GABRIEL BUENO ALMEIDA IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM
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Transcript of GABRIEL BUENO ALMEIDA IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM
GABRIEL BUENO ALMEIDA
IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE
CINEMA E SUBJETIVIDADE
Tese submetida ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Santa
Catarina para a obtenção do título de
Doutor em Psicologia.
Orientadora: Profª. Drª. Andréa Vieira
Zanella
Florianópolis - SC
2019
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa
de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.
Bueno, Gabriel
Imagem-tempo-montagem : diálogos entre cinema
e subjetividade / Gabriel Bueno ; orientadora,
Andréa Vieira Zanella, 2019.
271 p.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de
Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Florianópolis, 2019.
Inclui referências.
1. Psicologia. 2. psicologia. 3. cinema. 4.
epistemologia. 5. arte. I. Zanella, Andréa Vieira.
II. Universidade Federal de Santa Catarina.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III.
Título.
Agradecimentos
A minha orientadora Andréa Viera Zanella, por nossos 10 anos
compartilhados, que me propiciaram um saber-fazer com a psicologia e
sua interface com a arte e com a vida. Ousada, forte, acolhedora e
exemplo de dedicação ao trabalho, aos estudos e aos próximos.
A minha família, que me forneceram ancoragens sólidas o
suficiente para encarar tempestades.
A todos meus amigos e amigas que sempre se fizeram presentes
na minha caminhada.
Aos amigos Paulo Mioto e Diogo Benvenutti, por suas
assessorias referentes à teoria musical.
A Maya Oginoya, por tirar minhas dúvidas em relação à cultura
japonesa.
A Júlia Orie Yamamoto, pela belíssima tradução da música
Gondola no Uta.
A Fernanda Volkerling, por todas as trocas de ideias, por ter sido
uma importante companhia e por me ajudar com essa complexa ousadia
humana: a escrita.
A Renan Blah e Mitsue Yanai, pelas conversas e experiências
vividas no cinema.
As minhas amigas Raquel Alves e Carolina Carvalho, por tantas
noites de boêmias. Imprescindíveis.
A minha mãe Delma Bueno, por me introduzir na linguagem e
por ler todos os artigos dessa tese antes da sua conclusão.
A minha analista Tânia Mascarello, por anos de escuta e atenção.
Aos colegas da pós-graduação, os sensíveis orientados e
orientadas da professora Andréa Zanella, por lerem meus textos e darem
valiosas sugestões.
Aos colegas professores e professoras da Faculdade CESUSC,
por me acompanharem nessa bela e desafiadora carreira.
Aos alunos e alunas de psicologia, que me instigam a pensar e me
ensinam a lecionar.
A faculdade CESUSC, por ser uma ilha acolhedora num oceano
revolto.
A banca que leu minha tese com tanto carinho e dedicação e
indicou importantes caminhos para o futuro: profª Fabíola Borges, profª
Ana Marsillac e prof. Luis Felipe Soares. Também agradeço a profֺª
Tânia Galli pelas contribuições na banda de qualificação.
A arte.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................. 15 ABSTRACT ......................................................................................... 17 APRESENTAÇÃO .............................................................................. 19 INTRODUÇÃO ................................................................................... 23 Imagem-tempo-montagem .................................................................. 29
Método.... .............................................................................................. 35
Estrutura da tese ................................................................................. 40
A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA INTERFACE CINEMA E
PSICOLOGIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA ......................... 45 Introdução ............................................................................................ 46
Método.... .............................................................................................. 46
Análise dos dados ................................................................................ 51
Análise de filmes ................................................................................... 51
Cinema como atividade de intervenção ................................................. 56
Epistemologia e Metodologia ................................................................ 59
Conclusão ............................................................................................. 62
REFERÊNCIAS .................................................................................. 64
ARTE E CIÊNCIA: APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS .. 79 Introdução ............................................................................................ 80
Produção de conhecimento em psicologia ......................................... 82
Ciência moderna e seus limites........................................................... 85
Simplificação da realidade .................................................................... 86
Limites da linguagem ............................................................................ 88
Diálogos entre ciência e arte ............................................................... 91
Ciência e arte como criação e fabulação ............................................... 92
As potências epistemológicas e sensíveis da arte .............................. 95
Fragmentos e Narrativas ........................................................................ 96
Flâneur................................................................................................... 98
Novas imagens .................................................................................... 100
Devir artista ......................................................................................... 101
Conclusão ........................................................................................... 102
REFERÊNCIAS ................................................................................ 104
IMAGEM, CINEMA E PSICOLOGIA: COMPONDO
APROXIMAÇÕES ENTRE ARTE E CIÊNCIA ........................... 109 Introdução ......................................................................................... 110
O conceito da imagem em Deleuze e Benjamin .............................. 114
A imagem do cinema como expressão do sujeito ............................ 120
Campo e enquadramento ..................................................................... 123
Plano e decupagem ............................................................................. 125
Holy moment ...................................................................................... 126
Conclusão ........................................................................................... 130
REFERÊNCIAS ................................................................................ 131
TEMPO E MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E
PSICOLOGIA ................................................................................... 135 [CENA 01 – PRÓLOGO] ................................................................. 136
[CENA 02 – REALIDADE COM FICÇÃO] ...................................... 136
[CENA 03 – TEMPO E SUJEITO NO CINEMA] ......................... 139
[CENA 04 – Jetztzeit] ....................................................................... 140
[CENA 05 – IMAGEM-TEMPO] .................................................... 142
[CENA 06 – PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO COMO
MONTAGEM] .................................................................................. 143
[CENA 07 – MEMÓRIA] ................................................................. 146
[CENA 08 – HARMONIAS E MELODIAS] .................................. 147
[CENA 09 – MORTE COMO MATERIAZAÇÃO DO TEMPO] 149
[CENA 10 – EPÍLOGO] ................................................................... 151
REFERÊNCIAS ................................................................................ 152
A MORTE COMO PRESENTIFICAÇÃO DA VIDA NO CINEMA
E NA MÚSICA .................................................................................. 157 Introdução ......................................................................................... 158
Do neorrealismo ao realismo poético............................................... 159
Sobre a morte e o viver ..................................................................... 163
Réquiem ante mortem ....................................................................... 170
Finalizando ......................................................................................... 174
REFERÊNCIAS ................................................................................ 175
CONCLUSÃO ................................................................................... 177 REFERÊNCIAS ................................................................................ 180
ANEXO.. ............................................................................................ 185
15
RESUMO
Esta tese articula uma aproximação epistemológica entre arte e
ciência, a partir do cinema — como linguagem artística — e da
psicologia — como disciplina oriunda do campo científico. A pesquisa
procura demonstrar a potência dos estudos teóricos e conceituais
provenientes do cinema, apontando que tal linguagem estética
possibilita um pensar sobre a realidade e sobre questões ontológicas.
Compreendendo a pluralidade de abordagens teóricas que esse tema
convoca, esta pesquisa tem como principais referências as teorias sobre
cinema de Gilles Deleuze e Walter Benjamin, concentrando-se nos
conceitos de imagem, tempo e montagem. A tese defende que os três
conceitos que compõem a linguagem cinematográfica, e a forma como
se articulam, agregam reflexões epistemológicas à psicologia na busca
por um saber sobre os processos de subjetivação e sua relação com a
vida. Os métodos de pesquisa elencados para atingir tais objetivos foram
a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa
bibliográfica foi realizada a partir de uma revisão sistemática composta
pela análise de teses, dissertações e artigos acadêmicos que abordam a
relação entre cinema e psicologia, e na revisão da literatura que se
debruça sobre o tema. A pesquisa documental baseia-se na análise de
algumas obras cinematográficas e de como essas obras podem
potencializar o entendimento da teoria consultada, sendo essa uma teoria
da linguagem cinematográfica e também uma teoria dos processos de
subjetivação. A partir de uma perspectiva dialógica de exploração do
tema, a pesquisa desenvolve uma aproximação conceitual entre Deleuze,
Benjamin e autores provenientes do cinema e da psicologia. A tese está
estrutura em 05 artigos distintos e independentes, mais um capítulo
introdutório e uma conclusão. A introdução discorre sobre o tema
central e o método utilizado na pesquisa. O primeiro artigo é uma
revisão sistemática desenvolvida a partir das palavras-chave “cinema” e
“psicologia”. O segundo artigo realiza uma discussão epistemológica
entre as aproximações, distâncias e pontos de intersecção entre a arte e a
ciência. O terceiro artigo aborda o conceito de “imagem” no cinema e na
psicologia. O quarto artigo analisa os conceitos “tempo” e “montagem”.
O quinto artigo faz uma reflexão sobre os processos de subjetivação a
partir dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa (1952) e La Strada, de
Federico Fellini (1954). Para finalizar, um capítulo de conclusão realiza
uma síntese reflexiva sobre as discussões desenvolvidas nos artigos.
Palavras-chave: Cinema, psicologia, imagem, tempo, montagem.
17
ABSTRACT
This thesis presents an epistemological approach between art and
science, based in the cinema (as an artistic language) and psychology
(representing the scientific field). The research demonstrate the power of
the theoretical and conceptual studies coming from cinema, pointing out
that such aesthetic language makes possible a particular thought about
reality and ontological questions. Due the plurality of theoretical
approaches about this theme, this research has as main references the
theories about cinema of Gilles Deleuze and Walter Benjamin, more
specifically in the concepts of image, time and montage. The thesis
argues that the three concepts that compose the cinematographic
language, and the way they work together, adds epistemological
reflections to understand the subjective dimension and its relationship
with life. The research methods used to achieve these objectives were
bibliographic research and document research. The bibliographic
research was carried out through a systematic review composed by the
analysis of theses, dissertations and academic papers that deal with the
relationship between cinema and psychology, and in the literature
review that focuses on the theme. Document research make an analysis
about some movies and how these works can enhance the understanding
of the theory consulted, being this a theory of cinematographic language
and also a theory of a subjective being. From a dialogical perspective,
the research develops a conceptual approach between Deleuze,
Benjamin and authors from the cinema and psychology. The thesis is
structured in 05 different and independent articles, plus an introductory
chapter and a conclusion. The introduction presents the main theme and
the method used in the research. The first article is a systematic review
developed from the key words "cinema" and "psychology". The second
article realizes an epistemological discussion between the approaches,
distances and intersection between art and science. The third article
develop the concept of "image" in cinema and psychology. The fourth
article is about the concepts "time" and "montage". The fifth article is a
reflection about life and death in the movies Ikiru, Akira Kurosawa
(1952) and La Strada, by Federico Fellini (1954). To finish, a
conclusion chapter provides a reflexive synthesis on the discussions
developed in the articles.
Keywords: cinema, psychology, image, time, montage.
19
APRESENTAÇÃO
Algumas indagações para apresentar minha temática: o que leva
este pesquisador que vos fala a se envolver com cinema, numa etapa tão
importante do caminhar da formação acadêmica como a realização de
uma pesquisa de doutorado? Que desejos, que anseios, que motivações
sustentam essa empreitada de aproximar e fazer dialogar arte e ciência?
O que se almeja com essa pesquisa?
Refletindo sobre a primeira questão, o que vem a memória sobre
meus primeiros contatos com o cinema, remete ao filme Labirinto, de
1986, dirigido por Jim Henson e estrelado por David Bowie. Foram
muitas as vezes que fomos em família à vídeo-locadora retirar este filme
para as sessões hipnóticas frente ao televisor. A protagonista (Jennifer
Connelly) segue numa aventura por esse mundo fantástico para resgatar
seu irmão bebê sequestrado pelo encantador Rei Goblin (David Bowie).
Monstrengos dançando num mundo sombrio, cheio de pântanos, um
castelo aterrorizante, um labirinto intransponível. Em suma, era disso
que o filme se tratava. Porém, para mim, era muito mais do que isso. Era
uma experiência onírica, como se eu mesmo embarcasse nessa jornada,
cheia de goblins e fantasia. Era uma experiência vívida de viajar a outra
dimensão por via do portal que a tela abria à minha frente.
Percebo que este filme deixou fortes marcas nas minhas
identificações estéticas. Desde essa época minhas preferências estéticas
quase sempre foram por desenhos de monstros, livros de horror, músicas
em tom menor, experiências de clima sombrio e fantasmagórico. Hoje
são os contos de Edgar Allan Poe, a música do Black Sabbath, os seres
pintados por Goya que me lançam numa experiência sublime com a arte.
Oh, quanta beleza nesse mundo obscuro!
No transcorrer dos anos foram diversas as incursões artísticas que
realizei procurando dar realidade e esse mundo fantástico, a esse
encontro com o unheimlich1 por via da arte. Procurei através da pintura,
1 Unheimlich, traduzido para o português como “o estranho”, a partir do inglês
“uncanny”, é uma palavra alemã de difícil tradução que designa uma relação de
estranheza e familiaridade, de atração e repulsão. Freud (1969) se utiliza da palavra
alemã para criar um conceito que visaria analisar algumas obras da literatura
fantástica. Assim sendo, unheimlich é um conceito psicanalítico que parte do campo
estético e decorre em contribuições para o campo clínico, e não como de costume,
onde Freud utilizava seus conceitos clínicos para a análise de obras de arte.alemã de
difícil tradução que designa uma relação de estranheza e familiaridade, de tração e
repulsão. Freud (1969) se utiliza da palavra alemã para criar um conceito que visaria
20
do desenho, do graffiti, da música, expressar esse imaginário que
sempre me fascinou e que aponta para uma forma de interpretar e
apreciar a vida.
Mas será que uma experiência cinematográfica foi a responsável
por delinear minhas preferências estéticas? Provavelmente não agiu
sozinha, mas ainda hoje são as imagens em movimento dos monstros
habitantes do Labirinto que me vêm a mente quando lembro da minha
fruição cinematográfica ainda na infância. Perguntar o lugar do cinema
na constituição desse imaginário é percurso pelo qual pretendo passar
nesta escrita.
Anos mais tarde uma outra experiência me lança novamente a
vivenciar uma relação de intimidade com o cinema, porém agora não
como expectador, mas como realizador. Ao escrever o projeto de
mestrado sobre graffiti, arte urbana e processos de subjetivação,
experimentei fazer desse texto também um projeto de documentário
referente ao tema. A pesquisa de mestrado tinha como objetivo
apresentar os discursos dos artistas sobre suas relações com a cidade e
com a linguagem artística que escolheram como forma de intervenção
no espaço urbano. Uma experiência etnográfica se delineava como
alternativa metodológica para alcançar tal objetivo.
No entanto, usar dos recursos da produção de um documentário
(captação das imagens e do áudio, registro das entrevistas e das
locações, montagem narrativa) parecia uma boa opção para me lançar na
pesquisa de campo. Foi assim que surgiu a ideia de aliar a realização de
um documentário paralelo à escrita da dissertação de mestrado.
Produções independentes, porém complementares.
O projeto de documentário participou do Edital Fundo Municipal
de Cinema (FUNCINE) e foi contemplado com o 6º Prêmio Funcine de
Produção Audiovisual Armando Carreirão, na categoria diretor
estreante. Fruto desse edital foi o documentário "Eles Foram por Ali",
que teve como foco histórias narradas pelos graffiteiros de
Florianópolis, contando um pouco sobre as suas relações com a rua, com
os demais artistas, com os transeuntes que indagavam suas práticas,
sobre o que significava para eles graffiti. Esse momento como realizador de um documentário, que teve
seu caminhar entrelaçado à pesquisa de mestrado, me levou a vislumbrar
analisar algumas obras da literatura fantástica. Assim sendo, unheimlich é um
conceito psicanalítico que parte do campo estético e decorre em contribuições para o
campo clínico, e não como de costume, onde Freud utilizava seus conceitos clínicos
para a análise de obras de arte.
21
a potência da produção cinematográfica como método de pesquisa
(BUENO, 2017) — desde a criação de um roteiro, passando pela
experiência de campo e concluindo com a montagem — e como
embasamento epistemológico, refletindo sobre o atributo da imagem em
movimento na pesquisa e a relação dessa linguagem artística com a
constituição de discursos e imaginários.
Assim, o interesse em aprofundar os estudos sobre o cinema e sua
aproximação à academia é, também, continuidade da pesquisa "Política,
subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade" (BUENO, 2013), cujo
método de imersão no campo se deu paralelamente à produção de um
filme documentário.
A proposta desta tese de doutorado se delineia no encontro da
relação afetiva que tenho com o cinema (e com a arte em geral) com
minha formação acadêmica como pesquisador em psicologia. A atração
que a arte exerce sobre mim e a presença permanente que diversas
linguagens artísticas tiveram ao longo de minha experiência como
sujeito, me intrigam e me levam a interrogar qual a relação da arte com
a produção de conhecimento, com os processos de subjetivação, com a
investigação da vida. Meus questionamentos apontam para pensar
possíveis relações entre ciência-arte-vida.
23
INTRODUÇÃO
“If you could say it in words there would be no reason to paint.” — Edward
Hopper
Imagem, tempo e montagem são conceitos e experiências da
ordem do sensível que compõem parte da linguagem artística do cinema.
Cinema se faz na tessitura desses três elementos — e é a partir do
arranjo imagético-temporal resultante que aquele que for interpelado
pela obra pode vir a estabelecer uma experiência estética com o filme.
Imagem, tempo e montagem são elementos constitutivos da
produção cinematográfica e também adquirem relevância nos estudos
dos processos de subjetivação, ou seja, o sujeito entendido em sua
processualidade, em constante movimento de vir-a-ser. Considerando
serem esses processos foco de estudo da psicologia, o que se pode dizer
sobre a aproximação entre cinema e psicologia, arte e ciências? Como
essa aproximação pode agregar elementos à discussão dos processos de
subjetivação ou daquilo que se situa na relação entre o sujeito e a vida?
Essas perguntas que mobilizaram o desenvolvimento da pesquisa
aqui apresentada, não pretendem fazer uma análise da experiência do
realizador de uma obra cinematográfica — o processo de criação e
produção, as etapas da concretização do objeto estético — nem da
experiência daquele que é espectador de tais obras, o que nos
possibilitaria discorrer sobre os processos de identificação, as relações
sensíveis na experiência estética, a potência dialógica da obra. O que se
apresenta nesta tese é o estudo das aproximações entre uma linguagem
artística, incluindo seus elementos constitutivos, e um campo
acadêmico-científico dotado de ferramentas conceituais, ou seja, entre
cinema e psicologia — mais especificamente, os processos de
subjetivação na psicologia, os quais remetem à ontologia.
A questão ontológica é um dos temas fundantes da psicologia
como ciência no século XIX, preocupação que vem na esteira do pensamento humanista ocidental e passa a ser tomada como objeto da
ciência nos moldes dos anseios iluministas (PRADO, MARTINS, 2007).
Conceitos como "sujeito", "subjetividade", "processos de subjetivação",
"sujeito do inconsciente" e "constituição do sujeito" são empregados por
diferentes teorias a fim de problematizar um inalcançável — apenas
24
bordeável — fenômeno sobre o qual boa parte do pensamento
psicológico se debruça. É sobre esse problema da psicologia que faço
uma aproximação entre arte e ciência, visto que a questão do sujeito
também está presente nas reflexões do campo artístico. É a partir da
temática ontológica que aproximo e proponho o diálogo entre cinema e
psicologia.
O pensamento moderno — iluminista e cartesiano — esquartejou
em disciplinas e segmentou com fronteiras bem delimitadas aquilo que
designou como próprio da filosofia, das ciências naturais, das ciências
humanas ou das artes, definindo uma clara distinção entre as formas de
produção de saber. Como toda relação baseada em fronteiras, logo uma
forma de saber se sobrepôs às outras, definiu valores e paradigmas, e
aqueles que não se alinhassem aos seus princípios epistemológicos e aos
seus métodos de investigação seriam classificados como formas não
racionais de entendimento sobre a vida (SANTOS, 2010).
No entanto, sejam as artes, as ciências, as religiões ou a filosofia,
cada uma apresenta, com sua linguagem e seus paradigmas, "visões de
mundo", narrativas sobre a realidade e os fenômenos observados,
sentidos e/ou imaginados. Não há, a priori, justificativa para julgar qual
narrativa é válida e qual não o é (ibid) sem antes definir seu objeto,
propósito, situar o lugar de onde fala, os sentidos empregados no seu
discurso, seus paradigmas e sua epistemologia. Pautado nessa
perspectiva comum aos campos de saber, de que as diversas elaborações
sobre a realidade se sustentam sobre narrativas, é possível a reflexão de
como essas narrativas estão constituídas, suas aproximações e
distanciamentos, as relações de poder que as engendram, as bases
filosóficas que as sustentam.
A tese procura analisar os encontros e desencontros entre duas
narrativas distintas referentes à configuração do real — arte e ciência —
e localizar histórica e conceitualmente esse diálogo epistemológico.
Cinema e psicologia se assemelham quanto ao seu lugar social quando
ambas podem ser entendidas como manifestações da cultura que
propiciam formas de interpretar, representar e materializar elementos,
signos e/ou facetas da realidade vivida. Uma tese científica ou uma obra
de arte, uma vez criada e socializada, torna-se objeto de intervenção no
social, (re)produz discursos e realidades, promove (in)visibilidades,
acentua perspectivas, ideologias, posições axiológicas.
A impossibilidade da neutralidade por parte do(a) diretor(a) na
composição de uma obra cinematográfica se passa de maneira similar na
realização de uma pesquisa científica. Ambas as produções — a artística
e a acadêmica — são um recorte da realidade, uma montagem daquilo
25
que foi vivido no campo, uma faceta do todo. A apresentação da
experiência — seja pela câmera, pelos diários de campo, pela
observação e pela reflexão — está circunscrita àquilo que quem faz
pôde ver, pensar, analisar e àquilo que escolhe registrar e narrar. O
pesquisador ou diretor não tem como se eximir da sua condição de ser
no mundo, situado numa dimensão discursiva, axiológica, constitutiva
do seu olhar e de sua escuta sobre a realidade na qual está imerso
(FARACO, 2017).
Toda pesquisa científica, assim como toda obra de arte e todo
discurso político — respeitando suas diferenças e particularidades —
são apenas leituras da realidade, construções simbólicas referentes a um
fato em processo, em movimento. Segundo o documentarista Jean-Louis
Comolli: “um depoimento, uma palavra, um documento e a própria
narrativa podem remeter a fatos, a eles se referir e com eles estabelecer
relações; contudo, deles se separam por meio de uma elaboração que,
ainda que diga respeito ao fato, o reconfigura em formas que não são
mais as dele. Nada do mundo nos é acessível sem que os relatos nos
transmitam uma versão local, datada, histórica, ideológica.”
(COMOLLI, 2008, p. 173). Esta é uma condição sine qua non das
realizações humanas, o que não invalida o esforço por trazer diferentes
leituras dos acontecimentos à esfera da reflexão.
Vigotski, utilizando como metáfora a parábola bíblica da
transformação da água em vinho, expõe que a arte promove uma
transformação do vivido, e não apenas uma representação de algo
ausente, como o sentimento do autor, uma história, um afeto. Para o
autor bielorrusso, "a arte recolhe da vida o seu material mas produz
acima desse material algo que ainda não está nas propriedades do
material" (VIGOTSKI, 1998, p. 308). A arte toma da realidade, das
vivências e das experiências sua matéria-prima, mas formula a partir
desta algo além, cria um novo, reinterpreta, reconta, produz outros
olhares, outras narrativas. De forma análoga à arte, "devemos
reconhecer que a ciência não só contagia com as ideias de um homem
toda uma sociedade" (ibid, p. 308), mas ela cria dispositivos discursivos
que podem transformar as relações estabelecidas nessa sociedade,
modificando a cultura, hábitos, crenças, formas de vir a ser.
As ciências naturais — chamadas por Boaventura de Sousa
Santos de paradigma dominante (SANTOS, 2010), que imperam ainda
hoje no entendimento do que pretende e do que seja a produção de
conhecimento científico, e vertentes das ciências humanas e sociais, que
se adéquam ao método das ciências naturais, mas investigam objetos os
quais as metodologias empregadas não conseguem apreender na sua
26
complexidade — almejam explicar — ordenando e classificando aquilo
que pode ser observado, quantificado, descrito e replicado, dentro de
uma ordem funcional e sistêmica — ou compreender — buscando um
entendimento das relações de caráter social, cultural e política, sendo
estas relações baseadas em análises quantitativas ou qualitativas.
Contudo, são as artes que contribuem principalmente com a
possibilidade do criar, do afetar, do revelar (IANNI, 2004). Revelar não
como um acesso a verdades imanentes, mas sim como possibilidade de
recriar sobre o já instituído, problematizando os costumes de uma época,
seus hábitos e pensamentos, desvendando o invisível e o desprezível;
projetar luz sobre aquilo que permanece nas sombras, nos extremos da
estatística, na contramão da moral e do interesse da cultura dominante;
mergulhar nas angústias, afetos, medos e no mal-estar da existência;
deixar surgir os desejos e volições que movem os sujeitos no seu devir;
despertar para o ainda não pensado, não conectado, das ideias ainda não
paridas, as interpretações e exegeses ainda não realizadas. Arte, assim
como ciência e filosofia, como interpretação da vida, não se resume a
uma técnica em busca de verdades intrínsecas, mas trata-se de narrar
algo que escapa da esfera dos sentidos partilhados, dos instituídos.
A atividade de criação e fabulação se faz necessária à própria
ciência para criar seus conceitos e teorias que derivam de uma
interpretação e descrição provenientes da realidade observável
(NIETZSCHE, 2005). Desenvolver argumentos científicos, por sua vez,
torna-se uma atividade artística, pois demanda uma elaboração criativa
sobre a matéria-prima para tornar factual uma elucubração imaginária. O
real da natureza — a busca dos filósofos e cientistas — é sempre um
inalcançável, inexistente à consciência humana, senão pela criação
mediada pela linguagem e pela possibilidade de fabular. Desta forma,
arte e ciência dialogam na construção do conhecimento sobre a vida,
sobre a natureza, sobre o humano, sobre as existências. O conhecimento
oriundo da arte é via de acesso a lugares outros, lugares que o método
científico tradicional não veio ainda a contemplar, sendo a arte um
importante veículo a essa experiência humana. Ambas esferas da
atividade humana envolvem-se num processo dialético na compreensão
do mundo, onde a arte nos faz ver aspectos que a ciência não consegue
vislumbrar (ZAMBONI, 2012). Portanto, para se obter um
conhecimento mais amplo das questões que concernem às ciências
naturais e às ciências humanas e sociais, para abrir acesso a realidades
que nos estão inacessíveis, para tornar visível aspectos negados,
solapados, negligenciados, omitidos, ignorados ou somente questões
para as quais nossos olhos não conseguem ver, a arte, em diálogo com a
27
ciência, faz-se imprescindível na busca por um entendimento outro
sobre a complexidade da vida.
É possível reconhecer nos textos dos pensadores da linguagem
cinematográfica inúmeras relações entre a arte da imagem em
movimento e temáticas clássicas de interesse da ciência psicológica
(DELEUZE, 2013, 2018; MORIN, 2018; CARRIÈRE, 2015;
MERLEAU-PONTY, 2018; EISENSTEIN, 2002; XAVIER, 2018;
METZ, 2014). O cinema tornou-se um relevante elemento constitutivo
das experiências contemporâneas ao corroborar com a invenção de
modos de ser, de sentir, de pensar na atualidade. Coloca-se como uma
significativa forma de expressar as histórias, os sonhos, os afetos e as
vicissitudes humanas (CARRIÈRE, 2015). Como linguagem artística, o
cinema tem a potência de criar situações, cenas, narrativas que nos
possibilitam pensar aspectos menos palpáveis e compreensíveis pelo
plano da razão e das ciências.
A arte cinematográfica possibilita um mergulho nos aspectos
humanos, assim como a literatura o faz desde o início da história da
humanidade. Porém, diferentemente da arte das palavras, o cinema nos
oferece imagens desse mundo infindo a ser conhecido. Localizamos nas
imagens do cinema os aspectos da vida real e nos reconhecemos nelas
(MORIN, 2018). Por movimentos de identificação-projeção, a imagem
do cinema nos desperta para uma experiência especular refratada. Ser
interpelado por um filme é reconhecer que a sua materialidade não se
restringe à tela onde é projetado, mas sim que seus efeitos impregnam
nossas vidas em muitos aspectos. Uma imagem que nos atravessa pode
continuar viva em nossas memórias, latente de sentidos, balizando
nossas afecções e nossas histórias. Nas palavras do escritor Italo
Calvino, o cinema não se constitui de forma distanciada do sujeito, mas
sim como uma forma de expressão do mundo e desse humano,
fornecendo-nos elementos para podemos refletir sobre ambos:
O que o cinema proporciona agora não é mais a
distância: é a irreversível sensação de que tudo
está perto, que nos é íntimo, que está em cima de
nós. E esta observação próxima pode dar uma
sensação de exploração/documentário ou de
introspecção, as duas direções em que hoje
podemos definir a função do conhecimento do
cinema. Uma é de nos dar uma forte imagem de
um mundo estranho a nós e que, por alguma razão
objetiva ou subjetiva, não conseguimos perceber
28
diretamente; outra é de nos forçar a ver nós
mesmos e nossa existência cotidiana de forma a
mudar alguma coisa no relacionamento com o
nosso eu. (CALVINO, 2011, p. 23)
O cinema tem a sua estrutura de linguagem similar àquela que
constitui o pensamento, sejam ambos estruturados de acordo com os
mecanismos lógicos que consolidam uma linguagem (AUMONT, 2016).
Assim, a estrutura do cinema apresenta similaridades com as
características da subjetividade, devido a ambos terem uma
configuração que se organiza por meio de imagens, sons e pela
elaboração de sentidos e narrativas. Assim, a linguagem
cinematográfica pode ser concebida também a partir dos mesmos
processos e qualidades das leis que organizam a experiência psicológica,
como a memória, atenção, imaginação, emoção (XAVIER, 2018). Sua
dinâmica também apresenta semelhanças às peculiaridades do universo
onírico e do inconsciente freudiano, onde:
As imagens aparecem e desaparecem mediante
fusões e escurecimentos; o tempo e o espaço
tornam-se flexíveis, prestando-se a reduções ou
distensões voluntárias; a ordem cronológica e os
valores relativos da duração deixam de
corresponder à realidade; a ação transcorre em
ciclos que podem abranger minutos ou séculos; os
movimentos se aceleram. (BUÑUEL, 2018, P.
269)
O cinema responde a algumas de nossas necessidades.
Necessidade narcísica de vermo-nos como espetáculo, como dominantes
do espaço e da natureza; de fugirmos da realidade que nos enclausura;
de vermo-nos em outros planos, outras vidas; de esquecermo-nos, ainda
que seja apenas durante alguns minutos de devaneios, ou para
encontrarmo-nos, naqueles poucos instantes de lucidez: “a
especificidade do cinema está, se assim se pode dizer, em ele oferecer-
nos a gama potencialmente infinita das suas fugas e dos seus
reencontros: o mundo, todas as fusões cósmicas” (MORIN, 2018, p.
141).
Para realizar esse encontro entre arte e ciência, compreendendo
ambas como aventuras técnicas, conceituais e/ou sensíveis na busca por
uma interpretação e/ou intervenção no vivido, esta tese busca, nos
29
conceitos utilizados por alguns teóricos do cinema e filosofia, possíveis
diálogos com a ciência psicológica e com a vida. Os conceitos imagem,
tempo e montagem são os pontos de intersecção eleitos para a tessitura
desse encontro, e sobre eles trarei a seguir alguns apontamentos iniciais
que possibilitam visibilizar as discussões desenvolvidas na tese.
IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM
Os três conceitos, imagem-tempo-montagem, são analisados
nesta tese segundo teorias estéticas que discorrem sobre a linguagem
cinematográfica em sua interlocução com os processos de subjetivação.
Esses dois universos, arte e sujeito, estão entrelaçados, nos artigos que
compõem o corpo da tese, por uma rede conceitual que oferece
subsídios e perspectivas reflexivas para compreender ambos sob um
mesmo panorama teórico-estético. As teorias que fundamentam o
cinema como linguagem artística, como forma de elaboração do real,
como captura e formulação do tempo, também propiciam um abrangente
campo teórico que fundamenta uma noção de sujeito e que suscita novos
saberes no campo da psicologia.
À título de introdução, imagem em Benjamin se apresenta como
fragmentos da memória, seja social ou singular (GAGNEBIN, 2014).
São partículas do pensamento, não como instrumentos deste, mas sim
como ele próprio (PERNISA, LADIM, 2008). É na (re)elaboração de
traços mnêmicos que ficcionamos nossa própria história. Imagens estão
presentes na sua concepção ontogênica de constituição do ser e também
no processo de construção do conhecimento, com suas ressonâncias
sociais e políticas.
O conceito de imagem se configura como a própria essência do
pensamento. Porém, não um pensamento controlável baseado na
consciência, mas uma memória de imagens em fragmentos que constitui
o próprio sujeito e o remete a interpretar e sentir o vivido. Memória do
corpo, visualidades táteis que irrompem as formas de controle da razão e
se fazem presentes ao sujeito: "por ser involuntária, é também a mais
fugaz, já que escapou à consciência, à inteligência que não consegue
reproduzi-la 'à vontade'. Ela é, então, a única memória verdadeira e,
simultaneamente, a mais frágil" (GAGNEBIN, 2014, p.164).
O próprio método benjaminiano de pesquisa se assenta sobre um
mosaico composto por imagens tecidas pelo autor. Os textos
"Passagens" (BENJAMIN, 2007), "Rua de Mão Única" (BENJAMIN,
30
2012c), "Imagens do pensamento"(ibid, 2012a) e "Infância em Berlin
por Volta de 1900" (ibid, 2012b) são exemplos dessa imersão
etnográfica realizada a partir de um flanar que se objetifica no registro
das memórias narradas. A imagem aparece em Benjamin como resquício
de uma reminiscência fabulada a partir da narração do momento
presente (BENJAMIN, 2008a).
As "imagens do pensamento" serão em Benjamin via para
questionar os conceitos de verdade e ciência vigentes no ocidente,
entendendo que esse modelo de compreensão do humano seria apenas
um modelo dominante, mas não o único. Assim, sua teoria acaba por
desconstruir a própria noção de sujeito calcada no paradigma positivista
ao sugerir um questionamento epistemológico referente à constituição
do pensamento. Para o autor, o pensamento é uma bricolagem
imagética, erigida sobre visualidades e afecções. Seu horizonte para
pensar o sujeito é estético (PERNISA; LANDIM, 2008); sujeito que se
faz dialeticamente nas relações com as imagens da memória e do
mundo.
De acordo com Jeanne Marie Gagnebin (2014), Benjamin propôs
em seus escritos rever a função da imagem — na arte e na constituição
do pensamento moderno — a partir de um outro lugar e de uma nova
potência, não a destituindo de sua aura, e sim dessacralizando-a:
A leitura e a tradução da obra proustiana levam
Benjamin a reformular uma teoria da imagem
aurática, imagem que é, no entanto,
profundamente diferente da imagem aurática
antiga ligada ao culto do divino ou do belo. A
leitura de Proust permite a Benjamin elaborar um
novo conceito de imagem, não mais a partir de
uma estética da visão e da contemplação, mas a
partir de uma reflexão sobre a memória e sobre a
imagem mnêmica. Essa passagem decisiva do
campo da visão ao da memória devolverá à
imagem suas potencialidades auráticas.
(GAGNEBIN, J. M. 2014, p.164)
Tal movimento reverbera nas relações sociais e atinge dimensões políticas. Ao dessacralizar a obra de arte (consequência dos avanços
técnicos e das vanguardas artísticas dos séculos XIX e XX) e instituir
uma nova ordem aurática dos regimes estéticos, abrem-se novas vias
para problematizar e contestar a lógica social instituída e as relações de
31
dominação. Benjamin afirma que "o que se atrofia na era da
reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse processo é
sintomático, e sua significação vai muito além da esfera das artes"
(BENJAMIN, 2008b, p.168). Ou seja, as relações de percepção e
recepção da arte passam por transformações significativas na sociedade
ocidental entre os séculos XIX e XX, acarretando também em novas
perspectivas sociais e políticas:
No interior de grandes períodos históricos, a
forma de percepção das coletividades humanas se
transforma ao mesmo tempo que seu modo de
existência. O modo pelo qual se organiza a
percepção humana, o meio em que ela se dá, não é
apenas condicionado naturalmente, mas também
historicamente. [...] Se fosse possível
compreender as transformações contemporâneas
da faculdade perceptiva segundo a ótica do
declínio da aura, as causas sociais dessas
transformações se tornariam inteligíveis. (ibid, p.
169-170)
A partir das novas formas de produção, percepção e consumo da
arte, o autor procurou evidenciar as consequência desse paradigma
estético nas relações sociais e humanas. O cinema, como arte que
congrega todas essas revoluções técnicas, estéticas e políticas da
modernidade, será para Benjamin um fenômeno de admiração e análise.
Os textos de Deleuze sobre imagem-movimento (2018) e
imagem-tempo (2013), principais conceitos apresentados pelo autor para
desenvolver uma teoria sobre o cinema, assim como os escritos de
Benjamin, propõem um novo lugar para a imagem na compreensão
ontológica do sujeito. Segundo Farina e Fonseca (2015, p. 119),
"Deleuze debruça-se sobre a questão da imagem (e não mais do
conceito) para desenvolver um plano filosófico que o cinema teria a po-
tência de criar em relação direta com a produção de uma nova
subjetividade". Ou seja, Deleuze descreve uma teoria cinematográfica
que se conjuga aos processos de subjetivação, onde plano, montagem,
tempo e imagem são elementos constitutivos do cinema e da
subjetividade.
Deleuze convoca a olhar para a sétima arte como fenômeno
análogo participante dos devires contemporâneos e introduz sua reflexão
sobre o cinema partindo da elaboração conceitual da imagem-
32
movimento e suas configurações possíveis. Sua análise toma o plano
cinematográfico como um dispositivo agenciador das múltiplas camadas
de real que a arte do cinema pode elaborar. Sua reflexão aborda o plano
cinematográfico como gesto de modulação e composição do tempo,
atividade estética que apreende o tempo e dá a ele um contorno,
designa-lhe uma virtualidade que presentifica a sua existência. O plano
opera um corte que extrai do infinito uma forma, um acontecimento,
uma duração (DELEUZE, 2013, 2018).
A maneira como o plano está estruturado — seu ritmo,
enquadramento, a dinâmica narrativa que nele se desenvolve, o tempo
de sua duração, os objetos cênicos, humanos e inumanos — irá
condicionar inúmeras possibilidades de apreensão e de encontro com o
real, este sendo constituído por afecções, por ficções, por impressões
que a obra estética vem a suscitar. Para tornar palpável essa reflexão,
Deleuze vai elaborar alguns conceitos que fundaram a base da sua
filosofia da imagem cinematográfica. No entanto, os conceitos que o
autor cunhou para a análise da imagem em movimento extrapolam os
limites da 7ª arte e estendem-se para uma compreensão da dinâmica da
subjetividade. A sua teoria estética, que emerge a partir do
atravessamento do autor pela linguagem cinematográfica, também
fomenta uma concepção dos processos de subjetivação.
Nesta tese, Tempo e montagem são dois conceitos que foram
trabalhados de forma indissociada, pois ambos se afirmam na existência
um do outro. No texto "A Imagem em Proust", Walter Benjamin
(2008a) nos oferece a possibilidade de estabelecermos um diálogo entre
imagem, tempo e montagem. As imagem à qual Benjamin se refere
nesse texto remetem àquelas que constituem a fabulação que Marcel
Proust faz sobre sua própria vida e que busca registrar em sua obra "Em
busca do tempo perdido", sete volumes de registros autobiográficos.
Segundo Benjamin:
Proust não descreveu em sua obra uma vida como
ela de fato foi, e sim uma vida lembrada por quem
a viveu [...] o importante para o autor que
rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de
sua rememoração, o trabalho de Penélope de
reminiscência. Ou seria preferível falar do
trabalho de Penélope do esquecimento. (ibid,
p.37)
Ao problematizar os aspectos da memória, Benjamin introduz a
dimensão do tempo e da narração nas imagens mnêmicas. A tessitura do
33
tempo se apresenta, para Benjamin, não sob a lógica linear, progressista
e cronológica, sustentado por um paradigma que analisa a história como
fatos estagnados no passado, cuja verdade nada tem a ver com a
experiência da atualidade e com o discurso do presente que vem a
significar o passado. Pelo contrário, o fluxo da história se apresenta em
Benjamin como um tempo entrecruzado entre passado e presente, entre
a memória e a sua narração.
Procurando superar a lógica de uma historiografia centrada em
uma ideia de tempo "homogêneo e vazio", Benjamin propõe "fundar um
outro conceito de tempo, 'tempo do agora' (Jetztzeit), caracterizado por
sua intensidade e sua brevidade." (GAGNEBIN, 2008, p.8), concepção
esta que busca compreender o discurso sobre a história a partir da
relação que o presente estabelece com o passado, superando uma noção
de um tempo acabado e imutável. O passado é sempre reconstituído a
partir da narração que dele se faz no presente, a partir de uma
experiência que o tempo atual estabelece com o tempo ido. A
experiência da narração cinematográfica é justamente esse rearranjo no
tempo das imagens-mémorias e a sua interdependência no processo de
fabular, pois "a compreensão de cada imagem é condicionada pela
sequência de todas as imagens anteriores" (BENJAMIN, 2008a, p. 175).
Rancière, ao falar da fragmentação de uma narrativa
cinematográfica, expõe a relação ambivalente de construção e
desconstrução do sentido que o cinema nos coloca frente à montagem
das imagens no transcorrer do tempo: "A imagem nunca é uma realidade
simples. As imagens do cinema são antes de mais nada operações,
relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o
depois, a causa e o efeito." (RANCIÈRE, 2012a, p.14). Nesta passagem,
Rancière evidencia a relação entre os três conceitos trabalhados nesta
tese, onde a imagem ganha ou perde sentido, problematizando a
realidade exibida em função do jogo seqüencial por meio do qual se
apresente. Seu transcorrer no tempo abre fissuras para interpretações
antecipadas ou equivocadas, sendo na continuidade negada e ou
afirmada. Ou seja, a montagem em sua relação com o tempo da narração
é um dispositivo de rupturas e exposições da realidade, desconcertando
o óbvio e possibilitando a experiência de descentramento do espectador.
Nesse descentramento, em função do tempo e sua montagem narrativa,
emerge a possibilidade de operar sobre os regimes de visibilidade.
Deleuze vem a desenvolver uma concepção de tempo e
montagem em sua teoria sobre a linguagem cinematográfica que nos dá
subsídios conceituais para elaborar tanto uma reflexão sobre os
processos constituintes da própria realidade quanto uma formulação
34
ontológica sobre o sujeito calcado nos dois conceitos oriundos da teoria
deleuziana que fundamenta seus estudos sobre cinema. O tempo no
qual estamos imersos não tem contornos nem limites, não passa,
permanece inalterado; em seu interior é que ocorrem mudanças e
acontecimentos, porém o mesmo continua em sua eternidade. O tempo
só torna-se tangível de forma indireta, por meio dos fenômenos que
ocorrem em seus interstícios, através de elementos sensíveis que
preenchem a sua estrutura. São os cortes promovidos pela técnica da
montagem que tornam o tempo experiência sensível, a partir de um
fragmento de duração, de uma imagem-movimento.
Os processos de subjetivação mergulhados no tempo, fragmento
de duração que compreendemos como vida, tem proximidades com a
técnica da montagem cinematográfica naquilo que tange a sua ordem
compositiva. Tais processos são tomados como mosaicos mnêmicos de
imagens em movimento, planos subjetivos, enquadramentos singulares,
fragmentos da nossa história que juntos vão compondo, por meio da
montagem, uma narrativa sempre em aberto.
Tempo e montagem se apresentam, pois, como fundamentais
tanto na arte como na ciência psicológica. A técnica da montagem,
empregada tanto no cinema como na escrita da pesquisa em psicologia,
cria uma narração do vivido que não se restringe à afirmação de uma
verdade, mas pode permitir que o campo pesquisado chegue ao
ambiente acadêmico por meio de fabulações. Com destaque ao gênero
documentário, o conteúdo vinculado à pesquisa ou filme faz alusão
àquilo que o campo nos fala, mistifica, sonha, acredita. Como destacam
De Marco, Andrade e Santos (2008, p. 278), “a crítica dirigida à ficção
não tenciona eliminá-la do documentário, mas liberá-la do modelo de
verdade nele presente e buscar a simples função de fabulação”. O que
importa é como os sujeitos falam de si e contam as suas próprias
histórias, as visões singulares que narram a própria existência:
A fabulação não é um mito impessoal, mas
também não é ficção pessoal: é uma palavra em
ato, um ato de fala pelo qual a personagem nunca
para de atravessar a fronteira que separa seu
assunto privado da política, e produz, ela própria,
enunciados coletivos. (DELEUZE, 2013, p.264)
O que Deleuze propõe é que os personagens de um filme não
sejam subjugados pela proposta narrativa do diretor nem pela
massificação estereotipada que se prolonga do contexto no qual se
35
encontram, mas que tenham a oportunidade de (re)criar as suas
narrativas, suas histórias, suas existências, tornando-se assim sujeitos
ativos no mundo dos agenciamentos discursivos2. A escrita de uma
pesquisa pode se balizar pelo mesmo princípio ético, estético e político:
deixar que os seus objetos de investigação se definam por si próprios.
Desta forma, a montagem de um filme comprometido com a
experiência estética do encontro com o outro permite que o não-
planejado, o imprevisto, incontrolável, faça parte da sua composição
narrativa. O comprometimento do cinema não é com a objetividade dos
fatos, assim como pretende o discurso jornalístico (CAIXETA,
GUIMARÃES, 2008) ou a ciência positivista (SANTOS, 2010), mas
sim com os encontros inusitados que surgem das relações de alteridade
com as personagens, as narrativas, os contextos retratados, as histórias
contadas.
Portanto, o processo de montagem, seja ele cinematográfico ou
acadêmico, nos permite uma vasta amplitude de análise, pois podemos
selecionar o foco e a atenção que serão destinados a cada grande evento
ou pequeno detalhe: “há uma seleção, uma intenção (ou acaso) quando
se filma determinada cena e não outra, há uma escolha em conservá-la e
torná-la forte no contexto do filme ou rejeitá-la”. (PEIXOTO,1998, p.
220).
MÉTODO
Esta tese adota dois procedimentos metodológicos de pesquisa: a
pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica
se caracterizará pela busca dos conceitos a serem explorados, pela
contextualização dos debates desenvolvidos no campo do cinema e da
psicologia e a localização epistemológica do encontro possível entre arte
e ciência. As fontes consultadas foram livros, teses, dissertações e
artigos acadêmicos.
O diálogo com os textos referidos será o principal método de
busca de informação que sustentará as análises dos conceitos imagem,
tempo e montagem e as aproximações epistemológicas possíveis entre
cinema e psicologia.
2 “Resta ao autor a possibilidade de se dar 'intercessores', isto é, de tomar
personagens reais e não fictícias, mas colocar em condição de 'ficcionar' por si
próprias, de 'criar lendas', 'fabular'. O autor dá um passo no rumo de suas
personagens, mas as personagens dão um passo rumo ao autor: duplo devir.”
(DELEUZE, 2013, p.264)
36
A pesquisa documental, por sua vez, semelhante em alguns
aspectos à pesquisa bibliográfica, visto que ambas se utilizam de dados
já existentes, tem como fundamental diferença a natureza das fontes.
Nessa pesquisa foram consultados documentos iconográficos como
filmes e fotografias dos mesmos.
A pesquisa bibliográfica demanda uma organização cuidadosa
das fontes pesquisadas, um ordenamento das informações encontradas,
uma catalogação planejada do material lido. Adverte Foucault sobre a
importância de se ater ao material estudado, principalmente por via da
escrita, “quando se passa incessantemente de livro a livro, sem jamais de
deter, sem retornar de tempos em tempos à colméia com sua provisão de
néctar, sem consequentemente tomar notas, nem organizar para si
mesmo, por escrito, um tesouro de leitura, arrisca-se a não reter nada, a
se dispersar em pensamentos diversos, a esquecer-se de si mesmo”
(FOUCAULT, 2004, p. 150). A fim de aprofundar a leitura da teoria
consultada e evitar esses riscos, a pesquisa bibliográfica deve se assentar
em algumas etapas e procedimentos.
A perspectiva dialógica (FARACO, 2009) foi utilizada na análise
das referências escolhidas, almejando desenvolver um texto não
monológico e sem a pretensão de fechar o debate em uma perspectiva
única e isolada. Relações dialógicas são "relações de sentido que se
estabelecem entre enunciados, tendo como referência o todo da
interação verbal [...] Mesmo enunciados separados um do outro no
tempo e no espaço e que nada sabem um do outro, se confrontados o
plano do sentido, revelarão relações dialógicas" (ibid, p. 65). Diálogo
aqui, portanto, não remete somente a relações consensuais, de acordos e
resolução de conflitos, mas a um encontro onde múltiplas vozes sociais
se posicionam, resultando em um coro polifônico cujo palco é um
espaço de confrontação dialética dos discursos.
Paralelo à discussão oriunda da pesquisa bibliográfica alinha-se a
pesquisa documental que utiliza das imagens e narrativas
cinematográficas para desenvolver a análise dos conceitos trabalhados.
A pesquisa com imagens vem sendo desenvolvida em nosso núcleo de
pesquisa — o Núcleo de Pesquisa em Práticas Sociais, Estética e
Política (NUPRA) — há um certo tempo, trabalhando com dispositivos
como o cinema, graffiti, fotografia e arte contemporânea3.
Compreendemos que a imagem tem uma potência na pesquisa, pois
3 Compilação desses trabalhos podem ser encontrados nos livros Imagens no
Pesquisar: experimentações (ZANELLA, A; TITONI, J. 2011) e Diálogos em
Psicologia Social e Arte (ZANELLA, A; MAHEIRIE, K. 2010).
37
objetiva um jogo de visibilidades e invisibilidades nas suas produções,
dando a ver um fragmento da vida capturado pela técnica que de outra
forma passaria sem ser percebido.
O material de análise que uma imagem pode fornecer à pesquisa
remete a seu lugar no mundo, sua condição sócio-histórica de produção,
saberes e discursos, objetivando a presença do autor e seu contexto,
fragmento de uma história, lugar e realidade registrada:
Além dos discursos sociais característicos de um
tempo e lugar, objetivam-se em uma fotografia o
modo de ver de seu próprio produtor [...] Plasma-
se na textura bidimensional de uma foto a
condição sócio-histórica e política de seu autor e
do momento em que vive, suas escolhas,
preferências, suas (im)possibilidades e modos de
ver, constituídas em um determinado tempo e suas
condições de possibilidade. Suas objetivações
imagéticas e várias outras, por sua vez, não
somente expressam essas condições, mas as
reinventam incessantemente, em um denso e não
linear movimento de
objetivação/subjetivação/objetivação...
(ZANELLA, 2011, p.20)
Os fragmentos imagéticos trabalhados em pesquisas de cunho
dialógico não cristalizam no tempo uma existência e não reduzem o
sujeito a uma compreensão reificada. As imagens tornam-se elementos
autônomos, de vida própria, que dizem de um momento e não de uma
eternidade. É um dito aberto a interpretações e problematizações,
suscitando reflexões àquele interpelado por elas. Um discurso a mais no
universo de vozes que compõem a pesquisa.
Esta tese também se caracteriza como uma experiência flâneur
pelo interior das passagens, dos becos e dos horizontes que a
bibliografia consultada pode proporcionar. Tal roteiro de leituras buscou
encontrar teóricos e conceitos que auxiliassem a compreender e
problematizar os elementos estéticos que compõem a linguagem
cinematográfica e concedem a ela um lugar singular no plano da arte.
Nesta jornada procurou-se reconhecer como a arte articula a produção
de um saber que lhe é própria, alçando o estético a uma categoria de
investigação do real. Por fim, esse percurso entre as teorias do cinema e
da estética possibilitaram estabelecer relações de proximidade entre
38
elementos que constituem o cinema como arte e como forma de
produção de conhecimento. A pesquisa apresenta como o cinema produz
uma episteme referente a realidade e sobre temas caros a psicologia.
A bibliografia consultada, proveniente dos estudos sobre a
linguagem cinematográfica, proporcionou o conhecimento e a
problematização dos conceitos que fundão essa linguagem. Tal
bibliografia é base para se compreender como os conceitos de imagem,
tempo e montagem estão sendo apropriados pelos teóricos do cinema e
como esse campo conceitual pode ser empregado nos estudos sobre os
processos de subjetivação oriundos da ciência psicológica.
Os primeiros caminhos trilhados foram através dos textos dos
teóricos Christian Metz (1980, 2014) e Jean-Claude Carrière (2015). Os
dois autores possibilitaram a compreensão do que significa “o cinema”
em todas as suas camadas, que se diferenciam entre a ideia de obra de
arte, uma concepção de indústria e a constituição de uma linguagem que
lhe é própria. Segundo Metz (1980):
o que se chama “cinema” não é mais a simples
soma dos filmes, é também o código único e
soberano que é considerado coextensivo a todo o
material semiológico apresentado por esses
mesmos filmes: é a totalidade dos traços dos
filmes, além da totalidade dos próprios filmes; são
todos os filmes, mas também tudo dos filmes; é
uma unicidade lógica postulada, além da
unicidade material constatada (METZ, 1980, p.
29)
O conceito de imagem trabalhado teve como referências os livros
“A imagem” de Jacques Aumont (2012), “A imagem-movimento”
(2018) e “A imagem-tempo” (2013) de Gilles Deleuze, os textos “A
imagem de Proust” (2008a), “Pequena história da fotografia” (2008b),
“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (2008c),
“Passagens” (2009), “Imagens do pensamento” (2012) e “Origem do
drama trágico alemão” (2016) de Walter Benjamin.
Os conceitos de tempo e montagem foram pensados de forma
conjunta, a fim de estabelecer um paralelo entre os dois conceitos e reconhecer que existi uma relação sincrética entre ambos. As principais
referências para se apropriar dos conceitos foram os livros “A imagem-
movimento” (2018) e “A imagem-tempo” (2013) de Gilles Deleuze e os
textos “O narrador” (2008d) e “Sobre o conceito de História” (2008e) de
Walter Benjamin.
39
As aproximações do cinema com a psicologia e com as questões
ontológicas encontram-se boa parte reunida na antologia organizada por
Ismail Xavier intitulada “A experiência do cinema” (2018). Os textos de
Hugo Münsterberg, Maurice Merleau-Ponty, André Bazin, Edgar Morin,
Sergei Eisenstein, Dziga Vertov e Luis Buñuel ofereceram importantes
reflexões para aproximar arte e ciência, mais especificamente, cinema e
psicologia. Os textos desses autores são colocados para dialogar com a
teoria dos processos de subjetivação de Deleuze e com a concepção de
pensamento constituído por imagens de Benjamin.
O eixo que transpassa os diversos temas, análises e reflexões, que
aproxima arte e ciência e que problematiza o lugar do sujeito na
realidade — sujeito esse atravessado pela experiência estética e pela
linguagem — situa-se referenciado à filosofia de Friedrich Nietzsche.
Sua teoria fornece base para formular uma concepção de sujeito e
realidade, assim como problematiza a concepção de ciência moderna e
confere a arte uma potência epistemológica. As principais referências
bibliográficas do filósofo foram os livros “Assim falava Zaratustra”
(1985) “Humano, demasiado humano” (2005) e “Nascimento da
tragédia” (2007).
Além da andança pelo campo das palavras que eclodiam das
bibliografias consultadas, as obras fílmicas também se fizeram presentes
na paisagem desse flanar entre arte e ciência. O documentário ensaístico
“Tokyo-Ga”, do diretor Wim Wenders (1985) trouxe reflexão para a
presença da imagem na contemporaneidade, numa relação de excesso e
de escassez, a contraditória invisibilidade decorrente da demasia de
exposição. O diretor Chris Marker (1983) fornece elementos para
reflexionarmos sobre a experiência de um tempo constituído a partir do
gesto narrador no documentário “San Soleil”. Um fragmento do filme
“Waking Life”, do diretor americano Richard Linklater (2001), é
utilizado para se pensar o sublime presente no plano cinematográfico —
uma conjugação de imagens, sons, movimentos, sob um recorte do
espaço e do tempo, alçando o instante a experiência do sagrado.
No entanto, as duas principais obras que compõem o corpo
teórico e reflexivo desta tese são os filmes Ikiru, de Akira Kurosawa
(1953) e La Strada, de Federico Fellini (1954). Os dois filmes nos
fornecem subsídios para compreender a potência da imagem, do tempo e
da montagem como conceitos fundantes de um saber sobre a realidade e
sobre o sujeito. A partir de La Strada é possível vislumbrar a elaboração
de Deleuze referente imagem-percepção, imagem-ação e imagem
afecção (2018). Em Ikiru, Kurosawa dá a ver a concretização do tempo
através do imaginário da morte.
40
A caminhada flâneur entre textos, imagens e sons, entre
narrativas e teorias, entre arte e ciência — articulando tais encontros sob
uma perspectiva dialógica — constitui o método de pesquisa
desenvolvido nesta tese. O horizonte da temática trabalhada aponta para
inúmeros trajetos. Muitos deles acabaram sendo evitados, pela
inviabilidade de se trilhar a todos. O que se apresenta a diante é algumas
das vias possíveis para se pensar a articulação entre arte e ciência, entre
cinema e psicologia.
ESTRUTURA DA TESE
A tese está estruturada em cinco artigos acadêmicos, precedidos
por esta introdução e seguidos de um capítulo de conclusão. Os cinco
artigos dialogam entre si, mas serão independentes para futuras
publicações.
O primeiro artigo trata de uma revisão sistemática, cujo objetivo
é conhecer a produção acadêmica que vem articulando aproximações
entre a psicologia e o cinema. O período de abrangência dos trabalhos
que constam na análise da pesquisa vai do início dos anos de 2000 a
janeiro de 2017. O artigo abrange uma pesquisa em quatro bases de
dados nacionais de relevante impacto no cenário acadêmico brasileiro e
nas pesquisas em psicologia. São elas: Scielo, PePSIC, Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Banco de Teses e
Dissertações da CAPES.
Ao todo foram 108 trabalhos selecionados para análise, sendo 39
artigos acadêmicos, 53 dissertações e 16 teses. A fim de apresentar os
temas que vêm sendo trazidos pelos trabalhos que articulam psicologia e
cinema, foi possível reconhecer três categorias em comum entre os
textos analisados: análise de filmes, que comporta os trabalhos que
utilizam obras cinematográficas para ilustrar uma teoria psicológica;
cinema em atividades de intervenção, que se caracteriza por utilizar o
cinema como um meio para se atingir um fim de caráter interventivo; e
epistemologia e metodologia, que agrupa trabalhos que apresentam uma
discussão epistemológica sobre a imagem cinematográfica na produção
de conhecimento e sua relação com o campo psi. O artigo conclui que cinema e psicologia estabelecem pontos de
intersecção de diversos aspectos e sobre temas distintos. As pesquisas
que promovem um diálogo entre arte e ciência têm desenvolvido uma
profícua interlocução entre cinema e psicologia. O cinema tem
corroborado com os estudos em psicologia, principalmente sob duas
41
perspectivas: ele fornece material de análise e dispositivos de
intervenção, assim como produz saber referente aos temas caros à
psicologia. O segundo artigo realiza um debate epistemológico
problematizando a produção de conhecimento realizada pela ciência e
pela arte. O texto inicia localizando a produção de saber na psicologia
que vem a conceber uma noção de sujeito calcada no pensamento
ocidental iluminista, em um contexto de consolidação do capitalismo, de
adensamento dos centros urbanos e influenciado por uma concepção de
subjetividade atrelada ao movimento romântico do século XIX.
O texto questiona os limites da ciência positivista no campo das
humanidades e apresenta a arte como forma outra de produção de
conhecimento, desenvolvendo saber sobre aspectos da realidade que a
ciência atrelada a paradigmas nomotéticos não pode alcançar. Para
refletir sobre as características e problemáticas dos campos
epistemológicos, o texto toma como principais interlocutores os
filósofos Friedrich Nietzsche e Gilles Deleuze. A partir desses autores, o
texto discorre sobre a potência da arte nas discussões epistemológicas e
nas metodologias de pesquisa que advém da ampliação das capacidades
de apreensão do mundo que os recursos sensíveis da experiência estética
proporcionam ao humano, por meio de afecções, criações e fabulações
sobre o vivido. O artigo encerra com a apresentação de algumas
metodologias utilizadas na produção de conhecimento em psicologia
que têm como referência, para sustentar o seu fazer investigativo e
epistemológico, o campo das artes.
O terceiro artigo busca desenvolver um entrelaçamento entre três
complexos e abrangentes temas: imagem, cinema e psicologia. O texto
inicia procurando situar a presença da arte cinematográfica e da imagem
na sociedade contemporânea, operando sobre regimes de visibilidade e
dizibilidades, dando a ver realidades por vezes solapadas por
mecanismos de exclusão e por discursos subjugantes, indo ao encontro
dos fragmentos do cotidiano, de narrativas anônimas, das histórias
vividas – exercício de elaboração estética da realidade. Adverte-se
também do uso do cinema e da imagem como elementos de dominação
das massas e instrumento de manipulação das sociedades
contemporâneas, assim como a excessiva presença de imagens na
“sociedade do espetáculo” ao ponto de sua saturação de conteúdo e de
singularidades.
O conceito de imagem abordado no texto está remetido à teoria
da imagem-movimento de Gilles Deleuze (2013, 2018) e à concepção de
imagem como constituinte do pensamento em Walter Benjamin (2008,
42
2009, 2012). O primeiro autor desenvolve, a partir de obras fílmicas,
uma concepção de imagem onde suas propriedades estão atreladas à
forma de captura, de composição dos planos, de encadeamento
composto pela montagem. Cada configuração imagética nos remete a
um singular atravessamento por aquilo que do cinema nos chega,
designando formas de apreensão do real, de afecções, de narrativas. O
artigo apresenta tais conceitos como relevantes para se pensar a própria
dinâmica da subjetividade. Na perspectiva de Benjamin, a imagem é
pensada como elemento para a composição do pensamento, como
fragmentos mnêmicos de uma história que está sempre por fabular-se.
Os dois autores são analisados dialogicamente por estabelecerem a
questão da imagem como intimamente ligada aos processos de
subjetivação. O quarto artigo debruça-se sobre como os processos de
subjetivação podem ser mediados pela presentificação do tempo e por
um arranjo orientado pela técnica da montagem, ambos como elementos
estruturantes da realidade subjetiva. O texto apresenta uma
problematização de como os dois conceitos são operados por autores
que debatem a linguagem cinematográfica, pela formulação da imagem-
tempo de Deleuze (2013) e segundo as teses sobre o conceito de
História de Benjamin (2008) e sua concepção do Jetztzeit (tempo do
agora), analisando como essa teorização referente ao tempo e montagem
oferecem elementos para se pensar os processos de subjetivação.
A forma na qual o texto foi escrito busca colocar em prática a
perspectiva estruturante do conceito de montagem, organizando
fragmentos distintos sob uma lógica em que a composição final
apresente uma concepção de todo. A técnica da montagem, recurso
estético central na arte cinematográfica e método de pesquisa de
algumas obras benjaminianas, é o recurso utilizado para compor o texto,
organizando-o segundo cenas e planos — estabelecendo uma narrativa
que se constitui na integração, fragmentos analisados na sua
singularidade e que compõem sentidos outros na relação com o todo.
O quinto e último artigo deixa-se levar pelas histórias e
personagens dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa (1952) e La Strada, de
Federico Fellini (1954), para fazer uma reflexão sobre o tempo e a
morte. O texto introduz um debate sobre os grandes temas da
humanidade e como estes provocam as artes a criarem e a se
posicionarem em relação a eles; são temas que transbordam a relação
com o espaço e com seu tempo, que fazem parte de uma grande
temporalidade (BAKHTIN, 1997) e que ganham significação conforme
ressoam sobre as culturas ao longo dos séculos. Nas histórias de ambos
43
os filmes, a morte, colocada como um desses grandes temas, implicaria
o sujeito a se posicionar em relação à própria existência e finitude. De formas distintas, os dois filmes propõem uma reflexão sobre a
morte que paira sobre a vida dos personagens e como esta é uma
parceria nos seus processos de subjetivação. A morte manifesta-se nos
filmes como corte na experiência alienada. A experiência do fim se
apresenta como um catalisador da vida, abrindo uma fissura sobre afetos
cristalizados que definhavam sob uma experiência apática e que
condenavam sujeitos a uma caminhada inercial em direção a nada.
A fim de abarcar um elemento que integra a arte cinematográfica
e que ainda não havia sido abordado nos artigos anteriores, nesse último
artigo vem a se deter sobre a música que acompanha os dois
protagonistas. O texto foca-se na música não como trilha sonora em off,
que havia por objetivo criar uma atmosfera para o filme e induzir a
determinadas emoções em seus espectadores, mas sim a música que é
executada pelas personagens e que compõe a própria narrativa dos
filmes. A música expressa o saber sobre o próprio fim e a possível
transmutação do corpo para a melodia, da matéria para a onda, da vida
para a música. Para justificar a diálogo entre as duas obras, o artigo analisa o
contexto de produção dos filmes e apresenta uma similaridade entre os
aspectos históricos e sociais das produções de filmes japoneses do pós-
guerra e o movimento artístico conhecido como neorrealismo italiano.
Ambos os filmes são criações provenientes de um cenário de
reconstrução: países derrotados e empobrecidos em consequência de
governos militaristas terem arrastado as duas nações para a guerra; em
processo de reconstrução, tendo de lidar com a sequelas do conflito e
com a presença de políticas estrangeiras intervencionistas. Os filmes
retratam cotidianos sem projetos de futuro, personagens vivendo num
agora ausente de perspectivas. De modo geral, a escrita dos cinco artigos visa responder a
algumas questões que se tecem na interface entre cinema e psicologia: O
que pode o cinema dizer sobre o ser humano? Que tipo de conhecimento
a arte cinematográfica nos oferta? Pode a arte servir-nos como
fundamento para uma epistemologia que alcança conhecimentos
distintos daqueles que a ciência tem a nos oferecer? Instigado por essas
questões, fui levado a realizar a pesquisa que apresento nos 05 artigos
que compõem essa tese.4
4 As referências bibliográficas da Introdução encontram-se ao final da tese, após o
capítulo de conclusão.
45
A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA INTERFACE CINEMA E
PSICOLOGIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA
RESUMO
O artigo apresenta os resultados de uma revisão sistemática cujo
objetivo foi averiguar as produções acadêmicas dos últimos 17 anos que
estabeleceram diálogos entre a psicologia e o cinema, assim como
apontar para um panorama geral das temáticas debatidas nesses estudos.
Foram consultadas quatro bases de dados nacionais a partir dos
descritores “cinema” e “psicologia”. Ao todo foram analisados 108
trabalhos, sendo 39 artigos acadêmicos, 53 dissertações e 16 teses. Foi
possível identificar três categorias distintas de trabalhos: análise de
filmes, cinema em atividades de intervenção e epistemologia e
metodologia. O artigo conclui que cinema e psicologia estabelecem
pontos de intersecção de diversos aspectos e sobre temas distintos. As
pesquisas que promovem um diálogo entre arte e ciência têm
desenvolvido uma profícua interlocução entre cinema e psicologia.
PALAVRAS-CHAVE: cinema, psicologia, revisão sistemática.
ABSTRATC
This paper sets the results of a systematic review which the objective
was the academic productions of the last 17 years that established
dialogues between psychology and cinema, as well as pointing to an
overview of the themes discussed in these studies. Four national
databases were consulted with the keywords "cinema" and
"psychology". In all, 108 papers were analyzed, being 39 academic
articles, 53 master’s reseasches and 16 doctoral’s researches. It was
possible to identify three distinct categories of studies: film analysis,
cinema in intervention activities and epistemology and methodology.
This paper concludes that cinema and psychology establish many points
of intersection in different subjects. Researches that promotes a dialogue between art and science has developed a strong debate between cinema
and psychology.
KEYWORDS: cinema, psychology, systematic review.
46
INTRODUÇÃO
aquilo a que nos dá acesso o artista é o lugar do que não pode ser visto - e
resta ainda nomeá-lo." (LACAN, 2003, p.192)
Esta Revisão Sistemática (RS) teve como intuito analisar o que
foi produzido academicamente nos últimos 17 anos sobre psicologia e
cinema, com vias de avaliar como esses dois campos estão se
articulando, como a psicologia serve como um complemento na análise
dos conteúdos cinematográficos e como o cinema contribui para o
desenvolvimento da ciência psicológica.
Esta técnica de revisão da literatura tem como intuito retratar um
cenário acadêmico ao expor as principais pesquisas, ideias e descobertas
que circulam num determinado campo de investigação a partir de uma
síntese da bibliografia científica. Para isso são estabelecidas
determinadas estratégias de busca em bases de dados, critérios de
classificação e análise e certa padronização na forma de apresentar os
resultados. Esses cuidados visam minimizar desvios na seleção dos
trabalhos e garantir fidedignidade ao conteúdo relatado (ZOLTOWSKI,
A.P.C. et al. 2014).
Esta pesquisa fundamenta sua relevância ao orientar-se junto a
outros estudos que procuram destacar as articulações existentes entre
arte e ciência, dialogando com pensadores e pesquisadores da psicologia
e áreas afins que colocam cinema e psicologia lado a lado para
desenvolver saberes sobre o sujeito, sobre os processos de subjetivação,
sobre os fenômenos psicológicos, sobre o inconsciente; ou seja, sobre
nós humanos5.
MÉTODO
Esta Revisão Sistemática orientou-se a partir das recomendações
metodológicas indicadas no artigo intitulado "Qualidade Metodológica
das Revisões Sistemáticas em Periódicos de Psicologia Brasileira"
5 Os diversos termos aqui descritos exemplificam a diversidade de teorias presentes
nos trabalhos analisados.
47
(ZOLTOWSKI, A.P.C. et al. 2014). O artigo em questão, de caráter
metalinguístico, faz uma Revisão Sistemática de outras RS publicadas
em periódicos nacionais e procurou avaliar as qualidade dessas
pesquisas. Para fazer esta avaliação, os autores sugerem algumas etapas
a serem executadas e documentadas. São elas:
a) Definição e clareza a priori da pergunta de
pesquisa e dos critérios de inclusão dos estudos;
b) Busca e extração dos artigos por, pelo menos,
dois juízes independentes. Informações sobre
concordância ou consenso devem ser fornecidas;
c) Utilização de, ao menos, duas fontes de dados
(bases eletrônicas) e descrição da data da busca e
das palavras-chave; d) Descrição dos critérios de
inclusão e de exclusão, em especial a opção por
incluir ou não teses, dissertações, capítulos de
livro ou artigos de idiomas específicos; e)
Apresentação de uma lista (ou figura) indicando o
número de artigos incluídos, excluídos e os
critérios que foram levados em consideração; f)
Descrição das características dos estudos
incluídos (por exemplo, em uma tabela), como
participantes, ano de publicação, idade, sexo,
desfechos, etc.; g) Avaliação da qualidade dos
estudos, ou seja, análise do poder de
delineamento, das limitações metodológicas etc.;
h) Levar em conta a qualidade dos estudos
revistos ao generalizar as conclusões; i) Avaliação
da viabilidade de se integrar estudos que, por suas
características metodológicas, podem não ser
comparáveis; j) Utilização de alguma ferramenta
(estatística ou narrativa) para análise dos dados; k)
Considerar os possíveis vieses na condução da RS
e da sua publicação; l) Descrição explícita dos
possíveis conflitos de interesses; m)Utilização no
resumo de palavras-chave indexadas em
Thesaurus para facilitar a difusão e localização da
RS. (ZOLTOWSKI, A.P.C. et al. 2014, p. 101)
Acolhendo a sugestão dos autores, esta RS sobre cinema e
psicologia procurou orientar-se segundo esses critérios, com exceção da
utilização de dois juízes independentes na busca e extração dos artigos
48
que foram analisados, que se tornou inviável devido a pesquisa ter sido
realizada por apenas um pesquisador.
A pesquisa foi realizada em janeiro de 2017 em quatro bases de
dados diferentes, sendo dois indexadores de periódicos científicos e dois
de teses e dissertações nacionais. Os artigos foram selecionados nas
bases Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e PePSIC (Periódicos
Eletrônicos de Psicologia). A PePSIC se caracteriza por ser uma
biblioteca digital voltada para as publicações de artigos científicos na
área da psicologia e engloba periódicos brasileiros e outros 10 países
Latino-Americanos. A base de dados Scielo é uma biblioteca digital
multidisciplinar e uma das principais e mais abrangentes bases de dados
da produção acadêmica brasileira e latino-americana. Ambas as bases
foram escolhidas por disponibilizar textos completos e gratuitos e
porque juntas congregam os principais periódicos científicos de
psicologia do país.
Teses e dissertações foram selecionados a partir da Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e do Banco de Teses
e Dissertações da CAPES, duas plataformas que juntas dão conta de
agregar quase que a totalidade dos trabalhos de mestrado e doutorado
produzidos no Brasil.
A primeira etapa da pesquisa foi realizada nas plataformas Scielo
e PePSIC entre os dias 10 e 11 de janeiro de 2017. As buscas nas bases
de dados partiram das palavras-chave "cinema" e "psicologia". Os
idiomas ficaram limitados ao português, inglês e espanhol. Foram
selecionados artigos publicados entre 2000 e 20176. Somando os textos
encontrados nas duas bases e excluindo os que se repetiam, resultaram
ao todo 53 artigos.
A segunda etapa foi a busca por teses e dissertações, realizada
entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2017. O levantamento de trabalhos na
BDTD seguiu os mesmos critérios adotados nas buscas realizadas na
Scielo e PePSIC: palavras-chave "cinema" e "psicologia", idioma
português, inglês e espanhol, e trabalhos publicados entre 2000 e 2017.
No entanto, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, dada às
vicissitudes deste sistema, o processo ocorreu de forma diferente. A
palavra-chave utilizada foi "cinema" e para definir a aproximação desta
temática com a psicologia, foram definidas a seguintes áreas de
concentração: psicologia, psicologia aplicada, psicologia clínica,
psicologia clínica e cultura, psicologia da saúde, psicologia educacional,
6 Realizar a RS com trabalhos publicados a partir de 2000 foi uma decisão
metodológica dessa pesquisa.
49
psicologia escolar e do desenvolvimento humano, psicologia
institucional, psicologia social, psicologia social e institucional,
psicologia social e política, psicologia sociedade e cultura. Outra
peculiaridade foi que a Plataforma Sucupira, banco de dados da CAPES,
disponibilizou apenas trabalhos entre 2013 e 2016. Apesar das
limitações do sistema da CAPES, acredito que a BDTD supriu as
limitações desse sistema, dada a quantidade de trabalhos e informações
encontradas. Somando os textos encontrados nas duas bases e excluindo
os duplicados, resultaram ao todo 115 trabalhos, entre teses e
dissertações.
Após o registro do resultado bruto da busca nas bases de dados,
foram elencados critérios de inclusão/exclusão dos trabalhos a serem
analisados e que integrariam essa RS que visa problematizar a
aproximação entre cinema e psicologia. A partir da leitura dos resumos,
os artigos, teses e dissertações foram incluídos ou excluídos segundo os
seguintes critérios: a) excluídos os trabalhos cujo cinema e/ou psicologia
sejam assuntos secundários à temática trabalhada; b) Os textos têm que
se enquadrar entre as categorias artigo, tese, dissertação ou entrevista.
Ao todo foram 168 trabalhos encontrados, resultando em 108 trabalhos
selecionados e 60 trabalhos excluídos.
Dentre os trabalhos selecionados, foi observado determinados
padrões entre os conteúdos trabalhados, principalmente na forma como
o material cinematográfico foi utilizado e como se estabelecia o diálogo
com a psicologia. Portanto, os textos foram divididos em 03 grandes
categorias de análise em função das discussões apresentadas: "análise de
filmes", "cinema em atividades de intervenção" e "epistemologia e
metodologia" (figura 01). Dentro dessas 03 categorias, os trabalhos
foram divididos em subcategorias para facilitar a análise dos temas
explorados pelos trabalhos.
50
[Figura 01] - Procedimentos da Revisão Sistemática
Os trabalhos incluídos na categoria "análise de filmes" utilizam
de obras cinematográficas para ilustrar e desenvolver o debate em torno
de uma teoria oriunda da psicologia. Tem como principal tendência
fazer uso do cinema como um elemento ilustrativo dos fenômenos
psicológicos, da constituição do sujeito e da condição humana em
diversos contextos e histórias. Muitos desses trabalhos agregam um
importante elemento a esta tese, pois argumentam sobre as
peculiaridades do cinema na produção do saber em psicologia. Foram
enquadrados 70 trabalhos nessa categoria, sendo 24 artigos, 34
dissertações e 12 teses
A categoria "cinema em atividades de intervenção" se caracteriza
por utilizar o cinema como um meio para se atingir um fim de caráter
interventivo. Os trabalhos desenvolvidos são de âmbito pedagógico,
instrutivo ou terapêutico. Os trabalhos dessa categoria se caracterizam
por terem como método a pesquisa-intervenção. Portanto, vêm a somar
elementos à discussão sobre cinema aliado a métodos de pesquisa.
Dentre os artigos, teses e dissertações analisadas, 18 trabalhos se
localizam nessa categoria, sendo 8 artigos, 8 dissertações e 02 teses. A terceira categoria denominada "epistemologia e metodologia"
agrupa trabalhos que apresentam uma discussão epistemológica sobre a
imagem na produção de conhecimento e sua relação com o campo psi.
Aliado a isso, trabalhos que discutem cinema e imagem como método
51
de pesquisa, como instrumento de construção do conhecimento; cinema
não apenas como elemento ilustrativo das teorias já estabelecidas, mas
sim como produtor de saberes sob a perspectiva dos elementos que o
constituem. É sobre esta terceira categoria que a análise desta tese irá se
deter mais longamente, com o objetivo de aprofundar reflexões sobre a
potência do cinema como método de pesquisa em psicologia social.
Segundo nossos critérios, 20 trabalhos condizem com essa categoria,
sendo 07 artigos, 11 dissertações e 02 teses.
ANÁLISE DOS DADOS
Um número considerável de trabalhos acadêmicos que
relacionam cinema e psicologia foram encontrados. Mesmo após os
critérios de inclusão e exclusão, mais de cem estudos estabelecem, em
primeiro plano, um diálogo possível entre psicologia e cinema. Logo,
isso aponta para pontos de conexão existentes que podem ser analisados
e problematizados. Esta RS procurará apresentar que conexões são essas
e quais são as tendências de diálogo no contexto acadêmico entre os
dois campos.
Os trabalhos analisados tinham nítida afinidade com o tema de
uma das três categorias de análise, no entanto, alguns apresentaram
discussões que transbordaram essas fronteiras, o que tornou essa divisão
mais didática do que classificatória. O principal critério de categorização
foi a análise dos resumos e palavras-chave. Com intenção de aprofundar
a discussão, alguns trabalhos foram selecionados para a sua leitura na
integra.
Análise de filmes
Na categoria "análise de filmes", os trabalhos se distribuíram
entre diversos segmentos de análise, diversificando-se pela teoria
utilizada para dialogar com as obras analisadas ou devido às temáticas
problematizadas. Esses trabalhos podem ser identificados nas seguintes
subcategorias: 1) textos que utilizam da arte para ilustrar e/ou
desenvolver a teoria psicanalítica; 2) análises de personagens segundo a
teoria de Carl Jung; 3) filmes analisados desde discussões sobre Gênero
e Sexualidade; 4) análises a partir da Psicologia Social de viés marxista
e/ou pós-estruturalista; 5) discussões no âmbito da Psicologia Clínica e
52
da Saúde; e 6) exemplos isolados de trabalhos desenvolvidos com
fundamento Fenomenológico-Existencialista, Pensamento Sistêmico e
oriundo da Etologia7.
A aproximação entre arte e psicanálise data desde os textos que
fundaram essa teoria (RIVERA; SAFATLE, 2006), com destaque para
Moisés de Michelangelo (FREUD, 1914/1996) em que Freud analisa a
imagem do profeta registrada em mármore; o ensaio sobre Leonardo da
Vinci (ibid, 1910/1996), onde o autor utiliza da história do artista e de
suas obras para ilustrar sua teoria da pulsão; o artigo traduzido como O Estranho (ibid, 1919/1996), onde o psicanalista cunha um conceito
propriamente voltado para reflexões sobre estética - Das Unheimlich -
além de outros textos que vão desde a análise da neurose dos
personagens de Shakespeare (CORRÊA, 2004) ao parricídio em
Dostoievski (FREUD, 1928/1996). No entanto, no que se trata de
cinema, o criador da psicanálise nunca dedicou espaço, nos seus artigos
e ensaios, para a sétima arte. Porém, não faltaram psicanalistas ao longo
dos séculos XX e XXI a se lançar no exercício intelectual de estabelecer
diálogos nesses dois campos que surgiram quase que ao mesmo instante,
visto que Freud publica o clássico Estudos sobre a histeria no mesmo
ano em que os irmãos Lumière fazem a primeira projeção pública de
filmes, em 1885.
Os trabalhos encontrados que estabelecem o diálogo entre cinema
e psicanálise utilizam de histórias e personagens presentes em filmes
para ilustrar a teoria da psicanálise, sua metapsicologia e os fenômenos
da linguagem e do inconsciente. Alguns autores advertem que não se
trata de fazer uma psicanálise de personagens e seus criadores, algo que
há tempo tem sido advertido e foi chamado por Freud de "psicanálise
selvagem" (1910), mas reconhecer no cinema a possibilidade de falar
sobre o humano no qual a psicanálise versa:
a linguagem do cinema permite a psicanálise
pensar criticamente seus conceitos e sua prática,
colocando em questão os vários aspectos da
clínica psicanalítica, mantendo sua atualidade na
relação com o mundo e com a cultura. [...] É
importante marcar que não se trata aqui de
7 Esta divisão tem a função didática de apresentar tendências de análises, porém
muitos trabalhos se localizam nas fronteiras dessas categorias, principalmente entre
os âmbitos psicanálise e gênero, psicanálise e psicologia social, gênero e autores
pós-estruturalistas e psicologia social e pós-estruturalismos.
53
psicanalisar os personagens do filme como se
estivessem no divã, uma vez que não temos as
condições necessárias à transferência, não temos o
setting analítico e não temos a associação livre.
(PEREIRA, 2015, p. 08 - 10)
Vinte e seis foram os trabalhos que propõem um diálogo entre
cinema e psicanálise (PEREIRA, 2015; MARTINS, OLIVEIRA,
PEIXOTO, 2014; REZENDE, WEINMANN, 2014; DOMINGUES,
2014, MACHADO JUNIOR, 2014; SEDEU, 2013; SCORSOLINI-
COMIN, SANTOS, 2013, MONTEZI, AMBROSIO, BARCELOS,
VAISBERG, 2013; MANO, WEINMANN, 2013, ABDALA, 2013;
RODRIGUES, 2013; BERTTRAN, GOMES, 2013; GEMIGNANI,
2013; SOUZA, 2012, CRUZ, 2012; CHINALIA, 2012; CASTILHO,
2011; BRAGHINI, 2011; SENA, ORNELLAS, 2010; MEYER, 2010;
MAIRENO, 2010; MARTINS, 2010; TARDIVO, 2009; BRUNNER,
2008; RIVERA, 2006a; RIVERA, 2006b). A análise dos filmes procura
expor a teoria psicanalítica e seus conceitos a partir das histórias e seus
personagens. A dinâmica do inconsciente, as suas formações e a
metapsicologia freudiana são os assuntos mais abordados. Além de
Sigmund Freud, o autor francês Jacques Lacan foi citado em cinco dos
trabalhos dessa categoria (PEREIRA, 2015; RODRIGUES, 2013;
BRAGHINI, 2011; MARTINS, 2010; BRUNNER, 2008), uma citação a
Melanie Klein (MACHADO JUNIOR, 2014), uma a Donald Winnicott
(CHINALIA, 2012) e uma a Wilfred Bion (MEYER, 2010).
Conceitos junguianos alicerçam a análise de personagens em sete
trabalhos selecionados (HAYEK, 2014; FABRETI, 2010; BILOTTA,
2010; ZANATTA, 2010; SILVA, 2009; CANASSA, 2006; SILVA,
2005). Arquétipos e processo de individuação são os termos junguianos
mais presentes nos resumos. Para os autores, os personagens projetados
nas telas do cinema possibilitam a compreensão de como os arquétipos
se manifestam nos contextos contemporâneos e oferecem, por
identificação, suporte simbólico e imaginário nos processos de
individuação.
As pesquisas sobre Gênero e Sexualidade discutem construções
simbólicas e identitárias presentes nas obras cinematográficas. Os temas
abordados referem-se aos discursos sobre o feminino e o masculino, às
identidades de gênero e aos movimentos de resistência à concepções
heteronormativas e binárias, termos estes presentes nos resumos. Onze
trabalhos discutem estas temáticas.
54
Cinco pesquisas apontam o cinema como um campo de
desconstrução do discurso patriarcal sobre a mulher (MACHADO,
2016; SILVA, 2012; BRAZ, 2010; SANTOS, 2010; BIGARELI, 2003)
e um estudo problematiza o lugar simbólico da paternidade (VALENTE,
2011). São analisadas narrativas que corroboram com um processo de
superação das relações desiguais e estereotipadas de gênero. Mesmo
advertidos do papel que a indústria cultural tem na manutenção das
relações de poder e opressão, as pesquisas analisadas apresentam
personagens e roteiros que fazem resistência ao discurso hegemônico:
A relação entre as personagens femininas das
narrativas segue se modificando e reverberando as
modificações na cultura e nas identidades e, da
mesma forma, dissemina formas simbólicas e
ideologias que se (re)produzem no imaginário e
na sociedade. (MACHADO, 2016, p. 141)
Há destaque para a possibilidade da obra cinematográfica inserir
na rede discursa majoritária outras dizibilidades e visibilidades, jogando
luz sobre existências marginalizadas e sobre formas de subjetivação da
sexualidade negadas pela cultura heteronormativa hegemônica. O desejo
ganha espaço nas telas e aquilo que não podia ser dito invade o
imaginário dos espectadores. Judith Butler, Michael Foucault, Gilles
Deleuze e autores da psicanálise figuram entre as mais citadas matrizes
teóricas de análise. Cinco estudos (MELO, 2016; TEÓFILO, 2015;
SILVA, 2014; SANTOS, 2013; SARAVAIRA, 2011) trazem como
cerne de suas discussões a possibilidade do cinema favorecer a
construção de uma outra ética em relação à sexualidade:
Ao apresentar personagens homossexuais em
contextos diversificados de vida, de estórias não
demarcadas por estereótipos ou clichês, abriram-
se outros territórios para se pensar a produção dos
desejos. Territórios de sensibilidades que colocam
em xeque a inteligibilidade das
homossexualidades construída sob a base da
lógica heterossexista que encerra as
homossexualidades em um único corpo, um único
gênero, em único aparelho psíquico e porque não
dizer, em um único desejo. (MELO, 2016, p. 117)
55
Análises com base na Psicologia Social apresentam a
possibilidade do cinema expor contextos e relações humanas que
resultam em modos de subjetivação outros, marginalizados e tomados
como natureza do sujeito; as vidas narradas pelas produções
cinematográficas são apresentadas na sua complexidade e, muitas, na
sua desolação. É na problematização das relações humanas presentes
nos filmes que a psicologia social se incide (BENETTI, 2013).
Dezenove pesquisas discutem temas afins à psicologia social crítica.
As relações entre pessoas é analisada a partir dos processos de
subjetivação, da relação com o sentido e a linguagem, desde um viés
estético das vivências e dos afetos, movimentos dialéticos e advertidos
dos enfrentamentos biopolíticos - termos estes encontrados nos resumos
e na análise dos textos. Dez trabalhos trazem como ênfase os processos
de subjetivação e a dinâmica dos afetos como foco de análise
(TARDIVO, 2015; BALLALAI, 2014; MARTINS, 2013;
LOPES, MADEIRO, SILVA, 2011; TARDIVO, GUIMARÃES, 2010;
CARVALHO, 2010; AZEVEDO, 2009; COSTA, 2008; BADARI,
2007; NEVES, 2004). Outros quatro têm foco na dimensão biopolítica e
antropológico-cultural (SILVA, LEITES, LUZ, 2014; ZAMBONI,
2013; SILVA, 2008, PASSARELLI, 2007). Autores da psicologia
histórico-cultural, da psicanálise e de referencial pós-estruturalista são
os mais citados.
A rememorização de fatos traumáticos e a necessidade de se
preencher o vazio do silêncio com o sentido da palavra aparecem em
estudos que problematizam a importância do cinema como dispositivo
de denúncia de atrocidades históricas e violação dos direitos humanos.
Três trabalhos exploram histórias de vidas em contextos de miséria e
criminalidade, com destaque para as produções brasileiras de filmes
sobre favelas (BENETTI, 2013; RESENDE, 2012; RAMOS, 2009).
Outros dois trabalhos analisam filmes que problematizam a violência de
estado como algoz da condição humana e como trauma social que
silencia não só vítimas diretas dos crimes cometidos, mas toda uma
sociedade governada sob o regime do medo (GOMES, 2015;
GOLDSTEIN, 2013).
Constata-se que muitos dos textos de psicologia social, o político
é enfatizado nas análises e o cinema é palco das disputas de poder/saber.
O autor Walter Benjamin é citado quando fazem referência às
proporções revolucionárias que o cinema pode tomar, pois "a crença aí
era a de que o cinema teria o poder de transformar e potencializar a
56
capacidade de ação das massas na direção de uma ruptura
revolucionária." (GOMES, 2015, p. 19) Quatro estudos remetem ao domínio da Psicologia Clínica e da
Saúde (BOTTINI, 2014; SANTEIRO, ROSSATO, 2013; MELO, 2013;
SILVA, et al., 2008). Os filmes apresentam as temáticas drogas, morte e
abuso sexual na infância e adolescência. É destacado dos filmes os seus
conteúdos e se propõe a possibilidade de trabalhar essas temáticas no
âmbito educacional e na formação de profissionais da psicologia e da
saúde. Dentre possíveis recursos utilizados na formação e pesquisa na
área da psicologia clínica e da saúde, o cinema vigora, "pois expõe
conteúdo relativos a inúmeros contextos socioculturais e históricos,
possibilidades de discussão relevantes ao trabalho do psicólogo clínico,
tais como saúde mental, bioética e diversidade sexual" (SANTEIRO,
ROSSATO, 2013, p. 84).
Outros 03 trabalhos partem de referenciais teóricos que constam
somente uma vez em nossa pesquisa: de matriz fenomenológica-
existencial (ABREU, 2015), um estudo analisa o amor nos filmes do
diretor italiano Federico Fellini; sexualidade é discutida com
fundamento no pensamento sistêmico (MARINO, 2013); e
agressividade é explorado sob perspectiva da etologia humana e da
antropologia social (SOUZA, 2009).
Muitos estudos na área da psicologia veem o cinema como aliado
na elaboração e desenvolvimento de suas teorias. A narrativa
cinematográfica cria acesso ao humano que por vezes escapa da
apreensão reificante das ciências. A análises de filmes nos estudos
encontrados possibilitaram o exercício intelectual e teórico de diversas
correntes do pensamento psicológico pressupondo que - seja ficção ou
documentário - o cinema e a arte em geral são produções subjetivas
passíveis de estudos e interpretações.
Cinema como atividade de intervenção
Um total de 18 estudos selecionados nessa Revisão Sistemática se
assemelham por fazer uso do dispositivo cinematográfico com o
propósito de promover algum tipo de intervenção com finalidades: 1)
vivenciais/terapêuticas ou 2) educacionais. Os trabalhos na categoria
"Cinema como atividade de intervenção" utilizam das histórias narradas
nos filmes e da potência estética dessas obras como meio para fazer
falar, para suscitar reflexões e/ou mobilizar afetos. Apresentam como
57
característica desse recurso o fato do cinema "produzir identidades
culturais" (SANTOS, et al. 2011), articular um "modo de pensar a vida e
de apresentar problematizações referentes e pertinentes ao laço social"
(GURSKI, et al. 2013), ser um "instrumento humanizador e/ou
terapêutico" (REIS, et al. 2015).
Intervenções vivenciais mediadas pelo cinema foram
apresentadas como espaços de fala e reflexão, a partir de dinâmicas
grupais ou individualmente. São atividades que fazem uso desse recurso
como um dispositivo de identificação e catarse, com a proposta de
colocar palavras nos espaços de silêncio (RAINONE, FROEMMING,
2008). Imagem em movimento, som e o tempo a escorrer no caminhar
dos filmes capturam o expectador que investirá na leitura dessa
experiência a partir da sua própria posição como sujeito, tal como em
um dos trabalhos analisados:
criar espaço para que, através da fruição de um
filme, as imagens da tela contribuam na
enunciação de cenas ou de vivências de cada um
dos participantes, possibilitando-lhes falar de si,
mediante os recortes operados pela projeção
cinematográfica. (ibid, p. 75)
Na primeira subcategoria, oito foram os trabalhos analisados que
utilizaram o cinema como dispositivo para ocasionar vivências grupais
e/ou problematizar o uso desse recurso como via mobilizadora do
sujeito (PENHA, 2016; SANTEIRO, SANTEIRO, SOUZA, JUIZ,
ROSSATO, 2014; DAVID, HAUTEQUESTT, KASTRUP, 2012;
FERREIRA, 2012; SOUSA, 2011; BIANCHINI, 2010; RODRIGUES,
2010; RAINONE, FROEMMING, 2008). As situações de intervenção
se deram no âmbito clínico individual, no contexto prisional, em
espaços educacionais e na saúde mental da rede pública.
Processos de identificação com os personagens e histórias
assistidas são entendidos nesses trabalhos como importantes
disparadores de emoções, levando o sujeito a falar de si e questionar seu
lugar no mundo e a sociedade e sua volta. Os filmes contêm elementos
que favorecem uma elaboração das próprias experiências e da percepção
de si. O espectador, em sua relação estética com a arte, é sensibilizado
pela ficção/fantasia do cinema assim como pode o ser pela experiência
vivida no real; o simbólico de ambas as experiências são equiparáveis.
Assim lágrimas, risos, angustia, esperança são vividos de forma
equiparável, seja na recepção da arte ou na vida diária.
58
Na segunda subcategoria, dez pesquisas abordam o cinema como
um artifício pedagógico a se lançar mão nas atividades de ensino-
aprendizagem nos contextos universitários, escolares e na formação de
psicólogos clínicos (CHINALLI, 2016; REIS, BARONE, 2015;
BORBA, 2015; FERRARI, 2015; REIS, 2014; GURSKI, VASQUEZ,
MOSCHEN, 2013; IMHOFF, 2013; SANTEIRO, 2011; SANTOS,
COSTA, CARPENEDO, NARDI, 2011; CAMPO-REDONDO,
BARRIOS, 2005). Temas como diversidade, inclusão, processos
clínicos, formação profissional, política e sociedade figuram entre os
abordados. Segundo as pesquisas, fazer uso do cinema em sala de aula
favorece o acesso e o olhar sobre o desconhecido/invisibilizado, além de
conferir uma dimensão ativa ao expectador, mobilizando percepção e
afeto no ato de significar o conteúdo que o interpela. Alguns desses dez
trabalhos defendem que o dispositivo cinematográfico possibilita aos
educandos o encontro com uma ética e uma alteridade outra, para além
do seu cotidiano. Estes são interpelados pela dimensão estética,
preenchendo algumas das fissuras que o discurso pedagógico tradicional
não consegue abarcar, cujo conteúdo é, por vezes, inapreensível através
da linguagem verbal: "a experiência do cinema como arte está
relacionada à dimensão do sensível, daquilo que toca o sujeito e que,
muitas vezes, não é passível de tradução, nem mesmo pelas palavras."
(GURSKI, et al, 2013 p. 243.)
Nessa mesma categoria há trabalhos que advertem que a presença
do cinema em sala de aula precisa ser mediada pelo professor para que o
fim pedagógico almejado seja possível. Ver, julgar, compreender,
qualificar as experiências oriundas das telas estão envolvidos em um
processo dialógico, sendo a riqueza desse recurso a possibilidade de
movimento das experiências, do encontro com a alteridade (BORBA,
2015). Para que a relação com o filme não fique apenas na esfera do
entretenimento, é preciso colocar questões à obra de arte e brotar na
relação com ela novos insights.
Constata-se que o cinema como atividade de intervenção
apareceu nas pesquisas como motor propulsor de encontro com o outro
e, consequentemente, movimento em nós mesmos. Nesses trabalhos a
produção cinematográfica foi utilizada como recurso meio para atingir
outros fins caros à psicologia e educação. Algumas discussões
discorrem se a tecnologia - em sendo democratizada - pode favorecer o
acesso a experiências que, boa parte das vezes, é restrita a poucos.
Conforme utilizado, é um potente recurso que pode nos instigar
perguntas e oferecer respostas: vivências e aprendizados. Como destaca
Santos, "o cinema representa, na sociedade moderna, um importante
59
agenciador pedagógico; ele, além de produzir identidades culturais,
integra e interfere nas redes sociais que estão presentes nas formas como
se apresentam as relações de poder [...] Dessa maneira, o cinema produz
uma estética e uma ética com condições de serem amplamente
distribuídas e consumidas" (SANTOS, et al, 2011, p. 132).
Epistemologia e Metodologia
A respeito de discussões epistemológicas e metodológicas, vinte
trabalhos acadêmicos discorrem sobre a complementaridade que se
evidencia entre psicologia como campo científico e o cinema como via
de acesso e/ou produção de um saber. São trabalhos que problematizam
fronteiras historicamente delineadas entre arte e ciência e apontam para
um diálogo entre ambas as áreas de realizações humanas.
Para além das reflexões estéticas e as interpretações das obras
cinematográficas na categoria Análises de Filmes, e a sua função
mediadora e pedagógica dentre os trabalhos sobre Cinema como
Atividade de Intervenção, esta terceira e última categoria de estudos
compreende trabalhos: 1) que apresentam o cinema como produtor de
saberes, 2) que o utilizam como método de pesquisa e 3) que discutem
amálgamas e redefinições das fronteiras entre arte e ciências. As
análises foram divididas nessas três subcategorias.
Na primeira subcategoria, foram selecionados 10 estudos que
argumentam sobre produção de conhecimento e de discursos que
eclodem do campo das artes e agregam dizeres sobre o psíquico, o
humano; a obra estética como via de construção de um pensamento
psicológico e de um entendimento da subjetividade (FARINA,
FONSECA, 2015; WILLIGES, 2015; RAMOS, 2015; MADEIRO,
2015; TEIXEIRA, 2015; MARQUES, 2015; BARBOSA, 2011;
KOIDE, 2011; CANABRAVA, 2008; PERRONE, ENGELMAN,
2008). Nessa perspectiva não se manifesta hierarquização entre os
saberes, pois "arte e psicanálise operam sobre a mesma matéria, com a
diferença de que o artista realiza imediatamente no plano estético algo
que o psicanalista só pode realizar após acúmulo de experiência clínica
mediada por rigorosa reflexão teórica." (MARQUES, 2015, p. 12)
Esses trabalhos têm em comum o lugar que o cinema ocupa no
diálogo com a ciência psicológica, agora não apenas como recurso
ilustrativo de uma dada teoria/contexto/realidade ou na qualidade de
60
estratégia de intervenção do psicólogo, mas sim enquanto apropriação
singular da realidade dotada de uma episteme própria:
O cinema não pode ser tomado como uma simples
oportunidade reflexiva, pois a narração que se
pretendia verídica dá lugar a uma narração
falsificante que não quer se prestar a uma
representação de uma suposta realidade nem à
proposição de um mundo melhor. O cinema se
presta, sim, segundo Deleuze, como meio de
discutir o funcionamento psíquico (FARINA et al,
2015, p. 122)
Os escritos que sustentam a condição do cinema como uma outra
linguagem sobre a realidade, e portanto como produtor de saberes,
parecem encontrar na sétima arte a possibilidade de representar, por via
dos recursos técnicos, uma imagem do inconsciente, do simbólico que
nos constitui, da dinâmica do existir e do pensar (ibid, 2015).
Na segunda subcategoria, 08 estudos analisados abordam o
cinema como um método de ir a campo, de realizar uma pesquisa, de
registrar experiências em imagem e som, arquitetar uma montagem do
vivido e produzir um discurso a partir do que foi captado pelas câmeras
e microfones (IDE, 2014; OLIVEIRA, 2012; JUHAS, SANTOS, 2011;
SANTOS SEGUNDO, 2011; GOMES, 2011; FROCHTENGARTEN,
2009; PAMPLONA, 2009; SANCHEZ, 2007) É o cinema como
dispositivo propulsor para se lançar na pesquisa de campo, numa
reflexão sobre as experiências, podendo provocar um reordenamento
dos regimes de visibilidade e dizibilidade.
Autores partem do pressuposto que pesquisas cuja produção de
imagens é método para se chegar a determinado fenômeno favorece a
autorrepresentação, privilegia a exposição e exercício da singularidade
dos sujeitos pesquisados:
A ideia de confiar a filmagem aos participantes
costuma ser remetida a um debate, travado
principalmente no âmbito do cinema e da
antropologia visual, sobre a autorrepresentação.
Grupos que antes eram apenas o outro retratado
pelas câmeras têm agora a chance de passar aos
bastidores e participar mais decisivamente na
produção de vídeos representativos do seu
universo. Esse modo colaborativo de trabalho, que
61
procura incluir o participante na concepção,
captação e edição das imagens é prática comum
hoje, por exemplo, em pesquisas que empregam o
vídeo participativo (IDE, 2014, p. 96)
Pesquisadores destacam que a montagem, a escolha do registro, o
olhar e a escuta estão permeados pela não neutralidade do pesquisador-
cinegrafista-pesquisado. A escolhe de um plano, um depoimento, uma
história é sempre a evidência da presença daquele que produz, daquele
que elege, daquele que se coloca como um narrador audiovisual, ou seja,
"o filme é sempre um ponto de vista; não se filma nem se olha
impunemente." (OLIVEIRA, 2012, p. 69).
Nos estudos encontrados, a escrita e elaboração de uma pesquisa
ficam ao encargo das diversas etapas que compõem a elaboração de uma
obra cinematográfica, passando pelo roteiro, a imersão no campo,
decupagem das imagens e montagem. A escrita de um roteiro é feita de
pesquisas de campo, análises históricas, estudos dos
personagens/sujeitos de pesquisa (SANCHEZ, 2007; PAMPLONA,
2009). É produção de uma narrativa descritiva e/ou analítica análoga aos
textos publicados nas revistas científicas: recorte de um objeto de
pesquisa, o estudo desse objeto, a elaboração de um discurso sobre o
mesmo, a escolha por uma abordagem.
O campo de filmagem e o encontro com os personagens em
muito se assemelha com o método da pesquisa-participante ou
etnográfico. No artigo sobre o filme "Estamira", os autores discutem o
enlace entre diretor e personagem e a necessidade de respeito ao ritmo
que o campo impõe sobre o tempo da pesquisa, onde essa espera é
justamente aquilo que possibilitou que o sujeito falasse de si (JUHAS, et
al. 2011).
A etapa de montagem constitui o enquadre que o
pesquisador/diretor irá optar. É a seleção do que da experiência de
campo se registrou, o olhar que a pesquisa irá apresentar, o discurso que
a ciência ou arte podem fundar. Ao publicar uma pesquisa não há como
esquivar-se da responsabilidade de fazer um recorte da realidade, pois,
como num filme, "ao cortar e selecionar uma parte do material bruto que
irá fazer parte do corpo do filme, estamos, simultaneamente, decretando
a morte simbólica do que foi retirado. Um constante jogo entre vida e
morte marca o ato da costura" (SANTOS SEGUNDO, 2011, p. 159).
Na terceira subcategoria, 02 artigos apresentam o cinema como
ferramenta metodológica para se extrair dos sujeitos pesquisados
informações a serem analisadas (CANTARELLI, 2015; GOMES,
62
ROSEMBERG, ALENCASTRO, CASTRO, 2008). Após assistirem a
filmes, os pesquisados respondem questionários ou participam de rodas
de conversa a fim de problematizar as emoções e sentimentos que o
cinema pode suscitar nos seus expectadores.
Tratando-se da relação entre cinema e ciência, os trabalhos
analisados sustentam que a correspondência existe nos âmbitos
epistemológicos e metodológicos: no primeiro, como um discurso
fundante de uma ontologia do sujeito e de sua subjetividade; e no outro,
como uma via de fazer ver e ouvir algo captado e constituído
dialeticamente com o vivido.
CONCLUSÃO
Diálogos entre arte e psicologia datam desde os primeiros
esboços dessa ciência. Freud já assinalava que os artistas estão sempre
um passo à frente das ciências quando se trata de falar do sujeito8. Os
primeiros gestaltistas já se interessavam pelo cinema e os fenômenos
ópticos decorrentes da imagem em movimento (ENGELMANN, 2002).
Kurt Lewin utilizou de gravações em vídeo para estudar o
comportamento infantil (IDE, 2014). São inúmeras as aproximações
estabelecidas até hoje entre psicologia e todas as demais linguagens
artísticas: literatura, música, artes cênicas, dança, arquitetura, escultura,
pintura, etc.
O que encontramos nessa Revisão Sistemática é a continuação de
uma proximidade histórica. Os trabalhos analisados prosseguem nessa
trilha citada por Freud, onde o estético dá pistas do caminho a ser
investigado pelas ciências. Esses estudos, cada um à sua maneira,
evidenciam a potência da arte - mais especificamente do cinema - como
elemento agregador de recursos narrativos, sociológicos e sensíveis ao
desenvolvimento do saber psicológico:
cinema como produto da atividade humana pode
ser concebido como um rico documento de tensão
da existência e problematizador da realidade
objetiva. Portanto, o cinema possibilita ao
espectador a reflexão sobre si e sobre a realidade
8 Segundo Lacan: "a única vantagem que o psicanalista tem o direito de tirar de sua
posição, sendo-lhe esta reconhecida como tal, é de se lembrar, com Freud, que em
sua matéria o artista sempre o precede" (LACAN, 2003, p. 200)
63
concreta de forma mais sensível e objetiva
(RAMOS, 2015, p. 171 - 172)
A organização dos trabalhos selecionados em 03
categorias nos possibilitou evidenciar onde e como cinema e psicologia
dialogam. Em "Análise de filmes" fica nítida a presença do cinema
como um recurso a ilustrar aquilo que a escrita teórica procura
destrinchar em palavras. Não obstante, há nesta categoria trabalhos que
desenvolvem suas teorias com base nas reflexões suscitadas a partir dos
filmes. "Cinema como atividade de intervenção", por sua vez, abrange
pesquisas de caráter interventivo; todos os trabalhos são descrições e
análises de atividades que utilizaram o cinema como recurso facilitador
de ações em coletivo, sejam elas vivências grupais ou atividades
pedagógicas. A terceira categoria de trabalhos, designada
"Epistemologia e Metodologia", aproxima a arte da prática científica,
colocando-as lado-a-lado no exercício de produzir conhecimento.
Categoria Sub-Categoria Trabalhos Analisados
Análise de Filmes N = 70 Psicanálise N = 26; a = 13 d = 11 t = 2
Gênero N = 11; d = 9 t = 2
Psicologia Social N = 14; a = 6 d = 4 t = 4
Jung N = 7; a = 1 d = 5 t = 1
Pós-estruturalismo N = 5; a = 1 d = 4
Psicologia Clínica e da Saúde
N = 4; a = 2 t = 2
Outros N = 3; a = 1 d = 1 t = 1
Cinema como Atividade de Intervenção N = 18
Educação N = 10; a = 5 d = 4 t = 1
Vivências N = 8; a = 3 d = 4 t = 1
Epistemologia e Metodologia N = 20
Epistemologia N = 10; a = 3 d = 5 t = 2
Metodologia N = 8; a = 3 d = 5
Pesquisas N = 2; a = 1 d = 1
Legenda: N = total; a = artigos; d = dissertações; t = teses
[Figura 02] – Resultados da Revisão Sistemática
A partir da pesquisa nas bases de dados pode-se vislumbrar uma
série de possibilidades de como o cinema tem sido abordado nos estudos
de psicologia. A RS nos dá um panorama das articulações atuais entre
cinema e psicologia (figura 02) e aponta direções para investigações
futuras, deixando-nos a par das principais discussões e teorias.
64
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79
ARTE E CIÊNCIA: APROXIMAÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS
RESUMO: Este artigo procura traçar algumas aproximações
epistemológicas e conceituais entre arte e ciência, tomando como base
que ambas correspondem à experiência do sujeito como atrelado à
linguagem e condicionado à busca por sentidos. Para dar conta dessa
proposta, é estabelecido um diálogo entre a filosofia de F. Nietzsche, as
elaborações conceituais de G. Deleuze e F. Guattari e os ensaios sobre
arte e teoria do conhecimento de W. Benjamin. Parte-se da problemática
do que é fazer ciências humanas na esteira do positivismo, expondo os
limites metodológicos e conceituais da ciência moderna, principalmente
no que tange à produção de conhecimento sobre o subjetivo. Após, é
debatido alguns pontos de encontro entre a arte e a ciência e suas
semelhanças e imbricações. O texto finaliza com uma breve exposição
das potencialidades oriundas do campo estético que podem promover
uma expansão do pensamento e do conhecimento científico se este
abdicar de fronteiras arbitrariamente traçadas.
Palavras-chave: arte, ciência, epistemologia, Nietzsche, Benjamin,
Deleuze
ABSTRACT: The segmentations and segregations between areas of
knowledge is an artificial form to deal with life, which perhaps have
more political purposes than truly interest in nature or in life. This
article tries to expose some epistemological and conceptual approaches
between art and science, thinking that both experiences are supported by
language and both are ways to search for meanings. In order to
accomplish this theoretical objective, the article seeks to establish a
dialogue between F. Nietzsche's philosophy, the conceptual work of G.
Deleuze and F. Guattari, and the essays about art and theories of
knowledge from W. Benjamin. The article starts with the subject of
what is to make human science in the positivism ways, exposing the
methodological and conceptual limits of modern science, especially in
what concerns the production of knowledge about the subjective.
Afterwards, some similarities between art and science are discussed.
The text ends with a brief exposition about how some aesthetic
potentialities can promote an expansion of thought and scientific
knowledge if the traditional science abdicates to draw some arbitrary
boundaries.
Keywords: art, science, epistemology, Nietzsche, Benjamin, Deleuze
80
INTRODUÇÃO
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um
sabiá
mas não pode medir seus encantos.
A ciência não pode calcular quantos cavalos de força
existem
nos encantos de um sabiá.
Quem acumula muita informação perde o condão de
adivinhar: divinare.
Os sabiás divinam.
(Manoel de Barros, Livro Sobre Nada)
Insatisfeito na sua condição de sujeito cognoscente, inquieto em
relação ao vivido, por vezes atormentado pelos labirintos do
pensamento, o ser humano — a partir de diversas metodologias,
racionalidades, experiências — lança-se, ao longo de sua história, na
busca pelo conhecimento, na procura por explicações e entendimentos a
respeito da realidade e a respeito de si. Tal busca não se restringe a uma
única esfera da atividade humana, nem é privilégio de um determinado
método ou cultura, mas sim uma condição do ser inserido no universo
da fala e interpelado por perguntas inquietantes sobre si e sua realidade.
O humano, na sua condição de sujeito da cultura e da linguagem,
é um ser que questiona sua condição de existência e a si mesmo,
colocando em questão o campo do vivido. Estamos sempre na ânsia por
saciar o encontro com aquilo que perdemos, o contato com um algo para
além de qualquer mediação simbólica — mediação que sabemos ser
mais um engodo que uma verdade. Por mais que muitas vezes nos
enganemos e tentemos acreditar no encontro com as verdades últimas
(projeto do método positivista e das ciências modernas), não cessamos
de nos angustiar com o fato de tudo ser uma construção provisória que
não corresponde à completude pretendida do sujeito com um algo que
podemos nomear de natureza, realidade, verdade:
Estamos sempre fora do que pensamos que somos,
e do que pretendemos determinar como nossa
essência, o que nos torna um tipo de ente lançado
81
num “para além” de si mesmo, exilado das
crenças e certezas absolutas. Nós somos um ente
que não coincide consigo mesmo. (Drawin, 2008,
p. 16)
Essa inquietação, que visa a responder às questões colocadas
pelos mistérios da existência nos diversos tempos e civilizações, resulta
em variados métodos, paradigmas, dogmas, crenças, epistemologias que
pretendem dar uma forma ou sentido qualquer a angústia inerente a esse
não-saber. Talvez o que mais importa nesse processo não é a qualidade
da resposta, mas sim o exercício por responder tais questões, movimento
incessante de produção de conhecimentos.
O exercício de pensar, de criar respostas, de investigar o vivido
não é uma exclusividade de um campo específico do saber. Ciência,
arte, filosofia, religião, senso comum são regimes discursivos distintos
que se ocupam em indagar e responder a ausência de um sentido
absoluto e dado à priori (Sampaio, 2007). É característica de todo tipo
de saber se engajar na produção de conhecimento, imbricado em uma
determinada posição axiológica, com suas ressonâncias éticas e
políticas, criando sentidos que sirvam de representações da realidade
(Costa, Zanella e Fonseca; 2016).
Nessa perspectiva a produção de conhecimentos está em
constante devir, o que deixa em aberto a possibilidade de que os
paradigmas que condicionam o nosso conhecimento e
interpretação/construção da realidade, orientados segundos os diversos
planos discursivos, estejam passíveis de serem questionados,
relativizados, transformados, reinventados (Medrado, 2011). E,
consequentemente, que a própria realidade seja interrogada, e que os
sentidos e dogmas naturalizados sejam colocados em dúvida quanto ao
seu caráter de verdade absoluta.
Para o desenvolvimento dessa discussão, este artigo se divide em
quatro tópicos. O primeiro discute a produção de conhecimento em
psicologia e a questão da subjetividade. No segundo tópico
problematiza-se os limites epistemológicos do discurso científico
positivista naquilo que tange às questões referentes à representação da
realidade. No terceiro tópico apresentou-se uma possível aproximação
entre a ciência e a arte, dois regimes discursivos que outrora pouco
dialogaram. Trata-se de um interesse em problematizar as convergências
e divergências entre esses dois regimes discursivos distintos e uma
possível conjunção desses saberes na produção de conhecimentos em
psicologia. Por fim, o quarto tópico focará nas potências da arte como
82
produtora de conhecimentos relevantes às pesquisas no campo da
subjetividade, sobrevoando penhascos cujo discurso científico não
dispõe de recursos metodológicos ou conceituais para se aventurar. As
análises discutem a possibilidade de uma epistemologia híbrida que seja
potente em abarcar algo desse fenômeno tão caro à psicologia e à
sociedade ocidental moderna e contemporânea: a subjetividade.
Tais discussões terão como principais embasamentos teóricos o
pensamento de Friedrich Nietzsche sobre a ciência moderna e a
racionalidade iluminista, a perspectiva pós-estruturalista de Gilles
Deleuze sobre os possíveis entrelaçamentos entre a filosofia, arte e
ciência, e a teoria crítica de Walter Benjamin a respeito da produção de
conhecimento. Tais autores foram elegidos como referências teóricas
desse artigo devido às suas teses filosóficas sustentarem uma
epistemologia que torne possível um diálogo profícuo entre a ciência e
outras formas de saber, como, no nosso caso, a arte.
PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA
A psicologia, ao longo da sua constituição como área do
conhecimento científico, assim como outras ciências humanas e sociais,
experimenta, de forma mais aguda que as ciências naturais, uma crise na
sua constituição como lugar de saber, devido à pluralidade de discursos
possíveis, de metodologias e teorias que tentam apreender o seu objeto
de estudo e se afirmar sobre ele (Figueiredo, 2014).
A partir do século XVII, com o imperialismo da ciência moderna
e dos métodos positivistas sobre as outras formas de conhecimento, a
subordinação aos critérios de mensuração e controle se impõe a qualquer
forma de saber que almeja o lugar de poder conquistado pelo discurso
científico (ibid, 2014). Na fundação da sociedade moderna, o status de
ciência passa a assumir uma autoridade sobre as outras formas de saber
devido à sua estrutura lógico-matemática impermeável a
questionamentos advindos de outros regimes discursivos, tornando a
ciência imune a qualquer crítica ou desconfiança, o que não sucedia com
outros campos de saber, como as artes, a religião e a filosofia (Drawin,
2004).
No entanto, tais paradigmas científicos não eram suficientes para
abarcar alguns objetos investigados e questões levantadas pela
psicologia referente à realidade que procura interpretar:
83
a psicologia, que nasce no bojo das tentativas de
fundamentação das outras ciências, fica destinada
a não encontrar jamais seus próprios fundamentos,
a nunca satisfazer os cânones de cientificidade
cujo atendimento motivou sua própria emergência
como ciência independente. Mas fica igualmente
destinada a sobreviver, sem segurança nem
confiança, tentando precariamente ocupar o
espaço que a configuração do saber lhe assegurou.
(Figueiredo, 2014, p. 20)
Dentre os objetos de interesse das ciências psicológicas, e talvez
um dos objetos de mais difícil apreensão por tais métodos oriundos das
ciências naturais, encontra-se o que Luís Figueiredo chama de “o
psicológico” (Figueiredo, 1992). No auge do império da razão sobre
outros afetos e experiências, momento que se acreditava que as ciências
poderiam dar conta de todas as respostas formuladas sobre a realidade,
derrubando o véu da ignorância que nos impedia de acessar as verdades
últimas referentes à natureza e em relação a nós mesmos, algo sobra, um
resto a ser ignorado nas medidas estatísticas. A técnica positivista
começa a dar sinais da sua finitude, a crença no homem racional como
centro do mundo, que tudo vê e tudo pode, começa a derrocar (Rolnik,
1992). Um novo objeto que escapa dos métodos científicos tradicionais
começa a tomar corpo e passamos a indagar como é possível apreendê-
lo, como produzir conhecimento a respeito dele. Esse objeto-resto-sobra
chamarei aqui de subjetividade.
Drawin descreve a subjetividade como “instância de
discernimento, escolha e livre causação” (Drawin, 2004, p. 34), visto
que o humano não pode ser compreendido somente a partir das
determinações oriundas das condições internas ou externas a ele, onde o
movimento dialético de sua constituição é de uma complexidade
inapreensível por teorias generalizantes. A subjetividade se situa como
“instância do humano que resiste a deixar-se objetivar ou a coisificar-se”
(ibid, p. 34), características essas que justamente se opõem ao ímpeto
positivista, e só pode ser abordada a partir de sua historicidade e suas
ações e afecções no vivido. “Os neurônios não pensam”, frase atribuída
a Heidegger, vem a atribuir à subjetividade e não à fisiologia a irrevogável tarefa de fundar o sujeito, a partir de uma linguagem
autorreferencial na medida em que esse se constitui na mediação da
função simbólica e da experiência na cultura (ibid).
Nesse processo de constituição de si, o humano, condenado a
escolher e arcar com as angústias de tal condição no mundo (Sartre,
84
2007), torna-se agente de sua própria constituição. Segundo Figueiredo,
a subjetividade inaugurada na modernidade constitui um sujeito “que
nasce sem natureza certa e habita um mundo infinitamente aberto ao seu
engenho e arte, deve se preocupar, desde o momento que nasce,
sobretudo com isso: sua liberdade e sua destinação” (Figueiredo, 1992,
p. 24). Paralelo ao nascimento das ciências modernas, que prima pela
generalização e simplificação dos fenômenos da realidade, emerge no
mesmo período certa ode pelo subjetivo e pela singularidade (Drawin,
2008), que não só lhe concede certa liberdade e autonomia, quanto
também solidão e desamparo.
Agora um náufrago nas experiências de massa (Berman, 2007),
na solidão das cidades, órfão das tradições e das relações coletivistas, o
sujeito moderno, que se constitui nessa relação de duplo-vínculo entre
exaltação e abandono, busca cada vez mais respostas para a existência
no seu próprio ser. Segundo Gagnebin, “o indivíduo burguês, que sofre
de uma espécie de despersonalização generalizada, tenta remediar este
mal por uma apropriação pessoal e personalizada redobrada de tudo o
que lhe pertence no privado.” (Gagnebin, 2007, p. 59). Assim, a
subjetividade ganha relevância na sociedade moderna por conceder ao
sujeito desamparado uma instância na qual ele possa ficcionar a sua
própria existência.
O romantismo, movimento artístico e filosófico que influenciou
certas características das sociedades ocidentais dos séculos XVIII-XIX,
também revela no plano da cultura um elogio ao subjetivo e às
características do humano inapreensíveis pelo racionalismo iluminista
da época. Tal movimento volta-se para o encontro com o irracional,
inconsciente, para os afetos perturbadores e passionais da inquietação
humana, valorizando o animalesco, o místico, o primitivo que surge das
emoções humanas. Ao glorificar o irregular, o torto, o grotesco e os
comportamentos inapreensíveis pela razão, o romantismo enaltece
aquilo que foge do controle da ciência e da moral vigente (Santos,
1993).
Tais características tão cultuadas no campo das artes foram
rechaçadas no âmbito científico da época. O naturalismo científico
sempre refutou qualquer relevância das teorias que incluíssem em sua
epistemologia um diálogo mais próximo com conceitos como a
subjetividade, denunciando tais teorias de ficções sem qualquer validade
científica (Drawin, 2004). Essa relação hierárquica e autoritária
referente à qualidade e fidedignidade da produção de conhecimento
criou uma fronteira, que por muito tempo foi intransponível, entre a
ciência e as demais formas de conhecimento.
85
No entanto, desde algumas revoluções no campo da ciência e da
epistemologia ocorridos no século XX (Santos, 2010), algumas áreas da
ciência, principalmente nas humanidades, passaram a incluir nos seus
paradigmas metodológicos a relevância das questões sócio-culturais, da
mediação da linguagem no acesso à realidade e à experiência humana
situada numa historicidade. Parte da ciência deixou de se sustentar
somente nas inferências lógico-matemáticas, na imparcialidade das
observações isoladas e controladas e passou a agregar nas suas
discussões a necessidade de se problematizar o status de verdade e os
próprios limites da razão (Drawin, 2004). Tais transformações no
pensamento científico tornaram possível a abolição de algumas
fronteiras entre formas de produção de conhecimento e minimizaram a
despótica autoridade que a ciência exercia sobre as demais.
CIÊNCIA MODERNA E SEUS LIMITES
A história da modernidade reservou um lugar privilegiado para o
discurso científico, vindo este a se sobrepor sob diversas outras formas
de conhecimento. O uso instrumental do conhecimento — baseado na
disciplina do cálculo e da testagem — veio a submeter a natureza e o
humano ao rigor do método, do controle e da previsibilidade. Tornou-se
convenção na prática da ciência moderna afastar-se da experiência
cotidiana e dos equívocos da percepção ingênua para afirmar um
discurso que se supõe neutro e fidedigno à verdade dos fatos, sempre
regrado segundo o método positivista (Figueiredo, 2014).
A segurança ofertada pela racionalidade científica, baseado em
toda a sua lógica matemática, nos assegura um domínio sobre o sentido
e um exercício confiável sobre a realidade. A produção de
conhecimentos que advém desse plano oferece argumentos potentes na
sustentação dos discursos e narrativas que constituem nossa existência.
É possível testar, replicar, analisar, mensurar — estratégias essas que
procuram livrar de qualquer suspeita as teses afirmadas pela ciência. No
entanto, principalmente nas ciências humanas, ao se fiar na segurança do
modelo científico positivista, o conhecimento produzido será refratário a
toda idiossincrasia, paradoxo, extremidade, inferindo muitas vezes um
discurso patologizante sobre aquilo que é desviante (Costa; Zanella;
Fonseca, 2016).
O que Nietzsche, Deleuze e Benjamin procuram dizer sobre os
ímpetos da ciência é que a realidade humana não pode ser concebida
86
como algo dado à priori, sendo o objetivo da ciência acessar algo que
sempre esteve lá, porém oculto, desconhecido. “Des-cobrir”, “des-
vendar” são todas palavras que promovem a concepção de que o
objetivo da ciência é acessar o já dado, alcançar o plano da verdade,
anseio fundado numa concepção idealista e progressista da história e do
conhecimento humano. Porém, como aparece nas palavras de Nietzsche,
“contra o positivismo, que fica no fenômeno ‘só há fatos’, eu diria: não,
justamente não há fatos, só interpretações. Não podemos verificar
nenhum fato ‘em si’: talvez seja um absurdo querer tal coisa.”
(Nietzsche, 2008, P.260). O filósofo defende que, ao contrário, toda
ciência é uma constante criação, está sempre por se fazer, interpretando
a realidade a partir de narrativas mediadas por constantes
transformações estéticas e simbólicas.
Simplificação da realidade
O limite da ciência moderna se evidencia ao analisarmos o plano
na qual ela se funda: a consciência. Nietzsche adverte que “a falha
fundamental está sempre no fato de que postulamos a consciência como
critério, como o mais elevado estado de valor da vida, em vez de a
considerarmos como instrumento e particularidade na totalidade da vida:
em resumo, trata-se da falsa perspectiva do a parte ad totum” (ibid, p.
356-357). Nessa perspectiva, a consciência e aquilo que advém da nossa
apreensão da realidade é apenas um recorte do todo — um todo cuja
consciência não é capaz de abordar.
Para a filosofia nietzschiana, a epistemologia da ciência moderna
se pauta nos princípios da filosofia socrática, que tem como paradigma o
questionamento e a busca pelo entendimento do mundo, enclausurando
este numa perspectiva humanizada, reduzindo-o a uma estreita forma de
ser interpelado. Ao formular a díade perguntas-e-respostas, tanto
Sócrates quanto a ciência estariam extinguindo formas outras de relação
com o mundo e fechando as portas para o devir, que não requer
explicações nem submete-se a questionamentos: apenas vive. Esta
civilização que funda suas práticas cotidianas na crença da possibilidade
da apreensão da realidade por via do conhecimento, pode ser vítima da
ignorância de que as repostas são sempre provisórias, que as narrativas
históricas são engendradas nas relações de poder, que as interpretações
são influenciadas por contextos culturais e que a linguagem é falha.
(Boaventura, F. 2010)
87
Nas palavras de Deleuze e Guattari, a ciência “renuncia ao
infinito, à velocidade infinita, para ganhar uma referência capaz de
atualizar o virtual [...] renunciando o infinito, a ciência dá ao virtual
uma referência que o atualiza, por funções.” (Deleuze; Guattari, 2010, p.
140). De todas as possibilidades que emanam do caos9, é na construção
de uma via estreita que a ciência se sedimenta e constitui seu plano de
referência e, não obstante, construção de uma via autorreferenciada.
A ordem e a lógica que a ciência busca aferir à realidade são
possíveis de serem operacionalizadas e, por vezes, cumprem a proposta
de produzir conhecimento válido, de criar funções e estabelecer relações
verificáveis entre elementos isolados. Porém, tal proposta só se torna
viável ao ignorar os movimentos de mutação incessantes, as
singularidades intransmissíveis de cada elemento, os limites impostos
pela linguagem e pela cognição. Ao esquivar-se dessas propriedades, os
autores compreendem que a ciência — diferentemente da filosofia e da
arte — se constitui no gesto de renunciar o caos (ibid).
Nesse ímpeto por afirmar ser a detentora da verdade a partir de
uma condição colocada por si mesma, a ciência claudica numa
circularidade, definindo quais são os critérios de verdade e de
conhecimento válido que a sustentam como forma privilegiada de saber
(Santos, 2010), como na parábola do Barão de Münchhausen, onde o
personagem se salva de afundar no pântano puxando a si mesmo pelos
próprios cabelos. Nesta postura autorreferenciada, a ciência positivista,
por vezes, toma posturas que desqualificam outras formas de saber que
não coadunam com seus métodos, impossibilitando qualquer diálogo
profícuo que poderia advir de posições abertas ao encontro com a
diferença por parte da comunidade científica.
Para Benjamin, no seu texto “A Origem do Drama Trágico
Alemão” (Benjamin, 2016) — trabalho de grande importância na
compreensão de sua perspectiva epistemológica — ao invés de produzir
verdades, o que a ciência positivista acaba por fazer é um desserviço na
produção do conhecimento das coisas mesmas, visto que as
9 Tratarei nesse texto o “caos” como um algo que remete a impossibilidade de
apreender o vivido de forma finita e acabada, entendendo este vivido como
experiências que estão num constante vir-a-ser, desregrado de qualquer ordem lógica
ou concebida previamente pela razão. É aquilo que precede a ciência, a arte e a
filosofia, mas da qual estas tiram todo o material na qual se fundam. O caos não é
um lugar, nem uma entidade divina ou essência de cunho idealista, mas sim uma
virtualidade que comporta as infinitas possibilidades que antecedem qualquer
acontecimento, e que só vem a tomar forma quando interpelado pelos fenômenos
humanos ou pela materialidade da natureza (Deleuze; Guattari, 2010).
88
simplificações e generalizações obliteram o encontro com o particular.
A proposta epistemológica de Benjamin é voltar-se às experiências
singulares sem qualquer mediação de processos dedutivos generalistas, a
fim de não perder nesse salto as qualidades do particular (Roque, 2016).
Limites da linguagem
Para Nietzsche, a ciência não desfruta de nenhuma superioridade
epistemológica frente a outras formas de conhecimento. As produções
científicas são construções da própria razão, e não um acesso a algo que
esteja para fora dela. Toda relação com a natureza é uma invenção
possibilitada pela linguagem. Aquilo a qual a ciência pode dizer algo,
não corresponde a essência das coisas, mas sim a uma criação cujos
critérios de verdade são definidos pela própria ciência (Han-Pile, 2011).
A condição humana de ente assujeitado à linguagem o condiciona
a somente conhecer aquilo que por ele mesmo foi criado e nomeado. A
realidade a que a ciência tem acesso é apenas aquilo que é passível de
representação simbólica e racional. Tudo o mais que não pode ser
representado pela linguagem e seus representantes, permanece
inacessível à compreensão humana; tudo o que está para além da nossa
própria criação, não temos o conhecimento (Sampaio, E. 2007).
Mesmo que todos os critérios definidos pelo método científico se
demonstrem exequíveis e seja possível lidar de forma analítica,
matemática e previsível com a realidade, garantindo objetividade,
controle e validação dos resultados, ainda assim estamos submetidos aos
limites impostos pela impossibilidade de representar, significar e
compreender aquilo que não esteja delimitado pela linguagem. O
modelo de ciência tradicional está enclausurado nos limites da cognição,
nos limites que o universo simbólico define, delimitando uma finitude
específica daquilo que essa condição pode afirmar sobre a realidade.
O processo linguístico de criação de conceitos oblitera e
simplifica as possibilidades que podem advir do caos da qual a realidade
emana. A autora francesa Béatrice Han-Pile (2011), a partir de
Nietzsche, aponta como esse processo ocorre em dois momentos
distintos. Primeiramente, aquilo que se torna objeto da consciência e
passa a ser universalizado com a criação de conceitos que o discriminam
enquanto tais, que o nomeiam, o significam e definem uma forma de
relação do sujeito ou sociedade com o objeto em questão, não deixa de
ser uma metáfora que iguala coisas desiguais como iguais, perdendo
89
assim seu caráter de coisa singular no mundo. Consequentemente,
esquece-se que a origem dos conceitos são fruto de uma arbitrariedade
generalista e passa-se a naturalizar o uso dos conceitos como se se
tratassem de essências definidas na sua natureza, dadas a priori, e não
uma criação, generalização necessária ao manejo da consciência, à
produção de sentidos e essenciais à comunicação.
A importância da linguagem para o
desenvolvimento da cultura está em que nela o
homem estabeleceu um mundo próprio ao lado do
outro, um lugar que ele considerou firme o
bastante para, a partir dele, tirar dos eixos o
mundo restante e se tornar seu senhor. Na medida
em que por muito tempo acreditou nos conceitos e
nomes de coisas como em aeternae veritates
[verdades eternas], o homem adquiriu esse
orgulho com que se ergueu acima do animal:
pensou ter realmente na linguagem o
conhecimento do mundo. O criador da linguagem
não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas
apenas denominações, ele imaginou, isto sim,
exprimir com as palavras o supremo saber sobre
as coisas; de fato, a linguagem é a primeira etapa
no esforço da ciência. (NIETZSCHE, 2005, p. 20-
21)
A realidade humana, concebida no plano da linguagem, é fundada
a partir de representações que buscam construir sentidos e dar certa
estabilidade semântica que possibilita com que interpretemos e
“joguemos” com o mundo segundo nossas próprias regras. O domínio
sobre o campo dos sentidos nos eleva, ilusoriamente, à posição de
dominação também sobre a natureza e a verdade. Nietzsche (ibid), no
entanto, aponta que mesmo a lógica e a linguagem matemática não
encontram correspondência fidedigna às suas teses no real; que suas
aplicabilidades são aproximações, abstrações, generalizações que não se
sustentam na análise singular dos eventos e não há permanência na
passagem do tempo.
O objetivo proposto pela linguagem no exercício de significar a realidade está submetido a dois processos inerentes às estruturas
linguísticas que criam uma distância entre a coisa em si e o seu
representante: os processos metafóricos e metonímicos. A metáfora
corresponde à substituição de um elemento por outro a partir de
90
características que se identificam. No processo metafórico um elemento
é representado pelo outro num processo de transmutação e analogia,
cedendo seu lugar para a presentificação de outro. A metonímia
generaliza o todo a partir do fragmento, inferindo que uma parte pode
ser o representante do todo (Longo, 2006). Os conceitos científicos
abordam de forma metafórica e metonímica a realidade. Ao fazerem
generalizações conceituais, interpretam o todo a partir da parte
(metonímia) e tomam o semelhante pelo igual (metáfora) (Sampaio,
2007).
No processo de representação, ao igualar por semelhança ou por
contiguidade coisas distintas sob o mesmo conceito — processo esse de
falsificação, onde o original está desde o princípio perdido — o
pensamento estaria fadado ao equívoco, ao erro, a falha na apreensão e
relação com o mundo. E, segundo a filosofia nietzschiana, tal inércia do
pensamento impediria possibilidades outras nas relações de alteridade,
substituindo ímpetos mais criativos, inventivos e curiosos por relações
repetitivas, uniformizadas e genéricas com o vivido (Cunha, 2011).
Nietzsche aponta que a ciência e o pensamento iluminista estão
destinados ao erro, pois as bases que sustentam tais concepções e
epistemologias estariam predestinadas ao equívoco quanto às suas
afirmações sobre o domínio e acesso a uma suposta verdade. No
entanto, a intenção não é desqualificar todo o fazer da ciência nem os
caminhos trilhados pela razão, mas situá-la sob uma dimensão
particular, especificamente humana e cunhada sobre suas próprias regras
e condições: Não é tanto uma teoria do erro stricto sensu, mas
uma advertência hiperbólica contra formas
acríticas de realismo. Ela não é direcionada contra
a possibilidade de um enunciado ser verdadeiro no
interior de condições perspectivas, mas sim contra
um conjunto de crenças implícitas: de que não há
tais condições (realismo ingênuo), ou de que
nossos enunciados podem ser verdadeiros em
todas as perspectivas possíveis (Han-Pile, 2011, p.
216)
Faz-se necessário à sociedade humana caminhar pelas vias da razão e da linguagem a fim de dar alguma estabilidade às experiências
vividas, buscando aferir alguma ordem no seu percorrido (Cunha, 2011).
Talvez fosse mesmo impossível viver sob o constante atravessamento do
desconhecido e do abstrato, visto que é no espelhamento com a
realidade que o sujeito se ancora em certa permanência (Nietzsche,
91
2008). O que é preciso advertir é sobre a perspectiva dogmática com a
qual a ciência é dotada após a modernidade e o discurso de verdade
última que essa racionalidade emprega sobre diversos outros planos da
experiência vivida. Posto que a ciência é constituída na cultura e em
função da linguagem, e não o desvelar da verdade e da essência dos
fatos, é preciso compreendê-la como um substrato das relação sociais,
dos sistemas de crenças, de um determinado arcabouço conceitual
(Drawin, 2004).
Não obstante, para estender as compreensões a respeito do lugar
da ciência na sociedade moderna e contemporânea, e mesmo para
desenvolver outras frentes nessa alçada pelo conhecimento, defendemos
a seguir o diálogo e o investimento nos encontros entre arte e ciência –
amálgama estético-epistemológico entre dois planos distintos de
atravessamento da realidade, mas que apresentam semelhanças e pontos
de intersecções nas suas narrativas sobre a realidade, apresentando que
desse encontro é possível formas outras de produção do conhecimento e
de relações éticas e estéticas com a vida.
DIÁLOGOS ENTRE CIÊNCIA E ARTE
Expostas algumas limitações do discurso científico,
principalmente naquilo que tange uma simplificação da realidade e uma
impossível apreensão desta pelo simbólico, o que proponho na
sequência é explorar aproximações entre ciência e arte, com o propósito
de evidenciar que a produção científica não está tão distante das criações
no campo das artes e que a ciência pode se beneficiar desse profícuo
diálogo com a arte no processo de produção de conhecimentos.
As reflexões de Deleuze e Guattari (2010) nos impelem a
compreender nossa relação com o mundo a partir de três planos que
convergem para três formas distintas de interpelar a vida: o plano da
imanência na filosofia, o plano de referências na ciência e o plano de
composição na arte. Para os autores, os planos não se sustentam sob a
mesma matriz de pensamento, nem pertencem a um mesmo nível de
projeção da realidade. É preciso respeitar cada plano segundo sua
condição de existência, em coerência aos seus próprios critérios, sua
lógica interna, sua racionalidade, sem hierarquias ou dominância de um
plano sob o outro, pois “pensar é pensar por conceitos, ou então por
funções, ou ainda por sensações e um desses pensamentos não é melhor
que um outro, ou mais plenamente, mais completamente, mais
92
sinteticamente ‘pensado’” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, P. 233).
Tratam-se esses planos de três formas distintas de se posicionar em
relação à vida, de ser atravessado por ela e de tentar capturá-la:
O que define o pensamento, as três grandes
formas do pensamento, a arte, a ciência e a
filosofia, é sempre enfrentar o caos, traçar um
plano, esboçar um plano sobre o caos. Mas a
filosofia quer salvar o infinito, dando-lhe
consistência: ela traça um plano de imanência, que
leva até o infinito acontecimentos ou conceitos
consistentes, sob a ação de personagens
conceituais. A ciência, ao contrário, renuncia ao
infinito para ganhar a referência: ela traça um
plano de coordenadas somente indefinidas, que
define sempre estados de coisas, funções ou
proposições referenciais, sob a ação de
observadores parciais. A arte quer criar um finito
que restitua o infinito: traça um plano de
composição que carrega por sua vez monumentos
ou sensações compostas, sob a ação de figuras
estéticas. (ibid, 2010, P. 233)
Não cabe aqui destrinchar de forma abrangente cada plano, mas
sim aproveitar o que os autores têm a dizer sobre os pontos de encontro
e diálogo entre os planos, principalmente nas conexões estabelecidas
entre arte e ciência, com o intuito de pensar uma epistemologia que
acolha encontros heterogêneos que possibilitem expandir olhares acerca
da complexidade a que se referem as investigações sobre o subjetivo e
sobre a vida.
Ciência e arte como criação e fabulação
Divergindo de concepções dogmáticas de ciência, compreende-se
aqui que a ciência, assim como a arte e a filosofia, constitui-se como
processo de incessante criação, de experimentação da realidade, de
formulação de narrativas sobre o caos da qual vida a emana.
Não há verdades, apenas facetas do que é possível dizer sobre o
vivido, provisórias, parciais, precárias. Os planos partem de um não
saber sobre a vida, e esse não saber é tomado como “positivo e criador,
93
condição da criação mesma, e que consiste em determinar pelo que não
se sabe” (ibid, p. 153). É na lacuna entre o não saber e a necessidade de
atribuir sentido ou de exprimir afecções que os processos de criação se
fomentam, porque, caso o saber já se desse de antemão, não haveria a
ânsia por buscá-lo. Qualquer coisa que se encontra nessa busca é
resultado de um exercício inventivo e criador, e não um achado
propriamente dito.
O processo de criação na arte constitui-se no empreendimento de
compor um frame que se alimenta das possibilidades caóticas da
realidade e reapresentar esse mesmo caos sob uma variedade sensível. A
ciência se sustenta sob a mesma fonte de inspiração, porém busca
apresentar facetas desse vir-a-ser sob um conjunto de regras que as
articula e as submete a relações de causalidade. O processo de criação
de ambos os planos consistem inúmeras possibilidades de narrativas
sobre o vivido, onde cada plano interpela esse vivido segundo lógicas
distintas; nas palavras dos autores, “o que é criação são as variedades
estéticas ou as variáveis científicas, que surgem sobre um plano capaz
de recortar a variabilidade caótica.” (ibid, p. 243).
Mesmo para transformar um estímulo nervoso captado pelos
órgãos sensoriais e transformá-lo em uma imagem na consciência, em
um elemento que seja dotado de sentido, é preciso um processo de
“transcrição” que passa pela criação e pela fabulação do estímulo que
nos toca (Béatrice Han-Pile, 2011). O encontro do organismo com o
estímulo que o sensibiliza é mediado pelo processo criativo que vem a
interpretar uma experiência vivida. Sem tal processo de criação não há
relação alguma entre o ser e o mundo.
Parte da proposta da ciência positivista sustenta-se no ímpeto
pelo encontro com as verdades últimas, com a totalidade das coisas, com
o fim das dúvidas sobre a natureza e o humano. No entanto, no processo
de generalização comum à metodologia científica canônica, as
vicissitudes das experiências singulares são menosprezadas, ficam
desconhecidas.
Para Goethe (2016), a ciência só pode almejar a totalidade em seu
projeto (mesmo que nunca a alcance) ao lançar-se sobre o singular. Para
tanto, a ciência necessitaria se equiparar à arte para levar a cabo sua
proposta de apreensão do mundo, pois a arte comporta, em cada obra,
um todo que lhe é singular:
Dado que nem no conhecimento nem na reflexão
nos é possível chegar à totalidade, porque àquele
falta a dimensão interior e a esta a exterior, temos
94
necessariamente de pensar a ciência como arte, se
esperarmos encontrar nela alguma espécie de
totalidade. Essa totalidade não deve ser procurada
no universal, no excessivo; pelo contrário, do
mesmo modo que a arte se manifesta sempre
como um todo em cada obra de arte particular,
assim também a ciência deveria poder ser
demonstrada em cada um dos objetos de que se
ocupa (Goethe apud Benjamin, 2016, p. 49)
Nietzsche frisa que a ciência deve sempre duvidar dos conceitos
que produz, visto que, por estarem sob o regime da linguagem e do
aparato intelectual humano, estarão sempre condicionados aos limites e
enganos que a linguagem e a razão produzem. Dado que a produção de
saber sobre a realidade está assim atrelada às ilusões possíveis ao
sujeito, o autor sugere que a ciência seja compreendida de forma
semelhante ao fazer ficcional da arte (Medrado, 2011), salientando que o
fato de ser ficcional não invalida a importância dessas criações para a
cultura, sendo a ficção a única via possível de relação entre o sujeito e a
vida.
Em ambos os planos há presente a atividade do artesão,
caracterizada pelo árduo trabalho de pesquisar, analisar, selecionar,
aprimorar, desenvolver um saber mediado por metodologias que se
adéquem aos objetivos almejados. As produções artísticas e científicas
estão imersas em um contexto e suas criações estão em função das
demandas, das inquietações, do imaginário, dos sentidos presentes na
cultura em determinado lugar e tempo.
Para Nietzsche, “o homem científico é a continuação do homem
artístico.” (NIETZSCHE, 2005, p. 141), compreendendo que a relação
estética entre o humano e a sua realidade mediada pela arte cultivou na
cultura uma paixão pela existência e, consequentemente, um desejo de
conhecimento referente à natureza e à vida (MEDRADO, 2011). Para o
autor, arte e ciência são formas de apreensão do real sob planos
distintos, porém ambas elevam a relação do humano com as
experiências vividas, balizando este encontro entre o indivíduo e a vida.
Os dois planos representam meio de acessar a realidade, de concebê-la,
assim como atitudes de afirmação da existência. São expressões de uma
cultura: signos representativos de relações, valores, crenças e
racionalidades vivenciadas numa determinada sociedade (SAMPAIO,
2007).
Arte e ciência são formas opostas e complementares de dar
sentido à realidade. A ciência supõe uma descrição metódica,
95
investigativa e desconfiada dessa realidade, criando o plano de
coordenadas que a tudo justifica e ordena numa relação lógica. A arte,
de maneira complementar e antagônica, não se furta de afirmar a vida
como ilusão, sendo essa uma função conciliadora entre o humano e sua
real condição: viver sobre a égide da ficção (MEDRADO, 2011).
Benjamin também compreende existir diferenciações entre o mundo
sensível e mundo cognoscível, mas localiza relações de
interdependência e de crescimento sob mesmo solo (ROQUE, 2016),
visto que arte e ciência se dão na fabulação de realidade criada pela
razão e sensibilidade humana.
A matriz de ambos os planos é a mesma: a pura desordem
oriunda do caos, ora fabulada pelas representações estéticas da arte, ora
pelas funções lógicas da ciência. As duas formas de criação cumprem a
função de significar o mundo a fim de torná-lo relativamente estável e
suficientemente tolerável à experiência humana. Os sentidos aferidos às
coisas criam a nós uma realidade a parte mediada pelo simbólico,
limitada e condicionada à nossa condição, que concede ao insuportável
inapreensível do caos uma estabilidade relativamente compreensível e
familiar. Arte e ciência inventam sentidos provisórios para não
sucumbirmos à angústia da existência em sua indefinição,
indeterminação e inconclusividade.
AS POTÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS E SENSÍVEIS DA ARTE
A potência da arte nas discussões epistemológicas e nas
metodologias de pesquisa advém da ampliação das capacidades de
apreensão do mundo que os recursos sensíveis da experiência estética
proporcionam ao humano. Seja na criação de narrativas sobre o vivido e
na composição de mosaicos intersubjetivos, seja na experiência de flanar
vacilantemente pelos desígnios da razão, por viver devires tortuosos, por
abrir fendas por onde réstias do caos bagunçam nossas vistas, a arte
impulsiona e mantém o ímpeto criador que nos impele à fabricação de
sentidos e de conhecimento.
Trabalhos realizados no âmbito das pesquisas científicas ou nas
atividades de extensão oriundas do ambiente acadêmico que se colocam
dispostos a desafiar as fronteiras entre arte e ciência, podem viabilizar
uma construção do conhecimento não fendida entre o plano de
referência da ciência e o plano de composição das artes, com respostas
que nitidamente expõem uma limitação e uma dicotomia insuperável,
96
por vezes polarizada e hierárquica. Cruzar as fronteiras, produzir pontos
de intersecção entre os planos, traz a possibilidade de se pensar,
participar e intervir no real a partir de relações híbridas, não
segmentadas sob uma forma ou outra de racionalidade, organizando
compreensões mais sensíveis às vicissitudes do vivido, abertas à
complexidade, heterogeneidade e aos paradoxos da existência (Costa;
Zanella; Fonseca, 2016). Vejamos a seguir algumas possíveis inserções
da ciência que visibilizam-se no campo da arte.
Fragmentos e Narrativas
A arte se mostra como potente na criação de saberes outros
quando participa da composição de novos fragmentos sobre a realidade,
aguçando as visibilidades sobre a vida a partir de derivas estéticas.
Benjamin (2006, 2012, 2016) destaca a metodologia do fragmento como
uma estratégia de ampliar a visão, a análise e apreensão da realidade,
alçando à visibilidade os elementos constituintes do singular que, nas
generalizações e relações massificadas, permanecem na sombra.
Nas pesquisas em psicologia, as narrativas são privilegiados
fragmentos que compõem situações singulares e evidenciam histórias de
vida em processo. Ao invés de lembranças acabadas, a narrativa é
sempre contada a partir de um agora de cada narrador em referência
àquilo que se refere à sua história passada, presente ou futura. Está
sempre mediada por uma dimensão sensível daquele que conta suas
fábulas, não como lembranças encerradas, mas com algo sempre por
(re)criar-se. As palavras que contam vidas não são retratos envelhecidos
de tempos idos, mas sim corpos, asas, sons, cantos que correm muito
mais vivos e desordenados do que encerrados na câmara mortuária do
significado acabado (FRANCESCHINI; FONSECA, 2017). Escutar as
narrativas nas pesquisas em psicologia é dar ouvidos àquele que se
constitui no processo de contar, é ser testemunha de uma existência em
processo. (DUTRA, 2002; GAGNEBIN, 2009). Essas histórias narradas
nos possibilitam acessar realidades outras, pontos de vista não-
hegemônicos, entendimentos ímpares a respeito do humano e da vida.
A metodologia proposta por Benjamin (2009, 2016) implica do
despedaçamento do objeto pesquisado, onde nas fissuras produzidas é
possível destrinchar as particularidades que permaneciam ofuscadas sob
a luz opressora do conhecimento generalista. Segundo o autor,
composições não deixam de ganhar forma, mas sim sob a ordem de um
97
mosaico, onde o todo não se sobrepõe ao particular, pelo contrário, é
formado por ele, valorizando a presença e a forma das singularidades
(ROQUE, 2016). A partir dos fragmentos é possível içar pontes entre
eles para compor novas constelações compreensivas sobre o fenômeno a
ser narrado, expondo as multideterminações que o singular acomete no
coletivo e como este deixa marcas no particular (CANEVACCI, 2004).
O método da montagem de Benjamin, similar à composição de
uma colagem dadaísta10
, tem servido às pesquisas em psicologia para
que, na coleta de fragmentos estilhaçados, possa-se tecer, a partir do
particular, uma apresentação de como as singularidades se apresentam e
se organizam nas suas experiências vividas, principalmente de vidas que
não são representadas pelas narrativas dominantes, pelos hinos de
vitória, pela história oficial. Não deixar calar os “restos”, “cacos” e
“trapos” das experiências humanas é fazer circular as histórias de muitos
que se chega ao conhecimento de poucos (KAMMSETZER,
PALOMBINI, 2017).
Estas composições narrativas se constituem no encontro
entre o pesquisador e as comunidades ou sujeitos que, ao
fabular suas próprias histórias, produzem junto ao pesquisador
uma criação afirmativa sobre sua realidade. Deixa-se a suposta
neutralidade científica para trás, migra-se das instituições
acadêmicas para o mundo e busca-se encontrar as
comunidades, falar com a população, capturar-se por causos,
mitos e lendas, não preocupado com a veracidade factual das
histórias, mas sim com o envolvimento afetivo e subjetivo com
o exercício de narrar. Tal estratégia metodológica, pautada no
encontro entre pesquisador e pesquisado, engaja-se numa
produção de conhecimento científico dialética e coletiva, onde
quem escuta deixa-se atravessar pelo o que é ouvido
(GUSMÃOS; SOUZA, 2010). Tais composições narrativas segundo fragmentos coletados não
almejam apresentar generalizações a serem replicadas e confirmadas na
experiência de todos, de um “comum”. O enfoque do método é
visibilizar o incomum, o estranho, o peculiar, o idiossincrático, aquilo
10 As colagens do movimento dadaísta, de artistas como Kurt Schwitters e Hannah
Höch, eram compostas de fragmentos recolhidos da vida cotidiana, como tíquetes de
ônibus, antigas fotografias, recortes de jornal, pedaços de mapas; resquícios de
experiências anônimas deixados como pistas de sua passagem (RICHTER, 1997).
98
que à margem ficou ao ponto de tornarmo-nos ignorantes a seu respeito.
Segundo Lima e Ciampa (2017), “a preocupação com a generalização
dos dados deve ceder lugar para a preocupação com o aprofundamento
dos dados.” (ibid, p. 06), ou seja, o método benjaminiano promove uma
reversão nos critérios axiológicos da ciência, onde os dados
quantitativos cedem espaço para o aprofundamento na experiência
singular e irreproduzível.
Como numa obra de arte, o que pode se encontrar em
fragmentos do vivido e nas narrativas escutadas não condiz
necessariamente com a experiência consciente daquele que as
profere, mas pode conter uma expressão velada de condições
de existência e enunciações que evidencia modos de vida. A
linha argumentativa não é direta ou linear, pois a sua forma de
expressão é a da fábula, com imprecisões e lacunas, composta
de não-ditos que nos lançam a reflexões polissêmicas. São
elaborações de identidades em processos de metamorfose,
portanto sempre inacabadas (ibid), obras em aberto.
Flâneur
A arte pode lançar o pesquisador na direção de devires, fazendo
eclodir afetos outros, encontros e desencontros, ser caminho do
pensamento flâneur, produzindo experiências estéticas que nos
acometem a afecções pungentes. De forma análoga ou mesmo híbrida, a
ciência, ao desconstruir seus enraizamentos metodológicos e abdicar de
certa fé nos arranjos da linguagem e da razão, arrisca-se nesse caminhar
incerto do que encontrará pelo caminho. A arte, assim, adentra no
território da ciência não apenas como ilustração da natureza ou técnicas
intermediárias para atingir fins terapêuticos ou educacionais, mas sim
para reescrever o vivido, transgredindo a lógica dominante a fim de
viabilizar novas existências (COSTA; ZANELLA; FONSECA, 2016).
A experiência do flâneur possibilita o devir andarilho, louco,
errático. Ignora mapas pré-determinados para que o acaso possibilite que
o novo possa ser trilhado, rompendo com o cotidiano cristalizado. Como
no movimento situacionista 11
da década de 60, o caminhar pelas cidades
11 A Internacional Situacionista, movimento que congregou diversas vanguardas
artísticas da década de 60, defendia um uso lúdico dos espaços da cidade, na
99
transforma-se num grande jogo a céu aberto, um método que comporta
experiências antropológicas, urbanísticas, sociológicas, psicológicas
(JACQUES, 2016). Flanar como método sugere um caminhar como
performance, subvertendo a ordem e expondo contradições e paradoxos,
muros e catracas, procurando romper com as definições de interior e
exterior, público e privado, normal e patológico (FRANCESCHINI,
FONSECA, 2017) — implicação ética, política e estética no ato de
pesquisar.
Caminhando por lugares físicos/subjetivos, é preciso para o
pesquisador em psicologia posicionar-se eticamente em relação aos
vividos daqueles que por esses lugares passam, vivem, unem-se,
aproximando-se de forma sensível à complexa realidade a ser
pesquisada (KAMMSETZER; PALOMBINI, 2017). Este devir cidade
torna-se instrumento para se embrenhar nos interstícios da experiência
urbana e dos modos de vida contemporâneos.
As experiências na cidade relacionadas às questões de
mobilidade, moradia, acessos a serviços e lazer, circuitos de
sociabilidade e mecanismos de exclusão, implicam em modos de
subjetivação característicos, o que as coloca no foco de interesse da
psicologia como ciência e profissão:
A Psicologia deve intervir para mapear a cidade,
não por seu traçado arquitetônico, mas pelos
traços desenhados pelos processos de subjetivação
na contemporaneidade. Ela deve questionar a
iniquidade do traçado arquitetônico na
distribuição dos benefícios e tentar compreender
os processos de subjetivação que compõem esse
caleidoscópio da mobilidade humana. O seu
compromisso é participar da construção de uma
rede social em que caibam diversas formas de
subjetivação, produzidas com processos históricos
que promovem, silenciosamente e violentamente,
o massacre da singularidade em favor de
interesses dominantes, engessando as diversas
possibilidades de expressão, de traçados
subjetivos no espaço público, impedindo a
mobilidade dos sujeitos, negando a complexidade
contraposição às finalidades pragmáticas e utilitárias que segregariam nossas
experiências no espaço urbano (CARERI, 2013).
100
da circulação humana. (CONSELHO FEDERAL
DE PSICOLOGIA, 2010, 70)
Pesquisar em psicologia, por conseguinte, é ir ao encontro de tais
experiências e possibilitar que elas transbordem por via da escrita e da
transmissão do conhecimento. Tal feito só pode ser concretizado a partir
da relação estética que o ato de pesquisar estabelece com o fenômeno
que lhe captura. Tal método impele a criar itinerários que vivenciem
histórias não contadas, apresentando uma bricolagem das imagens,
detritos, rastros e narrativas encontradas no exercício do flanar, frisando
que sempre há caminhos novos a se criar e a se trilhar (COSTA;
ALBERTO, 2012).
Novas imagens
A arte, nas suas diferentes linguagens e na multiplicidade de
matérias-primas, produz fragmentos únicos que favorecem encontros
com novas imagens e certa alforria em relação à repetição do
pensamento; experimento de ideias desviantes que desestruturam o
entendimento hegemônico sobre o sujeito e sobre a natureza. O modo
pelo qual a arte interpela de forma particular o caos possibilita a
emergência de afectos e perceptos, características próprias do plano de
composição e distantes das possibilidades de criação no plano de
coordenadas da ciência.
A experiência da arte possibilita que se deslumbre a fugaz
eventualidade de ser tocado e relacionar-se com aquilo que está para
além do humano, para além da linguagem. Os afectos são zonas de
desidentificação, onde o humano já não se distingue de qualquer outro
elemento existente, sendo atravessado por uma experiência que
transcende sua própria constituição como ser, abrindo passagens para
aquilo que ainda não havia sido (DELEUZE; GUATTARI, 2010). Por
perceptos poderíamos entender como um transitar por lugares sensíveis
que estão para além daqueles em que a razão pode dar conta de
interpretar e nomear, errância por uma realidade que prescinde da razão
e da linguagem (ibid). Afectos e perceptos compõem blocos de
sensações que aderem às obras de arte e passam a ter existência
autônoma, para além do sujeito que a criou; blocos de sensações que
promovem fissuras donde emana a vida:
101
Os homens não deixam de fabricar um guarda-sol
que os abriga, por baixo do qual traçam um
firmamento e escrevem suas convenções, suas
opiniões; mas o poeta, o artista abre uma fenda no
guarda-sol, rasga até o firmamento, para fazer
passar um pouco do caos livre e tempestuoso e
enquadrar numa luz brusca, uma visão que
aparece através da fenda [...] O pintor não pinta
sobre uma tela virgem, nem o escritor escreve
sobre uma página branca, mas a página ou a tela
estão já de tal maneira cobertas de clichês
preexistentes, preestabelecidos, que é preciso de
início apagar, limpar, laminar, mesmo estraçalhar
para fazer passar uma corrente de ar, saída do
caos, que nos traga a visão. [...] A arte luta
efetivamente com o caos, mas para fazer surgir
nela uma visão que o ilumina por um instante,
uma Sensação. (ibid, pp.239-240)
As imagens prenhes de afectos e perceptos — imagens essas
oriundas das artes plásticas e seus rompimentos e reinvenções dos
paradigmas representativos; imagens do cinema e seu mergulho sobre os
enquadramentos e seu transcorrer no tempo; as imagens dos corpos que
se reinventam em movimentos, ritmo e performances, as imagens
urbanas e arquitetônicas que nos remetem a experiências sensoriais e
espaciais raras; as imagens das pesquisas científicas, que reinventam a
realidade segundo jogos de exposição do real — não são meras
ilustrações miméticas. O que emerge das atividades mediadas pela
experiência estética é a possibilidade de criação de universos outros,
relações de estranhamento com o habitual, novos olhares sobre a vida e
sobre as subjetividades (RODRIGUES; BAPTISTA, 2010).
Devir artista
Pessoas que produzem esses portais para realidades que a razão
ofusca e o medo da loucura afugenta — os chamados popularmente de
artistas — são como filósofos e cientistas: bordam narrativas para
sugerir caminhos à nossa existência. No entanto, o que difere o artista
dos outros dois narradores é seu ofício em criar afectos e perceptos,
possibilitando a quem por sua obra for capturado, uma experiência
estética.
102
Do belo ao hediondo, tal experiência não elege apenas afetos de
bem-estar, euforia, deleite, felicidade — sensações essas privilegiadas
pela consciência na busca pela manutenção da sanidade. O dispositivo
da arte também faz cortes na película da razão, e o que advém desse
golpe é uma desconstrução do ego e da centralidade do sujeito
(FORTES, 2015). Há algo de muito grande nesse vislumbre do real que
afectos e perceptos nos fazem sentir que muitos que são interpelados
pela arte sentem-se acometidos por um sentimento de desespero e morte,
sentimentos estes que Nietzsche chamava de “doenças do vivido”, que
nada mais são do que sentir que a existência é muito maior do que a
razão é capaz de elaborar (DELEUZE; GUATTARI, 2010).
A afirmação de Nietzsche é que a ciência necessita da arte para
não desfalecer frente ao encontro com o absurdo, com o inominável
(NIETZSCHE, 2007). Aquilo que se encontra na intentona da ciência
em busca de conhecimento, e na filosofia nos esforços por reflexões,
pode ser kafkiano demais para racionalidades tão vulneráveis ao
extraordinário e ao irrompimento do conhecimento trágico. Porém,
caminhos epistemológicos que se cruzam com a arte podem possibilitar
vias factíveis de trilhar sobre o sem-sentido, em face ao inenarrável,
frente àquilo que permanece foracluído da linguagem. Para o autor, essa
perspectiva transcende a busca pela afirmação da verdade para ir ao
encontro da vida, mas que só poderia ser verdadeiramente vivida sob a
proteção e o socorro da arte.
CONCLUSÃO
O que o diálogo com a arte nos aponta é uma outra forma de
compreender o caráter ficcional das produções científicas. Esse caráter
ficcional não ser encarado como uma “falha” do método científico ou
um trabalho de charlatões, mas sim uma condição ontológica do humano
na sua relação com a existência. Ao procurar compreender associações
de causa e efeito, atribuir definições, produzir taxonomias, realizar
levantamentos estatísticos, a ciência faz uso criativo dos seus conceitos
e instrumentos para criar narrativas sobre o recorte do caos que ela
atravessa em seu plano. O que na ciência soaria como falácia são as suas
afirmações de verdade, que têm como objetivo sustentar um lugar de
poder em que sua posição na ordem dos discursos se apresenta como um
saber superior às demais formas de conhecimento, instituindo a si
103
privilégios que têm ressonâncias no político e no social, exercendo
relações de dominação de cunho econômico, ético e cultural.
Despojado da megalomania de dominação sobre as outras formas
de saber e ciente de que objetos a serem investigados pressupõem
métodos distintos para se chegar a eles — visto que nenhum método de
pesquisa é unânime na sua eficácia ou que nenhuma forma de saber da
conta de todas as vicissitudes do real — o conhecimento científico, em
especial o conhecimento trilhado na psicologia, pode ter muito a agregar
em seus métodos e em suas formulações teóricas ao estreitar laços com a
arte. Os recursos de criação e investigação oriundos desse campo
possibilitam uma expansão das estratégias metodológicas da psicologia,
ampliando as possibilidades de encontros e de experiências na
investigação do subjetivo.
Os conceitos oriundos das linguagens artísticas, que servem para
a formulação e criação de obras de arte, que dão instrumentalidade para
o artista planejar, experimentar e produzir as suas criações, que lhe
concede uma técnica e uma metodologia; as experiências sensíveis dos
processos de criação, que favorecem encontros outros com o real,
navegando na exploração do eu e das relações de alteridade, partilhando
delírios e expandindo horizontes; as teorias que especulam um
entendimento sobre a relação da obra de arte com a cultura, com o
sujeito, com a vida; os estudos que procuram identificar os enunciados e
as representações presentes nas obras e como essas, por vezes,
expandem nosso entendimento e percepção sobre a realidade — todas
essas experiências estéticas e intelectuais provenientes do campo da arte
fornecem à ciência possibilidades de ampliação da sua narrativa sobre os
fenômenos a pesquisar e o modo como fazê-lo.
Mais encontros do que distâncias, mais semelhanças do que
antagonismos, a ciência tem na arte a sua origem. O gesto criador e
inventivo está para a ciência assim como se faz presente em qualquer
produção estética. Há muito mais afetos, emoções e irracionalidades
atravessando as produções da ciência do que o método positivista
gostaria de confessar. Portanto, a arte já atravessa a ciência desde que
esta foi batizada, porém é comum encontrar entendimentos que negam
essa pertença. Fazer ciência mediada pelo diálogo com a arte é reafirmar
a aventura que ambas as experiências são: produção de sentidos, afetos e
narrativas, numa viagem sem garantias nem amarras, a flanar no
tumultuado vazio da existência.
104
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109
IMAGEM, CINEMA E PSICOLOGIA: COMPONDO
APROXIMAÇÕES ENTRE ARTE E CIÊNCIA
RESUMO:Imagem, cinema e psicologia — o presente artigo procura
tecer um diálogo entre esses três complexos e abrangentes temas para
desenvolver algumas aproximações teórico-conceituais entre arte e
ciência. Tendo como referência a arte cinematográfica, alguns dos
recursos técnicos utilizados na composição de suas obras e conceitos
oriundos dessa linguagem, o artigo procura içar pontes que partam do
campo da estética para suscitar alternativas metodológicas em pesquisas
em psicologia e para agregar reflexões referentes aos processos de
subjetivação. Esta alçada tem como horizonte a filosofia da imagem e do
tempo de Gilles Deleuze entrelaçada à compreensão benjaminiana da
imagem como constituinte do pensamento e o tempo como um eterno
agora que não cessa de se atualizar. Ambas as teorias são abordadas de
forma dialógica para estabelecer cruzamentos com outros pensadores do
cinema e da cultura, bem como com algumas obras fílmicas.
PALAVRAS-CHAVE: cinema, psicologia, imagem, Deleuze,
Benjamin.
ABSTRATC: Image, cinema and psychology - this article tries to create
a dialogue between these three complex and wide themes to develop
some theoretical-conceptual approaches between art and science. Taking
as reference the cinematographic art, some of the technical resources
used in cinema and concepts developed from this language, the article
seeks to launch bridges between the aesthetic field and alternatives
methodologies of research in psychology, as also to add reflections
about the our sense of existence. This work has as a horizon the
philosophy of the image and the time of Gilles Deleuze intertwines with
Benjamin's understanding of the image as a substance that gives shape
to our thoughts and time as an eternal instant that not cease to update
itself. Both theories are approached in a dialogical way to establish
crosses with other thinkers of cinema and culture, as well as with some
film works. KEYWORDS: cinema, psychology, image, Deleuze, Benjamin.
110
INTRODUÇÃO
“Da mesma maneira que os estados da
alma são paisagens, também as
paisagens são estados da alma.”
Edgar Morin
Imagem, cinema e psicologia. Eis três vastos universos que esse
artigo procura entrelaçar. Arte e ciência, dois campos assaz
consolidados no transcorrer da história e, no entanto, regimes
discursivos distintos no que se refere ao corte no real que cada um
realiza (Sampaio, 2007). O texto que se segue realizará um percurso por
conceitos-imagens que abordam o cinema como forma de pensar o real e
navegar pelo humano, discutindo como essas características da sétima
arte podem corroborar com a produção de conhecimentos em psicologia,
naquilo que tange métodos de pesquisa e processos de subjetivação.
A partir da elaboração de uma teoria do cinema, de uma
formalização dessa linguagem, do desenvolvimento de um saber teórico
e filosófico sobre a arte da imagem em movimento, com seu
desenvolvimento fortemente marcado pelas características políticas,
tecnológicas e sociais do século XX, o cinema veio a ocupar um lugar
privilegiado na sociedade contemporânea, sendo expressão estética e,
dialeticamente, agente constituinte dessa mesma sociedade (Hobsbawm,
1995; Carrière, 2015; Benjamin, 2008).
Esse importante lugar simbólico na nossa cultura — caracterizado
pelas imagens-movimento — fonte de entretenimento, comunicação,
afecções e produção de discursividades sobre o contemporâneo, há de
contribuir com algo à psicologia, e a psicologia se enriquecerá se escutar
o que essa linguagem artística tem a dizer sobre o social, sobre o sujeito
e sobre o real. Como observa Jacques Carrière (2015), o cinema foi uma
das principais revoluções estético-culturais da história recente:
Nosso século testemunhou a invenção de uma
linguagem e diariamente observa a sua
metamorfose. Ver uma linguagem ganhar vida,
uma verdadeira linguagem apta a dizer qualquer
coisa, e participar, mesmo que como espectador,
desse contínuo processo de descoberta, me
impressiona por ser um fenômeno singular, que
111
deveria estimular semiólogos, psicólogos,
sociólogos e antropólogos (Carrière, 2015, p. 41)
As características compositivas do cinema permitem que diversos
aspectos do humano e da realidade sejam explorados, pensados,
pesquisados. A obra narrativa pode fazer ver histórias singulares de
contextos longínquos, distante de nossos cotidianos, revelando assim
realidades impensáveis devido a sua distância no tempo ou no espaço.
Essa viagem não necessariamente precisa ser em territórios ou tempos
distante, pois igualmente desconhecidas podem ser as dinâmicas afetivas
e condições de vida comuns em nossa sociedade, porém invisíveis a
muitos olhos. O cinema pode dar a ver, operar sobre os regimes de
visibilidade e dizibilidade, ao lançar sobre histórias, afetos e sujeitos o
foco da câmera e montagem narrativas para testemunhá-las ao mundo.
Desenvolve assim conhecimento semelhante ao de áreas consolidadas da
ciência, como antropologia, psicologia, sociologia, historiografia.
O cinema não existe somente na tela. Ele transborda das/nas
experiências cotidianas. Suas histórias nos impactam no íntimo, pois sua
linguagem revela, com significante grau de realismo12
, nossa própria
vida. As imagens em movimento que nos chegam, fragmentos de
acontecimentos no tempo e no espaço, sejam ficcionais ou documentais,
estão carregados de elementos que interpelam o humano e que
facilmente promovem projeções e identificação (Morin, 2018), expõem
um saber místico sobre quem somos, revelam na tela — substituta da
bola de cristal — os nossos pensamentos e afetos, passados e anseios,
desejos e temores.
A este “transbordar” também são direcionadas diversas
perspectivas distópicas em relação à excessiva presença da imagem na
sociedade contemporânea. As críticas apocalípticas (Eco, 2006)
referentes ao cinema e à cultura de massa atestam que tais fenômenos
corroboram com a homogeneização das subjetividades, destruindo as
culturas locais e a possibilidade de experiências singulares; propagam
12 O conceito de “realismo” refere-se ao movimento estético do século XIX que teve
como proposta basilar realizar um contraponto aos valores artísticos manifestados
pelo Romantismo da época. Recusando-se a retratar a vida a partir da perspectiva do
mito, do heroico, do belo, o realismo procura expressar na arte os aspectos
observados no cotidiano. Anos mais tarde, o neorrealismo será característica
estético/narrativa de parte do cinema do pós-guerra na busca por denunciar as
mazelas do conflito sobre a humanidade. Autores argumentam que o cinema tem
uma propensão ao realismo devido à forma como essa linguagem é concebida e aos
seus aparatos técnicos (Bazin, 2018).
112
uma visão ideológica acrítica que condiciona o sujeito à passividade e a
uma condição subserviente ao capital; destituem das pessoas a
possibilidade de uma consciência social e histórica; promovem um tipo
superficial de contemplação estética, voltada unicamente para o
entretenimento e para o entorpecimento; se mascaram de uma cultura
legitimamente popular, mas são impostas de cima por indústrias que
almejam aumentar os seus lucros e controlar as massas. Como ironiza
Adorno, “o cinema faz publicidade para o truste cultural maquínico no
seu todo” (Adorno, 2014, p. 58).
Em contrapartida, a busca por uma imagem que escape a um
movimento da sociedade do espetáculo, que encontre algo de sensível e
reflita algo de uma humanidade escamoteada nos tempos de enorme
profusão de informações, parece ser a busca de alguns diretores do
cinema, mas que veem o status da imagem na contemporaneidade com
pessimismo. O diretor alemão Wim Wenders, na sua procura pelas
imagens do passado — imagens estas que povoam seu imaginário
estético e que apresentaram a ele a possibilidade do encontro com o
sensível pelas vias do cinema — confessa certo desânimo na sua busca
por imagens que possam dizer algo sobre o humano e que já não estejam
demasiadamente alteradas pela artificialidade contemporânea:
Quanto mais a realidade de Tóquio me parecesse
uma torrente de imagens impessoais, cruéis,
ameaçadoras e, sim, quase desumanas, mais
poderosas se tornavam, em minha mente, as
imagens do mundo amoroso e ordenado da cidade
mítica de Tóquio que eu conhecia dos filmes de
Yasujiro Ozu. Talvez isso fosse o que não existia
mais: Uma visão que ainda alcançava a ordem
num mundo sem ordem. Uma visão que ainda
mostrava o mundo transparente. Talvez tal visão
não seja mais possível hoje. Nem mesmo se Ozu
ainda estivesse vivo. Talvez a freneticamente
crescente inflação de imagens já tenha destruído
demais. Talvez imagens em harmonia com o
mundo já estejam perdidas para sempre. (narração
em off do diretor Wim Wenders, filme Tokyo-
Ga,1985)
Conterrâneo de Wenders, o diretor Werner Herzog expõe
angustia similar na sua busca por registros que sejam autênticos, que
possam ir além da superficialidade que a enorme profusão de imagens
113
ao longo do século XX acabou instaurando sobre os artistas que
trabalham com esse material estético:
Isso é tão simplesmente poluição visual. [...]
Precisamos urgentemente de imagens que reflitam
a nossa civilização ou que correspondam ao que
temos de mais íntimo. E temos de encarar essa
guerra, a fim de solucionar tal necessidade. Eu
lamento que, por exemplo, às vezes eu tenha de
subir 8 mil metros montanha acima para obter
imagens claras, puras e verdadeiras. Aqui quase
não tem isso. É preciso procurar muito.
(Depoimento de Werner Herzog, filme Tokyo-
Ga,1985)
A aliança entre espetáculo, entretenimento e mercadoria,
denunciada por Guy Debord (1997), foi consolidada ao longo do século
XX. As linguagens artísticas foram cooptadas pelo capital para
anestesiar o pensamento e condicionar as populações a uma forma de
consumo homogeneizada e acrítica: entretenimento como ópio do povo
(Comolli, 2010). No entanto, cabe a cada linguagem fazer resistência
frente a esse uso mercadológico, viabilizando que a arte e seu espectador
venham a tecer formulações independentes e críticas referentes aos
sentidos, as afecções e reflexões possíveis que a obra pode suscitar.
Segundo Jean-Louis Comolli, o cinema precisa resistir às intenções
totalizantes do mercado, pois “lutar contra sua dominação é travar um
combate vital para salvar e possuir algo da dimensão humana” (ibid,
2010, p. 12, tradução nossa). Talvez o lamento de Wenders e Herzog em
relação ao estatuto da imagem na contemporaneidade seja referencia ao
exercício árduo que é essa luta por imagens que libertem o espírito e o
pensamento.
Por mais comum e usual que seja a utilização da palavra
“imagem” em nosso cotidiano, sua abrangência conceitual se mostra um
tanto complexa ou mesmo vaga, seja na arte, na ciência ou na filosofia.
Ela pode ser abordada, a começar, por questões relativas à percepção e
sua visualidade, via pela qual a imagem se torna um objeto de relação.
Por conseguinte, o estimulo visual não é o suficiente para tornar a imagem “visível”. É preciso que o sujeito a tome como participante do
seu imaginário e venha a colocá-la como rede de sentidos e significados
para que possa estabelecer com ela alguma relação. Podemos pensá-la
na relação com o dispositivo que a porta e a projeta no mundo,
114
determinando-lhe um contexto e sua presença na dialética social.
Ademais, pode-se questioná-la na sua ontologia, na sua relação com o
tempo e o espaço, seu caráter representativo/constitutivo da realidade,
seu lugar nas estratificações do real13
.
Assim como pode ser ampla a sua interpretação e seu lócus de
problematização, também não são poucos os teóricos que procuram
formular um entendimento conceitual da imagem, sejam eles oriundos
das diversas linguagens artísticas e dos diferentes períodos históricos ou
movimentos estéticos; referentes às diferentes vertentes da filosofia,
desde a crítica à mímesis por Platão, às contemporâneas
(des)construções do pós-estruturalismo; cunhadas nas buscas da ciência
por definir as características de captação, tradução e tratamento das
imagens pelo cérebro e pela razão.
Não ignorando esse amplo espectro no qual qualquer reflexão
sobre a imagem e cinema de deparará, inserido nas problemáticas
culturais que giram em torno dessas temáticas, o tópico a seguir discorre
sobre o conceito de imagem em Gilles Deleuze e em Walter Benjamin,
aborda-o na sua manifestação cinematográfica e traça um paralelo
conceitual entre a imagem no cinema e a imagem na psicologia,
apontando como a linguagem cinematográfica e o trabalho teórico
desenvolvido em torno do conceito de imagem podem corroborar com
estudos oriundos da psicologia, na busca por elaborar algo referente aos
fenômenos da subjetividade e na produção de conhecimentos sobre o
sujeito.
O CONCEITO DA IMAGEM EM DELEUZE E BENJAMIN
Deleuze discorre sobre a arte cinematográfica a partir do conceito
de imagem-movimento e seus desdobramentos. O principal enfoque
dado pelo autor à linguagem do cinema é a dimensão do plano e as
possíveis camadas de apreensão do real que um plano pode compor. A
imagem-movimento é propriamente o plano cinematográfico, a
modulação e composição do tempo que contém um acontecimento; nas
palavras do autor, a imagem-movimento é “o corte móvel de uma
duração” (Deleuze, 2018, p. 44).
13 Para aprofundar a leitura sobre todos esses campos da “imagem”, ver o livro “A
Imagem”, de Jacques Aumont (2012).
115
A imagem captada pela câmera, a composição do plano, os
elementos nele contido — as paisagens humanas, o semblante dos
objetos, a dinâmica dos cenários, o humor dos movimentos —
constituem um conjunto infinito de imagens, situadas num plano de
imanência, que narraram, nas suas expressividades, a vida, os afetos, as
histórias, a materialidade que flui, que se movimenta, que escorre no
decorrer do tempo (Deleuze, 2018). O autor distingue três variedades de
imagens-movimento possíveis, segundo as qualidades imagéticas dos
planos: imagem-percepção, imagem-ação e imagem-afecção que
correspondem, respectivamente, a processos perceptivos, processos
narrativos e processos expressivos.
A imagem-percepção apresenta o registro do cine-olho14
, da
câmera, do que passa no seu enquadramento. Para além de todas as
experiências de cunho narrativo ou afetivo que o plano procure
apresentar, existe uma imagem sendo registrada por essa outra
consciência que “reflete seu conteúdo numa consciência-câmera que se
tornou autônoma” (Deleuze, 2018, p. 124). A câmera registra um ponto
de vista como se dos objetos ou no espaço eclodissem olhos que dão a
ver um acontecimento, onde a imagem-percepção dá à contemplação
uma janela que se abre ao mundo. É uma imagem que fornece elementos
para a imaginação se situar e contextualizar por onde paira.
A “consciência autônoma” de que Deleuze nos fala não se trata
da imposição de uma percepção totalizante e objetiva, mas sim o seu
contrário, a possibilidade de uma percepção singular-subjetiva, que
referencia a cena a um sujeito, sendo este capturado segundo seus
próprios desejos, identificações, fetiches. Por substituição ou eliminação
perceptiva referente ao que está dado na captura da objetiva15
, a
imagem-percepção permite a singularização da apreensão do vivido
registrado numa imagem-movimento; a imagem-percepção supõe-se
polissêmica, múltiplos sentidos num mesmo registro.
Na imagem-ação reside a potência narrativa das imagens, a
possibilidade de atualizar em si “meios e comportamentos”, contar
14 A expressão “cine-olho” foi difundida por Dziga Vertov em seu ensaio
“Nascimento do Cine-Olho”, 1924. Sob influência do futurismo, Vertov vê na
máquina-câmera potencialidades para ir ao encontro com a verdade, com o real,
superando as limitações psicológicas humanas que a impedem o sujeito de realizar
este feito (Vertov, 2018). 15 Na câmera fotográfica ou de filmagem, a objetiva (conhecida popularmente como
“lente”) é por onde a luz entra no dispositivo, é seu olho. Não por acaso é chamada
de objetiva, visto a ideia de que seu registro é fidedigno a uma realidade concreta.
116
histórias, causos, acontecimentos. A imagem-ação apresenta situações
que se modificam a partir da ação, do movimento e da existência devido
a sua capacidade de intervir e modular o real, de fazer advir um novo na
corrente da imagem-movimento, do corte móvel, do plano.
É característica da imagem-ação favorecer o entendimento da
história e constituir relações entre as situações, os sujeitos, os espaços
no qual o filme transcorre. Nela se atualiza sentidos mais consolidados
do que nas outras duas variedades de imagem-movimento (perceptiva e
afectiva). A imagem-ação agrega nome aos personagens, expõe a
relação existente entre eles, explora as situações no qual estão
envolvidos, descreve contextos. É a potência de modificar as situações,
transformando-as em novas realidades; é a exposição dos
acontecimentos.
A imagem-afecção refere-se a potência expressiva que o cinema
pode compor. Espaço privilegiado para a composição das experiências
afetivas possíveis. Deleuze identifica a imagem-afecção como o
primeiro plano, o rosto humano, imagem que oferece uma apreensão
sensível do filme. Momento de suspensão da narrativa, o destaque
proporcionado pela imagem-afecção (pelo primeiro plano) não procura
agregar necessariamente elementos a uma história contada, mas sim
suscitar afetos, provocar reações, acordar os monstros, desencadear
identificações, desejos, fetiches. Não se supõe como objeto narrativo,
mas como experiência sublime, no sentido que ocasiona uma ruptura
com o encadeamento lógico da história para advir um encontro com o
afetivo.
O rosto, na lógica da imagem-afecção, pode ser encarnado em
objeto, lugares, animais, plantas, todo o não-humano. O rosto expressivo
e potência de afeto é a presença de uma anima, de um algo que suscite a
indagação sobre o que se passa com esse Ser, o que sente, o que pensa.
A experiência proporcionada pela imagem-afecção é mesmo complexa
de se exprimir em palavras, visto que é da ordem do sentir e não do
logos racional. Como observa Deleuze, a imagem-afecção é “difícil de
definir, pois é mais sentida do que concebida — ela diz respeito ao novo
na experiência, o fresco, o fugaz e, no entanto, o eterno” (Deleuze, 2018,
p.156).
117
[Figura 01]: Da esquerda para a direita: imagem-percepção, imagem-ação e imagem-
afecção na obra La Strada, de Frederico Fellini, 1954.
As obras do cinema são sempre uma composição das três
variedades de imagem-movimento: as imagens-percepção são
características dos planos de enquadramentos mais abertos, que
apresentem um conjunto de informações dispostas visualmente, sem
eleger destaques, elementos dispostos em uma hierarquia horizontal; as
imagens-ação, apresentadas geralmente num plano médio, onde a
história se desdobra numa concatenação lógica e onde as relações entre
os elementos do filme são desenvolvidas; e as imagens-afecções,
primeiro planos, onde a narrativa é colocada num tempo paralelo e o que
advém são as qualidades sensíveis. A relação entre as imagens-
movimento se dará pela montagem, onde uma das variedades tende a
prevalecer sobre as outras duas, de acordo com as afinidades estéticas do
artista (no caso do cinema, o diretor).
Em Deleuze, as imagens correspondem a encontros e
composições do real em diferentes camadas. As imagens do cinema não
são diferentes das experiências do sujeito na sua existência, dos graus de
encontro deste com a vida. Na verdade, linguagem cinematográfica é
mesmo uma analogia das experiências subjetivas humanas. As três
variedades de imagem-movimento compõem uma quarta: a imagem-
pensamento, resultante de uma síntese em movimento das três formas de
apreensão do real. Seria essa, justamente, nossa forma de relação e
constituição de um entendimento do mundo, um processo de
subjetivação mediado pela recepção e (dis)junção da percepção de um
contexto, da ação narrativa, e das afecções advindas desse encontro.
O conceito de imagem em Benjamin aparece, assim como em
Deleuze, intimamente ligado ao subjetivo. Em seus ensaios sobre o
espaço urbano (Rua de mão única, (2012a), Infância em Berlin por
Volta de 1900 (2012b), Imagens do pensamento (2012c), Passagens
(2009)), o autor resgata de forma literária as imagens que povoam a sua
118
memória em relação a esses momentos vividos. Inspirado na prosa
proustiana, na forma que o autor francês narrava suas experiências
recorrendo a traços mnêmicos, Benjamin procurou desenvolver uma
narrativa que recorre às imagens do pensamento referentes a um passado
que não deixa de se atualizar dialeticamente mediado pelo espírito do
presente.
Para Benjamin o pensamento é constituído de imagens, como no
processo da arte da gravura, onde um molde deixa vestígios sobre uma
superfície a ser gravada — ou como a fotografia, onde a luz captada pela
lente deixa um registro sobre um anteparo fotossensível. De forma
análoga, fragmentos do vivido, acontecimentos, podem fixar-se sobre o
sujeito, deixam-lhe marcas, que são resgatadas como imagens de uma
experiência. O autor lança-se num paradigma epistemológico de
compreensão do sujeito onde o pensamento está mediado por
experiências estéticas e composto justamente desses registros imago-
afetivos. A imagem em Benjamin não apenas ilustra o mundo, “ela é
parte de um processo de construção de linhas de pensamento [...] ele não
só pensa por meio de imagens, ele também pensa com imagens.”
(Pernisa, 2008, p. 29). A imagem em Benjamin ganha status ontológico,
visto que ela compõe o sujeito e este se refere ao mundo mediado por
impressões imagéticas.
Assim como as obras de arte, que, com o efeito do tempo, passam
por transmutações — onde suas cores tornam-se pálidas, o papel
desbota, as superfícies descascam, o bronze oxida, a madeira trabalha e
novos discursos e novas percepções são lançadas sobre elas,
recontextualizando o seu significado na cultura — as imagens do
pensamento também estão sendo constantemente atualizadas. As
imagens do pensamento não são ícones, no sentido peirceano, no
entanto, associam-se mais a lógica dos índices16
: rastros de uma
passagem, de um vivido, que nunca cessa de ser reinterpretado. Assim, a
imagem benjaminiana é uma imagem-dialética, destituída de uma
cronologia linear, ela é “aquilo em que o ocorrido encontra o agora”
(Benjamin, 2009, p.505), estabelecendo uma constelação de fragmentos
16 De forma superficial, na teoria de Charles Peirce, um ícone se refere a um
elemento de forma direta, sem ambiguidades ou deformações. Um símbolo faz
referência a algo por via de convenções social, mas sua “aparência” não é
semelhante àquilo que representa. E um índice é reconhecido por similaridade com o
objeto que representa, como um ícone, porém esta representação é tomada como um
vestígio, uma marca deixada pelo objeto representado, sendo esta uma representação
indireta do mesmo.
119
imagéticos da história que não param de se atualizar no presente
segundo uma significação sempre momentânea, provisória, histórica.
Para Benjamin, a imagem constitui o pensamento assim como
participa da própria condição da linguagem: “se a escrita quiser garantir
o seu caráter sagrado [...] ela terá de se organizar em complexos de
sinais, em sistemas de hieróglifos [...] Do ponto de vista externo e
estilístico — no caráter exuberante da composição tipográfica e
excessivo da metáfora — a escrita tende para a imagem.” (Benjamin,
2016, P. 187). Talvez seja na linguagem das artes visuais que o sistema
de ideogramas se manifesta com mais evidência na cultura ocidental,
onde uma ideia é elaborada e transmitida por via de produções
imagéticas.
As ideias do cineasta Sergei Eisenstein (2002) a respeito da
montagem cinematográfica parecem ir ao encontro do caráter imagético
que Benjamin (2016) afere à linguagem e ao pensamento. Assim como
os ideogramas chineses e japoneses que visam a condensação de um
conceito abstrato em uma imagem, o processo de montagem é a
combinação de planos isolados que, somados, constituem uma
composição possível de ser significada. O processo de montagem
cinematográfica é, para o autor, análogo à constituição do próprio
pensamento, onde imagens aglutinadas em determinada lógica
constituem ideias referentes ao vivido e interpretações da realidade.
No cinema, as imagens registradas pela câmera evidenciam um
visível inalcançável ao olhar, dado aos seus recursos técnicos e estéticos,
como a câmera lenta, o close, o foco, o flash back, o corte, a
justaposição da imagem. A imagem pode trazer à tona aquilo que se
passa despercebido ou invisibilizado nas experiências cotidianas
(Benjamin, 2008). Como o arqueólogo citado por Herzog, o trabalho da
câmera pode ser de escavação e revelação de aspectos humanos,
antropológicos, sociais, estéticos e políticos, ao promover essa pesquisa
imagética sobre o real.
A produção e relação com imagens é o constituinte do sujeito em
Benjamin. Seus pensamentos, sua história e sua posição axiológica no
social é mediado pelo conteúdo imagético que compõe a rede de
significações, afecções, sua narrativa sobre suas experiências e sobre a
vida. E para conhecer esse sujeito é por via dessas mesmas imagens o
caminho possível. Para o autor, o cinema é uma linguagem estética
privilegiada para ir ao encontro das imagens fundantes do humano.
Dado a esta posição favorecida que o cinema ocupa na cultura,
Benjamin, de forma messiânica, como é seu estilo de costume, atesta
que “fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das
120
inervações humanas — é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao
cinema o seu verdadeiro sentido” (Benjamin, 2008, p. 174).
A IMAGEM DO CINEMA COMO EXPRESSÃO DO SUJEITO
Devido aos aspectos técnicos e estéticos do cinema, como a
imagem de uma realidade em mudança, o movimento do enquadramento
revelando uma consciência-câmera, o som (sons ambiente, músicas,
diálogos), a elaboração de narrativas que contam de experiências
humanas, os personagens e seus traços subjetivos — essa linguagem
favorece processos de identificação e projeção que estabelecemos com a
obra que nos interpela.
A obra cinematográfica provoca em nós movimentos de
identificação com aquilo com o qual nos assemelhamos e com aquilo
que idealizamos. Estabelecemos ligações afetivas com os personagens.
Vemos na tela uma vida outra, que bem poderia ser a nossa, que vive os
mesmos dramas, padece das mesmas dificuldades, age impulsionado por
desejos similares ou sublimados. As histórias realizam os ideais muitas
vezes inalcançáveis no dia-a-dia do sujeito comum, personagens que
vivem as fantasias que nosso pudor não permite que sejam confessadas
nem no âmbito mais íntimo. Como observa Morin (2018), “o filme
excita, assim, tanto uma identificação com o semelhante como uma
identificação com o estranho [...] O cinema, como no sonho, como o
imaginário, acorda e revela vergonhosas e secretas identificações”
(Morin, 2018, p. 136). No cinema pode tornar-se atraente o personagem
que na vida real seria um humano execrável, condenável, julgado como
inescrupuloso e aberrante, porém na ficção sua figura surte atração e
louvor, suas características e comportamentos produzem certo efeito
identificatório e o elevam ao status de herói17
. Fantasias perversas são
sublimadas na identificação com o/a vilão/vilã. Materializa-se na tela
um duplo, aquele que sei que não sou eu, mas que diz algo tão íntimo de
mim que eu mesmo não sabia, mas venho a reconhecer. O cinema
realiza esse rendezvous com o estranho-familiar (Freud, 2006), aquele
que aloja-se nas sombras dos nossos desejos, no entanto, persona non
grata em nossa consciência.
17 Tomemos como exemplo os personagens Darth Vader (da série Star Wars),
Hannibal Lecter (The Silence of the Lambs, 1991), Vito Corleone (The Godfather,
1972), Jack Torrance (The Shining, 1980), entre outros.
121
Por projeção, as experiências criadas nas obras cinematográficas
acabam por responder a necessidades que sentimos, mas que muitas
vezes omitimos: necessidade de fugir das obrigações sociais, de viver
uma vida de aventura e liberdade, de ousar a tomar decisões que nos
amedrontam, de viver romances proibidos, agir de forma excêntrica,
trilhar caminhos mais arriscados e incomuns. Coibimos constantemente
nosso impulso de chorar, gritar, agredir, esbravejar — vivências afetivas
inibidas que o cinema pode despertar para a catarse, para a sublimação,
oferecendo-nos a arte como dispositivo para o encontro com os afetos.
Porém, não é somente na relação que o expectador estabelece
com a obra que cinema e psicologia estabelecem um profícuo diálogo.
Por meio de analogias ou realizando “empréstimos” de conceitos
oriundos da arte cinematográfica, alguns conceitos e singularidades da
linguagem que sustenta o cinema como uma variedade artística podem
ajudar a compreender os movimentos e vicissitudes do processo de
subjetivação, tema caro às abordagens da psicologia que buscam
desenvolver conhecimento sobre os processos constitutivos do sujeito,
como também agregar novas estratégias metodológicas às pesquisas em
psicologia, ampliando o leque de possibilidades de encontro com o
sujeito e com o social que as pesquisas podem lançar mão.
Conceitos próprios da linguagem cinematográfica, como campo,
enquadramento, plano, decupagem, montagem, tempo, imagem-
movimento, e as inúmeras nuances e estratificações que cada conceito
comporta, podem agregar potência conceitual na pesquisa e na
elaboração de uma episteme que tenha como intuito a compreensão dos
processos de subjetivação. Segundo Aumont, “a linguagem
cinematográfica é mais ou menos compreensível como manifestação de
uma linguagem interior, que nada mais é do que outro nome do próprio
pensamento” (Aumont, 2012, 95). O cinema é, assim, uma linguagem
que tem estrutura similar aos processos de subjetivação, propiciando
diversas aproximações conceituais e epistemológicas entre os dois
âmbitos, entre cinema e psicologia.
Aqui, o sujeito deve ser entendido em sua processualidade, em
constante movimento de vir-a-ser. A afirmação individualizante de um
“eu”, de um “ego” ou de um “cogito” é apenas parte de um todo maior,
resultante de processos históricos, de uma impressão deixada pelo
contexto político-social, de uma combinação dos agenciamentos que se
incidem sobre um corpo, donde o sujeito emerge como resultante
provisório desses efeitos cambiantes (GUATTARI; ROLNIK, 1996).
Cenas após cena, plano após plano, o filme vai tomando uma
forma. Seu todo está sempre por se dar, pois a próxima imagem-
122
movimento pode vir a redefinir toda a sua estrutura narrativa. Mesmo
concluído, mesmo depois de anos terem se passado desde o seu
lançamento, o filme ainda está em processo de mutação, pois aqueles
que são interpelados pelas imagens recriaram novas interpretações
narrativas e traçarão nossas afecções possíveis nas imagens gravadas.
Processo de subjetivação é a montagem de um plano após o outro,
projeto fílmico que nunca para de ser rodado, que não abandona o set de
produção; processo em aberto, agenciado pelo coletivo e tornado
presença numa síntese momentânea entendida como sujeito e na mesa
de edição do mesmo.
Conceitos como imagem-mental (Deleuze, 2013, 2018; Aumont,
2003, 2012; Guido, 2012) ou imagens do pensamento (Benjamin, 2008,
2012; Pernisa, 2008) situam um campo onde a imagem encontra o
sujeito para compor o seu imaginário. São imagens que estabelecem
relações entre percepções, ações, afecções, tecendo uma síntese
provisória, sentidos em devir no espaço e no tempo. As imagens que
integram um filme (segundo um campo e seu enquadramento, os planos
e suas decupagens, os objetos cênicos, os movimentos e suas durações)
são as mesmas unidades que compõem nossos imaginários, onde as
relações estabelecidas entre elas (a montagem) contam nossas histórias
— imagens do pensamento onde nossas biografias tomam forma e são
projetadas.
Segundo Aumont (2012), as imagens que se inscrevem no
imaginário são de natureza intermediária entre o verbal e o icônico, não
se identificando com um tipo de registro fotográfico subjetivo da
realidade, tampouco com uma ilustração de uma linguagem verbal
internalizada. O imaginário é de domínio criativo e singularizante na
mediação do sujeito com a realidade, e tal instância subjetiva está
diretamente ligada ao conceito de imagem explorada no cinema. As
imagens do cinema e do registro imaginário não permanecem atreladas à
presença do vivido registrado, seja pela câmera ou pelo sujeito,
desvencilhando-se de uma concepção representativa da imagem,
imagem como mímesis do real. Arte e sujeito têm autonomia criativa
para constituírem diegeses singulares, isto é, elaborar de forma singular
as suas narrativas em relação às experiências vividas e fabular a própria
história.
123
Campo e enquadramento
O conceito de campo no cinema refere-se a um espaço imagético
representado num determinado plano (fragmento de duração) e definido
por um enquadramento específico (recorte do campo visual). São as
“pinturas da realidade” registradas pela câmera, apreensão de um visível
que propõe a formulação de um imaginário sobre a imagem captada.
Onde o enquadramento corresponde um corte da realidade realizado
pelo dispositivo técnico (a câmera), o campo corresponde às potências
da imagem em sugerir essa realidade, em alimentar um imaginário sobre
o que se visualiza (Aumont, 2012).
A composição do campo — se seu enquadramento é fechado ou
aberto, se é saturado ou rarefeito de informações, se realiza um close ou
uma panorâmica, os cenários, personagens e objetos que enquadra, a
qualidade perceptiva, narrativa e expressiva dos elementos apresentados
— agrega elementos qualitativos para compor a imagem-percepção, a
imagem-ação, a imagem-afecção. A forma como a apreensão da
realidade é filmada e a composição imagética resultante corroboram
com a elaboração estética de sensibilidades distintas. O campo pode
definir uma perspectiva sobre o vivido e engendrar afecções referentes a
ele. Ele tem uma potência de enunciação. A forma como o vivido é
captado, seja pela câmera na produção cinematográfica ou por um
sujeito na experiência cotidiana, poderá determinar as qualidades
subjetivas e as relações sensíveis estabelecidas com esse vivido,
constituindo uma rede de sentidos.
A visualidade que constitui um campo se definirá não pelos
aspectos objetivos que compõem a imagem, mas sim pelas relações
perceptivas, afetivas e narrativas que pode sugerir. Mudanças nos
enquadramentos podem corresponder a outros pontos de vista sobre a
realidade. Um jogo de tornar visível e invisível, de fazer ver o que antes
se encontrava fora de campo. O cinema realiza um jogo de
enquadramentos, a partir da montagem, provocando movimentos nas
afecções e reflexões suscitadas pela dinâmica das imagens,
“reenquadramento como funções do pensamento” (Deleuze, 2013, p.36).
O jogo dos enquadramentos é uma operação de visibilidades,
onde algo se destaca e vem à luz, vem a tomar participação no social, enquanto outras tantas permanecem como se nunca tivessem existido. A
arte vem a intervir na distribuição geral das formas de visibilidade,
acarretando em produções de discursos e de sentidos (Rancière, 2005).
Essa potência da arte — em definir aquilo que é partilhado e tornado
124
sensível à razão, ao outro, ao coletivo — intercede na dinâmica do
político assim como do subjetivo. Ela fornece elementos estéticos e
axiológicos para o movimento incessante e constituinte de uma
coletividade, assim como agrega novos ou reafirma velhos enunciados
aos processos de subjetivação.
Para cada enquadramento resta um todo maior representado pelo
fora de campo. Por essa janela que se observa o mundo, supõe-se que há
toda uma realidade circundante que permanece não visível. Portanto,
todo campo não passa de um fragmento, organizado sob um ponto de
vista específico. Logo, é possível pensar o contexto do qual esse campo
foi extraído e as condições dadas para que o enquadramento fosse um e
não outro. O enquadramento cinematográfico define, assim, uma
imagem-movimento constituída pelo dispositivo técnico como também
pelas afecções que o quadro procura engendrar, assim como o sujeito é
constituído de imagens-pensamento rabiscadas nas suas relações
histórico-culturais. Se o cinema é um jogo de enquadramentos, a vida
também o é.
Outra faculdade do campo é a sua potência investigativa. O olhar
debruçado sobre o objeto, sobre a cidade, sobre o humano faz ver o
elemento por vezes invisível ao transeunte desapercebido, favorecendo
que o olhar possa reconhecer algo antes não concebido. As variações de
enquadramentos podem tornar visíveis tanto grandes espaços e
aglomeros de elementos, quanto fragmentos singulares e insólitos.
Um dos enquadramentos mais característicos do cinema,
compreendido como a alma da arte cinematográfica (Aumont, 2012), é o
close. O foco fechado do close mergulha sob um pequeno aspecto da
realidade para acessar o inconsciente óptico tal como afirma Benjamin
(2008), não captado pelos olhares inadvertidos do dia-a-dia18
. O close
comporta a potência de aprofundar os olhares sobre os recônditos da
vida, proporcionando “uma proximidade psíquica e a uma ‘intimidade’
[...] materializa quase que literalmente a metáfora do tato visual”
(Aumont, 2012, p. 146). Sua potência investigativa vai além do encontro
com uma realidade objetiva e material para tornar passível de reflexão
18 “A natureza que fala a câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra,
especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo
homem, um espaço que ele percorre inconscientemente. Percebemos, em geral, o
movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada
percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A
fotografia nos mostra essa atitude, através dos seus recursos auxiliares: câmera lenta,
ampliação. Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise
revela o inconsciente pulsional” (Benjamin, 2009, p. 94).
125
também aspectos sensíveis e afetivos. Se a imagem-afecção é definida
por Deleuze principalmente pelo primeiro plano e pela função rosto, o
close surge com técnica privilegiada para causar a impressão desejada
pela imagem-afecção, que consiste na elaboração e investigação estética
das qualidades sensíveis.
Plano e decupagem
A imagem-movimento é o plano cinematográfico, que consiste
num corte móvel, um segmento de tempo selecionado por meio da
decupagem. É no plano que toda exposição, narrativa, ação ou afecção
se desenrola, a partir da qualidade das imagens que o compõe. Cada
plano é pensando com o intuito de dar visibilidade a uma imagem em
devir que, no todo, constitui a obra. A decupagem é o processo técnico
que corresponde a seleção dos planos e a determinação de seu início e
fim, definindo a duração do plano a partir do corte.
Os planos são as unidades que erigem um filme após serem
organizadas a partir da montagem, onde o sentido de cada plano é
concebido na sua relação com os demais planos que o antecederam e o
sucederão. A lógica constituída na montagem dos planos fica atrelada à
cadeia de imagem-movimento, não sendo expressão de uma linearidade
serial, mas sim um todo que toma forma na relação:
Um filme não é uma soma de imagens, porém
uma forma temporal [...] o sentido de uma
imagem depende, então, daquelas que a precedem
no correr do filme, e a sucessão delas cria uma
nova realidade, não equivalente à simples adição
dos elementos empregados. (Merleau-Ponty,
2018, p. 94)
Os blocos de espaço-tempo apresentados pelo plano não param
de se desequilibrar e reequilibrar, visto que o fragmento fílmico não
corresponde a uma realidade estática, pois está compelido a estar
constantemente em mudança, e a relação entre os planos coloca a cadeia
em movimento espiral, com idas e vindas na constituição do sentido
estabelecido entre eles.
Segundo Deleuze (2018), o plano é um trecho de duração que foi
segmentado artificialmente da sua cadência, extraído de um todo
temporal, e procura representar o próprio tempo por meio das mudanças
126
que transcorrem em seu interior. O tempo, inapreensível por si só, tem
sua presença expressa por meio da imagem que muda. A mudança é ela
a evidência de uma passagem, de uma perspectiva temporal. Por isso, a
imagem ocupa lugar importante na filosofia do autor, visto ser a imagem
em transformação evidência e o acesso possível à dimensão do tempo.
A estrutura de um plano, que decorre da exposição de um vivido,
uma experiência registrada sob um determinado enquadramento, um
corte do tempo que fixa-se como cena, constitui unidades narrativas que
também compõem o mosaico narrativo da experiência do sujeito. O
plano é um registro imagético que nos remete a uma cena, traz à tona
pessoas, situações, afetos que compartilharam o mesmo espaço, o
mesmo acontecimento. O conceito de plano assemelha-se às imagens em
movimento que inscrevem as nossas memórias e que contam os
acontecimentos que tecem a nossa história. A imagem em movimento
que caracteriza o plano no processo de subjetivação são os fragmentos
imagéticos que nos remetem ao passado, ao presente e ao futuro,
constituindo uma concepção de existência, de sujeito, mediado pelo
encontro com um outro, pelas identificações traçadas, pelos afetos e
emoções que nos marcaram, pelos projetos e expectativas que nos
remetem a um futuro, pelos desejos que nos impulsionam às ações,
escolhas e afecções no cotidiano.
Holy moment
O cinema tem uma potência de revelação. Ele registra as
situações que se encanam sob o enquadramento da câmera
oportunizando a transcendência do corte móvel em relação ao tempo e
espaço. Ele mostra lugar, pessoas, situações, a vida acontecendo, os
afetos exprimidos — seus recursos dão a ver o vivido, onde situações
distantes podem ser visualizadas e acompanhadas num contexto deveras
distinto do seu momento de criação. Ele aponta, com seus recursos de
câmera, como o close, o primeiro plano, o enquadramento, o foco, para
elementos a serem destacados, com intuito de expor uma relevância, um
significado, um inusitado, uma importância. Ele escava acontecimentos
onde o singular pode ser encontrado, em meio à profusão de situações e
estímulos. Ele revela um real, um possível, contido num fragmento de
tempo acolhido pela imagem.
Os verbos acima, associados às potências do cinema que derivam
de propriedades óticas e temporais, tendem a concentrar seus efeitos na
127
capacidade de tornar visível e compartilhável um acontecimento. O
cinema não descreve, como na literatura, os acontecimentos. Não tende
a haver explanações verbalizadas do que procura comunicar. A literatura
tem recursos mais ricos para fabular uma história, sendo conduzida por
palavras a qualquer recôndito do universo físico ou psicológico, para
qualquer rincão que seja passível de ser significado (Merleau-Ponty,
2018). No entanto, o cinema nos dá a ver, nos oferece certa concretude
do vivido a partir das imagens-movimento — a fantasia se materializa, o
fictício se revela como existente e, com alto grau de realismo, se
apresenta sob nossos olhos.
No filme Waking Life (2001), o cineasta Caveh Zahedi utiliza a
expressão “holy moment” para designar essa potência do cinema em
destacar um fragmento do real e causar uma experiência catártica a
partir dessa revelação. Zahedi discorre que cada imagem do cinema é
uma face da vida que extrapola o momento do acontecido para torna-se
“sagrada”, no sentido que adquire uma qualidade que transcende a sua
condição física de ser vivente num determinado tempo e num específico
espaço. Cada quadro e cada plano diz sobre aquele específico momento,
e esse momento se torna sagrado por ser uma face da vida que agora
adquire um outro status ontológico.
Indo ao encontro dos holy moments de Zahedi, Deleuze (2013) vê
na constituição das imagens do cinema uma forte vocação a causar
choques e perturbações, devido ao fato de que a imagem na linguagem
cinematográfica é: algo poderoso demais, ou injusto demais, mas às
vezes também belo demais, e que portanto excede
nossos capacidades sensório-motoras. Stromboli:
uma beleza grande demais para nós, como uma
dor demasiado forte. Pode ser uma situação limite,
a erupção de um vulcão, mas também o mais
banal, uma mera fábrica, um terreno baldio.
(Deleuze, 2013, P. 29)
O efeito acarretado pela imagem-movimento pode convocar a
uma disruptura do ego, onde a experiência suscitada pela obra já não
pode ser abarcada pelo pensamento lógico-racional, passando a
predominar mais a ordem do sentir do que do pensar. O imaginário leva um choque na sua insuficiência intelectual, e dessa impossibilidade
advém o sublime, o sagrado (Deleuze, 2013). A experiência do sublime
não remete à sedação que a presença do belo na arte vem a causar: o
encontro com o harmônico, lugar de prazer, tranquilidade, leveza e
contemplação, correspondendo às expectativas do sujeito e da cultura. O
128
sublime, ao contrário, é a experiência do choque: da desorganização
egóica, do horror, do desconforto, do choro engasgado ou, das lágrimas
que transbordam, do riso histérico, da raiva e do torpor (Fortes, 2015).
O termo sublime se apresenta como categoria estética na história
da filosofia e tem sido fenômeno de teorização e elucubração desde os
filósofos gregos aos estudos sobre a qualidade do sentir na
contemporaneidade. O termo, na sua apropriação conceitual, é colocado
como um contraponto à experiência do belo. Se o belo está relacionado
às experiências prazerosas obtidas a partir de relações harmônicas, que
compactuam com o imaginário e com os anseios de um sujeito, o
sublime corresponde à experiência oriunda do choque e da ruptura com
o esperado, suportável, reconhecível, resultando numa espécie de prazer
mediante um gozo catártico.
Se na experiência mediada por um encontro com o belo mantêm-
se certa harmonia entre as faculdades da razão humana e o objeto
estético, no sublime se realiza um desacordo entre as expectativas do
sujeito e o fenômeno que se apresenta a ele. O sujeito se vê sob a
ameaça de uma ruptura, pois sente-se face a um real colossal da qual
suas faculdades e potências se mostram inoperantes e inócuas; um
sujeito esmagado em sua pequinês doravante a imensidão dos afetos que
advêm do real. Em Crítica da Faculdade do Juízo (Kant, 2010), em
relação à experiência do sublime, Immanuel Kant expõe que “o
excessivo para a faculdade da imaginação (até a qual ela é impelida na
apreensão da intuição) é, por assim dizer, um abismo, no qual ela
própria teme perder-se” (ibid, 2010, p.104). A imaginação sucumbe
frente a sua incapacidade de simbolizar o infinito, mas de onde, no
entanto, advém um prazer da ruptura com os limites da razão, que se
realiza como uma experiência de êxtase.
Na continuidade do pensamento de Kant, o filósofo alemão
Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia (Nietzsche, 1992),
desenvolve a disparidade entre o belo e o sublime a partir das
características divergentes de duas entidades míticas: Apolo e Dionísio.
Em Nietzsche, o deus olímpico Apolo simboliza o princípio da
ordenação e da harmonia dos estados, promovendo uma
individualização daquilo que emana do caos, estabelecendo coerência e
possível fruição por parte do imaginário, suscitando a experiência
agradável do encontro com o belo. Em contrapartida, Dionísio vem a
exaltar a o fluxo livre da embriaguez e da desordem, entregando-se a
experiência do caos ao invés de esforçar-se em segmentá-la:
129
E agora imaginemos como nesse mundo
construído sobre a aparência e o comedimento, e
artificialmente represado, irrompeu o tom extático
do festejo dionisíaco em sonâncias mágicas cada
vez mais fascinantes, como nestas todo o
desmesurado da natureza em prazer, dor e
conhecimento, até o grito estridente, devia tornar-
se sonoro. (Nietzsche, 1992, p. 41)
Apolo e Dionísio, belo e sublime, não podem ser tomados como
opostos, mas sim como divergentes-complementares na experiência com
o vivido. Se a realidade toma certa forma apolínea para organizar-se
num cotidiano coerente e de possível entendimento, necessita-se das
subjetivações dionisíacas para não desfalecer frente às experiências de
encontro com o real, com aquilo que não é possível ser simbolizável,
tornando terror e angústia uma experiência de prazer ao dar-se com o
desconhecido, sendo as artes as principais atividades humanas que
podem tornar suportável esse encontro com o caos, pois têm “o poder de
transformar aqueles pensamentos enojados sobre o horror e o absurdo da
existência em representações com as quais é possível viver: são elas o
sublime, enquanto domesticação artística do horrível” (Nietzsche, 1992,
p. 56).
Dentre as variedades da imagem-movimento debatidas por
Deleuze (2018), a imagem-afecção é a via metodológico-conceitual da
qual o cinema pode recorrer para cunhar experiências estéticas que
remetam ao sublime. Ao fazer surgir na tela o afetivo, ao torná-lo objeto
de experiência, a obra produz um caminho para se acessar, pensar e
sentir a dimensão afetiva humana. Deleuze (ibid) salienta que há uma
composição específica para tornar visível o afetivo, e isso implicaria em
uma elaboração do campo, um enquadramento particular, uma
determinada dinâmica do plano, uma decupagem e uma montagem
apropriadamente afetiva.
Assim sendo, a arte pode propiciar a abertura para uma
experiência sensível fazendo advir algo do humano que a ciência, a
razão e as palavras por vezes não alcançam. As imagens do cinema
corroboram com a pesquisa e com o conhecimento a respeito desse
humano na busca, no compartilhamento e na vivência de sensibilidades outras. Para realizar tal feito, o método aqui é uma prática do sentir, do
experienciar; é ir ao encontro de algo, sob a égide da ficção, que a razão
ainda não pode formular e que o método científico tradicional não
comporta nos seus critérios de cientificidade.
130
CONCLUSÃO
As imagens de La Strada foram filmadas na década de 1950,
numa Itália pós-guerra, derrotada. Uma sociedade que convivia com a
pobreza e com o desafio da reconstrução. Os personagens do filme,
Gelsomina e Zampanò, dois artistas mambembes unidos pelas
circunstâncias e pela necessidade. A primeira, uma dentre os muitos
filhos de uma mãe solteira abandonado pelo marido, inocente e
sentimental, crente na bondade e demandante do amor do homem que a
levara como sua esposa pelo valor de algumas liras. Ele, um larápio
grosseiro e promíscuo, egoísta em suas relações, porém um náufrago em
sua solidão. Mesmo vivendo uma relação amorosa mediada pela
agressividade e pelo sofrimento, voltavam sempre a desejar estarem
juntos, sem saber bem o porquê. Ambos partem a perambular pelo
interior do país, apresentando por onde passam encenações cômicas e
truques medíocres para garantir algum sustento e para se embriagar.
O road movie de Fellini nos remete, mais de meio século depois,
a um contexto de incertezas quanto ao futuro em um país desolado pela
crise econômica e com uma infraestrutura em ruínas. Expõe à penúria de
uma população que junta os cacos deixados pela guerra para tentar
sobreviver, numa marcha mais desacreditada do que balizada pela
esperança no futuro. O filme, além de ser a história de dois personagens
fictícios, é um relato das condições de existência e dos afetos que
atravessavam uma sociedade ferida. Narrar o sofrimento e as mazelas
deixadas pelo fascismo foi o que deu identidade ao neorrealismo
italiano, movimento estético/cinematográfico no qual Fellini é
identificado como pertencente na história do cinema e que buscou —
como forma de resistência política por meio da arte — denunciar a
realidade social e econômica que a Itália e o mundo viviam após os
traumas da 2ª Guerra Mundial.
Já não tão fictícios são esses personagens se os interpretarmos
como uma narração de experiências vividas por parte da população
mundial que, na década de 1950, teve que conviver com as sequelas da
Segunda Grande Guerra, e como também vivem, ainda hoje, em muitas
sociedades, povos que se esgueiram sob destroços e que reinventam
modos de existir em sociedades arruinadas por crises econômicas, por guerras civis, por espólio estrangeiro, pelo abandono de suas populações
à própria sorte. La Strada nos conecta com um social e um sensível,
facetas da experiência humana de complexa descrição por meio de
palavras. A solidão, a tristeza, o abandono, a pobreza que o filme narra
131
não estão restritos ao plano da fantasia ou de uma inexistente ficção.
Pelo contrário, a obra traz à tona um real de um modo tão intenso que
sensibiliza o expectador para sentir a sua presença, a vida na sua dureza.
Essa empreitada filosófico-cinematográfica que procura dar
contorno a um real inacessível ao racional é trilhada por intermédio das
composições arranjadas entre imagens-percepção, imagens-ação e
imagens-afecção. Cada uma dessas variedades da imagem-movimento
favorece que uma parte do real possa ser vista, pensada, apreciada. São
constitutivas de um saber sobre o mundo, sobre o vivido — um saber
composto de fragmentos esparsos, de sensações afetivas e fisiológicas,
de relações sensíveis. A arte se lança na produção de conhecimento
numa trama complexa, pois “a imagem nunca é de uma realidade
simples. As imagens do cinema são antes de mais nada operações,
relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o
depois, a causa e o efeito” (Rancière, 2012, p. 14).
O cinema, os conceitos que o constituem e sua linguagem falam,
assim, do próprio sujeito, são expressão do humano. Por mais irreal que
uma história possa parecer, lá reside uma criação humana, decorrente de
desejos, projeções, fantasias, anseios, sublimações. É trabalho de um
autor ou de um coletivo (visto que no cinema as obras são produções
que envolvem um grande número de pessoas), e será objeto de
identificação, de afecção, de revelação para muitos outros. Há naquelas
histórias um suposto saber sobre a vida e sobre nossos anseios e
sentimentos mais íntimos e bem guardados. A arte em geral pode dizer
muito mais do sujeito do que qualquer tratado científico — e nós
sabemos disso, pois somos tocados por ela.
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135
TEMPO E MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E
PSICOLOGIA
RESUMO: O artigo busca demonstrar que tempo e montagem, além de
serem conceitos operativos e técnicos da linguagem cinematográfica,
possibilitam reflexões referentes à própria existência. Partindo desses
dois vocábulos do cinema, o artigo tece uma possível presença de ambos
na produção de conhecimentos em psicologia, naquilo que tange aos
métodos de pesquisa e estudos relativos aos processos de subjetivação.
O conceito de montagem é pensando dialeticamente entre a sua presença
como técnica fundante do cinema e como método proposto por Walter
Benjamin referente à composição narrativa do vivido. O conceito de
tempo é trabalhado a partir da filosofia do cinema de Gilles Deleuze e
das teses sobre história de Benjamin. O texto coloca em ato o método da
montagem como forma de dar corpo a um pensamento. Assim, o texto
se apresenta como montagem, dividindo-se em 10 cenas e seus
respectivos planos, compondo um todo a partir de fragmentos
reflexivos.
PALAVRAS-CHAVE: Tempo, montagem, cinema, psicologia,
epistemologia
ABSTRACT: The article tries to invoke that time and montage, besides
being operative and technical concepts of the cinematographic language,
allows reflections about the own existence. Beginning from these two
common words in cinema, the article shows a possible presence of both
in the production of knowledge in psychology, in what concerns
alternatives methodologies of research in psychology and studies about
the our sense of existence. The concept of montage is worked
dialectically between its presence as a founding technique of cinema and
as method proposed by Walter Benjamin referring to the narrative
composition. The concept of time came from Gilles Deleuze's
philosophy of cinema and the Benjamin's theses about history. The text
puts into practice the method of montage as a way of giving body to a thought. Thus, the text is written in 10 scenes and their respective
planes, composing a whole work formed by reflexive fragments.
KEYWORDS: Time, montage, cinema, psychology, epistemology
136
[CENA 01 – PRÓLOGO]
01.1 - O texto a seguir trata de uma experiência flâneur entre reflexões
teórico-conceituais a respeito do tempo e sua possível apreensão e
percepção tanto na arte e quanto pelo sujeito. O cinema será um
trampolim para nos lançarmos em questões referentes ao porvir, à
memória, ao arranjo de um agora, à elaboração de uma história — em
suma, um tatear no escuro em busca por uma poiesis que fabule
meditações referentes à nossa existência. Tal caminhada procura refazer
o trajeto filosófico de Gilles Deleuze e Walter Benjamin naquilo que se
refere ao cinema e aos conceitos de tempo e montagem, porém
focalizaremos também nossas câmeras sobre o sujeito que se constitui
na trama do tempo e sob uma lógica narrativa e ficcional. Seguem junto
conosco alguns teóricos do cinema que vieram a consolidá-lo como uma
linguagem artística autônoma, como fonte de reflexão sobre o mundo. O
texto é metalinguístico, visto que está estruturado na perspectiva do
método que procura esmiuçar. Assemelha-se a decupagem de um filme,
organizado numa sequência de 10 cenas e seus respectivos planos,
estabelecendo certa coerência entre eles a partir de uma montagem por
justaposição, compondo uma narrativa fragmentada, não linear.
[CENA 02 – REALIDADE COM FICÇÃO]
02.1 - O paradigma ético, moral, político, científico, religioso e estético
pelo qual compreendemos e nos relacionamos com o mundo, define
nossas existências, consequentemente. Nossa relação com a realidade
não se sustenta sobre uma superfície estática e imutável, condicionada
por verdades últimas inquestionáveis. Nós fabulamos uma realidade no
encontro que estabelecemos com o real, com as outras pessoas, com a
natureza, com a arte, com a cultura, com a vida. Nossa realidade é
mediada por um imaginário, e este se constitui criativamente numa
relação de trocas com o vivido.
02.2 - A ficção é uma condição na qual fundamos todas as nossas experiências e toda a forma de conhecimento possível. Mesmo em
pesquisas científicas mais arraigadas aos dogmas positivistas e crentes
em verdades inquestionáveis, sua via de relação com o mundo é a
palavra, e essa é, ontologicamente falando, fruto da inexorabilidade
condição de ficcionar (Nietzsche, 2005). A própria existência só pode
137
ser concebida e descrita por meio de uma ficção que elabora lembranças
do passado, interpreta as condições do presente e elucubra expectativas
do que será o futuro.
Nossa cultura se constituiu designando certa ambivalência entre
verdade e ficção, como se fossem antônimos inconciliáveis, onde o
fortalecimento de uma, significaria a supressão da outra. Os preceitos
epistemológicos da modernidade e os valores culturais e científicos do
iluminismo calcaram a compreensão da realidade a partir de um modelo
cartesiano de encontro com a vida, que, por vezes, veio a reduzir essa a
uma objetividade esvaziada de sua complexidade, suas ambiguidades,
suas inúmeras possibilidades de vir-a-ser.
02.3 - Ir ao encontro da vida reconhecendo a estrutura de ficção na qual
estamos engendrados e valer-se das qualidades poéticas de interpretação
do real é poder realizar aproximações entre sujeito e objeto,
transcendendo os anseios de dominação para deixar-se atingir, tocar e
ser tocado, estabelecer relações sensíveis com o ente a ser conhecido
(Gagnebin, 2009c). Viabilizar metodologias que agreguem processos de
fabulação e narração na ciência em geral e, mais especificamente, nas
humanidades e na psicologia, é criar caminhos que ultrapassem a
descrição do palpável e do visível para aprofundar-se no caos das
virtualidades, isto é, fazer advir outras interpretações, outros discursos,
outras formas de ser, outros mundos; é aventurar-se não sobre o já dado,
mas sobre o possível (Costa, 2014).
Pesquisas científicas na área das humanidades e da psicologia
têm se voltado para os percursos empregados nas artes a fim de
encontrarem nesse campo vias metodológicas que envolvem um saber-
fazer mediado por sensibilidades que vão além da razão cartesiana e do
entendimento lógico-matemático (Costa, Zanella e Fonseca; 2016).
Procura-se com essa busca superar maniqueísmos e dicotomias para
poder vislumbrar outros horizontes naquilo que diz respeito ao humano
e à vida, criando passagens de acesso à sensibilidades, afetos, vivências,
histórias, acontecimento, paixões, delírios que são inacessíveis à rigidez
e formalidade dos tradicionais métodos de pesquisa.
02.04 - A aproximação estabelecida neste artigo entre arte e ciência
refere-se aos conceitos de tempo e montagem na linguagem
cinematográfica e o diálogo possível com a psicologia, seja no âmbito
138
da pesquisa ou na leitura referente aos processos de subjetivação19
.
Ambos os conceitos constituem o cerne do cinema, onde as imagens-
movimento procuram dar forma ao tempo ao fazer um corte de duração
e tornar esse corte um objeto de apreensão e reflexão, somado à técnica
da montagem que visa abrir caminhos entre percepções, narrativas e
afecções a partir das conexões e da cadeia estabelecida entre as
imagens-movimento (Deleuze, 2018). Similarmente, tempo e montagem
podem ser pensados no campo da psicologia, tomando parte nos
processos e subjetivação ao inserir o sujeito numa perspectiva de tempo,
de história, de memória e de narração referente à própria existência
(Benjamin, 2008a, 2008c).
Tempo e montagem estabelecem proximidades com uma
concepção de realidade que se constitui por meio da ficção, visto que
ambos os conceitos não sustentam uma concepção de realidade calcada
em verdades inquestionáveis ou na crença de um discurso factual, mas
sim em experiências em aberto, calcadas em movimentos incessantes de
composição e dissolução. O resultado disso não é o afrouxar do rigor ou
do comprometimento da ciência com um conhecimento válido e
significante para o bem comum e o desenvolvimento da cultura, mas
sim o contrário. Tais técnicas, saberes e conceitos advindos da arte e das
potencialidades estéticas podem corroborar com a caminhada por
territórios pouco acessíveis às faculdades da razão, favorecendo um
flanar por entre o inverificável, o sensível, o dúbio, o estranho e o
sublime.
Ademais, empenhar-se por percorrer territórios negligenciados
pela ciência tradicional e pelos afetos e discursos dominantes é um
compromisso social e político (Gagnebin, 2009a, 2009b). Circundar o
inenarrável, operar sobre os regimes de visibilidades e dizibilidades,
lançar novos olhares sobre histórias já dadas, supostamente encerradas,
pode ampliar o alcance que os métodos de pesquisa e o conhecimento
em psicologia, aliados às linguagens estéticas, podem alçar.
19 Subjetividade em processo, por se dar, num constante vir-a-ser. Sujeito como
expressão de uma síntese momentânea e provisória, como contorno que emerge dos
agenciamentos sociais, históricos e políticos (GUATTARI; ROLNIK, 1996). O
processo de subjetivação é um movimento ininterrupto de montagem, planos que
não cessam de se registrarem no sobre o corpo.
139
[CENA 03 – TEMPO E SUJEITO NO CINEMA]
03.1 – A compreensão que a humanidade tem do que seja o Tempo
ainda é incipiente e pouco compreendemos o seu comportamento e
natureza. Há muito a física e a filosofia se desdobram sobre o tema,
elaboram teorias e experimentos para dizer algo sobre essa dimensão a
qual nós humanos estamos à mercê, completamente dominados por ela e
reféns do seu movimento. Como observa Carrière (2015), a concepção
do fluxo do tempo, o entendimento da lógica que funda uma noção de
passado, presente e futuro, “tudo isso é muito recente e [uma] invenção.
Ainda não estamos acostumados com o tempo, ainda não o domamos,
sequer chegamos perto” (ibid, 2015, p. 109). Se esse enigma da natureza
ainda gera muitas inquietações no âmbito da filosofia e pouquíssimos
avanços no domínio da ciência, é no campo das artes e da imaginação
que alguma possibilidade de lidar com o tempo tem sido possível.
03.2 - É próprio da linguagem do cinema aventurar-se no sonhado
trabalho sobre o tempo por meio da técnica. Tornar o tempo passível de
ser acelerado ou retardá-lo, fazer saltos que o remetam ao passado ou ao
futuro, paralisar o seu andamento ou mesmo perder-se em seu fluxo ao
ponto de esquecê-lo, são características da arte cinematográfica.
Deformar o tempo é uma forma de liberdade e a gramática
cinematográfica pressupõe que o tempo possa ser submetido, de forma
imaginária, aos desígnios da humanidade. Desde os primeiros textos que
vêm a conceber uma teoria do cinema, a manipulação da realidade e do
tempo é uma variável basilar na concepção do que seja o cinema como
uma arte autônoma, “é como se a realidade fosse despojada da própria
relação de continuidade para atender às exigências do espírito. É como
se o próprio mundo exterior se amoldasse às inconstâncias da atenção ou
às ideias que nos vêm à cabeça” (Münsterberg, 2018, p.34).
Ainda segundo Hugo Münsterberg (ibid), psicólogo alemão e um
dos pioneiros no desenvolvimento de uma teoria de uma linguagem
cinematográfica, o cinema tem aspectos análogos aos mecanismos do
nosso imaginário, onde é possível uma maleabilidade das ideias que
transcende às amarras das experiências concretas para se mesclarem às
possibilidades criativas da imaginação. Assim, o tempo — na sua elaboração segundo as concepções de passado, presente e futuro — vê-
se entrelaçado, não linear, seja no cinema ou no sujeito. O tempo, nessas
duas instâncias, não se restringe à objetividade da física ou às operações
140
da razão, a sua formulação é imaginária e resultado de uma fabulação
sobre as experiências vividas.
03.04 - Segundo Jacques Aumont,
esse tempo não é um tempo objetivo, mas o tempo
da experiência temporal [...] se a duração é a
experiência do tempo, o próprio tempo é sempre
concebido como um tipo de representação mais ou
menos abstrato de conteúdos de sensação. Ou
seja, o tempo não contém os acontecimentos, é
feito dos próprios acontecimentos, na medida em
que estes são apreendidos por nós. Assim, o
tempo, pelo menos o tempo psicológico, o único
que consideramos aqui, não é um fluxo contínuo,
regular, exterior a nós. (Aumont, 2016, p. 108)
O cinema e nossa possibilidade de subjetivar os fenômenos do
tempo correspondem a um movimento complexo onde nos situamos em
diversos planos simultaneamente, de relações estratificadas, onde
passado, presente e futuro se mostram interdependentes. O tempo não
escoa numa mesma direção e o relógio não gira sempre num mesmo
sentido. As memórias, os afetos, as cicatrizes, não deixam de se
atualizar, resignificando ad æternum a experiência dos acontecimentos.
[CENA 04 – JETZTZEIT]
04.1 – A questão do tempo em Benjamin se destaca nas suas
problematizações referentes à historiografia e a forma como esta é
compreendida na produção de conhecimento positivista ou segundo o
método materialista-dialético. O autor critica a perspectiva progressista
de história, onde o progresso e desenvolvimento são concebidos como
movimentos naturais e inevitáveis do curso da história. Também
contesta a ideia de um passado fixado no tempo, descrito como fatos
objetivos e deixados para trás no transcorrer de um tempo ido
(Gagnebin, 2008, 2009a).
Para Benjamin, essa concepção de tempo é correspondente a uma
“marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo” (Benjamin,
2008d, p.229) onde a vida segue linearmente seu destino, sempre
ascendendo a patamares mais elevados, numa perspectiva evolucionista
141
dos acontecimentos. Fazendo um contraponto a essas perspectivas, a
proposta do autor é compreender o tempo a partir de sua brevidade e da
sua constante atualização no presente: Jetztzeit20
. Calcado no método do
materialismo-dialético, o autor propõe uma compreensão dialética do
tempo, um eterno agora que não cessa de se reinventar em diálogo com
aquilo que já foi, mas nunca deixou de se fazer presente.
04.2 – Inspirado na poética de Proust, Benjamin identifica no autor
francês um processo narrativo do tempo que entrelaça a experiência do
sujeito à memória, fabulação e vida; uma eternidade que não se
apresenta como uma linha reta em direção ao infinito, mas sim um
reviver constante, movimento e transformação sob um mesmo e eterno
agora: A eternidade que Proust nos faz vislumbrar não é
a do tempo infinito, e sim a do tempo
entrecruzado. Seu verdadeiro interesse é
consagrado ao fluxo do tempo sob sua forma mais
real, e por isso mesmo mais entrecruzada, que se
manifesta com clareza na reminiscência
(internamente) e no envelhecimento
(externamente). (Benjamin, 2008a, p. 45)
O tempo em Benjamin é um amontoado de fragmentos, que se
reconfigura conforme as relações do agora se arranjam. O processo de
montagem é o método pelo qual o autor pretende abordá-lo. Coletando
os cacos reminiscentes do passado, é possível sempre reinventar um
presente, sem obliterar aquilo que já foi. Desta forma, o tempo deixa de
ser totalizante e destruidor, como Krónos devorando aos seus filhos,
para se constituir como coletividade, não mais composta de vazios, mas
de somas de experiências que se aglutinam e se reconfiguram (Roque,
2016).
O princípio do método da montagem, nas palavras de Benjamin, é
“erguer as grandes construções a partir de elementos minúsculos,
recortados com clareza e precisão. E, mesmo, descobrir na análise do
pequeno momento individual o cristal do acontecimento total”
(Benjamin, 2009, p. 503). Sua postura epistemológica valoriza a
presença das singularidades na composição do todo; sentido inverso ao
do pensamento positivista que, da formulação de regras gerais, procura
submeter o particular ao discurso totalizante.
20 “Tempo do agora” (Gagnebin, 2008)
142
[CENA 05 – IMAGEM-TEMPO]
05.1 – A teoria de Deleuze (2013, 2018) a respeito do tempo e da
montagem não se resume a uma simples explicitação da técnica ou um
estudo da representação temporal. O autor desenvolve ambos os
conceitos na direção de pensá-los como elementos reflexivos para se
compreender filosoficamente a composição da própria realidade, como
também elabora uma formulação ontológica sobre o sujeito calcado nos
dois conceitos oriundos da constituição de uma teoria que fundamenta a
linguagem cinematográfica.
05.02 – A técnica que se torna possível com a câmera cinematográfica é
a de simular movimentos devidos aos muitos instantes registrados
sequencialmente, reproduzindo as diversas fotografias em velocidade o
suficiente para se criar uma ilusão de continuidade e, consequentemente,
de movimento. Diferente da fotografia, que corresponde a um instante
do tempo, cortes imóveis deste, o cinema irá operar sobre outra
categoria de imagem: a imagem-movimento — cortes móveis, dotados
de duração, de mudanças e de expressão temporal. A captação do
movimento corresponde ao ato de registrar uma duração, um fragmento
de tempo; é tornar visível a mudança, o transcorrer da existência,
dinâmica na qual a vida se expressa. Só a mudança pode tornar visível a
presença do tempo.
Para Deleuze, a estrutura que define o tempo não muda, não
passa. Refere-se sempre a um mesmo tempo, como em Benjamin
(2008d), um tempo do agora: “tudo o que muda está no tempo, mas o
próprio tempo não muda, não poderia mudar senão num outro tempo, ao
infinito” (Deleuze, 2013, p.27). O tempo é uma estrutura inalterável
onde tudo que é devir ocorre em seu seio; é a condição sob o qual se
produz toda a mudança, porém o mesmo não se abala, não move, apenas
comporta e se constitui do que é mutável.
O tempo, para ser sentido, percebido, interpelado, só poderá se
dar de forma indireta. Só é possível tornar tangível o espectro do tempo
mediante seus componentes, por fenômenos que se dão no seu interior,
através daquilo que preenche a sua estrutura com algo sensível. E aquilo
que habita o tempo são os movimentos, as mudanças, os devires. A imagem-movimento — o componente estético que constitui o cinema —
é justamente a apreensão de um fragmento de tempo, tornado evidente
por meio da exposição e uma duração. E é o método da montagem que
143
tece a imagem do tempo, através de um mosaico composto com cortes
móveis.
Esses mosaicos de imagens-movimento não se constituem apenas
de um somatório serial de imagens, como uma sucessão de tempos
presentes. Eles são montados segundo o movimento dialético do tempo,
caracterizado pelos conflitos, antagonismos, ações, afetos, representação
de um tempo estratificado que comporta inúmeras realidades sob o
mesmo véu. A montagem, segundo Deleuze (2013, 2018), é a técnica e
o método que molda o tempo e o torna visível. Assim, o cinema é, como
nenhuma outra linguagem das artes visuais, o constituidor de uma
imagem-tempo.
[CENA 06 – PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO COMO
MONTAGEM]
06.1 – Soa como unanimidade entre os teóricos do cinema que a
montagem é a técnica por excelência que constitui essa linguagem. O
cinema veio a se distinguir como uma arte independente do teatro, da
fotografia, da pintura e de um instrumento de interesse exclusivo da
ciência quando os filmes passam a ser pensados como um combinado de
cenas, uma conjunção de planos diversos, unidos a partir de um
processo de edição mediado por uma gramática que visasse criar
relações entre esses fragmentos, e da sua síntese obter um todo
concebido como uma obra artística (Carrière, 2015).
06.2 – Um filme é constituído de cenas. A cena no escritório, a cena no
restaurante, a cena no parque, a cena na rua, a cena em casa, a cena do
carro em movimento, etc. Cada cena é composta de diversos planos:
num restaurante há um plano geral, que apresenta o espaço físico, suas
características arquitetônicas, as pessoas jantando, garçonetes
trabalhando, os casais apaixonados, jovens em festa. A cena continua
com um plano médio, que focaliza uma mesa específica com dois
personagens já apresentados previamente em cenas anteriores; o plano
seguinte é um enquadramento fechado em uma das personagens,
apresentando seus elementos comportamentais e físicos; o próximo
plano é um close na face do segundo personagem, que tem seus olhos
banhados em lágrimas; no último plano o personagem se levanta e vai
embora abruptamente. A cena do restaurante encerra aí. A cena é
montada a partir de perspectivas singulares da situação (os planos) que
144
contêm elementos que, em conjunto, pretendem elaborar uma ideia,
desenvolver um conceito, narrar um acontecimento.
[Figura 01]: Em Ikiru (Kurosawa, 1952) a sequência dos planos em destaque
procura mergulhar na angústia do personagem em ter que lidar com a notícia de sua
doença terminal.
Mesmo em narrativas em que o tempo transcorre de forma
cronológica e linear, sem flashbacks ou tempos subjetivos, a técnica da
montagem deve ser pensada como a composição de um todo, como um
mosaico que só ganha sentido na sua contemplação à distância, visto
que a fixação da atenção nos pequenos fragmentos isolados não
conceberia às unidades, pois o sentido que só se constitui na relação.
Assim, a cada nova cena e a cada novo plano, está sempre em jogo uma
síntese provisória do acontecimento a ser elaborado, e o processo
técnico e conceitual que opera sobre tais sínteses é chamado de
montagem.
Deleuze destaca que “montagem é a determinação do Todo [...] a
montagem é essa operação que recai sobre as imagens-movimento para
extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo.” (Deleuze,
2018, p. 55). O cinema esculpe o tempo de forma indireta, a partir das
imagens-movimento. Esse tempo eterno, tempo instante, tempo que não
cessa, um todo perene que só deixa-se ver pelos fenômenos no seu
interior. Não um todo que se concebe como fechado ou dado em si, com
verdades eternas a serem desveladas pela formas de conhecimento
humano. Mas sim um todo aberto que muda incessantemente, um
constante vir-a-ser.
06.3 – A lógica da montagem, segundo fragmentos mnêmicos e
imagéticos submetidos aos movimentos de continuidade e
descontinuidade, de rupturas e de novos rearranjos, compõe, para
Benjamin, não só a ciência da História, como também constitui a
dinâmica do próprio pensamento. A composição das imagens do
145
pensamento é decorrente de toda uma sequência de imagens
fragmentadas no tempo, “a compreensão de cada imagem é
condicionada pela sequência de todas as imagens anteriores” (Benjamin,
2008b, p. 175) e reorganizadas num instante impregnante.
A composição do pensamento, das imagens e da história
comporta um processo criativo e narrativo do sujeito sobre o seu vivido,
sobre o real. Esse processo, que podemos entender como uma
montagem, remete mais ao exercício da poiesis do que ao gesto
cientificista (Gagnebin, 2009a), visto que a montagem da realidade e da
história está atravessada por processos afetivos, estéticos, éticos, sociais
e políticos. A composição do pensamento e da história é exercida por
sujeitos na sua experiência histórico-cultual, e deixam nas suas
montagens e narrativas os seus rastros singulares.
06.4 – Deleuze (2013, 2018) e Benjamin (2008b) compreendem que a
montagem cinematográfica é um fenômeno que se assemelha à própria
dinâmica dos processos de subjetivação humanos. Desde os planos que
selecionamos/recordamos para contar um acontecimento de nossas vidas
e o enquadramento no qual estes são ordenados; a memória, a visão, a
seleção, a forma como as partes fragmentadas de uma história estão
relacionados fazem parte de um processo de montagem, que constituem
as narrativas de vida, as imagens do pensamento, o próprio sujeito. A
montagem que somos também corresponde a um todo em aberto, um
filme/vida em devir. Não nos constituímos como planos isolados. Cada
experiência vivida será um fragmento a mais interferindo no mosaico a
ser montado: mosaico-vida — efeito da síntese provisória de um
instante presente, composto pelos cacos remanescentes daquilo que foi
capturado e elaborado pela câmera-espírito.
O vínculo entre as imagens que compõem o processo de
montagem — no filme e no sujeito — são operações que determinam
modos de relação entre as partes e o todo, entre visibilidades e os
possíveis sentidos e afetos que podem a elas serem aferidas, entre uma
concepção de realidade e seu contraste com o vivido (Rancière, 2012).
As experiências ganham sentidos no bojo da montagem da qual estão
inseridas. As concatenações de imagens-movimento vão tecendo
histórias, compondo ideias, (re)criando um todo, constituindo sujeitos.
146
[CENA 07 – MEMÓRIA]
07.1 – O cinema e a fotografia têm como matéria prima o registro
luminoso captado por uma câmera. Sejam mecanismos analógicos ou
digitais, esses registros são cicatrizes deixadas pela luz sobre uma
superfície fotossensível. Constituem-se como marcas do passado que
remetem ao presente o trabalho de (re)interpretá-las, associá-las a fatos
idos, a momentos ocorridos, a histórias vividas. Tal característica das
“artes da luz” pode ser comparada ao registro da memória e nossa
relação com o seu resgate e sua narrativa. Como as marcas de luz
deixadas sobre um fotograma, as memórias são como marcas da vida
impregnadas em um corpo. Ambas são apenas pistas, rastros de
experiências remanescentes que voltam à tona para contribuírem com a
necessidade de elaborar o vivido.
07.2 – A vida é narrada a partir de fragmentos coletados ao longo das
experiências pela qual caminhamos. Nossas memórias serão esses
fragmentos do tempo — assim como os planos nos filmes — que
lançamos mão para compor a história a ser contada. Como reflete Chris
Marker, “eu passaria a vida a indagar sobre a função da lembrança que
não é o oposto do esquecimento, mas seu avesso. Nós não lembramos.
Recriamos a memória como recriamos a história” (narração em off do
diretor Chris Marker, filme San Soleil, 1983). Desse processo narrativo,
as lacunas (histórias que nunca serão contadas) e potencialidades (aquilo
que pode vir a ser) se multiplicam. Quantas histórias, sob quantos
pontos de vista podem ser contadas a partir de um mesmo
acontecimento? Neste sentido, recordar é uma atividade mais envolta às
características da loucura que o próprio esquecimento, pois recordar é
recriar, sustentar ilusões, acreditar em verdades (mesmo que mutantes),
fabular sobre a existência.
07.3 – A elaboração das memórias se vê em face às relações de poder e
conflitos de interesses, que buscam visibilizar determinados fatos do
passado em detrimento de outros para sustentar verdades dogmáticas no
presente. Memória e verdade são conceitos constituídos de fragilidades,
como pássaros que precisam ser leves e delicados para que possam voar. Os sinais deixados pelo passado são objetos de constante cobiça pelos
discursos dominantes, que procuram determinar o conteúdo da memória
histórica e sua interpretação, a fim de determinarem um presente às
sombras de um ido em aberto (Gagnebin, 2009a). Sustentar verdades
147
dogmáticas é trancar a memória numa gaiola. Esse campo conflituoso se
estende para a ciência da História, sobre a montagem cinematográfica e
em direção às verdades do sujeito.
A perspectiva de tempo em Benjamin coloca a fragilidade da
memória em evidência, sendo esta sempre sujeita a ser solapada pelos
movimentos vindouros, em consequência das montagens possíveis, onde
ausência e presença constituem a sua dinâmica. Lutar contra o
apagamento da história — consequência recorrente na perspectiva
progressista de historiografia, que segue seu trilho em direção ao futuro
— mostra-se fundamental para evitar a consolidação de um tempo vazio
e de uma narrativa negligente com as experiência humanas, ainda que
não se trate de bradar por verdades dogmáticas sobre os acontecimentos
(Gagnebin, 2009a).
[CENA 08 – HARMONIAS E MELODIAS]
08.1 – A qualidade das relações entre os planos em um filme pode ser
pensada mais por aquilo que os diferencia do que pelas características
que os une. Essa é a teoria do intervalo de Dziga Vertov (2018). O
termo ‘intervalo’ utilizado por Vertov advém da teoria musical. Uma
escala tonal é dividida em 12 notas que se repetem ciclicamente, ficando
mais graves ou mais agudas. Existe, entre as notas da escala, uma
distância relativa que as diferencia em termos do som que produzem, da
frequência que vibram. Essa distância é chamada de intervalo. A música
tonal, de forma geral, trabalha as relações desses intervalos em duas
dimensões: vertical/harmônica (um grupo de intervalos que são
executados simultaneamente), horizontal/melódica (intervalos
executados um após o outro) e os efeitos sensíveis que a percepção de
ambas as dimensões geram no seu ouvinte.
A proposta de Vertov é executar a montagem de um filme sob
esse princípio oriundo da música. De forma harmônica, os planos são
configurados segundo a totalidade das imagens-movimento que estão
presentes no enquadramento e a qualidade do equilíbrio gerada nessa
combinação. A estrutura melódica do filme é concebida a partir das
relações criadas nas mudanças entre os planos e o contraste existente
entre planos sucessivos que compõem uma mesma cena e a amplitude
desse contraste na obra como um todo. Assim, os intervalos podem ser
mais harmoniosos ou mais dissonantes, mais próximos ou mais
distantes, dependendo do efeito desejado pelo autor. O hiato intervalar
148
entre os planos não os separam ao ponto de não poderem se relacionar; o
contraste não resulta em uma diferença irreconciliável, mas, ao
contrário, produz uma relação singular (Deleuze, 2018).
08.2 – A montagem, segundo a teoria dos intervalos, é resultante de
operações de choque, de contrates, de rupturas, assim como de
passagens harmônicas, suaves, discretas. A forma como as passagens
entre cenas e planos está arranjada contribuirá para a constituição de
sentidos referentes à obra. Naquilo que tange às temáticas do campo da
psicologia, os processos de subjetivação podem ser interpretados sob o
mesmo aspecto: de experiências apaziguantes e confortáveis a situações
chocantes, traumáticas ou sublimes, o sentido do acontecimento está
relacionado à distância entre uma determinada situação e as experiências
cotidianas na qual um sujeito está acostumado ou lida com facilidade21
.
Experiências de choque ou traumáticas são entendidas como
derivadas da impossibilidade de significar uma situação vivida devido à
ausência de sentido e da incapacidade de compreensão por parte de um
sujeito frente ao inesperado, promovendo um corte na capacidade de
elaborar a situação por meio da linguagem (Gagnebin, 2009b, 2009d).
Ademais, são situações dotadas de uma vivência afetiva excessivamente
intensa, sentidas como angustiantes, deixando marcas indeléveis na
história do sujeito (Freud, 2006a).
08.3 – A montagem no cinema e na vida (os processos de subjetivação)
irá ter papel relevante na delimitação dos sentidos possíveis de serem
elaborados, nos efeitos que podem surtir das experiências, no conteúdo
das narrações que podemos compor. A teoria do intervalo de Vertov
nos aponta para a dinâmica dos contrastes e de como estes podem
balizar as relações estéticas22
que vivenciamos no encontro com um
outro ou com o real, seja na arte, seja na vida.
21 No texto “A psicanálise e as neuroses de guerra” (Freud, 2006b), Freud faz uma
descrição quase cinematográfica, ao estilo de Apocalypse Now (Coppola, 1979), para
distinguir os efeitos traumáticos da guerra sobre os soldados recrutados e sobre os
mercenários ou soldados profissionais. Nos primeiros, a guerra teria efeitos mais
devastantes em suas subjetividades, devido à experiência do choque e o conflito
moral em questão; nos segundos, os efeitos não seriam patológicos, pois já estariam
acostumados ou mesmo ansiando por tais condições. 22 Relações estéticas: “conceito que chama a atenção para a qualidade dos encontros
com um outro, presente ou ausente, marcados por um posicionamento que é ao
mesmo tempo afetivo, cognitivo, sensível, pela responsividade que o conota [...]
relações de alteridade, fundamentam-se em sensibilidades que estranham o instituído
149
[CENA 09 – MORTE COMO MATERIAZAÇÃO DO TEMPO]
09.1 – Umas das angústias mais amplamente compartilhadas pela
humanidade, nas diferentes eras e culturas, é a condição inexorável da
passagem do tempo, a degradação do corpo e o inevitável encontro com
a morte. Bazin (2018) observa que lutar contra o tempo, desenvolver
estratégias para burlar a morte, é uma necessidade humana. Diversas
culturas elaboraram as suas armas simbólicas para lutar contra a
presença fantasmagórica do fim, do vazio, do nada: condições
inconcebíveis ao simbólico no qual nos arranjamos como sujeitos.
Quando alguém escreve um livro, pinta um quadro, produz uma obra
que possa manter-se perene e fazer parte da história transcendo da
civilização, nutre a esperança da imortalidade, a possibilidade de sua
transcendência, construindo caminhos para que a alma possa migrar de
um corpo moribundo para a cultura e para a história (Gagnebin, 2009d).
09.2 – Talvez seja a linguagem cinematográfica aquela que pode
combinar e corresponder de forma mais satisfatória a dois fascínios da
humanidade: esquivar-se da passagem do tempo e conceder a
capacidade de dar vida ao inanimado (Mulvey, 2006). O cinema realiza
o registro dos momentos, movimentos, dos acontecimentos, das
experiências, preservando no passar do tempo o transcorrer dos fatos,
das histórias, as expressões faciais, semblantes, os discursos, os corpos
vibráteis. Constitui registros reproduzíveis, realidade sob processo
mitótico. O acontecimento se multiplica, transcende o espaço e o tempo
do aqui e agora. A mesma cena será revista inúmeras vezes em
incontáveis lugares, submetida a infinitas interpretações e afecções. O
instante móvel, registrado pela câmera, tornado cena, não morre mais,
enquanto houver quem o veja.
09.3 – Tradicionalmente 24 quadros por segundo. Esse é o número
necromântico que faz reviver os mortos, que coloca em movimento
aquilo que está embalsamado no registro fotográfico. Se a fotografia é
um corte do tempo, um instante congelado, processo que transforma a
e reconhecem infinitas possibilidades de devir e acolhimento das diferenças que
conotam ou podem vir a conotar a existência humana.” (Zanella, 2010, pp.34-35).
150
realidade animada no inanimado, o cinema realiza um processo inverso:
dá vida aos mortos conjurando-os 24 vezes por segundo.
09.4 – Se o corte móvel do cinema, o ato de isolar uma duração no
período de um plano, é aquilo que dá ao tempo um contorno e assim o
torna sensível, o imaginário da morte é o corte que opera sobre todo
sujeito e que vem a dar forma à ideia do que seja a existência. A finitude
da vida é o que torna o tempo uma dimensão tão elementar ao humano.
Em Ikiru (Kurosawa, 1952), o personagem Kanji Watanabe
(interpretado por Takashi Shimura) conscientiza-se de seu lugar no
mundo e o que representa as suas experiências, o encontro com o outro e
seu papel social quando é defrontado com a notícia de que lhe restam
apenas alguns meses de vida devido a um câncer terminal de estômago.
Como servidor público do município, submerso em documentações e
burocracias sem sentido, Watanabe-san vê 30 anos da sua vida passarem
em branco. A presentificação da morte após o diagnóstico o convoca a
uma respondibilidade. Uma vida que parecia eterna já não pode mais ser
desperdiçada. O tempo toma forma e faz-se presente. O personagem
vem a dar-se conta da alienação no qual estava engendrado e passa a
demonstrar atitudes mais éticas, afetivas e engajadas, como, por
exemplo, enfrentar os políticos e a máfia local para realizar a construção
de um parque, demanda da comunidade que se mostrava negligenciada
em consequência das amarras burocráticas da administração pública e da
falta de vontade política.
A tradução da palavra japonesa “ikiru” (生きる) é “viver”.
Watanabe-san só passou a “viver” após a morte dar contorno ao tempo;
após a morte, por contraposição, dar ao significante “vida” algum
sentido.
[Figura 02]: Em Ikiru, a vida toma relevância quando a morte institui um
corte, quando ela define uma duração.
151
[CENA 10 – EPÍLOGO]
10.1 – Montamos o tempo.
O tempo de nossa existência.
Montamos nossa existência.
O tempo não existe, não tem forma,
se não for preenchido de experiências.
10.2 – Sob a ordem da linguagem, tudo é mediado por um processo de
criação, de ficção, por onde caminhamos através de signos, como numa
corda banda estendida entre dois desfiladeiros, entre o sujeito e o
mundo. A vida humana se organiza segundo processos metafóricos e
metonímicos, no qual a relação com o real é predominantemente
indireta, inventada. No entanto, tal perspectiva não deve ser interpretada
como um subjetivismo alienado e delirante, visto que a travessia é uma
via de mão dupla. O mundo nos dá uma materialidade e inúmeras
orientações, para que venhamos a dotar de sentido nossas experiências, a
montar nosso mosaico com as peças disponíveis.
É da organização dos restos cotidianos que podemos atribuir
alguma singularidade aos processos de subjetivação e à composição de
nossas existências. Nas palavras de Deleuze, “esta produção de
singularidades (o salto qualitativo) se dá por acumulação de ordinários
(processo quantitativo), pelo que o singular é extraído do qualquer, é ele
próprio um qualquer simplesmente não ordinário ou não regular”
(Deleuze, 2018, p. 19). Para o autor, é na possibilidade de criar a partir
do vivido que reside a potência narrativa e inventiva da vida. Ou seja, a
vida não deixa de ser um processo de montagem entre fragmentos
ignóbeis e preciosos colhidos ao longo do caminhar. E dessas
composições possíveis elaboramos uma melodia.
10.3 – Manifesta-se, no recolhimento dos cacos, uma potente
estratégia metodológica para ir ao encontro do desconhecido, do estranho, do ignorado, daquilo que está a brotar pelos cantos, nas
sombras, por debaixo das grandes aparições, invisibilizado pela
excessiva emanação de luz, pelos amplos horizontes. Pesquisar em
psicologia é também processo de criação: criação de novas
152
discursividades, é produzir algum novo, é formular reflexões outras, é
trilhar caminhamos inexplorados, permitindo que do caos outras
virtualidades contornem o vivido.
10.4 – Olhar para cacos, restos, fragmentos é olhar para aquilo
que constitui nossas experiências cotidianas e que se entrelaçam para
compor o que somos. Assim, cinema e psicologia têm um mesmo
interesse: dar a ver aquilo que funda as nossas existências e que pode vir
a multiplicá-la, expandi-la.
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157
A MORTE COMO PRESENTIFICAÇÃO DA VIDA NO
CINEMA E NA MÚSICA
RESUMO:O presente artigo desenvolve uma reflexão referente à morte
como condição da vida a partir dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa
(1952), e La Strada, de Federico Fellini (1954). O artigo traça um
paralelo entre os contextos sociais e estéticos das duas obras e as situa
como criações oriundas de um realismo poético. Das inesgotáveis
análises possíveis das obras, o artigo se deterá sobre a presença da morte
em ambos os filmes e como a manifestação desta condiciona a vida das
personagens, as percepções de si e o encontro com o outro. O entoar da
música como prática que antecede e anuncia a morte é analisado como
forma de elaborar a própria finitude e desamparo advindo de um destino
inexorável. As análises dialogam com as teses filosóficas de Friedrich
Nietzsche referentes à necessidade de se reinterpretar a morte, com a
teoria cinematográfica de Gilles Deleuze, entre outros autores que
possibilitam, a partir do diálogo com a arte, uma problematização
referente aos temas abordados.
PALAVRAS-CHAVE: cinema, música, morte, Kurosawa, Fellini.
ABSTRACT:The present article develops a reflection about death as a
condition of life in the movie Ikiru, by Akira Kurosawa (1952), and La
Strada, by Federico Fellini (1954). The article draws a parallel between
the social and aesthetic contexts of the two cinematographic productions
and situates them as a poetic realism creation. From the many ways
these movies can be analyzed, the article will focus on the presence of
death in both histories and how the manifestation of it interfere the life
of the characters, the perceptions of themselves and their relationships
with others. The presence of music as a practice that precedes and
announces death is analyzed as a way of elaborating one's own finitude
from an inexorable destiny. The films dialogue with Friedrich
Nietzsche's philosophical theses about the need to reinterpret death, with
the cinematographic theory of Gilles Deleuze, among other authors that makes possible a debate between art and the topics covered.
KEYWORDS: cinema, music, death, Kurosawa, Fellini
158
INTRODUÇÃO
Fiodor Dostoievski é reconhecido, em partes, por tratar em seus
contos, novelas e romances, dos grandes temas da humanidade. Suas
narrativas não se restringem ao âmbito privado de suas personagens, em
suas aventuras idiossincráticas. O que as personagens do autor russo
encarnam são as reflexões referentes aos grandes dilemas, enigmas e
questões da existência. É mediado por essas inquietações que as
personagens vêm a agir e a desenvolver os seus enredos. As obras de
Dostoievski não se limitam a um contexto antropológico específico, elas
transcendem as fronteiras do tempo e das culturas, o seu sentido está
sempre por se fazer na interação com aquilo que Mikhail Bakhtin (1997)
chamou de “a grande temporalidade”.
A filosofia tem certa fama em agitar tais reflexões referentes à
existência, detendo-se sobre problemas que o método indutivo formulará
respostas. A arte, no entanto, também abordará tais questões, como o
faz Dostoievski, mas de forma distinta. Apresentará sobre outros tons e
sobre outra linguagem as indagações e reflexões relativas aos grandes
temas. Ambos realizam cortes sobre o real e tentam interagir com ele de
forma particular: a filosofia por meio da criação de conceitos; a arte por
meio de afectos e perceptos (DELEUZE, GUATTARI, 2010). Filósofos
e artistas vêm algo na vida que os ameaçam, são acometidos pelo saber
de uma grandeza incomensurável, e farão de suas atividades a tentativa
de responder tal atravessamento sublime.
Assim como na literatura, o cinema também tem se implicado, ao
longo de sua história, em lançar-se sobre os grandes temas, procurando
explorar, a partir da imagem-movimento, alguns dos enigmas da
existência. Reconhecido por suas afinidades e semelhanças à
Dostoievski, o diretor japonês Akira Kurosawa tem como marca de sua
filmografia a abordagem de importantes questões que não se limitam às
experiências individuais, mas que discorrem sobre a humanidade. As
histórias desenvolvidas pelos dois autores sempre têm um grande tema
que paira sobre todo o enredo, que influenciará as ações das personagens
e definirá um espectro reflexivo (DELEUZE, 2018). A construção de
suas obras se alicerça segundo as perguntas que são feitas para
responder a enigmas insolúveis. Abordar tais vicissitudes da vida, ir ao encontro das grandes
questões, implica seus autores a irem até as realidades cotidianas e
subjetivas, a submergirem nos aspectos humanos mais nefastos e nobres,
dos mais baixos aos mais altivos sentimentos, dos comportamentos mais
159
repugnantes e detestáveis a beatificações sublimes. Exige reconhecer
que deuses e demônios, heróis e facínoras, não residem apenas nas
fantasias populares, mas são projeções e atuações fecundadas no
cotidiano. O trabalho desses artistas é interpretar o vivido e, a partir
disso, criar um objeto estético que apresente esse real que se prolifera no
coletivo e em cada sujeito.
Dentre os muitos experimentos estéticos que se implicaram na
intentona filosófica dos grandes temas, um movimento que buscou
trazer para as telas do cinema esse humano desnudado e cru, foi o
neorrealismo italiano. Ainda sob os efeitos traumáticos da segunda
guerra mundial, os cineastas italianos procuraram expor, com
finalidades artísticas e políticas, as mazelas que se lançaram sobre a
população mais vulnerável num tempo de ódio e destruição. Federico
Fellini, dentre os importantes nomes que se destacam desse movimento,
foi um escritor e diretor que trouxe em suas obras uma expressão do
sujeito e de suas afecções, tendo como plano de fundo a miséria, o
desalento e a esperança de sua época.
Esse artigo desenvolve uma reflexão, a partir do filme Ikiru, de
Akira Kurosawa (1952), e de La Strada, de Federico Fellini (1954),
sobre uma questão inerente a existência humana da qual torna-se quase
inevitável não sermos interpelados por ela e termos nossas vidas
balizadas por sua presença. A questão que os dois filmes instigam
reflexão é a morte como presentificação da vida e nossa inelutável
finitude. Antes de se ater ao tema central, o texto segue por uma análise
do contexto estético dos filmes, reconhecendo nesse percurso um terreno
dialético entre o coletivo e o singular, entre o realismo e o poético.
DO NEORREALISMO AO REALISMO POÉTICO
O neorrealismo italiano surgiu concomitante ao término da
segunda guerra mundial e a reconstrução da Europa. Esse movimento
artístico-cinematográfico tinha como paradigma a denúncia dos horrores
da guerra e das sequelas que esta deixou sobre a população, via
realização de um testemunho de como as classes pobres estavam
enfrentando os desafios cotidianos de uma sociedade em ruínas. Nas
palavras de Italo Calvino sobre o cinema italiano do pós-guerra, “a tela era uma lente de aumento que focalizava o cotidiano de fora, obrigada a
se fixar naquilo sobre o que o olho nu tende a passar sem prestar
atenção” (CALVINO, 2011, p. 21). Almejava-se um cinema militante,
que não fechasse os olhos às desigualdades e à miséria humana
160
resultante dos modelos sociais vigentes na época. Com o intuito de ser o
mais fidedigno possível à realidade retratada, os filmes contavam com a
participação da população local para compor o elenco, filmavam em
locações reais, utilizavam de luz natural, procuravam eliminar o máximo
possível a “magia falseadora e hedonista” do cinema, aproximando sua
estética dos filmes documentários (BAZIN, 2018).
O cinema neorrealista procurou minimizar as narrativas baseadas
na imagem-ação. O realismo tradicional guiou a história por meio das
ações no qual as personagens se envolvem e desenvolvem. O novo
movimento declinou o uso constante de tal condução do pensamento por
meios das ações para montar a obra cinematográfica a partir de uma
imagem em devir que é puramente ótica. Menos explicativos, os planos
no neorrealismo passaram a se caracterizar pouco pelas ações das suas
personagens, porém mais pelo seu lugar no mundo, seu contexto de
existência e seu olhar sobre os fatos.
Segundo Deleuze (2013), a imagem do neorrealismo fundiu a
realidade com o imaginário. Buscou-se por uma imagem em aberto,
planos mais ambíguos, abertos para serem decifrados, que remete ao
espectador a sua interpretação, menos carregada de sentidos definidos a
priori. É característica estética das obras vinculadas a esse movimento,
apresentar, em suas tomadas, o puro visual da situação filmada, para
assim conclamar ao imaginário certa complementação, visto que a
imagem está carregada de lacunas semânticas a serem resolvidas pelo
expectador.
A estética documental apresentou um contexto social e político
da Europa no pós-guerra, como também — semelhante a um jornalismo
literário (Bazin, 2018), a uma análise ensaística dos conflitos sociais —
alcançou as experiências subjetivas daqueles que vivem, sentem e
significam as mazelas e dificuldades da destruição e reconstrução. Obras
de diretores como Fellini vieram a explorar o real que há nos afetos e
nas grandes questões humanas, mergulhando cada vez mais no sujeito
como representante de sua humanidade, transitando entre a marcante
crítica social presente no neorrealismo e um realismo poético (BOOTH,
2011), onde a realidade abordada apresenta-se como um amálgama entre
o coletivo e o sujeito.
Vivendo em características similares àquelas em que a sociedade
italiana estava — um país responsabilizado pelas perdas e gastos com a
guerra, cidades em ruínas, sentimentos de raiva por seus governantes
que arrastaram um país inteiro ao conflito e sensações de submissão
frente às ocupações dos países vencedores, uma sociedade desolada
pelas sequelas da guerra e pela incerteza em relação ao futuro, o Japão
161
enfrentava os mesmos desafios que seus antigos aliados italianos, como
também, estava afundado em um contexto que propiciava reflexões
estéticas próximas àquelas do neorrealismo italiano.
O cinema japonês, nos anos seguintes ao término dos conflitos,
buscou afastar-se das imposições que sofrera durante o período
nacionalista e militarista, que imponha aos produtores a exaltação da
cultura e dos valores japoneses, assim como esforçava-se para não
sucumbir à estética do cinema americano, que representava a ocupação e
o modelo de nação que dos escombros deveria se erigir. A arte
cinematográfica japonesa, respaldando sentimentos que pairavam sobre
essa sociedade, passa a ser caracterizada por uma larga produção de
filmes que refletiam a dura realidade de sua população num contexto de
pós-guerra (RICHIE, 2001):
A mesma transformação ocorreu em um outro
país derrotado, a Itália, onde os espectadores
podiam reconhecer a si mesmos nos filmes do
neorrealismo de Roberto Rosselini e Vittorio de
Sica: os filmes foram aceitos porque retratavam
verdades. No Japão, pela primeira vez, a maioria
da audiência estava agora aceitando e encorajando
os filmes que mostravam eles mesmos e como
viviam, ao contrário de representar aquilo que lhes
era dito para ser. (RICHIE, 2001, p. 116, tradução
nossa)
Os filmes do pós-guerra, tanto na Itália quanto no Japão,
passaram a buscar um modelo de criação estético-cinematográfica que
apresentasse a vida como ela é, em seus detalhes e suas nuances, em sua
realidade factual e afectiva. Os filmes passaram a ser sobre as pessoas
comuns, sobre seus cotidianos, sobre a pobreza, os desafios e as
conquistas do dia-a-dia. Histórias sobre emoções mundanas, mais
próximas dos humanos que lotavam as salas de exibição como forma de
se distrair dos traumas e dificuldades de uma sociedade ainda com suas
feridas expostas23
.
23
Esse modo de fazer cinema fica conhecido pelos teóricos do cinema
japonês como shomingeki (庶民劇) – gênero de filmes japoneses, com
referências estéticas ao realismo, que aborda a vida das pessoas comuns, a
classe média trabalhadora no Japão no pós-guerra (RICHIE, 2001).
162
Ikiru e La Strada, os filmes selecionados para análise,
não são filmes políticos panfletários, não há menções diretas do
contexto temporal e físico de onde as histórias se passam, não
há críticas diretas ao fascismo e ao militarismo, às práticas
governamentais que devastaram Japão e Itália, países de
origem dos filmes, respectivamente. O que ambos os filmes
abordam são condições a-históricas de afecções e sofrimento,
apresentam realidades subjetivas que transcendem tempo e
espaço, abordam facetas do humano que não se restringem a
um contexto histórico específico, mas sim a um comum, a
algumas das grandes questões da existência. O primeiro filme, produzido em 1952, apresenta a história de um
cidadão comum cuja vida foi consumida e desperdiçada em um trabalho
alienante. As relações com as pessoas são frágeis e superficiais, as
experiências de prazer são atravessadas pela culpa, e a inércia paralisou
por anos qualquer iniciativa que o permitisse sentir-se vivo. A
politicagem do setor público, as amarras de uma burocracia kafkiana e a
alienação no trabalho, características da sociedade japonesa, são temas
que atravessam a história da personagem que, nesse contexto social,
questiona-se sobre o que é estar vivo.
La Strada, dirigido por Fellini em 1954, percorre os recônditos de
um país em reconstrução acompanhando um casal de artistas nômades.
Unidos pelas circunstâncias, mas separados pelos afetos, o filme narra o
desencontro entre duas almas que experimentam formas distintas de
sensibilizar-se pelo entorno, mas que se vêm obrigadas a perambularem
juntas devido às dificuldades vividas pelas famílias pobres, pelo
desemprego, e por uma ausência de perspectiva de futuro.
Apesar das condições do contexto em que foram produzidos
apresentarem aspectos em comum, nesse artigo os dois filmes não serão
analisados a partir das semelhanças entre seus países de origem e suas
críticas sociais — estes elementos permaneceram como pano de fundo.
O foco desse texto é refletir sobre a presença da morte que ronda a
história das personagens e como ela interfere nas suas experiências
subjetivas e no rumo que suas vidas tomam.
163
SOBRE A MORTE E O VIVER
A estrada de nossas vidas é traçada entre dois grandes mistérios.
É uma estrada finita, com começo, meio e fim. Nela haverá paisagens a
serem admiradas, entre áreas rurais, florestas, montanhas, praias e
cidades. É possível escolher entre rotas vicinais ou caminhos
movimentados, entre caravanas ou peregrinações solitárias. Encontrar-
se-á outros transeuntes e estes podem passar ao largo ou se tornarem
companheiros de viagem. E, por mais que se pare e se aloje sobre um
certo local, desejando ali permanecer, criar raízes, sossegar a alma,
ainda assim a caminhada se impõe e o fim da jornada, defronte ao
grande mistério, será inevitável.
O caminho é traçado entre abismos lógicos, rupturas da
compreensão que nos afligem devido ao caráter provisório e etéreo dos
possíveis sentidos que podemos aferir a eles. Ao iniciarmos a
caminhada, olhamos para trás e nada vemos além daquilo que criamos a
partir das histórias que nos foram contadas. A estrada na qual nos
encontramos já se lança sobre uma paisagem que nos é estranha,
ameaçadora, abarrotada de pegadas e de desígnios estrangeiros. A
marcha é paradoxal, visto que caminha em direção ao destino no qual
ninguém quer alcançar — em direção ao abismo. Assim, o destino toma
contornos abissais, pois nossa razão, de tão acostumada às paisagens da
existência, não sabe deslumbrar o mergulho sobre o nada24
.
Ikiru (生きる) é o título da obra do diretor Akira Kurosawa,
lançada em 1952, cuja tradução literal do japonês para o português é
“viver”. Provocativo título para uma história que trata justamente de
uma sentença de morte, do diagnóstico de uma doença terminal. O
filme retrata a história de um burocrático funcionário público que, após
a constatação que tem apenas alguns meses de vida, percebe ter
desperdiçado seu tempo entre pilhas de papeis sem sentido, documentos
tão insignificantes quanto a si mesmo. Após trabalhar 30 anos nos
escritórios da prefeitura, sem nunca haver faltado um só dia, a
constatação é que, de fato, não fez nada ao longo dos anos.
Sua figura é motivo de escárnio. Seu apelido entre os fofoqueiros
da repartição é “Múmia”. Kanji Watanabe, o protagonista dessa história,
passou pela vida sem de fato vivê-la. O narrador do filme vai mais além:
24 Na filosofia budista, “nada” (無 - “Mu”) é para onde todos vão após a morte;
“Mu” é um não lugar, radical de negação, de ausência, de vazio (BARONI, 2000).
164
“Ele também pode ser um defunto. Na verdade,
este homem está morto há mais de 20 anos. Antes
disso, ele até viveu um pouco. E tentou trabalhar
duro. Mas agora, quase não se vê traço de sua
antiga paixão e ambição. Ele foi dominado
completamente pelas minúcias da máquina
burocrática... e o serviço inútil se desenvolve.
Ocupado, sempre tão ocupado. Mas na realidade,
este homem não faz absolutamente nada.”
(Narrador em off de Ikiru, 1952)
No entanto, seu sonambulismo é sacudido pelas evidências de
que um câncer de estômago lhe concedeu apenas alguns poucos meses
de vida pela frente. A paralisia que a notícia lhe causou, a melancolia
que o atravessou pensando nos anos desperdiçados, na juventude que o
tempo levou e a maníaca busca por companhia e diversão, a fim de viver
tudo o que deveria ter vivido enquanto lhe restava tempo, são afetos que
não lhe dão nenhum acalanto satisfatório frente à sua morte próxima e
certa.
A questão colocada por Kurosawa não se dirige ao drama se a
personagem irá ou não morrer de sua doença, mas sim se irá viver algum
dia. Sua desesperada e fundamental pergunta, destinada aos seres
despertos, é: “o que os fazem tão vivos? Como posso ser como vocês?”
A personagem bradou por essa resposta para que possa experimentar o
que é estar vivo. A presença da morte a impulsionou a responder o que é
a vida e como é possível sentir-se parte dela: o que é viver e como posso
fazê-lo? Eis que, em um momento de desespero e revelação, Watanabe-
san pareceu vislumbrar uma pista que levará à sua resposta e ao seu
renascimento.
É uma expressão póstuma de Nietzsche a afirmação de que há
uma necessidade de se reinterpretar a morte (NASSER, 2014).
Abandonar-se na correnteza que segue vida abaixo, alienar-se como
vítima de um passar inevitável, é um não viver. A possibilidade de
existir está no ato de tomar vida como um “eu quis assim”, ao invés de
“foi assim” (NIETZSCHE, 1985, p. 107). Apropriar-se de suas ações,
engajar-se em suas escolhas e responder por seus desejos — eis um
sujeito que pode dizer ter vivido. Estar vivo é poder agir, é objetivar-se a partir de atividades que se
realizam em um meio social e que são dotadas de sentidos que possam
ser compartilhados. Watanabe-san definirá a vida como agir, estar vivo é
uma experiência que se constituí através do fazer; “viver significa fazer”
(EGGERT, 2009, n.p. tradução nossa). Kurosawa jogou com os
165
elementos da imagem ao justapor o momento de epifania da personagem
com uma festa de aniversário que se dá no plano de fundo. Conforme
Watanabe-san desce as escadas em estado de excitação com sua
descoberta, aos fundos um grupo de jovens cantam “happy birthday to
you” para a personagem figurante que sobe em sentido contrário. Os
significantes se mesclam e a cena vem a expressar o renascimento de um
homem moribundo.
A percepção de Watanabe-san em relação à própria existência
tomou outro sentido, representado como um renascimento que se dá
poucos meses antes de sua morte, quando este passa a se apropriar de
uma iniciativa inclinada ao ato criador, fazer algo em vida, realizar uma
atividade dotada de sentido, de concretude (KAUFMAN, 2009). A
personagem veio a sentir-se vivo quando passou a engajar-se em uma
ação social em sua comunidade. O pedido da construção de um
parquinho para crianças, com intuito de remover uma área de esgoto a
céu aberto, foi feito à prefeitura por moradoras da região; no entanto, a
máquina burocrática submeteu a solicitação a um labirinto sem saída. O
filme apresenta a dinâmica do setor público de uma época em que falta
de vontade política e engessamento das atividades condenavam muitos
projetos ao engavetamento. Romper com a inércia do sistema e com a
sua própria paralisia e insignificância tornou-se o mote da personagem,
condição para perceber-se viva nos seus momentos derradeiros.
O que levou Watanabe-san a despertar de sua catatônica relação
com a vida é sua sentença de morte. Foi o corte que instaurou a presença
do tempo, que só pode ser apreendido ao aferir-lhe uma finitude, um
contorno, um limite que lhe dê forma. O todo, diz Deleuze (2018), não
pode ser dado, não é passível de estabelecermos relação. Apenas um
corte, um plano, pode dar-lhe consistência. Assim, a iminência da morte
fez esse papel de corte, vindo a instaurar o tempo e a presentificar a
possibilidade de vida. O fim anunciado pela morte certa lhe colocou um
prazo: caso não vivas até lá, jamais o fará. Como na expressão de língua
inglesa “deadline” — a linha da morte como o prazo final; será esse
limite, o saber referente a uma castração absoluta, que fez urgir-lhe o
sentimento imperioso por viver.
E não nos identificamos, nós expectadores(as), com a experiência
referente ao tempo vivida pela personagem? Os longos prazos parecem
fazer referência a uma outra dimensão. Planos para anos distantes estão
sempre muito longes e desprovidos de qualquer urgência. Quando
crianças, não concebemos que o tempo passa e que em breve seremos
adultos. Quando olhamos para um idoso em sua longa caminhada,
retratada em sua feição rugosa e em seus movimentos vagarosos, nossa
166
juventude escoa por entre as raias do tempo e logo seremos o seu
espelho, se vivos mantermo-nos. O tempo, sem os representantes que
lhe dão contorno, é uma ausência — e algo só pode tomar forma se
situado no tempo25
.
Em um pequeno ensaio de 1915 intitulado “Sobre a
Transitoriedade”, Freud (2006) discorre sobre os afetos pelo qual as
pessoas são acometidas quando se deparam com a finitude de tudo que
as cerca. Contrapondo-se ao pensamento pessimista que destitui de valor
a vida devido a sua impermanência, o autor brada que é justamente a
transitoriedade das coisas, das pessoas, das paisagens, dos encontros,
que as abunda de relevância. A escassez de tempo é justamente aquilo
que torna tão precioso cada momento vivido. É a ideia de um fim
inexorável que conduz à necessidade de fazer-se existir.
Próximo ao pensamento de Freud, a vida, para Nietzsche, é um
fragmento fugaz de um eterno inorgânico, uma variedade rara que
sempre retornará à sua condição prévia (NIETZSCHE, 2008), fazendo
da morte uma experiência intrínseca ao próprio ser. Instituí-la como
participante da vida é dar lhe lugar na experiência do sujeito, fenômeno
que, junto com os demais elementos que compõe as nossas vidas, atuará
ativamente nos processos de subjetivação. Tal presença, para Nietzsche,
pode ser encarada com niilismo e desespero, como os “pregadores da
morte” o fazem (NIEZTSCHE, 1985, p. 34), ou pode ser encarado como
o corte que situará um fim, e este fim é o mesmo término que, em algum
momento, os artistas precisam definir em relação às suas obras de arte:
“acabada, enfim!”. Dessa forma, a presença da morte não acomete o
sujeito pelo desamparo frente o fim derradeiro, mas sim como
celebração de uma conquista, obra dada por acabada, atividade
realizada.
A partir da sua concepção de eterno retorno, uma vida que se
repete incontáveis vezes de maneira idêntica, Nietzsche nos implica a
refletir o quão gratificante seria esse destino ou se esse não seria a mais
dantesca imagem da danação (NIETZSCHE, 2008). Dessa forma o autor
altera a própria noção de tempo, esse que deixa de passar, para se repetir
eternamente. Ademais, nos implica a responsabilizar-se por como esses
instantes eternos estão sendo vividos.
25 Talvez seja esse um dos propósitos da existência dos calendários, das
comemorações de aniversário, das festividades de fim de ano, dos ciclos
representados de formas distintas nas diversas culturas: dar forma ao tempo,
instituindo a sua presença e seu movimento.
167
Entre aqueles que comparecem no funeral de Watanabe-san e
discorrem sobre os últimos meses de vida do finado, há certa
incompreensão do porque esse homem mudou tão repentinamente e
passou a expressar comportamentos tão erráticos. Sua missão não serviu
de ensinamento aos que o acompanharam nos derradeiros momentos,
pois uns não compreenderam os sentimentos que o afligiam e outros
permaneceram agarrados aos seus velhos hábitos e num trabalho sem
propósitos. No entanto, Watanabe-san não parecia imbuído de uma ânsia
messiânica. Sua intenção não era dar uma lição ou deixar um exemplo,
mas sim garantir que sua vida valesse de algo, e que, caso tivesse que
revivê-la eternamente, poderia ao menos desfrutar de algumas
passagens.
Em La Strada, de Federico Fellini (1954), o caminho trilhado
pelas personagens se encontra encerrado entre dois oceanos, desde a
partida da jovem Gelsomina em sua jornada sem volta, ao calvário do
bruto Zampanò, torturado pela solidão, consequência de sua própria
brutalidade — sujeito que, como um cão, ao tentar falar, consegue
apenas latir26
. Dois oceanos que representam o início e o fim da estrada
da vida criada por Fellini. La Strada pode ser considerado um filme de
despedidas, entre mortes, partidas, abandonos e errâncias.
Gelsomina, quanto se despede de sua família, sabe que não irá
retornar. Gelsomina pergunta à sua mãe: “— E quando volto?”. A
resposta em meio ao choro e lágrimas é: “— Não voltarás, não voltas,
filha minha!”. Seu destino é o mesmo de sua irmã Rosa, que tempos
antes foi levada pelo mesmo homem e encontrou como seu destino a
morte. Este homem — Zampanò — está de volta à mesma família para
angariar mais uma companheira para sua andança moribunda. A
despedida tomou tons melancólicos. Gelsomina partiu numa carroceria
puxada por uma velha motocicleta, as crianças correm atrás para se
despedir. Ela acenou, a moto acelerou e a estrada tomou seu curso,
deixando para traz a terra natal, para onde ela nunca mais irá retornar —
e Gelsomina sabia disso.
Assim, a personagem partiu em sua peregrinação. O filme
acompanha as experiências exaustivas da vida daqueles que fazem da
estrada a sua morada: dormir ao relento à beira das rodovias, depender
da ajuda dos estranhos que encontra pelo caminho, o não saber ao certo
o que comerá e onde estará no dia seguinte. Gelsomina deixou para traz
26 Expressão utilizada pela personagem Il Matto para descrever os afetos de
Zampanò.
168
a segurança do lar para vivenciar as durezas da estrada e conviver
cotidianamente com a frieza e grosseria de Zampanò. Porém, ela vem a
demonstrar resignação frente às dificuldades impostas pela pobreza e
pela vida de andarilha, ancorando-se no propósito de ajudar Zampanò
por meio do amor, do cuidado e da dedicação, passando a ser este o
sentido de sua estrada: “— Se eu não ficar com ele, quem ficará?”
O autor Pascal Couté (COUTÉ, 2016) compara a obra de Fellini a
uma saga franciscana, ao destacar que Gelsomina não expressou
descontentamento ao viver na pobreza, nem tem interesses em bens
materiais ou exigências em relação ao futuro. Sua estrada é uma “saga
espiritual” de contemplação da natureza e de amor ao próximo.
Gelsomina atribuiu como sentido de sua vida dar amor a um homem que
não o possui e viver as experiências de encontros com o inesperado.
Cada encontro com o outro, com o natural ou com o inorgânico ganhou
um relevo especial, um olhar de encantamento27
. A personagem
maravilhou-se ao flertar com o novo, com o exótico, entusiasmou-se
com a oportunidade de viver a diferença e ir ao encontro do
desconhecido.
O encanto de Gelsomina pela vida e sua disposição ao encontro
com a alteridade, sua resignação aos bens materiais e a sua pergunta
sobre o propósito de sua existência poderiam ser indícios de que a
personagem deu por certa a sua morte prematura e por isso valorizou
cada encontro como se não houvesse um a posteriori, assim como Kanji
Watanabe? Em La Strada a morte não anuncia a sua chegada de forma
declarada e inevitável como em Ikiru, porém, seria a sua presença à
espreita a nuance que lança Gelsomina ao enamorar-se com os seres
vivos e com as formas do mundo natural, a demonstrar-se tão
deslumbrada com as vivências que estabelece em sua jornada?
O que se pode afirmar sobre a relação de Gelsomina com a morte
está relacionada ao acidental assassinato de Il Matto, decorrente de uma
briga com Zampanò, morte esta que veio a relevar a Gelsomina toda a
crueza do mundo da forma mais insuportável. A presentificação da
barbárie, da culpa e da vilania do humano acabou por ser desestruturante
à personagem. O real que se apresentou a ela, em face da morte de seu
amigo, a impeliu a uma condição de loucura e devaneios ilógicos. A
dificuldade em significar o atravessamento da morte em sua caminhada
tomou uma estrutura de trauma e passou a desorganizar a sua relação
27 Uma pedra qualquer, recolhida do chão e dada a Gelsomina por seu amigo
trapezista Il Matto, torna-se um dos seus amuletos de reflexão sobre o sentido de sua
própria existência.
169
com Zampanò e com a vida. Este acontecimento representou o epílogo
da sua jornada, antes desta ser findada com o próprio falecimento.
Depois que Gelsomina passou a ser acometida por delírios e por
uma tristeza irreversível, após ter presenciado a morte de Il Matto,
Zampanò resolve deixá-la. Enquanto a moça dormia sob o sol à beira da
estrada, ele arrumou suas coisas e parte com sua casa-moto, deixando
para ela apenas um cobertor, alguns trocados e seu trompete.
Na obra de Fellini, a morte também se mostrou como elemento
balizador do sentido da existência a partir do impacto que a notícia do
falecimento de Gelsomina tem sobre os até então frios afetos de
Zampanò. De passagem por uma cidade qualquer, no seu perene vagar,
Zampanò descobre que Gelsomina por ali passou e que nesta localidade
morreu cerca de cinco anos antes. A descrição de uma aldeã é que
morreu louca, enfraquecida e de tristeza. Na história de dele, Gelsomina
foi a única pessoa que demonstrou admirá-lo com sujeito e como
humano; foi a única a amá-lo, a conceder a ele um lugar de valor e um
olhar de carinho. Ao saber da sua morte, algo se irrompe e a muralha
que sempre apartou Zampanò do encontro com o outro vem abaixo.
Fellini procurou trabalhar nas últimas cenas do filme a solidão de
um homem que não conseguiu manter laços afetivos, que se percebeu só
num mundo pouco acolhedor, um contexto em fragmentos devido a uma
guerra recente. Vociferando para seus fantasmas que não precisa de
ninguém. Embriagado, expulso sob socos de uma taverna e
completamente só, Zampanò — à beira do noturno oceano que se
estendeu ao infinito — enfim vem a se deparar com o fel que sempre lhe
engasgou a garganta e que o condenou à solidão. Zampanò andou
cambaleante pela praia, lavou o rosto no mar e caiu sobre a areia. Uma
imagem próxima de seu rosto, um olhar surpreso e apavorado. Ele olhou
para o céu e não vê ninguém. A morte de Gelsomina o colocou em
contato com sentimentos outrora ignorados, obrigando-o a olhar de
frente para a sua vida e dar-se conta do que ele estava fazendo com ela.
A dor dilacerante que Zampanò vem a sentir naquela noite é resultante
do seu encontro com a vida, após muitos anos ignorando-a.
[Figura 01 – o fim da estrada, o encontro com o oceano]
170
No último plano de La Strada (figura 01), a câmera parte de um
close sobre o homem em prantos encolhido sobre a areia e dele vai se
afastando, diminuindo o tamanho desse corpo e aumentando a percepção
de sua solidão e do mar que se avizinha como o fim de sua estrada.
Fellini criou uma imagem-afecção que toca o sofrimento de uma alma
que descobriu que está só e que é responsável por haver afastado a todos
que pudessem o acompanhar nessa jornada tão rude como pode ser a
vida. A imagem do desfecho trágico foi acompanhada da música que se
constitui, ao longo do filme, como o réquiem de Gelsomina.
RÉQUIEM ANTE MORTEM
Réquiem é o nome das missas ou cânticos católicos oferecidos
aos mortos e ao descanso de suas almas. A origem da palavra deriva do
latim requies, cujo significado remete a “repouso”, “quietude”. O termo
também é empregado para designar o gênero musical das composições
voltadas para as cerimônias fúnebres ou para homenagear os mortos.
Nos dois filmes abordados neste artigo, a música configurou-se como
uma presença das personagens mortas que continuou ressoando entre os
vivos. Ambos — Watanabe-san e Gelsomina — antes e após as suas
mortes, são associadas à música que cantarolavam, em suas passagens
moribundas, como um prenúncio do desfecho inevitável.
As duas personagens são as trovadoras dos seus próprios
réquiens. Watanabe-san, em duas passagens de Ikiru, deixou escapar,
como que num gesto do qual está alienado, os versos da música Gondola
no Uta (ゴンドラの唄 – Canção da Gôndola). Numa noite de esbórnia,
da qual Watanabe-san procurou experimentar o que seria viver gerido
pela bebedeira, em festas noturnas, entre jovens mulheres e encontros
amorosos, irrompeu, no auge da noite, o saber de que continuava só e
isolado de todos esses estranhos que o cercam. Com os olhos banhados
em lágrimas e um olhar perdido no vazio, Watanabe-san começou a
murmurar, praticamente sem mover os lábios:
A vida é tão curta,
apaixone-se, mocinha.
Antes que se desvaneça
o vermelho escarlate dos lábios
Antes que se arrefeça
171
o sangue em fluxo de calor
Porque os dias do amanhã
não existem
A vida é tão curta,
apaixone-se, mocinha.
Antes que se desvaneça
a cor preta dos cabelos
Antes que se apaguem
as chamas do coração
Porque o dia de hoje
não virá jamais28
O cântico será novamente retomado na noite de sua morte.
Sozinho em um balanço para crianças, numa noite escura de neve e
desabitada, no parque infantil que foi a sua mais significativa realização
em vida, os versos entoados do poema parecem ter sido suas últimas
palavras. Quem testemunhou a cena foi um guarda transeunte, que
depois vem a relatar a cena para os presentes no funeral. Watanabe-san
já anunciava a seu fim com o cantarolar do seu réquiem — ele cantou a
sua morte para si mesmo.
Em La Strada, Gelsomina encontrou na música um acalanto
frente a tantas provações a que é colocada. O trompete foi seu
companheiro. Nas apresentações circenses da dupla Zampanò e
Gelsomina, a tarefa desta era anunciar o artista com seu tamborzinho ou
com la tromba. São diversos os planos do filme onde o trompete
apareceu junto à personagem, como um espírito que paira ao seu lado,
esperando a hora de ser invocado.
A melancólica melodia que marcou a personagem, lhe foi
ensinada por seu falecido amigo Il Matto. Uma suíte em Fá maior de
Nino Rota, a música suscita os sentimentos de abandono e tristeza que
acometeram Gelsomina. Na execução da melodia, a personagem
salientou toda a dor, o desalento e o melancólico destino da dupla,
dando contorno à atmosfera que os enreda. Sua musicalidade é um gesto filosófico, que tornou perceptível a grande questão sob o qual a sua
estrada se desenvolve. Como provoca Nietzche, “já se percebeu que a
música faz livre o espírito? que dá asas ao pensamento? que alguém se
28 Tradução de Júlia Orie Yamamoto.
172
torna mais filósofo, quanto mais se torna músico?” (NIETZCHE, 2016,
p. 12).
Sempre entoando a melodia por onde passava, a personagem vem
a ser lembrada por essa composição. Nos seus anos finais, após
abandonada à sua própria sorte, vagando por vilarejos, Gelsomina
carregava consigo seu trompete e, depois de sua morte, era por tal
melodia que era lembrada. O tema musical será uma marca da existência
da personagem e esta continuará a reverberar na memória daqueles que
ficam toda vez que a música for rememorada. Gelsomina deixa a vida
para se tornar música.
[Figura 02 – Gelsomina: corpo e música]
A música no cinema participa da potencialização de uma
expressividade, favorecendo certo estado emocional por aqueles que são
interpelados pela obra (AUMONT, 2012). Seu componente rítmico e
melodioso cria uma atmosfera que provoca certas experiências físicas e
emocionais. A música, somada à imagem, produz experiências afectivas,
inspira estados emocionais, abrindo caminho para o encontro com
esferas do humano pouco correspondidas pelo espectro da razão:
A música não refere nem nomeia coisas visíveis,
como a linguagem verbal faz, mas aponta com
uma força toda sua para o não-verbalizável;
atravessa certas redes defensivas que a
consciência e a linguagem cristalizada opõem à
sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do
mental e do corporal, do intelectual e do afetivo.
Por isso mesmo é capaz de provocar as mais
apaixonadas adesões e as mais violentas recusas.
(WISNIK, 1989)
Morin destaca que a música é uma experiência cinestésica, visto
que coloca os afetos em movimento, embebendo a alma em uma
atmosfera particular: “A música tende a alargar a participação da alma
173
em uma participação cósmica. A música expressiva tende a orientar a
participação cósmica para uma exaltação da alma” (MORIN, p. 140). A
alma é convocada a dançar, arrastada pelo cortejo, como uma onda
invisível que nos sacode e nos arrebata para um oceano de sensações,
emoções, memórias, afecções.
A visão e o tato são sentidos mais próximos à concretude da
realidade. Estamos mais acostumados a interagir com o mundo físico
através desses dois sentidos. A música advém de uma materialidade em
constante aparição de ausência, de uma substância intangível, sons que
se afirmam presentes na sua fantasmagoria. Devido a essas
características, em diversas culturas à música se afere qualidades
análogas às propriedades do espírito; música como substância de
passagem entre a realidade material e o invisível, entre o mundo dos
vivos e o mundo dos espíritos (WISNIK, 1989; COUTÉ, 2016).
A música, como esse elemento etéreo e penetrante na dinâmica
dos afetos, revela algo do movimento do caos – plano do qual partem
todas as realidades possíveis. Para Schopenhauer (2005), a arte do som
deve ser refletida segundo “uma significação muito mais séria e
profunda, referida à essência íntima do mundo e de nós mesmos” (ibid,
p. 337). Dando continuidade ao pensamento do filósofo alemão,
Nietzsche corrobora com a mesma perspectiva ao afirmar que “somente
a música, colocada junto ao mundo, pode dar uma noção do que se há de
entender por justificação do mundo como fenômeno estético.”
(NIETZSCHE, 1992, p. 141). Nietzsche busca na experiência musical a
configuração na qual o real se revela, entre cosmos e caos, entre ordem e
desordem, entre Apolo e Dionísio.
Abdicando de uma vida cerceada pela lógica racional e
antagonista à experiência da morte, ao se fazerem música, as
personagens de Fellini e Kurosawa têm a sua alforria em relação
ao medo da finitude para transcenderem à dinâmica do caos, de
onde tudo parte, tudo torna-se possível e nada é. A força
dionisíaca da arte musical liberta as almas de Watanabe-san e
Gelsomina para estas se encontrarem com a vida. Ambos, ao
morrerem, transcendem à música. A partir dos autoproclamados
réquiens, ambos deixam o corpo e tornam-se música. Suas presenças estão para além das manifestações concretas que os corporificam.
Watanabe-san, que temia deixar a vida antes de edificar a sua missão
social, não soube que continuaria vivo nos versos de Gondola no Uta.
Assim como Gelsomina, que, após a sua morte, ao presentificar-se por
174
via da melodia, enfim tocou a alma de Zampanò, despertando no bruto a
dor intrínseca à saudade, ao amor e à solidão.
FINALIZANDO
Qualquer digressão filosófica ou intelectual fica um tanto aquém da
potência estética que a obra artística pode suscitar. Os filmes nos arrebatam
em nosso âmago, abrindo fendas no nosso ser conforme somos tocados
pelas narrativas e pelas realidades ficcionadas. A imagem-movimento
apreende um recorte do real e sua compreensão muitas vezes nos escapa,
nos impacta, nos ensina – nos dá a ver um mundo e um humano que escorre
por entre as fissuras da razão e do cotidiano. A arte cinematográfica produz
realidades que são tão reais quanto qualquer outra; são fragmentos do caos
do qual tudo se origina; são atos de criação daquilo que pode vir-a-ser.
Não há linguagem que possa descrever as experiências de uma alma
banhada pelos espectros sonoros, pelas ondas vibratórias numa
configuração singular, pela arte do som. As partituras apenas designam uma
sequências rítmica, harmônica e melódica, mas não comunicam os efeitos
que a composição terá sobre o sujeito ouvinte, ou quais emoções, memórias,
desejos e fabulações serão despertadas por onde as ondas se chocam.
No entanto, essas duas linguagens artísticas, nas suas infinitas
potências criativas e estéticas, produzem um saber singular sobre a vida,
instigam um conhecimento sobre o real que a razão deixa escapar, que a
ciência não consegue elaborar, que a filosofia ronda mas não pode alcançar.
O encontro de som e imagem, no cinema, potencializa esse saber.
A reflexão aqui desenvolvida, inspirada nos filmes Ikiru e La Strada,
em suas personagens, seus contextos histórico e sociais, nas suas qualidades
estéticas, nos seus ritmos e melodias, apenas gravita em torno das obras –
tão diminuto quanto um astronauta gravitando em torno da Terra. Porém,
esse astronauta vê algo que poucos podem ver, pois está numa perspectiva
rara. Difícil descrever o que vislumbra, faltam-lhe palavras, transbordam
emoções. É tudo demasiado imenso, e ele apenas uma partícula
insignificante.
A arte é inesgotável, pois as suas linhas de fuga se confundem com o
infinito do caos. Realizar uma interpretação, uma análise, é dar-lhe um
limite, é efetuar-lhe um corte, um fragmento morto, embalsamado. Contudo,
só a morte nos dá contorno, forma, sentido. Não captamos o caos, apenas
seus resquícios cristalizados, tornados ordem, realidade.
As obras de arte são corpos celestes e nós, astronautas.
175
REFERÊNCIAS
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WISNIK, J. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
177
CONCLUSÃO
Após quatro anos envolto em leituras, debates e pensamentos
sobre o papel da arte como paradigma epistemológico — procurando
responder o que pode dizer o cinema em relação ao humano e à
realidade, sob quais aspectos ele nos oferece um saber que os
consagrados métodos científicos não nos possibilitam; buscando
conhecer conceitos próprios dessa linguagem estética que provocassem
reflexões filosóficas e científicas para além do território já delimitado
pela psicologia; que possibilitem paisagens inéditas, outros saberes,
ideias insólitas, novos entendimentos — concluo que encontrei, para
além de algumas respostas previamente almejadas, um vasto universo
que se abriu à minha frente. Quatro anos de pesquisa representam
apenas os primeiros passos de uma longa estrada em direção a esse
horizonte: a arte como um plano de formulação de conhecimento sobre
o sujeito e sobre a vida.
Os cinco artigos que compõem esta tese não têm a pretensão de
esgotar o tema. Ao contrário, o que pretendem é instigar uma abertura,
fomentar a curiosidade, apontar caminhos possíveis, corroborar com um
paradigma epistemológico em que a arte é seu fundamento. Os artigos
possuem independência entre si e procuram apresentar, sob perspectivas
distintas, as potências estéticas do cinema e seu diálogo com a ciência.
Porém, juntos, os textos nos oferecem um panorama composto de cinco
olhares complementares: expõe um cenário científico e como o cinema
está presente, provoca uma problematização referente aos limites da
ciência em face às potências da arte, contempla três elementares
conceitos da linguagem cinematográfica e debruça-se sobre a análise das
obras fílmicas para, a partir dessas, criar reflexões pertinentes à
psicologia. A revisão sistemática revelou que há um número
significativo de trabalhos que têm realizado aproximações entre cinema
e psicologia e que esse diálogo pode ser profícuo para se lançar em
direção a variados propósitos, como os trabalhos que visam objetivos
teóricos, didáticos e/ou epistemológicos. O cinema como recurso
utilizado para se produzir saber em psicologia se mostrou presente em
diversos segmentos da produção acadêmica nacional, está presente nos
estudos das diferentes abordagens psicológicas e nos mais diferentes
contextos de trabalho e intervenção, não se restringindo a uma linha de
trabalho ou a um pensamento específico.
O debate que visou problematizar a prática científica e seus
parâmetros de validação, de construção de verdades, de elaborações do
178
real, discorreu sobre a arte como um plano autônomo na formulação de
conhecimento, assim como um paradigma complementar à ciência
moderna, no seu propósito de produzir conhecimento sobre a realidade e
sobre o humano. O plano de composição no qual a arte se localiza
(DELEUZE, GUATTARI, 2010) aguça nosso encontro com afectos e
perceptos, elementos que compõem um bloco de sensações, experiências
que nos colocam em face à vida, tocados pelo inconstante pulsar de um
caos que está sempre por recriar-se. É o movimento do real atravessando
o corpo, presentificando a sua imaterialidade por meio de afecções.
Experiência esta que pode ser apenas sentida, sendo inalcançável aos
esforços do plano das referências e seu exercício de descrição.
Imagem-tempo-montagem, os três conceitos que foram
abordados a partir das teorias da linguagem cinematográfica, revelaram-
se valiosos na busca por respostas a algumas perguntas da filosofia e da
psicologia. Os conceitos possibilitam uma fabulação referente à
organização e à estrutura da realidade, como essa pode ser interpretada e
como navegamos sobre esse oceano sempre por desvendar-se. A
imagem nos concede fragmentos sensíveis que figurarão como
elementos de um grande mosaico e ser arranjado, compondo nossos
processos de subjetivação e os sentidos que atribuímos à vida: imagens-
movimento como fragmento da vida, e imagem-pensamento como
produção de sentidos em sujeitos em devir. Tais experiências
transcorrem na presentificação do tempo e na sua relação com o ato da
montagem. Para se dar uma forma tangível ao tempo, faz-se necessário a
ação que o instaura, um corte, uma delimitação do infinito. Os
segmentos de tempo, tornados duração pelo exercício do corte e
organizados segundo uma montagem particular, produzirão as narrativas
possíveis sobre o vivido, sejam estas experiências subjetivas ou
reflexões sobre a realidade coletiva. Imagem-tempo-montagem
apresentam-se como conceitos de profunda riqueza teórica e estética
para nos aventurarmos entre os enigmas da existência.
Os filmes analisados nesta tese fomentaram uma complexa rede
de reflexões, de encontros e sensações. Cada obra despertou um singular
olhar para as diferentes questões levantadas, possibilitou uma
elaboração teórica, assim como afecção em particular. Os pensamentos,
afetos e movimentos que os filmes podem instigar não cabem em uma
tese, nem mesmo em uma teoria filosófica ou científica. As
elucubrações intelectuais são apenas inspiradas pelas artes, e não se
pretendem traduzi-las, replicá-las ou transformá-las em corpo teórico, de
modo que as obras mantêm as suas independências e unicidades. Os
estudos que tomam a arte como objeto de reflexão não deveriam visar a
179
explicação desta (nem mesmo o conseguiriam), mas privilegiar a
maneira como o autor foi instigado pela obra, que ideias e emoções
puderam ser tecidas a partir desse atravessamento.
Pensar psicologia sob a ótica do cinema suscita-nos uma
ampliação dos olhares possíveis em relação aos temas de nosso
interesse, uma expansão nas possibilidades de compreender. A arte pode
fomentar uma produção de saber de cunho qualitativo que amplifica os
encontros possíveis. Em vez de simplificar as respostas em grandes
generalizações, como faz a ciência moderna, a arte instiga o encontro
com o singular, plural, irreproduzível (COSTA, FONSECA & AXT,
2014). Uma epistemologia que se lança nos horizontes da experiência
artística reconhece como inerente à qualquer produção discursiva o
exercício de ficção, de fabulação, de criação — estas não como
falseamento da realidade, mas no entendimento de que a realidade é
oriunda do gesto criador e está condicionada a um eterno devir.
Algo dessa epistemologia nos atravessa, nos afeta, desorganiza;
consolida um saber que não diz respeito somente ou
preponderantemente a nossas faculdades intelectuais ou elaborações
cognitivas. A escrita de qualquer estudo que visa contemplá-la estará
sempre aquém daquilo que imagens, sons, formas, movimentos e toda a
poética que os instaura pode nos causar. Teorizar sobre a potência
provocativa, criativa, revolucionária da arte torna-se um exercício por
vezes inócuo. Com palavras podemos apenas bordear e elucubrar sobre
seus efeitos, porém muitos deles são intraduzíveis.
Após rever diversas vezes as passagens de Ikiru e a busca de
Watanabe-san por um sentido; por ficar com Gondola no Uta ressoando
em minha cabeça como uma trilha sonora que emana do além; ao ser
capturado pelo olhar desolado de Gelsomina e sentir sua dor na melodia
que entoa; após anos de reflexões suscitadas pelos fragmentos de
Waking Life e na busca por ver-me imerso em holy moments; ao viver
uma experiência antropológica guiada pelo gesto voyeur e pelo
perambular de Wim Wenders pela Tokio dos anos 80 — percebo, em
cada novo atravessamento do meu corpo por essas obras, que há algo
que se torna mais presente, mais intenso, mais vasto e, ao mesmo tempo,
mais indescritível. A força com que a arte nos acomete, quanto mais
sublime for essa experiência, menos transmissível por meio de palavras
e racionalizações se torna. Talvez, para ser narrada de forma mais
fidedigna, seja relevante elaborar meios para uma transmissão que seja
também estética.
180
REFERÊNCIAS
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BAKHTIN, M. (1997). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
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BUENO, G. Política, subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade
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185
ANEXO
A tabulação presente neste anexo refere-se à Revisão Sistemática
realizada no artigo “A produção científica na interface cinema e
psicologia: uma revisão sistemática”. Abaixo estão referenciados os
artigos, dissertações e teses, publicados entre os anos de 2000 e 2017,
encontrados nas bases de dados Scielo, PePSIC, BDTD e Banco de
Teses e Dissertações da CAPES, combinando os descritores “cinema” e
“psicologia”. A apresentação da pesquisa está dividida entre as
categorias “análise de filmes”, “cinema em atividades de intervenção” e
“epistemologia e metodologia”. A tabela traz as informações
bibliográficas e resumo dos trabalhos analisados.
ANÁLISE DE FILMES
Total = 70 trabalhos; Artigos = 24; Dissertações = 34; Teses = 12
Artigos
0
1
Título: O estatuto da imagem-pulsão em
Cronicamente Inviável e Amarelo Manga
Autor: Alexandre Rocha da Silva; Bruno Bueno
Pinto Leites; Guilherme Gonçalves da Luz
Ano: 2014
Este artigo retoma o debate inaugurado por
Gilles Deleuze sobre a imagem-pulsão e
avalia como tais imagens se fazem
presentes no cinema brasileiro
contemporâneo. O trabalho recua até
Sigmund Freud para explicitar o conceito
de pulsão e até Herbert Marcuse para
pensar o engajamento das pulsões nas
relações socioculturais. Neste percurso,
descreve-se uma nova forma de pensamento
no cinema a partir do conceito. No contexto
do cinema brasileiro, identificou-se que não
há um filme constituído unicamente por
imagens-pulsão, em lugar disso, elas se
encontram dispersas em cenas de diferentes
filmes, desempenhando funções diversas
nas relações entre mundos originários e
derivados.
Referência: SILVA, A. R., LEITES, B. B. P., LUZ, G. G. O estatuto da imagem-pulsão em
Cronicamente Inviável e Amarelo Manga. In: Fractal, Revista de Psicologia, Rio de Janeiro ,
v. 26, n. spe, p. 629-644, 2014.
186
0
2
Título: A cortina rasgada: o cinema de Alfred
Hitchcock e a teoria da imagem em Sigmund
Freud
Autor: Karla Patricia Holanda Martins; Débora
Passos de Oliveira; Maria Celina Lima Peixoto
Ano: 2014
O presente trabalho parte da premissa de
que o suspense, tal como representado na
obra do cineasta Alfred Hichtcock,
figurabiliza um modo de funcionamento do
aparelho psíquico análogo àquele
demarcado no modelo freudiano. Ao
articular o cinema de Hitchcock à dimensão
da imagem em Freud propõe evidenciar
determinada autonomia do registro
imagético na teoria freudiana. Se a práxis
psicanalítica tem na linguagem seu aporte
fundamental, não podemos nos esquecer de
que a imagem produz também seus efeitos
psíquicos, sobretudo no instante em que
excede o registro da linguagem. Nesse
sentido, nos apoiamos nas articulações de
Hitchcock para desvelar as formas de
representação relativas à imagem que se
apresentam na teoria psicanalítica. À vista
disto, desloca-se o ponto de vista de usar a
psicanálise como instrumento teórico para
pensar o cinema em direção a uma
perspectiva em que a imagem fílmica pode
oferecer visibilidade aos processos
psíquicos conhecidos apenas pelos seus
efeitos. Desse modo, é a construção
cinematográfica que nos auxilia a
vislumbrar as formações do inconsciente
demarcadas no texto freudiano.
Referência: MARTINS, K. P; OLIVEIRA, D. P; PEIXOTO, M. C. L. A cortina rasgada: o
cinema de Alfred Hitchcock e a teoria da imagem em Sigmund Freud. In: Psicologia Clínica,
Rio de Janeiro , v. 26, n. 2, p. 161-175, dezembro de 2014.
0
3
Título: O(s) tempo(s) na psicanálise e no
cinema: o sentido baseado no só-depois. Autor:
Thianne Rezende; Amadeu Weinmann
Ano: 2014
Este escrito articula psicanálise e cinema a
partir de duas produções
cinematográficas: Precisamos falar sobre
Kevin e 21 gramas, relacionando-as ao
conceito psicanalítico de só depois.
Abordamos os filmes sob a perspectiva da
estrutura narrativa e os relacionamos à ideia
de tempo na psicanálise, propondo uma
relação do sentido baseado no só-
depois tanto na compreensão dos filmes,
quanto na clínica psicanalítica. Para isso,
remontamos, a partir de revisão teórica, a
história da construção da narrativa no
cinema e a construção do conceito de a
posteriori no campo psicanalítico. Nossa
hipótese é que a rasgadura no tempo dos
filmes é análoga à maneira não linear e
múltipla pela qual o sujeito se constitui.
Referência: REZENDE, T; WEINMANN, A. O(s) tempo(s) na psicanálise e no cinema: o
sentido baseado no só-depois. In: Trivum, Rio de Janeiro , v. 6, n. 1, p. 68-81, junho de 2014.
0
4
Título: O leitor da Europa dançando no escuro:
acerca da experiência da atividade como política
A partir de fragmentos de vidas construídas
pelo cinema em Europa, O Leitor e
Dançando no escuro, desenvolve-se um
187
Autor: Jésio Zamboni
Ano: 2013
ensaio crítico acerca da dimensão política
da experiência na atividade. Torna-se foco
de debate a produção da experiência em
meio a calamidades humanas. As relações
entre política e arte, história e afetividade,
são discutidas por situações de vida e
trabalho, nas quais a atividade pode
aparecer como experiência política. As
proposições sobre psicopatia e
dessimbolização, utilizadas para explicar
individualmente situações nefastas da
experiência humana, são contestadas
retomando o pensamento de Hannah
Arendt, confrontado com as produções
filosóficas de Gilles Deleuze e Michel
Foucault.
Referência: ZAMBONI, J. O leitor da Europa dançando no escuro: acerca da experiência da
atividade como política. In: Revista de Psicologia, UNESP, Assis , v. 12, n. 2, p. 82-
91, dezembro de 2013.
0
5
Título: Trauma, memória e justiça em "A Morte
e a Donzela", de Roman Polanski
Autor: Thaís Seltzer Goldstein
Ano: 2013
O presente artigo analisa um filme
inspirado em uma peça teatral de Ariel
Dorfman, traduzida para o português como
"A Morte e a Donzela". A película, que leva
o mesmo título, foi lançada em 1994 sob
direção de Roman Polanski. Trata-se de um
suspense psicológico que conta com a
participação de apenas três personagens:
Paulina, Miranda e Escobar, interpretados
por Sigorney Weaver, Ben Kingsley e
Stuart Wilson, respectivamente. Colocando
em pauta discussões de grande relevância
para a Psicologia - como a questão da
memória de um trauma, da elaboração
psíquica e do potencial restaurador da
justiça - este filme, juntamente com
algumas contribuições de teóricos da
atualidade, suscita reflexões de grande valia
ao enfrentamento de impasses ligados à
rememoração de catástrofes sociais em
âmbito intersubjetivo e comunitário.
Referência: GOLDSTEIN, T. S. Trauma, memória e justiça em "A Morte e a Donzela", de
Roman Polanski. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 24, n. 3, p. 509-526, dezembro de 2013.
0
6
Título: Cinema e abuso sexual na infância e
adolescência: contribuições à formação do
psicólogo clínico
Autor: Tales Vilela Santeiro, Lucas Rossato
Ano: 2013
O abuso sexual infantil/adolescente (ASI)
tem integrado práticas clínicas atuais, e o
cinema o torna visível e o expõe em suas
implicações subjetivas e sociais,
favorecendo sua discussão. O objetivo deste
trabalho foi analisar filmes
comerciais/ficcionais sobre ASI,
produzidos entre 2001 e 2010 (N = 21),
para caracterizar como são filmados,
ambientes/contextos onde ocorrem, vítimas
e abusadores, desfechos de casos e para
discutir contribuições à formação clínica.
Os títulos foram buscados em bases de
dados especializadas em cinema e junto a
188
psicólogos que utilizam filmes no processo
formativo. Critérios de análise foram
preestabelecidos, e as obras, analisadas
sistematicamente. O gênero dramático e a
nacionalidade norte-americana
predominaram. O ASI foi retratado por
meio de encenações explícitas; no geral,
ocorreram em ambientes públicos com
crianças e perpetrados por conhecidos. Os
filmes analisados aproximam-se de tópicos
da literatura especializada sobre ASI e
demandam do espectador condição
emocional para elaborar situações de
conteúdo psíquico intenso.
Referência: SANTEIRO, T. V; ROSSATO, L. Cinema e abuso sexual na infância e
adolescência: contribuições à formação do psicólogo clínico. In: Psicologia — Teoria e Prática,
São Paulo, v. 15, n. 3, p. 83-94, dezembro de 2013.
0
7
Título: Psicologia social e a infância perdida em
"Cidade de Deus"
Autor: Idonézia Collodel Benetti
Ano: 2013
O presente trabalho, de natureza teórica,
pretende aliar às teorias da Psicologia
Social a algumas discussões presentes no
filme Cidade de Deus. A infância perdida,
retratada na obra cinematográfica, é
capturada de maneira a apresentar a
situação de violência experienciada nos
grandes centros urbanos do Brasil. É a arte
retratando a vida, no contexto da favela
Cidade de Deus - um lugar que apresenta
marginalização, invisibilidade, omissão,
desamparo, crianças e adolescentes sem
defesa. Esse quadro serve de base para
ilustrar algumas questões inerentes aos
estudos em Psicologia Social, as quais se
pautam pela atenção, respeito e cidadania
aos excluídos e invisíveis, advogando em
favor de uma infância de brinquedos,
cuidados, proteção, e oportunidades
promotoras do desenvolvimento humano.
Para estabelecer a análise proposta, o filme
e seus fotogramas configuram-se como
ponto de partida na seguinte trajetória: (a)
assistir ao filme separando/retirando e
numerando 30 fotogramas; (b) rever o filme
e anotar as problemáticas recorrentes
relacionadas à Psicologia Social;(c)
construir uma planilha dos principais
problemas mostrados pelo filme; (d)
catalogar/categorizar as imagens de acordo
com o levantamento das problemáticas mais
salientes encontradas no filme; (e) registrar
observações consideradas relevantes, para a
compreensão do significado das cenas
selecionadas com significado derivado das
teorias relativas à Psicologia Social. Assim,
a teoria e obra cinematográfica estão
imbricadas neste trabalho e estabelecem
pontos de contato entre as duas versões:
conteúdos acadêmicos e a filmografia.
189
Referência: BENETTI, I. C. Psicologia social e a infância perdida em "Cidade de
Deus".In: Boletim - Academia Paulista de Psicologia, São Paulo , v. 33, n. 85, p. 388-
404, dezembro de 2013.
0
8
Título: Do inferno ao divã: uma abordagem
psicanalítica de "Jack, o Estripador" como
apresentado no filme Do Inferno
Autor: Ricardo de Lima Sedeu
Ano: 2013
O artigo analisa, do ponto de vista da
psicanálise, o caso de “Jack, o Estripador”,
conforme descrito no filme Do Inferno
(2001). Após comentários sobre os
conceitos de serial killer (da psicologia
forense) e de psicopatia (da psiquiatria), é
apresentada uma abordagem
psicopatológica proposta por Jean Bergeret,
autor que enquadra a maioria dos casos de
psicopatia entre os estados limífrofes
(borderline). A seguir, é feita uma análise
psicanalítica do personagem que comete os
crimes no filme, mostrando o agravamento
gradual da sua patologia.
Referência: SEDEU, R. L. Do inferno ao divã: uma abordagem psicanalítica de "Jack, o
Estripador" como apresentado no filme Do Inferno. In: Cogito, Salvador , v. 14, p. 76-
85, novembro de 2013.
0
9
Título: A transmissão psíquica na poética
familiar de Almodóvar: Volver (2006) e Tudo
sobre Minha Mãe (1999)
Autor: Fabio Scorsolini-Comin; Manoel
Antônio dos Santos
Ano: 2013
O objetivo deste estudo é discutir de que
modo a transmissão psíquica
transgeracional está presente em duas obras
do cineasta Pedro Almodóvar: Volver
(2006) e Tudo sobre minha mãe (1999).
Tais obras mantêm uma intertextualidade
ao destacarem histórias de mulheres que
sofrem em seus casamentos pela traição ou
pelas mudanças
comportamentais/identitárias de seus
maridos. Ambos os filmes apresentam
como eixo narrativo a produção de mentiras
que são contadas pelas protagonistas e que
escamoteiam suas identidades e suas
próprias histórias que, de certo modo,
remontam às de suas mães. Tais trajetórias
são repetidas inconscientemente como
forma não apenas de sobrevivência e de
preservação de elementos psíquicos, como
também para elaborar dramas pessoais,
tragédias humanas e escolhas amorosas
tidas como equivocadas.
Referência: SCORSOLINI-COMIN, F; SANTOS, M. A. A transmissão psíquica na poética
familiar de Almodóvar: Volver (2006) e Tudo sobre Minha Mãe (1999). In: Psicologia: Teoria e
Pesquisa, Brasília , v. 29, n. 3, p. 287-295, setembro de 2013.
1
10
Título: Linha de Passe: adolescência e
imaginário em um filme brasileiro
Autor: Aline Vilarinho Montezi; Tomíris Forner
Barcellos; Fabiana Follador Ambrósio; Tânia
Maria José Aiello-Vaisberg
Ano: 2013
Este trabalho tem como objetivo estudar o
imaginário social sobre a adolescência,
concebida como fenômeno socialmente
produzido, de importantes ressonâncias
emocionais. Metodologicamente,
configura-se ao redor da abordagem
psicanalítica da obra cinematográfica
"Linha de passe", desde uma perspectiva
teórica afinada com a psicologia concreta
190
da conduta, defendida por Bleger e Politzer.
Utiliza como material uma narrativa
transferencial, elaborada com base na
estrita observância das regras constitutivas
do método psicanalítico, tendo em vista a
produção interpretativa de campos de
sentido afetivo (emocional ou inconscientes
relativos). Apresenta e discute a
criação/encontro de três campos
denominados "Temos mãe", "Precisamos de
(mais) alguém" e "Viver é lutar", segundo
os quais se organiza a experiência dos
personagens adolescentes. Conclui que o
filme retrata, de modo claro e preciso, um
imaginário compartilhado por parte da
população brasileira com acesso à produção
cultural, que reconhece que o processo de
tornar-se adulto seria singularmente penoso
pela ausência paterna e por falta de holding
social.
Referência: MONTEZI, A. V; AMBROSIO, F. F; BARCELOS, T. F; VAISBERG, T. M. J. A.
Linha de Passe: adolescência e imaginário em um filme brasileiro. In: Psicologia em Revista,
Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 74-88, abril de 2013.
1
11
Título: Você não fala sobre o Clube da Luta:
diálogos entre cinema e psicanálise
Autor: Gustavo Caetano de Mattos Mano;
Amadeu de Oliveira Weinmann
Ano: 2013
Neste ensaio, utilizamos o filme Clube da
Luta (1999), dirigido por David Fincher,
para explorar as interseções entre cinema e
psicanálise. Buscamos entender o que leva
Clube da Luta a fazer marca em nossa
cultura, trabalhando com a hipótese de que
o filme enuncia algo da adolescência, que
desponta como um dos traços mais
proeminentes dos modos de subjetivação
contemporâneos. A adolescência, tomada
como um tempo constituinte do sujeito, se
expressa pelo ensaio de uma posição
autoral que, entretanto, acaba muitas vezes
indefinidamente postergada pela própria
configuração da cultura. Nesse sentido,
interrogamos a dificuldade de produzir uma
marca simbólica singular diante do Outro
como mola da angústia que atravessa a
narrativa de Clube da Luta e aprisiona os
sujeitos contemporâneos à condição de
adolescentes.
Referência: MANO, G. C. M; WEINMANN, A. O. Você não fala sobre o Clube da Luta:
diálogos entre cinema e psicanálise. In: Psicologia em Revista, Belo Horizonte , v. 19, n. 2, p.
214-231, 2013.
1
12
Título: A vincularidade enquanto malha e seu
esgarçamento ante o luto
Autor: Déa E. Berttran; Isabel Cristina Gomes
Ano: 2013
O cinema tem desempenhado papel
importante como um aliado na tipificação
de vivências que exemplificam a
materialidade de teorias psicológicas e
psicanalíticas. É com esse intuito que a
película “Reencontrando a felicidade” foi
utilizada enquanto mediação ao conceito de
vincularidade entre casais, demonstrando a
interface entre aspectos intrapsíquicos,
191
intersubjetivos e geracionais, numa
vivência traumática de perda parental,
comprometendo também o conjugal. Vale
ressaltar ainda que, dentro do modelo
tradicional de família, conjugalidade e
parentalidade encontram-se intrinsecamente
ligadas. A perda de um filho, destituindo o
casal parental, só permite a existência do
casal conjugal, após a dissolução do
mesmo, pelo respeito à vivência individual
da dor e da elaboração do luto, seguindo o
ritmo de cada um. É necessário quebrar a
idealização inicial que os juntou para que
um novo pacto os una.
Referência: BERTTRAN, D. E; GOMES, I. C. A vincularidade enquanto malha e seu
esgarçamento ante o luto. In: Pensando Famílias, Porto Alegre , v. 17, n. 1, p. 77-88, julho de
2013.
1
13
Título: Inquietantes traslados: uma leitura
psicanalítica do filme Encontros e Desencontros
Autor: Mauricio Rodrigues Souza
Ano: 2012
Na busca por articulações entre psicanálise
e práticas culturais - aqui representadas pela
magia do cinema - o presente trabalho
propõe uma releitura do filme Encontros e
Desencontros, utilizando-o como
interlocutor privilegiado para uma
discussão acerca do trato com a alteridade.
Mais especificamente, direcionaremos
nosso olhar para a possibilidade, presente
tanto na clínica analítica quanto no filme
em questão, do encontro com o inominável
de si mesmo por intermédio de um
estrangeiro. Trata-se de um entrechoque
dialético entre o estranho mais íntimo e o
íntimo mais estranho, este último vinculado
ao processo primário, à lógica do
inconsciente. Diante disto, aposta-se aqui
que, muito embora esta não familiaridade
em geral apareça vinculada a uma
desconfortável angústia, possamos
vislumbrar para ela uma outra expressão:
aquela de potência construtiva rumo à
abertura de sentido.
Referência: SOUZA, M. R. Inquietantes traslados: uma leitura psicanalítica do filme Encontros
e Desencontros. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 4 p. 587-595, out./dez. 2012.
1
14
Título: Ontologias do ver na atualidade: que
pode um olhar precário
Autor: Kleber Jean Matos Lopes; Elen Naiara
Batista Madeiro; Jameson Thiago Farias Silva
Ano: 2011
Esse trabalho problematiza os modos de
olhar na atualidade e analisa políticas de
constituição do ver através das noções de
olhar precário e olhar total; dispostos como
lógicas de produção de sentidos. Os modos
de ver são apresentados genealogicamente e
relacionados aos modos de produção e
expressão do pensamento, às biopolíticas na
atualidade e ao fazer do cinema
contemporâneo. Discute duas experiências
de cinema através dos filmes O escafandro
e a borboleta e A professora de piano, para
pensar movimentos de produção da
individualidade ou modos de subjetivação
192
que possibilitam exercícios de autonomia e
fabricação de coletivos.
Referência: LOPES, K. J. M., MADEIRO, E. N. B., SILVA, J. T. F., 2011; CARVALHO, F. E.
Ontologias do ver na atualidade: que pode um olhar precário. In: Fractal, Revista de
Psicologia, Rio de Janeiro , v. 23, n. 2, p. 389-403, agosto de 2011.
1
15
Título: Articulações entre o sensível e a
linguagem em Lavoura Arcaica
Autor: Renato Cury Tardivo; Danilo Silva
Guimarães
Ano: 2010
Literatura e cinema são dois modos de
produção estética diferentes que encontram
articulações claras em diversas produções
culturais contemporâneas. Exploraremos a
obra Lavoura arcaica, de Raduan Nassar,
em sua intersecção com o filme de mesmo
nome, dirigido por Luiz Fernando
Carvalho. Para tanto nos aproximamos das
concepções filosóficas de Merleau-Ponty e
Bakhtin, cujas ideias sustentam uma
dimensão de tensão inerente à relação
comunicativa/perceptiva. A análise das
obras selecionadas procura explicitar o
percurso de mudança na trajetória das
relações humanas ao se tentar integrar a
diversidade de possibilidades expressivas
em um campo de sentido.
Referência: TARDIVO, R. C., GUIMARÃES, D. S. Articulações entre o sensível e a linguagem
em Lavoura Arcaica. In: Paidéia, Ribeirão Preto , v. 20, n. 46, p. 239-248, agosto de 2010.
1
16
Título: Função paterna e adolescência em suas
relações com a violência escolar
Autor: Isael de Jesus Sena; Maria de Lourdes
Soares Ornellas Farias
Ano: 2010
O artigo, de acordo com a perspectiva da
Teoria Psicanalítica, aborda os impasses e
as implicações vivenciadas por
adolescentes diante do declínio da função
paterna na contemporaneidade. Este
trabalho, em seu desenvolvimento, discute a
concepção de função paterna, colocando os
contrapontos que dizem respeito à figura do
genitor e às particularidades de seu papel,
mesmo em sua ausência, revelando, com
isso, os diferentes modos como a lei pode
ser representada por outros agentes, entre
estes o professor. A adolescência, neste
contexto, é tomada como uma crise
psiquíca, um tempo de subjetivação do
sujeito, em contraposição à psicologia que
entende este processo como uma etapa
evolutiva, um momento de crise, situada
numa faixa étária. Retratando essas
questões a partir do cinema, em interface
com o filme Elefante, a tragédia da
Columbine Hig School, recriada sob a
direção de Gus Van Sant, busca refletir as
dificuldades enfrentadas por adolescentes
diante do mal-estar gerado pelo
enfraquecimento da autoridade do pai e do
professor. Por fim, sublinha as frustrações
enfrentadas pelos mestres de adolescentes
frente à banalização da violência no
contexto escolar e aponta críticas ao
modelo de ensino instituído, que não leva
193
em consideração a subjetividade do aluno.
Referência: SENA, I. J. F; ORNELLAS, M. L. S. Função paterna e adolescência em suas
relações com a violência escolar. In: Revista Mal Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 10, n.
1, p. 111-136, março de 2010.
1
17
Título: Endereço desconhecido
Autor: Luiz Meyer
Ano: 2010
O trabalho parte de um filme feito em 1944,
Endereço desconhecido, cuja trama é
descrita em detalhe e no qual as cartas
desempenham um papel central. Trata-se de
um drama psicológico, situado no início da
década de 1930, na Alemanha, que
descreve o lento desgarramento de um
homem refinado, pai de família, marchand
de arte, sócio fiel, em direção ao nazismo e
à degradação moral, estimulado por uma
figura malévola e aristocrática que o
fascina. O autor conjuga a história com
alguns trabalhos de Freud, Rosenfeld, Bion
e Meltzer ligados ao tema, e finaliza o
artigo narrando uma experiência pessoal
evocada pelo final do filme.
Referência: MEYER, L. Endereço desconhecido. In: Ide, São Paulo , v. 33, n. 50, p. 126-
138, julho de 2010.
1
18
Título: Etologia, Antropologia e cinema: uma
etnografia da violência em Sob o Domínio do
Medo
Autor: Mauricio Rodrigues de Souza
Ano: 2009
Este artigo aparece como uma tentativa de
compreensão do fenômeno da agressão em
seus múltiplos aspectos, tarefa para a qual
contaremos com os referenciais teóricos
advindos da Etologia e da Antropologia
Social. Para melhor expressar as idéias aqui
expostas utilizaremos o cinema como
recurso etnográfico. Neste sentido,
destacaremos alguns trechos do filme Sob o
Domínio do Medo (1971), os quais serão
trabalhados em maiores detalhes.
Referência: SOUZA, M. R. Etologia, Antropologia e cinema: uma etnografia da violência em
Sob o Domínio do Medo. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 20, n. 4, p. 619-637, dezembro
de 2009.
1
19
Título: Porvir que vem antes de tudo:
reconciliação e conflito em Lavoura arcaica -
literatura e cinema
Autor: Renato C. Tardivo
Ano: 2009
Este artigo insere-se no contexto do
Laboratório de Estudos em Psicologia da
Arte (LAPA-USP) e aborda a temática da
correspondência das artes e a unidade dos
sentidos. Assumindo a postura
interdisciplinar preconizada pelo
Laboratório, munido de referencial
fenomenológico, estético e psicanalítico,
procuro investigar o romance Lavoura
arcaica, de Raduan Nassar, e o filme
homônimo, dirigido por Luiz Fernando
Carvalho, atentando sobretudo para a
correspondência estabelecida entre os dois
registros. Mais especificamente, a partir da
leitura do romance, abordo as condições
para o surgimento do filme, debruço-me
sobre a correspondência entre as obras e
194
aporto de volta à linguagem, quando então
discuto a temática da diversidade e da
unidade do múltiplo encarnada em Lavoura
arcaica.
Referência: TARDIVO, R. C. Porvir que vem antes de tudo: reconciliação e conflito em
Lavoura arcaica - literatura e cinema. In: Ide, São Paulo , v. 32, n. 49, p. 106-121, dezembro de
2009.
2
20
Título: Tornando-se Jane: a individuação
retratada em filme
Autor: Luiza Bontempo e Silva
Ano: 2009
Este é um trabalho de fundo explicativo que
pretende estabelecer um diálogo entre o
filme Becoming Jane (traduzido, no Brasil,
como Amor e inocência), de Julian Jarrold,
com a concepção junguiana de processo de
individuação. Foi observado que o filme faz
várias referências à obra de Jung, sendo a
trama principal um exemplo (intencional ou
não) do conceito junguiano de processo de
individuação. No filme analisado a
personagem principal passa por um
processo difícil de descobrimento de si
mesma e de confronto com o senso comum,
processo também vivido por muitos e
essencial para a realização ou formação da
personalidade.
Referência: SILVA, L. B. Tornando-se Jane: a individuação retratada em filme. In: Fractal,
Revista de Psicologia, Rio de Janeiro , v. 21, n. 3, p. 531-538, Dezembro de 2009.
2
21
Título: Ônibus 174 - imagens da humilhação
social
Autor: Paulo Roberto Ramos
Ano: 2009
Este artigo procura debater a psicologia
social no cinema através de um conceito
específico: a humilhação social como
problema político. Para tanto foi tomado
como objeto de análise o filme Ônibus 174,
documentário realizado pelo cineasta José
Padilha em 2002. Os comentários
elaborados aqui visam compreender as
estratégias narrativas utilizadas pelo diretor,
que incluem aspectos estéticos e a
participação do público, que transformam
sua obra em um objeto de estudo da
humilhação social que ocorre no âmbito da
esfera pública, onde a ação define as
relações sociais entre os indivíduos
Referência: RAMOS, P. R. Ônibus 174 - imagens da humilhação social. In: Psicologia USP,
São Paulo , v. 20, n. 4, p. 639-655, dezembro de 2009.
2
22
Título: As drogas no âmbito familiar, sob a
perspectiva do cinema
Autor: Eroy Aparecida da Silva; Beatriz M. V.
Camargo; Thiago Pavin; Ana Regina Noto;
Delmara Buscatti; Vânia Sartori; Maria Lucia O.
S. Formigoni
Ano: 2008
Por meio da imagem, o cinema trouxe ao
homem a possibilidade de reconstruir a
realidade de forma que o envolvimento
psíquico-afetivo do público seja intenso. O
objetivo desta comunicação breve é
descrever, sob a perspectiva do cinema,
diversos tipos de relações familiares na
presença do uso de drogas. Realizou-se uma
seleção de cinco filmes produzidos entre
1995 e 2001 que trabalham a temática do
uso de drogas e das relações familiares. Os
195
filmes selecionados foram: Bicho de sete
cabeças (nacional); Traffic, Réquiem para
um sonho, Diário de um adolescente
(americanos); e Trainspotting - sem limites
(europeu). O estudo focalizou três aspectos:
dinâmica familiar, tipos de drogas
utilizadas e as reações das famílias diante
do problema. Identificaram-se três
dinâmicas familiares: a) rígida e autoritária;
b) permissiva e sem limites; e c) distante e
dependente. As reações familiares diante do
uso de drogas variam entre raiva,
insegurança, culpa, cumplicidade e medo.
Este estudo possibilitou o reconhecimento
da importância do uso da imagem como
recurso didático e terapêutico seja no
treinamento de profissionais, seja na clínica
de tratamento familiar.
Referência: SILVA, E. A. et al. As drogas no âmbito familiar, sob a perspectiva do cinema. In:
Psicologia — Teoria e Prática, São Paulo , v. 10, n. 1, p. 214-222, junho de 2008.
2
23
Título: Cinema e pulsão: sobre "Irreversível", o
trauma e a imagem
Autor: Tânia Rivera
Ano: 2006
Partindo de um diálogo entre psicanálise e
cinema, buscamos refletir sobre o estatuto
da imagem na contemporaneidade. Para
além de uma configuração imaginária
apaziguadora, é indicada a potencialidade
traumática da imagem, por meio da
concepção freudiana da lembrança
encobridora. Tal dimensão traumática é
explorada na análise do filme Irreversível,
produção francesa de 2002. A violência não
é, nessa obra, apenas mostrada em imagens,
mas é posta em cena "entre" as imagens.
Em seu agenciamento pulsa uma
ameaçadora possibilidade de que aquilo de
que se trata na imagem, e que diz respeito à
ligação entre sexo e violência não possa ser
contado, mas apenas repetido.
Referência: RIVERA, T. Cinema e pulsão: sobre "Irreversível", o trauma e a imagem. In:
Revista do Departamento da UFF, Niterói, v. 18, n. 1, p. 71-76, junho de 2006.
2
24
Título: Cinema, fantasia e violência: ensaio
sobre “A má educação” de Almodóvar
Autor: Tânia Rivera
Ano: 2006
O ensaio trata do filme “A Má Educação”,
de Pedro Almodóvar, tecendo uma reflexão
sobre a violência inerente à constituição
psicossexual do sujeito. Ao mesmo tempo,
ele trata da questão essencial de como a
arte, e em especial o cinema, agiria sobre a
subjetividade, lançando perspectivas
teóricas para uma contribuição psicanalítica
a respeito da questão da imagem.
Referência: RIVERA, T. Cinema, fantasia e violência: ensaio sobre “A má educação” de
Almodóvar. In: Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 29, p. 39-44, setembro de 2006.
196
Dissertações
0
1
Título: A mulher além do bem e do mal:
malévola e a representação cinematográfica do
feminino integrado
Autor: Patrícia Santos Machado
Ano: 2016
Estudo sobre as construções
simbólicas e identitárias da
mulher presentes na narrativa e na
estrutura das personagens
femininas do filme Malévola
(2014) – produção dos estúdios
Disney (EUA). A narrativa é
inspirada no conto de fadas “A
Bela Adormecida do Bosque” e
distingue-se pela perspectiva
feminina, modificando as
possibilidades de interpretação,
além de possibilitar a quebra do
paradigma dicotômico relacionado
ao Bem e ao Mal. A pesquisa tem
por objetivo estudar a evolução
das construções imaginárias da
mulher no cinema e traçar
paralelos entre as características
arquetípicas das personagens de
Malévola em relação à identidade
da mulher na contemporaneidade.
Para tal, será tomado como
referencial teórico os estudos do
imaginário social, com as obras de
Gilbert Durand, Edgar Morin e,
em especial, Michel Maffesoli;
conceitos da psicanálise a partir
dos trabalhos de C.G. Jung, Erich
Neumann, Marie-Louise Von
Franz e Clarissa Pinkola Estés; as
teorias de Stuart Hall, Laura
Mulvey e Gilles Lipovetsky
relacionadas aos estudos culturais
com ênfase em gênero; e também
o ecofeminismo através dos
trabalhos de autoras como
Vandana Shiva e Maria Mies.
Nosso referencial teórico-
metodológico é a Hermenêutica
de Profundidade (HP) visando à
interpretação da estrutura
simbólica de nosso objeto.
Resultam desta pesquisa a
verificação de um processo de
saturação de padrões identitários e
simbólicos provindos da
modernidade e a evolução de
novas dinâmicas nas narrativas
presentes nas mídias e na
comunicação
Referência: MACHADO, P. S. A mulher além do bem e do mal: malévola e a
representação cinematográfica do feminino integrado [dissertação]. São Bernardo
do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social, 2016.
197
0
2
Título: Imagens, sensações e afetos: as
personagens gays nos curtas-metragens
brasileiros exibidos no Festival Mix Brasil de
Cultura da Diversidade
Autor: Rogério Amador de Melo
Ano: 2016
As visibilidades e as múltiplas
possibilidades de novas
experimentações que são postas
nos mais diversificados palcos do
contexto social, no tocante as
sexualidades, gêneros e desejos,
acabam por traçar territórios
estéticos nos campos das artes,
tais como o cinema, o teatro, a
dança, etc. Expressões de desejos
que se colocam em resistência às
estratificações e normatizações
heteronormativas, abrindo espaços
para invenções de
políticas/éticas/estéticas que
rompam com o pragmatismo, com
o essencialismo das normas e dos
poderes estabelecidos por
enunciações e discursos de
saberes/verdades/prazeres
hegemônicos. Neste contexto,
essa dissertação propôs-se mapear
os modos como são produzidos os
discursos, os desejos e as
performances de gêneros e
sexualidades dissidentes à
heteronormatividade em curtas-
metragens brasileiros exibidos
durante o Festival Mix Brasil de
Cultura da Diversidade – Cinema,
Teatro, Música e Literatura, que
tenham como protagonistas
homens gays. Para tal, utilizamos
uma metodologia que buscou dar
visibilidade às conexões
rizomáticas das linhas que se
entrecruzam entre Psicologia,
Sexualidades, Gêneros, Desejos e
Cinema. Assim, inspiramo-nos
nas interlocuções potentes do
método genealógico e da técnica
da análise do discurso
foucaultiana, combinados às
perspectivas Queers e o
pensamento deleuzeguattariano
sobre a produção dos desejos. O
campo amostral da pesquisa
percorreu os anos de 2008 a 2013,
onde foi selecionado para análise
um curta-metragem edição/ano,
além de entrevista com os
organizadores do respectivo
Festival. A partir disso
observamos que os elementos
presentes nos discursos e
enunciados destes curta-metragens
analisados possibilitam a
desconstrução e desnaturalização
dos desejos e das
(homos)sexualidades dentro de
198
padrões normativos e
essencializadores. Todavia, tais
curtas apresentam também outros
elementos que nos levam a pensar
em certa suavização da
homocultura nacional retratada
nas personagens gays dos curtas-
metragens exibidos no Festival
Mix Brasil de Cultura da
Diversidade, na cidade de São
Paulo.
Referência: MELO, R. A. Imagens, sensações e afetos: as personagens gays nos
curtas-metragens brasileiros exibidos no Festival Mix Brasil de Cultura da
Diversidade [dissertação]. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2016.
0
3
Título: Psicanálise e cinema: sexualidade,
desejo e pulsão de morte em Almodóvar
Autor: João Vitor Santana Pereira
Ano: 2015
O presente trabalho apresenta uma
articulação entre a psicanálise de
Freud e Lacan e o cinema do
diretor espanhol Pedro
Almodóvar. Destacamos aqui os
conceitos de sexualidade, desejo e
pulsão de morte, que se
mostraram recorrentes na obra
cinematográfica de Almodóvar.
Para embasar a articulação
proposta buscamos expor uma
breve história do cinema,
colocando em destaque o cinema
espanhol, para, então, nos
dedicarmos à Pedro Almodóvar.
Passamos por sua biografia e sua
estética, para entender como o seu
cinema se situa historicamente e
quais são suas principais
referências estéticas. Com o
objetivo de compreender a
experiência fílmica através da
psicanálise, buscamos em A
interpretação dos sonhos base para
elucidar a relação sujeito-cinema.
De certo, é pelo caminho dos
sonhos que o cinema vai adentrar
o campo da psicanálise, e, a partir
de Christian Metz, resgatamos a
articulação entre a psicanálise e a
teoria do cinema. A partir do
onírico, Freud descreveu a
experiência de satisfação, gênese
do desejo. Neste itinerário
encontramos com o desejo, que é
uma questão fundamental para a
psicanalise, e um dos conceitos
que nos aproxima de Almodóvar.
Almodóvar diz que seu cinema é o
cinema do desejo. A partir deste
enunciado surgiu a questão: o
desejo do qual fala Almodóvar é o
mesmo do qual fala a psicanálise?
Outros conceitos se destacaram à
199
medida que se aprofundou nos
filmes e na teoria psicanalítica, tal
como o de sexualidade e pulsão de
morte, e com base nestes
conceitos fez-se a articulação
entre a psicanálise e o cinema de
Pedro Almodóvar. Assim foi
possível aproximar os dois
campos, a psicanálise e o cinema,
fazendo um jogo de aproximação
e distanciamento, destacando
aspectos dos filmes Matador, A
lei do desejo, Má educação e A
pele que habito.
Referência: PEREIRA, J. V. S. Psicanálise e cinema: sexualidade, desejo e pulsão
de morte em Almodóvar [dissertação]. São João del-Rei: Universidade Federal de São
João del-Rei, Programa de Mestrado em Psicologia, 2015.
0
4
Título: O mais além da palavra: quando a
imagem cai no abismo e encontra o silêncio
Autor: Mariana Domingues
Ano: 2014
Este trabalho parte de uma
investigação acerca do silêncio e
suas repercussões no campo da
imagem. Bergman e Tarkovski
foram os escolhidos pra situar um
determinado tipo de cinema, este
que aparece em estreito diálogo
com a psicanálise e a relação do
sujeito com a imagem.
Referência: DOMINGUES, M. O mais além da palavra: quando a imagem cai no
abismo e encontra o silêncio [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2014.
0
5
Título: Psicanálise, cinema e fantasia: a análise
de filmes pela perspectiva de Melanie Klein e
autores pós-kleinianos
Autor: Péricles Pinheiro Machado Junior
Ano: 2014
Com base em uma pesquisa
documental de trabalhos
publicados por psicanalistas e
acadêmicos vinculados ao
pensamento kleiniano, o presente
estudo tem por finalidade
descrever os modos como as
teorias de Melanie Klein e autores
pós-kleinianos têm sido aplicadas
na análise de obras
cinematográficas, evidenciando as
principais características e
contingências metodológicas que
resultam dessa abordagem. O
trabalho tem início com uma
contextualização das intersecções
entre os campos da psicanálise e
do cinema, enfatizando-se as
proposições de Christian Metz
sobre o estudo psicanalítico de
filmes. O argumento central da
pesquisa é desenvolvido a partir
de um trabalho inacabado em que
Melanie Klein analisa o filme
Cidadão Kane, de Orson Welles,
200
seguido dos comentários de Laura
Mulvey a respeito desse ensaio de
Klein. A noção de fantasia
inconsciente elemento central do
pensamento kleiniano é discutida
à luz das elaborações teóricas de
Hanna Segal sobre a experiência
estética propiciada pelas artes, e
aprofundada com as contribuições
de Graham Clarke e Michael
OPray sobre a experiência do
psicanalista como espectador no
cinema. Foi realizada uma revisão
crítica de trabalhos publicados por
psicanalistas e acadêmicos que
analisam sete filmes por uma
perspectiva notadamente
kleiniana. A partir dessa revisão,
foi possível discernir elementos da
abordagem kleiniana utilizados
por esses autores na análise do
complexo temático de filmes,
particularmente a noção de mundo
interno, a potência das fantasias
inconscientes e a experiência
estética do psicanalista como
espectador, que oferece sua
subjetividade para dar voz aos
efeitos emocionais mobilizados
pela obra cinematográfica
Referência: MACHADO JUNIOR, P. P. Psicanálise, cinema e fantasia: a análise de
filmes pela perspectiva de Melanie Klein e autores pós-kleinianos [dissertação]. São
Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, 2014.
0
6
Título: O ator em ato: A dialética
ator/personagem em Copacabana Mon Amou
Autor: Anna Karinne Martins Ballalai
Ano: 2014
Este trabalho é um estudo de caso
que pretende investigar o processo
de construção das personagens do
filme Copacabana mon amour
(Rogério Sganzerla, 1970),
utilizando como ferramentas três
eixos metodológicos: 1) A análise
fílmica; 2) A investigação das
marcas visíveis do processo de
realização das filmagens no
contexto de produção
independente da produtora Belair;
3) Um mapeamento inicial de
algumas influências teóricas,
temáticas e estéticas que
matizaram a composição das
personagens. Dentre estas
influências, o pensamento de
Frantz Fanon e de Oswald de
Andrade, as “noções de cinema
moderno” sistematizadas pelo
crítico e cineasta Rogério
Sganzerla, em especial os
conceitos “passagem ao relativo”,
“câmera cínica” e “dialética ator/
201
personagem”. Compreende-se a
construção das personagens de
Copacabana Mon Amour (1970)
como um resultado híbrido do
estilo de direção de Rogério
Sganzerla, do processo de
realização das filmagens e pós-
produção, e do estilo de
interpretação dos atores. Este
estilo de interpretação é marcado
pela “dialética ator/personagem”,
que sugere no processo de
construção da personagem um
trabalho de dramaturgia do
próprio ator. Desta investigação
da dramaturgia do ator decorre a
proposição do conceito ator-em-
ato, para traduzir certo estilo de
interpretação no qual o ator
cinematográfico tem autonomia
criativa para construir a
personagem no ato da filmagem, a
despeito das eventuais limitações
que o processo de realização
cinematográfica possa vir a impor.
Além disso, observa-se na
utilização da “câmera cínica”,
uma negação do desvelamento do
interior das personagens, e a
escolha pela investigação dos
aspectos visuais e aparentes
registrados pela câmera
cinematográfica, o que torna a
“psicologia das personagens”
mais próxima de uma psicologia
do ator. Para compreender o tipo
de interação entre atores
dramáticos, equipe, objetos e
aparatos tecnológicos necessários
à realização de filmes em cinema,
a presente dissertação recorre ao
aporte da Teoria do Ator-Rede, ou
Sociologia da Tradução. Para
conceber as personagens de
Copacabana mon amour (1970),
Rogério Sganzerla vai buscar nas
relações patrão-empregado os
ecos da situação colonial do país.
Neste sentido, a investigação da
“psicologia das personagens”
aproxima-se de uma compreensão
da psicologia humana no âmbito
da Psicologia Social, tal como
empreendida por Frantz Fanon,
em “Os condenados da terra”. Ao
adotar as idéias de
“descolonização do ser”
preconizadas por Frantz Fanon em
“Os condenados da terra”,
Rogério Sganzerla está pondo em
prática um estilo de direção de
202
atores que possibilita um processo
de “descolonização do ator”, ao
subverter a lógica narrativa e
enfatizar o “ser em situação”
Referência: BALLALAI, A. K. M. O ator em ato: A dialética ator/personagem em
Copacabana Mon Amou [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio
de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2014.
0
7
Título: Os processos de transmissão psíquica e a
violência sexual incestuosa: uma análise do
filme Volver
Autor: Anna Thereza Carneiro Pinto Abdala
Ano: 2013
Sabe-se que os processos de
transmissão psíquica, de modo
inconsciente, fazem-se presentes
nos espaços intersubjetivos,
permeando os vínculos entre os
sujeitos de um mesmo grupo,
incluindo a família. Diante disso,
este estudo teve como objetivo
investigar a possível existência de
uma relação entre os processos de
transmissão psíquica e a violência
sexual incestuosa. Foi construída
a análise do filme Volver, de
acordo com o método
psicanalítico, interpretando as
relações dos sujeitos que compõe
as gerações daquela família,
intentando compreender as
possíveis significações atribuídas
à situação de violência sexual
incestuosa bem como seus
desdobramentos. Inferiu-se que há
certa relação entre a violência
sexual incestuosa e a herança
psíquica, na qual esta última
exerce uma influência sobre a
outra, no entanto, não é um fator
determinante. Na análise
apareceram aspectos relativos à
transgressão das duas leis
constituintes da civilização que
podem interromper, de alguma
forma, a transmissão psíquica
intergeracional, tornando-a
transgeracional diante de uma
situação traumática. Discutiu-se
também sobre a possibilidade de
sujeitos da família que constroem
criptas psíquicas mantenedoras de
segredos que, consequentemente,
constituem o objeto
transgeracional, fantasma
patológico, que pode ter
promovido uma atuação sobre o
psiquismo do descendente através
da transmissão psíquica
transgeracional. Outro aspecto
discutido em relação à violência
sexual incestuosa é a presença do
violentador na dinâmica familiar
que tem responsabilidade sobre o
203
ato. A herança psíquica é um fator
relevante a ser considerado diante
das experiências pelas quais os
sujeitos passam, pois, através
desta ótica, o olhar dos
profissionais que lidam com
determinados casos torna-se
ampliado. Acredita-se que os
processos de transmissão psíquica
constituem um amplo campo de
pesquisa a ser investigado para
melhor compreensão de tantos
sintomas e situações que podem
incitar sofrimentos psíquicos nos
sujeitos.
Referência: ABDALA, A. T. C. P. Os processos de transmissão psíquica e a
violência sexual incestuosa: uma análise do filme Volver [dissertação]. Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2013.
0
8
Título: Somos quase felizes: movimentos do
desejo em tempos de ansiolítico
Autor: Ruy Anderson Santos Martins
Ano: 2013
O presente trabalho versa sobre
modos de vida no contemporâneo
referente às práticas em torno de
medicamentos ansiolíticos.
Propomos um modo de pesquisa
que não visa a descoberta de
verdades, mas a escuta e a escrita
das sensibilidades em processo na
atualidade. Apropriamo-nos do
cinema e da entrevista,
intercessores deste trabalho, para
dar vazão às vozes que se
proferem em torno dessa temática.
Os filmes: A pele que habito,
Medianeras e O palhaço, somado
a duas entrevistas com usuários de
ansiolíticos, compõe o corpo desta
pesquisa. As análises e a escuta
deste campo nos levaram a uma
discussão paradoxal entre modos
de vida os quais, ao mesmo tempo
em que nos lança em ritmos cada
vez mais velozes e adoecedores -
resultado das forças capitalísticas,
tecnológica e midiática – também
produzem desejo de
anestesiamento do corpo, para
suportar a saturação a qual nos
encontramos. Corpos que não têm
agüentado mais os novos ritmos
de vida e, por isso, pedem uma
nova ética, uma política de recusa
aos ritmos estafantes. Uma
discussão com base nos autores
Deleuze, Guattari, Nietzsche,
Spinoza e Foucault.
Referência: MARTINS, R. A. S. Somos quase felizes: movimentos do desejo em
tempos de ansiolítico [dissertação]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santos,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, 2013.
204
0
9
Título: O discurso erótico: a construção social
do erotismo e sua influência na sexualidade
Autor: Sueli Marino
Ano: 2013
Este estudo se propôs a
compreender as mudanças nas
práticas e nos discursos de
sexualidade considerando as
transformações ocorridas nas
últimas décadas. Sob os preceitos
do Pensamento Sistêmico e do
Construcionismo Social,
buscamos entender como o
discurso e as práticas discursivas
sobre erotismo e sexualidade se
apresentam comparativamente em
dois momentos históricos distintos
nas duas versões do filme Lolita,
em 1962 e 1997, e que se referem
às manifestações do desejo e da
busca do prazer. Foram realizadas
análises qualitativas com ênfase
na poética social destacando os
momentos marcantes de cada
segmentação fílmica que nos
remeteram às unidades de sentido.
Destacamos ao longo desse
processo que a definição de
erotismo não pode ser considerada
isoladamente dos contextos e das
comunidades linguísticas que
estabelecem o significado desse
diálogo e como construções
sociais, estão inseridas numa
determinada época e cultura que
ao longo do tempo também se
modifica
Referência: MARINO, S. O discurso erótico: a construção social do erotismo e sua
influência na sexualidade [dissertação], São Paulo: Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, 2013.
1
10
Título: Sexo/gênero/desejo no filme labirinto de
paixões, de Pedro Almodóvar
Autor: Ertz Clarck Melindre dos Santos
Ano: 2013
Nesta dissertação pretendeu-se
analisar, no filme Labirinto de
paixões (1982), de Pedro
Almodóvar, as performances
sexuais dos personagens
protagonistas Riza Niro (Imanol
Arias) e Sexilia (Cecilia Roth),
problematizando as visões
binárias de
sexo/sexualidades/gênero. A
perspectiva teórica adotada neste
trabalho teve, como um dos seus
pilares, a Teoria Queer e Judith
Butler como uma de suas
principais representantes. A
película foi tomada como uma
espécie de documento e os
personagens protagonistas Riza
Niro e Sexilia serviram como
pretexto/pré-texto para discutir
um sujeito que apresenta
múltiplas possibilidades de
205
práticas sexuais. Os resultados da
análise trazem reflexões
importantes a cerca do quanto as
performances de
gênero/sexualidade podem ser
variadas. No entanto, elas não são
sustentadas no ideário das
pessoas, embora a visão binária
homem/pênis, mulher /vagina seja
constantemente reforçada e
mantida pela
heteronormatividade, algo que
reforça a segregação das demais
práticas sexuais existentes e
exercidas. Questões como o que
podem ser homem, mulher, gay,
lésbica e outras caracterizações
afins, ficam diluídas e insípidas
diante das performances que
escapam aos enquadramentos
impostos pela visão hegemônica
do que são sexualidade e gênero.
Comportamentos sexuais são
postos em cheque quando, em um
filme de 1982, ou seja, há 30
anos, já nos é apresentado um
conjunto de personagens que
possuem uma maneira
diferenciada e plástica de se
colocar diante da vida e das suas
sexualidades. Esperamos que esta
pesquisa contribua para uma
reflexão psicológica liberta dos
binarismos sexo/gênero,
heterosexualidade compulsória e
heteronormatividade, além de
trazer uma reflexão também
educacional sobre como podem
ser flexíveis, isto é, não
cristalizados, os modos de vida.
Referência: SANTOS, E. C. M. Sexo/gênero/desejo no filme labirinto de paixões,
de Pedro Almodóvar [dissertação]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2013.
1
11
Título: A travessia da angústia : uma leitura
psicanalítica da trilogia do silêncio, de Ingmar
Bergman
Autor: Maysa Puccinelli Victor Rodrigues
Ano: 2013
A partir das contribuições de S.
Freud e J. Lacan, propomos uma
investigação acerca da teoria da
angústia, em que pese suas
ressonâncias com a arte. A
expressão artística eleita será o
cinema, especificamente
representado pela obra Trilogia do
Silêncio, do cineasta Ingmar
Bergman, composta pelos filmes
Através de um espelho (1961-62),
Luz de Inverno (1961-62) e O
Silêncio (1962). Para tal
empreitada, propomos uma
discussão conceitual que parte de
206
uma revisão do pensamento destes
autores, considerando pontos
cruciais da teoria como o
fenômeno do unheimlich, a
questão do objeto na psicanálise e
sua amarração nos registros
Real/Simbólico/Imaginário. Em
seguida, alçamos uma dialetização
teórica entre angústia e fantasia,
que nos conduzirá ao cerce da
discussão direta com a obra.
Nossa leitura será tangida pela
consistência estética que alinhava
as fontes da angústia infantil –
solidão, escuridão e silêncio – ao
bojo formal e conceitual da
trilogia unificada no significante
Silêncio. Assim, as obras ressoam
paradigmáticas de um sistema
discursivo que não se furta de
abordar o real lacaniano,
assinalado pelo que não engana: a
angústia. Na metodologia deste
trabalho, nos pautamos pela
orientação ética de Freud e Lacan
acerca da estética, a qual
estabelece que a relação entre arte
e psicanálise é sempre serviço
gratuito da arte ofertado apenas à
psicanálise
Referência: RODRIGUES, M. P. V. A travessia da angústia: uma leitura
psicanalítica da trilogia do silêncio, de Ingmar Bergman [dissertação]. Brasília:
Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, 2013.
1
12
Título: Sublimação e seus impasses: um
encontro de Freud com personagens de Woody
Allen
Autor: Thais Fontana Gemignani
Ano: 2013
O presente trabalho de pesquisa
em Mestrado teve por objetivo o
estudo da problemática
psicanalítica da sublimação, bem
como de seus impasses, a partir de
quatro personagens trazidos por
Woody Allen em seu filme
Interiores (1978) Eve, Renata,
Joey e Flyn. Buscou-se tomar
referidos personagens como casos
clínicos e fazê-los encontrar a
sublimação de Freud, de sorte a
realizar uma fecundação recíproca
entre psicanálise e a obra
cinematográfica de Woody Allen,
entre sublimação e a problemática
dos impasses vividos pelos
personagens em seus processos
sublimatórios - ora estagnados,
ora natimortos, ora confundidos
com a idealização -, trazida de
forma recorrente pelo cineasta
através de inúmeros personagens
em seus filmes. A pergunta que
deu origem a esta Dissertação foi
207
O que será que Woody Allen tem
a nos ensinar com esses
personagens sobre o trabalho
sublimatório, e como a
sublimação de Freud nos ajudaria
a entender essas figuras trazidas
por este profícuo cineasta?. Com o
objetivo de responder esta
questão, foram trabalhadas,
inicialmente, algumas
aproximações possíveis,
historicamente, entre psicanálise e
arte, assim como entre psicanálise
e cinema, delineando a
justificativa bem como as
estratégias de pesquisa utilizadas.
Em seguida, procurou-se
aproximar brevemente Woody
Allen e psicanálise, discorrendo
sobre a vida e a produção
cinematográfica deste cineasta e
contextualizando Interiores em
sua filmografia. Em um segundo
momento, avança-se para o estudo
da sublimação no contexto da
obra freudiana, procurando
recuperar as passagens acerca
deste conceito distribuídas no
discurso de Freud e algumas
mudanças sofridas ao longo do
tempo por alguns conceitos
fundamentais para o corpo teórico
psicanalítico que produziram
efeitos sobre a concepção de
sublimação ao longo da teoria
freudiana. Partiu-se inicialmente
de Freud, cotejando suas ideias
com o trabalho de alguns
pensadores que se debruçaram
sobre seus fragmentos
concernentes à sublimação e
procuraram fazer um aporte à sua
conceituação. Explorou-se de
forma mais acentuada o trabalho
de Joel Birman, que pensa a
sublimação como sublime ação,
um processo psíquico complexo
que supõe estruturação subjetiva,
ruptura com fixações objetais
narcísicas, criação de novos
objetos de satisfação pulsional e
de novas formas de subjetivação e
que demanda um processo de luto
do eu ideal que passa pela
vivência do desamparo e o
alcance da posição feminina. Em
um momento posterior, partindo
do trabalho de Freud e cotejando-
o com o pensamento de Joel
Birman, e uma vez apresentados
os casos clínicos, passou-se ao
208
encontro de Eve, Renata, Joey e
Flyn com a sublimação de Freud,
procurando articular os casos
clínicos e seus impasses no
processo sublimatório à
problemática psicanalítica da
sublimação, em uma fecundação
recíproca. Ponderouse, ao longo
desta pesquisa, que Eve, Renata,
Joey e Flyn metaforizam impasses
da criação sublimatória que
podem ser vividos pelo sujeito,
como a idealização; a angústia
diante da constatação da nossa
mortalidade, e consequente
paralisia criativa; o belo como
fuga à constatação da castração e
que pode ser confundida em sua
aparência com o sublime; e a
identificação narcísica que
congela o sujeito em uma posição
melancólica e o impede de criar
Referência: GEMIGNANI, T. F. Sublimação e seus impasses: um encontro de
Freud com personagens de Woody Allen [dissertação]. São Paulo: Universidade de
São Paulo, Instituto de Psicologia, 2013.
1
13
Título: A estética realista dos filmes sobre
favela no Brasil (2002-2010)
Autor: Saulo Magalhães Resende
Ano: 2012
Este trabalho possui como
objetivo a análise de cinco filmes
do cinema brasileiro
contemporâneo que tratam sobre
favela: Cidade de Deus (Fernando
Meirelles, 2002), Linha de Passe
(Walter Salles e Daniela Thomas,
2008), Sonhos Roubados (Sandra
Werneck, 2009), Tropa de Elite
(José Padilha, 2007) e Tropa de
Elite II (José Padilha, 2010).
Tendo como eixo central a
estética realista de filmes sobre
favela no Brasil, a partir da
metodologia de análise fílmica,
foi realizada uma pequena revisão
de algumas teorias de cultura,
comunicação e dos antecedentes
do campo do cinema brasileiro
contemporâneo. Para além, foi
desenvolvido uma proposta
dialógica com a Psicologia Social
e as possibilidades de
interlocuções com o cinema
brasileiro. O foco se deu em
problematizar como as condições
de produção, as representações e
as apropriações de recepção se
articulam às diversas práticas
discursivas e não-discursivas e se
associam à representação da
noção de categorias identitárias
como violência, segurança
209
pública, família, juventude e
consumo. Os resultados dessa
análise qualitativa giraram em
torno de questões de ordem
socioeconômica, que caracterizam
a favela enquanto território de
(im)possibilidades e, sobretudo,
tem seus moradores como
personagens que possuem um
estereótipo do que é viver na
favela, dando visibilidade nas
relações que se estabelecem
nesses territórios.
Referência: RESENDE, S. M. A estética realista dos filmes sobre favela no Brasil
(2002-2010) [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2012.
1
14
Título: O poderoso chefão no divã: uma análise
psicológica do protagonista Don Vito Corleone
Autor: Clayton Herrison Santos Cruz
Ano: 2012
Esta dissertação busca
desenvolver a análise do filme O
poderoso chefão - parte 1 (The
godfather, 1972), de Francis Ford
Coppola, através de conceitos
técnicos, estéticos e,
principalmente, psicanalíticos. O
objetivo principal desta pesquisa é
demonstrar como essa obra
fílmica paradigmática, pode ser
analisada de várias formas, tanto
através da técnica e da estética,
como também através de
conceitos psicanalíticos, aplicados
aqui sobre a configuração de um
personagem específico, o
protagonista Don Vito Corleone
(Marlon Brando). Para tanto,
foram utilizados como referências
teóricas tanto bibliografias sobre
cinema e análise de filme, como
também bibliografias sobre
Psicologia e Psicanálise. Com
isso, foi possível constatar o
expressivo uso que Coppola faz
da iluminação e dos
enquadramentos bem como a
aplicação dos seguintes conceitos
psicanalíticos na construção do
personagem Don Vito Corleone
"aprender com a experiência",
"pulsão de vida e pulsão de
morte", "fantasia ou realidade" e
"identificação projetiva".
Referência: CRUZ, C. H. S. O poderoso chefão no divã: uma análise psicológica do
protagonista Don Vito Corleone [dissertação]. São Paulo: Universidade Anhembi
Morumbi, Programa de Mestrado em Comunicação, 2012.
1
15
Título: Mulheres na prisão: estudo psicanalítico
sobre um documentário brasileiro
O presente trabalho tem como
objetivo investigar
psicanaliticamente a experiência
210
Autor: Maria Julia Souza Chinalia
Ano: 2012
emocional de mulheres que estão
em cumprimento de pena após
julgamentos em situações de
estado de direito. Justifica-se na
medida em que a conquista de
compreensão emocional, sobre
estas pessoas, pode lançar luz
sobre o modo como condições
concretas desfavoráveis e
opressivas se refletem sobre
subjetividades individuais. A
pesquisa se organiza,
metodologicamente, como estudo
de caso, por meio da abordagem
psicanalítica de um documentário
brasileiro, intitulado Histórias de
Daluana (2007). Sucessivas
exposições ao filme,
acompanhadas pela transcrição do
áudio, permitiram a produção
interpretativa dos seguintes
campos de sentido afetivo-
emocional, que se articulam
indicando a centralidade da
experiência de humilhação social:
Valor Pessoal , "Menina-Noiva",
Mulher de Negócios e Mãe
Desconcertante . Finalizamos
estabelecendo uma interlocução
com a teoria winnicottiana, para
propor que a reconhecida
vinculação entre privação e
delinquência deve ser completada,
na compreensão de casos análogos
ao aqui considerado, pela inclusão
da problemática da humilhação
social, na medida em que este é o
foco do sofrimento da
entrevistada, que gera diferentes
defesas, que utilizam elementos
de imaginários mais ou menos
conservadores. Nos limites
impostos pelo procedimento
investigativo adotado, essa
pesquisa suporta reflexões
compreensivas e suscita
indagações que podem iluminar
situações análogas.
Referência: CHINALIA, M. J. S. Mulheres na prisão: estudo psicanalítico sobre
um documentário brasileiro [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, 2012.
1
16
Título: Discurso e(m) imagem sobre o feminino:
o sujeito nas telas
Autor: Jonathan Raphael Bertassi da Silva
Ano: 2012
Este trabalho aborda a relação da
mulher com a sensualidade tal
como retratada em quatro filmes
dos anos sessenta, oriundos de
diferentes países. São eles: Nunca
aos Domingos (Pote tin Kiriaki,
1960), de Jules Dassin; Repulsa
211
ao Sexo (Repulsion, 1965), de
Roman Polanski; A Bela da Tarde
(Belle de Jour, 1967), de Luis
Buñuel e A Primeira Noite de um
Homem (The Graduate, 1967), de
Mike Nichols. Para tanto,
utilizamos como referencial
teórico a Análise do Discurso de
matriz francesa. Interessa-nos
buscar os efeitos de sentido
presentes nestes filmes sobre a
representação da mulher e seu
diálogo conflituoso com a
instituição familiar, com o
matrimônio e com a sensualidade,
sempre atentando para os
movimentos do sujeito que fazem
falar, de modo heterogêneo, uma
memória discursiva sobre o que é
ser mulher, levando à tona regiões
de sentido antes vetadas que
envolvam prostituição, casamento,
família e sexo. O objetivo geral da
pesquisa é compreender os efeitos
de sentido no discurso sobre a
sensualidade feminina inscritos
nos processos verbal e não-verbal
em filmes dos anos sessenta,
marcando especialmente o modo
de o sujeito produzir sentidos e se
constituir em sujeito discursivo.
Como é nosso escopo apontar as
(muitas) interpretações possíveis
numa década de transição (dentro
e fora das telas) sobre a
emancipação da mulher,
encontramos na Análise do
Discurso (AD) de matriz francesa
o referencial pertinente para
rastrear os múltiplos sentidos
sobre o feminino que se
inscrevem nesses filmes. Por meio
deste referencial teórico, visamos
o estudo da linguagem em suas
práticas sociais, pois a
compreensão do discurso passa
necessariamente pela sociedade,
visto que história e linguagem se
afetam e alimentam mutuamente.
Definindo a linguagem como
trabalho, a disciplina desloca a
importância dada à função
referencial da linguagem, a qual
ocupa posição nuclear na
Lingüística clássica, que defende
esse enfoque ma comunicação, ou
na informação; assim, o viés da
AD entende a linguagem como
ato sócio-histórico-ideológico,
sem negar o conflito, a
contradição, as relações de poder
212
que ela traz em seu bojo. O
sentido, na perspectiva discursiva,
não tem origem nem no sujeito,
nem na história. Sujeito e sentido
se constituem simultaneamente.
Não há um sentido adâmico,
legítimo, para um significante
qualquer. Só existem efeitos de
sentido. Em vista disso, os
sentidos não existem por si, mas
são determinados pelas posições
ideológicas do sujeito, o que faz
com que a interpretação das
palavras mudem de acordo com
essas posições. Isso acontece
porque a apropriação da
linguagem pelo sujeito não se dá
num movimento individual, mas
social. Buscamos também bases
metodológicas na própria AD para
rastrear o discurso inscrito em
obras cinematográficas, buscamos
trabalhar o não-verbal em seu
sentido amplo, indo além do
conceito de narrativa. As imagens
não falam, mas significam por sua
materialidade visual, portanto será
analisada aqui a partir dessa
perspectiva. Como resultado de
nosso trabalho, obtemos as
regularidades discursivas dos
recortes e/ou segmentos
analisados, suas relações com o
interdiscurso e as Formações
Discursivas (FDs) em jogo, os
modos de inscrever a resistência e
a ruptura com o já-lá sobre a
sensualidade feminina. Feito isso,
nos foi possível traçar um
panorama com o arquivo sobre o
feminino e sua sensualidade no
cinema dos anos sessenta,
compreendendo como o sujeito
recortou a memória para fazer
circular dizeres até então
silenciados.
Referência: SILVA, J. R. B. Discurso e(m) imagem sobre o feminino: o sujeito nas
telas [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, 2012.
1
17
Título: A pedagogização das diferenças sexuais:
o cinema como dispositivo educativo
Autor: Luis Fernando de Oliveira Saraiva
Ano: 2011
Com as transformações políticas,
econômicas e sociais ocorridas a
partir dos séculos XVII e XVIII,
tem se intensificado um poder que
se ocupa em gerir a vida e lhe
extrair ao máximo suas forças,
seja na produção de corpos
individuais mais produtivos, seja
no controle do corpo-espécie da
213
população. Assim, ao mesmo
tempo em que se torna
hegemônico um modo de
subjetivação no qual domina uma
interioridade dotada de
capacidades, desejos,
virtualidades a serem descobertos,
há uma crescente preocupação
com fenômenos e processos da
vida, transformados em taxas a
serem medidas e previstas. No
encontro entre indivíduo e
população, a sexualidade, ponto
fundamental na gestão da vida.
Nesse contexto, o presente estudo
teve por objetivo investigar
modos de subjetivação acionados
pelo cinema no que diz respeito às
diferenças sexuais, fornecendo
subsídios para a problematização
de práticas ditas inclusivas. Em
uma perspectiva teórico-
metodológico pós-estruturalista
que dialoga com a Teoria Crítica,
tomou-se o cinema como um
dispositivo educativo e
governamentalizante, isto é, uma
extremidade na qual o poder se
exerce, visando o governo de
corpos e da população. Inserido na
lógica da indústria cultural, o
cinema ensina estilos de vida,
maneiras de ser e modos de se
relacionar, construindo e
legitimando identidades sociais,
ao mesmo tempo em que
desautoriza outras. A partir da
análise de filmes indicados e/ou
vencedores do Oscar na última
década, percebeuse uma
significativa mudança nas formas
pelas quais personagens não-
heterossexuais vêm sendo
apresentados, apontando tanto
para uma aparente ruptura com
imagens pejorativas e
estereotipadas, fomentadoras de
preconceitos e exclusões, quanto
para a incitação de processos
subjetivadores nos quais dominam
a domesticação das diferenças
sexuais e abafamento de seu
potencial contestatório e
disruptivo
Referência: SARAVAIRA, L. F. O. A pedagogização das diferenças sexuais: o
cinema como dispositivo educativo [dissertação]. Universidade de São Paulo,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.
1Título: Modelos freudianos do trauma e A ideia de trauma em três
214
18 condição humana noir: interfaces e interlocução
Autor: Antonio Luiz Pereira de Castilho
Ano: 2011
momentos cruciais do pensamento
freudiano é examinada, discutida
e comparada com a abordagem da
questão da condição humana no
cinema noir americano. Os
momentos são 1896 (marcado
pela chamada Teoria da sedução),
1918 (ano de publicação de
História de uma neurose infantil)
e 1920 (o começo da
reformulação da doutrina
freudiana com a introdução da
hipótese da pulsão de morte). A
significação sexual do trauma e o
ataque interno pulsional causado
são os principais elementos postos
em diálogo com a paixão no amor
vista em três exemplares do
cinema noir: Impacto (1949), de
Arthur Lubin, A dama de Xangai
(1948), de Orson Welles e O
falcão maltês (1941), de John
Houston, buscando construir uma
ligação entre psicanálise e arte.
Referência: CASTILHO, A. L. P. Modelos freudianos do trauma e condição
humana noir: interfaces e interlocução [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade
Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.
1
19
Título: A produção de paternidade em
Procurando Nemo : performatividade em redes
heterogêneas
Autor: Márcio Bruno Barra Valente
Ano: 2011
Esta pesquisa refuta qualquer
sentido pré-linguístico acerca da
paternidade e parte de uma crítica
às leituras sobre o tema, em
Ciências Humanas e Sociais, que
se inscrevem na dicotomia
biologia versus cultura. Assim,
tomando o filme de animação
"Procurando Nemo" como um
dispositivo de produção de
paternidades, o objetivo deste
estudo foi analisar como a
paternidade é performativamente
materializada neste filme e, mais
precisamente, como este filme
trabalha de forma performativa
para materializar paternidades.
Para dar sustentação teórica aos
princípios e escolhas
metodológicas desenvolvidas
construiu-se uma tríade conceitual
estruturada nos conceitos de
performatividade, inteligibilidade
e materialidade, em diálogo com
pressupostos teórico-
epistemológicos da Teoria Ator-
Rede (TA-R). Do ponto de vista
metodológico, as análises não se
limitaram aos quase 100 minutos
de narrativa, elas focalizaram,
sobretudo, em uma rede extensiva
215
de materialidade e socialidades
que incluem elementos diversos:
notas da produção, críticas
cinematográficas, depoimentos
obtidos em sites de cinema, bem
como textos sócio-educativos. As
análises aqui empreendidas
buscam tecer essa rede
heterogênea na qual a paternidade
vai sendo performativamente
produzida como materialidade. No
jogo performático que se delineia
nessa rede, a paternidade se
constrói, ao mesmo tempo, como
elemento anterior (ou seja, a
paternidade é referida como o
tema central sobre o qual o filme
foi produzido), mas também o
destino temático do filme (ou seja,
o filme constrói paternidade).
Esse jogo produz outros efeitos,
por exemplo, pessoas inscrevem
suas experiências e expectativas
como pais referindo o filme;
tomando o filme como exemplo,
textos fazem referência à
paternidade como conflito eterno
entre ser pai ou ser amigo do filho
ou sobre a importância do carinho
paterno ou a questão dos pais que
assumem totalmente a criação dos
filhos ou ainda o exemplo da
paternidade do filme como reflexo
da relação de amor/insegurança do
criador em relação à sua criatura
etc. São processos identificatórios
distintos que se articulam
mobilizando conexões diversas
cuja heterogeneidade é condição
de estabilidade da própria rede. A
paternidade é construída no filme
na repetição persistente, instável e
obrigatória, como norma tácita de
inteligibilidade cultural que
parece útil para manutenção da
heteronormatividade, do
imperativo da família nuclear e
até mesmo a interdição do incesto.
A paternidade é produzida como
ideal regulatório impossível de ser
realizado plenamente (e por isso
gerador de exclusões) e estável
precariamente conforme as redes
que o possibilitam. Todavia, a
paternidade não precisa ser
desprezada mesmo que (ou
inclusive porque) se constitua
como mecanismo de coerção e
governo, pois a resistência opera
no interior da própria norma pela
qual são produzidos efeitos, mas
216
sempre sem apreender plenamente
sua produção, pois eles
testemunham suas instabilidades,
incoerências, multiplicidade e,
sobretudo, plasticidade
Referência: VALENTE, M. B. B. A produção de paternidade em Procurando
Nemo: performatividade em redes heterogêneas [dissertação]. Recife: Universidade
Federal de Recife, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.
2
20
Título: Anticristo - feminilidade e loucura na
obra de Lars Von Trier
Autor: Wilza Assunção Braz
Ano: 2010
Este trabalho se ocupa em
analisar, através da obra do diretor
de cinema Lars Von Trier
Anticristo, a condição subjetiva da
feminilidade tendo como
elemento diretivo de
considerações teóricas a relação
entre razão, feminilidade e
loucura. Utilizando como método
de pesquisa o método
interpretativo da psicanálise,
constitui-se uma leitura da obra
que se faz via rupturas de campos,
entendendo campo como
estruturações inconscientes que se
fazem presentes como
sustentadores de situações
relacionais singulares e diversas.
Dessa forma, essa pesquisa se
constitui sob a égide do trabalho
reflexivo interpretativo com
potencialidade de rupturas
conseguintes aos abalos das
relações instituídas. Relações
estas entre a pesquisadora, o tema
da sua investigação e a obra de
arte. Busca-se mostrar
aproximações teóricas entre a
subjetividade feminina dentro do
discurso freudiano e a condição da
loucura, tendo como norteadores
os personagens que compõem a
história. O Homem do Anticristo
representa o universo racional e
pragmático, cuja lógica
sistemática parece dar conta de
tudo, cuja objetividade predomina
no modo de ver o mundo e na
maneira de efetivação na busca
pelo objeto de desejo. Uma lógica
hegemônica do pensamento
ocidental; fundamento da
revolução científica moderna. A
leitura que apresentarei neste
trabalho acerca da Mulher é desta
como representante do universo
feminino, permeado por uma
lógica subjetiva, simbólica, ao
reverso do pensamento lógico
racional. A Mulher representa
217
nesta leitura a condição feminina
enquanto subjetividade outra cuja
singularidade foi apreendida e
possibilitada pelo discurso
psicanalítico a partir da análise e
da construção teórica feita por
Freud sobre a histeria. Do mesmo
modo, a loucura se posiciona
enquanto avesso ao modo racional
científico, o que justifica tal qual
acontece com a feminilidade os
discursos, as construções
filosóficas e as ações sociais
excludentes. Feminilidade e
loucura são apresentadas aqui
como condições subjetivas que
impõem alteridade ao pensamento
racional apoiado pelo cogito
cartesiano e que necessitam de
outra forma de escuta que lhes
promova sentido.
Referência: BRAZ, W. A. Anticristo - feminilidade e loucura na obra de Lars Von
Trier [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, 2010.
2
21
Título: Assassinos em cena: um estudo sobre os
fundamentos metapsicológicos da indústria
cinematográfica dos assassinos em série
Autor: Daniel Polimeni Maireno
Ano: 2010
A presente dissertação tem por
objetivo discutir os possíveis
fundamentos metapsicológicos
que contribuem para o sucesso da
indústria cinematográfica dos
assassinos em série, tendo por
horizonte a hipótese de que o
funcionamento psíquico humano
em geral, representado pelos
espectadores dos filmes, guarda
mais familiaridade com as
mentalidades agressivas e
homicidas do que se imagina. Na
argumentação, este texto conta
principalmente com uma
discussão sobre o conceito de
pulsão de morte e sua relação com
a agressividade, tal como elas
foram articuladas nas
contribuições teóricas de
importantes membros do campo
psicanalítico. Antes disso
encontra-se uma breve retomada
histórica desse ramo
cinematográfico do
terror/suspense, desde as origens
nas primeiras décadas do séc. XX
às atuais superproduções, o que
permite observar as diversas
formas com que a temática
homicida aparecera nos filmes.
Também são discutidas as
interpretações de dois importantes
estudiosos deste fenômeno
218
cinematográfico, suas ênfases em
contextos históricos e estéticos
específicos, às quais vem se somar
o presente estudo
metapsicológico. Com o avançar
da discussão, é possível conferir
que, além de contribuir para se
pensar os motores psíquicos mais
profundos dessa curiosa e grotesca
formação da cultura em
específico, bem como do estranho
prazer a ela articulado, tal projeto
de pesquisa constitui-se em mais
um esforço para problematizar e
tentar elucidar determinadas
facetas do funcionamento
psíquico que dizem respeito à
agressividade e à violência,
segundo um ponto de vista
psicanalítico, de forma a poder
demarcar concepções importantes
nas interlocuções com outras áreas
do saber sobre estes temas
Referência: MAIRENO, D. P. Assassinos em cena: um estudo sobre os
fundamentos metapsicológicos da indústria cinematográfica dos assassinos em
série [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
2
22
Título: A vivência da sombra na relação fraterna
feminina: um caminho para a individuação
Autor: Gisele Falanga Capela Fabreti
Ano: 2010
Este trabalho tem como objetivo
compreender a vivência sombria
no vínculo fraterno feminino,
observando ainda a importância
da irmã no processo de
individuação da mulher. Para isso
utilizou-se do referencial teórico
junguiano e da abordagem
sistêmica, buscando aproximações
através da análise de vivências
ficcionais trazidas pelo cinema em
três filmes: Muito Bem
Acompanhada , Em seu Lugar e
Três Mulheres, Três Amores . A
escolha da metodologia deu-se
pela constatação teórica de que a
relação entre irmãs suscita muitos
afetos e que os membros da fratria
tendem a resguardar-se ou atacar-
se em relatos, mas nas obras
culturais, os autores tendem a
atribuir a seus personagens grande
autenticidade de afetos, mais que
em biografias. Verificou-se na
análise que o vínculo diferenciado
dá sustentação para a atuação da
sombra, mas que é a estrutura de
ego que permite ou não maior ou
menor integração da sombra,
promovendo mudanças de papéis
familiares e na fratria, ou levando
à perpetuação dos padrões
219
arraigados
Referência: FABRETI, G. F. C. A vivência da sombra na relação fraterna
feminina: um caminho para a individuação [dissertação]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2010.
2
23
Título: Heroínas - da submissão à ação: uma
análise junguiana de personagens em filme de
animação
Autor: Fernanda Aprile Bilotta
Ano: 2010
Esta dissertação tem como
objetivo analisar a trajetória de
algumas heroínas dos filmes
infantis de animação produzidos
pelos estúdios Walt Disney
Pictures e Dreamworks Pictures
no período de 1937 a 2007.
Busca-se, portanto, identificar
quais são os comportamentos e
temas propagados pelas
protagonistas dos filmes: Branca
de Neve e os Sete Anões (Walt
Disney Pictures, 1937) Cinderela
(Walt Disney Pictures, 1950), A
Bela Adormecida (Walt Disney
Pictures, 1959), A Pequena Sereia
(Walt Disney Pictures, 1989), A
Bela e a Fera (Walt Disney
Pictures, 1991), Shrek!
(DreamWorks Pictures, 2001),
Shrek 2 (DreamWorks Pictures,
2004) e Shrek Terceiro
(DreamWorks Pictures, 2007). Os
oito filmes foram assistidos e
mapeados para a realização de
sinopses e elaboração das
análises. Essas foram baseadas
nas imagens, eventos e sequencias
significativas quanto à
composição das personagens e seu
desenvolvimento nas narrativas. A
aproximação desse tema remete
ao arquétipo do herói, o qual
impulsiona o processo de
desenvolvimento da consciência e
é ativado, principalmente, na
adolescência quando moças e
rapazes iniciam sua passagem
para a vida adulta. A análise está
referenciada nos conceitos da
psicologia analítica e nos critérios
de interpretação sugeridos por
Von Franz para contos de fadas.
As heroínas transportadas às telas
do cinema ajudam a compreender
como os arquétipos se manifestam
na atualidade e colaboram no
enfrentamento e elaboração das
mais diversas situações.
Enriquecerem, desse modo, a
organização psíquica na
adolescência, autorizando
comportamentos, vetando outros,
ao oferecer suporte imaginário e
220
simbólico no processo de
elaboração e individuação
Referência: BILOTTA, F. A. Heroínas - da submissão à ação: uma análise
junguiana de personagens em filme de animação [dissertação] São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2010.
2
24
Título: Gêneros e figurinos no cinema de
Hitchcock
Autor: Priscila Tatiane dos Santos
Ano: 2010
O objetivo geral desta pesquisa é
analisar a questão dos gêneros em
filmes de Hitchcock, compreender
a maneira como se dão a
distribuição dos papéis sexuais, a
recorrência ao tipo fálico de
construção do feminino e entender
os diferentes tipos maternais e a
ambiguidade das categorias
genéricas. O objetivo específico é
examinar essas configurações
genéricas a partir do figurino. A
metodologia consiste em pesquisa
bibliográfica e filmográfica. As
principais referências são obras
teóricas e críticas sobre o cinema
clássico narrativo hollywoodiano
e sobre o cinema de Hitchcock.
Para o problema dos gêneros, o
Mestrado se apóia nas três
Contribuições à Psicologia do
Amor de Freud. O Estranho,
também de Freud, é a base teórica
para a articulação entre misoginia
e estranho, vale dizer, a questão
da mulher como sinistra. Há
chaves particularmente
interessantes para a compreensão
dessa questão em O Tabu da
Virgindade. Imagens, cenas e
sequências as mais significativas,
que melhor demonstram o papel
do figurino na configuração dos
gêneros dos filmes que compõem
o corpus serão analisadas para
compreender como esses tipos
femininos, masculinos e suas
ambiguidades são construídos
pelo figurino. Principalmente
nessa abordagem dos gêneros, é
indispensável a análise de filmes
de Hitchcock pois, ao confundir
os papéis sexuais por embaralhar
as categorias genéricas, o diretor
quase chega à homossexualidade,
que, ligada às roupas, será
analisada em personagens
homossexuais quase explícitos.
Este estudo parte da principal
hipótese de que o cinema de
Hitchcock coloca em crise as
categorias de gêneros, embaralha
a distribuição dos papéis sexuais e
221
constrói personagens sexualmente
ambíguos, ao menos, desde 1940.
A hipótese secundária é a de que
essas configurações genéricas
nuançadas podem ser lidas através
do figurino
Referência: SANTOS, P. T. Gêneros e figurinos no cinema de Hitchcock
[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.
2
25
Título: As metáforas alquímicas no cinema
Autor: Maria Cecilia Zanatta
Ano: 2010
Dentre os teóricos que buscaram
uma visão mais abrangente de ser
humano em relação às
manifestações culturais de todos
os tempos, C. G. Jung (1875-
1961), foi quem se dedicou ao
estudo da alma humana através de
imagens de sonhos, mitos e
símbolos da cultura, por acreditar
que a atuação do inconsciente se
dá através de várias formas de
expressão. O processo de criação
segundo Jung diz respeito à
tradução feita pelo artista de
imagens primordiais, vindas
espontaneamente do inconsciente,
para a linguagem do presente. Ao
criar uma obra de arte, o artista
transforma sua conexão com o
inconsciente em algo acessível a
todos, possibilitando que cada um
de nós possa também estar
reconectando consigo mesmo.
Desta forma é que é considerado
que o cinema pode atuar como
fonte de projeção e transformação
interna do indivíduo. O cinema,
como qualquer forma de
expressão humana, oferece total
condição para que elementos
culturais se expressem, mesmo
quando utiliza elementos arcaicos
da cultura que não se alinham aos
transmitidos pela tradição
corrente. Este é o caso da
alquimia e por este motivo ela foi
escolhida como foco do trabalho.
O desafio proposto foi olhar para
o cinema procurando por estes
elementos e o resultado foi uma
forma de resgate da antiga
alquimia em produções humanas
atuais. Nesta dissertação analiso
quatro filmes como ilustração da
discussão principal: A Festa de
Babette, Navigator, uma Odisséia
no Tempo, Um Beijo Roubado e
Stalker. Foi utilizada uma
abordagem que, ao mesmo tempo
em que procura identificar uma
222
imagem dentro do imaginário
tradicional, pretende ser respeitosa
no que diz respeito à dimensão
simbólica inatingível da obra de
arte
Referência: ZANATTA, M. C. As metáforas alquímicas no cinema [dissertação].
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2010.
2
26
Título: O cinema como experiência sinfônica: a
partitura orquestral do filme "O Iluminado", de
Stanley Kubrick
Autor: Francisco Egydio de Carvalho
Ano: 2010
O presente estudo tem como
objetivo estabelecer uma
aproximação entre cinema e
música no que concerne aos
mecanismos de produção de
sentido articulados por ambas as
artes. A partir dos conceitos de
imagem-movimento e imagem-
tempo, concebidos por Deleuze
através das teorias de
representação da matéria de
Bergson, o estudo propõe
defender a idéia de que a narrativa
encampada pela imagem pode ser
lida e compreendida também
como uma partitura musical
sinfônica, aproveitando, para
tanto, os estudos de André Parente
sobre a narratividade fílmica
Referência: CARVALHO, F. E. O cinema como experiência sinfônica: a partitura
orquestral do filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick [dissertação]. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2010.
2
27
Título: A construção de um olhar clínico vidente
Autor: Adriana Barin de Azevedo
Ano: 2009
Esta pesquisa trata da construção
de um possível olhar clínico que
se compõe na intersecção entre
uma filosofia que pergunta pelos
modos de vida de um indivíduo a
partir dos afectos que o
atravessam e, por outro lado, o
que pode ser extraído da
expressividade dos corpos em
cenas de filmes de dois filmes,
Asas do Desejo e O Violino . Este
é o encontro privilegiado neste
trabalho, pois ele nos leva a um
modo de pensar imanente, que
conduz este olhar clínico a ver o
que está entre as coisas , nas
experiências vividas. A aliança
entre Deleuze e Espinosa ganha
centralidade nesta pesquisa, pois
nos estimula a polir as lentes,
observando o indivíduo a partir de
um processo de variação da
potência e construindo um olhar
clínico vidente. Este olhar é
efetuado ao operar uma avaliação
crítica e clínica de modos de vida
que definem um indivíduo,
223
observando as variações de que
ele é capaz, aumentando ou
diminuindo seu grau de potência.
Procuramos fazer um mapa dos
deslocamentos dos afectos, para
conhecer o poder de afetar e ser
afetado de um corpo. A pesquisa
segue uma trajetória que mostra
como um outro modo de pensar, a
compreensão de que os encontros
são extensivos e intensivos, e as
dimensões constitutivas do
indivíduo, nos levam a conhecer
os modos de vida que este
constrói em seus encontros.
Encontraremos, neste processo,
um olhar clínico vidente atento às
composições engendradas na
experiência de uma vida singular
Referência: AZEVEDO, A. B. A construção de um olhar clínico vidente
[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
2
28
Título: Considerações sobre a devastação mãe-
filha: elementos para uma clínica da
adolescência feminina
Autor: Isadora Lins Porto Dantas Brunner
Ano: 2008
Este trabalho trata da questão da
devastação mãe-filha. Procura-se
aprofundar o que vem a ser a
devastação, entendida, em
princípio, como o malogro da
filha em aceder à feminilidade
devido a obstáculos vividos na
relação com a mãe. Foi a partir de
atendimentos com meninas na
adolescência que surgiu a idéia de
investigar tal questão de forma
mais atenta. Assim sendo, esta
pesquisa vale-se de uma obra do
cinema contemporâneo a fim de
aproveitar os recursos dessa arte
condensadora de vivências. Com
o propósito de articular a
problemática da devastação com o
que Freud chamou de civilização ,
e Lacan, de discursos , ou seja, a
uma economia dos gozos aceitos
ou prescritos do laço social, esta
investigação considera aspectos
relativos tanto ao contexto do
capitalismo de produção da época
de Freud como, especialmente, ao
capitalismo tardio ou capitalismo
de consumo da atualidade.
Elaboram-se também, questões
relacionadas à adolescência que,
pela sua turbulência, apresenta-se
como um momento privilegiado
para a ocorrência da devastação.
Como conclusão, desenvolvese a
idéia de que, na trajetória de cada
mulher constituir-se como única,
ao identificar-se e, ao mesmo
224
tempo, ao separar-se de sua mãe,
não encontrando um significante
que diga A Mulher, a devastação
apresenta-se como uma
contingência que pode tornar-se
real ou não acontecer. Porém,
quando se efetiva implica um
sofrimento tal para o sujeito ao
qual a clínica não pode ficar
indiferente
Referência: BRUNNER, I. L. P. D. Considerações sobre a devastação mãe-filha:
elementos para uma clínica da adolescência feminina [dissertação]. São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.
2
29
Título: A infância no currículo de filmes de
animação: poder, governo e subjetivação dos/as
infantis
Autor: Maria Carolina da Silva
Ano: 2008
Esta dissertação tem como
objetivo analisar as subjetividades
disponibilizadas por quatro filmes
infantis de animação produzidos
pela Disney e pela Pixar: Toy
Story (1995), Monstros S.A
(2001), Procurando Nemo (2003)
e Os Incríveis (2004). Com base
na vertente pós-estruturalista dos
estudos culturais, que trabalha
com os conceitos retirados da obra
de Michel Foucault, considera-se
que tais filmes ensinam
determinados modos de ser, estar
e fazer considerados adequados
para o público ao qual se
endereçam, ou seja, esses filmes
têm um currículo cultural. O
argumento desenvolvido nesta
dissertação é o de que o currículo
dos filmes investigados constrói
subjetividades infantis por meio
da apresentação de dois modelos
de infância (a infância-
potencialidade e a infância-
monstro) e por meio do governo
das condutas infantis. Para operar
esse governo, é importante tanto o
controle que os/as adultos/as
exercem sobre os/as infantis,
como o governo que os/as
próprios/as infantis realizam sobre
si mesmos/as. Nesse sentido, os
filmes utilizam diferentes técnicas
para produzir subjetividades. Por
um lado, esse artefato cultural
utiliza instituições como a família
e a escola para educar e conduzir
as condutas infantis. Nesse
processo, os filmes não apenas
tentam controlá-los/as, mas falam
acerca de como os/as adultos/as
devem se comportar para que
sejam capazes de conduzir a
infância. Por outro lado, esses
225
filmes disponibilizam uma
subjetividade heróica que tem
como marcas a coragem, a
amizade, a confiança e a parceria.
Para construí-la é necessário que
os/as infantis articulem técnicas
de dominação às técnicas de si.
Por fim, vale destacar que os
filmes estudados acionam técnicas
relacionadas às relações de gênero
e, dessa maneira, disponibilizam
subjetividades generificadas para
seu público. O estudo conclui que
essas diferentes estratégias
utilizadas pelos filmes analisados
podem ajudar a construir
subjetividades infantis submetidas
à figura adulta. Aponta também a
necessidade de outros estudos que
ajudem a compreender como a
infância vem sendo narrada na
contemporaneidade a fim de
possibilitar a construção de novos
modos de ser e agir tanto para
os/as infantis como para os/as
adultos/as que lidam com eles/as.
Referência: SILVA, M. C. A infância no currículo de filmes de animação: poder,
governo e subjetivação dos/as infantis [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade
Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2008.
3
30
Título: Invenções amorosas: odisséias
contemporâneas
Autor: Patrícia Badari
Ano: 2007
Este estudo propõe-se a refinar e a
delinear, a partir de um conto e de
três filmes, os encontros e
desencontros nas parcerias
amorosas contemporâneas; os
diversos modos de amar que são
constituídos em cada relação, a
inventividade e o inédito criados
como possibilidades, seja por um
instante ou dilatando o tempo
presente. E se não existe uma
universal sobre o amor, sobre a
união de um homem e uma
mulher - o amor é o que faz parar
a necessidade ou a
impossibilidade dessa parceria, e
particulariza-a, torna-a única
Referência: BADARI, P. Invenções amorosas: odisséias contemporâneas
[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.
3
31
Título: A caixa de Pandora: as deusas e o
feminino no cinema
Autor: Rosâgela Donizete Canassa
Ano: 2006
Nesta dissertação de mestrado,
que trata da interpretação mítica e
psicológica do enredo dos quatro
filmes: Caixa de Pandora (1928);
Helena de Tória (1955) e Kill-Bill
- Vol.1 e 2 (2003), analiso o
comportamento das personagens
principais e estabeleço uma
226
conexão com as seguintes deusas
gregas: Pandora, Afrodite e
Deméter, numa leitura junguiana.
Por mais racionais que possamos
ser, nossos cérebros não resistem
ao ímpeto de adotar relatos
metafísicos para o entendimento
dos mistérios naturais que
determinam nossa existência. Os
mitos possuem características
humanas e, por meio de suas
lendas, podemos compreender
melhor nossas questões
existênciais, na busca de sentido
para vida humana. Os temas
mitológicos contemplam tanto a
sociedade, o coletivo, como a
subjetividade humana, o
individual, tornando-se universal,
com seu poder de nos emocionar e
de nos ensinar as verdades
profundas da psique humana. Ao
associar cinema, psicologia e
mitologia, encontro uma nova
leitura entre imagem e verbo e que
poderá dar novo significado à
leitura e a compreensão de um
filme.
Referência: CANASSA, R. D. A caixa de Pandora: as deusas e o feminino no
cinema [dissertação]. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, Programa de Pós-
Graduação em Artes, 2006.
3
32
Título: The fog era a jungian and post-jungian
interpretation of Dracula and its filmic version
Bram Stoker's Dracula
Autor: Ana Cristina Alves da Silva
Ano: 2005
Esta dissertação propõe uma
interpretação Jungiana e Pós-
Jungiana do romance Drácula,
escrito por Bram Stoker, e sua
versão cinematográfica Drácula
de Bram Stoker de Francis Ford
Coppola. Incluindo alguns
aspectos do Romantismo,
características de algumas
narrativas de horror e o uso de
conceitos Jungianos e pós-
Jungianos, apresento uma
proposta de um conceito teórico e
crítico que decidi chamar de "Fog
Era" (a Era da Bruma). Este
conceito é essencialmente
dinâmico e contém um aspecto
seminal e imutável que faz com
que seus elementos passeiem por
diferentes contextos históricos e
se readaptem, adquirindo novos
contornos. A função proposta para
a "Fog Era" é servir como uma
ferramenta para análise de
algumas facetas do horror,
primeiro nas narrativas
mencionadas e depois em outras
227
narrativas analisadas brevemente.
Na Introdução mostro os passos
que devo seguir nos outros
capítulos e que bases do
Romantismo e fronteiras literárias
devem limitar meu trabalho. No
Capítulo I, item 1, mostro quais
conceitos Jungianos uso para
minha análise, bem como uma
perspectiva mais contemporânea
dos pesquisadores pós-Jungianos.
No item 2, apresento o
Romantismo em antagonismo
com os valores Vitorianos e
explico porque o conceito
Jungiano da sombra é válido para
dizer que os Vitorianos são a
sombra dos Românticos. No item
2.1, o arquétipo da Mãe é usado
para justificar o contexto em que
as narrativas de horror foram
criadas. No item 2.2, uma relação
entre arquétipos e personagens é
feita e será o suporte para a
análise no próximo capítulo. O
Capítulo II traz a análise completa
da versão de Coppola, sendo que
no item 1 mise-en-scène e
caracterização são relacionadas
com os conceitos Jungianos e o
item 2 mostra a reiteração da
análise e o novo contexto
histórico do filme. O item 3
apresenta minha proposta de um
novo conceito teórico para
analisar as narrativas horror,
chamada de "Fog Era". Na
Conclusão revejo a teoria usada,
confirmo as características e a
utilidade da noção de "Fog Era".
Referência: SILVA, A. C. A. The fog era a jungian and post-jungian
interpretation of Dracula and its filmic version Bram Stoker's Dracula
[dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-
Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente, 2005.
3
33
Título: Returning to Zamunda to find paradise:
Eddie Murphy's coming to America and the
politics of parody in film
Autor: Cláudia Ramos Neves
Ano: 2004
O objetivo desta dissertação é
oferecer um estudo inter-
disciplinar, sobrepondo Estudos
de Cinema e Estudos Culturais
dentre territórios afins como
Crítica Feminista e Psicoanalítica,
entre outras abordagens
correlacionadas. O corpo para
análise são as representações
comunicadas pelo filme
americano Um Príncipe em Nova
Iorque (Coming to America ),
escrito e interpretado por Eddie
Murphy. Levando-se em
228
consideração a especificidade do
cinema como gênero, tal como
mise-en-scene (iluminação,
cenário, e figurino) e a
estruturação de tempo e espaço da
narrativa, a análise tem como
objetivo o aspecto paródico do
filme com relação ao estilo
clássico de Hollywood já que Um
Príncipe em Nova Yorque sugere
uma tentativa de subverter
representações estereotipadas. A
estruturação formal da trama,
além das funções específicas de
cada personagem também são
consideradas. Trechos de várias
cenas do filme são investigados
em termos da intenção discursiva
por detrás das imagens e diálogos,
no que diz respeito a seus
comprometimentos com
prerrogativas eurocêntricas.
Perspectivas teóricas de estilo
fílmico, de acordo com David
Bordwell, as implicações políticas
do gênero paródico, por Linda
Hutcheon, questões sobre
estereótipo, por Ella Shohat, e
conceitos sobre o negro e as
identidades culturais dentro da
representação cinematográfica,
por Stuart Hall e Clyde Taylor,
são usadas para se conduzir a
investigação. Além disso, os
resultados mostram que forma e
conteúdo são traços importantes
na construção do sentido (de
acordo com Seymour Chatman,
Robert Burgoyne e Mikhail
Bakhtin) e que a procura por
retratos #positivos# para os
negros pode não ser suficiente
para garantir uma orientação
menos euro-centrada.
Referência: NEVES, C. R. Returning to Zamunda to find paradise: Eddie
Murphy's coming to America and the politics of parody in film [dissertação].
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação
em Letras/Inglês e Literatura Correspondente, 2004.
3
34
Título: Marias e Madalenas : retratos femininos
de Almodovar
Autor: Maria Silvia Bigareli
Ano: 2003
Esta dissertação tem como
principal objetivo realizar uma
leitura das personagens femininas
em Almodóvar: suas principais
características, pensamentos,
atitudes, modos de se relacionar
com as emoções, com os homens,
com a sexualidade.Tendo como
principal material de análise a
observação da filmografia, as
229
personagens que se tornaram
ícones em sua obra são destacadas
e selecionadas como retratos,
pontos de partida para nossa
observação, e relacionadas com
padrões universais e arquetípicos
femininos através de figuras
míticas, em seu predomínio
procedentes da mitologia grega.
Dentre a filmografia nosso objeto
de estudo abordará somente o
período correspondente às obras
de longa metragem do diretor,
abrangendo a década de oitenta,
em que inicia sua carreira, até a
época atual (2002). Os
referenciais teóricos utilizados
procedem dos estudos sobre a
cinematografia e biografia de
Almodóvar e sobre a figuração
feminina, principalmente
extraídos de estudos de psicologia
analítica e mitologia
Referência: BIGARELI, M. S. Marias e Madalenas: retratos femininos de
Almodovar [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Artes , 2003.
Teses
0
1
Título: A vida é um filme, um sonho: a
(des)razão de amar em Federico Fellini
Autor: Eliane Maria de Abreu
Ano: 2015
Esta pesquisa tem como objetivo
central estabelecer conexões entre
o tema do Amor, um dos
principais eixos da obra do
psiquiatra Ludwig Binswanger, e
os modos de ser dos personagens
do cineasta italiano Federico
Fellini: Cabíria, do filme Noites
de Cabíria, Guido, de Fellini 8 e
½, e os músicos, de Ensaio de
orquestra. A abordagem
fenomenológico-existencial, da
qual Binswanger é um dos
maiores representantes, é
utilizada como enquadre teórico
geral do trabalho. Ao lado da
questão do amor, a análise dos
personagens fellinianos abriu
gradativamente espaço para a
questão da desrazão e dos sonhos.
Como as histórias de vida dos
personagens estão estreitamente
vinculadas ao tema da palhacice,
a questão do modo de ser do
palhaço é praticamente
onipresente como vertente
organizadora da análise. A
230
vibração, ou modo de ser do
palhaço, em suas correlações com
a desrazão e o mundo dos sonhos,
foi ainda utilizada como um dos
principais eixos de interpretação
dada a importância da presença
dos palhaços e do circo na vida e
obra do cineasta. A seguinte
interrogação norteou todo o
desenvolvimento do trabalho:
seria o amor uma palhaçada para
Federico Fellini e seus
personagens?
Referência: ABREU, E. M. A vida é um filme, um sonho: a (des)razão de amar em
Federico Fellini [tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
2015.
0
2
Título: Cinema e história, comoção e melancolia
: memórias da última ditadura militar no cinema
argentino (1985-2011)
Autor: Salatiel Ribeiro GOMES
Ano: 2015
Nesta tese, lançamos mão da
cinematografia argentina que se
desenvolve a partir da abertura
democrática, e investigamos seu
comportamento discursivo no
interior dos embates (em torno
das memórias da repressão
militar e suas sequelas) que têm
feito do passado o objeto de um
insolúvel litígio. Na persecução
desse intento, fazemos uso de
categorias tomadas da crítica
literária, da filosofia, da
psicologia social e da psicanálise
para perscrutar nos filmes as
distintas memórias que se
confrontam, e para compreender
o modo como articulam o
passado em diferentes
conjunturas, bem como as
urgências às quais respondiam e
as forças que neles se exprimem.
Referência: GOMES, S. R. Cinema e história, comoção e melancolia : memórias
da última ditadura militar no cinema argentino (1985-2011) [tese]. Brasília:
Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em História, 2015.
0
3
Título: Modos de subjetivação na experiência
queer: micropolíticas do corpo, do gênero e da
sexualidade no filme Dzi Croquettes
Autor: Magno Cezar Carvalho Teófilo
Ano: 2015
Nesta tese persigo as tramas do
documentário brasileiro Dzi
Croquettes com o objetivo de
problematizar processos de
subjetivação a partir da produção
de micropolíticas de corpo,
gênero e sexualidade no contexto
da experiência teatral-
contestatória desse filme. O
percurso utilizado pelo
documentário leva o teatro e os
valores normativos do corpo, do
gênero e da sexualidade para o
cinema e transgride as
arbitrariedades discursivas da
231
biopolítica. Dessa forma, as
imagens e sons cinegrafados
expõem algumas estratégias
produzidas pelo grupo que arguiu
as moralidades do regime militar
brasileiro nos anos 1970, bem
como as relações sociais
reguladas pelo modelo binário
heterossexista e pela
hetero/homossexualidade
compulsória, que repercutem até
hoje. A imersão nesse
documentário ancorou-se nos
aportes teóricos sobre o gênero
nos estudos feministas de Judith
Butler e nos estudos pós-
estruturalistas foucaultianos sobre
a sexualidade. Utilizo a
etnografia de tela como método
de pesquisa para analisar a noção
de performatividade e o processo
de (in)subordinação às
hetero/normas exibidas em Dzi
Croquettes. A análise encontra-se
espraiada pelo texto inteiro
devido à organização do caderno
de campo e ao estilo do elemento
empírico da pesquisa. Nela busco
explicitar problematizações que
apontam para uma proposta de
escrita final desta tese. Finalizo
na afirmação de que a experiência
queer também é vista como uma
viela para a afirmação da
potência da vida - pela
transformação, pela subversão e
pelo que escapa aos territórios
engessados sobre o corpo, o
gênero e a sexualidade na
Psicologia - a partir da
perspectiva político-pedagógica
de contestação presente em Dzi
Croquettes. Palavras-chave:
Micropolítica. Gênero. Corpo.
Sexualidade. Performatividade.
Cinema.
Referência: TEÓFILO, M. C. C. Modos de subjetivação na experiência queer:
micropolíticas do corpo, do gênero e da sexualidade no filme Dzi Croquettes
[tese]. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, 2015.
0
4
Título: Cenas em jogo: cinema e literatura,
realidade e ficção, estética e psicanálise
Autor: Renato Cury Tardivo
Ano: 2015
Este trabalho insere-se no âmbito
da Psicologia Social da Arte e, ao
analisar obras cinematográficas e
literárias, vale-se de referenciais
da estética e da psicanálise. São
analisados os filmes Lavoura
arcaica, Abril despedaçado, O
cheiro do ralo, Linha de passe e
232
Jogo de cena, e os romances
Lavoura arcaica e Budapeste.
Nessa medida, os capítulos desta
tese aproximam-se da forma
ensaio, uma vez que priorizam as
possibilidades especulativas de
apreensão da realidade. A partir
das leituras das obras, emergiram
os seguintes temas: liberdade e
opressão; ressignificação da lei e
perversão; realidade e ficção;
reflexão sobre os mecanismos de
construção da verdade. Assim, o
capítulo final se propõe a refletir
em que medida essa tomada de
contato com as obras pode
fundamentar uma perspectiva de
leitura. Por meio de uma
discussão sobre realidade,
ideologia e ficção, a leitura
dirigida às obras volta-se a si
mesma, em uma perspectiva aqui
denominada poética-crítica
Referência: TARDIVO, R. C. Cenas em jogo: cinema e literatura, realidade e
ficção, estética e psicanálise [tese]. Universidade de São Paulo, Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, 2015.
0
5
Título: Quando a pele faz a passagem: roteiro
tese do filme a pele que eu habito
Autor: Taciano Valério Alves da Silva
Ano: 2014
A presente tese empreende uma
análise do filme A Pele que
Habito (2011) do cineasta Pedro
Almodóvar, discutindo a pele
como metonímia/fronteira da
identidade de gênero. Logo, a
dinâmica do filme emerge diante
das intricadas redes que se
formam em torno do personagem
binômio Vicente/Vera, que
vivencia uma mudança de sexo à
revelia da sua vontade. Para
tanto, fazemos uso da gramática
fílmica, procurando estabelecer, a
partir de planos cinematográficos
específicos, os lugares que vão
problematizar a pele como
fronteira da identidade de gênero.
Diante disso, constituiu-se como
dimensão teórica para a nossa
análise o conceito deleuziano de
rizoma, cuja discussão aprofunda
o nosso eixo de investigação pela
característica que põe como lugar
fundante a necessidade de
pensarmos os fenômenos que
aparecem nas imagens. A escolha
dos fotogramas acompanha a
dimensão dos acontecimentos,
surgindo, assim, multiplicidades
de possibilidades para
interpretações em que
233
encontramos como aliados,
Foucault e Deleuze, para adensar
nossa investigação. Por fim, a
condição do filme A Pele que
Habito nos afigura com
características diversas e
consequentemente gera efeitos,
construindo outras vias de
aberturas para pensarmos outras
possibilidades das questões de
gênero. Certamente, a pele
enquanto metonímia aglutina
essas vias, porém, no filme,
vamos vivenciar esses efeitos
dentro de territórios perfilados
pelo poder e pela resistência.
Referência: SILVA, T. V. A. Quando a pele faz a passagem: roteiro tese do filme a
pele que eu habito [tese]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco, Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, 2014.
0
6
Título: No cinema e na vida: a difícil arte de
aprender a morrer
Autor: Maria Emília Bottini
Ano: 2014
Os objetivos desta pesquisa
foram: compreender a narrativa
do cinema nas suas diversas
manifestações; refletir a temática
da morte nos tempos atuais e
analisar a narrativa fílmica
veiculada pelo filme A partida
(2008) de Yôjirô Takita. O
cinema é visto como uma
linguagem multifacetada, como
um elemento constitutivo da
indústria cultural, mercado, arte,
espetáculo, lucro, entretenimento,
diversão e da formação
ideológica e possibilidade de
desenvolvimento da
sensibilidade. A morte, no
ocidente, tornou-se interdita,
inominada, tabu, mas ainda assim
companheira inseparável da vida.
Os elementos do filme abordados
foram sonhos fenecidos; a morte
como ofício; o fim dos dias; onde
tudo está vivo, a morte está;
nenhum tempo é tempo; o velho
como o prenúncio do novo; o
desassossego dos que ficam;
tinha uma pedra no caminho; a
vida precisa de inspiração; viver é
uma honra. São relacionadas duas
experiências como forma de
educação para a morte e o morrer
no espaço de sala de aula. A
primeira, com o Corpo de
Bombeiros do Distrito Federal
(CBMDF) na disciplina
Psicologia Aplicada ao Bombeiro
Militar. E a segunda, com alunos
da Pós-graduação em Educação
234
da Universidade de Brasília
(UnB) na disciplina Espaços de
Cinema: Natureza e Cultura em
Imagens e Sons. A discussão e
análise são empreendidas
mediante análise das narrativas
dos cadetes e dos alunos.
Referência: BOTTINI, M. E. No cinema e na vida : a difícil arte de aprender a
morrer [tese]. Brasília: Universidade De Brasília, Programa De Pós-Graduação Em
Educação, 2014.
0
7
Título: Entre o novo e o atemporal: a sonoridade
plástica de fantasia
Autor: Thais Fernanda Martins Hayek
Ano: 2014
A relevância e a
criatividade de Walt Disney para
a história da cultura e da arte
contemporânea estão expressas
na sua obra Fantasia (1940), cuja
originalidade se caracteriza pela
união entre as novas tecnologias
aplicadas ao cinema de animação
nas primeiras décadas do século
XX e as mais diversas linguagens
artístico-culturais produzidas até
então. Por meio desta
combinação entre valores
estéticos e éticos, a linguagem
simbólica utilizada permite
identificar os arquétipos que
orbitam o inconsciente coletivo
no imaginário popular. Este
trabalho buscou apresentar uma
análise do filme Fantasia,
apontando em especial seus
aspectos históricos, estruturais e
simbólicos, por meio dos recursos
metodológicos propostos em
Hermenêutica da Profundidade,
por John B. Thompson. Para se
chegar aos resultados, foram
definidos, portanto, três focos de
interesses presentes na obra: o
contexto histórico-cultural no
qual esta foi produzida a obra; os
recursos técnicos da linguagem
fílmica e, por último, as questões
comportamentais vinculadas à
Psicologia Arquetípica. O
primeiro capítulo traz uma breve
introdução do cinema de
animação, as contribuições de
Disney e sua equipe para a
fundamentação desta modalidade
como arte autônoma. Destaca a
história da criação e produção de
Fantasia no seu contexto
histórico. O segundo capítulo
aponta os fatores estruturais da
obra, fazendo uma análise
descritiva e relacionando-a com
os princípios de animação, que
235
deram identidade a essa
linguagem e ajudaram a
fundamentar uma estética
singular. No último capítulo é
feita uma reintrepetação das
formas animadas presentes em
Fantasia, propostas por Disney e
sua equipe, sob a ótica da
psicologia arquetípica, ou seja,
que símbolos representam as
estruturas mais profundas da
psique coletiva dando sentido ao
enredo. As considerações finais
confirmam a hipótese inicial de
que Fantasia é uma obra original
no que tange seu percurso
técnico, condicionada pelos
valores éticos e estéticos da
formação judaico-cristã no
mundo ocidental e seu sucesso
atemporal se deve à utilização de
símbolos e mitos universais
presentes nos primórdios da
história da civilização.
Referência: HAYEK, T. F. M. Entre o novo e o atemporal: a sonoridade plástica
de fantasia [tese]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Programa de Pós
graduação em Educação, Arte e História da Cultura, 2014.
0
8
Título: O que "dizem" os filmes sobre a morte?
- Ensaios de análise fílmica
Autor: Aurélio Fabrício Torres de Melo
Ano: 2013
Têm sido muitas as formas como
o homem ocidental encara a
morte desde a idade média:
evento natural da vida, destino
certo do homem, castigo de Deus,
glamour exclusivo dos jovens
amantes, fracasso da medicina,
descarte de mercadoria. Assim
como na história do homem, a
história do cinema também
retratou as diferentes formas do
homem encarar a morte. O
objetivo do presente estudo foi
identificar, no discurso fílmico, o
que dizem os filmes sobre a
morte, formas contemporâneas de
encarar a morte. O método de
pesquisa consistiu na análise dos
filmes Mar Adentro (Alejandro
Amenabar), O Quarto do Filho
(Nanni Moretti) e O Sétimo Selo
(Ingmar Bergman), sob dois
aspectos: a análise dos elementos
fílmicos fotografia, iluminação,
câmera, figurino, cenário,
maquiagem, roteiro, montagem,
personagens; a análise do filme
como narrativa, identificando a
fábula, os temas e o discurso. As
análises fílmicas revelaram um
discurso intimista da morte. A
236
morte foi retratada como
experiência íntima e singular. De
acordo com a literatura
tanatológica, a morte como
experiência subjetiva é uma das
formas atuais de encarar a morte
nas sociedades ocidentais. O
fenômeno da intimização da
morte também se apresenta no
discurso fílmico de algumas
obras cinematográficas,
confirmando uma mentalidade
histórico-cultural do homem
Referência: MELO, A. F. T. O que "dizem" os filmes sobre a morte? Ensaios de
análise fílmica [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia,
2013.
0
9
Título: Juventude, pós-modernidade e declínio
da autoridade paterna: visões do cinema
contemporâneo
Autor: Sergio Luis Braghini
Ano: 2011
O objetivo deste trabalho é o de
estudar a juventude, pelo que ela
implica de passagem do mundo
familiar ao social, e pelo que
mostra de vestígio das mutações
sociais. Nossas reflexões sobre a
juventude foram localizadas na
leitura de cientistas sociais,
historiadores, psicanalistas e
outros autores, em livros, teses, e
revistas cientificas em psicologia,
ciências sociais e humanas. Tais
leituras possibilitaram o caminho
de reflexão sobre a questão da
juventude na pós-modernidade e
as implicações dos estudos sobre
o declínio da imago paterna, na
imagem que se faz da juventude.
Perguntamos: é possível
observar, por meio de um
levantamento histórico, o declínio
da autoridade paterna da forma
como essa ideia se apresenta na
tese de Jacques Lacan? Minha
hipótese é a de que esses
vestígios sobre o declínio da
autoridade paterna estão
registrados nas imagens dos
filmes de ficção que demonstram
os retratos sociais da juventude
dos anos 1950 aos dias presentes.
Para tanto, foi feita uma análise
de filmes voltando os olhares
para a cultura jovem entre os
anos 1950 a 2008. Entende-se
que um filme é produto cultural
inscrito em um determinado
momento sócio histórico, é por
meio dele que amparo a minha
tese. Nossa hipótese de que os
vestígios sobre o declínio da
autoridade paterna estão
237
registrados nas imagens dos
filmes de ficção se confirmou,
mas não se confirmou que
haveria um desaparecimento da
função paterna, da forma como
Lacan a teorizou após 1953. O
que encontramos em nossa
pesquisa é que o declínio da
eficácia simbólica da função
paterna não envolve
necessariamente, a decadência da
autoridade paterna. Podemos
dizer que a crise de legitimidade
de autoridade se encontra sem
lugar, pois o referencial pós-
moderno, o organizador como
grande narrativa simbólica desse
período no capitalismo tem sido o
Mercado
Referência: BRAGHINI, S. L. Juventude, pós-modernidade e declínio da
autoridade paterna: visões do cinema contemporâneo [tese]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2011.
1
10
Título: Das relações (im)possíveis do feminino
com o inapreensível: interlocuções entre
psicanálise e cinema
Autor: Martins, Jane
Ano: 2010
Este trabalho investiga
construções teórico-psicanalíticas
em Freud e Lacan, e sucessores
críticos, os quais se referem à
constituição da feminilidade, à
sua articulação com a
constituição da subjetividade
humana e aos destinos da
subjetividade articulados a alguns
possíveis efeitos sobre a prática
de representação do feminino
pela arte cinematográfica.
Inicialmente, é feita uma
discussão sobre as relações entre
linguagem e psicanálise, levando-
se em consideração que a
primeira está incluída em todos
os processos analíticos, das
construções teóricas à técnicas. A
seguir, mostra-se o que Freud
chama de linguagem histérica, e
Lacan, discurso histérico,
tomando-se como referência
obras que se dedicam ao
esclarecimento do termo. No
capítulo seguinte, é descrito como
as estruturas clínicas, em
especial, as neuroses histéricas,
estão em relação ao registro
simbólico e à castração. E,
finalmente, a feminilidade é
abordada como uma possível
herança da histeria, ressituada
com as questões atinentes à
castração, ao falo, à sua singular
relação com os discursos e,
238
mesmo, o irrepresentável. Segue-
se a interlocução dos conceitos
expostos com a análise de duas
obras: A moça com brinco de
pérola e As horas. Trata-se de
obras que permitem um
questionamento sobre a
representação da posição
feminina e o emaranhado
psíquico aí implicado, a partir da
arte cinematográfica, também
empenhada na constituição e
destituição de sentidos em nossa
cultura
Referência: MARTINS, J. Das relações (im)possíveis do feminino com o
inapreensível: interlocuções entre psicanálise e cinema [tese]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2010.
1
11
Título: A paixão de olhar: a cidade no cinema
brasileiro
Autor: Jorge Ricardo Santos de Lima Costa
Ano: 2008
Desde a criação do cinema, em
1895, a cidade vem sendo
retratada de forma surpreendente
para quem a vivencia em seu
cotidiano. A arte do cinema
amplia o sentido de realidade e
provoca um impacto sobre o
universo psicológico e social do
homem. O cinema brasileiro
acompanha, através de sua vasta
produção, o percurso da cidade
no tocante ao desenvolvimento
estético, social, cultural, político
e econômico, apresentando a
forma através da qual o homem
se relaciona com essas variáveis.
O historiador Michel de Certeau
desenvolve em sua obra o tema
da inventividade do cotidiano, no
que se refere à prática do espaço.
Os conceitos de espaço (um lugar
praticado), e de lugar (um espaço
geométrico), permitem
aprofundar o estudo do papel do
homem no cotidiano da cidade. É
este o eixo teórico da presente
pesquisa, que pretende estudar o
imaginário da cidade no cinema
brasileiro a partir de três questões
principais: a formação do
imaginário urbano, a criação da
forma da cidade no cinema
(locações, cenários e fisionomias)
e o estado de solidão e
isolamento vivido pelo homem
nas grandes cidades. Para tal,
foram escolhidas para análise as
seguintes produções brasileiras:
Dias de Nietzsche em Turim
(2001) de Julio Bressane, O
Príncipe (2002) de Ugo Giorgetti
239
e O Outro Lado da Rua (2004) de
Marcos Bernstein. A cidade
representada nesses filmes nos dá
a oportunidade de exercitar o
olhar e refletir sobre o cotidiano
da vida urbana e seus reflexos no
universo psicológico do homem
contemporâneo
Referência: COSTA, J. R. S. L. A paixão de olhar: a cidade no cinema brasileiro
[tese]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, 2008.
1
12
Título: Corpos enquadrados: AIDS e
corporeidade em filmes narrativos
Autor: Carlos Andre Facciolla Passarelli
Ano: 2007
Este estudo busca investigar o
imaginário social formado sobre
o corpo das pessoas afetadas pela
Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida (AIDS) e criado a
partir de filmes narrativos
produzidos durante os últimos 26
anos. Em um primeiro momento,
discorro sobre os modos de
subjetivação corporal, a partir do
referencial teórico estabelecido
por Mikhail Bakhtin, pela
fenomenologia de Merleau-Ponty
e pelos estudos de Michel
Foucault sobre a história da
sexualidade e a biopolítica. A
construção de um marco
referencial para a metodologia
desta pesquisa me foi possível a
partir, de um lado, da leitura de
autores que se debruçaram sobre
as relações entre subjetividade e
cinema e, de outro, dos textos
sobre o papel da linguagem na
constituição da subjetividade.
Desse modo, a análise dos filmes
pesquisados busca identificar as
imagens, representações,
metáforas e sentidos construídos
desde o início da epidemia, por
meio de um diálogo entre essas
produções culturais e autores que
se dedicaram à pesquisa dos
discursos sobre a epidemia no
âmbito da ciência médica e do
ativismo político em AIDS.
Situo, então, o conjunto de
representações sobre a epidemia e
sua relação com a corporeidade
em quatro categorias: a) a
dificuldade em fazer sentido à
experiência da doença, na medida
em que ela não se faz notar no
corpo; b) a relação do sujeito com
os sintomas que surgem no corpo,
de modo que a doença se faz
visível, para o doente e para o
240
outro; c) as possíveis reações
diante da sensação da morte
eminente devido à deterioração
do corpo, e as respostas
subjetivas em face da culpa e do
preconceito social e; d) as
estratégias de resistência que não
tentam burlar a morte, mas
atribuir- lhe sentidos, implicando
a corporeidade num ativo
processo de produção, de poder.
Referência: PASSARELLI, C. A. F. Corpos enquadrados: AIDS e corporeidade
em filmes narrativos [tese]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, 2007.
CINEMA EM ATIVIDADES DE INTERVENÇÃO
Total = 18; Artigos = 08; Dissertação = 08; Teses = 2.
Artigos
0
1
Título: Uma experiência fílmica na
escola
Autor: Mariana Pereira dos Reis;
Leda Maria Codeço Barone
Ano: 2015
O presente trabalho foi elaborado a partir da dissertação
"O garoto", de Charlie Chaplin: desvendando o apelo de
uma obra de arte em sala de aula, de 2014, realizada no
curso de Pós-graduação em Psicologia Educacional, do
Centro Universitário FIEO, Osasco/SP, e teve por objetivo
apresentar e discutir os apelos emocionais e psíquicos da
experiência com o referido filme, projetado a alunos do 2º
ano de uma escola pública em São Paulo, bem como
contribuir para as reflexões sobre a presença da arte,
especialmente o cinema, em sala de aula, visto como
instrumento humanizador e/ou terapêutico, de natureza
estética, capaz de mobilizar na criança sua capacidade
narrativa e a expressão de aspectos projetivos. Pode-se
observar o imenso valor da experiência fílmica na escola,
pois a mesma permitiu maior elaboração psíquica dos
alunos, além de mobilizar muitos saberes existenciais.
Referências: REIS, M. P., BARONE, L. M. C. Uma experiência fílmica na escola. In: Revista
Psicopedagogia, São Paulo , v. 32, n. 97, p. 38-48, 2015.
0
2
Título: Processo grupal mediado por
filmes: espaço e tempo para pensar a
Psicologia
Autor: Tales Vilela Santeiro; Fabíola
Ribeiro de Moraes Santeiro; Aurélia
Magalhães de Oliveira Souza; Ana
Paula de Melo Juiz; Lucas Rossato
Ano: 2014
Este artigo relata o uso de recursos fílmicos no
acolhimento de calouros de Psicologia e na formação de
habilidades clínicas do psicólogo. As atividades semanais
foram desenvolvidas com voluntários (entre 11 e 23
participantes), em ambiente de serviço-escola de um curso
de Psicologia, por equipe de três psicólogos e uma
estudante. Os participantes avaliaram o projeto
semestralmente, no meio e ao final das atividades,
momentos nos quais responderam a um questionário
composto por perguntas mistas. O grupo operou no
formato fechado e integralizou 32 encontros, nos quais 31
filmes comerciais foram exibidos. Com amparo no
241
trabalho grupal e nas metáforas fílmicas, os participantes
puderam compartilhar aprendizados sobre as suas
inserções na universidade e no curso de Psicologia.
Referências: SANTEIRO, T. V. et al. Processo grupal mediado por filmes: espaço e tempo para
pensar a Psicologia. in: Revista SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 15, n. 1, p. 95-111, 2014.
0
3
Título: Psicanálise, educação e
cinema: diálogos possíveis
Autor: Roselene Gurski; Carla
Vasquez; Simone Moschen
Ano: 2013
Este artigo discute as possibilidades colocadas na
articulação do tripé psicanálise, educação e cinema. Em
meio ao propalado empobrecimento da dimensão da
experiência na cultura, o artigo problematiza em que
medida a potência polissêmica do cinema poderia ser
aproveitada como ferramenta de transmissão do legado da
cultura aos sujeitos ainda apartados do acesso aos bens
culturais. A partir da articulação da psicanálise com o tema
da experiência em Benjamin, o cinema na escola é
proposto como um dispositivo de articulação de uma Outra
cena, passível de produzir outros e novos sentidos para a
educação especial.
Referências: GURSKI, R., VASQUEZ, C., MOSCHEN, S. Psicanálise, educação e cinema: diálogos
possíveis. In: Estilos da Clínica, São Paulo , v. 18, n. 2, p. 234-250, agosto de 2013.
0
4
Título: Audiodescrição de filmes:
experiência, objetividade e
acessibilidade cultural
Autor: Jéssica David;
Felipe Hautequestt; Virginia Kastrup
Ano: 2012
O objetivo do artigo é propor diretrizes para a
audiodescrição, levando em conta peculiaridades
cognitivas, bem como fatores sociais e políticos da vida de
pessoas com deficiência visual. O artigo discute a
experiência de assistir a um filme e analisa o problema da
familiaridade com o cinema, com a narrativa de cada filme
e com a própria técnica da audiodescrição. O desafio é
criar condições favoráveis para a atualização de
experiências cognitivas, afetivas e emocionais que o filme
oferece. Visa ainda examinar o problema da objetividade e
de outros parâmetros da audiodescrição, sugerindo
algumas diretrizes para seu desenvolvimento no Brasil.
Referências: DAVID, J., HAUTEQUESTT, F., KASTRUP, V. Audiodescrição de filmes:
experiência, objetividade e acessibilidade cultural. In: Fractal, Revista de Psicologia, Rio de
Janeiro , v. 24, n. 1, p. 125-142, abril de 2012.
0
5
Título: Um curta-metragem, diversas
histórias na formação de psicólogos
clínicos: o caso “Pular”
Autor: Tales Vilela Santeiro
Ano: 2011
A atividade de formação de psicólogos clínicos
pressupõe, entre diversas ferramentas pedagógicas, o uso
de filmes como ilustrativos de aspectos de teorias e
práticas psicológicas. O curta-metragem
“Pular/Bounding”, produzido pela Disney/Pixar (2003), é
utilizado como recurso formativo em três momentos, em
um Curso de Psicologia de Instituição Pública de Ensino,
que contempla como uma de suas Ênfases Curriculares os
processos clínicos: (1) Psicologia da Personalidade,
componente curricular (CC) do 5º período, para trabalho
sobre teorias de personalidade; (2) Tópicos Especiais em
Psicologia e Processos Clínicos, CC do 9º período, para
trabalho sobre avaliação psicológica em processos clínicos
focais; e (3) Estágio Supervisionado, CC do 9º período,
para trabalho de reflexão sobre atendimentos clínicos
focais em contexto comunitário. Ilustrações das
metodologias e das experiências dos estudantes-
espectadores são feitas. A orientação teórica subjacente a
todas as atividades é a psicanalítica.
242
Referências: SANTEIRO, T. V. Um curta-metragem, diversas histórias na formação de psicólogos
clínicos: o caso “Pular”. In: Revista da SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 12, n. 2, p. 56-67, dez. 2011.
0
6
Título: A diversidade sexual no
ensino de Psicologia. O cinema como
ferramenta de intervenção e pesquisa
Autor: Camila Backes dos Santos;
Ângelo Brandelli Costa;
Manoela Carpenedo; Henrique
Caetano Nardi
Ano: 2011
O contexto da formação em psicologia é tradicionalmente
marcado pela patologização das performances de gênero e
das sexualidades que fogem à matriz heteronormativa. A
ausência da discussão sobre a diversidade sexual na
formação em psicologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul motivou o projeto de pesquisa-intervenção
aqui apresentado. O objetivo foi estimular o debate sobre a
diversidade sexual utilizando o cinema como disparador de
discussões em graduandos em psicologia, a fim de se
compreenderem suas crenças e atitudes sobre a temática.
As análises apontam para a resistência à discussão desta
temática para além das abordagens tradicionais, as quais
situam a diversidade sexual no campo da psicopatologia.
No entanto, apesar da resistência, foi possível criar um
espaço para a discussão que possibilitou ao corpo discente
e docente refletir sobre o tema.
Referências: SANTOS, C. B., COSTA, A. B., CARPENEDO, M., NARDI, H. C. A diversidade
sexual no ensino de Psicologia. O cinema como ferramenta de intervenção e pesquisa. In:
Sexualidade, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 7, p. 127-141, abril de 2011.
0
7
Título: As potencialidades das
imagens cinematográficas para o
campo da atenção em saúde mental
Autor: Francilene Rainone; Liliane
Seide Froemming
Ano: 2008
O texto busca discutir as relações entre as imagens do
cinema e as imagens da psicose, mediante conceitos
teóricos da psicanálise e da saúde mental. Partindo de uma
questão central - as imagens do cinema podem ser
propositivas para uma construção narrativa na psicose? -, o
objetivo geral deste ensaio é analisar, com base em uma
prática que utiliza as imagens cinematográficas como
mediadora na produção da fala de sujeitos psicóticos, as
relações entre imagem e identificações imaginárias.
Propomos investigar a possibilidade de - pelas imagens da
tela e do que é produzido a partir delas enquanto
discursividade - um reordenamento e a inscrição da pulsão
no registro da simbolização.
Referências: RAINONE, F., FROEMMING, L. S. As potencialidades das imagens cinematográficas
para o campo da atenção em saúde mental. In: Latin-American Journal of Fundamental
Psychopathology Online, São Paulo , v. 5, n. 1, p. 69-83, maio de 2008.
0
8
Título: El cineforo: estrategia
didáctica en la generación de ingresos
propios
Autor: María Campo-
Redondo; Marisela Árraga-Barrios
Ano: 2005
El presente artículo describe una experiencia de
investigación-acción, en la cual se utilizó la modalidad de
ciclos de cineforos como estrategia didáctica para generar
ingresos propios en el Departamento de Psicología de la
Escuela de Educación de la Facultad de Humanidades y
Educación de la Universidad del Zulia (LUZ). Utilizando
el concepto de cinemaeducación y a través de la
implementación de ciclos de cineforos, se persiguieron dos
objetivos fundamentales. Por un lado, se estudió la
incidencia del cineforo en el desarrollo de un diseño de
gestión administrativa que produjera nuevas formas de
generar ingresos propios y por el otro, se concibió al
cineforo como estrategia didáctica, que beneficiase en lo
particular a los estudiantes del referido Departamento y a
otros miembros de la comunidad universitaria. Se recoge
que los resultados de esta experiencia de investigación
indican que la modalidad de cineforo es productiva como
243
actividad generadora de ingresos propios y como estrategia
didáctica innovadora, empleando estímulos visuales,
auditivos y experienciales. Se concluye que el cineforo
resultó ser una estrategia didáctica extra-muros que
promueve la participación activa, responsable y
comprometida de las personas y entes involucrados en el
proceso educativo, de forma innovadora, creativa e
integradora.
Referências: CAMPO-REDONDO, M., BARRIOS, M. A. El cineforo: estrategia didáctica en la
generación de ingresos propios. In: Revista Venezolana de Gerencia, v.30, n.10 2005.
Dissertações
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1
Título: Psicanálise e cinema:
efeitos e riscos em intervenções
psicanalíticas com dispositivos cinematográficos
Autor: Diego Amaral Penha
Ano: 2016
Na presente pesquisa apresentamos considerações
sobre os efeitos e os riscos de uma intervenção
psicanalítica com dispositivos cinematográficos. Partindo de uma metodologia clínico-política de
investigação, realizamos o tensionamento entre
teoria psicanalítica e teoria cinematográfica. O conceito de dispositivo cinematográfico presente nos
trabalhos de Jean Louis-Baudry guiaram as reflexões
acerca da questão da ideologia no cinema. A experiência cinematográfica é sustentada por
condições técnicas e ideológicas próprias de seu
aparelho de base e do dispositivo cinematográfico. A impressão de realidade é efeito ilusório produzido
pelo dispositivo, que tem por efeito a produção de
uma subjetividade. Através da noção da dinâmica do estádio do espelho de Jacques Lacan investigamos
os processos de identificação presentes nas primeiras
relações do eu com sua imagem. Tal noção articula os processos de formação do eu, narcisismo
primário, identificação, dentre outros. A
problemática da fantasia na infância e no cinema foi trabalhada em sua relação com o jogo lúdico.
Concluímos que os efeitos ideológicos do
dispositivo cinematográfico, quando pensados em conjunto com a noção de identificação, podem
figurar se em um espaço de jogo e exercício político
desde que leve-se em consideração os mecanismos de poder em ação da prática clínico-política
Referências: PENHA, D. A. Psicanálise e cinema: efeitos e riscos em intervenções
psicanalíticas com dispositivos cinematográficos [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.
0
2
Título: O cinema ficcional e o
despertar de emoções: um
caminho expandido para a aprendizagem
Esta dissertação investiga o cinema ficcional quanto
ao seu viés pedagógico nesta era de educação
midiática. Em particular, trata das emoções desencadeadas no espectador (aluno universitário)
244
Autor: Didiane Vally Figueiredo Chinalli
Ano: 2016
durante a assistência a uma narrativa fílmica ficcional e dos seus possíveis impactos na
aprendizagem. É de domínio público na Academia
que ao longo das três últimas décadas se produziram inúmeros trabalhos científicos acerca do uso do
cinema na Educação e há praticamente consenso
entre estudiosos da sétima arte e educadores quanto à relevância do cinema para fins pedagógicos. Não
obstante, até onde se pôde averiguar não se
promoveram pesquisas voltadas diretamente à análise das emoções evocadas pela obra fílmica na
facilitação ou otimização da aprendizagem. Na parte
inicial da dissertação se expõe um panorama das mudanças na Educação em virtude dos avanços das
tecnologias; destaca-se as principais contribuições
pedagógicas do cinema nesta era da cultura à imagem e comenta-se a teoria da aprendizagem
multimídia. Como referencial teórico são elencadas
as principais pesquisas do Cognitivismo 'no domínio das teorias do cinema' que tratam dos recursos do
filme narrativo ficcional para evocar emoções no
espectador. São também citadas as pesquisas da Psicologia e da Neurociência sobre os reflexos das
emoções na cognição cujos fundamentos sugerem a
possibilidade de as emoções fílmicas contribuírem para aprendizagem. Para fechar a exposição teórica
se efetuou a análise fílmica da obra "The constant gardener" de Fernando Meirelles (2005) com o fim
de identificar os recursos para evocar as emoções no
espectador, o potencial de aprendizagem do filme e os aspectos cognitivos suscitados na audiência. A
análise indicou que o espectador (no caso, o aluno
universitário) recebe uma vasta gama de estímulos ao longo da narrativa que podem contribuir para a
construção do conhecimento tanto pelos processos
cognitivos suscitados (entendimento) como pelas emoções sentidas (vivência). Esta investigação
permitiu sugerir que as emoções evocadas no
espectador podem contribuir para um incremento da aprendizagem. Também auxiliou demonstrar que a
aprendizagem que decorre da assistência a filmes
(aprendizagem multimídia) parece proporcionar resultados mais rentáveis em relação à aprendizagem
dita tradicional (por meio de livros e demais textos
didáticos). Acredita-se que pesquisas futuras possam aprofundar e expandir o estudo dessa temática.
Referências: CHINALLI, D. V. F. O cinema ficcional e o despertar de emoções: um
caminho expandido para a aprendizagem [dissertação]. Campinas: Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2016.
0Título: O uso de filme como
recurso pedagógico no estudo
Essa pesquisa surgiu da busca por uma metodologia
de ensino que valorizasse o conhecimento científico
245
3 das epidemias: possibilidades na aprendizagem significativa
Autor: Edilce Maria Balbinot
Borba
Ano: 2015
com o uso de um recurso pedagógico atrativo - filmes comerciais -, que motivasse a aprendizagem
significativa. Para tanto, apresenta uma análise de
como os estudantes estabelecem relações do conhecimento científico com as imagens fílmicas e
as possibilidades de contextualização acerca do tema
“epidemia”. A metodologia de pesquisa envolve uma abordagem qualitativa, com alguns dados
quantitativos das impressões dos estudantes em
relação aos filmes de modo geral e sobre eles e a aprendizagem. Na pesquisa qualitativa, utilizou-se a
categorização segundo Bardin (2011), para organizar
as unidades contextuais produzidas pelos estudantes nas atividades educativas, e fazer a análise com base
nos pressupostos da Teoria de Ausubel (2003) e
Ausubel, Novak e Hanesian (1980). A partir da exibição do filme intitulado “Contágio”, utilizado
como organizador prévio, buscou-se, nas dúvidas
apresentadas pelos estudantes, identificar os conhecimentos prévios sobre o assunto. Por meio
dessas dúvidas emergiram os subtemas, que foram
categorizados em: epidemia, agente causador, incubação, transmissão, sintomas, prevenção e
imunidade. Essas categorias serviram de elementos
para a análise de indícios de aprendizagem levando a concluir que as narrativas fílmicas ajudam na
formação de pontes cognitivas colaborando com a aprendizagem subordinada derivativa e correlativa,
diferenciação progressiva e reconciliação
integrativa, promovendo a assimilação e a retenção dos conhecimentos científicos. No referencial
teórico utilizado para investigar os filmes como
recurso pedagógicos é apresentado as considerações dos autores Rosália Duarte , Milton Almeida, Maria
da Graça Setton, Marcos Napolitano, José Manuel
Moran, entre outros. Como produto dessa pesquisa, elaborou-se um guia com outras propostas
pedagógicas possíveis de trabalhar o tema
“epidemia” utilizando filmes comerciais como organizadores prévios e para contextualização. O
guia também apresenta uma linha do tempo sobre
cinema e educação e um catálogo com filmes e seriados abordam o tema “epidemia”.
Referências: BORBA, E. M. B. O uso de filme como recurso pedagógico no estudo
das epidemias: possibilidades na aprendizagem significativa [dissertação]. Curitiba:
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica, 2015
0
4
Título: "O garoto", de Charlie
Chaplin: desvendando o apelo de uma obra de arte em sala de
aula
O presente trabalho teve como objetivo investigar os
apelos emocionais e psíquicos de uma experiência com o filme O garoto, de Charlie Chaplin, projetado
a alunos do 2º ano de uma escola pública em São
246
Autor: Mariana Pereira dos Reis
Ano: 2014
Paulo, bem como contribuir para as reflexões sobre a presença da arte, especialmente o cinema, em sala
de aula, visto como instrumento humanizador e/ou
terapêutico, de natureza estética, capaz de mobilizar na criança sua capacidade narrativa e a expressão de
aspectos projetivos. Além disso, foi destacada a
importância do papel do professor-sedutor, em sua face estética. O procedimento metodológico
aplicado consistiu em projetar o filme e solicitar
algumas tarefas aos alunos para posterior análise qualitativa, sob a ótica da psicanálise, que é o
referencial teórico deste trabalho. Assim, as crianças
foram convidadas a falar, desenhar e escrever o que acharam e o que sentiram ao ver o filme. Com isso,
pode-se observar o imenso valor da experiência
fílmica na escola, pois a mesma mobilizou muitos saberes nas crianças, saberes estes que extrapolam a
concepção de conhecimento como conjunto de
aprendizagens do aparato cognitivo do aluno, vislumbrando uma dose expressiva de saberes
existenciais, de muita qualidade e importância para o
campo educacional e para o processo de humanização dos alunos.
Referências: REIS, M. P. "O garoto", de Charlie Chaplin: desvendando o apelo de
uma obra de arte em sala de aula [dissertação]. Osasco: Centro Universitário FIEO, Pós-Graduação em Psicologia Educacional, 2014.
0
5
Título: O cinema em sala de
aula:o processo de aprendizagem e de
desenvolvimento de
adolescentes do programa jovem aprendiz
Autor: Ana Maria Venâncio
Gonçalves Imhoff
Ano: 2013
Esta dissertação, apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Educação/Mestrado em Educação - PPGE/ME, da Universidade Regional de Blumenau
– FURB, está vinculada a linha de pesquisa
Processos de Ensinar e de Aprender, teve como objetivo geral analisar e compreender os processos
de aprendizagem e desenvolvimento pelos
adolescentes com a utilização do cinema em sala de aula. Como objetivos específicos, pretendeu-se
analisar como os adolescentes aprendizes
perceberam o trabalho em equipe nos filmes cinematográficos; analisar como os professores que
trabalharam após a unidade curricular Promoção do
Trabalho em Equipe, perceberam as dimensões formativas (conceitual, procedimental e atitudinal); e
apontar limites e possibilidades do cinema em sala
de aula como amplificador cultural. A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada com 34
adolescentes do Programa Jovem Aprendiz, do
Curso de Aprendizagem em Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –
SENAC/Florianópolis – SC, e professores da turma.
Considerando os objetivos desta dissertação, foram escolhidos como instrumentos para coleta de dados
as produções textuais dos estudantes, um grupo focal
247
com os adolescentes e entrevistas semiestruturadas com professores da turma. As discussões foram
baseadas na Teoria Histórico-cultural do
Desenvolvimento, proposta por Vygotsky e nas contribuições sobre aprendizagem, feitas por Coll,
Pozo, Sarabia e Valls. No que se refere a temática
cinema e educação, foi utilizado Sá, Luz e Peternela, Carvalho e Coutinho. Os resultados indicam que os
adolescentes do Programa Jovem Aprendiz,
vinculam o filme com as experiências que vivenciam no trabalho, bem como consideram que,
assim como na sua atuação profissional, a relação
com os outros traz contribuições para a vida em sociedade, aspecto que revelou o nível de evolução e
mudanças na maneira de perceber a relação com o
outro e que se fez presente nas relações interpessoais necessárias para o trabalho em equipe, bem como
para o desenvolvimento ao longo da vida. Também
foi possível perceber a transformação intelectual e que, por meio da troca de informações e
negociações, expressas por meio dos dizeres, os
jovens demonstram uma reconstrução dos conceitos espontâneos sobre o que seria o trabalho em equipe.
Referências: IMHOFF, A. M. V. G. O cinema em sala de aula:o processo de
aprendizagem e de desenvolvimento de adolescentes do programa jovem
aprendiz [dissertação]. Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, Programa de
Pós-Graduação em Educação, 2013.
06
Título: Salas/celas, sinas e cenas: o cinema no contexto
prisional
Autor: Klênio Antônio Sousa
Ano: 2011
O cinema traz em si a potencialidade de levar o público a ter contato com diferentes culturas e
modos de ser e estar no mundo. Neste sentido, a
função educativa da sétima arte é inquestionável, sendo um fio condutor da presente pesquisa
realizada no contexto educacional de uma unidade
prisional de uma cidade de Minas Gerais. Tomando o conceito de mediação em Vigotski, a investigação
teve como objetivo compreender as possibilidades
de aprendizagem e desenvolvimento desencadeadas pelo cinema como instrumento mediador da
aprendizagem. A pesquisa foi realizada com dois
grupos de alunos da escola de um presídio: alfabetização e ensino médio, com uma média de 15
alunos/internos por grupo. Foram organizadas vinte
e duas sessões quinzenais com a exibição de filmes nacionais e estrangeiros, selecionados pelo critério
de apresentação de inovações na linguagem
cinematográfica, seja no roteiro, na fotografia e/ou em outro aspecto específico deste universo. Durante
estas sessões, buscamos promover o debate a partir
de temáticas desencadeadas pelos filmes, instigando o diálogo entre os internos. A metodologia da
pesquisa-ação conduziu este estudo, pois atende ao
248
propósito tanto de construção de dados quanto de intervenção no contexto da realidade, da concretude
material dos sujeitos de pesquisa e, neste sentido, o
pesquisador não é somente observador, mas participante. Buscamos também levar o cinema para
o presídio como atividade cultural, considerando as
especificidades do âmbito cinematográfico e a limitação de acesso a esta atividade imposta pelo
confinamento. Os internos puderam ter contato com
o cinema como arte, ferramenta e instrumento mediador que deu voz aos seus pensamentos e
reflexões. Ao assistirem aos filmes, os participantes
puderam entender de modo mais aprofundado e crítico o contexto social em que se encontram
inseridos, ressignificando suas realidades e, ao
mesmo tempo, desenvolvendo interessantes reflexões sobre a própria linguagem
cinematográfica. Como um bem cultural que deveria
ser amplamente disponibilizado a todos os sujeitos, este estudo aponta o cinema como possibilidade
privilegiada no processo de humanização no
contexto prisional.
Referências: SOUSA, K. A. 2011; Salas/celas, sinas e cenas: o cinema no contexto
prisional [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Programa de
Pós-Graduação em Psicologia, 2011.
07
Título: Um percurso de experiência: violência e silêncio
- imagens de uma pesquisa na escola
Autor: Roberta Luciana
Custódio Bianchini
Ano: 2010
O presente trabalho resulta de discussões em torno das relações entre o silêncio, como forma de
linguagem, a experiência, sob a ótica benjaminiana e, os processos de violência que permeiam a
sociedade e, em particular, os adolescentes. A partir
das reflexões em torno da violência, tendo em vista os modos de anulação e de constituição de
experiência como modo de vida e produção de
sentidos, e vislumbrando o silêncio como uma possibilidade de significar, experimentar e
manifestar a violência se constituiu como objetivo
deste trabalho: discutir o silêncio e a experiência como formas de produção de sentidos, buscando
suas relações com os modos de manifestação da
violência. Como instrumento específico, para que a metodologia percorresse seu caminho, utilizamos
um dos meios de comunicação de massa, o cinema.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, aventamos as possibilidades de olhares circularem por entre
movimentos que desencadearam outros olhares,
pistas e vestígios, nos guiando através do Paradigma Indiciário e possibilitando aberturas de produção de
sentidos, de caminhos e descaminhos
metodológicos, que apresentaram diferentes olhares sobre o percurso da pesquisa. Dessa forma,
pensamos essa pesquisa enquanto processo,
249
enquanto caminho, enquanto experiência. Não nos concentramos em interpretações que se encerrem
apenas em um sentido, pelo contrário, nos
esmeramos em permitir o olhar que vislumbra múltiplos sentidos, possibilitando que o produto da
pesquisa também se torne veículo de transmissão de
outros e novos conhecimentos
Referências: BIANCHINI, R. L. C. Um percurso de experiência: violência e silêncio
- imagens de uma pesquisa na escola [dissertação]. Rio Claro: Universidade Estadual
Paulista, 2010.
08
Título: Cinema, história e psicologia: produzindo uma
história do presente
Autor: Helmir Oliveira Rodrigues
Ano: 2010
Essa dissertação tem como objetivo a produção de uma história do presente, que intenta problematizar
aquilo que fazemos de nossas vidas e as
possibilidades do vir a ser, que essa analítica permite. Sustentada num modo de pensar a história a
partir de Michel Foucault, como uma história que se
quer efetiva, que intenta remexer as estruturas vistas como sólidas, imóveis, mostrando que podem ser
desestruturadas e pensadas de outras formas. Ela não
aponta constâncias, mas o descontínuo, diferenciando-nos de um passado, demarcando o
caráter singular do acontecimento. E essa história
tem como campo de experiência e de problematização a disciplina optativa Tópicos
Especiais em Psicologia Social e Institucional,
ministrada para o curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, abordando em
sua ementa o tema Cinema, história e psicologia. Ela também teve como função o cumprimento dos
créditos optativos de Estágio em Docência, do
Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFS. A disciplina tinha como proposta a criação de
um espaço para discussão sobre questões que
atravessassem o cotidiano daqueles que fizessem parte dela, tendo como vetor provocativo o uso de
filmes. Um weblog foi utilizado como outro espaço
possível, para que novos sentidos sobre os debates fossem produzidos. A partir da análise dos diversos
vetores que atravessaram essa disciplina, como o
blog, os filmes e os pensadores trazidos para construção de diálogos, foi possível produzir uma
história sobre essa experiência. Uma história que
não diz somente do que foi a disciplina, que nos permite levantar questões que envolvem não só um
espaço acadêmico, como a sala de aula, mas que nos
aproxima de uma dimensão ética, que nos impulsiona a pensar: o que estamos fazendo de
nossas vidas e da vida dos outros? Para assim
questionarmos também: que outras formas são possíveis de se viver?
250
Referências: RODRIGUES, H. O. Cinema, história e psicologia: produzindo uma
história do presente [dissertação]. São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2010.
Teses
0
1
Título: Ensinar-aprender
cinema: através da percepção e cognição incorporadas
Autor: Ferrari, Rodrigo
Duarte
Ano: 2015
O ensino-aprendizagem do cinema através da
percepção e da cognição incorporadas é o foco desta pesquisa teórica e aplicada. A partir de uma revisão
teórica multidisciplinar da dimensão reflexiva dos
mecanismos e fenômenos perceptivos e cognitivos observamos que as incorporações constituem uma
dimensão pré-reflexiva que amplia as possibilidades e
limites do ensino-aprendizagem do cinema. Como desdobramento da revisão teórica, construímos um
mapa conceitual que apresenta a percepção e a
cognição incorporadas como mecanismos e fenômenos de perceber e conhecer através do corpo e
da corporeidade. Tanto as teorias do cinema quanto as
da educação com e sobre o cinema foram construídas hegemonicamente a partir da dimensão reflexiva da
percepção e da cognição, sobretudo, sob influências
da semiótica, psicologia e psicanálise, com a centralidade dos processos de ensino-aprendizagem na
dimensão simbólica de leitura e escrita do cinema.
Com a intenção de complementar tal dimensão realizamos um experimento e colocamos as
incorporações no centro do ensino-aprendizagem do
cinema, resultando na criação da Oficina KINO - http://kino.sites.ufsc.br/, uma proposta experimental
como possibilidade para analisar e refletir sobre a
dimensão pragmática do ensino-aprendizagem do cinema através das incorporações. Convidamos cinco
professores/pesquisadores que atuam com cinema na
educação para participar da oficina e observamos que, apesar da razoabilidade do mapa conceitual da
percepção e cognição incorporadas, é necessário
maiores esforços explicativos e interpretativos sobre as incorporações, haja vista que estas reflexões
permanecem em aberto tanto nas ciências cognitivas
quanto na filosofia. Com a sistematização teórica realizada foi possível identificar que há uma
reversibilidade de incorporações entre os espectadores
e a equipe de produção cinematográfica. Do ponto de vista didático, a proposta da Oficina KINO permitiu
que as reversibilidades de incorporações fossem
vivenciadas como entrelaçamentos entre os videntes e os visíveis, na recepção e recriação do visível de
251
filmes. Observamos que as incorporações devem ser seguidas por reflexões sobre as incorporações e dessa
forma foi possível articular as dimensões pré-
reflexivas e reflexivas do ensino-aprendizagem do cinema. Esta pesquisa apresenta um ponto de partida
sistematizado para que a dimensão pré-reflexiva do
ensino-aprendizagem do cinema possa ser articulada na educação com e sobre o cinema.
Referências: FERRARI, R. D. Ensinar-aprender cinema: através da percepção e
cognição incorporadas [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
Programa de Pós-Graduação em Educação, 2015.
0
2
Título: Sagradas Torres: a
reinvenção de si no cinema vivo
Autor: Luiza Helena Guimarães Ferreira
Ano: 2012
Esta tese implicou a construção de um dispositivo de
arte e tecnologias que promove efeitos na subjetividade do espectador, uma relação entre
interfaces que inclui o corpo de quem performatiza
dentro das linhas de força da instalação. Uma forma de cinema expandido, Live Cinema, que vem se
desenvolvendo na contemporaneidade. Com a criação
deste dispositivo, intitulado de Sagradas Torres, a investigação de tese de Luiza Helena Guimarães
Ferreira, enriqueceu-se e ganhou novos contornos.
Nas tensões entre os corpos, entre peles da culturais, a tese, Sagradas Torres: A reinvenção de si no cinema
vivo, diz respeito aos desenvolvimentos práticos, suas
implicações teóricas e metodológicas. Sagradas Torres trata da possibilidade de reinvenções de si por meio da
invenção de narrativas audiovisuais não lineares e na temporalidade do acontecimento, ou seja, de um
acoplamento em tempo real entre máquinas técnicas,
corpo e subjetividade que coloca esta pesquisa na fronteira entre os campos da Comunicação, da Arte e
da Psicologia. Durante o percurso de
desenvolvimentos do projeto, além do apoio por parte da orientadora, Suely Rolnik, e do co-orientador,
Antoni Mercader, somou-se o do Hangar-BCN, um
laboratório de produção em arte e tecnologias, assim como, o das instituições que o receberam, LMI e UB.
Sagradas Torres, assim, ocupa o centro nervoso da
tese. Foi montado e exposto no Hangar, estrategicamente, em 11 de setembro de 2012. Dele
resultou um audiovisial1 que dá uma ideia de sua
montagem e poética. Antes desta data, teve uma performance na Puerta de Sol em Madri, Tertúlia
Indignados, que resultou na produção outro
audiovisual, Tertúlia Indígnats. Eles foram importantes para as discussões e desenvolvimentos da
tese. São ações em arte que, como veremos, possuem
seus entrelaçamentos, contradições e tensões. Em especial, a contribuição de Sagradas Torres para a tese
tenta responder à necessidade de problematizar a
tendência dominante nas práticas artísticas que se utilizam das novas tecnologias para promover a
252
participação do espectador, mas que se reduzem frequentemente a meros exercícios de entretenimento
que contribuem para manter recalcada sua potencia de
criação, ao invés de ativá-la, contribuindo assim para a reprodução da política dominante de subjetivação
Referências: FERREIRA, L. H. G. Sagradas Torres: a reinvenção de si no cinema
vivo [tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.
EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA
Total = 20 ; Artigos = 07; Dissertação = 11; Teses = 02.
Artigos
0
1
Título: O cine-pensamento de Deleuze:
contribuições a uma concepção estético-política da
subjetividade
Autor: Juliane Tagliari Farina, Tania Mara Galli
Fonseca
Ano: 2015
O presente artigo propõe a leitura dos
livros Cinema I: Imagem-Movimento e Cinema
II: Imagem-Tempo, de Gilles Deleuze, como
uma proposta do filósofo para que encontremos
no cinema da imagem-tempo uma imagem não
dogmática do pensamento anunciada na
obra Diferença e Repetição, encaminhando,
assim, novas concepções ao pensamento de uma
subjetividade implicada estética e politicamente.
Para tal, o autor parte das concepções
bergsonianas de imagem, tempo e memória para
complexificar as noções de percepção, imagem,
movimento e tempo, chegando, por fim, à
vidência de um tempo puro e virtual, tornando o
falsário o personagem conceitual tanto do
cinema como do pensamento.
Referências: FARINA, J. T., FONSECA, T. M. G. O cine-pensamento de Deleuze: contribuições a
uma concepção estético-política da subjetividade. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 26, n. 1, p. 118-
124, abril de 2015.
0
2
Título: Pesquisa psicológica baseada em vídeos:
sondar o invisível a partir do fora de quadro
Autor: Danilo Sergio Ide
Ano: 2014
Nesta revisão narrativa de literatura
apresentamos a síntese das descobertas
resultantes de uma busca empreendida nas bases
SciELO, BVS-Psi, Web of Science, PsychInfo e
Psicodoc pelos termos video-methods ou visual-
methods, video e camera. Após delimitar de
modo geral como se organiza a filmagem na
coleta de dados de pesquisa em Psicologia,
detivemo-nos em particular nos trabalhos em que
os próprios participantes operavam as câmeras.
O interesse pela pessoa por trás da captura das
imagens motivou também uma pesquisa por
filmes em que a figura do cinegrafista ganha
destaque. Nosso objetivo é examinar a ideia de
confiar as filmagens aos participantes, em geral
ligada ao debate sobre autorrepresentação, e
253
precisar como esse expediente particular pode
ser apropriado pela Psicologia. Para cumprir
nossa análise fizemos uma incursão na teoria do
cinema, revisando a noção espacial de fora de
quadro. Observamos que na maior parte dos
trabalhos, apesar do reconhecimento dado à
pessoa por detrás da câmera, o fora de quadro é
pouco explorado. Ele foi incorporado de fato no
documentário Irène, de Alain Cavalier, filmes
ficcionais de found footage como Cloverfield e
pesquisas baseadas em vídeo sobre a relação
homem-ambiente. Nesses trabalhos, o debate
sobre autorrepresentação dá lugar a outro tipo de
matéria, que interessa diretamente à Psicologia:
a investigação de processos internos, imateriais
como a percepção, a memória. A opção de
trabalhar com os participantes fora de quadro
mostra-se bastante adequada à sondagem de
aspectos invisíveis do ser: esse método particular
parece justo para uma pesquisa psicológica
baseada em vídeos.
Referências: IDE, D. S. Pesquisa psicológica baseada em vídeos: sondar o invisível a partir do fora de
quadro. In: Temas em psicologia, Ribeirão Preto, v. 22, n. 1, p. 93-108, abril de 2014.
0
3
Título: Ainda em cartaz, "Estamira": A
Psicanálise nas telas do Cinema.
Autor: Thiago Robles Juhas; Niraldo de Oliveira
Santos
Ano: 2011
O presente trabalho tem como objetivo discutir e
articular as relações entre o cinema e a
Psicanálise. Para isto, utilizou-se do
documentário Estamira, de Marcos Prado, 2006.
O filme retrata a história de uma mulher que
sofre de transtornos mentais e trabalha, há anos,
no hoje extinto aterro sanitário na cidade do Rio
de Janeiro. O Cinema, como expressão de arte,
se relaciona com a Psicanálise de diversas
formas, pois também trata da subjetividade dos
participantes na produção cinematográfica. O
diretor, sem ter a intenção de qualquer expressão
psicanalítica, assume um lugar de objeto que
escuta e deseja desvendar o saber da
personagem, o que se assemelha à função de um
analista. Estamira transmite aos telespectadores
sua narrativa da verdade, seu discurso
contundente que, na mesma enunciação impacta,
confunde e toca. Na psicose, como é caso de
Estamira, os delírios da personagem tentam
responder a eventos traumáticos inassimiláveis,
são respostas a circunstâncias compostas de
grande sofrimento; a personagem elucida o
mecanismo de produção delirante ao mostrar, em
sua história de vida, que a única resposta
possível encontrada às violências que vivenciou,
foi o delírio.
Referências: JUHAS, T. R., SANTOS, N. O. Ainda em cartaz, "Estamira": A Psicanálise nas telas do
Cinema.. In: Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte , n. 36, p. 157-164, dez. 2011.
0
4
Título: A entrevista como método: uma conversa
com Eduardo Coutinho
Autor: Fernando Frochtengarten
O nome de Eduardo Coutinho ocupa páginas
centrais na história do cinema documentário
brasileiro. Conhecido pelas entrevistas com
pessoas anônimas, seus filmes revolucionaram a
254
Ano: 2009
produção no gênero: ajudaram a derrubar o mito
da neutralidade dos documentários e desfizeram
a separação entre o diretor e os personagens. As
transformações que sua obra imprimiu no campo
estético e epistemológico próprios ao cinema
têm afinidades com as mudanças de paradigmas
experimentadas pelas ciências humanas no
século passado. Este artigo apresenta uma
entrevista com Eduardo Coutinho. Nela, o
cineasta discute a concepção do real presente em
seus filmes e o poder de transformação do
cinema sobre os homens e a sociedade;
principalmente, fala sobre as entrevistas, método
em evidência nas ciências humanas e no cinema.
Referências: FROCHTENGARTEN, F. A entrevista como método: uma conversa com Eduardo
Coutinho. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 20, n. 1, p. 125-138, março de 2009.
0
5
Título: A recusa do tempo e suas implicações na
subjetividade
Autor: Vera Lúcia Giraldez Canabrava
Ano: 2008
Este artigo reflete sobre o tempo, que ainda é
vivido apenas no aspecto linear, cronológico.
Discorre sobre as teorias de Henri Bergson
acerca da memória, de Gilles Deleuze, sobre
tempo, imagem e arte cinematográfica, e das
idéias de Deleuze-Guattari sobre a
imagemcristal. É um estudo motivado na
produção de novos modos de considerar a
subjetividade e criar novas condutas nos tempos
das terapias, potencializando pequenas
diferenças individuais e grupais, quando da
atualização do virtual, que fortaleçam a vida,
liberem intensidades aprisionadas pelas formas
geradas na recusa do tempo e ensejem a
expressão das potências cativas, potências do
tempo, que trazem à cena pontos de
singularização, novos e mutantes pontos de
verdade, verdades transitórias, como no cinema,
que opera com diversas modalidades de
imagens-tempo e privilegia imagens que
emergem diretamente do tempo, em que os
objetos estão dispostos em infinitos planos.
Referências: CANABRAVA, V. L. G. A recusa do tempo e suas implicações na subjetividade. In:
Psicologia, ciência e profissão, Brasília , v. 28, n. 2, p. 330-343, junho de 2008.
0
6
Título: Reversibilidade entre percepção e
expressão na experiência cinematográfica: a
completação gestáltica para campo multiestável
Autor: William B. Gomes; Daniel Rosemberg;
Luciano da Silva Alencastro; Thiago Gomes de
Castro
Ano: 2008
A experiência cinematográfica é um campo
multiestável que fornece tempo, sendo espaço
uma ilusão perceptual. Assim, como se completa
a Gestalt do espectador diante de um filme
desprovido de diálogos conversacionais,
mantendo-se apenas o diálogo tonal (uma
provável estória) e expositivo (um provável
contexto)? Vinte e seis estudantes de psicologia
assistiram à exibição do curta-metragem “i”, do
diretor e produtor gaúcho Paulo Zaracla (dois
minutos de duração), e escreveram, em seguida,
um relato livre sobre o filme. Os relatos obtidos
foram considerados como expressão da
mensagem do filme e analisados com base no
critério triádico da fenomenologia semiótica
(descrição, redução e interpretação). A descrição
255
definiu as relações diacrônicas e as correlações
sincrônicas dos relatos e entre relatos quanto à
situabilidade, aos sentimentos, à resolução e à
voz de enunciação. A redução especificou os
gêneros literários escolhidos como contexto de
expressão (conto, ensaio ou crônica). A
interpretação suspendeu as sugestivas temáticas
existenciais presentes para se concentrar nas
relações psicofísicas e psicológicas na
completação comunicativa da Gestalt,
negociadas entre percepção e expressão. O uso
de figuras ambíguas como demonstração de
campo multiestável apenas exacerba a relação
cotidiana entre modos processuais cognitivos na
completação da Gestalt como demonstra a
experiência cinematográfica.
Referências: GOMES, W.B. et al. Reversibilidade entre percepção e expressão na experiência
cinematográfica: a completação gestáltica para campo multiestável. In: Revista de Abordagem
Gestáltica. v. 14, n. 2, p. 161-171, 2008.
0
7
Título: Novo cinema, nova loucura?
Autor: Claudia Maria Perrone; Selda Engelman
Ano: 2008
O texto tem como objetivo discutir a relação do
cinema com a produção de subjetividade. No seu
nascimento, o cinema apontou para o nascimento
de um novo regime de sensibilidade,
estabelecendo relações transversais entre corpo,
tecnologia e certa exploração da loucura, como
uma modulação da produção do sujeito. No
contemporâneo, cabe questionar se o cinema não
tem sido um dispositivo das instituições de si no
momento em que a loucura e a doença
desfizeram seus laços.
Referências: PERRONE, C. M., ENGELMAN, S. Novo cinema, nova loucura?. In: Psicologia e
Sociedade, Porto Alegre , v. 20, n. 1, p. 102-107, abril de 2008.
Dissertações
0
1
Título: Quando o olhar é capturado: o
fascínio dos adolescentes pela filmografia
de horror
Autor: Natalia Dalla Côrte Cantarelli
Ano: 2015
O presente estudo buscou compreender o
grande interesse dos adolescentes pela
filmografia de horror na atualidade. Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se através
de uma abordagem qualitativa, de caráter
exploratório e utilizou o grupo focal como
técnica para análise dos dados. Optou-se
por realizar o estudo com alunos de uma
escola estadual do interior do estado do Rio Grande do Sul, a qual promove um
projeto que objetiva o desenvolvimento de
oficinas sobre cinema com os alunos, sendo que, uma das atividades deste grupo
havia sido a produção de um filme, um
curta de horror (gênero de escolha dos alunos). A fim de selecionar os
256
participantes, informou-se sobre os objetivos do estudo aos adolescentes que
faziam parte das oficinas e, na sequência,
questionou-se sobre o interesse em integrá-lo. Sendo assim, participaram 16
sujeitos, os quais compuseram três grupos
focais. Os grupos foram compostos por 5, 3 e 8 participantes. Com o intuito de
determinar o número total de grupos,
considerou-se o critério de saturação, que diz que os grupos se esgotam quando não
apresentam novidades em termos de
conteúdo, pois os depoimentos tornam-se repetitivos. Para a análise dos dados
obtidos na pesquisa, utilizou-se a técnica
da análise de conteúdo. As categorias, oriundas da análise, serão apresentadas em
dois artigos, de forma que ambas
convergem para pensar o grande interesse dos adolescentes pelas imagens móveis de
horror. O primeiro dos artigos, trabalha
esta questão de forma mais ampla, analisando as falas dos sujeitos para
compreender as entrelinhas da íntima
relação entre adolescência e cinema de horror, apresentando e discutindo os
momentos de início e de importância dos encontros com a filmografia, bem como o
seu sentido para os participantes. O
segundo artigo, centraliza-se na relevância e nas singularidades que compreende,
particularmente, a imagem móvel de
horror para estes sujeitos. Os resultados apontam para o fato de que o fascínio
despertado por essas obras
cinematográficas, realmente, ocupa um lugar privilegiado em suas vidas. Estar
diante dessas imagens, tal como a
experiência do sonho, permite ao sujeito vivenciar um labirinto de espelhos,
possibilitando o encontro com o que há de
mais verdadeiro, particular e obscuro de si mesmo. Além disso, iniciado, ainda na
infância, o encontro com as narrativas
fílmicas de horror aparece relacionado à ausência dos pais, a experiências de
desamparo vividas em relação ao outro.
Pôde-se evidenciar, portanto, que o encontro com a ficção consistia na
possibilidade de experenciar ativamente o
horror que, na vida real, era vivenciado de forma totalmente passiva, traumática. Não
por acaso, a presença fílmica do horror
257
retorna com grande intensidade na adolescência, momento de suas vidas em
que, decorrente da irrupção de intensas
mudanças pubertárias e de excessos pulsionais, vivenciam a necessidade de
relações de alteridade para fazer esta
travessia. No entanto, novamente, se vêm desamparados, buscando nas narrativas
fílmicas de horror, a possibilidade de uma
posição ativa, além da produção de compartilhamento de experiências, de
construção de laço simbólico.
Referências: CANTARELLI, N. D. C. Quando o olhar é capturado: o fascínio dos
adolescentes pela filmografia de horror [dissertação] Santa Maria: Universidade Federal
de Santa Maria, 2015.
0
2
Título: A dimensão formativa do cinema e
a catarse como categoria psicológica : um diálogo com a psicologia histórico-cultural
de Vigotski
Autor: Santiago Daniel Hernandez-Piloto Ramos
Ano: 2015
A pesquisa trata da relação entre
a estética do filme e a dimensão sensível do espectador, e toma como eixo central
deste diálogo o conceito de catarse
desenvolvido na Psicologia da arte de Vigotski (1999b). O objetivo é
compreender como o conceito de catarse
pode contribuir para a reflexão, no âmbito da educação dos sentidos (formação
estética), bem como se ele pode criar as
condições e possibilidades para transformar, qualitativamente, o
espectador em contato com o filme/cinema. A metodologia é de cunho
eminentemente teórico-reflexivo, realizada
a partir do levantamento bibliográfico, análise de trabalhos acadêmicos com foco
no conceito-chave. Pressupõe-se que, na
sociedade contemporânea, o cinema é uma das principais vias de formação estética,
com presença significativa no processo de
constituição da individualidade em diversos contextos sociais. A dimensão
reflexiva da pesquisa também opera a
partir da análise do filme Fresa y Chocolate (1993), do cineasta cubano
Tomás Gutierrez Alea. Uma primeira
hipótese considera que a dimensão formativa do cinema só chega a sua
máxima concretude quando o espectador,
na vivência com o filme, é elevado a um nível superior de transformação qualitativa
a partir das emoções contrárias suscitadas
pela narrativa estética – conflito entre conteúdo x forma. Uma segunda hipótese
considera que a perspectiva estética de
258
Gutierrez Alea, em especial no filme Fresa y Chocolate (1993), aproxima-se da
concepção de catarse desenvolvida por
Vigotski. Desse modo, esse conceito pode contribuir para, no âmbito do campo dos
fundamentos da educação, ampliar a
reflexão sobre a compreensão da reação estética que o espectador experimenta em
contato com o filme, cuja função vai além
da representação da realidade, ele pode ser considerado a própria visão social do
espectador sobre a realidade. A catarse,
como fundamento da reação estética experimentada pelo espectador com a
obra, constitui-se em uma complexa
transformação sensível e, também, da própria consciência e percepção da
realidade objetiva.
Referências: RAMOS, S. D. H-P. A dimensão formativa do cinema e a catarse como
categoria psicológica : um diálogo com a psicologia histórico-cultural de Vigotski [dissertação]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-
Graduação em Educação, 2015.
03
Título: Sobre a imagem-movimento ou as cartas que enderecei a Deleuze
Autor:Elen Naiara Batista Madeiro
Ano: 2015
Esse trabalho busca estudar a taxionomia das imagens do cinema feita por Deleuze,
considerando o cinema enquanto uma
experiência que constrói seus sentidos. Esta pesquisa percorreu um caminho que
passou por um cinema que faz pensar e se encontrou com um cinema que pensa ele
próprio. Encontrou também revoluções
conceituais, rediscutindo percepções, afetos e ações e colocando em xeque uma
consciência ancorada num sujeito. O meu
trabalho não se propõe a ditar verdades sobre a obra de Deleuze em questão, nem
sobre nenhuma outra. Permito-me usar
palavras despretensiosas, das que não almejam estatuto de verdade, das que não
aprisionam os sentidos, das que mobilizam
parceiros e admitem a possibilidade de não ser. É um trabalho que pretende, a partir
da minha experiência, abrir um campo de
diálogo e possíveis compreensões com esse autor e obra tão enigmáticos quanto
sedutores. Expor um modo de
compreensão, uma significação peculiar criada para experimentar tal livro não
aparenta ser um trabalho justo para um
autor de tamanha repercussão e fama, ainda mais vindo de uma estudante de
mestrado de uma universidade pública na
259
capital do menor estado do Brasil. Mas é justo o trabalho a que me proponho, é
apenas isso que será encontrado adiante.
Sinalizo a dificuldade em lidar com o texto e em encontrar parcerias e referências,
principalmente dentro da psicologia. Ao
longo da pesquisa descobri que a aflição não é só minha, e que por isso enche o
trabalho de coletividade e cumplicidade.
Juntamente com as dificuldades e escassez de referências e parcerias é que se criam
os escapes. Para que a carência não se
transmutasse em paralisia, em meio a conversas, encontros e orientações foi que
eu (um eu múltiplo, atravessado por forças
diversas) escolhi o formato de cartas para dar vazão a todas às inseguranças e
potências que habitam essa pesquisa.
Referências: MADEIRO, E. N. B. Sobre a imagem-movimento ou as cartas que
enderecei a Deleuze [dissertação]. São Cristovão, Universidade Federal de Sergipe,
Programa de pós-graduação em psicologia social, 2015.
0
4
Título: Solos mestiços: ciência, arte
contemporânea e cinema
Autor: Vitor Hugo Lima Teixeira
Ano: 2015
Considerando que a ciência torna-se cada
vez mais ciência dos acontecimentos, neste estudo perseguimos encontros entre
campos do conhecimento que se produzem
através da processualidade, das trocas, das interferências, da mistura, do não sabido.
Um desses campos é a Psicologia Social. Trata-se de uma psicologia social que não
se debruça sobre conceitos ou objetos já
constituídos, mas que aposta em conceitos e objetos por vir. Aqui realizamos uma
experimentação, uma composição entre
ciência, arte e produção de subjetividade. Nada de formatos, de modelos
predeterminados, mas a produção ocorre
entre, os elementos se destroem e se recriam durante as apresentações. Trata-se
de uma produção que é menos forma e
mais performance. Produz a pesquisa/pesquisador em processo,
utilizando experimentações, vivências,
imagens artísticas, para produzirem desterritorializações, para apontarem
linhas de fuga em prol da
pesquisa/pesquisador. Deste modo, o envolvimento com a problemática da
pesquisa pautada pelo pensamento da
diferença é permeado de estranhamentos pela nova posição em que o pesquisador se
coloca: o distanciamento do que é
260
evidente, das certezas modernas, uma distância e perturbação das obviedades,
onde o pesquisador;bifurcado-
caleidoscópico-mosaico; descola as homogeneidades, provoca rupturas, abre
mão das generalizações e totalizações, e
adentra rotas que pouco tem de representação e mais tem de criação. Os
solos que compõem este estudo estão
necessariamente associados: arte-filosofia-ciência: trata-se de solos mestiços. Estes
consistem em um espaço-tempo que
oportuniza tensões e cruzamentos entre campos do conhecimento. Portanto, os
solos mestiços constituem-se em um
terreno produtor de tensões, um local propício ao intercâmbio entre distintas
áreas, que através de interferências
concomitantes entre elas possibilitam produções de novos cenários mistos,
contrariando, deste modo, a suposta
unidade científica que a epistemologia e filosofia modernas perseguiram durante o
século XX. Esta dissertação não tem a
pretensão de criar conceitos, mas de transmitir fluxos de ideias voltadas para
produções de pensamentos e práticas que possibilitem interferências entre campos
do conhecimento, apontando
principalmente produções artísticas que rompem a ideia de conceitos, objetos e
sujeitos naturalizados e dicotomizados.
Um exemplo desta mestiçagem ocorre nas relações entre arte contemporânea e
cinema. Esses campos passam cada vez
mais a convergirem para lugares de interferências e criações entre-áreas, em
rede. A trama que esta pesquisa se debruça
é a que envolve as experiências estéticas a que o participador dos híbridos espaços
artísticos contemporâneos de
exposição/projeção está imerso diante das obras artísticas/digitais. Deste modo
espiamos diversos encontros-
desencontros-reencontros entre a ciência, a arte/cinema e a filosofia. A mistura, a
mestiçagem, é, portanto o ponto forte
desta pesquisa, que se critica e amplia não somente através das lentes viabilizadas
pelo paradigma ético-estético deleuzo-
guattariano e pela literatura que relaciona ARTISTA-OBRA-PARTICIPADOR, mas
também através de Julio Cortázar, do Free
261
Jazz, buracos, escadas, Cosmococas, Tekpix, Hermeto Pascoal, suco de
mangaba, 30 anos, Cildo Meireles, MIMO,
entre outros apoios errantes que surgiram como intercessores para o
desenvolvimento do pesquisador,
enquanto produtor de pensamento e de práticas que coloquem em jogo estas
relações
Referências: TEIXEIRA, V. H. L. Solos mestiços: ciência, arte contemporânea e
cinema [dissertação]. São Cristovão, Universidade Federal de Sergipe, Programa de pós-
graduação em psicologia social , 2015.
0
5
Título: A sutura: modos de subjetivação do
real no cinema e na psicanálise
Autor:Roberto Propheta Marques
Ano: 2015
Diante da prolífera relação que se
estabelece entre arte e psicanálise desde os primeiros textos freudianos, advém a
tarefa fundamental de definir seus
parâmetros. Parâmetros que passam pela suposição de uma homologia entre estas
duas práticas, desde que se diz, com Freud
e Lacan, que a arte precede a psicanálise. Trata-se, assim, de encontrar as
coordenadas formais de tal relação. O
conceito de sutura é tomado como objeto central desta pesquisa por satisfazer
plenamente os termos dessa problemática.
Ao ser importada por Jean-Pierre Oudart para a teoria do cinema, a noção de sutura
- oriunda da reflexão psicanalítica sobre os fundamentos lógicos da aritmética -
encontrou vasta repercussão. Destarte,
situa-se na interdisciplinaridade de três campos cuja relação pretendemos
esclarecer: lógica, psicanálise e arte. A
partir de uma sistemática revisão da literatura sobre a sutura no cinema,
traçaremos sua história em cinco
momentos: 1 - suas raízes lógicas encontradas em Gottlob Frege; 2 - a
apropriação psicanalítica realizada por
Jacques Alain Miller no seminário de Lacan; 3 - a importação conceitual para a
teoria do cinema por Oudart; 4 - suas
principais apropriações e críticas após Oudart, com Daniel Dayan, Willian
Rothman e Stephen Heath; 5 – a
ampliação de seu potencial analítico por autores contemporâneos como Slavoj
Žižek, Ilana Feldman e Ismail Xavier.
Com isso, mostraremos como a leitura do cinema a partir de uma lógica comum à
psicanálise permite encontrar, naquele,
262
problemas e soluções que, se são compartilhados logicamente por esta, nela
não se encontravam formulados com a
mesma precisão que o cinema lhe permite realizar. Trata-se de mostrar, portanto, a
partir da formulação de uma homologia
entre cinema e psicanálise, como aquele pode ser tomado como intérprete desta,
oferecendo a ela a inteligibilidade de
questões que de outro modo permaneceriam ocultas.
Referências: MARQUES, R. P. A sutura: modos de subjetivação do real no cinema e
na psicanálise [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em psicologia clínica, 2015.
0
6
Título: Produção de documentário :
imagens e polifonias da
desinstitucionalização da loucura na cidade
Autor: Rafael Wolski de Oliveira
Ano: 2012
As transformações que a Reforma
Psiquiátrica possibilitou na relação entre a
cidade e a loucura trouxe aos usuários de saúde mental, antes confinados nos
manicômios, uma abertura para a
diversidade de relações e acontecimentos no espaço urbano. Ao mesmo tempo,
nessa relação, existe a possibilidade de que
a presença antes interdita do louco no espaço urbano possa ser agente de novos
modos de ser e habitar a cidade. O contato
do louco com a polis e vice-versa permite que todos os habitantes possam estar em
contato com o estranhamento, proporcionando um terreno fecundo para
irrupção de novas formas de ser, de estar e
habitar a cidade. Baseado nesta relação e nesta mudança de perspectiva
desencadeada pela desinstitucionalização
da loucura, surgiu a produção de um documentário que retrata justamente este
cenário contemporâneo, este momento
singular no processo da reforma psiquiátrica, em que pessoas deixam de
ocupar o manicômio e habitam a vida
comum da cidade. Esta produção, iniciada no ano de 2008, inspirada na itinerância de
Abel, morador de um serviço substitutivo
ao manicômio, e através do depoimento de algumas pessoas que o conheciam, é o
balizador desta dissertação. A partir de
pensadores sobre o cinema como Deleuze, Vertov, Benjamin, Comolli, Lins, Ramos,
entre outros, aos quais se soma a análise
da produção do documentário "Eu Conheço o Abel", procurouse elementos
para analisar a produção de cinema
263
documental como agente de transformação do real, e não como retratação do real,
como sugerem algumas correntes da
produção de documentários. A partir desta análise, puderam ser estabelecidas
ressonâncias com a ética e a pesquisa em
psicologia social.
Referências: OLIVEIRA, R. W. Produção de documentário : imagens e polifonias da
desinstitucionalização da loucura na cidade [dissertação]. Porto Alegre: Universidade
do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2012.
07
Título: Encontro, condução e costura: a f(r)icção entre o diretor e o ator social nos
documentários
Autor: Carlos Antonio dos Santos Segundo
Ano: 2011
O contato com a produção documental como diretor, acaba por me
posicionar em um lugar privilegiado
dentro da construção conceitual sobre esse gênero cinematográfico. Estar de frente
com o personagem e vivenciar a sua
importância no processo de produção de um filme me fez compreender a partir de
um outro ponto de vista as etapas de
concepção da obra artística. Portanto, essa pesquisa procura entender, tendo como
suporte o método interpretativo
psicanalítico, esses três momentos específicos: encontro, condução e costura
de fundamental importância para o filme
documental. O diretor e o personagem, dentro de uma relação de f(r)icção,
colocam suas subjetividades em choque constante, e é justamente esse atrito e os
diferentes caminhos que surgem é que
proporciona a singularidade desse modo de produção fílmica tão complexa e rica de
sutilezas. O que a câmera capta algo além
da simples efígie, da representação e da encenação de quem cruza sua objetiva. Na
pele, na carne fílmica, há também um
mundo psíquico amplo que essa pesquisa procura evidenciar.
Referências: SANTOS SEGUNDO, C. A. Encontro, condução e costura: a f(r)icção
entre o diretor e o ator social nos documentários [dissertação]. Uberlândia:
Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-graduação em Psicologia, 2011.
0
8
Título: Um olhar impossível : construção
psicanalítica e montagem cinematográfica
Autor: Pablo Bergami Goulart Barbosa
Ano: 2011
A partir do questionamento sobre a função
do divã no setting analítico prossegue-se a
uma exploração do estatuto da imagem e do olhar na clínica e na teoria psicanalítica
através dos conceitos de lembranças
encobridoras, fantasia e fetiche. Sublinha-se o quanto essas formações indicam da
imbricação entre a imagem e a palavra em
264
sua constituição. Propõe-se uma analogia entre o trabalho de interpretação
psicanalítica em sua forma mais complexa,
a construção, com a noção de montagem cinematográfica, segundo a teoria de
Serguei Eisenstein sobre a última. Ambos
os trabalhos se realizam ao coligir fragmentos imagéticos na busca de
construir narrativas prenhes de
significância. Trata-se também da relação entre cinema e psicanálise brevemente.
Num segundo momento, a noção lacaniana
de objeto a vem auxiliar na caracterização teórica do campo do visual e circunscrever
o vazio no lugar do olhar do Outro. Uma
exploração de desenvolvimentos da teoria cinematográfica acerca de sua estruturação
como linguagem leva à caracterização de
um sujeito cinematográfico ligado ao olhar construído pela montagem e pelo
enquadre, que o cinema oferta. Por fim,
propõe-se um método psicanalítico de leitura do cinema, focado na constituição
deste olhar e no desvelamento da
identificação imaginária com ele. A analogia entre interpretação e montagem é
levada adiante, apoiada sobre a questão do objeto a e da falta constitutiva, sendo
finalmente proposta como uma montagem
ao redor do vazio
Referências: BARBOSA, P. B. G. Um olhar impossível : construção psicanalítica e
montagem cinematográfica [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília, Instituto de
psicologia, 2011.
09
Título: Olhos vendados: a experiência criadora na produção de um curta-metragem
Autor: Allan Henrique Gomes
Ano: 2011
O vídeo de curta-metragem "Olhos Vendados" foi produzido por sete jovens
durante um ano letivo em uma
organização educativa na cidade de Blumenau. O objetivo desta dissertação foi
investigar os sentidos da experiência
criadora destes jovens acerca da realização do filme. Compõe o método de pesquisa o
trabalho de campo "tipo etnográfico", o
paradigma indiciário, a análise dialógica do discurso a partir das contribuições de
Vygotski, do círculo de Bakhtin e seus
interlocutores. Estas perspectivas consideram a produção de sentidos na
pesquisa e a possibilidade das relações
dialógicas entre o pesquisador e os jovens realizadores do vídeo. Para compreender a
experiência criadora discutimos a relação
265
"juventudes" e "cinemas", com ênfase no curta-metragem contemporâneo. As
articulações entre experiência, memória e
narrativa também endossam a perspectiva histórica e epistemológica desta
dissertação. Compreende-se a narrativa
como a possibilidade de comunicar experiências e, neste sentido, a pesquisa
realizada engendra-se neste significativo
processo na medida em que dialogou tanto com a obra realizada pelos jovens quanto
com as suas histórias sobre a experiência
de produzir um filme. Neste sentido, o drama destes jovens está articulado à
trama da realização do filme, que é
coletiva, mas com sentidos que expressam em muito a singularidade de suas
participações. Finalmente, este trabalho
associa a realização de um curta-metragem com o trabalho de pesquisa e produção de
uma dissertação que também se manifesta
como experiência criadora.
Referências: GOMES, A. H. Olhos vendados: a experiência criadora na produção de
um curta-metragem [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.
110
Título: Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros
Autor: Mariana Pamplona
Ano: 2009
Esta dissertação de Mestrado consiste na elaboração de dois roteiros (um de ficção e
outro de documentário) sobre a guerrilheira Iara Iavelberg. O roteiro de
ficção vai narrar a vida de Iara, uma das
líderes do movimento estudantil dos anos 60. Estudante de Psicologia da USP e,
posteriormente, professora do cursinho do
Grêmio e da própria Universidade, Iara militou na POLOP (Organização
Revolucionária Marxista-Política
Operária), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, organização simpatizante
de Che Guevara), VARPALMARES e no
MR-8. Durante o período mais radical da ditadura militar no país, ela entrou para a
clandestinidade, participou ativamente da
luta armada e viveu um intenso romance com Carlos Lamarca. Iara foi cruelmente
assassinada em agosto de 1971, mas na
época, a versão oficial foi que ela teria cometido suicídio durante um cerco
policial em Salvador (BA). Tanto os
documentos de sua autópsia, quanto os que relatam a cena do crime desapareceram.
Este é um filme de personagem, que
266
acompanha a trajetória de Iara sem querer dar explicações didáticas sobre o momento
político. Os fatos históricos são mostrados
quando estes se relacionam diretamente com o movimento dos personagens, como
é o caso da montagem do cerco que
provocou a queda do aparelho de Iara. O longa vai se tornando cada vez mais
claustrofóbico e mais centrado nas
oscilações emocionais de Iara, na medida em que o cerco vai se fechando, e ela e
Lamarca ficam cada vez mais procurados
e isolados. E, sobretudo, é um filme de amor, dentro do qual as cartas de Iara e
Lamarca são fundamentais na estruturação
do roteiro. No roteiro, o personagem Iara é construído por intermédio da intersecção
de múltiplas representações, entre elas:
contexto político e ideológico, perfil biográfico, vida familiar, relações
interpessoais e vida afetiva. Também
foram utilizados: fotos de arquivo, trechos de filmes, jornais e noticiários da época; e
fragmentos do diário de Carlos Lamarca,
com cartas escritas para Iara, pouco tempo antes da morte do capitão. Nos últimos
anos de suas vidas Iara e Lamarca se apaixonaram. Nesta época Iara passou por
diversos aparelhos, localizados em
diferentes cidades do Brasil, utilizou uma infinidade de nomes de guerra e disfarces,
fez treinamento no Vale do Ribeira, soube
da tortura e morte de muitos amigos. Apesar do medo e da evidente
desestruturação que o regime militar
impôs aos movimentos revolucionários, Iara optou junto com Lamarca a ficar no
país e resistir até o fim. O roteiro do
documentário Suicídio? é construído a partir de uma linha narrativa principal, que
trata das questões sobre a exumação do
corpo de Iara Iavelberg, e investiga as reais circunstâncias de sua morte; que
jamais foram de fato esclarecidas: nem
através da imprensa, e muito menos através dos livros. Este filme não será uma
biografia sobre uma personalidade
histórica; mas uma investigação, um processo de busca atual e inédito que
busca esclarecer para o grande público um
episódio que aconteceu na história brasileira, no auge da ditadura militar e
que até hoje permanece cercado de
267
mentiras, lacunas e contradições. Todos os livros sobre este tema publicados até hoje
(que foram na sua grande maioria escritos
nos anos 80), não fazem uma investigação detalhada sobre a morte da guerrilheira. E
mais: de acordo com estas publicações,
Iara se suicidou; fato que não é compatível com o recente resultado da exumação de
seu corpo. Como exemplo destas
publicações estão os livros: Lamarca, de Emiliano José; Iara, de Judith Patarra; e A
Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari; no
qual apesar do autor de maneira sutil não se comprometer com a versão de suicídio,
ele confirma a versão da ditadura ao
aceitar a história de um suposto garoto que encontra Iara em um quarto. Também no
filme Lamarca, de Sérgio Rezende, a
personagem de Iara (Clara) comete suicídio. Esta linha narrativa do roteiro
também é composta por depoimentos de
personalidades históricas que conviveram intimamente com Iara, principalmente na
sua fase de mudança da VPR para o MR-8,
e da viagem para Salvador (local no qual ela morreu). Este período final da vida de
Iara foi escolhido pelo fato dele nunca ter sido retratado com exatidão. Através dos
depoimentos, serão investigados os
motivos pelos quais Iara e Lamarca viajaram para a Bahia, como foi
organizado este deslocamento e porque o
aparelho de Iara caiu. Os entrevistados também vão falar sobre como era a
personalidade dela, desenhando assim uma
segunda linha narrativa que surgirá no filme sempre fragmentada, intercalada
com o desenvolvimento das investigações
sobre a morte da guerrilheira. Além disso, fazem parte desta segunda linha, fotos de
Iara e material de arquivo da época
(imagens e fotos).
Referências: PAMPLONA, M. Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros
[dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2009.
1
11
Título: A longa rua em direção aos cimos
Autor: Ligia Maria Thome Sanchez
Ano: 2007
A presente dissertação dedica-se à criação
de um roteiro cinematográfico a partir do conto de Guimarães Rosa, Os Cimos, bem
como à investigação dos processos
criativos da autora/leitora. Na primeira parte são apresentados os esboços do
percurso, movimentos desencadeadores da
268
aventura poética de aproximação-afastamento com o texto de Rosa. Na
segunda parte, de “Campo Geral” e seus
aspectos imponderáveis da infância, ao Menino de “Os Cimos” e sua distância da
Mãe. Na jornada do Menino, situações de
vida e morte enfrentadas com angústia e auxílio de um objeto amado e mutilado. Aí
está a apresentação do conto, permeada de
impressões da leitora e alguns elementos da teoria winnicotiana dos fenômenos
transicionais. Leitura e releitura do conto
conduzem a autora às suas próprias recordações da infância, e a memória
passa a conduzir a criação. Daí a escrita de
um conto descoberto atrás do conto de Rosa: a história da Menina, que encontra
delicada e inesperadamente com a do
Menino, em convivência. Na terceira parte, a apresentação do roteiro
cinematográfico, escrito a partir dos dois
contos, as duas histórias, em ambientes separados pelo tempo e a distância, porém
encontrados em sua vivência de criação e
conquista de autonomia.
Referências: SANCHEZ, L. M. T. A longa rua em direção aos cimos [dissertação].
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2007.
Teses
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1
Título: Sensação e fetiche na cultura da
imagem: o capitalismo estético e as tecnologias do audiovisual
Autor: Flademir Roberto Williges
Ano: 2015
Esta pesquisa aborda o tema da sensação e
do fetiche na cultura da imagem a partir do chamado “capitalismo estético” e da
omnipresença das tecnologias
audiovisuais. O principal teórico em torno do qual se articula a abordagem é o
filósofo alemão Christoph Türcke. A partir
da leitura de duas de suas obras publicadas no Brasil: Sociedade excitada – filosofia
da sensação e Filosofia do sonho (ambas
de 2010) investigo hipóteses e, a partir delas, sustento a tese de que a constante
exposição à irradiação audiovisual está
provocando profundas transformações nas formas de sentir, pensar, imaginar e
representar o mundo, ou seja, levando a
um domínio da imaginação técnica sobre a humana, ao empobrecimento da linguagem
e do pensamento. A singularidade do
269
desejo e a capacidade de prestar atenção a “algo enquanto algo” é posta em questão
nos processos de massificação social
promovidos pela Indústria Cultural. Primeiramente apresento um recorte
clínico de manifestações de mal-estar na
contemporaneidade e mapeio alguns sintomas para analisar o que se manifesta
(ainda de forma aparente) de concentrado
e acumulado no corpo, na ação e na sensação, e que demanda uma abordagem
mais profunda para ser descongestionado
ou liberado. Seguindo as pistas da Teoria Crítica da Sociedade elaborada por
Adorno e aprofundada por Türcke,
construo um ensaio crítico à sociedade contemporânea em interface teórica com a
psicanálise de Freud. O fenômeno da
“compulsão a emitir”, do comercial ou da “propaganda de si” é explorado, bem
como o que chamo de “solidão
conectada”. Teço considerações sobre as primeiras imagens e as mudanças surgidas
a partir de sua produção técnica, da
fotografia ao cinema e às imagens de síntese, evidenciando a exploração
sistemática dos sentidos humanos, do cérebro, dos nervos e dos músculos. Este
percurso inicia considerando a sensação
como paradigma da sociedade atual, analisa sua lógica, as mudanças
semânticas e sociais do conceito desde o
Renascimento, passando pela Revolução Industrial e pela microeletrônica indo até
os dias atuais, com uma atenção especial à
filosofia sensualista de Berkeley e a análise de sua fórmula: “ser é ser
percebido”, estabelecendo com isto
algumas mudanças na ontologia do ser social. Após, reconstruo em detalhes a
Fisioteologia da Sensação, teoria onde
Türcke descontroi a ideia de que a sensação ou o sensório humano é natural,
e apresenta a hipótese de que estaríamos
vivendo um “retorno ao fundamento”, à pré-história da sensação, ou seja, o
encontro entre a alta tecnologia e o
paleolítico, entre os choques audiovisuais e o susto primitivo – a partir do qual a
compulsão à repetição foi aos poucos
assimilando, abrandando e transformando-o no sensório especificamente humano -, e
que estaria hoje dando passos de
270
caranguejo. Por fim, no contexto de passagem ao mercado moderno que
ocupou o lugar do Absoluto (do sagrado)
trato o fenômeno do caráter fetichista da sensação, culminando numa associação
entre o fenômeno do vício em imagens e
drogas e o fundamentalismo religioso, ou seja, a crença num sentido que não mais se
crê, e por isso precisa-se sempre mais e
mais investir nele.
Referências: WILLIGES, F. R. Sensação e fetiche na cultura da imagem: o
capitalismo estético e as tecnologias do audiovisual [tese]. Porto Alegre: Universidade
do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2015.
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Título: Por um outro cinema - jogo da
memória em Chris Marker
Autor: Emi Koide
Ano: 2011
O presente trabalho é uma reflexão crítica
sobre o estatuto da imagem e sua relação
com a memória e a história na sociedade contemporânea, em que a influência dos
meios de comunicação de massa, da
indústria cultural e dos recursos audiovisuais é dominante. Em contraponto
a essa produção audiovisual, que produz
consenso acerca da memória e da história, impondo uma espécie de padronização das
experiências, examinou-se como uma
outra produção cinematográfica pode servir como meio de um aprendizado
crítico frente às mudanças da percepção humana com o advento de novas
tecnologias, tal como apresentado por
Benjamin no ensaio A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. A partir da
interpretação do ensaio de Benjamin por
Miriam Hansen, tratou-se de refletir sobre o conceito de mimese desdobrado em jogo
e semelhança que propicia ao aparato
cinematográfico a possibilidade de emancipação de uma repetição infernal e
perversa,regulando uma nova relação entre
ser humano e máquina voltada para a criação não destrutiva e crítica. Através da
produção fílmica de Chris Marker,
deparou-se com um cinema em que a montagem e a organização da sintaxe
fílmica podem criar novas constelações de
sentido e abrir brechas para uma possível perlaboração da memória, pois a imagem
em conjunção com o texto incita a reflexão
sobre a história e sobre a própria imagem. Na análise de filmes, fotografias e textos
de Marker, procurou-se compreender o
modo de articulação de imagem e som em seus trabalhos, levando em conta as
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considerações de Benjamin sobre o cinema e sobre a história.No cinema de Marker, o
trabalho é o de justamente converter o
cinema em antídoto contra a dominação, fazendo com que o aparato se volte contra
a ilusão falseadora, denunciando os
próprios modos de produção de imagens e da história. Sua montagem se realiza
através de uma mimese da memória
criativa um agenciamento de imagens e sons que cria conjunções dialéticas, que
desperta para o que foi esquecido e
provoca a reflexão.
Referências: KOIDE, E. Por um outro cinema - jogo da memória em Chris Marker
[tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, 2011.