, e outros homens de Ciência do

Rio de Janeiro.448

Einstein desceu do navio acompanhado pela delegação de recepção e

passeou pela cidade até chegar ao Copacana Palace Hotel, onde lhe foi oferecido almoço.

Depois disso, o ilustre cientista, juntamente com seus acompanhantes, andou um pouco a pé

pela Avenida Central e Rua do Ouvidor, a caminho de volta ao navio.4496

Às quatro horas

da tarde, Einstein já se encontrava no navio que o conduziria à Argentina, após se despedir

dos representantes da comissão e dos grupos da intelectualidade brasileira que haviam

vindo conhecê-lo.

CONTATO MAIS DEMORADO

Já de volta da Argentina, Einstein, que era esperado dia 1.º de maio, chegou ao

Rio de Janeiro com o navio “Valdivia”,450

que atracou com certo atraso. No porto,

esperavam-no, além da comissão oficial de cientistas brasileiros, os representantes das

instituições judaicas, entre elas, Federação Sionista, Sociedade de Ajuda (Hilfs-Ferein-

Relieff), Centro Sionista do Rio de Janeiro, Sociedade de Ajuda das Damas Israelitas

(Froien -Hilfs-Ferein), além do rabino-mor, Isaías Raffalovich, e Isidoro Kohn. Nessa

recepção, Ofélia Kastro, em nome da Sociedade de Ajuda das Damas Israelitas, ofereceu-

lhe um buquê de flores.451

No programa oficial, estabelecido pela comissão de cientistas e professores,

incluiu-se, além das conferências e palestras nas instituições científicas locais, uma

447

“Dos Idische Vochenblat”, 72, 27/03/1925. 448

V. a respeito o artigo de Caffarelli, mencionado acima. 449

“Dos Idiche Vochenblat”, 72, 27/03/1925.

450 “Dos Idiche Vochenblat”, 77, 01/05/1925.

451 “Dos Idiche Vochenblat”, 78, 08/05/1925.

264

conferência especial à comunidade judaica do Rio de Janeiro, marcada para dia 9 de maio

no Automóvel Club do Brasil. “Dos Idische Vochenblat” anunciou, em página inteira, a

conferência e, nesse anúncio constavam os nomes de quase todas as entidades da

comunidade daquela época, a saber: Federação Sionista do Brasil, Sociedade de Ajuda

(Idischer Hilfs-Ferein), Sociedade de Ajuda das Damas Israelitas (Idischer Froien -Hilfs-

Ferein), Comunidade Israelita ( Idischer-Brazilianer Gemeinde), Agudat Benei Herzl,

Centro Sionista do Rio de Janeiro e Escola Israelita Brasileira.452

Na noite de sábado daquela data, mais de duas mil pessoas se acotovelavam

para ver e ouvir o famoso cientista, representantes da sociedade brasileira e israelita das

mais diversas origens, ocupações e profissões. O Rabino Isaías Raffalovich abriu a noite

com emocionantes palavras: “Estamos reunidos para prestar homenagem ao maior sábio de

nosso tempo, e estamos extraordinariamente orgulhosos pelo fato de esse gênio ser nosso,

um filho fiel de nosso povo e, como tal é que o saudamos. A presença do professor Einstein

entre nós é um acontecimento extraordinário, que será escrito com letras de ouro na história

da jovem comunidade judaica do Rio de Janeiro”.

Em seguida, usou da palavra o professor David José Perez, intelectual

respeitado, que falou em português. Fez uma apreciação sobre a Ciência no judaísmo, do

passado e do presente, e terminou seu discurso em francês, com palavras calorosas,

dirigidas ao homenageado. Em nome da Federação Sionista, falou Eduardo Horowitz, em

ídiche, mostrando uma outra faceta da personalidade de Einstein, não a do cientista, mas a

do humanista preocupado com a verdade e a vida da humanidade em geral, e a de seu povo,

em particular.

PARTIDÁRIO DO SIONISMO

Por fim, tomou a palavra o homenageado, que abriu sua conferência dizendo:

“Irmãos e irmãs”, e escusando-se por não concordar com todos os elogios à sua humilde

pessoa. Em continuação, Einstein deteve-se sobre a necessidade de haver solidariedade

entre os judeus na ajuda aos irmãos necessitados em vários lugares e, principalmente, ao

movimento sionista, na reconstrução de Eretz Israel. Felizmente, afirmou Einstein, o

mundo judaico adquiriu consciência de seu objetivos, no sentido do movimento sionista, e é

de se esperar que, cada vez mais, tal consciência se transforme numa força real.453

Suas

palavras calaram fundo no público presente, que, ao término do encontro, foi saindo

vagarosamente do salão do Automóvel Club do Brasil, comovido com a presença do grande

cientista que simbolizava, naquela noite memorável, não somente o genial criador da

452

“Dos Idiche Vochenblat”, 78, 08/05/1925. 453

“Dos Idische Vochenblat”, 79, 15/05/1925; 80, 22/05/1925; 81, 29/05/1925. A posição de Einstein em

relação ao movimento sionista era de total apoio, e sua identificação com o ideal de reconstrução nacional

judaica em Eretz Israel foi por ele expressa em muitas ocasiões, verbalmente e por escrito, como podemos

verificar no capítulo IV do livro recém-editado pela Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1981, com o

título “Como Vejo o Mundo” (Mein Veltbild”, original alemão). É de se notar a má-fé do autor da orelha do

livro, muito comum em certos “intelectuais” sujeitos às más influências do modismo anti-sionista, ao

escrever: “...Einstein, de exemplar senso de humanidade: partidário do entendimento entre os povos, convicto

defensor do judaísmo, mas nunca sionista, (g.n.), observador sagaz da sociedade que o rodeava”. Só podemos

deduzir que o autor redigiu o texto da orelha do livro sem lê-lo; do contrário, não se exporia a tamanho

vexame, deturpando inteiramente as idéias e contradizendo o próprio conteúdo dos escritos de Einstein.

265

“teoria da Relatividade”, mas o herói de seu próprio povo, tão legendário quanto os do

passado.

No dia seguinte, Einstein visitaria a Federação Sionista, que, na época, se

encontrava sob a presidência de Jacob Schneider. Na noite do domingo, foi organizada uma

recepção no Centro Sionista, na qual fizeram uso da palavra Jacob Schneider, Moisés

Koslovski, presidente do Centro, e o rabino Raffalovich. Einstein agradeceu a todos e

expressou sua satisfação de encontrar na comunidade tão intensa atividade em prol desses

ideais. A noite encerrou-se formalmente com a leitura, feita por Eduardo Horowitz, da ata

que relatou o encontro havido e as respectivas assinaturas dos membros que compunham a

mesa.

Apesar da discordância da Biblioteca Scholem Aleichem com o comitê

organizador, na mesma noite Einstein resolveu visitar aquela entidade, acompanhado pelos

presentes do Centro Sionista. Em nome da Biblioteca, saudou o visitante S. Feingold, que,

na ocasião, fez entrega ao cientista de uma coleção de livros especialmente encadernados e

o convidou a ser sócio-honorário da instituição.454

O famoso cientista partiria no dia seguinte com o navio “Cape Nort”, rumo à

Europa, despedindo-se das comissões de recepção e dos acompanhantes que estiveram com

ele durante todo o tempo em que permaneceu no Rio de Janeiro.

454

“Dos Idische Vochenblat”, 81, 29/05/1925.

266

31. Lasar Segall na imprensa iídiche. Artigos do próprio artista sobre

a “Arte Judaica”

A participação de Lasar Segall na vida comunitária judaica do Brasil pode ser

estabelecida a partir da década de 20, quando sua presença como artista judeu, e já

reconhecido mundialmente como pintor original e de uma criatividade ímpar, impôs seu

nome no noticiário da imprensa ídiche do Rio de Janeiro. As primeiras notícias que temos

de Segall, em um periódico de língua ídiche, encontram-se no “Dos Idische Vochenblat”,

fundado em 1923, ano em que o artista voltaria da Europa para radicar-se no Brasil. No

número de 25 de abril de 1924, se noticia que “Oscar Segall e seu irmão, Lasar Segall,

estiveram presentes na comemoração dos 10 anos de existência da Biblioteca Israelita de

São Paulo”. Informações desse teor, que mostram a participação do pintor em eventos

relativos à comunidade judio-brasileira, não são raras, e podemos encontrá-las em vários

periódicos em ídiche do Rio e de São Paulo. Em 1927, no periódico “Brazilianer Idische

Presse”, no Rio de Janeiro, Aron Bergman, seu redator, publicava três artigos sobre o

pintor, com ilustrações de suas pinturas reproduzidas naquele orgão, com os títulos de “Tzu

Gast beim Kinstler” (Visita ao Artista), “Di Melodie fun Pessimizm” (A Melodia do

Pessimismo), e o último, “Segall – kein Eretz Israel” (Segall- em direção a Eretz Israel).455

Aron Bergman, jornalista de alto nível e homem de projeção na vida comunitária, ficou

impressionado com a arte de Segall, não poupando elogios ao renomado artista, dedicando-

se, em seus artigos, a comentar a obra do pintor. No segundo artigo mencionado acima,

Bergman faz referência ao caráter judaico de sua pintura, acentuando que, apesar de tudo e

da ambientação do artista ao sol, ao calor e às cores da terra brasileira, “Segall não se

salvou do ambiente melancólico da Lituânia”. O título estranho que Bergman dá ao seu

último artigo explica-se pela idéia do autor, que crê na possibilidade de Segall desenvolver

uma arte nitidamente judaica somente... em Eretz Israel.456

Com a fundação do jornal “San

Pauler Idiche Tzeitung”, em 1931, que noticiava os acontecimentos relativos à comunidade

local, entre outras, encontramos notícias sobre a atividade do pintor. Em uma delas, Segall

encontra-se assinando uma lista de protesto sobre a controvertida questão da formação de

uma “Comunidade” (Kehilá), que provocou verdadeira celeuma entre os israelitas de São

Paulo.457

Mas, cremos que é no periódico “Velt-Spiegel” (“O espelho do Mundo”), que

começou a ser publicado em meados de 1939, que se pode encontrar significativos

depoimentos pessoais de Lasar Segall, que escreveu ídiche, sua “língua-mater”, vários

artigos sobre si mesmo, sua arte e sobre arte em geral. A razão para esses artigos escritos

por Segall, entre outras, é a de que ele era colaborador oficial daquele órgão e, de fato,

455

“Brazilianer Idische Presse”, 19/08/1927, 26/08/1927; 02/09/1927. 456

Aron Bergman era um sionista ativo e veio ao Brasil com a missão de criar o partido Poalei Zion e liderá-

lo, o que, de fato, ocorreu. Não é de se estranhar que ele visse em Segall um judeu que poderia desenvolver

sua arte em Eretz Israel, ainda que nos pareça uma idéia bizarra. 457

A polêmica surgiu em São Paulo, em meados de 1937, devido à idéia de se criar um órgão representativo

central da comunidade, fato que despertou a oposição de certas pessoas e instituições, mais pelo seu modus

faciendi do que pelo seu conteúdo. As velhas famílias da comunidade tinham uma posição sobre o assunto

que diferia da dos representantes da imigração mais recente. O periódico “San Pauler Idische Tzeitung”, em

vários de seus números, tratou da questão, publicando artigos que refletiam os vários aspectos da polêmica.

267

assim ele figura no número comemorativo, de agosto de 1940, juntamente com os demais

escritores, jornalistas e intelectuais que colaboravam com o periódico.

O fato de esses depoimentos ou artigos fornecerem elementos que podem

ajudar aos estudiosos da obra do pintor não somente a reconstituir o roteiro de sua

formação artística, mas também a elucidar certos conceitos de seu mundo estético é que nos

levou a traduzi-los, e também a publicar este artigo.

No número 2 do “Velt-Spiegel”, de julho de 1939, Segall publicou um artigo

com o título “Lazar Segall vegen zich” (Lazar Segall sobre si mesmo”), cujo texto

traduzido ao português foi publicado pela Revista Anual do Salão de Maio, n.º 1, 1939,

com o título “1912 –Depoimento”. Trata-se do mesmo texto e, portanto, não temos

necessidade de reproduzi-lo aqui,458

apesar de sua importância para a biografia artística de

Segall.

Outro artigo que Segall escreveu no “Velt-Spiegel”, de 4 de setembro 1939,

versava sobre o tema da arte judaica e foi publicado com o título “Existirt a Idische Kunst?”

(Existe uma arte judaica?). Nesse artigo, podemos encontrar parte da visão de mundo

artística de Segall, na medida em que ele procura meditar sobre a questão. Vejamos como

ele a desenvolve, no texto que traduzimos a seguir:

EXISTE UMA ARTE JUDAICA?

“Ao se contemplar quadros com motivos judaicos, de pintores judeus, se coloca

perante muitos a questão: existe uma arte judaica? Mas, devemos dizer que, segundo os

conceitos gerais sobre a arte, em geral, tais como arte francesa ou italiana, somos obrigados

a concluir que nenhuma arte judaica existe. Há quadros com pequenas cenas populares da

vida judaica, tipos judaicos com peiot (franjas laterais da cabeça) e motivos semelhantes,

que podemos encontrar em pintores judeus e que o público mais amplo aceita como sendo

arte judaica. Mas isso ainda não é arte judaica, e, em geral, nada tem a ver com arte. Isso

são apenas pequenos relatos, pequenas cenas folclóricas, que podem servir de anedota, mas

não podem ser vistos como arte.

Uma paisagem francesa, uma cena característica francesa, nada tem a ver com

arte francesa. A arte francesa somente pode ser reconhecida através da cor, das linhas, das

técnicas, como, em geral através da concepção da composição. Tudo isso, juntamente com

a atmosfera própria, criou, no decorrer do tempo, uma arte própria.

Podemos considerar os quadros com motivos judaicos, dos artistas judeus, arte

judaica? O que possuímos são artistas judeus, e não arte judaica. Artistas judeus se

mostraram primeiramente no século XIX, e hoje podemos contar muitos, tais como Pissaro,

na França; Josef Israëls, na Holanda; Max Liebermann, na Alemanha; Modigliani, na Itália;

Marc Chagall, Soutine e minha humilde pessoa, na Rússia. Esses artistas judeus, como

outros, tomaram parte ativa na criação e no desenvolvimento da arte em geral. Mas, eles

não criaram nenhuma arte judaica. Um pintor cristão pode pintar um motivo judaico, assim

como um pintor judeu pode pintar um motivo cristão. Exatamente como Rembrandt pinta

um rabino, assim Max Liebermann pinta um quadro de Cristo.

458

O texto se encontra também publicado no vol. II, Apêndice, da tese de Vera d’Horta Beccari, “Lasar

Segall. Esboço de um Retrato”, defendida na Universidade de São Paulo, em 1979, pp. 296-99.

268

Apesar disso, quando paramos em frente a um quadro de um artista judeu,

sentimos o específico judaico no amplo e profundo sentido da palavra.

O que é caracteristicamente judaico? É bem possível que seja o profundo

sentimento humano. Talvez a nota de contestação, ou de intimidade espiritual, ou ainda de

insatisfação com a estética ‘pura’ na arte. Essas qualidades foram introduzidas pelos artistas

judeus, enriquecendo com elas a arte universal.

Cada quadro possui um conteúdo, mas ele necessita se infiltrar nas linhas,

formas e cores, que são os elementos vitais para a concepção de uma obra de arte. Quando

estamos perante um quadro de Rembrandt, por exemplo, ‘Saul e David’, um conteúdo do

Velho Testamento judaico, não é em especial esse conteúdo que chama a atenção do

verdadeiro amante da arte, mas suas qualidades tecnopictóricas. Eu insisto em que um

quadro pode ter um conteúdo, e até acho que ele deva ter um conteúdo, mas ele precisa se

revelar nas cores, nas formas, através da necessária técnica pictórica, para criar um todo,

que chamamos de obra de arte.

Por que nós não temos uma arte judaica e por que ela não é criada?

É conhecido de todos que, de acordo com a tradicional lei judaica, é proibida a

reprodução da figura humana. Para se criar uma arte judaica própria, necessário se faz

existir, antes de tudo, uma atmosfera judaica, que seja apropriada e comum a todos os

judeus. Uma atmosfera como base para a total criação judaica, com uma técnica

inteiramente própria, assim como a encontramos na arte ornamental judaica, tal como

podemos vê-la nas ilustrações das velhas megilot, nos antigos e chamuscados candelabros e

nas velhas arcas sinagogais, onde se guardam os rolos da Lei, que, em seu conjunto,

podemos considerar uma arte artesanal judaica. Não seria, porém, isso um sonho? Assim

me parece e, segundo meus conceitos, ainda é um sonho. Ainda que não possamos, hoje,

destacar muitos artistas judeus que tomaram parte no desenvolvimento da arte no último

século, podemos, todavia, apontar muitos nomes judaicos entre os críticos e marchands que

descobriram e fizeram conhecer muitas obras de valor e muitos artistas, dos quais o mundo

não tinha a mínima idéia da existência, e que hoje são aceitos e vistos como os melhores

mestres da arte moderna. Esta é uma contribuição ímpar dos judeus no campo da artes”.

RECORDAÇÕES DO ARTISTA

No já mencionado número de agosto de 1940, encontramos um artigo com o

título “A kinstler dermont zich...” (“Um artista recorda...”), que representa belíssimo

depoimento sobre a infância de Segall e os motivos – se podemos empregar esta expressão

– que o levaram à pintura e à arte. Desse artigo damos a tradução que se segue:

“É interessante e significativo conversarmos com artistas sobre os primeiros

impulsos que os levaram à arte.

Quando o artista se mostra interessado em uma conversa desse gênero, começa

ele a se aprofundar em suas longínquas lembranças, para tentar explicar quando começou a

sentir o desejo de desenhar, pintar ou modelar. E começam a surgir as lembranças mais

preciosas. A mim, muitas vezes, se apresentou a oportunidade de conversar com colegas

sobre isso e, ao inquirirmos um ao outro, vinham à tona as lembranças sob sua verdadeira

luz.

Devo dizer que são muito interessantes em particular as lembranças daqueles

artistas que nasceram afastados de uma atmosfera artística e longe dela passaram sua

juventude. Tais lembranças são ricas em fantasia.

269

As primeiras impressões de artistas que foram criados em um ambiente

impregnado de arte e, já como crianças, respiravam o ar dos museus, são freqüentemente

mais realistas. Suas lembranças estão associadas com o que se apresentava nos museus.

No tocante a mim, lembro-me que, quando era ainda muito criança, me vi pela

primeira vez olhando através de pequenos pedaços de vidros coloridos, o céu, as pessoas,

os animais, e outras coisas mais, o que me deixou profundas impressões, que

permaneceram comigo para sempre e me perseguiram durante muitos anos, acabando por

se fixarem em minha fantasia.

Também me lembro que, ao freqüentar o heder, eu desenhava com lápis

coloridos, e, com meus desenhos, não raramente eu proporcionava ao rebe e seus talmidim

imensa alegria.

E, ao me interessar em procurar as causas da minha inclinação artística, vejo

que um papel importante desempenhou a atividade de meu pai como Soifer. O preparar o

pergaminho, compor as arquitetônicas letras hebraicas com o profundo negro da tinta pesou

fortemente em minha fantasia de criança e me provocou as primeiras impressões estéticas.

Ainda hoje, me causa imensa alegria quando admiro um traço ornamental desenhado pelo

meu pai sobre um pergaminho que restou e cujas letras já são difíceis de ler a olho nu. Sim,

foi isso o que, em minha primeira juventude, despertou em mim o desejo de desenhar e

pintar. E logo, esse desejo se transformaria em uma necessidade”.

Em entrevista dada à “Revista Israelita”, em outubro de 1933, Segall também

se referiu aos anos de sua infância na Lituânia e à influência que seu pai exercera sobre ele.

Ainda que não seja um depoimento diretamente escrito pelo artista, mas pelo jornalista que

o entrevistou, interessante é conhecê-lo, devido à semelhança com um trecho do texto que

publicamos anteriormente. Escreve o jornalista: “Lasar Segall fala-nos de sua infância no

Ghetto de Vilna, onde nasceu em 1890, de seu pai que era soifer (escriba) e escrevia em

pergaminhos as sagradas escrituras da Torá. Aqueles caracteres hebraicos em forma

quadrada, aquelas iluminuras e florões, que continham em cada traço e em cada ponto um

signo cabalístico e o mistério envolvente das Sagradas Escrituras, deixaram grande

impressão sobre o futuro artista. Foi nesses caracteres que teve, pela primeira vez, a noção

de forma e cor...”

Para terminarmos, devemos ainda mencionar que, em dois números do “Velt-

Spiegel”, novembro-dezembro de 1939 e janeiro de 1940, o artista escreveria extenso artigo

com o título “Kunst, Kinstler un Publicum” (“Arte, Artistas e Público”), no qual

desenvolve conceitos sobre arte ou estética de modo quase didático e, de certa forma, um

pouco diferenciados da maneira coloquial adotada nos artigos acima. Com o mesmo título,

Segall publicou, em português, um artigo na revista “Roteiro”, de 5 de agosto de 1939,

portanto, pouco antes da publicação do texto em ídiche no “Velt-Spiegel”, e, assim sendo,

não necessitamos traduzi-lo, uma vez que é conhecido dos estudiosos de sua obra.

270

32. O mascate Adolfo

O Mascate Adolfo

O nome de Adolfo Kischinevsky era na verdade Yudel. Ele nasceu em

Tiraspol, na Rússia, em 3 de dezembro de 1890.459

Filho de uma família com certas posses,

pôde estudar em Kischinev, um centro mais desenvolvido e com uma população judaica

mais numerosa, onde existia uma yeshivá que ele freqüentou, sob a orientação do rabino

Perelmuter. Em 1905 ingressou no movimento operário judaico, passando a militar nas

fileiras do Bund. Emigrou em 1909 para a Argentina e passou a trabalhar na profissão de

relojoeiro, ao mesmo tempo em que começou a participar como redator e colaborador em

alguns jornais locais, escrevendo crônicas satíricas e contos. Entre essas publicações

periódicas se encontravam o Der Tog (O Dia), Idische Tzeitung (Jornal Israelita), e o

periódico socialista Avangard (Vanguarda). Lamentavelmente, não conseguimos obter os

escritos correspondentes a esse período publicados sob os pseudônimos de “Melancolik” e

“Ish Yehudi”.

Em 1918 ele chegaria ao Brasil, fixando residência na cidade do Rio de Janeiro

e atuando em Nilópolis, onde chegou a presidir o Centro israelita local e tomou parte em

todas as iniciativas comunitárias.460

Quando, em 15 de novembro de 1923, foi criado o

jornal Dos Idische Vochenblat (O Semanário Israelita), no Rio de Janeiro, fez parte no

grupo de fundadores, participando ativamente em sua redação, colaborando sob o

pseudônimo de A. Ch. Halevi.2 Por ocasião de seu afastamento do periódico, pensou em

criar um órgão literário, o que de fato aconteceu em 1927, com o título de Di Neie Velt (O

Novo Mundo), saindo o primeiro número em 1º de março daquele ano. Em 25 de julho

anunciava-se que, a partir dessa data, em vez de ser mensal, passaria a ser quinzenal.

Porém, o jornal não duraria muito tempo, pois o último número seria publicado em

dezembro do mesmo ano. Uma segunda tentativa jornalística de Kischinevsky. seria feita

com o jornal Unzer Leben (Nossa Vida) que teria vida mais curta do que o anterior.461

Ambas as publicações se enquadram nas muitas tentativas feitas na história da imprensa

judaica no Brasil que fracassaram por falta de respaldo financeiro, estrutura administrativa

e apoio público, dependendo apenas da iniciativa e da boa vontade de seus fundadores e de

um mecenas ocasional.

A obra literária de Kischinevsky, além do que publicou nos periódicos

argentinos, e que nos é desconhecido, resume-se ao que apareceu nos jornais judaicos do

Brasil e reunida na coletânea de contos intitulada Neie Heimen (Novos Lares), que é objeto

de nosso trabalho. Na verdade, a temática central gira ao redor do clientelchilk, apoiada

numa visão crítica da sociedade que vai espelhar a personalidade de seu autor numa forma

de expressão próxima ao autobiográfico. O nosso autor exerceu a profissão de ambulante,

deixando sua antiga profissão de relojoeiro, e acumulou vivências que se refletem nos tipos

humanos, bem como na captação de sentimentos e situações que são narrados em seus

contos.

459

No periódico “Di Tzeit”, nov.-dez., 1939, n. 4-5, p. 27, menciona-se a data de 31 de março de 1890. 460

V. Malamud, S.,Recordando a Praça Onze, Liv. Kosmos Editora, Rio , 1988, p.78, onde se encontra uma

fotografia , do arquivo de Adolfo Aizen, na qual figura Kischinevsky participando no lançamento da pedra

fundamental da escola local, em 25 de novembro de 1928. 461

Falbel, N., Jacob Nachbin, Nobel, São Paulo, 1985, pp.29-56, se encontra o relato sobre a criação do Dos

Idische Vochenblat e a participação dos poucos intelectuais judeus-brasileiros no periódico.

271

O Neie Heimen saiu à lume em 1932 (ed. Yung Brazil, Nilópolis-Niterói),

porém os contos que compõem o livro já haviam sido publicados em 1927, em quase sua

totalidade, nos periódicos Di Neie Velt e Unzer Leben,462

e de fato foi a primeira obra em

ídiche a ser publicada em nosso país, estando seu autor inteiramente consciente do papel

que desempenhava na vida cultural judaico-brasileira. No epílogo do livro ele escreverá:

“Para mim resta a consolação de dar o primeiro passo, difícil e responsável, do mesmo

modo como o fiz no âmbito da imprensa judaica”.463

Kischinevsky faleceria,

prematuramente, de uma infecção generalizada, em 30 de janeiro de 1936.

As poucas fontes que temos para o conhecimento da biografia desse pioneiro

da literatura judaica não se referem à sua obra, fazendo exceção Izaac Z. Razman, que no

seu Idische scheferischkeit in lender fun portugalishen loschen (Criatividade judaica nos

países de língua portuguesa) fez algumas poucas referências ao conteúdo do Neie

Heimen.464

O escritor, de língua ídiche, Maier Kuchinsky, tratou da obra de Kischinevsky

em pinceladas amplas, ainda que sugestivas, sob o olhar da crítica literária, em dois artigos,

o primeiro publicado no Argentiner YIWO Schriftn, sob o título “Dos literarische schafen

fun idn in Brazil” (A produção literária dos judeus no Brasil),465

onde escreve que a obra

de K. “é uma modesta contribuição do mascate judeu à literatura”. Um pouco antes ele nos

dirá que, “a atmosfera literária que emana do livro é íntima, familiar e dolorosa”. Também

Kuchinsky vê na morte prematura de K. a perda de um escritor, que, quem sabe, teria dado

à literatura judaica o protótipo do judeu local como criação literária de um personagem com

vida própria.

O segundo artigo foi publicado na coletânea literária em língua ídiche Unzer

Beitrog (Nossa Contribuição) sob o título “Soziale dinamichkeit un literarische

statischkeit” (Dinamismo social e estagnação literária), 466

no qual o renomado escritor

analisa as temáticas presentes nas obras de alguns autores que escreveram em ídiche no

Brasil, a começar de K., até o seu tempo, isto é, década de 50.

O peddler aparece em vários autores, e segundo Kuchinsky, há uma clara

tendência para encará-lo como vítima e como um “fenômeno econômico”, acompanhado

sempre de uma apologética da “pedlereiada”, que chega a escamotear o momento social, o

cinismo materialista, a exploração, a impiedade e a auto-afirmação perante os colegas de

profissão quanto à qualidade de seus clientes. Ainda que o olhar crítico de Kuchinsky não

veja que através do fio que perpassa a temática da “pedlerai” chega-se a atingir o momento

moral da autocondenação, assim como ocorre no consagrado escritor Opatoshu, não resta a

menor dúvida que a leitura da obra de Kischinevsky revela com toda a potência, e ardor,

esse momento, como veremos adiante, e com as nuances e sutilezas psicológicas que

somente um bom escritor pode oferecer aos seus leitores. O destino encarregou-se de

truncar o talento que já se manifestara em seu primeiro livro e que poderia chegar a um

nível de desenvolvimento difícil de prognosticar, mas se mostrava latente em sua pena.

462

Sobre esses periódicos vide a obra de Raizman ,Isaac Z., A Fertl Yohrhundert Ydische Presse in Brazil

(Um quarto de século de imprensa judaica no Brasil), The Museum of Printing Art, Safed, 1969, pp.88-91. 463

Neie Heimen, p.157. 464

Ed. Museum le-Omanut há-Dfus, Sfat, 1975, pp.267-70. Um verbete sobre A.K. foi publicado no Lexikon

fun der Nayer Yidischer Literatur, New York,1963. Também no Léxico dos Ativistas Sociais e Culturais do

Rio de Janeiro, organizado por Henrique Iussim, que não chegou a ser editado, se encntra uma pequena

biografia que nada acrescenta ao verbete anterior. 465

N. 3, 1945, pp.189-196. 466

Ed. Monte Scopus, Rio de Janeiro, pp.153-62.

272

Uma segunda temática presente na desconhecida, ainda que exígua literatura

ídiche entre nós, e à qual Kuchinsky chamou a devida atenção no estudo acima

mencionado, é a que podemos denominar “o contraste entre o passado e presente”, e que se

manifesta essencialmente pelo permanente conflito entre a vida plena de santidade do shtetl

europeu frente o cinza do “agora” e do “aqui” no novo continente. Essa se insinua

levemente na obra de Kischinevsky, mas não chega a tomar inteiramente corpo e espaço

nas suas narrativas. Sob esse aspecto, destaca-se um elemento mais definido, que é o

desarraigamento angustiante vivenciado por alguns de seus personagens, que, em parte, os

leva a sucumbir, literalmente, no novo habitat, no qual não se adaptam, e em outros leva a

canalizar energias para o enriquecimento pessoal e o bem-estar material. Por outro lado,

não podemos considerar que o drama pessoal de alguns imigrantes, em sua gênese, ainda se

localizará nos lugares de onde saíram, seja qual for a causa que os motivou, e não faltaram

causas para tanto, sejam elas de ordem econômico-social ou psicológico-pessoal, no

continente europeu, onde se encontravam significativas populações judaicas, e em

particular na parte oriental. Nesse sentido, as chagas doloridas que o imigrante trazia

consigo ao novo continente nem sempre podiam encontrar remédio que as pudesse curar, e

cada recém-chegado deveria ter a sua história pessoal, o que invalida qualquer tentativa de

generalização. Literariamente, cada conto contém uma narrativa pessoal, e cada relato

encontra, ilumina e revela o seu tipo humano. Assim é com a coletânea de A. Kischinevsky.

Vejamos agora um pouco mais de perto a obra de K., e dando atenção em

particular ao personagem – ou personagens – do “mascate”, que se encontra presente em

quase todos os seus contos. Logo no início de sua coletânea, no conto “No esquecimento”,

a figura típica do clientelchik é introduzida no hábito rotineiro de sua existência: “Já pela

centésima vez, Isidoro dispôs os cartões de seus clientes, de cima para baixo, e novamente

de baixo para cima, e não chegou a nada. Ele se mostra nervoso e suas mãos revelam certo

tremor. Eis que ele já remexe os seus cartões há quase quinze anos; dia a dia ele os dispõe

pensativamente, tocando-os um por um como se fosse encontrar neles alguma coisa. Por

vezes à sua mente a lembrança de um ou outro cliente ao qual ele oferecia algum “achado”,

no caso de uma moça atraente o modo com o qual se lhe declarava e cobria de gracejos,

fazendo que ela lhe revelasse duas alvas fileiras de dentes brilhantes. Por vezes, suas mãos

se perdiam no busto da jovem, não encontrando nenhuma resistência de parte dela. Porém,

sentindo que seu corpo começava a incendiar-se com o calor do sangue brasileiro,

esgueirava-se rapidamente da casa onde se encontrava, sentindo atrás de si o

acompanhamento de um olhar cheio de desejo (...)”

O personagem de K., a um dado momento de sua vida, parece entrar num

processo de auto-avaliação, mirando para dentro de si, como que iniciando um ajuste de

contas com o seu modo de viver, um verdadeiro cheshbon hanefesh... “Nos últimos tempos,

uma secreta consciência começou a penetrar no seu cérebro, acreditando pouco em si e em

sua força, e, mais do que isso, não se alegrando com a ‘carreira’ que havia feito no

comércio ambulante que o levava a juntar centavo por centavo. Seu sorriso, irônico, pouco

a pouco ia desaparecendo de seu rosto, mesmo em momentos em que pessoas vinham

pedir-lhe dinheiro emprestado, e fixava seu olhar no solicitante ao mesmo tempo em que

negociava os juros. Hoje, debruçado já há duas horas sobre os seus cartões de cobrança,

sem saber por onde começar, suas lembranças o levam para longe, afastando-o do presente,

perturbando sua mente e o envolvendo em profunda melancolia. Não conseguindo

adormecer, seu pensamento vagava entre o passado e o presente, até que, não podendo mais

se conter, vestiu o casaco e saiu apressadamente à rua. Perambulou mecanicamente sob a

273

chuva, e enquanto passavam centenas de carros ao seu lado, questionava-se: ‘Onde foram

parar os melhores vinte anos de minha vida, dos quarenta que já vivi? Que almeja agora

minha alma?’”.

No seu passeio uma moça coquete passará por ele, chamando-lhe a atenção

“coquete no seu andar contado e gracioso, balançando seu corpo para cá e para lá, jogando-

lhe um olhar discreto acompanhado de um sorriso através do qual se revelaram uma fileira

de dentes branqueados incrustados em lábios, como se fossem morangos”.

O nosso herói, assim, é despertado para a vida, que até então estivera presa ao

dinheiro e para o qual havia canalizado todos os seus esforços. O próprio personagem

resumia a fórmula adotada que norteava sua atividade de mascate, mas que sintetizava

também o que fizera até o momento: “(...) Quanto mais clientes, mais cartões, mais contos

de fadas”.

A crise que o acomete leva-o a olhar para trás. Como ele pôde permanecer

cerca de quinze anos no Brasil, enterrado em seus cartões, esquecido de si mesmo, de seus

amigos, pais, que ainda viviam do outro lado do oceano e sobre os quais há muito tempo

não tinha sequer qualquer notícia? Isidoro acordaria no dia seguinte “e descobriria um belo

e iluminado mundo”. Pela primeira vez sentar-se-ia em um automóvel para pedir que o

levassem à avenida Atlântica, descortinando no caminho também os anos perdidos de sua

juventude, o que levava a um sentimento de profunda perda (...) A praia repleta de gente, as

ondas espumosas do mar, e a visão passageira de uma menina brincando com seu pai muito

significavam para o ambulante solitário de quarenta anos. Fizeram-no sentir o vazio e a

falta de sentido de sua vida. Tarde da noite voltou para casa, tocou em seus cartões, fez um

balanço geral e disse para si mesmo: “Sim, com algumas centenas de contos pode-se, ainda,

fazer a vida mais doce (...)”

Em outro conto intitulado “Em uma pequena cidade perdida (no mundo)” K.

retrata um personagem, Henrique (Hersh), que vive durante vários anos em uma pequena

cidade do interior, à qual chegara em suas andanças de clientelchik. A falta de outros judeus

no lugar, a vida monótona do lugarejo, cuja população se distrai “dando voltas nos fins de

semana ao redor do coreto da pracinha central, não demonstrando qualquer sinal de vida ou

alegria” o levam, em um dado momento, à inquietação, apesar da estabilidade econômica

adquirida com seu trabalho, trabalho esse que resultou numa loja de móveis. Seu

isolamento e o germe da solidão afloram constantemente, e nessas ocasiões encontra

refúgio na convivência com a mulatinha Virgínia. Assim mesmo algo permanente o

incomoda nesse lugarejo sem vida, onde não é possível tomar café com correligionários e

ter contato com instituições comunitárias, como o conhecido Relief (do Rio de Janeiro), que

semanalmente recebe novos imigrantes, e além do mais “trazem lembranças dos velhos

lares” europeus. Por fim, o único consolo que lhe resta, como ser afastado de tudo e de

todos, é o amor que sente por Virgínia, em cujo regaço afoga sua tristeza e desolação.

Nesse conto K. revela um aspecto da realidade vivida pelo ambulante judeu que chegava a

penetrar, na procura de seu sustento, os rincões mais longínquos, estabelecendo-se naqueles

para nunca mais sair, esquecido de tudo e de todos.

Em “Casa Paris”, o autor do Neie Heimen nos apresenta um jovem ambulante,

talentoso, plenamente identificado com seu meio de ganhar a vida e feliz com a profissão

que escolhera. Elik chega mesmo a elaborar uma idéia original a respeito de sua atividade,

a crença que Deus fez muito bem em criar o comércio ambulante e tê-lo escolhido como

seu enviado para oferecer às pessoas coisas que dele necessitam. Ele gaba-se, perante seus

colegas, da técnica e métodos de que se utiliza para “fazer” clientes e convencê-los a

274

comprar sua mercadoria. Cada cartão de cliente é sagrado e seu pensamento está

inteiramente voltado à ampliação de seu número, graças aos métodos originais que emprega

para atingir esse objetivo. Um deles consiste em bater em uma porta e se apresentar com

um cartão na mão no qual está escrito “Casa Paris”, a qual ele representa, o que é uma

honra para a pessoa por ter sido escolhido pela firma para ser procurado, pois isso denota

que é um bom cliente. Outro método “original” consiste em gritar em voz alta, ao passar

por algum lugar, para ser bem ouvido, o preço, absurdo, de um artigo, para logo ser

convidado a entrar à casa da primeira ouvinte e logo a seguir desfazer o “nó” do engano,

alegando que “a minha senhora” não ouviu corretamente o preço da mercadoria e

possivelmente confundiu o valor da prestação com o valor total.

Vivacidade e esperteza eram parte das qualidades necessárias ao ambulante

para vencer resistências e superar obstáculos a fim de atingir o objetivo final, isto é, realizar

a venda. E aqueles que fracassavam deveriam considerar-se não destinados à sagrada

missão. Mas certo dia ocorreu algo terrível a Elik. Ele simplesmente não fizera nenhum

cliente. Porém, já se encontrando no lugar onde residia, ouvira lá ruídos de um automóvel e

a voz de alguém procurando pela “Casa Paris”. Era uma dama ricamente vestida, um pouco

desorientada por não encontrar o estabelecimento procurado no endereço que tinha nas

mãos. “Dona Josefina”, exclamou o jovem ambulante, já com um tom apropriado para

eliminar qualquer dúvida em sua cliente, pedindo de imediato que ela entrasse no pequeno

cubículo atulhado de camas uma ao lado da outra e onde não faltavam cascas de bananas e

laranjas espalhadas pelo chão. Sem se perder, Elik foi logo dizendo: “aqui é a Casa Paris,

muito diferente das casas luxuosas da Avenida. Basta a senhora encomendar e logo

encontraremos a mercadoria desejada, sendo que, isso é o mais importante, sempre ela será

a mais barata”. Dona Josefina, ainda que um tanto decepcionada, encarou tudo com bom

humor e acabou por encomendar mais algumas peças ao seu fornecedor, que chegou a

acrescentar, quando sua cliente se afastava do local: “Não se esqueça, minha senhora, que a

Casa Paris encontra-se na quinta cama, do lado direito”. E para si mesmo, orgulhosamente,

proferia: “Graças a Deus, a Casa Paris é, de fato, uma firma”. O lado grotesco da situação

não impediu um final feliz, e não podemos deixar de observar que o autor, na sua

experiência pessoal de ambulante, deveria ter vivido o pequeno quadro que escreveu em

seu conto.

O entusiasmo pela profissão e os resultados que poderão advir da labuta do

ambulante encontram expressão em outro conto que tem como título “Isto ele não lhe

disse”. Aqui se trata de um pequeno mascate, que mal completara treze anos, e fora

chamado por seus tios a vir ao Brasil. Nada mais tentador do que esse chamado para um

menino que comia o pão da pobreza em seu lar perdido em algum canto da Europa

Oriental. Tio e tia já esperavam pelo sobrinho no cais do porto, bem vestidos e confiantes

em sua posição social. Não se passaram muitos dias para que eles revelassem ao jovem

recém-chegado que o segredo do sucesso se encontrava no comércio ambulante, ao qual

logo fizeram questão de introduzi-lo. Assim, Itzikl, acordou em um belo dia para

acompanhar o seu tio ao lugar onde deveria passar pelo ritual de iniciação para a

“peddlerai”, e que exigia um certo conhecimento e trato com comerciantes estabelecidos,

com gente, com clientes, etc. O tio tomara a iniciativa de bater às portas de futuros e

passados compradores mostrando as particularidades da nova profissão ao garoto. Já na

primeira casa saiu-lhe ao encontro uma senhora de cor, que o cumprimentou dizendo que

não tinha ainda recebido o pagamento em troca da roupa que lavara e, portanto, não poderia

no momento pagar-lhe sua prestação, uma vez que também o seu marido não ganhava além

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do necessário para comer, e que voltasse outra vez. O tio se deu ao trabalho de explicar ao

sobrinho que a expressão “outra vez” significava um tempo indefinido e, portanto, poderia

ser o dia seguinte. O importante era deixar a preguiça de lado e voltar novamente a bater na

porta do cliente. Naquele dia bateu em uma segunda porta, com resultado positivo, pois

recebeu uma nota de vinte mil réis de uma cliente, uma jovem mulata que causou espanto e

admiração ao sobrinho. Na terceira vez a surpresa foi ainda maior, pois realizou-se uma

venda em que o tio recebeu no ato cinqüenta mil réis. Itzikl entrou em êxtase. “Veja você”,

disse o tio a Itzikl, ao saírem para a rua, “o Brasil é um país de ouro. Se trabalharmos,

temos. Precisamos apenas ter vontade, e desse modo podemos juntar dinheiro em

quantidade. Os brasileiros são excelentes pessoas, um povo querido, e pode-se negociar

com eles”. Itzikl já sonhava que em pouco tempo poderia trazer seus pais e toda a família

ao Brasil. As aulas do tio não pararam aí, pois ele ensinou as frases-chave em português, e

seu significado. Uma “leitura de expressões que deveriam ser interpretadas corretamente

para que não se perdesse nenhuma oportunidade de fazer negócio. Expressões tais como

“hoje não preciso nada” ou “não me amola”, deveriam ser interpretadas como acenos

positivos, e de nenhum modo com uma negação para um ambulante experimentado. O

sobrinho, atento, anotara as expressões e frases para não esquecê-las, e diariamente o jovem

ambulante voltava com bons resultados ao feliz tio, que mais feliz se sentia com o trabalho

do sobrinho. Mas uma expressão, muito ouvida, por sinal, o tio não lhe ensinara. Era “vai

embora, cachorro”, e ainda que ele não se atrevesse a perguntar seu significado, ela o

molestava ao ouvi-la. Até que um belo dia ele encontrara um jovem um pouco mais velho,

ao qual perguntou se poderia explicar-lhe o significado daquelas palavras. O jovem,

surpreso com o fato, disse-lhe: “a mim nunca disseram tais palavras, e talvez você seja tão

impertinente na maneira de vender que os clientes chegam a se enervar ao ponto de dizerem

“vai embora cachorro”. O jovem sobrinho, naquele mesmo momento, pegou seu caderno de

anotações para escrever a expressão que o tio não lhe ensinara.

O ambulante, no dia-a-dia de sua sobrevivência, nem sempre encontrará a

cordialidade esperada de seus clientes mas, assim nos mostra o autor, também será

machucado e humilhado pelos habitantes das “portas”, nas quais vai encontrar o seu

sustento.

“A solução” é um conto que narra a história de um ambulante com certa

educação, preocupado com questões sociais e identificado com as doutrinas socialistas, que

não o impedem de exercer a profissão de mascate e, portanto, participar da ordem

capitalista. Do mesmo modo, apesar de suas convicções, nada o impediu de se casar com

uma linda moça de casa burguesa, e de tão burguesa chegou a estudar piano, indo morar,

logo após o casamento, em uma casa confortavelmente mobiliada.

É um caso de dupla personalidade, pois Fischer, esse era seu nome, se

apresentava como um pregador radical em defesa do proletariado. Assim era até que num

determinado dia foi acometido por uma estranha sensação e seu cérebro tumultuou-se pelas

muitas dúvidas que o assaltaram. Perdeu a autoconfiança e mesmo o bom relacionamento

que mantinha com sua família. Incomodava-o a sensação de pregar o socialismo e ao

mesmo tempo explorar o próximo através de sua ocupação de ambulante, que o mostrava

muitas vezes insensível em relação ao seu devedor. Passaram-se dias e a má consciência de

ter sido pouco humano com os clientes o atormentava ao ponto de não poder mais suportar

tal situação e ficar sob o inteiro domínio dos sentimentos, que afloravam com tal

intensidade que lhe causavam verdadeiras alucinações. Até encontrar uma saída para essa

terrível situação, que foi a de rasgar os cartões das dívidas de seus clientes.

276

A verdade é que essa narrativa de K., assim como as demais, é inspirada na

imigração judaica de seu tempo que, entre outros elementos, trazia consigo idealistas que

tinham convicções sociais e mesmo um passado de militância política nos partidos e nas

correntes de esquerda no continente europeu.

A formação de associações e clubes nas décadas de 20 e 30 também tinha um

matiz ideológico que levava a quase multiplicação de entidades segundo o número de

convicções e doutrinas existentes entre os imigrantes.

Em outro conto, “O pequeno ambulante”, K. descreve um menino de onze

anos, recém-imigrado, vivendo apenas há um ano no país. O pequeno convive com meninos

brasileiros da mesma idade, que nos momentos de rixas e desavenças, o chamam de “russo”

ou “prestamista”. Quanto ao primeiro nome, ele não entende a razão, pois é judeu e não

russo; porém, em relação ao segundo, concorda que de fato é um vendedor a prestações,

ainda que não entenda por que é vergonhoso sê-lo. Sua mãe sempre o encorajara a

trabalhar, mesmo contra a vontade do pai, que o considerava muito criança. Diariamente,

após o café da manhã, Leibale, o pequeno ambulante, saía para o trabalho com a bênção

materna, e voltava no fim do dia para contar à sua orgulhosa mãe o quanto ganhara.

Entusiasmada, a mãe de Leibale lhe dizia que, se Deus quiser, ele será um “grande

clientelchik” e se tornará um dia proprietário de uma loja na Praça Onze. O pai, menos

otimista em relação à atividade do filho, ouvia igualmente suas façanhas, mas se mostrava

mais interessado em saber sobre os clientes, suspeitando sempre que entre eles talvez se

encontrassem “tzevekes” (“pregos”, que na linguagem dos ambulantes denota os maus

pagadores, ou caloteiros). Contudo, após o acerto de contas final com o pai, o menino saía

pulando de casa, com um pé só, para brincar com os seus coleguinhas, deixando atrás de si

o olhar da mãe orgulhosa que voltava a comentar com o seu esposo que Leibale seria um

“grande prestamista” e teria sua loja de móveis na Praça Onze.

Se no personagem Leibale a narrativa é feita com certa leveza e ironia, no

conto intitulado “Nachman”, que trata de um ambulante sem nenhum talento para o mister,

a atmosfera dramática que o envolve se faz presente. A narrativa gira em torno do

sentimento de impotência do personagem e sua incapacidade de sustentar a família. A

esposa do ambulante, para fazer frente às dificuldades do marido, trabalha e tem um sócio

que a persegue insistentemente, situação essa que não deixa de ser notada por Nachman. O

fracasso comercial, ou sua incapacidade em fornecer subsistência à família, levam o

personagem a fugir da realidade e entregar-se aos devaneios que o afastam do presente para

voltar ao passado: “Dez anos no Brasil nada lhe ensinaram, muito pelo contrário, ele se

tornou, a cada dia que passava, mais melancólico, e uma infinita saudade apossava-se de

sua alma. Sonhando, sempre via sua pequena aldeia, que se encontra no outro lado do

mundo, onde as pessoas se reconhecem e se entendem apenas com um sinal, sentem o

sofrimento um do outro, alegram-se com a alegria de seu próximo, e onde o murmurar de

uma melodia sem palavras era a língua espiritual com a qual todos se entendiam (...)”

K. era socialista, como vimos, e sua obra literária não se restringe à temática do

ambulante como o tipo social mais característico da grande onda imigratória judaica que se

sucedeu nos anos após a Primeira Guerra Mundial. Os humildes e necessitados são parte de

sua galeria de tipos, assim como aparece no conto Guemilut Hessed (nome comum de

instituições de caridade e beneficência entre judeus, que em hebraico significa caridade).

Um pobre ancião, ativista durante muitos anos na comunidade judaica, se encontra numa

situação de penúria pessoal que o leva a recorrer ao auxílio da Sociedade Guemilut Hessed.

Ao aproximar-se do local, ele reconhece, e é reconhecido pelos seus conterrâneos

277

responsáveis pela instituição e que, ironicamente, e por força do hábito, aproveitam-se do

encontro para pedir que colabore com a entidade com algum donativo. O pobre ancião, que

fora pedir ajuda, acabará, por ironia do destino e obrigatoriedade moral, ajudando.

O sentimento de revolta social é claramente enfocado no conto “Uma certa

máquina”, onde o personagem, Lipman, que trabalha como cobrador na Companhia de

Bondes, vive uma dolorosa situação com a mulher doente, nada tendo o que comer. A

máquina é o “capital”, que “se concentra em algumas mãos e que funciona em todo o

mundo. Na sua ação e ritmo absorve em sua engrenagem milhares, milhões de pessoas. Ela

os despeja com a mesma força, e no seu caminhar destroi tudo o que encontra pela frente,

atravessando rios, pântanos, engolindo florestas, famílias, povos, tudo!”

“Ela estabelece contratos mas de tal modo que o contratado não consegue

cumpri-los, e assim acabará sendo escravizado para sempre. A Companhia de Bondes

também pertence à máquina. Ele lhe paga um salário de fome, pois ela, a Companhia, sabe

que você a rouba, mas ela tem o domínio sobre você”. O discurso ultrapassa o limite do

literário para se tornar, em K., uma verdadeira proclamação de protesto social.

A dependência do recém-chegado para com o comerciante veterano, já

estabelecido, e para o qual deve trabalhar como prestamista, é descrita no conto “O

engano”. Zindel, o mascate não possui habilidades especiais para esse meio de ganhar o pão

de cada dia, e o comerciante para o qual trabalha se sente inconformado com os resultados

de seu dependente, chegando a recriminá-lo com palavras fortes: “Como? A ‘clientele’ no

Brasil já afundou! (...) Todo mundo negocia e somente você não consegue faze-lo. Eu

também fui um ‘clapper’ (o que bate em portas), mas diariamente trazia à minha casa dez

cartões (...) Como você pensa fazer a América desse jeito? (...) Houve tempos em que as

pessoas trabalhavam e de fato nada faltava (...)”.

O nosso personagem sobe o morro da favela da Saúde, pois lá é o “lugar” onde

atua, e onde também se pode avistar a bela paisagem do Rio. No alto do morro, salpicado

de pequenas casas com seus odores característicos e gordurosos, habitam seres na miséria,

umidade e lixo, sob tetos de zinco enferrujado, e também Maria, a mulata. Ela reside há

oito anos, juntamente com sua pequena filha. Seu marido havia morrido em uma briga e ela

vivia de seu trabalho como lavadeira. As vizinhas sabiam da amizade com o estrangeiro

“Zigmundo”, e ela o esperava naquele dia, como sempre.

Também, ele, Zindel, esperava aquele dia com ansiedade, pois lá se encontrava

seu refúgio, tão caro para quem nada mais esperava da vida, de uma vida cheia de

fracassos. Sonhos que se desfizeram durante os anos que vivia como ambulante no Brasil.

Estudos que não fizera, dinheiro que não conseguira, esperanças que se dissolveram.

Porém, em uma noite que passou com Maria, o patrão dera queixa à delegacia por seu

desaparecimento súbito, e esse foi o motivo que levou Zindel a devolver a mercadoria ao

comerciante. Com seu gesto, teve que sentir a amargura do sem-destino, dormindo em um

banco de jardim, para logo a seguir voltar ao seu refúgio, onde Maria o esperava. No

verdadeiro paraíso e para sempre respirar o ar da liberdade.

O contato entre dois mundos espirituais, o brasileiro cristão e o judaico é

tratado por K. em um conto, “Eles vivem em paz”, no qual a esposa judia, que adora e

cuida de um quadro no qual figura a Nossa Senhora da Conceição pertencente ao seu

marido. Porém sob o mesmo, mais abaixo, se encontra um ‘ner-tamid’, a que lembra ao seu

marido para renovar o óleo que contém. No encontro entre ambos, marido e esposa, o amor

e a convivência religiosa, permite o desenvolvimento de uma narrativa íntima na qual a

tolerância mútua se impõe. Mas atrás do idílio familiar esconde-se o passado trágico de

278

Serke, a mulher que fora tirada de seu lar no Velho Continente por um homem que a levara

para a Argentina para viver em um bordel, até conseguir se desvencilhar dele e fugir para o

Brasil, e aqui exercer sua “profissão” mais livremente, “numa rua onde pessoas iam para

cima e para baixo, e onde centenas de mulheres se mostravam nas janelas, conversando

umas com outras, inquirindo-se mutuamente sobre que seus pais e irmãos escreviam.” Até

que conhecera o seu “velinho”, que lhe dissera naquela ocasião: “Eu sei, Serke, que você é

israelita, mas isso pouco me importa. Não sou nenhum crente”. Mas quando o seu

“velinho” adoeceu, Serke teve que lhe comprar uma Nossa Senhora da Conceição, o que ela

fez de bom grado, pois ele havia feito uma promessa. E do mesmo modo que o velho se

satisfaz em servir ao seu Deus, que o retornou à vida quando se encontrava doente, assim

Serke se compraz em servir seu Deus judeu, que lhe dá saúde e que lhe permite levar uma

vida harmoniosa com o seu “velinho”. E as velas sabáticas, com o ‘ner-tamid’, sob o

quadro da Nossa Senhora da Conceição, mesmo que nada tenham em comum, vivem em

perfeita e cândida paz.

Passemos ao último conto do livro de K., intitulado “Moral”, que também foi

publicado na coletânea “Brazilianisch”, editada na Argentina,467

o qual traduzí

integralmente ao português para termos um texto literário mais completo de nosso autor,

pioneiro da literatura ídiche no Brasil.

“Encontrei-o em Juiz de Fora, na estação Leopoldina. Isso aconteceu em uma

manhã de inverno tipicamente brasileiro. A cidade se encontrava envolvida em uma pesada

neblina e um frio cortante penetrava até os ossos. Meu acompanhante, um jovem pálido e

semi-intelectualizado, fazia força para me convencer que o fato de me acompanhar até o

trem, em uma manhã tão fria, era devido à sua amizade sincera, uma vez que ficar deitado

até tarde debaixo dos cobertores é algo muito mais agradável.

Mas, de sua cabeça enterrada na gola de seu sobretudo e de suas frases

entrecortadas, compreendi que ele não revelava nenhuma disposição especial para tanto...

Ainda era cedo e nos dirigimos até o restaurante para tomarmos um café. Mal

tive tempo de levantar minha xícara até a boca quando o meu acompanhante deu-me um

puxão ao ponto de derramar meu café.

– O senhor está vendo? – disse-me quase num tom de segredo – Estás vendo

aquele tipo e pensarás que ele é um dos nossos, filhos de Israel? Tal figura certamente

ainda não terás visto aqui no Brasil. Contudo, isso é um judeu!

Fixei bem meu olhar naquela pessoa: ele usava um terno de três cores, surrado

e em alguns lugares rasgado. As calças eram de um amarelo típico de tecido local, o paletó

marrom-acinzentado, e seu colete de uma casimira impossível de saber a sua cor original.

Calçava um par de sapatos amarelos retorcidos e em um deles se via claramente um grande

buraco aberto – talvez uma simpatia contra calos.

– Sim, é um tipo original – disse eu ao meu acompanhante.

O sino tocou às três. Entrei no vagão juntamente com a figura estranha.

Além de minha curiosidade, o destino encarregou-se de nos fazer sentar um em

frente ao outro.

Eu tive tempo de observá-lo:

Seus olhos eram aquosos e úmidos e neles podiam-se ver pequenas manchas,

como se fossem pequenas gotículas de óleo; seu rosto, queimado do sol e vergastado por

467

Coleção de literatura ídiche sob a direção de Samule Rollansky. Ateneo Literario en el IWO, Buenos

Aires, 1973, pp.251-256.

279

profundas rugas, assemelhava-se a uma caricatura. Seu grosso lábio inferior pendia de

modo estranho. De tempo em tempo, seus lábios se retorciam como os de um ébrio.

O trem já andara uma boa distância e agora serpenteava ao redor de um morro.

Meu companheiro de viagem, sem qualquer motivo, soltou repentinamente:

– Um judeu? Certamente! Eu o vi conversando com aquele amarelo, eu o

conheço, seguramente deve ter falado sobre minha pessoa.

– Longe disso! Ele somente disse que viajaria comigo mais um judeu. Mas

assim como o indivíduo se comporta, do mesmo modo o coletivo também o faz – começou

ele a filosofar. Toda a coletividade judaica, e cada indivíduo, se habituaram à idéia de

contradizer! O que um diz o outro deve repelir.

– Não entendo exatamente o que queres dizer, mas se você se refere à moral

entre nós, sim...

Os olhos de meu viajante incendiaram-se de um modo terrível, interrompendo-

me as palavras e quase gritando:

– Moral! O que é para nós, judeus, moral? Quem é entre nós o juiz da

moralidade? Ach! – acompanhando a expressão com um forte gesto de mão.

Entendi que meu companheiro já havia se desiludido com a sociedade e por

isso mesmo se mostrava tão amargo.

Meu acompanhante, que já começara a me intrigar, movimentava os lábios

como se estivesse sedento:

– Moral, moral... poderias me dizer, meu amigo, o que significa isso na

verdade? Não será apenas uma cortina para cobrir a hipocrisia?

Repentinamente aproximou-se, sentou-se ao meu lado, e já em um tom

diferente, quase épico, começou a falar:

– Ouça o que vou lhe contar. É uma pequena experiência pessoal, e o senhor

tirará por si só as devidas conclusões.

“Em 1922, recebi de meu irmão que aqui se encontrava havia doze anos uma

passagem para que viesse ao Brasil. Não pensei duas vezes e logo me pus a caminho.

Quando desembarquei no porto do Rio de Janeiro, meu irmão já me esperava, e fomos

diretamente a Juiz de Fora. Não era a cidade de onde costumeiramente recebia suas cartas.

“Meu irmão apresentou-me um ambicioso projeto de trabalho que mal consegui

entender. Porém, percebi que deveria, o mais rapidamente possível, amadurecer no novo

país.

“E logo que isso ocorreu, meu irmão começou a insistir que ele gostaria de

viajar ao Rio. Transferiu-me a clientela e partiu apressadamente em direção ao Rio.

“Pelo que parece, o destino quis aprontar comigo uma brincadeira e conseguiu

atirar-me em seus braços (...) De um lado, ódio e amargura, e de outro – amor e sofrimento.

“Certa vez, andando com o meu pacote de mercadorias na rua, bati em uma

porta. Saiu uma mulher que aparentava vinte e três, vinte e quatro anos de idade, muito

linda. Assim que me viu ficou trêmula, me agarrou pelo braço e me introduziu em seu

quarto, derramando ao mesmo tempo copiosas lágrimas de seus olhos.

– Onde estivestes todo esse tempo, meu querido? Tantos anos, infinitos, esperei

por ti e sonhei contigo.

“Ela ria e chorava ao mesmo tempo. E em ambos, no riso e no choro, irradiava

a alegria de encontrar uma verdadeira felicidade.

“De início pensei que me encontrava perante uma mulher não normal, mas de

imediato me apercebi de meu erro.

280

“De suas meias-frases, que devido a sua imensa alegria não me pareciam

inteiramente claras, entendi que ela havia me tomado por meu irmão, com quem sou muito

parecido. Mais ainda, os três anos de afastamento deviam tê-la enganado. Também entendi

naquele momento que, ao levar-me a Juiz de Fora, e não ao lugar onde ele trabalhara

anteriormente, e sua pressa em partir para o Rio tinha uma relação com essa mulher.

“Subitamente ela me abraçou, beijando-me e envolvendo-me com carinhos.

Disse-me com um tom ingênuo e maternal:

– Vá, você é mau, nada dizes e nem perguntas... Ah, como ele é lindo... eu o

deixei com minha mãe. Eu lhe disse que traria o seu papaizinho...

“Em suas palavras não notei nenhuma mágoa, apenas amor e satisfação.

“Então, o que poderia eu lhe responder? Destruir sua felicidade? Não tive, em

primeiro lugar, coragem, e depois senti que teria, naquele momento, cometido um grande

crime. Além do mais, ela provocou dentro de mim um verdadeiro tumulto. Era dotada de

uma natureza brasileira. No rir e no chorar despertou em mim o desejo. Senti que em mim

se processava uma mudança, que algo despertava em minha alma. Em cada nervo, em cada

membro, se manifestava uma pequena chama que antes se encontrava sufocada, apagada, e

era preciso apenas tocá-la para que reavivasse. E ela, a chama, se agitava... despertava e

exigia.

“Precisei apenas estender os braços para que ela se entregasse inteiramente a

mim.

“No momento em que os nossos desejos se encontraram, caiu do bolso de sua

roupa uma fotografia. De início pensei que fosse algo diferente, mas logo, ao levantar a

fotografia, ela olhou para mim como se fosse culpada e com temor acrescentou: Ah: como

estás mudado!...

“Olhei a fotografia – era meu irmão. Comecei a compreender o que era, por um

lado, um elevado e sagrado amor em oposição a outro sentimento e leviandade.

“Começamos a viver juntos aberta e francamente, para nós mesmos, assim

como para a sociedade.

“Como poderia eu me conduzir de outro modo? Poderia eu manchar um amor

do qual emanava o divino?

Meu companheiro de viagem silenciou. Mas, com facilidade era possível

perceber que algo se passava em seu interior. Ele levara suas mãos ao rosto e com um

pesado suspiro continuou:

– Da sociedade judaica fiquei logo isolado, ainda que me acompanhem em

cada passo. Tanto faz, sempre lhes atirei ao rosto o que pensava e acabei me afastando de

todos. Não importa, porém o que me causou maior dor foi a carta que meu irmão me

escreveu ultimamente. Eu o envergonho. Ele não pode suportar a vergonha que lhe causo e

ao seu bom nome.

“Elaborei, de início, planos para desmascarar a hipocrisia de centenas de judeus

que tiveram ligações secretas com mulheres brasileiras. Mas nada disso fiz... e é de se

duvidar que a minha atitude teria qualquer resultado. Pois os hipócritas sabem dissimular

sua hipocrisia sob o manto da moral. Assim resolvi calar, e de fato silenciei...

“O que aquele amarelo lhe disse na estação? Ele lhe advertiu contra a minha

moral? – disse ele com um riso ruidoso.

“Diga-me, peço-lhe, o que é exatamente essa moral? Sabes, de algum modo,

onde a moral começa e onde ela termina”.

281

33. Uma carta do Rabino Avraham Itzhaq Ha-Cohen Kook no epistolário do Rabino

Jacob Braverman de São Paulo (1880-1939)

Em 1978, tivemos a oportunidade de examinar a correspondência que o conhecido rabino

da cidade de São Paulo, Jacob Braverman, manteve durante vários anos com colegas seus

de outros países, entre os quais, o Rav Kook, Rabino-Mor da Palestina naquele tempo.

A coleção de cartas do Rabino Jacob Braverman revela muito sobre sua

personalidade e o respeito e admiração internacionais que ele granjeou no exercício de sua

função como mentor de uma comunidade que estava em processo de sedimentação do

ponto de vista institucional e social. Entre os seus correspondentes, encontramos o Rabino-

Mor da Bessarábia, Rav Yehuda Leib Tzirelson; o Rabino Jacob Halsztuk de Ostrovza na

Polônia; o Rabino David Maler de Buenos Aires; o Rabino Mendel Mohnson de Nova

York; o Rabino Zalman Soroczkin de Lutzk, da Polônia; o Rabino Israel Halevi Zilbersintz

de Kazimir, da Polônia; o conhecido Rabino Mordechai Tzekinovsky, do Rio de Janeiro e

outros. Algumas cartas dessa ampla correspondência foram publicadas no livro “Sefer

Chelek Yaakov”, editado pelo autor em São Paulo em 1938,468

o qual também reúne as

drashot (sermões ou homílias), os discursos proferidos em ocasiões festivas e de

significado comunitário, bem como as perorações in memoriam de personalidades falecidas

ou que vieram a falecer em seu tempo. Ademais, devemos chamar a atenção dos estudiosos

para o fato de que o “Sefer Chelek Yaakov” parece ser o primeiro no Brasil a reunir um

conjunto de “Sheeilot u’Teshuvot, isto é, de responsa, pois até agora desconhecemos a

existência de outra coleção desse gênero tradicional de literatura rabínica que tenha sido

publicada no Brasil, por qualquer outro rabino.469

O estudo dessa responsa revela, como

toda a literatura desse gênero, aspectos da vida comunitária no Brasil e problemas

característicos dela.470

O Rabino Jacob Braverman nasceu na cidade de Securon, na Bessarábia, e fez

parte da grande leva de imigrantes judeus que saíram daquela região após a Primeira Guerra

Mundial para vir se estabelecer no Brasil. Em 1931, chegou, juntamente com sua família, a

São Paulo, onde já viviam conterrâneos seus. Ainda em Securon, começou, muito jovem, a

468

Sefer Chelek Yaakov, Ed. Baratz-Berstein, São Paulo, 1938. 469

Na verdade a primeira expressão da literatura de responsa relativa aos judeus no Brasil, porém não

publicada no Brasil, é a conhecida sheilta da comunidade de Recife ao Rabino Hayim Shabatai de Salonica,

feita em 1637 relativa à questão da oração da chuva. Arnold Wiznitzer escreveu a respeito um artigo na

revista “Aonde Vamos?”, n.º 498, 1953, p. 7; também do mesmo autor, “Os Judeus no Brasil Colonial”, Ed.

Pioneira, S.P., 1966, pp. 55-57; Emmanuel, I. S., New Light on Early American Jewry, in American Jewish

Archives, January, 1955, p. 5. Sobre a data do Responsum e o Rabino Hayim Shabatai, bem como os outros

acontecimentos ligados a Salonica naquele período, convém consultar as duas obras de Emmanuel I. S.,

Histoire de l’Industrie des Tissus des Israélites de Salonique, Thonon-Paris, 1935, p. 49 e Histoire des

Israélites de Salonique, Thonon-Paris, 1936, pp. 293-296. Wiznitzer,A. Os primeiros judeus no Brasil

Império, in Aonde Vamos?,n.730, 20 de junho de 1957,p.4 l ao falar de Isey Levi, judeu vindo da Inglaterra

ao Brasil, em fevereiro de 1838, mencionam que este escreveu ao rabino-mor de Londres da comunidade

ashkenazita, Salomon Hirschell, pedindo instruções sobre a cerimônia de casamento de sua irmã que ele

mesmo queria celebrar. Tudo indica que podemos considerar tal pergunta como uma sheilta ainda que, se

desconheça o texto da carta por ele enviada, mas apenas a reposta do rabino acima mencionado. Sobre o

mesmo assunto escreveram Egon e Frieda Wolff, Judeus no Brasil Imperial, C. E. J. –USO, São Paulo, 1973,

pp.53-6. 470

Certas sheiltot fazem referência a questões locais, tais como a validade do bar-mitzvá de um jovem que

não foi circuncidado, o enterro de uma mulher de má conduta em cemitério não-judaico, e outras.

282

exercer o rabinato, adquirindo um bom nome como guia espiritual de sua gente, graças ao

talento que desde logo demonstrou no exercício de sua função rabínica.

Ao chegar a São Paulo foi convidado a assumir o rabinato junto à comunidade

dos judeus oriundos da Hungria e também passou a atuar junto à Grande Sinagoga na Rua

Newton Prado, no Bairro do Bom Retiro, em São Paulo, onde, naquele tempo, se

concentrava a maioria da comunidade judia.

Descendente de uma família tradicional de schochtim (magarefes),471

o Rabino

Jacob Braverman aprofundou-se no estudo da halachá (jurisprudência rabínica), adquirindo

uma erudição excepcional no Talmude e na literatura rabínica, granjeando fama

internacional como sábio e estudioso da Lei. Basta folhear o seu “Sefer Chelek Yaakov”

para comprovar, através das repostas às questões que lhe foram apresentadas sobre assuntos

dos mais diversos, o seu domínio da halachá.

Infelizmente, o Rabino Braverman veio a falecer em 1939, com menos de

sessenta anos, após ter participado da fundação da Escola Talmud Torá e enriquecido

espiritualmente a vida da comunidade judia de São Paulo com seus conselhos, orientação e

sabedoria.

Ao examinarmos a correspondência acima mencionada, encontramos uma

carta, em hebraico, assinada por Itzhaq Matisis, cunhado do Rabino Braverman, datando de

6 de janeiro de 1933 e procedente de Tel-Aviv, missiva que chamou nossa atenção por seu

conteúdo, o qual passamos a transcrever em português:

“Tel-Aviv, 6 Schvat 5693, 6.1.33

Ao meu honrado cunhado e querido Rabino, esplendor de nossa família,

Provavelmente vocês ficarão surpresos com a carta, anexa a esta, do Rabino-

Mor de Eretz Israel, o sábio R’Abraham Itzhaq Ha-Cohen Kook. E eis como se desenrolou

este assunto: tenho, na cidade de Tel-Aviv, um amigo íntimo, um jovem culto, religioso e

estudioso, R’ Itzhaq Leib Berkman, que por sua vez, é próximo do Rav Kook. E aconteceu

que, contei ao meu amigo a situação difícil em que me encontro no tocante à terra que

recebi no Wadi Hawarit, visto que não tenho meios para dar início à plantação e à

construção, e caso não o faça, perderei o lote e não terei mais direito à terra. Contei a ele

sobre a carta que dirigi a você e sobre as grandes esperanças que deposito no pedido que

fiz a você. É claro que ele se alegrou muito, mas expressou seus receios de que, talvez,

posto que passou muito tempo desde que me viu, você não depositasse suficiente confiança

em minhas palavras, ou que não lhe fosse bastante patente a necessidade e urgência deste

assunto. E eis que meu amigo, embora se encontrasse em Jerusalém tratando de assuntos

particulares, foi, como de costume, à casa do Rabino [Kook] para lhe prestar uma visita, e

narrou-lhe todo o assunto, e conseqüentemente, o Rav houve por bem dar-lhe a carta que

se encontra anexa a esta.

471

O pai era conhecido pelo nome de Zisze Shoichet, em referência à sua profissão, exercida tradicionalmente

naquela família.

283

Antes de continuar, devo expressar minha surpresa e meu contentamento no

momento em que soube de meu amigo que, ao mencionar o seu nome perante o Rav Kook,

este revelou que o conhecia devido à troca de Scheeilot uTteshuvot (Responsa) entre vocês.

O Rav expressou a opinião de que, através da mencionada correspondência, ele sabe que

você é grande [sábio] na Torá e um homem de grandes virtudes, pois o rabino da

comunidade de São Paulo, Rabino Levin, que é originário de Jerusalém, expressa em suas

cartas ao Rabino Kook um grande respeito por sua pessoa e menciona o seu nome de

forma elogiosa. É compreensível que esse fato me tenha proporcionado grande alegria.

Na verdade, nada tenho a acrescentar à carta que lhe remeti há cerca de três

semanas. Durante este tempo realizou-se o parcelamento, a divisão da terra, e a mim

coube uma parcela de terra para o cultivo de árvores frutíferas, constando de 10 dunames

de terra boa e quatro dunames para construção (...) de estábulo, galinheiro e outras

dependências (...) e jardins. O terreno custou-me (...) mas com trabalho é possível (...)

Nesse ínterim, tornou-se mais evidente ainda a urgência de dar início ao trabalho no local

e o reconhecimento de que me faltam os meios para tanto. E a Organização Sionista,

apesar das belas resoluções tomadas nos últimos congressos, de colonizar os soldados

desmobilizados, esquivou-se de todas as preocupações e nada promete, nem sequer para o

futuro. Caso não obtenha sua ajuda, não terei a mínima possibilidade e perderei a terra,

pois muitosdos soldados desmobilizados exigem o seu direito sobre esta terra, e eles têm a

possibilidade de começar a trabalhar e investir dinheiro. Devido a esta situação, meu

generoso e honrado cunhado, peço que se empenhe com afinco, com todas as suas forças

para me tirar desta dificuldade, e, que Deus, abençoado seja, venha em sua ajuda. E eu,

com esperança e ansiedade, aguardarei sua resposta.

Minha esposa e meus filhos desejam shalom a você e a todos os seus. E

desejamos a todos vocês tudo de bom.

Seu cunhado que o estima

I. Matisis”

Nesta carta, I. Matisis escreve a sua irmã em ídiche sobre o mesmo assunto e

nos mesmos termos, mais resumidamente. Pela carta deduzimos que Matisis era um

soldado desmobilizado, e por outras fontes soubemos que havia sido um dos voluntários

judeus que partiram dos Estados Unidos para se alistar na famosa Legião Judaica que

combateu ao lado dos Aliados, durante a Primeira Guerra Mundial. Não é aqui o lugar para

esboçarmos um histórico da Legião Judaica e seu papel ao lado dos exércitos britânicos,

desde a sua formação em 1914.472

Porém, é importante assinalar que essa Legião era

constituída de três batalhões formados de voluntários da Inglaterra (38.º Batalhão), dos

Estados Unidos e do Canadá (39.º Batalhão) e da Palestina (40.º Batalhão), além de

voluntários de vários outros países que se engajaram em um ou outro desses batalhões. Eles

tiveram um papel significativo na libertação da Palestina do domínio turco, fazendo parte

do exército britânico que se encontrava na região, lutando bravamente até a conquista final

do território otomano. Com o início do Mandato Britânico na Palestina, os batalhões da

472

Sobre a Legião Judaica muitas obras foram escritas, entre as quais devemos lembrar a de Jabotinsky. V.,

The History of Jewish Legion; a do comandante Patterson, J.H., With the Zionists in Gallipoli; a de Gilmor,

E., War and Hope – a History of the Jewish Legion, e outras.

284

Legião Judaica permaneceram em nome das forças britânicas situadas naquela região, até

que os interesses políticos ingleses levaram a sua gradativa desmobilização, o que foi feito

em 1921, quando, por ocasião dos distúrbios árabes que eclodiram em Jaffa, o coronel

Margolin, comandante da Legião, interveio, sem para tanto obter permissão oficial, a fim

de impedir a matança de judeus que ali se viam ameaçados. Os ingleses aproveitaram-se do

fato e dissolveram a Legião Judaica, obedecendo a uma orientação já estabelecida

anteriormente pelo governo militar de Sua Majestade na Palestina. Com a desmobilização

dos soldados, o governo mandatário prometeu ajudar e facilitar o estabelecimento dos

mesmos em terras pertencentes a eles, mas nunca chegou a cumprir a promessa. Foi

somente quando os Congressos Sionistas estabeleceram uma linha de ação no sentido de

que a colonização dos desmobilizados foi possível, sobretudo quando o Fundo Nacional

Judaico (Keren Kayemet L’Israel) empenhou-se na compra de terras para realizar tal

objetivo.

Assim, em 1928 e 1929 o Keren Kayemet L’Israel comprou cerca de 8.000

acres de terra em Wadi Hawarit, situado na planície do Sharon, entre Hedera, ao norte, e

Natânia, ao sul, no Emek Hefer. Em 1932, foi fundada naquela região a colônia de

Avichail, por soldados desmobilizados da Legião Judaica, que receberam parcelas de terra

para cultivar.

Destarte, podemos compreender melhor o teor da carta de I. Matisis, que se

encontrava entre aqueles que haviam recebido uma pequena área de 14 dunames naquela

região do Wadi Hawarit. Contudo, ele se defrontava com dificuldades materiais para

adquirir os implementos agrícolas, bem como para dar início à construção das primeiras

instalações a fim de poder se instalar como agricultor naquele local. O pedido de ajuda ao

seu cunhado, o Rabino Jacob Braverman, decorria do fato de que Matisis se via na

iminência de perder sua pequena propriedade caso não a cultivasse e se dedicasse ao labor

agrícola, pois era essa a condição para a distribuição das terras, ou seja, para a colonização

da região. Conforme se depreende claramente da carta, Matisis dirigira-se anteriormente ao

cunhado expondo sua situação pessoal, porém, nesse ínterim, enquanto aguardava a

resposta ao seu pedido de ajuda, surgiu-lhe uma oportunidade para reforçar sua solicitação,

através da já mencionada carta do Rabino Kook, que ele tampouco esperava e que tanto o

surpreendeu e alegrou, pois não supunha haver qualquer conhecimento mútuo entre o

rabino da Palestina e o de São Paulo.

Ao lermos a carta de Matisis, chamou nossa atenção o uso de termos elogiosos

que o Rabino Kook emprega quando se refere ao Rabino Braverman, tais como “gadol ba-

Torá”, isto é, sábio no conhecimento da Torá, e isto, afirma Kook, ele depreendera da

Responsa (sheeilot u’Teshuvot) que ele manteve com o guia espiritual da comunidade de

São Paulo na década de 30.

Sabemos também que Matisis nasceu na cidade de Bar, na Podólia ucraniana,

em 1898. Em fins de 1913, emigrou aos Estados Unidos, país em que trabalhou em fábricas

e fazendas agrícolas. No final de 1917, apresentou-se como voluntário na Legião Judaica, e

ao se desmobilizar do Batalhão americano da Legião, dirigiu-se, já em 1920, a Gan

Schmuel para viver como chalutz (pioneiro) naquela colônia agrícola. Porém, não

permaneceu naquele lugar visto que os acontecimentos do país levaram-no a participar

como guarda em várias colônias e como trabalhador da estrada Tiberíades-Tzemach.

Contudo, devido a problemas de saúde, passou a trabalhar como funcionário do Serviço de

Assistência Médica (Kupat Cholim) da Histadrut, a Confederação de Sindicatos Obreiros.

Entretanto, não conseguiu permanecer por muito tempo nessa ocupação, apesar de ser

285

estimado por todos que entraram em contato com ele e o conheceram, pois seu sonho maior

era trabalhar a terra, viver no campo e tirar o seu sustento da agricultura. Daí a razão

porque ele se dirigiu a Avichail, colônia fundada pelos ex-soldados da Legião Judaica, onde

passou a viver com sua esposa, não obstante o seu delicado estado de saúde, que, com o

tempo, levou-o a se confinar em casa, ficando todo o encargo de levar avante a faina

agrícola sob a responsabilidade de sua esposa, Chaia. Para superar sua condição e sua

doença, Matisis começou a escrever crônicas, memórias, artigos e peças teatrais, publicados

pelos seus companheiros de Avichail.473

Além da mencionada carta, o Rabino Kook escreveu outras ao Rabino

Braverman, uma das quais encontra-se estampada no “Sefer Chelek Yaakov”.4747

Porém,

antes de finalizar, passaremos ao conteúdo da carta escrita pelo Rabino Kook ao Rabino

Braverman, escrita em um papel timbrado com dizeres em hebraico e “inglês”, na qual

consta o nome do Rabino-Mor de Eretz Israel, na cidade de Jerusalém, e cujo teor

traduzimos ao português:

“Dia 10 do mês de Shvat 5693

Ao honrado rabino, sábio conhecedor da Torá, etc., nosso Mestre, o

Rabino Jacob Braverman, que tenha longa e abençoada vida, Rabino

da comunidade de São Paulo, paz e bênção com muita estima.

Após desejar sua boa paz, eis que me vejo na obrigação sagrada de despertar

o coração de sua pessoa para requerer a sua bondade e ajudar, com sua influência, o

senhor Batri em favor de seu caro cunhado, o senhor Itzhaq Matisis, que atualmente reside

em Tel-Aviv. E ele está pronto a se estabelecer na organização (colônia) dos soldados

desmobilizados em Wadi Hawarit, aqui na Terra Santa. Conforme me foi informado por

pessoa digna de crédito, seu caro cunhado merece ser ajudado por Sua Eminência, e, com

sua influência junto a seus familiares que se encontram em sua comunidade. E isso também

é importante para a colonização de Eretz Israel e uma contribuição para o judaísmo por

parte da comunidade acima mencionada, que se renovará no futuro próximo com a ajuda

de Deus. E com isto, termino com bênçãos da Terra Santa, conforme os vossos e nossos

desejos.

desejando-lhe paz

Abraham Itzhaq Ha-Cohen Kook”

473

Escreveu alguns livros, entre os quais “Dramot” (Dramas) Avichail, 1950, e “Kasher” (Pureza ritual), Tel-

Aviv, s/ d. 474

Na p. 136, no Sefer Chelek Yaakov também encontramos um hesped (discurso fúnebre) por ocasião da

perda daquela luz que iluminou Israel durante muitos anos.

286

Quando nos detemos e meditamos sobre as palavras e o conteúdo da carta escrita pelo

Rabino Kook, notamos que ela é mais um claro testemunho documental da concepção

conhecida do famoso rabino quanto ao renascimento nacional judaico e à colonização na

Palestina; o texto é perfeitamente coerente com seu pensamento exposto ao longo de suas

obras. Sem pretendermos, nos limites deste artigo, estudar sua doutrina, basta que

examinemos sua atuação e um pouco de sua biografia para entendermos que a questão

abordada na carta tangia uma das cordas mais sensíveis de sua profissão de fé pessoal.

Nascido em 1865, na Letônia, de uma família de rabinos hassidim (da corrente

Pietista do século XVIII), e após ter recebido uma educação judaica tradicional, Kook

complementou seus estudos com literatura bíblica e hebraica, filosofia judaica e mística

(Cabala). Após exercer o rabinato em alguns lugares na região onde viveu, em 1904,

emigrou para a Palestina, onde passou a ser rabino em Jaffa. Sionista convicto, em que pese

a posição anti-religiosa sustentada por uma parcela desse movimento, esforçou-se em atrair

círculos de judeus religiosos e apoiar a causa do movimento nacionalista judeu. A partir de

1914, encontrava-se na Europa impossibilitado de voltar a Eretz Israel por causa da eclosão

da Primeira Guerra Mundial, estabelecendo-se em Londres, onde atuou em prol do

sionismo naquele país. Ao voltar à Palestina, com o término da guerra, foi designado

Rabino-Mor de Jerusalém, e, em 1921, e foi eleito o primeiro asquenazita a usar esse título

no país.

Para entendermos suas concepções, é necessário lembrar que ele foi aluno de

uma ieshivá (academia talmúdica) famosa pelas personalidades religiosas que atuaram

dentro dela e pelos discípulos que saíram da mesma, entre eles, os escritores M.J.

Berdyczewski e H. N. Bialik. Na ieshivá de Volozhin, na Lituânia, teve como mentores

espirituais sábios rabinos do porte do Rabino Naftali Zvi Yehuda Berlin (Ha-Natziv) e

Rabino Haiim Halevi Soloveitchik. É provável que tenha sido influenciado também pelo

rabino de Bausk, Mordechai Elisberg, conhecido pelo papel que desempenhou no

movimento Chovevei Tzion (Amantes de Sião) e que despertou o interesse pelo

renascimento nacional judaico.475

Já nesse tempo, o Rav Kook passou a escrever e publicar

sobre o nacionalismo judaico e sobre o papel de Eretz Israel como lugar onde o povo judeu

poderá desenvolver suas qualidades para cumprir sua missão espiritual. Durante o período

em que viveu em Jaffa, produziu boa parte de sua extensa obra espiritual, na qual expôs o

seu pensamento religioso-espiritual sobre o renascimento judaico. Além de sua obra

espiritual, desenvolveu uma atividade protetora e de aproximação da população de

agricultores e obreiros das colônias judias existentes então no território palestinense.

Ademais, nesse período ele assume posições haláchicas cujo teor interpretativo chocar-se-á

com o judaísmo ortodoxo, em vista das inovações decorrentes de sua filosofia religioso-

nacional e da realidade da colonização judaica. No tratado “Etz Hadar”, escrito em 1907,

ele procura promover a venda de “etroguim” (citro que se usa na festa de Sucot) às

comunidades da Diáspora; e em 1909 permite aos chalutzim, sob certas circunstâncias,

trabalhar a terra durante o ano sabático, defendendo seu ponto de vista contra os ataques

das autoridades rabínicas ortodoxas, num tratado sob o título de Shabat Ha-Aretz, onde

procura demonstrar que seus argumentos vêm de encontro aos interesses da reconstrução da

475

O movimento “Chovevei Tzion” foi, na verdade, uma das manifestações mais importantes do sionismo

pré-Herzeliano.

287

Terra Santa. Ademais, esforça-se em aproximar e influenciar os pioneiros colonizadores da

Palestina a se manter dentro da observância religiosa.

Com o objetivo de granjear apoio à causa da reconstrução nacional, toma

algumas atitudes em relação aos círculos ortodoxos, e, em 1914, viaja a Frankfurt-sobre-o-

Meno a fim de participar em uma Conferência do movimento Agudat Israel476

para obter o

apoio dos ortodoxos à sua causa.

Após a Declaração Balfour, em 1917, resolveu fundar uma organização com o

nome “Degel Yerushalaim” (Bandeira de Jerusalém) que tinha por finalidade procurar

introduzir os ideais religiosos judaicos e suas leis no movimento de renascimento nacional,

enfatizando os aspectos espirituais, pois via no retorno a Eretz Israel o início da redenção

divina (atchalta di gueulá). Ao fundar a sua ieshivá em 1924, em Jerusalém, mais tarde

conhecida como Merkaz Ha-Rav, ele se propôs não somente a educar através do programa

tradicional de estudos talmúdicos, mas também conjugá-lo com o estudo da Bíblia, visando

formar professores e líderes espirituais para as comunidades. O espírito que imprimiu à sua

ieshivá desde a sua fundação e que teve prosseguimento após sua morte, em 1935,

(sucedeu-o na direção da ieshivá, seu filho, o Rabino Zvi Yehuda Kook, que a lidera até

hoje), era de total identificação com o sionismo. Daí o porquê de muitos de seus discípulos,

egressos de sua ieshivá, terem participando de modo significativo no movimento religioso

chalutziano e desempenhado importantes funções como professores e educadores em Israel.

As posições do Rabino Kook caracterizam-se, acima de tudo, por uma visão

que foge aos estreitos limites do partidarismo e dos interesses particulares, mas se elevam

sobre eles e vislumbram o “clal Israel” (o povo de Israel). Assim podemos entender sua

atitude em relação ao partido religioso Mizrachi, ao qual estava vinculado, e os choques em

que muitas vezes se encontrou com a própria ortodoxia, que nem sempre conseguiu

entender suas concepções. Apesar de tudo, nunca se deixou intimidar por oposições e

demonstrou ao longo de sua vida uma coragem moral exemplar ao assumir determinadas

posições.477

É conhecida a sua crítica aberta à administração britânica na Palestina, bem

como sua franca acusação às autoridades colonialistas pela indiferença criminosa que

manifestaram durante os distúrbios árabes de 1929. Por ocasião da polêmica árabe-judaica

em relação ao Muro das Lamentações, ele saiu em público para proclamar incisivamente

que os judeus nunca fariam concessões ao sagrado direito que possuem sobre essa última

ruína de seu sagrado Templo.478

No fundo, sua atitude em relação aos problemas seculares

emana da visão de mundo filosófico-religiosa que sustentava e em coerência com sua idéia

de existência harmoniosa entre o sacro e o profano, entre o homem e o universo, que ocupa

um lugar importante em seu pensamento.

Em sua concepção, os pioneiros que reconstruíram Eretz Israel, mesmo não

sendo religiosos, representavam uma fonte de energia criadora e renovadora da nação, e,

476

Na época, o Agudat Israel não era sionista. 477

O caso mais patente foi sua atitude de inocentar os acusados pelo assassinato do líder trabalhista H.

Arlozorov, colocando-se em franca oposição a uma parte da comunidade judaica na Palestina. 478

V. a respeito da política mandatária na Palestina: Yosef, B., HaShilton HaBriti BeEretz Israel, (O Mandado

Britânico na Palestina) Mossad Bialik, 1948.

288

nesse sentido, esses “heréticos” estão destinados a cumprir uma missão sagrada, pois,

devido à situação na qual se encontra a humanidade, a heresia é imanente à fé.479

Portanto, compreendemos que o Kook, convicto e fiel à idéia de renovação do

judaísmo e à restauração de seu povo na Terra Santa, não poderia ficar insensível ao pedido

isolado de ajuda de um soldado desmobilizado, que queria ser colono na região de Wadi

Hawarit.

479

No magnífico artigo de Rivka Schatz-Oppenheimer, Utopia U’Meshichiut beTorat HaRav Kook, (Utopia e

messiânismo no pensamento do Rabino Kook) in Kivunim, n.º 1, nov., 1978, pp. 15-27, esse aspecto da

doutrina do Rav é estudado pela autora num contexto mais amplo de suas idéias.

289

34. A Imprensa Ídiche como fonte para o estudo da história dos judeus no Brasil

Apesar da imigração dos judeus ao Brasil ter se iniciado nos primórdios do

século XIX, a corrente imigratória de fala ídiche, vinda dos países da Europa Oriental,

passou efetivamente a estabelecer-se entre nós a partir da última década daquele século.

Somente com o gradativo aumento da imigração judaica, às vésperas e durante

a Primeira Guerra Mundial, é que fundar-se-á o primeiro órgão de imprensa em ídiche, o

periódico “Di Menscheit” (A Humanidade), e isso devido à iniciativa de um jornalista

argentino conhecido como Josef Halevi. Este viera da Argentina para estabelecer-se em

Porto Alegre, cuja comunidade em boa parte era formada por ex-colonos da Jewish

Colonization Association (J.C.A.) que tinha, em 1903, dado início a uma colonização

agrícola judaica no Rio Grande do Sul, formando-se o primeiro núcleo com o nome de

Philippson. Mas devido a dificuldades de toda ordem, parte de seus membros foram-na

abandonando e dirigindo-se aos centros urbanos tais como Santa Maria, Porto Alegre e

outros. Claro é que a maioria da população de israelitas que formavam Porto Alegre tinha

uma origem diversa à dos saídos das colônias da J.C.A., mas de todos os modos essa

população abrangia uma maioria que falava a Língua Ídiche. Isaac Raizman, em sua obra

“A Fertl Yorhundert Yiddische Presse in Brazil”480,

menciona como uma das causas para a

criação de um periódico em ídiche o interesse dos imigrantes sobre o que se passava com

seus irmãos e parentes durante aqueles anos da guerra que assolava o continente europeu, e

dos países de onde emigraram.

Josef Halevi atuou na Argentina em vários periódicos, até decidir-se a chegar

ao Brasil – quando costumava vir a pé – e em 1915 criar o “Di Menscheit”, de pouca

duração, até que em 1920, o mesmo culto e estranho personagem partiu para uma nova

tentativa jornalística, com o “Di Idische Tzukunft” (O Futuro Israelita), que teve vida tão

efêmera como o primeiro.481

480

Editada em Safed, 1968, constitui a primeira obra do gênero sobre a imprensa judaica no Brasil. Mas o

pioneiro da história da imprensa judaica no Brasil foi o poeta, jornalista e historiador Jacob Nachbin, em uma

série de artigos sobre o Brasil publicados no Di Tzukunft (O Futuro) em julho de 1930. 481

Sobre Josef Halevi, além do que encontramos na obra citada de Isaac Raizman, existem os relatos de Katz,

Pinie, Idische literatur in Argentine (Literatura judaica na Argentina), Buenos Aires, 1947, pp. 33-37 e do

mesmo autor Idische jurnalistik in Argentine (Jornalismo judaico na Argentina), Buenos Aires, 1946, p.188;

208. Raizman cita ainda a Baruch Schulman, que escreve em suas memórias sobre o encontro que teve com

Josef Halevi, em artigo publicado no Der Naie Moment (O Novo Momento), São Paulo, 17 de novembro de

1950. Outra fonte sobre Josef Halevi também mencionada por Raizman é Michael HaCohen Sinai, pioneiro

do jornalismo argentino, mas infelizmente não cita em que obra desse autor se encontra a referência.

Curiosamente encontramos dois anúncios no periódico “A Columna”, números de agosto e setembro de 1916

sobre um tal de Josef Halevi, professor de hebraico, além de uma nota da redação dizendo que o próximo

número publicaria um artigo que o mesmo enviara. Tudo indica que se trata do mesmo personagem, o nosso

fundador dos dois primeiros periódicos em ídiche no Brasil. O primeiro historiador a fazer alguma menção

sobre Josef Halevi foi Jacob Nachbin em artigo publicado no jornal Idische Volktzeitung (Gazeta Israelita),

em 21 de maio de 1929,e já o denominava fundador da imprensa judaica no Brasil, exatamente como foi

designado no Primeiro Congresso Sionista no Brasil, em 1922, quando se lhe fez uma homenagem.

290

Um periódico que firmou perante a comunidade israelita, e dessa vez, no Rio

de Janeiro, criado por Aron Kaufman,482

em 1923, o “Dos Idische Vochenblat” (O

Semanário Israelita). Nele encontramos, além dos redatores Jacob Nachbin e Josef Katz,

um grande número de colaboradores, de várias cidades e estados, que testavam seu talento

escrevendo contos, poemas e transmitindo impressões sobre a vida de suas comunidades

locais. O “Dos Idische Vochenblat” durou até 1927, e em suas páginas temos um retrato da

vida dos judeus no Brasil, seja do ponto de vista interno de suas instituições comunitárias

ou do seu relacionamento com a sociedade brasileira mais ampla.

Aron Kaufman, a partir de 1927, mudou o nome de seu periódico para

Brazilianer Idische Presse (Imprensa Israelita Brasileira) e a razão era o fato de o periódico

ser publicado, então, duas vezes por semana. Mas este também pouco durou, pois em

novembro de 1929 saía seu último número.483

Nesse ínterim, e como uma cisão provocada

por divergências de orientação no periódico acima mencionado, criava-se o Idische

Vokstzeitung (Jornal Popular Judaico), no mesmo ano de 1927, com elementos que

pertenceram à redação do anterior. O Idische Vokstzeitung ficou sob a direção redacional

de Eduardo Horowitz e de uma equipe representativa, sob o aspecto intelectual, que incluía

os nomes de Shabatai Karakuchansky, o escritor Menasche Halperin e Aaron Bergman.

Esse periódico representou um papel importante na vida dos judeus do Brasil, pois era um

noticiário e um órgão de expressão de todas as tendências e movimentos, até ser fechado

em 1940 pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Getúlio Vargas, que

proibiu toda e qualquer publicação em língua estrangeira.

É preciso observar que, além desses periódicos e jornais que não fugiam dos

padrões de todo noticiário, foram publicados jornais literários que serviram para o fim

específico de divulgar a obra poética ou literária de escritores locais, assim como a dos

clássicos da literatura ídiche e até mesmo traduções, a essa língua, excertos da literatura

brasileira e universal. O primeiro jornal desse tipo saiu com o nome de Di Neie Velt (O

Novo Mundo), e era publicado, a partir de 1927, pelo escritor Adolfo Kyschinevski, autor

da primeira obra literária em língua ídiche no Brasil, em 1932, com o título de Neie Heimen

(Novos Lares).

Tais empreendimentos era resultado de indivíduos que tinham certo respaldo de

pessoas de boa vontade ou de algumas organizações comunitárias que estimulavam

intelectuais em suas iniciativas culturais, mas que, infelizmente, não tinham continuidade.

O mesmo escritor, Adolfo Kyschinevski juntamente com Natan Ferman, deu à luz um novo

jornal, em fins de 1927, com o nome de Unzer Leben (Nossa Vida), que manteve a mesma

linha do anterior mas tampouco teve longa duração. Do mesmo tipo de periódico, ainda que

diferenciados por pertencerem a um agrupamento juvenil que tinha fins sociais e culturais

foram os jornais ou boletins de nome Kadima (Para frente) e Di Yugend (A Juventude) dos

quais poucos números saíram à luz entre os anos de 1927 e 1929.

Outro tipo de jornal que caracterizou a imprensa ídiche foi o boletim

“partidário”, que representava certas correntes de idéias vigentes em determinados grupos

482

Aron Kaufman não era jornalista de profissão, mas relojoeiro, o que não o impediu de desenvolver com

talento a função de diretor, e mais tarde a de redator, de um periódico que marcou época na história da

comunidade israelita do Brasil. 483

Um relato detalhado, e até agora inédito, sobre o jornal se encontra na autobiografia de Aron Kaufman

“Zichroines un Derzeilungen” (Memórias e Narrativas).

291

da comunidade israelita. Tais correntes de idéias eram importadas do continente europeu

através dos próprios imigrantes, que as adaptavam às novas circunstâncias e criavam muitas

vezes disputas e polêmicas entre os habitantes dos bairros onde se concentravam os recém-

chegados, ao lado dos moradores mais veteranos. Não faltavam a essas polêmicas o tom

provinciano dos ataques pessoais aos líderes e ativistas comunitários que representavam

uma ou outra tendência “política”, na maioria das vezes confusa e pouco definida. Os

jornais Der Onhoib (O Começo) e o Di Kraft (A Força) representaram esse tipo de

imprensa, na década de 20, ambos publicados no Rio de Janeiro, além do jornal Mir un Zei

(Nós e Eles) de um imigrante, Dr. Moisés Rabinovich, que se dizia ter uma posição

partidária definida como “de centro”. Ele publicou apenas um único número e encerrou

suas atividades em 1930. Porém, entre todos esses periódicos, o que realmente teve duração

de vários anos, desde junho de 1931 aos fins de 1940, foi o Idische Presse (Imprensa

Judaica), dirigido por Aaron Bergman e um grupo de simpatizantes do partido trabalhista

judaico (Poalei Zion), que reivindicava os direitos dos trabalhadores judeus na Europa.

Quando o país voltou a um regime constitucional e permitiu a publicação de periódicos em

língua estrangeira, o Idische Presse voltou a circular, reunindo ao seu redor a

intelectualidade, incluindo escritores e jornalistas que chegaram ao Brasil antes e após a

Segunda Guerra Mundial. Em São Paulo, a comunidade judia era mais acanhada do ponto

de vista intelectual, pois sua formação se dera bem posteriormente à do Rio de Janeiro. Daí

a imprensa ídiche surgir somente na década de 20, mais exatamente no ano de 1928, com o

jornal Idischer Gezelschaftlicher un Handels Biuletin (Boletim social e comercial judaico).

E, de fato, como o nome indica, esse periódico tinha como finalidade atender a anúncios

comerciais, assim como servir de noticiário à comunidade local. Seguiu-se a esse último

jornal, também em 1928, de pouca duração, o Di Idische Velt (O mundo Israelita), sob a

direção de Marcos Frankenthal, que foi também seu impressor, pois possuía uma tipografia

que atendia a fins comerciais. Ao mesmo tempo, nos fins de 1929 e inícios de 1930 dava-se

na Folha da Manhã a possibilidade de publicar uma folha em ídiche, assim como em outras

línguas, como anexo ao jornal, obtendo pouco sucesso, de modo que o noticiário em ídiche

terminou naquele mesmo ano de 1930. O já mencionado Marcos Frankenthal, em 1931,

fundou um novo periódico, o San Pauler Idische Tzeitung (Jornal Israelita de São Paulo), e

dessa vez com um corpo redacional mais amplo. Em 1933, o historiador da imprensa

judaica no Brasil, Isaac Raizman, foi convidado a ser redator desse jornal, após ter atuado

no campo jornalístico durante muitos anos no sul, em Porto Alegre, e também no Rio de

Janeiro. Trabalharam nesse periódico, entre outros, Nelson Vainer e o historiador Elias

Lipiner. O jornal existiu até o ano de 1941. Assim como no Rio de Janeiro, também em São

Paulo foram publicados boletins literários redigidos por intelectuais de alto nível e de

excelente domínio do ídiche, destacando-se entre eles o Ha-Schachar (A Aurora), redigido

por Michael Zaltzman, que tivera a iniciativa dessa publicação em 1931.

Mas esses periódicos também tinham clara tendência partidária, e refletiam as

correntes ideológicas existentes na comunidade. O Ha-Schachar não foi o único jornal

desse tipo em São Paulo, pois em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, saía à luz

o Di Tzeit (O Tempo), sob a direção de Edgar Barreira de Matos, que redigia a parte em

português, enquanto Menachem Kopelman se encarregava da redação em ídiche. O

mensário recebeu a colaboração de poetas e escritores locais, que se expressavam em

ídiche, e durou até o ano de 1941, quando encerrou as suas atividades, assim como ocorreu

com as demais publicações que não fossem em português.

292

A rigor, a história da imprensa ídiche deveria incluir também as publicações

particulares das sociedades israelitas de todo tipo, que tinham por finalidade informar seus

sócios ou membros das atividades e das programações peculiares a cada uma delas, além de

servir de órgão de expressão individual aos que tivessem pretensões literárias. A

importância dessas publicações está no fato de permitirem um conhecimento mais íntimo

da vida dessas instituições e seus objetivos sociais ou culturais, porém com as limitações

naturais próprias a tais entidades. Por outro lado, também devemos considerar a existência

de publicações de tiragem única em comemoração a certos eventos comunitários ou

culturais, em especial aquelas dedicadas aos aniversários de entidades tais como escolas,

clubes ou sociedade de beneficência, e que nos fornecem subsídios interessantes para uma

história contínua, em ídiche, dos israelitas em nosso país.

A imprensa em ídiche continuou existindo até hoje, ainda que reduzida a um

único jornal, o Idische Presse (Imprensa Israelita) após o fechamento do Der Neier Moment

(O Novo Momento) fundado em 1950, em São Paulo. A causa principal para essa redução é

o fato de o ídiche ter sido relegado a segundo plano como língua de expressão das novas

gerações e descendentes dos imigrantes da Europa Oriental. Já em 1916 começaram a

surgir jornais e revistas em língua portuguesa criados por judeus de origem sefaradita, que

não falavam ou conheciam o ídiche.484

A importância dessas publicações como fonte para a

história dos judeus no Brasil é extraordinária, e por isso mesmo merecem um estudo

particular de parte dos pesquisadores interessados na área, já que o nosso escopo imediato é

o estudo da imprensa ídiche apenas.

Antes de entrarmos na avaliação da imprensa ídiche como fonte e sua

utilização prática para fins de pesquisa devemos observar que até agora não existe um

arquivo que reúna todo esse material, mas ele se encontra disperso em arquivos de Israel,485

Estados Unidos486

e Argentina,487

afora as coleções particulares de interessados que

procuraram preservar tais fontes da ação destruidora do tempo, no que nem sempre tiveram

sucesso. Infelizmente, a própria comunidade israelita despertou muito tarde quanto à

formação de um arquivo histórico no Brasil para preservar essa documentação.

Somente nos últimos anos é que se deu a formação do Arquivo Histórico

Judaico Brasileiro, que começou a se preocupar com a questão, e que procura, atualmente,

salvar o que restou. À primeira vista nos parece que o jornal é o documento único que pode

elucidar um evento ou certos aspectos da história dos judeus no Brasil, pois as sociedades

ou entidades comunitárias não se preocuparam em preservar seus arquivos, por vezes

deliberadamente destruídos devido a razões de economia de espaço ou serem considerados

inúteis. A análise de um periódico permite distinguir as partes que o compõem,

preenchendo funções e atendendo objetivos que podem ser não apenas informativos mas

políticos, sociais, econômicos, educativos ou culturais. Daí a necessidade de sabermos,

antes de tudo, quais os propósitos mais amplos do periódico, as concepções que o definem

484

. O primeiro jornal israelita em português foi fundado pelo professor David José Perez e Álvaro de Castilho

com o nome de “A Columna”, e durou dois anos (1916-1917). 485

Biblioteca Nacional junto à Universidade Hebraica de Jerusalém. 486

Arquivo do YIWO (Idischer Wissenschaftlacher Institut)- Instituto Científico Judaico, em Nova York. 487

Arquivo do YIWO, em Buenos Aires. O arquivo existiu até o atentado perpetrado contra a AMIA, quando

foi soterrado seu acervo ao ruir o prédio onde se encontrava. Devemos observar ao leitor que deverá não

esquecer que o artigo foi escrito há muitos anos atrás.

293

e regem sua redação, que grupo ou grupos sociais ele representa, e mesmo qual é seu

sustento econômico-financeiro.

As chamadas seções, que nos periódicos mais representativos são permanentes,

servem de roteiro técnico para fins de pesquisa, pois lá encontramos “sistematizados” os

temas ou as questões que visamos elucidar ou estudar em nosso trabalho científico. Em

certos periódicos cada entidade ou instituição comunitária tinha o seu canto fixo para

publicar relatórios, informes sobre suas programações, etc.

Os jornais eram sensíveis às questões que preocupavam a comunidade e a

opinião pública, apresentando em suas páginas os debates e as polêmicas que eclodiam em

cada lugar e em cada época.

Certos jornais davam espaço à informação não apenas local, mas de todas as

comunidades judias do Brasil, de norte a sul, e assim podemos acompanhar a história

particular das mesmas e o desenvolvimento de suas instituições, em informes que

indicavam seus começos até o presente.

Um aspecto pouco focalizado, mas não menos importante para o historiador, é

o anúncio comercial de um periódico, que nos fornece os elementos para uma história

econômica da comunidade retratando as etapas e profissões desse desenvolvimento. Mesmo

para as biografias de certas personalidades podemos encontrar dados interessantes, pois

suas páginas anunciam desde formaturas de profissionais até o estabelecimento de um

escritório ou consultório em seu nome, bem como sua participação em diretorias de

associações ou em eventos comunitários. E quando se trata de uma personalidade

conhecida, até os membros de sua família, seus aniversários, casamentos ou falecimentos

são noticiados.

Para finalizar, devemos, mais uma vez, lembrar que os periódicos em ídiche

refletiram com fidelidade a vida comunitária dos israelitas no Brasil, e através de seu

estudo adquirimos uma massa preciosa de informações para todo tipo de pesquisa.

294

35. Jacob Schneider e a comunidade judaica no Brasil

As “Memórias de Jacob Schneider”, além de dados colhidos junto aos filhos, permitiram

traçar o esboço da biografia do grande ativista nascido na Bessarábia e que imigrou ao

Brasil em 1903, aos 16 anos. Seu relato dos primeiros tempos no novo país, bem como da

então incipiente comunidade judaica, que começava a se organizar, constitui material de

interesse geral.

Jacob Schneider, chamado certa vez de “pai da comunidade”, e cuja biografia ainda está

por ser escrita, teve papel importante na formação da atual comunidade judio-brasileira. As

fontes para o estudo e o conhecimento de sua imensa atuação na formação do movimento

sionista no Brasil, bem como na criação das primeiras instituições comunitárias,

encontram-se dispersas pelos quatro cantos do imenso território nacional, se bem que, nos

últimos anos, tentamos reunir em nosso arquivo pessoal os testemunhos documentais que

permitissem traçar um perfil histórico de sua participação nos eventos mais significativos

da imigração judaica, a partir do início de século XX. No entanto, devemos assinalar que

alguns textos ajudaram decisivamente em nosso trabalho, a começar pelas próprias

“Memórias” de Jacob Schneider, já lembrado em outros artigos sobre a história dos judeus

no Brasil488(1)

. Além das “Memórias” merece ser lembrada a tentativa feita por Henrique

Iussim (Zvi Yatom) de organizar no seu “Léxico”489(2)

uma biografia do dedicado ativista,

que nunca chegou a ser publicada, mas cujo texto tivemos a possibilidade de adquirir,

juntamente com o arquivo pessoal de Jacob Schneider, que nos foi cedido por seus filhos,

Tziona Fucks e Eliezer Schneider. Graças ao material contido nesse arquivo é que pudemos

alinhavar certos fatos e juntar os elos que permitem esboçar sua biografia.

Jacob Schneider nasceu em abril de 1887, na aldeia de Barlidan, Bessarábia.

Seus pais, Moshe e Tzipora, eram muito pobres, mas abençoados com cinco filhos, dois

meninos e três meninas. Em suas “Memórias”, ele relata que o lar era verdadeiramente

judaico, seguindo os costumes e as tradições típicas do judaísmo da Europa Oriental.

Freqüentou o heder (escola de iniciação ao estudo da Bíblia hebraica) e, após o bar-

mitzva, passou a trabalhar, procurando ajudar no sustento da família. Impressionado pelas

dificuldades de subsistência ao seu redor, diria ele que “não somente meus pais eram

pobres, mas ao nosso redor toda a aldeia vivia na pobreza (...). Isto me levou a pensar

seriamente, ainda na minha juventude, em emigrar para a América”.

Sua atividade comercial começou ainda no lugar onde nascera, e assim ele o

narra: “Quando ainda estudava no heder, comecei a economizar dinheiro, e, de, copeque

em copeque que caía em minhas mãos, consegui juntar, ao terminar o heder, quinze rublos,

sendo esse o meu primeiro capital, com o qual comecei a fazer negócios, correndo tudo

bem. Sendo ainda jovem, plantava tâmaras, girassóis e melancias. Fazia plantações por

conta própria, bem como trabalhava para outros. Assim foi que, aos quinze anos, eu já era o

“rico da aldeia”, possuindo cerca de 200 rublos”.

Conforme seu relato pessoal, os pogroms do ano de 1903 influíram em muito o

seu ânimo. Naquele mesmo ano chegaram à cidade de Sokoron três judeus que haviam

residido no Brasil cerca de quatro anos, trazendo consigo consideráveis economias, o que o

488

489

295

levou a decidir-se pela imigração àquele país. Pitoresca e ao mesmo tempo elucidativa é a

narrativa, inédita até agora, de Jacob Schneider sobre sua vinda ao Brasil, a qual

reproduzimos na íntegra, por se tratar de um dos poucos depoimentos que temos de um

imigrante sobre a comunidade judaica nos primeiros anos de nosso século:

“Ao ouvir o que narravam, resolvi vir para o Brasil tentar a sorte. Sabia que no

Brasil, numa pequena cidade de nome Franca, morava um parente, Isaac Tabacow490(3)

, e

isso reforçou mais ainda a resolução de emigrar ao Brasil. Mas não foi fácil conseguir

realizar tal intento. Mamãe não concordou que seu querido caçula Yankale abandonasse o

lar tão cedo. Ela gostava muito de mim e não consentiu em me deixar viajar, ainda que

argumentasse que iria somente por quatro anos, com o objetivo de livrar a família da

pobreza. Apesar de seus rogos e constante choro, continuei obstinado e dei minha palavra

de que não me casaria no Brasil; porém, não consegui convencê-la. Cheguei a ficar doente,

mas, por fim, decidi viajar sem que minha mãe se despedisse de mim.

Um dos três judeus que tinham vindo do Brasil me esclareceu como chegar ao

meu destino e também à cidade de Franca. Meu irmão acompanhou-me até a fronteira, onde

iniciei a viagem, até chegar a Viena. Isso ocorreu em 1903, quando eu tinha 16 anos. Era

religioso, e como tal me comportei durante minha longa viagem, o que me causou grandes

dificuldades devido à comida, que não era casher. Ao mesmo tempo, eu era um rapaz de

aldeia maravilhado com os progressos do mundo ocidental. O gramofone pareceu-me o

maior dos milagres do mundo, além das outras coisas que observara e que, para mim, se

apresentavam como um milagre dos milagres. Em Viena, encontrei um grupo de imigrantes

que se dirigiam para a América, e com eles fui até Hamburgo, onde fiquei hospedado na

Casa dos Imigrantes, até o embarque do navio com destino a Santos, o que não foi nada

fácil. Em Hamburgo, venderam-me uma passagem para o navio Mendoza, que ia

diretamente à Argentina, sem fazer escala em Santos”.

IMPRESSÕES EM ALTO MAR

“Finalmente, chegou o dia em que embarquei no navio de nome ‘Argentina’, em

companhia de três alemães e um italiano, passando a ocupar uma cabina com seis camas.

Esfomeado – havia emagrecido muito, devido à permanência na Casa dos Imigrantes –,

gulosamente me empanturrei com pão, manteiga e café. E, durante os 31 dias de minha

viagem de navio, minha alimentação consistia de arenque, batata, cebola, manteiga, pão e

café. Quando o navio alcançou o alto-mar e começou a balançar, permaneci deitado por ter

ficado doente. Só então despertou em mim uma enorme saudade de casa, dos meus pais e,

principalmente, das sextas-feiras à noite. Lembrei-me de como costumava ir com meu pai à

sinagoga, cantava Lechu neranena (prece sabática), chegando em casa e dando a minha

mãe um alegre guit shabes (bom Sábado). A mesa sabática, tão iluminada e tão linda, com

as velas brilhando festivamente nos altos castiçais, e todos nós cantando enlevados o

Shalom aleichem, (a paz esteja convosco) rezando o kidush sobre o vinho. Os petiscos

sabáticos de minha mãe eram deliciosos, e cantando docemente as melodias sabáticas que

(...) aqui, no meio do grande e agitado mar, o meu coração se contraiu e tive vontade de

chorar!

490

296

“O mal-estar marinho agiu tão fortemente sobre mim que cheguei a pensar que

nunca veria o Brasil, imaginando que morreria e jogariam meu corpo ao mar. Assim fiquei

deitado, dia após dia, até que o navio atracou na cidade do Porto, em Portugal. Quando o

navio parou, já estava curado, e assim compreendi que minha doença era devido à viagem

do mar, o que me deixou mais aliviado. Tanto nessa cidade quanto em Lisboa embarcaram

muitos emigrantes portugueses, tornando-se a viagem mais animada, apesar de ainda sentir

saudades de casa. O italiano que embarcou comigo em Hamburgo e eu tornamo-nos

amigos, e ele até me deu a devida orientação quanto à maneira de viajar de Santos a Franca.

De Santos fui de trem e cheguei ao meu destino: Franca.

Em Campinas, encontrei a primeira comunidade judaica com a qual tive contato

no Brasil, pois meu amigo havia me falado sobre um estabelecimento comercial naquela

cidade, pertencente a um ‘russo’, de nome José Koifman. Entendi que o tal ‘russo’ bem

poderia ser judeu, e o procurei, conforme a orientação dada. A loja estava fechada, mas sua

moradia ficava junto ao estabelecimento e na janela se encontrava um casal. Com minhas

poucas palavras em português, perguntei: ‘Sr. e sra. Koifman?’. Recebendo a resposta em

ídiche, revivi. Sim, eram judeus, os primeiros que encontrei no Brasil. Indagaram de onde

vinha e para onde ia, e quando respondi que ia a Franca, à casa de Isaac Tabacow, ficaram

muito animados. Ficou evidente, durante a conversação, que tinham parentes em Sokoron, e

eram muito amigos de nossa família, e quando iam a Barlidan hospedavam-se em nossa

casa, sendo eles mesmos também amigos de nossa família. Pela manhã, Sholem Zisse, esse

era seu nome em ídiche, levou-me à estação ferroviária, explicando-me que Franca era o

ponto final da estrada de ferro, e assim prossegui, então convicto de que não era o único

judeu no Brasil.

No trem, pensei muito no que estava me aguardando e como a família Tabacow

me receberia. Eu não os conhecia e tampouco eles a mim. Na carta que lhes enviei de

Barlidan não pedi nenhuma resposta, pois temia que me mandassem ficar em casa. Mas, ao

mesmo tempo, supunha que Isaac e sua esposa Golda deviam ser pessoas boas e generosas,

pois costumavam enviar somas razoáveis de dinheiro para seus pais, irmãos e irmãs, ainda

vivendo na Rússia. De Hamburgo, havia escrito mais uma vez aos Tabacow, mas, com a

confusão da troca de navios, não tinha certeza se minha carta chegara a tempo, e tanto era

verdade que ninguém me aguardava na estação. Cheguei à noite e comecei a descer pela rua

principal da cidade, indagando às pessoas que passavam, com meu português vacilante,

‘aonde mora Isaac Tabacow?’ A resposta não a entendia, mas pelo gesto das mãos, podia

seguir adiante, até que, por fim, avistei a loja com o letreiro ‘Isaac Tabacow’. Ela ainda se

encontrava aberta e, ao chegar mais perto, ouvi que conversavam em ídiche. Logo entrei,

cumprimentando com guit uvent, ou seja ‘boa noite’. Na loja, pelo que me pareceu, estavam

sentados a esposa de Isaac, Golda, e seus dois irmãos, Leib, o mais velho, e Francisco, o

mais novo. Todos me receberam amigavelmente, o que muito me animou. Isaac não se

encontrava, pois tinha ido a São Paulo, a negócios.

Após essa calorosa recepção, me senti feliz. Ficamos até tarde da noite

transmitindo e recebendo lembranças da família, dos pais de Golda, dos irmãos e irmãs de

Isaac, ao mesmo tempo que conversávamos sobre outros assuntos da velha pátria e do novo

país. Indo dormir, no mesmo quarto do jovem Chico, tive uma surpresa: ele já se

encontrava há vários anos no país, mas os negócios não iam bem. Havia tentado a sorte na

América do Norte, mas voltara, e se encontrava trabalhando como empregado na loja de

Isaac. Contou-me que havia sabido através de um vizinho, também comerciante, que Isaac

aguardava a vinda de um jovem parente, e, dependendo de sua habilidade, lhe abriria uma

297

loja em sociedade com o Chico. Ouvindo tal coisa, adormeci feliz. Assim foi a primeira

noite em Franca. Acordei no dia seguinte, numa manhã ensolarada, sentindo-me

esperançoso e feliz. Entrei na loja e comecei a trabalhar, queria ser útil e aprender o

máximo. Por isso mesmo, alguns dias depois, quando Isaac voltou de São Paulo, sua esposa

contara que eu era um rapaz esforçado, inteligente e dedicado. Ele também testou minha

capacidade em aritmética e fui aprovado. Assim, em curto espaço de tempo, já trabalhava

em sociedade com Chico Tabacow, em nossa própria loja para a qual Isaac Tabacow

fornecia as mercadorias. A loja, que no começo enfrentava dificuldades, passou a melhorar

mais tarde. Depois de seis meses de vida no Brasil, enviei meus primeiros 50 rublos a meus

pais, o que constituiu para mim uma imensa alegria.”

NEGÓCIOS PROSPERAM

“Ainda nos primeiros dias, até estabelecer minha independência, enfrentava um

grande problema: continuava religioso e não querendo fazer as refeições num restaurante.

Porém, Golda Tabacow, ao verificar meu dilema, ofereceu-me comida em sua casa, pelo

que me senti muito grato.

Naquela época, viviam em Franca seis famílias judias e quatro rapazes

solteiros, sendo que todos eles receberam a primeira ajuda de Isaac Tabacow. Com o passar

do tempo, apareceram mais três famílias e três solteiros, de modo que a comunidade

formou-se com 16 homens, preenchendo desse modo, também o minian para as rezas.

Antes da formação dessa comunidade, alguns dentre os poucos judeus costumavam passar

os Iamim Noraim (Rosh Hashaná e Iom Kipur) em São Paulo, em casa de Maurício Klabin.

Também em São Paulo vivia, naquele tempo, um número reduzido de famílias judias e

alguns solteiros. Em algumas outras cidades do Estado de São Paulo, havia pequeno

número de judeus, e em outros Estados não tínhamos notícia da existência de judeus

europeus (...).

Até o fim do ano de 1909 chegaram parentes e conhecidos, e também grande

número de argentinos. À São Paulo veio da Argentina um judeu polonês e abriu uma loja

de quadros, que vendia a prestações, dando bom lucro, de modo que alguns judeus aderiram

ao mesmo ramo de negócios. Isaac Tabacow abriu em São Paulo uma loja idêntica, e, com

o tempo, ampliou-a, colocando também móveis, surgindo assim um comércio tipicamente

judaico no Brasil, do qual participaram muitos.

Por dois anos trabalhei com o sócio em Franca, mas depois continuei sozinho.

Os negócios iam muito bem, tornei-me bastante conhecido na cidade e também tinha bom

relacionamento com a mocidade cristã. Todo esse tempo enviei dinheiro à minha casa, para

que meu pai não tivesse necessidade de trabalhar. Em cinco anos fiquei rico, ou seja,

possuía 10 mil rublos, soma que sempre desejei alcançar, a fim de poder voltar à

Bessarábia. Porém, nesse ínterim, apareceu um sobrinho, filho de minha irmã mais velha,

que me criou um problema complicado e, de fato, não podia abandoná-lo. Abri uma loja

para ele, que não deu certo, e procurando ajudá-lo no sustento, abri uma loja de quadros no

Rio de Janeiro, para ele e mais um jovem, como seu sócio. Nesse meio tempo, resolvi

também mudar de Franca. Liquidei meus negócios em 15 de novembro de 1909 e segui

para o Rio de Janeiro. Encontrei a loja do sobrinho em péssima situação comercial e

precisei trabalhar sozinho, com muito afinco. Assim, a loja foi melhorando, pois me

empenhei com muito ardor e dedicação ao negócio.

298

Em 1909, vivia no Rio um judeu da Galitzia, Pressel era seu nome, com seus

três genros, e um judeu polonês chamado Hano Lent. Outros judeus asquenazitas não havia

e, para formar um minian para rezar, precisávamos completar com judeus marroquinos.

Alguns meses depois, vieram quatro jovens do Estado de São Paulo, Schloime e Moische

Bordman, Scholem Hoineff e Jerônimo Koifman. Assim foi que a comunidade asquenazita

aumentou. Naquele tempo, já havia no Rio um minian de judeus marroquinos, na rua São

Pedro, onde rezavam todos os sábados. E, durante alguns anos, existiu um minian de judeus

franceses, sendo que o pai de Herbert Moses era seu presidente. Mas, em 1909, dessa

comunidade restou somente o Sefer Torá, que ficou em poder do filho caçula de Moses.

Também viviam naquele tempo no Rio de Janeiro outros judeus 491(4)

.

Os negócios continuavam indo bem, mas a promessa de voltar à terra natal ia sendo

adiada. Abri outra loja na rua Senador Euzébio, 117, planejando ficar no Rio até 1910.

Minha mãe insistia nas cartas para que voltasse logo, pois sentia a velhice chegar e ainda

queria tornar a ver-me. Respondi que até o final daquele ano eu regressaria e lhe

proporcionaria alegrias pelos grandes sofrimentos que meu afastamento lhe provocara.

Mas, para minha imensa tristeza e profunda dor, ela não chegou a ler essa carta, pois meu

irmão, pouco tempo após, acabou me informado sobre sua morte. Um resfriado forte a

levaria rapidamente, no espaço de três dias. No Rio, podia rezar o Kadish somente aos

sábados, juntamente com os judeus marroquinos, e desse modo resolvi liquidar meus

negócios, ainda que corressem muito bem, e voltar para casa, o que levou um mês. Em 15

de agosto de 1910 deixei o Brasil.

VOLTA PARA CASA

“Logo no primeiro sábado de minha volta a Barlidan, ao me chamarem à Torá,

doei uma sinagoga às aldeias de Barlidan, Riznitze e Polode, pois eram umas próximas das

outras. A sinagoga foi construída rapidamente e levava o nome de minha mãe.

Característico é o fato da construção da sinagoga doada. Até aquela época, os judeus dessas

três aldeias rezavam na sala da casa de um judeu de nome Daniel. Este precisava casar a

filha caçula, pois não possuía meios, e devido a isso resolveu comprar essa casa com a

finalidade de transformá-la em sinagoga. Mas não concordei, pois não queria que a

sinagoga doada com o nome de minha mãe levasse alguém a ficar sem teto, de modo que

me escusei a participar como sócio nesse empreendimento. Devolvi o dinheiro arrecadado

pela comunidade para a compra da casa e adquiri do próprio Daniel uma parte do terreno,

onde então, ela foi construída. Assim, Daniel continuou com sua casa e a memória de

minha mãe não foi profanada. Tinha, nesse tempo, 23 anos. Após o ano de Kadish, resolvi

voltar ao Brasil, mas papai, meu irmão e minha irmã insistiram muito para que não o

fizesse, e assim continuei em Barlidan. Novamente tentei trabalhar na minha antiga

ocupação, alugando terras, plantando girassóis, mas não tive sorte. Mais tarde, comprei

uma grande casa em Mohilev-Podolski, que acabou rendendo bom aluguel. Grandes somas

de dinheiro distribuí a meu pai e a toda minha família, e também comecei a pensar

seriamente em meu futuro.

Em julho de 1912 chegou a Sokoron Abraham Kauffmann, de Santos, para

visitar os parentes e também a negócios. Ele estava informado de que navios iam de

491

299

Brutzki, saindo de Odessa, com destino à América Latina, aproveitando, assim, a

possibilidade de fazer exportação de mercadorias da Rússia e outros países europeus ao

Brasil. Ele propôs que entrasse de sócio, após ter tratado com um italiano muito rico para

que entrasse com uma enorme soma de dinheiro no negócio. Viajei a Odessa a fim de

verificar os detalhes relativos à saída dos navios e aderi à sociedade. Vendi a casa em

Mohilev, com a qual ganhei 3 mil rublos, e passamos a comprar várias mercadorias na

Rússia, França e Itália, carregando tudo para o navio. Voltei sozinho para o Brasil, com a

esperança de receber os grandes lucros que os navios nos proporcionariam. Para resumir,

do grande lucro resultou um grande prejuízo. Ao navio não foi permitido sair de Gênova, e

a mercadoria foi transferida para uma agência italiana, e até ela chegar ao Rio levou mais

de um ano. Também a documentação relativa a ela demorou a chegar, e quando afinal tudo

foi liberado, a maior parte estava estragada, e com o que sobrou não compensava pagar as

despesas de armazenamento, de modo que perdi tudo o que economizara. Nessa segunda

vez de minha vinda ao Brasil, me restavam 6 contos de réis. Com esse dinheiro, comprei,

novamente, minha antiga loja na Senador Euzébio e a denominei ‘Casa Sion’. Isso

aconteceu em fins de 1912.

Por ocasião de minha volta à Bessarábia, após o falecimento de minha mãe,

houve um verdadeiro entusiasmo nas circunvizinhas cidades de Sokoron, Yedinetz,

Britchon e outras, pois se dizia que economizara dezenas de milhares de rublos e todos

pensavam como um rapaz de 16 anos conseguira amealhar tanto dinheiro no Brasil. Grupos

de pessoas vinham ver-me, a fim de se informar sobre esse ‘maravilhoso país’ de nome

Brasil, procurando saber como se poderia viajar até lá, pedindo endereços a quem deveriam

se dirigir no local. Contei tudo o que sabia sobre o país e suas possibilidades. Dei-lhes os

endereços e muitos decidiram-se a viajar. Assim é que minha pessoa provocou larga

imigração de bessarabianos ao Brasil. Além do mais, naquele tempo, a entrada no país era

livre, isto é, até o ano de 1923, não se exigindo nem sequer a apresentação de passaporte.

Em agosto de 1912, ao voltar ao Brasil, a comunidade judaica se constituía,

aproximadamente, de 50 pessoas no Rio de Janeiro e um número idêntico em São Paulo. A

maioria desses judeus era constituída daqueles que haviam obtido informações sobre o

Brasil, ainda em Sokoron. Também encontrei uma pequena sinagoga na rua São Pedro,

onde costumávamos rezar aos sábados. Essa pequena sinagoga tinha o nome de Centro da

Comunidade Israelita do Rio de Janeiro, e seu presidente era um judeu polonês, Hano Lent.

Após os feriados judaicos, fui escolhido como secretário da mesma”.

Apesar de tudo, sabemos que desde o fim do século XIX vinham imigrantes

isolados da Europa Oriental, que desembarcavam no Brasil, por vezes não

intencionalmente, quando a caminho da Argentina e outros lugares. A comunidade

sefaradita já se encontrava estabelecida, e narra-se um fato de que em 1901, em Iom Kipur,

a mesma “emprestou” um dos seus membros para completar o minian dos asquenazitas. Na

verdade, o Centro Israelita do Rio de Janeiro (esse era o nome da entidade) foi fundado a 1º

de outubro de 1910, com a dominação hebraica de Merkaz Israel, contando com a

participação de judeus asquenazitas, incluindo-se entre eles alguns de origem francesa, que

constituíram significativa corrente imigratória no século anterior, mas que chegava ao

ocaso sob o aspecto comunitário. Seus estatutos foram publicados em 1911, em francês e

português, contendo a última página da publicação uma prece: Le Schlom há Mediná, pela

paz do país, em hebraico, e com respectiva tradução em português. Os fundadores do

Centro foram Simon Drenger, Samuel Leiman e Isaac Abrament. A primeira Torá foi

ofertada por Herbert Moses e era oriunda de uma associação de judeus da Alsácia-Lorena,

300

que havia se dissolvido, fato já lembrado anteriormente no relato de Jacob Schneider. Hano

Lent era seu presidente, e seu nome, bem como o de membros de sua família, aparece

várias vezes mencionado no periódico “A Columna”. Tudo indica que foi um dos primeiros

judeus a chegar ao Rio de Janeiro, no início do século XX ou talvez ainda no final do

século anterior.

AJUDA RECÍPROCA

“Naquele tempo”, narra Schneider, “começaram a chegar judeus da Polônia e a

comunidade começou a crescer. Entre esses novos imigrantes havia também pessoas que

não tinham ninguém no Brasil, e desde o primeiro dia que chegavam, necessitavam de

auxílio. Assim, precisávamos coletar diariamente pequenas somas para ajudá-los, o que se

tornava muito complicado. Em um belo dia, os judeus do Rio resolveram convocar uma

Assembléia Geral para fundar a primeira instituição judaica de auxílio ao imigrante, com o

nome de Achiezer. Isso ocorreu no mês de novembro de 1912. Fui eleito seu presidente;

Leo Wofsy, vice-presidente; Sinai Feingold, secretário; e alguns vogais, entre eles, Benzion

Snitkovsky, Fischel Grinberg, Boris Tcharni, Boris Tendler e outros.” Devemos observar,

que de acordo a Introdução do Léxico dos Ativistas Sociais e Culturais no Rio de Janeiro ,

aparecem também os nomes também de Tuli Lerner e José Lerner. “Todos os presentes

nessa reunião tornaram-se sócios, com a mensalidade de três mil réis. Eu não era apenas o

presidente, mas também o tesoureiro e cobrador das referidas mensalidades. Para recebê-

las, as fichas eram divididas entre nós, e fazíamos a cobrança durante a noite, porque

durante o dia essa gente estava trabalhando na rua e voltava aos seus quartos somente para

dormir. Sempre tinha em mãos grande quantidade de fichas e costumava visitar casa por

casa, e não raras vezes, chegava a acordá-los para a cobrança, mas, para minha sorte, alguns

moravam em grupos de quatro ou cinco pessoas.”

“A ‘Achiezer’ foi a primeira organização de beneficência judaica no Brasil e muito

ajudou os novos imigrantes a superar suas primeiras dificuldades econômicas, logo após

desembarcarem em um país tão grande e que lhes parecia ser tão estranho. Quando o

dinheiro das mensalidades não era o suficiente, a Achiezer fazia campanhas entre os mais

ricos, e se assim mesmo não fosse suficiente, organizavam-se espetáculos teatrais, sob

direção de Isaac Méier Bronstein, que descanse em paz! Essa ‘troupe’ tinha um objetivo

duplo: a) evitar que a comunidade freqüentasse o teatro das ‘mulheres alegres’; b) reforçar

o fundo monetário da Achiezer. Esses dois objetivos foram alcançados e ao mesmo tempo

foram descobertos excelentes talentos, que davam imensa satisfação à comunidade. Desse

modo, a Achiezer, além da atividade financeira, desenvolveu também atividade cultural e

social. Com o passar do tempo, fundou-se uma biblioteca, que constituiu a atual Scholem

Aleichem. Alguns meses após a fundação da Achiezer e da biblioteca, foi criada em São

Paulo uma biblioteca sob a presidência de Abraham Kauffman.”492

“Nossas atividades, seja no campo social ou no cultural, se intensificaram. Eu assistia

obrigatoriamente a todas as apresentações da ‘trupe’ dramática, para evitar que os artistas

492

Abraham Kauffman fundou a Biblioteca Israelita de São Paulo, em 1913, pouco após a criação da primeira

instituição judaica asquenazita na capital paulista com o nome de Comunidade Israelita de São Paulo ou

Kehilat Israel, com a seguinte diretoria: presidente Idal Tabacow, vice-presidente Abraham Kauffman,

secretário Jacob Nebel, vice-secretário Isaac Tabacow, tesoureiro Bernardo Nebel, vice-tesoureiro Israel

Ticker, fiscais Hugo Lichtenstein, Miguel Lafer e José Nadelman. Foi comprada uma casa na rua da Graça,

26, esquina da rua Correia dos Santos, na qual se instalou a sinagoga.

301

brigassem, e era necessário cuidar com zelo para que o trabalho seguisse seu ritmo normal e

em harmonia. Mais tarde, passamos a comemorar as festividades judaicas, a organizar

bailes, noites literárias e outros eventos, tudo isso numa excelente atmosfera judaica”.

Jacob Schneider passou a exercer verdadeira liderança na pequena

comunidade judaica, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, e além de sua participação

na formação da sociedade Achiezer, ele daria o primeiro passo na fundação da Tiferet

Sion, que constituiu a primeira entidade sionista no Brasil. Foi em sua loja, Casa Sion,

que, em março de 1913, reuniram-se cerca de 15 jovens, sob iniciativa de pessoas cujos

nomes são lembrados nas “Memórias”, em uma narrativa curta sobre o acontecimento,

que já lembramos em outro artigo sobre a história do sionismo no Brasil e que passamos

a transcrever:

“(...) Apareceram em minha loja três jovens indagando se eu era judeu e

também sionista, pois viram a placa de fora da loja com o nome da firma, ‘Casa Sion’.

Um dos três jovens era Rabinovich, jovem sionista de Viena, o outro Margalith,

recentemente chegado ao Brasil e mais tarde residente em Belo Horizonte, e o terceiro

era o representante comercial de Rabinovich no Rio. Diante de minha afirmativa – e

como prova estava ali o nome de minha loja – , Rabinovich propôs reunir os jovens, que

por ventura julgássemos ser sionistas e simpatizantes, a fim de fundar uma organização

no Rio. Naquela mesma noite, convidei à minha casa 15 jovens, e após a explanação de

Rabinovich, resolvemos fundar a primeira organização sionista no Brasil, a qual

denominamos ‘Tiferet Sion’. Propuseram-me que eu fosse seu primeiro presidente;

porém, não aceitei, devido ao meu trabalho intensivo na Achiezer. Desse modo, o

presidente designado foi Sinai Feingold; Nachum Roitberg, secretário; Jacob Schneider,

tesoureiro; Benzion Snitkovski, Boris Tendler, Samuel Galper, Boris Tcharni, e outros,

vogais. De imediato, entramos em contato com a Organização Sionista Mundial, em

Londres, e começamos a coletar fundos para o Fundo Nacional Judaico”.

A Tiferet Sion desempenharia um papel importante no desenvolvimento do

sionismo no Brasil, e por ela passaram boa parte dos primeiros ativistas do movimento,

conforme já demonstramos em outro lugar.493

AMOR À PRIMEIRA VISTA

.

Em 1914, após a deflagração da Primeira Guerra Mundial, chegariam ao Brasil

o irmão mais velho de Jacob Schneider, Marcos (Mordechai), e sua irmã Leike. Isaac

Tabacow, nessa ocasião, já morava, juntamente com a família, em São Paulo. Jacob

Schneider, ainda solteiro, resolvera, juntamente com um amigo, Salomão Burdman,

viajar a negócios para a América do Norte, mas também passar pela Inglaterra, Eretz

Israel e mesmo Sokoron, a fim de encontrarem moças com as quais pudessem casar, o

que era usual na época. Porém, antes da planejada viagem, ele foi a São Paulo para se

despedir de sua irmã, dos bons amigos e da família de Isaac Tabacow. Durante os dias

em que se encontrava na casa de Tabacow, veio visitá-lo a viúva de um amigo, Eliezer

Constantino, que havia estado nos Estados Unidos e resolvera fixar residência no Brasil.

Eliezer Constantino falecera repentinamente, ainda antes de completar 50 anos, deixando

493

O primeiro presidente foi Sinai Feingold, seguindo-se a ele Max Fineberg, que, por sua vez, foi sucedido

por Júlio Stolzenberg. Este último ao mudar-se para Curitiba , ainda em 1916, foi novamente sucedido por

Sinai Feingold.

302

esposa e dois filhos, na época, um menino de 5 anos, o conhecido e futuro advogado

Marcos Constantino, e sua irmã, Cyla, que despertou no jovem Jacob Schneider um

amor à primeira vista. O noivado não tardaria a ser estabelecido, logo em seguida, e em

28 de julho de 1914, Jacob Schneider, juntamente com Salomão Burdman, embarcariam

em direção aos Estados Unidos, não sem antes terem sido homenageados com banquetes

oferecidos pela Achiezer e Tiferet Sion. A Primeira Guerra Mundial os surpreenderia

durante a viagem, que passou a ser verdadeira aventura pelo perigo que os espreitava,

pois podiam ser interceptados por navios inimigos. Ao voltar de sua curta viagem aos

Estados Unidos, Jacob Schneider traria sua futura esposa ao Rio, juntamente com sua

família, e se casaria em 15 de janeiro de 1915.

Naqueles anos da Primeira Guerra Mundial, em 1916, foi formado no Brasil

um Comitê de Socorro às Vítimas da Guerra, seguindo o modelo da associação Joint,

criada dois anos antes, nos Estados Unidos. Jacob Schneider se antecipara numa

primeira campanha pessoal de coleta de fundos com esse fim, conseguindo reunir, em

poucos dias, 1.600 réis, os quais remeteu ao Joint. Com a formação do Comitê, ele

impôs que parte do dinheiro arrecadado fosse também destinado às vítimas da guerra na

região de Eretz Israel, e mesmo com vozes discordantes, conseguiu impor seu ponto de

vista, organizando a primeira demonstração pública sionista no Rio de Janeiro, com a

participação dos membros da Tiferet Sion, crianças que carregavam bandeirinhas e

pessoas que aderiram ao ato público, conforme nos noticia o jornal “A Columna”.

O Comitê Brasileiro de Socorro aos Israelitas Vítimas da Guerra formar-se-ia

em fevereiro de 1916, com a seguinte composição: presidente, Max Fineberg; secretário, B.

Snitkovsky; correspondente, Sinai Feingold; tesoureiro, J. T. Lerner. Como membros do

Conselho figuravam Michel Duchowni e Fischel Choen (pela sinagoga Beit Yacov),494

D.

Feldman e J. Spector (pela Organização dos Sekuroner); J. Critz e S. Westel (pelos

Varsovianos); A Schneider e Ch. Morgenstern (pelos Libkoner); A. Gurfinkel e H.

Yampolsky (pelos Mohilever); B. Snitkovsky e S. Feingold. (pelos Yednitzer). O Comitê

reunir-se-ia à rua Senador Euzébio, 35, na residência de J. T. Lerner, tesoureiro da entidade.

Apesar de tudo, devemos considerar que, mesmo antes da constituição do Comitê,

campanhas individuais ou não-oficiais se fizeram, em dezembro de 1915/ janeiro de 1916,

por ocasião da transferência de um Sefer Torá para a sinagoga Beit-Yacov, e em fevereiro

do mesmo ano. Dia 26 de março de 1916 foi celebrado o Jewish Flag Day, que teve a renda

fantástica de 5 contos e 580 mil réis. Receberam destaque especial, devido à sua dedicação

pessoal para o bom sucesso desse dia, as senhoras Mittelman e Markenzon, e senhoritas

Aisen, Guerschenzon e Ester Lent.495

O nome de Jacob Schneider apareceria em várias das

campanhas efetuadas em prol do Comitê, conforme notícias publicadas no periódico “A

Columna”, tais como a da relação dos donativos recolhidos em reunião da Associação

Sekuron, na sinagoga Beit-Yacov, ou ainda no dia 14 de maio de 1916, quando se realizou

494

A sinagoga Beit Yaacov foi fundada em 1916 e seus estatutos foram regularizados a 15 de junho de 1916.

As finalidades da associação visavam: a) fundar e manter uma sinagoga; b) prestar auxílio moral e religioso a

todos os associados. A primeira diretoria e sócios fundadores foram: Salomão Izaksohn, presidente; Boris

Kuschnir, vice-presidente; Boris goldenberg, tesoureiro; Fischel Schsschnik, 1. Secretário; Joseph Spector, 2.

Secretário; Lipa Schechter, Joseph Fichman, Samuel Gerschensohn, Joseph Schoichet, David Handelmann e

Miguel Duchowni. Vide “A Columna”, 1 de setembro de 1916. 495

Filha de Hano Lent, contrairia matrimônio com Maurício Fineberg. V. “A Columna”, 28 de setembro de

1916.

303

a celebração do El maleh rachamin, em memória dos que morreram durante aqueles anos

na Primeira Guerra Mundial. Na mesma ocasião, foi feita uma contribuição ao Fundo

Nacional Judaico.496

Após a coleta, ainda foi feito um leilão de objetos e jóias oferecidos

por várias pessoas, onde também aparece o nome de Jacob Schneider. O Comitê de Socorro

aos Israelitas Vítimas da Guerra, que tinha sua central em São Paulo no Rio de Janeiro,

estimulou a formação de Comitês em São Paulo, Bahia, Pernambuco, Curitiba497

e outros

lugares, onde as doações muitas vezes se faziam em nome pessoal, assim como em nome

de comunidades locais, incluindo-se as mais distantes, do Sul ao Norte extremos do país. O

evento a que nos referimos mais acima ocorreu em 21 de maio de 1916 e faz parte do início

do movimento sionista no Brasil, sendo descrito no “A Columna” nos seguintes termos:

“Mais de 70 crianças israelitas em formatura partiram da praça Onze de junho, em demanda

dos automóveis que as guardavam um pouco abaixo, perto da avenida do Mangue. As

bandeiras nacional e sionista, desfraldadas ao sopro de suave brisa, abriam o préstito. Às

duas horas da tarde, entravam na Quinta (da Boa Vista) e, pouco a pouco, foram chegando

carros e automóveis, conduzindo famílias e cavalheiros, até ser bem numerosa a

concorrência, que tornou animadíssima a festa. Às quatro horas, pouco mais ou menos,

principiou a execução do programa. Os meninos cantaram o hino à bandeira, e em seguida,

o hino sionista, em hebraico. Tiveram a palavra David J. Perez, que falou em português,

senhor Rotberg, secretário da Tiferet Sion, em hebraico, e senhor Schneider, em ídiche.

Seguiu-se o leilão, cujo resultado vem abaixo descrito. Seu produto é destinado a socorrer

os judeus que, na Palestina, ficaram sem recursos, em vista da situação anormal criada pela

guerra”.498

A atividade de Jacob Schneider no sentido de criar uma comunidade

organizada e em moldes mais avançados, além das tarefas imediatas no setor de

beneficência, levou-o a participar de uma idéia que surgiu na segunda metade de 1915, a da

criação de uma Comunidade Israelita. Em reunião de 13 de fevereiro de 1916 realizada no

Centro Israelita do Rio de Janeiro foi resolvido que a comunidade deveria “levantar um

templo com três partes para os devidos ritos (supomos o sefaradita, o centro-europeu e o

asquenazita da Europa Oriental), um cemitério para cujo fim já existe a devida licença, um

registro geral de todos os israelitas do Rio de Janeiro e tudo o mais que possa servir aos

interesses da religião”. Constituiu-se para esse fim um Comitê provisório com Alfredo E.

Kohn, Joseph Kompinski, David J. Perez, Teodor Badmann, Barros Tendler, Álvaro de

Castilho, Maurício Tangir e Jacob Schneider. Após esse encontro marcou-se uma nova

reunião do Comitê para 27 de fevereiro, “convocando-se todos os correligionários para

assisti-la e ser votada a diretoria definitiva”. Além de Jacob Schneider e os nomes

apontados acima estiveram presentes naquele encontro Isidoro E. Kohn, Salomão

496

“A Columna”, 2 de junho de 1916. 497

Nos números de 4 de maio e 1 de junho de 1917 do periódico “A Columna” lemos que “o Comitê Pró-

Israelitas Vítimas da Guerra de Curitiba não poupa esforços para angariar meios, a fim de socorrer nossos

irmãos de além-mar, assolados pela guerra. Há poucos dias, alguns amigos ofereceram ao Comitê os seguintes

objetos: um relógio de ouro, um alfinete de ouro com brilhantes, uma medalha de ouro, um anel de ouro e

uma cigarreira de prata. Para que se tornasse o mais rendoso possível, o Comitê resolveu fazer uma rifa de mil

bilhetes a 1$000, em cinco prêmios, sorteados pela Loteria de 28 de abril. Ao que soubemos todos esses

bilhetes foram vendidos. O Comitê paranaense é composto dos distintos correligionários: Max Rosenmann,

Bernardo Schulman, Samuel Friedman, Max goldstein, Moisés Goldenberg, Moisés Retchulsky e Bernardo

Rosenmann. 498

“A Columna”, 7 de julho de 1916.

304

Gorenstein e Samuel Galper.499

Parece-nos que a idéia de comunidade (kehilá) não

vingaria, pois não temos outras notícias de sua formação e tão pouco de sua continuidade.

Sabemos, sim, que em 1924 ela ressurgiria com um ímpeto bem maior devido à iniciativa

de Isaías Raffalovich, e também com a participação de Isidoro E. Kohn, mas novamente

para cair no esquecimento após provocar uma celeuma e uma forte oposição de parte de

grupos e instituições comunitárias.500

PROPULSOR DA BENEFICÊNCIA

Era Jacob Schneider a mola-mestra para a atividade de apoio à população

judaica na Palestina, e em todas as ocasiões seu entusiasmo contaminava os demais, como

podemos verificar num relato de “A Columna”, onde lemos: “Certamente, há de ser

agradável aos sionistas relembrar o dia 12 de junho, em que se celebrou o segundo

aniversário do interessante Israel, filho de Júlio Stolzenberg, mui digno presidente da

Associação Tiferet Sion. Acorreram à sua residência muitos amigos para felicitá-lo, e

dentre os que brindaram ao aniversariante notamos o professor Schvarz, Isaac Rotberg,

Max Fineberg, J. Schneider e Linetsky. Seguiu-se uma festa recreativa, em que se cantaram

várias canções nacionalistas, e foram recitados depois, por Adolfo Klang, vários

monólogos, para o que se apresentou caracterizado à feição. J. Schneider mostrou como, a

par de bom cantor, é conhecedor das danças russas. Esse mesmo Sr. J. Schneider, antes de

terminar a festa, fez ver aos presentes que no meio da alegria e felicidade não devemos

esquecer os nossos irmãos que sofrem a ação da guerra. Procedeu-se imediatamente a uma

coleta, que rendeu 82 mil réis para o Fundo de Socorro da Palestina, e 41 mil réis, entregues

ao Comitê Pró-vítimas. E terminou a festa ao som da Hatikvá e com votos de felicidades ao

menino Israel e a seus estimados pais”.501

Durante o ano de 1917, o Comitê de Socorro aos Israelitas Vítimas da Guerra

continuaria sua atividade, congregando ao seu redor os ativistas e as entidades

comunitárias, entre elas, as sionistas, que viam assim uma forma de ajudar os judeus em

Eretz Israel, que estavam sendo perseguidos atrozmente por Djemal Pachá e os Jovens

Turcos. No dia 13 de maio desse mesmo ano, realizou-se grande manifestação pública, com

o fito de angariar fundos, e novamente na Quinta da Boa Vista. Falaram na ocasião Álvaro

de Castilho e David J. Perez, e o jornal do Rio “Gazeta de Notícias” publicou uma nota

completa sobre o acontecimento, destacando que foram arrecadados cerca de dois contos de

réis, entre donativos, vendas de bandeirinhas, leilão de prendas e outros oferecimentos. Na

comissão organizadora, figura em primeiro plano Jacob Schneider, além de Sinai Feingold,

Samuel Hoinef, Tuli Lerner e Samuel Linetzky.502

O nome de Jacob Schneider está ligado também a um evento que teve grande

repercussão no judaísmo brasileiro, no ano de 1917, merecendo nossa atenção em artigo

publicado em outro lugar, sob o título “O 1º Congresso Israelita no Brasil”. Por iniciativa

de Jacob Schneider, Júlio Lerner, Max Fineberg, Sinai Feingold, e outros, reuniu-se em 14

de julho de 1917, na Biblioteca Scholem Aleichem do Rio de Janeiro, uma Assembléia,

com a finalidade de “levar a efeito uma grande manifestação de solidariedade nacional com

499

A documentação no Arquivo de David J. Perez aborda a questão em mais detalhes. 500

V. Falbel, N., Jacob Nachbin, Nobel, São Paulo, 1985, pp.78-82. 501

“A Columna”, 7 de julho de 1916. 502

“A Columna”, 6 de julho de 1917.

305

os seus irmãos de raça, que ora se agitam em todo o mundo em prol da reconstituição

definitiva e firme de sua histórica pátria judaica, no território da Palestina”. Na ocasião,

David Perez, diretor de “A Columna”, encontrava-se enfermo e foi substituído por Álvaro

de Castilho, que fez um discurso programático, sugerindo a formação do 1º Congresso

Israelita no Brasil. Foi eleito, na ocasião, um Comitê Organizador, sob a presidência de

Isidoro Kohn, composto de um vice-presidente, Samuel Galper; 1º secretário, Ambrósio M.

Ezagui; 2º secretário, Benjamin Snitkovsky; tesoureiro, Lázaro Duek; vice-tesoureiro,

Marcos Nigri; membros do Conselho Fiscal, Moisés Mussafir, Marcos Fineberg, Jacob

Schneider, e Sinai Feingold.

De todos os lugares houve manifestações de apoio à iniciativa, e em Curitiba

chegou-se a organizar um Comitê local, composto de nomes representativos daquela

comunidade, tais como Max Rosenmann, Bernardo (Baruch) Schulman e Júlio

Stolzenberg.503

Também a Imprensa brasileira comentou amplamente o fato, e o “Jornal do

Comércio do Rio de Janeiro”, em seu número de 20 de outubro, anunciava que “os

israelitas aqui domiciliados pretendem realizar brevemente, nesta cidade, um congresso

nacionalista, a que deverão concorrer todos os delegados dos diversos núcleos judaicos

disseminados pelo nosso país (...). Esse Congresso, que se deve realizar no próximo mês,

tem por fim tomar conhecimento das diversas resoluções que presentemente foram

discutidas pelo Comitê Central do Sionismo (o correto seria da Organização Sionista).

Como a guerra atual tem determinado grande movimento de concessões liberais para o

judaísmo em diversos países da Europa, os comitês regionais estão se reunindo para traçar,

em definitivo, a conduta dos israelitas no mundo inteiro”.504

O jornal “A Epocha”, da cidade de Serpa (Itacoatiara), no Amazonas,

reproduziria essa notícia com um intróito entusiasta: “Como é sabido, desde há muito se

aventa a grandiosa idéia do Sionismo (...)”.505

Portanto, o eco na Imprensa brasileira sobre

o evento se fazia ouvir de Norte a Sul. Devemos entender que o Congresso Israelita no

Brasil, além de congregar os judeus, visava fins políticos claros e estava intimamente

ligado à situação do nacionalismo judaico às vésperas da Declaração Balfour. E, de fato,

em nota sobre o Comitê Organizador do 1o Congresso Judaico no Brasil, publicada na “A

Columna”, onde se mencionam “as declarações de solidariedade de muitas localidades dos

Estados do Pará e Amazonas, assim como Pernambuco e Ceará”, se informa que “deixamos

de publicar as resoluções tomadas em relação ao Congresso, assim como a orientação a ser-

lhe dada e indicações para sua constituição porque seu principal objetivo, que era pedir o

apoio do Governo da República para nossas aspirações nacionalistas, votando pela

restauração da Palestina no Congresso da Paz, já foi conseguido desde que os Srs. Drs.

Gonçalves Maia e Maurício Lacerda, deputados, vão propor à Câmara uma moção de

solidariedade ao Programa de Wilson, relativo à Palestina. Também pelo mesmo motivo,

não tornamos pública a correspondência vinda do interior da República, e que não foi

pequena, onde há a mais expansiva manifestação de solidariedade aos nossos objetivos”.506

Em suas “Memórias”, Jacob Schneider confirma que idéia do Congresso

passava a ser secundária no momento em que, na tribuna da Câmara, se ouviram vozes a

favor da criação de um Estado Judeu na Palestina e levantando a questão do anti-semitismo

503

“A Columna”, set., out., nov. e dez. de 1917. 504

“A Columna” ,3 de agosto de 1917. 505

“A Columna”, set.; out.; nov. e dez. de 1917. 506

Idem, ibidem.

306

que grassava na Rússia e na Romênia. Para tanto, foi designada uma comissão, constituída

de Jacob Schneider, Eduardo Horowitz e David J. Perez, que se encontraram efetivamente

com Maurício Lacerda e lhe entregaram o material concernente às questões a serem levadas

ao público brasileiro. Lacerda o fez com brilho, assim como faria pouco tempo após, por

ocasião da Declaração Balfour, que também solicitou a atenção e participação dos judeus

no Brasil.

Em 11 de novembro de 1917, a Tiferet Sion, no Rio de Janeiro, receberia um

telegrama assinado por Weizman e Sokolow, comunicando aos sionistas do Brasil o teor da

Declaração Balfour e solicitando que se enviassem os agradecimentos ao rei inglês, ao

mesmo tempo que se promovesse uma visita ao embaixador da Inglaterra no Brasil,

transmitindo-lhe os sentimentos de gratidão do povo judeu pelo acontecimento histórico.

Uma comissão formada por Jacob Schneider, Isidoro Kohn e David Perez incumbiu-se da

visita programada, levando o memorando com assinaturas de 15 instituições, onde se lia,

em suas palavras finais, que “V.Ex. se dignará de transmitir à Sua Majestade Britânica e ao

seu Governo as expressões deste nosso agradecimento (...).507

Em outubro de 1917, o comandante das forças britânicas no Egito, que lutavam

contra os turcos, o famoso general Edmund Allenby, encetava ofensiva na Palestina e em

poucas semanas dominava a região de Jaffa e Jerusalém, entrando na cidade a pé, sob os

aplausos da população judaica, que o via como libertador. Mas a transferência de parte de

suas tropas à França, na primavera de 1918, levou a que seu avanço fosse interrompido.

Somente em setembro de 1918, com a vinda de reforços da Índia e do Iraque e com a

participação da Legião Judaica, que se havia formado durante esse período, renovou sua

ofensiva, e com a vitória de Megido, passou a perseguir os turcos, que batiam em retirada,

chegando a capturar Damasco e Alepo, tornando-se, posteriormente, governador militar da

Palestina.

A vitória das forças britânicas na Palestina, a captura de Jerusalém e a

Declaração Balfour levaram a que o judaísmo mundial sentisse a aproximação do

ressurgimento de Sion, e foi sob o título de “Ressurgimento da Judéia” que o jornal “A

Rua”, no Rio de Janeiro, publicou entrevista reproduzida pelo “A Columna”, feita com

David J. Perez, seu diretor, onde se lê: “A vitória alcançada pelas armas inglesas no Oriente

fez correr um frêmito de entusiasmo, não só por todo o mundo cristão, como também pelas

populações judaicas esparsas pela Terra. Não viram indiferentemente esse feito militar os

israelitas que há tanto tempo vêm trabalhando aqui pelo velho sonho de uma pátria

livre”.508

E em agradecimento à visita da comissão formada por David Perez e Jacob

Schneider (Isidoro Kohn não pôde participar da mesma) para levar mensagem assinada

pelas 15 organizações judaicas do Brasil, o embaixador britânico no Rio de Janeiro, Arthur

Peel, escrevia a David Perez, em 1º. de abril de 1918, uma carta, onde se lia: “Sir, with

reference to the interview which I had with you and Mr. Jacob Schneider, in December last,

at which you conveyed to me an address of congratulation from the Jewish Community in

Brazil on the capture of Jerusalem by the British Forces, I have received the instructions of

His Britannic Majesty’s Principal Secretary of State for Foreign Affairs to inform the

signatories o this address that it has been duly laid before His Majesty, King George V, and

507

Idem, ibidem. 508

“A Columna”, ser., out., nov. e dez. de 1917.

307

the His Majesty desires me to convey an expression of His thanks for their message. I am,

Sir, your obedient Servant, Arthur Peel”.509

VOLUNTÁRIOS JUDEUS

A luta militar no território da Palestina, que estava associada à esperança de

realização do ideal sionista da criação de um Estado judeu naquela região, levou a que se

juntassem ao Exército britânico e à Legião Judaica voluntários judeus vindos de vários

lugares e países do mundo. Também da Argentina se apresentaram jovens, que, ao

passarem pelo porto do Rio de Janeiro na manhã de 9 de outubro de 1918, foram recebidos

com uma manifestação pública organizada pela comunidade judaica local, constituindo-se

num momento importante na história do judaísmo brasileiro. Em 10 de outubro daquele

ano, a “Gazeta de Notícias” informava sobre uma “bela festa da colônia israelita, em

homenagem aos seus compatriotas que seguem para a guerra” e que tinham chegado no

vapor “Demerara”, num total de 52 voluntários que iam se incorporar aos Exércitos aliados,

ora em luta pela causa da civilização e do Direito.

A manifestação foi organizada pela Associação Sionista Tiferet Sion, “que, à

tarde, pôs à disposição dos seus compatriotas diversos automóveis, improvisando assim

uma bela passeata pelo centro da cidade, à frente da qual ia um auto conduzindo uma

comissão de senhoras empunhando as bandeiras das nações aliadas. À noite, na sede da

associação, após a passeata, houve uma solenidade, tendo o Dr. David J. Perez, em

castelhano, saudado, em nome dos israelitas daqui, os voluntários patrícios, rememorando

fatos históricos de dois mil anos atrás, ocasião em que esse povo heróico deixara gravada

em letras de ouro toda a pujança de sua virilidade. Terminando, disse que o governo da

Grã-Bretanha, pela boca de seu representante aqui, mandava saudar os voluntários

israelitas”.

Ainda naquela ocasião, relata a “Gazeta de Notícias”, falaram o reservista do

Exército brasileiro, Gustavo Adolpho Bulle, do 52º batalhão de Caçadores, que fez uma

alocução cheia de entusiasmo e patriotismo; o Sr. Aron Attia, o Sr. Tavares Elias, em nome

da imprensa, e o voluntário Dr. M. Menchas, comandante do corpo de voluntários. Após a

cerimônia pública, o cortejo dirigiu-se para a rua General Câmara, 335, sede da Sociedade

Israelita Síria, onde os manifestantes, sempre aos vivas, se dissolveram. A “Gazeta de

Notícias” ilustra esse acontecimento marcante na vida da comunidade judaica do Rio de

Janeiro com fotografias da manifestação e dos voluntários.

No livro de memórias de um participante da Legião Judaica, publicado em

1938 em Montevideu com o título “Zichroines fun Idichen Legion” (Memórias da Legião

Judaica), de M. Krel, lemos a descrição da chegada do grupo de voluntários argentinos ao

porto do Rio de Janeiro: “Chegando ao Rio de Janeiro ficamos entusiasmados ao

encontrarmos uma orquestra e muitos judeus que vieram nos recepcionar. Levaram-nos em

automóveis, e em parada militar desfilamos pela bela avenida. A nossa apresentação em

uniforme e a parada causaram uma forte impressão, e o Brasil naquela ocasião havia

declarado guerra à Alemanha. O ódio a ela era grande, e a população local lotou as

calçadas, dizendo um ao outro: esses são soldados do exército judeu que vêm de todos os

cantos do mundo para conquistar a Palestina. A população brasileira se mostrou muito

509

No arquivo de David J. Perez encontram-se os textos da Mensagem , datada de 11 de dezembro de 1917,

bem como a resposta de Sir Arthur Peel. Na “ A Columna” encontra-se o texto em português.

308

amigável para conosco, e as pessoas se viam honradas em nos homenagear com bebidas,

levando-nos a visitar os belos lugares daquela cidade maravilhosa. A população judaica

rejubilava de alegria e sentia-se orgulhosa. Tratava-nos como algo precioso, e no tempo em

que intelectuais do mundo discutiam se nos éramos um povo ou não, passeávamos pelas

ruas brasileiras como uma parte do exército judeu. Nossa partida da Argentina e do Brasil

foi triunfal, trouxe orgulho à população judaica e prestou ao sionismo, com certeza, um

serviço valioso”.

Portanto, a passagem dos voluntários argentinos adicionaria muito ao

entusiasmo nacionalista entre os judeus brasileiros, que sentiam a transcendência dos

acontecimentos naquele fim da Primeira Grande Guerra Mundial. Esse entusiasmo foi

crescendo desde que Sokolow e Weizmann remeteram o mencionado telegrama de

novembro de 1917, relativo à Declaração Balfour. A expressão desse nacionalismo que

despertava entre os membros da comunidade se revela através de dois documentos, que se

encontram no arquivo de David J. Perez, sendo o primeiro uma carta da Associação Tiferet

Sion, dirigida ao respeitado professor, e onde se relatava a realização, em 27 de novembro,

“devido aos telegramas ultimamente recebidos dos chefes sionistas de Londres”, que foi

eleito um comitê “Pró-Palestina” de nove pessoas, “para atenderem ao trabalho nacional

que é necessário neste momento. Esse comitê foi encarregado de convidar a representação

das sociedades israelitas, assim como outras de sua confiança”, e convocava David Perez

para assistir a um próximo encontro, que deveria se realizar em 2 de janeiro de 1918, na

Biblioteca Scholem Aleichem. Na ata manuscrita da reunião do dia 27 de novembro, na

qual se resolvia enviar a mensagem de solidariedade a sua Majestade Britânica,

mencionada acima, agradecia-se ao Governo inglês e “declara solicitar que determinem a

realização de seus ideais – o Estado Judeu na Palestina”. De outro lado, mais uma vez, a

voz de Maurício Lacerda se levantaria para marcar o evento, propondo na Câmara e no

Senado que se saudasse a Inglaterra pela vitória de Allenby e pela Declaração Balfour.

Jacob Schneider diria, em suas “Memórias”, que “isso, para os judeus brasileiros, foi um

grande triunfo político”, acrescentando que muito se comentou na imprensa judaica

argentina, criticando-se os dirigentes locais, “que não estavam à altura, ainda que fosse bem

maior, do que a comunidade judaica brasileira.”

Tiferet Sion, que era o núcleo mais ativo do movimento sionista no Brasil,

aproveitou para mandar mensagens aos ministros e representantes da Itália, Inglaterra,

França e Estados Unidos, bem como ao ministro das Relações Exteriores do Brasil, pela

vitória dos Aliados, cujo texto dizia: “A Sociedade Sionista ‘Tiferet Sion’, interpretando os

sentimentos dos Israelitas do Brasil, envia a Vossa Excelência a expressão sincera do seu

júbilo pela vitória dos Aliados, à qual a política de V. Ex. associou os destinos desta grande

República, pátria benfazeja de inúmeros Israelitas, os quais confiam ainda que a

continuação dessa política lhes ampare a sua secular aspiração nesta aurora da liberdade

dos povos”.510

O término da Primeira Guerra Mundial anunciava novas esperanças à

concretização dos ideais nacionalistas judaicos, em muito estimulada pela negra miséria e

as terríveis vivências das populações judaicas espalhadas nas aldeias da Europa Oriental e

no extenso território do Império Czarista, que ruía fragorosamente durante aqueles anos de

batalhas sem fim.

O comportamento do Exército russo, se assim podemos denominar as hordas

indisciplinadas e brutais de cossacos que o compunham, que atacava impiedosamente a

510

Arquivo David J. Perez.

309

população judaica das aldeias e cidades por onde passavam, foi descrito em um texto

clássico pelo escritor Anski, que, naquela ocasião, testemunhou o anti-semitismo virulento

e cruel de oficiais e soldados, como médico de campanha que recebera licença para auxiliar

a diminuir o sofrimento e a dor daquela gente.511

O grande número de refugiados exigira

um esforço, por parte das organizações judaicas de todo o mundo, em dar assistência

àqueles que tinham perdido tudo e não sabiam como reconstruir suas vidas. Ao mesmo

tempo, o movimento sionista concentrava sua atividade na obtenção de seu objetivo

máximo, que era a formação de Estado Judeu, ou como a Declaração Balfour havia

formulado: um Lar Nacional Judaico para os milhões de judeus que tinham perdido seu lar

durante os anos de guerra.

CONFERÊNCIA EM SAN REMO

Em abril de 1920, resolveu o Conselho Supremo da Conferência de Paz de

Paris dos Países Aliados, que se reuniu em San Remo, outorgar à Grã-Bretanha o Mandato

da Palestina. Conforme essa resolução, o Conselho redigiu os termos do acordo de paz com

a Turquia, que passou a ser denominado, posteriormente, de Acordo de Sèvres, e que, no

seu item 95, incluía o texto da Declaração Balfour sobre a criação de um Lar Nacional

Judaico na Palestina.512

Naquele tempo, telegramas pedindo o apoio da Inglaterra para o

estabelecimento do Lar Nacional Judaico chegavam de todos os lugares, e os Governos do

Canadá e da África do Sul se dirigiram oficialmente ao governo inglês com esse objetivo.

Na ocasião, personalidades centrais do movimento sionista foram a San Remo,

para apresentar o ponto de vista sionista, e entre eles se encontravam Sir Herbert Samuel,

Zvi Peretz Chajes e Angelo Levi-Bianchini. Apesar das dificuldades e objeções,

principalmente dos delegados franceses presentes à Conferência, finalmente foram

aprovadas as decisões pró-sionistas.

Também o Brasil esteve representado na Conferência de Paz, com uma delegação chefiada

pelo senador Epitácio Pessoa. Jacob Schneider, em suas “Memórias”, lembra que “nós,

sionistas, decidimos procurá-lo para entregar-lhe um Memorando513

e pedir-lhe que

defendesse os interesses judaicos, e principalmente, que se concretizasse a Declaração

Balfour. Por telefone, pedi a Maurício Klabin, de São Paulo, bom sionista e pessoa

altamente conceituada no Brasil, que se incorporasse à nossa comissão na visita ao senador.

Ele atendeu ao convite, vindo no dia seguinte ao Rio e juntando-se a mim, ao Dr. Perez e

Horowitz (Eduardo). O senador prometeu que, na oportunidade, atenderia ao nosso pedido,

em nome da comunidade judaica, e cumpriu sua palavra. Dias após dia, acompanhávamos

as notícias dos jornais sobre o transcorrer da Conferência em San Remo, e com muita

satisfação e alegria recebemos a notícia sobre a outorga da administração da Palestina às

mãos inglesas. Nós, judeus do Brasil, sentimo-nos satisfeitos em cumprir nosso dever e

511

“Der yidischer churben fun Poilen ,Galitzie un Bukovine, fun tog-buch 1914-17” (A destruição do

judaismo da Polônia, Galitzia e Bukovina), Varsóvia, 1921. O volume faz parte dos “Geklibene Schriftn” de

Anski, e constitui um dos documentos mais significativos sobre a tragédia judaica , durante os anos da guerra

na Europa Oriental. 512

Sobre a Conferência de San Remo e as resoluções relativas à Palestina , veja-se o livro de autoria de

Bernard (Dov) Yosef, “Há-Shilton há-Briti be-Eretz Israel” (O domínio britânico na Palestina), Jerusalém,

1948. 513

O texto desse Memorando encontra-se no Arquivo David J. Perez.

310

fizemos o possível para ativar a representação política brasileira nas negociações da arena

política internacional, em favor de nosso povo e da causa sionista”.

Mas, apesar do otimismo de Jacob Schneider quanto à participação do Brasil na

Conferência de San Remo, sabemos, por carta enviada a Maurício Klabin pelo secretário

político do Executivo da Organização Sionista, que ela foi quase nula.514

Os ecos do resultado da Conferência de San Remo repercutiram em todo o mundo, e

também na comunidade judio-brasileira, chegando a atingir outras comunidades, além da

do Rio de Janeiro, conforme podemos verificar pelo convite impresso em Curitiba, em 1º

de julho de 1920, e assinado por Júlio Stolzenberg, Bernardo Schulman a Salomon Scop,

em que convidavam “a assistir à festa em regozijo pela vitória obtida pelo povo judeu na

conferência do Supremo Conselho em San Remo, ocasião em que a Palestina foi

reconhecida como Pátria Nacional Judaica. A festa realizar-se-á em 10 de julho, às 7 horas

da tarde em ponto, na Rua Barão do Rio Branco.”515

O jornal Comércio do Paraná, naquela ocasião, publicava um artigo sobre a

conferência de San Remo e a designação de Sir Herbert Samuel como o primeiro alto

comissário britânico na Palestina, elogiando a comunidade israelita de Curitiba “como em

todo o mundo se mantiveram em coesão, trabalhando em comum pelo grande ideal que os

animava num labor continuado e perene. Servia de núcleo para esta magnífica

conseqüência de esforços o Comitê Central Israelita composto dos senhores Max

Rosenmann, Júlio Stolzenberg, Bernardo Schulman, Julio Schaja, Samuel Friedman,

Miguel Flaks, Frederico Flaks, Slomon Guelman, Salomão Scop, Nathan G. Paciornik,

Bernardo Gertel, Moisés Rachulsky e Luiz Feinowitz, membros de destaque da colônia

(...)” É aos membros deste Comitê que apresentamos os nossos parabéns efusivos e efusivas

felicitações pelo ato do Conselho de S. Remo reconhecendo a Palestina como Pátria

Nacional Judaica.” O número de agosto de 1920 do jornal Kol Israel do major Eliezer

Levy, em Belém do Pará, dedicava suas linhas à conferência de San Remo, e um artigo

definia Herbert Samuel como o primeiro governador da Palestina Hebraica.

No Rio de Janeiro, a Tiferet Sion, ainda ligada ao acontecimento em San Remo,

imprimiu um convite, no qual pedia o comparecimento a uma “reunião especial não-

partidária de todos os membros da nossa colônia, que são conhecidos pelo seu interesse

pela sorte do nosso povo”, na Biblioteca Scholem Aleichem, no dia 1º de maio. O convite

começava com palavras enfáticas e impregnadas de orgulho e esperança: “Bateu a grande

hora! O Conselho Supremo das Nações, reunido em San Remo, resolveu criar na terra de

Israel um Lar Nacional para o povo judeu. Reunimo-nos, então, para deliberar os deveres

da nossa colônia e definir a nossa participação na reconstrução de nosso povo.” E o convite

terminava com a frase: “Que sejamos dignos do grande momento!”516

A vida judaica no Brasil do pós-guerra começou a sofrer modificação significativa

devido à imigração massiva que se dirigia ao Rio de Janeiro e outras cidades de nosso

território, engrossando, assim, a população judaica e exigindo a formação de instituições e

514

Central Zionist Archives, Z4/ 2350. O texto integral da carta é o que se segue: “3rd

November, 20. Senhor

Maurício Klabin, c/o The Consul-General for Brazil, 20, South Place, Finsbury, E.C.2. Sir, The Executive of

the Zionist Organization understand that you are desirous os ascertaining whether any part was palyed by the

Brazilian Delegation at the Pence conference in securing the recognition of the Jewish interest in Palestine. I

am directed to inform you that the Executive are not aware of any intervention in the matter on the part of

Senhor Pessoa and his colleagues. I, am, Sir Your obedient Servant, Acting Political Secretary. “ 515

Arquivo David J. Perez. 516

Arquivo David J.Perez.

311

sociedades que atendessem às necessidades da comunidade. Jacob Schneider, veterano

experimentado, assumiu papel de liderança na criação das instituições judaica do pós-

guerra.

A participação de Jacob Schneider na formação das instituições comunitárias

após a Primeira Guerra Mundial, quando o fluxo da imigração judaica no Brasil passaria a

ser considerável, nada mais era do que a continuação de sua atividade pioneira e de seu

espírito empreendedor, que se revelara logo nos primeiros anos de nosso século, ao pisar

em território brasileiro. Sua participação pessoal e seu nome encontram-se inscritos nas

primeiras Diretorias daquelas entidades, conforme atestam os documentos relativos à

história de sua gênese. Vejamos quais foram as entidades dentre as mais importantes

surgidas na época, e o papel desempenhado por Jacob Schneider no processo de formação

das mesmas.

Em primeiro plano, surgiu a necessidade de se criar um cemitério próprio, pois

os judeus que faleciam eram enterrados em cemitérios cristãos, e Jacob Schneider, em suas

Memórias, lembra que, em 1914, ao falecer um jovem judeu, ele teve de ser enterrado em

um cemitério não-judaico, o que levou um grupo de ativistas a se preocuparem em resolver

a questão de uma vez por todas. Ele relata que “o assunto levou vários anos, só em 1918

recebemos o alvará, sendo que o local era anexo ao cemitério cristão; no entanto, após uma

procura prolongada, encontramos outro lugar.517

Designou-se uma comissão de três pessoas

a fim de examinar o local e verificar o acesso por rodovia. O lugar agradou a todos e,

assim, resolvemos comprá-lo. Custou 25 contos de réis e, desse total, coletei pessoalmente

cerca de 70%.518

Fizemos uma cerca, construímos uma casa e compramos um carro

funerário, o qual foi vendido mais tarde, pois passamos, como até hoje, a fretar os carros da

Prefeitura.

Lembro-me que, por ocasião da compra do terreno, começaram a surgir

discussões sobre a questão quanto ao nome da entidade que figuraria na escritura. Existiam,

na época, duas sinagogas: a Centro Israelita (Merkaz Israel), a qual eu representava, e a

Beit Jacob. Propus que criássemos uma instituição com a finalidade específica de tratar

desses assuntos. E, assim, em 1920, fundamos a primeira irmandade funerária no Rio. E,

com o objetivo de mobilizar outros ativistas, evitei tomar parte na Diretoria, fazendo parte

tão-somente da comissão que angariava o devido numerário”. Sabemos que o terreno

adquirido para o cemitério judaico foi em Vila Rosali e seu primeiro presidente foi

Zidmund Chaimovitz, ainda que, anos antes, já existisse um cemitério dos judeus

sefaraditas e alemães, conhecido como cemitério do Caju.

Em 1920, a Achiezer, a primeira associação de ajuda ao imigrante no Rio, tinha

se dissolvido. E, por esse tempo, começava a se organizar uma nova entidade, que, em

1919, já era chamada Hilfs-Farein e, em 6 de abril de 1920, seria oficialmente reconhecida

com o nome de Sociedade Beneficente Israelita de Amparo ao Imigrante.519

O Hilfs-Farein

tinha como metas principais auxiliar, material e espiritualmente, os imigrantes, atendendo-

517

Em outro lugar de suas “Memórias”, Jacob Schneider relata que o advogado que tratava do assunto servia

também ao “elemento indesejado” e, em vez de passar a escritura ao grupo que estava adquirindo o terreno , o

fez em nome dos “tmeim”. Ele nos informa que a autorização obtida em 1918 era de um terreno próximo ao

cemitério católico , o que levou a procurar outro. 518

Jacob Schneider retifica, mais adiante, que o terreno custou 23 contos e que, dessa quantia ele coletou

40%. 519

Veja-se o Relatório e Balanço geral do ano 1928, ed. Gazeta Israelita, Rio, 1929.

312

os em suas necessidade iniciais, para se integrarem na sociedade brasileira e se tornarem

cidadãos produtivos e úteis. Ela se vinculava, na época, com sociedades do mesmo gênero e

de caráter internacional, que visavam promover a imigração judaica em países que os

pudessem receber e absorver. A vinda do rabino Isaías Raffalovich ao Brasil, em fins de

1923, permitiu que o Hilfs-Farein recebesse uma ajuda substancial dessas entidades

internacionais, a começar da J.C.A., ou seja, a Jewish Association Colonization, e,

posteriormente, da HIAS-HICEM-EMIGDIREKT. Jacob Schneider pertenceu também ao

grupo de iniciativa que promoveu as atividades do Hilfs-Farein. Por outro lado, sua esposa,

Cyla Schneider, já havia tomado parte em uma sociedade de senhoras israelitas de auxílio e

orientação às mulheres imigrantes, e isto em 1916, quando era importante que as moças que

aportavam em nosso país fossem protegidas e não tivessem nenhum contato com o

elemento indesejável. Sua primeira presidente, conforme nos informa Jacob Schneider, foi

Raquel Bergstein. Cyla Schneider faria parte do grupo fundador da Sociedade das Damas

Israelitas, (Froien Hilfs-Ferein), criada em 23 de dezembro de 1923, composto das

senhoras Sabina Schwartz, Sima Hoineff, Ofélia Kastro, Sara Tchornei e Sara Fineberg.520

Jacob Schneider tomaria parte, nesse tempo, também na fundação da escola

Maguen David, a primeira do Rio de Janeiro, e daria um apoio significativo a essa

iniciativa, que, já dois anos antes, começava a tomar corpo sob a iniciativa de alguns

ativistas do Rio, entre eles, Aron Goldenberg, grande entusiasta pela idéia, Leon Schwartz e

o professor David J. Perez, que foi o seu primeiro diretor.521

A Escola Maghen David seria inaugurada em 22 de abril de 1922 e contaria

também com o apoio da comunidade sefaradita, com a participação ativa de Taphael

Cohen, além de outros, tais como Alter Klein, David Bilmis e Wolf Kadichevitch, que

mobilizaram, juntamente com os demais, os meios para a realização do empreendimento.522

LÍDER NATURAL

Os primeiros anos da década de 20 seriam decisivos na formação das

instituições judaicas no Brasil, mas também na afirmação de um movimento sionista que

havia encontrado seu líder natural em Jacob Schneider, como já vimos anteriormente, e que

então se dispunha a uma ação mais organizada e abrangente no judaísmo brasileiro como

um todo.

Uma das causas principais para essa movimentação seria o esforço despendido

para a instalação do Mandato Britânico na Palestina e a animação da Organização Sionista

Mundial ao redor do mesmo, que seria objeto da Conferência de San Remo. No Brasil, já

520

A primeira diretoria, de 1923 a 1924, era composta de: presidente Sabina Schwartz; vice presidente Ofelia

Kastro; secretária Tuba Fridman; tesoureiras Enta Lerner e Tcharni Holtzman; colaboradoras Sara Tchornei,

Cyla Schneider, Sara Fineberg, Liza Tiomni, Zina diamante, Sima Hoineff, Mina Duval. V. Parnes, Ida e

Nelson Vainer, História da Sociedade Beneficente das Damas Israelitas do Rio de Janeiro, Liv. Freitas Bastos,

Rio e São paulo, 1961. Na assembléia de fundação , em 23 de dezembro de 1923, estiveram presentes cerca

de 150 senhoras e foi criado o primeiros fundo, no valor de 5.165$00, uma soma significativa para a época.

Foi constituido o quadro social , com a contribuição mensal de cinco mil reis. A Sociedade desenvolveria uma

atividade social ampla, dando assistência às mulheres recém-chegadas, proteção às gestantes, assistência

médica domiciliar a mulheres enfermas e sua internação, criação de um Lar da Criança e, mais tarde, a criação

de um Asilo de Velhos. 521

No arquivo de David Perez encontram-se vários bilhetes de Aron Goldemberg, dirigidos a ele, solicitando

sua participação em reuniões do grupo de iniciativa para a criação da escola. 522

Ilustração Israelita, n.1, agosto de 1928.

313

no ano de 1920, apresentavam-se várias organizações sionistas, a saber, a mais antiga, a

Tiferet Sion, em São Paulo, fundada em 1916; a Ahavat Sion, no Pará, fundada pelo Major

Eliezer Levy, em 1918,523

e a Associação Sionista de Porto Alegre.

A Central Sionista em Londres mantinha uma correspondência com essas

entidades e tudo indica que a Shalom Sion de Curitiba, sob a direção de Júlio Stolzenberg e

Baruch Schulman, se mostrava mesmo disposta a liderar o movimento, como já nos

referimos em outro lugar, chegando a escrever nesse sentido, em 26 de janeiro de 1920,

uma longa carta a Londres, que, por sua vez, transmitiu seu conteúdo ao Fundo Nacional

Judaico, em Haia. Entre outras coisas, ela se propunha a ser reconhecida como a sede

central de uma Federação Sionista no Brasil, argumentando ser a única organização que

atuava continuamente em prol do movimento.

A Central de Londres, com tato diplomático e habilidade, respondia que não

poderia julgar sobre a questão sem ter o conhecimento dos detalhes sobre as organizações

Tiferet Sion no Rio de Janeiro, Ahavat Sion no Pará, e outras existentes no Brasil, que

deveriam compor uma Federação Sionista séria no país.

Também Maurício Klabin, que se encontrava nesse tempo em viagem pela

Inglaterra, entrava em contato com a Central em Londres, interessado em obter ajuda e

orientação para o movimento, que se mostrava bastante desperto.524

Em carta remetida pela

Central de Londres vemos que em Porto Alegre havia uma atividade sionista, com a

participação de Leib Bander, Simon Lerer, Lipe Valdman, Tobias Krasner e outros.525

Apesar de tudo, essa correspondência revela o quão pouco se sabia sobre o

judaísmo brasileiro, e um exemplo ilustrativo encontramos em um relatório, pouco exato,

feito com base em uma entrevista com Salomão Kastro, que se encontrava em Londres, em

julho de 1920, e cujas informações serviram ao Departamento de Comércio e Indústria do

Executivo Sionista para obter dados que lhe interessavam.526

Salomão Kastro, veterano

morador no Rio de Janeiro, revelava aos seus entrevistadores novidades que mostravam o

quanto a Europa ou o judaísmo europeu estavam pouco informados sobre o nosso país.

A correspondência com a Central Sionista em Londres também revela que a

Tiferet Sion no Rio de Janeiro passou a ser considerada a verdadeira força organizadora do

sionismo brasileiro e, em 1921, não havia mais dúvidas sobre a liderança do grupo

encabeçado por Jacob Schneider, que levaria a preparar um programa de ação visando

unificar as diversas entidades estaduais em uma futura Federação nacional.527

CRIADO UM PERIÓDICO

Como parte dessa entidade e visando um objetivo mais amplo, Jacob Schneider,

David Perez e Eduardo Horowitz tomaram a iniciativa de criar um periódico português, que

denominariam de “Correio Israelita”, e que deveria difundir as idéias sionistas, além de

servir de informativo à comunidade, que naquela ocasião não possuía um órgão de

523

A Ahavat Sion compôs sua primeira diretoria em 5 de outubro de 1918, figurando como presidente A.

Ribinik, Menassés Bensimon, vice-presidente; Eliezer Levy, secretário; José Bensimon, tesoureiro. 524

Central Zionist Archives, Z4/2350, carta em ídiche, escrita por Maurício Klabin, de 22/10/1920, e resposta

em ídiche do Executivo sionista em Londres, de 25/10/1920. 525

Central Zionist Archives, Z4/2350, carta em ídiche de 17/7/1920. 526

Central Zionist Archives, Z4/2350, relatório em inglês de 14/7/1920. 527

Central Zionist Archives, Z4/2350, carta em hebraico de 23/10/1921; carta em hebraico de 26/10/1921;

carta em inglês de 17/11/1921; carta em ídiche de 23/11/1921; carta em hebraico de 3/1/1922.

314

divulgação no Rio de Janeiro. Em Belém do Pará, e sob a iniciativa vigorosa e inteligente

do major Eliezer Levy, já saía à luz, desde 1918, um órgão, em português, que difundia as

idéias sionistas por aquela região, bem como em outros Estados brasileiros, intitulado “Kol

Israel” (“A Voz de Israel”). Eliezer Levy redigiu o periódico durante vários anos e, com

isso, plantou a semente do nacionalismo judaico no Norte, lutando, ao mesmo tempo,

contra a corrente de apatia que levava ao isolamento daquelas comunidades das demais

existentes no Sul do país.

Talvez devido a esse mesmo isolamento pela distância geográfica, que na época

tinha um significado maior devido às dificuldades de comunicação de uma região a outra, é

que se resolveu criar o “Correio Israelita”, no Rio de Janeiro, paralelamente à existência do

“Kol Israel”. Em 13 de março de 1921, Jacob Schneider escrevia um bilhete a David Perez,

pedindo-lhe para preparar um artigo para o jornal, que deveria sair em 16 daquele mês.528

“O Correio Israelita”, sob a redação de David Perez e Eduardo Horowitz, perduraria até

1923, quando surgiria, em novembro, o jornal “Dos Idische Vochenblat”, fundado por Aron

Kaufman, com o auxílio de um grupo de ativistas do Rio de Janeiro. Eduardo Horowitz

dotado de espírito nobre, homem culto, com boa aparência de tipógrafo, se atiraria de corpo

e alma ao empreendimento. Ele havia chegado ao Brasil em 1916, vindo dos Estados

Unidos, com excelente bagagem de conhecimentos da cultura tradicional judaica e

universal e bom domínio do hebraico.

Desde o início, ele se ligou a Jacob Schneider movido pelos ideais nacionalistas

e passou a participar ativamente na vida comunitária judaica do Rio de Janeiro, onde fixou

residência. Eduardo Horowitz atuará como mentor intelectual do movimento ao lado de

Jacob Schneider, e servirá como secretário-geral durante os anos da estruturação da

Federação Sionista do Brasil, desde sua fundação, em 1922. Até quase o fim de sua vida,

ele será o modelo do ativista dedicado à causa que havia abraçado durante sua juventude,

ainda que tenha sofrido revezes pessoais e mesmo a injustiça de não ter sido reconhecido

devidamente como o mais qualificado para certos cargos de representação do movimento

no Brasil, por ocasião do surgimento do Estado de Israel e a formação de seu corpo

diplomático.

Mas, em 1921, muitas transformações iriam ocorrer com o nacionalismo

judaico no Brasil, pois Jacob Schneider e os que estavam próximos a ele procuravam obter,

nesse tempo, uma promessa da Central Sionista em Londres para o envio de um

representante qualificado ao nosso país. Como já vimos em outro lugar, a ocasião para se

conseguir tal intento chegou quando passou por aqui o dr. Alexander Goldstein, que vinha

de volta de uma viagem à Argentina e parou no Rio de Janeiro por algumas horas, para se

encontrar com os líderes sionistas locais. Alexander Goldstein encontrava-se na América do

Sul, em missão do Keren Hayessod, fundado recentemente, por resolução da Conferência

de Londres, em 1920.

Escrevemos em outro lugar o quanto a passagem de Alexander Goldstein determinou a

vinda do primeiro enviado pela Organização Sionista Mundial ao Brasil, o Dr. Yehuda

Wilensky, em 1921, que lançou os fundamentos para a criação de uma federação Sionista

do Brasil e a realização do Primeiro Congresso Sionista no país, em 1922, tendo Jacob

Schneider como protagonista central em ambos eventos.529

Em 1923 Jacob Schneider faria

528

Arquivo David J. Perez. 529

Sobre Yehuda Wilensky bem como sobre o Primeiro Congresso Sionista no Brasil vide os estudos

especifícos nessa mesma coletânea.

315

uma viagem a Romênia e a Palestina sobre a qual escreveu um “Diário” que retrata a

colonização na Terra Santa e os núcleos pioneiros que visitou encantado que estava com o

desenvolvimento que via em todos os lugares pelos quais passava. Ao voltar dessa viagem

entregou-se de corpo e alma e com redobrado entusiasmo a atividade sionista e trabalho

comunitário revelando uma energia impar no trato das questões que causava admiração

profunda aos que o cercavam. Ele continuaria ser um exemplo a todos que o conheceram e

conviveram com ele até o último dia de sua existência terrena deixando na memória do

judaismo brasileiro a lembrança de seu idealismo, fidelidade e amor a Israel, disposto a

todo sacrifício e pureza em suas convicções.

316

36. Identidade judaica , memória e a questão dos indesejáveis no Brasil

“Não profanes a tua filha fazendo-a prostituir-se; para que a terra não se prostitua e não

se torne incestuosa.” (Lev. 19:29)

A luta contra os traficantes de escravas brancas e a prostituição entre os judeus

foi importante para afirmar a identidade judaica desde o início da sua imigração no

continente sul-americano, e em especial na Argentina e no Brasil, onde os judeus eram

denominados “russos”, “turcos” e “polacos”, este último nome associado aos tmeim

(impuros) ou aos assim denominados chevre-leit (pessoal da sociedade ou do grupo), e,

portanto, evitado pelos judeus. O termo “polaco” passará com o tempo a ter a conotação de

traficante, ou cáften, assim como “polaca” equivalerá a prostituta aos olhos da população

não-judia.

Um dos melhores estudos sobre o tema do tráfico e da prostituição judia, de

autoria de Edward J. Bristow, Prostitution and Prejudice: The Jewish Fight against White

Slavery, 1870-1939,530

coloca o assunto sob uma ótica histórica correta, isto é, que o

combate encetado pelas comunidades onde quer que o fenômeno se fez notar foi uma

reação universal à exploração de mulheres por parte de criminosos que enlameavam o

nome judaico.

A atitude de autodefesa do povo judeu e sua identificação com o tráfico e a

prostituição passaram a ser uma preocupação comunitária desde o século passado, quando

se intensificou o processo imigratório da Europa Oriental em direção ao Ocidente,

paralelamente à grande concentração de judeus nos centros urbanos, onde viviam em

extrema pobreza. Se na Europa Oriental a prostituição judaica se concentrava nas grandes

urbes, tais como Varsóvia, Lodz e Odessa, por outro lado, o schtetl no qual vivia a maioria

da população judaica daquela região desconhecia sua existência factual, mesmo porque os

estilos de vida dessas aldeias não toleravam qualquer ruptura religiosa e moral que norteava

tradicionalmente essas comunidades, onde não havia lugar para tais “desvios”. A

prostituição era considerada uma transgressão grave desde os tempos bíblicos, uma vez que

também era identificada com o culto idólatra dos povos da região de Canaã e arredores, que

adotavam a prostituição como forma de culto aos deuses da fertilidade e que se conservaria

no mundo greco-romano da antigüidade. Nas comunidades medievais européias, a

legislação talmúdica era aplicada com todo rigor para qualquer transgressão dessa natureza

e a excomunhão, o herem, isto é, a exclusão do pecador, era a medida profilática

igualmente adotada. Por outro lado, o contato dos judeus com não-judeus sob esse aspecto,

eram proibidos, e judeus não poderiam freqüentar prostitutas ou casas de tolerância cristãs,

sob pena de morte ou severos castigos.

A emigração ao Ocidente, mais acentuadamente no século passado,

acompanhada da pobreza que levava mulheres a se prostituir sob a força das circunstâncias,

induzidas em boa parte por traficantes de escravas brancas, também contribuiu para a

formação de sociedades que procuravam combater esse mal. Na Inglaterra, nos inícios do século XX, onde a questão passava a ser preocupante para a comunidade devido à

530

Shocken Books, New York, 1983

317

concentração de um número expressivo de judeus e à existência de bordéis em mãos de

judeus, fora fundada uma London Society for Protection of Young Females, que procurava

proteger as possíveis vítimas do tráfico e combater os traficantes.

Bristow lembra que na década de 1820 um tal Ikey Solomon e sua esposa

montaram uma rede criminosa, que incluía uma cadeia de bordéis, e que o problema

“continuou através da década seguinte, e em 1837, o Rabino-mor, Salomon Hirschell,

obteve apoio da Sociedade Londrina para a Proteção de Jovens Mulheres”. Hirschel relata

que os traficantes de mulheres foram virtualmente excomungados da vida judaica. Quando

o tráfico de escravas brancas surgiu em outros lugares, após 1880, tal ostracismo social dos

traficantes pelos judeus decentes foi tentado em lugares distantes como Buenos Aires, Rio

de Janeiro, Johannesburgo, Constantinopla e Omaha. Ostracismo religioso, no entanto, é

uma sanção inócua numa era de secularismo, ao mesmo tempo em que a sociedade londrina

esforçava-se em processá-los.531

Mas a associação dos judeus com o tráfico e a prostituição nesse tempo

assumia uma nova faceta ao ser utilizado por facções anti-semitas como um argumento

político de grupos e partidos conservadores no Ocidente que formulavam o papel deletério

do judaísmo na civilização ocidental, como uma continuação da acusação medieval de que

os judeus demoniacamente visaram a destruição da sociedade cristã. Judeus eram vistos

como solapadores da moral e dos bons costumes cristãos e sem quaisquer escrúpulos para

explorar todos os meios para o seu enriquecimento material. O anti-semitismo alemão dos

anos 90 do século XIX fixava para o grande público a imagem do estrangeiro judeu

traficante de carne das mulheres cristãs.

Bem antes a literatura anti-semita na França, como os livros de Gougenot des

Moussean, Le Juif, Le Judaïsme et la Judaïsation, e de Edouard Drumont, La France Juive,

paradigmas da repelente literatura do gênero e impregnados de invencionices e rancor

inescrupuloso, também se referia à prostituição como parte da “moral” judaica. Com o

ingresso de judeus na prostituição e no tráfico, ao redor dos anos 60 e 70 do século XIX,

esse tipo de literatura passou a ser divulgada e aceita universalmente. Do mesmo modo,

quando o anti-semitismo dos anos 70 em diante, no Império Austro-Húngaro, adquiriu

dimensões maiores e transformou-se num movimento político organizado com Karl Lueger,

Franz Schneider e Ritter von Schönerer, os judeus eram associados com a prostituição e

vistos como etnicamente degenerados. De certa forma, procurava-se associar “o papel

destrutivo dos judeus” com a acusação de assassinato ritual, desde a Idade Média até o

presente, com outro meio de destruir e corromper a sociedade cristã: o tráfico e a

prostituição. E o efetivo envolvimento de judeus com estes últimos alimentava a

propaganda anti-semita, que generalizava a criminalidade e a perniciosidade da marginália

que fornecia argumentos aos grupos e partidos antijudaicos na Europa. Em particular em

Viena, a capital do Império Austro-Húngaro, os escândalos com traficantes e casas de

tolerância em posse de judeus passaram a ser amplamente difundidos com a clara intenção

de apontar os judeus como portadores do estigma da criminalidade, o que seria lembrado

por Hitler no Mein Kampf. Seria demasiado longo para os limites de nosso trabalho nos re-

portamos aos inúmeros lugares nos quais a associação entre judeus, genericamente

entendida como uma etnia ou “grupo alienígena à civilização européia”, e o tráfico de

531

Bristow, op. cit. p. 18. A verdade é que o "ostracismo religioso”, isto é, o herem, acompanhado do

ostracismo social, foi decisivo no combate aos traficantes e sua organização.

318

escravas brancas era acentuada pela propaganda anti-semita, do mesmo modo como

ocorreria um pouco mais tarde na Argentina e no Brasil.

O anti-semitismo moderno aproveitava-se dos fatos isolados e dispersos,

dando-lhes uma dimensão universal, e sob esse aspecto o judaísmo de nossos tempos

deveria enfrentar uma dupla frente de combate; a interna, para depurar as comunidades de

imigrantes desse elemento pernicioso para possibilitar uma identidade própria legal e aberta

onde quer que se encontrasse, e a externa, para evitar os estereótipos anti-semitas que

dificultavam a integração dos judeus na sociedade mais ampla.

Ativistas como Bertha Pappenheim e Sidonie Werner fundariam em 1904 uma

organização de mulheres, a Juedischer Frauenbund, com o objetivo de combater o tráfico

de escravas brancas, em especial de jovens da Europa Oriental. Sob a liderança de

Pappenheim, a organização expandiu-se rapidamente, e após 30 anos de existência,

agrupava cerca de 30.000 membros com 450 filiadas. Além do mais, visava a emancipação

da mulher através do sufrágio feminino nas eleições comunitárias, e acabou tendo uma

representação em foros nacionais e internacionais. Bertha Pappenheim fundou em 1914 um

instituto em Neu-Isenburg para mães solteiras, prostitutas e mulheres delinqüentes, e mais

tarde para crianças, dedicando-se a difundir a ética do trabalho social através de grupos de

estudo no Frankfort Lehrhaus. Ela viria a falecer em 1936, sendo substituída por Hannah

Kaminski (1887-1943), deportada e morta pelos nazistas durante a Segunda Guerra

Mundial.532

É sabido que as primeiras organizações operárias judaicas européias

ideologicamente definidas para o socialismo e ativas no combate ao capitalismo e seus

males também se engajaram na luta contra os traficantes de escravas brancas. Seus líderes

tinham consciência de que grande parte das causas para o surgimento do tráfico se

encontrava não somente no confinamento dos judeus devido ao anti-semitismo, mas a uma

política discriminatória adotada pelo Império Czarista e parte do Império Austro-Húngaro

que atingia a Rússia, Polônia, Bukovina, Galítzia, Romênia e outras regiões, gerando uma

multidão avassaladora de luftmenschen que procuravam desesperadamente sobreviver de

todas as maneiras e modos.

O processo de transformação dessas regiões da Europa Oriental, no século

XIX, confinados na Zona de Residência (Pale) onde viviam milhões de judeus que sofriam

as conseqüências da urbanização, a migração de massas do campo para a cidade, a

pauperização em grande escala, também nas cidades e no campo, acompanhado da

secularização e afrouxamento dos laços familiares contribuíram para o surgimento e

disseminação do fenômeno. Marginalidade, criminalidade, tráfico e prostituição parecem

ter um fundo sócio-econômico comum. Políticas econômicas governamentais que

deslocaram judeus de suas ocupações durante o século XIX em certas regiões, tais como a

Galítzia, que se emancipou da servidão em 1848, criaram uma situação extrema de

pauperização acentuada pela formação de monopólios de certos produtos, que antes se

encontravam nas mãos dos judeus e passaram ao Estado, tal como o comércio de bebidas

alcoólicas. Por outro lado, a industrialização em certas cidades do leste europeu abriria as

portas para a organização de um proletariado judeu que acorrera a essas novas

oportunidades de sobrevivência e trabalho. Foram também essas organizações operárias,

como já dissemos antes, desde que o Bund foi fundado, em 1897, que tentaram erradicar a

532

V. Encyclopeedia Judaica, Keter Pub. House, Jerusalém, 1971,vol.10,p-.462; v.13, p.68.

319

presença dos traficantes e da prostituição nessas cidades industriais. Um dos episódios

conhecidos de ataque direto aos bordéis e à prostituição de Varsóvia ocorreu em 1905, no

qual elementos do Bund tomaram parte e que ficou conhecido sob o nome de

Alphonsenpogrom.533

A atitude conhecida do Bund, desde sua fundação, não era somente criar

grupos de autodefesa contra os “pogromistas” que atacavam os judeus, mas também

criminosos de toda espécie. O fato é que na história do movimento operário judaico e na

vivência revolucionária de seus partidos e líderes, sabido era que a polícia empregava o

submundo dos cáftens e traficantes para romper greves e atemorizar operários, o que levou

o Bund, e mais tarde outros movimentos, a se envolver na luta contra eles. Interessante

notar que as prostitutas judias de Varsóvia cantavam uma canção popular que dizia: “Ó, os

cáftens são espiões, são provocadores, eles vão ao meetings para ouvir os discursos, e a

seguir vão contar à polícia”.534

A polícia czarista, a Ockrana, no início do século, parece ter

contribuído para disciplinar o emergente submundo judaico, taxando os bordéis,

organizando pequenas sinagogas para as prostitutas, cafetinas e cáftens e gente do

submundo para combater o Bund. O grau de organização dessa marginália nesse tempo era

tão elevado que não lhes faltavam uma corte rabínica para julgar disputas internas e sua

principal figura em Varsóvia, um tal Shilem Letzki, que era um dos traficantes poderosos

que faziam a ligação entre Polônia e Buenos Aires, era apelidado de Rei Shilem I.535

Durante a explosão contra os cáftens e traficantes de Varsóvia em 1905, que

levou à destruição de dezenas de prostíbulos, oito mortos e centenas de feridos, o Bund

soube diferenciar os criminosos de suas vítimas, isto é, prostitutas.

Nas memórias de um de seus militantes, A. Litwak, que em seu livro Vos

Gevesen (“O que aconteceu”), editado em Vilna em 1925, relata que o Comitê Central do

partido decidiu salvar as prostitutas e protegê-las, pois eram vistas como operárias

exploradas pelos criminosos.

Em outros lugares o movimento obreiro de todos os matizes ideológicos

defrontava-se com a questão com a mesma postura, assentada sobre a análise que o

capitalismo gerador da ampla miséria resultante da exploração desenfreada das massas

trabalhadoras leva à venda do corpo ou à prostituição das mulheres como meio de

sobrevivência material.

O processo emigratório da Europa Oriental a partir dos anos 80 do século XIX,

em direção ao Ocidente, foi motivado pela miséria generalizada que atingiu a população

judaica daquela região instalada na Zona de Residência (Pale), que de tempos em tempos

restringia através de leis a presença de judeus em certas partes de seu território. O

assassinato do czar Alexandre II renovou leis restritivas em maio de 1881 e contribuiu

significativamente para o deslocamento de mais de meio milhão de judeus que viviam na

zona rural para as cidades e centros urbanos, vindo a engrossar uma população já existente,

que ali vivia em péssimas condições e à mercê de uma política oscilante de expulsões e

tolerância para com aos judeus e seus direitos de residência, assim como de exercerem

certas ocupações. Além do mais, a situação agravou-se com os pogroms que se seguiram ao

533

Bristow, op. cit. p. 58. 534

Bristow, op. cit. p. 59. 535

Bristow, op. cit. 60, cita em nota de rodapé a obra de Stanislava Paleolog The Woman Police of Poland,

Ass. of Moral and Social Hygiene, London, p. 7.

320

assassinato do Czar, e que eram tolerados e incentivados pelos próprios governantes do

império.

A emigração judaica daquela região atingiu cifras elevadas, dirigindo-se em

boa parte às Américas, em sua maioria absoluta para a do Norte e bem menos ao Sul.

No continente Sul-Americano, como já dissemos, a Argentina e o Brasil

adotaram políticas de colonização de seus territórios que visavam atrair contingentes de

emigrantes europeus, por meio de propaganda, se bem que nem sempre idônea, que se

destacava pelas perspectivas que apontava àqueles que procuravam ali se estabelecer.

Nesses países, isto é, Argentina e Brasil, bem antes do início de uma imigração

judaica maior, ainda nos anos 70, traficantes de escravas brancas passaram a atuar na rota

de Buenos Aires e Rio de Janeiro. As duas capitais sul-americanas constituíam um único

eixo que, de acordo com as circunstâncias, levavam sua “mercadoria” de um extremo a

outro, pois estavam interligadas.

No Brasil, tanto quanto na Argentina, as primeiras notícias de sua atividade

remontam aos anos 60 e 70 do século XIX, e os autores que trataram mais recentemente do

tema, como o já citado Edward Bristow, Girardo Brá536

, na Argentina, e Ferreira da

Rosa,537

no Brasil, que publicou sua obra O Lupanar, ainda em 1896, apontam nomes

judaicos em ocorrências próximas àquele tempo. Quando uma prostituta, Klara Adam, em

22 de abril de 1880 publicou na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro uma carta na qual

denunciava a atividade dos cáftens, depreendemos por sua descrição a existência

assegurada de uma rede internacional de criminosos do tráfico de escravas brancas, que

passaria a ser mais conhecida sob a denominação de Zwi Migdal.538

Ferreira da Rosa em

seu livro menciona que o chefe de polícia Tito de Matos no Rio de Janeiro, em 1879, já

confirmava a atuação de uma organização de estrangeiros para aliciar mulheres para a

prostituição.539

Ferreira da Rosa falava claramente de “uma associação composta de judeus,

russos, alemães, austríacos e de outras nacionalidades”.540

Do mesmo modo em São Paulo,

naquele ano de 1879, o chefe de polícia João Augusto de Pádua Fleury constatava a

existência do comércio do lenocínio na cidade, e que os cáftens perseguidos na capital do

império estariam encontrando refúgio em São Paulo, além de Santos e Campinas.541

Esses

cáftens e aliciadores que na Europa tinham, naqueles anos 70, a Hungria e a Polônia como

seus centros de aliciamento, atuação e entreposto de “mercadoria”, deslocavam-se com

536

Brá, Gerardo, La Organización Negra. La Increíble Historia de la Zwi Migdal, B. A. Corregedor, 1983;

também La Mutual de los Rufianes in Todo es Historia, nº 121, junho, 1977. Victor A. Mirelman, La

Comunidad Judía Contra el Delito”, in Megamont nº 2, B. A., ed. Milá, 1987, pp. 5-32; Ricardo Feierstein,

História de los Judíos Argentinos, ed. Espejo de la Argentina, Planeta, B. A., 1993, cap. 8, pp. 269-303. 537

Ferreira da Rosa, O Lupanar, Rio, 1896. 538

Rago, Margareth, Nos Bastidores da Imigração: o Tráfico de Escravas Brancas in A Mulher e o espaço

público. Revista Brasileira de História vol. 9, 18, ANPUH, ed. Marco Zero, S.P., 1989, p. 177; V. Rago,

Margareth, Os Prazeres da Noite e Prostituição e Códigos da Sexualidade Feminina em São Paulo (1890-

1930), Ed. Paz e Terra, SP, 1991, p. 250; Evaristo de Moraes, Ensaios de Pathologia Social, Liv. Editora

Leite Ribeiro, Rio, 1921, p. 264. 539

Pelos nomes mencionados em sua obra inferimos que entre eles encontravam-se judeus. 540

Ferreira da Rosa, op. cit. p. 45. 541

Guido Fonseca, História da Prostituição em São Paulo, Ed. Resenha Universitária, SP, 1982, pp. 133-35.

321

inteira liberdade “no caminho para Buenos Aires”, que segundo as conveniências e a

perseguição policial, passava pelo Brasil, que era um dos centros da prostituição do pólo

sul-americano.

Guido Ferreira traz em seu livro542

o nome do traficante Izidoro (Israel)

Klopper, austríaco de nascimento, brasileiro naturalizado, que chegara a ser alferes da

Guarda Nacional, e em 1896 foi indicado por crime de lenocínio, fugindo para Buenos

Aires. Pelo visto, o número de traficantes pode ser avaliado como desprezível se

considerarmos a pequena população judaica daquela época. Na medida em que a emigração

judaica aumentou, as estatísticas das prostitutas então registradas sob as nacionalidades

russa, austríaca e polaca deveriam ser judias.543

Anos antes da Primeira Guerra Mundial,

em 1910, apesar do combate ao tráfico, cáftens e prostitutas judias estavam presentes na

vida do Rio, onde uma tal Bertha Schild tinha um bordel e seu marido, Jacob, um traficante

aliciador nascido em Lemberg, em 1867, com uma longa carreira criminal com

envolvimento em roubo e receptação, tinha uma parceria em Vilna com outro traficante,

Nathan Messinger de Brody, para abastecer e recrutar mulheres para o Brasil.544

E, de fato,

o levantamento dos túmulos judeus nos cemitérios antigos do Rio de Janeiro, São João da

Boa Vista e Francisco Xavier vem comprovar que uma organização de cáftens e prostitutas

é mais antiga e remonta ao século XIX, independentemente das conhecidas associações que

surgiriam no nosso XX, em boa parte fruto do isolamento decretado pela comunidade de

imigrantes, que passou a lutar por sua identidade própria e diferenciar-se dos “impuros” ou

tmeim. Bristow menciona que nos anos de 1890 um tal Marcus Rosen, que foi empregado

para cuidar de prostitutas, conseguiu para uma sinagoga improvisada nos dias de feriados

judaicos e que um vidraceiro local oficiasse as rezas, mas o mesmo veio a morrer de febre

amarela. Porém, quando Samuel Cohen, o secretário da Jewish Association for the

Protection of Girl and Womem visitou a América do Sul, em 1913, as coisas haviam

mudado, pois ele descobriu uma sinagoga para prostitutas e seus cáftens. Ele ficou chocado

pelo fato que o local era divulgado na imprensa como sendo a “congregação das mulheres”,

pouco antes dele chegar. Os judeus brasileiros sentiam-se ultrajados com essa situação,

assim como Cohen. O autor ainda nos relata que em uma ocasião, cerca de 1910, quando os

traficantes de escravas brancas caminhavam pelas ruas do Rio numa cerimônia de

dedicação de uma nova Torá para a sinagoga, eles foram atacados por uma multidão de

jovens da comunidade respeitável, que lhes arrebataram o rolo e puseram os indesejáveis a

correr.15

As perseguições encetadas no ano de 1913 na Argentina provocaram um

deslocamento maior desse elemento em direção ao Brasil, ainda que, aparentemente, as

autoridades daqui, atentas ao fato , procuravam impedir seu ingresso em território nacional.

Se considerarmos que na história da imigração judaica os judeus na Europa

Oriental começaram a se estabelecer, mais acentuadamente, a partir das duas últimas

décadas do século XIX, podemos, desse modo, entender que os primeiros esforços de

organização comunitária propriamente dita verificar-se-á nos inícios do século XX, e esse

esforço está associado à criação de barreiras e à total separação do nome “polacos ou

542

p. 138. Esse personagem é mencionado por Ferreira da Rosa. V. também Bristow, op. cit. p. 114, que se

refere a “associação dos cáftens”, e alguns de seus integrantes, entre os quais, dos 39 que foram expulsos do

Brasil em 1879, alguns eram judeus. 543

Guido Ferreira, pp. 140-43. 544

Bristow, p. 78.

322

polacas”545

. O mesmo fenômeno de criar uma identidade própria e diferenciada ocorreu na

Argentina, que através da J.C.A., a partir de 1891, trouxe levas organizadas de imigrantes

do leste europeu para a colonização agrícola naquele território. Para ilustrar esse esforço de

diferenciação, transcrevo a narrativa de um proeminente veterano judeu, militante de

esquerda que imigraria em 1906 à Argentina:

“Naqueles tempos, o nome ‘judeu’ na Argentina era muito exótico e polêmico.

Não se sabia e não se queria saber de judeus como uma identidade nacional; isso

combinava com o conceito de que uma nação é somente um grupo territorial em

determinado país com um governo próprio, porém, no mapa-múndi, tal nação judaica não

existia. Uma nação hebraica para eles sim era algo conhecido pelos seus livros escolares.

Também parte dos judeus não se dava conta de que os judeus eram uma nação. Sobre tal

coisa ou seja uma religião judaica a intelligentsia sim conhecia, mas a religião não lhe

interessava. Nem nas instituições governamentais, nem no mercado de trabalho e nem na

vida cotidiana se perguntava a que religião se pertencia. Por outro lado, a palavra judío sim

era popular, pois dela ouvira falar o imigrante latino, em particular o espanhol, e mesmo o

índio argentino. A palavra judio, na mentalidade do povo, era a expressão de uma ofensa,

um demônio, um peçonhento, um sanguessuga, um mau acontecimento (...) e assim,

durante muito tempo ocorriam casos cômicos, pois o trabalhador judeu da Polônia, por

exemplo, não podia habituar-se à idéia de ser um ‘russo’. E dizer que era um polonês ele

tinha vergonha, não somente porque sentia que isso não era verdade, pois não se reconhecia

uma nacionalidade polonesa (a Polônia naquele tempo estava dividida entre a Rússia

czarista, Alemanha e Áustria), porém devido ao fato de que sob o nome polonês se

apresentavam os caftens e as prostitutas, as ‘polacas’, pois estes teimosamente se diziam

poloneses. Então, um trabalhador da Polônia (e não somente um trabalhador, e não somente

da Polônia) se apresentava como (...) alemão, em espanhol aleman”.546

Mais adiante, ele nos relatará que “sob a iniciativa dos esestzovtzes (elementos

do Partido Social- Revolucionário), com M. Polak à testa, em 1908, deu-se início a uma

ação, na qual tomaram parte os poalei-sionistas, alguns anarquistas-individualistas,

sindicalistas, sionistas e apartidários denominados Yugend (Juventude), como uma

organização que se formou com a finalidade específica de combater diretamente os

traficantes de mulheres”.

“O Yugend atuava nos limites da coletividade judaica, onde o traficante era o

que distribuía caridade, benfeitor, filantropo, protetor da religião, ativista comunitário,

conselheiro e mantenedor e proprietário do teatro ídiche e dos artistas, a personalidade

respeitada pelo governo, e era senhor de um número de votos que se colocava à disposição

dos comitês eleitorais conservadores. A missão do Yugend era marginalizar o tráfico da

vida judaica, da rua judaica. Além da agitação pela palavra, oral e escrita, era freqüente

chegar-se ao confronto físico entre sócios do Yugend e os chevre-leit (literalmente,

significa ‘gente da turma’), assim como eram chamados os traficantes, nas praças Lavalle e

Larea, devido ao fato de os tmeim, uma parte deles famosos brigões ainda na Europa, serem

os primeiros a chegar às manifestações públicas do Yugend para brigar.”

“Uma guerra direta na rua judaica renovou-se quinze anos após, em 1923,

através de um comitê especial contra os tmeim. A luta era inteiramente independente do

545

Britow, op. cit., pp. 140-41. 546

Wald, P., In gang fun tzeiten (No passar do tempo), Buenos Aires, 1955, p. 360 (em Ídiche).

323

movimento operário e mesmo de operários. E, assim como a luta do ano 23 está vinculada

moralmente à de 1908, devemos acentuar que então a influência dos tmeim estava reduzida

a sua participação no teatro profissional judaico e indiretamente no repertório teatral. A luta

durou até que se decidiu que eles não teriam acesso ao teatro judaico, e não tiveram mais

influência, mesmo que fosse em qualquer lugar da rua judaica, e desapareceram da vida

social judaica sem deixar qualquer rastro. A lei, com sua coerção, obviamente ajudou para

que os traficantes fossem expulsos do país”.

Quando León Chazanovitch, o famoso líder poalei-sionista que chegou à

Argentina em 1909, em dezembro daquele ano fundou o Algemeiner Idisher Arbeiter

Ferband (União Geral dos Trabalhadores Judeus), unificando poalei-sionistas com outros

grupos, que além de criticar a administração da J.C.A., procurou, com a fundação do

periódico Broit um Ehrê (Pão e Dignidade) combater os traficantes. O jornal, que saiu em

1910, não teve continuidade, e em julho cessou de existir.

Em nota de rodapé, o autor, P. Wald completará seu relato dizendo que na

sociedade mais ampla já se havia encetado uma ação contra os traficantes de mulheres

através do “Comité contra trata de blancas”, no qual o então líder sionista S. I. Liachovitzki

era ativo, sendo que na Câmara de Deputados o único deputado socialista, Dr. Alfredo L.

Palácios, propôs um projeto para eliminar os traficantes.

Como já escrevi em outro lugar, o teatro foi de fato um dos espaços

importantes de disputa para a afirmação da identidade da comunidade dos imigrantes contra

os “indesejáveis”, e na Argentina ela teve seu momento crucial em 1926, com a

representação da peça Ibergus, de Leib Malach, que tratava diretamente do tema da

prostituição. O confronto com os “indesejáveis” no teatro ídiche resultou numa luta aberta

contra os mesmos para eliminar sua influência e sua presença física nos espetáculos, com o

apoio do tradicional periódico de Buenos Aires Di Presse e seu redator Jacob

Botochansky.547

A situação no teatro judaico da Argentina era sumamente grave, o que

podemos constatar pelo relato do grande dramaturgo e diretor de teatro, que atuou também

no Brasil, Zygmunt Turkow, que ao falar do ator e homem de teatro Kalman-Moshe Ebel,

nos relata que este foi um dos primeiros que levou a Buenos Aires uma trupe de atores, “no

tempo em que o teatro encontrava-se sob a tutela dos tmeim (...) Também seu teatro

precisou manter uma ligação com aquele tristemente famoso grupo, sem o qual nenhum

teatro judaico poderia contar com sucesso. Mesmo que sua viagem à Argentina lhe tenha

dado uma bela soma, ele sofria devido às acusações que lhe faziam de vários lados. Ele

abandonou o teatro juntamente com sua esposa, a prima dona Ella...”

Como no Brasil a comunidade defrontava-se com o mesmo problema, a

imprensa da época deu um farto noticiário a respeito do que se passava na Argentina.

Em 18/12/1925, no número 110 o Dos Idische Vochenblat do Rio de Janeiro,

fundado por Aron Kaufman em novembro de 1923, anunciava “que o judaísmo argentino

combate os tmeim: organizou-se um comitê para afastá-los do judaísmo argentino. A luta

começou no teatro, e se estende a todas as instituições do judaísmo argentino”. Alguns

547

Falbel, N., Jacob Nachbin, Nobel, SP, 1985, pp. 227-30, Leib Malach, que esteve no Brasil, coloca os

personagens do seu drama no Rio de Janeiro, e talvez durante sua estadia no Brasil tenha ouvido a “história”

que o motivou a escrever o Ibergus; idem, Estudos sobre a Comunidade Judaica no Brasil, SP, 1984, p. 167.

324

meses após, em 09/04/1926, no número 126, sob o título Di rufianische ideologie in idichen

teater in Buenos Aires (A ideologia rufianica do teatro judaico de Buenos Aires),

transcrevia do Di Presse o que se segue: “nosso colaborador L. Malach escreveu um drama,

Ibergus. Ele foi lido pelo regisseur do Idischer Teater, L. Sokolov, que apesar de lhe ter

agradado, considerou que tinha um defeito. Ela expressa a vida dos mercadores de escravas

brancas e desnuda inteiramente o nosso triste e conhecido ator-rufião na pessoa do herói –

Stare. Alguns atores, próximos ao mencionado Stare, começaram a intrigar, e após várias

mentiras e manobras, o Sr. Adolf Mide leu ele mesmo a peça e declarou que a peça é

bonita, mas não pode ser levada à cena, pois não se pode irritar os rufiões. Se Malach

concedesse modificar a peça ele a aceitaria. Ele, Mide, declarou isso na presença de Malach

e Botochansky, que deixaram o teatro. Depois o Sr. Mide nos visitou e começou a justificar

sua posição. Botochansky lhe disse que ele não vê como evitar que os rufiões deixem de

freqüentar o teatro, mas dar a eles privilégios, isso não! Mexer com outros é possível, sejam

eles rabinos, sapateiros, alfaiates, polícias, ministros, operários, mas os rufiões se os fazem

de personalidades intocáveis (...) de modo que o teatro está impregnado de uma ideologia

rufianica (...) B. afirmou que isso que acabara de dizer ele o escreverá no Di Presse, e

conclamará os leitores a uma luta contra essa ideologia. O Sr. Mide declarou, então: se

escreveres isto eu virei amanhã e atirarei para matar. Nós pedimos para que se retirasse e

comunicamos a ameaça à 7ª Delegacia. O subcomissário, Sr. Benites, convidou o Sr. Mide

à delegacia, onde ele novamente declarou: quem escrever contra mim eu matarei. O

comissário lhe disse, metade em ídiche: Usted a mechugener (...) e o prendeu. Os rufiões

são medrosos e se escondem em seus buracos (...) Seus defensores estão quietos e o Sr.

Mide foi libertado mais tarde. O teatro judeu da Pasteur 641 deverá demonstrar que não tem

apoio dos rufiões e defender sua honra, e o mesmo os seus artistas, cuja maioria não quer

ser incluído nos círculos dos tmeim. O Aktioren Ferein (Associação dos Atores) também

deverá dizer algo e possivelmente examinar a lista de seus sócios, entre os quais não faltam

schatnez (isto é, a mistura proibida de lã com linho). Toda a imprensa judaica deverá

manifestar-se contra a ideologia rufianica que domina com mão forte o Idischer Teater”.

Ainda no mesmo periódico publicava-se em 26/04/1926, no número 128, sob o

título “Arum der Kamf kegen der rufianer ideologie in idischer teater” (Ao redor da luta

contra a ideologia rufianica no teatro ídiche”), o Dos Idische Vochenblat manifestava seu

apoio à luta do Di Presse de Buenos Aires, lembrando o caso Tomachevski, ocorrido no

Brasil, que fora impedido de representar no Rio de Janeiro pela suspeita de ter apoio dos

tmeim.548

Anos mais tarde o próprio Botochansky escreveria um artigo publicado em

19/04/1940 no San Pauler Idiche Tzeitung, fundado em 1931 por Marcos Frankenthal, onde

narrava como os judeus da Argentina lutaram contra o tráfico de escravas brancas.

O autor relata que “os imigrantes, ao chegarem, eram recebidos pelos tmeim,

que os abrigavam e os ajudavam, talvez como uma espécie de remissão de seus pecados.

Mas os imigrantes, ao perceberem quem eram, começaram a se afastar deles ao mesmo

tempo em que os expulsavam dos bares ou casas de café que faziam parte da vida urbana na

548

Boris Tomachevsky veio com sua trupe ao Brasil em 1924 e se colocou na posição de não adotar qualquer

restrição ao público que freqüentava o teatro, pelo qual foi impedido de continuar com sua turnê no país. Ao

voltar, deu uma entrevista ao Forwerts americano, acusando todo o judaísmo brasileiro de traficantes de

escravas brancas.

325

Argentina. Também se os afastavam dos cemitérios, apesar deles serem os primeiros a ter

cemitério. Conseguiram afastá-los das sinagogas, dos clubes e cemitérios, menos do teatro.

Eles vinham vestidos com luxo, ouro e brilhantes, e sentavam-se nos lugares mais

importantes. A polícia os perseguia fazendo batidas no teatro, o que os obrigava a se

esconder nas cabinas dos artistas, que tinham muitas vezes um bom relacionamento com

eles. Também outros artistas os combatiam. A luta para tirá-los do teatro era difícil e

provocava um tumulto quando alguém se levantava e gritava: ‘rufiões, saiam do teatro’.

Eles sustentavam em boa parte os artistas e ditavam até as peças, pois as peças que os

criticavam não eram apresentadas. Entre elas, o melodrama Tzu schpeit (Tarde demais), de

Moshe Richter, e o melodrama Di veise shklafen (As escravas brancas)”.

“Em 1925, durante a encenação da peça de Rudolf Zaslavski, estourou uma

briga entre os judeus honrados e os tmeim”.

“A última batalha foi em 1926, quando Leib Malach escreveu uma peça,

Ibergus, contra os tmeim, que se passava no Brasil, mas que se sabia ser dirigida à

Argentina. Argumentaram que ela não deveria ser encenada, pois provocaria os tmeim. O

autor, B., que estava à frente das negociações, argumentou que os chevre-leit não deviam

ser os únicos a opinar sobre o assunto, pois se todos os outros podiam ser criticados, então

por que não eles, e isso ele escreveria na imprensa. B. foi ameaçado de morte se escrevesse,

mas ele não se intimidou e assim o fez. A batalha estava em franco progresso, e em 1926 o

2º Comissário de Buenos Aires (onde moravam os judeus) resolveu acabar com os

‘rufiões’, e o chefe daquela delegacia, Alsogarai, levou a sério a tarefa e os expulsou de lá.

Mais tarde, o governo argentino proibiu a prostituição, e com isso reduziu o problema. De

tudo isso sobrou um cemitério onde não se enterram mais homem (cáftens), e de vez em

quando aparece para ser enterrada uma prostituta”.

O teatro era um elemento central na vida cultural dos imigrantes e de suas

instituições, e a presença, e às vezes mais do que isso, a influência dos tmeim sobre

companhias e atores feria a sensibilidade daqueles que não queriam sentar-se lado a lado

com cáftens e prostitutas nas salas de espetáculos. Muitos são os relatos dos velhos

imigrantes das comunidades do Rio, São Paulo e Porto Alegre que retratam o esforço

organizado de pessoas que ficavam postadas nas casas de espetáculos para impedir a

entrada dos “indesejáveis”, provocando verdadeiros tumultos, e levando a intervenções da

policia a fim de esfriar os ânimos exaltados em alguma delegacia local.

A imprensa ídiche dos anos 20, em particular o Dos Idische Vochenblat, não

deu tréguas aos tmeim e convocava a comunidade para combatê-los, chamando a atenção

para os danos morais que causavam à mesma, que era confundida com esse grupo de

marginais, conspurgando o nome “judeu” na sociedade brasileira mais ampla como

sinônimo de traficante de escravos brancos.

Essa luta se fazia no mesmo teatro que apresentava ao público judaico, através

da literatura ídiche, a temática da prostituição e do tráfico de escravas brancas existente

entre os filhos de Israel, e serviu de veículo para despertar a consciência popular contra esse

mal. A começar da peça de Peretz Hirshbein, que esteve visitando o Brasil em 1914 e 1925,

escrita em 1906, intitulada Miriam ou Barg Arop (Descenso), e as do dramaturgo Moshe

Richter, Schklaven Hendler (Traficantes de escravas), de 1910, e o melodrama Tzu Schpeit

(Tarde demais), de 1913, a novela de Mendele Mocher Seforim, Vinchfingeril (O dedinho

mágico), escrita em 1865 e reelaborada em 1888, o Got fun nekome (Deus da vingança), de

Sholem Asch, escrito em 1907, além do famoso conto de Sholem Aleichem A mensch fun

Buenos Aires (O homem de Buenos Aires), escrito em 1904, e Di vaisse schklafen (As

326

escravas brancas), de Isidor Zolotarevsky, escrita em 1909, que dedicou ao tema várias

peças e despertou amplamente a consciência das multidões de fala ídiche para o problema.

Criava-se uma verdadeira suspeita em relação a pessoas que vinham da Argentina ou da

América do Sul para visitar seus lugares de origem na Europa Oriental devido aos rumores

sobre a vida indecorosa dos judeus daquele país.549

Na verdade, constatamos que nos inícios do teatro ídiche no Brasil,

companhias, ou trupes, que se apresentavam no Rio de Janeiro não distinguiam entre o

elemento decente e o indesejável, que provavelmente as apoiavam, e podemos encontrar em

certos cartazes dos anos de 1915 a 1917 o anúncio de espetáculos “em benefício das obras

do novo Cemitério Israelita de Inhaúma”.

A Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita, isto é, a sociedade

dos cáftens e prostitutas do Rio de Janeiro da época, é que patrocinava em partes tais

espetáculos do repertório clássico do teatro ídiche.550

Posteriormente, as companhias

teatrais tomaram o devido cuidado e colocaram em seus cartazes os dizeres: “É proibida a

entrada ao espetáculo de elemento indesejável”. Mas até lá, a comunidade teve que travar

uma difícil luta para que a sociedade brasileira não identificasse a comunidade dos

imigrantes judeus com os cáftens e prostitutas que insistiam em se apresentar como parte da

mesma.

Nos anos 20, quando a imigração judaica cresceu e as companhias teatrais

começavam a vir ao país com maior freqüência, em sua passagem pela Argentina,

fortificou-se a decisão de expulsar o elemento indesejável do teatro ídiche. Quando o Dos

Idische Vochenblat, em 1924, anunciava que a companhia de artistas Gutovitch e Zipkus

encenariam a peça Dos Pintele Id no Club Ginástico Português, a redação se encarregou de

acrescentar que “esta trupe representa apenas para famílias, e considerando que o Rio

necessita de um teatro que atue somente para um público selecionado, portanto faz jus que

a colônia judaica se interesse por ela”.551

Os artistas visitantes também já estavam

conscientes e alertas para essa realidade, e podemos acompanhar passo a passo, pela

imprensa ídiche do Rio de Janeiro, o que se passou quando Boris Auerbuch, empresário e

ator do Idische Amerikaner Aktioren Companie, chegou ao Rio, em maio de 1925.

Representantes da comunidade que foram recebê-lo observaram que aqui se encontravam

artistas judeus que poderiam participar em suas apresentações “e que seu teatro deve ser

fechado àqueles que conspurgam o nome judaico, sendo que o capítulo Tomachevsky, que

desperta no público do Rio desprezo e raiva, foi de vez apagado”.552

Porém, ainda em 1927

o elemento indesejável tinha sua presença no teatro, e em uma entrevista o ator Abraham

Bren, que comemorava 25 anos de vida artística, acusava a indiferença do público judaico

do Rio por não dar o devido apoio e sequer lutar para que os indesejáveis deixassem de

549

V. a relação de suas obras em B. Gorin, Di Geschichte fun idischen theater (A história do teatro ídiche), 2a

ed., N.Y., 1923, pp. 264-5 550

Cartazes da grande Companhia Israelita de 12 de novembro de 1915, da peça Shulamis (Sulamita), de A.

Goldfaden, no Palace Teatro, e da grande Companhia Israelita H. Starr, de 27 de novembro de 1916, da

“opereta” de M. Meisel Mein veib’s man (O marido da minha mulher), no Teatro República, col. Nachman

Falbel. 551

DIV de 21/11/24, número 54. 552

DIV de 08/05/27, número 78.

327

freqüentar o teatro. Ele arrematava dizendo: “mas nós estamos dispostos a tirá-los, mesmo

se for a pauladas, para que vocês venham e freqüentem o nosso límpido teatro”.553

A visita de Viera Kanievska e Paul Breitman, ambos artistas famosos, ao Rio,

nesse mesmo ano, indicava claramente que sua companhia fora alvo de críticas por parte

do público judaico carioca, pois em entrevista ao Idische Folkstzeitung ambos queixavam-

se que “está se criando uma atmosfera ao seu redor devido à presença de certo público

indesejável nas últimas representações, culpando-se a empresa por isso. Nós, isto é, a

redação, lhes fez ver que com desculpas vazias nada se conseguiria, a não ser com atos,

para fazer com que limpem o teatro em que atuam, e que isso é de seu interesse”.55424

Poucos dias após os atores Kanievska e Breitman fariam uma declaração pública para a

comunidade, na qual afirmavam o seguinte: “Dois meses se passaram desde que

começamos o nosso teatro, e é um fato que o Rio precisa de um teatro limpo. E para isso,

ela, a comunidade, precisa lutar. Já nos dirigimos às sociedades para que elas controlem a

entrada do teatro, a fim de evitar a mescla do público. O Yugend Club foi o único a

responder e se prontificou para isso, e nossa vontade é que o teatro sirva apenas à parte

positiva da coletividade judaica.

Não temos medo daqueles ‘homenzinhos’ que fazem intrigas e desejam perturbar a

representação de aniversário de nosso diretor A. Bren, dizendo que o teatro está repleto de

linke (indesejáveis). Deixamos assim a colônia do Rio dizer sobre a questão e daremos no

dia 1º de janeiro de 1928 a última representação”.555

Nesse tempo, a comunidade dos

imigrantes já tinha estabelecido uma postura radical contra os rufiões e prostitutas, que

começou a se manifestar ainda em 1910 por ocasião em que eles desfilaram nas ruas do Rio

numa cerimônia de dedicação de um Sefer Torá à sua sinagoga, conhecida como “a

congregação das mulheres” pela imprensa local. Eles foram atacados por um grupo de

jovens da comunidade que lhes arrebatou a Torá e os puseram a correr.556

Nessa década,

quando David José Perez criava em 1916 a primeira publicação judaica em Português, no

Rio de Janeiro, A Columna, que tinha por objetivo, entre outros, incentivar a formação de

uma comunidade organizada, abordava-se a questão dos traficantes e prostitutas como um

desafio a ser enfrentado pela comunidade de imigrantes.

Álvaro de Castilho, redator do periódico e amigo de David José Perez, em um artigo

sob o título Judeus imigrantes escrevia:

“Somos, porém, chegados a um período de tal intensidade no deslocamento

dessas grandes massas daquele para este continente, e mesmo de um para outros países

americanos, que cada uma destas novas nações cuidou de estabelecer princípios especiais

de polícia para o fim precisamente de se garantir, como uma espécie de profilaxia social,

contra a penetração de certos elementos menos convenientes ao desenvolvimento do povo,

segundo as linhas previamente traçadas pela administração pública nos seus programas”.

Mais adiante ele diria:

553

Idische Folkstzeitung, 30/12/1927, número 4. 554

Idische Folkstzeitung, 27/12/1927, número 3. 555

Brasilianer Idische Presse, 30/12/1927, número 259. Assinavam a declaração todos os atores da trupe:

Viera Kanievska, Pesach (Paul) Breitman, Zina Rappel, Max Bren, Tzila Teks, B. Nathan, D. Beiguelman,

Hava Polanska, Jacob Parnes, Nathan Huliak, Miron Serov. 556

Bristow, op. cit. p. 141, citando como fonte O Lupanar, de Ferreira da Rosa, p. 9, e outros.

328

“Certo dia, um dos nossos mais respeitáveis correligionários fazia referências

bem frisantes a um certo grupo de criaturas abjetas que, aproveitando a generosidade da

terra americana, desabou sobre este nobre país e pretende, com o seu infame proceder,

envergonhar a coletividade daqueles de quem se dizem irmãos (itálicos)”.557

A abordagem clara e combatível do A Columna sobre a questão do tráfico

começou a ter frutos e mostrar sinais de adesão, como podemos verificar por uma

transcrição do Jornal do Comércio de Itacoatiara, Amazonas, com o seguinte teor:

“Era mesmo necessário que as vozes abalizadas e dignas se levantassem contra

o péssimo conceito em que são tidos os judeus, confundidos com mercenários vis que lhes

roubam o nome, manchando-o e tornando-o odioso”558

.

David José Perez, através do A Columna, durante aquele ano, continuou

combatendo os tmeim e exigindo que a comunidade o acompanhasse em seu objetivo. Em

junho de 1916 ele escrevia queixosamente:

“(...) Os judeus de Lisboa conseguiram do Parlamento uma lei especial

autorizando e auxiliando a colonização do planalto de Angola por israelitas que se

encontrassem em situação aflitiva nos países de nascimento. E nós? Nem ao menos temos

tido a coragem necessária para, congregando-nos, pedir ao Congresso Nacional uma lei que

ponha termo a essa infâmia do White Slave Traffic, cujos elementos, explorados e

exploradores são, desgraçadamente, apontados como da nossa raça”. Ass. D. (trata-se de

David J. Perez)559

.

Poucos meses após, em novembro, a redação do A Columna publicava um

artigo contundente sob o título O que somos, assinado por Fichel Grinberg, que revelava o

constrangimento moral em que se encontrava a comunidade dos imigrantes devido aos

tmeim:

“A propósito seja-me lícito assinalar de passagem, muito natural, mas nada

justo, o que sobre o nosso nome pesa no Rio de Janeiro. Como sempre acontece nos

grandes êxodos, as primeiras levas de imigrantes israelitas que vieram para o Brasil eram

compostas da escória da raça e representavam os elementos piores, os mais baixos.”

“Há quinze ou vinte anos os primeiros israelitas que se estabeleceram nesta

cidade (Rio) eram criaturas da mais vil espécie, e por isso chamaram sobre si a atenção do

povo e se tornaram lamentavelmente conhecidos.”

“Mais tarde chegaram outros elementos, mas por isso mesmo que eram gente

honesta, de vida tranqüila e laboriosa, os seus hábitos não divergindo das normas da moral

adotadas pelo povo do país, não despertaram a atenção nem a curiosidade dos nacionais. A

opinião pública, porém, guiando-se apenas pelas miseráveis impressões deixadas por

aqueles primeiros imigrantes e sem procurar estabelecer a necessária distinção entre a

vileza daqueles e a retidão dos novos, conservou em atroz conceito o nome israelita, e

assim firmou um preconceito que muitíssimo nos deprime. Não quero dizer, entretanto que

o povo deliberadamente nos queira mal ou nos amesquinhe, e sim que, não lhe sendo

possível fazer a distinção clara entre a moral daquela primeira corrente imigratória e da que

557

A Columna, 04/02/1916. O periódico começou a sair em janeiro daquele ano. 558

A Columna, 05/05/1916. 559

A Columna, 02/06/1916.

329

posteriormente começou a penetrar no país, vai confundindo uma e outra na mesma

apreciação degradante”56030

.

Uma celeuma levantar-se-ia em 1917, por ocasião das festas de Rosh Hashaná e

Iom Kipur, sobre as quais o jornal A Rua, sob o cabeçalho Aquilo não é judaísmo! Os

verdadeiros judeus protestam, do Rio de Janeiro, havia publicado uma foto da sinagoga dos

“cáftens”, sem distingui-los da comunidade. Uma carta de 27 de setembro daquele ano,

assinada por Samuel Strachman e dirigida à redação manifestava sua surpresa pela

“interpretação que um dos distintos redatores do apreciado vespertino (...) deu à nossa festa

anual religiosa”. “A fotografia que publicaste é a da festa celebrada pelos ‘cáftens’ e maus

representantes da colônia, repudiados por nós outros. A prova é que nenhum deles pode

tomar parte nas nossas cerimônias, porque o seu comportamento criminoso os afasta do

nosso convívio (...)” E mais adiante ele descreverá a “comemoração” do Iom Kipur pelos

tmeim. “Naturalmente, os réprobos, os desclassificados, os elementos delectores, que os há

em todos os países, deturpam as nossas crenças e introduzem na celebração bailes, bebidas

e outras troças profanas. Nós não temos culpa dessas falhas lamentáveis (...)”. Em nota

adicional da redação, o periódico informava: “Também fomos procurados pelo Sr. Hans

(Hano) Lent, presidente do Centro Israelita do Rio de Janeiro, sito à Rua São Pedro, nº 221,

que nos veio declarar que os bailes de que nos ocupávamos ontem não fazem parte do rito

israelita, não tendo o Centro dado nenhum baile, como também os organizadores desses

bailes – rufiões e prostitutas – são repudiados pelos verdadeiros israelitas, gente séria e

laboriosa, que vive unicamente do seu trabalho. Esses indivíduos, pelas próprias leis do

judaísmo, deixam de ser israelitas, uma vez que abandonaram o caminho honesto. Conhece

a exploração que ontem descrevemos, mas a sua ação só pode ser limitada a um simples

protesto, como o que nos trouxe”.

A notícia de um periódico da época que não pudemos identificar por ser um

recorte encontrado no arquivo de Jacob Schneider, sem data, descreve “O Novo Anno dos

judeus russos – As festas de hontem – Trinta e seis horas de jejum.”

“A colônia judaico-russa terminou hontem a costumeira festa do seu anno novo.

A ceremonia, que teve início na ante-vespera, começando por um rigoroso jejum a que toda

a gente alegremente se submetteu, finalisou hontem, as 12 horas.”

“Essa interessante solemnidade teve principio no cemiterio dos israelitas em

Inhauma. Naquelle campo santo compareceu toda a familia israelita, que entre lagrimas e

soluços atirava vários objetos em cima das campas, afim de demonstrar a sua passagem por

ali, segundo o ritual delles.”

“De volta ao cemiterio, os judeus se entregaram, das 24 horas em deante, as

significativas festas realisadas no Centro Cosmopolita, Centro Gallego e na sinagoga, sita à

rua General Camara.”

“A mais importante das tres foi a que se realisou no Centro Cosmopolita. Essa

associação achava-se bellamente decorada e profusamente illuminada, havendo entre sua

enorme assistencia uma alegre animação e ordem ao mesmo tempo. Na entrada daquelle

edificio se achava a presidente da Sociedade Beneficente das Mulheres Israelitas, a qual,

com outros membros da colônia, distribuía flores e recebia donativos em beneficio do

cemiterio e mais obras pias dos israelitas.”

“E foi assim o festejo do anno novo entre os judeus”.

560

A Columna, 03/11/1916.

330

A questão do rufianismo judaico aparecia sob a faceta anti-semita na imprensa

brasileira e era agitada por elementos interessados em atacar a comunidade. Em 1919, o

Kol Israel (A Voz de Israel), órgão dos israelitas do Pará, redigido por Eliezer Levy,

reproduzia sob o título “Campanha Indesejável” um artigo do jornal “O Imparcial” do Rio

de Janeiro, no qual lembrava que “sob diferentes pretextos, aparecem aqui e ali vários,

escritos, por meio dos quais se procura insinuar no espírito público as alicantinas do anti-

semitismo (...) Ainda ontem, o Comitê Polaco do Rio de Janeiro, pelo órgão de seu

presidente e em carta dirigida aos nossos colegas d’ ‘A Noite’, defendendo compatriotas

seus aqui residentes da acusação de caftismo, entendeu dever assentar a sua defesa na

afirmação de que os rufiões da nossa capital são israelitas e não polacos”. O articulista do

“O Imparcial” dirá que há rufiões de todas as nacionalidades (...) e que ninguém tem o

direito de lançar acusações por atacado, incidindo sobre as coletividades tão dignas de

respeito e acatamento (...) quem quiser viver conosco, desista da idéia de atear contendas

originadas de preconceitos de raça e de religião”.56131

Mais tarde, nos difíceis anos, quando o anti-semitismo no mundo e no Brasil

atingia seu clímax, Evaristo de Moraes, admirável lutador contra todo preconceito social,

em um artigo intitulado “Judeus sem dinheiro, tais como eu vejo...” sai em defesa dos

judeus ao descrever que um aspecto da pobreza israelita é o lodaçal da prostituição: “Desde

os últimos anos do Império, fora notado o fenômeno: vinham, às porções, pobres moças

judias, trazidas por vis exploradores, os famosos cáftens, e aqui vendidas, literalmente

vendidas. Não se pode negar, entretanto, que àquela época, aqui ficavam abominações

idênticas (...) Perseguições contínuas, forçada segregação social sistemática, recusa de

instrução, todos estes fatores congregavam na Rússia, na Polônia, na Hungria, para tornar

incompatível a existência do proletariado judeu, do sexo feminino. Percebe-se como eram

propícias tais circunstâncias às manobras dos exploradores do meretrício”. Ele apontará, no

entanto, que elas se diferenciam das demais prostitutas pela solidariedade, deveres

religiosos e, acima de tudo, pela ajuda e o auto-sacrifício que se manifesta pelo envio de

dinheiro para a sua família necessitada da Europa, e educação dos filhos, e os demais.

Evaristo de Moraes menciona o aspecto da criminalidade e dirá que “há velho

preconceito policial, atribuindo aos judeus a primazia na prática de certa forma de lenocínio

– o chamado caftismo (...) antigo chefe de investigadores (...) pretendeu convencer-me de

viverem da exploração do meretrício determinados profissionais judeus, reconhecidamente

chefes de família, que eu sabia honestos, por íntimo conhecimento. Explicação: tinham eles

por clientes mulheres prostitutas, as mesmas, aliás, que constituíam, naquela época, a

melhor clientela de certas joalherias da Praça Tiradentes e de uma farmácia em cujo

consultório fez nomear um dos mais notáveis dentre os ginecologistas brasileiros. Verdade

é, porém, que mesmo no tocante ao caftismo, não é lícito afirmar-se, querendo falar com

consciência, que o elemento judaico prepondere sobre os outros”562

.

Evaristo de Moraes apreendia o espírito do tempo impregnado de anti-

semitismo que incluía em seu arsenal argumentativo a acusação aos judeus de tráfico de

brancas. Mesmo muitos anos após, intelectuais brasileiros do quilate de um J.F. de Almeida

Prado expressavam o seu ranço preconceituoso contra os judeus com o mesmo argumento:

“De 1890 a 1914 afluíram esses elementos [judeus] ao Brasil a fim de praticar tráficos

561

Kol Israel, nº 7, 1º de junho de 1919. 562

Evaristo de Moraes, in Os judeus na História do Brasil, Zwerling, Rio de Janeiro, 1936, pp. 101-113.

331

ilícitos, por assim dizer, a única profissão que lhes permitia o império dos tsares, por sinal

uma das causas da queda do antigo regime moscovita, porquanto as suas comprensões

atiraram os judeus no rol de seus adversários... Alardeavam por esse motivo grande

desprezo pelos israelitas de cheiro caprino do norte da Europa – os ashkenazim mestiçados

com as populações da Rússia oriental, Polônia e Bessarábia. Ainda há pouco, os seus netos

escandalizavam-se quando vinha à baila alguma proeza de “polacos” (e bessarábios),

incriminados no Brasil no tráfico de brancas judias. A tradição dessa superioridade era,

consoante costume israelita, zelosamente conservada por numerosos especialistas em

questões religiosas e anciãs dedicadas à genealogia”.563

Um relatório interessante sobre a situação do tráfico no Rio de Janeiro, escrito

em 14/07/1920 por N. J. Thisch, do Departamento de Comércio e Indústria da Organização

Sionista Mundial em Londres, em base a um depoimento de um judeu residente no Rio,

Salomão Castro, que estava de passagem por aquela cidade, vem confirmar a luta na qual

David José Perez estava envolvido. Castro se reporta ao fato de que “um grupo de

traficantes enviou convites para a abertura do cemitério da Sociedade Beneficente

Israelita, que deveria se dar em 30 de maio de 1916. David Perez, ao se inteirar do fato,

achou necessário comunicar à imprensa que não se tratava da comunidade judaica do Rio,

escrevendo uma longa carta ao A Noite de 2 de novembro daquele ano, na qual procurava

denunciar ao grande público quem eram os seus patrocinadores. Castro, em seu relato, diz

que os traficantes não hesitaram em responder à carta de David Perez, e em 6 de

novembro eles publicavam no Correio da Manhã uma carta sob o título O Cemitério dos

Israelitas, assinada por A. Kauffman, na qual procuravam demonstrar que eram os reais

representantes da comunidade judaica do Rio. O depoente observa que logo após a

abertura desse cemitério os seus patrocinadores fizeram de tudo para ganhar a confiança

de certos círculos judaicos, e devido à oposição existente, colocaram à disposição dos

opositores uma certa parte do terreno àqueles que não quisessem ser enterrados

juntamente com as prostitutas”564

.

Não sabemos se alguém da comunidade utilizou-se desse ato de generosidade

dos cáftens. Nos Zichroines (Memórias) de Jacob Schneider encontramos uma versão sobre

a aquisição de terreno para cemitério de parte dos cáftens: “Em 1914 faleceu um jovem

judeu. Não tivemos outro jeito a não ser enterrá-lo em um cemitério católico. Começamos a

procurar um meio de como formar um cemitério judaico. O problema prolongou-se por

vários anos. Quando finalmente encontramos um lugar, o nosso advogado, que também

representava os traficantes de escravas brancas, em vez de passar a escritura em nosso

nome, o fez em nome deles”565

. Esta versão é complementada, no mesmo manuscrito de J.

Schneider: “o local era anexo ao cemitério cristão; entretanto, após muito procurar,

encontramos outro lugar”, o que confirma que se tratava do terreno em Inhaúma. Samuel

Malamud parece esclarecer o que teria ocorrido ao dizer que os tmeim também

563

Almeida Prado, J.F., Primeiros povoadores do Brasil, 1500-1530, Bib. Pedagógica

Brasileira, São Paulo, pp. 31-32. 564

O documento se encontra no Central Zionist Archives, Jerusalém, Z4/2350. 565

P. 21 da versão portuguesa do manuscrito em ídiche. Cópia no A.H.J.B.

332

conseguiram das autoridades que seus mortos fossem enterrados naquele mesmo local, o

que levou a comunidade a abandonar o mencionado cemitério566

.

Podemos depreender que na atitude deliberada de se apresentarem como

membros da comunidade judaica e seus representantes os cáftens conseguiram que o

terreno em questão caísse em suas mãos. Os cartazes de teatro mencionados anteriormente

confirmam a sua intenção de adquirir o terreno de Inhaúma, já que o problema sob o

aspecto religioso judaico era tanto deles como dos demais imigrantes; seus mortos eram

enterrados nos cemitérios cristãos567

.

David José Perez, que teve um papel decisivo na formação de várias

instituições comunitárias, bem como no movimento sionista do Brasil, era a pessoa

indicada para a missão à qual se propôs.568

Sua cultura e seu domínio da língua portuguesa

o apontava como um líder natural para a difícil empreitada de combater a marginália que

infestava a vida judaica. Na época, o estigma judeu - traficante de escravas brancas estava

profundamente arraigado na opinião pública e a separação do maldito binômio exigia uma

atitude radical. É ilustrativa uma carta que Maurício Mossé publicou no Jornal Moderno,

na Bahia, em 14 de outubro de 1916, e transcrita no A Columna. O autor responde a uma

pessoa que se diz “polaco” e que em 11 de outubro escrevera “que são os perversos judeus

que constituem a maior praga da Polônia”. Mossé dirá:

“Eu não garanto, sr. redator, que entre os judeus nascidos na Polônia algum

ou alguns não haja que se dediquem ao abominável comércio da escravatura branca. Mas,

quando em nosso grêmio aparece algum desses miseráveis, nós somos os primeiros a

enxotá-lo. Ao que se torna cáften nós proibimos a entrada em nossos templos, não lhe

damos sepultura em nossos cemitérios; são publicamente excomungados pelos nossos

rabinos; não são mais reconhecidos como judeus. Desejava que o senhor polaco me”

contasse o que entre eles, filhos da Polônia, se faz quando um seu patrício comete tão

repelente crime 569

. O veneno destilado pelo “polaco” mesclava o estigma judeu-traficante.

566

Malamud, S., Recordando a Praça Onze. Kosmos, Rio, 1988, p. 83-4. É inteiramente equivocado e sem

fundamento o que escreve a autora do livro Baile de Máscaras, página 113, que “a idéia da compra de um

cemitério para os ‘puros’ só surge por volta dos anos 20, quando o Cemitério Israelita de Inhaúma, fruto da

compra e não da doação de terreno, estava em pleno funcionamento”. A idéia surge bem antes e a criação da

Sociedade Funerária (Chevra Kadisha) se dá em 1º de março de 1920. O Centro Israelita do Rio de Janeiro,

fundado em 1º de outubro de 1910, tem em seus Estatutos Título I, Org. e fins parágrafo 3º, adquirir um

terreno para servir de cemitério à comunidade israelita, Col. Nachman Falbel. Tudo indica que a versão de

Jacob Schneider dando o ano de 1918 para a aquisição de novo terreno seja verdadeira, uma vez que em 1920

já se realizaram enterros em São João do Meriti. Também aqui, como em outros lugares de seu livro, como

veremos, a autora revela total desconhecimento da história da imigração judaica no Rio de Janeiro e no Brasil.

Na verdade houve outras tentativas bem anteriores de se obter um terreno para criar um cemitério judeu, a

começar da petição que os judeus do Rio fizeram a D.Pedro II, em 1872, conforme nos informa a Folhinha

Laemmert, de 1874, p.227, apud David Gueiros Vieira, Protestantism and the Religious Question in Brazil:

1850-1875, The American University, Washington, 1972, p.118. 567

Nos anos 70, visitando juntamente com os historiadores Egon e Frieda Wolff esses cemitérios,

encontramos sepulturas identificáveis como sendo de tmeim. Wolff, Egon e Frieda, Sepulturas de Israelitas

(São Francisco Xavier), ed. C.E.J., nº 3 SP, 1976; Sepulturas de Israelitas II, ed. C.C.I., Rio de Janeiro, 1983. 568

Sobre David José Pérez e sua atuação na questão dos “tmeim” bem como na formação da

comunidade judaica no Brasil vide Falbel,N., David José Pérez:uma biografia, Garamond, Rio de

Janeiro, 2005.

569 A Columna, 3 de novembro de 1916.

333

O mencionado Salomão Castro, em seu depoimento lembrado acima, relata que nos inícios

da guerra (Primeira Guerra Mundial) uma certa mulher polonesa escreveu uma carta à

imprensa na qual acusava todos os judeus de se ocuparem com o tráfico de escravas

brancas. Perez respondeu a essa acusação, mas logo a seguir mais acusações iguais contra

os judeus foram levantadas pela colônia polonesa. Castro observava que um iletrado de

nome Jacob Kasinsky, presidente da Sociedade Nacional Polonesa, estava à testa do

movimento antijudaico no Brasil, e todos os artigos que apareciam na imprensa, ainda que

assinados sob seu nome, na verdade eram escritos por um polaco que era secretário do

consulado russo no Rio. Ele ainda nos informa que nessa sociedade havia também sócios

judeus até o momento em que os artigos anti-semitas os afastaram da mesma. Desse modo,

podemos entender o esforço de David Perez, justamente na intenção de lançar as bases para

uma organização comunitária em nível nacional num encontro com todos os representantes

das comunidades brasileiras, a fim de criar uma representatividade diferenciada da

associação dos cáftens e prostitutas que confundia a sociedade brasileira a respeito de sua

identidade570

.

Uma nova etapa na vida comunitária judaica do Rio e do Brasil inaugurar-se-ia

com a vinda do Dr. Yehuda Vilensky, representante da Organização Sionista Mundial, que

incentivou e criou os primeiros núcleos sionistas no Brasil e permitiu, em 1922, a formação

da Federação Sionista do Brasil, sediada no Rio de Janeiro571

.

No mesmo ano, em 15 de novembro de 1922, realizar-se-ia o 1º Congresso

Sionista do Brasil, e uma das resoluções fazia referência ao combate aos “indesejáveis”,

demonstrando que a questão preocupava diretamente o movimento nacionalista como um

todo e que via no saneamento da vida judaica também um objetivo adicional às suas

finalidades políticas572

. Dois anos após, o Froien Farein (Associação das Mulheres Judias)

do Rio, fundado em 1916 (de acordo com Jacob Schneider, mas oficialmente em 23 de

dezembro de 1923), publicava no número 54 do Dos Idische Vochenblat um apelo geral

alertando e convocando a comunidade para combatê-los, e nesse momento essa organização

de mulheres, que atuava no campo da ajuda e beneficência aos imigrantes, também se

incumbira de controlar a atividade dos rufiões a fim de evitar que estivessem presentes nos

portos de desembarque de imigrantes para aliciar moças à prostituição, ao mesmo tempo

em que se empenhavam em tirá-las de suas garras se porventura viessem a ser enganadas

por cáftens com promessas de casamento ou de sucesso material na dourada América, como

era usual na época. A atividade das mulheres judias através do Froien Farein foi importante

para a salvação de muitas jovens, que de outra maneira teriam caído na prostituição. Na

verdade, elas estavam ligadas ao Ezrat Nashim ou à Sociedade de Proteção de Mulheres de

570

Falbel, N., O Primeiro Congresso Israelita no Brasil, in Shalom, set. 1981, pp. 20-23 e nessa coletânea. No

Arquivo David José Perez encontramos várias cartas, em tempos diferentes, nas quais ele afirma

enfaticamente que a criação do A Columna foi motivada pela necessidade de limpar o nome da comunidade

dos imigrantes da acusação de tráfico de escravas brancas. 571

Sobre ele v. Falbel N., Yehuda Wilensky e Leib Jaffe e o movimento sionista no Brasil (1921-1923). In

Anais do V Congresso Internacional de Investigadores sobre Judaísmo Latino-Americano, B. A., 1988 e nessa

coletânea. 572

O texto da resolução reza o seguinte: “(...) Ao futuro Comitê Central de socorro aos israelitas da Europa se

ocupar da questão do tráfico de brancas e de cooperar com as autoridades competentes para combater este mal

e também regular a questão do divórcio israelita. V. Falbel, N. Documento inédito: os protocolos do Primeiro

Congresso Sionista no Brasil, em novembro de 1922, in Shalom, nº 195, dezembro 1981, janeiro 1982, pp.

14-24.

334

caráter internacional, que a vinda ao Rio do rabino Isaias Raffalovich, em dezembro de

1923, da Inglaterra, permitiu estabelecer um contato mais direto, por ser representante da

J.C.A. (Jewish Colonization Association) para o Brasil. Em suas Zichroines, J. Schneider

faz referência ao empenho do Froien Farein, pois sua esposa Cyla foi ativa desde o início

nessa associação, e relata que “a mais importante missão dessa sociedade era afastar as

moças judias da vida vergonhosa. Ao término da guerra, quando cada navio que atracava

trazia moças judias, muitas foram salvas por essa sociedade”573

.

A Froien Farein tinha como objetivo básico de sua associação a proteção de

mulheres, e isto está expresso claramente em sua história escrita por Ida Pames: “A

primeira preocupação da diretoria foi legalizar a associação e criar estatutos. Ao mesmo

tempo a diretoria trabalhou com a Sociedade de Proteção das Mulheres de Londres,

juntamente com o Relief. Para esta atividade foi decidido formar uma Comissão especial

composta com as seguintes sócias: Sima Hoinef, Z”L, Edy Koifman e a senhora Shapira. A

tarefa da Comissão era aguardar os navios que entravam no porto e observar as mulheres e

moças judias e saber por que haviam vindo ao Brasil. Era um tempo em que as pessoas do

submundo desencaminhavam mulheres e jovens, e muitas vezes, as próprias mulheres e até

mesmo irmãs e parentes. Graças à guarda permanente da Comissão muitas mulheres e

moças foram salvas e a Froien Farein começou sua atividade de ajuda crescente e passou a

desempenhar um papel vital na vida judaica do Rio”574

.

Isaias Raffalovich575

representaria o Brasil nos encontros internacionais para o

combate ao tráfico de escravas brancas e se empenharia em mobilizar as mulheres do

Froien Farein para enfrentar o problema576

. O apelo dessa Associação teve eco em todo o

Brasil, como podemos verificar pela publicação da carta assinada por Rachel Roitman, de

Penedo, na qual repete “que uma parte de nosso povo está mergulhado na sujeira (...) somos

chamados ‘russos’ e aquele elemento também (...)”577

.

Contudo, uma nova agravante em relação à questão surgiria em 1925, quando a

Prefeitura do Rio decidiu proibir a prostituição no centro da cidade e admiti-la na avenida

desde o Mangue, a partir da rua Santana e Praça Onze, onde se concentrava boa parte da

população israelita. Sob o título Vizinhos indesejáveis, o Dos Idische Vochenblat578

tratava

do assunto com visível preocupação, e em outro artigo de fundo, O destino de nossas

iniciativas sociais, acusava a comunidade de não enfrentar com a devida energia o

problema e se mostrar passiva frente ao mesmo579

.

573

A enunciação da autora do Baile de Máscaras, p. 114, de que “por mais que membros da comunidade

israelita afirmem ter se preocupado em ‘salvar’ as moças, indo aos portos alertá-las, sabe-se que, se esse

trabalho foi feito, seu resultado foi quase nulo” é destituída de qualquer fundamentação documental ou

estatística para ser tão categórica. Também o significado das aspas na palavra “salvar”, colocadas pela autora,

deixa margem a várias interpretações (...) sobre a própria concepção da autora em relação ao problema. 574

Parnes, Ida, Geschichte fun idischen Froien Farein (História da Sociedade Beneficente das Damas

Israelitas do Rio de Janeiro), red. Nelson Vainer, Rio de Janeiro, 1961, pp. 26-7. 575

Sobre ele e sua frutífera atuação no Brasil, vide seu livro autobiográfico, Tziunim ve-Tamrurim, (Marcos e

sinais) Tel-Aviv, 1952. 576

O Brasilianer Idische Presse de 08/07/27, número 211, traz relatório de Raffalovich sobre o encontro

internacional da Ezrat Nashim (Sociedade de Auxílio à Mulher), em Londres, em que estiveram presentes 70

delegados, incluindo o Dr. Halfen, da Argentina.

577 DIV, 16/01/25, número 62.

578DIV, 05/06/25, número 82.

579 DIV, 12/06/25, número 83.

335

Os fatos nos lembram o que iria acontecer em São Paulo muitos anos mais

tarde, quando a Prefeitura estabeleceu no bairro judeu do Bom Retiro a zona do meretrício,

após tê-la proibido de funcionar no centro, ocorrendo o mesmo, naquele tempo, no Rio.

Podemos aventar a hipótese de que o estigma judeu - traficante de escravas brancas, judeu -

prostituição estaria subjacente na mente das autoridades que decidiram por tais

transferências e localizações.

De toda forma, a preocupação relativa à transferência das prostitutas para o

bairro judeu na cidade do Rio levou a que se convocasse uma reunião do executivo do

Centro Sionista, na qual constava, entre outros assuntos, a “migração da prostituição”, que

deveria ser levada a um encontro especial de representantes das instituições comunitárias

para estabelecer tratativas com o governo sobre a questão.580

Podemos imaginar o quanto

esse assunto angustiava a comunidade, que ao procurar por todos os meios a separação e o

isolamento dos tmeim, era levada por uma resolução administrativa a tolerar sua presença

ao seu lado. Ainda nesses anos se encontrava viva a memória dos acontecimentos aos quais

fizemos referência ao redor do cemitério, que somente a partir de 1920 encontraria uma

solução satisfatória pela aquisição de um terreno sito em São João do Meriti. Após vários

anos seria terminada a sua construção, isto é, em 31 de outubro de 1926, ainda que desde

aquela data – 1920 – já era utilizado para os enterros da comunidade. Para a inauguração,

que contou com a presença de Isaias Raffalovich, o público judaico seria convidado,

fazendo-se a ressalva: “Temos em vista só o elemento que moralmente não se encontra fora

de nossa comunidade”581

.

O Centro Sionista expressava, além do mais, uma postura ideológica que o

movimento sionista em geral, e o brasileiro em particular, desde que se criou a Federação

Sionista do Brasil, em 1922, assumiu, no sentido de afirmar-se como uma nova nação

digna, respeitada e reconhecida pelas demais nações do mundo, visando a criação de um

Lar Nacional Judaico na Palestina. Em outras palavras, a questão dos tmeim não se limitava

à vida comunitária, mais do que isso, ela implicava na necessidade da criação de uma auto-

imagem nacional sem manchas morais.

No judaísmo europeu encontrava-se difundida a imagem de que o judaísmo

sul-americano, na Argentina e no Brasil, se ocupava e vivia da prostituição, e na medida

que os visitantes de fora se deparavam com a presença dos tmeim, em grande quantidade

nesses países, criava-se a falsa impressão de que os rumores difundidos na Europa desde o

final do século XIX eram verdadeiros, ou seja, que esse judaísmo era composto de

traficantes e prostitutas.

Entrevistas de visitantes ilustres como o do já lembrado Peretz Hirschbein, que

esteve em São Paulo e no Rio em 1914, e ao voltar ao Brasil pela segunda vez, em agosto

de 1925,582

para proferir conferências em várias comunidades brasileiras, tocara nos

sentimentos desse judaísmo, deixando grande mágoa devido a uma declaração infeliz feita

ao Di Idische Emigratzie, órgão do HIAS-Emigdirekt de Berlim.583

O Idische Folkstzeitung

publicou um artigo com o título Peretz Hirschbein’s gut vort (A “boa palavra” de P.

580

DIV, 27/07/25, número 89. 581

DIV, 29/10/26, número 155. 582

DIV, 29/05/25, número 81; 19/06/25 número 84; 26/06/25 número 85; 02/07/25 número 86; 10/07/25

número 87; 17/07/25 número 88; 24/07/25 número 89. 583

Idische Folkstzeitung, 27/01/1928 nº 12.

336

Hirschbein), que reproduzia a entrevista do dramaturgo na qual afirmava que “no Rio, às

vésperas da Primeira Guerra Mundial, havia 1.700 almas, a maioria era de solteiros, poucas

famílias, em sua maioria de clientelchikes (mascates). Alguns poucos eram ricos, com lojas

de móveis. Mas o grande mal, como em toda a América do Sul, é a prostituição. Naquela

época havia cerca de 5.000 prostitutas judias no Rio, mas elas ficaram isoladas da nova

imigração e têm um cemitério próprio, onde sobre as lápides estão inscritos os maiores

elogios. Na época, a população judaica do Rio não tinha um cemitério próprio. Em São

Paulo, na época, não havia mais de 300 almas, mas eram gente de família. Na minha

segunda visita ao Brasil, em junho de 1925, a situação já era outra, e no Rio já havia cerca

de 5.000 almas, e hoje existem duas bibliotecas (I.L. Peretz e Scholem Aleichem) e

trabalhadores judeus. No que se refere ao tráfico de escravas brancas, ele continua e se

encontra espalhado nas ruas onde habitam os judeus, e com isso a comunidade sofre muito,

e por isso ela procura ser a maioria em relação aos tmeim, e luta para serem vistos como

‘judeus’, e não como ‘russos’, como eram identificados os tmeim. E somente com uma

imigração, que o Brasil pode absorver, se possibilitará que os tmeim se tornem uma

minoria, até que desapareçam”. O redator do periódico não poupou críticas à entrevista de

P. Hirschbein por denegrir a imagem da comunidade judio-brasileira e exagerar, como de

fato parece ter exagerado, sobre o peso numérico dos tmeim na cidade do Rio. De resto, a

entrevista revela em boa parte o estereótipo sobre o judaísmo brasileiro e argentino, aos

olhos desses visitantes.

Em seu livro “Fun vaite lender :Argentine, B razil, Yuni, November, 1914”

Hirschbein ao falar de uma imigração do ano 1890-na verdade ocorreu em 1891- retrata o

destino de várias famílias que caíram nas mãos dos traficantes de escravas brancas. No

mesmo livro ele se refere ao cemitério geral onde se encontram enterradas jovens prostituas

vítimas dos traficantes que morreram prematuramente. Em um capitulo narra sua presença

em Belém do Pará após seu navio ser capturado pelos alemães e nos surpreende ao narrar

seu encontro com os sefaraditas marroquinos que compõem a comunidade local e estão

imbuídos da convicção generalizada na sociedade brasileira de que os “russos”, isto é,

judeus asquenazitas da Europa oriental, se ocupam maiormente com o trafico de escravas

brancas e por isso deve-se estar deles afastados.584

Peretz Hirschbein, autor da peça Miriam, que tratava do tema, tinha certamente

uma sensibilidade maior em relação ao problema, e ao visitar em 1925 o Brasil, ele

publicaria no Dos Idische Vochenblat, sob o título Brasil, um retrato sobre o que vira na

zona de prostituição do Rio: “(...) Tarde, após a meia-noite, nas ruas judaicas. Casa ao lado

de casa. Porta perto da porta. Corredor junto a corredor. Corredores iluminados. Cinco,

seis, sete judias em cada corredor. Com a enlameada nudez elas estão sentadas sob a luz

berrante. Como moscas ao redor de monturos de lixo, homens as rodeiam com a luxúria

estampada em seus rostos. Ouve-se em espanhol, ídiche, alemão: venha comigo, venha

comigo (...) Como chegou ao nosso povo esta peste? Que ventos trouxeram esta sujeira?

(...)”585

. Hirschbein escrevia, como outros, dolorido e confuso com a existência chocante do

fenômeno pela sua notada dimensão no Rio e em Buenos Aires, onde também estivera.

Algo semelhante, muito próximo ao tempo da entrevista que P. Hirschbein dera no

584

Hirschbein,P., Fun vaite lender:Argentine ,Brazil, Yuni,November,1914, N.Y., 1916, reed. Book

Renaissance, N.Y., 2012, pp.177-8; 252-255.

585 DIV, 24/02/1926, número 120. Peretz Hirschbein já não se encontrava mais no país

337

mencionado periódico, ocorreria com Jacob Zerubavel, o famoso líder do Linke Poalei Zion

(Partido Obreiro Judaico, de esquerda), que também tivera a oportunidade de visitar o

Brasil, em nome do Zicho (organização central da rede escolar judaica de língua ídiche na

Polônia). O periódico Idische Folkstzeitung, do Rio,586

referiu-se a uma entrevista de

Zerubavel na qual acusava os judeus da América do Sul de traficar com escravas brancas, e

o redator do periódico não poupou o líder socialista pela generalização, acusando-o em dois

artigos, Zerubavels nekome (A vingança de Zerubavel) e Zerubavel un froien-hendler

(Zerubavel e os traficantes de escravas brancas), dizendo que suas afirmações decorriam do

mau desempenho em sua missão no Brasil. O autor dos artigos, Aron Bergman, por outro

lado, era um antigo desafeto – ainda na Polônia – do líder poalei-sionista e aproveitou-se da

oportunidade para atacá-lo pessoalmente.

A questão dos tmeim encontrava-se agora nas páginas do jornal judaico mais

influente da comunidade do Rio de Janeiro, o Idische Folkstzeitung, fundado em 20 de

dezembro de 1927, que reunia uma plêiade de ativistas sociais no nível de Eduardo

Horowitz, Jacob Schneider, Salomão Gorenstein, e tinha como redatores Shabetai

Karakuchansky, o escritor Menashe Halperin e o combativo e culto Aron Bergaman. Em

seus primeiros meses de existência o periódico colocava novamente a questão como um

problema que desafiava a comunidade. O artigo Der kampf mitn rufianizm (A luta contra o

rufianismo),587

escrito pela redação, dizia que “no Rio existem rufiões em quantidade, que

pertencem a outros países e são importados588

, e em parte são daqui mesmo, o que não é

novidade. Assim como não é novidade que para a justiça eles não existem (...) e a suspeita

de que a polícia é excessivamente tolerante para com eles (...) quem sabe com a imprensa

não perdendo a oportunidade para atacá-los poderão ser desmascarados (...) é de se crer que

a atual atenção da metrópole em melhorar sua aparência possa varrer daqui esse elemento

degenerado (...)”.

O número de abril589

do mesmo ano trazia a informação de que dois traficantes

de escravas brancas foram presos na Polônia: “Noach Miteloch, com a ajuda de sua esposa,

trazia da província para Varsóvia moças, que após serem entregues para a polícia, eram

prostituídas. As mais bonitas eram vendidas aos traficantes, que as levavam ao Brasil e à

Argentina, assim como aos portos franceses e alemães e à América do Norte”. Cerca de um

mês após590

, sob o título Segredos do tráfico de mulheres perante o tribunal de Varsóvia, o

jornal tratava de um traficante que esteve no Rio, Haim Silberstein, que se casou com uma

moça em Paris, de nome Perl Krochmal, após sair de Varsóvia em 1919, e logo após o

casamento forçou-a a se entregar à prostituição, levando-a a Buenos Aires e vendendo-a a

um prostíbulo. Voltou a Varsóvia para buscar mais “mercadoria”. Seu comparsa era Isac

Napoleon, de Buenos Aires, e em carta ele descreveu a mercadoria que desejava. Procurou-

se saber onde estava Perl Krochmal e soube-se que era prostituta no Café Internacional de

Buenos Aires. Ele foi condenado a três anos de prisão. O Idische Folkstzeitung engajava-se

586

Idische Folkstzeitung, 06/01/1928, número 6.

587

Idische Folkstzeitung, 07/02/1928, número 15. 588

Provavelmente refere-se à Argentina, que nesse ano estava em especial perseguindo com rigor traficantes

e cáftens. Logo mais desencadear-se-ia, em 1930, o grande combate ao rufianismo pelo comissário Júlio

Alsogaray, provocado pelo “conhecido affaire” Raquel Liberman. 589

Idische Folkstzeitung, 10/04/1928, número 33. 590

Idiche Folkstzeitung, 08/05/1928, número 41.

338

no combate ao rufianismo, fazendo questão de publicar o que se passava em outros países e

em suas conexões na América do Sul.

O mal-estar provocado pela imagem desfigurada que o judaísmo brasileiro

tinha perante a opinião pública judaica de outros lugares – e perante si mesmo – manifesta-

se na divulgação de um número extra591

do jornal Unzer Leben (Nossa vida), que começou

a ser publicado em 23 de dezembro de 1927, sob a direção de Natan Ferman e redação do

escritor Adolfo Kichinevsky592

.

O artigo desse número extra com o título Zevorfen di vant oder nit?!

(Derrubada à parede, ou não?!) iniciava afirmando que “os judeus do Rio se encontravam

perante um grande desafio: o de manter o nosso bom nome perante o mundo, e para o que

já lutamos durante muitos anos com todas as nossas forças”.

“Sabemos qual é a nossa responsabilidade em levar a público (...) e não

permitiremos o abandono que predomina atualmente no teatro judaico através da

Companhia Lubelchik e Bren (...) e não permanecer indiferentes a isso e trazer o nosso

grave protesto contra as pessoas que nos querem aproximar lado a lado com esses tmeim,

com os quais lutamos há anos e aos quais conseguimos corajosamente erradicar de nossas

fileiras.”

“(...) A parede de ferro que conseguimos erguer para nos separarmos foi

quebrada nos últimos espetáculos da mencionada empresa (...) e não podemos permitir

sentar-nos e silenciarmos quando do nosso lado estão sentados esses engordurados, de

barrigas proeminentes, com faiscantes brilhantes, ‘alfonsos’ que nos olham com seu sorriso

repelente e olhar sarcástico (...)593

E eles podem ser nossos irmãos, porém isso não nos

impedirá de nos afastarmos e fugirmos deles como se foge da peste. E assim como na

Argentina, Buenos Aires, se dá a mescla no teatro ídiche, enquanto que em outras

instituições, e no contato pessoal, se os mantêm distantes, de modo que não conseguem se

aproximar até o umbral.”

“Devemos de uma vez por todas definir para quem se apresenta o teatro, para

nós ou para eles, mesmo que tenhamos que perder uma instituição que se chama Teatro (...)

e devemos constatar finalmente que o fato é um fato, pois eles freqüentam o teatro conosco

e sentamos com eles ao lado, e nos misturamos com eles, e a parede de ferro entre nós e

eles se rompe e cai, e até agora nenhum protesto é ouvido (...) que possa o nosso apelo de

hoje servir de protesto e que a palavra seja dada à sociedade judaica!”

O apelo terminava com as frases: “judeus do Rio, defendam vossa honra!

Fortifiquem a parede de ferro que divide a nós dos tmeim! Que nossa honra e sentimentos

de respeito não tenham uma má repercussão no exterior!”.

De certa forma, esse apelo lembrava o publicado pelo Centro Sionista do Rio

em 26 de setembro de 1924 no Dos Idische Vochenblat594

, pouco antes da visita do escritor

Z. I. Anochi ao Brasil.

591

Unzer Leben, 27/12/1927. 592

V.Raizman, I., A fertl yohrhundert idische presse in Brazil, Safed, 1969, pp. 90-91; sobre Kichinevsky vide

Falbel, N., O mascate Adolfo, in Shalom, 275, setembro de 1989, e também nessa coletânea.

593 A descrição é próxima dos memorialistas que escreveram a respeito e do que se encontra na obra de Leib

Malach, “Don Domingos Kreitzveg”, Vilna, 1930, havendo edição mais recente. 594

DIV 26/09/1924, número 46.

339

As expressões repetitivas de luta da coletividade contra a “mistura”

(oismishung) com o elemento indesejável, “apesar de sua origem judaica”, e “que traz

vergonha a todos nós que vivemos no Brasil e ao povo judeu em geral” voltam a ser

enfatizadas nesse apelo dirigido ao grande público:

“(...) Apelamos a todos para ajudar a fortalecer a parede que erigimos com

tanta força moral entre a honrada sociedade judaica local e os traficantes de escravas

brancas (veise shklafen hendler). Exigimos que nossos concidadãos judeus afastem-se dos

lugares onde se reúne aquele elemento indesejável e não freqüentem eventos e

representações teatrais em que traficantes de mulheres e as vítimas dessa ralé têm livre

entrada, para que nós todos não sejamos pelo amplo público considerados como

pertencentes ao mesmo elemento criminoso. Convidamos a todos os concidadãos judeus a

apoiar a ação da Liga das Nações contra traficantes de mulheres”. O apelo traz como

primeiras palavras “para a honra judaica e para o bom nome de nossa coletividade”, e

termina com “judeus, demonstrem quem vós sois e a quem pertenceis! Evitem a sociedade

que coloca em suspeição nosso valor moral como pessoa e judeu!”.595

Em um relatório escrito por Menasche Halpern ao HICEM publicado em forma

de artigo na revista “Di Ydische Emigratzie” (também em alemão “Die Jüdische

Emigration”), ns. 6-7, agosto-outubro, 1929, sob o título “Di idn in Brazilie” (Os judeus no

Brasil) ao se referir ao número de judeus no país, calculados em cerca de 30.000 ou men os

de 40.000, observava: “Compreensível é que nesse número de judeus não entram

absolutamente aqueles que tem qualquer coisa a haver com os “tmeim”. Esses elementos

estão rigosorsamente colocados à margem e em nenhuma hipótese eles são levados em

conta como vinculados à comunidade judaica no Brasil. Eles não são admitidos em

595

A autora do Baile de Máscaras, pp. 90-91, novamente interpreta às avessas e de modo bizarro ao afirmar

que “ao denunciar o vínculo do teatro com o dinheiro ‘impuro’, o texto teatral teria obrigado as comunidades

judaicas a lutarem por uma cruzada de saneamento. Mais uma vez, não se quis auxiliar as jovens ou senhoras

prostitutas (sic!), o que se quis foi lutar por demarcar os espaços de atuação (sic!)”. Além de não saber

corretamente o nome da peça de Leib Malach, Ibergus (e não Ibegus), a autora comete dois erros graves: 1) O

teatro ídiche não obrigou as comunidades judaicas a lutarem por uma cruzada de saneamento, a cruzada de

saneamento é que deveria abarcar todos os aspectos da vida comunitária – sinagogas, cemitério – e também

foi levada ao teatro, que ainda continuava sendo um reduto dos tmeim (e não tmeins). 2) É pura fantasia a

afirmação de que “mais uma vez, não se quis auxiliar as jovens ou senhoras prostitutas (...)”. A criação de

associações femininas no Brasil (Rio e São Paulo em especial) teve como um dos objetivos centrais salvar

jovens e mulheres das mãos dos traficantes e cáftens. A demarcação “dos espaços de atuação” foi uma das

formas eficientes para combatê-los e evitar que tivessem campo livre em seu “espaço de atuação” para

arrebatar novas vítimas, sob o protesto de serem parte da comunidade. Era a forma da comunidade dizer: eles

são criminosos, afastem-se deles. Como o bom senso indica, as associações não poderiam acabar com os

traficantes sem uma política governamental e policial. Também não é correta a afirmação da p. 89, que diz

que “os relatos contemporâneos de memorialistas das comunidades judaicas do Rio de Janeiro e São Paulo

pouco falam sobre o fato, isto é, as lutas pelo espaço do lazer, (sic) como o teatro ídiche”. Além de Malamud,

encontramos em boa parte, nos poucos memorialistas existentes entre nós, a lembrança viva dessa luta,

mencionando-se entre eles Isaac Raizman, que o faz em todos os seus escritos; Shabatai Karakuchansky no

seu Aspectn funem idischen leben in Brazil (Aspectos da vida judaica no Brasil), Rio, 1956, pp. 74-79, no

capítulo intitulado A Mancha; Aron Kaufman em suas memórias não-publicadas, além dos memorialistas

visitantes que viveram certo tempo no Brasil e escreveram a respeito. Lamentavelmente a autora, por

desconhecer a língua ídiche, não teve a possibilidade de lê-los, concluindo erroneamente que poucos falaram

sobre o fato. Basta acompanhar a imprensa ídiche no Brasil para saber que se falou muito “sobre o fato”,

como podemos comprovar acima.

340

nenhuma instituição e em nenhuma entidade religiosa assim como em nenhum lugar de

eventos destinado ao público. Eles, como se sabe, não são permitidos de serem enterrados

no cemitério judeu”. Nesse tempo a comunidade já havia fixado uma postura radical frente

aos traficantes de escravas brancas ao ponto de não os considerarem em suas estatísticas.

Coincidentemente, no mesmo número da citada revista um artigo do escritor D. Tscharny,

resenha a famosa obra “ O caminho de Buenos Aires” de Albert Londres, traduzida ao

ídiche, na qual descreve em detalhes assombrosos e não menos dolorosos a ação criminosa

e nefasta dos traficantes ao desencaminharem as jovens “noivas” às quais prometiam a elas

e suas famílias, que viviam nas cidades e aldeias da Europa Oriental, uma vida de riquezas

e luxo no Novo Continente.

Muitos anos mais tarde, quando a questão dos tmeim já não constituía um

grave problema da comunidade na sua afirmação de construir uma identidade judaica

moralmente limpa – isso após a década de 40 – a história do judaísmo brasileiro e sua

imigração ainda era lembrada e associada à sua presença por autores de outros países que

publicaram suas memórias e impressões de viagens, incluindo sua passagem pelo Brasil.

Dr. Haim Shoskes, em seu Durch umbakante lender (Através de países desconhecidos), ed.

Monte Scopus, Rio, 1954, pp. 378-379, ao falar do Brasil fará referência a eles: “Aqui

vieram há meio século os judeus da Polônia, ou Romênia, e bem poderiam antes ter

afundado com seu navios e sua ‘mercadoria’. Estes são famosos traficantes de mulheres,

que ocupavam um quarteirão em São Paulo e no Rio para a sua suja ocupação. Eles

desonraram o nome judaico e deram muitíssimo trabalho aos honestos imigrantes da mesma

Polônia, Rússia e Bessarábia, que com pancadaria e sangue, herem (anátema) e com esforço

determinado limparam a mancha vergonhosa que se chama tráfico de escravas brancas

como uma profissão judaica. Isso agora terminou. Eles, os velhos, faleceram; os filhos, em

sua maioria, se converteram e se mesclaram com não-judeus”.

“Muitos emigraram a outros países, onde não se sabe de seu passado. No Rio

ainda se encontravam algumas centenas deles, alguns ricos magnatas, que possuem até um

cemitério próprio e uma sinagoga com uma zeladora que foi uma mome (tia, isto é,

prostituta ou cafetina). Eu, uma vez, descrevi minha visita a uma reza de Rosh Hashaná e

Iom Kipur). Eles não tinham um minian (isto é, dez varões adultos para o culto sinagogal)”.

A preocupação dos judeus brasileiros com a imagem frente ao exterior é

claramente demonstrada no livro do Dr. Arthur Ruppin, renomado sociólogo do povo judeu

e que se engajou de corpo e alma nas questões atinentes à colonização na Palestina antes do

surgimento do Estado de Israel. No seu livro Os Judeus na América do Sul (ed. Darom,

Buenos Aires, 1938, p. 42, escrito em 1935) informa-nos:

“Eles (os judeus da Argentina e do Brasil) sofrem de uma espécie de complexo

de inferioridade no trato com os judeus europeus. Uma de suas freqüentes perguntas é: que

pensam sobre eles os judeus na Europa? Vivem com o eterno temor de que a desonra

daquele grupo de primeiros imigrantes da Europa Oriental recaia sobre eles."

Quando, em 1942, o ativista do Joint N. Chassin publicou suas impressões de

viagem com o título A reize iber Tzentral un Drom Amerique (Uma viagem através da

América Central e do Sul), Arbeiter-Ring, N. Y, 1942, p. 163, passando pelo Brasil, referiu-

se à prostituição e ao tráfico judaico na Argentina com a mesma preocupação de outros

visitantes:

“(...) E importante foi que a primeira tarefa dos imigrantes judeus na Argentina

foi organizar-se para lutar contra os traficantes de mulheres judias, contra os promotores da

prostituição no país. Os judeus entenderam instintivamente que se não expulsassem da vida

341

judaica essa horrenda ocupação sua vida no país seria amarga e se sentiriam moralmente e

espiritualmente rebaixados, e seriam vistos por todos como uma mancha, uma peste para o

povo argentino (...) !"

Os testemunhos desses visitantes são unanimes em mostrar que a luta encetada

contra os traficantes e a prostituição judaica deixou uma lembrança viva na memória da

imigração, ao mesmo tempo em que são uníssonos em afirmar que saíram vitoriosos pela

decisão de afastá-los de seu convívio comunitário: "eles (os judeus da Argentina) contam

sobre os anátemas (herem) que foram proclamados sobre os traficantes; sobre as lutas

corporais que travaram contra eles nos teatros, nas reuniões e em geral na vida comunitária

(...)”.

"(...) Traficantes que em parte vivem ainda hoje deixaram há muito sua

ocupação, mas eles não podem encontrar lugar na vida judaica, pois são considerados

impuros e indesejáveis. Hoje esta mancha da vida judaica é uma coisa do passado."

Passado o período crucial dessa luta, que durou mais de três décadas,

compreendendo os anos 10, 20 e 30, a comunidade judaico-brasileira podia identificar-se

abertamente, sem esconder sua personalidade religioso- nacional perante a sociedade mais

ampla e sem ser confundida com seu elemento criminoso e marginal.

Assim mesmo, as feridas não estavam de todo cicatrizadas, pois quando no

Primeiro Congresso Mundial de Cultura Judaica realizado em Paris, em 17/21 de setembro

de 1937, o delegado brasileiro M. Kopelman relatou sobre o Brasil, disse o seguinte: “Não

é para ninguém um segredo quem foi a maioria dos primeiros imigrantes. Eram traficantes

de mulheres, prostitutas, arrombadores, falsificadores de dinheiro. Eles foram pioneiros da

multidão de imigrantes, que, como veremos adiante, adquiriu mais tarde uma tendência

bem diversa. Porém, além desse elemento, se encontravam entre os primeiros imigrantes

também gente honesta. Eram judeus do sul da Rússia e Bessarábia, foragidos dos pogroms

do regime czarista”.596

Kopelman seria duramente criticado na imprensa judaica brasileira

por transmitir uma imagem deturpada da comunidade judaica no Brasil, o que não deixava

de ser verdade.597

O pesadelo que pairou sobre a comunidade dos imigrantes, após várias

décadas, passara a ser uma lembrança de memorialistas daquela época. Outros expressaram

o que se passara em suas almas e seus sentimentos pessoais em obras literárias, como o fez

Isaac Raizman, que escreveu Lebens in Shturm (Vidas tempestuosas)598

, ou Jacob Gevertz

no seu pequeno conto Unzer onhoib (Nosso começo),599

que despejava sua dor e seus

sentimentos provocados pelas vidas trágicas das vítimas dos traficantes e cáftens.

Já o primeiro escritor da língua ídiche no Brasil, Adolfo Kischinevsky, autor do

Neie Heimen60068

(Novos lares), abordava a questão sob um ângulo diferente no seu conto

Zei leben besholem (Eles vivem em paz). Ele retrata uma ex-prostituta judia, Serke, que

596

Erschter Alveltlecher Idischer Kultur-Kongres, ed. Paris-London-Warsovia, 1937, p. 52. 597

Vide o artigo de José Nadelman, no San Pauler Idiche Tzeitung, de 5 de janeiro de 1938, sob o título “Di

Kultur Konferenz”. 598

Meassef Israel, Tel-Aviv, 1965. Uma crítica ao livro e seu autor, acusando-o de enlamear o “ishuv"

brasileiro, foi publicada no Idische Tzeitung, Rio, 29/10/1965, e reproduzido no livro do mesmo I. Raizman,

Idische sheferishkeit in lender fun portugalischen loshen (A criatividade judaica nos países de língua

portuguesa), Safed, 1975, pp.35. 599

Publicado no periódico de São Paulo Velt-Spiegel (Espelho do Mundo), nº 5, outubro, 1939, p. 10. 600

Casa Editora Yung Brazil, Nilópolis, Rio de Janeiro, 1932.

342

após esposar um jovem na Europa foi levada à Argentina, para um bordel. Com muita

dificuldade e sofrimento, ela conseguira escapar de suas mãos para chegar ao Brasil e viver

em uma “janela". Aqui ela se sentiu mais livre, gente, e não precisava prestar contas a

ninguém. Nem sequer vivia confinada em uma casa fechada como em Buenos Aires. Aqui

ela encontrou um "amplo campo para trabalhar – uma rua na qual iam e vinham muitas

pessoas e centenas de mulheres se encontravam sentadas defronte à janela falando umas

com as outras e perguntando o que os pais, irmãs e irmãos estavam escrevendo. E se

quisesse ir passear, poder-se-ia encontrar no caminho um cliente decente. Ela conheceu,

nesses tempos melhores, o seu “velhinho", um brasileiro culto que abandonou sua família

para viver com ela. Ele não era um crente, mas em um momento em que ficou adoentado

pediu a Serke para comprar um quadro de Nossa Senhora da Conceição, à qual havia feito

uma promessa, para pendurá-la sobre sua cama com uma "luz eterna". Ele acabaria por

ficar curado, e desse momento em diante Serke lembrou-se de seu Deus, esquecido há

muito tempo no redemoinho de sua vida passada. E ela se aproximou de seu Deus desde

que o "velhinho" aproximou-se do dele, servindo-o como "uma verdadeira filha judia". E ao

chegar a sexta-feira, véspera de sábado, ela se sentia bem em limpar seus candelabros, que

adquirira para abençoar as velas, do mesmo modo que limpava a "luz eterna" que pendia

sob o quadro de Nossa Senhora da Conceição. E as velas de sábado com a "luz eterna" sob

a Nossa Senhora conviviam em paz (...)”

O autor termina lembrando o que Serke sempre diz ao seu "velhinho": "Você

tem o seu Deus e eu o meu".

Um notável professor, dos primeiros educadores da rede escolar judaica de São

Paulo, Josef Schoichet, deixou em manuscrito uma obra, parcialmente publicada em

capítulos sob o título “Menachem Mendel in Brazil” (Menachem Mendel no Brasil), que

passa a ser um retrato da vida do imigrante judeu, mascate, com seus sonhos de sucesso,

sua ambição em trazer a esposa ao paraíso tropical e viverem felizes para sempre. O autor

adota a forma epistolar e intimista que nos encanta por ser uma redação feita com o ídiche

popular, habilmente composto com as expressões do cotidiano e os hebraísmos

impregnados de graça e humor que nos transportam ao mundo do schtetl da Europa

Oriental. O pouco talento comercial do mascate improvisado, que vende gravatas e caminha

de fracasso a fracasso em sua trajetória de imigrante, encontrará sua redenção num

momento fortuito com uma prostituta judia, que o descobre e o emprega como escrevente,

sua e de suas amigas, das cartas às famílias que ficaram para trás, até que a duras penas

venha se descobrir em outra ocupação.601

Schoichet imitava a deliciosa obra do clássico

escritor da literatura ídiche, Sholem Aleichem, conhecido por sua fino humor e ironia

“Menachem Mendel em Yehupetz ,escreve para a sua esposa Sheine-Sheindel, em

Kasrilevke”.

Ele descreverá com ironia à sua mulher como vivem essas “santas mulheres”

(nashim tzadkaniot), que não possuem marido, não são divorciadas e vivem solitárias, e

ninguém quer ter com elas qualquer relacionamento, não as deixando entrar nem na

sinagoga, nem no teatro, e até mesmo, após a morte, não encontram nenhum vizinho. Mas

elas não se importam, pois têm o seu próprio modo de viver, possuem seus “lugares

601

Menachem Mendel in Brazil, brif-oistoisch zwischen Menachem Mendel fun Brazil mit zain froi Sheine

Sheindel fun Kasrilevke (correspondência entre Menachem Mendel no Brasil e sua esposa Sheine de

Kasrilevke), escrito por “Idele” ( pseudônimo usado por Josef Schoichet), em 1936-1940, São Paulo, Brasil

(manuscrito em ídiche), caderno 2, capítulo “Seder Nashim.”

343

sagrados”, seu cemitério com seus belos túmulos. “(...) nós as chamamos ‘pássaros

impuros’ e elas nos chamam de ioldn( simplórios, “caras” decentes ), . Piedosas são com

as almas (...) assim quando chega o Iom Kipur (Dia do Perdão), elas permanecem na

sinagoga o dia todo, jejuam e batem no peito ‘pelo pecado, que pecamos perante Ti (...)”

Em determinado dia, ele será chamado para ler e responder uma carta ao pai de sua

conhecida, na qual se, ingenuamente, sugere que a filha mais jovem, que deverá logo

completar 18 anos, receba uma passagem de sua irmã generosa para vir ao Brasil, pois sabe

que ali ela poderá ganhar bem com o seu trabalho de “costureira”, tal qual ela o faz. O autor

descreverá seu dilema de responder a carta e ser conivente com o inferno, e para que isso

não aconteça, ele usará de um expediente que lhe ocorrera naquele momento de angústia.

Então, ele decidiu-se por escrever ao pai da prostituta a verdade, e não o que ela lhe

ditava...

Mais recentemente o escritor Meier Kucinski, em sua coletânea de contos

Nusach Brazil (Ao modo do Brasil), ed. I. L. Peretz, Tel-Aviv, 1963, no conto Schvester

(Irmãs), descreveria o drama de duas jovens prostituídas na Europa seguindo seu malfadado

destino, uma até a África e outra até o Brasil, até se recuperarem pela sorte e encontrarem

uma vida normal e honrada. Porém, num encontro tardio, às vésperas da morte daquela que

vive no Brasil, pleno de confidências em relação ao passado e trajetórias de suas vidas,

desenrola-se a tragédia de uma ex-prostituta judia que quer ser enterrada no "cemitério

israelita", mas sua condição de banida pela comunidade permite que ela encontre seu

descanso final somente no cemitério "deles", dos tmeim. Meier Kutchinski recorreu a um

topos literário que a realidade do judaísmo brasileiro ofereceu ao seu inegável talento de

escritor impregnado de compaixão.

Compaixão inevitável por aqueles seres arrancados de seus sonhos e atirados

na brutal realidade em que viveram, a ponto de "desejarem que suas almas não sejam mais

encarnadas", como nos revelam certas inscrições nas lápides de algumas dessas criaturas602

.

Foram vidas ceifadas antes do tempo, como a da solitária Leonora, cuja sepultura encontra-

602

Wolff, E. e Frieda, Sepulturas de Israelitas II, ed. C.C.I., Rio, 1983, pp. 120, 124, 126.

344

se no cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, identificada por uma pequena e

desgastada lápide cinzenta, tão cinzenta o quanto foi sua vida, e na qual lemos:

"Aqui jaz Leonora

nasceu na Rússia

no anno de 1860

faleceu em 3 de abril de 1885” 603

Atrás das máscaras usadas nos bailes das "moças alegres" escondia-se a

tristeza, o espanto e o horror que seus rostos coloridos aparentemente cobriam.

Sob o aspecto histórico, somente nos últimos anos pesquisas sérias e

conscienciosas começaram a lançar luz sobre a questão, a começar de Os Prazeres da Noite

– prostituição e códigos da sexualidade feminina, publicado em São Paulo (1890-1930), de

Margareth Rago0604

, autora também de um artigo importante sobre o assunto, mencionado

anteriormente, e a obra mais abrangente do historiador americano Jeffrey Lesser, O Brasil e

a Questão Judaica605

, que também faz referência ao tema.

A última pesquisa publicada sobre a temática, e que foi promovida amplamente

na mídia pela própria autora, Beatriz Kushnir, bem antes de terminá-la e defendê-la como

tese universitária de mestrado, foi publicada com o título Baile de Máscaras. Mulheres

judias e prostitutas. As polacas e suas associações de Ajuda Mútua.606

Ao contrário dos estudos antes mencionados, este foi apresentado com

sensacionalismo endossado pela imprensa, na qual certos jornalistas procuraram

"descobrir", juntamente com a autora, um "novo" tema para revelá-lo ao grande público. Na

verdade, a tese desfigurava e mascarava a questão devido à ignorância da autora sobre a

história dos judeus e da imigração judaica no Brasil e suas fontes, adicionado ao erro

metodológico de julgar o passado com o olhar e os valores do presente. A ausência da

língua ídiche, importante para uma leitura das fontes da época, e a adoção de uma postura

"militante" desbragada, que enfatizava sua parcialidade barulhenta, pouco se adequava para

tratar do tema, que se baseou fundamentalmente nas atas e documentos das sociedades dos

tmeim.

Desse modo, o resultado, sob o aspecto da compreensão da relação dos tmeim e

a comunidade judaica no seu próprio contexto histórico, somente poderia redundar num

desastre científico, ainda que nada o impeça de frutificar como novela, peça teatral, vídeo

ou coisa parecida.

A leitura de seu livro aponta para uma ética às avessas, na qual a comunidade

judaica aparece como o vilão da história e os traficantes, "cáftens" e prostitutas como suas

vítimas, sem distinguir os criminosos das prostitutas. Por outro lado, o seu livro leva a

concluir que os cáftens e as prostitutas organizaram-se associativamente a partir de 1906,

como um ato pioneiro dentro do processo imigratório de judeus para o Brasil, e isso devido

ao fato dos mesmos serem vistos como pessoas abjetas e condenadas à dor e à exclusão

social.607

603

Wolff, E. e Frieda, Sepulturas de Israelitas, USP-CFJ, SP, 1976, p. 151. 604

Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1991.

605

Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1995.

606

Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997. 607

Baile de Máscaras, p. 112.

345

A afirmação peca por dois erros históricos graves:1) A organização dos

cáftens e prostitutas em 1906, isto é, a Associação Beneficente Funerária e Religiosa

Israelita, não é a primeira associação israelita nem no Rio de Janeiro e muito menos no

Brasil. No Rio de Janeiro, bem antes de 1906, tivemos associações ou comunidades

israelitas organizadas, a começar do século passado, entre elas a União Israelita Shel

Guemilut Hassadim, cuja fundação oficial adotada é de 1830, e ainda que não seja essa data

correta, ela remonta aos meados do século XIX; a União Israelita do Brasil, fundada em

1870; a Sociedade Israelita do Rito Português, antes de 1887, e talvez outra que

desconhecemos até agora, mas da qual a leitura de jornais da época traz algumas

indicações.608

2) Por outro lado, a organização associativa de cáftens e prostitutas no Brasil,

assim com em outros lugares, não decorria da exclusão pelos “puros”, como afirma a autora

(uso as aspas que a autora colocou enigmaticamente na palavra em seu livro), mas da

necessidade objetiva de resguardar seu “negócio” proibido e ilegal em escala internacional

e zelar pela sua “mercadoria” para que cumprisse suas funções, para evitar que fugisse, para

corromper as autoridades políticas e policiais, etc., etc., como bons “empresários” cuidam

de suas “empresas” ou associações.

A Zvi Migdal ou a “Varsóvia”, ou outras organizações criminosas que as

antecederam, na Argentina e outros países, assim como as máfias de todo tipo, são

organizadas com uma estrutura e código de leis que vincula uns aos outros fortemente, sem

que se possa quebrar os laços de união. O rompimento ou a independência era uma ameaça

ao corpo associativo, e não era raro que a prostituta pagasse com a vida ou a mutilação.

Nesse sentido, as vítimas, isto é, as prostitutas, eram chamadas de “escravas brancas”,

apropriadamente, devido a serem “mercadorias” de seus “empresários” (como no conto de

Sholem Aleichem) – os cáftens e traficantes –, assim como os escravos negros o eram nos

lugares e durante o tempo que existiu a escravidão.

A vida das prostitutas nunca foi idílica, e basta ler a ampla literatura a respeito,

bem como os testemunhos policiais, para se dar conta da brutalidade e selvageria de seus

“empresários” no trato com elas, pois seus corpos eram máquinas de fazer dinheiro e dar

lucro aos rufiões, sem qualquer outra consideração. O rufianismo e seus autores eram

ligados aos bas-fond do crime, e o tráfico para as Américas era feito por indivíduos que

tinham um passado marginal e criminoso na Europa, que nem sempre se restringia apenas a

essa atividade. A sua associação e organização advém da própria natureza da atividade

ilegal e criminosa, que exige sigilo, colaboração de autoridades policiais, assim como uma

rede internacional que abasteça o mercado com “mercadoria”. Ao examinarmos de perto as

lápides antigas nos cemitérios cristãos do Rio, veremos que desde o século XIX, quando a

prostituição judaica instalou-se no país, encontramos a inscrição “Pela Sociedade”,

confirmando a existência de uma associação.

Desconhecemos quantos grupos ou sociedades de tmeim desde os anos 70 do

século XIX até 1906, mas as evidências de sua existência parecem confirmar-se com essas

inscrições, e é difícil conceber que o tráfico de escravas brancas não fosse feito por grupos

organizados que pudessem dispensar uma associação. Portanto, é falacioso inferir que a

608

Wolff, Egon e Frieda, Judeus no Brasil Imperial, USP-CEJ 1975 e coletânea de artigos e conferências de

Egon, Wolff, org. Nachman Falbel, I. H. G. B., Rio de Janeiro, 1991.

346

exclusão comunitária impeliu-os à associação, pois o tráfico exigia uma organização do

mesmo modo que toda outra atividade criminosa internacional.

Em outra passagem, a autora expressa que “os sócios da ABFRI, longe de se

autocondenarem, buscaram na vivência comunal religiosa a identidade social para

continuar vivendo”609

.Mas, sem entrarmos no mérito dessa “vivência comunal religiosa” e

seu conteúdo, conforme testemunhos, ela mesclava-se com costumes e comportamentos

que estavam longe de ser permitidos pelo judaísmo, incluindo bailes de Iom Kipur e outras

irregularidades, daí provocarem repulsa maior e revolta para os que viam nisso um deboche

e uma profanação do sagrado.

Mas a enunciação da autora é enganosa ao se pensar que a “identidade social

para continuar vivendo” dependia desse tipo de “vivência comunal religiosa”. Com ela ou

sem ela cáftens e prostitutas eram judeus, falavam ídiche e tinham vindo, como os demais

imigrantes da Europa Oriental, de um mundo espiritual-religioso-cultural sedimentado

durante séculos. O seu passado é que definia sua pertinência, e seu presente, quando

excluídos, não eliminava a continuidade ou a vontade de manter-se ligado a essa

pertinência, mesmo porque não poderiam adquirir outra, a não ser em casos individuais,

através de um casamento com um não-judeu, ou a conversão direta a outra fé.

A comunidade, na sua tentativa de preservar sua identidade judaica, encontrou-

se perante uma situação extremamente dolorosa e difícil: como usar abertamente o nome

“judeu” sem ser confundida com “eles”, em outros termos, como apresentar sua identidade

judaica sem associá-la à criminalidade, ou ainda, como romper o estigma judeu - traficante

exatamente nos termos que os “memorialistas” mais tarde formularão. Entre eles devemos

lembrar Aron Shenker, que em seu livro Vort un Tat (Palavra e Ação)610

escreve referindo-

se à comunidade de seu tempo:

“Aqui queremos enfatizar que estamos falando apenas dos judeus decentes, e

não dos tmeim. Eles eram nossa vergonha. Eles envergonhavam o nome judeu. Nós,

portanto, não tínhamos com eles nenhum contato. Como leprosos, eles moravam em outras

ruas e não se mostravam nos quarteirões onde nossos judeus se encontravam. Essa rigorosa

separação era seguida por todos. Quando acontecia de se ver um judeu falando com esse

réptil, ele deveria explicar por que motivo o fizera para que não atraísse sobre si alguma

suspeita. O interessante capítulo, a luta para uma limpeza moral da comunidade judaica e os

traficantes de mulheres, ainda deverá ser escrito”.

O lúcido ativista de esquerda Aron Shenker, nesse artigo que intitula Para a

história da comunidade no Rio de Janeiro, traça o esforço dos imigrantes em construir uma

vida social, e diz que o período entre 1914 e 1918, devido à guerra, foi de espera, de

intervalo, e é o período, como vimos antes, em que começava efetivamente a criação da

mechitze (separatória) entre a comunidade e os tmeim.

É interessante transcrevermos também o olhar de um velho ativista comunitário

do Rio de Janeiro, Aron Kaufman, fundador do jornal Dos Idische Vochenblat (15 de

novembro de 1923), que redigiu suas memórias entre 1935 e 1950, sob o título Kedai tzu

vissen (Vale a pena saber), cujo manuscrito encontrava-se na editora Biblos, de Henrique

Iussim, Rio de Janeiro, e não chegou a ser publicado. Nas páginas 301-303 do segundo

volume ele nos dá uma versão pessoal sobre a questão:

609

op. cit. p. 112. 610

Ed. Ykuf, Rio, 1959, p. 124.

347

“Já se encontrava então, lamentavelmente, no Brasil, os tmeim, ainda nos anos

finais do século XIX. Mulheres que vendiam ‘amor’ e homens transgressores que

criminalmente exploravam os ‘serviços’ das mulheres, escravizando-as mais ainda.”

“O tráfico de escravas brancas no país, no qual os judeus estavam então

atuando, deve-se atribuir ao tempo dos anos 80 do século passado, quando o governo

brasileiro concedeu licença a algumas pessoas para trazer da Europa trabalhadores e

profissionais necessários para diversas atividades. Os agentes que chegaram à Europa

acenavam com promessas de riquezas aos homens e mulheres que viessem ao Brasil, e

muitas famílias de vários países deixaram se enganar, e entre elas também judeus.

Nenhuma organização oficial para receber os imigrantes, em sua maioria aventureiros, foi

preparada de antemão, o que levou muitas mulheres despreparadas a viver nas condições do

país a se desviarem para essa ocupação. Algumas conscientes e outras inconscientes, e

muitos homens tornaram-se seus ‘protetores’, em vez de lhes procurar trabalho. E entre elas

moças judias e transgressores judeus. A seguir, no decorrer dos anos, viria esse tipo de

imigrante, algumas trazidas enganadas e forçadas, por assim dizer, pela organização

internacional de traficantes de escravas brancas que o eram, ainda na Europa. Mas com eles

os tmeim, a comunidade organizada do Brasil, não tinha nada em comum, e eles não

procuravam criar laços de amizade com as associações culturais e sociais dos ioldn. Com o

tempo, eles tiveram sua sinagoga para rezar nos dias festivos e seu próprio hazan (chantre)

e shames (zelador de sinagoga), que lhes serviam e enterravam seus mortos entre os não-

judeus.

Nos inícios da terceira década de nosso tempo, quando o governo brasileiro

iniciou uma luta ativa contra o tráfico de escravas brancas, começaram os tmeim a procurar

se aproximar com o pequeno e organizado ishuv (comunidade) a fim de limpar-se perante a

política e outros, pretendendo ser, obrigatoriamente, gente honesta. Então, determinou-se

rigorosamente, em todos os lugares, que eles não participassem em qualquer evento

judaico, no teatro ídiche, além de não se aceitá-los como sócios das instituições judaicas. A

luta era pública, e naquele tempo não faltaram batalhas nas representações teatrais de

artistas irritados. E o sucesso foi absoluto. Seu número em todo o país era

aproximadamente de 500 pessoas, entre homens e mulheres”.

Como bem expressa a historiadora Margareth Rago, os tmeim “construíram

para si próprios e para os outros, portanto, uma imagem de comunidade legal, estruturada a

partir de valores próprios, diferenciados dos que predominavam no imaginário social e

segundo um código específico de comportamento e comunicação, como qualquer grupo

marginal estilo máfia. Seu entrosamento no sentido de formar uma rede alternativa

aparentemente independente, tanto da comunidade israelita quanto da própria sociedade

argentina ou brasileira em que circulavam, foi proporcional à preocupação que despertaram

nas autoridades públicas. Várias campanhas repressivas vinham sendo empreendidas

através da imprensa, como já observamos, ampliadas por mobilizações sustentadas pelas

associações israelitas de proteção à mulher, tendo em vista pressionar sua exclusão social

ou mesmo a deportação”611

.

O “judaísmo” e a “religiosidade” dos cáftens e prostitutas como sendo a

condição suficiente para desculpá-los e admitir sua aceitação por parte de seus

correligionários na vida comunitária seria autodestrutiva e sem sentido. A “historiadora” do

611

Os Prazeres da Noite, p. 300.

348

Baile de Máscaras, que lembra insistentemente a “religiosidade judia” das prostitutas, como

se fosse um passaporte para a integração da marginália ao seu redor na comunidade,

desconhecendo os princípios éticos da religião judaica e a halachá ( o conjunto da

legislação religiosa judaica) em relação à prostituição, como vimos antes, não se deu conta

da gravidade da questão nas décadas em que se estruturava a própria vida institucional dos

imigrantes. O ser humano, em geral, incluindo cáftens e prostitutas, assim como qualquer

transgressor ou criminoso, pode ser religioso ou não, independentemente de sua maneira de

viver e da coerência ética exigida teoricamente pela religião, seja ela judaica ou outra

qualquer. Bristow, em seu estudo, lembra a religiosidade dos cáftens e prostitutas judias em

Buenos Aires, assim como em outros lugares, na qual o lendário Luís Migdal, que teria

dado o nome à organização Zvi Migdal, que tinha naquela cidade um clube luxuoso e uma

sinagoga, possuía “a convicção de que a religião mantinha as mulheres felizes”612

. Do

mesmo modo que a sociedade organizada e juridicamente orientada por um código de leis

deve ampará-la e preservá-la dos que atentam contra sua existência e não aceita a

criminalidade, assim a comunidade dos imigrantes que procuraram integrar-se numa vida

normal na sociedade brasileira lutava para preservar a si mesma dos danos morais que os

tmeim lhe causavam.

A ótica da autora do Baile de Máscaras surpreende mais ainda quando formula

a questão como se resumindo “numa relação sempre de conflito entre ‘puros e impuros’, e

dado o constrangimento que ‘esses elementos’ poderiam causar, as alternativas de uma

possível solução da questão do tráfico e da existência de mulheres judias prostitutas são

abandonadas frente à noção de que o melhor a fazer era impor uma cruzada que separasse

os lados”613

. É o caso de se perguntar se havia outras alternativas, além das legais, como

ocorreu na Argentina, e em outros lugares, senão a do isolamento, a fim de evitar que

submergissem no meio da comunidade para aparentar honradez ou descendência de

cidadãos normais e esconder a sua criminalidade, como de fato tentaram fazê-lo. A cruzada

anti-tráfico de escravas brancas era internacional, e o combate a esse tráfico deu-se na

Europa e estendeu-se a todos os continentes ainda quando a imigração judaica asquenazita

na América do Sul estava em seus inícios.

Poder-se ia depreender da postura da autora que a outra alternativa seria o

acolhimento e a integração dos rufiões e prostitutas na comunidade?

Mesmo que a autora se identifique e crie uma empatia com as vítimas614

, isto é,

as prostitutas, é difícil de crer que alguém, de sã consciência, tenha os mesmos sentimentos

em relação à traficantes e cáftens.

O seu entusiasmo pelo “grupo marginal” dos cáftens e prostitutas judias levou-

a a focalizar a sua auto-imagem, como ela mesma o diz, através da documentação de suas

sociedades e de entrevistas orais, o que levou-a a construir com o exame “interior”, isto é,

dos livros de atas e estatutos – como lembramos antes –, o mundo da prostituição judaica,

que se diferencia de outras por ser “judaica”, o que não dá, como já dissemos, nenhum

612

Bristow, op. cit., p. 140. 613

op. cit., p. 89. 614

Em suas entrevistas, de teor sensacionalista que beira a vulgaridade, e em sua tese, ela parte de um

questionamento que é a “essência” de sua pesquisa: como um grupo marginalizado tanto pelos legisladores da

cidade (sic) como pela comunidade judaica criou redes de solidariedade e sociabilidade que lhe definiu uma

identidade social e uma auto-imagem positivas? (Resenha Cultural, Kesher, 2 de maio de 1997). A resposta

que a autora procurou dar absteve-se inteiramente do contexto histórico mais amplo no qual o fenômeno deve

ser estudado e compreendido

349

crédito moral à criminalidade, seja ela de quem for. Cáftens e traficantes ou outros

criminosos, assim como suas vítimas, as prostitutas, continuaram sendo judeus, pois não

poderiam deixar de ser. Uma identidade nacional religiosa não é uma escolha, é uma

herança, ainda que se possa não cultivá-la. Por outro lado, na mesma entrevista à Resenha

Judaica, a autora, com seu enfoque “interno”, escamoteou a verdadeira problemática, isto é,

a da afirmação da identidade judaica da imigração, que não aceitava o mundo dos rufiões,

cáftens e prostitutas, que, como já lembramos, procuravam mostrar-se deliberadamente

para a sociedade mais ampla como seus membros e mesmo, e em dado momento, mesmo

seus representantes. Soa tola e infantil sua afirmação, em sua citada entrevista, procurando

justificar a publicação de nomes e sobrenomes: “Diferentemente do que o senso comum

dita, essas pessoas parecem estar em paz com suas histórias e me deram declarações

lindíssimas (g.n.). Então, por que esconder as polacas? Talvez porque, para uma parcela da

comunidade judaica, nossa identidade é um dado (?), e nesse somos os escolhidos de

Deus(sic) (g.n.). Portanto, acham que não pode haver entre nós pessoas que tenham vivido

de ocupações moralmente condenáveis” (sic) .

Não precisamos fazer comentários adicionais, pois o nebuloso argumento

revela que a autora pouco sabe sobre judaísmo e o significado de sua identidade religiosa-

nacional. Por outro lado, revela a falta de percepção do problema na sua dimensão

histórica, assim como procuramos elucidar durante este trabalho.

Atrás dessa concepção – se podemos falar aqui de alguma concepção –, em que

a questão dos tmeim é travestida sob a fórmula primária da luta entre “puros e impuros",

encontra-se um outro problema metodológico, isto é, de olhar o passado com os olhos do

presente, incluindo juízos de valor que mudaram com o passar do tempo e que um

historiador deve evitar ao tratar qualquer tema histórico. O distanciamento, a entfremdung,

serve para evitar o passionalismo e a tendência para tomada de posições sine ira et studio.

E esse equilíbrio falta à autora, tanto na tese quanto nas múltiplas entrevistas

dadas na mídia.

Ainda devemos reparar que a questão das "polacas" acabou sendo apresentada

nessas entrevistas como uma "descoberta" da própria autora, que inventou um “complô do

silêncio” de parte da comunidade para não se falar sobre o assunto, e para o qual ela se

apresentou como o cavaleiro intrépido e corajoso disposto a expor ao grande público o

profundo "segredo" mantido durante todo esse tempo. Na verdade, nunca houve qualquer

segredo de parte da comunidade judaica do Brasil ou da Argentina, ou de outro país

qualquer, sobre o tráfico, a prostituição e a presença de indesejáveis na comunidade dos

imigrantes judeus. Como vimos, a postura da comunidade judio-brasileira- assim como o

das entidades internacionais desde o início do século passado- ao dar seus primeiros passos

de sua estruturação institucional foi de luta aberta e pública, na imprensa da época, geral e

judaica, e também no teatro ídiche, que servia de veículo para despertar as consciências

sobre a gravidade do problema. Daí o grande número de peças e obras literárias sobre o

assunto, em especial em ídiche, língua do cotidiano de milhões de judeus antes da

inimáginavel tragédia do Holocausto que destruiu as raízes que a alimentava e sua cultura.

A autora investiu e irrompeu através de uma porta já há muito tempo aberta, alimentando

ilusória pretensão de ineditismo. Pelo fato de não ter o preparo necessário para seu

“trabalho histórico”, desconhecer as fontes literarias em ídiche referente ao tema não soube

captar a questão no contexto da época na qual se apresentou, partindo levianamente de um

pressuposto estapafurdio sem qualquer fundamento na realidade histórica. Mesmo assim,

muitos anos após, ainda em 24 de março de 1960, a revista Aonde Vamos?, um dos orgãos

350

de imprensa judaica mais lidos e difundidos entre os anos de 1943 e 1978, com uma edição

de milhares de exemplares que chegavam aos lares das comunidades em todo território

nacional, publicava um artigo intitulado “Cecilia Adler” referente ao falecimento, e em

memória de uma notável ativista feminina do Rio de Janeiro, que presidiu durante muitos

anos a Organização Feminina “Froien Farein” daquela cidade. Assim podemos ler nesse

artigo, difundido em bom e claro vernáculo, para o grande público brasileiro, sobre o

pseudo “segredo” de nossa autora o que se segue: “Cecilia Adler desembarcou aqui, há

cerca de quarenta anos, porcedente de Varsóvia, descendente de uma família de distinção,

prestígio e tradição na capital polonesa e, na flor dos seus vinte e poucos anos, vislumbrou

um terrível e asqueroso drama que se desenvolvia nas fronteiras do nóvel yishuv

(comunidade) que se estava formando neste país. Enquanto os pioneiros aqui lutavam com

afinco para construir uma nova e digna existência e uma comunidade respeitavel , um

punhado de renegados judeus se envolvia num sinistro tráfico de brancas entre os portos da

América do Sul e os da Europa. A comunidade israelita os havia isolado , excomungado e

afastado de todo e qualquer contato. De modo que esses elementos ,escorraçados pelos

judeus que os conheciam e sabiam de sua criminosa atividade, buscavam companhia

principalmente entre os imigrantes recém-chegados, inexperientes e toalmente ignorantes

da identidade desses dejetos da humanidade. E assim , os imigrantes recém-chegados ao

Brasil, à Argentina e a outros países do continente americano tinham que enfrentar uma

faceta de tragédia toalmente desconhecida da maioria dos yishuvim (comunidades) judeus

do resto do mundo que não podiam sequer imaginar que houvesse judeus participando

desse ominoso comércio. O yishuv local- especialmente as senhoras que para isso

formaram o Froien Farein- resolveu que não era suficiente isolar-se desses asquerosos

elementos. Era necessário evitar que eles ampliassem o raio de sua sinistra ação e

aumentasse o número de suas vítimas. Entre os ativistas do Froien Farein-Amparo e

Proteção às Senhoras e Moças Judias- se encontrava a jovem senhora Cecilia Adler. Graças

a senhoras como ela e à tempera do que havia então de melhor entre nós no yishuv , a

vibora foi esmagada. Todas as pessoas , por mais ricas que fossem , desde que mantivessem

, relação com qualquer indivíduo ligado ao tráfico execrável, foram condenadas ao

isolamento e durante anos esse imperativo de higiene social foi rigorosamente observado.”

Mesmo antes dessa data, em 24 de dezembro de 1959, a mesma revista se referia ao tema,

ao tratar da biografia de outro veterano do judaismo da cidade do Rio de Janeiro, Sholem

Hoineff, falecido naqueles dias: “No início do século, outros judeus aqui viviam , mas

poucos poderiam ser classificados como bons judeus...É que coube ao chamado grupo

yiddish composto de pessoas procedentes de vilarejos da Bessarabia e outros lugares aqui

desempenhar um trabalho de pioneiros na comunidade israelita e atuar como porta-

estandartes da honra judaica. É que, ao lado desses elementos sãos, adolescentes sem

experiência comunal, e dos raros judeus bons de outros grupos, aqui havia-em grande

número- judeus e judias que foram arrastados pelas circunstâncias para a sarjeta. Os

pioneiros do yishuv é que timbraram em marcar uma nítida separação entre eles , e ,depois

de árdua luta, o Brasil compreendeu que os outros, da sarjeta, não representavam a pobre,

incipiente mas honrada comunidade judia.” O “Léxico dos ativistas sociais e culturais da

coletividade israelita do Brasil”, cujo projeto, sob a responsabilidade de Henrique Iussim,

nos anos 50, procurou preservar a memória da velha geração de imigrantes, ainda que,

infelizmente, não tenha sido publicada integralmente, trás as biografias de Esther

Goldenberg e Edi Kaufman, ambas ativistas do Froein Farein do Rio de Janeiro, as quais

testemunham a atuação daquela associação em sua luta contra o tráfico de escravas brancas,

351

assim como já vimos em outro lugar de nosso estudo, ao falarmos dessa associação. Sobre

Edi Kaufman, escreve-se que “contribuiu particularmente para os serviços de proteção da

mulher.Juntamente com Dr. Raffalovich ,salvou muitos emigrantes do sexo feminino de

serem seduzidas e vendidas ao meretrício, fatos que naquela época se produziram com

freqüência.” A leitura das Crônicas introdutórias do “Léxico” das comunidades da Bahia,

São Paulo, Rio de Janeiro, bem como de outras, publicadas como Apêndice neste livro, são

unanimes em lembrar a presença dos “tmeim” no processo da imigração judaica no Brasil,

sem qualquer tentativa de escamotear a realidade que os imigrantes tiveram que enfrentar

para desaloja-los da vida comunitária em suas etapas de estruturação. Em uma publicação

de 1935, sob o título “Di yidn in Brazil” (Os judeus no Brazil), no capítulo que se refere ao

“Comitê das Mulheres Judias no Rio de Janeiro”, constituído em janeiro de 1929, e entre

outras formado com ativistas ligadas à Sociedade Beneficente das Mulheres Israelitas,

oficialmente criada em 1923, cujo embrião já havia se formado em 1916, lemos: “Não é

para ninguém segredo de que daqueles que se ocupam com o tráfico de mulheres, assim

como dentre aqueles que vivem da marginalidade encontra-se uma certa porc entagem de

judeus. A verdade é que para nós isto é uma vergonha, mas isto não é somente uma

vergonha judaica. Seja na Europa ou na América o fato é que somos obrigados a organizar

uma luta aberta contra o tráfico de mulheres assim como o fazem a França, Alemanha,

Polônia, Inglaterra, Turquia, Bélgica e outras nações que tem a obrigatoriedade social de

combater em seus respectivos países o repugnante fenômeno. Em cada país a luta aberta

abrangeu os representantes de todas as nacionalidades. A população judaica na Europa ,e

em especial a da América do Sul, tem consciência de seu grande objetivo: conduzir uma

luta enérgica contra o tráfico de mulheres para eliminar essa sujeira da rua judaica. E nós

podemos dizer que, sob esse aspectotemos muito a fazer. Em 1912 visitou o Brasil ,assim

como outros países sul-americanos, Salomon Kohen, o secretário –geral da Organização

Internacional de Proteção da Mulher (Association for the Protection of Girls and Women),

da qual o nosso Comitê faz parte. A finalidade da visita era tomar contato com todos os

problemas necessários à proteção da mulher. A comunidade judaica do Brasil era, naquele

tempo, muito pequena e pobre. Criar um Comitê de Proteção era tarefa impossível. A

organização de fato começou com a vinda do Dr. Raffalovich, que é o representante da

organização internacional, que tem sua central em Londres. O Comitê foi constituído por

duas instituições: a Sociedade Beneficente das Damas Israelitas e da Sociedade de Ajuda e

Proteção aos Imigrantes. Os objetivos da Organização de Proteção à Mulher são: proteger

moças, mulheres e crianças contra más influências; tirá-los de uma vida de sofrimentos,

degradações, escravização e promover uma luta enérgica contra o tráfico de mulheres.

Esses objetivos são atingidos através de: 1) estar presente nos navios e, se possível, nas

estações ferroviárias para verificar viajantes solitárias e mulheres e moças desprotegidas

resguardando-as de caírem nas mãos dos traficantes;2) através de uma cooperação

internacional para a proteção de jovens e mulheres;3) através da cooperação com

instituições e organizações brasileiras que tem os mesmos objetivos; 4) através da

manutenção de um contato humano amistoso permanente com moças e mulheres

imigrantes;5) ajudando a jovens e mulheres que querem mudar de vida orientando-as para

um modo de viver útil e honroso;6) prover mulheres e moças os meios para poderem

recorrer às leis elaboradas para sua proteção. Até agora nos referimos aos nossos propósitos

e objetivos porém ainda devemos lembar o que conseguimos realizar. Visitamos todos os

navios que entraram nos portos e mantivemos contato com todas as passageiras do sexo

femenino. Desde a criação do Comitê em janeiro de 1929, a nossa secretária visitou 803

352

navios, e entramos em contato com 1025 mulheres, 864 moças e 1409 crianças. Tods esses

imigrantes que desembarcam no Rio e necessitam viajar a outros lugares do país, são

recebidos por nosso Comitê e são abrigados em salas do Hilfs-Ferein (Sociedade de Auxílio

ao Imigrante) encontrando-se sob a nossa proteção até serem enviados aos seus familiares.

Podemos relatar casos de mulheres ou moças que não foram recebidas por seus familiares.

Nesse caso essas imigrantes são recebidas pelo nosso Comitê e se encontram sob a proteção

e cuidado até que se notifique seus familiares e conhecidos. Um grande número de

imigrantes são visitados em suas residências de acordo com os endereços fornecidos por

eles mesmos, ou pela companhia de navegação. Essas visitas tem um grande valor . Já foi

constatado que pessoas inocentes foram tiradas de difícl sitações e puderam voltar a uma

vida normal. Também encontramos imigrantes numa situação penosa. Os familiares ,

conhecidos, que os trouxeram ou chamaram não os aceitam ou não os podem sustentar .tal

situação os impele a abandonar o lugar sem qualquer meio de sustento, trabalho e sem

amigos. Nesse caso são por nós encaminhados para uma ocupação adequada, ou para

aprenderem uma profissão e são protegidos até se tornarem independentes e terem uma

vida decente e produtiva. Também podemos relatar certos casos de passageiras que não

possuíam documentos legais e foram detidas pela polícia que tinha em mente reenviá-las a

Europa. Graças aos nossos esforços elas puderam desembarcar do navio. Cuidadosa

atenção é dada ao acompanhante de uma mulher. Por meio de conversas com os imigrantes

procuramos saber para onde eles viajam , com quem viajam e para onde se dirigem, ficando

claro o que se passa com o mesmo e se devemos tomar certas providências. Muito devemos

ao Comitê Central de Londres que tem o conhecimento e o modus operandi para esse

trabalho, assim como os comitês da Europa continental que controla o embarque dos

passageiros e se necessário nos passam toda informação. Graças ao nosso dedicado trabalho

conseguimos conquistar o reconhecimento do Departamento de Imigração local e das

organizações e autoridades brasileiras. Nossos relatórios apontam a importância e o zelo na

realização desse trabalho. S.R.” 615

A criação e a atuação do Comitê de Proteção à Mulher é também enfatizado em

uma brochura da Sociedade Beneficente Israelita e Amparo aos Imigrantes (afiliada à

organizaçaõ internacional HIAS-ICA-Emigdirect) em seu relatório e balanço geral do ano

1928. 616

A brochura descreve o programa da HIAS-ICA-Emigdirect para a América do Sul

apresentado pelo seu representante no Brasil, o rabino Isaias Raffalovich, em reunião de

diretoria de 31 de dezembro de 1927 e aprovado em reunião de diretoria de 2 de janeiro de

1928. Ali encontramos no item 4 o que se segue: “A proteção das mulheres e moças deve

ser fortificada através de um Comitê local, que passa a ser uma filial da Associação

Internacional de Proteção às Mulheres e Moças de Londres, sendo parte do Comitê Central

de Londres. Necessário se faz um duplo esforço nessa área para atingir resultados maiores

em seus objetivos. O item 2 do relatório se refere expressamente à proteção da mulher:

‘Não nos alongaremos sobre os objetivos e o compromisso de nossa comunidade em

relação ao combate contra o tráfico de mulheres. Ainda não podemos assegurar que

estamos numa desejada situação semelhante a da Sociedade Beneficente (Hilfs-Ferein).

Porém nosso trabalho de supervisão está trazendo reconhecidos resultados. O Hilfs-Ferein

está em permanente contato com o Consulado da Polônia no Rio de Janeiro e estamos

615

“Di yidn in Brazil”, pp. 61-62.

616 Relatório e Baçanço Geral, editado pela “Gazeta Israelita”, Rio de Janeiro, 1929 (em iídiche).

353

muito agradecidos aos representantes da Republica da Polônia no Brasil, que prestam um

serviço de orientação aos judeus poloneses que se dirigem e recebem uma adequada

atenção de parte de nossa Sociedade. Nesse particular depositamos muitas esperanças no

recém criado Comitê de Proteção às Mulheres, que está composto de 3 representantes da

Sociedade Beneficente das Damas Israelitas do Rio e 3 de nossos representantes.”617

Com o passar do tempo a questão foi superada e tornou-se uma lembrança do

passado, ao ponto da memória coletiva, tecida naquelas décadas, ser depositada no baú da

história e transformar-se em recordações de memorialistas. A comunidade judio-brasileira,

a partir da Segunda Guerra Mundial, voltar-se-ia para novos desafios e deveria defrontar-se

com a realidade do Holocausto, dos displaced persons e a absorção de novos imigrantes

sobreviventes dos horrores da guerra, ao mesmo tempo que passaria a viver os dias

decisivos da gigantesca luta que se travava, sob todos os aspectos, para a formação de um

Estado judeu, e tudo que isso significava e implicava.

Nesses anos, a questão dos traficantes e prostitutas já não era mais um

problema que exigia um enfrentamento comunitário pois as suas agonizantes associações,

vivendo para si mesmas, já não disputavam com a respeitabilidade da maioria e não

ameaçavam o bom nome e a dignidade do judaismo. Vivenciava-se no término da Segunda

Grande Guerra um novo tempo, não somente no nível da macro-história do povo judeu,

mas da micro-história da comunidade judaico-brasileira. Expressão dessa nova fase se

encontra no ensaio de Meier Kucinski intitulado “Sotziale dinamishkeit un literarische

statischkeit” (Dinamismo social e imobilismo literário) publicado na coletânea “Undzer

beitrog” (Nossa contribuição), Rio de Janeiro, 1956, pp.153-162, no qual analisando e

refletindo sobre a literatura ídiche no Brasil aponta que os autores que escreveram nessa

língua tinham como temas centrais a analogia ou a comparação entre a vida “sagrada” no

passado europeu e a “prosaica vida” no novo continente; o pobre mascate , e ainda que se

possa ouvir os últimos sonidos do mundo dos “tmeim”, sob o aspecto artístico e social já é

uma questão terminada (p.156).

Em reportagem dada ao 0 Estado de S. Paulo, de 25 de maio de 1997,

novamente transparece a concepção da mencionada “historiadora” que se afilia à historia

conspirativa, além de inventiva, dizendo que “a existência de prostitutas judias durante o

período das imigrações para as Américas é um tema tabu para uma parte da comunidade

judaica em todo o mundo (sic). É um tema cercado pelo silêncio e segredo”. Nesse caso a

ignorância cria o mistério...

A suspeita de um silêncio deliberado é pura fantasia de quem não estudou

devidamente a história da imigração judaica no Brasil e não conhece etapas de seu

desenvolvimento. E aqui cabe observar que o silêncio individual que pessoas possam ter

demonstrado ou não em relação à “historiadora” e à sua pesquisa nada mais é que o

resultado de uma atitude individual de querer ou não falar sobre o assunto, o que nada tem a

ver com a comunidade, com a qual a autora do Baile de Máscaras parece querer ajustar

contas para sua própria autopromoção.

A atual comunidade mal conhece o que houve no passado, pois a geração que

se defrontou com a questão dos froien hendler (traficantes de mulheres), os tmeim,

desapareceu em quase sua totalidade, e ao se falar da questão a curiosidade e o interesse

que desperta são os mesmos de toda pessoa que está habituada a ver nos judeus uma

617

Relatório e Balanço Geral, p.5.

354

comunidade ordeira e pacifica. Razão pela qual o tema tem chamado tanta atenção,

associado ao modismo historiográfico da história do cotidiano, da sexualidade, de gênero e

temáticas afins, que se traduz em teses universitárias que abordam tais temas sob múltiplos

angulos, e níveis, incluindo-se nessa linha pesquisas sobre minorias perseguidas e grupos

marginais, teses que por vezes se apresentam com uma forte tendência ética e missionária,

impregnadas de empatia, visando a justa reabilitação de perseguidos e excluídos. Porém, tal

postura, passa a ser de todo incompreensível tratando-se de grupos ou associações

criminosos, ainda assim, de uma forma ou outra, entre a dicotomia da rejeição e aceitação,

é preciso lembrar que a função do historiador não seja exatamente a de intervir no objeto de

sua pesquisa, mesmo que nada o impeça de querer fazê-lo como cidadão de uma sociedade

democrática aberta a toda e qualquer causa. A propósito, sob outro aspecto, perguntamo-

nos até onde o historiador tem o direito de intervir na privacidade dos descendentes e

publicar nomes de famílias dos tmeim, sabendo-se que deixaram descendentes, como a

autora do Baile de Máscaras o fez em seu livro, procurando justificar seu ato em nome de

um resgate “histórico” das “polacas”. Uma questão ética que merece uma reflexão

importante e central, tanto quanto a missão de reabilitar grupos ou minorias excluídas e

perseguidas.

Autores que trataram do tema na Argentina, entre eles Victor Mirelman, En

Búsqueda de una Identidad (Ed. Milá, B.A., 1988), cujo título revela a essência da questão

que tratamos, e o notável estudioso da Universidade Hebraica de Jerusalém, Prof. Haim

Avni, Argentina y la Historia de la Imigración Judía, 1810-1950” – (Ed. Univ. Magnes-

AMIA, B.A., 1983), tiveram o devido cuidado e delicadeza, bem como a responsabilidade

moral, de contornar o problema sem prejuízo da verdade e seriedade de suas pesquisas

históricas.

No Brasil, o excelente trabalho de Margareth Rago, Os Prazeres da Noite, já

mencionado antes, também demonstrou a devida maestria e habilidade pessoal ao fazer sua

pesquisa sem afetar sua profundidade no tratamento analítico da questão. Porém, isso não

ocorreu com a autora do Baile de Máscaras, que fez questão de dar, como diz a expressão

popular, "nome aos bois", dando prova cabal de sua pouca sensibilidade humana. Nesse

sentido, devo aproveitar o ensejo para referir-me à agressividade da autora ao receber a

minha negativa pessoal em fornecer-lhe certo documento que envolvia a publicação de

nomes de famílias dos tmeim.

Raivosa e descontrolada, "ameaçou-me" telefonicamente com a divulgação do

“fato” caso não cedesse a ela o tal documento. Na verdade, a autora referiu-se a minha

negativa, sem mencionar meu nome, na nota de rodapé 25, da página 209 de seu livro, na

qual escreve o que se segue:

“Não se pode afirmar com absoluta certeza quantos enterros ocorreram entre

1928/1971 em Chora Menino. O único documento oficial, o Livro de Registro dos enterros

dos sócios da SFRBI, encontra-se em um arquivo privado de uma pessoa que nada teve

com a Sociedade e que, mesmo tendo o título de historiador, parece não estar preocupado

e comprometido com a questão da memória coletiva. Insistindo que o passado é um lugar

de justificativas e perdões, parece crer que esconder e censurar são as melhores formas de

vivenciar uma identidade comum. Assim, aquelas pessoas que em vida se preocuparam

com sua dignidade e com sua morte – ao adquirirem seu cemitério próprio – se encontram

hoje, por causa de tal intransigência e arbitrariedade, em um lugar de indigência. (g.n.)

Também em entrevista à Resenha judaica de 02/05/97 ela repetiu seus ataques

grosseiros e estapafúrdios com argumentação raivosa, a qual transcrevo:

355

“O livro de registro dos enterros no cemitério de Santana estranhamente encontra-se

nas mãos de um historiador judeu paulista, que o tem guardado a sete chaves. Mesmo

carregando o título de historiador, creio que essa pessoa está comprometida com uma

história de g1órias e heróis. Nos critérios dele, talvez, fontes históricas são objetos a serem

pinçados ao prazer do estudioso e, assim, devem confirmar um passado preestabelecido

(...)” (g.n.) No minimo não deixa de ser curiosa a lógica da nossa “historiadora” em sua

primeira afirmação, ou seja, “uma pessoa que nada teve com a Sociedade (dos caftens e

prostitutas)” que leva à conclusão que somente os membros da Sociedade tem o direito de

possuir documentos sobre a mesma...

Mas para quem demonstra “conhecimentos” de judaísmo com definições tais

como “Asquenazitas é a designação dada aos judeus oriundos da Europa, em contraposição

aos sefaradim, judeus nascidos na Península ibérica, Turquia e demais países árabes” (p.

71, nota 11); treif é traduzido como sujo; Kasher é bom para o consumo, purificado

segundo as leis sagradas (p. 151, notas 54 e 55), nada é de se estranhar, pois podemos a

partir dai saber o que ela entende por “história”, e mais ainda o que ela conhece sobre

história judaica. Lamentavelmente, nossas universidades dão títulos a ignorantes que

escrevem uma monografia “especializada”, na qual resumem toda a sua formação "huma-

nista", ou melhor, demonstram que além do tema tratado são jejunos de qualquer outro

conhecimento, confundindo jornalismo barato com pesquisa histórica. Mestres e doutores

ignorantes abundam no meio acadêmico, receberam títulos e defenderam “teses” que são

fabricadas às dezenas anualmente sem que se julgue e indague por sua formação humanista,

condição indispensável para ser historiador, filósofo, sociólogo, antropólogo etc. O

resultado passa a ser desastroso, mormente quando se associa à traços de caráter e

personalidade de individuos que não estão comprometidos com a verdade e a pesquisa

honesta, mas com sua autopromoção doentia e sem escrúpulos na qual todos os meios são

válidos. O esvaziamento da instituição universitária, no que concerne às ciências humanas

pode ser explicado como conseqüência direta de um sistema de avaliação duvidoso que

predomina na carreira acadêmica e em boa parte das universidades brasileiras.

O tema dos tmeim foi alvo de artigos de jornalistas que pularam sobre a metzie

(achado), uma vez que atualmente em nosso país a imagem estereotipada do judeu, na

sociedade mais ampla, é de um povo de classe média bem comportada, zelosa de seus

valores morais e religiosos e, por conseguinte, o assunto pode causar impacto, pois certo

jornalismo vive, em boa parte, desse sensacionalismo barato ou de “furos” pouco

confiáveis. Mas se é desculpável a onda jornalística ao redor dos rufiões e prostitutas, nada

pode desculpar a leviandade na abordagem histórica ao se tratar do tema, ou de qualquer

outro tema em nível acadêmico. Mesmo que o historiador afirme ter se apaixonado pelo

objeto de sua pesquisa618

.

Desconhecendo a história da imigração judaica no Brasil a referida autora

afirma, na reportagem de O Estado de S. Paulo que “as polacas foram pioneiras na

imigração judaica para o Brasil. As primeiras desembarcaram em 1867. A partir de 1904

começaram a chegar os judeus para as colônias agrícolas de Philippson e Quatro Irmãos no

Rio Grande do Sul. Uma próxima leva de imigrantes veio para o Rio e São Paulo no final

618

Em reportagem no O Estado de S. Paulo de 25 de maio de 1997 a autora, que aparece fotografada no

cemitério de Inhaúma, afirma: “Apaixonei-me perdidamente por elas”.

356

da Primeira Guerra. A ascensão do nazi-fascismo produziu um quarto grupo com

refugiados judeus da Europa Ocidental”.

Essa pobre “periodização” da história dos judeus no país desconhece a

imigração judaica da África do Norte para a região da Amazônia, que começou após o

Tratado de Aliança e Amizade entre a Inglaterra e o Brasil, em 1810, cuja primeira

sinagoga Shaar Hashamaim parece remontar aos meiados do século XIX. Desconhece

também a imigração da Alsácia-Lorena, que no mínimo começou com a guerra franco-

prussiana de 1870, sabendo-se que bem antes dessa data antes vieram judeus ingleses e

alemães assim como de outros países e passaram a esboçar instituições e organizações

comunitárias.

O curioso é que a autora, que elenca na sua bibliografia João do Rio, cuja obra

remonta ao ano de 1900, poderia ter notado que além da “gente ambígua, os centros onde o

lenocínio, mulheres da vida airada e cáftens cresce e aumenta; há israelitas franceses, quase

todos da Alsácia-Lorena; marroquinos, russos, ingleses, turcos, árabes que se dividem em

seitas diversas (...)619

, o que indica claramente a existência de outras comunidades de

imigrantes, além dos rufiões e prostitutas.

O levantamento dos antigos cemitérios cristãos e judaicos é o suficiente para se

perceber que a imigração de judeus ao Brasil não começou com rufiões e prostitutas, ainda

que alguns memorialistas, que não se dizem e não pretendem ser historiadores, tenham

repetido o mesmo.

I.Raizman, que não passou pela academia e era um autodidata que deixou uma

informação importante no seu A fertl yohrhundert idische presse in Brazil escreveu que os

primeiros judeus da Europa Oriental (g.n.) a chegarem ao Brasil foram os tmeim, e mais

tarde, entre 1908-1910, começou a vir entre os imigrantes um elemento decente da

Bessarábia, melhorando com isso o relacionamento entre os judeus sefaraditas que viam

nos asquenazitas nada mais que traficantes de escravas brancas e, portanto, se mantinham

afastados dos mesmos. Raizman chega a afirmar que o Brasil era um lugar de refúgio

provisório dos tmeim em momentos de perseguição maior na Argentina, mas acabaram se

fixando em parte por aqui620

. Tanto a primeira quanto a segunda afirmação não condizem

com os fatos. A imigração asquenazita da Europa Oriental, por menor que fosse, teve início

ainda nos anos 80, sendo que em 1891, conforme pesquisa documental levantada por mim

mais recentemente, veio uma verdadeira leva de imigrantes- cerca de 240 almas-

originários daquela região. Essa mesma imigração vai acentuando-se com os primeiros anos

de nosso século, sem considerarmos a colonização encetada pela ICA a partir de 1904, no

Rio Grande do Sul. 0 quanto os tmeim representavam numericamente nesse tempo é difícil

de dizer, e até agora não temos qualquer cálculo numérico exato sobre essa imigração em

geral senão avaliações, pois sabemos que o imigrante comum não queria identificar-se com

a mesma denominação adotada pelos tmeim, por razões que vimos anteriormente.

É interessante notar que também Isaias Raffalovich em seu livro Tziunim ve-

Tamrurim refere-se à imigração judaica asquenazita iniciando-se “há 50 anos

aproximadamente", observando "obviamente sem considerarmos os vis traficantes de

619

As Religiões do Rio, ed. Nova Aguilar, Rio, 1976, pp. 169-70. 620

Safed, 1968, pp. 15-17.

357

pessoas que se espalharam pela América do Sul e mancharam o nome dos judeus da Europa

Oriental”.621

Se considerarmos que o seu livro foi publicado em 1952, chegamos à

conclusão de que era uma opinião generalizada que a imigração asquenazita remontava

apenas ao início do século e pouco se sabia da imigração do século XIX. Na verdade,

graças ao trabalho metódico dos pesquisadores de nossos dias, destacando-se entre eles o

casal Egon e Frieda Wolff, é que começamos a desvendar a história da imigração no Brasil

Independente. Além dos tmeim, que dominavam a cena como imigrantes russos-judeus ou

polacos-judeus, e eram como tal identificados, os demais, de cuja existência em boa parte

sabemos pelo estudo das antigas comunidades brasileiras, relutavam em revelar sua

identidade judaica.

Somente a decisão de enfrentá-los e isolá-los da vida comunitária e no seu

desejo de auto-afirmação de uma identidade judaica, sem carregar o estigma do rufianismo

e da prostituição, é o que os possibilitou aparecerem como judeus perante a sociedade

brasileira. Raffalovich, ao chegar ao Brasil, ficou sensibilizado com a situação e empenhou-

se também em limpar o nome da comunidade, trabalhando ao mesmo tempo para criar

meios para evitar que mulheres imigrantes caíssem nas malhas dos criminosos.

Raffalovich relatará em seu livro um encontro com uma das vítimas do

caftismo, que devido estar enferma encontrava-se num estado mental gravemente afetado.

Esta o procurara dizendo ter visto a Madona. Ele perguntou sobre sua pessoa, obtendo

como resposta sua triste história pessoal. Natural da Polônia e estando havia 20 anos no Rio

de Janeiro, contou que seus pais eram extremamente pobres e não podiam sustentar suas

duas filhas. Um dia, sua irmã desapareceu, e após alguns meses, ela escreveu do Rio

dizendo que ganhava bem e poderia ajudar no sustento dos pais, o que fez remetendo

regularmente à sua casa somas de dinheiro. Um dia sugeriu que viesse juntar-se a ela, e

logo mais enviou-lhe uma passagem, e aqui ela soube como a irmã se sustentava.

Passaram-se alguns dias, quando durante um passeio conheceu um homem, do qual se

tornou amante. Durante todo esse tempo, porém, viveu com sua irmã, que acabou morrendo

da mesma doença que ela possuía e afetava sua razão. Raffalovich, condoído, enviou-a a

um médico, que recomendou sua internação. Raffalovich dirá que na história dessa mulher

“ele viu as múltiplas impurezas que a diáspora derramou sobre essas coitadas que a pobreza

degenerou”622

.

Se ainda na primeira década do século XX a incipiente organizada comunidade

asquenazita não estabeleceu uma estratégia para evitar que jovens mulheres enganadas na

Europa pudessem escapar dos traficantes de escravas brancas, no entanto com a formação

das sociedades beneficentes, ajuda e apoio aos imigrantes começou-se a atuar

metodicamente tendo em mira essa orientação. No Rio de Janeiro, sociedades como a

Achiezer, Froien Farein (Sociedade Beneficente das Damas Israelitas), o Relief (Sociedade

Beneficente Israelita de Amparo aos Imigrantes), e em São Paulo a Sociedade das Damas

Israelitas (1915) e o Ezra (1916) procuraram auxiliar os imigrantes em seus primeiros

passos no país, dando ajuda material e orientação profissional aos que chegavam, e em

relação às mulheres, acompanhando seu desembarque dos navios com a presença efetiva de

seus membros nos portos de Santos e do Rio.

621

Tel-Aviv, 1952, p. 167. 622

op. cit., p. 167.

358

Samuel Malamud, em sua obra Recordando a Praça Onze623

, que acompanhou

desde os anos 20 a situação da comunidade e conheceu os passos que esta dera nesse

sentido, escreve que:

“Uma das tarefas mais importantes era, naquela época, impedir que moças e

senhoras jovens fossem vitimas da máfia da escravatura branca, que buscava aproveitar-se

das difíceis situações materiais de mulheres recém-chegadas que, por algum motivo, não

tivessem conseguido acomodar-se no país e encontrar trabalho”.

Outros memorialistas, entre eles o veterano Jacob Schneider, como vimos

anteriormente, lembram o quanto as associações e mulheres da comunidade empenharam-

se em seu trabalho de cuidar e resgatar as moças que aportavam no Rio e Santos e outros

lugares, evitando que caíssem na prostituição, assim como prestaram ampla ajuda e

assistência médica às prostitutas, quando a questão já se encontrava superada, como

fizeram a Policlínica do Rio de Janeiro, a Ofidas e o Linat Hatzedek de São Paulo.

Nesse sentido, a comunidade judaica caracterizou-se por uma rara e autêntica

postura, com suas entidades assistenciais, em auxiliar sua vítimas e tirá-las da prostituição.

0 livro Geshichte fun der Ezra,1916-1941(História da Ezra)624

relata o papel

extraordinário dessas sociedades de amparo aos imigrantes, desde seu desembarque no

Brasil até sua fixação em lugares de trabalho, incluindo ajuda médica, jurídica e social. A

publicação em comemoração aos 25 anos da Ezra de São Paulo é comovente pelo espírito

que irmanava a pequena comunidade em sua disposição em auxiliar seus conterrâneos.

Lamentavelmente, o texto permaneceu em ídiche e os “historiadores” pouco dispostos ao

estudo da língua não poderão lê-lo. 0 texto traz um caso curioso de ajuda jurídica a um

imigrante acusado de ser traficante de escravas brancas por sua esposa, que tinha vindo

antes dele a São Paulo. A polícia o prendeu ao descer do navio, e graças à intervenção da

Ezra, pôde-se libertá-lo da prisão, devido a acusação não ser verdadeira . Tanto a Sociedade

das Damas Israelitas quanto a Ezra em São Paulo tiveram uma atuação exemplar na ajuda

às mulheres vítimas do tráfico.

As associações de ajuda ao imigrante teriam um respaldo posterior das

cooperativas de crédito criadas nos anos 20, com a ajuda do lembrado Rabino Isaias

Raffalovich. O modus faciendi de combate ao tráfico é exemplificado na Geschichte fun der

Ezra, onde se diz que "a Ezra tomou parte importante na proteção internacional da mulher.

A desordem após a guerra desatou as mãos dos traficantes, e por isso a associação

internacional de proteção à mulher ligou-se aos centros de imigrantes na América do Sul,

para proteger as mulheres e moças que imigravam da Europa. A Ezra, como centro de

imigrantes em São Paulo, salvou durante aqueles anos muitas vítimas das mãos de

traficantes. Contaremos aqui alguns casos daquele tempo.

À Ezra chegou uma carta do Dr. Erlich, presidente da Ezra de Buenos Aires, na

qual escrevia: “Do porto europeu x partiu o navio x, no qual viaja uma moça para ver sua

irmã em São Paulo, que vive na Rua Conselheiro Nébias, uma das ruas que figuram na lista

de defesa das mulheres como um dos lugares suspeitos. Tomem as necessárias

providências”.

No dia em que o navio aportou em Santos, encontrava-se no porto a comissão

da Ezra, Emilio Berezovsky e Isaac Weissman. A irmã, que vivia em São Paulo, também se

623

Record, Rio, 1986, p.54. 624

SP, 1941.

359

encontrava e transparecia que a suspeita era correta. Tiraram a moça do navio e fizeram-na

entender com que se ocupava sua irmã e com que finalidade ela a trouxera para São Paulo.

A irmã da jovem ameaçou o senhor Emilio Berezovsky dizendo que faria diariamente

escândalos defronte sua própria casa. A moça entendeu a situação e se afastou inteiramente

de sua irmã. Passou então a viver na casa de uma família judia em Santos, até que foi

enviada novamente à Europa. Essa é uma das dezenas de casos que ilustram a ação da Ezra

também nessa área”.62590

Lamentavelmente, os registros das entidades assistenciais do Rio de Janeiro

perderam-se, juntamente com outros arquivos, e se em São Paulo a documentação foi

preservada, o foi devido à atuação do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro. José Nadelman,

um dos veteranos ativistas da comunidade paulista, preocupou-se com a memória da

imigração e escreveu a História da Ezra com excelente conhecimento de causa, pois atuara

na época naquela instituição. Memorialista meticuloso, deixou-nos um cabedal de

informações que de outro modo ter-se-iam perdido no tempo. Porém, o judaísmo brasileiro

atrasou-se demais na formação de um arquivo comunitário, surgido somente nos anos 70,

ainda que tenha havido esporádicas tentativas anteriores que assim como surgiram em curto

espaço de tempo desapareceram.

A verdade é que desde sua fundação o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro,

com o objetivo central de preservar a documentação relativa à história e presença judaica

no Brasil, incluiu também a história dos tmeim. Um capítulo doloroso na saga da imigração

judaica ao país, mas que com o passar do tempo as feridas que sangraram cicatrizaram e o

próprio tempo encarregou-se de eliminá-lo como “problema” que afligiu as comunidades

brasileiras. O importante era preservar os documentos e rastros de sua existência, os

cemitérios e seus registros.

Mesmo se as lápides viessem a desaparecer, pelo menos teríamos os registros e

os dizeres das matzeivot, e essa preocupação levou a que se fizessem os levantamentos dos

cemitérios ainda nos anos 70. Naqueles anos, recebemos o registro de óbitos de certo

cemitério com a condição clara e bem específica de não revelá-lo publicamente, sem fixar

qualquer tempo para fazê-lo, como sói acontecer com material arquivístico quando pessoas,

instituições ou famílias exigem certo tempo de carência para ser utilizado por estudiosos,

pesquisadores ou interessados, o que não impede de alguém fazer qualquer trabalho sobre o

tema, já que a falta de um documento não é o suficiente para apagar a memória de um

grupo, indivíduo ou instituto, na medida em que se pode encontrar outros.

No demais, faço minhas as palavras de Ricardo Feierstein, em seu estudo, ao

dizer: “Nos fatos concretos a comunidade judia daquele tempo empreendeu uma luta que

orgulha a seus descendentes para extirpar a um setor economicamente poderoso e influente

de correligionários que se dedicavam a um comércio imoral.

Não existiu uma luta similar em nenhuma outra coletividade vivendo uma

semelhante situação. Mais uma vez os judeus deviam “fazer mais” para serem admitidos

como iguais, assim como já observara Jean-Paul Sartre (Reflexiones sobre la Cuestión

Judía, B.A., Ed. Sur, 1964). E por vezes nem sequer isso é suficiente.

A adolescente Anne Frank escreveu em seu Diário, em 22 de maio de 1944,

pouco antes de ser assassinada pelos nazistas:

625

Op. cit., p. 58.

360

“É triste ter que admitir o velho aforismo: da má ação de um cristão é este

mesmo responsável; a má ação de um judeu recai sobre todos os judeus”.626

E nós poderíamos acrescentar, lembrando, o significativo dictum talmúdico:

“Shekol Israel arevim ze ba ze” (Todo Israel é responsável um por outro (TB, Schvuot,

39a), e quando essa responsabilidade mútua é rompida, o preço que o corpo coletivo paga é

muito elevado e imprevisível.

A nossa identidade é também, em certo grau, formada por outras pessoas,

exatamente como o filósofo e psicó1ogo William James tentou demonstrar. De certa forma,

como bem observou recentemente o escritor Alain de Botton são os outros que nos

permitem desenvolver um sentimento de identidade, e as pessoas com as quais nos

sentimos mais à vontade são aquelas que nos “devolvem” uma imagem adequada de nós

mesmos, sem sermos “caricaturados”627

. E isso é mais verdadeiro tratando-se do ser judeu.

Os teóricos do nacionalismo judaico contemporâneo, de Simon Dubnov a Haim

Jitlovski, de Nachman Syrkin a Achad Haam, procuraram entender o conceito de

nacionalidade judaica numa era de ingresso na modernidade, onde a religião não era

suficiente para ser o elemento diferenciador entre os homens, valorizando o papel das

tradições, língua, cultura, “etos” nacional, e o seu resultado final, que é o sentimento de

irmandade responsável em relação ao coletivo social, ou o que pode ser denominado de

identidade coletiva628

. Criminosos, traficantes de escravas brancas, cáftens, com a exclusão

de suas vítimas, as prostitutas, nunca tiveram esse sentimento, portanto não podiam

compartilhar com os demais uma convivência comum e normal com o povo de Israel na

diáspora, onde quer que se encontrasse.

626

Historia de los Judíos Argentinos, p. 301.

627 Alain de Botton, A busca traiçoeira do que(m) sou eu, in Folha de São Paulo, 16 de

novembro, 1997, Caderno Mais!, p. 11.

628 Sobre o conceito de “identidade coletiva”, complexo por sua natureza, foi publicado

recentemente um ensaio instigante de Lutz Niethamer, professor da Universidade de Jena,

sob o título Conjunturas de identidade coletiva, in Ética e História Oral, Projeto História,

nº 15, Educ, SP, abril 1997, pp. 119-134.

361

Anexo ao estudo “Identidade judaica, memória e a questão

dos indesejáveis no Brasil”

A biografia da autora das duas poesias, que usa o nome de Abigail, é inteiramente

desconhecida. No Lexikon fun der Naier Idisher Literatur (Léxico da nova literatura

judaica), New York, 1956, vol. 1, p.3, encontramos a informação que se trata de uma

poetisa da qual não se sabe seu nome real e publicou poesias no periódico “Literatur un

Leben” (Literatura e Vida), Nova York, em 1915. As duas poesias as encontrei na coletânea

de E. Korman, Idishe dichterins-Antologie (Poetisas judias- Antologia), ed. E. Korman,

Chicago, 1928, pp.106-7. O conteúdo dessas tocantes poesias, que traduzí do ídiche, deixa

entrever que se trata de uma mulher que foi vítima da prostituição. A imagem do proxeneta

em cujos “dedos faisca um brilhante” é redundante na literatura que trata do tema, a

começar de Scholem Aleichem no conto lembrado em nosso estudo acima.

Bebi Dedos

Eu bebi e comi Gordos, dedos brancos...faisca um brilhante

(quando e o que, já esqueci) Gordos, dedos brancos seguram minha mão

Alegre, a vida vivia Palavras soltas de uma boca bonita

Dois olhos licenciosos, cada olho- um projétil

Vinho e cerveja bebia Mãos como serpentes me envolvem

E com meus olhos piscava Rasguei-me e fiquei muda

E com felicidade ria Não posso gritar, correr. Toco em minhas pernas

Apressada e surpresa, entra a “senhora” da casa

E depois?...me batiam Caio em histeria- expulsam-me, para fora

Mas por que? Não posso dizer Ando pelas ruas. Cada rua me parece sem fim

Na escuridão me recolhi Querem me enganar...não desejo cair

Para uma oficina arrasto cansada meu passo

Meu amado veio Desconheço a fome. Estou limpa, como a neve

Da corda ele me retirou Beijo meus dedos e choro por eles

E para a vida ele me retornou

Fugiu comigo para longe

Mas eles o encontraram

E meu amado mataram

Pessoas dizem: sou louca

Não, ó, não! Sou lúcida

Seguro uma corda e caminho pensativa

Ninguém o trará de volta

Me enforcarei, enforcarei, enforcarei

Prendo uma corda e penso e penso

Numa terrível noite de inverno.

362

37. A correspondência de Leib Malach com Baruch Schulman

Entre as cartas da rica correspondência que o escritor Baruch “Bernardo”

Schulman629

manteve com literatos, jornalistas e intelectuais judeus, encontramos várias

escritas por Leib Malach, abrangendo um período que vai de 1925 a 1929.

Antes de tudo, devemos lembrar que Baruch Schulman fazia parte do grupo

dos poucos homens de letras da população judaica na época, além de ser um jornalista

pioneiro da imprensa ídiche no Brasil, pois foi colaborador dos primeiros jornais fundados

em Porto Alegre, em 1915 e 1920, respectivamente, o “Di Menscheit” (A Humanidade), e o

“Di Idische Tzukunft” (“O Futuro Israelita). A sua contribuição à literatura ídiche-brasileira

ainda está para ser avaliada, pois lamentavelmente sua obra permanece em boa parte

dispersa em vários periódicos, hoje raros, onde se encontram publicados os seus contos e

demais frutos de sua atividade de escritor.630

Por outro lado, Baruch Schulman se fez

conhecer ao grande público judaico e brasileiro por um opúsculo que marcou época,

publicado em português, em 1937, e sucessivas edições, com o título “Em legítima

defesa”,631

cujo conteúdo surpreendeu pela excelente resposta dada à propaganda anti-

semita, muito difundida pelo integralismo de Gustavo Barroso, que pontificava como

ideólogo dos camisas-verdes e despejava um mar de sandices sem fim contra os judeus.

Baruch Schulman está ligado também a um acontecimento histórico-literário

que ocorreu em Curitiba, em 3 de outubro de 1926, quando se realizou um verdadeiro

encontro cultural entre cristãos e judeus no Instituto Neo-Pitagórico, levando-se pela

629

Ainda que reconheçamos a premência de se fazer um trabalho mais completo sobre sua vida e obra, não

temos a intenção de esboçar, neste trabalho, sua biografia. Portanto, nos restringimos a fornecer apenas alguns

dados pessoais do escritor.

Bernardo Shulman nasceu em 16/05/1887, em Demidowka, província da Volinia, Rússia. Foi educado em

escola tradicional até os dez anos, quando faleceu seu pai, Leibusch, pouco tempo depois de sua mãe,

Menucha. A partir dessa idade, ele passou a viver com o tio, que conseguiu introduzi-lo na ieshivá de Lutzk,

onde, além de Tanach (Velho Testamento) e Talmud estudou, como autodidata, estudos seculares. Mais tarde

conheceu seu sogro, Scholem Paciornik, e trabalhou com ele no comércio de madeira de florestas. Ele chegou

ao Brasil em 1909 e teve uma parte ativa na formação das instituições comunitárias do Paraná. Faleceu em 29

de dezembro de 1971, conforme me informou gentilmente Sarah Schulman. V. Léxico de ativistas sociais e

culturais da coletividade israelita do Brasil (1953-1955), ed. Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1954; Eizengort,

A., Baruch Schulman – Tzu zein 75tn yubilei, in Idische Presse, 22-6-1962; Scholem Mordechai Paciornik,

publicação familiar comemorativa do centenário do seu nascimento, Rio de Janeiro, 1959; Lipiner, E. Baruch

Schulman in der ieshive-shel maala, in Idische Presse, 4-2-1972. 630

Na coletânea com o título “Unzer beitrog”, ed. Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1956, foram publicados

quatro contos de sua autoria. Na coletânea “Brazilianisch”, publicada na Argentina sob a direção de Samuel

Rollanky, ed. Ateneo Literario e Instituto Cientifico Judio, Buenos Aires, 1973, encontra-se um conto já

publicado no “Unzer beitrog”. Para um levantamento completo de sua obra literária, além dos contos e dos

escritos mencionados, temos que considerar a grande massa de correspondentzen que ele remeteu aos jornais

em ídiche, desde 1915 e que constituem verdadeiras crônicas sobre assuntos da vida comunitária de Curitiba,

no Paraná, bem como da vida judaico-braileira, sempre acompanhadas com uma apreciação crítica pessoal

que o caracterizava. Temos em boa parte, em nosso arquivo pessoal, fichada essa matéria, que deve ser

ordenada e compilada, juntamente com suas traduções da literatura ídiche publicadas em vários periódicos e

fundamentalmente na revista “Aonde Vamos?”. 631

Conforme o Léxico acima mencionado, foram feitas 4 edições do opúsculo; a primeira apareceu em

Curitiba, financiada pelo autor; a segunda no Rio, editada pelo Comitê de Defesa Contra o Anti-Semitismo; a

terceira em São Paulo, financiada pelo autor e Maurício Blaunstein; e a quarta, no Rio Grande do Sul, editada

e divulgada por um cristão que viu na brochura uma matéria excelente para combater a propaganda fascista.

363

primeira vez ao conhecimento de um público brasileiro, em português, autores clássicos da

literatura ídiche e hebraica. A idéia de apresentação da “Alma Hebraica” fundamentava-se

na filosofia do Instituto Neo-Pitagórico que, assim como consta na introdução escrita por

Dário Vellozo na brochura publicada pela instituição, propunha-se a tornar mais

“compreendidas as almas das raças e dos povos, reflexos da alma humana; aproximar os

diversos núcleos que convivem em nosso meio social, sentem, sofrem, labutam e vencem,

fatores de civilização, de cultura, que devem seguir conosco, fraternizados através dos anos

na terra do Brasil. Resolveu o INP, em reuniões especiais, apresentar aos amigos facetas

dessas almas, na impossibilidade de revelá-las na integridade, na posse suprema de suas

virtudes, de sua beleza afetiva, intelectual e moral”. Em continuação à introdução, Dario

Vellozo, intelectual de elevado espírito humanista, escreve que “após a Alma Portuguesa,

reunião admirável seguiu-se, a Alma Hebraica... Graças ao Senhor Bernardo Schulman,

digno caráter e culto espírito, auxiliado por distintos elementos da colônia hebraica em

Curitiba, pôde o INP ocupar-se lindamente do compromisso, em louvor da alma hebraica.”

Sobre o acontecimento o próprio Baruch Schulman publicou um extenso relato

no “Dos Idische Vochenblat”632

sob o título “A literarischer bagegenisch fun di curitibaner

iiden mit der dortigen kristlicher bafelkerung” (Um encontro literário dos judeus de

Curitiba com a população cristã local).

Em 1927, o Instituto Neo-Pitagórico publicaria uma brochura com o título “A

Alma Hebraica”633,

revelando o conteúdo da programação apresentada, que consistiu em

uma exposição sintética sobre a “Evolução da Língua Judaica”, de autoria de Baruch

Schulman, e sobre “O Sionismo”, de Júlio Stolzenberg, além de uma rica apresentação

artística que incluiu concertos de músicas hebraicas com piano e violino tocados por

Helena Flaks e Manuel Beiguelman, a declamação dos poemas “Jerusalém” de Morris

Rosenfeld em ídiche, por Júlio Stolzenberg e em português, por Dório I. Stolzenberg,

“Sion” de Yehuda Halevi, declamado em hebraico por Miguel Strellak e em português por

Dario Vellozo634

, e ainda a leitura dos contos “O menino enfermo” e “As três prendas” de I.

L. Peretz, lidos por Herminia Schulman, Ester Burkinski e Dario Vellozo. O dia em que foi

apresentado esse programa no Instituto Neo-Pitagórico ficou sendo um marco na vida

intelectual da cidade, pois revelou-se a espiritualidade judaica à cordata população daquela

urbe.

A primeira visita de Leib Malach ao Brasil remonta ao ano de 1922, quando,

saindo do continente europeu, dirigiu-se à Argentina e, no caminho, parou no Brasil para

dar conferências no Rio e São Paulo. Temos apenas o relato sobre esta passagem no

632

“Dos Idische Vochenblat”, de 3/12/1926, n.º 160. 633

A notícia da publicação da brochura “Alma hebraica” encontramos no “Brazilianer Idische Presse” de

14/6/1927, n.º 204. A cópia do exemplar que possuímos nos foi cedido por Bernardino Schulman. 634

Sobre Dario Vellozo e sua marcante personalidade de intelectual de criatividade profunda, bem como

portador de grande humanismo pessoal, temos um trabalho de Erasmo Pilotto sob o título “Dario Vellozo –

Cronologia”, Curitiba, 1969, que nos foi cedido por Bernardino Schulman. Sem dúvida, sua figura poderia ser

inscrita entre os hassidei umot haolam brasileiros. Sua atuação em favor da comunidade judaica de Curitiba,

sob o aspecto cultural, foi importante, chegando mesmo a dar cursos sobre literatura universal no Centro

Israelita do Paraná, conforme notícia no Idische Volkzeitung de 6/1/1928, n.º 6, onde, no término de um

círculo de conferências (a última sobre “Dante e A Divina Comédia”), foi agraciado com uma medalha de

ouro pelo Centro Israelita do Paraná, entregue a ele por seu presidente, Júlio Stolzenberg. Por outro lado,

juntamente com o dr. Pamphilo da Assunção, fez muito para difundir o já mencionado opúsculo “Em legítima

defesa” nos círculos intelectuais sulinos.

364

pequeno opúsculo de memória escrito em ídiche e publicado em Curitiba em 1953 por

Salomão Guelman, sob o título, “Epizoden fun dem idisch-gezelschafttlichen leben in

Curitiba” (Episódios sobre a vida social judaica em Curitiba), além de um outro artigo que

o escritor publicou na imprensa Argentina.

O relato de Salomão Guelman sobre a vinda de Leib Malach a Curitiba naquele

ano não deixa de ser pitoresco, assim como o terrível fracasso de sua conferência, na qual

apareceu para ouvi-lo um auditório de... duas pessoas: o próprio Salomão Guelman e mais

um judeu. E isso devido a questiúnculas internas da comunidade que, assim diz o autor do

opúsculo, “levaram a boicotá-lo em sua iniciativa”. Dois anos após, Leib Malach voltou a

Curitiba, e dessa vez teve uma recepção extraordinária por parte da comunidade, que o

desculpou pelos artigos mordazes que escrevera a respeito da mesma na imprensa

Argentina após aquela primeira triste visita.

O contato de Leib Malach com Baruch Schulman ter-se-ia dado na segunda

visita de Leib Malach ao Brasil, no ano de 1924. Leib Malach era amigo do poeta,

jornalista e historiador Jacob Nachbin, e graças a essa amizade passou a colaborar no

periódico “Dos Idische Vochenblat”,635

tendo como redatores iniciais Jacob Nachbin e

Josef Katz.

Nascido em Zvolin, na Polônia, Leib Malach começou sua carreira literária em

1915 em um periódico de Varsóvia, o “Varshever Togblat”, colaborando em vários outros

jornais. Ficou popular na Polônia devido a sua composição, o Schver (Juramento), feita em

1919 especialmente para o movimento juvenil do partido Poalei Zion – Partido Obreiro

Judaico.636

Em 1922, após uma grande atividade literária no continente europeu, emigrou à

Argentina e passou a trabalhar no periódico “Di Presse” bem como a participar na vida

cultural de Buenos Aires. Em 1923, redigiu com Samuel Glazerman o semanário “Far grois

un klein” (Para grandes e pequenos), assim como passou a colaborar com muitos outros

veículos da imprensa ídiche argentina e de países da Europa e das Américas.

Durante os anos de 1924 e 1925 esteve por várias vezes no Brasil, como

podemos verificar através das notícias publicadas no “Dos Idische Vochenblat”,637

percorrendo principalmente o Sul do país e as colônias da J.C.A. para fazer uma

reportagem, com a intenção de publicá-la na imprensa da Argentina. Como veremos em

uma das suas cartas a Schulman, ele viajou a “Quatro Irmãos”638

para avaliar corretamente

a vida da colônia e dos colonos (“e, como ouvi dizer que há muito para observar, resolvi

635

No Dos Idische Vochenblat, durante o ano de 1924, ele escreveu uma série de artigos sobre a vida judaica

Argentina. No número de 28/11/1924, n.º 55, temos a notícia que ele vendeu as “Memórias” de A. R.

Kaminska ao periódico, queixando-se que não lhe foi feito o devido pagamento. Por outro lado, em

contrapartida, a redação se queixava de que o manuscrito das “Memórias” não fora remetido na íntegra. 636

Seu nome verdadeiro era Leibel Salzman, mas usou vários pseudônimos até fixar o nome de Malach.

Sobre ele encontra-se um verbete no Leksikon (Léxico da literatura judaica) de Z. Reizen, e um mais

completo no Neie Lexikon fun Idicher Literatur (Novo Léxico da Literatura Judaica). Também V. o Leib

Malach Buch (Livro em memória de Leib Malach), 1949; Bletter tzum ondenk fun L. Malach (Páginas em

memória de Leib Malach), 1936; Ravitch, M., Mein leksikon (Meu léxico), Montreal, 1945. 637

No “Dos Idische Vochenblat” de 11/9/1925, n.º 96, se noticia que ele chegou com o navio Almanzara, de

Buenos Aires, e que foi a última viagem que faria antes de deixar o continente sul-americano e viajar à

América, onde Morris Schwartz preparava a encenação de seu último trabalho “Dos goren schtibel”(Uma casa

assobradada). A notícia detalha que ele viajaria a São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Bahia e

Pernambuco. 638

Carta de Porto Alegre de 21/10/1925.

365

ficar por lá cinco dias. Para os colonos sou um verdadeiro anjo. Eles desabafam comigo e

serei o primeiro escritor a abrir suas feridas ao mundo”).

Suas reportagens sobre o Brasil publicadas no “Di Presse” de Buenos Aires,

nem sempre agradaram ativistas brasileiros, pois seu olhar crítico feriu o “patriotismo” das

instituições judaicas e de alguns lugares por onde passou. Em uma carta do ativista Nathan

Becker a Baruch Schulman ele escreve: “vejo que você se alegrou com Malach e espero

que lhe dê satisfação (com sua presença). Aqui nós o recebemos com total frieza, assim

como ele o merecia. Ele, em Buenos Aires, derramou asneiras sobre a nossa comunidade e

nossos ativistas, e isso num período em que necessita vir anualmente aos túmulos dos

antepassados...”.639

Leib Malach ressentiu-se pelo fato de sua atividade no Brasil, mesmo quando

se tratava da fundação de bibliotecas em algumas comunidades do Sul, terem sido tão mal

interpretadas através da veiculação de notícias que nem sempre eram a exata reprodução

dos fatos e da realidade. Basta-nos ler a carta dirigida a Schulman de Buenos Aires, datada

de 28/3/1926, onde ele mesmo recrimina o fato da imprensa publicar coisas a seu respeito e

ele não poder controlá-la nesse sentido: “(...) Warchavski640

contou-me que estão zangados

comigo no Rio porque no “Literarische Bletter” publicaram a notícia de que estive no

Brasil e lá fundei bibliotecas. Em primeiro lugar, não sou culpado de realmente ter fundado

uma biblioteca em Cachoeira e em Santa Maria,641

e a notícia do “Literarische Bletter” tem

origem na correspondência do “Dos Idische Vochenblat”, do Rio. Mas o ignorante-culto se

encontra em todo lugar. Pouco importa, do mesmo modo falam de Peretz Hirschbein como

uma pessoa que viaja apenas por interesses financeiros”.

Apesar de tudo, Leib Malach amava o Brasil e, em particular, ficou enfeitiçado

pelo Rio de Janeiro, que o atraiu de um modo especial, fato que ele confessava em sua

correspondência e em seus artigos sobre a encantadora metrópole que visitou muitas vezes.

E, na verdade, boa parte de sua obra literária foi diretamente inspirada no Brasil, ainda que

a temática de suas primeiras obras ele a tenha encontrado, de início, no submundo de

Varsóvia, a qual expressará num drama naturalista com o nome de “Opfal” (Decaída).

Porém, o romance “Don Domingos Kreitzveg” (A cruzada de Dom Domingos) e o drama

“Ibergus” (Regeneração), inspiram-se na paisagem social e humana do Rio de Janeiro da

época. Surpreendentemente, esse drama faria brilhar a estrela do escritor, pois levaria o

nome de Leib Malach ao mundo literário americano e europeu numa dimensão antes não

conhecida.

Ele mesmo confessará na correspondência com Schulman que essa peça foi o

point-de-tour de sua carreira literária, como podemos constatar nas cartas que ora

639

Carta do Rio de 28/11/1925. Nathan Becker era um ativista do Rio de janeiro que fazia parte do grupo da

intelligentsia local, tendo atuado na imprensa judaica desde os seus primórdios. Parece não ter deixado

nenhum escrito, mas sua atuação em certas instituições, tais como a Biblioteca Scholem Aleichem, o Yugend

Klub do Rio de Janeiro e o partido Poalei Zion o apontam como um intelectual que impunha respeito por sua

cultura e seu elevado senso crítico. Como muitos outros intelectuais e ativistas, sua atuação permanece

desconhecida, e até agora pouco se sabe de sua biografia. 640

Um conhecido ator de teatro que atuou durante muitos anos no Brasil e em especial no Rio de Janeiro. 641

Os “Dos Idische Vochenblat” de 4/12/1925, n.º 108 e o de 18/12/1925, n.º 110 confirmam a criação das

bibliotecas em ambos lugares. Em Santa Maria, o professor da escola israelita local, Jacob Politchuk, na noite

de recepção ao escritor, falou sobre a obra de Leib Malach, e este proferiu uma conferência sobre literatura e

leu várias de suas peças. Foi uma noite festiva para Leib Malach e para a pequena comunidade judaica local.

Malach ficou em Santa Maria de 30/10/1925 a 5/11, sendo que em 2/11 foi organizada uma conferência do

escritor para a juventude local

366

publicamos. Sabemos que o “Ibergus” seria um ponto de partida para a luta encetada contra

a reconhecida influência do elemento “indesejável” ou dos traficantes de escravas brancas e

seu elemento no teatro ídiche de Buenos Aires.

Na introdução ao “Ibergus” escrita por Jacob Botochanski, em junho de

1926,642

ele retratou que, em abril daquele ano, fora lida a peça por um diretor de teatro de

Buenos Aires, ao qual muito agradara, estando quase prestes a ser encenada. Mas, no

último minuto, o diretor do teatro declarou que não poderia encená-la, pois ela provocaria

os traficantes de escravas brancas. Escreve Botochanski, que “como homem de teatro e

amigo do autor da peça era o encarregado de fazer as tentativas em relação a ela, e fiquei

abismado com a cínica declaração de um homem que se encontra à testa de um teatro

judaico. Assim sendo, sabia que se processava uma luta, já de alguns anos, para impedir o

ingresso do elemento ‘indesejável’ no teatro (a única instituição da qual ‘eles’ ainda não

tinham sido expulsos). E entre os que lutaram contra a sua influência encontravam-se

Peretz Hirschbein e David Nomberg, e nós não tínhamos idéia do domínio que ‘eles’

possuíam no teatro judaico. Todo o assunto eu publiquei na imprensa e estourou um

escândalo, começando uma luta quase sanguinária. A comunidade tomou parte ao lado da

imprensa judaica e a luta hoje pode ser considerada ganha, não faltando muito tempo para

que o teatro na Argentina se liberte de toda influência dos ‘indesejáveis’, e graças à peça

“Ibergus”, que trouxe uma vitória cultural ao judaísmo argentino em geral e à purificação

do teatro judaico em particular”.643

Na correspondência com Baruch Schulman verificamos que o Rio inspirou a

temática da peça. Ele mesmo o diz: “gosto muitíssimo do Rio e quase a maioria das minhas

criações, ultimamente, as tirei de lá”.644

No caso do “Ibergus”, o cenário do drama é a

cidade “maravilhosa” – não tão “maravilhosa”, e as dramatis personae são situadas tendo

como pano de fundo a sociedade carioca da época, ou melhor, a sociedade dos marginais

que aportou ao Rio com a grande corrente imigratória vinda da Europa desde os fins do

século XIX. As figuras centrais da peça são uma prostituta, Reizel, e seu amante e marido,

mulato e deputado do Congresso Nacional, que usa o nome de Dr. Silva. Além desses,

desfilam nos quatro atos do drama de Malach outros elementos que compõem e completam

a comunidade isolada dos “indesejáveis”. Em uma carta curta escrita por Leib Malach em

29 de junho de 1926, ou seja, pouco antes da primeira apresentação do “Ibergus” na

Argentina, com sentimento de gratidão manifesto, dizia a Baruch Schulman: “Certamente

você lê o ‘Di Presse’ e poderá então notar a decisão que tomei. No dia 18 de julho será

representada no maior teatro daqui ‘Ibergus’, a peça na qual você tem parte, pois sobre o

seu papel a escrevi.” O autor comunicava em primeira mão e apressadamente ao seu amigo

642

Trata-se da 1.ª edição do “Ibergus”, ed. G. F. Salita, Buenos Aires, 1926, que nos foi cedida gentilmente

por Manasche Krzepicki Z’L. 643

No “Dos Idische Vochenblat” de 9/4/1926, n.º 126, foi republicado o artigo do “Di Presse” de Buenos

Aires onde se narra o acontecido com a peça “Ibergus”, e no mesmo periódico, de 24/4/1926, n.º 128, um

apoio ao “Di Presse” pela sua posição, lembrando um caso semelhante ocorrido no teatro judaico do Rio de

Janeiro com o ator Tomachevski. Botochanski, num artigo publicado no “San Pauler Idiche Tzeitung”, de

19/4/1939, narra como os judeus da Argentina lutaram contra os “indesejáveis”, incluindo também os

acontecimentos ligados ao “Ibergus”. Um histórico do domínio do elemento “indesejável” no teatro argentino

se encontra na obra de B. Gorin, Di geschichte fun idicher theater, ed. Max N. Meizel, N. York, 1923, t. II,

pp. 198-202. 644

Carta de 23/8/1926.

367

e benfeitor de Curitiba a grande transformação que começava a ocorrer no teatro judeu

daquele país. Após a bem sucedida campanha contra a influência dos tmeim no teatro

judaico de Buenos Aires, o “Ibergus” foi encenado e provocou um verdadeiro entusiasmo

aos amantes do teatro na comunidade israelita argentina.

Leib Malach escreverá a Schulman pouco depois da apresentação da peça: “O

‘Ibergus’ – a brochura te a remeto – foi encenado com grande sucesso. Agora será

representado no Teatro Ideal por Rudolf Zaslavski. Este é o teatro no qual, graças ao

‘Ibergus’, lutou-se para que os tmeim não tivessem nenhuma influência. Remeto-lhe

também as resenhas sobre o ‘Ibergus’, o que lhe facilitará a leitura”.

Os ecos do sucesso de “Ibergus” chegariam ao exterior, a outros lugares, e Leib

Malach começaria sua viagem aos Estados Unidos ainda no ano de 1926, não sem antes

passar pelo Brasil. Seria sua última viagem pelo nosso país. Já em 15/10/1926, n.º 153, o

“Dos Idische Vochenblat” anunciava que o escritor viria ao Rio e ficaria até o dia 12/11,

quando passaria o navio Van Dick, com o qual viajaria aos Estados Unidos. De fato, a carta

de 28/10/1926 remetida a Schulman confirma a data e acrescenta que no dia 18 de

novembro ele sairia de Recife para Nova York. Nos dias em que permaneceu no Rio de

Janeiro, foi-lhe oferecida uma recepção e uma noite de despedida, preparada para o dia

30/10 no salão do Centro Sionista.64517

Malach trouxera consigo a peça “Ibergus” para lê-la

pela primeira vez perante seus amigos e admiradores do Brasil, o que foi feito na noite

organizada em sua honra, provocando mais tarde críticas e interpretações nos debates que

se seguiram à leitura feita pelo autor.646

Assim, o público brasileiro, naquela ocasião,

tomaria contato com a peça que nascera e fora inspirada na vida do Rio de Janeiro. Mas,

mais do que isso, o que não sabíamos até agora é que ela fora escrita sobre o papel que um

amigo seu de Curitiba lhe fornecera nos dias difíceis, antes do grande sucesso que obteria

nas cidades americanas e nas capitais européias.

“...a minha peça ‘Ibergus’ que escrevi sobre o seu papel tem muita sorte...

enfim o papel era muito bom...” Tratava-se do papel fornecido pelas mãos abençoadas de

Baruch Schulman.647

Passo Fundo 21/X/25

Meu caro amigo B. Schulman:

645

“Dos Idische Vochenblat”, 29/10/1926, n.º 155. O autor do verbete Leib Malach, no Neie Lexikon fun

Idicher Literatur afirma erroneamente que ele esteve nos EUA somente em 1932. Como ficou demonstrado,

ele lá esteve em fins de 1926. 646

“Dos Idische Vochenblat”, 5/11/1926, n.º 156. Shabatai Karakuchansky publicou um comentário sobre o

conteúdo da obra. 647

Como podemos verificar pela carta de Leib Malach escrita a Baruch Schulman, em 28/3/1926, “Ibergus”

não foi a única obra produzida com o papel doado ao escritor, pois ele relata que “do pacote de papel que

você me deu posso dar o seguinte relatório: escrevi quatro artigos sobre ‘Buenos Aires’, dois poemas,

‘Rossina’, 18 artigos e impressões de viagens, e um drama em quatro atos, o ‘Ibergus’ (Regeneração), e este

drama estava destinado a se transformar num sucesso em dias ou semanas.”

368

Assim como vês, com grandes esforços cheguei a Passo Fundo. Viajei por

Erebango, que é o corredor para Quatro Irmãos. Mas para avaliar corretamente a vida da

colônia e dos colonos, e como ouvi dizer que há muito para observar, resolvi ficar por lá

cinco dias. Para os colonos sou um verdadeiro anjo648

. Eles desabafam comigo e serei o

primeiro escritor a abrir suas feridas para o mundo.

Aqui em Passo Fundo fui recebido calorosamente por toda a população.

Cerimônias com as crianças da escola na estação de trem (de passagem, a escola tem um

alto nível e conta somente com cinco meses de existência).649

Estuda-se ídiche e português.

Fizeram duas programações e hoje há um banquete, sendo que de manhã viajo à colônia.

Em Cruz Alta já estão me esperando.

Permaneça com força e saúde. Mande lembranças a todos os teus, tua esposa,

teus filhos, tua filha e a todas as flores do teu jardim.650

Teu

L. Malach

Se tiveres vontade, escreva algumas palavras sobre você e todos no seguinte

endereço:

L. Malach

Posta Restante

Porto Alegre

(timbre) L. Malach

Castelli 360

(“Di Presse”)

Buenos Aires 28/III/26

648

O nome Malach significa “anjo” em hebraico 649

Essa informação do escritor é uma das poucas que temos sobre a escola de Passo Fundo e portanto, é

preciosa para a história da educação judaica no Brasil. 650

Como veremos em outras cartas, trata-se do “famoso” jardim da esposa de B. Schulman, senhora Zelde,

que pela riqueza botânica causava verdadeira admiração a todos que o viam.

369

Meu querido amigo B. Schulman:

Recebi através de M. Warschavsky651

a carta que me enviaste. Agradeço-te

muitíssimo. O livro que emprestei de você eu o entreguei ao senhor Valadio Guelman para

enviar de Porto Union, e me entristece que ainda ele não o remeteu. Peço a tua gentileza

para lhe escrever uma carta para lembrá-lo do assunto.

Minha viagem pelo sul foi muito interessante, e sobre ela escrevi 18 artigos no

“Di Presse”, cerca de 10 artigos sobre Quatro irmãos. A respeito de Curitiba, te enviarei

na primeira oportunidade o artigo que escrevi, pois não é possível encontrá-lo agora.

Do pacote de papel que você me deu posso te dar o seguinte relatório: escrevi

quatro artigos sobre “Buenos Aires”, dois poemas, “Rossina”, 18 artigos de impressões de

viagens e um drama em quatro atos, o “Ibergus” (Regeneração) e este drama estava

destinado a se transformar num sucesso em dias ou semanas. Mas em vez de contar,

remeterei a você algumas notícias, e você se certificará de tudo por si só. O que há com o

Nachbin?652

Não o ouço e não sei sequer seu endereço. Poderias me informa algo a

respeito?

Agora, caro amigo, uma pequeneza: Warschavsky contou-me que estão

zangados comigo no Rio porque no “Literarische Bletter”653

publicaram a notícia de que

estive no Brasil e lá fundei bibliotecas. Em primeiro lugar, não sou culpado de realmente

ter fundado uma biblioteca em Cachoeira e em Santa Maria, e a notícia do “Literarische

Bletter” tem origem na correspondência do “Dos Idische Vochenblat” do Rio654

.

Mas o ignorante-culto se encontra em todo lugar. Pouco importa, do mesmo

modo falam de Peretz Hirschbein como uma pessoa que viaja apenas por interesses

financeiros.

Causa-me verdadeira repulsa esses acontecimentos “culturais” que não

pagam a pena. Mas quando me contam, tais coisas me doem, me doem profundamente.

O que você faz? Você se encontra no Rio devido a razões de saúde? Ou

negócios? O que faz a tua Zelde? Teu filho e filha, sogro e sogra? Provavelmente

mandarei uma carta a eles. Como vai teu cunhado e irmã?

Escreva logo e muito. Responderei,

Teu

L. Malach

651

Era ator de teatro ídiche no Rio de Janeiro que viajou a B. Aires para representar naquela cidade. 652

Trata-se do poeta, jornalista e historiador Jacob Nachbin, amigo comum de Leib Malach e de Baruch

Schulman. V. nosso artigo “Jacob Nachbin, precursor da historiografia judaica no Brasil”. 653

O “Literarische Bletter” era publicado em Varsóvia. 654

É o jornal fundado em 1923 por Aron Kaufman

370

B. Aires, 29/VI/26

Querido amigo B. Schulman:

Eu te escrevi uma carta ao Rio mas não sei se me respondeste, pois nada

recebi; ou você escreveu e eu não a recebi. Li a tua correspondência sobre A. Rashani, e

assim entendo que você se encontra em Curitiba. Aproveito para mandar lembranças a

você e a todos os teus. Certamente você lê o “Di Presse” e poderás então observar a

revolução que preparei. No dia 18 de julho será representada no maior teatro daqui o

“Ibergus”, a peça na qual você tem parte, pois sobre o teu papel a escrevi.

Escreva-me algumas palavras sobre o que se passa com vocês.

Teu

L. Malach

Buenos Aires, 23/VII de 1926

Meu querido amigo Baruch Schulman:

Recebi tua carta, muitíssimo obrigado.

Sinto realmente uma alegria quando a amizade de meus conhecidos não

termina com o último aperto de mão de despedida.

Interessa-me muito saber não somente as novidades sociais, mas também as

pessoais. Afinal de contas não fui uma visita oficial mas um amigo pessoal, talvez mais.

Portanto, que fazes? Tua Zelde? As flores? (Pergunto, pois elas fazem parte dela.) Teu

filho, tua filha? O que faz teu sogro? Fany? Chaique?655

Os cunhados e as cunhadas? E

em geral todos os conhecidos? E o mais importante, a tua saúde?

O “Ibergus” – a brochura te a remeto – foi encenado com grande sucesso.

Agora será representada no Teatro Ideal por Rudolf Zaslavski.656

Este é o teatro no qual,

graças ao “Ibergus”, lutou-se para que os tmeim não tivessem nenhuma influência.657

Remeto-lhe também as resenhas sobre o “Ibergus”, o que lhe facilitará a leitura.

Sim, ao redor de 6-8 semanas deixarei a Argentina para um período mais

prolongado. Viajo a Nova York, de onde me mandaram um contrato para encenar o

“Ibergus” e o “Dos goren schtibel”, no teatro local. Pararei um pouco de tempo no Rio

(escrevem-me de lá que querem representar “Ibergus”, e que eu mesmo o encene). Você

sabe que afora os “paskunhaques”, gosto muitíssimo do Rio, e quase a maioria das minhas

criações, ultimamente, as tirei de lá.

Tenho a esperança de receber logo mais uma carta tua estando no Rio,

certamente. Nos escreveremos e quem sabe te é possível vir ao Rio (e com saúde). Não

pense que não tenho saudades dos silenciosos e interessantes momentos com vocês em

655

São as filhas de Scholem Paciornik, sogro de Baruch Schulman 656

Conhecido diretor de teatro na Argentina. Também esteve no Brasil. 657

O teatro judaico na Argentina esteve, até aquela data, dominado pelo elemento “indesejável”, e a partir da

representação do “Ibergus”, a comunidade passou a combatê-lo abertamente, como já o descrevemos mais

acima.

371

Curitiba. Os passeios, as conversas, as fofocas na chácara com Max (ou Salomão),65811

“Areia Branca”, a viagem até vocês, os churrascos, e tudo isso.

Que esta o encontre com saúde, a vocês e todos os que lembrei e todos os que

habitam o teu coração

Lembranças de teu

L. Malach

Rio, 28/XI/26659

Meu querido amigo Baruch Schulman:

Tenho uma palavra. Escrevo do Rio mas curtamente e apressado. Estou

atacado de febre-de-viagem. No dia 18 de novembro saio do Recife com o “Van Dick”

para Nova York. O que haverá lá? No Rio há uma programação na qual participo. Pensei

que estarias no Rio para nos vermos, e no fim...

O que fazes? Tua Zelde? E as flores? A filha e o filho?

Sim, você tem uma visita; Noach Vital.660

Vale a pena conhecê-lo. Você terá

nele um amigo. Caso o vejas, mande lembranças.

Lembranças de todo o coração

Teu

L. Malach

Tua carta me encontrará em Recife:

L. Malach

Posta Restante

Recife

Nova York, 22 de janeiro, 1929

Meu querido Baruch Schulman:

Ontem recebi de você uma lembrança viva. Eu me encontrei com tua irmã.

Foi-me sumamente agradável sentar-me com ela e reviver em mim imagens e lembranças

do passado.

Acabei de voltar de uma longa viagem pela América, e estive em Chicago,

Detroit, assim como no Canadá, travando conhecimento com novas pessoas, estranhas,

658

Trata-se dos dois membros proeminentes da comunidade judaica de Curitiba, Max e Salomão Paciornik,

que costumavam freqüentar a chácara da família. 659

A data correta da carta deve ser 28/X/1926. 660

Trata-se do conhecido jornalista argentino que visitava o Brasil naquela época.

372

mas que se tornaram próximas, ainda que não tão próximas e familiares como você e toda

sua família.

Ficaria abençoado se desta vez você colocasse algumas palavras sobre você e

pudesse ouvir sobre tudo e todos – é uma pena que tal amizade se apague por

emudecimento.

O que se passa comigo? Não sei como começar. Penso que o meu viver na

América me deu muitíssimo e muito me levou. Devo assinalar os seguintes resultados: a

minha peça “Ibergus”, que escrevi sobre o teu papel, tem muita sorte. Já perfazem dois

anos que ela não sai dos palcos de todo o mundo. No ano passado foi encenada em dois

teatros nova-iorquinos, além de várias cidades da América. Hoje ela está sendo encenada

em Chicago, na Filadélfia e em Montreal. Está se preparando uma nova encenação em

Nova York. Em Varsóvia, a peça está sendo levada á cena pela centésima vez por

Zaslavsky, no Teatro Skala e em Lodz, no Philarmonie. Enfim, o papel era muito bom...

A minha segunda peça “Di moid fun Ludmir”(A moça de Ludmir) foi

comprada por Morris Schwartz e não sei quando ele irá encená-la, possivelmente no

próximo ano. A mesma peça foi comprada também pelo “Habima”, em hebraico, e está

sendo impressa em tradução inglesa no jornal literário “Time News”.

A verdadeira novidade é que escrevi um grande romance sobre a vida

brasileira com o nome “Unter der palme”(Sob a palmeira), e o romance está sendo

impresso no “Di Presse” de Buenos Aires sob o título “Donia Aijes – Don Domingo”661

.

Logo mais iniciar-se-á sua impressão em um jornal de Nova York e sairá em seguida em

forma de livro. É isso, e mais algumas pequenas e maiores novidades, porém sobre elas,

numa próxima vez.

Agora escreva-me como está a tua saúde e o que faz tua esposa e que fazem

suas flores. O que fazem os Paciornik? Ouvi dizer que ocorreu entre eles uma desgraça.

Fiquei verdadeiramente abalado. Transmita minhas saudações a todos os Paciornik, aos

homens, às mulheres e às crianças. Saudações a tua irmã e em particular a Fayge e a

Chaikale. Vi as fotografias delas cavalgando com roupas masculinas. Nada mau para

esses jovens “gentios”...

Calculo que ao redor de maio, junho, julho, viajarei de volta a B. Aires para

permanecer lá durante alguns meses e depois voltar. Se se der a viagem, não sei se

resistirei à prova de não dar uma escapadela até vocês.

Acrescento meu endereço nesta. Com bênção,

Seu

L. Malach

L. Malach

c/o “Forward”

175 E. Brodway

New York City

U.S.A.

661

É o mesmo romance inspirado na vida brasileira conhecido pelo título “Don Domingo’s kreitzveg” (A

encruzilhada de Dom Domingo).

373

38. Uma carta de Josef Halevi a Baruch Schulman

É sabido que o primeiro periódico judaico no Brasil começou a circular em

Porto Alegre, no ano de 1915, e fora fundado por um personagem enigmático que se

apresentava com o nome de Josef Halevi.

Quem era Josef Halevi e qual sua origem, foi a pergunta que o historiador da

imprensa judaica no Brasil, Isaac Raizman, levantou em sua obra “A fertl yohrhunderrt

idische presse in Brazil”662

(“Um quarto de século de imprensa judaica no Brasil”),

colhendo, para tanto, testemunhos das poucas pessoas que o conheceram e que estiveram

em contato com aquele jornalista. Raizman traz em seu livro uma descrição que diz ter sido

extraída da obra do jornalista e escritor Pinhe Katz, “Idische Literatur in Argentine”

(“Literatura Judaica na Argentina”), testemunhando seu conhecimento sobre Halevi nos

seguintes termos: “Josef Halevi veio à Argentina um ou dois anos antes da Primeira Guerra

Mundial e viveu em Rosário, sustentando-se com lições e palestras. Em uma das suas ricas

palestras, prenunciou todos os acontecimentos relativos à Primeira Guerra Mundial, assim

como de fato se sucederam. Essa palestra sua foi publicada no primeiro diário judaico na

Argentina, ‘Der Tog’ (‘O Dia’).”

“Quando o ‘Di Presse’ (A Imprensa) foi fundado na Argentina, em 1918, foi

Josef Halevi um de seus redatores. Escrevia sobre assuntos políticos. Conhecia

perfeitamente muitas línguas européias, era um hebraísta excelente e colaborava com o

‘Hatzefira’. Costumava se corresponder com Naum Sokolov, que o chamava de ‘iedid

yakar’ (caro amigo). Os honorários do ‘Hatzefira’ (3 kopekes por linha, que lhe eram pagos

“excepcionalmente”, assim Sokolov lhe escreveu) ele os enviava a sua irmã necessitada, em

Riga, mesmo que, pessoalmente, costumasse passar fome. Era um tipo especial, um

aristocrata do espírito e de uma conduta humilde. Possuía o título de engenheiro, mas nunca

se lembrava disso. Dava lições de hebraico e francês. Por natureza, era um tipo boêmio:

costumava, literalmente, ir a pé ao Brasil, e voltar sem que ninguém soubesse quando

chegava. Seu pseudônimo era ‘A id on a bord’ (Um judeu sem barba), mas, de fato, ele

possuía uma barba”.

Raizman deve ter confundido o depoimento acima – que é, possivelmente, do

veterano jornalista argentino Michal Hacohen,- o qual lembra ter-lhe fornecido uma

informação sobre Josef Halevi – com o do acima mencionado Pinhe Katz, que,

efetivamente, ele transcreve em sua obra: “Mais do que todos, tinha prazer daquelas linhas

(trata-se aqui do jornal ‘Unzer Vort’ (Nossa Palavra), que começou a sair à luz em Buenos

Aires, em 1913, aquele que assinava ‘A id on a bord’. Ele defendia o ídiche em relação às

pretensões do hebraico; universalismo frente às pretensões dos ortodoxos; socialismo frente

ao sionismo, e tudo com aguda e perspicaz técnica de escritor. Quem é esse novo escritor?

Evidenciou-se que o “Id on a bord” usa uma barba, uma barba negra aparada, um pouco

desleixada, ao redor de um rosto infantil, com olhos que pouco enxergam e com os quais lê

e escreve sem usar óculos, curvando-se ao papel até a mesa, ou trazendo o escrito até os

olhos.”

662

ed. Museum LeOmanut HaDfus, Sfat, 1968.

374

“O estilo é o homem, costuma-se dizer, e aquele escritor com a barbicha torta e

maldosamente desleixada, que costumava quase sempre terminar seus artigos com agudo

ponto de interrogação, como se quisesse encostar na garganta do leitor uma navalha afiada,

era infantilmente ingênuo e caprichoso e não desculpava sequer uma letra que o redator via

como necessário cortar. Também quando falava com alguém sobre coisas insignificantes,

ou sem importância, pairava sobre o seu rosto infantil e seus quase cegos olhos um ar de

espanto. De onde viera tal ‘bandido’ jornalístico? Pouco antes, há uma semana, ele havia se

apresentado no ‘Idischer Hofenung’ (‘Esperança Israelita’) com um artigo sobre um

assunto hebraico, assinado com o pseudônimo “A. Volozhiner”.

“O pseudônimo podíamos interpretar como auto-recomendação de um formado

na famosa ieshivá de Volozhin. Os sionistas diziam que ele era um escritor hebreu, que,

durante muitos anos, fora correspondente do “Hatzefira”, inclusive durante o processo

Dreyfus, escrevendo e falando tantas línguas quanto o próprio Sokolov. De Buenos Aires,

ele colaborava com um jornal judaico norte-americano, o “Morgen Jornal”, ou com o

“Tageblat”, e num jornal francês em Paris, e em ambos com pseudônimo. E quando se lhe

perguntava sobre seu verdadeiro nome, ele novamente dava um pseudônimo: Josef Halevi.

Parece-me que consegui extrair dele seu verdadeiro nome. Ele me intrigava com sua

misteriosa, assim me parece, podemos dizer, vida pseudonímica. Freqüentemente eu o

visitava, em um quarto vazio nos arrabaldes da cidade, onde ele vivia sua vida ascética.

Não digo sua vida de celibatário, pois isso tem significado bem diverso, e asceta aqui não

significa exatamente isolamento e ascetismo, mas a semelhança daquele mesmo estudioso-

vagabundo que tinha por hábito parar em uma cidade onde ninguém o conhecia e sentar-se

para estudar, dormir no beit-hamidrasch (escola religiosa) sobre o banco e se satisfazer com

uma pequena refeição com água, assim como o descreve Y. Y. Zinger, em seu ‘Yosche

Kalb’. Josef Halevi costumava alimentar-se com um pouco de arroz e leite, que cozinhava

sozinho sobre uma espiriteira colocada no chão.”

“Em um caixote onde se encontrava sua pouca roupa, ele guardava os seus

escritos: dramas. Ele procurava negociá-los com os atores de Buenos Aires, que pela

primeira vez ouviam que por uma peça precisavam pagar, e em particular, a um

‘vagabundo’ que se apresentava com petulância. Tinha, em seu caixote, também um

exemplar impresso de uma tradução encomendada, ainda no início de sua carreira de

escritor, do ‘Ahavat Zion’ (‘Amor a Sião’), de Mapu, tradução feita ao ídiche, e nela

constavam as iniciais Y. L., as iniciais de seu verdadeiro nome, desvendando assim, o

mistério ao redor de Yosef Levinsohn. Mas o nome, dizia ele, não existe mais, assim como

ele não existia para sua família. No início de 1918, após alguns anos de ausência, ele se

apresentava em Buenos Aires, e por pouco tempo. Naquele tempo começava a sair o ‘Di

Presse’, que o aceitou como escritor de artigos sobre política externa. Mas cedo foi

obrigado a abandonar seu trabalho devido aos seus artigos não estarem de acordo com a

linha do periódico. A inspiração nesse sentido lhe vinha do ‘Courrier Français’, onde

publicava, de tempos em tempos, um artigo, e lá se difundiam as conhecidas histórias sobre

o acordo de Lênin com os alemães para entregar a Rússia, etc. No ‘Di Presse’ costumava

assinar com um ‘X’, e os leitores, insatisfeitos com sua linha política, o chamavam de

‘Madame X’.”

“Ele desapareceu novamente de Buenos Aires, e no começo de 1920 foi

recebido no ‘Di Presse’ o primeiro número de sua publicação semanal, de quatro páginas

em formato quatro, com o título ‘Di Menscheit’, publicado em Porto Alegre. Essa

publicação revelava uma outra personalidade política de Josef Halevi. Demonstrava que o

375

escritor hebreu, verdadeiro mestre de prosa ídiche, “A id on a bord”, e assim por diante, era

simplesmente um anarquista. Em uma cartinha dirigida a mim, ele escrevia que estava

terminando uma grande obra, que previa a segunda e terceira guerras mundiais.

“No mesmo ano de 1920 ele faleceu. E sua morte foi exatamente como sua

vida – a morte de um eremita que cai durante seu estudo no beit-hamidrasch, e os que se

ocupam com isso fazem o que é de direito. E aconteceu nas condições e modos selvagens

de nossos novos países. Em um determinado dia, foi recebida uma informação, no ‘Di

Presse’, de que se encontrava em um manicômio de Buenos Aires um homem que não

revelava seu nome, mas que era conhecido no jornal, e que ele mostrava, sem dúvida, sinais

de loucura, pois perdera um manuscrito de uma grande obra, no caminho, a pé, vindo do

Brasil. Nessa situação, a polícia o recolheu no meio do caminho, na cidadezinha de

Mercedes, a algumas horas de caminhada de Buenos Aires.”

“Quando os colegas do ‘Di Presse’ e outros, entre eles o conhecido sionista e

entusiasta do hebraico, Yosef Reich, chegaram ao manicômio, já o encontraram em um

caixão para ser enterrado no cemitério geral da cidade, denominado Chacarita. Com uma

intervenção especial, na qual teve papel importante o mencionado Yosef Reich, conseguiu-

se, após alguns dias, transferir o corpo ainda ensangüentado ao cemitério israelita em

Liniers, no subúrbios de Buenos Aires.”

“Em seu túmulo encontra-se uma simples lápide, com poucas palavras: “Aqui

jaz Josef Halevi”.

Em alguns detalhes, a transcrição de Raizman difere do texto que consultamos

nas obras completas de Pinhe Katz, e em particular, no volume 7, editado em 1947. Talvez

Raizman tenha consultado outra edição, que desconhecemos, ou recebeu o mesmo texto em

forma de depoimento reescrito pelo próprio autor.663

Segundo o autor da história da

imprensa ídiche no Brasil, o “Di Menscheit” saiu à luz em 1.º de dezembro de 1915 e foi

planejado para ser um semanário. Como endereço para assinaturas, se dá o nome de B.

Lewgoy, Campo do Bonfim, 88, e para correspondência, S. Kaufman, rua 12 de Outubro,

19. Como colaboradores, além de Josef Halevi, que, no primeiro número usou vários

pseudônimos, encontravam-se o ativista e intelectual Nathan Becker, do Rio de Janeiro, o

futuro redator de outro periódico em São Paulo, o conhecido ativista Marcos Frankenthal de

Quatro Irmãos, Melech Reicher, de Santa Maria, Baruch Schulman, de Curitiba, e outros.

O jornal teve pouca duração e conseguiu sobreviver com dificuldade os seis

números que foram publicados pelo seu redator. O mesmo Josef Halevi faria uma segunda

tentativa jornalística e fundaria, em 1920, o segundo periódico judaico em nosso país, o “Di

Idische Tzukunft” (“O Futuro Israelita”), cujo primeiro número começou a circular em 15

de janeiro daquele ano. Nesse sentido, nos parece que Pinhe Katz, em seu relato, confunde

os dois periódicos, pois, se ele recebeu um jornal em 1920, esse foi o “Di Idische

Tzukunft”, e não o “Di Menscheit”.

663

No verbete do “Neie Lexikon fun Idicher Literatur”, N.Y., 1960, encontramos que nasceu em Chvodan, na

Lituânia, em 1868, e estudou na ieshivá de Volozhin, passando depois a viver em Londres, Madrid e na Itália.

Até 1910 esteve em Paris, onde estudou, certo tempo, literatura na Sorbonne. Foi enviado em 1910, pelo

“Hatzefira”, à Argentina, com a finalidade de pesquisar a vida dos judeus nas comunidades, e acabou ficando

por lá. Erroneamente, o autor do verbete dá como data de sua morte 5 de maio de 1921, em lugar de 1920,

conforme o depoimento de Pinhe Katz. Mas não são, infelizmente, as únicas imprecisões que encontramos no

Leksikon sobre Y. Halevi.

376

O “Di Idische Tzukunft” tinha uma clara orientação anarquista, e é bem

possível que a hipótese de Raizman seja correta ao dizer que talvez o jornal fosse apoiado

pelo grupo de anarquistas judeus que existiam em Porto Alegre. O historiador e jornalista

Jacob Nachbin664

menciona, em um artigo publicado no “Tzukunft” (“Futuro”), nos

Estados Unidos, a existência de um grupo de anarquistas judeus em Porto Alegre, que

participara de ações políticas, juntamente com alemães e italianos, tendo sido alguns

membros presos e deportados aos seus países de origem.6654

Esse anarquismo de Josef

Halevi pode ser depreendido por uma breve descrição de Pinhe Katz, em sua outra obra ,

que leva o título “Idische Jornalistik in Argentine”, editada em 1946, e onde, nas páginas

187-8, ele se refere ao nosso personagem nos seguintes termos: “O jornalista hebreu-

idichista Josef Halevi, que tinha uma especial qualidade de se adaptar a todas as exigências,

escreveu aqui (no jornal ‘Unzer Vort’), com o título ‘Di Idische Don Quichoten’ (‘Os Don

Quixotes Judeus’), contra os sionistas que desviam a atenção dos judeus da Argentina de

seus interesses locais, e sob o pseudônimo “A id on a bord” (ele sim usava uma barba),

escreveu contra os hebraístas, que desviam os judeus de sua cultura atual”. O “Di Idische

Tzukunft” durou cerca de quatro meses, e com a morte de Josef Halevi, ele não poderia

mais ter continuidade. Entre seus colaboradores se encontrava também Baruch Schulman,

que já havia participado do primeiro periódico, de 1915, o “Di Menscheit”.

Baruch Schulman publicou, em 17 de novembro de 1950, um artigo

rememorando a figura de Josef Halevi, com o título “Mein bagegenisch mitn redaktor fun

der erschter idicher tzeitschrift in Brazil” (“O meu encontro com o redator do primeiro

jornal israelita no Brasil”), no periódico “Der Neier Moment” (O Novo Momento), de São

Paulo. Nesse artigo, relata Schulman como travou conhecimento pessoal com Josef Halevi,

que chegou a ser seu hóspede em Curitiba e que lhe sugeriu editar um jornal no Rio de

Janeiro sob sua redação e com a administração do próprio Schulman. Assim, ele passa a ser

testemunho importante para nosso conhecimento do enigmático jornalista, e cujo relato, no

delicioso estilo que caracterizou tudo o que saiu de sua pena, transcrevemos quase na

íntegra: “...Ano após, em 1915, recebi uma carta do meu amigo Salomão Kauffman, que

morava anteriormente em Curitiba, na qual ele me escrevia que estavam para tirar um

jornal judaico e me pedia para fazer algo em prol do assunto no Paraná.

“Atirei-me ao trabalho com fervor, fiz assinaturas e vendi ações. E grande foi

meu entusiasmo quando vi o nome conhecido de Josef Halevi no primeiro número do “Di

Menscheit”, como redator. “Em nosso grupo, o primeiro jornal judaico foi recebido com

verdadeira alegria. Não somente as palavras eram lidas letra por letra, mas a publicação era

comentada e discutida com muita compreensão e elogios.

“Quando um leitor de jornais americanos e europeus apontava alguma falha, os

céus se abriam num clamor. Como podem esquecer que estão dando os primeiros passos

num verdadeiro deserto? Pois sob esse aspecto é uma renovação que foi bem-sucedida. Mas

nossa satisfação não durou muito. Com o sexto número, o ‘Di Menscheit’ afundou. Poucos

anos após, Josef Halevi fez nova tentativa periodística, com o ‘Di Tzukunft’, mas não

saíram mais do que dois números.

“Certa vez, recebi uma carta de Josef Halevi, onde ele dizia que, no caminho ao

Rio, se propunha a visitar Curitiba e ficaria muito alegre em me conhecer pessoalmente.

664

Sobre ele vide nosso artigo “Jacob Nachbin: precursor da historiografia judaica no Brasil”. 665

No artigo “Der moderner idischer ishuv in Brazil”, in “Tzukunft”, julho, 1930.

377

Esta notícia eu não somente a recebi com alegria, mas também com certo orgulho. Não era

algo comum, pois teria a regalia de hospedar um escritor judeu, o redator de um jornal.

“Em minha imaginação, eu via um intelectual com riqueza espiritual, cheio de

humor e acuidade mental, com quem seria um prazer passar o tempo! Dialogar com um

intelectual judeu!

“Qual não foi a minha decepção ao encontrar um homem neurastênico, de 50

anos de idade, com uma barbicha ao estilo ‘iluminista’, amargurado e ácido, de quem era

difícil extrair uma palavra da boca. Mas a maior decepção sofreu minha esposa, que Deus a

tenha em paz, pois, conforme o hábito de uma verdadeira dona de casa, ela se preparou para

receber nosso hóspede com os melhores quitutes de seu repertório culinário. Talvez algo

não o agradasse e outra coisa não pudesse comer. Ele nos disse que necessitava somente de

leite. Leite e leite. Com o tempo, nos acostumamos com isso. (Ele permaneceu entre nós

um tempo mais prolongado). Mas, de qualquer forma, era um intelectual judeu! Eu tive a

impressão de que o calor de um lar judeu teve influência positiva sobre ele. Começou a ser

mais falante, de vem em vez mostrava certo sorriso sobre seu rosto e contava alguma

anedota em nada má.

“Viajou de Porto Alegre ao Rio por etapas, parando em cada lugar onde havia

uma comunidade suficientemente grande para dar uma conferência e ganhar para suas

despesas. No Rio, ele tinha em mente iniciar um novo periódico. Em um belo dia, Josef

Halevi expôs a mim seus planos e me propôs ser seu editor. Muito capital – assim ele me

disse – a investir não era necessário. Os tipos hebraicos pode-se comprá-los em Porto

Alegre por bem pouco. O empreendimento ali não deu certo devido ao fato de haver muitos

donos.

“Mas, com uma iniciativa particular, ele como redator e eu como administrador

em uma cidade como o Rio, o sucesso poderia ser previsto de antemão. A mim esse plano

atraía. Morar na linda metrópole brasileira e estar à testa de um periódico era uma idéia

para não se desprezar. Fui, então, me aconselhar com meu velho amigo, Max Rosenmann.

“Max Rosenmann, o presidente da comunidade judaica de Curitiba, foi um dos

primeiros judeus que chegaram ao Paraná e que se impôs na sociedade cristã pela sua

seriedade e sua dignidade como judeu. O importante é que ele era estimado pela colônia

alemã, onde possuía muitos amigos, entre os quais se encontrava o redator e proprietário do

periódico ‘Der Beobachter’ (O Observador), ao qual Max Rosenmann me levou para obter

uma opinião profissional sobre todo o assunto.

“‘Der Beobachter’, assim costumávamos chamar o redator, não pelo seu nome,

mas pela publicação, era um tipo cheio de importância, barrigudo, e a gente tinha a

impressão de ser esmagado pelo seu corpo pesado. Mas, ao se observar seu rosto aberto e

simpático, com amplas barbas em suas faces, à la Francisco José (Franz Joseph), com os

olhos sorridentes, acabava-se tendo com ele um relacionamento familiar. E quando se

começava a falar com ele, revelava-se uma personalidade colorida, que esperávamos então

encontrar em Josef Halevi. Era uma boa pessoa por natureza, socialista militante, idealista e

muito amigo dos israelitas (houve, por vezes, tais tipos entre o povo que provocou o

Holocausto). Dirigia uma luta intensa contra o segundo jornal, ‘Der Kampus’ (‘O

Campus’), publicação clerical dirigida por um padre, e a toda investida anti-semita, o ‘Der

Beobachter’ reagia com vigor e lucidez. Ele nos recebeu com calor e nos levou a ver a

redação, com a presença de mais alguns de seus membros, esclarecendo certas questões

técnicas e nos animando a aceitar a proposta (de fundar um jornal).

378

“Esse aconselhamento profissional me embriagou, e comecei a pensar na

mudança ao Rio. Para minha felicidade, minha divina esposa viu o assunto com outros

olhos – vocês, mulheres, com a sabedoria de Eva – e argumentava que tudo não passava de

fantasia e não de um negócio que nos permitisse progredir. ‘E na melhor das hipóteses,

quem podia garantir’ – assim ela argumentava – ‘que você poderá se entender com essa

pessoa?’.

“Com esse último argumento, fiquei liquidado. Dentro de pouco tempo, Josef

Halevi começou a me despejar cartas do Rio ‘para no caso de ainda não ter desistido da

idéia do jornal...”

“Mas, nesse ínterim, minha esposa já tinha todos os trunfos na mão: ‘Se isso é

uma mina de ouro, por que ele não a encontrou no Rio...?’. Não era eu o destinado a ser

editor de um jornal judaico no Brasil...”666

Em nossa procura em pós dos rastros de Josef Halevi no Brasil, acabamos

encontrando dois anúncios no periódico do professor David J. Perez, “A Columna”, de

agosto e setembro de 1916, onde nosso personagem oferecia-se a ensinar e dar, “com

pronúncia asquenazita ou sefaradita”, aulas de hebraico, confirmando o que Pinhe Katz

havia dito anteriormente, isto é, que ele vivia de aulas e conferências. No mesmo periódico

e no mesmo ano a redação respondeu a ele em uma carta curta, dizendo que publicaria, em

um próximo número, um artigo que remetera, o qual nunca foi publicado.

Além do mais, encontramos uma homenagem a Josef Halevi nos Protocolos do

Primeiro Congresso Sionista no Brasil, em 1922, na cidade do Rio de Janeiro.667

E o

primeiro historiador a dar importância e reconhecer o pioneirismo de Josef Halevi foi Jacob

Nachbin, em artigo publicado no jornal “Idische Folkteiztung” (Gazeta Israelita), em 21 de

maio de 1929, e lá ele o denominava “fundador da imprensa judaica no Brasil”, assim como

o fizeram no mencionado Congresso de 1922.

Ao trabalharmos com o material do arquivo de Baruch Schulman, qual não foi

nossa surpresa ao encontrarmos uma carta em ídiche de Josef Halevi, dirigida ao escritor de

Curitiba, talvez a única existente, cujo teor serve de excelente testemunho histórico de sua

atividade jornalística no Brasil. A carta, lamentavelmente não datada, teria sido escrita

entre 1916 e 1919, ou seja, no período após o encerramento do “Di Menscheit” e antes da

criação do “Di Idische Tzukunft”. E isso é facilmente comprovado por uma leitura atenta

de seu conteúdo, o qual passamos a traduzir:

Rio, 19 de outubro

Senhor Bernardo Schulman

Prezado Senhor,

Ouvi dizer que o senhor, nos últimos tempos, escreveu novamente para cá

sobre o vosso plano de editar aqui um jornal judaico. Caso seja verdade, e se de fato o

666

Raizman é, incompreensivelmente, crítico em relação ao testemunho de Schulman, e os defeitos que vê em

seu artigo ele mesmo os comete em toda a extensão de sua obra como historiador. Na verdade, é um absurdo

exigir que um depoimento pessoal seja um modelo impecável de obra histórica. O texto de Schulman constitui

um testemunho único, feito por um brasileiro que teve contato com o fundador dos dois primeiros periódicos

judaicos em ídiche em nosso país. 667

V. nosso artigo “Sionistas, o primeiro encontro”. Documento inédito: os Protocolos do 1.º Congresso

Sionista no Brasil.

379

senhor se empenhar em dar os passos práticos para a realização desse plano, informo-lhe

que, não faz tempo, chegou aqui, fugindo da América, devido à guerra, um bom tipógrafo

judeu, que, não querendo investir seu pequeno patrimônio em uma tipografia própria e não

tendo talento para a costumeira atividade judaica no Rio, iria, certamente, trabalhar

consigo, caso fizeres tal negócio.668

Isso permitirá ao senhor, assim que chegarem aqui os

tipos, publicar o jornal, não precisando assim esperar por um tipógrafo de Buenos Aires (o

antigo tipógrafo do “Menscheit”, que também se encontra aqui, faz agora negócios

melhores). E isso em caso de o senhor encontrar definitivamente em si mesmo a força

necessária para esse empreendimento. E o que o senhor possui, terá que reconhecer, como

se nada tivesse tido antes, devido a esses pequenos detalhes. Devo-lhe ainda escrever que

não é de todo impossível que eu, em pouco tempo, não tendo aqui um jornal para redigir,

viajarei a São Paulo, onde poderei também ter o mesmo trabalho que tenho agora.669

Viajando para cá, o senhor necessita, de todo modo, parar em São Paulo, onde, entre

outras coisas, é preciso estar para contratar ali um bom agente para o jornal. Pergunte

por mim ao Rabino Hertzenstein,670

que possui um açougue na rua José Paulino, Bom

Retiro, e ele saberá meu endereço.

Atenciosamente

Y. Halevi

Saudações a todos os velhos conhecidos, entre eles, o senhor Rosenmann671

e

família.”

A carta de Josef Halevi mostra claramente que, com o encerramento das

atividades do “Di Menscheit”, formou-se um vácuo relativo à imprensa ídiche, e os

escritores que se expressavam nessa língua sentiam a necessidade de criar um novo órgão

onde pudessem publicar os seus trabalhos, ainda que, nos anos de 1916-17, saísse em

português o jornal “A Columna”. No entanto, esse periódico não poderia servir àqueles que

não dominavam o vernáculo.

668

Temos a convicção de que se trata de Eduardo Horowitz, que chegou ao Brasil em outubro de 1916, era

tipógrafo e veio fugido da guerra, saindo dos Estados Unidos ao Brasil. Tornou-se, mais tarde, secretário da

Federação Sionista no Brasil quando esta foi fundada, em 1922, destacando-se por sua cultura e qualidades

espirituais. Com a fundação do “Ídische Volkzeitung”, em 1927, foi designado seu redator, após ter

acumulado uma experiência jornalística valiosa como colaborador do “Dos Idische Vochenblat” e do

“Brazilianer Idische Presse”, ambos fundados por Aron Kauffman. Os dados referentes à vinda de Eduardo

Horowitz ao Brasil e sua profissão nos foram fornecidos por membros de sua família, em entrevista pessoal

feita no Rio de Janeiro. Lamentavelmente, a biografia de Eduardo Horowitz ainda está por ser escrita, e,

enquanto isso ocorrer, desconheceremos uma das personalidades mais marcantes da vida judaica no Brasil. 669

A de professor particular 670

Trata-se do Rabino Mordechai Guertzenstein, de tradicional família rabínica na Europa, e um dos

primeiros rabinos asquenazitas a chegar ao Brasil, no início do século XX, trazido pela J.C.A., da Argentina.

Homem de idéias avançadas, fugindo um pouco do estereótipo do rabino ortodoxo, estava muito próximo dos

maskilim por sua ampla cultura e modo de conduzir os assuntos religiosos. Radicou-se em São Paulo,

passando mais tarde a viver no Rio de Janeiro. Josef Halevi usa a forma original do nome da família do

rabino, isto é, Hertzenstein. 671

Trata-se de Max Rosenmann, um dos primeiros judeus a chegar a Curitiba, ainda no final do século XIX,

tendo uma atuação importante na vida comunitária local, fato já lembrado no relato de Schulman.

380

Assim, é compreensível que Baruch Schulman (ao qual Josef Halevi chama de

Bernardo, na forma aportuguesada de seu nome) tenha tomado a iniciativa de criar um novo

periódico, ídiche, sob a influência de Josef Halevi, mas que pelas razões acima referidas

pelo próprio escritor, não chegou a se concretizar.672

672

Sobre Baruch Schulman e sua atuação como escritor e intelectual de prestígio no meio judaico brasileiro e

no exterior, vide nosso trabalho “A correspondência entre Leib Malach e Baruch Schulman” nesta coletânea.

381

39. Jacob Nachbin, percursor da Historiografia judaica no Brasil

A historiografia judaica no Brasil é relativamente nova, uma vez que tem início

na segunda década do século passado, apesar da imigração mais recente, em contraposição

à do período colonial, dar-se com a Abertura dos Portos.

Com o término da Primeira Guerra Mundial, dirigiu-se ao nosso país uma

grande corrente imigratória de israelitas provenientes fundamentalmente da Europa

Oriental, dando forte impulso à criação de instituições comunitárias que pudessem atender

aos recém-chegados.

Muitos dentre os imigrantes estabeleceram-se nos grandes centros urbanos e,

principalmente, no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras cidades. Porém, outros

se interiorizaram, procurando melhores oportunidades em lugares mais longínquos,

espalhando-se em nosso território de Norte a Sul em busca de trabalho e meios de

sobrevivência. Entre esses imigrantes também encontravam-se intelectuais, ainda que

constituíssem um número reduzido, e por isso mesmo, procurassem manter hábitos

culturais adquiridos no Velho Continente. Agruparam-se com o fim de formar entidades de

caráter cultural, passando a promover o teatro e a literatura ídiche por através da formação

de grupos amadores que encenavam peças teatrais, além de organizarem eventos literários e

conferências. Certas iniciativas, desses grupos, tiveram um alcance maior ao convidarem

personalidades importantes do mundo artístico judaico a virem ao Brasil com a intenção de

se apresentarem perante as comunidades. De fato no decorrer do tempo escritores famosos

e renomadas companhias teatrais judaicas atuaram no Brasil assim como nos demais países

do continente sul-americano.

Jacob Nachbin chegou ao Brasil com a onda imigratória após a Primeira Guerra

Mundial, indo estabelecer-se, em 1921, no Recife, onde já havia uma comunidade israelita

organizada. Vinha ele do Velho Continente após ter vivido em vários países, a começar da

Polônia, onde nascera, Hungria, Suíça, Alemanha, até fixar residência entre nós. A

instabilidade e a constante procura que caracterizaram sua vida teve início em sua infância,

pois ficara órfão aos dois anos de idade, tendo sido criado por vários parentes, que também

se encarregaram de lhe dar uma educação tradicional judaica ao lado de uma formação

geral que adquiriu por si só. Durante a Primeira Guerra Mundial, fugiu da Polônia e acabou

por servir no Exército austríaco para, logo após alguns meses, chegar a Budapeste, na

Hungria. Foi em Budapeste que encontrou a companheira de sua vida e foi ali que começou

sua carreira literária, publicando poesias em vários periódicos locais, sob os mais diversos

pseudônimos.

Durante a revolução de Bela Kun, teve uma participação como comissário

político junto ao Segundo Exército Internacional húngaro, mas com a queda do governo

revolucionário, foi obrigado a fugir para a Suíça, onde continuou com sua produção

poética, ao mesmo tempo que se voltava para um ativismo ligado ao destino de seu povo.

Desde os primeiros momentos de sua chegada ao Brasil, Jacob Nachbin reuniu

ao seu redor um grupo de admiradores, atraídos por sua personalidade inquieta e seu talento

literário. No Recife, preocupou-se em dar uma contribuição cultural, organizando um grupo

teatral ídiche, ao mesmo tempo que colaborava nos jornais judaicos da Argentina com poemas inspirados na vida e na terra brasileira.

Em 1923, com a fundação do jornal israelita “Dos Idische Vochenblat” (“O

Semanário Israelita”), Nachbin foi convidado a participar da redação daquele periódico,

382

devendo, portanto, trasladar-se ao Rio de Janeiro. Apesar do pouco tempo que permaneceu

em sua redação – menos de um ano – teve a oportunidade de publicar, além de poesias,

pequenas crônicas que se referiam ao cotidiano da vida comunitária. Seus primeiros ensaios

históricos, incluindo notícias sobre imprensa judaica no Brasil e suas origens ele publicaria

mais tarde no jornal “Idische Folkstzeitung” (Gazeta Israelita). Além do mais, sob vários

pseudônimos, usou de sua pena para escrever crítica teatral, e muitas vezes com uma

linguagem cáustica, que não poupava a diretores e atores, a ponto de provocar polêmicas

com aqueles que fossem alvo de seus artigos. Como jornalista, ele estava atento aos eventos

da comunidade, escrevendo vários artigos, onde enfocava questões relativas à imigração e à

organização da vida dos israelitas chegados ao Brasil. Mas foi a partir de 1924 que ele

começou a pesquisar com maior profundidade a história dos judeus no Brasil e a reunir

material para o livro que publicaria mais tarde, em Paris. Seu interesse pela história dos

judeus no Brasil o levaria a viajar a Portugal e Espanha, em fins de 1928, com a finalidade

de consultar as bibliotecas e os arquivos ibéricos. E o único meio que encontrou para fazer

tal viagem, pois Nachbin não tinha condições financeiras para fazê-la por conta própria, foi

como representante de um periódico judaico do Rio de Janeiro, o “Idische Folkstzeitung”,

fundado um ano antes. Suas crônicas e entrevistas com personalidades européias foram

publicadas naquele periódico, onde, em meados de 1928, já havia publicado uma

“Monografia sobre o Nome Brasil”, e que constitui seu primeiro trabalho ligado

diretamente à história brasileira. Nachbin, em suas entrevistas feitas com os representantes

políticos do movimento sionista na Liga das Nações, que tinha em sua ordem do dia o

problema do destino das minorias nacionais européias, entre elas a judaica, retratou um

momento delicado na vida daquela instituição, bem como traçou com maestria jornalística

os jogos de interesses das potências européias no tocante à questão nacional. Ele

entrevistou, durante os vários meses em que permaneceu em Paris, homens como Leo

Motzkin, que representou as minorias nacionais em Comissão especial designada pela Liga

das Nações; o escritor e jornalista Marc Jarblum, o ativista e nacionalista judeu Victor

Jacobson, e entre outros o erudito Zalman Rubashov, que, mais tarde, viria a ser presidente

do Estado de Israel, com o sobrenome Shazar.

Jacob Nachbin, como já dissemos antes, procurou em Portugal, além de fontes

históricas para seu trabalho de pesquisa, um contato com os estudiosos portugueses

interessados no estudo dos judeus da Península. Em relato publicado na “Gazeta Israelita”,

ele fez referência aos encontros mantidos com o engenheiro Samuel Schwartz, que, na

década de vinte, “descobriu” a existência de cristãos-novos portugueses na região de

Belmonte, descrevendo-os em seu livro “Os Cristãos-Novos do Século XX”. Também

encontrou-se com o eminente professor Moisés Bensabat Amzalak, com o historiador

Joaquim Bensaude, e intelectuais como o Dr. A. Benarus, Felix Bermudes e outros, além do

lider dos marranos portugueses, o Capitão Arthur de Barros Basto. Tudo indica que esses

encontros deram, ao nosso historiador, elementos importantes para o ambicioso projeto de

publicar uma “Coleção de Estudos sobre a História dos Judeus em Portugal e no Brasil”,

dos quais o primeiro e único volume a sair à luz foi o seu livro “Der letzter fun di groisse

Zacutos” (O Último dos Grandes Zacutos), obra que deu a Nachbin um lugar entre os

historiadores judeus que se ocuparam com a temática, de modo geral, e o tornou um

precursor da historiografia judaica no Brasil.

Na última página de seu opus maius, “O Último dos Grandes Zacutos”, ele

anunciou a publicação de um segundo volume na coleção citada, que deveria tratar do tema

“A Frota Marítima das Descobertas Portuguesas e seus Mestres Judeus”, mas que nunca

383

chegou a ser publicado. Do mesmo modo, certos títulos constantes na mesma relação de

suas obras foram publicados em forma de artigos e constituem esboços ou sínteses de

trabalhos que, conforme ele mesmo disse em artigo publicado na “Gazeta Israelita” sobre

Antonio José da Silva, o Judeu, deveriam, futuramente, vir a luz em forma de livros.

Após vários meses de estadia na Europa, Nachbin voltou ao Brasil em meados

de 1929, para seguir, no início do ano seguinte, aos Estados Unidos, como noticiou a

“Gazeta Israelita” de 27 de dezembro de 1929, com “finalidades científicas, além de outras,

na área de história dos judeus no Brasil e Portugal, na qual o senhor Nachbin trabalha há

muito tempo e na qual conseguiu jorrar luz sobre capítulos de importância nacional-

judaica...”. Começava, assim, uma nova etapa na vida de nosso irrequieto historiador, que

fixou residência no solo norte-americano e onde exerceu a função de arquivista na North-

western University, em Evanston, chegando a publicar, como resultado de quase dois anos

de trabalho, um “Descriptive Calendar of South American Manuscripts”, na revista “The

Hispanic American Historical Review”, além de outros trabalhos em outros orgãos de

imprensa e revistas especializadas. Por outro lado, as dificuldades financeiras e o trabalho

de arquivista, em condições materiais pouco favoráveis, levaram-no a ser internado para um

tratamento de doença pulmonar, adquirida durante sua permanência nos Estados Unidos.

Ainda durante esse período, ele produziu, entre abril e setembro de 1930, uma

série de estudos, publicados no conhecido periódico americano “Di Zukunft” (“O Futuro”),

sob os títulos “Os Judeus no Brasil” e “A Moderna Comunidade Judaica no Brasil”,

tratando o primeiro da presença israelita desde os primórdios da colonização portuguesa em

nosso solo, até os tempos recentes, e detendo-se o segundo na descrição da comunidade no

século XX. Nesses artigos, Nachbin revelou uma excelente intuição de historiador, ao

apontar a necessidade de se escrever uma história recente, ou seja, da nova imigração

israelita, a partir do século passado, pois nada fora feito até o seu tempo. Não somente isso;

ele, nesses trabalhos, já esboçava uma pequena história da imprensa judaica que iria servir,

mais tarde, a Isaac Raizman em sua obra sobre “Um Quarto de Século de Imprensa Judaica

no Brasil (1915-1940)”, publicada em 1968, em Israel.

Mas, dentre todos os trabalhos de Nachbin, ainda “O Último dos Grandes

Zacutos” permaneceu como a obra mais significativa que saiu de sua pena. Publicada em

Paris, em 1929 (na mesma editora que publicava um outro livro que marcaria época, o

“Baruch Spinoza e seu Tempo”, de Nahum Sokolov), permaneceu o seu livro praticamente

desconhecido do público interessado, principalmente devido ao fato de ter sido escrito em

ídiche. O livro trata da vida e obra de Zacuto Lusitano (1576-1642), médico famoso em seu

tempo e descendente do astrônomo da corte de João II e Manuel I, Abraham ben Samuel

Zacuto, mentor das descobertas portuguesas no período da expansão marítima. O livro é

dividido em doze capítulos, nos quais o autor procurou retratar a genealogia da família

Zacuto Lusitano, cujo nome cristão era Manuel Álvares de Távora. Abandonou, em 1925,

sua terra natal e dirigiu-se a Amsterdam, onde retornou ao judaísmo e passou a usar o nome

Abraham Zacuth, mesmo em seu escritos médicos.

Na introdução ao seu livro, Nachbin escreveu que seu objetivo inicial era tratar

da história dos judeus no Brasil, “mas de imediato ficou evidenciado que a história dos

judeus no Brasil tem suas raízes na Península Ibérica em geral, e em particular em Portugal,

de modo que não podemos separar o judaísmo ibérico de seu período medieval, o qual

terminou por se ligar, ao mesmo tempo, a dois continentes”. Mais adiante, ele diz que o

“material sobre a história dos judeus no Brasil, que reuni durante anos, já pode compor uma

obra volumosa acerca de um capítulo desconhecido da história judaica”.

384

“O Último dos Grandes Zacutos” ultrapassa, na verdade, os limites de um

estudo biográfico do grande médico português para descrever o mundo cultural do

marranismo ou novo-cristianismo e sua contribuição aos reinos ibéricos. E não somente a

vida universitária em Coimbra foi abordada, porém, o nosso autor focalizou aspectos da

história da medicina nos séculos XVI e XVII, que dão realce à atividade científica de

Zacuto Luzitano e seus discípulos. Também a vida das comunidades judaicas na Holanda, e

em particular em Amsterdam, foi narrada sob os ângulos da história social, político-

econômica e cultural. Escritores, poetas e sábios do judaísmo sefaradita, e entre eles a

figura elevada de Menasseh ben Israel, contemporâneo de Zacuto Lusitano, desfilam na

obra de Nachbin, que não escondeu seu entusiasmo e orgulho em relação ao herói de seu

livro e aos personagens que o cercam. Já na introdução ao seu trabalho, ele diz que “Zacuto

Lusitano é apenas um dos muitos do mesmo nível que conhecemos na história judaica, mas

sua personalidade nos interessou devido à ligação existente com a história dos judeus em

Portugal e no Brasil”.

Para os olhos do historiador “profissional”, sua obra apresenta falhas, que o

rigor científico ou metodológico jamais perdoaria, tais como a da pouca unidade na

ordenação dos capítulos, a excessiva liberdade em relação às normas de citação

bibliográfica, a pouca explicação das fontes utilizadas, e mesmo certo abuso da imaginação,

abominada pelo “cientificismo” em geral. Sob esse aspecto, sentimos, na leitura de sua

obra, o desequilíbrio existente entre o poder de análise, a altitude intelectual e o domínio

dos recursos metodológicos na pesquisa e na redação. Erros históricos, devido à falta de

conhecimento empírico de dados, possível somente através do estudo sistemático que

permite um acúmulo bem ordenado de informações, podem ser encontrados na obra de

Nachbin. Mas tudo isso não tira o valor de “O Último dos Grandes Zacutos” como trabalho

pioneiro e arrojado, mormente se considerarmos que ele foi escrito em um ambiente

acanhado e provinciano da pequena comunidade judaica existente naqueles dias, isenta de

exigências científicas ou de apreciadores com suficiente bagagem cultural para julgar

criticamente seu livro. Acima de tudo, devemos considerar que Nachbin era um autodidata,

e podemos dizer, de talento incomum, que, devido a sua vida erradia e agitada, não chegara

a adquirir uma escolaridade acadêmico-formal; porém, era dotado de profunda acuidade

para localizar o problema histórico e investigá-lo. Porém boa parte do livro foi calcado

literalmente na obra do historiador da medicina portuguesa Maximiano Lemos que havia,

publicado em 1909 sua monumental obra “Zacuto Lusitano, a sua vida e a sua obra”, na

cidade de Porto, em Portugal. Nachbin extraiu desse estudo boa parte do material que

compõe os capítulos de seu livro.

Posteriormente, em sua segunda etapa de atividade de historiador, ele revelou

uma maturidade científica plena, que se traduziu na produção de seus estudos sobre os

“Lucidários”, publicados entre 1935 e 1938, cujo nível se iguala aos bons estudos feitos

nessa área.

A partir de 1938 não dispomos mais de nenhuma notícia sobre ele, perdurando

até hoje o mistério de sua morte.673

673

Sobre ele vide meus livros “Jacob Nachbin”, ed. Nobel, São Paulo, 1985, e “Manasche, sua vida e seu

tempo”, ed. Perspectiva, São Paulo, 1996.

385

40. Egon Wolff e a historiografia dos judeus no Brasil

A história dos judeus no Brasil ainda se encontra em suas primeiras etapas de

desenvolvimento, mormente se considerarmos a secular presença hebraica em território

nacional que se faz sentir desde os primeiros anos da descoberta cabralina. Mais ainda,

poderíamos dizer que o Novo Mundo é fruto de um empreendimento amplo onde judeus

peninsulares tiveram um papel ativo, a começar da elaboração das cartas de navegação e do

conhecimento da astronomia, tão necessária para a expansão marítima. Portanto não é de

estranhar que na frota de Cabral se encontrava um Gaspar da Gama, o Gaspar da Índias,

que Vasco da Gama conhecera em sua aventuras transmarinas. Os cristãos-novos ou os

judeus batizados na Península Ibérica que aportaram por aqui e tomaram parte na

colonização portuguesa construindo os alicerces da futura nação brasileira foram, desde o

século passado, o centro das preocupações dos historiadores que investigaram a sua

identificação e seu dramático destino uma vez que foram alvo da Inquisição portuguesa e

de suas Visitações. Assim o historiador Varnhagen, já em 1848, publicava na revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, a relação dos cristãos-novos acusados de

judaizarem e foram condenados pela instituição inquisitorial, entre eles o poeta e

dramaturgo Antonio José da Silva, o Judeu 674

. Varnhagen publicaria mais tarde, em 1896,

na mesma revista, tomo LIX, o processo do judaizante queimado pela Inquisição de Lisboa

em 1739. 675

Nos anos 20 do século passado seria publicada a obra de Solidônio Leite Filho

sob o título “Os Judeus no Brasil”676

e que teria uma influência sobre o primeiro historiador

judeu no país, Jacob Nachbin, que, apesar de carecer de uma formação acadêmica formal

era um autodidata com uma excelente intuição para a temática histórica, como podemos

constatar na série de artigos que publicou em língua ídiche no periódico “Di Zukunft”( O

Futuro ), de Nova York, em 1930677

. Posteriormente Nachbin acabaria por dominar com

maior precisão o método de pesquisa histórica ao trabalhar como arquivista na

Northwestern University de Illinois. Lamentavelmente seu trabalho de historiador ficou

interrompido com o desaparecimento prematuro de sua pessoa. O importante na obra de

Nachbin é o fato de ter chamado a atenção para a imigração contemporânea dos judeus,

ainda que fosse apenas uma leve sinalização de uma área de estudos que iria se desenvolver

bem mais tarde 678

. Isaac Raizman, que seguiu de perto as pegadas de Nachbin, e, como ele,

era um intelectual que não havia passado pelos bancos universitários, seria o segundo

historiador judeu no Brasil a publicar uma “História dos Judeus no Brasil”, em 1937, que

não passava de uma síntese de alguns capítulos históricos relativos aos judeus ou melhor,

cristãos-novos no período colonial, escrito em tom apologético, e que de certa forma

revelava o deliberado esforço do autor para apresentar os judeus que viviam no Brasil com

674

Varnhagen, F. A., Antonio José da Silva, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. IX,

1847 (2a. ed., 1869), pp. 114-124 675

Varnhagen, F. A. , Os processos de Antonio José da Silva, o Judeu, in Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro, t. LIX, 1896. 676

Filho, S. L., Os judeus no Brasil, Rio de Janeiro, 1923. 677

“Di yidn in Brazil” (Os judeus no Brasil) e “Der moderner idicher ishuv in Brazil” (A moderna

comunidade judaica no Brasil, in “Di Zukunft”(O Futuro), abril, maio, junho, julho e setembro de 1930. V.

também do mesmo autor “Der letzer fun di groisses Zacutos”(O último dos grandes Zacutos), Paris, 1929. 678

Falbel, N., Jacob Nachbin, ed. Nobel, São Paulo, 1985.

386

um rosto positivo em oposição a propaganda integralista daqueles anos obscuros da política

nacional 679

. Raizman que era gráfico de profissão e jornalista ativo na imprensa ídiche nas

cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, durante muitos anos, publicaria um trabalho único

no gênero e, portanto, de um significado maior, “Um quarto de século de imprensa judaica

no Brasil” que até hoje permanece como uma fonte insubstituível de consulta aos

interessados nesse aspecto cultural da imigração israelita 680

. Um trabalho posterior,

publicado em 1975, e que no conjunto formaria uma coletânea de estudos sobre a presença

judaica nos países de fala portuguesa, sob o título “A criatividade judaica em língua

portuguesa”681

, o autor se mostraria preocupado em abordar temas inéditos, em particular

sob o aspecto da participação de judeus na literatura portuguesa, assim como a própria

atividade literária em língua ídiche próprio dessa corrente imigratória que se estabeleceria

nos maiores centros urbanos do país. Além do mais, Raizman também tentaria trilhar o

caminho da literatura escrevendo um romance de caráter auto-biográfico que, igualmente

aos demais autores de língua ídiche, acabaria por ser esquecido devido a paulatina

diminuição de leitores dessa língua 682

. Do mesmo modo poderíamos explicar o

desconhecimento de sua obra histórica tal como ocorreu com o seu antecessor, Jacob

Nachbin, pela falta de uma tradução em língua portuguesa.

No decorrer dos anos 40 ocorreu um fenômeno notável em relação ao tema da

imigração e presença judaica no Brasil. A maior contribuição seria a de um historiador de

grande mérito científico, José Antonio Gonsalves de Mello, que com sua obra “Tempo dos

Flamengos” 683

elucidaria magistralmente a situação dos judeus, agora com a inteira

liberdade de se praticarem sua religião e culto sinagogal, no Recife e em Mauricia, nas

regiões sob o domínio holandês. Novamente o período colonial era privilegiado e era o

centro das atenções de nossos estudiosos. Porém a obra de José Antonio se destacaria entre

as demais pelo tratamento dado a um capítulo desconhecido, os judeus sob o domínio

holandês, ao qual dedicaria várias décadas de trabalho profícuo do qual resultaria uma série

importante de artigos e estudos indispensáveis à consulta de quem tem interesse nessa área.

Uma síntese de seu trabalho global foi publicada recentemente sob o título de “Gente da

Nação” 684

. Nos rastros da obra histórica de José Antonio G. de Mello, seguir-se-iam as

pesquisas de Arnold Wiznitzer e Isaac S. Emmanuel que também tratariam dos cristãos-

novos e dos judeus no período colonial. Ambos historiadores percorreram os arquivos

europeus em busca de fontes que os habilitariam a elaborar trabalhos de relevância que

seriam publicados em revistas nacionais e no exterior. Wiznitzer seria o primeiro a verter o

Pinkes de Zur Israel ao inglês, publicando-o antes em português 685

. Mais tarde ampliaria o

seu trabalho de pesquisa publicando uma obra mais abrangente sob o título “Os Judeus no

679

Raizman, I. Z, Geschichte fun idn in Brazil (História dos judeus no Brasil) São Paulo, 1935. Em 1937 seria

publicada a tradução portuguesa sob o título “História dos Israelitas no Brasil”. 680

Raizman, I. Z., A fértil yohr-hundert idische presse in Brazil. (Um quarto de século de imprensa judaica no

Brasil), Safed, 1968. 681

Raizman, I. Z., Idische scheferrischkeit in portugalischen loschen (A criatividade judaica em língua

portuguesa), Safed, 1975. 682

Raizman, I. Z., Lebens in schturm (Vidas tempestuosas), Tel-Aviv, 1965. 683

Mello, J. A . Gonsalves de,Tempo dos Flamengos, J. Olympio Editores, Rio de Janeiro, 1947. 684

Mello, J. A. Gonsalves de, Gente da Nação, Ed. Massangana, Recife, 1989. 685

Wiznitzer, A., O Livro de Atas das Congregações judaicas Zur Israel em Recife e Magen Abraham em

Mauricia, Brasil,1648-1653, Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1952.

387

período colonial” que seria uma primeira síntese sobre aquele período, fundamentada, em

parte, sobre uma ampla bibliografia e fontes primárias 686

.

Isaac S. Emmanuel concentraria seu trabalho científico no estudo dos israelitas

sob o domínio holandês apoiado numa pesquisa profunda na documentação dos arquivos

holandeses, assim como o fizera José Antonio G. de Mello, porém com a qualidade

adicional de poder estudar as fontes hebraicas devido ao conhecimento que possuia dessa

língua 687

. Seu trabalho estendeu-se ao estudo dos judeus na região do Caribe, Salônica e

outros lugares, ultrapassando assim os limites geográficos do Brasil688

.

Devemos lembrar que ainda nos fins de 40 e inícios de 50 Kurt Loewenstamm,

um rabino oriundo da Europa Central que havia imigrado ao Brasil após a Segunda Guerra

Mundial, publicaria dois volumes sob o título de “Vultos judaicos no Brasil”689

que repetia,

em boa parte, e com certa ingenuidade de amador curioso e pouco preparado, os erros e as

afirmações apologéticas sobre certas personalidades judio-brasileiras cuja pertinência ao

judaísmo nem sempre poderia ser provado, mesmo porque não havia elementos que o

comprovasse. O interessante na obra de Loewenstamm é a percepção da existência de

judeus que se destacaram na sociedade brasileira no século XIX e seu intento em biografá-

los, num período que a nova imigração, isto é, a contemporânea, ainda não fora alvo de

uma preocupação historiográfica por parte de nossos pesquisadores. Talvez seja este um

dos méritos do trabalho desse historiador. Porém, seríamos injustos com esse autor se não

lembrássemos uma republicação sobre D. Pedro II como hebraísta e tradutor de poesia

judaica contadino-provençal, que foi sem dúvida uma contribuição pioneira para a

divulgação do conhecimento lingüístico, do hebraico e do provençal, do sábio Imperador 690

.

Foi durante os anos 50 que se deram várias iniciativas de se formar um Arquivo para

estudos históricos judaicos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e posteriormente em São

Paulo, que teria como objetivo precípuo o incentivo às pesquisas sobre os judeus no Brasil

e a publicação dos seus resultados. O periódico comunitário “Aonde Vamos?” serviu de

veículo para a divulgação da idéia de formação do assim denominado Instituto Judaico

Brasileiro de Pesquisa em dezembro de 1952, passando a publicar os artigos de seus

membros. Pelo que sabemos os únicos pesquisadores, na época, que chegaram a apresentar

ao grande público do “Aonde Vamos?” alguns artigos de valor foram Isaac S. Emmanuel e

Arnold Wiznitzer. Além desse foi colaborador do “Aonde Vamos?” nesse mesmo período,

Ernest Feder, um intelectual de alto nível cultural que imigrou ao Brasil durante a Segunda

Guerra Mundial, com excelente formação humanista, ainda que não fosse historiador,

chegou a publicar alguns artigos de interesse relativos à temática judaico-brasileira. Ernest

Feder voltaria mais tarde a Europa sem dar continuidade ao trabalho que havia iniciado no

Brasil. Uma outra tentativa de se criar um instituto histórico judaico naqueles anos, se deu

686

Wiznitzer, A., Os Judeus no Brasil Colonial, Pioneira-Edusp, São Paulo, 1966. 687

I. S. Emmanuel publicou uma série de artigos na revista “Aonde Vamos?” sob o título “Fortuna e

Infortúnios dos judeus no Brasil (1630-1654)” números 632-644, 1955. V. também “New Lights on Early

American Jewry”, in American Jewish Archives,January, 1955. 688

Emmanuel, I. S., Histoire des Israelites de Salonique, Thonon-Paris, 1936. 689

Loewenstamm, K., Vultos judaicos no Brasil, 1500-1822, Rio de Janeiro, 1949; Vultos

Judaicos no Brasil, 1822-1889, Monte Scopus, Rio de Janeiro, 1956. 690

Loewenstamm, K., O Hebraista no Trono do Brasil: Imperador D. Pedro II, Biblos, Rio

de Janeiro, s.d.

388

em Belo Horizonte sob a iniciativa do historiador Isaias Golgher, conhecido pelos seus

trabalhos sobre a história do Brasil colonial, mas que não chegou a concretizar seu

ambicionado projeto. A bem da verdade a preocupação pela preservação das fontes

documentais sobre os judeus no Brasil remonta ainda ao ano de 1928 segundo uma notícia

que encontramos no jornal Idische Folkszeitung 691

na qual o escritor, recém chegado ao

país, Menasche Halpern, solicitava, como representante do Instituto Científico Judaico

YIWO, fundado em 1925, em Vilna, documentos de toda natureza relativos à presença

israelita em território nacional. Nada sabemos dos resultados dessa solicitação, mas temos

conhecimento de que o YIWO efetivamente criou nos anos 40 uma seção brasileira em São

Paulo e Rio de Janeiro, sob a direção do premiado escritor de língua ídiche, Meier

Kutchinsky, e outros, que visava recolher material documental sobre a mesma temática. O

fracasso de todas essas tentativas foi extremamente prejudicial à pesquisa e a preservação

da memória da imigração judaica em nosso território uma vez que a não preservação das

fontes documentais e a falta de um arquivo comunitário central organizado em bases

científicas levou a perda de material precioso aos estudiosos. A destruição causada pelo

tempo de coleções particulares e institucionais se deveu, em boa parte a inexistência de

uma consciência histórica na própria comunidade judaico-brasileira que não soube valorizar

e avaliar corretamente o papel que os judeus tiveram na formação, desde a Descoberta, da

nacionalidade brasileira. Por outro lado devemos assinalar que as mesmas situações que

explicam a pouca atenção dada à história judaica se manifestam de certo modo na

sociedade mais ampla que ainda luta para desenvolver a consciência coletiva no sentido de

apontar a importância da preservação de documentos, à nível desejado, em relação à

própria história do Brasil, processo esse que se deu acentuadamente em tempos mais

recentes e na medida que as universidades brasileiras começaram a introduzir em seus

programas também cursos de arquivística. Durante muito tempo a documentação

acumulada nos arquivos nacionais, em vários estados do país, não mereceram o cuidado

necessário que deveriam ter com raras exceções, pois as houveram, não tiveram meios e

recursos adequando para se colocar à disposição dos estudiosos de nossa história. Nessa

sucessão de tentativas de se formar um Arquivo judaico no Brasil, viria a surgir, em 1976,

em São Paulo, o Arquivo Histórico Judaico Brasileiro fundado por um grupo de professores

e alunos da Universidade de São Paulo e que contava ainda com a participação de Egon e

Frieda Wolff. Apesar das dificuldades iniciais e do pequeno apoio que recebeu a novel

instituição esta conseguiu reunir um acervo documental importante relativo à imigração e a

presença judaica no Brasil, que atraiu e estimulou jovens pesquisadores a se interessarem

pela temática judaico-brasileira resultando em trabalhos universitários com os quais

obtiveram títulos de mestrado e doutorado. Durante esses anos, desde sua fundação, o

Arquivo paulista realizou eventos culturais e exposições bem como publicou catálogos de

alguns de seus fundos ou coleções, ainda que os seus recursos fossem limitados e

contassem apenas com a boa vontade de um pequeno grupo de abnegados colaboradores.

Nos últimos anos, vem despertando um interesse maior pela história dos judeus no Brasil o

que pode ser comprovado pelo elevado número de trabalhos publicados, ou trabalhos

científicos em elaboração, de jovens pesquisadores que estudam os vários segmentos dessa

fascinante história.

691

O jornal foi fundado em 1927 e servia como veículo de informação, em língua ídiche, a todas as

comunidades judaicas do país.

389

Porém, continuando a olhar retrospectivamente essa produção historiográfica,

desde os anos 60, houve um verdadeiro salto quantitativo bem como qualitativo, que

enriqueceu o nosso conhecimento sobre a história dos judeus no Brasil, destacando-se nesse

sentido os trabalhos dedicados ao período colonial uma vez que o período independente não

havia merecido suficiente atenção dos pesquisadores. Entre esses historiadores mereceu

uma apreciação maior os trabalhos de Joaquim Gonçalves Salvador que pesquisou no

Arquivo Nacional, na Torre do Tombo, em Lisboa, e em outros arquivos, como a Arquivo

Geral das Índias, em Sevilha, o Arquivo Histórico Ultramarino para mencionarmos os mais

importantes, e cujos resultados constituem no seu conjunto a melhor contribuição para o

conhecimento da história dos cristãos-novos no Brasil. Gonçalves Salvador abordou em

seus trabalhos aspectos fundamentais, e até então pouco estudados, tais como a presença de

cristãos-novos nas instituições eclesiásticas, sua participação na formação das primeiras

famílias da sociedade brasileira, em particular em São Paulo, na economia mercantilista da

época, assim como no tráfico negreiro. À sua obra “Cristãos-novos, Jesuítas e Inquisição”,

publicada em 1969 692

, seguiram-se outras que devemos considerar indispensáveis a todo

estudioso do assunto: “Os cristãos-novos: povoamento e conquista do solo brasileiro”

(1530-1680), publicada em 1976 693

. “Os cristãos-novos e o comércio do Atlântico

meridional”, publicada em 1978 694

e “Os magnatas do tráfico negreiro”, publicada em

1981695

. No mesmo ano de 1969, um outro historiador, Elias Lipiner publicava um trabalho

que também se constituiria em um marco importante para o estudo dos cristãos-novos no

nordeste brasileiro sob o título “Os judaizantes nas capitanias de cima”696

, e, devido a

formação pessoal do autor, possibilitou uma elaboração sob um enfoque mais amplo da

história judaica nos séculos XVI e XVII, uma vez que Lipiner a conhecia bem, assim como

era possuidor de uma cultura hebraica não comum entre nossos estudiosos. Elias Lipiner

continuou suas pesquisas e em 1977 publicaria um novo trabalho, dessa vez, de divulgação,

com o título “Santa Inquisição: terror e linguagem” que elucidava em forma de verbetes de

dicionário, a terminologia ou significado das expressões e da linguagem técnica empregada

pela instituição inquisitorial 697

. Lipiner já havia escrito anteriormente, e juntamente com

Salomão Serebrenick, um modesto ensaio sobre a nova imigração judaica no Brasil e que

de certa forma passava a ser uma das primeiras tentativas, após Nachbin, de abordar o tema,

ainda que superficialmente. Outros estudos de Lipiner, publicados mais recentemente,

sobre a legislação afonsina, “No tempo dos Judeus”, e em particular, sobre a enigmática

figura de Gaspar da Gama, são extremamente elucidativos.

Ainda nessa etapa em que as pesquisas históricas sobre os cristãos-novos

entraram numa fase acentuadamente rigorosa sob o aspecto científico, surgiram os

trabalhos de Sonia Siqueira, Eduardo D’Oliveira França e o estudo de Anita Novinsky,

sobre os cristãos-novos na Bahia, além dos mais recentes, na forma de teses universitárias,

692

Salvador, J. G., Os Cristãos-novos, Jesuítas e Inquisição, Pioneira-EDUSP, São

Paulo, 1969. 693

Salvador, J. G., Os Cristãos-novos, povoamento e conquista do solo brasileiro

(1530-1680), Pioneira-EDUSP, São Paulo, 1979. 694

Salvador, J. G., Os Cristãos-novos e o comércio no Atlântico Meridional, Pioneira-

EDUSP, São Paulo, 1978. 695

Salvador, J. G., Os Magnatas do tráfico negreiro, Pioneira-EDUSP, São Paulo,

1981. 696

Lipiner, E., Os judaizantes nas capitanias de cima, Brasiliense, São Paulo, 1969. 697

Lipiner, E., Santa Inquisição: Terror e linguagem, Documentário, Rio de Janeiro, 1977.

390

dos alunos da Universidade de São Paulo, que abordaram aspectos particulares do novo

cristianismo no Brasil em uma tentativa de elucidar momentos de sua história no contexto

da própria expansão territorial e de formação da nacionalidade brasileira.

Um passo importante e que teria uma repercussão favorável para a abertura de

uma nova área de estudos, que permanecia como tabula rasa, isto é, a imigração no período

contemporâneo, a partir do século passado, quando se permitiu, através do Tratado de

Amizade entre o governo Imperial e a Inglaterra, a vinda e o estabelecimento de imigrantes

de religiões católicas no Brasil, foi a criação, em 1976, em São Paulo , do referido

anteriormente, Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, com a participação do autor destas

linhas e um pequeno grupo de alunos e professores da Universidade de São Paulo 698

.

Porém além desses veio ajuntar-se ao grupo Egon e Frieda Wolff, pesquisadores que

dariam a contribuição mais significativa a essa área esquecida pelos historiadores do

judaísmo brasileiro, até então. Poucos anos antes despertou também no autor destas linhas a

consciência da importância de se chamar a atenção para o estudo da imigração mais

recente, a contemporânea, que se ressentia pela falta de uma definição cronológica mais

rigorosa e em parte pelo ceticismo quanto as possibilidades de uma investigação mais

profunda uma vez que não havia nenhum arquivo comunitário-judaico que pudesse dispor

de fontes documentais para qualquer investigação. As fontes deveriam ser localizadas ou

“descobertas” pelos próprios interessados no trabalho de pesquisa. Importante, nessa etapa,

era a criação de modelos de pesquisa e apontar caminhos para um trabalho científico que

ainda estava para ser realizado e onde pouco havia sido feito, anteriormente. Foi assim que

resolvemos investigar alguns aspectos relativos à imigração da Europa Oriental, de língua e

cultura ídiche, que constitui a maioria dos israelitas vindos ao Brasil, a começar do fim do

século passado e mais acentuadamente em nosso século, após a Primeira Guerra Mundial.

O papel formador da vida comunitária dos imigrantes da Polônia, Rússia,

Romênia, Lituânia, e outros países daquela região que se revelou no grande número de

instituições, sinagogas, escolas, entidades de beneficência e associações culturais era

inegável e os resgate particular de sua história, assim pensávamos, deveria ser o primeiro

passo para a compreensão de um grande processo imigratório que não somente se dirigiu ao

Brasil, mas às Américas como um todo. A fascinante saga de nossos pais, avós e

antepassados nos despertara o desejo de entender o seu mundo espiritual e suas raízes que

foram transpostos ao novo continente, assim como tentei demonstrar em artigos, mais tarde

compilados, parcialmente, no meu “Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil”699

. A

maior dificuldade para se dar continuidade a esse começo ainda permanece pois a nova

geração de pesquisadores para tanto, deverá superar um obstáculo lingüístico, ou seja, o

conhecimento da língua ídiche e sua criatividade cultural secular.

Mas como já dissemos a grande contribuição para a história recente dos judeus

no Brasil seria dada por Egon Wolff e sua companheira de pesquisa Frieda Wolff, cuja

produção científica, sob aspecto quantitativo e qualitativo, pode ser considerado único na

atual historiografia relativa à imigração judaica no país, e sobre a qual queremos fixar nossa

atenção uma vez que este é o foco central dessa nossa modesta avaliação da historiografia

judaica no Brasil.

698

Falbel, N., The Brazilian Jewish Historical Archives: Its Creation and Its Research Projects, in American

Jewish Archives, november, 1980. 699

Falbel, N., Estudos sobre a comunidade judaica no Brasil, ed. F.I.E.S.P, São Paulo, 1984.

391

Porém, antes de fazermos uma análise abrangente da obra de Egon Wolff como parte desta

introdução ao levantamento bibliográfico do conjunto de sua obra, devemos alertar os

nossos estudiosos que passou ser extremamente difícil separar com absoluto rigor o que

representa a obra de Egon Wolff e o que representa o trabalho de sua companheira, uma

vez que tudo foi pesquisado o foi por ambos, como um verdadeiro trabalho à quatro mãos.

Por outro lado, e com justa homenagem ao historiador falecido, queremos traçar

em poucas linhas um pequeno esboço biográfico de Egon Wolff para nosso melhor

conhecimento do homem e do historiador.

Egon Wolff nasceu em 28 de julho de 1910 em Budsin, na Alemanha, de uma

família judaica de classe média e durante os anos 30 estudou Direito, na Universidade

Friedrick Wilhelm de Barlim, onde encontraria sua futura esposa Frieda, com a qual casaria

em 1934. Naquele período crítico para a população judaica da Alemanha, devido à

ascensão do nazismo ao poder, não restava outra via senão a saída daquele país a lugares

mais seguros, e após superarem muitas dificuldades e obstáculos, viajando por alguns

países da Europa, o jovem casal conseguiu chegar, em fevereiro de 1936, ao Brasil. Em São

Paulo, a cidade na qual se estabeleceram de início, ao chegarem ao seu novo lar, dedicou-se

Egon a atividade comercial, na qual teve pleno sucesso devido a sua reconhecível

inteligência, dedicação ao trabalho e cará ter íntegro.

O interesse inicial pela história dos judeus no Brasil deu-se ainda nos anos 60

quando Egon e Frieda já haviam se transferido à cidade do Rio de Janeiro e atuavam em

instituições comunitárias, em particular no setor de beneficência vinculado à Policlínica

Israelita, mais tarde Hospital Israelita Sabin. A curiosidade pelo judaísmo brasileiro e a

constatação de inexistência de uma literatura histórica que pudesse satisfazê-los e dirimir

suas dúvidas e inquietudes os levou a procurar as fontes primárias, a começar da imprensa

nacional do século passado, a qual forneceu aos pesquisadores os primeiros elementos

sobre a imigração do século XIX, Pacientemente, Egon e Frieda, foram colhendo e

sistematizando dados extraídos dos periódicos que passaram a ser complementados por

outro tipo de fontes tais como as epigráficas que resultaram de levantamentos dos

cemitérios mais antigos do Rio de Janeiro e de outros lugares, desde o Norte ao Sul do país.

A procura de rastros dos imigrantes e sua famílias não se restringiu às fontes nacionais mas

se ampliou, através de constantes viagens ao exterior, com a consulta de jornais em vários

países.

A intensa atividade filantrópica exercida por Egon Wolff na Sociedade

Beneficente Israelita (Policlínica Israelita) mais tarde Hospital Israelita, entre os anos de

1961 e 1967, não impediu que seu interesse pela história da imigração judaica ficasse

esquecido pois a publicação do Boletim Informativo daquela instituição inseria, sob

pseudônimos diversos, sempre alguma matéria histórica que refletia seu incansável

interesse pelo passado. Os resultados mais maduros de suas pesquisas naqueles anos

podemos constatar nos artigos que foram publicados em 1972 na revista “Aonde Vamos?”

e que, vão se ampliando a partir de seu primeiro livro, “Os Judeus no Brasil Imperial”,

passando a aparecer em outros periódicos, onde tinham uma seção permanente tais como a

Resenha Judaica, o Jornal Israelita, Menorah, Shalom, Herança Judaica, bem como em

revistas do exterior tais como a Studia Rosenthaliana e Archives Juives. Nesse ínterim

Egon Wolff e Frieda ingressam como membros do Instituto Histórico e Geográfico

Brasileiro participando em suas sessões com contribuições originais e interessantes

392

chamando a atenção de seus confrades pela dedicação e fidelidade à pesquisa histórica

sobre a presença israelita no Brasil. Também os estudos genealógicos sobre as famílias

israelitas e seus descendentes, que vieram no século passado para se estabelecer em várias

regiões do país, se apresentam como verdadeiras descobertas de veios históricos

inteiramente desconhecidos e os leva a ingressar no Colégio Brasileiro de Genealogia do

Rio de Janeiro, além de serem convidados para participarem na revista de estudo s

genealógicos dos Estados Unidos, o Avotaynu. A atividade cultural permanente tomou

conta da vida de Egon e Frieda que tiveram uma participação na Rede Nacional da

Memória Judaica, criada em Porto Alegre, que reuniu representantes de institutos judaicos

de várias cidades do país. Sua presença em todos os eventos importantes, desde seminários

e congressos, cursos e encontros de intelectuais e estudiosos de judaísmo brasileiro tornou-

se obrigatória e indispensável pela sempre esperada contribuição que dariam através de

suas intervenções, palestras e conferências. Assim, sob todos os aspectos, o

desaparecimento de Egon Wolff, ocorrido em 23 de janeiro de 1991, criou um vazio que

dificilmente poderá ser preenchido a curto prazo.

Ao olharmos o conjunto da obra histórica de Egon Wolff de imediato salta à

vista que ela não se restringiu ou se limitou apenas à imigração judaica nos séculos XIX e

XX, ainda que o peso maior de suas pesquisas recaiam sobre esse período. Na verdade os

trabalhos publicados pelo nosso historiador denotam uma abrangência que vai dos inícios

da colonização portuguesa no Brasil e se estende até o período contemporâneo, passando

pelo domínio holandês, que exigiu consultas nos arquivos da Holanda, pelas Visitações

Inquisitoriais de 1591 e 1618 e cujos processos de condenação dos judaizantes brasileiros o

levou a trabalhar na Torre do Tombo. Nesse amplo leque de segmentos e capítulos da

história colonial e independente do Brasil notamos uma vontade tenaz e honesta de

desvendar pontos obscuros e desconhecidos de nosso passado. Desde os primeiros artigos

vemos que o esforço maior de seu trabalho como historiador se voltaria para dois eixos

centrais que seriam: a) história dos judeus sob o domínio flamengo cujo marco

bibliográfico fundamental seria o livro “A odisséia dos judeus do Recife”, que procuraria

identificar os signatários dos “ascamot” (resoluções) da comunidade “Zur Israel” e o

destino dos que saíram do Brasil às vésperas da reconquista portuguesa e a expulsão dos

holandeses; b) a imigração judaica no século XIX que permaneceu como terra incógnita até

a publicação das pesquisas de Egon Wolff, e que revelaria a vinda de judeus marroquinos,

alemães, ingleses, gibraltinos, franceses, orientais e do leste da Europa ao Brasil. Mas

poderíamos acrescentar a essas duas grandes vertentes uma terceira, decorrente desse

último e como sua continuação natural, que foi o da história específica de certas

comunidades israelitas, como as de Natal e Campos. A metodologia de pesquisas de Egon

Wolff se caracterizou antes de tudo pela procura exaustiva de dados para confirmar

verdades e suposições que a exígua bibliografia existente sobre os temas em questão

transmitiu como certas sem elementos comprobatórios suficientes. O método de nosso

historiador se fundamentava na dúvida cartesiana que rejeitava o conhecimento certo e

acabado da história dos judeus no Brasil. Talvez seja esse “elan comprobandi” que animou

seu trabalho e o levou a levantar a enorme quantidade de fontes nos vários arquivos do país

e do exterior. Daí entendemos que uma boa parte de sua produção intelectual estava voltada

à publicação e a divulgação de documentos, tais como certidões de naturalização,

documentos cartoriais e comerciais, e de outra natureza, além dos epigráficos, fruto de

levantamentos minuciosos nos cemitérios judeus e cristãos.

393

Por outro lado não podemos desconhecer que no conjunto de seus trabalhos

Egon Wolff mostraria uma preocupação por certos aspectos da história dos cristãos novos e

a atuação da inquisição no Brasil assim como pela imigração mais recente, o que podemos

comprovar pela diversidade de artigos publicados sobre esses temas, que devido a sua

dispersão justificam a coletânea que ora publicamos. Os “Dicionários biográficos I e II”

reúnem, nesse sentido uma profusão de dados que são de enorme valia aos pesquisadores e

estudiosos uma vez que estão concentrados e sistematizados, poderíamos dizer,

didaticamente, facilitando a sua localização através de uma clara identificação de fontes e

bibliografias. A publicação de artigos e livros sobre a imigração judaica contemporânea

permitiu redimensionar o papel e a contribuição dos judeus na sociedade brasileira

evidenciando a sua participação na vida econômica, política, militar, cultural e social do

país.

Como decorrência de uma informação mais exata que a sua obra fornece,

sociólogos, antropólogos e cientistas sociais tem hoje a possibilidade de efetuar estudos em

suas áreas específicas e poderão se defrontar, com uma informação mais apurada, com

questionamentos sobre assimilação e aculturação dos judeus no país em que vivem, o ritmo

e as etapas de integração social das várias levas imigratórias, sua distribuição profissional e

demais aspectos. Os levantamentos genealógicos das famílias israelitas do século passado

feitos por Egon Wolff podem ser considerados únicos em nossa historiografia e jorram luz

sobre certos processos sociais de assimilação e aculturação, lembrados acima, além de

fornecerem dados importantes sobre os seus personagens e descendentes. Para finalizarmos

esse pequeno estudo introdutório da obra de Egon Wolff queremos lembrar as eloqüentes

palavras do eminente historiador que foi o professor Dr. Eurípides Simões de Paula, da

Universidade de São Paulo, que na introdução ao primeiro livro publicado pelo casal Wolff,

“Os judeus no Brasil Imperial”, pelo Centro de Estudos Judaicos da Faculdade de Filosofia,

Letras e Ciências Humanas da USP, em 1975, assim escreveu:

“Ao receber o presente trabalho das mãos do Prof. Dr. Nachman Falbel para

publicação soube que os autores, Egon e Frieda Wolff, pesquisaram durante muitos anos

arquivos do Rio de Janeiro a fim de realizarem o seu objetivo: o levantamento das fontes

para o estudo dos judeus no Brasil Imperial.

O caráter inédito dos trabalhos consiste justamente no fato de que o período do

nosso Império ainda não foi até agora devidamente estudado sob o ângulo da presença dos

judeus e sua participação social e econômica naquele período. É importante e necessário

que se fizesse antes de tudo uma avaliação básica das fontes disponíveis para os futuros

estudiosos.

Assim temos com esta pesquisa uma idéia das famílias importantes das

comunidades judias dos grandes centros urbanos e sua atividade econômica, e da quais

saíram brasileiros ilustres como Luiz Matheus Maylasky, David Moretzsohn Campista e

outros. Por outro, e com certa surpresa, encontramos organizações comunitárias já

estruturadas como a União Israelita do Brasil, que antecedem a outras instituições que

surgiram posteriormente. Outros aspectos importantes que encontramos nesse estudo estão

ligados a questão da origem dos judeus que imigraram a nossa terra e a formação dos

primeiros núcleos populacionais de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande

do Sul e o de Recife, Maceió e Belém.

394

A vida dessas comunidades pode ser aprendida pela grande quantidade de

notícias tiradas dos jornais da época, onde se esboçam os problemas que tangem a

atividade. artística-cultural da colônia judaica e até mesmo questões religiosas internas,

bem como seu relacionamento com a sociedade brasileira em geral.

A investigação feita nos documentos da Polícia (passaportes), do Registro de

Estrangeiros, da Junta do Comércio, no Arquivo Nacional, nos Registros do Cemitério dos

Ingleses e outros lugares revelam uma tal riqueza de dados sobre o tema abordado pelos

autores que permitirão a outros pesquisadores encontrarem já um caminho aberto para

estudo mais analíticos”.

A “corrente de ouro” da historiografia judaica, que foi inaugurada ainda no

século passado por Varnhagen, conta hoje com um acúmulo extraordinário de obras de alto

valor científico mas não resta dúvida que um dos elos mais brilhantes foi forjado pelas

mãos de Egon e Frieda Wolff.

A OBRA DE EGON WOLFF :LIVROS ARTIGOS

Livros

Judeus no Brasil Imperial. Centro de Estudos Judaicos. Universidade de São

Paulo 549 p. 1975

Sepulturas de Israelitas – São Francisco Xavier, Rio de Janeiro. Centro de

Estudos Judaicos. Universidade de São Paulo, São Paulo. 285 p 1976

A Odisséia dos Judeus do Recife. Centro de Estudos Judaicos. Universidade de

São Paulo, São Paulo. 342 p. 1979

Judeus nos Primórdios do Brasil República. Biblioteca Israelita H. N. Bialik,

Rio de Janeiro. 384 p. 1981 (Prêmio Clio de História 1982 da Academia Paulistana de

História).

Sepulturas Israelitas II – Uma pesquisa em mais de 30 cemitérios não-israelitas.

Cemitério Comunal Israelita do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 267 p. 1983

D. Pedro II e os Judeus. Editora B’nai B’rith S/C, São Paulo. 80 p. 1983

(Prêmio Clio “História do Império” 1984 da Academia Paulistana de História).

Natal – Uma Comunidade Singular. Cem. Comunal Isr., Rio de Janeiro. 130 p .

1984

Participação e Contribuição de Judeus ao Desenvolvimento do Brasil. Ed.

Particular. Rio de Janeiro. 181 p. 1985.

Dicionário Biográfico I – Judaizantes e Judeus no Brasil 1500-1808. Cem.

Com. Isr., Rio de Janeiro. 222 p. 1986.

Campos – Ascensão e Declínio de uma Coletividade. Cem. Com. Isr., Rio de

Janeiro. 195 p. 1986.

395

41. O Léxico dos ativistas sociais e culturais

A idéia de se publicar um Léxico dos ativistas na comunidade judaica brasileira foi

sugerida de um cidadão argentino, Wolf Bressler, que havia se ocupado com o mesmo

projeto na Argentina, chegando a editar em Buenos Aires, um primeiro volume em 1941

sob o título “Léxicon de los hombres de bién de la colectividad israelita en la Argentina”,

edição bi-lingue em espanhol e ídiche, com a participação de Samuel Glasserman,

exatamente como seria planejado em língua portuguesa pelo editor Henrique Iussim (Zvi

Iatom).Conforme notícia no Aonde Vamos? de 10 de janeiro de 1946 Wolf Bressler teria

vindo ao Brasil, um pouco antes, como jornalista e diretor proprietário da “Editorial Idisch”

da Argentina com a finalidade de comercializar os livros de sua editora. Porém viria, pela

segunda vez, no final dos anos 40 e proporia a Iussim a realização do Léxico brasileiro.

Iussim que foi proprietário de editora no Rio de Janeiro, sob os nomes de Biblos e Monte

Scopus, dedicava-se a publicar livros de temática judaica e nesse sentido foi um verdadeiro

pioneiro em nosso país, pela qualidade e seleção de seus textos.700

Porém somente em 4 de

novembro de 1952 é que Wolf Bressler e Iussim, que agora eram sócios no

empreendimento, assinariam um contrato com Abraham Aizengart e Herman Zherzhinski

para trabalharem em conjunto no projeto que deveria ser editado pela Monte Scopus. O

contrato incluia o compromisso de visitarem 30 candidatos a serem biografados, por

semana, de cobrarem os débitos, de preencherem os seus questionários, recebendo 15% dos

ingressos-bruto, sem incluir possíveis subsidios institucionais interessados na edição do

projeto. Quanto a Bressler sua participação deveria se resumir ao tempo limite de três

meses ao que após sua partida os dois contratados, Aizengart e Zherzhinski passariam a

receber 25% do ingresso pelos biografados no Léxico sob sua iniciativa. Como podemos

ver o empreendimento era comercial ainda que o resultado final, sob o olhar atual e a longa

distância de tempo, foi de uma importância impar para a preservação da memória da

imigração judaica no Brasil. Além das pessoas acima lembradas tomaram parte no projeto o

escritor Baruch Schulman e Nelson Vainer que entrevistaram pessoas e cuidavam de obter

o preenchimento dos questionários enviados aos ativistas interessados em figurar no

Léxico. Baruch Schulman, que tinha um excelente conhecimento da imigração e da vida

comunitária, teve um papel importante na obtenção de dados e informações bem como

aplicou-se na redação dos textos introdutórios ou crônicas das respectivas comuidades. O

questionário que poderia ser preenchido pelo próprio ativista, ou por seu entrevistador,

incluia uma série de perguntas sobre lugar de origem, filiação,data de nascimento, data de

chegada ao Brasil e um histórico sobre sua atividade comunitária. Como já lembramos

acima, o Léxico deveria ser publicado em português e ídiche o que de fato se deu com as

quatro brochuras que vieram a lume, a saber, Paraná-Curitiba (1953), Rio Grande do Sul-

Porto Alegre (1957), Pernambuco-Recife (1957) e Minas Gerais- Belo Horizonte (1957).

Curitiba foi a primeira a ser publicada e foi alvo de certa crítica, no jornal Der Neier

Moment, de São Paulo, assinada por I.P., saudava a publicação em seu número de 6 de

novembro de 1953, mas se referia a ausência de nomes importantes que deveriam figurar e

entre eles a figura patriarcal de Scholem Paciornik, um dos patriarcas daquela comunidade.

Nesse interim a editora publicaria um impresso explicativo sobre o que deveria ser o Léxico tentando responder a questões levantadas ao seu redator Henrique Iussim, balizando o

700

Sua esposa Ruth Iussim publicou no Boletim Informativo do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, n. 10,

dez.-jan. 1997-8, um pequeno artigo sobre seu esposo.

396

projeto entre as datas de 1953 e 1955, o que, talvez, significasse que pretendia termina-lo

nesse espaço de tempo. O impresso em questão respondia cerca de 20 questões relativas ao

projeto, a começar do objetivo do Léxico ao qual Iussim respondia de que “constituirá o

Memorial da coletividade judaica de todo o Brasil.” Ele explicará que os judeus , outrora,

costumavam anotar as importantes datas num ‘Pinkas’ e cada comunidade possuia seu

memorial, “e portanto era nosso dever registrar a vida coletiva atual , de maniera que fique

gravada para sempre, na memória das gerações futuras. Eis a finalidade do Léxico.” Quanto

aos idiomas da publicação ele via a necessidade de adotar o ídiche e no vernáculo, por ser

a primeira “a linguagem de sua alma e cérebro e o vernáculo para a nova geração, a fim de

que ela tome conhecimento da obra social erigida por seus pais, nesta terra.” O Léxico

deveria conter os dados biográficos de centenas de ativistas sociais e culturais, sua

atividade e contribuição para o desenvolvimento da coletividade judaica e do país em geral

, a começar pelos fundadores e pioneiros, “de meio século atrás ,até os dias de hoje.” Ao

editores previam que o projeto seria editado cm 1.500 páginas, em grande formato de

album, incluindo cerca de 500 biografias, além de históricos das sociedades. Nesse

impresso informava-se que no primeiro ano havia-se coletado 280 biografias e dados sobre

cerca de 40 sociedades. A coleta das informações fazia-se mediante um questionário de 15

quesitos que o biografado deveria preencher e remeter à editora, que não se comprometia

em publicar tudo e em especial o que considerava como “momentos puramente decorativos,

tais como chás, banquetes, rifas, desfiles de moda e outros tantos “ornamentos”, ficando tão

sómente os fatos concretos e substanciais de interesse coletivo.” O redator obsrva, ainda,

que poderá enviar o questionário a quem o solicitar, o que não significa que qualquer

pessoa que o preencher entrará no Léxico...” Para exemplificar sobre o modo de

preenchimento do questionário ele publicava um bilhete encantador de M.K. (seria o

escritor Majer Kucinsky?) , “veterano de nossa vida social”: ‘ Prezado amigo Henrique

Iussim. Devolvo-lhe, incluso, o questionário preenchido, e antes de dizer a oração “Em tuas

mãos deposito a minha alma” desejo lembrar-lhe a conhecida história do Bal Shem: Um

judeu viu-se, certa vez, embrenhado numa cerrada floresta. Estava-se em Iom Kipur, ou Dia

da Expiação e ele não tinha consigo um Mahzor (o conjunto de orações dedicadas a certa

festividade) nem Sidur (conjunto das orações do culto sinagogal rotineiro), nenhum livro

de orações. Que fazer? Teve uma idéia: passou o dia pronunciando as letras do alfabeto de

Alef a Taw e vice-versa, e a Deus dirigiu a seguinte prece: “Senhor do Universo! Aqui

tendes as sagradas letras da Torá. Componde delas, as orações que mais Vos agradarem...”

Em outras palavras informava-se que a redação final estaria a cargo dos responáveis pelo

Léxico. O Léxico também pretendia incluir entre os seus biografados intelectuais e

profissionais liberais, estes últimos valorizados na época em que o ideal dos imigrantes era

verem seus filhos formados e ornados com o título de “Doutor”, especialmente como

médicos, engenheiros e advogados. Além de observar sobre o tamanho da biografia e

outros detalhes técnicos, Iussim informava que o Léxico não tratava apenas de individuos

mas visava retratar o panorama completo das atividades sociais dos judeus deste país,

dispensando atenção especial às instituições, como sejam: escolas, a imprensa, instituições

filaântropicas, agremiações culturais, iniciativas científicas, atividades editoriais e trabalhos

de pesquisa, que se relacionam com a vida coletiva dos judeus no Brasil. Finalmente ele

terminava suas explicações sobre o projeto comentando que “a história dos judeus no

Brasil é um vasto campo de estudos ainda não concluidos. Em certo sentido ainda continua

“terra virgem”, à espera do seu redentor. Faremos, porém, o possível para que o Léxico

contenha- um relato substancial a respeito da história dos judeus no Brasil, escrito por

397

pessoas competentes e versados na matéria. E nesse sentido já estamos tomando as

providências necessparias.” Sabemos porém que as brochuras sobre Bahia, São Paulo e

Rio de Janeiro, estas duas últimas contendo um elevado número de ativistas entrevistados

por serem as maiores e mais importantes comunidades judaicas do Brasil, não chegaram a

ser publicadas, apesar de estarem sendo graficamente compostas. Além do mais o projeto

icluia alguns estudos gerais tais como história da imprensa, escrito por Isaac Raizman e que

já havia sido publicado em ídiche em outro lugar, educação judaica elaborado por Shabatai

Karakuchansky e outro sobre a atividade econômica dos judeus no Brasil. Em meados dos

anos 70 Iussim visitou o Brasil e ofereceu a mim e ao jornalista Konrad Charmatz, redator

do Der Neier Moment, para dar continuidade ao projeto pois ,vivendo agora em Israel,

gostaria de cumprir com o compromisso que assumira nos anos 50 quando foi

interrompido o projeto em andamento por vários revezes pessoais. De início mostrei-me

interessado, sob o aspecto da preservação da memória da imigração, porém ao tomar

consciência de que isso implicava em um compromisso de caráter comercial acabei por não

querer assumir qualquer responsabilidade referente ao mesmo. Assim mesmo Iussim

enviou-me o material do Léxico que se encontrava guardado em seu escritório no Rio de

Janeiro uma vez que deveria desativá-lo. Desse modo interei-me de seu conteúdo e pude

avaliar, apesar dos percalços que impediram sua publicação final, o quanto ele era

importante para o conhecimento de pessoas e instituições que atuaram desde a primeira

década do século passado e lançaram os fundamentos da vida comunitária judaica em

território brasileiro.

O Léxico, em sua totalidade, ainda está para encontrar o seu redentor, porém considerei ser

útil ao pesquisador da história da imigração judaica ter em mãos as “Crônicas” que

acompanhavam o conjunto de biografias contidas em cada brochura, razão pela qual optei

publica-las como apêndice documental neste livro.

398

42. Apêndices:

42.1 As crônicas das comunidades no “Léxico” de Henrique Iussin

42.1.1 Crônica- Rio de Janeiro

A comunidade judaica do Rio de Janeiro compõe-se atualmente de, cerca

de 50.000 almas, abrangendo quase um terço da coletividade israelita do Brasil.

Quanto à atividade criadora, social e culturalmente, e sob o ponto de vista espiritual,

constitui a parcela mais importante do “ishuv” brasileiro. Se desejarmos fazer, hoje

em dia, uma avaliação dos valores espirituais do judaísmo brasileiro, evidenciar-se-á

que, em paralelo com São Paulo vicejam no Rio de Janeiro e se desenvolvem lenta

porém continuamente todos os setores, todos os ramos da cultura judaica, tanto da

laica moderna como da religiosa. Graças a essas manifestações de atividade sócio-

cultural multifacetada, é mantido é mantido um contato permanente com os centros

de cultura judaicos de todo o mundo. O mundo judaico sabe da existência e toma

conhecimento do desenvolvimento da comunidade do Brasil, por intermediário de sua

parcela criadora, que está concentrada e atua no Rio de Janeiro através da literatura,

imprensa, rede escolar, bibliotecas, círculos dramáticos, coros, centros de cultura,

instituições sociais de caráter filantrópico, tais como asilos, Policlínica, Sociedade das

Damas, Lar da Criança, etc. E, finalmente, estão presentes no Rio de Janeiro os

diversos partidos judaicos, da extrema direita à extrema esquerda, tudo que

caracteriza e compõe o arco-íris judaico se manifesta na vida social da coletividade no

Rio. Esta tornou-se o espelho no qual se reflete toda a comunidade do Brasil, tanto

interna como exteriormente.

Esse desenvolvimento notável, essa evolução acelerada da vida da

coletividade do Rio é digno de especial menção, não apenas quanto ao seu aspecto

especificamente judaico, como também no campo geral, no qual, em todos os gêneros

de atividade, se salienta e se destaca de modo positivo a participação judaica. Tanto

no comércio como na indústria, nas letras como na ciência, na educação e na

imprensa, em todos os ramos de atividade a participação judaica se evidencia. Assim,

por exemplo, a maior indústria de cerâmica da América do Sul (3.500 operários) e a

maior fábrica de papel, localizadas no Paraná, são obras dos irmãos Klabin; uma das

maiores oficinas gráficas do país e grande indústria de tintas, pertencem aos Bloch;

uma grande metalúrgica é propriedade de Marvin; na indústria madeireira destaca-se

a “Brasil-Holanda”, de M. Budianski; uma grande editora, especializada em obras de

medicina, a “Guanabara”, e outra editora, de literatura em geral, a “Delta”, são

realizações de Abram Kogan e Simon Waisman. Convém mencionar que quase todas

as pessoas acima mencionadas também se destacam por sua positiva participação na

vida social judaica, salientando-se por suas contribuições. No campo da ciência,

destacam-se: na Química, o mundialmente conhecido e muitas vezes laureado, por

diversos países, Prof. Fritz Feigl, o qual exerce também o cargo de Presidente das

Associações Israelitas do Rio de Janeiro; na ciência física sobressai o Prof. Jaime

Tiomni; na Matemática – o Prof. Leopoldo Nachbin; na Medicina – o famoso

neurólogo Dr.Abrão Akerman, o cirurgião fluminense Dr. Kaiser e os Drs. Jaime

Landman e Ruben Azulay, ambos catedráticos da Faculdade de Medicina do Rio.

Tanto o Dr. Kaiser como o Dr. Azulay trabalham desinteressadamente na Policlínica

399

Israelita. Na literatura brasileira se destacam Pedro Bloch, como dramaturgo, e Elisa

Lispector, como beletrista. No campo educacional são conhecidos a Profa. Ida

Vaisberg, da Escola Superior de Sociologia, e o Prof. Abram Izecksohn, catedrático da

Escola Nacional de Engenharia

Também no campos da atividades técnico-administrativas destaca-se .o

conhecido engenheiro Salomão Serebrenick, diretor de estudos e projetos da

Comissão do Vale de São Francisco, órgão do Governo Federal. Verifica-se, assim,

que em todos os ramos da cultura e da ciência os judeus se acham representados

numa proporção bastante elevada, muito superior à sua percentagem na população do

país.

A crônica que em seguida se fará sobre a coletividade judaica do Rio de

Janeiro e dos seus membros atuantes, com relação à sua evolução impetuosa e sua

estabilidade, ilustrará nitidamente o anteriormente exposto e comprovará a assertiva

da sua influência e domínio espiritual sobre toda a comunidade do Brasil.

Crônica

A nova corrente imigratória para o Rio de Janeiro iniciou-se nos últimos

anos do Século XIX e constituiu-se de início de emigrantes isolados oriundos da

Europa Oriental, que desembarcavam, na maior parte das vezes casualmente, quando

a caminho da Argentina ou de outros países. Naquela época já residiam no Rio de

Janeiro judeus safaraditas, que se achavam organizados, principalmente sob o aspecto

religioso. É conhecido o fato de que, em 1901, por ocasião do Iom Kipum, faltou um

judeu para completar o “minian” dos asquenazitas e foi necessário consegui-lo “por

empréstimo” dos safaraditas, cuja coletividade era bem mais numerosa.

Os imigrantes da Europa Oriental, casualmente aportados ao Brasil,

consideravam inicialmente a sua estada aqui como temporária, pretendendo retornar

o mais rápido possível ao velho lar, com as economias que lhes fosse possível fazer.

Para os imigrantes de língua ídiche as instituições safarditas existentes não

ofereciam atrativos, embora outras tais como uma sinagoga e uma caixa de auxílios

mútuos não existissem. Procuraram os novos imigrantes fundar, logo de início,

agremiações diversas, sociedade de conterrâneos, sinagogas próprias e instituições

filantrópicas.Os sentimentos enraizados trazidos do velho lar, de judeus

misericordiosos através da sucessão de gerações, as saudades e a solidão dos recém-

vindos constituíram forte estímulo para todos os tipos de atividade social, em todos os

campos sócio-econômicos e nos diversos setores culturais. A proporção que a corrente

imigratória se intensificava, quanto mais famílias estabeleciam-se em caráter

permanente no Rio de Janeiro, tanto mais forte e vigoroso se firmava o processo de

construir, de consolidar as atividades sociais em instituições solidamente assentes.

Detalharemos mais adiante o desenvolvimento das diversas instituições e o

desempenho dos pioneiros fundadores, em ordem cronológica.

Centro Israelita do Rio de Janeiro

A primeira associação que se legalizou no Rio denominava-se “Centro

Israelita do Rio de Janeiro” e foi fundada, sob a denominação de “Merkaz Israel”, a

1o de outubro de 1910, por judeus asquenazitas e franceses. Os seus estatutos foram

publicados em 1911, em francês e português. É interessante observar que na última

400

página da publicação contendo os estatutos da sociedade figura uma prece “Leshalon

Hamediná” (Pela Paz do País), em hebraico e tradução para o português. Os

fundadores do Centro foram os Snrs. Simon Drenger, Samuel Leimann e Isidor

Abrament. A primeira Torá foi ofertada pelo de Herbert Moses e era oriunda de um

Grêmio de judeus da Alsácia-Lorena que se dissolveu.

De acordo com os seus estatutos, o Centro tinha por objetivo fundar uma

sinagoga e estabelecer um cemitério próprio. A sinagoga existia realmente e, quanto

ao cemitério, em 1920 foi adquirido, conjuntamente com a sociedade “Bet Jacov”, um

terreno adequado, em Vila Rosali, onde se estabeleceu o cemitério da comunidade

israelita do Rio de Janeiro.

“Achiezer”

A primeira instituição filantrópica israelita, da qual mais tarde originou-se

o “Relief”, foi fundada em 1912. Naquela época habitavam no Rio cerca de 200

judeus, na sua maioria vendedores ambulantes, e alguns poucos comerciantes

estabelecidos. Os fundadores da sociedade foram os Snrs. Sinai Faingold, Wofsi, o

“Americano”, Benzion Snitcovsky, Tuli Lerner, José Lerner, Fischel Grinberg e

Jacob Schnaider. O objetivo inicial exclusivo era prestar assistência aos novos

imigrantes. Surgiu posteriormente, em concorrência, a sociedade “Agudát Ahim”,

cujos membros ativistas foram os Snrs. Mordechai Kritz, Baruch Bregman e Baruch

Brafman. Por iniciativa dos Snrs. Henrique Knop e Salomão Castro, foi fundada

junto ao “Achiezer” uma biblioteca, que inicialmente contou com livros doados pelos

associados. Dessa maneira, criou-se o fundamento para a existência posterior da

Biblioteca Popular “Scholem Aleichem”.

“Tiferet Zion”

Foi essa a primeira organização sionista do Rio que, sob a denominação

acima, foi fundada em 1913. Coube a iniciativa da sua fundação, a um sionista

vienense de passagem pela cidade, o Sr. Rabinovitch, o qual, juntamente com o Sr.

José Margolis, residente no Rio, a criou, na residência do Sr. Jacob Schnaider, à rua

Senador Euzébio, 117. A primeira diretoria compunha-se dos Snrs. Sinai Faingold,

Presidente, Benzion Snitcovsky, Secretário e Jacob Schnaider, Tesoureiro.

Divulgou essa sociedade o pensamento sionista, promoveu coletas para o

“Keren Kaiemet”, festejou as datas nacionais e esteve em contato com o escritório do

“Keren Kaiemet” em Colônia, na Alemanha.

Em 1916 houve uma reorganização da sociedade “Tiferet Zion”, tendo sido

eleitos para a Diretoria os Snrs. Júlio Stolzenberg, Presidente, Leon Schwartz, Isaac

Roitberg e outros.

Um episódio interessante, demonstrativo das atividades e ligações da

“Tiferet Zion” com organismos sionistas no exterior, é o que descreveremos em

seguida.. Quando foi emitida, em 1917, a Declaração Balfour, e Snrs. Jacob Schnaider

recebeu um telegrama de Chaim Weizman e de Sokolov, os quais solicitaram que se

expressasse agradecimentos ao governo britânico, por intermédio da sua Embaixada

no Rio. Posteriormente, o Snrs. Schnaider e o Dr. I. Perez, receberam um telegrama

do Rei Jorge V em resposta.

Em decorrência da Declaração Balfour, manifesta-se um recrudescimento

das atitividades sionistas no Brasil. Tanto no Rio como em outras cidades, a emissão

401

da Declaração é devidamente festejada. O Rio torna-se o centro das atividades

sionistas no país e, em 1919, a organização sionista local é transformada em

Organização Central, com jurisdição sobre todo o Brasil. Em 1921 é, pela primeira

vez, enviado um delegado do Brasil ao 12o Congresso Sionista, Júlio Stolzenberg,

conhecido ativista do movimento sionista. No mesmo ano é realizado o primeiro

contato com um delegado da Organização Mundial, Dr. Alexandre Goldstein, o qual

esteve no Rio de passagem, quando em viagem para Buenos Aires, em missão do

“Fundo da Redenção”, precursor do “Keren Hayesod”. Em 1922 veio ao Brasil, um

delegado especial do “Keren Hayesod”, o Dr. I. Wilenski, o qual cumpriu uma

excelente campanha pelo país todo, arrecadando cerca de 300 contos de réis. Em

novembro de 1922 realizou-se o 1o colóquio, sionista do Brasil, com a participação de

40 delegados, tendo o temário constado de 24 pontos. Nesse encontro foi fundada a

Federação Sionista do Brasil, com a seguinte direção:Snrs. Morris Klabin, Presidente

de Honra, o qual foi o primeiro doador sionista do Brasil; Presidente, Sr. Jacob

Schnaider; Vice-Presidente, Snrs. Saadio Lozinski e David Levi (sefardi); 1o

Secretário, Sr. Eduardo Horowitz; 2o Secretário, Sr. Scholem Linetzky; 10 tesoureiro,

Sr. Boris Tendler; Tesoureiro do “Keren Hayesod”, Sr. Salomão Gorenstein;

Conselheiros: Snrs. Júlio Stolzenberg (Curitiba), Miguel Lafer (São Paulo); e

Conselheiros fiscais: Snrs. Simão Dain, Mendel Koslovsky e A. Behar (sefardi). Os

primeiros emissários sionistas vindos ao Brasil, Snrs. I. Wilenski, Leib Jaffe, Dr.

Mossenzon e Dr. Juris, desempenharam um importante papel na fortificação do

movimento sionista, inclusive sob o aspecto cultural, o que consistiu uma ocorrência

extremamente positiva.

Com o decorrer do tempo foram agregados à direção da Federação sionista

os Snrs. D. Rafallovich, Leon Schwartz e Natan Beker.

Poalei Zion

Em 15 de agosto de 1927 foi fundado o Comitê Central do Partido

Operário Socialista Judaico “Poalei Zion”, tendo os iniciadores no Rio sido os Snrs.

Natan Becker, Muni Berechman, Abram Braverman, Aron e Jeremias Heler, Artur

Wainer, Pinchas Stoliar, Isaac Skaler, José Eksman, Moisés Costa, Max Costa. Após a

chegada e integração no Brasil de Aron Bergman, o movimento, sob sua direção,

consolidou-se, tende se filiado à União Mundial Socialista Operária Judaica “Poalei

Zion”.

Bibliotecas:

Biblioteca “Sholem Aleichem”

É considerada a instituição cultural israelita mais antiga no Rio de Janeiro

a Biblioteca “Sholem Aleichem”, a qual como sociedade independente, foi fundada em

1915. Alguns anos antes, já existia, porém, uma biblioteca judaica junto à sociedade

“Achiezer”. Essa biblioteca transformou-se numa corporação social independente

somente com a fundação da Bilbioteca “Sholem Aleichem”. Uma atividade cultural

intensa iniciou-se em 1917, após a chegada ao Brasil de um grupo de jovens emigrados

dos Estados Unidos, constituído de elementos enérgico e ativos, na maior parte

originários da Bessarábia. Também contribuiu para o avivamento das atividades

culturais da Biblioteca, a relativa melhora da situação econômica dos judeus no Rio,

402

naquela época. Realizavam-se semanalmente na Biblioteca noites literárias, reuniões

para debates e empreendimentos musicais e teatrais. A opinião social em relação aos

problemas políticos, culturais, tanto nacionais como universais, dividia-se em dois

campos antagônicos. O corpo de associados da biblioteca, da mesma maneira que a

massa do povo, dividia-se com o decorrer do tempo em “nacionalistas” e

“progressistas” ou ‘internacionalistas”, tornando-se a instituição uma posição de

combate, o que se salientou nas freqüentes assembléias gerais, nas quais os dois

campos lutaram por conseguir a hegemonia da direção. Como resultado dessa luta

interna, o grupo nacionalista de corpo social se afastou da Biblioteca e se filiou a uma

outra sociedade já existente – o clube “Hathchia”.

Os iniciadores e fundadores da Biblioteca Sholem Aleichem foram os Snrs.

Jacob Schnaider, Pinheiro Guerstein, Samuel Jurkiewich, José Lerner, Tuli Lerner,

Saadio Lozinsky, Jaime Tichler, I. Lederman, Aron Schenker e outros.

A biblioteca Sholem Aleichem tornou-se, a partir de 1929, declaradamente

progressista, sem participação dos elementos sionistas. Foi organizado junto à

Biblioteca um círculo dramático, o qual desenvolveu uma intensa atividade, em época

posterior foi dirigida pelo famoso artista Zygmunt Turkow. Teve este a oportunidade

de formar e aperfeiçoar na arte teatral um grupo bem expressivo de amadores, muitos

do quais continuam ativos até hoje em dia. A Biblioteca Sholem Aleichem possui

atualmente sede própria, dispondo de cerca de 10.000 livros sobre assuntos judaicos,

em idish e em outras línguas.

Biblioteca Bialik

Junto à organização juvenil “Hathchia” existia, desde a época da cisão do

quadro social da Biblioteca Sholem Aleichem, uma outra biblioteca, sob a invocação

do nome de I. Ch. Brenner, e que perdurou até 1937. Nesse ano foi fundada a

Biblioteca Ch. N. Bialik, que se localizou no centro da cidade. Recebeu essa biblioteca

exemplares de todos os livros que eram editados, já tende alcançado um total de 5.000,

sob a dedicada e eficiente atuação do bibliotecário Samuel Greiber, conhecido

popularmente como “Schmilik”. Ocorreu, porém, em 1957, uma catástrofe: em pleno

dia ruiu o edifício de 10 pavimentos da rua do Rosário, 178, no qual estava sita a

Biblioteca e, sepultando sob os escombros todo o patrimônio e o dedicado

companheiro Schmilikl. Sucumbiu a Biblioteca e, com ela, foi-se o dedicado, e por

todos querido, Schmilik, que sua memória seja honrada. Os companheiros do “Poalei

Zion” não desanimaram e iniciaram logo uma campanha para reedificar uma nova

Biblioteca. O resultado concreto dessa campanha foi a aquisição da casa da rua

Fernando Osório, 16, no Flamengo, onde encontraram um lar, uma série de

instituições aparentadas, tais como as Pioneiras, a “Moatzáh”, etc. Possui atualmente

a Biblioteca cerca de 3.000 livros e sua sede tornou-se uma casa do saber judaico.

Convém mencionar os nomes dos que se destacaram na reconstrução da instituição e

continuam até hoje em dia na sua direção, como os Snrs. Leon Schmelzinger, Israel

Dines, Leizer Levinson, Henrique Diamante, Finkelstein, e outros.

Biblioteca Michal Klepfisz

É esta a mais jovens das três bibliotecas existentes no Rio, tendo sido

fundada pela organização local do “Bund”, cujos pioneiros no Rio de Janeiro foram

os Snrs. Samuel Jurkiewicz, Natan Hulak, Berl Fuks e, posteriormente os Snrs.

403

Abram Aizengart e Dr. Carlos Gitelman. O objetivo visado foi criar uma biblioteca

própria, para terem um local destinado a atividades culturais em língua ídiche. A

Biblioteca foi inaugurada em 1944, tendo sido denominada em homenagem ao heróico

combatente do “Bund” na Polônia, o mártir Eng. Michal Klepfisz, que se destacou

como um dos mais ativos dirigentes do Levante do Gueto de Varsóvia. Após a chegada

ao Rio do companheiro Sr. Maxim Sztern, a Biblioteca ampliou e aprofundou suas

atividades sócio-culturais, as quais encontram boa receptividade por parte da

coletividade. O patrimônio de livros foi progressivamente sendo aumentado. Após o

término da 2ª Guerra Mundial emigraram para o Rio diversos dirigentes do “Bund”

da Polônia, tais como os Snrs. Herman e Abram Rzezinski, que juntaram-se ao

quadro dirigente da biblioteca. Toda a sua atividade concentra-se, até hoje, em torno

dos problemas culturais judaicos e do interesse pela continuidade nacional. Todo o

visitante cultural dos Estados Unidos, da Argentina ou de outra parte, é

carinhosamente recebido no recinto da pequena Biblioteca, que até recentemente

esteve, localizada à Praça Floriano, 55, na Ceilândia, tendo porém, há alguns meses,

sido transferida para Av. N. S. de Copacabana, 690, 10o andar, para sede que pode

adquirir por esforço conjunto com uma organização cultural, o Centro Brasileiro de

Cultura Idish. Já se encontra a Biblioteca instalada na nova sede, onde prossegue com

as suas atividades culturais normais. Possui a Biblioteca atualmente cera de 2.000

livros, recebendo exemplares de todos os novos que são editados. Constitui projeto da

sua direção ampliar as suas atividades, participando em iniciativas a favor da

divulgação da língua ídiche, tais como a criação de um curso para jovens para o

ensino da língua.

União Beneficente Israelita (Relief)

A União Beneficente Israelita (Relief) foi fundada por um grupo de antigos

dirigentes da sociedade “Achiezer”, os Snrs. Mordechai Koifman, Meier

Raschkowsky, Mendel Koslowsky, Marcos Kraiser, Baruch Kusnir e Herman

Braxhfeld, em 6 de abril de 1920. Os seus objetivos iniciais foram assistir e promover

a instalação dos imigrantes recém-chegados ao Rio de Janeiro.

Os imigrantes eram sustentados durante as primeiras semanas de sua

estada pela União, a qual lhes promovia habitação, trabalho e crédito comercial.

Em 1924, a Sociedade Mundial de Colonização Judaica (IKA), enviou ao

Rio de Janeiro, como seu delegado permanente, o Rabino Dr. Isaias Rafalovitch, o

qual subvencionou à União e auxiliou-a nas suas atividades assistenciais. Participou

também o Dr. Rafallovich ativamente na criação e desenvolvimento da rede escolar

judaica no Brasil. Por iniciativa de um grupo de dirigentes da União Beneficente

chefiado pelo saudoso Samuel Guerchenzon, foi fundada em 1927 a primeira Caixa de

Auxílios Mútuos “Lai-Spar-Kasse”, a qual fornecia empréstimos a pessoas

necessitadas, sem juros. Essa Caixa continua existindo até o presente sob a mesma

denominação e objetivos.

Em 1928 chegou ao Rio o saudoso Dr. Krainin, representante da Central

“Hicem-Emig-Direct” de Paris e, em conjunto com o Dr. Rafallovich, delegado da

“ICA”, promoveu a ampliação das atividades da União Beneficente Israelita no

campo da imigração. Foi então criado junto à União um fundo especial de passagens,

destinado a auxiliar no transporte das famílias dos imigrantes. As passagens eram

vendidas a longo prazo, sem cobrança de juros.

404

Simultaneamente e também por iniciativa e com a ajuda do Dr.

Rafallovich, foi organizada junto à União Beneficente uma seção especialmente

destinada a prestar assistência, auxiliar e proteger a todas as mulheres recém-vindas

ou em trânsito pelo Rio, evitando que viessem a cair em poder dos “impuros” de

maneira direta ou indireta, Essa seção especial foi subvencionada e orientada pela

sociedade “Ezrat Nashim” de Londres e foi dirigida com dedicação e energia pela

Snra. Sara Rozen, hoje Tabak.

Em 1946, a direção da União Beneficente Israelita, adquiriu um prédio à

rua Lúcio de Mendonça, 56, onde foi instalada a Policlínica, que lá continua em

funcionamento. Assistência médica prestada gratuitamente a judeus sem recurso.

Trabalham na Policlínica conceituados médicos, judeus e não-judeus, de todas as

especialidades. A Policlínica é sustentada por um grande quadro de associados e por

meio de campanhas financeiras.

Sociedade das Damas Israelitas-Froien Ferein

Logo após o término da 1ª Guerra Mundial a comunidade israelita do Rio

de Janeiro começou a crescer muito, em face da imigração em massa de judeus,

procedentes de diversos países, e que aqui vinham em busca de um novo lar.

Simultaneamente com o crescimento da coletividade, começaram a surgir problemas

referentes a pessoas desprovidas de recursos ou doentes, às quais era necessário

prestar assistência. Houve nessa ocasião um movimento da parte de um grupo de

senhoras socialmente ativas e empreendedoras, as quais atiram-se ao trabalho

assistencial da então recém-fundada União Beneficente Israelita – Relief. Com o

decorrer do tempo, essas senhoras chegaram a conclusão de que se fazia necessária a

criação de uma instituição à parte, a ser dirigida exclusivamente por mulheres, e que

se dedicasse a assistência de mulheres e crianças necessitadas. Como primeiro passo

para esse objetivo, foi publicada uma proclamação do semanário israelita, pela Snra.

Sabina Schwartz, do que resultou a formação de um Grupo de Iniciativa, composto

das Snras. Sabina Schwartz, Sima Hoinef, Ofélia Castro, Sara Ciornai, Sila Schnaider

e Sara Fineberg. Na assembléia geral realizada em 23 de dezembro de 1923, com a

presença de 150 mulheres, foi proclamada a fundação oficial do “Froien Hilfs-Farein”

(União Feminina de Assistência), tendo a primeira diretoria sido formada pelas Snras.

Sabina Schwartz, Presidente; Ofélia Castro, Vice-Presidente; Tuba Fridman,

Secretária; Ienta Lerner, Tesoureira; Tcharne Holtzman; Tesoureira e como vogais

Mina Duval, Zina Diamante, Sara Finenberg, Sima Hoinef, Liza Tiomni, Sila

Schnaider e Sara Ciornai. No mesmo ato foi criado o primeiro fundo, no valor de Rs.

5.165$00 (cinco contos e cento e sessenta e cinco mil réis), soma vultosa para a época.

Simultaneamente, foi constituído por todas as presentes o quadro social, sendo a

contribuição mensal de cinco mil réis.

As atividades do “Froien Farien” desenvolveram-se de maneira dinâmica,

desdobradas em diversos setores, como: assistência a mulheres, especialmente as

recém-chegadas, protegendo-as contra os perigos à espreita; proteção a gestantes

necessitadas; assistência médica domiciliar a mulheres enfermas, ou internamento das

mesmas em hospitais; procura de colocações; criação do Lar da Criança e, com

coroamento das suas fecundas atividades, a edificação do Asilo dos Velhos, provido de

prédio próprio.

405

Imprensa

O conhecido escritor e historiador A. Lipiner menciona, num artigo de sua

autoria, sobre a “História dos Judeus no Brasil”, publicado na Enciclopédia Geral

Judaica, que em 9 de janeiro de l916 foi pela primeira vez editado no Rio de Janeiro

uma revista denominada “Haamud” – A Columna -, em língua portuguesa dirigida

pelo Dr. David Perez, sefaradi, apoiado por judeus asquenazitas. O objetivo da revista

era, conforme declaração da mesma constante, manter a moral tradicional da

comunidade judaica e distanciar-se dos elementos suspeitos. A revista foi editada

durante dois anos, tendo procurado promover a união entre os sefarditas e os

asquenazitas. De acordo com o balanço publicado pelo Comitê de Auxílio (“Relief”) às

vitimas da 1a Guerra Mundial, balanço esse assinado por Tuli Lerner, B. Snitcovsky e

S. Faingold, contribuíram para o mesmo as então já existentes sociedades: Sinagoga

Bet Iacov, Sinagoga do Centro Israelita, Sinagoga Agudat Achim, Sociedade de

Conterrâneos de Varsóvia, de Iedenitz, de Azaritz, de Sokoron, de Lipkon e de

Mohilev.

No mês de novembro de 1923 foi pela primeira vez editado no Rio de

Janeiro um seminário em língua idish, sob a denominação de “Idishe Vochenblat”

(Semanário Israelita), cuja redação era formada por um colegiado composto dos Snrs.

Jacob Nachbin, S. Karakuschansky, I. Katz, A. Kishinovsky e S. Schansky.

No número inaugural, os fundadores do semanário delineiam os objetivos e

propósitos que têm em mente, de criar e despertar nas massas populares judaicas o

interesse pelas atividades sociais; promover a organização e a união da sociedade

israelita no Brasil, cooperar para o desenvolvimento da coletividade como um fator

sadio dentro do quadro econômico e cultural do país. O Idishe Vochenblat espelhou

todas as atividades da sociedade, todas as realizações culturais, por meio de notícias,

relatórios e documentários fotográficos. Assim, por exemplo, assinala a visita do

escritor judeu Anochi, o qual obteve grande sucesso recitando as novelas da sua

autoria, especialmente “Reb Abe”. Consta também em número desse ano a fotografia

de um grupo de sionistas , em companhia do primeiro emissário do movimento, o Dr.

I. Wilensky.

São considerados como pioneiros e colaboradores permanentes do “Idishe

Vochenblat” os seguintes: editor e posteriormente redator responsável, Aron

Koifman; co-redator, José Katz; colaboradores: Bernardo Schulman, Menache Fuks,

Jacob Nachbin, Isaac Reicher, Naftali Iafe, Sabatai Teitelbroit, Isaac Teitelbroit,

Mordechai Koifman, Abram Braum, Simon Waisman, Salomão Bulman e Jacob

Scheinkman.

Num exemplar do semanário do ano de 1925 encontramos um relatório

sobre a visita do escritor e dramaturgo Peretz Hirschbein, o qual tinha proferido uma

serie de conferências sobre temas literários. É também relatada a homenagem

prestada, por um comitê conjunto formado por representantes de todas as instituições

por ocasião do seu 60o aniversário; a celebração foi presidida por Pinie Guerstein,

com a participação dos Snrs. Nathan Becker, S. Lozinsky, A Koifman e S.

Karakuschansky, representando diversas instituições, tendo logrado grande sucesso.

O semanário “Dos Idishe Vochenblat”, foi editado com regularidade até o

ano de 1927, quando passou a adotar o nome de “Brazilianer Idiche Presse”

(Imprensa Israelita Brasileira), denominação com a qual saiu até 1929, sob a redação

de Aron Koifman.

406

Em 1927 começou a ser editado no Rio um novo jornal, em língua ídiche,

“Di Idishe Folkstzaitung” (Gazeta Israelita), inicialmente como bi-semanário e, a

partir de 1935, diariamente sob a redação de S. Karakuschansky. Esse jornal

desempenhou um papel importante da vida social judaica, até o ano de 1941, quando

foram fechados por decreto governamental, todos os jornais em língua estrangeira.

Em 1930 começou a ser publicado no Rio de Janeiro um semanário em

ídiche, denominado “Di Idiche Presse” (a Imprensa Israelita), que depois passou a

jornal bi-semanal e, durante poucos meses, diário, voltando a semanário

posteriormente, até que foi fechado em resultado do decreto acima mencionado.

Somente “A Imprensa Israelita” ressurgiu após a revogação daquele ato

governamental, continuando a ser publicada semanalmente, até os dias de hoje, sem

interrupção. O fundador do citado jornal foi o jornalista A. Bergman, um dos mais

capazes e criadores jornalistas judaicos.

Em 1952 começa a ser publicado no Rio, duas vezes por semana de início e

logo após semanalmente, o jornal “Di Brazilianer Idishe Tzaitung” (O Jornal Israelita

Brasileiro), sob a redação do conhecido jornalista Jacob Parnes e por iniciativa

privada. Tem esse jornal uma linha independente, com simpatias para os sionistas

gerais, e se manifesta declaradamente com amor e respeito pela língua ídiche, no

decorrer de todo o tempo de sua existência. Mencionamos, ainda, que o Sr. Parnes

vem dirigindo, já há alguns anos, um programa radiofônico em ídiche, transmitido

três vezes por semana. Um outro programa de rádio em ídiche, é dirigido pelo atual

redator de “A Imprensa Israelita”, Sr. David Markus, também trisemanalmente.

Resume-se no seguinte o “status” atual da imprensa israelita do Rio:

a)“A Imprensa Israelita”, jornal semanário, do “Mapai”, redator David

Markus;

b)”Brazilianiche Idishe Tzaitung” (Jornal Israelita Brasileiro, orientação

sionista geral, semanário, redator e proprietário Jacob Parnes;

c)”O Jornal Isrealita”, semanário, tendência sionista geral, redator e

proprietário Jacob Kutner;

d)”Aonde Vamos”, revista semanal, com simpatias pelo revisionismo,

redator e proprietário Aron Neumann.

Além das publicações acima mencionadas, ainda são editados, , em

português, uma revista mensal “Hamenorá”, do Haschomer Hatzair e, irregularmente

“Al Hamischmar”, do Mapam, também em português.

De modo geral convém destacar o fato de que a imprensa local, seja em

ídiche, seja em português, ainda tem alguma influência sobre o desenvolvimento da

vida social judaica, sendo a opinião pública da comunidade pela mesma refletida e

reciprocamente influenciada.

Rede Escolar

Foi fundada junto à organização sionista Unificada, em 1948, um

departamento de educação, o “Machleket Hachinuch”, o qual concentra e controla a

quase totalidade dos estabelecimentos de ensino israelitas do Rio. Todas as escolas

existentes são integrais e de horário diurno, sendo ministradas as disciplinas gerais em

português e para as matérias em ídiche e hebraico é destinado o tempo médio diário

de duas horas. Existem atualmente no Rio de Janeiro os seguintes estabelecimentos de

ensino israelitas:

407

1)Ginásio Hebreu Brasileiro;

2)Escola Primária e Ginásio “Hertzlia”;

3)Escola Primária “Magen David”;

4)Escola Primária e Ginásio “Max Nordau”;

5)Escola Primária “A. Liessin”;

6)Ginásio Israelita Brasileiro “A. Liessin”;

7)Escola Primária e Ginásio “I. L. Peretz”;

9)Escola Primária “Mendele Mocher Sforim”;

9)Escola Primária e Ginásio “Scholem Aleichem”;

10)Escola Primária e Ginásio “Ch. N. Bialik”;

11)Escola Primária “Eliezer Steinbarg”;

12)Escola Primária e Ginásio”Talmud Torá”;

13)Escola Primária e Ginásio “Barilan”;

14)Escola Primária d Niterói.

De todos os estabelecimentos acima mencionados, 10 estão incorporados à

rede escolar subvencionada e orientada pelo “Machleket Lechinuch Veletarbut” junto

à Organização Sionista Unificada. Nessas escolas é dispensada toda a atenção ao

ensino do hebraico, sendo o ídiche muito pouco lecionado ou completamente relegado.

A escola Primária e o Ginásio “Scholem Aleichem” pertencem ao “Ikuf” e

o ídiche é lecionado como matéria efetiva. A Escola “Eliezer Steinbarg” é laica e

independente, adotando os princípios das escolas judaicas da Argentina, México e

Estados Unidos; trata-se de um estabelecimento de ensino considerado dos maiores e

melhores do Rio, tanto em relação ao número de alunos como no tocante ao seu nível

pedagógico e situação financeira. Pertence essa escola ao Instituto Israelita Brasileiro

de Cultura e Educação.

As escolas “Talmud Torá” e “Barilan” são declaradamente hebraicas e

religiosas, sendo amplamente suportadas pelos círculos religiosos ortodoxos. Como

dirigentes ativos e financiadores das escolas religiosas destacam-se os Snrs. Rabino

Zingerevitz, N. Strozenberg e o Engenheiro Schor.

A primeira escola israelita a ser fundada no Rio foi a Escola “Magen

David”, em 1922, tendo posteriormente se transformado no Colégio Hebreu

Brasileiro.

Calcula-se ser atualmente de 8.000 o número de alunos que frequentam as

escolas israelitas do Rio de Janeiro.

Em paralelo à rede escolar existe ainda uma Escola Profissional, da

Sociedade “ORT”, fundada há 15 anos. Os cursos profissionais na mesma

ministrados, junto com um curso fundamental (antigamente também se lecionava lá a

língua ídiche), estão adaptados às necessidades e à demanda da época em que vivemos.

Existem ainda, além dos estabelecimentos já mencionados anteriormente,

diversos cursos de língua hebraica, junto ao “Machon Letarbut”, dois cursos para

formação e aperfeiçoamento de professores, um em ídiche e outro em hebraico.

Os pioneiros da criação da rede escolar israelita no Rio são os Professores

Moisés e Tuba Fridman e Moisés Burla e; como dirigentes, os Snrs. Jacob

Schnaider,Wolf Klabin, Aron Goldberg, Alter Klein, Mendel Koslovsky, Aron Tracht,

Dr. David Perez.

Os primeiros professores da Escola “Magen David”, posteriormente

transformado no Colégio Hebreu Brasileiro, foi o Dr. Prof. Isaac Izeckson. Trabalham

408

atualmente na direção das entidades da rede escolar, entre outras, as Snras. Ester

Schechtman, no “Vaad Pioneiras-Hachinuch”, Eva Levinson, da “Organização das

Pioneiras” e Ahuva Kestelman, da “Wizo”, nos Círculos de Mães.

Leitura e Cultura

Vivem e trabalham no Rio de Janeiro diversos escritores judeus, os quais

são relativamente produtivos literariamente. O escritor Herch Schwartz, que publicou

dois livros, sobre a vida dos judeus na Bessarábia e no Brasil, duas coletâneas de

contos intituladas “Der Onheib” (O Começo) e “Heim Guingoldene” (Lar Dourado);

D. Rosa Palatnik, autora de três livros de contos sobre a vida nas pequenas cidades da

Polônia, e tentativas de narração da vida judaica no Brasil, intitulados “Kruschnik”,

“Bai dem Roisch fun Atlantik” (Junto ao Rumor do Atlântico) e “Draitzn

Dertzeilunguen” (Treze Histórias). Recebeu a escritora um prêmio, no México, por

um dos seus melhores contos. A crítica mundial judaica manifestou-se favoravelmente

sobre as obras dos dois escritores mencionados.

Também publicaram obras: o escritor S. Karakuschansky, um livro

intitulado “Aspecten” (Aspectos); I. Lande, um volume de contos e poesias; Clara

Steinberg, um livro de contos sobre a vida das camadas pobres brasileiras,

denominado “Oifn Brazilianer Bodn” (Sobre o Solo Brasileiro). Na imprensa são

esporadicamente publicados poesias e contos curtos dos poetas e escritores Pinie

Palatnik, Moisés Lokiecz e Bernardo Schulman.

O grupo de escritores e dirigentes culturais estão organizados, já há mais

de dez anos, num Círculo Literário, que se tem limitado a freqüentes encontros

familiares. A expressão criadora coletiva do Círculo foi a publicação, em 1956, de uma

coletânea denominada “Unzer Baitrag” (Nossa Contribuição), contendo uma série de

contos, ensaios e poesias dos seguintes escritores: Rosa Palatnik, Pinie Palatnik,

Bernardo Schulman, Meier Kutchinsky (de São Paulo), Herch Schwartz, Menache

Halperin (já falecido), Moisés Lokiecz, A. Chassin (já falecido), S. Karakuschansky,

E. Lipiner (de São Paulo), A Gros, Nelson Wainer, Eduardo Horowitz, L.

Schmelzinguer e Betzalel Jucht (já falecido).

Já existe há alguns anos no Rio de Janeiro uim Círculo de Amigos do IWO

(Idischer Wissenschaftlicher Institut” – Instituto Científico Judaico), que está em

contato permanente com a Central do IWO em Nova York, à qual presta serviço

assistência financeira ocasionalmente. O objetivo principal do Círculo de Amigos do

IWO é a coleta e arquivamento de todas as publicações que aparecem sobre a vida

judaica local, em todas as línguas. Os primeiros dirigentes ativos do Círculo, que

organizaram seus trabalhos durante longo período são os Snrs. Israel Sobel, Natan

Bronstein, Leon Schmelzinguer, Ester Schechtman, Isaac Sterental, Gedalie

Gruzman, Pola Barenholc-Aisengart, Bernardo Schulman, Berl Fuks, Herman e

Jorge Rzezinski e Abran Aisengart.

Foi editado pelo Círculo de Amigos do IWO o livro do pedagogo A.

Golomb “A Halber Iorhundert fun Idischer Dertziung” (Meio Século de Educação

Judaica).

Conclusão

Deve-se ainda adicionar ao patrimônio coletivo de caráter cultural,

educacional e social, uma série de instituições mais jovens, tais como: na Zona Norte,

o “Clube Monte Sinai”, já existente há alguns anos e contando com um quadro de

409

milhares de associados, é justamente considerado hoje em dia como o mais ativo

realizador clube israelita do Rio de Janeiro; na Zona Sul, no bairro das Laranjeiras,

existe o grande clube “Hebraica”, possuidor de ricas e bem montadas instalações e

realizador de diversas atividades culturais; junto ao Instituto Israelita Brasileiro de

Cultura e Educação, também nas Laranjeiras, existe um grande coro de mais de 100

vozes, o qual tornou-se muito popular através dos seus freqüentes concertos públicos.

Neste ano de 1963 encontra-se em plena atividade o recém-inaugurado

“Moischev Zkeinim” (Asilo de Velhos), em Jacarepaguá que é um esplêndido lar-

sanatório para judeus idosos, homens e mulheres, instalado em magnífico prédio

próprio, ou, melhor dito, em diversos prédios, providos das mais modernas

instalações.

Os amantes da língua ídiche inauguraram este ano, em Copacabana, um

clube próprio denominado “Centro Israelita Brasileiro de Cultura Idish”,

pretendendo com a sua atividade elevar o valor e conceito da língua ídiche na vida

pública israelita.

Existe ainda em Copacabana um clube israelita, de sefaraditas na sua

maioria, o C.I.B. Há, ainda uma Associação, com um Templo, de judeus oriundos da

Alemanha, sob a direção do Rabino Dr. Lemle, a A.R.I (Associação Religiosa

Israelita) sediada no bairro de Botafogo.

Deve ser mencionada a existência da Sociedade Cooperativa “Lai Spar-

Kasse”, com um grande quadro de associados, e que muito tem auxiliado a parcela

menos favorecida da coletividade, mediante empréstimos a longo prazo.

Funciona no Rio de Janeiro há diversos anos a Federação das Sociedades

Israelitas, que congrega representantes de todas as instituições culturais e sociais

existentes, em nome das quais a diretoria da Federação tem se manifestado, tanto

dentro da coletividade como perante a opinião pública geral, muitas vezes intervindo

em favor da população judaica da cidade.

A “Chevra Kadischa” (Sociedade Cemitério Israelita), sob a direção do

geralmente benquisto e por todos acatado Rabino Zingerevitz, caminha cada vez mais

para a sua transformação na “Kehila” de fato do Rio, através das subvenções

atribuídas às escolas, bibliotecas e instituições e campanhas culturais.

A quase totalidade das instituições mencionadas acham-se instaladas em

prédio próprio, e a maioria manifesta ambições para contínua expansão. O problema

da continuidade nacional é o fator comum de todas as instituições em atividade e não

sai da ordem-do-dia da coletividade israelita organizada do Rio de Janeiro.

410

42.1.2 Crônica Belo Horizonte

O primeiro judeu que surgiu em Minas Gerais, chegou a Belo Horizonte em

1896. Seu nome era Artur Haas. Natural da França, chegou ao Brasil quase

simultaneamente com seu irmão, engenheiro contratado pelo governo para eletrificar a

cidade. Pouco tempo após sua chegada, abriu Artur uma loja de artigos de eletricidade, e

nos anos posteriores uma agência de automóveis.

Quinze anos mais tarde, lá pelo ano de 1910, chegou o israelita sefaradi,

Rafael Arazi Cohen, que se dedicou ao comércio de vendas a pequenas prestações, tendo-

se posteriormente estabelecido com casa de móveis.

O terceiro israelita que apareceu em Belo Horizonte, procedia da Palestina.

Foi Akiva Lerman. Em seguida, vieram ainda Simão Drabitzki e Jacob Fererman judeus

russos, que deram impulso ao negócio de vendas a prestação (“clientela”). Até o estouro

da primeira guerra mundial, ainda apareceu David Rasschman.

A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO

A primeira instituição israelita da capital mineira, sob o nome de União

Israelita de Belo Horizonte, foi fundada em 1922, quando a coletividade já contava

umas vinte e tantas famílias judaicas. Eram seus fundadores: Artur Haas, Strijak,

Rafael Arazi Cohen, Naftali Perlov, David Roschman e Haim Galinkin. Esta “União”,

que existe até hoje, teve por objetivo a criação de sinagoga, escola e biblioteca. Seu

primeiro presidente foi Artur Haas.

O DESENVOLVIMENTO

Em 1928, foi fundada, por iniciativa da União, a Escola Israelita, que

durante dois anos funcionava no local da sociedade. Em 1930, quando o delegado

sionista Dr. A. S. Iuriss, proclamou em Belo Horizonte, a campanha em prol do Keren

Haiessod, foi lançada a pedra fundamental do movimento sionista local e instituído o

“Circulo Sionista”. Os fundadores dessa agremiação foram: Isaac Cohen, Melech

Lerman, José Margalith, Abraão Ovritcher e outros.

Em 1933, foi instituída a Lai Un Spar-Kasse, ou Caixa de Economia e

Empréstimos. A assembléia constituinte da sociedade “Hevra Kadischa”, teve lugar

em 1939.

Por motivo das conhecidas circunstâncias políticas de 1937, a vida social

judaica de Belo Horizonte ficou paralisada.

A SEGUNDA FASE

Após a segunda guerra mundial, renovou-se a atividade judaica na capital

mineira. Em 1946, foi estabelecida a Organização Sionista Unificada e com o

surgimento do Estado de Israel, em 1948, a vida israelita de Minas Gerais, ganhou

novo impulso.

Lamentavelmente, ocorreu, logo depois, uma cisão no seio da coletividade,

por motivos de divergências ideológicas. Grande parte de homens públicos de

orientação nacional judaica desligaram-se da União Israelita, para fundar o “Círculo

411

Israelita Brasileiro” instituição de caráter culturo-social, junto a qual também se acha

uma sinagoga que reúne em torno de si os israelitas religiosos de Belo Horizonte.

ASSOCIAÇÃO ISRAELITA BRASILEIRA

Com o crescimento do “ishuv”, surgiu o problema de nova sede para os

associados do “Circulo”. Esse problema está sendo resolvido agora com o gigantesco

plano de construção, de um imponente edifício próprio, plano esse que brevemente

será realizado. Os idealizadores duma sede própria, fundaram uma entidade nova,

denominada “Associação Israelita Brasileira”, que assumirá as funções do “Círculo” e

ampliará seu programa de ação.

412

42.1.3.Crônica de Curitiba

É fato notório que nas veias de muitas famílias tradicionais brasileiras,

pelo país todo, corre sangue judaico, e o estado do Paraná não constitui exceção neste

particular; indícios de antigos judeus se encontram em considerável número.

Mas, esta crônica não se refere aqueles israelitas que só deixaram vestígios.

Aqui estão sendo anotados os primeiros judeus imigrados, cuja, chegada marca o

inicio da atual coletividade judaica do Paraná.

OS PIONEIROS

O primeiro judeu que apareceu em Curitiba foi José Flaks, que veio em

1889, em companhia da esposa, Roni, e dois meninos, Miguel e Frederico.

Não demorou muito chegaram Max Rosenman e um irmão seu, que logo

morreu de febre amarela (contraída em Santos, pois o clima de Curitiba não é

propício para o mal amarelo).

Vieram esses israelitas da Galícia austríaca, com a leva emigratória, que

então demandava o Paraná, onde o governo se pôs a colonizar as terras incultas, nas

adjacência da metrópole.

Instalaram-se na colônia agrícola Tomás Coelho (hoje Barigui), onde

abriram, em sociedade, um negócio de secos e molhados e compra de gêneros do país.

Elemento útil no intercâmbio entre a cidade e a roça e, além disso, pessoas íntegras e

corretas em suas transações comerciais, criaram bom nome, tanto na cidade como no

campo. Que eram judeus, todo mundo sabia. Flaks, homem piedoso e ortodoxo, era

conhecido pelo traje tradicional, pelo capote, longas barbas e cachos laterais;

Rosenmam, mais mundano e modernamente trajado, costumava ele próprio acentuar

a sua origem. O fato é que todos os chamavam de “judeus”, mas em tom amistoso e

com respeito.

Em 1901, quando os filhos cresceram e surgiu o problema de casamento,

liquidou Flaks os negócios, tomou a sua família (já então enriquecida com uma filha,

Bluma), e regressou à sua cidade natal.

(Seus filhos depois de casados, voltaram todos para Curitiba. São as atuais

famílias Flaks e Weniger).

Max Rosenman ficou. Naquela altura, já tinha casado com sua prometida,

Frida, que veio com os pais dele, já estava instalado na cidade com moinho a vapor e

começou a desempenhar relevante papel na vida pública.

Aos poucos surgiam outros israelitas. A princípio sozinhos, mais tarde

foram trazendo os parentes. Chegaram os Wagner, os Friedman, Flaks, Stolzenberg,

Goldstein, Paciornik, Schulman, Mandelman, Ainseman, Charatz e outros.

Para os recém-imigrados, a casa de Max Rosenman tornara-se ponto de

reunião. Casa acolhedora, hospitaleira, onde todos eram convidados à mesa, ali se

reuniam com freqüência, para entreter-se e trocar idéias sobre assuntos de interesse

coletivo. Na véspera da Páscoa, fabricavam-se em casa de Rosenman os “mazot”, ou

pães ázimos, e nos Dias Solenes, celebravam-se ali os ofícios religiosos.

413

A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO

Por volta de 1913, já se encontravam, na capital paranaense, umas doze

famílias e umas duas dúzias de solteiros, ou senhores cujas esposas ainda

permaneciam no ultramar. Amadureceu o projeto duma organização.O começo, aliás,

neste sentido, já tinha sido feito: por iniciativa de Salomão Goldstein-Paciornik e

Salomão Kaufman, fôra fundada uma Sociedade Cultural. Mas, dessa tentativa só

ficou um carimbo e uma folha de regulamentos. O insucesso da empresa deve ser

atribuído ao fato de aqueles iniciadores não terem tomado em conta o elemento

ortodoxo do “ishuv”, e o radical, de refugiados russos, em que se baseavam, fôra em

sua maioria embora, tomando outros rumos.

Desta vez, porém, houve entendimento entre as partes religiosa e mundana

e no dia 27 de julho de 1913 por iniciativa de Júlio Stolzenberg, Bernardo Schulman,

Leão Charatz e Jacob Mandelman, convocou-se uma reunião, na residência deste, na

qual foi adotada a resolução de fundar uma organização de nome “União Israelita do

Paraná”, com a finalidade de cuidar das necessidades religiosas e culturais da

coletividade.

A 3 de agosto de 1913, realizou-se a assembléia constituinte, na qual foi

eleita a seguinte diretoria: Max Rosenman – presidente; Bernardo Schulman – vice-

presidente; Júlio Stolzenberg – 1o.

secretário; Miguel Flaks – 2o

secretário; Salomão

Goldstein-Paciornik –tesoureiro; Samuel Bakaleinik, Moisés Schechtman e Salomão

Charatz – conselho fiscal.

Com a fundação da União Israelita, inicia-se uma vida judaica organizada.

Estando-se nas vésperas dos Dias Solenes, tratou-se antes de mais nada, da instalação

de uma sinagoga. Alugaram uma casa, mandaram vir de São Paulo um Sefer-Torá, ou

Rôlo da Lei, e outros utensílios do ritual e, pela primeira vez, quiçá, no solo

paranaense, algumas dezenas de filhos de Israel, celebraram, à Rua Graciosa, a

cerimônia de Kol Nidrei, condigna e solenemente.

A novel entidade entra a crescer. Em cada sessão de diretoria estão sendo

admitidos novos membros.

Na assembléia de 5 de outubro do mesmo ano, foi nomeada uma comissão

constante, de Bernardo Schulman, Júlio Stolzenberg e Leão Charatz, a cujo cargo

ficou a criação e instalação duma biblioteca.

Com a organização da biblioteca, começou-se uma intensa atividade

culturo-social. A União Israelita mudou-se para duas amplas e confortáveis salas, à

rua Cruz Machado, em pleno centro da cidade. Nas horas vagas, reúnem-se os sócios

no recinto da biblioteca – tomam emprestados livros, lêem jornais, jogam xadrez e

discutem os seus problemas.

Por iniciativa de Moisés Shapiro, visitante de Buenos Aires e com a ativa

participação de Júlio Stolzenberg, Bernardo Schulman e Salomão Skop, foi

promovida a primeira tarde lítero-musical, com variado programa de canções (solo e

coro), declamações infantis, leitura de Scholem Aleichem e quadros vivos. A

impressão foi estupenda, já pelo empreendimento inédito em si, já pela realização bem

414

sucedida. A União Israelita vive então o seu período de brilho. Lamentavelmente, este

franco progresso não durou mais que dois anos.

Por motivo de grande guerra, foi interrompida a imigração, e em virtude

de uma crise econômica local, muitos associados foram buscar os meios de vida em

outras partes. Em 1915 a jovem entidade se acha a braços com uma crise financeira,

sendo obrigada a desistir de sua confortável e bem instalada sede social e mudar-se

para uma pequena sala, em casa de Nathan Paciornik, numa rua afastada. A vida

social está paralisada, a biblioteca é raramente freqüentada e as realizações culturais,

cada vez mais escassas.

Em 1916, instituiu-se, por iniciativa de Salomão Guelman, um Comitê de

Socorro, integrado por Max Rosenman, Bernardo Schulman, Frederico Flaks e

Salomão Guelman, em prol das vítimas da guerra. Esse serviço beneficente renovou a

vida social. Promoviam-se vários empreendimentos culturo-sociais e o resultado

material enviava-se por intermédio do “Forward”, ao “Relief” de Nova York.

Por sugestão de Luís Fainovits, criou-se em 1917, um comitê beneficente

feminino, junto à União, com a finalidade de tratar dos casos locais de assistência aos

necessitados. Esse comitê, que mais tarde foi convertido em Sociedade Beneficente

Feminina independente, constou inicialmente de Frida Rosenman, Lúcia Friedman e

Azalea Schulman.

No mesmo ano, ano da Declaração Balfour, Júlio Stolzenberg, Samuel

Fridman e Júlio Schaia fundaram uma organização sionista, denominada “Shelom

Sion”, que entrou em contato com a organização sionista central do Rio, e iniciou, pela

primeira vez em Curitiba, atividades sionistas.

FASE DE RENOVAÇÃO

O ano de 1920 representa um marco na evolução da coletividade judaica

paranaense. Terminara a primeira grande guerra. Da Europa começam a entrar

novos elementos. população judaica cresce em número em qualidade. Ao ecoar na

capital do Paraná o entusiástico regozijo do mundo nacional judaico, em virtude da

decisão de S. Remo, promove a comunidade imponente festival, em que toma parte

toda a população israelita.

Organizado por Júlio Stolzenberg, Bernardo Schulman, Salomão

Guelman,Max G. Paciornik, Salomão Scop e Júlio Schaia, essa solenidade para a qual

foram convidados o cônsul inglês, pessoas gradas do mundo oficial e representantes da

imprensa, realizou-se com brilhantismo fora do comum e o resultado moral e material

ultrapassou as expectativas. Os jornais dedicaram muito espaço ao acontecimento, o

que contribuiu para reerguer o prestígio da comunidade judaica aos olhos da

população cristã.

O sucesso do festival concorreu para que fosse elaborado um plano de

reorganização da vida social sobre alicerces mais sólidos.

Na assembléia geral de 1 de agosto de 1920, realizou-se a fusão das três

instituições então existentes, notadamente: União Israelita do Paraná, Shelom-Sion e

Sociedade-Beneficente Feminina, em uma única entidade geral, denominada

415

CENTRO ISRAELITA DO PARANÁ

O centro funciona feito uma espécie de “Kehila”, ou congregação, com

vários departamentos, que abrangem todas as atividades nacionais, religiosas,

culturo-sociais e beneficentes da coletividade. Abrange igualmente os trabalhos

sionistas, para os quais se designa um secretariado especial; sem embargo, permanece

o Centro imparcial em sua substância. Com o aparecimento dessa instituição inicia-se

uma fase nova, fase de intensa atividade em todos os setores.

FASE DE EDIFICAÇÃO

O período de 1920 a 1937, representa a fase propriamente dita de

edificação. Nesse espaço de tempo, a população judaica cresceu consideravelmente,

radicou-se no País e foram construídos todos os edifícios de propriedade coletiva ora

existentes: o Centro, a Escola e as construções do Cemitério Israelita. Nota-se uma

febril atividade em todos os campos da vida israelita. Começam a entrar em contato

com a comunidade delegados sionistas e visitantes culturais. Surgem também, de

tempo a tempo, homens do teatro, organizam-se espetáculos, forma-se um círculo

dramático, promovem-se empreendimentos culturais, tardes de arte e outras reuniões.

Cumpre notar aqui um sucesso teatral, alcançado em 1923, com elementos

locais da juventude: sob a direção de José Schraiber e a regência musical do maestro

Leo Kessler – e com a participação ativa de Júlio Schaia – foi levada à cena a

conhecida opereta histórica “Bar-Kochba”, de Goldfaden, com tamanho êxito que

logrou uma representação para a população não-judaica.

Prosseguem, outrossim, ativamente os serviços de assistência aos casos

locais de necessidade, bem como o auxílio construtivo para a instalação dos recém-

imigrados: a um artífice – concedem-se ferramentas: aos operários – arranja-se

empregos a pessoa sem ofício – adquire-se um cavalo e carrocinha para compra de

cereais nas colônias agrícolas da redondeza, e outros misteres.

Nesse período, os emissários conferem à Curitiba o título de “Jerusalém do

Brasil”. Duas cidades brasileiras foram honradas com essa designação: Natal – no

Norte e Curitiba – no Sul. Natal - em virtude de terem sido todos os habitantes

israelitas daquele tempo sionistas e hebraístas; Curitiba - por motivo de sua generosa

hospitalidade e por sua entusiástica solicitude em atender a todos os apelos de caráter

judaico ou simplesmente humanitário.

A comunidade judaica da capital paranaense também primava pelo zelo

que dedicava à dignidade coletiva: em casos de aguçadas divergências sociais, os

dirigentes de responsabilidade montavam guarda para impedir que degenerem em

conflito. Quando surgiam manifestações anti-semitas na imprensa, reagia a

coletividade prontamente, ora enfrentando luta aberta, ora intervindo junto às

autoridades e sempre duma maneira digna e com sucesso.

Os israelitas locais lograram igualmente granjear amizades sinceras nos

meios oficiais e nos círculos intelectuais, como por exemplo: Dr. Affonso Camargo –

presidente do Estado; Prof. Dario Velozo – conhecido intelectual; Domingos Velozo –

redator do Comércio do Paraná; Dr. Pamphilo de Assumpção – presidente da Ordem

dos Advogados; Dr. Manoel Ribas – Interventor Federal e muitos outros.

416

[Pormenores e datas de importantes acontecimentos desse fecundo período,

encontram-se, adiante, nos relatórios cronológicos das instituições e dados biográficos

das figuras sociais.]

PROGRESSO E DECADÊNCIA

O espaço de tempo de 1938 a 1945, marca uma alteração radical local.

Dum lado, nota-se considerável prosperidade econômica. Estabelecem-se importantes

empresas comerciais, instalam-se novas indústrias; cresce uma nova geração

brasileira, que começa a ocupar posições nas profissões liberais. Alguns se distinguem

particularmente, como o falecido professor universitário, Dr. Manoel Beiguelman, que

conquistou a sua cadeira de odontologia em brilhante concurso; o atual catedrático de

engenharia, professor Samuel Chamecki, que criou nome através de variados

trabalhos publicados, no terreno de sua especialidade, entre os quais se destaca uma

obra de valor, que obteve crítica favorável em vários países americanos e europeus.

Por outro lado, no setor das atividades judaicas nacionais e culturo-sociais,

a decadência é patente.

Os motivos são tanto interno como externos; em virtude das leis de

nacionalização do novo regime do país, o Centro é obrigado a modificar os estatutos,

dos quais fica eliminada toda e qualquer alusão a atividades sionistas ou culturo-

nacionais; o nome oficial do Centro Israelita é substituído pela denominação de

Centro Mosaico, a fim de salientar o caráter exclusivamente religioso da instituição.

Os motivos internos consistem em que os veteranos da coletividade

envelhecem, novos elementos de fora não chegam e as poucas energias locais que

ainda existem, tornam-se cada vez mais exíguas, graças a aguçada diferenciação

ideológica.

A SITUAÇÃO ATUAL

Nos últimos oito anos, desde 1945 até 1953, ano em que esta crônica está

sendo redigida, processa-se alta modificação para melhor. O país retorna ao regime

constitucional e as liberdades dos grupos étnicos estão sendo ampliadas. Essa

alteração política reflete-se naturalmente nas atividades sionistas e nacionais. Surgem

então os magnos acontecimentos da história do nosso povo: a decisão da ONU e o

estabelecimento do Estado de Israel.

Os elementos nacionais da coletividade entregam-se de corpo e alma às

cruzadas em prol da reconstrução. O movimento “Dror” local reveste-se de formas

concretas e o espírito de “halutzismo” domina uma camada considerável da

juventude. Em cada “Garin”, que parte dos campos de treinamento agrícola para

Israel, acham-se jovens curitibanos de ambos os sexos.

Completamente diferente, porém, é o caso dos serviços locais no campo

cultural e social; nesse terreno, a estagnação é marcante. A geração velha está

partindo. A nova, ainda que muito ativa e de boa vontade, não dispõe de bagagem

judaica. Os leitores de livros em ídiche e hebraico escasseiam cada vez mais. A língua

portuguesa começa a predominar nas próprias reuniões do Centro.

417

A escola chegou, com efeito, a realizar muita coisa, dentro das condições

reinantes. A maior parte da juventude entende perfeitamente o ídiche e uma parte

considerável fala o idioma fluentemente, e de vez em quando até se apresenta em

público nesta língua. Mas tudo isto está bem longe de suficiente para preservar a

continuidade.

O certo é que a população judaica em Curitiba, que conta atualmente

umas 300 famílias, ou seja, umas 1200 almas, acha-se diante dos mesmos graves

problemas, com os quais se debate a coletividade judaica de todo o Brasil.

Curitiba, Março,1953

418

42.1.4 Crônica de Porto Alegre

A coletividade judaica portoalegrense, que no mapa israelita do Brasil ocupa o

terceiro lugar, é considerada, pela data de seu estabelecimento e caráter de suas instituições,

a primeira comunidade de israelitas da Europa oriental no país.

Formou-se, inicialmente, de suas correntes diversas. A primeira manava de

Filipson e Quatro Irmãos, núcleos agrícolas, fundados pela sociedade ICA do Barão Hirsh,

em 1903, no Estado do Rio Grande do Sul, cuja capital é Porto Alegre; como todos sabem,

a colonização judaica no Brasil não foi muito bem sucedida, quer pelas falhas duma

administração inadequada, como pela razão de o elemento imigratório não ter sido

apropriado às árduas condições da lavoura nos sertões brutos daquelas bandas. Os colonos

que abandonavam os campos, demandavam a cidade, onde conseguiam ganhar a vida com

mais facilidade. A segunda, procedia dos países vizinhos Argentina e Uruguai; emigrantes

judeus, que se dirigiam à América do Norte, ou aqueles que simplesmente procuravam

tentar a sua sorte em outro país, ficavam estacionados em Porto Alegre, e assim, aos pouco,

foi-se formando o "ishuv".

Cumpre salientar aqui o fato de, tal como Curitiba e outras comunidades

judaicas do Sul, Porto Alegre também estava inteiramente isenta da "praga de marginais"

(tmêim), contra os quais as coletividades do Rio e de S. Paulo viam-se forçados, nos

primeiros anos, a travar renhida luta.

OS PIONEIROS

O primeiro israelita, conhecido em Porto Alegre como pioneiro da comunidade,

era Salomão Levi, judeu sefaradí, que confraternizou com os ashquenazim, construindo,

juntamente com eles, a vida judaica daquela cidade sulina do Brasil. Salomão Levi chegou

à Porto Alegre em 1894.

Quando os primeiros israelitas da europa oriental aportaram na capital

riograndense, já ali encontravam aquele sefaradi como pessoa bem arranjada e de prestígio,

que lhes deu prova de amizade e amparo.

Como de costume, os primeiros emigrantes começaram com o comércio

ambulante, e Salomão Levi então lhes concedia crédito, recomendava-lhes clientes entre

seus conhecidos brasileiros, e em casos complicados, intervinha a favor deles juntos às

autoridades estaduais ou municipais.

Depois de Levi, chegou Leão Back que se tornou seu genro.

Pouco tempo mais tarde, vieram Salomão Kaufman, os irmãos Bernardo e Isaac

Levgoi, Shabsi Maltz, Lipe Waldman, a família Lubianca, os Pessis e outros.

A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO

Deu-se em 1909. A cidade de Porto Alegre já possuía então cerca de duas

dezenas de famílias israelitas e outro tanto de solteiros.

A 14 de setembro daquele ano, aparentemente às vésperas do ano novo judaico,

teve Leão Back a idéia de organizar um «minian», a fim de se poder oficiar as rezas dos

Dias Solenes coletivamente. Foi desse «Minian» que se originou a primeira organização

419

judaica de Porto Alegre, denominada União Israelita, sob a presidência de Salomão Levi.

Em outubro de 1910, a sociedade foi reorganizada, sob a denominação "União

Israelita Portoalegrense", tendo por objetivo a fundação duma sinagoga e um cemitério

israelita.

No mesmo ano, foi adquirido um terreno adequado e assim instituído o

primeiro cemitério israelita do Brasil. Decorrido algum tempo, formou-se junto à União um

grêmio «Ezra», com a finalidade de amparar moral e materialmente os novos imigrantes,

que continuavam a chegar tanto das mencionadas procedências, como da Europa. Fundou-

se igualmente uma agremiação «Achva», que tomou a si o encargo de fornecer carne

«kosher» aos israelitas piedosos.

A primeira diretoria da União Israelita Portoalegrense foi assim constituída:

Salomão Levi – presidente; Bernardo Levgoi – vice-presidente; Leão Back – secretário;

Júlio Lubianco – tesoureiro.

Inicialmente, a União funcionava em local alugado. Passado algum tempo,

mudou-se para sede própria, À rua Barros Cassal, onde se acha instalada até a data

presente.

O PRIMEIRO PERIÓDICO JUDAICO

Em primeiro de dezembro de 1915, apareceu em Porto Alegre o primeiro

periódico judaico do Brasil, denominado “A Humanidade”. Foi um semanário, que se

publicava em 4 páginas, pequeno formato de jornal, escrito num ídiche puro e, para aquele

tempo, moderno, sob a redação de Iosef Halevi, colaborador do jornal «Hazefira» de

Varsóvia, que então se achava na capital riograndense (procedente provavelmente da

Argentina).701

A publicação foi editada pela “Sociedade Jornalística Israelita”, constituída por

obrigações no valor de 25 mil réis cada uma. Os nomes dos acionistas, que figuraram no

primeiro volume desta, são os seguintes: Salomão Kaufman, Bernardo Levgoi, Efraim

Lifschitz, Lipe Waldman, V. Meltzer, Abraão Soibelman, Iechiel Kvitko, Ch. Fischman, S.

Raicher, Germano Zeltzer, I. Goldmanberg, Baruch Goldenberg, José Lerner, Samuel

Kleinman, Mosés Pessis, Bernardo Topolar, Moisés Topolar, Moisés Kapeliuschnik e

Zalmen Weksler.

Vale citar alguns títulos do primeiro número que refletem o caráter do

semanário, bem como alguns aspectos da vida judaica local, daquela época:

«A Guerra Européia» - comentário sobre o curso geral da primeira guerra

mundial, que então estava no auge; «Últimas Notícias» - informes a respeito de

acontecimentos mundiais; «Os judeus na Rússia» - descrição das condições dos judeus

daquele país, os quais, sofrem, além das conseqüências da guerra, discriminações raciais de

toda sorte; «A Guerra e os Judeus» - notícias judaicas relacionadas com a guerra;

“Educação Israelita e Auto-educação” – conferência de Iosef Halevi, lida no salão da

“Ezra”; “Em vez dum programa” – comentário humorístico, em que “judeu sem barba”

explica as razões por que “A Humanidade” não seguirá a orientação Sionista, nem

socialista e será, sim, uma publicação imparcial. “Teatro” – crítica teatral sobre a peça

701

Sobre ele vide artigo em outro lugar desta coletânea.

420

“Hershele-Meiuches”, levado à cena pelo grupo local de amadores, no salão da “Ezra” e na

qual tomaram parte José Schreiber (o conhecido ator, que, nos primeiros anos, andava

organizando grupos teatrais, nas principais comunidades judaicas do Rio, São Paulo,

Curitiba e Porto Alegre), senhora Schreiber, David Zveibel, Rissel Saubelman, Samuel

Kleinman, José Lerner, S. Raicher e A. Varschever.

Das notícias locais, tomamos ainda conhecimento do seguinte: A agremiação

«Achva» havia fundado e estava mantendo um colégio religioso, (Talmud Tora). Tudo

corria normalmente até a vinda de novos elementos, procedentes das colônias agrícolas da

ICA. Os mais piedosos dos recém-vindos, não se conformando com os métodos de ensino

daquele estabelecimento educacional, fundaram outro colégio. Os dirigentes da «Achva»

aborreceram-se com o fato de três de seus associados haverem tomado parte na fundação do

novo colégio, que lhes fazia concorrência, e excluíram os revoltosos da agremiação,

anunciando o fato num jornal. Os atingidos pela medida, vendo nisso uma afronta à sua

dignidade, intentaram contra a «Achva» uma ação judicial. A «Humanidade», de sua parte,

verbera as partes em litígio, por terem deixado um desentendimento íntimo a tomar tais

proporções de publicidade.

Não chegou o periódico a alcançar mais que seis números. Cinco anos mais

tarde, notadamente a 15 de janeiro de 1920, a publicação reapareceu, sob o nome de

«Iudische Zukunft», como mensário provisório à espera de melhores dias. Suas esperanças,

porém, não se realizaram. A «Iudische Zukunft» também não atingiu mais que 6 números.

Convém notar que o primeiro número da publicação ressuscitada traz

correspondências do Rio – Nathan Becker; São Paulo- A Higuer; Quatro Irmãos – Marcos

Frankenthal; Cruz Alta – K. Brudno.

«CENTRO ISRAELITA»

A 24 de julho de 1917, foram lançadas as bases do «Centro Israelita

Portoalegrense».

Essa nova associação, que tinha os mesmos objetivos da «União», a saber: zelar

pelas necessidades religiosas da comunidade, surgiu como conseqüência das desavenças

mencionadas dentro da comunidade. Pelejavam entre si duas forças sociais, inteiramente

distintas, tanto na sua posição econômica, quanto em sua educação e concepção de vida. Os

porta-vozes do primeiro grupo constavam dos antigos moradores, gente abastada e

brasileirizada, que encaravam as coisas da religião, sob o ponto de vista formal, ou, na

melhor das hipóteses, tradicional, não zelando pela observância do ritual a risco. Os

dirigentes do segundo grupo, os fundadores do Centro, constavam de gente piedosa, recém-

vinda das colônias agrícolas, para quem a religião significava observar rigorosamente os

preceitos do «Schulchon Aruch».

Estes começaram a criticar a ordem das coisas, procurando obter voz ativa. Os

primeiros protestaram: "quem sois?". Como acontece em tais casos intrometeram-se nas

discussões ideológicas ambições e caprichos pessoais, levando as controvérsias até uma

definitiva cisão, que chegou a ponto de o «Centro» fundar um cemitério separado.

Os membros que fundaram a nova instituição eram:

Naum Guinsberg, Naum-Leizer Gulke, Pinie Kelbert, José Kotik, Nathan

Kotik, Israel Starosta, Leib Bonder, Samuel Spiguel, sob a chefia espiritual de Ezequiel

421

Becker, exímio talmudista e conhecedor dos tratados da religião.

Com o andar do tempo, o Centro entrou a ampliar suas funções, passando a

desenvolver atividade cultural, e assim foi criada a primeira biblioteca judaica de Porto

Alegre, denominada «Biblioteca Mendele Mocher Sforim». Os iniciadores das atividades

culturais eram David Gulke, Júlio Becker, Jacob Becker e Samuel Spiguel.

Simultaneamente destacaram-se das fileiras do centro, elementos juvenis que

formaram um conjunto de amadores de teatro, os quais se uniram ao grupo já mencionado,

organizando espetáculos, em benefício, tanto para as realizações da União, como para as do

Centro. Aos nomes de amadores de teatro já mencionados, deve-se acrescentar: Geni

Bonder, Salomão Hutz, Tobias Krasne e Samuel Spiguel. O «Centro Israelita» existe até

hoje, tendo a seu crédito longa folha de realizações em todos os campos de atividades

sociais locais.

EVOLUÇÃO CONTÍNUA

A coletividade começou a espraiar-se. Assim já se encontram em Porto alegre,

no começo de 1920, conforme depoimento do "Iudische Zukunft", umas trezentas famílias

judias. Releva notar que, apesar de a guerra ter terminado, as portas da emigração oriental

européia ainda permanecem cerradas. O aumento da coletividade provinha das colônias

agrícolas e da Argentina. A mesma testemunha nos dá conta de que já existem, na

metrópole sulriograndense, duas sinagogas, dois cemitérios, duas casas de crédito, para

auxiliar o comércio israelita, e outro «pequeno banco»,recém fundado, em benefício de

«algibeiras pobres» (foi desses estabelecimentos crediários que se originou o Banco

Cooperativo, que tão relevante papel vem desempenhando no atual comércio judaico).

Falta, porém, observa o jornal, uma escola, para atender as necessidades educacionais

imediatas.

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO

Já foi lembrado que em Porto Alegre foram fundados colégios religiosos.

Existiam igualmente pequenas casas de ensino religioso (hedorim), onde se ensinava à

moda antiga. Porém, estabelecimento de ensino judaico secular não existiu até o ano de

1920.

Foi naquele ano, aproximadamente, que surgiu, na capital do Rio Grande do

Sul, a primeira escola israelita de ensino laico. Era uma escola «integral», de curso

primário, onde se ensinava, a par das disciplinas gerais, o hebraico, o idish, história do povo

judeu etc., sob a direção do professor platino Frumkin.

O primeiro comitê escolar foi composto do seguintes moradores:Leão Back,

Benjamin Liberot, Leo Bonder, Tobias Krasni, Pinie Bonder, Salomão Huts, Moisés Pecis,

Jacob Pecis e Samuel Spiguel.

Decorrido algum tempo, quando partiu o primeiro professor e seu lugar ocupou

Jacob Fainguelerent, naquela época hebraista, inflexível, instituiu ele o método

«tarbussista»,702

excluindo do ensino a língua ídiche. (Posteriormente, ficou conhecido no

país, como um dos mais prestigiosos pedagogos, e dirigiu escolas mistas de ambas as

702

Trata-se da rede educacioal denominada “Tarbut”, de tendência sionista e adepta da cultura

predominantemente hebraica que se formou na Europa Oriental entre as duas guerras mundiais.

422

línguas, em Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

Os adeptos do ídiche viram-se forçados a baixar a cabeça, pois não havia outro

professor. Este estado de coisas durou até 1926, quando Fainguelerent deixou Porto Alegre

e seu posto ocupou o professor Isaac Raizman de B. Aires, que introduziu novamente o

ensino da língua ídiche. Desta feita, chegou a vez de o elemento hebraístico submeter-se.

Porém, só por determinado lapso de tempo. O problema lingüístico tornou a vir à tona,

provocando uma luta entre as partes, ou melhor entre os Sionistas gerais e Poalei Sion, luta

essa que ia se tornando cada vez mais acesa. Finalmente venceram os hebraistas. O

professor Raizman foi afastado e os novos professores Glombazki e sua senhora,

instituíram novamente o sistema “tarbussista.”

Foi então que os Poalei Sion e seus simpatizantes, chefiados por Reisman,

fundaram nova escola israelita, sob o nome de «Borochov».

Por espaço de alguns anos, funcionavam na metrópole sulriograndense duas

escolas israelitas: uma de ensino hebraico e outra de ensino ídiche. Durou isso até que a

Escola Borochov passou a ser dirigida pelo professor Isaac Mischkis, quem logrou unir

ambas as escolas num estabelecimento de ensino, denominado «Escola Idish-hebraica de

Porto Alegre», do qual o atual imponente ginásio, que honra a coletividade, é uma

continuação.

«LIGA CULTURAL JUDAICA»

Acontecimento de relevante importância na vida israelita de Porto Alegre foi a

criação , da «Liga Cultural Judaica». Esta entidade teve o mérito de congregar todos os

elementos amantes da cultura judaica, independentemente de suas crenças políticas e

ideológicas, sob um teto comum, objetivando única e exclusivamente difundir as coisas da

cultura israelita.

Foi fundada em 1932, por iniciativa de Samuel Speiski, com a participação de

Isidoro Frantsuski, Max Lacher, Moisés Milgrom, David Scherman, Moisés Gutman,

Henrique Scliar, Isaac Scliar, Manoel Scliar, Jacob Guevertz e Marcos Jacobovitch.

A estes aderiram os já mencionados fundadores da «Biblioteca Mendele

Mocher Sforim», que incluíram seu patrimônio cultural na Liga.

Por espaço de muitos anos, a Liga Cultural Judaica de Porto Alegre exercia

intensa atividade, realizava conferências sobre variados temas literários, promovia tardes de

arte, espetáculos teatrais. Convidava, outrossim, conferencistas e artistas de várias

procedências, fazendo tudo para elevar o nível cultural do «Ishuv».

MOVIMENTO SIONISTA

A exemplo da maioria das comunidades israelitas do país, as atividades

sionistas de Porto Alegre também eram de início, esporádicas. Pessoas filiadas, na sua terra

natal, ao movimento sionista, lembravam-se de realizar, de quando em vez, pequenas

coletas monetárias, em benefício do Fundo Nacional, ou promoviam, em ocasiões

propícias, alguma festividade de caráter sionista.

Entre os primeiros sionistas figuravam: Naum Guinzberg, Tobias Krasni (então

Krasnakutski), Moisés Peçis, Jacob Peçis, Moisés Topolar, Leo Bonder e Leão Kutin.

Diferenciação partidária dentro do movimento não existia ainda naquela época.

423

Em 1915, por iniciativa de Samuel Spiguel, foi fundado o primeiro grupo de

Poalei Sion (da direita), que entrou em contato com o Comitê Central dessa agremiação em

Buenos Aires, sob cujas diretrizes começou a exercer certa atividade partidária. Pertenciam

ao grupo, além do iniciador, Jacob Becker, David Gulko, Scholem Schwarts, Naum

Koltunovski e Benjamim Liberrot.

Quem impulsionou grandemente o movimento sionista da capital gaúcha bem

como o sionismo brasileiro em geral, foi o primeiro delegado do Keren Kaiemet, dr. I.

Vilenski, que visitou o país em 1923. Naquela época aproximadamente, foi fundado, por

iniciativa do professor Jacob Fainguelerent, o primeiro comitê local dos Sionistas Gerais.

Pelos começos de 1927, fundou-se em Porto Alegre oficialmente o partido

Poalei Sion do Brasil. Em maio do mesmo ano, a nova organização começou a publicar,

sob a direção de Isaac Raizman e administração de Samuel Spiguel, uma revista mensal

«Dos Naie Vort», com o subtítulo de «Revista mensal para literatura e problemas sociais»

(saíram 6 números).

As atividades poalei-sionistas passaram, posteriormente, para o Rio de Janeiro,

sob a direção do conhecido líder, Aron Bergman, redator e fundador da «Imprensa

Israelita»

Com o aumento da coletividade pela imigração européia, e graças ao trabalho

de elucidação dos delegados do Keren Haiessod, particularmente do dr. A. I. Iuris, que se

tornou muito popular no Brasil, e que visitava a capital gaúcha com freqüência,

desabrochou o movimento sionista portoalegrense. Foram-se agrupando todas as facções

ideológicas dentro o movimento: revisionistas, mizrachistas, etc.

Eis que, inopinadamente, sofre o movimento solução de continuidade. Em

1937, com o advento do novo regime no país, ficam proibidas as atividades dos grupos

étnicos, que tenham qualquer indício de caráter político, ou nacional. Todos os trabalhos

sionistas ficam portanto paralisados. A única coisa que se fez, naquela época, em benefício

da Palestina, foi em 1944, quando se fundou, por iniciativa do Congresso Mundial Judaico,

o Centro Hebreu Brasileiro, a quem se concedeu a permissão de, juntamente com as

campanhas em prol das vítimas de guerra, também angariar meios para os flagelados de

Erez Israel.

Em 1945, ano da decisiva vitória das forças da democracia sobre as hordas

totalitárias, também no Brasil se restabelece o regime democrático, sendo novamente

permitido o movimento sionista.

Os ativistas nacionais de «ishuv», bem como os sionistas de todo o país

lançam-se então, com forças renovadas, aos trabalhos interrompidos durante oito anos.

Surge então a idéia de unificar todos os grupos sionistas numa organização geral, a fim de,

com energias reunidas, dedicar-se à restauração da terra de Israel.

Assim foi, a 24 de novembro de 1945, por iniciativa de Aron Bergman, para

esse fim especialmente enviado do Rio, criada a «Organização Sionista Unificada de Porto

Alegre».

A primeira diretoria da entidade recém-fundada foi constituída dos seguintes

ativistas: Maurício Pessis – presidente; José Neumann – vice-presidente; Claus Oliven –

secretário geral; Samuel Goldfeld – 2º secretário; Samuel Spiguel – tesoureiro; Abraão

424

Milman – 2º tesoureiro; Dr Isaac Siminovitch – diretor de publicidade; Claus Oliven,

Samuel Goldfeld e Maurício Kersz – departamento cultural; dr. Miguel Weisfeld, Alberto

Menda, Maurício Milgrom, Matias Ben-David, David Scherman e Adolfo Filstiner –

conselheiros.

(Sobre as demais atividades sionistas, bem como das outras organizações, ver

adiante, nas descrições cronológicas das instituições).

A COLETIVIDADE HOJE EM DIA

A coletividade israelita de Porto Alegre, que ocupa, como já dissemos, o

terceiro lugar no mapa das comunidades judaicas do Brasil, conta hoje, aproximadamente,

duas mil famílias, ou seja cerca de 10 mil almas, divididas em três setores.

A larga maioria consta de israelitas da Europa oriental, em primeiro lugar os de

origem bessarabiana, seguindo-se os da Polônia e da Lituânia. Este setor, incluindo seus

descendentes brasileiros, abrange cerca de oitenta por cento do «ishuv». Seguem depois os

setores sefaradi e central-europeu.

Nas atividades pró-Israel, a exemplo do que acontece em todo o país, são todos

os três setores unidos. Onde se distinguem são nas instituições religiosas e educacionais.

Os sefaradim são concentrados no «Centro Hebraico», sob a chefia de Clemente

Elnecave. O elemento da Europa central, ou seja os israelitas alemães agrupam-se em torno

da «Sociedade Zibra», cujo presidente atual é o senhor Levinson.

A estrutura econômica é variada e satisfatória. Israelitas tomam parte apreciável

no desenvolvimento do comércio e da indústria. Em certos ramos, como, por exemplo,

roupas feitas, madeiras, malhas e outras, são considerados como os fundadores e

construtores.

Da nova geração, educada no Brasil, destaca-se valoroso elemento intelectual,

que toma parte ativa nos campos da educação, profissões liberais, na técnica e na ciência.

A vida religiosa, nacional e culturo-social dos judeus da Europa oriental gira

em torno das seguintes instituições:

União israelita – a mais antiga associação judaica, cuja sede vem sendo

atualmente reconstruída, para um templo – presidente I. Russovski; Centro Israelita

Portoalegrense – funciona num importante edifício próprio, possuindo sinagoga, sala de

diversões, auditório, e biblioteca (na sede do Centro também se acha instalado o Banco

Cooperativo) – dirigido durante muitos anos, pelo dedicado ativista Azriel Stárosta;

Associação Israelita Brasileira «Maurício Cardoso» (Ex- Associação dos Israelitas de

Origem Polonesa) – sede própria, sinagoga, biblioteca, caixa de empréstimos sem juros –

presidente Luis Schifman; Linat Hazedek – sinagoga, colégio religioso – presidente Luis

Lederman: Ginásio Hebreu Brasileiro – imponente edifício recentemente construído, com

todas as instalações dum moderno estabelecimento de ensino, 660 alunos – sob a direção do

dinâmico ativista, Dr. Maurício Steinbruch; Círculo Social Israelita – instituição culturo-

social e recreativa, onde se concentra a juventude israelita brasileira, possui grande

biblioteca em vernáculo – presidente Bernardo Karnos; Organização Sionista Unificada –

presidente Alfredo Cantergi; Magbit – presidente David Sroka; Keren Kaiemet – Dr. Paulo

Guerschman; Poalei Sion – Abraão Milman; Grupo Revisionista: - Dr. Isaac Bass;

425

organizações haluzianas: Ichud, Hashomer, Betar, Wizo Juvenil; Benei-Brith – ordem

fraternal, B’nai B’rith, sob a presidência do Dr. Marcos Meltzer; Grêmio Esportivo

Israelita; Juventude Israelita Portoalegrense (Jipa).

426

42.1.5. Crônica de Recife

Recife, a capital do Estado de Pernambuco, é a única cidade brasileira cujo

nome é bem conhecido no mundo judaico. É que, na primeira metade do século 17, quando

os holandeses dominavam o norte do país,vivia em Pernambuco, sob a chefia espiritual do

erudito rabino Isaac Aboab de Fonseca, uma grande comunidade israelita.

Em 1654, quando Pernambuco foi reconquistada pelos portugueses, muitos

judeus, receando cair nas garras da Inquisição, abandonaram o Brasil. Uma parte logrou

alcançar as costas de New Amsterdam –a atual Nova York – então sob o domínio holandês,

e com esses judeus do Brasil começa a fundação da comunidade israelita da América do

Norte.

Em 1954, por ocasião dos festejos de trezentos anos de vida israelita nos

Estados Unidos, foi esse fato largamente divulgado.

Os judeus ficaram no Brasil, aceitaram aparentemente a religião católica,

vivendo clandestinamente como judeus. Muitos desses “marranos” caíram na mão da

Inquisição, que os deportou para Lisboa, onde pereceram nas fogueiras dos “Autos-de-fé”.

Os restantes misturaram-se, com a população católica, legando apenas uma recordação nos

sobrenomes.

OS PIONEIROS

É difícil precisar o ano, em que se inicia a crônica da atual coletividade israelita

de Recife. Os antigos moradores do “ishuv”, começam com o ano de 1908, quando ali se

estabeleceu o judeu lituano, Horácio Peipert, embora na capital pernambucana já tivessem

anteriormente existido judeus alemães e franceses, joalheiros, bancários e corretores.

Natural de Ponieviej, perto de Kovno, viveu Peipert muito tempo na Inglaterra,

de onde partiu, em 1885, com destino ao Brasil, quase simultaneamente com seu primo

Moritz Klabin, chefe da atual conhecida família Klabin. Após ter vivido alguns anos no Rio

e em São Paulo, partira para os Estados Unidos, e na sua viajem de regresso, ficou em

Recife, onde se estabeleceu, como representante de firmas comerciais nacionais e

estrangeiras.

Em 1916, abandonou novamente Pernambuco, para voltar em 1919,

permanecendo em Recife até 1924, ano em que faleceu sua esposa Ema. Depois da morte

de sua companheira, deixou definitivamente Pernambuco.

O segundo judeu que apareceu em Recife, e que ali vive até hoje, é Meier

Bancovski, cunhado de Horácio Peipert, que chegou a Pernambuco em 1909, em

companhia de sua esposa Ana e seu filho José. Trabalhava Bancovski em representações

comerciais, em sociedade com seu cunhado.

Em 1910, veio da Argentina, Mendel Rotman, judeu bessarabiano, que não

conseguiu estabelecer-se em Recife, partindo dali dentro de pouco tempo. Em seguida,

chegou o cunhado de Rotman, Mendel Meshiah, em companhia de sua família. Este tornou-

se “clientelchik" e posteriormente abriu uma loja de tecidos.

Em 1911, começaram a chegar mais israelitas, na maioria bessarabianos.

Naquela época, vieram a Recife as famílias Rabin, Schapaval, Rubinski, Tcherpak,

Kelmenson, Mendel Schwartz, Salomão Schenberg e outros.

427

A PRIMEIRA ORGANIZAÇÃO

Pelos fins de 1913, já viviam em Recife umas 15 famílias israelitas, além de

certo número de solteiros. Nos primeiros meses de 1914, foi fundada a primeira sociedade

israelita, denominada “Agudat Achim”.Os fundadores dessa agremiação eram os irmãos

Rabin, Israel Kelmenson, Meier Bancovski, M. Meshiach, Velvel Schapaval e Simão

Rubinski. Como presidente foi eleito Salomão Scheinberg.

A sociedade “Agudat Achim”, com finalidades religiosas e beneficentes,

congregou logo em torno de si todos os moradores israelitas da cidade. Funcionava a

primeira organização israelita numa sede alugada, à rua Imperatriz, onde haviam instalado

sinagoga provisória e uma pequena caixa de empréstimos.

O DESENVOLVIMENTO

A coletividade começava a crescer a desenvolver-se, mas a guerra mundial

interrompeu repentinamente a corrente imigratória. As atividades sociais, durante os anos

da guerra, limitavam-se quase que exclusivamente à coleta de fundos para socorrer as

vítimas da guerra. Um ano após o término da guerra, em 1919, fundou-se o Centro Israelita,

que inicialmente tinha por objetivo a organização dum cemitério judaico e duma sinagoga.

(Os nomes dos fundadores e detalhes sobre as atividades dessa instituição encontram-se

adiante, numa nota especial).

Simultaneamente, foi também fundada por iniciativa de Luis Adler, A

“Associação Israelita de Pernambuco”, cuja primeira diretoria constava dos seguintes

membros: Isaac Weisberg, presidente; Samuel Messel, secretário das atas; Moisés Rabin,

secretário de finanças; Nathan Messel, tesoureiro; Naum Aizen, Simão Waisman e Luis

Alder, vogais. Essa entidade desenvolvia, durante os cinco anos de sua existência, intensa

atividade sócio-cultural. Criou uma biblioteca, um Circulo dramático, organizava saraus

literários, espetáculos teatrais, bailes e outras realizações. Contribuíram muito para as

realizações culturais da associação, os intelectuais Jacob Nachbin e Nathan Jaffe.

ATIVIDADES SIONISTAS

Certa atividade sionista, esporádica, teve começo, em Recife, logo que

chegaram os primeiros sionistas: os Sheinbergs, os Rabins, Kelmansons, etc. Mas, forma

organizacional tomou somente em 1921, quando, por influência do primeiro delegado

sionista no Brasil, Dr. Vilenski, foi fundado o “Comitê do Keren Haiesod”,que entrou a

desenvolver sistemática atividade sionista.

Em 1924 foi fundada a Escola Israelita Brasileira, precursora do atual Ginásio.

BENEFICÊNCIA

Já a primeira agremiação “Agudat Achim” havia criado uma caixa de socorros,

a fim de prestar auxílio monetário aos que disso necessitavam. Posteriormente foi essa

assistência ampliada. Em 1916, foi fundado, em ligação com o “Joint” americano, o “Relief

Comitê”, com a finalidade de instalar os novos imigrantes israelitas. Esse comitê,

inicialmente dirigido por Luis e Bássie Adler e Luis Scheinberg, foi posteriormente

convertido em “Sociedade Beneficente Feminina”, que existe até hoje. A primeira

presidente daquela instituição foi a saudosa senhora Rosa Waisman, cujo nome é

atualmente conhecido em todo país, como servidora fiel dos interesses da coletividade. Em

428

1925, foi fundada, por iniciativa de Luis Adler a “Lai Un Spar-Kasse”, instituição

financeira legalizada, que contribuiu para o desenvolvimento do comércio israelita de

Pernambuco. Em 1930, foi fundado o Banco Israelita Popular, que tem a seu crédito longa

folha de serviços prestados ao comércio e a indústria.

O CRESCIMENTO DO “ISHUV”

A comunidade israelita de Recife, foi entrando na fase de franco

desenvolvimento, a vida social foi tomando vulto e o “ishuv” pernambucano começou a

tomar lugar de destaque na vida judaica do Brasil. Mas, com o advento do novo regime do

país e com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, o crescimento da coletividade e sua

evolução ficaram paralisados. Em Recife, como em outras partes, o ímpeto da vida social

judaica havia esmorecido.

Foi só com o restabelecimento do regime constitucional no Brasil, que as

figuras ativas da coletividade pernambucana, entraram a renovar a obra social, e com o

surgimento do Estado de Israel, a vida social judaica entrou numa nova fase de intensa

atividade. Foi fundada a seção local da Organização Sionista Unificada, foram ampliadas e

reorganizadas as atividades da Wizo, e instituiu-se o Clube Hebraico (1950).

Lugar de especial destaque na vida coletiva dos israelitas pernambucanos ocupa

a escola, que se desenvolveu grandemente e se converteu num ginásio, o terceiro ginásio

israelita do país.

A coletividade judaica de Recife conta atualmente cerca de 400 famílias.

429

42.1.6. Crônica da Bahia

Ao chegarem os primeiros imigrantes israelitas à Bahia, ou Salvador, em 1912,

já ali encontravam, a bem dizer, certos judeus, que se haviam estabelecido na mais antiga

cidade brasileira, ainda nos últimos anos do século passado. Mas, lamentavelmente, as

ocupações desses homens eram de tal forma indecorosas que se viram forçados a deles

afastar-se, recusando-se a entrar em contato com aquela classe de gente.

Nada mais natural que a crônica da coletividade israelita da Bahia comece com

a imigração dos judeus, que ali chegaram com o propósito de arranjarem sua vida dum

modo decente e digno.

OS PIONEIROS

Os imigrantes que, de fato, marcam o início do estabelecimento do “ishuv”

baiano, ali apareceram entre os anos de 1912 e 1914. Entre eles enumeram-se os irmãos

Isaac e José Diamante, Daniel Lerner, Moisés Leibovicz, Jacob Bernstein, Marcos Fucks,

M. Bernstein, Naum Fidelman, Elias Zimelzon, Meier Eyrs, Nissel Gornhendler, José e

Velvel Schindler e José Adler. O único judeu dos antigos habitantes, com quem os recém-

vindos mantiveram contato, foi um senhor Jacob Grunfeld natural da Romênia, que já vivia

na Bahia alguns anos que era proprietário duma casa de jogos e loja de jóias, à rua Chile.

Este senhor Grunfeld tinha amizades com os altos funcionários públicos, era amigo pessoal

do chefe da polícia e gozava de bom conceito nos meios comerciais. Graças a estas

relações, foi-lhe possível ajudar os recém-imigrados a se arranjarem no ambiente estranho.

Conseguia para eles créditos com os comerciantes locais, providenciava sobre a legalização

de seus documentos. Sob a proteção de Jacob Grunfeld – nome que os antigos habitantes

até hoje mencionam com gratidão – os novos imigrantes não tiveram dificuldades em

dedicar-se ao pequeno comércio, ao negócio de vendas a prestações.

No ano de 1912, já existiam na Bahia algumas famílias israelitas, e em 1914

seu número aumentou para duas dezenas aproximadamente. A maior parte procedia da

Bessarábia, entretanto é interessante salientar que alguns dos primeiros imigrantes proviam

da Palestina, como sejam: Isaac Diamante, Daniel Lerner e o ativista, atualmente bem

conhecido em todo o Brasil, José Adler.

É igualmente curioso lembrar que a primeira casa comercial judaica da Bahia –

além da já mencionada joalheria de Jacob Grunfeld – era uma pequena loja de estampas, na

praça Cairo, pertencente a J. Gershkoren e Daniel Lerner. Pouco tempo depois, Moisés

Leibovicz e Abrão Tiomni abriram, em São Salvador, a primeira casa de móveis.

A Vida Social

Em 1914, quando o “ishuv” já contava umas duas dezenas de famílias israelitas,

José Adler, os irmãos Diamante, Moisés Leibovicz e outros fundaram a primeira sociedade

israelita da Bahia, “Tiferet Sion”, de caráter puramente cultural, e junto a qual foi criada a

primeira biblioteca judaica daquela cidade. Outro grupo israelita organizou, logo em

seguida, a sociedade “Achiezer”, que se dedicava às atividades de auxílio mútuo. Foi dessas

duas entidades que mais tarde se desenvolveu a vida social dos judeus baianos.

430

Durante os anos da primeira guerra mundial, a vida pública do pequeno “ishuv”

girava em torno daquelas duas organizações, que também providenciavam sobre socorro às

vítimas da guerra. Novos imigrantes não chegavam no tempo da guerra, o “ishuv”

permanecia então reduzido e íntimo.

A SEGUNDA LEVA DE IMIGRANTES

Com a segunda leva de imigrantes, em 1922, a coletividade começou a crescer

de vulto. Naquele ano a cidade já contava umas trinta e poucas famílias, e foram feitas as

primeiras tentativas de criar uma organização central judaica. Por iniciativa dum grupo de

antigos e novos habitantes, foi fundada a “Sociedade Beneficente Israelita”, com

finalidades religiosas, culturais e beneficentes.

Na sede provisória, na Praça dos Veteranos, a novel entidade organizou uma

biblioteca maior, incluindo os livros da “Tiferet Sion”, e entrou a promover tardes literárias

e culturais. Posteriormente, quando a sociedade transferira-se para outra sede, à rua Sinai,

começou também a funcionar a primeira escola israelita, denominada Jacob Dineson, com

vinte e poucos alunos. Foi igualmente fundado um Círculo Juvenil, onde se agrupava a

geração nova. A diretoria da seção juvenil, tinha a seu cargo a direção da biblioteca, bem

como a organização de empreendimentos culturais e recreativos.

Mas, com o desenvolvimento do “ishuv” e com a ampliação das atividades

sociais, iam surgindo as primeiras divergências e antagonismos entre os ativistas dirigentes.

A CISÃO

As incompatibilidades entre os dirigentes tornaram-se cada vez maiores.

Desencadeou-se uma renhida luta entre os elementos do movimento sionista e os adeptos

da “corrente progressiva”. Os conflitos ideológicos entre as duas partes, as pugnas

acirradas, não obstante os ingentes empenhos de manter a unidade da colônia, conduziram

finalmente, em 1927, a uma definitiva cisão. Um grupo dos associados da “Sociedade

Beneficente”, a parte progressista, separou-se daquela organização e fundou o “Centro

Cultural”.

A dispersão de energias e recursos causou, naturalmente, muito prejuízo à

pequena comunidade judaica da Bahia. Após alguns anos de se combaterem mutuamente,

os espíritos mais serenos entre as ativistas de ambas as partes, convenceram-se de que as

atividades separadas dos dois grupos em luta, criavam um clima negativo no seio da

coletividade, um grande obstáculo para o desenvolvimento da sua vida social.

A UNIFICAÇÃO

A separação durou até o ano de 1932, quando as duas entidades se uniram de

novo. O “Centro Cultural” foi dissolvido e os seus associados ingressaram novamente na

“Sociedade Beneficente”. Com nova animação e entusiasmo, os ativistas da comunidade

judaica entregaram-se às vastas atividades, e elaboraram um “modus vivendi”, que

possibilite a todas as correntes ideológicas a exercerem suas atividades, numa base pacífica

de sincera compreensão. Como resultado dessa colaboração sincera, foram reorganizadas as

mais importantes instituições, como sejam: a escola, a Caixa de Economia e Empréstimos

(Lai-Un-Shpar-Kasse) e outros que tais, entrando a coletividade numa fase de franco

florescimento e progresso.

431

A SEDE PRÓPRIA

O novo período da vida social judaica de São Salvador atingiu seu apogeu em

1949, quando a Comissão Construtora da “Sociedade Beneficente” entregou à coletividade

o edifício próprio, construção magnífica de amplas proporções, que faz honra à pequena

comunidade e de que centros maiores poderiam orgulhar-se.

No decurso de três anos, o “ishuv” de S. Salvador, construiu uma casa, que

constitui não somente a sede onde se concentra toda sua vida social, mas representa um

belo e íntimo lar, no sentido mais amplo do termo. Homens de todas as cores e matizes

ideológicas, da direita e da esquerda, ali se reúnem, sentam-se às mesmas mesas de

trabalho, celebram juntamente as diversas datas festivas; e descobriram o meio de

contemporizar com os interesses antagônicos e possibilitar a permanente cooperação num

clima de salutar e humana tolerância.

A Bahia é, sem sombra de dúvida, a única exceção do conjunto da vida social

judaica do Brasil, a única comunidade que possui endereço próprio, uma casa coletiva,

admirável e modelar.

432

42.1.7. Crônica de São Paulo

A cidade de São Paulo possui, como é de domínio público, a segunda

comunidade israelita do Brasil, em tamanho e importância. Há mesmo quem lhe conceda a

primogenitura, quer quantitativa quer qualitativamente. Se é justificado ou não esse

conceito, não nos aventuramos a julgar. O que pretendemos, sim, é registrar aqui as

informações cronológicas que conseguimos colher, tanto através de palestras com

habitantes antigos, como no manuseio de documentos, jornais e publicações periódicas, a

respeito dos primeiros tempos do nascimento e evolução dessa parte judaica do Brasil e

anotar os nomes daqueles que, de algum modo, concorreram para a construção do

imponente edifício; mormente aqueles que, por um outro motivo, não foram registrados nas

biografias individuais ou coletivas desta obra.

(O que o “ishuv” paulistano representa consigo, hoje em dia, no sentido

religioso, cultural-social e econômico, a respeito disso vai adiante um trabalho do nosso

ilustre colaborador, Majer Kucinski).

Os Pioneiros

Quem foi o primeiro judeu de São Paulo? (É claro que temos em mente aqueles

judeus, de cuja descendência o “ishuv” de hoje é uma continuação direta). Neste ponto as

opiniões divergem. Há quem afirme que o primeiro judeu paulista foi o bessarabiano Note

Tabakow; outros, ao contrário, dão a primogenitura ao israelita lituano Mauricio Klabin.

Ambos são nomes de tradicionais famílias judaicas do Brasil. Mas, enquanto nada

conseguimos descobrir sobre a atuação social do primeiro, sobre a participação do segundo

na vida social judaica, não só ouvimos através de vários depoimentos, mas temos

documentação a respeito. Mauricio Klabin foi quem primeiro promoveu a vinda a São

Paulo dum Rolo da Lei (Sefer-Torá), instituindo o primeiro “Minian” (quorum para rezas

coletivas); foi o primeiro “Amante de Sion” em todo o Brasil que enviou suas contribuições

para o Bureau Central do Fundo Nacional (então na Colônia, Alemanha); doou o terreno

para o primeiro cemitério israelita, em Vila Mariana; foi positivamente um dos grandes

filantropos paulistanos, que contribuíram generosamente para todas as empresas da

comunidade.

Julgamos, portanto, justificável a inserção nesta crônica de alguns dados

biográficos seus, como um dos pioneiros do “ishuv” de S. Paulo.

MAURICIO FREEMAN KLABIN nasceu a 1o de março de 1860, na cidade de

Poselva perto de Kovno, Lituânia-russa. O pai dele, Leão Klabin, deu-lhe uma educação

tradicional judaica. Por motivos das opressões do regime tzarista, emigrou, adolescente

ainda, para a Inglaterra. Em Londres, onde passou dois anos e alargou seus conhecimentos,

ouviu falar no Brasil, como país de boas oportunidades, onde uma pessoa de iniciativa pode

progredir. A bordo, soube da febre amarela que grassava em Santos e no Rio e resolveu

fixar-se em S. Paulo, que naquele tempo contava mais ou menos com 30 mil habitantes. A

data exata de sua chegada ao Brasil é desconhecida, mas sabe-se que veio no tempo da

Monarquia. Quando da proclamação da república, já estava estabilizando sua situação,

como caixeiro-viajante duma papelaria. Jovem capaz, probo e comunicativo, captou a

simpatia dos patrões, casal idoso sem filhos. Admitiram-no, primeiro como sócio da casa e

mais tarde venderam-lhe a empresa em condições suaves.

433

Logo que Mauricio Klabin melhorou se situação econômica, promoveu a vinda

dos pais e irmãos, associou-os à empresa e assim surgiu a firma que mais tarde iria tornar-

se famosa: Klabin, Irmãos e Cia, não só como empresa comercial, senão como filantrópica

que muito contribuiu para o progresso do “ishuv”.

Com os pais de Mauricio também veio a noiva dele Bertha Obstand, com a qual

contraiu matrimônio em 1895. (Bertha Klabin tornou-se depois conhecida como uma das

fundadoras da “Sociedade Beneficente das Damas Israelitas”, a precursora da atual

OFIDAS; como a primeira ativista da Wizo no Brasil e, geralmente, como uma das

dedicadas colaboradoras da comunidade israelita).

Mauricio Klabin faleceu em 1923 em Heidelberg, na Alemanha, e foi sepultado

em São Paulo, no Cemitério Israelita de Vila Mariana, para o qual doou o terreno.

PRIMEIRA ORGANIZAÇAO

A fundação da primeira organização israelita de S. Paulo data de 21 de janeiro

de 1912. Chamava-se “Kehilath Israel”, ou “Comunidade Israelita de S. Paulo”.

Conforme rezam os estatutos, a associação tinha por finalidade a fundação

duma sinagoga, cemitério-israelita, escola e o socorro aos necessitados.

(Atualmente, a “Kehilath Israel” constitui apenas uma sinagoga).

A primeira diretoria constava dos seguintes membros: Bernardo Nebel -

presidente; Isaac Tabakow – vice-presidente; Jaime Horovitz – primeiro secretário; Gabriel

Katz – segundo secretário; Saul Raichberg – tesoureiro; Luiz Constantino – fiscal geral.

De acordo com a publicação “História da Ezra”, a fundação da “Comunidade

Israelita” data de 1913, e a diretoria é bem outra. Nós nos baseamos em documento oficial,

registrado em 15 de julho de 1912.

Entretanto, julgamos oportuno mencionar os nomes da referida publicação, os

quais, provavelmente, constituíram a segunda diretoria, que adquiriu em 1913 a casa, na rua

da Graça, 26, onde instalou a sinagoga: Idal Tabacow – presidente; Abraham Kaufman –

vice-presidente; Jacob Nebel – 1o secretário; Isaac Tabacow – 2

o secretário; Hugo

Lichtenstein, Miguel J. Lafer e José Nadelman – vogais.

Releva notar que Idal Tabacow era filho de Note Tabacow; Hugo Lichtenstein e

Bernardo Nebel, seus genros. Importa notar, de modo especial, o nome de Isaac Tabacow.

Era este sobrinho de Note e (como o caracteriza o conhecido ativista do Rio, Jacob

Schneider) pessoa de iniciativa e de índole boníssima. Em 1898, Isaac Tabacow já se

achava no Brasil pela segunda vez, fixando-se, em companhia de sua esposa, Golde, em

Franca, pequena cidade do interior paulista, que então se achava no apogeu, em virtude dos

ricos cafezais da redondeza. Naquela cidade desenvolveu amplo movimento comercial e,

progredindo, ajudou a outros conterrâneos a se estabelecerem; entre esses o mencionado

Jacob Schneider, Simão Bergstein, A. Steinberg. Naum Obodowski e outros.

Com exceção de Mauricio Klabin em S.Paulo, os judeus de Franca foram os

primeiros israelitas oriento-europeus a instituírem no Brasil certa forma de vida comunal:

434

rezas coletivas, fabricação de pães ázimos (matzot) e auxílio aos imigrantes. (Antes ainda

da fundação pela “ICA” da colônia agrícola Philipsohn, no Rio Grande do Sul).

BIBLIOTECA E GRUPOS DRAMÁTICOS

Pelos fins de 1913 ou começo de 1914, constituiu-se a seguinte “Comissão

Iniciadora”, para fundar uma biblioteca judaica: Abraham Kaufman – presidente; Simão

Nadler – vice-presidente; Israel Schwartz – tesoureiro; Bernardo Zaduschliver – secretário;

Moisés Levkovich (posteriormente Costa) – 2o secretário. Esta comissão criou um fundo e

mandou vir livros de B. Aires. Com a chegada dos livros, em 1916, foi a Biblioteca Israelita

oficialmente inaugurada, na sinagoga “Comunidade Israelita”, como instituição cultural

independente, que, além do empréstimo de livros aos associados, realizava conferências e

leituras em voz alta. Moisés Levkovich Costa lia ou dissertava sobre Peretz; Abraham

Levin, sobre Scholem Aleichem e Henrique Milion, sobre Edelstadt.

A primeira diretoria da biblioteca organizada constava dos seguintes membros:

Idal Tabacow – presidente; Moisés Costa – vice-presidente; Samuel Waisman – tesoureiro

e Abraham Levin – secretário. Abraham Kaufman, o idealizador dessa iniciativa cultural, já

não se achava entre os vivos, quando da chegada dos livros de B. Aires. Cabe lembrar que

A. Kaufman foi igualmente quem teve a iniciativa de convidar o renomado escritor Peretz

Hirschbein, então em visita na Argentina, para fazer conferências em S. Paulo (em 1914,

pela primeira vez no Brasil) e cujo capítulo “Um Israelita está Doente” do livro “Em Terras

Longínquas”, em que o autor relata a angústia de toda uma comunidade, por se achar um de

seus membros seriamente enfermo, Hirschbein se referia a Abraham Kaufman, que de fato

não mais se levantou da cama. Entre os que se dedicaram ativamente à biblioteca devem

figurar ainda os nomes de Iasche Monasterski, Moisés Mechutan, Moisés Chechtman,

Iechiel Itkis e Iankel Kapoier.

A primeira biblioteca israelita de S. Paulo passou por várias transmigrações. Da

“Comunidade Israelita” passou para a sinagoga Knesset Israel, na rua Capitão Matarazzo

(hoje Newton Prado). Instalou-se depois numa sede alugada, na rua da Graça. Anos mais

tarde, foi dominada por elementos comunistas e, dessa forma, caiu nas malhas da polícia.

Foi libertada quando alguns de seus fundadores convenceram a mantenedora da ordem que

se tratava de uma instituição exclusivamente cultural, sem qualquer tendência política. Hoje

em dia, os livros do estabelecimento cultural de outrora mofam nos armários do “Círculo

Israelita de S. Paulo”.

Simultaneamente com o nascimento da biblioteca, instituiu-se um Círculo

dramático, que promovia representações teatrais, levando à cena as peças do teatro ídiche

então em voga, como as operetas históricas de Goldfaden “Sulamita”, “Bar-Kochba”; “Der

Vilder Mentch”, “Got, Mentch um Taivel” de Jacob Gordon e outras que tais.

Os artistas-amadores eram os seguintes: Bernardo e Fanny Zaduschliver, Isaac

Meier e Schifre Bronstein, Chassie Naiman, Eva Ticker, Moisés Costa, Abraham Levin,

Jonas Krasiltchik, Iontel Schneider, David Becker, Samuel Fischman, I. Kleinman e outros.

Tomavam igualmente parte no círculo dramático o casal Isaac e Golde Tabacow, não como

atores, senão como estimuladores que prestavam seu auxílio financeiro e técnico.

Na maioria das vezes, os espetáculos eram promovidos em benefício da

Biblioteca, do “Relief Comitê”, que colhia fundos para socorrer as vítimas da primeira

guerra mundial e, mais tarde, para a sociedade “Ezra”.

435

A SINAGOGA ‘KNESSET ISRAEL’

A fundação desse templo, embora já não houvesse a sinagoga da rua da Graça,

desempenhou importante papel na evolução do “ishuv” paulistano. A iniciativa atribui-se a

José Margulies. O impulso para essa iniciativa é contado da seguinte forma: a sinagoga da

Keilath Israel foi cognominada “casa dos ricaços”, em vista de exigir-se dos fiéis a compra

de entrada. Nos Dias Solenes de 1914, um grupo de fiéis, em sinal de protesto contra as

entradas (provavelmente houve ainda outros motivos, já que a venda de entradas é comum

em certas sinagogas, para fazer face às despesas com os cantores) organizou um “Minian”

separado, num barracão, para esse fim cedido por Meier Goldstein, na rua dos Imigrantes

(hoje José Paulino). Por ocasião dos ofícios do Ano Novo, a certa altura dum intervalo,

José Margulies aproximou-se do púlpito improvisado e pedindo silêncio exclamou em voz

tonitruante: “Israelitas, onde é que estamos rezando, numa estrebaria? Envergonhemo-nos!”

E foi assim que nasceu a iniciativa para a construção da conhecida sinagoga da rua Capitão

Matarazzo (hoje Newton Prado), o primeiro templo israelita de São Paulo, que desde o

início foi planejado para uma sinagoga (a da rua da Graça, ainda que em prédio próprio, era

uma sinagoga improvisada e pequena).

Conforme salientam os antigos habitantes, para a construção daquela casa de

Deus, contribuiu toda a coletividade da época, inclusive ateus manifestos. Estes

condicionaram a sua contribuição à reserva duma sala para a Biblioteca. A pedra

fundamental foi lançada em dezembro de 1916.

Na primeira Comissão Pró-Sinagoga figuravam as seguintes pessoas: Luiz

Rosenberg, Naum Lerner, David Friedman, José Teperman, Boris Wainberg, David

Kuperman e outros.

ASSOCIAÇOES BENEFICENTES

Já foi antes lembrado, de passagem, o “Relief Comitê”, para socorrer as vítimas

da primeira guerra mundial. Este comitê foi criado por iniciativa de Max Fineberg,

delegado do comitê do mesmo nome do Rio de Janeiro, em 1916, e se achava em contato

com as grandes instituições do gênero em Nova Iorque, por cujo intermediária enviava

consideráveis somas em prol dos atingidos pela guerra mundial.

Menciona-se igualmente em S. Paulo uma associação beneficente local

denominada Achiezer, mas não há fatos concretos a respeito dela. O certo é que a 15 de

junho de 1915, constituiu-se a Sociedade Beneficente das Damas Israelitas, que tinha por

objetivo oferecer assistência médica aos doentes locais desfavorecidos da sorte. Dessa

associação de caridade organizou-se a prestigiosa instituição atual OFIDAS, Organização

Feminina Israelita de Assistência Social, de tão amplas atividades.

A primeira diretoria da sociedade constava das seguintes senhoras: Bertha

Klabin – presidente, Golde Nebel – vice- presidente, Golde Tabacow – tesoureira, Clara

Ticker – 2a tesoureira, Regina Bortman – secretária; Ester Zipin e Nessel Lafer – vogais.

Aproximadamente um ano mais tarde, a saber: em 20 de maio de 1916, numa reunião

realizada na residência do casal Israel e Clara Ticker, criou-se a Ezra, a instituição

beneficente que tão relevante papel tem desempenhado até agora, na vida da coletividade

israelita de S. Paulo.

A ata da fundação começa nestes termos:

436

“Aos vinte dias de maio de 1916, foi organizada a sociedade israelita amiga dos

pobres Ezra, com o objetivo especial de evitar a mendicância no seio do Ishuv. A Ezra

inclui no seu programa o auxílio aos pobres e aos doentes, arranjar serviço para os sem-

trabalho, e oferecer ajuda material, tanto quanto necessário, a todos que a ela se dirigirem”.

Essa ata foi assinada pela seguinte diretoria: José Kaufman – presidente, José

Nadelman – vice-presidente, Salomão Lerner – tesoureiro, Devid Berezowski – 2o

tesoureiro, Bernardo Zaduschliver – secretário, Boris Vainberg – 2o secretário, Isaac

Tabacow, Iontel Schneider, Israel Ticker, David Friedman e Jonas Krasiltchik – conselho

fiscal.

(Da Ezra ainda se tratará adiante e, de modo especial, num capítulo inserto na

seção das instituições).

Um episódio interessante de assistência social viveram os israelitas paulistanos

em 1918, durante a “Gripe Espanhola”. Como é sabido, essa doença epidêmica grassava

então no Brasil com intensidade alarmante, causando milhares de vítimas. A população de

S. Paulo fora tomada pelo pânico. As fábricas e grande parte do comércio cerraram as

portas. O tráfego ficou praticamente paralisado. O número de casos fatais, principalmente

entre elementos do povo, era tão elevado que os mortos permaneciam vários dias

insepultos. Neste ambiente de pavor, o ishuv judaico não perdeu a cabeça e organizou a

assistência dum modo exemplar.

A sinagoga Knesset Israel foi transformada num hospital e pessoas caridosas

equiparam o nosocômio improvisado com camas e outros apetrechos. Mobilizou-se uma

turma de médicos e enfermeiros, dando-se aos enfermos tratamento rápido e adequado.

Instalou-se uma cozinha para os doentes hospitalizados e foram distribuídas ainda,

refeições aos gripados de poucos recursos, que ficaram acamados em casa. Acumulou-se

um estoque de gêneros alimentícios e distribuiu-se aos judeus e não-judeus, arroz, batatas,

café, açúcar e outros produtos (em virtude do tráfego deficiente, havia míngua de víveres).

Em conseqüência dessa perfeita organização, a comunidade israelita teve de

lamentar apenas um caso fatal. A imprensa paulista (jornal israelita ainda não havia) não

poupou encômios a coletividade israelita por ter, em momentos de calamidade,

transformado a sua sinagoga em hospital e dado aos doentes uma assistência modelar, da

qual também gozavam vizinhos não judeus.

Também o então presidente do estado, dr. Altino Arantes, manifestou seu

reconhecimento aos cidadãos israelitas de S. Paulo, pelo seu combate heróico à terrível

epidemia.

Distinguiram-se neste notável serviço de assistência social as seguintes pessoas

ou firmas:

Pelas vultuosas contribuições:

Isaac Tabacow e Cia, Klabin, Irmãos e Cia, Salomão Lerner, Friedman e Cia,

os irmãos Teperman, a firma Grumbach e Bloch.

Pelas atividades práticas:

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Luiz Rosenberg, Salomão Lerner, David Friedman, Isaac Tabacow, José

Margulies José Nodelman, Moisés Zaietz, José Teperman, Emílio Berezowski, Felipe

Kaufman, Bernardo Leison, Iontel Schneider, Isaac Waisman e Jonas Krasiltchik.

Por serviço médico voluntário:

O Dr. Camargo e seu assistente Dr. Brito, os estudantes da faculdade de

Medicina, Leão e Rebeca Guertsenstein, filhos do rabino Marcos Guertsenstein.

A primeira tentativa de educação judaica

A iniciativa de fundar a primeira escola israelita em S. Paulo é atribuída a

Bertha Klabin. Nos fins de 1915, vindo da colônia agrícola “Quatro Irmãos”, fundada pela

ICA no estado do Rio Grande do Sul, chegou a S. Paulo o professor israelita, Iechiel Itkis,

Em 1916, Bertha Klabin entrou em contato com Itkis e organizaram uma escola primária

para crianças israelitas, no local da “Comunidade Israelita”, segundo a mencionada revista

“A Columna”, este estabelecimento de ensino era qualificado de Talmud Torá, ou escola

religiosa. Não se sabe quanto tempo essa Talmud Torá existiu. Só se tem conhecimento que

em maio de 1916, freqüentavam a escola 20 meninos e 24 meninas. (A respeito da primeira

escola ídiche-hebraica de ensino secular, o atual prestigioso ginásio “Renascença” segue

adiante um capítulo à parte, na seção Instituições).

Sociedade pró-imigrantes

Após a primeira guerra mundial, ao começarem a aparecer os primeiros

refugiados do conflito e suas conseqüências, surgiu o problema imigratório. De início quem

se ocupava com o problema era a diretoria da sociedade “Ezra”. Como a sinagoga da rua

Capitão Matarazzo tinha, em baixo, um salão inacabado, resolveu-se angariar um fundo, e o

mencionado salão foi preparado para casa provisória de imigrantes. Mais tarde, instituiu-se

uma sociedade especial denominada “Sociedade pró-imigrantes”, sob a direção do dr.

Horácio Lafer (posteriormente Ministro da Fazenda do Brasil), dr. Efim Mindlin, José

Kaufman e outros. Essa sociedade teve função autônoma até 1924, quando, sob a influência

do Dr. Rafallovich, representante da ICA (Jewish Colonization Association), se determinou

fundir as duas associações com finalidades imigratórias numa única instituição de nome

comum “Sociedade Israelita de Beneficência”. Em maio do mesmo ano, realizou-se uma

assembléia geral e foi eleita a seguinte diretoria mista: Dr. Efim Mindlin – presidente; Dr.

Horácio Lafer – 1o vice-presidente; José Kaufman – 2

o vice-presidente; Emilio Berezowski

– tesoureiro; Salomão Teperman – 2o tesoureiro; Isaac Waisman – secretário; Leon

Ossovich – 2o secretário; José Teperman, Alexandre Vainstein, Isaac Zlatopolski, Moisés

Gandelman, Moisés Zaietz, Salomão Rosenberg Salomão Lerner, Isaac Dorf, Miguel

Iaroslavski, Moisés Pen e Israel Schvartz – conselho fiscal.

Por seus relevantes serviços em prol dos imigrantes daquela época, o livro da

“Ezra” distingue elogiosamente os senhores Jacob Monastirski e Emílio Berezovski.

Nascimento e evolução do sionismo paulistano

O problema mais difícil com que nos defrontamos na busca de informações a

respeito da formação do ishuv de S. Paulo, foi a pesquisa sobre a fundação da primeira

organização sionista. Documentos não há. Os habitantes antigos, com os quais mantivemos

contato, de nada se lembram, outros contradizem-se. O livro da Ezra que de algum modo,

registra o nascimento das primeiras sinagogas e associações de caridade, não tem uma

438

palavra sequer sobre atividades sionistas. Sabíamos por meio duma nota na mencionada “A

Columna”, que em 1917, havia em S. Paulo uma agremiação denominada “Amantes de

Sion”. Mas, quando foi fundada, quem foram os idealizadores? A essas perguntas não

tínhamos respostas. Finalmente, logramos resolver, em parte, o problema, no Rio. O amigo

Moisés Costa, antigo habitante de S. Paulo, um dos fundadores da primeira Biblioteca e do

Clube Filodramático daquela cidade, foi igualmente um dos participantes ativos da primeira

agremiação sionista. De muitos pormenores nem ele se lembra. Recorda-se, entretanto, que

a fundação se dera em 1915, aproximadamente; que o primeiro presidente era Aron

Mendes, que ele, Moisés, ocupava o cargo de vice-presidente e que as reuniões se

realizavam na residência de Mauricio Klabin, em Vila Mariana. Ligando essa informação

com o fato de que já em 1914 Mauricio Klabin mantinha correspondência com o bureau

central do Keren Kaiemet, é de se crer fosse ele o iniciador da “Amantes de Sion”.

Pelo ano de 1920, (a “Amantes de Sion”, pelo que parece, já não existia) nova

agremiação sionista foi fundada, por iniciativa de Júlio Becker, denominada Sociedade

Sionista de S. Paulo. Entre os fundadores figuravam ainda: Moisés Gandelman, Emílio

Berezovski, Carlos Gorenstein e Abraham Schechtman. O local das reuniões era a sinagoga

“Comunidade Israelita”. A primeira realização pública da “Sociedade Sionista de S. Paulo”

foi uma conferência subordinada ao tema – Que é Sionismo?, proferida por Júlio Becker,

no clube alemão Turn-Band, à rua Couto Magalhães.

Atividades sionistas organizadas de maior envergadura tiveram início em S.

Paulo, como no país em geral, com a chegada dos primeiros delegados sionistas, os

doutores I. Vilenski, B. Mossensohn, Etinger, A. S. Iuris e outros.

Entre os mais dedicados ativistas, em prol dos fundos e do “shekel”, daquela

época, figuravam os nomes de Francisco Teperman, Júlio Becker, Abraham Ribnik e Ben-

Sion Snitkowski.

Em 1934, os “chaverim” [companheiros] Moisés Blaustein, Henrique

Bidlowski, Samuel Vaingart e Francisco Teperman, criaram a “Organização Sionista de S.

Paulo”, organização essa que teve atuação viva, por longo período, até a sua dissolução,

quando proibidas as atividades, no tempo do Estado Novo, passando parte de seus trabalhos

para a entidade legalizada “Centro Hebreu Brasileiro”.

(A respeito da “Wizo, Pioneiras e Unificada” veja a seção “Instituições).

A Unificação da “EZRA” com a “HICEM”

Importante fase de atividade dinâmica, no setor de assistência social e proteção

ao imigrante, começou em S. Paulo quando se deu a unificação da sociedade local “EZRA”

com a organização mundial “HICEM”.

O “HICEM” como se sabe, constava de uma fusão de três organizações

imigratórias judaicas mundiais “HIAS”, “ICA” e “EMIGDIRECT” com o objetivo de

unidas poderem resolver os complicados problemas que surgiram ao terminar a primeira

guerra mundial. O Dr. Isaías Rafallovich, representante da “ICA”, e ipso fato, da “HICEM”

no Brasil, entrou em contato com as organizações locais de beneficência, e em 1927,

concertou um acordo com a Ezra de S. Paulo. Daquela data em diante, ao título “EZRA”

acrescentou-se o sub-título “Sociedade Israelita de Beneficência e Proteção ao Imigrante”.

439

Com o auxílio da organização mundial, a sede da instituição local foi instalada

num local maior, com secretariado bem organizado e com amplo plano de serviço: 1)

Visitar, em Santos, todos os navios que trazem imigrantes; 2) Registrar todos os imigrantes

judeus, sem distinção; 3) Receber o imigrante que não é esperado por algum parente; 4)

Avisar o parente da chegada do imigrante; 5) Receber o imigrante sem recursos; 6)

Despachá-lo com a bagagem para S. Paulo; 7) Esperá-lo na Estação da Luz; 8)

Desembaraçar-lhe a bagagem; 9) Acompanhá-lo até nossa pensão, onde tem direito a

permanência de 2 a 8 dias; 10) Despachar o imigrante a seus amigos no interior; 11)

Ensinar ao imigrante o vernáculo nos nossos cursos noturnos; 12) Arranjar trabalho, para

cada qual, segundo suas habilidades e vocação; 13) Ensinar ofício adequado e fácil; 14)

Facilitar ao imigrante o aperfeiçoamento de seu ofício; 15) Manter seção especial de cartas,

que o imigrante recebe em nosso endereço; 16) Fazer intercâmbio monetário para todos os

países europeus; 17) Preparar chamadas; 18) Legalizar as chamadas no consulado polonês;

19) Providenciar passagens da Polônia, România, Lituânia e Rússia aos mais baixos preços

e mais suaves condições; 20) Descobrir parentes em todas as partes do mundo; 21) Reunir

famílias; 22) Dar amparo à mulher; 23) Dar amparo à criança;24) Prestar informações de

toda sorte; 25) Dar toda sorte de conselhos; 26) Facilitar pequenos trabalhos de escritório, a

respeito dos contratos, requerimentos, traduções de cartas, além de outros; 27) Auxílio

geral; 28) Fazer pequenos empréstimos para ferramentas e outros empregos úteis; 29)

Prestar assistência médica geral; 30) Prestar pequena ajuda jurídica; 31) Dar passagens

grátis aos imigrantes que queiram trabalhar na lavoura.

Com este largo esquema de trabalho, a EZRA vivia numa atividade febril.

A diretoria daquela época era assim constituída:

Dr. Efim Mindlin, José Kaufman, Dr. Horácio Lafer, Emílio Berezovski,

Salomão Teperman e Isaac Vaisman. Conselho: José Teperman, Moisés Gandelman,

Moisés Zaietz, Salomão Rosenberg, Salomão Lerner, Isaac Doff, Miguel Iaroslavski,

Moisés Pen, José Schwarzman.

Fase de crescimento e desenvolvimento

Com a nova leva de imigrantes, depois da primeira guerra mundial, o ishuv de

S. Paulo passou a crescer e desenvolver-se em todos os setores. Além dos parentes e

conterrâneos dos moradores anteriores, procedentes, na maior parte, de pequenas cidades e

vilas da Bessarábia, também veio novo elemento das grandes cidades da Polônia, Lituânia,

e Volínia; israelitas de Varsóvia, Lodz, Vilno e Rovno. Vieram artífices, operários

qualificados e homens de iniciativa que começaram a desenvolver as indústrias têxteis, de

malhas, roupas e outras.

As forças intelectuais foram enriquecidas de novos elementos, que deram maior

impulso às associações e estabelecimentos de ensino existentes. Assim, por exemplo, o

atual professor veterano, Moisés Vainer, reorganizou o ensino da escola “Renascença” em

novas bases pedagógicas (1924); Benjamim Kulikowski impôs novo dinamismo à

“EZRA”; o saudoso M. J. Flit estimulou o mencionado estabelecimento beneficente a criar

um sanatório para tuberculosos e, em 1932, foi ele um dos fundadores da liga das

organizações sob o nome de “Representação Central”, a precursora da atual “Federação”;

os rabinos Braverman e Levin puseram-se a implantar ordem nos assuntos religiosos.

Foram também constituídas novas agremiações de caridade, associações culturais,

440

estabelecimentos de créditos e outras. Criou-se a “Linat Hatzedek” (veja Instituições), a

“Liga dos Israelitas de Origem Polonesa”, instituição culturo-social, com biblioteca própria,

círculo dramático e caixa de empréstimos para auxílio econômico dos associados (fundada

em 1930 por Henrique Bidlovski, José Levkovich, Max Iagle, Miguel Zaltzman, Henrique

Ostrovich e outros); a Lai Spar-Kasse (1926), estabelecimento de crédito que originou a

atual “Cooperativa de Crédito Popular”, que vem ocupando tão importante lugar na vida

econômica dos judeus paulistanos.

Simultaneamente, foram surgindo organizações de esporte e recreação, aos

quais a juventude européia deu conteúdo cultural e nacional, com “Macabi” (fundado em

1927, por Benjamim Flit, Adolfo Wolf, Max Iagle, I. Raichel, P. Schuster e outros);

“Kadima” (fundada por iniciativa de Idel Becker em 1929).

Por aquela época, já havia crescido uma juventude israelita “brasileirizada”, que

fundava agremiações, a seu modo e em língua portuguesa, como o “Círculo Israelita”

(1928).

Instituições Culturais de Caráter Partidário:

Em 1934, criou-se, por iniciativa de Salomão Kucinski (hoje em Israel) uma

organização denominada “Einheit-Club”. Motivou essa iniciativa a cisão no anterior “Clube

da Juventude” (fundado em 1928), cuja direção havia tomado rumo manifestamente

estalinista. Os fundadores da novel organização eram: o falecido Germano Nusbaum,

Abraham e Isaías Zilberman, Salomão Trezmielino, Jacob Weltman, Jacob Usurpator,

Iohanas Horenstein, Ruben e Leizer Pintchevski, David Brussilovki (falecido), Simche

Leiner e outros. Inicialmente de cor trotskista, tornou-se o “Einheit-Club” mais tarde

importante associação, que desenvolveu intensiva atividade cultural em língua ídiche.

Possuía biblioteca de cerca de mil e quinhentos volumes escolhidos, um círculo dramático,

sob a direção do artista Jacob Weltman, que levava ao palco representações literárias -

principalmente os dramas de H. Leivik. Concentraram-se nesse clube os elementos do

“Bund”, “Poalei Sion” da esquerda, e os radicais de todas as matizes. O “Einheit-Club” foi

dissolvido em 1944, por vários motivos, principalmente ideológicos. A biblioteca passou

para o “Hashomer Hatzair” e a maioria dos associados filiaram-se às fileiras do sionismo

proletário.

Na mesma época, pelos anos de 1934-35, foi fundada, no seio da concentração

popular judaica, no Bom Retiro, uma escola secular idishista, no molde das escolas

“Zischo” da Polônia. Era seu diretor o conhecido no Brasil pedagogo “zischoista” Abraham

Ajzengart, que dedicou ao estabelecimento de ensino as suas melhores energias.Os

ativistas, os alunos, bem como a equipe de professores qualificados, recrutavam-se dos

acima mencionados elementos, concentrados no “Einheit-Club”. Durante a sua existência

de dois anos, a escola gozava de grande popularidade e era freqüentada por duzentas a

duzentas e cinqüenta crianças. As desavenças ideológicas dos mencionados partidos

motivaram a dissolução da escola zischoista.

Vale também lembrar a existência naquela época dum coro “Hazamir”, sob a

direção de Jaime Feiguelman e Abraham Althoisen, que organizava concertos de boa

música e encenava as operetas históricas de Goldfaden.

O Primeiro Jornal Israelita de S. Paulo

441

O editor do primeiro jornal israelita de S. Paulo era o atualmente conhecido

ativista Marcos Frankenthal, que em 1923 chegou à S. Paulo, procedente da colônia

agrícola da “ICA”, Quatro Irmãos, onde exercia a profissão de mestre-escola. Denominava-

se a publicação “Gazeta Israelita de São Paulo” e o primeiro número apareceu em 22 de

outubro de 1931, como semanário, mais tarde, passou a sair três vezes por semana e,

finalmente, tornou-se diário que se publicou até 1941, quando, por motivo do novo regime

no país, foi proibida e edição de jornais em línguas estrangeiras. A gazeta tinha orientação

nacional independente e a primeira direção era assim constituída: diretor – Marcos

Frankenthal; administrador – Elias Amstein; redator – José Nadelman.

Durante os dez anos de sua existência, o jornal foi redigido por vários redatores,

a saber: José Nadelman, Isaac Raizman, Salomão Steinberg e, por último, Marcos

Frankenthal, juntamente com Nelson Vainer, o qual instituiu a publicação dum suplemento

ilustrado, sob a epígrafe “Realidade Ilustrada”. Por algum tempo, surgiu igualmente um

suplemento, em português, denominado “A Notícia”, dirigido pelo filho do diretor, então

estudante de direito, Naum Frankenthal.

A Publicação da “EZRA”:

Em 1941, ano em que festejou o jubileu de sua existência de 25 anos, a

sociedade “EZRA” lançou por iniciativa de Elias Amstein, uma publicação especial A

História da “Ezra” e Sanatório “EZRA”, sob a redação de José Nadelman e Nelson Vainer.

Essa publicação tem valor especial para a coletividade israelita do Brasil e de S.

Paulo, em particular, pelo fato de os editores não se terem limitado à história de suas

instituições, registrando também, honesta e singelamente, memórias a respeito da formação

das primeiras casas de orações, associações de caridade e outras, salvando assim do

olvido,importantes fatos sobre o ishuv.

Reconhecemos também a essa fonte de informações que grande parte dos

mesmos fatos tenha sido obtida diretamente. Com isso cabe salientar que só em raros casos

as outras fontes discordavam dos fatos registrados na publicação “EZRA”.

442

42.2 A visão panorâmica do Ischuv Paulistano

Meir Kucinski

1 – S. Paulo – cidade judaica compacta

Os israelitas acompanham o ritmo desse dinâmico, impetuoso colosso que se

chama São Paulo, a cidade do mais rápido crescimento da América, a cidade das maiores

indústrias da parte americana do globo. Os israelitas não só nadam entre a correnteza, mas

ainda a sobrepujam, abrindo caminho para sua impetuosidade. Na fabricação, na

importação de matérias-primas do estrangeiro, na distribuição da manufatura pelo imenso

país afora, manufatura muitas vezes de própria confecção, os israelitas estão entre os

primeiros, entre o mais proeminentes.

Os centros judaicos, Bom Retiro e Braz, lembram Nalevki, lembram Petricow.

E dizer que aconteceu isso diante de nossos olhos, à nossa vista. Pois, quanto tempo faz que

os judeus ensinaram aos modestos moradores suburbanos a usarem o lenço, a camisa

branca, a blusa, mascateando, batendo às portas? Naquele tempo, uma sombrinha ainda era

importada do estrangeiro, tal como uma roupa decente. Hoje, as fábricas judaicas

confeccionam roupas feitas aos milhões, de todos os tipos e tamanhos, pra todas as idades e

camadas sociais. No ramo têxtil os israelitas descobriram pioneiramente tanto o produto

como o cliente, tanto a matéria-prima como a mão de obra. Roupas e suéteres de cor, de

variados tipos de fantasia, ostentadas graciosamente pelas mais elegantes damas e

cavalheiros, são de fabricação judaica. Os artigos mais populares estão sendo despachados

pelas "Sibérias" e "Astrakhans" deste colossal Brasil. Na nova e ultra-nova indústria

eletrônica, na fabricação de móveis, na confecção de nailon, na construção de edifícios e

arranha-céus, os nossos irmãos israelitas ocupam lugar de relevo.

Há trinta anos, a reduzida colônia judaica orgulhava-se do seu único médico,

que mais tarde iria tornar-se famoso e querido, o saudoso doutor Hershel Schechter. Hoje

em dia, exercem suas profissões dezenas e centenas de médicos, dentistas, advogados,

engenheiros e até catedráticos universitários.

No comércio ocupam os israelitas as "lojas-espelho" da cidade, com vitrinas

modernamente decoradas e artisticamente expostas (ainda que sejam apenas os

empreendimentos menores, pois os assim chamados "Department Stores" não pertencem a

judeus). Nas ruas mais centrais judeus de Stashov, Secureni, Pinski, Lublin e Vilno,

possuem lojas tão luxuosas que são dignas de Paris, da Quinta Avenida de Nova York. Até

na indústria pesada, já estão consideravelmente representados. Papel, celulóide, vidro,

produtos químicos, tintas, peças de automóveis. O comércio ambulante,como subsistência

de oitenta por cento de judeus, já pertence hoje à história, embora uns dois mil ainda

estejam ligados, de uma e de outra maneira, a esse humilde ganha pão. A economia da

coletividade teve modificação radical.

Os israelitas igualmente transformaram de todo o aspecto das ruas por eles

ocupadas, com a "José Paulino" à frente. No lugar das casas-barracões de outrora, surgiram

sólidos edifícios com pavimentos de concreto, onde estão instalados as indústrias e os

armazéns. Nas horas do término do trabalho, milhares e milhares de operários acotovelam-

se na saída das oficinas judaicas.

443

2 – O aspecto espiritual da coletividade.

Em comparação com o ritmo acelerado do campo econômico, a atividade

espiritual do dinâmico judeu paulistano é um tanto atrasada. Vindos de várias procedências,

os israelitas da capital paulista formaram diversos setores, variadas matizes nas cores do

tapete geral... Os judeus bessarabianos, os pioneiros do "ishuv", chegados depois da

primeira guerra mundial, (não podemos, naturalmente, levar em conta os "tmeim", que

eram, na maior parte, de Varsóvia e Odessa) continuaram seu estilo burguês de normas

tradicionais. Ergueram sinagogas, organizaram associações filantrópicas, caixas de

empréstimos, ambulâncias para doentes pobres, e trataram de adquirir um terreno para

cemitério.

No espaço de muitos anos, havia entre os bessarabianos um sentimento de

menosprezo para com o judeu polonês, cujos elementos emigratórios, pobres, mas

honestos, começaram a afluir em massas após a primeira guerra mundial. Aparentavam

suspeita de "tmeim". Chegou ao ponto duma rigorosa isolação por parte do bessarabianos.

Não se contraía matrimônio com judeu polonês, nem se lhe concedia crédito. Na realidade,

o motivo era outro: o imigrante polonês, elemento mais jovem e mais liberal, que trouxe em

sua mala de bagagem um livro, uma brochura política, estava imbuído das modernas idéias

que então dominavam a juventude judaica, pertencia a um "partido", e esquerdista por

cima, o que amedrontava o bessarabiano, como judeu e como potencial cidadão brasileiro...

Enquanto o bessarabiano erguia uma sinagoga, uma agremiação beneficente, os

"poloneses" fundavam um clube, com discussões políticas, biblioteca, que promovia tardes

culturais de caráter radical e anti-religioso... Aos poucos, porém, esse antagonismo, na

realidade fictício, foi-se desvanecendo e constitui hoje um anacronismo. Formam,

juntamente com os israelitas da Polônia, da Volínia, da Lituânia, um bloco homogêneo, a

maior tribo, entre as demais tribos de fala ídiche, ou melhor, procedentes da esfera ídiche.

Os trágicos eventos do mundo judaico fundiram todos os setores. Apareceu

pelos fins do terceiro decênio, o judeu alemão, o "ieque". Envergonhado de sua antiga

arrogância para com o "ost-uide", não praticavam, de início, nenhum separatismo. Pelo

contrário, economicamente procuravam o apoio do já arranjado fabricante de Varsóvia,

Siedlce, Secureni ou de Iedinetz, visitando, ao mesmo tempo, todos os comitês

filantrópicos, como o fazia outrora, na Alemanha, o judeu oriental que transitava por aquele

país... Uma boa parte deles foi empregada na casa de judeus poloneses, como caixeiros

viajantes, gerentes de negócios. Não demorou muito e eles mesmos começaram a organizar

novos e especiais empreendimentos, de confecções mais lindas e elegantes, não para uso

das massas, como a indústria dos judeus poloneses, mas para pessoas escolhidas de

refinado bom gosto, também toda sorte de artigos de confeitaria, instrumentos ópticos e

outros. A brilhante tradição de auxílio mútuo, fez com que alguns milhares de imigrantes

alemães, suportassem com mais facilidade a época de adaptação, do que seus irmãos de fala

idish. A bem da verdade, deve-se confessar que nem por um segundo tinham o aspecto de

imigrante pobre. Seu imponente aspecto europeu, se discreto porte e trato fino de pessoa

culta, a par com a assistência privilegiada por parte das instituições filantrópicas mundiais,

ofereceram aos "ieques" uma posição de destaque na vida social judaica: sem partidos, sem

controvérsias ideológicas, concentraram-se numa congregação bem organizada, como se a

tivessem transportado, tudo pronto, de Berlim ou de Colônia. Acrescentaremos ainda que

nunca foram "clientelchikes" comuns, ou "carregadores de pacotes" e que fixaram

444

residência em bairros diferentes dos em que se instalaram os judeus centraleuropeus,

bairros mais aristocráticos.

A vida social dos israelitas paulistanos, de todas as procedências e de todos os

idiomas, acha-se sob a signa do movimento sionista, nos variados campos de sua atividade.

O setor "progressista", outrora de considerável influência, está hoje reduzido a um pequeno

grupo de obstinados. As massas do povo os abandonaram, considerando o Estado de Israel

a única esperança do povo judaico.

O movimento sionista, com seus comícios populares de milhares e milhares de

pessoas, por ocasião das comemorações do dia da independência e das proclamações da

Magbit, que se realizam com impressionante imponência, reúne todos os setores israelitas.

Ali se encontram judeus poloneses com bessarabianos, "ieques" com húngaros, lituanos

com sefaradis de todos os tipos. Nos subcomitês dos bairros da "Magbit", trabalham

israelitas de todas as comunidades, retrato em miniatura de todo o "ishuv". Papel idêntico

de aproximação e integração desempenha certamente o movimento sionista juvenil, que

deve ser qualificado em duas categorias: simpatizantes e "chalutzim" propriamente ditos.

Estes merecem especial destaque, por constituírem a glória do sionismo paulistano:

assumiram o compromisso de converter o sonho sionista numa realidade, indo fixar-se em

Israel. São jovens de alma cristalina e de caráter rijo como aço, que passaram por diversas

tentações, mas não se deixaram levar pelo carreirismo fácil, ao contrário, com o arado e o

fuzil, vão se arraigando na terra de seus antepassados. Algumas centenas de jovens

brasileiros já se encontram nos kibutzim de Bror-Chail, Gath, Negba, Gaash e outros, sendo

o kibutz de Bror-Chail manifestadamente brasileiro.

O sionismo de São Paulo logrou atrair para o movimento judeus inteiramente

afastados dos problemas nacionais, os quais, de meros filantropos se converteram, com o

correr do trabalho, em ativistas e militantes nacionais, cônscios de seu objetivo.

É a realização mais importante do Magbit, além do auxílio direto para Israel. A

Magbit é mais que uma campanha pró-Israel, é a opinião pública, o substituto duma

congregação obrigatória, uma espécie de especial forma de autonomia voluntária, a regular

as normas do dever para com a existência do Estado e das istituições locais. Até os

obstinados, os maus, tem, mais cedo ou mais tarde, de curvar-se diante dos ativistas do

Magbit.

A atividade sionista propriamente dita, no sentido político-partidário, é

concentrada na Organização Sionista Unificada, que conta cerca de dois mil associados,

formando a base pessoal da organização. Da direção participam ainda representantes dos

partidos sionistas, convertendo assim a Unificada em uma espécie de parlamento sionista. É

interessante lembrar que na chefia dessa organização popular politizada, cheia de judeus

poloneses, lituanos, húngaros e poloneses, acham-se israelitas italianos, que, por sinal,

conhecem bem a psicologia dos sionistas de língua ídiche.

O ídiche é ainda sempre a língua pública das reuniões em massa, embora

constantemente também apareça um orador em vernáculo, para atender à juventude; sem o

ídiche não se pode passar de modo algum. Na vida interna das instituições, o idish vive na

proporção do caráter popular da respectiva entidade. Devido à composição mosaica de

certas instituições, entidades centrais, onde se encontram representantes dos israelitas

sefaradis, árabes, húngaros e alemães, o orador em ídiche é somente compreendido depois

445

duma tradução, o que dificulta o curso das deliberações; em tais casos, alguns deixam de

falar em ídiche, embora a contragosto. Entretanto, cabe reconhecer que antagonismo contra

o ídiche, por príncipio, não existe em parte alguma.

Na vida cotidiana, o ídiche constitui a língua viva do comércio, do lar, sendo a

língua exclusiva entre os elementos da velha geração. Os filhos já são influenciados por

outras línguas, entretanto, mesmo esses jovens ainda entendem a fala dos pais. Entre os

israelitas das ruas judaicas só se ouve falar o ídiche. A grande imigração do pós-guerra

reforçou esse fenômeno. Também se ouve muito o hebraico, pelas ruas judaicas de São

Paulo, devido à reemigração de Israel.

Como todos sabem, os "iordim" [emigrantes de Israel] deram preferência à São

Paulo, e estes falam entre si em hebraico, mas também em ídiche. O jornal israelita local

tem uma tiragem de 5 mil números, e algumas centenas de israelitas são assinantes de

jornais ídiche da Argentina e da América do Norte, além disso, distribuem-se aqui os dois

jornais do Rio, em muitas centenas de exemplares.

A coletividade israelita de São Paulo, constante de cerca de 50 mil habitantes,

está organizada em várias associações, muitas vezes paralelas, como: Ezra-Linat Hatzedek;

Círculo-Hebraica; Wizo-Pioneiras; Comitê de Educação- Machon – Congresso de Cultura;

em certa forma também unificada – Federação; e as congregações? Todas essas

organizações se contam as dezenas. Uma exceção constitui o setor dos judeus alemães, que

se acham solidamente organizados numa única congregação, que satisfaz todas as

necessidades de seus associados: religiosas, culturais – em alemão e em português –

filantrópicas e recreativas. Os demais setores são divididos por vários e vários motivos.

Todos os estabelecimentos, grêmios, organizações e associações conterrâneas

("landsmanschaftn") formam a Federação das Entidades Israelitas do Estado de São Paulo,

a qual representa a coletividade perante o exterior, regula e distribui os subsídios da

Magbit, para as instituições filantrópicas e estabelecimentos de ensino; estes através do

Comitê de Educação; que também é filiado à Federação. A Federação não se constitui por

eleições gerais diretas como em Buenos Aires e Montevidéu, senão por delegados enviados

pelas entidades federadas. Este sistema dá margem a influências pessoais. Aqui domina a

Congregação dos israelitas alemães, a qual, embora sendo numericamente muito menor em

confronto com os israelitas de fala ídiche, é, entretanto, devido a sua organização

monoliticamente fechada, fator decisivo, freqüentemente ditatorial; nenhuma resolução será

aprovada, se a Congregação for contra ela...

Presentemente, começo de 1958, processa-se um movimento de organizar uma

Kehila Ashkenazit, a exemplo da Congregação. Com isso talvez se implante melhor ordem

nas inúmeras instituições de atividades filantrópicas, culturais e religiosas dos israelitas de

língua ídiche. A “Congregação” conta com quatro mil associados, a Kehila Ashkenazit

pode reunir quatro, cinco vezes tanto.

Reflexo da fragmentação dos judeus falantes em ídiche é a falta duma

biblioteca central, como a que a Congregação possui, em alemão, naturalmente. Quase toda

agremiação, associação de conterrâneos, ou partido possui coleções de livros; entretanto,

um conferencista ou professor acham-se freqüentemente em situação embaraçosa, por falta

dum manual em ídiche, ou hebraico. Das variadas coleções de livros bem se podia

organizar uma rica biblioteca, digna duma cidade como esta. A Congregação Ashkenasi

446

promete fazer algo neste sentido também.

Como todos sabem, a Federação das Entidades Israelitas é uma instituição

representativa e mediadora, instituição de arbitragem, sendo que ela mesmo não cria e não

constrói, segundo a própria natureza de sua estrutura. As suas iniciativas em diversos

campos são de caráter esporádico.

Grandes organizações de massas, com milhares de associados, constituem as

agremiações filantrópicas, quais sejam a Linat-Hazedek, a Ezra, a Organização Feminina;

parece que a entidade mais compacta é o Banco Israelita do Bom Retiro, a antiga Lai-Spar

Kasse, que, duma reduzida caixa de auxílio pecuniário, se desenvolveu numa poderosa

cooperativa de crédito popular, instalada em imponente sede própria, com cerca de cinco

mil membros e clientes, cujas transações anuais montam em centenas de milhões. Outra

instituição movimentada e atraente é a “Hebraica”, que se acha agora na primavera de sua

existência. Com seu esplêndido bloco de edifícios modernos e ensolarados, de esporte e

recreação é o campo de recreio preferido das famílias israelitas, que, nos domingos e dias

feriados, ali encontram várias formas de entretenimento, para crianças e adultos, até para os

velhinhos e velhinhas...

3 – A Vida Religiosa

Fora do Cemitério Israelita, a vida religiosa não é disciplinada. Cada círculo e

grupo de israelitas tem à sua livre disposição o serviço de um dos muitos rabinos da cidade,

com exceção aos uniformizados israelitas alemães, que possuem seu rabino exclusivo. É

uma pena não existir aqui um rabinato, ou coisa semelhante, para assumir a

responsabilidade coletiva pelos deveres religiosos, por parte das diversas instituições

particulares ou sociais. Casamentos, fabricação de pães ázimos (mazot) e vinho pascoal,

piscina de abluções (mikvá) – tudo é controlado por todos... Embora existam várias

associações religiosas, com sinagogas próprias, muitas vezes em magníficos prédios, até

hoje, não é costume que tal entidade convide um rabino próprio, conceda-lhe honorário

decente e assuma a responsabilidade pelas coisas da religião. Talvez o façam as

comunidades húngaras e sefaradis, além da congregação alemã, naturalmente. Nas demais

sinagogas e casas de orações, não se encontra rabino em tais condições.

Dum modo geral, o judeu paulistano é tradicionalista e também religioso;

muitos até são piedosos. Nos Dias Solenes (Iamim Noraim) transforma-se completamente a

fisionomia das ruas judaicas. Todas as casas de comércio e fábricas são fechadas,

acontecendo também que um estabelecimento cristão nas ruas judaicas cerre as portas, por

solidariedade, ou para agradar seu cliente judeu. Aos Iamim Noraim, todas as sinagogas e

templos, todas as casas de preces e de “minianim” improvisados estão repletos. As grandes

sinagogas mandam vir de Buenos Aires ou Nova York cantores de renome. Em São Paulo

mesmo também se acham bons e talentosos oficiantes, que são muito disputados no Iamim

Noraim. Nos lares particulares, reina a tradição concernente ao acender das velas sabáticas,

aos festejos das datas de maioridade religiosa (Bar-Mitzvá) bem como, naturalmente, aos

casamentos religiosos, embora não seja lei obrigatória, por parte do governo. Uma nuance

interessante, no sentido de vestes e usos tradicionais, trouxeram os recém-imigrados judeus

húngaros, que, ao lado dos já aqui radicados, representam a camada mais piedosa da

coletividade israelita de São Paulo.

4 – O Ensino Judaico

447

Cerca de duas mil crianças freqüentam as escolas israelitas de São Paulo. Isto

importa em apenas vinte por cento de todas as crianças israelitas de idade escolar. Se,

porém, desdobrarmos esse número segundo os bairros, teremos um quadro bem diferente.

Nas zonas densamente povoadas de israelitas – Bom Retiro e Braz – pelo menos sessenta

por cento de crianças freqüentam a escola israelita. Lá, onde o número de habitantes judeus

é pequeno e a escola é longe, a criança, naturalmente, não pode tão facilmente chegar à

escola, e poucos são os pais que estejam em condições de pagar um táxi, e além do mais

não querem ariscar a criança ao tráfego duma grande cidade.

As primeiras escolas foram fundadas por professores pioneiros, ao lado de

poucos pais, que se empenhavam em dar aos filhos educação israelita. Salientamos o fato,

porque, em alguns países sulamericanos, foram os partidos que o fizeram, segundo a

tradição européia. Até hoje, o ensino local acha-se à margem da vida partidária, exceto os

esquerdistas que possuem o seu estabelecimento de ensino e talvez ainda os círculos

extremamente ortodoxos, que não são adeptos dum partido, mas sim dum sistema.

Entretanto, trava-se em tôrno do ensino uma constante luta de programas e objetivos

pedagógicos, estruturais e financeiros.

As dificuldades específicas da escola israelita consistem em que a criança

estuda três horas por dia a mais que seu colega cristão, fato que desperta nela uma antipatia

contra a escola, bem o contrário daquilo que o ensino pretende atingir... Nas condições

locais de clima e ambiente, de tráfego desorganizado e perigoso, é uma manifesta injustiça

para com a criança, que se sente vítima dos caprichos do pai e da mãe. Por outro lado,

causa isso muitas dificuldades pedagógicas: como, quanto e o que ensinar.

Toda a rede escolar é filiada no Comitê de Educação, que constitui secção da

mencionada Federação. O Comitê de Educação subsidia cada estabelecimento com somas

consideráveis, tomando por chave o número de alunos. Os recursos para isso o comitê

recebe da Magbit, que deve conceder no mínimo 6% de sua receita bruta em prol do ensino.

Além das escolas, há diversos cursos de hebraico e história. Até há pouco esses

cursos não eram sistemáticos, ora funcionavam na Unificada, ora nas organizações juvenis.

Dum ano pra cá, funciona o Instituto de Cultura Hebraica, estabelecimento organizado em

bases sólidas, com amplo auxílio da Agência, que enviou seu delegado, lente

experimentado e bom organizador. O Instituto logrou atrair para os estudos vastos círculos,

principalmente da juventude, que freqüentam sistematicamente as aulas. Além do hebraico

e história, ensina-se também filosofia judaica, conhecimentos de Israel, Talmud e literatura,

figurando ainda no programa o ensino do ídiche.

O aspecto espiritual do ishuv paulistano não pode ser narrado, sem mencionar a

imprensa, o teatro israelita, as criações literárias. Estes, porém, são vastos campos que

requerem estudo especial. Sobre a imprensa, há um extenso trabalho de Isaac Raizman.

Algo sobre a literatura há na coletânea “Nossa Contribuição”, editada no Rio em 1956, e

nas “Iwo-Shriften” da Argentina, terceiro volume, de 1945. A respeito de elementos

portugueses no ídiche, existe um trabalho nos “Iwo-Bleter” de Nova York, novembro 1941.

Em resumo:

Várias forças organizadoras e tendências invisíveis lutam entre si para formar o

aspecto espiritual de toda a coletividade israelita do Brasil; para apor o próprio selo, tanto à

vida social como ao estilo da vida cotidiana. Do outro lado, vem aparecendo a geração

448

nova, com seus passos ainda discretos e titubeantes, com sua firmeza de caráter, altiva e

convencida. Por enquanto, este futuro herdeiro representa uma esfinge, um enigma, não se

sabendo onde se situará no meio dessas variadas correntes, como se formará no meio dessa

luta de línguas e modos de vida, que se processa no seio da geração velha, e qual será a sua

contribuição própria.

Até certo ponto, o Brasil representa um “Kibutz Galuiot” (junção das

dispersões), com todos os característicos problemas de formação e modelação. De qualquer

modo, é cedo ainda para se falar em um uniforme estilo brasileiro de vida israelita.

449

42.3 Quarenta anos de imprensa judaica no Brasil (1915-1955)

I. Raizman Para a história da imprensa, do jornalismo e do movimento social judaico no

Brasil.

Para podermos avaliar, em sua plenitude, o que representam os quarenta anos

de imprensa israelita no Brasil, é mister, antes de mais nada, conhecermos o seu fundo

social-político; a história da imprensa judaica no Brasil, está intimamente ligada à história

da formação da coletividade israelita, em geral.

Imigração nova, propriamente dita, não vinha para o Brasil, em 1915, quando

se iniciou a publicação do primeiro jornal judaico, em Porto Alegre. Aconteceu, porém, que

da coletividade israelita mais antiga da vizinha Argentina bem como do reduzido “ishuv”

do Uruguai, deslocara-se certo número de imigrantes, que, por vários motivos locais se

afastavam e rumavam para o norte. Seu trajeto emigratório ia através do Brasil e, em

primeiro lugar, pela cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, o

Estado brasileiro mais próximo das fronteiras da Argentina e Uruguai.

Não faltavam, é verdade, entre esses emigrantes aventureiros e tipos de toda

espécie, mas freqüentemente a correnteza também arrebatava pessoas de bem, homens do

trabalho, decididos a abandonar a América do Sul, com o propósito de se dirigirem, por

etapas, para o norte, tratando de ganhar, em cada lugar, as despesas de viagem para o

próximo ponto. Houve igualmente os que após permanecerem um tempo na Argentina

resolveram tentar a sorte no Brasil. Entre os que, naquela época vieram para o Brasil,

encontravam-se, em especial em Porto Alegre, alguns que tinham, na Argentina tomado

parte na luta do “Poalei Sion”, sob a chefia do falecido Leão Chazanovitch, contra a ICA e,

mais tarde, contra os “tmeim” (nome genérico, dado para designar aqueles que de alguma

forma estavam ligados ao tráfico de mulheres). Esses poalei- sionistas trouxeram consigo

uma experiência de militância a par do anseio por uma vida cultural-social.

Em virtude do mau trato que os funcionários da ICA davam aos colonos, e

ainda por motivo de os novos agricultores, judeus citadinos da Lituânia, não poderem

adaptar-se à vida rústica e árdua dos sertões brasileiros, os israelitas portoalegrenses foram

adquirindo novos emigrantes por parte dos que abandonavam as colônias agrícolas.

Primeiro, vieram os mais jovens, e logo que estes adquiriram a prática no

comércio ambulante, arranjando, de algum modo, a sua vida, mandaram buscar os mais

idosos da família. Desta forma, o antigo “ishuv” de Porto Alegre foi-se, aos poucos

enriquecendo de elementos há pouco tempo chegado da Lituânia e que, vivendo nas

colônias, conservavam o interesse pela palavra impressa, assim como pela vida cultural-

social, em geral.

Naquela época, os mascates constavam quase somente de judeus europeus. Os

sefarditas, ou judeus orientais, os quais haviam prosperado por esse tipo de negócio,

forneciam-lhes mercadoria a crédito, ajudando-lhes a se radicarem na cidade.

450

Na “clientela”, ou comércio ambulante, é comum que o comerciante, antes de

se dar conta de sua situação real, já dê asas à fantasia de riqueza. O “clientelchik”, depois

de trabalhar alguns meses com o pacote pelas ruas e arranjar certo número de fregueses

assíduos, que lhe devam globalmente uma considerável importância, já se considera bem

arranjado; emprega “batedores”(clappers), para lhe venderem a mercadoria, enquanto que

ele próprio, só vai inspecionar os clientes, para verificar se a mercadoria fôra entregue em

boas mãos, e cobrar as prestações mensais ou semanais.

Um indivíduo nessas condições já dispõe de bastante tempo para passar,

diariamente, algumas horas nos cafés e, no fim do mês, nada tem a fazer, pois a freguesia

anda então com falta de numerário. Surgiu assim um grupo de homens que foi se

interessando pelas coisas da coletividade e traçar planos para organizar uma sociedade

israelita. Justamente naquela época, aportavam novos imigrantes, que necessitavam de

amparo. Foi preciso coletar dinheiro, arranjar para os recém-vindos moradia e trabalho.

Deste modo, formou-se no “ishuv” portoalegrense a primeira instituição beneficente,

denominada “União Israelita”.

Naquele tempo, também, já vieram morar na cidade, moços cultos, alguns da

Lituânia, antigos colonos. Estes promoviam homenagens em comemoração aos escritores

judeus, ou simplesmente serões literários, que sempre findavam com danças. A juventude

freqüentava essas reuniões, toleradas sempre pelos mais piedosos pais, pois toda atividade

social girava em torno do delicado problema dos casamentos mistos, que já então sucediam,

de vez em quando. Foi assim que, mais tarde, também surgiu a “Liga Cultural”.

O PRIMEIRO JORNAL ISRAELITA EM PORTO ALEGRE

O primeiro jornal israelita, semanário, que apareceu, sob a redação do

engenheiro Iosef Halevi, denominava-se “Di Menscheit” (A Humanidade). O primeiro

número saiu em 1 de dezembro, de 1915. Oficialmente, figurava Iosef Halevi no cabeçalho,

como redator do jornal e editor da “Idische Zeitung Guezelschaft” ou seja “Sociedade

Jornal Israelita”. Halevi preenchia, quase sozinho, as quatro páginas, formato-jornal, do

semanário, com artigos sob seu nome, bem como sob pseudônimos: Isch Halevi e Ben-

Isroel. Publicava também correspondências de várias procedências, como sejam do Rio de

Janeiro (Nathan Becker), Quatro Irmãos, e colônias agrícolas da ICA, de autoria de Marcos

Frankenthal; Santa Maria; Melech Reicher (pseudônimo: Lemech) e Porto Alegre, Tuvia

Krasne (Krasnekuzki). No serviço técnico cooperaram os jovens Bernardo Goldenberg e

Jacob Becker. Este, juntamente com Halevi, compunham o jornal à mão e levavam as

páginas compostas a uma tipografia, para serem impressas.

Saíram seis números do “Di Menscheit”. No número seis, estava estampado um

aviso, dizendo que futuramente o periódico se publicaria de duas em duas semanas, mas

com esse número “Di Menscheit” deixou de existir. Na opinião de alguns colaboradores

daquela época, o motivo da extinção do jornal era político: Halevi era adversário das

potências centrais e escrevia artigos inflamados contra eles, ao passo que a maioria dos

judeus que se julgavam com o direito de dar uma opinião sobre a orientação do periódico,

simpatizavam com as potências centrais. E como Halevi não fosse habituado a harmonizar

com as pessoas e, na qualidade de “masquil” (intelectual) não tivesse em alta conta o grau

451

de inteligência dos seus donos, fechou a semanário, na esperança de fundar um novo jornal,

que não dependesse de tantos proprietários. Não lhe foi, porém, tão fácil realizar seu

intento.

DI IDISCHE ZUKUNFT. - A 15 de janeiro, de 1920, surgiu um novo

periódico, mensário, intitulado “Di Idische Zukunft”, sob a redação de Halevi. Mais de dois

números Halevi não conseguiu editar, e então desapareceu de Porto Alegre. A caixa com os

caracteres judaicos ficou no local da “Kultur Ligue” (Liga “Cultura”), cuja sede era então

no edifício do Centro Israelita.

“DOS NAIE VORT” E A FUNDAÇÃO DO PARTIDO POALEI SION.

Não foi por mero capricho dos editores-proprietários que o semanário israelita

do Rio de Janeiro começou a atrair novos colaboradores e passou, mais tarde, a sair duas

vezes por semana, sob o nome de Imprensa Israelita Brasileira (Brazilianer Idische Presse);

foi antes uma conseqüência cada vez mais crescente de diferenciação na vida judaica. Os

novos imigrantes trouxeram consigo ideologias claras e nítidas, de sorte que os antigos

líderes da sociedade, os quais com muito sacrifício haviam lançado a pedra fundamental

duma honrada sociedade israelita, não podiam perceber a razão por que os novos os

olhavam com tanta azedume, não dando importância a seus conceitos. - Todos os antigos

líderes sociais e culturais, cujo grau de cultura e esclarecimento eram limitados, tanto medo

nutriam pelas idéias novas que chegaram a julgar o “Poalei Sion” (da direita), que então se

fundou em Porto Alegre e, em seguida, em outros centros judaicos, quase como

comunistas.

De comunistas, os dirigentes sociais e culturais inclusive os líderes sionistas

oficiais - taxaram levianamente todo e qualquer adversário ideológico, que quisesse tomar

parte na vida social. Para eles isso constituía uma repetição daqueles tempos, em que se

qualificava de “tome” (rufião), todo sujeito desonesto que pretendesse ingressar, à força, na

honrada sociedade. Era o método antigo de querer conservar a qualquer preço, a integridade

social, ameaçada - a seu ver - de ser destruída pelos adventícios.

O partido “Poalei Sion” foi oficialmente fundado, em Porto Alegre, no

princípio do ano de 1927, e em maio do mesmo ano foi, pela primeira vez na história da

coletividade judaica do Brasil lançado em ídiche, por ocasião do dia primeiro de maio, um

manifesto referente à data, por um partido socialista judaico. A proclamação foi composta e

impressa na tipografia do senhor Kuzminski, que havia recentemente chegado a Porto

Alegre, trazendo de alguns tipos hebraicos.

A diferenciação da coletividade judaica de Porto Alegre deu-se na luta pela

questão de introduzir o ensino da língua ídiche na escola local. Por espaço de alguns anos,

os sionistas gerais vinham dirigindo a escola, onde se aprendia somente a língua hebraica,

enquanto que os pais mais progressistas exigiam também o ensino do ídiche.

A oposição vence, por um tempo, a luta. O professor Jacob Feiguelerent

(hebraísta) parte da cidade e, no seu lugar é convidado da Argentina o autor destas linhas, o

qual aceita o posto, com o consentimento dos pais e da diretoria, para implantar no ensino

escolar a língua ídiche, igualmente à hebraica. Após um ano de ensino das duas línguas, os

452

hebraístas renovam a luta contra a escola, contra a diretoria e o professor, protestando que

estes estão dando ao ensino uma diretriz esquerdista. Há também nessa refrega muita coisa

de ídiche que não podem os hebraístas eliminar; fundam-se em caráter pessoal, mas, com o

firme propósito de ensinar, duas escolas: uma idichista “Escola Borochov” e outra

hebraísta. A escola idichista é dirigida pelos “chaverim” do “`Poalei Sion”.

O partido Poalei Sion, cujo escritório central se achava em Porto Alegre,

começou então editar um periódico mensal “Dos Naie Vort”. Adquirem-se para esse fim

tipos na Argentina, visto que o proprietário da tipografia judaica, Kusminski, já tinha então

deixado Porto Alegre. Essa publicação começa a sair em 1927, como “Revista Mensal para

Literatura e Problemas Sociais”, sob a direção do autor destas linhas e a administração de

Samuel Spiguel. Apareceram 6 números, o último, em dezembro do mesmo ano. As

atividades do Bureau Central são em seguida transferidas para o Rio de Janeiro.

IMPRENSA ISRAELITA DE PORTO ALEGRE. - Somente por volta de 7

anos depois, tenta-se novamente editar uma publicação israelita, em Porto Alegre. O jornal

intitulado, “Porto Alegre Idische Presse” aparecia durante 10 meses aproximadamente; em

formato comum de 8 páginas. No cabeçalho lemos: “Semanário Nacional Imparcial do Rio

Grande do Sul (nome do Estado cuja capital é Porto Alegre), aparece às sextas-feiras,

editado por um Colégio Redacional, Proprietário: L. Zibenberg”.

O número que temos a nossa frente, não tem data. Diz apenas: número 40, ano

II. Mas, pela informação que obtivemos do senhor Jaime Zitman, então professor da escola

local, era ele quem praticamente fazia aquele jornal, até a data, em que se mudara para São

Paulo. O número 40 foi o último da Imprensa Israelita Porto Alegrense, e, conforme

podemos observar pelo relatório do Jubileu da União dos Israelitas Poloneses, estampado

nesse número, ele saiu à luz, nos primeiros dias de julho de 1935. Daí se poder inferir que o

jornal começou a sair em setembro de 1934.

RIO DE JANEIRO

DOS IDISCHE VOCHENBLAT, ou Semanário Israelita. - Em 1923, (a 15 de

novembro - dia da Proclamação da República), sai à luz, no Rio de Janeiro o primeiro

número do “DOS IDISCHE VOCHENBLAT”. Os fundadores do primeiro semanário

israelita da Capital do Brasil eram os senhores: Salomão Guelman, Marcos Kaufman, Jacob

Shenkman, Jacob Letichevski, Aron Kaufman e Adolfo Kischinovski.

Após a primeira guerra mundial começaram a chegar imigrantes para o Brasil, e

este elemento imigratório foi-se, aos poucos selecionando:

Os artífices - muitos entre eles vieram juntar-se às suas famílias - foram para

São Paulo, cidade industrial, onde já então havia procura de mãos obreiras. Os imigrantes

sem ofício - a maior parte intelectuais - ficaram no Rio, onde a maioria dos judeus locais

dedicavam-se ao comércio ambulante (clientela), e onde havia facilidade em arranjar

trabalho como “clapers” (vendedores ambulantes).

Os fundadores do Semanário Israelita pertenciam, aliás, aos antigos moradores,

vindos ainda antes da guerra. Foram eles que fundaram a biblioteca “Scholem Aleichem”;

453

fundaram as primeiras sociedades, segregando-se dos “tmeim” e seus amigos; criaram os

primeiros “minionim” (quorum de dez homens) para os serviços religiosos.

Para eles - os antigos moradores - a fundação do Semanário Israelita constituía

a realização dum antigo sonho.

Os fundadores encaravam sua iniciativa com certa missão. Tanto assim que

arranjavam os recursos para fundar e manter uma publicação israelita, sem ambição de ver

seu nome impresso para redigir o jornal convidando profissionais da pena.. Mesmo Adolfo

Kischinowski, que já então era portador de alguns manuscritos próprios foi o primeiro

escritor israelita do Brasil; publicou posteriormente um volume de contos da vida judaica

no país: “Naie Heimen”, ou Novos Lares, (Nilópolis, Rio de Janeiro, 1932), não nutria

naquela época ambições de tornar-se redator da primeira publicação do “ishuv” judaico.

Foram convidados como redatores: Jacob Nachbin, que então residia em

Pernambuco e se dedicava aos estudos históricos sobre os cristãos novos e publicou mais

tarde “O Último dos Grandes Zacutos”, Paris, 1929, e Iosl Katz, irmão de Pinie Katz,

redator de “A Imprensa”, de Buenos Aires que então exercia o cargo de secretário da

Federação Sionista.

Katz logo deixou a redação, e, pouco mais tarde, Nachbin também. Dizia-se que

Nachbin discordava da orientação ideológica do jornal, mas, segundo conseguimos apurar,

Nachbin abandonou o semanário, porque os donos da publicação não podiam harmonizar

com ele.

A redação e administração da primeira publicação semanal do Rio, ficavam

num quarto do primeiro pavimento duma casa familiar (Rua Visconde de Itaúna, 120) e

imprimia-se na tipografia de Ben Zion Schreiber e Haim Kendler (ambos palestinenses), à

rua Santana, 40, naquele tempo o bairro judaico do Rio de Janeiro. Compunha-se à mão e

estampava-se numa imprensa simples, que só podia imprimir duma só vez 4 páginas, de

formato comum,. Aparecia o semanário em 8, e, às vezes, em 12 páginas.

Aos poucos, foram os fundadores se cansando de perder dinheiro, ou procurar contribuintes

para auxiliar-lhes cobrir o déficit, e retiraram-se do jornal. O único a não desanimar, vendo

um futuro na publicação, foi Aron Kaufman. Durante muito tempo, sustentava ele sozinho

o Dos Idische Vochenblat. Em seguida, fez sociedade com os proprietários da tipografia e

continuou editando o semanário (posteriormente sob a denominação de BRAZILIANER

IDISCHE PRESSE, ou Imprensa Israelita Brasileira).

Aron Kaufman provinha de Odessa, onde exercia o ofício de ourives e era tido como

artífice culto. Tornou-se diretor oficial do Dos Idische Vochenblat, e como redator

empregou o jovem S. Karakuschanski, que tinha vindo da Argentina, onde ocupava o cargo

de professor, para juntar-se a seu irmão no Rio de Janeiro.

Como colaboradores efetivos figuravam: Eduardo Horowitz que estivera na América do

Norte. Horowitz escrevia muito bem sobre palpitantes temas judaicos (na maior parte

sionistas ou nacionais); Nathan Jaffe, que, de início, enviara interessantes correspondências

de Pernambuco e mais tarde, quando se mudou para o Rio, tomava parte na redação;

454

Nathan Becker, que escrevia bons comentários humorísticos sobre temas locais; fábulas,

Haim Rosen e poesias S. Karakuschanski.

Como correspondentes efetivos do interior figuravam: S. Teitelroit, de Santa Maria; M.

Reicher, de Cruz Alta; Menasche Fucks, da Bahia e Bernardo Schulman, de Curitiba.

Chegou posteriormente da Bessarábia Menasche Halpern, que já havia estreado na Rússia,

publicando poesias em órgãos literários, ao lado de Daniel Tcharni e outros; aqui renovou

seu antigo pseudônimo - Naschani. Por último, veio da Polônia o secretário do Comitê

Central do Poalei Sion, Aron Bergman, que abordava temas de política internacional. E

como a redação - ou seu redator Aron Kaufman - pretendesse manter no jornal uma linha

neutra, inter-partidária, também se cedia, de vez em quando, espaço aos poucos líderes

esquerdistas, como Aron Schenker, Haim Tischler e outros. De um modo geral, a

publicação dava a impressão dum jornal vivo, com rico e variado material de colaboradores

efetivos, embora ainda se utilizasse de recortes e reproduções de artigos de escritores de

renome, americanos e de outros países.

DOS IDISCHE VOCHENBLAT durou 4 anos como semanário. Durante esse período a

comunidade ia crescendo com novos imigrantes, educados na rica imprensa judaica da

Polônia, Lituânia e Bassarábia; florescia então o comércio de jornais israelitas estrangeiros,

que se exibiam à venda, até no local onde se encontrava o engraxate não judeu, juntamente

com opúsculos de sambas brasileiros. Por esse espaço de tempo, também se desenvolvera

consideravelmente o movimento social. Dum lado, crescia o movimento esquerdista, cujos

líderes planejavam apoderar-se das instituições culturais existentes,; por outro lado, tinha-se

grandemente expandido o movimento sionista. A organização sionista convidara então o

professor Albert Einstein a uma visita à América do Sul, ato que proporcionou muita honra

às coletividades judaicas da Argentina, Uruguai e Brasil.

BRASILIANER IDISCHE PRESSE, ou Imprensa Israelita Brasileira, apareceu em

fevereiro de 1927, como continuação do Dos Idische Vochenblat, no correr do número 169.

Aparentemente, foi modificado o nome, porque o jornal começava a sair duas vezes por

semana (às terças e às sextas), não podendo, mais por isso, levar o título de semanário. A

única alteração formal foi a de constar, no cabeçalho, o nome de S. Karakuschanski, como

redator adjunto

Tal como o Semanário, a Imprensa também continha artigos, contos, poesias e folhetins de

Menasche Halpern, (pseudônimo; Naschani), S. Karukuschanski, Eduardo Horowitz, Aron

Kaufman, Aron Bergman (pseudônimos: Ben-Nochum, Glin-Glon), M. Jacobovitz

(pseudônimo: Motele) e Nathan Becker. Além disso, enviavam suas correspondências do

interior, os antigos correspondentes do Semanário.

IDISCHE FOLKSZAITUNG, ou Jornal Popular Israelita. Por motivos de divergências

ideológicas, os Sionistas Gerais resolveram editar, no Rio de Janeiro, um grande jornal e,

para esse fim atraíram alguns jornalistas do Brazilianer Idische Presse.

O primeiro número do Idische Folkszeitung, que se publicava duas vezes por semana, às

quartas e aos sábados, apareceu em 20 de dezembro de 1927. Os editores eram: Eduardo

455

Horowitz, Jacob Schneider e Salomão Gorenstein; redator chefe: Eduardo Horowitz;

redatores de seções: S. Karakuschanski, Menasche Halpern e Aron Bergman.

Os editores empreenderam uma obra de vulto. Instalaram uma tipografia com máquinas

modernas, escritórios para os redatores e para a expedição, e uma seção especial para

depósito de livros. A empresa tinha em mira torna-se a distribuidora de literatura em

hebraico e em ídiche, bem como editar obras de escritores judaicos. Mandaram à Polônia

um funcionário seu, M. Ben Isroel, a fim de entabular relações com as casas locais e

conseguir deles a representação para o Brasil.

Embora houvessem, de início, fundado a empresa sobre base comercial, não pouparam

esforços para criar um grande jornal informativo (8-10 e às vezes, também 12 páginas de

formato comum), com noticiário da ITA e com vários colaboradores estrangeiros. As

figuras centrais da empresa eram: Jacob Schneider (cunhado de Eduardo Horowitz) e

Salomão Gorenstein, que investiram grandes capitais, mas quem dirigia praticamente a

sociedade era Eduardo Horowitz, a quem todos obedeciam.

Eduardo Horowitz escrevia os artigos de fundo, de tempos a tempos, também publicava um

artigo assinado, sobre tema local, Karakuschanski tinha a seu cargo o noticiário estrangeiro

e as notícias locais sobre as atividades culturais e sociais; Bergman abordava problemas

internacionais e, de quando em vez, também fazia um comentário humorístico (sob os

pseudônimos de Glin-Glon e Ben-Nochum); Manasche Halpern publicava contos e poesias,

usando para os versos o pseudônimo: Naschani.

Entre os colaboradores estrangeiros figuravam: Regalski (de Buenos Aires); Iarblum

(paris), Dr. Iuris (Eretz Israel), o engenheiro A. Reis e M. Neustat, todos eles próceres do

movimento mundial do “Poalei Sion”, atraídos para o jornal por Bergman.

Após terem, por espaço de alguns anos, investidos consideráveis somar para cobrir o

déficit da empresa, os editores afastaram-se do jornal, deixando tudo ns mãos de Eduardo

Horowitz. Este ainda ficou por algum tempo ligado ao jornal onde, de tempos a tempos,

escrevia artigos, assinados e não como membro da redação. Em seguida, porém, retirou-se

de todas as atividades sociais e também deixou de escrever.

O jornal ficou então na mão de S. Karakuschanski, que pagava aos donos certa prestação

mensal pelas máquinas. K. escrevia editoriais, notícias e artigos sobre temas locais,

publicava também contos, folhetins e poesias. Traduziu e publicou em continuações o

romance de Stefan Zweig “Maria Antonieta”.

Karakuschanski labutou arduamente para conseguir que o jornal se mantivesse por si

mesmo; teve, outrossim, de suportar muitos aborrecimentos por causa das leis editoriais,

que, naquela época, não faltavam no Brasil; entre elas, a que proibiam aos estrangeiros de

exercerem a função de redator de jornal e, posteriormente, o decreto que mandava

reproduzir em português todos os artigos do jornal.

À Karakuschanski deve-se conceder o seu merecido lugar na história do jornalismo judaico

no Brasil.

456

Durante alguns anos, Karakuschanski editava “Di Idische Folkszeitung” duas vezes por

semana, sem interrupção e, desde 1935, diariamente. Nos fins de 1940, o jornal celebrou o

décimo terceiro ano de sua existência, e alguns meses depois, foi fechado pelos poderes

públicos, quando proibiram jornais em idiomas estrangeiros.

DI IDISCHE PRESSE, ou Imprensa Israelita. Depois de afastado do Jornal Israelita,

Bergman fez sociedade com um dos primeiros editores do Brasilianer Idische Presse, Ben

Zion Schreiber, e iniciou editar o Idische Presse. B. atraiu para a empresa alguns

particulares, entre eles o membro do “Poalei Sion”, Artur Vainer, e o Di Idische Presse

começou a ser publicado no mesmo endereço, na mesma tipográfia, e nas máquinas do

mesmo jornal que havia antes tão violentamente combatido.

O primeiro número da Imprensa Israelita apareceu em 19 de junho, de 1930, como

semanário; depois dum mês, começou a sair duas vezes por semana, tal como o “Di Idische

Folkszeitung”, às quartas e aos sábados; em seguida, foi transformado em jornal diário, o

primeiro diário israelita no Brasil. “Di Idiche Presse” como diário, apareceu durante 9

meses, (de 19 de agosto, de 1930, a 25 de maio de 1931) e depois fechou-se por falta de

recursos.

Bergman passou então para a tipografia de Iancks, e com os próprios recursos começou a

editar o mesmo jornal, como semanário. O semanário “Di Idische Presse” aparecia, desde 3

de junho, de 1931, quase toda semana, até que foi fechado pelo governo, quando se proibiu

a publicação de jornais em línguas estrangeiras.

Levantada a interdição contra os jornais estrangeiros, em 1947, surge “Di Idische Presse”

novamente. Agruparam-se, ultimamente, em torno desse jornal todos os jornalistas e

ativistas sociais do país. Alguns dos colaboradores locais são refugiados, jornalistas judeus

que se salvaram do inferno europeu, para o Brasil. “Di Idische Presse” também constitui,

hoje em dia, o lar espiritual dos verdadeiros jornalistas e intelectuais israelitas do Brasil.

COLABORADORES SOCIAIS DOS JORNAIS

Tanto a “Imprensa Israelita Brasileira”, como anteriormente o “Semanário Israelita”,

publicavam, de tempos a tempos, artigos de vários ativistas sociais e culturais,

principalmente das organizações esquerdistas; artigos em que dum modo geral, não se

encontrava nenhuma proposição logicamente escrita e nem sinais de regras de sintaxe.

Esses artigos de “prestigiosos” ativistas, que tinham de ser publicados, eram elaborados

pela redação. Não raro, perdia-se, com isso, tudo que o “autor” escrevia, fora seu nome.

Cada ativista, cujo nome havia uma vez aparecido sobre o título dum artigo, começou a

julgar-se jornalista, com pretensões de ver publicados seguidamente seus trabalhos. Foi, sob

o pretexto de “jornalistas” impedidos de expressar suas idéias, que alguns elementos da

esquerda tiveram a iniciativa de fundar um jornal próprio.

DER ONHEIB (O Começo) - Por mais alto que considerassem a sua qualidade de

jornalistas, sempre entendiam que não podiam passar sem redator para “rever” seus artigos.

Tal candidato apareceu na pessoa do engenheiro Ruben Zinguer.

457

Zinguer trabalhava em uma das colônias agrícolas da ICA, e num belo dia, abandonou suas

experiências de avicultura e veio para o Rio.

Inicialmente, Zinguer trabalhou na Imprensa Israelita Brasileira, que lhe deu boa acolhida,

dedicando-lhe especialmente uma nota bio-bibliográfica, como jornalista; mais tarde,

porém, passou-se para a esquerda, e nos fins de 1929, tornou-se redator do semanário

esquerdista DER ONHEIB. Já nos primeiros meses de 1930, houve desentendimento entre

os membros do colégio redacional, tendo alguns dos litigiantes registrado o nome do jornal

como sua propriedade, entregando a redação a um jornalista bassarabiano da esquerda,

Motel Gleiser (pseudônimo: Motel Idish). Depois de algumas semanas, o Onheib expirou,

não obstante a sua nova direção.

DI KRAFT, ou A Força.

Depois que o Onheib se fechou, um dos seus administradores Iankel Fucks comprou uma

tipografia e começou sozinho a editar um jornal, denominado DI KRAFT. Embora se

houvesse arregimentado em torno da publicação todos os elementos antigos dentre os

mencionados ativistas sociais, o jornal passou a ser propriedade particular de Iankel Fucks.

Para redigir o jornal, Fucks empregou um jovem alfaiate por ofício, de nome Abraham

Valdman, o qual era anteriormente muito ativo nas fileiras do Poalei Sion, da esquerda.

Valdman redigia o Di Kraft nada mal, e o jornal saiu por um tempo prolongado, como

semanário, de formato comum, em 4 e, às vezes, em 6 páginas.

MIR UN ZEI, ou Nós e Eles.

O Dr. Moisés Rabinovitch era um tipo especial. Judeu russo, advogado de profissão, era

casado com uma senhora da família do rabino Isaias Rafalovitch, representante da ICA no

Brasil. O Dr. Rafalovitch propôs-se então a organizar no país a comunidade israelita

Kehila, enquanto isso, se intitulava Grã-Rabino. Os elementos progressistas do “ischuv”

combatiam a idéia de uma Kehila, sob a direção dum representante da ICA. Moisés

Rabinovitch, que tinha suas contas particulares com o Dr. Raffalovich, resolveu fundar um

“partido judaico popular radical”, e para esse fim, começou a editar um mensário, em

ídiche e em português, intitulado MIR UN ZEI.

O primeiro número dessa publicação mensal apareceu em dezembro de 1930. No cabeçalho

lemos: “Publicação mensal, em português e em ídiche, órgão independente, para uma maior

e melhor sociedade judaica no Brasil”. Como membros do colégio redacional são

mencionados: Dr. Magalhães, Dra. Riva Dantas e Dr. Moisés Rabinovitch. A parte em

ídiche era praticamente redigida pelo já mencionado Motel Gleiser, que anteriormente

viajava pelo país, nos interesses do Der Onheib.

MIR UN ZEI apareceu apenas uma vez e, consequentemente , desfez-se o plano de fundar

um “partido judaico radical popular”.

Com isso, encerrou-se praticamente também no Rio de Janeiro a tendência de publicar

periódicos. Estabilizou-se o grande e rico jornal “Idische Folkszeitung” como órgão da

coletividade judaica no Brasil.

458

PUBLICAÇÕES JUDAICAS EM SÃO PAULO

Ao contrário do Rio de Janeiro, os israelitas de São Paulo eram na maior parte vinculados à

indústria, fato que influenciou indubitavelmente a sua atividade social, bem como as suas

possibilidades de prosperidade. Tanto assim, que naquela cidade, cada judeu tentara logo

abandonar o comércio de “clientela”, para instalar uma fabricazinha qualquer. Explica-se

assim o fato por que o recém-vindo imigrante, de ofício na mão, não ficava no Rio, senão

que ia para São Paulo. Alguns vieram diretamente àquela cidade para juntarem-se a seus

amigos, que já se haviam ali estabelecido com pequenas fábricas, próprias ou alugadas, de

roupas feitas, camisas, sapatos e móveis. Nessas fábricas, os novos imigrantes, que tinham

alguma profissão, logo adquiriram trabalho.

HANDELS BIULETIN, ou Boletim Comercial e Social Israelita.

A primeira publicação judaica de São Paulo constava dum boletim de notícias sociais e de

anúncios. O boletim era redigido por um senhor M. Iarkoni, que figurava no cabeçalho

apenas como administrador. Apareceu por volta de agosto de 1928, e fechou-se em

fevereiro de 1929. Durante os 7 meses, aproximadamente, de sua existência, apareceram 27

números dessa publicação semanal.

DI IDISCHE VELT IN BRASIL, ou O Mundo Judaico no Brasil

Com este título bombástico, surgiu em São Paulo, o primeiro semanário judaico, de caráter

literário e social. No cabeçalho do primeiro número, que temos diante de nós, lemos: “O

Mundo Judaico no Brasil, diretor M. Frankental”. E’ datado: 28 de setembro, sem o ano, (!)

, porém saiu em 1928.

Como diretor oficial, figura no cabeçalho Marcos Frankental, mas quem redigia

praticamente o jornal era certo Josef Rinski, que estivera uma vez nos Estados Unidos,

onde teria sido funcionário dum sindicato e colaborador do jornal FORVERTS. Seu

auxiliar, ou único colaborador, era um senhor Iekutiel, que não era habitante de São Paulo,

provavelmente um dos boêmios errantes, que de tempos em tempos, apareciam no seio da

coletividade israelita. Escrevia versos e julgava-se grande poeta. Como editores, Frankental

conseguiu atrair os Srs. Moisés Costa e Jacob Nebel. Nebel tinha fama de intelectual judeu-

brasileiro e Costa era homem de posses e pessoa ativa no campo cultural.

O primeiro número do semanário saiu em 20 páginas, formato revista, com capa de papel

de qualidade, desenhada e com índice no centro. O redator de fato, Rinski, preenchia

sozinha o número inteiro.

“DI IDISCHE VELT” foi a primeira tentativa de editar em São Paulo um jornal israelita

sério, embora cheirasse bastante a provincialismo e o ídiche do redator não fosse lá grande

coisa.

Depois de seis números, também esta publicação desapareceu.

SANPAULER IDISCHE ZEITUNG, ou Jornal Israelita de São Paulo

459

A fundação deste jornal é, na realidade, uma nova tentativa de parte da proprietário da

tipografia de São Paulo, M. Frankental, em publicar um jornal, depois que o “Idische Velt”

tinha fracassado. Desta feita, fez sociedade com dois conceituados senhores da coletividade

judaica paulista: Elias Amstein e José Nadelman. Aquele era homem de posses, e este -

homem instruído e ativo na vida social.

Amstein era homem simples, mas muito estimado nos meios sociais daquele tempo, por sua

honradez e por sua atividade em várias instituições do “ishuv” - no jornal exercia a função

de administrador; Nadelman estiver muitos anos nos Estados Unidos, de onde partira para o

Brasil, no início da primeira guerra mundial, e casou-se com a filha duma das mais ricas

famílias israelitas de São Paulo. Era de fato o único entre os lideres sociais daquela época

que sabia bem o ídiche - tornou-se o redator. Quem tinha voz ativa na sociedade judaica

eram os bessarabianos, e entre estes Nadelman era tido como suprema autoridade em

assuntos israelitas. Foi o que impressionou a Frankental, pois com isso conquistou o apoio

de todos os elementos bessarabianos, ativos em várias organizações da coletividade para o

jornal que começou a aparecer, como semanário, a 22 de outubro, de 1931, e desde 1933,

saia duas vezes por semana. Em 1934 foi o autor destas linhas convidado por F. para redigir

o jornal e ele o transformou em publicação trisemanal (às terças, quintas e sábados). Os

antigos sócios, Amstein e Nadelman, já se haviam afastado do jornal.

O “SANPAULER IDISCHE ZEITUNG”, aparecia, nos dias de semana, em 6 páginas,

formato jornal comum e, aos sábados, em 8, e às vezes também em 10 páginas. A edição

ampliada de sábado tinha uma seção literária, onde se publicavam, poesias, contos, ensaios

de escritores judeus do Brasil e do estrangeiro. De um modo geral, era o jornal bem

apresentado.

Em 1936, o jornal passou a ser redigido por um jovem de nome Haneft, técnico dentário,

que não conseguiu arranjar a vida no Brasil, e que regressou em 1937 à Polônia. A redação

ficou então ao cargo do jovem acadêmico de direito, Salomão Steinberg. Colaborou

também periodicamente Nelson Vainer, jornalista judeu-brasileiro, procedente da

Bessarábia, o qual tinha outras ocupações e além disso escrevia artigos no vespertino

brasileiro Folha da Noite.

Em 1939, quando rebentou a guerra, começou F. a editar o jornal como diário em 4

páginas, e assim ‘DI SANPAULER IDISCHE ZEITUNG” aparecia diariamente, até a data

em que foi proibida, no Brasil, a publicação de jornais em línguas estrangeiras.

HASHAHAR surgiu em São Paulo, como mensário, sob a redação de Michel Zaltzman,

editado pela juventude revisionista “Berit Trumpeldor”. O primeiro número saiu a luz em

novembro de 1931. HASHAHAR publicava-se em ídiche, mas cada número continha

também um artigo ou um folhetim em hebraico, escritos pelo redator. Saíram vários

números, sendo o último datado de fevereiro, de 1932.

UNZER VORT, ou Nossa Palavra, apareceu em março, de 1934, editado pela Organização

Revisionista. No cabeçalho lemos: “publicação bisemanal , sai nos dias 10 e 25 de cada

mês”. Como administrador, figurava: Moisés Rapaport. O jornal era redigido pelos líderes

460

sionistas Michel Zaltzman e Z. Schahor. Os artigos eram, em parte, de colaboradores locais

e o resto constava de materias que recebiam de seus órgãos centrais do exterior.

UNZER VORT deixou de aparecer, no início de 1935, por falta de recursos monetários.

VELT SCHPIGUEL, ou Espelho do Mundo. Em junho, de 1939, surgiu em São Paulo o

primeiro número duma “Revista mensal de literatura, arte e problemas sociais”. Como

redator figurava o nome do Sr. A. Blai e como administrador I. Kutner. No começo de

1941, após ano e meio de aparecimento, a revista encerrou suas atividades. Sucedeu isso

antes ainda de se iniciarem no Brasil as discriminações contra a imprensa estrangeira. Ao

todo saíram 14 números.

DI ZEIT, ou O Tempo, 15 de agosto, de 1939, saiu o primeiro número desta revista:

“Periódico para literatura, teatro, crítica e sátira”. O redator de fato era M. Kopelman,

pessoa ativa do Clube da Juventude, de orientação esquerdista. Por motivos legais, o

redator oficial não era judeu, Edgar Barreira Matos, que figurava no cabeçalho como

diretor-proprietário. Posteriormente, quando foi necessário publicar uma tradução

portuguesa dos artigos, era ele quem o fazia.

DI ZEIT saia regularmente todos os meses, e continha artigos de escritores esquerdistas

levantando uma discussão sobre existência de uma literatura judaica no Brasil. Deixou de

aparecer (número 12, abril de 1941), quando foram interditadas as publicações estrangeiras.

O mencionado periódico foi praticamente o último a fechar-se por motivo de discriminação

contra a imprensa estrangeira no Brasil.

PUBLICAÇÕES JUDAICAS EM PORTUGUÊS

No Brasil, tal como em todos os países da América Central e do Sul, existem muitos

israelitas sefarditas, que desconhecem o ídiche e se utilizam em sua vida cotidiana do

vernáculo. Além disso, a maior parte dos intelectuais e da juventude israelitas são

consumidores de jornais na língua do país. Esse fato deu origem a algumas tentativas de

editar uma publicação judaica em português, mas por muito tempo todas essas tentativas

têm fracassado. E não é para menos, pois nossa juventude bem como a classe intelectual,

estão sendo devorados pela assimilação e se acham alienados do judaísmo e dos problemas

judaicos.

A COLUMNA. A primeira publicação judaica em português surgiu no Rio de Janeiro, em

1916 sob a redação do intelectual sefardita. Dr. David Perez. Debaixo do título em

português, havia também no cabeçalho o nome hebraico do jornal “Heamud” (em

caracteres hebraicos). Apareceram apenas alguns números dessa publicação e, infelizmente

não logramos conseguir nenhum exemplar; tampouco obtivemos as datas exatas de seu

aparecimento. O Dr. Perez só nos falou sobre o caráter geral do periódico.

Era um jornal nacional-judaico, de orientação baseada na cultura hebraica e no sionismo, e

que também teve o objetivo de zelar pelos interesses culturais dos judeus sefarditas do

Brasil. Mas, nem entre estes, o jornal obteve o suficiente apoio. O pequeno grupo de judeus

asquenazitas, então existente, não necessitava de uma publicação em vernáculo. Em tais

461

condições, o primeiro jornal israelita em língua portuguesa não durou muito, e desapareceu.

Na verdade o jornal durou dois anos, com o total de 24 números publicados.

ILUSTRAÇÃO ISRAELITA

Em agosto de 1928, começou a publicar-se, no Rio de Janeiro, esta revista mensal ilustrada;

a publicação era muito bem apresentada, trazendo sempre material bom e sério, sobre

assuntos judaicos. A capa era impressa em cores, contendo no centro a estrela de David,

ladeadas pelas bandeiras israelita e brasileira. Os redatores eram Adolfo Aisen e Elias

Davidovitch, então estudante de medicina. Colaborava também nessa revista efetivamente o

mencionado Dr. David Perez.

Da “Ilustração Israelita” saíram apenas 11 números, sendo o último um número duplo (11-

12) que apareceu em julho, de 1929. Em regra, o jornal saía em 28 páginas, mas o último, o

número duplo, tinha 36.

A CIVILIZAÇÃO

Esta publicação aparecia em São Paulo, durante os anos de 1933-1938, semanalmente. No

primeiro ano, figurava como redator oficial o catedrático em filologia, o prof. Silveiro

Bueno. Posteriormente, quem redigia o jornal era o próprio editor, Fernando Levisky. O

periódico saía em formato comum de jornal, em 4 e, freqüentemente, em 6 ou 8 páginas.

A NOTÍCIA

A partir de 19 de maio, de 1935, o Jornal Israelita de São Paulo, iniciou editar um

suplemento em português, que aparecia semanalmente em meio formato-jornal, em 4, e

mais tarde, em 8 páginas. O suplemento era redigido por Nachmani Frankental, filho do

editor, então acadêmico da Faculdade de Direito. No começo de 1936, deixou esta

publicação de aparecer.

PÁGINAS ISRAELITAS

Semelhante à mencionada “Ilustração Israelita”, surgiu em São Paulo, no começo de 1937,

uma revista mensal ilustrada, intitulada “Páginas Israelitas”, sob a redação de Nelson

Vainer. Após alguns meses de circulação, a revista encerrou suas atividades.

O “Círculo Israelita”, de São Paulo, editava um opúsculo mensal, denominado “A VOZ DO

CÍRCULO”. Saíram desta publicação 27 números. Deixou de aparecer, por motivo do

afastamento do presidente daquela agremiação, o qual tinha tipografia própria, e era o

redator de “A Voz do Círculo”.

Os judeus alemães, de São Paulo, organizados na Congregação Israelita Paulista, estão

editando uma publicação semanal, intitulada Crônica Israelita. Este semanário que, logo de

início, apareceu em língua portuguesa, não sofreu, consequentemente, as discriminações

contra a imprensa estrangeira. Os primeiros números ainda eram publicados em alemão.

“AONDE VAMOS?”

462

Em 1941, quando foram interditados os jornais em línguas estrangeiras, o governo não

concedia alvará de licença, nem para publicar um jornal em português, sob o pretexto

oficial de não se permitir, de modo algum, a publicação de jornais novos. Naquele ano, S.

Karakuschanski, juntamente com Aron Neuman, compraram uma pequena folha em

português, de nome “Aonde Vamos?” e a transformaram numa publicação judaica. Mais

tarde, Karakuschanski afastou-se do jornal, e a antiga folha sem importância, que ninguém

conhecia, é hoje uma bela revista mensal, ilustrada. Por determinado tempo, “Aonde

Vamos?” foi praticamente redigida pelo jovem erudito, Elias Lipiner, então acadêmico da

Faculdade de Direito.

JORNAL ISRAELITA

Posteriormente, quando já se podia obter licença para publicar jornais, o mencionado editor

do “Velt Spiguel”, Sr. Kutner, começou a editar uma publicação semanal, em formato de

jornal comum, sob o nome de Jornal Israelita, no qual colaboram: S. Karakuschanski, Leão

Mintziz e outros. Este jornal e a mencionada revista ilustrada “Aonde Vamos?” constituem

presentemente as únicas publicações israelito-portuguesas no Brasil.

463

Isaias Golgher e a memória da imigração judaica no Brasil

Prof. Nachman Falbel

USP-AHJB

Nesta abertura de nosso III Encontro Nacional do AHJB sob o patrocínio do IHIM, que

não poupou esforços para a realização desse importante evento, cumpre-me falar sobre o

historiador e intelectual Isaias Golgher a quem prestamos a nossa póstuma e merecida

homenagem. Peço a compreensão dos que me ouvem se me reportar à recordação de uma

amizade e estima pessoal que a distância geográfica dificultou em se transformar em uma

convivência maior. Há muitos anos atrás quiz o acaso que visse o nome de Isaias Golgher

em uma carta de inícios dos anos 50 que encontrei numa gaveta de uma escrivaninha na

sinagoga da Lapa, em São Paulo, na qual ele pedia material informativo sobre a instituição,

em nome de um Arquivo Histórico Judaico em formação que tinha como objetivo recolher

elementos para a memória da imigração judaica no Brasil. Isso foi nos anos 70 quando

estavamos dando os primeiros passos para a estruturação do Arquivo Histórico Judaico

Brasileiro em São Paulo. Reconheci que alguém tentou cerca de 20 anos antes o que nos

estavamos pretendendo naquele momento. A partir dai fiquei curioso em saber quem era a

pessoa que tivera a mesma preocupação de preservar a memória judaica no Brasil até

efetivamente poder conhece-lo , ter contato com seus trabalhos, sua reflexão intelectual

através dos livros e artigos que escrevera. Na época encontrava-me pesqisando sobre o

primeiro historiador judeu no Brasil , de que resultou o livro” Jacob Nachbin”, e lembro-me

bem que esse nome também lhe era famíliar, o que motivou entre nós um intercambio de

informações e comentários sobre a vida judaica no Brasil nas décadas anteriores à Segunda

Guerra Mundial.

Isaias Golgher era dono de uma personalidade sedutora no trato com as pessoas e mais

ainda pela originalidade de seu pensamento inquieto que transitava por várias áreas e não se

submetia a uma única verdade e tão pouco à uma única esfera de conhecimento. E isso

podemos comprovar pela multiplicidade e polivalência de seu trabalho que vai da história

mesopotâmica, à história do Brasil ,da história das idéias sociais no mundo contemporâneo

à história do povo judeu, e isso sem excluir as artes plásticas, literatura e mesmo as

ciências.

Porém antes de fazer qualquer referência sobre sua obra historiográfica- uma vez que não

pretendo abarcar nesta palestra outros aspectos de sua produção intelectual- impõe-se traçar

um breve e esquemático roteiro de sua vida, sem que tenhamos qualquer pretensão de

estabelecer uma biografia, tarefa essa que deverá demandar uma pesquisa mais longa e

cuidadosa. É ao nosso querido amigo Marx a quem devo as informações que se seguem

bem como os elementos biográficos pessoais, os quais reproduzo quase literalmente, uma

vez que Isaías nos encontros havidos entre nós, raramente falou de sua pessoa, senão

apenas de suas preocupações culturais.

Ele nasceu em Atachi, às margens do Dnieper, em 28 de dezembro de 1905 e com a morte

prematura de sua mãe, passou a ser criado pela tia, que o tratou como um filho (segundo

464

Marx, ele se referia a ela com muito carinho, o que não fazia com o pai ,que dele se afastou

para formar nova família). Fez seus estudos na escola comunitária judaica, aprendendo a ler

ídiche e romeno. Marx lembra que ele gostava de contar que quando criança era chamado

frequentemente pelos carroceiros para ler jornais romenos. Era o orgulho deles...lembra-se

do assombro que causou quando lia as edições do naufrágio do Titanic, inventando coisas

fantásticas à respeito. Exagerava tanto que ele mesmo ficava impressionado com o espanto

dos atentos ouvintes que lhe pediam detalhes de suas fantasias. O que fazia para deleite

geral da platéia... Bom aluno, ingressou logo depois no ensino fundamental, no curso médio

na “grande cidade” russa Mogilev-Podolski, atravessando o Dnieter diariamente. Ai

estudou a língua russa, e se iniciou nos estudos filosóficos que o levariam posteriormente a

Marx, e movimentos de esquerda, engajando-se na militância de um movimento socialista,

fortemente reprimido na Romênia. Sua admiração por Romain Rolland, a quem

homenageou ao batizar o seu segundo filho com o nome do grande escritor, é desta época.

Foi preso diversas vezes , sendo libertado depois de muito apanhar, sendo libertado por

uma grande amiga judia, amiga de sua tia-mãe, pessoa de posses, que subornava a polícia...

Por ocasião da Revolução Russa, a repressão romena recrudesceu a tal ponto , que a tia-

mãe o aconselhou fugir do país, dando –lhe as únicas jóias que possuia como recurso da

fuga. Pegou o trem numa cidade próxima ,para despistar a polícia que o vigiava, junto com

um amigo. No meio do caminho ocorreu uma batida policial. Quando os guardas chegaram

até o banco onde ele se encontrava sentado, Isaias fechou os olhos, roncando

ruidosamente...Os guardas o sacudiram pedindo papéis ,mas nada. Ai o amigo lhes disse

com muita convicção : ah, ele é francês, não entende nada o que falamos. Não adianta

insistir...Convencidos, a patrulha militar se afastou,o que possibilitou a atravessar a Hungria

onde foi muito maltratado, por ser judeu, originando-se dai uma ojeriza deste país para o

resto da vida. Marx conta que ao visitar recentemente a Hungria, ele o recriminou

fortemente de ter feito isso. Em seu roteiro de fuga Isaías chegou a França e de lá embarcou

para o Brasil, onde fora chamado por um “parente”. Desembarcando no Rio de Janeiro

começou a trabalhar como mascate, assim como fizeram boa parte dos imigrantes da quele

tempo. Em uma entrevista que dera ao Suplemento Cultural do jornal “Minas Gerais” no

número de 6 de outubro de 1990, por ocasião do término de seu livro “O Universo Físico e

Humano de Albert Einstein”, ele resume esse momento de sua vida: “Minha geração foi

envolvida pela Revolução Russa, quando na sua fase heróica, e o idealismo ainda era sua

força motriz. Eu também me envolvi, como os demais jovens da minha idade. O

movimento revolucionário em que me envolvi tinha por meta promover a expulsão dos

romenos da Bessarábia, ocupada por eles depois de 1917, e restabelecer o domínio russo.

Em 1924 houve um levante de Tartarbunare, que foi impiedosamente esmagado pelo

governo rumeno.Preso pela tristemente famosa Securatate, polícia política rumena,

consegui sair da prisão ,pelo suborno, e tratei de deixar o país o mais depressa possível. Na

época podia-se ir ,sem dificuldades burocráticas, para os países da América do Sul,

inclusive para o Brasil. Em dezembro de 1924 desci do navio “Andes” no porto do Rio de

Janeiro, e aqui estou desde aquela data.” Na mesma entrevista ao ser perguntado se tinha

algum conhecimento sobre o país ele diria: “Na época a imprensa mundial falava muito da

revolução brasileira encabeçada pelo general Isidoro Lopes. Nós os jovens, atribuímos

dimensões ideológicas radicais ao movimento , tendo por modelo a Revolução bolchevique,

então em plena ascenção. O levante de Isidoro Lopes seria um elo da revolução mundial,

que para nós era inevitável. Chegando, verifiquei que a nossa análise científica não passava

de “wishful thinking”. A revolução de Isidoro Lopes , como era chamada pelos

465

simpatizantes, era uma manifestação política genuinamente ligada às condições brasileiras.

Aí me dei conta de que o Brasil tem estruturas sócio-culturais e sócio-econômicas que não

se encaixavam nas diretrizes da revolução de Lenin e Trotski.” Sua vinda à Minas Gerais o

levou ao encontro de sua esposa Suzana, a quem ele chamava de modo especial “Dona

Suzana” sempre acompanhando o nome com um sorriso que espelhava profundo

sentimento amoroso.

Sua militância política e ideológica foi resultado da fermentação social que se deu na

Europa Oriental, no Império Czarista e que resultou nas revoluções de 1905 e 1917, sendo

a última aquela dos “ 10 dias que abalaram o mundo”, na expressão de John Reed. De fato

continuaria abalar o mundo durante algumas boas décadas. Creio que Isaias pertencia

àquela juventude judaica que viu na Revolução Russa uma solução para a “questão judaica”

e estava convicto que a vida miseravel do aglomerado humano concentrado na Pale-Zona

de Residência destinada aos judeus pelo governo autocrata imperial- terminaria com a

vitória das forças revolucionárias que se gestavam desde a segunda metade do século XIX

naquela região da Europa.

Entre os imigrantes que chegaram ao Brasil encontravam-se também os que já vinham com

ideais sociais definidos . Outros, em especial nos anos 20, acabariam por ser influenciados

e adereriam às correntes de esquerda que surgiram em solo brasileiro. Não foram poucos os

judeus imigrantes que se entregaram à militância política e integraram as fileiras dos

ativistas desses movimentos.

Sabemos que com o passar do tempo os sagrados ideais da Utopia se depararam em suas

etapas de realização com obstáculos imprevisíveis e cobraram um preço elevado de toda

uma geração, revelando, por fim, uma face sombria. Essa geração teve que enfrentar uma

dupla frustração: social-universal e nacional-judaica, ou seja, os ideais de emancipação

social e criação de uma sociedade justa não se cumpriram, assim como a emancipação dos

judeus e sua libertação da condição de povo-pária foi um fracasso doloroso que ameaçou a

própria existência do judaismo quando, em dado momento, se urdia um plano diabólico de

elimina-lo literalmente como identidade cultural-nacional mesmo que fosse através do

exterminio físico de sua elite intelectual. E isso especialmente a partir da segunda metade

dos anos 30 até a morte de Stalin em 1952.

Isaias Golgher, em seu primeiro livro escrito em 1950 e publicado em 1951, Belo

Horizonte, sob o título “A Evolução histórica do povo judeu-síntese dos movimentos

populares judaicos na antiguidade” ainda se encontra vinculado às convicções esquerdistas,

ou progressistas, que logo mais iria revisar com um olhar crítico radical que o afastaria de

vez de sua militância partidária. O livro resume uma história que vai dos templos bíblicos

até o levante de Bar Cohba, com enfase na história social assentada em boa parte no

historicismo marxista da luta de classes mesclado com o específicamente judaico , ou seja,

os valores éticos que buscam a justiça dos profetas e a luta pela liberdade como valor

supremo, contra os opressores de fora representados pelo imperialismo político e cultural

grego- romano. Há nessa modesta síntese histórica uma clara intervenção das convicções

ideológicas do autor que de um lado revela profundo orgulho nacional ao tentar apontar a

contribuição judaica para uma concepção social fundamentada no monoteismo ético que se

funde com a causa universalista do socialismo. Sob o aspecto histórico o trabalho -assim

como outros do mesmo teor- é prejudicado pelo engajamento ideológico. Mas, sob outro

aspecto, devido os períodos enfocados, ou seja, o Bíblico e o do Segundo Templo, o autor

necessariamente deveria enfrentar questões complexas que demandariam muito tempo para

o seu estudo e uma formação especializada para um adequado tratamento científico,

466

mesmo tratando-se de um livro de divulgação. O método histórico lembra de certa forma

um livro que fora publicado nos anos 40 (1949) de autoria de Abraham Leon, que passara

pelo movimento juvenil judaico “Hashomer Hatzair” (O jovem guarda) passando

posteriormente a ser adepto do trotzkismo e que aplicara o materialismo histórico à história

judaica numa tentativa de demonstrar radicalmente a inviabilidade do sionismo concluindo

que a luta para o socialismo seria a única solução para a assim denominada “questão

judaica”. Nesse tempo, ainda quando essa corrente historiográfica estava no seu auge,

tivera como ponto de partida alguns conceitos emitidos no “Die Judenfrage” (A questão

judaica) de Marx, que formulava negativamente a “existência” judaica, assentada sob uma

especulação teórica ambígua que via o judeu e o judaismo como um fenômeno histórico

transitório fadado a desaparecer e associado à natureza ou essência da sociedade capitalista.

Isaías Golgher em seu livro “Marx, mito do século XX” sobre o qual nos reportaremos mais

adiante, dedicará atenção a esse escrito com a costumeira aguçada crítica. O teor desse

escrito de Marx, seja pelo conteúdo anti-judaico agravado por um estilo panfletário

agressivo, leviano e preconceituoso, (muitos justificaram seu caráter como sendo um

“escrito de juventude”) alimentou durante muito tempo anti-semitismos de direita quanto

de esquerda. Mas a “questão judaica,” propriamente dita, permaneceu na ordem do dia da

sociedade européia em um largo espectro de correntes de pensamento que se defrontaram

com o problema propondo soluções assimilacionistas, autonomistas, territorialistas e

sionistas. O debate ideológico continuou ininterruptamente até o nosso tempo até a

formação do Estado Judeu. Contudo temos que considerar que Isaías Golgher escrevera

quando o Estado de Israel já era uma realidade e boa parte do debate ideológico sobre o

nacionalismo e o conceito de nacionalidade judaica perdera sentido, ainda que não havia de

todo sido ultrapassado sob o aspecto das forças políticas que o sustentaram. O Estado Judeu

já não era uma utopia e nenhum um sonho longínquo de nacionalistas que se aventuraram a

reconstruir uma pátria perdida há 2.000 anos atrás. Além do mais o seu livro fora escrito

sob o forte impacto do Holocausto, ao contrário de Abraham Leon que publicou sua obra

inacabada no limiar dos anos 40, terminando seus dias tragicamente em um campo de

extermínio, ficando, paradoxalmente, contradita pela brutal realidade que o nazi-facismo

impuzera aos países do velho continente. Golgher nas páginas finais, sob a forma de

“conclusão,” escreve com um sentimento de orgulho nacional e admiração pela criação do

Estado Judeu, que por várias razões-assim ele o diz- não teria surgido sem o apoio da

Rússia Sovietica, e que soube se livrar de seus inimigos através da luta dos

“Haganistas”(sic). Porém ele não deixará de críticar as pretensões históricas mais amplas

do sionismo que pela sua ideologia não via qualquer futuro para o povo judeu na Diáspora.

Sob esse aspecto ele discordava daqueles que viam a existência do judaismo na Diáspora

como efêmera crendo que ela continuaria existindo, e considerando, entre outros fatores,

que as limitações geográficas da Terra de Israel impediriam uma absorção total de todos os

judeus. Um aspecto interessante da obra é a referência da velha discussão sobre o caráter

do povo judeu e a abordagem que faz da polêmica histórica sobre a teoria da nacionalidade

,apoiando-se em Haim Jitlovski, e outros, rejeitando ao mesmo tempo a tese de Stalin,

assim como foi apresentada no conhecido artigo “O problema nacional e a social-

democracia” [ repetida na sua obra “ A questão nacional e colonial”], argumentando que

Stalin escreveu visando o “Bund” (Partido Obreiro Judaico fundado em 1897 na Europa

Oriental) e não procurou estudar, historicamente, o desenvolvimento do povo judeu.

Certamente se esse último enunciado do autor fosse do conhecimento do Partido ,daquele

tempo, devotado ao “culto da personalidade” o livro de Isaías teria sido condenado ao

467

Index Expurgatorum stalinista e ele certamente seria obrigado a fazer uma auto-

crítica...Mas como o Comitê Central do Partidão não perdia tempo com leituras e estava

ocupado com outras questões bem mais importantes, vinculadas à conquista do poder

provavel é que não se deram ao trabalho de folhear o escrito , o que explica o fato de nosso

Isaias ter saído incólume do Paraíso tal qual acontecera com Rabi Aquiba na conhecida

lenda talmúdica... Em suma Isaías Golgher [já revelava –se fizermos uma leitura atenta de

seu texto- que se encontrava] demonstrava estar dividido e debatia-se entre sua identidade

nacional judaica e os ideais universais socialistas. A eliminação sistemática da cultura

ídiche, de suas instituições, intelectuais e rede escolar promovida por Stalin, em

prosseguimento ao que se fizera com o movimento sionista na Russia após a Revolução, o

tocara profundamente, assim como a muitos adeptos e simpatizantes do comunismo. Na

verdade a ideologia oficial stalinista via como contraditório e tachava como uma forma de

nacionalismo burguês qualquer identificação com o nacionalismo judaico. O término desse

processo de definição pessoal, sob o aspecto ideológico, ocorreria com a elaboração da

obra “A tragedia do comunismo judeu- a história da Yevsektzia”.

Isaias Golgher, em oposição ao movimento do qual fez parte durante certo tempo, teve a

coragem de enfrentar a dolorosa verdade e torná-la publica ,mesmo tendo que suportar

momentos dificeis de difamação, marginalização e hostilidade pessoal por não querer

compartilhar com o silêncio deliberado, e a cega obediência partidária, em relação ao que

estava ocorrendo no mundo comunista. Pessoalmente considero o livro “A tragédia do

comunismo judeu”, Ed. Mineira Ltda., Belo Horizonte, 1970,[data não explícita na capa,

porém no interior do texto na pag. 152.] como uma das descrições mais importantes sobre

a brutal política de destruição da cultura judaica na Rússia, constituindo-se numa

contribuição valiosa sobre a postura da esquerda judaica no Brasil em relação à essa

dolorosa questão. Ainda que as referências ao “progressismo” no Brasil serem discretas,

por razões obvias, no entanto, associadas ao que se passava na Argentina, Uruguai , Estados

Unidos e outros paises nos quais se encontravam associações judaicas adeptas da mesma

ideológia, teremos, no seu conjunto, uma visão do que ocorria por aqui. O livro aponta

com realismo, por vezes chocante, a postura acritica que caracterizava a subserviência à

Moscou nas fileiras da esquerda em geral e da judaica em particular que somente caiu em si

com o XX Congresso após a morte de Stalin. E assim mesmo, durante vários anos, muitos

ainda mantiveram uma atitude incrédula frente ao que já era do conhecimento universal. O

fato é que o culto à personalidade do Pai da Pátria não desapareceria tão rapidamente como

era de se esperar.

A importância do livro em questão está no uso de fontes em ídiche, incluindo-se orgãos de

imprensa e livros de memórias de militantes, textos que nem sempre eram acessíveis aos

estudiosos que desconheciam a língua. No entanto são fontes preciosas para o

entendimento dos fatos históricos que estão associados à trajetória da “Yevsektzia”, ou seja

a seção judaica do Partido Comunista, criada ainda por Lenin em 1918.

Penso que o rompimento com a ideologia partidária o libertou de uma dependência

intelectual que o levou a uma nova fermentação espiritual e a procura de novos horizontes.

Talvez, e não posso afirmar com certeza, isso explica a sua decisão de ir à França para

recomeçar seus estudos e abrir novos caminhos para satisfazer sua inquietude pessoal.

Ele se matriculou na École Pratique des Hautes Ètudes-Salles de Travail et de Conferénce

de la Section d’Histoire et de Philologie, entre 1957-1958, quando elaborou a tese sobre os

textos sumerianos: “La structure economique et sociale du Sumer Présargonique”,

468

apresentada em 1959. A tese é escrita com o indispensável aparato acadêmico, com o

devido uso dos textos descobertos pela arqueologia, que desse modo, conseguiu estabelecer

a história de Sumeria como a primeira das civilizações mesopotâmicas. Ele resume ao

redor do eixo central ,isto é, econômia e sociedade, as diversas fases da civilização

sumériana apoiado numa bibliografia especializada no tema, dificilmente acessível a um

estudante brasileiro se fosse pesquisar apenas em nossas bibliotecas. Antecedeu a essa

elaboração eminentemente acadêmica um trabalho importante de pesquisa sobre um

capítulo central na história de Minas Gerais que resultou na publicação do livro “Guerra

dos Emboabas”, em 1956, Ed. Itatiaia, e que teria uma segunda edição pelo Conselho

Estadual de Cultura de Minas Gerais, no qual encontramos uma valiosa análise crítica da

Historiografia Emboaba de Marx Golgher, Belo Horizonte, 1982. O trabalho de Isaías

Golgher está fundamentado em fontes primárias do Arquivo Histórico Ultramarino ,

Lisboa, do Arquivo Público Mineiro, em Belo Horizonte, Arquivo Nacional, no Rio de

Janeiro, da Bibliothèque Nationale, em Paris com uma rica bibliografia. Creio que até hoje,

mesmo com a considerável produção científica que ampliou o conhecimento e a descoberta

de novas fontes sobre o assunto, não pode prescindir da contribuição pioneira que dera com

seu estudo.

Não podemos desconhecer parte importante de seu trabalho historiográfico que constitui o

conjunto de ensaios, o qual não pudemos ter acesso, mas que encontramos elencados em

alguns de seus livros.São eles: “Implicações sociológicas da capitação”, 1962; “A

problematica da Periodização histórica”,1963; “Sartre, Marx e História”, publicado no

periódico “Estado de Minas”, 5-4-1964; “O Negro e a mineração em Minas Gerais”, 1965;

“Sedimentos históricos do Comunismo”, 1965, títulos que constam na obra “A tragédia do

comunismo judeu”. Entre 1965 e 1967 temos algumas séries de artigos a começar da

intitulada “Sedimentos históricos do comunismo” publicados no Suplemento Literário do

“Estado de Minas”, conforme relaçaõ elencada no livro “Marx ,mito do século XX” e são

eles: “A estratificação da falsa consciência”,17-10-1965; “”Os teóricos na hora do lusco-

fusco”,24-10-1965; “Leninismo, marxismo às avessas,31-10-1965; “O nascimento da nova

classe”,7-11-1965. A segunda série intitulada “Um memorialista desmemoriado”

compreende os artigos “Retrato falado de Ehrenburg”,3-4-1966; “Os falsos alibis de

Ehrenburg”, 10-4-1966; “Ehrenburg, o falso leninista”, 17-4-1966. A terceira série

intitulada “Os expurgos russos,trinta anos depois” compreende os artigos “Arma-se a

encenação”, 23-8-1967; “A mentira como norma ideológica”, 24-8-1967; “O papel de

Anastácio Mikoyan”, 26-8-1967 e “O império da grande mentira”, 27-8-1967. A partir de

1972 ele publicará, no mesmo periódico, artigos sobre outros temas tais como “Cabala-um

estudo histórico”(6,7,9,1974), e particularmente voltados ao mundo das artes.São eles:

“Pseudovanguardismo e a realidade histórica” (6-5-1972), “O Impressionismo, um século

depois”(5-4-1975) e “Contradições estéticas de Karl Marx”(18-10-1975)

Antecedendo o “A tragedia do comunismo judeu” , publicava em 1967 o primeiro volume

intitulado “Leninismo-Metamorfose” (Época de Lênin,1884-1924) ,Ed. Saga S.A., Rio de

Janeiro, que pretendia dar continuidade com mais dois volumes intitulados “Leninismo-

Expansão” e “Leninismo-Decadência” porém não chegaram sair à lume. Por uma

observação, na página 55, sabemos que o estava escrevendo pelo menos desde 1965. O

livro abre com um capítulo de ‘Prolegômenos” contendo uma breve exposição da doutrina

leninista, assim como ela é conhecida na primeira fase dos escritos do lider da Revolução

469

Russa, apontando as contradições que a mesma encerrava e que mais tarde iriam se revelar.

Um dos aspectos importantes desse trabalho é o fato de que Isaias Golgher já havia se

desvinculado de suas convicções marxistas e podia com isenção fazer uma crítica objetiva

do marxismo-leninista. A seguir o autor passa a descrever, com abundância de citações e

fontes, o fenômeno conhecido como o “culto da personalidade de Stalin”, ou o processo de

“mitificação” até sua morte quando com o XX Congresso do Partido Comunista, de 1956,

inicia-se a “desmitificação” e a revelação da verdade nua e crua do regime e os desmandos

que o caracterizou. A reprodução de parte do “Relatório Secreto” lido na ocasião por Nikita

Khruchev, e que abalou o mundo comunista, descrevia os crimes do regime atribuidos

somente à pessoa do ditador, sem que se alterasse ou concedesse que havia algo de errado

no próprio sistema de governo. Ninguém garantiria que o regime iria se purificar com as

confissões dos crimes e estes continuariam até o desmoronamento final em tempos mais

recentes. O capítulo seguinte sob a épigrafe “Leninismo-simbiose do feudalismo russo e do

marxismo ocidental” é uma apreentação didática do marxismo-leninista gerado em

condições peculiares no Império Czarista. Os capítulos seguintes apresentam

cronologicamente o desenvolvimento histórico da sociedade russa á começar da

“Revolução de 1905, da Reação ou “Recuo Revolucionário”, a “Primeira Guerra Mundial”

finalizando com a longa, e principal parte do livro, dedicada à “Revolução Russa” suas

etapas e eventos mais importantes até a morte de Lenin. É uma obra sistemática que parte

do melancólico presente revelando os desmandos do todo-poderoso governo soviético para

retroagir no tempo como se o autor quizesse agora fazer uma revisão histórica para sí

mesmo perguntando-se :Como isso poude acontecer? Pergunta que traduzia a estupefação

de milhares de militantes de esquerda, idealistas a toda prova, nos quatro cantos do mundo,

desde que os múltiplos processos de Moscou foram armados para eliminar os opositores do

poder absoluto do ditador e da massa crítica que o atemorizava.

O último de seus livros, que de certa forma expressa o processo final ,sob o aspecto

intelectual, de sua crítica à ideologia comunista, iniciado com as obras mencionadas

anteriormente, é dedicado a um estudo sobre o próprio Marx e sua obra intitulado “Marx,

mito do século XX- um estudo histórico” (Editora Mineira Ltda., Belo Horizonte, 1980).

Aqui vemos Isaías Golgher corajosamente, e já com o distanciamento necessário para

julgar “sine ira et studio”, encetar uma verdadeira anatomia da complexa personalidade do

fundador da doutrina mais influente de nosso tempo, com suas contradições, equívocos,

preconceitos e erros, baseado numa leitura dos próprios escritos de Marx, Engels e de

autores como L. Feuerbach, Lassalle, e outros do círculo próximo de seus amigos e com os

quais manteve intercâmbio epistolar. É também um retrato psicológico dos membros da

família de Marx, de sua formação e do mundo cultural do qual emergiu o conjunto

doutrinal do marxismo. Um livro que revela notável leitura da obra de Marx e seus

colaboradores , conhecimento ideológico das doutrinas socialistas daquele tempo apoiado

,como sempre, numa excelente bibliografia de autores de nossos dias, reconhecidos

estudiosos que contribuiram para uma revisão crítica do marxismo. Golgher análisa com

sutileza a interrelação da sociedade alemã e o judaismo peculiar que o caracteriza

percorrendo a trajetória histórica do anti-semitismo alemão do século XIX ,que também se

manifestava abertamente entre os intelectuais do movimento socialista em formação,

seguidores e opositores de Marx que se empenhava para manter sua liderança na Primeira

Internacional. Tanto os grupos de direita quanto os de esquerda estavam impregnados de

virulento anti-judaismo chegando a usar argumentos do mesmo teor contra sua pessoa.

Quando Marx ,após a revolução liberal de 1848, retornou a Alemanha e passou a ser o

470

editor do “Neue Reinishe Zeitung” o material anti-semita publicado nesse orgão de autoria

de certos colaboradores, e o foi com a sua anuência, não o diferenciava de outros periódicos

de direita. Desse modo, podemos dizer que esta obra de Golgher, além de nos fornecer uma

informação preciosa sobre o tema, em boa parte, mantém sua atualidade no contexto

mundial em que vivemos hoje em dia também América Latina. Assim, como em suas obras

anteriores ele mostrará seu caráter independente de “enfant terrible” ao mostrar o quanto a

defesa oficial do marxismo de parte dos autores soviéticos do Instituto de Filosofia da

Academia de Ciência consagram a doutrina marxista fazendo uma leitura erronea e

equivocada da obra de Marx. Nesse sentido ao falar da famosa tese de doutorado de Marx

“A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro” ele ironizará : “ Seria

difícil aceitar a hipótese do ilustre professor Sverdlov...não ter lido a dissertação de Marx, e

não ter tomado conhecimento de seu conteúdo anti-Demócrito. Estamos mais propensos a

aceitar que Sverdlov deliberadamente ignorou o fato , seguindo o príncipio comunista: ‘O

que não se anuncia, não existe’, e a omissão está explicada. Porém , quando não é possível

a omissão, então passam simplesmente a falsear,o que não é raro entre os tratadistas

marxistas-leninistas (p.36) .” Ele não poupa sequer seus conhecidos do antigo movimento

local, o que passa a ser um registro para a memória de uma corrente da imigração judaica

no Brasil. Assim, na mesma página 36, em nota de rodapé de número 59, referindo-se à

mesma questão da tese de doutorado de Marx, anota o que se segue: “Não podemos nos

abster de registrar um fato que reflete concretamente de como o método comunista

funciona eficientemente entre os crentes. Até parece que quanto mais a falsificação é obvia,

mais ela é defendida como verdade científica. A estrutura ideológica dominante bloqueia

inteiramente a mente dos intelectuais comunistas militantes. Um teórico comunista , nosso

conhecido, ficou surpreso quando lhe dissemos que Marx, em sua tese de doutorado se

coloca a favor de Epicuro e contra Demócrito, declarando “haver uma diferença essencial

entre ambos”. Ele retrucou vivamente, dizendo que Lenin considerou Demócrito um dos

mais brilhantes materialistas da Grécia, e o Novo Dicionário Filosófico da URSS afirma

que Epicuro foi o continuador de Demócrito. Foi inútil a nossa recomendação de ele

consultar o texto de Marx, e se certificar da nossa afirmativa. Ele respondeu num tom

zangado: Já estou acostumado com as falsificações imperialistas...” Lamentavelmente a

repercussão de seus livros nem sempre foi a altura de sua importância e por motivos que

podemos deduzir ao considerarmos que eram voltados a uma crítica demolidora do

marxismo-leninista. Por outro lado, não era exatamente o tipo de literatura que seria

apreciada em tempos que se seguiram aos anos da ditadura militar.

Como disse antes, a atividade intelectual de Isaías Golgher não se limitou ao estudo da

história mas seu interesse pessoal voltou-se para o campo das artes e de certa forma para

um humanismo sem fronteiras perfeitamente definidas. Algo próximo ao que hoje se

identificaria com o que nos denominamos interdisciplinariedade exemplificada em sua obra

“O Universo Físico e Humano de Albert Einstein”(Oficina de Livros, Belo Horizonte,

1991). Creio que somente através desse angulo de visão poderemos captar sua

personalidade, entender sua obra e avaliar sua atuação, o que ainda constitui um desafio

para um futuro biógrafo desse notável imigrante judeu que deixou um lastro precioso para a

sua comunidade e para a sociedade brasileira. Nesse sentido, e para terminar, permito-me

citar um testemunho valioso que é o de seu amigo escritor e jornalista José Bento Teixeira

de Salles que dedicou um tocante “in memoriam” sobre Isaias Golgher publicado no jornal

“Estado de Minas”, em 28 de fevereiro de 2003 .Assim ele escreve: “De suas preocupações

com a nossa cultura dou testemunho, quando liderou um movimento de intelectuais belo-

471

horizontinos para que não fosse suspensa a circulação do Suplemento Literário,

movimento, afinal, vitorioso. Um velho sonho seu foi a criação de estudos reunindo

escritores ,artistas e músicos, com o objetivo de divulgar a cultura mineira, através de

conferências, exposições e apresentações teatrais e municais em reuniões itinerantes no

interior do Estado. Figura de realce no bar Lua Nova, localizado no térreo do Edifício

Maletta, Isaías centralizava as atenções dos intelectuais presentes com a sua cabeleira

branca, sua compreensiva interpretação dos homens e fatos, sua bondade quase ingênua,

seu constante interesse pelos temas mineiros e culturais”, terminando com as seguintes

palavras: “Tão significativa foi a participação de Isaías Golgher no movimento cultural de

Belo Horizonte que seria justa a instituição , por iniciativa pública ou particular, de um

concurso literário com o nome do saudoso historiador”.

472

Isaias Raffalovich e a educação judaica no Brasil

In memoriam de David Faingelernt,Z’L, saudoso e querido companheiro, integro

e sempre coerente com os ideais do movimento “Dror”

Prof. Nachman Falbel

Dedico também este trabalho aos meus doces netos Ariel e Débora, fiéis

colaboradores de meus trabalhos. A eles devo a realização de meus recentes livros e

artigos.

Durante muitos anos dediquei-me a coletar informações extraídas da imprensa comunitária,

predominantemente em ídiche, sem excluir alguns poucos orgãos em português, sobre as

primeiras escolas judaicas desde os inícios de sua formação e, em parte, seu

desenvolvimento posterior, o que explica e, ao mesmo tempo delimita, o presente estudo

até os meados da década de 30, compreendendo, mais precisamente, ao período de atuação

do rabino Isaias Raffalovich.

O Rabino I. Raffalovich, mais conhecido pela sua atuação como representante oficial da

ICA, teve papel fundamental na formação de instituições de ajuda ao imigrante bem como

na formação da rede escolar judaica no Brasil, aspecto esse que pretendemos abordar em

nosso trabalho. Desde que desembarcou no Rio de Janeiro em 31 de dezembro de 1923 sua

preocupação maior foi a de participar na construção de uma comunidade judaica que

atendesse as necessidades do imigrante em todos os seus aspectos tendo como concepção e

modelo ideal um judaísmo vigoroso e integrado no país que o acolhia. Podemos entender

sua visão de mundo como decorrente de uma formação pessoal que era resultado de uma

trajetória de vida com experiências vivenciadas em vários países que ele procurou registrar

em sua auto-biografia. Vejamos, antes de prosseguirmos, alguns dados sobre sua pessoa .

Ele nasceu em 1870, em Bogopol, uma pequena cidade da Podolia e em 1882 seus país

emigraram a Eretz Israel devido a onda de pogroms que se sucederam um ano antes ao

assassinato do Czar Alexandre II e que provocou uma emigração em massa da Rússia

Czarista em direção ao ocidente. Em Eretz Israel a família estabeleceu-se em Jerusalém e o

jovem Raffalovich , juntamente com seu irmão , passaram a estudar em varias ieshivot

(escolas talmúdicas) sob a orientação de professores de fama reconhecida por sua erudição

rabínica. Mais tarde, por influência de seu sogro I.D. Frumkin, se interessaria por um

projeto de colonização judaica em um período em que o governo turco proibia a aquisição

ou venda de terras a judeus. Nesse tempo ele ficou trabalhando durante nove meses em Es-

Salt (Ramot Guilad) na Transjordânia, estimulando jovens judeus de Jerusalém a fazerem o

mesmo. É desse tempo a publicação do álbum de fotografias que realizou juntamente com

Moshe Eliahu Sachs sob o título “Ansichten von Palästina und den Jüdischen Colonien”703

,

após ter estado na Inglaterra pela primeira vez e onde aprendera a profissão de fotógrafo.

703

Ed. Chemed, 1899 e reeditado pela ed.Ariel, Jerusalém,1979.

473

No ano de 1899 ele decidiu viajar novamente a Inglaterra para complementar seus estudos

entrando no Jewish College de Londres. Foi nesse período que resolveu fundar uma

associação para jovens que favorecesse uma aproximação e uma atividade social entre os

componentes da nova geração de Jerusalém sob o nome de “Achvá”. Mas a associação

ampliou seus objetivos promovendo o preparo de jovens para o trabalho agrícola e

colonização .Para tanto ele saiu para conhecer as “moshavot” existentes no país e

encaminhar jovens para aprenderem a trabalhar a terra e nela se fixarem. Após o Primeiro

Congresso Sionista de Basiléia um de seus amigos lhe sugeriu que fotografasse as

“moshavot” com a finalidade de mostrar o resultado do movimento de colonização

Chovevei Sion, antes da formação do sionismo político herzeliano. Desse modo, ele viajou

por todo o país fotografando as colonias fotos essas que permitiram compor o álbum acima

lembrado. Naquele tempo ele foi convidado pelo jornal “Express” para estar presente no

Terceiro Congresso Sionista na Basiléia, realizado em 1899, e ali conheceu o jornalista

Reuven Breinin. Dali ele foi a Inglaterra para estudar e acabou , de início indo a

Manchester para exercer a função de secretário de uma sinagoga. Ali, chegou a colaborar

com artigos no Manchester Guardian e no Jewish Chronicle. Dessa vez poude continuar

estudando até conseguir receber a “semichá” de rabino e enquanto se encontrava ainda

naquela cidade foi indicado para atuar em uma pequena cidade da região de Gales.

Naquele local tomou a iniciativa de criar uma escola para as crianças e inovou o método do

ensino da língua hebraica através de seu livro didático “Melamed Lehoil”.

Após certo tempo exercendo várias funções na comunidade de Manchester e Gales

conseguiu obter um posto na Hope- Place Synagogue em Liverpool (1904-1923). Em

Liverpool, uma cidade portuária que fazia parte da rota da migração européia de passagem

para a América ele não poupou esforços para criar as condições para ajudá-los, sob todos os

aspectos, sendo reconhecido por seu talento, trabalho, e dedicação aos imigrantes que

aportavam àquela cidade, em especial a partir de 1905, quando o número de emigrantes

judeus da Rússia aumentou consideravelmente. Apesar da interrupção sofrida durante os

anos da Primeira Guerra Mundial, ele retomou sua atividade em prol do imigrante logo

após com grande intensidade. Em função de sua missão ele viajou, em 1921, a Amsterdam ,

Antuérpia, Roterdam e Haag para travar entendimentos com as comissões locais com as

quais estava em contato durante vários anos ,para que juntos convencessem a ICA reunir

uma assembléia especial de todas as comissões de emigração para discutir os difíceis

problemas atinentes à essa questão. A Assembléia reuniu-se em Bruxelas com

representantes de vários países que tratavam de assuntos relativos à emigração. Apesar dos

escassos resultados desse encontro o fato chamou a atenção dos responsáveis pela ICA e

cujo diretor geral visitou Liverpool para ali constatar o notável trabalho que o rabino

realizava nesse setor. A experiência de R. com as questões concernentes à imigração e seu

trabalho com imigrantes que passavam por Liverpool foi marcante e tornou-se conhecida

em toda a Inglaterra. Nessa ocasião a ICA estava interessada em implementar a imigração

judaica ao Brasil. Desse modo Raffalovich foi convidado para representá-la nesse país e

criar as condições para dar o devido suporte à imigração judaica e implementar o projeto de

colonização agrícola já existente no Rio Grande do Sul desde 1904. Sua chegada ao Brasil é

narrada por Nathan Goren na coletânea de seus sermões intitulada “Maagalei Yosher”704

e

704

Ed.Shoham, Tel-Aviv, 1950. Boa parte dos sermões que constam nesse livro são traduções ao

hebraico do “Our Inheritance”, publicado em 1932.

474

em sua auto-biografia “Ziunim veTamrurim”705

. Podemos imaginar sua primeira impressão

sobre a comunidade ao desembarcar no Rio de Janeiro sem que houvesse viva alma para

esperá-lo no porto. O único a aparecer , foi o presidente da Federação Sionista, o veterano

Jacob Schneider, enquanto R. aguardava no hotel em que se encontrava os membros da

Associação de Ajuda e Amparo ao Imigrante (Relief). Três dias após R. deslocou-se para a

sede da Associação e se apresentou aos seus diretores que se encontravam reunidos naquele

momento. Estes ficaram surpresos e se mostraram relutantes, para manter os primeiros

entendimentos sobre sua missão no Brasil. É preciso dizer que os representantes e

funcionários da ICA eram vistos como assimilacionistas e, no Brasil, a experiência em sua

administração das colônias locais era alvo de severas críticas. O difícil diálogo de R. com

os diretores do Relief girou ao redor da colaboração dessa entidade na admissão de novos

imigrantes e sua integração no país e na organização interna da própria instituição para que

cumprisse os requisitos de seriedade e probidade necessários para cumprir com seus

objetivos. Em primeiro lugar dever-se-ia lutar para que o governo mudasse as leis que

restringiam a admissão de imigrantes da Europa Oriental, se organizassem comissões em

todas as comunidades para receber os imigrantes e providenciar trabalho para os mesmos

nos primeiros dias de sua chegada com a ajuda financeira da ICA. Pouco a pouco a atitude

em relação ao novo imigrante visto, por vezes, de ser um concorrente aos que já se

encontravam no país que se ocupavam do comércio ambulante, começava a sofrer

mudanças. Por um lado absorver o imigrante significava também criar cooperativas de

crédito e caixas econômicas e, por outro lado, instituições sociais que o integrassem na

comunidade e oferecesse aos seus filhos escolas nas quais pudessem dar continuidade às

suas tradições e recebessem a herança cultural de seus antepassados, o que demandava

investimentos e grandes esforços tratando-se de imigrantes pobres e com poucos recursos.

É possível acompanhar o seu empenho na organização da comunidade ao propor a criação

de uma Kehilá (lit. “comunidade”) que tivesse um caráter moderno e com autoridade

centralizada a fim de evitar os costumeiros desencontros e atritos próprios de instituições e

lideranças locais que disputavam entre si o “poder” sobre as demais, mesmo em momentos

delicados que exigiam harmonia de interesses e disciplina interna frente as questões que

concerniam a toda comunidade. O debate sobre a Kehilá envolveu todas as instituições e

atingiu boa parte do judaísmo brasileiro dividido em suas opiniões conforme já relatei em

outro lugar.706

Outro aspecto desse mesmo empenho é o desejo de conhecer mais a fundo o

705

Ed. Shoshani, Tel-Aviv,1952.

706 Vide sobre isso Falbel,N,Jacob Nachbin, Nobel, São Paulo,1985, pp.73-82. A discussão iniciada

em 1924 não terminaria e continuaria durante certo tempo com reações, a favor e contra, assim

como podem ser acompanhadas no jornal “Dos Idische Vochenblat”( O Semanário Israelita)

durante o ano seguinte como podemos verificar no número de 23/1/25 no qual os representantes

da comunidade de Natal no Rio Grande do Norte ainda se manifestaram a respeito. O debate não

cessaria e voltaria periodicamente à ordem do dia da vida comunitária. Quando em 1927

Raffalovich voltou mais uma vez ao assunto e o grupo de iniciativa que o apoiava convocou uma

assembléia geral para debater sobre o mesmo eclodiu em meados daquele ano novo debate no

Brasilianische Idische Presse, (números de 31/5/1927;3/6/1927;10/6/1927). Nathan Becker,

militante do Partido Poalei Sion se manifestaria dizendo que é a favor de uma organização

475

judaísmo brasileiro ao organizar um questionário estatístico para ser distribuído em todas as

comunidades devendo informar sobre o número de famílias , ocupações profissionais,

estabelecimentos comerciais, histórico de sua origem , possibilidades de receber imigrantes

, sinagogas e instituições existentes etc. Duas questões nesse questionário concernem

diretamente ao seu projeto comunitário, o primeiro de criar cooperativas de crédito (Leie

um Schpor Kasse) e o segundo sobre a possibilidade de se criar uma escola local.707

O

impulso que Raffalovich dera a Sociedade de Ajuda e Amparo ao Imigrante no Rio de

Janeiro, desde que chegara ao país, resultaria na ampliação de suas responsabilidades e

objetivos. Já em 1927 pouco após a fundação do HICEM (com a fusão da HIAS, ICA,

Emigdirect que se dera naquele mesmo ano).708

O Hilfs-Ferein, ou Relief, em assembléia

extraordinária de 31 de dezembro, traçava um novo programa de trabalho no tocante: 1) a

administração ;2) Lei um Schpor Kasse (cooperativa de crédito);3) Froien Schutz

Gezelschaft (Associação para a Defesa da Mulher);4) cursos de língua portuguesa; 5)

ensino profissional; 6) reorganização interna do aparato administrativo com o objetivo de

transformar-se numa organização central de ajuda social para todo o Brasil.709

Sob esse

aspecto começava agora uma nova etapa na vida judaica no Brasil resultado da dedicação

pessoal de Raffalovich que não poupou anos de esforços viajando de um lugar a outro para

conhecer o que se passava nas comunidades e sentir de perto os seus problemas. O HICEM

tinha como parte fundamental de seus objetivos a produtivização do imigrante e

Raffalovich deveria adaptar as diversas sociedades de ajuda para atender a esse escopo.

Para tanto ele viajaria a São Paulo, Santos, Porto Alegre, e demais comunidades para

aperfeiçoar e fortificar e criar associações locais e torná-las aptas para esse trabalho.710

Suas

viagens não se restringiram ao Brasil mas se estenderam também à Argentina uma vez que

a colonização da ICA nesse país serviu de modelo ao Brasil e o contato com seus

comunitária em bases democráticas mas que não apoiava o “grupo de iniciativa” (B.I.P. 31/5/1927).

Na sinagoga Beit Israel realizou-se um meeting para discutir o assunto e a tona dos que se

manifestaram entre eles Schlomo Izeckson, (no B.I.P. de 10/6/1927 ele explicará que nunca apoiou

essa idéia do rabino Raffalovich) Aron Shenker,A. Berman, N.Huliak, foi negativa. Entre os

argumentos alegou-se que a motivação da iniciativa era o “kavod” (vaidade pessoal) além de que a

tal “kehilá” poderia despertar o ódio da população cristã...

707 Dos Ídische Vochenblat (doravante DIV) 16/1/1925.

708 Os diretores do HICEM passariam a visitar os países sul-americanos e R. teria contato pessoal

com os mesmos. V. IF 20/4/1928. O Hilfs-Ferein, com a ampliação de suas atividades alugaria um

novo prédio na rua São Cristovão, 189. V.Idische Folksteitung (doravante IF) 8/6/1928.

709 IF 3/1/1928.

710 IF 20/1/1928.

476

problemas e sua administração passava a ser indispensável.711

Por outro lado, em suas

viagens pelas comunidades, proferia conferências e palestras sobre temas judaicos e

procurava despertar a consciência dos seus membros para a necessidade de se criar uma

escola local.712

Sua atividade itinerante pelo vasto território brasileiro acabaria por ter um

resultado surpreendente na criação de novas escolas. Raffalovich, desde que chegou ao

Brasil, percebeu a importância da imprensa judaica e logo passou a colaborar com artigos

para a mesma no intuito de esclarecer aspectos da história judaica, festividades religiosas e

questões relativas à vida comunitária, bem como divulgar sua atuação através do país.713

Sem pretendermos fazer uma história da educação judaica no Brasil devemos lembrar que o

projeto de colonização da ICA com a criação de Philippson em 1904 e Quatro Irmãos 1911-

2 previa a criação de escolas locais. Efetivamente encontramos a primeira escola judaica

em Philippson, estabelecida por Léon Back, em 1908 destinada a atender a educação dos

filhos de seus colonos. Podemos verificar que os egressos das colônias que se

estabeleceram nas cidades do Rio Grande do Sul procuraram criar escolas para darem

continuidade à educação judaica de seus filhos. Nos anos 10 temos em cidades como Porto

Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro “escolas”, na verdade “hedarim” provisórios para o

711

São freqüentes as notícias das viagens de R. à Argentina na imprensa judaico-brasileira. Em

20/1/1928 o IF anuncia a viagem do rabino a Buenos Aires, no mesmo navio, que viaja o

engenheiro Akiva J. Ettinger (1871-1945), especialista em colonização agrária, representante da

ICA e conselheiro para a América do Sul desde 1911, além de importante ativista do Fundo

Nacional Judaico )Keren Kayemet LeIsrael) que desempenhou um importante papel na

colonização agrária na Palestina. Ettinger esteve ,na época, visitando o Brasil, porém, ele já havia

estado no Brasil entre 1911 e 1913. Em suas memórias “Haklaim yehudim batefutzot”(Agricultores

judeus na diáspora), publicada em 1942, ele menciona ter visitado a colônia da ICA Philippson em

1913. Sobre ele vide o verbete na Encyclopaedia Judaica, Keter Pub. House, Jerusalém, 1971-2,

vol. 6, p.953; também Encyclopaedia of Zionism and Israel, Herzl Press –McGrow-Hill ,New York,

1971, vol.1, p.307.

712 O DIV de 12/2/1926 relata que chegou em 8/2 a Bahia e falou sobre seus dois anos de trabalho

comunitário no Brasil. O mesmo periódico de 19/3 confirma em entrevista que esteve na Bahia e

Pernambuco. O número de 26/3 informa que deu uma conferência sobre “Di meglichkeiten far a

gresseren ídischen ishuv in Brazil” (Os meios para uma comunidade judaica maior no Brasil) e o

DIV de 11/6 relata sobre sua viagem ao Sul e a Montevideo, referindo-se a ICA e a fundação de

escolas. Nessa viagem ele chegará a B.Aires pois o DIV de 23/7/1926 anuncia que está a

caminho de volta dessa cidade , assim informa seu secretário Zvi Peippert. No DIV de 23/7/1926

se refere a visita de R. em Santana do Livramento que em sua conferência expressa o receio da

assimilação vendo a educação como uma forma de se contrapor a esse processo. Isso nos dá uma

idéia da estonteante atividade do rabino e seu desejo de realizar ao que se impôs em sua missão

para o Brasil e América do Sul.

713 Podemos acompanhar sua atuação, viagens, homenagens, no DIV, no BIP , IF, e outros

periódicos desde os primeiros passos ao chegar ao país até sua saída em 1935.

477

ensino religioso das crianças dos imigrantes visando acima de tudo o seu preparo para o

bar-mitzva.714

Sem dúvida serviram como núcleos iniciais para um desenvolvimento

posterior de um currículo mais completo. Por outro lado sabemos de iniciativas pessoais

antes dos anos 20715

e já nos inícios dos anos 20 que por razões locais fracassaram.716

Nessa década é que efetivamente se criam escolas com um programa judaico secular

inspirados nos modelos europeus do Cysho e do Tarbut sendo predominante esta última

714

Sobre as escolas da ICA em Philippson, Quatro Irmãos e as demais colônias bem como outras

do tipo “hedarim” que também eram denominadas de Talmud Tora, vide meu artigo “Subsídios à

História da Educação Judaica no Brasil” in Falbel,N. Estudos sobre a comunidade judaica no

Brasil, Fisesp, São Paulo, 1984, pp. 119-130. Há no periódico “A Columna” (de set.-out.-

nov.dez.,1917) uma notícia sobre a escola de Pinhal “sob a direção de Max Rosenberg e cujos

alunos representaram a peça “ O Rei Lear” do conhecido israelita Jacob Gordin, em 4 atos com

música.” No Arquivo de David J.Pérez, Coleção Microfilmada de Nachman Falbel, Pasta 3,

encontra-se uma carta de Alexandre Algranti datada de 26/4/1916, dirigida a Pérez que se refere

ao Talmud Tora de São Paulo, fundado em 25 de fevereiro daquele ano: “Há um schochet

ambicioso em todos os aspectos vendedor ambulante que se diz grande sábio...e vai nas famílias

israelitas dar lições em Hebreu aos filhos destas. Naturalmente isto é diferente de nossa instituição

escolar...os pais podendo bem em mandar agora os filhos na escola, não mandem mais este que o

sr. Schochet (ambulante) em fazer concorrência e que bem pode ocupar-se de seus negócios”. O

tal “schochet” é certamente um “professor” que atua pessoalmente no preparo das crianças para o

“bar-mitzva” e que a escola recém fundada vê como seu “concorrente”. Na mesma carta informa-

se que na sinagoga da Rua da Graça, 39 recolheu-se contribuições dos que foram chamados à

leitura da Tora para o Talmud Tora. No periódico “A Columna” de março de 1916 noticia-se o

desejo de fundar uma escola e no número de maio do mesmo ano informa-se sobre fundação da

escola em 25 de fevereiro sendo que nos demais números encontramos notícias sobre a ajuda

institucional prestada ao Talmud Tora Beit Sefer Ivri de São Paulo alvo de elogios de parte de

visitantes à cidade de São Paulo, tais como Max Fineberg e Ambrósio Ezagui. Fineberg (“A

Columna”, agosto 1917) nos informa que “o Talmud Tora recentemente fundado que vai prestando

o inestimável serviço de instruir os filhos de nossos correligionários na língua dos Profetas e

educá-los propriamente para que sejam tão bons israelitas como brasileiros.”

715 Em Belém do Pará o major Eliezer Levy fundou uma escola “Externato Misto Dr. Chaim

Weizmann em 15 de novembro de 1919. Sobre isso vide Falbel, N., “Subsídios...” p.126.

716 É ocaso de uma iniciativa de A.Ribinik, ativista sionista, de fundar uma escola em Maceió, em

1922, mas como certas famílias não quiseram mais enviar seus filhos pelo fato de terem se

demitido da Sociedade local a escola teve que fechar, assim como a própria Sociedade

mantenedora. V. DIV 15/11/1924. No mesmo número se relata que em Cachoeira , pelo fato não

haver uma escola judaica as crianças que freqüentam a escola pública brasileira tem sucesso

devido os seus talentos...

478

corrente, plenamente identificada com os ideais sionistas e tendo como fundamental o

ensino da língua e da cultura hebraica. 717

Em certos lugares, nas comunidades maiores, como Rio de Janeiro, São Paulo,

Porto Alegre e algumas cidades menores já se encontravam funcionando escolas tais como

a Maguen David (mais tarde Colégio Hebreu-Brasileiro),718

Renascença (Hatchia) nas duas

primeiras cidades. Em Natal , por iniciativa da bem sucedida família Palatnik que se

estabelecera naquela cidade, foi criado um jardim-de-infância em 1925.719

Caso parecido

717

Uma carta assinada por Jaime Horowitz e Itshaq Roitberg ,respectivamente presidente e

secretário da primeira organização sionista no Rio de janeiro conhecida como Tiferet Zion, nos

informa que “podemos relatar que em reunião no dia 12 de Adar pensamos em criar uma escola

hebraica e aproveitamos o Purim para criarmos um fundo para o empreendimento

escolar...também nomeamos um diretor para o fundo da escola hebraica na pessoa do senhor Max

Fineberg...” Carta do Archion Hatzioni (Central Zionist Archives), de 16 de Adar 5674 (1914), pasta

Z 3/785.

718 A data oficial de fundação da Maguen David é 22 de abril de 1922, conforme consta na

Ilustração Israelita, 1, agosto de 1928. Além de Aron Goldemberg, Raphael Cohen, AlterKlein,

David Bilmis tomaram parte na fundação David José Pérez e Wolf Kadischevitch. Aron Goldenberg,

em 29/11/1921, havia enviado uma carta a David J.Pérez solicitando um encontro para conversar

“sobre a formação de um Colégio Israelita [sobre o qual] eu já tinha uma vez conversado com V.

Exa. Na praça 15 (?) de junho na chegada do Dr. Wilensky...” Em 14/2/1922 ele escreverá

novamente a Pérez em nome da Comisssão Executiva pedindo que compareça a uma reunião

“para dar a solução de assuntos sobre o “Colégio” Magen David , na sede do “Club Juventude

Israelita” sito Rua Santa Anna n. 49, sob...” Em 4 de abril de 1922 a “Comissão” convidaria a

Pérez para comparecer ao Colégio Maguen David, para no dia 6 do corrente tomar posse como

Diretor do Colégio...” Um cartão pessoal de Madame S.Worms datado de 6/4/1922, dirigido a Pérez

e desejando visitá-lo a fim de lhe falar sobre o Colégio Israelita se encontra juntamente com todos

esses documentos na Pasta 7 do Arquivo David José Pérez, Coleção Microfilmada Nachman

Falbel. Em 14/2/1924 Harry Marcos Fineberg, tezoureiro da escola, escreve a Pérez, “em nome da

Comissão Administrativa, concedendo-lhe autorização e poderes sobre as despesas internas que

venha necessitar o referido Colégio”. Vide também Falbel, N., David José Pérez: uma biografia,

Garamond, Rio de Janeiro, 2005. Contudo a escola teve sérias dificuldades nos seus primeiros

anos de existência e ainda em 23/1/1925 o DIV publicava um artigo “Di flicht fun di eltern” (O papel

dos país) no qual se apontava os obstáculos que a instituição deveria enfrentar.

719 Vide de Tuvia Palatnik, Benetivei hanedudim (Nos caminhos errantes), Tel-Aviv, 1970, pp.193-4.

O autor descreve com admiração a atuação de R. no Brasil e entre tudo o seu papel na criação da

rede escolar judaica no país. R. em seu “Tziunim veTamrurim”, p.189, faz referência a pequena

comunidade de Natal e seu jardim-de –infância sob a direção de Sara Barnitzki que foi trazida

especialmente de Eretz Israel para ser a responsável pela instituição.

479

foi a criação do jardim de infância e escola da Associação Scholem Aleichem no Rio de

Janeiro em 1925 que programou o ensino do ídiche no jardim da infância, o português

como parte do currículo e quatro anos de hebraico. Um artigo “Tzu der schul-initziative”

(para a iniciativa escolar) justificava a criação de mais uma escola na cidade pelo fato de

que muitos país se desculpavam em não enviar seus filhos a escola existente [a Maguen

David, de orientação hebraica] devido o seu “idichismo” .720

Esse mesmo “idichismo”

levaria a criação de uma Escola Popular Judaica e Jardim de Infância no Meyer , Rio de

Janeiro, sob a orientação pedagógica do notável líder do Poalei Sion, Aron Bergman.721

Procurava-se encontrar um equilíbrio entre o currículo hebraico e o ídiche, a língua do

cotidiano entre os imigrantes da Europa oriental, e no ano de 1925, em uma assembléia

geral da Escola Hebraico-Brasileira Maguen David realizada em 15 de março daquele ano,

após relatório financeiro e pedagógico, do diretor David J. Pérez, no qual anuncia que 11

alunos prestaram exames e entraram no Colégio Pedro II, houve uma proposta para se

720

DIV 31/7/1925 e 28/8/1925. O Beit Sefer Ivri-Brazilai “Maguen David” de orientação hebraísta

mobilizava boa parte da comunidade recebendo apoio das organizações sionistas e nos primeiros

anos tinha como diretor o Prof. David José Pérez, notícias sobre ela encontra-se no DIV que

comunica o encerramento do ano letivo além das comemorações e campanhas em seu favor.DIV

28/11/1924;9/1/1925;23/1/1925;6/3/1925;20/3/1925; 11/9/1925. Já em 1927 o diretor da escola era

o professor M. Burlá e frente ao novo ano letivo de 1928 a instituição daria um salto no tocante ao

número de alunos enquanto anunciava a abertura do primeiro ano ginasial, o que levou a mudança

para um novo prédio. Também ponderou-se, em assembléia geral, que elegeu nova diretoria, a

fortificação do ensino da língua ídiche. Vide IF 3/2/1928;7/2/1928; 2/3/1928;6/3/1928;

9/3/1928/10/4/1928. O IF de 4/5/1928;11/5/1928;1/6/1928;8/6/1928 trás o noticiário sobre os

preparativos para a inauguração do ginásio e do novo prédio marcado para o dia 10/6/1928.

721 BIP 6/12/1926; 9/12/1927, nesse último número se publica um artigo sobre “A natzional-veltliche

idische folks-schule un kinderheim”(A escola secular-nacional judaica e o lar da criança) no qual se

expressa que a idéia da criação de tal escola ,entre outras coisas relativas ao seu programa, é

devido ao fato de que “centenas de crianças são educadas na escola oficial na qual prevalece o

espírito católico...”

480

introduzir o estudo do ídiche.722

Na verdade um verdadeiro movimento entre pais e

professores apoiados iniciava-se para impor o ídiche como língua a ser estudada nas escolas

e com o mesmo peso e importância do hebraico. A iniciativa nesse sentido coube a Porto

Alegre onde um grupo de ativistas do partido Poalei Sion, em 1926, teve a iniciativa de

abrir a primeira escola, denominada Ber Borochov, na linha do “ídisch-veltliche folks-

schul” seguindo a corrente do Cysho europeu.723

O programa da escola, fundada em junho

de 1927, estava assentado sobre o ídiche como língua de ensino e o hebraico como a língua

722

DIV 20/3/1925. Wolf Kadischevich era presidente da escola e Raffalovich fazia parte da diretoria

ampla. O DIV de 8/1/1926 informava que em 2/12/1925 a escola Maguen David comemorava o

encerramento do ano letivo no salão do Clube Ginástico Português, com a presença de centenas

de famílias da cidade e que além do presidente, Leon Schwartz, falou o Dr. Raffalovich, seguindo-

se a representação em hebraico da peça “Bat Iftach”(A filha de Iftach), cantos e danças. Já no

número de 2/2/1926 informa-se que na assembléia anual da escola na qual se destaca, mais uma

vez, o ingresso das 11 crianças no Pedro II, apresentando-se o orçamento da instituição (50

contos de reis anuais, mensalidades e contribuições voluntárias) se revela que parte das crianças

“fun di arabischen idn” ( isto é, dos judeus sefaraditas) estudam gratuitamente. Interessante

observar que a diretoria, composta por judeus sefaraditas e asquenazitas da velha imigração,

apontou como Presidente de Honra o rabino Raffalovich. Em agosto de 1928 a Ilustração Israelita,

n.1, publicava um relato sobre o Maguen David no qual se elogiava “o trabalho incansável dos

excelentes educadores Wolf Kadischevitch, David Pérez e outros... após um período de

decadência ,debelado pela organização de uma nova comissão que entregou a diretoria ao sr.

Eidelman . Este elevou o Colégio a categoria de Ginásio, fazendo a mudança para um novo

edifício. Atualmente freqüentam 172 crianças...O programa de estudos de língua portuguesa é o

mesmo das escolas públicas. O quinto ano já prepara os alunos para fazer o exame de admissão

aos cursos secundários. Os estudos do hebraico seguem o mesmo programa do Ginásio de Jafa.

Todos os cursos funcionam no novo prédio da rua barão de Ubá,89. Para o lanche do meio-dia, o

ginásio oferece aos alunos leite e café.” Sobre a inauguração do novo edifício da escola encontra-

se uma carta de 25/5/1928 endereçada a Pérez, no Arquivo David J.Pérez, Pasta 12, Coleção

Microfilmes Nachman Falbel.

723Raizman viera da Argentina recomendado pelo partido Poalei Sion que apoiava e estava ligado

e apoiava a corrente do Cysho. Também A.Bergman viria ao Brasil para ser professor em Porto

Alegre mas acabou ficando no Rio. Boa parte do que se segue é extraído do excelente artigo, sem

indicação do autor, sob o título “Di bavegung far ídisch in Brazil” (O movimento pró- ídiche no

Brasil) no número comemorativo do Idische Presse, p.18-23. É preciso lembrar que em 1927

Zerubavel, o famoso líder do Linke Poalei Sion e vice-presidente da rede escolar na Polônia veio

para o Brasil em nome do Cyscho para colher fundos na América do Sul visitando também a

Argentina e outros lugares.. V. IF 6/1/1928. O jornal de Varsovia “ Heint” (Hoje) de 28/7/1927

publicou um artigo sobre sua pouco bem sucedida missão no continente.

481

para os estudos mais profundos, além do português, assim como era ensinado na escola

oficial do país. A escola Ber Borochov, que em 1927 se encontrava sob a direção de

I.Raizman,724

não durou muito tempo e a um dado momento ela teve que se unir a escola

hebraizante devido a má situação financeira de ambas. A segunda escola do mesmo gênero

foi a Jacob Dinezon725

de Salvador que continuou existindo durante muito tempo e no ano

de 1927 havia adotado o programa da “idisch –veltliche shul” da Polônia sob a direção de

Menasche Fuks e a orientação pedagógica de I. Shusterovich.726

Porém ,em 1934, por

724

I. Raizman, professor, foi um dos primeiros historiadores judeus no Brasil e do grupo fundador

do Poalei Sion em Porto Alegre. O IF 27/12/1927 trás a notícia sobre comemorações em

homenagem à Ber Borochov, o notável teórico do Poalei Sion. Raizman relata sobre os motivos da

criação da escola Ber Borochov em seu livro A fertl yorhundert idische presse in Brazil, (Um quarto

de século de imprensa judaica no Brasil) ed.Muzeum le-Omanut ha-Dfus, Safed, 1968, pp.55-57.

Em suma a luta entre as duas correntes , a idichista e a hebraísta é o que levou, na época, à

divisão de algumas escolas, entre elas também a de Santos, assim como o relata Raizman em sua

obra , pp.184-5. Raizman coloca claramente que a divisão da escola de Porto Alegre foi de caráter

ideológico e ele , idichista por convicção, naquele tempo, culpa injustamente os sionistas e a

obstinação do professor Jacob Faingelernt, bem como a Raffalovich pelo ocorrido. Em sua história

da imprensa judaica no Brasil, e antes dele o historiador Jacob Nachbin, assinala um dos seus

segmentos importantes foi representado pelos boletins ou jornais das escolas , como a de Santos,

o da escola J.Dinezon da Bahia, o da Scholem Aleichem em São Paulo e muitos outros. Raizman

publicará um histórico da escola no boletim comemorativo, lembrado mais abaixo (vide nota 27) da

escola de Santos, sob o título “Di schvere atchile...” ( O difícil começo...) no qual enfatiza o papel

de Jacob Faingelernt como hebraista que não dava importância ao ensino do ídiche, o que de fato

não corresponde inteiramente à verdade. A escola “Ber Borochov” encerraria suas atividades em

1929 e Raizman, com certa ironia e mágoa, lembra que a ICA não a subsidiou uma vez que R. se

atinha ao príncipio de não apoiar duas escolas em um mesmo local.

725 A escola foi fundada em 1925 e a notícia que temos no DIV 26/3/1926 sobre o primeiro

aniversário comemorado no dia 24/2 confirma o apoio de Raffalovich bem como a orientação que

havia adotado desde o início sendo “a única escola judaica no Brasil na qual se ensina as matérias

judaicas em ídiche e na qual o hebraico não é limitado, e que todas as crianças da comunidade a

freqüentam e é apoiada por toda a coletividade que se responsabiliza por ela.As despesas do ano

foram de 17 contos sendo de 6 o ingresso das anuidades ;1 conto provindo do Dr.Raffalovich e os

demais 10 contos cobertos pela comunidade, contando 40 crianças de ambos os sexos. Assina o

secretário da escola Jacob Berenstein.” No boletim “Undzer Yovel” , da escola J. Dinezon,

publicado em 1934, dá-se o ano de 1924 como a data de fundação da escola. Fundo 228 Gussy

Schkolnick AHJB.

726 Menasche Fuks demonstrou sua preocupação com a educação judaica através de uma série de

artigos na imprensa da época. Já nos números de 31/7 e 7/8/1925 do periódico DIV ele escreve

482

dissenções internas, seria criada uma nova escola.727

No mesmo ano de 1934 veriamos a

criação da escola Scholem Aleichem em São Paulo.728

Mas devemos lembrar que na cidade

de Santos, em agosto de 1930, foi fundada a escola “I.L.Peretz” seguindo a mesma

sobre a religião na escola judaica (Religie in a idischer schule) adotando uma postura laica sobre o

assunto.

727 Na ata número 1 da reunião de diretoria do Centro Israelita de 10/1/1934 consta a fundação da

escola para a qual J. Politschuk seria convidado para ser professor. Na ata 25 de 18/10/1934

consta na ordem do dia o item “sobre o acordo para a reconciliação com a escola J.Dinezon” ,o

que demonstra o quanto era frágil sua existência. Livro de Atas (10/1/1934-2/4/1936, ídiche) Fundo

426 - Bahia, AHJB.

728 Sobre ela vide o artigo de Abrahão Gitelman ,”Uma escola ídiche na São Paulo de trinta” in

Boletim Informativo do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro,ano III, número 17, outubro,1999, pp.7-

9.

483

orientação idichista do Cysho.729

No Rio de Janeiro o movimento pró-ídiche liderado

também pelo Poalei Sion que de início pretendia introduzir o ídiche na escola Maguen

David que não foi aceita pela maioria o que provocou que se criasse uma nova escola

729

Dois anos após a escola publicaria um boletim especial comemorativo de seus dois anos de

existência ,com a data de dezembro de 1932, tendo a figura do notável patrono-escritor estampada

na capa e o título “Di Idische Veltliche Schul”. O histórico dessa escola encontra-se no artigo

escrito por Godel Feingezicht com o título “Tzvei yohr idisch veltleche schul” (Dois anos de escola

secular judaica). O primeiro professor dessa escola foi Aisengart que em 1932 foi substituído por I.

Raizman. De início foi apoiada por R. mas esse apoio cessou quando os atritos internos na

comunidade local, aparentemente de natureza ideológica, se agravaram. Um artigo dirigido contra

R. escrito por Simon Ratholz “Der ICA forshteier un dos idische schul vezen in Brazil” (O

representante da ICA e a educação judaica no Brasil) permite compreender as razões que levaram

o rabino a não continuar dar o apoio financeiro àquela escola uma vez que a ICA negava-se a

subsidiar duas escolas em pequenas comunidades. O número comemorativo é constituído em boa

parte de artigos que contém incontidos ataques pessoais à Raffalovich que procuram denegrir sua

imagem perante a comunidade brasileira. Na publicação encontra-se uma carta aberta dirigida à

diretoria central do Instituto Científico Judaico (Yiwo) na Europa na qual se acusa o rabino-mor,

representante do Yiwo no Brasil, como um “declarado inimigo de tudo que é judaico e secular em

nossa comunidade”. Os ataques pessoais a Raffalovich se repetiriam nos boletins de outras

escolas afiliadas a mesma corrente assim como podemos constar na redação extremamente

agressiva do professor A.Aizengart, que já havia passado por várias escolas, desde que

desembarcara no Brasil, em artigo no boletim “Undzer Schul” da Escola Scholem Aleichem de São

Paulo, junho de 1934,p.5, intitulado “In tzeichen fun kamf” (Sob o signo da luta) dirá que a escola

deve estar orientada para as crianças em base moderna-progressista e não sob a nacionalista

estreita , clerical-chouvinista concepção dos ativistas dos “presidentes” e “diretores” com o seu

espírito reacionário, em todos os aspectos da educação escolar, e a tendência do profundo

reacionarismo e obscuro clericalismo da ICA e seu representante Raffalovich...” Fundo 140

Abraham Gitelman, AHJB. Era o tempo do “ódio ideológico” verbrrágico, irresponsável, sem limites

e sem escrúpulos! Era comum, na época - estamos falando dos anos 30 - entre os círculos de

esquerda, a visão de que o hebraico era uma língua sem futuro, clerical e de grupos

assimilacionistas; o ídiche seria a língua que preservaria o jovem educando da assimilação e

possibilitaria transmitir a herança da cultura judaica acumulada através dos tempos...Sob o aspecto

histórico ainda resta inquirir até onde essa ruptura, que se aprofunda fundamentalmente nos anos

30, não estaria relacionada a um contexto internacional mais amplo.

484

denominada Escola Complementar do Rio de Janeiro,730

que antes de tudo visava dar um

ensino judaico as crianças que estudavam em escolas brasileiras.731

Porém, sabemos que no

final dos anos 20 e inícios dos 30 as divergências entre os adeptos das duas correntes

730

BIP 26/9/1927 que anuncia uma reunião de fundação da Escola Complementar no Rio, no

Yugend Club, no qual Nathan Becker e A. Bergman, lideres do Poalei Sion explicam os objetivos

da nova instituição. No mesmo número noticia-se a inauguração para o dia 9/10 do mesmo ano e

no número de 30/9/1927 o jornal informa que em 1/10 foi eleita uma diretoria da Escola

Complementar com a presença de representantes de várias associações comunitárias, sendo

designados A. Bergman presidente, N.Bronstein, vice, secretário S. Karakuschanski, tezoureiro A.

Weiner, representante da comissão pedagógica A. Scherman, colaboradores da diretoria N. Becker

e M. Fridman. Sobre a Escola Complementar escreve Karakuschanski em seu livro

“Aspecten..,vol.1,p.14: “Foi em 1928 [na verdade 1927] quando nasceu a idéia de uma escola

complementar e para a qual se colocou a seu serviço o autor dessas linhas e Aron Bergman, Z”L, o

primeiro para o hebraico e o segundo para o ídiche. A escola complementar teve lugar no Yugend

Klub que na época era presidido por Nathan Becker. Se entende que Becker apoiava a escola de

todo coração e alma cedendo a sala gratuitamente. Também os professores não recebiam

qualquer remuneração...e devido a isso a escola fechou após 3 meses de existência.”

731 IF 8/6/1928 ao falar da abertura da escola Scholem Aleichem “a quarta do Rio. Ela se integra à

rede das Escola Hebraica que já passou a ser Ginásio Hebraico; a escola popular do Meyer; a

escola Complementar...que funciona no Yugend Klub.” Sobre a escola Scholem Aleichem do Rio

vide a brochura “Colégio Israelita Brasileiro Scholem Aleichem, Relatório Social e Financeiro para o

Decênio 1935-1945”.

485

atingiria o seu momento mais agudo.732

Efetivamente já se formulava a idéia de promover

um encontro nacional dos professores e ativistas da corrente seguidora do Cysho e criar

uma organização central das escolas seculares já existentes no país vislumbrando a

oficialização de duas correntes.733

No boletim “Undzer Yovel, da escola J. Dinezon,

relaciona-se as escolas existentes da corrente secular como sendo a da Bahia, a I.L.Peretz

de Santos , fundada em 1930, a Scholem Aleichem de São Paulo,fundada em 1934, a

N.Sc.Anski de Nilópolis, fundada em 1928, a Mendele Mocher Seforim de Petrópolis,

fundada em 1931 e a Scholem Aleichem do Rio de Janeiro. 734

Mas em relação a escola

em questão, posteriormente, uma assembléia da Maguen David decidiria pela introdução e

o equilíbrio das duas línguas no currículo da instituição. Contudo, tudo indica que a escola

do Meyer, lembrada acima, sob a iniciativa do Poalei Sion, foi criada em decorrência do

debate havido sobre essa questão e denominou-se Natzional-veltliche Idische Schul in Rio ,

durando, sob a direção pedagógica de L.Schmelzinger, até o ano de 1933. O ano de 1927

732

Em artigo de autoria de Aharon Matz, um dos dirigentes da escola Scholem Aleichem do Rio,

sob o título “Farvos idisch-veltliche shulen?” (Por que escolas seculares judaicas?) publicado no

mencionado boletim comemorativo da escola de Santos, colocando a corrente secular nacional-

judaica como a melhor alternativa temos ,em contraposição, uma definição das correntes escolares

a começar do Talmud Tora ou escola religiosa que “tira a criança do mundo que o envolve”; a

hebraica que apesar de moderna “constroi uma muralha da China entre a criança e seus país”

educando para uma Eretz-Israel ,um sonho do futuro, para o qual ele não irá, e que não realizará,

assim como o Talmud Tora vive do passado da história judaica; a escola oficial brasileira, que ao

contrário das duas anteriores que afastam a criança do meio no qual vive, favorece a assimilação

como um desejo deliberado de integração em uma única nação e luta para eliminar qualquer

vestígio de outra identidade, aumentando, desse modo, o abismo entre a criança judia e seu lar,

afastando-a de seus pais para poder melhor assimilá-la. Para o autor somente a idisch-veltliche

schul é capaz de se opor a assimilação e evitar o afastamento da criança do seu meio judaico. É

no mínimo surpreendente, que em alguns artigos dos defensores da “veltliche shule” a corrente

hebraica (do Tarbut), por ser promovida pela ICA era vista como assimilacionista...É o que vemos

no artigo de Ch.I. Weisman “Lomir boien idisch-veltliche schulen” (Construamos escolas judaicas

seculares).

733 Conforme se encontra manifesto em artigo publicado no boletim da Escola Scholem Aliechem

de São Paulo “Undzer Schul”, São Paulo, junho de 1934, p.2. O articulista anônimo propõe um

contato permanente com o Cysho na Polônia, com o Arbeter Ring dos Estados Unidos e outras

organizações. Na mesma publicação anunciava-se a formação de uma escola secular em Curitiba,

mas tudo indica nunca chegou a ser criada. Fundo 140 Abrahão Gitelman, AHJB. O mesmo

encontramos no boletim “Undzer Yovel” da escola J.Dinezon. Fundo 228 Gussy Schkolnick, AHJB.

734 “Undzer Yovel, boletim da escola J. Dinezon, 1934. Fundo 228 Gussy Schkolnick, AHJB. O

boletim noticiava a vinda ao Brasil do professor P. Tabak, que dirigia uma escola secular em Lublin

na Polônia, além de um artigo de sua autoria.

486

aponta para um amadurecimento no sentido do debate sobre a concepção que deve reger a

escola judaica no Brasil e nele tomam parte professores respeitáveis como Moshe Fridman

que se destacava por sua cultura e teve um papel de destaque entre os educadores da

comunidade brasileira.735

Uma entrevista do presidente da Escola Hebraico-Brasileira,

Leon Schwartz, ao BIP reflete o que se passava ao enfatizar que “nesse ano será dada maior

atenção ao ídiche”.736

Um olhar atento sobre o que se passava na rede escolar revelaria que

na medida em que o “esquerdismo” se identificava com o ídiche e assumia uma postura

ideológica radical,737

em oposição ao hebraico, a harmonia e a união comunitária se

mostrava ameaçada por divisões internas. Nesse sentido, a fim de evitar cisões e perigos

que espreitavam a vida escolar em uma fase de ampliação do número das escolas em

diversos Estados levou a que se pensasse na realização de um “congresso nacional sobre a

educação judaica no Brasil”.738

-739

Tudo indica que Raffalovich vinha já vinha há algum

735

Vide BIP 8/11/1927;26/11/1927;29/11/1927. Moshe Fridman, culto e excelente hebraísta era

egresso do Seminário de Professores de Odessa e foi diretor do Ginásio Hebreu-Brasileiro.

Encontramos no DIV de 5/12/1924 um artigo de sua autoria justificando o porque de uma escola

“hebraica” (“Farvos a hebreische schule”) no qual argumenta que houve uma criatividade em

hebraico durante toda a história do povo judeu e a fonte dessa criatividade é o Tanach, a Bíblia

Hebraica. Artigos de sua autoria relativos à educação encontram-se disseminados em boa parte da

imprensa judaica dos anos 20 e 30, tais como os do Idische Folkstseitung de 11/5/1928 sob o título

“Di printzipen fun aktiver dertziung”(Os princípios da educação ativa) e de 25/5/1928 “Di

biologische tzilen fun ertziung” (Os propósitos biológicos da educação) ou ainda no número

comemorativo do Idishe Presse de 19/6/1935 “Idische schul-vezen in Brazil”(Educação judaica no

Brasil). Vide sobre ele S. Karakushanski, Aspectn funem idischen leben in Brazil (Aspectos da vida

judaica no Brasil),Rio de Janeiro,1956-7, 2vol., vol.II, pp.117-119. Nesse tempo, que antecede ao

Congresso dos professores muitos artigos sobre educação serão publicados na imprensa. Outros

professores, J. Politchuk, publicará no IF 24/2/1928 seu artigo “Tzu der schul um lerer-frage”

(Sobre a escola e a questão dos professores),Moshe Weiner ,no IF 27/1/1928 publicará o artigo

“Tzu di schul-fraguen” (Sobre as questões escolares) abordando a questão da passagem do grupo

escolar e a admissão ao curso ginasial. O professor Jacob Faingelernt publicará no IF 7/2/1928 o

artigo “Der baginem fun untzer schul-vezen” (Os inícios de nossa educação escolar) e B.Zinger, de

Santa Maria , no IF 23/3/1928 o artigo “Tzu der schul-frage”(Sobre a questão escolar).

736 BIP 11/3/1927.

737 Essa postura ideológica encontra-se no artigo de Aron Schenker, “Di notvendikeit fun a

idischer schul”(A necessidade de uma escola judaica), publicado originalmente no “Dos Idische

Vochenblat” e reproduzido em seu livro “Vort un Tat”(Palavra e ação), ed.Ykuf, Rio de Janeiro,

1959,pp.133-135.

738 BIP 16/12/1927.

739 A idéia provocaria uma reação positiva entre educadores, professores e interessados que se

manifestariam sobre a mesma na imprensa a começar de L.Marchevski de Campinas com o artigo

487

tempo pensando em fundar um “ tipo de escola para professores no período das férias de

verão , para dar aos professores necessitados a oportunidade de complementar seus estudos

”.740

Já em 5 de março de 1928 programou-se um encontro de educadores e interessados

para discutirem algumas questões sobre educação judaica no Rio na Escola Hebraico-

Brasileira, reunião essa presidida pelo rabino Raffalovich. Seria um encontro prévio que

prepararia a pauta dos professores da cidade para o Congresso. No final de junho de 1928

R. enviava uma circular na qual dizia que “ após a questão da educação neste país ainda não

ter encontrado uma solução de parte daqueles que diretamente estão nela implicados, ou

seja os professores judeus deste e devido a grande necessidade de se criar um programa

geral para todas as escolas existentes fortificar os professores menos preparados a fim de

lhes dar os meios de elevar a necessária educação da nova geração judaica no pais, foi

resolvido de acordo com os professores, convocar um Congresso de Professores nos dias

das férias de verão com a duração mínima de um mês. Durante esse tempo realizar-se-ão

aulas exemplares e palestras sobre temas pedagógicos e técnicas de ensino. Desse modo

dar-se-á a oportunidade aos professores voltar a estudar e a outros complementar seus

conhecimentos sobre o ensino moderno, criando laços entre os professores e favorecer a

ampliação de um campo de trabalho comum no futuro. Em relação às despesas do encontro

nos esforçaremos em encontrar os múltiplos meios a fim de facilitar aos professores o

máximo possível. Após recebermos uma resposta positiva de todos os professores dispostos

a participarem no encontro fixaremos o lugar para a sua realização ao mesmo tempo que

elaboraremos um programa detalhado do mesmo.”741

Efetivamente esse Congresso

“Lerer-tzuzamenfor un zentraler bildung-komitet”(Cogresso de professores e comitê de cultura),

que aborda a questão da escola na província ou nas cidades menores.

740 Em carta de 20/1/1927 à J.Faingelernt ele expressa essa idéia dizendo que ao voltar de viagem

que deverá fazer a Buenos Aires “te escreverei sobre um assunto importante sobre o qual deverei

contar com tua ajuda”. Na mesma carta ele se refere a B.Schulman que lhe escreveu sobre a

escola e teceu elogios ao trabalho que Faingelernt estava realizando naquela instituição. R. lhe

dirá: “Não desanime, meu amigo, meu coração está certo e seguro que no final a vitória será

nossa, mesmo que demore, ela virá. Consola-te com a idéia que sobre você caiu a sorte de ser um

pioneiro que abre caminhos para o renascimento hebraico, que inevitavelmente se realizará. Ainda

que esse caminho seja difícil e pleno de obstáculos e ameaças. Mas você está entre os pioneiros

que trabalham com as dificuldades que não nos é possível descrevê-las e todos sofremos, e ainda

sofreremos, e talvez não cheguemos a colher o que semeamos com lágrimas, porém, não vamos

desistir mas prosseguiremos lutando e seguindo em frente.” Fundo 29 Jacob Faingelernt,AHJB.

741 Em 22/6/1928 R. enviava uma carta a J.Faingelernt na qual o informava que estava remetendo

a mencionada circular e solicitava sua colaboração para organizar o evento e dar seu parecer

sobre um programa que com sua ajuda e a ajuda de outros professores como Weiner, Burlá e

mais um ou dois poderá ser trabalhado quando soubermos que os professores ou sua maioria

tomarão parte no encontro. Ainda que haja idéias de que o encontro deva ser em São Paulo devido

a facilidade de se encontrar ali os meios necessários para sua realização, pessoalmente tendo

para Curitiba devido ser a atmosfera, também espiritual, mais limpa, razão pela qual escrevi ao

488

realizar-se-ia no Rio de Janeiro entre 20-25 de dezembro de 1928 e seria com ele

programado um seminário pedagógico durante um mês de atividades tendo como finalidade

reforçar o preparo professores.742

Nesse encontro estavam representadas 15 escolas do norte

senhor Stolzenberg sobre o assunto...” Já em 20/11/1928 R. comunicava a Faingelernt que a

finalidade do encontro era dar aos professores que não tem nenhuma idéia de pedagogia e ensino,

e nunca estudaram tais disciplinas, uma orientação e certo conhecimento. Os melhores

professores aptos a transmitir algo deverão participar ativamente na transmissão aos seus colegas

não preparados e lhes dar uma orientação. Perdoe-nos por termos colocado a você entre os

conferencistas sem aguardar sua resposta uma vez que não podemos procrastinar ou esperar por

uma troca de cartas sobre o assunto. Na ocasião poderemos tratar das questões que tocastes em

tua carta. O programa proposto pela comissão organizadora do Congresso é provisório e se tens

algo mais a acrescentar aceitaremos com a maior alegria. Estou seguro que te preocuparás em

pensar sobre a situação da educação judaica no Brasil e participarás conosco nesse imenso

trabalho.” De fato entre a documentação do Fundo 29 J.Faingelernt, AHJB, encontra-se o

programa de palestras “Tochnit shel Kinus Hamorim Haivrim Harishon BeBrazilia” (Programa do

Primeiro Congresso de Professores no Brasil) com a especificação dos temas e palestrantes com

os nomes de Faingelernt, Weiner, Burlá, Schmelzinger (erroneamente consta como

Schmelznberg), Eidelman, Fridman e alguns outros nomes indicados para temas de higiene

escolar, educação física etc.

742 A notícia com fotos das escolas encontra-se no número comemorativo do jornal “Idische

Presse”, 1935. No mesmo número o artigo “Di Idische Kolonitzatzie –Gezelschaft (ICA)” faz

referência ao papel da ICA com essas palavras: “Um especial capítulo ocupa a educação judaica

no Brasil, com uma rede de escolas, que se contam em mais de 30 estabelecimentos, e que são

subsidiadas pela ICA. A organização da educação judaica no Brasil sempre foi e permanece como

o mais importante instrumento para a formação da nova geração em bases espirituais sadias e

nisso a ajuda da ICA permitiu ter amplos meios para que se pudesse tanto realizar. Daí

lembrarmos do importante encontro dos professores judeus que a ICA promoveu em 1928 no Rio

de Janeiro.” Na Ilustração Israelita de número 6-7, correspondendo a janeiro e fevereiro de 1929,

a data do Congresso consta como 10 de janeiro a 10 de fevereiro de 1929, o que representa o

período do seminário pedagógico .A notícia informa que “reuniram-se diariamente cerca de 30

professores representantes de 15 colégios: São Paulo, Capital Federal, Campinas, Curitiba, Recife,

Bahia, Niteroy, Natal , Belo Horizonte, Passo Fundo, Cruz Alta, Campos, Porto Alegre e Quatro

Irmãos. O objetivo foi elaborar um programa comum para o ensino das escolas da língua e história

judia, inclusive cursos pedagógicos, realizou o congresso 52 sessões sendo 22 conferências e 26

aulas e exemplos. Comissão que presidiu os trabalhos:Presidente Honorário I.Raffalovich;

Presidentes M.Weiner, São Paulo e A.Chassin, da Bahia, J.Eidelman, M.Fridman e M.Burlá, da

Capital Federal; séc. M.Bloch, de Niteroy e Sara Branitzky, de Natal. Conferências do Prof. Ignácio

489

ao sul do país, a saber São Paulo, Rio, Campinas,743

Curitiba,744

Recife, Bahia, Niteroy,745

Natal, B.Horizonte,746

Passo Fundo,747

Cruz Alta,748

Campos749

, P.Alegre e Quatro Irmãos,

Amaral, Dra. Celina Padilha e Dr. Bauzer. O centro da reunião foi o Colégio Hebreu-Brasileiro, e as

despesas pagas pela JCA, representada por I.Raffalovich.” Raffalovich em sua auto-biografia

(Tziunim veTamrurim, p.187), confirma a realização do seminário pedagógico de um mês realizado

naquela ocasião sem especificar data. O encontro também é lembrado por Jacob Nachbin em seu

artigo “Der moderner idischer ishuv in Brazil” publicado em setembro de 1930 no periódico “Di

Tzukunft”, nos Estados Unidos.

743 Referência sobre a escola, na qual atuou o professor Eizengart, no IF 1/5/1928.

744 No DIV 12/3/1926 em um artigo de Bernardo (Baruch) Schulman sobre a situação sócio-

econômica da comunidade local, ele escreve: “Tínhamos por exemplo uma escola, um campo de

atuação que é o mais urgente, o mais sagrado e que aqui no Brasil deve-se sacrificar as melhores

forças, porém, a escola não durou mais que alguns meses. Sabemos bem que o fracasso da

escola está associado a vários fatores, tais como a incapacidade do professor com o qual as

crianças e os pais estavam insatisfeitos, o desnível nos estudos, a falta de tempo devido os

estudos gerais na escola oficial além de outras, de modo que a responsabilidade não recai

inteiramente sobre a comissão da escola...”

745 O DIV 5/12/1924 anuncia que inaugurou-se uma escola em Niteroy “já alguns dias, cujo

pedagogo é Moshe Weiner.” O DIV de 6/2/1925;21/2/1925; 9/10/1925;10/12/1926 dão notícias

interessantes sobre essa instituição de ensino o que nos permite acompanhar seu

desenvolvimento inicial. No DIV 6/11/1925 informa que em 24/10, em uma noite litero-musical em

benefício da escola o Dr.Raffalovich “falou sobre o papel que ela deve cumprir e o perigo das

crianças judias não poderem freqüentar uma escola judaica”. Já o BIP 8/3/27 nos informa sobre

“uma reunião com a presença do Dr. Raffalovich , devido o perigo de se fechar a escola e na qual

se decidiu designar uma comissão que resolveu a)que a escola seja independente,b) incentivar os

pais a mandarem seus filhos à escola,c)que se pague antecipadamente as anuidades e que se

comprometam a sustentar a instituição. O Dr. Raffalovich concordou com um subsidio às crianças

que não tem condições de pagar.”

746 Apesar do Lexikon fun idische gezelschaftliche askonim un kultur-tuer in Brazil (Léxico dos

ativistas sócias e culturais no Brasil) brochura B.Horizonte, ed.Rio de Janeiro, 1957, apenas afirmar

que a Escola Israelita foi criada em 1928 temos provas documentais que anos antes já existia uma

escola judaica. O BIP 26/4/1927 se refere a existência de duas escolas e a correspondência do

professor Jacob Faingelernt com Raffalovich evidencia já existência de uma escola antes de 1928.

Fundo 29 Jacob Faingelernt, AHJB (doado por seu filho David Faingelernt Z’L).

747 A escola foi fundada em 1926 sob a orientação do professor I.D. Schnitman. IF 24/1/1928;

28/2/1928;4/5/1928;29/5/1928. Nela atuou durante bom tempo o professor Jacob Politchuk.

Politchuk originário de Sekuron era professor de hebraico e ativista sionista. Começou como

490

boa parte devendo sua fundação aos esforços, incentivo e apoio do rabino Raffalovich, que

viajava incessantemente com o fim de contatar as comunidades e se comprometer com a

liderança local em relação a ajuda da ICA na manutenção das escolas. Algumas escolas

não estavam representadas no Congresso de 1928 mas sabemos de sua existência e criação

antes daquele ano entre elas a de Ponta Grossa 750

e a de Santa Maria.751

Por outro lado a

ausência de um professor de Franca, uma das comunidades antigas do Estado de São Paulo,

se explica pela falta de uma escola naquela cidade.752

O professor Moshe Weiner, da

escola Renascença de São Paulo753

foi eleito presidente desse encontro que tinha um grupo

professor em Santa Maria e lecionou em muitos outros lugares. Sobre ele vide Karakuchanski, Sh.,

Aspecten...,vol.II,pp.128-30.

748 O DIV 29/10/1926 anuncia a presença do escritor Menashe Halperin e do Dr. Raffalovich que

incentivaram o reinicio das atividades culturais. Raffalovich tratou da escola que estava

abandonada pelos pais e passou a receber o apoio material e espiritual do mesmo. Raffalovich

enviaria um novo professor que ganhou a simpatia do “ishuv. O BIP 31/5/1927 recebe o

seu,representante em Cruz Alta e relata que a escola local se apresenta um bom nível de ensino.

749 O IF 20/4/1928 anuncia que Dr.Raffalovich visitou em 1/4 a escola Jacob Dinezon local e ficou

satisfeito com os resultados. Assina a matéria Moshe Segal.

750 A escola de Ponta Grossa, Paraná, sob a direção de A. Aisengart, inaugurada em 26/6/1927

com a ajuda de Raffalovich ao qual se agradeceu naquela ocasião. BIP 5/7/1927;23/8/1927;

26/8/1927. No IF 27/12/1927 em relato sobre a comunidade local Samuel Fridman menciona

que “as crianças eram educadas em uma atmosfera brasileira até que em 21/2/1927 chegou o

Dr. Raffalovich , em sua viagem ao sul, em companhia de Julio Stolzenberg, e, pela primeira

vez criou-se um fundo para uma sociedade com fins culturais e religiosos. Em 15 de junho o

Dr. Raffalovich enviou um professor e se registraram 20 e poucas crianças...”

751 Segundo notícia no DIV 27/11/1925 a escola teria sido criada em 1925. Também BIP

21/10/1927.

752 O DIV 8/10/1926 relata uma visita que Aron Koifman ,redator do jornal em questão fez a Franca

durante a qual sugeriu a criação de uma sociedade para fundar e cuidar de uma escola ou

estabelecer cursos noturnos para as crianças, além de uma biblioteca. Em 21/10/1927 o BIP

publicava uma matéria sobre a comunidade afirmando a necessidade de se criar uma escola uma

vez que as crianças estão afastadas do judaísmo. Ainda no ano seguinte o IF 28/2/1928 relatava

sobre a divisão existente naquela comunidade o que levou a enfraquecer uma tentativa de se

organizá-la, “razão pela qual não foi resolvido o problema da falta de um professor que educasse

as crianças no judaísmo.”

753 Moshe Weiner, altamente capacitado como pedagogo, deu um notável impulso ao Renascença,

criado em 1922, recebendo o apoio da ICA, e transformando-a em uma instituição de ensino

modelar. A escola contou inicialmente com um grupo de professores experimentados como

I.Mishkis, A.Shochat, e outros. Sobre a escola vide a publicação “Renascença-75 anos (1922-

491

1997)”. Pela notícia do DIV 12/12/1924 Moshe Weiner ao chegar ao Brasil viveu certo tempo no

Rio encarregando-se de organizar no Centro Sionista cursos noturnos de hebraico, ídiche,

Tanach, história judaica e estudos gerais. Em 1925 Moshe Weiner já se encontrava em São Paulo

e lecionando no Renascença, que nesse ano se localizava na rua Florêncio de Abreu,151. O DIV

26/6/1925 anuncia que a escola está fazendo reformas nos estudos em português demodo que

podem aceitar novos alunos. Uma das iniciativas originais de M. Weiner, assim informa o DIV de

7/8/1925 foi a criação da “sociedade” “Dos Idische Kind” com estatutos e afiliação de crianças

acima dos 10 anos, pagando uma taxa e tendo como compromisso de falar ídiche e hebraico entre

si e em suas residências, além de respeito mútuo e fraternidade. Visam, também, criar uma

biblioteca infantil e programar encontros periódicos para conferências, palestras, declamações e

cantos etc. Já em inícios de 1926 a escola recebe total apoio da comunidade e o DIV 15/1/1926

em reunião anual se anuncia a melhora financeira da escola graças o apoio obtido. Nessa ocasião

Moshe Weiner abordou a questão da religião e seu ensino na escola, com a sabedoria de

pedagogo que o caracterizava, formulando-a sob três aspectos a) como crença, e nesse caso ela

necessita de um rabino e não um professor, b) negativamente, nesse caso ela não tem lugar em

uma escola, c) historicamente, e nesse caso ela se presta ao ensino moderno e a escola popular.

Conforme o DIV 3/2/1926, a um determinado momento ,como diretor da Escola Renascença

(Hatchia) de São Paulo ele ampliou um setor profissional que abrangia encadernação, orquestra,

seção de costura feminina, feitura de chapéus ,essa última dirigida por uma comissão presidida por

Berta Klabin e senhoras das famílias veteranas da comunidade paulista Rebeca Bessil, Ana

Novinski, Luba Klabin, Geni Zlatopolski, Ida Segall, Geni Weinstein, Fany Mindlin e Geni Segall. O

DIV 8/10/1926 29/10/1926 confirma a continuidade do setor profissional. Antes, no ano anterior, em

artigo publicado no DIV 20/11/1925 ao se referir a escola Renascença, um articulista com o

pseudônimo “A Eigener”, dedicado à São Paulo, ao expressar uma das dificuldades para o ensino

lembrando que os professores no Brasil são poucos e que se podem dedicar-se ao comércio

largam escolas e alunos. Porém tece elogios a Moshe Weiner “que criou uma atmosfera favorável

e um nível pedagógico satisfatório” para a instituição, apesar das dificuldades e crise pelas quais

passa a escola, crise essa que é retratada por um ex-presidente Azriel Raw em carta enviada ao

DIV 27/11/1925 na qual revela as causas de sua demissão do cargo. Já no ano seguinte a escola

superaria a crise e o DIV 24/5/1926;4/6/1926;27/8/1926 mostraria a sua recuperação e vitalidade.

A partir daí a escola parece polarizar a atenção de todos os setores da comunidade ,asquenazitas

e sefaraditas, e, conforme IF 6/1/1928 a avaliação do seu ensino é inteiramente positiva: “Os

exames da escola israelita de São Paulo “Hatchia” revelam sucesso; o prgrama dos estudos em

português melhorou e se compara com o programa oficial dos quatro anos do grupo escolar.

Também o programa judaico este ano se ampliou e as crianças mostraram bons conhecimentos.

Recebem uma educação nacional, conhecem história judaica e o significado das festas, lêem bem

, escrevem e falam hebraico e ídiche e conhecem Tora e Neviim.Em especial as crianças do 1 e 2

492

de 15 professores pertencentes ao partido Poalei Sion do total de 32 que nele tomaram

parte. L. Schmelzinger era o representante desse grupo cuja concepção pedagógica pregava

a total independência do ensino, o direito assegurado do ensino do ídiche e o caráter

universal-popular do currículo. A facção hebraísta era composta de 7 professores sob a

direção de I.Eidelman e os demais 10 professores tinham uma posição mediadora entre

ambos grupos o que permitiu uma resolução sobre a igualdade, perante o programa escolar,

do ídiche e hebraico. Uma das conseqüências da realização desse Congresso foi o estímulo

para a fundação de novas escolas, entre elas a de Itajubá ,em Minas Gerais.754

Outro

resultado positivo do Congresso foi a criação de um Centro de Professores , com o apoio do

Dr.Raffalovich e presidência de I. Eidelman e secretária geral de Moshe Fridman, com a

finalidade de cuidar dos interesses dos professores , seu preparo pedagógico e o nível e

currículo escolar das instituições de ensino.755

Pouco tempo antes da realização do

Congresso, fundava-se, em 23 de setembro de 1928 a Folks-Schul Scholem Aleichem no

Rio de Janeiro e cuja adesão comunitária foi de tal monta que nos primeiros meses

inscreveram-se cerca de 200 crianças. O segredo do sucesso na época estava no currículo

em que o ídiche era a língua de ensino associado a uma pedagogia moderna e atualizada

associados ao nome do conhecido pedagogo-escritor Eliezer Steinbarg que nos dois anos

em que atuou ganhou as simpatias de todos, e da competente pedagoga Lea Zacher.756

Após a volta de E.Steinbarg à Europa a escola Scholem Aleichem passaria por uma fase

difícil e enfrentaria graves problemas financeiros que seriam superados posteriormente, no

período da gestão do Prof. Pesach Tabak, em 1934, ano em que a escola ficou paralisada.757

ano mostram um aproveitamento notável e é de se admirar como Moshe Weiner conseguiu com

crianças que vivem um ambiente brasileiro tais resultados.” Em São Paulo, somente em 1930,

surgiria uma nova escola no bairro do Braz. Vide IF 29/8/1930. Também em 1933 seria fundada no

Bom Retiro a escola Centro Israel Talmud Tora modificado mais tarde para Escola Religiosa

Brasileira Israelita Talmud Torah de orientação religiosa conforme o nome indica.

754 Ilustração Israelita, 6-7,jan.-fev. 1929. Foi inaugurada em 25/12/1928.

755 Circular de 16/5/1931, assinada por I. Eidelman e M.Fridman. Fundo Jacob Faingelernt, AHJB.

756 Sobre ela escreve o IF 10/4/1928 e 17/4/1928 que chegou ao Rio a convite da escola do Meyer

no dia 9/4, vinda da Polônia. Nasceu em Kolomei e fez o ginásio na Galitzia e estudou em Viena.

Lecionou na Galitzia Oriental como pedagoga e também era pianista.

757 Nesse período A.Bergman era diretor da escola. Quando P. Tabak assumiu a diretoria a escola

reiniciou sua atividade escolar e o esforço em organizar comissões de matrícula, conseguir

associados e obter fundos é coroada de êxito e em 26 de fevereiro de 1935 ,para o novo ano

letivo, a instituição se apresentaria estável. A escola ,nesse tempo, fucionaria com uma jardim de

infância sob a orientação de Ida Springer e três primeiras classes primárias com o auxílio de duas

professoras brasileiras para o ensino geral. V. o artigo citado no número comemorativo do IF.

493

Como já vimos mais acima outra escola afiliada a mesma corrente foi a I.L.Peretz de

Santos, criada em 1929 que tiveram como professores Aisengart, Raizman e Berenstein,

que desenvolveram um trabalho com bons resultados pedagógicos. 758

Ao desembarcar no Rio de Janeiro R. encontrara algumas poucas escolas judaicas e calcula-

se que ao sair do país em 1935 para voltar a Eretz Israel, a rede escolar contava com mais

de 30 estabelecimentos de ensino fundadas por ele e com o apoio financeiro da ICA.759

Ele

também percebera que não havia literatura judaica em língua portuguesa indispensável para

se levar um programa escolar para a nova geração. Daí o seu empenho em traduzir os seus

próprios escritos ao vernáculo uma vez que na Inglaterra ele já havia se preocupado em

escrever livros didáticos sobre a temática judaica, a começar do Rudiments of Judaism

(1906) traduzido posteriormente ao português no Brasil (1925), com duas ou três edições, 760

além de um Anglo-Hebrew Modern Dictionary (1926), de um volume de sermões e

discursos sob o título Our Inheritance (1932). Um dos livros importantes que traduziu ao

português foi a História dos Judeus, de autoria de Paul Goodman (1874-1949), ativista

sionista inglês e escritor, publicado em 1926. Além desses títulos ele publicou vários de

seus sermões761

e, ocasionalmente, brochuras sobre as festividades judaicas.

A visão de Raffalovich sobre o judaísmo brasileiro e sua correta compreensão sobre as

especificidades da imigração predominantemente proveniente da Europa Oriental e que

tomava parte na formação das primeiras escolas e instituições comunitárias permitiu que

obtivesse sucesso em sua vinda ao Brasil. Essa visão estava intimamente ligada à sua

personalidade tolerante e disposto ao diálogo aberto com todos que podiam contribuir para

elevar o seu projeto escolar e as instituições comunitárias.762

Sabia que para realizar o seu

758

A noticia do IF 17/2/1928 informa que o Centro Jitlovski de Santos resolveu fundar uma escola

e para tanto designou uma comissão. Como vimos anteriormente a escola seria fundada somente

em 1930.

759 O número de escolas, acima de 30, fundadas por ele é confirmado em sua auto-biografia e no

Maagalei Yosher bem como no verbete- pouco exato- da Encyclopaedia Judaica, Keter Pub.

House, Jerusalem, 1971-2, vol. 13, pp.1511-2.

760 No DIV 9/10/1925 anuncia-se a primeira edição “como um manual dos fundamentos da crença

judaica e das observações religiosas dos israelitas”. No número de 19/11/1926 informa sobre uma

segunda edição.

761 Um dos sermões publicados tem como título “A Efficacia da Expiação: Sermão para o Dia da

Expiação 5689-1928 por Isaias Raffalovich, Grão Rabino, Rio de Janeiro, Jewish Colonization

Society, Rio de Janeiro, Brazil, Gazeta Israelita,1928.

762 Em um artigo o professor Jacob Faingelernt publicado no IF 18/4/1930 sob o título “Der

brazilianer mushel”(O exemplo brasileiro) visando defender a Raffalovich de uma crítica à sua

pessoa, ele escreverá: “Há vários anos passados chegou uma pessoa , um “talmid chacham”

(sábio) com o objetivo mais amplo e profundo da palavra e de modo silencioso e modesto sem

alarde e fraseologia , carregou tijolo por tijolo para construir os fundamentos do nosso edifício

escolar. Difícil foi o caminho e cheio de obstáculos., mas o experimentado veterano para o qual a

educação judaica é parte integral de seu conteúdo , de sua alma, em que a educação judaica é a

494

prece para deter o abismo da assimilação que ameaça , cedo ou mais tarde, engolir a maior parte

das crianças judias, não se deteve frente a todas dificuldades e com apego à sua missão e

extraordinária dedicação deu continuidade ao seu trabalho educacional em contato estreito com

professores e ativistas escolares. E como ele era hábil e tolerante com seus colaboradores! Que os

fatos falem por si. Não quero me referir a Porto Alegre ou Curitiba onde as escolas são

subvencionadas pela ICA e a comunidade tem clara idéia sobre o orçamento , programa e espírito

da escola. O que quero destacar é Quatro Irmãos, na qual o orçamento é totalmente coberto pela

ICA e lá o “Rabinato” (o articulista que criticou a R. usou essa expressão em relação à pessoa de

R.) poderia usar todos os meios para impor-se, no entanto o que aconteceu , quando eu trabalhava

como professor e inspetor escolar naquele lugar e era necessário reorganizar toda a rede escolar e

unificar o programa de ensino fui encarregado de fazê-lo sem qualquer intervenção do Dr. R. e de

acordo com a pedagogia moderna. Isso ilustra ...” Fundo 29 Jacob Faingelernt, AHJB. Trata-se de

um testemunho importante porque Jacob Faingelernt era um professor veterano que acompanhou

a formação da rede escolar judaica no país desde que chegara em ,1923, ao Brasil. Já em 9 de

agosto de 1923 encontramos uma carta de Buenos Aires dirigida a ele sobre literatura pedagógica

que havia solicitado de pessoas de seu conhecimento. Fundo 29 Jacob Faingelernt, AHJB).

Altamente qualificado e com uma sólida cultura judaica estudou na yeshiva (escola talmúdica) de

Vilna e no Seminário de Professores de Odessa (sendo seus professores homens do porte

intelectual de H.N.Bialik, I. H. Ravnitzki e J. Klausner). Ao imigrar passou a lecionar em Quatro

Irmãos, Porto Alegre, Curitiba ,Belo Horizonte e Rio de Janeiro nas quais participou na criação

dessas escolas de orientação hebraísta. Idealista, sensível, suportou ao longo de sua vida

profissional instituições com permanentes problemas financeiros, intervenções de conselhos de

pais e leigos ignorantes. Já em 1929, quando se encontrava em Curitiba, se mostrava decidido a

abandonar o ensino. É quando R. lhe escreve que estava procurando um professor para substituí-

lo, mas que ainda não o encontrara. Em uma carta em que Raffalovich se mostra preocupado com

o seu futuro o vemos em profunda crise pessoal e decepcionado ao ponto de querer deixar o

ensino para tentar algo diferente. O rabino comovido recomendará a ele não dar esse passo e

repensar em sua decisão. Cartão de 28/10/ 1929 e carta de 12/5/1933, Fundo 29 Jacob

Faingelernt, AHJB. Professor exemplar, diferentemente de outros, vivenciava de corpo e alma a

docência, o que nem sempre era comum na época em que ser professor não era o caminho para

assegurar uma estabilidade pessoal ou ascensão financeira. Em carta de 14/8/1930, o veterano

ativista e escritor da comunidade paranaense Bernardo Schulman escreve a Faingelernt uma carta

que revela a existência de incompatibilidades pessoais.Freqüentemente as intervenções e os

atritos com os professores chegavam a extremos de se exigir a formação de uma nova escola a fim

de atender uma parte da comunidade discordante da orientação e programa de alguma instituição

de ensino. Em carta de Raffalovich a J. Faingelernt, de 5/8/1929, quando este se encontrava

lecionando em Curitiba, o rabino o informa que há um grupo exigindo apoio para formar uma nova

495

objetivo deveria contar com as melhores forças educacionais, raras na época, e isso exigiria

sacrifícios imensos dos professores que ajudara a imigrar ao Brasil.763

A instabilidade do

corpo educativo caracterizava a instituição escolar e era muito comum o intercâmbio de

professores e a transferência de um lugar a outro.764

Mas o maior desafio estava no preparo

dos professores que passou a ser uma de suas preocupações centrais em sua missão

educacional, como vimos anteriormente. Ainda em 1931 ele enviaria uma circular aos

professores na qual afirmava que “a questão da educação hebraica no Brasil não será

resolvida se não se criar um programa geral para todas as escolas existentes no país e

fortificarmos aqueles professores menos preparados para podermos elevar o nível da

escola “religiosa” “pois que você supostamente ensina “heresias” em tua escola...” . Os motivos

ideológicos transparecem em outra carta , sem data, que Faingelernt escreve a R. , de Belo

Horizonte, em que relata sobre os ataques dos “esquerdistas” ao seu trabalho de professor

acusando-o de “falsificar” a língua ídiche...Assim não é de se estranhar que as mudanças de

professores por vezes eram motivadas por razões que nada tinham a haver com a capacidade

pessoal do docente. O estar trabalhando durante vários anos em um mesmo lugar poderia chegar

a um ponto de saturação que provocaria o necessário desejo do professor querer mudar de lugar.

Em 2/10/1937 o professor A. Chasin, em visita a Porto Alegre, escreve a Faingelernt que estão

para demitir o professor da escola local, e que ele seria bem vindo para lecionar na mesma.

Certamente J.F. pretendia mudar de ares e deixar a escola de Belo Horizonte. De fato , em carta

de 13/12/1936 , o Dr. Moshe Fridman aborda a possibilidade de J.F. vir lecionar no Ginásio

Hebreu-Brasileiro do Rio de Janeiro. Toda esta correspondência encontra-se no Fundo 29 Jacob

Faingelernt,AHJB.

763 Já em carta a Jacob Faingelernt ele expressará com certa dramaticidade: “ Nós ainda estamos

no começo da construção cultural neste país e muitas vítimas ainda cairão e sobre seus

cadáveres se erguerão os fundamentos do edifício educacional. Reconheço , com o coração

dolorido e opressivo que a situação não é satisfatória e não tenho força para atrair pessoas com

nobreza de espírito , mas esta é a verdade e não há porque escondê-la. Também no Rio de

Janeiro não há lugar para intelectuais e não há nenhuma diferença entre ela e outra cidade no

Brasil. Ficarei muito feliz se mantiveres tua força para continuar o trabalho até que eu chegue a

Porto Alegre e assim poderei esclarecer toda a situação, [o que se passa] no Rio e outros lugares

e, possivelmente, poderemos chegar a alguma decisão.” Carta de 10/11/1925. Fundo 29 Jacob

Faingelernt, AHJB.

764 Podemos acompanhar essa instabilidade através da correspondência de Jacob Faingelernt com

seus colegas insatisfeitos com as instituições e seus lugares de trabalho.

496

educação judaica...” 765

Para organizar um novo evento e convidava os professores Jacob

Faingelernt e Moshe Weiner para virem ao Rio de Janeiro e prepararem o programa do

mesmo. Ele, no entanto, já nos anos 30, mostrava-se cansado, após tantos anos de luta e

trabalho continuo no país que escolhera para exercer como guia espiritual da comunidade

765

Circular de 25/9/1931 na qual o Rabino-Mór convocava um segundo Congresso de professores

no período das férias de verão com a duração mínima de um mês. No encontro foram

programadas aulas e palestras sobre temas pedagógicos e as matérias de ensino. Desse modo,

diz a circular, os professores poderão voltar ao estudo e se atualizar com o ensino moderno, além

de fortificar os laços entre os professores e criar um campo amplo de trabalho comum no futuro...

“Após recebermos uma resposta dos professores fixaremos um lugar para realizar uma assembléia

a fim de elaborar um programa mais detalhado.”

497

de imigrantes.766

Apesar de ser um ativista identificado plenamente com o sionismo que na

época lutava para afirmar o hebraico como língua do renascimento nacional judaico ele,

766

Em carta de 28/7/1931 R. respondia a J.Faingelernt, que se encontrava em Curitiba: “Concordo

com você que se utilizam da crise geral como justificativa para não cumprirem com suas

obrigações espirituais. Mas o que fazer se minhas forças são limitadas, e no final das contas eu

estou cansado e esgotado, não devido o meu pesado trabalho mas devido os obstáculos e as

dificuldades que colocam e se encontram no caminho. Confesso que estou sem rumo , e temo que

talvez o desespero me possa atacar e num belo dia me livrarei dessa carga de meus ombros e

mandarei toda essa santa comunidade ao diabo...” Após esse desabafo ele ainda acrescentará :”

em relação ao teu assunto , talvez possa propor a você uma outra ocupação, ou seja em outra

cidade, e quem sabe , ali poderás encontrar paz e descanso espiritual mais do que em Curitiba?

Em todo caso informe-me sobre tua opinião a respeito desse assunto e formularei uma proposta.”

Pouco após , em carta de 3/9/1931 R. escrevia novamente a Faingelernt dizendo se sentir

“contente com as tuas palavras que animaram meu espírito”, e pedia um relatório detalhado do

que se passava na escola, evidenciando desse modo que os problemas pessoais foram

superados. No final daquele mesmo ano, em carta de 14/12/1931, R. fazia referência às tratativas

que J.Faingelernt manteve com Belo Horizonte e aceitava a sua transferência para a escola de

Belo Horizonte uma vez que , assim escrevia “após tua carta e a situação em Curitiba cheguei a

plena resolução que é bom para você mudar de lugar”. Ele terminava dizendo que tinha muito a

falar com você sobre o assunto, do novo lugar, mas o faria ao chegar ao Rio...” Pouco antes em

29/10/1931 enviava um cartão postal a Faingelernt informando-o que um professor formado no

Tarbut de Vilna e Varsóvia ,A.Lifchitz, estava disposto a aceitar a vaga existente em sua escola e

gostaria que ele mesmo julgasse os documentos que o candidato lhe enviaria. Pela carta no verso

da mencionada circular convocando o segundo Congresso de Professores dirigida à Faingelernt

sabemos que R. aceitaria prontamente o professor Baruch Bariach para o substituir na escola de

Curitiba. J.Faingelernt seguiria logo após à Belo Horizonte para orientar a escola judaica local na

qual trabalharia durante vários anos. J. Faingelernt com seu talento e dedicação habitual

desenvolveria um trabalho educacional profícuo e em 6 de maio de 1932 R. lhe escreveria, dessa

vez em ídiche e não em hebraico como de hábito, expressando seu contentamento e

congratulando-o por seu trabalho, e que devesse ficar indiferente aos contratempos ... “ Não paga

a pena que te desgastes, nem por mim e nem por ti. Pois é a fatalidade, uma vez que vivemos em

um ambiente muito desagradável e nenhuma surpresa nos deve afetar. Cada um de nós deve

permanecer no caminho firme e não se importar com uma alfinetada aqui e acolá. Tentemos ,cada

um de nós, influenciar o pequeno círculo que nos apóia, e o resto que seja como quiserem...” Os

problemas financeiros, no entanto, não deixavam de preocupar o novo diretor da escola, como

podemos constatar pela carta de 18/10/1932 que R. escrevera a Faingelernt explicando sua

impossibilidade de atender a novas exigências de verbas. Fundo 29 Jacob Faingelernt, AHJB.

498

como muitos outros pensadores e líderes nacionalistas, soube captar a importância do

ídiche, e sua milenar cultura, para a continuidade da herança judaica que as escolas

deveriam transmitir às crianças.767

Sob outro aspecto essa continuidade estava intimamente

vinculada à permanência do diálogo entre as gerações, entre pais e filhos, que deveriam

agora se defrontar com uma nova realidade cultural e social que impunha novos moldes de

vida e exigiam a integração necessária para a sobrevivência do imigrante, porém com o

risco de perder a sua própria identidade. Perigo sempre presente nos escritos e artigos e

discursos desse rabino-peregrino de três continentes cuja presença e missão no Brasil deitou

fundamentos sólidos para a construção de uma comunidade. 768

767

Por várias vezes, na disputa entre as duas tendências, como já vimos acima, Raffalovich

sempre optou pelo ensino das duas línguas. Um exemplo adicional encontramos em uma carta de

Zvi Weiniger à redação do DIV publicada em 31/1/1928 na qual se refere à escola local, Curitiba,

de forte tendência hebraísta, em que o Dr. Raffalovich fez um acordo para que se ensinasse as

duas línguas.

768 Quando em 1950 realizou-se o Congresso Nacional para a Educação Hebraica, no Rio de

Janeiro, Raffalovich foi lembrado como seu pioneiro e o papel proeminente que teve na educação

judaica no Brasil em resolução formal sob o aplauso dos participantes no conclave. Vide a carta

que recebeu da Machleket Hachinuch (Departamento de Educação) assinada por Moshe Fridman

e S. Karakuchansky publicada no Maagalei Iashar, pp.30-31.