Histórias Conectadas

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1 Histórias Conectadas: Uma Proposta Teórica e Metodológica a Partir da Índia 1 Fernando Rosa Ribeiro Universidade Estadual de Campinas I Men kan niet ontkennen dat voor het tijdperk van Modjopahit, Sumatra het culturele centrum was met als politiek middelpunt het rijk van Sriwidjaja. De Boeddhistische Hogeschool in de hoofstad van Sriwidjaja droeg niet alleen de fakkel van het boeddhisme in Indonesië, maar, kan men stellen, op een gegeven ogenblik in de gehele boeddhistische wereld. Dharmakirti in Sriwidjaja werd als de grootste boeddhistische geleerde van zijn tijd erkend. Jah Hien en I-Ching, de twee 1 Este capítulo se baseia numa apresentação feita junto ao Seminário “Histórias Conectadas: Identidades, (Pós-) Colonialidades e a Construção da Nação: África, Ásia e Caribe – séculos XIX e XX”, promovido pelo Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná e a Fundação Araucária em Curitiba, nos dias 13 e 14 de novembro de 2006. O seminário reuniu membros do grupo de pesquisa “Histórias Conectadas”, e foi organizado e coordenado por Lorenzo Macagno, a quem sou muito grato. Agradeço também a John Monteiro, do Departamento de Antropologia da Unicamp, que foi quem pela primeira vez me apresentou o trabalho de Sanjay Subrahmanyam na área de histórias conectadas; e a Cláudio Pinheiro, do Departamento de História da Unicamp, a quem devo muitas conversas importantes sobre a Índia, além do empréstimo de obras de Sanjay; e, finalmente, a Janice Theodoro, da Universidade de São Paulo, a quem devo meu primeiro contato com a obra de Sanjay. Para trabalhos do grupo, ver Farah (2007), Huigen (1995), Macagno (2005), Pinheiro (2006), Rosa Ribeiro (1998, 2002, 2005, 2006, 2007), Santos (2002, 2005), Slenes (2007 a, 2007b), Swart (2007), Thomaz e Nascimento (2004) e Viljoen (2007).

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Histórias Conectadas: Uma Proposta Teórica e Metodológica a Partir da Índia1

Fernando Rosa Ribeiro

Universidade Estadual de Campinas

I

Men kan niet ontkennen dat voor het tijdperk van Modjopahit, Sumatra het

culturele centrum was met als politiek middelpunt het rijk van Sriwidjaja. De

Boeddhistische Hogeschool in de hoofstad van Sriwidjaja droeg niet alleen de

fakkel van het boeddhisme in Indonesië, maar, kan men stellen, op een gegeven

ogenblik in de gehele boeddhistische wereld. Dharmakirti in Sriwidjaja werd als de

grootste boeddhistische geleerde van zijn tijd erkend. Jah Hien en I-Ching, de twee

1 Este capítulo se baseia numa apresentação feita junto ao Seminário “Histórias Conectadas: Identidades, (Pós-) Colonialidades e a Construção da Nação: África, Ásia e Caribe – séculos XIX e XX”, promovido pelo Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná e a Fundação Araucária em Curitiba, nos dias 13 e 14 de novembro de 2006. O seminário reuniu membros do grupo de pesquisa “Histórias Conectadas”, e foi organizado e coordenado por Lorenzo Macagno, a quem sou muito grato. Agradeço também a John Monteiro, do Departamento de Antropologia da Unicamp, que foi quem pela primeira vez me apresentou o trabalho de Sanjay Subrahmanyam na área de histórias conectadas; e a Cláudio Pinheiro, do Departamento de História da Unicamp, a quem devo muitas conversas importantes sobre a Índia, além do empréstimo de obras de Sanjay; e, finalmente, a Janice Theodoro, da Universidade de São Paulo, a quem devo meu primeiro contato com a obra de Sanjay. Para trabalhos do grupo, ver Farah (2007), Huigen (1995), Macagno (2005), Pinheiro (2006), Rosa Ribeiro (1998, 2002, 2005, 2006, 2007), Santos (2002, 2005), Slenes (2007 a, 2007b), Swart (2007), Thomaz e Nascimento (2004) e Viljoen (2007).

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Chinese geleerden van het boeddhisme en ook in de westelijke wereld erkend als

grote oosterse geschiedkundigen, verbleven lange tijd in de hoofdstad van

Sriwidjaja om het boeddhisme te bestuderen. In die tijd stond Sriwidjaja op het

toppunt van zijn macht en was het boeddhisme in Hindoestan al weer over zijn

hoogtepunt heen; de invloed van Sriwidjaja op de nog bestaande resten van

boeddhistische politiek en cultuur in Hindoestan was zeer groot.

Tan Malaka, “Naar de mensentuin” (in Poeze e Schulte Nordholt, 1995: 92).

O trecho acima provém de um texto do nacionalista indonésio nascido em Sumatra,

Tan Malaka, traduzido do malaio-indonésio por Harry Poeze (“Ke taman manusia” ou “Em

Direção ao Jardim da Humanidade” – Malaka, 1951). Malaka estudou e foi ativista político

comunista nos Países Baixos e na União Soviética (onde se tornou membro do Comintern),

e também viveu e atuou na China, Filipinas, Malaca, Singapura e Tailândia. Foi morto em

Java em 1949, durante a guerra de libertação (Poeze e Schulte Nordholt, 1995: 91). Seu

texto foi publicado postumamente em Jacarta em 1951. Trata do reino de Srivijaya em

Sumatra, que floresceu aproximadamente entre os séculos VII e IX, como centro comercial

e de irradiação e estudos do budismo que influenciava desde a Índia até a China, recebendo

inclusive dois grandes sábios budistas chineses que vieram estudar na sua capital. Escrito

em plena guerra e durante a ocupação japonesa (1943), que lhe permitira voltar a Java, de

onde havia sido banido pelas autoridades coloniais vinte anos antes, o arrazoado de Malaka

tem como objetivo contestar a visão colonial holandesa de que as Molucas (como grandes

produtoras de especiarias) são o passado da Indonésia, Java seu presente, e Sumatra seu

futuro (devido à produção de petróleo e produtos agrícolas para exportação). Segundo

Malaka, Sumatra foi historicamente, do ponto de vista cultural, pioneira antes das outras

ilhas, com o reino de Srivijaya tornando-se provavelmente o maior centro internacional do

budismo de sua época, além de ponto nevrálgico comercial entre Índia, Sudeste Asiático e

China.

Aproveitando o caráter transnacional e altamente conectado da citação acima,

provinda do que acabara de deixar de ser a Índia Neerlandesa (Nederlandsch-Indië, atual

Indonésia), por obra nem de neerlandeses nem de indonésios, mas dos japoneses, que

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invadiram o arquipélago em 1942, inicio este ensaio com um comentário sobre o título: a

frase “a partir da Índia” é mais que ligeiramente ambígua para descrever a proposta teórica

do historiador Sanjay Subrahmanyam e sua obra, embora, claro, Sanjay seja um historiador

indiano e escreva sobre história da Índia. Sua abordagem da história indiana lembra além

disso mais que incidentalmente a abordagem de Tan Malaka da história indonésia no trecho

acima, já que, como este no caso da história da Indonésia, centra-se nas conexões

complexas e intricadas em meio às quais se encontra há séculos a Índia em geral e, mais

especificamente, sua praia historiográfica de preferência, a Índia do sul ou Decão

(incidentalmente, região que tinha relações próximas com Sriwijaya em Sumatra). A

proposta das histórias conectadas é ademais a abordagem de um intelectual com uma

trajetória intensamente transnacional, que inclui anos de residência em Paris, Lisboa,

Oxford e Los Angeles, entre outros lugares, trajetória que fica pouco ou nada a dever à de

Tan Malaka quase meio século antes. Dentro da própria Índia, sua trajetória partiu do sul do

país (Chennai, antiga Madras) e o levou a Nova Déli (igualmente, Tan Malaka também

possui uma trajetória semelhante, da “periferia” para o “centro” – de Sumatra para Java -,

tal como definidos colonialmente). Ademais dessa trajetória geográfica ampla, Sanjay

emigrou da história econômica para uma história mais centrada em processos de circulação

e transmissão de idéias e práticas culturais.2 Em lugar de fazer um tipo mais clássico de

historiografia, faz uma história mais nitidamente transregional – do Golfo de Bengala, do

mundo persianizado, dos impérios eurasianos da era moderna e seu milenarismo, do

comércio internacional, entre outros temas que têm abordado em suas obras. Seu trabalho

enfatiza que, em realidade, não é possível fazer uma história da Índia sem fazer uma

história das companhias comerciais européias na Ásia; do Estado da Índia; das redes de

portugueses e luso-asiáticos; das redes de religiosos europeus e muçulmanos; das

influências milenaristas eurasianas; do trânsito de idéias e pessoas no mundo persianizado;

dos vínculos e influências do Sudeste Asiático; das ligações com o Novo Mundo; do

comércio com a costa africana; dos vínculos com a Ásia Central, e assim por diante.3

2 Em realidade, o historiador extremamente prolífico que é Sanjay nunca abandonou a história econômica (ver Subrahmanyam, 2002, por exemplo). 3 Devo confessar imediatamente que não sou um profundo conhecedor da obra de Sanjay com um todo. Partes de sua obra me interessam claramente muito mais que outras, e me faltam assim leituras mais abrangentes para poder avaliá-la como um todo com a profundidade que merece. Este ensaio portanto se restringe a aspectos de sua obra e trajetória que mais me chamaram atenção, ancorados em leituras altamente seletivas

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De fato, mesmo como historiador econômico, desde o início Sanjay centrou-se

numa perspectiva transoceânica. Como o próprio Sanjay reconhece, isto é uma herança da

influência do seu mentor Ashin Das Gupta (2001), que enfatizava a importância de uma

história que não fosse presa de uma historiografia centrada no estado-nação.4 Em realidade,

podemos aventar que a obra de Sanjay é pelo menos em parte derivada de uma tradição

historiográfica cujo tema clássico foram as redes de comércio no Oceano Índico e para

além dele. Essa tradição tratava de trânsito de navios, pessoas, metais preciosos, escravos e

muitos tipos de mercadorias ao longo de várias rotas oceânicas. Mesmo quando estava

enraizada em historiografias nacionais feitas em inglês, neerlandês, francês ou português

(ou, mais raramente, dinamarquês, alemão e outras línguas), e utilizando majoritariamente

documentação nos arquivos nacionais em um desses idiomas, essa tradição inevitavelmente

revelava com nitidez e detalhe cada vez maior as conexões profundas e antigas entre

diversas partes do mundo. Talvez fosse de se esperar que em algum momento os trabalhos

deixassem de enfatizar apenas o comércio, por exemplo, e sua influência nas diversas

economias índicas, e se voltasse para temas menos econômicos e materiais. A grande,

embora talvez não absoluta, originalidade da obra de Sanjay está exatamente em que ele foi

um daqueles que deram o salto.

Esse salto teve dois aspectos: em primeiro lugar, representou um deslocamento

temático, da circulação de bens materiais, navios, pessoas, etc, para a circulação de idéias e

práticas culturais, ainda que, é importante enfatizar, a ênfase anterior não se tenha nunca

perdido de vista. Assim, nessa perspectiva, ainda hoje é imperativo que o historiador

interessado em circulação de idéias e noções tenha uma boa formação sobre a circulação de

bens e pessoas, e sobre rotas oceânicas, companhias comerciais, redes de religiosos e assim

por diante, como mostra bem a obra de Sanjay. Em segundo lugar, esse salto aprofundou

ainda mais um distanciamento que já se prenunciava claramente na perspectiva anterior, a

saber, um movimento de afastamento da perspectiva das histórias nacionais e mesmo das

histórias regionais definidas geo-historicamente pelas area studies da academia

euroamericana e seus satélites mais imediatos. Naturalmente, não houve exatamente uma

dos trabalhos do autor. Essas leituras estão assentadas ademais em meus interesses de pesquisa pessoais e até na disponibilidade mesma dos textos, já que nenhuma biblioteca brasileira, seja pública ou privada, parece conter a maior parte de sua obra, quanto mais a sua totalidade. 4 Sanjay reconhece também outras influências intelectuais na constituição de seu arcabouço de histórias conectadas, como a de Victor Lieberman e de Serge Gruzinski (Subrahmanyam, 1997).

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implosão de fronteiras acadêmicas; contudo, essas fronteiras ficaram claramente abaladas e

tiveram que ser profundamente relativizadas. Nesses dois aspectos também a obra de

Sanjay é paradigmática dessa nova perspectiva: ela não se atém a temas clássicos e explora

novos domínios; e não respeita fronteiras estabelecidas, nem as dos estados nacionais, nem

as da academia. Voltarei a essa questão mais abaixo, quando então fornecerei algumas

ilustrações elucidativas desses dois aspectos.

Outra característica marcante, tanto da reputação do autor, quanto de sua obra, é o

impressionante multilingüismo de ambos. Relembrando minhas diversas leituras, Sanjay

utiliza extensamente fontes em línguas européias (inclusive línguas como o neerlandês, que

quase não se usa para pesquisa no Brasil)5, incluído o português (que ele fala e escreve com

fluência) e, claro, o latim; fontes em línguas indianas (bengali, por exemplo); e fontes em

persa e árabe. Mesmo que se trate parcialmente de um multilingüismo funcional (digamos,

para uso na leitura de documentos), ainda assim sua habilidade lingüística é impressionante,

e rara entre pesquisadores. Seu uso de fontes é desse modo altamente eclético, já que sua

pesquisa não está restrita só a três ou quatro idiomas, como é geralmente o caso do comum

dos mortais na academia. Esse multilingüismo é bastante intrigante – deixando de lado o

claro e inegável talento para línguas do autor, é difícil deixar de pensar que ele não seja

uma conseqüência direta do ecletismo de suas fontes e de sua perspectiva inerentemente

transregional e transoceânica.

Ou seja, o multilingüismo aqui – do autor, de suas fontes, de sua obra – é

constitutivo da perspectiva adotada, e portanto não é mero acidente de percurso ou derivado

exclusivamente de um talento pessoal. É difícil imaginar que seja possível fazer

historiografia como a faz Sanjay sem vários idiomas, tanto europeus como asiáticos

5 Só consigo pensar em três historiadores brasileiros, além de mim, que lêem neerlandês, dois deles bastante sênior. A terceira é uma jovem historiadora, Mariana Françozo, que faz doutorado sob a orientação de John Monteiro na Universidade de Campinas. As conseqüências disto foram nefastas: até hoje, o interregno neerlandês de vinte e poucos anos no Nordeste brasileiro no século XVII possui mais que alguns cantos historiográficos mal explorados. Ademais, Mariana Françozo parece ser a primeira pesquisadora nacional que se enfronha realmente nas complexas redes interoceânicas neerlandesas ligando a Ásia à África, Américas e Europa, estudando a circulação de objetos, pessoas e saberes do Brasil holandês. Ver seu artigo sobre a Mauritshuis, o palácio de Nassau em Haia (Françozo, 2007). Na África do Sul, Sandra Swart, que está escrevendo uma história dos cavalos na África Austral, está investigando igualmente as redes neerlandesas e européias que entram na construção histórica e biológica das raças na região (Swart, 2007). Os neerlandeses eram grandes criadores e exportadores de cavalos (e elefantes), vendendo puros-sangues árabes e persas, por exemplo, para príncipes javaneses, assim como elefantes, que criavam no Ceilão, para soberanos indianos, ademais de terem introduzido o cavalo em vastas regiões da atual África Austral, via circuitos índicos e europeus.

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(mesmo que seja igualmente impossível imaginar, de uma perspectiva brasileira, na qual ler

em neerlandês é altamente exótico, que muitos de nós consigam reproduzir o ecletismo

lingüístico do autor com facilidade).6 Mesmo que não seja facilmente imitável, esse

multilingüismo contudo permanece como um horizonte difícil de evitar completamente.

Talvez aqui seja o lugar de mencionar uma queixa que alguns colegas fizeram quando os

expus a textos do Sanjay: que são de leitura trabalhosa e até pouco agradável. Realmente, o

universo de referências de Sanjay é tão amplo, seu estilo tão, digamos, transoceânico, sua

fluidez interpretativa tamanha, que seus textos às vezes são talvez exaustivos, nos dois

sentidos da palavra. Sanjay possui um comando invejável de vastas áreas da historiografia,

além de um acesso igualmente invejável a bibliografia especializada e arquivos em pelo

menos três continentes. A fluência com que discorre sobre vastas regiões da Ásia – todas

inevitavelmente mal conhecidas entre nós – chega a ser frustrante, assim como seu imenso

domínio da bibliografia especializada (às vezes igualmente mal conhecida por nós). Alunos

em particular têm dificuldade com a mera geografia sendo apresentada, para não mencionar

a história. E, realmente, falar, por exemplo, do reino de Aracão para alguém que mal sabe o

que é Birmânia pode ser um desafio complicado, para mencionar só um estado que Sanjay

trata com detalhe e esmero em mais de uma de suas obras.

Isto leva a uma questão importante, que me interessa de perto: em que medida seu

conceito de histórias conectadas estaria de alguma maneira preso à historiografia que ele

desenvolve, uma historiografia com a qual nem todos podemos nos identificar no todo ou

em parte. Aqui é sempre bom lembrar o destino mais prestigioso da obra de indianos mais

conhecidos na academia anglófona, a saber, o grupo dos subaltern studies, muito mais

centrados numa historiografia de cunho nitidamente nacional (leia-se indiano).7 Voltarei ao

6 É sempre bom relembrar que as pouquíssimas instituições brasileiras de ensino superior que oferecem cursos regulares de idiomas africanos e asiáticos possuem ademais uma seleção extremamente limitada destes: quase certamente a única universidade brasileira onde se pode aprender um idioma indiano, por exemplo, é a Universidade de São Paulo. Contudo, o idioma oferecido é o sânscrito, e não um vernáculo moderno. Quase metade da população brasileira descende em parte ou em todo de imigrantes e escravos africanos: há contudo poucos cursos de línguas africanas no Brasil, geralmente restritos exclusivamente ao iorubá ou ao árabe. Cerca de metade de todos os escravos vieram da área do Congo e Angola; não se oferece um único idioma dessa região em nenhuma universidade, que eu saiba. Fongbe, outra língua africana importante na história brasileira, tampouco existe em qualquer instituição de ensino superior. A Universidade de São Paulo passou recentemente a oferecer, contudo, um curso pioneiro de kiswahili. 7 Graças a esforços recentes, especialmente da organização neerlandesa Sephis, que trouxe um dos expoentes do grupo, Partha Chatterjee, ao Brasil há alguns anos, o trabalho do grupo dos estudos subalternos é hoje mais conhecido entre nós (Chatterjee, 2004). A única coleção completa, contudo, dos trabalhos do grupo

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contraste. É importante também relembrar que o nome de Sanjay nos é familiar, mas não

por causa de seu trabalho sobre o reino de Aracão no vale do Bramaputra ou do mundo

persianizado que existiu na Ásia durante séculos. Nós o conhecemos mesmo porque

escreveu sobre o sacrossanto império português. Nesse sentido, talvez não seja coincidência

que quando ouvi pela primeira vez o nome de Sanjay, lá por volta do ano 2000, ele tenha

sido pronunciado exatamente no departamento de história da Universidade de São Paulo,

onde existe a cátedra Jaime Cortesão de estudos portugueses... (A data de meu encontro

com a obra de Sanjay também deu a esta um sabor ligeiramente milenarista, pelo menos

para mim.) Seja como for, o nome e a obra de Sanjay são conhecidos na academia brasileira

devido à sua lusofonia e ao seu tratamento de temas lusófonos em contexto asiático.

Contudo, sua obra, apesar de incursões importantes em temáticas luso-imperiais, tem uma

abrangência e profundidade que não se coaduna com qualquer espaço imperial, português

ou não, assim como não se restringe a um espaço nacional indiano. É bom lembrar ademais,

restringindo-nos agora aos europeus, que Sanjay também escreve sobre os holandeses (no

reino de Aracão, por exemplo), sobre um frei dominicano espanhol, sobre vários cronistas

europeus de diferentes nacionalidades que escreveram relatos sobre a corte mogol, entre

outros usos de fontes européias (Subrahmanyam, 2005b). Nem o autor nem sua obra

portanto habitam, estritamente falando, o mundo da lusofonia.8

Não obstante, suas temáticas assim como suas referências históricas e geográficas

certamente dificultam a assimilação e mesmo a apreciação de grande parte de sua obra

entre nós, especialmente considerando que não existem, estritamente falando, estudos

asiáticos no Brasil como área consolidada, antiga e abrangente (em realidade,

provavelmente nem a área de estudos africanos mereceria esta descrição). Contudo, a

invocação de Sanjay de temas da história européia permite ao leitor brasileiro que quase

inevitavelmente não é especialista em Ásia que se identifique com sua obra. E este é um

(publicados numa série), que conheço no Brasil está na biblioteca particular de Cláudio Pinheiro, o que diz muito sobre o impacto ainda bastante limitado da obra do grupo por aqui. O indiano cuja obra é mais conhecida em nossa academia, pelo menos em ciências humanas, continua sendo Homi Bhabha. O historiador indiano mais lido entre nós no último meio século, contudo, ainda deve ser K.M. Panikkar, autor do clássico A Dominação Ocidental na Ásia (Panikkar, 1965). 8 Isto dito, contudo, é interessante mesmo assim notar como as três obras de Sanjay relacionadas diretamente aos portugueses na Ásia (Subrahmanyam 1994, 1995 e 1998) foram importantes no desenvolvimento de seu trabalho intelectual, e representam assim praticamente uma fase específica de sua carreira acadêmica. Ele não dedicou tanto esforço a nenhum outro poder ou rede européia na Ásia até hoje. Vale notar que bem poucos historiadores indianos contemporâneos lêem ou falam o português.

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dos pontos mais atraentes da obra do autor indiano: quase nada do que ele escreve pode ser

qualificado como pertencendo meramente a area studies, interessantemente nem quando

trata exclusivamente da própria Ásia, como é o caso de seus estudos, por exemplo, por

conta própria ou em parceria com Muzaffar Alam, sobre o mundo persianizado (Alam e

Subrahmanyam, 2007). Desse modo, sua descrição desse mundo pode servir de porta de

entrada para compreendermos como funciona sua abordagem historiográfica particular.

Sanjay enfatiza repetidamente que esse mundo, que existiu aproximadamente do

século XIV ao XIX, e portanto por cerca de meio milênio, desaparece quase completamente

tanto da historiografia nacional iraniana quanto da historiografia nacional indiana do século

XX. O mundo persianizado em realidade, na sua acepção mais ampla e ambiciosa, estendia-

se do Mediterrâneo oriental até a Birmânia atual. Sanjay não menciona contudo que, se

retrocedermos para uma época ainda mais remota, o mundo persianizado inclui também os

sultanatos portuários suaílis da costa oriental africana (Middleton, 1992, Tominaga, 20019).

Em sua acepção mais restrita, o mundo persianizado incluía o Irã e amplas regiões do que

são hoje Afeganistão, Ásia Central e Índia (tanto a área do Império Mogol como os

diversos sultanatos do Decão). Em determinado momento, no século XVIII, com a invasão

persa do Império Mogol, chegou a existir brevemente a possibilidade da construção de um

imenso império persa e persianizado. De todas maneiras, o persa era língua de corte e de

cultura de corte tanto no Império Otomano quanto no Império Mogol e nos sultanatos do

Decão (no Império Mogol e nos sultanatos era ademais a língua da administração estatal).

Nos três grandes impérios islâmicos da era moderna – otomano, persa e mogol –

dinastias islâmicas de origem turcomana (Turkic, usado aqui para fazer uma distinção do

etnônimo, bem mais restrito, “turco”) usaram todas o persa como língua de corte. No

Império Otomano, ademais, desenvolveu-se uma língua de administração estatal, o

otomano, que misturava de maneiras complexas, no mesmo texto, frases e sentenças

alternadamente do turco, do persa e do árabe, criando assim uma língua altamente híbrida.

Desnecessário dizer que, apesar dos três idiomas serem escritos, pelo menos até o século

XX, em escrita de origem árabe, não são idiomas em absoluto aparentados entre si – o

árabe é uma língua afro-asiática, o turco uma língua altaica e o persa uma língua indo-

9 Agradeço a Patricia Hayes da University of the Western Cape, na África do Sul, por ter-me emprestado a obra de Tominaga. A influência persa mais importante na costa suaíli contudo, apesar de muito antiga (iniciando-se provavelmente antes da islamização da Pérsia), termina no século XV.

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européia, seguindo uma classificação lingüística comum no século XX. É importante

lembrar aqui que a heterogeneidade lingüística e de poderes estatais das regiões de origem

dos diversos idiomas não impediu a criação de uma língua híbrida comum, mostrando que

historicamente as culturas não se conectam entre si seguindo as divisões etno-lingüísticas e

imperiais que nós valorizamos hoje na academia. Infelizmente, esse hibridismo significou

que nos últimos cinqüenta anos quase tudo que tivesse referência ao antigo Império

Otomano permanecesse em certa medida o domínio de especialistas em Turquia que

conseguissem ler otomano. A reforma lingüística de Atatürk em 1928 aboliu o uso da

escrita de origem árabe, assim como expurgou uma porcentagem muito alta de vocábulos

árabes do turco, criando um fosso entre o turco moderno e o turco otomano, difícil de

negociar mesmo para falantes nativos. O interessante é que na Turquia não houve pressão

colonial no sentido de abolir a escrita árabe, ao contrário do que aconteceu na Indonésia e

Malásia, mas sim uma pressão interna para ocidentalizar o país, criando uma ruptura

ideológica entre a Turquia otomana e a Turquia atual que afeta também, claro, os estudos

históricos. Desse modo, em seu excelente relato histórico sobre Istambul, Pamuk (2005)

confessa que teve que usar autores ocidentais escrevendo sobre Istambul antes do século

XX, porque o acesso aos arquivos otomanos é demasiado complicado (isto é, Pamuk não lê

otomano), e os otomanos, ademais, não escreveram relatos sobre sua própria cidade. Seu

irmão é contudo um historiador otomanista (ver Sevket Pamuk in Faroghi et ali, 2006).

Incidentalmente – e aqui vou enveredar por uma digressão - o otomano também

permite uma vinculação com a África. O Império Otomano teve territórios nesse continente

durante séculos, até a invasão italiana da Tripolitânia e da Cirenaica em 1911-1912. Até

1914, ademais, os ingleses reconheceram uma certa suserania otomana sobre o Egito (que

fora anexado ao império em 1512).10 Além disso, o primeiro grande empreendimento

colonial na África após 1800 não foi europeu, mas sim egípcio-otomano, com a invasão e

ocupação do Sudão na década de 1820, ou seja, mais de meio século antes da famosa

corrida para a África. No final do século XVII, ademais, forças navais otomanas e os

portugueses já se haviam confrontado na costa do atual Quênia, causando a derrota e a

expulsão definitiva dos portugueses de Mombaça e da quase totalidade da costa suaíli

(Pearson, 1998).

10 O persa era usado pelo menos como língua de contabilidade em territórios otomanos da África.

10

Agradeço a um membro do grupo “Histórias Conectadas”, Patrícia Santos, por ter-

me lembrado que a valorização crescente pela Porta (o poder central otomano) da

instituição do Califado do século XVIII em diante provocou o surgimento de várias

correntes islâmicas renovadoras, tanto na Península Arábica quanto na África Sudânica

(que se estende da Senegâmbia ao atual Sudão, passando por diversas regiões nos atuais

Mali, Níger, Nigéria e Chade). Entre elas se encontra o movimento do famoso Uthman dan

Fodio no Califado de Sokoto no início do século XIX (note-se o nome do estado,

claramente um desafio ao monopólio otomano do Califado – Fodio, 1978). Desnecessário

relembrar também que todos os territórios otomanos da África do Norte, da costa da atual

Argélia até as costas do Mar Vermelho no Egito e Sudão, foram durante séculos pontos de

passagem obrigatórios para um fluxo contínuo de peregrinos, letrados, escravos e

comerciantes africanos em trânsito para o Mediterrâneo e Oriente Médio (e também de

vários tipos de viajantes islâmicos, entre eles letrados e imigrantes, na direção oposta). Há

portanto vastos arquivos otomanos sobre a África referentes a um período de cerca de pelo

menos quatro séculos, que tradicionalmente não são contudo examinados por africanistas,

mas quase exclusivamente por uma raça à parte de especialistas acadêmicos, denominados

otomanistas. Estes em geral possuem escasso interesse pelo continente (por exemplo, tanto

Quataert, 2000, quanto Faroghi et ali., 2006, se concentram em outras áreas do império,

negligenciando a África de maneira quase típica entre otomanistas, com exceção de certa

atenção ao Egito).

Essa digressão em direção à África a partir do mundo persianizado não é à-toa, nem

foi feita apenas para relembrar o leitor onde fica minha praia oficial. Desde o início deste

ensaio o mundo persianizado já incidiu nada menos que duas vezes sobre a África, direta ou

indiretamente. Se relembrarmos ademais que as diversas irmandades sufis são virtualmente

a maneira africana mais comum de ser islâmico, e que o sufismo tem raízes extremamente

importantes e amplas no mundo persianizado em geral e na Pérsia em particular, outra

conexão histórica muito antiga e ainda atual entre os mundos persianizado e africano surge

com bastante força (M’backé, 2000). Como mostra Hunwick, o Irã continua até hoje a

atrair as confrarias sufis africanas, financiando inclusive um periódico em hauçá (Hunwick,

1996: 241). Nesse sentido, sua influência serve de contrapeso importante à influência

wahabbita exercida pela Arábia Saudita, que é anti-sufi.

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Assim, o papel histórico do Império Otomano nessas conexões complexas entre

África, Ásia e Europa precisa ser profundamente reavaliado, assim como a imensa

influência persa da qual o império esteve eivado.11 Incidentalmente, a África é o único

continente negligenciado por Sanjay. Essa negligência não é total, mas é mesmo assim

notável, já que até o continente americano é examinado por ele. Na minha opinião, isto se

dá porque grande parte da África, em especial aquelas regiões muito longe da costa, embora

não isolada, antes do século XIX praticamente não tinha conexões diretas nem óbvias nem

com outras regiões do próprio continente, muito menos conexões transoceânicas. Isto é

especialmente óbvio na região dos Grandes Lagos, por exemplo, e em áreas da África

Central em geral, em particular no interior da atual República Democrática do Congo.

Ademais, como a história dessas regiões é acessível basicamente através de uma

combinação de história oral, arqueologia, etnologia e estudos lingüísticos, e não de textos,

ela claramente não se insere na metodologia histórica empregada por Sanjay, que depende

da existência de vastos arquivos documentais. Assim, é difícil falar de early modern

(categoria de periodização fundamental na obra de Sanjay) no reino de Kuba, por exemplo.

Desse modo, pode-se dizer que a África, uma vez mais na historiografia, representa um

contexto limitante também para a abordagem de Sanjay. Ver nesse sentido o trabalho

pioneiro de Jan Vansina sobre a África equatorial (Vansina, 1990).

Pulando agora da África para territórios ligeiramente mais ao leste, o reino de

Aracão utilizava o persa para sua correspondência diplomática (incluída sua

correspondência com europeus, a saber, portugueses e holandeses); nos sultanatos

sumatranos e da Península Malaia, frequentemente havia pelo menos alguns letrados que

sabiam persa. Gêneros narrativos e narrativas persas ademais influenciaram gêneros e

narrativas em malaio, replicando aqui um fenômeno que o subcontinente indiano também

conheceu em grande escala (Braginsky, 2005)12. Ademais, o persa também tinha

11 Em trabalho de tradução recente, do árabe otomano para o português, Paulo Daniel Farah mostra que houve também pelo menos uma conexão importante entre o Império Otomano e o Império do Brasil no século XIX, através do Imã Al-Baghdadi, que conviveu com muçulmanos negros brasileiros na década de 1860 e deixou-nos uma descrição até recentemente inédita do Império e do Islã brasileiros (Farah, 2007). Incidentalmente, o trabalho de Paulo Farah é um exemplo raro e importante de como emancipar-se do mundo da eurofonia traz frutos inesperados e úteis para a historiografia nacional. Nesse sentido, a coleção de manuscritos amealhada por Farah, em árabe e línguas africanas em escrita árabe, provavelmente produzidos por libertos e diversos africanos na África e no Brasil em torno da virada do século XIX para o XX, pode também constituir uma fonte inédita e muito importante para a história do Brasil, ainda totalmente inexplorada (Coleção Farah). 12 Agradeço a Ben Murtagh da School of African and Oriental Studies a referência à obra de Braginsky.

12

importância em domínios bem mais mundanos e corriqueiros da vida social, como ilustra o

fato de que até hoje em malaio a palavra que designa “porto” é o persa ب�ن�د�ر� )bandar).13

Como tanto Sanjay como Muzaffar Alam (2007) indicam, havia um grande trânsito de

vários tipos de profissionais e especialistas entre o Irã, o Império Mogol e os sultanatos do

Decão. Alguns chegaram a ocupar postos de alto escalão nas diversas cortes indianas, e

vários literatos adquiriram grande renome. Ademais, o florescimento dos diversos gêneros

da literatura em língua persa durante séculos dependeu em grande medida de literatos que

viviam e trabalhavam sob a proteção dessas cortes, cujo trabalho – que constitui um corpus

imenso em comparação com o corpus mais especificamente iraniano da mesma época –

ainda hoje não está plenamente incorporado nos cânones de literatura persa no Irã e fora

dele. Desnecessário dizer que esse corpus tampouco está incorporado nos cânones literários

das diversas línguas da Índia, já que o persa deixou de ser utilizado, por ingerência

britânica, como língua de administração e de corte, no século XIX. O mais interessante e

intrigante aqui é que essa influência persa extremamente marcada deu-se quase à revelia de

um poder estatal persa propriamente dito: dos três grandes impérios islâmicos – o Otomano,

o Persa e o Mogol – entre os séculos XVI e XIX, o persa foi a maior parte do tempo

claramente o menor, o menos próspero e o mais fraco. Nesse sentido, a influência do persa

se compara parcialmente à influência do malaio no Sudeste Asiático ou do kiswahili na

África Índica, que tampouco se assentava em centros estatais poderosos, e sim em redes

transnacionais de circulação de pessoas, mercadorias e idéias.

A data fatal aqui é 1833, quando a administração da Companhia das Índias Orientais

inglesa decretou a substituição do persa pelo inglês como língua de administração e ensino.

Essa data é comparável à de 1824, ano em que os ingleses na Colônia do Cabo da Boa

Esperança decidiram que toda a administração estatal e judicial se faria em inglês,

decretando portanto a morte do neerlandês na África do Sul.14 Desnecessário acrescentar

que, assim como o neerlandês é uma língua morta na África do Sul de hoje, o persa é 13 O mesmo se dá no extremo oposto do Oceano Índico, onde bandara designa “porto” em kiswahili. Em realidade, um artigo da Wikipédia (http://en.wikipedia.org/wiki/Bandar - acessado em cinco de junho de 2007) lista nada menos que vinte e cinco cidades iniciadas por “Bandar” ou que contêm esse nome, geralmente portos, da Somalilândia (ou norte da atual Somália) até a Indonésia e o Sultanato de Brunei. 14 O neerlandês ainda sobreviveria mal e mal oficialmente até 1925, quando foi substituído definitivamente pelo afrikaans. A tradução da Bíblia de Dordrecht para o afrikaans, que apareceu em 1933, marcou a queda do último bastião da neerlandofonia no continente, a saber, a Igreja Reformada Holandesa. Terminava assim uma presença lingüística neerlandesa de cerca de duzentos e oitenta anos. Para uma história parcial da literatura em neerlandês na África do Sul, ver o excelente trabalho de Huigen (1995).

13

igualmente uma língua praticamente extinta na Índia atual. Os sul-africanos têm quase tanta

dificuldade (para não mencionar desinteresse) em acessar seu passado em língua

neerlandesa (especialmente aquele após 1800 e o início da soberania britânica) quanto os

indianos têm em acessar seu passado ainda mais longo em persa. A única vantagem

importante que pelo menos alguns pesquisadores sul-africanos possuem sobre seus pares

indianos é uma familiaridade lingüística muito maior com o neerlandês, já que o afrikaans é

língua intimamente aparentada a ele. O persa ademais é escrito em escrita derivada do

árabe, com a qual os pesquisadores indianos em geral não têm trato algum, a esmagadora

maioria das línguas indianas atuais usando escritas derivadas do devanagari. Portanto,

vastos arquivos do passado indiano não são imediatamente acessíveis aos pesquisadores do

país – em realidade, à primeira vista, não são sequer imediatamente decifráveis para o leitor

não especializado. A familiaridade da escrita é um ponto importantíssimo. Uma colega do

departamento de história da Unicamp, Silvia Hunold Lara, contou-me que já se arriscou a

ler trechos de documentos em neerlandês, mesmo sem saber o idioma: isto simplesmente

não é possível se os documentos estiverem em uma escrita diferente, em cujo caso o texto

se torna opaco ao leitor. No mundo malaio e javanês também existe o mesmo problema,

considerando que as autoridades coloniais inglesas e neerlandesas impuseram com êxito a

escrita latina em detrimento da escrita de origem árabe, no caso do malaio, e de origem (em

última instância) sânscrita, no caso do javanês. O mesmo aconteceu com o kiswahili na

África, que utilizava antes da era colonial uma escrita de origem árabe. Assim, grande parte

do trabalho historiográfico na área malaio-indonésia e javanesa, por exemplo, resume-se

em transliterar fontes para que estejam acessíveis a leitores e pesquisadores

contemporâneos. É o que Ahmad (1979) fez, por exemplo, transliterando versões em jawi

(malaio em escrita de origem árabe) da Sejarah Melayu ou “Crônica Malaia”.

Essa longa discussão sobre culturas persianizadas (minha tradução do inglês

Persianate, que Sanjay usa, no modelo do par de contrates Italian/Italianate, para indicar

uma influência ou inspiração marcada de origem persa, mas não algo ou alguém

necessariamente etnicamente persas) tem um objetivo maior do que discutir um assunto que

me interessa pessoalmente, como aprendiz de feiticeiro de estudos do Índico radicado em

academia periférica luso-obcecada. As descrições de Sanjay do mundo persianizado que

existiu durante séculos em grande parte da Ásia (com ramificações até na África) mostram

14

que existem conexões historicamente muito significativas que tanto as historiografias

nacionais quanto os area studies, mesmo sem desconhecê-las, ainda assim não examinaram

em seus contornos plenos. Afinal, não há em princípio nenhum interesse político estatal ou

de outro tipo que valorize uma conexão transnacional antiga entre dois estados nacionais

modernos, um formalmente islâmico e outro majoritariamente hindu, um parte de uma

região definida como Oriente Médio, outro parte de uma região definida em inglês como

South Asia e em francês como Asie du Sud. Formalmente, portanto, na academia

euroamericana, um é estudado sob a rubrica de Middle Eastern studies, enquanto o outro

faz parte de outro domínio, South Asian studies. O sul-asianista não é normalmente

encorajado a buscar treinamento em persa, assim como o especialista em Oriente Médio

não é geralmente estimulado a olhar para a Índia na sua formação. Assim, uma importante

ecumene que durou séculos fica quase invisível em termos de historiografia tradicional (e

continua sendo pouco estudada até hoje). Mohamad Tavakoli-Targhi chega portanto a falar

de “homeless texts”, ou “textos sem pátria”, para designar os textos da modernidade

persianizada indo-iraniana no século XVIII e primeira metade do XIX que foram relegados

ao limbo pelas histórias nacionalistas subseqüentes (Tavakoli-Targhi, 2001).

A situação se replica também mais a leste. Como Sanjay indica, o reino do Aracão

caiu num fosso entre a área de estudos da Ásia do Sul e a área de estudos do Sudeste

Asiático, para não mencionar num fosso entre as historiografias nacionais do Bangladesh,

Birmânia e Índia (Subrahmanyam 1997:746; 2001 e 2005b: 200-248). A razão dessa

invisibilidade é tão simples quanto pujante: o reino esteve localizado geograficamente

numa área de fronteira entre os estados nacionais atuais. Não pode assim ser facilmente

reivindicado nem por uma historiografia indiana nem por uma birmanesa, por exemplo, ao

contrário do Império Mogol (apesar deste ter incluído territórios que hoje estão no

Afeganistão, por exemplo, para não mencionar no Paquistão e Bangladesh, e de não incluir

vastos territórios hoje na Índia), ou dos diversos estados birmaneses que se sucederam no

tempo. No máximo, é parte de histórias regionais dos estados pós-coloniais: do Assam, no

caso da Índia, ou de Arakan, no caso birmanês. Sanjay menciona um autor cujo livro

sempre admirei: trata-se de Anthony Reid, um especialista australiano em Sudeste Asiático

e que domina o malaio. Sua obra já clássica é Southeast Asia in the Age of Commerce.

Nela, Reid (1990) argumenta que a região possui algumas características bem demarcadas,

15

e constitui uma unidade tanto geográfica como histórica. Esse tipo de argumento, aliás, não

é apanágio apenas de Reid ou de estudos do Sudeste Asiático: o historiador guineense

baseado no Senegal, Boubacar Barry, em outra obra que admiro bastante, argumenta que a

Senegâmbia constitui uma unidade histórico-geográfica óbvia (Barry, 1988). Sempre achei

a argumentação de Barry em seu excelente livro (talvez seja a melhor história da

Senegâmbia antes de 1900 na era moderna) um pouco difícil de aceitar. Afinal, existiu em

determinada época um espaço político-cultural de intercâmbios intensos que se estendia da

Península Ibérica até as margens do rio Senegal, onde povos arabo-berberes, moçárabes,

judeus, cristãos e senegambienses interagiram e se influenciaram mutuamente durante

séculos, minando assim qualquer noção de uma suposta África subsaariana desvinculada de

uma África do Norte, para não mencionar uma Europa medieval sem África (Diouf,

2001).15

No caso do Sudeste Asiático, Sanjay argumenta que o quadro geográfico escolhido

por Reid é em realidade mero recurso contingente. E cita exatamente a corte Magh, que

controlava Aracão, para enfatizar esse ponto (Subrahmanyam 1997, 2005b). A corte usava

o bengali como língua literária, o pali para escrever suas crônicas, e a correspondência

diplomática se fazia em persa. Seus antigos territórios – conquistados pelo Império Mogol

no final do século XVIII, e pelos ingleses já a partir da primeira metade do XIX – estão

hoje dispersos entre três estados pós-coloniais. Algumas de suas tropas provinham ademais

do Decão, enquanto outras eram constituídas de “francos”, isto é, de europeus.

Supostamente é parte do Sudeste Asiático devido à sua ligação com a atual Birmânia, onde

estava Mrauk U, sua capital (e que também servia como nome do estado), em termos das

divisões de area studies vigentes. Em realidade, como sugere Sanjay, a corte Magh teria

parecido muito mais estranha para um visitante, digamos, vietnamita (vindo portanto de um

país reconhecidamente do Sudeste Asiático) do que para bengaleses que nela encontraram

15 Alain Kaly, ao ler uma versão anterior deste capítulo, comentou que, além de Barry, dois autores importantes, um recente, outro clássico, comentaram sobre a unidade histórico-cultural de uma área que inclui a Senegâmbia, embora vá mais além dela (Monteil, 1980; Tamari, 1997: 263). Monteil frisa a unidade através da difusão antiga do Islã na região, enquanto Tamari constrói a idéia de uma unidade a partir do sistema de castas e da difusão da cultura mandinga a ele vinculada. O argumento de Barry (1988), contudo, não depende de nenhuma unidade histórico-cultural, mas sim geo-histórica, já que os povos senegambienses cuja história relata não estão vinculados entre si por nenhuma religião comum nem pelo sistema de castas. O argumento de Monteil e de Tamari me parece assim bastante melhor fundamentado que o de Barry, onde a unidade histórico-geográfica é um recurso contingente. Para as dificuldades de descrever uma área em termos de características próprias, ver minha tentativa de definir a região das Guianas (Rosa Ribeiro, 2006).

16

refúgio (apesar de serem supostamente habitantes de uma área, Bengala, que pertence à

Ásia do Sul) (Subrahmanyam, 1997:743 e 746). Sanjay indica ademais que os reinos

aracanês e seu vizinho siamês dependiam do Golfo de Bengala para seus contatos

comerciais importantes, por exemplo, com a Pérsia (um estado cujo avatar moderno está

hoje em área do Oriente Médio). Essa geografia de contatos e relações nos parece

complicada à primeira vista, e isto se deve exatamente ao fato de que, sem que o saibamos,

aprendemos geografia e história, no fundo, de maneira vinculada. Nessa geo-história

adquirida, “Pérsia”, “Sião”, “Índia” não pertencem às mesmas subdivisões da Ásia.

Tradicionalmente, portanto, estudam-se suas relações internas e com os europeus, e não

seus contatos entre si que, podemos argumentar, em termos de uma história que não seja

eurocentrada, sejam talvez tão significativos quanto os contatos com os europeus. Pulando

de continente agora, para voltar ao exemplo africano que mencionei acima, tampouco

“Península Ibérica”, “Marrocos” e “Senegâmbia” parecem pertencer ao mesmo espaço geo-

histórico. Assim, que eventos às margens do Guadalquivir e do Senegal possam estar

vinculados não nos parece uma possibilidade naturalmente aceitável.

17

Mapa do Golfo de Bengala, com as fronteiras dos estados atuais e suas

capitais e cidades principais. Note-se em especial a localização dos portos, como

Colombo, Chennai (Madras), Kolkata (Calcutá), Yangoon, Medan, Malaca e

Singapura. Note-se ademais a região de fronteira entre a Birmânia, o Bangladesh e a

Índia, onde se localizava o antigo reino de Mrauk U ou Aracão

(Fonte:Wikipedia(http://zh.wikipedia.org), acessado no dia cinco de junho de 2007).

18

II

Voltando agora para o early modern na Eurásia, a proposta de Sanjay fornece um

modelo interpretativo estimulante, localizada, como está a meio caminho entre uma

abordagem generalista e abordagens altamente especializadas. Um exemplo de seu método

é sua descrição da lenda alexandrina, cuja trajetória Sanjay traça através do tempo e do

espaço. O historiador mostra que a dinâmica das sociedades da era moderna que lhe

interessam se pautava no mais das vezes por uma interação complexa entre o regional e o

supra-regional, e até o mesmo o global, nenhum dos dois níveis existindo em si (Sanjay,

1997: 745). Falando do milenarismo no século XVI eurasiano, em cuja análise Sanjay

insere as vicissitudes da lenda alexandrina, menciona que, ao abordar o fenômeno, “não

podemos tentar [fazer] uma ‘macro-história’ da questão sem sujar os pés na lama da

‘micro-história’” (op. cit, 750). Sanjay apóia-se aqui no estudo de um otomanista, Cornell

Fleischer, que mostra uma conexão clara entre idéias e expectativas milenaristas na

Península Ibérica, na Itália e no Império Otomano, ou seja, em quase toda a área do

Meditterâneo, no século XVI. Sanjay argumenta que essa conexão em realidade pode ser

estendida para a Pérsia, o Império Mogol e o Decão também. Ilustra isto com vários

exemplos, entre eles o da lenda alexandrina, base importante para visões milenaristas na

região. Na versão “oriental” da lenda alexandrina, que passa do siríaco para o persa,

Alexandre torna-se meio-irmão de Dario. Alexandre é um conquistador – islâmico, claro -

que une os mundos helênico e persa, e é ademais um profeta. Também é um vidente, a

quem se atribui tratados de astrologia. Ele vai procurar ademais a “água da vida”ح�ي�ا�ة�ب�آ� )

), aab e hayaat, que traz a imortalidade, instruído tanto por Aristóteles como Khwaja Khizr,

profeta islâmico. Ademais, protege a “civilização” da “barbárie”, construindo uma muralha

19

de cobre no fim do mundo. No milenarismo do século XVI no mundo persianizado,

Alexandre não só estabelecerá um reino universal, como um reino universal do Islã. É sob

essa figura – de protetor da civilização - que é representado como um herói islamo-persa

tanto para persas, indianos como otomanos (op. cit, 757).

A lenda se encontra também em várias versões malaias, sob o título de Hikayat

Iskandar Zulkarnain, ou “História de Iskandar Zulkarnain”. “Iskandar Zulkarnain” é o

nome islâmico amplamente utilizado de Alexandre (Zulkarnain sendo uma figura do Corão

à qual Alexandre é assimilado), de certa forma equivalente a “Alexandre o Grande” na

tradição ocidental. No sultanato sumatrano de Aceh, na primeira metade do século XVII, a

lenda alexandrina será assimilada explicitamente à trajetória do soberano, Sultão Iskandar

Muda (literalmente, “Alexandre o Jovem”). Mais tarde, ainda no século XVII, na corte de

Aracão, a versão persa da lenda (chamada Sikandar Naama) será traduzida para o bengali

(língua literária da corte). Nessa versão, Alexandre é o protagonista de um Islã que não faz

concessões. Sua figura parece estar moldada sob inspiração daquela do imperador mogol

Shah Shuja’ (loc. cit, 757). Na Sejarah Melayu ou “Crônica Malaia”, escrita no século XVI

e início do XVII, que relata a história dos reis de Malaca (assim como a tomada de Malaca

pelos portugueses), Alexandre provém em última instância da Makaduniah (Macedônia)

em Rum (Roma, Bizâncio, ou ainda, Império Otomano), e também é denominado Iskandar

Zulkarnain. Ademais, apesar de nenhum soberano de Malaca ter tentado assimilá-lo à sua

pessoa, como no caso de Iskandar Muda em Aceh, Alexandre é claramente o progenitor da

longa linhagem de reis que, passando pela Índia, desemboca nos soberanos malaios. Além

disso, Alexandre se casa na crônica com a filha do rei da Índia, que derrotara anteriormente,

casamento que incorpora assim o subcontinente indiano na trajetória narrativa que

começara no Mediterrâneo oriental e chegara até a Península Malaia. A crônica diz: “Maka

ada seorang raja di tanah Hindi, terlalu besar kerajaanya, setengah negeri Hindi itu dalam

tangannya; namanya Raja Kida Hindi” (Sejarah Melayu, página 4, linha 6; Malay

Concordance Project, acessado no dia 7 de junho de 2007).16 Traduzido, isto fica: “Havia

então um rajá na Índia, cujo reino era extremamente extenso, já que tinha em suas mãos

metade da Índia; seu nome era Rajá Kida Hindi”. A crônica diz que, após seu casamento

16 O texto é baseado no texto estabelecido por Ahmad, 1979. Agradeço a Ben Murtagh por ter-me disponibilizado esse texto.

20

com a filha de Kida Hindi, que Alexandre derrotara, e o nascimento de um filho, e após

terem passado quarenta anos, o Rajá Iskandar Zulkarnain (literalmente, Alexandre

“Bicorne”) retornou à Macedônia. Portanto, na crônica, Alexandre pára na Índia, não tendo

nunca chegado até as terras malaias, o que se coaduna com o que sabemos de sua trajetória

na Ásia. O filho de Alexandre na Índia, Rajá Aristun Syah (note-se o título índico – rajá –

acrescido do título persa – xá -, junto a um epíteto helênico, o conjunto podendo talvez ser

traduzido por “Rajá Grande Xá”) casa-se com uma filha do rajá do Turquestão (Turkistan),

um topônimo que surge somente em crônicas de meados do século XVI a meados do século

XVIII, julgando pelos textos contidos no Malay Concordance Project.

Herói islâmico, irmão de Dario, progenitor de linhagens reais, profeta, vidente,

genro do rei da Índia, sogro da filha do rei do Turquestão, autor de tratados de astrologia,

conquistador do mundo, ancestral totêmico de linhagens reais malaias, protetor da

civilização contra o caos e, finalmente, figura importante para o milenarismo islâmico do

mundo islamo-persa no século XVI, Alexandre adquire assim várias roupagens à medida

que sua lenda se desloca do Mediterrâneo oriental em direção a Sumatra, Península Malaia

e o reino de Aracão. Sanjay conclui que a lenda alexandrina e vários mitos relacionados a

ela foram importantíssimos na formação de estados na era moderna, e na construção de

idéias e movimentos milenaristas. Contudo, como indica igualmente, essa lenda e suas

versões não se coadunam com as fronteiras dos estados-nações modernos, nem com as

divisões dos area studies da academia (assim, no caso do Sultão Iskandar Muda em Aceh,

os modelos alexandrinos estão vinculados também a modelos literários e estatais do

Império Mogol, e também da Pérsia). Sanjay pergunta-se: “How were these myths and

ideas carried, and did the channels by which they circulated also serve as the sluices for the

convection of other ‘technologies’?” (“Como se transmitiam esses mitos e idéias, e será que

os canais pelos quais circulavam também serviram de desaguadouros para a transmissão de

outras ‘tecnologias’?”) (op.cit, 759).

Essa questão é crucial, ainda que não seja fácil de responder. Mesmo uma rede de

relações e circulação de idéias e pessoas de um período bastante mais recente, como é o

caso de noções e idéias circulando através do antigo mundo colonial neerlandófono na

primeira metade do século XX – assunto que me interessa - deixa muitas questões em

aberto. Que eu sabia, até hoje, por exemplo, não existe nenhum estudo abrangente,

21

exaustivo e profundo dos contatos dos egressos das várias colônias e ex-colônias

neerlandesas na Amsterdã de antes da Segunda Guerra Mundial, apesar de ser de

conhecimento comum que esses contatos não só existiram, como foram muito importantes.

Ligações entre nacionalistas indonésios, indianos, sul-africanos e de outras origens

circulando pelo Índico é um assunto ainda mais obscuro. Só muito recentemente, por

exemplo, mencionou-se que Olive Schreiner, importante feminista e pensadora sul-africana

que refletiu sobre a nação, o gênero e a “raça” em seu país (e que conhecia Gandhi), tinha

suas idéias circulando em Kolkata através de um periódico de uma das redes da elite

nacionalista bengalesa na década de 1920. Igualmente, não muito depois o famoso escritor

e pensador nacionalista bengalês Rabindranath Tagore entrou num debate sobre Fort Hare,

universidade sul-africana de origem missionária, onde importantes figuras africanas e

indianas estudaram, entre elas Nelson Mandela (Hofmeyer, 2007).

A perspectiva das histórias conectadas no fundo não pode ser apenas complementar

a perspectivas mais enraizadas e tradicionais, porque em realidade ela as subverte de

maneira significativa, configurando não apenas um modo diferente de trabalhar materiais

históricos, como também um jeito muito diverso de olhar a história em geral. Sanjay nota

que o olhar orientalista e histórico-etnográfico, numa união desafortunada com a

perspectiva nacionalista, terminou por nos cegar com relação à possibilidade da conexão,

que dizer de sua importância (op. cit, 761). Nesse sentido, a perspectiva de Sanjay é

virtualmente antiorientalista, porque não pressupõe que, digamos, um estado indiano,

birmanês, ibérico ou sumatrano represente necessariamente uma alteridade histórica que

tenha que permanecer o apanágio de especialistas circunscritos, ou, pior ainda,

necessariamente exija um tratamento à parte na literatura: como Sanjay indica na sua

análise de idéias e noções milenaristas na Eurásia quinhentista, há noções religiosas que

percorrem esse espaço da Península Ibérica até a Índia e além, e que estão conectadas,

embora possuam, claro, profundas articulações regionais. Não é possível ver essas

conexões permanecendo apenas um hispanista, otomanista, persianólogo, indólogo, etc. Ao

mesmo, tempo, um mero generalista tampouco serve, como Sanjay indica, trazendo à tona

os muitos pontos fracos de várias teorias generalistas, desde as clássicas sobre

modernização até as mais recentes, centradas no Islã, no materialismo, na geografia, no

colonialismo e assim por diante. Significativamente, a realidade das conexões é complexa

22

demais para ser tratada com êxito por generalistas, e ao mesmo tempo abrangente demais

para ser o domínio apenas dos diversos especialistas. Isto porque, como mostra Sanjay ao

analisar os vários avatares da lenda alexandrina e idéias milenaristas relacionadas a ela,

essas versões não existem nem como meros empréstimos transcontinentais, nem como

versões estritamente regionais, mas sim sempre como resultado de uma articulação

complexa entre o universal e o local.

III

Gostaria de chamar a atenção aqui para um aspecto interessante da obra de Sanjay – seu marco cronológico, que delimita uma obra que está muitas vezes a cavalo entre a história medieval e moderna, para não dizer a história contemporânea. Todo seu trabalho está relacionado a um período histórico que pode ter várias balizas cronológicas (digamos, do XIV ao XVIII), que ele denomina de early modern.17 Esse período, por várias razões, trouxe mudanças importantes consigo, entre elas uma intensificação enorme de viagens e contatos, e não só entre europeus. Ele não pressupõe assim uma modernidade primeira que teria surgido na Europa e em seguida sido exportada para fora dela; num argumento de fundo algo orientalista, uma colega sugeriu que o termo é em realidade uma construção ocidental (mais especificamente anglófona), que não tem necessariamente equivalente em outras línguas. E, realmente, se atermo-nos por exemplo, ao malaio-indonésio ou ao japonês, é de se duvidar que o termo “moderno” tenha sido cunhado ou transliterado nessas línguas antes da segunda metade do século XIX - modern em malaio, por falar nisto, e 近代 (kindai, usado com o sufixo teki ou a partícula no), ou現代 (gendai, usado com a partícula no) que, apesar de sua aparência estranha em comparação com sua contrapartida malaia, passando por manifestação de alteridade lingüística absoluta, em realidade funcionaram

17 Claudio Pinheiro sugeriu uma tradução lusitana para esse termo, que não utilizamos comumente: “alvores da modernidade”.

23

historicamente como neologismos no Japão da era Meiji, e significam simplesmente a era recente ou atual.18

Fiz uma pesquisa no corpus do excelente Malay Concordance Project, um site

mantido por um especialista da Australian National University, que permite pesquisar

palavras e (bem mais raramente) textos completos em malaio, do período pré-colonial (a

partir de 1300) ao final do século XX. Encontrei, por exemplo, um artigo que é um dos

primeiros textos que pertencem ao corpus que discutem a questão da modernidade, onde

vem a seguinte explicação:19

Apa Modern?

Modern satu kalimah bahasa Inggris yang sama juga tujuannya dengan

Adiriyah di bahasa Arab, “Baru” di bahasa kita Melayu.

Kalimah Modern ini bukannya satu kalimah yang baru menjelma di alam

perbahasaan Barat, tetapi di sisi orang-orang Melayu kalimah ini di dalam dua tahun

yang lalu belum begitu di kenal, jika dibandingkan dengan hari ini.

Bahwa kalimah Modern ini telah menjadi buah mulut kanak-kanak yang

masing pelat bertutur dengan bahasanya sendiri yang ada di kampung-kampung

yang dikatakan jauh dari lonjong ini pun telah kedengaran tau menyebut-nyebut

Modern. Di dalam tak berapa lama lagi agaknya harus kalimah Modern ini menjadi

satu bahasa bahasan orang-orang Melayu raya dan semangatnya tak syak pula

semakin sehari semakin mesra ke darah daging Orang Melayu.

E, na minha tradução mais que recalcitrante:

18 Ver a obra de Minami (1980) para uma apreciação da relação entre japoneses e o Ocidente no pensamento de vários intelectuais importantes da era Meiji, assim como do período Tokugawa tardio. 19 O texto é “Orang-orang Melayu dengan Pengaruh Modern” (“Os Malaios Sob a Influência Moderna”), assinado por um certo Hamdam, publicado em Majlis, um periódico que circulava nos Straits Settlements (colônias inglesas do Estreito de Malaca) e nos Malay States (estados malaios sob tutela inglesa), isto é, em partes da atual Malásia, na edição de 27 de junho de 1935, página 4 (http://www.anu.edu.au/asianstudies/ahcen/proudfoot/MCP/N/SK/163.html, acessado dia sete de junho de 2007). O Malay Concordance Project contém uma amostra de periódicos, manuscritos e textos poéticos malaios, que, apesar de considerável, está longe de ser exaustiva.

24

O que é “Moderno”?

“Moderno” é uma palavra da língua inglesa que também é equivalente a

“Adiriyah” em língua árabe, ou “Novo” na nossa língua malaia.

A palavra “Moderno” não é uma palavra que tomou forma recentemente no

mundo das línguas do Ocidente, mas apesar disso os malaios não a conheciam há

apenas dois anos atrás, ao contrário do que acontece hoje.

Contudo, a palavra “Moderno” já se tornou parte da fala das crianças que

engatinham e tentam falar desajeitadamente sua própria língua nos bairros populares

(kampung-kampung)20 que, apesar de estarem longe, já se sabe que mencionam

repetidamente o “Moderno”. Dentro de não muito mais tempo provavelmente a

palavra “Moderno” deverá se tornar um termo dos malaios em geral (orang-orang

Melayu raya) e de seu espírito, e sem dúvida também será cada dia cada vez mais

absorvida pelo sangue e pela carne dos malaios. 21

O texto acima à primeira vista parece confirmar nossas piores suspeitas etnográfico-

orientalistas: o autor diz que até muito pouco tempo antes, ninguém conhecia a palavra

“moderno” (e, tendemos a ler imediatamente, tampouco o seu referente último, a

modernidade). Contudo, prosseguindo a leitura, vemos que então mesmo os bebês que

engatinham no kampung já estão incorporando a palavra a suas tentativas de falar. Em

breve, assevera o autor, todo o povo malaio a terá absorvido como parte de seu próprio

corpo: será sangue de seu sangue, carne de sua carne... É difícil imaginar uma maior

visceralidade autoctonista. Nossa tendência natural é desconfiar desse tipo de declaração.

Contudo, é difícil não escutar nas entrelinhas um eco da condenação colonial (no caso, 20 Kampung pode ser o bairro que os ingleses denominariam de “nativo”: a idéia é de que seus habitantes e a aparência do bairro não são ocidentais nem prósperos; a palavra também é usada para designar uma aldeia camponesa, ou o local de origem ou terra natal de alguém (com conotações rurais ou de cidade pequena). O termo portanto tem conotações complexas de autoctonia e ruralidade, assim como de subalternidade (especialmente no contexto colonial, como é o caso). 21 A palavra lonjong não faz sentido para mim neste texto. Não consegui encontrar uma tradução adequada para ela, e assim a deixei de fora. Ela não aparece ademais em nenhum outro texto do Malay Concordance Project, de nenhum tipo, o que faz pensar que talvez seu uso seja aqui idiossincrático ou dialetal. Seu sentido de dicionário ademais não se coaduna com o sentido da sentença onde se encontra.

25

inglesa) do “nativo” e suas inclinações pouco civilizadas, para não dizer nada modernas.

Afinal, como todo o Império Britânico sabia, inclusive os milhões que nunca puseram os

pés no Sudeste Asiático, Malays run amok, isto é, em coloquial chulo, quando menos se

espera os malaios piram... (Alatas, 1977).22 Nesse sentido é muito interessante a invocação

do kampung no texto como local onde já se fala do moderno: pois o kampung colonial é o

locus por excelência da autoctonia, da alteridade e da subalternidade. Do kampung, logo a

modernidade certamente alcançará todo o povo malaio, no seu espírito e na sua carne e

sangue, ao contrário do que acreditam os colonialistas, o texto parece dizer muito

claramente. Assim, o argumento de que não há modernidade originalmente porque não há o

“moderno”, interessante como é, também é complicado. Isto se dá porque se trata no fundo

de um raciocínio de cunho etnográfico-orientalista: eles não tinham modernidade, porque

sequer possuíam a palavra para designar o fenômeno, até que o Ocidente e sua

modernidade a impingiram a eles...

A isto, o texto acima claramente responde que, sim, é verdade, não a tínhamos, mas

já a temos em alguma medida, e em breve a teremos em grau ainda maior, a ponto de que

nosso espírito, carne e sangue estarão eivados de modernidade - assim como, podemos

supor, o espírito, carne e sangue dos ingleses. E, note-se, também dos árabes. Assim, o

articulista, Hamdam, deixa claro logo no início que, mesmo que os malaios não possuam o

moderno, um povo islâmico como eles, e considerado civilizado até pelos europeus, os

árabes, já o possuíam. Falando como etnógrafo, há uma conceito nativo (ou semi-nativo) ao

qual corresponde o moderno dos ingleses, presente muito antes que estes chegassem. Há

ademais um equivalente local: baru. Acho muito significativa essa equivalência conectada

entre Modern, Adiriyah e Baru. O árabe aqui está claramente posicionado entre o inglês e o

malaio, o que replica a história conectada do mundo malaio numa chave, digamos,

lexicográfica, e, ainda por cima – o que é muito importante - no que é claramente uma

argumentação em prol da modernidade autóctone. 23

22 Amok vem do malaio-indonésio amuk - fúria, raiva intensa. Mengamuk significa atacar, ficar completamente louco de raiva (ou ficar “atacado” mesmo). 23 Não consegui, contudo, encontrar o equivalente árabe de Adiriyah. É interessante notar também que o artigo, como quase todo texto malaio, tem palavras de origem árabe, como kalimah (“palavra”) e alam (“mundo”), assim como de origem sânscrita, como bahasa (“língua” ou “palavra”) e raya (“grande”, “glorioso”). Assim, a própria tessitura lingüística do texto, ao mesclar vocábulos de origem afro-asiática, indo-européia e austronésia, já revela um mundo intimamente conectado.

26

IV

Como Sanjay frisa, há uma tendência muito forte a reificar certos processos

históricos em detrimento de outros: assim, a modernização ou o colonialismo seriam

realidades bem mais importantes do que, digamos, o milenarismo (1997:745). Não há

nenhuma razão historicamente convincente, argumenta, por quê certos processos históricos,

nossos favoritos, devam possuir uma realidade objetiva maior do que outros. Desse modo, a

obra de Sanjay se diferencia também bastante (algo que não é muito notado) da obra do

grupo de historiadores mais prestigiosos e conhecidos da Índia no exterior (pelo menos no

exterior anglófono), aqueles vinculados aos subaltern studies, para quem a realidade

colonial foi um fenômeno primaz essencial e formativo na história indiana (ver os ensaios

em Diouf e Bosma, 2004, para uma amostra do trabalho do grupo).24Assim, tachar algo de

“pós-colonial” é em grande medida dar ênfase a um processo histórico em detrimento de

outros. Para piorar, é também usar, no fundo, certos pressupostos sobre a colonialidade e a

pós-colonialidade que não se aplicam realmente após um exame detalhado de casos

concretos em chave conectada.

Para finalizar, a perspectiva das histórias conectadas, complicada como possa

parecer (fixar o reino do Aracão na nossa memória historiográfica, por exemplo, não é

necessariamente tarefa fácil), permite mesmo assim afastar-nos de certezas e axiomas

antigos, vigentes ainda hoje tanto na antropologia como na história, para não mencionar a

24 Interessantemente, contudo, os historiadores do grupo não tratam em geral do período anterior a 1800, que é a praia de Sanjay por excelência. Assim, uma divergência metodológica e heurística está intimamente vinculada a uma diferença importante de periodização. Outro detalhe interessante é que há comunicação entre Sanjay e membros do grupo dos estudos subalternos, como mostra o fato de que escreveu um prefácio elogioso para a edição brasileira dos ensaios de Partha Chatterjee (Chatterjee, 2004).

27

crítica e a teoria literária, em direção a horizontes desorientalizados (e, por quê não,

deslufonizados), ainda pouco conhecidos, mas mesmo assim, como espero ter podido

indicar acima, bastante promissores. Nesse sentido, a proposta de Sanjay, ainda que possa

soar peculiar e difícil de seguir em todos os detalhes intricados da rica indumentária

eurasiana de seus trabalhos, representa uma via importante para a desprovincianização de

academias periféricas como a nossa, via que ademais, sem que o nome de Sanjay seja

sequer mencionado, já está sendo claramente seguida pelo menos por um ou outro

especialista em academias em situação semelhante à nossa, como mostra o trabalho de

Hofmeyer na África do Sul (Hofmeyer, 2005). Isto talvez indique que o momento é um de

conexão, mais que de reprodução do campo historiográfico tradicional. Incidentalmente,

como mostra o trabalho de Sanjay, o momento também é um de transdisciplinaridade, onde

as fronteiras entre as diversas disciplinas acadêmicas são atravessadas quase com tanta

freqüência quanto as fronteiras dos estados nacionais e suas historiografias, antropologias e

estudos literários.

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