GABRIEL BUENO ALMEIDA IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM

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GABRIEL BUENO ALMEIDA IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E SUBJETIVIDADE Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Doutor em Psicologia. Orientadora: Profª. Drª. Andréa Vieira Zanella Florianópolis - SC 2019

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GABRIEL BUENO ALMEIDA

IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE

CINEMA E SUBJETIVIDADE

Tese submetida ao Programa de Pós-

Graduação em Psicologia da

Universidade Federal de Santa

Catarina para a obtenção do título de

Doutor em Psicologia.

Orientadora: Profª. Drª. Andréa Vieira

Zanella

Florianópolis - SC

2019

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor através do Programa

de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Bueno, Gabriel

Imagem-tempo-montagem : diálogos entre cinema

e subjetividade / Gabriel Bueno ; orientadora,

Andréa Vieira Zanella, 2019.

271 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de

Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências

Humanas, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,

Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Psicologia. 2. psicologia. 3. cinema. 4.

epistemologia. 5. arte. I. Zanella, Andréa Vieira.

II. Universidade Federal de Santa Catarina.

Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III.

Título.

Agradecimentos

A minha orientadora Andréa Viera Zanella, por nossos 10 anos

compartilhados, que me propiciaram um saber-fazer com a psicologia e

sua interface com a arte e com a vida. Ousada, forte, acolhedora e

exemplo de dedicação ao trabalho, aos estudos e aos próximos.

A minha família, que me forneceram ancoragens sólidas o

suficiente para encarar tempestades.

A todos meus amigos e amigas que sempre se fizeram presentes

na minha caminhada.

Aos amigos Paulo Mioto e Diogo Benvenutti, por suas

assessorias referentes à teoria musical.

A Maya Oginoya, por tirar minhas dúvidas em relação à cultura

japonesa.

A Júlia Orie Yamamoto, pela belíssima tradução da música

Gondola no Uta.

A Fernanda Volkerling, por todas as trocas de ideias, por ter sido

uma importante companhia e por me ajudar com essa complexa ousadia

humana: a escrita.

A Renan Blah e Mitsue Yanai, pelas conversas e experiências

vividas no cinema.

As minhas amigas Raquel Alves e Carolina Carvalho, por tantas

noites de boêmias. Imprescindíveis.

A minha mãe Delma Bueno, por me introduzir na linguagem e

por ler todos os artigos dessa tese antes da sua conclusão.

A minha analista Tânia Mascarello, por anos de escuta e atenção.

Aos colegas da pós-graduação, os sensíveis orientados e

orientadas da professora Andréa Zanella, por lerem meus textos e darem

valiosas sugestões.

Aos colegas professores e professoras da Faculdade CESUSC,

por me acompanharem nessa bela e desafiadora carreira.

Aos alunos e alunas de psicologia, que me instigam a pensar e me

ensinam a lecionar.

A faculdade CESUSC, por ser uma ilha acolhedora num oceano

revolto.

A banca que leu minha tese com tanto carinho e dedicação e

indicou importantes caminhos para o futuro: profª Fabíola Borges, profª

Ana Marsillac e prof. Luis Felipe Soares. Também agradeço a profֺª

Tânia Galli pelas contribuições na banda de qualificação.

A arte.

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................. 15 ABSTRACT ......................................................................................... 17 APRESENTAÇÃO .............................................................................. 19 INTRODUÇÃO ................................................................................... 23 Imagem-tempo-montagem .................................................................. 29

Método.... .............................................................................................. 35

Estrutura da tese ................................................................................. 40

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA INTERFACE CINEMA E

PSICOLOGIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA ......................... 45 Introdução ............................................................................................ 46

Método.... .............................................................................................. 46

Análise dos dados ................................................................................ 51

Análise de filmes ................................................................................... 51

Cinema como atividade de intervenção ................................................. 56

Epistemologia e Metodologia ................................................................ 59

Conclusão ............................................................................................. 62

REFERÊNCIAS .................................................................................. 64

ARTE E CIÊNCIA: APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS .. 79 Introdução ............................................................................................ 80

Produção de conhecimento em psicologia ......................................... 82

Ciência moderna e seus limites........................................................... 85

Simplificação da realidade .................................................................... 86

Limites da linguagem ............................................................................ 88

Diálogos entre ciência e arte ............................................................... 91

Ciência e arte como criação e fabulação ............................................... 92

As potências epistemológicas e sensíveis da arte .............................. 95

Fragmentos e Narrativas ........................................................................ 96

Flâneur................................................................................................... 98

Novas imagens .................................................................................... 100

Devir artista ......................................................................................... 101

Conclusão ........................................................................................... 102

REFERÊNCIAS ................................................................................ 104

IMAGEM, CINEMA E PSICOLOGIA: COMPONDO

APROXIMAÇÕES ENTRE ARTE E CIÊNCIA ........................... 109 Introdução ......................................................................................... 110

O conceito da imagem em Deleuze e Benjamin .............................. 114

A imagem do cinema como expressão do sujeito ............................ 120

Campo e enquadramento ..................................................................... 123

Plano e decupagem ............................................................................. 125

Holy moment ...................................................................................... 126

Conclusão ........................................................................................... 130

REFERÊNCIAS ................................................................................ 131

TEMPO E MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E

PSICOLOGIA ................................................................................... 135 [CENA 01 – PRÓLOGO] ................................................................. 136

[CENA 02 – REALIDADE COM FICÇÃO] ...................................... 136

[CENA 03 – TEMPO E SUJEITO NO CINEMA] ......................... 139

[CENA 04 – Jetztzeit] ....................................................................... 140

[CENA 05 – IMAGEM-TEMPO] .................................................... 142

[CENA 06 – PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO COMO

MONTAGEM] .................................................................................. 143

[CENA 07 – MEMÓRIA] ................................................................. 146

[CENA 08 – HARMONIAS E MELODIAS] .................................. 147

[CENA 09 – MORTE COMO MATERIAZAÇÃO DO TEMPO] 149

[CENA 10 – EPÍLOGO] ................................................................... 151

REFERÊNCIAS ................................................................................ 152

A MORTE COMO PRESENTIFICAÇÃO DA VIDA NO CINEMA

E NA MÚSICA .................................................................................. 157 Introdução ......................................................................................... 158

Do neorrealismo ao realismo poético............................................... 159

Sobre a morte e o viver ..................................................................... 163

Réquiem ante mortem ....................................................................... 170

Finalizando ......................................................................................... 174

REFERÊNCIAS ................................................................................ 175

CONCLUSÃO ................................................................................... 177 REFERÊNCIAS ................................................................................ 180

ANEXO.. ............................................................................................ 185

14

15

RESUMO

Esta tese articula uma aproximação epistemológica entre arte e

ciência, a partir do cinema — como linguagem artística — e da

psicologia — como disciplina oriunda do campo científico. A pesquisa

procura demonstrar a potência dos estudos teóricos e conceituais

provenientes do cinema, apontando que tal linguagem estética

possibilita um pensar sobre a realidade e sobre questões ontológicas.

Compreendendo a pluralidade de abordagens teóricas que esse tema

convoca, esta pesquisa tem como principais referências as teorias sobre

cinema de Gilles Deleuze e Walter Benjamin, concentrando-se nos

conceitos de imagem, tempo e montagem. A tese defende que os três

conceitos que compõem a linguagem cinematográfica, e a forma como

se articulam, agregam reflexões epistemológicas à psicologia na busca

por um saber sobre os processos de subjetivação e sua relação com a

vida. Os métodos de pesquisa elencados para atingir tais objetivos foram

a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa

bibliográfica foi realizada a partir de uma revisão sistemática composta

pela análise de teses, dissertações e artigos acadêmicos que abordam a

relação entre cinema e psicologia, e na revisão da literatura que se

debruça sobre o tema. A pesquisa documental baseia-se na análise de

algumas obras cinematográficas e de como essas obras podem

potencializar o entendimento da teoria consultada, sendo essa uma teoria

da linguagem cinematográfica e também uma teoria dos processos de

subjetivação. A partir de uma perspectiva dialógica de exploração do

tema, a pesquisa desenvolve uma aproximação conceitual entre Deleuze,

Benjamin e autores provenientes do cinema e da psicologia. A tese está

estrutura em 05 artigos distintos e independentes, mais um capítulo

introdutório e uma conclusão. A introdução discorre sobre o tema

central e o método utilizado na pesquisa. O primeiro artigo é uma

revisão sistemática desenvolvida a partir das palavras-chave “cinema” e

“psicologia”. O segundo artigo realiza uma discussão epistemológica

entre as aproximações, distâncias e pontos de intersecção entre a arte e a

ciência. O terceiro artigo aborda o conceito de “imagem” no cinema e na

psicologia. O quarto artigo analisa os conceitos “tempo” e “montagem”.

O quinto artigo faz uma reflexão sobre os processos de subjetivação a

partir dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa (1952) e La Strada, de

Federico Fellini (1954). Para finalizar, um capítulo de conclusão realiza

uma síntese reflexiva sobre as discussões desenvolvidas nos artigos.

Palavras-chave: Cinema, psicologia, imagem, tempo, montagem.

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ABSTRACT

This thesis presents an epistemological approach between art and

science, based in the cinema (as an artistic language) and psychology

(representing the scientific field). The research demonstrate the power of

the theoretical and conceptual studies coming from cinema, pointing out

that such aesthetic language makes possible a particular thought about

reality and ontological questions. Due the plurality of theoretical

approaches about this theme, this research has as main references the

theories about cinema of Gilles Deleuze and Walter Benjamin, more

specifically in the concepts of image, time and montage. The thesis

argues that the three concepts that compose the cinematographic

language, and the way they work together, adds epistemological

reflections to understand the subjective dimension and its relationship

with life. The research methods used to achieve these objectives were

bibliographic research and document research. The bibliographic

research was carried out through a systematic review composed by the

analysis of theses, dissertations and academic papers that deal with the

relationship between cinema and psychology, and in the literature

review that focuses on the theme. Document research make an analysis

about some movies and how these works can enhance the understanding

of the theory consulted, being this a theory of cinematographic language

and also a theory of a subjective being. From a dialogical perspective,

the research develops a conceptual approach between Deleuze,

Benjamin and authors from the cinema and psychology. The thesis is

structured in 05 different and independent articles, plus an introductory

chapter and a conclusion. The introduction presents the main theme and

the method used in the research. The first article is a systematic review

developed from the key words "cinema" and "psychology". The second

article realizes an epistemological discussion between the approaches,

distances and intersection between art and science. The third article

develop the concept of "image" in cinema and psychology. The fourth

article is about the concepts "time" and "montage". The fifth article is a

reflection about life and death in the movies Ikiru, Akira Kurosawa

(1952) and La Strada, by Federico Fellini (1954). To finish, a

conclusion chapter provides a reflexive synthesis on the discussions

developed in the articles.

Keywords: cinema, psychology, image, time, montage.

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APRESENTAÇÃO

Algumas indagações para apresentar minha temática: o que leva

este pesquisador que vos fala a se envolver com cinema, numa etapa tão

importante do caminhar da formação acadêmica como a realização de

uma pesquisa de doutorado? Que desejos, que anseios, que motivações

sustentam essa empreitada de aproximar e fazer dialogar arte e ciência?

O que se almeja com essa pesquisa?

Refletindo sobre a primeira questão, o que vem a memória sobre

meus primeiros contatos com o cinema, remete ao filme Labirinto, de

1986, dirigido por Jim Henson e estrelado por David Bowie. Foram

muitas as vezes que fomos em família à vídeo-locadora retirar este filme

para as sessões hipnóticas frente ao televisor. A protagonista (Jennifer

Connelly) segue numa aventura por esse mundo fantástico para resgatar

seu irmão bebê sequestrado pelo encantador Rei Goblin (David Bowie).

Monstrengos dançando num mundo sombrio, cheio de pântanos, um

castelo aterrorizante, um labirinto intransponível. Em suma, era disso

que o filme se tratava. Porém, para mim, era muito mais do que isso. Era

uma experiência onírica, como se eu mesmo embarcasse nessa jornada,

cheia de goblins e fantasia. Era uma experiência vívida de viajar a outra

dimensão por via do portal que a tela abria à minha frente.

Percebo que este filme deixou fortes marcas nas minhas

identificações estéticas. Desde essa época minhas preferências estéticas

quase sempre foram por desenhos de monstros, livros de horror, músicas

em tom menor, experiências de clima sombrio e fantasmagórico. Hoje

são os contos de Edgar Allan Poe, a música do Black Sabbath, os seres

pintados por Goya que me lançam numa experiência sublime com a arte.

Oh, quanta beleza nesse mundo obscuro!

No transcorrer dos anos foram diversas as incursões artísticas que

realizei procurando dar realidade e esse mundo fantástico, a esse

encontro com o unheimlich1 por via da arte. Procurei através da pintura,

1 Unheimlich, traduzido para o português como “o estranho”, a partir do inglês

“uncanny”, é uma palavra alemã de difícil tradução que designa uma relação de

estranheza e familiaridade, de atração e repulsão. Freud (1969) se utiliza da palavra

alemã para criar um conceito que visaria analisar algumas obras da literatura

fantástica. Assim sendo, unheimlich é um conceito psicanalítico que parte do campo

estético e decorre em contribuições para o campo clínico, e não como de costume,

onde Freud utilizava seus conceitos clínicos para a análise de obras de arte.alemã de

difícil tradução que designa uma relação de estranheza e familiaridade, de tração e

repulsão. Freud (1969) se utiliza da palavra alemã para criar um conceito que visaria

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do desenho, do graffiti, da música, expressar esse imaginário que

sempre me fascinou e que aponta para uma forma de interpretar e

apreciar a vida.

Mas será que uma experiência cinematográfica foi a responsável

por delinear minhas preferências estéticas? Provavelmente não agiu

sozinha, mas ainda hoje são as imagens em movimento dos monstros

habitantes do Labirinto que me vêm a mente quando lembro da minha

fruição cinematográfica ainda na infância. Perguntar o lugar do cinema

na constituição desse imaginário é percurso pelo qual pretendo passar

nesta escrita.

Anos mais tarde uma outra experiência me lança novamente a

vivenciar uma relação de intimidade com o cinema, porém agora não

como expectador, mas como realizador. Ao escrever o projeto de

mestrado sobre graffiti, arte urbana e processos de subjetivação,

experimentei fazer desse texto também um projeto de documentário

referente ao tema. A pesquisa de mestrado tinha como objetivo

apresentar os discursos dos artistas sobre suas relações com a cidade e

com a linguagem artística que escolheram como forma de intervenção

no espaço urbano. Uma experiência etnográfica se delineava como

alternativa metodológica para alcançar tal objetivo.

No entanto, usar dos recursos da produção de um documentário

(captação das imagens e do áudio, registro das entrevistas e das

locações, montagem narrativa) parecia uma boa opção para me lançar na

pesquisa de campo. Foi assim que surgiu a ideia de aliar a realização de

um documentário paralelo à escrita da dissertação de mestrado.

Produções independentes, porém complementares.

O projeto de documentário participou do Edital Fundo Municipal

de Cinema (FUNCINE) e foi contemplado com o 6º Prêmio Funcine de

Produção Audiovisual Armando Carreirão, na categoria diretor

estreante. Fruto desse edital foi o documentário "Eles Foram por Ali",

que teve como foco histórias narradas pelos graffiteiros de

Florianópolis, contando um pouco sobre as suas relações com a rua, com

os demais artistas, com os transeuntes que indagavam suas práticas,

sobre o que significava para eles graffiti. Esse momento como realizador de um documentário, que teve

seu caminhar entrelaçado à pesquisa de mestrado, me levou a vislumbrar

analisar algumas obras da literatura fantástica. Assim sendo, unheimlich é um

conceito psicanalítico que parte do campo estético e decorre em contribuições para o

campo clínico, e não como de costume, onde Freud utilizava seus conceitos clínicos

para a análise de obras de arte.

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a potência da produção cinematográfica como método de pesquisa

(BUENO, 2017) — desde a criação de um roteiro, passando pela

experiência de campo e concluindo com a montagem — e como

embasamento epistemológico, refletindo sobre o atributo da imagem em

movimento na pesquisa e a relação dessa linguagem artística com a

constituição de discursos e imaginários.

Assim, o interesse em aprofundar os estudos sobre o cinema e sua

aproximação à academia é, também, continuidade da pesquisa "Política,

subjetividade e arte urbana: o graffiti na cidade" (BUENO, 2013), cujo

método de imersão no campo se deu paralelamente à produção de um

filme documentário.

A proposta desta tese de doutorado se delineia no encontro da

relação afetiva que tenho com o cinema (e com a arte em geral) com

minha formação acadêmica como pesquisador em psicologia. A atração

que a arte exerce sobre mim e a presença permanente que diversas

linguagens artísticas tiveram ao longo de minha experiência como

sujeito, me intrigam e me levam a interrogar qual a relação da arte com

a produção de conhecimento, com os processos de subjetivação, com a

investigação da vida. Meus questionamentos apontam para pensar

possíveis relações entre ciência-arte-vida.

22

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INTRODUÇÃO

“If you could say it in words there would be no reason to paint.” — Edward

Hopper

Imagem, tempo e montagem são conceitos e experiências da

ordem do sensível que compõem parte da linguagem artística do cinema.

Cinema se faz na tessitura desses três elementos — e é a partir do

arranjo imagético-temporal resultante que aquele que for interpelado

pela obra pode vir a estabelecer uma experiência estética com o filme.

Imagem, tempo e montagem são elementos constitutivos da

produção cinematográfica e também adquirem relevância nos estudos

dos processos de subjetivação, ou seja, o sujeito entendido em sua

processualidade, em constante movimento de vir-a-ser. Considerando

serem esses processos foco de estudo da psicologia, o que se pode dizer

sobre a aproximação entre cinema e psicologia, arte e ciências? Como

essa aproximação pode agregar elementos à discussão dos processos de

subjetivação ou daquilo que se situa na relação entre o sujeito e a vida?

Essas perguntas que mobilizaram o desenvolvimento da pesquisa

aqui apresentada, não pretendem fazer uma análise da experiência do

realizador de uma obra cinematográfica — o processo de criação e

produção, as etapas da concretização do objeto estético — nem da

experiência daquele que é espectador de tais obras, o que nos

possibilitaria discorrer sobre os processos de identificação, as relações

sensíveis na experiência estética, a potência dialógica da obra. O que se

apresenta nesta tese é o estudo das aproximações entre uma linguagem

artística, incluindo seus elementos constitutivos, e um campo

acadêmico-científico dotado de ferramentas conceituais, ou seja, entre

cinema e psicologia — mais especificamente, os processos de

subjetivação na psicologia, os quais remetem à ontologia.

A questão ontológica é um dos temas fundantes da psicologia

como ciência no século XIX, preocupação que vem na esteira do pensamento humanista ocidental e passa a ser tomada como objeto da

ciência nos moldes dos anseios iluministas (PRADO, MARTINS, 2007).

Conceitos como "sujeito", "subjetividade", "processos de subjetivação",

"sujeito do inconsciente" e "constituição do sujeito" são empregados por

diferentes teorias a fim de problematizar um inalcançável — apenas

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bordeável — fenômeno sobre o qual boa parte do pensamento

psicológico se debruça. É sobre esse problema da psicologia que faço

uma aproximação entre arte e ciência, visto que a questão do sujeito

também está presente nas reflexões do campo artístico. É a partir da

temática ontológica que aproximo e proponho o diálogo entre cinema e

psicologia.

O pensamento moderno — iluminista e cartesiano — esquartejou

em disciplinas e segmentou com fronteiras bem delimitadas aquilo que

designou como próprio da filosofia, das ciências naturais, das ciências

humanas ou das artes, definindo uma clara distinção entre as formas de

produção de saber. Como toda relação baseada em fronteiras, logo uma

forma de saber se sobrepôs às outras, definiu valores e paradigmas, e

aqueles que não se alinhassem aos seus princípios epistemológicos e aos

seus métodos de investigação seriam classificados como formas não

racionais de entendimento sobre a vida (SANTOS, 2010).

No entanto, sejam as artes, as ciências, as religiões ou a filosofia,

cada uma apresenta, com sua linguagem e seus paradigmas, "visões de

mundo", narrativas sobre a realidade e os fenômenos observados,

sentidos e/ou imaginados. Não há, a priori, justificativa para julgar qual

narrativa é válida e qual não o é (ibid) sem antes definir seu objeto,

propósito, situar o lugar de onde fala, os sentidos empregados no seu

discurso, seus paradigmas e sua epistemologia. Pautado nessa

perspectiva comum aos campos de saber, de que as diversas elaborações

sobre a realidade se sustentam sobre narrativas, é possível a reflexão de

como essas narrativas estão constituídas, suas aproximações e

distanciamentos, as relações de poder que as engendram, as bases

filosóficas que as sustentam.

A tese procura analisar os encontros e desencontros entre duas

narrativas distintas referentes à configuração do real — arte e ciência —

e localizar histórica e conceitualmente esse diálogo epistemológico.

Cinema e psicologia se assemelham quanto ao seu lugar social quando

ambas podem ser entendidas como manifestações da cultura que

propiciam formas de interpretar, representar e materializar elementos,

signos e/ou facetas da realidade vivida. Uma tese científica ou uma obra

de arte, uma vez criada e socializada, torna-se objeto de intervenção no

social, (re)produz discursos e realidades, promove (in)visibilidades,

acentua perspectivas, ideologias, posições axiológicas.

A impossibilidade da neutralidade por parte do(a) diretor(a) na

composição de uma obra cinematográfica se passa de maneira similar na

realização de uma pesquisa científica. Ambas as produções — a artística

e a acadêmica — são um recorte da realidade, uma montagem daquilo

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que foi vivido no campo, uma faceta do todo. A apresentação da

experiência — seja pela câmera, pelos diários de campo, pela

observação e pela reflexão — está circunscrita àquilo que quem faz

pôde ver, pensar, analisar e àquilo que escolhe registrar e narrar. O

pesquisador ou diretor não tem como se eximir da sua condição de ser

no mundo, situado numa dimensão discursiva, axiológica, constitutiva

do seu olhar e de sua escuta sobre a realidade na qual está imerso

(FARACO, 2017).

Toda pesquisa científica, assim como toda obra de arte e todo

discurso político — respeitando suas diferenças e particularidades —

são apenas leituras da realidade, construções simbólicas referentes a um

fato em processo, em movimento. Segundo o documentarista Jean-Louis

Comolli: “um depoimento, uma palavra, um documento e a própria

narrativa podem remeter a fatos, a eles se referir e com eles estabelecer

relações; contudo, deles se separam por meio de uma elaboração que,

ainda que diga respeito ao fato, o reconfigura em formas que não são

mais as dele. Nada do mundo nos é acessível sem que os relatos nos

transmitam uma versão local, datada, histórica, ideológica.”

(COMOLLI, 2008, p. 173). Esta é uma condição sine qua non das

realizações humanas, o que não invalida o esforço por trazer diferentes

leituras dos acontecimentos à esfera da reflexão.

Vigotski, utilizando como metáfora a parábola bíblica da

transformação da água em vinho, expõe que a arte promove uma

transformação do vivido, e não apenas uma representação de algo

ausente, como o sentimento do autor, uma história, um afeto. Para o

autor bielorrusso, "a arte recolhe da vida o seu material mas produz

acima desse material algo que ainda não está nas propriedades do

material" (VIGOTSKI, 1998, p. 308). A arte toma da realidade, das

vivências e das experiências sua matéria-prima, mas formula a partir

desta algo além, cria um novo, reinterpreta, reconta, produz outros

olhares, outras narrativas. De forma análoga à arte, "devemos

reconhecer que a ciência não só contagia com as ideias de um homem

toda uma sociedade" (ibid, p. 308), mas ela cria dispositivos discursivos

que podem transformar as relações estabelecidas nessa sociedade,

modificando a cultura, hábitos, crenças, formas de vir a ser.

As ciências naturais — chamadas por Boaventura de Sousa

Santos de paradigma dominante (SANTOS, 2010), que imperam ainda

hoje no entendimento do que pretende e do que seja a produção de

conhecimento científico, e vertentes das ciências humanas e sociais, que

se adéquam ao método das ciências naturais, mas investigam objetos os

quais as metodologias empregadas não conseguem apreender na sua

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complexidade — almejam explicar — ordenando e classificando aquilo

que pode ser observado, quantificado, descrito e replicado, dentro de

uma ordem funcional e sistêmica — ou compreender — buscando um

entendimento das relações de caráter social, cultural e política, sendo

estas relações baseadas em análises quantitativas ou qualitativas.

Contudo, são as artes que contribuem principalmente com a

possibilidade do criar, do afetar, do revelar (IANNI, 2004). Revelar não

como um acesso a verdades imanentes, mas sim como possibilidade de

recriar sobre o já instituído, problematizando os costumes de uma época,

seus hábitos e pensamentos, desvendando o invisível e o desprezível;

projetar luz sobre aquilo que permanece nas sombras, nos extremos da

estatística, na contramão da moral e do interesse da cultura dominante;

mergulhar nas angústias, afetos, medos e no mal-estar da existência;

deixar surgir os desejos e volições que movem os sujeitos no seu devir;

despertar para o ainda não pensado, não conectado, das ideias ainda não

paridas, as interpretações e exegeses ainda não realizadas. Arte, assim

como ciência e filosofia, como interpretação da vida, não se resume a

uma técnica em busca de verdades intrínsecas, mas trata-se de narrar

algo que escapa da esfera dos sentidos partilhados, dos instituídos.

A atividade de criação e fabulação se faz necessária à própria

ciência para criar seus conceitos e teorias que derivam de uma

interpretação e descrição provenientes da realidade observável

(NIETZSCHE, 2005). Desenvolver argumentos científicos, por sua vez,

torna-se uma atividade artística, pois demanda uma elaboração criativa

sobre a matéria-prima para tornar factual uma elucubração imaginária. O

real da natureza — a busca dos filósofos e cientistas — é sempre um

inalcançável, inexistente à consciência humana, senão pela criação

mediada pela linguagem e pela possibilidade de fabular. Desta forma,

arte e ciência dialogam na construção do conhecimento sobre a vida,

sobre a natureza, sobre o humano, sobre as existências. O conhecimento

oriundo da arte é via de acesso a lugares outros, lugares que o método

científico tradicional não veio ainda a contemplar, sendo a arte um

importante veículo a essa experiência humana. Ambas esferas da

atividade humana envolvem-se num processo dialético na compreensão

do mundo, onde a arte nos faz ver aspectos que a ciência não consegue

vislumbrar (ZAMBONI, 2012). Portanto, para se obter um

conhecimento mais amplo das questões que concernem às ciências

naturais e às ciências humanas e sociais, para abrir acesso a realidades

que nos estão inacessíveis, para tornar visível aspectos negados,

solapados, negligenciados, omitidos, ignorados ou somente questões

para as quais nossos olhos não conseguem ver, a arte, em diálogo com a

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ciência, faz-se imprescindível na busca por um entendimento outro

sobre a complexidade da vida.

É possível reconhecer nos textos dos pensadores da linguagem

cinematográfica inúmeras relações entre a arte da imagem em

movimento e temáticas clássicas de interesse da ciência psicológica

(DELEUZE, 2013, 2018; MORIN, 2018; CARRIÈRE, 2015;

MERLEAU-PONTY, 2018; EISENSTEIN, 2002; XAVIER, 2018;

METZ, 2014). O cinema tornou-se um relevante elemento constitutivo

das experiências contemporâneas ao corroborar com a invenção de

modos de ser, de sentir, de pensar na atualidade. Coloca-se como uma

significativa forma de expressar as histórias, os sonhos, os afetos e as

vicissitudes humanas (CARRIÈRE, 2015). Como linguagem artística, o

cinema tem a potência de criar situações, cenas, narrativas que nos

possibilitam pensar aspectos menos palpáveis e compreensíveis pelo

plano da razão e das ciências.

A arte cinematográfica possibilita um mergulho nos aspectos

humanos, assim como a literatura o faz desde o início da história da

humanidade. Porém, diferentemente da arte das palavras, o cinema nos

oferece imagens desse mundo infindo a ser conhecido. Localizamos nas

imagens do cinema os aspectos da vida real e nos reconhecemos nelas

(MORIN, 2018). Por movimentos de identificação-projeção, a imagem

do cinema nos desperta para uma experiência especular refratada. Ser

interpelado por um filme é reconhecer que a sua materialidade não se

restringe à tela onde é projetado, mas sim que seus efeitos impregnam

nossas vidas em muitos aspectos. Uma imagem que nos atravessa pode

continuar viva em nossas memórias, latente de sentidos, balizando

nossas afecções e nossas histórias. Nas palavras do escritor Italo

Calvino, o cinema não se constitui de forma distanciada do sujeito, mas

sim como uma forma de expressão do mundo e desse humano,

fornecendo-nos elementos para podemos refletir sobre ambos:

O que o cinema proporciona agora não é mais a

distância: é a irreversível sensação de que tudo

está perto, que nos é íntimo, que está em cima de

nós. E esta observação próxima pode dar uma

sensação de exploração/documentário ou de

introspecção, as duas direções em que hoje

podemos definir a função do conhecimento do

cinema. Uma é de nos dar uma forte imagem de

um mundo estranho a nós e que, por alguma razão

objetiva ou subjetiva, não conseguimos perceber

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diretamente; outra é de nos forçar a ver nós

mesmos e nossa existência cotidiana de forma a

mudar alguma coisa no relacionamento com o

nosso eu. (CALVINO, 2011, p. 23)

O cinema tem a sua estrutura de linguagem similar àquela que

constitui o pensamento, sejam ambos estruturados de acordo com os

mecanismos lógicos que consolidam uma linguagem (AUMONT, 2016).

Assim, a estrutura do cinema apresenta similaridades com as

características da subjetividade, devido a ambos terem uma

configuração que se organiza por meio de imagens, sons e pela

elaboração de sentidos e narrativas. Assim, a linguagem

cinematográfica pode ser concebida também a partir dos mesmos

processos e qualidades das leis que organizam a experiência psicológica,

como a memória, atenção, imaginação, emoção (XAVIER, 2018). Sua

dinâmica também apresenta semelhanças às peculiaridades do universo

onírico e do inconsciente freudiano, onde:

As imagens aparecem e desaparecem mediante

fusões e escurecimentos; o tempo e o espaço

tornam-se flexíveis, prestando-se a reduções ou

distensões voluntárias; a ordem cronológica e os

valores relativos da duração deixam de

corresponder à realidade; a ação transcorre em

ciclos que podem abranger minutos ou séculos; os

movimentos se aceleram. (BUÑUEL, 2018, P.

269)

O cinema responde a algumas de nossas necessidades.

Necessidade narcísica de vermo-nos como espetáculo, como dominantes

do espaço e da natureza; de fugirmos da realidade que nos enclausura;

de vermo-nos em outros planos, outras vidas; de esquecermo-nos, ainda

que seja apenas durante alguns minutos de devaneios, ou para

encontrarmo-nos, naqueles poucos instantes de lucidez: “a

especificidade do cinema está, se assim se pode dizer, em ele oferecer-

nos a gama potencialmente infinita das suas fugas e dos seus

reencontros: o mundo, todas as fusões cósmicas” (MORIN, 2018, p.

141).

Para realizar esse encontro entre arte e ciência, compreendendo

ambas como aventuras técnicas, conceituais e/ou sensíveis na busca por

uma interpretação e/ou intervenção no vivido, esta tese busca, nos

29

conceitos utilizados por alguns teóricos do cinema e filosofia, possíveis

diálogos com a ciência psicológica e com a vida. Os conceitos imagem,

tempo e montagem são os pontos de intersecção eleitos para a tessitura

desse encontro, e sobre eles trarei a seguir alguns apontamentos iniciais

que possibilitam visibilizar as discussões desenvolvidas na tese.

IMAGEM-TEMPO-MONTAGEM

Os três conceitos, imagem-tempo-montagem, são analisados

nesta tese segundo teorias estéticas que discorrem sobre a linguagem

cinematográfica em sua interlocução com os processos de subjetivação.

Esses dois universos, arte e sujeito, estão entrelaçados, nos artigos que

compõem o corpo da tese, por uma rede conceitual que oferece

subsídios e perspectivas reflexivas para compreender ambos sob um

mesmo panorama teórico-estético. As teorias que fundamentam o

cinema como linguagem artística, como forma de elaboração do real,

como captura e formulação do tempo, também propiciam um abrangente

campo teórico que fundamenta uma noção de sujeito e que suscita novos

saberes no campo da psicologia.

À título de introdução, imagem em Benjamin se apresenta como

fragmentos da memória, seja social ou singular (GAGNEBIN, 2014).

São partículas do pensamento, não como instrumentos deste, mas sim

como ele próprio (PERNISA, LADIM, 2008). É na (re)elaboração de

traços mnêmicos que ficcionamos nossa própria história. Imagens estão

presentes na sua concepção ontogênica de constituição do ser e também

no processo de construção do conhecimento, com suas ressonâncias

sociais e políticas.

O conceito de imagem se configura como a própria essência do

pensamento. Porém, não um pensamento controlável baseado na

consciência, mas uma memória de imagens em fragmentos que constitui

o próprio sujeito e o remete a interpretar e sentir o vivido. Memória do

corpo, visualidades táteis que irrompem as formas de controle da razão e

se fazem presentes ao sujeito: "por ser involuntária, é também a mais

fugaz, já que escapou à consciência, à inteligência que não consegue

reproduzi-la 'à vontade'. Ela é, então, a única memória verdadeira e,

simultaneamente, a mais frágil" (GAGNEBIN, 2014, p.164).

O próprio método benjaminiano de pesquisa se assenta sobre um

mosaico composto por imagens tecidas pelo autor. Os textos

"Passagens" (BENJAMIN, 2007), "Rua de Mão Única" (BENJAMIN,

30

2012c), "Imagens do pensamento"(ibid, 2012a) e "Infância em Berlin

por Volta de 1900" (ibid, 2012b) são exemplos dessa imersão

etnográfica realizada a partir de um flanar que se objetifica no registro

das memórias narradas. A imagem aparece em Benjamin como resquício

de uma reminiscência fabulada a partir da narração do momento

presente (BENJAMIN, 2008a).

As "imagens do pensamento" serão em Benjamin via para

questionar os conceitos de verdade e ciência vigentes no ocidente,

entendendo que esse modelo de compreensão do humano seria apenas

um modelo dominante, mas não o único. Assim, sua teoria acaba por

desconstruir a própria noção de sujeito calcada no paradigma positivista

ao sugerir um questionamento epistemológico referente à constituição

do pensamento. Para o autor, o pensamento é uma bricolagem

imagética, erigida sobre visualidades e afecções. Seu horizonte para

pensar o sujeito é estético (PERNISA; LANDIM, 2008); sujeito que se

faz dialeticamente nas relações com as imagens da memória e do

mundo.

De acordo com Jeanne Marie Gagnebin (2014), Benjamin propôs

em seus escritos rever a função da imagem — na arte e na constituição

do pensamento moderno — a partir de um outro lugar e de uma nova

potência, não a destituindo de sua aura, e sim dessacralizando-a:

A leitura e a tradução da obra proustiana levam

Benjamin a reformular uma teoria da imagem

aurática, imagem que é, no entanto,

profundamente diferente da imagem aurática

antiga ligada ao culto do divino ou do belo. A

leitura de Proust permite a Benjamin elaborar um

novo conceito de imagem, não mais a partir de

uma estética da visão e da contemplação, mas a

partir de uma reflexão sobre a memória e sobre a

imagem mnêmica. Essa passagem decisiva do

campo da visão ao da memória devolverá à

imagem suas potencialidades auráticas.

(GAGNEBIN, J. M. 2014, p.164)

Tal movimento reverbera nas relações sociais e atinge dimensões políticas. Ao dessacralizar a obra de arte (consequência dos avanços

técnicos e das vanguardas artísticas dos séculos XIX e XX) e instituir

uma nova ordem aurática dos regimes estéticos, abrem-se novas vias

para problematizar e contestar a lógica social instituída e as relações de

31

dominação. Benjamin afirma que "o que se atrofia na era da

reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura. Esse processo é

sintomático, e sua significação vai muito além da esfera das artes"

(BENJAMIN, 2008b, p.168). Ou seja, as relações de percepção e

recepção da arte passam por transformações significativas na sociedade

ocidental entre os séculos XIX e XX, acarretando também em novas

perspectivas sociais e políticas:

No interior de grandes períodos históricos, a

forma de percepção das coletividades humanas se

transforma ao mesmo tempo que seu modo de

existência. O modo pelo qual se organiza a

percepção humana, o meio em que ela se dá, não é

apenas condicionado naturalmente, mas também

historicamente. [...] Se fosse possível

compreender as transformações contemporâneas

da faculdade perceptiva segundo a ótica do

declínio da aura, as causas sociais dessas

transformações se tornariam inteligíveis. (ibid, p.

169-170)

A partir das novas formas de produção, percepção e consumo da

arte, o autor procurou evidenciar as consequência desse paradigma

estético nas relações sociais e humanas. O cinema, como arte que

congrega todas essas revoluções técnicas, estéticas e políticas da

modernidade, será para Benjamin um fenômeno de admiração e análise.

Os textos de Deleuze sobre imagem-movimento (2018) e

imagem-tempo (2013), principais conceitos apresentados pelo autor para

desenvolver uma teoria sobre o cinema, assim como os escritos de

Benjamin, propõem um novo lugar para a imagem na compreensão

ontológica do sujeito. Segundo Farina e Fonseca (2015, p. 119),

"Deleuze debruça-se sobre a questão da imagem (e não mais do

conceito) para desenvolver um plano filosófico que o cinema teria a po-

tência de criar em relação direta com a produção de uma nova

subjetividade". Ou seja, Deleuze descreve uma teoria cinematográfica

que se conjuga aos processos de subjetivação, onde plano, montagem,

tempo e imagem são elementos constitutivos do cinema e da

subjetividade.

Deleuze convoca a olhar para a sétima arte como fenômeno

análogo participante dos devires contemporâneos e introduz sua reflexão

sobre o cinema partindo da elaboração conceitual da imagem-

32

movimento e suas configurações possíveis. Sua análise toma o plano

cinematográfico como um dispositivo agenciador das múltiplas camadas

de real que a arte do cinema pode elaborar. Sua reflexão aborda o plano

cinematográfico como gesto de modulação e composição do tempo,

atividade estética que apreende o tempo e dá a ele um contorno,

designa-lhe uma virtualidade que presentifica a sua existência. O plano

opera um corte que extrai do infinito uma forma, um acontecimento,

uma duração (DELEUZE, 2013, 2018).

A maneira como o plano está estruturado — seu ritmo,

enquadramento, a dinâmica narrativa que nele se desenvolve, o tempo

de sua duração, os objetos cênicos, humanos e inumanos — irá

condicionar inúmeras possibilidades de apreensão e de encontro com o

real, este sendo constituído por afecções, por ficções, por impressões

que a obra estética vem a suscitar. Para tornar palpável essa reflexão,

Deleuze vai elaborar alguns conceitos que fundaram a base da sua

filosofia da imagem cinematográfica. No entanto, os conceitos que o

autor cunhou para a análise da imagem em movimento extrapolam os

limites da 7ª arte e estendem-se para uma compreensão da dinâmica da

subjetividade. A sua teoria estética, que emerge a partir do

atravessamento do autor pela linguagem cinematográfica, também

fomenta uma concepção dos processos de subjetivação.

Nesta tese, Tempo e montagem são dois conceitos que foram

trabalhados de forma indissociada, pois ambos se afirmam na existência

um do outro. No texto "A Imagem em Proust", Walter Benjamin

(2008a) nos oferece a possibilidade de estabelecermos um diálogo entre

imagem, tempo e montagem. As imagem à qual Benjamin se refere

nesse texto remetem àquelas que constituem a fabulação que Marcel

Proust faz sobre sua própria vida e que busca registrar em sua obra "Em

busca do tempo perdido", sete volumes de registros autobiográficos.

Segundo Benjamin:

Proust não descreveu em sua obra uma vida como

ela de fato foi, e sim uma vida lembrada por quem

a viveu [...] o importante para o autor que

rememora, não é o que ele viveu, mas o tecido de

sua rememoração, o trabalho de Penélope de

reminiscência. Ou seria preferível falar do

trabalho de Penélope do esquecimento. (ibid,

p.37)

Ao problematizar os aspectos da memória, Benjamin introduz a

dimensão do tempo e da narração nas imagens mnêmicas. A tessitura do

33

tempo se apresenta, para Benjamin, não sob a lógica linear, progressista

e cronológica, sustentado por um paradigma que analisa a história como

fatos estagnados no passado, cuja verdade nada tem a ver com a

experiência da atualidade e com o discurso do presente que vem a

significar o passado. Pelo contrário, o fluxo da história se apresenta em

Benjamin como um tempo entrecruzado entre passado e presente, entre

a memória e a sua narração.

Procurando superar a lógica de uma historiografia centrada em

uma ideia de tempo "homogêneo e vazio", Benjamin propõe "fundar um

outro conceito de tempo, 'tempo do agora' (Jetztzeit), caracterizado por

sua intensidade e sua brevidade." (GAGNEBIN, 2008, p.8), concepção

esta que busca compreender o discurso sobre a história a partir da

relação que o presente estabelece com o passado, superando uma noção

de um tempo acabado e imutável. O passado é sempre reconstituído a

partir da narração que dele se faz no presente, a partir de uma

experiência que o tempo atual estabelece com o tempo ido. A

experiência da narração cinematográfica é justamente esse rearranjo no

tempo das imagens-mémorias e a sua interdependência no processo de

fabular, pois "a compreensão de cada imagem é condicionada pela

sequência de todas as imagens anteriores" (BENJAMIN, 2008a, p. 175).

Rancière, ao falar da fragmentação de uma narrativa

cinematográfica, expõe a relação ambivalente de construção e

desconstrução do sentido que o cinema nos coloca frente à montagem

das imagens no transcorrer do tempo: "A imagem nunca é uma realidade

simples. As imagens do cinema são antes de mais nada operações,

relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o

depois, a causa e o efeito." (RANCIÈRE, 2012a, p.14). Nesta passagem,

Rancière evidencia a relação entre os três conceitos trabalhados nesta

tese, onde a imagem ganha ou perde sentido, problematizando a

realidade exibida em função do jogo seqüencial por meio do qual se

apresente. Seu transcorrer no tempo abre fissuras para interpretações

antecipadas ou equivocadas, sendo na continuidade negada e ou

afirmada. Ou seja, a montagem em sua relação com o tempo da narração

é um dispositivo de rupturas e exposições da realidade, desconcertando

o óbvio e possibilitando a experiência de descentramento do espectador.

Nesse descentramento, em função do tempo e sua montagem narrativa,

emerge a possibilidade de operar sobre os regimes de visibilidade.

Deleuze vem a desenvolver uma concepção de tempo e

montagem em sua teoria sobre a linguagem cinematográfica que nos dá

subsídios conceituais para elaborar tanto uma reflexão sobre os

processos constituintes da própria realidade quanto uma formulação

34

ontológica sobre o sujeito calcado nos dois conceitos oriundos da teoria

deleuziana que fundamenta seus estudos sobre cinema. O tempo no

qual estamos imersos não tem contornos nem limites, não passa,

permanece inalterado; em seu interior é que ocorrem mudanças e

acontecimentos, porém o mesmo continua em sua eternidade. O tempo

só torna-se tangível de forma indireta, por meio dos fenômenos que

ocorrem em seus interstícios, através de elementos sensíveis que

preenchem a sua estrutura. São os cortes promovidos pela técnica da

montagem que tornam o tempo experiência sensível, a partir de um

fragmento de duração, de uma imagem-movimento.

Os processos de subjetivação mergulhados no tempo, fragmento

de duração que compreendemos como vida, tem proximidades com a

técnica da montagem cinematográfica naquilo que tange a sua ordem

compositiva. Tais processos são tomados como mosaicos mnêmicos de

imagens em movimento, planos subjetivos, enquadramentos singulares,

fragmentos da nossa história que juntos vão compondo, por meio da

montagem, uma narrativa sempre em aberto.

Tempo e montagem se apresentam, pois, como fundamentais

tanto na arte como na ciência psicológica. A técnica da montagem,

empregada tanto no cinema como na escrita da pesquisa em psicologia,

cria uma narração do vivido que não se restringe à afirmação de uma

verdade, mas pode permitir que o campo pesquisado chegue ao

ambiente acadêmico por meio de fabulações. Com destaque ao gênero

documentário, o conteúdo vinculado à pesquisa ou filme faz alusão

àquilo que o campo nos fala, mistifica, sonha, acredita. Como destacam

De Marco, Andrade e Santos (2008, p. 278), “a crítica dirigida à ficção

não tenciona eliminá-la do documentário, mas liberá-la do modelo de

verdade nele presente e buscar a simples função de fabulação”. O que

importa é como os sujeitos falam de si e contam as suas próprias

histórias, as visões singulares que narram a própria existência:

A fabulação não é um mito impessoal, mas

também não é ficção pessoal: é uma palavra em

ato, um ato de fala pelo qual a personagem nunca

para de atravessar a fronteira que separa seu

assunto privado da política, e produz, ela própria,

enunciados coletivos. (DELEUZE, 2013, p.264)

O que Deleuze propõe é que os personagens de um filme não

sejam subjugados pela proposta narrativa do diretor nem pela

massificação estereotipada que se prolonga do contexto no qual se

35

encontram, mas que tenham a oportunidade de (re)criar as suas

narrativas, suas histórias, suas existências, tornando-se assim sujeitos

ativos no mundo dos agenciamentos discursivos2. A escrita de uma

pesquisa pode se balizar pelo mesmo princípio ético, estético e político:

deixar que os seus objetos de investigação se definam por si próprios.

Desta forma, a montagem de um filme comprometido com a

experiência estética do encontro com o outro permite que o não-

planejado, o imprevisto, incontrolável, faça parte da sua composição

narrativa. O comprometimento do cinema não é com a objetividade dos

fatos, assim como pretende o discurso jornalístico (CAIXETA,

GUIMARÃES, 2008) ou a ciência positivista (SANTOS, 2010), mas

sim com os encontros inusitados que surgem das relações de alteridade

com as personagens, as narrativas, os contextos retratados, as histórias

contadas.

Portanto, o processo de montagem, seja ele cinematográfico ou

acadêmico, nos permite uma vasta amplitude de análise, pois podemos

selecionar o foco e a atenção que serão destinados a cada grande evento

ou pequeno detalhe: “há uma seleção, uma intenção (ou acaso) quando

se filma determinada cena e não outra, há uma escolha em conservá-la e

torná-la forte no contexto do filme ou rejeitá-la”. (PEIXOTO,1998, p.

220).

MÉTODO

Esta tese adota dois procedimentos metodológicos de pesquisa: a

pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica

se caracterizará pela busca dos conceitos a serem explorados, pela

contextualização dos debates desenvolvidos no campo do cinema e da

psicologia e a localização epistemológica do encontro possível entre arte

e ciência. As fontes consultadas foram livros, teses, dissertações e

artigos acadêmicos.

O diálogo com os textos referidos será o principal método de

busca de informação que sustentará as análises dos conceitos imagem,

tempo e montagem e as aproximações epistemológicas possíveis entre

cinema e psicologia.

2 “Resta ao autor a possibilidade de se dar 'intercessores', isto é, de tomar

personagens reais e não fictícias, mas colocar em condição de 'ficcionar' por si

próprias, de 'criar lendas', 'fabular'. O autor dá um passo no rumo de suas

personagens, mas as personagens dão um passo rumo ao autor: duplo devir.”

(DELEUZE, 2013, p.264)

36

A pesquisa documental, por sua vez, semelhante em alguns

aspectos à pesquisa bibliográfica, visto que ambas se utilizam de dados

já existentes, tem como fundamental diferença a natureza das fontes.

Nessa pesquisa foram consultados documentos iconográficos como

filmes e fotografias dos mesmos.

A pesquisa bibliográfica demanda uma organização cuidadosa

das fontes pesquisadas, um ordenamento das informações encontradas,

uma catalogação planejada do material lido. Adverte Foucault sobre a

importância de se ater ao material estudado, principalmente por via da

escrita, “quando se passa incessantemente de livro a livro, sem jamais de

deter, sem retornar de tempos em tempos à colméia com sua provisão de

néctar, sem consequentemente tomar notas, nem organizar para si

mesmo, por escrito, um tesouro de leitura, arrisca-se a não reter nada, a

se dispersar em pensamentos diversos, a esquecer-se de si mesmo”

(FOUCAULT, 2004, p. 150). A fim de aprofundar a leitura da teoria

consultada e evitar esses riscos, a pesquisa bibliográfica deve se assentar

em algumas etapas e procedimentos.

A perspectiva dialógica (FARACO, 2009) foi utilizada na análise

das referências escolhidas, almejando desenvolver um texto não

monológico e sem a pretensão de fechar o debate em uma perspectiva

única e isolada. Relações dialógicas são "relações de sentido que se

estabelecem entre enunciados, tendo como referência o todo da

interação verbal [...] Mesmo enunciados separados um do outro no

tempo e no espaço e que nada sabem um do outro, se confrontados o

plano do sentido, revelarão relações dialógicas" (ibid, p. 65). Diálogo

aqui, portanto, não remete somente a relações consensuais, de acordos e

resolução de conflitos, mas a um encontro onde múltiplas vozes sociais

se posicionam, resultando em um coro polifônico cujo palco é um

espaço de confrontação dialética dos discursos.

Paralelo à discussão oriunda da pesquisa bibliográfica alinha-se a

pesquisa documental que utiliza das imagens e narrativas

cinematográficas para desenvolver a análise dos conceitos trabalhados.

A pesquisa com imagens vem sendo desenvolvida em nosso núcleo de

pesquisa — o Núcleo de Pesquisa em Práticas Sociais, Estética e

Política (NUPRA) — há um certo tempo, trabalhando com dispositivos

como o cinema, graffiti, fotografia e arte contemporânea3.

Compreendemos que a imagem tem uma potência na pesquisa, pois

3 Compilação desses trabalhos podem ser encontrados nos livros Imagens no

Pesquisar: experimentações (ZANELLA, A; TITONI, J. 2011) e Diálogos em

Psicologia Social e Arte (ZANELLA, A; MAHEIRIE, K. 2010).

37

objetiva um jogo de visibilidades e invisibilidades nas suas produções,

dando a ver um fragmento da vida capturado pela técnica que de outra

forma passaria sem ser percebido.

O material de análise que uma imagem pode fornecer à pesquisa

remete a seu lugar no mundo, sua condição sócio-histórica de produção,

saberes e discursos, objetivando a presença do autor e seu contexto,

fragmento de uma história, lugar e realidade registrada:

Além dos discursos sociais característicos de um

tempo e lugar, objetivam-se em uma fotografia o

modo de ver de seu próprio produtor [...] Plasma-

se na textura bidimensional de uma foto a

condição sócio-histórica e política de seu autor e

do momento em que vive, suas escolhas,

preferências, suas (im)possibilidades e modos de

ver, constituídas em um determinado tempo e suas

condições de possibilidade. Suas objetivações

imagéticas e várias outras, por sua vez, não

somente expressam essas condições, mas as

reinventam incessantemente, em um denso e não

linear movimento de

objetivação/subjetivação/objetivação...

(ZANELLA, 2011, p.20)

Os fragmentos imagéticos trabalhados em pesquisas de cunho

dialógico não cristalizam no tempo uma existência e não reduzem o

sujeito a uma compreensão reificada. As imagens tornam-se elementos

autônomos, de vida própria, que dizem de um momento e não de uma

eternidade. É um dito aberto a interpretações e problematizações,

suscitando reflexões àquele interpelado por elas. Um discurso a mais no

universo de vozes que compõem a pesquisa.

Esta tese também se caracteriza como uma experiência flâneur

pelo interior das passagens, dos becos e dos horizontes que a

bibliografia consultada pode proporcionar. Tal roteiro de leituras buscou

encontrar teóricos e conceitos que auxiliassem a compreender e

problematizar os elementos estéticos que compõem a linguagem

cinematográfica e concedem a ela um lugar singular no plano da arte.

Nesta jornada procurou-se reconhecer como a arte articula a produção

de um saber que lhe é própria, alçando o estético a uma categoria de

investigação do real. Por fim, esse percurso entre as teorias do cinema e

da estética possibilitaram estabelecer relações de proximidade entre

38

elementos que constituem o cinema como arte e como forma de

produção de conhecimento. A pesquisa apresenta como o cinema produz

uma episteme referente a realidade e sobre temas caros a psicologia.

A bibliografia consultada, proveniente dos estudos sobre a

linguagem cinematográfica, proporcionou o conhecimento e a

problematização dos conceitos que fundão essa linguagem. Tal

bibliografia é base para se compreender como os conceitos de imagem,

tempo e montagem estão sendo apropriados pelos teóricos do cinema e

como esse campo conceitual pode ser empregado nos estudos sobre os

processos de subjetivação oriundos da ciência psicológica.

Os primeiros caminhos trilhados foram através dos textos dos

teóricos Christian Metz (1980, 2014) e Jean-Claude Carrière (2015). Os

dois autores possibilitaram a compreensão do que significa “o cinema”

em todas as suas camadas, que se diferenciam entre a ideia de obra de

arte, uma concepção de indústria e a constituição de uma linguagem que

lhe é própria. Segundo Metz (1980):

o que se chama “cinema” não é mais a simples

soma dos filmes, é também o código único e

soberano que é considerado coextensivo a todo o

material semiológico apresentado por esses

mesmos filmes: é a totalidade dos traços dos

filmes, além da totalidade dos próprios filmes; são

todos os filmes, mas também tudo dos filmes; é

uma unicidade lógica postulada, além da

unicidade material constatada (METZ, 1980, p.

29)

O conceito de imagem trabalhado teve como referências os livros

“A imagem” de Jacques Aumont (2012), “A imagem-movimento”

(2018) e “A imagem-tempo” (2013) de Gilles Deleuze, os textos “A

imagem de Proust” (2008a), “Pequena história da fotografia” (2008b),

“A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (2008c),

“Passagens” (2009), “Imagens do pensamento” (2012) e “Origem do

drama trágico alemão” (2016) de Walter Benjamin.

Os conceitos de tempo e montagem foram pensados de forma

conjunta, a fim de estabelecer um paralelo entre os dois conceitos e reconhecer que existi uma relação sincrética entre ambos. As principais

referências para se apropriar dos conceitos foram os livros “A imagem-

movimento” (2018) e “A imagem-tempo” (2013) de Gilles Deleuze e os

textos “O narrador” (2008d) e “Sobre o conceito de História” (2008e) de

Walter Benjamin.

39

As aproximações do cinema com a psicologia e com as questões

ontológicas encontram-se boa parte reunida na antologia organizada por

Ismail Xavier intitulada “A experiência do cinema” (2018). Os textos de

Hugo Münsterberg, Maurice Merleau-Ponty, André Bazin, Edgar Morin,

Sergei Eisenstein, Dziga Vertov e Luis Buñuel ofereceram importantes

reflexões para aproximar arte e ciência, mais especificamente, cinema e

psicologia. Os textos desses autores são colocados para dialogar com a

teoria dos processos de subjetivação de Deleuze e com a concepção de

pensamento constituído por imagens de Benjamin.

O eixo que transpassa os diversos temas, análises e reflexões, que

aproxima arte e ciência e que problematiza o lugar do sujeito na

realidade — sujeito esse atravessado pela experiência estética e pela

linguagem — situa-se referenciado à filosofia de Friedrich Nietzsche.

Sua teoria fornece base para formular uma concepção de sujeito e

realidade, assim como problematiza a concepção de ciência moderna e

confere a arte uma potência epistemológica. As principais referências

bibliográficas do filósofo foram os livros “Assim falava Zaratustra”

(1985) “Humano, demasiado humano” (2005) e “Nascimento da

tragédia” (2007).

Além da andança pelo campo das palavras que eclodiam das

bibliografias consultadas, as obras fílmicas também se fizeram presentes

na paisagem desse flanar entre arte e ciência. O documentário ensaístico

“Tokyo-Ga”, do diretor Wim Wenders (1985) trouxe reflexão para a

presença da imagem na contemporaneidade, numa relação de excesso e

de escassez, a contraditória invisibilidade decorrente da demasia de

exposição. O diretor Chris Marker (1983) fornece elementos para

reflexionarmos sobre a experiência de um tempo constituído a partir do

gesto narrador no documentário “San Soleil”. Um fragmento do filme

“Waking Life”, do diretor americano Richard Linklater (2001), é

utilizado para se pensar o sublime presente no plano cinematográfico —

uma conjugação de imagens, sons, movimentos, sob um recorte do

espaço e do tempo, alçando o instante a experiência do sagrado.

No entanto, as duas principais obras que compõem o corpo

teórico e reflexivo desta tese são os filmes Ikiru, de Akira Kurosawa

(1953) e La Strada, de Federico Fellini (1954). Os dois filmes nos

fornecem subsídios para compreender a potência da imagem, do tempo e

da montagem como conceitos fundantes de um saber sobre a realidade e

sobre o sujeito. A partir de La Strada é possível vislumbrar a elaboração

de Deleuze referente imagem-percepção, imagem-ação e imagem

afecção (2018). Em Ikiru, Kurosawa dá a ver a concretização do tempo

através do imaginário da morte.

40

A caminhada flâneur entre textos, imagens e sons, entre

narrativas e teorias, entre arte e ciência — articulando tais encontros sob

uma perspectiva dialógica — constitui o método de pesquisa

desenvolvido nesta tese. O horizonte da temática trabalhada aponta para

inúmeros trajetos. Muitos deles acabaram sendo evitados, pela

inviabilidade de se trilhar a todos. O que se apresenta a diante é algumas

das vias possíveis para se pensar a articulação entre arte e ciência, entre

cinema e psicologia.

ESTRUTURA DA TESE

A tese está estruturada em cinco artigos acadêmicos, precedidos

por esta introdução e seguidos de um capítulo de conclusão. Os cinco

artigos dialogam entre si, mas serão independentes para futuras

publicações.

O primeiro artigo trata de uma revisão sistemática, cujo objetivo

é conhecer a produção acadêmica que vem articulando aproximações

entre a psicologia e o cinema. O período de abrangência dos trabalhos

que constam na análise da pesquisa vai do início dos anos de 2000 a

janeiro de 2017. O artigo abrange uma pesquisa em quatro bases de

dados nacionais de relevante impacto no cenário acadêmico brasileiro e

nas pesquisas em psicologia. São elas: Scielo, PePSIC, Biblioteca

Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Banco de Teses e

Dissertações da CAPES.

Ao todo foram 108 trabalhos selecionados para análise, sendo 39

artigos acadêmicos, 53 dissertações e 16 teses. A fim de apresentar os

temas que vêm sendo trazidos pelos trabalhos que articulam psicologia e

cinema, foi possível reconhecer três categorias em comum entre os

textos analisados: análise de filmes, que comporta os trabalhos que

utilizam obras cinematográficas para ilustrar uma teoria psicológica;

cinema em atividades de intervenção, que se caracteriza por utilizar o

cinema como um meio para se atingir um fim de caráter interventivo; e

epistemologia e metodologia, que agrupa trabalhos que apresentam uma

discussão epistemológica sobre a imagem cinematográfica na produção

de conhecimento e sua relação com o campo psi. O artigo conclui que cinema e psicologia estabelecem pontos de

intersecção de diversos aspectos e sobre temas distintos. As pesquisas

que promovem um diálogo entre arte e ciência têm desenvolvido uma

profícua interlocução entre cinema e psicologia. O cinema tem

corroborado com os estudos em psicologia, principalmente sob duas

41

perspectivas: ele fornece material de análise e dispositivos de

intervenção, assim como produz saber referente aos temas caros à

psicologia. O segundo artigo realiza um debate epistemológico

problematizando a produção de conhecimento realizada pela ciência e

pela arte. O texto inicia localizando a produção de saber na psicologia

que vem a conceber uma noção de sujeito calcada no pensamento

ocidental iluminista, em um contexto de consolidação do capitalismo, de

adensamento dos centros urbanos e influenciado por uma concepção de

subjetividade atrelada ao movimento romântico do século XIX.

O texto questiona os limites da ciência positivista no campo das

humanidades e apresenta a arte como forma outra de produção de

conhecimento, desenvolvendo saber sobre aspectos da realidade que a

ciência atrelada a paradigmas nomotéticos não pode alcançar. Para

refletir sobre as características e problemáticas dos campos

epistemológicos, o texto toma como principais interlocutores os

filósofos Friedrich Nietzsche e Gilles Deleuze. A partir desses autores, o

texto discorre sobre a potência da arte nas discussões epistemológicas e

nas metodologias de pesquisa que advém da ampliação das capacidades

de apreensão do mundo que os recursos sensíveis da experiência estética

proporcionam ao humano, por meio de afecções, criações e fabulações

sobre o vivido. O artigo encerra com a apresentação de algumas

metodologias utilizadas na produção de conhecimento em psicologia

que têm como referência, para sustentar o seu fazer investigativo e

epistemológico, o campo das artes.

O terceiro artigo busca desenvolver um entrelaçamento entre três

complexos e abrangentes temas: imagem, cinema e psicologia. O texto

inicia procurando situar a presença da arte cinematográfica e da imagem

na sociedade contemporânea, operando sobre regimes de visibilidade e

dizibilidades, dando a ver realidades por vezes solapadas por

mecanismos de exclusão e por discursos subjugantes, indo ao encontro

dos fragmentos do cotidiano, de narrativas anônimas, das histórias

vividas – exercício de elaboração estética da realidade. Adverte-se

também do uso do cinema e da imagem como elementos de dominação

das massas e instrumento de manipulação das sociedades

contemporâneas, assim como a excessiva presença de imagens na

“sociedade do espetáculo” ao ponto de sua saturação de conteúdo e de

singularidades.

O conceito de imagem abordado no texto está remetido à teoria

da imagem-movimento de Gilles Deleuze (2013, 2018) e à concepção de

imagem como constituinte do pensamento em Walter Benjamin (2008,

42

2009, 2012). O primeiro autor desenvolve, a partir de obras fílmicas,

uma concepção de imagem onde suas propriedades estão atreladas à

forma de captura, de composição dos planos, de encadeamento

composto pela montagem. Cada configuração imagética nos remete a

um singular atravessamento por aquilo que do cinema nos chega,

designando formas de apreensão do real, de afecções, de narrativas. O

artigo apresenta tais conceitos como relevantes para se pensar a própria

dinâmica da subjetividade. Na perspectiva de Benjamin, a imagem é

pensada como elemento para a composição do pensamento, como

fragmentos mnêmicos de uma história que está sempre por fabular-se.

Os dois autores são analisados dialogicamente por estabelecerem a

questão da imagem como intimamente ligada aos processos de

subjetivação. O quarto artigo debruça-se sobre como os processos de

subjetivação podem ser mediados pela presentificação do tempo e por

um arranjo orientado pela técnica da montagem, ambos como elementos

estruturantes da realidade subjetiva. O texto apresenta uma

problematização de como os dois conceitos são operados por autores

que debatem a linguagem cinematográfica, pela formulação da imagem-

tempo de Deleuze (2013) e segundo as teses sobre o conceito de

História de Benjamin (2008) e sua concepção do Jetztzeit (tempo do

agora), analisando como essa teorização referente ao tempo e montagem

oferecem elementos para se pensar os processos de subjetivação.

A forma na qual o texto foi escrito busca colocar em prática a

perspectiva estruturante do conceito de montagem, organizando

fragmentos distintos sob uma lógica em que a composição final

apresente uma concepção de todo. A técnica da montagem, recurso

estético central na arte cinematográfica e método de pesquisa de

algumas obras benjaminianas, é o recurso utilizado para compor o texto,

organizando-o segundo cenas e planos — estabelecendo uma narrativa

que se constitui na integração, fragmentos analisados na sua

singularidade e que compõem sentidos outros na relação com o todo.

O quinto e último artigo deixa-se levar pelas histórias e

personagens dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa (1952) e La Strada, de

Federico Fellini (1954), para fazer uma reflexão sobre o tempo e a

morte. O texto introduz um debate sobre os grandes temas da

humanidade e como estes provocam as artes a criarem e a se

posicionarem em relação a eles; são temas que transbordam a relação

com o espaço e com seu tempo, que fazem parte de uma grande

temporalidade (BAKHTIN, 1997) e que ganham significação conforme

ressoam sobre as culturas ao longo dos séculos. Nas histórias de ambos

43

os filmes, a morte, colocada como um desses grandes temas, implicaria

o sujeito a se posicionar em relação à própria existência e finitude. De formas distintas, os dois filmes propõem uma reflexão sobre a

morte que paira sobre a vida dos personagens e como esta é uma

parceria nos seus processos de subjetivação. A morte manifesta-se nos

filmes como corte na experiência alienada. A experiência do fim se

apresenta como um catalisador da vida, abrindo uma fissura sobre afetos

cristalizados que definhavam sob uma experiência apática e que

condenavam sujeitos a uma caminhada inercial em direção a nada.

A fim de abarcar um elemento que integra a arte cinematográfica

e que ainda não havia sido abordado nos artigos anteriores, nesse último

artigo vem a se deter sobre a música que acompanha os dois

protagonistas. O texto foca-se na música não como trilha sonora em off,

que havia por objetivo criar uma atmosfera para o filme e induzir a

determinadas emoções em seus espectadores, mas sim a música que é

executada pelas personagens e que compõe a própria narrativa dos

filmes. A música expressa o saber sobre o próprio fim e a possível

transmutação do corpo para a melodia, da matéria para a onda, da vida

para a música. Para justificar a diálogo entre as duas obras, o artigo analisa o

contexto de produção dos filmes e apresenta uma similaridade entre os

aspectos históricos e sociais das produções de filmes japoneses do pós-

guerra e o movimento artístico conhecido como neorrealismo italiano.

Ambos os filmes são criações provenientes de um cenário de

reconstrução: países derrotados e empobrecidos em consequência de

governos militaristas terem arrastado as duas nações para a guerra; em

processo de reconstrução, tendo de lidar com a sequelas do conflito e

com a presença de políticas estrangeiras intervencionistas. Os filmes

retratam cotidianos sem projetos de futuro, personagens vivendo num

agora ausente de perspectivas. De modo geral, a escrita dos cinco artigos visa responder a

algumas questões que se tecem na interface entre cinema e psicologia: O

que pode o cinema dizer sobre o ser humano? Que tipo de conhecimento

a arte cinematográfica nos oferta? Pode a arte servir-nos como

fundamento para uma epistemologia que alcança conhecimentos

distintos daqueles que a ciência tem a nos oferecer? Instigado por essas

questões, fui levado a realizar a pesquisa que apresento nos 05 artigos

que compõem essa tese.4

4 As referências bibliográficas da Introdução encontram-se ao final da tese, após o

capítulo de conclusão.

44

45

A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NA INTERFACE CINEMA E

PSICOLOGIA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA

RESUMO

O artigo apresenta os resultados de uma revisão sistemática cujo

objetivo foi averiguar as produções acadêmicas dos últimos 17 anos que

estabeleceram diálogos entre a psicologia e o cinema, assim como

apontar para um panorama geral das temáticas debatidas nesses estudos.

Foram consultadas quatro bases de dados nacionais a partir dos

descritores “cinema” e “psicologia”. Ao todo foram analisados 108

trabalhos, sendo 39 artigos acadêmicos, 53 dissertações e 16 teses. Foi

possível identificar três categorias distintas de trabalhos: análise de

filmes, cinema em atividades de intervenção e epistemologia e

metodologia. O artigo conclui que cinema e psicologia estabelecem

pontos de intersecção de diversos aspectos e sobre temas distintos. As

pesquisas que promovem um diálogo entre arte e ciência têm

desenvolvido uma profícua interlocução entre cinema e psicologia.

PALAVRAS-CHAVE: cinema, psicologia, revisão sistemática.

ABSTRATC

This paper sets the results of a systematic review which the objective

was the academic productions of the last 17 years that established

dialogues between psychology and cinema, as well as pointing to an

overview of the themes discussed in these studies. Four national

databases were consulted with the keywords "cinema" and

"psychology". In all, 108 papers were analyzed, being 39 academic

articles, 53 master’s reseasches and 16 doctoral’s researches. It was

possible to identify three distinct categories of studies: film analysis,

cinema in intervention activities and epistemology and methodology.

This paper concludes that cinema and psychology establish many points

of intersection in different subjects. Researches that promotes a dialogue between art and science has developed a strong debate between cinema

and psychology.

KEYWORDS: cinema, psychology, systematic review.

46

INTRODUÇÃO

aquilo a que nos dá acesso o artista é o lugar do que não pode ser visto - e

resta ainda nomeá-lo." (LACAN, 2003, p.192)

Esta Revisão Sistemática (RS) teve como intuito analisar o que

foi produzido academicamente nos últimos 17 anos sobre psicologia e

cinema, com vias de avaliar como esses dois campos estão se

articulando, como a psicologia serve como um complemento na análise

dos conteúdos cinematográficos e como o cinema contribui para o

desenvolvimento da ciência psicológica.

Esta técnica de revisão da literatura tem como intuito retratar um

cenário acadêmico ao expor as principais pesquisas, ideias e descobertas

que circulam num determinado campo de investigação a partir de uma

síntese da bibliografia científica. Para isso são estabelecidas

determinadas estratégias de busca em bases de dados, critérios de

classificação e análise e certa padronização na forma de apresentar os

resultados. Esses cuidados visam minimizar desvios na seleção dos

trabalhos e garantir fidedignidade ao conteúdo relatado (ZOLTOWSKI,

A.P.C. et al. 2014).

Esta pesquisa fundamenta sua relevância ao orientar-se junto a

outros estudos que procuram destacar as articulações existentes entre

arte e ciência, dialogando com pensadores e pesquisadores da psicologia

e áreas afins que colocam cinema e psicologia lado a lado para

desenvolver saberes sobre o sujeito, sobre os processos de subjetivação,

sobre os fenômenos psicológicos, sobre o inconsciente; ou seja, sobre

nós humanos5.

MÉTODO

Esta Revisão Sistemática orientou-se a partir das recomendações

metodológicas indicadas no artigo intitulado "Qualidade Metodológica

das Revisões Sistemáticas em Periódicos de Psicologia Brasileira"

5 Os diversos termos aqui descritos exemplificam a diversidade de teorias presentes

nos trabalhos analisados.

47

(ZOLTOWSKI, A.P.C. et al. 2014). O artigo em questão, de caráter

metalinguístico, faz uma Revisão Sistemática de outras RS publicadas

em periódicos nacionais e procurou avaliar as qualidade dessas

pesquisas. Para fazer esta avaliação, os autores sugerem algumas etapas

a serem executadas e documentadas. São elas:

a) Definição e clareza a priori da pergunta de

pesquisa e dos critérios de inclusão dos estudos;

b) Busca e extração dos artigos por, pelo menos,

dois juízes independentes. Informações sobre

concordância ou consenso devem ser fornecidas;

c) Utilização de, ao menos, duas fontes de dados

(bases eletrônicas) e descrição da data da busca e

das palavras-chave; d) Descrição dos critérios de

inclusão e de exclusão, em especial a opção por

incluir ou não teses, dissertações, capítulos de

livro ou artigos de idiomas específicos; e)

Apresentação de uma lista (ou figura) indicando o

número de artigos incluídos, excluídos e os

critérios que foram levados em consideração; f)

Descrição das características dos estudos

incluídos (por exemplo, em uma tabela), como

participantes, ano de publicação, idade, sexo,

desfechos, etc.; g) Avaliação da qualidade dos

estudos, ou seja, análise do poder de

delineamento, das limitações metodológicas etc.;

h) Levar em conta a qualidade dos estudos

revistos ao generalizar as conclusões; i) Avaliação

da viabilidade de se integrar estudos que, por suas

características metodológicas, podem não ser

comparáveis; j) Utilização de alguma ferramenta

(estatística ou narrativa) para análise dos dados; k)

Considerar os possíveis vieses na condução da RS

e da sua publicação; l) Descrição explícita dos

possíveis conflitos de interesses; m)Utilização no

resumo de palavras-chave indexadas em

Thesaurus para facilitar a difusão e localização da

RS. (ZOLTOWSKI, A.P.C. et al. 2014, p. 101)

Acolhendo a sugestão dos autores, esta RS sobre cinema e

psicologia procurou orientar-se segundo esses critérios, com exceção da

utilização de dois juízes independentes na busca e extração dos artigos

48

que foram analisados, que se tornou inviável devido a pesquisa ter sido

realizada por apenas um pesquisador.

A pesquisa foi realizada em janeiro de 2017 em quatro bases de

dados diferentes, sendo dois indexadores de periódicos científicos e dois

de teses e dissertações nacionais. Os artigos foram selecionados nas

bases Scielo (Scientific Eletronic Library Online) e PePSIC (Periódicos

Eletrônicos de Psicologia). A PePSIC se caracteriza por ser uma

biblioteca digital voltada para as publicações de artigos científicos na

área da psicologia e engloba periódicos brasileiros e outros 10 países

Latino-Americanos. A base de dados Scielo é uma biblioteca digital

multidisciplinar e uma das principais e mais abrangentes bases de dados

da produção acadêmica brasileira e latino-americana. Ambas as bases

foram escolhidas por disponibilizar textos completos e gratuitos e

porque juntas congregam os principais periódicos científicos de

psicologia do país.

Teses e dissertações foram selecionados a partir da Biblioteca

Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e do Banco de Teses

e Dissertações da CAPES, duas plataformas que juntas dão conta de

agregar quase que a totalidade dos trabalhos de mestrado e doutorado

produzidos no Brasil.

A primeira etapa da pesquisa foi realizada nas plataformas Scielo

e PePSIC entre os dias 10 e 11 de janeiro de 2017. As buscas nas bases

de dados partiram das palavras-chave "cinema" e "psicologia". Os

idiomas ficaram limitados ao português, inglês e espanhol. Foram

selecionados artigos publicados entre 2000 e 20176. Somando os textos

encontrados nas duas bases e excluindo os que se repetiam, resultaram

ao todo 53 artigos.

A segunda etapa foi a busca por teses e dissertações, realizada

entre os dias 11 e 12 de janeiro de 2017. O levantamento de trabalhos na

BDTD seguiu os mesmos critérios adotados nas buscas realizadas na

Scielo e PePSIC: palavras-chave "cinema" e "psicologia", idioma

português, inglês e espanhol, e trabalhos publicados entre 2000 e 2017.

No entanto, no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, dada às

vicissitudes deste sistema, o processo ocorreu de forma diferente. A

palavra-chave utilizada foi "cinema" e para definir a aproximação desta

temática com a psicologia, foram definidas a seguintes áreas de

concentração: psicologia, psicologia aplicada, psicologia clínica,

psicologia clínica e cultura, psicologia da saúde, psicologia educacional,

6 Realizar a RS com trabalhos publicados a partir de 2000 foi uma decisão

metodológica dessa pesquisa.

49

psicologia escolar e do desenvolvimento humano, psicologia

institucional, psicologia social, psicologia social e institucional,

psicologia social e política, psicologia sociedade e cultura. Outra

peculiaridade foi que a Plataforma Sucupira, banco de dados da CAPES,

disponibilizou apenas trabalhos entre 2013 e 2016. Apesar das

limitações do sistema da CAPES, acredito que a BDTD supriu as

limitações desse sistema, dada a quantidade de trabalhos e informações

encontradas. Somando os textos encontrados nas duas bases e excluindo

os duplicados, resultaram ao todo 115 trabalhos, entre teses e

dissertações.

Após o registro do resultado bruto da busca nas bases de dados,

foram elencados critérios de inclusão/exclusão dos trabalhos a serem

analisados e que integrariam essa RS que visa problematizar a

aproximação entre cinema e psicologia. A partir da leitura dos resumos,

os artigos, teses e dissertações foram incluídos ou excluídos segundo os

seguintes critérios: a) excluídos os trabalhos cujo cinema e/ou psicologia

sejam assuntos secundários à temática trabalhada; b) Os textos têm que

se enquadrar entre as categorias artigo, tese, dissertação ou entrevista.

Ao todo foram 168 trabalhos encontrados, resultando em 108 trabalhos

selecionados e 60 trabalhos excluídos.

Dentre os trabalhos selecionados, foi observado determinados

padrões entre os conteúdos trabalhados, principalmente na forma como

o material cinematográfico foi utilizado e como se estabelecia o diálogo

com a psicologia. Portanto, os textos foram divididos em 03 grandes

categorias de análise em função das discussões apresentadas: "análise de

filmes", "cinema em atividades de intervenção" e "epistemologia e

metodologia" (figura 01). Dentro dessas 03 categorias, os trabalhos

foram divididos em subcategorias para facilitar a análise dos temas

explorados pelos trabalhos.

50

[Figura 01] - Procedimentos da Revisão Sistemática

Os trabalhos incluídos na categoria "análise de filmes" utilizam

de obras cinematográficas para ilustrar e desenvolver o debate em torno

de uma teoria oriunda da psicologia. Tem como principal tendência

fazer uso do cinema como um elemento ilustrativo dos fenômenos

psicológicos, da constituição do sujeito e da condição humana em

diversos contextos e histórias. Muitos desses trabalhos agregam um

importante elemento a esta tese, pois argumentam sobre as

peculiaridades do cinema na produção do saber em psicologia. Foram

enquadrados 70 trabalhos nessa categoria, sendo 24 artigos, 34

dissertações e 12 teses

A categoria "cinema em atividades de intervenção" se caracteriza

por utilizar o cinema como um meio para se atingir um fim de caráter

interventivo. Os trabalhos desenvolvidos são de âmbito pedagógico,

instrutivo ou terapêutico. Os trabalhos dessa categoria se caracterizam

por terem como método a pesquisa-intervenção. Portanto, vêm a somar

elementos à discussão sobre cinema aliado a métodos de pesquisa.

Dentre os artigos, teses e dissertações analisadas, 18 trabalhos se

localizam nessa categoria, sendo 8 artigos, 8 dissertações e 02 teses. A terceira categoria denominada "epistemologia e metodologia"

agrupa trabalhos que apresentam uma discussão epistemológica sobre a

imagem na produção de conhecimento e sua relação com o campo psi.

Aliado a isso, trabalhos que discutem cinema e imagem como método

51

de pesquisa, como instrumento de construção do conhecimento; cinema

não apenas como elemento ilustrativo das teorias já estabelecidas, mas

sim como produtor de saberes sob a perspectiva dos elementos que o

constituem. É sobre esta terceira categoria que a análise desta tese irá se

deter mais longamente, com o objetivo de aprofundar reflexões sobre a

potência do cinema como método de pesquisa em psicologia social.

Segundo nossos critérios, 20 trabalhos condizem com essa categoria,

sendo 07 artigos, 11 dissertações e 02 teses.

ANÁLISE DOS DADOS

Um número considerável de trabalhos acadêmicos que

relacionam cinema e psicologia foram encontrados. Mesmo após os

critérios de inclusão e exclusão, mais de cem estudos estabelecem, em

primeiro plano, um diálogo possível entre psicologia e cinema. Logo,

isso aponta para pontos de conexão existentes que podem ser analisados

e problematizados. Esta RS procurará apresentar que conexões são essas

e quais são as tendências de diálogo no contexto acadêmico entre os

dois campos.

Os trabalhos analisados tinham nítida afinidade com o tema de

uma das três categorias de análise, no entanto, alguns apresentaram

discussões que transbordaram essas fronteiras, o que tornou essa divisão

mais didática do que classificatória. O principal critério de categorização

foi a análise dos resumos e palavras-chave. Com intenção de aprofundar

a discussão, alguns trabalhos foram selecionados para a sua leitura na

integra.

Análise de filmes

Na categoria "análise de filmes", os trabalhos se distribuíram

entre diversos segmentos de análise, diversificando-se pela teoria

utilizada para dialogar com as obras analisadas ou devido às temáticas

problematizadas. Esses trabalhos podem ser identificados nas seguintes

subcategorias: 1) textos que utilizam da arte para ilustrar e/ou

desenvolver a teoria psicanalítica; 2) análises de personagens segundo a

teoria de Carl Jung; 3) filmes analisados desde discussões sobre Gênero

e Sexualidade; 4) análises a partir da Psicologia Social de viés marxista

e/ou pós-estruturalista; 5) discussões no âmbito da Psicologia Clínica e

52

da Saúde; e 6) exemplos isolados de trabalhos desenvolvidos com

fundamento Fenomenológico-Existencialista, Pensamento Sistêmico e

oriundo da Etologia7.

A aproximação entre arte e psicanálise data desde os textos que

fundaram essa teoria (RIVERA; SAFATLE, 2006), com destaque para

Moisés de Michelangelo (FREUD, 1914/1996) em que Freud analisa a

imagem do profeta registrada em mármore; o ensaio sobre Leonardo da

Vinci (ibid, 1910/1996), onde o autor utiliza da história do artista e de

suas obras para ilustrar sua teoria da pulsão; o artigo traduzido como O Estranho (ibid, 1919/1996), onde o psicanalista cunha um conceito

propriamente voltado para reflexões sobre estética - Das Unheimlich -

além de outros textos que vão desde a análise da neurose dos

personagens de Shakespeare (CORRÊA, 2004) ao parricídio em

Dostoievski (FREUD, 1928/1996). No entanto, no que se trata de

cinema, o criador da psicanálise nunca dedicou espaço, nos seus artigos

e ensaios, para a sétima arte. Porém, não faltaram psicanalistas ao longo

dos séculos XX e XXI a se lançar no exercício intelectual de estabelecer

diálogos nesses dois campos que surgiram quase que ao mesmo instante,

visto que Freud publica o clássico Estudos sobre a histeria no mesmo

ano em que os irmãos Lumière fazem a primeira projeção pública de

filmes, em 1885.

Os trabalhos encontrados que estabelecem o diálogo entre cinema

e psicanálise utilizam de histórias e personagens presentes em filmes

para ilustrar a teoria da psicanálise, sua metapsicologia e os fenômenos

da linguagem e do inconsciente. Alguns autores advertem que não se

trata de fazer uma psicanálise de personagens e seus criadores, algo que

há tempo tem sido advertido e foi chamado por Freud de "psicanálise

selvagem" (1910), mas reconhecer no cinema a possibilidade de falar

sobre o humano no qual a psicanálise versa:

a linguagem do cinema permite a psicanálise

pensar criticamente seus conceitos e sua prática,

colocando em questão os vários aspectos da

clínica psicanalítica, mantendo sua atualidade na

relação com o mundo e com a cultura. [...] É

importante marcar que não se trata aqui de

7 Esta divisão tem a função didática de apresentar tendências de análises, porém

muitos trabalhos se localizam nas fronteiras dessas categorias, principalmente entre

os âmbitos psicanálise e gênero, psicanálise e psicologia social, gênero e autores

pós-estruturalistas e psicologia social e pós-estruturalismos.

53

psicanalisar os personagens do filme como se

estivessem no divã, uma vez que não temos as

condições necessárias à transferência, não temos o

setting analítico e não temos a associação livre.

(PEREIRA, 2015, p. 08 - 10)

Vinte e seis foram os trabalhos que propõem um diálogo entre

cinema e psicanálise (PEREIRA, 2015; MARTINS, OLIVEIRA,

PEIXOTO, 2014; REZENDE, WEINMANN, 2014; DOMINGUES,

2014, MACHADO JUNIOR, 2014; SEDEU, 2013; SCORSOLINI-

COMIN, SANTOS, 2013, MONTEZI, AMBROSIO, BARCELOS,

VAISBERG, 2013; MANO, WEINMANN, 2013, ABDALA, 2013;

RODRIGUES, 2013; BERTTRAN, GOMES, 2013; GEMIGNANI,

2013; SOUZA, 2012, CRUZ, 2012; CHINALIA, 2012; CASTILHO,

2011; BRAGHINI, 2011; SENA, ORNELLAS, 2010; MEYER, 2010;

MAIRENO, 2010; MARTINS, 2010; TARDIVO, 2009; BRUNNER,

2008; RIVERA, 2006a; RIVERA, 2006b). A análise dos filmes procura

expor a teoria psicanalítica e seus conceitos a partir das histórias e seus

personagens. A dinâmica do inconsciente, as suas formações e a

metapsicologia freudiana são os assuntos mais abordados. Além de

Sigmund Freud, o autor francês Jacques Lacan foi citado em cinco dos

trabalhos dessa categoria (PEREIRA, 2015; RODRIGUES, 2013;

BRAGHINI, 2011; MARTINS, 2010; BRUNNER, 2008), uma citação a

Melanie Klein (MACHADO JUNIOR, 2014), uma a Donald Winnicott

(CHINALIA, 2012) e uma a Wilfred Bion (MEYER, 2010).

Conceitos junguianos alicerçam a análise de personagens em sete

trabalhos selecionados (HAYEK, 2014; FABRETI, 2010; BILOTTA,

2010; ZANATTA, 2010; SILVA, 2009; CANASSA, 2006; SILVA,

2005). Arquétipos e processo de individuação são os termos junguianos

mais presentes nos resumos. Para os autores, os personagens projetados

nas telas do cinema possibilitam a compreensão de como os arquétipos

se manifestam nos contextos contemporâneos e oferecem, por

identificação, suporte simbólico e imaginário nos processos de

individuação.

As pesquisas sobre Gênero e Sexualidade discutem construções

simbólicas e identitárias presentes nas obras cinematográficas. Os temas

abordados referem-se aos discursos sobre o feminino e o masculino, às

identidades de gênero e aos movimentos de resistência à concepções

heteronormativas e binárias, termos estes presentes nos resumos. Onze

trabalhos discutem estas temáticas.

54

Cinco pesquisas apontam o cinema como um campo de

desconstrução do discurso patriarcal sobre a mulher (MACHADO,

2016; SILVA, 2012; BRAZ, 2010; SANTOS, 2010; BIGARELI, 2003)

e um estudo problematiza o lugar simbólico da paternidade (VALENTE,

2011). São analisadas narrativas que corroboram com um processo de

superação das relações desiguais e estereotipadas de gênero. Mesmo

advertidos do papel que a indústria cultural tem na manutenção das

relações de poder e opressão, as pesquisas analisadas apresentam

personagens e roteiros que fazem resistência ao discurso hegemônico:

A relação entre as personagens femininas das

narrativas segue se modificando e reverberando as

modificações na cultura e nas identidades e, da

mesma forma, dissemina formas simbólicas e

ideologias que se (re)produzem no imaginário e

na sociedade. (MACHADO, 2016, p. 141)

Há destaque para a possibilidade da obra cinematográfica inserir

na rede discursa majoritária outras dizibilidades e visibilidades, jogando

luz sobre existências marginalizadas e sobre formas de subjetivação da

sexualidade negadas pela cultura heteronormativa hegemônica. O desejo

ganha espaço nas telas e aquilo que não podia ser dito invade o

imaginário dos espectadores. Judith Butler, Michael Foucault, Gilles

Deleuze e autores da psicanálise figuram entre as mais citadas matrizes

teóricas de análise. Cinco estudos (MELO, 2016; TEÓFILO, 2015;

SILVA, 2014; SANTOS, 2013; SARAVAIRA, 2011) trazem como

cerne de suas discussões a possibilidade do cinema favorecer a

construção de uma outra ética em relação à sexualidade:

Ao apresentar personagens homossexuais em

contextos diversificados de vida, de estórias não

demarcadas por estereótipos ou clichês, abriram-

se outros territórios para se pensar a produção dos

desejos. Territórios de sensibilidades que colocam

em xeque a inteligibilidade das

homossexualidades construída sob a base da

lógica heterossexista que encerra as

homossexualidades em um único corpo, um único

gênero, em único aparelho psíquico e porque não

dizer, em um único desejo. (MELO, 2016, p. 117)

55

Análises com base na Psicologia Social apresentam a

possibilidade do cinema expor contextos e relações humanas que

resultam em modos de subjetivação outros, marginalizados e tomados

como natureza do sujeito; as vidas narradas pelas produções

cinematográficas são apresentadas na sua complexidade e, muitas, na

sua desolação. É na problematização das relações humanas presentes

nos filmes que a psicologia social se incide (BENETTI, 2013).

Dezenove pesquisas discutem temas afins à psicologia social crítica.

As relações entre pessoas é analisada a partir dos processos de

subjetivação, da relação com o sentido e a linguagem, desde um viés

estético das vivências e dos afetos, movimentos dialéticos e advertidos

dos enfrentamentos biopolíticos - termos estes encontrados nos resumos

e na análise dos textos. Dez trabalhos trazem como ênfase os processos

de subjetivação e a dinâmica dos afetos como foco de análise

(TARDIVO, 2015; BALLALAI, 2014; MARTINS, 2013;

LOPES, MADEIRO, SILVA, 2011; TARDIVO, GUIMARÃES, 2010;

CARVALHO, 2010; AZEVEDO, 2009; COSTA, 2008; BADARI,

2007; NEVES, 2004). Outros quatro têm foco na dimensão biopolítica e

antropológico-cultural (SILVA, LEITES, LUZ, 2014; ZAMBONI,

2013; SILVA, 2008, PASSARELLI, 2007). Autores da psicologia

histórico-cultural, da psicanálise e de referencial pós-estruturalista são

os mais citados.

A rememorização de fatos traumáticos e a necessidade de se

preencher o vazio do silêncio com o sentido da palavra aparecem em

estudos que problematizam a importância do cinema como dispositivo

de denúncia de atrocidades históricas e violação dos direitos humanos.

Três trabalhos exploram histórias de vidas em contextos de miséria e

criminalidade, com destaque para as produções brasileiras de filmes

sobre favelas (BENETTI, 2013; RESENDE, 2012; RAMOS, 2009).

Outros dois trabalhos analisam filmes que problematizam a violência de

estado como algoz da condição humana e como trauma social que

silencia não só vítimas diretas dos crimes cometidos, mas toda uma

sociedade governada sob o regime do medo (GOMES, 2015;

GOLDSTEIN, 2013).

Constata-se que muitos dos textos de psicologia social, o político

é enfatizado nas análises e o cinema é palco das disputas de poder/saber.

O autor Walter Benjamin é citado quando fazem referência às

proporções revolucionárias que o cinema pode tomar, pois "a crença aí

era a de que o cinema teria o poder de transformar e potencializar a

56

capacidade de ação das massas na direção de uma ruptura

revolucionária." (GOMES, 2015, p. 19) Quatro estudos remetem ao domínio da Psicologia Clínica e da

Saúde (BOTTINI, 2014; SANTEIRO, ROSSATO, 2013; MELO, 2013;

SILVA, et al., 2008). Os filmes apresentam as temáticas drogas, morte e

abuso sexual na infância e adolescência. É destacado dos filmes os seus

conteúdos e se propõe a possibilidade de trabalhar essas temáticas no

âmbito educacional e na formação de profissionais da psicologia e da

saúde. Dentre possíveis recursos utilizados na formação e pesquisa na

área da psicologia clínica e da saúde, o cinema vigora, "pois expõe

conteúdo relativos a inúmeros contextos socioculturais e históricos,

possibilidades de discussão relevantes ao trabalho do psicólogo clínico,

tais como saúde mental, bioética e diversidade sexual" (SANTEIRO,

ROSSATO, 2013, p. 84).

Outros 03 trabalhos partem de referenciais teóricos que constam

somente uma vez em nossa pesquisa: de matriz fenomenológica-

existencial (ABREU, 2015), um estudo analisa o amor nos filmes do

diretor italiano Federico Fellini; sexualidade é discutida com

fundamento no pensamento sistêmico (MARINO, 2013); e

agressividade é explorado sob perspectiva da etologia humana e da

antropologia social (SOUZA, 2009).

Muitos estudos na área da psicologia veem o cinema como aliado

na elaboração e desenvolvimento de suas teorias. A narrativa

cinematográfica cria acesso ao humano que por vezes escapa da

apreensão reificante das ciências. A análises de filmes nos estudos

encontrados possibilitaram o exercício intelectual e teórico de diversas

correntes do pensamento psicológico pressupondo que - seja ficção ou

documentário - o cinema e a arte em geral são produções subjetivas

passíveis de estudos e interpretações.

Cinema como atividade de intervenção

Um total de 18 estudos selecionados nessa Revisão Sistemática se

assemelham por fazer uso do dispositivo cinematográfico com o

propósito de promover algum tipo de intervenção com finalidades: 1)

vivenciais/terapêuticas ou 2) educacionais. Os trabalhos na categoria

"Cinema como atividade de intervenção" utilizam das histórias narradas

nos filmes e da potência estética dessas obras como meio para fazer

falar, para suscitar reflexões e/ou mobilizar afetos. Apresentam como

57

característica desse recurso o fato do cinema "produzir identidades

culturais" (SANTOS, et al. 2011), articular um "modo de pensar a vida e

de apresentar problematizações referentes e pertinentes ao laço social"

(GURSKI, et al. 2013), ser um "instrumento humanizador e/ou

terapêutico" (REIS, et al. 2015).

Intervenções vivenciais mediadas pelo cinema foram

apresentadas como espaços de fala e reflexão, a partir de dinâmicas

grupais ou individualmente. São atividades que fazem uso desse recurso

como um dispositivo de identificação e catarse, com a proposta de

colocar palavras nos espaços de silêncio (RAINONE, FROEMMING,

2008). Imagem em movimento, som e o tempo a escorrer no caminhar

dos filmes capturam o expectador que investirá na leitura dessa

experiência a partir da sua própria posição como sujeito, tal como em

um dos trabalhos analisados:

criar espaço para que, através da fruição de um

filme, as imagens da tela contribuam na

enunciação de cenas ou de vivências de cada um

dos participantes, possibilitando-lhes falar de si,

mediante os recortes operados pela projeção

cinematográfica. (ibid, p. 75)

Na primeira subcategoria, oito foram os trabalhos analisados que

utilizaram o cinema como dispositivo para ocasionar vivências grupais

e/ou problematizar o uso desse recurso como via mobilizadora do

sujeito (PENHA, 2016; SANTEIRO, SANTEIRO, SOUZA, JUIZ,

ROSSATO, 2014; DAVID, HAUTEQUESTT, KASTRUP, 2012;

FERREIRA, 2012; SOUSA, 2011; BIANCHINI, 2010; RODRIGUES,

2010; RAINONE, FROEMMING, 2008). As situações de intervenção

se deram no âmbito clínico individual, no contexto prisional, em

espaços educacionais e na saúde mental da rede pública.

Processos de identificação com os personagens e histórias

assistidas são entendidos nesses trabalhos como importantes

disparadores de emoções, levando o sujeito a falar de si e questionar seu

lugar no mundo e a sociedade e sua volta. Os filmes contêm elementos

que favorecem uma elaboração das próprias experiências e da percepção

de si. O espectador, em sua relação estética com a arte, é sensibilizado

pela ficção/fantasia do cinema assim como pode o ser pela experiência

vivida no real; o simbólico de ambas as experiências são equiparáveis.

Assim lágrimas, risos, angustia, esperança são vividos de forma

equiparável, seja na recepção da arte ou na vida diária.

58

Na segunda subcategoria, dez pesquisas abordam o cinema como

um artifício pedagógico a se lançar mão nas atividades de ensino-

aprendizagem nos contextos universitários, escolares e na formação de

psicólogos clínicos (CHINALLI, 2016; REIS, BARONE, 2015;

BORBA, 2015; FERRARI, 2015; REIS, 2014; GURSKI, VASQUEZ,

MOSCHEN, 2013; IMHOFF, 2013; SANTEIRO, 2011; SANTOS,

COSTA, CARPENEDO, NARDI, 2011; CAMPO-REDONDO,

BARRIOS, 2005). Temas como diversidade, inclusão, processos

clínicos, formação profissional, política e sociedade figuram entre os

abordados. Segundo as pesquisas, fazer uso do cinema em sala de aula

favorece o acesso e o olhar sobre o desconhecido/invisibilizado, além de

conferir uma dimensão ativa ao expectador, mobilizando percepção e

afeto no ato de significar o conteúdo que o interpela. Alguns desses dez

trabalhos defendem que o dispositivo cinematográfico possibilita aos

educandos o encontro com uma ética e uma alteridade outra, para além

do seu cotidiano. Estes são interpelados pela dimensão estética,

preenchendo algumas das fissuras que o discurso pedagógico tradicional

não consegue abarcar, cujo conteúdo é, por vezes, inapreensível através

da linguagem verbal: "a experiência do cinema como arte está

relacionada à dimensão do sensível, daquilo que toca o sujeito e que,

muitas vezes, não é passível de tradução, nem mesmo pelas palavras."

(GURSKI, et al, 2013 p. 243.)

Nessa mesma categoria há trabalhos que advertem que a presença

do cinema em sala de aula precisa ser mediada pelo professor para que o

fim pedagógico almejado seja possível. Ver, julgar, compreender,

qualificar as experiências oriundas das telas estão envolvidos em um

processo dialógico, sendo a riqueza desse recurso a possibilidade de

movimento das experiências, do encontro com a alteridade (BORBA,

2015). Para que a relação com o filme não fique apenas na esfera do

entretenimento, é preciso colocar questões à obra de arte e brotar na

relação com ela novos insights.

Constata-se que o cinema como atividade de intervenção

apareceu nas pesquisas como motor propulsor de encontro com o outro

e, consequentemente, movimento em nós mesmos. Nesses trabalhos a

produção cinematográfica foi utilizada como recurso meio para atingir

outros fins caros à psicologia e educação. Algumas discussões

discorrem se a tecnologia - em sendo democratizada - pode favorecer o

acesso a experiências que, boa parte das vezes, é restrita a poucos.

Conforme utilizado, é um potente recurso que pode nos instigar

perguntas e oferecer respostas: vivências e aprendizados. Como destaca

Santos, "o cinema representa, na sociedade moderna, um importante

59

agenciador pedagógico; ele, além de produzir identidades culturais,

integra e interfere nas redes sociais que estão presentes nas formas como

se apresentam as relações de poder [...] Dessa maneira, o cinema produz

uma estética e uma ética com condições de serem amplamente

distribuídas e consumidas" (SANTOS, et al, 2011, p. 132).

Epistemologia e Metodologia

A respeito de discussões epistemológicas e metodológicas, vinte

trabalhos acadêmicos discorrem sobre a complementaridade que se

evidencia entre psicologia como campo científico e o cinema como via

de acesso e/ou produção de um saber. São trabalhos que problematizam

fronteiras historicamente delineadas entre arte e ciência e apontam para

um diálogo entre ambas as áreas de realizações humanas.

Para além das reflexões estéticas e as interpretações das obras

cinematográficas na categoria Análises de Filmes, e a sua função

mediadora e pedagógica dentre os trabalhos sobre Cinema como

Atividade de Intervenção, esta terceira e última categoria de estudos

compreende trabalhos: 1) que apresentam o cinema como produtor de

saberes, 2) que o utilizam como método de pesquisa e 3) que discutem

amálgamas e redefinições das fronteiras entre arte e ciências. As

análises foram divididas nessas três subcategorias.

Na primeira subcategoria, foram selecionados 10 estudos que

argumentam sobre produção de conhecimento e de discursos que

eclodem do campo das artes e agregam dizeres sobre o psíquico, o

humano; a obra estética como via de construção de um pensamento

psicológico e de um entendimento da subjetividade (FARINA,

FONSECA, 2015; WILLIGES, 2015; RAMOS, 2015; MADEIRO,

2015; TEIXEIRA, 2015; MARQUES, 2015; BARBOSA, 2011;

KOIDE, 2011; CANABRAVA, 2008; PERRONE, ENGELMAN,

2008). Nessa perspectiva não se manifesta hierarquização entre os

saberes, pois "arte e psicanálise operam sobre a mesma matéria, com a

diferença de que o artista realiza imediatamente no plano estético algo

que o psicanalista só pode realizar após acúmulo de experiência clínica

mediada por rigorosa reflexão teórica." (MARQUES, 2015, p. 12)

Esses trabalhos têm em comum o lugar que o cinema ocupa no

diálogo com a ciência psicológica, agora não apenas como recurso

ilustrativo de uma dada teoria/contexto/realidade ou na qualidade de

60

estratégia de intervenção do psicólogo, mas sim enquanto apropriação

singular da realidade dotada de uma episteme própria:

O cinema não pode ser tomado como uma simples

oportunidade reflexiva, pois a narração que se

pretendia verídica dá lugar a uma narração

falsificante que não quer se prestar a uma

representação de uma suposta realidade nem à

proposição de um mundo melhor. O cinema se

presta, sim, segundo Deleuze, como meio de

discutir o funcionamento psíquico (FARINA et al,

2015, p. 122)

Os escritos que sustentam a condição do cinema como uma outra

linguagem sobre a realidade, e portanto como produtor de saberes,

parecem encontrar na sétima arte a possibilidade de representar, por via

dos recursos técnicos, uma imagem do inconsciente, do simbólico que

nos constitui, da dinâmica do existir e do pensar (ibid, 2015).

Na segunda subcategoria, 08 estudos analisados abordam o

cinema como um método de ir a campo, de realizar uma pesquisa, de

registrar experiências em imagem e som, arquitetar uma montagem do

vivido e produzir um discurso a partir do que foi captado pelas câmeras

e microfones (IDE, 2014; OLIVEIRA, 2012; JUHAS, SANTOS, 2011;

SANTOS SEGUNDO, 2011; GOMES, 2011; FROCHTENGARTEN,

2009; PAMPLONA, 2009; SANCHEZ, 2007) É o cinema como

dispositivo propulsor para se lançar na pesquisa de campo, numa

reflexão sobre as experiências, podendo provocar um reordenamento

dos regimes de visibilidade e dizibilidade.

Autores partem do pressuposto que pesquisas cuja produção de

imagens é método para se chegar a determinado fenômeno favorece a

autorrepresentação, privilegia a exposição e exercício da singularidade

dos sujeitos pesquisados:

A ideia de confiar a filmagem aos participantes

costuma ser remetida a um debate, travado

principalmente no âmbito do cinema e da

antropologia visual, sobre a autorrepresentação.

Grupos que antes eram apenas o outro retratado

pelas câmeras têm agora a chance de passar aos

bastidores e participar mais decisivamente na

produção de vídeos representativos do seu

universo. Esse modo colaborativo de trabalho, que

61

procura incluir o participante na concepção,

captação e edição das imagens é prática comum

hoje, por exemplo, em pesquisas que empregam o

vídeo participativo (IDE, 2014, p. 96)

Pesquisadores destacam que a montagem, a escolha do registro, o

olhar e a escuta estão permeados pela não neutralidade do pesquisador-

cinegrafista-pesquisado. A escolhe de um plano, um depoimento, uma

história é sempre a evidência da presença daquele que produz, daquele

que elege, daquele que se coloca como um narrador audiovisual, ou seja,

"o filme é sempre um ponto de vista; não se filma nem se olha

impunemente." (OLIVEIRA, 2012, p. 69).

Nos estudos encontrados, a escrita e elaboração de uma pesquisa

ficam ao encargo das diversas etapas que compõem a elaboração de uma

obra cinematográfica, passando pelo roteiro, a imersão no campo,

decupagem das imagens e montagem. A escrita de um roteiro é feita de

pesquisas de campo, análises históricas, estudos dos

personagens/sujeitos de pesquisa (SANCHEZ, 2007; PAMPLONA,

2009). É produção de uma narrativa descritiva e/ou analítica análoga aos

textos publicados nas revistas científicas: recorte de um objeto de

pesquisa, o estudo desse objeto, a elaboração de um discurso sobre o

mesmo, a escolha por uma abordagem.

O campo de filmagem e o encontro com os personagens em

muito se assemelha com o método da pesquisa-participante ou

etnográfico. No artigo sobre o filme "Estamira", os autores discutem o

enlace entre diretor e personagem e a necessidade de respeito ao ritmo

que o campo impõe sobre o tempo da pesquisa, onde essa espera é

justamente aquilo que possibilitou que o sujeito falasse de si (JUHAS, et

al. 2011).

A etapa de montagem constitui o enquadre que o

pesquisador/diretor irá optar. É a seleção do que da experiência de

campo se registrou, o olhar que a pesquisa irá apresentar, o discurso que

a ciência ou arte podem fundar. Ao publicar uma pesquisa não há como

esquivar-se da responsabilidade de fazer um recorte da realidade, pois,

como num filme, "ao cortar e selecionar uma parte do material bruto que

irá fazer parte do corpo do filme, estamos, simultaneamente, decretando

a morte simbólica do que foi retirado. Um constante jogo entre vida e

morte marca o ato da costura" (SANTOS SEGUNDO, 2011, p. 159).

Na terceira subcategoria, 02 artigos apresentam o cinema como

ferramenta metodológica para se extrair dos sujeitos pesquisados

informações a serem analisadas (CANTARELLI, 2015; GOMES,

62

ROSEMBERG, ALENCASTRO, CASTRO, 2008). Após assistirem a

filmes, os pesquisados respondem questionários ou participam de rodas

de conversa a fim de problematizar as emoções e sentimentos que o

cinema pode suscitar nos seus expectadores.

Tratando-se da relação entre cinema e ciência, os trabalhos

analisados sustentam que a correspondência existe nos âmbitos

epistemológicos e metodológicos: no primeiro, como um discurso

fundante de uma ontologia do sujeito e de sua subjetividade; e no outro,

como uma via de fazer ver e ouvir algo captado e constituído

dialeticamente com o vivido.

CONCLUSÃO

Diálogos entre arte e psicologia datam desde os primeiros

esboços dessa ciência. Freud já assinalava que os artistas estão sempre

um passo à frente das ciências quando se trata de falar do sujeito8. Os

primeiros gestaltistas já se interessavam pelo cinema e os fenômenos

ópticos decorrentes da imagem em movimento (ENGELMANN, 2002).

Kurt Lewin utilizou de gravações em vídeo para estudar o

comportamento infantil (IDE, 2014). São inúmeras as aproximações

estabelecidas até hoje entre psicologia e todas as demais linguagens

artísticas: literatura, música, artes cênicas, dança, arquitetura, escultura,

pintura, etc.

O que encontramos nessa Revisão Sistemática é a continuação de

uma proximidade histórica. Os trabalhos analisados prosseguem nessa

trilha citada por Freud, onde o estético dá pistas do caminho a ser

investigado pelas ciências. Esses estudos, cada um à sua maneira,

evidenciam a potência da arte - mais especificamente do cinema - como

elemento agregador de recursos narrativos, sociológicos e sensíveis ao

desenvolvimento do saber psicológico:

cinema como produto da atividade humana pode

ser concebido como um rico documento de tensão

da existência e problematizador da realidade

objetiva. Portanto, o cinema possibilita ao

espectador a reflexão sobre si e sobre a realidade

8 Segundo Lacan: "a única vantagem que o psicanalista tem o direito de tirar de sua

posição, sendo-lhe esta reconhecida como tal, é de se lembrar, com Freud, que em

sua matéria o artista sempre o precede" (LACAN, 2003, p. 200)

63

concreta de forma mais sensível e objetiva

(RAMOS, 2015, p. 171 - 172)

A organização dos trabalhos selecionados em 03

categorias nos possibilitou evidenciar onde e como cinema e psicologia

dialogam. Em "Análise de filmes" fica nítida a presença do cinema

como um recurso a ilustrar aquilo que a escrita teórica procura

destrinchar em palavras. Não obstante, há nesta categoria trabalhos que

desenvolvem suas teorias com base nas reflexões suscitadas a partir dos

filmes. "Cinema como atividade de intervenção", por sua vez, abrange

pesquisas de caráter interventivo; todos os trabalhos são descrições e

análises de atividades que utilizaram o cinema como recurso facilitador

de ações em coletivo, sejam elas vivências grupais ou atividades

pedagógicas. A terceira categoria de trabalhos, designada

"Epistemologia e Metodologia", aproxima a arte da prática científica,

colocando-as lado-a-lado no exercício de produzir conhecimento.

Categoria Sub-Categoria Trabalhos Analisados

Análise de Filmes N = 70 Psicanálise N = 26; a = 13 d = 11 t = 2

Gênero N = 11; d = 9 t = 2

Psicologia Social N = 14; a = 6 d = 4 t = 4

Jung N = 7; a = 1 d = 5 t = 1

Pós-estruturalismo N = 5; a = 1 d = 4

Psicologia Clínica e da Saúde

N = 4; a = 2 t = 2

Outros N = 3; a = 1 d = 1 t = 1

Cinema como Atividade de Intervenção N = 18

Educação N = 10; a = 5 d = 4 t = 1

Vivências N = 8; a = 3 d = 4 t = 1

Epistemologia e Metodologia N = 20

Epistemologia N = 10; a = 3 d = 5 t = 2

Metodologia N = 8; a = 3 d = 5

Pesquisas N = 2; a = 1 d = 1

Legenda: N = total; a = artigos; d = dissertações; t = teses

[Figura 02] – Resultados da Revisão Sistemática

A partir da pesquisa nas bases de dados pode-se vislumbrar uma

série de possibilidades de como o cinema tem sido abordado nos estudos

de psicologia. A RS nos dá um panorama das articulações atuais entre

cinema e psicologia (figura 02) e aponta direções para investigações

futuras, deixando-nos a par das principais discussões e teorias.

64

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78

79

ARTE E CIÊNCIA: APROXIMAÇÕES

EPISTEMOLÓGICAS

RESUMO: Este artigo procura traçar algumas aproximações

epistemológicas e conceituais entre arte e ciência, tomando como base

que ambas correspondem à experiência do sujeito como atrelado à

linguagem e condicionado à busca por sentidos. Para dar conta dessa

proposta, é estabelecido um diálogo entre a filosofia de F. Nietzsche, as

elaborações conceituais de G. Deleuze e F. Guattari e os ensaios sobre

arte e teoria do conhecimento de W. Benjamin. Parte-se da problemática

do que é fazer ciências humanas na esteira do positivismo, expondo os

limites metodológicos e conceituais da ciência moderna, principalmente

no que tange à produção de conhecimento sobre o subjetivo. Após, é

debatido alguns pontos de encontro entre a arte e a ciência e suas

semelhanças e imbricações. O texto finaliza com uma breve exposição

das potencialidades oriundas do campo estético que podem promover

uma expansão do pensamento e do conhecimento científico se este

abdicar de fronteiras arbitrariamente traçadas.

Palavras-chave: arte, ciência, epistemologia, Nietzsche, Benjamin,

Deleuze

ABSTRACT: The segmentations and segregations between areas of

knowledge is an artificial form to deal with life, which perhaps have

more political purposes than truly interest in nature or in life. This

article tries to expose some epistemological and conceptual approaches

between art and science, thinking that both experiences are supported by

language and both are ways to search for meanings. In order to

accomplish this theoretical objective, the article seeks to establish a

dialogue between F. Nietzsche's philosophy, the conceptual work of G.

Deleuze and F. Guattari, and the essays about art and theories of

knowledge from W. Benjamin. The article starts with the subject of

what is to make human science in the positivism ways, exposing the

methodological and conceptual limits of modern science, especially in

what concerns the production of knowledge about the subjective.

Afterwards, some similarities between art and science are discussed.

The text ends with a brief exposition about how some aesthetic

potentialities can promote an expansion of thought and scientific

knowledge if the traditional science abdicates to draw some arbitrary

boundaries.

Keywords: art, science, epistemology, Nietzsche, Benjamin, Deleuze

80

INTRODUÇÃO

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um

sabiá

mas não pode medir seus encantos.

A ciência não pode calcular quantos cavalos de força

existem

nos encantos de um sabiá.

Quem acumula muita informação perde o condão de

adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

(Manoel de Barros, Livro Sobre Nada)

Insatisfeito na sua condição de sujeito cognoscente, inquieto em

relação ao vivido, por vezes atormentado pelos labirintos do

pensamento, o ser humano — a partir de diversas metodologias,

racionalidades, experiências — lança-se, ao longo de sua história, na

busca pelo conhecimento, na procura por explicações e entendimentos a

respeito da realidade e a respeito de si. Tal busca não se restringe a uma

única esfera da atividade humana, nem é privilégio de um determinado

método ou cultura, mas sim uma condição do ser inserido no universo

da fala e interpelado por perguntas inquietantes sobre si e sua realidade.

O humano, na sua condição de sujeito da cultura e da linguagem,

é um ser que questiona sua condição de existência e a si mesmo,

colocando em questão o campo do vivido. Estamos sempre na ânsia por

saciar o encontro com aquilo que perdemos, o contato com um algo para

além de qualquer mediação simbólica — mediação que sabemos ser

mais um engodo que uma verdade. Por mais que muitas vezes nos

enganemos e tentemos acreditar no encontro com as verdades últimas

(projeto do método positivista e das ciências modernas), não cessamos

de nos angustiar com o fato de tudo ser uma construção provisória que

não corresponde à completude pretendida do sujeito com um algo que

podemos nomear de natureza, realidade, verdade:

Estamos sempre fora do que pensamos que somos,

e do que pretendemos determinar como nossa

essência, o que nos torna um tipo de ente lançado

81

num “para além” de si mesmo, exilado das

crenças e certezas absolutas. Nós somos um ente

que não coincide consigo mesmo. (Drawin, 2008,

p. 16)

Essa inquietação, que visa a responder às questões colocadas

pelos mistérios da existência nos diversos tempos e civilizações, resulta

em variados métodos, paradigmas, dogmas, crenças, epistemologias que

pretendem dar uma forma ou sentido qualquer a angústia inerente a esse

não-saber. Talvez o que mais importa nesse processo não é a qualidade

da resposta, mas sim o exercício por responder tais questões, movimento

incessante de produção de conhecimentos.

O exercício de pensar, de criar respostas, de investigar o vivido

não é uma exclusividade de um campo específico do saber. Ciência,

arte, filosofia, religião, senso comum são regimes discursivos distintos

que se ocupam em indagar e responder a ausência de um sentido

absoluto e dado à priori (Sampaio, 2007). É característica de todo tipo

de saber se engajar na produção de conhecimento, imbricado em uma

determinada posição axiológica, com suas ressonâncias éticas e

políticas, criando sentidos que sirvam de representações da realidade

(Costa, Zanella e Fonseca; 2016).

Nessa perspectiva a produção de conhecimentos está em

constante devir, o que deixa em aberto a possibilidade de que os

paradigmas que condicionam o nosso conhecimento e

interpretação/construção da realidade, orientados segundos os diversos

planos discursivos, estejam passíveis de serem questionados,

relativizados, transformados, reinventados (Medrado, 2011). E,

consequentemente, que a própria realidade seja interrogada, e que os

sentidos e dogmas naturalizados sejam colocados em dúvida quanto ao

seu caráter de verdade absoluta.

Para o desenvolvimento dessa discussão, este artigo se divide em

quatro tópicos. O primeiro discute a produção de conhecimento em

psicologia e a questão da subjetividade. No segundo tópico

problematiza-se os limites epistemológicos do discurso científico

positivista naquilo que tange às questões referentes à representação da

realidade. No terceiro tópico apresentou-se uma possível aproximação

entre a ciência e a arte, dois regimes discursivos que outrora pouco

dialogaram. Trata-se de um interesse em problematizar as convergências

e divergências entre esses dois regimes discursivos distintos e uma

possível conjunção desses saberes na produção de conhecimentos em

psicologia. Por fim, o quarto tópico focará nas potências da arte como

82

produtora de conhecimentos relevantes às pesquisas no campo da

subjetividade, sobrevoando penhascos cujo discurso científico não

dispõe de recursos metodológicos ou conceituais para se aventurar. As

análises discutem a possibilidade de uma epistemologia híbrida que seja

potente em abarcar algo desse fenômeno tão caro à psicologia e à

sociedade ocidental moderna e contemporânea: a subjetividade.

Tais discussões terão como principais embasamentos teóricos o

pensamento de Friedrich Nietzsche sobre a ciência moderna e a

racionalidade iluminista, a perspectiva pós-estruturalista de Gilles

Deleuze sobre os possíveis entrelaçamentos entre a filosofia, arte e

ciência, e a teoria crítica de Walter Benjamin a respeito da produção de

conhecimento. Tais autores foram elegidos como referências teóricas

desse artigo devido às suas teses filosóficas sustentarem uma

epistemologia que torne possível um diálogo profícuo entre a ciência e

outras formas de saber, como, no nosso caso, a arte.

PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO EM PSICOLOGIA

A psicologia, ao longo da sua constituição como área do

conhecimento científico, assim como outras ciências humanas e sociais,

experimenta, de forma mais aguda que as ciências naturais, uma crise na

sua constituição como lugar de saber, devido à pluralidade de discursos

possíveis, de metodologias e teorias que tentam apreender o seu objeto

de estudo e se afirmar sobre ele (Figueiredo, 2014).

A partir do século XVII, com o imperialismo da ciência moderna

e dos métodos positivistas sobre as outras formas de conhecimento, a

subordinação aos critérios de mensuração e controle se impõe a qualquer

forma de saber que almeja o lugar de poder conquistado pelo discurso

científico (ibid, 2014). Na fundação da sociedade moderna, o status de

ciência passa a assumir uma autoridade sobre as outras formas de saber

devido à sua estrutura lógico-matemática impermeável a

questionamentos advindos de outros regimes discursivos, tornando a

ciência imune a qualquer crítica ou desconfiança, o que não sucedia com

outros campos de saber, como as artes, a religião e a filosofia (Drawin,

2004).

No entanto, tais paradigmas científicos não eram suficientes para

abarcar alguns objetos investigados e questões levantadas pela

psicologia referente à realidade que procura interpretar:

83

a psicologia, que nasce no bojo das tentativas de

fundamentação das outras ciências, fica destinada

a não encontrar jamais seus próprios fundamentos,

a nunca satisfazer os cânones de cientificidade

cujo atendimento motivou sua própria emergência

como ciência independente. Mas fica igualmente

destinada a sobreviver, sem segurança nem

confiança, tentando precariamente ocupar o

espaço que a configuração do saber lhe assegurou.

(Figueiredo, 2014, p. 20)

Dentre os objetos de interesse das ciências psicológicas, e talvez

um dos objetos de mais difícil apreensão por tais métodos oriundos das

ciências naturais, encontra-se o que Luís Figueiredo chama de “o

psicológico” (Figueiredo, 1992). No auge do império da razão sobre

outros afetos e experiências, momento que se acreditava que as ciências

poderiam dar conta de todas as respostas formuladas sobre a realidade,

derrubando o véu da ignorância que nos impedia de acessar as verdades

últimas referentes à natureza e em relação a nós mesmos, algo sobra, um

resto a ser ignorado nas medidas estatísticas. A técnica positivista

começa a dar sinais da sua finitude, a crença no homem racional como

centro do mundo, que tudo vê e tudo pode, começa a derrocar (Rolnik,

1992). Um novo objeto que escapa dos métodos científicos tradicionais

começa a tomar corpo e passamos a indagar como é possível apreendê-

lo, como produzir conhecimento a respeito dele. Esse objeto-resto-sobra

chamarei aqui de subjetividade.

Drawin descreve a subjetividade como “instância de

discernimento, escolha e livre causação” (Drawin, 2004, p. 34), visto

que o humano não pode ser compreendido somente a partir das

determinações oriundas das condições internas ou externas a ele, onde o

movimento dialético de sua constituição é de uma complexidade

inapreensível por teorias generalizantes. A subjetividade se situa como

“instância do humano que resiste a deixar-se objetivar ou a coisificar-se”

(ibid, p. 34), características essas que justamente se opõem ao ímpeto

positivista, e só pode ser abordada a partir de sua historicidade e suas

ações e afecções no vivido. “Os neurônios não pensam”, frase atribuída

a Heidegger, vem a atribuir à subjetividade e não à fisiologia a irrevogável tarefa de fundar o sujeito, a partir de uma linguagem

autorreferencial na medida em que esse se constitui na mediação da

função simbólica e da experiência na cultura (ibid).

Nesse processo de constituição de si, o humano, condenado a

escolher e arcar com as angústias de tal condição no mundo (Sartre,

84

2007), torna-se agente de sua própria constituição. Segundo Figueiredo,

a subjetividade inaugurada na modernidade constitui um sujeito “que

nasce sem natureza certa e habita um mundo infinitamente aberto ao seu

engenho e arte, deve se preocupar, desde o momento que nasce,

sobretudo com isso: sua liberdade e sua destinação” (Figueiredo, 1992,

p. 24). Paralelo ao nascimento das ciências modernas, que prima pela

generalização e simplificação dos fenômenos da realidade, emerge no

mesmo período certa ode pelo subjetivo e pela singularidade (Drawin,

2008), que não só lhe concede certa liberdade e autonomia, quanto

também solidão e desamparo.

Agora um náufrago nas experiências de massa (Berman, 2007),

na solidão das cidades, órfão das tradições e das relações coletivistas, o

sujeito moderno, que se constitui nessa relação de duplo-vínculo entre

exaltação e abandono, busca cada vez mais respostas para a existência

no seu próprio ser. Segundo Gagnebin, “o indivíduo burguês, que sofre

de uma espécie de despersonalização generalizada, tenta remediar este

mal por uma apropriação pessoal e personalizada redobrada de tudo o

que lhe pertence no privado.” (Gagnebin, 2007, p. 59). Assim, a

subjetividade ganha relevância na sociedade moderna por conceder ao

sujeito desamparado uma instância na qual ele possa ficcionar a sua

própria existência.

O romantismo, movimento artístico e filosófico que influenciou

certas características das sociedades ocidentais dos séculos XVIII-XIX,

também revela no plano da cultura um elogio ao subjetivo e às

características do humano inapreensíveis pelo racionalismo iluminista

da época. Tal movimento volta-se para o encontro com o irracional,

inconsciente, para os afetos perturbadores e passionais da inquietação

humana, valorizando o animalesco, o místico, o primitivo que surge das

emoções humanas. Ao glorificar o irregular, o torto, o grotesco e os

comportamentos inapreensíveis pela razão, o romantismo enaltece

aquilo que foge do controle da ciência e da moral vigente (Santos,

1993).

Tais características tão cultuadas no campo das artes foram

rechaçadas no âmbito científico da época. O naturalismo científico

sempre refutou qualquer relevância das teorias que incluíssem em sua

epistemologia um diálogo mais próximo com conceitos como a

subjetividade, denunciando tais teorias de ficções sem qualquer validade

científica (Drawin, 2004). Essa relação hierárquica e autoritária

referente à qualidade e fidedignidade da produção de conhecimento

criou uma fronteira, que por muito tempo foi intransponível, entre a

ciência e as demais formas de conhecimento.

85

No entanto, desde algumas revoluções no campo da ciência e da

epistemologia ocorridos no século XX (Santos, 2010), algumas áreas da

ciência, principalmente nas humanidades, passaram a incluir nos seus

paradigmas metodológicos a relevância das questões sócio-culturais, da

mediação da linguagem no acesso à realidade e à experiência humana

situada numa historicidade. Parte da ciência deixou de se sustentar

somente nas inferências lógico-matemáticas, na imparcialidade das

observações isoladas e controladas e passou a agregar nas suas

discussões a necessidade de se problematizar o status de verdade e os

próprios limites da razão (Drawin, 2004). Tais transformações no

pensamento científico tornaram possível a abolição de algumas

fronteiras entre formas de produção de conhecimento e minimizaram a

despótica autoridade que a ciência exercia sobre as demais.

CIÊNCIA MODERNA E SEUS LIMITES

A história da modernidade reservou um lugar privilegiado para o

discurso científico, vindo este a se sobrepor sob diversas outras formas

de conhecimento. O uso instrumental do conhecimento — baseado na

disciplina do cálculo e da testagem — veio a submeter a natureza e o

humano ao rigor do método, do controle e da previsibilidade. Tornou-se

convenção na prática da ciência moderna afastar-se da experiência

cotidiana e dos equívocos da percepção ingênua para afirmar um

discurso que se supõe neutro e fidedigno à verdade dos fatos, sempre

regrado segundo o método positivista (Figueiredo, 2014).

A segurança ofertada pela racionalidade científica, baseado em

toda a sua lógica matemática, nos assegura um domínio sobre o sentido

e um exercício confiável sobre a realidade. A produção de

conhecimentos que advém desse plano oferece argumentos potentes na

sustentação dos discursos e narrativas que constituem nossa existência.

É possível testar, replicar, analisar, mensurar — estratégias essas que

procuram livrar de qualquer suspeita as teses afirmadas pela ciência. No

entanto, principalmente nas ciências humanas, ao se fiar na segurança do

modelo científico positivista, o conhecimento produzido será refratário a

toda idiossincrasia, paradoxo, extremidade, inferindo muitas vezes um

discurso patologizante sobre aquilo que é desviante (Costa; Zanella;

Fonseca, 2016).

O que Nietzsche, Deleuze e Benjamin procuram dizer sobre os

ímpetos da ciência é que a realidade humana não pode ser concebida

86

como algo dado à priori, sendo o objetivo da ciência acessar algo que

sempre esteve lá, porém oculto, desconhecido. “Des-cobrir”, “des-

vendar” são todas palavras que promovem a concepção de que o

objetivo da ciência é acessar o já dado, alcançar o plano da verdade,

anseio fundado numa concepção idealista e progressista da história e do

conhecimento humano. Porém, como aparece nas palavras de Nietzsche,

“contra o positivismo, que fica no fenômeno ‘só há fatos’, eu diria: não,

justamente não há fatos, só interpretações. Não podemos verificar

nenhum fato ‘em si’: talvez seja um absurdo querer tal coisa.”

(Nietzsche, 2008, P.260). O filósofo defende que, ao contrário, toda

ciência é uma constante criação, está sempre por se fazer, interpretando

a realidade a partir de narrativas mediadas por constantes

transformações estéticas e simbólicas.

Simplificação da realidade

O limite da ciência moderna se evidencia ao analisarmos o plano

na qual ela se funda: a consciência. Nietzsche adverte que “a falha

fundamental está sempre no fato de que postulamos a consciência como

critério, como o mais elevado estado de valor da vida, em vez de a

considerarmos como instrumento e particularidade na totalidade da vida:

em resumo, trata-se da falsa perspectiva do a parte ad totum” (ibid, p.

356-357). Nessa perspectiva, a consciência e aquilo que advém da nossa

apreensão da realidade é apenas um recorte do todo — um todo cuja

consciência não é capaz de abordar.

Para a filosofia nietzschiana, a epistemologia da ciência moderna

se pauta nos princípios da filosofia socrática, que tem como paradigma o

questionamento e a busca pelo entendimento do mundo, enclausurando

este numa perspectiva humanizada, reduzindo-o a uma estreita forma de

ser interpelado. Ao formular a díade perguntas-e-respostas, tanto

Sócrates quanto a ciência estariam extinguindo formas outras de relação

com o mundo e fechando as portas para o devir, que não requer

explicações nem submete-se a questionamentos: apenas vive. Esta

civilização que funda suas práticas cotidianas na crença da possibilidade

da apreensão da realidade por via do conhecimento, pode ser vítima da

ignorância de que as repostas são sempre provisórias, que as narrativas

históricas são engendradas nas relações de poder, que as interpretações

são influenciadas por contextos culturais e que a linguagem é falha.

(Boaventura, F. 2010)

87

Nas palavras de Deleuze e Guattari, a ciência “renuncia ao

infinito, à velocidade infinita, para ganhar uma referência capaz de

atualizar o virtual [...] renunciando o infinito, a ciência dá ao virtual

uma referência que o atualiza, por funções.” (Deleuze; Guattari, 2010, p.

140). De todas as possibilidades que emanam do caos9, é na construção

de uma via estreita que a ciência se sedimenta e constitui seu plano de

referência e, não obstante, construção de uma via autorreferenciada.

A ordem e a lógica que a ciência busca aferir à realidade são

possíveis de serem operacionalizadas e, por vezes, cumprem a proposta

de produzir conhecimento válido, de criar funções e estabelecer relações

verificáveis entre elementos isolados. Porém, tal proposta só se torna

viável ao ignorar os movimentos de mutação incessantes, as

singularidades intransmissíveis de cada elemento, os limites impostos

pela linguagem e pela cognição. Ao esquivar-se dessas propriedades, os

autores compreendem que a ciência — diferentemente da filosofia e da

arte — se constitui no gesto de renunciar o caos (ibid).

Nesse ímpeto por afirmar ser a detentora da verdade a partir de

uma condição colocada por si mesma, a ciência claudica numa

circularidade, definindo quais são os critérios de verdade e de

conhecimento válido que a sustentam como forma privilegiada de saber

(Santos, 2010), como na parábola do Barão de Münchhausen, onde o

personagem se salva de afundar no pântano puxando a si mesmo pelos

próprios cabelos. Nesta postura autorreferenciada, a ciência positivista,

por vezes, toma posturas que desqualificam outras formas de saber que

não coadunam com seus métodos, impossibilitando qualquer diálogo

profícuo que poderia advir de posições abertas ao encontro com a

diferença por parte da comunidade científica.

Para Benjamin, no seu texto “A Origem do Drama Trágico

Alemão” (Benjamin, 2016) — trabalho de grande importância na

compreensão de sua perspectiva epistemológica — ao invés de produzir

verdades, o que a ciência positivista acaba por fazer é um desserviço na

produção do conhecimento das coisas mesmas, visto que as

9 Tratarei nesse texto o “caos” como um algo que remete a impossibilidade de

apreender o vivido de forma finita e acabada, entendendo este vivido como

experiências que estão num constante vir-a-ser, desregrado de qualquer ordem lógica

ou concebida previamente pela razão. É aquilo que precede a ciência, a arte e a

filosofia, mas da qual estas tiram todo o material na qual se fundam. O caos não é

um lugar, nem uma entidade divina ou essência de cunho idealista, mas sim uma

virtualidade que comporta as infinitas possibilidades que antecedem qualquer

acontecimento, e que só vem a tomar forma quando interpelado pelos fenômenos

humanos ou pela materialidade da natureza (Deleuze; Guattari, 2010).

88

simplificações e generalizações obliteram o encontro com o particular.

A proposta epistemológica de Benjamin é voltar-se às experiências

singulares sem qualquer mediação de processos dedutivos generalistas, a

fim de não perder nesse salto as qualidades do particular (Roque, 2016).

Limites da linguagem

Para Nietzsche, a ciência não desfruta de nenhuma superioridade

epistemológica frente a outras formas de conhecimento. As produções

científicas são construções da própria razão, e não um acesso a algo que

esteja para fora dela. Toda relação com a natureza é uma invenção

possibilitada pela linguagem. Aquilo a qual a ciência pode dizer algo,

não corresponde a essência das coisas, mas sim a uma criação cujos

critérios de verdade são definidos pela própria ciência (Han-Pile, 2011).

A condição humana de ente assujeitado à linguagem o condiciona

a somente conhecer aquilo que por ele mesmo foi criado e nomeado. A

realidade a que a ciência tem acesso é apenas aquilo que é passível de

representação simbólica e racional. Tudo o mais que não pode ser

representado pela linguagem e seus representantes, permanece

inacessível à compreensão humana; tudo o que está para além da nossa

própria criação, não temos o conhecimento (Sampaio, E. 2007).

Mesmo que todos os critérios definidos pelo método científico se

demonstrem exequíveis e seja possível lidar de forma analítica,

matemática e previsível com a realidade, garantindo objetividade,

controle e validação dos resultados, ainda assim estamos submetidos aos

limites impostos pela impossibilidade de representar, significar e

compreender aquilo que não esteja delimitado pela linguagem. O

modelo de ciência tradicional está enclausurado nos limites da cognição,

nos limites que o universo simbólico define, delimitando uma finitude

específica daquilo que essa condição pode afirmar sobre a realidade.

O processo linguístico de criação de conceitos oblitera e

simplifica as possibilidades que podem advir do caos da qual a realidade

emana. A autora francesa Béatrice Han-Pile (2011), a partir de

Nietzsche, aponta como esse processo ocorre em dois momentos

distintos. Primeiramente, aquilo que se torna objeto da consciência e

passa a ser universalizado com a criação de conceitos que o discriminam

enquanto tais, que o nomeiam, o significam e definem uma forma de

relação do sujeito ou sociedade com o objeto em questão, não deixa de

ser uma metáfora que iguala coisas desiguais como iguais, perdendo

89

assim seu caráter de coisa singular no mundo. Consequentemente,

esquece-se que a origem dos conceitos são fruto de uma arbitrariedade

generalista e passa-se a naturalizar o uso dos conceitos como se se

tratassem de essências definidas na sua natureza, dadas a priori, e não

uma criação, generalização necessária ao manejo da consciência, à

produção de sentidos e essenciais à comunicação.

A importância da linguagem para o

desenvolvimento da cultura está em que nela o

homem estabeleceu um mundo próprio ao lado do

outro, um lugar que ele considerou firme o

bastante para, a partir dele, tirar dos eixos o

mundo restante e se tornar seu senhor. Na medida

em que por muito tempo acreditou nos conceitos e

nomes de coisas como em aeternae veritates

[verdades eternas], o homem adquiriu esse

orgulho com que se ergueu acima do animal:

pensou ter realmente na linguagem o

conhecimento do mundo. O criador da linguagem

não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas

apenas denominações, ele imaginou, isto sim,

exprimir com as palavras o supremo saber sobre

as coisas; de fato, a linguagem é a primeira etapa

no esforço da ciência. (NIETZSCHE, 2005, p. 20-

21)

A realidade humana, concebida no plano da linguagem, é fundada

a partir de representações que buscam construir sentidos e dar certa

estabilidade semântica que possibilita com que interpretemos e

“joguemos” com o mundo segundo nossas próprias regras. O domínio

sobre o campo dos sentidos nos eleva, ilusoriamente, à posição de

dominação também sobre a natureza e a verdade. Nietzsche (ibid), no

entanto, aponta que mesmo a lógica e a linguagem matemática não

encontram correspondência fidedigna às suas teses no real; que suas

aplicabilidades são aproximações, abstrações, generalizações que não se

sustentam na análise singular dos eventos e não há permanência na

passagem do tempo.

O objetivo proposto pela linguagem no exercício de significar a realidade está submetido a dois processos inerentes às estruturas

linguísticas que criam uma distância entre a coisa em si e o seu

representante: os processos metafóricos e metonímicos. A metáfora

corresponde à substituição de um elemento por outro a partir de

90

características que se identificam. No processo metafórico um elemento

é representado pelo outro num processo de transmutação e analogia,

cedendo seu lugar para a presentificação de outro. A metonímia

generaliza o todo a partir do fragmento, inferindo que uma parte pode

ser o representante do todo (Longo, 2006). Os conceitos científicos

abordam de forma metafórica e metonímica a realidade. Ao fazerem

generalizações conceituais, interpretam o todo a partir da parte

(metonímia) e tomam o semelhante pelo igual (metáfora) (Sampaio,

2007).

No processo de representação, ao igualar por semelhança ou por

contiguidade coisas distintas sob o mesmo conceito — processo esse de

falsificação, onde o original está desde o princípio perdido — o

pensamento estaria fadado ao equívoco, ao erro, a falha na apreensão e

relação com o mundo. E, segundo a filosofia nietzschiana, tal inércia do

pensamento impediria possibilidades outras nas relações de alteridade,

substituindo ímpetos mais criativos, inventivos e curiosos por relações

repetitivas, uniformizadas e genéricas com o vivido (Cunha, 2011).

Nietzsche aponta que a ciência e o pensamento iluminista estão

destinados ao erro, pois as bases que sustentam tais concepções e

epistemologias estariam predestinadas ao equívoco quanto às suas

afirmações sobre o domínio e acesso a uma suposta verdade. No

entanto, a intenção não é desqualificar todo o fazer da ciência nem os

caminhos trilhados pela razão, mas situá-la sob uma dimensão

particular, especificamente humana e cunhada sobre suas próprias regras

e condições: Não é tanto uma teoria do erro stricto sensu, mas

uma advertência hiperbólica contra formas

acríticas de realismo. Ela não é direcionada contra

a possibilidade de um enunciado ser verdadeiro no

interior de condições perspectivas, mas sim contra

um conjunto de crenças implícitas: de que não há

tais condições (realismo ingênuo), ou de que

nossos enunciados podem ser verdadeiros em

todas as perspectivas possíveis (Han-Pile, 2011, p.

216)

Faz-se necessário à sociedade humana caminhar pelas vias da razão e da linguagem a fim de dar alguma estabilidade às experiências

vividas, buscando aferir alguma ordem no seu percorrido (Cunha, 2011).

Talvez fosse mesmo impossível viver sob o constante atravessamento do

desconhecido e do abstrato, visto que é no espelhamento com a

realidade que o sujeito se ancora em certa permanência (Nietzsche,

91

2008). O que é preciso advertir é sobre a perspectiva dogmática com a

qual a ciência é dotada após a modernidade e o discurso de verdade

última que essa racionalidade emprega sobre diversos outros planos da

experiência vivida. Posto que a ciência é constituída na cultura e em

função da linguagem, e não o desvelar da verdade e da essência dos

fatos, é preciso compreendê-la como um substrato das relação sociais,

dos sistemas de crenças, de um determinado arcabouço conceitual

(Drawin, 2004).

Não obstante, para estender as compreensões a respeito do lugar

da ciência na sociedade moderna e contemporânea, e mesmo para

desenvolver outras frentes nessa alçada pelo conhecimento, defendemos

a seguir o diálogo e o investimento nos encontros entre arte e ciência –

amálgama estético-epistemológico entre dois planos distintos de

atravessamento da realidade, mas que apresentam semelhanças e pontos

de intersecções nas suas narrativas sobre a realidade, apresentando que

desse encontro é possível formas outras de produção do conhecimento e

de relações éticas e estéticas com a vida.

DIÁLOGOS ENTRE CIÊNCIA E ARTE

Expostas algumas limitações do discurso científico,

principalmente naquilo que tange uma simplificação da realidade e uma

impossível apreensão desta pelo simbólico, o que proponho na

sequência é explorar aproximações entre ciência e arte, com o propósito

de evidenciar que a produção científica não está tão distante das criações

no campo das artes e que a ciência pode se beneficiar desse profícuo

diálogo com a arte no processo de produção de conhecimentos.

As reflexões de Deleuze e Guattari (2010) nos impelem a

compreender nossa relação com o mundo a partir de três planos que

convergem para três formas distintas de interpelar a vida: o plano da

imanência na filosofia, o plano de referências na ciência e o plano de

composição na arte. Para os autores, os planos não se sustentam sob a

mesma matriz de pensamento, nem pertencem a um mesmo nível de

projeção da realidade. É preciso respeitar cada plano segundo sua

condição de existência, em coerência aos seus próprios critérios, sua

lógica interna, sua racionalidade, sem hierarquias ou dominância de um

plano sob o outro, pois “pensar é pensar por conceitos, ou então por

funções, ou ainda por sensações e um desses pensamentos não é melhor

que um outro, ou mais plenamente, mais completamente, mais

92

sinteticamente ‘pensado’” (DELEUZE; GUATTARI, 2010, P. 233).

Tratam-se esses planos de três formas distintas de se posicionar em

relação à vida, de ser atravessado por ela e de tentar capturá-la:

O que define o pensamento, as três grandes

formas do pensamento, a arte, a ciência e a

filosofia, é sempre enfrentar o caos, traçar um

plano, esboçar um plano sobre o caos. Mas a

filosofia quer salvar o infinito, dando-lhe

consistência: ela traça um plano de imanência, que

leva até o infinito acontecimentos ou conceitos

consistentes, sob a ação de personagens

conceituais. A ciência, ao contrário, renuncia ao

infinito para ganhar a referência: ela traça um

plano de coordenadas somente indefinidas, que

define sempre estados de coisas, funções ou

proposições referenciais, sob a ação de

observadores parciais. A arte quer criar um finito

que restitua o infinito: traça um plano de

composição que carrega por sua vez monumentos

ou sensações compostas, sob a ação de figuras

estéticas. (ibid, 2010, P. 233)

Não cabe aqui destrinchar de forma abrangente cada plano, mas

sim aproveitar o que os autores têm a dizer sobre os pontos de encontro

e diálogo entre os planos, principalmente nas conexões estabelecidas

entre arte e ciência, com o intuito de pensar uma epistemologia que

acolha encontros heterogêneos que possibilitem expandir olhares acerca

da complexidade a que se referem as investigações sobre o subjetivo e

sobre a vida.

Ciência e arte como criação e fabulação

Divergindo de concepções dogmáticas de ciência, compreende-se

aqui que a ciência, assim como a arte e a filosofia, constitui-se como

processo de incessante criação, de experimentação da realidade, de

formulação de narrativas sobre o caos da qual vida a emana.

Não há verdades, apenas facetas do que é possível dizer sobre o

vivido, provisórias, parciais, precárias. Os planos partem de um não

saber sobre a vida, e esse não saber é tomado como “positivo e criador,

93

condição da criação mesma, e que consiste em determinar pelo que não

se sabe” (ibid, p. 153). É na lacuna entre o não saber e a necessidade de

atribuir sentido ou de exprimir afecções que os processos de criação se

fomentam, porque, caso o saber já se desse de antemão, não haveria a

ânsia por buscá-lo. Qualquer coisa que se encontra nessa busca é

resultado de um exercício inventivo e criador, e não um achado

propriamente dito.

O processo de criação na arte constitui-se no empreendimento de

compor um frame que se alimenta das possibilidades caóticas da

realidade e reapresentar esse mesmo caos sob uma variedade sensível. A

ciência se sustenta sob a mesma fonte de inspiração, porém busca

apresentar facetas desse vir-a-ser sob um conjunto de regras que as

articula e as submete a relações de causalidade. O processo de criação

de ambos os planos consistem inúmeras possibilidades de narrativas

sobre o vivido, onde cada plano interpela esse vivido segundo lógicas

distintas; nas palavras dos autores, “o que é criação são as variedades

estéticas ou as variáveis científicas, que surgem sobre um plano capaz

de recortar a variabilidade caótica.” (ibid, p. 243).

Mesmo para transformar um estímulo nervoso captado pelos

órgãos sensoriais e transformá-lo em uma imagem na consciência, em

um elemento que seja dotado de sentido, é preciso um processo de

“transcrição” que passa pela criação e pela fabulação do estímulo que

nos toca (Béatrice Han-Pile, 2011). O encontro do organismo com o

estímulo que o sensibiliza é mediado pelo processo criativo que vem a

interpretar uma experiência vivida. Sem tal processo de criação não há

relação alguma entre o ser e o mundo.

Parte da proposta da ciência positivista sustenta-se no ímpeto

pelo encontro com as verdades últimas, com a totalidade das coisas, com

o fim das dúvidas sobre a natureza e o humano. No entanto, no processo

de generalização comum à metodologia científica canônica, as

vicissitudes das experiências singulares são menosprezadas, ficam

desconhecidas.

Para Goethe (2016), a ciência só pode almejar a totalidade em seu

projeto (mesmo que nunca a alcance) ao lançar-se sobre o singular. Para

tanto, a ciência necessitaria se equiparar à arte para levar a cabo sua

proposta de apreensão do mundo, pois a arte comporta, em cada obra,

um todo que lhe é singular:

Dado que nem no conhecimento nem na reflexão

nos é possível chegar à totalidade, porque àquele

falta a dimensão interior e a esta a exterior, temos

94

necessariamente de pensar a ciência como arte, se

esperarmos encontrar nela alguma espécie de

totalidade. Essa totalidade não deve ser procurada

no universal, no excessivo; pelo contrário, do

mesmo modo que a arte se manifesta sempre

como um todo em cada obra de arte particular,

assim também a ciência deveria poder ser

demonstrada em cada um dos objetos de que se

ocupa (Goethe apud Benjamin, 2016, p. 49)

Nietzsche frisa que a ciência deve sempre duvidar dos conceitos

que produz, visto que, por estarem sob o regime da linguagem e do

aparato intelectual humano, estarão sempre condicionados aos limites e

enganos que a linguagem e a razão produzem. Dado que a produção de

saber sobre a realidade está assim atrelada às ilusões possíveis ao

sujeito, o autor sugere que a ciência seja compreendida de forma

semelhante ao fazer ficcional da arte (Medrado, 2011), salientando que o

fato de ser ficcional não invalida a importância dessas criações para a

cultura, sendo a ficção a única via possível de relação entre o sujeito e a

vida.

Em ambos os planos há presente a atividade do artesão,

caracterizada pelo árduo trabalho de pesquisar, analisar, selecionar,

aprimorar, desenvolver um saber mediado por metodologias que se

adéquem aos objetivos almejados. As produções artísticas e científicas

estão imersas em um contexto e suas criações estão em função das

demandas, das inquietações, do imaginário, dos sentidos presentes na

cultura em determinado lugar e tempo.

Para Nietzsche, “o homem científico é a continuação do homem

artístico.” (NIETZSCHE, 2005, p. 141), compreendendo que a relação

estética entre o humano e a sua realidade mediada pela arte cultivou na

cultura uma paixão pela existência e, consequentemente, um desejo de

conhecimento referente à natureza e à vida (MEDRADO, 2011). Para o

autor, arte e ciência são formas de apreensão do real sob planos

distintos, porém ambas elevam a relação do humano com as

experiências vividas, balizando este encontro entre o indivíduo e a vida.

Os dois planos representam meio de acessar a realidade, de concebê-la,

assim como atitudes de afirmação da existência. São expressões de uma

cultura: signos representativos de relações, valores, crenças e

racionalidades vivenciadas numa determinada sociedade (SAMPAIO,

2007).

Arte e ciência são formas opostas e complementares de dar

sentido à realidade. A ciência supõe uma descrição metódica,

95

investigativa e desconfiada dessa realidade, criando o plano de

coordenadas que a tudo justifica e ordena numa relação lógica. A arte,

de maneira complementar e antagônica, não se furta de afirmar a vida

como ilusão, sendo essa uma função conciliadora entre o humano e sua

real condição: viver sobre a égide da ficção (MEDRADO, 2011).

Benjamin também compreende existir diferenciações entre o mundo

sensível e mundo cognoscível, mas localiza relações de

interdependência e de crescimento sob mesmo solo (ROQUE, 2016),

visto que arte e ciência se dão na fabulação de realidade criada pela

razão e sensibilidade humana.

A matriz de ambos os planos é a mesma: a pura desordem

oriunda do caos, ora fabulada pelas representações estéticas da arte, ora

pelas funções lógicas da ciência. As duas formas de criação cumprem a

função de significar o mundo a fim de torná-lo relativamente estável e

suficientemente tolerável à experiência humana. Os sentidos aferidos às

coisas criam a nós uma realidade a parte mediada pelo simbólico,

limitada e condicionada à nossa condição, que concede ao insuportável

inapreensível do caos uma estabilidade relativamente compreensível e

familiar. Arte e ciência inventam sentidos provisórios para não

sucumbirmos à angústia da existência em sua indefinição,

indeterminação e inconclusividade.

AS POTÊNCIAS EPISTEMOLÓGICAS E SENSÍVEIS DA ARTE

A potência da arte nas discussões epistemológicas e nas

metodologias de pesquisa advém da ampliação das capacidades de

apreensão do mundo que os recursos sensíveis da experiência estética

proporcionam ao humano. Seja na criação de narrativas sobre o vivido e

na composição de mosaicos intersubjetivos, seja na experiência de flanar

vacilantemente pelos desígnios da razão, por viver devires tortuosos, por

abrir fendas por onde réstias do caos bagunçam nossas vistas, a arte

impulsiona e mantém o ímpeto criador que nos impele à fabricação de

sentidos e de conhecimento.

Trabalhos realizados no âmbito das pesquisas científicas ou nas

atividades de extensão oriundas do ambiente acadêmico que se colocam

dispostos a desafiar as fronteiras entre arte e ciência, podem viabilizar

uma construção do conhecimento não fendida entre o plano de

referência da ciência e o plano de composição das artes, com respostas

que nitidamente expõem uma limitação e uma dicotomia insuperável,

96

por vezes polarizada e hierárquica. Cruzar as fronteiras, produzir pontos

de intersecção entre os planos, traz a possibilidade de se pensar,

participar e intervir no real a partir de relações híbridas, não

segmentadas sob uma forma ou outra de racionalidade, organizando

compreensões mais sensíveis às vicissitudes do vivido, abertas à

complexidade, heterogeneidade e aos paradoxos da existência (Costa;

Zanella; Fonseca, 2016). Vejamos a seguir algumas possíveis inserções

da ciência que visibilizam-se no campo da arte.

Fragmentos e Narrativas

A arte se mostra como potente na criação de saberes outros

quando participa da composição de novos fragmentos sobre a realidade,

aguçando as visibilidades sobre a vida a partir de derivas estéticas.

Benjamin (2006, 2012, 2016) destaca a metodologia do fragmento como

uma estratégia de ampliar a visão, a análise e apreensão da realidade,

alçando à visibilidade os elementos constituintes do singular que, nas

generalizações e relações massificadas, permanecem na sombra.

Nas pesquisas em psicologia, as narrativas são privilegiados

fragmentos que compõem situações singulares e evidenciam histórias de

vida em processo. Ao invés de lembranças acabadas, a narrativa é

sempre contada a partir de um agora de cada narrador em referência

àquilo que se refere à sua história passada, presente ou futura. Está

sempre mediada por uma dimensão sensível daquele que conta suas

fábulas, não como lembranças encerradas, mas com algo sempre por

(re)criar-se. As palavras que contam vidas não são retratos envelhecidos

de tempos idos, mas sim corpos, asas, sons, cantos que correm muito

mais vivos e desordenados do que encerrados na câmara mortuária do

significado acabado (FRANCESCHINI; FONSECA, 2017). Escutar as

narrativas nas pesquisas em psicologia é dar ouvidos àquele que se

constitui no processo de contar, é ser testemunha de uma existência em

processo. (DUTRA, 2002; GAGNEBIN, 2009). Essas histórias narradas

nos possibilitam acessar realidades outras, pontos de vista não-

hegemônicos, entendimentos ímpares a respeito do humano e da vida.

A metodologia proposta por Benjamin (2009, 2016) implica do

despedaçamento do objeto pesquisado, onde nas fissuras produzidas é

possível destrinchar as particularidades que permaneciam ofuscadas sob

a luz opressora do conhecimento generalista. Segundo o autor,

composições não deixam de ganhar forma, mas sim sob a ordem de um

97

mosaico, onde o todo não se sobrepõe ao particular, pelo contrário, é

formado por ele, valorizando a presença e a forma das singularidades

(ROQUE, 2016). A partir dos fragmentos é possível içar pontes entre

eles para compor novas constelações compreensivas sobre o fenômeno a

ser narrado, expondo as multideterminações que o singular acomete no

coletivo e como este deixa marcas no particular (CANEVACCI, 2004).

O método da montagem de Benjamin, similar à composição de

uma colagem dadaísta10

, tem servido às pesquisas em psicologia para

que, na coleta de fragmentos estilhaçados, possa-se tecer, a partir do

particular, uma apresentação de como as singularidades se apresentam e

se organizam nas suas experiências vividas, principalmente de vidas que

não são representadas pelas narrativas dominantes, pelos hinos de

vitória, pela história oficial. Não deixar calar os “restos”, “cacos” e

“trapos” das experiências humanas é fazer circular as histórias de muitos

que se chega ao conhecimento de poucos (KAMMSETZER,

PALOMBINI, 2017).

Estas composições narrativas se constituem no encontro

entre o pesquisador e as comunidades ou sujeitos que, ao

fabular suas próprias histórias, produzem junto ao pesquisador

uma criação afirmativa sobre sua realidade. Deixa-se a suposta

neutralidade científica para trás, migra-se das instituições

acadêmicas para o mundo e busca-se encontrar as

comunidades, falar com a população, capturar-se por causos,

mitos e lendas, não preocupado com a veracidade factual das

histórias, mas sim com o envolvimento afetivo e subjetivo com

o exercício de narrar. Tal estratégia metodológica, pautada no

encontro entre pesquisador e pesquisado, engaja-se numa

produção de conhecimento científico dialética e coletiva, onde

quem escuta deixa-se atravessar pelo o que é ouvido

(GUSMÃOS; SOUZA, 2010). Tais composições narrativas segundo fragmentos coletados não

almejam apresentar generalizações a serem replicadas e confirmadas na

experiência de todos, de um “comum”. O enfoque do método é

visibilizar o incomum, o estranho, o peculiar, o idiossincrático, aquilo

10 As colagens do movimento dadaísta, de artistas como Kurt Schwitters e Hannah

Höch, eram compostas de fragmentos recolhidos da vida cotidiana, como tíquetes de

ônibus, antigas fotografias, recortes de jornal, pedaços de mapas; resquícios de

experiências anônimas deixados como pistas de sua passagem (RICHTER, 1997).

98

que à margem ficou ao ponto de tornarmo-nos ignorantes a seu respeito.

Segundo Lima e Ciampa (2017), “a preocupação com a generalização

dos dados deve ceder lugar para a preocupação com o aprofundamento

dos dados.” (ibid, p. 06), ou seja, o método benjaminiano promove uma

reversão nos critérios axiológicos da ciência, onde os dados

quantitativos cedem espaço para o aprofundamento na experiência

singular e irreproduzível.

Como numa obra de arte, o que pode se encontrar em

fragmentos do vivido e nas narrativas escutadas não condiz

necessariamente com a experiência consciente daquele que as

profere, mas pode conter uma expressão velada de condições

de existência e enunciações que evidencia modos de vida. A

linha argumentativa não é direta ou linear, pois a sua forma de

expressão é a da fábula, com imprecisões e lacunas, composta

de não-ditos que nos lançam a reflexões polissêmicas. São

elaborações de identidades em processos de metamorfose,

portanto sempre inacabadas (ibid), obras em aberto.

Flâneur

A arte pode lançar o pesquisador na direção de devires, fazendo

eclodir afetos outros, encontros e desencontros, ser caminho do

pensamento flâneur, produzindo experiências estéticas que nos

acometem a afecções pungentes. De forma análoga ou mesmo híbrida, a

ciência, ao desconstruir seus enraizamentos metodológicos e abdicar de

certa fé nos arranjos da linguagem e da razão, arrisca-se nesse caminhar

incerto do que encontrará pelo caminho. A arte, assim, adentra no

território da ciência não apenas como ilustração da natureza ou técnicas

intermediárias para atingir fins terapêuticos ou educacionais, mas sim

para reescrever o vivido, transgredindo a lógica dominante a fim de

viabilizar novas existências (COSTA; ZANELLA; FONSECA, 2016).

A experiência do flâneur possibilita o devir andarilho, louco,

errático. Ignora mapas pré-determinados para que o acaso possibilite que

o novo possa ser trilhado, rompendo com o cotidiano cristalizado. Como

no movimento situacionista 11

da década de 60, o caminhar pelas cidades

11 A Internacional Situacionista, movimento que congregou diversas vanguardas

artísticas da década de 60, defendia um uso lúdico dos espaços da cidade, na

99

transforma-se num grande jogo a céu aberto, um método que comporta

experiências antropológicas, urbanísticas, sociológicas, psicológicas

(JACQUES, 2016). Flanar como método sugere um caminhar como

performance, subvertendo a ordem e expondo contradições e paradoxos,

muros e catracas, procurando romper com as definições de interior e

exterior, público e privado, normal e patológico (FRANCESCHINI,

FONSECA, 2017) — implicação ética, política e estética no ato de

pesquisar.

Caminhando por lugares físicos/subjetivos, é preciso para o

pesquisador em psicologia posicionar-se eticamente em relação aos

vividos daqueles que por esses lugares passam, vivem, unem-se,

aproximando-se de forma sensível à complexa realidade a ser

pesquisada (KAMMSETZER; PALOMBINI, 2017). Este devir cidade

torna-se instrumento para se embrenhar nos interstícios da experiência

urbana e dos modos de vida contemporâneos.

As experiências na cidade relacionadas às questões de

mobilidade, moradia, acessos a serviços e lazer, circuitos de

sociabilidade e mecanismos de exclusão, implicam em modos de

subjetivação característicos, o que as coloca no foco de interesse da

psicologia como ciência e profissão:

A Psicologia deve intervir para mapear a cidade,

não por seu traçado arquitetônico, mas pelos

traços desenhados pelos processos de subjetivação

na contemporaneidade. Ela deve questionar a

iniquidade do traçado arquitetônico na

distribuição dos benefícios e tentar compreender

os processos de subjetivação que compõem esse

caleidoscópio da mobilidade humana. O seu

compromisso é participar da construção de uma

rede social em que caibam diversas formas de

subjetivação, produzidas com processos históricos

que promovem, silenciosamente e violentamente,

o massacre da singularidade em favor de

interesses dominantes, engessando as diversas

possibilidades de expressão, de traçados

subjetivos no espaço público, impedindo a

mobilidade dos sujeitos, negando a complexidade

contraposição às finalidades pragmáticas e utilitárias que segregariam nossas

experiências no espaço urbano (CARERI, 2013).

100

da circulação humana. (CONSELHO FEDERAL

DE PSICOLOGIA, 2010, 70)

Pesquisar em psicologia, por conseguinte, é ir ao encontro de tais

experiências e possibilitar que elas transbordem por via da escrita e da

transmissão do conhecimento. Tal feito só pode ser concretizado a partir

da relação estética que o ato de pesquisar estabelece com o fenômeno

que lhe captura. Tal método impele a criar itinerários que vivenciem

histórias não contadas, apresentando uma bricolagem das imagens,

detritos, rastros e narrativas encontradas no exercício do flanar, frisando

que sempre há caminhos novos a se criar e a se trilhar (COSTA;

ALBERTO, 2012).

Novas imagens

A arte, nas suas diferentes linguagens e na multiplicidade de

matérias-primas, produz fragmentos únicos que favorecem encontros

com novas imagens e certa alforria em relação à repetição do

pensamento; experimento de ideias desviantes que desestruturam o

entendimento hegemônico sobre o sujeito e sobre a natureza. O modo

pelo qual a arte interpela de forma particular o caos possibilita a

emergência de afectos e perceptos, características próprias do plano de

composição e distantes das possibilidades de criação no plano de

coordenadas da ciência.

A experiência da arte possibilita que se deslumbre a fugaz

eventualidade de ser tocado e relacionar-se com aquilo que está para

além do humano, para além da linguagem. Os afectos são zonas de

desidentificação, onde o humano já não se distingue de qualquer outro

elemento existente, sendo atravessado por uma experiência que

transcende sua própria constituição como ser, abrindo passagens para

aquilo que ainda não havia sido (DELEUZE; GUATTARI, 2010). Por

perceptos poderíamos entender como um transitar por lugares sensíveis

que estão para além daqueles em que a razão pode dar conta de

interpretar e nomear, errância por uma realidade que prescinde da razão

e da linguagem (ibid). Afectos e perceptos compõem blocos de

sensações que aderem às obras de arte e passam a ter existência

autônoma, para além do sujeito que a criou; blocos de sensações que

promovem fissuras donde emana a vida:

101

Os homens não deixam de fabricar um guarda-sol

que os abriga, por baixo do qual traçam um

firmamento e escrevem suas convenções, suas

opiniões; mas o poeta, o artista abre uma fenda no

guarda-sol, rasga até o firmamento, para fazer

passar um pouco do caos livre e tempestuoso e

enquadrar numa luz brusca, uma visão que

aparece através da fenda [...] O pintor não pinta

sobre uma tela virgem, nem o escritor escreve

sobre uma página branca, mas a página ou a tela

estão já de tal maneira cobertas de clichês

preexistentes, preestabelecidos, que é preciso de

início apagar, limpar, laminar, mesmo estraçalhar

para fazer passar uma corrente de ar, saída do

caos, que nos traga a visão. [...] A arte luta

efetivamente com o caos, mas para fazer surgir

nela uma visão que o ilumina por um instante,

uma Sensação. (ibid, pp.239-240)

As imagens prenhes de afectos e perceptos — imagens essas

oriundas das artes plásticas e seus rompimentos e reinvenções dos

paradigmas representativos; imagens do cinema e seu mergulho sobre os

enquadramentos e seu transcorrer no tempo; as imagens dos corpos que

se reinventam em movimentos, ritmo e performances, as imagens

urbanas e arquitetônicas que nos remetem a experiências sensoriais e

espaciais raras; as imagens das pesquisas científicas, que reinventam a

realidade segundo jogos de exposição do real — não são meras

ilustrações miméticas. O que emerge das atividades mediadas pela

experiência estética é a possibilidade de criação de universos outros,

relações de estranhamento com o habitual, novos olhares sobre a vida e

sobre as subjetividades (RODRIGUES; BAPTISTA, 2010).

Devir artista

Pessoas que produzem esses portais para realidades que a razão

ofusca e o medo da loucura afugenta — os chamados popularmente de

artistas — são como filósofos e cientistas: bordam narrativas para

sugerir caminhos à nossa existência. No entanto, o que difere o artista

dos outros dois narradores é seu ofício em criar afectos e perceptos,

possibilitando a quem por sua obra for capturado, uma experiência

estética.

102

Do belo ao hediondo, tal experiência não elege apenas afetos de

bem-estar, euforia, deleite, felicidade — sensações essas privilegiadas

pela consciência na busca pela manutenção da sanidade. O dispositivo

da arte também faz cortes na película da razão, e o que advém desse

golpe é uma desconstrução do ego e da centralidade do sujeito

(FORTES, 2015). Há algo de muito grande nesse vislumbre do real que

afectos e perceptos nos fazem sentir que muitos que são interpelados

pela arte sentem-se acometidos por um sentimento de desespero e morte,

sentimentos estes que Nietzsche chamava de “doenças do vivido”, que

nada mais são do que sentir que a existência é muito maior do que a

razão é capaz de elaborar (DELEUZE; GUATTARI, 2010).

A afirmação de Nietzsche é que a ciência necessita da arte para

não desfalecer frente ao encontro com o absurdo, com o inominável

(NIETZSCHE, 2007). Aquilo que se encontra na intentona da ciência

em busca de conhecimento, e na filosofia nos esforços por reflexões,

pode ser kafkiano demais para racionalidades tão vulneráveis ao

extraordinário e ao irrompimento do conhecimento trágico. Porém,

caminhos epistemológicos que se cruzam com a arte podem possibilitar

vias factíveis de trilhar sobre o sem-sentido, em face ao inenarrável,

frente àquilo que permanece foracluído da linguagem. Para o autor, essa

perspectiva transcende a busca pela afirmação da verdade para ir ao

encontro da vida, mas que só poderia ser verdadeiramente vivida sob a

proteção e o socorro da arte.

CONCLUSÃO

O que o diálogo com a arte nos aponta é uma outra forma de

compreender o caráter ficcional das produções científicas. Esse caráter

ficcional não ser encarado como uma “falha” do método científico ou

um trabalho de charlatões, mas sim uma condição ontológica do humano

na sua relação com a existência. Ao procurar compreender associações

de causa e efeito, atribuir definições, produzir taxonomias, realizar

levantamentos estatísticos, a ciência faz uso criativo dos seus conceitos

e instrumentos para criar narrativas sobre o recorte do caos que ela

atravessa em seu plano. O que na ciência soaria como falácia são as suas

afirmações de verdade, que têm como objetivo sustentar um lugar de

poder em que sua posição na ordem dos discursos se apresenta como um

saber superior às demais formas de conhecimento, instituindo a si

103

privilégios que têm ressonâncias no político e no social, exercendo

relações de dominação de cunho econômico, ético e cultural.

Despojado da megalomania de dominação sobre as outras formas

de saber e ciente de que objetos a serem investigados pressupõem

métodos distintos para se chegar a eles — visto que nenhum método de

pesquisa é unânime na sua eficácia ou que nenhuma forma de saber da

conta de todas as vicissitudes do real — o conhecimento científico, em

especial o conhecimento trilhado na psicologia, pode ter muito a agregar

em seus métodos e em suas formulações teóricas ao estreitar laços com a

arte. Os recursos de criação e investigação oriundos desse campo

possibilitam uma expansão das estratégias metodológicas da psicologia,

ampliando as possibilidades de encontros e de experiências na

investigação do subjetivo.

Os conceitos oriundos das linguagens artísticas, que servem para

a formulação e criação de obras de arte, que dão instrumentalidade para

o artista planejar, experimentar e produzir as suas criações, que lhe

concede uma técnica e uma metodologia; as experiências sensíveis dos

processos de criação, que favorecem encontros outros com o real,

navegando na exploração do eu e das relações de alteridade, partilhando

delírios e expandindo horizontes; as teorias que especulam um

entendimento sobre a relação da obra de arte com a cultura, com o

sujeito, com a vida; os estudos que procuram identificar os enunciados e

as representações presentes nas obras e como essas, por vezes,

expandem nosso entendimento e percepção sobre a realidade — todas

essas experiências estéticas e intelectuais provenientes do campo da arte

fornecem à ciência possibilidades de ampliação da sua narrativa sobre os

fenômenos a pesquisar e o modo como fazê-lo.

Mais encontros do que distâncias, mais semelhanças do que

antagonismos, a ciência tem na arte a sua origem. O gesto criador e

inventivo está para a ciência assim como se faz presente em qualquer

produção estética. Há muito mais afetos, emoções e irracionalidades

atravessando as produções da ciência do que o método positivista

gostaria de confessar. Portanto, a arte já atravessa a ciência desde que

esta foi batizada, porém é comum encontrar entendimentos que negam

essa pertença. Fazer ciência mediada pelo diálogo com a arte é reafirmar

a aventura que ambas as experiências são: produção de sentidos, afetos e

narrativas, numa viagem sem garantias nem amarras, a flanar no

tumultuado vazio da existência.

104

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108

109

IMAGEM, CINEMA E PSICOLOGIA: COMPONDO

APROXIMAÇÕES ENTRE ARTE E CIÊNCIA

RESUMO:Imagem, cinema e psicologia — o presente artigo procura

tecer um diálogo entre esses três complexos e abrangentes temas para

desenvolver algumas aproximações teórico-conceituais entre arte e

ciência. Tendo como referência a arte cinematográfica, alguns dos

recursos técnicos utilizados na composição de suas obras e conceitos

oriundos dessa linguagem, o artigo procura içar pontes que partam do

campo da estética para suscitar alternativas metodológicas em pesquisas

em psicologia e para agregar reflexões referentes aos processos de

subjetivação. Esta alçada tem como horizonte a filosofia da imagem e do

tempo de Gilles Deleuze entrelaçada à compreensão benjaminiana da

imagem como constituinte do pensamento e o tempo como um eterno

agora que não cessa de se atualizar. Ambas as teorias são abordadas de

forma dialógica para estabelecer cruzamentos com outros pensadores do

cinema e da cultura, bem como com algumas obras fílmicas.

PALAVRAS-CHAVE: cinema, psicologia, imagem, Deleuze,

Benjamin.

ABSTRATC: Image, cinema and psychology - this article tries to create

a dialogue between these three complex and wide themes to develop

some theoretical-conceptual approaches between art and science. Taking

as reference the cinematographic art, some of the technical resources

used in cinema and concepts developed from this language, the article

seeks to launch bridges between the aesthetic field and alternatives

methodologies of research in psychology, as also to add reflections

about the our sense of existence. This work has as a horizon the

philosophy of the image and the time of Gilles Deleuze intertwines with

Benjamin's understanding of the image as a substance that gives shape

to our thoughts and time as an eternal instant that not cease to update

itself. Both theories are approached in a dialogical way to establish

crosses with other thinkers of cinema and culture, as well as with some

film works. KEYWORDS: cinema, psychology, image, Deleuze, Benjamin.

110

INTRODUÇÃO

“Da mesma maneira que os estados da

alma são paisagens, também as

paisagens são estados da alma.”

Edgar Morin

Imagem, cinema e psicologia. Eis três vastos universos que esse

artigo procura entrelaçar. Arte e ciência, dois campos assaz

consolidados no transcorrer da história e, no entanto, regimes

discursivos distintos no que se refere ao corte no real que cada um

realiza (Sampaio, 2007). O texto que se segue realizará um percurso por

conceitos-imagens que abordam o cinema como forma de pensar o real e

navegar pelo humano, discutindo como essas características da sétima

arte podem corroborar com a produção de conhecimentos em psicologia,

naquilo que tange métodos de pesquisa e processos de subjetivação.

A partir da elaboração de uma teoria do cinema, de uma

formalização dessa linguagem, do desenvolvimento de um saber teórico

e filosófico sobre a arte da imagem em movimento, com seu

desenvolvimento fortemente marcado pelas características políticas,

tecnológicas e sociais do século XX, o cinema veio a ocupar um lugar

privilegiado na sociedade contemporânea, sendo expressão estética e,

dialeticamente, agente constituinte dessa mesma sociedade (Hobsbawm,

1995; Carrière, 2015; Benjamin, 2008).

Esse importante lugar simbólico na nossa cultura — caracterizado

pelas imagens-movimento — fonte de entretenimento, comunicação,

afecções e produção de discursividades sobre o contemporâneo, há de

contribuir com algo à psicologia, e a psicologia se enriquecerá se escutar

o que essa linguagem artística tem a dizer sobre o social, sobre o sujeito

e sobre o real. Como observa Jacques Carrière (2015), o cinema foi uma

das principais revoluções estético-culturais da história recente:

Nosso século testemunhou a invenção de uma

linguagem e diariamente observa a sua

metamorfose. Ver uma linguagem ganhar vida,

uma verdadeira linguagem apta a dizer qualquer

coisa, e participar, mesmo que como espectador,

desse contínuo processo de descoberta, me

impressiona por ser um fenômeno singular, que

111

deveria estimular semiólogos, psicólogos,

sociólogos e antropólogos (Carrière, 2015, p. 41)

As características compositivas do cinema permitem que diversos

aspectos do humano e da realidade sejam explorados, pensados,

pesquisados. A obra narrativa pode fazer ver histórias singulares de

contextos longínquos, distante de nossos cotidianos, revelando assim

realidades impensáveis devido a sua distância no tempo ou no espaço.

Essa viagem não necessariamente precisa ser em territórios ou tempos

distante, pois igualmente desconhecidas podem ser as dinâmicas afetivas

e condições de vida comuns em nossa sociedade, porém invisíveis a

muitos olhos. O cinema pode dar a ver, operar sobre os regimes de

visibilidade e dizibilidade, ao lançar sobre histórias, afetos e sujeitos o

foco da câmera e montagem narrativas para testemunhá-las ao mundo.

Desenvolve assim conhecimento semelhante ao de áreas consolidadas da

ciência, como antropologia, psicologia, sociologia, historiografia.

O cinema não existe somente na tela. Ele transborda das/nas

experiências cotidianas. Suas histórias nos impactam no íntimo, pois sua

linguagem revela, com significante grau de realismo12

, nossa própria

vida. As imagens em movimento que nos chegam, fragmentos de

acontecimentos no tempo e no espaço, sejam ficcionais ou documentais,

estão carregados de elementos que interpelam o humano e que

facilmente promovem projeções e identificação (Morin, 2018), expõem

um saber místico sobre quem somos, revelam na tela — substituta da

bola de cristal — os nossos pensamentos e afetos, passados e anseios,

desejos e temores.

A este “transbordar” também são direcionadas diversas

perspectivas distópicas em relação à excessiva presença da imagem na

sociedade contemporânea. As críticas apocalípticas (Eco, 2006)

referentes ao cinema e à cultura de massa atestam que tais fenômenos

corroboram com a homogeneização das subjetividades, destruindo as

culturas locais e a possibilidade de experiências singulares; propagam

12 O conceito de “realismo” refere-se ao movimento estético do século XIX que teve

como proposta basilar realizar um contraponto aos valores artísticos manifestados

pelo Romantismo da época. Recusando-se a retratar a vida a partir da perspectiva do

mito, do heroico, do belo, o realismo procura expressar na arte os aspectos

observados no cotidiano. Anos mais tarde, o neorrealismo será característica

estético/narrativa de parte do cinema do pós-guerra na busca por denunciar as

mazelas do conflito sobre a humanidade. Autores argumentam que o cinema tem

uma propensão ao realismo devido à forma como essa linguagem é concebida e aos

seus aparatos técnicos (Bazin, 2018).

112

uma visão ideológica acrítica que condiciona o sujeito à passividade e a

uma condição subserviente ao capital; destituem das pessoas a

possibilidade de uma consciência social e histórica; promovem um tipo

superficial de contemplação estética, voltada unicamente para o

entretenimento e para o entorpecimento; se mascaram de uma cultura

legitimamente popular, mas são impostas de cima por indústrias que

almejam aumentar os seus lucros e controlar as massas. Como ironiza

Adorno, “o cinema faz publicidade para o truste cultural maquínico no

seu todo” (Adorno, 2014, p. 58).

Em contrapartida, a busca por uma imagem que escape a um

movimento da sociedade do espetáculo, que encontre algo de sensível e

reflita algo de uma humanidade escamoteada nos tempos de enorme

profusão de informações, parece ser a busca de alguns diretores do

cinema, mas que veem o status da imagem na contemporaneidade com

pessimismo. O diretor alemão Wim Wenders, na sua procura pelas

imagens do passado — imagens estas que povoam seu imaginário

estético e que apresentaram a ele a possibilidade do encontro com o

sensível pelas vias do cinema — confessa certo desânimo na sua busca

por imagens que possam dizer algo sobre o humano e que já não estejam

demasiadamente alteradas pela artificialidade contemporânea:

Quanto mais a realidade de Tóquio me parecesse

uma torrente de imagens impessoais, cruéis,

ameaçadoras e, sim, quase desumanas, mais

poderosas se tornavam, em minha mente, as

imagens do mundo amoroso e ordenado da cidade

mítica de Tóquio que eu conhecia dos filmes de

Yasujiro Ozu. Talvez isso fosse o que não existia

mais: Uma visão que ainda alcançava a ordem

num mundo sem ordem. Uma visão que ainda

mostrava o mundo transparente. Talvez tal visão

não seja mais possível hoje. Nem mesmo se Ozu

ainda estivesse vivo. Talvez a freneticamente

crescente inflação de imagens já tenha destruído

demais. Talvez imagens em harmonia com o

mundo já estejam perdidas para sempre. (narração

em off do diretor Wim Wenders, filme Tokyo-

Ga,1985)

Conterrâneo de Wenders, o diretor Werner Herzog expõe

angustia similar na sua busca por registros que sejam autênticos, que

possam ir além da superficialidade que a enorme profusão de imagens

113

ao longo do século XX acabou instaurando sobre os artistas que

trabalham com esse material estético:

Isso é tão simplesmente poluição visual. [...]

Precisamos urgentemente de imagens que reflitam

a nossa civilização ou que correspondam ao que

temos de mais íntimo. E temos de encarar essa

guerra, a fim de solucionar tal necessidade. Eu

lamento que, por exemplo, às vezes eu tenha de

subir 8 mil metros montanha acima para obter

imagens claras, puras e verdadeiras. Aqui quase

não tem isso. É preciso procurar muito.

(Depoimento de Werner Herzog, filme Tokyo-

Ga,1985)

A aliança entre espetáculo, entretenimento e mercadoria,

denunciada por Guy Debord (1997), foi consolidada ao longo do século

XX. As linguagens artísticas foram cooptadas pelo capital para

anestesiar o pensamento e condicionar as populações a uma forma de

consumo homogeneizada e acrítica: entretenimento como ópio do povo

(Comolli, 2010). No entanto, cabe a cada linguagem fazer resistência

frente a esse uso mercadológico, viabilizando que a arte e seu espectador

venham a tecer formulações independentes e críticas referentes aos

sentidos, as afecções e reflexões possíveis que a obra pode suscitar.

Segundo Jean-Louis Comolli, o cinema precisa resistir às intenções

totalizantes do mercado, pois “lutar contra sua dominação é travar um

combate vital para salvar e possuir algo da dimensão humana” (ibid,

2010, p. 12, tradução nossa). Talvez o lamento de Wenders e Herzog em

relação ao estatuto da imagem na contemporaneidade seja referencia ao

exercício árduo que é essa luta por imagens que libertem o espírito e o

pensamento.

Por mais comum e usual que seja a utilização da palavra

“imagem” em nosso cotidiano, sua abrangência conceitual se mostra um

tanto complexa ou mesmo vaga, seja na arte, na ciência ou na filosofia.

Ela pode ser abordada, a começar, por questões relativas à percepção e

sua visualidade, via pela qual a imagem se torna um objeto de relação.

Por conseguinte, o estimulo visual não é o suficiente para tornar a imagem “visível”. É preciso que o sujeito a tome como participante do

seu imaginário e venha a colocá-la como rede de sentidos e significados

para que possa estabelecer com ela alguma relação. Podemos pensá-la

na relação com o dispositivo que a porta e a projeta no mundo,

114

determinando-lhe um contexto e sua presença na dialética social.

Ademais, pode-se questioná-la na sua ontologia, na sua relação com o

tempo e o espaço, seu caráter representativo/constitutivo da realidade,

seu lugar nas estratificações do real13

.

Assim como pode ser ampla a sua interpretação e seu lócus de

problematização, também não são poucos os teóricos que procuram

formular um entendimento conceitual da imagem, sejam eles oriundos

das diversas linguagens artísticas e dos diferentes períodos históricos ou

movimentos estéticos; referentes às diferentes vertentes da filosofia,

desde a crítica à mímesis por Platão, às contemporâneas

(des)construções do pós-estruturalismo; cunhadas nas buscas da ciência

por definir as características de captação, tradução e tratamento das

imagens pelo cérebro e pela razão.

Não ignorando esse amplo espectro no qual qualquer reflexão

sobre a imagem e cinema de deparará, inserido nas problemáticas

culturais que giram em torno dessas temáticas, o tópico a seguir discorre

sobre o conceito de imagem em Gilles Deleuze e em Walter Benjamin,

aborda-o na sua manifestação cinematográfica e traça um paralelo

conceitual entre a imagem no cinema e a imagem na psicologia,

apontando como a linguagem cinematográfica e o trabalho teórico

desenvolvido em torno do conceito de imagem podem corroborar com

estudos oriundos da psicologia, na busca por elaborar algo referente aos

fenômenos da subjetividade e na produção de conhecimentos sobre o

sujeito.

O CONCEITO DA IMAGEM EM DELEUZE E BENJAMIN

Deleuze discorre sobre a arte cinematográfica a partir do conceito

de imagem-movimento e seus desdobramentos. O principal enfoque

dado pelo autor à linguagem do cinema é a dimensão do plano e as

possíveis camadas de apreensão do real que um plano pode compor. A

imagem-movimento é propriamente o plano cinematográfico, a

modulação e composição do tempo que contém um acontecimento; nas

palavras do autor, a imagem-movimento é “o corte móvel de uma

duração” (Deleuze, 2018, p. 44).

13 Para aprofundar a leitura sobre todos esses campos da “imagem”, ver o livro “A

Imagem”, de Jacques Aumont (2012).

115

A imagem captada pela câmera, a composição do plano, os

elementos nele contido — as paisagens humanas, o semblante dos

objetos, a dinâmica dos cenários, o humor dos movimentos —

constituem um conjunto infinito de imagens, situadas num plano de

imanência, que narraram, nas suas expressividades, a vida, os afetos, as

histórias, a materialidade que flui, que se movimenta, que escorre no

decorrer do tempo (Deleuze, 2018). O autor distingue três variedades de

imagens-movimento possíveis, segundo as qualidades imagéticas dos

planos: imagem-percepção, imagem-ação e imagem-afecção que

correspondem, respectivamente, a processos perceptivos, processos

narrativos e processos expressivos.

A imagem-percepção apresenta o registro do cine-olho14

, da

câmera, do que passa no seu enquadramento. Para além de todas as

experiências de cunho narrativo ou afetivo que o plano procure

apresentar, existe uma imagem sendo registrada por essa outra

consciência que “reflete seu conteúdo numa consciência-câmera que se

tornou autônoma” (Deleuze, 2018, p. 124). A câmera registra um ponto

de vista como se dos objetos ou no espaço eclodissem olhos que dão a

ver um acontecimento, onde a imagem-percepção dá à contemplação

uma janela que se abre ao mundo. É uma imagem que fornece elementos

para a imaginação se situar e contextualizar por onde paira.

A “consciência autônoma” de que Deleuze nos fala não se trata

da imposição de uma percepção totalizante e objetiva, mas sim o seu

contrário, a possibilidade de uma percepção singular-subjetiva, que

referencia a cena a um sujeito, sendo este capturado segundo seus

próprios desejos, identificações, fetiches. Por substituição ou eliminação

perceptiva referente ao que está dado na captura da objetiva15

, a

imagem-percepção permite a singularização da apreensão do vivido

registrado numa imagem-movimento; a imagem-percepção supõe-se

polissêmica, múltiplos sentidos num mesmo registro.

Na imagem-ação reside a potência narrativa das imagens, a

possibilidade de atualizar em si “meios e comportamentos”, contar

14 A expressão “cine-olho” foi difundida por Dziga Vertov em seu ensaio

“Nascimento do Cine-Olho”, 1924. Sob influência do futurismo, Vertov vê na

máquina-câmera potencialidades para ir ao encontro com a verdade, com o real,

superando as limitações psicológicas humanas que a impedem o sujeito de realizar

este feito (Vertov, 2018). 15 Na câmera fotográfica ou de filmagem, a objetiva (conhecida popularmente como

“lente”) é por onde a luz entra no dispositivo, é seu olho. Não por acaso é chamada

de objetiva, visto a ideia de que seu registro é fidedigno a uma realidade concreta.

116

histórias, causos, acontecimentos. A imagem-ação apresenta situações

que se modificam a partir da ação, do movimento e da existência devido

a sua capacidade de intervir e modular o real, de fazer advir um novo na

corrente da imagem-movimento, do corte móvel, do plano.

É característica da imagem-ação favorecer o entendimento da

história e constituir relações entre as situações, os sujeitos, os espaços

no qual o filme transcorre. Nela se atualiza sentidos mais consolidados

do que nas outras duas variedades de imagem-movimento (perceptiva e

afectiva). A imagem-ação agrega nome aos personagens, expõe a

relação existente entre eles, explora as situações no qual estão

envolvidos, descreve contextos. É a potência de modificar as situações,

transformando-as em novas realidades; é a exposição dos

acontecimentos.

A imagem-afecção refere-se a potência expressiva que o cinema

pode compor. Espaço privilegiado para a composição das experiências

afetivas possíveis. Deleuze identifica a imagem-afecção como o

primeiro plano, o rosto humano, imagem que oferece uma apreensão

sensível do filme. Momento de suspensão da narrativa, o destaque

proporcionado pela imagem-afecção (pelo primeiro plano) não procura

agregar necessariamente elementos a uma história contada, mas sim

suscitar afetos, provocar reações, acordar os monstros, desencadear

identificações, desejos, fetiches. Não se supõe como objeto narrativo,

mas como experiência sublime, no sentido que ocasiona uma ruptura

com o encadeamento lógico da história para advir um encontro com o

afetivo.

O rosto, na lógica da imagem-afecção, pode ser encarnado em

objeto, lugares, animais, plantas, todo o não-humano. O rosto expressivo

e potência de afeto é a presença de uma anima, de um algo que suscite a

indagação sobre o que se passa com esse Ser, o que sente, o que pensa.

A experiência proporcionada pela imagem-afecção é mesmo complexa

de se exprimir em palavras, visto que é da ordem do sentir e não do

logos racional. Como observa Deleuze, a imagem-afecção é “difícil de

definir, pois é mais sentida do que concebida — ela diz respeito ao novo

na experiência, o fresco, o fugaz e, no entanto, o eterno” (Deleuze, 2018,

p.156).

117

[Figura 01]: Da esquerda para a direita: imagem-percepção, imagem-ação e imagem-

afecção na obra La Strada, de Frederico Fellini, 1954.

As obras do cinema são sempre uma composição das três

variedades de imagem-movimento: as imagens-percepção são

características dos planos de enquadramentos mais abertos, que

apresentem um conjunto de informações dispostas visualmente, sem

eleger destaques, elementos dispostos em uma hierarquia horizontal; as

imagens-ação, apresentadas geralmente num plano médio, onde a

história se desdobra numa concatenação lógica e onde as relações entre

os elementos do filme são desenvolvidas; e as imagens-afecções,

primeiro planos, onde a narrativa é colocada num tempo paralelo e o que

advém são as qualidades sensíveis. A relação entre as imagens-

movimento se dará pela montagem, onde uma das variedades tende a

prevalecer sobre as outras duas, de acordo com as afinidades estéticas do

artista (no caso do cinema, o diretor).

Em Deleuze, as imagens correspondem a encontros e

composições do real em diferentes camadas. As imagens do cinema não

são diferentes das experiências do sujeito na sua existência, dos graus de

encontro deste com a vida. Na verdade, linguagem cinematográfica é

mesmo uma analogia das experiências subjetivas humanas. As três

variedades de imagem-movimento compõem uma quarta: a imagem-

pensamento, resultante de uma síntese em movimento das três formas de

apreensão do real. Seria essa, justamente, nossa forma de relação e

constituição de um entendimento do mundo, um processo de

subjetivação mediado pela recepção e (dis)junção da percepção de um

contexto, da ação narrativa, e das afecções advindas desse encontro.

O conceito de imagem em Benjamin aparece, assim como em

Deleuze, intimamente ligado ao subjetivo. Em seus ensaios sobre o

espaço urbano (Rua de mão única, (2012a), Infância em Berlin por

Volta de 1900 (2012b), Imagens do pensamento (2012c), Passagens

(2009)), o autor resgata de forma literária as imagens que povoam a sua

118

memória em relação a esses momentos vividos. Inspirado na prosa

proustiana, na forma que o autor francês narrava suas experiências

recorrendo a traços mnêmicos, Benjamin procurou desenvolver uma

narrativa que recorre às imagens do pensamento referentes a um passado

que não deixa de se atualizar dialeticamente mediado pelo espírito do

presente.

Para Benjamin o pensamento é constituído de imagens, como no

processo da arte da gravura, onde um molde deixa vestígios sobre uma

superfície a ser gravada — ou como a fotografia, onde a luz captada pela

lente deixa um registro sobre um anteparo fotossensível. De forma

análoga, fragmentos do vivido, acontecimentos, podem fixar-se sobre o

sujeito, deixam-lhe marcas, que são resgatadas como imagens de uma

experiência. O autor lança-se num paradigma epistemológico de

compreensão do sujeito onde o pensamento está mediado por

experiências estéticas e composto justamente desses registros imago-

afetivos. A imagem em Benjamin não apenas ilustra o mundo, “ela é

parte de um processo de construção de linhas de pensamento [...] ele não

só pensa por meio de imagens, ele também pensa com imagens.”

(Pernisa, 2008, p. 29). A imagem em Benjamin ganha status ontológico,

visto que ela compõe o sujeito e este se refere ao mundo mediado por

impressões imagéticas.

Assim como as obras de arte, que, com o efeito do tempo, passam

por transmutações — onde suas cores tornam-se pálidas, o papel

desbota, as superfícies descascam, o bronze oxida, a madeira trabalha e

novos discursos e novas percepções são lançadas sobre elas,

recontextualizando o seu significado na cultura — as imagens do

pensamento também estão sendo constantemente atualizadas. As

imagens do pensamento não são ícones, no sentido peirceano, no

entanto, associam-se mais a lógica dos índices16

: rastros de uma

passagem, de um vivido, que nunca cessa de ser reinterpretado. Assim, a

imagem benjaminiana é uma imagem-dialética, destituída de uma

cronologia linear, ela é “aquilo em que o ocorrido encontra o agora”

(Benjamin, 2009, p.505), estabelecendo uma constelação de fragmentos

16 De forma superficial, na teoria de Charles Peirce, um ícone se refere a um

elemento de forma direta, sem ambiguidades ou deformações. Um símbolo faz

referência a algo por via de convenções social, mas sua “aparência” não é

semelhante àquilo que representa. E um índice é reconhecido por similaridade com o

objeto que representa, como um ícone, porém esta representação é tomada como um

vestígio, uma marca deixada pelo objeto representado, sendo esta uma representação

indireta do mesmo.

119

imagéticos da história que não param de se atualizar no presente

segundo uma significação sempre momentânea, provisória, histórica.

Para Benjamin, a imagem constitui o pensamento assim como

participa da própria condição da linguagem: “se a escrita quiser garantir

o seu caráter sagrado [...] ela terá de se organizar em complexos de

sinais, em sistemas de hieróglifos [...] Do ponto de vista externo e

estilístico — no caráter exuberante da composição tipográfica e

excessivo da metáfora — a escrita tende para a imagem.” (Benjamin,

2016, P. 187). Talvez seja na linguagem das artes visuais que o sistema

de ideogramas se manifesta com mais evidência na cultura ocidental,

onde uma ideia é elaborada e transmitida por via de produções

imagéticas.

As ideias do cineasta Sergei Eisenstein (2002) a respeito da

montagem cinematográfica parecem ir ao encontro do caráter imagético

que Benjamin (2016) afere à linguagem e ao pensamento. Assim como

os ideogramas chineses e japoneses que visam a condensação de um

conceito abstrato em uma imagem, o processo de montagem é a

combinação de planos isolados que, somados, constituem uma

composição possível de ser significada. O processo de montagem

cinematográfica é, para o autor, análogo à constituição do próprio

pensamento, onde imagens aglutinadas em determinada lógica

constituem ideias referentes ao vivido e interpretações da realidade.

No cinema, as imagens registradas pela câmera evidenciam um

visível inalcançável ao olhar, dado aos seus recursos técnicos e estéticos,

como a câmera lenta, o close, o foco, o flash back, o corte, a

justaposição da imagem. A imagem pode trazer à tona aquilo que se

passa despercebido ou invisibilizado nas experiências cotidianas

(Benjamin, 2008). Como o arqueólogo citado por Herzog, o trabalho da

câmera pode ser de escavação e revelação de aspectos humanos,

antropológicos, sociais, estéticos e políticos, ao promover essa pesquisa

imagética sobre o real.

A produção e relação com imagens é o constituinte do sujeito em

Benjamin. Seus pensamentos, sua história e sua posição axiológica no

social é mediado pelo conteúdo imagético que compõe a rede de

significações, afecções, sua narrativa sobre suas experiências e sobre a

vida. E para conhecer esse sujeito é por via dessas mesmas imagens o

caminho possível. Para o autor, o cinema é uma linguagem estética

privilegiada para ir ao encontro das imagens fundantes do humano.

Dado a esta posição favorecida que o cinema ocupa na cultura,

Benjamin, de forma messiânica, como é seu estilo de costume, atesta

que “fazer do gigantesco aparelho técnico do nosso tempo o objeto das

120

inervações humanas — é essa a tarefa histórica cuja realização dá ao

cinema o seu verdadeiro sentido” (Benjamin, 2008, p. 174).

A IMAGEM DO CINEMA COMO EXPRESSÃO DO SUJEITO

Devido aos aspectos técnicos e estéticos do cinema, como a

imagem de uma realidade em mudança, o movimento do enquadramento

revelando uma consciência-câmera, o som (sons ambiente, músicas,

diálogos), a elaboração de narrativas que contam de experiências

humanas, os personagens e seus traços subjetivos — essa linguagem

favorece processos de identificação e projeção que estabelecemos com a

obra que nos interpela.

A obra cinematográfica provoca em nós movimentos de

identificação com aquilo com o qual nos assemelhamos e com aquilo

que idealizamos. Estabelecemos ligações afetivas com os personagens.

Vemos na tela uma vida outra, que bem poderia ser a nossa, que vive os

mesmos dramas, padece das mesmas dificuldades, age impulsionado por

desejos similares ou sublimados. As histórias realizam os ideais muitas

vezes inalcançáveis no dia-a-dia do sujeito comum, personagens que

vivem as fantasias que nosso pudor não permite que sejam confessadas

nem no âmbito mais íntimo. Como observa Morin (2018), “o filme

excita, assim, tanto uma identificação com o semelhante como uma

identificação com o estranho [...] O cinema, como no sonho, como o

imaginário, acorda e revela vergonhosas e secretas identificações”

(Morin, 2018, p. 136). No cinema pode tornar-se atraente o personagem

que na vida real seria um humano execrável, condenável, julgado como

inescrupuloso e aberrante, porém na ficção sua figura surte atração e

louvor, suas características e comportamentos produzem certo efeito

identificatório e o elevam ao status de herói17

. Fantasias perversas são

sublimadas na identificação com o/a vilão/vilã. Materializa-se na tela

um duplo, aquele que sei que não sou eu, mas que diz algo tão íntimo de

mim que eu mesmo não sabia, mas venho a reconhecer. O cinema

realiza esse rendezvous com o estranho-familiar (Freud, 2006), aquele

que aloja-se nas sombras dos nossos desejos, no entanto, persona non

grata em nossa consciência.

17 Tomemos como exemplo os personagens Darth Vader (da série Star Wars),

Hannibal Lecter (The Silence of the Lambs, 1991), Vito Corleone (The Godfather,

1972), Jack Torrance (The Shining, 1980), entre outros.

121

Por projeção, as experiências criadas nas obras cinematográficas

acabam por responder a necessidades que sentimos, mas que muitas

vezes omitimos: necessidade de fugir das obrigações sociais, de viver

uma vida de aventura e liberdade, de ousar a tomar decisões que nos

amedrontam, de viver romances proibidos, agir de forma excêntrica,

trilhar caminhos mais arriscados e incomuns. Coibimos constantemente

nosso impulso de chorar, gritar, agredir, esbravejar — vivências afetivas

inibidas que o cinema pode despertar para a catarse, para a sublimação,

oferecendo-nos a arte como dispositivo para o encontro com os afetos.

Porém, não é somente na relação que o expectador estabelece

com a obra que cinema e psicologia estabelecem um profícuo diálogo.

Por meio de analogias ou realizando “empréstimos” de conceitos

oriundos da arte cinematográfica, alguns conceitos e singularidades da

linguagem que sustenta o cinema como uma variedade artística podem

ajudar a compreender os movimentos e vicissitudes do processo de

subjetivação, tema caro às abordagens da psicologia que buscam

desenvolver conhecimento sobre os processos constitutivos do sujeito,

como também agregar novas estratégias metodológicas às pesquisas em

psicologia, ampliando o leque de possibilidades de encontro com o

sujeito e com o social que as pesquisas podem lançar mão.

Conceitos próprios da linguagem cinematográfica, como campo,

enquadramento, plano, decupagem, montagem, tempo, imagem-

movimento, e as inúmeras nuances e estratificações que cada conceito

comporta, podem agregar potência conceitual na pesquisa e na

elaboração de uma episteme que tenha como intuito a compreensão dos

processos de subjetivação. Segundo Aumont, “a linguagem

cinematográfica é mais ou menos compreensível como manifestação de

uma linguagem interior, que nada mais é do que outro nome do próprio

pensamento” (Aumont, 2012, 95). O cinema é, assim, uma linguagem

que tem estrutura similar aos processos de subjetivação, propiciando

diversas aproximações conceituais e epistemológicas entre os dois

âmbitos, entre cinema e psicologia.

Aqui, o sujeito deve ser entendido em sua processualidade, em

constante movimento de vir-a-ser. A afirmação individualizante de um

“eu”, de um “ego” ou de um “cogito” é apenas parte de um todo maior,

resultante de processos históricos, de uma impressão deixada pelo

contexto político-social, de uma combinação dos agenciamentos que se

incidem sobre um corpo, donde o sujeito emerge como resultante

provisório desses efeitos cambiantes (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

Cenas após cena, plano após plano, o filme vai tomando uma

forma. Seu todo está sempre por se dar, pois a próxima imagem-

122

movimento pode vir a redefinir toda a sua estrutura narrativa. Mesmo

concluído, mesmo depois de anos terem se passado desde o seu

lançamento, o filme ainda está em processo de mutação, pois aqueles

que são interpelados pelas imagens recriaram novas interpretações

narrativas e traçarão nossas afecções possíveis nas imagens gravadas.

Processo de subjetivação é a montagem de um plano após o outro,

projeto fílmico que nunca para de ser rodado, que não abandona o set de

produção; processo em aberto, agenciado pelo coletivo e tornado

presença numa síntese momentânea entendida como sujeito e na mesa

de edição do mesmo.

Conceitos como imagem-mental (Deleuze, 2013, 2018; Aumont,

2003, 2012; Guido, 2012) ou imagens do pensamento (Benjamin, 2008,

2012; Pernisa, 2008) situam um campo onde a imagem encontra o

sujeito para compor o seu imaginário. São imagens que estabelecem

relações entre percepções, ações, afecções, tecendo uma síntese

provisória, sentidos em devir no espaço e no tempo. As imagens que

integram um filme (segundo um campo e seu enquadramento, os planos

e suas decupagens, os objetos cênicos, os movimentos e suas durações)

são as mesmas unidades que compõem nossos imaginários, onde as

relações estabelecidas entre elas (a montagem) contam nossas histórias

— imagens do pensamento onde nossas biografias tomam forma e são

projetadas.

Segundo Aumont (2012), as imagens que se inscrevem no

imaginário são de natureza intermediária entre o verbal e o icônico, não

se identificando com um tipo de registro fotográfico subjetivo da

realidade, tampouco com uma ilustração de uma linguagem verbal

internalizada. O imaginário é de domínio criativo e singularizante na

mediação do sujeito com a realidade, e tal instância subjetiva está

diretamente ligada ao conceito de imagem explorada no cinema. As

imagens do cinema e do registro imaginário não permanecem atreladas à

presença do vivido registrado, seja pela câmera ou pelo sujeito,

desvencilhando-se de uma concepção representativa da imagem,

imagem como mímesis do real. Arte e sujeito têm autonomia criativa

para constituírem diegeses singulares, isto é, elaborar de forma singular

as suas narrativas em relação às experiências vividas e fabular a própria

história.

123

Campo e enquadramento

O conceito de campo no cinema refere-se a um espaço imagético

representado num determinado plano (fragmento de duração) e definido

por um enquadramento específico (recorte do campo visual). São as

“pinturas da realidade” registradas pela câmera, apreensão de um visível

que propõe a formulação de um imaginário sobre a imagem captada.

Onde o enquadramento corresponde um corte da realidade realizado

pelo dispositivo técnico (a câmera), o campo corresponde às potências

da imagem em sugerir essa realidade, em alimentar um imaginário sobre

o que se visualiza (Aumont, 2012).

A composição do campo — se seu enquadramento é fechado ou

aberto, se é saturado ou rarefeito de informações, se realiza um close ou

uma panorâmica, os cenários, personagens e objetos que enquadra, a

qualidade perceptiva, narrativa e expressiva dos elementos apresentados

— agrega elementos qualitativos para compor a imagem-percepção, a

imagem-ação, a imagem-afecção. A forma como a apreensão da

realidade é filmada e a composição imagética resultante corroboram

com a elaboração estética de sensibilidades distintas. O campo pode

definir uma perspectiva sobre o vivido e engendrar afecções referentes a

ele. Ele tem uma potência de enunciação. A forma como o vivido é

captado, seja pela câmera na produção cinematográfica ou por um

sujeito na experiência cotidiana, poderá determinar as qualidades

subjetivas e as relações sensíveis estabelecidas com esse vivido,

constituindo uma rede de sentidos.

A visualidade que constitui um campo se definirá não pelos

aspectos objetivos que compõem a imagem, mas sim pelas relações

perceptivas, afetivas e narrativas que pode sugerir. Mudanças nos

enquadramentos podem corresponder a outros pontos de vista sobre a

realidade. Um jogo de tornar visível e invisível, de fazer ver o que antes

se encontrava fora de campo. O cinema realiza um jogo de

enquadramentos, a partir da montagem, provocando movimentos nas

afecções e reflexões suscitadas pela dinâmica das imagens,

“reenquadramento como funções do pensamento” (Deleuze, 2013, p.36).

O jogo dos enquadramentos é uma operação de visibilidades,

onde algo se destaca e vem à luz, vem a tomar participação no social, enquanto outras tantas permanecem como se nunca tivessem existido. A

arte vem a intervir na distribuição geral das formas de visibilidade,

acarretando em produções de discursos e de sentidos (Rancière, 2005).

Essa potência da arte — em definir aquilo que é partilhado e tornado

124

sensível à razão, ao outro, ao coletivo — intercede na dinâmica do

político assim como do subjetivo. Ela fornece elementos estéticos e

axiológicos para o movimento incessante e constituinte de uma

coletividade, assim como agrega novos ou reafirma velhos enunciados

aos processos de subjetivação.

Para cada enquadramento resta um todo maior representado pelo

fora de campo. Por essa janela que se observa o mundo, supõe-se que há

toda uma realidade circundante que permanece não visível. Portanto,

todo campo não passa de um fragmento, organizado sob um ponto de

vista específico. Logo, é possível pensar o contexto do qual esse campo

foi extraído e as condições dadas para que o enquadramento fosse um e

não outro. O enquadramento cinematográfico define, assim, uma

imagem-movimento constituída pelo dispositivo técnico como também

pelas afecções que o quadro procura engendrar, assim como o sujeito é

constituído de imagens-pensamento rabiscadas nas suas relações

histórico-culturais. Se o cinema é um jogo de enquadramentos, a vida

também o é.

Outra faculdade do campo é a sua potência investigativa. O olhar

debruçado sobre o objeto, sobre a cidade, sobre o humano faz ver o

elemento por vezes invisível ao transeunte desapercebido, favorecendo

que o olhar possa reconhecer algo antes não concebido. As variações de

enquadramentos podem tornar visíveis tanto grandes espaços e

aglomeros de elementos, quanto fragmentos singulares e insólitos.

Um dos enquadramentos mais característicos do cinema,

compreendido como a alma da arte cinematográfica (Aumont, 2012), é o

close. O foco fechado do close mergulha sob um pequeno aspecto da

realidade para acessar o inconsciente óptico tal como afirma Benjamin

(2008), não captado pelos olhares inadvertidos do dia-a-dia18

. O close

comporta a potência de aprofundar os olhares sobre os recônditos da

vida, proporcionando “uma proximidade psíquica e a uma ‘intimidade’

[...] materializa quase que literalmente a metáfora do tato visual”

(Aumont, 2012, p. 146). Sua potência investigativa vai além do encontro

com uma realidade objetiva e material para tornar passível de reflexão

18 “A natureza que fala a câmera não é a mesma que fala ao olhar; é outra,

especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo

homem, um espaço que ele percorre inconscientemente. Percebemos, em geral, o

movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada

percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A

fotografia nos mostra essa atitude, através dos seus recursos auxiliares: câmera lenta,

ampliação. Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise

revela o inconsciente pulsional” (Benjamin, 2009, p. 94).

125

também aspectos sensíveis e afetivos. Se a imagem-afecção é definida

por Deleuze principalmente pelo primeiro plano e pela função rosto, o

close surge com técnica privilegiada para causar a impressão desejada

pela imagem-afecção, que consiste na elaboração e investigação estética

das qualidades sensíveis.

Plano e decupagem

A imagem-movimento é o plano cinematográfico, que consiste

num corte móvel, um segmento de tempo selecionado por meio da

decupagem. É no plano que toda exposição, narrativa, ação ou afecção

se desenrola, a partir da qualidade das imagens que o compõe. Cada

plano é pensando com o intuito de dar visibilidade a uma imagem em

devir que, no todo, constitui a obra. A decupagem é o processo técnico

que corresponde a seleção dos planos e a determinação de seu início e

fim, definindo a duração do plano a partir do corte.

Os planos são as unidades que erigem um filme após serem

organizadas a partir da montagem, onde o sentido de cada plano é

concebido na sua relação com os demais planos que o antecederam e o

sucederão. A lógica constituída na montagem dos planos fica atrelada à

cadeia de imagem-movimento, não sendo expressão de uma linearidade

serial, mas sim um todo que toma forma na relação:

Um filme não é uma soma de imagens, porém

uma forma temporal [...] o sentido de uma

imagem depende, então, daquelas que a precedem

no correr do filme, e a sucessão delas cria uma

nova realidade, não equivalente à simples adição

dos elementos empregados. (Merleau-Ponty,

2018, p. 94)

Os blocos de espaço-tempo apresentados pelo plano não param

de se desequilibrar e reequilibrar, visto que o fragmento fílmico não

corresponde a uma realidade estática, pois está compelido a estar

constantemente em mudança, e a relação entre os planos coloca a cadeia

em movimento espiral, com idas e vindas na constituição do sentido

estabelecido entre eles.

Segundo Deleuze (2018), o plano é um trecho de duração que foi

segmentado artificialmente da sua cadência, extraído de um todo

temporal, e procura representar o próprio tempo por meio das mudanças

126

que transcorrem em seu interior. O tempo, inapreensível por si só, tem

sua presença expressa por meio da imagem que muda. A mudança é ela

a evidência de uma passagem, de uma perspectiva temporal. Por isso, a

imagem ocupa lugar importante na filosofia do autor, visto ser a imagem

em transformação evidência e o acesso possível à dimensão do tempo.

A estrutura de um plano, que decorre da exposição de um vivido,

uma experiência registrada sob um determinado enquadramento, um

corte do tempo que fixa-se como cena, constitui unidades narrativas que

também compõem o mosaico narrativo da experiência do sujeito. O

plano é um registro imagético que nos remete a uma cena, traz à tona

pessoas, situações, afetos que compartilharam o mesmo espaço, o

mesmo acontecimento. O conceito de plano assemelha-se às imagens em

movimento que inscrevem as nossas memórias e que contam os

acontecimentos que tecem a nossa história. A imagem em movimento

que caracteriza o plano no processo de subjetivação são os fragmentos

imagéticos que nos remetem ao passado, ao presente e ao futuro,

constituindo uma concepção de existência, de sujeito, mediado pelo

encontro com um outro, pelas identificações traçadas, pelos afetos e

emoções que nos marcaram, pelos projetos e expectativas que nos

remetem a um futuro, pelos desejos que nos impulsionam às ações,

escolhas e afecções no cotidiano.

Holy moment

O cinema tem uma potência de revelação. Ele registra as

situações que se encanam sob o enquadramento da câmera

oportunizando a transcendência do corte móvel em relação ao tempo e

espaço. Ele mostra lugar, pessoas, situações, a vida acontecendo, os

afetos exprimidos — seus recursos dão a ver o vivido, onde situações

distantes podem ser visualizadas e acompanhadas num contexto deveras

distinto do seu momento de criação. Ele aponta, com seus recursos de

câmera, como o close, o primeiro plano, o enquadramento, o foco, para

elementos a serem destacados, com intuito de expor uma relevância, um

significado, um inusitado, uma importância. Ele escava acontecimentos

onde o singular pode ser encontrado, em meio à profusão de situações e

estímulos. Ele revela um real, um possível, contido num fragmento de

tempo acolhido pela imagem.

Os verbos acima, associados às potências do cinema que derivam

de propriedades óticas e temporais, tendem a concentrar seus efeitos na

127

capacidade de tornar visível e compartilhável um acontecimento. O

cinema não descreve, como na literatura, os acontecimentos. Não tende

a haver explanações verbalizadas do que procura comunicar. A literatura

tem recursos mais ricos para fabular uma história, sendo conduzida por

palavras a qualquer recôndito do universo físico ou psicológico, para

qualquer rincão que seja passível de ser significado (Merleau-Ponty,

2018). No entanto, o cinema nos dá a ver, nos oferece certa concretude

do vivido a partir das imagens-movimento — a fantasia se materializa, o

fictício se revela como existente e, com alto grau de realismo, se

apresenta sob nossos olhos.

No filme Waking Life (2001), o cineasta Caveh Zahedi utiliza a

expressão “holy moment” para designar essa potência do cinema em

destacar um fragmento do real e causar uma experiência catártica a

partir dessa revelação. Zahedi discorre que cada imagem do cinema é

uma face da vida que extrapola o momento do acontecido para torna-se

“sagrada”, no sentido que adquire uma qualidade que transcende a sua

condição física de ser vivente num determinado tempo e num específico

espaço. Cada quadro e cada plano diz sobre aquele específico momento,

e esse momento se torna sagrado por ser uma face da vida que agora

adquire um outro status ontológico.

Indo ao encontro dos holy moments de Zahedi, Deleuze (2013) vê

na constituição das imagens do cinema uma forte vocação a causar

choques e perturbações, devido ao fato de que a imagem na linguagem

cinematográfica é: algo poderoso demais, ou injusto demais, mas às

vezes também belo demais, e que portanto excede

nossos capacidades sensório-motoras. Stromboli:

uma beleza grande demais para nós, como uma

dor demasiado forte. Pode ser uma situação limite,

a erupção de um vulcão, mas também o mais

banal, uma mera fábrica, um terreno baldio.

(Deleuze, 2013, P. 29)

O efeito acarretado pela imagem-movimento pode convocar a

uma disruptura do ego, onde a experiência suscitada pela obra já não

pode ser abarcada pelo pensamento lógico-racional, passando a

predominar mais a ordem do sentir do que do pensar. O imaginário leva um choque na sua insuficiência intelectual, e dessa impossibilidade

advém o sublime, o sagrado (Deleuze, 2013). A experiência do sublime

não remete à sedação que a presença do belo na arte vem a causar: o

encontro com o harmônico, lugar de prazer, tranquilidade, leveza e

contemplação, correspondendo às expectativas do sujeito e da cultura. O

128

sublime, ao contrário, é a experiência do choque: da desorganização

egóica, do horror, do desconforto, do choro engasgado ou, das lágrimas

que transbordam, do riso histérico, da raiva e do torpor (Fortes, 2015).

O termo sublime se apresenta como categoria estética na história

da filosofia e tem sido fenômeno de teorização e elucubração desde os

filósofos gregos aos estudos sobre a qualidade do sentir na

contemporaneidade. O termo, na sua apropriação conceitual, é colocado

como um contraponto à experiência do belo. Se o belo está relacionado

às experiências prazerosas obtidas a partir de relações harmônicas, que

compactuam com o imaginário e com os anseios de um sujeito, o

sublime corresponde à experiência oriunda do choque e da ruptura com

o esperado, suportável, reconhecível, resultando numa espécie de prazer

mediante um gozo catártico.

Se na experiência mediada por um encontro com o belo mantêm-

se certa harmonia entre as faculdades da razão humana e o objeto

estético, no sublime se realiza um desacordo entre as expectativas do

sujeito e o fenômeno que se apresenta a ele. O sujeito se vê sob a

ameaça de uma ruptura, pois sente-se face a um real colossal da qual

suas faculdades e potências se mostram inoperantes e inócuas; um

sujeito esmagado em sua pequinês doravante a imensidão dos afetos que

advêm do real. Em Crítica da Faculdade do Juízo (Kant, 2010), em

relação à experiência do sublime, Immanuel Kant expõe que “o

excessivo para a faculdade da imaginação (até a qual ela é impelida na

apreensão da intuição) é, por assim dizer, um abismo, no qual ela

própria teme perder-se” (ibid, 2010, p.104). A imaginação sucumbe

frente a sua incapacidade de simbolizar o infinito, mas de onde, no

entanto, advém um prazer da ruptura com os limites da razão, que se

realiza como uma experiência de êxtase.

Na continuidade do pensamento de Kant, o filósofo alemão

Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia (Nietzsche, 1992),

desenvolve a disparidade entre o belo e o sublime a partir das

características divergentes de duas entidades míticas: Apolo e Dionísio.

Em Nietzsche, o deus olímpico Apolo simboliza o princípio da

ordenação e da harmonia dos estados, promovendo uma

individualização daquilo que emana do caos, estabelecendo coerência e

possível fruição por parte do imaginário, suscitando a experiência

agradável do encontro com o belo. Em contrapartida, Dionísio vem a

exaltar a o fluxo livre da embriaguez e da desordem, entregando-se a

experiência do caos ao invés de esforçar-se em segmentá-la:

129

E agora imaginemos como nesse mundo

construído sobre a aparência e o comedimento, e

artificialmente represado, irrompeu o tom extático

do festejo dionisíaco em sonâncias mágicas cada

vez mais fascinantes, como nestas todo o

desmesurado da natureza em prazer, dor e

conhecimento, até o grito estridente, devia tornar-

se sonoro. (Nietzsche, 1992, p. 41)

Apolo e Dionísio, belo e sublime, não podem ser tomados como

opostos, mas sim como divergentes-complementares na experiência com

o vivido. Se a realidade toma certa forma apolínea para organizar-se

num cotidiano coerente e de possível entendimento, necessita-se das

subjetivações dionisíacas para não desfalecer frente às experiências de

encontro com o real, com aquilo que não é possível ser simbolizável,

tornando terror e angústia uma experiência de prazer ao dar-se com o

desconhecido, sendo as artes as principais atividades humanas que

podem tornar suportável esse encontro com o caos, pois têm “o poder de

transformar aqueles pensamentos enojados sobre o horror e o absurdo da

existência em representações com as quais é possível viver: são elas o

sublime, enquanto domesticação artística do horrível” (Nietzsche, 1992,

p. 56).

Dentre as variedades da imagem-movimento debatidas por

Deleuze (2018), a imagem-afecção é a via metodológico-conceitual da

qual o cinema pode recorrer para cunhar experiências estéticas que

remetam ao sublime. Ao fazer surgir na tela o afetivo, ao torná-lo objeto

de experiência, a obra produz um caminho para se acessar, pensar e

sentir a dimensão afetiva humana. Deleuze (ibid) salienta que há uma

composição específica para tornar visível o afetivo, e isso implicaria em

uma elaboração do campo, um enquadramento particular, uma

determinada dinâmica do plano, uma decupagem e uma montagem

apropriadamente afetiva.

Assim sendo, a arte pode propiciar a abertura para uma

experiência sensível fazendo advir algo do humano que a ciência, a

razão e as palavras por vezes não alcançam. As imagens do cinema

corroboram com a pesquisa e com o conhecimento a respeito desse

humano na busca, no compartilhamento e na vivência de sensibilidades outras. Para realizar tal feito, o método aqui é uma prática do sentir, do

experienciar; é ir ao encontro de algo, sob a égide da ficção, que a razão

ainda não pode formular e que o método científico tradicional não

comporta nos seus critérios de cientificidade.

130

CONCLUSÃO

As imagens de La Strada foram filmadas na década de 1950,

numa Itália pós-guerra, derrotada. Uma sociedade que convivia com a

pobreza e com o desafio da reconstrução. Os personagens do filme,

Gelsomina e Zampanò, dois artistas mambembes unidos pelas

circunstâncias e pela necessidade. A primeira, uma dentre os muitos

filhos de uma mãe solteira abandonado pelo marido, inocente e

sentimental, crente na bondade e demandante do amor do homem que a

levara como sua esposa pelo valor de algumas liras. Ele, um larápio

grosseiro e promíscuo, egoísta em suas relações, porém um náufrago em

sua solidão. Mesmo vivendo uma relação amorosa mediada pela

agressividade e pelo sofrimento, voltavam sempre a desejar estarem

juntos, sem saber bem o porquê. Ambos partem a perambular pelo

interior do país, apresentando por onde passam encenações cômicas e

truques medíocres para garantir algum sustento e para se embriagar.

O road movie de Fellini nos remete, mais de meio século depois,

a um contexto de incertezas quanto ao futuro em um país desolado pela

crise econômica e com uma infraestrutura em ruínas. Expõe à penúria de

uma população que junta os cacos deixados pela guerra para tentar

sobreviver, numa marcha mais desacreditada do que balizada pela

esperança no futuro. O filme, além de ser a história de dois personagens

fictícios, é um relato das condições de existência e dos afetos que

atravessavam uma sociedade ferida. Narrar o sofrimento e as mazelas

deixadas pelo fascismo foi o que deu identidade ao neorrealismo

italiano, movimento estético/cinematográfico no qual Fellini é

identificado como pertencente na história do cinema e que buscou —

como forma de resistência política por meio da arte — denunciar a

realidade social e econômica que a Itália e o mundo viviam após os

traumas da 2ª Guerra Mundial.

Já não tão fictícios são esses personagens se os interpretarmos

como uma narração de experiências vividas por parte da população

mundial que, na década de 1950, teve que conviver com as sequelas da

Segunda Grande Guerra, e como também vivem, ainda hoje, em muitas

sociedades, povos que se esgueiram sob destroços e que reinventam

modos de existir em sociedades arruinadas por crises econômicas, por guerras civis, por espólio estrangeiro, pelo abandono de suas populações

à própria sorte. La Strada nos conecta com um social e um sensível,

facetas da experiência humana de complexa descrição por meio de

palavras. A solidão, a tristeza, o abandono, a pobreza que o filme narra

131

não estão restritos ao plano da fantasia ou de uma inexistente ficção.

Pelo contrário, a obra traz à tona um real de um modo tão intenso que

sensibiliza o expectador para sentir a sua presença, a vida na sua dureza.

Essa empreitada filosófico-cinematográfica que procura dar

contorno a um real inacessível ao racional é trilhada por intermédio das

composições arranjadas entre imagens-percepção, imagens-ação e

imagens-afecção. Cada uma dessas variedades da imagem-movimento

favorece que uma parte do real possa ser vista, pensada, apreciada. São

constitutivas de um saber sobre o mundo, sobre o vivido — um saber

composto de fragmentos esparsos, de sensações afetivas e fisiológicas,

de relações sensíveis. A arte se lança na produção de conhecimento

numa trama complexa, pois “a imagem nunca é de uma realidade

simples. As imagens do cinema são antes de mais nada operações,

relações entre o dizível e o visível, maneiras de jogar com o antes e o

depois, a causa e o efeito” (Rancière, 2012, p. 14).

O cinema, os conceitos que o constituem e sua linguagem falam,

assim, do próprio sujeito, são expressão do humano. Por mais irreal que

uma história possa parecer, lá reside uma criação humana, decorrente de

desejos, projeções, fantasias, anseios, sublimações. É trabalho de um

autor ou de um coletivo (visto que no cinema as obras são produções

que envolvem um grande número de pessoas), e será objeto de

identificação, de afecção, de revelação para muitos outros. Há naquelas

histórias um suposto saber sobre a vida e sobre nossos anseios e

sentimentos mais íntimos e bem guardados. A arte em geral pode dizer

muito mais do sujeito do que qualquer tratado científico — e nós

sabemos disso, pois somos tocados por ela.

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135

TEMPO E MONTAGEM: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E

PSICOLOGIA

RESUMO: O artigo busca demonstrar que tempo e montagem, além de

serem conceitos operativos e técnicos da linguagem cinematográfica,

possibilitam reflexões referentes à própria existência. Partindo desses

dois vocábulos do cinema, o artigo tece uma possível presença de ambos

na produção de conhecimentos em psicologia, naquilo que tange aos

métodos de pesquisa e estudos relativos aos processos de subjetivação.

O conceito de montagem é pensando dialeticamente entre a sua presença

como técnica fundante do cinema e como método proposto por Walter

Benjamin referente à composição narrativa do vivido. O conceito de

tempo é trabalhado a partir da filosofia do cinema de Gilles Deleuze e

das teses sobre história de Benjamin. O texto coloca em ato o método da

montagem como forma de dar corpo a um pensamento. Assim, o texto

se apresenta como montagem, dividindo-se em 10 cenas e seus

respectivos planos, compondo um todo a partir de fragmentos

reflexivos.

PALAVRAS-CHAVE: Tempo, montagem, cinema, psicologia,

epistemologia

ABSTRACT: The article tries to invoke that time and montage, besides

being operative and technical concepts of the cinematographic language,

allows reflections about the own existence. Beginning from these two

common words in cinema, the article shows a possible presence of both

in the production of knowledge in psychology, in what concerns

alternatives methodologies of research in psychology and studies about

the our sense of existence. The concept of montage is worked

dialectically between its presence as a founding technique of cinema and

as method proposed by Walter Benjamin referring to the narrative

composition. The concept of time came from Gilles Deleuze's

philosophy of cinema and the Benjamin's theses about history. The text

puts into practice the method of montage as a way of giving body to a thought. Thus, the text is written in 10 scenes and their respective

planes, composing a whole work formed by reflexive fragments.

KEYWORDS: Time, montage, cinema, psychology, epistemology

136

[CENA 01 – PRÓLOGO]

01.1 - O texto a seguir trata de uma experiência flâneur entre reflexões

teórico-conceituais a respeito do tempo e sua possível apreensão e

percepção tanto na arte e quanto pelo sujeito. O cinema será um

trampolim para nos lançarmos em questões referentes ao porvir, à

memória, ao arranjo de um agora, à elaboração de uma história — em

suma, um tatear no escuro em busca por uma poiesis que fabule

meditações referentes à nossa existência. Tal caminhada procura refazer

o trajeto filosófico de Gilles Deleuze e Walter Benjamin naquilo que se

refere ao cinema e aos conceitos de tempo e montagem, porém

focalizaremos também nossas câmeras sobre o sujeito que se constitui

na trama do tempo e sob uma lógica narrativa e ficcional. Seguem junto

conosco alguns teóricos do cinema que vieram a consolidá-lo como uma

linguagem artística autônoma, como fonte de reflexão sobre o mundo. O

texto é metalinguístico, visto que está estruturado na perspectiva do

método que procura esmiuçar. Assemelha-se a decupagem de um filme,

organizado numa sequência de 10 cenas e seus respectivos planos,

estabelecendo certa coerência entre eles a partir de uma montagem por

justaposição, compondo uma narrativa fragmentada, não linear.

[CENA 02 – REALIDADE COM FICÇÃO]

02.1 - O paradigma ético, moral, político, científico, religioso e estético

pelo qual compreendemos e nos relacionamos com o mundo, define

nossas existências, consequentemente. Nossa relação com a realidade

não se sustenta sobre uma superfície estática e imutável, condicionada

por verdades últimas inquestionáveis. Nós fabulamos uma realidade no

encontro que estabelecemos com o real, com as outras pessoas, com a

natureza, com a arte, com a cultura, com a vida. Nossa realidade é

mediada por um imaginário, e este se constitui criativamente numa

relação de trocas com o vivido.

02.2 - A ficção é uma condição na qual fundamos todas as nossas experiências e toda a forma de conhecimento possível. Mesmo em

pesquisas científicas mais arraigadas aos dogmas positivistas e crentes

em verdades inquestionáveis, sua via de relação com o mundo é a

palavra, e essa é, ontologicamente falando, fruto da inexorabilidade

condição de ficcionar (Nietzsche, 2005). A própria existência só pode

137

ser concebida e descrita por meio de uma ficção que elabora lembranças

do passado, interpreta as condições do presente e elucubra expectativas

do que será o futuro.

Nossa cultura se constituiu designando certa ambivalência entre

verdade e ficção, como se fossem antônimos inconciliáveis, onde o

fortalecimento de uma, significaria a supressão da outra. Os preceitos

epistemológicos da modernidade e os valores culturais e científicos do

iluminismo calcaram a compreensão da realidade a partir de um modelo

cartesiano de encontro com a vida, que, por vezes, veio a reduzir essa a

uma objetividade esvaziada de sua complexidade, suas ambiguidades,

suas inúmeras possibilidades de vir-a-ser.

02.3 - Ir ao encontro da vida reconhecendo a estrutura de ficção na qual

estamos engendrados e valer-se das qualidades poéticas de interpretação

do real é poder realizar aproximações entre sujeito e objeto,

transcendendo os anseios de dominação para deixar-se atingir, tocar e

ser tocado, estabelecer relações sensíveis com o ente a ser conhecido

(Gagnebin, 2009c). Viabilizar metodologias que agreguem processos de

fabulação e narração na ciência em geral e, mais especificamente, nas

humanidades e na psicologia, é criar caminhos que ultrapassem a

descrição do palpável e do visível para aprofundar-se no caos das

virtualidades, isto é, fazer advir outras interpretações, outros discursos,

outras formas de ser, outros mundos; é aventurar-se não sobre o já dado,

mas sobre o possível (Costa, 2014).

Pesquisas científicas na área das humanidades e da psicologia

têm se voltado para os percursos empregados nas artes a fim de

encontrarem nesse campo vias metodológicas que envolvem um saber-

fazer mediado por sensibilidades que vão além da razão cartesiana e do

entendimento lógico-matemático (Costa, Zanella e Fonseca; 2016).

Procura-se com essa busca superar maniqueísmos e dicotomias para

poder vislumbrar outros horizontes naquilo que diz respeito ao humano

e à vida, criando passagens de acesso à sensibilidades, afetos, vivências,

histórias, acontecimento, paixões, delírios que são inacessíveis à rigidez

e formalidade dos tradicionais métodos de pesquisa.

02.04 - A aproximação estabelecida neste artigo entre arte e ciência

refere-se aos conceitos de tempo e montagem na linguagem

cinematográfica e o diálogo possível com a psicologia, seja no âmbito

138

da pesquisa ou na leitura referente aos processos de subjetivação19

.

Ambos os conceitos constituem o cerne do cinema, onde as imagens-

movimento procuram dar forma ao tempo ao fazer um corte de duração

e tornar esse corte um objeto de apreensão e reflexão, somado à técnica

da montagem que visa abrir caminhos entre percepções, narrativas e

afecções a partir das conexões e da cadeia estabelecida entre as

imagens-movimento (Deleuze, 2018). Similarmente, tempo e montagem

podem ser pensados no campo da psicologia, tomando parte nos

processos e subjetivação ao inserir o sujeito numa perspectiva de tempo,

de história, de memória e de narração referente à própria existência

(Benjamin, 2008a, 2008c).

Tempo e montagem estabelecem proximidades com uma

concepção de realidade que se constitui por meio da ficção, visto que

ambos os conceitos não sustentam uma concepção de realidade calcada

em verdades inquestionáveis ou na crença de um discurso factual, mas

sim em experiências em aberto, calcadas em movimentos incessantes de

composição e dissolução. O resultado disso não é o afrouxar do rigor ou

do comprometimento da ciência com um conhecimento válido e

significante para o bem comum e o desenvolvimento da cultura, mas

sim o contrário. Tais técnicas, saberes e conceitos advindos da arte e das

potencialidades estéticas podem corroborar com a caminhada por

territórios pouco acessíveis às faculdades da razão, favorecendo um

flanar por entre o inverificável, o sensível, o dúbio, o estranho e o

sublime.

Ademais, empenhar-se por percorrer territórios negligenciados

pela ciência tradicional e pelos afetos e discursos dominantes é um

compromisso social e político (Gagnebin, 2009a, 2009b). Circundar o

inenarrável, operar sobre os regimes de visibilidades e dizibilidades,

lançar novos olhares sobre histórias já dadas, supostamente encerradas,

pode ampliar o alcance que os métodos de pesquisa e o conhecimento

em psicologia, aliados às linguagens estéticas, podem alçar.

19 Subjetividade em processo, por se dar, num constante vir-a-ser. Sujeito como

expressão de uma síntese momentânea e provisória, como contorno que emerge dos

agenciamentos sociais, históricos e políticos (GUATTARI; ROLNIK, 1996). O

processo de subjetivação é um movimento ininterrupto de montagem, planos que

não cessam de se registrarem no sobre o corpo.

139

[CENA 03 – TEMPO E SUJEITO NO CINEMA]

03.1 – A compreensão que a humanidade tem do que seja o Tempo

ainda é incipiente e pouco compreendemos o seu comportamento e

natureza. Há muito a física e a filosofia se desdobram sobre o tema,

elaboram teorias e experimentos para dizer algo sobre essa dimensão a

qual nós humanos estamos à mercê, completamente dominados por ela e

reféns do seu movimento. Como observa Carrière (2015), a concepção

do fluxo do tempo, o entendimento da lógica que funda uma noção de

passado, presente e futuro, “tudo isso é muito recente e [uma] invenção.

Ainda não estamos acostumados com o tempo, ainda não o domamos,

sequer chegamos perto” (ibid, 2015, p. 109). Se esse enigma da natureza

ainda gera muitas inquietações no âmbito da filosofia e pouquíssimos

avanços no domínio da ciência, é no campo das artes e da imaginação

que alguma possibilidade de lidar com o tempo tem sido possível.

03.2 - É próprio da linguagem do cinema aventurar-se no sonhado

trabalho sobre o tempo por meio da técnica. Tornar o tempo passível de

ser acelerado ou retardá-lo, fazer saltos que o remetam ao passado ou ao

futuro, paralisar o seu andamento ou mesmo perder-se em seu fluxo ao

ponto de esquecê-lo, são características da arte cinematográfica.

Deformar o tempo é uma forma de liberdade e a gramática

cinematográfica pressupõe que o tempo possa ser submetido, de forma

imaginária, aos desígnios da humanidade. Desde os primeiros textos que

vêm a conceber uma teoria do cinema, a manipulação da realidade e do

tempo é uma variável basilar na concepção do que seja o cinema como

uma arte autônoma, “é como se a realidade fosse despojada da própria

relação de continuidade para atender às exigências do espírito. É como

se o próprio mundo exterior se amoldasse às inconstâncias da atenção ou

às ideias que nos vêm à cabeça” (Münsterberg, 2018, p.34).

Ainda segundo Hugo Münsterberg (ibid), psicólogo alemão e um

dos pioneiros no desenvolvimento de uma teoria de uma linguagem

cinematográfica, o cinema tem aspectos análogos aos mecanismos do

nosso imaginário, onde é possível uma maleabilidade das ideias que

transcende às amarras das experiências concretas para se mesclarem às

possibilidades criativas da imaginação. Assim, o tempo — na sua elaboração segundo as concepções de passado, presente e futuro — vê-

se entrelaçado, não linear, seja no cinema ou no sujeito. O tempo, nessas

duas instâncias, não se restringe à objetividade da física ou às operações

140

da razão, a sua formulação é imaginária e resultado de uma fabulação

sobre as experiências vividas.

03.04 - Segundo Jacques Aumont,

esse tempo não é um tempo objetivo, mas o tempo

da experiência temporal [...] se a duração é a

experiência do tempo, o próprio tempo é sempre

concebido como um tipo de representação mais ou

menos abstrato de conteúdos de sensação. Ou

seja, o tempo não contém os acontecimentos, é

feito dos próprios acontecimentos, na medida em

que estes são apreendidos por nós. Assim, o

tempo, pelo menos o tempo psicológico, o único

que consideramos aqui, não é um fluxo contínuo,

regular, exterior a nós. (Aumont, 2016, p. 108)

O cinema e nossa possibilidade de subjetivar os fenômenos do

tempo correspondem a um movimento complexo onde nos situamos em

diversos planos simultaneamente, de relações estratificadas, onde

passado, presente e futuro se mostram interdependentes. O tempo não

escoa numa mesma direção e o relógio não gira sempre num mesmo

sentido. As memórias, os afetos, as cicatrizes, não deixam de se

atualizar, resignificando ad æternum a experiência dos acontecimentos.

[CENA 04 – JETZTZEIT]

04.1 – A questão do tempo em Benjamin se destaca nas suas

problematizações referentes à historiografia e a forma como esta é

compreendida na produção de conhecimento positivista ou segundo o

método materialista-dialético. O autor critica a perspectiva progressista

de história, onde o progresso e desenvolvimento são concebidos como

movimentos naturais e inevitáveis do curso da história. Também

contesta a ideia de um passado fixado no tempo, descrito como fatos

objetivos e deixados para trás no transcorrer de um tempo ido

(Gagnebin, 2008, 2009a).

Para Benjamin, essa concepção de tempo é correspondente a uma

“marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo” (Benjamin,

2008d, p.229) onde a vida segue linearmente seu destino, sempre

ascendendo a patamares mais elevados, numa perspectiva evolucionista

141

dos acontecimentos. Fazendo um contraponto a essas perspectivas, a

proposta do autor é compreender o tempo a partir de sua brevidade e da

sua constante atualização no presente: Jetztzeit20

. Calcado no método do

materialismo-dialético, o autor propõe uma compreensão dialética do

tempo, um eterno agora que não cessa de se reinventar em diálogo com

aquilo que já foi, mas nunca deixou de se fazer presente.

04.2 – Inspirado na poética de Proust, Benjamin identifica no autor

francês um processo narrativo do tempo que entrelaça a experiência do

sujeito à memória, fabulação e vida; uma eternidade que não se

apresenta como uma linha reta em direção ao infinito, mas sim um

reviver constante, movimento e transformação sob um mesmo e eterno

agora: A eternidade que Proust nos faz vislumbrar não é

a do tempo infinito, e sim a do tempo

entrecruzado. Seu verdadeiro interesse é

consagrado ao fluxo do tempo sob sua forma mais

real, e por isso mesmo mais entrecruzada, que se

manifesta com clareza na reminiscência

(internamente) e no envelhecimento

(externamente). (Benjamin, 2008a, p. 45)

O tempo em Benjamin é um amontoado de fragmentos, que se

reconfigura conforme as relações do agora se arranjam. O processo de

montagem é o método pelo qual o autor pretende abordá-lo. Coletando

os cacos reminiscentes do passado, é possível sempre reinventar um

presente, sem obliterar aquilo que já foi. Desta forma, o tempo deixa de

ser totalizante e destruidor, como Krónos devorando aos seus filhos,

para se constituir como coletividade, não mais composta de vazios, mas

de somas de experiências que se aglutinam e se reconfiguram (Roque,

2016).

O princípio do método da montagem, nas palavras de Benjamin, é

“erguer as grandes construções a partir de elementos minúsculos,

recortados com clareza e precisão. E, mesmo, descobrir na análise do

pequeno momento individual o cristal do acontecimento total”

(Benjamin, 2009, p. 503). Sua postura epistemológica valoriza a

presença das singularidades na composição do todo; sentido inverso ao

do pensamento positivista que, da formulação de regras gerais, procura

submeter o particular ao discurso totalizante.

20 “Tempo do agora” (Gagnebin, 2008)

142

[CENA 05 – IMAGEM-TEMPO]

05.1 – A teoria de Deleuze (2013, 2018) a respeito do tempo e da

montagem não se resume a uma simples explicitação da técnica ou um

estudo da representação temporal. O autor desenvolve ambos os

conceitos na direção de pensá-los como elementos reflexivos para se

compreender filosoficamente a composição da própria realidade, como

também elabora uma formulação ontológica sobre o sujeito calcado nos

dois conceitos oriundos da constituição de uma teoria que fundamenta a

linguagem cinematográfica.

05.02 – A técnica que se torna possível com a câmera cinematográfica é

a de simular movimentos devidos aos muitos instantes registrados

sequencialmente, reproduzindo as diversas fotografias em velocidade o

suficiente para se criar uma ilusão de continuidade e, consequentemente,

de movimento. Diferente da fotografia, que corresponde a um instante

do tempo, cortes imóveis deste, o cinema irá operar sobre outra

categoria de imagem: a imagem-movimento — cortes móveis, dotados

de duração, de mudanças e de expressão temporal. A captação do

movimento corresponde ao ato de registrar uma duração, um fragmento

de tempo; é tornar visível a mudança, o transcorrer da existência,

dinâmica na qual a vida se expressa. Só a mudança pode tornar visível a

presença do tempo.

Para Deleuze, a estrutura que define o tempo não muda, não

passa. Refere-se sempre a um mesmo tempo, como em Benjamin

(2008d), um tempo do agora: “tudo o que muda está no tempo, mas o

próprio tempo não muda, não poderia mudar senão num outro tempo, ao

infinito” (Deleuze, 2013, p.27). O tempo é uma estrutura inalterável

onde tudo que é devir ocorre em seu seio; é a condição sob o qual se

produz toda a mudança, porém o mesmo não se abala, não move, apenas

comporta e se constitui do que é mutável.

O tempo, para ser sentido, percebido, interpelado, só poderá se

dar de forma indireta. Só é possível tornar tangível o espectro do tempo

mediante seus componentes, por fenômenos que se dão no seu interior,

através daquilo que preenche a sua estrutura com algo sensível. E aquilo

que habita o tempo são os movimentos, as mudanças, os devires. A imagem-movimento — o componente estético que constitui o cinema —

é justamente a apreensão de um fragmento de tempo, tornado evidente

por meio da exposição e uma duração. E é o método da montagem que

143

tece a imagem do tempo, através de um mosaico composto com cortes

móveis.

Esses mosaicos de imagens-movimento não se constituem apenas

de um somatório serial de imagens, como uma sucessão de tempos

presentes. Eles são montados segundo o movimento dialético do tempo,

caracterizado pelos conflitos, antagonismos, ações, afetos, representação

de um tempo estratificado que comporta inúmeras realidades sob o

mesmo véu. A montagem, segundo Deleuze (2013, 2018), é a técnica e

o método que molda o tempo e o torna visível. Assim, o cinema é, como

nenhuma outra linguagem das artes visuais, o constituidor de uma

imagem-tempo.

[CENA 06 – PROCESSO DE SUBJETIVAÇÃO COMO

MONTAGEM]

06.1 – Soa como unanimidade entre os teóricos do cinema que a

montagem é a técnica por excelência que constitui essa linguagem. O

cinema veio a se distinguir como uma arte independente do teatro, da

fotografia, da pintura e de um instrumento de interesse exclusivo da

ciência quando os filmes passam a ser pensados como um combinado de

cenas, uma conjunção de planos diversos, unidos a partir de um

processo de edição mediado por uma gramática que visasse criar

relações entre esses fragmentos, e da sua síntese obter um todo

concebido como uma obra artística (Carrière, 2015).

06.2 – Um filme é constituído de cenas. A cena no escritório, a cena no

restaurante, a cena no parque, a cena na rua, a cena em casa, a cena do

carro em movimento, etc. Cada cena é composta de diversos planos:

num restaurante há um plano geral, que apresenta o espaço físico, suas

características arquitetônicas, as pessoas jantando, garçonetes

trabalhando, os casais apaixonados, jovens em festa. A cena continua

com um plano médio, que focaliza uma mesa específica com dois

personagens já apresentados previamente em cenas anteriores; o plano

seguinte é um enquadramento fechado em uma das personagens,

apresentando seus elementos comportamentais e físicos; o próximo

plano é um close na face do segundo personagem, que tem seus olhos

banhados em lágrimas; no último plano o personagem se levanta e vai

embora abruptamente. A cena do restaurante encerra aí. A cena é

montada a partir de perspectivas singulares da situação (os planos) que

144

contêm elementos que, em conjunto, pretendem elaborar uma ideia,

desenvolver um conceito, narrar um acontecimento.

[Figura 01]: Em Ikiru (Kurosawa, 1952) a sequência dos planos em destaque

procura mergulhar na angústia do personagem em ter que lidar com a notícia de sua

doença terminal.

Mesmo em narrativas em que o tempo transcorre de forma

cronológica e linear, sem flashbacks ou tempos subjetivos, a técnica da

montagem deve ser pensada como a composição de um todo, como um

mosaico que só ganha sentido na sua contemplação à distância, visto

que a fixação da atenção nos pequenos fragmentos isolados não

conceberia às unidades, pois o sentido que só se constitui na relação.

Assim, a cada nova cena e a cada novo plano, está sempre em jogo uma

síntese provisória do acontecimento a ser elaborado, e o processo

técnico e conceitual que opera sobre tais sínteses é chamado de

montagem.

Deleuze destaca que “montagem é a determinação do Todo [...] a

montagem é essa operação que recai sobre as imagens-movimento para

extrair delas o todo, a ideia, isto é, a imagem do tempo.” (Deleuze,

2018, p. 55). O cinema esculpe o tempo de forma indireta, a partir das

imagens-movimento. Esse tempo eterno, tempo instante, tempo que não

cessa, um todo perene que só deixa-se ver pelos fenômenos no seu

interior. Não um todo que se concebe como fechado ou dado em si, com

verdades eternas a serem desveladas pela formas de conhecimento

humano. Mas sim um todo aberto que muda incessantemente, um

constante vir-a-ser.

06.3 – A lógica da montagem, segundo fragmentos mnêmicos e

imagéticos submetidos aos movimentos de continuidade e

descontinuidade, de rupturas e de novos rearranjos, compõe, para

Benjamin, não só a ciência da História, como também constitui a

dinâmica do próprio pensamento. A composição das imagens do

145

pensamento é decorrente de toda uma sequência de imagens

fragmentadas no tempo, “a compreensão de cada imagem é

condicionada pela sequência de todas as imagens anteriores” (Benjamin,

2008b, p. 175) e reorganizadas num instante impregnante.

A composição do pensamento, das imagens e da história

comporta um processo criativo e narrativo do sujeito sobre o seu vivido,

sobre o real. Esse processo, que podemos entender como uma

montagem, remete mais ao exercício da poiesis do que ao gesto

cientificista (Gagnebin, 2009a), visto que a montagem da realidade e da

história está atravessada por processos afetivos, estéticos, éticos, sociais

e políticos. A composição do pensamento e da história é exercida por

sujeitos na sua experiência histórico-cultual, e deixam nas suas

montagens e narrativas os seus rastros singulares.

06.4 – Deleuze (2013, 2018) e Benjamin (2008b) compreendem que a

montagem cinematográfica é um fenômeno que se assemelha à própria

dinâmica dos processos de subjetivação humanos. Desde os planos que

selecionamos/recordamos para contar um acontecimento de nossas vidas

e o enquadramento no qual estes são ordenados; a memória, a visão, a

seleção, a forma como as partes fragmentadas de uma história estão

relacionados fazem parte de um processo de montagem, que constituem

as narrativas de vida, as imagens do pensamento, o próprio sujeito. A

montagem que somos também corresponde a um todo em aberto, um

filme/vida em devir. Não nos constituímos como planos isolados. Cada

experiência vivida será um fragmento a mais interferindo no mosaico a

ser montado: mosaico-vida — efeito da síntese provisória de um

instante presente, composto pelos cacos remanescentes daquilo que foi

capturado e elaborado pela câmera-espírito.

O vínculo entre as imagens que compõem o processo de

montagem — no filme e no sujeito — são operações que determinam

modos de relação entre as partes e o todo, entre visibilidades e os

possíveis sentidos e afetos que podem a elas serem aferidas, entre uma

concepção de realidade e seu contraste com o vivido (Rancière, 2012).

As experiências ganham sentidos no bojo da montagem da qual estão

inseridas. As concatenações de imagens-movimento vão tecendo

histórias, compondo ideias, (re)criando um todo, constituindo sujeitos.

146

[CENA 07 – MEMÓRIA]

07.1 – O cinema e a fotografia têm como matéria prima o registro

luminoso captado por uma câmera. Sejam mecanismos analógicos ou

digitais, esses registros são cicatrizes deixadas pela luz sobre uma

superfície fotossensível. Constituem-se como marcas do passado que

remetem ao presente o trabalho de (re)interpretá-las, associá-las a fatos

idos, a momentos ocorridos, a histórias vividas. Tal característica das

“artes da luz” pode ser comparada ao registro da memória e nossa

relação com o seu resgate e sua narrativa. Como as marcas de luz

deixadas sobre um fotograma, as memórias são como marcas da vida

impregnadas em um corpo. Ambas são apenas pistas, rastros de

experiências remanescentes que voltam à tona para contribuírem com a

necessidade de elaborar o vivido.

07.2 – A vida é narrada a partir de fragmentos coletados ao longo das

experiências pela qual caminhamos. Nossas memórias serão esses

fragmentos do tempo — assim como os planos nos filmes — que

lançamos mão para compor a história a ser contada. Como reflete Chris

Marker, “eu passaria a vida a indagar sobre a função da lembrança que

não é o oposto do esquecimento, mas seu avesso. Nós não lembramos.

Recriamos a memória como recriamos a história” (narração em off do

diretor Chris Marker, filme San Soleil, 1983). Desse processo narrativo,

as lacunas (histórias que nunca serão contadas) e potencialidades (aquilo

que pode vir a ser) se multiplicam. Quantas histórias, sob quantos

pontos de vista podem ser contadas a partir de um mesmo

acontecimento? Neste sentido, recordar é uma atividade mais envolta às

características da loucura que o próprio esquecimento, pois recordar é

recriar, sustentar ilusões, acreditar em verdades (mesmo que mutantes),

fabular sobre a existência.

07.3 – A elaboração das memórias se vê em face às relações de poder e

conflitos de interesses, que buscam visibilizar determinados fatos do

passado em detrimento de outros para sustentar verdades dogmáticas no

presente. Memória e verdade são conceitos constituídos de fragilidades,

como pássaros que precisam ser leves e delicados para que possam voar. Os sinais deixados pelo passado são objetos de constante cobiça pelos

discursos dominantes, que procuram determinar o conteúdo da memória

histórica e sua interpretação, a fim de determinarem um presente às

sombras de um ido em aberto (Gagnebin, 2009a). Sustentar verdades

147

dogmáticas é trancar a memória numa gaiola. Esse campo conflituoso se

estende para a ciência da História, sobre a montagem cinematográfica e

em direção às verdades do sujeito.

A perspectiva de tempo em Benjamin coloca a fragilidade da

memória em evidência, sendo esta sempre sujeita a ser solapada pelos

movimentos vindouros, em consequência das montagens possíveis, onde

ausência e presença constituem a sua dinâmica. Lutar contra o

apagamento da história — consequência recorrente na perspectiva

progressista de historiografia, que segue seu trilho em direção ao futuro

— mostra-se fundamental para evitar a consolidação de um tempo vazio

e de uma narrativa negligente com as experiência humanas, ainda que

não se trate de bradar por verdades dogmáticas sobre os acontecimentos

(Gagnebin, 2009a).

[CENA 08 – HARMONIAS E MELODIAS]

08.1 – A qualidade das relações entre os planos em um filme pode ser

pensada mais por aquilo que os diferencia do que pelas características

que os une. Essa é a teoria do intervalo de Dziga Vertov (2018). O

termo ‘intervalo’ utilizado por Vertov advém da teoria musical. Uma

escala tonal é dividida em 12 notas que se repetem ciclicamente, ficando

mais graves ou mais agudas. Existe, entre as notas da escala, uma

distância relativa que as diferencia em termos do som que produzem, da

frequência que vibram. Essa distância é chamada de intervalo. A música

tonal, de forma geral, trabalha as relações desses intervalos em duas

dimensões: vertical/harmônica (um grupo de intervalos que são

executados simultaneamente), horizontal/melódica (intervalos

executados um após o outro) e os efeitos sensíveis que a percepção de

ambas as dimensões geram no seu ouvinte.

A proposta de Vertov é executar a montagem de um filme sob

esse princípio oriundo da música. De forma harmônica, os planos são

configurados segundo a totalidade das imagens-movimento que estão

presentes no enquadramento e a qualidade do equilíbrio gerada nessa

combinação. A estrutura melódica do filme é concebida a partir das

relações criadas nas mudanças entre os planos e o contraste existente

entre planos sucessivos que compõem uma mesma cena e a amplitude

desse contraste na obra como um todo. Assim, os intervalos podem ser

mais harmoniosos ou mais dissonantes, mais próximos ou mais

distantes, dependendo do efeito desejado pelo autor. O hiato intervalar

148

entre os planos não os separam ao ponto de não poderem se relacionar; o

contraste não resulta em uma diferença irreconciliável, mas, ao

contrário, produz uma relação singular (Deleuze, 2018).

08.2 – A montagem, segundo a teoria dos intervalos, é resultante de

operações de choque, de contrates, de rupturas, assim como de

passagens harmônicas, suaves, discretas. A forma como as passagens

entre cenas e planos está arranjada contribuirá para a constituição de

sentidos referentes à obra. Naquilo que tange às temáticas do campo da

psicologia, os processos de subjetivação podem ser interpretados sob o

mesmo aspecto: de experiências apaziguantes e confortáveis a situações

chocantes, traumáticas ou sublimes, o sentido do acontecimento está

relacionado à distância entre uma determinada situação e as experiências

cotidianas na qual um sujeito está acostumado ou lida com facilidade21

.

Experiências de choque ou traumáticas são entendidas como

derivadas da impossibilidade de significar uma situação vivida devido à

ausência de sentido e da incapacidade de compreensão por parte de um

sujeito frente ao inesperado, promovendo um corte na capacidade de

elaborar a situação por meio da linguagem (Gagnebin, 2009b, 2009d).

Ademais, são situações dotadas de uma vivência afetiva excessivamente

intensa, sentidas como angustiantes, deixando marcas indeléveis na

história do sujeito (Freud, 2006a).

08.3 – A montagem no cinema e na vida (os processos de subjetivação)

irá ter papel relevante na delimitação dos sentidos possíveis de serem

elaborados, nos efeitos que podem surtir das experiências, no conteúdo

das narrações que podemos compor. A teoria do intervalo de Vertov

nos aponta para a dinâmica dos contrastes e de como estes podem

balizar as relações estéticas22

que vivenciamos no encontro com um

outro ou com o real, seja na arte, seja na vida.

21 No texto “A psicanálise e as neuroses de guerra” (Freud, 2006b), Freud faz uma

descrição quase cinematográfica, ao estilo de Apocalypse Now (Coppola, 1979), para

distinguir os efeitos traumáticos da guerra sobre os soldados recrutados e sobre os

mercenários ou soldados profissionais. Nos primeiros, a guerra teria efeitos mais

devastantes em suas subjetividades, devido à experiência do choque e o conflito

moral em questão; nos segundos, os efeitos não seriam patológicos, pois já estariam

acostumados ou mesmo ansiando por tais condições. 22 Relações estéticas: “conceito que chama a atenção para a qualidade dos encontros

com um outro, presente ou ausente, marcados por um posicionamento que é ao

mesmo tempo afetivo, cognitivo, sensível, pela responsividade que o conota [...]

relações de alteridade, fundamentam-se em sensibilidades que estranham o instituído

149

[CENA 09 – MORTE COMO MATERIAZAÇÃO DO TEMPO]

09.1 – Umas das angústias mais amplamente compartilhadas pela

humanidade, nas diferentes eras e culturas, é a condição inexorável da

passagem do tempo, a degradação do corpo e o inevitável encontro com

a morte. Bazin (2018) observa que lutar contra o tempo, desenvolver

estratégias para burlar a morte, é uma necessidade humana. Diversas

culturas elaboraram as suas armas simbólicas para lutar contra a

presença fantasmagórica do fim, do vazio, do nada: condições

inconcebíveis ao simbólico no qual nos arranjamos como sujeitos.

Quando alguém escreve um livro, pinta um quadro, produz uma obra

que possa manter-se perene e fazer parte da história transcendo da

civilização, nutre a esperança da imortalidade, a possibilidade de sua

transcendência, construindo caminhos para que a alma possa migrar de

um corpo moribundo para a cultura e para a história (Gagnebin, 2009d).

09.2 – Talvez seja a linguagem cinematográfica aquela que pode

combinar e corresponder de forma mais satisfatória a dois fascínios da

humanidade: esquivar-se da passagem do tempo e conceder a

capacidade de dar vida ao inanimado (Mulvey, 2006). O cinema realiza

o registro dos momentos, movimentos, dos acontecimentos, das

experiências, preservando no passar do tempo o transcorrer dos fatos,

das histórias, as expressões faciais, semblantes, os discursos, os corpos

vibráteis. Constitui registros reproduzíveis, realidade sob processo

mitótico. O acontecimento se multiplica, transcende o espaço e o tempo

do aqui e agora. A mesma cena será revista inúmeras vezes em

incontáveis lugares, submetida a infinitas interpretações e afecções. O

instante móvel, registrado pela câmera, tornado cena, não morre mais,

enquanto houver quem o veja.

09.3 – Tradicionalmente 24 quadros por segundo. Esse é o número

necromântico que faz reviver os mortos, que coloca em movimento

aquilo que está embalsamado no registro fotográfico. Se a fotografia é

um corte do tempo, um instante congelado, processo que transforma a

e reconhecem infinitas possibilidades de devir e acolhimento das diferenças que

conotam ou podem vir a conotar a existência humana.” (Zanella, 2010, pp.34-35).

150

realidade animada no inanimado, o cinema realiza um processo inverso:

dá vida aos mortos conjurando-os 24 vezes por segundo.

09.4 – Se o corte móvel do cinema, o ato de isolar uma duração no

período de um plano, é aquilo que dá ao tempo um contorno e assim o

torna sensível, o imaginário da morte é o corte que opera sobre todo

sujeito e que vem a dar forma à ideia do que seja a existência. A finitude

da vida é o que torna o tempo uma dimensão tão elementar ao humano.

Em Ikiru (Kurosawa, 1952), o personagem Kanji Watanabe

(interpretado por Takashi Shimura) conscientiza-se de seu lugar no

mundo e o que representa as suas experiências, o encontro com o outro e

seu papel social quando é defrontado com a notícia de que lhe restam

apenas alguns meses de vida devido a um câncer terminal de estômago.

Como servidor público do município, submerso em documentações e

burocracias sem sentido, Watanabe-san vê 30 anos da sua vida passarem

em branco. A presentificação da morte após o diagnóstico o convoca a

uma respondibilidade. Uma vida que parecia eterna já não pode mais ser

desperdiçada. O tempo toma forma e faz-se presente. O personagem

vem a dar-se conta da alienação no qual estava engendrado e passa a

demonstrar atitudes mais éticas, afetivas e engajadas, como, por

exemplo, enfrentar os políticos e a máfia local para realizar a construção

de um parque, demanda da comunidade que se mostrava negligenciada

em consequência das amarras burocráticas da administração pública e da

falta de vontade política.

A tradução da palavra japonesa “ikiru” (生きる) é “viver”.

Watanabe-san só passou a “viver” após a morte dar contorno ao tempo;

após a morte, por contraposição, dar ao significante “vida” algum

sentido.

[Figura 02]: Em Ikiru, a vida toma relevância quando a morte institui um

corte, quando ela define uma duração.

151

[CENA 10 – EPÍLOGO]

10.1 – Montamos o tempo.

O tempo de nossa existência.

Montamos nossa existência.

O tempo não existe, não tem forma,

se não for preenchido de experiências.

10.2 – Sob a ordem da linguagem, tudo é mediado por um processo de

criação, de ficção, por onde caminhamos através de signos, como numa

corda banda estendida entre dois desfiladeiros, entre o sujeito e o

mundo. A vida humana se organiza segundo processos metafóricos e

metonímicos, no qual a relação com o real é predominantemente

indireta, inventada. No entanto, tal perspectiva não deve ser interpretada

como um subjetivismo alienado e delirante, visto que a travessia é uma

via de mão dupla. O mundo nos dá uma materialidade e inúmeras

orientações, para que venhamos a dotar de sentido nossas experiências, a

montar nosso mosaico com as peças disponíveis.

É da organização dos restos cotidianos que podemos atribuir

alguma singularidade aos processos de subjetivação e à composição de

nossas existências. Nas palavras de Deleuze, “esta produção de

singularidades (o salto qualitativo) se dá por acumulação de ordinários

(processo quantitativo), pelo que o singular é extraído do qualquer, é ele

próprio um qualquer simplesmente não ordinário ou não regular”

(Deleuze, 2018, p. 19). Para o autor, é na possibilidade de criar a partir

do vivido que reside a potência narrativa e inventiva da vida. Ou seja, a

vida não deixa de ser um processo de montagem entre fragmentos

ignóbeis e preciosos colhidos ao longo do caminhar. E dessas

composições possíveis elaboramos uma melodia.

10.3 – Manifesta-se, no recolhimento dos cacos, uma potente

estratégia metodológica para ir ao encontro do desconhecido, do estranho, do ignorado, daquilo que está a brotar pelos cantos, nas

sombras, por debaixo das grandes aparições, invisibilizado pela

excessiva emanação de luz, pelos amplos horizontes. Pesquisar em

psicologia é também processo de criação: criação de novas

152

discursividades, é produzir algum novo, é formular reflexões outras, é

trilhar caminhamos inexplorados, permitindo que do caos outras

virtualidades contornem o vivido.

10.4 – Olhar para cacos, restos, fragmentos é olhar para aquilo

que constitui nossas experiências cotidianas e que se entrelaçam para

compor o que somos. Assim, cinema e psicologia têm um mesmo

interesse: dar a ver aquilo que funda as nossas existências e que pode vir

a multiplicá-la, expandi-la.

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156

157

A MORTE COMO PRESENTIFICAÇÃO DA VIDA NO

CINEMA E NA MÚSICA

RESUMO:O presente artigo desenvolve uma reflexão referente à morte

como condição da vida a partir dos filmes Ikiru, de Akira Kurosawa

(1952), e La Strada, de Federico Fellini (1954). O artigo traça um

paralelo entre os contextos sociais e estéticos das duas obras e as situa

como criações oriundas de um realismo poético. Das inesgotáveis

análises possíveis das obras, o artigo se deterá sobre a presença da morte

em ambos os filmes e como a manifestação desta condiciona a vida das

personagens, as percepções de si e o encontro com o outro. O entoar da

música como prática que antecede e anuncia a morte é analisado como

forma de elaborar a própria finitude e desamparo advindo de um destino

inexorável. As análises dialogam com as teses filosóficas de Friedrich

Nietzsche referentes à necessidade de se reinterpretar a morte, com a

teoria cinematográfica de Gilles Deleuze, entre outros autores que

possibilitam, a partir do diálogo com a arte, uma problematização

referente aos temas abordados.

PALAVRAS-CHAVE: cinema, música, morte, Kurosawa, Fellini.

ABSTRACT:The present article develops a reflection about death as a

condition of life in the movie Ikiru, by Akira Kurosawa (1952), and La

Strada, by Federico Fellini (1954). The article draws a parallel between

the social and aesthetic contexts of the two cinematographic productions

and situates them as a poetic realism creation. From the many ways

these movies can be analyzed, the article will focus on the presence of

death in both histories and how the manifestation of it interfere the life

of the characters, the perceptions of themselves and their relationships

with others. The presence of music as a practice that precedes and

announces death is analyzed as a way of elaborating one's own finitude

from an inexorable destiny. The films dialogue with Friedrich

Nietzsche's philosophical theses about the need to reinterpret death, with

the cinematographic theory of Gilles Deleuze, among other authors that makes possible a debate between art and the topics covered.

KEYWORDS: cinema, music, death, Kurosawa, Fellini

158

INTRODUÇÃO

Fiodor Dostoievski é reconhecido, em partes, por tratar em seus

contos, novelas e romances, dos grandes temas da humanidade. Suas

narrativas não se restringem ao âmbito privado de suas personagens, em

suas aventuras idiossincráticas. O que as personagens do autor russo

encarnam são as reflexões referentes aos grandes dilemas, enigmas e

questões da existência. É mediado por essas inquietações que as

personagens vêm a agir e a desenvolver os seus enredos. As obras de

Dostoievski não se limitam a um contexto antropológico específico, elas

transcendem as fronteiras do tempo e das culturas, o seu sentido está

sempre por se fazer na interação com aquilo que Mikhail Bakhtin (1997)

chamou de “a grande temporalidade”.

A filosofia tem certa fama em agitar tais reflexões referentes à

existência, detendo-se sobre problemas que o método indutivo formulará

respostas. A arte, no entanto, também abordará tais questões, como o

faz Dostoievski, mas de forma distinta. Apresentará sobre outros tons e

sobre outra linguagem as indagações e reflexões relativas aos grandes

temas. Ambos realizam cortes sobre o real e tentam interagir com ele de

forma particular: a filosofia por meio da criação de conceitos; a arte por

meio de afectos e perceptos (DELEUZE, GUATTARI, 2010). Filósofos

e artistas vêm algo na vida que os ameaçam, são acometidos pelo saber

de uma grandeza incomensurável, e farão de suas atividades a tentativa

de responder tal atravessamento sublime.

Assim como na literatura, o cinema também tem se implicado, ao

longo de sua história, em lançar-se sobre os grandes temas, procurando

explorar, a partir da imagem-movimento, alguns dos enigmas da

existência. Reconhecido por suas afinidades e semelhanças à

Dostoievski, o diretor japonês Akira Kurosawa tem como marca de sua

filmografia a abordagem de importantes questões que não se limitam às

experiências individuais, mas que discorrem sobre a humanidade. As

histórias desenvolvidas pelos dois autores sempre têm um grande tema

que paira sobre todo o enredo, que influenciará as ações das personagens

e definirá um espectro reflexivo (DELEUZE, 2018). A construção de

suas obras se alicerça segundo as perguntas que são feitas para

responder a enigmas insolúveis. Abordar tais vicissitudes da vida, ir ao encontro das grandes

questões, implica seus autores a irem até as realidades cotidianas e

subjetivas, a submergirem nos aspectos humanos mais nefastos e nobres,

dos mais baixos aos mais altivos sentimentos, dos comportamentos mais

159

repugnantes e detestáveis a beatificações sublimes. Exige reconhecer

que deuses e demônios, heróis e facínoras, não residem apenas nas

fantasias populares, mas são projeções e atuações fecundadas no

cotidiano. O trabalho desses artistas é interpretar o vivido e, a partir

disso, criar um objeto estético que apresente esse real que se prolifera no

coletivo e em cada sujeito.

Dentre os muitos experimentos estéticos que se implicaram na

intentona filosófica dos grandes temas, um movimento que buscou

trazer para as telas do cinema esse humano desnudado e cru, foi o

neorrealismo italiano. Ainda sob os efeitos traumáticos da segunda

guerra mundial, os cineastas italianos procuraram expor, com

finalidades artísticas e políticas, as mazelas que se lançaram sobre a

população mais vulnerável num tempo de ódio e destruição. Federico

Fellini, dentre os importantes nomes que se destacam desse movimento,

foi um escritor e diretor que trouxe em suas obras uma expressão do

sujeito e de suas afecções, tendo como plano de fundo a miséria, o

desalento e a esperança de sua época.

Esse artigo desenvolve uma reflexão, a partir do filme Ikiru, de

Akira Kurosawa (1952), e de La Strada, de Federico Fellini (1954),

sobre uma questão inerente a existência humana da qual torna-se quase

inevitável não sermos interpelados por ela e termos nossas vidas

balizadas por sua presença. A questão que os dois filmes instigam

reflexão é a morte como presentificação da vida e nossa inelutável

finitude. Antes de se ater ao tema central, o texto segue por uma análise

do contexto estético dos filmes, reconhecendo nesse percurso um terreno

dialético entre o coletivo e o singular, entre o realismo e o poético.

DO NEORREALISMO AO REALISMO POÉTICO

O neorrealismo italiano surgiu concomitante ao término da

segunda guerra mundial e a reconstrução da Europa. Esse movimento

artístico-cinematográfico tinha como paradigma a denúncia dos horrores

da guerra e das sequelas que esta deixou sobre a população, via

realização de um testemunho de como as classes pobres estavam

enfrentando os desafios cotidianos de uma sociedade em ruínas. Nas

palavras de Italo Calvino sobre o cinema italiano do pós-guerra, “a tela era uma lente de aumento que focalizava o cotidiano de fora, obrigada a

se fixar naquilo sobre o que o olho nu tende a passar sem prestar

atenção” (CALVINO, 2011, p. 21). Almejava-se um cinema militante,

que não fechasse os olhos às desigualdades e à miséria humana

160

resultante dos modelos sociais vigentes na época. Com o intuito de ser o

mais fidedigno possível à realidade retratada, os filmes contavam com a

participação da população local para compor o elenco, filmavam em

locações reais, utilizavam de luz natural, procuravam eliminar o máximo

possível a “magia falseadora e hedonista” do cinema, aproximando sua

estética dos filmes documentários (BAZIN, 2018).

O cinema neorrealista procurou minimizar as narrativas baseadas

na imagem-ação. O realismo tradicional guiou a história por meio das

ações no qual as personagens se envolvem e desenvolvem. O novo

movimento declinou o uso constante de tal condução do pensamento por

meios das ações para montar a obra cinematográfica a partir de uma

imagem em devir que é puramente ótica. Menos explicativos, os planos

no neorrealismo passaram a se caracterizar pouco pelas ações das suas

personagens, porém mais pelo seu lugar no mundo, seu contexto de

existência e seu olhar sobre os fatos.

Segundo Deleuze (2013), a imagem do neorrealismo fundiu a

realidade com o imaginário. Buscou-se por uma imagem em aberto,

planos mais ambíguos, abertos para serem decifrados, que remete ao

espectador a sua interpretação, menos carregada de sentidos definidos a

priori. É característica estética das obras vinculadas a esse movimento,

apresentar, em suas tomadas, o puro visual da situação filmada, para

assim conclamar ao imaginário certa complementação, visto que a

imagem está carregada de lacunas semânticas a serem resolvidas pelo

expectador.

A estética documental apresentou um contexto social e político

da Europa no pós-guerra, como também — semelhante a um jornalismo

literário (Bazin, 2018), a uma análise ensaística dos conflitos sociais —

alcançou as experiências subjetivas daqueles que vivem, sentem e

significam as mazelas e dificuldades da destruição e reconstrução. Obras

de diretores como Fellini vieram a explorar o real que há nos afetos e

nas grandes questões humanas, mergulhando cada vez mais no sujeito

como representante de sua humanidade, transitando entre a marcante

crítica social presente no neorrealismo e um realismo poético (BOOTH,

2011), onde a realidade abordada apresenta-se como um amálgama entre

o coletivo e o sujeito.

Vivendo em características similares àquelas em que a sociedade

italiana estava — um país responsabilizado pelas perdas e gastos com a

guerra, cidades em ruínas, sentimentos de raiva por seus governantes

que arrastaram um país inteiro ao conflito e sensações de submissão

frente às ocupações dos países vencedores, uma sociedade desolada

pelas sequelas da guerra e pela incerteza em relação ao futuro, o Japão

161

enfrentava os mesmos desafios que seus antigos aliados italianos, como

também, estava afundado em um contexto que propiciava reflexões

estéticas próximas àquelas do neorrealismo italiano.

O cinema japonês, nos anos seguintes ao término dos conflitos,

buscou afastar-se das imposições que sofrera durante o período

nacionalista e militarista, que imponha aos produtores a exaltação da

cultura e dos valores japoneses, assim como esforçava-se para não

sucumbir à estética do cinema americano, que representava a ocupação e

o modelo de nação que dos escombros deveria se erigir. A arte

cinematográfica japonesa, respaldando sentimentos que pairavam sobre

essa sociedade, passa a ser caracterizada por uma larga produção de

filmes que refletiam a dura realidade de sua população num contexto de

pós-guerra (RICHIE, 2001):

A mesma transformação ocorreu em um outro

país derrotado, a Itália, onde os espectadores

podiam reconhecer a si mesmos nos filmes do

neorrealismo de Roberto Rosselini e Vittorio de

Sica: os filmes foram aceitos porque retratavam

verdades. No Japão, pela primeira vez, a maioria

da audiência estava agora aceitando e encorajando

os filmes que mostravam eles mesmos e como

viviam, ao contrário de representar aquilo que lhes

era dito para ser. (RICHIE, 2001, p. 116, tradução

nossa)

Os filmes do pós-guerra, tanto na Itália quanto no Japão,

passaram a buscar um modelo de criação estético-cinematográfica que

apresentasse a vida como ela é, em seus detalhes e suas nuances, em sua

realidade factual e afectiva. Os filmes passaram a ser sobre as pessoas

comuns, sobre seus cotidianos, sobre a pobreza, os desafios e as

conquistas do dia-a-dia. Histórias sobre emoções mundanas, mais

próximas dos humanos que lotavam as salas de exibição como forma de

se distrair dos traumas e dificuldades de uma sociedade ainda com suas

feridas expostas23

.

23

Esse modo de fazer cinema fica conhecido pelos teóricos do cinema

japonês como shomingeki (庶民劇) – gênero de filmes japoneses, com

referências estéticas ao realismo, que aborda a vida das pessoas comuns, a

classe média trabalhadora no Japão no pós-guerra (RICHIE, 2001).

162

Ikiru e La Strada, os filmes selecionados para análise,

não são filmes políticos panfletários, não há menções diretas do

contexto temporal e físico de onde as histórias se passam, não

há críticas diretas ao fascismo e ao militarismo, às práticas

governamentais que devastaram Japão e Itália, países de

origem dos filmes, respectivamente. O que ambos os filmes

abordam são condições a-históricas de afecções e sofrimento,

apresentam realidades subjetivas que transcendem tempo e

espaço, abordam facetas do humano que não se restringem a

um contexto histórico específico, mas sim a um comum, a

algumas das grandes questões da existência. O primeiro filme, produzido em 1952, apresenta a história de um

cidadão comum cuja vida foi consumida e desperdiçada em um trabalho

alienante. As relações com as pessoas são frágeis e superficiais, as

experiências de prazer são atravessadas pela culpa, e a inércia paralisou

por anos qualquer iniciativa que o permitisse sentir-se vivo. A

politicagem do setor público, as amarras de uma burocracia kafkiana e a

alienação no trabalho, características da sociedade japonesa, são temas

que atravessam a história da personagem que, nesse contexto social,

questiona-se sobre o que é estar vivo.

La Strada, dirigido por Fellini em 1954, percorre os recônditos de

um país em reconstrução acompanhando um casal de artistas nômades.

Unidos pelas circunstâncias, mas separados pelos afetos, o filme narra o

desencontro entre duas almas que experimentam formas distintas de

sensibilizar-se pelo entorno, mas que se vêm obrigadas a perambularem

juntas devido às dificuldades vividas pelas famílias pobres, pelo

desemprego, e por uma ausência de perspectiva de futuro.

Apesar das condições do contexto em que foram produzidos

apresentarem aspectos em comum, nesse artigo os dois filmes não serão

analisados a partir das semelhanças entre seus países de origem e suas

críticas sociais — estes elementos permaneceram como pano de fundo.

O foco desse texto é refletir sobre a presença da morte que ronda a

história das personagens e como ela interfere nas suas experiências

subjetivas e no rumo que suas vidas tomam.

163

SOBRE A MORTE E O VIVER

A estrada de nossas vidas é traçada entre dois grandes mistérios.

É uma estrada finita, com começo, meio e fim. Nela haverá paisagens a

serem admiradas, entre áreas rurais, florestas, montanhas, praias e

cidades. É possível escolher entre rotas vicinais ou caminhos

movimentados, entre caravanas ou peregrinações solitárias. Encontrar-

se-á outros transeuntes e estes podem passar ao largo ou se tornarem

companheiros de viagem. E, por mais que se pare e se aloje sobre um

certo local, desejando ali permanecer, criar raízes, sossegar a alma,

ainda assim a caminhada se impõe e o fim da jornada, defronte ao

grande mistério, será inevitável.

O caminho é traçado entre abismos lógicos, rupturas da

compreensão que nos afligem devido ao caráter provisório e etéreo dos

possíveis sentidos que podemos aferir a eles. Ao iniciarmos a

caminhada, olhamos para trás e nada vemos além daquilo que criamos a

partir das histórias que nos foram contadas. A estrada na qual nos

encontramos já se lança sobre uma paisagem que nos é estranha,

ameaçadora, abarrotada de pegadas e de desígnios estrangeiros. A

marcha é paradoxal, visto que caminha em direção ao destino no qual

ninguém quer alcançar — em direção ao abismo. Assim, o destino toma

contornos abissais, pois nossa razão, de tão acostumada às paisagens da

existência, não sabe deslumbrar o mergulho sobre o nada24

.

Ikiru (生きる) é o título da obra do diretor Akira Kurosawa,

lançada em 1952, cuja tradução literal do japonês para o português é

“viver”. Provocativo título para uma história que trata justamente de

uma sentença de morte, do diagnóstico de uma doença terminal. O

filme retrata a história de um burocrático funcionário público que, após

a constatação que tem apenas alguns meses de vida, percebe ter

desperdiçado seu tempo entre pilhas de papeis sem sentido, documentos

tão insignificantes quanto a si mesmo. Após trabalhar 30 anos nos

escritórios da prefeitura, sem nunca haver faltado um só dia, a

constatação é que, de fato, não fez nada ao longo dos anos.

Sua figura é motivo de escárnio. Seu apelido entre os fofoqueiros

da repartição é “Múmia”. Kanji Watanabe, o protagonista dessa história,

passou pela vida sem de fato vivê-la. O narrador do filme vai mais além:

24 Na filosofia budista, “nada” (無 - “Mu”) é para onde todos vão após a morte;

“Mu” é um não lugar, radical de negação, de ausência, de vazio (BARONI, 2000).

164

“Ele também pode ser um defunto. Na verdade,

este homem está morto há mais de 20 anos. Antes

disso, ele até viveu um pouco. E tentou trabalhar

duro. Mas agora, quase não se vê traço de sua

antiga paixão e ambição. Ele foi dominado

completamente pelas minúcias da máquina

burocrática... e o serviço inútil se desenvolve.

Ocupado, sempre tão ocupado. Mas na realidade,

este homem não faz absolutamente nada.”

(Narrador em off de Ikiru, 1952)

No entanto, seu sonambulismo é sacudido pelas evidências de

que um câncer de estômago lhe concedeu apenas alguns poucos meses

de vida pela frente. A paralisia que a notícia lhe causou, a melancolia

que o atravessou pensando nos anos desperdiçados, na juventude que o

tempo levou e a maníaca busca por companhia e diversão, a fim de viver

tudo o que deveria ter vivido enquanto lhe restava tempo, são afetos que

não lhe dão nenhum acalanto satisfatório frente à sua morte próxima e

certa.

A questão colocada por Kurosawa não se dirige ao drama se a

personagem irá ou não morrer de sua doença, mas sim se irá viver algum

dia. Sua desesperada e fundamental pergunta, destinada aos seres

despertos, é: “o que os fazem tão vivos? Como posso ser como vocês?”

A personagem bradou por essa resposta para que possa experimentar o

que é estar vivo. A presença da morte a impulsionou a responder o que é

a vida e como é possível sentir-se parte dela: o que é viver e como posso

fazê-lo? Eis que, em um momento de desespero e revelação, Watanabe-

san pareceu vislumbrar uma pista que levará à sua resposta e ao seu

renascimento.

É uma expressão póstuma de Nietzsche a afirmação de que há

uma necessidade de se reinterpretar a morte (NASSER, 2014).

Abandonar-se na correnteza que segue vida abaixo, alienar-se como

vítima de um passar inevitável, é um não viver. A possibilidade de

existir está no ato de tomar vida como um “eu quis assim”, ao invés de

“foi assim” (NIETZSCHE, 1985, p. 107). Apropriar-se de suas ações,

engajar-se em suas escolhas e responder por seus desejos — eis um

sujeito que pode dizer ter vivido. Estar vivo é poder agir, é objetivar-se a partir de atividades que se

realizam em um meio social e que são dotadas de sentidos que possam

ser compartilhados. Watanabe-san definirá a vida como agir, estar vivo é

uma experiência que se constituí através do fazer; “viver significa fazer”

(EGGERT, 2009, n.p. tradução nossa). Kurosawa jogou com os

165

elementos da imagem ao justapor o momento de epifania da personagem

com uma festa de aniversário que se dá no plano de fundo. Conforme

Watanabe-san desce as escadas em estado de excitação com sua

descoberta, aos fundos um grupo de jovens cantam “happy birthday to

you” para a personagem figurante que sobe em sentido contrário. Os

significantes se mesclam e a cena vem a expressar o renascimento de um

homem moribundo.

A percepção de Watanabe-san em relação à própria existência

tomou outro sentido, representado como um renascimento que se dá

poucos meses antes de sua morte, quando este passa a se apropriar de

uma iniciativa inclinada ao ato criador, fazer algo em vida, realizar uma

atividade dotada de sentido, de concretude (KAUFMAN, 2009). A

personagem veio a sentir-se vivo quando passou a engajar-se em uma

ação social em sua comunidade. O pedido da construção de um

parquinho para crianças, com intuito de remover uma área de esgoto a

céu aberto, foi feito à prefeitura por moradoras da região; no entanto, a

máquina burocrática submeteu a solicitação a um labirinto sem saída. O

filme apresenta a dinâmica do setor público de uma época em que falta

de vontade política e engessamento das atividades condenavam muitos

projetos ao engavetamento. Romper com a inércia do sistema e com a

sua própria paralisia e insignificância tornou-se o mote da personagem,

condição para perceber-se viva nos seus momentos derradeiros.

O que levou Watanabe-san a despertar de sua catatônica relação

com a vida é sua sentença de morte. Foi o corte que instaurou a presença

do tempo, que só pode ser apreendido ao aferir-lhe uma finitude, um

contorno, um limite que lhe dê forma. O todo, diz Deleuze (2018), não

pode ser dado, não é passível de estabelecermos relação. Apenas um

corte, um plano, pode dar-lhe consistência. Assim, a iminência da morte

fez esse papel de corte, vindo a instaurar o tempo e a presentificar a

possibilidade de vida. O fim anunciado pela morte certa lhe colocou um

prazo: caso não vivas até lá, jamais o fará. Como na expressão de língua

inglesa “deadline” — a linha da morte como o prazo final; será esse

limite, o saber referente a uma castração absoluta, que fez urgir-lhe o

sentimento imperioso por viver.

E não nos identificamos, nós expectadores(as), com a experiência

referente ao tempo vivida pela personagem? Os longos prazos parecem

fazer referência a uma outra dimensão. Planos para anos distantes estão

sempre muito longes e desprovidos de qualquer urgência. Quando

crianças, não concebemos que o tempo passa e que em breve seremos

adultos. Quando olhamos para um idoso em sua longa caminhada,

retratada em sua feição rugosa e em seus movimentos vagarosos, nossa

166

juventude escoa por entre as raias do tempo e logo seremos o seu

espelho, se vivos mantermo-nos. O tempo, sem os representantes que

lhe dão contorno, é uma ausência — e algo só pode tomar forma se

situado no tempo25

.

Em um pequeno ensaio de 1915 intitulado “Sobre a

Transitoriedade”, Freud (2006) discorre sobre os afetos pelo qual as

pessoas são acometidas quando se deparam com a finitude de tudo que

as cerca. Contrapondo-se ao pensamento pessimista que destitui de valor

a vida devido a sua impermanência, o autor brada que é justamente a

transitoriedade das coisas, das pessoas, das paisagens, dos encontros,

que as abunda de relevância. A escassez de tempo é justamente aquilo

que torna tão precioso cada momento vivido. É a ideia de um fim

inexorável que conduz à necessidade de fazer-se existir.

Próximo ao pensamento de Freud, a vida, para Nietzsche, é um

fragmento fugaz de um eterno inorgânico, uma variedade rara que

sempre retornará à sua condição prévia (NIETZSCHE, 2008), fazendo

da morte uma experiência intrínseca ao próprio ser. Instituí-la como

participante da vida é dar lhe lugar na experiência do sujeito, fenômeno

que, junto com os demais elementos que compõe as nossas vidas, atuará

ativamente nos processos de subjetivação. Tal presença, para Nietzsche,

pode ser encarada com niilismo e desespero, como os “pregadores da

morte” o fazem (NIEZTSCHE, 1985, p. 34), ou pode ser encarado como

o corte que situará um fim, e este fim é o mesmo término que, em algum

momento, os artistas precisam definir em relação às suas obras de arte:

“acabada, enfim!”. Dessa forma, a presença da morte não acomete o

sujeito pelo desamparo frente o fim derradeiro, mas sim como

celebração de uma conquista, obra dada por acabada, atividade

realizada.

A partir da sua concepção de eterno retorno, uma vida que se

repete incontáveis vezes de maneira idêntica, Nietzsche nos implica a

refletir o quão gratificante seria esse destino ou se esse não seria a mais

dantesca imagem da danação (NIETZSCHE, 2008). Dessa forma o autor

altera a própria noção de tempo, esse que deixa de passar, para se repetir

eternamente. Ademais, nos implica a responsabilizar-se por como esses

instantes eternos estão sendo vividos.

25 Talvez seja esse um dos propósitos da existência dos calendários, das

comemorações de aniversário, das festividades de fim de ano, dos ciclos

representados de formas distintas nas diversas culturas: dar forma ao tempo,

instituindo a sua presença e seu movimento.

167

Entre aqueles que comparecem no funeral de Watanabe-san e

discorrem sobre os últimos meses de vida do finado, há certa

incompreensão do porque esse homem mudou tão repentinamente e

passou a expressar comportamentos tão erráticos. Sua missão não serviu

de ensinamento aos que o acompanharam nos derradeiros momentos,

pois uns não compreenderam os sentimentos que o afligiam e outros

permaneceram agarrados aos seus velhos hábitos e num trabalho sem

propósitos. No entanto, Watanabe-san não parecia imbuído de uma ânsia

messiânica. Sua intenção não era dar uma lição ou deixar um exemplo,

mas sim garantir que sua vida valesse de algo, e que, caso tivesse que

revivê-la eternamente, poderia ao menos desfrutar de algumas

passagens.

Em La Strada, de Federico Fellini (1954), o caminho trilhado

pelas personagens se encontra encerrado entre dois oceanos, desde a

partida da jovem Gelsomina em sua jornada sem volta, ao calvário do

bruto Zampanò, torturado pela solidão, consequência de sua própria

brutalidade — sujeito que, como um cão, ao tentar falar, consegue

apenas latir26

. Dois oceanos que representam o início e o fim da estrada

da vida criada por Fellini. La Strada pode ser considerado um filme de

despedidas, entre mortes, partidas, abandonos e errâncias.

Gelsomina, quanto se despede de sua família, sabe que não irá

retornar. Gelsomina pergunta à sua mãe: “— E quando volto?”. A

resposta em meio ao choro e lágrimas é: “— Não voltarás, não voltas,

filha minha!”. Seu destino é o mesmo de sua irmã Rosa, que tempos

antes foi levada pelo mesmo homem e encontrou como seu destino a

morte. Este homem — Zampanò — está de volta à mesma família para

angariar mais uma companheira para sua andança moribunda. A

despedida tomou tons melancólicos. Gelsomina partiu numa carroceria

puxada por uma velha motocicleta, as crianças correm atrás para se

despedir. Ela acenou, a moto acelerou e a estrada tomou seu curso,

deixando para traz a terra natal, para onde ela nunca mais irá retornar —

e Gelsomina sabia disso.

Assim, a personagem partiu em sua peregrinação. O filme

acompanha as experiências exaustivas da vida daqueles que fazem da

estrada a sua morada: dormir ao relento à beira das rodovias, depender

da ajuda dos estranhos que encontra pelo caminho, o não saber ao certo

o que comerá e onde estará no dia seguinte. Gelsomina deixou para traz

26 Expressão utilizada pela personagem Il Matto para descrever os afetos de

Zampanò.

168

a segurança do lar para vivenciar as durezas da estrada e conviver

cotidianamente com a frieza e grosseria de Zampanò. Porém, ela vem a

demonstrar resignação frente às dificuldades impostas pela pobreza e

pela vida de andarilha, ancorando-se no propósito de ajudar Zampanò

por meio do amor, do cuidado e da dedicação, passando a ser este o

sentido de sua estrada: “— Se eu não ficar com ele, quem ficará?”

O autor Pascal Couté (COUTÉ, 2016) compara a obra de Fellini a

uma saga franciscana, ao destacar que Gelsomina não expressou

descontentamento ao viver na pobreza, nem tem interesses em bens

materiais ou exigências em relação ao futuro. Sua estrada é uma “saga

espiritual” de contemplação da natureza e de amor ao próximo.

Gelsomina atribuiu como sentido de sua vida dar amor a um homem que

não o possui e viver as experiências de encontros com o inesperado.

Cada encontro com o outro, com o natural ou com o inorgânico ganhou

um relevo especial, um olhar de encantamento27

. A personagem

maravilhou-se ao flertar com o novo, com o exótico, entusiasmou-se

com a oportunidade de viver a diferença e ir ao encontro do

desconhecido.

O encanto de Gelsomina pela vida e sua disposição ao encontro

com a alteridade, sua resignação aos bens materiais e a sua pergunta

sobre o propósito de sua existência poderiam ser indícios de que a

personagem deu por certa a sua morte prematura e por isso valorizou

cada encontro como se não houvesse um a posteriori, assim como Kanji

Watanabe? Em La Strada a morte não anuncia a sua chegada de forma

declarada e inevitável como em Ikiru, porém, seria a sua presença à

espreita a nuance que lança Gelsomina ao enamorar-se com os seres

vivos e com as formas do mundo natural, a demonstrar-se tão

deslumbrada com as vivências que estabelece em sua jornada?

O que se pode afirmar sobre a relação de Gelsomina com a morte

está relacionada ao acidental assassinato de Il Matto, decorrente de uma

briga com Zampanò, morte esta que veio a relevar a Gelsomina toda a

crueza do mundo da forma mais insuportável. A presentificação da

barbárie, da culpa e da vilania do humano acabou por ser desestruturante

à personagem. O real que se apresentou a ela, em face da morte de seu

amigo, a impeliu a uma condição de loucura e devaneios ilógicos. A

dificuldade em significar o atravessamento da morte em sua caminhada

tomou uma estrutura de trauma e passou a desorganizar a sua relação

27 Uma pedra qualquer, recolhida do chão e dada a Gelsomina por seu amigo

trapezista Il Matto, torna-se um dos seus amuletos de reflexão sobre o sentido de sua

própria existência.

169

com Zampanò e com a vida. Este acontecimento representou o epílogo

da sua jornada, antes desta ser findada com o próprio falecimento.

Depois que Gelsomina passou a ser acometida por delírios e por

uma tristeza irreversível, após ter presenciado a morte de Il Matto,

Zampanò resolve deixá-la. Enquanto a moça dormia sob o sol à beira da

estrada, ele arrumou suas coisas e parte com sua casa-moto, deixando

para ela apenas um cobertor, alguns trocados e seu trompete.

Na obra de Fellini, a morte também se mostrou como elemento

balizador do sentido da existência a partir do impacto que a notícia do

falecimento de Gelsomina tem sobre os até então frios afetos de

Zampanò. De passagem por uma cidade qualquer, no seu perene vagar,

Zampanò descobre que Gelsomina por ali passou e que nesta localidade

morreu cerca de cinco anos antes. A descrição de uma aldeã é que

morreu louca, enfraquecida e de tristeza. Na história de dele, Gelsomina

foi a única pessoa que demonstrou admirá-lo com sujeito e como

humano; foi a única a amá-lo, a conceder a ele um lugar de valor e um

olhar de carinho. Ao saber da sua morte, algo se irrompe e a muralha

que sempre apartou Zampanò do encontro com o outro vem abaixo.

Fellini procurou trabalhar nas últimas cenas do filme a solidão de

um homem que não conseguiu manter laços afetivos, que se percebeu só

num mundo pouco acolhedor, um contexto em fragmentos devido a uma

guerra recente. Vociferando para seus fantasmas que não precisa de

ninguém. Embriagado, expulso sob socos de uma taverna e

completamente só, Zampanò — à beira do noturno oceano que se

estendeu ao infinito — enfim vem a se deparar com o fel que sempre lhe

engasgou a garganta e que o condenou à solidão. Zampanò andou

cambaleante pela praia, lavou o rosto no mar e caiu sobre a areia. Uma

imagem próxima de seu rosto, um olhar surpreso e apavorado. Ele olhou

para o céu e não vê ninguém. A morte de Gelsomina o colocou em

contato com sentimentos outrora ignorados, obrigando-o a olhar de

frente para a sua vida e dar-se conta do que ele estava fazendo com ela.

A dor dilacerante que Zampanò vem a sentir naquela noite é resultante

do seu encontro com a vida, após muitos anos ignorando-a.

[Figura 01 – o fim da estrada, o encontro com o oceano]

170

No último plano de La Strada (figura 01), a câmera parte de um

close sobre o homem em prantos encolhido sobre a areia e dele vai se

afastando, diminuindo o tamanho desse corpo e aumentando a percepção

de sua solidão e do mar que se avizinha como o fim de sua estrada.

Fellini criou uma imagem-afecção que toca o sofrimento de uma alma

que descobriu que está só e que é responsável por haver afastado a todos

que pudessem o acompanhar nessa jornada tão rude como pode ser a

vida. A imagem do desfecho trágico foi acompanhada da música que se

constitui, ao longo do filme, como o réquiem de Gelsomina.

RÉQUIEM ANTE MORTEM

Réquiem é o nome das missas ou cânticos católicos oferecidos

aos mortos e ao descanso de suas almas. A origem da palavra deriva do

latim requies, cujo significado remete a “repouso”, “quietude”. O termo

também é empregado para designar o gênero musical das composições

voltadas para as cerimônias fúnebres ou para homenagear os mortos.

Nos dois filmes abordados neste artigo, a música configurou-se como

uma presença das personagens mortas que continuou ressoando entre os

vivos. Ambos — Watanabe-san e Gelsomina — antes e após as suas

mortes, são associadas à música que cantarolavam, em suas passagens

moribundas, como um prenúncio do desfecho inevitável.

As duas personagens são as trovadoras dos seus próprios

réquiens. Watanabe-san, em duas passagens de Ikiru, deixou escapar,

como que num gesto do qual está alienado, os versos da música Gondola

no Uta (ゴンドラの唄 – Canção da Gôndola). Numa noite de esbórnia,

da qual Watanabe-san procurou experimentar o que seria viver gerido

pela bebedeira, em festas noturnas, entre jovens mulheres e encontros

amorosos, irrompeu, no auge da noite, o saber de que continuava só e

isolado de todos esses estranhos que o cercam. Com os olhos banhados

em lágrimas e um olhar perdido no vazio, Watanabe-san começou a

murmurar, praticamente sem mover os lábios:

A vida é tão curta,

apaixone-se, mocinha.

Antes que se desvaneça

o vermelho escarlate dos lábios

Antes que se arrefeça

171

o sangue em fluxo de calor

Porque os dias do amanhã

não existem

A vida é tão curta,

apaixone-se, mocinha.

Antes que se desvaneça

a cor preta dos cabelos

Antes que se apaguem

as chamas do coração

Porque o dia de hoje

não virá jamais28

O cântico será novamente retomado na noite de sua morte.

Sozinho em um balanço para crianças, numa noite escura de neve e

desabitada, no parque infantil que foi a sua mais significativa realização

em vida, os versos entoados do poema parecem ter sido suas últimas

palavras. Quem testemunhou a cena foi um guarda transeunte, que

depois vem a relatar a cena para os presentes no funeral. Watanabe-san

já anunciava a seu fim com o cantarolar do seu réquiem — ele cantou a

sua morte para si mesmo.

Em La Strada, Gelsomina encontrou na música um acalanto

frente a tantas provações a que é colocada. O trompete foi seu

companheiro. Nas apresentações circenses da dupla Zampanò e

Gelsomina, a tarefa desta era anunciar o artista com seu tamborzinho ou

com la tromba. São diversos os planos do filme onde o trompete

apareceu junto à personagem, como um espírito que paira ao seu lado,

esperando a hora de ser invocado.

A melancólica melodia que marcou a personagem, lhe foi

ensinada por seu falecido amigo Il Matto. Uma suíte em Fá maior de

Nino Rota, a música suscita os sentimentos de abandono e tristeza que

acometeram Gelsomina. Na execução da melodia, a personagem

salientou toda a dor, o desalento e o melancólico destino da dupla,

dando contorno à atmosfera que os enreda. Sua musicalidade é um gesto filosófico, que tornou perceptível a grande questão sob o qual a sua

estrada se desenvolve. Como provoca Nietzche, “já se percebeu que a

música faz livre o espírito? que dá asas ao pensamento? que alguém se

28 Tradução de Júlia Orie Yamamoto.

172

torna mais filósofo, quanto mais se torna músico?” (NIETZCHE, 2016,

p. 12).

Sempre entoando a melodia por onde passava, a personagem vem

a ser lembrada por essa composição. Nos seus anos finais, após

abandonada à sua própria sorte, vagando por vilarejos, Gelsomina

carregava consigo seu trompete e, depois de sua morte, era por tal

melodia que era lembrada. O tema musical será uma marca da existência

da personagem e esta continuará a reverberar na memória daqueles que

ficam toda vez que a música for rememorada. Gelsomina deixa a vida

para se tornar música.

[Figura 02 – Gelsomina: corpo e música]

A música no cinema participa da potencialização de uma

expressividade, favorecendo certo estado emocional por aqueles que são

interpelados pela obra (AUMONT, 2012). Seu componente rítmico e

melodioso cria uma atmosfera que provoca certas experiências físicas e

emocionais. A música, somada à imagem, produz experiências afectivas,

inspira estados emocionais, abrindo caminho para o encontro com

esferas do humano pouco correspondidas pelo espectro da razão:

A música não refere nem nomeia coisas visíveis,

como a linguagem verbal faz, mas aponta com

uma força toda sua para o não-verbalizável;

atravessa certas redes defensivas que a

consciência e a linguagem cristalizada opõem à

sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do

mental e do corporal, do intelectual e do afetivo.

Por isso mesmo é capaz de provocar as mais

apaixonadas adesões e as mais violentas recusas.

(WISNIK, 1989)

Morin destaca que a música é uma experiência cinestésica, visto

que coloca os afetos em movimento, embebendo a alma em uma

atmosfera particular: “A música tende a alargar a participação da alma

173

em uma participação cósmica. A música expressiva tende a orientar a

participação cósmica para uma exaltação da alma” (MORIN, p. 140). A

alma é convocada a dançar, arrastada pelo cortejo, como uma onda

invisível que nos sacode e nos arrebata para um oceano de sensações,

emoções, memórias, afecções.

A visão e o tato são sentidos mais próximos à concretude da

realidade. Estamos mais acostumados a interagir com o mundo físico

através desses dois sentidos. A música advém de uma materialidade em

constante aparição de ausência, de uma substância intangível, sons que

se afirmam presentes na sua fantasmagoria. Devido a essas

características, em diversas culturas à música se afere qualidades

análogas às propriedades do espírito; música como substância de

passagem entre a realidade material e o invisível, entre o mundo dos

vivos e o mundo dos espíritos (WISNIK, 1989; COUTÉ, 2016).

A música, como esse elemento etéreo e penetrante na dinâmica

dos afetos, revela algo do movimento do caos – plano do qual partem

todas as realidades possíveis. Para Schopenhauer (2005), a arte do som

deve ser refletida segundo “uma significação muito mais séria e

profunda, referida à essência íntima do mundo e de nós mesmos” (ibid,

p. 337). Dando continuidade ao pensamento do filósofo alemão,

Nietzsche corrobora com a mesma perspectiva ao afirmar que “somente

a música, colocada junto ao mundo, pode dar uma noção do que se há de

entender por justificação do mundo como fenômeno estético.”

(NIETZSCHE, 1992, p. 141). Nietzsche busca na experiência musical a

configuração na qual o real se revela, entre cosmos e caos, entre ordem e

desordem, entre Apolo e Dionísio.

Abdicando de uma vida cerceada pela lógica racional e

antagonista à experiência da morte, ao se fazerem música, as

personagens de Fellini e Kurosawa têm a sua alforria em relação

ao medo da finitude para transcenderem à dinâmica do caos, de

onde tudo parte, tudo torna-se possível e nada é. A força

dionisíaca da arte musical liberta as almas de Watanabe-san e

Gelsomina para estas se encontrarem com a vida. Ambos, ao

morrerem, transcendem à música. A partir dos autoproclamados

réquiens, ambos deixam o corpo e tornam-se música. Suas presenças estão para além das manifestações concretas que os corporificam.

Watanabe-san, que temia deixar a vida antes de edificar a sua missão

social, não soube que continuaria vivo nos versos de Gondola no Uta.

Assim como Gelsomina, que, após a sua morte, ao presentificar-se por

174

via da melodia, enfim tocou a alma de Zampanò, despertando no bruto a

dor intrínseca à saudade, ao amor e à solidão.

FINALIZANDO

Qualquer digressão filosófica ou intelectual fica um tanto aquém da

potência estética que a obra artística pode suscitar. Os filmes nos arrebatam

em nosso âmago, abrindo fendas no nosso ser conforme somos tocados

pelas narrativas e pelas realidades ficcionadas. A imagem-movimento

apreende um recorte do real e sua compreensão muitas vezes nos escapa,

nos impacta, nos ensina – nos dá a ver um mundo e um humano que escorre

por entre as fissuras da razão e do cotidiano. A arte cinematográfica produz

realidades que são tão reais quanto qualquer outra; são fragmentos do caos

do qual tudo se origina; são atos de criação daquilo que pode vir-a-ser.

Não há linguagem que possa descrever as experiências de uma alma

banhada pelos espectros sonoros, pelas ondas vibratórias numa

configuração singular, pela arte do som. As partituras apenas designam uma

sequências rítmica, harmônica e melódica, mas não comunicam os efeitos

que a composição terá sobre o sujeito ouvinte, ou quais emoções, memórias,

desejos e fabulações serão despertadas por onde as ondas se chocam.

No entanto, essas duas linguagens artísticas, nas suas infinitas

potências criativas e estéticas, produzem um saber singular sobre a vida,

instigam um conhecimento sobre o real que a razão deixa escapar, que a

ciência não consegue elaborar, que a filosofia ronda mas não pode alcançar.

O encontro de som e imagem, no cinema, potencializa esse saber.

A reflexão aqui desenvolvida, inspirada nos filmes Ikiru e La Strada,

em suas personagens, seus contextos histórico e sociais, nas suas qualidades

estéticas, nos seus ritmos e melodias, apenas gravita em torno das obras –

tão diminuto quanto um astronauta gravitando em torno da Terra. Porém,

esse astronauta vê algo que poucos podem ver, pois está numa perspectiva

rara. Difícil descrever o que vislumbra, faltam-lhe palavras, transbordam

emoções. É tudo demasiado imenso, e ele apenas uma partícula

insignificante.

A arte é inesgotável, pois as suas linhas de fuga se confundem com o

infinito do caos. Realizar uma interpretação, uma análise, é dar-lhe um

limite, é efetuar-lhe um corte, um fragmento morto, embalsamado. Contudo,

só a morte nos dá contorno, forma, sentido. Não captamos o caos, apenas

seus resquícios cristalizados, tornados ordem, realidade.

As obras de arte são corpos celestes e nós, astronautas.

175

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177

CONCLUSÃO

Após quatro anos envolto em leituras, debates e pensamentos

sobre o papel da arte como paradigma epistemológico — procurando

responder o que pode dizer o cinema em relação ao humano e à

realidade, sob quais aspectos ele nos oferece um saber que os

consagrados métodos científicos não nos possibilitam; buscando

conhecer conceitos próprios dessa linguagem estética que provocassem

reflexões filosóficas e científicas para além do território já delimitado

pela psicologia; que possibilitem paisagens inéditas, outros saberes,

ideias insólitas, novos entendimentos — concluo que encontrei, para

além de algumas respostas previamente almejadas, um vasto universo

que se abriu à minha frente. Quatro anos de pesquisa representam

apenas os primeiros passos de uma longa estrada em direção a esse

horizonte: a arte como um plano de formulação de conhecimento sobre

o sujeito e sobre a vida.

Os cinco artigos que compõem esta tese não têm a pretensão de

esgotar o tema. Ao contrário, o que pretendem é instigar uma abertura,

fomentar a curiosidade, apontar caminhos possíveis, corroborar com um

paradigma epistemológico em que a arte é seu fundamento. Os artigos

possuem independência entre si e procuram apresentar, sob perspectivas

distintas, as potências estéticas do cinema e seu diálogo com a ciência.

Porém, juntos, os textos nos oferecem um panorama composto de cinco

olhares complementares: expõe um cenário científico e como o cinema

está presente, provoca uma problematização referente aos limites da

ciência em face às potências da arte, contempla três elementares

conceitos da linguagem cinematográfica e debruça-se sobre a análise das

obras fílmicas para, a partir dessas, criar reflexões pertinentes à

psicologia. A revisão sistemática revelou que há um número

significativo de trabalhos que têm realizado aproximações entre cinema

e psicologia e que esse diálogo pode ser profícuo para se lançar em

direção a variados propósitos, como os trabalhos que visam objetivos

teóricos, didáticos e/ou epistemológicos. O cinema como recurso

utilizado para se produzir saber em psicologia se mostrou presente em

diversos segmentos da produção acadêmica nacional, está presente nos

estudos das diferentes abordagens psicológicas e nos mais diferentes

contextos de trabalho e intervenção, não se restringindo a uma linha de

trabalho ou a um pensamento específico.

O debate que visou problematizar a prática científica e seus

parâmetros de validação, de construção de verdades, de elaborações do

178

real, discorreu sobre a arte como um plano autônomo na formulação de

conhecimento, assim como um paradigma complementar à ciência

moderna, no seu propósito de produzir conhecimento sobre a realidade e

sobre o humano. O plano de composição no qual a arte se localiza

(DELEUZE, GUATTARI, 2010) aguça nosso encontro com afectos e

perceptos, elementos que compõem um bloco de sensações, experiências

que nos colocam em face à vida, tocados pelo inconstante pulsar de um

caos que está sempre por recriar-se. É o movimento do real atravessando

o corpo, presentificando a sua imaterialidade por meio de afecções.

Experiência esta que pode ser apenas sentida, sendo inalcançável aos

esforços do plano das referências e seu exercício de descrição.

Imagem-tempo-montagem, os três conceitos que foram

abordados a partir das teorias da linguagem cinematográfica, revelaram-

se valiosos na busca por respostas a algumas perguntas da filosofia e da

psicologia. Os conceitos possibilitam uma fabulação referente à

organização e à estrutura da realidade, como essa pode ser interpretada e

como navegamos sobre esse oceano sempre por desvendar-se. A

imagem nos concede fragmentos sensíveis que figurarão como

elementos de um grande mosaico e ser arranjado, compondo nossos

processos de subjetivação e os sentidos que atribuímos à vida: imagens-

movimento como fragmento da vida, e imagem-pensamento como

produção de sentidos em sujeitos em devir. Tais experiências

transcorrem na presentificação do tempo e na sua relação com o ato da

montagem. Para se dar uma forma tangível ao tempo, faz-se necessário a

ação que o instaura, um corte, uma delimitação do infinito. Os

segmentos de tempo, tornados duração pelo exercício do corte e

organizados segundo uma montagem particular, produzirão as narrativas

possíveis sobre o vivido, sejam estas experiências subjetivas ou

reflexões sobre a realidade coletiva. Imagem-tempo-montagem

apresentam-se como conceitos de profunda riqueza teórica e estética

para nos aventurarmos entre os enigmas da existência.

Os filmes analisados nesta tese fomentaram uma complexa rede

de reflexões, de encontros e sensações. Cada obra despertou um singular

olhar para as diferentes questões levantadas, possibilitou uma

elaboração teórica, assim como afecção em particular. Os pensamentos,

afetos e movimentos que os filmes podem instigar não cabem em uma

tese, nem mesmo em uma teoria filosófica ou científica. As

elucubrações intelectuais são apenas inspiradas pelas artes, e não se

pretendem traduzi-las, replicá-las ou transformá-las em corpo teórico, de

modo que as obras mantêm as suas independências e unicidades. Os

estudos que tomam a arte como objeto de reflexão não deveriam visar a

179

explicação desta (nem mesmo o conseguiriam), mas privilegiar a

maneira como o autor foi instigado pela obra, que ideias e emoções

puderam ser tecidas a partir desse atravessamento.

Pensar psicologia sob a ótica do cinema suscita-nos uma

ampliação dos olhares possíveis em relação aos temas de nosso

interesse, uma expansão nas possibilidades de compreender. A arte pode

fomentar uma produção de saber de cunho qualitativo que amplifica os

encontros possíveis. Em vez de simplificar as respostas em grandes

generalizações, como faz a ciência moderna, a arte instiga o encontro

com o singular, plural, irreproduzível (COSTA, FONSECA & AXT,

2014). Uma epistemologia que se lança nos horizontes da experiência

artística reconhece como inerente à qualquer produção discursiva o

exercício de ficção, de fabulação, de criação — estas não como

falseamento da realidade, mas no entendimento de que a realidade é

oriunda do gesto criador e está condicionada a um eterno devir.

Algo dessa epistemologia nos atravessa, nos afeta, desorganiza;

consolida um saber que não diz respeito somente ou

preponderantemente a nossas faculdades intelectuais ou elaborações

cognitivas. A escrita de qualquer estudo que visa contemplá-la estará

sempre aquém daquilo que imagens, sons, formas, movimentos e toda a

poética que os instaura pode nos causar. Teorizar sobre a potência

provocativa, criativa, revolucionária da arte torna-se um exercício por

vezes inócuo. Com palavras podemos apenas bordear e elucubrar sobre

seus efeitos, porém muitos deles são intraduzíveis.

Após rever diversas vezes as passagens de Ikiru e a busca de

Watanabe-san por um sentido; por ficar com Gondola no Uta ressoando

em minha cabeça como uma trilha sonora que emana do além; ao ser

capturado pelo olhar desolado de Gelsomina e sentir sua dor na melodia

que entoa; após anos de reflexões suscitadas pelos fragmentos de

Waking Life e na busca por ver-me imerso em holy moments; ao viver

uma experiência antropológica guiada pelo gesto voyeur e pelo

perambular de Wim Wenders pela Tokio dos anos 80 — percebo, em

cada novo atravessamento do meu corpo por essas obras, que há algo

que se torna mais presente, mais intenso, mais vasto e, ao mesmo tempo,

mais indescritível. A força com que a arte nos acomete, quanto mais

sublime for essa experiência, menos transmissível por meio de palavras

e racionalizações se torna. Talvez, para ser narrada de forma mais

fidedigna, seja relevante elaborar meios para uma transmissão que seja

também estética.

180

REFERÊNCIAS

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185

ANEXO

A tabulação presente neste anexo refere-se à Revisão Sistemática

realizada no artigo “A produção científica na interface cinema e

psicologia: uma revisão sistemática”. Abaixo estão referenciados os

artigos, dissertações e teses, publicados entre os anos de 2000 e 2017,

encontrados nas bases de dados Scielo, PePSIC, BDTD e Banco de

Teses e Dissertações da CAPES, combinando os descritores “cinema” e

“psicologia”. A apresentação da pesquisa está dividida entre as

categorias “análise de filmes”, “cinema em atividades de intervenção” e

“epistemologia e metodologia”. A tabela traz as informações

bibliográficas e resumo dos trabalhos analisados.

ANÁLISE DE FILMES

Total = 70 trabalhos; Artigos = 24; Dissertações = 34; Teses = 12

Artigos

0

1

Título: O estatuto da imagem-pulsão em

Cronicamente Inviável e Amarelo Manga

Autor: Alexandre Rocha da Silva; Bruno Bueno

Pinto Leites; Guilherme Gonçalves da Luz

Ano: 2014

Este artigo retoma o debate inaugurado por

Gilles Deleuze sobre a imagem-pulsão e

avalia como tais imagens se fazem

presentes no cinema brasileiro

contemporâneo. O trabalho recua até

Sigmund Freud para explicitar o conceito

de pulsão e até Herbert Marcuse para

pensar o engajamento das pulsões nas

relações socioculturais. Neste percurso,

descreve-se uma nova forma de pensamento

no cinema a partir do conceito. No contexto

do cinema brasileiro, identificou-se que não

há um filme constituído unicamente por

imagens-pulsão, em lugar disso, elas se

encontram dispersas em cenas de diferentes

filmes, desempenhando funções diversas

nas relações entre mundos originários e

derivados.

Referência: SILVA, A. R., LEITES, B. B. P., LUZ, G. G. O estatuto da imagem-pulsão em

Cronicamente Inviável e Amarelo Manga. In: Fractal, Revista de Psicologia, Rio de Janeiro ,

v. 26, n. spe, p. 629-644, 2014.

186

0

2

Título: A cortina rasgada: o cinema de Alfred

Hitchcock e a teoria da imagem em Sigmund

Freud

Autor: Karla Patricia Holanda Martins; Débora

Passos de Oliveira; Maria Celina Lima Peixoto

Ano: 2014

O presente trabalho parte da premissa de

que o suspense, tal como representado na

obra do cineasta Alfred Hichtcock,

figurabiliza um modo de funcionamento do

aparelho psíquico análogo àquele

demarcado no modelo freudiano. Ao

articular o cinema de Hitchcock à dimensão

da imagem em Freud propõe evidenciar

determinada autonomia do registro

imagético na teoria freudiana. Se a práxis

psicanalítica tem na linguagem seu aporte

fundamental, não podemos nos esquecer de

que a imagem produz também seus efeitos

psíquicos, sobretudo no instante em que

excede o registro da linguagem. Nesse

sentido, nos apoiamos nas articulações de

Hitchcock para desvelar as formas de

representação relativas à imagem que se

apresentam na teoria psicanalítica. À vista

disto, desloca-se o ponto de vista de usar a

psicanálise como instrumento teórico para

pensar o cinema em direção a uma

perspectiva em que a imagem fílmica pode

oferecer visibilidade aos processos

psíquicos conhecidos apenas pelos seus

efeitos. Desse modo, é a construção

cinematográfica que nos auxilia a

vislumbrar as formações do inconsciente

demarcadas no texto freudiano.

Referência: MARTINS, K. P; OLIVEIRA, D. P; PEIXOTO, M. C. L. A cortina rasgada: o

cinema de Alfred Hitchcock e a teoria da imagem em Sigmund Freud. In: Psicologia Clínica,

Rio de Janeiro , v. 26, n. 2, p. 161-175, dezembro de 2014.

0

3

Título: O(s) tempo(s) na psicanálise e no

cinema: o sentido baseado no só-depois. Autor:

Thianne Rezende; Amadeu Weinmann

Ano: 2014

Este escrito articula psicanálise e cinema a

partir de duas produções

cinematográficas: Precisamos falar sobre

Kevin e 21 gramas, relacionando-as ao

conceito psicanalítico de só depois.

Abordamos os filmes sob a perspectiva da

estrutura narrativa e os relacionamos à ideia

de tempo na psicanálise, propondo uma

relação do sentido baseado no só-

depois tanto na compreensão dos filmes,

quanto na clínica psicanalítica. Para isso,

remontamos, a partir de revisão teórica, a

história da construção da narrativa no

cinema e a construção do conceito de a

posteriori no campo psicanalítico. Nossa

hipótese é que a rasgadura no tempo dos

filmes é análoga à maneira não linear e

múltipla pela qual o sujeito se constitui.

Referência: REZENDE, T; WEINMANN, A. O(s) tempo(s) na psicanálise e no cinema: o

sentido baseado no só-depois. In: Trivum, Rio de Janeiro , v. 6, n. 1, p. 68-81, junho de 2014.

0

4

Título: O leitor da Europa dançando no escuro:

acerca da experiência da atividade como política

A partir de fragmentos de vidas construídas

pelo cinema em Europa, O Leitor e

Dançando no escuro, desenvolve-se um

187

Autor: Jésio Zamboni

Ano: 2013

ensaio crítico acerca da dimensão política

da experiência na atividade. Torna-se foco

de debate a produção da experiência em

meio a calamidades humanas. As relações

entre política e arte, história e afetividade,

são discutidas por situações de vida e

trabalho, nas quais a atividade pode

aparecer como experiência política. As

proposições sobre psicopatia e

dessimbolização, utilizadas para explicar

individualmente situações nefastas da

experiência humana, são contestadas

retomando o pensamento de Hannah

Arendt, confrontado com as produções

filosóficas de Gilles Deleuze e Michel

Foucault.

Referência: ZAMBONI, J. O leitor da Europa dançando no escuro: acerca da experiência da

atividade como política. In: Revista de Psicologia, UNESP, Assis , v. 12, n. 2, p. 82-

91, dezembro de 2013.

0

5

Título: Trauma, memória e justiça em "A Morte

e a Donzela", de Roman Polanski

Autor: Thaís Seltzer Goldstein

Ano: 2013

O presente artigo analisa um filme

inspirado em uma peça teatral de Ariel

Dorfman, traduzida para o português como

"A Morte e a Donzela". A película, que leva

o mesmo título, foi lançada em 1994 sob

direção de Roman Polanski. Trata-se de um

suspense psicológico que conta com a

participação de apenas três personagens:

Paulina, Miranda e Escobar, interpretados

por Sigorney Weaver, Ben Kingsley e

Stuart Wilson, respectivamente. Colocando

em pauta discussões de grande relevância

para a Psicologia - como a questão da

memória de um trauma, da elaboração

psíquica e do potencial restaurador da

justiça - este filme, juntamente com

algumas contribuições de teóricos da

atualidade, suscita reflexões de grande valia

ao enfrentamento de impasses ligados à

rememoração de catástrofes sociais em

âmbito intersubjetivo e comunitário.

Referência: GOLDSTEIN, T. S. Trauma, memória e justiça em "A Morte e a Donzela", de

Roman Polanski. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 24, n. 3, p. 509-526, dezembro de 2013.

0

6

Título: Cinema e abuso sexual na infância e

adolescência: contribuições à formação do

psicólogo clínico

Autor: Tales Vilela Santeiro, Lucas Rossato

Ano: 2013

O abuso sexual infantil/adolescente (ASI)

tem integrado práticas clínicas atuais, e o

cinema o torna visível e o expõe em suas

implicações subjetivas e sociais,

favorecendo sua discussão. O objetivo deste

trabalho foi analisar filmes

comerciais/ficcionais sobre ASI,

produzidos entre 2001 e 2010 (N = 21),

para caracterizar como são filmados,

ambientes/contextos onde ocorrem, vítimas

e abusadores, desfechos de casos e para

discutir contribuições à formação clínica.

Os títulos foram buscados em bases de

dados especializadas em cinema e junto a

188

psicólogos que utilizam filmes no processo

formativo. Critérios de análise foram

preestabelecidos, e as obras, analisadas

sistematicamente. O gênero dramático e a

nacionalidade norte-americana

predominaram. O ASI foi retratado por

meio de encenações explícitas; no geral,

ocorreram em ambientes públicos com

crianças e perpetrados por conhecidos. Os

filmes analisados aproximam-se de tópicos

da literatura especializada sobre ASI e

demandam do espectador condição

emocional para elaborar situações de

conteúdo psíquico intenso.

Referência: SANTEIRO, T. V; ROSSATO, L. Cinema e abuso sexual na infância e

adolescência: contribuições à formação do psicólogo clínico. In: Psicologia — Teoria e Prática,

São Paulo, v. 15, n. 3, p. 83-94, dezembro de 2013.

0

7

Título: Psicologia social e a infância perdida em

"Cidade de Deus"

Autor: Idonézia Collodel Benetti

Ano: 2013

O presente trabalho, de natureza teórica,

pretende aliar às teorias da Psicologia

Social a algumas discussões presentes no

filme Cidade de Deus. A infância perdida,

retratada na obra cinematográfica, é

capturada de maneira a apresentar a

situação de violência experienciada nos

grandes centros urbanos do Brasil. É a arte

retratando a vida, no contexto da favela

Cidade de Deus - um lugar que apresenta

marginalização, invisibilidade, omissão,

desamparo, crianças e adolescentes sem

defesa. Esse quadro serve de base para

ilustrar algumas questões inerentes aos

estudos em Psicologia Social, as quais se

pautam pela atenção, respeito e cidadania

aos excluídos e invisíveis, advogando em

favor de uma infância de brinquedos,

cuidados, proteção, e oportunidades

promotoras do desenvolvimento humano.

Para estabelecer a análise proposta, o filme

e seus fotogramas configuram-se como

ponto de partida na seguinte trajetória: (a)

assistir ao filme separando/retirando e

numerando 30 fotogramas; (b) rever o filme

e anotar as problemáticas recorrentes

relacionadas à Psicologia Social;(c)

construir uma planilha dos principais

problemas mostrados pelo filme; (d)

catalogar/categorizar as imagens de acordo

com o levantamento das problemáticas mais

salientes encontradas no filme; (e) registrar

observações consideradas relevantes, para a

compreensão do significado das cenas

selecionadas com significado derivado das

teorias relativas à Psicologia Social. Assim,

a teoria e obra cinematográfica estão

imbricadas neste trabalho e estabelecem

pontos de contato entre as duas versões:

conteúdos acadêmicos e a filmografia.

189

Referência: BENETTI, I. C. Psicologia social e a infância perdida em "Cidade de

Deus".In: Boletim - Academia Paulista de Psicologia, São Paulo , v. 33, n. 85, p. 388-

404, dezembro de 2013.

0

8

Título: Do inferno ao divã: uma abordagem

psicanalítica de "Jack, o Estripador" como

apresentado no filme Do Inferno

Autor: Ricardo de Lima Sedeu

Ano: 2013

O artigo analisa, do ponto de vista da

psicanálise, o caso de “Jack, o Estripador”,

conforme descrito no filme Do Inferno

(2001). Após comentários sobre os

conceitos de serial killer (da psicologia

forense) e de psicopatia (da psiquiatria), é

apresentada uma abordagem

psicopatológica proposta por Jean Bergeret,

autor que enquadra a maioria dos casos de

psicopatia entre os estados limífrofes

(borderline). A seguir, é feita uma análise

psicanalítica do personagem que comete os

crimes no filme, mostrando o agravamento

gradual da sua patologia.

Referência: SEDEU, R. L. Do inferno ao divã: uma abordagem psicanalítica de "Jack, o

Estripador" como apresentado no filme Do Inferno. In: Cogito, Salvador , v. 14, p. 76-

85, novembro de 2013.

0

9

Título: A transmissão psíquica na poética

familiar de Almodóvar: Volver (2006) e Tudo

sobre Minha Mãe (1999)

Autor: Fabio Scorsolini-Comin; Manoel

Antônio dos Santos

Ano: 2013

O objetivo deste estudo é discutir de que

modo a transmissão psíquica

transgeracional está presente em duas obras

do cineasta Pedro Almodóvar: Volver

(2006) e Tudo sobre minha mãe (1999).

Tais obras mantêm uma intertextualidade

ao destacarem histórias de mulheres que

sofrem em seus casamentos pela traição ou

pelas mudanças

comportamentais/identitárias de seus

maridos. Ambos os filmes apresentam

como eixo narrativo a produção de mentiras

que são contadas pelas protagonistas e que

escamoteiam suas identidades e suas

próprias histórias que, de certo modo,

remontam às de suas mães. Tais trajetórias

são repetidas inconscientemente como

forma não apenas de sobrevivência e de

preservação de elementos psíquicos, como

também para elaborar dramas pessoais,

tragédias humanas e escolhas amorosas

tidas como equivocadas.

Referência: SCORSOLINI-COMIN, F; SANTOS, M. A. A transmissão psíquica na poética

familiar de Almodóvar: Volver (2006) e Tudo sobre Minha Mãe (1999). In: Psicologia: Teoria e

Pesquisa, Brasília , v. 29, n. 3, p. 287-295, setembro de 2013.

1

10

Título: Linha de Passe: adolescência e

imaginário em um filme brasileiro

Autor: Aline Vilarinho Montezi; Tomíris Forner

Barcellos; Fabiana Follador Ambrósio; Tânia

Maria José Aiello-Vaisberg

Ano: 2013

Este trabalho tem como objetivo estudar o

imaginário social sobre a adolescência,

concebida como fenômeno socialmente

produzido, de importantes ressonâncias

emocionais. Metodologicamente,

configura-se ao redor da abordagem

psicanalítica da obra cinematográfica

"Linha de passe", desde uma perspectiva

teórica afinada com a psicologia concreta

190

da conduta, defendida por Bleger e Politzer.

Utiliza como material uma narrativa

transferencial, elaborada com base na

estrita observância das regras constitutivas

do método psicanalítico, tendo em vista a

produção interpretativa de campos de

sentido afetivo (emocional ou inconscientes

relativos). Apresenta e discute a

criação/encontro de três campos

denominados "Temos mãe", "Precisamos de

(mais) alguém" e "Viver é lutar", segundo

os quais se organiza a experiência dos

personagens adolescentes. Conclui que o

filme retrata, de modo claro e preciso, um

imaginário compartilhado por parte da

população brasileira com acesso à produção

cultural, que reconhece que o processo de

tornar-se adulto seria singularmente penoso

pela ausência paterna e por falta de holding

social.

Referência: MONTEZI, A. V; AMBROSIO, F. F; BARCELOS, T. F; VAISBERG, T. M. J. A.

Linha de Passe: adolescência e imaginário em um filme brasileiro. In: Psicologia em Revista,

Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 74-88, abril de 2013.

1

11

Título: Você não fala sobre o Clube da Luta:

diálogos entre cinema e psicanálise

Autor: Gustavo Caetano de Mattos Mano;

Amadeu de Oliveira Weinmann

Ano: 2013

Neste ensaio, utilizamos o filme Clube da

Luta (1999), dirigido por David Fincher,

para explorar as interseções entre cinema e

psicanálise. Buscamos entender o que leva

Clube da Luta a fazer marca em nossa

cultura, trabalhando com a hipótese de que

o filme enuncia algo da adolescência, que

desponta como um dos traços mais

proeminentes dos modos de subjetivação

contemporâneos. A adolescência, tomada

como um tempo constituinte do sujeito, se

expressa pelo ensaio de uma posição

autoral que, entretanto, acaba muitas vezes

indefinidamente postergada pela própria

configuração da cultura. Nesse sentido,

interrogamos a dificuldade de produzir uma

marca simbólica singular diante do Outro

como mola da angústia que atravessa a

narrativa de Clube da Luta e aprisiona os

sujeitos contemporâneos à condição de

adolescentes.

Referência: MANO, G. C. M; WEINMANN, A. O. Você não fala sobre o Clube da Luta:

diálogos entre cinema e psicanálise. In: Psicologia em Revista, Belo Horizonte , v. 19, n. 2, p.

214-231, 2013.

1

12

Título: A vincularidade enquanto malha e seu

esgarçamento ante o luto

Autor: Déa E. Berttran; Isabel Cristina Gomes

Ano: 2013

O cinema tem desempenhado papel

importante como um aliado na tipificação

de vivências que exemplificam a

materialidade de teorias psicológicas e

psicanalíticas. É com esse intuito que a

película “Reencontrando a felicidade” foi

utilizada enquanto mediação ao conceito de

vincularidade entre casais, demonstrando a

interface entre aspectos intrapsíquicos,

191

intersubjetivos e geracionais, numa

vivência traumática de perda parental,

comprometendo também o conjugal. Vale

ressaltar ainda que, dentro do modelo

tradicional de família, conjugalidade e

parentalidade encontram-se intrinsecamente

ligadas. A perda de um filho, destituindo o

casal parental, só permite a existência do

casal conjugal, após a dissolução do

mesmo, pelo respeito à vivência individual

da dor e da elaboração do luto, seguindo o

ritmo de cada um. É necessário quebrar a

idealização inicial que os juntou para que

um novo pacto os una.

Referência: BERTTRAN, D. E; GOMES, I. C. A vincularidade enquanto malha e seu

esgarçamento ante o luto. In: Pensando Famílias, Porto Alegre , v. 17, n. 1, p. 77-88, julho de

2013.

1

13

Título: Inquietantes traslados: uma leitura

psicanalítica do filme Encontros e Desencontros

Autor: Mauricio Rodrigues Souza

Ano: 2012

Na busca por articulações entre psicanálise

e práticas culturais - aqui representadas pela

magia do cinema - o presente trabalho

propõe uma releitura do filme Encontros e

Desencontros, utilizando-o como

interlocutor privilegiado para uma

discussão acerca do trato com a alteridade.

Mais especificamente, direcionaremos

nosso olhar para a possibilidade, presente

tanto na clínica analítica quanto no filme

em questão, do encontro com o inominável

de si mesmo por intermédio de um

estrangeiro. Trata-se de um entrechoque

dialético entre o estranho mais íntimo e o

íntimo mais estranho, este último vinculado

ao processo primário, à lógica do

inconsciente. Diante disto, aposta-se aqui

que, muito embora esta não familiaridade

em geral apareça vinculada a uma

desconfortável angústia, possamos

vislumbrar para ela uma outra expressão:

aquela de potência construtiva rumo à

abertura de sentido.

Referência: SOUZA, M. R. Inquietantes traslados: uma leitura psicanalítica do filme Encontros

e Desencontros. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 4 p. 587-595, out./dez. 2012.

1

14

Título: Ontologias do ver na atualidade: que

pode um olhar precário

Autor: Kleber Jean Matos Lopes; Elen Naiara

Batista Madeiro; Jameson Thiago Farias Silva

Ano: 2011

Esse trabalho problematiza os modos de

olhar na atualidade e analisa políticas de

constituição do ver através das noções de

olhar precário e olhar total; dispostos como

lógicas de produção de sentidos. Os modos

de ver são apresentados genealogicamente e

relacionados aos modos de produção e

expressão do pensamento, às biopolíticas na

atualidade e ao fazer do cinema

contemporâneo. Discute duas experiências

de cinema através dos filmes O escafandro

e a borboleta e A professora de piano, para

pensar movimentos de produção da

individualidade ou modos de subjetivação

192

que possibilitam exercícios de autonomia e

fabricação de coletivos.

Referência: LOPES, K. J. M., MADEIRO, E. N. B., SILVA, J. T. F., 2011; CARVALHO, F. E.

Ontologias do ver na atualidade: que pode um olhar precário. In: Fractal, Revista de

Psicologia, Rio de Janeiro , v. 23, n. 2, p. 389-403, agosto de 2011.

1

15

Título: Articulações entre o sensível e a

linguagem em Lavoura Arcaica

Autor: Renato Cury Tardivo; Danilo Silva

Guimarães

Ano: 2010

Literatura e cinema são dois modos de

produção estética diferentes que encontram

articulações claras em diversas produções

culturais contemporâneas. Exploraremos a

obra Lavoura arcaica, de Raduan Nassar,

em sua intersecção com o filme de mesmo

nome, dirigido por Luiz Fernando

Carvalho. Para tanto nos aproximamos das

concepções filosóficas de Merleau-Ponty e

Bakhtin, cujas ideias sustentam uma

dimensão de tensão inerente à relação

comunicativa/perceptiva. A análise das

obras selecionadas procura explicitar o

percurso de mudança na trajetória das

relações humanas ao se tentar integrar a

diversidade de possibilidades expressivas

em um campo de sentido.

Referência: TARDIVO, R. C., GUIMARÃES, D. S. Articulações entre o sensível e a linguagem

em Lavoura Arcaica. In: Paidéia, Ribeirão Preto , v. 20, n. 46, p. 239-248, agosto de 2010.

1

16

Título: Função paterna e adolescência em suas

relações com a violência escolar

Autor: Isael de Jesus Sena; Maria de Lourdes

Soares Ornellas Farias

Ano: 2010

O artigo, de acordo com a perspectiva da

Teoria Psicanalítica, aborda os impasses e

as implicações vivenciadas por

adolescentes diante do declínio da função

paterna na contemporaneidade. Este

trabalho, em seu desenvolvimento, discute a

concepção de função paterna, colocando os

contrapontos que dizem respeito à figura do

genitor e às particularidades de seu papel,

mesmo em sua ausência, revelando, com

isso, os diferentes modos como a lei pode

ser representada por outros agentes, entre

estes o professor. A adolescência, neste

contexto, é tomada como uma crise

psiquíca, um tempo de subjetivação do

sujeito, em contraposição à psicologia que

entende este processo como uma etapa

evolutiva, um momento de crise, situada

numa faixa étária. Retratando essas

questões a partir do cinema, em interface

com o filme Elefante, a tragédia da

Columbine Hig School, recriada sob a

direção de Gus Van Sant, busca refletir as

dificuldades enfrentadas por adolescentes

diante do mal-estar gerado pelo

enfraquecimento da autoridade do pai e do

professor. Por fim, sublinha as frustrações

enfrentadas pelos mestres de adolescentes

frente à banalização da violência no

contexto escolar e aponta críticas ao

modelo de ensino instituído, que não leva

193

em consideração a subjetividade do aluno.

Referência: SENA, I. J. F; ORNELLAS, M. L. S. Função paterna e adolescência em suas

relações com a violência escolar. In: Revista Mal Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 10, n.

1, p. 111-136, março de 2010.

1

17

Título: Endereço desconhecido

Autor: Luiz Meyer

Ano: 2010

O trabalho parte de um filme feito em 1944,

Endereço desconhecido, cuja trama é

descrita em detalhe e no qual as cartas

desempenham um papel central. Trata-se de

um drama psicológico, situado no início da

década de 1930, na Alemanha, que

descreve o lento desgarramento de um

homem refinado, pai de família, marchand

de arte, sócio fiel, em direção ao nazismo e

à degradação moral, estimulado por uma

figura malévola e aristocrática que o

fascina. O autor conjuga a história com

alguns trabalhos de Freud, Rosenfeld, Bion

e Meltzer ligados ao tema, e finaliza o

artigo narrando uma experiência pessoal

evocada pelo final do filme.

Referência: MEYER, L. Endereço desconhecido. In: Ide, São Paulo , v. 33, n. 50, p. 126-

138, julho de 2010.

1

18

Título: Etologia, Antropologia e cinema: uma

etnografia da violência em Sob o Domínio do

Medo

Autor: Mauricio Rodrigues de Souza

Ano: 2009

Este artigo aparece como uma tentativa de

compreensão do fenômeno da agressão em

seus múltiplos aspectos, tarefa para a qual

contaremos com os referenciais teóricos

advindos da Etologia e da Antropologia

Social. Para melhor expressar as idéias aqui

expostas utilizaremos o cinema como

recurso etnográfico. Neste sentido,

destacaremos alguns trechos do filme Sob o

Domínio do Medo (1971), os quais serão

trabalhados em maiores detalhes.

Referência: SOUZA, M. R. Etologia, Antropologia e cinema: uma etnografia da violência em

Sob o Domínio do Medo. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 20, n. 4, p. 619-637, dezembro

de 2009.

1

19

Título: Porvir que vem antes de tudo:

reconciliação e conflito em Lavoura arcaica -

literatura e cinema

Autor: Renato C. Tardivo

Ano: 2009

Este artigo insere-se no contexto do

Laboratório de Estudos em Psicologia da

Arte (LAPA-USP) e aborda a temática da

correspondência das artes e a unidade dos

sentidos. Assumindo a postura

interdisciplinar preconizada pelo

Laboratório, munido de referencial

fenomenológico, estético e psicanalítico,

procuro investigar o romance Lavoura

arcaica, de Raduan Nassar, e o filme

homônimo, dirigido por Luiz Fernando

Carvalho, atentando sobretudo para a

correspondência estabelecida entre os dois

registros. Mais especificamente, a partir da

leitura do romance, abordo as condições

para o surgimento do filme, debruço-me

sobre a correspondência entre as obras e

194

aporto de volta à linguagem, quando então

discuto a temática da diversidade e da

unidade do múltiplo encarnada em Lavoura

arcaica.

Referência: TARDIVO, R. C. Porvir que vem antes de tudo: reconciliação e conflito em

Lavoura arcaica - literatura e cinema. In: Ide, São Paulo , v. 32, n. 49, p. 106-121, dezembro de

2009.

2

20

Título: Tornando-se Jane: a individuação

retratada em filme

Autor: Luiza Bontempo e Silva

Ano: 2009

Este é um trabalho de fundo explicativo que

pretende estabelecer um diálogo entre o

filme Becoming Jane (traduzido, no Brasil,

como Amor e inocência), de Julian Jarrold,

com a concepção junguiana de processo de

individuação. Foi observado que o filme faz

várias referências à obra de Jung, sendo a

trama principal um exemplo (intencional ou

não) do conceito junguiano de processo de

individuação. No filme analisado a

personagem principal passa por um

processo difícil de descobrimento de si

mesma e de confronto com o senso comum,

processo também vivido por muitos e

essencial para a realização ou formação da

personalidade.

Referência: SILVA, L. B. Tornando-se Jane: a individuação retratada em filme. In: Fractal,

Revista de Psicologia, Rio de Janeiro , v. 21, n. 3, p. 531-538, Dezembro de 2009.

2

21

Título: Ônibus 174 - imagens da humilhação

social

Autor: Paulo Roberto Ramos

Ano: 2009

Este artigo procura debater a psicologia

social no cinema através de um conceito

específico: a humilhação social como

problema político. Para tanto foi tomado

como objeto de análise o filme Ônibus 174,

documentário realizado pelo cineasta José

Padilha em 2002. Os comentários

elaborados aqui visam compreender as

estratégias narrativas utilizadas pelo diretor,

que incluem aspectos estéticos e a

participação do público, que transformam

sua obra em um objeto de estudo da

humilhação social que ocorre no âmbito da

esfera pública, onde a ação define as

relações sociais entre os indivíduos

Referência: RAMOS, P. R. Ônibus 174 - imagens da humilhação social. In: Psicologia USP,

São Paulo , v. 20, n. 4, p. 639-655, dezembro de 2009.

2

22

Título: As drogas no âmbito familiar, sob a

perspectiva do cinema

Autor: Eroy Aparecida da Silva; Beatriz M. V.

Camargo; Thiago Pavin; Ana Regina Noto;

Delmara Buscatti; Vânia Sartori; Maria Lucia O.

S. Formigoni

Ano: 2008

Por meio da imagem, o cinema trouxe ao

homem a possibilidade de reconstruir a

realidade de forma que o envolvimento

psíquico-afetivo do público seja intenso. O

objetivo desta comunicação breve é

descrever, sob a perspectiva do cinema,

diversos tipos de relações familiares na

presença do uso de drogas. Realizou-se uma

seleção de cinco filmes produzidos entre

1995 e 2001 que trabalham a temática do

uso de drogas e das relações familiares. Os

195

filmes selecionados foram: Bicho de sete

cabeças (nacional); Traffic, Réquiem para

um sonho, Diário de um adolescente

(americanos); e Trainspotting - sem limites

(europeu). O estudo focalizou três aspectos:

dinâmica familiar, tipos de drogas

utilizadas e as reações das famílias diante

do problema. Identificaram-se três

dinâmicas familiares: a) rígida e autoritária;

b) permissiva e sem limites; e c) distante e

dependente. As reações familiares diante do

uso de drogas variam entre raiva,

insegurança, culpa, cumplicidade e medo.

Este estudo possibilitou o reconhecimento

da importância do uso da imagem como

recurso didático e terapêutico seja no

treinamento de profissionais, seja na clínica

de tratamento familiar.

Referência: SILVA, E. A. et al. As drogas no âmbito familiar, sob a perspectiva do cinema. In:

Psicologia — Teoria e Prática, São Paulo , v. 10, n. 1, p. 214-222, junho de 2008.

2

23

Título: Cinema e pulsão: sobre "Irreversível", o

trauma e a imagem

Autor: Tânia Rivera

Ano: 2006

Partindo de um diálogo entre psicanálise e

cinema, buscamos refletir sobre o estatuto

da imagem na contemporaneidade. Para

além de uma configuração imaginária

apaziguadora, é indicada a potencialidade

traumática da imagem, por meio da

concepção freudiana da lembrança

encobridora. Tal dimensão traumática é

explorada na análise do filme Irreversível,

produção francesa de 2002. A violência não

é, nessa obra, apenas mostrada em imagens,

mas é posta em cena "entre" as imagens.

Em seu agenciamento pulsa uma

ameaçadora possibilidade de que aquilo de

que se trata na imagem, e que diz respeito à

ligação entre sexo e violência não possa ser

contado, mas apenas repetido.

Referência: RIVERA, T. Cinema e pulsão: sobre "Irreversível", o trauma e a imagem. In:

Revista do Departamento da UFF, Niterói, v. 18, n. 1, p. 71-76, junho de 2006.

2

24

Título: Cinema, fantasia e violência: ensaio

sobre “A má educação” de Almodóvar

Autor: Tânia Rivera

Ano: 2006

O ensaio trata do filme “A Má Educação”,

de Pedro Almodóvar, tecendo uma reflexão

sobre a violência inerente à constituição

psicossexual do sujeito. Ao mesmo tempo,

ele trata da questão essencial de como a

arte, e em especial o cinema, agiria sobre a

subjetividade, lançando perspectivas

teóricas para uma contribuição psicanalítica

a respeito da questão da imagem.

Referência: RIVERA, T. Cinema, fantasia e violência: ensaio sobre “A má educação” de

Almodóvar. In: Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte, n. 29, p. 39-44, setembro de 2006.

196

Dissertações

0

1

Título: A mulher além do bem e do mal:

malévola e a representação cinematográfica do

feminino integrado

Autor: Patrícia Santos Machado

Ano: 2016

Estudo sobre as construções

simbólicas e identitárias da

mulher presentes na narrativa e na

estrutura das personagens

femininas do filme Malévola

(2014) – produção dos estúdios

Disney (EUA). A narrativa é

inspirada no conto de fadas “A

Bela Adormecida do Bosque” e

distingue-se pela perspectiva

feminina, modificando as

possibilidades de interpretação,

além de possibilitar a quebra do

paradigma dicotômico relacionado

ao Bem e ao Mal. A pesquisa tem

por objetivo estudar a evolução

das construções imaginárias da

mulher no cinema e traçar

paralelos entre as características

arquetípicas das personagens de

Malévola em relação à identidade

da mulher na contemporaneidade.

Para tal, será tomado como

referencial teórico os estudos do

imaginário social, com as obras de

Gilbert Durand, Edgar Morin e,

em especial, Michel Maffesoli;

conceitos da psicanálise a partir

dos trabalhos de C.G. Jung, Erich

Neumann, Marie-Louise Von

Franz e Clarissa Pinkola Estés; as

teorias de Stuart Hall, Laura

Mulvey e Gilles Lipovetsky

relacionadas aos estudos culturais

com ênfase em gênero; e também

o ecofeminismo através dos

trabalhos de autoras como

Vandana Shiva e Maria Mies.

Nosso referencial teórico-

metodológico é a Hermenêutica

de Profundidade (HP) visando à

interpretação da estrutura

simbólica de nosso objeto.

Resultam desta pesquisa a

verificação de um processo de

saturação de padrões identitários e

simbólicos provindos da

modernidade e a evolução de

novas dinâmicas nas narrativas

presentes nas mídias e na

comunicação

Referência: MACHADO, P. S. A mulher além do bem e do mal: malévola e a

representação cinematográfica do feminino integrado [dissertação]. São Bernardo

do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social, 2016.

197

0

2

Título: Imagens, sensações e afetos: as

personagens gays nos curtas-metragens

brasileiros exibidos no Festival Mix Brasil de

Cultura da Diversidade

Autor: Rogério Amador de Melo

Ano: 2016

As visibilidades e as múltiplas

possibilidades de novas

experimentações que são postas

nos mais diversificados palcos do

contexto social, no tocante as

sexualidades, gêneros e desejos,

acabam por traçar territórios

estéticos nos campos das artes,

tais como o cinema, o teatro, a

dança, etc. Expressões de desejos

que se colocam em resistência às

estratificações e normatizações

heteronormativas, abrindo espaços

para invenções de

políticas/éticas/estéticas que

rompam com o pragmatismo, com

o essencialismo das normas e dos

poderes estabelecidos por

enunciações e discursos de

saberes/verdades/prazeres

hegemônicos. Neste contexto,

essa dissertação propôs-se mapear

os modos como são produzidos os

discursos, os desejos e as

performances de gêneros e

sexualidades dissidentes à

heteronormatividade em curtas-

metragens brasileiros exibidos

durante o Festival Mix Brasil de

Cultura da Diversidade – Cinema,

Teatro, Música e Literatura, que

tenham como protagonistas

homens gays. Para tal, utilizamos

uma metodologia que buscou dar

visibilidade às conexões

rizomáticas das linhas que se

entrecruzam entre Psicologia,

Sexualidades, Gêneros, Desejos e

Cinema. Assim, inspiramo-nos

nas interlocuções potentes do

método genealógico e da técnica

da análise do discurso

foucaultiana, combinados às

perspectivas Queers e o

pensamento deleuzeguattariano

sobre a produção dos desejos. O

campo amostral da pesquisa

percorreu os anos de 2008 a 2013,

onde foi selecionado para análise

um curta-metragem edição/ano,

além de entrevista com os

organizadores do respectivo

Festival. A partir disso

observamos que os elementos

presentes nos discursos e

enunciados destes curta-metragens

analisados possibilitam a

desconstrução e desnaturalização

dos desejos e das

(homos)sexualidades dentro de

198

padrões normativos e

essencializadores. Todavia, tais

curtas apresentam também outros

elementos que nos levam a pensar

em certa suavização da

homocultura nacional retratada

nas personagens gays dos curtas-

metragens exibidos no Festival

Mix Brasil de Cultura da

Diversidade, na cidade de São

Paulo.

Referência: MELO, R. A. Imagens, sensações e afetos: as personagens gays nos

curtas-metragens brasileiros exibidos no Festival Mix Brasil de Cultura da

Diversidade [dissertação]. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2016.

0

3

Título: Psicanálise e cinema: sexualidade,

desejo e pulsão de morte em Almodóvar

Autor: João Vitor Santana Pereira

Ano: 2015

O presente trabalho apresenta uma

articulação entre a psicanálise de

Freud e Lacan e o cinema do

diretor espanhol Pedro

Almodóvar. Destacamos aqui os

conceitos de sexualidade, desejo e

pulsão de morte, que se

mostraram recorrentes na obra

cinematográfica de Almodóvar.

Para embasar a articulação

proposta buscamos expor uma

breve história do cinema,

colocando em destaque o cinema

espanhol, para, então, nos

dedicarmos à Pedro Almodóvar.

Passamos por sua biografia e sua

estética, para entender como o seu

cinema se situa historicamente e

quais são suas principais

referências estéticas. Com o

objetivo de compreender a

experiência fílmica através da

psicanálise, buscamos em A

interpretação dos sonhos base para

elucidar a relação sujeito-cinema.

De certo, é pelo caminho dos

sonhos que o cinema vai adentrar

o campo da psicanálise, e, a partir

de Christian Metz, resgatamos a

articulação entre a psicanálise e a

teoria do cinema. A partir do

onírico, Freud descreveu a

experiência de satisfação, gênese

do desejo. Neste itinerário

encontramos com o desejo, que é

uma questão fundamental para a

psicanalise, e um dos conceitos

que nos aproxima de Almodóvar.

Almodóvar diz que seu cinema é o

cinema do desejo. A partir deste

enunciado surgiu a questão: o

desejo do qual fala Almodóvar é o

mesmo do qual fala a psicanálise?

Outros conceitos se destacaram à

199

medida que se aprofundou nos

filmes e na teoria psicanalítica, tal

como o de sexualidade e pulsão de

morte, e com base nestes

conceitos fez-se a articulação

entre a psicanálise e o cinema de

Pedro Almodóvar. Assim foi

possível aproximar os dois

campos, a psicanálise e o cinema,

fazendo um jogo de aproximação

e distanciamento, destacando

aspectos dos filmes Matador, A

lei do desejo, Má educação e A

pele que habito.

Referência: PEREIRA, J. V. S. Psicanálise e cinema: sexualidade, desejo e pulsão

de morte em Almodóvar [dissertação]. São João del-Rei: Universidade Federal de São

João del-Rei, Programa de Mestrado em Psicologia, 2015.

0

4

Título: O mais além da palavra: quando a

imagem cai no abismo e encontra o silêncio

Autor: Mariana Domingues

Ano: 2014

Este trabalho parte de uma

investigação acerca do silêncio e

suas repercussões no campo da

imagem. Bergman e Tarkovski

foram os escolhidos pra situar um

determinado tipo de cinema, este

que aparece em estreito diálogo

com a psicanálise e a relação do

sujeito com a imagem.

Referência: DOMINGUES, M. O mais além da palavra: quando a imagem cai no

abismo e encontra o silêncio [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, 2014.

0

5

Título: Psicanálise, cinema e fantasia: a análise

de filmes pela perspectiva de Melanie Klein e

autores pós-kleinianos

Autor: Péricles Pinheiro Machado Junior

Ano: 2014

Com base em uma pesquisa

documental de trabalhos

publicados por psicanalistas e

acadêmicos vinculados ao

pensamento kleiniano, o presente

estudo tem por finalidade

descrever os modos como as

teorias de Melanie Klein e autores

pós-kleinianos têm sido aplicadas

na análise de obras

cinematográficas, evidenciando as

principais características e

contingências metodológicas que

resultam dessa abordagem. O

trabalho tem início com uma

contextualização das intersecções

entre os campos da psicanálise e

do cinema, enfatizando-se as

proposições de Christian Metz

sobre o estudo psicanalítico de

filmes. O argumento central da

pesquisa é desenvolvido a partir

de um trabalho inacabado em que

Melanie Klein analisa o filme

Cidadão Kane, de Orson Welles,

200

seguido dos comentários de Laura

Mulvey a respeito desse ensaio de

Klein. A noção de fantasia

inconsciente elemento central do

pensamento kleiniano é discutida

à luz das elaborações teóricas de

Hanna Segal sobre a experiência

estética propiciada pelas artes, e

aprofundada com as contribuições

de Graham Clarke e Michael

OPray sobre a experiência do

psicanalista como espectador no

cinema. Foi realizada uma revisão

crítica de trabalhos publicados por

psicanalistas e acadêmicos que

analisam sete filmes por uma

perspectiva notadamente

kleiniana. A partir dessa revisão,

foi possível discernir elementos da

abordagem kleiniana utilizados

por esses autores na análise do

complexo temático de filmes,

particularmente a noção de mundo

interno, a potência das fantasias

inconscientes e a experiência

estética do psicanalista como

espectador, que oferece sua

subjetividade para dar voz aos

efeitos emocionais mobilizados

pela obra cinematográfica

Referência: MACHADO JUNIOR, P. P. Psicanálise, cinema e fantasia: a análise de

filmes pela perspectiva de Melanie Klein e autores pós-kleinianos [dissertação]. São

Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, 2014.

0

6

Título: O ator em ato: A dialética

ator/personagem em Copacabana Mon Amou

Autor: Anna Karinne Martins Ballalai

Ano: 2014

Este trabalho é um estudo de caso

que pretende investigar o processo

de construção das personagens do

filme Copacabana mon amour

(Rogério Sganzerla, 1970),

utilizando como ferramentas três

eixos metodológicos: 1) A análise

fílmica; 2) A investigação das

marcas visíveis do processo de

realização das filmagens no

contexto de produção

independente da produtora Belair;

3) Um mapeamento inicial de

algumas influências teóricas,

temáticas e estéticas que

matizaram a composição das

personagens. Dentre estas

influências, o pensamento de

Frantz Fanon e de Oswald de

Andrade, as “noções de cinema

moderno” sistematizadas pelo

crítico e cineasta Rogério

Sganzerla, em especial os

conceitos “passagem ao relativo”,

“câmera cínica” e “dialética ator/

201

personagem”. Compreende-se a

construção das personagens de

Copacabana Mon Amour (1970)

como um resultado híbrido do

estilo de direção de Rogério

Sganzerla, do processo de

realização das filmagens e pós-

produção, e do estilo de

interpretação dos atores. Este

estilo de interpretação é marcado

pela “dialética ator/personagem”,

que sugere no processo de

construção da personagem um

trabalho de dramaturgia do

próprio ator. Desta investigação

da dramaturgia do ator decorre a

proposição do conceito ator-em-

ato, para traduzir certo estilo de

interpretação no qual o ator

cinematográfico tem autonomia

criativa para construir a

personagem no ato da filmagem, a

despeito das eventuais limitações

que o processo de realização

cinematográfica possa vir a impor.

Além disso, observa-se na

utilização da “câmera cínica”,

uma negação do desvelamento do

interior das personagens, e a

escolha pela investigação dos

aspectos visuais e aparentes

registrados pela câmera

cinematográfica, o que torna a

“psicologia das personagens”

mais próxima de uma psicologia

do ator. Para compreender o tipo

de interação entre atores

dramáticos, equipe, objetos e

aparatos tecnológicos necessários

à realização de filmes em cinema,

a presente dissertação recorre ao

aporte da Teoria do Ator-Rede, ou

Sociologia da Tradução. Para

conceber as personagens de

Copacabana mon amour (1970),

Rogério Sganzerla vai buscar nas

relações patrão-empregado os

ecos da situação colonial do país.

Neste sentido, a investigação da

“psicologia das personagens”

aproxima-se de uma compreensão

da psicologia humana no âmbito

da Psicologia Social, tal como

empreendida por Frantz Fanon,

em “Os condenados da terra”. Ao

adotar as idéias de

“descolonização do ser”

preconizadas por Frantz Fanon em

“Os condenados da terra”,

Rogério Sganzerla está pondo em

prática um estilo de direção de

202

atores que possibilita um processo

de “descolonização do ator”, ao

subverter a lógica narrativa e

enfatizar o “ser em situação”

Referência: BALLALAI, A. K. M. O ator em ato: A dialética ator/personagem em

Copacabana Mon Amou [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio

de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2014.

0

7

Título: Os processos de transmissão psíquica e a

violência sexual incestuosa: uma análise do

filme Volver

Autor: Anna Thereza Carneiro Pinto Abdala

Ano: 2013

Sabe-se que os processos de

transmissão psíquica, de modo

inconsciente, fazem-se presentes

nos espaços intersubjetivos,

permeando os vínculos entre os

sujeitos de um mesmo grupo,

incluindo a família. Diante disso,

este estudo teve como objetivo

investigar a possível existência de

uma relação entre os processos de

transmissão psíquica e a violência

sexual incestuosa. Foi construída

a análise do filme Volver, de

acordo com o método

psicanalítico, interpretando as

relações dos sujeitos que compõe

as gerações daquela família,

intentando compreender as

possíveis significações atribuídas

à situação de violência sexual

incestuosa bem como seus

desdobramentos. Inferiu-se que há

certa relação entre a violência

sexual incestuosa e a herança

psíquica, na qual esta última

exerce uma influência sobre a

outra, no entanto, não é um fator

determinante. Na análise

apareceram aspectos relativos à

transgressão das duas leis

constituintes da civilização que

podem interromper, de alguma

forma, a transmissão psíquica

intergeracional, tornando-a

transgeracional diante de uma

situação traumática. Discutiu-se

também sobre a possibilidade de

sujeitos da família que constroem

criptas psíquicas mantenedoras de

segredos que, consequentemente,

constituem o objeto

transgeracional, fantasma

patológico, que pode ter

promovido uma atuação sobre o

psiquismo do descendente através

da transmissão psíquica

transgeracional. Outro aspecto

discutido em relação à violência

sexual incestuosa é a presença do

violentador na dinâmica familiar

que tem responsabilidade sobre o

203

ato. A herança psíquica é um fator

relevante a ser considerado diante

das experiências pelas quais os

sujeitos passam, pois, através

desta ótica, o olhar dos

profissionais que lidam com

determinados casos torna-se

ampliado. Acredita-se que os

processos de transmissão psíquica

constituem um amplo campo de

pesquisa a ser investigado para

melhor compreensão de tantos

sintomas e situações que podem

incitar sofrimentos psíquicos nos

sujeitos.

Referência: ABDALA, A. T. C. P. Os processos de transmissão psíquica e a

violência sexual incestuosa: uma análise do filme Volver [dissertação]. Uberlândia:

Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2013.

0

8

Título: Somos quase felizes: movimentos do

desejo em tempos de ansiolítico

Autor: Ruy Anderson Santos Martins

Ano: 2013

O presente trabalho versa sobre

modos de vida no contemporâneo

referente às práticas em torno de

medicamentos ansiolíticos.

Propomos um modo de pesquisa

que não visa a descoberta de

verdades, mas a escuta e a escrita

das sensibilidades em processo na

atualidade. Apropriamo-nos do

cinema e da entrevista,

intercessores deste trabalho, para

dar vazão às vozes que se

proferem em torno dessa temática.

Os filmes: A pele que habito,

Medianeras e O palhaço, somado

a duas entrevistas com usuários de

ansiolíticos, compõe o corpo desta

pesquisa. As análises e a escuta

deste campo nos levaram a uma

discussão paradoxal entre modos

de vida os quais, ao mesmo tempo

em que nos lança em ritmos cada

vez mais velozes e adoecedores -

resultado das forças capitalísticas,

tecnológica e midiática – também

produzem desejo de

anestesiamento do corpo, para

suportar a saturação a qual nos

encontramos. Corpos que não têm

agüentado mais os novos ritmos

de vida e, por isso, pedem uma

nova ética, uma política de recusa

aos ritmos estafantes. Uma

discussão com base nos autores

Deleuze, Guattari, Nietzsche,

Spinoza e Foucault.

Referência: MARTINS, R. A. S. Somos quase felizes: movimentos do desejo em

tempos de ansiolítico [dissertação]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santos,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional, 2013.

204

0

9

Título: O discurso erótico: a construção social

do erotismo e sua influência na sexualidade

Autor: Sueli Marino

Ano: 2013

Este estudo se propôs a

compreender as mudanças nas

práticas e nos discursos de

sexualidade considerando as

transformações ocorridas nas

últimas décadas. Sob os preceitos

do Pensamento Sistêmico e do

Construcionismo Social,

buscamos entender como o

discurso e as práticas discursivas

sobre erotismo e sexualidade se

apresentam comparativamente em

dois momentos históricos distintos

nas duas versões do filme Lolita,

em 1962 e 1997, e que se referem

às manifestações do desejo e da

busca do prazer. Foram realizadas

análises qualitativas com ênfase

na poética social destacando os

momentos marcantes de cada

segmentação fílmica que nos

remeteram às unidades de sentido.

Destacamos ao longo desse

processo que a definição de

erotismo não pode ser considerada

isoladamente dos contextos e das

comunidades linguísticas que

estabelecem o significado desse

diálogo e como construções

sociais, estão inseridas numa

determinada época e cultura que

ao longo do tempo também se

modifica

Referência: MARINO, S. O discurso erótico: a construção social do erotismo e sua

influência na sexualidade [dissertação], São Paulo: Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, 2013.

1

10

Título: Sexo/gênero/desejo no filme labirinto de

paixões, de Pedro Almodóvar

Autor: Ertz Clarck Melindre dos Santos

Ano: 2013

Nesta dissertação pretendeu-se

analisar, no filme Labirinto de

paixões (1982), de Pedro

Almodóvar, as performances

sexuais dos personagens

protagonistas Riza Niro (Imanol

Arias) e Sexilia (Cecilia Roth),

problematizando as visões

binárias de

sexo/sexualidades/gênero. A

perspectiva teórica adotada neste

trabalho teve, como um dos seus

pilares, a Teoria Queer e Judith

Butler como uma de suas

principais representantes. A

película foi tomada como uma

espécie de documento e os

personagens protagonistas Riza

Niro e Sexilia serviram como

pretexto/pré-texto para discutir

um sujeito que apresenta

múltiplas possibilidades de

205

práticas sexuais. Os resultados da

análise trazem reflexões

importantes a cerca do quanto as

performances de

gênero/sexualidade podem ser

variadas. No entanto, elas não são

sustentadas no ideário das

pessoas, embora a visão binária

homem/pênis, mulher /vagina seja

constantemente reforçada e

mantida pela

heteronormatividade, algo que

reforça a segregação das demais

práticas sexuais existentes e

exercidas. Questões como o que

podem ser homem, mulher, gay,

lésbica e outras caracterizações

afins, ficam diluídas e insípidas

diante das performances que

escapam aos enquadramentos

impostos pela visão hegemônica

do que são sexualidade e gênero.

Comportamentos sexuais são

postos em cheque quando, em um

filme de 1982, ou seja, há 30

anos, já nos é apresentado um

conjunto de personagens que

possuem uma maneira

diferenciada e plástica de se

colocar diante da vida e das suas

sexualidades. Esperamos que esta

pesquisa contribua para uma

reflexão psicológica liberta dos

binarismos sexo/gênero,

heterosexualidade compulsória e

heteronormatividade, além de

trazer uma reflexão também

educacional sobre como podem

ser flexíveis, isto é, não

cristalizados, os modos de vida.

Referência: SANTOS, E. C. M. Sexo/gênero/desejo no filme labirinto de paixões,

de Pedro Almodóvar [dissertação]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2013.

1

11

Título: A travessia da angústia : uma leitura

psicanalítica da trilogia do silêncio, de Ingmar

Bergman

Autor: Maysa Puccinelli Victor Rodrigues

Ano: 2013

A partir das contribuições de S.

Freud e J. Lacan, propomos uma

investigação acerca da teoria da

angústia, em que pese suas

ressonâncias com a arte. A

expressão artística eleita será o

cinema, especificamente

representado pela obra Trilogia do

Silêncio, do cineasta Ingmar

Bergman, composta pelos filmes

Através de um espelho (1961-62),

Luz de Inverno (1961-62) e O

Silêncio (1962). Para tal

empreitada, propomos uma

discussão conceitual que parte de

206

uma revisão do pensamento destes

autores, considerando pontos

cruciais da teoria como o

fenômeno do unheimlich, a

questão do objeto na psicanálise e

sua amarração nos registros

Real/Simbólico/Imaginário. Em

seguida, alçamos uma dialetização

teórica entre angústia e fantasia,

que nos conduzirá ao cerce da

discussão direta com a obra.

Nossa leitura será tangida pela

consistência estética que alinhava

as fontes da angústia infantil –

solidão, escuridão e silêncio – ao

bojo formal e conceitual da

trilogia unificada no significante

Silêncio. Assim, as obras ressoam

paradigmáticas de um sistema

discursivo que não se furta de

abordar o real lacaniano,

assinalado pelo que não engana: a

angústia. Na metodologia deste

trabalho, nos pautamos pela

orientação ética de Freud e Lacan

acerca da estética, a qual

estabelece que a relação entre arte

e psicanálise é sempre serviço

gratuito da arte ofertado apenas à

psicanálise

Referência: RODRIGUES, M. P. V. A travessia da angústia: uma leitura

psicanalítica da trilogia do silêncio, de Ingmar Bergman [dissertação]. Brasília:

Universidade de Brasília, Instituto de Psicologia, 2013.

1

12

Título: Sublimação e seus impasses: um

encontro de Freud com personagens de Woody

Allen

Autor: Thais Fontana Gemignani

Ano: 2013

O presente trabalho de pesquisa

em Mestrado teve por objetivo o

estudo da problemática

psicanalítica da sublimação, bem

como de seus impasses, a partir de

quatro personagens trazidos por

Woody Allen em seu filme

Interiores (1978) Eve, Renata,

Joey e Flyn. Buscou-se tomar

referidos personagens como casos

clínicos e fazê-los encontrar a

sublimação de Freud, de sorte a

realizar uma fecundação recíproca

entre psicanálise e a obra

cinematográfica de Woody Allen,

entre sublimação e a problemática

dos impasses vividos pelos

personagens em seus processos

sublimatórios - ora estagnados,

ora natimortos, ora confundidos

com a idealização -, trazida de

forma recorrente pelo cineasta

através de inúmeros personagens

em seus filmes. A pergunta que

deu origem a esta Dissertação foi

207

O que será que Woody Allen tem

a nos ensinar com esses

personagens sobre o trabalho

sublimatório, e como a

sublimação de Freud nos ajudaria

a entender essas figuras trazidas

por este profícuo cineasta?. Com o

objetivo de responder esta

questão, foram trabalhadas,

inicialmente, algumas

aproximações possíveis,

historicamente, entre psicanálise e

arte, assim como entre psicanálise

e cinema, delineando a

justificativa bem como as

estratégias de pesquisa utilizadas.

Em seguida, procurou-se

aproximar brevemente Woody

Allen e psicanálise, discorrendo

sobre a vida e a produção

cinematográfica deste cineasta e

contextualizando Interiores em

sua filmografia. Em um segundo

momento, avança-se para o estudo

da sublimação no contexto da

obra freudiana, procurando

recuperar as passagens acerca

deste conceito distribuídas no

discurso de Freud e algumas

mudanças sofridas ao longo do

tempo por alguns conceitos

fundamentais para o corpo teórico

psicanalítico que produziram

efeitos sobre a concepção de

sublimação ao longo da teoria

freudiana. Partiu-se inicialmente

de Freud, cotejando suas ideias

com o trabalho de alguns

pensadores que se debruçaram

sobre seus fragmentos

concernentes à sublimação e

procuraram fazer um aporte à sua

conceituação. Explorou-se de

forma mais acentuada o trabalho

de Joel Birman, que pensa a

sublimação como sublime ação,

um processo psíquico complexo

que supõe estruturação subjetiva,

ruptura com fixações objetais

narcísicas, criação de novos

objetos de satisfação pulsional e

de novas formas de subjetivação e

que demanda um processo de luto

do eu ideal que passa pela

vivência do desamparo e o

alcance da posição feminina. Em

um momento posterior, partindo

do trabalho de Freud e cotejando-

o com o pensamento de Joel

Birman, e uma vez apresentados

os casos clínicos, passou-se ao

208

encontro de Eve, Renata, Joey e

Flyn com a sublimação de Freud,

procurando articular os casos

clínicos e seus impasses no

processo sublimatório à

problemática psicanalítica da

sublimação, em uma fecundação

recíproca. Ponderouse, ao longo

desta pesquisa, que Eve, Renata,

Joey e Flyn metaforizam impasses

da criação sublimatória que

podem ser vividos pelo sujeito,

como a idealização; a angústia

diante da constatação da nossa

mortalidade, e consequente

paralisia criativa; o belo como

fuga à constatação da castração e

que pode ser confundida em sua

aparência com o sublime; e a

identificação narcísica que

congela o sujeito em uma posição

melancólica e o impede de criar

Referência: GEMIGNANI, T. F. Sublimação e seus impasses: um encontro de

Freud com personagens de Woody Allen [dissertação]. São Paulo: Universidade de

São Paulo, Instituto de Psicologia, 2013.

1

13

Título: A estética realista dos filmes sobre

favela no Brasil (2002-2010)

Autor: Saulo Magalhães Resende

Ano: 2012

Este trabalho possui como

objetivo a análise de cinco filmes

do cinema brasileiro

contemporâneo que tratam sobre

favela: Cidade de Deus (Fernando

Meirelles, 2002), Linha de Passe

(Walter Salles e Daniela Thomas,

2008), Sonhos Roubados (Sandra

Werneck, 2009), Tropa de Elite

(José Padilha, 2007) e Tropa de

Elite II (José Padilha, 2010).

Tendo como eixo central a

estética realista de filmes sobre

favela no Brasil, a partir da

metodologia de análise fílmica,

foi realizada uma pequena revisão

de algumas teorias de cultura,

comunicação e dos antecedentes

do campo do cinema brasileiro

contemporâneo. Para além, foi

desenvolvido uma proposta

dialógica com a Psicologia Social

e as possibilidades de

interlocuções com o cinema

brasileiro. O foco se deu em

problematizar como as condições

de produção, as representações e

as apropriações de recepção se

articulam às diversas práticas

discursivas e não-discursivas e se

associam à representação da

noção de categorias identitárias

como violência, segurança

209

pública, família, juventude e

consumo. Os resultados dessa

análise qualitativa giraram em

torno de questões de ordem

socioeconômica, que caracterizam

a favela enquanto território de

(im)possibilidades e, sobretudo,

tem seus moradores como

personagens que possuem um

estereótipo do que é viver na

favela, dando visibilidade nas

relações que se estabelecem

nesses territórios.

Referência: RESENDE, S. M. A estética realista dos filmes sobre favela no Brasil

(2002-2010) [dissertação]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2012.

1

14

Título: O poderoso chefão no divã: uma análise

psicológica do protagonista Don Vito Corleone

Autor: Clayton Herrison Santos Cruz

Ano: 2012

Esta dissertação busca

desenvolver a análise do filme O

poderoso chefão - parte 1 (The

godfather, 1972), de Francis Ford

Coppola, através de conceitos

técnicos, estéticos e,

principalmente, psicanalíticos. O

objetivo principal desta pesquisa é

demonstrar como essa obra

fílmica paradigmática, pode ser

analisada de várias formas, tanto

através da técnica e da estética,

como também através de

conceitos psicanalíticos, aplicados

aqui sobre a configuração de um

personagem específico, o

protagonista Don Vito Corleone

(Marlon Brando). Para tanto,

foram utilizados como referências

teóricas tanto bibliografias sobre

cinema e análise de filme, como

também bibliografias sobre

Psicologia e Psicanálise. Com

isso, foi possível constatar o

expressivo uso que Coppola faz

da iluminação e dos

enquadramentos bem como a

aplicação dos seguintes conceitos

psicanalíticos na construção do

personagem Don Vito Corleone

"aprender com a experiência",

"pulsão de vida e pulsão de

morte", "fantasia ou realidade" e

"identificação projetiva".

Referência: CRUZ, C. H. S. O poderoso chefão no divã: uma análise psicológica do

protagonista Don Vito Corleone [dissertação]. São Paulo: Universidade Anhembi

Morumbi, Programa de Mestrado em Comunicação, 2012.

1

15

Título: Mulheres na prisão: estudo psicanalítico

sobre um documentário brasileiro

O presente trabalho tem como

objetivo investigar

psicanaliticamente a experiência

210

Autor: Maria Julia Souza Chinalia

Ano: 2012

emocional de mulheres que estão

em cumprimento de pena após

julgamentos em situações de

estado de direito. Justifica-se na

medida em que a conquista de

compreensão emocional, sobre

estas pessoas, pode lançar luz

sobre o modo como condições

concretas desfavoráveis e

opressivas se refletem sobre

subjetividades individuais. A

pesquisa se organiza,

metodologicamente, como estudo

de caso, por meio da abordagem

psicanalítica de um documentário

brasileiro, intitulado Histórias de

Daluana (2007). Sucessivas

exposições ao filme,

acompanhadas pela transcrição do

áudio, permitiram a produção

interpretativa dos seguintes

campos de sentido afetivo-

emocional, que se articulam

indicando a centralidade da

experiência de humilhação social:

Valor Pessoal , "Menina-Noiva",

Mulher de Negócios e Mãe

Desconcertante . Finalizamos

estabelecendo uma interlocução

com a teoria winnicottiana, para

propor que a reconhecida

vinculação entre privação e

delinquência deve ser completada,

na compreensão de casos análogos

ao aqui considerado, pela inclusão

da problemática da humilhação

social, na medida em que este é o

foco do sofrimento da

entrevistada, que gera diferentes

defesas, que utilizam elementos

de imaginários mais ou menos

conservadores. Nos limites

impostos pelo procedimento

investigativo adotado, essa

pesquisa suporta reflexões

compreensivas e suscita

indagações que podem iluminar

situações análogas.

Referência: CHINALIA, M. J. S. Mulheres na prisão: estudo psicanalítico sobre

um documentário brasileiro [dissertação]. Campinas: Pontifícia Universidade

Católica de Campinas, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, 2012.

1

16

Título: Discurso e(m) imagem sobre o feminino:

o sujeito nas telas

Autor: Jonathan Raphael Bertassi da Silva

Ano: 2012

Este trabalho aborda a relação da

mulher com a sensualidade tal

como retratada em quatro filmes

dos anos sessenta, oriundos de

diferentes países. São eles: Nunca

aos Domingos (Pote tin Kiriaki,

1960), de Jules Dassin; Repulsa

211

ao Sexo (Repulsion, 1965), de

Roman Polanski; A Bela da Tarde

(Belle de Jour, 1967), de Luis

Buñuel e A Primeira Noite de um

Homem (The Graduate, 1967), de

Mike Nichols. Para tanto,

utilizamos como referencial

teórico a Análise do Discurso de

matriz francesa. Interessa-nos

buscar os efeitos de sentido

presentes nestes filmes sobre a

representação da mulher e seu

diálogo conflituoso com a

instituição familiar, com o

matrimônio e com a sensualidade,

sempre atentando para os

movimentos do sujeito que fazem

falar, de modo heterogêneo, uma

memória discursiva sobre o que é

ser mulher, levando à tona regiões

de sentido antes vetadas que

envolvam prostituição, casamento,

família e sexo. O objetivo geral da

pesquisa é compreender os efeitos

de sentido no discurso sobre a

sensualidade feminina inscritos

nos processos verbal e não-verbal

em filmes dos anos sessenta,

marcando especialmente o modo

de o sujeito produzir sentidos e se

constituir em sujeito discursivo.

Como é nosso escopo apontar as

(muitas) interpretações possíveis

numa década de transição (dentro

e fora das telas) sobre a

emancipação da mulher,

encontramos na Análise do

Discurso (AD) de matriz francesa

o referencial pertinente para

rastrear os múltiplos sentidos

sobre o feminino que se

inscrevem nesses filmes. Por meio

deste referencial teórico, visamos

o estudo da linguagem em suas

práticas sociais, pois a

compreensão do discurso passa

necessariamente pela sociedade,

visto que história e linguagem se

afetam e alimentam mutuamente.

Definindo a linguagem como

trabalho, a disciplina desloca a

importância dada à função

referencial da linguagem, a qual

ocupa posição nuclear na

Lingüística clássica, que defende

esse enfoque ma comunicação, ou

na informação; assim, o viés da

AD entende a linguagem como

ato sócio-histórico-ideológico,

sem negar o conflito, a

contradição, as relações de poder

212

que ela traz em seu bojo. O

sentido, na perspectiva discursiva,

não tem origem nem no sujeito,

nem na história. Sujeito e sentido

se constituem simultaneamente.

Não há um sentido adâmico,

legítimo, para um significante

qualquer. Só existem efeitos de

sentido. Em vista disso, os

sentidos não existem por si, mas

são determinados pelas posições

ideológicas do sujeito, o que faz

com que a interpretação das

palavras mudem de acordo com

essas posições. Isso acontece

porque a apropriação da

linguagem pelo sujeito não se dá

num movimento individual, mas

social. Buscamos também bases

metodológicas na própria AD para

rastrear o discurso inscrito em

obras cinematográficas, buscamos

trabalhar o não-verbal em seu

sentido amplo, indo além do

conceito de narrativa. As imagens

não falam, mas significam por sua

materialidade visual, portanto será

analisada aqui a partir dessa

perspectiva. Como resultado de

nosso trabalho, obtemos as

regularidades discursivas dos

recortes e/ou segmentos

analisados, suas relações com o

interdiscurso e as Formações

Discursivas (FDs) em jogo, os

modos de inscrever a resistência e

a ruptura com o já-lá sobre a

sensualidade feminina. Feito isso,

nos foi possível traçar um

panorama com o arquivo sobre o

feminino e sua sensualidade no

cinema dos anos sessenta,

compreendendo como o sujeito

recortou a memória para fazer

circular dizeres até então

silenciados.

Referência: SILVA, J. R. B. Discurso e(m) imagem sobre o feminino: o sujeito nas

telas [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, 2012.

1

17

Título: A pedagogização das diferenças sexuais:

o cinema como dispositivo educativo

Autor: Luis Fernando de Oliveira Saraiva

Ano: 2011

Com as transformações políticas,

econômicas e sociais ocorridas a

partir dos séculos XVII e XVIII,

tem se intensificado um poder que

se ocupa em gerir a vida e lhe

extrair ao máximo suas forças,

seja na produção de corpos

individuais mais produtivos, seja

no controle do corpo-espécie da

213

população. Assim, ao mesmo

tempo em que se torna

hegemônico um modo de

subjetivação no qual domina uma

interioridade dotada de

capacidades, desejos,

virtualidades a serem descobertos,

há uma crescente preocupação

com fenômenos e processos da

vida, transformados em taxas a

serem medidas e previstas. No

encontro entre indivíduo e

população, a sexualidade, ponto

fundamental na gestão da vida.

Nesse contexto, o presente estudo

teve por objetivo investigar

modos de subjetivação acionados

pelo cinema no que diz respeito às

diferenças sexuais, fornecendo

subsídios para a problematização

de práticas ditas inclusivas. Em

uma perspectiva teórico-

metodológico pós-estruturalista

que dialoga com a Teoria Crítica,

tomou-se o cinema como um

dispositivo educativo e

governamentalizante, isto é, uma

extremidade na qual o poder se

exerce, visando o governo de

corpos e da população. Inserido na

lógica da indústria cultural, o

cinema ensina estilos de vida,

maneiras de ser e modos de se

relacionar, construindo e

legitimando identidades sociais,

ao mesmo tempo em que

desautoriza outras. A partir da

análise de filmes indicados e/ou

vencedores do Oscar na última

década, percebeuse uma

significativa mudança nas formas

pelas quais personagens não-

heterossexuais vêm sendo

apresentados, apontando tanto

para uma aparente ruptura com

imagens pejorativas e

estereotipadas, fomentadoras de

preconceitos e exclusões, quanto

para a incitação de processos

subjetivadores nos quais dominam

a domesticação das diferenças

sexuais e abafamento de seu

potencial contestatório e

disruptivo

Referência: SARAVAIRA, L. F. O. A pedagogização das diferenças sexuais: o

cinema como dispositivo educativo [dissertação]. Universidade de São Paulo,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.

1Título: Modelos freudianos do trauma e A ideia de trauma em três

214

18 condição humana noir: interfaces e interlocução

Autor: Antonio Luiz Pereira de Castilho

Ano: 2011

momentos cruciais do pensamento

freudiano é examinada, discutida

e comparada com a abordagem da

questão da condição humana no

cinema noir americano. Os

momentos são 1896 (marcado

pela chamada Teoria da sedução),

1918 (ano de publicação de

História de uma neurose infantil)

e 1920 (o começo da

reformulação da doutrina

freudiana com a introdução da

hipótese da pulsão de morte). A

significação sexual do trauma e o

ataque interno pulsional causado

são os principais elementos postos

em diálogo com a paixão no amor

vista em três exemplares do

cinema noir: Impacto (1949), de

Arthur Lubin, A dama de Xangai

(1948), de Orson Welles e O

falcão maltês (1941), de John

Houston, buscando construir uma

ligação entre psicanálise e arte.

Referência: CASTILHO, A. L. P. Modelos freudianos do trauma e condição

humana noir: interfaces e interlocução [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade

Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.

1

19

Título: A produção de paternidade em

Procurando Nemo : performatividade em redes

heterogêneas

Autor: Márcio Bruno Barra Valente

Ano: 2011

Esta pesquisa refuta qualquer

sentido pré-linguístico acerca da

paternidade e parte de uma crítica

às leituras sobre o tema, em

Ciências Humanas e Sociais, que

se inscrevem na dicotomia

biologia versus cultura. Assim,

tomando o filme de animação

"Procurando Nemo" como um

dispositivo de produção de

paternidades, o objetivo deste

estudo foi analisar como a

paternidade é performativamente

materializada neste filme e, mais

precisamente, como este filme

trabalha de forma performativa

para materializar paternidades.

Para dar sustentação teórica aos

princípios e escolhas

metodológicas desenvolvidas

construiu-se uma tríade conceitual

estruturada nos conceitos de

performatividade, inteligibilidade

e materialidade, em diálogo com

pressupostos teórico-

epistemológicos da Teoria Ator-

Rede (TA-R). Do ponto de vista

metodológico, as análises não se

limitaram aos quase 100 minutos

de narrativa, elas focalizaram,

sobretudo, em uma rede extensiva

215

de materialidade e socialidades

que incluem elementos diversos:

notas da produção, críticas

cinematográficas, depoimentos

obtidos em sites de cinema, bem

como textos sócio-educativos. As

análises aqui empreendidas

buscam tecer essa rede

heterogênea na qual a paternidade

vai sendo performativamente

produzida como materialidade. No

jogo performático que se delineia

nessa rede, a paternidade se

constrói, ao mesmo tempo, como

elemento anterior (ou seja, a

paternidade é referida como o

tema central sobre o qual o filme

foi produzido), mas também o

destino temático do filme (ou seja,

o filme constrói paternidade).

Esse jogo produz outros efeitos,

por exemplo, pessoas inscrevem

suas experiências e expectativas

como pais referindo o filme;

tomando o filme como exemplo,

textos fazem referência à

paternidade como conflito eterno

entre ser pai ou ser amigo do filho

ou sobre a importância do carinho

paterno ou a questão dos pais que

assumem totalmente a criação dos

filhos ou ainda o exemplo da

paternidade do filme como reflexo

da relação de amor/insegurança do

criador em relação à sua criatura

etc. São processos identificatórios

distintos que se articulam

mobilizando conexões diversas

cuja heterogeneidade é condição

de estabilidade da própria rede. A

paternidade é construída no filme

na repetição persistente, instável e

obrigatória, como norma tácita de

inteligibilidade cultural que

parece útil para manutenção da

heteronormatividade, do

imperativo da família nuclear e

até mesmo a interdição do incesto.

A paternidade é produzida como

ideal regulatório impossível de ser

realizado plenamente (e por isso

gerador de exclusões) e estável

precariamente conforme as redes

que o possibilitam. Todavia, a

paternidade não precisa ser

desprezada mesmo que (ou

inclusive porque) se constitua

como mecanismo de coerção e

governo, pois a resistência opera

no interior da própria norma pela

qual são produzidos efeitos, mas

216

sempre sem apreender plenamente

sua produção, pois eles

testemunham suas instabilidades,

incoerências, multiplicidade e,

sobretudo, plasticidade

Referência: VALENTE, M. B. B. A produção de paternidade em Procurando

Nemo: performatividade em redes heterogêneas [dissertação]. Recife: Universidade

Federal de Recife, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.

2

20

Título: Anticristo - feminilidade e loucura na

obra de Lars Von Trier

Autor: Wilza Assunção Braz

Ano: 2010

Este trabalho se ocupa em

analisar, através da obra do diretor

de cinema Lars Von Trier

Anticristo, a condição subjetiva da

feminilidade tendo como

elemento diretivo de

considerações teóricas a relação

entre razão, feminilidade e

loucura. Utilizando como método

de pesquisa o método

interpretativo da psicanálise,

constitui-se uma leitura da obra

que se faz via rupturas de campos,

entendendo campo como

estruturações inconscientes que se

fazem presentes como

sustentadores de situações

relacionais singulares e diversas.

Dessa forma, essa pesquisa se

constitui sob a égide do trabalho

reflexivo interpretativo com

potencialidade de rupturas

conseguintes aos abalos das

relações instituídas. Relações

estas entre a pesquisadora, o tema

da sua investigação e a obra de

arte. Busca-se mostrar

aproximações teóricas entre a

subjetividade feminina dentro do

discurso freudiano e a condição da

loucura, tendo como norteadores

os personagens que compõem a

história. O Homem do Anticristo

representa o universo racional e

pragmático, cuja lógica

sistemática parece dar conta de

tudo, cuja objetividade predomina

no modo de ver o mundo e na

maneira de efetivação na busca

pelo objeto de desejo. Uma lógica

hegemônica do pensamento

ocidental; fundamento da

revolução científica moderna. A

leitura que apresentarei neste

trabalho acerca da Mulher é desta

como representante do universo

feminino, permeado por uma

lógica subjetiva, simbólica, ao

reverso do pensamento lógico

racional. A Mulher representa

217

nesta leitura a condição feminina

enquanto subjetividade outra cuja

singularidade foi apreendida e

possibilitada pelo discurso

psicanalítico a partir da análise e

da construção teórica feita por

Freud sobre a histeria. Do mesmo

modo, a loucura se posiciona

enquanto avesso ao modo racional

científico, o que justifica tal qual

acontece com a feminilidade os

discursos, as construções

filosóficas e as ações sociais

excludentes. Feminilidade e

loucura são apresentadas aqui

como condições subjetivas que

impõem alteridade ao pensamento

racional apoiado pelo cogito

cartesiano e que necessitam de

outra forma de escuta que lhes

promova sentido.

Referência: BRAZ, W. A. Anticristo - feminilidade e loucura na obra de Lars Von

Trier [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, 2010.

2

21

Título: Assassinos em cena: um estudo sobre os

fundamentos metapsicológicos da indústria

cinematográfica dos assassinos em série

Autor: Daniel Polimeni Maireno

Ano: 2010

A presente dissertação tem por

objetivo discutir os possíveis

fundamentos metapsicológicos

que contribuem para o sucesso da

indústria cinematográfica dos

assassinos em série, tendo por

horizonte a hipótese de que o

funcionamento psíquico humano

em geral, representado pelos

espectadores dos filmes, guarda

mais familiaridade com as

mentalidades agressivas e

homicidas do que se imagina. Na

argumentação, este texto conta

principalmente com uma

discussão sobre o conceito de

pulsão de morte e sua relação com

a agressividade, tal como elas

foram articuladas nas

contribuições teóricas de

importantes membros do campo

psicanalítico. Antes disso

encontra-se uma breve retomada

histórica desse ramo

cinematográfico do

terror/suspense, desde as origens

nas primeiras décadas do séc. XX

às atuais superproduções, o que

permite observar as diversas

formas com que a temática

homicida aparecera nos filmes.

Também são discutidas as

interpretações de dois importantes

estudiosos deste fenômeno

218

cinematográfico, suas ênfases em

contextos históricos e estéticos

específicos, às quais vem se somar

o presente estudo

metapsicológico. Com o avançar

da discussão, é possível conferir

que, além de contribuir para se

pensar os motores psíquicos mais

profundos dessa curiosa e grotesca

formação da cultura em

específico, bem como do estranho

prazer a ela articulado, tal projeto

de pesquisa constitui-se em mais

um esforço para problematizar e

tentar elucidar determinadas

facetas do funcionamento

psíquico que dizem respeito à

agressividade e à violência,

segundo um ponto de vista

psicanalítico, de forma a poder

demarcar concepções importantes

nas interlocuções com outras áreas

do saber sobre estes temas

Referência: MAIRENO, D. P. Assassinos em cena: um estudo sobre os

fundamentos metapsicológicos da indústria cinematográfica dos assassinos em

série [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

2

22

Título: A vivência da sombra na relação fraterna

feminina: um caminho para a individuação

Autor: Gisele Falanga Capela Fabreti

Ano: 2010

Este trabalho tem como objetivo

compreender a vivência sombria

no vínculo fraterno feminino,

observando ainda a importância

da irmã no processo de

individuação da mulher. Para isso

utilizou-se do referencial teórico

junguiano e da abordagem

sistêmica, buscando aproximações

através da análise de vivências

ficcionais trazidas pelo cinema em

três filmes: Muito Bem

Acompanhada , Em seu Lugar e

Três Mulheres, Três Amores . A

escolha da metodologia deu-se

pela constatação teórica de que a

relação entre irmãs suscita muitos

afetos e que os membros da fratria

tendem a resguardar-se ou atacar-

se em relatos, mas nas obras

culturais, os autores tendem a

atribuir a seus personagens grande

autenticidade de afetos, mais que

em biografias. Verificou-se na

análise que o vínculo diferenciado

dá sustentação para a atuação da

sombra, mas que é a estrutura de

ego que permite ou não maior ou

menor integração da sombra,

promovendo mudanças de papéis

familiares e na fratria, ou levando

à perpetuação dos padrões

219

arraigados

Referência: FABRETI, G. F. C. A vivência da sombra na relação fraterna

feminina: um caminho para a individuação [dissertação]. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2010.

2

23

Título: Heroínas - da submissão à ação: uma

análise junguiana de personagens em filme de

animação

Autor: Fernanda Aprile Bilotta

Ano: 2010

Esta dissertação tem como

objetivo analisar a trajetória de

algumas heroínas dos filmes

infantis de animação produzidos

pelos estúdios Walt Disney

Pictures e Dreamworks Pictures

no período de 1937 a 2007.

Busca-se, portanto, identificar

quais são os comportamentos e

temas propagados pelas

protagonistas dos filmes: Branca

de Neve e os Sete Anões (Walt

Disney Pictures, 1937) Cinderela

(Walt Disney Pictures, 1950), A

Bela Adormecida (Walt Disney

Pictures, 1959), A Pequena Sereia

(Walt Disney Pictures, 1989), A

Bela e a Fera (Walt Disney

Pictures, 1991), Shrek!

(DreamWorks Pictures, 2001),

Shrek 2 (DreamWorks Pictures,

2004) e Shrek Terceiro

(DreamWorks Pictures, 2007). Os

oito filmes foram assistidos e

mapeados para a realização de

sinopses e elaboração das

análises. Essas foram baseadas

nas imagens, eventos e sequencias

significativas quanto à

composição das personagens e seu

desenvolvimento nas narrativas. A

aproximação desse tema remete

ao arquétipo do herói, o qual

impulsiona o processo de

desenvolvimento da consciência e

é ativado, principalmente, na

adolescência quando moças e

rapazes iniciam sua passagem

para a vida adulta. A análise está

referenciada nos conceitos da

psicologia analítica e nos critérios

de interpretação sugeridos por

Von Franz para contos de fadas.

As heroínas transportadas às telas

do cinema ajudam a compreender

como os arquétipos se manifestam

na atualidade e colaboram no

enfrentamento e elaboração das

mais diversas situações.

Enriquecerem, desse modo, a

organização psíquica na

adolescência, autorizando

comportamentos, vetando outros,

ao oferecer suporte imaginário e

220

simbólico no processo de

elaboração e individuação

Referência: BILOTTA, F. A. Heroínas - da submissão à ação: uma análise

junguiana de personagens em filme de animação [dissertação] São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2010.

2

24

Título: Gêneros e figurinos no cinema de

Hitchcock

Autor: Priscila Tatiane dos Santos

Ano: 2010

O objetivo geral desta pesquisa é

analisar a questão dos gêneros em

filmes de Hitchcock, compreender

a maneira como se dão a

distribuição dos papéis sexuais, a

recorrência ao tipo fálico de

construção do feminino e entender

os diferentes tipos maternais e a

ambiguidade das categorias

genéricas. O objetivo específico é

examinar essas configurações

genéricas a partir do figurino. A

metodologia consiste em pesquisa

bibliográfica e filmográfica. As

principais referências são obras

teóricas e críticas sobre o cinema

clássico narrativo hollywoodiano

e sobre o cinema de Hitchcock.

Para o problema dos gêneros, o

Mestrado se apóia nas três

Contribuições à Psicologia do

Amor de Freud. O Estranho,

também de Freud, é a base teórica

para a articulação entre misoginia

e estranho, vale dizer, a questão

da mulher como sinistra. Há

chaves particularmente

interessantes para a compreensão

dessa questão em O Tabu da

Virgindade. Imagens, cenas e

sequências as mais significativas,

que melhor demonstram o papel

do figurino na configuração dos

gêneros dos filmes que compõem

o corpus serão analisadas para

compreender como esses tipos

femininos, masculinos e suas

ambiguidades são construídos

pelo figurino. Principalmente

nessa abordagem dos gêneros, é

indispensável a análise de filmes

de Hitchcock pois, ao confundir

os papéis sexuais por embaralhar

as categorias genéricas, o diretor

quase chega à homossexualidade,

que, ligada às roupas, será

analisada em personagens

homossexuais quase explícitos.

Este estudo parte da principal

hipótese de que o cinema de

Hitchcock coloca em crise as

categorias de gêneros, embaralha

a distribuição dos papéis sexuais e

221

constrói personagens sexualmente

ambíguos, ao menos, desde 1940.

A hipótese secundária é a de que

essas configurações genéricas

nuançadas podem ser lidas através

do figurino

Referência: SANTOS, P. T. Gêneros e figurinos no cinema de Hitchcock

[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

2

25

Título: As metáforas alquímicas no cinema

Autor: Maria Cecilia Zanatta

Ano: 2010

Dentre os teóricos que buscaram

uma visão mais abrangente de ser

humano em relação às

manifestações culturais de todos

os tempos, C. G. Jung (1875-

1961), foi quem se dedicou ao

estudo da alma humana através de

imagens de sonhos, mitos e

símbolos da cultura, por acreditar

que a atuação do inconsciente se

dá através de várias formas de

expressão. O processo de criação

segundo Jung diz respeito à

tradução feita pelo artista de

imagens primordiais, vindas

espontaneamente do inconsciente,

para a linguagem do presente. Ao

criar uma obra de arte, o artista

transforma sua conexão com o

inconsciente em algo acessível a

todos, possibilitando que cada um

de nós possa também estar

reconectando consigo mesmo.

Desta forma é que é considerado

que o cinema pode atuar como

fonte de projeção e transformação

interna do indivíduo. O cinema,

como qualquer forma de

expressão humana, oferece total

condição para que elementos

culturais se expressem, mesmo

quando utiliza elementos arcaicos

da cultura que não se alinham aos

transmitidos pela tradição

corrente. Este é o caso da

alquimia e por este motivo ela foi

escolhida como foco do trabalho.

O desafio proposto foi olhar para

o cinema procurando por estes

elementos e o resultado foi uma

forma de resgate da antiga

alquimia em produções humanas

atuais. Nesta dissertação analiso

quatro filmes como ilustração da

discussão principal: A Festa de

Babette, Navigator, uma Odisséia

no Tempo, Um Beijo Roubado e

Stalker. Foi utilizada uma

abordagem que, ao mesmo tempo

em que procura identificar uma

222

imagem dentro do imaginário

tradicional, pretende ser respeitosa

no que diz respeito à dimensão

simbólica inatingível da obra de

arte

Referência: ZANATTA, M. C. As metáforas alquímicas no cinema [dissertação].

Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2010.

2

26

Título: O cinema como experiência sinfônica: a

partitura orquestral do filme "O Iluminado", de

Stanley Kubrick

Autor: Francisco Egydio de Carvalho

Ano: 2010

O presente estudo tem como

objetivo estabelecer uma

aproximação entre cinema e

música no que concerne aos

mecanismos de produção de

sentido articulados por ambas as

artes. A partir dos conceitos de

imagem-movimento e imagem-

tempo, concebidos por Deleuze

através das teorias de

representação da matéria de

Bergson, o estudo propõe

defender a idéia de que a narrativa

encampada pela imagem pode ser

lida e compreendida também

como uma partitura musical

sinfônica, aproveitando, para

tanto, os estudos de André Parente

sobre a narratividade fílmica

Referência: CARVALHO, F. E. O cinema como experiência sinfônica: a partitura

orquestral do filme "O Iluminado", de Stanley Kubrick [dissertação]. Campinas:

Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2010.

2

27

Título: A construção de um olhar clínico vidente

Autor: Adriana Barin de Azevedo

Ano: 2009

Esta pesquisa trata da construção

de um possível olhar clínico que

se compõe na intersecção entre

uma filosofia que pergunta pelos

modos de vida de um indivíduo a

partir dos afectos que o

atravessam e, por outro lado, o

que pode ser extraído da

expressividade dos corpos em

cenas de filmes de dois filmes,

Asas do Desejo e O Violino . Este

é o encontro privilegiado neste

trabalho, pois ele nos leva a um

modo de pensar imanente, que

conduz este olhar clínico a ver o

que está entre as coisas , nas

experiências vividas. A aliança

entre Deleuze e Espinosa ganha

centralidade nesta pesquisa, pois

nos estimula a polir as lentes,

observando o indivíduo a partir de

um processo de variação da

potência e construindo um olhar

clínico vidente. Este olhar é

efetuado ao operar uma avaliação

crítica e clínica de modos de vida

que definem um indivíduo,

223

observando as variações de que

ele é capaz, aumentando ou

diminuindo seu grau de potência.

Procuramos fazer um mapa dos

deslocamentos dos afectos, para

conhecer o poder de afetar e ser

afetado de um corpo. A pesquisa

segue uma trajetória que mostra

como um outro modo de pensar, a

compreensão de que os encontros

são extensivos e intensivos, e as

dimensões constitutivas do

indivíduo, nos levam a conhecer

os modos de vida que este

constrói em seus encontros.

Encontraremos, neste processo,

um olhar clínico vidente atento às

composições engendradas na

experiência de uma vida singular

Referência: AZEVEDO, A. B. A construção de um olhar clínico vidente

[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.

2

28

Título: Considerações sobre a devastação mãe-

filha: elementos para uma clínica da

adolescência feminina

Autor: Isadora Lins Porto Dantas Brunner

Ano: 2008

Este trabalho trata da questão da

devastação mãe-filha. Procura-se

aprofundar o que vem a ser a

devastação, entendida, em

princípio, como o malogro da

filha em aceder à feminilidade

devido a obstáculos vividos na

relação com a mãe. Foi a partir de

atendimentos com meninas na

adolescência que surgiu a idéia de

investigar tal questão de forma

mais atenta. Assim sendo, esta

pesquisa vale-se de uma obra do

cinema contemporâneo a fim de

aproveitar os recursos dessa arte

condensadora de vivências. Com

o propósito de articular a

problemática da devastação com o

que Freud chamou de civilização ,

e Lacan, de discursos , ou seja, a

uma economia dos gozos aceitos

ou prescritos do laço social, esta

investigação considera aspectos

relativos tanto ao contexto do

capitalismo de produção da época

de Freud como, especialmente, ao

capitalismo tardio ou capitalismo

de consumo da atualidade.

Elaboram-se também, questões

relacionadas à adolescência que,

pela sua turbulência, apresenta-se

como um momento privilegiado

para a ocorrência da devastação.

Como conclusão, desenvolvese a

idéia de que, na trajetória de cada

mulher constituir-se como única,

ao identificar-se e, ao mesmo

224

tempo, ao separar-se de sua mãe,

não encontrando um significante

que diga A Mulher, a devastação

apresenta-se como uma

contingência que pode tornar-se

real ou não acontecer. Porém,

quando se efetiva implica um

sofrimento tal para o sujeito ao

qual a clínica não pode ficar

indiferente

Referência: BRUNNER, I. L. P. D. Considerações sobre a devastação mãe-filha:

elementos para uma clínica da adolescência feminina [dissertação]. São Paulo:

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008.

2

29

Título: A infância no currículo de filmes de

animação: poder, governo e subjetivação dos/as

infantis

Autor: Maria Carolina da Silva

Ano: 2008

Esta dissertação tem como

objetivo analisar as subjetividades

disponibilizadas por quatro filmes

infantis de animação produzidos

pela Disney e pela Pixar: Toy

Story (1995), Monstros S.A

(2001), Procurando Nemo (2003)

e Os Incríveis (2004). Com base

na vertente pós-estruturalista dos

estudos culturais, que trabalha

com os conceitos retirados da obra

de Michel Foucault, considera-se

que tais filmes ensinam

determinados modos de ser, estar

e fazer considerados adequados

para o público ao qual se

endereçam, ou seja, esses filmes

têm um currículo cultural. O

argumento desenvolvido nesta

dissertação é o de que o currículo

dos filmes investigados constrói

subjetividades infantis por meio

da apresentação de dois modelos

de infância (a infância-

potencialidade e a infância-

monstro) e por meio do governo

das condutas infantis. Para operar

esse governo, é importante tanto o

controle que os/as adultos/as

exercem sobre os/as infantis,

como o governo que os/as

próprios/as infantis realizam sobre

si mesmos/as. Nesse sentido, os

filmes utilizam diferentes técnicas

para produzir subjetividades. Por

um lado, esse artefato cultural

utiliza instituições como a família

e a escola para educar e conduzir

as condutas infantis. Nesse

processo, os filmes não apenas

tentam controlá-los/as, mas falam

acerca de como os/as adultos/as

devem se comportar para que

sejam capazes de conduzir a

infância. Por outro lado, esses

225

filmes disponibilizam uma

subjetividade heróica que tem

como marcas a coragem, a

amizade, a confiança e a parceria.

Para construí-la é necessário que

os/as infantis articulem técnicas

de dominação às técnicas de si.

Por fim, vale destacar que os

filmes estudados acionam técnicas

relacionadas às relações de gênero

e, dessa maneira, disponibilizam

subjetividades generificadas para

seu público. O estudo conclui que

essas diferentes estratégias

utilizadas pelos filmes analisados

podem ajudar a construir

subjetividades infantis submetidas

à figura adulta. Aponta também a

necessidade de outros estudos que

ajudem a compreender como a

infância vem sendo narrada na

contemporaneidade a fim de

possibilitar a construção de novos

modos de ser e agir tanto para

os/as infantis como para os/as

adultos/as que lidam com eles/as.

Referência: SILVA, M. C. A infância no currículo de filmes de animação: poder,

governo e subjetivação dos/as infantis [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade

Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação, 2008.

3

30

Título: Invenções amorosas: odisséias

contemporâneas

Autor: Patrícia Badari

Ano: 2007

Este estudo propõe-se a refinar e a

delinear, a partir de um conto e de

três filmes, os encontros e

desencontros nas parcerias

amorosas contemporâneas; os

diversos modos de amar que são

constituídos em cada relação, a

inventividade e o inédito criados

como possibilidades, seja por um

instante ou dilatando o tempo

presente. E se não existe uma

universal sobre o amor, sobre a

união de um homem e uma

mulher - o amor é o que faz parar

a necessidade ou a

impossibilidade dessa parceria, e

particulariza-a, torna-a única

Referência: BADARI, P. Invenções amorosas: odisséias contemporâneas

[dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.

3

31

Título: A caixa de Pandora: as deusas e o

feminino no cinema

Autor: Rosâgela Donizete Canassa

Ano: 2006

Nesta dissertação de mestrado,

que trata da interpretação mítica e

psicológica do enredo dos quatro

filmes: Caixa de Pandora (1928);

Helena de Tória (1955) e Kill-Bill

- Vol.1 e 2 (2003), analiso o

comportamento das personagens

principais e estabeleço uma

226

conexão com as seguintes deusas

gregas: Pandora, Afrodite e

Deméter, numa leitura junguiana.

Por mais racionais que possamos

ser, nossos cérebros não resistem

ao ímpeto de adotar relatos

metafísicos para o entendimento

dos mistérios naturais que

determinam nossa existência. Os

mitos possuem características

humanas e, por meio de suas

lendas, podemos compreender

melhor nossas questões

existênciais, na busca de sentido

para vida humana. Os temas

mitológicos contemplam tanto a

sociedade, o coletivo, como a

subjetividade humana, o

individual, tornando-se universal,

com seu poder de nos emocionar e

de nos ensinar as verdades

profundas da psique humana. Ao

associar cinema, psicologia e

mitologia, encontro uma nova

leitura entre imagem e verbo e que

poderá dar novo significado à

leitura e a compreensão de um

filme.

Referência: CANASSA, R. D. A caixa de Pandora: as deusas e o feminino no

cinema [dissertação]. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, Programa de Pós-

Graduação em Artes, 2006.

3

32

Título: The fog era a jungian and post-jungian

interpretation of Dracula and its filmic version

Bram Stoker's Dracula

Autor: Ana Cristina Alves da Silva

Ano: 2005

Esta dissertação propõe uma

interpretação Jungiana e Pós-

Jungiana do romance Drácula,

escrito por Bram Stoker, e sua

versão cinematográfica Drácula

de Bram Stoker de Francis Ford

Coppola. Incluindo alguns

aspectos do Romantismo,

características de algumas

narrativas de horror e o uso de

conceitos Jungianos e pós-

Jungianos, apresento uma

proposta de um conceito teórico e

crítico que decidi chamar de "Fog

Era" (a Era da Bruma). Este

conceito é essencialmente

dinâmico e contém um aspecto

seminal e imutável que faz com

que seus elementos passeiem por

diferentes contextos históricos e

se readaptem, adquirindo novos

contornos. A função proposta para

a "Fog Era" é servir como uma

ferramenta para análise de

algumas facetas do horror,

primeiro nas narrativas

mencionadas e depois em outras

227

narrativas analisadas brevemente.

Na Introdução mostro os passos

que devo seguir nos outros

capítulos e que bases do

Romantismo e fronteiras literárias

devem limitar meu trabalho. No

Capítulo I, item 1, mostro quais

conceitos Jungianos uso para

minha análise, bem como uma

perspectiva mais contemporânea

dos pesquisadores pós-Jungianos.

No item 2, apresento o

Romantismo em antagonismo

com os valores Vitorianos e

explico porque o conceito

Jungiano da sombra é válido para

dizer que os Vitorianos são a

sombra dos Românticos. No item

2.1, o arquétipo da Mãe é usado

para justificar o contexto em que

as narrativas de horror foram

criadas. No item 2.2, uma relação

entre arquétipos e personagens é

feita e será o suporte para a

análise no próximo capítulo. O

Capítulo II traz a análise completa

da versão de Coppola, sendo que

no item 1 mise-en-scène e

caracterização são relacionadas

com os conceitos Jungianos e o

item 2 mostra a reiteração da

análise e o novo contexto

histórico do filme. O item 3

apresenta minha proposta de um

novo conceito teórico para

analisar as narrativas horror,

chamada de "Fog Era". Na

Conclusão revejo a teoria usada,

confirmo as características e a

utilidade da noção de "Fog Era".

Referência: SILVA, A. C. A. The fog era a jungian and post-jungian

interpretation of Dracula and its filmic version Bram Stoker's Dracula

[dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-

Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente, 2005.

3

33

Título: Returning to Zamunda to find paradise:

Eddie Murphy's coming to America and the

politics of parody in film

Autor: Cláudia Ramos Neves

Ano: 2004

O objetivo desta dissertação é

oferecer um estudo inter-

disciplinar, sobrepondo Estudos

de Cinema e Estudos Culturais

dentre territórios afins como

Crítica Feminista e Psicoanalítica,

entre outras abordagens

correlacionadas. O corpo para

análise são as representações

comunicadas pelo filme

americano Um Príncipe em Nova

Iorque (Coming to America ),

escrito e interpretado por Eddie

Murphy. Levando-se em

228

consideração a especificidade do

cinema como gênero, tal como

mise-en-scene (iluminação,

cenário, e figurino) e a

estruturação de tempo e espaço da

narrativa, a análise tem como

objetivo o aspecto paródico do

filme com relação ao estilo

clássico de Hollywood já que Um

Príncipe em Nova Yorque sugere

uma tentativa de subverter

representações estereotipadas. A

estruturação formal da trama,

além das funções específicas de

cada personagem também são

consideradas. Trechos de várias

cenas do filme são investigados

em termos da intenção discursiva

por detrás das imagens e diálogos,

no que diz respeito a seus

comprometimentos com

prerrogativas eurocêntricas.

Perspectivas teóricas de estilo

fílmico, de acordo com David

Bordwell, as implicações políticas

do gênero paródico, por Linda

Hutcheon, questões sobre

estereótipo, por Ella Shohat, e

conceitos sobre o negro e as

identidades culturais dentro da

representação cinematográfica,

por Stuart Hall e Clyde Taylor,

são usadas para se conduzir a

investigação. Além disso, os

resultados mostram que forma e

conteúdo são traços importantes

na construção do sentido (de

acordo com Seymour Chatman,

Robert Burgoyne e Mikhail

Bakhtin) e que a procura por

retratos #positivos# para os

negros pode não ser suficiente

para garantir uma orientação

menos euro-centrada.

Referência: NEVES, C. R. Returning to Zamunda to find paradise: Eddie

Murphy's coming to America and the politics of parody in film [dissertação].

Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação

em Letras/Inglês e Literatura Correspondente, 2004.

3

34

Título: Marias e Madalenas : retratos femininos

de Almodovar

Autor: Maria Silvia Bigareli

Ano: 2003

Esta dissertação tem como

principal objetivo realizar uma

leitura das personagens femininas

em Almodóvar: suas principais

características, pensamentos,

atitudes, modos de se relacionar

com as emoções, com os homens,

com a sexualidade.Tendo como

principal material de análise a

observação da filmografia, as

229

personagens que se tornaram

ícones em sua obra são destacadas

e selecionadas como retratos,

pontos de partida para nossa

observação, e relacionadas com

padrões universais e arquetípicos

femininos através de figuras

míticas, em seu predomínio

procedentes da mitologia grega.

Dentre a filmografia nosso objeto

de estudo abordará somente o

período correspondente às obras

de longa metragem do diretor,

abrangendo a década de oitenta,

em que inicia sua carreira, até a

época atual (2002). Os

referenciais teóricos utilizados

procedem dos estudos sobre a

cinematografia e biografia de

Almodóvar e sobre a figuração

feminina, principalmente

extraídos de estudos de psicologia

analítica e mitologia

Referência: BIGARELI, M. S. Marias e Madalenas: retratos femininos de

Almodovar [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Artes , 2003.

Teses

0

1

Título: A vida é um filme, um sonho: a

(des)razão de amar em Federico Fellini

Autor: Eliane Maria de Abreu

Ano: 2015

Esta pesquisa tem como objetivo

central estabelecer conexões entre

o tema do Amor, um dos

principais eixos da obra do

psiquiatra Ludwig Binswanger, e

os modos de ser dos personagens

do cineasta italiano Federico

Fellini: Cabíria, do filme Noites

de Cabíria, Guido, de Fellini 8 e

½, e os músicos, de Ensaio de

orquestra. A abordagem

fenomenológico-existencial, da

qual Binswanger é um dos

maiores representantes, é

utilizada como enquadre teórico

geral do trabalho. Ao lado da

questão do amor, a análise dos

personagens fellinianos abriu

gradativamente espaço para a

questão da desrazão e dos sonhos.

Como as histórias de vida dos

personagens estão estreitamente

vinculadas ao tema da palhacice,

a questão do modo de ser do

palhaço é praticamente

onipresente como vertente

organizadora da análise. A

230

vibração, ou modo de ser do

palhaço, em suas correlações com

a desrazão e o mundo dos sonhos,

foi ainda utilizada como um dos

principais eixos de interpretação

dada a importância da presença

dos palhaços e do circo na vida e

obra do cineasta. A seguinte

interrogação norteou todo o

desenvolvimento do trabalho:

seria o amor uma palhaçada para

Federico Fellini e seus

personagens?

Referência: ABREU, E. M. A vida é um filme, um sonho: a (des)razão de amar em

Federico Fellini [tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

2015.

0

2

Título: Cinema e história, comoção e melancolia

: memórias da última ditadura militar no cinema

argentino (1985-2011)

Autor: Salatiel Ribeiro GOMES

Ano: 2015

Nesta tese, lançamos mão da

cinematografia argentina que se

desenvolve a partir da abertura

democrática, e investigamos seu

comportamento discursivo no

interior dos embates (em torno

das memórias da repressão

militar e suas sequelas) que têm

feito do passado o objeto de um

insolúvel litígio. Na persecução

desse intento, fazemos uso de

categorias tomadas da crítica

literária, da filosofia, da

psicologia social e da psicanálise

para perscrutar nos filmes as

distintas memórias que se

confrontam, e para compreender

o modo como articulam o

passado em diferentes

conjunturas, bem como as

urgências às quais respondiam e

as forças que neles se exprimem.

Referência: GOMES, S. R. Cinema e história, comoção e melancolia : memórias

da última ditadura militar no cinema argentino (1985-2011) [tese]. Brasília:

Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em História, 2015.

0

3

Título: Modos de subjetivação na experiência

queer: micropolíticas do corpo, do gênero e da

sexualidade no filme Dzi Croquettes

Autor: Magno Cezar Carvalho Teófilo

Ano: 2015

Nesta tese persigo as tramas do

documentário brasileiro Dzi

Croquettes com o objetivo de

problematizar processos de

subjetivação a partir da produção

de micropolíticas de corpo,

gênero e sexualidade no contexto

da experiência teatral-

contestatória desse filme. O

percurso utilizado pelo

documentário leva o teatro e os

valores normativos do corpo, do

gênero e da sexualidade para o

cinema e transgride as

arbitrariedades discursivas da

231

biopolítica. Dessa forma, as

imagens e sons cinegrafados

expõem algumas estratégias

produzidas pelo grupo que arguiu

as moralidades do regime militar

brasileiro nos anos 1970, bem

como as relações sociais

reguladas pelo modelo binário

heterossexista e pela

hetero/homossexualidade

compulsória, que repercutem até

hoje. A imersão nesse

documentário ancorou-se nos

aportes teóricos sobre o gênero

nos estudos feministas de Judith

Butler e nos estudos pós-

estruturalistas foucaultianos sobre

a sexualidade. Utilizo a

etnografia de tela como método

de pesquisa para analisar a noção

de performatividade e o processo

de (in)subordinação às

hetero/normas exibidas em Dzi

Croquettes. A análise encontra-se

espraiada pelo texto inteiro

devido à organização do caderno

de campo e ao estilo do elemento

empírico da pesquisa. Nela busco

explicitar problematizações que

apontam para uma proposta de

escrita final desta tese. Finalizo

na afirmação de que a experiência

queer também é vista como uma

viela para a afirmação da

potência da vida - pela

transformação, pela subversão e

pelo que escapa aos territórios

engessados sobre o corpo, o

gênero e a sexualidade na

Psicologia - a partir da

perspectiva político-pedagógica

de contestação presente em Dzi

Croquettes. Palavras-chave:

Micropolítica. Gênero. Corpo.

Sexualidade. Performatividade.

Cinema.

Referência: TEÓFILO, M. C. C. Modos de subjetivação na experiência queer:

micropolíticas do corpo, do gênero e da sexualidade no filme Dzi Croquettes

[tese]. Fortaleza: Universidade de Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em

Psicologia, 2015.

0

4

Título: Cenas em jogo: cinema e literatura,

realidade e ficção, estética e psicanálise

Autor: Renato Cury Tardivo

Ano: 2015

Este trabalho insere-se no âmbito

da Psicologia Social da Arte e, ao

analisar obras cinematográficas e

literárias, vale-se de referenciais

da estética e da psicanálise. São

analisados os filmes Lavoura

arcaica, Abril despedaçado, O

cheiro do ralo, Linha de passe e

232

Jogo de cena, e os romances

Lavoura arcaica e Budapeste.

Nessa medida, os capítulos desta

tese aproximam-se da forma

ensaio, uma vez que priorizam as

possibilidades especulativas de

apreensão da realidade. A partir

das leituras das obras, emergiram

os seguintes temas: liberdade e

opressão; ressignificação da lei e

perversão; realidade e ficção;

reflexão sobre os mecanismos de

construção da verdade. Assim, o

capítulo final se propõe a refletir

em que medida essa tomada de

contato com as obras pode

fundamentar uma perspectiva de

leitura. Por meio de uma

discussão sobre realidade,

ideologia e ficção, a leitura

dirigida às obras volta-se a si

mesma, em uma perspectiva aqui

denominada poética-crítica

Referência: TARDIVO, R. C. Cenas em jogo: cinema e literatura, realidade e

ficção, estética e psicanálise [tese]. Universidade de São Paulo, Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, 2015.

0

5

Título: Quando a pele faz a passagem: roteiro

tese do filme a pele que eu habito

Autor: Taciano Valério Alves da Silva

Ano: 2014

A presente tese empreende uma

análise do filme A Pele que

Habito (2011) do cineasta Pedro

Almodóvar, discutindo a pele

como metonímia/fronteira da

identidade de gênero. Logo, a

dinâmica do filme emerge diante

das intricadas redes que se

formam em torno do personagem

binômio Vicente/Vera, que

vivencia uma mudança de sexo à

revelia da sua vontade. Para

tanto, fazemos uso da gramática

fílmica, procurando estabelecer, a

partir de planos cinematográficos

específicos, os lugares que vão

problematizar a pele como

fronteira da identidade de gênero.

Diante disso, constituiu-se como

dimensão teórica para a nossa

análise o conceito deleuziano de

rizoma, cuja discussão aprofunda

o nosso eixo de investigação pela

característica que põe como lugar

fundante a necessidade de

pensarmos os fenômenos que

aparecem nas imagens. A escolha

dos fotogramas acompanha a

dimensão dos acontecimentos,

surgindo, assim, multiplicidades

de possibilidades para

interpretações em que

233

encontramos como aliados,

Foucault e Deleuze, para adensar

nossa investigação. Por fim, a

condição do filme A Pele que

Habito nos afigura com

características diversas e

consequentemente gera efeitos,

construindo outras vias de

aberturas para pensarmos outras

possibilidades das questões de

gênero. Certamente, a pele

enquanto metonímia aglutina

essas vias, porém, no filme,

vamos vivenciar esses efeitos

dentro de territórios perfilados

pelo poder e pela resistência.

Referência: SILVA, T. V. A. Quando a pele faz a passagem: roteiro tese do filme a

pele que eu habito [tese]. Recife: Universidade Católica de Pernambuco, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, 2014.

0

6

Título: No cinema e na vida: a difícil arte de

aprender a morrer

Autor: Maria Emília Bottini

Ano: 2014

Os objetivos desta pesquisa

foram: compreender a narrativa

do cinema nas suas diversas

manifestações; refletir a temática

da morte nos tempos atuais e

analisar a narrativa fílmica

veiculada pelo filme A partida

(2008) de Yôjirô Takita. O

cinema é visto como uma

linguagem multifacetada, como

um elemento constitutivo da

indústria cultural, mercado, arte,

espetáculo, lucro, entretenimento,

diversão e da formação

ideológica e possibilidade de

desenvolvimento da

sensibilidade. A morte, no

ocidente, tornou-se interdita,

inominada, tabu, mas ainda assim

companheira inseparável da vida.

Os elementos do filme abordados

foram sonhos fenecidos; a morte

como ofício; o fim dos dias; onde

tudo está vivo, a morte está;

nenhum tempo é tempo; o velho

como o prenúncio do novo; o

desassossego dos que ficam;

tinha uma pedra no caminho; a

vida precisa de inspiração; viver é

uma honra. São relacionadas duas

experiências como forma de

educação para a morte e o morrer

no espaço de sala de aula. A

primeira, com o Corpo de

Bombeiros do Distrito Federal

(CBMDF) na disciplina

Psicologia Aplicada ao Bombeiro

Militar. E a segunda, com alunos

da Pós-graduação em Educação

234

da Universidade de Brasília

(UnB) na disciplina Espaços de

Cinema: Natureza e Cultura em

Imagens e Sons. A discussão e

análise são empreendidas

mediante análise das narrativas

dos cadetes e dos alunos.

Referência: BOTTINI, M. E. No cinema e na vida : a difícil arte de aprender a

morrer [tese]. Brasília: Universidade De Brasília, Programa De Pós-Graduação Em

Educação, 2014.

0

7

Título: Entre o novo e o atemporal: a sonoridade

plástica de fantasia

Autor: Thais Fernanda Martins Hayek

Ano: 2014

A relevância e a

criatividade de Walt Disney para

a história da cultura e da arte

contemporânea estão expressas

na sua obra Fantasia (1940), cuja

originalidade se caracteriza pela

união entre as novas tecnologias

aplicadas ao cinema de animação

nas primeiras décadas do século

XX e as mais diversas linguagens

artístico-culturais produzidas até

então. Por meio desta

combinação entre valores

estéticos e éticos, a linguagem

simbólica utilizada permite

identificar os arquétipos que

orbitam o inconsciente coletivo

no imaginário popular. Este

trabalho buscou apresentar uma

análise do filme Fantasia,

apontando em especial seus

aspectos históricos, estruturais e

simbólicos, por meio dos recursos

metodológicos propostos em

Hermenêutica da Profundidade,

por John B. Thompson. Para se

chegar aos resultados, foram

definidos, portanto, três focos de

interesses presentes na obra: o

contexto histórico-cultural no

qual esta foi produzida a obra; os

recursos técnicos da linguagem

fílmica e, por último, as questões

comportamentais vinculadas à

Psicologia Arquetípica. O

primeiro capítulo traz uma breve

introdução do cinema de

animação, as contribuições de

Disney e sua equipe para a

fundamentação desta modalidade

como arte autônoma. Destaca a

história da criação e produção de

Fantasia no seu contexto

histórico. O segundo capítulo

aponta os fatores estruturais da

obra, fazendo uma análise

descritiva e relacionando-a com

os princípios de animação, que

235

deram identidade a essa

linguagem e ajudaram a

fundamentar uma estética

singular. No último capítulo é

feita uma reintrepetação das

formas animadas presentes em

Fantasia, propostas por Disney e

sua equipe, sob a ótica da

psicologia arquetípica, ou seja,

que símbolos representam as

estruturas mais profundas da

psique coletiva dando sentido ao

enredo. As considerações finais

confirmam a hipótese inicial de

que Fantasia é uma obra original

no que tange seu percurso

técnico, condicionada pelos

valores éticos e estéticos da

formação judaico-cristã no

mundo ocidental e seu sucesso

atemporal se deve à utilização de

símbolos e mitos universais

presentes nos primórdios da

história da civilização.

Referência: HAYEK, T. F. M. Entre o novo e o atemporal: a sonoridade plástica

de fantasia [tese]. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Programa de Pós

graduação em Educação, Arte e História da Cultura, 2014.

0

8

Título: O que "dizem" os filmes sobre a morte?

- Ensaios de análise fílmica

Autor: Aurélio Fabrício Torres de Melo

Ano: 2013

Têm sido muitas as formas como

o homem ocidental encara a

morte desde a idade média:

evento natural da vida, destino

certo do homem, castigo de Deus,

glamour exclusivo dos jovens

amantes, fracasso da medicina,

descarte de mercadoria. Assim

como na história do homem, a

história do cinema também

retratou as diferentes formas do

homem encarar a morte. O

objetivo do presente estudo foi

identificar, no discurso fílmico, o

que dizem os filmes sobre a

morte, formas contemporâneas de

encarar a morte. O método de

pesquisa consistiu na análise dos

filmes Mar Adentro (Alejandro

Amenabar), O Quarto do Filho

(Nanni Moretti) e O Sétimo Selo

(Ingmar Bergman), sob dois

aspectos: a análise dos elementos

fílmicos fotografia, iluminação,

câmera, figurino, cenário,

maquiagem, roteiro, montagem,

personagens; a análise do filme

como narrativa, identificando a

fábula, os temas e o discurso. As

análises fílmicas revelaram um

discurso intimista da morte. A

236

morte foi retratada como

experiência íntima e singular. De

acordo com a literatura

tanatológica, a morte como

experiência subjetiva é uma das

formas atuais de encarar a morte

nas sociedades ocidentais. O

fenômeno da intimização da

morte também se apresenta no

discurso fílmico de algumas

obras cinematográficas,

confirmando uma mentalidade

histórico-cultural do homem

Referência: MELO, A. F. T. O que "dizem" os filmes sobre a morte? Ensaios de

análise fílmica [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia,

2013.

0

9

Título: Juventude, pós-modernidade e declínio

da autoridade paterna: visões do cinema

contemporâneo

Autor: Sergio Luis Braghini

Ano: 2011

O objetivo deste trabalho é o de

estudar a juventude, pelo que ela

implica de passagem do mundo

familiar ao social, e pelo que

mostra de vestígio das mutações

sociais. Nossas reflexões sobre a

juventude foram localizadas na

leitura de cientistas sociais,

historiadores, psicanalistas e

outros autores, em livros, teses, e

revistas cientificas em psicologia,

ciências sociais e humanas. Tais

leituras possibilitaram o caminho

de reflexão sobre a questão da

juventude na pós-modernidade e

as implicações dos estudos sobre

o declínio da imago paterna, na

imagem que se faz da juventude.

Perguntamos: é possível

observar, por meio de um

levantamento histórico, o declínio

da autoridade paterna da forma

como essa ideia se apresenta na

tese de Jacques Lacan? Minha

hipótese é a de que esses

vestígios sobre o declínio da

autoridade paterna estão

registrados nas imagens dos

filmes de ficção que demonstram

os retratos sociais da juventude

dos anos 1950 aos dias presentes.

Para tanto, foi feita uma análise

de filmes voltando os olhares

para a cultura jovem entre os

anos 1950 a 2008. Entende-se

que um filme é produto cultural

inscrito em um determinado

momento sócio histórico, é por

meio dele que amparo a minha

tese. Nossa hipótese de que os

vestígios sobre o declínio da

autoridade paterna estão

237

registrados nas imagens dos

filmes de ficção se confirmou,

mas não se confirmou que

haveria um desaparecimento da

função paterna, da forma como

Lacan a teorizou após 1953. O

que encontramos em nossa

pesquisa é que o declínio da

eficácia simbólica da função

paterna não envolve

necessariamente, a decadência da

autoridade paterna. Podemos

dizer que a crise de legitimidade

de autoridade se encontra sem

lugar, pois o referencial pós-

moderno, o organizador como

grande narrativa simbólica desse

período no capitalismo tem sido o

Mercado

Referência: BRAGHINI, S. L. Juventude, pós-modernidade e declínio da

autoridade paterna: visões do cinema contemporâneo [tese]. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2011.

1

10

Título: Das relações (im)possíveis do feminino

com o inapreensível: interlocuções entre

psicanálise e cinema

Autor: Martins, Jane

Ano: 2010

Este trabalho investiga

construções teórico-psicanalíticas

em Freud e Lacan, e sucessores

críticos, os quais se referem à

constituição da feminilidade, à

sua articulação com a

constituição da subjetividade

humana e aos destinos da

subjetividade articulados a alguns

possíveis efeitos sobre a prática

de representação do feminino

pela arte cinematográfica.

Inicialmente, é feita uma

discussão sobre as relações entre

linguagem e psicanálise, levando-

se em consideração que a

primeira está incluída em todos

os processos analíticos, das

construções teóricas à técnicas. A

seguir, mostra-se o que Freud

chama de linguagem histérica, e

Lacan, discurso histérico,

tomando-se como referência

obras que se dedicam ao

esclarecimento do termo. No

capítulo seguinte, é descrito como

as estruturas clínicas, em

especial, as neuroses histéricas,

estão em relação ao registro

simbólico e à castração. E,

finalmente, a feminilidade é

abordada como uma possível

herança da histeria, ressituada

com as questões atinentes à

castração, ao falo, à sua singular

relação com os discursos e,

238

mesmo, o irrepresentável. Segue-

se a interlocução dos conceitos

expostos com a análise de duas

obras: A moça com brinco de

pérola e As horas. Trata-se de

obras que permitem um

questionamento sobre a

representação da posição

feminina e o emaranhado

psíquico aí implicado, a partir da

arte cinematográfica, também

empenhada na constituição e

destituição de sentidos em nossa

cultura

Referência: MARTINS, J. Das relações (im)possíveis do feminino com o

inapreensível: interlocuções entre psicanálise e cinema [tese]. São Paulo: Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2010.

1

11

Título: A paixão de olhar: a cidade no cinema

brasileiro

Autor: Jorge Ricardo Santos de Lima Costa

Ano: 2008

Desde a criação do cinema, em

1895, a cidade vem sendo

retratada de forma surpreendente

para quem a vivencia em seu

cotidiano. A arte do cinema

amplia o sentido de realidade e

provoca um impacto sobre o

universo psicológico e social do

homem. O cinema brasileiro

acompanha, através de sua vasta

produção, o percurso da cidade

no tocante ao desenvolvimento

estético, social, cultural, político

e econômico, apresentando a

forma através da qual o homem

se relaciona com essas variáveis.

O historiador Michel de Certeau

desenvolve em sua obra o tema

da inventividade do cotidiano, no

que se refere à prática do espaço.

Os conceitos de espaço (um lugar

praticado), e de lugar (um espaço

geométrico), permitem

aprofundar o estudo do papel do

homem no cotidiano da cidade. É

este o eixo teórico da presente

pesquisa, que pretende estudar o

imaginário da cidade no cinema

brasileiro a partir de três questões

principais: a formação do

imaginário urbano, a criação da

forma da cidade no cinema

(locações, cenários e fisionomias)

e o estado de solidão e

isolamento vivido pelo homem

nas grandes cidades. Para tal,

foram escolhidas para análise as

seguintes produções brasileiras:

Dias de Nietzsche em Turim

(2001) de Julio Bressane, O

Príncipe (2002) de Ugo Giorgetti

239

e O Outro Lado da Rua (2004) de

Marcos Bernstein. A cidade

representada nesses filmes nos dá

a oportunidade de exercitar o

olhar e refletir sobre o cotidiano

da vida urbana e seus reflexos no

universo psicológico do homem

contemporâneo

Referência: COSTA, J. R. S. L. A paixão de olhar: a cidade no cinema brasileiro

[tese]. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-

Graduação em Psicologia, 2008.

1

12

Título: Corpos enquadrados: AIDS e

corporeidade em filmes narrativos

Autor: Carlos Andre Facciolla Passarelli

Ano: 2007

Este estudo busca investigar o

imaginário social formado sobre

o corpo das pessoas afetadas pela

Síndrome de Imunodeficiência

Adquirida (AIDS) e criado a

partir de filmes narrativos

produzidos durante os últimos 26

anos. Em um primeiro momento,

discorro sobre os modos de

subjetivação corporal, a partir do

referencial teórico estabelecido

por Mikhail Bakhtin, pela

fenomenologia de Merleau-Ponty

e pelos estudos de Michel

Foucault sobre a história da

sexualidade e a biopolítica. A

construção de um marco

referencial para a metodologia

desta pesquisa me foi possível a

partir, de um lado, da leitura de

autores que se debruçaram sobre

as relações entre subjetividade e

cinema e, de outro, dos textos

sobre o papel da linguagem na

constituição da subjetividade.

Desse modo, a análise dos filmes

pesquisados busca identificar as

imagens, representações,

metáforas e sentidos construídos

desde o início da epidemia, por

meio de um diálogo entre essas

produções culturais e autores que

se dedicaram à pesquisa dos

discursos sobre a epidemia no

âmbito da ciência médica e do

ativismo político em AIDS.

Situo, então, o conjunto de

representações sobre a epidemia e

sua relação com a corporeidade

em quatro categorias: a) a

dificuldade em fazer sentido à

experiência da doença, na medida

em que ela não se faz notar no

corpo; b) a relação do sujeito com

os sintomas que surgem no corpo,

de modo que a doença se faz

visível, para o doente e para o

240

outro; c) as possíveis reações

diante da sensação da morte

eminente devido à deterioração

do corpo, e as respostas

subjetivas em face da culpa e do

preconceito social e; d) as

estratégias de resistência que não

tentam burlar a morte, mas

atribuir- lhe sentidos, implicando

a corporeidade num ativo

processo de produção, de poder.

Referência: PASSARELLI, C. A. F. Corpos enquadrados: AIDS e corporeidade

em filmes narrativos [tese]. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio

de Janeiro, 2007.

CINEMA EM ATIVIDADES DE INTERVENÇÃO

Total = 18; Artigos = 08; Dissertação = 08; Teses = 2.

Artigos

0

1

Título: Uma experiência fílmica na

escola

Autor: Mariana Pereira dos Reis;

Leda Maria Codeço Barone

Ano: 2015

O presente trabalho foi elaborado a partir da dissertação

"O garoto", de Charlie Chaplin: desvendando o apelo de

uma obra de arte em sala de aula, de 2014, realizada no

curso de Pós-graduação em Psicologia Educacional, do

Centro Universitário FIEO, Osasco/SP, e teve por objetivo

apresentar e discutir os apelos emocionais e psíquicos da

experiência com o referido filme, projetado a alunos do 2º

ano de uma escola pública em São Paulo, bem como

contribuir para as reflexões sobre a presença da arte,

especialmente o cinema, em sala de aula, visto como

instrumento humanizador e/ou terapêutico, de natureza

estética, capaz de mobilizar na criança sua capacidade

narrativa e a expressão de aspectos projetivos. Pode-se

observar o imenso valor da experiência fílmica na escola,

pois a mesma permitiu maior elaboração psíquica dos

alunos, além de mobilizar muitos saberes existenciais.

Referências: REIS, M. P., BARONE, L. M. C. Uma experiência fílmica na escola. In: Revista

Psicopedagogia, São Paulo , v. 32, n. 97, p. 38-48, 2015.

0

2

Título: Processo grupal mediado por

filmes: espaço e tempo para pensar a

Psicologia

Autor: Tales Vilela Santeiro; Fabíola

Ribeiro de Moraes Santeiro; Aurélia

Magalhães de Oliveira Souza; Ana

Paula de Melo Juiz; Lucas Rossato

Ano: 2014

Este artigo relata o uso de recursos fílmicos no

acolhimento de calouros de Psicologia e na formação de

habilidades clínicas do psicólogo. As atividades semanais

foram desenvolvidas com voluntários (entre 11 e 23

participantes), em ambiente de serviço-escola de um curso

de Psicologia, por equipe de três psicólogos e uma

estudante. Os participantes avaliaram o projeto

semestralmente, no meio e ao final das atividades,

momentos nos quais responderam a um questionário

composto por perguntas mistas. O grupo operou no

formato fechado e integralizou 32 encontros, nos quais 31

filmes comerciais foram exibidos. Com amparo no

241

trabalho grupal e nas metáforas fílmicas, os participantes

puderam compartilhar aprendizados sobre as suas

inserções na universidade e no curso de Psicologia.

Referências: SANTEIRO, T. V. et al. Processo grupal mediado por filmes: espaço e tempo para

pensar a Psicologia. in: Revista SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 15, n. 1, p. 95-111, 2014.

0

3

Título: Psicanálise, educação e

cinema: diálogos possíveis

Autor: Roselene Gurski; Carla

Vasquez; Simone Moschen

Ano: 2013

Este artigo discute as possibilidades colocadas na

articulação do tripé psicanálise, educação e cinema. Em

meio ao propalado empobrecimento da dimensão da

experiência na cultura, o artigo problematiza em que

medida a potência polissêmica do cinema poderia ser

aproveitada como ferramenta de transmissão do legado da

cultura aos sujeitos ainda apartados do acesso aos bens

culturais. A partir da articulação da psicanálise com o tema

da experiência em Benjamin, o cinema na escola é

proposto como um dispositivo de articulação de uma Outra

cena, passível de produzir outros e novos sentidos para a

educação especial.

Referências: GURSKI, R., VASQUEZ, C., MOSCHEN, S. Psicanálise, educação e cinema: diálogos

possíveis. In: Estilos da Clínica, São Paulo , v. 18, n. 2, p. 234-250, agosto de 2013.

0

4

Título: Audiodescrição de filmes:

experiência, objetividade e

acessibilidade cultural

Autor: Jéssica David;

Felipe Hautequestt; Virginia Kastrup

Ano: 2012

O objetivo do artigo é propor diretrizes para a

audiodescrição, levando em conta peculiaridades

cognitivas, bem como fatores sociais e políticos da vida de

pessoas com deficiência visual. O artigo discute a

experiência de assistir a um filme e analisa o problema da

familiaridade com o cinema, com a narrativa de cada filme

e com a própria técnica da audiodescrição. O desafio é

criar condições favoráveis para a atualização de

experiências cognitivas, afetivas e emocionais que o filme

oferece. Visa ainda examinar o problema da objetividade e

de outros parâmetros da audiodescrição, sugerindo

algumas diretrizes para seu desenvolvimento no Brasil.

Referências: DAVID, J., HAUTEQUESTT, F., KASTRUP, V. Audiodescrição de filmes:

experiência, objetividade e acessibilidade cultural. In: Fractal, Revista de Psicologia, Rio de

Janeiro , v. 24, n. 1, p. 125-142, abril de 2012.

0

5

Título: Um curta-metragem, diversas

histórias na formação de psicólogos

clínicos: o caso “Pular”

Autor: Tales Vilela Santeiro

Ano: 2011

A atividade de formação de psicólogos clínicos

pressupõe, entre diversas ferramentas pedagógicas, o uso

de filmes como ilustrativos de aspectos de teorias e

práticas psicológicas. O curta-metragem

“Pular/Bounding”, produzido pela Disney/Pixar (2003), é

utilizado como recurso formativo em três momentos, em

um Curso de Psicologia de Instituição Pública de Ensino,

que contempla como uma de suas Ênfases Curriculares os

processos clínicos: (1) Psicologia da Personalidade,

componente curricular (CC) do 5º período, para trabalho

sobre teorias de personalidade; (2) Tópicos Especiais em

Psicologia e Processos Clínicos, CC do 9º período, para

trabalho sobre avaliação psicológica em processos clínicos

focais; e (3) Estágio Supervisionado, CC do 9º período,

para trabalho de reflexão sobre atendimentos clínicos

focais em contexto comunitário. Ilustrações das

metodologias e das experiências dos estudantes-

espectadores são feitas. A orientação teórica subjacente a

todas as atividades é a psicanalítica.

242

Referências: SANTEIRO, T. V. Um curta-metragem, diversas histórias na formação de psicólogos

clínicos: o caso “Pular”. In: Revista da SPAGESP, Ribeirão Preto , v. 12, n. 2, p. 56-67, dez. 2011.

0

6

Título: A diversidade sexual no

ensino de Psicologia. O cinema como

ferramenta de intervenção e pesquisa

Autor: Camila Backes dos Santos;

Ângelo Brandelli Costa;

Manoela Carpenedo; Henrique

Caetano Nardi

Ano: 2011

O contexto da formação em psicologia é tradicionalmente

marcado pela patologização das performances de gênero e

das sexualidades que fogem à matriz heteronormativa. A

ausência da discussão sobre a diversidade sexual na

formação em psicologia da Universidade Federal do Rio

Grande do Sul motivou o projeto de pesquisa-intervenção

aqui apresentado. O objetivo foi estimular o debate sobre a

diversidade sexual utilizando o cinema como disparador de

discussões em graduandos em psicologia, a fim de se

compreenderem suas crenças e atitudes sobre a temática.

As análises apontam para a resistência à discussão desta

temática para além das abordagens tradicionais, as quais

situam a diversidade sexual no campo da psicopatologia.

No entanto, apesar da resistência, foi possível criar um

espaço para a discussão que possibilitou ao corpo discente

e docente refletir sobre o tema.

Referências: SANTOS, C. B., COSTA, A. B., CARPENEDO, M., NARDI, H. C. A diversidade

sexual no ensino de Psicologia. O cinema como ferramenta de intervenção e pesquisa. In:

Sexualidade, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, n. 7, p. 127-141, abril de 2011.

0

7

Título: As potencialidades das

imagens cinematográficas para o

campo da atenção em saúde mental

Autor: Francilene Rainone; Liliane

Seide Froemming

Ano: 2008

O texto busca discutir as relações entre as imagens do

cinema e as imagens da psicose, mediante conceitos

teóricos da psicanálise e da saúde mental. Partindo de uma

questão central - as imagens do cinema podem ser

propositivas para uma construção narrativa na psicose? -, o

objetivo geral deste ensaio é analisar, com base em uma

prática que utiliza as imagens cinematográficas como

mediadora na produção da fala de sujeitos psicóticos, as

relações entre imagem e identificações imaginárias.

Propomos investigar a possibilidade de - pelas imagens da

tela e do que é produzido a partir delas enquanto

discursividade - um reordenamento e a inscrição da pulsão

no registro da simbolização.

Referências: RAINONE, F., FROEMMING, L. S. As potencialidades das imagens cinematográficas

para o campo da atenção em saúde mental. In: Latin-American Journal of Fundamental

Psychopathology Online, São Paulo , v. 5, n. 1, p. 69-83, maio de 2008.

0

8

Título: El cineforo: estrategia

didáctica en la generación de ingresos

propios

Autor: María Campo-

Redondo; Marisela Árraga-Barrios

Ano: 2005

El presente artículo describe una experiencia de

investigación-acción, en la cual se utilizó la modalidad de

ciclos de cineforos como estrategia didáctica para generar

ingresos propios en el Departamento de Psicología de la

Escuela de Educación de la Facultad de Humanidades y

Educación de la Universidad del Zulia (LUZ). Utilizando

el concepto de cinemaeducación y a través de la

implementación de ciclos de cineforos, se persiguieron dos

objetivos fundamentales. Por un lado, se estudió la

incidencia del cineforo en el desarrollo de un diseño de

gestión administrativa que produjera nuevas formas de

generar ingresos propios y por el otro, se concibió al

cineforo como estrategia didáctica, que beneficiase en lo

particular a los estudiantes del referido Departamento y a

otros miembros de la comunidad universitaria. Se recoge

que los resultados de esta experiencia de investigación

indican que la modalidad de cineforo es productiva como

243

actividad generadora de ingresos propios y como estrategia

didáctica innovadora, empleando estímulos visuales,

auditivos y experienciales. Se concluye que el cineforo

resultó ser una estrategia didáctica extra-muros que

promueve la participación activa, responsable y

comprometida de las personas y entes involucrados en el

proceso educativo, de forma innovadora, creativa e

integradora.

Referências: CAMPO-REDONDO, M., BARRIOS, M. A. El cineforo: estrategia didáctica en la

generación de ingresos propios. In: Revista Venezolana de Gerencia, v.30, n.10 2005.

Dissertações

0

1

Título: Psicanálise e cinema:

efeitos e riscos em intervenções

psicanalíticas com dispositivos cinematográficos

Autor: Diego Amaral Penha

Ano: 2016

Na presente pesquisa apresentamos considerações

sobre os efeitos e os riscos de uma intervenção

psicanalítica com dispositivos cinematográficos. Partindo de uma metodologia clínico-política de

investigação, realizamos o tensionamento entre

teoria psicanalítica e teoria cinematográfica. O conceito de dispositivo cinematográfico presente nos

trabalhos de Jean Louis-Baudry guiaram as reflexões

acerca da questão da ideologia no cinema. A experiência cinematográfica é sustentada por

condições técnicas e ideológicas próprias de seu

aparelho de base e do dispositivo cinematográfico. A impressão de realidade é efeito ilusório produzido

pelo dispositivo, que tem por efeito a produção de

uma subjetividade. Através da noção da dinâmica do estádio do espelho de Jacques Lacan investigamos

os processos de identificação presentes nas primeiras

relações do eu com sua imagem. Tal noção articula os processos de formação do eu, narcisismo

primário, identificação, dentre outros. A

problemática da fantasia na infância e no cinema foi trabalhada em sua relação com o jogo lúdico.

Concluímos que os efeitos ideológicos do

dispositivo cinematográfico, quando pensados em conjunto com a noção de identificação, podem

figurar se em um espaço de jogo e exercício político

desde que leve-se em consideração os mecanismos de poder em ação da prática clínico-política

Referências: PENHA, D. A. Psicanálise e cinema: efeitos e riscos em intervenções

psicanalíticas com dispositivos cinematográficos [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016.

0

2

Título: O cinema ficcional e o

despertar de emoções: um

caminho expandido para a aprendizagem

Esta dissertação investiga o cinema ficcional quanto

ao seu viés pedagógico nesta era de educação

midiática. Em particular, trata das emoções desencadeadas no espectador (aluno universitário)

244

Autor: Didiane Vally Figueiredo Chinalli

Ano: 2016

durante a assistência a uma narrativa fílmica ficcional e dos seus possíveis impactos na

aprendizagem. É de domínio público na Academia

que ao longo das três últimas décadas se produziram inúmeros trabalhos científicos acerca do uso do

cinema na Educação e há praticamente consenso

entre estudiosos da sétima arte e educadores quanto à relevância do cinema para fins pedagógicos. Não

obstante, até onde se pôde averiguar não se

promoveram pesquisas voltadas diretamente à análise das emoções evocadas pela obra fílmica na

facilitação ou otimização da aprendizagem. Na parte

inicial da dissertação se expõe um panorama das mudanças na Educação em virtude dos avanços das

tecnologias; destaca-se as principais contribuições

pedagógicas do cinema nesta era da cultura à imagem e comenta-se a teoria da aprendizagem

multimídia. Como referencial teórico são elencadas

as principais pesquisas do Cognitivismo 'no domínio das teorias do cinema' que tratam dos recursos do

filme narrativo ficcional para evocar emoções no

espectador. São também citadas as pesquisas da Psicologia e da Neurociência sobre os reflexos das

emoções na cognição cujos fundamentos sugerem a

possibilidade de as emoções fílmicas contribuírem para aprendizagem. Para fechar a exposição teórica

se efetuou a análise fílmica da obra "The constant gardener" de Fernando Meirelles (2005) com o fim

de identificar os recursos para evocar as emoções no

espectador, o potencial de aprendizagem do filme e os aspectos cognitivos suscitados na audiência. A

análise indicou que o espectador (no caso, o aluno

universitário) recebe uma vasta gama de estímulos ao longo da narrativa que podem contribuir para a

construção do conhecimento tanto pelos processos

cognitivos suscitados (entendimento) como pelas emoções sentidas (vivência). Esta investigação

permitiu sugerir que as emoções evocadas no

espectador podem contribuir para um incremento da aprendizagem. Também auxiliou demonstrar que a

aprendizagem que decorre da assistência a filmes

(aprendizagem multimídia) parece proporcionar resultados mais rentáveis em relação à aprendizagem

dita tradicional (por meio de livros e demais textos

didáticos). Acredita-se que pesquisas futuras possam aprofundar e expandir o estudo dessa temática.

Referências: CHINALLI, D. V. F. O cinema ficcional e o despertar de emoções: um

caminho expandido para a aprendizagem [dissertação]. Campinas: Universidade

Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2016.

0Título: O uso de filme como

recurso pedagógico no estudo

Essa pesquisa surgiu da busca por uma metodologia

de ensino que valorizasse o conhecimento científico

245

3 das epidemias: possibilidades na aprendizagem significativa

Autor: Edilce Maria Balbinot

Borba

Ano: 2015

com o uso de um recurso pedagógico atrativo - filmes comerciais -, que motivasse a aprendizagem

significativa. Para tanto, apresenta uma análise de

como os estudantes estabelecem relações do conhecimento científico com as imagens fílmicas e

as possibilidades de contextualização acerca do tema

“epidemia”. A metodologia de pesquisa envolve uma abordagem qualitativa, com alguns dados

quantitativos das impressões dos estudantes em

relação aos filmes de modo geral e sobre eles e a aprendizagem. Na pesquisa qualitativa, utilizou-se a

categorização segundo Bardin (2011), para organizar

as unidades contextuais produzidas pelos estudantes nas atividades educativas, e fazer a análise com base

nos pressupostos da Teoria de Ausubel (2003) e

Ausubel, Novak e Hanesian (1980). A partir da exibição do filme intitulado “Contágio”, utilizado

como organizador prévio, buscou-se, nas dúvidas

apresentadas pelos estudantes, identificar os conhecimentos prévios sobre o assunto. Por meio

dessas dúvidas emergiram os subtemas, que foram

categorizados em: epidemia, agente causador, incubação, transmissão, sintomas, prevenção e

imunidade. Essas categorias serviram de elementos

para a análise de indícios de aprendizagem levando a concluir que as narrativas fílmicas ajudam na

formação de pontes cognitivas colaborando com a aprendizagem subordinada derivativa e correlativa,

diferenciação progressiva e reconciliação

integrativa, promovendo a assimilação e a retenção dos conhecimentos científicos. No referencial

teórico utilizado para investigar os filmes como

recurso pedagógicos é apresentado as considerações dos autores Rosália Duarte , Milton Almeida, Maria

da Graça Setton, Marcos Napolitano, José Manuel

Moran, entre outros. Como produto dessa pesquisa, elaborou-se um guia com outras propostas

pedagógicas possíveis de trabalhar o tema

“epidemia” utilizando filmes comerciais como organizadores prévios e para contextualização. O

guia também apresenta uma linha do tempo sobre

cinema e educação e um catálogo com filmes e seriados abordam o tema “epidemia”.

Referências: BORBA, E. M. B. O uso de filme como recurso pedagógico no estudo

das epidemias: possibilidades na aprendizagem significativa [dissertação]. Curitiba:

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica, 2015

0

4

Título: "O garoto", de Charlie

Chaplin: desvendando o apelo de uma obra de arte em sala de

aula

O presente trabalho teve como objetivo investigar os

apelos emocionais e psíquicos de uma experiência com o filme O garoto, de Charlie Chaplin, projetado

a alunos do 2º ano de uma escola pública em São

246

Autor: Mariana Pereira dos Reis

Ano: 2014

Paulo, bem como contribuir para as reflexões sobre a presença da arte, especialmente o cinema, em sala

de aula, visto como instrumento humanizador e/ou

terapêutico, de natureza estética, capaz de mobilizar na criança sua capacidade narrativa e a expressão de

aspectos projetivos. Além disso, foi destacada a

importância do papel do professor-sedutor, em sua face estética. O procedimento metodológico

aplicado consistiu em projetar o filme e solicitar

algumas tarefas aos alunos para posterior análise qualitativa, sob a ótica da psicanálise, que é o

referencial teórico deste trabalho. Assim, as crianças

foram convidadas a falar, desenhar e escrever o que acharam e o que sentiram ao ver o filme. Com isso,

pode-se observar o imenso valor da experiência

fílmica na escola, pois a mesma mobilizou muitos saberes nas crianças, saberes estes que extrapolam a

concepção de conhecimento como conjunto de

aprendizagens do aparato cognitivo do aluno, vislumbrando uma dose expressiva de saberes

existenciais, de muita qualidade e importância para o

campo educacional e para o processo de humanização dos alunos.

Referências: REIS, M. P. "O garoto", de Charlie Chaplin: desvendando o apelo de

uma obra de arte em sala de aula [dissertação]. Osasco: Centro Universitário FIEO, Pós-Graduação em Psicologia Educacional, 2014.

0

5

Título: O cinema em sala de

aula:o processo de aprendizagem e de

desenvolvimento de

adolescentes do programa jovem aprendiz

Autor: Ana Maria Venâncio

Gonçalves Imhoff

Ano: 2013

Esta dissertação, apresentada ao Programa de Pós

Graduação em Educação/Mestrado em Educação - PPGE/ME, da Universidade Regional de Blumenau

– FURB, está vinculada a linha de pesquisa

Processos de Ensinar e de Aprender, teve como objetivo geral analisar e compreender os processos

de aprendizagem e desenvolvimento pelos

adolescentes com a utilização do cinema em sala de aula. Como objetivos específicos, pretendeu-se

analisar como os adolescentes aprendizes

perceberam o trabalho em equipe nos filmes cinematográficos; analisar como os professores que

trabalharam após a unidade curricular Promoção do

Trabalho em Equipe, perceberam as dimensões formativas (conceitual, procedimental e atitudinal); e

apontar limites e possibilidades do cinema em sala

de aula como amplificador cultural. A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada com 34

adolescentes do Programa Jovem Aprendiz, do

Curso de Aprendizagem em Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial –

SENAC/Florianópolis – SC, e professores da turma.

Considerando os objetivos desta dissertação, foram escolhidos como instrumentos para coleta de dados

as produções textuais dos estudantes, um grupo focal

247

com os adolescentes e entrevistas semiestruturadas com professores da turma. As discussões foram

baseadas na Teoria Histórico-cultural do

Desenvolvimento, proposta por Vygotsky e nas contribuições sobre aprendizagem, feitas por Coll,

Pozo, Sarabia e Valls. No que se refere a temática

cinema e educação, foi utilizado Sá, Luz e Peternela, Carvalho e Coutinho. Os resultados indicam que os

adolescentes do Programa Jovem Aprendiz,

vinculam o filme com as experiências que vivenciam no trabalho, bem como consideram que,

assim como na sua atuação profissional, a relação

com os outros traz contribuições para a vida em sociedade, aspecto que revelou o nível de evolução e

mudanças na maneira de perceber a relação com o

outro e que se fez presente nas relações interpessoais necessárias para o trabalho em equipe, bem como

para o desenvolvimento ao longo da vida. Também

foi possível perceber a transformação intelectual e que, por meio da troca de informações e

negociações, expressas por meio dos dizeres, os

jovens demonstram uma reconstrução dos conceitos espontâneos sobre o que seria o trabalho em equipe.

Referências: IMHOFF, A. M. V. G. O cinema em sala de aula:o processo de

aprendizagem e de desenvolvimento de adolescentes do programa jovem

aprendiz [dissertação]. Blumenau: Universidade Regional de Blumenau, Programa de

Pós-Graduação em Educação, 2013.

06

Título: Salas/celas, sinas e cenas: o cinema no contexto

prisional

Autor: Klênio Antônio Sousa

Ano: 2011

O cinema traz em si a potencialidade de levar o público a ter contato com diferentes culturas e

modos de ser e estar no mundo. Neste sentido, a

função educativa da sétima arte é inquestionável, sendo um fio condutor da presente pesquisa

realizada no contexto educacional de uma unidade

prisional de uma cidade de Minas Gerais. Tomando o conceito de mediação em Vigotski, a investigação

teve como objetivo compreender as possibilidades

de aprendizagem e desenvolvimento desencadeadas pelo cinema como instrumento mediador da

aprendizagem. A pesquisa foi realizada com dois

grupos de alunos da escola de um presídio: alfabetização e ensino médio, com uma média de 15

alunos/internos por grupo. Foram organizadas vinte

e duas sessões quinzenais com a exibição de filmes nacionais e estrangeiros, selecionados pelo critério

de apresentação de inovações na linguagem

cinematográfica, seja no roteiro, na fotografia e/ou em outro aspecto específico deste universo. Durante

estas sessões, buscamos promover o debate a partir

de temáticas desencadeadas pelos filmes, instigando o diálogo entre os internos. A metodologia da

pesquisa-ação conduziu este estudo, pois atende ao

248

propósito tanto de construção de dados quanto de intervenção no contexto da realidade, da concretude

material dos sujeitos de pesquisa e, neste sentido, o

pesquisador não é somente observador, mas participante. Buscamos também levar o cinema para

o presídio como atividade cultural, considerando as

especificidades do âmbito cinematográfico e a limitação de acesso a esta atividade imposta pelo

confinamento. Os internos puderam ter contato com

o cinema como arte, ferramenta e instrumento mediador que deu voz aos seus pensamentos e

reflexões. Ao assistirem aos filmes, os participantes

puderam entender de modo mais aprofundado e crítico o contexto social em que se encontram

inseridos, ressignificando suas realidades e, ao

mesmo tempo, desenvolvendo interessantes reflexões sobre a própria linguagem

cinematográfica. Como um bem cultural que deveria

ser amplamente disponibilizado a todos os sujeitos, este estudo aponta o cinema como possibilidade

privilegiada no processo de humanização no

contexto prisional.

Referências: SOUSA, K. A. 2011; Salas/celas, sinas e cenas: o cinema no contexto

prisional [dissertação]. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Programa de

Pós-Graduação em Psicologia, 2011.

07

Título: Um percurso de experiência: violência e silêncio

- imagens de uma pesquisa na escola

Autor: Roberta Luciana

Custódio Bianchini

Ano: 2010

O presente trabalho resulta de discussões em torno das relações entre o silêncio, como forma de

linguagem, a experiência, sob a ótica benjaminiana e, os processos de violência que permeiam a

sociedade e, em particular, os adolescentes. A partir

das reflexões em torno da violência, tendo em vista os modos de anulação e de constituição de

experiência como modo de vida e produção de

sentidos, e vislumbrando o silêncio como uma possibilidade de significar, experimentar e

manifestar a violência se constituiu como objetivo

deste trabalho: discutir o silêncio e a experiência como formas de produção de sentidos, buscando

suas relações com os modos de manifestação da

violência. Como instrumento específico, para que a metodologia percorresse seu caminho, utilizamos

um dos meios de comunicação de massa, o cinema.

Durante o desenvolvimento da pesquisa, aventamos as possibilidades de olhares circularem por entre

movimentos que desencadearam outros olhares,

pistas e vestígios, nos guiando através do Paradigma Indiciário e possibilitando aberturas de produção de

sentidos, de caminhos e descaminhos

metodológicos, que apresentaram diferentes olhares sobre o percurso da pesquisa. Dessa forma,

pensamos essa pesquisa enquanto processo,

249

enquanto caminho, enquanto experiência. Não nos concentramos em interpretações que se encerrem

apenas em um sentido, pelo contrário, nos

esmeramos em permitir o olhar que vislumbra múltiplos sentidos, possibilitando que o produto da

pesquisa também se torne veículo de transmissão de

outros e novos conhecimentos

Referências: BIANCHINI, R. L. C. Um percurso de experiência: violência e silêncio

- imagens de uma pesquisa na escola [dissertação]. Rio Claro: Universidade Estadual

Paulista, 2010.

08

Título: Cinema, história e psicologia: produzindo uma

história do presente

Autor: Helmir Oliveira Rodrigues

Ano: 2010

Essa dissertação tem como objetivo a produção de uma história do presente, que intenta problematizar

aquilo que fazemos de nossas vidas e as

possibilidades do vir a ser, que essa analítica permite. Sustentada num modo de pensar a história a

partir de Michel Foucault, como uma história que se

quer efetiva, que intenta remexer as estruturas vistas como sólidas, imóveis, mostrando que podem ser

desestruturadas e pensadas de outras formas. Ela não

aponta constâncias, mas o descontínuo, diferenciando-nos de um passado, demarcando o

caráter singular do acontecimento. E essa história

tem como campo de experiência e de problematização a disciplina optativa Tópicos

Especiais em Psicologia Social e Institucional,

ministrada para o curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, abordando em

sua ementa o tema Cinema, história e psicologia. Ela também teve como função o cumprimento dos

créditos optativos de Estágio em Docência, do

Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFS. A disciplina tinha como proposta a criação de

um espaço para discussão sobre questões que

atravessassem o cotidiano daqueles que fizessem parte dela, tendo como vetor provocativo o uso de

filmes. Um weblog foi utilizado como outro espaço

possível, para que novos sentidos sobre os debates fossem produzidos. A partir da análise dos diversos

vetores que atravessaram essa disciplina, como o

blog, os filmes e os pensadores trazidos para construção de diálogos, foi possível produzir uma

história sobre essa experiência. Uma história que

não diz somente do que foi a disciplina, que nos permite levantar questões que envolvem não só um

espaço acadêmico, como a sala de aula, mas que nos

aproxima de uma dimensão ética, que nos impulsiona a pensar: o que estamos fazendo de

nossas vidas e da vida dos outros? Para assim

questionarmos também: que outras formas são possíveis de se viver?

250

Referências: RODRIGUES, H. O. Cinema, história e psicologia: produzindo uma

história do presente [dissertação]. São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2010.

Teses

0

1

Título: Ensinar-aprender

cinema: através da percepção e cognição incorporadas

Autor: Ferrari, Rodrigo

Duarte

Ano: 2015

O ensino-aprendizagem do cinema através da

percepção e da cognição incorporadas é o foco desta pesquisa teórica e aplicada. A partir de uma revisão

teórica multidisciplinar da dimensão reflexiva dos

mecanismos e fenômenos perceptivos e cognitivos observamos que as incorporações constituem uma

dimensão pré-reflexiva que amplia as possibilidades e

limites do ensino-aprendizagem do cinema. Como desdobramento da revisão teórica, construímos um

mapa conceitual que apresenta a percepção e a

cognição incorporadas como mecanismos e fenômenos de perceber e conhecer através do corpo e

da corporeidade. Tanto as teorias do cinema quanto as

da educação com e sobre o cinema foram construídas hegemonicamente a partir da dimensão reflexiva da

percepção e da cognição, sobretudo, sob influências

da semiótica, psicologia e psicanálise, com a centralidade dos processos de ensino-aprendizagem na

dimensão simbólica de leitura e escrita do cinema.

Com a intenção de complementar tal dimensão realizamos um experimento e colocamos as

incorporações no centro do ensino-aprendizagem do

cinema, resultando na criação da Oficina KINO - http://kino.sites.ufsc.br/, uma proposta experimental

como possibilidade para analisar e refletir sobre a

dimensão pragmática do ensino-aprendizagem do cinema através das incorporações. Convidamos cinco

professores/pesquisadores que atuam com cinema na

educação para participar da oficina e observamos que, apesar da razoabilidade do mapa conceitual da

percepção e cognição incorporadas, é necessário

maiores esforços explicativos e interpretativos sobre as incorporações, haja vista que estas reflexões

permanecem em aberto tanto nas ciências cognitivas

quanto na filosofia. Com a sistematização teórica realizada foi possível identificar que há uma

reversibilidade de incorporações entre os espectadores

e a equipe de produção cinematográfica. Do ponto de vista didático, a proposta da Oficina KINO permitiu

que as reversibilidades de incorporações fossem

vivenciadas como entrelaçamentos entre os videntes e os visíveis, na recepção e recriação do visível de

251

filmes. Observamos que as incorporações devem ser seguidas por reflexões sobre as incorporações e dessa

forma foi possível articular as dimensões pré-

reflexivas e reflexivas do ensino-aprendizagem do cinema. Esta pesquisa apresenta um ponto de partida

sistematizado para que a dimensão pré-reflexiva do

ensino-aprendizagem do cinema possa ser articulada na educação com e sobre o cinema.

Referências: FERRARI, R. D. Ensinar-aprender cinema: através da percepção e

cognição incorporadas [tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,

Programa de Pós-Graduação em Educação, 2015.

0

2

Título: Sagradas Torres: a

reinvenção de si no cinema vivo

Autor: Luiza Helena Guimarães Ferreira

Ano: 2012

Esta tese implicou a construção de um dispositivo de

arte e tecnologias que promove efeitos na subjetividade do espectador, uma relação entre

interfaces que inclui o corpo de quem performatiza

dentro das linhas de força da instalação. Uma forma de cinema expandido, Live Cinema, que vem se

desenvolvendo na contemporaneidade. Com a criação

deste dispositivo, intitulado de Sagradas Torres, a investigação de tese de Luiza Helena Guimarães

Ferreira, enriqueceu-se e ganhou novos contornos.

Nas tensões entre os corpos, entre peles da culturais, a tese, Sagradas Torres: A reinvenção de si no cinema

vivo, diz respeito aos desenvolvimentos práticos, suas

implicações teóricas e metodológicas. Sagradas Torres trata da possibilidade de reinvenções de si por meio da

invenção de narrativas audiovisuais não lineares e na temporalidade do acontecimento, ou seja, de um

acoplamento em tempo real entre máquinas técnicas,

corpo e subjetividade que coloca esta pesquisa na fronteira entre os campos da Comunicação, da Arte e

da Psicologia. Durante o percurso de

desenvolvimentos do projeto, além do apoio por parte da orientadora, Suely Rolnik, e do co-orientador,

Antoni Mercader, somou-se o do Hangar-BCN, um

laboratório de produção em arte e tecnologias, assim como, o das instituições que o receberam, LMI e UB.

Sagradas Torres, assim, ocupa o centro nervoso da

tese. Foi montado e exposto no Hangar, estrategicamente, em 11 de setembro de 2012. Dele

resultou um audiovisial1 que dá uma ideia de sua

montagem e poética. Antes desta data, teve uma performance na Puerta de Sol em Madri, Tertúlia

Indignados, que resultou na produção outro

audiovisual, Tertúlia Indígnats. Eles foram importantes para as discussões e desenvolvimentos da

tese. São ações em arte que, como veremos, possuem

seus entrelaçamentos, contradições e tensões. Em especial, a contribuição de Sagradas Torres para a tese

tenta responder à necessidade de problematizar a

tendência dominante nas práticas artísticas que se utilizam das novas tecnologias para promover a

252

participação do espectador, mas que se reduzem frequentemente a meros exercícios de entretenimento

que contribuem para manter recalcada sua potencia de

criação, ao invés de ativá-la, contribuindo assim para a reprodução da política dominante de subjetivação

Referências: FERREIRA, L. H. G. Sagradas Torres: a reinvenção de si no cinema

vivo [tese]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA

Total = 20 ; Artigos = 07; Dissertação = 11; Teses = 02.

Artigos

0

1

Título: O cine-pensamento de Deleuze:

contribuições a uma concepção estético-política da

subjetividade

Autor: Juliane Tagliari Farina, Tania Mara Galli

Fonseca

Ano: 2015

O presente artigo propõe a leitura dos

livros Cinema I: Imagem-Movimento e Cinema

II: Imagem-Tempo, de Gilles Deleuze, como

uma proposta do filósofo para que encontremos

no cinema da imagem-tempo uma imagem não

dogmática do pensamento anunciada na

obra Diferença e Repetição, encaminhando,

assim, novas concepções ao pensamento de uma

subjetividade implicada estética e politicamente.

Para tal, o autor parte das concepções

bergsonianas de imagem, tempo e memória para

complexificar as noções de percepção, imagem,

movimento e tempo, chegando, por fim, à

vidência de um tempo puro e virtual, tornando o

falsário o personagem conceitual tanto do

cinema como do pensamento.

Referências: FARINA, J. T., FONSECA, T. M. G. O cine-pensamento de Deleuze: contribuições a

uma concepção estético-política da subjetividade. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 26, n. 1, p. 118-

124, abril de 2015.

0

2

Título: Pesquisa psicológica baseada em vídeos:

sondar o invisível a partir do fora de quadro

Autor: Danilo Sergio Ide

Ano: 2014

Nesta revisão narrativa de literatura

apresentamos a síntese das descobertas

resultantes de uma busca empreendida nas bases

SciELO, BVS-Psi, Web of Science, PsychInfo e

Psicodoc pelos termos video-methods ou visual-

methods, video e camera. Após delimitar de

modo geral como se organiza a filmagem na

coleta de dados de pesquisa em Psicologia,

detivemo-nos em particular nos trabalhos em que

os próprios participantes operavam as câmeras.

O interesse pela pessoa por trás da captura das

imagens motivou também uma pesquisa por

filmes em que a figura do cinegrafista ganha

destaque. Nosso objetivo é examinar a ideia de

confiar as filmagens aos participantes, em geral

ligada ao debate sobre autorrepresentação, e

253

precisar como esse expediente particular pode

ser apropriado pela Psicologia. Para cumprir

nossa análise fizemos uma incursão na teoria do

cinema, revisando a noção espacial de fora de

quadro. Observamos que na maior parte dos

trabalhos, apesar do reconhecimento dado à

pessoa por detrás da câmera, o fora de quadro é

pouco explorado. Ele foi incorporado de fato no

documentário Irène, de Alain Cavalier, filmes

ficcionais de found footage como Cloverfield e

pesquisas baseadas em vídeo sobre a relação

homem-ambiente. Nesses trabalhos, o debate

sobre autorrepresentação dá lugar a outro tipo de

matéria, que interessa diretamente à Psicologia:

a investigação de processos internos, imateriais

como a percepção, a memória. A opção de

trabalhar com os participantes fora de quadro

mostra-se bastante adequada à sondagem de

aspectos invisíveis do ser: esse método particular

parece justo para uma pesquisa psicológica

baseada em vídeos.

Referências: IDE, D. S. Pesquisa psicológica baseada em vídeos: sondar o invisível a partir do fora de

quadro. In: Temas em psicologia, Ribeirão Preto, v. 22, n. 1, p. 93-108, abril de 2014.

0

3

Título: Ainda em cartaz, "Estamira": A

Psicanálise nas telas do Cinema.

Autor: Thiago Robles Juhas; Niraldo de Oliveira

Santos

Ano: 2011

O presente trabalho tem como objetivo discutir e

articular as relações entre o cinema e a

Psicanálise. Para isto, utilizou-se do

documentário Estamira, de Marcos Prado, 2006.

O filme retrata a história de uma mulher que

sofre de transtornos mentais e trabalha, há anos,

no hoje extinto aterro sanitário na cidade do Rio

de Janeiro. O Cinema, como expressão de arte,

se relaciona com a Psicanálise de diversas

formas, pois também trata da subjetividade dos

participantes na produção cinematográfica. O

diretor, sem ter a intenção de qualquer expressão

psicanalítica, assume um lugar de objeto que

escuta e deseja desvendar o saber da

personagem, o que se assemelha à função de um

analista. Estamira transmite aos telespectadores

sua narrativa da verdade, seu discurso

contundente que, na mesma enunciação impacta,

confunde e toca. Na psicose, como é caso de

Estamira, os delírios da personagem tentam

responder a eventos traumáticos inassimiláveis,

são respostas a circunstâncias compostas de

grande sofrimento; a personagem elucida o

mecanismo de produção delirante ao mostrar, em

sua história de vida, que a única resposta

possível encontrada às violências que vivenciou,

foi o delírio.

Referências: JUHAS, T. R., SANTOS, N. O. Ainda em cartaz, "Estamira": A Psicanálise nas telas do

Cinema.. In: Estudos de Psicanálise, Belo Horizonte , n. 36, p. 157-164, dez. 2011.

0

4

Título: A entrevista como método: uma conversa

com Eduardo Coutinho

Autor: Fernando Frochtengarten

O nome de Eduardo Coutinho ocupa páginas

centrais na história do cinema documentário

brasileiro. Conhecido pelas entrevistas com

pessoas anônimas, seus filmes revolucionaram a

254

Ano: 2009

produção no gênero: ajudaram a derrubar o mito

da neutralidade dos documentários e desfizeram

a separação entre o diretor e os personagens. As

transformações que sua obra imprimiu no campo

estético e epistemológico próprios ao cinema

têm afinidades com as mudanças de paradigmas

experimentadas pelas ciências humanas no

século passado. Este artigo apresenta uma

entrevista com Eduardo Coutinho. Nela, o

cineasta discute a concepção do real presente em

seus filmes e o poder de transformação do

cinema sobre os homens e a sociedade;

principalmente, fala sobre as entrevistas, método

em evidência nas ciências humanas e no cinema.

Referências: FROCHTENGARTEN, F. A entrevista como método: uma conversa com Eduardo

Coutinho. In: Psicologia USP, São Paulo , v. 20, n. 1, p. 125-138, março de 2009.

0

5

Título: A recusa do tempo e suas implicações na

subjetividade

Autor: Vera Lúcia Giraldez Canabrava

Ano: 2008

Este artigo reflete sobre o tempo, que ainda é

vivido apenas no aspecto linear, cronológico.

Discorre sobre as teorias de Henri Bergson

acerca da memória, de Gilles Deleuze, sobre

tempo, imagem e arte cinematográfica, e das

idéias de Deleuze-Guattari sobre a

imagemcristal. É um estudo motivado na

produção de novos modos de considerar a

subjetividade e criar novas condutas nos tempos

das terapias, potencializando pequenas

diferenças individuais e grupais, quando da

atualização do virtual, que fortaleçam a vida,

liberem intensidades aprisionadas pelas formas

geradas na recusa do tempo e ensejem a

expressão das potências cativas, potências do

tempo, que trazem à cena pontos de

singularização, novos e mutantes pontos de

verdade, verdades transitórias, como no cinema,

que opera com diversas modalidades de

imagens-tempo e privilegia imagens que

emergem diretamente do tempo, em que os

objetos estão dispostos em infinitos planos.

Referências: CANABRAVA, V. L. G. A recusa do tempo e suas implicações na subjetividade. In:

Psicologia, ciência e profissão, Brasília , v. 28, n. 2, p. 330-343, junho de 2008.

0

6

Título: Reversibilidade entre percepção e

expressão na experiência cinematográfica: a

completação gestáltica para campo multiestável

Autor: William B. Gomes; Daniel Rosemberg;

Luciano da Silva Alencastro; Thiago Gomes de

Castro

Ano: 2008

A experiência cinematográfica é um campo

multiestável que fornece tempo, sendo espaço

uma ilusão perceptual. Assim, como se completa

a Gestalt do espectador diante de um filme

desprovido de diálogos conversacionais,

mantendo-se apenas o diálogo tonal (uma

provável estória) e expositivo (um provável

contexto)? Vinte e seis estudantes de psicologia

assistiram à exibição do curta-metragem “i”, do

diretor e produtor gaúcho Paulo Zaracla (dois

minutos de duração), e escreveram, em seguida,

um relato livre sobre o filme. Os relatos obtidos

foram considerados como expressão da

mensagem do filme e analisados com base no

critério triádico da fenomenologia semiótica

(descrição, redução e interpretação). A descrição

255

definiu as relações diacrônicas e as correlações

sincrônicas dos relatos e entre relatos quanto à

situabilidade, aos sentimentos, à resolução e à

voz de enunciação. A redução especificou os

gêneros literários escolhidos como contexto de

expressão (conto, ensaio ou crônica). A

interpretação suspendeu as sugestivas temáticas

existenciais presentes para se concentrar nas

relações psicofísicas e psicológicas na

completação comunicativa da Gestalt,

negociadas entre percepção e expressão. O uso

de figuras ambíguas como demonstração de

campo multiestável apenas exacerba a relação

cotidiana entre modos processuais cognitivos na

completação da Gestalt como demonstra a

experiência cinematográfica.

Referências: GOMES, W.B. et al. Reversibilidade entre percepção e expressão na experiência

cinematográfica: a completação gestáltica para campo multiestável. In: Revista de Abordagem

Gestáltica. v. 14, n. 2, p. 161-171, 2008.

0

7

Título: Novo cinema, nova loucura?

Autor: Claudia Maria Perrone; Selda Engelman

Ano: 2008

O texto tem como objetivo discutir a relação do

cinema com a produção de subjetividade. No seu

nascimento, o cinema apontou para o nascimento

de um novo regime de sensibilidade,

estabelecendo relações transversais entre corpo,

tecnologia e certa exploração da loucura, como

uma modulação da produção do sujeito. No

contemporâneo, cabe questionar se o cinema não

tem sido um dispositivo das instituições de si no

momento em que a loucura e a doença

desfizeram seus laços.

Referências: PERRONE, C. M., ENGELMAN, S. Novo cinema, nova loucura?. In: Psicologia e

Sociedade, Porto Alegre , v. 20, n. 1, p. 102-107, abril de 2008.

Dissertações

0

1

Título: Quando o olhar é capturado: o

fascínio dos adolescentes pela filmografia

de horror

Autor: Natalia Dalla Côrte Cantarelli

Ano: 2015

O presente estudo buscou compreender o

grande interesse dos adolescentes pela

filmografia de horror na atualidade. Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se através

de uma abordagem qualitativa, de caráter

exploratório e utilizou o grupo focal como

técnica para análise dos dados. Optou-se

por realizar o estudo com alunos de uma

escola estadual do interior do estado do Rio Grande do Sul, a qual promove um

projeto que objetiva o desenvolvimento de

oficinas sobre cinema com os alunos, sendo que, uma das atividades deste grupo

havia sido a produção de um filme, um

curta de horror (gênero de escolha dos alunos). A fim de selecionar os

256

participantes, informou-se sobre os objetivos do estudo aos adolescentes que

faziam parte das oficinas e, na sequência,

questionou-se sobre o interesse em integrá-lo. Sendo assim, participaram 16

sujeitos, os quais compuseram três grupos

focais. Os grupos foram compostos por 5, 3 e 8 participantes. Com o intuito de

determinar o número total de grupos,

considerou-se o critério de saturação, que diz que os grupos se esgotam quando não

apresentam novidades em termos de

conteúdo, pois os depoimentos tornam-se repetitivos. Para a análise dos dados

obtidos na pesquisa, utilizou-se a técnica

da análise de conteúdo. As categorias, oriundas da análise, serão apresentadas em

dois artigos, de forma que ambas

convergem para pensar o grande interesse dos adolescentes pelas imagens móveis de

horror. O primeiro dos artigos, trabalha

esta questão de forma mais ampla, analisando as falas dos sujeitos para

compreender as entrelinhas da íntima

relação entre adolescência e cinema de horror, apresentando e discutindo os

momentos de início e de importância dos encontros com a filmografia, bem como o

seu sentido para os participantes. O

segundo artigo, centraliza-se na relevância e nas singularidades que compreende,

particularmente, a imagem móvel de

horror para estes sujeitos. Os resultados apontam para o fato de que o fascínio

despertado por essas obras

cinematográficas, realmente, ocupa um lugar privilegiado em suas vidas. Estar

diante dessas imagens, tal como a

experiência do sonho, permite ao sujeito vivenciar um labirinto de espelhos,

possibilitando o encontro com o que há de

mais verdadeiro, particular e obscuro de si mesmo. Além disso, iniciado, ainda na

infância, o encontro com as narrativas

fílmicas de horror aparece relacionado à ausência dos pais, a experiências de

desamparo vividas em relação ao outro.

Pôde-se evidenciar, portanto, que o encontro com a ficção consistia na

possibilidade de experenciar ativamente o

horror que, na vida real, era vivenciado de forma totalmente passiva, traumática. Não

por acaso, a presença fílmica do horror

257

retorna com grande intensidade na adolescência, momento de suas vidas em

que, decorrente da irrupção de intensas

mudanças pubertárias e de excessos pulsionais, vivenciam a necessidade de

relações de alteridade para fazer esta

travessia. No entanto, novamente, se vêm desamparados, buscando nas narrativas

fílmicas de horror, a possibilidade de uma

posição ativa, além da produção de compartilhamento de experiências, de

construção de laço simbólico.

Referências: CANTARELLI, N. D. C. Quando o olhar é capturado: o fascínio dos

adolescentes pela filmografia de horror [dissertação] Santa Maria: Universidade Federal

de Santa Maria, 2015.

0

2

Título: A dimensão formativa do cinema e

a catarse como categoria psicológica : um diálogo com a psicologia histórico-cultural

de Vigotski

Autor: Santiago Daniel Hernandez-Piloto Ramos

Ano: 2015

A pesquisa trata da relação entre

a estética do filme e a dimensão sensível do espectador, e toma como eixo central

deste diálogo o conceito de catarse

desenvolvido na Psicologia da arte de Vigotski (1999b). O objetivo é

compreender como o conceito de catarse

pode contribuir para a reflexão, no âmbito da educação dos sentidos (formação

estética), bem como se ele pode criar as

condições e possibilidades para transformar, qualitativamente, o

espectador em contato com o filme/cinema. A metodologia é de cunho

eminentemente teórico-reflexivo, realizada

a partir do levantamento bibliográfico, análise de trabalhos acadêmicos com foco

no conceito-chave. Pressupõe-se que, na

sociedade contemporânea, o cinema é uma das principais vias de formação estética,

com presença significativa no processo de

constituição da individualidade em diversos contextos sociais. A dimensão

reflexiva da pesquisa também opera a

partir da análise do filme Fresa y Chocolate (1993), do cineasta cubano

Tomás Gutierrez Alea. Uma primeira

hipótese considera que a dimensão formativa do cinema só chega a sua

máxima concretude quando o espectador,

na vivência com o filme, é elevado a um nível superior de transformação qualitativa

a partir das emoções contrárias suscitadas

pela narrativa estética – conflito entre conteúdo x forma. Uma segunda hipótese

considera que a perspectiva estética de

258

Gutierrez Alea, em especial no filme Fresa y Chocolate (1993), aproxima-se da

concepção de catarse desenvolvida por

Vigotski. Desse modo, esse conceito pode contribuir para, no âmbito do campo dos

fundamentos da educação, ampliar a

reflexão sobre a compreensão da reação estética que o espectador experimenta em

contato com o filme, cuja função vai além

da representação da realidade, ele pode ser considerado a própria visão social do

espectador sobre a realidade. A catarse,

como fundamento da reação estética experimentada pelo espectador com a

obra, constitui-se em uma complexa

transformação sensível e, também, da própria consciência e percepção da

realidade objetiva.

Referências: RAMOS, S. D. H-P. A dimensão formativa do cinema e a catarse como

categoria psicológica : um diálogo com a psicologia histórico-cultural de Vigotski [dissertação]. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-

Graduação em Educação, 2015.

03

Título: Sobre a imagem-movimento ou as cartas que enderecei a Deleuze

Autor:Elen Naiara Batista Madeiro

Ano: 2015

Esse trabalho busca estudar a taxionomia das imagens do cinema feita por Deleuze,

considerando o cinema enquanto uma

experiência que constrói seus sentidos. Esta pesquisa percorreu um caminho que

passou por um cinema que faz pensar e se encontrou com um cinema que pensa ele

próprio. Encontrou também revoluções

conceituais, rediscutindo percepções, afetos e ações e colocando em xeque uma

consciência ancorada num sujeito. O meu

trabalho não se propõe a ditar verdades sobre a obra de Deleuze em questão, nem

sobre nenhuma outra. Permito-me usar

palavras despretensiosas, das que não almejam estatuto de verdade, das que não

aprisionam os sentidos, das que mobilizam

parceiros e admitem a possibilidade de não ser. É um trabalho que pretende, a partir

da minha experiência, abrir um campo de

diálogo e possíveis compreensões com esse autor e obra tão enigmáticos quanto

sedutores. Expor um modo de

compreensão, uma significação peculiar criada para experimentar tal livro não

aparenta ser um trabalho justo para um

autor de tamanha repercussão e fama, ainda mais vindo de uma estudante de

mestrado de uma universidade pública na

259

capital do menor estado do Brasil. Mas é justo o trabalho a que me proponho, é

apenas isso que será encontrado adiante.

Sinalizo a dificuldade em lidar com o texto e em encontrar parcerias e referências,

principalmente dentro da psicologia. Ao

longo da pesquisa descobri que a aflição não é só minha, e que por isso enche o

trabalho de coletividade e cumplicidade.

Juntamente com as dificuldades e escassez de referências e parcerias é que se criam

os escapes. Para que a carência não se

transmutasse em paralisia, em meio a conversas, encontros e orientações foi que

eu (um eu múltiplo, atravessado por forças

diversas) escolhi o formato de cartas para dar vazão a todas às inseguranças e

potências que habitam essa pesquisa.

Referências: MADEIRO, E. N. B. Sobre a imagem-movimento ou as cartas que

enderecei a Deleuze [dissertação]. São Cristovão, Universidade Federal de Sergipe,

Programa de pós-graduação em psicologia social, 2015.

0

4

Título: Solos mestiços: ciência, arte

contemporânea e cinema

Autor: Vitor Hugo Lima Teixeira

Ano: 2015

Considerando que a ciência torna-se cada

vez mais ciência dos acontecimentos, neste estudo perseguimos encontros entre

campos do conhecimento que se produzem

através da processualidade, das trocas, das interferências, da mistura, do não sabido.

Um desses campos é a Psicologia Social. Trata-se de uma psicologia social que não

se debruça sobre conceitos ou objetos já

constituídos, mas que aposta em conceitos e objetos por vir. Aqui realizamos uma

experimentação, uma composição entre

ciência, arte e produção de subjetividade. Nada de formatos, de modelos

predeterminados, mas a produção ocorre

entre, os elementos se destroem e se recriam durante as apresentações. Trata-se

de uma produção que é menos forma e

mais performance. Produz a pesquisa/pesquisador em processo,

utilizando experimentações, vivências,

imagens artísticas, para produzirem desterritorializações, para apontarem

linhas de fuga em prol da

pesquisa/pesquisador. Deste modo, o envolvimento com a problemática da

pesquisa pautada pelo pensamento da

diferença é permeado de estranhamentos pela nova posição em que o pesquisador se

coloca: o distanciamento do que é

260

evidente, das certezas modernas, uma distância e perturbação das obviedades,

onde o pesquisador;bifurcado-

caleidoscópico-mosaico; descola as homogeneidades, provoca rupturas, abre

mão das generalizações e totalizações, e

adentra rotas que pouco tem de representação e mais tem de criação. Os

solos que compõem este estudo estão

necessariamente associados: arte-filosofia-ciência: trata-se de solos mestiços. Estes

consistem em um espaço-tempo que

oportuniza tensões e cruzamentos entre campos do conhecimento. Portanto, os

solos mestiços constituem-se em um

terreno produtor de tensões, um local propício ao intercâmbio entre distintas

áreas, que através de interferências

concomitantes entre elas possibilitam produções de novos cenários mistos,

contrariando, deste modo, a suposta

unidade científica que a epistemologia e filosofia modernas perseguiram durante o

século XX. Esta dissertação não tem a

pretensão de criar conceitos, mas de transmitir fluxos de ideias voltadas para

produções de pensamentos e práticas que possibilitem interferências entre campos

do conhecimento, apontando

principalmente produções artísticas que rompem a ideia de conceitos, objetos e

sujeitos naturalizados e dicotomizados.

Um exemplo desta mestiçagem ocorre nas relações entre arte contemporânea e

cinema. Esses campos passam cada vez

mais a convergirem para lugares de interferências e criações entre-áreas, em

rede. A trama que esta pesquisa se debruça

é a que envolve as experiências estéticas a que o participador dos híbridos espaços

artísticos contemporâneos de

exposição/projeção está imerso diante das obras artísticas/digitais. Deste modo

espiamos diversos encontros-

desencontros-reencontros entre a ciência, a arte/cinema e a filosofia. A mistura, a

mestiçagem, é, portanto o ponto forte

desta pesquisa, que se critica e amplia não somente através das lentes viabilizadas

pelo paradigma ético-estético deleuzo-

guattariano e pela literatura que relaciona ARTISTA-OBRA-PARTICIPADOR, mas

também através de Julio Cortázar, do Free

261

Jazz, buracos, escadas, Cosmococas, Tekpix, Hermeto Pascoal, suco de

mangaba, 30 anos, Cildo Meireles, MIMO,

entre outros apoios errantes que surgiram como intercessores para o

desenvolvimento do pesquisador,

enquanto produtor de pensamento e de práticas que coloquem em jogo estas

relações

Referências: TEIXEIRA, V. H. L. Solos mestiços: ciência, arte contemporânea e

cinema [dissertação]. São Cristovão, Universidade Federal de Sergipe, Programa de pós-

graduação em psicologia social , 2015.

0

5

Título: A sutura: modos de subjetivação do

real no cinema e na psicanálise

Autor:Roberto Propheta Marques

Ano: 2015

Diante da prolífera relação que se

estabelece entre arte e psicanálise desde os primeiros textos freudianos, advém a

tarefa fundamental de definir seus

parâmetros. Parâmetros que passam pela suposição de uma homologia entre estas

duas práticas, desde que se diz, com Freud

e Lacan, que a arte precede a psicanálise. Trata-se, assim, de encontrar as

coordenadas formais de tal relação. O

conceito de sutura é tomado como objeto central desta pesquisa por satisfazer

plenamente os termos dessa problemática.

Ao ser importada por Jean-Pierre Oudart para a teoria do cinema, a noção de sutura

- oriunda da reflexão psicanalítica sobre os fundamentos lógicos da aritmética -

encontrou vasta repercussão. Destarte,

situa-se na interdisciplinaridade de três campos cuja relação pretendemos

esclarecer: lógica, psicanálise e arte. A

partir de uma sistemática revisão da literatura sobre a sutura no cinema,

traçaremos sua história em cinco

momentos: 1 - suas raízes lógicas encontradas em Gottlob Frege; 2 - a

apropriação psicanalítica realizada por

Jacques Alain Miller no seminário de Lacan; 3 - a importação conceitual para a

teoria do cinema por Oudart; 4 - suas

principais apropriações e críticas após Oudart, com Daniel Dayan, Willian

Rothman e Stephen Heath; 5 – a

ampliação de seu potencial analítico por autores contemporâneos como Slavoj

Žižek, Ilana Feldman e Ismail Xavier.

Com isso, mostraremos como a leitura do cinema a partir de uma lógica comum à

psicanálise permite encontrar, naquele,

262

problemas e soluções que, se são compartilhados logicamente por esta, nela

não se encontravam formulados com a

mesma precisão que o cinema lhe permite realizar. Trata-se de mostrar, portanto, a

partir da formulação de uma homologia

entre cinema e psicanálise, como aquele pode ser tomado como intérprete desta,

oferecendo a ela a inteligibilidade de

questões que de outro modo permaneceriam ocultas.

Referências: MARQUES, R. P. A sutura: modos de subjetivação do real no cinema e

na psicanálise [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em psicologia clínica, 2015.

0

6

Título: Produção de documentário :

imagens e polifonias da

desinstitucionalização da loucura na cidade

Autor: Rafael Wolski de Oliveira

Ano: 2012

As transformações que a Reforma

Psiquiátrica possibilitou na relação entre a

cidade e a loucura trouxe aos usuários de saúde mental, antes confinados nos

manicômios, uma abertura para a

diversidade de relações e acontecimentos no espaço urbano. Ao mesmo tempo,

nessa relação, existe a possibilidade de que

a presença antes interdita do louco no espaço urbano possa ser agente de novos

modos de ser e habitar a cidade. O contato

do louco com a polis e vice-versa permite que todos os habitantes possam estar em

contato com o estranhamento, proporcionando um terreno fecundo para

irrupção de novas formas de ser, de estar e

habitar a cidade. Baseado nesta relação e nesta mudança de perspectiva

desencadeada pela desinstitucionalização

da loucura, surgiu a produção de um documentário que retrata justamente este

cenário contemporâneo, este momento

singular no processo da reforma psiquiátrica, em que pessoas deixam de

ocupar o manicômio e habitam a vida

comum da cidade. Esta produção, iniciada no ano de 2008, inspirada na itinerância de

Abel, morador de um serviço substitutivo

ao manicômio, e através do depoimento de algumas pessoas que o conheciam, é o

balizador desta dissertação. A partir de

pensadores sobre o cinema como Deleuze, Vertov, Benjamin, Comolli, Lins, Ramos,

entre outros, aos quais se soma a análise

da produção do documentário "Eu Conheço o Abel", procurouse elementos

para analisar a produção de cinema

263

documental como agente de transformação do real, e não como retratação do real,

como sugerem algumas correntes da

produção de documentários. A partir desta análise, puderam ser estabelecidas

ressonâncias com a ética e a pesquisa em

psicologia social.

Referências: OLIVEIRA, R. W. Produção de documentário : imagens e polifonias da

desinstitucionalização da loucura na cidade [dissertação]. Porto Alegre: Universidade

do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2012.

07

Título: Encontro, condução e costura: a f(r)icção entre o diretor e o ator social nos

documentários

Autor: Carlos Antonio dos Santos Segundo

Ano: 2011

O contato com a produção documental como diretor, acaba por me

posicionar em um lugar privilegiado

dentro da construção conceitual sobre esse gênero cinematográfico. Estar de frente

com o personagem e vivenciar a sua

importância no processo de produção de um filme me fez compreender a partir de

um outro ponto de vista as etapas de

concepção da obra artística. Portanto, essa pesquisa procura entender, tendo como

suporte o método interpretativo

psicanalítico, esses três momentos específicos: encontro, condução e costura

de fundamental importância para o filme

documental. O diretor e o personagem, dentro de uma relação de f(r)icção,

colocam suas subjetividades em choque constante, e é justamente esse atrito e os

diferentes caminhos que surgem é que

proporciona a singularidade desse modo de produção fílmica tão complexa e rica de

sutilezas. O que a câmera capta algo além

da simples efígie, da representação e da encenação de quem cruza sua objetiva. Na

pele, na carne fílmica, há também um

mundo psíquico amplo que essa pesquisa procura evidenciar.

Referências: SANTOS SEGUNDO, C. A. Encontro, condução e costura: a f(r)icção

entre o diretor e o ator social nos documentários [dissertação]. Uberlândia:

Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-graduação em Psicologia, 2011.

0

8

Título: Um olhar impossível : construção

psicanalítica e montagem cinematográfica

Autor: Pablo Bergami Goulart Barbosa

Ano: 2011

A partir do questionamento sobre a função

do divã no setting analítico prossegue-se a

uma exploração do estatuto da imagem e do olhar na clínica e na teoria psicanalítica

através dos conceitos de lembranças

encobridoras, fantasia e fetiche. Sublinha-se o quanto essas formações indicam da

imbricação entre a imagem e a palavra em

264

sua constituição. Propõe-se uma analogia entre o trabalho de interpretação

psicanalítica em sua forma mais complexa,

a construção, com a noção de montagem cinematográfica, segundo a teoria de

Serguei Eisenstein sobre a última. Ambos

os trabalhos se realizam ao coligir fragmentos imagéticos na busca de

construir narrativas prenhes de

significância. Trata-se também da relação entre cinema e psicanálise brevemente.

Num segundo momento, a noção lacaniana

de objeto a vem auxiliar na caracterização teórica do campo do visual e circunscrever

o vazio no lugar do olhar do Outro. Uma

exploração de desenvolvimentos da teoria cinematográfica acerca de sua estruturação

como linguagem leva à caracterização de

um sujeito cinematográfico ligado ao olhar construído pela montagem e pelo

enquadre, que o cinema oferta. Por fim,

propõe-se um método psicanalítico de leitura do cinema, focado na constituição

deste olhar e no desvelamento da

identificação imaginária com ele. A analogia entre interpretação e montagem é

levada adiante, apoiada sobre a questão do objeto a e da falta constitutiva, sendo

finalmente proposta como uma montagem

ao redor do vazio

Referências: BARBOSA, P. B. G. Um olhar impossível : construção psicanalítica e

montagem cinematográfica [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília, Instituto de

psicologia, 2011.

09

Título: Olhos vendados: a experiência criadora na produção de um curta-metragem

Autor: Allan Henrique Gomes

Ano: 2011

O vídeo de curta-metragem "Olhos Vendados" foi produzido por sete jovens

durante um ano letivo em uma

organização educativa na cidade de Blumenau. O objetivo desta dissertação foi

investigar os sentidos da experiência

criadora destes jovens acerca da realização do filme. Compõe o método de pesquisa o

trabalho de campo "tipo etnográfico", o

paradigma indiciário, a análise dialógica do discurso a partir das contribuições de

Vygotski, do círculo de Bakhtin e seus

interlocutores. Estas perspectivas consideram a produção de sentidos na

pesquisa e a possibilidade das relações

dialógicas entre o pesquisador e os jovens realizadores do vídeo. Para compreender a

experiência criadora discutimos a relação

265

"juventudes" e "cinemas", com ênfase no curta-metragem contemporâneo. As

articulações entre experiência, memória e

narrativa também endossam a perspectiva histórica e epistemológica desta

dissertação. Compreende-se a narrativa

como a possibilidade de comunicar experiências e, neste sentido, a pesquisa

realizada engendra-se neste significativo

processo na medida em que dialogou tanto com a obra realizada pelos jovens quanto

com as suas histórias sobre a experiência

de produzir um filme. Neste sentido, o drama destes jovens está articulado à

trama da realização do filme, que é

coletiva, mas com sentidos que expressam em muito a singularidade de suas

participações. Finalmente, este trabalho

associa a realização de um curta-metragem com o trabalho de pesquisa e produção de

uma dissertação que também se manifesta

como experiência criadora.

Referências: GOMES, A. H. Olhos vendados: a experiência criadora na produção de

um curta-metragem [dissertação]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina,

Programa de Pós-Graduação em Psicologia, 2011.

110

Título: Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros

Autor: Mariana Pamplona

Ano: 2009

Esta dissertação de Mestrado consiste na elaboração de dois roteiros (um de ficção e

outro de documentário) sobre a guerrilheira Iara Iavelberg. O roteiro de

ficção vai narrar a vida de Iara, uma das

líderes do movimento estudantil dos anos 60. Estudante de Psicologia da USP e,

posteriormente, professora do cursinho do

Grêmio e da própria Universidade, Iara militou na POLOP (Organização

Revolucionária Marxista-Política

Operária), VPR (Vanguarda Popular Revolucionária, organização simpatizante

de Che Guevara), VARPALMARES e no

MR-8. Durante o período mais radical da ditadura militar no país, ela entrou para a

clandestinidade, participou ativamente da

luta armada e viveu um intenso romance com Carlos Lamarca. Iara foi cruelmente

assassinada em agosto de 1971, mas na

época, a versão oficial foi que ela teria cometido suicídio durante um cerco

policial em Salvador (BA). Tanto os

documentos de sua autópsia, quanto os que relatam a cena do crime desapareceram.

Este é um filme de personagem, que

266

acompanha a trajetória de Iara sem querer dar explicações didáticas sobre o momento

político. Os fatos históricos são mostrados

quando estes se relacionam diretamente com o movimento dos personagens, como

é o caso da montagem do cerco que

provocou a queda do aparelho de Iara. O longa vai se tornando cada vez mais

claustrofóbico e mais centrado nas

oscilações emocionais de Iara, na medida em que o cerco vai se fechando, e ela e

Lamarca ficam cada vez mais procurados

e isolados. E, sobretudo, é um filme de amor, dentro do qual as cartas de Iara e

Lamarca são fundamentais na estruturação

do roteiro. No roteiro, o personagem Iara é construído por intermédio da intersecção

de múltiplas representações, entre elas:

contexto político e ideológico, perfil biográfico, vida familiar, relações

interpessoais e vida afetiva. Também

foram utilizados: fotos de arquivo, trechos de filmes, jornais e noticiários da época; e

fragmentos do diário de Carlos Lamarca,

com cartas escritas para Iara, pouco tempo antes da morte do capitão. Nos últimos

anos de suas vidas Iara e Lamarca se apaixonaram. Nesta época Iara passou por

diversos aparelhos, localizados em

diferentes cidades do Brasil, utilizou uma infinidade de nomes de guerra e disfarces,

fez treinamento no Vale do Ribeira, soube

da tortura e morte de muitos amigos. Apesar do medo e da evidente

desestruturação que o regime militar

impôs aos movimentos revolucionários, Iara optou junto com Lamarca a ficar no

país e resistir até o fim. O roteiro do

documentário Suicídio? é construído a partir de uma linha narrativa principal, que

trata das questões sobre a exumação do

corpo de Iara Iavelberg, e investiga as reais circunstâncias de sua morte; que

jamais foram de fato esclarecidas: nem

através da imprensa, e muito menos através dos livros. Este filme não será uma

biografia sobre uma personalidade

histórica; mas uma investigação, um processo de busca atual e inédito que

busca esclarecer para o grande público um

episódio que aconteceu na história brasileira, no auge da ditadura militar e

que até hoje permanece cercado de

267

mentiras, lacunas e contradições. Todos os livros sobre este tema publicados até hoje

(que foram na sua grande maioria escritos

nos anos 80), não fazem uma investigação detalhada sobre a morte da guerrilheira. E

mais: de acordo com estas publicações,

Iara se suicidou; fato que não é compatível com o recente resultado da exumação de

seu corpo. Como exemplo destas

publicações estão os livros: Lamarca, de Emiliano José; Iara, de Judith Patarra; e A

Ditadura Escancarada, de Elio Gaspari; no

qual apesar do autor de maneira sutil não se comprometer com a versão de suicídio,

ele confirma a versão da ditadura ao

aceitar a história de um suposto garoto que encontra Iara em um quarto. Também no

filme Lamarca, de Sérgio Rezende, a

personagem de Iara (Clara) comete suicídio. Esta linha narrativa do roteiro

também é composta por depoimentos de

personalidades históricas que conviveram intimamente com Iara, principalmente na

sua fase de mudança da VPR para o MR-8,

e da viagem para Salvador (local no qual ela morreu). Este período final da vida de

Iara foi escolhido pelo fato dele nunca ter sido retratado com exatidão. Através dos

depoimentos, serão investigados os

motivos pelos quais Iara e Lamarca viajaram para a Bahia, como foi

organizado este deslocamento e porque o

aparelho de Iara caiu. Os entrevistados também vão falar sobre como era a

personalidade dela, desenhando assim uma

segunda linha narrativa que surgirá no filme sempre fragmentada, intercalada

com o desenvolvimento das investigações

sobre a morte da guerrilheira. Além disso, fazem parte desta segunda linha, fotos de

Iara e material de arquivo da época

(imagens e fotos).

Referências: PAMPLONA, M. Clandestina, a vida de Iara Iavelberg em dois roteiros

[dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2009.

1

11

Título: A longa rua em direção aos cimos

Autor: Ligia Maria Thome Sanchez

Ano: 2007

A presente dissertação dedica-se à criação

de um roteiro cinematográfico a partir do conto de Guimarães Rosa, Os Cimos, bem

como à investigação dos processos

criativos da autora/leitora. Na primeira parte são apresentados os esboços do

percurso, movimentos desencadeadores da

268

aventura poética de aproximação-afastamento com o texto de Rosa. Na

segunda parte, de “Campo Geral” e seus

aspectos imponderáveis da infância, ao Menino de “Os Cimos” e sua distância da

Mãe. Na jornada do Menino, situações de

vida e morte enfrentadas com angústia e auxílio de um objeto amado e mutilado. Aí

está a apresentação do conto, permeada de

impressões da leitora e alguns elementos da teoria winnicotiana dos fenômenos

transicionais. Leitura e releitura do conto

conduzem a autora às suas próprias recordações da infância, e a memória

passa a conduzir a criação. Daí a escrita de

um conto descoberto atrás do conto de Rosa: a história da Menina, que encontra

delicada e inesperadamente com a do

Menino, em convivência. Na terceira parte, a apresentação do roteiro

cinematográfico, escrito a partir dos dois

contos, as duas histórias, em ambientes separados pelo tempo e a distância, porém

encontrados em sua vivência de criação e

conquista de autonomia.

Referências: SANCHEZ, L. M. T. A longa rua em direção aos cimos [dissertação].

Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, 2007.

Teses

0

1

Título: Sensação e fetiche na cultura da

imagem: o capitalismo estético e as tecnologias do audiovisual

Autor: Flademir Roberto Williges

Ano: 2015

Esta pesquisa aborda o tema da sensação e

do fetiche na cultura da imagem a partir do chamado “capitalismo estético” e da

omnipresença das tecnologias

audiovisuais. O principal teórico em torno do qual se articula a abordagem é o

filósofo alemão Christoph Türcke. A partir

da leitura de duas de suas obras publicadas no Brasil: Sociedade excitada – filosofia

da sensação e Filosofia do sonho (ambas

de 2010) investigo hipóteses e, a partir delas, sustento a tese de que a constante

exposição à irradiação audiovisual está

provocando profundas transformações nas formas de sentir, pensar, imaginar e

representar o mundo, ou seja, levando a

um domínio da imaginação técnica sobre a humana, ao empobrecimento da linguagem

e do pensamento. A singularidade do

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desejo e a capacidade de prestar atenção a “algo enquanto algo” é posta em questão

nos processos de massificação social

promovidos pela Indústria Cultural. Primeiramente apresento um recorte

clínico de manifestações de mal-estar na

contemporaneidade e mapeio alguns sintomas para analisar o que se manifesta

(ainda de forma aparente) de concentrado

e acumulado no corpo, na ação e na sensação, e que demanda uma abordagem

mais profunda para ser descongestionado

ou liberado. Seguindo as pistas da Teoria Crítica da Sociedade elaborada por

Adorno e aprofundada por Türcke,

construo um ensaio crítico à sociedade contemporânea em interface teórica com a

psicanálise de Freud. O fenômeno da

“compulsão a emitir”, do comercial ou da “propaganda de si” é explorado, bem

como o que chamo de “solidão

conectada”. Teço considerações sobre as primeiras imagens e as mudanças surgidas

a partir de sua produção técnica, da

fotografia ao cinema e às imagens de síntese, evidenciando a exploração

sistemática dos sentidos humanos, do cérebro, dos nervos e dos músculos. Este

percurso inicia considerando a sensação

como paradigma da sociedade atual, analisa sua lógica, as mudanças

semânticas e sociais do conceito desde o

Renascimento, passando pela Revolução Industrial e pela microeletrônica indo até

os dias atuais, com uma atenção especial à

filosofia sensualista de Berkeley e a análise de sua fórmula: “ser é ser

percebido”, estabelecendo com isto

algumas mudanças na ontologia do ser social. Após, reconstruo em detalhes a

Fisioteologia da Sensação, teoria onde

Türcke descontroi a ideia de que a sensação ou o sensório humano é natural,

e apresenta a hipótese de que estaríamos

vivendo um “retorno ao fundamento”, à pré-história da sensação, ou seja, o

encontro entre a alta tecnologia e o

paleolítico, entre os choques audiovisuais e o susto primitivo – a partir do qual a

compulsão à repetição foi aos poucos

assimilando, abrandando e transformando-o no sensório especificamente humano -, e

que estaria hoje dando passos de

270

caranguejo. Por fim, no contexto de passagem ao mercado moderno que

ocupou o lugar do Absoluto (do sagrado)

trato o fenômeno do caráter fetichista da sensação, culminando numa associação

entre o fenômeno do vício em imagens e

drogas e o fundamentalismo religioso, ou seja, a crença num sentido que não mais se

crê, e por isso precisa-se sempre mais e

mais investir nele.

Referências: WILLIGES, F. R. Sensação e fetiche na cultura da imagem: o

capitalismo estético e as tecnologias do audiovisual [tese]. Porto Alegre: Universidade

do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, 2015.

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Título: Por um outro cinema - jogo da

memória em Chris Marker

Autor: Emi Koide

Ano: 2011

O presente trabalho é uma reflexão crítica

sobre o estatuto da imagem e sua relação

com a memória e a história na sociedade contemporânea, em que a influência dos

meios de comunicação de massa, da

indústria cultural e dos recursos audiovisuais é dominante. Em contraponto

a essa produção audiovisual, que produz

consenso acerca da memória e da história, impondo uma espécie de padronização das

experiências, examinou-se como uma

outra produção cinematográfica pode servir como meio de um aprendizado

crítico frente às mudanças da percepção humana com o advento de novas

tecnologias, tal como apresentado por

Benjamin no ensaio A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. A partir da

interpretação do ensaio de Benjamin por

Miriam Hansen, tratou-se de refletir sobre o conceito de mimese desdobrado em jogo

e semelhança que propicia ao aparato

cinematográfico a possibilidade de emancipação de uma repetição infernal e

perversa,regulando uma nova relação entre

ser humano e máquina voltada para a criação não destrutiva e crítica. Através da

produção fílmica de Chris Marker,

deparou-se com um cinema em que a montagem e a organização da sintaxe

fílmica podem criar novas constelações de

sentido e abrir brechas para uma possível perlaboração da memória, pois a imagem

em conjunção com o texto incita a reflexão

sobre a história e sobre a própria imagem. Na análise de filmes, fotografias e textos

de Marker, procurou-se compreender o

modo de articulação de imagem e som em seus trabalhos, levando em conta as

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considerações de Benjamin sobre o cinema e sobre a história.No cinema de Marker, o

trabalho é o de justamente converter o

cinema em antídoto contra a dominação, fazendo com que o aparato se volte contra

a ilusão falseadora, denunciando os

próprios modos de produção de imagens e da história. Sua montagem se realiza

através de uma mimese da memória

criativa um agenciamento de imagens e sons que cria conjunções dialéticas, que

desperta para o que foi esquecido e

provoca a reflexão.

Referências: KOIDE, E. Por um outro cinema - jogo da memória em Chris Marker

[tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, 2011.