GUERRA DO PELOPONESO: CONSEQUENCIAS DA DISSOLUÇÃO DO PROJETO DE DELOS E IMPLANTAÇÃO DO MODELO...

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GUERRA DO PELOPONESO: CONSEQUENCIAS DA DISSOLUÇÃO DO PROJETO DE DELOS E IMPLANTAÇÃO DO MODELO ESPARTANO EM ATENAS GUIMARAES, Karem Gabriele Graduando em Licenciatura em História – PUCPR KOBLITZ, Guilherme Rosa Graduando em Licenciatura em História – PUCPR PADILHA, Lucas André Marinho Graduando em Licenciatura em História – PUCPR RESUMO Analise histórica, a partir dos levantamentos bibliográficos dos historiadores Mossé, Kitto, Tucídides, sendo usado a obra de Tucídides como fonte primária sobre a Guerra do Peloponeso. Essa pesquisa tem como objetivo apresentar como se deu início a Guerra do Peloponeso, além de mostrar como a guerra causou o enfraquecimento de Atenas no território, a destituição da Confederação de Delos e por fim as consequências para a democracia ateniense e a reação da população. A escolha sobre a Guerra do Peloponeso justifica-se pela contemporaneidade que pode ser atribuída ao cenário político da época. Além disso, a comoção militar empregada pelos estados gregos na época foi algo inovador. Houveram a criação de duas alianças, cada qual com sua liderança soberana (Liga do Peloponeso com Esparta, e Confederação de Delos com Atenas), que juntas empregaram gastos em recursos materiais, escalas de soldados e homens em armas e confrontos navais nunca antes vistos em tal escala naquela região, entre a Ásia menor e a Sicília. Além disso, a criação de estratégias se mostrou extremamente presente. Palavras-chave: Guerra do Peloponeso, Confederação de Delos

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GUERRA DO PELOPONESO: CONSEQUENCIAS DA DISSOLUÇÃO DO

PROJETO DE DELOS E IMPLANTAÇÃO DO MODELO ESPARTANO EM

ATENAS

GUIMARAES, Karem Gabriele

Graduando em Licenciatura em História – PUCPR

KOBLITZ, Guilherme Rosa

Graduando em Licenciatura em História – PUCPR

PADILHA, Lucas André Marinho

Graduando em Licenciatura em História – PUCPR

RESUMO

Analise histórica, a partir dos levantamentosbibliográficos dos historiadores Mossé, Kitto, Tucídides,sendo usado a obra de Tucídides como fonte primária sobre aGuerra do Peloponeso. Essa pesquisa tem como objetivoapresentar como se deu início a Guerra do Peloponeso, alémde mostrar como a guerra causou o enfraquecimento de Atenasno território, a destituição da Confederação de Delos e porfim as consequências para a democracia ateniense e a reaçãoda população. A escolha sobre a Guerra do Peloponesojustifica-se pela contemporaneidade que pode ser atribuídaao cenário político da época. Além disso, a comoção militarempregada pelos estados gregos na época foi algo inovador.Houveram a criação de duas alianças, cada qual com sualiderança soberana (Liga do Peloponeso com Esparta, eConfederação de Delos com Atenas), que juntas empregaramgastos em recursos materiais, escalas de soldados e homensem armas e confrontos navais nunca antes vistos em talescala naquela região, entre a Ásia menor e a Sicília. Alémdisso, a criação de estratégias se mostrou extremamentepresente.

Palavras-chave: Guerra do Peloponeso, Confederação de Delos

1. INTRODUÇÃO -

O tema gira em torno da tensão, guerra e pós-guerra

que existiu entre a cidade de Atenas e Esparta e suas

respectivas aliadas. Trata de tensões políticas que

existiram no pós-guerra e do grande despendimento de

recursos e estratégias para angariar aliados e derrotar os

adversários.

Essa abordagem possui relevância na área por

apresentar tais fatos de forma muito bem fundamentada, o

que possibilita um entendimento amplo sobre as transações e

acordos políticos da época, e toda a instauração de um medo

causado pelo crescimento exacerbado de Atenas. O recorte

temporal vai ilustrar o período do pós-guerra, onde

poderemos ver quais foram as consequências da dissolução do

projeto de Delos e da implantação do modelo militarista

espartano em Atenas após a guerra do Peloponeso. É nesse

período que se passa a queda do projeto de Delos, e a

ascensão de Esparta sobre os derrotados. Segundo Le Goff

(1999,p.101):

(I) Ler o presente, o acontecimento, com umaprofundidade histórica suficiente epertinente; (II)manifestar quanto a suas fontes o espírito críticode todos oshistoriadores segundo os métodosadaptados a suas fontes; (III) não se contentaremdescrever e contar, mas esforçar-se paraexplicar; e por fim, (IV) tentar hierarquizarosfatos, distinguir o incidente do fatosignificativo e importante...

Entende-se pois então que para o entendimento do

tema e uma explanação clara e consistente do objeto

abordado, a fim de atingir os objetivos da pesquisa,

necessita-se de uma metodologia concisa e de fontes para

auxiliar a pesquisa, embasando todo conteúdo nos autores

pesquisados.

Com isso, Tucídides se torna a principal fonte

primária a ser utilizada, trazendo grandes quantidades de

informações, uma vez que ele foi estratego na época da Guerra

do Peloponeso.

Entre os autores utilizados para interpretarTucídides, podemos citar Humphrey Kitto, Claude Mossé,Donald Kagan, Indro Montanelli, Le Goff, entre outros, quepor meio de suas obras possibilitam um maior entendimentoacerca da Grécia do período, e, pontualmente, sobre aGuerra do Peloponeso e suas consequências em si.

2. O FIM DA GUERRA E O DESENROLAR POLÍTICO -

A guerra do Peloponeso é iniciada decorrente de muitas

intrigas no perímetro grego. Ocorreu no período de 431 a.C

até 404 a.C, 27 anos de guerra intercalados entre momentos

ora de combate, ora de paz, e envolve principalmente as duas

potências gregas da época: Atenas, potência marítima,

carregada de sua democracia efervescente, e Esparta, potência

terrestre, de sociedade militarizada e oligárquica. A

narrativa é desenvolvida ao redor de personalidades marcantes

e sempre direcionada ao registro dos eventos feito pelo

historiador contemporâneo a época, Tucídides (460 a.C - 400

a.C).

Muitos fatores contribuíram para o estopim da guerra do

Peloponeso. Atenas na época controlava o comércio marítimo, e

recebia muitos tributos de aliados da região, que, para serem

beneficiados por esse domínio, se juntaram a polis. A essa

parceria, deu-se o nome de Confederação de Delos ou Liga de

Delos. Sobre a confederação, o historiador Indro Montanelli

(1962, p. 242) deixou uma breve e eficaz explicação em seu

livro História dos Gregos.

O império de Atenas se chamava Confederação, como odos ingleses se chamava Commonwealth. Mas o que, narealidade, se escondia sob esse nome hipocritamentedemocrático e igualitário era o controle comercial epolítico de Atenas sobre as cidades que faziam parteda Confederação.

O que ele quer dizer é que já era visível naquele

momento que Atenas apresentava intenções expansionistas por

meio de sua democracia, para exercer um domínio político na

região. Outro trecho do historiador Montanelli (1962, p. 241)

auxilia na compreensão desse fato: "Péricles não fez política

externa diversa da que qualquer outro teria feito, em seu

lugar. Para Atenas não havia alternativa: ou ser um império

ou não ser nada". Motivos para essa tentativa de expansão não

faltavam: o espaço territorial de Atenas não era muito grande

e tinha condições péssimas para plantio ou exploração de

matérias-primas. Essas razões já contribuíram com o passar

dos séculos para o desenvolvimento do domínio comercial de

Atenas, como forma de sobrevivência naquele local. Mas essas

tendências claramente irritavam seus rivais na região, os

espartanos. Esparta chegou a fazer parte da Confederação de

Delos, mas quando começou a perceber os rumos maliciosos que

a liga tomava em favor dos atenienses, resolveu tomar as

rédeas em defesa da liberdade e da autonomia das cidades

gregas, fundando assim uma liga que levaria o nome de Liga do

Peloponeso. Esta acabaria tendo adesão de muitas cidades-

estado que se mostravam descontentes com Atenas, e resolviam

por abandonar o projeto de Delos liderado pela mesma.

Houveram, de fato, tentativas de resolver as

divergências antes mesmo que a guerra estourasse. Serão

enviadas embaixadas à Atenas, vindas de Esparta, para tentar

negociações. A primeira não ofereceu resultado algum. Já a

segunda viria com objetivos mais claros, como o de aquietar

as exigências dos aliados megarenses com relação a uma

intervenção espartana no bloqueio dos comércios da Ática com

Mégara imposto pelos atenienses, e principalmente, exigir de

Atenas que respeitassem a liberdade e independência dos

gregos. É justamente nessa segunda visita dos lacedemônios

que Péricles irá, de certa forma, inflar a tensão que geraria

a guerra, por meio de um discurso, em que defenderá que não

há necessidade de concessões à Esparta, e que,

principalmente, em caso de guerra, os atenienses seriam muito

mais fortes, por terem uma unidade e muito mais recursos. E

após esse discurso, os atenienses votaram, como era de

costume para qualquer ação tomada pela polis. E decidiram ir

para a guerra.

Dentro da Confederação de Delos, veremos a fragilidade

que a Liga possuía, com revoltas de membros como Egina,

Eubeia e Samos. Nessa ocasião, as revoltas serão duramente

esmagadas pela frota ateniense, que ironicamente, devia

servir à causa comum da confederação, incluindo à desses três

estados, seus maiores provedores. Outro caso com

protagonistas em paralelo à Atenas e Esparta é o do ataque de

Tebas a Plateias, realizado em 431 a.C. Os eventos que se

sucederam nessa ocasião serão de extrema importância para

contribuir com o estopim da guerra. Tebas era um centro

importante na época, e queria anexar o território de

Plateias, antes que a guerra começasse. Além disso, tinham

relações com a Liga do Peloponeso, que já era forte rival da

Confederação de Delos nessa época. Já Plateias tinha ligações

com os atenienses. Com o auxílio das narrativas de Tucídides,

o autor H.D.F Kitto (1970, p. 248) ilustrou um pouco desse

evento.

Plateias era uma pequena cidade da Beócia, perto dafronteira com a Ática. Os Beócios, na sua maioria,

eram oligárquicos e aliados normais e dos de maiorimportância, de Tebas. Plateias era democrática emantinha relações amigáveis com os atenienses; nãodevemos esquecer que os de Plateias foram os únicosGregos que lutaram ao lado dos atenienses em Maratona.Esta ligação entre uma cidade da Beócia e Atenas eraum perpétuo motivo de irritação para Tebas e, em 431,no meio da tensão que imediatamente precedeu a guerra,o facto seguinte contribuiu para a precipitar.

O fato à que Kitto se referiu teve decorrência dentro

dos limites de Plateias, quando cerca de 300 tebanos

adentraram a cidade para conquistá-la, com a ajuda de alguns

cidadãos da própria cidade de Plateias. Por um momento, os

populares locais se amedrontaram com a invasão, pois era

noite e o exército parecia muito maior. Ao perceberem o

contrário, se organizaram para, no início do amanhecer,

atacar os tebanos invasores, e de maneira violenta, acuar

grande parte dos soldados que lá estavam. Pouquíssimos

conseguiram fugir, e os que ficaram presos na cidade,

receberam pena de morte, pois os conselhos democráticos mais

sensatos de Atenas tardaram a chegar. Como ilustrou Kitto,

esse fato contribuiu para acirrar os ânimos entre o eixo

principal da guerra, Atenas e Esparta, incendiados pelos seus

aliados. Para finalizar o período heroico de Plateias, anos

depois, com a guerra do Peloponeso já em curso, a cidade

acabaria sendo sitiada pelos peloponésios liderados por

Esparta, e este cerco duraria de 429 a.C a 427 a.C. Ao fim do

cerco, os espartanos, como julgamento, insistirão em

perguntar a cada cidadão de Plateias se haviam, de alguma

forma, ajudado Esparta e seus aliados na guerra que

acontecia. Não houve muita argumentação, e os que responderam

que não ajudaram foram mortos, no caso dos homens, ou

vendidos como escravos, no caso de mulheres e crianças. Esse

fato deu fim à cidade de Plateias.

Mas a guerra teve mais do que apenas confrontos.

Péricles arquitetou um plano para salvar seus cidadãos

atenienses que moravam na Ática, e ao perceber o estopim da

guerra, como estratégia militar, resolveu recuar todos para

dentro das muralhas da cidade de Atenas. Com isso, os

espartanos chegaram à Ática e, de dentro da cidade, os

atenienses nada puderam fazer além de observar os inimigos

saquearem e devastarem seus campos, casas e plantações. A

estratégia acabou sendo válida, já que pouco tempo depois, os

peloponésios evacuariam a Ática, e esse fato atrasou o

suficiente os espartanos para que a armada ateniense pudesse

assolar Mégara. Porém, a humilhação e fraqueza dos atenienses

deixou uma marca em seu orgulho durante algum tempo.

No ano seguinte, para piorar a situação, a região foi

assolada por uma terrível peste, que daria conta de

exterminar um quarto da população ateniense. Por azar, ou

falta de previsão, a estratégia de Péricles de amontoar

milhares de pessoas sob proteção das muralhas acelerou o

processo de contaminação da epidemia entre os cidadãos. O

relato sobre o quão terrível era a peste fica a cargo do

historiador Tucídides (1987, p. 117), que em determinado

momento, contraiu a peste, e conseguiu sobreviver a ela.

Enquanto durou a peste, ninguém se queixava de outrasdoenças, pois se alguma se manifestava, logo evoluíapara aquela. Às vezes a morte decorria de negligência,mas de um modo geral ela sobrevinha apesar de todos oscuidados. Não se encontrou remédio algum, pode-sedizer, que contribuísse para o alívio de quem o

tomasse - o que beneficiava um doente prejudicavaoutro - e nenhuma compleição foi por si mesma capaz deresistir ao mal, fosse ela forte ou fraca; ele atingiua todos sem distinção, mesmo àqueles cercados de todosos cuidados médicos.

Enquanto isso, a guerra continuava sem dar frutos. A

cólera dos cidadãos, enfermos, derrotados, recaiu sobre um já

menos popular Péricles, este que também contraiu a peste.

Apesar disso, mais uma vez, seus sensatos discursos

convenceram a população a não ceder, porém, ele não escapou

de uma prestação de contas com a população, e foi condenado a

pagar uma multa. Porém, foi eleito estratego novamente. Mas não

tardaria para que viesse a falecer, vítima da peste. Péricles

foi então substituído por Cléon, que em nada se assemelhava a

ele. Não tinha boa oratória, além de ser bastante grosseiro e

mal educado. Porém, impôs algumas vitórias importantes sobre

os espartanos, fazendo-os recuar para a região do Peloponeso.

Morreria em batalha contra o herói espartano Brásidas, mas

forçaria os lacedemônios a propor uma trégua, que previa

cinquenta anos de paz.

Eis que surge Alcibíades, como uma esperança de Atenas.

Aos poucos, foi alçando uma concreta carreira política na

cidade, arquitetando por baixo dos panos coligações contra

Esparta, sem deixar que houvesse envolvimento de Atenas, para

que a paz não fosse quebrada. Fomentou com o tempo nos

atenienses a convicção de que uma expedição de conquista a

Sicília seria a melhor forma de reaver prestígio. Porém,

quando chegou a época da expedição, em 415, algumas estátuas

de Hermes foram vandalizadas. Alcibíades foi cotado como

suspeito, e como deveria prestar contas segundo a democracia

ateniense, o comando da expedição foi para Nícias, seu rival

pacifista, que por sinal, não desejava a expedição. Diversos

sinais de má sorte se seguiram, o que baixou a moral da

tripulação e dos soldados. Mesmo assim, a campanha não foi

cancelada, como pontuou Mossé (1982, p. 62): "A expedição

partiu, com grande entusiasmo, em meados do verão de 415 a.C.

Toda a população da Ática, tanto cidadãos quanto

estrangeiros, descera até o porto para acompanhar os que

partiam". Ao chegar a Sicília, perceberam que Siracusa era

difícil de conquistar. Além disso, enfrentaram uma chuva

torrencial, e sofreram um ataque avassalador dos siracusanos,

que culminou na aniquilação de quase toda o exército

ateniense e de toda a sua frota. Além disso, Alcibíades

desertou para Esparta, visando escapar do processo a que fora

condenado.

Em Esparta, sua sede de vingança contra Atenas se

mostrará por meio de planejamentos contra sua anterior

cidade. Esparta conseguirá, com a ajuda dele, por exemplo,

devastar as produções de prata atenienses. Mas, em Esparta,

Alcibíades teve deslizes de comportamento também, e se

envolveu com um adultério, justo com a esposa do rei. Este,

ao descobrir, mandou um assassino atrás de Alcibíades, que

por pouco conseguiu se refugiar, dessa vez, na Pérsia, sob o

julgo de Tissafernes naquela época. Por lá, Alcibíades

conseguirá intrigas que o forçarão. De volta a Atenas,

Alcibíades conseguirá empreender algumas vitórias, mas levará

a culpa por uma expedição não plenejada e fracassada de

Antíoco, um substituto, que o forçará a buscar, mais uma vez,

refúgio na Pérsia. Dessa vez, porém, os persas já o

conheciam, e apesar de Farnabaso, o sátrapa em questão, ter

lhe concedido um castelo e alguns guardas, nada mais era do

que uma emboscada que culminaria em sua morte, alguns dias

depois.

Durante esse período de ausência de Alcibíades, Atenas

foi de mal a pior. Seu abastecimento alimentício estava

prejudicado, assim como suas finanças. Os espartanos,

querendo findar a guerra, haviam forjado alianças com os

persas, prometendo à estes territórios na jônia. Esse fato

abalou a época, e o sentimento pode ser resumido com um breve

trecho, novamente de Montanelli (1962, p. 258): "Era a grande

traição. Gregos pediam auxílio de bárbaros para destruir

outros gregos". Com a volta de Alcibíades, a guerra pôde

resistir mais alguns poucos anos, com algumas vitórias de

Atenas, mas não havia mais o que pudesse ser feito, de

maneira efetiva, para vencer essa guerra. Toda essa

explicação ao redor da guerra nos mostra que destituição do

Projeto de Delos aconteceria de maneira gradativa e por baixo

dos panos, com Atenas perdendo seu poder militar e

diplomático na Grécia. Como consequência, o enfraquecimento

da região com relação ao comércio logo se mostrou, já que a

nova soberana, Esparta, pouco entendia do assunto se

comparado à Atenas.

Portanto, em 404 a.C, sob condições duríssimas para

Atenas, a guerra findaria com os espartanos adentrando

Atenas, auxiliando na destruição dos muros. Esparta, apesar

de vitoriosa, também sofreu com o conflito, entrando em

decadência a partir do século IV. Contudo, a vitória

espartana trouxe prejuízos gravíssimos à “democracia”

ateniense. Esses prejuízos serão pontuados pelo historiador

H.D.F Kitto (1970, p. 253) no seguinte trecho.

A Guerra do Peloponeso marcou, virtualmente, o fim dacidade-estado como força criadora, que modela epreenche as vidas de todos os seus membros. Durante oséculo quarto, a Grécia encaminhava-se com firmezapara novos rumos do pensamento e para uma novaconcepção da vida; de tal maneira que, para aquelesque tinham nascido no final do século, o século dePéricles, devia parecer tão remoto, mentalmente, comoa Idade Média o é para nós.

O período de hegemonia espartana despertou profunda

admiração por sua politeia. Os gregos perguntavam-se como um

Estado numericamente tão pequeno conseguiu conquistar tanto

poder. Concomitantemente, a imposição em Atenas de um governo

oligárquico por Esparta (404-401), conhecido como o governo

dos Trinta tiranos, trazido por Crítias e Terâmenes, que

contribuiu para a construção entre os defensores da

democracia de uma imagem de oligarquia associada à crueldade

e ilegalidade.

Em princípios do século IV Esparta gozava entre os

gregos de prestígio e poder político-militar consequente da

vitória na Guerra do Peloponeso. Esta vitória representava a

decadência da democracia frente à oligarquia, o que despertou

nas elites aristocráticas gregas o fascínio pela

politeiaespartana. Esparta torna-se o símbolo da força e da

coragem grega, a única capaz de vencer as tendências

negativas da alma humana. Assim, é justamente após o término

da Guerra do Peloponeso que fortalece o estereótipo do “tipo”

lacedemônio, homem viril e guerreiro. A curiosidade em

relação às instituições espartanas cresce proporcionalmente a

sua influência na Grécia, mormente pelas elites enfraquecidas

devido aos regimes democráticos. Os elogios às

poleislacedemônias partem daqueles que viam na democracia a

forma de governo mais corrompida existente, pois se guiava,

segundo eles, através da ignorância de uma multidão

desenfreada e desejosa de lisonjas.

Os aliados de Esparta, especialmente tradicionais

inimigos atenienses como Tebas e Corinto, agora pregavam a

destruição total da cidade, a escravização da população e a

conversão da Ática em "terra pastoril". Os espartanos

recusaram, mas arrasaram 32 km da grande muralha que ligava

Atenas com seu porto de Pireu, e que havia anteriormente sido

impenetrável contra ataques. Atenas perdeu a liderança da

Liga de Delos - assumida por Esparta - e o governo da cidade

estava nas mãos dos Trinta Tiranos. Esses reacionários

imediatamente privaram a maioria dos cidadãos da cidade dos

seus direitos por meio da lista dos três mil (que nada mais

eram do que três mil escolhidos para manter seus direitos

políticos) e executaram ou exilaram uma série de líderes

democráticos dos mais importantes. Muitos cidadãos que viram

seus direitos políticos tomados por estarem fora da lista dos

três mil foram se refugiar no porto Pireu. Os tiranos

tornaram-se odiados por toda a cidade e eram mantidos apenas

através da presença de uma guarnição espartana na cidade. A

insegurança de seu reinado levou-os a tomar medidas cada vez

mais brutais que afetavam até mesmo os oligarcas mais

moderados de suas facções, como ilustra Mossé (1982, p. 79):

"De fato, desde o começo, os Trinta - dos quais faziam parte

Terâmenes e Crítias, o primo de Platão - quiseram fazer

reinar o terror apoiando-se numa guarnição lacedemônia". Não

demoraria muito, porém, para que Terâmenes fosse condenado à

morte por Cicuta, após um golpe de Crítias.

Muitos democratas não se sentaram em torno da acrópole à

espera de serem executados, mas fugiram da cidade para o

exílio. Surpreendentemente, as cidades mais acolhedoras de

democratas atenienses foram Tebas, Corínto e Mégara: os

mesmos que, como aliados de Esparta, encorajaram fortemente a

completa destruição de Atenas. Trasíbulo fugiu para Tebas e

foi socorrido por Ismenias, líder de Tebas. Lá, ele reuniu

seus homens, dinheiro e armas e se preparou para contra-

atacar após o inverno. Mais uma vez, a historiadora Claude

Mossé (1982, p. 80) fala que:

Desde a tomada do poder pelos oligarcas, (Trasíbulo)refugiara-se em Tebas, onde alguns fiéis companheirosjuntaram-se a ele. Foi dalí que partiu, pouco depoisda morte de Terâmenes, e conseguiu estabelecer-se naÁtica, instalando-se na fortaleza de File. Issoaconteceu durante o inverno de 404/03 a.C, e os Trintanão puderam evitar que ele alí permanecesse.

Na primavera de 403 a. C., os trinta fizeram-se

suficientemente odiados, assim, Trasíbulo sentiu que poderia

agir. Um golpe ousado pode reunir apoio para ele derrubar os

oligarcas do seu domínio instável na cidade. Ele moveu seu

bando de 70 democratas para um local defensável em File, na

fronteira entre a Beócia e Ática e enviou um chamado para os

seus recrutas. Porém o exército dos 30 tiranos enviados para

capturar e matar ele estava encurralando-os. Mas adveio a

providência e interviu: uma tempestade de neve impediu

exército dos tiranos de cercá-los em File, e eles foram

obrigados a voltar para Atenas. Essa "vitória" trouxe força

para os democratas e os novos recrutas começaram a acreditar

na retomada da cidade.

Os Tiranos humilhados, agora estavam seriamente

preocupados, e clamaram pela guarnição espartana para obter

ajuda. Os espartanos estavam revoltados com o fracasso

lamentável de seus aliados, mas concordaram em enviar uma

força para acompanhar uma segunda tentativa de expulsar

Trasíbulo. Desta vez não haveria tempestade de neve. O

trabalho seria feito corretamente. Eles não estavam contando

com Trasíbulo, que tinha acabado de passar os últimos 30 anos

lutando contra os espartanos. Seu pequeno grupo de 70 heróis

já tinha crescido para mais de 700. Em vez de esperar pelos

espartanos para formar uma linha de batalha, da qual eles

eram geralmente imbatíveis, ele lançou um ataque ousado pela

manhã no acampamento espartano. Eles encaminharam os

oligarcas atenienses e chegaram a matar 120 espartanos antes

do resto se retirar com a ordem de recuou. Em questão de

meses, situação deixou de ser apenas um aborrecimento para se

tornar uma coisa desesperadora. Trasíbulo perseguiu o

exército oligárquico durante todo o caminho de volta para

Atenas. Ele deixou File com 200 homens para defendê-la,

enquanto marchava com outros 1.000 para o Pireu, o porto de

Atenas: agora convenientemente sem paredes graças aos

espartanos. Lá, eles estabeleceram-se na colina mais alta com

vista para o porto e aguardaram o próximo ataque.

Não demoraram muito a chegar. Os trinta sentiam o poder

escorregar de suas mãos: os cidadãos atenienses hostilizavam-

nos e suportavam obviamente Trasíbulo, e os espartanos não os

apoiavam pois achavam que eles provaram-se incompetentes.

Eles reuniram suas forças restantes, convenceram a guarnição

espartana para ajudá-los novamente, e marcharam contra

Trasíbulo. O exército oligárquico era cerca de cinco vezes

maior e mais forte do que a força que Trasíbulo tinha sob seu

comando, mas Trasíbulo estava em terreno elevado, bem como a

moral do seu exército (eles tinham batido os oligarcas já por

duas vezes e os seus homens foram inspirados com fervor,

enquanto os homens espartanos estavam desmotivados). Com a

falange de Trasíbulo correndo ladeira abaixo atrás dos

oligarcas, os espartanos se recusam se envolver em um fiasco

deste tipo, e se retiraram da batalha. Trasíbulo havia

vencido a batalha e garantiu sua posição de prestígio. Ele

havia matado o líder dos Trinta, o aristocrata Crítias, e o

restante dos Trinta fugiram da cidade. Mas Atenas não ficou

sob o domínio de Trasíbulo. Novos oligarcas foram eleitos e a

guarnição permaneceu espartana. Estes novos líderes tentaram

chegar a um acordo com o seu adversário, mas Trasíbulo se

recusou a tratar com eles. Em desespero, os oligarcas

chamaram Esparta para derrotar seu inimigo. Os espartanos

realizaram um longo debate sobre o assunto. Lisandro,

vencedor de Aegospotami (a última grande batalha da guerra do

Peloponeso, de 405 a.C) e principal chefe do império

espartano, estava de acordo em entrar e matar até o último

dos homens de Trasíbulo. Entretanto, nem todos os espartanos

estavam tão interessados. O partido moderado, liderado por

Pausânias, não estava disposto a ceder e manter uma grande

guarnição permanentemente na Ática, e tornava-se evidente que

esta seria a única maneira de manter uma oligarquia no poder

em Atenas. Eles também viram isso como uma oportunidade de

derrubar seu adversário, Lisandro, afinal, os Trinta tinham

sido sua ideia. No final, os espartanos não enviaram um

exército, mas elegeram Pausânias para liderá-los nessa

situação. Trasíbulo enfrentou novamente a força espartana,

porem perdeu. Mas não foi uma derrota desonrosa. Os

atenienses lutaram muito bem, e os seus adversários

espartanos prestaram-lhes honras por sua bravura. Isso foi o

suficiente para Pausânias usar como desculpa, já que não

estava disposto a forçar a questão de qualquer maneira. Ele

exigiu que Trasíbulo e os oligarcas chegassem a um acordo.

Trasíbulo permaneceu firme em suas proposições, apesar de sua

recente derrota, e isto forçou os oligarcas a ceder a seus

termos, a restauração da democracia.Pausânias (1918,

[1.29.3]) cita-o como o maior ateniense da história por seus

feitos.

Tais são os seus santuários aqui, e dos túmulos oprimeiro é o de Trasíbulo, filho de Lico, em todos osaspectos o maior de todos os atenienses famosos, dosque viviam antes dele ou depois dele. O maior númerode suas conquistas vou passar, mas os seguintes fatossão suficientes para suportar a minha afirmação. Elederrotou o que é conhecido como a tirania dos Trinta,partindo de Tebas com uma força de valor, a princípio,setenta homens; ele também convenceu os atenienses,

que foram rasgados por facções, a se reconciliarem, ea cumprir seu pacto.

Importante lembrar é que os Trinta Tiranos tomaram o

poder por conta dos interesses espartanos (sempre defensores

de regimes fortes), o que explica o desprezo ateniense por

esta fase. Platão acaba por concordar que fora um período

terrível para Atenas e passa a criar aversão pelas práticas

políticas da época. Somada a isso a morte de Sócrates em 399

a. C, dois anos após a quedados Trinta, põe termo a qualquer

esperança de mudar as instituições de sua polis natal. Conclui-

se com a citação de Platão (2008,p.138): “À vista de

semelhantes fatos e de outros de não menor gravidade, senti-

me revoltado e me conservei afastado daquelas práticas

odientas.”.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do que foi desenvolvido nesse trabalho, pode-se

chegar a conclusão de que a guerra do Peloponeso trouxe mais

malefícios do que benefícios para todos os lados. Exemplo

disso é a desordem que se instaurou em Atenas nos períodos em

que se tornou oligarquia regida por Esparta, não apenas no

quesito social, como também na questão comercial importante

da cidade-estado. Além disso, vemos o poder que a democracia

tinha e a crença dos atenienses de que ela era o melhor plano

de governo possível, já que a oligarquia viria a durar pouco

tempo graças à força popular comandada por Trasíbulo, que

exigia a volta do regime democrático. Podemos finaliza

ressaltando o fracasso de Esparta em desenvolver seu próprio

objetivo ao iniciar a guerra, tendo em vista que a unificação

que tentaram impor pouco deu frutos. Prova disso é que

antigas aliadas de Esparta (e rivais poderosas de Atenas)

como Mégara e Tebas acabam por se aliar à Atenas, tanto

cedendo o local como refúgio para os exilados atenienses,

como posteriormente auxiliando na expulsão da oligarquia dos

Trinta da cidade-estado.

4. FONTES PRIMÁRIAS

TULCIDIDES. Historia da Guerra do Peloponeso. Brasília:Editora Unb,

1999.

5. BIBLIOGRAFIA

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1986.

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Editoral Record, 2012.

KAGAN, Donald. A Guerra do Peloponeso - Novas Perspectivas Sobre o Mais

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Editoral Record, 2006.

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Editora Contexto, 2006.

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2010.

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